V EN DA PROIB IDA
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Cirurgia contra obesidade também controla diabetes ENTREVISTA
P E S Q U IS A FAPESP
REIS VELLOSO PARA O PAÍS SER O MELHOR DOS BRICs
O etanol do futuro FAPESP CRIA PROGRAMA DE PESQUISA EM BIOENERGIA
>> ESPECIAL EXPOSICAO REVOLUCAO GENÔMICA IV capa pesquisa assina-149.indd 1
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NASA/JPL-CALTECH/UNIVERSITY OF ARIZONA/TEXAS A&M UNIVERSITY
IMAGEM DO MÊS
O que é sólido
se desmancha Um material brilhante encontrado em valas na superfície de Marte escavadas pela sonda Phoenix diminui de tamanho, mostram as fotos feitas com cinco dias de diferença. Pequenos fragmentos sólidos na parte inferior da vala desapareceram. A comparação das duas imagens, que faz lembrar a brincadeira do jogo dos sete erros, convenceu os cientistas da Nasa de que o material encontrado abaixo da superfície é gelo que sublimou após alguns dias. A Phoenix está em Marte desde 25 de maio com a missão de investigar as características da água e outros materiais existentes no planeta e procurar condições propícias para a vida.
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MIGUEL BOYAYAN
LÉO RAMOS
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CAPA
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> CAPA 20 FAPESP lança
programa para estimular avanços na pesquisa em bioenergia
> ENTREVISTA 12 João Paulo dos Reis
Velloso fala das chances de o Brasil tornar-se o melhor dos países emergentes e reflete sobre a montagem da estrutura institucional de C&T no passado 18 Jornalista
norte-americano deu a senha para o otimismo no XX Fórum Nacional ao afirmar que o futuro do Brasil é agora > ESPECIAL IV 51 Revolução genômica
Debates e embates da ciência
> POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA 32 DESENVOLVIMENTO
Entidades de classe propõem duplicar número de engenheiros formados para ajudar o Brasil a crescer > CIÊNCIA 40 SAÚDE
Cirurgia de redução do estômago controla obesidade, diabetes e, aparentemente, protege contra o câncer
46 GENÉTICA MÉDICA
Identificada mutação que enrijece músculos e deforma o corpo 48 QUÍMICA
Técnica da Embrapa quadruplica os níveis de compostos antioxidantes presentes no vinho branco 50 EVOLUÇÃO
Asiáticos que povoaram as Américas 18 mil anos atrás já exibiam grande diversidade biológica, diz estudo
> SEÇÕES 3 IMAGEM DO MÊS 6 CARTAS 9 CARTA DA EDITORA 10 MEMÓRIA 26 ESTRATÉGIAS 36 LABORATÓRIO 78 SCIELO NOTÍCIAS .........................
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> POLÍTICA C&T
> CIÊNCIA
> TECNOLOGIA
> HUMANIDADES
WWW.REVISTAPESQUISA.FAPESP.BR
REPRODUÇÃO
> EDITORIAS
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REPRODUÇÃO
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96 72 ZOOLOGIA
Corais fornecem pistas sobre a evolução da vida nos oceanos nos últimos 65 milhões de anos 74 ASTROFÍSICA
Pesquisadores começam a se reorganizar para participar de grandes projetos mundiais de pesquisa
>
TECNOLOGIA
84 BIOQUÍMICA
Glicerina que sobra da produção de biodiesel é alternativa para produzir polipropileno
Dispositivo eletrônico monitora dose de radiação usada no tratamento de icterícia em recém-nascidos
88 FOTOQUÍMICA
Interação entre luz e polímeros acelera processos de formação de resinas odontológicas e degradação de plásticos
96 MÍDIA
Bicentenário da imprensa brasileira exige reflexão ampla 102 ARTES PLÁSTICAS
94 CARTOGRAFIA
Novo radar fornece dados topográficos mais precisos, essenciais para empresas do setor de mineração e elétrico
............................. 80 LINHA DE PRODUÇÃO 110 RESENHA 111 LIVROS 112 FICÇÃO 114 CLASSIFICADOS
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> HUMANIDADES
92 MEDICINA
Missão Francesa de iluministas sofreu ao juntar realeza e escravidão 106 PERSONALIDADE
Ruth Cardoso colocou em prática as idéias que desenvolveu como respeitada pesquisadora da USP
CAPA MAYUMI OKUYAMA
FOTO FÁBIO COLOMBINI
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C AR T AS cartas@ fapesp.br
N ew ton da C osta Olha só que interessante: fui ao dentista e lá tinha um exemplar de Pesquisa FAPESP, ano 2006. Me interessei pelo conteúdo, DNA, genoma etc. Comprei uma atual (edição 148) e vi a entrevista de Newton da Costa. Quando li “lógica paraconsistente” fiquei impressionado! Fui ver se já tinham relançado seus livros porque quero ser o primeiro a comprar os três mencionados. Sou da área de mercado de capitais e seu filho, o Júnior, tem livros lançados neste mercado. Partindo da lógica paraconsistente, tudo se encaixa aparentemente e relativamente num mundo caótico. Parabéns pela entrevista. Nelson Costa Brasília, DF
Trabalho de cientista Muito oportuno o texto sobre os cientistas, acerca do trabalho da professora Neide Hahn (“A embriaguez da descoberta”, edição 148). No entanto, como é um trabalho produzido na primeira metade dos anos 1970, creio que cabem alguns questionamentos. Sabendo, por exemplo, que “satisfação” é algo muito subjetivo, como é possível aquilatar o seu maior ou menor grau? Principalmente considerando-se as diferenças nas relações entre ciência, tecnologia, produção e sociedade existentes naquela época e as contemporâneas. Além disso, se tais diferenças devem ser le6
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vadas em consideração, como é possível aproximar ou mesmo ver identidade entre indicadores de mensuração de então e os contemporâneos? Afinal, a elaboração de tais indicadores, como sabemos, mudam com as épocas históricas. Sabendo que os cientistas têm uma forte ligação com o Estado – seja na sua presença ou na sua ausência, como prevalece no neoliberalismo na forma de diretrizes mercadológicas –, não vejo como a autora analisa o peso desse ator, pois seu avanço ou recuo são fundamentais para o destino da ciência. Afinal, como cientistas, vivemos de salários que, direta ou indiretamente, são mediados pelo Estado. André Laino UFF e Uenf Rio de Janeiro, RJ
Célu las-tronco no ST F Há nitidamente um problema de fundo ético e moral quando uma sociedade cria uma hierarquia para o valor da vida humana. Em 29 de maio deu-se o primeiro passo para despertar o monstro da eugenia que afirma: “Há seres humanos inferiores. Tiremos destes seres inferiores a sua ‘humanidade’ e façamos deles meros ‘organismos’ utilizados à nossa conveniência”. E é exatamente isso que o tribunal supremo do nosso país ratificou ao consentir na utilização de células-tronco embrionárias para fins de pesquisa. Onde se pára quando se começa a escorregar? Porém eis a questão fundamental: quem define humanidade? Serão os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), os cientistas, a mídia ou o sentimentalismo popular? Esse conceito é de tal importância para dar sentido à existência de cada um de nós que não podemos permitir relativizá-lo. Há uma lei natural comum a todo ser humano e da qual decorrem imperativos éticos. Se não abraçarmos o princípio ético de que a vida humana é sagrada, o que abraçaremos? Quem serão os próximos a serem destituídos de sua humanidade e a serem classificados como indignos
de viver? Isso dependerá, sem dúvida, das pessoas que definirão humanidade. Sabemos que já se encontra no cenário mundial uma tentativa de retirar a igual dignidade de qualquer ser humano em qualquer estágio de seu desenvolvimento. E assim estruturas com interesses políticos, econômicos ou científicos passam a contemplar atos, ou mesmo em alguns casos a homologar atos, que levam a descartar os não-nascidos, os doentes terminais, os deficientes mentais, os deficientes físicos, os velhos e, por fim, as crianças pequenas. Afinal, dizem estas vozes: “Estes são seres com baixa ‘humanidade’; ou porque têm inteligência mínima, ou baixo nível de consciência, ou pouco autocontrole ou são pouco produtivos”. E, dessa forma, vamos caindo por essas “encostas escorregadias” em direção a uma sociedade verdadeiramente composta por seres inferiores... moralmente inferiores. Eu não posso deixar de conclamar meus colegas cientistas a uma reflexão profunda diante dessa suprema confusão de valores em que estamos imersos. Bem sabemos que mesmo entre nós há aqueles que argumentam baseando-se em seus princípios próprios, mas há também aqueles que argumentam com base em seus próprios fins. Nós, como cientistas, temos um compromisso com a verdade: buscá-la e defendê-la. Trazemos em nossas consciências a responsabilidade de formar as futuras gerações de pesquisadores e de contribuir para uma “maturação da consciência moral” da sociedade em que vivemos. Espero que nossa reflexão nos leve a agir oportunamente e, diante da necessidade – nesse caso flagrante – de retificar o mal, defendendo o bem. Não sejamos parte de uma maioria silenciosa que se omite em sua responsabilidade de zelar pela ética da sociedade de nosso tempo. Caso contrário, o futuro e as gerações que hoje estão sob nossa responsabilidade formar olharão para nós à luz da história e se envergonharão. Ketty Rezende Imecc/ Unicamp Campinas, SP
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Ino vação É inútil tentar elaborar uma política de ciência, tecnologia e inovação (C,T&I) nacional com base no exemplo de outros países, pois o problema do Brasil é cultural. Que os países desenvolvidos dão muita importância à inovação, que o papel das empresas é fundamental nesse processo e que não há uma fórmula única para inovar já é sabido há muito tempo. Assim, o estudo encomendado pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial não acrescentou muita coisa ao que já se sabia (“Lições dos inovadores”, edição 147). Na verdade, com essa iniciativa, o Brasil demonstra, mais uma vez, que está perdido na área de C,T&I. No que diz respeito ao aumento da competitividade industrial por meio de inovações tecnológicas, é óbvio que a formação de redes ou a colaboração entre universidades, institutos de pesquisa e empresas pode resultar em avanços, mas é preciso lembrar que, para isso, o cientista já deve estar na indústria, o que não acontece no Brasil. O país toma o caminho errado quando incentiva a tão perseguida integração escola-empresa, pois isso inibe a criação de departamentos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) na indústria e contribui para manter desempregados os milhares de mestres e doutores que o governo clama em formar todos os anos. O que precisa mudar é a mentalidade do empresário nacional. Em nada adianta lançar editais se as indústrias não contratarem pessoal qualificado para fazer P&D, pois sem isso não haverá inovação, competitividade ou progresso econômico no geral. O governo deveria atuar diretamente nas empresas no sentido de mostrar que P&D gera ganhos e assim incentivar a contratação de mestres e doutores. Em vez de estudar programas de incentivo elaborados em mercados com diferentes culturas, talvez seja melhor e mais fácil mostrar aos empresários nacionais o que outras empresas fizeram. O maior exemplo histórico da união ciência/tecnologia é o trabalho de Irving Langmuir, na General Electric (GE). Langmuir foi o primeiro cientista industrial a receber um Prêmio Nobel (de Química, em 1932), e seu trabalho pioneiro abriu as portas para os cientistas na indústria. No ano 1900 a GE anunciou
a criação do primeiro laboratório industrial de P&D do mundo, totalmente independente da linha de produção e de incentivos do governo, e hoje possui dois Prêmios Nobel em sua história (o segundo foi de Ivar Glaever, em Física, 1973). O exemplo mostra o nível que a pesquisa industrial pode atingir. Se P&D nas empresas já existia em 1900, então o Brasil não está atrasado apenas 20 anos como economia industrial, conforme afirmou o professor David Kupfer na referida reportagem, mas sim 100 ou 120 anos. O governo deve incentivar P&D na indústria e estimular as empresas de forma adequada em vez de pretender importar políticas ou programas de C,T&I de outros países. Por outro lado, se os empresários não enxergarem que isso pode ser extremamente lucrativo, nada adiantará. Marcos Gugliotti São Paulo, SP
FUN D AÇ Ã O D E AM PARO À PESQUISA D O ESTAD O D E SÃ O PAULO
CELSO LAFER
PRESID EN TE JOSÉ ARANA VARELA
VICE- PRESID EN TE CONSELHO SUPERIOR CELSO LAFER, EDUARDO MOACYR KRIEGER, HORÁCIO LAFER PIVA, JACOBUS CORNELIS VOORW ALD, JOSÉ ARANA VARELA, JOSÉ DE SOUZ A MARTINS, JOSÉ TADEU JORGE, LUIZ GONZ AGA BELLUZ Z O, SEDI HIRANO, SUELY VILELA SAMPAIO, VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO RICARDO RENZ O BRENTANI
D IRETOR PRESID EN TE CARLOS HENRIQ UE DE BRITO CRUZ
D IRETOR CIEN TÍ FICO JOAQ UIM J. DE CAMARGO ENGLER
D IRETOR AD M IN ISTRATIVO
ISSN 1519 -8774
CONSELHO EDITORIAL LUIZ HENRIQ UE LOPES DOS SANTOS (C O O R D E N A D O R C I E N T Í F I C O ), CARLOS HENRIQ UE DE BRITO CRUZ , FRANCISCO ANTONIO BEZ ERRA COUTINHO, JOAQ UIM J. DE CAMARGO ENGLER, MÁRIO JOSÉ ABDALLA SAAD, PAULA MONTERO, RICARDO RENZO BRENTANI, W AGNER DO AMARAL, W ALTER COLLI DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA
ED ITOR CH EFE NELDSON MARCOLIN EDITORA SÊ NIOR MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS
Lév i-Strau ss Torçamos pelos 100 anos de Lévi-Strauss (“Entre o cru e o cozido”, edição 147): há que ter grande festa, principalmente no Brasil, pela cultura que ele ajudou tanto a construir. Em um número de 2007 Pesquisa FAPESP falou da terra preta da Amazônia e o trabalho interdisciplinar precisa e deve resgatar esta técnica antiga e enriquecer o solo. José de Souza Martins (“A sociologia que examina as margens, os sonhos e a esperança”) fala do sonho e acho que os índios podem dar sua contribuição nesta área. José Fonseca Santo Antônio do Rio Grande, MG
EDITORES EX ECUTIVOS CARLOS HAAG (H U M A N I D A D E S ), FABRÍCIO MARQ UES (P O L Í T I C A ), MARCOS DE OLIVEIRA (T E C N O L O G I A ), RICARDO ZORZ ETTO (C I Ê N C I A ) EDITORES ESPECIAIS CARLOS FIORAVANTI, MARCOS PIVETTA (E D I Ç Ã O O N - L I N E ) EDITORAS ASSISTENTES DINORAH ERENO, MARIA GUIMARÃES REVISÃO MÁRCIO GUIMARÃES DE ARAÚ JO, MARGÔ NEGRO EDITORA DE ARTE MAYUMI OKUYAMA ARTE JÚ LIA CHEREM, MARIA CECILIA FELLI FOTÓG RAFOS EDUARDO CESAR, MIGUEL BOYAYAN SECRETARIA DA REDAÇÃO ANDRESSA MATIAS T E L : ( 1 1 ) 3 8 3 8 - 4 2 0 1 COLABORADORES ANA LIMA, ANDRÉ SERRADAS (B A N C O D E D A D O S ), DANIELLE MACIEL, GEISON MUNHOZ , GONÇALO JÚ NIOR, LAURABEATRIZ , LAURA DAVIÑ A, LUANA GEIGER, RONALDO CORREIA DE BRITO E YURI VASCONCELOS
OS ARTIGOS ASSINADOS NÃO REFLETEM NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DA FAPESP É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE TEX TOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO
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Correção
G ERÊ N CIA D E CIRCULAÇ Ã O
No artigo de Newton da Costa na página 12 da edição 148 houve um erro de digitação. Onde se lê “... nas quais sem a proposição...”, leia-se “... nas quais uma proposição...”.
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RUTE ROLLO ARAUJO TEL. ( 11) 30 38 - 4 30 4 FAX : ( 11) 30 38 - 14 18 e-mail:rute@ fapesp.br PLURAL EDITORA E GRÁFICA TIRAGEM:35.80 0 EXEMPLARES
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Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail cartas@ fapesp.br, pelo fax (11) 3838-4 181 ou para a rua Pio XI, 1.50 0 , São Paulo, SP, CEP 0 546 8-9 0 1. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.
