A Ciência da Música

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25 anos de tradição em. Pós-Graduação stricto sensu A Universidade Metodista de São Paulo completa programas de Pós-Graduação stricto sensu.

25 anos de tradição

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Ao programa pioneiro implantado - Comunicação Social - somam-se as áreas de Administração, Ciências da Religião, Educação, Odontologia e Psicologia da Saúde, todos reconhecidos e consagrados pela formação de pesquisadores e produção do conhecimento. Ambiente moderno, com salas de aula, laboratório de informática, auditório, além das instalações da Catédra UNESCO de Comunicação para o Desenvolvimento Regional. Conte com a tradição e a excelência da Metodista.

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SEÇÕES

REPORTAGENS

CARTAS

5

OPINIÃO

6

Fernando Peregrino

CARTA DO EDITOR

7

MEMÓRIA

8

Há 40 anos começava, na prática, o programa espacial brasileiro

ESTRATÉGIAS O resgate dos tesouros saqueados

10

CAPA Instituto

DIVULGAÇÃO virtual de música e ciência

pesquisa formas experimentais de compor e tocar

Colapso na ciência venezuelana Ervas na berlinda Colômbia contra a mosca de mandioca Ciência na web Defesa de patentes na arena da saúde Velha doença, novo esforço Linha direta com pesquisadores europeus Tecnologia em debate na Câmara Paraná pronto para o biodiesel Governo renova contrato com o CGEE Porto Digital em expansão

10 10 11 12 12 12 13 13 13 13 14

80

FAPESP avalia impacto de seus programas e cria agência de notícias

26

CIÊNCIA

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

FISIOLOGIA

I

INOVAÇÃO

Por que os esportistas têm mais resistência contra infecções e tumores que os sedentários

...

32

MEDICINA Células-tronco são usadas experimentalmente contra

Impostos pagos por empresas superam valor dos

Ar

----.__ L---'\

Prêmio para Hamburger Ensinandoa plantar caju Fapemig suspendeconcessão de bolsas A conexão Maranhão-Ucrânia Revista resgata Adolpho Lutz FAPs serão parceiras do Pronex

14 14 14 15 15 15

investimentos

públicos

CONSÓRCIOS

SETORIAIS

doenças auto-imunes 16

38

IMUNOLOGIA

Universidade e empresas investem para fortalecer exportações

e lesões no cérebro

Avançam as pesquisas 20

de uma vacina para tratar micose típica da América Latina ..... 40

MEIO AMBIENTE

BIOQUÍMICA

Projeto visa a legalizar loteamentos clandestinos sem comprometer

ao parasita causador da malária

a qualidade da água

se reproduzir

22

Bolsa armazena cálcio e permite facilmente

.....

43

PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 3


____________

....::P:........;e::....:s::..quisa

Ciência e Tecnologia no Brasil

'APESP

REPORTAGENS

SEÇÕES LABORATÓRIO

ECOLOGIA

ENGENHARIA

Um artifício para contar elétrons Os mais antigos homens modernos Osbenefícios da poeira no ar Estratégia contra a tuberculose As estrelas de brilho variável

Biólogos do Rio avaliam o grau de destruição de 17 restingas

Nova metodologia desenvolvida pelo IPT analisa equipamento de petroquímicas 70

28 28 28 29 29

44

METALÚRGICA

BOTÃNICA

ENGENHARIA

Ingleses encontram amostras de palmeiras enviadas do Pará há 155 anos

Empresa desenvolve sistemas para mapeamento aéreo e rastreamento de cargas ....

48

ELÉTRICA

72

BIOINFORMÁTICA

AGRONOMIA

Análise das alterações em nucleotídeos é tema do primeiro software comercial da Scylla .. 76 O aço unido ao diamante O alerta da balança Febre maculosa volta a preocupar Mercúrio contamina indios em Rondônia O sofrimento de parar de fumar Ossode boi para implantes

29 30 30 30 31 31

SCIELO NOTíCIAS

58

LINHA DE PRODUÇÃO Concha inspira novo material Uma liga metálica muito estranha Avança na Europa a telemedicina Alarme contra agentes tóxicos Vedação impede perdas nos dutos Plantas controladas Vacina comercial contra carrapato

60 60 60 61 61 61 62

FARMÁCIA M icroesferas biodegradáveis e implantes oculares eliminam as injeções

78

,

HUMANIDADES Modelo brasileiro de classificação de climas qualifica cem regiões produtoras de vinho de 30 países 50

ENTREVISTA

COSMOLOGIA Astrofísicos descrevem evolução de jatos de gases com 10 anos-luz de comprimento 54

TECNOLOGIA QUÍMICA

José Arthur Giannotti fala sobre a monopolização da tecnociência

86

ARTES PLÁSTICAS Volta às origens na construção Negócios em busca de capital de risco Projetos brasileiros recebem prêmio Aparelho alerta sobre riscos de raios Patentes

62 62 62 63 63

RESENHA Entre Passos e Rastros, de Berta Waldman

94

LANÇAMENTOS

95

CLASSIFICADOS

96

ARTE FINAL Claudius

4 • JULHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 89

98

Resíduos de laboratórios são reaproveitados em outras linhas de pesquisa após serem reciclados

64 Pesquisa produz catálogo das obras de Iberê Camargo 91

BIOMATERIAL Curativo de hidrogel diminui dor de queimaduras, evita ressecamento da pele e combate bactérias

Capa e ilustração:

68

Hélio de Almeida


cartas@fapesp.br

Coração restaurado Foi com alegria que li o artigo publicado na revista Pesquisa FAPESP "Coração Restaurado" (edição n? 88). Os resultados apresentados demonstram a viabilidade da terapia por meio de células-tronco provenientes da medula óssea de adultos. Eles dão esperança para pessoas portadoras de doenças como as distrofias musculares progressivas (DMPs), caracterizadas pela degeneração progressiva e irreversível da musculatura esquelética. Gostaria de transmitir minha satisfação e das pessoas ligadas ao Centro de Terapia Gênica da AADM (Associação de Apoio a Distrofia Muscular) em Ribeirão Preto. GREGO RIO GUIMARÃES

Iaboticabal, SP

Epiderme sensível Não entendemos a razão da publicação da reportagem "À Flor da Pele" (edição nv 88), que versa sobre "cremes de beleza e estímulos de regiões cerebrais em mulheres com epiderme sensível': Não vemos nenhuma razão para uma revista que apresenta os trabalhos de um órgão oficial publicar resultados de pesquisas de laboratórios privados e, principalmente, não acreditamos ser esse tipo de pesquisa que a FAPESP financia no Estado, cujos problemas dermatológicos são a hanseníase, a leishmaniose cutâneo-mucosa e outras enfermidades que incidem em povos de países pobres. VIDAL HADDAD

JÚNIOR

Departamento de Dermatologia e Radioterapia da Faculdade de Medicina de Botucatu/Unesp Botucatu, SP Nota da Redação: Pesquisa FAPESP não apresenta apenas os trabalhos de um órgão oficial. Publica também resultados de bons projetos de pesquisa científica e tecnológica desenvolvidos

em todo o Brasil e, eventualmente, no exterior. A revista abre sempre espaço para resultados de projetos de inovação tecnológica - uma modalidade de projeto feito essencialmente na empresa.

Portões de Veneza A matéria sobre Veneza ("Para Não Submergir': edição nv 87) dá a entender que o megaprojeto de instalar portões móveis nas três entradas da laguna é a única alternativa para evitar o fenômeno das acque alte, que com cada vez maior freqüência tem inundado a Piazza San Marco e mesmo as partes mais altas da cidade. Na verdade, o projeto não só é muito controvertido como tem sido contestado por várias entidades. A aliança propõe um projeto "verde" que pretende restaurar alguns dos processos naturais da laguna. Em vez dos portões, a alternativa propõe, entre outras medidas, reduzir a profundidade dos canais que fecham a laguna e refazer parcialmente a morfologia da laguna, a um custo muitíssimo menor que o necessário para os diques móveis. Aliás, o megaprojeto terá elevados custos de manutenção, ao c;ontrário do projeto alternativo. LUIS ENRIQUE

Correções O nome do autor de O Ateu Virtuoso: Materialismo e Moral em Diderot (edição nv 88) é Paulo lonas de Lima Piva e não Paulo lonas de Lima Paiva. O nome correto do químico da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que também realiza trabalhos com biologia molecular, e assina o livro Watson & Crick, parte da coleção Imortais da Ciência, é Ricardo Ferreira e não Ricardo Pereira, como foi publicado na edição 87. Em "Inimigos Valiosos" (na edição 87), os dados sobre a intensidade da infestação da broca na cana-deaçúcar estão errados. As perdas em 1% da plantação correspondem de 20 a 30 quilos de açúcar por hectare dependendo da variedade de cana, e não 212 quilos por 85 toneladas (ou 2,4 quilos por tonelada). A infestação em 10% da plantação equivale à perda de 200 a 300 quilos de açúcar por hectare e não 2.125 quilos. Porto Velho é capital de Rondônia e não do Acre, como publicado na página 33 da edição nO87.

SÁNCHEZ

Escola Politécnica da USP

Idosos Venho parabenizá-los pela excelente matéria intitulada "Retratos do Entardecer" (edição nv 87), em que destaca os idosos. Verifiquei o cuidado no levantamento de dados, fatos e sugestões. Fiquei feliz quando foi mencionada a creche para idoso, projeto que apresentei em 2001, e que no início de 2003 passou a ser lei na cidade do Rio de Janeiro. Tenho lutado pelos idosos, uma luta árdua, mas gratificante.

Na reportagem "Dureza Extra no Ar" (edição nv 85), dois pesquisadores constaram como pertencentes aos quadros do Departamento de Engenharia de Sistema Eletrônicos da Poli-USP' Na realidade, Giuseppe Antônio Cirino trabalha na EletroPPAr Indústria Eletrônica e Luís da Silva Zambom é professor da Faculdade de Tecnologia de São Paulo do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, em São Paulo.

Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-rnail cartas@fapesp.br, pelo fax (Ll) 3838-4181 ou para a Rua Pio Xl, 1.500, São Paulo, SP,

JORGE MAURO

(VEREADOR)

Rio de Janeiro, RJ

CEP 05468-901. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.

PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 5


OPINIÃO

FERNANDO

PEREGRINO

Um pacto federativo pela ciência Devemos ter cooperação entre todas as regiões do país ão há como negar que o Brasil é um país desise 80% dos recursos daquela agência de fomento. As demais entidades ficavam no limbo e no círculo vicioso. gual. Não apenas do ponto de vista da concenNão eram "excelentes" porque não tinham recursos, tração de renda, que o põe na vergonhosa ponão tinham recursos porque não eram "excelentes".A sição de antepenúltimo lugar no ranking das nações, em NSF então resolveu alocar volumosos recursos e distritermos de Índice de Gini, segundo relatório da ONU, como também em desigualdades regionais. Assim o cabuí-los pelos estados que estavam nessa situação. O resultado é que a competição hoje é bem maior que pitalismo se desenvolveu em nosso território. Concentrando o seu desenvolvimento na reantes, e não mais entre desiguais, mas gião Sudeste em detrimento de estados entre semelhantes. de regiões como o Nordeste, Norte e O fórum também reconhece que Centro-Oeste. Com nosso complexo ao invés da exacerbada competição científico e tecnológico, ainda que medevemos ter a ilimitada cooperação entre todas as regiões. Não há a menor ritórios esforçose importantes conquistas tenham sido realizadas contra tal, o possibilidade de essas regiões menos "Mais de 60% desenvolvidas alcançarem um patafenômeno aconteceu do mesmo mode nossa mar superior de desenvolvimento ciendo. Sem aprofundar as razões políticas produção científica tífico sem o fortalecimento da sólida de tal concentração e desequilíbrio, vale a pena discutir um pouco essa asbase criada em São Paulo e no Rio de e tecnológica simetria. Fato é que mais de 60% de Janeiro, para ficar apenas em dois esse concentra nossa produção científica e tecnológitados que tiveram a oportunidade de no eixo ca se concentra no eixo do Sudeste. se desenvolverem. Por isso, o fórum, O Fórum dos Secretários de Ciênreunido no Recife e em Porto Alegre do Sudeste" cia e Tecnologiatem se debruçado com este ano, propôs um pacto federativo prioridade sobre essa questão. Em pela ciência e tecnologia, pacto esse primeiro lugar, por estar em condino qual a cooperação substitua a ção privilegiada de representar um competição predatória, e onde a fedeespelho da federação. Em segundo lu-. ração seja efetivamente respeitada. O gar, porque se trata de um tema polípapel dos secretários, portanto, cresce de importância, porque o componente político de seus tico, ainda que não partidário, mas político no sentido pleno da palavra. Em terceiro lugar, porque papéis ficou destacado nessa discussão. As FAP's tamentende que a ciência e a tecnologia brasileiras são insbém se beneficiarão porque deverão ter maior respaldo para suas ações locais e ajudarão a tornar viável o pactrumentos poderosos para reequilibrar o desenvolvimento econômico e social, já que todos reconhecem to. Foi com alegria e confiança que tal política enconque essas duas ferramentas se constituem na alavanca trou no Ministério da Ciência e Tecnologia o apoio do progresso desse milênio. Ou seja, não há como dedecisivo, em especial de seu titular, o ministro Roberto senvolver o país sem um maior equilíbrio regional. Amaral, que desde cedo prestigiou o fórum e suas deNão há como desenvolver essas regiões sem essas alacisões como a de construção do Plano de Ação Integrado com os estados, articulando a política nacional de vancas. Alguns ainda acreditam que o superdesenvolvimento do eixo sudeste "transbordaria" para as deciência e tecnologia com as políticas estaduais. Bons mais regiões. Ledo engano. Ou mesmo, dizem que a ventos soprem para esse pacto federativo! competição por recursos é a solução natural para resolver essas desigualdades. Errado também. Vale lembrar FERNANDOPEREGRINOé Secretário de Estado de Ciência, um programa desenvolvido nos EUA,na década de 80, Tecnologia e Inovação do Rio de Janeiro e pela National Science Foundation (NSF) ao constatar presidente do Fórum Nacional dos Secretários de C&T que apenas três centros de excelênciacontratavam qua-

N

6 • JULHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 89


CARTA

Pesquisa

Reconhecimento gratificante

FAPESP

CARlOS VOGT PRESIDENTE PAULO

EDUARDD DE ABREU VICE-PRESIDENTE

MACHADO

CONSELHO SUPERIOR ADILSON AVANSI DE ABREU, ALAIN FLORENT STEM PFER, CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, CARLOS VOGT, R H E RM:NEN ~~~~~,VJAOSSCÉOJ~~~~~OD~~~Cci~fDNET~'RRU DA,

MARCOS MACARI, NILSON DIAS VIEIRA JUNIOR, PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO, RICARDO

RENZO

BRENTANI,

VAHAN

AGOPYAN

CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO FRANCISCO ROMEU LANOI DIRETOR PRESIDENTE JOAQUIM J. DE CAMARGO OIRETORAQUINI$TRATIVO

ENGLER

JOSÉ FERNANDO PEREZ OIRETORCIENTiFICO PESQUISA

FAPESP

CONSELHO EDITORIAL LUIZ HENRIQUE lDPE5 DOS SANTOS (COOROENADORCIENTiflCO), EDGAR DUTRA ZANDTTO, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTINHO, FRANCISCO ROMEU LANDI, JOAQUIM J.

DE CAMARGO ENGLERJ JOSÉ FERNANDO PEREZ, LUIZ

EUGÊNIO

ARAUJO

DE MORAES

MELLO,

PAULA MONTERO, WALTER COLLI DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA EDITOR CHEFE NELDSON MARCOLIN EDITORA S~NIOR DA GRAÇA MASCARENHAS

MARIA

DIRETOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA EDITORES

CARLOS FIORAVANTI (CIÊNCIA>, CLAUDIA IZIQUE MARCOS DE OllVEIRAUECNOLOGlAl, HEITOR SHIMIZU REPÔRTER MARCOS DINORAH

DIAGRAMAÇÃQ MEDDA, LUCIANA

JOSÉ ROBERTO

ANDRE

ZORZETTO

CHEFE DE ARTE MARIA DOS SANTOS

TÂNIA

FOTÓGRAFOS CESAR, MIGUEL

EDUARDO

<POliTlCAC&Tl (VERSÃOON-UNEl

ESPECIAL PIVETTA

EDITORES-ASSISTENTES ERENO, RICARDO

FACCHINI

BOYAYAN

COLABORADORES MUGGIATI (ON·UNO, CARLDS HAAG, CLAUDIUS, FRANCISCO BICUDO, GIL PINHEIRO,

L1L1ANE J~~~JE~Zl,R~~~tI~Rt:L~~~R~~N_SILVA, REINALDO JOSÉ LOPES, RENATA SARAIVA, SIRIO J. B. CANÇADO, TANIA MARQUES, TERESA NAVARRO, THIAGO ROMERO (aNlIlD, TIAGO MARCONI, YURI VASCONCELOS

TEL. (li

ASSINATURAS TELETARGET I 3038-1434 - FAX: (lII

303B-1418

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http://www.revistapesquisa.fapesp.br cartas@fapesp.br NÚMEROS ATRASADOS TEL.

ni: 3038-1438

Osartigos assinados não refletem necessariamente a opinião da FAPESP É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL OE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

FUNDAÇÃO OE

AMPARO À PESQUISA

SECRETARIA DA CltNCIA E DESENVOLVIMENTO

DO EDITOR

DO ESTADO DE SÃO PAULO TECNOLOGIA ECONÔMICO

GOVERNO 00 ESTADO DE SÃO PAULO

P

esquisa FAPESP foi reconhecida

em dose dupla, no mês de junho, no Prêmio de Reportagem sobre a Biodiversidade da Mata Atlântica Brasil 2003, promovido pela Aliança para a Conservação da Mata Atlântica, instituição formada pela Conservation International e SOS Mata Atlântica. Nosso editor de Ciência, Carlos Fioravanti, conquistou o segundo lugar na premiação e nosso repórter especial, Marcos Pivetta, recebeu menção honrosa. Os dois prêmios encheram de alegria toda a equipe que produz esta revista, sempre com imensa dedicação, rigor indiscutível na apuração e exposição dos dados das reportagens e alto Pivetta grau de profissionalismo. Natural, o reconhecimento externo a nossos méritos só não sensibiliza os corações muito empedernidos. Permito-me aqui algumas palavras sobre os bravos jornalistas premiados, cuja contribuição é decisiva para a qualidade que Pesquisa FAPESP exibe a cada mês. Fioravanti, um discretíssimo paulista de Itu, de 42 anos, rigoroso até o mais absoluto perfeccionismo e, ao mesmo tempo, capaz tanto de uma entrega apaixonada a cada reportagem de sua lavra quanto de uma generosa paciência com cada texto alheio que, como editor, tantas vezes precisa burilar, é sem dúvida um dos melhores profissionais brasileiros hoje em atuação no jornalismo científico, ao qual vem se dedicando desde 1989. O trabalho que lhe valeu esse prêmio foi uma reportagem sobre o comportamento dos macacos muriquis, capa da edição de abril - uma belíssima capa, aliás, concebida por nosso diretor de arte, Hélio de Almeida, sobre uma imagem impressionante de um desses macacos captada por nosso fotógrafo Miguel Boyayan. Quanto a Pivetta, paulista de 34 anos, dono de temperamento exuberante, barulhento, sempre pronto a tiradas de agudo senso de humor e refinada ironia, é senhor de um talento de igual medida - ou desmedida - para as variadas lides jornalísticas

e, especialmente, para a escrita jornalística. Seu trabalho que mereceu menção honrosa foi uma reportagem sobre novas formas de conservação e multiplicação do pau-brasil. Cumprida, com prazer, a tarefa de partilhar com nossos leitores essa vitó-

e Fioravanti: prêmios ria, sobra espaço apenas para destacar rapidamente a reportagem de capa desta edição, de Pivetta, aliás, que mostra a partir da página 80 como ciência e tecnologia podem se entrelaçar à música para expandir as fronteiras dessa arte, a ponto de justificar em São Paulo a formação de um instituto virtual de pesquisa nesse campo. Destaque também para a reportagem, de autoria de Fioravanti, que revela novos dados sobre a química por trás do par exercícios/bemestar. A atividade física como algo importante para o organismo humano é algo conhecido há muito tempo. A reportagem que começa na página 32, no entanto, vai além do óbvio ao mostrar os reais mecanismos que deixam os esportistas em condições mais confortáveis para enfrentar infecções causadas por vírus e bactérias. Por fim, duas outras notícias importantes. Em Política, mostramos como os impostos pagos por empresas inovadoras já são maiores do que os investimentos aplicados na pesquisa (página 16). E, em Tecnologia, apresentamos um curativo de hidrogel que alivia a dor de queimaduras e combate bactérias (página 68). Boa leitura. MARILUCE

MOURA

- DIRETORA

DE REDAÇÃO

PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 7


Barreiras rompidas Há 40 anos começava, na prática, o programa espacial brasileiro

NELDSON

MARCOLIN

O

momento era de pura excitação. Desde outubro de 1957, quando os soviéticos mandaram o primeiro satélite artificial ao espaço, se antecipando aos norte-americanos em quatro meses, o mundo acompanhava a então recente corrida espacial com encantamento. A possibilidade de alcançar e conhecer novos mundos fora da Terra contagiou a todos e deu início a uma era de desenvolvimento científico e tecnológico sem precedentes. Para não ficar à margem desses avanços, o governo brasileiro criou em 1961 uma comissão para estudar e sugerir uma política de pesquisas espaciais. Uma dúzia de pessoas, todas oriundas dos quadros da Aeronáutica, começou a trabalhar no Centro Técnico Aeroespacial (CTA). Em 1963, engenheiros do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) se uniram a esses pioneiros e passaram a

8 • JULHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 89

A Barreira do Inferno (acima), em 1965, e o primeiro foguete lançado, o Nike-Apache, no mesmo ano

T

procurar um lugar no Nordeste brasileiro, próximo à linha do Equador, que pudesse servir como um campo de lançamento de foguetes suborbitais de pequeno e médio porte. A escolha recaiu sobre um sítio de 5 mil metros quadrados distante 18 quilômetros de Natal, no Rio Grande do Norte, chamado pelos pescadores de Barreira do Inferno - no local há uma falésia vermelha que brilha com intensidade ao nascer do sol e, do mar, dá a impressão de estar em chamas. O sítio escolhido é perto do Equador, o que economiza combustível, a localização é em uma praia, que garante segurança no momento do ponto de impacto dos vários estágios dos foguetes e, por fim, o clima é estável, com regime de chuvas bem definido. Foi lá que começou, na prática, a pesquisa espacial brasileira. Em 15 de dezembro de 1965, com o Centro de Lançamento de Barreira do Inferno


Lançamento do Sonda 11 em 1996: família de foguetes brasileiros

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parcialmente montado, o foguete Nike-Apache, da Nasa, a agência espacial norte-americana, foi disparado e rastreado com sucesso - o objetivo era fazer medições nas camadas inferiores da ionosfera. Desde então, a Barreira do Inferno teve um grande número de lançamentos e pôde construir e testar foguetes brasileiros. Mais tarde, quando se pensou em projetos mais audaciosos, o centro ficou pequeno. Foi quando surgiu o Campo de Lançamento de Alcântara, no Maranhão, localizado numa área muito maior e que permite economia de combustível de 25% em relação a Cabo Canaveral, nos Estados Unidos, quando coloca satélites em órbita equatorial. "Mas a Barreira do Inferno nunca deixou de lançar foguetes': afirma Adauto Motta, chefe do Centro Regional do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) no Nordeste. Motta escreveu o livro Esboço Histórico da Pesquisa Espacial no Brasil (Editora Foco) e foi por seis anos chefe de operações em Barreira do Inferno. Hoje, o local é usado para testar foguetes com fins militares e de pesquisa, com carga útil do Inpe. PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 9


• POLÍTICA CIENTÍFICA

E TECNOLÓGICA

~

o resgate dos tesouros saqueados Arqueólogos de vários países participam de um esforço internacional para criar um catálogo dos objetos saqueados do Museu Nacional de Arqueologia, em Bagdá (Nature, 24 de abril). A esperança é que o inventário das imagens e as descrições detalhadas das peças, reunidas em uma base de dados, consigam ajudar no resgate ao tesouro pilhado. O museu, invadido nos

• Colapso na ciência venezuelana Pesquisadores da Venezuela denunciam mais um efeito perverso do conflito político no país: programas científicos entraram em colapso. De acordo com carta publicada na revista Nature (no 421), uma sucessão de percalços levou à interrupcão de pesquisas. Há problemas com pagamento de salários, contenção de financiamentos à pesquisa, escassez de material, como gás, eletricidade e nitrogênio líquido, e até falta de acesso à Internet. Uma greve apoiada por estudantes e cientistas sacramentou o colapso. Os sig-

primeiros dias da ocupação norte-americana da capital iraquiana, tinha um acervo de cerca de 180 mil peças, entre placas cuneiformes, estátuas, cerâmicas e joalherias, algumas com até 7 mil anos de idade. Os esforços de catalogação estão a cargo de universidades e instituições dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha, Alemanha, França e do Japão. McGuire Gibson, arqueó-

natários da carta, publicada em nome da Associação de Pesquisadores do Instituto Venezuelano de Pesquisas Científicas, pedem ajuda internacional para pressionar as autoridades a restabele-

10 . JULHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 89

logo do Instituto Oriental da Universidade de Chicago, supervisiona o trabalho. Desde janeiro, Gibson apelava ao Pentágono para proteger o museu, que até os Estados Unidos hoje reconhecem - só foi pilhado por descaso das forças de ocupação. Outro objetivo dos americanos é monitorar cientistas iraquianos que ajudaram a desenvolver armas biológicas e impedir

cer linhas de financiamento e respaldar denúncias sobre o risco iminente de desastres ambientais. Pedem também paciência, até que a conturbada Venezuela consiga voltar à normalidade. •

que vendam seu conhecimento no exterior, como aconteceu após o fim da União Soviética. Embora acredite que essa tendência não seja importante, David Franz, ex-inspetor de armas da ONU no país, pergunta: "Será que podemos encorajar esses cientistas a ficar no país e ajudar a construir uma indústria de biotecnologia para o bem dos iraquianos?" •

• Ervas na berlinda A venda de suplementos de ervas aumentou significativamente na última década e o negócio já movimenta US$ 4,2 bilhões só nos Estados Unidos. Uma pesquisa realizada pela universidade britânica de Exeter estima que 30% dos norte-americanos, 20% dos habitantes do Reino Unido e 70% dos alemães usam tais suplementos, informou o Financial Times de 23 de maio. É certo que algumas dessas fórmulas produzem benefícios. Mas crescem os problemas de saúde relacionados ao uso indevido. O governo da Aus-


trália, por exemplo, suspendeu a licença da maior empresa local de remédios à base de ervas. Tudo porque um popular remédio contra enjôo provocava alucinações nos consumidores. Na Irlanda, detectou-se a presença de poderosos esteróides num prosaico creme para a pele recomendado para o tratamento de eczemas. O mais grave dos casos, no entanto, foi registrado na Bélgica, onde 105 pessoas morreram e outras 18 desenvolveram câncer depois que a erva aristolóquia foi receitada equivocadamente num tratamento para um problema de pele. Talvez o risco mais amplo seja a interação desses suplementos com medicamentos alopáticos. Remédios inofensivos à base de ervas podem se tornar até fatais quando tomados em associação com drogas convencionais. A ervade-São- João, popularmente usada para combater quadros depressivos, prejudica o efeito dos inibidores de protease, a família de remédios que multiplicou a sobrevida dos doentes de Aids. "Avisamos aos nossos consumidores para consultar médicos", diz Iim Kinsinger, da fabricante de chá Celestial Seasonings. Nos Estados Unidos, cresce um movimento em defesa de

uma regulamentação mais severa do setor. Kinsinger diz que uma regulamentação mais dura poderia até aumentar a credibilidade dos produtos, ao distinguir os fabricantes sérios e os irresponsáveis. Isso não garantiria, contudo, segurança total. "Nenhum medicamento de ervas é completamente isento de riscos", diz Edzard Ernst, da Universidade de Exeter. "Certamente precisamos de mais controle sobre a qualidade, mas acabar com os complementos seria um exagero:' •

• Colômbia contra a mosca de mandioca Cientistas colombianos desenvolveram uma inédita variedade de mandioca que resiste a um tipo de mosca branca, praga que compromete uma coleção de produtos agrícolas. As pesquisas foram lideradas pelo Centro Internacional de Agricultura Tropical (CIAT) em parceria com a Corporação Colombiana de Investigação Agropecuária (Corpoica), com apoio do Ministério

da Agricultura e Desenvolvimento Rural da Colômbia e o Ministério de Assuntos Exteriores e Comércio da Nova Zelândia. A nova mandioca é um híbrido resistente a uma mosca branca conhecida como Aleurotrachelus socialis bondar. Para os produtores, a variedade desponta como uma alternativa valiosa. Além de ter produtividade elevada, de 33 toneladas por hectares, dispensa o uso de pesticidas. A mosca branca é uma praga de múltiplas faces: além da mandioca, também afeta as plantações de batata, batata-doce, tomate, berinjela, pimentão, feijão, entre outras 50 espécie. Estão catalogados nos trópicos 43 tipos dessas moscas. Algumas são, ao mesmo tempo, pragas e vetores de outras enfermidades. As conclusões das pesquisas são um avanço importante para a agricultura e resultado de um esforço global envolvendo cientistas de 30 países, iniciado em 1997, para combater o inseto. A Colômbia coordena o projeto, que também conta com o apoio de laboratórios na Austrália, Alemanha, Nova Zelândia, Reino Unido e Estados Unidos, além de cinco centros internacionais de pesquisa. •

PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 11


• Defesa de patentes na arena da saúde

Ciência na web

o governo

Envie sua sugestão de site científico para cienweb@trieste.fapesp.br

http://www.prossiga.br/ottogottlieb/ Uma excelente e merecida biblioteca virtual que reúne a obra do químico Otto Gottlieb, por três vezes indicado ao Nobel.

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http://www.foresight.org/Nanomedicine/Gallery/ Interessante coleção com textos e imagens sobre nanomedicina, feita por especialistas no assunto.

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http://www.virology.netigarryfavweb.html Indicações de onde encontrar dados sobre virologia disponíveis na Internet, com fotos.

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norte-americano sofreu uma saraivada de críticas ao usar a Organização Mundial de Saúde (OMS) como fórum para defender interesses comerciais. Entidades como os Médicos sem Fronteira e Oxfam protestaram contra a iniciativa norte-americana de submeter a uma assembléia da OMS uma proposta de defesa das patentes de produtos farmacêuticos (Financial Times, 23 de maio). A discussão é antiga. Os Estados Unidos alegam que é preciso incentivar sua indústria - e isso significa respeitar patentes e preservar o direito de propriedade intelectual - para garantir o desenvolvimento de tratamentos inovadores. Sustentam que 40% do aumento da expectativa de vida no planeta, entre 1986 e 2000, deve-se ao advento de novas drogas, vacinas e métodos de diagnóstico. Já um documento assinado por dez organizações não-governamentais acusa os Estados Unidos de "professar uma fé cega no sistema de propriedade intelectual" e lembra "que, das 1.393 drogas apro-

vadas entre 1975 e 1999, apenas 16 (ou só 1%) foram criadas para combater as doenças tropicais e a tuberculose - que respondem por 11,4% das afecções globais", •

• Velha doença, novo esforço Acaba de nascer uma fundação para desenvolver métodos de diagnóstico de tuberculose simples e baratos. A Find (Foundation for Innovation New Diagnostics) foi criada pela Bill and Melinda Gates Foundation e o TDR (Programme for Research and Training in Tropical Diseases). A nova entidade divide opiniões. Teme-se uma dispersão nos esforços para combater a tuberculose. De acordo com reportagem no site da The Scientist, esperava-se que a Gates Foundation ampliasse o apoio ao TDI (Tuberculosis Diagnostics Initiative), um consagrado programa ao qual já havia doado US$ 10 milhões - mas envolve governos de vários países. Mas a fundação dos Gates exige independência nos controles científico e administrativo de seus projetos. Teme interferências políticas em entidades associadas a governos. •


ESTRATÉGIAS

BRASIL

linha direta com pesquisadores europeus Um canal de alta velocidade permitirá que os pesquisadores dos países latinoamericanos conversem entre si e com colegas da Europa, por meio de conexão com a rede de pesquisa pan-européia Géant - sem a intermediação dos Estados Unidos. A Comissão Européia firmou contrato de € 12,5 milhões com a Dante (Delivery of Advanced Technology to Europe) para a criação da infra-estrutura de um programa chamado Alice (América Latina conectada com a Europa). A Comissão financiará 80% do projeto e sócios latino-americanos, 20%. A Alice iniciará sua operação em janeiro de 2004. No Brasil, sua implantação e administração caberá à Rede Nacional de Pesquisa (RNP), do Ministério da Ciência e Tecnolo-

• Tecnologia em debate na Câmara Voltou a funcionar, no dia 16 de junho, o Conselho de Altos Estudos e Avaliação Tecnológica (Ceat), órgão vinculado à Câmara dos Deputados, que vai debater a viabilidade e o risco de tecnologias - e propor leis e ações governamentais relacionadas aos temas discutidos. "Vamos aproximar a ciência e a tecnologia dos cidadãos que representamos", diz o presidente do Ceat, deputado Luiz Piauhylino (PSDB-PE), que dirigiu a Co-

gia. "Pela primeira vez, os países latino-americanos terão conexões de Internet de alta velocidade necessárias para uma efetiva colaboração de pesquisa", diz Erkki Liikanen, comissário

missão de Ciência e Tecnologia da Câmara entre 1999 e 2000. O conselho é formado por 12 deputados federais de diferentes partidos e assessorado por cientistas envolvidos nos assuntos em debate. Duas áreas são prioritárias: biotecnologia e telecomunicações. •

• Paraná pronto para o biodiesel O Centro de Referência em Biocombustíveis (Cerbio), do Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar), está pronto para iniciar a produção do

europeu para Empresas e para a Sociedade da Informação. O programa Alice foi idealizado na última reunião de cúpula dos países europeus, da América Latina e do Caribe, realizada em

biodiesel, como são chamados os ésteres de óleos vegetais que podem ser usados em motores a diesel, em forma pura ou misturados ao derivado de petróleo. Segundo José Domingos Fontana, diretor técnico do Tecpar, já existem empresas em São Paulo, Minas Gerais e no Mato Grosso habilitadas a produzir o combustível a partir do uso da soja. Uma delas, a Ecomat-MT, está abastecendo o Cerbio com um combustível testado em ônibus de Curitiba. Vem do exterior 17% do diesel que o Brasil consome. O uso do biodiesel, além de reduzir a po-

Madri, em junho de 2002. Os chefes de Estado e de governo das duas regiões concordaram que pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico são elementos essenciais para a inserção dos países no mundo globalizado. A iniciativa vai também acelerar o desenvolvimento da Sociedade da Informação na América Latina, que contará com uma infra-estrutura de comunicações de dados avançada. Isso vai abrir espaço para uma colaboração maior em projetos avançados de pesquisa internacional. O projeto durará até abril de 2006, quando então a Cooperação das Redes Avançadas da América Latina (Clara) assumirá a manutenção da rede de pesquisa latinoamericana e a sua conexão contínua com a Géant. •

luição, tornaria o país menos

dependente da importação .•

• Governo renova contrato com CGEE O governo federal, por meio do Ministério da Ciência e Tecnologia, assinou um termo aditivo de contrato com o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) que prevê repasse de R$ 3 milhões para a realização de seminários e eventos. O termo é parte do contrato assinado entre o ministério e o CGEE, em 2002, com duração de cinco anos. •

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Porto Digital em expansão o

Porto Digital, pólo de tecnologia instalado em imóveis recuperados no centro histórico do Recife, inicia nova fase de crescimento. Cerca de R$ 350 mil serão gastos em ações estratégicas, entre as quais uma pesquisa com 550 empresas e parceiros nacionais e estrangeiros, para avaliar os resultados de três anos do projeto.

