Como o público vê a ciência

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Ciência e Tecnologia no Brasil www. revistapesq uisa. fapesp. br

SEÇÕES

REPORTAGENS

CARTAS ........................... 5 CARTA DO EDITOR ................... 7 MEMÓRIA ......................... 8 Há cem anos, surgiam os primeiros filtros embutidos em talhas cerâmicas

ESTRATÉGIAS A ciência do Iraque volta a respirar ....... 10 Vergonha no navio de pesquisa .......... 10 Polêmica adiada para 2004 ............. 11 Bolsas de mestrado no Canadá ........... 11 Desafios que salvam os pobres ........... 12

CAPA

ECOLOGIA

Estudo avalia percepção pública da ciência em países ibero-americanos. Otavio Frias Filho diz que espaço para ciência nos jornais vai crescer ..... 32

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA SAÚDE Duelo a caminho da Lua ............... 12 Ciência na web ...................... 12 Pesquisas de primeiríssima linha ......... 13 Comissão avaliará pedido de mestrado ..... 13 A partilha do conhecimento ............. 13 A multiplicação dos parques ............ 14 Em defesa da Mata Atlântica ........... 14

Fleury, Sírio-Libanês e Einstein criam institutos de pesquisa ....... 28

EMPRESAS Seminário analisa estratégias para negócios de alta tecnologia .......... 30

CIÊNCIA OCEANOGRAFIA

Extrativismo ameaça sobrevivência dos castanhais da Amazônia ..... 42

BOTÂNICA Feita a primeira descrição detalhada do pólen do pau-brasil ............. 44

PALEOBOTÂNICA Vestígios de tundra, com 300 milhões de anos, são encontrados em São Paulo ............. 46

A gênese da aguardente ............... 14 Radiografia de corpo inteiro ............ 15 Para remover os gargalos .............. 15 A cerâmica vai à escola ............... 15

FARMACOLOGIA Biólogos planejam repovoamento dos recifes de corais ameaçados pela pesca excessiva ........ 36

Estudos em laboratório criam a possibilidade de tratar a leishmaniose por via oral .............. 51 PESQUISA FAPESP 95 • JANEIRO DE 2004 • 3


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REPORTAGENS

SEÇÕES LABORATÓRIO Portas abertas para os mosquitos ......... 32 Miniímãs feitos de grafita ultrapura ....... 32 Rachaduras supersôn icas ............... 33 Quando 1)3% faz a diferença ..•..•.. . . 33 Contando moedas e filhotes ............. 33 Venenosas, rápidas e de longas pernas ..... 34 Genoma contra a lagarta da soja ......... 34 Alimentos fora da lei .................. 35

PSIQUIATRIA

QUÍMICA Quimlab é a empresa do ano em incubadoras pela produção de produtos inéditos no país ........... 75

INDÚSTRIA FARMACÊUTICA

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~ Movimentos migratórios e urbanização ampliam o risco de esquizofrenia ..... . 52

BIOINFORMÁTICA Novas espécies de árvores na Bocaina .. ... 35 Gen es ativos em células-tronco ..... .. . .. 35

SCIELO NOTÍCIAS ........ . .. . ...... 60 LINHA DE PRODUÇÃO Microagulhas sem dor ...........•..... 62 Indústria atua em nanotecnologia ........ 62 Nanoguitarra abre novos caminhos ........ 62 Teste para detectar substância tóxica ...... 63 Visão artificial ...................... 63 Álcool a partir do bagaço da cana ........ 64

Equipes brasileiras criam programas de análise de genomas ......... 56

TECNOLOGIA

Indústria adquire da UFMG o direito de produzir anti-hipertensivo ...... ... . . 76

HUMANIDADES HISTÓRIA --~--~~~~~~~~~~ ~

ENGENHARIA DE MATERIAIS

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Livros mostram como elites implementaram civilização no Rio de Janeiro e em São Paulo ....... .. .. 82 Pesquisadores desenvolvem aços avançados com melhores propriedades elétricas e mais resistentes à corrosão ....... 66 Prog rama analisa turbinas a gás ......... 64 Gastos de energia controlados ... . ....... 65 Patentes ...... .. ........... .. ..... 65

RESENHA ......................... 94 Otupi e o alaúde, de Gilda de Mel lo e Souza

CULTURA A influência que um grupo de intelectuais lusos legou ao Brasil . .. .. .. ..... 88

AGRICULTURA Sistema permite controlar a podridão floral dos citros com menos pulverizações de fungicidas ............. 72

ARTES CÊNICAS Ator, diretor, encenador e empresário, Oduvaldo Vianna ressurge em tese .......... 90

LANÇAMENTOS .................... 95 CLASSIFICADOS ................... 96 ARTE FINAL ....................... 98 Santiago 4 • JANEIRO DE 2004 • PESQUISA FAPESP 95

AQÜICULTURA Estudo desenvolve sistema de análise de ração para peixes e camarões ...... 74

Capa e foto da capa: Hélio de Al meida Tratamento de imagem: Tânia Maria Fotos das páginas 2 e 99: Miguel Boyayan


Evolução No artigo "As teias da inteligência" (edição no 93), o seguinte trecho: "Assim, criam a possibilidade de adotar o comportamento como uma ferramenta auxiliar na classificação e na reconstrução da história evolutiva de outros grupos de animais, como as aves e até mesmo os mamíferos uma tarefa científica complexa, que começou no século 18 com o botânico sueco Lineu, a partir do estudo das formas e das estruturas biológicas, e na última década ganhou o reforço da genética': sugere que Lineu teria sido um pioneiro na área de reconstrução filogenética. Lineu era criacionista, e sua meta ao classificar os organismos era desvendar os planos da criação. No mesmo número de Pesquisa FAPESP há uma artigo sobre Lineu e seu trabalho, que nunca teve nada a ver com evolução. O primeiro a sugerir claramente uma classificação baseada na história evolutiva foi Darwin no livro Origem das espécies (1859) e o método empregado hoje pela maioria dos sistematas, chamado de cladístico, tem origem no trabalho de Willi Hennig. Do ponto de vista do método cladístico, não existe distinção entre caracteres morfológicos, comportamentais ou moleculares (e não "genética"). São apenas conjuntos diferentes de caracteres, cada um com suas vantagens, desvantagens e dificuldades. Os caracteres morfológicos são mais usados apenas porque são facilmente preservados em espécimes de coleções, a partir dos quais é possível obter uma base comparativa. O uso de caracteres comportamentais nesse tipo de abordagem não é novidade. A dificuldade está em obter os dados, já que é necessário observar representantes vivos de todos os táxons envolvidos no estudo, o que é inviável na maioria dos casos. R EGINALDO CONSTANTINO

Depto. de Zoologia/Universidade de Brasília Brasília, DF

Civilização na selva Sobre a reportagem "A luz que o homem branco apagou" (edição no 92), acho que são valiosas as descobertas que permitem conhecer melhor as realizações culturais de maior porte ocorridas em sociedades indígenas que habitavam o território brasileiro em séculos passados. No entanto, a reportagem deixa transparecer várias vezes uma suposta ligação entre a complexidade cultural e a existência de grandes e "esplendorosas" construções como índice de desenvolvimento. A começar pela Carta do Editor, que emprega termos como "vasto império" e "riqueza e esplendor" associados a civilizações pré-colombianas em contraposição ao "primitivismo" até então reputado aos índios que habitavam o território brasileiro. Seguem duas questões fundamentais: 1) Até que ponto sociedades precisam esbanjar opulência para serem consideradas complexas ou desenvolvidas? 2) "Primitivo" aos olhos de quem? Uma sociedade não demonstra seu desenvolvimento apenas em obras de engenharia, na confecção de ferramentas tecnicamente mais sofisticadas, ou pelo número elevado de indivíduos, mas pode exibir suas complexidades mediante a qualidade de suas relações éticas e sociais, ou pelo grau de abstração de sua

cultura. Muitas nações indígenas em território brasileiro apresentavam um quadro sociopolítico tão eficiente que poderia ser considerado utópico para muitos modelos sociológicos ocidentais. Esse sofisticado meio de preservação das relações éticas foi totalmente perdido no ambiente dos grandes centros urbanos, pólos da chamada "civilização moderna". Quanto aos monumentos, não é preciso que sejam gigantescos ou perenes para que sejam complexos. Um bom exemplo está no ritual fúnebre do Quarup. Um tronco de pouco mais de 1 metro de altura condensa um símbolo monumental e profundamente complexo, numa atitude viva e atualizável de consagração. Depois de algum tempo, o tronco é lançado rio abaixo, celebrando-se o fato de que nenhuma matéria é eterna. Portanto, o significado metafísico do Quarup é comparável, ou mesmo superior, ao de qualquer pirâmide que se encontre no Egito ou no Peru. Não há espaço para me estender a outros tantos argumentos importantes, mas, como se vê, mesmo que não ocorressem essas importantes descobertas arqueológicas citadas na reportagem não teríamos motivo algum para invejar índios de qualquer outra cultura. Cabe, antes, aprender a respeitar melhor os da nossa. FÁBIO L EÃO FIGUEIREDO

São Paulo, SP

Revista A revista Pesquisa FAPESP, número após número, surpreende-nos pela atualidade e relevância das informações e, sobretudo, pela sua qualidade editorial e gráfica. Eu a tenho utilizado nos cursos de Jornalismo Científico, Jornalismo em Saúde e Jornalismo em Agribusiness e Meio Ambiente, que ministro na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), PESQUISA FAPESP 95 • JAN EIRO DE 2004 • 5


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Ciência e Tecnologia

e no Brasil

esqqPE,a Oque a ciência brasileira produz, você encontra aqui.

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e também em minha atividade acadêmica e profissional, de maneira geral. Não tenho dúvida de que ela se constitui, hoje, ao lado da tradicional Ciência Hoje e da jovem ComCiência, nas maiores e melhores referências no campo da divulgação da pesquisa brasileira. O jornalismo científico nacional ganhou enorme vitalidade com a Pesquisa FAPESP. Vida longa para ela e parabéns a toda a equipe. WILSON DA C OSTA B UENO

As reportagens de Pesquisa FAPESP retratam a construção do conhecimento que será fundamental para o desenvolvimento do país. Acompanhe essa evolução sem perder nenhum movimento.

• Números atrasados Preço atual de capa da revista acrescido do valor de pastagem. Tel. (11) 3038-1438

• Assinaturas, renovação e mudança de endereço Ligue : (11) 3038-1434 Mande um fax: (11) 3038-1418 Ou envie um e-mail: fapesp@te letarget.com .br

• Opiniões ou sugestões Envie cartas para a redação de Pesquisa FAPESP Rua Pio XI, 1.500 São Paulo, S P 05468-901 pelo fax (11) 3838-4181 ou pelo e-mail: cartas@fapesp.br

• Site da revista No endereço eletrônico www.revistapesquisa.fapesp.br você encontra todos os textos de Pesquisa FAPESP na íntegra e um arquivo com todas as edições da revista, incluindo os suplementos especiais. No site também estão disponíveis as reportagens em inglês e espanhol.

• Para anunciar Ligue para: Nominal Propaganda e Representação: tel. 5573-3095

6 • JANEIRO DE 2004 • PESQUISA FAPESP 95

São Paulo, SP Gostaria de parabenizar toda a equipe respon sável pela revista Pesquisa FAPESP, publicação que apresenta uma qualidade excelente, tanto do ponto de vista das reportagens quanto em relação à linguagem utili zada. Um fator que me chamou a atenção desde o primeiro número recebido diz respeito ao cuidado apresentado com a língua portuguesa. Não encontrei sequer um erro de digitação, falha essa infelizmente bastante comum nas publicações hoje em dia. Por meio das reportagens apresentadas na revista Pesquisa FAPESP é possível nos mantermos sempre em sintonia com o que há de mais atual no meio científico, não somente no Estado de São Paulo, mas também no Brasil e em outros países do mt.Mldo. Outro ponto positivo refere-se à variedade das reportagens, englobando todas as áreas do conhecimento humano. Mais uma vez, parabéns a todos pelo excelente trabalho que vem sendo desenvolvido pela publicação. F ÁBIO B. PI N HO

Faculdade de Engenharia Mecânica/Unicamp Campinas, SP Não sei se é muita pretensão minha achar que a opinião de um jovem pesquisador, bolsista de iniciação científica da FAPESP, tem direito a exprimir suas críticas na seção Cartas desta magnífica revista. Entretanto acredito muito que a Pesquisa FAPESP cederá este espaço para mostrar a outros jovens pesqui-

sadores o quão justa e responsável é esta revista. Estou escrevendo para dizer que, quando recebi e observei o conteúdo contido na Pesquisa FAPESP pela primeira vez, fiquei admirado pela enorme quantidade de informações que ela continha. No entanto, o que mais me chamou a atenção foi a forma clara, bem ilustrada e agradável de ler e assimilar os textos. Fiquei muito entusiasmado ao notar que esta é uma revista extremamente democrática e justa, uma vez que traz informações das mais diversas áreas sem discriminar nenhuma outra. Fiquei muito grato por continuar recebendo a Pesquisa FAPESP gratuitamente, como bolsista da Fundação, e a cada edição fico mais orgulhoso do nosso Brasil. Em especial pela FAPESP mostrarnos que somos um país de potencial para produção científica e que estamos avançando a passos curtos, mas todos os dias, em direção a uma nação sólida, composta por pesqui sadores ousados, desafiadores, que acreditam em seus talentos. Esta revista me surpreende a cada edição e está me incentivando a investir em pesquisa. Obrigado à FAPESP pela porta que me abriu e obrigado à revista pelo excelente trabalho de divulgação científica. Precisávamos muito disso. A LEX RAFACHO

Faculdade de Ciências/Unesp Bauru, SP A Escola Projeto Pescar Sultepa, em nome de seus professores, palestrantes e colaboradores, agradece à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo envio de sua publicação mensal, Pesquisa FAPESP, que muito nos auxilia em aula. Agradecemos a colaboração e a participação, colocando-nos à disposição. E QUIPE P ROJETO P ESCAR - SULTEPA

Porto Alegre, RS

Car tas para esta revist a devem ser enviadas para o e-mail cartas@fapesp.br, pelo fa x (l l) 3838-41 81 ou para a Ru a Pio XI, 1.500, São Pau lo, SP, CEP 05468-90 1. As cartas poderão ser resumi das por moti vo de espaço

e clareza.


Pesquisa FAPESP CARLOSVOGT PRESIDENTE

CARTA DO EDITOR

Um ângulo diferente de visão da ciência

PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO VICE-PRESIDENTE CONSELHO SUPERIOR ADILSON AVANSI DE ABREU, CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, CARLOS VOGT, CELSO LAFER, HERMANN WEVER, HORÁCIO LAFER PIVA, MARCOS MACARI, NILSON DIAS VIEIRA JÚNIOR, PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO, RICARDO RENZO BRENTANI,VAHANAGOPYAN,YOSHIAKI NAKANO CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO FRANCISCO ROMEU LANDI DIRETOR PRESIDENTE JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER DIRETOR ADMINISTRATIVO JOSÉ FERNANDO PEREZ DIRETOR CIENTÍFICO PESQUISA FAPESP CONSELHO EDITORIAL LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADORCIENTÍFICO), EDGAR DUTRA ZANOTTO, FRANCISCO ANTÔNIO BEZERRA COUTINHO, FRANCISCO ROMEU LANDI, JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, JOSÉ FERNANDO PEREZ, LUIZ EUGÊNIO ARAÚJO DE MORAES MELLO, PAULA MONTERO,WALTERCOLLI DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA EDITOR CHEFE NELDSON MARCOLIN EDITORA SÊNIOR MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS DIRETOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CIÊNCIA), CLAUDIA IZIQUE (POLÍTICA C&T) MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA), HEITOR SHIMIZU (VERSÃOON-LINE) EDITOR ESPECIAL MARCOS PiVETTA EDITORES-ASSISTENTES DINORAH ERENO, RICARDO ZORZETTO CHEFE DE ARTE TÂNIA MARIA DOS SANTOS DIAGRAMAÇÀQ JOSÉ ROBERTO MEDDA, LUCIANA FACCHINI FOTÓGRAFOS EDUARDO CÉSAR, MIGUEL BOYAYAN COLABORADORES ALESSANDRO GRECO, CARLOS HAAG, CLAUDIUS, EDUARDO GERAQUE (ON-LINE), FABRÍCIO MARQUES, GIL PINHEIRO, LAURABEATRIZ, LILIANE NOGUEIRA, MARGÔ NEGRO, NEGREIROS, RENATA SARAIVA, SAMUEL ANTENOR, SÍRIO J. B. CANÇADO,TÂNIA MARQUES,THIAGO ROMERO (ON-LINE), VERÔNICA FALCÃO, YURI VASCONCELOS ASSINATURAS TELETARGET TEL. (11) 3038-1434 - FAX: (11) 3038-1418 e-mail: fapesp@teletarget.com.br APOIO DE MARKETING SINGULAR ARQUITETURA DE MÍDIA singular@sing.com.br PUBLICIDADE TEL/FAX: (11) 5573-3095 e-mail: redacao@fapesp.br PRÉTMPRESSÃO GRAPHBOX-CARAN IMPRESSÃO PLURAL EDITORA E GRÁFICA TIRAGEM: 44.000 EXEMPLARES DISTRIBUIÇÃO DINAP CIRCULAÇÃO E ATENDIMENTO AO JORNALEIRO LMX (ALESSANDRA MACHADO) TEL: (11) 3865-4949 atendimento@lmx.com.br RUA PIO XI, ND 1.500, CEP 05468-901 ALTO DA LAPA - SÃO PAULO - SP TEL. (11) 3838-4000 - FAX: (11) 3838-4181

http://www.revistapesquisa.fapesp.br p.br NÚMEROS ATRASADOS TEL. (11) 3038-1438

Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da FAPESP É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

FUNDAÇÃO DE AMPARO A PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO SECRETARIA DA CIÊNCIA,TECNOLOGIA, DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO ETURISMO

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GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Pesquisas de opinião pública sobre a ciência, suas produções e, não raro, os dilemas que ela cria para a sociedade são freqüentes nos países mais industrializados há muitos anos. Em geral elas valem-se de uma base metodológica comum, desenvolvida pela National Science Foundation (NSF) a partir da década de 1970, e procuram obter respostas para uma infinidade de questões, sempre relacionadas, contudo, a três eixos básicos de indagação: atitude do público em relação a ciência e tecnologia, interesse e conhecimento de seus variadíssimos temas. No Brasil, até recentemente tínhamos notícia de uma única pesquisa dessa natureza, ainda que mais concisa do que suas congêneres internacionais, realizada entre janeiro e fevereiro de 1987, pelo Instituto Gallup, por encomenda do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), via Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast). Foram ouvidas na ocasião 2.892 pessoas que formavam uma amostra estatisticamente representativa e por meio dela concluiu-se, por exemplo, que 71% dos brasileiros tinham muito ou algum interesse por notícias sobre descobertas científicas, enquanto 52% classificavam o país como atrasado em pesquisa científica e tecnológica. Desde então, o sistema brasileiro de ciência e tecnologia cresceu de forma extraordinária e, para ficar num só indicador dessa evolução, basta lembrar que a participação nacional na produção científica mundial, verificada pela publicação de artigos científicos em revistas indexadas na base de dados do Institute for Scientific Information (ISI), passou de 0,6% no período 1988-92 para 1,44% em 2000. Mas praticamente nada sabíamos, entretanto, sobre como a população brasileira acompanhava essas mudanças, se é que acompanhava. E não o sabemos com certeza, ainda. Não temos por ora informações nesse sentido que sejam estatisticamente representativas da população brasileira. Mas temos, primeiro, a certeza de que elas logo estarão disponíveis e, enquanto isso, já contamos com preciosas indi-

cações, ainda que provisórias, sobre a imagem que os brasileiros têm da ciência e da tecnologia; sobre seu grau de compreensão a respeito de temas de conhecimento científico; sobre os processos de comunicação social da ciência e sobre sua participação como cidadãos nas questões relativas a esse campo. E não temos essas indicações apenas dos brasileiros, mas também dos argentinos, uruguaios e espanhóis. Isso graças ao Projeto IberoAmericano de Indicadores de Percepção Pública, Cultura Científica e Participação Cidadã, iniciado em 2001, e que dá agora seus primeiros frutos. É ele o objeto da reportagem de capa desta edição de Pesquisa FAPESP, a partir da página 16. Das visões do público sobre a ciência, vale saltar para os êxitos palpáveis da prática científica. E um deles foi a reprodução em cativeiro de três espécies ameaçadas de corais encontradas no Nordeste brasileiro que pesquisadores do Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco conseguiram em escala de laboratório, como relata a reportagem do editor-assistente de ciência, Ricardo Zorzetto, com apoio da repórter Verônica Falcão, em Recife, a partir da página 36. Agora vem o desafio maior: fazer isso funcionar em mar aberto. Até o final do ano, de acordo com o cronograma do projeto Coral Vivo, devem ser implantadas em Porto Seguro, sul da Bahia, as primeiras colônias de corais criadas em laboratório, o que abre novas perspectivas para recuperar ao longo da costa brasileira um dos mais belos e frágeis ambientes do planeta. No mês em que se comemoram os 450 anos de fundação da cidade de São Paulo, merece destaque especial nesta edição a reportagem de Carlos Haag (página 82), que mostra, a partir de três livros recentemente publicados, como, apesar das enormes diferenças nas trajetórias de formação da capital paulista e do Rio de Janeiro, as duas cidades tentaram inserir a modernidade na marra, numa tentativa de renegar o passado e sufocar o que nelas havia de "incivilizado", ou seja, a massa popular. Boa leitura. E, claro, um feliz 2004. MARILUCE MOURA

- DIRETORA DE REDAçãO

PESOUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 7


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Água de beber Há cem anos, surgiam os primeiras filtros embutidos em talhas cerâmicas

NELDSON MARCOLIN

Conseguir água limpa para beber sempre foi um problema para as populações em todo o mundo. No Brasil, durante o período colonial e imperial não existiam sistemas eficientes de distribuição e tratamento de água que atendessem às residências. As pessoas se serviam da água de rios canalizada para chafarizes e bicas, distribuídas em alguns pontos das cidades. Na zona rural, a captação era feita em poços, riachos ou em cisternas. As talhas de argila com a vela filtrante embutida dentro, presença obrigatória nas residências brasileiras até os anos 1980, surgiram apenas no começo do século 20. Até o final do século 19, observar a cor, o cheiro ou a presença visível de partículas era uma das poucas maneiras de o consumidor decidir se a água era boa para beber. Um dos métodos mais comuns era decantá-la, isto é, deixála "descansando" em recipientes para que as impurezas se depositassem no fundo, por gravidade. Assim, bastava usar uma concha para tirar a parte "limpa" por cima. A outra prática, mais eficaz, mas pouco usada, era 8 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95


O veráo em breve será uma realidade e, com elle o cortejo sinistro de moléstias infecciosas transmiüidas pelas águas impuras qua bebemos, no entretanta V. s. ainda não se preveniu com os meios necessários para evital-as. Cumpra prevenir do que remediar, portanto adquira immediatamente o atamado

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UEMIS GOZAR SAIIDE ? BililipiiiltifaÈ. 5 As águas, potáveis ou f não, contém myriades de | seres invisíveis, chama jazidos MICRÓBIOS, que são I-^ESÊss»"'a causa de todas as fef> &^f^v , bres e moléstias infecv - ■ " -' tivas. Muitas famílias não """"^f,^:' terião de usar o luto, se ^ todos purificassem as S águas que bebem por meio do

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o único que, esterilizando a água, sem tirar-lhe absolutamente nenhum dos seus princípios constituitivos, impede a transmissão desses pequenos seres, tão perigosos para a saúde. üoloo« njrentca o depoultm-lo» nó Grnzll

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0 Eétado de S. Paulo, 22/09/1918, p. 14.

ferver a água. Em algumas residências, usava-se uma pedra porosa de 10 centímetros de espessura em formato de cuba. Jogava-se a água dentro da cuba que era absorvida por ela e pingava numa talha de argila. Também no início do século 20 começaram a chegar ao país os filtros Berkfeld e Pasteur. Feitos de velas ocas de porcelana porosa dentro de recipientes de metal, produzidas na Alemanha e na Inglaterra, eram instalados no ponto de entrada da água na casa. A grande inovação na filtragem da água ocorreu nas duas primeiras décadas do século passado. "Empresas de cerâmica de São Paulo passaram a equipar com elementos filtrantes as talhas que produziam", conta o pesquisador de história econômica Júlio César Bellingieri, da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Araraquara. A talha de argila apenas armazenava a água e a mantinha fresca para o consumo. A partir do momento em que se acoplou um filtro, o recipiente foi dividido em duas partes: a de cima, com o filtro, e a de

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II. W. PRITCHARD & COMP. Rua cio Si. JBento n. 41-A. S. SPAllI.O

Anúncios de filtros do começo do século e a talha recortada, com a vela

baixo, onde cai a água que passa pela vela. "Apesar de o princípio do processo de fabricação de filtros já ser conhecido em outros países e a talha cerâmica como recipiente de água ser uma prática que remonta ao inicio da civilização, esses dois elementos só passariam a ser combinados no início do século 20, e apenas no Brasil, dando origem a um novo produto", explica Bellingieri. Esses primeiros filtros eram apenas uma massa achatada de argila, areia fina e carvão, levada ao forno para queima e colada no fundo do recipiente superior da talha. Depois se criou outro, em formato de vela, composto, em alguns casos, de uma mistura de caulim (argila branca) e filito (um tipo de mineral). A partir dos anos 1930, a talha com filtro difundiu-se pelo Brasil e ganhou um lugar nobre em todas as cozinhas. Nos últimos 20 anos surgiram filtros mais modernos com microfiltragem e elementos antibactericidas. PESQUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 9


POLíTICA CIENTIFICA E TECNOLóGICA

ESTRATÉGIAS

MUNDO

A ciência do Iraque volta a respirar Um pequeno grupo de pesquisadores do Iraque reuniuse com dirigentes da Real Sociedade em Londres, no final de novembro, para lançar as bases da nova Academia Iraquiana de Ciências (Nature, 4 de dezembro). Eles querem que a organização ajude a montar uma estratégia de

■ Vergonha no navio de pesquisa O Joides Resolution, um dos grandes navios científicos do mundo, não navega sob a bandeira de nenhuma das 20 nações que patrocinam suas expedições oceânicas. Está oficialmente baseado na Libéria, país da África Ocidental, acusado de usar as fortunas que arrecada vendendo registros navais para patrocinar o comércio de armas e alimentar conflitos regionais que usam crianças como soldados {Nature, 4 de dezembro). Com a base na Libéria, os donos de navios aproveitam uma legislação menos exigente em relação à segurança e aos direitos trabalhistas. Como as denúncias

ciência e tecnologia vinculada à reconstrução do país. Embora vários dos participantes trabalhem no Iraque, a reunião aconteceu em Londres por razões de segurança. Coube ao engenheiro químico Hussain Al-Shahristani, que hoje vive no Reino Unido, a honra de abrir a reunião.

já levaram operadores a trocar a bandeira de suas embarcações, cresce na comunidade científica um movimento para forçar o Resolution a seguir esse caminho. As expedições científicas do navio são administradas pelas Instituições Oceanográficas Unidas (JOI, na sigla em inglês), um consórcio de 18 entidades

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Ele ressaltou que a academia será independente das forças de ocupação, mas deixou claro que espera a ajuda ocidental para a formação do corpo acadêmico. A primeira reunião plenária foi marcada para novembro de 2004, em Bagdá. Ex-integrante da Comissão de Energia Nuclear

públicas patrocinadas pela Fundação Nacional de Ciências (NSF, em inglês), dos Estados Unidos. A JOI conhece os problemas envolvendo o registro do navio. Há dois anos, um ex-tripulante do Resolution escreveu uma carta a senadores americanos denunciando abusos na exploração da mão-de-obra do

Iraquiana, Al-Shahristani foi preso e torturado nas masmorras de Saddam Hussein, depois de recusar-se a trabalhar em um programa de desenvolvimento de armas nucleares. Mas conseguiu fugir do país em 1991, após a derrota na Guerra do Golfo. Atualmente, leciona na Uni-

navio, sob os auspícios da Libéria. Por meio de seu representante, Steven Bohlen, a JOI limitou-se a desqualificar o denunciante como um "descontente" demitido por incompetência. A NSF e o Congresso americano ficaram em silêncio. Novas pressões surgiram em dezembro, às vésperas da partida do Resolution para a próxima etapa do Programa Internacional de Perfuração Oceanográfica (IODP, em inglês) - o maior projeto internacional de sondagem oceânica atualmente em curso, que envolve um contrato de US$ 625 milhões por dez anos com a NSF. Pesquisadores engajados na iniciativa mostraram-se incomodados com a vinculação do projeto com um país dis-


versidade de Surrey. Já existia uma Academia de Ciências patrocinada por Saddam, que se destacou por apoiar o desenvolvimento de armas químicas e biológicas. Daí a importância de uma questão ética levantada em Londres: seria aceitável admitir cientistas que participaram desses programas na nova academia? Al-Shahristani recomenda evitar julgamentos pre-

soluto. Steven Bohlen afirma que sua organização está ocupada demais cuidando da organização da expedição para preocupar-se com o assunto. Mas Guy Cantwell, porta-voz da Transocean, empresa especialista em perfurações oceânicas, com sede em Houston, no Texas, e coproprietária do Resolution, admitiu o constrangimento: "Estamos cientes da preocupação da comunidade científica." Cantwell disse à revista Nature que a Transocean considera a possibilidade de mudar o registro do navio para um país que oferece benéficos semelhantes aos da Libéria, mas seja politicamente mais palatável, como as Ilhas Marshall, no Pacífico, por exemplo. •

cipitados. "As pessoas eram forçadas a participar dos programas. Era quase uma questão de vida ou morte", pondera. "Seria apropriado examinar caso a caso." Quanto às preocupações científicas da instituição, Al-Shahristani sugeriu que se dê prioridade aos estudos ambientais, particularmente da poluição biológica, química e radiológica provocada pelos testes

■ Polêmica adiada para 2004 A Assembléia Geral das Nações Unidas decidiu, no início de dezembro, adiar por um ano a votação da proposta que proibiria todas as formas de clonagem humana. Os 191 países-membros concordam que a clonagem reprodutiva, aquela em que se busca "copiar" geneticamente um ser humano, deve ser banida. Além de todas as controvérsias éticas envolvidas - com as promessas de reproduzir pessoas mortas feitas por médicos inescrupulosas e seitas -, também há um problema prático. A replicação de animais produziu clones doentes ou vítimas de envelhecimento precoce e

com armamentos. O objetivo é descobrir se elas têm ligações com o aumento dos casos de câncer registrados no país. A confiança dos cientistas no futuro vai até certo ponto. Perguntados se retornariam ao país, vários cientistas exilados no Ocidente mostraram-se recalcitrantes. "Pessoas eram presas e mortas e a insegurança era geral no Iraque", lembra Farhan

Bakir, físico que deixou o Iraque em 1981, depois de uma aposentadoria forçada. Bakir leciona na Universidade de Ciências da Saúde de Pomona, na Califórnia. "Estou com 70 anos e, nessa idade, aprende-se a ser prudente", brinca. Mesmo após a prisão de Saddam, será difícil convencer os cientistas a voltar, enquanto persistirem os ataques terroristas no país. •

não há nenhuma garantia de que tais defeitos não surgiriam em cópias humanas. A proibição pura e simples da pesquisa, contudo, fecharia as portas para um ramo promissor da medicina. É a clonagem terapêutica, que envolve a obtenção de células de embriões humanos para cultivar tecidos com potencial para curar moléstias degenerativas. A proposta de proibição total, formulada pela Costa Rica, é apoiada pelos Estados Unidos e por mais 60 países. Outras 30 nações, como o Reino Unido, o Japão e a África do Sul, recusam-se a abrir mão das promessas da clonagem terapêutica. Sem acordo possível, a ONU empurrou o debate para o ano que vem. •

■ Bolsas de mestrado no Canadá Estão abertas as inscrições para o Programa de Bolsas de Estudo da Agência Canadense para o Desenvolvimento Internacional (ACDI/CIDA) na área marítima. As bolsas para cursos de mestrado são oferecidas pela Dalhousie University, em Halifax. O programa de cooperação busca treinar brasileiros nas áreas de gerenciamento costeiro e recursos marítimos. Há mais informações no portal www.dal.ca e na página www. cal.ca/~map. Os candidatos interessados em receber apoio da ACDI/CIDA deverão obter formulário específico no endereço www.acdicida. gc.ca/forms.htm. •

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ESTRATÉGIAS

MUNDO

Ciência na web Envie sua sugestão de site científico para cienweb@trieste.fapesp.br

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■ Desafios que salvam os pobres Uma fundação ligada aos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH, na sigla em inglês) selecionou 14 grandes desafios científicos e tecnológicos que gostaria de ver cumpridos nos próximos cinco anos. Entre esses desejos, todos na área de saúde pública, está o desenvolvimento de vacinas que combatam várias doenças numa única dose, possam ser armazenadas sem refrigeração e ministradas sem o uso de seringas. Também há desafios estabelecidos no controle de transmissão de doenças e na busca de drogas que não criem resistência no organismo. As idéias foram selecionadas por um comitê científico, com base em mais de mil sugestões enviadas por 75 países. Para estimular as pesquisas, a NIH vai conceder bolsas de até US$ 20 milhões por cinco anos. Os interessados deverão apresentar à NIH carta com propostas de pesquisas até 9 de janeiro de 2004. Os projetos mais inovadores serão convidados a apresentar um plano formal. A Fundação Bill &

Melinda Gates, mantida pelo homem mais rico do mundo, o famoso dono da Microsoft, deu US$ 200 milhões ao programa. •

■ Duelo a caminho da Lua A China e a índia disputam a primazia de enviar uma missão tripulada à Lua. A índia promete chegar primeiro, antes de 2015, diz Rakesh Sharma, da Organização de Pesquisas Espaciais da índia, que já participou de uma missão espacial da extinta União Soviética, em 1984. "Até 2020, chegaremos lá", garante Luan Enjie, diretor da Agência Aeroespacial da China. A primeira tentativa chinesa só ocorrerá depois do sucesso de uma nova missão tripulada à órbita da Terra até 2007 e de uma sonda não tripulada à Lua até 2010.0 programa espacial chinês ganhou notoriedade em outubro, quando o taiconauta (adaptação da palavra chinesa para astronauta) Yang Liwei transformou-se no primeiro chinês a entrar em órbita. "Nosso objetivo é a exploração do espaço profundo", diz Enjie. "A Lua é o primeiro alvo." •

12 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESHUISA FAPESP 95

www.asci.org/ Site que divulga o trabalho de artistas e cientistas que usam a C&T para explorar formas de expressão.