G OVERN O D O ESTAD O D E SÃ O PAULO
IN STITUTO VERIFICAD OR D E CIRCULAÇ Ã O
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C A R T A D A E D IT O R A
Ac o n s t r u ç ã o d e u m a lid e r a n ç a a lo n g o p r a z o Mariluce Moura - Diretora de Redação
S
ó na aparência mais superficial e rasa, a reportagem de capa desta edição de Pesquisa FAPESP é restrita à instituição que publica esta revista. Numa perspectiva mais compreensiva e afiada, ela diz respeito na verdade à economia de São Paulo, à do Brasil e ao papel que o país pretende jogar nos próximos anos na cena internacional dentro de uma das questões de infraestrutura mais decisivas para o futuro do planeta, seja em termos da conformação das sociedades ou da preservação do meio ambiente: a redefinição da matriz energética em escala global. Sem megalomanias, baseado na competência da pesquisa científica e tecnológica acumulada no estado de São Paulo, o Programa de Pesquisa em Bioenergia, Bioen, lançado pela FAPESP no último dia 3 e detalhado a partir da página 20 por nosso editor de política científica e tecnológica, Fabrício Marques, pode oferecer dentro de algum tempo contribuições tecnocientíficas efetivas para uma ampliação consistente e irreversível do etanol dentro da matriz energética, em especial no setor de transporte, onde é visto como a indiscutível estrela em ascensão para substituir os combustíveis derivados de petróleo. Como diz na reportagem o diretor científico da Fundação, Carlos Henrique de Brito Cruz, “o Brasil tem vantagens acentuadas na produção de etanol de primeira geração, feito a partir da fermentação da sacarose, mas há vários desafios que precisamos vencer para melhorar sua produtividade”. A par disso, ele acrescenta, “há oportunidades importantes de desenvolvimento tecnológico do etanol de segunda geração, produzido a partir de celulose, que vem sendo alvo de pesquisas em muitos países. O Bioen atua em ambas as frentes”. Para isso o programa se organiza em cinco vertentes: pesquisa sobre biomassa, com foco no melhoramento da
cana-de-açúcar; processos de fabricação de biocombustíveis; aplicações do etanol para motores automotivos; estudos sobre biorrefinarias e alcoolquímica; e, por último, impactos sociais e ambientais do uso de biocombustíveis. Os detalhes, incluindo a articulação com outras instituições, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e com grandes empresas privadas, estão na reportagem em questão. De leitura imperdível, creiam. *** É interessante que justamente nesta edição possamos trazer a entrevista pingue-pongue do ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso, com sua incansável reflexão sobre as vias econômicas para o desenvolvimento do Brasil – largamente baseadas em ciência e tecnologia –, sobre as quais se debruça há quase seis décadas. Uma primeira parte dessa entrevista, a que se refere à infância do menino piauiense que um dia ele foi e às suas contribuições para a montagem da estrutura institucional de C&T no país nas décadas de 1960 e 70, foi na verdade feita em fins de 2005 para minha tese de doutorado. Desde então procuramos insistentemente acertar nossas agendas para a conclusão da entrevista, o que só aconteceu, enfim, na quinta, 26 de junho último, um mês depois, portanto, da abertura do XX Fórum Nacional, ou seja, uma edição em números redondos do evento que ele organiza anualmente desde 1988 para debater o Brasil. Quase sempre o fórum é aberto pelo presidente da República, e dessa vez ele não fugiu à regra. Mas no fechamento, depois de quatro manhãs e tardes de palestras e debates exaustivos com ministros, presidentes de grandes empresas, respeitados pesquisadores de múltiplos campos e outros especialistas, o ex-ministro resolveu ser absolutamente inovador: concluída a apresentação de tantas
idéias e propostas sobre a sociedade do conhecimento que devemos construir no Brasil, com base numa economia criativa, e reiterada de muitas formas a rara oportunidade que o país tem hoje de se tornar um player, como se diz, fundamental na cena internacional ou “o melhor dos BRICs”, como quer Reis Velloso, ele compôs uma mesa para discutir “O amor em tempos de desamor” e encerrar com forte carga de emoção os trabalhos do fórum no final da manhã da sexta, 30 de maio. A visão ou as visões do incansável economista podem ser conferidas na entrevista a partir da página 12. *** Destaque especial vale a reportagem sobre as cirurgias de redução do estômago, elaborada pela editora assistente de ciência, Maria Guimarães. No texto ela explica em detalhes por que essa operação, a par de resolver em larga escala o problema da obesidade mórbida, termina auxiliando no tratamento de diabetes e até servindo de proteção contra o aparecimento de cânceres. A reportagem seria forte candidata à capa da revista se não tivéssemos um assunto de alcance tão mais largo quanto o programa de pesquisa em etanol. Para encerrar, um fato muito triste do mês de junho, a morte súbita da antropóloga Ruth Cardoso, é a razão do texto do jornalista Gonçalo Junior, a partir da página 106, sobre a trajetória dessa mulher especial, seu significado para o ensino e a pesquisa em ciências sociais em São Paulo e, em paralelo, sua capacidade de transferir para a prática política suas reflexões acadêmicas, em especial quando se viu na função de primeira-dama, de 1995 a 2002. Colocamos em destaque na página 109 o pequeno mas precioso e sensível depoimento do filósofo José Arthur Giannotti sobre Ruth Cardoso. PESQUISA FAPESP 149
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O livro de Copérnico, vendido por U S$ 2,2 milhões: fora do mercado havia décadas
O preço da velha ciência Livros científicos raros alcançam milhões de dólares em leilão nos Estados Unidos Neldson Marcolin
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ciência foi a leilão e, surpreendentemente, conseguiu quase o dobro do preço esperado pelos especialistas. No caso, leia-se por ciência 346 livros ou coleções de artigos de cientistas que criaram ou revolucionaram o conhecimento científico do século XVI ao XX. Quase todos os lotes foram vendidos no dia 17 de junho pela casa de leilões Christie’s, de Nova York. A jóia da coroa era um exemplar fora do mercado havia muitas décadas, De revolutionibus orbium colestium (Sobre a revolução dos corpos celestes), do polonês Nicolau Copérnico (1473-1543), publicado prudentemente no ano de sua morte, depois de duas décadas de trabalho. Nele Copérnico tirou a Terra do centro do Sistema Solar e colocou pela primeira vez o Sol no seu lugar. A cópia é uma primeira edição do século XVI e fazia parte da biblioteca de história da ciência do médico norte-americano aposentado, astrônomo amador e colecionador diletante Richard Green. A Christie’s esperava conseguir até US$ 1,1 milhão pelo livro, mas ele foi arrematado por US$ 2,2 milhões, um recorde. A arrecadação total passou em muito a expectativa inicial de US$ 6 milhões – alcançou US$ 11 milhões por 289 lotes vendidos. Arte de navegar, do espanhol Pedro de Medina (1493-1567), foi o segundo livro mais valioso vendido no leilão, por US$ 578 mil. Trata-se da primeira edição do
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primeiro manual prático de navegação. O terceiro mais caro (US$ 506 mil) foi o opúsculo de Galileu Galilei (1564-1642) Le operazioni del compasso geometrico, et militare, em que descreveu o modo pelo qual o compasso podia ser usado sem pena, papel ou ábaco. Depois veio Harmonices mundi libri V (US$ 362 mil), de Johannes Kepler (1571-1630), no qual expõe sua teoria sobre a harmonia do Universo. E o quinto lote mais caro vendido (US$ 314 mil) entre os 289 foi uma coleção de 130 separatas de Albert Einstein (1879-1955), escritas entre 1900 e 1925, que incluem artigos sobre as teorias quântica de campos, a geral da relatividade e a de campo unificada. Qual o motivo de se gastar tanto dinheiro em
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um objeto conhecido e reproduzido há centenas de anos, além do valor histórico da obra? Talvez o fetiche por uma primeira edição que pouquíssimos têm? Ou é apenas um investimento em algo
que não se desvaloriza? Quando se trata de alguém declaradamente apaixonado por edições antigas, como o bibliófilo José Mindlin, a resposta é mais fácil. Ele não entra em leilões milionários e vem garimpando seus exemplares com extrema paciência ao longo de muitas décadas. Quem já visitou sua biblioteca conhece o cuidado que cerca todos os livros, dos valiosos aos mais simples. Mas não é o que ocorre com os atuais compradores de livros raros e obras de arte. A avaliadora Margarete Cardoso, especialista do mercado brasileiro de livros raros da Livraria Rio Antigo, do Rio de Janeiro, conta que a tendência é essas obras se tornarem cada vez mais raras porque são compradas por museus e empresas – como aconteceu com a maioria dos livros de Richard Green –, que não revendem. “Quando aparecem livros como os levados a leilão o preço dispara”, diz Margarete.
Obras de M edina (esq.), K epler (acima), G alileu (abaix o, à esq.) e equações de Einstein: agora em poder de museus e empresas
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E N T R E V IS T A
Joã o Paulo dos Reis Velloso
U M N OVO M UNDO NOS T R Ó P IC O S ? Ec o n o m i s t a p e n s a q u e o B r a s i l p o d e s e t o r n a r o m e lh o r d o s p a ís e s e m e r g e n t e s Mar iluce Moura
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economista João Paulo dos Reis Velloso, 77 anos feitos neste 12 de julho, é uma personagem singular na cena política brasileira. Ministro do Planejamento de 1969 a 1979, portanto, em dois governos do período da ditadura militar, os dos generais Médici e Geisel, dificilmente alguém o relaciona com o clima de medo, supressão de liberdades políticas e civis, tortura e mortes que assinalou os duros anos inaugurados em 1964. Pensa-se em Reis Velloso antes como o planejador competente da infra-estrutura institucional voltada para o desenvolvimento do país nos anos 1960 e 1970, extremamente sensível ao papel da ciência e da tecnologia nesse âmbito, tanto que criou o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ajudou a fazer da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) uma agência competente com um fundo respeitável para gerir, o FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e ainda trabalhou para transformar o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em fundação. Ou pensa-se nele como o coordenador do I e o II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento) que paralelamente percebeu, em dado momento, que a universidade brasileira e a pesquisa acadêmica ganhariam 12
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muito se os professores trabalhassem em regime de tempo integral e, melhor ainda, com dedicação exclusiva. O ex-ministro é também identificado como alguém que contribuiu decisivamente para que se organizasse a pós-graduação no país em bases eficazes, o que, 30 anos depois, repercutiu de forma visível na expansão e na qualidade da pesquisa nacional. Quem convive mais de perto com Reis Velloso, casado desde 1975 com Isabel Barrozo do Amaral, cinco filhos no conjunto (um deles já falecido), sabe também de sua ligação especial com o cinema brasileiro, de seu gosto pela literatura, pelas artes plásticas, e de sua relação com a cultura de forma mais geral. E percebe com que delicadeza ele traz à cena suas lembranças do Piauí e de Parnaíba, a cidade em que nasceu. Depois que saiu do governo em 1979 Reis Velloso fez uma breve incursão pela iniciativa privada, mas se reencontrou na tarefa de pensar o Brasil, apresentar idéias e projetos para o país no Fórum Nacional que inventou em 1988 e que, a essa altura, já acumula 80 livros onde ambos estão muito bem documentados. O XX Fórum, ocorrido entre 26 e 30 de maio último, com o tema “Um novo mundo nos trópicos (sob o signo da incerteza)”, forneceu a ocasião perfeita para a conclusão dessa entrevista que,
na verdade, começara em fins de 2005 (para uma tese de doutorado). A conversa, apesar da interrupção de dois anos e meio, continuou fluente. A impressão que ficou desse XX Fórum Nacional foi de que estamos diante da possibilidade real de um momento de virada no Brasil. Qual o seu balanço das idéias que passaram pelo fórum? — Eu acho que o Brasil realmente está diante de uma grande oportunidade, como há muito tempo não tínhamos. É claro que há alguns problemas na área chamada macroeconômica, com a inflação querendo voltar e uma nuvem escura no horizonte relativamente à questão de vulnerabilidade externa que não havia, mas como somos criativos, inventamos um câmbio flutuante que flutua para baixo e ainda ontem o dólar deu menos de R$ 1,6. Sugiro que você viaje já ou pelo menos compre todas as passagens. Isso se deve em grande medida ao fato de que estamos usando demais a política monetária, quer dizer, elevação de taxa de juros, nós somos o país com maior taxa de juros do mundo, e não estamos usando a política fiscal, contenção de gastos, falando claramente. Quer dizer, nós estamos sob o signo da incerteza mundialmente. Porque há três crises, simultaneamente. ■
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■ Falou-se muito sobre essas crises no fórum. Quais são elas? — A crise financeira dos Estados Unidos, a crise dos alimentos e a crise do petróleo. Principalmente nas duas últimas, o Brasil é a solução, não é o problema. Nós discutimos muito isso e já vínhamos trabalhando numa idéia que permite incorporar essa nova oportunidade que permitirá ao Brasil transformar-se no melhor dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia, China). É o que chamo em meu paper de estratégia da economia criativa, baseada na economia do conhecimento. Tratase de usar as aptidões modernas que a economia do conhecimento fornece para vir a ter uma economia criativa. Ou seja, criatividade nas empresas, criatividade dos trabalhadores e até criatividade no governo, se é que isso é possível, dadas as nossas tradições ibéricas. No fórum tivemos, por exemplo, o pronunciamento de um colunista famoso do New York Times, Roger Cohen, dizendo “o futuro do Brasil é agora”. Então não é mais aquela história de “Brasil, o país do futuro”... ■ De Stefan Zweig... — ... que é mal interpretado. Ele estava certo no que dizia, só que na interpretação corrente é como se o Brasil fosse sempre o país de um futuro sempre adiado... Então vem o Cohen.