• Prêmio para Hamburger Ernst Wolfgang Hamburger, professor-titular do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e diretor da Estação Ciência, recebeu o Prêmio Latino-Americano de Popularização da Ciência e da Tecnologia. O prêmio foi outorgado pela Rede de Popularização da Ciência na América Latina e Caribe, a Red-Pop. «Essa menção tem um sabor especial para mim': disse Hamburger. «A inscrição foi feita de maneira secreta pelos funcionários da Estação Ciência, que quiseram prestar uma homenagem nesse momento da minha vida:' No dia 8 de junho,

Em 2003, o Porto Digital vai receber investimentos de R$ 9,6 milhões - R$ 5 milhões do governo de Pernambuco e R$ 4,6 milhões da iniciativa privada. Já operam no pólo 56 empresas, e outras seis estão em fase de instalação. A meta é reunir, até o final do ano, 17 novas empresas, duas delas internacionais. •

Ernst Hamburger completou 70 anos e, por força da lei, vai se aposentar. •

• Ensinando a plantar caju A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) vai ajudar agricultores de Guiné- Bissau a produzir caju de melhor qualidade. Um plano de cooperação entre o Brasil e o país africano criou um intercâmbio de técnicos e de material genético. Também está prevista a criação de pequenas fábricas de processamento de castanha-de-caju, com tecnologia desenvolvida pela Embrapa, para transformar a cultura num negócio sustentável. O

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cultivo de caju está em expansão em Guiné-Bissau. Nas últimas duas décadas, a área cultivada saltou de 3 mil hectares para 100 mil hectares. A produção alcança 100 mil toneladas e se espalha por 70% das propriedades. Mas os agricultores ainda usam técnicas que a Embrapa não recomenda - como a semeadura direta e o espaçamento sem uniformidade, o que facilita a eclosão de pragas. •

• Fapemig suspende concessão de bolsas O Conse.lho Curador da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig) suspendeu a concessão de bolsas neste ano. Também foi decidido que qualquer modalidade de bol-

sa protocolada pela fundação, a partir de 10 de abril, não será sequer analisada, tampouco serão aceitos novos pedidos para 2003, exceção feita às bolsas vinculadas a projetos de pesquisa já financiados. José Geraldo de Freitas Drumond, presidente da Fapemig, garantiu que essas medidas extremas são transitórias e fazem parte de uma série de ações adotadas pela instituição para diminuir o impacto do corte de repasse orçamentário sobre linhas de financiamento e compromissos já assumidos. A Fapemig também anunciou que não haverá chamada para os pedidos de auxílio de Bolsas de Iniciação Científica e Tecnológica (Bic-Balcão) que não sejam vinculados a projetos da instituição. •


A conexão MaranhãoUcrânia o Brasil e a Ucrânia vão criar uma empresa binacional para administrar o lançamento de foguetes ucranianos Cyclone 4 a partir da Base de Alcântara, no Maranhão. "Eles têm a tecnologia e estão, ao contrário da maioria dos países do Primeiro Mundo, dispostos a transferir conhecimento': diz o ministro Roberto Amaral, da Ciência e Tecnologia, que no início de junho reuniu-se com o presidente ucraniano, Leonid Kutchma. Os dois países também devem celebrar convênios nas áreas de biotecnologia, tecnologia da informação e de materiais, com intercâmbio de cientistas e funcionários de cada governo. A cooperação científica entre Brasil e Ucrânia teve início em janeiro de 2002, com a assinatura do acordo sobre Usos Pacíficos do Espaço Exterior. A Ucrânia já ratificou o acordo e, no Brasil, ele ainda tramita no Congresso Nacional. Também em 2002 foi assinado um memorando entre a Agência Espacial Brasileira e a Agência Espacial Nacional da Ucrânia - que já previa o uso de Alcântara como base de partida do veículo lançador de satélites ucraniano. O passo seguinte foi pavimentar o caminho para a criação da infra-estrutura de lançamento do Cyclone 4. A Ucrânia já fez mais de 200 lançamentos com o Cyclone 3. A série 4, que virá para o Brasil, será mais moderna e aperfeiçoada. •

• Revista resgata Adolpho Lutz A trajetória de um dos mais importantes cientistas brasileiros é resgatada na última edição da revista História, Ciências, Saúde - Manguinhos. Adolpho Lutz (18851940), um dos fundadores da medicina tropical, é lembrado como um crítico à miopia dos políticos em assuntos de saúde pública e protagonista de ácidos debates acadêmicos. Sua biografia pode ser narrada em três tempos. Na década de 1880, despontou como um prolífico pesquisador sobre a origem de doenças como a lepra e a tuberculose. A fase foi rica em viagens e experiências pelo Brasil e o restante do mundo, que culminou com uma temporada num hospital de tratamento de hanseníase no Havaí. Na segunda etapa, à frente do Instituto Bacteriológico de São Paulo, liderou um grupo de especialistas em medicina tropical no combate a epidemias, como a febre tifóide e a febre amarela, que convulsionaram as nascentes metrópoles brasileiras. Na terceira fase, já aos 50 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro e voltou a dedicar-se à pesquisa no Instituto Oswaldo Cruz, em Manguinhos, onde permaneceu até sua morte. Numa de suas histórias lendárias, recorreu a uma estratégia de alto risco para provar que a febre amarela era transmitida por mosquitos - e não pelo ar ou pelo contato com doentes, como alguns pesquisadores imaginavam. Submeteu seis cobaias humanas a mosquitos infectados - entre as quais ele próprio, que se deixou picar várias vezes. Três pessoas adoeceram e as outras três permaneceram sãs - incluin-

do Lutz. Numa etapa seguinte, o cientista obrigou três imigrantes italianos a ficarem reclusos, num quarto sem mosquitos, mas repleto de roupas usadas por vítimas da febre amarela. Como nenhum ficou doente, Lutz comprovou sua teoria. •

• FAPs serão parceiras do Pronex O governo federal liberou uma parcela de R$ 44,9 milhões para o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT). Ao todo, o MCT teve R$ 220 milhões contingenciados - e, como medida de economia, foi obrigado até a reorganizar-se, cortando 10% dos cargos de direção. Os recursos liberados permitirão que o MCT inicie várias ações, entre elas o Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex) 2003, que, neste ano, será implementado em parceria com as Fundações de Amparo à Pesquisa dos estados (FAPs). "Isso vai permitir que os estados participem das definições e do financiamento da política científica e tecnológica do país", diz José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP. O dinheiro também será usado na expansão do programa de bolsas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e 'Iecnológico (CNPq). •

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zados. "Esse relacionamento é uma via de mão dupla, no qual tanto os riscos quanto os ganhos são divididos entre as partes", comenta Bagnato. "E ainda aprendemos a trabalhar no ritmo das empresas, que precisam de agilidade em seus lançamentos, para evitar que um competidor saia na frente", completa. Ele vai mais longe: estima que as empresas ligadas ao CePOF,em São Carlos, estejam também contribuindo para reduzir em US$ 1 milhão por ano os gastos nacionais com a importação de produtos nas áreas de óptica e fotônica. Um exemplo disso é a Opto Eletrônica. A empresa desenvolveu um instrumento de tecnologia de laser de diodo, para tratamento de tumores e da degeneração macular relacionada à idade, uma das mais freqüentes causas da cegueira em idosos. Seu preço de mercado é US$ 10 mil. O equivalente importado sai por US$ 30 mil. A empresa já está fechando acordo para comercializá -10 na Europa. O equipamento foi desenvolvido em conjunto com o CePOF,e com o apoio de pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP e da Escola Paulista de Medicina, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Pto Eletrônica contou com o apoio do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP.Os recursos totalizaram R$ 117,3 milhões e US$ 115,8 mil. A empresa tem, atualmente, receita de R$ 50 milhões e 460 empregados. Teve origem na Fundação Parque de Alta Tecnologia (ParqTec), em 1985, e, nos últimos anos, expandiu suas atividades até formar um conglomerado do qual fazem parte a Opto Sul, no Rio Grande do Sul; a Opto USA, nos Estados Unidos; a Opto LA, no México; e a Artech, com sede em São Carlos, que é líder no mercado brasileiro no tratamento de lentes para a obtenção de efeito anti-reflexo em óculos. "O mercado de lentes anti-reflexivas tem enorme potencial no Brasil", observa Iarbas Castro, presidente do grupo, que tem apenas dois concorrentes no mercado internacional: uma empresa norte-americana e uma japonesa, que, recentemente, transferiu a produção para a China para reduzir custos e man-

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Alinhador a laser, da empresa Opto Eletrônica

ter-se competitiva em relação ao produto brasileiro. Em Campinas, a parceria com o CePOF foi estratégica para consolidar o mercado para empresas como a Komlux, que produz o Blanket Lux, uma manta tecida com fibras ópticas para o tratamento da icterícia fisiológica que, a cada ano, afeta 5% dos bebês recémnascidos no país. A manta, que foi matéria de capa da edição 44 da Revista Pesquisa FAPESP, publicada em julho de 1999, aguarda certificação da Agênera Nacional de Vigilância Sanitária, será comercializada por cerca de R$ 2,9 mil, contra os US$ 3,5 mil do similar importado. "Companhias latino-americanas e européias, do Oriente Médio e do Leste Europeu já manifestaram interesse no Blanket Lux", conta Cícero Lívio Omnega Filho, diretor-presidente da Komlux. O desenvolvimento da manta contou com o apoio da FAPESP,também no âmbito do PIPE, com recursos totais de R$ 169,2 mil e US$ 125,2 mil, e deu origem a duas patentes. A capacidade de inovação das empresas ligadas ao centro têm sido um fator fundamental para ampliar sua competitividade no país e no exterior. "Tanto em óptica como em fotônica, há vários temas suficientemen-

te originais para a pesquisa científica com grande potencial de mercado", diz Hugo Fragnito, do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Unicamp, e coordenador do CePOF, em Campinas. Intercâmbio tecnológico - A associação com o CePOF também favorece o intercâmbio tecnológico entre empresas parceiras. Um dos maiores clientes da Opto, de São Carlos, na linha de refletores para odontologia é a Gnatus, de Ribeirão Preto, fabricante de equipamentos odontológicos, a terceira no mercado mundial, exportando para quatro continentes. Com 27 anos de atuação, a companhia, que faturou R$ 70 milhões em 2002 - cerca de R$ 30 milhões em vendas externas -, começou a se aproximar dos institutos de pesquisa em meados da década de 90, visando a certificar seus produtos para adequá-los às exigências internacionais. Na época, o valor da moeda brasileira era quase igual ao do dólar norte-americano, e eficiência era condição sine qua non para manter a posição de mercado. Hoje, a Gnatus tem todos os certificados internacionalmente reconhecidos e atinge altíssimos índices de produtividade com 460 empregados.


Manta com fibra óptica, da I<omlux, deu origem a duas patentes

"As parcerias vêm se intensificando e tendem a crescer", afirma Gilberto Nomelini, diretor superintendente da empresa. "Ainda em 2003, deveremos entrar no segmento de laser", revela ele. m2001, uma aliança entre a Gnatus, o CePOF e a MM Optics, pequena empresa de São Carlos, com 20 funcionários, resultou na patente de duas fibras rígidas de alto desempenho para fotopolimerizadores com tecnologia LED (luz emitida por diodo), utilizados para ativar resinas odontológicas, endurecendo-as. "O fotopolimerizador Optlight LD, que derivou da pesquisa, é reconhecido como o melhor aparelho da categoria e já está sendo exportado para vários países", conta Nomelini. A MM Optics foi criada em 1998 por um grupo de engenheiros, com o objetivo de produzir os primeiros microscópios brasileiros para fins educacionais, concorrendo com os chineses. "Lançamos um produto final mais robusto e preciso, com preço final 35% menor que o importado", lembra Fernando Mendonça Ribeiro, um dos fundadores da companhia, que no ano passado comemorou a marca de R$ 1 milhão em faturamento. Em

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1999, a empresa voltou-se para o desenvolvimento de lasers para fins médicos e odontológicos, por solicitação do Instituto de Física da USP, em São Carlos, que tentava atender a demanda da Faculdade de Odontologia da USP, em São Paulo. O produto, batizado de Twin Laser, já está na segunda versão, e custa R$ 3,6 mil, contra R$ 15 mil do similar importado. Pode 'ser usado também em dermatologia e acupuntura, entre outras aplicações. Em 2001, a MM Optics desenvolveu, junto com o CePO F, o Hospital Sírio- Libanês, de São Paulo, e a Faculdade de Odontologia da USP, o Mucolaser, um laser de baixa potência para o tratamento de mucosites, infecção que afeta pacientes com câncer e sob tratamento de quimioterapia e radioterapia. O equipamento custa R$ 7 mil. E, em 2003, a empresa lançou o Bright LEC que, utilizando fibras desenvolvidas em parceria com o CePOF e Gnatus, conjuga em um só aparelho técnicas de polimerização e clareamento dental. Custa R$ 3,8 mil, pouco mais de um quarto do valor dos similares importados. A qualidade e competitividade do produto conquistaram o mercado externo: 7% do faturamento da MM Optics foi proveniente de vendas externas.

Em Campinas, as empresas vinculadas ao CePOF também estão de olho no mercado externo. A Padtec, única no Hemisfério Sul que produz sistema de comunicação com tecnologia WDM, que amplia a capacidade de transmissão das redes de fibra óptica, pretende, neste ano, atingir US$ 3 milhões com exportações. "Além da América Latina, estam os começando a fazer negócios com a Índia", diz Jorge Salomão Pereira, diretor de tecnologia. A empresa desrnembrou-se da Fundação CPqD - braço de pesquisa do sistema Telebrás -, seu principal acionista, em meados de 2001. Seis meses depois, o Banco Pactual comprou 22,5% de suas ações. Atualmente, é líder do segmento no mercado brasileiro, fornece para as principais operadoras de telecomunicações do país, registrou faturamento de US$ 5 milhões, em 2002, sendo que 10% desse valor foi para os cofres estaduais e 12%, para os federais. E ainda multiplicou o quadro funcional de dez para 60 funcionários em dois anos. "Nosso salário médio é de US$ 900", revela Pereira. "Nunca perdemos ninguém por salário", garante José Ripper, presidente da Asga. A empresa, com 30 funcionários, também teve origem no CPqD e, atualmente, é parceira do CePOF. A Asga foi a primeira empresa a desenvolver no país um multiplexador óptico - equipamento para operadoras de telecomunicações que transforma sinais elétricos luminosos nas redes de fibras ópticas. A Asga conta com R$ 299,8 mil e US$ 153 mil do PIPE. Já tem filiais na Argentina e no México, além de representantes na Ásia e registrou receita de US$ 30 milhões em 2002. Neste ano, para compensar o recuo de investimentos do setor, a estratégia da empresa é ampliar os negócios externos. "Sempre fizemos ciência básica, e vamos continuar fazendo, mas sem perder de vista o compromisso de produzir riqueza para o país", conclui Bagnato. • PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 19


I POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

CONSÓRCIOS

SETORIAIS

Parceria e bons negócios Universidades e empresas investem em inovação para fortalecer exportações

anta Gertrudes, município paulista com pouco mais de 16 mil habitantes, é o maior pólo produtor de pisos cerâmicos das Américas. Ali,40 empresas produzem anualmente 200 milhões de metros quadrados de revestimentos cerâmicos, 40% da produção nacional. As exportações ainda representam 10% das vendas, mas crescem a cada ano, dirigidas aos mercados norte-americano, Mercosul, América Latina e Europa, principalmente. Mas o produto de Santa Gertrudes ainda tem baixo valor agregado: o preço no exterior varia de US$ 2 a US$ 3 o metro quadrado, um terço do valor de mercado dos similares italiano e espanhol. Para consolidar os negócios externos e melhorar a qualidade e competitividade do produto, o Centro Cerâmico Brasileiro (CCB), laboratórios vinculados às universidades de São Paulo (USP), Federal de São Carlos (UFSCar) e Estadual Paulista (Unesp) e um grupo de 20 empresas locais formaram, com o apoio da FAPESP,o Consórcio Setorial da Indústria Cerâmica de Revestimento no Estado de São Paulo. ''A competitividade não é mais preço, mas inovação", afirma José Octávio Armani Paschoal,presidente do CCB, coordenador do consórcio e pesquisador do Instituto de PesquisasEnergéticas e Nucleares (Ipen). Essaparceria para o desenvolvimento do setor de revestimento cerâmico foi a primeira firmada no âmbito do pro-

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grama Consórcios Setoriais para a Inovação Tecnológica (ConSITec), lançado pela FAPESPem 2000, para estimular a colaboração entre grupos de pesquisa ligados a instituições de pesquisa e empresas de um mesmo setor para resolver problemas tecnológicos de interesse comum. Outro consórcio com formato semelhante, reunindo uma universidade privada e três laboratórios farmacêuticos, já foi formalizado. O objetivo é investigar e validar novos fitomedicamentos a partir de plantas da biodiversidade brasileira. Novos materiais - No caso dos revestimentos, as pesquisas estão sendo desenvolvidas nos laboratórios do Centro de Inovação Tecnológico de Cerâmica, inaugurado no ano passado. Numa das linhas de investigação, por exemplo, os pesquisadores estudam a utilização de novos materiais para o porcelanato, uma cerâmica considerada top de linha, já que por seu baixo teor de absorção de água, entre 0% a 0,5%, tem menor porosidade e maior resistência. Os resultados dessa pesquisa são estratégicos: o teor de absorção de água do produto da indústria de Santa Gertrudes está entre 6% e 10%."Já estamos caminhando para 3%, que é a média da Europa", diz Paschoal. Os pesquisadores também estão desenvolvendo esmaltes de alto desempenho e resistentes a desgastes para

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aplicações em piso de grande tráfego como, por exemplo, o de supermercados - e esmaltes bactericidas para uso hospitalar. "Com isso, estamos visando novos nichos de mercado", explica Paschoal.

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APESP apoiará o consórcio, por um período de três anos, com recursos para a implantação e modernização de laboratórios e por meio de bolsas-auxílio solicitadas individualmente pelos pesquisadores participantes. As empresas parceiras contribuem com, no mínimo, R$ 50 mil anuais para a manutenção do consórcio, dependendo do seu tamanho e forma de participação. Paschoal explica que algumas empresas estão em estágio que qualifica de "précompetitivo': ou seja, para aperfeiçoar os produtos, necessitam de conhecimentos de interesse geral que não interferem nas estratégias de mercado do conjunto do setor. Outras empresas têm um foco "mais competitivo': como ele diz, demandando informações específicas para inovação do produto e consolidação de mercado. Para essas empresas, o Centro desenvolve, por exemplo, projetos de design, sempre protegidos por termo de confiabilidade. "Isso garante que as informações não chegarão ao concorrente", conta o coordenador do consórcio. A expectativa é que as pesquisas consolidem o mercado externo, agreguem valor ao produto e elevem o preço do metro quadrado vendido no exterior. A inovação trará, ainda, outras vantagens: aumentará a renda do pólo cerâmico e o número de empregos na região. "Queremos ser um case de sucesso': conclui Paschoal. O núcleo de biotecnologia da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp) consorciou-se com três laboratórios de produtos farmacêuticos e, com o apoio da FAPESP, para desenvolver novos fi-

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to medicamentos com ativos de plantas brasileiras. "Não se trata de fazer uso do conhecimento tradicional, mas de incorporar conhecimento tecnológico aos ativos da biodiversidade", ressalva Suzelei de Castro França, diretora do consórcio e coordenadora do Núcleo de Biotecnologia e do Pós-graduação em Biotecnologia da Unaerp. As pesquisas, iniciadas há seis meses, pretendem validar seis novos fitomedicamentos para uso humano, dois para cada uma das empresas parceiras. "Não são produtos concorrentes, já que têm ações terapêuticas distintas", observa a diretora. Os produtos foram selecionados após uma cuidadosa pesquisa mercadológica, que constatou não haver similares no mercado nacional. Os laboratórios consorciados - Luciomed e Unifarma, de São Paulo, e a Amazonervas, do Amazonas - são de médio e pequeno porte, que, nesse projeto, contam com a infra-estrutura de pesquisa e o conhecimento desenvolvido na universidade para implementar novos produtos. ''A nossa participação é para validar a eficácia e segurança do uso do fitomedicamento, de acordo com a legislação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com atenção especial no controle de qualidade química, para configurar cada ativo da planta. Feito isso, as empresas implementam o processo de produção", explica. A associação entre os parceiros se faz por meio de convênio de cooperação tecnológica e científica, que prevê a divisão de benefícios no caso de depósito de patentes ou royalties. Suzelei aposta no sucesso do empreendimento. "O mercado brasileiro de fitoterápicos cresce a uma taxa de 15% a 20% ao ano e já registra faturamento de US$ 1 bilhão", ela diz, comparando com o faturamento mundial de US$ 15 bilhões. " Trata-se, sem dúvida, de uma participação significativa, apesar de a nossa biodiversidade ser subexplorada", sublinha. As investigações, por ora, se restringem à pesquisa sobre novos fitofármacos para uso humano. "Mas também vamos desenvolver produtos para uso animal", adianta Suzelei.A expectativa é que a validação dos produtos esteja concluída em dois ou três anos, quando os fitoterápicos estarão prontos para os testes clínicos. • PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 21


• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

MEIO AMBIENTE

Paradoxo social Projeto busca legalizar loteamentos em áreas de mananciais sem comprometer a qualidade da água

TERESA

NAVARRO

Vila Joaninha, em Oiadema: esgoto a céu aberto deságua na bacia da represa Billings casassurgem desordenadamente em lotes irregulares onde as fossas se confundem com poços. Algumas casas nem fossa têm: o esgoto percorre as ruas, cortando valas até chegar à região mais baixa e alcançar uma das várias nascentes da bacia da represa Billings, fornecedora de água para cerca de 1,5 milhão de pessoas dos municípios de Diadema, São Bernardo do Campo e Santo André. Esse é o cenário do Sítio Joaninha, em Diadema, onde vivem 240 famílias. A degradação

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ambiental da área é idêntica a de vários outros loteamentos irregulares, que ocupam entre 15% e 20% das áreas em torno dos mananciais da Billings e da represa de Guarapiranga, ao sul da região metropolitana de São Paulo. De acordo com a legislação, para garantir a preservação dos mananciais e a qualidade da água, esses loteamentos não poderiam existir. Tanto que as prefeituras estão proibidas de dotá-los de infra-estrutura básica - como água encanada, luz e esgoto - sob pena de serem incluídas como réus nas ações civis

públicas e serem condenadas à reparação do dano. A única solução legal seria desalojar 1,2 milhão de pessoas que vivem hoje nas áreas de mananciais na Grande São Paulo. Mas é possível, dentro da legislação, buscar outras alternativas que permitam elaborar padrões para regularizar os 10teamentos e, ao mesmo tempo, reduzir os danos ambientais. E esse é o desafio do projeto Reparação de Danos e Ajustamento de Conduta em Matéria Urbanística, proposto pelo Ministério Público, que está sendo executado pela


Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), da Universidade de São Paulo (USP), e que integra o Programa Políticas Públicas da FAPESP.''A questão deve ser vista do ponto de vista social, não apenas ambiental. As ocupações aconteceram porque a demanda por moradia sempre foi maior que a capacidade do governo de ofertar casas populares", justifica a coordenadora do projeto, Maria Lucia Refinetti Martins, da FAU. Nó legal - A ocupação dos mananciais resulta, diariamente, numa enxurrada

de processos na Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo da capital. São ações civispúblicas movidas por denúncia de vizinhos da região, por solicitação das prefeituras ou a pedido dos próprios moradores que querem regularizar a sua situação. Para seguir rigorosamente a lei, a promotoria teria que pedir à Justiça a expulsão dos infratores. E durante muito tempo foi exatamente isso que o promotor José Carlos de Freitas fez. "Processávamos o loteador, o município e o Estado, e pedíamos a remoção dos moradores, conforme

determina a lei. Mas esta é uma decisão muito difícil de ser tomada por um juiz porque simplesmente essas pessoas não teriam para onde ir', ele conta. A proteção aos mananciais no Estado de São Paulo é determinada basicamente por três leis: uma federal e duas estaduais. Em geral elas restringem a ocupação do solo em regiões próximas às bacias fornecedoras de água à população e adotam critérios de adensamento, dividindo a área por categorias que vão desde as totalmente impróprias para ocupação (mais próxima à bacia) até PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 23


mas que, até a década de 80, recebia aquelas onde é permitida a ocupação todo o lixo de São Paulo. Uma agravanem terrenos com no mínimo 500 mete: os terrenos comprados pelos motros quadrados. radores não pertenciam à pessoa que "O objetivo da legislação é garantir os vendeu, o que dificulta a concessão a qualidade da água", explica Freitas. "E de propriedade por usucapião. Ali, exisé dentro desse espírito da lei que vamos tem casas em situação de risco de desatrabalhar para regularizar os loteamenbamento, instalações elétricas clandestos, desde que haja compromisso de totinas e não há tratamento dos os envolvidos para rede esgoto nem água enparar os danos causados canada. ao meio ambiente, o que é A população do Sítio possível por meio da assiRegularização Ioaninha pressiona a prenatura de um termo de dos lotes feitura de Diadema para ajustamento de conduta': regularizar a posse da terra afirma. Foi para subsidiar dependerá de e implantar infra-estruos termos desses acordos tura básica e ficaria satiscompromisso que o Ministério Público procurou a FAU. "Nossa feita se contasse com fordos moradores necimento de água e luz. meta é definir o que deve "Nem esgoto eles pedem': ser feito no loteamento afirma Soma Sumiko Kapara garantir o cumprirazawa Nagai, arquitetamento do espírito da lei e chefe da Divisão de Planejamento Inresolver esse nó entre a questão arnbitegrado da prefeitura de Diadema. A ental e social", completa Maria Lucia. prefeitura está negociando com o Ministério Público as condições para reguSítio Joaninha - Nessa perspectiva, a primeira providência foi fazer um lelarizar o loteamento, já que a intenção é reduzir a remoção ao menor número vantamento dos processos existentes nas de famílias possível. "Primeiro precisapromotorias de Diadema, Santo André mos definir com precisão a área que poe selecionar para estudo de caso quatro derá ser ocupada", ressalva Sonia. O loteamentos localizados nas sub-bacias projeto, apoiado pela FAPESP, já idenda Guarapiranga e da Billings: Sítio tificou algumas alternativas técnicas Joaninha (Diadema), Parque Andreenque podem garantir a qualidade da se (Santo André), Jardim São Franágua sem a necessidade de retirar as facisco (Embu) e Parque dos Químicos mílias. O primeiro passo é o tratamen(São Bernardo do Campo). O Sítio to do esgoto, que pode ser feito no loIoaninha foi escolhido por ser um dos cal, na área mais baixa do loteamento loteamentos mais problemáticos. Ele próximo à bacia do córrego. Maria Luocupa uma área com mais de 200 mil .cia acredita que essa é uma "solução inmetros quadrados, situada ao lado de ~eressante" porque, além de jogar a água um aterro sanitário, hoje desativado,

já tratada na bacia, também evita que as moradias sejam instaladas muito próximas ao córrego, já que o espaço seria ocupado pela estação de tratamento. "A idéia é criar um cinturão de proteção", ela explica. A prefeitura estuda ainda uma outra possibilidade, a do bombeamento do esgoto até a Estação de Tratamento de São Caetano. ''As obras já foram iniciadas na região de Eldorado, próxima ao Sítio Ioaninha, e poderiam ser estendidas para o loteamento. Mas isso ainda não está definido", afirma Sonia Nagai. A necessidade de obras de infra-estrutura inclui ainda a reserva de uma área para o plantio de árvores, drenagem e melhoria das condições das ruas, sem que isso signifique asfaltar tudo. Maria Lucia explica que é preciso deixar trechos de terra e a calçada com grama para absorção da água da chuva. As más condições das ruas da região não se constitui no problema mais grave, mas isolam os moradores. Os Correios, por exemplo, não entram no loteamento: as cartas são deixadas em uma floricultura na parte mais baixa da região.

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reocupação da prefeitura de Diadema e do Ministério Público em dar posse da área aos moradores se explica: na maior parte das vezes, a ocupação de áreas de mananciais é involuntária. "Eu fiquei sabendo o que era uma área de manancial quando fui pedir a ligação da luz para a minha casa e me falaram que não podiam ligar. Não tinha nem idéia do que era isso", afirma Raimunda do Vale Ferreira, vice-presidente da Asso-

A arte de negociar Prefeituras e estados poderão, em breve, contar com auxílio de novas técnicas na negociação de conflitos em áreas de ocupação de mananciais. As propostas estão sendo desenvolvidas no projeto Negowat, financiado pela Comissão Européia, Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento (Cirad), da França, que também conta com o apoio da FAPESP, na modalidade conhecida como Auxílio à Vinda de Pesquisadores Visitantes.

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O projeto, desenvolvido inicialmente na França, oferece ferramentas que permitem simular o resultado de cada decisão tomada e trabalhar com o jogo de papéis, fazendo com que cada grupo vivencie as razões do outro. "Utilizamos basicamente dois softwares, o de modelagem multiagente e o jogo de papéis, que nos permitem fazer uma análise ambiental, integrando o conhecimento das diversas áreas que atuam no projeto", diz Yara Maria Chagas de Carvalho, coordenadora do grupo brasileiro do Nego-

wat. A modelagem multiagente é uma nova forma de representação computacional, desenvolvida nos últimos 15 anos, e que utiliza linguagem orientada a objetos. Essa técnica, freqüentem ente utilizada na indústria, controle de tráfego aéreo, análise de trânsito urbano, entre outros, tem sido utilizada em centros de pesquisa para a gestão de recursos naturais. A modelagem é refeita até que as partes concordem com a forma como estão sendo retratados, e só então tem início o jogo de papéis.


Ligações clandestinas de luz traçam teia sobre área onde residem 240 famílias

ciação de Moradia e Preservação Ambiental de Vila Ioaninha. A luz, que no caso de Raimunda chegou depois de longa peregrinação, é hoje privilégio de meia dúzia de famílias. As demais utilizam ligações clandestinas que formam verdadeiras teias de aranha sobre suas moradias. Ação de fiscais - Melhorar as condições

de vida dessas pessoas tem seus riscos: os lotes - hoje procurados pelo baixo preço - vão tornar-se mais atrativos quando houver água e luz. A prefeitura

O trabalho é desenvolvido junto com os integrantes do Comitê da Bacia do Alto Tietê, formado por representantes do Estado, das prefeituras e da sociedade civil,na proporção de um terço cada um. O projeto também deverá se estender para as sub-bacias Guarapiranga e Cabeceiras do Alto Tietê. A intenção é capacitar os integrantes do comitê e facilitar as negociações entre eles,já que a administração da água envolve vários municípios, cada um com necessidades e interesses diferentes, além de as características da população que ocupa as áreas de manancias serem bastantes distintas: "Temos moradores

já fez o cadastramento das famílias e inicia o levantamento das edificações existentesnos terrenos para impedir novas construções. Mas, apesar das visitas constantes dos fiscais, outras obras estão em andamento. O fiscal da prefeitura Fausto Veronese afirma que, quando há construção nova, a prefeitura notifica o proprietário e manda paralisar a obra, mas muitos continuam. "Nesses casos nós entramos com processo pedindo a demolição da construção", diz Veronese. Segundo ele, algumas dessas ações já estão em fase final de julga-

de baixa renda atraídos pelo preço da terra, agricultores e até indústrias instaladas antes da legislação de proteção aos mananciais", diz Yara. As soluções encontradas para cada uma das áreas em estudo certamente serão distintas umas das outras. ''A modelagem é participativa e não poderia ser diferente em uma realidade tão complexa como a brasileira, onde o padrão de ocupação do solo parece um mosaico: com agricultura, casas e indústria", diz a pesquisadora francesa Raphaele Ducrot, coordenadora do Negowat. Projeto idêntico está sendo desenvolvido na Bolívia.

mento, mas ainda não há nenhum caso pronto para demolição. ''A prefeitura terá que intensificar a fiscalização e os moradores devem comprometer-se em denunciar o vizinho que faz uma nova obra. Já o Ministério Público poderá autuar a prefeitura e o Estado,em casode omissão, e adotar medidas para ir atrás do patrimônio dos infratores:' Mas nada disso vai funcionar se as decisões na Justiça forem demoradas, ressalva. Enquanto isso não acontece, as placas de" Vende-se" espalham-se pelo Sítio Ioaninha. •

Yara Carvalho acredita que em um ano será possível ter um diagnóstico preciso da realidade das áreas de mananciais nas duas sub-bacias escolhidas e um modelo com condições de fazer simulações. ''A partir daí podemos ver os efeitos das várias decisões que podem ser tomadas. Ao mesmo tempo vamos usar o jogo de papéis, onde um dos participantes nas discussões fará o papel de dono da indústria, por exemplo, e a partir daí será analisado o custo de transferir a empresa para outro lugar:' Com isso, ela explica, pretendese trazer a pesquisa para o diálogo direto com a comunidade.