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www.prod.eesc.usp.br/producao/geope/ Textos sobre aspectos organizacionais da pequena empresa, incluindo trabalhos para download.

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www.fao.org/waicent/faoinfo/agricult/agl/aglw/aquastat/ main/index.stm Informações da FAO sobre sistemas de uso e gerenciamento de água na agricultura.


ESTRATÉGIAS

BRASIL pela Fundação. Com o novo procedimento, a FAPESP pretende restabelecer esse padrão. "O modelo de análise já é utilizado com sucesso em programas especiais, como os de Infra-estrutura", diz o diretor científico, José Fernando Perez. •

Pesquisas de primeiríssima linha A bióloga Mayana Zatz, diretora do Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo (USP), foi agraciada com o Prêmio da Academia de Ciências do Terceiro Mundo, na categoria Ciências Médicas Básicas. O prêmio é oferecido todos os anos para cientistas que se destacaram nos países em desenvolvimento. Mayana, de 56 anos, desenvolve pesquisas genéticas voltadas para o combate da distrofia muscular, a degeneração progressiva da musculatura esquelética. "Esse prêmio é muito importante pois mostra que os países em desenvolvimento podem contribuir fazendo uma ciência de boa qualidade, apesar de todas as dificuldades", afirma a pesquisadora. Mayana é uma defensora da criação de bancos públicos de células de cordão umbilical, que, espera, poderão ajudar a curar doenças. Também defende a liberdade de utilizarem-se células-tronco embrioná-

■ Comissão avaliará pedido de mestrado A FAPESP vai alterar, a partir de 2004, a sistemática de avaliação dos pedidos de bolsas de mestrado. Já neste primeiro semestre, e em caráter experimental, todo o processo de análise será conduzido, no âmbito de cada coordenação de área, por uma comissão de

Mayana identificou genes ligados a doenças neuromusculares

rias (obtidas, por exemplo, de embriões descartados em clínicas de fertilização) para fins terapêuticos. Mayana e sua equipe localizaram seis genes ligados a doenças neuromusculares. Na década de 1970, ela montou na USP um serviço de aconselhamento genético para essas doenças, que já atendeu 20 mil pessoas. Na década de 1980, fundou a Associação Brasileira de Distrofia Muscular, cujo objetivo é lutar para melhorar a vida dos afetados pela moléstia Esse é o terceiro prêmio que Mayana recebe em sua carreira. Em 1986, foi agraciada com o Prêmio de Apoio a Pesquisa da Associação de Distrofia

assessores ad hoc, constituída segundo o perfil da demanda. Esse novo modelo substitui procedimento adotado desde 2002 quando, pressionada pela demanda, a Fundação passou a submeter todos os pedidos de bolsa de mestrado com parecer favorável da assessoria ad hoc a uma análise comparativa, realizada pelas coordenações, duas vezes por

Muscular dos Estados Unidos. E, em 2001, recebeu em Paris o Prêmio L'Oreal - Unesco para Mulheres na Ciência. "É fundamental chamar a atenção para a importância de investir em ciência e tecnologia e de garantir não só as verbas necessárias mas a liberdade para pesquisar", diz ela. Outro brasileiro também foi premiado pela; academia, na categoria Matemática. Welington Celso de Melo é pesquisador do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, do Rio de Janeiro. Os vencedores nas oito categorias vão receber US$ 10 mil cada um. Os prêmios serão entregues no segundo semestre de 2004. •

ano. Em razão do volume de solicitações, esse modelo exigia que as coordenações selecionassem propostas entre um grande número de pedidos, já avaliados pelos assessores e com graus distintos de minúcia e rigor, assumindo assim uma parcela de responsabilidade pelos resultados e contrariando o princípio da avaliação externa adotado

■ A partilha do conhecimento Dois importantes bancos de dados científicos terão seu alcance ampliado. Um deles é o Sistema Brasileiro de Informações em Recursos Genéticos (Sibrargen). Vinculado à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), este sistema armazena dados sobre recursos genéticos vegetais, animais e microorganismos mantidos pela Embrapa em Brasília. O Sibrargen vem sendo desenvolvido desde 1996 e uma parte dele já está disponível no site da Embrapa na Internet. A partir de 2004, vai aglutinar informações dos bancos de germoplasma das unidades descentralizadas da empresa. "Aos poucos, todo o acervo da Embrapa estará integrado", afirma Eduardo Cajueiro, responsável pelo Sibrargen. Outro banco de dados que será compartilhado é o do Centro FrancoBrasileiro de Documentação Técnica e Científica (CenDoTec). Um acordo de cooperação, assinado com a Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia e a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, vai disponibilizar os 25 milhões de referências técnico-científicas do CenDoTec para empresas e pesquisadores mineiros. •

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ESTRATÉGIAS

BRASIL

A multiplicação dos parques Rende frutos uma iniciativa do Ministério da Ciência e Tecnologia para criar parques de empresas tecnológicas Brasil afora. Nos últimos meses, dezenas de projetos começaram a sair do papel, como resultado de um edital de 2002 vinculado ao Fundo VerdeAmarelo. Há parques de empresas surgindo ao redor de universidades em Belo Horizonte, Rio de Janeiro e

■ Em defesa da Mata Atlântica Projetos de pesquisa que protejam espécies ameaçadas da Mata Atlântica poderão disputar três editais num total de R$ 1,2 milhão nos próximos três anos. O programa é uma iniciativa de duas entidades conservacionistas, a Fundação Biodiversitas e o Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste. "Vamos selecionar

em Viçosa (MG), só para citar alguns exemplos. "Foi o primeiro investimento articulado em parques tecnológicos. Antes, os editais só estimulavam incubadoras de empresas", diz Carlos Américo Pacheco, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), exsecretário executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia. Em São Paulo, Carlos

os projetos bem estruturados do ponto de vista científico. Há idéias ótimas, que não vão adiante por falta de recursos", diz a coordenadora do programa, Gláucia Drummond, da Fundação Biodiversitas. Os projetos devem estar vinculados às quase duas centenas de espécies ameaçadas de extinção. Engloba aves, como o tesourão-grande, do Espírito Santo, cobras, como a jararaca-ilhoa, de uma ilha no

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Pacheco está ajudando a articular a criação de parques nas cidades de Campinas, São José dos Campos, São Carlos e na própria capital paulista. Nesses municípios, existem pólos de empresas há mais de uma década, mas a nova proposta, encampada pelo governo paulista, é mais ambiciosa. O dinheiro para criação dos parques viria de fundos imobiliários e operações

litoral sul de São Paulo, e primatas, como o macaco-prego-de-peito-amarelo, da Bahia. Está preservada apenas 8% da extensão original da Mata Atlântica - mas ela ainda abriga 20 mil espécies de plantas e 2 mil de animais. E 40% desses seres vivos não existem em nenhum outro lugar do planeta. Os editais estarão disponíveis nos sites www.biodiversitas.org.br e www.cepan.org.br. •

urbanas. Grandes glebas abrigariam megaempreendimentos urbanísticos. A iniciativa privada ergueria edifícios residenciais e comerciais. E patrocinaria a construção do pólo de empresas na mesma área. "Em outros países, há vários parques com esse formato. O caráter moderno e não poluente das empresas tecnológicas valoriza a região", diz Pacheco. •

■ A gênese da aguardente A Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz (Fealq) acaba de publicar um livro que mostra, passo a passo, o processo de produção de cachaça - da extração do caldo e a fermentação à destilação e ao envelhecimento. A obra Aguardente - fabricação em pequenas destilarias, de autoria do professor Urgel de Al-


meida Lima, é acompanhada de um vídeo sobre a técnica de fabricação e custa R$ 95. O livro pode ser adquirido diretamente na Fealq, ou pela Internet, no site www. fealq.org.br/loja/livraria.asp. Mais informações pelo telefone (19) 3417-6600. •

acabar com a Síndrome de Lampedusa, aquela história de que 'podem mexer em tudo, desde que não seja comigo'", disse o ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, ao assinar em Brasília o contrato com a FGV. •

0 livro reúne estatísticas de ciência e tecnologia e propõe mudanças de rumo

■ A cerâmica vai à escola

■ Radiografia de corpo inteiro Um abrangente panorama sobre investimentos em pesquisa, produtividade acadêmica e desenvolvimento tecnológico no Brasil acaba de ser publicado pela Editora Unicamp. O livro Indicadores de ciência, tecnologia e inovação no Brasil é um cartapácio de 614 páginas, escrito por 23 autores. Tem o mérito de compilar coleções de estatísticas já conhecidas e também apresenta informações inéditas, como o capítulo que dimensiona os recursos humanos em ciência e tecnologia no país. Comprova-se, nesse capítulo, a percepção de que o país avançou na formação de graduados, mestres e doutores, mas as oportunidades de trabalho para a elite acadêmica cresceram em velocidade bem mais lenta que em outros países, gerando desperdício de talentos. "Com esse trabalho, pretendemos fazer um balanço do esforço para a constituição de um sistema de indicadores em ciência e tecnologia. Além de reunir as informações disponíveis, apresentamos propostas para aperfeiçoar o sistema", disse ao Jornal da Unicamp o economista Eduardo Baumgratz Viotti, da Universidade de Brasília, que organizou o volume em parceria com o também economista Mariano de Matos Macedo, da Universidade Federal do Paraná.

Há estatísticas auspiciosas e outras preocupantes a compor o panorama do livro. Se é certo que a produção científica cresceu (o número de artigos científicos aumentou 400% nas duas últimas décadas), o número de patentes brasileiras registradas nos Estados Unidos permanece tímido (98 registros no ano 2000, contra 3,3 mil da Coréia do Sul). O crescimento das exportações está sendo fundamental para equilibrar as contas do Brasil, mas a participação no comércio exterior de produtos que agregam conhecimentos tecnológicos ainda é pequena. A exceção são os aviões da Embraer. E é nessa seara que as oportunidades mais aumentam, deixando o país em

desvantagem. Enquanto a demanda por produtos agrícolas cresce 0,5% ao ano, a de produtos tecnológicos chega a avançar 20%. •

■ Para remover os gargalos A Fundação Getúlio Vargas (FGV) foi contratada para fazer uma avaliação da estrutura do Ministério da Ciência e Tecnologia e de suas 19 unidades. O objetivo é propor mudanças que aumentem a eficiência administrativa. O trabalho vai diagnosticar pontos críticos nos órgãos vinculados ao ministério e montar uma estratégia capaz de reforçar as atividades ligadas à inovação. "Para que o sistema seja mais eficaz, temos que

A cartilha orienta artesãos e estudantes a modelar peças de argila

Uma iniciativa do Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos (CMDMC) está distribuindo em escolas públicas uma cartilha inédita. Ela reúne informações sobre as técnicas de preparação e modelagem de peças cerâmicas, seus diversos tipos de matéria-prima, além de dicas para prevenir imperfeições na hora de levar a argila ao forno. Escrito em linguagem leiga e fartamente ilustrado, o manual Técnica e arte em cerâmica: Artesão busca despertar o interesse dos jovens e ajudar artesãos profissionais a se atualizar. Com tiragem inicial de 5 mil exemplares, a cartilha é obra de uma equipe de pesquisadores de peso. O CMDMC é um dos dez centros de Pesquisa, Inovação e Difusão criados pela FAPESP há três anos. É formado por pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos, da Universidade de São Paulo, da Universidade Estadual Paulista, do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares e do Centro Cerâmico Brasileiro. O manual está sendo encaminhado a professores de escolas públicas de 11 municípios paulistas, como um estímulo para propagar as técnicas nas salas de aula e laboratórios. Também estará disponível para artesãos de vários estados, com distribuição organizada pelo Centro Cerâmico Brasileiro. ' •

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA CAPA

Imagens

da ciência Rede ibero-americana de pesquisadores desenvolve índices para avaliar percepção pública do conhecimento científico CLAUDIA IZIQUE E MARILUCE MOURA

Seria temerário estender para o conjunto das populações da Argentina, do Brasil, da Espanha e do Uruguai as recentes conclusões de uma pesquisa inovadora sobre percepção pública da ciência, realizada nesses países entre fins de 2002 e começo de 2003, porque, em termos estatísticos, as amostras utilizadas para o trabalho são pouco representativas desse universo. Mas elas oferecem certamente indicações preciosas sobre o imaginário social a respeito de ciência e tecnologia nesses países ibero-americanos. E mais: dá pistas importantes sobre o grau de compreensão relativamente a determinados tópicos do conhecimento científico e tecnológico, sobre o consumo de informação científica nessas sociedades e sobre a efetiva participação de seus cidadãos nos movimentos e debates em torno de temas controversos de ciência e tecnologia. Dessa forma, mantendo-se a ressalva de que a informação apresentada tem "um caráter indicativo provisório", como o fazem explicitamente, aliás, os coordenadores da pesquisa, pode-se dizer, por exemplo, que no imaginário social dos países estudados prevalece uma imagem tríplice da ciência como epopéia de "grandes descobertas", como condição de "avanço técnico" e como fonte de "melhoria da vida humana". E num outro exemplo, relativo à informação sobre ciência e tecnologia, é interessante constatar que, repetindo o que se registra na prática internacional dessas pesquisas, a grande maioria das pessoas ouvidas considera-se "pouco informada" ou "nada informada", o que de resto é coerente com sua revelação de que só ocasionalmente consome informação científica em televisão, jornais ou revistas especializadas. Aliás, considerados os resultados da pesquisa, há uma confiança muito grande por parte do público nos cientistas como fonte de determinadas informações (sobre 16 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

energia nuclear e biotecnologia), enquanto os jornalistas gozam nesse campo de credibilidade extremamente escassa. Estratégias de análise - Todos esses dados e muitos outros, cuidadosamente quantificados, estão no livro Percepção pública da ciência, organizado por Carlos Vogt, coordenador da pesquisa no Brasil, e Carmelo Polino, coordenador na Argentina, publicado pela Editora Unicamp e FAPESP. Lançado em novembro e tomado como documento básico de um workshop sobre o tema realizado pela Fundação, nos primeiros dias de dezembro, o livro é, a rigor, uma espécie de primeiro relatório científico do Projeto Ibero-Americano de Indicadores de Percepção Pública, Cultura Científica e Participação Cidadã, iniciado em meados de 2001 pela Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI) e pela Rede Ibero-Americana de Indicadores de Ciência e Tecnologia (Ricyt/Cyted). As pesquisas de percepção pública da ciência são parte e, ao mesmo tempo, ferramentas para o desenvolvimento desse projeto, que tem objetivos mais ambiciosos. "As pesquisas são exercícios de caráter metodológico, uma vez que se priorizou a experiência empírica para o desenvolvimento de conceitos e a verificação de indicadores e estratégias de análise", explica-se no livro. É justamente aí - nos conceitos e indicadores adequados - que se concentra uma das maiores dificuldades para auscultar a repercussão, em seus vários sentidos, das produções da ciência e da tecnologia na sociedade, em países que não estão no centro do sistema econômico. Porque, como dito no livro, "ainda que se possa postular a universalização do conhecimento científico e tecnológico, é indubitável que sua recepção, apropriação e emprego são processos localizados socialmente e sujeitos tanto às especificidades culturais de cada so-


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Instituto Gallup. A partir das respostas de 2.892 pessoas (1.409 homens Porcentagem Faixa etária Casos e 1.483 mulheres), com mais de 18 anos e de toIsso significa que 19,1 18 a 24 31 das as classes sociais, a o projeto enfren35,8 25 a 39 58 27 questões, a sondata o desafio de 30,9 40 a 59 50 gem mostrou, entre ouconstruir a mé14,2 Mais de 60 23 tros dados, que 52% dio prazo uma Total 162 100 das pessoas ouvidas bateria de indicadores achavam o país atrasaregionais baseados num Nível máximo de escolaridade do em pesquisa e que conceito complexo de 7,4 Pós-graduados 12 71% delas manifestacultura científica, que 55,6 Superior completo 90 vam algum ou muito dêem conta das carac23,5 Superior incompleto 38 interesse por descoberterísticas dos países da 13,6 Colegial completo 22 tas científicas. Revelou região e, ao mesmo temTotal 162 100 também que os cientistas po, possam ser utilizados ocupavam, em sua visão, em comparações intero quinto lugar entre os nacionais mais amplas. profissionais que mais Vale observar que nos contribuíam para o deEstados Unidos, nos senvolvimento do país, atrás de agriculpara intercâmbio e discussão teóricopaíses da União Européia, na Grã-Bretores, industriais, professores e médicos. metodológica nos países ibero-ameritanha, no Canadá, na Austrália, na Bem diferente, a pesquisa da Rycit canos. Hoje, 50 instituições já integram China e no Japão, entre outros, a base foi mais profunda, com um total de 90 a Rycit. metodológica que em geral se aplica nas questões, e eminentemente qualitativa. pesquisas de percepção e cultura cientíTanto que, no Brasil, foram consultadas Pesquisa pioneira - Realizada no Brasil fica foi desenvolvida pela instituição na primeira amostra - a que aparece no pela equipe do Laboratório de Jornalisnorte-americana National Science Founlivro - apenas 162 pessoas em Campimo da Unicamp (Labjor), coordenado dation (NSF), a partir de 1972. Esses nas, entre fevereiro e março de 2003. por Vogt, que é também presidente da modelos de análise avaliam o nível de Posteriormente ela foi estendida a São FAPESP, a pesquisa de percepção púinformação, atitudes e interesses dos inPaulo, onde foram aplicados 776 quesblica da ciência tem caráter pioneiro no divíduos em relação à ciência, mas não tionários, e a Ribeirão Preto, onde foram país, em especial se se considera sua revelam, por exemplo, seu grau de enconsultadas 125 pessoas. Vale ressaltar metodologia, seu embasamento teórico volvimento com o avanço da pesquisa. que, tabuladas as respostas da segunda e seus objetivos. Houve, é verdade, em Essa é uma das limitações que, na avaetapa, as diferenças em relação à pri1987, uma ampla pesquisa de opinião liação dos pesquisadores ligados à Ricyt, meira amostra foram insignificantes, o "O que o brasileiro pensa da ciência" tornam a metodologia da NSF inadeque permitiu à equipe do Labjor apresobre a imagem que a população urbaquada à realidade das nações em desensentar durante o seminário na FAPESP na do país tinha da ciência, concebida volvimento. O argumento é que, nesses os resultados unificados relativos ao topelo Conselho Nacional de Desenvolvipaíses, a ciência e tecnologia desempetal de 1.063 pessoas, sem contradições mento Científico e Tecnológico (CNPq) nham papel preponderante para o crescom os resultados que aparecem no lijunto com o Museu de Astronomia e cimento econômico, e a compreensão vro. Na Argentina, a amostra envolveu Ciências Afins (Mast) e realizada pelo do público sobre os rumos e os benefí300 pessoas, todas ouvidas em dezemcios sociais do avanço do conhecimenbro de 2002 na Grande Buenos Aires. to é condição indispensável para uma No Uruguai, sob a coordenação de efetiva participação democrática dos Rodrigo Arocena, da Universidade da cidadãos nas políticas públicas do seRepública Oriental do Uruguai, 150 tor. "Os conceitos devem ser discutidos questionários foram aplicados em Monnum marco teórico mais amplo", obtevidéu e, na Espanha, 150 pessoas foserva Polino, diretor do Centro de Esram consultadas em Salamanca e Vallatudos sobre Ciência, Desenvolvimento dolid, num trabalho coordenado por e Educação Superior da Argentina. Miguel Ángel Quintanilla, da UniversiEm termos práticos, os integrantes dade de Salamanca. Nesses dois países a do projeto já vêm realizando uma série pesquisa foi realizada entre fevereiro e alentada de estudos, que incluem a remarço de 2003. visão teórica dos conceitos ligados à Em todos os casos, a magnitude da cultura científica e ao desenvolvimento amostra foi determinada por critérios dos indicadores de percepção, ao mesde consistência para a análise dos inmo tempo que procuram adensar a rede dicadores empregados. Dos quatro núde grupos de pesquisa e instituições ciedade quanto à situação social histórica e concreta destas".

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Primeira amostra do Brasil


(46,7%) e alto, em relação aos demais países, o percentual dos que não sabem responder à questão uais das seguintes frases você acha que melhor (11,3%). expressam a idéia de ciência? (%) Nas questões que tentam captar a representação 70 da ciência em relação com Grandes descobertas a sociedade e a vida cotidiana, chama a atenção a Avanço técnico indicação de que ela não é Melhoria da vida humana considerada um domínio exclusivo de mentes ilumiCompreensão do mundo natural nadas. A maior parte dos brasileiros (64,8%), uruDomínio da natureza guaios (56%) e espanhóis Transformação acelerada (54%) entrevistados discorda da afirmação de que Perigo de descontrole "o mundo da ciência não pode ser compreendido Concentração de poder pelas pessoas comuns". Já os Idéias que poucos entendem argentinos, em sua maioria (60,5%), consideram o disOutras curso da ciência inacessível. Ainda no mesmo camArgentina Brasil Espanha Uruguai po de questões, 67% dos entrevistados pensam que : Uma vez que os entrevistados podiam escolher duas frases da lista apresentada, a soma das porcentagens supera os 100%. a ciência e a tecnologia se preocupam com os problemas da população e 60% deles, em média, avaliaram a ciência como um fator de racionalidavistados nos quatro países (77% na mécleos de questões - imaginário social, de da cultura humana, considerando dia e, no Brasil, 76,5%) com a afirmacompreensão de conteúdos de conhecique, se descuidarmos dela, "nossa socieção de que a principal causa da melhoria mento científico, processos de comunidade será cada vez mais irracional". Em, da qualidade de vida da humanidade cação social da ciência e Participação síntese, conclui a pesquisa, embora haja é o avanço da ciência e da tecnologia. Cidadã em questões de ciência e tecnouma boa parcela que vê a ciência como Mas seguramente não se toma a ciência logia -, o primeiro foi o mais extenso. E um conhecimento de difícil acesso para como uma espécie de panacéia univero conjunto de indicadores aí incluídos as pessoas comuns, a atividade científisal, tanto que a grande maioria dos enpretende refletir, além das imagens que ca está integrada na sociedade, "como trevistados discorda da afirmação de se têm da ciência, as idéias sobre sua componente da cultura, como fonte de que a ciência e a tecnologia podem reutilidade, a valoração do conhecimento conhecimento útil ou como produção solver todos os problemas (82,7% no científico, a representação da ciência de saber orientado para os problemas Brasil, 85,4% na Argentina, 82% na Esem sua relação com a sociedade e a vida da população". panha e 93,3% no Uruguai). cotidiana, os riscos que se associam à Quando convidados a refletir sobre produção científica, a imagem dos próos riscos decorrentes da pesquisa cienEntre as indagações voltadas prios cientistas e a visão sobre o desentífica, os entrevistados demonstram para a representação da ciênvolvimento da ciência local. graus bem variados de preocupação cia como fonte de conheciNa questão específica sobre o que com o tema. Entre os brasileiros, 42,6% mento ou lugar da verdade, melhor expressa a idéia de ciência (ver entendem que o desenvolvimento da procura-se compará-la, por gráfico acima), embora, como dito anciência traz problemas para a sociedaexemplo, com a religião. O problema é tes, nos quatro países investigados três de, proporção que se eleva para 47% apresentado por uma afirmação, "atriassociações predominem (grandes desentre os argentinos. Mas a preocupabuímos excessiva verdade à ciência e cobertas, avanço tecnológico e melhoção nesse sentido é muito mais forte pouca à fé religiosa", com a qual os ria da vida humana), no Brasil, espeentre os espanhóis (56% da amostra) e entrevistados devem concordar ou discificamente, é a visão da ciência como os uruguaios (58%). Para quem vê procordar. A concordância das pessoas oufonte de benefícios para a vida do ser blemas, os mais citados são a "utilizavidas no Brasil é da ordem de 70,4%, humano que conquista a maior adesão ção do conhecimento para a guerra", no Uruguai, de 57,3% e na Argenti(46,9% dos entrevistados). Um outro seguido da "maior concentração de pona, de 53,3%, enquanto na Espanha é indicador da imagem positiva da ciênder e riqueza". Nos quatro países, no enmaior o percentual dos que discordam cia é a elevada concordância dos entre-

Imagem da Ciência

I

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tanto, poucos são os que têm dúvidas de que os benefícios da ciência e da tecnologia são maiores do que seus efeitos negativos. Na média, 74,3% acham o inverso.

Informação Científica . ... .:...;:■ ;;:"-;-

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Confiança para receber informações sobre biotecnologia? (%)

pe percepção

A A

do público sobre ciência e tecnologia, destaca a pesquisa, não necessariamente está em consonância com a imagem dos cientistas e tecnológos. A idéia da ciência como fonte de racionalidade pode se articular com uma visão de cientistas movidos por interesses particulares e irracionais. Do mesmo modo, a visão da ciência como fonte de riscos pode se combinar com uma boa imagem dos cientistas, que seriam orientados por valores positivos. Assim, a "vocação para o conhecimento" foi apontada - com larga margem de diferença em relação às outras alternativas - como o principal fator que os motiva a se dedicarem à pesquisa. Uma eventual disposição humanitária - "resolver os problemas da população" aparece em segundo lugar e a "conquista do poder", "dinheiro" ou "prestígio" foram consideradas motivações menos relevantes. Ainda assim, uma fração importante dos entrevistados não pensa que essas qualidades lhes garanta idoneidade para orientar a ciência como instrumento do desenvolvimento. E mais: apesar de apoiar a autonomia na investigação, para os entrevistados, a função política de decidir o que investigar ultrapassa a competência dos pesquisadores. A pesquisa, tampouco, deve ser controlada pelas empresas, na opinião da maioria dos entrevistados. Apenas no Brasil, a amostra está dividida em relação a esta questão: 48,2% não vêem qualquer problema na apropriação privada no conhecimento. Otimismo brasileiro - A idéia predominante a respeito da existência de ciência e tecnologia em cada um dos países pes20 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PES0.UISA FAPESP 95

39,5

Cientista universitário

1

33,1

1

42,3 48,7

i

Organizações de defesa do meio ambiente

28,0

1

14,8 31,3

1

_.14,6

Engenheiro c

Jornalista

,7

|0,9 |2,0 10,7 ■17 0 ■ 17 ,9

Outros |

27,4

8,6

Argentina

Brasil

Espanhal

Uruguai

Nota: Os dados são calculados sobre o total de respostas para cada categoria.

quisados é de que há "um pouco de ciência e tecnologia em algumas áreas" {ver gráfico na página 21). O Uruguai, aliás, foi o país em que esta afirmação obteve o maior percentual de respostas: 80%. "No Uruguai, ciência e tecnologia têm pouco peso na economia", diz Arocena. Merece destaque, sem dúvida, o otimismo da amostra brasileira em relação ao conhecimento produzido no país: as alternativas que identificam a ciência nacional como "bastante desenvolvidas" e "muito desenvolvidas" obtiveram, respectivamente, 25% e 18% das respostas. Os pesquisadores também trataram de avaliar a visão do público sobre o financiamento estatal à ciência e tecnologia. E a opinião predominante verificada foi de que é insuficiente o apoio oficial, o que se configura como um dos principais fatores de inibição de um "maior desenvolvimento científico e tecnológico" em cada um dos países. No entanto, nesse item, outra vez a percepção dos brasileiros é mais otimista: 27,8% dos entrevistados pensam que o financiamento estatal é "razoavelmente suficiente", contra 3,3% dos argentinos

que o classificaram assim, 13,3% dos espanhóis e 9,3% dos uruguaios. E mais: enquanto a falta de interesse dos empresários aparece quase marginalmente entre os fatores que impedem um maior desenvolvimento científico e tecnológico para argentinos e espanhóis (os uruguaios não tiveram essa questão), para 17,3% dos brasileiros essa é uma causa que se deve considerar. Para finalizar nessa tecla do otimismo nacional, enquanto 66% dos uruguaios, 59,4% dos argentinos e 43,2% dos espanhóis ressaltam a carência da difusão social dos resultados das práticas científicas, nada menos que 54,9% dos brasileiros, na contramão, enfatizam exatamente a aplicação prática do conhecimento como um traço positivo do sistema científico do país. Acerto surpreendente - No conjunto de questões relativas à compreensão de conteúdos de conhecimento científico - em que os entrevistados deveriam assinalar se as afirmações eram verdadeiras, falsas ou declarar ignorância sobre o assunto - em geral o índice de acerto foi bastante alto, certamente em função


rou que apenas em algumas situações os cientistas "usam uma linguagem complicada e de difícil compreensão" (a opção foi escolhida por ciência e tecnologia no país? (%) 74,1% dos argentinos, 56,8% dos brasileiros, 79,1% dos 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 espanhóis e 58,7% dos uruguaios). No entanto, quando o assunto é biotecnologia e energia nuclear, a confiança HBBBBBBI na fonte de informação se ■H | divide entre cientistas unii versitários e organizações ^B não-governamentais (ONGs) f de defesa do meio ambienL te. Os brasileiros, aliás, confiam mais nas ONGs am~"' bientalistas. Questão para pensar é a credibilidade muito secundária dos jornalistas: só 5,2% dos brasileiros os escolheram entre as fontes em que confiam Argentina Brasil Espanha Uruguai para receber informação sobre energia nuclear. Pior é sua credibilidade entre os argentinos (só 1,9% os escolheu), espanhóis (1,3%) e uruguaios (2% da amostra). A confianequilibradamente, as opções "regular" e ça nos jornalistas é ainda mais baixa "nunca". Na Argentina, chama a atenquando a informação é relativa a bioção a resposta de 41% dos consultados, tecnologia: só 0,9% dos argentinos, que afirmaram nunca ter tido qualquer 2% dos brasileiros, 0,7% dos espanhóis contato com revistas de divulgação ciene 2,7% dos uruguaios os consideraram tífica, contra 23,5% dos brasileiros que dignos de confiança. escolheram essa opção, 20,7% dos espaA pesquisa elegeu situações de nhóis e 28,7% dos uruguaios. controvérsia - como a questão dos O questionário também procurou resíduos nucleares, organismos geneidentificar os valores que os entrevistados ticamente modificados, contaminação atribuem a cientistas e jornalistas, enindustrial, entre outros - para identifiquanto agentes relevantes da comunicar experiências de participação efetiva cação pública da ciência. A respeito da do público. Constatou-se que a maioria clareza da divulgação, por exemplo, a absoluta dos entrevistados não tem dúgrande maioria das respostas considevidas de que é "importante" participar desses debates, preferencialmente em grupos. Mas grande parte revelou ter participado apenas de manifestações públicas em relação a esses temas ou de coleta de assinaturas. O projeto da OEI e da Rycit entra agora em nova etapa, com o aprofundamento da avaliação dos resultados da pesquisa e dos instrumentos de coleta de informações. A rede ibero-americana também será reforçada com a incorporação de novos grupos ao projeto dos indicadores e de novas investigações que vão se valer de distintas estratégias, adiantam Carlos Vogt e Polino. •

Produção Local Você acredita que existe

Um pouco de ciência e tecnologia em algumas áreas Rastante desenvolvidas

_.

...