■ Mas quais são os pré-requisitos para que
de fato esse futuro seja agora? — Eu colocaria da seguinte forma: existem inúmeros estudos sobre a economia do conhecimento, que é o uso do conhecimento sob todas as formas. Entram aí ciência e tecnologia, engenharia de produto, engenharia de processo, métodos modernos de management, design, até marca – são intangíveis, que constituem as aptidões modernas da economia do conhecimento. E nós procuramos trazer essas aptidões para as condições especiais do Brasil. Quais são elas? Esse é um país muito rico em recursos naturais. Há seis meses, The Economist publicou um survey sobre o Brasil dizendo que a natureza foi talvez pródiga demais com o país. Então temos que atentar para esse fato e, portanto, temos que ter uma estratégia de desenvolvimento e um uso da economia do conhecimento que leve em conta esse fato. O Brasil pode simultaneamente dar conteúdo tecnológico médio ou alto aos setores intensivos em recursos naturais e desenvolver certas vantagens comparativas na área de altas tecnologias. ■ A que recursos naturais o senhor imagi-
na que deveríamos agregar alto conteúdo tecnológico? — O melhor exemplo histórico é dos paí-
ses escandinavos. Porque foram países que começaram fazendo esse aproveitamento de seus recursos naturais. Eles tinham desvantagens, afinal um eucalipto na Escandinávia leva 70 anos para poder ser cortado, enquanto no Brasil bastam sete anos, mas se tornaram muito competentes usando muita ciência e tecnologia. E hoje pode-se usar mais, dadas as outras formas de conhecimento que mencionei. Os países escandinavos hoje exportam aviões, bens de capital, são fortíssimos em setores de alta tecnologia. Basta lembrar o exemplo da Nokia, que começou com desenvolvimento florestal para produção de celulose e hoje é a maior produtora de celulares. Os recursos naturais podem ser um trunfo estratégico ou uma maldição, depende da opção que se faz. No caso da Venezuela acho que há um imenso desperdício da riqueza trazida pelo petróleo que, mesmo com esses preços malucos, não levou o país a transformar sua economia. Mas a resposta direta a sua pergunta é que nós podemos tomar aquelas aptidões, aquele capital intelectual, aqueles intangíveis todos a que me referi, para dar médio e alto conteúdo tecnológico a setores de commodities, agronegócios, agribusiness, e também a commodities industriais, como siderurgia, celulose, petroquímica, metais não-ferrosos, inclusive criando PESQUISA FAPESP 149 JULHO DE 2008 ■
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non-commodities, quer dizer, produtos diferenciados. Como fazer isso? — Sua revista publicou uma matéria que dizia que o Brasil já desenvolveu uma espécie de café naturalmente descafeinado [edição 101, julho de 2004]. Guardei, depois fiz um contato com o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e verifiquei que ainda falta alguma coisa para isso ser explorado comercialmente, porque tem significação no mercado de café. É um exemplo de como se fazem produtos diferenciados numa área de commodities. Mas, para dar uma idéia de quais são as oportunidades estratégicas da economia criativa, falemos primeiro de setores intensivos em recursos naturais. Já mencionei os agronegócios: o Brasil teve uma revolução nos anos 90 e hoje tem a melhor agricultura tropical do mundo. Veja-se esse livro da Embrapa [Agricultura tropical: quatro décadas de inovações tecnológicas, institucionais e políticas, Embrapa Informações Tecnológicas, 2008], isso tem muito a ver com o trabalho acumulado da Embrapa e com o aproveitamento dos cerrados, que me leva à referência da Johanna Döbereiner, ■
O Brasil pode dar conteúdo tecnológico aos setores intensivos em recursos naturais e desenvolver certas vantagens comparativas na área de altas tecnologias
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com a fixação de nitrogênio nas plantas. São coisas contemporâneas, a criação da Embrapa, a conclusão do estudo do Ipea sobre o potencial agrícola dos cerrados e, logo depois, o governo Geisel lançou aquele programa Polocentro, para o desenvolvimento dos cerrados. Temos cerrados não apenas em Mato Grosso e Goiás, mas também no sul do Pará, sul do Maranhão, sul do Piauí, oeste da Bahia. Então, juntando-se o trabalho da Embrapa com essa descoberta dos cerrados, foi uma enorme oportunidade para o Brasil e continua sendo porque aí entra a vantagem brasileira, tanto do ponto de vista do agronegócio quanto do ponto de vista do agrocombustível. O Brasil tem muita terra disponível para fazer agricultura sem destruir a Floresta Amazônica, por exemplo. A primeira oportunidade é esta. Que está ligada tanto à crise contemporânea de alimentos quanto à crise do petróleo. — É. Portanto, você vê que o Brasil é solução, não é problema. A opção dos Estados Unidos foi fazer etanol à base de milho, que é alimento. Nós temos a cana, que não comemos e não vai competir com alimentos. Outra coisa é que há grande disponibilidade de terras e a existência de tecnologia. Claro que precisamos dar um passo à frente aí, porque ganhamos o primeiro round para os Estados Unidos, mas eles agora estão disputando conosco o segundo round que é produzir etanol à base de celulose, e o Brasil precisa tomar cuidado para não perder a posição de fronteira tecnológica. ■
Justamente agora a FAPESP está lançando o seu programa de pesquisa em bioenergia, o Bioen, numa articulação com o CNPq e empresas privadas, e uma das quatro áreas de pesquisa está ligada à exploração das possibilidades de retirar o etanol do bagaço, à hidrólise enzimática e tudo isso. — Pois é, precisamos disso. E outra coisa que temos que fazer é induzir as empresas que produzem celulose a ter florestas multiúso para fazer celulose, papel e ainda produzir etanol. Quer dizer, empresas como Aracruz, como Klabin etc. podem fazer isso perfeitamente, porque sabem que existe isso e que é uma questão de prioridade. Se necessário, se deve dar incentivos ou encontrar outras formas de persuasão, porque isso agora se tornou urgente dada a idéia dos Estados Unidos de chegar à nossa frente no segundo round. ■
■ Quem for mais rápido em novas soluções
tecnológicas para a produção do etanol vai conseguir ter uma influência grande em outros países também, não é? — Sim, nos países emergentes e nos países em geral que tenham terras. Por exemplo, na África – a China está lá. Certamente temos concorrentes, nossa tecnologia será transferida, tudo bem, é por isso que temos que dar um novo salto tecnológico. Por isso devemos dar prioridade à produção de etanol de celulose, e nem devemos nos limitar à canade-açúcar e ao bagaço. Entendermos que há uma nova geração tecnológica para produzir o etanol. O senhor sente uma certa sensibilidade no meio empresarial e no governo hoje em relação a isso? — Bom, eles sabem que existe, tanto as empresas como o governo, BNDES, Finep, mas é preciso que se torne prioridade para não perdermos. Temos isso e temos toda a área de energia. O Brasil pode mostrar ao mundo que é capaz de gerar uma nova matriz energética, esse é que é o ponto, graças ao biocombustível, lembrando que bio é igual a vida. Aí entram etanol, biodiesel, flex oil etc. Quanto à energia hidrelétrica, os dois grandes países do mundo em matéria de potencial hidrelétrico são Brasil e Rússia e é só uma questão de nós sabermos dar uma solução mais rápida para o problema da licença ambiental. Existem todas as usinas de que podemos usufruir e temos que ter uma visão estratégica que havíamos perdido, por isso tivemos o apagão dos anos 1990. Isso não pode mais acontecer. Pelo contrário, temos que estar à frente para aumentar a participação da hidrelétrica em nossa matriz energética. ■
Há espaço ainda para isso? — Certamente, principalmente na Amazônia. Mas também em outros lugares, o país tem muita água, essa é outra vantagem. ■
■ O senhor está incluindo o Nordeste nesses
lugares, com a idéia da transposição das águas do São Francisco? — Se fizermos uma coisa bem feita, sim. Há dois vales no Nordeste que são muito ricos em potencial de projetos: o do São Francisco e o do Parnaíba. Irrigação, frutas irrigadas, vinho... eu tomo um champagne ótimo, chamado Rio Sol, custa R$ 25. É feito perto de Juazeiro, Petrolina, por ali. O projeto da transposição tem que ser colocado em etapas para fazer
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sentido. Se soubermos fazer isso, mais adiante será até possível trazer mais água do Planalto Central para o São Francisco. E não é preciso construir aqueduto, são canais. Mas isso já é uma quarta, quinta etapa. E refiro-me ao Planalto no estado do Tocantins, por ali. Vamos fazer a transposição, faz todo sentido se for conduzida em etapas. Temos uma proposta elaborada por Roberto Cavalcanti, o diretor técnico do fórum, e ele tem algumas idéias muito boas em desenvolvimento social e desenvolvimento regional. Ele cuida dessas duas áreas enquanto eu cuido de ciência e tecnologia, estratégias de desenvolvimento nacional, nós nos completamos. Bem, mas há também a questão do petróleo. Vamos aproveitar essa referência a sua atenção a ciência e tecnologia para dar agora um enorme salto para o passado e retomar nossa primeira conversa. E antes de falar de seus tempos de governo, vamos voltar lá para a infância. O senhor nasceu no Piauí em que cidade? — Em Parnaíba, que fica no delta do rio Parnaíba. É uma das regiões mais bonitas do Brasil. ■
É a mesma região de Humberto de Campos? — Ele morou lá por muito tempo, mas nasceu do outro lado do rio, no Maranhão. E uma das coisas mais bonitas da minha cidade é o cajueiro de Humberto de Campos, que existe até hoje. Essa é uma região privilegiada porque tem o delta com 70 ilhas. E o litoral piauiense é pequenininho, mas cheio de praias lindas, ainda não poluídas. As ilhas têm lagoas, inclusive uma formada por um rio que vinha de Parnaíba e cuja foz as dunas cobriram, transformando-o numa lagoa também. É esquisita, longa como um rio, mas não desemboca em lugar nenhum. E a uns 70 quilômetros de Parnaíba você tem as sete cidades de pedra, formações rochosas com inscrições. O autor de Eram os deuses astronautas?, Erich von Däniken, disse que os deuses-astronautas estiveram no Piauí. Conversa, são inscrições indígenas. O Piauí é muito rico. Por enquanto estão sendo investigadas as inscrições de São Raimundo Nonato. Mas nas sete cidades de pedra há uma em forma de biblioteca, outra bem diferente, cada uma tem uma configuração. E bem próximas, cidades barrocas com bonitas igrejas barrocas do século XVIII. Em Parnaíba também há as igrejas barrocas. Enfim, é uma região ■
privilegiada. A ilha com a principal praia, que é a da Pedra do Sal, fica em frente a Parnaíba. É grande, tem um farol onde eu subia quando garoto para ter a vista dos navios... Até quando o senhor viveu nessa região? — Até 1950, aos 19 anos. Dois anos antes minha mãe morrera, com 38 anos, e pouco antes ela tinha se voltado para mim e perguntado “o que você faz aqui?”. Eu já tinha feito curso médio, lá não havia curso superior. “Por que você não vai para o Rio?”, ela perguntou. E vim, pela primeira vez, em 1950, assistir ao fatídico jogo Brasil e Uruguai. Nunca vi tanto choro na minha vida. E até pensei que o futebol tivesse acabado no Brasil. Bobagem. Quinze dias depois já estava todo mundo torcendo por um Fla-Flu qualquer. ■
■ Quando chegou ao Rio, o senhor foi para
a universidade? — Não. Minha primeira preocupação era emprego. Fui morar em Nilópolis, que era um pouco diferente do que é hoje. Um amigo meu me convidou para ficar na casa dele. Tinha um primo de minha mãe que morava na Gávea, mas eu não tinha nenhuma intimidade com ele. Fiquei pouco mais de um mês com o amigo, enquanto procurava emprego. Tive sorte, porque houve um famoso desastre de trem em Anchieta, que era a estação seguinte a Nilópolis, no trem anterior ao meu. Escapei por pouco. De modo que achei melhor encontrar outra solução. Eu tinha um amigo, Jorge Lacerda, que era diretor do suplemento Letras e Artes do jornal Amanhã, o melhor suplemento literário do Brasil. Ele acabara de se eleger deputado pela UDN de Santa Catarina e tentou arranjar emprego para mim no jornal. Me levou a Adonias Filho, que tinha acabado de assumir aquilo que se chamava empresas incorporadas ao patrimônio da União, o que incluía A Manhã, A Noite etc., e o Adonias disse “olha, lamento, eu estou demitindo gente”. De modo que o Jorge se voltou para mim e falou “Velloso, você está precisando de emprego e eu estou precisando de um secretário, que na verdade vai ser um homem de sete instrumentos”. E o Banco do Brasil? — Veio depois. Primeiro foi o Iapi [Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários]. Fui ser assessor do presidente, pela minha colocação no ■
concurso. Fiquei lá até 1954, mas já em 1953 estava preocupado com o futuro. Fiz o concurso para o Banco do Brasil, comecei em 1955. Eu morava em São Paulo. Quando voltei de São Paulo fui ser assessor do presidente do Banco do Brasil. Brasília, 1960, com a mudança da capital. No dia seguinte à posse do Jânio, me mandei de volta para o Rio para fazer pós-graduação em economia. Foi quando entrei para o Banco do Brasil que resolvi fazer economia. Eu tinha vindo para o Rio para fazer medicina. Depois pensei em fazer direito, mas com o Banco do Brasil percebi que economia era o que me interessava. Já em 1960 fui convidado a participar de um seminário na Universidade de Illinois, e no final cheguei à conclusão de que não sabia economia. Tinha bons professores, que eram em geral economistas do BNDE, mas havia os velhos catedráticos... Bem, fiz pós-graduação na Fundação Getúlio Vargas, e sou professor lá desde 1964. Na pós, minhas áreas de interesse óbvias eram desenvolvimento, economia internacional, política fiscal, política monetária... Fui aluno de bons professores, inclusive do James Tobin, que foi Prêmio Nobel de Economia. Fiz dois cursos com ele. E estudei como um cão danado, porque a competição era muito desfavorável. Resultaram três coisas de minha passagem pela Universidade de Yale: uma, é que realmente tive de me virar e mostrar aquela esperteza do nordestino, como João Grilo no Auto da compadecida. Decidi que tinha que fazer as provas melhor do que os americanos, então eu estudava muito e ia direto ao assunto. Escrevia menos, inclusive por causa do inglês, e tirava notas melhores geralmente. O que procuro transmitir aos meus alunos é isso: vá direto ao ponto. A segunda coisa boa de minha passagem por lá foi a paixão por Nova York, que ainda é minha cidade favorita. Fiquei dois anos em Yale, de 1962 a 1964. Quando voltei, em maio de 1964, terminei sendo fisgado pelo Roberto Campos, que estava como ministro do Planejamento, e me deu uma missão: criar o Ipea, ou seja, pensar o Brasil no médio e longo prazo. A Finep veio um pouco depois, mas reestruturada em 1967. A idéia que Campos me deu foi ter junto ao Ipea um órgão para financiar projetos. Ele dizia que íamos ter muitos recursos de instituições financeiras internacionais e precisávamos de bons projetos. Nasceu daí a Financiadora de Estudos e Projetos. PESQUISA FAPESP 149 JULHO DE 2008 ■
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O senhor continuava no Ministério do Planejamento, ligado a Roberto Campos. — Sim, como presidente do Ipea. Então aproveitei a lei da reforma administrativa e consegui converter o Ipea, que era uma repartição, numa fundação. A Finep foi convertida em empresa pública e o IBGE em fundação. ■
A concepção da Finep se inspirava em algum organismo externo? — Não, mas a partir da transformação em fundação começamos a rever seu modelo. Aí já não era o Campos, era o Hélio Beltrão o ministro do Planejamento, para o qual, aliás, fiz o Programa Estratégico de Desenvolvimento (PED), 1968-1970. Pela primeira vez no Brasil, o desenvolvimento científico e tecnológico foi colocado como prioridade de governo. Foi inspiração do Beltrão, e nós resolvemos então usar a Finep como agência do programa. Eu já estava em contato com Pelúcio [José Pelúcio Ferreira], que dirigia o Funtec, Fundo de Financiamento Tecnológico, no BNDE. A idéia era de que ele financiaria principalmente bolsas de pós-graduação e várias coisas na área de desenvolvimento científico e tecnológico. Era pequeno, ■
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então resolvemos criar o FNDCT, Fundo Nacional de Desenvolvimento Cintífico e Tecnológico. Eu raciocinei que a Finep deveria ficar como secretaria executiva do FNDCT. Nesse momento, qual era o seu cargo? — Eu aí era secretário-geral do Planejamento e representava o ministério no então Conselho Nacional de Pesquisas. Via suas deficiências, ele era subordinado à Secretaria do Conselho de Segurança Nacional, não tinha recursos, era uma autarquia sem flexibilidade, sem recursos próprios, dependia de recursos orçamentários. Aproveitamos e convertemos o CNPq em fundação. ■
Enfim: o senhor estava mexendo com toda a estrutura institucional e de financiamento da ciência e tecnologia. — E o Pelúcio veio para a presidência da Finep. Ele era o meu homem de confiança na área de ciência e tecnologia. José Dion de Mello Telles passou a ser presidente mais adiante do CNPq. Já como fundação. E por fim propus a criação do FNDE, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, com o objetivo de que no futuro viesse a ser ■
uma espécie de banco da educação. Do grupo que trabalhou com a reforma administrativa surgiu a criação, já com o Jarbas Passarinho, dos centros regionais de pós-graduação. Aí a pós-graduação no Brasil explodiu. Com isso se completou o instrumental. De um lado, os planos nacionais de desenvolvimento, do outro, essas medidas administrativas, institucionais. Eu pessoalmente redigi os dois PNDs. Documentos pequenos, enxutos. Ao lado deles, fizemos os PBDCTs, voltados ao desenvolvimento científico e tecnológico. O senhor sempre foi visto, do ponto de vista político, como um liberal, e em relação à visão econômica, como um desenvolvimentista. Era inclusive um homem que tinha boa relação com os meios culturais do país e do Rio de Janeiro em particular. Dessa forma, nos momentos mais dramáticos do regime militar, entre 1970 e 1973, não foi difícil trabalhar nessa área de planejamento, pensar as estratégias de desenvolvimento, as estratégias de ciência e tecnologia? — Olha, duas coisas permitiam que a gente trabalhasse. A primeira é que todos os governos militares começaram com a promessa de redemocratização. Você vai encontrar a minha análise do regime militar no livro do CPDOC [Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil], porque essa pergunta me foi feita. A segunda coisa é que, mesmo no regime militar, a área econômica tinha um bom grau de autonomia. Dentro do raciocínio militar, era uma área técnica da qual não entendiam, e era melhor deixar com os economistas. Aí Castello Branco pegou Campos-Bulhões e vieram as duplas: Delfim-Beltrão, depois Delfim-Velloso, depois Simonsen-Velloso... E aumentou certamente o nosso grau de autonomia no planejamento e na área de ciência e tecnologia no governo Geisel, porque o presidente se interessava pelo setor e aceitou uma tese que eu levei a ele. Propus várias coisas, inclusive perguntei a Geisel se ele achava que fazia sentido o CNPq, a área de ciência e tecnologia, ficar no Conselho de Segurança Nacional. Se não lhe parecia muito melhor que ficasse no Planejamento. Sim, sou, sempre fui um liberal, como disse no livro, “nunca sofri a tentação dos anos 1930”, em que havia uma polarização incrível entre extrema direita e extrema esquerda. Não sou neoliberal, não sou pós-liberal, sou liberal à antiga, no sentido clássico. Liberal, ponto. Só isso. Considero-me um franco-atira■
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dor, em política e em economia. Sou a favor do desenvolvimento, não diria desenvolvimentista porque tenho medo dos “ismos”. Sou a favor do desenvolvimento no sentido global: econômico, social, político, cultural, até espiritual, porque acho que isso é importante para o país. Então essa para mim é a grande prioridade. Todos os outros objetivos econômicos têm que ficar subordinados a isso. E aí entra a questão da ciência e tecnologia. Porque cada vez mais ciência e tecnologia são o grande agente, o grande motor, do desenvolvimento. Inovação é quase o novo nome do crescimento. E isso está – para encurtar a conversa – num paper que escrevi em 2005 dentro da visão de economia do conhecimento, que é a tendência do novo modelo de desenvolvimento no mundo: “Evoluindo para a economia do conhecimento”. Uma das coisas que acho importantes naquilo que fiz na altura em que estávamos lançando todos os instrumentos de ciência e tecnologia nos anos 1970 foi uma contribuição muito importante do Ipea para o desenvolvimento dos cerrados. Em 1960 a idéia era de que o cerrado era muito ruim para a agricultura. E no meu contato com o chefe do setor de agricultura do Ipea, Maurício Rangel Reis, que depois foi ministro do Interior, eu lhe propus estudar os cerrados, porque minha intuição dizia que poderia ser a nova fronteira do agronegócio brasileiro. Este livrinho tem um valor histórico sobre a fronteira agrícola dos cerrados. E ele foi complementado pelos estudos da Johanna Döbereiner sobre a fixação de nitrogênio nas plantas. Eu conheci a Johanna, acho que ela fez um trabalho admirável. De volta para o presente: nesse novo desenho da economia criativa, que lugar o senhor concede em seus estudos e projeções para produtos de uma biodiversidade ainda mal conhecida, por exemplo fármacos? — Antes de chegar lá eu gostaria de colocar um assunto ainda bem ligado ao que estamos discutindo. Falei que o Brasil pode dar médio e alto conteúdo tecnológico aos setores intensivos em recursos naturais. E os que não são intensivos em recursos naturais? A nossa proposta concreta, que está na estratégia da economia criativa e há um paper complementar da Brascom, é transformar o Brasil em terceiro centro global de tecnologia da informação (TI). Porque há um certo deslocamento, embora os Estados Unidos continuem sendo o primeiro país do mundo em inovação, da geração de ■
mas para desenvolver os grandes trunfos tem que se dar incentivos específicos, setoriais, sim.