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..•.


I POLÍTICA CIENTÍFICA

E TECNOLÓGICA

DIVU LGAÇÃO

Impulso à cultura científica Fundação avalia impacto de seus programas e cria agência de notícias

APESP

está lançando um projeto de avaliação dos resultados de suas políticas de fomento à pesquisa e ~ uma agência de notícias para ampliar o alcance da divulgação científica. "As duas iniciativas, aparentemente isoladas, se articulam conceitualmente e filosoficamente no que se refere ao papel institucional", explica Carlos Vogt, presidente da Fundação. Para Vogt, a cultura científica desenha uma espiral que se movimenta em quatro quadrantes. Seu ponto de partida é a produção e difusão da ciência entre os pares, função que envolve pesquisadores e o aparelho institucional de fomento e produção do conhecimento; se amplia para o ensino da ciência e formação de cientistas,envolvendo cientistas, professores e estudantes, desde o ensino fundamental até a pós-graduação; avança na direção do ensino para a ciência, que tem como atores desde professores e diretores de museus até jovens estudantes, e completa um CÍrculo com a divulgação científica, quando o conhecimento produzido reverbe26 • JULHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 89

ra para a sociedade como um todo, antes de reiniciar o ciclo, cada vez mais estendido. "O autoconhecimento da instituição, por meio da avaliação de seus programas, e a agência de notícias contribuem para a dinâmica dessa espiral", justifica Vogt. O projeto de avaliação dos resultados das políticas de fomento da FAPESP deverá abranger um período de dez anos. Está dividido em quatro subprojetos. No primeiro, já em curso, está sendo feito um inventário do parque de equipamentos de médio e grande portes financiados pela Fundação em seus diversos programas especiais, de inovação tecnológica e auxílios à pesquisa, levando em conta sua condição de uso e ambiente ao qual está agregado. Esses dados serão levantados nos processos de prestação de contas - que estão sendo digitalizados - e por meio de questionários eletrônicos que serão encaminhados aos pesquisadores e grupos beneficiados. As informações serão reunidas num banco de dados acessível pela internet a qualquer pesquisador. O

projeto estará concluído em meados do segundo semestre. "A idéia é formar um diagnóstico para política de concessão de novos equipamentos': explica Vogt. O segundo subprojeto vai traçar o perfil da demanda por financiamentos da FAPESP,desde 1992, buscando dados tanto sobre os pesquisadores que tiveram projetos aprovados como dos que tiveram propostas rejeitadas. "Pouco sabemos sobre eles': afirma Vogt. Na mesma perspectiva, o terceiro subprojeto vai rastrear a trajetória científica e profissional dos pesquisadores que, nos últimos dez anos, contaram com alguma forma de auxílio da FAPESP."Esses dados vão auxiliar a instituição a conhecer o seu papel no processo de formação de cientistas", afirma Vogt. E, finalmente, o quarto subprojeto vai avaliar os reflexos do apoio da instituição às empresas que integram os programas Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) e Parceria para a Inovação Tecnológica (PITE) e criar indicadores de desempenho. Os dois programas contam, respectiva-


LINHA DO ESPAÇO

ENSINO PARA A CIÊNCIA

DIVU LAGAÇÃO DA CIENCIA

LINHA DO TEMPO

ENSINO DA CIÊNCIA E FORMAÇÃO DE CIENTISTAS

mente, com 185 e 58 projetos aprovados, em em diferentes fases de desenvolvimento. Os dados sobre os dois programas serão coleta dos no Centro de Processamento de Dados da Fundação e por meio de questionário enviado aos coordenadores dos grupos de pesquisa, de forma a estabelecer critérios que permitam a comparação entre os distintos empreendimentos. O projeto é coordenado tecnicamente pelo assessor especial da presidência, Iocimar Archângelo, que foi responsável pelo vestibular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pela implementação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), do Ministério da Educação (MEC). O pesquisador responsável é Geraldo di Giovanni, da Faculdade de Economia da Unicamp. Os subprojetos serão coordenados por Helena Maria Cunha do Carmo Antunes, da Escola de Engenharia de São Carlos, da Universidade de São Paulo (EESC-USP), e Eugênia Maria Reginato Charnet, do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica, da Unicamp.

PRODUÇÃO E DIFUSÃO CIENTíFICA

o aI de junho, a FAPE estreou uma agência e notícias de ciência e te nologia, a Agência FAPESP, que conta com um site (www.agencia.fapesp.br) e boletins diários distribuídos por e-mail a um público amplo e diversificado, formado por pesquisadores, dirigentes de órgãos de fomento, universidades e institutos de pesquisa do país, políticos, jornalistas e outros interessados em ciência e tecnologia. A Agência FAPESP está integrada à gerência de comunicação, dirigida pela jornalista Maria da Graça Mascarenhas. Não é uma agência produtora de notícias apenas relacionadas à Fundação, mas de abrangência muito maior. Ela produz notícias, entrevistas e reportagens especiais sobre assuntos relacionados à política científica e tecnológica e à divulgação de resultados de pesquisas desenvolvidas no Brasil e no exterior. A assinatura dos boletins da agência é gratuita e pode ser feita pelo próprio site. "O principal papel da Agência FAPESP é o de difundir a cultura da ciên-

N

cia", diz Vogt. "Ela surge como uma necessidade natural, pois é importante tentar entender corno a ciência se faz, mas é mais importante ainda compreender como a ciência se desenvolve e evolui. A agência de notícias pode ser algo novo para a FAPESP do ponto de vista da novidade pontual, mas não do ponto de vista da cultura da Fundação, que sempre esteve voltada para esse tipo de preocupação." A agência se articula com outras iniciativas da Fundação na área de divulgação científica, como a revista Pesquisa FAPESP, sua edição eletrônica (www.revistapesquisa.fapesp.br) e o site da Fundação (www.fapesp.br). Trabalhando de forma articulada, as informações geradas por cada um dos produtos podem ser aproveitadas pelos outros. Entretanto, a agência conta com uma equipe própria, coordenada pelo jornalista Heitor Shimizu. Os primeiros boletins foram enviados para cerca de 15 mil pessoas, mas já na primeira semana esse mailing cresceu significativamente, em razão principalmente das solicitações feitas diretamente ao site. • PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 27


• CIÊNCIA

LABORATÓRIO

MUNDO

Um artifício para contar elétrons o físico Alex Rimberg, da Rice University, nos Estados Unidos, e dois de seus alunos de pós-graduação conseguiram tornar os elétrons - partículas que giram ao redor do núcleo atômico um pouco menos abstratos: conseguiram realizar pela primeira vez uma contagem de elétrons individuais em tempo real, valendo-se de um aparelho nanoscópico que se vê ao lado, feita com um microscópio eletrônico. Medindo cerca de 1 milionésimo de metro de comprimento, o aparelho foi construído sobre um filme ultrafino de um material supercondutor, o ar• Os mais antigos homens modernos Agora, parece que foi mesmo na África que a espécie humana tal qual a conhecemos surgiu - e dali se espalhou para o restante do mundo. Foi no leste do continente africano, precisamente em . Herto, no deserto de Awash, porção central da Etiópia, que uma equipe de pesquisadores norte-americanos e etíopes descobriu os fósseis mais antigos do homem moderno (Hama sapiens). São três crânios - dois de adultos e um de uma criança de aproximadamente 7 anos - e mais alguns dentes de outros sete indivíduos, encontrados em meio a ossos de hipopótamos e antílopes e ferramentas de pedra. Com cerca de 160 mil

seneto de gálio. Um campo elétrico em forma de anel corre em volta das pontas de cinco fios de ouro, criando uma ilha central onde cerca de 80 elétrons são isolados dos demais na estrutura. Valendo-se de temperaturas ultrafrias, os pesquisadores conseguem reduzir a movimentação dos elétrons e contar, individualmente, suas entradas e saídas do circuito (Nature, 22 de maio). O resultado beneficia especialmente a pesquisa de computadores quânticos, projeta dos com base na estranha propriedade dos elétrons de estar em vários lugares ao mesmo tempo. •

anos, segundo a datação com argônio, os crânios adultos guardam semelhanças com o homem moderno: face mais achatada e caixa craniana em forma de globo. Mas traços mais primitivos, como os olhos mais afastados um do outro, levaram os pesquisadores a classificar os crânios descritos em dois artigos na Nature de 12 de junho como sendo de Homo sapiens ida/tu, uma subespécie do H. sapiens. Analisadas em conjunto, essas características colocam esses hominídeos nas raizes da árvore evolutiva humana e são um reforço às evidências genéticas de que o homem moderno surgiu na África - ainda não se sabe se em apenas uma ou mais regiões - e depois migrou para os outros continentes, o opos-

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to do que prevêem as teorias que sugerem que as primeiras características do H. sapiens apareceram quase ao mesmo tempo em diferentes pontos do planeta. •

• Os benefícios da poeira no ar

global do planeta, é maior do que se pensava (New Scientist, 4 de junho). Imaginava-se até pouco tempo atrás que os aerossóis reduzissem em um quarto o efeito estufa, quando na verdade podem diminuir em até três quartos, baixando o aumento de temperatura em até 1,8 C, de acordo com as conclusões apresentadas no final de maio em Berlim, na Alemanha, com a participação de representantes da Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). A má notícia é que as 0

O impacto dos aerossóis - as partículas microscópicas originadas, por exemplo, por queimadas, erupções de vulcões ou queima de combustíveis fósseis - sobre o aumento do efeito estufa, o aquecimento


gnitude 10, visível somente por meio de telescópios) em um período de 332 dias. Algumas das estrelas vermelhas muito luminosas recémdescobertas confirmam a existência de uma população de estrelas de idade intermediária no halo dessa galáxia. Essa verificação ajuda a entender como as galáxias elípticas gigantes se formam. •

partículas permanecem no ar por cerca de uma semana, enquanto os gases responsáveis pelo aumento do efeito estufa circulam pela atmosfera por até 100 anos antes de se desfazerem. Além disso, a emissão de aerossóis tende a cair, enquanto a dos gases, aumentar. Conclusão: o benefício dos aerossóis é passageiro e o aumento do efeito estufa deve prosseguir. •

• O aço unido ao diamante

• Estratégia contra a tuberculose Duas mulheres africanas estão por trás de uma descoberta que pode salvar milhões de vidas no mundo inteiro. As sul-africanas Valerie Mizrahi, da Universidade de Witwatersrand, em Iohannesburgo, na África do Sul, e Helena Boshoff, do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (INS), mais o norteamericano Clifton Barry, também do INS, descobriram uma proteína que está associada à capacidade de o Mycobacterium tubercu/osis desenvolver mutações e tornar-se mais resistente às drogas - esse é o principal problema no combate à tuberculose, causada por essa bactéria. Em um artigo na revista Cell, os pesquisadores descrevem uma proteína conhecida como DnaE2 . .À primeira vista, ela é bastante parecida com um tipo de polimerase que copia o DNA, mas na verdade não passa de uma reprodução defeituosa do DNA. Este é o perigo: são os defeitos na matriz que permitem a formação de bactérias ligeiramente modificadas que, quanto mais resistem às drogas, mais se proliferam. Eliminadas as proteínas, camundongos inoculados com o M. tuberculosis voltavam a responder aos me-

Centaurus A: brilho das estrelas varia 1.500 vezes

dicamentos, além de morrerem em menor quantidade que os animais do grupo com a proteína atuante. A DnaE2 tornou-se um alvo para reduzir a taxa de resistência a drogas gerada por mutações bacterianas. •

• As estrelas de brilho variável No primeiro censo de estrelas de brilho variável do grupo local de galáxias, do qual a ViaLáctea faz parte, uma equipe internacional formada por

Resistência ampliada:

astro físicos alemães, chilenos e australianos descobriu mais de mil estrelas vermelhas variáveis na galáxia elíptica Centaurus A (NGC 5128). Acredita-se que a oscilação no brilho seja causada pela pulsação da estrela, que altera sua temperatura e o tamanho desses objetos celestes - cerca de 0,3% das estrelas visíveis são classificadas como variáveis. Há exemplares cujo brilho varia 1.500 vezes entre o máximo (magnitude 2, como a das 50 estrelas mais brilhantes no céu) e o mínimo (ma-

camada adesiva entre diamante e aço

o químico Ivan Buijnsters, da Universidade de Nijmegen, na Holanda, conseguiu juntar a dureza do diamante com a resistência do aço em uma única peça, aplicando uma camada adesiva entre a superfície de aço e o revestimento de diamante. Buijnsters já produzia esse revestimento a partir da diluição de metano em hidrogênio. Por meio dessa técnica, os átomos de carbono presentes no metano desprendem-se formando uma fina camada de diamante que adere a diversas superfícies. O problema é que, aplicado ao aço, o carbono penetra no metal e produz grafite em vez de diamante. Buijnsters pôs-se então a procurar um terceiro material capaz de grudar no aço e deter a passagem dos átomos de carbono. No início, o silício parecia um bom candidato, mas falhou por deixar os átomos passarem. Já o nitreto de cromo produziu boas camadas de diamante em vários tipos de aço, mas de má qualidade no aço inoxidável. O campeão foi o boro, que se saiu bem em todas as variedades do metal, além de permitir uma expansão adequada da superfície externa do aço durante a aplicação do diamante a 6000 C. •

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o alerta da balança Em conseqüência do desmame precoce e da dieta rica em alimentos industrializados, gorduras e açúcares, as crianças de Florianópolis tornaram-se mais taludinhas do que a média nacional. Pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) verificaram que 6,8% das crianças

• Febre maculosa volta a preocupar Apenas em 2000, na região de Campinas, a nordeste do Estado de São Paulo, houve oito casos notificados de febre maculosa. Provocada pela bactéria Rickettsia rickettsii, chega ao homem por meio do carrapato-estrela ou carrapatode-cavalo (Amblyomma cajennensei, que vive em eqüinos, gado, roedores silvestres, coelhos e cães. Um levantamento publicado nos Cadernos de Saúde Pública avalia a incidência de febre maculosa desde 1985, quando houve apenas três casos nessa região. Desde então, acumulamse 47 casos confirmados, com 23 mortes, e ocorreu uma ampliação da área de transmis-

da capital catarinense estão com sobrepeso - peso acima do normal para a altura. É uma taxa maior que a média nacional (4,9%), de acordo com o estudo publicado na Revista de Nutrição e apoiado na avaliação de 3.806 crianças com até 6 anos, o equivalente a 10% da atual população da

são: ao menos cinco municípios se apresentam como novas áreas de infecção. Segundo a coordenadora do estudo, Virgília Castor de Lima, da Superintendência de Controle de Erídemias (Sucen), há casos relatados também no Rio de Janeiro, no Espírito Santo e na Bahia. "É possível que exista transmissão ainda não detectada em outros estados", diz ela. Rara e de diag-

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Perigo próximo: cães com carrapatos

cidade nessa faixa de idade. "Se a tendência persistir, teremos uma geração de adultos obesos, com a saúde comprometida pela associação com doenças crônicas não-transrnissíveis, como diabetes e hipertensão", diz Arlete Tittoni Corso, a coordenadora do estudo. "Temos de atuar nas

nóstico difícil, mas com uma letalidade de 20%, a febre maculosa p~eocupa também por se tratar de "uma doença emergente, pouco conhecida dos profissionais de saúde, o que causa atraso no diagnóstico", ressalta a pesquisadora. O Ministério da Saúde tornou a febre maculosa doença de notificação compulsória e prepara um manual sobre a enfermidade. •

unidades de saúde, orientando as gestantes sobre como alimentar os bebês durante e após o desmame, e em creches, acompanhando o crescimento das crianças." Estima-se que no Brasil existam cerca de 3 milhões de crianças de até 10 anos com sobrepeso. Em 1989, eram 1 milhão .•

• Mercúrio contamina índios em Rondônia Nem só à região do garimpo se restringem os danos arnbientais e de saúde provocados pela extração do ouro. Pesquisadores do Instituto Evandro Chagas (IEC), em Belém, no Pará, e da Universidade Federal do Rio de Janeiro avaliaram 910 índios da etnia pacaá-nova, habitantes da região de Guarajá-mirimno noroeste de Rondônia, próximo à Bolívia e distante dezenas de quilômetros dos garimpos do rio Madeira. A partir da análise das taxas de mercúrio encontradas no cabelo, a equipe de Elisabeth Santos, do IEC, viu que os índios apresentavam níveis superiores ao limite tolerado


Impacto: resíduos do garimpo atingem peixes e ribeirinhos

pela Organização Mundial da Saúde, que é de 6 microgramas por grama de cabelo em média, os níveis dos pacaás-novas eram de 6,9 microgramas/grama, segundo estudo publicado nos Cadernos de Saúde Pública. Utilizado para separar da areia o ouro, o mercúrio sobe como vapor para a atmosfera e contamina o solo e os peixes dos rios. O mais grave é que as concentrações estavam mais elevadas justamente nos indivíduos mais suscetíveis aos efeitos danosos desse metal: as mulheres em idade reprodutiva e as crianças, que podem apresentar enfraquecimento dos músculos, perda da visão e até danos cerebrais. A taxa de mercúrio chegou a 10,4 microgramas/grama no cabelo de 75% das crianças e atingiu 10,9 microgramas/grama em três de cada quatro índias. •

• O sofrimento de parar de fumar Quem já tentou largar o cigarro sabe que não é fácil. Nem mesmo quando os efeitos danosos do tabaco já se manifestam e as chances de sobreviver dependem do abandono do vício. Para compreender os motivos que di-

ficultam deixar o fumo, pesquisadores do Instituto do Coração (Incor) da Universidade de São Paulo acompanharam por um ano 60 homens e 40 mulheres que precisavam parar de fumar mais da metade havia sofrido infarto, 30% tinha hipertensão grave e todos já haviam tentando sem sucesso largar esse hábito ao menos uma vez. Ao avaliar o perfil dos participantes, a cardiologista Iaqueline Issa, do Ambulatório de Tabagismo do Incor, constatou que 67% das mulheres fumantes apresentavam depressão, que atingia 38% dos homens - são índices muito superiores aos do restante da população. Agora fica mais fácil entender por que algumas pessoas têm dificuldade maior para deixar o cigarro. "Esses indivíduos parecem mais vulneráveis à ação da nicotina, que gera dependência química e psíquica por aliviar a tensão e melhorar o estado emocional", explica Iaqueline. "Esse estudo ajuda a combater o estigma de que o fumante não tem determinação", diz ela. Em seguida, -a equipe do Incor tratou os fumantes por três meses com o antidepressivo bupropiona, o Zyban. Logo após esse período, o medicamento mostrou-se mais efi-

Dilema: entre a ansiedade e o risco de obesidade

ciente entre as fumantes: 62% das mulheres deixaram o cigarro, enquanto só 43% dos homens pararam de fumar. Nove meses mais tarde, porém, metade das pessoas que haviam largado o fumo voltou a consumir cigarros. [aqueline atribui a recaída à depressão, no caso dos homens. Já entre as mulheres a retomada do hábito de fumar ocorreu por causa da ansiedade latente, observada mesmo entre as que não retomaram o vício depois de usar o Zyban, as exfumantes trocaram o cigarro pela comida e ganharam, em média, 8 quilos. •

de boi para implantes

• OSSO

Uma equipe da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) avança na pesquisa de parafusos feitos a partir de osso bovino, que podem ser usados em implantes médicos e odontológicos. Depois de Fábio Rojas Mora, em 2000, ter desenvolvido os parafusos de osso bovino, Daniela Águida Bento demonstrou que esses dispositivos apresentam uma resistência mecânica igualou até mesmo superior aos equivalentes feitos de titânio. Ela implantou os parafusos dos dois tipos em grupos distintos de coelhos, retirou os fêmures após 17 dias e os submeteu a ensaios mecânicos e a exames de tomografia computadorizada. O fêmur com o implante de osso resistiu a uma maior carga do que o que recebeu implante de titânio. Além disso, os fêmures se quebraram em locais diferentes: nos pontos em que estava o parafuso de osso ou, no outro caso, um pouco mais distante, uma indicação de que o parafuso de osso distribui as cargas de modo mais uniforme. •

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orgamsmo, em um processo que se esAs análises de sangue retirado tanto gota com o fim do exercício, sem que de animais de laboratório quanto de reste nada para tornar os braços ou as esportistas profissionais indicam que modalidades esportivas distintas, como pernas mais apresentáveis. natação ou corrida, determinam resposRosa começou a estudar o papel da glutarnina nas alterações da resposta tas diferentes do sistema imunológico. imune de atletas profissionais - mais Dependendo da intensidade e dos sujeitos a estresse físico e a infecções que músculos acionados, pode haver maior os indivíduos sedentáou menor mobilização rios - em 1996. Tinha de células do sangue acabado de chegar de ou de substâncias chamadas citocinas, que um pós-doutoramenexercício to no laboratório de promovem a ação infísico moderado Eric Newsholme, em tegrada do sistema imune. As conclusões Oxford, Inglaterra amplia foi Newsholme o desabrem a possibilidade a resposta de indicar os exercícios cobridor de que a glutamina é a principal mais apropriados para a vacinas doenças específicas, alfonte de energia para as células do sistema go feito até agora com imunológico. Rosa debase apenas na intuitalhou esse processo e ção, sem evidências experimentais. A equipe da USP concluiu, comprovou que a ação da glutamina é complementar à da principal molécula por exemplo, que a natação ajuda a conprovedora de energia do organismo, a ter a artrite reumatóide, um tipo de inglicose, ainda que ambas percorram caflamação crônica e incurável que se deminhos bioquímicos diferentes, consenvolve nas articulações, com dores e forme noticiado num artigo publicado deformidades progressivas. Estima-se que no Brasil existam cerca de 2 miem maio de 2002 na revista Nutrition. lhões de brasileiros com artrite reuma"Com essa adaptação metabólica': diz o tóide, mais comum em mulheres, sopesquisador, "as células ganham versabretudo após os 50 anos. Com a cautela tilidade e produzem energia a partir de uma matéria-prima abundante, a glutípica dos pesquisadores, Rosa alerta, porém, que as conclusões emergiram tamina, enquanto empregam a glicose de experimentos com ratos e ainda é na síntese de proteínas essenciais ao processo de duplicação celular." cedo para se pensar em aplicações imediatas em seres humanos. ssenão é o único meio- pelo Suplementos - Mas há uma vertente qual o sistema imune ajuda o organismo a produzir dessa pesquisa cujos resultados já podem ser adotados. A equipe da USP energia mais rapidamente. , Há apenas dois anos, Bente examinou os suplementos energéticos Pedersen, da Universidade de Copeà base de aminoácidos (as unidades das nhague, na Dinamarca, descobriu que a proteínas) vendidos em lojas muitas interleucina-6 - uma proteína que ativezes vizinhas das academias de ginástica - e a conclusão é que nem sempre va as células do sistema imunológico em fazem tudo o que se imagina que faresposta a inflamações - ajuda a conzem. Para desgosto de quem sonha em verter as reservas de glicose armazenaganhar rapidamente o corpo de um Ardas no fígado em glicose pronta para nold Schwarzenegger, a má notícia é ser queimada pelas células. Esse trabalho estabeleceu outra função estratégique os aminoácidos em geral não aumentam a massa muscular - o suposto ca para o sistema imunológico - conefeito anabolizante. Em compensação, junto de 2 trilhões de células brancas ao menos um deles, a glutamina, atua agrupadas sob o nome genérico de leucócitos. Dispersos na corrente sande fato como uma fonte extra de energüínea e nos tecidos, os leucócitos gia para as células de proliferação rápida - tanto as do sistema imune como as equivalem a 2% do peso corporalse da parede do intestino - durante o pudessem ser reunidos, correspondeexercício físico. Desse modo, a glutamiriam, em massa, ao fígado ou ao cérena satisfaz as necessidades imediatas do bro. Eram vistos apenas como faxinei-

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ros do organismo, aptos tão-somente a destruírem vírus, bactérias e células velhas ou doentes, até o trabalho de Pedersen vir à tona e atrair outros cientistas. "Devem existir outras proteínas do sistema imune que regulem a produção de energia", acredita Rosa. À frente de um dos únicos centros brasileiros de pesquisa sobre exercício e imunidade, o pesquisador da USP toma fôlego para seguir pela trilha aberta pela pesquisadora dinamarquesa, disposto a avaliar a importância desses mecanismos em seres humanos. Ganhos de imunidade - Quem faz ginástica, nada, corre ou pedala pelo menos três vezes por semana - numa intensidade equivalente a 60 ou 70% da capacidade máxima de consumo de oxigênio, de acordo com a clássica definição de atividade física moderada tem acesso mais rápido que os amigos do sofá a essas vias alternativas de energia. Mas quem inveja o vigor agora comprovado dos esportistas tem um consolo: bastam dez minutos de subida na escada para usufruir de um benefício da atividade física já comprovado e iniciar o recrutamento de leucócitos. Meia hora depois do início do exercício, o sangue que corre pelo corpo contém um número de células brancas duas ou até quatro vezes maior que o normala proporção depende da intensidade do exercício, fazendo jus ao esforço de quem não pensa duas vezes antes de subir na esteira ou na bicicleta. Mas de onde vieram esses leucócitos que caem na circulação? Eles foram liberados mais intensamente pela medula óssea, onde são produzidos, e retirados das profundezas de órgãos como pulmão, fígado e baço. Só dois dias depois, em média, é que essas células saem das artérias e veias e se espalham pelos músculos e por outros tecidos do corpo - é quando começam a limpar o corpo de vírus, bactérias, toxinas ou mesmo células doentes, cumprindo assim sua missão mais conhecida. Com o trabalho desse grupo está provado também que o esforço físico moderado amplia a resposta a vacinas. Num experimento feito no ICB com ratos sedentários, a vacina usada contra a tuberculose, a BGC (sigla de Bacillus Calmette-Guerin), aumentou em 69% a quantidade de um tipo de anticorpo chamado imunoglobulina do tipo G


Entre uma passada e outra 3 Nos vasos sangüíneos, o cortisol ajuda a aumentar a quantidade de linfócitos, que capturam a glutamina e a utilizam como fonte de energia.

A atividade física aciona uma série de órgãos e de processos bioquímicos que aceleram a produção de energia de que o corpo necessita

4 Durante o exercício, as pernas se tornam o principal centro produtor de energia. A movimentação faz as células musculares produzirem glutamina em maior quantidade. Em seguida, a glutamina é liberada para a corrente sangüínea.

No fígado, o cortisol e a glutamina induzem à produção de glicose, que cai na circulação e vai abastecer as células musculares. A alanina, outro aminoácido liberado pelas células musculares, ajuda a transformar glicogênio em glicose.

5 2 As glândulas supra-renais liberam cortisol, que também cai na circulação.

o exercício ativa a hipófise,

que age com o hipotálamo e libera o hormônio adrenocorticotrófico (ACTH). O ACTH chega às supra-renais e estimula a produção de mais cortisol, que vai reforçar a produção de energia no fígado e de matérias-primas para a glutamina nas células musculares.


(IgG), ao passo que os ratos treinados ganharam quase o dobro (135%) desses anticorpos. A atividade física pode ainda recuperar as perdas do sistema imune causadas pela desnutrição, como indica um trabalho cujas conclusões detalhadas devem sair em breve na revista Clinical Nutrition. Explorando essas vertentes, os dois pós-doutores, oito doutorandos, dois mestrandos e oito estagiários da equipe de Rosa - todos nadam, correm ou pedalam, embora o coordenador do laboratório negue que a afinidade pelo esporte seja uma exigência curricular dão sustentação científica ao lugar-comum de que a atividade física faz bem. Mas a busca de explicações para os ganhos de imunidade exige o fôlego de uma maratona. Em março de 2001, Reury Frank Pereira Bacurau, um dos alunos de Rosa, concluiu seu doutoramento mostrando a ação do esforço físico contra o tumor de Walker,que ataca órgãos vitais, como o pulmão, o fígado e o intestino. Normalmente o exercício moderado faz bem ao organismo, e os intensos tendem a ser prejudiciais, por consumirem energia em excesso, mas Bacurau conseguiu demonstrar que, no caso do câncer, tanto um quanto outro tipo podem ser benéficos. Ficou no ar, porém, a dúvida sobre como o organismo seria beneficiado. ó agora, dois anos depois, é possível explicar os resultados de modo mais consistente. A atividade física parece atuar como um marcador de tempo - os ratos do experimento iam para a esteira sempre às 8 horas da manhã, cinco vezes por semana. A corrida funcionaria assim como a melatonina, o hormônio produzido pela glândula hipófise, na base do cérebro. Por ser liberada em maior quantidade à noite, a melatonina diminui a temperatura do corpo e induz ao sono. Desse modo, atua como um regulador do relógio biológico, regido pela alternância entre claro e escuro. A regularidade com que é liberada - tal qual o exercício feito no mesmo horário - determina o padrão de funcionamento de outros processos do organismo, como a digestão, o ritmo cardíaco e a respiração. O crescimento de um tumor, em qualquer parte do corpo, desregula a produção de melatonina e desorganiza

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Alívio à artrite - Pouco o ritmo em que o ora pouco, fortaleceu-se ganismo costumava Esteira reduz funcionar - é parte da a hipótese de que diferentes exercícios pobagunça orgânica coa desordem nhecida como caquedem ajudar a resolver causada pelos xia. "Quando começa doenças distintas. Para reduzir as dores nas a caquexia, o organistumores no articulações causadas mo se perde, mas o organismo pela artrite reumatóiexercício pode substide, por exemplo, agora tuir parcialmente o se sabe que uma ativipico noturno de melatonina", diz Rosa. "O dade eficaz é a natação, conforme mostrou Francisco Naorganismo parece trocar o sinal da mevarro, outro aluno de Rosa, em um latonina pelo exercício,recuperando ao trabalho com ratas - esse problema é menos em parte a organização anterior." Durante o exercício, há uma inmais comum em fêmeas. Em comparação com os animais que ficaram longe tensa comunicação entre os sistemas da água, observou-se uma diminuição nervoso, hormonal e imune, que são de até 40% nos sintomas da artrite reumobilizados de modo a gerar energia matóide, medidos por meio de marcao mais rapidamente possível ( veja ilusdores de dor, como a prostraglandina, tração na página anterior). Os experinas ratas que nadaram uma hora por mentos realizados no laboratório do dia, cinco vezes por semana. ICB reforçaram a idéia de que as horas Está também mais claro por que o de esteira a que os ratos se submeteram exercício faz bem para o coração. Em podem ter restabelecido as conexões termos gerais, é porque estimula a properdidas com o avanço do tumor.