...

bim, muito aesenvoivmas

Não existem

do nível de escolaridade dos entrevistados. Registraram-se, contudo, variações consideráveis desse índice na dependência do campo de conhecimento tratado. Assim, ele foi de 82,5% nas perguntas relativas a geologia e a astronomia, enquanto em física ficou em 61%. Foi relativamente baixo nas questões ligadas a bioquímica e a engenharia genética (62,8%) e mais alto nas perguntas ligadas à evolução biológica (74%). Observouse também que questões que costumam mobilizar ações coletivas, como transgênicos, clonagem ou radioatividade, não apresentam níveis de compreensão maiores do que outros temas. No núcleo de questões relativas a processos de comunicação social da ciência, a maioria dos entrevistados na Argentina (80%), Brasil (71%) e Espanha (67%) se considerou "pouco informada" e "nada informada". Só entre os uruguaios uma alta porcentagem (50%) se considerou "bastante informada". O consumo de informações científicas, seja por meio da televisão, de jornais ou de revistas de divulgação científica, é majoritariamente ocasional na Argentina, no Brasil e na Espanha. No Uruguai, as respostas sobre freqüência do consumo em jornais contemplaram,

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■ POLíTICA CIENTIFICA E TECNOLóGICA

ENTREVISTA: OTÁVIO FRIAS FILHO

Uma porta de entrada para novos leitores de jornal O diretor de redação da Folha de S.Paulo explica por que o interesse jornalístico pela ciência tende a aumentar

MARILUCE MOURA

Otávio Frias Filho, 46 anos, jornalista desde os 17, é formado em Direito e tem pós-graduação em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP). Declara-se com modéstia um autor bissexto, mas, além das peças de teatro que publicou, algumas já encenadas, e de um livro reunindo artigos originalmente feitos para jornal, lançado há dois anos, faz parte agora dessa produção literária que ele minimiza um livro de reportagens ensaísticas, Queda livre - ensaios de risco, lançado recentemente e, aliás, festejado pela crítica especializada. Mas Frias Filho, o Otavinho, como o chamam, até para diferenciá-lo do pai, Octávio Frias de Oliveira, o empresário que comprou a Folha de S.Paulo em 1962, é, acima de tudo, um dirigente de jornal, mais precisamente do maior jornal do país. E foi nesta condição que lhe solicitei uma entrevista, em julho de 2003, de grande interesse para minha tese de doutorado sobre o lugar que ocupam a ciência e a tecnologia no pensamento e nas atividades práticas das elites brasüeiras - que se tornaria visível, entre outras fontes, pelos discursos da mídia. Poucos meses antes, com o mesmo objetivo, eu entrevistara Octávio Frias, o pai. Quando foi decidido que uma pesquisa sobre percepção pública da ciência seria objeto da reportagem de capa da presente edição de Pesquisa 22 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

FAPESP, entendemos que as entrevistas dos dois Frias poderiam enriquecê-la bastante, ao mostrar as visões sobre jornalismo & ciência de pessoas que, de formas diferentes, contribuíram e contribuem para a difusão dos assuntos científicos no país. Não havia espaço para as duas entrevistas e, por isso, publicamos, por ora, trechos da entrevista de Otávio Frias Filho, naturalmente com sua autorização, para usá-la com objetivo diverso daquele que foi declarado no tempo em que foi concedida. No texto a seguir, ele fala de jornalismo científico, mas dá também suas visões sobre o jornalismo em geral, o que nos parece informação relevante para o leitor da revista. ■ No nosso mundo contemporâneo, tão marcado pelos fluxos de informação em escala global e pelo predomínio da imagem na formação da opinião pública, que lugar resta para o jornalismo impresso? — A premissa é essa mesma da sua pergunta e acho que isso coloca um problema para as pessoas que lidam profissionalmente com o texto. Esta é uma civilização em que a imagem predomina cada vez mais, e todas as pesquisas mostram, de uma forma ou de outra, num ritmo ou em outro, uma certa decadência do hábito de leitura ou, pelo menos, da leitura convencional, de livros e periódicos. Esse problema existe. E penso


que os jornais não devem voltar as costas para a imagem, como alguns chegaram a fazer durante um tempo. Um exemplo que me vem a mente é o do Le Monde, que durante tantos anos se recusou a ter fotos, e mesmo a utilizar impressão em cores, e acabou cedendo. ■ Se rendendo, não? — Pois é. Acho que é correto até este se render, porque não podemos ignorar a realidade da presença preponderante da imagem, mas, ao mesmo tempo, creio que os jornais devem fortalecer o seu conteúdo em termos de texto. Eles são veículos eminentemente textuais - esta vocação continuará a existir. E há também certas contradições, certas ambigüidades, na idéia de que as imagens tenham avançado sobre o texto. Tomemos, por exemplo o fenômeno da Internet, tão discutido hoje em dia: muitos analistas consideram que a Internet está patrocinando um renascimento do hábito de leitura, que as pessoas voltam a escre-

ver e a ler com uma freqüência que não ocorria anteriormente. Mas concordo que a tendência geral é de preponderância da imagem, que não vai ser revertida, portanto os jornais têm que, em parte, se adaptar a essa realidade, e, em parte, se contrapor a ela, se afirmando como veículo com uma certa densidade textual, com uma certa capacidade de elaboração. Embora a superficialidade dos jornais de informação geral seja notória, acho que eles respondem por uma certa tradição de elaboração de narrativa textual que é importante e deve continuar viva. ■ Em relação a esse debatido papel da Internet no renascimento do hábito da leitura e da escrita, não se trata aí de um outro tipo de leitura, longe do que pensamos ao usar essa palavra em termos mais tradicionais? O texto na Internet é muito telegráfico, muito pouco argumentativo. — Concordo, embora eu faça uma ressalva, a saber: que a Internet propicia um sem-número de leituras, de tipos e modalidades de leituras. Por exemplo, se você quiser pesquisar sobre [o filósofo] Martin Heidegger na Internet, poderá fazê-lo PESQUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 23


durante semanas, talvez meses, vai ler uma quantidade monumental de textos. Então, ela permite também esse tipo de aprofundamento de uma maneira que talvez nenhuma outra mídia permita, dado o acúmulo virtualmente infinito de dados que possibilita. Mas, de modo geral, o tipo de leitura e de redação que a Internet, um meio interativo, estimula é fragmentário, passageiro, superficial, incompleto, muito desatento em relação à norma culta. Hoje está ficando cada vez mais claro que a linguagem dos boletins on line, por exemplo, saudados como um passo importante de modernização das comunicações, se assemelha muito à linguagem de um veículo bastante tradicional em termos de mídia, que é o rádio. ■ Então haveria ainda um papel a ser cumprido pelo jornal diário entre as instâncias de articulação social e política da sociedade. Como é a sua visão disso? — Vou comentar esse ponto, mas antes vou fazer uma consideração sobre um ponto paralelo, que é o seguinte: na Folha fazemos uma análise de que, por parte de um contingente grande de pessoas, continua e continuará havendo a demanda por um panorama noticioso que reflita o que aconteceu de essencial nas últimas 24 horas. Entendemos que é esse ritmo de 24 horas e não o suporte - que pode ser tanto o papel quanto a tela - que define o jornal. Consideramos que essa necessidade até se acentua, na medida em que existe uma oferta muito grande, inassimilável de informação, com níveis de credibilidade muito díspares. Temos na Internet desde sites muito autorizados do ponto de vista conceituai, intelectual etc. até aqueles extremamente irresponsáveis. Então, a idéia de que os jornais tradicionais, seja no velho ou no novo suporte, sirvam como uma espécie de âncora, de referência informativa no meio dessa balbúrdia, dessa cacofonia noticiosa, é até uma oportunidade interessante a ser explorada pelos jornais. Quanto ao outro aspecto, do ponto de vista político me parece que o jornalismo já teve uma influência muito maior do que tem hoje. Os jornais já foram entes muito mais políticos, inclusive muito mais partidarizados, mas acho que ele continua a desempenhar um certo papel, em termos de articulação da política, articulação da econo24 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

mia etc. Continuam sendo não só um centro de debate público que envolve todas as elites da sociedade, quer dizer, a elite empresarial, a elite intelectual, a elite sindical, a elite política etc, mas um veículo que forma e desfaz certos consensos. ■ Ao falar do envolvimento das elites chegamos à questão de a quem se destina o jornal. Essa questão não é ela própria definidora da diferença do jornal em relação a outros meios? Quero dizer, o jornal segue como um meio que visa essas elites, enquanto o papel de grande veículo de massas já teria sido deixado há 50 anos para a televisão e o rádio. — Concordo totalmente. Acho que é isso mesmo que define cada vez mais a vocação dos jornais. Isso ocorre nos países desenvolvidos e, de uma maneira muito mais acentuada, muito mais excludente, em países pobres como o nosso, onde essas elites representam um percentual muito menor do conjunto da população. Mas, num caso ou noutro, o consumidor da mercadoria jornal é um indivíduo que tem certas expectativas e certas exigências em termos intelectuais, que estão num patamar um pouco acima da sociedade como um todo. É um fato, não há o que discutir, que já se cristalizou há 50 anos essa distinção entre aquele que é o veículo de informação de massa, a televisão e o veículo de informação do conjunto das elites, que é o jornal. ■ Sobre o suporte do jornal, sua expectativa é de que o papel seja totalmente descartado mais adiante? — Não sei responder a essa pergunta. Acho difícil que alguém saiba respondê-la de maneira categórica, porque as coisas ainda estão ocorrendo e não existe ainda uma perspectiva nítida que permita fazer uma previsão. A minha impressão pessoal é de que os dois suportes provavelmente vão conviver por alguns anos, talvez por muitos anos, e não excluo a possibilidade de que o suporte papel venha a existir para sempre. ■ O jornalismo impresso, hoje, sobretudo se o pensarmos a partir das reportagens, de cidade, ciência, polícia etc, não se configuraria ainda e de uma certa maneira como uma das narrativas mais importantes da cultura contemporânea? Afinal, mais que a Internet, ele nos traz

histórias e enredos que vão se desdobrando, cheios de antes e depois, com clímax e finais felizes ou dramáticos e, nessa medida, vai apresentando o mundo, dia após dia, de uma maneira que lhe é muito própria. — É, existe uma grande discussão sobre o jornalismo no ambiente jornalístico brasileiro hoje. Existe também dentro da Folha discussões sobre os padrões de texto jornalístico, noticioso. À semelhança da grande maioria dos jornais noticiosos da tradição brasileira, que é uma tradição que sofreu muita influência da imprensa norte-americana, a Folha adota um texto que se propõe a ser objetivo. Quer dizer, sabemos que não existe objetividade em termos absolutos, neutralidade e tal, mas esses jornais se propõem a ter um texto que se aproxime tanto quanto possível do modelo de um relato objetivo dos fatos. Então, há uma série de normas que circunscrevem a liberdade estilística do autor, há uma série de perguntas a que o texto jornalístico necessariamente deve responder, enfim, há todo um arcabouço que limita a latitude de escolhas do autor do texto, com base na idéia de que essa limitação garantirá um padrão mais objetivo de relato. A Folha preza muito esse padrão. Eu diria que ela o reacentuou nos anos 1980, e o vem abrandando um pouco nos últimos 10 ou 15 anos. A minha visão pessoal sobre isso é de que existe um certo movimento pendular na tradição de um jornal. Certos veículos engessam de tal maneira o seu texto, que é saudável que haja um movimento para flexibilizá-lo, para permitir um pouco mais de liberdade pessoal porque esse engessamento excessivo acaba matando a própria criatividade. Por outro lado, acho que não se deve perder um certo padrão objetivo de texto como referência, porque devido à influência que os jornais exercem hoje, atingindo públicos que são muito numerosos e muito heterogêneos, seria um erro que adotassem uma liberdade que acabasse desfigurando um certo discurso unitário do jornal, pelo menos do ponto de vista noticioso. Penso que estamos transitando para um texto mais flexível, muitas pessoas advogam a idéia de que os jornais, até para fazer frente aos veículos de informação em tempo real e à televisão - por vezes esquecemos, mas a televisão é um veículo de informação


em tempo real -, deviam adotar um padrão de texto mais flexível. ■ Quase literário? — Quase literário, há quem advogue que permitisse um certo aprofundamento, uma diferenciação em relação ao que a televisão e os boletins on line já fazem. Admito essa idéia em parte, porque eu acho muito importante que os jornais não percam um padrão de referência textual básico, que contenha normas que visem contribuir para a objetividade do relato. A minha posição seria, digamos, intermediária. Existem nichos de grande liberdade estilística na Folha, nos textos assinados e sobretudo nas colunas. Exemplo mais notório, talvez, nesses últimos anos, seja o do Zé Simão, que criou um estilo de humorismo. Eu costumo às vezes associá-lo ao Juó Bananere, o cronista da imprensa paulistana no começo do século. Vejo certas semelhanças no uso do humor, no coloquialismo etc. Então existem, sim, nichos de grande vitalidade, eu diria, de criatividade estilística. Mas eu sou muito cético em relação a algumas experiências formais radicais da imprensa brasileira, porque acho que um texto resultará tanto mais bem escrito quanto maiores forem os obstáculos e as adversidades que tenha que enfrentar. ■ Do ponto de vista do estilo mesmo? — Sim, mesmo do ponto vista do estilo. Imagine a quantidade de condicionamentos, de imposições e até de regras íntimas, digamos, que um escritor como Flaubert impunha ao seu texto. E talvez seja consenso hoje que ninguém escrevia com tal requinte, com tal perfeição literária quanto Flaubert. Mas não estou exigindo que nós jornalistas sejamos cada um um Gustave Flaubert, é óbvio. É apenas um exemplo de que, às vezes, o melhor dos textos tem a ver justamente com disciplina e sujeição a uma série de regras, normas e constrangimentos. Aliás, eu me referi anteriormente à imprensa norte-americana, dizendo que ela vem exercendo uma influência hegemônica na imprensa brasileira, pelo menos dos anos 1950 pra cá, e esqueci de mencionar que a tradição da imprensa européia naturalmente é outra, de muito mais liberdade não só na escolha dos temas pautados, como também e sobretudo no

tividade e a inventividade, sobretudo de pessoas mais novas, de gerações mais novas, que chegam ao jornal. Os limites dessa política ficaram claros e ela sofreu correções importantes.

tratamento estilístico das reportagens. Existem de fato esses dois modelos. ■ Sua participação nesse processo de definições da política editorial da Folha vem desde os anos 1980? — Com responsabilidades executivas, desde 1984. Como participante das discussões desde 1976,1977. Nos anos 1990 houve uma correção de rumos e nós, eu próprio, acabamos concluindo que, embora verdadeiras, as idéias do jornalismo como uma profissão normatizável, e do jornal como um produto industrial, comportam limites. Ou seja, é importante normatizar, porque isso corresponde a um desenvolvimento técnico da profissão e do saber jornalístico, é importante ter o jornal como um produto industrial de mercado, mas eu relativizaria isso, no sentido de que esse produto associa aspectos da fábrica com aspectos do ateliê, e estes são inerradicáveis em nossa atividade. ■ Isso porque está ligado a um fazer intelectual humano? — Porque está ligado a um fazer intelectual humano e porque não se trata de uma ciência exata. Então os limites da normatização aparecem mais cedo ou mais tarde. Ela acaba burocratizando, como aconteceu na Folha, acaba fossilizando o texto, como também aconteceu aqui, acaba matando a cria-

■ Existe alguma relação entre o projeto editorial apresentado aos leitores e o desempenho comercial do jornal? — No caso da Folha houve uma trajetória de crescimento da circulação ao longo dos anos 1980, num padrão ascendente mais ou menos constante. Nos anos 1990, houve um crescimento já em escala geométrica da circulação, a partir de 1993, 1994, quando a Folha e outros jornais passaram a adotar uma política de promoção, ou seja, de vincular outros produtos à compra do exemplar: brindes, enciclopédias, volume disso, atlas daquilo, e tal. Com isso houve realmente um boom na circulação de jornais, e o apogeu se deu aí por 1995, 1996, e a partir de 1997 começou a haver uma queda, a meu ver porque a política de promoções se esgotou, se exauriu, mas também porque a economia está crescendo muito pouco nos últimos anos e as pessoas estão sem dinheiro. Além disso, os jornais estão passando por uma crise muito forte na condição de empresas de mídia, e essa crise está determinando que cortem investimentos, devastem seus orçamentos, apliquem uma política feroz de contenção de despesas etc. Então os veículos perdem capacidade de agressão, de presença no mercado. Isso vale para a Folha e vale também para os outros jornais de informação geral de grande porte, como O Globo ou O Estado de S.Paulo. Nos últimos 30 anos não há registro de uma crise tão forte como a atual, atingindo o setor de mídia no mundo e no Brasil. ■ Quais são os números de circulação dos grandes jornais brasileiros hoje? — A Folha continua sendo, em julho de 2003, o jornal diário com mais circulação no Brasil. Temos uma superioridade média em termos de circulação de cerca de 30% sobre O Estado de S.Paulo, e de cerca de 25% sobre o jornal O Globo. Em números aproximados, estamos hoje num patamar de circulação média próximo àquele em que estávamos no começo dos anos 1990, ou seja, por volta de 350 mil exemplares diários. No boom da política de promoPESQUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 25


ções e fascículos, a circulação média do jornal chegou a 1 milhão de exemplares, havendo domingos em que se atingiram cifras recordes de 1,5 milhão de exemplares. Quer dizer, a curva de circulação da Folha e dos grandes jornais em geral, porque todos passaram por processos semelhantes, descreve uma parábola ao longo dos anos 1990. Mas sobre circulação tem um aspecto que eu acho importante mencionar, nesse contexto, que é o seguinte: normalmente as pessoas tendem a vincular circulação ao conteúdo editorial. A minha experiência tem demonstrado à saciedade que o conteúdo editorial é um dos aspectos de peso na formação do fenômeno da circulação dos jornais, mas não é necessariamente o mais importante. Há outros aspectos: preço, qualidade de serviço, atendimento que o assinante recebe, presença na mídia, marketing. E há um quinto aspecto, quase metafísico, que é algo como a imagem que o jornal projeta, a identificação com alguma trajetória de tradição que ele representa. E há um detalhe que acho importante mencionar: num jornal como a Folha, de cada dez leitores, cerca de nove são assinantes. Então, nos grandes jornais, basicamente de assinantes, não é preciso fazer pirotecnias na primeira página para supostamente vender mais. Porque o vínculo com a grande massa de leitores é outro, é um vínculo que implica credibilidade, implica confiabilidade. ■ A crise da atual da imprensa é econômica, e profunda. Quais as suas razões? — Houve nos anos 1990 um primeiro ciclo, com um ambiente de expansão da economia mundial, os anos dourados do Clinton etc. E um segundo ciclo, com um ambiente de retração na economia mundial. No primeiro ciclo havia a idéia de que estava em curso uma revolução tecnológica que afetaria muito profundamente a sociedade em geral, mas especificamente o setor de mídia. Então as empresas embarcaram nessa revolução porque não queriam perder o bonde da história. Investiram muito, diversificaram suas atividades, tomaram empréstimos. Para fazer o quê? A Internet, que antes não existia e hoje reúne 15 milhões de internautas no Brasil. Para fazer a TV a cabo, para criar novos títulos, jornais populares no estilo do Extra, no Rio, revistas co26 ■ JANEIRO DE 2004 • PESQUISA FAPESP 95

mo a Época, jornais econômicos, como o Valor. Com a desvalorização cambial, os preços em dólar foram multiplicados, o que implicou um ônus financeiro gigantesco sobre as empresas. ■ Vamos falar um pouco de ciência? Qual é a sua visão da ciência como objeto da cobertura jornalística? — A Folha tem tradição na cobertura de ciência, não é mesmo? O jornal teve a sorte, ao meu ver, de nos anos 1950 e no começo dos 1960 ter tido José Reis como o responsável pela redação. Ela estava no jornal antes, desde o final dos anos 1940, mas foi diretor de Redação depois. E ele exerceu uma enorme influência, seja no ambiente científico brasileiro, como você sabe muito bem, seja no sentido de constituir no Brasil esse gênero jornalístico, o jornalismo científico, e trazê-lo, de maneira pioneira, para as páginas da Folha. Então nós procuramos sempre manter o jornal pelo menos à altura dessa tradição inaugurada por José Reis, que foi, além de um jornalista muito respeitado, um pesquisador de méritos, sobretudo no começo da carreira, antes de se dedicar mais integralmente ao jornalismo científico. De uma forma mais geral, eu tenho a impressão de que em nossos dias o interesse jornalístico pela ciência tem aumentado e só tenderá a aumentar. ■ Por quê? — Primeiro, porque a ciência exerce uma influência, ainda que indireta, muito grande na vida das pessoas, e não vejo nenhuma razão por que essa influência venha a decrescer. Ao contrário, acho que ela só vai aumentar, vivemos numa civilização técnico-científica. Segundo, porque a ciência passou a ser vista como uma das portas de ingresso do público mais jovem ao hábito de ler jornais. E esse público é um pouco o enfantgatê dos jornais hoje em dia, porque estão todos muito preocupados sobre como garantir novos leitores, como continuar formando leitores. Então, tem esse aspecto de estratégia etária, ou geracional. E em terceiro lugar, eu diria, porque a comunidade científica passou a dar mais importância à divulgação midiática dos seus resultados. E isso passou a funcionar até, numa expressão um pouco dura, talvez, como uma espécie de moeda sonante. Sabemos que recursos e investi-

mentos em determinadas áreas de pesquisa dependem do tipo de repercussão que se tem na mídia. O caso todo do enfrentamento médico da epidemia de Aids é um bom exemplo de como lobbies bem organizados fazem um assunto aparecer com grande visibilidade na mídia, e de como essa visibilidade, por sua vez, justifica também o carreamento de recursos vultosos para o enfrentamento daquela moléstia. Evidentemente não estou criticando que se destinem recursos para o enfrentamento da Aids, ou para a descoberta de uma possível vacina contra ela, mas só assinalando o fato de que moléstias, tão graves quanto ou tão epidêmicas quanto, ou endêmicas, têm muito menos visibilidade. ■ Malária, por exemplo? — Por exemplo. E talvez por essa razão têm menos recursos para pesquisa. Enfim, você conhece bem, melhor do que eu aliás, todo esse problema da política científica e de como a divulgação midiática joga um papel nessa questão de política científica. Mas é um terceiro aspecto pelo qual eu acho que o jornalismo científico tem ganhado presença e mais visibilidade. ■ Há, entre os jornalistas, muita divergência sobre as áreas de afinidades da cobertura de ciência, que normalmente se encontra nas chamadas páginas de Geral. Alguns defendem que ela deveria estar mais ligada à economia e há quem ache que deveria estar ligada à cultura. Qual é a sua opinião? — Acho que ela é uma cobertura muito sui generis. Por quê? Porque desperta, sobretudo em alguns momentos - e é emblemático o caso da ovelha Dolly, por exemplo -, uma curiosidade quase universal. Ao mesmo tempo, ela requer um instrumental de trabalho bastante exigente: exercer a atividade de jornalista como repórter que está cobrindo eventos na cidade exige um tipo de qualificação profissional menor do que aquela exigida para uma pessoa que vai desempenhar seu trabalho como jornalista de ciência, que vai fazer jornalismo científico. ■ Isso até para tentar traduzir o jargão da área para uma linguagem do senso comum, não é? — Exato. E esta é uma área onde deve haver muito cuidado, a meu ver, em


duas direções: primeiro, há que se evitar tanto quanto possível que o jornalismo seja manipulado pelo jogo dos grandes laboratórios, das grandes empresas que sabem que a visibilidade em mídia se traduz em receita. E, ao mesmo tempo, há que se tomar cuidado para que essa cautela não leve o jornalista a "brigar com a notícia", como dizemos em nosso jargão. Por exemplo, no caso do Viagra, eu sei que toda essa enxurrada de noticiário ajuda muito o fabricante. Agora, é um fato extraordinário que não pode ser ignorado pelos jornais. Mas há esse aspecto de tomar cuidado para separar o joio do trigo, ou seja, utilizar os métodos e critérios e jurisprudências da nossa profissão para tentar identificar o que é notícia, ou em que medida um fato é, de fato, notícia, em que medida está sendo manipulado por um fabricante, por um laboratório etc. Essa cautela deve ser permanente no jornalismo científico. E, claro, a cautela também de evitar ceder à tentação de um certo sensacionalismo, porque o jornalismo científico dá ampla margem para todo tipo de sensacionalismo. ■ Como se diz, é possível fazer uma descoberta por dia no jornalismo científico, não na ciência. — Isso, isso. Eu já nem falo, sei lá, das fraudes paleontológicas, ou do monstro do lago Ness, mas sabemos que o sensacionalismo é um elemento que está sempre à espreita nesse tipo de cobertura, e nosso editor de ciência é muito preocupado justamente com esse aspecto de evitar passar a falsa imagem de que por trás de um fato científico de proporções mais ou menos limitadas possa estar um evento extraordinário, sensacional. ■ A minha indagação sobre em que páginas se deve abrigar a cobertura de ciência está ligada à seguinte questão: quase sempre, a tradução do conhecimento científico em tecnologia é que determina as mudanças no nosso cotidiano. Acontece que dificilmente a tecnologia tem o apelo, o charme que a ciência com freqüência apresenta. As notícias de tecnologia em geral estão na economia, longe da ciência. Se as duas estivessem juntas, com o charme da ciência contaminando a tecnologia, o jornalismo não prestaria um melhor serviço de informação para o leitor?

que Cardoso. Eu viajo pouco, acompanho a imprensa internacional muito menos do que seria desejável, por falta de tempo e porque, enfim, o Brasil é um país continental, a realidade nacional pesa muito no nosso cardápio jornalístico.

A cautela deve ser permanente no jornalismo científico

— Bem, eu tenho a impressão de que a cobertura de ciência é muito alheia aos aspectos econômicos da ciência e não sei muito explicar por que isso ocorre. Provavelmente porque os aspectos que despertam aquela curiosidade universal a que me referi antes são mais propriamente científicos. ■ Que talvez estejam mais ligadas ao prazer de conhecer, de descobrir? — Exato. E ligadas muito ao maravilhoso, ao misterioso, ao inesperado. Ao passo que uma cobertura, digamos, mais tecnológica, mais atenta à realidade econômica, ao substrato econômico da ciência, tende a interessar a um público mais restrito. ■ Mas não é um problema, do ponto de vista da organização das notícias no jornal, que a ciência esteja num lugar e a tecnologia esteja noutro? Não seria possível reuni-las? — É verdade, e é uma boa questão. Talvez se devesse pensar em reuni-las. ■ Pensando não só em termos nacionais, mas também internacionalmente, o jornalismo científico tende a ocupar um espaço maior do que já ocupa dentro da mídia? — Não tenho muita condição de julgar, porque eu sou um editor um tanto caipira, como diria o Fernando Henri-

■ Ainda bem. — Pois é. Eu acompanho muito pouco imprensa internacional, nunca tive a ocasião de morar no exterior, então não saberia opinar com base em observação. Mas em termos intuitivos diria que o jornalismo científico só vai crescer em termos de espaço e presença dentro do jornalismo. Porque acho que os temas mais tradicionais do jornalismo, a saber, os temas institucionais, notadamente política e economia, vêm perdendo importância relativa na composição temática dos jornais. ■ Isso é perceptível? — Sem dúvida. Se você pegar um jornal dos anos 1950, comparar o peso relativo dos diversos tipos de noticiário, verá que há muito noticiário político, aquelas longas reportagens mostrando como tinha sido a sessão do Senado na véspera, em detalhes, como tinha transcorrido a sessão da Câmara em detalhes, os despachos do presidente, do ministro etc. Então era muita cobertura política, muito pouca cobertura de economia, ela nem estava organizada enquanto tal, assuntos como educação apareciam de uma maneira muito esporádica, muito desorganizada, mesmo ciência era um noticiário muito incipiente. O cardápio principal dos jornais nos anos 1950 era, portanto, muita política, muito despacho internacional aproveitado das agências, e um certo noticiário desorganizado de comunidade local. Com o tempo, nos anos 1960,1970 e tal, foram se organizando outros gêneros, o próprio jornalismo cultural cresceu muito nos anos 1960, o jornalismo de economia cresceu muito nos anos 1970, o jornalismo de serviços, assim chamado, surgiu, pelo menos no Brasil, nos anos 1970. Então, na composição relativa, política e mesmo economia a meu ver têm perdido espaço para acomodar outros subgêneros que existem, que têm presença hoje na pauta de qualquer jornal. Eu acho que ciência vai crescer pelas razões que já mencionei. • PESQUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 27


I POLíTICA CIENTIFICA E TECNOLóGICA SAÚDE

Novos investimentos Fleury, Sírio-Libanês e Einstein criam institutos de pesquisa TâNIA MARQUES

Hospitais e laboratórios de análises clínicas privados têm investido na criação de institutos de ensino e pesquisa para o desenvolvimento de projetos na área médica. No início de dezembro, o Fleury Centro de Medicina Diagnostica e o Hospital Sírio Libanês passaram a integrar esse grupo que já tinha como integrante pioneiro o Hospital Israelita Albert Einstein. O Instituto Fleury foi criado com o objetivo de ampliar a pesquisa, ações educacionais e responsabilidade social. Com 250 médicos em seu quadro funcional, o Fleury trabalha com 23 pesquisadores em medicina. A cargo de apenas 15 deles havia, no final de 2003, 19 projetos internos, 26 em cooperação com universidades e 19

teses sendo preparadas total ou parcialmente na área técnica do laboratório. O instituto pretende fortalecer as parcerias já existentes entre o laboratório e diversos centros de pesquisa, como a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp), e estabelecer novos acordos. A expectativa é também aumentar o raio de ação dos programas de educação continuada, aperfeiçoamento e especialização que o laboratório mantém há anos, prioritariamente para seu pessoal de nível superior. "Pretendemos oferecer, também, cursos de pós-graduação, que, pelo menos em um primeiro momento, serão realizados nas universidades parceiras", conta Rendrik Franco, um dos diretores do instituto. Segundo Franco, o laboratório investirá R$ 3 milhões por ano no instituto, sem considerar a verba que já há alguns anos destina à pesquisa. "Esses recursos serão dirigidos principalmente para as áreas de educação e responsabilidade social", observa ele. Com a iniciativa, o Fleury pretende, também, aumentar seus investimentos na publicação de textos científicos. "Já lançamos diversos manuais e queremos, agora, editar periódicos e livros", comenta Franco. Ele afirma que as iniciativas do Fleury no desenvolvimento de produtos

Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês: investimentos de R$ 20 milhões 28 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESUUISA FAPESP 95


A meta é ampliar parcerias com universidades e aumentar oferta de cursos de graduação e pós-graduação

e processos e em inovação tecnológica cresceram muito nos últimos dez anos. "Recentemente, percebemos que muitos desses conhecimentos acumulados e já aplicados são passíveis de registro de propriedade intelectual", diz. Massa crítica - O Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo, inaugurou, no início de dezembro, um Instituto de Ensino e Pesquisa, com investimentos de R$ 20 milhões. O instituto aguarda autorização do Ministério da Educação para atuar como instituição de ensino superior e, em breve, oferecerá cursos de pós-graduação lato sensu, com programas de residência médica, especialização, aprimoramento e estágios em diversas especialidades, como estudos da dor, oncologia e videocirurgia. "A idéia é formar massa crítica em pesquisa experimental e clínica para depois oferecer, também, mestrados stricto sensu", diz Roberto de Queiroz Padilha, diretor-executivo do instituto. O Instituto do Hospital Sírio-Libanês conta com seis centros de treinamento com infra-estrutura para pesquisa, ensino e prática de videocirurgia, microcirurgia, artroscopia, simulação de situações críticas, braquiterapia da próstata e emergências cardiovasculares. Também dará continuidade ao trabalho do Centro de Estudos e

Pesquisas do Sírio-Libanês, que desde 1978 promove a educação continuada para médicos e outros profissionais de saúde, realizando jornadas, simpósios, congressos e reuniões científicas sobre os mais variados temas, com destaque para a área de terapia intensiva. "Agora, será possível acompanhar, a partir dos nossos anfiteatros, qualquer procedimento do centro cirúrgico do hospital e dos centros de treinamento", observa Padilha. Pioneiro, o Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein, que nasceu formalmente em 1998, já oferece cursos de graduação em enfermagem e pós-graduação lato sensu em diversas áreas da medicina. "À parte os programas regulares, oferecemos hoje mais de 80 cursos de atualização", diz Carlos Alberto Moreira Filho, coordenador do instituto. "A pesquisa é uma atividade estratégica para o hospital", comenta. O Instituto do Albert Einstein mantém acordos de colaboração com diversas universidades no Brasil e no exterior - USP, Escola Paulista de Medicina e a Cleveland Clinic são alguns exemplos de parceiros. Com um investimento inicial de cerca de R$ 10 milhões, gerou receita de R$ 12 milhões em 2003 e projeta um crescimento de 25% em 2004. Atraiu quase 6 mil alunos em 2003. •

Instituto Fleury: ampliação de projetos de pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico PESQUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 29


I POLíTICA CIENTIFICA E TECNOLóGICA EMPRESAS

Receita para empreendedor Seminário analisa estratégias para o sucesso de negócios de alta tecnologia O sucesso de uma empresa de base tecnológica depende da capacidade empreendedora de seus organizadores e da formação da equipe, que deve contar com um líder carismático e ter pessoas com diferentes tipos de vínculos com a universidade - de professores com dedicação exclusiva a adjuntos -, além de profissionais ligados ao mundo dos negócios. Essa é a receita do empreendedorismo bem-sucedido defendida por Tina Seelig, diretora-executiva do Stanford Technology Ventures Program e da Stanford Entrepreneurship Network. Tina participou da primeira mesa-redonda que debateu o tema Formação em Empreendedorismo para Cientistas e Engenheiros na América Latina, promovida pelo Centro Minerva de Empreendedorismo, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, em dezembro. O evento já havia sido realizado na Europa e na índia. No que se refere aos aspectos estratégicos do empreendedorismo, Valério Veloso, diretor-executivo do Porto Digital, destacou a importância de reunir, nos pólos de negócios, empresas de diferentes portes. E César Simões Salim, que coordena o primeiro centro de empreendedorismo brasileiro, instalado na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) desde 1995, frisou a necessidade da criação de bancos de estudos de casos brasileiros que reflitam a realidade nacional. Também comentou que, diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos, no Brasil os alunos tendem a valorizar pouco a marca 30 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

da universidade em que se graduaram. "Na PUC, criamos o Gávea Angels no final de 2002, para estimular os investimentos de pessoas físicas na criação de empresas inovadoras", contou Salim. "Infelizmente, os resultados não são dignos de comemoração." Obstáculos legais - No Brasil, o conceito de empreendedorismo ainda é pouco conhecido. Fernando Reinach, diretor executivo da Votorantim Ventures, que patrocinou o seminário, e presidente da Allelyx, empresa de biotecno-

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logia, apontou uma dificuldade de prospecção de empreendimentos de alta carga tecnológica com bom potencial para o capital de risco: "Uma empresa que financie um projeto de pesquisa não terá prioridade de direito de uso dos resultados, porque a propriedade intelectual de qualquer tecnologia desenvolvida dentro da universidade é da própria universidade e sua transferência, ao menos em tese, está condicionada a processos licitatórios, o que torna os convênios juridicamente frágeis", disse. Se uma companhia farmacêutica, por exemplo, investir em uma pesquisa realizada na universidade que resulte na cura do câncer e desenvolver produtos com base nela, talvez tenha de enfrentar os advogados dos grandes laboratórios internacionais. A nova versão da Lei de Inovação, que tramita no Congresso, aborda especificamente essa questão e poderia eliminar essa dificuldade apontada por Fernando Reinach. Ele também comentou o fato de os cientistas ligados a universidades e institutos não terem direito de propriedade intelectual sobre suas invenções e descobertas. "Por isso, em vez de tirar idéias da universidade, temos de tirar pessoas da universidade, o que cria certa tensão no relacionamento", diz Reinach. A Votorantim Ventures tem um modelo de investimento de risco compatível com os prazos de retorno e a baixa atividade do mercado de ações no Brasil. Apesar de todos esses problemas, a indicação de que o setor tem um bom potencial de crescimento são os investimentos em programas de inovação tecnológica da FAPESP. •


I CIÊNCIA

LABORATÓRIO

UNDO

Desmatamento: se aumenta 1%, população de insetos transmissores da malária cresce 8%

Portas abertas para os mosquitos Para cada 1% de aumento de área desflorestada, cresce 8% a população dos mosquitos transmissores da malária na Amazônia. Foi um achado da equipe de Jonathan Patz, da Universidade Johns Hopkins, Estados Unidos, que coletou cerca de 15 mil exemplares de mosquitos em uma estrada na selva peruana para contar quantos deles perten-

