Dom João no Brasil

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VENDA PROIBIDA

ASSINANTE

Nº 143 ■

Janeiro 2008

EXEMPLAR DE

CAPA pesquisaassinante 143

Janeiro 2008 Nº 143 ■

COMUNIDADES INOVADORAS MOVEM O PAÍS UMA PROTEÍNA VERSÁTIL CONTROLA O PESO

PESQUISA FAPESP

MEDICINA GANHA SOLUCOES NANOTECNOLÓGICAS TEMPESTADES OCORREM À TARDE EM SAO PAULO DIABETES MONITORADO PELO CELULAR

Dom Joao no Brasil CELEBRAR OU REFLETIR


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JANEIRO 2008

EUDARDO CESAR

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REPRODUÇÃO DO LIVRO D.JOÃO VI E O SEU TEMPO/NICOLAS LOUIS ALBERT DELERIVE, EMBARQUE PARA O BRASIL, 1807-1818

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ESTAÇÃO ESPACIAL INTERNACIONAL

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34

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> ENTREVISTA 10 Léa Velho, da Unicamp,

expõe os desafios para aperfeiçoar a produção acadêmica do país

> POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA 22 ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS

Redes de pequenas empresas começam a ganhar reconhecimento

> SEÇÕES

26 AVALIAÇÃO

Estudo mapeia a trajetória profissional de ex-bolsistas da FAPESP 29 INOVAÇÃO

Projeto do Sistema de Parques Tecnológicos paulista está concluído 30 UNIVERSIDADE

Sem faculdades ou departamentos acadêmicos, a Universidade Federal do ABC aposta na multidisciplinaridade

CAPA

> AMBIENTE 32 REUNIÃO EM BALI

Conferência do clima traça mapa do caminho para o combate ao aquecimento global

38 CLIMATOLOGIA

Concentração de calor e poluentes na metrópole paulistana favorece a formação de chuvas intensas durante a semana

34 MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Variações no regime de chuvas na bacia do Prata podem tumultuar a circulação marinha no Sul e Sudeste

> CIÊNCIA 44 FARMACOLOGIA

Fragmento de proteína ligado ao controle da pressão arterial pode ajudar a emagrecer e a tratar dependência química

5 IMAGEM DO MÊS 4 CARTAS 6 CARTA DA EDITORA 8 MEMÓRIA 16 ESTRATÉGIAS 40 LABORATÓRIO 58 SCIELO NOTÍCIAS ...................


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> EDITORIAS

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> POLÍTICA C&T

> AMBIENTE

> CIÊNCIA

> TECNOLOGIA

> HUMANIDADES

WWW.REVISTAPESQUISA.FAPESP.BR

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EUDARDO CESAR

REPRODUÇÃO

MARINA LADEIRA

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BUENO

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48 ECOLOGIA

Separação entre florestas e riachos pode explicar o escasseamento de anfíbios na Mata Atlântica e em outros ambientes

> TECNOLOGIA 64 MEDICINA

Nanotecnologia abre caminho para biocompósitos que poderão substituir ossos e tecidos

52 QUÍMICA

Características do solo e da água favorecem concentração elevada de mercúrio na bacia do rio Negro 56 PALEOBOTÂNICA

Interior do Nordeste brasileiro tinha clima úmido 15 mil anos atrás, revela análise de pólen fóssil

70 BIOCOMBUSTÍVEIS

Eletroímãs usados no processo de fermentação do caldo de cana aumentam a produção de etanol

72 TELEMEDICINA

Software permite monitorar diabetes pelo telefone celular 74 DESIGN

Empresa carioca desenvolve sistema de iluminação pública com fibras ópticas 76 ENGENHARIA ELETRÔNICA

Nova tecnologia de monitores pode gerar imagens superiores com menor gasto energético

..................... 60 LINHA DE PRODUÇÃO 94 RESENHA 95 LIVROS 96 FICÇÃO 98 CLASSIFICADOS

> HUMANIDADES 80 CAPA

Bicentenário da vinda da família real exige reflexão historiográfica 86 REVISTAS

Programa de pósgraduação da USP lança publicação para debater as fronteiras teóricas da disciplina 90 MÚSICA

Estudo sobre Raul Seixas revela o movimento de contracultura entre as décadas de 1960 e 1970

CAPA MAYUMI OKUYAMA IMAGEM CANDIDO PORTINARI, A CHEGADA DE DOM JOÃO VI À BAHIA, 1952, ACERVO PROJETO PORTINARI (DETALHE)


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CARTAS cartas@fapesp.br

As reportagens de Pesquisa FAPESP mostram a construção do conhecimento essencial ao desenvolvimento do país. Acompanhe essa evolução. ■

Para anunciar Ligue para: (11) 3838-4008

Assinaturas, renovação e mudança de endereço Envie um e-mail: fapesp@teletarget.com.br ou ligue: (11) 3038-1434 Mande um fax: (11) 3038-1418

Assinaturas de pesquisadores e bolsistas Envie e-mail para rute@fapesp.br ou ligue (11) 3838-4304

Números atrasados Preço atual de capa da revista acrescido do valor de postagem. Tel. (11) 3038-1438

Site da revista No endereço eletrônico www.revistapesquisa.fapesp.br você encontra todos os textos de Pesquisa FAPESP na íntegra e um arquivo com todas as edições da revista, incluindo os suplementos especiais. No site também estão disponíveis as reportagens em inglês e espanhol.

Opiniões ou sugestões

MIGUEL BOYAYAN

Envie cartas para a redação de Pesquisa FAPESP Rua Pio XI, 1.500 São Paulo, SP 05468-901 pelo fax (11) 3838-4181 ou pelo e-mail: cartas@fapesp.br

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Quilombolas Pesquisa FAPESP publicou a reportagem “A cor do sal da terra”(edição 141) na qual faz um retrato da luta das comunidades remanescentes de quilombos pela titularidade das suas terras,bem como o reconhecimento dos seus patrimônios culturais.Entretanto, os estereótipos que são atribuídos à população afrodescendente brasileira continuam firmes e fortes.Nas fotografias percebe-se a preocupação de demonstrar uma imagem do negro associado a algo primitivo.O próprio tom sépia das fotos reforça esta imagem,como se as comunidades remanescentes fossem um espaço que se propõe ficar congelado no passado, o que não é a realidade.As imagens interpostas na matéria cumprem um papel negativo à medida que reforçam a visão estereotipada do negro brasileiro.É importante que uma publicação como Pesquisa FAPESP não divulgue imagens que reforcem tais estereótipos. DENNIS DE OLIVEIRA (ECA/USP) DILMA SILVA (ECA/USP) EUNICE PRUDENTE (FACULDADE DE DIREITO/USP) São Paulo,SP

Nota da redação: As fotografias faziam parte de um ensaio do fotógrafo Miguel Boyayan.O tom sépia não foi acrescentado na editoria de Arte. Já era parte da própria foto.Não houve nenhuma intenção de agregar qualquer outro valor às fotos.

Recuperador de calor Li a reportagem “Chuveiro esperto” (edição 140) e quero comunicar que essa invenção é de minha autoria conforme Pedido de Privilégio número MU 7302301-9U depositado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) em 11 de novembro de 1993 e publicado em 4 de julho de 1995 (RPI 1283).Ficaria grato se fizessem essa retificação e tam-

bém comunicassem que a pessoa citada na reportagem não pode patentear a invenção porque tenho o privilégio assegurado conforme documentação e publicação no Diário Oficial da União. ROBERTO HERMÍNIO MORETTI (FEA/UNICAMP) Campinas, SP

Fuga de talentos Acompanho mensalmente cada edição de Pesquisa FAPESP com bastante prazer,porque ela vai mais fundo em assuntos dos quais a imprensa em geral só nos dá uma visão panorâmica,ou então ignora por completo. Sendo leitora assídua e fã da publicação,gostaria que a revista abordasse mais a fundo a questão da grande evasão de talentos brasileiros rumo a outros países e dos profissionais “exilados”que estão fazendo brilhante trabalho no exterior e vêem dificuldades em voltar ao Brasil, justamente pelas parcas condições que o país oferece para o desenvolvimento do trabalho deles por aqui,assim como para a sua própria subsistência. NANETE NEVES São Paulo - SP

Correções O vulcão Llullallaico fica na Argentina,e não no Peru,como consta na nota “Sacrifício eterno”(edição 141). Na reportagem “A (in)digestão do tropicalismo”(edição 140) o título correto da dissertação de Eduardo Larson é “Desafinando o coro dos contentes:o discurso polifônico em canções tropicalistas”.

Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail cartas@fapesp.br, pelo fax (11) 3838-4181 ou para a rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP, CEP 05468-901. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.


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IMAGEM DO MÊS

NASA

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Vizinhança incômoda Imagens captadas por astrônomos da Nasa mostram um buraco negro numa galáxia disparando partículas altamente energéticas contra uma galáxia vizinha. “Já observamos fenômenos produzidos por buracos negros, mas esta é a primeira vez que os vemos atingir uma galáxia desta maneira”, disse Dan Evans, pesquisador do Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian em Cambridge, coordenador do achado. O evento foi observado no sistema 3C321, que abriga duas galáxias em órbita uma em torno da outra. Segundo a Nasa, isso poderia afetar severamente a atmosfera de planetas que fossem atingidos.

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CARTA DA EDITORA

Começo de conversa MARILUCE MOURA – DIRETORA DE REDAÇÃO

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enho um especial apreço pelos começos – primeiros passos, primeiros atos,primeiras palavras.Parecem-me sempre instigantes,desafiadores,excitantes mesmo.Talvez pela sensação, disposição mental,diria,mais que realidade factual,de que ali,naquele ponto,abrem-se como infinitas as possibilidades do criar. Do inventar.Fazer.Construir.O sentimento íntimo de poder nesses momentos inaugurais,ainda que ao lado dele se erga sorrateiro o medo,alcança uma singular dimensão que às vezes transita até o prazer quase inebriante.O sonho sobre o futuro das coisas ainda informes,que só mentalmente estão moldadas,parece funcionar como centelha no espírito ou produzir nele uma vibração sonora de vida em potência máxima.Até porque,no começo de qualquer caminho,a atenção não quer se deter nas sombras das precondições objetivas,nos fundamentos pouco visíveis que irão influenciar para o bem ou para o mal a construção em projeto. Logo adiante haverá tempo para isso – e é natural que assim seja. Começos mais pedem celebrações. Penso nos começos em razão do ano que está se iniciando,claro. Mas aqui penso neles também,e talvez principalmente,inspirada pelo tema da reportagem de capa desta primeira edição de 2008.Faz 200 anos da chegada da família real,ou melhor,de toda a corte portuguesa ao Brasil,posto que foi em janeiro de 1808 que ela aportou na cidade de São Salvador da Bahia.Alguma coisa fundamental ali começava para a nação brasileira.Centenas, talvez milhares de páginas já foram escritas em 2007 sobre isso e outro tanto se escreverá em 2008,dada a importância crucial,agora reavaliada,desse fato para a história do Brasil.Entendíamos que Pesquisa FAPESP deveria dar sua modesta contribuição para o debate a respeito do lugar que cabe a esse acontecimento em nossa história mostrando as tendências historiográficas contemporâneas no exame do assunto.Entre a visão de um dom João VI bufão e a noção de que sua vinda para o Brasil constituiu um momentochave,determinante,da moldagem do que se chama Brasil,cabia mostrar como a visão histórica a esse respeito evoluiu,transformou-se e que diferentes vertentes apresenta hoje.Nosso editor de humanidades,Carlos Haag,foi atrás,e o resultado é uma bela reportagem a partir da página 80,com notícias sobre alguns novos estudos que se debruçam sobre o tumulto da entrada dos cortesãos na vida brasileira para extrair dele novas leituras de caráter histórico.A unidade territorial do Brasil,a impossibilidade de montagem aqui de um federalismo nos moldes do que se implantou na América do Norte,as diferenças de um império tal como desejado pelos portugueses em relação àquele que queriam os luso-brasileiros,são apenas alguns dos temas que a reflexão sobre 1808, revitalizada pela celebração dos 200 anos, alcança. Já que estamos falando em começos,é importante fazer uma referência ao chamado mapa do caminho,um ponto de partida

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para um pacto destinado à redução de gases do efeito estufa que terminou sendo negociado em Bali,Indonésia,depois de 15 dias de tensão e seguidos vaticínios de fracasso da 13ª Conferência do Clima ali realizada,de 3 a 14 de dezembro.Como destacou a ministra Marina Silva,do Meio Ambiente,em entrevista ao programa Pesquisa Brasil de 22 de dezembro,é cedo demais para se falar em fracasso ou em sucesso.Mas se as coisas de fato avançarem no encontro previsto para ocorrer em Gana,no começo do ano,e em outras quatro sessões antes da nova conferência marcada para o final de 2009 em Copenhague,Dinamarca,a luz no fim do túnel entrevista em Bali estará confirmada,de acordo com a editora de política,Claudia Izique ( página 32).E o acordo que deverá suceder o Protocolo de Kyoto poderá surgir em breve. Vale torcer para isso. O tema dos começos e a palavra mapa me levam a uma pequena mas preciosa reportagem do editor especial Fabrício Marques (página 26) a respeito do perfil e do destino dos 47 mil pesquisadores que foram bolsistas da FAPESPno período de 1992 a 2002. É curioso notar que se uma maioria expressiva,variando de pouco mais de 70% a quase 84%,a depender da área de conhecimento, permaneceu em São Paulo,fomentando a pesquisa no estado, um percentual não desprezível de bolsistas se espalhou pelo país. E aí se destacam aqueles ligados às áreas de saúde,agronomia e veterinária, distribuídos hoje por 24 estados. Mais uma pequena reportagem que se inclui entre as minhas preferidas neste número é a do editor de ciência,Ricardo Zorzetto, que mostra como a concentração de calor e poluentes na metrópole paulistana favorece a formação de chuvas intensas durante a semana,em especial nas segundas-feiras ( página 38).E o que é mais curioso:as grandes tempestades nesta metrópole,como supúnhamos,ocorrem mesmo com freqüência no período da tarde. Vale muito a pena conferir por quê. Acho que já é tempo de eu parar de caminhar nesta carta pela contramão das sugestões que a capa da revista faz ao leitor e destacar aqui a reportagem do editor especial Carlos Fioravanti sobre os arranjos produtivos locais,ou seja,redes de pequenas empresas com grande capacidade de inovar (página 22);também de Fioravanti o relato sobre uma nova descoberta das propriedades da hemopressina,um fragmento de proteína ligado ao controle da pressão arterial que,agora se sabe,pode ajudar a emagrecer e tratar a dependência química (página 44);a reportagem da editora assistente de tecnologia,Dinorah Ereno,sobre as nanoestruturas que se prestam à produção de biocompósitos que poderão, além de carregar medicamentos mais diretamente para o alvo (por exemplo,tumores cancerígenos),substituir ossos e tecidos vários (página 64);e por fim a notícia sobre o software que permite o monitoramento do diabetes pelo telefone celular (página 72), também elaborada por Fabrício Marques. No mais,um começo de ano com grandes sonhos para realizá-los até dezembro.Em tempo:as capinhas das edições em língua estrangeira que ilustram a página ao lado mostram que agora temos uma versão anual também em espanhol,além daquelas em inglês e francês.A tiragem de cada uma é de mil exemplares e elas permitem que instituições estrangeiras e embaixadas brasileiras no exterior tenham uma boa amostra da produção científica brasileira.

FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CELSO LAFER

PRESIDENTE JOSÉ ARANA VARELA

VICE-PRESIDENTE CONSELHO SUPERIOR CELSO LAFER, EDUARDO MOACYR KRIEGER, HORÁCIO LAFER PIVA, JACOBUS CORNELIS VOORWALD, JOSÉ ARANA VARELA, JOSÉ DE SOUZA MARTINS, JOSÉ TADEU JORGE, LUIZ GONZAGA BELLUZZO, SEDI HIRANO, SUELY VILELA SAMPAIO, VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO RICARDO RENZO BRENTANI

DIRETOR-PRESIDENTE CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ

DIRETOR CIENTÍFICO JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER

DIRETOR ADMINISTRATIVO

ISSN 1519-8774

CONSELHO EDITORIAL LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADOR CIENTÍFICO), CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTINHO, JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, MÁRIO JOSÉ ABDALLA SAAD, PAULA MONTERO, RICARDO RENZO BRENTANI, WAGNER DO AMARAL, WALTER COLLI

DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA

EDITOR CHEFE NELDSON MARCOLIN

EDITORA SÊNIOR MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS

EDITORES EXECUTIVOS CARLOS HAAG (HUMANIDADES),CLAUDIA IZIQUE (POLÍTICA), MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA), RICARDO ZORZETTO (CIÊNCIA) EDITORES ESPECIAIS CARLOS FIORAVANTI, FABRÍCIO MARQUES, MARCOS PIVETTA (EDIÇÃO ON-LINE)

EDITORAS ASSISTENTES DINORAH ERENO, MARIA GUIMARÃES

REVISÃO MÁRCIO GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGÔ NEGRO

EDITORA DE ARTE MAYUMI OKUYAMA

ARTE ARTUR VOLTOLINI, MARIA CECILIA FELLI

FOTÓGRAFOS EDUARDO CESAR, MIGUEL BOYAYAN

SECRETARIA DA REDAÇÃO ANDRESSA MATIAS TEL: (11) 3838-4201

COLABORADORES ANA LIMA, ANDRÉ SERRADAS (BANCO DE DADOS), BRAZ, BUENO, FERNANDO ALMEIDA, GEISON MUNHOZ, GIOVANNA ANGERAMI, GONÇALO JÚNIOR, JÚLIA CHEREM, KARMO, LAURABEATRIZ E YURI VASCONCELOS.

OS ARTIGOS ASSINADOS NÃO REFLETEM NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DA FAPESP É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

GERÊNCIA DE OPERAÇÕES PAULA ILIADIS TEL: (11) 3838-4008 e-mail: publicidade@fapesp.br

GERÊNCIA DE CIRCULAÇÃO RUTE ROLLO ARAUJO TEL. (11) 3838-4304 e-mail: rute@fapesp.br

IMPRESSÃO PLURAL EDITORA E GRÁFICA TIRAGEM: 34.500 EXEMPLARES

DISTRIBUIÇÃO DINAP

GESTÃO ADMINISTRATIVA INSTITUTO UNIEMP FAPESP RUA PIO XI, Nº 1.500, CEP 05468-901 ALTO DA LAPA – SÃO PAULO – SP

SECRETARIA DO ENSINO SUPERIOR GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

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() MEMÓRIA

Representação de Jesus subindo aos céus: data da Páscoa define o Carnaval

Na terra como no céu Calendário e datas religiosas cristãs são calculados com base na astronomia | N ELDSON M ARCOLIN

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PANDEIRISTA , DE J. CARLOS/PARA TODOS - 1930

DETALHE DO QUADRO A TRANSFIGURAÇÃO, DE RAPHAEL

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uas das principais festas religiosas brasileiras ocorrerão este ano na mesma data da maior festa pagã do país. As homenagens a Iemanjá, adorada pelos adeptos do candomblé e da umbanda, e a procissão de Nossa Senhora dos Navegantes, tradição secular católica, coincidirão com o início do Carnaval,no dia 2 de fevereiro.A justaposição de datas é considerada indesejada por todos, mas não há o que fazer. As datas religiosas cristãs foram criadas,no passado, para serem comemoradas próximas ao equinócio da primavera do hemisfério Norte. É, portanto, por meio de uma ciência, a astronomia,que se calculam os dias desses eventos,embora a determinação para que assim fosse tenha ocorrido no ano 325 d.C.,durante o Concílio de Nicéia, na Turquia,a primeira reunião ecumênica do cristianismo. A data da Páscoa foi definida no concílio como “o primeiro domingo após a primeira Lua cheia que ocorre depois ou no equinócio da primavera boreal,adotado como 21 de março”.O equinócio ocorre quando o Sol incide diretamente sobre o equador iluminando simetricamente os hemisférios Norte e Sul – equinócio de primavera para o hemisfério que vai do inverno para o verão e equinócio de outono para o hemisfério que vai do verão para o inverno. Por uma série de motivos definidos no concílio,nem sempre a data da Páscoa coincide exatamente com


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a que seria obtida se a definição seguisse critérios puramente astronômicos. Por isso, o dia de 21 de março estabelecido em Nicéia é chamado de Equinócio da Primavera Eclesiástica. Desde o concílio de 325 até 1582, quando o papa era Gregório XIII, se passaram 1.257 anos. O problema é que a cada 125 anos, por razões astronômicas, a primavera real começava um dia antes do dia definido pela Igreja. Tal discrepância entre o equinócio real e o eclesiástico levou a um atraso de cerca de dez dias em 1.257 anos. Matemáticos e astrônomos já vinham pedindo a correção do calendário juliano, então em vigor. Até que em 1563 o Concílio de Trento, na

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Itália, determinou a reforma do calendário, levada a termo por Gregório XIII, eleito em 1572. Além das razões práticas, havia uma

importante motivação religiosa. Entre a Quarta-feira de Cinzas e a Páscoa era proibido comer carne, ato considerado herético pela

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Ilustração de J. Carlos sobre o Carnaval e Gregório XIII (acima): convivênvia pacífica entre o sagrado e o profano

Igreja Católica da época. “Como a Páscoa era definida pelo Equinócio da Primavera Eclesiástico, que nem sempre era a mesma data do equinócio real astronômico, os católicos poderiam ter comido carne quando não deveriam”, explica Roberto Dias da Costa, pesquisador do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG/USP). “Foi para evitar pecados futuros que a Igreja reformulou o calendário então vigente e estabeleceu uma distância segura entre os dois eventos.” Definiu-se que o domingo de Carnaval cairia sempre no sétimo domingo que antecede o domingo de Páscoa. A reforma do que ficou conhecida como calendário gregoriano foi feita sob a orientação do astrônomo Luigi Lilio, de seu irmão Antonio e do matemático alemão Christoph Clavius. Quando entrou em vigor, o novo calendário suprimiu dez dias do mês de outubro de 1582. Ao dia 4 seguiu-se o dia 15 para fazer recoincidir o equinócio de primavera com o dia 21 de março. No calendário juliano, introduzido em 45 a.C. pelo imperador romano Júlio César, já havia sido instituída a inclusão de um dia adicional a cada quatro anos – o ano bissexto – para que a duração média do ano fosse de 365,25 dias, mais perto da duração verdadeira do ano solar. O calendário gregoriano define a duração média do ano como sendo 365,2425 dias, ainda mais perto do ano trópico de 365,242199 dias (ou 365 dias, 5 horas, 48 minutos e 45,967 segundos).

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ENTREVISTA

Léa Velho

Por um olhar brasileiro na ciência Pesquisadora da Unicamp expõe os desafios para aperfeiçoar a produção acadêmica do país | F A B R Í C I O M A RQ U E S E R I C A R D O Z O R Z E T TO

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ncontrar novas estratégias para melhorar e aproveitar a produção científica e tecnológica no Brasil é uma das grandes preocupações de Léa Velho, uma das principais referências nacionais em sociologia da ciência. Professora do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Unicamp, ela avalia com rigor e equilíbrio temas como a cooperação internacional em ciência e tecnologia e a avaliação de políticas públicas de ciência e tecnologia. Ela é crítica, por exemplo, da participação subalterna de brasileiros em grandes redes de pesquisa e considera que seria apropriado voltar a mandar brasileiros para fazer doutorado no exterior a fim de criar lideranças capazes de participar das redes em pé de igualdade com os estrangeiros. Critica também o uso indiscriminado de índices convencionais de avaliação de desempenho da produção científica e acadêmica, que pode confundir e, com freqüência, comete injustiças. Formada em engenharia agronômica, Léa começou a carreira como professora universitária na Unesp de Jaboticabal nos anos 1970. Seu interesse pela política científica e tecnológica remonta a 1978, quando, por razões familiares, se mudou para Brasília e foi convidada a trabalhar como técnica na avaliação de projetos de sua área do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Em 1985 doutorou-se em Política Científica e Tecnológica pelo Science Policy Research Unit da Universidade de Sussex, Reino Unido. Deixou o CNPq em 1991, convidada a lecionar na Unicamp. Entre 2001 e 2005 foi pesquisadora sênior e diretora de pós-graduação no Institute for New Technologies da Universidade das Nações Unidas em Maastricht, Holanda. Casada e mãe de dois filhos e uma filha, Léa é uma estudiosa também das questões de gênero ligadas à prática da ciência e vem se dedicando com seus alunos de pós-graduação a entender por que há poucas mulheres em áreas como física, matemática e engenharias. A seguir, trechos de sua entrevista:

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A senhora escreveu vários artigos sobre a participação brasileira em redes de pesquisa internacionais, como as de bioprospecção e da vacina contra a Aids. Qual é a importância dessa participação? — No movimento recente de produção de conhecimento há uma tendência grande de pesquisa colaborativa. Ela cresce muito mais do que a pesquisa isolada, tem um índice de citação em geral mais alto, portanto, um impacto muito mais alto. Quando se olha a produção científica na Europa, por exemplo, nota-se que vem aumentando de maneira exponencial a cooperação internacional. Apesar disso, o Brasil tem se colocado num patamar de cooperação modesto. Ele cresceu, mas já está nesse patamar, em torno de uns 30% de artigos feitos em cooperação com outros países, desde o final dos anos 1980.

■ Trinta por cento do total de artigos?

—Trinta por cento dos artigos brasileiros publicados no Science Citation Index tem co-autoria internacional. O que isso significa? Pode significar muitas coisas, até mesmo que a gente está participando pouco desse movimento, menos do que poderia. Acho que o Brasil participa pouco. Minha experiência de participar de projetos da União Européia mostra que a parceria acontece muito mais quando eles lá, por exigência do edital, têm que incluir alguns países da América Latina. Eles sabem que você existe e falam: não quer participar? A gente acaba entrando meio marginalmente. Quase nunca tem uma contrapartida nacional para poder, por exemplo, viajar e participar das discussões lá. Veja o caso das redes de bioprospecção, sobre as quais escrevi alguns artigos. A iniciativa é tomada a partir do país do Norte e o recurso vem de lá. As pessoas dos países que detêm a diversidade biológica acabam entrando na cooperação para dar acesso aos recursos, não pela competência que eles têm. ■O

que um pesquisador ganha efetivamente ao fazer parte de uma rede?


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— Ele adquire competências como negociar o objetivo de pesquisa, a metodologia ou o uso de equipamentos. Quando sou dona do meu nariz, isto é, trabalho sozinha com recursos que eu mesma consegui, eu não negocio nada. No máximo, mando meus estudantes fazerem algumas coisas e eles fazem. Mas negociar com alguém igual a você, que tem idéias próprias sobre o assunto, é um ganho. ■ Não há grupos nacionais maduros o suficiente para falar de igual para igual com os estrangeiros? — No Brasil há vários grupos maduros que provavelmente participam de uma maneira muito mais igualitária, o que tem a ver com a sua capacidade de negociação. Quem sabe o que quer e tem recursos que preenchem a sua necessidade entra no projeto porque ele genuinamente interessa. O pesquisador entra porque tem com o que contribuir. Não é o que acontece nas redes de bioprospecção. ■ Também é isso o que ocorre com as redes de pesquisa de me-

FOTOS EDUARDO CESAR

dicamentos e vacinas contra a Aids? — No paper que escrevi sobre isso estava tentando ver como o Brasil participava dos testes clínicos de desenvolvimento de vacina. Infelizmente, essa é uma área em que falta competência no Brasil. Do ponto de vista do desenho da política, o programa da Aids é muito bem-sucedido no Brasil. Fazemos bem a pesquisa básica. Há médicos muito bons, mas ainda temos de fortalecer esse meio-campo, que é a competência para realizar testes clínicos, com laboratórios apropriados para fazer todas as análises e desenvolver protocolos confiáveis. A participação brasileira nessas redes acabou se tornando algo um pouco questionável. É preciso começar a fazer testes clínicos de medicamentos que a gente desenvolva porque, senão, vamos ficar prestando serviço para as multinacionais. ■ Praticamente não há medicamento desenvolvido no Brasil... — Exatamente. Para concluir essa questão da rede, temos de resolver algumas coisas. Queremos participar dessas redes internacionais? Se quisermos, temos que fazer um diagnóstico do que está acontecendo. É o primeiro passo. Acho que os indicadores estão mandando um sinal de alerta. Os países bem-sucedidos do ponto de vista de inovação têm atividade mais dinâmica em termos de cooperação. Uma das coisas que faltam é formar mais recursos humanos no exterior, agora que já fortalecemos a nossa pós-graduação. O caminho trilhado até agora foi acertado, não estou questionando isso, mas o país não pode se fechar e dizer: hoje temos uma pósgraduação tão forte que não precisamos formar ninguém no exterior! Poucas pessoas são enviadas ao exterior para fazer doutorado pleno.E muitas vão porque a Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior] resolve dar 500 bolsas e escolhe o quem tem mais mérito em cada área do conhecimento. Isso não funciona, porque se diluem os poucos recursos destinados à formação no exterior e o país não dá salto em área nenhuma. Então vamos especificar as áreas, fazer uma relação e mandar esse pessoal para ser treinado lá. Refiro-me a uma política de fortalecimento de formação em algumas áreas e de inserção de algumas redes, já que nós não vamos poder participar de todas. ■ A queixa, em relação ao doutorado no exterior, é que os brasileiros mais talentosos recebem boas propostas e não voltam.

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— Os dados do centro americano que acompanha alunos estrangeiros mostram que a maioria dos brasileiros quer voltar. Se não voltam é porque não têm chance de fazer concurso. A verdade é que poucos têm ido para o exterior. ■ O doutorado sanduíche, em que o pesqui-

sador passa um período no exterior, não resolve essa lacuna? — Não vejo muitos benefícios nesse programa e ele, certamente, não é um substituto para o tipo de relação que se forma durante o doutorado pleno no exterior. Em geral, os pós-graduandos ficam fora de seis meses a um ano e, com freqüência, não escrevem um paper em língua estrangeira. O pesquisador de ciências sociais que faz o doutorado no Brasil raramente consegue publicar um paper em inglês. Acho que a formação sanduíche pode ser boa para algumas situações do tipo: para fazer minha tese, preciso aprender uma técnica específica que ninguém domina aqui. Bom, eu vou lá e, em seis meses, aprendo a técnica. Mas daí a generalizar como política de formação dos recursos humanos... ■ Empresas de países como o Japão e a Coréia do Sul incentivam seus técnicos a se formar fora do país e a retornar para o exterior de tempos em tempos, para acompanhar as novidades. — Teve muita empresa japonesa, principalmente nos anos 1980 e 1990, que mandava seus técnicos para fazer doutorado, por exemplo, no Caltech, em Berkeley ou nos grandes centros tecnológicos americanos. Quando o técnico terminava os créditos, era chamado de volta. Não se exigia que defendesse tese. Ele ia lá para obter certos conhecimentos, fazer algumas disciplinas, participar das discussões de projetos. O título não importava. Era uma questão de capacitar seus recursos humanos para obter o conhecimento. Ter conhecimento do conhecimento é uma competência importante que os doutores adquirem. É saber quem faz o que e aonde. Quando se está fazendo doutorado no exterior, você vê pesquisadores das mais variadas universidades, começa a identificar quem é quem, descobre onde essas pessoas publicam. Quem vai por seis meses não obtém isso. ■ O número de doutores formados no Bra-

sil aumenta ano a ano e, na próxima década, projeta-se uma proporção de doutores por 100 mil habitantes semelhante à dos Estados Unidos e do Japão. O reverso da me12

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dalha é que muitos que terminam o doutorado não têm onde trabalhar. Há saída para esse paradoxo? — Nos países da OCDE [Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico], que produzem a metade da riqueza do mundo, a grande maioria dos doutores vai trabalhar na indústria. Há exceções, como o México, mas essa tendência entre os Tigres Asiáticos,como Coréia e Taiwan,é mais expressiva até do que em alguns países europeus. Todos os estudos sobre o papel dos recursos humanos qualificados na inovação vêem com muita clareza que as empresas têm ganhos substantivos quando há mestres ou doutores trabalhando nas suas unidades de pesquisa e desenvolvimento. Esses recursos humanos sabem onde buscar o conhecimento e interagem com quem o produz.A empresa sem pessoal qualificado tem dificuldade de fazer essa interface. Bem, isso colocado, não se pode obrigar uma empresa a contratar um doutor.A empresa que não inova não faz isso porque acha legal.Faz parte da racionalidade da empresa inovar quando ela percebe que se tornará mais competitiva e ganhará ou manterá uma posição no mercado. No Brasil, quase como norma, para a empresa ficar no mercado, é mais vantajoso comprar equipamentos ou licenciar tecnologias estrangeiras.Não é por excesso de doutores disponíveis que elas vão passar a contratar. É preciso pensar em como se fará para estimular a empresa nacional ou a subsidiária das empresas estrangeiras no Brasil a criar um ambiente que torne vantajoso inovar utilizando recursos e conhecimento nacionais. ■ Várias empresas começam a acordar para

a importância da inovação, pois precisam exportar, precisam ser competitivas lá fora... — Eu acho que isso está claro para as empresas, que elas têm que ser competitivas. Já é um fato novo essa consciência de que as empresas têm que inovar para se manter no mercado, para exportar produtos de qualidade, senão ninguém vai comprar. ■ Mas

elas não estão mudando o comportamento? — É difícil saber. Esse discurso é recente e só há pouco começaram a ser feitos estudos dessa natureza. O que se sabe é que hoje elas têm o discurso. Se está mudando, só saberemos daqui a algum tempo.

■ Qual

será o efeito de longo prazo de formar doutores sem ter onde empregá-los? — Não vejo sentido de continuar dessa forma. Formamos pessoas para reproduzir a nós próprios, não para desempenhar

novas tarefas. Formamos para o serviço público. Muita gente vem para a universidade, faz mestrado e doutorado e presta concurso no serviço público. Claro que a produção científica no Brasil está crescendo. Tinha mesmo de crescer, com boa parte desses 10 mil doutores formados por ano orbitando em torno da academia e contribuindo para a produção. ■ A Capes divulgou um ranking que coloca o Brasil entre os 25 países com maior produtividade científica. Isso representa o quê? — Todo mundo que trabalha seriamente com produção científica sabe que é difícil comparar os desempenhos dos países, porque eles não são equivalentes. Um país tem um enfoque grande na pesquisa médica, outro país, na pesquisa agrícola, um terceiro, na engenharia, em outro as ciências sociais são importantes. É muito difícil comparar países dessa maneira. Podese comparar o Brasil consigo mesmo e dizer: a produção científica brasileira tem aumentado significativamente no decorrer do tempo. Isso é válido. Já não acho válido concluir que a produção brasileira cresce mais rapidamente do que a da Índia. O que isso diz em termos de se formular uma política local? Quase nada. ■ A colocação do Brasil em número de artigos publicados é boa, mas quando se avalia o impacto desses artigos a posição no ranking não é tão favorável. Que isso significa? — O impacto é medido pelo número de citações. Aí, a gente começa a entrar numa zona lodosa, porque as motivações para se citar um paper variam muito de área para área. A física, por exemplo, é muito dinâmica e internacionalizada. Tem uma comunidade que está sempre trabalhando na fronteira do conhecimento e dispõe de poucas revistas consideradas muito importantes. Se a física brasileira tem um grande impacto ou um pequeno impacto em relação à física norte-americana, a comparação é válida. Mas a produção científica brasileira ter ou não ter impacto, ela como um todo, não dá realmente para comparar. Há uma máxima repetida por todos os cienciometristas sérios: “Só se compara semelhante com semelhante”. Não somos iguais aos outros. ■ Os dados mais recentes mostram que temos

quase 2% da produção mundial pelo Science Citation Index, que coloca o Brasil como o 15° produtor mundial de ciência. Não dá para tirar nada dessa estatística? — Para mim, não. Estamos crescendo mais rápido do que os outros. E daí?


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■ Não quer dizer que nossa ciência é mais madura? — Não. Quer dizer que estamos publicando mais nas revistas indexadas pelo Science Citation Index, consideradas as melhores publicações. Publicamos muito, mas o impacto das nossas publicações não melhora muito. Acontece que impacto é uma medida que impede a comparação entre áreas. Não se pode dizer nunca que o impacto de um paper em biotecnologia é mais alto do que o impacto de um paper em física. Isso é conceitualmente errado e, assim mesmo, é feito diariamente. ■ E até se começa a fazer para avaliação individual de pesquisadores. — Essa é outra máxima:“Não se usam esses dados para avaliar o pesquisador individualmente”. Nunca. O criador do Science Citation Index não concebeu a base para avaliação, mas como instrumento para pesquisadores poderem identificar quem trabalhava nas mesmas áreas de conhecimento que eles. ■ Para colaboração?