Esforço recompensado: meia hora após o início do exercício há até quatro vezes mais células brancas no sangue

dução das chamadas citocinas pré-inflamatórias - a exemplo do fator de necrose tumoral alfa - em um processo que conduz à recuperação do coração de ratos infartados, de acordo com os resultados preliminares de um estudo a ser apresentado este mês em Copenhague no Congresso Internacional dé Imunologia do Exercício. No encontro científico da capital da Dinamarca, Rosa vai submeter-se à sabatina de outros especialistas também com os resultados mais recentes sobre desnutrição e atividade física. Sabe-se há pelo menos 30 anos que a falta de comida reduz a produção de células do sistema imune - como, de resto, afeta todo o organismo. No entanto, como a equipe do ICB demonstrou, exercícios moderados revertem essa perda e aumentam a produção de citocinas e a proliferação de linfócitos, um tipo de leucócito, em um processo intermediado pela glutamina. Produzido principalmente pelas células dos músculos, esse aminoácido

também reequilibra os dois tipos de respostas imunes: a celular, acionada no combate a tumores e infecções, e a humoral, promovida pelos anticorpos e adotada contra parasitas e em reações alérgicas. Além das novidades sobre os processos que ocorrem no interior dos leucócitos, os pesquisadores descobriram um fenômeno que chamaram de Paradoxo do Corredor Africano: ratos

o PROJETO Influência do Exercício Imune sobre a Resposta Imunológica de Ratos Desnutridos MODALIDADE

Linha regular de auxílio à pesquisa COORDENADOR LUIS FERNANDO

BICUDO PEREIRA

COSTAROSA- Instituto Biomédicas da USP INVESTIMENTO

R$ 383.047,25

de Ciências

desnutridos correm mais que os bem nutridos. "Pode ser que corram mais por terem metade do peso que os bem nutridos ou por conseguirem armazenar mais energia, já que passam 23 horas descansando e uma hora em atividade", diz Rosa. "Na hora de usarem energia, têm mais reserva que os do outro grupo." A equipe da USP reforça os resultados acompanhando atletas profissionais, como Rodrigo Tadei e Edmundo Caetano, dois expoentes do triatlon nacional que participam das pesquisas há cinco anos. O estudo, que mostrou a importância da glutamina para resposta imune de atletas como fonte extra de energia, por exemplo, foi feito com 12 triatletas que nadaram 1,5 quilômetro, pedalaram 40 quilômetros e correram outros 10, além de 24 maratonistas que fizeram um percurso de 30 quilômetros em duas horas - um mês antes da competição, esticaram o braço para a primeira retirada de sangue, cuja análise fundamentaria o estudo. O próprio Rosa deu o sangue pela ciência, literalmente. Foi em janeiro do ano passado, quando ele subiu na bicicleta, seu aluno de doutorado Reinaldo Bassit subiu em outra, e os dois partiram pedalando rumo a Uberaba, no Triângulo Mineiro, a 500 quilômetros de São Paulo. Paravam a cada 12 horas, após terem percorrido 250 quilômetros, e doavam um pouco de sangue para a equipe de apoio, que os seguia em uma perua. "Pretendíamos fazer os 1.000 quilômetros de ida e volta, mas fizemos apenas 700 porque na volta começou a chover e a ventar forte, perto de Ribeirão Preto, e tivemos de desistir", diz o pesquisador-esportista, que foi remador durante 18 anos. Trocou o barco e o remo por uma bicicleta de corrida e ainda acorda todo dia às 4h30 da manhã para pedalar de 80 a 120 quilômetros. Chega ao laboratório às 8 e, sempre que consegue se liberar dos compromissos familiares, termina o dia correndo 12 a 15 quilômetros na volta para casa. É ele, por sinal, o corredor que aparece na ilustração e o nadador acima. • PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 37


• CIÊNCIA

MEDICINA

As células de mil faces Equipes brasileiras usam terapia celular para tratar experimentalmente doenças auto-imunes e lesões no cérebro

Brasil, o não são apenas os portadores de problemas cardíacos que desfrutam os benefícios - ainda em fase experimentaldas células-tronco adultas, alvo de intenso interesse porque são capazes de se diferenciar das células de alguns tecidos do corpo, como os do coração e do cérebro. Após os experimentos pioneiros de Alberto Marmont, do Hospital San Martino, em Gênova, Itália, e de Alan Tyndall, da Basiléia, Suíça, o uso desse tipo de célulastronco ganha outra aplicação: no tratamento das chamadas doenças auto-imunes, quando o sistema imunológico ataca tecidos e órgãos saudáveis do próprio organismo. Desde 1996, quando Marmont e Tyndall anunciaram as conclusões de seus testes com seres humanos, os experimentos com células-tronco espalharam-se por centros europeus, norteamericanos e brasileiros. Na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da U~iversidade de São Paulo (USP), Júlio César Voltarelli concluiu nove transplantes de células-tronco para tratar doenças auto-imunes, realizados em colaboração com médicos de dois hospitais paulistanos, o Albert Einstein e o Sírio Libanês, e um de Belo Horizonte, o Socor. De acordo com um artigo a ser publicado em breve na Bane Marraw Transplantation, quatro pacientes eram portadores de lúpus eritematoso sistêmico, uma inflamação grave que atinge a pele, as articulações e causa danos progressivos nos rins. Três outros sofriam de esclerose múltipla, em que as células de defesa destroem a bainha de mielina, uma capa que protege os neurônios (células nervosas), e leva à incapacidade física progressiva. Outro paciente apresentava esclerose sistêmica, uma doença que provoca a perda de elasticidade da pele e de órgãos internos e mata por insuficiência respirató-

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ria. Além de esclerose sistêmica, o nono paciente tinha lúpus. Em um trabalho vinculado ao Centro de Terapia Celular, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) apoiados pela FAPESP, Voltarelli deu aos pacientes uma quimioterapia à base de medicamentos chamados imunossupressores, que eliminam as células do sistema imune. Ao mesmo tempo, aplicou doses de um hormônio que estimula as células-tronco a migrarem da medula óssea - onde se concentram - para o sangue, que foi filtrado para separar as células-tronco das demais. Após uma dose mais alta de imunossupressores, o pesquisador repôs as células-tronco de volta ao sangue dos pacientes. Voltarelli acredita que as células-tronco substituam as células sangüíneas é assim ajudem a restaurar o sistema imunológico debilitado pela quimioterapia. Das nove pessoas tratadas, três morreram - um fato que os médicos atribuem a complicações geradas pela quimioterapia e à gravidade da doença que já apresentavam. As outras seis melhoraram, embora permaneçam sob acompanhamento médico. Cinco delas não precisaram mais de medicamentos que inibem o sistema imune e apenas uma recebeu mais uma dose de imunossupressores. "Aos poucos, estamos avançando': diz Voltarelli, que integra a equipe que prepara os primeiros estudos em outros dois problemas de saúde humana, a artrite reumatóide e o diabetes. Neurônios lesados - Numa outra série de experimentos, Rosalia Mendez Otero e Gabriel de Freitas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Maria Lucia Mendonça, do Hospital Pró-Cardíaco, conseguiram reduzir - por enquanto apenas em ratos - os danos decorrentes da morte de parte do cérebro por falta de oxigênio e nutrientes. Conhecido como acidente vas-


cular cerebral isquêmico (AVC)ou isquemia cerebral, esse problema pode levar à imobilidade de braços e pernas e até mesmo à perda da fala. Privados de sangue, os neurônios morrem e liberam glutamato, uma substância química que realiza a comunicação entre as células nervosas. Em concentrações elevadas, porém, o glutamato torna-se tóxico e mata as célulasvizinhas, ampliando o estrago. Rosalia observou que, ao injetar células-tronco no sangue de ratos com isquemia cerebral, essas células se dirigem para a região lesada, onde se instalam e permitem a recuperação de neurônios ao redor da área morta - ao que parece,por liberarem substânciasquímicas que contrabalançam a ação do glutamato. Caso pesquisas futuras confirmem esse resultado, o uso de célulastronco pode se tornar uma forma eficaz de impedir, ou ao menos diminuir, os efeitos secundários, que só aparecem alguns dias após a isquemia cerebral. Os medicamentos disponíveisatualmente dissolvem o coágulo que bloqueia o fluxo de sangue, mas só reduzem os danos se tomados nas três primeiras horas após a isquemia. O que se pretende com as células-tronco é ampliar o período em que ainda é possível reduzir os danos gerados pela falta de irrigação do cérebro. •

0.'

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• CIÊNCIA

IMUNOLOGIA

Amicose da erra Avançam as pesquisas de uma vacina e de genes-alvo para combater fungo típico da América do Sul

ós

quase 20 anos de trabalho, pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) chegaram a uma potencial vacina ~ contra o fungo Paracoccidioides brasiliensis, causador de uma micose típica da América Latina, a paracoccidioidomicose, que infecta 10 milhões de indivíduos (80% deles no Brasil). Testes em camundongos e com amostras de sangue de seres humanos revelaram que uma mistura de fragmentos de uma proteína extraída do próprio fungo gera uma resposta imunológica em 75% dos casos, muito próximo do nível desejável para uma vacina. Com novos testes, que devem levar alguns anos, essa vacina deve se tornar uma alternativa efetiva para prevenir a doença e aumentar a eficiência dos tratamentos usuais - à base de medicamentos do tipo sulfa ou fungicidas -, que podem se prolongar por até cinco anos. Outra vertente de trabalho que pode resultar em novas formas de combate à doença é o estudo do genoma do P. brasiliensis. De modo independente, mas complementar, dois grupos - um da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) e outro formado por pesquisadores da região Centro-Oeste - seqüenciaram 11 mil genes do fungo. Encontraram 40 genes 40 • JULHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 89

que representam futuros alvos para medicamentos por serem essenciais à sobrevivência do parasita no organismo humano: estão ligados à agressividade do fungo, à sua capacidade de aderir às células do organismo hospedeiro (por exemplo, as dos pulmões) ou à transformação do micélio, filamentos multicelulares que contaminam os seres vivos, em levedura, células que se espalham pelo corpo. Essa micose causa feridas na pele, lesões na boca e pode contaminar os pulmões e se infiltrar nos ossos, nas articulações e no sistema nervoso central. Alastra-se,sobretudo, entre trabalhadores rurais de áreas de ocupação recente, como os estados de Rondônia, do Tocantins, Pará, Mato Grosso e Acre. É uma provável conseqüência do desmatamento e do preparo do solo para o plantio, que aumenta o número de partículas do fungo em suspensão no ar. Os pesquisadores da Unifesp, extraíram do próprio fungo os ingredientes do que, em experimentos com camundongos e sangue humano, mostrou-se uma possível vacina contra a paracoccidioidomicose. A equipe de Travassos coordenados por Luiz Rodolpho Travassos verificou que pequenos fragmentos de uma proteína (peptídeos) da superfície do fungo, a glicoproteína 43 ou gp43, são capazes de estimular a resposta do sistema de defesa de ro-


Trama intricada: o micélio do P. brasiliensis, uma das formas pela qual o fungo infecta o ser humano

edores contra o P. brasiliensis, um bom indicativo do que pode ocorrer no organismo humano. Rosana Puccia, ainda como aluna de doutorado de Travassos, havia descoberto em 1986 que a gp43 acionava o sistema imunológico humano contra o fungo - funcionava como um antígeno, como dizem os pesquisadores. A molécula inteira, além de estimular a proliferação de linfócitos T, um tipo de célula de defesa, disparava a produção de anticorpos, o que não é eficaz no caso dessa micose. Surgiu então a idéia de buscar um trecho da gp43 que gerasse apenas o efeito benéfico: a produção dos linfócitos T.

PIO, a estrela - Tempos depois, os pesquisadores verificaram que uma pequena parte da gp43 também despertava a resposta imune era um segmento composto por apenas 15 aminoácidos (os blocos formadores das proteínas) conhecido pela sigla PIO. Em testes com três linhagens de camundongos, o PIO estimulou a proliferação de linfócitos T contra o fungo em todos os animais. Após imunizar os roedores com o peptídeo, Carlos Taborda, também aluno de doutorado de Travassos, injetou na traquéia dos animais uma suspensão contendo uma forma agressiva do P. brasilien-

sis e viu que havia uma proteção efetiva contra a infecção: os pulmões não sofriam danos e o fungo não se disseminava pelo organismo. "O PIO é a nossa grande estrela", diz Travassos. Ainda faltava saber se o PIO - ou outros peptídeos da gp43 - funcionaria no homem como uma chave que se encaixa em uma espécie de fechadura química, a molécula MHC de classe 11(sigla em inglês para complexo principal de histocompatibilidade). Formado por duas proteínas acopladas, esse complexo reconhece moléculas estranhas ao organismo e dispara o alarme do sistema de defesa. A fim de gerar a proteção desejada em populações geneticamente distintas, o PIO teria de ser o que os pesquisadores chamam de antígeno promíscuo - promíscuo, aqui, significa se ligar ao maior número possível dos cerca de 300 tipos de moléculas de MHC de classe 11identificados do ser humano. Para verificar se isso ocorria, Travassos trabalhou com pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP e um programa de computador que analisou a compatibilidade entre as estruturas do PIO e as de 25 dos 300 tipos de MHC classe 11.Deu certo: o PIO se encaixava com alta afinidade em 22 dos 25 tipos de MHC de classe 11 analisados - outros quatro fragmentos da gp43 mostraram potencial siPESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 41


milar. Pode parecer pouco, mas esses 25 são os complexos de histocompatibilidade apresentados por 90% da população caucasóide, a maior divisão étnica da espécie humana, que inclui os povos nativos da Europa, norte da África, sudoeste da Ásia, inclusive a Índia, com características como cor da pele, que varia de clara a morena, e cabelos, de lisos a ondulados e crespos. Faltava saber como as cinco moléculas identificadas se comportariam em contato com células do sistema de defesa humano. Desta vez, foi Leo Kei Iwai, da USP,quem testou os peptídeos em amostras de sangue retiradas de 29 pessoas que já haviam recebido tratamento contra infecção pelo P. brasiliensis e ainda apresentavam reação imunológica contra o fungo. Surgiu um quadro complexo: embora ainda fosse o antígeno mais eficaz, o PIO acionou linfócitos T específicos para o antígeno em cerca de metade das amostras examinadas - uma taxa de sucesso aquém da exigida para a produção de uma vacina com um único peptídeo. A boa notícia é que os outros peptídeos funcionaram quando o PIO falhou. De acordo com os resultados mais recentes, os cinco antígenos misturados exibem um desempenho de 75%. "Esse nível já é eticamente adequado para se pensar em uma vacina", diz Travas-

Ciclo de vida: o fungo se prolifera no organismo como levedura

sos. Mesmo assim, ainda é necessário superar outras etapas antes de obter uma vacina viável para os primeiros testes em seres humanos. A primeira delas é produzir os peptídeos em quantidade e com grau de pureza elevados, além de descobrir qual a formulação mais eficiente para imunização. Outros alvos - Em paralelo, a equipe de Gustavo Goldman, da USP de Ribeirão Preto, seqüenciou quase 5 mil genes do P. brasiliensis. Ao mesmo tempo, a rede regional do Genoma Centro-Oeste, consórcio formado por 13 instituições de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e do Distrito Federal, decifrou quase 6 mil genes e na edição de fevereiro da Yeast publicou uma relação de 18 genes mais ativos do fungo. Segundo a coordenadora desse grupo, Maria Su-

eli Soares Felipe, da UnB, descontados os possíveis genes repetidos, a equipe paulista e a do Centro-Oeste mapearam quase todo o geno ma do fungo, estimado em até 15 mil genes. Goldman comparou as seqüências do P. brasiliensis com 60 genes associados à capacidade de provocar doença ou patogenicidade - do Candida albicans, fungo causador da candidíase, uma micose comum que origina feridas esbranquiçadas na boca e manchas avermelhadas na pele. Resultado: o P. brasiliensis apresenta 26 genes semelhantes aos do C. albicans, como atesta um artigo publicado na Eukaryotic Cell de fevereiro. "Esses são possíveis alvos a serem combatidos." A equipe do Centro-Oeste conseguiu alterar geneticamente leveduras do P. brasiliensis, acrescentando um gene ao seu material genético por meio de uma técnica chamada eletroporação, que abre poros na parede celular do fungo e permite a entrada do material genético estrangeiro - procedimento essencial para desativar genes. O grupo chegou à transformação genética de cinco a dez fungos por micrograma de DNA e trabalha para aumentar esse rendimento, de modo a facilitar os experimentos. "O que já conseguimos é um bom começo", diz Maria Sueli. "É um sinal de que é possível alterar geneticamente o fungo." •

OS PROJETOS Biologia Molecular de Componentes Exocelulares Purificados de Paracoccidioides brasiliensis

e lmunobiologia

Caracterização Molecular de Genes Envolvidos no Processo de Patogenicidade e Virulência do Paracoccidioides brasiliensis

Genoma Funcional e Diferencial do Paracoccidioides brasiliensis MODALIDADE

Rede Genoma Centro-Oeste

MODALIDADE

MODALIDADE

Projeto temático

Projeto temático

COORDENADORA COORDENADOR

COORDENADOR LUIZ RODOLPHO TRAVASSOS -

GUSTAVO

Unifesp

USP

MARIA GOLDMAN

INVESTIMENTO

INVESTIMENTO

R$ 284.832,98

H ENRIQUE

(FAPESP)

42 • JULHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 89

R$ 554.380,00

-

SUELI SOARES FELIPE -

IB/UnB INVESTIMENTO

(FAPESP)

R$1.430.000,00

(MCT/CNPq)


• CIÊNCIA

BIOQUÍMICA

Proteção vital Bolsa com cálcio permite ao causador da malária viver no interior das células sangüíneas avia anos intrigava a capacidade de o parasita causador o protozoá-

H

da malária, rio Plasmodium falciparum, viver em um ambiente inóspito: o interior das hemácias, as células vermelhas do sangue, onde há 10 mil vezes menos cálcio do que o necessário para sua sobrevivência. A equipe de Célia Garcia, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), desvendou como se dá essa façanha: no momento em que o parasita penetra na hemácia, parte da membrana da célula sangüínea dobra-se e, como uma luva que recobre a mão, forma uma bolsa ao redor do protozoário. Está aí o segredo da sobrevivência do Plasmodium. A equipe da USP descobriu que o parasita cria um ambiente rico em cálcio ao seu redor, no interior da bolsa que o envolve, chamada vacúolo parasitóforo. Desse modo, consegue sobreviver dentro da hemácia e usar o cálcio em seu favor, para se reproduzir. Uma proteína da parede dessa bolsa, a enzima Ca++ ATPase, exerce um papel essencial nesse processo, por captar cálcio do interior da hemácias. "Pouco a pouco estamos desvendando as estratégias de sobrevivência que permitem ao parasita se dar tão bem nas células em que se hospeda': afirma Célia. Comentada no editorial da mesma edição do [ournal of Cell Biology em que foi publicada, a descoberta revela pos-

.

Problema antigo: campanha de combate ao Anopheles no Ceará em 1940 síveis alvos para combater a malária, .doença transmitida pelos mosquitos do gênero Anopheles, que só no Brasil ocasiona cerca de 600 mil novos casos por ano. Acredita-se que seja possível desenvolver medicamentos que bloqueiem

o PROJETO Biologia Celular e Molecular do Plasmodium MOOALIOADE Projeto temático COORDENADORA CÉLIA REGINA DA SILVA GARCIA -

IB/USP INVESTIMENTO

R$ 440.152,46

o fornecimento de cálcio e, assim, atrapalhem a reprodução do Plasmodium . Em um estudo publicado em 2000 na Nature Cell Biology, Célia apresentou outra peculiaridade da procriação do protozoário. Nas hemácias, os parasitas se reproduzem em ciclos de 24 horas até explodirem as células vermelhas e caírem aos bilhões na corrente sangüínea - é quando surge a febre de até 400 Celsius. Assim, escapam das defesas do organismo e infectam outras hemácias. O Plasmodium sincroniza sua reprodução usando um dos principais hormônios reguladores do ritmo biológico dos mamíferos, a melatonina, liberada a cada 24 horas. Agora, por detalhar essas ligações, o trabalho da equipe da USP foi descrito na seção de notícias da Nature de 10 de maio. • PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 43


FRANCISCO

BICUDO

xpedição

terminou com um sabor de melancolia. Durante cinco meses, 20 biólogos percorreram 1.600 quilômetros do litoral bra}( sileiro, do sul do Rio de Janeiro ao sul da Bahia. Quase palmo a palmo, examinaram plantas e animais que vivem em meio à restinga, uma vegetação baixa e úmida que cresce sobre a areia, entre o mar e a montanha. Encontraram 12 espécies de animais que habitam exclusivamente esse ambiente, como a perereca Xenohyla truncata, de 3 centímetros de comprimento, que se esconde no interior das bromélias. Mas, à medida que prosseguiam, enfrentando os brejos e a chuva contínua, os pesquisadores sentiam que a satisfação pelas descobertas se transformava em desalento, ao constatarem o desaparecimento gradual desse ambiente. Condomínios de luxo e favelas avançam sobre as restingas, também usadas como depósito ilegal de lixo e fonte clandestina de areia para a construção civil. Onde ainda é paradisíaca, a restinga sofre com o turismo desordenado e abertura de estacionamentos e trilhas. Coordenada por quatro professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) - Monique Van Sluys, Carlos Frederico Duarte da Rocha, Helena de Godoy Bergallo e Maria Alice Alves -, a equipe que cuidou desse levantamento avaliou cada uma das atividades humanas que ameaçam as dez restingas inicialmente analisadas cinco delas no chamado corredor de biodiversidade da Serra do Mar (as de Grumari, Maricá, Massambaba, Iu44 • JULHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 89


rubatiba e Grussaí), quatro no corredor central da Mata Atlântica (Setiba, Guriri, Prado e Trancoso) e urna no extremo sul do Espírito Santo (Praia das Neves). Cada ação humana - da construção de estradas à abertura de trilhas de acesso às praias - recebeu uma nota, de zero a dois, de acordo com o impacto sobre o ambiente. A soma dos pontos resultou num primeiro diagnóstico preciso das condições de conservação das restingas dessa faixa do litoral brasileiro. "A restinga com pior nível de conservação é a do Prado, na Bahia, com 20 pontos': revela Rocha. Em situação igualmente crítica encontram-se duas restingas do Rio, as de Grumari e Grussaí, ambas com 15 pontos, seguidas de perto pelas de Setiba, no Espírito Santo, e Massambaba, também no Rio, com 12 pontos cada uma. ''Agora enxergamos de modo mais concreto a dimensão dos estragos': diz Luiz Paulo de Souza Pinto, diretor do Centro de Conservação da Biodiversidade da Conservation International do Brasil, um dos parceiros da UERJ no projeto. Embora a área de restinga tenha encolhido 500 hectares entre 1995 e 2000

apenas nos estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, de acordo com um estudo da organização não-governamental SOS Mata Atlântica, ainda há trechos em bom estado de conservação. Hoje, o levantamento abarca 17 .restingas, das quais sete bem preservadas, três em estágio intermediário e sete bastante degradadas (veja mapa na pág. 47). "Em Trancoso, na Bahia, restou apenas o trecho junto à Barra do Rio do Frade", comenta Rocha. "O resto já foi destruí do:' Apenas por se encontrarem relativamente isoladas das cidades e dos turistas é que algumas áreas ainda escapam do que parece ser o destino desse conjunto de matas à beira-mar, chamado de porta de entrada da Mata Atlântica. Esse é justamente um dos problemas. Souza Pinto lembra que as restingas praticamente desaparecem diante da Mata Atlântica, uma vegetação mais exuberante à qual estão associadas - e igualmente devastada desde que os colonizadores europeus aportaram suas caravelas. Ainda hoje as restingas são muito pouco estudadas, embora se espraiem por uma faixa de cerca de 5 mil quilômetros ao

longo da costa brasileira, o trecho mais ocupado do território, com cerca de 87 habitantes por quilômetro quadrado cinco vezes a média nacional. Formada pelo acúmulo de areia e outros sedimentos nas regiões planas de onde o mar recuou nos últimos 5 mil anos, a restinga exibe feições diferentes. Sobre solo arenoso, pobre em nutrientes e com salinidade elevada, cresce apenas uma vegetação rasteira, constituída basicamente por gramíneas - esse é o trecho mais exposto à ação humana e a de mais difícil recomposição, justamente por causa do solo. À medida que se afasta das praias, surgem arbustos e moitas com 2 a 5 metros de altura, com trepadeiras, bromélias e cactos. Só mais adiante, de 1 a 2 quilômetros do mar, é que aparecem árvores de médio e grande porte, que podem atingir até 20 metros de altura, como a figueira-vermelha, o ipê-amarelo, a quaresmeira ou o manacá-da-serra e o guapuruvu. "Essa mudança na estrutura da restinga já era conhecida", diz Monique. "Os estudos sobre a fauna de vertebrados nas restingas é que ficavam em segundo plano:' PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 45


Essa lacuna foi em parte esclarecida com esselevantamento. Ao longo da expedição, realizada entre novembro de 1999 e março de 2000, a equipe carioca catalogou 147 espécies de animais que vivem nas restingas. Predominam as aves (96 espécies), seguidas pelos anfíbios (28 espécies), pequenos mamíferos (12) e os répteis (11). Animais exclusivos - O inventário da diversidadebiológica revelou 12 espécies exclusivas dessa região - por essa razão chamados endêmicos -, descritos pela equipe da UERJ no livro A Biodiversidade nos Grandes Remanescentes Florestais do Estado do Rio de Janeiro e nas Restingas da Mata Atlântica, lançado em junho pela editora RiMa. É o caso da Xenohyla trunca ta, uma perereca de até

3 centímetros de comprimento e pouco mais de 4 gramas, que apresenta um comportamento incomum entre os anfíbios: alimenta-se de pequenos frutos, além de insetos, como é habitual entre esses animais, e assim atua na propagação das plantas, ao espalhar as sementes na restinga de Maricá, onde foi en46 • JULHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 89

contrada. Já nas restingas da costa do Rio de Janeiro, desde Marambaia até Cabo Frio, vive um lagarto com pequenas tarjas marrons e laranja nas costas - é o Liolaemus lutzae, também chamado de lagartixa-da-areia. Abundante .até a década de 70, essa espécie corre hoje risco de extinção, à medida que seu hábitat se esvai com a ocupação huma.na. Em algumas áreas,como Prainha, no município do Rio, Barra Nova, em Saquarema, e Praia dos Anjos, em Arraial do Cabo, norte do Estado, já não se vê mais o pequeno réptil. Com até 7 centímetros sem a cauda, é uma das presas preferidas de corujas e gaviões, mas às vezes consegue escapar com um artifício peculiar: quando perseguido, o lagarto solta a cauda - o movimento que faz sobre a areia depois de desligar-sedo corpo atrai a atenção dos predadores, que desse modo nem sempre percebem o animal fugindo. Entre as aves, a única espécie endêmica de restinga é o formigueiro-do-litoral (Formicivora littoralis), registrada apenas em uma das áreas estudadas no Estado do Rio - e ameaçada de extin-

ção devido à degradação acelerada de seu hábitat. Outra espécie que vive nas restingas, cuja sobrevivência também está em jogo, é o sabiá-da-praia (Mimus gilvus). Em latim, mimus quer dizer imitador - a capacidade de reproduzir cantos de outros pássaros é uma das características marcantes dessa ave, que atinge quase 25 centímetros. Com cauda longa e plumagem cinza-claro nas costas e branca nas sobrancelhas, lembra as espécies da família dos sabiás, como o sabiá-laranjeira. Endemismo concentrado - Nas restingas, as espécies endêmicas se concentram em duas regiões - evidentemente, as que se encontram em melhor estado de conservação, ainda pouco visitadas pelos turistas e construtores de condomínios. A primeira consiste de trechos isolados ao longo de 500 quilômetros, desde Linhares e Guriri, no norte do Espírito Santo, até Prado e Trancoso, no sul da Bahia. É ali que se encontra, por exemplo, o Cnemidophorus nativo, um lagarto com duas listras laterais brancas e uma dorsal de cor


Entre o mar e a montanha o estado de conservação de 17 restingas entre o Rio de Janeiro e a Bahia

BAHIA

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Hábitat reduzido: o sabiá-da-praia e o lagarto Cnemidophorus littoralis contam cada vez menos com áreas preservadas, como a restinga de Jurubatiba (à esquerda)

salmão sobre o corpo verde-oliva. Descrita num artigo na revista científica Herpetologica, essa espécie de até 6 centímetros de comprimento exibe uma característica rara entre os répteis: é formada apenas por fêmeas, que se reproduzem por um processo conhecido como parte no gênese - o óvulo se desenvolve em um ser adulto sem a necessidade de fertilização por um espermatozóide. Ao sul, o endemismo é alto nas restingas de Maricá e Iurubatiba, no Rio. Só ali vive outro pequeno lagarto, semelhante ao C. nativo, o Cnemidophorus littoralis, apresentado na revista Copeia. "A concentração de espécies endêmicas nessas regiões", diz Rocha, "deve-se provavelmente às variações ocorridas nos últimos 10 mil anos no nível do oceano, que promoveram o isolamento de populações de

ancestrais, que assim divergiram geneticamente e passaram a constituir espécies diferenciadas." Mas, afinal, as restingas desaparecerão? Se depender dos pesquisadores do Rio, não. No livro em que detalham as descobertas da expedição, eles mostram o que poderia ser feito para ao menos reduzir o impacto humano. As ações consideradas prioritárias: aumentar a extensão das áreas já protegidas por lei e realizar levantamentos mais abrangentes das espéciesde plantas e animais encontrados nas restingas, além de desenvolver programas de educação ambiental nas regiões litorâneas. Os pesquisadores propõem ainda a transformação de áreas com o ambiente mais degradado - como a restinga de Grussaí, no norte do Rio, de Praia das Neves, no município de Presidente Kennedy, Espírito Santo, e de Trancoso, na Bahia - em unidades de proteção integral, nas quais são permitidas apenas a realizaçãode pesquisas científicas, atividades educacionais e de recreação. "Em Grussaí, ainda há uma importante área remanescente em bom estado, que, embora pequena, deveria

ser preservada", recomenda Rocha. "O entorno está muito degradado por causa da ocupação irregular do solo." Segundo ele, outra relíquia que deveria ser preservada é a restinga de Praia das Neves, que apresenta uma rara riqueza e diversidade de espécies, embora ainda não exista na região nenhuma área de conservação. O diagnóstico sobre o estado de conservação das restingas confirma a relação entre o grau de destruição de um ambiente e a ausência de políticas públicas.Nas chamadas unidades de proteção integral, como o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, que inclui a mais preservada entre as restingas estudadas, a ação predatória do homem é bastante reduzida. Sem proteção nem fiscalização,porém, o impacto humano tende a eliminar a vegetação natural e reduzir as chances de sobrevivência dos animais que ali vivem. Mesmo o clima das cidades pode mudar sem as dunas e a vegetação litorânea, que ajudam a regular a temperatura. "O ritmo de destruição é muito acelerado", lamenta Monique. • PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 47


• CIÊNCIA

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Leopoldinia

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BOTÂNICA

As palmeiras esquecidas Ingleses encontram amostras de palmeiras que o co-autor da teoria da evolução enviou do Pará há 155 anos

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Euterpe catinga

alvez por extremo apego ao estilo britânico, o naturalista inglês Alfred Russel Wallace viveu de modo discreto - tão discreto que seu legado ainda hoje vem à tona, 90 anos após sua morte. Nove amostras de seis espécies de palmeiras do Pará que Wallace enviou em 1848 ao Royal Botanic Gardens, em Kew, Inglaterra, perIVaneceram esquecidas em sacos plásticos até serem descobertas e analisadas, mais de 150 anos depois, pela equipe de Sandra Knapp, do Natural History Museum, de Londres, e por William Baker, do próprio Royal Botanic Gardens. O material resgatado evidencia o interesse de Wallace pela botânica e testemunha sua primeira expedição científica, feita à Floresta Amazônica. Durante quatro anos, de 1848 a 1852, ele percorreu os rios Negro e Uaupés ao lado de outro naturalista inglês, Henry Walter Bates. Nos anos seguintes, Wallace entrou pelas matas da Indonésia, atento a exemplares raros de aves, borboletas, besouros, mamíferos e peixes. Os empoeirados fragmentos de palmeiras são das poucas plantas coletadas nessas viagens pelas florestas tropicais. Dos sacos saíram caules de palmeiras (estipes) de quase 1 metro de comprimento, longas folhas dobradas, conjuntos de flores (inflorescências), as estruturas em forma de tubos que envolvem as inflorescências jovens (brácteas) ou apenas as hastes espinhosas da folhas (pecíolos) de espécies de uso comum, como o açaizeiro (Eu-

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tíveis. Por estarem incompletas, essas amostras "não seriam adequadas para a descrição de uma nova espécie", na avaliação de Sandra Knapp, uma das autoras de um artigo que descreve as nove peças, publicado na revista Palms e assinado também por Baker e Lynn Sanders, do Natural History Museum. "Wallace não estava necessariamente procurando por raridades, mas interessado no modo pelo qual os habitantes das comunidades locais usavam as palmeiras", reitera Baker. Como os próprios botânicos ingleses reconhecem, Wallace enviou as palmeiras - junto com uma carta datada de 20 de agosto de 1848, ainda no início da viagem - a William Iackson Hooker, então diretor do Royal Botanic Gardens, para serem expostas como amostra da exuberância da vegetação dos trópicos. Era também um gesto de retribuição: Hooker havia escrito uma carta apresentando Wallace e Bates no Brasil, com o propósito de abrir portas para os dois pesquisadores jovens, sem currículo e com pouco dinheiro. O inesperado legado - agora em caixas - repõe ao menos em parte o

I Mauritia

piassaba

terpe oleracea) ou a macaúva (Acrocomia aculeata), ambas de frutos comes-

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carana

material coletado por Wallace, quase todo perdido no naufrágio do Helen, no qual embarcou no dia 12 de julho de 1848. No livro Peixes do Rio Negro, organizado por Monica de Toledo- Piza Ragazzo (Edusp, 2002), com 212 desenhos feitos por Wallace, Sandra Knapp descreve o que aconteceu na viagem de volta à Inglaterra: "Após três semanas de jornada pelo Atlântico, um incêndio irrompeu a bordo. Wallace foi até sua cabine, pegou uma pequena caixa de metal contendo desenhos de palmeiras e peixes, algumas camisas e cadernos de anotações, antes de se dirigir ao bote salva-vidas. O restante de suas coleções - na realidade, seu caminho para se tornar um membro da comunidade científica - estava no porão e foi perdido para sempre': Carta a Oarwin - De volta à Inglaterra, Wallace escreveu alguns artigos sobre peixes e insetos, além de dois livros, com base nos desenhos que salvou do naufrágio: o Travels on the Amazon and

Rio Negro (Viagens pelos Rios Amazonas e Negro, lançado no Brasil em 1979 pela editora Itatiaia) e o Palm Treesof the Amazon, uma das mais raras obras sobre a Amazônia,

com apenas 250 cópias,

que ele próprio pagou. Nesse livro, o naturalista identifica 14 espécies novas de palmeiras e nomeia 12. Quatro dos nomes que propôs - os das palmeiras dos desenhos desta página - ainda são usados, em reconhecimento ao seu trabalho pioneiro. As amostras encontradas no Royal Botanic Gardens reforçam o que os desenhos e as descrições do livro indicavam: Wallace via as plantas sempre ligadas aos usos que as populações locais lhes davam. É o caso da piaçaba (Leopoldinia piassaba), cujas fibras eram usadas desde aquela época para fazer vassouras. Wallace pouco parava em Londres uma vez, alegou que preferia as incertezas das florestas aos perigos dos debates científicos. Mas, com seus desenhos e coletas, elaborou uma visão própria sobre a origem das espécies e tornou-se co-autor da teoria da evolução, atribuída quase sempre apenas a seu conterrâneo Charles Darwin. Após publicar o livro Origem das Espécies, Darwin viu-se acuado por severas críticas de outros cientistas. Uma das poucas cartas de consolo que recebeu garantia que o Origem seria tão importante para a ciência quanto o Principia, de Isaac Newton, foi para a física. Era de Wallace. • PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 49


.CIÊNCIA

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seca moderada, com temperaturas diurnas oscilando entre o quente e o temperado, e noites frescas, o clima de Rioja é quase igual ao de Montélimar (Vale do Rhône, na França) e Anadia (Barraida, Portugal). E os vinhedos brasileiros? Bento Gonçalves ficou no mesmo grupo de P'ohang e Suwon, duas zonas da Coréia do Sul, país de ainda menos tradição que o Brasil no mundo de Baco. As três áreas são definidas como úmidas, com dias entre o quente e o temperado, e noites temperadas. A outra região nacional estudada revelou-se um caso à parte. Com sua viticultura tropical, numa área de seca moderada e calor perene, Petrolina, na divisa da Bahia com Pernambuco, no Vale do São Francisco, formou sozinha um grupo climático de apenas um membro. ara que servem essas comparações? O clima das diferentes regiões vitícolas, situadas em sua maioria em zonas temperadas ou mediterrâneas, é responsável em grande medida pela diversidade de castas cultivadas e influencia algumas características do vinho, como a qualidade, o estilo (se será, por exemplo, branco, tinto, espumante, fortificado, mais ou menos encorpado) e a tipicidade (conjunto de predicados associados à região em que

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Casta Syrah: adaptada ao clima quente do sul da França e ao Nordeste brasileiro

foi produzido). "Por isso, precisamos sempre aperfeiçoar as formas de compreensão dos fatores meteorológicos se quisermos fazer um bom zoneamento das áreas produtoras", diz Tonietto. É lógico que, além das variáveis atmosféricas, outros fatores ditam as características de um vinhedo e de um vinho, como a composição do solo em que crescem as videiras, a variedade de uva plantada, a competência e a tradição do viticultor. Mas o clima é o principal fator limitante para a expansão do culti-

Um selo para o Vale dos Vinhedos' Na terra da cachaça e do cafezinho, coube ao vinho do coração da Serra Gaúcha a honraria de ser o primeiro produto brasileiro a receber do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) o direito de ostentar um símbolo que atesta sua origem geográfica. Esse reconhecimento é o primeiro passo legal para a construção de uma identidade que caracterize os produtos de uma região. Em 22 de novembro passado, depois de um processo que se prolongou por oito anos e contou com assessoria técnica da Embrapa Uva e Vinho e da Universidade de Caxias do Sul, a Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos

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. Vinhedos (Aprovale), que congrega 24 vinícolas, obteve, em caráter definitivo, o sinal verde para envolver o gargalo de suas garrafas com um selo. Nele, está escrito Indicação de Procedência Vale dos Vinhedos. Isso quer dizer que o vinho abrigado em garrafas com essa distinção é um fermentado de variedades de uvas da espécie Vitis vinifera plantadas numa área delimitada e controlada: o Vale dos Vinhedos, com 81,23 quilômetros quadrados, que se espraia por Bento

vo da Vitis vinifera, a espécie de uva ideal para se elaborar vinho. Pelo menos 7 mil anos plantando vinhas e fazendo vinhos ensinou ao homem algumas lições sobre o clima. Em linhas gerais, áreas quentes são mais propícias para a produção de vinhos encorpados, densos, com altos teores de álcool. Tintos potentes e fortificados no estilo do vinho do Porto costumam nascer em vinhedos onde não falta sol no período de maturação da uva. A vocação das regiões frias gira em torno de tintos leves e brancos aromáticos, ou dos espumantes. Entre esses dois extremos, há uma infinidade de climas intermediários, muitas vezes difíceis de serem percebidos ou mesmo diferenciados, que podem favorecer a produção dos mais variados estilos de bebida. Desde a primeira metade do século passado, os modelos de classificação climática são um instrumento útil para encontrar mais rapidamente a vocação, ou as vocações, das zonas produtoras sem depender apenas do empirismo dos viticultores, o velho método de tentativa e erro. Para chegar à nova metodologia, batizada de Sistema de Classificação Climática Multicri tério (CCM) Geovi-

Origem certificada: atestado da procedência do vinho

Gonçalves, Garibaldi e Monte Belo do Sul. Para obter tal reconhecimento, os produtores da Aprovale firmaram uma parceria com instituições de pesquisa do Rio Grande do Sul em busca de um objetivo central: caracterizar nos mínimos detalhes a geografia do vale, a região da Serra Gaúcha de mais tradição na produção de vinhos finos no Brasil, cuja topografia, solo e clima foram estudados de forma minuciosa.