Perguntei a G eisel se ele achava que fazia sentido o C N Pq fi car no Conselho de Segurança N acional.Se não lhe parecia muito melhor que fi casse no Planejamento
serviços de tecnologia da informação para Índia, China, e o Brasil pode ser o terceiro. Veja, a Índia exporta US$25 bilhões a US$ 30 bilhões de softwares por ano. O Brasil, que é mais criativo, exporta US$ 800 milhões. Como é que isso acontece? É porque não temos uma estratégia. Agora começa a haver nessa nova política industrial que não tem esse nome, é o PDP, Plano de Desenvolvimento Produtivo, já há incentivos para exportação de softwares. Nos anos 90 e final dos 80 – mas o final dos 80 não conta porque a economia estava um caos... — ... é, foi quando o fórum começou, a inflação estava em 80% ao mês.
E isso vale para qualquer economia do mundo? — Do mundo, sim. Nós somos o último inocente. Todo mundo faz e nós ficamos discutindo. José Roberto Mendonça de Barros, que naquela época era secretário de política econômica no governo federal, um dia cansou, saiu de lá, aí me telefonou e disse “olha eu quero participar do próximo fórum”. Eu disse muito bem, ele é meu amigo, perguntei qual era o tema que tinha escolhido para o paper que ia apresentar. E sua resposta foi: uma nova política industrial. Quer dizer, ele já tinha saído da dúvida hamletiana. De modo que nessa área de tecnologia da informação o Brasil pode se tornar um terceiro centro global, mesmo porque existe a necessidade, o mercado procura um novo player, porque a Índia tem inúmeros problemas. O primeiro é a questão de fuso horário, são 11 horas de diferença. Hoje você usa TI on-line, é tudo instantâneo, e é um problema, quando você quer se comunicar com a pessoa na Índia a quem você fez uma encomenda de software, o fato de na hora em que você está acordando ele estar indo dormir. Para chegar lá são 24 horas. Há também problemas de terrorismo, guerra com o Paquistão, há dois programas nucleares etc. Além disso é aquela coisa de não colocar todos os ovos na mesma cesta. E não se trata só de softwares. Acho que você lembra que a Intel está construindo uma ilha digital em Parintins, uma ilha no coração da Amazônia. E eles dizem “daqui vamos nos comunicar com todo o mundo”. O acesso a Parintins, no fundo da Amazônia, terra do “meu-boi-bumbá”, é só por avião ou por barco. ■
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... mas depois do caos tentou-se dar um certo incentivo aos softwares e a coisa não funcionou bem. O que estava errado? — A questão é a seguinte: vivia-se na dúvida hamletiana de ter ou não políticas ativas de incentivos a setores. O governo se dividia entre os que achavam que o país devia ter e os que achavam que devia ter apenas políticas horizontais, e com isonomia competitiva etc. Isso é muito importante, inclusive porque não existe, ■
■ E em sua opinião, por que eles decidiram
se instalar em Parintins? — De propósito, porque é o coração da Amazônia. Poderiam dizer: “Fazendo isso mostramos que desta ilhazinha estamos em contato com o mundo inteiro”. Porque naturalmente eles têm uma nova geração de chips. ■ O senhor acha que isso serve como efeito
demonstrativo de que vale a pena investir mais em TI no Brasil? — É, por que a Intel está fazendo isso? Porque o Brasil já é o terceiro ou quarto maior mercado da empresa. E mesmo na produção de computadores já somos o PESQUISA FAPESP 149 JULHO DE 2008 ■
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Mas aí se precisaria de todo um aparato legal diferente e... — Sim, inclusive um marco regulatório. Estamos tratando de novas formas de vida em nível molecular ou princípios farmacológicos ativos. Há uma interpretação da legislação atual pela qual não se pode patentear moléculas e princípios ativos. Como fazer biotecnologia nessas condições? ■
Pensar no modelo da economia criativa tem por trás uma longa história que, de resto, é a própria história do fórum, não? — Acho que já lhe disse que tenho uns 30 livros sobre economia do conhecimento, mas há um que é central e está sobre a minha mesa. É um estudo feito pelo Banco Mundial. Todo ano o Banco publica o World Development Report. O que nos interessa é o de 1998 sobre economia do conhecimento. Com base nesse trabalho o banco fez vários estudos para países. Para a China, a Índia, a Coréia, a Irlanda, um estudo muito bom... Nós tomamos o estudo, trouxemos para o Brasil e em ■
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2001 ganhamos o Prêmio Jabuti de Economia com esse livro, publicado pela José Olympio. De lá pra cá evoluímos e chegamos à visão da economia criativa. Para concluir: entre sua saída do governo e o começo do fórum, o que o senhor fez? Por último, de onde lhe veio essa idéia de encerrar um fórum que fora aberto pelo presidente da República com uma mesa sobre o amor? — Resposta à primeira pergunta: fiz incursões pelo setor privado e até fiquei ameaçado de ficar rico. Já pensou um piauiense rico? Mas o fato é que aí veio o fórum e não foi nem idéia original minha. Houve uma discussão entre o Paulo Guedes, que era meu vice-presidente no Ibmec [Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais, na época] e o Peter Knight, economista sênior do Banco Mundial e da conversa surgiu a idéia de reunir um grupo de economistas para discutir a crise em que o Brasil se encontrava em 1988. Eu propus que fizéssemos uma coisa mais ampla, um fórum nacional de líderes, dentro da pluralidade que sempre houve em todas as instituições que criei. Na capa do dossiê do primeiro fórum já estavam Groucho Marx e Einstein – duas formas de inteligência e a citação do Riobaldo Tatarana. Mas vamos ao amor em tempos do desamor: na hora de preparar o programa para o fórum pensei que tinha que ser diferente. E, mais do que isso, pensei, o mundo está cheio de desamor. Temos aí o Bush, eu não sei se ele gosta de fazer amor, mas ele gosta de fazer guerras, e guerras que não acabam! E a vida em sociedade, toda a violência do Rio de Janeiro, sai o Exército volta o tráfico nos morros... Eu abri o primeiro seminário de favelas no ano passado e disse: há os sem-terra, os sem-teto e vocês são os sem-Estado. Não tem Estado como lei e ordem, não tem Estado como políticas sociais, então o Rio de Janeiro está todo favelizado, com essa coisa de narcotráfico, uma violência impressionante. É um mundo cheio de violência também no plano individual. Então temos de falar de amor... ■
... para contra-arrestar... — O desamor! As inúmeras formas de desamor. Então pedi à escritora Maria Adelaide Amaral que falasse no fórum sobre grandes histórias de amor. ■ ■
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quarto, embora o país não seja competitivo internacionalmente, o que é uma pena. Não exporta. Mas vamos voltar à sua pergunta sobre nossas chances com biodiversidade. Esta talvez seja a maior oportunidade do Brasil e a menos utilizada. O Brasil só está usando 1% da sua biodiversidade. Temos a biodiversidade da Amazônia, a da Mata Atlântica, de que só resta 6%, 7% da cobertura inicial, a do Cerrado, que é muito grande – há um novo estudo que acaba de ser feito pela Universidade de Brasília mostrando isso –, a da Caatinga e a Marítima, imensa, nesse país com 8 mil quilômetros de litoral. Basta sair daqui, Copacabana e Ipanema, olhar o arquipélago das Cagarras, e há duas universidades estudando ali. Bem, mas fica toda essa discussão sobre como evitar a devastação da Floresta Amazônica, da Mata Atlântica etc. etc., e nossa posição nesse ponto é muito definida: só existe uma maneira de preservar a floresta e de dar densidade econômica à Amazônia: é a biotecnologia, com base na biodiversidade. Qualquer outra forma destrói a floresta e não adianta tentar controlar porque não há maneira. Trata-se simplesmente de proibir qualquer outra atividade, não há meiotermo. Elas são incontroláveis, sempre destruirão a floresta.
A
idéia de que o Brasil vive um momento extraordinário, uma espécie de ponto de virada que, bem aproveitado, pode levá-lo a deixar definitivamente para trás sua história de subdesenvolvimento para ingressar, enfim, na rota de uma economia e uma sociedade verdadeiramente desenvolvidas, com peso inequívoco no jogo internacional que vai desenhar a face do mundo das próximas décadas, foi insistentemente apresentada, reiterada e debatida no XX Fórum Nacional, realizado na sede do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no Rio de Janeiro, de 26 a 30 de maio. Do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, passando por quatro ministros, presidentes das maiores empresas brasileiras públicas e privadas, economistas, entre eles um detentor de Prêmio Nobel, historiadores, sociólogos, políticos e outros respeitados profissionais, mais de 50 palestrantes compuseram uma espécie de coro, afinado como raramente se vê, a repetir que, a despeito de seus inúme-
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T E N D Ê N C IA S
U M A A LQ U IM IA V IS TA D E LO N G E Jo r n a l i s t a n o r t e - a m e r i c a n o d e u a s e n h a p a r a o o t i m i s m o n o X X Fó r u m Na c i o n a l a o a f i r m a r q u e o f u t u r o d o B r a s i l é a g o r a
ros problemas econômicos e sociais, o Brasil pode, sim, continuar a se desenvolver consistentemente pelos próximos anos, a ponto de criar uma espécie de “novo mundo nos trópicos”. E isso com a economia mundial movendo-se “sob o signo da incerteza”, como dito por tantos. As razões para o otimismo, mesmo cauteloso em alguns casos, ligam-se simultaneamente aos dados de crescimento da indústria e do agronegócio nos últimos anos, aos animadores achados de novas reservas de petróleo, e de outro lado às projeções positivas para a economia brasileira ante uma crise internacional de oferta de alimentos e mais uma crise já delineada no setor do petróleo. Ao longo de toda a semana do fórum insistiu-se nas características da economia brasileira que lhe asseguram algumas preciosas vantagens competitivas nesse momento, caso da solidez da estrutura do agronegócio para a produção de grãos e outros alimentos que o mundo demanda, incluindo aí a disponibilidade de terras agricultáveis.Vantagem também citada foi a liderança brasileira na produção de etanol, percebido como um trunfo especial ante a questão contemporânea da produção de energia. A Floresta Amazônica e a rica biodiversidade do país foram outros elementos que entraram na conta. Em oposição, o nível de educação geral, a violência, o caos urbano nas maiores cidades brasileiras foram, entre vários outros, alguns dos pontos debatidos para refrear o risco do entusiasmo ingênuo. “É claro que seria uma loucura sugerir que os problemas sociais e orga-
nizacionais que têm assolado o Brasil foram superados. Não foram”, disse Roger Cohen em sua aguardada fala na abertura do fórum, logo após o discurso bem recheado de dados e idéias do presidente Lula e a fala de Edmund Phelps, Prêmio Nobel de Economia de 2006. Sob o título “Brasil: o futuro é agora”, Cohen, um respeitado colunista do New York Times que nos anos 80 era correspondente do Wall Street Journal no Brasil, observou entretanto que “há momentos para as nações, assim como para os seres humanos, em que parece ter sido alcançada uma massa crítica que os leva adiante. Essas irrupções refletem fenômenos identificáveis, mas podem igualmente conter em certa medida aquilo que Paulo Coelho chamaria de ‘alquimia’. Existe alquimia, creio eu, neste momento brasileiro”. Adrenalina em cena - Em sua me-
táfora da alquimia, Cohen observou que o país tem uma riqueza impressionante dos quatro elementos, ou seja, terra, água, ar e fogo. Terra num total de 394 milhões de hectares aráveis, dos quais têm plantados apenas 16%. “Dizer que um país é ‘rico em terras’ teria outrora parecido ridículo. Mas o planeta está encolhendo e a humanidade crescendo”, disse. A demanda por alimentos, acrescentou, tende a ir ao encontro dos pontos fortes naturais do Brasil. Sobre a água ele lembrou que o Brasil é o mais rico país do mundo em recursos hídricos renováveis, algo fundamental para o futuro da agricultura e da energia hidrelétrica, “e de real significado estratégico”. Ao elemento ar Cohen relacionou o cli-
ma brasileiro tão favorável à produção de cana-de-açúcar, “um produto que colocou o Brasil na liderança da revolução dos biocombustíveis”. Em sua visão, “o avanço do Brasil sobre seus competidores no desenvolvimento dos carros flex-fuel – 80% dos carros novos funcionam com etanol ou gasolina – contribuiu mais do que qualquer outra coisa para ‘rebrand’ o país aos olhos dos americanos”. Sobre o fogo, último elemento da alquimia, Roger Cohen disse que, longe de associá-lo às queimadas da floresta tropical e à agricultura de subsistência do tipo “corta e queima”, tinha esperança de relacioná-lo só às “chamas no topo das instalações em águas profundas da Petrobras e ao uso inovador do bagaço de cana para energizar redes de eletricidade”. Depois de algumas observações preventivas, como as classificou, o jornalista norte-americano finalizou dizendo que, entretanto, este seria o momento que escolheria para fazer parte da aventura brasileira e da experiência brasileira. “A adrenalina está aí. A bola está rolando no campo. A alquimia está certa. O futuro, o futuro legítimo do Brasil, é agora.” Depois disso, ao longo de todo o fórum, evento que o ex-ministro do Planejamento Reis Velloso inventou em 1988 para debater idéias para o desenvolvimento do Brasil (ver entrevista a partir da página 12) essas palavras funcionaram como uma espécie de salvoconduto para o exercício do otimismo. Previsões sombrias foram sempre seguidas de um “mas” acompanhado por sentenças de carga positiva. ■ PESQUISA FAPESP 149 JULHO DE 2008 ■
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ET ANOL FAPESP lança programa para impulsionar pesquisa em bioenergia FABRÍCIO MARQUES
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esquisadores do estado de São Paulo estão sendo convocados a participar de um grande esforço de investigação voltado para aprimorar a produtividade do etanol brasileiro e avançar tanto em ciência básica quanto em desenvolvimento tecnológico relacionados à geração de energia a partir de biomassa. O Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (Bioen), lançado no último dia 3, tem a ambição de estimular e articular as atividades de pesquisa em instituições paulistas e aperfeiçoar a expertise que já existe nessa área. “O Brasil tem vantagens acentuadas na produção de etanol de primeira geração, feito a partir da fermentação da sacarose, mas há vários desafios que precisamos vencer para melhorar sua produtividade”, afirma o diretor científico da FAPESP, 20
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Carlos Henrique de Brito Cruz. “Também há oportunidades importantes de desenvolvimento tecnológico do etanol de segunda geração, produzido a partir de celulose, que vem sendo alvo de pesquisas em muitos países. O Bioen atua em ambas as frentes”, afirma. O programa terá cinco vertentes. Uma delas é o de pesquisa sobre biomassa, com foco no melhoramento da cana-de-açúcar. A segunda é o processo de fabricação de biocombustíveis. A terceira está vinculada a aplicações do etanol para motores automotivos. A quarta é ligada a estudos sobre biorrefinarias e alcoolquímica. E a quinta irá debruçar-se sobre os impactos sociais e ambientais do uso de biocombustíveis. “O desafio é estabelecer um novo modelo de pesquisa e de desenvolvimento que promova um
impacto efetivo no melhoramento de cultivares, no aumento da eficiência de processos para a produção de etanol e na avaliação do impacto que o uso de biocombustíveis pode gerar em vários setores da sociedade”, explica Glaucia Mendes Souza, pesquisadora do Instituto de Química da USP e coordenadora do Bioen. A chamada de projetos prevê investimentos de cerca de R$ 38 milhões, divididos entre a FAPESP (R$ 19 milhões) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – R$ 10,2 milhões em bolsas e R$ 8,8 milhões do Programa de Apoio aos Núcleos de Excelência, o Pronex. Também foram celebrados convênios no âmbito do Bioen que articulam o esforço de pesquisa com empresas e outras entidades. Um deles é a primeira chamada de propostas para Convênio FAPESP/Dedini para Apoio à Pesquisa sobre Processos Industriais para a Fabricação de Etanol de Cana-de-açúcar, que investirá inicialmente R$ 20 milhões em projetos cooperativos envolvendo especialistas da empresa e de universidades e instituições de pesquisa paulistas. O Convênio FAPESP/Dedini prevê investimentos da ordem de R$ 100 milhões em 5 anos, divididos em partes iguais pelos dois parceiros. A Dedini não é a única empresa parceira da FAPESP no campo da pesquisa de biocombustíveis. Em 2006, a Fundação, em parceria com o BNDES, firmou um convênio com a Oxiteno, do Grupo Ultra, para o desenvolvimento de sete projetos cooperativos em que se investiga desde o processo de hidrólise enzimática do bagaço da cana-de-açúcar para obtenção de açúcares até a bioprodução de etanol de celulose. No início deste ano a FAPESP e a Braskem também estabeleceram um convênio para o desenvolvimento de biopolímeros. Além dos convênios com as três empresas, também faz parte do Programa Bioen uma chamada de propostas no valor de R$ 5 milhões para o convênio entre a FAPESP e a Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig)
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de pesquisa em biocombustíveis. Por fim, o programa também é beneficiado pela destinação pela FAPESP de R$ 10 milhões para auxílios regulares e para o programa Apoio ao Jovem Pesquisador. O conjunto de chamadas anunciado no início de junho perfaz investimentos de R$ 73 milhões. O agronegócio de cana-de-açúcar movimenta R$ 40 bilhões por ano no país. A safra 2007/2008 deve colher 547 milhões de toneladas de cana-deaçúcar, 15,2% a mais do que a anterior. Metade dela é destinada à fabricação de etanol, o que faz do Brasil o segundo maior produtor do combustível no mundo. O primeiro lugar cabe aos Estados Unidos, que extraem etanol de milho a poder de pesados subsídios. Dois terços da produção nacional estão no estado de São Paulo. Avalia-se que o Brasil precisará dobrar sua produção num horizonte de 5 a 7 anos se quiser suprir as demandas locais e internacionais do combustível. Isso exigirá a construção de novas usinas, o crescimento das áreas plantadas, melhorias no manejo e, principalmente, ganhos de produtividade.