— É, foi criada com o seguinte espírito: o mundo da ciência está ficando muito grande, eu trabalho com uma determinada linha de pesquisa e não dou conta de olhar toda a literatura. Como é que eu identifico o que importa? Com base nas citações, o pesquisador ia traçando sua rede. Mas, rapidamente, percebeu-se que podia ser usado para avaliação. Aí começaram a brincar com certos conceitos e a achar que os mais citados têm mais qualidade. Isso é muito questionado. As razões pelas quais a pessoa cita ou não um artigo são totalmente desconhecidas. Não existe uma teoria de citação. A gente não sabe muito bem o que leva um pesquisador a citar ou deixar de citar um artigo. Pela minha experiência, sei que o que prolifera é a citação de segunda mão. ■ Como assim? — O pesquisador cita o que já foi citado. Tem histórias e histórias de página errada que se perpetua em mais de 500 papers, porque um copia a referência do outro. E há outras variáveis. Eu tinha falado da física, em que é possível dizer que a citação internacional reflete o impacto. Mas pegue outra área, por exemplo, as ciências sociais, em que o pesquisador já não publica no exterior. E esse não é um fenômeno brasileiro. Na Alemanha, na França, na Holanda, as ciências sociais são publicadas, em boa parte, localmente e na língua local. Têm a ver com característi-

cas de ciências humanas, segundo as quais os pesquisadores escrevem sobre suas sociedades para serem lidos pelas suas sociedades. Além disso, os periódicos, em muitas ciências humanas, não são a principal fonte de publicação. Os pesquisadores publicam muito mais coletâneas ou livros. Um país como o Brasil, que tem uma parcela importante da sua produção científica, da sua comunidade e dos recursos alocados em ciências sociais, não está contemplado nesses dados do Science Citation Index. Eu diria que 80% da produção em ciências sociais está fora desse número que a Capes vive divulgando, que é o crescimento da produção científica brasileira. Usar o fator de impacto do periódico como medida de qualidade de uma publicação ou, pior ainda, de um autor, é achar que qualquer pessoa consegue avaliar a política científica brasileira apenas porque a base de dados está disponível na internet, você digita um nome, clica e encontra um número de citações para um autor, instituição ou país. Claro que não é assim. Interpretar os dados requer profunda compreensão sobre o desenho da base, os conceitos sobre os quais ela se assenta e suas limitações metodológicas. ■ Qual é o prejuízo disso? — Veja um instituto como o nosso, o de Geociências, formado de cinco departamentos. É a coisa mais variada desse mundo. Um é de Geociências... outro, de Geografia, que pode ser tanto Geografia Humana como Física; tem gente da Política Científica e Tecnológica; do Ensino e História de Geociências e Engenharia de Petróleo. Para todos os efeitos, na Unicamp, porque temos esse nome, Geociências, somos ciências exatas. Quando eles fazem a avaliação institucional, colocam a gente junto com as ciências exatas. Aí vamos mal, porque temos menos publicação e citação do que a Física, a Química ou a Matemática. E com isso temos prejuízo na alocação de recursos internos. Mas dá para comparar o IG com a Física? É querer colocar uma tábula rasa e dizer assim: eles têm que se comportar como os outros da área de exatas. Não, não tem que se comportar dessa maneira. Nós não somos a Física. A Política Científica e Tecnológica é um departamento das Ciências Sociais. Estamos aqui por razões históricas que eles conhecem muito bem.

Não é por excesso de doutores disponíveis que as empresas vão passar a contratá-los. A maioria dos empresários brasileiros ainda prefere inovar importando equipamentos e tecnologias

■ Existem

outras formas de avaliar mais eficazes? — A bibliometria é um instrumento importante de avaliação. Mas deve ser usaPESQUISA FAPESP 143

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da sempre em conjunção com outras maneiras de avaliação, a partir de um conhecimento prévio da dinâmica de produção de conhecimento em algumas áreas. ■ Comparar

Se a gente conseguisse buscar o que é relevante na nossa realidade e descrever isso com o nosso olhar, poderíamos dar uma grande contribuição para a ciência. Gostaria que a produção do conhecimento brasileiro não fosse mera reprodução

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o Brasil com outros países da América Latina é possível? — É complicado. Quantos países têm um sistema de pós-graduação como o nosso? Nenhum. O México é o país que mais forma doutores em programas de pós-graduação, mas assim mesmo esses programas só agora estão começando a ser avaliados, como acontece no Brasil. Evidentemente que boa parte de nossa publicação se origina dos programas de pós-graduação. ■ E a Argentina? — A Argentina é muito mais complicada, pois tem pouquíssimos programas de doutorado formais. ■ Eles têm uma tradição científica? — Sim. Eles têm três Prêmios Nobel. Mas é bem diferente a estrutura de funcionamento da pesquisa científica lá. A Argentina não tem essa formalização do sistema de pós-graduação, para a formação de pesquisadores. Outra diferença é que temos um sistema de pós-graduação calcado em professores que se dedicam em tempo integral. Aqui a gente ganha a vida decentemente sendo professor, para orientar e fazer pesquisa, nas universidades públicas, tanto nas estaduais como nas federais. Se a gente tiver uma bolsa é um plus. Se pegar um projeto, é um plus. Mas não precisamos disso para viver decentemente. Em nenhum outro país da América Latina acontece isso. Na Argentina, o pesquisador para ganhar a vida tem de ser meio tempo professor num lugar, meio tempo pesquisador no outro... ■ O ensino gratuito é comum em outros países? — Essa é outra diferença fundamental. Nossos melhores programas de pós-graduação são gratuitos. Isso não existe em nenhum outro lugar. A pós-graduação na Argentina é paga. No México boa parte é paga. As boas escolas que formam doutores no Chile, por exemplo, que são principalmente nas áreas mais básicas, são todas pagas. Tenho orgulho quando conto que a gente faz isso de graça. Mas aí logo vem o outro lado da moeda, que é: “Claro, tudo de graça para os filhinhos de papai que estudaram a vida inteira em escola paga”. É. No fim, é. Infelizmente, ainda são poucos os pesquisadores formados que vêm das classes mais desfavorecidas.

■ Atribui-se a circunstância de o Brasil nunca ter ganho um Nobel à ausência de contribuições originais formuladas por nossos pesquisadores. Isso é um problema? — A única forma de ter um Prêmio Nobel, se isso for um objetivo, é realmente tentar olhar algumas questões que são muito nossas e com um olhar nosso. O Renato Dagnino, meu colega aqui na Unicamp, costuma dizer que a única grande contribuição da América Latina para o conhecimento científico foi a Escola da Cepal. A teoria do estruturalismo, da dependência, é uma grande contribuição brasileira para o conhecimento. E chegamos a ela olhando para a nossa realidade, com o nosso olhar. Já saímos perdendo quando olhamos a realidade com o olhar do Norte, porque eles têm ferramentas mais apropriadas do que as nossas para trabalhar com aquele olhar. Talvez se a gente conseguisse buscar o que é relevante na nossa realidade física, natural e social, e descrever isso com o nosso olhar, poderíamos dar uma grande contribuição para a ciência. Não acho que devamos nos fechar para o mundo. Em algumas áreas, precisamos usar nossa criatividade e exercitar uma maneira de pensar diferente. Mas, respondendo à pergunta, não estou muito preocupada com o Prêmio Nobel. ■ Por quê? — Acho legal o reconhecimento internacional, mas gostaria que a produção de conhecimento brasileiro fosse realmente útil para a solução dos nossos problemas, que não fosse mera reprodução. ■ Alguma área específica?

— Várias: malária, esquistossomose e outras doenças negligenciadas, sistemas de produção do pequeno agricultor, sistemas de saneamento diferenciados... Até coisas mais simples, como sistemas políticos que não necessariamente acreditem que a democracia participativa do jeito que ela é feita é a única maneira de se organizar socialmente de modo decente. E não é só problema da empresa, não. Morro de medo quando instituições como o Instituto Agronômico de Campinas ou a Embrapa têm de ir buscar recursos fora e são levados a resolver os problemas das grandes empresas agrícolas. E o pequeno agricultor, que não tem como pagar? De repente, a solução para o país começou a passar exclusivamente pelo setor privado. No Ministério da Ciência e Tecnologia a palavra-chave hoje é empresa. Eu, como trabalhei no CNPq nos anos 1970 e 1980, vi como mudou esse discurso.


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■ Como é que era naquela época? — Na minha época era o fortalecimento do setor público. Comecei a trabalhar no CNPq em 1978. Esse conceito atual de inovação nem existia. O termo era “mudança técnica”, um processo muito mais linear, no qual se investia em pesquisa básica, depois fazia pesquisa aplicada, depois desenvolvimento e isso ia levar à inovação. O discurso era:“Está cheio de pesquisa nessas prateleiras do CNPq que precisam ser colocadas à disposição da empresa”. Como se fosse uma questão de falta de comunicação. ■ E não era? — Não. Ninguém faz uma pesquisa e coloca à disposição da empresa e a empresa usa isso. O desenvolvimento para a empresa é feito em conjunto com a empresa. Naquela época, se acreditava nessa linearidade do processo. Mudou com a palavra-chave interação. A idéia é pôr os atores juntos. Quando estão juntos, eles negociam as suas demandas e suas possibilidades de solução do problema. ■ Tem outra questão que a senhora estuda, que é a da Big Science no Brasil. Esses grandes projetos são interessantes para a ciência nacional? — A opção do Brasil tem sido caminhar no mesmo sentido da ciência internacional. Pode-se questionar essa opção, mas, uma vez feita, acho que tem que entrar, porque os outros entraram. O que significa entrar na Big Science? Primeiro temos que definir o que é Big Science. Tem gente que acha que a Big Science é só uma ciência que gasta muito. Na verdade, não é. Nela há um trabalho coletivo de diversas áreas do conhecimento. Pegue o Laboratório Nacional de Luz Síncroton [LNLS]. Há várias equipes trabalhando juntas, de várias especialidades. Big Science significa trabalhar com equipes muito grandes, multidisciplinares, com vários tipos de formação. Eles têm de negociar o significado daquilo que eles fizeram, os papers têm 10, 15, 20 autores. Manter isso custa dinheiro. Imaginava-se que o LNLS ia gerar receitas, que indústrias iam alugar. Mas parece que ele só consegue realmente existir porque há uma organização social e os salários são pagos com recurso público. Outro grande projeto de Big Science que o Brasil teve foram as redes genômicas... ■ Durante muito tempo foi importante para formar recursos humanos. — Foi para formar gente que aprendesse a trabalhar de uma maneira diferente.

Pode-se olhar as redes genômicas como um projeto de Big Science. É uma maneira de trabalhar em que precisa ter o biólogo molecular atuando com o especialista em informática, que tem de adquirir uma capacitação em bioinformática. Essa obrigação do trabalho coletivo, em que um depende do outro, é moderna na ciência. O Brasil resolveu entrar nesse modo de produção do conhecimento. A questão é como absorver os recursos humanos formados dentro destes projetos. Quando eu estava na Holanda, encontrei três egressos dessa rede que trabalhavam em empresas na Alemanha. Três mulheres. Foram identificadas por uma empresa da Alemanha e resolveram ir porque não tinham oportunidade de emprego aqui que não fosse na academia. ■ Como está a dificuldade da mulher para fazer ciência no Brasil? — Com relação ao acesso, as mulheres no Brasil ocupam quase 50%: em algumas carreiras têm mais, em outras têm menos. Tipicamente, as mulheres continuam sendo minoria nas carreiras ligadas à física, às matemáticas e às engenharias. Aqui na Unicamp, já faz uns 20 anos que a participação está em torno de 12%. No ano passado, propus a uma aluna de mestrado: “Vamos ver se essas teorias que a gente lê nos papers aplicam-se aqui”. A literatura diz o seguinte: as mulheres, até mais ou menos a sexta ou sétima série, têm um desempenho igual ao dos homens em matemática. Mas depois da sétima série elas começam a ir muito pior do que os homens, que é quando se começa a ensinar a matemática mais complexa. As mulheres perdem o interesse e vão para as áreas de ciências sociais ou biológicas. Dá a entender que seria uma inclinação ligada à habilidade. Mas os professores já têm essa expectativa de comportamento. Estimulam mais os meninos que as meninas. Há certas expectativas sociais que acabam empurrando a mulher de uma área para outra. Entrevistamos meninas que tinham acabado de entrar no vestibular e várias confirmaram que foram estudar física contra a vontade dos pais. Como estão em minoria, elas têm que se comportar como os meninos ou se isolar, têm que seguir um modelo de carreira e de comportamento modelado pelos homens para ficar ali e vencer. Isso foi confirmado por várias. Elas diziam: “Tem um professor que, quando termina a aula, fala assim: as meninas que não entenderam perguntem para os meninos”. Tem sempre certos estereótipos que tornam difícil a vida das

mulheres em certas profissões. Chega uma hora em que elas falam: “Não vou a vida inteira batalhar contra isso, não quero mais”. A evasão das mulheres nessas carreiras é muito grande. Outra explicação é que os homens vão para a tecnologia porque têm prazer com tecnologia. ■ A tecnologia é masculina? — A tecnologia, como produto social, reflete as relações sociais. Desde pequeno você fala assim para o menino: “Monta o carrinho”. E eles aprendem a gostar de mexer com isso. Já com as meninas é assim: “Vem assistir televisão comigo, vamos ler um livro”. Elas não são estimuladas a brincar com a tecnologia. Muitos meninos que estamos entrevistando explicam assim a opção pela engenharia: “Sempre adorei tecnologia, essa coisa de construir sempre foi comigo”. Quando se pergunta para as meninas, elas falam: “Acho que tem mais possibilidade de emprego”. Mas, depois que as mulheres estão na carreira, o problema é outro. A carreira científica foi idealizada para ser executada por homens, que têm uma mulher tomando conta dos filhos e da casa. ■ Como assim? — A ciência sempre foi feita por homens brancos de classes alta e média, certo? Num modelo idealizado, espera-se que o cientista não tenha hora para chegar em casa. Ele tem de vir para o laboratório ver o seu experimento no domingo às quatro horas da tarde, no sábado às três da manhã, porque ciência é quase um sacerdócio. Poucas mulheres estão dispostas a levar a vida dessa maneira. As mulheres têm muitos outros interesses, porque culturalmente foram criadas para isso mesmo. Mas há coisas que se tornam favoráveis no Brasil, graças às disparidades sociais. Como as mulheres que estão na ciência no Brasil são de classe média e conseguem pagar alguém para tomar conta dos filhos, elas podem continuar trabalhando. É algo que não se pode fazer na Europa. Se as mulheres são 13% dos pesquisadores em física no Brasil, na Alemanha são 3%. ■ É o impacto das babás na ciência? — Não apenas das babás, mas das famílias extensas. Das mães, avós, tias solteiras, há uma rede social. Na Europa, não conte com sua mãe. Na Alemanha, a escola termina ao meio-dia e as crianças vão almoçar em casa! É caríssimo pagar uma creche. No Brasil, por mais caro que custe, o que a gente ganha como pesquisadora dá para pagar a babá ou uma creche. ■

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O RUGIDO DO DRAGÃO CHINÊS

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LAURABEATRIZ

A China desbancou o Japão e o Reino Unido e assumiu a segunda posição no ranking dos países com maior produção científica do mundo, sendo superada apenas pelos Estados Unidos. Segundo relatório anual divulgado em novembro pelo Instituto de Informação em Ciência e Tecnologia (Istic) da China, pesquisadores do país publicaram cerca de 172 mil artigos em periódicos e encontros científicos internacionais em 2006, o que representou 8,4% do total mundial. “Esse cenário representa um rápido aumento na atividade de ciência e tecnologia na China”, disse Wu Yishan, um dos dirigentes da Istic, à agência de notícias SciDev.Net. Outro destaque no levantamento feito pelo Istic foi o aumento de 25,3% nas citações de trabalhos que tiveram chineses como primeiros autores. No total de citações, entretanto, o país ocupa a 13ª posição no ranking mundial. Os pesquisadores chineses também estão saindo mais do país. Houve, em 2006, um aumento de 15,8% no número de artigos publicados em encontros científicos internacionais – o crescimento médio mundial foi de 9%. “Isso indica que os cientistas chineses estão se envolvendo mais em intercâmbios acadêmicos internacionais”, disse Yishan.

> Troca de guarda na revista Science Bruce Alberts, professor de bioquímica e biofísica da Universidade da Califórnia, São Francisco (UCSF) e presidente emérito da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, foi escolhido o novo editorchefe da revista Science. Conhecido por seu trabalho no campo da biologia celular, Alberts, de 69 anos, dedica-se nos últimos anos ao aperfeiçoamento da educação científica. Seu nome foi selecionado por um comitê presidido por David Baltimore, ganhador do Nobel de Medicina ou Fisiologia de 1975 e presidente da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS), que publica a revista. Alberts vai substituir Donald Kennedy, ex-reitor da Universidade Stanford, que ocupava o cargo desde 2000.

Dados demográficos de 2006 mostram que o contingente de crianças SOS ALUNOS e adolescentes hispânicos nos subúrbios de Nova York cresceu 17% nesLATINOS ta década, enquanto a população branca da mesma idade diminuiu 10%. O baby boom latino estabelece novos desafios para o sistema educacional. “Esses estudantes tiveram uma preparação e uma bagagem cultural diferentes e as escolas ainda não sabem bem o que fazer com eles”, disse ao jornal The New York Times Miriam Garcia, diretora de uma agência de serviços sociais que trabalha com imigrantes hispânicos na região. Como as escolas são constantemente avaliadas, dar suporte extra aos estudantes latinos é essencial para não deixar o desempenho cair. Não por acaso, quatro em cada cinco escolas da região ganharam programas bilíngües desde 2000, contingente que subiu 5% só no ano passado. Em Randolph, cidade de 25 mil habitantes no estado vizinho de Nova Jersey, as autoridades decidiram contratar mais professores, incluindo um que fala espanhol, para reforçar o desempenho da escola mais procurada por imigrantes – isso, apesar de o município ter sofrido um corte de US$ 3 milhões em seu orçamento. “Sai mais caro educar algumas crianças do que outras, e os filhos de imigrantes sempre custam mais. Depois que a escola aceita isso, tudo entra nos eixos”, diz Max Riley, contratado como superintendente do sistema educacional da Randolph graças Crianças hispânicas: desafio para as escolas dos EUA a sua experiência com estudantes latinos numa cidade próxima. 16

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Observatório Gemini South: ingleses deixam parceria

> Pierre Auger é destaque de 2007

U.S. CENSUS BUREAU

Em seu tradicional ranking dos dez maiores avanços científicos do ano, a revista norte-americana Science mencionou as descobertas sobre a origem dos raios cósmicos de alta energia – as partículas mais energéticas do Universo – feitas pelo Observatório de Raios Cósmicos Pierre Auger, na Argentina, resultado de um consórcio internacional com

a participação de 250 cientistas de 19 países. Conforme publicado na própria Science de 9 de novembro, estes raios cósmicos devem se formar nas proximidades de buracos negros – sorvedouros de matéria e energia – encontrados nos núcleos de galáxias ativas das vizinhanças de nossa própria galáxia, a Via Láctea. O Brasil participa do projeto com 18 pesquisadores de dez instituições de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, além de alunos de mestrado, doutorado e iniciação científica, e cinco empresas. A FAPESP investiu US$ 2,5 milhões no projeto; a Finep, US$ 1 milhão; o CNPq, US$ 300 mil; e a Faperj, R$ 200 mil.

> Pesquisa risível vai à internet A revista Annals of Improbable Research (Anais da Pesquisa Improvável) ganha uma versão on-line e gratuita.

A Royal Astronomical SoMORDE-E-ASSOPRA ciety (RAS) protestou conNA ASTRONOMIA tra o corte de € 112 milhões na pesquisa em astronomia nos próximos três anos, anunciado pelo Conselho de Instalações de Ciência e Tecnologia (STFC, na sigla em inglês). Com isso, o Reino Unido se verá obrigado a abandonar suas pesquisas em parcerias internacionais como a dos observatórios Gemini South, nos Andes chilenos, e La Palma, na Espanha. Também foram cortados novos investimentos em instalações de pesquisa em física das relações solares-terrestres e astronomia de raios gama de alta energia. O Centro de Tecnologia em Astronomia de Edimburgo deve perder 50% de seus recursos. Mas o governo britânico anunciou, em contrapartida, que irá reavaliar o financiamento de pesquisa em física, que poderá compensar parte dos cortes. “O governo precisa reconhecer que astrofísica, ciência espacial e ciência do sistema solar produzem contribuições importantes para a economia britânica através de empresas de tecnologia de ponta e transferência do conhecimento”, disse à agência Cordis Michael Rowan-Robinson, presidente da RAS.

A publicação bimestral é editada pelo grupo que distribui, todos os anos, os prêmios IgNobel, uma espécie de Nobel às avessas destinado a pesquisas cujo conteúdo soa algo ridículo, embora sejam feitas a sério. Em 2007, o grande destaque entre as dez categorias foi o vencedor do IgNobel da Paz: uma pesquisa do laboratório

da Força Aérea norteamericana para desenvolver uma bomba gay, arma química que provocaria comportamento homossexual nas hostes inimigas.O site da revista (www.improb.com) informa que sua versão paga, “impresso em papel e em formato adequado para leitura no banheiro”, seguirá circulando.

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PESQUISA FAPESP ONLINE

UCL

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Pesquisa Brasil Toda segunda-feira a mais recente edição do programa semanal de rádio de Pesquisa FAPESP pode ser ouvida on-line ou baixada no computador.

Nossas Colunas

JUNTOS CHEGAREMOS À LUA

Representação artística da sonda britânica

Nasa poderá engajar-se no projeto britânico de enviar uma sonda não tripulada à Lua. Um estudo que a agência espacial norte-americana deve publicar neste mês classifica a iniciativa do Reino Unido de “inspiradora” e conclui que ela preenche uma importante lacuna em seu programa de exploração, que prevê a colonização da Lua a partir de 2020. Batizada de Moonlite, a missão independente britânica prevê o envio de uma nave para a órbita lunar, a partir da qual seriam lançados quatro instrumentos de observação. Eles se chocariam contra o solo lunar em velocidades extremamente elevadas e penetrariam a superfície numa profundidade de 2 metros. Os petardos incrustados permitiriam que os cientistas avaliassem a atividade sísmica da Lua e trariam elementos para compreender a estrutura física e química abaixo do solo. A Nasa deverá pedir aos idealizadores do projeto que apresentem um estudo de viabilidade nos próximos meses. “Neste momento, é bastante provável que isso aconteça e que tenhamos em 2012 o lançamento da primeira missão britânica à Lua”, disse à agência BBC Alan Smith, líder do projeto e pesquisador do Mullard Space Sciences Laboratory. Se tudo sair como o esperado, a Nasa deve integrar-se ao esforço britânico em meados deste ano. Se o Moonlite tiver sucesso, o plano seguinte é enviar uma nave que aterrissaria na Lua para procurar lugares adequados à colonização pelos humanos.

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Direto de Harvard

> Muito barulho por nada Há seis anos a Zâmbia conseguiu instituir um fundo para financiamento da pesquisa que, desde então, arrecadou cerca de US$ 8 milhões oriundos de impostos. Qual foi o resultado desse esforço? Quase nenhum, criticam políticos de oposição e admitem autoridades do governo. Boa parte do dinheiro não chegou a ser aplicada, devido a cortes no orçamento global do governo, ou foi destinada ao pagamento de aposentadorias de pesquisadores. “Mas também contribuíram para a falta de resultados a fuga de cérebros e a obsolescência de equipamentos de pesquisa”, disse à agência SciDev.Net Lloyd Thole, do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia de Zâmbia.

Antonio Bianco

> Escreve sobre como é fazer pesquisa na área médica nos EUA e na mais prestigiosa universidade do planeta

Fiat lux Vanderlei Salvador Bagnato

> Fala sobre temas da física atômica e molecular, como o uso da terapia fotodinâmica na medicina e odontologia e a construção de relógios atômicos

Neotrópicas Marcos Buckeridge

> O botânico da USP comenta estudos sobre plantas, biodiversidade e mudanças climáticas


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Transmitido em São Paulo pela Rádio Eldorado AM 700 kHz, o programa Pesquisa Brasil chega agora à capital paranaense, na freqüência de AM 1483 kHz, por meio da Rádio Clube de Curitiba. Com a afiliada, que iniciou suas transmissões em junho de 1924 e é a emissora mais antiga do Paraná, a Rádio Eldorado dá a largada de um projeto de implantação de uma rede nacional que, em breve, pretende chegar ao Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília. O programa Pesquisa Brasil, uma parceria da Rádio Eldorado com a revista Pesquisa FAPESP, é transmitido todos os sábados às 11 horas. A Eldorado, aliás, levou três dos sete prêmios possíveis na categoria Rádio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). A parceria entre a Eldorado e a ESPN-Brasil ganhou o Grande Prêmio de Crítica, pelo ingresso da emissora no setor esportivo. Também venceram o Plug Eldorado, como melhor programa de rádio, apresentado pelos professores Perluigi Piazzi e Tarcísio de Carvalho, com informações didáticas sobre informática. Na categoria Melhor Programa Musical venceu Sala dos Professores, apresentado por Daniel Daibem. A festa de premiação será realizada no dia 25 de março, no Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo.

Campus do Cérebro

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que metade dos nossos recursos seja de origem pública e metade privada. Mas mais dinheiro de particulares entrará no projeto e voltaremos à equação 70%/30%”, disse.

> Quase um século de conhecimento Um conjunto de 4 mil artigos científicos publicados na revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz

REPRODUÇÃO

O Campus do Cérebro, que faz parte do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS), recebeu um reforço de caixa de peso. O ministro da Educação, Fernando Haddad, assinou decreto destinando R$ 42 milhões à iniciativa, uma idéia do neurocientista Miguel Nicolelis, da Universidade Duke (EUA). O campus está sendo implantado em Macaíba, nos arredores de Natal, e será composto por um prédio de 10 mil metros quadrados, com 25 laboratórios, e uma escola de ensino regular onde serão atendidos mil estudantes, do berçário ao ensino médio. “Vamos utilizar essa verba nos próximos 18 meses para a construção do campus”, diz Nicolelis. Segundo ele, o projeto do instituto de Natal já levantou mais de R$ 90 milhões. A meta de Nicolelis é tocar a iniciativa com 30% de dinheiro público e 70% de verba privada. “Momentaneamente, o dinheiro do MEC faz com

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Visão do cérebro no livro Opera omnia, do anatomista inglês Thomas Willis (1676)

está disponível on line no endereço eletrônico http://memorias.ioc.fiocruz.br O acervo corresponde ao período que vai do lançamento do primeiro tomo da revista, em 1909, até hoje. O periódico científico é um dos mais antigos da América Latina e já publicou artigos sobre numerosos temas ligados à pesquisa biomédica. “Há muitos artigos pioneiros, que trazem resultados importantes e ainda vêm sendo apenas confirmados pelos estudos atuais”, afirma Ricardo Lourenço, vice-diretor de ensino, informação e comunicação do instituto e editor da publicação.

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> Verbas para o

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FORMAÇÃO DE UMA REDE

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CAPITAL DO MONITORAMENTO

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) vai construir em Belém (PA) um laboratório para monitoramento global das florestas tropicais por satélite. O laboratório vai integrar o Centro Regional da Amazônia (CRA), que contará também com outras duas bases: a Estação de Recepção de Dados de Satélites em Boa Vista (RR) e o Núcleo de Monitoramento Ambiental em Manaus (AM). A unidade de Belém terá a missão de mapear o desmatamento das florestas tropicais do planeta, encontradas nos continentes americano, africano, Desmatamento na Amazônia: vigilância Ásia e Oceania. Isso será possível graças aos acordos com outros países para o uso das imagens de satélite. AtualmenDivulgado em dezembro, o DESEMBOLSO te o Brasil já monitora, além de seu próprio território, o continenRelatório de Atividades 2006 RECORDE te africano. Em palestra realizada no Museu Paraense Emilio Goeldi, da FAPESP registra o maior em Belém, o diretor do Inpe, Gilberto Câmara, explicou que a proxidesembolso para o fomento midade institucional com o museu ajudou a definir a escolha da caà pesquisa científica e tecnológica na história da Fundação. Em pital paraense como sede do laboratório. “A vida ou a morte da Ama2006 foram investidos R$ 521 milhões, superando em 8,33% zônia se dará no Pará. O que acontecer no Pará nos próximos 20 o desembolso de 2005. Segundo o documento, o destaque anos vai determinar o futuro da Amazônia”, disse Câmara. da expansão foram as bolsas e auxílios regulares, que receberam 16,5% e 13% a mais do que no ano anterior, respectivamente. O aumento no desembolso total se sobrepôs a uma expansão de 22,3% verificada em 2005 em relação a 2004. ter o valor máximo de > Pesquisa dentro No relatório, a FAPESP homenageia o artista plástico Aldo BoR$ 300 mil e deverão abordar das empresas nadei (1906-1974), cujos trabalhos ilustram a publicação. Um os setores industriais com caderno especial reúne uma O Conselho Nacional de temas como semicondutores, amostra da pintura de BonaDesenvolvimento Científico software, fármacos, bens dei, marcada pela pesquisa de e Tecnológico (CNPq) vai de capital, biotecnologia, materiais, de meios de exdestinar R$ 20 milhões biomassa, energias pressão e das tendências esa projetos de pesquisa alternativas, aeroespacial, téticas de sua época. A setecnológica que estimulem biocombustíveis e energia leção das obras de Aldo Boo aproveitamento de mestres nuclear. O edital será nadei que ilustram o relatório e doutores em micros, composto por três rodadas. foi feita por Lisbeth Rebollo pequenas e médias empresas A primeira receberá Gonçalves, diretora do Museu brasileiras. Pelo menos 30% propostas até 15 de fevereiro de Arte Contemporânea do valor total será destinado e os resultados serão (MAC) da USP. O documento a propostas desenvolvidas em divulgados no dia 28 de está disponível no endereço empresas sediadas nas regiões março. Mais informações no www.fapesp.br/publicacoes/ Norte, Nordeste e Centroendereço www.cnpq.br/editais/ relat2006.pdf. Oeste. Os projetos podem ct/2007/032.htm EDUARDO CESAR

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> Intercâmbio

> Os brasileiros no

missões de trabalho, além de bolsas e passagens para a realização de estudos. Serão contempladas parcerias universitárias entre, pelo menos, um curso de pós-graduação stricto sensu de excelência e um curso associado.

Um grupo de pesquisadores foi recebido em audiência no dia 13 de dezembro pela presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ellen Gracie. Liderado pelo presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Marco Antonio Raupp, e pela pró-reitora de Pesquisa da USP, Mayana Zatz, o grupo obteve a promessa de que a Ação Direta de Inconstitucionalidade movida contra a lei brasileira de biossegurança será julgada loO JULGAMENTO go depois das férias do JudiSE APROXIMA ciário. A lei, que permite as pesquisas com células-tronco derivadas de embriões congelados há pelo menos três anos, foi publicada em março de 2005 e logo depois foi questionada no Supremo pelo então procurador-geral da República, Claudio Fonteles. Os cientistas defendem o uso de células-tronco embrionárias com o argumento de que essa modalidade de pesquisa é mais promissora do que a com células-tronco retiradas de pessoas adultas e pode, no futuro, ajudar no tratamento de doenças graves como mal de Parkinson ou distrofias musculares. A geneticista Mayana Zatz conversou com o relator da ação, o ministro Carlos Ayres Britto, que se comprometeu a entregar seu relatório até fevereiro. “Falamos da importância das pesquisas e de votar a ação o mais rápido possível”, afirmou.

Pesquisadores brasileiros venceram três das oito categorias do Prêmio Twas, concedido pela Academia de Ciências para o Mundo em Desenvolvimento. Lucia Mendonça Previato, Paulo Artaxo e Sergio Danilo Pena receberão US$ 10 mil cada um numa cerimônia que será realizada na Cidade do México, em novembro de 2008. Lucia Previato, professora do Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, foi escolhida na categoria biologia, por suas contribuições para o conhecimento dos componentes responsáveis pela comunicação entre células hospedeiras e o Trypanosoma cruzi, causador da doença de Chagas. Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, ganhou na categoria Ciências da Terra pelo trabalho no estudo sobre os aerossóis, partículas determinantes para entender os impactos das mudanças climáticas no planeta. O geneticista Sergio

Danilo Pena, professor da Universidade Federal de Minas Gerais, foi o vencedor na categoria Ciências Médicas. Ele desenvolve pesquisas sobre diversidade genômica humana, formação e estrutura da população brasileira.

> Banco de dados sobre patentes Os países que compõem o Mercosul poderão criar uma base de dados comum de propriedade intelectual. Representantes do Brasil, Uruguai e Argentina demonstraram interesse nessa iniciativa em reunião realizada em Montevidéu, Uruguai, no início de dezembro. Para a implantação desse projeto será preciso estruturar um modelo de pedido regional feito a partir de um formulário comum aos países que atenda às exigências legais específicas de cada país membro do bloco. Uma nova reunião será realizada em fevereiro de 2008, em Buenos Aires, na Argentina, para consolidar as propostas.

STF

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) recebe até o dia 15 de fevereiro propostas para o Programa de Centros Associados para o Fortalecimento da Pósgraduação Brasil/Argentina. O objetivo é estimular a cooperação acadêmica entre os dois países por meio do intercâmbio de docentes e alunos de pós-graduação. A parceria tem como público-alvo instituições de ensino superior com cursos de pós-graduação recomendados pela Capes e pela Comisión Nacional de Evaluación y Acreditación Universitaria (Coneau), da Argentina. Os projetos terão a duração de dois anos, podendo ser prorrogados por igual período. A Capes oferecerá passagens aéreas internacionais e diárias para

Prêmio Twas

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Brasil-Argentina

Ellen Gracie (centro) conversa com grupo de pesquisadores

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS

Trama coletiva Redes de pequenas empresas começam a ganhar reconhecimento | C ARLOS F IORAVANTI

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epois de décadas priorizando o apoio a grandes empreendimentos de indústrias ou de infra-estrutura, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a maior instituição pública de financiamento do país, agora se volta à gente miúda, anônima e informal. Organizada em comunidades chamadas Arranjos Produtivos Locais (APLs), essa multidão que raramente consta das estatísticas, mas exibe uma notável capacidade de inovar, em termos organizacionais e tecnológicos, produz coisas tão variadas quanto mel no sertão de Pernambuco, programas de computador em Recife, esculturas de madeira e gesso de Padre Cícero em Juazeiro do Norte, Ceará, bordados em Seridó, Rio Grande do Norte, alface e couve em Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, pêssegos em conserva em Pelotas, Rio Grande do Sul, vinhos na Serra Gaúcha, vinhetas para os programas da TV Globo e roupa íntima feminina em Petrópolis, a cidade da Serra Fluminense em que viveu o imperador Pedro II. “O apoio ao desenvolvimento local é urgente porque se insere no esforço de robustecimento do crescimento da economia brasileira”, diz o economista Luciano Coutinho, presidente do BNDES.“Grandes projetos e grandes investimentos são importantes porque produzem efeitos que mobilizam a economia, mas não necessariamente asseguram o desenvolvimento de baixo para cima.” No início de novembro o banco criou a secretaria de arranjos produtivos inovativos, que deve enfatizar o desenvolvimento local e levantar as possibilidades de ação nessa área, e um comitê interno para articular as áreas do banco.As duas equipes devem perseguir o mesmo propósito: iniciar rapidamente um programa piloto na Região Nordeste para atender um grupo ainda restrito de APLs com os instrumentos de apoio financeiro à mão. Os resultados devem embasar um programa nacional de apoio a esses núcleos produtivos e mostrar o que precisa ser feito ou ajustado. Coutinho antecipa um dos problemas a serem enfrentados: o acesso ao crédito, que ele define como “uma angústia para o BNDES”. Como o banco não tem capilaridade e depende de outros agentes financeiros, as condições de empréstimos tendem a assustar

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o pequeno empresário. Em busca de alternativas o BNDES abrigou em novembro um seminário de três dias em que economistas, geógrafos e sociólogos da Rede de Pesquisa em Sistemas e Arranjos Produtivos e Inovativos Locais (RedeSist) apresentaram os resultados de dez anos de produção teórica e de estudos práticos de APLs em 23 estados e um conjunto de recomendações que devem servir de base para as ações do banco. A decisão do banco de apoiar as redes invisíveis de micro e pequenas empresas “é importante por causa do efeito de sinalização do banco, que quer chegar aonde não chega e agir com os estados e outras instituições que já trabalham com APLs”, comenta Helena Lastres, coordenadora e co-fundadora da RedeSist agora à frente da nova secretaria do BNDES. “Falta um paradigma de política [de apoio aos APLs] que funcione”, observou Coutinho. Os relatos também deixaram claro que as respostas dos APLs podem ser rápidas. Em menos de um ano uma região depauperada do oeste de Goiás transformou-se bastante. Motivados pela Secretaria de Planejamento do governo estadual, os pequenos produtores de leite do município de São Luís de Montes Belos se organizaram e se aliaram à prefeitura, à universidade estadual, à Embrapa Gado e Leite e a grandes laticínios. Nascida da base produtiva local, essa articulação levou à criação de uma fazenda-escola, já em construção, e ao projeto de um centro de tecnologia do leite, aprovado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Dos planos fazem parte também a criação de um curso de pós-graduação em leite, segundo Sérgio Castro, economista da Universidade Católica de Goiás. No sertão do Ceará, a água subterrânea que poderia ser explorada por meio de poços rasos e havia sido descoberta por uma equipe da Universidade Estadual do Ceará atraiu os agricultores de Quixeramobim. A prefeitura financiou a construção dos equipamentos de perfuração, construídos pelas metalúrgicas locais, e a Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap) facilitou o trabalho dos pesquisadores com os agricultores. Três anos depois os 30 produtores que antes plantavam mandioca, milho e feijão eram 60 e cultivavam mamão, 24

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maracujá e tomate, comprados pela prefeitura para atender às escolas.“Os pesquisadores tentaram em outros lugares, mas a apropriação da tecnologia de exploração de água só vingou em Quixeramobim por causa do capital social”, comenta o economista Jair do Amaral Filho, que nasceu no interior paulista e estudou na Sorbonne em Paris antes de se instalar em Fortaleza como professor da Universidade Federal do Ceará. Capital social, conceito essencial para entender a formação dos APLs, equivale à capacidade de articulação da sociedade e reflete as relações de confiança e de cooperação entre as pessoas.