■ Miniímãs feitos de grafita ultrapura Poucos metais são dotados de magnetismo permanente, a propriedade de atrair minicalendários e telefones de pizzaria para as portas das geladeiras. Depois da descoberta de materiais compostos, mas destituídos de metal, capazes de transformar-se em ímãs a temperaturas próximas de zero, pesquisadores da Universidade de Leipzig, Alemanha,

ciam à espécie Anopheles darlingi, principal transmissor da malária na região. Para chegar a esses números, publicados na Nature de 28 de novembro, os pesquisadores utilizaram imagens de satélites e compararam o número de mosquitos da malária com o nível dos desmatamento causado pelo crescimento de núcleos urbanos e de propriedades

relataram na Physical Review Letters de 28 de novembro a descoberta de magnetismo na grafita comum, condimentada com uma pitada de hidrogênio, e em temperatura ambiente. Se vencer a desconfiança dos céticos, a nova técnica pode levar à obtenção dos menores ímãs já produzidos, com possíveis aplicações em nanoeletrônica e no tratamento do câncer. Os físicos de Leipzig irradiaram grafita ultrapura com um feixe de

32 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

rurais. "O Anopheles darlingi tende a prevalecer sobre os outros mosquitos porque se multiplica em lugares abertos e ensolarados e em água parada", diz Patz. Segundo ele, pode se tornar mais fácil prevenir as doenças à medida que se conhecem as relações entre os danos ambientais e a saúde de seres humanos e animais. Phil Lounibos, da Universidade

prótons, que se alojaram na grafita, distorceram sua estrutura e formaram ligações novas entre carbono e hidrogênio. A grafita irradiada tornou-se magnética em relação a um campo específico e manteve parte desse magnetismo quando o campo foi desmagnetizado. Quanto mais prótons eram acrescentados, maior era o efeito magnético, mas, depois de determinado limite, a imantação diminuía. O efeito é claro, embora ainda

da Flórida, Estados Unidos, concorda que o desmatamento deve levar ao aumento da população do A. darlingi, mas lembra que ele só começou a aparecer na década de 1990, depois do início da criação de peixes na região. "O problema hoje não seria tão grave se essas espécies não tivessem sido trazidas de outros lugares", pondera Lounibos. •

não esteja muito bem explicado. Segundo teorias recentes, o hidrogênio ligado ao carbono pode distorcer a distribuição dos átomos na medida exata para gerar ferromagnetismo. A perda de magnetismo mediante a aplicação de maiores doses de prótons deve a princípio resultar da danificação da estrutura atômica a tal ponto que ficaria difícil obter um alinhamento ordenado dos ímãs atômicos. •


■ Quando 1,23% faz a diferença

Vidro trincado: a fratura depende das áreas de tensão

■ Rachaduras supersônicas Alguns materiais enrijecem sob forte tensão, outros amolecem. Físicos do Instituto Max Planck de Pesquisa de Metais em Stuttgart, na Alemanha, e do Centro de Pesquisa Almaden, da IBM, nos Estados Unidos, entenderam esses mecanismos um pouco melhor. Por meio de simulações moleculares em computador, descobriram que as rachaduras se propagam supersonicamente quando a hiperelasticidade - a elasticidade de máximas tensões predomina em uma área de alta energia próxima à extremidade da rachadura, uma conclusão que ajuda a entender, por exemplo, a dinâmica dos terremotos e o espalhamento de rachaduras nos cascos das aeronaves. Com esse trabalho, apresentado na Nature de 13 de novembro, os físicos encontraram uma lacuna nas teorias sobre a dinâmica das fraturas. Agora se vê a elasticidade dos sólidos como algo dependente de seu estado de deformação. Portanto, os metais enfraquecem ou amolecem e os polímeros enrijecem à medida que se aproximam do estado de falência, quando surgem as fraturas. Ao que parece, a hipe-

relasticidade tem um papel predominante em materiais como os nanofilmes ou sob condições de alto impacto, quando ocorrem tensões maiores. •

Somos 98,77% chimpanzés ou os chimpanzés é que são 98,77% humanos? Uma das notícias derradeiras de 2003 foi o anúncio de que o genoma do Pan troglodytes encontra-se agora alinhado com o do Homo sapiens - e aberto para consulta pública, nos bancos internacionais de genes. Financiado pelo Instituto Nacional de Pesquisa do Genoma Humano (NHGRI), esse trabalho começou em janeiro de 2003, com o material colhido de seis chimpanzés não aparentados, e confirma a estimativa prévia de alta similaridade: as duas espécies têm

98,77% do DNA em comum. As diferenças encontradas no 1,23% restante poderiam explicar por que doenças como Aids, Alzheimer e malária afetam pessoas e chimpanzés de modo diferente. Estudos preliminares feitos com chips de DNA indicam que foram principalmente os genes do cérebro das duas espécies que se diferenciaram: não se notaram diferenças na expressão gênica de outras partes do corpo, como fígado e células brancas do sangue. Os genes do cérebro humano também experimentaram mais mudanças durante a história evolutiva quando comparados com os genes do cérebro de outro mamífero, o camundongo. •

Contando moedas e filhotes As mulheres levam vantagem sobre os homens no raciocínio matemático instantâneo, de acordo com um estudo com 20 mil voluntários organizado na Inglaterra pela University College e pelo centro AtBristol. Para Brian Butterworth, do College, o resultado mostra que o cérebro tem dois mecanismos de processar a matemática: "O primeiro é o raciocínio instantâneo, que ocorre quando vemos três moedas em cima da mesa e tomamos consciência disso sem precisar contá-las, uma habilidade com que todos nascemos. O segundo é a matemática ensinada nas escolas, com operações como soma, subtração e a multiplicação". A experiência consistiu em mostrar aos participantes um número variável de bolinhas e pedir que respondessem

Poder feminino: notáve

quantas podiam ver. A resposta das mulheres era significativamente mais rápida diante de uma a três bolinhas. De quatro a dez, homens e mulheres empatavam. Pode se tratar de uma habilidade bastante disseminada. Já se constatou que abelhas, ratos e leões percebem números e fazem associações do tipo instantâneo. Muitos animais fa-

riam uso dos números também em outras situações, como vigiar filhotes e fugir de predadores. O estudo explica o fato de as meninas serem melhores que os meninos em aritmética nos primeiros anos de escola: os meninos estariam mais sujeitos a uma deficiência denominada discalculia, equivalente à dislexia no caso da linguagem. •

PESQUISA FAPESP 95 • JANEIRO DE 2004 ■ 33


LABORATORI

BRASIL

Venenosas, rápidas e de longas pernas Nem os guias nem os visitantes ligavam para a aranha-marrom (Loxosceles adelaida) das cavernas do Parque Estadual e Turístico do Alto Ribeira (Petar), no sul do Estado de São Paulo - até porque não sabiam de que se tratava de aranhasmarrom. Pequenas - não mais de 2 centímetros -, de pernas longas e finas, ágeis e avessas à luz, pareciam inofensivas. Mas uma equipe do Instituto Butantan descobriu que na entrada, nas fendas, nas paredes internas ou mesmo nas profundezas das cavernas do Petar há, sim, representantes dessa espécie, à qual se deve dar importância porque solta um veneno bastante tóxico, que pode cau-

■ Genoma contra a lagarta da soja Deve terminar este mês o seqüenciamento do genoma do Baculovirus anticarsia, vírus utilizado como substituto dos pesticidas químicos no controle biológico da lagarta-dasoja {Anticarsia gemmatalis), a principal praga das lavouras de soja. Estudado em conjunto por equipes da Universidade de São Paulo (USP), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e das Universidades de Brasília (UnB), Mogi das Cruzes (UMC) e da Flórida, Estados Unidos, o baculovírus é formado por cerca de 110 genes, que integram um genoma

Aranha-marrom: agora também nas cavernas do Petar sar sérias complicações. Pior: a picada é indolor, nem sempre se vê a aranha, que foge com rapidez, e a lesão que causa surge dias depois e pode confundir-se com uma infecção de origem bacteriana, dificultando o tratamento imediato.

com cerca de 133 mil pares de bases, dez vezes maior que o de outros vírus, como os agentes da hepatite C, dengue e Aids (ainda assim, dez vezes menor que um genoma bacteria-

Com apoio do Centro de Toxinologia Aplicada (CAT) do Butantan, uma equipe coordenada por Denise Vilarinho Tambourgi e Rute Maria Gonçalves-de- Andrade elaborou um folheto de orientação, que começou a ser distribuído no dia 17 em

no típico). A essas informações devem-se somar as conclusões da comparação entre as variedades de baculovírus encontradas nas diversas regiões brasileiras, que constitui

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Contra a lagarta-da-soja, baculovírus mais eficazes: alternativa aos agrotóxicos

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34 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

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Iporanga, um dos municípios que formam o Petar, visitado anualmente por cerca de 15 mil pessoas. Recomenda-se, por exemplo, mais atenção ao pôr a mão nas rochas ou ao repor a mochila nas costas. Outra espécie do mesmo gênero, a Loxosceles intermedia é bastante comum na região Sul e pode ser encontrada até mesmo em apartamentos. Estima-se que essas aranhas causem 3 mil acidentes com picadas por ano só no Paraná. Por sorte, outra descoberta importante é que o soro antiaracnídico do Butantan consegue também neutralizar o efeito do veneno da Loxosceles adelaida encontrada nas cavernas do Petar. •

a próxima etapa do trabalho. "Pretendemos entender e controlar a diversidade genética dos baculovírus, em função da resposta de campo, com a maior ou menor mortalidade das lagartas", diz Paolo Zanotto, virologista da USP e coordenador do trabalho. "O baculovírus constitui o maior programa de controle biológico do mundo e uma alternativa importante aos agrotóxicos, sem impacto ambiental." Em paralelo, esse mesmo grupo de pesquisa desenvolveu um vírus recombinante que pode servir de hospedeiro para expressar genes de outros vírus, como o da meningite, para a produção de vacinas ou novas formas de diagnóstico. •


■ Genes ativos em células-tronco

■ Alimentos fora da lei Convém redobrar a atenção na hora de abastecer o carrinho no supermercado. Um estudo realizado pelo laboratório do Instituto Adolfo Lutz em Campinas avaliou 143 amostras de doze tipos de alimentos - palmito em conserva, sorvete em massa, paçoca de amendoim, queijo-de-minas frescal, entre outros - coletadas entre março e julho de 2002 em supermercados de Campinas, Piracicaba e São João da Boa Vista, no interior de São Paulo. O palmito foi o alimento com maior número de amostras em desacordo com a lei. Das 14 embalagens examinadas, cinco não cumpriam as exigências da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ou do Ministério da Agricultura. Das cinco amostras com problemas, duas estavam em soluções menos ácidas do que o estabelecido por lei, condição favorável à proliferação da bactéria Clostridium botulinum, causadora do botulismo, infecção que pode levar à morte. Em outras duas amostras, o palmito apresentava uma aparência diferente da exigida para venda (cilindros inteiros, rodelas ou picado) ou os dados do produtor não apareciam descritos na vrmbalagem. De acordo com a pesquisa, recém-publicada no Boletim do Instituto Adolfo Lutz, foi elevada a taxa de irregularidades entre as amostras de sorvete. Das 15 amostras examinadas, quatro não declaravam no rótulo todos os componentes químicos e uma relatava na embalagem teores de gordura superiores aos que continha na realidade. Quatro das 15 embalagens de paçoquinha continham níveis superiores ao

Sorvetes e palmito: composição indefinida ou malconservados

permitido de uma substância chamada aflatoxina, associada a alergias e intoxicações. Somente as amostras de ovos de galinha, fubá e salsicha foram aprovadas sem problemas. •

■ Novas espécies de árvores na Bocaina A família das Rubiaceae, um grupo de plantas lenhosas de clima tropical com mais de 6 mil espécies descritas, entre elas o cafeeiro, ficou ainda maior. Coletas feitas pelo botânico Mario Gomes, na Serra

do Parati, situada no Parque Nacional da Serra da Bocaina, na divisa dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, resultaram na identificação de quatro novas espécies de árvores ou arbustos dessa família: Coussarea bocainae, Faramea hymenocalyx, Faramea paratiensis e Faramea picinguabae. De porte arbóreo, podendo atingir 7 a 10 metros de altura, a C. bocainae é a maior das novas Rubiaceae, descritas em detalhes por Gomes na edição de julho/setembro da revista Acta Botânica Brasilica. •

Células mesenquimais: uso potencial no reparo do coração

Um grupo de pesquisadores do Centro de Terapia Celular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP), caracterizou o perfil de expressão dos genes humanos num tipo de células-tronco retiradas da medula de adultos, as chamadas células-tronco mesenquimais. Entre os grupos de genes mais ativos, destacaram-se os envolvidos nos processos de adesão e desenvolvimento celulares. O resultado do trabalho parece compatível com o papel tradicionalmente associado às células-tronco mesenquimais. Sabe-se que elas têm a capacidade de se diferenciar em alguns tipos de células maduras, com funções especializadas, que vão dar origem a uma série de distintos tecidos, como ossos, cartilagem, tendões, músculos e gordura. A identificação do padrão de expressão de genes nessas células primordiais extraídas da medula de adultos - sem a necessidade, portanto, de se retirar células-tronco de embriões pode aprimorar as formas de seu cultivo in vitro. O trabalho também deve ajudar a entender por que as célulastronco mesenquimais conseguem se transformar em algumas formas de células maduras, mas não em todas. Uma das possíveis aplicações terapêuticas das células-tronco mesenquimais é na regeneração do músculo cardíaco, que forma o coração. Coordenado por Marco Antônio Zago, da USP de Ribeirão Preto, o estudo dos pesquisadores paulistas foi publicado na edição da novembro da revista Stem Cells, com direito a chamada de capa. •

PESQUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 35


CIÊNCIA

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OCEANOGRAFIA

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Biólogos planejam repovoamento dos recifes de corais, um dos mais ricos ambientes do mundo, ameaçado pela pesca excessiva

■ e a Austrália. I cresçam no litoral brasileiro apenas 15 cias 650 espécies conhecidas cie corais, a taxa de espécies exclusivas do país é elevada: sete delas sc'> sao encontradas por aqui, concentradas em uma área restrita correspondente a 0,4% dos recifes do mundo, de acordo com uma pesquisa concluída recentemente por Rodrigo Leão de

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36 • JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

Espécies únicas - Mesmo nos I res mais preservados como o B; dos AProlhos, rei ciue lica o

('aravelas, Bahia. Estudos publicados na revista Siivnceáe 15 de agosto de 2003 detalham a gravidade da siInação internacional dos recifes de corais, protegidos desde 1975 pela Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas da Flora e da Fauna Silvestres, da qual o israsil signatário, l.m Brasil eésignatário. Em um dos artigos,o DlOlOgO biólogo marinho lerence I lughes, da Universidade james Cook, na Austrália, estima que 30% dos recifes já estejam seriamente danifica dos e outros 60% devam se perder até 2030, por causa de

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Entre uma faxina e outra: o peixe limpador g贸bio-n茅on passeia sobre o coral-estrela-grande


lômetros umas das outras, como na costa da Austrália e no oceano Índico, o branqueamento é um indício da influência das mudanças no clima e do aumento da temperatura dos oceanos sobre os corais. Há evidências de que, em alguns casos, a elevação de apenas 1 grau na temperatura da água já cause a morte ou a expulsão de algas microscópicas (zooxantelas) que vivem no interior dos corais num sistema de interação com benefícios recíprocos: os corais abrigam as zooxantelas e, em troca, essa algas lhes fornecem nutrientes, oxigênio e auxiliam na formação do esqueleto calcário. Mas, quando o ambiente se altera além de um limite, as substâncias produzidas pelas zooxantelas parecem se tornar tóxicas para os corais, que então eliminam as algas responsáveis por suas cores típicas. Em conseqüência, desbotam e podem morrer, dependendo da quantidade de algas que perderem. Os especialistas alertam para o risco de os corais desaparecerem nas próximas décadas caso nada seja feito para conter o aumento da temperatura do planeta, decorrente, em boa parte, da emissão de gás carbônico e de outros poluentes na atmosfera. Na costa brasileira, já se identificou o branqueamento em pontos da costa distantes até 2 mil quilômetros um do outro. A situação mais grave ocorreu em Maracajaú, Rio Grande do Norte, onde 12% das colônias apresentavam manchas brancas, de acordo com esse primeiro levantamento nacional, coordenado por Beatrice Padovani Ferreira, oceanógrafa da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com financiamento do Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira (Probio), do Ministério do Meio Ambiente. O desbotamento dos corais também surgiu, em menor grau, em Abrolhos, no Atol das Rocas, em Fernando de Noronha e na Costa dos Corais - um forte indício de que seja realmente parte de um fenômeno de escala mundial, segundo Beatrice. Apesar dessa suspeita, ainda não 38 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

se conhece ao certo a causa do problema no Brasil. "O branqueamento de corais observado em Abrolhos em 2003 pode estar ligado ao excesso de luz solar", cogita Clovis Barreira e Castro, especialista em corais do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e um dos participantes desse estudo, apresentado em setembro ao Ministério do Meio Ambiente. Castro levanta essa suspeita porque choveu pouco e as águas estavam muito claras a maior parte do tempo durante o ano em que se observou esse episódio de branqueamento dos corais. Peixes desaparecidos - Os efeitos dos danos aos recifes não aparecem somente ao olhar dos especialistas. Surgem também no dia-a-dia, principalmente de quem vive no litoral ou aproveita as férias à beira-mar. Mesmo nos mais refinados restaurantes da praia de Boa Viagem, a mais badalada do Recife, quase não se encontram mais as saborosas postas de garoupa (Epinephelus spp) ou de badejo (Mycteroperca spp). Tradicionais habitantes dos recifes brasileiros, esses peixes e também o mero (Epinephelus itajara) - um peixão castanho com manchas negras, de até 3 metros e 400 quilos, cuja pesca está proibida no país - podem indicar como anda a saúde dos corais. Quando começaram a escassear esses peixes carnívoros como a garoupa, os pescadores passaram a apanhar variedades menores e, mais recentemente, os herbívoros como os budiões (Scarus trispinosus), que não passam de 20 quilos. Vorazes comedores de algas, os budiões começam a substituir tanto a garoupa quanto o mero no cardápio de restaurantes brasileiros, além de serem exportados para a Europa e os Estados Unidos. Com a pesca dos budiões, as algas de que se alimentavam passaram a proliferar livremente sobre os recifes e a ocupar o espaço dos corais. "Essa mudança de espécies preferenciais de pesca começou há cinco anos no litoral baiano e vem se disseminando por todo o Nordeste", afirma Beatrice, uma especialista em dinâmica de populações de peixes. Ela conseguiu mobilizar dez pesquisadores biólogos e oceanógrafos de quatro Estados - Pernambuco, Rio de Janeiro, Bahia e Ceará - que ganharam tempo e fôlego por contarem com o trabalho voluntário de 30 pescadores e

mergulhadores, treinados para ajudar na coleta dos dados, seguindo a metodologia de análise do Reef Check, organização internacional que monitora a saúde dos recifes em 150 países. Foi assim que, durante um tempo relativamente curto - de março de 2002 a março de 2003 -, avaliaram cinco das sete maiores formações de recifes brasileiras, todas na região Nordeste, a única do país com águas rasas e quentes, próprias para o crescimento dos corais. Em grupos de dois ou três mergulhadores, munidos de lápis e pranchetas para escrever embaixo d'água, tomaram nota das espécies de corais, peixes e outros animais marinhos que vivem em 52 áreas amostrais de 400 metros quadrados em Abrolhos, na Bahia; na Costa dos Corais, entre Alagoas e Pernambuco; em Fernando de Noronha, Pernambuco; no Atol das Rocas e em Maracajaú, ambos no Rio Grande do Norte.

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A situação situ mais grave é a dos recifes situados a menos de 1 quilômetro da costa, como na região de Porto de Galinhas, no sul de Pernambuco. "Ali, o estado dos corais nos recifes mais próximos à praia é péssimo", observa o oceanógrafo Jacques Laborei, da Universidade de Marselha, na França, autor de uma das mais completas descrições dos recifes brasileiros, feita no fim dos anos 1960. Em outubro de 2002, Laborei retornou ao Brasil para participar da comemoração do cinqüentenário do Departamento de Oceanografia, que ajudou a criar na UFPE. Não resistiu e, aos 68 anos, mergulhou novamente no mar que percorrera quase quatro décadas atrás. Laborei estimou que próximo às praias ocorreu uma redução de 80% na cobertura de coral dos recifes em relação ao que havia observado 40 anos antes. "Quando os danos são graves, os recifes não são capazes de se recuperar sem ajuda", comenta Castro. É ele quem coordena o projeto de repovoamento dos recifes de corais, em parceria com Débora Pires, também do Museu Nacional, Mauro Maida e Beatrice Ferreira, ambos da UFPE, além de integrantes do Projeto Amiga Tartaruga e do Tamar, destinados à preservação da tartaruga e de ambientes marinhos brasileiros. Na etapa inicial desse projeto, que conta com um fi-


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Branqueamento do estrela-grande: com águas mais quentes, coral expulsa algas, desbota e morre De predador a presa: um piraúna, que começa a desaparecer dos recifes

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nanciamento de R$ 350 mil do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), os pesquisadores trabalharão com as principais espécies responsáveis pela formação dos recifes, como os coraiscérebro do gênero Mussismilia, encontrados apenas no Brasil, o coral-estrela-grande e o coral-cérebro-pequeno (Favia grávida), um globo de cerca de 10 centímetros cuja aparência lembra um cérebro humano. Tanto os corais cérebro quanto o estrela-grande são de fecundação externa: em uma determinada época do ano, liberam gametas masculinos e femininos na água, onde ocorre a fecundação. Os ovos se desenvolvem em larvas microscópicas - as plânulas - que nadam por algum tempo antes de se fixarem nas rochas do fundo do mar e originarem novas colônias. Já o cérebro-pequeno é uma espéRecuperação cie com fecunde peixes dação interna. Uma vez por é rápida mês, os machos em áreas lançam na água suas células resem pesca produtivas, que penetram no corpo das fêmeas e as fertilizam. Em seguida, os corais fêmeas liberam as larvas, que nadam por dois ou três dias antes de se fixarem em rochas e formarem novas colônias.

corais é uma tarefa dos governos, como prevê a Convenção da Biodiversidade, assinada na Rio-92", comenta Castro. "Como sabemos que o governo tem limitações, tentaremos suprir parte dessa necessidade de outra forma."

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as essa nao e a única maneira de evitar o desaparecimento dos recifes. Medidas aparentemente mais simples, como a criação de zonas de proibição de pesca, turismo e extração de outros seres vivos, contribuem, ainda que de modo indireto, para a recuperação dos recifes. É o que revelam estudos do Projeto Recifes Costeiros, programa de preservação dos recifes da Costa dos Corais, coordenado por Mauro Maida, da UFPE. No ramo experimental desse projeto, que conta com a participação do Ibama, dos órgãos estaduais do meio ambiente de Pernambuco e Alagoas, e financiamento de US$ 1,75 milhão do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a equipe de Maida avalia a evolução de duas áreas de 5 quilômetros quadrados cada - uma em Tamandaré e outra em Paripueira -, classificadas por uma portaria do Ibama como zonas de interdição de turismo e pesca. Ao longo de um ano, os pesquisadoras realizaram 43 contagens das esOS PROJETOS

Recrutas ao mar - Ao mesmo tempo, Castro e Débora, que desde 1996 publicam juntos artigos científicos descrevendo a reprodução das espécies da costa brasileira, pretendem desenvolver em um laboratório em Porto Seguro, Bahia, uma técnica de fertilização artificial, destinada a reproduzir em cativeiro corais de fecundação externa, a exemplo do Mussismilia braziliensis, formador de colônias com aspecto de cogumelo gigante, de até 1 metro, encontradas apenas em Abrolhos. "Em um ano, pretendemos levar os primeiros recrutas, os indivíduos formadores das colônias, para os recifes de Porto Seguro", calcula Débora. Se der certo em Porto Seguro, onde os recifes estão mais preservados, os pesquisadores devem partir para o repovoamento de recifes mais danificados, como os da Costa dos Corais. "Cuidar da saúde dos 40 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PES0.UISA FAPESP 95

Monitoramento dos Recifes de Coral do Brasil COORDENADORA BEATRICE PADOVANI FERREIRA

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UFPE INVESTIMENTO

R$ 99.907,00 (Probio) Projeto Coral Vivo COORDENADOR CLOVIS BARREIRA E CASTRO

INVESTIMENTO

R$348.167,00 (FNMA) Projeto Recifes Costeiros COORDENADOR MAURO MAIDA-

UFPE

INVESTIMENTO

US$1,75 milhão (BID)

- UFRJ

pécies de animais marinhos e do número de indivíduos encontrados nas áreas de acesso restrito e compararam com o resultado de 52 levantamentos feitos em duas áreas de recifes nas quais a pesca era permitida. A densidade de peixes, polvos e lagostas no setor demarcado tornou-se quatro vezes superior à observada na área aberta, revela a análise feita por Maida, Beatrice e a ocenógrafa Fabiana Cava. A concentração de peixes, por exemplo, foi de um indivíduo por metro quadrado nas regiões interditadas, enquanto nas zonas abertas havia um peixe em cada 4 metros quadrados. Até espécies raramente vistas em Tamandaré, como os meros, passaram a freqüentar a área sem pescadores. "Notamos ainda uma modificação no comportamento dos peixes, que nesse setor se tornaram menos arredios à nossa presença", diz Fabiana. Os pesquisadores brasileiros não são os únicos a defender essa alternativa para evitar a destruição dos corais. A necessidade de estabelecer zonas de proibição de pesca e extração de seres vivos próximas aos recifes parece ser um consenso internacional, já que a pesca em níveis superiores aos suportados pela natureza é a principal causa da perda dos recifes - estima-se que são extraídas 3,5 toneladas de pescado por quilômetro quadrado de recife por ano no Brasil. "Apesar da severidade da crescente ameaça de poluição, de doenças e de branqueamento dos corais", comenta John Pandolfi, na Science de agosto, "nossos resultados mostram que os ecossistemas dos recifes de corais não sobreviverão mais que umas poucas décadas se não forem imediatamente protegidos da exploração humana." Na mesma edição da revista, Terence Hughes, da Austrália, fez uma projeção para os próximos 50 anos do aumento da temperatura dos oceanos e da elevação da taxa de gás carbônico dissolvido na água do mar, que torna frágil o esqueleto dos corais. Ele concluiu que, se esses problemas continuarem a progredir na taxa atual, os recifes de corais enfrentarão nas próximas cinco décadas uma mudança no ambiente marinho tão rápida quanto a por que passaram nos últimos 500 mil anos. Assim, podem até mesmo desaparecer, caso a taxa de mudança ambiental supere a capacidade de os corais se adaptarem ao novo ambiente. •


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Estudo pioneiro: mergulhadores voluntários avaliam a saúde dos recifes

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CIÊNCIA

ECOLOGIA

Frutos incertos Extrativismo excessivo ameaça sobrevivência dos castanhais da Amazônia

Há décadas a agricultura, a pecuária e as hidrelétricas avançam sobre o espaço das castanheiras, árvores de tronco fino e vasta copa arredondada que podem chegar a 50 metros de altura. Mesmo quando sobrevivem, isoladas, em meio às plantações ou ao pasto, não conseguem mais reproduzir-se e acabam morrendo. Agora, toma forma outro perigo: a superexploração, até mesmo das plantas mais jovens, que ameaça a sobrevivência da espécie e a exploração da castanha-do-pará. "A retirada de quase todas as sementes das castanheiras reduz a probabilidade de surgirem plantas adultas, por si só já bastante pequena", diz a bióloga Cláudia Baider, uma das autoras de um artigo publicado em dezembro na Science com essas conclusões. "A situação é bastante grave", reitera o coordenador do estudo, Carlos Peres, que há oito anos deixou o Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) para se instalar na Universidade de East Anglia, na Inglaterra. "Mas ainda há tempo para reverter as ameaças por causa da longevidade reprodutiva da castanheira, que pode viver mais de 500 anos." Feito a partir dos levantamentos de três castanhais que Cláudia acompanhou em seu doutorado, conduzido sob a orientação de Peres, esse trabalho reuniu equipes da Bolívia, da Holanda, dos Estados Unidos e do Peru - do Brasil, participaram especialistas de duas unidades da Embrapa, do Acre e do Pará, e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), do Amazonas. Após compararem 23 populações de castanheiras (Bertholletia excelsa) da Amazônia brasileira, boliviana e peruana, os pesquisadores concluíram que o extrativismo - normalmente visto como uma atividade econômica de pouco ou nenhum impacto ambiental - alterou a estrutura de idade das árvores: a coleta de castanha foi tão intensa no último século que a reposição das árvores mais antigas pelas jovens não ocorre mais no ritmo desejado, dificultando a sucessão das gerações de castanheiras. 42 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

Um dos riscos apontados nesse estudo é o fenômeno conhecido como colapso demográfico, quando a maioria dos indivíduos de uma população (de plantas ou animais) é velha e não gera mais descendentes. Se o número de jovens diminui de modo constante, a espécie tende a desaparecer pouco a pouco, ao menos na região que ocupa. A maioria das árvores exploradas hoje, lembra Cláudia, é a mesma de muitas décadas atrás. "A maior parte dos castanhais segue para o colapso", diz ela. "Se não fizermos nada e continuar a retirada anual de quase todas as castanhas, ainda haverá o que coletar nos próximos 50 ou cem anos, mas o volume será cada vez menor, o que reduzirá o interesse econômico dessa atividade", alerta. Atualmente, são coletadas 45 mil toneladas de castanhas por ano só na Amazônia brasileira, com uma receita próxima a US$ 30 milhões. Os berçários e a cotia - Segundo Peres, existem alternativas para reverter a situação, como o plantio de mudas cultivadas em berçários nos próprios castanhais, a definição de quotas de sementes a serem colhidas por área, a interrupção temporária da coleta em um castanhal ou o revezamento entre as áreas produtivas. Algo já está sendo feito? "Quase nada", diz ele. "A maioria dos castanhais nativos não é manejada e não há critérios de certificação florestal para estabelecer o que é uma população explorada de modo sustentável." Para assegurar a continuidade da produção e da própria espécie, também é preciso olhar com mais atenção para a cotia {Dasyprocta spp.), que rói a casca dura do fruto da castanheira. Após pelo menos meia hora de esforço, a cotia abre o fruto, come algumas sementes e enterra outras, garantindo alimento no futuro. "Algumas sementes são esquecidas, germinam e crescem", observa Cláudia, que desde agosto de 2003 trabalha no herbário nacional da Ilha Maurício, no meio do oceano Índico. "Mas, como a pressão de coleta de sementes é alta, não sobra muito para as cotias enterrarem." •


Castanheira em um pasto no Acre: risco de colapso demogrรกfico


CIÊNCIA

Grãos da fertilidade leira

descrição detalhada do pólen do pau-brasi

I m suprema delicadeza, a botâLU-brasil - paflareladas, com rante quase seis meses. Comparou amostras colhidas no Ceará, Distrito Federal, Rio de Janeiro e Rio Cirande do Norte, guardadas no herbário do Instituto de Botânica de São Paulo, onde é pesquisadora, e fez a primeira descrição detalhada do pólen da Caesalpinia echinata, árvore nativa da Mata Atlântica que ajudou a dar nome ao país. As informações colhidas, além de auxiliar na identificação estudo comparativo das árvores distribuídas ambientes urbanos. Visto no microscópio óptico, o pólen do pau-brasil exibe-se como uma esfera levemente achatada, com três aberturas, por onde germina o chamado tubo polínico, que

conduz as células masculinas até as células reprodutivas femininas da flor. "As aberturas do pólen do pau-brasil sao estruturas comoutras espécies", diz Angela, autora do estudo publicado na Revista Brasileira de Botânica. A camada externa do pólen apresenta-se em forma de rede, cuja estrutura se torna mais clara no microscópio eletrônico de varredura. Ao redor das aberturas, há uma trama ainda mais fina. O pólen, que contém as células reprodutoras masculinas, encontra-se nas anteras, uma das estruturas de reprodução da flor. Quando conduzido por insetos, pode encontrar outra flor e unir-se às células femininas é quando ocorre a fertilização. Seu estudo faz parte de um projeto amplo coordenado por Rita de Cássia Figueiredo Ribeiro, do Instituto de Botânica, com financiamento da FAPESP, voltado à conservação dessa árvore, ex-


Polén em detalhes

Uma abertura, ampliada 96 vezes *tf

A camada externa (160 vezes)

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A rede da cobertura (5 mil vezes)

Ao lado da abertura (8.250 vezes) PESQUISA FAPESP 95 • JANEIRO DE 2004


I CIÊNCIA PALEOBOTANICA

A flora que veio do frio Interior paulista abriga fósseis de plantas que, há 300 milhões de anos, cresceram ao lado de geleiras

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MARCOS PIVETTA

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Numa tarde de setembro de 1999, a chilena Fresia Ricardi Branco encontrou uma pedra e tanto no meio de seu caminho. Era sábado, dia de folga de suas aulas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e a especialista em plantas fósseis, moradora da cidade de São Paulo, resolvera fazer uma incursão num território bastante familiar: a rodovia dos Bandeirantes, que liga a capital paulista a Campinas, por onde passava três vezes por semana. Ao lado do marido, Fábio Branco, geólogo de profissão, pegara o carro da família e rumara para o trecho em ampliação da Bandeirantes. Por volta das 17h30, estava diante do afloramento acinzentado que, alguns dias antes, avistara rapidamente, mas não tivera tempo de explorar: uma formação rochosa de uns 50 metros de largura por 20 metros de altura que brotara das obras em curso no quilômetro 96 da rodovia. Formado por mais de 20 camadas de siltito, rocha sedimentar de fina granulação, o afloramento abrigava fartos vestígios de pequenos vegetais que se acumularam cerca de 310 milhões de anos atrás, talvez até antes. "Os fósseis eram tantos que não dava para não vê-los", relembra Fresia. "Eram de uma vegetação rasteira, de um ambiente próximo a um glacial, semelhante à atual tundra do norte do Canadá e da Sibéria." Foram 46 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PES0UISA FAPESP 95