O DES AFI O DA COMPET I T I V I DADE O B rasil é líder em pesquisas sobre cana-de-açúcar, mas outras nações estão à frente em estudos sobre etanol de 1ª e de 2ª geração
N úm ero de artigos científicos publicados relacionados a pesquisas com cana-de-açúcar
N úm ero de artigos científicos publicados relacionados a pesquisas com etanol extraído de biom assa
N úm ero de artigos científicos publicados relacionados a pesquisas de etanol de 2 ª geração (lignocelulose)
Fontes:ISI/W eb of Science
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ma das metas principais do Bioen é criar conhecimento que contribua para acelerar o desenvolvimento de novas variedades de cana-de-açúcar capazes de propiciar esse avanço. Em São Paulo o aumento da produtividade poderá ser atingido, por exemplo, pelo advento de cultivares mais ricas em sacarose, uma vez que a expansão da cultura esbarra na pouca disponibilidade de terras livres. Já no Planalto Central a expansão é mais factível – há áreas de grande potencial mapeadas no norte do Tocantins, sul do Maranhão, Mato Grosso, Goiás e Triangulo Mineiro. O que falta é desenvolver um conjunto maior de variedades adaptadas à oferta restrita de água. “A disponibilidade de cultivares resistentes à seca será necessária para a expansão da cultura de cana nesta região, pois isso viabilizará a utilização de pastagens e poderá diminuir a pressão da expansão sobre áreas de cerrado e florestas”, diz Glaucia Souza. “Produtores do Nordeste também se beneficiarão de cultivares resistentes à seca que poderiam aumentar significativamente a produtividade da região”, afirma.
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dos, estudamos as funções associadas e fizemos a matriz de tecidos para ajudar na geração de plantas transgênicas mais eficientes”, resume Glaucia Souza. “Já temos 348 dados de genes associados à síntese de sacarose”, afirma. gora um dos desafios dos pesquisadores é identificar as regiões do genoma da cana-de-açúcar responsáveis por regular a expressão dos genes mapeados pelo Sucest. O conhecimento da localização física dos genes e da dosagem de suas variações (alelos), além do ambiente em que eles estão inseridos, ajudará a ganhar eficiência no uso de marcadores moleculares no melhoramento da cultura e na transformação de plantas. A meta é que esse conhecimento ajude a acelerar o desenvolvimento de novas variedades, processo que atualmente leva pelo menos 10 anos, tornando-o mais competitivo e barato. Os programas de melhoramento, hoje, partem da seleção de futuras variedades (genótipos) efetuada no campo, através da avaliação das características de in-
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teresse presentes em cada genótipo. Este processo é feito em milhares de plantas todos os anos, para afunilar em algumas variedades com alto potencial. “A idéia é reduzir o número das plantas que são avaliadas no campo, utilizando-se de dados de marcadores moleculares para selecionar previamente variedades ligadas a genes de interesse”, diz a engenheira agrônoma Anete Pereira de Souza, coordenadora do estudo e professora do Departamento de Genética e Evolução do Instituto de Biologia e pesquisadora do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (Cbmeg), ambos da Unicamp. “A identificação de marcadores moleculares associados a características de interesse é extremamente importante para a orientação dos cruzamentos no programa de melhoramento de cana”, afirma a pesquisadora Marie-Anne Van Sluys, professora do Departamento de Botânica do Instituto de Biociências da USP. Tanto Anete quanto Marie-Anne coordenarão pesquisas no âmbito do Bioen. A tarefa de identificar os marcadores moleculares, diga-se, está longe
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Variedades de cana adaptadas aos diversos climas e solos brasileiros, altamente produtivos e com alto teor de açúcar ou fibra, vêm sendo desenvolvidas há anos por técnicas tradicionais de melhoramento genético. O Bioen quer ajudar a acelerar o desenvolvimento dessas variedades por meio da manipulação genética do metabolismo energético das plantas cultivadas, gerando, assim, vantagens competitivas para a produção brasileira. O ponto de partida do Bioen foi a interação de um grupo de pesquisadores que estuda fragmentos de genes funcionais da cana, a chamadas etiquetas de seqüência expressas (ESTs), no âmbito do Programa FAPESP Sucest (Sugar Cane EST). Mais conhecido como Genoma Cana, este projeto foi realizado entre 1999 e 2003 por cerca de 240 pesquisadores liderados pelo biólogo Paulo Arruda, com financiamento da FAPESP e da Cooperativa dos Produtores de Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo (Coopersucar). “Chegamos a 238 mil ESTs, partimos para a identificação dos genes envolvi-
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A FOR Ç A DO ET ANOLBR AS I LEI R O C us to de produção do etanol, em dólar, por galão (4,5 litros), proveniente de:
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O S AL T O DO BI OCOMBU S T Í V EL A evolução da produção m undial de etanol – em m ilhões de litros
Fonte:W orldw atch Institute e W orld Ethanol and B iofuels R eport (20 0 6 )
de ser trivial. O genoma da cana chega a ser três vezes maior do que o humano, com o agravante de que, em vez de duas cópias de cada cromossomo, há até dez cópias e elas não são iguais. O Programa Bioen também buscará estudar os mecanismos de defesa da cana contra algumas das principais pragas. A interação entre a planta e o inseto é considerada um sistema dinâmico, sujeito a contínuas variações. “As plantas desenvolveram diferentes mecanismos para reduzir o ataque de insetos, incluindo respostas específicas que ativam diferentes vias metabólicas e alteram consideravelmente suas características químicas e físicas”, diz Glaucia Souza. Por outro lado, os insetos desenvolveram estratégias para superar as barreiras defensivas das plantas, permitindo a sua alimentação, desenvolvimento e reprodução nos seus hospedeiros. Um dos objetivos específicos é estudar a broca 24
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gigante da cana-de-açúcar, uma das principais pragas da cultura na Região Nordeste e recentemente identificada em áreas de cultura no Sudeste, além de entender a função de proteínas específicas de defesa da cana-de-açúcar contra o ataque da broca. utro foco de estudos é a forma como a cana-de-açúcar irá responder às mudanças climáticas. Esse conhecimento poderá ajudar a desenvolver variedades mais resistentes a eventuais aumentos de chuva e de calor, além do esperado avanço de pragas. Já é sabido que a alta concentração de gás carbônico produz um aumento na fotossíntese e no volume de biomassa, o que faz antever um avanço da produtividade. “Em contrapartida, pouco se sabe sobre os mecanismos de controle hormonais, suas relações com o metabolismo de carbono e as redes de transcrição gênica
a ele associados”, diz Marcos Buckeridge, professor do Departamento de Botânica do Instituto de Biociências da USP, que também coordena o Bioen. “O conhecimento de tais processos tem o potencial de expor quais os pontos do metabolismo da cana poderiam ser alterados para produzir variedades com potencial de adaptação às mudanças climáticas”, afirma Buckeridge. A busca de fontes para a produção de biocombustíveis que não comprometam a natureza, como, por exemplo, a obtenção de etanol a partir de polissacarídeos de sementes de árvores nativas cultivadas em meio a plantações de cana, também será alvo de investigação. “Sistemas agroflorestais podem representar um novo modelo capaz de aumentar a produção de energia renovável, de uma forma harmônica e com benefícios sociais, além de impacto ambiental mínimo”, afirma Buckeridge. Apenas a sacarose, responsável por um terço da biomassa da cana, é aproveitada para a produção de açúcar e álcool combustível. É certo que o Brasil utiliza o bagaço da cana na geração de energia nas usinas ou na produção de alimento para animais, o que foi responsável por um notável ganho de eficiência. O grande desafio é converter em etanol também a celulose, que está no bagaço e na palha da cana – processos de hidrólise enzimática ou físico-química permitiriam que as unidades de carbono da celulose e da hemicelulose fossem também fermentadas. O domínio das tecnologias de utilização da celulose está no centro da corrida mundial pela produção de energia a partir de fontes renováveis. Hoje esse processo tem custos muito elevados e está longe de ser viável economicamente. Se os pesquisadores encontrarem formas de reduzir custos, o uso dos dois terços de celulose da cana poderia, a longo prazo, ampliar dramaticamente a produção do etanol brasileiro. No âmbito do Bioen, será estudada a fisiologia das paredes celulares da cana-de-açúcar. Elas são constituídas por celulose, hemiceluloses e pectinas entrelaçadas de tal forma que é extremamente difícil extrair com eficiência a energia existente em suas ligações químicas. Vai-se investir no conhecimento sobre como a parede é constituída para, talvez, alterar sua
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s pesquisas sobre a obtenção do etanol de celulose envolvem processos físicos, químicos ou biológicos – ninguém sabe ainda qual deles será mais eficiente. “Há até 2 anos produzir etanol em grande quantidade era assunto brasileiro. Agora, com o interesse dos países desenvolvidos nessas tecnologias, teremos competidores que nos obrigam a incorporar muito mais ciência avançada”, diz Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, que ressalta a importância de investir simultaneamente no etanol tradicional e no de celulose. “A idéia de que o etanol de segunda geração seria superior ainda é controversa. Sem dúvida, ele será vantajoso para países que não conseguem produzir o etanol de primeira geração. As pesquisas indicam que o etanol de primeira geração permanecerá superior ao de segunda geração por muitos anos. Mesmo assim o etanol de segunda geração será muito atraente frente ao custo atual do petróleo”, afirma. A Dedini, que celebrou parceria com a FAPESP, já desenvolveu e patenteou um processo de obtenção de etanol de celulose e busca agora aperfeiçoá-lo. “É um grande privilégio poder contar com o conhecimento dos centros de pesquisa para que, juntos, resolvamos problemas tecnológicos vinculados à produção do etanol”, diz
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José Luiz Olivério, vice-presidente da Dedini. A chamada de propostas estabelece que, nos próximos 3 meses, pesquisadores poderão apresentar projetos em temas ligados ao aperfeiçoamento de processos tradicionais, como a produção do etanol ou o uso de resíduos da cana para geração de eletricidade, e o desenvolvimento de processos inovadores, como a obtenção de etanol de celulose por meio de hidrólise ácida ou enzimática com custos competitivos. As propostas serão selecionadas por um comitê e os projetos contemplados serão acompanhados por especialistas em pesquisa e desenvolvimento da Dedini. A discussão sobre o eventual impacto do cultivo do etanol na produção de alimentos, que ganhou corpo nos últimos meses, poderá ser alvo de pesquisas na quinta vertente do programa, aquela que analisará os impactos sociais e ambientais do avanço da produção de bioenergia. “Já foi bem demonstrado que isso é um equívoco, que os dois maiores causadores do crescimento do custo dos alimentos são a alta do preço do petróleo, que afeta o transporte, e a elevação do consumo mundial causada pelo desenvolvimento econômico acelerado da China e da Índia”, diz Brito Cruz. “A preocupação do Bioen não se prende a esse debate conjuntural, mas sim ao fato de que até hoje o desenvolvimento da agricultura no mundo sempre foi pautado pela produção de alimentos e agora passará a ser pautado também pela produção de energia para automóveis. Isso provavelmente mudará a lógica que governa a evolução da agricultura no mundo e sobre isso ainda se sabe pouco”, afirma. Por fim, o Bioen também pretende atrair e formar pessoal qualificado para a pesquisa em bioenergia. A idéia é criar condições para consolidar a liderança do estado nesse campo por meio de ações que permitam o desenvolvimento da pesquisa acadêmica dentro de um padrão de competitividade internacional, ampliar a contribuição dos institutos e centros que já desenvolvem pesquisas na área e estabelecer uma rede de pesquisa em parceria e em colaboração com empresas. ■
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estrutura e criar variedades nas quais a sua degradação seja mais simples. “Já temos a composição e estrutura dos polissacarídeos da parede celular das folhas, colmo e flores da cana. Portanto, sabemos quais ligações devem ser quebradas para produzir açúcar”, diz Buckeridge. “Temos também uma lista de 469 genes relacionados à parede celular e estamos aprofundando os estudos para compreender como algumas das enzimas trabalham. Mas essa é uma tarefa longa, pois teremos não apenas que entender como cada enzima trabalha, mas também como elas trabalham em conjunto. Nosso objetivo de longo prazo é fazer com que a planta, em um dado momento durante o desenvolvimento, comece a degradar a sua própria parede, de forma que depois de ser colhida seja mais fácil terminar o processo de hidrólise usando enzimas de microorganismos”, afirmou o pesquisador.