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uem olhar com desconfiança a capacidade inovadora dos APLs poderá se surpreender. Pequenas empresas integradas a essas redes quase invisíveis tornaram-se assíduas entre as escolhidas do Prêmio Finep de Inovação Tecnológica, destacando-se, por exemplo, com novas técnicas de produção de vinho em Petrolina, Pernambuco. Em Anápolis, Goiás, o Instituto de Gestão Tecnológica Farmacêutica (IGTF), que reúne 20 empresas farmacêuticas, universidades e órgãos do governo estadual e federal, em breve solicitará a primeira patente de um processo de extração de veneno de cobra. Duas empresas desse APL ganharam dois prêmios regionais de inovação da Finep. Quando aparecem,os APLs surpreendem, maiormente, porque estavam lá há muito tempo e ninguém os via. Ana Lúcia Gonçalves da Silva, da Unicamp, conta um caso que saiu das sombras há pouco tempo: um aglomerado de quase 20 fábricas de instrumentos para dentistas no bairro de Pirituba, na cidade de São Paulo. Tomando apenas as mais visíveis e já identificadas, o estado de São Paulo abriga cerca de 150 APLs, Bahia 66, Rio de Janeiro 61, Goiás 57, Pará 56, Paraná 40, Mato Grosso do Sul e Alagoas 27, Rio Grande do Norte 25 e Pernambuco 10, de acordo com o mapeamento da RedeSist. Impossível dizer quantos aglomerados de empresas e trabalhadores funcionam no país inteiro – entre 500 e mil ou algo abaixo ou acima disso. O apoio que recebem varia muito. “Em Goiás a situação é relativamente boa”, observa Castro, “porque o corpo técnico compreendeu e assumiu o con-

ceito de APLs”. Foi assim também no Paraná, onde “os políticos não se envolveram e deixaram os técnicos trabalharem”, comenta Fábio Scatolin, economista da Universidade Federal do Paraná. No Ceará pelo menos 13 dos 23 APLs já identificados contam com apoio de uma rede de 19 instituições criada pelo governo estadual. Já em Santa Catarina não há política de apoio definida, nem ação articulada entre as instituições, nem critérios para definir os APLs prioritários, na avaliação de Renato Campos, da Universidade Federal de Santa Catarina. Na Bahia um projeto do BID para incentivar o desenvolvimento dos APLs do estado “agora está órfão, por causa do desinteresse do atual governo do estado”, conta Hamilton Ferreira, da Universidade Federal da Bahia. “Os APLs precisam de apoio de estado, não de governo, e de políticas de médio e longo prazo, que vão além do tempo de cada gestão”, diz ele. Em 2003 e 2004 o economista Francisco de Assis Costa, do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará, coordenou o mapeamento de APLs de alimentos em Belém, representado pela cadeia produtiva de açaí. Mais tarde trabalhou durante um ano e meio na então nascente Agência de Desenvolvimento da Amazônia (ADA) com a noção de APL como base para o desenvolvimento regional.Aos poucos, porém, notou um abismo entre a intenção e a prática das instituições públicas, pouco permeáveis ao novo conceito, e sentiu as possibilidades de ação se esvaírem.“A lógica dos APLs exige outras formas de representação política, diferentes da lógica clientelista de hoje, mediante a qual atuar com ou para APLs não se transforma em capital político”, interpreta Costa. Hoje o estado do Pará conta com seis comitês tecnológicos estaduais e 14 tecnológicos regionais já instalados para atender aos 56 APLs do estado. “No mínimo emergiu a capacidade de comunicação”, diz ele. “Podemos ver o futuro com otimismo, mas temos de aguardar.” Com maior ou menor apoio do Estado, esse Brasil das formiguinhas é resistente.“Principalmente no interior do país os APLs refletem um processo de eficiência produtiva que sobreviveu com galhardia à crise da década passada”, avalia o economista José Eduardo Cassiolato, professor da Universidade Federal


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Friburgo, na Serra Fluminense, exemdo Rio de Janeiro e coordenador da Reo conhecimento tácito e formal para replificam a eficiência coletiva como fordeSist. Formada hoje por quase cem ecosolver dificuldades ligadas à sobrevivênma de ganhar economia de escala, não nomistas, geógrafos e sociólogos do Bracia. Assim é que os cubanos criaram mamais privilégio de médias e grandes sil e de outros países, a RedeSist nasceu teriais de baixo custo para construir caempresas, mas também da sociedade em 1997 com o propósito de examinar fesas capazes de resistir a tempestades e os das formiguinhas. Um dos seis livros da nômenos que escapavam às análises ecouruguaios reinventaram aparelhos de equipe da RedeSist intitula-se justanômicas habituais. Judith Sutz, socióloga baixo custo para tratar icterícia aguda em mente Pequena empresa: cooperação e da Universidade de la República, Ururecém-nascidos. Foram também os urudesenvolvimento local. guai, uniu-se ao grupo já no início atraíguaios que transformaram o sangue e Por enquanto os pesquisadores da da “pelo desafio e pela oportunidade de rúmen de boi em fertilizante natural RedeSist examinaram em profundidapensar com cabeça própria um espaço laquando uma lei proibiu que os matade cerca de 60 APLs centrados na atitino-americano sobre inovação e desendouros jogassem fora esses resíduos.“As vidade industrial, orientaram cerca de volvimento, em diálogo com o mundo”, oportunidades de inovação vêm, e se cem teses de mestrado e doutorado. Há lembrou ela. “Não queríamos só buscar matam, de toda parte”, lembrou Judith. dois anos começaram a explorar outra dados, mas também fazer teoria, vencenárea: os APLs intensivos em cultura, a do o papel subordinado de apenas aplis peculiaridades de cada lugar é que exemplo da indústria musical de Fortacar teorias prontas do Norte.” regem também o reforço de infraleza, o audiovisual de Goiânia, o CarnaComo sinal dessa ousadia, o logo da estrutura de pesquisa e desenvolvival da Bahia, o Boi-bumbá de Parintins, RedeSist é um mapa-múndi invertido mento. Um centro de tecnologia em Amazonas, e a produção cinematográ– a América Latina no alto. “Vamos moda e design toma forma em um núfica em Recife e Porto Alegre. O Brasil transformar o conhecimento em uma cleo de produção de roupas em Jaraguá, silencioso já se revela um pouco mais. lanterna que ilumine o que a gente quer em Goiás, e outro, de design de móveis, Uma só festa popular, o Círio de Nazafazer, sem receio de modificar os moem Xapuri, no Acre. Os produtores de ré, que todo ano atrai milhões de visidelos teóricos quando necessário”, conmóveis em Linhares, no Espírito Santantes a Belém, movimenta o equivalenvidou Helena Lastres.“Não temos de ser to, e de jóias em Limeira, interior paute a 3,5% do PIB da capital do Pará. Na escravos dos conceitos, que às vezes deilista, também valorizam novos designs cidade do Rio de Janeiro cerca de cem xam de fora coisas importantes. Temos como forma de ampliar a clientela. empresas se especializaram na produde parar de culpar a realidade por não Sob esse enfoque, as pequenas emção audiovisual e na formação de atose encaixar nos modelos.” presas deixam de ser os patinhos feios res para a TV Globo. Os territórios de Aos poucos o grupo se afastou dos da economia e se tornam essenciais. Seaprendizagem coletiva e de cooperação conceitos clássicos de inovação – tecgundo Cassiolato, as 3 mil empresas começam a vencer a invisibilidade. ■ nológica, organizacional, institucional e que produzem calcinhas e sutiãs em social –, conhecimento e desenvolvimento econômico. De acordo com Judith, o enfoque habitual de inovação prioriza o desenvolvimento econômico, que, uma vez obtido, levaria ao desenvolvimento social.“Desse modo, a inovação não tem podido ajudar no desenvolvimento social”, observa ela. Os rebeldes da RedeSist sentiram-se mais à vontade tomando a inovação sob um enfoque primordialmente social, a partir do qual se poderia analisar o desenvolvimento econômico. É uma mudança e tanto, assinala Hernán Thomas, professor do Instituto de Estudos sobre Ciência e Tecnologia da Universidade Nacional de Quilmes, Argentina, já que a inovação pode assim deixar de ser linear, paliativa, assimétrica e unilateral e se tornar algo coletivo, flexível e aberto, capaz de reunir Artesanato em Taubaté: o barro ganha forma nas mãos de um país informal e inovador

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A AVALIAÇÃO

Aqui e em todo o Brasil Estudo mapeia a trajetória profissional de pesquisadores que receberam bolsas da FAPESP F ABRÍCIO M ARQUES

Agronomia e Veterinária Biologia Engenharia

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Arquitetura e Urbanismo

Ciências Humanas e Sociais Física

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Geociências

Astronomia e Ciências Espaciais

Economia e Administração Matemática

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Química

Saúde

FAPESP acaba de concluir um levantamento inédito que traça um perfil dos pesquisadores agraciados com bolsas de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado entre os anos de 1992 e 2002. Com base numa amostra estratificada de 11.581 pesquisadores que preencheram um extenso questionário, de um total de 47.097 bolsistas contemplados no período, conseguiu-se não apenas esquadrinhar a demanda por recursos nesse período, mas também rastrear o que aconteceu com os pesquisadores após o período da bolsa. O mapa da trajetória profissional dos ex-bolsistas em 12 campos do conhecimento mostrou que um número significativo deles hoje exerce atividade profissional em outros estados brasileiros, evidência de repercussão do esforço empreendido pela FAPESP, e também em outros países, sinal da qualidade de sua formação. A maioria dos ex-bolsistas – de 70,3% a 83,8%, dependendo da área – permanece em São Paulo. “Isso mostra que o objetivo da Fundação – fomentar a pesquisa no estado – vem sendo cumprido”, explica Geraldo Di Giovanni, professor do Instituto de Economia da Unicamp e coordenador da pesquisa, que atualmente é chefe de gabinete da Secretaria Estadual de Ensino Superior. Mas um bom número de pesquisadores da amostra está, hoje, sediado em todos os estados brasileiros. Os destaques foram as áreas de saúde e agronomia e veterinária, cujos ex-bolsistas estão distribuídos por 24 estados. “Esse resultado reúne tanto pesquisadores paulistas que encontraram oportunidades profissionais em outros


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estados como pesquisadores de outros estados que vieram fazer pós-graduação em São Paulo e depois voltaram para seu estado de origem”, diz Di Giovanni. O levantamento foi realizado no âmbito do projeto Sistema de Avaliação de Resultados de Políticas de Fomento, iniciado em 2004 pela FAPESP com o objetivo de contribuir para a elaboração de diagnósticos da situação da ciência e tecnologia em São Paulo e para a formulação de políticas públicas na área. Esse projeto já havia produzido um estudo, divulgado em 2007, que inventariou todo o parque de equipamentos de pesquisa do estado de São Paulo. No exterior - A área de astronomia e

ciências espaciais é a que obteve o maior porcentual de pesquisadores exercendo atividades no exterior. Um total de 7,8% de ex-bolsistas está trabalhando atualmente em instituições de ensino e pesquisa de países como a Austrália, o Chile, a França ou a Itália. Trata-se também da área em que há uma das maiores concentrações de ex-bolsistas em São Paulo. Dadas as dificuldades de fazer pesquisa neste campo do conhecimento em outros lugares do país, encontraram-se exbolsistas destas áreas em apenas outros cinco estados (Bahia, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro e Santa Catarina) e no Distrito Federal. Já os pesquisadores de biologia se destacam com o segundo maior porcentual de atuação fora do Brasil: 3,8% do total está estudando ou trabalhando em instituições dos Estados Unidos, Austrália, França, Alemanha, Bélgica, Uruguai, Holanda, Canadá, Coréia do Sul e Escócia. Na área de economia e administração, 14,4% dos pesquisadores que responderam ao questionário atuam em PESQUISA FAPESP 143

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Pesquisa descentralizada Cresce a tendência de descentralização dos grupos de pesquisa no Brasil, segundo um novo censo divulgado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Atualizado a cada dois anos, o Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil contabilizou em 2006 21 mil grupos de 403 instituições em atividade. Em 2004 haviam sido registrados 19 mil grupos e 77 mil pesquisadores. Sul e Sudeste, juntos, registraram um crescimento de 5% no número de grupos de pesquisa, enquanto as regiões Centro-Oeste e Nordeste cresceram cerca de 17%. A Região Norte cresceu 21%. O Sudeste aparece com 10.592 grupos (50,4% do total), seguido pelo Sul com 4.955 (23,6%), Nordeste com 3.269 (15,5%), Centro-Oeste com 1.275 (6,1%) e Norte com 933 (4,4%). O estado de São Paulo é o que tem mais grupos, com 5.678 (27% do total do país). Em seguida estão Rio de Janeiro com 2.772 (13,2%), Rio Grande do Sul com 2.180 (10,4%) e Minas Gerais com 1.919 (9,1%). Medicina é a área com maior concentração de linhas de pesquisa, com 4.928 das 76.719 linhas registradas. Em seguida vêm agronomia (4.363), educação (3.897), química (3.606) e física (2.794). Do total de pesquisadores do censo 2006, 48% são mulheres e 52% homens. Essa relação porcentual tem se alterado sempre em favor das mulheres – numa velocidade de dois pontos porcentuais a cada censo. Embora 57% dos grupos sejam liderados por homens, as mulheres estão cada vez mais ocupando a condição de líder. As instituições com mais pesquisadores são a USP com 8.478, a Unesp, com 3.944, a Federal do Rio de Janeiro com 3.694, a Unicamp com 3.253, além das federais de Minas Gerais com 3.018, de Santa Catarina com 2.351 e da Bahia com 2.091 pesquisadores. 28

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oito estados da Federação, além de São Paulo. A curiosidade é que a maioria deles é do sexo masculino. Já na área de arquitetura e urbanismo, é de mulheres a maioria dos bolsistas em atividade em outros estados das regiões Sul e Sudeste, com presenças esporádicas também no Distrito Federal e no Nordeste. Os pesquisadores da área de física espalharam-se por outros 14 estados e os de química, por 22. O porcentual de bolsistas que conseguiram publicar artigos científicos durante o programa de pós-graduação variou de 66,9% (matemática) a 87,5% (química). Características marcantes - Homens e mulheres procuraram por apoio da FAPESP na mesma medida em que os gêneros se inserem em cada campo do conhecimento, com maior proporção de homens em astronomia e ciências espaciais, economia e administração, geociências, matemática, física, química e engenharia. Já as mulheres são maioria em arquitetura e urbanismo, agronomia e veterinária, biologia, saúde e ciências humanas e sociais. Constatou-se também que a procura pela FAPESP como agência de fomento para concessão de bolsas foi feita por um conjunto de pesquisadores com características marcantes: predominam os brancos, os que concluíram o ensino médio no ensino regular, freqüentado no período diurno e em escola privada. Com relação ao curso de graduação feito pelos ex-bolsistas, predominam os oferecidos em instituições públicas e em período integral. A grande maioria dos participantes da pesquisa concluiu a graduação em instituição estadual, com exceção da área de astronomia e ciências espaciais, na qual o maior porcentual (45,8%) provém de instituição federal – sinal da importância do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), de São José dos Campos. A escolaridade dos pais dos pesquisadores, em geral, é superior à das mães, sendo que, em ambos os casos, a maioria possuía, no mínimo, ensino médio completo. Em apenas três áreas – geociências, física e química – o ensino fundamental incompleto foi a categoria de escolaridade mais freqüente tanto do pai quanto da mãe, em oposição às áreas de arquitetura e urbanismo, matemática, agronomia e veterinária e biologia, nos

quais o porcentual mais alto correspondeu ao curso superior completo. A área de arquitetura e urbanismo destacou-se como aquela em que mais pais tinham pós-graduação stricto sensu, com 10% do total. A proporção de pedidos de bolsa em iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado variou significativamente entre as áreas. Em carreiras nas quais há muitas oportunidades profissionais fora da academia, como administração, arquitetura e economia, saúde, ciências humanas e sociais, os porcentuais de solicitação de bolsas são maiores em iniciação científica ou mestrado, decrescendo nas etapas seguintes. Já em áreas como física, astronomia e ciências espaciais e química, cujo desempenho profissional é mais ligado a instituições de ensino e de pesquisa, essa demanda se inverte: há menores proporções para pedidos de iniciação científica, seguindose mestrado e doutorado e, em alguns casos, pós-doutorado. Geraldo Di Giovanni, o coordenador da pesquisa, ressalta que o levantamento se debruçou sobre um período que foi crucial para a consolidação do modelo paulista de ciência e tecnologia, subseqüente à promulgação da Constituição estadual de 1989.“A configuração resultante desse modelo foi baseada num sólido conjunto de instituições públicas de ensino e pesquisa, composto por três universidades autônomas estaduais, duas universidades federais e institutos especializados, e numa instituição autônoma de fomento, com altos padrões de exigência. Os investimentos foram decisivos para consolidar mudanças institucionais que produziram um notável crescimento da produtividade acadêmica no estado.” Os questionários foram respondidos pela internet, entre outubro de 2004 e o início de 2007. Entre as sugestões apresentadas no estudo está a criação de um banco de dados dinâmico que permita a coleta de dados contínua e a produção de relatórios periódicos. “Acoplados ao SAGe [Sistema de Apoio a Gestão], os dados dotam a FAPESP de mecanismos perenes de avaliação. E toda a informação estará disponível no site da Fundação, ao alcance dos pesquisadores”, afirma o professor Jocimar Archangelo, um dos participantes do levantamento. ■


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> INOVAÇÃO

Um plano para o

desenvolvimento Projeto do Sistema de Parques Tecnológicos de São Paulo está concluído

timular o número de registros de patentes.“Os parques serão,ainda,ambientes de sustentabilidade ambiental e devem servir de paradigma para o padrão de vida do século XXI”,sublinha Steiner. Os parques de São José dos Campos,com foco na indústria aeronáutica, e de São Carlos, que se especializará nas áreas de óptica,materiais e instrumentação,já estão em estágio avançado:os “núcleos”instalados e as entidades gestoras constituídas.A Vale (ex-Companhia Vale do Rio Doce),por exemplo,está instalando no pólo de São José dos Campos um centro de pesquisa dedicado à energia,o Centro de De-

senvolvimento Tecnológico em Energia (CDTE),em parceria com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Os demais começaram a articular parcerias e detalhar os projetos:os parques de Piracicaba,voltado para a produção do etanol;de Ribeirão Preto,direcionado à saúde;de Campinas,focado na tecnologia de comunicação e informação;e o de São José do Rio Preto, que deverá especializar-se na área de biotecnologia.O empreendimento mais atrasado é o de São Paulo,que poderá ter como bandeira os serviços intensivos de conhecimento. ■

PREFEITUTA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS

O

projeto de implantação do Sistema de Parques Tecnológicos do Estado de São Paulo já está concluído.Patrocinado pela Secretaria do Desenvolvimento e implementado no âmbito de um programa especial da FAPESP,o projeto prevê a instalação de parques tecnológicos em sete cidades: São Paulo,Campinas,São José dos Campos,Piracicaba,São Carlos,Ribeirão Preto e São José do Rio Preto.“Os parques tecnológicos vão contribuir para a transformação de conhecimento em riqueza.O estado de São Paulo, por sua diversidade de produção científica e tecnológica e por seu vigor empresarial,está pronto para receber um sistema como esse”,justificou o diretor do Instituto de Estudos Avançados, João Steiner,que ao longo de dois anos e meio coordenou o projeto. O sistema paulista foi concebido de forma a articular os setores público e privado e as instituições de pesquisa. “Cada um desses atores terá papel bem definido”,explicou Steiner durante seminário de apresentação das conclusõesdo projeto,em 10 de dezembro,no auditório da FAPESP,do qual participou o secretário de Desenvolvimento e vice-governador,Alberto Goldman.O poder público vai atuar como orientador e indutor de políticas e como provedor de equipamentos;as instituições de pesquisa serão responsáveis pela formação de recursos humanos e pela geração de novos conhecimentos;e o setor privado participará com investimentos e com a implementação de novos negócios. A expectativa,de acordo com Steiner, é ampliar os investimentos de empresas em pesquisa e desenvolvimento e es-

Parque Tecnológico de São José dos Campos: foco na indústria aeronáutica PESQUISA FAPESP 143

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> UNIVERSIDADE

ABC da ciência Sem faculdades ou departamentos acadêmicos, a nova UFABC aposta na multidisciplinaridade M ARCOS P IVET TA

N

o dia 11 de fevereiro de 2008, mil novos alunos de graduação iniciarão o ano letivo na recémcriada Universidade Federal do ABC (UFABC), em Santo André,coração do ABC paulista, a pouco mais de 20 quilômetros do centro da cidade de São Paulo. Em maio,outro grupo de 500 alunos passará a freqüentar a instituição,que reserva metade de suas 1.500 vagas anuais para alunos da rede pública (das 750 vagas separadas para o sistema de cotas, 204 são destinadas a negros e pardos e 3 para índios).A exemplo dos colegas aprovados em agosto de 2006 no primeiro vestibular da universidade,os novos calouros da UFABC estarão matriculados, todos, no mesmo curso: ciência e tecnologia.Não há erro de informação. No vestibular da universidade só há vagas para um curso,o bacharelado em ciência e tecnologia.Terminado esse ciclo básico, que dura três anos,os alunos poderão optar por um dos cursos específicos oferecidos pela universidade:bacharelado e licenciatura em física, química e biologia,bacharelado em ciências da computação ou uma de suas oito modalidades de engenharia.Poderão até mesmo concluir a habilitação em dois cursos diferentes se fizerem as disciplinas necessárias para tal. Essas não são as únicas particularidades da UFABC,cujo campus definitivo está sendo erigido na avenida do Estado,num terreno de 77 mil metros quadrados em que funcionou a Secretaria Municipal de Obras e Serviços Públicos de Santo André.A instituição não tem faculdades ou departamen-

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tos acadêmicos,apenas três centros:um de Ciências Naturais e Humanas;outro de Matemática,Computação e Cognição;e um terceiro de Engenharia,Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas. “Queremos estimular o trabalho interdisciplinar”,diz Luiz Bevilácqua,reitor da UFABC.“Estamos testando um novo projeto de universidade.”O processo de seleção de professores para a instituição é rigoroso:apenas candidatos com o título de doutor puderam,até agora,participar dos concursos de admissão,que disponibilizaram vagas para docentes em regime de dedicação exclusiva e período integral.Outra exigência feita aos postulantes ao cargo de professor é a apresentação de um projeto de trabalho,no qual deve ficar clara sua principal linha de investigação científica.“Nossos docentes já entram aqui com o compromisso claro de também fazer pesquisa”,afirma Hélio Waldman, pró-reitor de Pesquisa da UFABC. Doutores de 30 anos - O resultado des-

sa política de admissão de pessoal se reflete no perfil dos 113 docentes até agora contratados na UFABC (um concurso para selecionar professores visitantes estava em andamento no final do ano passado).A maior parte deles é jovem, com idade entre 30 e 40 anos,tendo feito doutorado (ou em alguns casos até pós-doutorado) nas universidades públicas paulistas,sobretudo na Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Uma mão-de-obra bem formada que gravitava em torno dos grupos de pesquisa de outras universidades e agora

conseguiu um posto permanente numa instituição superior de ensino.“Muitos dos nossos professores estão orientando pela primeira vez alunos de pósgraduação”,comenta Waldman. Esse é o caso do físico gaúcho Gustavo Martini Dalpian,31 anos,que se formou na Universidade Federal de Santa Maria,fez doutorado na USP,dois pós-doutorados nos Estados Unidos e hoje é diretor do Centro de Ciências Naturais e Humanas.Além de debutar na função de dar aulas, Dalpian também faz sua estréia como coordenador de um dos cursos de mestrado e doutorado oferecidos pela UFABC,a pós em nanociências. “Como meus colegas, me formei numa universidade que dava cursos disciplinares e agora na UFABC estou numa instituição que privilegia a multidisciplinaridade”,diz o físico.“No começo,a gente estranha um pouco,mas com o tempo acaba gostando desse contato mais direto com químicos,biólogos e até filósofos.” Também na pós a interdisciplinaridade se faz presente com força.Dos seis cursos de mestrado e doutorado stricto sensu autorizados até agora pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) na nova universidade,três se caracterizam por envolver disciplinas de várias áreasdo conhecimento e explorar setores em alta no mundo da pesquisa:energia;nanociências e materiais avançados;e engenharia da informação.Os outros três (ciência e tecnologia e química;física; matemática) são focados em áreas mais tradicionais da academia.Aproximadamente cem alunos de pós já freqüen-


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tam a universidade.Os grupos de pesquisa na UFABC ainda estão em sua infância.Mas alguns de seus professores já participam de projetos de ponta,como o físico Marcelo Augusto Leigui de Oliveira,33 anos,um dos pesquisadores brasileiros que estudam os raios cósmicos com o auxílio das observações feitas pelo Observatório Pierre Auger, na Argentina. Percalços e jubilamento - Oriundo das

fileiras do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa em engenharia,a Coppe,o carioca Bevilácqua, um dos formuladores do conceito de universidade pública em implantação no ABC,conta que tentou instaurar essa visão multidisciplinar do conhecimento,com menos instâncias administrativo-burocráticas,na própria Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) nos anos 1990.“Mas os reitores foram passando pela UFRJ e o projeto não avançava”,relembra.Com o tempo,percebeu que era mais viável fomentar essa idéia numa instituição de ensino superior nova,sem as amarras de um passado.Com a criação da UFABC,surgiu a oportunidade de materializar o projeto. Embora seja a resposta a um pleito de décadas de uma região com 2,5 milhões de habitantes e sete cidades,a implantação da UFABC não tem sido tão fácil como se poderia pensar.Cerca de 90 alunos da primeira turma da universidade foram jubilados por falta de desempenho acadêmico ou desinteresse pelo curso.No plano político-acadêmico, também houve percalços.Algumas

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lideranças locais,com o apoio de meios de comunicação,se insurgiram contra a proposta acadêmica da universidade.Achavam que a instituição era mais federal do que do ABC.Até a origem dos professores,em sua maior parte de fora da região,chegou a ser questionada pelos críticos da UFABC,que só não disseram onde iriam conseguir doutores tão bem formados como os que estão sendo contratados.Como resultado das pressões,o primeiro reitor da instituição,Hermano Tavares,deixou seu cargo em dezembro de 2006,depois de ter ficado pouco mais de um ano à frente da nascente universidade.Bevilácqua,que era o vice-reitor,assumiu logo em seguida. Quando o campus em construção em Santo André estiver totalmente pronto e a instituição tiver condições de funcionar a pleno vapor,provavelmente em meados de 2009,a UFABC terá um quadro de 600 professores e 10 mil alunos.Hoje a universidade tem um perfil bastante ligado aos cursos de engenharia e tecnologia,mas um incremento nas áreas biológicas deve acontecer nos próximos concursos para contratação de professores.É possível até que a UFABC ganhe um segundo campus em outra cidade da região,talvez em São Bernardo.As ciências humanas não são o forte da UFABC.Porém não está descartada por completo a entrada da universidade nesse campo do conhecimento.“Se formos investir nessa área, terá de ser com um projeto igualmente inovador”,diz Waldman.“Mas ainda não temos esse projeto.Se alguém tiver, pode me mandar.” ■ PESQUISA FAPESP 143

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AMBIENTE

REUNIÃO EM BALI

Luz no fim do túnel Conferência do Clima traça mapa do caminho para o combate ao aquecimento global

C L AU D I A I Z I Q U E

A

13ª Conferência do Clima,em Bali,na Indonésia,de 3 a 14 de dezembro de 2007,abriu novas perspectivas para um acordo global contra o aquecimento do planeta.Depois de 15 dias de tensão,representantes de 190 nações decidiram negociar um pacto para a redução de gases de efeito estufa que,se tudo der certo,sucederá o Protocolo de Kyoto.O entendimento só foi possível depois que os países do G-77 – que reúne 133 nações em desenvolvimento – e a China aceitaram discutir a adoção de ações “mensuráveis,reportáveis e verificáveis”de redução de emissão de gases de efeito estufa,abrindo, com isso,um canal de negociação com os Estados Unidos que se mantiveram avessos a qualquer tipo de entendimento desde o início do Protocolo,em 1997. O primeiro encontro deverá ocorrer em Gana no início deste ano,seguido de mais quatro sessões anuais ao redor do mundo,culminando em Copenhague, na Dinamarca,no final de 2009. “Ainda é cedo para falar em fracasso ou em sucesso”,afirmou a ministra do Meio Ambiente,Marina Silva,ao programa Pesquisa Brasil. Na reunião foi traçado o que se convencionou chamar de mapa do caminho,um documento cheio de boas intenções,com duas rotas que devem convergir para um acordo global. E aí é que as coisas se complicam.De um lado do caminho estão os países desenvolvidos,signatários do Protocolo de Kyoto,que há dez anos vivem sob o compromisso de reduzir em

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5,2% as suas emissões de gases de efeito estufa entre 2008 e 2012.Apesar de as projeções da ONU indicarem que a maioria está longe de cumprir o prometido,os países da União Européia querem que o novo pacto amplie o porcentual de redução de emissões para algo entre 25% e 40% até 2020.Ficou decidido que os países ricos devem repassar tecnologia para os países pobres para permitir que o crescimento dessas nações não implique o aumento da poluição do planeta.Foi acordado também a criação de um fundo de adaptação, que será gerido pelo Global Environment Fund (GEF) – formado a partir de uma taxa cobrada nas transações do mercado de crédito de carbono – para reduzir o impacto do aquecimento global em nações como as do continente africano,por exemplo. Economias emergentes - Do outro

lado estão os países em desenvolvimento – que permanecem livres de qualquer compromisso de redução – e os Estados Unidos,que não assinaram Kyoto.No novo acordo,Brasil,Índia e China,por exemplo – três dos maiores emissores –,poderão ter que se comprometer a reduzir emissões por meio de controle do desmatamento,da degradação,conservação,manejo sustentável,mudança do uso do solo e aumento do estoque de carbono florestal. “Estamos nos dispondo a seguir metas internas e verificáveis”,afirmou Marina Silva,que apresentou em Bali a proposta de um Fundo para Proteção e

Conservação da Amazônia Brasileira, que será lançado oficialmente este ano. O fundo,de caráter voluntário,será inaugurado com recursos da ordem de US$ 150 milhões, operados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).A expectativa é que o governo da Noruega contribua com US$ 100 milhões.Será administrado por um conselho consultivo formado por representantes dos governos federal e estaduais,organizações não-governamentais,empresas e cientistas,de acordo com as agências Inter Press Service (IPS) e Envolverde. O sucesso do mapa do caminho, na avaliação de especialistas,poderá depender das próximas eleições presidenciais norte-americanas,no final deste ano.A expectativa é que o próximo presidente, diferentemente de George W.Bush,se comprometa a adotar medidas contra o aquecimento global.“Em dois anos,os Estados Unidos estarão em um lugar em que não estão agora”,previu Al Gore,que dividiu o Prêmio Nobel da Paz com os cientistas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC),em 2007.Resta saber se as economias emergentes manterão,nos próximos dois anos,sua disposição de investir no desenvolvimento limpo.A expectativa é que os próximos dois anos sejam marcados por intensa movimentação diplomática.O presidente do grupo de trabalho que conduzirá as negociações do mapa do caminho será o diretor do Departamento de Meio Ambiente do Itamaraty, ministro Luiz Alberto Figueiredo. ■


EDUARDO CESAR

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AMBIENTE

MUDANÇAS CLIMÁTICAS

As poderosas

águas dos rios Turbinadas pelo aquecimento global, variações no regime de chuvas na bacia do Prata podem tumultuar a circulação marinha no Sul e Sudeste

Não é exagero imaginar que as chuvas que caem todo verão sobre a cidade de São Paulo escoem pelo rio Tietê, ganhem o rio Paraná e depois o rio da Prata até entrar em volumes monumentais no Atlântico Sul. Essa grandiosa massa aquática pode provocar mudanças intensas na circulação e nas características físicas e químicas das águas da plataforma continental, a ponto de interferir na produtividade pesqueira e no clima das regiões próximas ao litoral. Por ter baixa salinidade e ser mais leve que as águas marinhas, a água do Prata permanece nas camadas superficiais formando uma pluma de baixa salinidade – uma faixa de água doce em meio ao mar, com largura de 50 a 150 quilômetros (km) e extensão de até 1.500 km, que se estende da foz do Prata até as imediações de Cabo Frio, no sudeste brasileiro. Oceanógrafos brasileiros, uruguaios, argentinos, chilenos e norte-americanos reunidos em um consórcio internacional de pesquisa conhecido como SACC (The South Atlantic Climate Change Consortium) trabalham há mais de dez anos para 34

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ESTAÇÃO ESPACIAL INTERNACIONAL

Março de 2004: o furacão Catarina aproxima-se do sul do Brasil

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entender essa relação entre ar, terra e água na região do Atlântico Sul sob influência da pluma de baixa salinidade formada pelo deságüe do rio da Prata. A conclusão a que chegaram é que a bacia do Prata funciona, ainda que em uma proporção cinco vezes menor, como o rio Amazonas, que despeja no Atlântico um volume de água equivalente à baía de Guanabara a cada segundo. No oceano, sob ação dos ventos e do movimento de rotação da Terra, essa massa de água flui para o norte ao longo da plataforma continental por longas distâncias até se misturar completamente com as águas oceânicas. A interação entre as águas do continente e as do mar tem conseqüências ainda pouco conhecidas no processo de mudanças climáticas, mas os estudos já realizados, com base em modelos matemáticos, sugerem fortemente a possibilidade de alterações no regime de chuvas, chovendo mais em alguns lugares e menos em outros, em todo o Brasil – da Amazônia aos pampas. Efeito ampliado – Confrontando ima-

gens de satélite com os dados obtidos em cruzeiros oceanográficos e por meio de modelagem numérica, os pesquisadores concluíram que dois fatores contribuem de modo decisivo para a descarga do rio da Prata aumentar e desestruturar a circulação marinha logo à frente: o volume da precipitação na bacia hidrológica drenada pelos rios Paraná e Paraguai e o regime de ventos no Atlântico Sul. O tumulto marinho provocado pelas águas que saem do Prata é muito maior do que o imaginado, tanto em termos de complexidade quanto em relação à área geográfica que ele atinge, e interfere em duas engrenagens – ambas climáticas – no Atlântico Sul. “Toda vez que ocorre um El Niño intenso a quantidade de água que chega ao rio da Prata pode dobrar porque chove mais sobre a parte central da América do Sul”, explica Edmo Campos, pesquisador do Instituto Oceanográfico que coordena esse consórcio de pesquisa desde sua fundação, em 1996. “Se isso for aliado a um regime também atípico de ventos, soprando de sudoeste, toda água doce é empurrada em direção ao litoral do Brasil.” Algumas vezes a pluma de água doce do Prata provoca fenômenos que 36

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demoram para ser explicados. Campos conta que nos anos 1970 outro professor do Oceanográfico, Yasunobu Matsura, já falecido, detectou uma mancha de água de baixa salinidade em Santos, litoral paulista.“Ele não sabia o que era, mas sugeriu que o desaparecimento dos cardumes de sardinha que ocorreu naquele tempo provavelmente estava relacionado com aquela massa de água de origem desconhecida.” Não seria a massa de água doce vinda do Prata, empurrada para o norte pelos ventos? Campos acredita que sim. Segundo ele, a pluma de água de baixa salinidade poderia resultar da combinação de maior descarga do rio da Prata e do vento e interromper o afloramento de uma massa de água rica em nutrientes chamada Acas (água central do Atlântico Sul). Esse corpo de água origina-se no extremo sul da Argentina e segue para o norte descrevendo um giro anti-horário na região subtropical do Atlântico Sul. Essa água normalmente afunda no meio do caminho e depois ressurge nas proximidades de Cabo Frio, trazendo do fundo do mar os nutrientes que mantêm a cadeia alimentar. Mais água doce na superfície, em razão de um El Niño mais intenso, pode impedir o bombeamento dessa água rica em nutrientes para regiões próximas à superfície. Em conseqüência, haverá menos alimento para os peixes que vivem em zonas mais rasas nas proximidades do litoral.