Bordeaux, a meca do vinho: poucas chuvas e noites frescas

tícola, Tonietto não precisou reinventar a roda. Seu mérito foi aparar algumas arestas de duas equações conhecidas no mundo da viticultura, formuladas por pesquisadores franceses e normalmente usadas de forma isolada, o índice de seca de Charles Riou e a equação heliotérmica de Pierre Huglin. A essas duas fórmulas juntou ainda um terceiro índice, o de frio noturno, criado por ele próprio. Voilà: estava pronto o CCM Geovitícola. O primeiro índice, de seca, faz um balanço da quantidade de água disponível para a videira durante as fases de crescimento e maturação da planta, período que compreende os seis meses que antecedem a colheita anual. Nos vinhedos do Hemisfério Sul, essa fase vai em geral de outubro a março. Nas parreiras acima da linha do Equador, co. meça em abril e se estende até setembro. O segundo índice, a equação heliotérrnica, quantifica os efeitos do calor e do sol sobre a vinha nos mesmos seis meses usados para o cálculo da fórmula anterior. Por fIm, a terceira equação dá uma idéia do grau de frescor das noites no decorrer do último mês de maturação das videiras (em geral, março no Hemisfério Sul e setembro no Norte). Em números, o frio noturno nada mais é do que a média das temperaturas mínimas registradas no mês da colheita. Como a mínima ocorre depois de o sol ter se posto, o índice recebeu o nome de frio noturno. "A introdução desse último parâmetro no sistema melhorou a avaliação do potencial qualitativo das

regiões vitícolas', explica Tonietto. De fato, a ocorrência de noites amenas no final do processo de amadurecimento da videira, em pleno verão, aporta mais cor e riqueza de aromas ao vinho. sistema do pesquisador da Embrapa passou pela primeira prova de fogo ainda em solo francês, onde a viticultura é assunto de Estado. Antes de ser empregado no megaestudo internacional das cem regiões, o CCM Geovitícola foi usado para analisar o clima de 18 áreas produtoras de vinhos do sul da França que cultivavam a casta Syrah, uma uva bem adaptada a zonas mais quentes. Os resultados animaram todos. A metodologia conseguira delinear com precisão o clima dessas regiões e - detalhe importante - obteve sucesso em estabelecer relações entre as condições meteorológicas dos vinhedos e as características básicas dos vinhos que brotavam dessas parcelas de terra. "O CCM é atualmente a melhor metodologia para caracterizar o clima de uma grande região, como a Serra Gaúcha, ou de pequenas áreas, como uma encosta nos arredores de Bento Gonçalves': opina, sem falsa modéstia, Alain Carbonneau, da Ensam. "Ao integrar três índices' ele se tornou a base de um zoneamento vitícola," Esse sistema de classificação climática já é de grande valia para o desenvolvimento da viticultura, sobretudo em

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zonas tropicais. Nessas áreas de baixa latitude, impulsionada pelo calor ao longo de todo o ano, a videira acelera o seu ciclo de desenvolvimento e chega a dar mais de uma safra a cada 12 meses. Petrolina, por exemplo, tem cinco colheitas a cada dois anos. Para os mais ortodoxos, esse ciclo maluco da vinha em terras quentes é um empecilho para a formação de vinhedos de qualidade e sinônimo de vinho ruim. Agora vem a novidade constatada pelo CCM Geovitícola: do ponto de vista do vinhedo, Petrolina não apresenta uma classe de clima ao longo do ano, como a maioria das regiões produtoras de vinho, mas, sim, três. E o mais interessante é que os viticultores podem tirar proveito disso e, assim, obter um produto de melhor qualidade. Explica-se. Nesse ponto do Vale do São Francisco, o primeiro tipo de clima ocorre de janeiro a março, quando faz calor de dia e de noite, mas chove um pouco. Nessa época, não é recomendável colher a uva, pois chuva na época da colheita leva a vinhos diluídos, aguados. O segundo clima, quente de dia e de noite e sem chuvas, é bom para a colheita e compreende os meses de abril, maio, outubro, novembro e dezembro. Por fim, o terceiro clima de Petrolina é visto como o melhor a viticultura. De julho a setembro, faz calor de dia, chove pouco e - algo raro no Nordeste - há um certo friozinho noturno, o que é bom para a fixação da cor e o desenvolvimento de aromas no vinho. "Para colhermos sempre numa época adequada, vamos controlar o ciclo de crescimento de nossos vinhedos em Petrolina e evitar a ocorrência da pior safra, que cai no verão", afirma Adriano Miolo, enólogo de uma das melhores casas nacionais produtoras de vinhos, a Vinícola Miolo, do Rio Grande do Sul. Sua idéia é, num ano, realizar duas colheitas (uma em julho e outra em dezembro) e, no ano seguinte, ter apenas uma única safra, em setembro. "O trabalho do Jorge Tonietto jogou por terra o tabu de que a viticultura só é viável nos climas mais temperados, entre os paralelos 30 e 50 no Hemisfério Norte e 20 e 40 no Hemisfério Sul", afirma Miolo. Em tempo: Petrolina está no paralelo 9. • PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 53


• CIÊNCIA

COSMOLOGIA

I, r .r o s p cosmices Astrofísicos descrevem evolução de jatos de gases com 10 anos-luz de comprimento FRANCISCO

BICUDO

imagem que aparece na tela do computador lembra o movimento de um cometa - um enorme rastro brilhante e colorido, que parece rasgar o céu. Mas param aí as semelhanças entre essas nuvens de gelo e poeira que viajam ao redor do Sol e os jatos supersônicos astro físicos nuvens de gases ejetadas violentamente por estrelas em formação e por núcleos de galáxias distantes e muito brilhantes chamadas quasares. Os jatos liberados pelas protoestrelas - estrelas em formação - viajam a uma velocidade próxima dos 400 quilômetros por segundo, o equivalente a dezenas de vezes a velocidade do som no meio interestelar, e podem atingir um comprimento de até dez anos-luz (um ano-luz corresponde a 9,5 trilhões de quilômetros). Já os jatos extragalácticos se movem a velocidades próximas à da luz (300 mil quilômetros por segundo) e se estendem por milhões de anos-luz, o equivalente a dezenas de vezes o diâmetro de nossa galáxia, a Via-Láctea. "Os jatos carregam as impressões digitais de embriões de estrelas", afirma Elisabete de Gouveia DaI Pino, uma das coordenadoras de uma equipe do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG/USP), que há dez anos vem estudando a origem, o comportamento e as peculiaridades desses objetos celestes. "À medida que desvendamos seus enigmas, conseguimos entender melhor como 54 • JULHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 89

A nebulosa de Órion e o trecho mais interno do H H-34 (em vermelho): embrião de estrelas


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ĂŞstrelas


tamanho do HH-34, mesmo quando as estrelas se formam." E, lembre-se, da ele aparecia sozinho e isolado dos fusão de elementos químicos no intenódulos hoje vistos como parte de seu rior das estrelas é que surgiu a matériacorpo. prima de todo ser vivo. Portanto, invesApoiado pela FAPESP, esse trabalho tigar os jatos e as estrelas significa buscar representa um olhar apurado sobre os nossas origens mais remotas. jatos astrofísicos, a partir do HH -34. O grupo da USP, coordenado por Agora se sabe que em Elisa-bete e por Jorge sua estrutura existem Horvath, vem obtendo nódulos que os pesquiresultados pioneiros no sadores atribuem ao estudo dos fenômeApós lançar os fato de a estrela em nos astro físicos de alta jatos, a estrela energia, que incluem o formação liberar gás de modo intermitente, mecanismo de explorecém-nascida não contínuo. O estusões de supernovas, retoma seu estrelas de nêutrons e do detalha a evolução do jato desde os mosurtos de raios gama. crescimento mentos iniciais de sua No ano passado, os pesformação até sua exquisadores pau listas pulsão e sua interação surpreenderam europeus e norte-americacom o gás do meio interestelar, durante seus 10 mil anos de nos que atuam na mesma área ao vida. Beneficiado por esse detalhamenconcluírem a primeira simulação hito, o HH-34 se tornou uma referêndrodinâmica em computador de um cia científica do comportamento de jato gigante protoestelar bastante estudado, o HH-34, localizado ao sul da nejatos astrofísicos. bulosa de Órion, a cerca de 1.600 anosO grupo da USP concentra-se no estudo dos jatos de protoestrelas por luz da Terra. O universo recriado no uma razão básica: esse tipo de jato é computador revelou: o HH-34 é daquebastante comum em regiões vizinhas le tipo de jatão imenso, com cerca de de formações de estrelas, dentro de 10 anos-luz de ponta a ponta. nossa própria galáxia. São portanto mais facilmente observáveis que o o gigante ainda maior - Desse modo, confirmaram-se os resultados obtidos segundo grupo de jatos, os extragalácticos, ejetados por quasares - núalguns anos antes por outro grupo de cleos de galáxias distantes com bupesquisa. Entre 1994 e 1997, os astrôracos negros com cerca de 100 milhões nomos Iohn Bally, David Devine, Bo de vezes a massa do Sol. Apesar das Reipurth eSteve Heathcote, dos Estados Unidos, observaram uma cadeia de diferenças de origens, tamanho e velocidade, os jatos extragalácticos pequenos nós de gás brilhantes e aliapresentam formas e comportamennhados com o jato HH-34, na época ainda visto como pequeno. Acreditavato muito semelhantes aos dos jatos das protoestrelas", diz a pesquisadose que esses nódulos eram independentes, mas os físicos mostraram que eles ra. "As informações obtidas no estudo eram na verdade ejetados pela mesma dos protoestrelares ajudam muito na protoestrela, formando o que parecia ser um jato gigante. "Nossas simulações numéricas reproduziram de modo bastante fiel as observações e não deixaram dúvida de que se trata de fato de uma única estrutura, um megajato", comenta Elisabete, uma das autoras do artigo com os resultados detalhados, publicado em julho de 2002 no Astrophysical Journal. Esse jato gigante, de formato sinuoso, já havia causado uma reviravolta nos estudos de formação de estrelas. De acordo com o que se conhecia, os jatos de protoestrelas pareciam ter menos de um décimo do 56 • JULHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 89

compreensão dos fenômenos que ocorrem naqueles produzidos em regiões extragalácticas remotas." A história de vida deles não é lá muito distinta. No caso das protoestreIas, a nuvem de gases primordiais como hidrogênio, hélio e oxigênio condensa sob ação de sua gravidade e faz surgir um caroço central, que vai dar origem à estrela, rodeado por um disco de gás, que gira com rotação cada vez mais rápida. Quando a rotação atinge um limite de velocidade, a ponto de impedir que a condensação continue, a estrela ejeta violentamente nuvens de gás pelo eixo de rotação. Assim se forma o jato e, ao mesmo tempo, diminui a velocidade de rotação tanto da nuvem quanto da estrela. Em conseqüência, a condensação da protoestrela continua, resultando em uma estrela madura como o Sol. as o percurso do jato que deixou a estrela nem sempre é tranqüilo. Se colide com outras nuvens de gases, o jato forma ondas de impacto supersônico conhecidas como bowshocks, interage com o meio interestelar e deposita naquela região parte do material que carregou da estrela - um espetáculo de brilho e cores. Nesse momento, os jatos atuam como abelhas que transportam sementes de estrelas e polinizam regiões distantes do ponto em que foram gerados. Segundo a pesquisadora, o jato pode induzir o nascimento de uma estrela quando colide com uma nuvem com massa suficiente para implodir - ou, na linguagem técnica, entrar em colapso gravitacional. Jatos maiores podem até mesmo destruir a nuvem gigante que os hospeda. "É possível que aconteça assim, mas não há evidências observacionais diretas': acautela-se a pesquisadora. Foi a própria Elisabete, em 1993, quando fazia o pós-doutoramento na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, quem desenvolveu uma das técnicas empregadas na simulação computacional de jatos astrofísicos, em parceria com o físico suíço Willy Benz, na época pesquisador visitante de Harvard. Até então, os cálculos se baseavam na integração numérica das equações hidrodinâmicas do jato, com o domínio computacional - espaço


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virtual que simula o espaço real - dividido em uma rede de pontos fixos. Essa nova técnica, chamada SPH (Smoothed Particle Hydrodynamics ou Hidrodinâmica de Partículas Suavizadas), substituiu a rede por partículas movendo-se com o fluido. Essa mudança tornou as simulações mais rápidas e viáveis em computadores mais modestos, como os que a pesquisadora teve de voltar a usar após retomar ao Brasil, naquele mesmo ano.

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A recriação do universo - A realidade virtual consegue reproduzir com fidelidade cada vez maior o que acontece no universo. No computador, o gás do meio interestelar é representado por uma caixa em forma de paralelepípedo, preenchida com gás. Na base, há um orifício, por onde o jato da protoestrela é injetado. Lá dentro, o jato é acelerado supersonicamente, forma os nódulos de gás que se movem em velocidade supersônica e interage com o gás do meio interestel ar. Obtidos em conjunto com Alex Raga, da Universidade Autônoma do México; Elena Masciadri, do Instituto de Astronomia Max Plank, em

~

Heidelberg, Alemanha; e Adriano Cerqueira, da Universidade Estadual de Santa Cruz, na Bahia, os resultados são em seguida comparados com as observações astronômicas, sobretudo as obtidas do telescópio europeu ESO, que fica em La Silla, no Chile, e pelo teles-

COplO espacial Hubble, as duas fontes habituais de informações do grupo. À medida que consolida o conhecimento sobre os jatos astrofísicos, a equipe mergulha no disco de gás que forma os jatos, em busca de pormenores dos fenômenos que se passam nas regiões mais próximas da estrela em formação. Os resultados a que os pesquisadores chegam surgem em um momento em que fervilham novas informações sobre o próprio universo. Os astro físicos trabalham intensamente sobre a farta matéria-prima captada pelo satélite norte-americano Wilkinson Microwave Anisotropy Probe (WMAP), que em fevereiro, no primeiro lote de resultados, deu ao universo uma idade de 13,7 bilhões de anos, um destino certo - expandir-se para sempre - e limites hoje estimados em 15 bilhões de anos-luz. "Depois de centenas de anos em que as observações com telescópios só conseguiam alcançar o quintal da nossa galáxia, estamos enxergando cada vez mais longe", destaca a pesquisadora. "A astronomia saiu da adolescência e chegou à maturidade." • PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 57


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Biblioteca de Revistas Científicas disponível na Internet www.scielo.org

Notícias • PNEUMOLOGIA

Sem preferência por sexo o artigo Câncer de Pulmão: Comparação entre os Sexos, de Cesar Uehara, Ilka Lopes Santoro e Sergio Iarnnik, que acaba de ser publicado no SciELO, propõe uma análise comparativa de diversos estudos clínicos sobre câncer de pulmão entre os sexos feminino e masculino. De acordo com dados do Instituto Nacional do Câncer, o Brasil registrava, em 1999, 19.600 casos anuais da doença, com um índice de mortalidade de 12.750 pessoas a cada ano. Diferentes fatores de prognóstico na análise de estudos clínicos de câncer de pulmão foram avaliados. Os pacientes do sexo feminino, por exemplo, apresentaram níveis de tabagismo menor que os do masculino. O estudo revelou ainda que, em média, 45% dos pacientes apresentaram-se com doença disseminada no momento do diagnóstico. Entretanto, apesar de não serem constatadas diferenças significantes entre os dois sexos para a presença de sintomas no momento do diagnóstico, os pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo alertam que "a incidência do câncer de pulmão é maior para pacientes na quinta, sexta e sétima década de vida, e do sexo masculino; porém esta predominância masculina tem diminuído, esperando-se que nos próximos anos, principalmente nos países desenvolvidos, a relação homem/mulher se iguale". JORNAL DE PNEUMOLOGIA NOV./DEZ.

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www.seielo.br/se ie 10. ph P ?se ri pt=sei_arttext&p 35862000000600003&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

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• ENFERMAGEM

Trabalho infantil A defesa da criança e do jovem e a garantia de seus direitos individuais como cidadãos são assuntos tratados em O Trabalho na Vida dos Adolescentes: Alguns Fatores Determtnantes para o Trabalho Precoce, de Beatriz Rosana Gonçalves Oliveira, do Curso de Enfermagem da Univer-

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sidade Estadual do Oeste do Paraná, e Maria Lúcia do Carmo Cruz Robazzi, da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP/USP). "Os determinantes encontrados para o trabalho precoce foram: pobreza, desigualdade social, concentração de renda, demanda de mercado, oferta educacional, qualidade do ensino, constituição familiar, determinações do sistema de produção e necessidade de ganhar a vida por conta própria'; dizem. O estudo, que se amparou em dados coletados sobre nove adolescentes do sexo masculino, de um programa de formação para o trabalho no município de Cascavel (PR) enfoca ainda quem são os trabalhadores, qual é o trabalho, o estudo e o lazer e o que está por traás do trabalho do adolescente. "Se considerarmos a alteração da legislação referente à idade mínima de 16 anos, para a inserção no mercado de trabalho, 70% dos adolescentes analisados encontram-se legalmente trabalhando, enquanto 30% estão abaixo do limite permitido por lei'; diz o estudo. As entrevistas foram realizadas e gravadas após o consentimento individual dos jovens e de seus responsáveis legais. O estudo foi submetido ao Comitê de Ética de Pesquisa com Seres Humanos da EERP/USP. REVISTA LATINO-AMERICANA N°

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MAIO

DE ENFERMAGEM

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www.seielo.br/sei elo. ph p?seript=sei_arttext&p 11692001000300013&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

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• MiDlA

Poder ignorado Um dos destaques da revista Lua Nova, novo título incluído no SciELO, o artigo Os Meios de Comunicação e a Prática Política, do professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de Brasília Luis Felipe Miguel, analisa a presença dos meios de comunicação de massa na política contemporânea. "O prodigioso desenvolvimento dos meios de comunicação, ao longo do século 20, modificou todo o ambiente político'; escreve Miguel, citando o rádio, cinema e, especialmente, a televisão. "Ela revolucionou nossa percepção do mundo, em especial do mundo social, e, dentro dele, da atividade política." Apesar da influência da mídia na política, Miguel ressalta a pouca importância dada pelos estudiosos. "Walter Lippmann lamentava o fato de que 'a ciência política é ensinada nas faculdades como se os jornais não existissem'. Oitenta anos depois, é possível dizer que a ciência política já reconhece a existência do jornal, bem como do rádio, da televisão e


até da Internet. Mas em geral não vê neles maior importância': diz. Miguel ressalta, entretanto, que a influência da mídia sobre a política não implica a dominação da segunda pela primeira. "Os efeitos da mídia são variados, de acordo com as situações específicas em que se inserem, e sofrem a ação de contra tendências e resistências. Há um processo permanentemente tensionado de embate entre as lógicas do campo midiático e do campo político, que necessita ser observado em detalhe e dentro de sua complexidade. Decretar que a política 'se curvou' à mídia é tão estéril quanto negar a influência desta sobre a primeira." LUA NOVA

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www.scielo.br/scielo .php?scri ptesclarttextêpi 64452002000200007&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

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• EDUCAÇÃO

Em busca da alfabetização Contribuir para uma melhor compreensão dos aspectos que envolvem a alfabetização das crianças de classes populares em nosso país, orientando políticas e mecanismos para implementar reformas pedagógicas, foi o objetivo de Sandra Maria Sawaya, da Faculdade de Psicologia e Educação da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto, cujo trabalho pode ser conferido no artigo Alfabetização e FracassoEscolar: Problemati-

zando Alguns Pressupostos da Concepção Construtivista. A questão do fracasso escolar das crianças de baixa renda é explicado pela interpretação de teses, como a teoria construtivista de Emília Ferreiro e Ana Teberosky, que vêm norteando as políticas públicas de alfabetização no Brasil desde a década de 1980. Segundo Sandra Maria, o grande problema em questão é que a escola, ao se abrir às classes populares, não se reforrnulou para atender uma demanda diferente da que estava acostumada a receber. Atualmente, exige que todos os alunos percorram o caminho da mesma forma e ao mesmo tempo, desprezando seus diferentes níveis de conhecimento. "Não há marginalidade cultural no sentido de não participação na cultura escrita, pois numa sociedade letrada as práticas de escrita se impõem de diferentes maneiras nas formas de existência social, definindo relações sociais. As relações das crianças de camadas populares com o texto escrito só podem ser compreendidas em toda sua complexidade dentro do contexto e da diversidade das formas culturais da sua produção", concluiu a pesquisadora. EDUCAÇÃO

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JAN./JUN.

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S151797022000000100005&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

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• SAÚDE PÚBLICA

Consciência coletiva O modelo de educação sanitária formulado na ampla campanha de regeneração física, intelectual e moral a que se lançou o Instituto de Hygiene de São Paulo, em cooperação com a Junta Internacional de Saúde da Fundação Rockefeller, durante a chamada "era da higiene" no início do século passado, quando "os médicos-higienistas paulistas procuraram intervir sobre os corpos e as mentes das crianças", é analisado no artigo "Educação Escolar e Higienização da Infância", de Heloísa Helena Pimenta Rocha, da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O objetivo é divulgar novos modos de viver e se comportar, baseados nos princípios fundamentais de higiene. A pesquisadora utilizou como referência a tese de doutoramento O Saneamento pela Educação, apresentada por Antonio de Almeida [unior à Faculdade de Medicina e Cirurgia, em 1922, para mostrar os princípios que orientaram a educação sanitária como instrumento de higienização da população, contribuindo para a formação de uma consciência coletiva amparada nos rituais da saúde. "Educação e saúde figuraram como elementos indissociáveis na configuração de um programa de moralização, que tinha, como um dos seus mais importantes pilares, a higienização da população': diz Heloísa Helena. CADERNOS

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59 - ABR. 2003

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• FíSICA

Velocidade caseira Que-tal medir a velocidade do som no ar em sua própria casa? Essa é a proposta do artigo Velocidade do Som

no Ar: um Experimento Caseiro com Microcomputador e Balde D'água, de Wilton Pereira da Silva e cinco colegas do Departamento de Física da Universidade Federal de Campina Grande, na Paraíba. Trata-se de uma experiência para a determinação da velocidade por meio de um microcomputador para a geração de áudio. "A idéia é aliar uma das formas clássicas de determinação da velocidade do som no ar, que é a detecção de ressonâncias em um tubo, com um programa de computador que dispensa a utilização de um conjunto de diapasões e de todos os equipamentos eletrônicos': escreveram. "Como conseqüência desse propósito, supõe-se que o interessado possa realizar o experimento em sua casa sem, contudo, renunciar ao necessário rigor em seus resultados:' O artigo traz os procedimentos da experiência, testada por vários alunos para reforçar a viabilidade da proposta apresentada. REVISTA

BRAS. DE ENSINO

www.scielo.br/sc

DE FíSICA - VOL.

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47442003000100009&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

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ITECNOLOGIA

LINHA

DE

PRODUÇÃO

MUNDO

Concha inspira novo material Nem só de beleza vive a madrepérola. Também conhecida como nácar, a substância formada no interior da concha dos moluscos reúne outras características industrialmente interessantes, como resistência e flexibilidade. Se pudesse ser moldada, daria, sem dúvida, ótimo material para a confecção de componentes de aeronaves, ossos artificiais e outros artefatos. Nada mais natural, portanto, que o pesquisador Nicholas Kotov, que desenvolveu uma espécie de nácar artificial, mantendo inclusive o aspecto iridescente da substância original, tenha recebido um prêmio da Fundação Nacional de

• Uma liga metálica muito estranha

Nácar reúne resistência e flexibilidade

Ciência dos Estados Unidos. Na edição do dia 25 de maio da revista Nature MateriaIs, Kotov e seus colaboradores, da Universidade do Estado de Oklahoma e da Digital

servar todas as suas características em uma faixa de temperatura que vai de 200 C a - 2000 C. Usado até o momento apenas para fabricar armações inquebráveis de óculos, o material está no mercado há pouco mais de um ano, mas até agora seus descobri0

Uma incrível combinação de titânio, nióbio, tântalo, zircônio e oxigênio, que desafia qualquer teoria conhecida sobre ligas metálicas, está causando furor no mundo da engenharia de materiais. Desenvolvida pela Toyota, no Japão, e já apelidada de "metalgoma" - pela capacidade que tem de ser dobrada quase em ângulo reto e retomar à forma original -, a novidade é saudada como o primeiro rebento de uma nova geração de superligas. Outras propriedades interessantes: um fio de metal-goma pode ser esticado para até o dobro do tamanho original sem se romper, e a liga é capaz de con-

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Instruments- Veeco, publicaram um artigo descrevendo o novo material como dotado de consistência semelhante à do nácar e composto de camadas alterna-

dores não publicaram nem sequer uma linha contando o que ele é ou como funciona. E não por uma questão de sigilo industrial. É que eles próprios não sabem do que se trata. Segundo os pesquisadores, o comportamento dos átomos do material é anor-

das de argila e um tipo de polímero chamado polieletrólito. O nácar natural deve muito de sua força e flexibilidade à sua estrutura interna, que se assemelha a uma parede de tijolos formados de carbonato de cálcio. Camadas de proteínas de espessura nanométrica (com milionésimos de milímetro) fazem as vezes de argamassa. No nácar artificial, as plaque tas de uma argila de carga negativa fazem o papel dos tijolos, enquanto as fibras de um polieletrólito positivamente carregado servem de argamassa. As cargas opostas garantem a atração dos componentes, mantendo a estrutura compacta. •

mal demais para ser explicado em detalhes. A equipe quer decifrar o novo material antes de submeter o fenômeno aos olhos do mundo .•

• Avança na Europa a telemedicina Graças aos recursos de telemedicina disponibilizados pela Agência Espacial Européia (ESA), pacientes em diversos pontos da Europa já podem consultar-se com seus médicos a milhares de quilômetros de distância. Um simpósio realizado em Frescati, na Itália, nos dias 23 e 24 de maio, serviu para fazer um balanço das atividades da agência, que, por meio da implantação de tecnologia avançada, como vídeo de alta resolução


têm usado um microchip que determina eletricamente se a célula está saudável mediante a detecção de mudanças na resistência elétrica da membrana celular, milissegundos após ser exposta a um agente tóxico. Eles descobriram que, depois que uma célula é exposta a uma toxina, sua resistência elétrica experimenta um rápido pico antes de cair dramaticamente. •

Plantas controladas

• Vedação impede perdas nos dutos

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IÔ-

o.•

telas

e transmissão de dados via satélite, tornou a medicina a distância uma prática rotineira em território europeu. Desde 1996, a ESA já bancou mais de 20 projetos de telemedicina, um deles intercontinental, que levou o serviço a regiões remotas do Canadá. Hoje, vários serviços de teleconsulta, incluindo acompanhamento psiquiátrico, estão disponíveis na rede. Esses avanços, porém, não devem ser encarados como simples ofertas de comodidade. Com o aumento da população idosa na Europa, serviços como a monitoração remota tendem a tornar-se, cada vez mais, uma questão de vida ou morte. •

• Alarme contra agentes tóxicos

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dijá ~us lôffi-

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da, ção

Experimentos realizados na Universidade da Califórnia, em Berkeley, EUA, permitem conhecer os sinais elétricos que definem a morte celular, abrindo as portas para a criação de um chip que poderá ser usado como alarme diante de um ataque bioquímico ou para provar a toxicidade de substâncias em tecidos humanos. Os pesquisadores

Os criadores de um sistema de vedação de dutos que eliminou o desperdício de aquecimento e refrigeração nos domicílios e pequenos estabelecimentos norte-americanos querem estender os benefícios de sua invenção aos grandes edifícios e instalações comerciais. Nos anos de 1990, Mark Modera, pesquisador do Laboratório Nacional de Berkeley, na Califórnia, percebeu que 20% de toda a ventilação e aquecimento gerados pelos sistemas de arcondicionado das residências sofria perdas por causa de vazamentos nos dutos. Criou, então, um sistema que consiste em injetar, via aerossol, um líquido vedante que vai fechando buracos, rachaduras e outras falhas nos dutos. Agora, Duo Wang, outro cientista do Laboratório Berkeley, apresentou sua tecnologia de vedação para grandes instalações. Apelidado Masis, o sistema, desenvolvido com a ajuda de Modera e apoio do Departamento de Energia dos EUA, tem duas versões. Na primeira, vem com um compressor de ar e um carrinho equipado com injetor, líquido vedante, bomba e painel de controle. Na segunda, os injetores são alimentados por uma estação central. •