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ferentes das condições atuais. A América do Sul, a África, a Antártica, a índia e a Austrália estavam unidas num supercontinente austral, o Gondwana, e suas porções mais meridionais, tomadas por geleiras em grande medida, roçavam as latitudes polares. Enquanto a América do Norte e a Europa estavam mais próximas do Equador e apresentavam um clima mais quente, o Hemisfério Sul vivia, entre 330 e 285 milhões de anos atrás, a sua penúltima grande Era do Gelo. A mais recente glaciação de grande porte, cujos efeitos mais diretos se concentraram no Hemisfério Norte, começou há 2 milhões de anos e terminou há apenas 10 ou 15 mil anos. Mas isso já é outra história. A descoberta de remanescentes de um bioma semelhante à tundra contemporânea às margens do quilômetro 96 da Bandeirantes, em Campinas, ilustra bem os esforços feitos (e os resulta-



dos obtidos) por um grupo de pesquisadores de São Paulo que, durante quatro anos, saiu a campo em busca de fósseis de vegetais aprisionados em sedimentos oriundos da derradeira megaglaciação ocorrida em terras do Gondwana. Em sua procura por mais espécimes de plantas primitivas, os cientistas revisitaram localidades do interior paulista em que já haviam sido exumados fósseis do período glacial, como Monte Mor, Itapeva e Cerquilho, e também identificaram novos afloramentos rochosos com vestígios de plantas da Idade do Gelo em outras cidades - casos de Salto, Tietê e Campinas. O trabalho tinha como objetivo reconstituir a sucessão de floras, de formações vegetais, que prosperaram no Estado de São Paulo em meio às temperaturas freqüentemente negativas vigentes há aproximadamente 300 milhões de anos. "Além de fornecer informações sobre os tipos de plantas que um dia existiram, os fósseis de vegetais ajudam a entender as mudanças climáticas do passado", diz a paleobotânica Mary Elizabeth C. Bernardes de Oliveira, da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Guarulhos (UnG), coordenadora do projeto, que contou com financiamento da FAPESP. Por que realizar o levantamento, do qual a chilena Fresia foi uma das executoras, apenas em São Paulo? A principal razão é de ordem científica. Em solo nacional, essa unidade da federação é a que possui o mais espesso - e temporalmente extenso - registro de sedimentos e fósseis da antiga Era do Gelo austral. Com idade estimada entre 310 e 285 milhões de anos, essas camadas de origem glacial pertencem à bacia do Paraná e receberam o nome de Subgrupo Itararé (veja mapa à página 50 com os sítios estudados no projeto). Dentro desse intervalo de tempo, a antiga tundra campineira parece representar a forma de vegetação mais antiga conservada pelos sedimentos glaciais do Itararé. Em outras três cidades, Monte Mor, Itapeva e Buri - cujos sítios paleobotânicos, conhecidos há décadas, 48 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

foram novamente estudados -, os fósseis encontrados pela equipe de Mary Elizabeth indicam a existência de uma flora diferente e ligeiramente mais nova que a de Campinas. Sua idade é estimada entre 315 e 305 milhões de anos. Entre os vestígios petrificados recuperados pelos pesquisadores, havia sementes e frondes de pteridospermas (vegetais extintos aparentados das atuais samambaias), alguns pinheiros primitivos, folhas e ramos de licófitas e de esfenófitas (plantas que lembram bambus finos) e algumas pro-gimnospermas. Quase tudo de porte arbustivo. Essas plantas fósseis devem ter constituído a flora de um clima mais para o frio ou temperado do que propriamente glacial, típica de uma fase em que as geleiras recuaram um pouco devido à elevação das temperaturas. "Nessas localidades, o Itararé fornece indícios de que houve uma fase interglacial", comenta Mary Elizabeth. Interglacial é o breve momento de clima mais quente

que interrompe o frio quase polar reinante durante uma glaciação. É o fugaz "verão" de uma Idade do Gelo. Pode durar muitos milhares de anos, ou uns poucos milhões. Já a glaciação se prolonga por dezenas de milhões de anos, às vezes até mais de uma centena, sendo de tempos em tempos amenizada por fases interglaciais. Em Monte Mor, Itapeva e Buri, os sedimentos do Itararé incluem finas camadas de carvão resultantes de turfeiras - áreas pantanosas, de transbordamento de rios ou lagos, caracterizadas por intenso acúmulo de restos de vegetais em decomposição. Essa paisagem sedimentar e seus fósseis vegetais são compatíveis com a ocorrência de um interglacial. De acordo com as evidências levantadas pelo projeto, depois da vegetação temperada aprisionada na turfa, ressurge uma formação similar à tundra um indício de que o frio deve ter se tornado agudo novamente e as geleiras voltaram a avançar sobre o continente. Era


tificação dos afloramentos nessas duas cidades, que possibilitou o resgate e o estudo científico das ocorrências de tundras primitivas, só aconteceu porque havia as pessoas certas nos lugares certos. Explica-se: as obras nas rodovias fizeram aparecer apenas durante um breve período, algumas semanas, as rochas sedimentares com os vegetais fósseis. Se os pesquisadores não as tivessem visto, os restos de plantas do passado estariam, agora, de novo, soterrados. Os afloramentos acabaram sendo gramados ao término dos trabalhos de engenharia nas estradas. Rosemarie lembra que sua terceira e última visita ao sítio no entroncamento das rodovias SP 75 e SP 308 não foi uma experiência agradável. Eis o seu relato: "Eu e meus alunos vimos que um trator estava entulhando o afloramento com terra. Coletamos, então, amostras o mais rápido possível, enquanto o veículo se aproximava gradativamente de nós. Não adiantou pedir ao encarregado da obra que o serviço fosse adiado. A empresa tinha um cronograma rígido. As últimas amostras foram coletadas quando o trator estava jogando terra praticamente sobre nós".

o retorno da Idade do Gelo. Esse tipo de registro foi encontrado no município de Salto, num afloramento que, a exemplo do sítio descoberto em Campinas, também veio à tona durante obras em uma estrada. Aliás em duas: no entroncamento da rodovias SP 75 e SP 308. Nesse lugar, a hipótese de que ali um dia prosperou uma vegetação quase polar, composta fundamentalmente de musgos, ganhou mais força depois que os pesquisadores encontraram seixos de origem glacial associados aos finos sedimentos fossilíferos, acumulados num provável lago ou mar glacial. Os seixos foram liberados por icebergs, originados de geleiras, que flutuaram e

se derreteram nesse corpo d'água. "A existência dos seixos junto aos finos sedimentos sugere que as briófitas não viveram muito longe das geleiras", explica a paleobotânica Rosemarie Rohn Davies, do departamento de Geologia Aplicada da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Rio Claro, que descobriu o afloramento saltense com a aluna Márcia E. Longhim. São raros os registros fósseis de vegetação do tipo tundra e os resgatados em Campinas e Salto estão, possivelmente, entre os mais antigos do Gondwana. Sem árvores e com seu subsolo permanentemente congelado, a monótona paisagem horizontal da tundra é o bioma mais frio que existe na Terra. Sua frágil vegetação, em geral musgos, com menos de 10 centímetros de altura e escassos caules anões lenhosos, raramente se conserva nas camadas de rocha. Isso explica a grande dificuldade em localizar musgos primitivos preservados em sedimentos glaciais. A iden-

Se a primitiva tundra fóssil de Salto lembra a de Campinas, até porque os sedimentos de ambos os locais parecem ser provenientes de períodos claramente glaciais, pelo menos uma das formas de plantas encontradas em Cerquilho e Tietê é bem diferente dos vegetais descobertos em outros sítios do Subgrupo Itararé. Nesses dois lugares, em meio a esfenófitas e pro-gimnospermas similares às de Monte Mor e Itapeva, aparecem restos de Glossopteridales, uma ordem extinta de plantas de porte arbóreo, com folhas em formato de espátula, que surgiu no início do período Permiano em terras do Gondwana. A presença dessa forma de vegetal, que se desenvolve em climas mais quentes, permite algumas ilações. Os sedimentos de Cerquilho e Tietê devem ser oriundos de uma fase em que as temperaturas se elevaram de novo. "Nesse momento, possivelmente houve um outro PESQUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 49


A faixa dos fósseis Sítios paleobotânicos do chamado subgrupo Itararé - um pacote de sedimentos de origem glacial, com idade entre 310 e 285 milhões de anos (em amarelo) - preservam plantas fósseis da Idade do Gelo ocorrida no antigo supercontinente austral, o Gondwana

interglacial", afirma Mary Elizabeth. Os pesquisadores estimam que as rochas desses afloramentos tenham uma idade aproximada de 290 milhões de anos. Para Rosemarie, da Unesp, os exemplares de Glossopteridales resgatados às margens do rio Capivari, em Tietê, podem ser os mais antigos de todo o Gondwana. "Suas folhas apresentam indícios de serem mais primitivas do que as ocorrências desse tipo de vegetação descobertas no exterior e mesmo em Cerquilho", diz Rosemarie. Sua teoria se apoia numa característica dos veios foliares das Glossopteridales achadas em Tietê. As folhas não têm um feixe vascular mediano muito desenvolvido, traço normalmente presente em espécimes mais "avançados" desse tipo de vegetal. As Glossopteridales são alvo de intenso debate científico porque seus descendentes, plantas do gênero Glossopteris, formaram a flora dominante em todo o Gondwana por 40 milhões de anos. Tundra em Campinas há 310 milhões de anos. Depois, turfeiras (pântanos) em Monte Mor e Itapeva. Em seguida, tundra, de novo, em Salto. E, por fim, Glossopteridales em Tietê e Cerquilho, 290 milhões de anos atrás. Falando assim, parece que foi simples determinar a sucessão de floras ocorridas no Estado de São Paulo durante a Era do Gelo gonduânica. Na verdade, essa ordem é esquemática, didática, e não tem a pretensão de ser um retrato absolutamente fiel do passado. Algumas dessas floras podem ter coexistido no tem50 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PES0.UISA FAPESP 95

po. A tundra campineira, por exemplo, parece ser mais velha do que o pântano de Monte Mor. Mas isso não que dizer, necessariamente, que a segunda forma de vegetação é a sucessora direta da primeira. "Pode ter havido outros tipos de flora que não ficaram preservados nos sedimentos estudados ou que simplesmente ainda não conseguimos encontrar", pondera Mary Elizabeth. Para determinar, ainda que de forma relativamente incerta, a idade de cada afloramento do Itararé e enriquecer as informações sobre a sua respectiva flora, os cientistas se valeram muitas ve0 PROJETO Levantamento de Composição e Sucessão Paleoflorísticas do Neocarbonífero-Eopermiano (Grupo Tubarão) no Estado de São Paulo MODALIDADE

Projeto Temático COORDENADORA MARY ELIZABETH BERNARDES DE OLIVEIRA - Instituto

de Geociências/USP INVESTIMENTO R$ 238.779,51

zes da palinologia. Trata-se do estudo de fósseis de grãos de pólen, esporos e microalgas preservados nos sedimentos rochosos. Às vezes, tudo o que sobra num sítio paleontológico são esses três elementos, visto que, não raro, as partes maiores dos vegetais não resistem à ação do tempo. Seu tamanho é ínfimo: varia de 10 a 250 micra (0,01 a 0,25 milímetros). "Com os chamados fósseis-índices, que estão associados a períodos geológicos específicos, conseguimos estimar a idade de um pacote de sedimentos", afirma o pesquisador Paulo Alves de Souza, que coordenou os estudos palinológicos do projeto e hoje leciona na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Uma das contribuições mais importantes das análises de Souza foi descobrir que a maior parte das camadas rochosas do subgrupo Itararé era mais velha do que se pensava. "Antes do projeto, pensávamos que a maioria de seus sedimentos era do período Permiano, com uma participação pequena de rochas do Carbonífero. Mas vimos que é justamente o contrário", diz Souza. Isso quer dizer que a flora fóssil preservada em São Paulo no Itararé é mais velha do que se acreditava, sendo uma das mais antigas do Gondwana, o paleocontinente austral. •


CIÊNCIA FARMACOLOGIA

De carona no açúcar Associação de compostos químicos cria a possibilidade de tratar a leishmaniose com comprimidos em vez de injeções

a 25 camundongos, enquanto outros que sua estrutura, em formato de um E difícil saber se foi um golpe 25 receberam o medicamento puro, cone oco, atrai moléculas que não se de sorte ou uma indicação também por via oral. Menos de uma misturam com a água, como o antiinde que a aposta no improhora depois, os níveis de antimonial no flamatório piroxicam. Assim, como vável às vezes vale a pena. O sangue dos roedores do primeiro grupo uma bola de sorvete dentro de uma biofísico Frédéric Frézard, eram três vezes superiores aos aprecasquinha, o piroxicam torna-se solúda Universidade Federal de Minas Gesentados pelos outros animais, convel em água, atravessa as paredes do rais (UFMG), investiu na intuição e forme atesta um artigo publicado este intestino e cai na corrente sangüínea. chegou a uma formulação oral do antimês na revista Antimicrobial Agents and Com o antimonial, não é tão fácil monial pentavalente, o medicamento Chemotherapy. assim. Se ingerido puro, não é absorvimais utilizado para tratar a leishmanioPara saber se essa formulação comdo pelo intestino. Quando aplicado por se, infecção provocada pelos protozoábateria os parasitas da leishmaniose, meio de injeções, atua por doze horas rios do gênero Leishmania que, na forFrézard contou com a ajuda de uma antes de ser filtrado pelos rins e elimima amena, produz feridas na pele e em equipe da Universidade Federal do Rio nado na urina por causa de sua capacicartilagens como as do nariz e da orelha, de Janeiro. Os pesquisadores contadade de se ligar às moléculas de água. e, nos casos mais graves, afeta o fígado minaram a orelha de 20 camundone o baço. Os testes com camundongos gos com a Leishmania amazonensis, Açúcar versátil - Frézard decidiu usar a mostram que, se tudo correr bem, cápa espécie de protozoário geralmente ciclodextrina de modo oposto ao habisulas de antimonial poderão substituir associada à leishmaniose cutânea no tual, unida a uma molécula que atrai a as injeções doloridas, aplicadas só com Brasil. Cinco animais receberam antiágua, em vez de a repelir. A estratégia supervisão médica em tratamentos lonmoninal e ciclodextrina por via oral, funcionou. Frézard deu a mistura de gos, de até um mês. cinco só antimonial via oral, cinco reantimonial e ciclodextrina por via oral "Uma formulação de uso oral do ceberam injeções de anantimonial facilitaria o timonial e cinco, usados tratamento porque em como controle, uma misgeral as pessoas com tura de água e sal. Resulleishmaniose moram no tado: o medicamento ascampo e têm de se dessociado à ciclodextrina locar até a cidade para foi tão eficaz quanto o tomar as injeções", afirdobro das doses de anma Frézard. Em busca de timonial administradas uma solução, o biofísico por meio de injeções. que há dez anos trocou a Atualmente, a equipe de França pelo Brasil teve a Frézard testa a associação idéia de associar o antide ciclodextrina e antimonial a uma molécula monial na terapia contra de açúcar - a ciclodextria leishmaniose visceral, na - já usada para faciuma forma mais grave da litar a absorção de meinfecção, que afeta o baço dicamentos que repelem e o fígado e pode ser fatal água. De modo geral, quando não tratada. • Leishmania amazonensis: combatida agora por via oral usa-se a ciclodextrina porPESOUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 51



CIÊNCIA

Há um século, imigrantes recém-chegados da Europa formavam longas filas no porto de Santos à espera de um destino. Agora, bolivianos e peruanos atravessam as fronteiras do Brasil, brasileiros tentam entrar nos Estados Unidos, africanos em barcos lotados tentam alcançar a Europa. Mudar de país ou trocar o campo pela cidade, ainda que represente a busca de melhores condições de vida, amplia o risco de surgimento da esquizofrenia

do mundo Píi

B

os unimos anos,amadureceu uma serie de estudos realizados por médicos ingleses, dinamarqueses, alemães, norteamericanos e brasileiros relacionando ■» causas externas, de ordem social ou ambiental ao afloramento da esquizofrenia, distúrbio mental até agora associado apenas à genética ou a anomalias no cérebro. A urbanização, movimentos migratórios, a discriminação racial ou traumas como abusos sexuais na infância são vistos hoje como fatores capazes de influenciar o surgimento dessa desordem mental carac-

contínua, sem razão aparente, deságua lentamente no isolamento social, no desinteresse pela aparência, no pensamento incoerente e nas falas desordenadas. Nos casos extremos se manifesta por meio das falsas convicções, a exemplo dos delírios de perseguição, ou das falsas percepções, as alucinações, quando não segue para o extremo oposto, o mutismo c a imobilidade quase total, a chamada catatonia. Até mesmo uma simples infecção pode acionar os mecanismos biológicos que levam à esquizofrenia, problema que atinge cerca de 25 milhões de pessoas no


mundo e, só no Brasil, em torno de 1 milhão. Nos anos 70, quando era ainda estudante de medicina, Wagner Farid Gattaz ficou impressionado ao ler os estudos que relacionavam o aumento de casos de esquizofrenia em crianças cujas mães foram atingidas pelo vírus da gripe durante uma epidemia ocorrida na Europa em 1957. A lguns anos depois, como esí^k tagiário num hospital peLJ^ diátrico de São Paulo, ele i ^L examinou crianças que JÊLm J^m. chegavam com vômitos e fortes dores de cabeça, atingidas pela meningite durante a epidemia que surgiu no Estado de São Paulo nos anos 70. Causada normalmente por bactérias, a meningite é uma inflamação das membranas chamadas meninges, que cobrem o cérebro e a medula espinhal, e pode levar à morte em poucas horas. "Passei 30 anos me perguntando quais poderiam ser as conseqüências da meningite naquelas crianças que sobreviveram depois que se tornassem adultas", diz Gattaz. Foi há poucos anos, como pesquisador do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), que ele encontrou a resposta. Com seu aluno de pós-graduação André Abrahão, Gattaz avaliou o estado de saúde mental de 173 pessoas (77 homens e 96 mulheres) com idade média de 30 anos que tiveram meningite entre o nascimento e os 4 anos de idade. Comparou com o de irmãos que não passaram pela infecção e constatou que a ocorrência de meningite na primeira infância aumenta em cinco vezes o risco de surgimento da esquizofrenia na idade adulta. Seu estudo, que está sendo publicado no European Archives of Psychiatry and Clinicai Neuroscience, reforça a hipótese de que fatores infecciosos podem interagir com o organismo de cada indivíduo, de modo distinto, e aumentar o risco para a doença. "Nossa tarefa, agora, é desvendar como essa interação ocorre", comenta. "Conhecendo os fatores de risco biológicos e ambientais, aumentaremos a chance de detectar a doença mais precocemente e assim iniciar o seu tratamento mais cedo." Hoje, a esquizofrenia é tratada por meio de medicamentos antipsicóticos, associados a estratégias de reabilitação e reintegração social e profissional. 54 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESUUISA FAPESP 95

Cidades - A delimitação de fatores de risco ambientais da esquizofrenia, debatidos num encontro que reuniu os principais especialistas mundiais dessa área em abril de 2003 no Guarujá, litoral paulista, amplia o olhar sobre um problema mental que tende a ser definido unicamente com base nas observações clínicas dos pacientes. "É preocupante notar que a urbanização e a fragmentação social estão estimulando o avanço rápido da esquizofrenia", comenta o psiquiatra Glynn Harrison, da Universidade de Bristol, Inglaterra, em um estudo apresentado no congresso do Guarujá. "Para os médicos de todo o mundo", diz ele, "o desafio é abrir a caixa preta da cultura e encontrar novas formas de lidar com esse problema." Estudos recentes confirmam a impressão de que não é mesmo muito saudável viver em metrópoles. O risco de problemas mentais cresce com os

níveis de urbanização, definidos de acordo com a densidade de domicílios por quilômetro quadrado, numa escala com cinco categorias (de menos de 500 casas até mais de 2.500 numa mesma área), segundo um estudo coordenado por Jim van Os, da Universidade de Maastricht, Holanda, com 7.076 pessoas de 18 a 64 anos. Esse mesmo estudo deixa claro a alta incidência de doenças mentais em indivíduos com traumas, como abusos sexuais ou perda prematura dos pais, especialmente da mãe, ou em imigrantes, provavelmente por causa da discriminação que sofreram nos países para onde se mudaram. Em um levantamento feito com 2,1 milhões de suecos nascidos entre 1954 e 1983, Elizabeth Cantor-Graee, da Universidade de Lund, demonstrou que os que emigraram para a Dinamarca apresentam uma probabilidade 2,5 vezes maior de desenvolver esquizofrenia


do que os suecos que permaneceram no país. Segundo esse estudo, publicado em 2003 no British Journal ofPsychiatry, dinamarqueses que viveram fora do país e retornaram têm quase duas vezes mais risco de desenvolver esse distúrbio mental do que seus irmãos que permaneceram na terra natal. Em outro estudo, publicado em 2001 na mesma revista, Carsten Bocker Pedersen e Preben Bo Mortensen relataram: os moradores de Copenhague, capital da Dinamarca, estão sujeitos a um risco duas vezes maior de se tornarem esquizofrênicas do que seus conterrâneos que moram no campo. Os resultados preliminares de um estudo conduzido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 19 nações mostram que a taxa de casos graves é maior nos países classificados como desenvolvidos (40%) do que nos países em desenvolvimento (24%).

0 PROJETO Metabolismo dos Fosfolípides na Esquizofrenia e na Doença de Alzheimer MODALIDADE

Projeto Temático COORDENADOR Faculdade de Medicina da USP

WAGNER FARID GATTAZ

INVESTIMENTO

R$ 1.590.193,43

Fragilidades - Por enquanto, só há relações um tanto vagas sobre as formas como os episódios de vida desfazem o equilíbrio mental das pessoas. "A urbanização interage com as vulnerabilidades de cada indivíduo e com os riscos familiares para as doenças mentais", diz Van Os, da Holanda. Os fatores ambien-

tais devem influenciar diretamente o funcionamento dos neurônios (células nervosas) do cérebro, alterando as ligações - ou sinapses - entre eles. Essas modificações na comunicação entre os neurônios abalariam o funcionamento do cérebro, aumentando a probabilidade para os desequilíbrios mentais severos. As causas externas podem também atuar de outra forma, num plano mais profundo, como um gatilho que aciona um ou mais dos cerca de 30 genes de algum modo já relacionados a esse problema. Ativados, os genes podem agir sobre os neurônios cerebrais direta ou indiretamente, por meio de alterações metabólicas que danificam as conexões entre as células nervosas. Mas apenas a predisposição genética à esquizofrenia não parece ser suficiente para explicar a alteração das sinapses. Há décadas descobriu-se algo importante em estudos com gêmeos idênticos: se um deles se torna esquizofrênico, o outro tem 50% de risco de também desenvolver a doença. Pode ser muito, diante da probabilidade de 1% de a esquizofrenia surgir em uma pessoa sem nenhum caso da doença na família. Mas, se a causa da esquizofrenia fosse puramente genética, seria de esperar que esse risco fosse de 100%, uma vez que os gêmeos idênticos portam genes iguais. Mesmo assim, entre genes compartilhados e ambientes compartilhados, os genes pesam mais. De dez anos para cá, psiquiatras e neurologistas descobriram algumas peculiaridades do cérebro dos esquizofrênicos que refletem essa teia de reações entre ambiente, genes e processos bioquímicos. Há, por exemplo, alterações de dopamina e glutamato, moléculas de comunicação entre neurônios, e uma circulação menor de sangue em algumas áreas, em comparação com o cérebro das pessoas mentalmente saudáveis. Nos esquizofrênicos, as cavidades do meio do cérebro chamadas ventrículos são maiores e o hipocampo, chave para a memória e aprendizagem, é menor - e os neurônios do hipocampo ficam mais excitados do que em outras pessoas. Além disso, acrescenta o psiquiatra Stephan Heckers, do Hospital Geral de Massachusetts, Estados Unidos, "falta um tipo de célula nervosa chamada interneurônio, que controla a atividade de outros neurônios do hipocampo". • PESQUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 55


■ CIÊNCIA BIOINFORMATICA

Bits, bytes

genes Brasileiros criam programas que simplificam a tarefa de montar e analisar genomas

ESTweb, ZERG e Sabiá: programas nascidos dos projetos de seqüenciamento

Em setembro, duas equipes de pesquisadores brasileiros publicaram artigos científicos em revistas internacionais sobre o genoma (conjunto de genes) de dois organismos, o parasita Schistosoma mansoni, causador da esquistossomose no Brasil, e a bactéria Chromobacterium violaceum, abundante no rio Negro e com potencial de uso biotecnológico. Embora tenham trabalhado de forma independente, com organismos e metodologias distintos, ambos os times desenvolveram programas de computador que organizaram e facilitaram a obtenção dos dados divulgados em seus escritos. Do laboratório de Bioinformática do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP), que participou do projeto sobre o verme da esquistossomose, saíram dois programas, o ESTweb e o ZERG, já disponíveis para download gratuito no endereço eletrô56 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

nico http://verjol9.iq.usp.br/tools.php. Uma terceira ferramenta, o Sabiá, foi concebida no Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), de Petrópolis, onde funcionou o coração da bioinformática da iniciativa que estudou os genes da C. violaceum. Por ora, o uso do sistema se restringe aos 25 laboratórios da rede nacional que seqüenciou o genoma da bactéria. Mas, em breve, sua utilização deverá ser aberta a todos os interessados. Seqüências limpas - Cada um desses programas executa tarefas bastante específicas e servem a propósitos particulares. O ESTweb, que rendeu um artigo científico em 12 de agosto de 2003 na revista Bioinformatics, recebe e processa os fragmentos de genes ativos gerados a partir de tecidos de um organismo e os aloca num banco de dados. Esses pedaços de genes são chamados ESTs, sigla de etiquetas de seqüências

expressas, que serviram de inspiração para batizar o programa. O ESTweb retira dos fragmentos de genes todos os elementos desnecessários para a análise da seqüência e, dessa forma, obtêmse ESTs mais limpas. "O programa gera em tempo real gráficos que mostram a qualidade e o grau de redundância das seqüências produzidas pelos laboratórios", comenta Sérgio Verjovski-Almeida, do Instituto de Química da USP, coordenador da iniciativa financiada pela FAPESP, que identificou 92% dos genes expressos do S. mansoni. A segunda criação da equipe paulista é uma ferramenta de caráter mais analítico. "O ZERG interpreta a saída do BLAST", diz o biólogo Eduardo Reis, um dos inventores do software, recorrendo ao jargão da bioinformática. O BLAST é um programa de domínio público, popular entre biólogos moleculares e outros profissionais que trabalham com genes e proteínas. Sua


presentadas pela letras A (adenina), C (citosina), G (guanina) e T (timina). Como o genoma de um organismo pode ser muito grande para ser seqüenciado de uma única vez - o da C. violaceum tem, por exemplo, 4,7 milhões de pares de bases -, os pesquisadores têm de quebrá-lo em pedaços pequenos. A exemplo do que se faz com as peças de um quebra-cabeça, sua montagem consiste em juntar, de forma correta, essas partes menores, devidamente seqüenciadas. "Durante o processo de montagem, o Sabiá aponta as regiões do genoma em que os dados gerados pelo seqüenciamento são de boa ou má qualidade", diz Ana Tereza Vasconcelos, do LNNC, coordenadora do projeto com a C. violaceum e uma das autoras do software.

função é comparar qualquer EST com as seqüências genéticas depositadas nos bancos de dados públicos. Assim, o pesquisador descobre se suas ESTs são iguais ou semelhantes a outras já conhecidas e, em muitos casos, consegue associar essas seqüências a genes com funções definidas. Embora muito útil, o BLAST tem um probleminha: em grandes empreitadas, como no projeto do S. mansoni, gera um relatório quilométrico, de difícil compreensão, com muitos dados a serem checados. Destrinchar esse balanço não é uma tarefa para seres humanos, mas para outro software. "Existem programas comerciais que lêem a resposta do BLAST, mas não com a mesma precisão e velocidade do ZERG", diz o programador Apua Paquola, do Laboratório de Bioinformática do IQ/USP. Num artigo publicado em 22 de maio de 2003 na Bioinformatics, os autores do ZERG, cujo nome foi emprestado de um jogo

para computador, mostraram que seu invento é até 250 vezes mais rápido do que seus concorrentes. Apesar do nome brasileiríssimo, o terceiro programa é um acrônimo de uma expressão em inglês: Sabiá quer dizer System for Automated Bacterial Integrated Annotation. O programa, que serve para montar e anotar apenas genomas de bactérias, foi concebido no LNCC e usado pela primeira vez durante o trabalho de seqüenciamento da C. violaceum, projeto financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). É preciso alguma noção de certos procedimentos básicos do mundo da genômica para ter uma idéia do que faz o programa. Seqüenciar um genoma é determinar a ordem em que aparecem os seus pares de bases nitrogenadas, as unidades químicas primordiais que formam a molécula de ácido desoxirribonucléico, o DNA, e costumam ser re-

Macacos e homens - Concluído o quebra-cabeça da montagem, o dispositivo inventado pela equipe de pesquisadores que trabalhou com o material genético da C. violaceum inicia a anotação do genoma. Em linhas gerais, essa tarefa eqüivale a descobrir que proteínas são produzidas a partir das receitas químicas contidas nos genes de um genoma. Dessa forma, chega-se à função (ou funções) de um gene. Grande parte dos dados de anotação deriva de comparações. Com o auxílio de programas, como o Sabiá e outros de uso gratuito ou pago, os cientistas confrontam o material genético recém-identificado num organismo com seqüências já conhecidas, com função definida, que se encontram arquivadas em bancos de dados públicos. Se, no macaco, uma dada seqüência leva à produção de uma proteína qualquer, chamada, digamos, X, é provável que uma seqüência parecida, se presente no homem, também leve à síntese dessa mesma proteína X. Claro que as coisas não são tão simples assim, mas esse é o espírito da anotação. "O Sabiá funciona num ambiente computacional que permite cruzar as informações de oito bancos de dados públicos", diz Ana Tereza. "Dá até para comparar genomas inteiros." Para aumentar sua autonomia de vôo, o Sabiá, que deverá ser alvo de um artigo científico neste ano, será aprimorado. A idéia é produzir uma versão do sistema que sirva também para a montagem e anotação de genomas de outros organismos, além das bactérias. • PESQUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 57


Biblioteca de Revistas Científicas disponível na Internet www.scielo.org

■ Cerâmica

Qualidade das argilas nacionais Colaborar para a solução de um sério problema que existe na indústria de cerâmica branca do Brasil motivou quatro pesquisadores do Departamento de Engenharia de Materiais da Universidade Federal de Campina Grande a desenvolver o artigo Caracterização de argilas plásticas do tipo bali clay do litoral paraibano. A pesquisa faz uma análise físico-mecânica da jazida explorada de forma industrial no município de Alhandra, Paraíba. A falta de argilas plásticas para cerâmica branca (bali clays) na natureza brasileira é considerada um obstáculo para o desenvolvimento do setor cerâmico. Os grandes depósitos, com alta qualidade, são encontrados normalmente em países como Estados Unidos, Reino Unido e República Checa. A indústria cerâmica valoriza as argilas plásticas para cerâmica branca porque elas oferecem ao produtor alta plasticidade e alta resistência a seco. A pesquisa realizada no Nordeste brasileiro mostrou que as propriedades das argilas nacionais da Paraíba não diferem muito, em qualidade, das importadas. A caracterização mostrou que a cerâmica nacional, extraída em Alhandra, está dentro dos parâmetros de qualidade citados pela bibliografia internacional. CERâMICA

■ VOL. 49 - N° 311 - SãO PAULO - JUL./SET.

2003 www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S036669132003031100003&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Pediatria

Medicamentos perigosos O estudo Identificação de medicamentos "não apropriados para crianças" em prescrições de unidade de tratamento intensivo pediátrica procurou avaliar a extensão do uso de medicamentos inadequados para crianças, em uma Unidade de Tratamento Intensivo Pediátrica (UTIP), do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. A pesquisa, que seguiu os padrões estabelecidos pela Agência de Controle de Medicamentos e Alimentos (FDA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos, baseouse na avaliação das prescrições de todos os pacientes admitidos no período de seis semanas consecutivas, entre julho e agosto de 2002. Foram considerados ainda variáveis como idade, sexo e peso. A investigação,

60 ■ JANEIRO DE 2004 • PES0.UISA FAPESP 95

que considerou 51 pacientes, constatou a prevalência de 10,5% de casos de medicamentos "não aprovados" e 49,5% para medicamentos "não padronizados". Os autores do artigo chegaram a uma conclusão preocupante: os medicamentos usados na faixa pediátrica, com uma alta freqüência, são apenas modificações de formulações aplicadas em adultos. A diferença que existe entre os dois grupos é normalmente ignorada. JORNAL DE PEDIATRIA - VOL. SET./OUT. 2003

79 - N° 5 - PORTO ALEGRE -

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S002175572003000500006&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Cibercultura

0 advento da web O artigo Dimensões da cibercultura no Brasil, do pesquisador Fabián Echegaray, da Market Analysis Brasil, empresa especializada no levantamento de dados em diversas áreas, reflete sobre os efeitos do uso da Internet sobre os aspectos comportamentais do usuário brasileiro, universo que representa mais de 40% dos usuários da América Latina. A justificativa para o estudo é a rápida expansão da Internet no Brasil, um dos maiores fenômenos econômicos dos últimos tempos. Entre dezembro de 1999 e dezembro de 2000, segundo a pesquisa, o número de não informados sobre a Internet despencou de quase um terço da população urbana adulta do país para apenas 6%. Essa evolução significa que a web se tornou familiar para pessoas de todas as classes, idades e regiões do Brasil. A mídia é apontada pelo pesquisador como uma das responsáveis pela transformação. A freqüência das notícias sobre a rede mundial de computadores é a mesma, hoje, que as veiculadas sobre qualquer empreendimento econômico ou fenômeno social. OPINIãO PúBLICA

VOL.