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O PROJETO Levantamento oceanográfico em larga escala na plataforma continental sudeste da América do Sul (LAPLATA)

MODALIDADE

Auxílio Individual a Pesquisa COORDENADOR

EDMO J. D. CAMPOS – IO/USP INVESTIMENTO

R$ 130.776,43 (FAPESP) US$ 178.000,00 (United States Office of Naval Research) US$ 900.000,00 (Inter-American Institute for Global Change Research)

A extensão da pluma do rio da Prata é um fenômeno sazonal – tende a ser maior no inverno que no verão – e pode ter sérias conseqüências para quem vive ao longo do litoral.“Durante o inverno, ao fluir para o norte, essa água originalmente mais fria rouba calor da atmosfera e altera o padrão da circulação atmosférica local. Isso pode alterar o regime de chuvas, com conseqüências indiretas em uma variedade de atividades sociais e econômicas”, diz Campos. Como o fenômeno Enos (El Niño – Oscilação Sul) tende a se intensificar com o aquecimento global, o clima no sul da América do Sul poderá se modificar bastante, com mais chuvas em alguns lugares e secas em outros. Os pesquisadores começam a olhar com mais atenção para os pampas, cujos agricultores podem ser bastante atingidos por essas mudanças no ritmo das chuvas. Os oceanógrafos querem conhecer melhor os mecanismos do seqüestro de carbono, um dos fenômenos associados ao aquecimento global no Atlântico Sul. O aquecimento global é causado pelo excesso de carbono em circulação na atmosfera. Com mais quantidade desse gás no ar, será que a bomba de seqüestro de carbono representada pelo oceano não estaria ficando meio entupida? Os mares são bons reservatórios de carbono porque trocam gases com o ar: sai oxigênio e entra gás carbônico. Há indícios de que esse balanço gasoso pode afetar diretamente a produtividade de biomassa do oceano – por exemplo, a produção de fitoplâncton, os organismos arrastados pelas correntes marinhas vistos como os maiores responsáveis pela produção de oxigênio, por meio da fotossíntese. Os pesquisadores identificaram uma interferência direta do maior aquecimento atmosférico no sul da África do Sul, em uma região do Atlântico próxima de onde os navegadores europeus da época das caravelas faziam a volta para seguir rumo às Índias. Na região próxima ao cabo da Boa Esperança, a água que vem do oceano Índico mistura-se com a do Atlântico. A falta de troca de água entre os dois oceanos, como previsto, poderia alterar a temperatura e a salinidade do Atlântico Sul e o regime de chuvas nas regiões continentais da América do Sul e da África.


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Água doce no litoral

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Se as próximas pesquisas confirmarem também outra conclusão – o deslocamento de uma região que liga o Atlântico Sul e o Norte, chamada Zona de Convergência Intertropical (ITCZ, na sigla em inglês), fundamental para regular o clima no Brasil –, a relação entre o aquecimento da Terra com a Amazônia e o Nordeste brasileiro pode ficar mais complexa. Segundo Campos, a alteração do padrão climático ao redor da América do Sul poderá levar mais chuva para o Nordeste do Brasil enquanto a Amazônia pode se tornar uma floresta menos encorpada e menos úmida. Nordeste chuvoso? – Essa argumentação provém da análise de um índice que relaciona temperaturas da superfície do mar no Atlântico Tropical chamado modo gradiente do Atlântico, antes conhecido como dipolo. Quando esse índice é positivo, as temperaturas superficiais do Atlântico Tropical Norte cos-

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tumam ser mais altas que o normal, enquanto as do Atlântico Tropical Sul são mais frias. Se negativo, ocorre o oposto. Campos ressalta que a quantidade de chuvas que cai sobre o Nordeste brasileiro é altamente relacionada com esse índice: chove mais quando o índice dipolo é negativo. Esse grupo acredita que essa relação entre as duas áreas do Atlântico tem uma importância maior que o fenômeno El Niño, que ocorre no oceano Pacífico, na determinação do regime de chuvas no Nordeste do Brasil e de uma região da África conhecida como Sahel, situada entre o deserto do Saara e as terras mais férteis ao sul. Um conhecimento mais aprofundado sobre esses comportamentos do tempo poderá ajudar a melhorar a previsão climática e a impedir tragédias como a de março de 2004. Foi quando um pequeno ciclone que começou a se formar no Atlântico Sul deixou de ser um fenômeno comum na região, ganhou

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ALBERTO R. PIOLA/UNIVERSIDADE DE BUENOS AIRES

A bacia do rio da Prata, indicada em cinza no mapa ao lado, despeja 23 mil metros cúbicos de água doce por segundo no Atlântico. Sob El Ninõs intensos esse volume pode chegar a 55 mil metros cúbicos por segundo. Essa massa de água forma uma pluma de água de baixa salinidade com 50 a 150 km de largura e até 1.500 km de extensão que pode chegar até Cabo Frio, no litoral do Rio de Janeiro. A barra de cores indica a salinidade, em partes por mil.

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força por causa da elevada quantidade de calor na superfície do oceano e se tornou um furacão – o Catarina, o primeiro furacão que chegaria até o litoral brasileiro. Sem um sistema eficiente de monitoramento do oceano, os pesquisadores e técnicos não conseguiram prever que a quantidade de calor era mais que suficiente para que o ciclone fosse mais alimentado ainda. Além da destruição material e de pelo menos duas mortes, 3 mil pessoas tiveram de deixar suas casas quando os ventos fortes chegaram.“Um sistema de monitoramento mais detalhado seria fundamental para acompanharmos mais de perto esses fenômenos”, diz Campos. Como os dados do grupo que ele dirige atestam, com o aquecimento global haverá mais calor na superfície do Atlântico Sul e episódios extremos como o furacão Catarina poderão se tornar mais freqüentes e mais intensos nos próximos anos. ■ PESQUISA FAPESP 143

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CLIMATOLOGIA

Fábrica de

tempestades Concentração de calor e poluentes na metrópole paulistana favorece a formação de chuvas intensas durante a semana

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ROGÉRIO CASSIMIRO/FOLHA IMAGEM

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Há dia e hora marcados para as tempestades na Região Metropolitana de São Paulo. As chuvas intensas que alagam diversos pontos da capital e de vários dos 39 municípios vizinhos que integram a maior metrópole da América do Sul geralmente se concentram no início da semana, segunda ou quarta-feira, no final da tarde. Nesse mar de concreto e asfalto em que vivem quase 19 milhões de pessoas, a temperatura aumenta progressivamente à medida que o dia avança e milhões de automóveis invadem as ruas. Depois que a temperatura atinge um pico no início da tarde, as nuvens vão ganhando corpo e se tornando cor de chumbo até algumas horas mais tarde despejarem um mundo de água sobre a metrópole, especialmente em alguns pontos da capital. É fácil imaginar as conseqüências mais imediatas dessas tempestades: o já complicado trânsito da metrópole, que facilmente atinge os 150 quilômetros de carros enfileirados nas principais ruas e avenidas nos finais de tarde, literalmente pára; os paulistanos levam horas para retornar do trabalho para suas casas; e nos bairros mais humildes as pessoas perdem o pouco do que têm em meio à água e à lama. E não adianta culpar só a natureza por esse padrão de temporais que castigam a metrópole com freqüência entre dezembro e março, durante o verão, constataram os geógrafos Aílton Alves Filho, da Faculdade de Engenharia Industrial (FEI), e Helena Ribeiro, da Fa-

culdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). Na tentativa de identificar um padrão nas chuvas intensas paulistanas, Alves estudou como elas se distribuíam nos municípios da metrópole do início da década de 1980 ao começo dos anos 1990. Ao concentrar a análise no verão de 1991, período que teve o maior volume de chuvas em todo o século XX, Alves e Helena constataram que das 17 tempestades mais intensas do período, 35% ocorreram na segunda-feira, 20% na terça e 20% na quarta. Naquele verão não houve temporais nos finais de semana, segundo estudo publicado recentemente na revista InterfacEHS. Mas faltava entender por que isso acontece. Comparando dados de radares meteorológicos, registros de intensidade das chuvas e índices de poluição, Alves e Helena concluíram que só é possível explicar o que se passa na metrópole paulistana se também se levar em consideração a influência de seus habitantes. É claro que a localização certamente favorece a ocorrência de chuvas, em especial no verão. São Paulo e vários dos municípios vizinhos estão em meio a um corredor, formado pela serra da Cantareira ao norte e pela serra do Mar ao sul, que facilita a entrada de massas de ar carregadas de umidade do oceano Atlântico, distante da capital apenas 45 quilômetros em linha reta. Mas essas características naturais não explicam tudo. No último século a população apenas da cidade de São Paulo cresceu cerca de 40 vezes, alcançando seus quase 11 milhões de habitantes. E, num rápido processo de ocupação, São Paulo e as cidades vizinhas avançaram sobre a vegetação natural, hoje praticamente restrita a parques municipais e estaduais. A substituição do verde por milhares de quilômetros de asfalto e muitas toneladas de concreto transformou a região numa espécie de estufa que ao

longo do dia armazena calor do Sol – de 1940 para cá, a cidade de São Paulo, por exemplo, tornou-se em média 2 graus Celsius mais quente. Ao aquecimento provocado pela urbanização – efeito conhecido como ilhas de calor –, ainda é preciso somar o nada desprezível calor gerado pela queima de combustíveis pelos 3,5 milhões de automóveis que circulam diariamente na capital, correspondente a um décimo da energia que a cidade recebe do Sol. Anos atrás o geógrafo Tarik Azevedo, da USP, ao analisar séries históricas de chuva ao longo dos anos 1990, confirmou que as chuvas intensas eram muito mais comuns nos dias úteis do que nos feriados e finais de semana, quando as atividades humanas geram menos calor na metrópole.“A cidade não cria as tempestades, mas as favorece quando já existem as condições propícias”, diz Azevedo. “Esse dado deveria servir de argumento a favor de se ampliar o uso do transporte público.” Ao unir todos esses elementos, Alves e Helena conseguiram explicar a concentração das chuvas nos finais de tarde dos dias úteis. A temperatura na Região Metropolitana sobe ao longo do dia até atingir um pico no início da tarde. Ao mesmo tempo, o ar se torna mais seco, cedendo umidade para a formação de nuvens. Se a brisa oceânica, que sopra do mar para a terra no início da tarde, chega a tempo de contribuir com mais umidade, estão reunidas as condições para um fim de tarde molhado e caótico na metrópole.“Essas chuvas intensas se concentram principalmente na região central, norte e leste de São Paulo, mais densamente urbanizadas”, conta Alves.“Nos últimos anos, os governos estadual e municipal até têm feito investimento para reduzir os danos das chuvas. Mas os resultados serão sempre paliativos se não houver alteração do zoneamento urbano”, afirma o geógrafo da FEI. ■

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LABORATÓRIO MUNDO

NASA

EFEITOS INESPERADOS

Pesquisadores norteamericanos descobriram que o milho geneticamente alterado produz efeitos inesperados sobre o ambiente. Eles analisaram o que acontecia bem além das plantações de uma variedade de milho chamado Bt, modificado para produzir uma proteína da Transgênicos: causa de morte de insetos bactéria Bacillus thuringiensis, tóxica para lagartas que se alimentam de suas folhas. Observa> Os cheiros, além ram que as toxinas do milho Bt, que compõe um terdo som e da fúria ço das plantações de milho norte-americanas, alcançam as águas de córregos e riachos e podem viajar por lonUm estudo realizado na gas distâncias, causando a morte de insetos que servem de aliUniversidade Northwestern, mento para os peixes. É um efeito que não havia sido previsem Chicago,Estados Unidos, to pela Agência de Proteção Ambiental (EPA) dos Estados Unimostra como os aromas – dos, que liberou o plantio do milho Bt em 1996. Segundo mesmo em baixíssimas Jennifer Tank, autora do estudo publicado na revista P NAS , os concentrações – podem testes feitos anteriormente pela EPA levaram em conta que interferir no julgamento restos da planta como caule e folhas não chegariam aos córe no humor das pessoas, regos e riachos. A EPA também só havia testado o impacto do soberbamente influenciadas milho Bt sobre organismos de pequenos lagos. “Nosso estupelo que vêem e ouvem do indica conseqüências potenciais não-intencionais e inespe(The Economist, 6 de radas causadas pelo uso disseminado de plantações geneticadezembro).Wen Li e sua mente alteradas”, diz Jennifer. “A extensão exata desse impacequipe pediram a um grupo to ainda é desconhecida.” de 31 voluntários que

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cheirassem jarros com três fragrâncias – de cítricos, aniz e valeriana – tão diluídas que se tornavam imperceptíveis.Um óleo mineral sem cheiro detectável em qualquer concentração servia como controle.Depois de inspirar um dos três odores ou o óleo inodoro,cada participante pressionava um botão para indicar se o jarro cheirava a algo ou não.Em seguida, viam a imagem de um rosto numa tela durante um segundo.Cada voluntário tinha de pontuar a aceitação da imagem.De acordo com o trabalho publicado na Psychological Science, os odores influenciaram o julgamento:quem havia inalado valeriana tendia a reagir negativamente à imagem,enquanto os que cheiraram o odor cítrico consideravam o rosto amigável. Quando percebiam conscientemente um cheiro,o efeito sobre a imagem desaparecia.

O aquecimento global TR Ó PICOS tem sido associado a AMPLIAD OS imagens de geleiras derretendo no çrtico. Mas há também uma face menos visível: os trópicos estão se expandindo. Ao longo deste século a faixa tropical da Terra deve avançar dois graus de latitude, de acordo com um estudo publicado na Nature Geoscience , coordenado por Dian Seidel, da agência norte-americana de estudos climáticos (NOAA). Esse fato pode modificar a vida dos moradores das regiões subtropicais e causar profundas mudanças nos regimes de ventos e de chuvas – na estrutura do clima, enfim – do planeta, com sérias repercussões para as florestas, para a agricultura e para os reservatórios de água.


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DETALHE DE MULHER DIANTE DO ESPELHO, DE VICENTE DO REGO MONTEIRO

> Quando o esforço não compensa As mulheres persistem no uso de cremes, dietas especiais, vitaminas, Botox e cirurgias plásticas para parecerem mais jovens e belas mesmo que percebam que nada disso está funcionando. À frente do estudo com 297 mulheres com idade entre 27 e 65 anos que levou a essas conclusões,

SANTA BARBARA/MUSEUM OF ART

ESTILO EM MUTAÇÃO

Claude Monet passou a pintar de modo diferente à medida que envelhecia. As marcas dos pincéis se mostravam mais firmes e as cores marcadamente azuis, laranja ou marrons. Os detalhes se esvaíam. Não, o impressionista que fez história não estava se tornando um expressionista abstrato. A catarata é que começava a cobrir seus olhos antes tão sensíveis. Michael Marmor, oftalmologista da Universidade de Stanford, Estados Unidos, mostra por meio de simulações de computador em um estudo da Archives of Ophthalmology como a visão de Monet se tornava turva e perdia o foco e a capacidade de captar as sutilezas de cor e luz à medida que a catarata progredia até o ponto de o deixar incapaz de distinguir o que via do que estava pintando (New York Times, 4 de dezembro). Não foi o único a sofrer com a perda do olhar. Edgar Degas, hoje parece claro, sofreu de uma doença na retina, provavelmente degeneração macular, por quase metade de sua vida.

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Charing Cross Brigde, 1899: Londres sob um olhar enevoado

Brett Martin, da Universidade de Bath, Inglaterra, e Rana Sobh, da Universidade de Catar, quiseram também descobrir as razões da persistência. Uma resposta possível: as mulheres temem uma imagem delas próprias que revele a idade e o quanto têm de rugas. Se percebiam que estavam

falhando no esforço de parecerem belas e mais jovens, continuavam tentando, mas paravam se descobriam algum efeito, que também espantava a ansiedade. Em termos numéricos, das mulheres que percebiam que o tratamento adotado não surtia efeito, 73% seguiam adiante. Entre as que viam que estavam se tornando mais jovens e belas, só 45% prosseguiam. Outra conclusão do estudo é que as pessoas se sentiam motivadas a tentar novamente quando percebiam que estavam pensando negativamente sobre si mesmas e falhavam em tentar melhorar a situação. Já quanto mais felizes com o próprio corpo, mais tranqüilas se sentem mentalmente – e mais propensas a se saírem bem no que desejam fazer.

> Dengue no sangue de doadores Uma equipe dos Centros de Prevenção e Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos identificou o vírus que causa a dengue em sangue de doadores em Porto Rico. O epidemiologista Hamish Mohammed, dos CDC em San Juan, capital de Porto Rico, coordenou os testes de 16 mil doadores de sangue entre setembro e dezembro de 2005, logo depois da temporada de maior incidência de dengue no país, e encontrou 12 unidades de sangue contaminadas. O sangue dos porto-riquenhos, além de abastecer o próprio país, vai para outras ilhas do Caribe e para os Estados Unidos. Testes que detectem esse vírus não são habituais, mas essa descoberta sugere maior atenção às autoridades sanitárias.

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A INTRIGANTE MALÁRIA SERRANA

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LABORATÓRIO BRASIL

Surgiu uma hipótese para explicar os casos de malária nos municípios cercados de Mata Atlântica nas serras do Espírito Santo, um dos focos da doença no país além da Amazônia, que registra a quase totalidade dos 500 mil casos anuais. Nessa região, onde há 215 mil moradores, a maioria descendentes de imigrantes alemães e italianos, aparecem de dez a 30 casos por ano. A habitual transmissão de pessoa para pessoa por meio do mosquito é pouco provável, por causa do isolamento. Além disso, o mosquito Anopheles darlingi, que transmite a malária na Amazônia, não vive por lá; apenas outro vetor, o Anopheles cruzii, encontrado nas matas, mas longe das casas. Crispim Cerutti Junior, da Universidade Federal do Espírito Santo, em colaboração com colegas da Universidade de São Paulo, examinou o sangue de 1.777 moradores e encontrou evidências de malária em 65, a maioria homens e assintomáticos. Os resultados, publicados no Malaria Journal, sugerem que a doença possa ser transmitida pela picada de mosquitos que carreguem os parasitas causadores da enfermidade em macacos. O sangue de um dos quatro macacos Alouatta guariba que viviam em cativeiro e foram examinados continha anticorpos para o parasita Plasmodium malariae, confirmando que a malária símia ainda se propaga na região.

> Maratonistas do lixo

> Um livro em outro clima Um tom apocalíptico acompanha a maioria dos livros sobre mudanças climáticas.Saiu uma exceção, Quanto mais quente melhor? Desafiando a sociedade civil a entender

as mudanças climáticas, organizado por Carlos Klink e publicado em parceria pelo Instituto Internacional de Educação do Brasil e pela Editora Petrópolis.Nem fácil demais,nem difícil demais, pode ser útil para quem já se perdeu em meio a tanta informação e precisa rever os conceitos sobre Protocolo de Kyoto,IPCC,mercado de carbono,mecanismo de desenvolvimento limpo e até mesmo para quem não lembra mais o que é a fotossíntese ou o ciclo do carbono nas plantas.Um dos capítulos conta como e por que a prefeitura de Palmas, capital do Tocantins,reduziu 10% do consumo de energia elétrica, economizando R$ 700 mil por ano,entre outras medidas,para diminuir os impactos da emissão de gases que favorecem o aquecimento do planeta.Chega-se ao final do livro com a conclusão de que as mudanças climáticas há muito deixaram de ser um assunto estritamente científico e, melhor ainda,que o mundo não precisa terminar necessariamente em chamas. LAURABEATRIZ

Bate forte o resistente coração dos coletores de lixo. Correr para reunir,carregar e atirar sacos de lixo em um caminhão em movimento durante cinco a oito horas por dia,em meio ao trânsito

e à pouca consideração de outros pedestres,faz o coração desses homens trabalhar a um ritmo médio de 104 batimentos por minuto,quase 60% da freqüência cardíaca máxima. O gasto energético durante a coleta de lixo é alto: 1.608 quilocalorias em

300 minutos de trabalho diário.É uma atividade excessivamente pesada,que deveria exigir classificação mais apurada de trabalhadores e mais cuidados com a saúde, recomenda Luiz Anjos,da Fundação Oswaldo Cruz, em estudo publicado nos Cadernos de Saúde Pública. Anjos e pesquisadores da Universidade Federal Fluminense e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro avaliaram 83 coletores de lixo domiciliar na cidade do Rio de Janeiro com idade entre 19 e 63 anos e peso médio de 68 quilos. No Brasil cerca de 90 mil homens trabalham como coletores de lixo sob o risco de contaminação,exaustão ou atropelamentos.

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BAÍA DE GUANABARA VISTA DA ILHADAS COBRAS, DE FELIX ÉMILE TAUNAY

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> Carlos, o cabrito transgênico

DÁRCIO TEIXEIRA

A motivação veio de um experimento feito por pesquisadores da Universidade Federal do Rio

Macho com gene humano: chance de gerar rebanho

de Janeiro (UFRJ) que produziram camundongos transgênicos, capazes de liberar no leite o fator estimulante de colônias de granulócitos humanos (hG-CSF). O hG-CSF induz a produção e maturação de células de defesa, em especial neutrófilos, e tem sido usado para compensar a queda de neutrófilos em

terapias contra o câncer e regenerar áreas do coração pós-infarto. Na Universidade Estadual do Ceará, uma equipe tratou de produzir hG-CSF em maior quantidade de uma só vez, o que exigiu um animal maior: cabras, mais simples de lidar do que vacas. Com equipes da Academia de Ciências da Rússia e da UFRJ, Vicente Freitas induziu a ovulação em 24 cabras da raça saanen (Anais da Academia Brasileira de Ciências). Recuperou 129 embriões, que receberam o gene do hG-CSF e foram transferidos para 27 cabras. Nasceram 12 filhotes – um é transgênico, um cabrito chamado Carlos, nome de um aluno de iniciação científica. “Um macho transgênico pode rapidamente formar um rebanho transgênico”, diz Freitas, que acredita que esse seja o primeiro caprino transgênico da América Latina. Estudos mostram a viabilidade de produzir medicamento no leite de animais.

Além do esgoto residencial e inA FUMAÇA QUE dustrial sem tratamento, metais POLUI O MAR pesados liberados com a fumaça de indústrias e de automóveis que escoam com as chuvas contribuem para a poluição da baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. Edisio Pereira e José Baptista-Neto, da Universidade Federal Fluminense, colheram amostras de partículas acumuladas nas ruas e estradas próximas à baía, um dos ambientes mais poluídos do litoral brasileiro. Encontraram altas concentrações de ferro, manganês, zinco, cobre, chumbo, cromo e níquel, em comparação com ambientes naturais (Anais da Academia Brasileira de Ciências). Além de carros e indústrias, outras fontes possíveis são incineradores e metalúrgicas. O Grande Rio, que cerca a baía, abriga cerca de 11 milhões de moradores e é a segunda região mais industrializada do Brasil, com cerca de 12 mil indústrias. A vegetação natural tem desaparecido rapidamente e a ocupação irregular se intensificado no último século nas bordas da baía, facilitando o transporte de sedimentos pelos rios.

> Implantes contaminados Das 365 mil cirurgias plásticas estéticas feitas no Brasil por ano, um terço é implante de mama. Como em qualquer cirurgia, há risco de complicações. Uma delas são as infecções. A equipe de Maria Clara Padoveze, do Centro de Vigilância Epidemiológica de São Paulo, examinou 492 registros de pessoas

que receberam implante de mama em 12 hospitais de Campinas, em abril e maio de 2004. Identificou 14 casos confirmados – e 14 possíveis – de contaminação por bactérias, solucionados com a remoção do implante e uso de antibióticos. Análises sugerem que o uso de medidores de seios reusáveis para estimar o volume da prótese pode ter sido uma das causas do surto (Journal of Hospital Infection).

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CIÊNCIA

Fragmento de proteína ligado ao controle da pressão arterial pode ajudar a emagrecer e a tratar dependência química C ARLOS F IORAVANTI FOTOS E DUARD O C ESAR

Emer Ferro tentou esquecer a hemopressina, mas não conseguiu. Quando a descobriu com a bióloga Vanessa Rioli em 2003, em um dos laboratórios do quarto andar do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP), pensou que era apenas mais uma molécula capaz de reduzir a pressão arterial. Ele então mediu as próprias forças, concluiu que para continuar teria de entrar em uma luta desgastante que o levaria no máximo a mais um entre dezenas de outros medicamentos anti-hipertensivos e deixou essa pesquisa de lado. Como uma fênix, essa molécula ganhou vida novamente quando duas biólogas do Instituto Butantan, Camila Dale e Rosana Pagano, insistiram para estudar as propriedades biológicas da hemopressina e mostraram que ela também servia para aplacar a dor em ratos. Nesse momento esse fragmento de proteína ganhou outra dimensão e reacendeu o interesse de Emer, que ainda não imaginava que essa molécula poderia fazer muito mais – nem que ele próprio, meses depois, ajudaria a encontrar um novo método capaz de acelerar o desenvolvimento de novos fármacos. No final de julho de 2006, como parte de sua agenda de trabalho na Faculdade de Medicina Albert Einstein da Universidade Yeshiva, em Nova York, Emer reexaminou os resultados dos experimentos feitos com a hemopressina até então. Foi quando suspeitou que, para explicar esses efeitos sobre pressão arterial e dor, a molécula deveria agir sobre proteínas específicas da superfície celular – os receptores de canabinóides chamados CB1, acionados por compostos produzidos pelo próprio organismo ou por componentes de plantas entorpecentes como a maconha. Intrigado, atravessou Nova York e pediu ajuda a uma colega brasileira, Andrea Heimann, que estava lá pesquisando na Escola de Medicina Monte Sinai, a poucas quadras do Central Park. Como havia terminado seu trabalho antes do prazo e tinha material à mão, Andrea fez em apenas três dias os experimentos em células que tornaram a hemopressina um notável candidato a medicamento: por causa desse mecanismo de ação sobre os receptores CB1, então confirmado, poderia também ajudar as pessoas a emagrecer, a tratar o diabetes tipo 2, a reduzir a dependência de drogas e a aplacar a necessidade de fumar.

FARMACOLOGIA

Vôos de fênix


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Placa de dosagem de proteína: azul mais intenso indica maior concentração de proteína em que os anticorpos vão se ligar


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Tamanha versatilidade se deve ao fato de a hemopressina realmente bloquear os receptores de canabinóides, que regulam a fome, o bom humor e o prazer. É o mesmo efeito do rimonabanto, um fármaco já aprovado para uso contra obesidade e sobrepeso na Europa e no Brasil, mas ainda em fase de análise pelas autoridades regulatórias do governo dos Estados Unidos. O rimonabanto tem avançado lentamente nos Estados Unidos por causa dos efeitos colaterais, como o risco de depressões severas e de suicídio. De acordo com um estudo publicado em novembro na Lancet, pesquisadores dinamarqueses acompanharam 4.105 pessoas durante um ano e concluíram que esse medicamento pode causar depressão mesmo em quem nunca teve. Bom começo - Segundo Emer, a hemo-

pressina pode passar ao largo dessas limitações por ser um peptídeo (fragmento de proteína) produzido pelo próprio organismo possivelmente a partir da reciclagem da hemoglobina, a molécula que transporta oxigênio às células do corpo. Os experimentos preliminares em animais não mostraram nenhuma toxicidade relevante nem efeito colateral aparente, além de indicarem que a hemopressina pode funcionar também

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por via oral, como Camila Dale e Rosana Pagano verificaram nos experimentos feitos no Butantan. “A hemopressina começa a se tornar uma molécula interessante”, reconhece Emer.“Esse é o primeiro peptídeo natural que funciona como agonista inverso de CB1.” O que ele está dizendo, em termos mais simples, é que a hemopressina reduz a ação das formas ativas de um dos tipos de receptores de canabinóides. Essa molécula cumpre assim uma tarefa antes desempenhada apenas pelos hormônios e neurotransmissores que participam do controle da fome e do prazer. Foi uma descoberta com peso o suficiente para ser aceita para publicação na revista científica PNAS, editada pela Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos. Há outra razão pela qual esse fragmento de proteína, de apenas nove aminoácidos, dificilmente alcançará em pouco tempo o mesmo estágio de desenvolvimento do rimonabanto, que age sobre as mesmas proteínas de superfície das células do cérebro, do tecido adiposo, do fígado e dos músculos. Segundo Andrea, a produção em escala industrial de peptídeos como a hemopressina tende a ser mais cara e mais refinada que a de compostos químicos sintéticos como o rimonabanto. Ela e Emer acredi-

Fábricas vivas: um dos coelhos usados para produção de anticorpos

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tam que o melhor caminho para avançar é desenvolver compostos sintéticos que tenham a mesma função que o fragmento ativo da hemopressina, formado por quatro dos nove aminoácidos dessa molécula; é o mesmo caminho adotado no desenvolvimento de muitos outros fármacos. “Temos agora de trabalhar com químicos que possam encontrar uma versão sintética da hemopressina”, reconhece Andrea. Não será a primeira vez que ela desafia a sorte. Quatro anos atrás, prestes a terminar o doutorado, Andrea ouviu uma bronca da mãe ao comunicar que deixaria não só o laboratório de 1.200 metros quadrados no décimo andar do Instituto do Coração, ao lado da avenida Paulista, mas também a perspectiva de batalhar por uma carreira acadêmica, em razão, primordialmente, da escassez de vagas para novos pesquisadores. Já alguns colegas até a chamaram de insensata quando souberam que ela havia se tornado a sócia principal da Proteimax, uma pequena empresa de biotecnologia instalada nos fundos de uma casa de um condomínio residencial em Cotia, na Grande São Paulo. Andrea agora dá o troco ao mostrar que produz ciência de qualidade e domina uma técnica que pode facilitar bastante a seleção de compostos de interesse farmacológico por meio de anticorpos produzidos por dez coelhos brancos, malhados e marrons. Esses anticorpos têm a forma de um Y, como qualquer outro anticorpo que o organismo produz para combater tumores, vírus ou bactérias. São peculiares, porém, por se ligarem aos receptores de superfície celular preferencialmente quando são acionados por hormônios como a adrenalina, por neurotransmissores como a serotonina, por peptídeos como a hemopressina e, na retina, pela própria luz. Uma vez ativados, esses receptores assumem outra forma e acionam a chamada proteína G. É uma proteína estratégica para as informações fluírem pelo organismo, porque ela amplia os sinais recebidos do exterior para o interior das células. Os anticorpos ajudam a mapear essas conexões e a selecionar os compostos que devem ou não despertar a proteína G. Andrea, claro, começou devagar, com muitas dúvidas, medos e apenas sete anticorpos, cada um deles capaz de se ligar a moléculas específicas. Quase


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não tinha equipamentos nem reagentes quando reencontrou uma farmacologista de origem indiana, Lakshmi Devi, que estuda a proteína G e os mecanismos bioquímicos de dependência de drogas. Três anos depois de terem se conhecido, quando veio ao Brasil para um congresso de farmacologia, Lakshmi lhe abriu as portas de seu laboratório, na Escola de Medicina Monte Sinai, em Nova York. Era lá que Andrea trabalhava, verificando se os sete primeiros anticorpos faziam exatamente o que ela queria, enquanto Emer reexaminava os experimentos com a hemopressina na Universidade Yeshiva, onde estava a convite do farmacologista Lloyd Fricker. Exportações - Em 2007 Andrea e

Lakshmi apresentaram os anticorpos de conformação específica como uma nova ferramenta para identificar os compostos capazes de acionar a proteína G em um artigo publicado no Journal of Biological Chemistry. Esse trabalho chamou a atenção de Michael Melnick, biólogo da Universidade de Stanford com doutorado em Harvard que havia fundado e dirigido a Cell Signaling Technology, uma empresa pioneira no desenvolvimento de anticorpos para a pesquisa de câncer.“Acredito que os anticorpos da Proteimax serão extremamente úteis na pesquisa básica e em muitas doenças em que os receptores da proteína G estão envolvidos”, comenta Melnick, que mostrou interesse em se associar de algum modo à empresa brasileira. Quase metade dos medicamentos atualmente em uso aciona receptores de superfície acoplados à proteína G.

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OS PROJETOS Biologia molecular celular de oligopeptidases

MODALIDADE

Projeto Temático COORDENADOR

EMER FERRO – ICB/USP INVESTIMENTO

US$ 271.000.00 e R$ 270.000,00 (FAPESP)

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O trabalho publicado no Journal of Biological Chemistry trouxe também os primeiros pedidos de exportação e facilitou um acordo com a Assay Designs Inc. (ADI), dos Estados Unidos, para distribuição dos anticorpos produzidos e purificados na Proteimax. De lá para cá, devidamente equipada, Andrea pode verificar em Cotia a eficiência de compostos por meio de anticorpos específicos – em membranas de neurônio – nos mesmos três dias que os testes da hemopressina lhe tomaram em Nova York. Dos sete iniciais, hoje são 35 anticorpos, mas a equipe da Proteimax, formada pela própria diretora e pelas À mão: anticorpos para os receptores CB1 biólogas Laura Leticia de Souza e Bianca Alves Pauletti, confia que poderá chegar a 50 em tém centenas de novos peptídeos que mais seis meses de trabalho. Elas criapoderiam ser mais estudados. O probleram o que Emer chama de plataforma ma é escolher quais merecem ser realde análise molecular, que poderia redumente mais bem avaliados. zir em anos o trabalho de seleção de “Precisávamos de um método de secompostos químicos com potencial uso leção rápida e compatível com análises terapêutico. em larga escala”, comenta Emer. Antes De cada experimento, Fricker, que ele empregava outro método de trabatrabalhou dois meses no laboratório de lho, fundamentado na expressão de geEmer como pesquisador visitante, obnes luminescentes derivados do vagalume. Essa abordagem mostrava se o peptídeo era biologicamente ativo, mas não identificava a que receptor se ligava. Já se valendo da seleção com os anticorpos de conformação específica, enAnticorpos de conformação específica quanto planeja testes mais rigorosos de toxicidade e ação da hemopressina, MODALIDADE Emer identificou 14 novos peptídeos Pesquisa Inovativa na Pequena que se ligam a um ou outro receptor de e Micro Empresa (Pipe) canabinóides (CB1 ou CB2) e às vezes COORDENADORA aos dois e também às enzimas que reguANDREA HEIMANN - Proteimax lam a pressão arterial. Ainda é uma possibilidade muito distante, mas nada nos INVESTIMENTO impede de imaginar um só composto US$ 147.158.16 e que possa nascer daí e controlar a presR$ 113.720,10 (FAPESP) são arterial, a vontade de fumar e a fome ao mesmo tempo. ■ PESQUISA FAPESP 143

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> ECOLOGIA

Os perigos

da terra nua Separação entre florestas e riachos elucida o escasseamento de anfíbios na Mata Atlântica e em outros ambientes

B

astam 100 metros de descampado separando um trecho de mata e um riacho para eliminar a maioria de sapos, rãs e pererecas da Mata Atlântica que dependem da água para procriar. Quando saem da floresta rumo aos riachos onde vão se reproduzir, esses animais têm de atravessar pastagens e plantações e se expor ao ataque das aves, à contaminação por agrotóxicos e ao sol, capaz de ressecar suas peles úmidas. Muitos dos que sobrevivem aos perigos da ida não conseguem fazer a viagem de volta. Para os frágeis filhotes, essa travessia é ainda mais árdua. Um estudo realizado em São Luís do Paraitinga, no Vale do Paraíba, uma das áreas em que a Mata Atlântica se encontra bastante degradada no interior de São Paulo, mostrou o quanto a derrubada da vegetação natural para retirar madeira, formar plantações ou pastos ameaça a sobrevivência dos anfíbios – em especial quando a retirada da mata deixa a terra quase nua entre os dois ambientes de que esses animais precisam para se alimentar e se reproduzir. Descrito em um artigo da edição de 14 de dezembro da Science, esse fenômeno pode explicar o desaparecimento de maior parte dos anfíbios da Mata Atlântica e de outras regiões tropicais como a América Central e a Austrália, onde se encontram em declínio as populações de sapos, rãs e pererecas, essenciais para o equilíbrio desses ecossistemas. Também pode ser aplicado para entender melhor o que acontece com os peixes de um rio quando se cria uma barragem interrompendo o caminho entre o ambiente em que vivem e aquele em que desovam, sugere o trabalho que reuniu equipes das três universidades estaduais paulistas e da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Rio Grande do Sul. No Brasil, a separação entre a mata e os riachos é conseqüência da forma de ocupação predominante em boa parte da costa, onde vivem 70% da população. Ao deixar o litoral, os colonizadores quase sempre se instalavam nas terras mais férteis do planalto próximas aos riachos. Abriam clareiras para criar gado e plantar fumo, cana-de-açúcar ou algodão. Ao mesmo tempo que garantiam o acesso à água, construíam o cenário hoje comum no Sudeste e em parte do Sul do país: uma casa ao pé de uma colina, cercada por plantações e por um campo onde pastam vacas, algumas ovelhas e um ou outro cavalo. O pouco que restou da vegetação natural muitas vezes está confinado ao topo dos morros, bem distante dos ribeirões e igarapés que se arrastam por vales nus. Se por um lado essa forma de ocupação da terra abriu caminho para o desenvolvimento de estados como São Paulo,