> Ma is in fo r m a ç õ e s s o b r e b io c o m b u s t ív e is n a s p á g in a s 5 9 e 8 4 .
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> De volta a Chernobyl Como a fauna e a flora se desenvolvem livremente ao redor da usina atômica de Chernobyl, cenário do pior acidente nuclear já registrado no mundo, autoridades da Ucrânia planejam introduzir uma espécie ameaçada de extinção, o bisonte europeu, na zona de exclusão de 30 quilômetros criada nas cercanias do reator. A área, que abrigava 300 mil pessoas até o acidente ocorrido em 26
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1986, foi completamente evacuada pelo perigo da contaminação. Cerca de 4 mil pessoas morreram em decorrência da exposição à radioatividade. Segundo a agência BBC, a avaliação do governo ucraniano é que Chernobyl pode ser um porto seguro para a reprodução dos raros bisontes europeus remanescentes. O animal é considerado o maior mamífero terrestre do continente europeu – mede 2,9 metros de comprimento e chega a pesar 900 quilos.
LAURAB EATRIZ
R EN ASC ER DAS C IN Z AS
O Iraque planeja investir US$ 1 bilhão em educação superior para resgatar e ampliar a capacidade científi ca do país, destruída pela guerra civil. A Iniciativa pela Educação no Iraque, prevista para ser implantada de 2 0 0 9 a 2 0 13, foi anunciada por Z uhair A.G .Humadi, conselheiro do vice-presidente iraquiano Adil Abdul M ahdi.O programa será fi nanciado com dividendos do comércio de petróleo e prevê, entre outras medidas, a reconstrução da infra-estrutura universitária. M as o ponto forte é o envio ao exterior de 10 mil estudantes para fazer cursos de graduação e pós-graduação em universidades da Austrália, Canadá, Estados U nidos e Reino U nido.Para prevenir a fuga de cérebros, os jovens se comprometerão a retornar ao país no fi nal do curso ou terão de devolver o investimento feito pelo governo.Faw zi Al Naima, ex-reitor do Colégio de Engenharia da U niversidade Nahrain em B agdá, elogiou o plano. “É urgente reabilitar as universidades e construir novas", disse à agência de notícias S ciD ev .N et. Al Naima, que hoje trabalha na U niversidade de Engenharia e Tecnologia Taxila, no Paquistão, diz que a iniciativa deveria incentivar o regresso de professores que, como ele, foram forçados a deixar o país.
criacionista Os criacionistas fracassaram em sua ofensiva para remover o ensino da evolução em diversos estados norte-americanos. Agora brigam por uma conquista retórica. Segundo o jornal The New York Times, um comitê do estado do Texas incumbido de determinar o currículo para as escolas públicas nos próximos 10 anos analisará a inclusão de um novo item no ensino de ciências: os pontos fortes e fracos do evolucionismo. As chances de que a proposta seja aprovada são razoáveis: sete dos 15 membros do comitê defendem idéias criacionistas, sob os aupícios do governador do estado, o republicano Rick Perry. Legisladores de outros seis estados – Alabama, Flórida, Louisiana,
Michigan, Missouri e Carolina do Sul – também tentam exigir que os livros didáticos estejam abertos a “visões sobre os pontos fortes e fracos da teoria darwiniana”, segundo o Instituto
B AESY STEMS
> Novo ataque
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DARIO MAESTRIPIERI/ UNIVERSIDADE DE CHICAGO
Discovery, entidade ligada a criacionistas. “As ofensivas criacionistas, que foram freqüentes e agressivas nos últimos 10 anos, agora despontam de modo dissimulado”, diz Glenn Branch, do Centro Nacional para Educação Científica, na Califórnia.
> M acacos proibidos Duas instituições de pesquisa da Suíça apelaram à Suprema Corte do país contra uma decisão judicial que proibiu o uso de macacos rhesus em experiências sobre a capacidade de adaptação do cérebro. As pesquisas, organizadas em conjunto pela Universidade de Zurique e pelo Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETHZ, na sigla em inglês), haviam sido aprovadas em 2006 pela agência responsável por controlar o uso de animais
M acacos rhesus: protegidos pela Justiça suíça
de laboratório. Mas uma comissão externa de experimentação animal recorreu à Justiça alegando que elas trariam prejuízo à “dignidade das criaturas”, conceito introduzido na Constituição suíça em 2004. A apelação foi aceita, pois, segundo a Justiça, as duas instituições não provaram que os benefícios potenciais da pesquisa justificariam
o sacrifício dos bichos. “Essa interpretação da Justiça é incompatível com a ciência básica, que raramente rende benefícios imediatos”, disse à revista Nature Peter Chen, vice-presidente de pesquisa da ETHZ. Os cientistas justificam o uso de primatas porque eles têm cérebros mais parecidos com o do ser humano do que outras espécies.
Universidades do R eino Unido estão mais envolvidas em pesquisas com fi nalidades militares do que se estimava ofi cialmente, de acordo com reportagem da revista N ature.A entidade Scientists for G lobal Responsibility (SG R), que prega a redução de gastos militares no país, publicou um estudo mostrando que, de 13 universidades pesquisadas, 12 receberam em média U S$ 4 ,7 milhões cada uma para se engajar em pesquisa militar e de defesa entre 2 0 0 5 e 2 0 0 6 .Algumas instituições chegaram a receber quase U S$ 10 milhões.Os números contrastam com as estimativas anteriores da SG R, feitas a partir de informações ofi ciais, segundo as quais cada universidade britânica recebeu em média U S$ 8 0 0 mil para pesquisas na área de defesa em 2 0 0 4 .Em vários casos, o dinheiro vem de fontes governamentais e comerciais. Corporações da área de defesa sediadas no Reino U nido, como a B AE Systems, a Rolls Royce e a Q inetiQ , além da norte-americana Lockheed M artin, foram os principais fi nanciadores das instituições acadêmicas.
V O C AÇ Ã O M IL ITAR
Pesquisa na área de defesa envolve universidades
> Inovação descentralizada A Argentina aprovou sua primeira lei de ciência, tecnologia e inovação de caráter regional. Segundo a lei nº 6.135 da província do Chaco, no nordeste do país, 0,8% do orçamento local será destinado para a área de ciência e tecnologia, que também receberá 3,5% de um fundo nacional para a promoção da inovação. “É muito importante que uma província estabeleça um marco legal para a ciência e tecnologia, pois isso mostra que as atividades começam a ser hierarquizadas”, disse à agência SciDev.Net Hugo de Vido, secretário-geral do Conselho Federal de Ciência e Tecnologia. A nova lei permitirá que a província expanda sua infra-estrutura científica e tecnológica. Graças a ela, será construído um pólo biotecnológico, agropecuário e florestal na capital Resistência.
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A N asa contratou os serviços de um a em presa de H ouston,no Texas, para criar uma nova geração de trajes de astronautas que serão usados em 2 0 2 0 , na primeira missão tripulada à Lua desde 19 72 . A tarefa da Oceaneering International inclui desenhar, testar, avaliar e produzir dois tipos de indumentária espacial: uma para trabalhar na superfície lunar e outra para passeios em órbita.“Os trajes atuais foram criados para fl utuar na baixa gravidade, não para caminhar na Lua”, disse à agência R euters G lenn Lutz, gerente de projetos para trajes especiais do J ohnson Space Center da Nasa.O valor do contrato é de U S$ 74 5 milhões e prevê a fabricação de 10 9 peças. A encomenda deverá ser entregue antes de 2 0 15 , quando está programada a primeira missão em órbita da nave Orion, que sucederá a atual geração de ônibus espaciais e será a base para as missões à Lua e a M arte.Como o espaço dentro da Orion é bem menor do que o dos ônibus espaciais – o projeto guarda semelhanças com as cápsulas das missões Apolo –, os trajes deverão ser mais compactos que os atuais.
> Jamaica cria centro agrícola O governo da Jamaica anunciou a criação de um centro de tecnologia agrícola avançada para melhorar a capacidade de produção e de armazenagem de produtos do país, um dos mais afetados pela alta no preço dos alimentos na região do Caribe. 28
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A instituição será criada com apoio da Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento, que se comprometeu a repassar à Jamaica cerca de US$ 3 milhões, de acordo com a agência de notícias EFE. “É urgente encontrarmos formas mais eficientes de produzir alimento”, disse o ministro da Agricultura da Jamaica, Christopher Tufton.
NASA
V EST IDO S PAR A IR À L UA
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A evolução dos trajes (da esq. para dir.): programa M ercury (19 5 9 ), G emini (19 6 5 ), ônibus espaciais (19 8 1) e dois modelos da futura geração
> Os ossos da discórdia Museus da Europa não sabem o que fazer com parte de suas coleções de ossos de ancestrais humanos e outros artefatos etnográficos. Ocorre que várias peças foram compradas de saqueadores de sítios arqueológicos. Pedidos de repatriação de peças tornaram-se rotina
para os museus. “Temos pelo menos 300 casos sensíveis na nossa coleção”, disse Maria Teschler-Nicola, da Universidade de Viena, responsável pelo acervo do antropólogo Rudolf Pöch (1870-1921). Cogita-se não incluir as peças reivindicadas no projeto de digitalização do acervo do museu. Roger Chennells, advogado de uma entidade empenhada na repatriação de peças saqueadas, incluindo-se algumas da coleção de Pöch, disse à revista Nature que tomará providências jurídicas caso elas sejam digitalizadas. O Museu de História Natural de Londres também decidiu digitalizar sua coleção de ossos, inclusive peças suspeitas, depois de ouvir a opinião de cientistas de renome internacional.
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O físico José Goldemberg, ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) e professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da instituição, foi agraciado com o prêmio Planeta Azul, concedido pela fundação japonesa Asahi Glass a personalidades que se destacam nas áreas de pesquisa e formulação de políticas públicas na área ambiental. De acordo a fundação japonesa, Goldemberg “deu enormes contribuições na formulação e implementação de muitas políticas associadas com melhoramentos no uso e na conservação de energia, na criação de um conceito pioneiro de ‘salto tecnológico’ para os países em desenvolvimento, além de mostrar forte liderança na preparação para a Eco 92”. Ministro da Educação e secretário nacional do Meio Ambiente no governo Collor, Goldemberg tornou-se um defensor da tecnologia brasileira do etanol como forma de combater o aquecimento global. Essa é a primeira vez que um pesquisador latino-americano ganha o prêmio. Além de Goldemberg, que recebeu 50 milhões de ienes (cerca de R$ 800 mil), também foi agraciado o glaciologista francês Claude Lorius, cujos estudos sobre o gelo da Antártida ajudaram a decifrar as mudanças climáticas no passado. A premiação acontece em novembro, em Tóquio.
O B anco N acional de Desenvolvimento Econômico e Social (B NDES) aprovou fi nanciamento de R$ 27,6 milhões para FAPESP e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT).Os recursos serão destinados ao fi nanciamento de projetos para estruturação do Laboratório de Pesquisas de Estruturas Leves (LabPEL), que começa a operar por meio do desenvolvimento de quatro projetos de pesquisa fi nanciados pela FAPESP, pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), pelo IPT e pela Empresa B rasileira de Aeronáutica (Embraer).Aos recursos repassados pelo B NDES somam-se ainda R$ 4 ,7 milhões da FAPESP, R$ 7,4 milhões do IPT, Linha de produção da Embraer: redução de peso R$ 8 ,8 milhões da Finep e R$ 4 2 milhões da Embraer para totalizar o custo de R$ 9 0 ,5 milhões previsto para a iniciativa.O LabPEL será instalado a Fundação Padre Anchieta e a Universidade Estadual em terreno cedido pela prefeitura de São José dos Campos e sua operação fi cará a cargo do IPT.O objetivo do laborade Campinas (Unicamp), por meio de seu Laboratório tório é dominar tecnologias essenciais à competitividade internacional do setor aeroespacial, como a produção de de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) e do novos materiais para redução do peso das estruturas atuais. Os materiais e tecnologias que serão pesquisados no LabPEL Núcleo de Estudos de são potencialmente úteis às indústrias automobilística e de Políticas Públicas (Nepp). autopeças, petróleo e gás, naval e bélica, entre outras. Inicialmente, o site reúne
> M emória do R oda V iv a
José G oldemberg: “salto tecnológico”
O acervo do programa Roda Viva, da Rede Cultura, começa a abastecer um canal de pesquisas na internet. Foi lançado no dia 16 de junho o Memória Roda Viva (www.rodaviva.fapesp.br), voltado para estudantes, pesquisadores e o público em geral. Com apoio da FAPESP, a iniciativa reúne
o texto integral de mais de 200 entrevistas com personalidades como Ayrton Senna, dom Paulo Evaristo Arns, Elza Soares, Fernando Henrique Cardoso, Gianfrancesco Guarnieri, Grande Otelo, Luís Carlos Prestes, Nelson Piquet, Oscar Niemeyer, Paulo Autran e Telê Santana. O objetivo do site é oferecer o texto completo das mais de 1,2 mil entrevistas feitas em 21 anos de existência do programa.
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A Universidade Estadual PauUN ESP EM lista (U nesp)começou a implantar ALTA V ELO C IDADE uma das maiores infra-estruturas computacionais de alto desempenho na América Latina. O Programa de Integração da Capacidade Computacional da U nesp (G ridU nesp) propiciará a grupos de pesquisa, em áreas como física de partículas, genética, meteorologia e medicina, o acesso a uma grande capacidade de processamento e armazenamento de dados.O sistema central, a ser instalado no novo campus da U nesp em São Paulo, no bairro da B arra Funda, terá 2 .0 4 8 núcleos de processamento e capacidade de desempenho de cerca de 23,2 terafl ops (trilhões de cálculos por segundo) de todo o cluster (sistema de vários nós de processamento acoplados, que operam como se fossem um único computador). O complexo formado pelo cluster central e outros sete somará 33,3 terafl ops.O custo do projeto, de cerca de R$ 3,1 milhões, foi fi nanciado pelo M inistério da Ciência e Tecnologia, por meio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).A infra-estrutura computacional, que inclui processadores Intel e consiste de um cluster central e outros sete secundários, será distribuída pelos campi de Araraquara, B auru, B otucatu, Ilha Solteira, Rio Claro, São José do Rio Preto e São Paulo.
> Lei de inovação paulista O governador em exercício Alberto Goldman sancionou no dia 20 de junho a Lei de Inovação Paulista, que estabelece medidas de incentivos à inovação tecnológica
e regulamenta as parcerias entre universidades e centros de pesquisa públicos e a iniciativa privada. Entre as novidades da lei, há dispositivos que permitem às universidades públicas e à FAPESP investirem em empresas e outros empreendimentos
O presidente da FASAT ISFAÇ Ã O C O M PESP, Celso Lafer, A DEC ISÃ O DO ST F manifestou em nome da Fundação a satisfação com a decisão do Supremo Tribunal Federal (ST F), que votou no dia 2 9 de maio pela constitucionalidade do artigo 5 º da Lei de B iossegurança, o qual autoriza o uso de células-tronco embrionárias humanas em pesquisas científi cas. “A FAPESP vem externar sua satisfação com o resultado obtido após ricos e profundos debates, em processo aberto à ampla participação da sociedade em geral”, destacou Lafer. Ele também ressaltou o papel da sociedade brasileira no cuidado de “tema tão relevante, o que certamente levará a que se colham também da posição contida dos votos vencidos importantes elementos de refl exão que inspirarão os aplicadores da lei”. 30
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privados que tenham por finalidade criar ambiente favorável à inovação – como parques tecnológicos, incubadoras ou arranjos produtivos locais. Essa participação era, até agora, vedada pela legislação. Goldman também publicou o Decreto 53.141, que permite que as universidades estaduais públicas e a FAPESP editem normas específicas para poderem colocar em prática o que a lei de inovação de São Paulo prevê. O objetivo é respeitar a autonomia das universidades. O decreto também cria o grupo de trabalho responsável por elaborar uma proposta de regulamentação para a lei, que será instituído junto à Secretaria Estadual de Desenvolvimento. Ele terá um prazo de 60 dias para apresentar a proposta.