9 - N° 2 - CAMPINAS - oux

2003 www.scielo.br/scielo.php?script=scLarttext&pid=S010462762003000200002&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt


Mulheres

Amamentação garantida Em 1975, uma em cada duas mulheres amamentava apenas até o segundo ou terceiro mês de vida da criança no Brasil. Em 1999, uma em cada duas mulheres amamenta até o décimo mês após o nascimento. Será que esse aumento pode ser apresentado como um sucesso? O artigo Reflexões sobre a amamentação no Brasil: de como passamos a dez meses de duração, da pesquisadora Marina Ferreira Rea, da Coordenação dos Institutos de Pesquisa da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, tem como propósito responder a pergunta, além de rever a trajetória do Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno no Brasil (PNIAM). O estudo divide o processo de amamentação em quatro períodos. O primeiro, de 1975 a 1981, foi marcado pela pouca mobilização. O início das campanhas da mídia marcou a segunda fase, que foi de 1981 a 1986. O surgimento das políticas de amamentação marca o terceiro período, de 1986 a 1996. A última fase analisada, que já engloba as políticas de proteção às mulheres, foi de 1996 a 2002. Apoiada também em políticas públicas internacionais relacionadas ao tema amamentação, a autora do artigo descreve um dos desafios que precisa ser enfrentado: "O desafio que se coloca para o futuro é a necessidade de continuar a promover a amamentação exclusiva até o sexto mês, e buscar formas de promover a alimentação complementar adequada sem interromper a amamentação até pelo menos o segundo ano de vida". CADERNOS DE SAúDE PúBLICA -VOL. 19SUPL.1 JANEIRO - 2003

-Rio DE

www.scielo.br/scielo.php?script=scLarttext&pid=S0102311 X2003000700005&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Logística

Sucesso empresarial A melhoria contínua da produção em indústrias de autopeças é o principal tema abordado no estudo Competências essenciais para melhoria contínua da produção: estudo de caso em empresas da indústria de autopeças, de Melissa Mesquita, da Arvin Meritor, fabricante de componentes e sistemas para a indústria automotiva, e Dário Henrique Alliprandini, do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de São Carlos. Os autores fizeram uma pesquisa descritiva em três empresas do setor, todas certificadas com ISSO 9000 e QS 9000. "O cuidado com as competências existentes na organização, se utilizadas na prática da melhoria contínua, leva ao aperfeiçoamento auto-sustentado e continuado dos processos da produção", segundo o estudo. As investigações feitas no campo prático identificaram uma importante contradição que está ocorrendo nas em-

presas de autopeças. Apesar de as companhias estarem estruturando uma sistemática de melhoramento e, ainda, desenvolvendo o treinamento de técnicas e ferramentas necessárias para uma produção mais eficaz, elas não estão fazendo isso com o objetivo de aumentar o nível de maturidade. O foco não está no desenvolvimento de competências. GESTãO & PRODUçãO ABRIL - 2003

■ VOL. 10 - N° 1 - SãO CARLOS -

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104530X2003000100003&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Química

Preferência internacional O objetivo do artigo Um olhar holístico sobre a química de produtos naturais brasileiro é avaliar o que vem sendo divulgado nas publicações nacionais Journal of the Brazilian Chemical Society (JBCS) e Química Nova (QN) na área de produtos naturais (PN), uma das áreas da química mais antigas e consolidadas no país. Essa avaliação tem a finalidade de incentivar a comunidade de PN a disponibilizar os resultados de suas pesquisas em publicações científicas brasileiras. Segundo o estudo, a maioria dos cientistas brasileiros prefere publicar suas investigações em revistas especializadas internacionais. A pesquisa, de autoria de Ângelo Pinto e Claudia Rezende, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Fernanda Garcez, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, e de Rosângela Epifanio, da Universidade Federal Fluminense, selecionou 12 periódicos do banco de dados ISI Web of Knowledge, que concentra grande parte da produção científica da comunidade química brasileira da área de produtos naturais. Os trabalhos publicados foram comparados com os textos disponíveis no Journal ofthe Brazilian Chemical Society e na revista Química Nova. O estudo revela que, de acordo com a história da ciência brasileira, as revistas científicas nacionais têm vida efêmera. Uma das principais razões, segundo os autores, é a falta de compromisso da comunidade científica brasileira com suas revistas, talvez porque não acredite na sua qualidade ou prefira ver seus artigos científicos veiculados em periódicos estrangeiros. QUíMICA NOVA NOV./DEZ. 2003

VOL.

26 - N° 6 - SãO PAULO -

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010040422003000600033&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

PESQUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 61


■ TECNOLOGIA

LINHA DE PRODUÇÃO

MUNDO

Desenvolvimento da DuPont descobriram também que uma cadeia simples de DNA interage fortemente com os nanotubos de carbono proporcionando uma condutividade uniforme. •

Microagulhas sem dor A chata picada das agulhas pode estar com os dias contados. Pesquisadores do Instituto de Tecnologia da Geórgia, nos Estados Unidos, conseguiram fabricar conjuntos de microagulhas ocas e sólidas em materiais de vários tipos e tamanhos como metais, polímeros biodegradáveis, silício e vidro. A novidade foi publicada pela revista Proceedings of the National Academy of Sciences, em novembro, e descreve progressos no desenvolvimento de microagulhas que podem ser aplicadas na pele para administrar drogas e vacinas no organismo humano de maneira indolor. O estudo relata ainda bem-sucedidos testes feitos na pele de cadáveres e animais, que revelaram a capacidade das agulhas micrométricas de transpor a pele e levar proteínas, nanopartículas e moléculas, pequenas ou grandes, para o organismo. "Abrimos o caminho para a fabricação em massa das microagu-

■ Indústria atua em nanotecnologia Na edição de 28 de novembro da revista Science, um grupo de pesquisadores da DuPont - conglomerado industrial que opera em mais 70 países - publicou artigo relatando uma descoberta que pode abrir caminho para avanços em nanoeletrônica: o uso de

■ Microguitarra abre novos caminhos Agulhas protegidas por polímeros

lhas", diz Mark Prausnitz, professor da Escola de Química e Engenharia Biomolecular do Instituto de Tecnologia da Geórgia e principal pesquisador do projeto. "O uso clínico das microagulhas vai permitir ministrar no corpo humano moléculas de significativo interesse terapêutico, como a insulina, proteínas produzidas pela indústria

nanotubos de carbono ordenados por meio de DNA. Os nanotubos de carbono têm excelentes propriedades elétricas que os transformam em material ideal para a utilização em um amplo leque de aplicações eletrônicas relacionadas à nanotecnologia incluindo aparelhos de alta sensibilidade para diagnóstico médico e minitransistores

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biotecnológica e nanopartículas que podem encapsular drogas ou levar vacinas para combater vírus específicos." As microagulhas poderão ser usadas também para remover líquidos do corpo para análise de laboratório - como exames de sangue - e, depois, para suprir o organismo dos medicamentos necessários.

mais de cem vezes menores que os utilizados nos microchips atualmente. Quando são fabricados, os nanotubos de carbono eletrônicos de diversos tipos agrupam-se aleatoriamente, prejudicando a condutividade, que necessitaria de um eficiente processo de ordenação e distribuição para ser uniforme. Os cientistas da Central de Pesquisa &

Seis anos atrás, uma equipe de pesquisadores da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, conseguiu construir a menor guitarra do mundo. O problema é que ela não tocava uma nota sequer. Agora, outros pesquisadores da mesma universidade construíram uma outra guitarra e conseguiram tirar "sons" do microinstrumento. O invento, segundo comunicado da universidade, serviu para indicar a possibilidade de fabricar minúsculos aparelhos mecânicos utilizando técnicas projetadas para produzir microcircuitos eletrônicos. Com os sons produzidos na nova versão, os físicos da Cornell conseguem provar que é possível projetar nanoaparelhos capazes de substituir componentes dos circuitos eletrônicos para produzir circuitos ainda menores, mais baratos e mais eficientes do ponto de vista da utilização da energia. A nova guitarra é cerca de cinco vezes maior que a original, embora ainda seja tão pequena que sua forma só pode ser identificada no microscópio. Suas cordas são feitas de barras de silício, medindo algo entre 150 e 200 nanômetros de comprimento por 6 a 12 nanômetros de largura (1 nanômetro eqüivale a 1 bilionési-


BRASIL

Visão artificial

Nanoguitarras: acordes com feixes de laser

mo de metro, ou à largura de três átomos de silício perfilados), mas vibram a freqüências equivalentes a 130 mil vezes mais altas que uma guitarra comum, mas sem som audível. Para fazê-las vibrar, os pesquisadores usam feixes de laser. E, ao vibrar, elas criam padrões de interferência na luz refletida, que podem ser detectados e convertidos eletronicamente em notas audíveis. O aparelho toca apenas tons simples, apesar de ser possível "dedilhar" mais de uma corda de cada vez. É que os tons são determinados pela extensão das cordas, e não por sua tensão, como em uma guitarra normal. •

■ Teste para detectar substância tóxica Um kit portátil capaz de detectar uma ampla variedade de substâncias tóxicas foi lançado no mercado por uma recém-formada companhia britânica e já atrai grande interesse comercial. O sistema chamado de Batt (sigla em inglês para Bioamostra para Tes-

te de Toxicidade) foi desenvolvido pelo biólogo Russell Grant e pode ser levado a campo para testar a toxicidade de produtos químicos e determinar os efeitos nocivos de composições químicas. O aparelho foi testado por um grande número de instituições, como o Instituto Ambiental do Reino Unido, indústrias têxteis, estações de tratamento de água e companhias de diagnóstico envolvidas com a medição de pesticidas. Grant teve a idéia do kit ainda na graduação na Universidade de York. Ele e os coordenadores de uma outra pesquisa, em que estava envolvido, examinavam a toxicidade de pesticidas ou, mais especificamente, loções desinfetantes para carneiros, quando descobriram que teriam de esperar um mês pelos resultados por meio dos métodos convencionais de laboratório. Foi assim que nasceu a idéia que resultou no Batt. Um programa da própria universidade que administra verbas governamentais para a inovação está financiando o projeto. •

A união de câmaras de vídeo e softwares específicos está resultando na Universidade Federal de Viçosa (UFV) na abertura de várias linhas de estudo para a aplicação de visão artificial na agricultura e na indústria madeireira. "Com uma câmara instalada num pulverizador, por exemplo, é possível identificar plantas daninhas na plantação e só aí, de forma automática, o equipamento recebe o comando para fazer a pulverização do herbicida", explica Francisco de Assis de Carvalho Pinto, professor do Departamento de Engenharia Agrícola da UFV. "Queremos que o produto caia apenas na planta invasora e na quantidade correta." Para isso, os pesquisadores elaboram softwares para diferenciar as espécies de ervas daninhas, além de identificar plantas com sintomas de doenças e ataque

de pragas, como o da lagarta elasmo do milho. "Nós vamos colocar o aparelho em um pivô central (equipamento que faz a irrigação), para que ele mapeie as doenças e envie as informações para um computador central." Os pesquisadores preparam equipamentos que, além de "enxergar" o problema, façam também a quantificação. Outro uso da visão artificial que está prestes a ter o seu primeiro protótipo é um sistema de análise de tábuas de madeira. Sob a coordenação do professor Francisco Pinto e em parceria com o professor Ricardo Marius Delia Lúcia, do Departamento de Engenharia Florestal da UFV, os pesquisadores desenvolvem um equipamento que faz a classificação e a seleção das tábuas com base no número de defeitos como trincas e nós. •

Imagem digital da planta, (acima), e com manchas vermelhas nas folhas: sintomas do ataque da lagarta elasmo

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BRASIL

Visão artificial

Nanoguitarras: acordes com feixes de laser

mo de metro, ou à largura de três átomos de silício perfilados), mas vibram a freqüências equivalentes a 130 mil vezes mais altas que uma guitarra comum, mas sem som audível. Para fazê-las vibrar, os pesquisadores usam feixes de laser. E, ao vibrar, elas criam padrões de interferência na luz refletida, que podem ser detectados e convertidos eletronicamente em notas audíveis. O aparelho toca apenas tons simples, apesar de ser possível "dedilhar" mais de uma corda de cada vez. É que os tons são determinados pela extensão das cordas, e não por sua tensão, como em uma guitarra normal. •

■ Teste para detectar substância tóxica Um kit portátil capaz de detectar uma ampla variedade de substâncias tóxicas foi lançado no mercado por uma recém-formada companhia britânica e já atrai grande interesse comercial. O sistema chamado de Batt (sigla em inglês para Bioamostra para Tes-

te de Toxicidade) foi desenvolvido pelo biólogo Russell Grant e pode ser levado a campo para testar a toxicidade de produtos químicos e determinar os efeitos nocivos de composições químicas. O aparelho foi testado por um grande número de instituições, como o Instituto Ambiental do Reino Unido, indústrias têxteis, estações de tratamento de água e companhias de diagnóstico envolvidas com a medição de pesticidas. Grant teve a idéia do kit ainda na graduação na Universidade de York. Ele e os coordenadores de uma outra pesquisa, em que estava envolvido, examinavam a toxicidade de pesticidas ou, mais especificamente, loções desinfetantes para carneiros, quando descobriram que teriam de esperar um mês pelos resultados por meio dos métodos convencionais de laboratório. Foi assim que nasceu a idéia que resultou no Batt. Um programa da própria universidade que administra verbas governamentais para a inovação está financiando o projeto. •

A união de câmaras de vídeo e softwares específicos está resultando na Universidade Federal de Viçosa (UFV) na abertura de várias linhas de estudo para a aplicação de visão artificial na agricultura e na indústria madeireira. "Com uma câmara instalada num pulverizador, por exemplo, é possível identificar plantas daninhas na plantação e só aí, de forma automática, o equipamento recebe o comando para fazer a pulverização do herbicida", explica Francisco de Assis de Carvalho Pinto, professor do Departamento de Engenharia Agrícola da UFV. "Queremos que o produto caia apenas na planta invasora e na quantidade correta." Para isso, os pesquisadores elaboram softwares para diferenciar as espécies de ervas daninhas, além de identificar plantas com sintomas de doenças e ataque

de pragas, como o da lagarta elasmo do milho. "Nós vamos colocar o aparelho em um pivô central (equipamento que faz a irrigação), para que ele mapeie as doenças e envie as informações para um computador central." Os pesquisadores preparam equipamentos que, além de "enxergar" o problema, façam também a quantificação. Outro uso da visão artificial que está prestes a ter o seu primeiro protótipo é um sistema de análise de tábuas de madeira. Sob a coordenação do professor Francisco Pinto e em parceria com o professor Ricardo Marius Delia Lúcia, do Departamento de Engenharia Florestal da UFV, os pesquisadores desenvolvem um equipamento que faz a classificação e a seleção das tábuas com base no número de defeitos como trincas e nós. •

Imagem digital da planta, (acima), e com manchas vermelhas nas folhas: sintomas do ataque da lagarta elasmo

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LINHA DE PRODUÇÃO

BRASIL

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Álcool a partir do bagaço da can O uso do bagaço de canade-açúcar para a produção de álcool (etanol) está perto Ide se transformar em realidade. A nova tecnologia, que poderá elevar em 30% a produção do combustível no Brasil sem a necessidade de (expansão da cultura, encontra-se em fase final de desenvolvimento pelo Grupo Dedini, um dos maiores fabricantes de máquinas e equipamentos para o setor sucroalcooleiro. Em noIvembro, a empresa deu um grande passo ao inaugurar uma Unidade de Demonstração do Processo (UDP) na Usina São Luiz, em Pirassununga (SP), com capacidade para produzir 5 mil litros de álcool por dia. As plantas em escala industrial serão dimensionadas para uma produção diária de 60 mil litros. Dentro de seis meses deve ficar pronta a primeira dessas unidades capaz de fabricar etanol a partir do bagaço, combustível produzido, atualmente, a partir do caldo da cana. "A UDP está sendo útil para a definição de parâmetros de

■ Programa analisa turbinas a gás Um software capaz de simular o desempenho de turbinas a gás, para ser utilizado principalmente na área de energia elétrica, foi desenvolvido pelo pesquisador Marco Aurélio da Cunha Garcia, do Centro Tecnológico Aeroespacial (CTA), em São José dos Campos (SP).

Teste finais para o aproveitamento do bagaço: produção de álcool poderá aumentar em 30% no país

engenharia que ajudarão a elaborar o projeto e o dimensionamento da primeira unidade em escala industrial", explica José Luiz Olivério, vice-presidente de Tecnologia e Operações da Dedini, que tem sede em Piracicaba (SP). Segundo o executivo, quando estiver pronta, a tecnologia será repassada para usineiros interessados

Batizado de Destur, Desempenho de Turbinas, o programa analisa a atuação energética de qualquer tipo de turbina a gás. "O que aciona a turbina é o gás que provém da combustão tanto do gás natural quanto da gasolina e do querosene", explica Garcia. Nas termelétricas, o gás natural é o mais utilizado para gerar energia elétrica. No

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em converter o bagaço em etanol. O preço da unidade industrial ainda não está definido, mas, de acordo com Olivério, "exigirá o mesmo investimento dos processos tradicionais de fabricação de álcool, a partir do caldo da cana". Os estudos para desenvolvimento da tecnologia contaram com a participação do Centro de Tecnologia

mercado internacional, existem programas semelhantes ao desenvolvido pelo pesquisador, mas todos são fechados e não podem ser modificados. Neles, por exemplo, é impossível avaliar o uso de gás de lixo, um combustível não convencional e renovável nas turbinas. Já o Destur contempla a possibilidade de uso de combustíveis alternativos.

da Cooperativa de Produtores de Cana, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo (Copersucar) num projeto que recebeu financiamento da FAPESP por meio do Programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE) (veja Pesquisa FAPESP n° 77). Batizado de Dedini Hidrólise Rápida (DHR), o processo transforma o bagaço e a palha em álcool em poucos minutos por meio de um processo de hidrólise (reação química com água). Ele já está patenteado no Brasil, Estados Unidos, União Européia, Rússia e vários países da América Latina. •

"Testamos o programa com o aproveitamento do gás de lixo, experiência que está sendo conduzida em Barueri (SP) pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb)", relata Garcia. No momento, o pesquisador está à procura de um parceiro que o ajude na criação de uma versão interativa do programa para facilitar o acesso dos


usuários. Assim o software poderá ser utilizado por empresas de projetos e consultoria, órgãos governamentais e instituições de pesquisa. •

■ Gastos de energia controlados Redes de supermercados, de lanchonetes, cadeias de lojas, bancos e grandes corporações recebem mensalmente grande quantidade de faturas de concessionárias de energia elétrica, o que dificulta o monitoramento dos gastos. Para integrar e contabilizar o consumo de eletricidade e os custos associados de diversas faturas, o Grupo de Energia do Departamento de Engenharia de Energia e Automação Elétricas (Gepea) da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) criou o ContaluzWeb. "É um software alimentado pelas informações que recebemos nas faturas de energia", conta o professor Marco Antônio Saidel, responsável pelo projeto, utilizado desde 2000 pela USP. Além de cadastrar dados das faturas, o programa também pode ser alimentado com informações como área construída e outras. Os indicadores energéticos são obtidos pelo cruzamento dos dados. Saidel exemplifica: "Coloco a área construída e o número de alunos, e ele fornece o consumo por metro quadrado e por número de alunos". Segundo o professor, o sistema foi desenvolvido para uso interno da USP, que tem cerca de 300 faturas mensais, como parte de um programa institucional para o uso eficiente de energia. "Mas percebemos que existem diversos interesses semelhantes aos da universidade, por isso estamos abertos a formatar sistemas de acordo com possíveis interessados." •

Patentes Inovações financiadas pelo Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP. Contato: nuplitec@fapesp.br

«

Estrutura de madeira com conectores de aço

■ Sistema para construção modular Novo sistema construtivo leve e transportável, baseado nos princípios da produção modular. São módulos com estrutura composta por vigas e pilares de madeira ligados por conectores de aço. Ele foi idealizado pelo professor Alessandro Ventura, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, para fabricação e montagem de salas de aula de forma rápida e a custo baixo. Cada módulo concentra uma função básica como, por exemplo, sala de aula, banheiro ou depósito. As vigas e os pilares de madeira são produzidos com lâminas de 10 milímetros (mm) de espessura a partir da prensagem de outras lâminas finas de madeira, com 0,5 mm. A finalização dos módulos é feita com as vigas e pilares monta-

dos em forma de triângulo e ocas por dentro, permitindo a passagem de tubulações. O fechamento lateral dos módulos está em fase final de estudo e será produzido a partir da composição de vários materiais como lã de vidro e madeira. O sistema proposto, embora idealizado para montagem de escolas, pode ter outras aplicações em situações que exijam rapidez de construção ou necessidade de rápida remodelação do conjunto modular construído. Título: Sistema de Conexão e Interface em Aço para Estruturas Compostas por Vigas e Pilares Fabricados a Partir de Lâminas Finas de Madeira Imentor.Alessandro Ventura Titularidade: USP/FAPESP

■ Ação de drogas no diabetes e na obesidade A patente cobre o mecanismo de ação de drogas que

se ligam aos receptores BI, um grupo de proteínas do sistema chamado calicreínas-cininas, e que podem ser úteis no tratamento do diabetes e da obesidade, assim como no controle de distúrbios da fome e de outras doenças associadas à ativação ou bloqueio desses receptores. As cininas são uma família de peptídeos gerados no sangue e nos tecidos celulares. Sua produção está relacionada à ação da enzima calicreína. Há evidências de que esse sistema atua sobre uma série de parâmetros clínicos, como os processos inflamatórios, a pressão arterial e o desejo de ingerir alimentos. Um dos experimentos realizados na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) que serviu de base para o pedido de patente consistiu na criação de um tipo de camundongo transgênico. O gene relacionado aos receptores BI desses animais foi "desligado", o que, aparentemente, fez os roedores engordarem em excesso. Título: Mecanismos e Drogas Utilizados no Tratamento de Diabetes e Obesidade e Controle dos Distúrbios da Fome Inventores: João Bosco Pesquem, Jorge Luiz Pesquem, Ronaldo de Carvalho Araújo, Marcelo Alves da Silva Mori, Antônio Cecchelli de Mattos Paiva e Michael Stephan Bader Titularidade: Unifesp/FAPESP

PESQUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 65


TECNOLOGIA MATERIAIS

Inovações nos

I Pesquisadores desenvolvem materiais avançados com melhores propriedades elétricas e mais resistentes à corrosão

aço está ganhando inovações que vão dei. xá-lo mais eficiente. As novidades tecnológicas propostas para essa tradicional família de materiais, fundamental para a fabricação de um amplo leque de produtos industriais - de facas e garfos até motores e próteses de pesquisadores paulistas que se dedica à pesquisa e ao aperfeiçoamento da microestrutura e das propriedades desses materiais. A equipe, formada por pesquisadores da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT) e do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), conseguiu, por exemplo, produzir em laboratório aços inoxidáveis 15 a 20 vezes mais resistentes á cavitaçâo (surgimento de pequenos furos na superfície do material) que os atuais. Também desenvolveu chapas mais finas e mais adequadas ao processo de estampagem ia conformação, por meio de prensagem, para a obtenção de carrocerias de automóveis, eletrodo-!EIR0 DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95


Motor elétrico: aço mais eficiente para evitar dissipação de energia


mestiços etc), além de aços elétricos mais eficazes, próprios para uso em motores de geladeiras, em aparelhos de ar-condicionado e nos transformadores de televisão e de computadores. "Nós melhoramos a qualidade desses aços, modificando a textura cristalográfica (distribuição de orientações dos grãos que formam a microestrutura do material) de forma a elevar as propriedades mecânicas, elétricas, magnéticas e de resistência ao desgaste e à corrosão", explica o engenheiro de materiais Ângelo Fernando Padilha, da Poli-USP, coordenador do estudo que é financiado pela FAPESP por meio de um projeto temático iniciado em maio de 2000. Um dos principais avanços obtidos pela equipe relaciona-se aos aços inoxidáveis, um grupo de ligas de ferro e cromo que atinge a produção mundial de 12 milhões de toneladas por ano. Eles têm como característica principal a resistência a agentes corrosivos e oxidantes e são usados nos utensílios domésticos, em equipamentos hospitalares e até em turbinas de usinas hidrelétricas. Os estudos apresentaram soluções para o combate à cavitação, um desgaste comum aos inoxidáveis, especialmente danoso para equipamentos submersos e que sofrem grandes variações de pressão nesse ambiente, como as hélices de navios e turbinas de hidrelétricas. "Para evitar esse problema, desenvolvemos um aço inoxidável especial com uma determinada quantidade de nitrogênio - entre 0,5 e 0,6% da massa - na superfície do metal. Com a adição de nitrogênio, o metal fica mais duro e altamente resistente à cavitação", afirma o engenheiro André Paulo Tschiptschin, da Poli-USP, que coordena essa linha de pesquisa. Para receber o nitrogênio, a peça de aço é colocada em um reator sob alta temperatura, acima de 1.000° Celsius, onde existe uma atmosfera gasosa de nitrogênio que penetra na estrutura cristalina do material. "Em testes de laboratório, esses novos aços são de 8 a 25 vezes mais duráveis do que os atuais. Já estamos preparando uma patente sobre o uso dessa nova liga em turbinas submetidas a grandes variações de pressão da água", diz o pesquisador. Segundo Tschiptschin, os estudos com68 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

provaram que a textura do material é muito importante para elevar a resistência à cavitação. "Por isso, também estamos mexendo na distribuição das orientações dos grãos da superfície do metal tentando criar texturas mais eficientes. Observamos que a cavitação ocorre preferencialmente em certos tipos de contornos de grão e utilizamos a estratégia de processar o material evitando essas formações." Aços biocompatíveis - O grupo também trabalha na melhoria dos aços inoxidáveis visando sua utilização na fabricação de próteses ósseas permanentes. Esse material ainda é usado apenas em próteses temporárias, como pinos, placas e parafusos. Seu uso em próteses permanentes, como as de quadril, não é recomendável por não serem suficientemente biocompatíveis e nem

resistentes a alguns tipos de corrosão. Os materiais mais empregados em próteses permanentes são as ligas de titânio e de cromo-cobalto-molibdênio, que apresentam a desvantagem de serem caras. No Brasil, elas custam cerca de US$ 4,5 mil, enquanto as de aço inoxidável saem por US$ 600. "Estamos pesquisando como melhorar a prótese de aço inoxidável adicionando altos teores de nitrogênio, na faixa de 0,2% a 1,2% de sua massa", conta Tschiptschin. "Com isso, os problemas de biocompatibilidade e corrosão são consideravelmente reduzidos. Já melhoramos a composição química das próteses e fizemos todos os ensaios especificados em normas para sua aceitação. Agora estamos aprimorando a textura do aço, porque a deterioração do material também está relacionada a ela", diz o pesquisador.


Chapas de aço na empresa Brasmetal: repasse de resultados da pesquisa arante melhor processo de produção

A inda relacionado aos inoxidái^L veis, o grupo tem avançado L^^ no estudo dos aços ferrítir % cos-austeníticos, também ^L. i^^. chamados de dúplex. Criado na década de 1970, esse material é muito usado em ambientes que exigem alta resistência à corrosão, como centrífugas para produção de sabonetes em indústrias químicas e bombas hidráulicas que trabalham na indústria petrolífera e de mineração, em contato com meios lamacentos. "Estudamos, entre outros aspectos, as relações de orientação entre as duas fases (ferrítica e austenítica) desses aços. Quando esse material precisa ser conformado (o mesmo que estampado) para que adquira a sua forma final, a textura é um fator fundamental no comportamento da estampagem. Por isso, precisamos selecionar os processos termomecânicos que vão

induzir à textura adequada para a conformação do material", explica o físico Nelson Batista de Lima, do Laboratório de Difração de Raio X do Ipen. Motores elétricos - Além dos avanços na área de inoxidáveis, os pesquisado0 PROJETO Otimização da Microestrutura, da Mícrotextura e da Mesotextura de Materiais Ferrosos Avançados MODALIDADE Projeto Temático COORDENADOR ÂNGELO FERNANDO PADILHA-

USP

INVESTIMENTO R$ 345.075,08 e US$ 447.946,00

res têm feito progressos no aperfeiçoamento das características dos aços elétricos ao silício usados em motores elétricos e transformadores de vários equipamentos eletrônicos. Esses aços, que contêm em sua composição cerca de 2% de silício, possuem um papel crucial na matriz energética do mundo, porque aproximadamente 50% da energia elétrica produzida é consumida pelos motores elétricos. "Nosso trabalho tem um único objetivo: desenvolver aços para fins eletromagnéticos que tenham uma menor dissipação de energia quando em operação. Isso significa que é preciso reduzir o aquecimento desses motores", explica o engenheiro metalurgista Fernando Landgraf, pesquisador do IPT e um dos subcoordenadores do projeto. A função do aço em um motor elétrico é amplificar o campo magnético. Dessa forma, ampliam-se as forças de magnetização e, conseqüentemente, a potência do motor. Como o motor é magnetizado e desmagnetizado 60 vezes por segundo, o aço se aquece e a energia é dissipada. Esse é um efeito colateral indesejado do funcionamento dos motores elétricos, chamado de perda histerética. "É ela que tem de ser diminuída. Nosso grande desafio é produzir aços de melhor qualidade e assim reduzir esse tipo de perda", diz o pesquisador. A qualidade dos aços elétricos, por sua vez, está relacionada a cinco fatores: o tamanho médio dos cristais que compõem a liga, o número de defeitos cristalinos, o número e o tamanho de microcristais de impureza (chamadas de inclusões) e a textura cristalográfica, ou seja, a orientação dos cristais no espaço. "Os fabricantes de aço já têm boas receitas para controlar as três primeiras variáveis e reduzir as perdas histeréticas. O problema reside em controlar a textura", diz Landgraf. "Pelo menos 30 grupos mundiais tentam descobrir um método que permita fabricar a textura ideal para minimizar essas perdas." Em um aço com textura perfeita, os cristais em forma de cubo devem estar distribuídos de tal maneira que todos tenham uma de suas faces paralela à superfície da chapa. Além disso, devem estar espalhados ao acaso de forma que ao se aplicar um campo magnético de qualquer direção sempre prevaleça uma grande quantidade de cristais com uma aresta paralela à direção desse camPESQUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 69


po. "Estamos perseguindo esse sonho por dois diferentes caminhos: um baseado numa nova tecnologia de fabricação de aços chamada lingotamento contínuo de tiras, e o outro na tecnologia convencional de lingotamento contínuo", conta Landgraf. Segundo o pesquisador do IPT, o novo método apresenta uma grande vantagem econômica, porque a partir do aço líquido é possível produzir chapas de 2 milímetros (mm) de espessura, em comparação com os 250 mm do processo tradicional. As chapas para fabricação de aços elétricos devem ter 0,5 milímetro de espessura. "A nova tecnologia proporciona uma grande economia de recursos no processo de laminação e, além disso, produz aços elétricos com a textura ideal. Só que, quando o aço passa por uma nova laminação para reduzir a espessura de 2 para 0,5 milímetro, a textura que era perfeita sofre uma drástica deterioração", afirma Landgraf. "Nossos esforços são no sentido de recuperar a textura ideal, igual à existente ao final do processo de lingotamento contínuo de tiras, controlando a laminação e o aquecimento."