R ICARD O Z ORZET TO E M ARIA G UIMARÃES ILUSTRAÇÃO F ERNAND O DE A LMEIDA

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por outro impôs imensas barreiras a anfíbios e outros grupos de animais que necessitam da floresta e da água para viver. Os autores desse trabalho chamaram esse fenômeno de desconexão de hábitat, por destruir a ligação entre os ambientes aquáticos e terrestres indispensáveis à reprodução desses seres vivos. Seu efeito revelou-se muito mais nocivo do que outras duas formas mais conhecidas de destruição da vegetação natural identificadas na década de 1960, a redução dos ambientes naturais (perda de hábitat) e o isolamento de trechos de matas (fragmentação da paisagem). Essas três expressões definem fenômenos aparentemente semelhantes causados pela derrubada da vegetação natural de uma área, mas que geram resultados muito distintos. Sempre que os seres humanos se instalam em áreas de Mata Atlântica ou Cerrado, por exemplo, provocam o que os especialistas chamam de perda ou redução de hábitat, cujo efeito mais evidente é a diminuição da área com vegetação original. A perda de hábitat também altera o solo e o ciclo de chuvas. Já de início as populações de animais que vivem na região começam a diminuir de tamanho à medida que o alimento escasseia. Mata isolada – O desmatamento tam-

bém pode deixar a vegetação confinada em blocos menores, separados uns dos outros por descampados e com pouca ou nenhuma conexão – essa é a fragmentação da paisagem. Para os animais, os principais efeitos desse tipo de alte-

ração são sentidos ao longo de várias gerações. Espécies que necessitam de grandes áreas para sobreviver – como o muriqui, o maior macaco das Américas – não conseguem atravessar as pastagens ou plantações e permanecem em um único fragmento de mata.“Além do efeito imediato de redução da população, há outros de longo prazo sobre os animais e plantas que sobram”, explica o ecólogo Paulo Inácio Prado, da Universidade de São Paulo (USP), um dos autores do estudo da Science. Com o tempo, os animais isolados nos trechos de mata passam a se acasalar com parentes próximos, aumentando o risco de doenças genéticas. A situação descrita no artigo de dezembro é ainda mais drástica, em especial para 80% das 483 espécies de anfíbios da Mata Atlântica. É o caso do sapode-chifre (Proceratophrys boiei), cujas larvas (girinos) se desenvolvem em córregos até que se transformem em jovens adultos capazes de sobreviver na floresta. Quando pastagens ou plantações substituem as árvores e os arbustos próximos aos ribeirões, aumentam as dificuldades para os anfíbios e outros animais, como algumas espécies de libélulas, que precisam da água para se reproduzir.“A desconexão de hábitat pode reduzir drasticamente uma população de anfíbios em apenas uma geração”, afirma o ecólogo gaúcho Carlos Guilherme Becker, primeiro autor do artigo da Science, que desenvolveu o estudo durante seu mestrado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

“A desconexão de hábitat também pode afetar outros grupos de animais”, afirma Becker. Algumas espécies de libélulas, por exemplo, usam o ambiente de modo semelhante ao dos sapos: precisam da água para procriar e da floresta para se alimentar. Também se pode entender como desconexão de hábitat a construção de barragens, que impedem a migração de peixes para a desova, e a eliminação de lagos ou grandes áreas de vegetação natural usados por aves migratórias para comer e descansar durante as longas viagens. Becker identificou esse fenômeno ecológico ao estudar o que acontecia com os anfíbios onde poucos se animam a investigar. Em vez de se embrenhar em brejos e córregos dos remanescentes de Mata Atlântica maiores e mais bem preservados, ele se uniu ao grupo de Prado, que analisava como a interação entre os moradores de São Luís do Paraitinga e o espaço em que viviam modificava a biodiversidade da região. Ali o pouco que resta de Mata Atlântica se aninha no alto dos morros, separado dos rios por plantações, pastos e povoados. Uma pesquisa histórica feita por Allan Monteiro, da equipe de Prado, indica que esse padrão de ocupação surgiu em meados do século XVIII, quando o rei de Portugal dom José I nomeou Luiz Antônio de Souza Botelho, o Morgado de Mateus, governador da então província de São Paulo. Com o objetivo de proteger o sul do país dos espanhóis, Morgado de Mateus iniciou a criação de cidades no interior de São Paulo. Ele divi-

Quatro espécies de anfíbios naturais da Mata Atlântica que se reproduzem na água e sofrem com a desconexão de... 50

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diu o leste do estado em sesmarias e as distribuiu para quem tivesse condições financeiras para ocupá-las. “Os povoadores enviados pela Coroa portuguesa começavam a se instalar nos vales, onde estavam as terras mais férteis e fáceis de ocupar. Uma de suas obrigações era abrir estradas, normalmente às margens dos rios, ligando as sesmarias à sede das vilas”, diz Prado.“Até hoje muitas estradas vicinais de São Luís do Paraitinga seguem os traçados daquela época.” Fragmentos secos – Sob orientação de

O PROJETO Biodiversidade e processos sociais em São Luís do Paraitinga, São Paulo

MODALIDADE

Linha Regular de Auxílio a Pesquisa (Biota) COORDENADOR

PAULO INÁCIO DE PRADO – USP INVESTIMENTO

R$ 121.023,44 (FAPESP)

firmou a suspeita: quando não havia vegetação unindo o córrego à floresta a quantidade de anfíbios era menor. A desconexão de hábitat, no entanto, só afetou os anfíbios que precisavam sair da mata para se reproduzir nos córregos e riachos. Esse efeito não influenciou a variedade dos sapos que vivem exclusivamente na floresta e procriam no solo, gerando filhotes que já saem saltando pelo chão da floresta. Faltava, porém, saber se o efeito da desconexão de hábitat era exclusivo da região de São Luís do Paraitinga ou se poderia ser generalizado para outras áreas. Becker, Prado e Fonseca se uniram então ao biólogo Célio Haddad, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Rio Claro, que coordena um levantamento de anfíbios em São Paulo, e a Rômulo Batista, à época pesquisador da Unicamp. Juntos, calcularam a perda de hábitat, a fragmentação e a desconexão

de hábitat em outras regiões do estado. Ao cruzar as informações sobre a diversidade de espécies com o padrão de desmatamento de cada um desses trechos de Mata Atlântica, concluíram que o número de espécies de anfíbios era mais bem explicado pela desconexão de hábitat, e não pela perda ou fragmentação das florestas, a hipótese mais aceita para o declínio das populações de anfíbios. Além desse novo efeito, esse trabalho gera idéias que podem orientar a preservação e a recuperação do que restou da Mata Atlântica e de outros ambientes.“Ao compreender melhor como o uso humano da terra reduz a diversidade biológica nessas áreas, podemos pensar em maneiras específicas de reduzir esses danos”, afirma Prado. Uma primeira proposta é enfatizar a recuperação das matas ciliares, a vegetação que bordeja os rios. Embora protegidas desde 1965 pelo Código Florestal Brasileiro, 76% das matas ciliares de São Paulo foram destruídas. Nas regiões que ainda não sofreram o impacto da intervenção humana, os pesquisadores propõem a criação de reservas biológicas que compreendam o maior número possível de recursos hídricos. Onde o ambiente já foi alterado, sugerem a restauração das matas ciliares e a criação de corredores de florestas reconectando os ambientes terrestres e aquáticos. “Agora”, diz Prado, “temos mais argumentos para mostrar aos proprietários de terras e aos órgãos públicos a importância de conservar e também de recuperar essa vegetação”. ■

FOTOS CÉLIO HADDAD/UNESP

Prado e de Carlos Roberto Fonseca, da Unisinos, Becker analisou o que acontecia com os anfíbios da Mata Atlântica em São Luís do Paraitinga. Ao procurar as manchas de floresta da região, notou que praticamente nenhuma era cortada por um rio. Depois de analisar mais de 60 fragmentos, Becker encontrou só três, com mais de 10 hectares, em que havia ribeirões. Aos poucos começou a imaginar a dificuldade que os anfíbios teriam de enfrentar para chegar aos córregos para se reproduzirem. Para descobrir se os descampados de fato atrapalhavam os sapos, ele instalou uma tela com 45 metros de comprimento e 1 metro de altura em meio a pastos e plantações nas encostas dos morros. Sob essas barreiras, enterrou baldes de 60 litros divididos ao meio, que permitiam distinguir os anfíbios que vinham da floresta para se reproduzir nos riachos daqueles que faziam o caminho de volta para casa. Em março, no final do período de reprodução, Becker con-

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... hábitats: Phasmahyla cochranae, Ceratophrys aurita, Phrynomedusa marginata e Hylodes ornatus PESQUISA FAPESP 143

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QUÍMICA

MAR DE MERCÚRIO

Características do solo e da água favorecem concentração elevada do metal na bacia do rio Negro R EINALD O J OSÉ L OPES

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O

s milhares de habitantes da bacia do rio Negro, uma das mais extensas e importantes da Amazônia, vivem sobre um gigantesco reservatório de mercúrio. Ao longo dos quase 1.700 quilômetros que suas águas escuras percorrem ao lado da floresta densa e fechada, sem o menor sinal de atividade industrial ou de mineração, os níveis de mercúrio no solo são cerca de quatro vezes superiores à média mundial e muito próximos do encontrado no terreno contaminado de uma fábrica de termômetros da China. O mais curioso é que, ao menos na bacia do rio Negro, a concentração surpreendentemente elevada desse metal pesado de cor prateada nada tem a ver com o garimpo de ouro, apontado como origem da contaminação de outros rios amazônicos, como o Tapajós e o Madeira. Ao longo da última década, a equipe de Wilson de Figueiredo Jardim, do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mapeou cada passo do mercúrio nos seres vivos e nos diferentes ecossistemas do rio Negro, estudando da atmosfera aos fios de cabelos dos ribeirinhos que dependem do que pescam ali para sobreviver. As análises extensivas mostram que os altos níveis de mercúrio do rio Negro e seus afluentes são de origem natural. “As características geológicas dali geraram um solo naturalmente rico em mercúrio”, conta Jardim. Mais importante: ao menos por ora não há motivo para preocupação com a saúde dos ribeirinhos. Em geral bastante tóxico – associado a problemas de saúde como enfraquecimento dos músculos, perda de visão e até danos neurológicos –, o mercúrio encontrado na bacia do rio Negro parece não ter afetado a saúde dos moradores da região, a julgar pelo acompanhamento médico que a equipe de Campinas vem fazendo por lá. E a expli-


MAURÍCIO DE PAIVA

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cação mais razoável para esse efeito paradoxal está na dieta, à base de peixes e castanha-do-pará, que protegeria os ribeirinhos da ação nociva do mercúrio. O interesse de Jardim por estudar a bacia do rio Negro surgiu no início dos anos 1990, quando começaram a ser publicados os primeiros estudos mostrando alta concentração de mercúrio em peixes dessa região, historicamente pouco atingida pela mineração. Até então, as pesquisas voltadas para rastrear a concentração desse metal pesado nos rios da Amazônia se voltavam para as áreas próximas a garimpos, como as bacias dos rios Tapajós e Madeira, onde o mercúrio havia sido considerado um importante fator de contaminação da natureza. Nesses rios, a extração artesanal do ouro freqüentemente consome mercúrio. Encontrado na forma líquida à temperatura ambiente, o mercúrio era adicionado à mistura de areia e cascalho extraída dos rios porque, ao se associar ao ouro, facilita sua separação. O problema é que esse amálgama era posteriormente aquecido para se obter o ouro puro, causando a evaporação do mercúrio para a atmosfera. Resultado: terminavam contaminados também a água, o solo, plantas, animais e os garimpeiros e os ribeirinhos que viviam próximo aos garimpos. Na literatura médica não faltam relatos preocupantes sobre os efeitos do mercúrio sobre a saúde humana. O ca-

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O PROJETO Fluxos de mercúrio na bacia do rio Negro, Amazônia

MODALIDADE

Projeto Temático COORDENADOR

WILSON DE FIGUEIREDO JARDIM – IQ/Unicamp INVESTIMENTO

R$ 592.059,79

so mais famoso é o dos problemas neurológicos e defeitos congênitos que afetaram os moradores da baía de Minamata, no Japão. Nessa região costeira, a indústria química Chisso jogou no mar entre as décadas de 1930 e 1960 grandes quantidades de metil-mercúrio, a forma mais tóxica desse metal, que é facilmente absorvida por peixes e outros animais aquáticos. Como é difícil eliminá-lo dos organismos vivos, a tendência é que ele se concentre em proporções cada vez maiores nos tecidos de animais carnívoros, que comeram outros animais já contaminados com a substância. Diante dessa ameaça potencialmente tão perigosa, Jardim decidiu estudar melhor o que se passava na bacia do rio Negro. O primeiro passo foi mapear a concentração de mercúrio na região. De

Dieta antimercúrio: alimentação à base de peixes e castanha-do-pará... 54

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setembro de 1995 a novembro de 1998, ele e o químico Pedro Sérgio Fadini, hoje na Pontifícia Universidade Católica de Campinas, recolheram amostras do solo, da atmosfera, dos rios e dos lagos em aproximadamente dois terços da bacia do rio Negro – desde Santa Isabel do Rio Negro, cidade próxima à fronteira com a Venezuela, até a vizinhança de Manaus, onde o Negro se une ao Solimões e forma o Amazonas. Detalhados em uma série de artigos científicos publicados nos últimos anos, os resultados confirmam a presença de níveis anormalmente altos de mercúrio na bacia do rio Negro. No caso dos rios e lagos, por exemplo, Jardim e Fadini calculam que a concentração do metal é de três a quatro vezes maior que o esperado para áreas tão remotas do globo. Varia de 4,6 a 7,5 nanogramas por litro de água, nos lagos, enquanto atinge a concentração média de 4,5 nanogramas por litro em 17 afluentes do Negro. São níveis próximos aos registrados no lago Michigan e nas águas das montanhas Adirondack, na região dos Grandes Lagos nos Estados Unidos, áreas com elevada densidade populacional e atividade industrial. Essa semelhança com a de regiões industrializadas do hemisfério Norte também se manteve quando os pesquisadores analisaram a taxa de mercúrio na atmosfera: na bacia do rio Negro há 1,3 nanograma de mercúrio por metro cúbico de ar. No estado norte-americano de Wisconsin, nos Grandes Lagos, essa taxa é de 1,6 nanograma por metro cúbico de ar. No caso brasileiro, a origem de níveis tão elevados de mercúrio agora é clara: os solos da região. Cada quilo de solo contém em média 172 microgramas de mercúrio, quase quatro vezes mais do que os níveis considerados normais para os solos em outras regiões do mundo. É uma taxa muito próxima aos 200 microgramas por quilo de solo encontrados em uma área poluída nos arredores de uma fábrica de termômetros de mercúrio na China. A outra possível fonte do mercúrio que se acumula na bacia do rio Negro – o uso no garimpo ou em atividades industriais – é praticamente descartada pelos pesquisadores, por ser absurdamente elevada. Considerando apenas a camada mais superficial de solo, com cerca de um 1 metro de profundidade, Jardim e Fadini calculam que existam apro-


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Bioacumulação – Só a presença de mercúrio no solo, porém, não explica a concentração elevada desse metal em peixes e no organismo dos ribeirinhos. “A composição das águas do rio Negro geram um efeito único sobre o ciclo do mercúrio na natureza”, explica Jardim. Esse processo depende também da ação da luz solar, como identificou Gilmar Silvério da Silva, que realizou seu doutorado sob orientação de Jardim. Todos os anos, durante a estação chuvosa, quando o rio transborda e invade a floresta, suas águas escuras e ácidas, ricas em matéria orgânica quimicamente degradada, recebem uma enxurrada de matéria orgânica jovem. Sob a ação da luz solar, essa matéria orgânica jovem produz peróxido de hidrogênio – a popular água oxigenada –, que ajuda a oxidar o mercúrio e a transformá-lo em uma forma mais reativa, que permanece na água e escapa para a atmosfera. Por ação de bactérias, essa forma de mercúrio gera o metil-mercúrio, que facilmente entra na cadeia alimentar aquática e passa a se acumular no organismo dos peixes – fenômeno conhecido como bioacumulação. Em colaboração com o bioquímico José Doréa, da Universidade de Brasília (UnB), Jardim comprovou essa bioacumulação. Eles estudaram peixes que representam toda a hierarquia da cadeia alimentar do rio: peixes que comem só plantas, peixes que se alimentam de detritos e peixes que devoram de tudo um pouco e também se alimentam de outros peixes. Conforme esperado, dos 951 exemplares analisados, os que apresentaram maior concentração de mercúrio foram os peixes que se alimentam de outros peixes (piscívoros), como as piranhas, os tucunarés e os mandis, que es-

FOTOS MIGUEL BOYAYAN

ximadamente 126 mil toneladas de mercúrio na região.“É improvável que todo esse mercúrio tenha se acumulado ali por causa das atividades humanas”, diz Jardim. Para se ter uma idéia do que todo esse mercúrio representa, estima-se que nos últimos 30 anos as atividades de mineração de toda a Amazônia tenham lançado no ambiente algo em torno de 3 mil toneladas do metal. O que hoje há naquela área da Amazônia corresponde a bem mais do que todo o mercúrio usado em mineração pelos países de língua espanhola ao longo de quatro séculos, do XVI ao XX.

... protege ribeirinhos de efeitos tóxicos desse metal pesado

tão no topo da cadeia alimentar e são mais suscetíveis a concentrar mercúrio em seus organismos. Em média continham 690 nanogramas de mercúrio por grama de peso, valor bem superior ao considerado seguro para o consumo humano (500 nanogramas por grama). A conseqüência é que as pessoas que vivem na bacia do rio Negro apresentam concentração de mercúrio no corpo, identificada em amostras de cabelo, superiores à de quem consome pescado de origem marinha. Para Jardim, no entanto, não há razão para pânico nem para evitar o consumo de peixes do rio Negro. Até o momento, não se detectou de modo incontestável nenhum efeito nocivo desse consumo em seres humanos. “Os resultados dos testes cognitivos que pareciam indicar essa ação nociva estão muito atrelados ao nível de educação for-

mal da população, e por isso a confiabilidade deles é baixa”, diz Jardim. Além disso, a própria dieta amazônica oferece um antídoto contra o mercúrio. É que os ribeirinhos consomem muita castanhado-pará, que, assim como os peixes, é rica no elemento químico selênio, que protege contra a ação nociva do mercúrio. Outra razão para não se eliminar o peixe da dieta ribeirinha é que ele é a principal fonte de proteína dessas pessoas. “Seria muito pior para a saúde deles retirar o peixe da dieta”, afirma Jardim. “Até tentamos sugerir às pessoas que evitem os peixes piscívoros, mas a resposta normalmente é ‘olha, o que eu pegar eu vou comer’.” Enquanto não se encontram evidências concretas da ação nociva do mercúrio ali, a melhor alternativa, na opinião de Jardim, é monitorar a saúde da população. ■ PESQUISA FAPESP 143

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Grãos

do passado

A

s três espécies brasileiras de Podocarpus estão entre as raras coníferas nativas do país – as outras são as araucárias.São mais conhecidas por paisagistas,que em geral as usam em projetos de jardinagem.Mas não só.A bióloga francesa Marie-Pierre Ledru vê nos grãos de pólen fossilizados do podocarpo registros preciosos das mudanças climáticas do Quaternário,o período geológico iniciado há 1,8 milhão de anos.Para essa pesquisadora do Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD,na sigla em francês),o pólen fóssil do podocarpo mostra que o Nordeste brasileiro,hoje árido,há 15 mil anos era úmido e abrigava uma floresta verdejante como a Mata Atlântica que recobre algumas áreas do Sudeste.Também indica regiões onde certos tipos de vegetação resistiram a flutuações climáticas do passado e,quem sabe,sobrevivam às próximas se forem conservadas. Marie-Pierre chegou à Mata Atlântica pela Amazônia.“As coníferas do gênero Podocarpus estão no centro das discussões sobre a extensão,a biodiversidade e a composição florística da Floresta Amazônica durante a última glaciação,há cerca de 20 mil anos”,conta.Quando veio ao Brasil em 1998,como professora visitante no Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP),ela pretendia testar a hipótese de que no mais recente período de intenso resfriamento do planeta algumas espécies de plantas das matas andinas teriam se refugiado na Amazônia,contribuindo para a formação de sua flora. “Mas durante os cinco anos que passei no Brasil percebi que havia espécies de Podocarpus a leste da Amazônia que poderiam ter ‘entrado’nesse ecossistema.” Ao analisar amostras de pólen de seis localidades da Mata Atlântica – do lago do Caço,no Maranhão, a Cambará do Sul,no Rio Grande do Sul –,MariePierre demonstrou que há 15 mil anos os podocarpos já estavam no Nordeste e por ali se espalharam por quase 500 anos.Também constatou que essas plantas estavam na cratera de Colônia,no estado de São Paulo,há 130 mil anos,segundo artigo publicado em 2007 na Diversity and Distributions. Mais do que reconstituir a flora brasileira da época,essas descobertas ajudam a traçar mapas climáticos do país em diversos momentos.“Pólens de Podocarpus são bons marcadores paleoclimáticos”,afirma o botânico Gregório Ceccantini,da USP.“Eles são relativamente raros e não são transportados por longas distâncias,por isso tanto sua presença como sua

EDUARDO CESAR

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PALEOBOTÂNICA

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Pólen fóssil sugere clima úmido no interior do Nordeste 15 mil anos atrás M ARIA G UIMARÃES

MARIE-PIERRE LEDRU/IRD

docarpos se espalhavam de modo ausência têm significado preciso.” contínuo por toda a América do Ceccantini explica que é comum o Sul, uma vez que as espécies enconpólen de outras plantas ser carretradas hoje no Chile, na Bolívia e gado pelo vento e se depositar a mina Argentina são geneticamente selhares de quilômetros de onde a esmelhantes às brasileiras. Depois cipécie realmente existe. Não é o caclos de glaciação alternados com so do podocarpo. Seu pólen fóssil períodos mais quentes fragmentasó é encontrado onde houve conram essa vasta floresta de podocardições adequadas para a vida da pos em populações menores. Em planta: clima ou solo permanenteperíodos frios e úmidos a distribuimente úmidos. ção se expandia. Nas épocas mais Obter amostras de pólen, no quentes e secas, como a atual, os entanto, não é uma tarefa banal. Na podocarpos se concentravam nos área a ser analisada, os pesquisadorefúgios, regiões menores que perres apóiam no solo uma das extremitiam a subsistência de organismidades de um cano de alumínio Termômetro fóssil: pólen guarda dica sobre mos com as mesmas necessidades de 10 centímetros de diâmetro, susclima e distribuição de podocarpo no passado ecológicas. Análises com marcadopenso por um tripé de 5 metros de res de DNA sugerem ainda que os altura. Em seguida, um motor faz podocarpos existentes no país surgiram umidade, enquanto a segunda precisa vibrar o cano, onde todos se penduram no Sudeste. De lá, eles se expandiram entambém de temperaturas mais frescas. para enterrá-lo no chão. Quando puxam tre 29 mil e 21 mil anos atrás para a ReMarie-Pierre percebeu então que era de volta, o cano traz um cilindro de segião Sul e entre 16 mil e 15 mil anos preciso recorrer à genética para desvendimento – o testemunho –, que será coratrás para o Nordeste. dar a história dos podocarpos brasileitado em fatias com 2 a 5 centímetros de Esses resultados também levaram ros e procurou o casal de botânicos da espessura a serem vasculhadas em busMaria Luiza e Salatino a contestar a exisUSP Maria Luiza e Antonio Salatino. ca de grãos de pólen. Datadas pela téctência de três espécies brasileiras. Eles Com a ajuda de Fábio Pinheiro, eles exnica de carbono-14, essas fatias permimostraram claramente que Podocarpus traíram material genético (DNA) de tem estimar quando certo grupo de brasiliensis, restrita a uma única vereda plantas de 26 localidades do país e conplantas viveu naquele local – as camaem Goiás, não se distingue de P. sellowii. cluíram que, provavelmente antes da eledas mais profundas de sedimento são “Os marcadores moleculares indicam a vação da cordilheira dos Andes, os pomais antigas porque foram depositadas existência na América do Sul de dois há mais tempo. Como é difícil obter tesgrupos de Podocarpus: um formado por temunhos com mais de 7 metros de P. lambertii e P. parlatorei, este encontracomprimento com esse método, a viaO PROJETO do na Argentina e na Bolívia; e outro gem dos pesquisadores no tempo coscontendo P. selowii, P. brasiliensis e P. satuma ser limitada. Distribuição de coníferas brasileiras ligna, do Chile”, diz Salatino. Ele e Maria Por ser tão difícil de encontrar, o póe detecção de polimorfismos Luiza pretendem ampliar os estudos, inlen fóssil fornece informações fragmengenéticos através de AFLP cluindo amostras da Amazônia e outras tadas, que não permitem uma visão análises moleculares. A equipe espera mais abrangente da distribuição do poMODALIDADE que o resgate da história evolutiva dos docarpo. É como olhar pontos de uma Linha Regular de Auxílio podocarpos ajude a prever o efeito das floresta com uma lupa sem observar o a Pesquisa mudanças climáticas sobre essas planentorno. Outra limitação é que, a partir COORDENADORA tas e a traçar metas de conservação que dos grãos de pólen, não é possível disMARIA LUIZA FARIA SALATINO - USP ajudem outras espécies a sobreviver aos tinguir as três espécies de podocarpo ciclos de flutuação climática.“Preservar (P. sellowii, P. lambertii e P. brasiliensis). INVESTIMENTO esses refúgios é importante para favoreCada uma tem necessidades ecológicas R$ 38.080,35 (FAPESP) cer uma expansão da mata a partir dedistintas, que ajudam a reconstruir o cliles”, conclui Marie-Pierre. ma do passado. A primeira exige muita ■

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Biblioteca de Revistas Científicas disponível na internet www.scielo.org

Notícias ■

Agrotecnologia

na sociedade e no imaginário social e as imagens produzidas pela ficção,a autora busca entender o caráter e o papel das histórias de Nelson Rodrigues diante dos conflitos que envolviam as relações amorosas naquele período.

Atrás do boi A pesquisa “Principais dificuldades encontradas pelas certificadoras para rastrear bovinos”, de Marcos Aurélio Lopes e Glauber dos Santos, da Universidade Federal de Lavras,teve como objetivo relacionar os problemas comuns de rastreabilidade.Elaborou-se um questionário qualitativo semi-estruturado contendo 15 questões, sendo 14 de múltipla escolha e uma aberta,que foi enviado às 64 empresas certificadoras credenciadas pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa).Destas, 40,68% responderam ao questionário.As principais dificuldades encontradas foram: mudança freqüente das normas,falta de conscientização dos pecuaristas e controle da movimentação dos animais. CIÊNCIA E AGROTECNOLOGIA – VOL. 31 – Nº 5 – LAVRAS – SET./OUT. 2007 www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo143/agrotecnologia.htm

Literatura

CADERNOS PAGU – Nº 29 – CAMPINAS – JUL./DEZ.2007 www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo143/literatura.htm

O objetivo do texto “A física dos quarks e a epistemologia”,de Marco Antonio Moreira,da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,é o de apresentar,conceitualmente,a física dos quarks como um assunto acessível e motivador que ilustra,de maneira inequívoca,a relação teoria e experimentação em física.Conta-se a história dos quarks e utiliza-se essa história para exemplificar questões epistemológicas.Ao longo dessa narrativa,em nenhum momento faz-se uso de imagens de partículas elementares porque se acredita que,nessa área da física,as imagens apenas reforçam obstáculos representacionais mentais que,praticamente,impedem a aprendizagem significativa. REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE FÍSICA – VOL. 29 – Nº 2 – SÃO PAULO 2007 www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo143/fisica.htm

Amor em Nelson Rodrigues ■

O artigo “A vida como ela é...:imagens do casamento e do amor em Nelson Rodrigues”,de Beatriz Polidori Zechlinski, da Universidade Federal do Paraná,discute as relações de gênero na década de 1950,por meio de um diálogo entre os apontamentos dos estudos historiográficos e as representações de gênero em cinco contos do escritor Nelson Rodrigues,publicados na coluna “A vida como ela é...”(1951-1961).Ao relacionar as imagens de homem,de mulher,do casamento e do amor existentes nos discursos presentes

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Física

Quarks e epistemologia

FOTOS EDU ARDO CESAR

Na 16ª Reunião do Comitê Consultivo SciELO Brasil, que aconteceu em dezembro de 2007, foram considerados os pedidos de inclusão de 19 periódicos científicos brasileiros. Dos títulos analisados, um foi aprovado e em breve será disponibilizado no site. Outros 14 títulos foram reprovados e quatro ficaram pendentes no processo de avaliação. Durante a reunião, também foram analisados os periódicos que desejam permanecer na coleção. O processo incluiu a avaliação de 170 periódicos indexados até 2006. Entre os critérios de avaliação estão a adequação do periódico quanto ao critério de pontualidade na publicação e o envio dos fascículos à Unidade SciELO.

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Cirurgia ortopédica

Furadeira elétrica em ação As furadeiras elétricas domésticas têm sido empregadas em cirurgias ortopédicas nos hospitais brasileiros para a perfuração óssea.Entretanto,trata-se de um equipamento elétrico,termossensível,não específico para uso cirúrgico, não avaliado quanto à eficácia da esterilização e não investigada a ocorrência de infecções cirúrgicas relacionadas ao seu uso.O objetivo do ar-


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Formação científica

tigo “Uso de furadeiras elétricas domésticas em cirurgias ortopédicas”, de Vania Regina Goveia e Kazuko Uchikawa Graziano, da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, e Silma Maria Cunha Pinheiro Ribeiro, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, foi descrever o estado da arte do uso das furadeiras domésticas em cirurgias ortopédicas, tendo em vista as dificuldades de limpeza e esterilização do equipamento. As bases de dados Lilacs e Medline foram consultadas usando vocabulários controlados, livres e a combinação deles, sem restrição de tempo. Foram localizados dois artigos que abordavam o uso de furadeiras elétricas domésticas em cirurgias ortopédicas. No primeiro, o autor sugere o descarte do equipamento quando percebida a contaminação interna por sangue, considerando as dificuldades de limpeza e esterilização. O segundo artigo descreve a adaptação de uma furadeira para o uso em cirurgias, cujo método de esterilização é pastilha de formalina em condições ambientais. Estudos são necessários para avaliar a prática atual e recomendar condições seguras de uso ou o seu abandono.

O projeto “Os sentidos de natureza na formação e na prática científica”, de Eliane Brígida Morais Falcão e Flavio Silva Faria, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, investigou o alcance das idéias, das imagens e dos conceitos associados ao termo natureza: de que modo cientistas – homens e mulheres que não apenas produzem ciência, mas formam outros cientistas – concebem a idéia de natureza? Exercício comparativo foi realizado com um grupo de não acadêmicos. Enunciados relacionados ao termo natureza foram investigados nos dois grupos: o primeiro era de pesquisadores/professores de um departamento de bioquímica, e o segundo de motoristas e trocadores de uma linha de ônibus. Mostrou-se que, entre os grupos, as diferenças de formação científica manifestaram-se nas exemplificações marcadas por termos técnicos, usadas pelos bioquímicos. No entanto, as categorias que fundamentam as idéias sobre natureza mostraram-se semelhantes. Foi possível notar que os bioquímicos, mesmo lançando mão de natureza como referência do trabalho científico, acabaram por admitir, de modo geral, a sua incapacidade de precisar o significado do termo. Os resultados revelam a existência de uma lacuna na formação científica superior: a carência de uma formação epistemológica.

ACTA ORTOPÉDICA BRASILEIRA – PAULO 2007

EDUCAÇÃO E PESQUISA – VOL. 33 – Nº 2 – SÃO PAULO – MAIO/AGO. 2007

VOL.

15 – Nº 3 – SÃO

www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo143/cirurgiaortopedica.htm

História

Metáforas do Brasil

Prática do pesquisador

www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo143/formacaocientifica.htm

Economia

Perfil das exportações

O trabalho “As metáforas da identidade em raízes do Brasil: decifra-me ou te devoro”, de Edgar Salvadori de Decca, da Universidade Estadual de Campinas, pretende analisar o uso das metáforas no livro Raízes do Brasil, de Sergio Buarque de Holanda, com o objetivo de tomá-las não somente como artifício literário, mas como projeções históricas de longo alcance na formação da identidade nacional. As metáforas nessa obra devem ser vistas como chaves de entendimento de uma teoria da história do Brasil, que Sergio Buarque procurou construir para dar conta do processo histórico da formação da sociedade brasileira. A partir do título do livro, começamos a compreender as projeções de longo alcance dessas metáforas. Quando o autor fala de raízes, de aventura, de desterro, de semeadura, de limites, de fronteiras e de cordialidade ele nos faz compreender o sentido de nossa história e de nossas desventuras.

A partir de dados da Pesquisa Industrial Anual, em nível de empresa, o trabalho “Perfil das exportações, produtividade e tamanho das firmas no Brasil”, de Victor Gomes e Roberto Ellery Jr., da Universidade de Brasília, estudou o comportamento de firmas brasileiras que exportam alguma parcela de sua produção. Os principais resultados são: apenas um pequeno número de empresas realiza exportações; a maioria das exportadoras destina seus produtos a pequeno número de mercados; variações nas exportações brasileiras de um mercado para outro estão mais associadas a variações no número de empresas que exportam para este mercado que ao valor médio das exportações de cada uma; e as firmas exportadoras são maiores e mais produtivas que as atuantes apenas no mercado interno. Cerca de 40% das exportadoras atuam somente no Mercosul. Estas são menores e menos produtivas que as que exportam para outros mercados.

VARIA HISTÓRIA – VOL. 22 – Nº 36 – BELO HORIZONTE – JUL./DEZ. 2006

REVISTA BRASILEIRA DE ECONOMIA – VOL. 61 – Nº 1 – RIO DE JANEIRO JAN./MAR. 2007

www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo143/historia.htm

www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo143/economia.htm

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LINHA DE PRODUÇÃO MUNDO

PULSOS DE LUZ

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> Tubo de ensaio

excessiva geração de calor pelos chips, o que causa grande desperdício de energia. Um supercomputador, por exemplo, gasta energia suficiente para iluminar centenas de casas. A IBM conseguiu miniaturizar um dispositivo chamado modulador eletroóptico de Mach-Zehnder, responsável pela conversão de sinais digitais elétricos em pulsos de luz com a ajuda de um feixe de laser. O novo modulador é cem a mil vezes menor do que os previamente demonstrados e poderá ser integrado no interior de chips, permitindo a redução do tamanho dos supercomputadores. Esse modulador funciona convertendo um sinal elétrico digital em uma série de pulsos luminosos transportados em um guia de ondas nanofotônico.

nanométrico

IBM

Um recente avanço tecnológicoobtido pela IBM poderá, dentro de algum tempo, transformar os massivos supercomputadores, atualmente em operação, em um simples laptop. Supercomputadores nada mais são do que milhares de processadores individuais conectados por quilômetros de fios de cobre. A inovação da IBM, publicada na revista científica Optics Express, consiste em uma tecnologia óptica que emprega luz, no lugar desses fios, para troca de informação digital entre os vários processadores que formam os supercomputadores. O uso de pulsos de luz soluciona um dos mais graves problemas da microeletrônica: a

Conversão dos sinais digitais em luminosos

> Superbateria para dez anos A Toshiba planeja colocar no mercado,em março,uma nova bateria que promete recarregar 90% de sua capacidade em menos de cinco minutos.O dispositivo, batizado de SCiB (super charge ion battery ou bateria super-recarregável de íon), é feito de íon de lítio e pode representar uma 60

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revolução no campo das baterias recarregáveis. Segundo a fabricante, ela tem vida útil de cerca de 5 mil cargas,uso que garante uma durabilidade de dez anos.Além da eficiência energética, a SCiB é uma boa notícia em termos ambientais, porque seu ciclo de vida reduz o descarte do material.O dispositivo foi desenvolvido para uso

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industrial e é capaz de funcionar em temperaturas extremas de até -30 graus Celsius. Inicialmente, a Toshiba pretende utilizá-la em motores de carro e motocicleta híbridos, mas a variedade de aplicações é ampla, passando por maquinários do setor de construção, equipamentos eletrônicos, como celulares,e até geradores de energia eólica.

Um prêmio de € 1 milhão dado por uma instituição de fomento à pesquisa européia ao cientista Jeroen Cornelissen,da Universidade de Radboud, na Holanda,poderá levar ao desenvolvimento de um interessante nanorreator. Cornelissen,de 35 anos, iniciou seus estudos na área da química orgânica e recentemente passou a trabalhar na montagem de biomacromoléculas. Um tema importante de sua pesquisa é a síntese de materiais híbridos de polímeros sintéticos e biomacromoléculas. Esse trabalho é baseado no uso de materiais protéicos de um tipo de vírus inofensivo encontrado em plantas com o objetivo de construir reatores nanométricos e materiais funcionais.O nanorreator, no caso,é a capa protéica (ou capsid) que envolve o material genético do vírus Cowpea chlorotic mottle, conhecido pela sigla CCMV. É possível capturar compostos químicos precursores e catalíticos nesses capsids, que são porosos e funcionam como uma espécie de “tubo de ensaio”.Ao fazer isso,o pesquisador espera compreender melhor como ocorrem certas reações químicas e, ao mesmo tempo,elevar a eficiência de reações industriais importantes.


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Um novo passo para a esperada terapia contra o câncer com nanopartículas foi dado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Liderada pelo professor Sangeeta Bhatia, da Divisão de Ciências da Saúde e Tecnologia e do Departamento de Engenharia Elétrica e Ciências da Computação, a equipe conseguiu controlar as nanopartículas (com tamanho de nanômetros, medida igual a 1 milímetro dividido por 1 milhão) remotamente por meio de um campo eletromagnético. Essa propriedade faz com que as nanopartículas magnéticas possam ser levadas ao tumor e lá liberarem moléculas de drogas anticancerígenas. A tecnologia foi apresentada na revista científica Advanced Materials (15 de novembro). A técnica utiliza ondas de rádio, entre 350 e 400 kilohertz, que são inofensivas ao homem, para aquecer as nanopartículas e permitir a ação da droga.