> Propriedade intelectual O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) regulamentou a atribuição de direitos sobre criações intelectuais, originadas de auxílios e bolsas concedidos pela agência, e a participação nos ganhos econômicos decorrentes da exploração de patente ou direito de proteção.
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> Estímulo ao empreendedor
a atitude empreendedora e a pesquisa científica no meio acadêmico. Os vencedores de cada categoria receberão R$ 50 mil para viabilização do projeto, totalizando R$ 350 mil em premiações. O Prêmio de Ciência e Inovação é dividido em três categorias, Indústria, Tecnologia da Informação e Biotecnologia, e pode ser disputado por doutores que produzirem as melhores pesquisas de caráter inovador. O de Empreendedorismo é destinado a graduandos e pós-graduandos que desenvolverem o melhor plano de negócios em quatro categorias: Indústria, Tecnologia da Informação, Biotecnologia e Cultura e Educação.
> Plataforma renovada Uma nova versão da Plataforma Lattes, que reúne 1,14 milhão de currículos de pesquisadores, técnicos e estudantes em atividade no país, foi lançada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em conjunto com a Editora ILUSTRAÇ Õ ES LAURAB EATRIZ
Estão abertas até 22 de agosto as inscrições da 4ª edição dos prêmios Santander de Empreendedorismo e de Ciência e Inovação. O objetivo é estimular
Foi lançada em junho a R ede Nacional de Física de Altas Energias (Renafae). V inculada ao M inistério da Ciência e Tecnologia (M CT), terá a função de coordenar as atividades dos grupos atuantes em física de altas energias no B rasil e, em particular, as atividades associadas às grandes colaborações internacionais. A rede também desenvolverá um programa de mobilização de empresas instaladas no país para atuar no desenvolvimento da instrumentação e de softw ares para as colaborações internacionais da área. De acordo com o M CT, a Renafae terá duração de 6 anos e será composta por pesquisadores de instituições que desenvolvem pesquisas e projetos na área. Deverá contar com recursos das agências de fomento do ministério e de outros órgãos de fomento federais e estaduais. A cada 2 anos a Renafae será avaliada por uma comissão independente composta por especialistas da área. A rede será coordenada pelo Centro B rasileiro de Pesquisas Físicas (CB PF) e contará com um comitê técnico-científi co.
ALTAS EN ER G IAS
Com a política, o órgão federal espera promover a proteção do conhecimento e a transferência de produtos e processos, obtidos no ambiente acadêmico, para o setor produtivo. De acordo com a norma, a titularidade da patente caberá à instituição na qual as pesquisas são realizadas, enquanto o CNPq terá, na condição de agência de fomento, uma participação nos ganhos econômicos eventuais resultantes da exploração comercial das criações protegidas. Segundo o CNPq, diversas modificações no cenário legal e científico brasileiro exigiam uma atualização e uma revitalização da política de propriedade intelectual da instituição, entre as quais se destacam a entrada em vigor da Lei de Inovação e a conseqüente criação de Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs) nas instituições.
Elsevier. Segundo o CNPq, a parceria firmada com a Elsevier permitirá o acesso a citações dos artigos registrados pelos pesquisadores na plataforma nos mais de 16 mil periódicos científicos que compõem a base Scopus, uma extensa base de resumos e citações de literatura científica. Caso a busca esteja sendo feita em instituição com acesso ao Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o usuário terá acesso também ao conteúdo do artigo que faz a citação. A nova versão também torna mais fácil o preenchimento de dados e oferece versão em inglês para a entrada e recuperação dos currículos.
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Procuram-se engenheiros Entidades de classe propõem duplicar número de profi ssionais formados para ajudar o B rasil a crescer Fabrício Marques
Ponte estaiada, novo cartãopostal de São Paulo
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nquanto várias categorias profissionais se ressentem da saturação do mercado de trabalho e defendem restrições à abertura de novos cursos superiores, entidades de classe dos engenheiros não temem propor o contrário: consideram indispensável multiplicar a quantidade de escolas e de graduados em engenharia no Brasil. O movimento Cresce Brasil, liderado pela Federação Nacional dos Engenheiros, alerta para a necessidade de dobrar o número de profissionais formados nos próximos 10 anos se o país quiser continuar crescendo a taxas entre 5% e 6%, como aconteceu em 2007. “Começam a faltar engenheiros em certas especialidades e isso vai se tornar mais grave se o país mantiver esse ritmo de crescimento”, diz Murilo Celso de Campos Pinheiro, presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo e da Federação Nacional dos Engenheiros. “O Programa de Aceleração Econômica dependerá da formação de milhares de novos engenheiros para atingir seus objetivos”, complementa Pinheiro. Já há gargalos notórios, sobretudo nas áreas de petroquímica e de mineração. O presidente da Vale; Roger Agnelli, recentemente se queixou da dificuldade de contratar engenheiros metalúrgicos e de barragens – além de profissionais especializados, como soldadores de dutos. A meta da Petrobras de contratar 60 mil pós-graduados em engenharia nos próximos 3 anos esbarra na falta de profissionais. Dos 10 mil doutores e 30 mil mestres formados todos os anos, pouco mais de 10% estão nas áreas de engenharia ou ciência da computação, segundo dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Em países como China e Coréia do Sul, esse índice chega a 70%. Até a tradicional engenharia civil está formando menos mão-de-obra do que o país precisa. Graças ao recente boom da construção civil, há relatos de dificuldades de contratar profissionais em estados como São Paulo e Bahia. Apesar dos obstáculos impostos pela legislação, já se observa até mesmo a importação de profissionais de países como o Chile, a Argentina e os Estados Unidos. “Fingimos não ver que isso está acontecendo”, diz o engenheiro civil PESQUISA FAPESP 149
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Vahan Agopyan, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. “Não se trata de preconceito ou corporativismo. É que há diferenças na formação dos engenheiros em cada país que tornam complexa a integração desses profissionais. O ideal é que isso fosse feito de modo planejado e que os engenheiros vindos de fora fizessem pós-graduação no Brasil”, sugere. Segundo o diagnóstico do Cresce Brasil, as especialidades que mais merecem atenção são as engenharias de produção, mecânica e eletrônica, cujo desempenho, medido em artigos publicados em revistas especializadas, é inferior ao de outros países em desenvolvimento. Em outras áreas, como engenharia espacial e de petróleo, a performance do Brasil é bem mais destacada. Mas o movimento não faz distinções em relação à necessidade de ampliar as vagas: nenhuma especialidade deve ficar de fora. “É urgente aumentar o número de vagas e é fundamental que a formação oferecida aos estudantes seja de boa qualidade. Para formar profissionais de alto nível é necessário que em suas escolas se faça ciência e tecnologia e exista interface com as empresas na busca de inovação”, diz Allen Habert, coordenador do Conselho Tecnológico da Federação Nacional dos Engenheiros.
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ão se trata, porém, apenas de uma dificuldade conjuntural. Um parâmetro para mensurar a capacidade tecnológica e inovadora de um país é a disponibilidade de bons engenheiros. Não que outros profissionais, como físicos, químicos, matemáticos, tecnólogos e técnicos, sejam menos importantes. Ocorre que os engenheiros, com sua formação empreendedora, fornecem uma boa bússola sobre as chances de uma sociedade experimentar um desenvolvimento econômico vigoroso. Eles são profissionais-chave em setores como os de construção civil, energia, logística, transportes, telecomunicações, indústria, recursos hídricos, saneamento e ambiente, entre outros. “O engenheiro é o profissional do crescimento, pois transforma a natureza em suas macro e microdimensões”, diz Murilo Pinheiro, do Cresce Brasil. Comparações internacionais sugerem que o desempenho do Brasil é 34
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desfavorável. Na Coréia do Sul há 20 engenheiros em cada grupo de 100 formandos nas universidades. No Brasil são apenas 8 para 100. A Coréia é uma referência curiosa porque conseguiu construir um vigoroso sistema de inovação nas últimas 3 décadas. Nos anos 1970 compartilhava com o Brasil um mesmo número de patentes depositadas nos Estados Unidos. Hoje as patentes coreanas superam em 40 vezes o número das brasileiras. O Brasil forma 20 mil engenheiros por ano, ante 300 mil na China, 200 mil na Índia e 80 mil na Coréia do Sul. or iniciativa das associações de educação em engenharia do Brasil, do Chile e da Argentina, foi enviado ao Banco Mundial um projeto sobre a inclusão das questões ligadas ao empreendedorismo nos cursos de engenharia. Na elaboração do documento final, o levantamento mostrou que enquanto o Brasil tem apenas 1,5 estudante de engenharia por grupo de 1000 habitantes, a Argentina tem 3 e o Chile, 4,5. A equipe teve a participação de João Sérgio Cordeiro, professor da Universidade Federal de São Carlos e presidente da Associação Brasileira de Ensino de Engenharia (Abenge). O curioso é que o Brasil tem se esforçado, sem obter resultados, em ampliar seu contingente de engenheiros. Nos últimos 7 anos, dobrou o número de cursos disponíveis no Brasil, que oferecem 300 mil vagas. Mas o número de formados não ultrapassa os 30 mil anuais. “É possível que o contingente de graduados aumente um pouco nos próximos anos, porque os cursos têm 5 anos de duração e uma parte dos beneficiados pela ampliação das vagas ainda não teve tempo para se formar”, diz Cordeiro. Mas persiste o fenômeno da evasão. “Há um conjunto de fatores que afastam os estudantes da engenharia. Uma delas é a formação deficiente nos ensinos básico e médio em matemática e física, que são áreas essenciais para a carreira. Os cursos de engenharia, em geral, são exigentes”, afirma o presidente da Abenge. Estima-se que o conhecimento em engenharia duplique a cada 18 meses. Essa velocidade ajuda a explicar a exigência dos cursos, mas também tem levado países da Europa a desestimular a especialização e
a buscar uma formação mais generalista, embora capaz de acompanhar a evolução do conhecimento. O professor Agopyan cita os materiais didáticos ruins como um dos fatores que espantam vocações para a engenharia. “Em vez de ensinar a lógica e a utilidade de uma equação, professores simplesmente mandam fazer dez exercícios. A física de Galileu explica os fenômenos da natureza, mas a forma bitolada como é ensinada não entusiasma ninguém”, afirma. Um problema extra é a baixa qualidade de alguns cursos, notadamente os ministrados em algumas instituições privadas, que podem estar perdendo estudantes por incapacidade de estimulá-los. “As escolas de engenharia precisam se adaptar para as novas necessidades do desenvolvimento brasileiro e algumas delas já estão fazendo isso”, diz Allen Habert. “Até a década passada, os professores com grande capacidade inovadora tinham pouco espaço nas escolas, mas agora eles começam a ganhar mais voz”, afirma. Estima-se que o conhecimento em engenharia duplique a cada período de 8 meses, levando países europeus a buscar uma formação mais generalista para os seus profissionais. A escassez de estudantes de engenharia não é um fenômeno exclusivamente brasileiro. Nos Estados Unidos o número de graduados caiu de 77 mil em 1985 para pouco mais de 60 mil no final dos anos 1990 e só agora ensaia uma recuperação. No Japão a porcentagem de estudantes nas áreas de engenharia diminuiu de 21,1%, em 1970, para 17,8%, em 2003. Embora tenha crescido o número de graduados nas universidades britânicas entre 1995 e 2000, caíram significativamente as graduações nos cursos de química (-16%), física e engenharia (-7%). Mas estes países são capazes de compensar a escassez local de talentos com a importação de mão-de-obra estrangeira, sobretudo no campo da pesquisa acadêmica. A profissão de engenheiro no Brasil já teve um caráter liberal até a década de 1950. Mas depois disso tornou-se ocupação assalariada sob o impulso do desenvolvimento econômico e industrial do país. Bons engenheiros eram disputados por grandes empreiteiras e indústrias de transformação e tinham salário e status privilegiados. Com o
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baixo nível de crescimento registrado nos anos 1980 e a conseqüente falta de dinheiro para construir grandes obras, a carreira viveu uma crise marcada pela escassez de empregos tradicionais, como a de engenheiro civil. O símbolo da crise foi uma lanchonete em São Paulo chamada “O engenheiro que virou suco”, aberta por um profissional desempregado que fazia questão de ostentar seu diploma atrás da caixa registradora. Segundo dados da Federação Interestadual dos Sindicados de Engenheiros, o número de profissionais formados entre l995 e 2005 superou em 66% o número de empregados – o que dá uma boa medida da virada ocorrida nos últimos três anos. Se escassearam os empregos tradicionais, os engenheiros não tiveram dificuldade de desbravar outras searas, como o mercado financeiro. “A formação polivante e a capacidade de tomar decisões na incerteza são valorizadas no mercado financeiro”, diz Agopyan. forma de trabalhar do engenheiro também mudou bastante e isso impõe desafios extras na tarefa de dispor de profissionais bem preparados para enfrentar os desafios do desenvolvimento. Se até a década de 1980 o engenheiro trabalhava sentado diante de uma prancheta fazendo projetos e cálculos, hoje trabalha diante do computador, que ampliou significativamente sua capacidade de produzir. “Hoje o computador resolve em uma ou duas tardes os cálculos de um projeto que em 1974, quando me formei, gastávamos 2 meses para fazer”, diz Agopyan. Da mesma forma, uma boa parte dos engenheiros hoje trabalha como prestador de serviços e enfrenta o desafio de atuar em redes. “Conheço um engenheiro que trabalha em São Paulo, mas atua numa rede que está desenvolvendo um produto para um país da Europa, que será fabricado em outro país e embalado em outro”, diz Agopyan. Os profissionais graduados a partir da década de 1990 aprenderam a trabalhar dessa forma. Mas há profissionais ainda deslocados nesse novo ambiente. “Eles têm dificuldade de se adaptar e se tornaram redundantes”, diz o professor da Politécnica. Retreiná-los tornou-se questão estratégica diante da perspectiva da falta de engenheiros. ■
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G randes obras e o boom imobiliário disputam os engenheiros civis disponíveis
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Focas aprendem a se guiar por Sírius, à esquerda 36
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em torno de um tanque onde duas focas macho aprenderam a nadar na direção da estrela Sírius: primeiro os pesquisadores indicavam com um apontador a laser o ponto na margem do tanque mais próximo à estrela-alvo. Em seguida passaram a apontar para a estrela na cúpula. Em pouco tempo as focas não precisavam mais de ajuda e nadavam rumo à estrela. Publicado na Animal Cognition, o resultado indica que esses mamíferos
marinhos são capazes de se orientar usando as mesmas técnicas tradicionais de navegação dos habitantes das ilhas da Polinésia e da Micronésia. Será preciso ver em mar aberto se as focas de fato se orientam assim.
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PIER R E AUG ER , AG O R A PR O N T O
À s 13 horas da sexta-feira 13 de junho entrou em funcionamento o último dos 1.6 6 0 detectores de superfície do Observatório Pierre Auger de Raios Cósmicos, o maior laboratório de física a céu aberto, instalado em M alargüe, na Arg en tin a. Esses detectores ocupam uma área de 3,3 mil quilômetros quadrados e complementam o trabalho de quatro conjuntos de telescópios.Enquanto os telescópios acompanham a trajetória no céu das partículas geradas pela fragmentação na atmosfera dos raios cósmicos (as partículas mais energéticas e raras conhecidas), os detectores de Detector de superfície em montagem superfície as captam no nível do solo. “O observatório permitirá conhecer com precisão a energia e a natureza das partículas que originam os raios > Caminho cósmicos”, diz o físico Carlos Escobar, da U niversidade Estadual de estrelas de Campinas, coordenador da colaboração brasileira no projeto. Só agora concluído, o observatório coleta dados desde 2 0 0 2 Nem só os românticos e já permitiu identifi car as fontes dos raios cósmicos no espacontemplam o céu. Se ço: buracos negros dos núcleos de galáxias ativas próximas à preciso, focas (Phoca vitulina) V ia Láctea (v er Pesquisa FAPESP nº 14 2 ).Em maio os físicos podem se guiar pelas mostraram que os raios cósmicos perdem energia a caminho da estrelas. Pesquisadores da Terra, ao interagir com a radiação da explosão que teria gerado Dinamarca e da Alemanha o U niverso há 13,7 bilhões de anos (P hy sical R ev iew Letters). instalaram um planetário
> U m computador que lê a mente Pensar na palavra “maçã” ativa zonas do cérebro relacionadas ao paladar, ao olfato e ao ato de mastigar, além de áreas que armazenam memórias como a da última maçã comida. Essa compreensão sobre como o cérebro processa linguagem vem do trabalho de norte-americanos que usaram um modelo de computador para analisar a atividade do cérebro
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> Encontros e
resposta. A equipe de Doron Behar e Saharon Rosset examinou 600 amostras de DNA mitocondrial (passado de mãe para filhos) de diferentes regiões da África. Os resultados sugerem que 150 mil anos atrás uma população única se separou em dois grupos menores, originando os povos do leste e do sul do continente. Só uns 100 mil anos mais tarde esses povos se reencontrariam para gerar uma população pan-africana (National Geographic).