A

A boa boi notícia é que o grupo do

IPT conseguiu, há um ano, resultados animadores. Depois de muita pesquisa, conseguimos fazer com que 20% dos cristais fiquem com a face do cubo paralela à superfície. Ao longo de 2003, repetimos e confirmamos o processo quatro vezes. Foi uma descoberta importante que deverá ter impacto em nível mundial. Por isso, estamos num momento de finalizar o depósito de patente dessa nova técnica", conta o pesquisador. Para se ter uma noção do avanço que isso representa, basta saber que os aços elétricos produzidos hoje têm apenas 5% dos cristais orientados adequadamente. Com o ordenamento de 20% dos grãos, os pesquisadores reduziram em 20% as perdas com a dissipação de energia. Com isso, os motores ficam 3% mais eficientes. O outro caminho trilhado pela equipe consiste em um aprimoramento do processo convencional de lingotamento contínuo. Nele, o aço é laminado a quente até atingir 2 milímetros de espessura e, em seguida, sofre uma laminação a frio que o deixa com 0,54 milímetro. Numa fase posterior, o aço é 70 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

aquecido e novamente laminado a frio para atingir a espessura ideal de 0,5 milímetro. Depois, é reaquecido para aumentar o tamanho dos cristais, eliminar alguns defeitos e desenvolver textura. "Nessa tecnologia, estudamos alterações para que, ao final do processamento do aço, exista um maior número de cristais ordenados de maneira ideal", explica o pesquisador. Aços carbono - Outra linha de pesquisa do projeto está ligada a um melhor desempenho dos aços de ultrabaixo carbono (porcentagem de carbono menor que 0,005) também usados em processos de estampagem. Esses aços são formados, quase na totalidade, de ferro, porque a concentração de carbono é muito reduzida. Eles são empregados na fabricação de capas de ferro elétrico, tampa de grill, fechaduras, dobradiças, paralamas, carroceria de automóveis etc. A obtenção de uma textura mais avançada que a atual é importante porque ocasionará menos perdas na produção e melhor aproveitamento do material. As informações produzidas pelo grupo estão sendo repassadas para a relaminadora Brasmetal-Waelzholz, uma joint-venture composta por 51% do grupo brasileiro Vidigal e 49% da matriz alemã. A em-

presa, instalada em Diadema (SP), realiza há mais de dez anos trabalhos em parceria com a Poli-USP. "Graças à pesquisa, conseguimos melhorar o processo de fabricação de alguns de nossos produtos, como capas de ferro elétrico e carcaças de filtros de ar e de óleo de automóveis, elevando consideravelmente o índice de acerto. A produção desses materiais é complexa porque sua conformação, ou seja, a moldagem, é muito difícil, o que prejudica o sucesso da estampagem. Com os conhecimentos gerados pelo projeto, o índice de acerto agora é de 100%", afirma o engenheiro metalurgista Antenor Ferreira Filho, diretor industrial da Brasmetal-Waelzholz. A empresa não divulga qual era o índice de acerto anteriormente e ainda não contabilizou os ganhos econômicos advindos do uso do processo otimizado. Segundo Ferreira Filho, a otimização do processo só foi possível em função da melhor compreensão dos aspectos envolvendo a textura dos aços de baixo carbono. Para isso, os pesquisadores contaram com o auxílio de modernos equipamentos, como um microscópio eletrônico de varredura, instalado na Escola Politécnica, que permite a execução de análises de microtextura por meio de uma sofisticada técnica cha-


jing, na China, conseguiu com esse método aumentar o alongamento para 17%. A equipe coordenada por Schõn está investigando as causas desse fenômeno. "Nosso grupo de pesquisa trabalha na caracterização dessas texturas, durante todas as etapas do processamento termomecânico, para permitir a compreensão dos mecanismos que causam a melhoria das propriedades dos aluminetos de ferro", afirma Schõn. "Fazemos pesquisa básica, mas existe um grande potencial para aplicação tecnológica a médio prazo, por exemplo, na indústria automobilística, na fabricação de peças de motores de combustão interna que trabalham em contato com gases de exaustão em altas temperaturas", diz o pesquisador.

mada difração de elétrons retroespalhados (Electron Back Scattered Diffraction - EBSD). O quarto objeto de estudo do grupo são os aluminetos de ferro formados entre átomos que correspondem a ligas de ferro e de alumínio que apresentam uma composição química bem definida e possuem como característica o fato de serem duros e, ao mesmo tempo, frágeis. "Os materiais baseados nesses compostos recebem o nome de materiais intermetálicos ordenados", define o físico Cláudio Geraldo Schõn, da Escola Politécnica da USP, que também integra o projeto temático. Novos compostos - As pesquisas visando o desenvolvimento desses compostos têm avançado em várias partes do mundo porque os materiais intermetálicos baseados em aluminetos de ferro, de níquel e de titânio apresentam uma série de vantagens quando usados para aplicações estruturais, como palhetas de turbina utilizadas na geração de energia termoelétrica. "Como os aluminetos de ferro têm teores elevados de alumínio, são mais leves do que os aços e sua resistência à corrosão e à oxidação é muito alta. Além disso, esses materiais caracterizam-se por uma estrutura ordenada, que lhes confere uma ótima es-

tabilidade estrutural e, conseqüentemente, boa resistência mecânica a altas temperaturas", explica Schõn. O problema ainda não solucionado pelos pesquisadores é a fragilidade mecânica deste composto em temperatura ambiente, induzida pela introdução de grande quantidade de alumínio. "Esses novos materiais têm baixa resistência a impacto e perda de maleabilidade. Enquanto em testes de tração o aço pode alongar até 40% do seu tamanho original, os compostos intermetálicos chegam somente a 4%", conta o pesquisador da Escola Politécnica. Para controlar essa limitação, podem ser adotadas duas abordagens. A primeira, baseada numa rota química, prevê a adição de cromo e boro entre outros elementos à liga para aumentar sua ductilidade, ou seja, sua capacidade de se deformar sem quebrar. O segundo caminho consiste em submeter o material a um processamento termomecânico por meio de laminação controlada. Os pesquisadores acreditam que o aumento da ductilidade tenha correlação com uma textura especial desenvolvida durante a laminação. Um grupo de cientistas da Universidade de Ciência e Tecnologia de Bei-

Workshop de peso - O sucesso do projeto, que já originou um livro e um CD sobre textura cristalográfica, pode ser medido pela produção científica do grupo, que inclui a publicação de 35 artigos em periódicos estrangeiros, a divulgação de 71 trabalhos em anais de eventos nacionais e internacionais e a produção de nove dissertações de mestrado e três teses de doutorado. Em quase quatro anos de trabalho, participaram do projeto cerca de 60 pessoas entre pesquisadores, alunos de pós-graduação e iniciação científica e técnicos de nível médio e superior, além dos coordenadores e mais sete subcoordenadores do temático. "Pelo menos uma dezena de jovens pesquisadores foi treinada e recebeu sólidos conhecimentos e independência para conduzir pesquisas na área de cristalografia e textura, conhecida como Engenharia de Contornos de Grãos", afirma o engenheiro Ângelo Padilha. Além disso, a equipe que coordena o temático organizou, no início de dezembro, o 2o Workshop sobre Textura e Relações de Orientação, realizado no Ipen, que contou com a presença de mais de cem participantes, entre pesquisadores dos principais grupos de pesquisa na área e engenheiros de empresas produtoras e processadoras de materiais metálicos planos, onde o controle de textura é particularmente importante. "Não é qualquer país que pode reunir mais de cem pessoas interessadas em discutir assuntos tão elaborados tecnicamente", conclui o pesquisador. • PESQUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 71


^

«AIKI Sistema permite controlar doença dos citros com menos pulverizações de fungicidas

pés de laranja na região de Itapetininga (SP). Os resultados mostram que aoadoores ecocitros, uma doença que provoca a queda dos frutos e a perda de ale 80% da produção quando atinge os pomares de laranja. ma de controle que calcula as condições favoráveis á ocorrência da doença, como chuva, estágio de desenvolvimento da florada, e indica a época certa para pulverização de fungicidas. O software foi desenvolvido na faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista (Unesp),em Botucatu, sob a coordenação do professor Nilton Luiz de Souza, pela engenheira agrônoma Natália Aparecida Rodrigues feres, autora de lese de doutorado sobre o novo sistema.

versidade da Flórida, dos Estados Unidos, e da Citrovita, empresa do grupo Votorantim que possui 3 milhões de 72 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

nomizam cerca de R$ 2()(),()() por

Sul, Goiás, Rio de [aneiro, Bahia e São Paulo, estado responsável por 70% da produção brasileira de citros. No inicio dos estudos, Natália (cr-

tores br;

sobre do

ava seu mestrado em horticu

em, gratuitamente,

ço http: //infotech.ifas.ufl.edu/disc/pfd/. "O trabalho começou em 1997" diz o professor Souza, que há 30 anos pesgos causs Mantas, loi quando ren

ior furtgos do gênero Colleto■m frutos como abacate, banana, goiana, manga, m; cuja e morango. Com o mestrado, ela se voltou pai o mesmo 1997 e 1998, Souza e iMatali;-

licitar a colaboração na solução dessa doença que ameaçava a produção de laranjas em Itapetininga." A podridão floral é um problema que atinge várias regiões do Brasil, maior produtor mundial com mais de 1 milhão de hectares de árvores plantadas e uma colheita que somou 371,3 milhões de caixas de laranja na safra 2002/2003. O funso aluiu) age em toorasde laranja, inanta Catarina, Rio Grande do

dar o ciclo da doença para saber a ir estratégia de controle. Para reai pesquisa, foi instalada, então, .'stação meteorológica para coletar os dados climatu climáticos de chuva, temperatura ira e molhame molhamento foliar, que ena radio pan

computadorizada. No período de junho de 1999 a julho de 2002, Natália dedicou-se á pesquisa que resultou no Sistema de Previsão e Controle da Podridão floral dos Citros. Em 1999, ela


viajou para os Estados Unidos, onde fez estágio de um mês na Universidade da Flórida, na cidade de Lakc Alíred, com o professor Lavem Wayne "Pele" Timalistas em mer, um c De volta ao Brasil, Natália fez os ex

Flórida que indica a necessidade e ó momento ideal de aplicação de fungicidas. Esse modelo norte-americano leva em consideração o número de flores infectadas em 20 árvores, a quantidade total de chuva nos últimos cinco dias e o número de horas de molhamenlo lo-

e Fungicide App te leva em consideração ano, mas estagioo e a intensidade das iiorauas, o icó da doença no pomar, a variedade dos citros, além de fatores

laçòes de [tapetininga e nos pomares da flórida. No trabalho,

ora ile época e favorecem go. Após a seleção de todos os parâmetros, por meio de janelas de múltipla escolha, o sistema calcula o valor de risco de ocorrência da doença e gera uma recomendação para pulve-

a doença era fundamental fazer certo. A presença da podridão varia de ano para ano, de acordo com a coincidência ou não tias chuvas durante o das plantas. 0 fungo pre

Umidade controlada - O siste ma ia foi testado nos último:

tias flores paia se reproduzir.

servados entre quatro e cinco dias após a infeçção. "As fontes .ulaçao sao as células re oras produzidas nas peta s doentes, disseminadas para as flores sadias poi oradas, o va. No período en nas tomas e nos cálices (a parle tia flor que vai dincuitand

o-se com o modelo onda c com outros tipos se período, se lundo a foi indicada Flor de laranjeira: fungo provoca lesões nas pétalas e queda dos frutos

recursos para os produtores. V.

di/ a pesquisadora. "A po )voca lesões de coloração rosco aiaraniai aos ramos. conhecido

Evolução na análise -

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doença, "fi prei chuva e tio nu ri/açao", diz a pesquisadora. O novo sistema desenvolvido p Natália, em parceria com os pesquis dores Lavem Timmcr, I loward BeclSoonho Kim, ila Universidade da II

iies no combate a podridão

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ou ainda, dependendo d.

ações climáticas dos um simples

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0 PROJETO à doença. is pulverizações de Mas nem sempre essa

MODALIDADE

sso, em alguns anos, iiuaniio i disseminação do fungo, as pulverizações podem ser exiladas." O sistema de controle ile Natália baseou-se

íos-doutorado no Mis o de Xio rauio, onde esnas ilos citros que nos Estados Uni

Epidemiologia e Controle de Colletotricjwm acutatum, Agente Causai da Queda Prematura de Frutos Jovens em Citros

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COORDENADOR Sou/A

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INVESTIMENTO

R$ 21.538,25 o US$ 8.710,00

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PESQUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 • 73


ITECNOLOGIA

Ingredientes de ração: análise garante criação de novas espécies

Ração sob medida Estudo desenvolve sistema de análise de alimentos para peixes e camarões

Com o propósito de determinar o potencial para a criação comercial de espécies aquáticas a partir da capacidade de digestão de alimentos industrializados de cada animal, o Instituto Oceanografia) da Universidade de São Paulo (IO-USP) desenvolveu um sistema de análise para controlar a qualidade das rações e seus ingredientes, baseando-se em aspectos fisiológicos e bioenergéticos de peixes e de camarões. Com o estudo pronto, o professor Daniel Eduardo Lemos, coordenador da pesquisa, busca transferir a tecnologia em parcerias com criadores, que poderão ter a identificação mais apropriada das rações, e fabricantes, para incrementar alternativas de formulação e controle de qualidade. Na aquicultura, a ração representa até 60% dos custos variáveis. A técnica empregada para determinar a alimentação mais apropriada consiste em analisar, por meio de uma reação bioquímica, a digestibilidade das proteínas, componentes mais importantes da dieta de crustáceos e de peixes marinhos. Por meio de uma rea74 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQ.UISA FAPESP 95

ção in vitro, simula-se a digestão da proteína pelas enzimas coletadas do animal. Esse processo provoca rupturas nas ligações entre os aminoácidos. Quanto mais rupturas, maior a digestão do alimento. "Também medimos a quantidade de nutrientes expelidos nas fezes, porque quanto mais alimento perdido menos digerível e apropriada é a ração", diz Lemos. Com isso, determinam-se a qualidade do produto e a absorção do alimento pelo animal. 0 PROJETO Bioenergética, Fisiologia Digestiva e índices de Condição Durante a Ontogênese do Camarão-rosa Farfantepenaeus paulensis e do robalo-peba CCentropomus parallelus.) MODALIDADE

Programa Jovem Pesquisador COORDENADOR DANIEL EDUARDO DE LEMOS

- IO-USP

INVESTIMENTO

R$ 239.585,20 e US$ 23.342,00

O estudo que resultou nesse sistema começou com um projeto do Programa Jovem Pesquisador, da FAPESP, para dar novos subsídios à criação do camarão-rosa (Farfantepenaeus paulensis), espécie comum em grande parte do litoral brasileiro e que foi criada em cativeiro principalmente nas décadas de 1980 e 1990. Segundo Lemos, as criações desse camarão foram preteridas essencialmente pela dificuldade em alimentar o animal de forma adequada. Nesse período, o camarão-branco do Pacífico (Litopenaeus vannamei) ganhou mercado por engordar mais com as rações comerciais. Hoje, ele é cultivado em larga escala no Brasil {veja Pesquisa FAPESP n° 92). A chave para viabilizar a produção industrial do camarão-rosa pode estar no fato de essa espécie ser mais carnívora, necessitando de um índice maior de componentes de origem animal em sua alimentação. Ocorre que, em razão do custo, os produtores de rações estão substituindo a farinha de peixe, um dos principais ingredientes desse tipo de alimento. "A substituição é por farinhas vegetais que podem ser importantes para o desenvolvimento sustentado da produção, embora seu uso dependa das necessidades nutricionais das espécies", diz Lemos. Outro aspecto abordado pelo pesquisador é a capacidade de liberação de nitrogênio pelo processo digestivo do camarão. A proteína das rações, caso não seja absorvida, acaba despejada no ambiente, liberando nitrogênio, que pode alterar negativamente o ambiente marinho. "Ao utilizar alimentos de baixa qualidade, o criador pode ter como resultado, além do menor crescimento das espécies, maior poluição resultante do processo de cultivo." A metodologia desenvolvida e os conhecimentos obtidos no IO-USP são aplicados a qualquer espécie de camarão e também de peixes. Por isso, Lemos realiza estudos com grupos do México, envolvendo camarões, e da Espanha, com peixes. "Com isso, esperamos uma expansão da produtividade da aquicultura", finaliza o pesquisador, que já iniciou também estudos para a criação em cativeiro do robalopeba (Centropomus parallelus), outra espécie brasileira. •


ITECNOLOGIA QUÍMICA

Padrão mundial Quimlab é a empresa do ano em incubadoras pela produção de produtos químicos inéditos no país

Uma pequena empresa, com 17 funcionários, que fatura R$ 1 milhão por ano, fornecendo produtos químicos para empresas como Rhodia, Petrobras, Kodak, Mercedes-Benz, General Motors e Votorantim, além da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) e da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). Esse é o perfil comercial da Quimlab, empresa instalada na Incubadora Tecnológica da Universidade do Vale do Paraíba (Univap), de São José dos Campos, que ganhou o prêmio de Empresa Incubada do Ano de 2003, em eleição promovida pela Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos de Tecnologias Avançadas (Anprotec), entidade que reúne incubadoras e parques tecnológicos no país. Por trás desse sucesso está o reconhecimento à inovação de uma empresa que desenvolveu e produz, de forma inédita no país, padrões químicos elaborados sobre critérios metrológicos. São substâncias de uso industrial empregadas para calibração de instrumentos que medem parâmetros como pH, condutividade iônica ou concentração de metais, por exemplo, em análises nas quais se verifica a presença de chumbo ou ferro em um alimento. Nesse último caso, os padrões servem para calibrar os equipamentos que realizam análises por espectrofotometria, ou análise de elementos químicos em um material através da emissão ou absorção de luz. Assim, a Sabesp, por exemplo, usa um produto da Quimlab para verificar a acidez da água. A Petrobras investiga a presença de chumbo e enxofre na gasolina e as montadoras de veículos fazem o controle de qualidade do aço utilizado

"Essa preocupação com a qualidade está presente nas empresas certificadas pela norma ISO 9000, que contempla a necessidade de as medições realizadas no processo produtivo estarem rastreadas a padrões reconhecidos internacionalmente", afirma o químico Nilton Pereira Alves, diretor da Quimlab. A montagem da empresa, mostrada em Pesquisa FAPESP n° 55, iniciada em 1997, exigiu a importação de grande quantidade de padrões químicos do National Institute of Standards and Technology (Nist), referência nessa área em todo o mundo que atua de forma semelhante ao Instituto Nacional de Metrologia, Normatização e Qualidade Industrial (Inmetro) no Brasil. "Trouxemos os protótipos que serviram para desenvolver e avaliar a nossa Soluções: calibrar equipamentos de análise produção de acordo com as necessidades da indústria brasileira", diz por elas, verificando, por exemplo, a preAlves. "Se não fosse o investimento da sença de cobre, zinco ou ferro nas chaFAPESP, não teríamos conseguido monpas que compram das siderúrgicas. Por tar a empresa e nem ganho o prêmio." sua vez, a Kodak analisa a qualidade das A Quimlab deve mudar para uma sede matérias-primas que usa para fabricar definitiva, numa fase pós-incubação, filmes de raios X e papel fotográfico. quando estiverem terminadas, no final de 2004, as instalações do Parque Tec0 PROJETO nológico Univap. Ao lado da Quimlab, no prêmio da Laboratório de Metrologia Química Anprotec, estiveram a Incubadora Municipal de Empresas de Santa Rita do MODALIDADE Sapucaí (MG) como a Incubadora de Programa de Inovação Tecnológica Base Tecnológica do Ano, pelo trabaem Pequenas Empresas (PIPE) lho realizado nas áreas de tecnologia COORDENADOR da informação, e a Polymar, de FortaleNíLTON PEREIRA ALVES - Quimlab za (CE), eleita a Empresa Graduada (que deixou a incubadora), pelo desenvolviINVESTIMENTO mento e produção de alimentos funcioR$ 71.716,00 e US$ 149.878,00 nais e suplementos alimentares. • PESQUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 75


[TECNOLOGIA

INDUSTRIA FARMACÊUTICA

Dose semanal Empresa adquire da UFMG o direito de produzir anti-hipertensivo com técnica de liberação controlada de fármaco

O sonho de todo hipertenso manter a pressão arterial sob controle com pouco remédio - está próximo de se tornar realidade. A novidade é a ingestão de apenas uma dose de medicamento anti-hipertensivo por semana para se livrar dos males da hipertensão, doença que causa sérias deficiências funcionais no sistema cardiovascular e atinge cerca de 20% da população mundial. A composição do fármaco, desenvolvida na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), está na fase de testes pré-clínicos que dentro de seis a oito meses darão lugar a testes clínicos, quando centenas de voluntários, sob severa supervisão médica, testarão o novo medicamento. Se aprovada, a droga vai se transformar em uma novidade mundial. A boa expectativa médica e comercial está no caminho da futura fabricante, a Biolab-Sanus, empresa de capital nacional que adquiriu o direito de produzir e comercializar o medicamento sob proteção de patentes nacional e internacional e agora financia os testes pré-clínicos e clínicos. Para a UFMG, esse é o primeiro contrato de transferência tecno76 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

lógica para a indústria farmacêutica baseada em patentes e royalties. Tanto um dos coordenadores do projeto na UFMG, professor Rubén Sinisterra, do departamento de Química, quanto o diretor técnico-científico da Biolab-Sanus, Dante Alário Júnior, acreditam que o medicamento estará na prateleira das farmácias dentro de três anos. O rápido tempo de aprovação, normalmente maior nesses casos, está no fato de o medicamento não conter um novo principio ativo ou molécula inédita, e sim o uso de tecnologias modernas de encapsulamento molecular. A novidade está na composição do invólucro do principio ativo, esse um velho conhecido de médicos e pacientes que ainda não pode ter o nome revelado. A fórmula desse novo medicamento foi obtida por meio da tecnologia de encapsulamento molecular, um sistema de liberação controlada do fármaco no organismo, que, no caso deste anti-hipertensivo, permite que a mesma quantidade da dose diária do medicamento tradicional atue no organismo por até uma semana, reduzindo a ingestão para apenas um comprimido a cada sete dias. Para os hi-


110 100

90 80


pertensos, além do conforto de não tomar remédio diariamente, a menor quantidade de droga no organismo reduz os eventuais efeitos colaterais. O encapsulamento do fármaco é feito com uma substância formada por moléculas de glicose, chamada de ciclodextrina, que apresentam em seu interior uma cavidade hidrofóbica (que repele a água) capaz de conter o princípio ativo. Uma das possibilidades dos pesquisadores é concluir o medicamento com um composto de inclusão (ciclodextrina mais o fármaco) microencapsulado em um suporte formado por polímeros biodegradáveis de última geração derivados dos ácidos glicólico e lático, que se dissolvem aos poucos no organismo. Segundo Sinisterra, o encapsulamento altera as propriedades físico-químicas e biológicas do princípio ativo, proporcionando a proteção necessária para manter a estabilidade do fármaco e permitindo a lenta absorção da droga pelo organismo. Uma das funções das ciclodextrinas é levar o fármaco até o cólon (intestino grosso), onde ele interage e atravessa aos poucos a membrana gastrointestinal para, depois, cair na circulação sangüínea. A diferença da nova formulação com os fármacos tradicionais está na liberação lenta e constante durante a passagem pelo intestino. A pouca absorção e a rápida eliminação é um dos principais problemas nas formulações convencionais. No sistema de liberação controlada, o aproveitamento do fármaco é muito melhor. A inovação foi desenvolvida em conjunto pelos pesquisadores Rubén Dario Sinisterra e seu aluno de doutorado Washington Xavier de Paula, do Departamento de Química do Instituto de Ciências Exatas (ICEx), e Robson Augusto Souza dos Santos e Fredéric Frézard, professores do Departamento de Fisiologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB). Para a universidade, o processo de transferência de tecnologia foi também inovador. Segundo Sinisterra, este contrato é um marco nas relações entre a universidade e a indústria farmacêutica brasileira. "Em termos de negociação, talvez essa não seja a melhor ou a mais vantajosa, mas é a mais importante porque foi a primeira. É uma novidade no Brasil", afirma o pro78 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

fessor. O diretor técnico-científico do Biolab-Sanus, Dante Alário Júnior, disse que se "surpreendeu positivamente" com a agilidade e a maturidade da UFMG nessa negociação. E, para ele, o fato deve ser comemorado também pela indústria. "Que eu saiba, será a primeira vez que um medicamento com tecnologia desenvolvida por uma universidade brasileira e produzido pela indústria farmacêutica nacional chegará como inovação no mercado externo. Nós exportamos sim, mas concorremos apenas pelo preço e nunca pelo diferencial tecnológico", revela. Universidade e empresa guardam sigilo sobre detalhes da tecnologia desenvolvida e da negociação. Os envolvidos evitam falar em valor porque acreditam que isso ajuda a preservar o sucesso deste contrato pioneiro. A pesquisa foi custeada pela própria UFMG, por meio da Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep). O contrato com a Biolab prevê, entre outros itens, o reembolso do que foi gasto pela universidade e o pagamento de royalties sobre o faturamento líquido das vendas do medicamento. Os recursos serão distribuídos em três partes iguais, sendo uma para a instituição, outra dividida entre as duas unidades que participaram da pesqui-

sa, ICB e Icex, e a terceira rateada entre os quatro pesquisadores envolvidos no projeto. O acordo foi realizado por meio da Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica da UFMG. Robson Santos, coordenador do laboratório de Hipertensão do ICB, fala com entusiasmo sobre a experiência. "Foi uma união muito feliz," diz. No Laboratório de Química dos Compostos de Inclusão e Biomateriais, coordenado pelo professor Sinisterra, foi desenvolvido o sistema de liberação controlada do fármaco, e no de Laboratório de Hipertensão, onde se estudaram os mecanismos neurais e hormonais envolvidos no desenvolvimento e na manutenção da elevação da pressão arterial foram realizados os testes pré-clínicos (em ratos) utilizando a telemetria. Esse sistema de controle é realizado por meio de um cateter implantado no rato para a transferência dos sinais da pressão arterial para um computador, sem a manipulação e o conseqüente estresse do animal. "Até então, nós nem nos conhecíamos", diz o médico fisiologista. Santos é presidente da Sociedade Brasileira de Fisiologia, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Hipertensão e membro do corpo editorial da revista Hypertension, da American Heart Association.


nismo foram testadas e demonstradas com bons resultados. Os testes pré-clínicos em escala laboratorial concluíram que, no organismo dos ratos, a nova formulação do medicamento permaneceu entre três e sete dias. O sistema de telemetria possibilita monitorar os parâmetros cardiovasculares (pressão arterial e batimentos cardíacos) por períodos de até seis meses, continuamente. Esses testes comprovaram o conceito, ou seja, a eficácia do composto. "Mas a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) exige muito mais para licenciar, certificar e autorizar a comercialização de um medicamento", explica Dante Alário, da Biolab. Ele disse que a empresa ainda fará testes pré-clínicos complementares, de toxicidade e outros, e em maior escala, por cerca de oito meses. Só então começarão os testes clínicos, com humanos, que devem durar cerca de dois anos e meio, quando se saberá com certeza o tempo de permanência do fármaco no organismo.

O Colombiano Rubén Dario Sinisterra chegou ao Brasil em 1989 para fazer doutorado no Instituto de Química da USP. Depois, se transferiu para Belo Horizonte e, desde 1993, é professor na universidade mineira.

A aproximação apr< dos pesquisa-

A do dores da UFMG com a em-

A-

presa se deu com a intermediação do Centro de Toxinologia Aplicada (CAT), um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) financiados pela FAPESP. A apresentação do sistema de microencapsulamento foi feita no ano passado em um seminário promovido pelo CAT em São Paulo. "Fizemos a ponte entre os colegas de Minas e a empresa que já conhecíamos", afirma o professor Antônio Carlos Martins de Camargo, do Instituto Butantan e coordenador do CAT. A Biolab, junto com outra empresa do mesmo grupo, a União Química, e a Biosintética, que formam o consórcio Farmacêutico Nacional (Coinfar), financiam o desenvolvimento de outro anti-hipertensivo, também com a participação dos pesquisadores da UFMG, que tem como princípio ativo uma substância chamada de Evasin, extraída do

veneno da jararaca e identificada pelo CAT. "Essa é uma nova molécula que exige um maior número de testes até se transformar em medicamento. Começaremos os testes clínicos em meados deste ano com boas perspectivas porque todos os experimentos feitos até aqui foram muito positivos." No trabalho realizado pelos pesquisadores na UFMG, o novo medicamento foi testado em ratos hipertensos, convencionais e transgênicos. O pesquisador Robson explica que é importante testar os dois modelos porque a doença nos ratos naturalmente hipertensos e nos transgênicos, desenvolvidos para estudo de doenças cardiovasculares, tem mecanismos diferentes. Todas as ações do fármaco no orga0 PROJETO Encapsulamento Molecular de Fármacos Anti-hipertensivos COORDENADORES RUBéN DARIO SINISTERRA ROBSON AUGUSTO SOUZA DOS SANTOS

e FRéDERIC FREZARD - UFMG INVESTIMENTO Não divulgado

Bom preço - Embora ainda faltem algumas etapas para que o remédio seja produzido em escala industrial, Dante Alário garante que a Biolab vai conseguir aliar qualidade com bom preço. "Pelo ineditismo, somos obrigados a dispor de mais recursos até o produto ficar pronto. Mesmo com a necessidade de amortizar esses custos, acredito que conseguiremos colocar no mercado um medicamento que será farmacológica, terapêutica e economicamente interessante para o consumidor." No mundo inteiro, a rotina dos hipertensos que sabem que têm a doença inclui uma dose diária de medicamento para manter a pressão arterial em níveis normais. A doença é "democrática", silenciosa e atinge pessoas de todos os continentes, raças e classes sociais, especialmente após os 55 anos de idade. Em pelo menos 90% dos casos, as causas, por não serem identificáveis, são consideradas multifatoriais, e, por isso, trata-se o sintoma. Já as conseqüências são bem claras. A hipertensão arterial muitas vezes só é percebida quando o doente é surpreendido por uma grave doença coronária ou um acidente vascular encefálico, que causam morte ou transformam negativamente a vida de milhões de pessoas, muitas vezes por negligência com o tratamento. • PESQUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 79


HUMANIDADES HISTORIA

Modernos na marra Livros mostram como elites implementaram civilização no Rio de Janeiro e em São Paulo

CARLOS HAAG

Diz um velho ditado que "a pena é mais forte do que a espada". Mas é difícil acreditar nisso quando pensamos no Brasil no início de sua fase pós-monárquica, com Deodoros e Florianos, de espada em punho, introduzindo goela abaixo do país a modernidade e a civilização nascida de um salto com a República. O ditado, no entanto, ganha uma dose de verdade quando se lê Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República, de Nicolau Sevcenko, sua tese de doutorado, escrita nos anos 1980 com o apoio da FAPESP e agora relançada pela Companhia das Letras em versão revista e ampliada. A leitura do estudo, que mostra como as elites puseram abaixo edifícios e ideais no Rio belle époque, ganha como pendant ideal o recémlançado A capital da solidão (Editora Objetiva, 560 páginas), de Roberto Pompeu de Toledo, uma história de São Paulo das origens a 1900. A comparação está nas diferenças: embora trajetórias estruturadas de forma tão diversa, ambas as cidades tentaram inserir a modernidade na marra, numa tentativa de renegar o passado e sufocar o que havia de "incivilizado": a massa popular. 82 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

Nas duas metrópoles verificamos o mesmo desejo de, como observa Sevcenko, "ajustar suas contas com o passado, conduzindo uma reforma urbana encabeçada, como sempre, pela aliança entre a elite econômica e a elite técnicocientífica, da qual não restou nenhum resíduo dos tempos coloniais". Cada cidade dissecou o fenômeno comum a sua maneira: São Paulo com a Semana de 22 optou pela celebração de um passado mítico pré-histórico, com as vistas para o futuro, esquecida do presente estropiado pela modernidade; já o Rio teve a sorte de contar com "mosqueteiros" das letras, escritores idealistas que não engoliram a pílula civilizatória e acreditavam no poder da pena, segundo análise de Sevcenko. Euclides e Lima Barreto - Daí, a tese do pesquisador, centrada em dois críticos, diferentes entre si, mas unidos contra a República toda-poderosa e "inovadora": Euclides da Cunha e Lima Barreto. "Os dois eram herdeiros intelectuais da 'geração de 1870', cuja plataforma propunha a modernização nacional, mas pela eliminação de seus grandes entraves: a escravidão, a dominação política por um pequeno grupo de latifundiários e um regime centralis-

ta, autocrático e defasado com as recentes transformações científicas. Para eles, isso ajudaria a criar uma sociedade democrática, equilibrada, moderna e justa no Brasil", diz Sevcenko. Tudo o que a nascente República parecia prometer. "Eles, porém, tinham a convicção de que, em vários aspectos, a sociedade conservadora e arcaica do Império parecia mais avançada do que o regime discricionário, brutal, repressivo e reacionário paradoxalmente implantado pelo republicanismo", continua o pesquisador. Euclides e Lima Barreto desconfiavam dos "reformadores apressados" do novo regime, em verdade, uma camada de arrivistas que trazia consigo disposições discriminatórias e anti-sociais. Em meio a um mar de elogios, os dois tiveram a ousadia de ser voz dissonante e fazer da literatura não apenas arte, mas um instrumento de mudança, moldado pelos novos tempos e que deveria, por sua vez, moldar esses tempos. "Durante todo o século 19 até a Primeira Guerra, a literatura representava a principal arena da opinião pública nas sociedades capitalistas do Ocidente. No caso do Brasil, com uma maioria esmagadora de analfabetos, a opinião pública e os círculos decisórios afeta-


Morro do Castelo, destruído em 1922: elites temiam aglomeração

São Paulo: no fim do século 19 cidade começou a adquirir ares de metrópole

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Rio a beira-mar: cidade se concentrou ao longo da orla marítima

dos se concentravam numa minoria, em cujo interior, porém, o papel de intelectuais e escritores era de reconhecida relevância", explica Sevcenko. "Poucas vezes a criação literária esteve tão presa à própria epiderme da história tout court" Eram divididos, entretanto, em suas visões do que era melhor para o país. "Para Euclides, tratava-se de redistribuir a renda gerada pelo setor cafeeiro, transferindo-a para a promoção econômica do interior do país. Para Lima, ao contrário, era preciso desestimular e desativar o setor cafeeiro, o qual era mantido artificialmente à custa do prejuízo social e econômico de todo o país", observa o professor. Euclides preferia o capital e o imigrante estrangeiros, enquanto Lima defendia recursos e trabalho nacionais. De qualquer maneira, identificavam-se, ao contrário da maioria de seus colegas de letras, com as camadas marginalizadas pela modernidade à força. "Isso, embora fossem premidos entre a massa e a elite. Contemplavam o governo a partir da perspectiva do homem das ruas ou do campo, ao mesmo tem84 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

po que encaravam esse homem como alvo de projetos de reforma política e social. Vivendo como pacientes, refletiam como agentes", nota Sevcenko. A literatura vira missão. "Esses dois conjuntos de textos permitem entrever a produção literária, ela mesma, como um processo homólogo ao processo histórico, seguindo, defrontando ou negando-o, porém referindo-o sempre na sua faixa de encaminhamento próprio. A literatura aparece como uma instituição, no sentido de que a própria sociedade é uma instituição, na medida em que implica uma comunidade envolvida em relações de produção e consumo", analisa o autor. 0 "mosqueteiro" Machado - Dessa forma, segundo Sevcenko, o poeta tem uma missão mais complexa do que o cientista, o técnico ou o governante, pois "através de suas obras eles propugnam caminhos e meios concretos para a remissão do homem simples, aviltado em sua humanidade" pelo novo progresso imposto que lhes nega existência e inserção. Na nova edição de seu livro, o pesquisador acrescentou um sa-

boroso posfácio que incluiu um inusitado "mosqueteiro": Machado de Assis, cuja atuação é analisada a partir de um conto, Evolução. Nele, Benedito, fazendeiro de café, se encontra, num trem, com Inácio, empresário e engenheiro, que lhe anuncia: "O Brasil é como uma criança que está engatinhando e só começará a andar quando tiver muitas estradas de ferro". Benedito se encanta com a sentença de Inácio, para, ao longo do conto, chegar ao fim todo feliz com a sua idéia. A velha elite, esperta, sabe, como se vê por Benedito, que "a alternativa proposta por Inácio (a nova elite do país, tecnocrática e republicana) permitiria reordenar o quadro social e econômico em favor da continuidade de seus privilégios". Ou, nas palavras do sobrinho do protagonista de O Leopardo, de Lampedusa: "Tudo deve mudar para continuar o mesmo". "Machado, ao contrário dos escritores mais jovens que desejavam atacar as convenções literárias, sabia operar à vontade no interior delas, corroendo-as por dentro, com sua escrita reflexiva e autoconsciente. Bastava suspeitar dos valores dominantes. Ou, como ele mes-


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IMPERIAL C1D_A03DÍ. tf

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mo dizia: 'Tudo, meus amigos, menos ser empulhado'", conta Sevcenko. Segundo o pesquisador, o bruxo do Cosme Velho desconfiava tanto do velho latifúndio quanto das novas elites científicas, indo além dos seus colegas "mosqueteiros" Euclides e Lima. "Para ele, os arautos do progresso se tornavam os algozes de uma sociedade em mudança. Por meio de sua simbiose espúria com as camadas dominantes, os agentes da ordem', essa elite esclarecida bloqueou as alternativas de projetos democráticos ou de promoção social." Não sem razão, foi a República Velha o primeiro governo, como nota Carlos Lessa em seu O Rio de todos os Brasis (Editora Record, 496 páginas), a cuidar do "embelezamento" do Rio, com o "Bota-Ababco", o prefeito Pereira Passos. "Mas a fúria construtiva da grande reforma urbana do Rio assinalaria as práticas de segregação espacial, discriminação étnica e exclusão social, típicas da Regeneração. O Bota-Abaixo ensejou ali a instalação de um cenário eclético e art noveau rigorosamente modelado no urbanismo das grandes capitais européias", diz Sevcenko. Era o