CONTROLE REMOTO CONTRA O CÂNCER

gases estufa Uma boa notícia para o planeta: as emissões de gases causadores do efeito estufa (responsáveis pelo aquecimento global) por centrais elétricas de gás natural podem ser reduzidas praticamente a zero com a utilização de finos tubos feitos de um novo material cerâmico capaz de controlar o processo de combustão. O material empregado na construção desses dispositivos, conhecido como LSCF (de lanthanum strontium cobaltite ferrite ou cobaltita férrica de lantânio dopada com estrôncio), tem a capacidade

de filtrar o oxigênio, separando-o do ar. Ao queimar o combustível das centrais elétricas é possível produzir um fluxo de dióxido de carbono – o principal gás estufa – quase puro, que pode ser reprocessado em substâncias químicas com valor comercial, como, por exemplo, o metanol. O LSCF não é um material exatamente novo e foi desenvolvido para a tecnologia das células a combustível, equipamentos que transformam hidrogênio em eletricidade. Sua nova aplicação no setor ambiental surgiu a partir dos estudos de pesquisadores da Universidade de Newcastle

em colaboração com pesquisadores do Imperial College London, ambos na Inglaterra. Por enquanto, a tecnologia está voltada para geradores movidos a gás, mas, no futuro, poderá ser eficaz também em centrais que utilizam petróleo e carvão na geração de energia.

> Biodiesel de algas Uma companhia para produzir biodiesel de algas marinhas foi formada pela gigante angloholandesa Shell e a empresa havaiana HR Biopetroleum. Chamada de Cellana, ela está construindo uma

fábrica para extração do óleo vegetal de algas em Kona, na costa do Havaí. A vantagem da alga é seu rápido crescimento, resultando em muitas vezes mais óleo, matéria-prima do biodiesel, que a colza, a soja ou o pinhão-manso. No arquipélago já existem empresas cultivando algas para a indústria farmacêutica e de alimentação. Elas são cultivadas ao ar livre e em lagoas. A escolha das espécies mais produtivas será feita por pesquisadores das universidades norte-americanas do Havaí, Southern Mississippi e Dalhousie, além da Nova Scotia, do Canadá. ILUSTRAÇÕES LAURABEATRIZ

> Combate aos

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LINHA DE PRODUÇÃO BRASIL

> Variedades açucaradas Quatro novas variedades de cana-de-açúcar vão incrementar a produção de álcool e açúcar no país. A produtividade deve crescer em até 17%, segundo os pesquisadores do Instituto Agronômico (IAC) que elaboraram as variedades e as lançaram em dezembro para o mercado sucroalcooleiro. Elas apresentam grande concentração de sacarose e possuem porte ereto, facilitando a colheita mecânica.Os novos exemplares do programa de melhoramento genético de cana-de-açúcar do IAC também possuem nível de maturação em diferentes períodos, possibilitando ao produtor planejar melhor a colheita e ter material em um 62

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maior número de meses. O período de desenvolvimento das novas variedades foi de mais de 13 anos e privilegiou também a regionalização de produção. Cada uma está adaptada a uma ou mais cidade ou região,como Oeste Paulista, Ribeirão Preto,Piracicaba, serra da Mantiqueira, Goiás e Mato Grosso.

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CATÁLOGO As imagens geradas pelas câmerasqueesAMPLIADO tão a bordo do Cbers-2B, o Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres produzido em cooperação entre o Brasil e a China, lançado no dia 19 de setembro do ano passado, já estão disponíveis no catálogo de imagens de satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Após solicitação do usuário, a imagem é enviada por e-mail em até dez minutos, gratuitamente. Três câmeras produzem as imagens, utilizadas em aplicações variadas, como monitoramento e medições de áreas desmatadas na Amazônia. A câmera pancromática de alta resolução HRC, que permite a observação da superfície terrestre com grande detalhamento, um imageador de amplo campo de visada (WFI), que fornece imagens de uma faixa de 890 quilômetros de largura com resolução espacial de 260 metros, além de uma câmera imageadora de alta resolução (CCD). As imagens ao lado mostram uma área do Mato Grosso e o município de Cacoal, em Rondônia, que tem um acelerado processo de ocupação agrícola. As áreas verdes correspondem a florestas ou áreas em regeneração, e as vermelhas, a solos expostos.

> Patentes e sensor automotivo A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) atingiu em dezembro a marca das 500 patentes depositadas no Instituto Nacional da Propriedade Industrial. É a instituição de pesquisa brasileira com o maior número de patentes. Também é relevante LAURABEATRIZ

INPE

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o número de licenciamentos. Foram cerca de 30 contratos de transferência de tecnologia assinados sob a coordenação da Inova, a Agência de Inovação da Unicamp.Um dos últimos, assinado em dezembro,foi a transferência de um sensor de combustível para a empresa Click Automotiva, da cidade de Valinhos,no interior paulista,fabricante de tampas de bocal de abastecimento,de radiadores e de válvulas.“É um sensor dotado de fibras ópticas que mede o índice de refração do combustível com radiação infravermelha”,diz Carlos Suzuki,professor da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp e um dos inventores.O sinal aplicado ao combustível emite uma resposta capaz de identificar o porcentual e a qualidade de cada combustível,da gasolina,


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EDUARDO CESAR

do álcool ou de outro composto do produto. O trabalho de identificação é feito por um software que está sendo finalizado. O sensor deverá ser instalado em veículos automotores principalmente para identificar o combustível de motores flex antes da queima. Atualmente um outro sensor no escapamento faz esse trabalho e informa o sistema de injeção eletrônica. O novo sensor possibilita saber o combustível que está no tanque antes da queima, resultando em menor gasto de combustível e diminuindo a emissão de gases poluentes. No contrato, a empresa pagou R$ 120 mil pelo licenciamento e garante porcentuais das vendas para os inventores e para a Unicamp. A Click deve investir cerca de R$ 400 mil, em 2008, para a finalização do produto.

> Estratégias competitivas A formação, o desenvolvimento e o sucesso de uma empresa de base tecnológica não estão apenas ligados ao conhecimento técnico de seus fundadores sobre os produtos desenvolvidos pelo empreendimento, mas também a uma série

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A empresa Nanox Tecnologia, de São Carlos, foi a vencedora na categoria Pequena Empresa da edição 2007 do Prêmio Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) de Inovação. Utilizando processos e produtos gerados pela nanotecnologia, os sócios da Nanox desenvolveram uma espécie de tinta cerâmica nanoestruturada que atua como bactericida e é capaz de ser usada em instrumentos cirúrgicos, secadores de cabelo e cubas que armazenam água, por Nanox utiliza nanotecnologia na exemplo. A Nanox nasceu no superfície de materiais metálicos Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araraquara e teve apoio do Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos (ver Pesquisa FAPESP nº 121, quando a empresa ainda tinha o nome de Science Solution). Na categoria Média-Grande Empresa, a vencedora foi a Cristália, com sede em Itapira, no interior paulista, pelo desenvolvimento e investimento em novos medicamentos com origem na pesquisa científica brasileira. Na categoria Produto, ganhou o Phenom 100, jatinho executivo da Embraer (ver Pesquisa FAPESP nº 138). O prêmio de Processo foi para a Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) por um sistema de esgoto que, depois de tratado, é utilizado como adubo para culturas de milho, soja e trigo. A Cooperativa dos Floricultores do Estado da Paraíba ganhou na categoria Inovação Social por incentivar ex-bóias-frias a produzir crisântemos. Na categoria Instituição de Ciência e Tecnologia, a vencedora foi a unidade Embrapa Transferência de Tecnologia, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em Brasília, pela atuação no desenvolvimento e licenciamento de cultivares.

de outros atributos relativos ao negócio e à realidade do mercado que se quer atingir. Mostrar o lado da formação administrativa e a gestão dos negócios é o objetivo do livro Estratégias competitivas para pequenas e médias empresas de tecnologia, de Antônio Valério Netto, sócio da Cientistas Associados, empresa incubada na Fundação Parqtec, em São Carlos, que possui projetos nas áreas de robótica e geoprocessamento (ver Pesquisa FAPEPS nº 118). Ele expõe soluções em campos como oportunidades de negócio, cultura organizacional, decisões de comunicação e marketing.

> Casca de arroz no polímero As cinzas da casca do arroz mostraram em testes ter potencial para substituir o talco, um tipo de silicato extraído de jazidas, na produção de polímeros, uma alternativa que pode diminuir o impacto ambiental do descarte da queima do resíduo agrícola. Na pesquisa, realizada por Leonardo Gondim de Andrade e Silva, do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), Waldir Ferro, da mesma instituição, e Hélio Wiebeck, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, foram

comparadas as propriedades mecânicas e térmicas de poliamidas, conhecidas popularmente como náilon, com carga de 30% de cinza de casca de arroz e com 30% de talco. Os resultados do estudo, publicado na revista Polímeros, mostram comportamento semelhante entre os dois produtos utilizados, com potencial para a substituição do talco pela cinza da casca de arroz, alternativa viável em processos industriais. Um limitante para uso do polímero misturado à cinza da casca de arroz é a cor. O produto final poderia ser usado apenas na fabricação de produtos com a cor preta.

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MIGUEL BOYAYAN

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PREMIADOS DA INOVAÇÃO

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TECNOLOGIA

ivas Rotas alternativas lternat Rotas a

Ro ta Rota s al s altte errnna Rotas alternativas tivas a Nanotecnologia t iva abre caminho para biocompósitos s que poderão MEDICINA

substituir ossos e tecidos e para medicamentos dirigidos D INORAH E RENO

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MARINA LADEIRA

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N

anoestruturas para carregar fármacos que combatem o câncer, doenças infecciosas e parasitárias e também para ser empregadas como agentes de diagnóstico são exemplos de pesquisas realizadas em universidades brasileiras que têm como foco o uso da nanotecnologia para a produção de novos medicamentos. Uma das linhas de pesquisa, inovadora, utiliza nanotubos de carbono e colágeno para obter novos tecidos como a pele, por exemplo, ou ajudar na regeneração óssea. Os nanotubos de carbono são estruturas cilíndricas sintetizadas a partir do carbono, dotadas de propriedades mecânicas, térmicas e elétricas bastante superiores às de outros materiais, e o colágeno é uma molécula importantíssima para todo o sistema vivo, responsável pela estruturação do esqueleto e dos órgãos. Os estudos realizados na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), conduzidos inicialmente pelos professores Luiz Orlando Ladeira e Rodrigo Lacerda, no Laboratório de Nanomateriais do Departamento de Física, mostram que esse é um biocompósito muito promissor. A idéia de criar o biomaterial surgiu a partir de uma observação de Ladeira de que tanto o colágeno como os nanotubos de carbono têm dimensões semelhantes. Os nano-

Altos índices de proteína em células do fígado quando incubadas apenas com nanotubos, na primeira imagem (cores verde e vermelha), decaem significativamente na segunda com silenciamento gênico

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ADRIANA POHLMANN

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Nanopartículas poliméricas desenvolvidas na UFRGS

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tubos de carbono são produzidos no laboratório mineiro com medidas que variam de 1 a 3 nanômetros (nm) de diâmetro (1 nanômetro equivale a 1 milímetro dividido por 1 milhão de vezes) e até mil nm de comprimento (leia em Pesquisa FAPESP nº 118), para aplicações variadas e sob encomenda para vários grupos de pesquisa brasileiros. Existem mais de 20 tipos de colágeno nos seres vivos, mas o tipo 1, humano, presente em cartilagens e ossos, é constituído de três tipos de cadeias de aminoácidos, que formam um arranjo helicoidal, de três hélices. “É uma molécula parecida com uma fibra, com 1 nanômetro de diâmetro e 300 nanômetros de comprimento”, diz Ladeira. O gel de colágeno é utilizado como matriz de suporte na cultura de diversos tipos de células, pois geralmente elas abrigam receptores para a proteína. Adicionado ao nanotubo de carbono, o gel torna-se mais resistente e permite estruturar o crescimento em três dimensões das células nas matrizes.“A matriz de colágeno é uma estrutura biocompatível e ■

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biodegradável, que permite a ancoragem de células para fazer a engenharia de tecidos, ou seja, criar órgãos, fazer crescer pele, pedaço de miocárdio e de estruturas celulares.” No caso, os pesquisadores querem estudar como se dá a interação para a produção de osso. A pesquisa teve início há três anos, com a participação da aluna de doutorado Edelma Eleto, que também compartilha a titularidade da patente, depositada no Brasil e no exterior. “Observamos que o biocompósito induz produção de hidroxiapatita, responsável pela mineralização do osso”, diz Ladeira. Isso significa que ele é biodegradável, biocompatível e promotor de osteogênese (processo de formação e desenvolvimento dos ossos). O biocompósito atraiu o interesse do grupo empresarial Nanosolutions, sediado na Cidade do México, que já iniciou negociações com a universidade para fazer os testes clínicos necessários para a certificação do produto. Aplicações biológicas - Atualmente vários outros grupos de pesquisa da UFMG estão trabalhando para ampliar o leque de aplicação do biomaterial. Os estudos sobre funcionalidade e biocompatilidade do produto, principalmente para aplicações biológicas, estão sendo feitos pelo professor Gregory Kitten, coordenador do Laboratório de Matriz Extracelular e Biologia do Desenvolvimento do Instituto de Ciências Biológicas. A pesquisadora Heloísa Colleta, da equipe de Kitten e bolsista do Programa de Apoio a Projetos Institucionais com a Participação de Recém-Doutores (Prodoc), da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), está fazendo testes com o biocompósito para utilização futura em implantes dentários. Principalmente quando há a perda de dente por causa de doenças periodontais, o período de regeneração óssea é longo, o que leva à busca por alternativas que acelerem essa etapa. “Nos experimentos in vitro será verificada a interferência dos nanotubos na proliferação, adesão, migração, morte e manutenção do estado diferenciado de células em cultura”, diz Heloísa. Nas análises in vivo será feita a implantação do biocompósito em alvéolos (cavidade onde o dente se encaixa) dentários de ratos após a extração do pri-


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MONICA CRISTINA DE OLIVEIRA

meiro molar. A avaliação tem como objetivo verificar se a implantação do biocompósito vai efetivamente acelerar a regeneração óssea sem aumentar a reação inflamatória. “Se esse modelo for comprovadamente funcional, o biocompósito poderá ser aplicado em outros locais que necessitam de regeneração óssea, como fraturas, por exemplo, ou na regeneração de outros tecidos, como pele artificial.” Outra linha de trabalho desenvolvida na UFMG, também derivada da pesquisa iniciada há três anos, utiliza nanotubos de carbono para o silenciamento gênico, uma linha de investigação que poderá, no futuro, conduzir a novas drogas dirigidas, que buscam o alvo programado. Os nanotubos são utilizados como elementos transportadores de pequenas moléculas de RNA (siRNA), que, levadas para dentro do citoplasma das células, em um processo conhecido como transfecção, silenciam o comando de síntese de proteínas específicas. Essa abordagem consiste em impedir que o gene estudado gere a proteína por ele codificada com o propósito de analisar as conseqüências decorrentes dessa inibição na célula. “Enquanto os métodos comerciais de transfecção disponíveis têm uma taxa de eficiência muito baixa,

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Pesquisa utiliza nanotubos de carbono para o silenciamento gênico, linha que poderá levar a novas drogas dirigidas para alvos programados na faixa de 30% a 40%, o complexo silenciador formado pelo nanotubo de carbono e siRNA tem eficiência de 80% a 90%”, diz a professora Silvia Guatimosim, que coordena o trabalho em parceria com a professora Maria de Fátima Leite, ambas do Departamento de Fisiologia e Biofísica do ICB. Outra vantagem é que o nanotubo de carbono até agora não se mostrou citotóxico, o que levaria à morte da célula. “Os experimentos estão sendo feitos com células cardíacas, hepáticas e neuronais”, diz Marina de Souza Ladeira, aluna de doutorado que participa do projeto. Agentes antineoplásicos - Além da pesquisa de silenciamento gênico, que integra um conjunto de aplicações biológicas para os nanotubos de carbono, outras linhas de estudo na área de nanomedicina em parceria com empresas têm sido desenvolvidas na UFMG. Uma delas trata do desenvolvimento de um sistema de liberação para transporte de agentes antineoplásicos, coordenado

pela professora Mônica Cristina de Oliveira, do Departamento de Produtos Farmacêuticos da Faculdade de Farmácia. A tecnologia utiliza lipossomas, nanoestruturas constituídas por lipídeos, semelhantes às células humanas, para o transporte de fármacos para regiões específicas do organismo. Essas nanoestruturas são fabricadas em laboratório com matéria-prima sintética ou extraída da soja e do ovo. Nos experimentos foi usada uma formulação que associa os lipossomas à cisplatina, um quimioterápico sintético usado no tratamento de tumores cancerígenos. “Os lipossomas têm uma cavidade aquosa onde podem ser colocados agentes quimioterápicos que sejam solúveis”, diz Mônica. Como a região tumoral tem um pH mais baixo do que os tecidos normais, quando esses lipossomas sensíveis ao pH ácido chegam a essa região eles liberam a droga no local específico, ou seja, na célula tumoral. “A nanotecnologia para transporte de fármacos pode reduzir a toxicidade do tratamen-

Imagem topográfica de lipossomas pH sensíveis obtida por microscopia de força atômica

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to e aumentar a eficácia terapêutica”, ressalta a professora. A cisplatina é usada para tratamentos quimioterápicos de câncer de cabeça, pescoço, ovário, pulmão e próstata. O grande problema é que tem grande toxicidade renal, o que limita muito o aumento de dose pelo médico. Alguns pacientes com doses repetidas começam a ter resistência e não respondem mais ao tratamento. A veiculação do quimioterápico em um sistema nanoestruturado poderia contornar essa toxicidade renal, porque o caminho percorrido por ele não é o mesmo do medicamento convencional. “A resistência ao tratamento está muito ligada à incapacidade que a célula tem ao longo do tempo de permitir a entrada do medicamento”, diz Mônica. O trabalho, que começou em 2001, é feito em parceria desde 2005 com a empresa mineira de pesquisa clínica Biocancer Clinical Research. A empresa atua em todas as fases de desenvolvimento do medicamento e possui um acordo com o Hospital das Clínicas da UFMG, onde mantém um laboratório. Parte do desenvolvimento da formulação está concluída e agora estão sendo feitos estudos préclínicos, que se encontram na etapa final e investigam duas linhas de administração do nanomedicamento, uma via endovenosa e outra intraperitoneal (membrana que recobre as paredes do abdome e a superfície dos órgãos digestivos). A pesquisa está sendo financiada com R$ 180 mil da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), por meio do programa Pappe Subvenção, que financia projetos de pesquisa e desenvolvimento em micro e pequenas empresas, R$ 510 mil da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e R$ 695 mil da Rede Mineira de Pesquisas em Nanobiotecnologia, criada em 2002 e financiada pela Fapemig. Mônica, juntamente com o professor Valbert Nascimento Cardoso, também estuda o emprego de lipossomas como agente de diagnóstico para processos inflamatórios e infecciosos. Marcados com um isótopo radioativo, como o tecnécio, esses lipossomas emitem raios gama capazes de gerar imagens que permitem a identificação de focos inflamatórios e infecciosos em estágios iniciais, sem necessidade de tirar sangue do paciente para fazer a avaliação, como 68

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Entre 6.781 publicações, cruzando as palavras-chave nanotecnologia e fármaco, no banco de dados Institute for Scientific Information (ISI), o Brasil está na 16ª posição em pesquisa, produzindo conhecimento

ocorre com o uso de leucócitos radiomarcados, considerado padrão. Na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara, um grupo de pesquisa coordenado pelos professores Elson Longo e Maria Valnice Boldrin, em parceria com o Grupo EMS, fabricante de medicamentos, trabalha desde o início de 2007 no desenvolvimento de nanomedicamentos com liberação controlada de ativos anti-hipertensivos. A parceria foi efetuada por meio do Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos (CMDMC), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão mantidos pela FAPESP.“Estamos ainda numa primeira fase do trabalho”, diz Longo. “Escolhemos os tipos de polímeros que vamos utilizar como veículo para o medicamento e os ativos que serão usados para fazer o transporte.” Agora a pesquisa está centrada na interação entre o polímero e os anti-hipertensivos. O polímero, bastante conhecido, mas que não pode ser revelado porque ainda está em fase de depósito de patente, vai englobar o medicamento ativo e levá-lo até um local específico. A pro-

posta é produzir medicamentos anti-hipertensivos capazes de agir somente em uma determinada estrutura de tecido como, por exemplo, em músculos estriados cardíacos. “Estamos trabalhando com cinco diferentes anti-hipertensivos”, explica Longo. “A tecnologia permitirá diminuir a quantidade do medicamento ativo utilizado, com mais eficácia do que os encontrados hoje no mercado.” Dos R$ 4,7 milhões destinados à pesquisa, a empresa responde por 40% e a Finep pelo restante. O interesse das empresas em se associar às universidades é reflexo da importância que o tema nanotecnologia e fármacos tem conquistado no meio acadêmico. “Entre 6.781 publicações, cruzando as palavras-chave nanotecnologia e fármaco, no banco de dados Institute for Scientific Information (ISI), o Brasil está na 16ª posição em pesquisa, produzindo conhecimento”, diz a professora Adriana Pohlmann, do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que juntamente com a professora Sílvia Guterres, da Faculdade de Farmácia da mesma universidade, participou do desenvolvimento do primeiro medicamento nanotecnológico do Brasil, um anestésico local indicado para ser usado sobre a pele, que saiu da escala de bancada e está em fase de escalonamento para posteriores testes clínicos pela empresa paulistana Incrementha PD&I, instalada no Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec), na Cidade Universitária. Polímeros biodegradáveis - O sistema que está sendo testado utiliza nanopartículas de polímeros biodegradáveis como carreadores do fármaco. “A vantagem é que esse material é naturalmente metabolizado pelo organismo, o que significa que é biodegradável e biocompatível”, diz Henry Suzuki, diretor técnico da Incrementha, empresa com foco em pesquisa e desenvolvimento, criada por duas indústrias brasileiras da área farmacêutica, a Biolab e a Eurofarma. Uma diferença fundamental em relação às pomadas comerciais é que elas têm o agente anestésico disperso em óleo, enquanto as nanopartículas do novo produto ficam dispersas em água. “Como a camada externa da pele é mais hidrofílica, ou seja, tem mais afinidade


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com a água, as pomadas à base de óleo acabam se perdendo no caminho até chegar às camadas mais internas e, com isso, sua eficácia é reduzida”, explica Suzuki. A dispersão das nanopartículas anestésicas em água faz com que tenham boa penetração não só na camada mais externa como também nas internas, e isso com uma dose bem menor de medicamento. “Pela potência e tempo de duração da anestesia, o produto poderá ser utilizado até em pequenos procedimentos cirúrgicos”, diz Suzuki. Na atual fase da pesquisa, será feita a validação de testes, já realizados em animais, em pacientes. Só então o anestésico poderá ser usado de forma segura e eficaz nos procedimentos cirúrgicos. A previsão inicial na época do anúncio do anestésico, em abril de 2007, era de que o produto fosse lançado comercialmente em 2008. Alguns contratempos na fase de desenvolvimento, que costumam ocorrer quando é feita a passagem da escala de laboratório para industrial, adiaram o lançamento comercial para 2009. “Nosso objetivo é chegar até a fase de registro do produto, que será então passado para empresas comerciais, no caso a Biolab e a Eurofarma”, diz Suzuki. A idéia de desenvolver o produto partiu da Biolab, que procurou a UFRGS para propor uma parceria. A universidade tem, há 12 anos, dois laboratórios dedicados a pesquisas na área de nanotecnologia, o Grupo Síntese e Caracterização Físico-Química de Micro e Nanopartículas Aplicadas na Terapêutica, coordenado por Adriana Pohlmann, e o Grupo Sistemas Nanoestruturados para Administração de Fármacos, coordenado por Silvia Guterres. A universidade gaúcha trabalha na produção de conhecimento para, dessa forma, pesquisar produtos específicos sob encomenda. Um exemplo disso são as pesquisas feitas com antiinflamatórios, como o diclofenaco, o mesmo princípio ativo do Voltaren e de outros medicamentos congêneres, publicadas em revistas científicas internacionais.“Não é um trabalho focado na inovação, mas na produção de conhecimento”, diz Adriana. A parceria entre a universidade e a Biolab resultou em um depósito de patente com co-titularidade. O projeto teve financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). ■

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A imagem ao lado, obtida por microscopia eletrônica, mostra aumento na rugosidade das fibras do biocompósito em relação ao colágeno (abaixo)

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BIOCOMBUSTÍVEIS

A força do magnetismo Eletroímãs instalados no processo de fermentação do caldo de cana aumentam a produção de etanol

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eis pequenos e poderosos eletroímãs,distribuídos estrategicamente em torno de um tubo de aço inoxidável por onde passam o caldo de canade-açúcar,chamado mosto,e as leveduras utilizados na fermentação do etanol,resultaram em um rendimento até 17% maior em relação ao processo convencional,ganho decorrente da redução do tempo gasto com essa tarefa.“Enquanto o processo tradicional de fermentação no experimento controle demorou 15 horas,com a aplicação dos ímãs acoplados ao biorreator esse tempo foi reduzido para 12 horas”,diz o professor Ranulfo Monte Alegre,da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),coordenador do projeto,que teve a participação de quatro pesquisadores cubanos,Victor HaberPerez,Oselys Rodriguez Justo,Alfredo Fong Reyes e David Chacón Alvarez,do Centro Nacional de Electromagnetismo Aplicado (CNEA) da Universidad de Oriente,em Cuba.

“O ganho de produção foi possível porque o campo magnético alterou o metabolismo das leveduras”,diz Monte Alegre.Os pesquisadores acreditam que o campo magnético pode influenciar o potencial das membranas celulares e,conseqüentemente,alterar a sua permeabilidade à passagem de nutrientes.“Então,se a permeabilidade aumenta,o transporte de substrato no interior da célula também aumenta,e com isso a levedura Saccharomyces cerevisiae, usada na fermentação,trabalha mais rapidamente no consumo desse substrato, resultando em maior produção de etanol”,explica o professor.Embora o resultado tenha sido comprovado pelos pesquisadores,esses efeitos biológicos dos campos eletromagnéticos ainda não foram completamente elucidados.Uma outra hipótese atribui ao campo magnético a capacidade de mexer,de alguma forma,com as enzimas,que são os catalisadores biológicos,deixando-as numa conformação mais apropriada para reagir com o substrato,no caso o açúcar, e com outros compostos do processo.


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BUENO

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“Tanto pode ser o efeito da membrana como das enzimas, ou das duas coisas ao mesmo tempo”, diz Monte Alegre. “É necessário fazer estudos bioquímicos mais aprofundados, com a participação de grupos multidisciplinares compostos por engenheiros, biólogos, bioquímicos, microbiologistas e biofísicos”, complementa Haber-Perez, professor do curso de engenharia de alimentos da Fundação Educacional de Barretos, no interior paulista, autor de um artigo sobre o assunto publicado em outubro na revista Biotecnology Progress, da Sociedade Americana de Química. Crescimento celular – A pesquisa que

resultou em um aumento de produção do etanol começou no início da década de 1990, com a criação do CNEA, em Cuba.“Quando criamos o departamento de bioeletromagnetismo, já sabíamos que campos magnéticos de alta freqüência e intensidade podiam afetar os sistemas biológicos”, diz Haber-Perez. Assim, o objetivo primário do grupo foi estudar os efeitos de campos de freqüência e intensidade extremamente baixas. “Com esse estudo verificamos que o crescimento celular de bactérias e leveduras pode ser alterado, inibido ou acelerado, dependendo do campo aplica-

do”, diz. “Os microorganismos respondem a determinados parâmetros como freqüência, intensidade e tempo de exposição, e essas condições são determinantes para inibir ou acelerar o crescimento celular ou mesmo influenciar a produção de um metabolito (composto intermediário das reações enzimáticas) de interesse.” As pesquisas iniciadas em Cuba foram retomadas em 2000, quando o pesquisador Alfredo Fong Reyes foi para a Unicamp com bolsa de pós-doutorado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) para trabalhar com aplicação de campo magnético em fermentação alcoólica, sob orientação do professor Ranulfo Monte Alegre. Quando Fong Reyes voltou para Cuba, Haber-Perez, que fazia doutorado na engenharia química da Unicamp e também participava da pesquisa, deu continuidade ao projeto. “Existem vários estudos publicados que têm como foco a aplicação de campos magnéticos em diversos processos de fermentação, mas em todos eles os sistemas geradores de campo têm sido colocados em volta do fermentador”, diz Monte Alegre.“Isso funciona para um trabalho em escala de bancada, mas quando é ampliado para um fermentador de 100

metros cúbicos fica inviável”, diz. Na pesquisa desenvolvida na Unicamp o meio de cultura, incluindo substrato e leveduras, é reciclado externamente por um tubo de aço inoxidável, através do qual passa o campo magnético, e só então volta para o fermentador. Como as pesquisas foram feitas em escala de laboratório, são necessários novos estudos para redimensionar os sistemas geradores de campo magnético para uma planta piloto e, na etapa final, em escala industrial.“O destaque foi desenvolver uma tecnologia nacional, nãoconvencional, para aumentar a produção de álcool”, diz Haber-Perez. A publicação da pesquisa no site da Technology Review, revista do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), chamou a atenção da comunidade científica internacional e de empresários. “Recebi muitas comunicações do exterior, inclusive de uma empresa norte-americana interessada em conhecer mais detalhes da nossa tecnologia e financiar a continuidade das pesquisas. A possibilidade de aplicá-la em processos de produção de etanol a partir de milho e biomassa (resíduos celulósicos) foi um dos questionamentos mais freqüentes.” ■

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> TELEMEDICINA

Glicose sob controle Software permite monitoramento do diabetes pelo telefone celular F ABRÍCIO M ARQUES

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m serviço de telemedicina capaz de ajudar os portadores de diabetes a monitorar a doença e melhorar sua qualidade de vida vai entrar em operação comercial no início de 2008. Batizado de GlicOnLine, o sistema foi desenvolvido pela Quasar Telemedicina, empresa instalada no Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec), no campus da USP, e permite que os pacientes se livrem dos cálculos e tabelas usados para avaliar a quantidade de carboidratos que podem ingerir a cada refeição e as dosagens necessárias de insulina. Basta digitar num celular ou num computador de mão o valor da glicemia (que os diabéticos devem avaliar continuamente) e o cardápio que será ingerido na próxima refeição. O sistema conta com 600 alimentos cadastrados, com medidas caseiras, como colher de sopa, escumadeira, entre outras. Instantaneamente, o sistema responde, também pelo telefone móvel, qual a dose de insulina de ação rápida necessária para compensar aquela ingestão. A intenção dos empreendedores é fornecer o software para planos de saúde, governos e instituições que atuam no tratamento do diabetes.“Não queremos vender diretamente para os pacientes porque, neste caso, só quem tem dinheiro é que poderia usar”, diz a médica Karla Melo, diretora da Quasar. Para integrar-se ao serviço, o paciente deve necessariamente ser acompanhado por um

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médico. É o profissional de medicina, aliás, quem irá alimentar o sistema com dados sobre o portador da doença, informando dados específicos sobre seu metabolismo que nortearão o tratamento. O médico pode acompanhar a situação de seu paciente pela internet, em tempo real, e introduzir mudanças na terapia a qualquer momento. No modelo tradicional, essas intervenções só acontecem quando o diabético sofre alguma crise ou vai periodicamente ao consultório. “O GlicOnLine armazena as informações de cada paciente em seu prontuário eletrônico, permitindo a avaliação precisa da evolução”, diz Floro Dória, diretor da Quasar e marido de Karla Melo. O software desenvolvido pela Quasar vem sendo avaliado por 20 pacien-

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O PROJETO Sistema de controle de glicemia a distância

MODALIDADE

Programa Pesquisa Inovativa na Pequena e Micro Empresa (Pipe) COORDENADORA

KARLA MELO – Quasar INVESTIMENTO

R$ 409.950,00 (FAPESP)

tes atendidos pelo Núcleo de Excelência em Atendimento ao Diabético (Nead-HC), organização não-governamental (ONG) vinculada ao Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) formada por médicos e professores da disciplina de endocrinologia. Eles foram divididos em dois grupos: um recebeu celulares com os quais passou a fazer o controle por meio do software GlicOnLine. O outro continuou a fazer os cálculos manualmente, usando tabelas e calculadoras. Para garantir a acuidade da comparação, as terapias se inverteram após três meses: quem usava celular passou a adotar as tabelas, e viceversa.“Foi triste e, ao mesmo tempo, gratificante ouvir o coro de reclamações dos que tinham usado o celular e não queriam deixar o tratamento de jeito nenhum”, diz Karla Melo, que é médica da equipe de diabetes do Hospital das Clínicas e membro do Nead-HC. “Mas é indispensável fazer isso para compararmos as duas terapias”, afirma. O sistema também vem sendo testado em serviços privados de saúde, como o Hospital Domiciliar do Dr. Kleber Tavares, uma empresa de home care de Belo Horizonte (MG). A idéia de desenvolver o software surgiu de uma necessidade prática. Karla Melo é portadora de diabetes tipo 1 – aquela que costuma atingir pessoas ainda jovens, na qual a dependência de insulina é contínua. Em 1997, ela subs-


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tituiu a terapia tradicional, baseada em doses fixas de insulina, por um sistema automático. Uma bomba de insulina administra o hormônio subcutaneamente, aplicando doses menores e precisas em intervalos curtos de tempo e doses maiores antes das refeições. Este tipo de tratamento intensivo exige a participação do paciente e tem como objetivo evitar os picos de glicose, que têm conseqüências devastadoras à saúde no longo prazo, além de prevenir o mal-estar e os desmaios causados pela hipoglicemia, que ocorre quando o hormônio está no auge de sua atividade e derruba drasticamente o índice de açúcar no sangue. Contagem - Essa terapia é acoplada a

Basta digitar no celular a contagem de glicose e o cardápio a ser degustado que o sistema informa a dosagem de insulina que precisa ser ministrada

outro expediente: a contagem de carboidratos, que permite mensurar previamente o efeito da alimentação e calibrar melhor a dose administrada pela bomba de insulina. “Eu observei que minha qualidade de vida melhorou muito, mas nem todos os pacientes se beneficiavam. Acabamos constatando que havia uma dificuldade em fazer tantas contas e em administrar as doses precisas”, afirma Karla. Uma pesquisa recente da Fundação Oswaldo Cruz e da Universidade Federal de São Paulo, realizada com mais de 6 mil portadores da doença no país, revelou que 75% desses indivíduos fazem controle glicêmico inadequado.

A criação do serviço automatizado foi concebida por Floro Dória, que tem uma outra empresa de análise de sistemas. O passo inicial foi o desenvolvimento, em 2003, de um algoritmo capaz de organizar os cálculos a fim de repassá-los instantaneamente ao paciente. O financiamento para o desenvolvimento foi obtido por meio do Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe) da FAPESP, agora chamado Pesquisa Inovativa na Pequena e Micro Empresa, e a empresa foi incubada, em 2005, no Cietec. O primeiro protótipo começou a operar em 2005, com pacientes do HC, numa pesquisa voltada para avaliar o impacto do sistema de telemedicina na adesão do paciente ao tratamento e na melhoria de sua qualidade de vida. Na segunda fase do projeto, que exige a apresentação de um plano de negócios, os sócios da Quasar continuaram a desenvolver o sistema, com a ajuda de um bolsista, também diabético. A princípio, a intenção era criar apenas um serviço de voz, no qual o paciente informasse oralmente seus dados e recebesse as instruções também na forma de som. “Mas as facilidades da comunicação móvel avançaram tanto que deixaram o sistema por voz em segundo plano. Ele existe, mas só será utilizado, por exemplo, para quem não é alfabetizado e não consegue usar o celular”, afirma Dória. ■

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Empresa carioca desenvolve novo sistema de iluminação pública | Y URI VASCONCELOS

DESIGN

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onsiderada uma das maiores do mundo,a rede de iluminação pública de São Paulo possui mais de 530 mil lâmpadas.Para fazer a manutenção do sistema, a prefeitura dispõe de 90 equipes para trocar diariamente em torno de 300 lâmpadas e 18 fotocélulas, aparelho que faz o acendimento automático da iluminação na ausência dos raios solares.Em cada operação,um caminhão com guindaste precisa ser deslocado até o poste e braços mecânicos erguem o técnico para que ele faça a troca da lâmpada queimada ou da fotocélula defeituosa.É uma operação cara,demorada,com risco de acidentes e pouco ergonômica,porque o operador trabalha constantemente com as mãos acimados ombros.Uma situação que poderá ser transformada,dentro de alguns anos, com a criatividade e empreendedorismo dos donos da Ziplux, uma empresa carioca sediada na incubadora de empresas do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ).Eles criaram um totem de iluminação,batizado também de Ziplux,que promete reduzir o tempo e os custos de manutenção e,ao mesmo tempo,poupar energia elétrica. A grande inovação do equipamento, já patenteado,é que ele não usa luminária ou conjuntos ópticos no topo do poste para dispersar a luz.A fonte luminosa é uma lâmpada refletora própria para uso conjunto com um cabo de fibras ópticas.Ela fica localizada dentro da base do poste,a cerca de 1,50 metro do chão.Daí a luz é conduzida para o alto do totem de aço,a mais de 4 metros de altura,por meio de cabos de fibra óptica sem nenhum tipo de luminária.O princípio é o mesmo de uma mangueira:no lugar de água,o que está sendo canalizado é a luz.Lá em cima as fibras são subdivididas e posicionadas a fim de proporcionar pouca perda de luminosidade. “Com o Ziplux não há dispersão de luz. Por conta da melhor distribuição de luminosidade,o ganho em uma via pode ser da ordem de 10% a 15%.Serão precisos menos postes para iluminar uma rua,trazendo grande economia ao sistema”,explica o designer Walen Nogueira Cruz Júnior,diretor da Ziplux e um dos idealizadores do produto.