Aerobarco

aplica herbicida em reservatório

Aguapés e outras espécies de plantas aquáticas lembram um tapete verde com pontos coloridos, quando floridos, enfeitando extensas porções de rios e reservatórios de água. Só que essa beleza aparente causa sérios problemas às usinas hidrelétricas, com perdas de até 10% do potencial de geração de energia elétrica do país. Com o objetivo de gerar tecnologia para o manejo dessas plantas, alguns projetos de pesquisa estão em desenvolvimento na Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Botucatu, incluindo métodos biológicos, químicos e mecânicos. Um desses projetos resultou na construção de um aerobarco, com tecnologia nacional, para aplicação de herbicidas aquáticos. Desenvolvida pelos engenheiros agrônomos Edivaldo Velini, do Departa-

mento de Produção Vegetal, e Ulisses Antuniassi, do Departamento de Engenharia Rural, a embarcação é dotada de sistemas eletrônicos para controle e monitoramento das aplicações. Inicialmente, os pesquisadores desenvolveram uma série de tecnologias, adaptadas a um aerobarco importado comprado pela Companhia Energética do Estado de São Paulo (Cesp). Para reduzir os custos, já que a importação de uma embarcação desse tipo fica em torno de R$ 500 mil, os pesquisadores projetaram e construíram um modelo totalmente brasileiro, por cerca de R$ 250 mil, com financiamento daAES Tietê, empresa privada que gerencia hidrelétricas. "Todo o trabalho está sendo feito com acompanhamento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama)", diz Antuniassi. •

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Vacina comercial contra carrapato A tecnologia da vacina sintética para o controle de carrapatos em bovinos será transferida para o laboratório mineiro Hertape, vencedor de licitação pública realizada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). As pesquisas que levaram à descoberta da vacina, prevista para ser Iançada comercialmente até o final de 2005, foram coordenadas pelo professor Joaquim Hernán Patarroyo, do Departamento de Veterinária no Instituto de Biotecnologia Aplicada à Agropecuária (Bioagro), da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Os estudos foram desenvolvidos na instituição mineira, em cooperação com o Instituto

• Volta às origens na construção Uma antiga técnica de construção que utiliza tijolos de terra crua está sendo recuperada pelo Programa de Tecnologia para Habitação (Habitare), da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), para ser repassada a comunidades carentes. Para aprimorar a tecnologia, o projeto investiu na caracterização de tijolos de terra prensada e na otimização do processo de produção. Quantidades adequadas de terra e de cimento, usado para estabilizar os tijolos, são algumas das preocupações dos trabalhos realizados em parceria com a instituição francesa Ecole Nationale de Travaux Publics de l'Etat e a italiana

Testes finais da vacina realizados em Minas

logia, escolhidas entre 250 inscritas para participar do 8° Venture Forum Brasil, realizado no Rio de Janeiro e organizado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Uma das empresas, a Coner, do Maranhão, apresentou um dispositivo batizado de Poupaluz que, instalado nos sistemas de iluminação com lâmpadas fluorescentes, proporciona economia de até 40% no consumo de energia elétrica e prolonga em até cinco vezes a vida útil desses equipamentos. •

• Projetos brasileiros recebem prêmio de Inmunologia del Hospital de San Iuan de Dios, em Bogotá, Colômbia, e com o apoio financeiro da Fapemig. É a primeira vacina sintética da América Latina contra o carrapato (Boophilus microplus), que, segundo cálculos do Mi-

Politécnico di Torino. Além do baixo custo, o processo de produção do tijolo de terra crua consome menos energia e produz menos rejeitos, já que não necessita de queima, como os de argila. Outra vantagem em relação aos produtos convencionais, em geral fabricados de forma centralizada, é que o tijolo de terra crua pode ser produzido pe-

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nistério da Agricultura, causa prejuízo anual de um US$ 1 bilhão à pecuária brasileira. A pesquisa iniciada em 1993 baseouse no estudo de uma proteína retirada do abdômen do inseto. Ela tem 80% de eficiência. •

los próprios moradores, no local em que serão ergui das as construções. •

• Negócios em busca de capital de risco De olho em boas oportunidades, 40 representantes de fundos de capital de risco conheceram os planos de negócio de dez empresas de tecno-

Os "Empreendedores do Novo Brasil" de 2003 foram apresentados pelo Instituto Empreender Endeavor na 6" Conferência Internacional Endeavor e Anprotec (Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos de Tecnologias Avançadas), realizada em junho, em Campinas. São dez empresas escolhidas entre 369 projetos de negócios inscritos. Elas foram analisadas por critérios como história do empresário e do negócio, pioneirismo e inovação. São elas, DentalCorp, Dotz, Fly Logística, Monkey, S&V Consultoria, de São Paulo, IBDD e Lan Designers, do Rio de Janeiro, Planejar e Top Service, do Rio Grande do Sul, e Angelus, do Paraná. Mais da


metade dos projetos recebidos é do Sudeste, com 61%. A região Sul enviou 13,3%, seguida do Nordeste (13,6%), Centro-Oeste (10%) e Norte (2,2%). •

Patentes Inovações financiadas pelo Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP. Contato: nuplitec@fapesp.br

Industrial para Ensaios de Glicerol, Malato e Etanol Inventores: Edwill Aparecida de Luca Gattás, Cecília Laluce, Claudia Regina Cançado Sgorlon Tininis Titularidade: Unespl FAPESP

• Substâncias com atividade antitumoral M icrodispositivos descartáveis para exames de sangue

• Aparelho alerta sobre riscos de raios Quando um raio matou dois adolescentes no Parque VillaLobos, em São Paulo, em janeiro de 2001, o Grupo de Eletricidade Atmosférica (Elat), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), de São José dos Campos, estava começando a trabalhar no desenvolvimento de um aparelho para funcionar como um alarme contra tempestades. "Esse acidente motivou-nos ainda mais e, ao mesmo tempo, a empresa gaúcha Hindelet, percebendo o potencial interesse comercial, resolveu investir no desenvolvimento do projeto", relata o coordenador do Elat, Osmar Pinto [unior. O detector de raios, capaz de operar em uma área de 50 quilômetros, já está à venda. Possui duas partes: um módulo externo, com uma antena que mede o campo elétrico, e outro interno, que processa as informações e transforma-as em sinais de alerta luminosos e sonoros. •

J~

• Microlaboratórios de análises químicas

• Nova técnica de obtenção de enzimas

Processo desenvolvido no Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) visa à obtenção de estruturas que funcionam como microlaboratórios. Por processo xerográfico ou de impressão a laser é obtido um filme polimérico com o toner impresso delineando o relevo da estrutura. Um outro filme é prensado ou laminado sobre a camada de toner, o que gera cavidades e canais que podem ser preenchidos com fluidos. Devido ao baixo custo da matériaprima e de fabricação, essas estruturas podem ser úteis na confecção de dispositivos microfabricados descartáveis para análises de sangue, de água, de álcool combustível e de vinhos.

Processo mais econômico de obtenção de enzimas, a partir de leveduras secas de panificação, para serem utilizadas em métodos analíticos. A técnica usada para obter enzimas demanda muitas etapas de purificação e, por isso, fica muito cara. Já o método desenvolvido na Faculdade de Ciências Farmácêuticas da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara trabalha com preparação parcialmente purificada, que pode ser aplicada em ensaios de glicerol e etanol em vinho tinto e em mosto fermentado de caldo de cana. O grupo pretende continuar estudos os de purificações dessas enzirnas nas preparações semipurificadas, além de tentar mudar o método enzimático para produzir leituras no comprimento de onda visível em vez de leituras no ultravioleta.

Título: Processo de Microfabricação Utilizando Toner como Material Estrutural Inventor: Claudimir Lucio do Lago Titularidade: USPIFAPESP

Título: I<it Econômico de Aplicação na Rotina

Uma família de compostos com propriedades antitumorais, derivados de substâncias existentes na própolis brasileira, foi sintetizada pela equipe do professor José Agustin Quincoces Suárez na Universidade Bandeirante de São Paulo (Uniban). Dois desses compostos mostraram eficácia em células tumorais humanas em testes in vitro. Esses estudos foram realizados por João Ernesto de Carvalho na Divisão de Toxicologia e Farmacologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A próxima etapa prevê a realização de testes in vivo. Título: Propriedades Antitumorais da 1,5-Bis (4-hidroxi-3-methoxi-feniIJpenta-l,4-dien-3-ona e Seus Derivados Inventores: José Agustin Quincoces Suárez, João Ernesto de Carvalho, Heloiza Brunhari, Marcus Kordien, I<laus Peseke, Luciana Kohn e Márcia Antônio Titularidade: Unibanl FAPESP

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Amostra de cobre oxidado, no alto, que, ap贸s tratamento, retoma propriedades met谩licas originais


TECNOLO-GIA QUÍMICA

A força da transformação Resíduos de laboratórios são reaprove itados em outros experimentos após reciclagem DINORAH

ERENO

elo menos oito cidades do norte fluminense sentiram na prática, no início de abril deste ano, os efeitos do descaso de uma indústria com seus resíduos. Durante vários dias, cerca de 600 mil pessoas ficaram sem água potável porque o rio Paraíba do Sul, que abastece essas cidades, foi contaminado pelo derramamento de produtos químicos do reservatório de uma indústria de papel instalada em Cataguases, Minas Gerais, na divisa com o Rio de Janeiro. A espuma tóxica deixou em seu rastro toneladas de peixes mortos e colocou em alerta entidades ligadas à saúde pública e ao meio ambiente. Acidentes como esse não aconteceriam se fossem tomados os devidos cuidados e a indústria tivesse adotado princípios e metodologias como aquelas utilizadas com sucesso há seis anos pelo Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), da Universidade de São Paulo (USP), em Piracicaba. A constatação de que era necessário estabelecer padrões para descarte e reciclagem dos produtos químicos utilizados para experimentos foi o ponto de partida para o desenvolvimento, em 1997, de um programa de gerencia-

P

mento de resíduos químicos e águas servidas naquela unidade. Os resultados já podem ser traduzidos em ganhos ambientais e econômicos. Somente no ano passado, cerca de 400 mil litros de resíduos químicos, contendo materiais perigosos, foram reciclados. Entre as substâncias que fazem parte desse montante estão chumbo, prata, mercúrio, cobre, zinco, selênio, bromo, amônia, sulfetos, metanol, acetona e cromo. Várias delas são reutilizadas nas linhas de pesquisa desenvolvidas no instituto. Segundo os cálculos do engenheiro químico José Albertino Bendassolli, coordenador do Laboratório de Isótopos Estáveis e do programa de gerenciamento de resíduos químicos do Cena, a economia mensal com o reaproveitamento desses produtos se aproxima de R$ 5 mil. "Por ano, são R$ 60 mil, mas, se considerarmos o programa de gerenciamento de água e energia elétrica, poderemos chegar a uma economia anual de R$ 200 mil. Esses exemplos bem-sucedidos podem ser transferidos para outras instituições de pesquisa e ensino", diz Bendassolli. Apenas no sistema de produção de água desmineralizada adotado pelo Cena, a economia anual com gasto de PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 65


água e energia elétrica pode totalizar R$ 140 mil. Pelo processo de destilação convencional - o mais empregado em laboratórios de ensino e pesquisa no país -, para cada litro produzido são consumidos de 15 a 20 litros de água tratada no sistema de refrigeração, sendo que a maioria é descartada após o processo. Pelos cálculos do coordenador do programa, como o Cena consome cerca de 60 mil litros de água destilada por mês, o desperdício mensal seria da ordem de 900 metros cúbicos, o que representa cerca de 10,8 milhões de litros por ano. E a energia gasta para produzir 1 litro de água destilada gira em torno de 0,7 quilowatt, representando 42 mil quilowatts por mês. Filtros e areia - Com o aporte de recursos da FAPESP em 2001, por meio do Programa de Infra-Estrutura V, o instituto dimensionou e construiu uma central de produção de água que utiliza basicamente gravidade e pressão. Por esse processo, a água desmineralizada é obtida por troca iônica (resinas trocadoras de cargas positivas e negativas). O líquido da rede de abastecimento público de Piracicaba, do Serviço Municipal de Água e Esgoto (Semae), passa inicialmente por um filtro de carvão ativado e grãos de areia de vários tamanhos e, na seqüência, em grandes colunas de acrílico transparente, contendo resinas, responsáveis pela retenção de cátions (cálcio, magnésio, potássio, sódio e alguns metais pesados) e ânions (cloretos, sulfatos, nitratos, carbonatos, entre outros). Em seguida, a água passa por um sistema de desinfecção por luz ultravioleta e por filtros de polipropileno com ranhuras de 5 mícrons. "O resultado é que hoje temos 50% das nossas unidades utilizando essa água", conta Bendassolli. Como alguns ficam distantes da central de produção, onde ela é retirada pelos técnicos em galões, o coordenador do programa acredita que é possível melhorar a distribuição, tornando-a mais eficiente com encanamentos específicos. O trabalho de gerenciamento de resíduos químicos do Cena começou em 1997, no Laboratório de Isótopos Estáveis, local onde se produz a maior quantidade de rejeitos do instituto. O laboratório é responsável por toda a produção nacional de compostos enriquecidos nos isótopos pesados de ni-

Equipamento usado para processamento de cobre. Com a adição de hidrogênio a 4500 C, retira-se oxigênio do metal

trogênio e enxofre, portanto sem radioatividade, usados principalmente na pesquisa agronômica como traçadores, na avaliação do ciclo de nitrogênio e de enxofre no sistema solo-planta. Como nos últimos anos houve um aumento do consumo desses compostos, a produção precisou ser ampliada, gerando um maior volume de etluentes químicos e a necessidade de adotar um programa de gerenciamento dos resíduos. O Cena integra, com a Esalq, o campus da USP em Piracicaba. São 37 pesquisadores docentes, cerca de 100 funcionários e 150 alunos de pós-graduação que trabalham em 19 laboratórios de pesquisa. Bendassolli recorda o início do programa, quando a primeira tarefa já dava idéia do que aguardava a equipe envolvida. Em um depósito aberto, sem nenhum tipo de organização, encon-

o PROJETO Tratamento de Resíduos Químicos MODALIDADE

Programa de Infra-Estrutura V COORDENADOR JOSÉ ALBERTINO

BENDASSOLLI -

Centro de Energia Nuclear na Agricultura/USP INVESTIMENTO

R$ 497.960,00 e US$ 22.940,00

travam-se 5 toneladas de resíduos, precariamente acondicionados e em grande parte sem nenhum tipo de rotulagem. O primeiro passo foi classificar o que dava para identificar. "No total, cerca de 2,1 toneladas do material foram incineradas, porque não foram segregadas na fonte geradora", conta. A incineração foi feita pela Basf, em Guaratinguetá, com acompanhamento da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb). Banco de dados - O depósito original foi então remodelado, dentro de critérios rígidos de armazenamento de material, e os resíduos divididos em 11 classes. Bendassolli lembra que, como esse ambiente é um entreposto provisório, o material descartado deve ficar no máximo 120 dias no local. Depois, precisa ser recuperado ou incinerado. Um banco de dados informatizado, desenvolvido pelo Laboratório de Informática do Cena, fornece dados detalhados, quantitativos e qualitativos, dos resíduos estocados e gerados nas linhas de pesquisa e ensino da instituição, além de informações técnicas sobre mais de 200 compostos químicos perigosos. A equipe também produziu um vídeo com os resultados do programa de gerenciamento, apresentado aos grupos que visitam a instituição. Um resultado importante mostrado aos visitantes é a reciclagem de vários resíduos aquosos contendo produtos

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perigosos, como cianeto, amônia, sulfeto, bromo e outros. Eles são reciclados e reaproveitados em outras linhas de pesquisa do Cena, enquanto os sólidos, como as lâmpadas fluorescentes, são enviados para uma empresa que faz a reciclagem do mercúrio. Os resíduos de prata, por exemplo, são recuperados e utilizados como óxido de prata em outros processos analíticos. "Esse material é um reagente caro que usamos, por exemplo, na determinação de enxofre em plantas", conta Bendassolli. Já o cromo é utilizado como dicromato de potássio em vários processos analíticos. Sem oxigênio - O cobre metálico, usado para retirar o excesso de oxigênio de amostras de solo, sedimentos e plantas antes de passarem pelo espectrômetro de massas, é reciclado em sua forma original. Ao reter o excesso de oxigênio das amostras, o cobre fica oxidado e perde sua função, além de ser tóxico. Para retomar ao cobre metáColunas de acrílico usadas para produzir água lico, ele passa por um processo desmineralizada pelo processo de troca iônica conhecido como óxido-redução, que consiste em empregar o hidrogênio a 4500 C para retirar o oxigênio. A reciclagem do cobre estiverem no último ano - que aborda proveniente de três equipamentos do a questão de segurança e do tratamento de resíduos químicos em laboratóriCena representa economia anual na importação dessa matéria-prima da oros. Outra forma de repasse é receber dem de US$ 12 mil. alunos de colégios e faculdades nos laboratórios do Cena. Embora muitos desses processos sejam convencionais, nem sempre são' Programa no shopping - Uma dessas empregados pelas universidades e mesvisitas já rendeu frutos. Dois alunos mo pelas indústrias. "As empresas proque trabalham em uma indústria de Piduzem uma grande quantidade de reracicaba perceberam que alguns procesíduos, mas em menor variedade. Já a dimentos adotados pela empresa podeuniversidade produz menor quantidariam ser modificados e colocaram em de, mas a diversidade é muito maior. prática técnicas aprendidas no Cena. Nosso objetivo é que os processos deBendassolli também considera imporsenvolvidos aqui possam ser transferitante apresentar à comunidade o trabados", diz o coordenador do programa. lho da universidade. Por isso, no início Na sua avaliação, uma maneira de pasde junho, Glauco Tavares, Gleison de sar adiante esse conhecimento é por Souza e Felipe Rufino Nolasco, particimeio do curso de graduação de Gestão pantes da equipe, apresentaram o proAmbiental da Esalq, que tem como finalidade formar o administrador do amgrama de resíduos em um shopping de Piracicaba, como parte de atividades libiente. Bendassolli é responsável por gadas à Semana do Meio Ambiente. uma disciplina - que consta da grade Daqui a um mês, o Cena vai encercurricular de 2005, quando os alunos rar sua participação no Infra-Estrutura da primeira turma desse novo curso

V. Esse programa foi lançado pela FAPESP em 1999, dando continuidade ao Programa de Infra-Estrutura criado em 1995 com o objetivo de recuperar e modernizar laboratórios e demais instalações de pesquisa das instituições paulistas, que se encontravam bastante deteriorados, inviabilizando, inclusive, a atividade de pesquisa. O Infra V foi dividido em dois grandes módulos: o de tratamento de resíduos químicos e o de centros de informações, incluindo bibliotecas, museus e arquivos. Participam do módulo de resíduos químicos dez laboratórios da USP, três da Universidade Estadual Paulista (Unesp), um da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), um da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e um da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp), além do Centro de Controle de Zoonoses da Prefeitura Municipal de São Paulo, do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) e do Centro de Pesquisa Pecuária Sudeste da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que receberam no total R$ 4,2 milhões. Segundo Bendassolli, para que o programa do Cena continue serão necessários cerca de R$ 60 mil anuais para material de consumo, manutenção dos equipamentos e desenvolvimento de novos métodos, além de contratação de pessoal técnico (funcionários exclusivos para o programa). "Como a pesquisa é dinâmica, com experimentos diversos, temos sempre que pensar em novas metodologias de tratamento para os outros compostos que surgem", relata o coordenador do programa. Esse valor representa uma parcela pequena perto do que já foi investido até aqui, cerca de R$ 1 milhão, entre verba da FAPESP, do Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex), mantido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecno lógico (CNPq), USP e do próprio Cena. Não teria sentido, como diz Bendassolli, depois de tanto esforço e dos resultados apresentados, abandonar o que foi feito. • PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 67


ITECNOLOGIA

BIOMATERIAL

Alívio para queimaduras

Curativo de hidrogel diminui a dor; evita o ressecamento da pele e combate bactérias YURI VASCONCELOS

tratamento de queimaduras deverá ter, em breve, um novo aliado. A novidade surgiu no Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP), onde pesquisadores desenvolveram um curativo de hidrogel reforçado com fibras de polipropileno, um material plástico, ideal para o tratamento de queimados. Hidrogéis são materiais poliméricos, com consistência similar à de uma gelatina, que retêm água em sua estrutura. Os curativos feitos com esse biomaterial, também chamados de membranas, não são novidade no mercado, mas sua fragilidade mecânica impede o uso de forma generalizada pelos hospitais porque se rompem com facilidade durante o manuseio. Os médicos também reclamam que o curativo ainda é muito pequeno, não cobrindo áreas grandes do corpo. Com o reforço de polipropileno desenvolvido na USP, os curativos poderão ser fabricados em qualquer dimensão e não

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apenas no tamanho padrão de 8 por 15 centímetros. O aprimoramento do produto coube ao químico Luiz Henfique Catalani e sua equipe. Eles utilizaram o hidrogel criado pelo pesquisador polonês Ianus Rosiak, cuja tecnologia foi transferida no início dos anos de 1990 para o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen). Os curativos de hidrogel são formados por água (92% de sua massa) e polímeros (os 8% restantes), sendo que o polivinilpirrolidona (PVP) é seu principal componente. A maior vantagem em relação aos curativos tradicionais, feitos de gaze, é que ele reduz a dor provocada pela queimadura. "Essa sensação ocorre por causa da exposição das terminações nervosas dos ferimentos. Ao manter a área queimada úmida, a dor diminui em mais de 90% e proporciona um grande alívio para os pacientes", afirma Catalani. Outra vantagem do hidrogel é que ele acelera o processo de cicatrização, pois mantém a queimadu-

ra sempre hidratada. Além disso, por ser impermeável a microrganismos - a rede da membrana é da ordem de 5 a 7 nanômetros (a milionésima parte do milímetro) -, ele evita a infecção por bactérias. Ao mesmo tempo, a ferida é mantida arejada, porque o curativo é permeável ao oxigênio. Sanduíche de gel- Para desenvolver uma membrana reforçada e maior, Catalani testou vários materiais até encontrar a fibra de polipropileno. "Mas ela tinha um problema: era hidrofóbica, incompatível com o meio aquoso. A solução foi fazer um copolímero (junção molecular de dois polímeros) com um material hidrófilo, que absorve a água. O produto resultante passou, então, a ser compatível com o hidrogel. A partir daí, fizemos uma montagem com duas camadas externas de PVP e uma interna de polipropileno', explica Catalani. Testes apontaram que o novo curativo é oito vezes mais resistente que o original.


Produção de hidrogel, em laboratório, com radiação ultravioleta

altamente eficaz, porque promove a reticulação (formação de reações cruzadas entre as cadeias poliméricas que transformam a solução aquosa em gel) e esterilização do curativo simultaneamente, mas tem um problema: são poucas as empresas e instituições que possuem os equipamentos necessários para fazê-lo. "Diante dessa limitação, decidimos criar outro sistema de produção sem radiação de alta energia': explica Catalani. "Descobrimos, então, que era possível produzir os curativos de hidrogel com radiação ultravioleta (UV) a partir do PVP, um fato inédito na produção de hidrogéis para uso biomédico."

o resultado obtido no IQ-USP se transformou em uma patente depositada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) com o financiamento do Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP. Agora, Catalani está negociando com a indústria farmacêutica Biolab-Sanus a produção comercial da membrana reforçada. O laboratório é parceiro do Ipen no desenvolvimento do curativo de hidrogel sem reforço. Vinte mil protótipos dessa membrana estão sendo testados, desde março deste ano, por 20 hospitais no Brasil. "Dependendo dos resultados, a Biolab-Sanus dará início à produção comercial, mas não há data definida", afirma o engenheiro químico Ademar Lugão, pesquisador do Ipen responsável por trazer a tecnologia dos curativos de hidrogel para o Brasil. O desenvolvimento do curativo reforçado não foi a única contribuição do professor Catalani e sua equipe para

o tratamento de queimaduras. Eles também criaram uma maneira mais barata e acessível de produzir as membranas. Pelo sistema convencional, empregado pelo Ipen, a solução polimérica em estado líquido precisa ser exposta à 'radiação de alta energia - feixe de elétrons ou radiação gama - para adquirir a consistência de gel. Esse método é

o PROJETO Curativo Formado por Polivinilpirrolidona Reforçado por Fibras de Polipropileno Enxertado com Monômero Acrílico MODALIDADE Programa de Apoio à Propriedade Intelectual (PAPO COORDENADOR LUIZ HENRIQUE INVESTIMENTO

R$ 6.000,00

CATALANI

- IQ-USP

Simples e barato - Logo que foi descoberto, o processo demorava algumas horas, o que o tornava inviável comercialmente. A técnica foi aprimorada e o tempo de processamento reduzido, em escala laboratorial, para menos de 30 minutos. "Ainda é bem mais do que o tempo da radiação de alta energia, que é instantânea, mas ela tem inúmeras vantagens. É mais barata, simples e acessível." Com ela, os empresários interessados em fabricar as membranas poderão fazer todo o processo em suas instalações, o que não é possível no outro sistema, porque a irradiação de alta energia é necessariamente terceirizada. Catalani espera nos próximos meses depositar a patente do curativo por radiação UV no INPI para, então, negociar a produção comercial. Catalani e sua equipe também desenvolveram outra tecnologia para produção de hidrogéis, a partir de uma reação de oxirredução, A grande diferença entre os curativos formados por esse processo e os tradicionais é que eles não têm um formato predefinido. A membrana molda-se à área aplicada e é ideal para regiões do corpo como mão e dedos. Ela funciona colocando-se o PVP no corpo sem ter sofrido irradiação na área atingida. Em seguida, uma substância é aspergida sobre o produto, provocando a oxirredução e transformando-o em gel. "Até onde eu saiba, esse hidrogel é inédito no mundo:' Ele está sendo finalizado e aguarda os resultados dos testes de toxicidade feitos pelo Instituto Adolfo Lutz. • PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 69


ITECNOLOGIA

ENGENHARIA

METALÚRGICA

Por dentro dos tubos Nova metodologia para analisar equipamentos de petroq uím icas

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sério m problema das indústrias petroquímicas é o desgaste sofrido pelos . tubos de aço usados na produção de etileno, matéria-prima empregada na fabricação de polímeros como polietileno e polipropileno, usados, por exemplo, na confecção de embalagens e peças para a indústria automobilística. Produzidos a partir de uma família de aços refratários (resistentes ao calor), esses tubos sofrem desgastes com a ação das altas temperaturas e dos gases utilizados na síntese dos polímeros. Assim, a qualidade dos tubos é fator fundamental para evitar a

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constante troca das tubulações e a paralisação da produção. Foi para compreender com precisão esses desgastes que uma equipe do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT) decidiu desenvolver uma nova metodologia de ensaios capaz de avaliar o comportamento de ligas metálicas resistentes ao calor sob as condições da produção dos polímeros. O ambiente onde esses tubos em forma de serpentina funcionam é no interior de fornos de pirólise (decomposição pelo calor sem a presença de oxigênio). Na produção de etileno, a superfície externa dos tubos atinge temperaturas de


Dentro do forno: ensaios com corpos-de-prova para testar ação do carbono no metal

tubos de aço refratário em São Carlos (SP). Ela, porém, não foi a primeira indústria envolvida no projeto. Quando foi concebido, em 1997, a parceria se deu com a Aços Villares, que tinha uma fábrica desses tubos. Enquanto o projeto era avaliado pela Fundação, a emprêsa encerrou as atividades dessa unidade. Os pesquisadores do IPT, então, ofereceram o projeto à Fundinox, uma divisão da Sulzer Brasil. A empresa aceitou e a pesquisa foi iniciada em maio de 2000. Pouco tempo depois, a Fundinox foi comprada por um grande fabricante alemão, que não demonstrou interesse pelo trabalho.

até 1.150 graus centígrados. O resultado é o aparecimento de dois fenômenos, chamados de fluência e de carburação. ' No primeiro ocorrem deformações resultantes das tensões provocadas pelo aquecimento. No outro há uma acentuada degradação causada pela difusão de átomos de carbono no interior da tubulação. De uma forma geral, os tubos são projetados para uma vida útil de 100 mil horas (cerca de 11 anos), mas, devido à carburação, esse período reduz-se em até 50%. Hoje, para garantir a vida útil original, os fabricantes aumentam a espessura das paredes dessas peças, encarecendo o produto. Os pesquisadores contaram com apoio da FAPESP, que financiou o projeto dentro do Programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE). A empresa parceira é a Engemasa, fabricante de

Mudança na parcerla- "Como o projeto já estava em andamento, a FAPESP concordou que ele prosseguisse sem a parceria de uma empresa, até que batemos na porta da Engemasa", conta Mário Boccalini, pesquisador da Divisão de Metalurgia do IPT. O trabalho foi encerrado em abril deste ano e os resultados demonstram, em detalhes, as leis gerais sobre os dois fenômenos que afetam os tubos. "Fizemos um avanço metodológico inédito no Brasil. Conseguimos reproduzir com fidelidade as condições físico-químicas que acontecem nos fornos e, a partir daí, pudemos entender melhor a carburação e a fluência", afirma a física Zehbour Panossian, coordenadora do projeto do PITE e chefe do Agrupamento de Corrosão e Proteção do IPT.

o PROJETO Desenvolvimento de Metodologia de Ensaios de Ligas Resistentes à Carburação e à Carburação Catastrófica MODALIDADE

Parceria para Inovação Tecnológica (PITE) COORDENADORA ZEHBOUR

PANOSSIAN

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IPT

INVESTIMENTO

R$ 171.750,00 (empresa), R$ 27.146,00 e US$ 51.623,07 (FAPESP)

Para compreender a relevância dos ensaios e dos resultados desse projeto, é preciso antes conhecer os dois fenômenos que atingem os tubos. Segundo Boccalini, a fluência é uma deformação causada por dois tipos de esforços: a pressão provocada pelo gás que circula dentro do tubo e a tensão longitudinal exercida pelo peso da peça. Essas tubulações costumam ter em torno de 10 metros de comprimento e de 5 a 20 centímetros de diâmetro. Quando submetidos às altas temperaturas, elas podem sofrer deformações de até 10 centímetros no comprimento. A carburação, por sua vez, ocorre quando átomos de carbono presentes na nafta e no etileno penetram nas paredes dos tubos. "Ela é danosa porque afeta a integridade das tubulações, tornando-as frágeis e sujeitas a trincas. Os tubos perdem, assim, a capacidade de deformar-se, e tornam-se suscetíveis à ocorrência de fratura catastrófica (quebra da peça)", explica Boccalini. Quando isso acontece, o material tem de ser reparado ou trocado, acarretando sérios prejuízos à empresa. Para realizar os ensaios que permitissem avaliar o comportamento das ligas - compostas por ferro, cromo, níquel e uma pequena adição de carbono de 0,8% - quando submetidas à carburação, os pesquisadores fabricaram uma atmosfera sintética com metano e hidrogênio no interior de um forno contendo corpos-de-prova cilíndricos de 10 milímetros de diâmetro por 70 milímetros de comprimento. A temperatura dentro foi mantida em até 1.150 graus centígrados e cada ensaio (foram 25 no total) durou cerca de 100 horas. Depois que os pequenos cilindros saíam do forno, eram medidos para identificação da variação de massa. Em seguida, eram submetidos a uma análise microestrutural por meio de vários instrumentos. Nessas análises, foram removidas camadas de metal para saber até onde e em que quantidade os átomos de carbono penetraram na liga. "Em alguns casos, 5% da massa do tubo era formada por carbono, que chegou a difundir-se 5 milímetros no corpo de prova", conta o engenheiro metalurgista do IPT Marcelo Moreira, responsável pelos ensaios. Como resultado, percebeu-se que o teor de carbono cresceu de 0,8% para 5%. Com isso, a Engemasa passa a fabricar produtos com melhor capacidade de uso nas indústrias petroquímicas. • PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 71




acompanhamento e controle de cargas. "Nossa receita, de R$ 19 milhões em 2002, deve aumentar para R$ 30 milhões em 2003", prevê Rogério Ferraz de Camargo, diretor geral da companhia. maprojeção dessa ordem nem passaria pela cabeça de Camargo nos idos de 1984, quando ele, engenheiro recém-formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), resolveu montar a empresa, que, com o nome de Databus Engenharia, dedicava-se a projetos de engenharia nas áreas de eletrônica e telecomunicações. A companhia, então, faturava o equivalente a algumas dezenas de milhares de reais por ano com poucos funcionários. No final da década de 80, Camargo afastou-se dos negócios para fazer um curso de doutorado em robótica no Laboratório de Automação e de Análise de Sistemas (LAAS), em Toulouse, na França. "Voltei para o Brasil em 1991, com idéia de me dedicar à pesquisa acadêmica': lembra. Ele, que já lecionara no ITA, retornou aos quadros do instituto, no qual é professor até hoje, em regime parcial. Camargo reativou a empresa em 1994 e, dois anos depois, vislumbrou uma oportunidade no mercado de televisão do país. Agora com o nome de Databus Sankay, a companhia passou a produzir equipamentos receptores de sinais de TV via satélite. ''Abrimos, então, em 1999, uma filial em Manaus, para aproveitar os incentivos fiscais da Zona Franca", conta Camargo. No final de 2000, já com o nome de Orbisat, o empreendimento tinha 40 empregados e faturava R$ 5 milhões. Mas, para continuar crescendo, ele sabia que precisava de tecnologia. "Nos últimos anos, 20% do faturamento da Orbisat é reinvestido em pesquisa e desenvolvimento." Fora o empenho em montar uma empresa inovadora, uma coincidência fez a Orbisat tomar uma decisão arrojada. No início de 2001, João Roberto Moreira Neto, que também havia se formado em engenharia pelo ITA e finalizado o doutorado no Centro de Pesquisa Aeroespacial Alemão (DLR), em 1987, fixando-se na Alemanha, confidenciou um dilema a Camargo,

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Monitoração de cargas: protótipo do terminal que será instalado nos caminhões

amigo desde os tempos de colégio: tinha vontade de retomar ao Brasil, mas não via muitas possibilidades de aplicar, aqui, os conhecimentos que acumulara lá. Camargo propôs-lhe sociedade na Orbisat. Moreira aceitou e assumiu a responsabilidade de criar o radar cartográfico e a divisão de- sensoriamento remoto da empresa, que atualmente tem 30 empregados de um total de cem, sendo que oito são douto'res e sete possuem mestra do. Moreira, hoje diretor gerente da Orbisat, trouxe consigo os pressupos-

o PROJETO Desenvolvimento de Terminal de Usuário para Transmissão e Recepção de Voz e Dados Via Satélite MODALIDADE

Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPEl COORDENADOR JOEL MUNIZ BEZERRA - Orbisat INVESTIMENTO

R$ 190.600,00

e US$ 57.025,00

tos que orientariam o projeto do radar, batizado de OrbiSAR-1: o sistema para o segmento de cartografia e a tecnologia InSAR (interferometric synthetic aperture radar, ou radar interferométrico de abertura sintética). Esses radares, que transmitem ondas e registram-nas imediatamente após o impacto na Terra, operam sob qualquer condição atmosférica e de luz. Substituem as fotografias aéreas tradicionalmente utilizadas na produção de mapas, com enormes benefícios de custo, tempo e precisão. "Com eles, é possível realizar em pouco mais de seis meses um trabalho que consumiria dez anos, com a fotogrametria", compara. O objetivo de Moreira desde o início do projeto é que o radar capturasse imagens em duas freqüências simultâneas, para fornecer tanto a altura das árvores ou de edifícios quanto do solo coberto por vegetação, construções, etc. Outras vantagens, segundo Rogério, são a velocidade na entrega dos produtos finais para os clientes e uma melhor resolução: 25 por 25 centímetros, contra 50 por 50 das outras empresas. O segredo para chegar a esses números está no projeto dos circuitos analógicos e digitais do sistema e no software para o processamento das imagens. Depois que todas as metas estabelecidas por Moreira se concretizaram, a Orbisat solicitou financiamento ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em julho de 2001, com o apoio da Sociedade para Promoção da Excelência do Software Brasileiro (Softex). E a liberação desse empréstimo de R$ 4,5 milhões precisou ser realizada rapidamente devido a um sucesso imprevisto. Em novembro, a empresa, em consórcio com a alemã Infoterra, venceu a licitação internacional do projeto Cartosur II, do governo venezuelano, financiado pelo Banco Mundial. A intenção era capturar e processar imagens digitais de radar cobrindo cerca de 253 mil quilômetros quadrados de território entre os estados de Bolívar e Delta Amacuro, nas regiões centrais e noroeste da Venezuela. A Orbisat, com tecnologia superior e um preço 30% mais baixo que o


do competidor, levou o contrato de € 6 milhões, cabendo-lhe a parte de € 3,5 milhões. Mas o problema é que o sistema não estava pronto. Então, a Orbisat contratou 16 engenheiros para garantir a conclusão do radar em tempo hábil e investiu R$ 1,5 milhão de recursos próprios na execução do projeto. Com um avião arrendado de uma empresa parceira, a Digimapas, que adaptou a nave às necessidades do transporte do radar, a Orbisat deu conta da captura de imagens entre janeiro e abril deste ano, em 650 horas de vôo. ''A fase de processamento, que resultará na entrega de 518 mapas de alta qualidade com escala de 1:50.000, será concluída até agosto", adianta Moreira. O software InSAR desenvolvido pela Orbisat proporciona a inclusão, nos mapas, de curva de nível e diversos outros elementos de cobertura terrestre, como tipos de floresta, fluxos e corpos d' água, estradas, etc. A empresa agora trabalha no desenvolvimento do radar LightSAR. "Como muitas aplicações não exigem resolução

de 25 centímetros, pretendemos lançar uma versão simplificada do OrbiSAR-l, para baixar ainda mais o custo dos serviços e, com isso, ampliar o mercado potencial", revela ele. ''A Amazônia brasileira, por exemplo, ainda não foi mapeada dessa forma, e no futuro o sistema poderá ser usado até por prefeituras, para controle de expansão predial em áreas urbanas e para efeito de arrecadação de impostos", observa Camargo.