Rio do progresso, dos brasileiros "modernos e de cabeça erguida" diante dos visitantes estrangeiros, a imagem viva da "evolução". São Paulo, alguns anos mais tarde, fará o mesmo com as suas feições pela mão do arquiteto Ramos de Azevedo, tentativa de esconder o passado arcaico e lento da "capital da solidão", nota Pompeu de Toledo. A mbas as cidades, no começo, i^L compartilharam o desinteL^^ resse dos colonizadores pei ^L Io seu espaço físico. Em ~X.^L. São Paulo, escolheu-se a via difícil da subida do planalto, onde há tempos os índios estavam estabelecidos e, com eles, um português, João Ramalho (de certa forma, um curioso "pai dos paulistas"). Lá no alto, Martim Afonso de Souza pensava estabelecer, após São Vicente, um posto avançado para penetrar o interior em busca das riquezas da prata. São Paulo acabaria por dever sua existência a um padre gago e purista, Manoel da Nóbrega. "Ele tinha em mente uma imensa utopia. Queria trazer todo um mundo novo para o reino de Deus e da Igreja. Arran-

São Paulo, 1870: paulistanos tinham fama de grosseiros

cá-lo do pecado original, convencê-lo do que considerava 'a verdade'", observa Toledo. Caiu de amores pelo posto no topo do planalto, longe o bastante da "perdição" de São Vicente e dos europeus. Lá poderia trabalhar os índios em paz e fundar "uma nação teocrática". Começou como gostava: criando um colégio, inaugurado em janeiro de 1554, onde surgiria o "mundo imaculado". Contou com a ajuda de um padre noviço, de 19 anos, José de Anchieta, cuja constituição física, enfermiça, o levou aos "bons ares" do Brasil. "Na aldeia entre o Tamanduateí e o Anhangabaú, situada no limite do sertão ignoto, e com freqüência assediada por hordas de índios, as tônicas eram pobreza e isolamento", diz Toledo. Faltava tudo: cadeia para trancar criminosos, prédios decentes, até mesmo camas. O isolamento trouxe ao espírito de seus habitantes um horror à interferência das autoridades do reino, uma "virtual rebeldia da longínqua povoação do planalto". As bandeiras, com sua busca de mão-de-obra escrava indígena, tampouco ajudaram a dar docilidade ou extroversão ao caráter do paulisPESQUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 85


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Rua do Ouvidor; no Rio: alguns escritores tentaram deter "modernidade na marra"

tano: "O caudilho ambulante que era um chefe de bandeira era também um caudilho sedentário, no^itervalo das viagens", nota Toledo. Os índios capturados por esses exércitos liderados por paulistas, mas composto por índios, serviam como força de trabalho para que a incipiente vila pudesse comerciar produtos agrícolas com os centros mais ricos do litoral. A vila, aliás, era um centro que não servia como tal, pois seus habitantes preferiam se isolar num colar de chácaras, sítios e fazendas que, no todo, se constituíam na São Paulo do século 17. "Os paulistas são gente desalmada e rebelde, que não faz caso nem das leis do Rei, nem das de Deus. É um ir e vir, trazer e vender índios", notou um observador da época sobre a má fama dos moradores da vila. Ao contrário do Rio, com seus negros por todos os cantos, São Paulo convivia com índios, comia como eles e até vivia em redes. A própria geografia ampla do planalto permitiu que se pudesse viver isoladamente entre os seus iguais. Já a estreiteza da faixa litorânea onde está o Rio criou bairros que se alinham com as rochas como um colar de 86 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

pérolas: cada uma delas contém um microcosmo que reúne pobres e ricos, forçados a conviver da melhor forma possível. São Paulo permitiu, desde cedo, o isolamento e a estratificação: no início do século 20, por exemplo, para fugir das condições precárias de higiene do centro, os ricos puderam subir para os Campos Elíseos, para Higienópolis e para o platô, onde se construiu a Avenida Paulista. Cada um em seu lugar, isolado dos outros. Mas isso são outros tempos. Até o século 18, mesmo com a descoberta paulista dos veios de ouro das Minas Gerais, a pasmaceira era a tônica da cidade do planalto, piorada com a ida em massa dos habitantes em busca de riquezas no interior. "Ao longo do tempo, a cidade cumpria o destino de, ao povoar o Brasil, plantando vilarejos ao longo e ao fim dos caminhos em que se aventuravam os seus habitantes, despovoar-se a si mesma", explica Pompeu de Toledo. Detalhe: as mulheres que ficavam na cidade, segundo um viajante

inglês, "eram anêmicas e muito sérias". Já os homens, notou Saint-Hilaire, receberam o observador francês "com uma grosseria que parece ser em toda parte de São Paulo um apanágio dos homens das classes inferiores". Mas, continua o viajante, "a localização da cidade é encantadora e o ar que ali se respira muito puro". Foi mesmo profético: para ele, no dia em que Brasil começasse a se industrializar, seria em São Paulo que o processo se iniciaria, observou em 1819, ao mesmo tempo que comentou a praça de touros que a cidade possuía e muito o impressionou. Uma previsão notável, dado o estado de incivilização da cidade em inícios do século 19, quando o Rio fervilhava de novidades e cultura. Foram os estudantes que mudaram pela primeira vez o rumo das coisas: Em 1827, São Paulo ganhou o privilégio de abrigar uma Academia de Direito. "Foi essa academia, por mais modesta que fosse, que veio revitalizar-lhe a economia e trazer algum movimento às ruas. São Paulo, meio sem vocação desde que caducara o seu papel de ponto de partida das expedições de conquista dos sertões, ga-


Vista do rio Tamanduateí: para fugir das más condições de higiene, ricos procuraram bairros altos

nhara nova atribuição e, em conseqüência, nova personalidade", observa Toledo. Não foi fácil conquistar a instituição, pois muitos criticavam o linguajar dos paulistas: "Se nas províncias há dialetos com seus defeitos, é reconhecido que o dialeto de São Paulo é o mais notável. Assim, a mocidade do Brasil, fazendo aí seus estudos, contrairia pronúncia mui desagradável", escreveu o Visconde de Cairu. Os estudantes chegaram de todas as partes do país e as famílias paulistas, assustadas, se escondiam ainda mais, fechadas nas casas. "As calçadas do inferno são mil vezes melhores que as de São Paulo e não há parte alguma mulheres que tenham sido mais virgens que ali", reclamou o estudante Álvares de Azevedo. "A cidade era sendo puxada sempre para trás, pelo poderoso ímã do atraso", diz o autor. Mas veio o café. De início, no Vale do Paraíba, o que em nada ajudou a reverter o quadro. Mais tarde, porém, São Paulo passou a receber os benefícios do progresso. Em 1865, chegou o trem, ou melhor, o desastre de trem, pois a primeira viagem que chegaria na Luz terminou em descarrila-

mento. "São Paulo, a província, articulava-se num todo: economicamente em torno do café, fisicamente ao longo dos trilhos das estradas de ferro e politicamente por interesses comuns que multiplicariam a influência de sua elite no Império", avalia Toledo. Pouco centrada na mão-de-obra escrava negra, não sofreu tanto com a Abolição, ao menos economicamente. São Paulo preferiu ser a cidade dos estrangeiros. Não se pense que isso era sinal de progresso e justiça: os paulistanos usaram os imigrantes não como novos povoadores (veja-se o modelo norte-americano, por exemplo), mas em substituição aos escravos. Velhas e novas elites - A República pode ter acontecido no Rio, mas foi tramada em São Paulo e atendeu sobretudo aos interesses dos paulistas, observa Toledo. O que se pretendia não era um país moderno, mas o federalismo que desse à província o que era da província: privilégios. A elite paulistana após pegar o poder econômico viu que precisava do político. O arquiteto Ramos de Azevedo foi o Fídias da nova e prós-

pera Atenas. "Ramos de Azevedo, com seus edifícios monumentais, doou à cidade uma antigüidade novinha em folha. Depois do café, do trem, das fábricas e do regime republicano, ele foi a cereja no bolo com que a elite paulista festejava sua vitória", resume Pompeu de Toledo. Estamos de volta ao início: nesse momento, Rio e São Paulo destruíam seu passado "feio" a partir da aliança entre as velhas elites e as novas, técnicas e científicas. Enquanto, em 1922, São Paulo brincava que seu passado antropofágico e mitológico, no Rio, se punha abaixo o Morro do Castelo, onde viviam grandes populações negras e mestiças pobres. O modernismo, paulista e carioca, foi o marco decisivo para as estratégias de esquecimento dos tempos renegados. Todas essas forças antagônicas iriam se reunir na Revolução de 30, "mais uma crise histórica aguda equacionada pelo reencontro da ordem com o progresso", observa Sevcenko. Agora não havia mais tempo para "mosqueteiros". O retrato do velho já estava na parede. De cariocas e paulistas. A pena não tinha mais chance com a espada. • PESQUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 87


I HUMANIDADES , ^^^^ ou mais um português à ' ^L procura de coisa melhor." ^^^^ Não fossem de autoria de ^^k um lisboeta que se exilou no k W Brasil há meio século por ^^^^ causa de Salazar, essas palavras logo seriam interpretadas como forma poética de exprimir uma falha na auto-estima do povo lusitano. Ao se definir dessa forma, porém, o poeta e pintor Fernando Lemos acabou expressando um sentimento comum a um bocado de portugueses que, ao deixarem a antiga metrópole por causa de regimes ditatoriais do século 20, ajudaram a fazer as terras que, já se sabia no além-mar, há muito tinham deixado de ser colônia. Lemos fez parte de um grupo de intelectuais portugueses que nunca se intitulou de "grupo". Mas que, agora, com o lançamento de A missão portuguesa - rotas entrecruzadas (Organização de Rui Moreira Leite e Fernando Lemos, Edusc e Editora da Unesp, 235 págs., R$ 59), tem seu legado para a cultura brasileira revisto e classificado sob o conceito de "missão", termo aplicado tradicionalmente aos professores franceses que formaram a Universidade de São Paulo (USP) e aqui empregado por Antônio Cândido para se referir também aos portugueses. O livro conta com 26 artigos e 28 colaboradores, incluídos os organizadores, e discorre sobre 19 personalidades como Carlos Araújo, Eduardo Lourenço, Eudoro de Souza, Jorge de Sena, Vítor Ramos, Manuel Rodrigues Lapa, Fidelino de Figueiredo, Joaquim Barradas de Carvalho e outros. A história começa antes mesmo dos anos salazaristas, quando Sarmento Pimentel, após participar do contragolpe à ditadura de Gomes de Costa, em 1927, decidiu exilar-se no Brasil. Por aqui, tornou-se presidente do Centro Republicano Português e colaborador do jornal Portugal Democrático (PD), o qual, entre 1956 e 1974, foi a via de expressão dos antifascistas portugueses. Entre os colaboradores, estavam escritores, poetas, críticos e ensaístas, como Adolfo Casais Monteiro, Agostinho da Silva, Castro Soromenho, Jorge de Sena e o próprio Fernando Lemos, todos perfilados no livro. "A questão política foi realmente relevante para essas personalidades. Em última instância, a única coisa que havia de comum em todos nós era o anti88 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

CULTURA

Uma missão

portuguesa com certeza

A influência que um grupo de intelectuais lusos legou ao Brasil RENATA SARAIVA


salazarismo", relembra Fernando Lemos, hoje com 77 anos, único sobrevivente ainda residente no Brasil. Num tempo em que a grande imprensa brasileira não compreendia o significado das ditaduras européias, Portugal Democrático tinha um papel didático. "Fomos diversas vezes criticados por fazer um jornal de esquerda, mas nem todos eram do Partido Comunista. Eu mesmo nunca agi efetivamente na política, a não ser em exposições de arte, por exemplo, para angariar fundos para parentes de exilados portugueses", diz Lemos. "Mas sempre tive atuação em eventos de esquerda, à distância o mais possível da direita." Se nas páginas do PD estampavamse as insatisfações políticas contra Salazar, nos circuitos culturais e acadêmicos brasileiros, os "missionários" de Portugal deixavam grandes contribui-

Ilustração de Clóvis Graciano (à esq.) e de Jayme Cortez (acima) no livro Missão portuguesa

ções. Em 1954, durante as comemorações do IV Centenário de São Paulo, lá estavam eles, antecipando as festividades, que devem se repetir em 2004, com o aniversário de 450 anos da cidade. Referência política - "O próprio Fernando Lemos veio para o Brasil para o IV Centenário e acabou ficando", relata Rui Moreira Leite, o outro organizador do livro. Um imenso painel de Lemos foi exibido no hall da Exposição de história de São Paulo, organizada pelo historiador Jaime Cortesão, o mais militante dos "missionários", tendo se exilado, antes do Brasil, na Espanha e na França. Além de referência política para os demais do grupo, Cortesão encontrou espaço, no Brasil, para escrever alguns dos trabalhos fundamentais da historiografia portuguesa moderna. Obteve apoio governamental para de-

senvolver uma pesquisa fortemente baseada nos dados científicos relativos à navegação e, especialmente, na evolução do conhecimento geográfico e cartográfico. Como Cortesão, a maior parte dos integrantes da missão portuguesa era formada por homens de letras - ensaístas e ficcionistas - que encontraram espaço para trabalhar nas universidades brasileiras. "Por meio dos colegas é que me tornei professor de Artes da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, assim como de outras faculdades", lembra Lemos. "A universidade era o espaço que tínhamos para dialogar com a sociedade brasileira." Assim, a primeira parte do livro é exclusivamente dedicada a alguns eventos acadêmicos em que, além de discussões sobre crítica literária, historiografia e outros assuntos, havia embates políticos implícitos. Os Colóquios Internacionais de Estudos Luso-Brasileiros - cuja 4a edição, realizada na Bahia em 1959, é comentada no livro foram exemplos disso. A interferência direta da política do Estado ficou clara em 1954, quando a própria organização do segundo Colóquio foi proposta por Salazar, que se reservou o direito de indicar as personalidades participantes. A pretensão, associada às comemorações do IV Centenário de São Paulo, foi considerada por membros da comissão organizadora uma tentativa de fortalecimento do salazarismo no Brasil. O que não deixava de contribuir para o confronto ideológico extraterritorial que portugueses exilados viviam no Brasil. Enquanto no âmbito coletivo reinava a insatisfação política, a expressão artística cuidava de dar seu recado sobre a experiência do exílio, como se vê na obra de Carlos Maria de Araújo, considerado um "poeta do exílio" do grupo. Também Fernando Lemos teve sua obra poética interpretada como uma expressão do emigrado, principalmente no poema A linguagem é apenas um processo, que diz: "Entrando mal dentro de um/ quadro, por exemplo, a gente pode cair num abismo/ alheio que/ não foi feito para as nossas quedas". "Nunca guardei um saudosismo de Portugal, embora tenha tido sempre presente o fato de ser um estrangeiro. E ser um estrangeiro português é diferente", diz Lemos. • PESQUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 89



■ HUMANIDADES ARTES CÊNICAS

qran ^ família

Pai de Vianinha, ator, diretor, encenador e empresário Oduvaldo Vianna, ressurge em tese

CARLOS HAAG

O menino é o pai do homem: distorça um pouquinho o adágio machadiano e você terá uma boa descrição de como, ao contrário do esperado, as criações do filho genial podem, mesmo sem querer, colocar na sombra a obra do pai talentoso. Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha? Quem não conhece? Mas poucos se lembram de Oduvaldo Vianna (1892-1982), que, como o filho (este celebrado pela crítica), foi um prolífico autor teatral, além de ser, dos 16 aos 80 anos, tradutor, adaptador, diretor, encenador, empresário, professor e jornalista. Esse Vianna a crítica desprezou e o público esqueceu. Seu crime? Fazer rir. Mas sempre no espírito do Castigat, ridendo mores (rindo, castiga os costumes): "Seu teatro se fixa no ouro e na riqueza como espelho da degradação humana", definiu Vianinha. "Ele foi um divisor de águas, fez a ponte entre o teatro de comédia do século 19 (Martins Pena, Artur Azevedo, França Júnior) e a dramaturgia moderna, para influenciar gerações de atores, dramaturgos, diretores e produtores", afirma Wagner Martins Madeira, autor de Formas do teatro de comédia: a obra de Oduvaldo Vianna, tese de doutorado orientada por João Roberto Faria. "Oduvaldo transitou por várias mídias jornalismo, rádio, teatro, televisão, cinema - e teve ascendência direta sobre Mário Lago, Lima Duarte, Dias Gomes e Walter Avancini entre outros." Na tese, Wagner Madeira, além de revelar o valor artístico de Vianna e sua importância para a profissionalização e modernização da cena nacional, resgata a obra do dramaturgo, incluindo vários de seus textos, hoje, desconhecidos.

Curiosamente, Vianna foi "massacrado" por aqueles que deveriam ser seus aliados. Os críticos modernistas, que avaliavam seu trabalho como "coleção de comediazinhas de costume", desprezaram seu esforço (talvez por seu lado prático e pragmático) para nacionalizar o cenário teatral brasileiro. "Meu pai trouxe para o Brasil a primeira companhia que falava com prosódia brasileira e fazia um teatro dirigido exatamente à pequena burguesia que começa a desaparecer, às famílias que tinham choques", lembrou Vianinha num texto de 1960. "Durante a década de 1920, ele combateu a prosódia lusa nos palcos brasileiros. Sabia como ninguém fazer uso da linguagem coloquial, base de seus diálogos primorosos. Acreditava no teatro nacional, pois estimulava, como encenador, o surgimento de novos dramaturgos. Destemido, levava à cena textos de autores brasileiros, mesmo que desconhecidos. Não tinha, portanto, uma postura colonizada no entendimento de que apenas o teatro europeu detinha a qualidade", defende Madeira. Embalagem cômica - Sua pequena "revolução" foi feita com o riso. "Oduvaldo encontrou na comédia o veículo adequado para expressar as suas insatisfações e seus desejos de mudança da sociedade brasileira. Diminuir o âmbito de atuação das comédias de costumes é compactuar com uma visão preconceituosa, em nome, às vezes, de uma visão eurocêntrica do mundo teatral", continua o pesquisador. Vianna foi sábio o bastante para perceber que o público nacional estaria mais atento às suas farpas sociais se elas viessem numa embalagem cômica, mais verossímil do que o drama, já que mais próximo da nossa realidade. PESdUISA FAPESP 95 • JANEIRO DE 2004 ■ 91


Laboratório não é moderninho, não. Vem do senhor Oduvaldo Vianna testemunha Laura Cardoso

"A paixão nacional pela comédia existe, pois, historicamente, é como se o brasileiro, deserdado de cidadania, se descobrisse cidadão ao vivenciar, como protagonista ou espectador, uma situação cômica. Dá-se, então, um ajuste em que o 'fora de lugar' da política e dos costumes ganha uma espaço de representação subversiva da nossa realidade peculiar", explica Madeira. Um pequeno trecho de sua melhor obra, Amor, de 1933 (elogiada pela crítica severa do jornal O Estado de S.Paulo como capaz de causar "uma certa revolução nos velhos processos cênicos da comédia e o maior sucesso até então visto no teatro nacional"), dá o tom de Vianna. Numa cena, o personagem Catão conversa com o sobrinho Artur, que lhe pede dinheiro emprestado. "Empresto-lhe os vinte contos. Para garantia, basta-me a sua palavra...", diz Catão. "Obrigado, doutor...", responde, alivado Artur, apenas para ouvir o arremate do tio: "...E a hipoteca da casa". A peça, aliás, é um dos tópicos polêmicos da tese de Madeira e prova do pioneirismo cênico de Vianna. Escrita para a velha amiga e companheira de cena, Dulcina de Moraes, Amor era pura ousadia em tema e na representação. "Nota-se na peça a preocupação de fazer o teatro acompanhar a mobilidade do cinema, com o seguimento ininterrupto dos enredos, e apresenta uma coisa nova para nós: o cenário dividido em cinco palcos. No tablado central ocorre um drama muito humano e corrente, com pinceladas vivas para ferir a retina do público, e nos quatro pequenos palcos que o circundam vão aparecendo detalhes e comentários à ação", observou o crítico do Estadão. Não é preciso remexer muito a memória para pensar-se em outra peça, de 1943, que foi considerada o marco da entrada da modernidade na cena brasi92 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PES0.UISA FAPESP 95

leira: Vestido de noiva, de Nelson Rodrigues. "Nelson sempre disse que não se inspirara em outra peça para escrever sua obra, mas considero a influência de Amor sobre vestido de noiva inequívoca. Seria impossível, no Rio de Janeiro das décadas de 1930 e 1940, desconhecer a obra de Vianna. Nelson era jornalista e circulava pelo meio cultural. Ele inventou essa história de que não se inspirou em nada", afirma Madeira. "Dizer que Vestido de noiva nada deve nada a Amor é passar um atestado de ingenuidade. A crítica, ao chupar o Chicabon de Nelson, expele uma baba elástica e bovina", brinca o pesquisador. E não foi a única invenção de Vianna. "Oduvaldo era um pragmático. Se entendia que um recurso qualquer poderia acrescentar algo a uma encenação, ele não se furtava de usá-lo", comenta Madeira. A atriz Laura Cardoso, por exemplo, num depoimento, reconhece uma invenção de Oduvaldo: "Antes de ele começar um trabalho havia toda uma pesquisa, uma procura e um labor, porque laboratório não é moderninho, coisa de agora, não. Vem do senhor Oduvaldo Vianna". Efetivamente, já em 1919, Viana fez o elenco de Flor da noite percorrer o submundo carioca a fim de imprimir maior autenticidade à atuação do elenco. Era também, mesmo à custa de um certo autoritarismo, um 0 PROJETO Formas do Teatro de Comédia: A Obra de Oduvaldo Vianna MODALIDADE Bolsa de Doutorado COORDENADOR JOãO ROBERTO GOMES DE FARIA

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FFLCH/USP BOLSISTA WAGNER MARTINS MADEIRA

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diretor de atores que estava atento aos detalhes na representação de todos em cena e não apenas, como era o costume da época, do primeiro ator. Cada um recebia sua atenção e o quadro geral final era de uma produção profissional e com o maior naturalismo possível, o ideal de Vianna em cena. Carpintaria teatral - Outro detalhe fascinante de seu teatro, e que dá a medida de seu cuidado, são as rubricas de suas peças (as indicações feitas para os atores e diretores no texto). Leia-se, por exemplo, a rubrica de Ele chegará amanhã, de 1949: "Ouve-se a flauta do pastor de L'après midi d'un faune, de Debussy. Ruídos noturnos parecem bagos de chumbo rolando em garrafas vazias. Da direita, ouvem-se folhas secas gemendo sob passos nervosos". Essas indicações, a que o público não tem acesso, denotam o notável conhecimento da carpintaria teatral de Vianna e derrubam a tese modernista de um criador medíocre e comercial. "Oduvaldo não se contentava apenas com a marcação feita por um ensaiador, como era hábito da época. Era um encenador de mão-cheia, que não admitia amadorismo. E, ao mesmo tempo, tinha uma capacidade assombrosa de elaborar diálogos factíveis com a representação no palco, de incrível naturalidade, que ronda muito de perto algo tangível, posto que de difícil definição, que seria a maneira do brasileiro se reconhecer por meio do humor", diz Madeira. Como empresário, Vianna repetia o talento do artista. Foi o primeiro a perceber as possibilidades comerciais do teatro de São Paulo e, a partir de 1923, trouxe, do Rio de Janeiro, várias companhias, excursionando pelo interior, algo impensável até então, ainda que hoje seja o maior ganha-pão dos atores de teatro bem-sucedidos. Chegou mesmo a fazer turnês por países vizinhos do Brasil, como Argentina e Uruguai. Além disso, antes de muitos colegas,


entendeu como se poderia vencer a competição com a coqueluche da época, o cinema. "Lançou um molde inédito de teatro, onde a rapidez e a síntese, a graça e os ensaios conscientes traduzem o espetáculo ligeiro, cheio de requinte e digno da mais sedutora e fina emoção", escreveu um crítico da época. Em síntese: as montagens eram boas, divertidas e baratas, dando conta da concorrência do novo meio, que propiciava entretenimento para todos os bolsos e roubava público dos teatros. Vianna conseguiu manter sua audiência grudada nas cadeiras. Ou de ouvido no rádio. "O rádio, aliás, foi o grande culpado de Oduvaldo ter praticamente abandonado o teatro. Ele tinha legiões de admiradores pelo Brasil afora. O genial palhaço Piolim escreveu a Vianna, num misto de ressentimento e humor, pedindo para que ele mudasse o horário de suas radionovelas, pois elas estavam tirando o público do circo", conta Madeira. Foram mais de 250 peças radiofônicas, gênero em que também foi pioneiro, escritas, de início, nos anos 1940, para a Rádio São Paulo. Só não conseguiu imprimir seu toque de Midas no cinema, embora tenha viajado em 1935 para os Estados Unidos a fim de estudar direção, interpretação e montagem cinematográfica. Só fez três filmes: Bonequinha de seda, Alegria e Quase no céu. Suas iniciativas no novo veículo foram abortadas por falta de dinheiro. Mas ninguém se chama Oduvaldo Vianna sem uma boa dose de política. Nisso, o pai ensinou o menino. "Ele contribuiu para a consolidação do Partido Comunista Brasileiro, nos anos 1930 e 1940. Sua casa foi sede de reuniões clandestinas do pardião. Vianinha, com certeza, foi influenciado pela militância do pai, embora ele odiasse, de início, a idéia de ver o filho fazendo teatro como ele. Vianinha levou adiante as propostas do pai no sentido de um engajamento político mais direto, mas deveu muito a Vianna", diz Madeira. Em 1964, já tendo penado com a censura e com a repressão do governo de Eurico Gaspar Dutra (1946-1950), Oduvaldo Vianna foi demitido da Rádio Nacional por suas convicções políticas. Babava, porém, de orgulho do filho irrequieto: "Hoje, com 75 anos, vejo meu filho fazendo aquilo que eu sempre quis fazer: viver para o teatro, na eterna busca de uma arte popular, bem brasileira, bem povo", declarou Vianão sobre Vianinha. O dilema de gerações de Rasga coração estava resolvido. • PESQUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 93


RESENHA

O discreto charme da academia Relançamento traz sabedoria de Gilda de Mello e Souza JORGE COLI

clareza, a elegância calma que foge dos efeitos e dos impactos são características próprias ao estilo de Gilda de Mello e Souza. Estilo avesso tanto a lirismos quanto a debates exaltados. Eis o modo tranqüilo pelo qual ela enuncia uma discordância em seu livro O tupi e o alaúde, novamente publicado com leves atualizações: "Tentarei agora discutir a posição de Haroldo de Campos, para adotar um ponto de vista diferente do seu". Suprema discrição que não impediu, no entanto, quando da primeira edição, em 1979, um jogo polêmico de artigos em jornais. Relendo hoje O tupi e o alaúde fica evidente o quanto esses prós e contras, ataques e defesas, por ele suscitados, estão aquém de suas qualidades. Elas não são, de modo algum, provocadoras, como em reptos circunstanciais e imediatos. Se o fossem, o livro teria perdido seu interesse e permanência. Ao contrário, confirma-se como análise essencial de uma obra maior da literatura brasileira, Macunaíma. Gilda de Mello e Souza expõe os vínculos de Macunaíma com a organização de formas próprias à música popular (mas entenda-se popular não como a produção ligada à indústria do disco, música para a qual, diga-se de passagem, Mário de Andrade não tinha muita indulgência; trata-se aqui daquilo que se convencionou chamar de folclore); e termina por um paralelo iluminador entre Macunaíma e o romance arturiano, mais precisamente a busca do Graal. A autora situa bem a obra dentro da perspectiva nacionalista que, em 1928, o ano da publicação de Macunaíma, era aguda na concepção de Mário de Andrade. Mas o nacionalismo, que foi uma determinante genética de primeira importância para a obra, forma hoje seu sentido mais discutível e datado. Em O tupi e o alaúde toma o posto de circunstância histórica, cedendo lugar ao caráter universal que o livro, de fato, possui.

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O tupi e o alaúde tornou-se uma referência Gilda de Mello e Souza clássica. Traz consigo outra coisa, porem: seu caEditora 34 ráter de trabalho intelectual exemplar. Clássico e exemplar, isto é, aquilo % páginas que deve ser ensinado nas R$ 20,00 classes e que deve servir de exemplo. Gilda de Mello e Souza afasta toda aplicação estreita de métodos, todo espírito de sistema, expondo, por intuições seguras e conhecimentos sólidos, algumas das significações mais profundas do objeto que analisa. Seu texto é rigoroso, suas demonstrações mostram-se sempre fundadas. Pelo rigor demonstrativo, nem sequer pode-se dizer que possua caráter ensaístico. Busca uma compreensão direta das questões trazidas pela obra com os mais adequados instrumentos. Não é, de modo nenhum, antiacadêmico: suas qualidades são aquelas que todo texto universitário deveria possuir. Pode provocar apenas um lamento: que a autora não tenha publicado mais. Seus alunos de 30 ou 35 anos atrás perceberão, no livro, várias idéias que a autora expunha em seus cursos. Mas lembrar-se-ão também de muitas outras análises fecundas que ela expunha, e nunca surgiram impressas. Terão guardado na memória conversas notáveis, onde podia brilhar uma comparação entre o livro de Mário de Andrade e o filme de Joaquim Pedro de Andrade, para permanecermos apenas no âmbito de Macunaíma. Gilda de Mello e Souza formou seus alunos insistindo no papel essencial da intuição e no modo de cultivá-la, na maneira de interrogar e amar uma obra, na fundamentação das hipóteses, no rigor necessário do pensamento. Tudo isso está presente no espírito de seus escritos que, por serem raros, tornam-se ainda mais preciosos. 0 tupi e o alaúde

é professor titular de História da Arte e da Cultura no departamento de História da Unicamp. Foi aluno de Gilda de Mello e Souza no departamento de Filosofia da USP. JORGE COLI


LIVROS Sygkhronos. A formação da poética musical do cinema

Tango malandro Oscar Angel Cesarotto Iluminuras 126 páginas / R$ 29,00

Ney Carrasco Via Lettera / FAPESP 197 páginas / R$ 35,00

O psicanalista e professor de Semiótica da PUC-SP revolve a alma portenha a partir de um de seus traços culturais mais característicos: o tango. A análise se dá não por meio da música, mas da gíria característica do gênero, o chamado lunfardo, o linguajar dos "marginais" e dos deserdados sociais que, ao longo do tempo, foram tomando conta do tango e passaram para o cotidiano da população.

O autor pretende analisar o processo de formação da poética musical do cinema, partindo da origem das manifestações dramático-musicais do Ocidente para, em seguida, reunir esse conhecimento às próprias origens do cinema e de como ele utiliza esse saber ancestral em sua configuração. Há uma boa análise a partir de exemplos reais de filmes.

Editora Iluminuras: (11) 3068-9433; fax (11) 3082-5317 www.iluminuras.com.br ou iluminuras@iluminuras.com.br

Via Lettera Editora: (11) 3862-0760 / 3675-4785 www.vialettera.com.br ou vialettera@vialettera.com.br

Nhande rembypy: Nossas origens

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Wilson Galhego Garcia (organizador) Editora Unesp 770 páginas / R$ 70,00

Um livro de grande importância: Nossas origens é bilíngüe até no seu título, deixando claras as intenções de seu autor de fazer um registro que chegasse aos índios, no caso os Kayovás, e também ao estudiosos. É uma notável reunião de depoimentos dos índios sobre ritos, lendas, mitos de origem, religião, parentesco, plantas, animais, aspectos da vida cotidiana, recolhidos em horas de gravação pelo pesquisador Wilson Galhego Garcia. Editora Unesp: (11) 3242-7171 www.editora.unesp.br ou feu@editora.unesp.br

Durval Luiz de Faria EDUC/FAPESP 286 páginas / R$ 39,00

Um estudo que tem sabor do momento, por razão de seu tema, atualíssimo: os conflitos entre pai e filhos no novo contexto, renovado, de mudanças na estrutura familiar características da nova industrialização do século 20. O autor discute como fica a figura paterna num tempo em que a mulher está totalmente inserida no mercado de trabalho e o pai não é mais o provedor da família como no passado. 0 pai possível

g pdttmtdMt contwpwinea

Editora EDUC: (11) 3873-3359; fax (11) 3873-6133 educvendas@pucsp.br

Produção de alimentos no século XXI - biotecnologia e meio ambiente

Virgem/Mãe/Terra: Festas e tradições bolivianas na metrópole Sidney Antônio da Silva Hucitec/FAPESP 263 páginas / R$ 25,00

0 pai possível - conflitos da paternidade contemporânea

PRODUÇÃO» ALIMENTOS «SÉCULO XXI

Gordon Conway Editora Estação Liberdade 375 páginas / R$ 40,00

Num fascinante trabalho de etnografia, Sidney Antônio da Silva analisa as manifestações de devoção Mariana entre os imigrantes bolivianos que vivem há mais de duas décadas na cidade de São Paulo. O estudo traz à luz a lógica da reciprocidade, entendida como ligação não apenas entre homens, mas entre eles e a humanidade. Assim, a Pachamama e a Virgem Maria adquirem o mesmo status como estruturas simbólicas.

O especialista em ecologia agrícola norte-americano Gordon Conway propõe um plano de ação contra a fome, que enfatize tanto a produtividade quanto a conservação ambiental. A idéia é "planejar" melhores plantas e animais, desenvolver alternativas para fertilizantes e pesticidas inorgânicos, e realçar oportunidades de renda para os economicamente desfavorecidos, entre outros objetivos.

Editora Hucitec: (11) 3060-9273 www.hucitec.com.br e lerereler@terra.co.br

Estação Liberdade: (11) 3661-2881; fax (11) 3825-4239 www.estacaoliberdade.com.br e editora@estacaoliberdade.com.br PESQUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 95


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