Luz de fibra

> A economia também virá com a redução do número de lâmpadas por poste. Para iluminar tanto a calçada quanto a via pública,alguns postes precisam de duas lâmpadas.No caso do Ziplux, basta direcionar o foco de luz para os dois pontos,a calçada e a via.O equipamento foi projetado para iluminar parques,jardins,espaços públicos de convivência,pátios de shopping, áreas de preservação ecológica e vias de baixa ou média circulação – as de alta circulação exigem,por lei,postes com altura superior a 6 metros e o Ziplux só está disponível para pronta entrega com 4,5 ou 6 metros. Além da boa iluminação,o Ziplux 1500,primeiro modelo comercializado pela empresa,facilitará as operações de manutenção,em razão do posicionamento de seu sistema elétrico,próximo ao chão.No lugar de um caminhão com guindaste e três funcionários (o motorista,o operador do guindaste e o eletricista),a troca de lâmpadas poderá ser feita por apenas um técnico numa motocicleta.“Com o Ziplux,o reparo pode ser feito em 15 minutos ante uma hora e meia,segundo dados que dispomos relativos à manutenção de postes na Ponte Rio–Niterói.Estimamos que o custo de manutenção caia por volta de 50% com o nosso sistema”,afirma Walen.Para evitar a ação de vândalos e o furto dos componentes,o compartimento onde fica a fonte emissora e a fotocélula é lacrado com um parafuso especial que só abre com chaves de fenda exclusivas.Um modelo de travamento opcional,mais sofisticado,conta com um sistema biométrico e só permite sua abertura com a identificação da impressão digital do operador. Inovação em totem – Confiante no sucesso da inovação – o produto foi um dos finalistas do IF Product Design Awards 2008,premiação internacional considerada o Oscar do design –,a Ziplux espera vender até o final deste ano 12.500 unidades do modelo 1500.“Diversas empresas já demonstraram interesse em adquirir o produto”,informa o diretor da empresa.Cada totem custa por volta de R$ 12 mil,três vezes mais do que os postes convencionais.Essa diferença de preço,garantem os empresários,é compensada em pouco tempo.


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“Com todas as vantagens técnicas e operacionais, depois de cinco anos o Ziplux terá custado 50% de um poste convencional”, garante Wagner Ferreira, gerente comercial da Ziplux, empresa formada pela Zidesign, especializada em design, e a Eneltec, que desenvolve projetos em eletrônica de potência, ambas incubadas na Coppe/UFRJ.“Nós da Zidesign nos encarregamos da concepção e desenho final do produto, enquanto o pessoal da Eneltec ficou responsável pelo desenvolvimento da parte elétrica”, explica Ferreira. Além do Ziplux 1500, um segundo modelo de luminária já foi desenvolvido pela empresa. Sua principal diferença é o uso de energia solar para gerar luz. Chamado de Ziplux 1500s, o equipamento é, segundo os empresários, o único do mercado a empregar o conceito de iluminação remota autônoma, o que significa funcionar independente da rede elétrica. Por conseqüência, não consome eletricidade da rede pública. O modelo, entretanto, é mais caro do que o convencional por causa do alto custo das placas fotovoltaicas. Para contornar o problema, que pode inviabilizar o sucesso comercial do produto, os designers e engenheiros da Ziplux já estão desenvolvendo um novo sistema que utiliza LEDs (light emitting diodes ou diodos emissores de luz) como fontes emissoras de luz, em substituição às lâmpadas convencionais. Esse novo sistema está em fase final de desenvolvimento e deverá ficar pronto no segundo semestre de 2008. Como ocorre em boa parte das inovações tecnológicas, a origem do sistema ocorreu quase por acaso. No final dos anos 1990, Walen ficou preso por quase duas horas em um congestionamento no elevado Perimetral, no centro do Rio de Janeiro, por causa de um caminhão que fazia a troca de uma lâmpada de um poste. Nasceu aí a idéia de criar um poste com manutenção mais simples e rápida. Um projeto foi apresentado como trabalho de conclusão de curso de desenho industrial de Walen Júnior, em 1998. De lá para cá, a idéia e o protótipo foram evoluindo até que, em 2005, a dupla conseguiu aprovar um plano de negócios junto à incubadora da UFRJ. Até agora o investimento foi de R$ 1,5 milhão, saído dos bolsos dos empresários das duas empresas. ■

ZIPLUX

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Ziplux: iluminação direcionada para a rua e para a calçada e fácil manutenção PESQUISA FAPESP 143

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Protótipos do novo display em testes no CenPRA: evolução para substituir as telas de plasma

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> ENGENHARIA ELETRÔNICA

Evolução

da tela

CENPRA

Novos monitores FED geram imagens de qualidade com menor gasto de energia

O

consumidor brasileiro nem bem se acostumou com as finas telas planas de cristal líquido (LCD, sigla de liquid crystal display) utilizadas em monitores de computador e aparelhos de televisão mais sofisticados, e uma nova tecnologia já está a caminho. A fabricante japonesa Sony, por meio de sua spin-off (empresa menor derivada de outra) Field Emission Technologies, promete lançar em 2009 uma linha de monitores baseada no sistema field emission display (FED), conhecido como telas de emissão de campo. Essa tecnologia se caracteriza por ser um tipo de painel digital com uma camada de fósforo para produzir luz da mesma forma que os tubos de raios catódicos convencionais (CRT na sigla em inglês) usados pelos televisores convencionais há muitos anos. A também japonesa Canon igualmente já demonstrou interesse nesse mercado e, recentemente, apresentou protótipos de alta qualidade em grandes feiras de tecnologia. Aqui no Brasil, estudos para desenvolvimento dessas telas, que também poderão ser usadas em ambientes externos, como outdoors, são conduzidos por uma equipe do Centro de Pesquisas Renato Archer (CenPRA), vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. As duas principais vantagens dos FEDs em relação às tecnologias atualmente existentes – as telas planas de LCD e plasma e os CRTs – são o baixo consumo de energia e a superior qualidade da imagem. Diferentemente dos CRTs, os monitores FEDs utilizam camadas nanoestruturadas para emitir os

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Imagem em camadas • Catodo com

Multicamadas em dimensões submilimétricas da tela FED. Cada orifício é um pixel. O traçado amarelo representa a trajetória dos elétrons que saem do catodo, onde estão os nanotubos, passam por camadas isolantes e atingem o anodo, que é transparente

elétrons, que podem ser constituídas, por exemplo, de nanotubos de carbono – cilindros nanométricos emissores de elétrons a partir das extremidades de uma forma muito eficiente ou por cobre. Essas camadas nanoestruturadas são organizadas na forma de matriz de pixels, que são os pontos luminosos que, justapostos, formam a imagem na tela. A produção de luz ocorre da mesma maneira que nos CRTs, pela incidência de elétrons sobre a camada de fósforo. A diferença é que, ao contrário dos CRTs, que utilizam canhões de elétrons baseados em filamentos aquecidos e tubo de imagem volumoso, os FEDs empregam finas camadas de materiais diversos, que, juntas, somam no máximo 3 milímetros de espessura. O fato de o FED utilizar nanoestruturas como emissores, em vez de filamentos aquecidos, já garante um menor consumo de energia. Mas, além disso, nesse tipo de display são utilizados diversos emissores de elétrons por pixel de imagem, o que, além de reduzir ainda mais o consumo, permite a redução da espessura total do dispositivo, tornando-o comparável a qualquer outro monitor do tipo painel plano. “A condição de ser delgada e também de consumir pouca energia, associada ao fato de o FED ter a mesma qualidade de imagem de um CRT, confere a esta tecnologia um alto potencial para ocupação do mercado mundial de displays”, destaca Victor Pellegrini Mammana, chefe da Divisão de 78

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aplicação de nanotubos

• Isolador • Grade de metal • Isolador • Anodo formado por vidro, fósforo e metal

Mostradores de Informação do CenPRA e coordenador das pesquisas nesta área na instituição. Muitos especialistas acreditam que os FEDs possam vir a ser a primeira grande aplicação de nanotubos de carbono na área da eletrônica, mas para que isso se torne realidade alguns desafios tecnológicos e industriais precisam ser vencidos. O principal deles é a redução do custo de produção do equipamento, atualmente mais elevado do que as tecnologias concorrentes. “Os LCDs são hoje um sistema, e não um componente. Seus fabricantes têm uma grande quantidade de alternativas de fornecedores de partes e peças, integrando uma cadeia produtiva já bem madura. Por isso, qual-

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O PROJETO Desenvolvimento de emissores de elétrons baseados em membranas

MODALIDADE

Programa Apoio a Jovens Pesquisadores COORDENADOR

VICTOR PELLEGRINI MAMMANA – CenPRA INVESTIMENTO

R$ 233.906,25 e US$ 14.300,00 (FAPESP)

quer nova tecnologia de display precisa ter, além das vantagens de desempenho um custo menor”, explica Mammana, autor de um projeto Jovem Pesquisador, da FAPESP, intitulado Desenvolvimento de emissores de elétrons baseados em membranas. O termo membranas, neste caso, se refere a estruturas porosas formadas por multicamadas de materiais condutores e isolantes, onde cada poro é um pixel de imagem. Telas complementares - Apesar dessa dificuldade relacionada ao custo, ele acredita que um forte indício da oportunidade para os FEDs no segmento de grandes displays, a partir de 35 polegadas, é a coexistência das tecnologias LCD e plasma nesse nicho de mercado. “Isso mostra que as duas tecnologias são complementares em preço, consumo de energia, qualidade de imagem e durabilidade, não havendo, por enquanto, uma superior nos quatro itens simultaneamente. Os displays de emissão de campo são uma alternativa capaz de apresentar vantagens em vários aspectos”, afirma. A Canon, por exemplo, alega que sua tecnologia de FED deve apresentar durabilidade próxima a 50 mil horas, equivalente à de um monitor LCD ou CRT e superior à das telas de plasma. Isso é um avanço em relação aos primeiros FEDs, baseados numa tecnologia chamada spindt, que apresentavam um problema crônico de durabilidade dos emissores. Hoje o maior problema tec-


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nológico associado a essa nova tecnologia é a durabilidade do fósforo e a ocorrência de descargas elétricas no dispositivo. Esses dois problemas estão associados à dificuldade de manter a qualidade do vácuo dentro do display. “A maior inovação do nosso grupo, que já foi patenteada, diz respeito principalmente a um novo desenho do display que favorece a qualidade do vácuo. “O projeto Jovem Pesquisador busca justamente uma forma de manter um bom vácuo, com a pressão mais baixa possível, numa montagem de baixo custo”, diz Mammana. Esse projeto foi direcionado para produzir inovações para FEDs de grande área, porque ele acredita que é nesse segmento onde está a principal oportunidade de vencer a tecnologia de cristal líquido. “Os LCDs de grande área ainda são muito caros e esta situação deve se manter assim por algum tempo. A abordagem que escolhemos segue o que a maioria das empresas investindo em FED está fazendo, como, por exemplo, a Motorola e a Canon”, diz Mammana. No quesito qualidade de imagem, os displays de emissão de campo têm performance bem superior à das telas convencionais, oferecendo ao mesmo tempo excelente contraste de cores – o FED tem níveis de preto muito bons, diferentemente do LCD, que nunca fica verdadeiramente preto – e velocidade de exibição de imagens muito maior. Em relação ao consumo de energia, a vantagem sobre o LCD é mais nítida em monitores de tevê. Isso porque, diferentemente do FED, as telas de cristal líquido não produzem luz própria, mas empregam uma lâmpada traseira, normalmente fluorescente, chamada de back light. Na média, um LCD aproveita apenas 4% da luz gerada por esta lâmpada em função da quantidade de camadas de materiais colocadas no caminho da luz, que acabam por absorvê-la. Além disso, quando uma tela de cristal líquido mostra uma imagem muito escura, boa parte da luz está sendo perdida. O FED, ao contrário, é um dispositivo power-ondemand, o que significa que o consumo de energia depende do brilho da imagem apresentada, permitindo a redução do consumo quando essa imagem mostrada é mais escura. Essa característica do FED é especialmente favorável para aplicação em televisores porque a progra-

mação de TV mostra imagens sistematicamente menos brilhantes do que aquelas apresentadas em monitores de computador, por exemplo. Estudos, como o apresentado por Larry Weber, presidente da Society for Information Display, em evento do Latin Display, realizado em novembro na cidade de Campinas, apontam que, na maior parte do tempo, a luminância (grandeza fotométrica associada ao brilho da imagem) dos programas televisivos corresponde a apenas 20% da luminância máxima possível. Tecnologias power-on-demand, como os FEDs, se beneficiam muito dessa característica da programação de TV. Consumo menor - Além da aplicação em monitores de televisão e de computador, o FED também pode ser usado como back light dos monitores de LCD.“Essa é uma forma de usar as duas tecnologias juntas e, ao mesmo tempo, tentar reduzir o consumo de energia das televisões com tela de cristal líquido, permitindo inclusive contornar o problema de motion blur do LCD, que são as imagens borradas quando pessoas, animais ou objetos estão em movimento na tela”, diz Mammana. Além de conseguir demonstrar o princípio de funcionamento de FEDs baseados em membranas emissoras de luz, a equipe do CenPRA teve uma preocupação especial em desenhar todo o pro-

cesso de forma a ficar mais acessível para a indústria. “A escolha dos materiais e processos nesse tipo de desenvolvimento não deve se basear exclusivamente em critérios de desempenho em laboratório, caso contrário chega-se a soluções totalmente inviáveis do ponto de vista industrial e fica difícil voltar atrás depois que foi escolhido um caminho de processo ou um material de alto custo”, diz Mammana. “Tenho convicção de que a inovação desenvolvida é um elemento importante para o sucesso industrial dos FEDs”, ressalta. Outro cuidado que o grupo tomou foi trabalhar em conjunto com um fornecedor local para que pudessem adaptar o dispositivo ao que poderia ser produzido pelas fábricas já estabelecidas. “Acontece que a pequena empresa que está desenvolvendo as membranas para nós (que Mammana prefere não revelar) se empolgou com a tecnologia e resolveu investir no desenvolvimento da inovação. Estamos, inclusive, preparando a apresentação de um projeto para o programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (agora chamado de Pesquisa Inovativa na Pequena e Micro Empresa – Pipe), da FAPESP. Com sorte essa empresa apresentará um processo industrial baseado nas nossas multicamadas, cuja patente já foi concedida nos Estados Unidos”, diz o pesquisador do CenPRA. ■

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CAPA

Bicentenário da vinda da família real exige reflexão historiográfica C A R LO S H A AG

A FRASE DE ROGER BASTIDE PODE TER SIDO CASTIGADA PELO TEMPO, MAS NÃO TIROU NADA DA SUA SABEDORIA: BRASIL, UMA NAÇÃO DE CONTRASTES. D O FUTEBOL À HISTÓRIA, TUDO PASSA PELA INFAME REGRA DO “OITO OU OITENTA”. ASSIM, POR EXEMPLO, ao Brasil em 1808. Por quantas décadas não se falou dessa viagem em tons jocosos, a aventura de dom João VI, o “rei fujão”, com sua mulher “bigoduda” e sua corte provinciana? Hoje, com a aproximação do bicentenário da chegada lusitana à Bahia e ao Rio de Janeiro, preparam-se celebrações colossais e o monarca que “carregava frangos no casaco” é revisitado como estadista hábil. Qual a real faceta dessa viagem e que conseqüências ela trouxe ao país que, na época, ainda não era uma nação? “Sem desconsiderar o papel que a vinda da família real teve na formação do Brasil como nação independente, talvez seja profícuo ver o fenômeno sob ponto de vista distinto. Parece-me oportuno tentar dissociar, proposital e momentaneamente, o fenômeno daquilo que dele decorreu.As análises sobre 1808 foram, quase que invariavelmente, marcadas pelas reflexões sobre a formação do Brasil, acarretando uma série de juízos de valor e relações muitas vezes teleológicas”, observa a historiadora Laura de Mello e Souza, da USP, que desde 2003 vem estudando a fuga dos Bragança para o Brasil numa chave comparativa, parte de um projeto temático apoiado pela FAPESP, Dimensões do império português.“O fato de 1808 estar tão associado ao surgimento da nação fez com que a memória do acontecimento fosse construída de modo quase farsesco, as evidências empíricas sendo, muitas vezes, escamoteadas pela pura ideologia”, avisa. Segundo ela, a historiografia con80

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gelou o 1808 em perspectivas opostas que, afirma, “não foram devidamente equacionadas”. “No caso da originalidade sem par do evento (para muitos, a pátria nasceu em 1808 e não em 1822), perdia-se de vista o processo histórico para destacar o fato extraordinário. Descuidava-se do tempo longo, recortava-se aquela expressão singular do tempo curto, o 1808, como se ela pairasse, espécie de bolha, sobre outras expressões da mesma conjuntura. Na medida em que registrava o anedótico, o inusitado, remetia, mesmo sem o saber, a uma tradição antiga de preconceito, própria dos países do Norte da Europa quando, a partir do século XVIII, olhavam para os do Sul.” No outro extremo, o da crise geral do antigo sistema colonial (evidenciado pela independência das colônias americanas, quando pela primeira vez se rompeu a sujeição de uma colônia à sua metrópole), de forte raiz marxista, avalia a historiadora, pecava-se pelas razões opostas. “Com os olhos no longo tempo, destacavam-se as linhas gerais de fenômenos que tinham muito de comum, mas também de único, as lógicas das estruturas assumindo o primeiro plano e a dos eventos se tornando quase opacas”, avalia. Dessa forma, continua,“tudo se esbatia entre o vulto da Inglaterra capitalista no controle de países subalternos ou o peso do rolo compressor napoleônico que ia substituindo a ideologia revolucionária da Grande Nation francesa. Talvez essa tensão do tempo longo e curto seja insolúvel. Mas, sem análise, a his-

tória é crônica; com ela, certa margem de anacronismo é incontornável”. “Esse debate é permanente na historiografia e remonta aos tempos imediatos da própria independência, guardando um iniludível viés político, que matiza tanto as interpretações que atribuem grande importância à presença e à atuação de dom João VI no processo de emancipação política brasileira, como aqueles que minoram a importância do rei a ponto de se conceber que a independência aconteceu ‘a despeito’, ‘não obstante’ as ações do soberano”, diz o historiador Jurandir Malerba, da Unesp, autor de A corte no exílio.“A historiografia sobre o 1808 é construída a partir dessas retificações que acontecem de geração em geração, mas o leitmotif da reconstrução histórica e a luta política são travados no presente.” Ainda assim, como nota Laura, subsistem preconceitos passados.“Há um processo de passagem, entre o final do Renascimento e o início das Luzes, em que se construiu uma relação entre ‘ricos’ (Norte) e ‘pobres’ (Sul) assentada na ambigüidade e na contradição, em que operava a lente do preconceito e da detração. Os relatos sobre a vinda da corte foram contaminados por essa tradição detratora preexistente e, muito possivelmente sem sabê-lo, pelos liberais que, entre nós, conduziram o processo de independência, incorporaram tradições detratoras de estrangeiros do Norte. Essas acabaram ganhando, no Brasil nação, tanto as elites cultas como os extratos mais populares.”

REPRODUÇÃO DO LIVRO D.JOÃO VI E O SEU TEMPO/NICOLAS LOUIS ALBERT DELERIVE, EMBARQUE PARA O BRASIL, 1807-1818

A VINDA DA FAMÍLIA REAL PORTUGUESA


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Embarque de dom JoĂŁo, prĂ­ncipe regente de Portugal, para o Brasil em 27 de novembro de 1807


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NICOLAS-ANTOINE TAUNAY, PASSAGEM DO CORTEJO REAL NA PONTE MARACANÃ

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Isso ocorreu logo após a transferência da corte: em 1809, por exemplo, o History of Brazil, de Andrew Grant, já chamava o episódio de “a fuga desta corte imbecil”. Em 1900, a História do Brasil, de João Ribeiro, afirmava: “Se vindo para o Brasil, dom João VI nos trouxe o prêmio da autonomia, embora sob formas do absolutismo, não havia, entretanto, na mesquinheza de seu espírito dotes suficientes para criar como logo disse um ‘novo império’. Foi ele que entre nós desmoralizou a instituição monárquica, já de si mesmo antipática às aspirações americanas”. O tempo não ajudou a prover um retrato preciso da chegada da família real. Na História geral da civilização brasileira, organizada por Sérgio Buarque de Holanda, a presença da corte é algo pálida e o destaque é para a recorrência da idéia de mudar a sede da monarquia para a América, obsessão de todos os reis e ministros de Portugal, do prior do Crato a dom Rodrigo de Souza Coutinho, chefe do Tesouro Real que, em 1803, ofereceu ao príncipe regente uma avaliação da situação política precária de Portugal e que, numa guerra entre França e Inglaterra, a “independência da monarquia portu82

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Visão estrangeira: cortejo real na ponte do Maracanã, cercado pela natureza tropical

guesa estaria em risco”, aconselhando dom João que a criação de um novo império no Brasil poderia dar aos portugueses uma base a partir da qual o herdeiro do trono poderia reconquistar tudo o que se perderia na Europa e “punir o inimigo cruel”. Mas já em 1580, quando o rei espanhol Filipe II reclamou para si a coroa portuguesa, já se cogitara o Brasil como refúgio da corte exilada.

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azões estratégicas, décadas depois, se transformaram em visão messiânica nas palavras do Padre Vieira, para quem o rei poderia ser o chefe de um império eterno em terras da América. No reinado de dom João V (17061750) em face da expansão espanhola e do início da decadência lusitana, num memorando secreto que antecedia a previsão de Montesquieu da inversão em curso no interior dos impérios modernos, um cortesão português, Luiz da Cunha, quase convenceu o soberano da necessidade de mover a corte para o Brasil a fim de garantir seu futuro e preservar sua altivez dentre as nações eu-

ropéias.“A transferência da corte era, de fato, uma velha idéia. No final do século XVIII era explicitamente defendida por Souza Coutinho, que percebia com clareza as limitações da metrópole”, avalia o historiador da UFRJ, José Murilo de Carvalho. “A história da política e a cultura política da transferência da corte começam muito antes do príncipe regente deixar Portugal e chegar em costas brasileiras. A decisão de transferir o centro da monarquia, feita em meio a um caos e imediatismo apenas aparentes, estava já enraizada numa visão do potencial do Brasil que já estava em foco no século XVIII”, nota a brasilianista Kirsten Schultz, autora de Tropical Versailles. Em 1972, com a coletânea 1822: dimensões, organizada por Carlos Guilherme Motta, surge um novo tom, pautado pela crise do Antigo Regime, em especial no capítulo escrito pelo historiador Fernando Novais. O 1808 começa a adquirir novos matizes. Nesse interregno historiográfico secular em que o evento passou pela desvalorização preconceituosa, pela apologia acrítica e pela sua redução como anedota diante de mudanças estruturais do sistema econômi-


REPRODUÇÃO DO LIVRO D.JOÃO VI E O SEU TEMPO/ZÉPHERIN FERREZ

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co e político do Antigo Regime, há um epígono importante, lembra Laura: o Dom João VI no Brasil, de Manuel de Oliveira Lima (hoje reeditado pela Topbooks), de 1908.“Precisamos voltar a ele para repensar os rumos da historiografia futura do 1808, e neste sentido, apesar do estilo antiquado, ele continua sendo atual e instigante, já que Oliveira Lima trata simultaneamente do tempo longo e do tempo curto, da estrutura e do evento, do contexto geral e das personagens particulares.” Para complicar mais as coisas, dentro desse debate historiográfico há outro, ainda mais candente, que, apesar dos 200 anos que nos separam do ocorrido, provoca polêmicas exasperadas. “Essa coisa de fazer festa em torno de dom João VI é armação de carioca para promover o Rio”, afirmou, em entrevista, o historiador pernambucano Evaldo Cabral de Mello, para quem existe “uma insistência em reforçar o lugar-comum segundo o qual foi o rei o responsável pela unidade do país, que não passou de uma fabricação da coroa, não com o objetivo de que se criasse a partir dela um país independente”. Valeria então comemorar o bicentenário do 1808? “Quanto à celebração da efeméride, fico com a advertência do historiador François Furet, que dizia ser preciso temer a paixão com que se celebra a fim de evitar os inventários. Ou seja, festejos excessivos correm o risco de empurrar muitas questões para debaixo do tapete”, pondera a historiadora Mary del Priore. Entre essas questões está o debate sobre a forma com que o país adquiriu sua independência, uma polêmica que divide novamente a historiografia em dois campos: os que defendem a opção pela centralização do Brasil, efetivada pela permanência dos Bragança no país, em oposição aos que a culpam pelo sufocamento de um movimento federalista, nos moldes do americano, a que se preferiu chamar de “separatismo”. Voltemos, porém, um pouco no tempo, para analisar a saída ou fuga da corte portuguesa para o Brasil. O catalisador desse movimento foi a ascensão, em 1799, de Napoleão Bonaparte a primeiro-cônsul e o início de uma campanha militar francesa com tintas da Revolução Francesa, numa ação que transformou o terror das cortes européias em pânico. “As principais potências foram

derrotadas, à exceção dos ingleses. Dom João então se viu diante de uma “escolha de Sofia”: ou se entregava aos franceses, correndo o risco de ser deposto, de ver Lisboa bombardeada pelos britânicos e perder para eles a colônia, ou fugia, submetendo-se à Grã-Bretanha, incorrendo na ira dos súditos portugueses abandonados”, analisa Murilo de Carvalho. Segundo ele, para Portugal, a saída significou a preservação da monarquia e o prolongamento por algum tempo da colônia, embora sem os benefícios do exclusivo colonial, derrubado com a abertura dos portos. A permanência poderia ter significado o que aconteceu na Espanha: a deposição e prisão do rei e, após a queda de Napoleão, uma possível anexação à Espanha. “Não se sabe, porém, qual foi o principal argumento que levou o Conselho da Coroa a votar pela saída”, reitera Murilo de Carvalho.

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nedotas sobre a viagem e a fuga da corte à parte, a vinda da família real trouxe mudanças e dilemas à nação incipiente. “O ‘acidente da presença da família real’ muda inteiramente o jogo. O rei não é apenas a instituição política que evita o desmembramento do país à época da ruptura com a metrópole, é também quem viabiliza a hegemonia do Rio de Janeiro sobre os poderes locais e regionais”, observa o cientista político Gildo Marçal Brandão em Linhagens do pensamento político brasileiro (veja a resenha do livro na página 94 desta edição). “A nefasta independência do Estado perante a sociedade civil (o nascimento do Estado antes da sociedade civil, seu pre-

Medalha comemorativa da aclamação de dom João VI

domínio abusivo, a fatalidade dos indivíduos e grupos sociais que vivem do e pelo Estado) se assenta na história interna da metrópole, na transmigração oceânica do Estado português e na reiteração severa e avara da cultura das origens”, continua. Eis o fulcro da divisão entre unitaristas e federalistas.“Há quem, como Frei Caneca e Cipriano Barata, ambos a partir de Pernambuco, insistia na forma federativa e numa maior independência das províncias em relação à capital. Mas os que viam a grandeza do território brasileiro como uma força e queriam mantê-lo unido a qualquer preço alegavam que o modelo federalista dera certo nos EUA porque antecedera a formação do Estado. Se implementado aqui, acabaria por provocar a desintegração e nos levar ao mesmo destino das colônias espanholas, sacudidas por revoluções”, avalia a historiadora da USP Isabel Lustosa. “A tradição da historiografia para quem a história da nossa emancipação política se reduz à construção de um Estado centralista tende, portanto, a ignorar que, se o reinado americano de dom João VI pode ser considerado o marco inicial da construção do futuro edifício imperial, não é menos verdade que ele esteve a ponto de destruir-lhe as frágeis possibilidades, precisamente pela sua incompetência para superar a retórica do vasto império, atualizando-a e realizando-a”, critica Cabral de Mello. Para o pernambucano, como para Murilo de Carvalho, a construção imperial não passou de figura de retórica com que a coroa bragantina procurou desfazer a penosa impressão criada na Europa pela sua retirada, apresentando-a como “medida de alto descortínio destinada a reabilitar Portugal a se retemperar no Novo Mundo para regressar ao Velho na condição de potência de primeira ordem”. Essa “escolha de Sofia”determinaria se o futuro brasileiro estaria no centralismo monárquico que deixou os Bragança no poder até fins do século XIX ou no federalismo nos moldes do alcançado nos Estados Unidos, como preconizaram os líderes dos movimentos de independência, já em 1817, em Pernambuco e na Bahia. Para Evaldo Cabral de Mello, havia uma outra independência possível que não a “de cunho unitário, conservadora e naturalmente monarquista, que nos PESQUISA FAPESP 143

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faz negligenciar outros modos possíveis de desenvolvimento da nação ou de formação do Estado”. “Aqueles movimentos foram agrupados sob o amálgama enganador de ‘separatismo’, ao passo que os construtores do Império, a partir do Rio de Janeiro, passaram para a história com o beau rôle de unitários e de nacionalistas”, observa. “Como as forças unitárias, a ‘alcatéia unitária’, como dizia Frei Caneca, venceram as centrífugas, sobretudo as de Pernambuco e do Rio Grande do Sul, pode-se perguntar se a vinda da corte ajudou a moldar o Brasil por seu peso (não determinação) na conservação da monarquia e, sobretudo, na manutenção da unidade. A resposta é positiva. Monarquia e unidade, unidade em parte por causa da monarquia, significaram a herança de uma das culturas mais atrasadas da Europa, favoreceram a prevenção de rupturas sociais, cultu84

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rais e econômicas, um excesso de centralização política e conservadorismo social”, avalia Murilo de Carvalho. Ainda segundo ele, o que teria sido uma colônia transformada em alguns países pode ser entrevisto analisandose o que se passou na parte espanhola: muita instabilidade, guerra civil, caudilhismo, mas também mais mobilização política, mais autogoverno, mais ousadia reformista. “Teria sido melhor? Depende da perspectiva adotada. Para os que sonhavam e sonham ainda hoje (não é o meu caso) com um grande império ou um Brasil potência (petrolífera?), a manutenção da unidade foi essencial. Para os que se preocupam mais com a prosperidade e as condições de vida da população, a fragmentação poderia ter sido mais vantajosa, sobretudo para as províncias mais ricas.” Há uma unanimidade nessa po-

lêmica? “Creio que a maior parte dos historiadores pensa que foi uma coisa positiva a manutenção da unidade brasileira. Mas, enquanto o federalismo não foi adotado, a discussão sobre suas vantagens esteve em pauta e acompanhou o Império, os debates da primeira Constituinte (1823) e marcou a República. A aplicação prática do federalismo com a ‘política dos governadores’, do governo Campos Salles, porém, acabou fortalecendo o coronelismo e serviu para aumentar a desigualdade social nacional”, nota Isabel.

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as é preciso também voltar às críticas de Cabral de Mello contra o período joanino no Brasil e suas conseqüências. “Qualquer discussão sobre reformas políticas era sempre curto-circuitada nas rodas palacianas pela objeção de que a Revolução Francesa também


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Partida da rainha de volta a Portugal em 21 de abril de 1821

nativas com as migradas marcou o compasso do processo de independência, a partir da aproximação durante os anos brasileiros de dom João, das elites do Centro-Sul com a coroa”, diz Malerba. “Aqui eu concordo com Cabral de Mello: esse projeto centralizador vencedor que cooptou o príncipe do Brasil depois do retorno do rei a Portugal pugnava pela imposição de interesses tão regionais (ou mesmo provincianos) quanto o dos chamados ‘separatistas’ do Rio Grande do Sul ou Pernambuco, o que me faz pensar quais seriam as vantagens para o Brasil se qualquer outro desses projetos regionais se tivesse imposto sobre os demais.”

REPRODUÇÃO DO LIVRO RIO DE JANEIRO CIDADE MESTIÇA/JEAN-BAPTISTE DEBRET

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começara por elas. O período de dom João se caracterizou por um extremo conservadorismo, que reduzia a atuação do poder público a questões administrativas a serem resolvidas segundo práticas do antigo Estado.” Segundo ele, a partir da independência impunha-se uma noção territorial de que o Brasil tinha sido fadado a ser um país. Para os fluminenses, a concepção era de um país grande, com potencial correspondente da arrecadação tributária, sob regime centralizador.”Além disso, a idealização do reinado joanino nasceu e se desenvolveu no Rio, fazendo da sede da corte a grande beneficiária da imigração dos Bragança, enquanto as capitanias se viram adicionalmente taxadas para financiar o embelezamento da capital para fazê-la aceitável aos cortesãos e funcionários públicos de extração reinol.“Esse entrelaçamento de interesses das elites

ara ele, porém, o que importa é que no Brasil joanino é que se gerou o embrião da elite que faria a construção do Estado imperial e da nação brasileira ao longo do século XIX. “E essa elite foi a do Centro-Sul”, ressalta. Malerba ainda observa que à configuração patriarcal do Estado no Portugal do Antigo Regime acompanhou, na vinda ao Brasil, a do caráter sagrado da realeza. “Um dos princípios dessa forma de governo, a monarquia absoluta, assentava na liberalidade do soberano, na sua capacidade de conceder graças. Foi o abuso no emprego dessa propriedade a marca distintiva na monarquia portuguesa no Rio”, escreve o historiador. “A monarquia que chegou ao Rio de Janeiro, pertencendo a um tempo que ruía em seu lugar de origem, transformouse em algo novo ou pelo menos diferente. Contudo, o lastro desse tempo moribundo estava fortemente arraigado nas mentes dos homens de elite e, particularmente, na do herdeiro, dom Pedro. Sem a experiência de ruptura radical, o Brasil nasceu um Estado-nação filho de dois tempos. Essa dubiedade marcou o período imperial e seus traços não se apagaram até hoje.” “O que não podemos saber é se, caso esse projeto centralizador, monarquista e conservador não fosse historicamente o projeto vencedor, que tipo de federação poderia ter surgido dos escombros do mundo colonial. O viés político é patente: as interpretações que lamentam o aborto dos projetos federa-

listas tendem a atribuir as mazelas sociais do Brasil a nossa revolução conservadora, à via prussiana seguida pelas elites brasileiras. Mas em história não temos o dispositivo da contraprova”, fala Malerba. “Uma experiência federalista teria levado a um país melhor? Nossa experiência republicana não autoriza uma resposta tranqüila.” Laura de Mello e Souza prefere optar por uma “terceira via”.“O que se ensaiava de fato em 1808 era a configuração de um novo Império: não só português para os americanos, que o queriam luso-brasileiro, nascendo talvez daí a tensão que explodiria logo adiante, e na medida em que os habitantes da metrópole (pois ela continuava a se ver enquanto tal), insitiam em continuar qualificando a relação. Em suma, não era mais do mesmo Império que os portugueses e lusobrasileiros cogitavam: os primeiros o queriam português, os segundos, luso-brasileiro.” “Um acontecimento só se torna memorável devido a uma certa maneira de ser excepcional, de suscitar, além de seu desenrolar efêmero, uma realidade durável, que acaba inscrita nos lugares da memória coletiva, tornando-se uma espécie de experiência exemplar”, escreveu o historiador francês Charles Mozaré. “Nesse sentido, a celebração, a construção da memória são fundamentos para a constituição de um corpo político. Como essa entidade que chamamos de nação brasileira começou? O resgate de eventos como a permanência da corte no Brasil entre 1808 e 1821, tem uma função de coesão social, contribui para manter orgânicas as sociedades”, avisa Malerba, que aconselha que se faça bom uso desse “memorar junto”, aproveitando a data para um debate sobre nossa trajetória (“a partir daquele evento ou por causa daquele evento”), nossa realidade atual e seus impasses. “Para tal, é preciso pensar nas conexões históricas mais gerais e, ao mesmo tempo, mostrar como e por que não são aleatórias. E deixar de ver a vinda da família real como anedota grotesca ou ocorrência aleatória”, diz Laura. “Comemoremos as datas históricas como os aniversários de nossos pais, pessoas das quais descendemos e que não escolhemos, mas que nos geraram e com as quais estamos irremediavelmente associados”, completa Isabel Lustosa. ■ PESQUISA FAPESP 143

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comunicação Programa de pós-graduação da USP lança publicação para debater as fronteiras teóricas da disciplina M ARILUCE M OURA

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teóricas da disciplina para debater as fronteiras da USP lança publicação Programa de pós-graduação

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REPRODUÇÃO DO QUADRO CENTRAL SAVINGS DE RICHARD ESTES, 1975

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á quem insista na pura e simples inexistência de uma produção teórica consistente ou de pensadores originais da comunicação no Brasil. Mas há, também, entre os estudiosos da área quem invista no desmentido dessa visão que parece oscilar entre um certo ceticismo crítico e uma flagrante má vontade. E nesse campo se alinha agora Matrizes, a recém-lançada revista do Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação da Universidade de São Paulo (PPGCOM-USP), que vem à luz com o propósito de oferecer ao leitor material denso o suficiente, de dentro e de fora do país, para que ele possa refletir melhor e com mais instrumentos sobre a propriedade de uma ou outra posição. É em especial no chamado dossiê, concentrado na primeira parte da alentada publicação semestral (247 páginas neste primeiro número), que Matrizes se dispõe a provocar essa reflexão e, talvez, a reorientar o debate sobre fronteiras teóricas da comunicação, às vezes excessivamente preso, para não dizer estagnado, no problema de uma definição precisa, rígida, do objeto dessa disciplina. “O dossiê será sempre temático e sempre montado sobre perspectivas autorais, quer dizer, ele deverá trazer à cena aqueles que efetivamente instigam propostas inovadoras, estabelecem pontes entre diferentes lugares a partir dos quais se pensa a comunicação, propõem um aporte contemporâneo a antigos problemas”, resume Irene Machado, uma das editoras da revista, professora de semiótica da cultura na pós-graduação e de redação em língua portuguesa na graduação da Escola de Comunicação e Artes (ECA). Não se conclua daí que somente quem lida especificamente com teorias da comunicação terá lugar nesse espaço. “O pessoal de jornalismo, fotografia, cinema etc., com competência para dizer sobre os meios com que trabalham, suas linguagens e tecnologias, certamente será chamado a ocupá-lo”, diz Irene.