Logística e sequrança- O recente lançamento do módulo receptor de GPS também amplia o horizonte de atuação da Orbisat. O dispositivo, que pode ser comercializado isoladamente, integrará um sistema de comunicação e segurança para transportadoras de carga. Ele será lançado no segundo semestre deste ano e vai operar com a norteamericana GlobalStar, empresa que possui uma constelação de satélites de comunicação e oferece serviços de telefonia e de dados para todo o planeta. "Esse produto nos dará vantagem de preço de cerca de 50% em relação aos

similares que estão em comercialização', anima-se Camargo. Outro diferencial do sistema de monitoração de cargas será a transmissão de voz e dados e o acesso à Internet por meio de um modem capaz de operar, também, nas freqüências de telefonia celular. "O equipamento terá um pequeno teclado acoplado e a menor antena do mercado, o que o torna mais interessante em aplicações nas quais a segurança seja o objetivo principal'; explica Camargo. O desenvolvimento do terminal de usuário que será instalado, por exemplo, na cabine do caminhão, contou com o apoio da FAPESP por meio do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), num projeto iniciado em 1999. Todos os circuitos eletrônicos do sistema foram desenvolvidos pela Orbisat, com coordenação geral do pesquisador Ioel Muniz Bezerra. ''A frota de caminhões brasileira tem mais de 10 milhões de veículos'; diz Bezerra. "Daqui a algum tempo, o uso de sistemas de monitoramento remoto será uma exigência das seguradoras:' •


• TECNOLOGIA

Análise das alterações em nucleotídeos é tema do primeiro software comercial da Scylla

MARCOS

DE OLIVEIRA

BIOINFORMÁTICA

Diferença genômica epoisde receber um impulso de desenvolvimento com os projetos genomas que se espalharam pelo mundo e pelo Brasil, a bioinformática começa a se destacar como uma importante área para a geração de inovação tecnológica. Um desses frutos originários da pesquisa genômica é um software produzido pela empresa Scylla, de Campinas, para o Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP). É um sistema para identificar diferenças genéticas, chamadas de polimorfismo, nas seqüências de bases químicas formadoras dos genes, as famosas adenina, citosina, timina e guanina, também

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conhecidas como nucleotídeos. Uma seqüência ou apenas uma letra diferenciada - indicadora de uma dessas substâncias em determinado gene - pode levar, por exemplo, a uma predisposição para doenças mentais. O software, chamado de Sistema de Identificação de Polimorfismos (SIP), vai servir para que os pesquisadores da USP possam identificar com mais facilidade essas diferenças e compará-Ias com a condição física da pessoa analisada, relacionando o polimorfismo à doença. "O SIP é uma ferramenta para verificar os polimorfismos de nucleotídeos únicos, ou SNPs, existentes no DNA. A grande maioria das pessoas tem sem-

pre uma seqüência, como, por exemplo, ATTGCATG. Se acharmos no mesmo gene, mas em outra pessoa, a seqüência ATTGCTTG, portanto com uma troca do A pelo T, verifica-se primeiro se há algum erro no processo de obtenção dos dados e, se persistir a diferença, compara-se com a condição médica da pessoa", explica o professor João Meidanis, do Departamento de Teoria da Computação do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e fundador da Scylla. Como sócios na empresa estão dois ex-alunos de Meidanis, Alexandre Corrêa Barbosa e Zanoni Dias. Eles formaram a Scylla em 2002 depois de um longo período como participantes da área de bioinfor-


mática dos projetos genomas das bactérias Xyllela fastidiosa e Xanthomonas citri e da cana-de-açúcar, dos quais Meidanis foi um dos coordenadores. Banco mundial - Somente no Genoma Humano são conhecidos mais de 4 milhões de SNPs. Eles são identificados como tal se estiverem presentes em 10/0 da população. O conhecimento sobre eles está registrado em bancos mundiais de polimorfismos, aos quais, com a ajuda do software, a equipe coordenada pelo professor Emmanuel Dias Neto, do Laboratório de Neurociências do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, vai acessar para identificar e classificar os SNPs.

"Essas informações serão úteis, por exemplo, para analisarmos um grupo de 500 pessoas, sendo 250 com esquizofrenia e 250 como grupo de controle sem a doença. Assim, verificamos as diferenças nas bases e as relacionamos com uma enfermidade", explica Dias Neto. "Buscamos também polimorfismos que possam significar resistência a medicamentos. Os SNPs podem ser responsáveis pela ineficácia de determinadas drogas em algumas pessoas." A síntese de uma proteína alterada, causada por um determinado SNP, pode influenciar as ligações químicas que fazem o medicamento ser eficiente. "Existem indivíduos que respondem ao lítio (substância usada contra a depressão) e

outros não. Queremos entender e caracterizar os genes ligados a essas respostas clínicas': diz Dias Neto. Assim, o software desenvolvido pela Scylla poderá também servir a outros centros de pesquisa, laboratórios e para a indústria farmacêutica. Clientes em rede - De forma prática, o software possui um servidor que permite a participação de vários clientes. Eles podem, assim, rodar o programa em rede local ou não, em ambiente Linux ou Windows. O SIP é o primeiro produto comercial da Scylla, empresa que recebeu investimentos financeiros da Votorantim Ventures, braço para capital de risco do Grupo Votorantim. • PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 77


ITECNOLOGIA

FARMÁCIA

Mais conforto e eficiência M icroesferas biodegradáveis e implantes oculares eliminam as injeções em vários tratamentos

LILIANE

NOGUEIRA

avanço tecnológico na produção de medicamentos segue necessariamente a procura por soluções menos agressivas e mais eficazes de absorção das drogas pelo organismo. Nos países desenvolvidos, a indústria farmacêutica investe fortunas na busca de qualidade terapêutica e para proporcionar mais conforto aos pacientes. No Brasil, apesar de os investimentos nesse setor serem pequenos, surgem exemplos de competência e de domínio tecnológico, com resultados semelhantes aos dos grandes laboratórios multinacionais. É o caso de uma patente depositada em abril deste ano no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que registra a técnica de encapsulamento de insulina em microesferas (compostas de polímeros) biodegradáveis. Assim, o medicamento poderá ser administrado na forma de aerossol, como as bombinhas usadas por aqueles que têm asma, uma maneira mais agradável de substituir as injeções subcutâneas aplicadas todos os dias pelos diabéticos do tipo 1. O encapsulamento de insulina é um processo desenvolvido pela equipe do professor Armando da Silva Cunha [únior, do laboratório de Farmacotécnica e Tecnologia Farmacêutica da Faculda-

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de de Farmácia da UFMG, em Belo Horizonte. A utilização de polímeros biodegradáveis no preparo de novos medicamentos também é usada por ele na área oftalmológica. "Desenvolvemos implantes, na forma de bastão para ser instalado na parte posterior do olho, que libera drogas por alguns meses, enquanto o material polimérico se degrada no organismo", explica Cunha [únior, Por enquanto, as pesquisas com o implante oftálmico estão concentradas nos medicamentos destinados ao tratamento das uveítes. Originalmente, a doença é uma inflamação do trato uveal, composto pela íris, corpo ciliar e coróide (memtirana situada na frente da retina), mas o termo tem sido empregado também para inflamações em estruturas adjacentes, como a retina e o nervo óptico. As uveítes podem ser causadas por traumas cirúrgicos ou acidentais, por microrganismos externos, ou surgirem de forma secundária associadas a doenças como a tuberculose, a toxoplasmose e outras. O primeiro passo é tratá-Ia com os colírios convencionais à base de corticóide. Entretanto, na maioria das vezes, essa prática não gera resultados, tornando-se necessário a utilização do medicamento por via oral ou injeções intra-oculares. Além de dolorido, o tratamento quase nunca dá bons resultados e é causa de cegueira em grande proporção.

Interesses na inovação - Cunha [únior está entusiasmado com a repercussão que esse implante oftalmológico poderá ter entre as indústrias farmacêuticas brasileiras. "Já fizemos alguns contatos com laboratórios nacionais interessados em desenvolver o produto", revela. Mas o mesmo não acontece com as microesferas de insulina. "O problema é que não há empresa no país que se interesse em transformar essa inovação em produto", diz o professor. A pesquisa desenvolvida por ele foi realizada com insulina cedida pela Biobras - única fábrica desse medicamento no Brasil, localizada em Montes Claros, no norte de Minas Gerais -, que produz o hormônio. Os testes foram feitos em ratos e camundongos diabéticos, que responderam bem ao tratamento com a insulina encapsulada. O próximo passo seria a realização dos ensaios clínicos em humanos, mas não houve tempo suficiente. Em fevereiro de 2002, a Biobras foi vendida para o laboratório farmacêutico Novo Nordisk, da Dinamarca, e a pesquisa da UFMG foi interrompida. "Acreditamos que, com a venda da empresa brasileira, as perspectivas mercadológicas desapareceram. No momento, não há, no Brasil, nenhum interesse na insulina encapsulada, mesmo porque não temos mais uma empresa genuinamente nacional que produza o


M icroesferas: insulina envolta porpolímeros biodegradáveis em imagens de microscopia eletrônica

hormônio e queira desenvolver aqui um novo método terapêutico. Conhecendo o mercado como eu conheço, não tenho esperanças", desabafa o pesquisador. E ele fala com conhecimento de causa. No período entre a graduação na Faculdade de Farmácia da UFMG, em 1986, e a pós-graduação (mestrado e doutorado) na França, na Universidade Paris XI, de 1993 a 1997, Cunha Iúnior trabalhou com a insulina em sua forma tradicional, na Biobras. Foi nessa época que ele começou a se interessar por novas formas farmacêuticas, tema de sua dissertação de mestrado e da tese de doutorado. Em 1997, ele recebeu da Association de Pharmacie Galénique lndustrielle, ou Associação de Farmácia Galênica lndustrialgalênica significa farmacotécnica ou manipulação farmacêutica - e da Association de Recherches Scientifiques Paul Neumann, ou Associação de Pesquisas Científicas Paul Neumann, fundador do antigo laboratório Hoechst, vinculada atualmente à empresa Aventis, o prêmio de melhor tese em tecnologia farmacêutica desenvolvida na França, naquele ano. O fato é que a insulina em aerossol certamente chegará por aqui, ainda que importada. Ao mesmo tempo em que a pesquisa se desenvolvia na Faculdade de Farmácia da UFMG, dois pequenos

laboratórios norte-americanos de alta tecnologia, o lnhale Therapeutics of San Carlos e o Aradigm Corporation, ambos na Califórnia, associados aos gigantes pfizer e Aventis, investiam em pesquisa semelhante, que, com algumas diferenças no processo tecnológico, também resultou nos produtos base para o aerossol. A diferença é que lá o novo formato de insulina está . prestes a entrar no mercado. Doses menores - Mesmo desiludido com a atual impossibilidade de a insulina em aerossol com tecnologia brasileira chegar ao mercado, Cunha não se furta de apontar as vantagens dessa nova forma farmacêutica. Ele garante que o microencapsulamento da insulina proporciona a proteção necessária para a estabilidade do hormônio e facilita a absorção pelo organismo. Além disso, há mais conforto na aplicação e na eficiência do tratamento."O alvéolo pulmonar é extremamente fino e permeável, transformando-se em uma barreira muito mais fácil de transpor do que o tecido subcutâneo. As doses poderão ser menores que as utilizadas

pela via subcutânea e o efeito, mais satisfatório", afirma o pesquisador. Os polímeros usados nas pesquisas, conhecidos como PLGA, são derivados dos ácidos glicólico e lático - a mesma matéria-prima usada na confecção de fios biodegradáveis para sutura. No trabalho que resultou no implante foi necessário um outro tipo de tecnologia adicional. "Em conjunto com o Departamento de Engenharia Mecânica da UFMG, nós projetamos e construímos um protótipo de um equipamento para a compressão do pó contendo droga e polímero, que é então moldado em formato de bastão, com 4 milímetros de comprimento por 1 milímetro de diâmetro, que serve de base para um implante intra-ocular", explica o pesquisador. O implante é feito em uma pequena cirurgia, quando o bastão biodegradável é colocado na parte posterior do olho. "Agora, minhas esperanças estão concentradas na linha oftalmológica." Por enquanto, os implantes estão sendo testados em coelhos, que apresentam urna estrutura ocular semelhante à humana, inclusive no tamanho. Esses estudos são realizados em conjunto com a Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto. O próximo passo é elaborar também uma patente desse novo método terapêutico. • PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 79




diz o pesquisador Silvio Ferraz, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), principal articulador do instituto virtual. "Com isso, vamos dar peso, prestígio e um norte comum a essas linhas de pesquisas, respeitando, logicamente, as individualidades de cada uma delas", comenta José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP. Inicialmente, quatro grandes vertentes de trabalho serão estimuladas: o estudo da acústica de salas de concerto; a análise de obras com o auxílio de computador; a promoção de composições e performances que se utilizem, em tempo real, do micro ou de outros equipamentos como se fossem instrumentos musicais; e uso de técnicas de inteligência computacional no estudo da cognição e da criatividade musical. À medida que o instituto virtual ganhe corpo, outros temas poderão se incorporar à sua pauta.

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rimeiraatividade promovida pelo instituto, que contará em breve com um site para integrar seus membros e respectivos projetos, será o evento Ircarn-Brasil, entre 8 e 14 de agosto, em São Paulo. Durante sete dias, dez pesquisadores do centro francês darão palestras e concertos e participarão de reuniões científicas com seus colegas brasileiros. Com exceção da palestra do dia 8, que será no Instituto das Artes da Unicarnp, durante o 9° Simpósio Brasileiro de Computação Musical, as demais serão realizadas no Instituto Itaú Cultural, na capital paulista, que cedeu suas instalações para o evento. Sempre à noite, as apresentações musicais serão no Teatro da Aliança Francesa e Teatro Cultura Artística, em datas ainda não confirmadas. Embora tenham sido concebidas especialmente para os pesquisadores da área, as atividades do workshop também serão abertas ao público em geral, mediante prévia inscrição no Itaú Cultural. "Queremos aumentar o intercâmbio com instituições internacionais que são referência na pesquisa em música e ciência': comenta Ferraz. Eventos nos moldes do Ircam-Brasil, que conta ainda com o apoio do consulado francês em São Paulo e do Centro Franco-Brasileiro de Documentação Técnica e Científica (Cendotec), deverão se repetir nos

o PROJETO

O PROJETO Projeto e Simulação Acústica de Ambientes para Escuta Musical

Laboratório de Interfaces Gestuais

MODALIDADE

MODALIDADE

Projeto temático

Programa jovem pesquisador COORDENADOR JÔNATAS MANZOLLI - Nics/Unicamp

COORDENADOR FERNANDO IAZZETTA - ECAlUSP

INVESTIMENTO

INVESTIMENTO

R$ 123.205,00

R$ 44.176,01

próximos anos, trazendo ao país, por exemplo, pesquisadores do Centro de Nova Música e Tecnologias em Áudio, de Berkeley (EUA), e o Grupo de Música Experimental de Marselha (Gmem). O Brasil não tem muita tradição em fomentar pesquisas que juntam arte e ciência, duas formas distintas, mas não incompatíveis de conhecimento, de sentir e interpretar o mundo. Mas isso não significa que o instituto virtual de música e tecnologia parte do zero em sua missão de estreitar as amarras entre esses dois campos. Parte justamente de projetos que já existem e se mostram instigantes. E o que já existe, somente em São Paulo, é um pequeno guarda-chuva de idéias capaz de dar abrigo ao cruzamento da pesquisa e criação musicais com áreas tão distintas, como ciências da computação, física, biologia e matemática, para não mencionar os flertes com outras disciplinas do terreno das artes, corno dança e teatro. Com 20 anos de existência quase silenciosa para quem não transita no universo da música e tecnologia, o Núcleo Interdisciplinar de Comunicação Sonora (Nics) da Unicamp faz muito barulho em uma de suas vertentes de pesquisa: a criação de dispositivos - interfaces, no jargão da área - que realizem a transferência de um modelo abstrato (pode ser o movimento na dança, modelos matemáticos ou do código genético) para o agente sonoro, em geral um instrumento musical digital ou o computador. Falando assim, tudo parece complicado, fora do tom. Um exemplo ajuda a entender o tipo de trabalho feito pelo núcleo, composto por cerca de 30 pessoas, entre professores e alunos, tanto da música como de outras áreas (matemática, ciências da computação e engenharia).

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Na primeira imagem usada para ilustrar esta reportagem, dá para ver uma bailarina dançando de traje escuro, iluminada por um spot de luz à sua direita e envolvida por grafismos vermelhos que parecem sair de seu corpo, num belo efeito visual criado pelo fotógrafo a partir de um conjunto de luzes preso à roupa da artista. Há ainda, ao fundo, um teclado. Acredite: essa bailarina, Andréia Yonashiro, está "tocando" o instrumento com os seus movimentos, com cada trajetória descrita por sua coreografia. Não, não se trata de ilusão de ótica, ficção científica ou assombração. A resposta a esse falso mistério está na superfície escura tocada pelos pés de Andréia, que quase não aparece na foto: um tapete especial de um metro quadrado, que está conectado ao sintetizador. O tapete é dotado de 12 sensores piezo-elétricos, que, quando pressionados pelos deslocamentos da bailarina, registram pequenas variações de potencial elétrico. Com o auxílio de um conversor analógico-digital, essas alternâncias elétricas, medidas em microvolts, são transformadas em eventos do protocolo Midi (Music Instrument Digital Interface), uma espécie de linguagem musical que se utiliza de uma tabela de números para representar as alturas das notas musicais (dó, ré, mi, fá, sol, lá, si...) e sua intensidade. "Esses números podem acionar qualquer instrumento eletrônico compatível com o protocolo Midi, como um teclado': explica o músico e matemático Iónatas Manzolli, coordenador do núcleo, que desenvolveu o tapete no âmbito do programa Jovem Pesquisador, financiado pela FAPESP. Além do piso que faz música, a equipe do Nics criou luvas e sapatilhas de dança que também funcionam como interfaces sonoras. Em-


bora de caráter experimental, todos esses dispositivos já foram usados em espetáculos artísticos concebidos pelos pesquisadores e apresentados em eventos no Brasile exterior. Luthier digital - O Nics também desenvolveu uma série de ferramentas computacionais que podem ser usadas para produzir eventos sonoros simples ou complexos - desde que seu usuário sejahabilidoso e aprenda a usá-los corretamente. O Rabisco, por exemplo, é um programa que gera música a partir de traços feitos de forma livre numa tela em branco. "Somos uma espécie de luthier digital", afirma Adolfo Maia Jr., professor do departamento de Matemática Aplicada da Unicamp e coordenador associado do Nics. Curioso paradoxo entre o passado e o futuro, pois a luteria é a delicada e antiga arte da fabricação manual de instrumentos de corda com caixa de ressonância, como violinos, celos ou violões. Um projeto inusitado da equipe de Manzolli e Maia Jr., tocado em parceira com o Instituto de Neuroinformática da Politécnica de Zurique, Suíça, é uma espéciede instalação sonora que utiliza um robô no controle de um instrumento musical digital. Trabalhando numa linha de estudo diferente do Nics, FIo Menezes, do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista (Unesp), é mais um pesquisador que vai engrossar as fileiras do instituto virtual de música e ciência. Esse compositor paulistano se dedica a explorar as possibilidades da chamada música eletroacústica, uma vertente experimental criada no final do anos 40 na Europa (França e Alemanha), cuja maior referência histórica é o alemão Karlheinz Stockhausen. Não confundir, por favor, a paixão e o objeto de trabalho de Menezes, que toca piano desde os 5 anos de idade, com a música eletrônica, aquele som de bate-estaca que embala festas intermináveis de boa parte da juventude. O artista que abraça a música eletroacústica, às vezes chamada de música concreta ou acusmática, compõe obras que são uma elaborada montagem de sons modificados pelos modernos recursos da computação. A maior parte dos sons é pré-gravada e se origina de instrumentos musicais ou de qualquer outra fonte de áudio, como uma porta que bate, o soar de uma bu-


o PROJETO Aplicação da Idéia Filosófica de Ritornelo no Desenho de Interfaces Digitais para a Criação e Tratamento de Áudio em Tempo Real em Improvisações Livres MODALIDADE

Linha regular de auxílio à pesquisa COORDENADOR

SILVIO FERRAZ - PUC/SP INVESTIMENTO

R$ 47.949,68

zina. Os mais maldosos diriam que a música eletroacústica é mais eletroacústica do que música, mas tal estranhamento se deve ao caráter vanguardista do movimento. "Muitos colegas meus, músicos inclusive, me vêem como o cientista maluco da música', comenta Menezes, em tom de brincadeira.

caixa dedicada a reproduzir exclusivamente sons graves. "Com esse equipamento, que pode ser transportado para os locais de apresentação, poderemos fazer concertos eletroacústicos de ótima qualidade sonora", afirma Menezes. Simulação acústica - Por falar em qualidade sonora, o estudo da acústica de salas de concerto, um dos alicerces do nascente instituto virtual de música e ciência, já é alvo de um projeto temático desde o ano passado. Coordenada por Fernando Iazzetta, do departamento de música da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), a iniciativa tem como objetivo final desenvolver

m dos traços mais marc~n~es d~s obras eletroacústicas e a extrema preocupação com a forma de difusão espacial das músicas diante da platéia num teatro ou casa de concerto. Um bom som estéreo, com as tradicionais duas saídas de áudio, não basta. Músicos como o pesquisador da Unesp, que estudou na Alemanha, Itália, Suíça e França (Ircam), querem, no mínimo, a quadrifonia, a possibilidade de espalhar sua música num palco dotado de quatro saídas independentes de áudio. O ideal é até . mais do que isso. Para eles, o movimento do som pelos alto-falantes, o trajeto de suas colagens sonoras pelas caixas acústicas, é parte indissociável de suas obras. Tanto que Menezes aguarda, com ansiedade, a chegada de sua "orquestra de alto-falantes" para construir o seu "teatro sonoro", este último um termo emprestado do Renascimento Italiano. Projeto financiado pela FAPESP, o Puts (PANaroma/Unesp: Teatro Sonoro) será uma "orquestra" composta, inicialmente, por 12 alto-falantes de altíssima qualidade e quatro subwoofers, um tipo de

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Montagens sonoras da música eletroacústica são concebidas para serem excutadas por uma orquestra de alto-falantes 84 • JULHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 89

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um software, com tecnologia nacional, para a realização de análises da dispersão de sons em pequenos auditórios, locais com até 100 assentos na platéia. Em princípio, a idéia é desenvolver um aplicativo para lugares de dimensões modestas e, num segundo momento, adaptá-lo para uso em ambientes mais amplos. "Hoje, existem produtos importados que fazem isso, mas podem custar até US$ 40 mil", diz Iazzetta, que, no projeto, conta com a colaboração de pesquisadores das áreas de matemática, arquitetura e engenharia civil. "Nossa meta é criar um programa de arquitetura aberto, que poderá ser copiado por qualquer pessoa."


Como funciona esse tipo de aplicativo? O software roda num laptop dotado de microfones especiais que captam sons, de freqüências previamente conhecidas, que foram emitidos no ambiente cuja acústica se deseja estudar. Em seguida, o programa compara a freqüência registrada na sala de concerto com a original do som e, dessa forma, fornece um parecer sobre o local. Essa é uma explicação esquemática. O procedimento, obviamente, não é tão simples assim. Na verdade, o software não se limitará a registrar e dar um veredicto sobre as propriedades de propagação sonora de salas de concerto. Num ambiente virtual, ele funcionará também como um simulador da acústica de

qualquer lugar que se deseje estudar, desde que seja abastecido com as dimensões e outras características físicas do local. "Dessa forma, poderemos fazer alterações virtuais na planta dessa sala de concerto e antever quais seriam as implicações sobre a sua acústica", explica Iazzetta. "O software pode ser um instrumento útil para propormos reparos nos locais de apresentação:' Vampiros de som - Antes de iniciar o temático sobre acústica, Iazzetta participou do programa Jovem Pesquisador com seu colega Silvio Ferraz, o articulado r do instituto virtual de música e ciência. Na ocasião, ambos tentaram entender como a tecnologia interfere

o PROJETO PUTS - PANaromalUnespTeatro Sonoro MODALIDADE

Linha regular de auxílio à pesquisa COORDENADOR FLO MENEZES

- Instituto

de Artes/Unesp INVE':TlMENTO

R$ 150.679,63

no processo de criação e explorar novas formas de compor e tocar. No início de suas carreiras como músicos, Iazzetta estudou percussão e Ferraz, trompa. Mas hoje ambos freqüentemente se definem como tocadores de laptops. Isso porque atualmente os computadores os acompanham em quase todas as suas performances, nas quais utilizam muito material pré-gravado e processado pelos micros. "Tenho hoje muito interesse no desenvolvimento de softwares que compõem sozinhos, em programas que picotam o som", afirma Ferraz, que, no passado, chegou a atuar como músico de estilo mais clássico em orquestra dos estados de São Paulo, Bahia e Paraná. "Somos vampiros de sons, para usar uma expressão de meu colega Rogério Moraes Costa (da ECA/USP)." Além de ser um músico adepto de performances embaladas pelo som de computadores, Ferraz, a quem caberá em grande parte o trabalho de fazer a equipe do instituto virtual tocar, junta e afinada, os projetos dessa iniciativa interdisciplinar, desenvolve também um lado de pesquisador mais conceitual, teórico. Lançando mão dos ensinamentos de áreas como a semiótica (o estudo dos signos) e a cognição, gosta de discutir o que é música para as pessoas. "Muita gente associa a idéia de música à existência de uma batida e de uma melodia", afirma ele. "Mas há cantos indígenas que não têm esses elementos. Por que ao ler um poema, algumas pessoas o acham musical e outras, não? O que transforma uma sopa de sons em música?" Essas e muitas outras indagações e buscas serão a pauta, a partitura, que irá reger a atuação do instituto. • PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 85


• HUMANIDADES

ENTREVISTA:

JOSÉ ARTHUR

GIANNOTTI

Jogando na margem Para filósofo, Brasil deve evitar trombar com o atual complexo de monopolização da tecnociência LUIZ

HENRIQUE

LOPES

rovocador,polêmico, o professor José Arthur Giannotti, 73 anos, pode ser visto de muitas maneiras diferentes. Como ele mesmo observa, há quem o considere um traidor do pensamento marxista. Ou melhor, das posições e práticas da esquerda nacional, embora tenha sido cassado da Universidade de São Paulo (USP) pela ditadura militar, em 1969, exatamente por suas visões críticas e prática de esquerda. De sua parte, Giannotti, em cuja linguagem pode-se flagrar claramente a influência das análises fundamentais de Marx sobre o capitalismo, em paralelo ao diálogo que está sempre estabelecendo com vários outros pensadores, como Wittgenstein, para interpretar a crise contemporânea da razão, prefere se definir como "o último dos marxistas" - deixando escapar aí um laivo da divertida ironia com que costuma pontuar suas palavras. O que quer que se pense do professor Giannotti, concorde-se ou não com suas análises, obrigatório, no entanto, é considerar que suas contribuições teóricas no campo da filosofia, suas intervenções públicas, na condição de intelectual engajado, sobre a política no Brasil,e sua prática concreta como professor e pesquisador, fazem dele personagem dos mais importantes nas tentativas de elaboração de um pensamento

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DOS SANTOS,

MARlLUCE

MOURA

E NELDSON

crítico consistente que dê suporte ao país para transcender sua pobreza, seu subdesenvolvimento. E tem sido assim desde os anos 60, estivesseele onde quer que fosse: na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), do qual, junto com o ex-presidente Femando Henrique Cardoso, foi um dos fundadores, e que dirigiu por 11 anos, ou na USP,para onde retomou após a anistia de 1979 e da qual é hoje professor emérito. Para cumprir a tarefa que se impôs de pensar sobre o problema da racionalidade no mundo contemporâneo, o 'professor Giannotti há algum tempo afiou os instrumentos para explorar um de seus aspectos centrais, que é o campo da ciência e tecnologia. Recentemente, publicou dois artigos na Folha de S. Paulo, "Feiticeiros do Saber" e "Fetiche na Razão" (Caderno Mais, dias 25 de maior e 15 de junho), que desde o título avisam sobre sua vocação polêmica. Foram esses artigos o pretexto mais imediato para que fôssemos entrevistar o professor Giannotti na bela casa do Morumbi, onde mora há 30 anos. Depois de uma conversa fascinante, entrecortada por muitos risos, da qual publicamos a seguir os principais trechos, saímos com a convicção de que, oscilando entre olhares preocupados e outros mais otimistas, o professor

MARCOLIN

Giannotti cultiva uma certeza: a de que o Brasil tem chances, sim, de tornar-se um grande país, se se esquivar de trombar com o poderoso complexo de monopolização da tecnociência que existe hoje no mundo e souber jogar, muito bem, pela margem. Como é isso? Ele mesmo explica. • Queríamos entrevtstá-lo para a revista desde que o senhor lançou, em 2000, Uma Certa Herança Marxista. Mas naquele momento cobríamos quase que só projetos com apoio da FAPESP, o que não era o caso. - Teria sido bom. Houve um silêncio quase absoluto em tomo daquele trabalho. Penso que porque, mesmo mantendo as posições marxistas dialéticas, o ensaio era uma desmontagem do marxismo fechado. E depois, tenho impressão de que essas são coisas políticas: na medida em que eu tinha ido para o centro junto com o Femando Henrique Cardoso ou coisa assim, fui por muito tempo considerado traidor. Até o momento em que o Lula também se aproximou da mesma posição, e agora estou junto com ele no mesmo campo de concentração. • No livro, o senhor dizia, com outras palavras, claro, que se o processo de desenvolvimento capitalista depende essencialmente do desenvolvimento tecnológico,


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então fica posto em questão o conceito do valor-trabalho e fica posta em dúvida a idéia de esgotamento e superação do capitalismo, tal como Marx os concebia no terceirovolume d'O Capital. - Ele falava disso já no primeiro volume. Veja bem, a noção do valor-trabalho encontra uma medida no tempo socialmente necessário para a produção de mercadorias. Mas esse tempo é um tempo de relógio e, portanto, depende, para ser uma boa medida, da produtividade do trabalho. Ora, para você chegar a essa medida, precisa ter processos pelos quais todas as áreas que trabalham no sistema possam se aproveitar, pelo menos em tese, da mesma tecnologiaou de um mesmo mix de tecnologias.Mas quando você tem uma situação em que uma parte do sistema se apropria não só da tecnologia, mas da capacidade de desenvolvê-Ia, mudou o sistema. Ou seja, o sistema capitalista e isso é banal, porque é sabido desde Adam Smith e Ricardo - depende essencialmente do desenvolvimento tecnológico. O processo de exploração está ligado à invenção e construção dos novos produtos. Se você tem um processo que perturba o mercado, se nesse processo de desenvolvimento tecnológico, você cria pontos estratégicos que são pontos de poder no campo da ciência, então a teoria do valor-trabalho foi para as cucuias, não é? O que sobra é a sociologia da relação entre trabalhadores e o capital, que, a meu ver, é muito forte ainda. É uma relação de poder muito particular, em que se tem um controle do trabalho alheio, anônimo, feito pelas regras do mercado. Mas, do ponto de vista econômico, a teoria do valor-trabalho, a meu ver, é peça de museu.