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Matrizes surge, na verdade, como um dos frutos do processo de profunda reestruturação por que vem passando o PPGCOM, desde 2002, sob a liderança de Maria Immacolata Vassallo de Lopes, agora sua coordenadora, além de presidente da Comissão de Pós-graduação da ECA-USP, à qual se vinculam cinco programas: Comunicação, Ciência da Informação, Música, Artes Visuais e Artes Cênicas. Foi naquele ano que o pioneiro dos 31 programas de pós-graduação em comunicação espalhados pelo país aparentemente atingiu o ponto mais crítico de sua existência, assinalado em termos formais por uma nota três na pontuação atribuída pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), numa escala de um a sete. Segundo Immacolata, naquele momento, o que os professores da ECA empenhados na reforma da pós-graduação primeiro buscaram foi “um rearranjo das competências que estavam dispersas, um reagrupamento das grandes áreas que haviam constituído historicamente a força do programa, uma espécie de ‘des-departamentalização’ para rearticular os estudos então dispersos da pós-graduação”. Buscava-se recuperar as competências de três grandes áreas de estudos: teorias da comunicação, os meios e sua produção, e as interfaces da comunicação com a cultura, a tecnologia, a educação, a política e outros aspectos da sociedade. Tudo indica que o esforço vem dando bons resultados, e sinal disso é que na última avaliação

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da Capes, divulgada em novembro passado, a nota do programa da USP já havia subido um ponto. É claro que os professores comprometidos com o programa – cuja história se narra com a criação do primeiro mestrado em comunicação do país, em 1972, e do primeiro doutorado, em 1980 – querem muito mais. Querem, por exemplo, deixar claro que têm alternativas a propor para que se pense criativamente a complexa área de comunicação. “Só um programa com a tradição e o reconhecimento do PPGCOM da USP poderia propor, como estamos fazendo, uma reflexão sobre as linguagens para, a partir delas, refletir sobre a episteme”, comenta Irene. O que a pesquisadora parece lembrar nesse comentário é que, diferentemente de outros programas, extremamente preocupados com a “cientificidade”dos estudos de comunicação – o que implicaria a rígida demarcação de seu objeto e métodos –, capaz durante algum tempo de garantir pontos adicionais na avaliação da Capes, a pós-graduação em comunicação da USP não põe de lado o âmbito da estética, em que sempre foi forte.“Em sua reestruturação o programa quer levar adiante a acolhida a novas perspectivas sem abandonar sua história”, dizem de diferentes formas Immacolata, que é uma respeitada especialista nos estudos da telenovela brasileira, Irene e Rosana de Lima Soares, outra editora da revista Matrizes, professora de mídias no jornalismo e na pós da Comunicação da USP.

Lugares-chave – Dentro dessa visão,

Matrizes pode ser entendida como instrumento expressivo, ao mesmo tempo provocador e potencialmente polêmico, de um projeto acadêmico que reconhece que recortar o objeto permanece como um grande desafio da comunicação, mas não quer ficar aprisionado a isso. “O objeto é sempre instigante e desafiador porque é móvel e relacional, está sempre em transformação”, diz Irene – ainda que do ponto de vista das instâncias políticas acadêmicas o objeto da comunicação sejam sempre os meios de comunicação de massa e ponto. Mais produtivo a esse projeto de onde emerge a revista parece ser, por exemplo, considerar os lugares a partir dos quais os autores expressivos construíram suas visões da comunicação. Lugares de pensamento, bem entendido. É assim que no primeiro dossiê reúnem-se artigos dos brasileiros Muniz Sodré, Ciro Marcondes Filho e Lucia Santaella, e dos estrangeiros Jesús MartínBarbero, Bernard Miège e Giovanni Bechelloni, com perspectivas crítico-teóricas bem diversas. Oferece-se lado a lado com a visão de Barbero, na qual é a cidade e as relações em seu espaço o lugar para pensar contemporaneamente a comunicação ou, dito de outra forma, “as novas visibilidades políticas da vida pública apreendidas como narrativa urbana”, a originalidade do conceito de Muniz Sodré sobre o bios midiático – uma espécie de nova forma de vida, virtual, criada pela existência e pelas relações que a mídia estabelece no espaço


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social. Diz Muniz desse universo: “Nesse mundo de temporalidade fluida, onde o estável e o durável são postos em crise, fica afetada em vários planos a própria periodização da existência. Um deles é o da indistinção entre tempos de atividade: o tempo de trabalho pode ser o mesmo da diversão ou da formação educacional. As etapas ou os momentos antes tidos como especiais diluem-se agora no frenesi de uma presença permanente em rede. Como o acontecer é ininterrupto, fica difícil conceber atividades ‘desligadas’ ou com ‘duração’, isto é, que escapem ao ordenamento técnico do acontecimento. Este último confunde-se, às vezes, com o clique do usuário de um computador conectado à rede cibernética” (pág. 19). Vários são os lugares, entretanto, de cada um deles surge a percepção de que é de comunicação que se trata. É assim também, como dito por Immacolota, Irene e Rosana no editorial da revista, com “as indústrias da comunicação na era global de Bernard Miège; a comunicação interpessoal que Ciro Marcondes Filho recupera a partir de Emmanuel Lévinas; as linguagens na cultura das mídias que Lúcia Santaella radiografa nos novos objetos da comunicação móvel; o cosmopolitismo examinado por Giovanni Bechelloni”. De fato,“em cada um, uma vertente teórica na apreensão do campo comunicacional”. Matrizes, a par de toda essa densidade de conteúdo, tem uma grande preocupação em se apresentar como um projeto editorial bem construído, orgânico. Os textos bem cuidados estão em diálogo com um visual elegante, um tanto raro em suas congêneres. Ao dossiê das primeiras páginas se somam seções como Media Literacy, um espaço específico para a leitura dos produtos de comunicação “mediada em suas articulações mais agudas e pontuais”, como a telenovela ou os telefones celulares. Em Pauta, que traz à tona temas que contribuem para o amadurecimento teórico do campo da comunicação e mais resenhas e notícias de teses e dissertações. A revista tem uma tiragem de mil exemplares e já está disponível no endereço eletrônico www.usp.br/matrizes, no qual os artigos dos brasileiros estão em inglês e os dos estrangeiros no idioma de origem. ■

Reflexões sobre o desenvolvimento Um dossiê temático sobre Regimes de bem-estar e pobreza, organizado pela socióloga Anete Brito Leal Ivo, marca os 20 anos do Caderno CRH, publicação que se tornou referência em ciências sociais e demografia. Com periodicidade quadrimestral, o periódico acadêmico é editado desde 1987 pelo Centro de Recursos Humanos (CRH) da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia (UFBA). “Há muito tempo a publicação deixou de ser apenas um veículo de divulgação da pesquisa acadêmica feita no CRH para se converter num canal nacional de difusão e debate qualificados de relevantes temas das ciências sociais e num instrumento do fortalecimento institucional dessa área na Bahia, no Nordeste e no país”, afirma Paulo Fábio Dantas Neto, diretor do CRH/UFBA. Com tiragem de 700 exemplares, o Caderno CRH ganhou o meio eletrônico em agosto de 2006 e está disponível no endereço www.cadernocrh.ufba.br Classificado pela Capes como revista Nacional A, recebeu no ano passado parecer favorável do Comitê Consultivo da SciELO para sua inclusão na rigorosa biblioteca eletrônica científica. A denominação Centro de Recursos Humanos remete a um conceito do final dos anos 1960, que englobava pesquisas sobre emprego, educação e questões demográficas. Hoje o espectro do centro é mais amplo — vincula-se às ciências sociais —, mas o nome foi preservado. “Os dossiês da revista se relacionam com as pesquisas que realizamos no CRH”, diz Guaraci Adeodato Alves

de Souza, professora da UFBA e uma das fundadoras do CRH. A revista é distribuída para 200 bibliotecas universitárias. Seu projeto editorial estrutura-se em duas partes: um dossiê temático e um conjunto de seções que incorporam colaboração de autores na forma de artigos e resenhas. Em sua trajetória, a revista fomentou debates sobre temas-chave do desenvolvimento nacional e regional, como os efeitos da globalização nas relações de trabalho, a natureza da democracia e da cidadania em países de capitalismo periférico e as especificidades regionais da América Latina no cenário mundial, entre outros. “A revista se tornou um agente multiplicador da pesquisa e permite uma estreita articulação entre a pesquisa e o ensino, fundamental à inovação e ao debate de questões das ciências sociais”, diz Anete Brito Leal Ivo, que, além de ser pesquisadora sênior do CRH, também é professora de pós-graduação em ciências sociais da UFBA. Na avaliação de Anete, a consolidação da revista se deveu a um conjunto de fatores, como a colaboração de pesquisadores de outras instituições e a capacidade de reflexão coletiva do CRH. Mas o principal deles, ela diz, é a dimensão crítica da publicação. “Essa perspectiva só foi possível porque se fundou um centro acadêmico que, desde a década de 1970, se dedicou a pensar criticamente a natureza e o caráter do desenvolvimento brasileiro”, afirma.

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> MÚSICA

A UTOPIA DO MALUCO-BELEZA

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Estudo sobre Raul Seixas revela o complexo e amplo movimento da contracultura no Brasil entre as décadas de 1960 e 1970 G ONÇALO J UNIOR

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seu modo, a ditadura militar brasileira (19641985) realmente tinha motivos para se preocupar com Raul Seixas (1945-1989) assim que chegou às lojas seu segundo disco-solo, o hoje visceral e antológico Gita, de 1974. Na sétima faixa, uma música que passara pela Censura trazia uma letra que, aos olhos da repressão, tornou-se pura subversão. Raul pregava em “Sociedade alternativa” uma convivência anárquica, num lugar onde havia total liberdade para se fazer o que bem entendesse. Estranhamente, a canção não teve sua execução vetada, mas custou ao roqueiro baiano ameaças de tortura, segundo ele, e um auto-exílio forçado em Nova York. Por toda a vida, o próprio artista cuidou de desmistificar o caráter político da letra que fez com Paulo Coelho. Dizia ter aversão a partidos políticos e que sua canção não pregava um levante contra o regime militar. Três décadas depois, a tese de doutorado em história social Vivendo a sociedade alternativa: Raul Seixas no panorama da contracultura jovem, de Luiz Alberto de Lima Boscato, esmiúça o que havia por trás dessa aparentemente despretensiosa e delirante proposta. Mais que isso, o texto – que acaba de sair em livro pela editora Terceiro Nome – lhe dá base histórica e filosófica e ajuda a compreender o até então pouco estudado (sub) mundo da contracultura no Brasil das décadas de 1960 e 1970. Defendida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), da Universidade de São Paulo (USP), em 2006, sob a orientação de Marcos Antônio da Silva, a tese é um trabalho sério e revelador, além de uma fascinante viagem ao universo dos hippies e dos grupos que pregavam formas diferentes de relação entre as pessoas e o poder, entre elas mesmas e destas com a natureza – plantas, animais etc. Boscato leu cerca de 120 livros sobre o tema, assistiu a 22 filmes e fez diversas entrevistas que lhe permitiram resgatar informações pouco conhecidas ou mesmo inéditas sobre o


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período. Mais que um trabalho para fãs de Raul, é uma reconstituição sociológica e antropológica de uma época. Ele observa que existiram e existem tantas sociedades alternativas quanto “malucos-beleza” que as vivem e as projetam. Segundo ele, a ênfase no valor da individualidade, profundamente relacionada com o anarcoindividualismo de Max Stinner, foi uma reivindicação básica da sociedade alternativa. “A partir dela é que se formaram os mais diversos movimentos, e não como uma plataforma ideológica já preestabelecida diante da qual as pessoas teriam que simplesmente se calar.” O grito do rock’n roll, ressalta ele, expressa bem esta ânsia de liberdade da sociedade alternativa: de que não se deve calar jamais.

RENATO DOS ANJOS/FOLHA IMAGEM

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pesquisador foca os jovens que buscaram um caminho alternativo ao capitalismo e ao stalinismo durante a Guerra Fria por meio de sociedades libertárias que estivessem à frente desses dois modelos e que, diferentemente de ambos, tinham no ser humano a pedra fundamental de seu sistema. Não por acaso, eram rotulados de alienados pelos militantes jovens da chamada esquerda. Faziam parte, então, da chamada contracultura, que o autor define como uma cultura de oposição à que é imposta pela sociedade oficial. Nesse contexto, Raul Seixas aparece como nome mais expressivo, que misturou idéias do mago inglês Aleister Crowley, a proposta do casal Lennon (John e Yoko Ono) de criar uma nova utopia e alguns princípios anarquistas de Proudhon e Max Stinner. Essa nova era Raul chamou de Novo Aeon, nome de seu terceiro disco e termo usado para denominar o nascimento da era astrológica de aquário. O autor analisa as sementes do movimento contracultural e como seu anarquismo espiritual se desenvolveu em paralelo ao político e ao nascimento da discussão ecológica como objeto das preocupações coletivas – que se desenvolveria nas décadas seguintes. Boscato afirma que a juventude contestadora do período que quis mudar o mundo em dois pólos contrários foi se combinando ou divergindo no decorrer de seu processo histórico. Os dois


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lados, observa, estiveram em discordância em determinados momentos, mas em outras ocasiões se cruzaram ou mesmo se confundiram. Como nos casos das revoltas de maio de 1968 em Paris, quando, mesmo com o uso dos símbolos de esquerda, suas propostas eram libertárias. A vinculação inicial do autor ao estudo das sociedades alternativas veio de seu lado artístico, como poeta que pensava que o mundo deveria ser diferente daquele que herdou das gerações anteriores, com toda a sua carga de preconceitos e de autoritarismo. “O fato de eu ter nascido num país como o Brasil, que foi dramaticamente tingido de medo e de sangue pela ditadura militar implantada com o golpe de 1964 e amplificada após o Ato Institucional número 5, de dezembro de 1968, fez com que eu buscasse alternativas a esta situação opressora e daí veio o meu interesse pela sociedade alternativa, que na minha tese eu encaro como a revolução cultural de toda uma geração que lutou para construir um mundo mais livre.”

VIDAL CAVALCANTE/FOLHA IMAGEM

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sociedade alternativa, afirma ele, não está desconectada do seu momento histórico. Muito pelo contrário, Raul Seixas teria expressado em suas músicas todo o anseio de liberdade de milhões de jovens do mundo todo, que a um só momento lutaram contra as mais diversas formas de autoritarismo e de opressão. “Quando citamos tal expressão, devemos nos perguntar: ela é uma sociedade alternativa a quê, precisamente? A resposta é que ela é uma alternativa à sociedade oficial, dentro dos movimentos de rebelião juvenil que ficaram conhecidos pelo nome de contracultura.” Esse pensamento, explica Boscato, construiu, através da música, da literatura e de diversas iniciativas de contestação política e social, uma oposição à cultura estabelecida, então vista como eminentemente machista, racista e defensora do militarismo e dos privilégios de classe. O roqueiro baiano, no meio desse caldeirão, começou a pensar numa sociedade alternativa cuja base política era o anarquismo. Nota-se nele, de acordo com o pesquisador, uma profunda inspiração nos textos de Proudhon, como na música “Carimbador maluco”, e de Max Stinner em “Eu sou egoísta”.


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Autores como George Orwell, com o seu romance 1984, uma fantasia futurista sobre a sociedade autoritária, são muito presentes em músicas de Raul como “Metrô linha 743”. Ele também teria se inspirado na Nutopia, ou Nova Utopia: uma nação livre mundial, sem pátrias e sem fronteiras, que foi projetada por John Lennon e Yoko Ono. Sobre ela, observa o autor, falam a música “Imagine” e o “Manifesto da Nutopia”, escrito por Lennon e Yoko, que pode ser encontrado na parte de dentro da capa do LP Mind games.

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Sociedade Alternativa, para Boscato, está diretamente relacionada com as lutas de uma boa parcela da geração dos anos de 1960 e 1970. Por isso, além de Raul Seixas, ele escreve sobre Lennon, Bob Dylan, Janis Joplin, Leila Diniz, Rita Lee, Jimi Hendrix e Jim Morrison e de muitos e muitos ícones e ativistas contraculturais que marcaram época, num momento em que a juventude dizia “não”à repressão sexual e ao racismo, assim como às guerras imperialistas, como a do Vietnã, e a toda uma série de valores defendidos pela geração dos seus pais. “Foi por isso que Raul Seixas disse certa vez, entre risos irônicos:‘Você sabe por que os jovens gostam de rock? É porque os pais deles não gostam’.” Raul e uma boa parte da contracultura, ressalta o pesquisador, tiveram ainda interesse pelo ocultismo como uma negação da religiosidade oficial, marcada pelo dogmatismo e pelo fechamento.“Isso aconteceu até mesmo dentro do próprio cristianismo na medida em que o pastor Martin Luther King Jr. lutava contra a discriminação racial e abria as portas para uma visão social da espiritualidade, em contraposição ao elitismo e ao conservadorismo presentes em boa parte dos integrantes de Igrejas como a Católica ou as protestantes.” Foi enfim um momento de busca de renovação também espiritual. “Daí o interesse que os jovens sentiam por tendências como o tantra, o ioga, o xamanismo ou as diversas vertentes esotéricas em geral, além de visões alternativas do próprio cristianismo, como se viu no filme Jesus Cristo superstar, de 1973.” No caso de Raul Seixas, ele se impressionou, na década de 1970, com Crowley, que fundamentou a chamada Magia de Thelema (que em

grego quer dizer vontade), cujo lema é a frase “Faze o que tu queres, pois é tudo da lei”. Vários roqueiros se voltaram para seu pensamento e pelo que ele tinha de maldito e de polêmico. Boscato cita, entre outros, Ozzy Osborne, da banda Black Sabbat, que compôs para ele a canção “Mister Crowley”. Os Beatles o colocaram na capa do LP Sargent Pepper’s lonely hearts club band que, em 1967, foi um divisor de águas para a música jovem – era o homem careca de terno e gravata na capa do LP. Raul Seixas e Paulo Coelho na época tiveram esse interesse por Crowley. Coelho depois se afastaria desse pensamento e seguiria outros caminhos como escritor. Raul não. O autor de “Metamorfose ambulante” pegou os fundamentos da Magia de Thelema (“Faze o que tu queres” e “O Amor é a Lei, mas o Amor sob Vontade”) e os vinculou ao anarquismo. Ou seja, fez uma leitura política e libertária do ocultismo. E compôs o manifesto da Sociedade Alternativa, ainda com Paulo Coelho. Boscato acredita que havia mesmo algum propósito em protestar contra o regime. “Só que no momento em que ele foi preso e teria sido torturado pela ditadura quis disfarçar o caráter político, frisando o lado espiritual.” Em Raul, destaca o pesquisador, assim como nos militantes da contracultura que se interessaram por formas alternativas de espiritualidade, a expressão espiritual e o protesto político sempre caminharam juntos. Como foi também o caso do americano Jim Morrison, da banda The Doors, que adorava o xamanismo indígena e a santeria afro-cubana, nos quais ele via a negação do puritanismo branco e protestante que formatou a mentalidade oficial dos Estados Unidos. De acordo com Boscato, em outros textos Raul já afirmava o caráter de transformação social e de revolução cultural no qual a Sociedade Alternativa também implicava. Para os conservadores, isso soaria como subversivo em qualquer época. “No contexto da ditadura militar então esse medo da repressão por tudo o que fosse diferente da ideologia oficial do Estado era ainda maior: qualquer um podia ser visto como subversivo na época, até pelo sim-

ples fato de usar cabelos compridos ou uma camisa vermelha. Quem usasse camisa vermelha na rua naquela época já poderia ser visto como comunista.” A Sociedade Alternativa, prossegue ele, foi algo sério no sentido de que tinha fundamento. “Nasceu das lutas de um momento histórico muito rico onde a juventude expressou o seu desejo por mudanças e a sua recusa aos valores arcaicos e conservadores. Tanto que foi nessa época que também ganhou força o movimento pela igualdade entre homens e mulheres, o feminismo.” Não por acaso na música “Novo Aeon” Raul canta: “E até as mulheres dita escravas já não querem servir mais!”. Para o pesquisador, todo este fundamento, porém, caminhou lado a lado com o riso e a ironia como formas de protesto.“Não precisava ser sisudo e sério, como as esquerdas convencionais, para protestar. Isso foi uma inovação da contracultura que já estava presente em movimentos anteriores, como o surrealismo.”

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veio a discussão: por que se viver num mundo onde há toda uma repressão ao riso, ao prazer – e inclusive ao prazer sexual – e à alegria? “Só que o riso dos militantes alternativos vinha de suas experiências amargas com toda uma série de condicionamentos com os quais a educação e a cultura da sociedade oficial quiseram moldá-los: para expressar a sua recusa, eles ironizavam os valores da repressão. Daí o riso, quando ele aparece.” Entre as suas conclusões, Boscato diz que, diante da descrença generalizada na política e nos políticos, a Sociedade Alternativa permanece como uma bandeira ética para muitas pessoas e, em especial, para muitos jovens e adolescentes que encontram suas referências nas mensagens de Raul Seixas. Como disse em um de seus poemas,“novos malucos sempre irão se formar enquanto existir esta liberdade cigana de se recusar a aceitar as coisas do jeito que elas são”. Por esse motivo, finaliza ele, é que os partidos políticos acabam morrendo como propostas efetivas de transformação social na medida em que só buscam algo que o anarquista Raul Seixas odiava: o poder. “A Sociedade Alternativa permanece viva na mente dos que desejam, com sinceridade, uma sociedade mais justa e mais livre.” ■

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RESENHA

A árvore genealógica do pensamento Estudo examina famílias intelectuais nacionais |

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em só na literatura o menino é o pai do homem.“Ao contrário das ciências naturais,que precisam esquecer seus fundadores,as ciências sociais não avançam senão fazendo seu próprio caminho e,por isso mesmo,a questão dos clássicos é constitutiva,está inscrita em sua estrutura e modo de ser”,escreve o professor associado do Departamento de Ciência Política da USP,Gildo Marçal Brandão,em Linhagens do pensamento político brasileiro, que,como o próprio autor define,“é uma tentativa de construir uma hipótese e armar um argumento sobre a existência de famílias intelectuais que estruturam historicamente e politicamente o pensamento político e,por essa via, a luta ideológica e política no Brasil”. O livro reúne textos do autor,totalmente revisados,publicados em vários meios acadêmicos ao longo de muitos anos, mas que,juntos,trazem um painel notável e orgânico da possibilidade de distinguir famílias intelectuais no país,famílias que se conservam como linhagens de idéias,sem que,observa o sociólogo Basílio Sallum Jr.,na orelha do estudo,“na maioria das vezes os seus próprios autores,os intelectuais que as produzem,tenham tido consciência de seu parentesco”. Partindo do princípio que o pensamento político-social nacional se estabeleceu aqui pelo cruzamento de disciplinas tão variadas como a antropologia,a sociologia da arte,a história da literatura,entre outras,Brandão avisa que essa diversidade “moderna”não impediu “a cristalização de um campo intelectual diferenciado,que arrancava do reconhecimento de uma rica tradição de pensamento social e político no Brasil para fazer da reflexão sobre os seus clássicos o instrumento para interpelar inusitadamente a sociedade e

Linhagens do pensamento político brasileiro Gildo Marçal Brandão Editora Hucitec/FAPESP 22O páginas R$ 30,00

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C A R LO S H A AG

a história que os produzem”.O pressuposto de Brandão é que nenhuma grande constelação de idéias pode ser compreendida sem que se levem em conta os problemas históricos aos quais tenta dar respostas e sem observar para as formas específicas em que é formulada e discutida.“Tudo se passa como se o esforço de pensar o pensamento se acendesse nos momentos em que nossa má formação fica mais clara e a nação e sua intelectualidade se vêem constrangidas a refazer espiritualmente o caminho percorrido antes de embarcar em uma nova aventura,para declinar ou submergir em seguida.”Daí,nota,que mesmo a comunidade acadêmica mais esclarecida precisou confessar suas dívidas intelectuais para com os ensaístas. Por isso então a importância de trabalhar sobre essa “genealogia”do pensamento e determinar as suas linhagens,já que essa reflexão é boa porta de entrada para explicar a natureza e os limites dos projetos políticos que ainda hoje buscam dirigir os processos de construção do capitalismo brasileiro, de aprofundar (ou conter) a democracia política e de como se dará a inserção (autônoma ou subalterna) do Brasil no movimento do mercado mundial.Curiosamente,para pensar a globalização do momento,por exemplo,podemos nos basear em um livro do século XIX, Populações meridionais, de Oliveira Vianna,para quem o pensamento nacional sempre se alinhou entre o idealismo orgânico e o idealismo constitucional.Mais tarde,essas duas formas irão compartilhar espaço com o marxismo e o radicalismo de classe média,preconizado por Antonio Candido.Mas as respostas do presente, pela hipótese das linhagens,estão mesmo no passado. Assim,o liberalismo em voga tem suas raízes no diagnóstico de Tavares Bastos sobre o caráter “parasitário que o Estado Colonial herdou da metrópole portuguesa”.No mesmo tom,Vianna sugere que,em nossa sociedade,“a democracia política constitui uma grande ilusão”e que “sem um Estado forte,qualificado e imune à partidocracia”não sobrevivem nem autoridade,nem liberdade.Outra vertente,oposta,baseia-se no maior progresso de sociedade pela maior expansão da liberdade individual.Se,para um o Estado é tudo,para o outro é fonte de sufocamento da sociedade. Impossível não perceber o mesmo debate ainda hoje. Linhagens do pensamento político brasileiro continua analisando a força dessas heranças e conclui com um aviso:“É sintomático que o interesse pela teoria social ressurja no Brasil no momento em que a batalha pela institucionalização acadêmica das ciências sociais parece ter sido vitoriosa”.Um estudo imprescindível.


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LIVROS

Diálogos sobre a tecnologia do cinema brasileiro

Memória D’África: a temática africana em sala de aula

Paulo B. C. Schettino Ateliê Editorial 400 páginas, R$ 46,00

Carlos Serrano, Maurício Waldman Cortez Editora 328 páginas, R$ 39,00

Schettino inverte o foco cinematográfico ao voltar a luz do cinema para os cineastas escondidos atrás das câmeras,resgatando os técnicos e a técnica que fizeram o cinema brasileiro.O autor recupera por meio de narrativas pessoais as lembranças fragmentadas, o conhecimento e a história de profissionais obstinados pela arte que produzem.

Com o objetivo de desconstruir mitos e estereótipos que encobrem a memória africana,o antropólogo angolano Carlos Serrano e o sociólogo Maurício Waldman reúnem neste livro algumas contribuições interdisciplinares fruto de mais de 20 anos de experiência de magistério. Memória D’África situa o conhecimento sobre o continente reportando continuamente aos vínculos que unem África e Brasil.

Ateliê Editorial (11) 4612-9666 www.atelie.com.br

A biologia necessária: formação de professores e escola normal

História da economia mundial

Luciana Maria Viviani Argvmentvm Editora / FAPESP 270 páginas, R$ 29,00

Roger E. Backhouse Editora Estação Liberdade 432 páginas, R$ 53,00

Destacando a inclusão da disciplina de biologia nas escolas normais paulistas entre 1933 e 1970,o livro trata da história das disciplinas escolares,atentando para duas dimensões:o processo de seleção e recriação do conhecimento científico disponível à época e os procedimentos didáticos que serviram à formação de professores e suas futuras práticas.

Roger Backhouse não pretende tratar em seu livro da história dos fenômenos econômicos em si,mas sim da maneira como as pessoas tentaram entendê-los.Traçando a história do pensamento econômico,o autor traz temas importantes como o islã na Idade Média,política e economia no século XVII,a ascensão dos estudos econômicos nos EUA,os debates do entre guerras de socialismo versus mercado,entre outros.

Argvmentvn Editora (31) 3212-9444 www.argumentumeditora.com.br

Trajetórias: capitalismo neoliberal e reformas econômicas nos países da periferia

FOTOS EDUARDO CESAR

Cortez Editora (11) 3864-0111 www.cortezeditora.com.br

Editora Estação Liberdade (11) 3661-2881 www.estacaoliberdade.com.br

Rumo ao ceticismo

Sebastião Carlos Velasco e Cruz Editora Unesp 456 páginas, R$ 65,00

Oswaldo Porchat Editora Unesp 352 págs, R$ 48,00

Sebastião Cruz atenta para as semelhanças e diferenças da aplicação do chamado projeto neoliberal na Índia,Coréia e Argentina, examinando as experiências de reforma econômica nos países periféricos como parte do processo de reestruturação da economia mundial.O autor trabalha com as peculiaridades do padrão de desenvolvimento desses países,o contexto específico e as variadas conseqüências.

Eis um livro notável que não apenas revela o percurso intelectual do filósofo Oswaldo Porchat como,por meio de suas idéias,coloca em xeque o dogmatismo filosófico ao qual ele contrapõe o ideal de um retorno ao ceticismo dos antigos. Para Porchat,a filosofia boa e humana é aquela que não pretende procurar verdades absolutas,mas dividir suas dúvidas com os leitores. Para ele,a vocação filosófica é ser colocada a serviço da humanidade,e não o contrário.

Editora Unesp (11) 3242-7171 www.editoraunesp.com.br

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FICÇÃO

A física dos quintais do mundo

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roda do carrinho de repor livros range,num ranger de ocupar todo salão da biblioteca.Um ranger despertador das colunas e mezaninos.Mal sabem os homens que os átomos de um lugar encharcado de conhecimento espreguiçam pela manhã e fazem festa no crepúsculo,sem respeitar sequer o último leitor temporão. Esse carrinho é empurrado todas as manhãs pelo bibliotecário Antonios,assim mesmo,com “s”no final,como se o nome fosse um plural,e pensando bem é assaz adequado para quem empurra compêndios de assuntos plurais e outros tantos tão específicos,e outros,em menos quantidade,raros.Fato é que Antonios conhece cada ácaro dessa biblioteca que,se não bem servida por conta do descaso público,é muito bem cuidada por Antonios e Dulce,a responsável e prima do prefeito — em tempo,Antonios me pediu o cuidado de não revelar a biblioteca nem a cidade,não quer ficar mal com ninguém,conta ele,já dando pistas de que se trata de uma cidade pequena. Naquela manhã,Antonios fez como em todas as manhãs. Veio de bicicleta,um modelo barraforte de 1985,o último modelo fabricado com freio de haste.Guardou-a no pátio, cumprimentou Dulce por força da rotina e vestiu o guardapó puído. Passou em revista as pequenas seções de corredores estreitos,espanando,verificando,fazendo um reparo ou outro.Tinha especial cuidado com a estante de física.Nunca completou o primeiro grau,tampouco tinha inclinação para as “malditas exatas”,mas era completamente fascinado por física.Algo ali realmente o atraía,a ponto de passar horas lendo tudo aquilo,tendo chegado a dominar toda a estante. Não tinha apreço pelos cálculos ou fórmulas,se interessava pelas intuições e pelo empenho em descobrir,concatenar e decifrar,ainda que parcialmente,na visão dele,claro,os fenômenos físicos. E seu carinho pela seção se expressava no dedilhar livro por livro,cumprimentando toda História da Ciência,reve-

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renciando-a ou simplesmente marcando as lombadas com afago de digitais quase apagadas.E fazia disso um rito de olhos fechados num braile todo seu. Naquele dia,com olhos cerrados,nota um sulco,um vão entre Newton e Galileu.Abre só um dos olhos em estranheza-quase-pavor.Nota um bloco de cadernos costurados,muito semelhante a um livro prestes a receber a capa:era um trabalho de encadernação inacabado,nada mais que isso.Não fosse o título curiosíssimo,acharia que algum aluno da rede pública o deixara ali,prensadinho entre o Principia Mathematica e o Sidereus Nuncius. Retirou-o com cuidado,pois parecia tão antigo quanto aquelas reedições. Nele,o bolor e os furinhos de traça deixavam ler: Física dos quintais do mundo, por Nébias Veiga.Edições Praianas, 1974. Página seguinte,uma dedicatória:“Para minha mulher, Giulia,e para meus filhos que não vingaram — ou seja, todos”. À introdução,Nébias alertava:era sobretudo um livro de física,mas que não estranharia alguém o condenar pela falta de rigor ou simplesmente o tomar por imbecil.E assim anunciava o conteúdo: “Senhores,o que abordo aqui é nada mais que a observação de um versado em vida e apegado às disciplinas de ciência e brisa curiosa.Venho tentar explanar sobre essa ‘força motriz’,num paralelo com estudos e fenômenos já bem catalogados.E atestar que essa força universal nada mais é do que um Moleque de bairro a brincar,e assim deve permanecer. Na natureza tudo é bem posto e bem proporcionado.E esse Moleque-partícula é assim,pois seu feitio o compele a usar os átomos como bola de gude.Mas antes,muito antes,de brincar,ainda na infância,criado com os vapores e gases nobres, aprendeu a excretar matéria escura,borrando suas fraldas de tecido,assando suas dobras de tempo.Desde cedo,desenvolveu o apetite pra tudo quanto é doce, e assim começou a atra-


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ção e repulsão da matéria. Exatamente na fase mais densa, se querem mesmo saber, eis o paralelo pertinente em concentração de massa e vontades. Seu modelo cosmológico padrão é um campinho de terra batida onde ele e seus múltiplos desafiam as próprias possibilidades da gravitação no já clássico hidrogênio versus hélio. Dessas peladas cósmicas sempre surge um talentoso pra formar um novo elemento químico. Esses moleques colidem até atingir a massa crítica, e a cada gol se forma uma estrela. Cada partida entre hidrogênio e oxigênio era um engenho de estrelas. Quem perde não é punido, mas apenas transferido pra uma dimensão inferior de tempo-espaço. Mas os pormenores e cálculos aproximados, bem como gráficos detalhados, o leitor poderá encontrar ao longo das três partes em que este livro está dividido: Parte 1. O nascedouro — em que trato de como e por que os elementos mais primordiais forjaram o Moleque; Parte 2. O quintal — em que descrevo as brincadeiras e folguedos antimatéria, os brinquedos eletromagnéticos, inerciais e de alavanca.” Nesse momento Antonios é interrompido por Dulce. — Antonios, quer um café? — Quero não… Dulce, diga uma coisa, já ouviu falar de Nébias Veiga? — Sim, foi um padre que passou pela cidade na década de 50. Famoso por ter três amantes, Giulia, Gilce e Giuliana. Eram conhecidas como o “triângulo de Nébias”. Na época foi um escândalo, o Vaticano mandou até representante pra averiguar. O padre tinha um telescópio, e nas noites claras estudava astronomia; já nas noites escuras, apontava pra alguma janela. Nas missas colocava um bilhetinho entre o polegar e a hóstia e as moças não engoliam imediatamente, seguravam na boca para depois, discretamente, tirá-lo e ler ali geralmente alguma poesia ou algum delírio do tipo. — E o que tem isso de tão extraordinário? — Nada, na minha opinião. Só acho que ele exagerou

quando tentou impor aquela tese disparatada sobre os Moleques. Não vai me dizer que já ouviu falar disso? — Pra falar a verdade, eu acabei de encontrar isso na prateleira. — Física dos quintais do mundo? Jura? — Juro pela minha barraforte modelo… — Modelo 85, a última com freio de haste… Sei, sei. Esse livro é mal-assombrado. Nós sempre devolvemos para o museu da cidade e ele sempre volta à prateleira, misteriosamente. Passe pra cá, vou devolvê-lo de novo. — Espera, deixa eu terminar de ler a introdução. Veja só: “Parte 3. A perda da inocência. Fase que o mundo adulto obriga o Moleque à retração ou ao encarceramento. É o embate da verdade se propagando pelo vácuo numa corrida de pés descalços com a mentira.” Nas semanas seguintes, o livro sempre era devolvido duas vezes por semana. Até que sumiu por 45 dias. Foi quando Dulce, de repente, saiu da biblioteca aflita: — Acudam o Antonios, acudam o Antonios! — O que sucede? — pergunta Rita, a faxineira — Ritinha, ele tá lá estatelado no chão, babando, de olhos saltados dizendo que viu um menino nu colocando um livro na estante. — Vixe, dona Dulce. O Antonios tá variando mesmo, nunca achei ele muito normal, não. Ele jurava e jurava que vira um menino nu trazendo de volta o Física nos quintais do mundo, jurava pelo que havia mais sagrado para ele, jurava pela sua barraforte modelo 85… a última com freio de haste. KARMO é ilustrador e publica, todos os domingos, a tira “Dois reis”, na Folha de S. Paulo. Ilustrou o livro infantil Quem sou eu?, da Cubzac Editora. Além disso, de vez em quando escreve umas letras de samba. PESQUISA FAPESP 143

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