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• Em "Feiticeiros do Saber'; sentimos ali certos ecosdo primeiro capítulo d'A Ideologia Alemã, de Marx e Engels, embora como ironia. Porque logo no subtítulo do artigo o senhor diz que "ospesquisadores de ponta, nos dias de hoje, (...) de manhã são pesquisadores; de tarde dirigem uma pequena empresa de biologia molecular'; o que lembra a afirmação de que a sociedade comunista "torna possível que eu faça hoje uma coisa e amanhã outra, que cace de manhã, pesque de tarde, crie gado à tardinha, critique depois da ceia..." Era brincar com essa idéia que o senhor queria?


- É, eu não sou um sujeito que fala sério, nunca digo as coisas sem alguma outra coisa por trás. É uma brincadeira em relação ao Marx, obviamente, mas também, estou mostrando, de um lado, as enormes vantagens que existem nessa junção do trabalho intelectual com o trabalho efetivo de transformação da tecnologia e social, e de outro, a perda que isso traz para alguns. Afinal de contas eu não serei empresário, acho que Luiz Henrique [professor de filosofia que participa da conversa como entrevistador] não será empresário, e nós somos realmente uma espécie em extinção, Esses pesquisadores isolados, que vivem nas suas cabanas no Morumbi e assim por diante, estão desaparecendo.

• A contrapartida é que, socialmente falando, essajunção pesquisador/empresário pode ser boa. - Eu não estou negando isso, não. Não estou dando uma de mandarim, contrário à cultura de massas. Eu não tenho nada com a Escola de Frankfurt. Pelo contrário. Penso que a sociedade de massas tem defeitos, alienações absolutamente terríveis, mas tem virtudes inauditas. Inauditas! Tanto no campo da cultura, como, por exemplo, no campo da saúde. Não vamos esquecer que as pessoas estão vivendo mais, têm maior assistência mesmo nos países mais pobres, sofrem menos. Não sou entusiasta do capitalismo, gostaria que ele fosse diferente, mas prefiro o capitalismo à brutalidade das sociedades agrárias.

• Quando o senhor junta as palavras feiticeiros e saber, qual a intenção? - Outra brincadeira. Se fala muito no fetiche da mercadoria, tá certo? Eu não ia falar "fetichismo do saber" porque ficaria muito ...

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- Não só pedante. É bom lembrar que fetiche é uma corruptela de feitiço, então vamos falar a linguagem normal. Acontece que, desde a tradição clássica, o sábio é aquele que se contrapõe ao feiticeiro, a ciência é aquilo que se contrapõe ao mito, o cientista é aquele que se contrapõe ao xamã. Mas a ciência pode também se tornar um fetiche. E isso é uma das coisas mais terríveis da sociedade de massas: o fato de desaparecerem os bons ginásios, a boa educação fundamental, de as pessoas apren88 • JULHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 89

derem de orelhada, usarem os conceitos sem ter noção das técnicas de aplicação desses conceitos.

• Ou seja, apreende-se o saber do mesmo modo como se consomem mercadorias. - Até pior, seria mais como um tóxico mesmo, porque no consumo de mercadorias pelo menos você digere, alimenta seu corpo. Todo mundo é capaz de falar sobre o espaço-tempo quando vai ver o filme de Kubrick, e obviamente isso é uma espécie de faz-de-conta. Se de um lado eu vou a uma livraria e tenho um monte de bons livros para ler e de bons discos para ouvir, por outro tenho também uma quantidade fascinante de porcarias, uma estrebaria de Algias. Tudo é muito ambíguo e não há razão para ficarmos de dedo em riste dizendo: "Olhal, esse mundo capitalista é isso e aquilo"! É mesmo ruim, mas também trouxe coisas positivas. • É de alienação que estamos falando.

Não caberia então um trabalho crítico de superação dessa alienação? O que o senhor pensa disso, politicamente? - Podemos retomar certas teses marxistas, mas não podemos retomar a dialética hegeliana, isto é, uma dialética da superação das contradições, desde que a gente entenda realmente o que seja uma contradição e entenda que uma unificação dos contraditórios só pode ser feita no nível do discurso. Essa é uma sentença básica de Hegel- que a contradição se resolve no nível do discurso. Hegel podia dizer: bom, ela se resolve no espírito do mundo, porque o mundo é discurso. Como nós não acreditamos mais nisso, temos que pensar em conviver com a contradição, como diz o nosso outro dialético de pernas tortas, que é o Wittgenstein. Ora, conviver com a contradição é tentar explorar essas partes, digamos, mais criativas, mais vitais, mais móveis e, portanto, mais angustiantes, e deixar de lado essa parte mais morta, mais repetitiva, da vida cotidiana. Acho que desaparece a idéia de que nós podemos ser uma espécie de demiurgos do mundo.

• Em seus artigos no Mais, além da crítica de uma situação, há uma certa lamentação pela fetichização da ciência. - O exemplo do que eu estou querendo dizer já está no próprio Comte. De um lado, temos uma das melhores

análises de como funciona o método científico, que termina no quê? Na invenção de uma nova ciência, a sociologia, cuja tarefa seria regenerar todo o conhecimento científico. Na hora em que o comtismo vem com essa idéia de regeneração, com a idéia de uma política científica e se prostra diante das imagens de Clotilde de Veau, aí, obviamente, o mesmo movimento que levou a aprofundar o conhecimento científico termina numa alienação, numa religião, no fetiche da ciência. Em outras palavras, eu diria o seguinte: é muito difícil separar os dois processos. Tenho impressão de que a alienação da ciência é cotidiana. • No primeiro artigo, o senhor trata de

uma certa monopolização, da enorme vantagem econômica e política obtida por quem, além de saber desenvolver tecnologias, dispõe de uma máquina poderosa para tornar o mais curto possível o percurso da descoberta científica ao produto. Reconhece-se aí os Estados Unidos. - Não apenas, há aí também algumas corporações importantes, e não só dos Estados Unidos. Não estou negando que em uma série de pequenos núcleos se estejam inventando coisas e conseguindo patentes, isso seria uma estupidez. Mas quando consideramos o funcionamento global do sistema, importa a grande corpo ração.

• Nesse processo, que lugar efetivamente resta para um país na periferia do capitalismo? - Bom, eu preciso de um elo aqui. Essas grandes corpo rações, como sabemos, são basicamente transnacionais, mas isso não significa que elas se tornem independentes do Estado ou que o Estado seja inteiramente massacrado por elas. Ao contrário, a dialética do Estado e das grandes corpo rações se alterou. Por quê? Porque há uma espécie de divisão do trabalho: o Estado faz ciência pura, cuida da formação dos pesquisadores ou mesmo assegura, não o mercado no sentido antigo, mas pontos estratégicos no mercado. A guerra recente do Golfo é um exemplo preciso nesse sentido. Não se ocupa o Iraque da forma tradicional, mas eles estão lá, definindo como o petróleo vai ser explorado ou não, e daqui a pouco teremos desenvolvimento científico a partir daí. É inevitável: novas formas de produzir


no mérito, onde há carreira, há seleções, etc.

petróleo, de exploração de minerais, etc. Essas corpo rações têm planos de 20 anos. Temos, portanto, uma divisão de trabalho muito particular entre o Estado e a corpo ração: ele perde soberania, mas pode ganhar eficácia e controlar a vida cotidiana de uma maneira inconcebível 30 anos atrás. Basta lembrar o retrocesso dos direitos humanos nos Estados Unidos. E isso é feito pelo Estado. É o Estado que massacra os direitos humanos. A idéia de botar gente enjaulada em Guantánamo é algo que lembra o totalitarismo.

• A experiência dos colégios de aplicação ligados às universidades públicas não se deram um pouco por aí? Não eram um espaço de experimentação pedagógica que pudesse ser repassada para a rede pública? - Sim, e sou favorável, hoje, à recriação e à multiplicação desses colégios universitários para realizar políticas de ação afirmativa em relação aos negros e pobres, criando condições para que eles possam competir neste mundo .

• Mas, insisto, que lugar sobra para um país periférico? - Jogar na margem. Não vejo outra possibilidade. A idéia de que tenhamos alguma possibilidade de nos confrontar com esse complexo é estapafúrdia, então só podemos jogar na margem. Mas aí é preciso evitar um perigo muito grande. Outro dia, numa conferência, ouvi um colega que apresentou o sistema geral de desenvolvimento do capitalismo moderno, e era um círculo de tal forma fechado, que não tínhamos jeito, íamos para o inferno. Na conferência seguinte, do Barros de Castro, do Rio, ele disse: "Temos saída. Há mercadorias, como os aviões da Embraer, sobre as quais, além do valor agregado, podemos obter certos prêmios, por causa de certas vantagens de mercado ..:' Em outras palavras, o que ele estava dizendo é algo novo: em vez de propor uma política industrial, sistemática ou sistêmica, como queria a Cepal, Comissão Econômica para a América Latina, vamos para uma política de produto. Conforme nossa inventividade, poderemos ganhar mais ou menos é essa a nossa questão. Aliás me desespero quando vejo essas pessoas que ficam dizendo: "Não tenho nada a fazer", como se o mundo fosse um sistema laplaciano. Há coisas a fazer, e se não fizermos as conseqüências serão muito graves. Vimos a derrocada da Argentina, estamos vendo a coisa pavorosa que é a África. Mais ainda: sabemos também que nem todo mundo é farinha do mesmo saco, como pensávamos. Bush ou Clinton, para nós, faz uma enorme diferença.

• Se fizermos as coisas certas, não poderemos abandonar a margem? O senhor não vê essapossibilidade?

• No segundo artigo no Mais, a sensação que fica é que o senhor, final-

mente, resolveu, em sua crítica ao marxismo, tratar do pessoal da Escola de Frankfurt.

- A de nós sermos um grande país? Isso será provavelmente a longo prazo e aí estaremos todos mortos, como dizia Keynes. Mas há um grande problema nessa situação. Hoje, por exemplo, todo mundo fala da China. A questão é como se tornar um grande país com democracia. Alguns falam: "Ah, nós estamos criando uma sociedade de consumo, em que todo mundo está atrás da última marca de liquidificador, isso é uma monstruosidade!" É. Só que, como é que você impede isso dentro de uma democracia? As pessoas querem consumir. Eu não estou dizendo que a gente deva ter escolas de consumo. Mas será que não podemos também começar um processo de diversificação mais criador na educação? • O que o senhor chama de diversifica-

ção da educação? - Aqui em São Paulo, nos últimos anos, uma boa parte da elite tem saído de alguns colégios muito peculiares. Será que não podemos ampliar a experiência desses colégios para obter um bom ensino médio público, com professores melhores, equipamentos melhores? Isso é possível, desde que a escola pública incorpore algo que hoje vem sendo muito denegrido, que é o sistema do mérito. É preciso lembrar que uma coisa é a democracia política, outra coisa são instituições baseadas

- Que não são marxistas ... Bem. Em primeiro lugar, qual foi o movimento dos frankfurtianos? Dizer que o momento da revolução passou e que o capitalismo agora não tem nada mais a ver com as leis econômicas, que as leis econômicas foram de tal forma subvertidas que não dá para tirar delas uma crítica das relações econômicas no capitalismo. Mas quando digo que a questão hoje é de monopólio da invenção tecnológica, estou introduzindo uma noção econômica, que é a noção do monopólio. Portanto, a diferença é crucial. Em segundo lugar, os frankfurtianos disseram: "Bom, se não é através de uma crítica da economia, vamos fazer uma crítica da cultura, ok"? Fizeram. E essa crítica da cultura foi feita na base de uma teoria do conceito, no caso de Adorno e Horkheimer, ou de uma teoria dos sistemas lingüísticos, no caso de Habermas. Só que a teoria do conceito de Adorno, a meu ver, é muito fraca! Por exemplo: a noção de esclarecimento, que é a tradução de Erklarung, eu a entendo quando se refere ao movimento iluminista, porque aí ela é descritiva. Mas quando você diz que Erklârung é iluminação e ilustração, razão não alienada, penso que isso nada mais é do que redefinir arbitrariamente a razão do seu aspecto dinâmico. E depois, é só pegar exemplos para dizer "isto é movimento da razão" ou "isto não é movimento da razão", "isto aqui está criando uma dialética da anti-razão". Muito cômodo, não é? PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 89


• o senhor tocou, no artigo, também

trolador, ou você simplesmente quer uma espécie de liberalismo que isola as instituições sem que elas sejam irrigadas por outros sistemas. Sou inteiramente favorável à autonomia controlada do Banco Central.

na questão da separação entre razão objetiva e razão subjetiva. - Porque na crítica desse pessoal todo torna-se fundamental separar uma razão técnica de uma outra razão substantiva. Desculpe, eu nunca vi razão técnica! Até conheço razão técnica no trabalho, na base do, bom, eu tenho tal objetivo e, então, eu faço uma análise racional dos meios. Mas você já viu algum processo social em que se tenha os fins predeterminados e os meios que a gente analisa racionalmente? Não vejo. Você vê em algum trabalho científico esse processo, em que você tem uma hipótese e depois vai racionalizar os meios? Nunca vi, porque isso é pura fantasia. E é mesmo um problema muito sério, porque esse pessoal sempre pensa o conceito como se ele não precisasse de uma alteridade opaca para poder funcionar - um conjunto de objetos e práticas implicada na técnica de aplicação do conceito. • O senhor levanta mais um problema

quando diz que é preciso reconhecer que há uma crise, cujas raízes se encontram no modo de produção das ciências contemporâneas ligado às novas formas da sociabilidade capitalista. - Estou inclusive voltando a uma posição mais marxista, dizendo: olha, a questão não é de dualidade da razão, a questão é a maneira pela qual o capitalismo está se apropriando desse complexo absolutamente extraordinário, que ele mesmo criou, de ciência e tecnologia. Então o problema é como va~ mos democratizar esse complexo. Como fazer com que a ciência volte a ser feita em benefício da humanidade, o que hoje não acontece. Basta pensar, por exemplo, que a pesquisa de doenças tropicais tem um desenvolvimento muito inferior a das doenças que afetam os países ricos.

• E há algo a serfeito no âmbito dos próprios pesquisadores, das agências, de todo esse sistema de produção de ciência e tecnologia? - Acho que é óbvio que há. Olha, quando temos centralização e esclerose, só há um remédio, que é o liberal: multiplicar os pontos de poder. Hoje a universidade é cada vez mais monolítica, 90 • JULHO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 89

• Traduzindo isso para a ciência, o que nós devíamos ter? - Devíamos ter um sistema em que as universidades tenham um controle externo. Controle da sociedade, representada por sindicatos de trabalhadores, sindicatos patronais, estudantes ... não vejo aí problema nenhum. Além disso, um sistema em que as fundações universitárias sejam transparentes.

• A julgar por seus artigos recentes, o senhor tem se debruçado sobre questões do conhecimento, da tecnociência e da arte. Como se reúnem todas essas partes? portanto, é preciso desfazer seu caráter pétreo. A universidade hoje está muito engraçada, querendo formar um sistema autônomo, quando ela não o é mais, quando as fundações a furaram de todos os lados. E, de outro lado, temos também as agências de fomento, que são hoje não só locais de financiamento à pesquisa, mas de indução de pesquisa. Afinal de contas, o Programa Genoma não foi uma brincadeira. Não só induziu-se pesquisa, mas se criou uma rede de laboratórios, criouse um ritmo novo na produção da ciência e da tecnologia no Brasil. Isso pode ser feito.

• Insistindo ainda na democratização ... - Vou dar um exemplo do que significa democratização: hoje são os bancos centrais que estabelecem as políticas de câmbio e cuidam da moeda e cada vez mais eles tentam ser autônomos. Autônomo em relação a quê? Se for ele dependente do sistema político como este está, então é melhor que seja autônomo, porque senão não teremos moeda. Mas seria muito bom que tivéssemos um controle democrático do Banco Central, em que houvesse uma forma de obrigá-Io a prestar contas a uma série de instituições. Então, veja bem como a ideologia política contemporânea funciona: ou você junta tudo no Estado, e ele fica inteiramente con-

No fundo, todos esses temas com que eu estou trabalhando são aspectos do mesmo problema, que é o da racionalidade. Estou pensando como é que você julga. O que é o juízo estético, moral ou científico. E estou muito mais interessado em tratar da questão da crise da razão que é mostrar como, a despeito de a razão funcionar, tem necessidade de zonas cinzentas, de indefinição. Isso, aliás, é a vantagem do conhecimento científico, da arte ou da moral, e não o contrário. A moral que seja absolutamente determinante não está levando em conta a experiência moral contemporânea, em que se convive com sistemas morais diferentes, com pessoas que acreditam e seguem normas diferentes. E quando se decidiu que temos um conflito eterno, isso não é verdade, porque no caso da ética médica, por exemplo, as coisas se resolvem de uma maneira muito interessante: pessoas com éticas diversas e sem estabelecerem um consenso definido, cedem daqui e dali, e a coisa se resolve. Isto é, na hora em que você institucionaliza a diferença, pode continuar a ter instituições racionalizantes, sem que seja necessário apelar a uma razão monolítica, uma razão iluminista. Estou querendo mostrar que é possível a razão conviver com a sua sombra. Mais ainda: estou querendo mostrar que a razão necessita dessas sombras para poder se desenvolver. •


• HUMANIDADES

ARTE

Iberê Camargo revisitado Perto dos dez anos de morte do pintor; pesquisa produz um catálogo das obras do artista RENATA SARAIVA

ma empreitada científica está ajudando a Fundação Iberê Camargo, de Porto Alegre, a produzir um documento definitivo sobre as obras e documentos do pintor gaúcho existentes em sua sede. Oito pesquisadores trabalham há três anos na classificação e catalogação dos mais de 3 mil desenhos, 217 óleos e 354 gravuras existentes na instituição. O estudo tem o apoio da Petrobras, do Itaú Cultural, da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul - que financia duas bolsas de iniciação científica -, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O trabalho resultará no lançamento, em 2005, do catálogo raisonné de Iberê. A edição, que se dividirá em três

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volumes (para pinturas, gravuras e desenhos), será lançada juntamente com a inauguração do Museu Iberê Camargo, uma obra arrojada de mais de 8 mil metros quadrados, feita às margens do rio Guaíba, com projeto de Álvaro Siza. O desenho foi premiado na última Bienal de Arquitetura em Veneza. "O catálogo contribuirá para a proteção contra falsificações de obras de Iberê'; diz Mônica Zielinsky, coordenadora dos trabalhos para o raisonné. "Temos consciência de que as obras da fundação são apenas uma parte do legado do artista, que deve estar em torno de 7 mil trabalhos. Mas é difícil encontrar quadros que estão dispersos pelo país, em mãos de tantos colecionadores particulares e instituições públicas e privadas", comenta. A catalogação será finalizada primeiramente no acervo da fundação. AtualPESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 91


mente, realiza-seuma mostra retrospecse possa acompanhar o que acontecetiva do pintor, intitulada Iberê Camargo: rá com ela no decorrer do tempo e Diante da Pintura. São cerca de cem traquando for emprestada para uma exbalhos, entre pinturas, desenhos e graposição", observa Mônica. No estágio em que o trabalho se encontra, apenas vuras, escolhidos e organizados pelo críos desenhos e a correspondência do tico de arte e curador Paulo Venâncio pintor (que era um grande frasista e Filho. Estão expostos atualmente na Pinacoteca do Estado de São Paulo (até 20 adorava escrever para amigos e familiares) ainda passarão pelo processo. de julho) e seguem depois para o Rio de De acordo com a coordenadora do Janeiro (PaçoImperial), Recife(MAMA) estudo, os pesquisadores e Salvador (MAM). Na tiveram diversas surpreexposição podem ser vissas. "Descobrimos coisas tos também os croquis e desconhecidas do públiuma maquete que dão boa Catalogação co e de alguns críticos, noção de como será o como figurinos e cenários prédio projetado por Ál- deverá ajudar a varo Siza. Por coincidênde teatro. Também pintuevitar as muitas ras em cerâmica, tapeçacia, o catálogo, o museu e rias e até um trabalho feia retrospectiva acontecem falsificações to em casca de bananeira perto do ano em que Iberê foram encontrados." Isso Camargo completaria 90 anos. Nascido em 1914, o sem falar em algumas curiosidades, como notas de sapataria e pintor morreu de câncer em 1994. muitos documentos e cartas. A catalo"O trabalho de catalogação se mosgação feita pela equipe não só permitirá trou bem mais extenso do que imagia identificação das obras de Iberê - evinamos num primeiro momento': conta tando falsificações - como contribuirá Mônica Zielinsky. "Há dificuldades, pois, além de ser um trabalho inicialpara o trabalho de pesquisadores de mente elaborado em fichas, manualarte e até mesmo de biógrafos. Enquanto isso não é possível, o púmente, tudo depois é registrado em um blico em geral pode ter uma boa idéia banco de dados", diz. "É necessário fadas principais fases da carreira do pinzer identificações de obras que trazem tor na mostra Iberê Camargo: Diante da poucos dados. Assim, contamos muito Pintura. Divididas em salas, as obras secom a memória de pessoas que conviguem uma cronologia, mas não de forveram com Iberê, como dona Maria, ma linear. Para deixar isso claro, Paulo sua esposa, e Eduardo Haesbaert, que Venâncio Filho optou por colocar no foi seu impressor (de gravuras) e hoje é responsável pelo acervo." começo do espaço expositivo obras do início e do fim da carreira do pintor. Separados apenas por uma meia parede, mbora essas duas fontes trabalhos figurativos dos anos 40, como vivas tenham muitas ina paisagem do Rio chamada Lapa e Auformações sobre a obra do to-Retrato, estão no mesmo ambiente pintor gaúcho, o nível de que Solidão, última tela pintada por detalhamento para a cataloIberê no ano de sua morte. gação, classificaçãoe identificação é exNas demais salas, pode-se ver a evotremamente grande, o que exigeenorme lução pictórica de Iberê Camargo. Emesforço de pesquisa. Além do nome atribuído à obra e à técnica empregabora não tenha se vinculado a um movimento artístico específico,ele marcou da, cada ficha contém a data de produa história da arte brasileira com um exção, a descrição, o local de assinatura, pressionismo gestual muito próprio, uma transcrição do que Iberê eventualem que a explosão das tintas e pincelamente escreveu em seu verso,o valor esdas sobre a tela retratam uma inquietutimado pelo próprio pintor, uma paráde pessoal bastante intensa. "Sua marca bola (nas obras para as quais o artista é a pesquisa pictórica, que nunca abancriou um código) e uma inscrição (por donou. Iberê, nascido no interior do exemplo, quando ele dedicou o trabalho a um amigo). Rio Grande do Sul, sempre teve consciência da importância da pintura na ''Anotamos também as condições cultura ocidental. Indo morar no Rio em que a obra se encontra no mode Janeiro e estudando na Europa, semmento da catalogação, de forma que

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pre se colocou diante do desafio de ser um grande pintor. Ele não pertenceu a um movimento, mas não foi um pintor alienado, principalmente em relação aos assuntos artísticos. Lutava, por exemplo, pelo aperfeiçoamento das técnicas de pintura", diz Venâncio. No percurso pictórico apresentado pela exposição, podem-se encontrar dois elementos tão presentes na obra de Iberê Camargo quanto foram as bandeirinhas na de Alfredo Volpi: os carretéis e os ciclistas."São símbolos de suas reminiscências da infância, muito importantes para Iberê", comenta Venâncio. Uma surpresa para quem acompanha a trajetória da mostra é o trabalho desenvolvido por Iberê no que diz respeito às cores. Solidão, que poderia expressar uma relação dolorida com a morte - o pintor já sofria em conseqüência do câncer -, apresenta um paleta expansiva, até mesmo vibrante, totalmente diferente do perfil sombrio de várias telas anteriores. Inquieto - A sombra desses óleos sobre tela - presente, por exemplo, nos inúmeros quadros que têm os carretéis como tema - tem chamado a atenção da mídia. Mas o que se percebe é que ela não obrigatoriamente se refere à relação de Iberê com o fim ou o desconhecido. ''Analisando o conjunto de sua obra, percebemos que durante toda a vida ele foi um homem muito inquieto. Sua pintura traduz isso",diz Mônica. Para dar qualidade ainda maior ao trabalho de catalogação da obra de Iberê, a equipe coordenada por Mônica realiza também trabalhos de reflexão, com o objetivo de produzir textos e conferências sobre a contribuição do artista para a história da arte e da cultura nacionais. As pesquisas têm base na metodologia de Michael Baxandall, um estudioso proveniente da história social da arte, que usa como método de trabalho a teoria analítica. "O trabalho consiste em promover um entrecruzamento de documentos e obras para que se chegue a conclusões sobre a repercussão da obra de Iberê no panorama artístico e histórico do país': explica a pesquisadora. Para Mônica, os três volumes resultantes da pesquisa são apenas os primeiros de um trabalho de catalogação que pode ser continuado sempre que se descobrir novas obras do artista. •


Fantasmagoria IV (acima) e No Vento e na Terra I: pintor cada vez mais se preocupava com a idéia da morte

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Os escritores no telhado Estudo discute as marcas do judaísmo na nossa literatura mos anos. Aqui a questão da "desterritorialização" e "reterBerta Waldman xílio, cruzamento de ritorialização" atinge camadas profundas e complexas da fronteiras, silêncios, Editora Perspectiva / escritura fragmentateoria e história da literatura. FAPESP / Associação Universitária Este estudo de Berta da, interpretação infinita, de Cultura Judaica marcado por uma bela escrinome de Deus: eis alguns tura - vincula-se tanto às temas que surgem inusita200 páginas damente entrelaçados no lipesquisas mais recentes sobre R$ 30,00 vro de Berta Waldman. Seu imigração na produção litetema justifica o ineditismo rária brasileira como, mais especificamente, a um mo- entre nós - da sua aborvimento interno aos estudos dagem: a questão dos rastros e marcas judaicas na literatura brasileira. Não judaicos, dentro do qual já vieram a público obras importantes de autores como Nelson Vieira e Regiapenas temas e abordagens são surpreendentes, tamna Igel. Vale notar que a tendência à abordagem inbém os deslocamentos e aproximações geográficas do tipo "Paris, Texas": Xingu no Bom Retiro, Ucrâtercultural desses trabalhos - com base sobretudo nos Estudos Culturais - também tem caracterizado nia no Rio de Janeiro, Israel em Porto Alegre. as pesquisas de muitos Departamentos de Letras As três primeiras partes do livro Entre Passos e Rastros são dedicadas a autores específicos: Clarice Modernas entre nós. Trata-se de um filão recémLispector, Samuel Rawet e Moacyr Scliar. Na dedicadescoberto que permite uma contribuição original para os pesquisadores que atuam na "periferia" em da a Clarice, Berta - sem confinar a obra de Clarice ao "gueto" - nos revela, no universo temático e nas termos institucionais. estratégias lingüísticas da autora, elementos judaiBerta procura trabalhar com uma concepção cos que a bibliografia especializada teve até agora didinâmica, não hipostasiada, de "cultura": um verdaficuldades em delinear. A relação tensa de Clarice deiro desafio para qualquer estudo que nasce dentro de uma disciplina que está tradicionalmente calcacom suas origens judaicas não representa de modo da na noção do caráter "próprio" de uma cultura (no algum um apagamento do passado. Para Berta, "ainda que à revelia", o texto de Clarice "está concernido caso, a cultura judaica), como ocorre em todos os estudos do gênero, como na "gerrnanística" na "esa essa tradição [judaica] que se desenvolve a partir de um silêncio, de uma ausência': A relação de Clapanística", etc. Uma conclusão que podemos tirar deste instirice com esse passado se dá por meio de um saber inconsciente. Citando Hanna Arendt, Berta enfatiza gante livro de Berta Waldman - que afirma com razão que "o vazio é a marca geral de nossa existência" que as tradições recalcadas são as que mais nos guiam e pesam. Só sentimos falta de um estudo soe não é atributo exclusivo da tradição "judaica" - é que, como autores do porte de um E. Lévinas, G. bre o terrível humor - kafkiano - de Clarice. Deleuze (falando da literatura de Kafka como "liteNos demais itens e subitens, a autora analisa ainda os romances de Roney Cytrynowicz, Samuel ratura menor" exemplar) e J. Derrida já nos mostraram, existe uma "exernplaridade" na situação diasReibscheid, Bernardo Ajzenberg, Jacó Guinsburg e os poemas de Lucia Aizim e de Moacir Amâncio. O pó rica do judaísmo, na sua tradição de calcamento cultural, de identidade "mata-borrão" (para falarmos último capítulo contém um estudo sobre as prosticom J. Guinsburg ao se referir ao ídiche), que pertutas estrangeiras emigradas como personagens da literatura brasileira, com destaque para três obras, mite expandir esse modelo para nossa situação pósde Hilário Tácito, M. Scliar e Valêncio Xavier, que tradicional ocidental. enfocaram esse tema. Uma das melhores surpresas do livro é a apreMÁRCIO SELIGMANN-SILVAé professor de Teoria Literária sentação e análise dos poemas de L. Aizim. Seus e Literatura Comparada no Instituto de Estudos da poemas Súbito Além, Pastoril e Gênese podem ser contados entre os melhores publicados nos últiLinguagem (IEL) da Unicamp MÁRCIa

SELIGMANN-SILVA

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Entre Passos e Rastros


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no Brasil do século XIX: cultura e cotidiano, trodiÇ{lo e resi1.t6ncia

José Carlos Barreiro Editora Unesp 248 páginas / R$ 20,00 Nem sempre olhar de longe algo é perceber melhor o que aquilo é em realidade. Os viajantes estrangeiros, por exemplo, que estiveram por aqui no século 19, como nos conta este novo estudo, foram responsáveis pelo imaginário algo negativo e, em boa parte, distorcido, que até hoje nós mantemos sobre o país. Mas há que se louvar a crônica de uma nação pré-capitalista em desenvolvimento.

Endotélio e Doenças Cardiovasculares Protásio L. da Luz, Francisco R. M. Laurindo e Antonio C. P.Chagas Editora Atheneu 440 páginas / R$ 127,00 A interface fundamental existente entre o sangue e os tecidos (cuja extensão, anatomicante, corresponde ao tamanho de um campo de futebol), com a função estratégica de regular muitos processos biológicos, ganha uma súmula com organização dos professores da Universidade de São Paulo (USP) Protásio da Luz, Francisco Laurindo e Antonio Chagas. Editora Atheneu: (ll) 222-4199 edathe@terra.com.br

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Maria Luiza Tucci Carneiro Editora Perspectiva 176 páginas / R$ 20,00 Parodiando o filme de Bergman, O Ovo da Serpente, a pesquisadora revela de que forma o anti-semitismo não foi um mal estrangeiro, mas com fortes repercussões nacionais, em diversos momentos de nossa história. Desde a figura do "judeu errante", passando pela divulgação dos espúrios Protocolos dos Sábios de Sião (a falsificação czarista da dominação mundial pelos judeus) e terminando com a política do Estado Novo.

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VAGA PARA DOCENTE (professor titular) Faculdade de Odontologia de Piracicaba Departamento de Odonto Restauradora Inscrições: Até 21/7/2003 Disciplinas: Pré-Clínica VII, Pré-Clínica X

11,Pré-Clínica VI, Pré-Clínica

Cargo: Professor titular Regime: RTP Mais informações: Patrícia Aparecida Tomaz (e-mail: atu@fop.unicamp.br; tel. 193412-5205) Ed ital: http://www.sg.unicamp.br/concursos_ procsel/pdf/O lP45302003. pdf (edital)

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IPT Instituto de Pesquisas Tecnológicas

CURSO Combustão Industrial Objetivo: O objetivo do curso é transferir a técnicos do setor industrial conceitos fundamentais em combustão, gaseificação e formação de poluentes, bem como parte da experiência adquirida pelos s~us pesquisadores na resolução de problemas reais. Público-alvo: O curso se destina a profissionais de formação superior que estejam envolvidos em atividades de projeto, desenvolvimento, operação, gerenciamento ou análise de equipamentos de combustão e gaseificação. Data: de 25 a 29 de agosto de 2003 Horário: das 8h30 às 18hOO Local: IPT Carga horária: 40 horas Inscrição: As vagas são limitadas e a taxa de matrícula

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de R$ 1.200,00 até 25/07 e R$ 1.500,00 após 25/07. Informações: Sandra ou Andrea Tel. +55 (lI) 3767-4226 - Fax +55 (ll) 3718-0464 cursos@ipt.br

PESQUISA FAPESP 89 • JULHO DE 2003 • 97


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