MICHAEL B ARTL/UNIVERSIDADE DE UTAH
Há tempos se sabe que os seres humanos modernos saíram da África há uns 60 mil anos e se espalharam pelo mundo. E por onde andaram antes? Pesquisadores do Projeto Genográfico, que analisa amostras de DNA de diferentes populações a fim de mapear o povoamento do planeta, acreditam conhecer agora ao menos parte da
B rilho próprio: cor verde produzida pela estrutura cristalina das escamas
> M osquiteiros contra a malária Em 2002 o governo do estado indiano de Orissa distribuiu 24 mil mosquiteiros tratados com inseticidas para 64 mil pessoas, com o objetivo de reduzir os casos de malária. Agora pesquisadores do Centro de Pesquisas em Controle de Vetores da Índia avaliaram a eficácia da medida. Entrevistaram as pessoas que receberam os mosquiteiros e verificaram
que três quartos delas notaram uma redução nos ataques de mosquitos. Um terço também relatou queda na incidência de malária (Memórias do Instituto Oswaldo Cruz). O estudo mostrou também que, para o sucesso do projeto, será necessário realizar mais campanhas de distribuição e tratamento periódico dos mosquiteiros com inseticidas, pois a população não tem meios de pagar por eles nem de ir aos centros de tratamento.
Depois de investir m ilhões de dólares para produzir com postos com estrutura atômica capaz de controlar a passagem da luz — os cristais fotônicos — , químicos da U niversidade de U tah, Estados U nidos, fi nalmente o obtiveram. Já pronto na natureza. M ais especifi camente nas escamas do besouro Lamprocy phus augustus, natural da Amazônia brasileira.“Parece que uma criatura simples como um besouro nos forneceu uma das estruturas mais procuradas para equipar a próxima geração de computadores”, disse M ichael B artl, coordenador da equipe que descreveu o achado na P hy sical R ev iew E , depois de obter um exemplar do besouro com um belga vendedor de insetos.Com disposição semelhante à dos átomos de carbono no diamante, os cristais fotônicos permitem a passagem da luz de determinadas cores e impede a de outras.No futuro pode integrar o processador de computadores que realizam operações com base em propriedades da luz — e não da eletricidade — , que seriam muito mais rápidos que os atuais. PESQUISA FAPESP 149
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desencontros
Im agine que, andando na rua, você pisa em algo mole e fedorento. M as antes de poder examinar o estrago, dá de cara com o autor da sujeira. Com os dentes à mostra. Se você pôs a imaginação para funcionar com afi nco, provavelmente franziu o rosto e depois arregalou os olhos. Charles Q ue susto! Expressões ajudam a reagir Darw in já achava que expressões faciais como as de nojo e susto, iguais em todas as culturas, deviam ter uma função.Formulada há mais de 1 século, essa hipótese foi agora testada por pesquisadores da U niversidade de Toronto, no Canadá (N ature N euroscience).O nariz franzido e os olhos apertados, que manifestam nojo de fato, formam uma barreira sensorial, ao reduzir o campo visual e as cavidades nasais. A cara de susto, ao contrário, aumenta o campo visual, torna o movimento dos olhos mais ágil e permite que mais ar entre pelas narinas – um estado de prontidão para reagir ao perigo.
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registrada por ressonância magnética funcional enquanto voluntários liam palavras escritas (Science). Em um conjunto de textos com mais de 1 trilhão de palavras, o computador então analisou como cada substantivo era usado em relação a 25 verbos associados a funções motoras ou sensoriais. Integrando essas informações, o computador se tornou capaz de predizer o que as pessoas, expostas a milhares de substantivos, estavam pensando. Uma máquina que lê a mente de seres humanos? Pode acontecer.
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O hom em de capa am arela com capuz PR O FISSÃ O e máscara contra gases parece estar DE R ISC O pronto para uma guerra química. M as a indumentária não é exagerada para uma atividade menos bélica e mais freqüente no B rasil: pulverizar pesticidas em plantações. J oão Antonio Pegas Henriques, da U niversidade Federal do Rio G rande do Sul (U FRG S), coordenou uma equipe que examinou em 2 0 0 1 e 2 0 0 2 o DNA de 173 trabalhadores de vinhedos no município gaúcho de Caxias do Sul e encontrou altos índices de anomalias genéticas. Lavradores que trabalham no cultivo de uvas são expostos a uma variedade grande de venenos usados para combater pragas, ervas-daninhas e doenças que atacam as plantas.Para os pesquisadores, os resultados indicam um importante risco potencial à saúde e ressaltam a necessidade de campanhas de conscientização para diminuir o uso de pesticidas e aumentar a proteção durante o trabalho. O artigo, que será publicado em uma das próximas edições da M utagenesis, está disponível no site da revista.
fl oresta Ainda há grandes carnívoros no interior paulista, embora a vegetação nativa do estado esteja muito degradada, afirmam ecólogos da Universidade de São Paulo (Biodiversity Conservation). Eles espalharam nos municípios de Santa Rita do Passa Quatro e Luís Antônio, no norte paulista, canteiros de areia para registrar pegadas dos animais e armadilhas fotográficas que registram automaticamente a imagem dos bichos. A região perdeu 60% de sua vegetação natural entre 1962 e 1992, mas restou um mosaico de floresta, cerrado e áreas cultivadas – sobretudo cana-de-açúcar, laranja e eucaliptos – por onde circulam suçuaranas, jaguatiricas, gatos-do-mato, lobos-guará, cachorros-domato, quatis, guaxinins, 38
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cangambás e iraras. Os autores verificaram que a maior parte dos carnívoros é mais flexível do que se pensava. Em zonas alteradas usam ambientes que em geral evitariam. É possível que os eucaliptais, embora não ofereçam os recursos necessários à fauna nativa, conectem trechos de vegetação original e permitam a sobrevivência das populações de carnívoros em meio às plantações.
> B uracos negros para iniciantes Quem já ouviu falar de buracos negros e não tem lá uma idéia muito clara do que eles de fato são tem agora uma boa oportunidade de aprender um pouco mais sobre esses objetos celestes exóticos com o livro Buracos negros: rompendo os limites da ficção (Vieira & Lent), dos físicos George Matsas e Daniel US FISH AND W ILDLIFE SERVICE
> A fauna sem
Pesticidas: suspeitos de alterar genes
Jaguatirica: sobrevivendo em meio às plantações
Vanzella. Fugindo das fórmulas matemáticas, fundamentais para a definição precisa dos conceitos da física, Matsas e Vanzella se propõem a explicar para o público leigo a natureza dos buracos negros e a importância deles na determinação da estrutura do Universo. E conseguem. Eles revêem a evolução do pensamento físico, de Aristóteles na Antiguidade ao contemporâneo Stephen Hawking, até chegar ao conceito de buracos negros – que não são buracos nem negros – e expor os desafios atuais da ciência para explicar certas características desses objetos fascinantes. Matsas e Vanzella facilitam a vida do leitor ao transformá-lo em protagonista de experimentos imaginários que ajudam a compreender refinados conceitos de física.
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MIGUEL B OYAYAN
> O pólen e a alergia
Tumores: hormônios, hábitos e tecnologia
levou à explicação da origem dos sintomas da febre do feno e a métodos de identificar pessoas alérgicas ao pólen.
> Da colméia para as fl ores Em certo momento da vida a abelha deixa o ninho e vira campeira, a casta que busca alimento. Até agora especialistas consideravam que o principal responsável
EDUARDO CESAR
Em março deste ano a Academia Americana de Alergia, Asma e Imunologia selecionou os trabalhos mais importantes publicados nessa área nos últimos 40 anos. Dos seis escolhidos, apenas um é de autor latino-americano: o médico brasileiro Charles Naspitz, professor aposentado de alergia e imunologia na Universidade Federal de São Paulo. Trata-se do artigo “The in vitro blastogenic response of lymphocytes of ragweed-sensitive individuals”, publicado em 1968 no Journal of Allergy. Nesse trabalho, desenvolvido durante o mestrado na Universidade McGill, no Canadá, Naspitz demonstrou pela primeira vez que grãos de pólen provocam alterações morfológicas nos linfócitos, células de defesa que identificam e ajudam a eliminar microorganismos infecciosos ou substâncias estranhas ao corpo. A descoberta do fenômeno
B uscar alimento: trabalho para as abelhas mais velhas
por essa mudança no comportamento fosse o hormônio juvenil. Agora a equipe dirigida por Zilá Simões e Klaus Hartfelder, do campus de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, põe em dúvida essa noção. Em artigo na Naturwissenschaften, eles mostram o que aconteceu quando usaram a técnica de interferência por RNA para reduzir nas abelhas a produção de vitelogenina, proteína precursora de nutrientes do ovo dos insetos que também regula o hormônio juvenil. As abelhas com o gene da vitelogenina silenciado iniciavam bem mais jovens seus vôos pelos campos. Apesar da diminuição da vitelogenina, os pesquisadores não observaram as alterações esperadas no teor de hormônio juvenil. Eles propõem que a interação entre as duas substâncias varie ao longo da vida das abelhas, regulando a idade em que elas se tornam campeiras.
Quase 2 0 anos depois do acidente com material radiativo, aumentaram os casos novos de câncer de mama em G oiânia.A equipe coorden ada pelo médico Ruffo Freitas-J un ior, da U n iversidade Federal de G oiás, avaliou os índices de tumor de seio en tre mulheres em 19 8 8 e comparou com as taxas de 2 0 0 3. O número de casos só não cresceu entre as mais jovens, com 2 0 a 2 9 anos.Nas mulheres entre 3 0 e 4 9 anos, o número de casos dobrou.E aumentou quase quatro vezes entre aquelas na casa dos 5 0 aos 5 9 ou com mais de 8 0 .Segundo Freitas-J unior, esse incremento nada tem a ver com a contaminação radiativa de 19 8 7, quando parte de um aparelho usado em radioterapia contendo césio-13 7 foi furtado de uma clínica abandonada. “Felizmente, o acidente com o material radiativo afetou poucos quarteirões na região central da cidade”, conta, “e o número de casos não aumentou nas mulheres mais suscetíveis à época, que tinham entre 15 e 2 5 anos”. A razão do aumento? Não se sabe ao certo, mas Freitas-J unior aposta no uso da reposição hormonal pelas mulheres na menopausa, por volta dos 5 0 anos;e na disseminação da mamografi a, que aprimorou a detecção dos tumores no seio.O médico atribui parte do crescimento ao consumo de álcool, ao sedentarismo, ao uso prolongado de pílula anticoncepcional e à redução do número de gestações.
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o longo de 2001, Olívia deixou de ver na balança os 85 quilogramas adequados para seu 1,80 metro e chegou a 167 quilos. Ela sentia uma fome imensa por causa de medicamentos para controlar uma doença que lhe causava dores lancinantes, depressão, e a impossibilitava de caminhar. Já não cabia nos aparelhos de exames médicos, e 4 anos depois do início dos problemas o neurologista previu que ela não resistiria mais de 6 meses com aquele peso. A equipe de psicólogos responsável por avaliá-la autorizou então a cirurgia bariátrica, redução do estômago usada como último recurso contra obesidade extrema. Vista por muitos como uma forma preguiçosa de dar vazão à vaidade, a cirurgia tem revelado efeitos importantes além do emagrecimento, como curar diabetes do tipo 2 e reduzir a propensão ao câncer. Mas não é uma solução fácil. Ao contrário, condena o paciente a mudanças permanentes no estilo de vida. A obesidade mórbida, em que o Índice de Massa Corpórea ou IMC – o peso dividido pelo quadrado da altura – é maior que 40, aumentou 255% no Brasil entre 1974 e 2003, chegando a 0,64% da população adulta. Ainda modesto se comparado aos 4,9% dos Estados Unidos, mas são mais de 600 mil brasileiros com um peso tão excessivo que acarreta complicações como diabetes do tipo 2 e problemas ortopédicos e cardiovasculares graves. A avaliação está no trabalho de Isabella Oliveira coordenado por Leonor Pacheco, pesquisadora ligada à Universidade de Brasília (UnB). O estudo mostrou que a prevalência de obesidade – IMC maior que 30 – aumentou de 4,4% em 1974/1975 para 11,1% em 2002/2003. A proporção de obesos é maior entre as mulheres (13% no levantamento mais recente, de 2002/2003) do que em homens (8,8%), mas neles o índice cresceu mais rapidamente nessas 3 décadas. O peso de Olívia, que chegou a ter um IMC de 51,5, tornou-se tão insustentável que ela chegou a quebrar o tornozelo. Com uma dieta rigorosa perdeu 20 quilos, insuficientes para reduzir os danos da obesidade à saúde.
SAÚ DE
Perda salvadora Cirurgia de redução do estômago controla obesidade,diabetes e, aparentemente,protege do câncer Maria Guimarães
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A cirurgia bariátrica tem se mostrado a opção mais eficaz de perder peso para quem já tentou todas as outras maneiras e não conseguiu resultado. No Brasil, que só fica atrás dos Estados Unidos no número de cirurgias, ela foi regulamentada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em 1999, seguindo diretrizes internacionais. Recomendase intervenção cirúrgica para obesos mórbidos e também para obesos (IMC entre 35 e 40) com complicações graves associadas à obesidade como falta de ar, diabetes e hipertensão. O artigo de Leonor e Isabella, publicado na Obesity Surgery e que também tem como co-autores Lilian Peters, do Ministério da Saúde, e Wolney Conde, do Departamento de Nutrição da Universidade de São Paulo (USP), mostra que entre 1999 e 2006 foram feitas mais de 10 mil cirurgias bariátricas pelo SUS, praticamente metade delas na Região Sudeste. O número anual de cirurgias vem crescendo, mas até hoje atendeu somente 0,29% do número estimado de obesos mórbidos no país. As filas para cirurgia pelo SUS podem levar anos, e mesmo quem pode pagar – por um procedimento que só em material custa em média R$ 20 mil – está limitado. Segundo o médico José Carlos Pareja, do Laboratório de Investigação em Metabolismo e Diabetes (Limed) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), hoje há no Brasil cerca de 600 cirurgiões oficialmente habilitados a fazer cirurgias bariátricas. Mesmo somando os atendimentos público e particular, só cerca de 1% dos obesos que precisam de cirurgia têm acesso às 25 mil feitas por
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ano. Para ele, filas não resolvem. “Antes tínhamos uma fila na Unicamp e entre 3% e 4% dos pacientes morriam esperando”, conta, “agora nossa mortalidade é zero”. A nova estratégia é montar grupos preparatórios em que os pacientes são obrigados a comparecer à universidade todas as semanas e perder peso durante esse período. Ao longo de 3 a 4 meses recebem informações, emagrecem e têm a garantia de serem operados no fim desse período caso sigam o processo. Na modalidade mais comum de cirurgia bariátrica, com resultados comprovados por anos de uso, o cirurgião separa o estômago em dois. A parte menor, com cerca de 5% do total, mantém a função de receber alimento. A porção maior do estômago permanece no abdômen e produz sucos digestivos, lançados mais adiante no intestino – que fica um pouco mais curto. Depois da cirurgia é preciso mudar para sempre os hábitos alimentares: comer aos poucos e mastigar muito bem. Indisciplinados sofrem, pois um anel de silicone limita o fluxo de alimento no estômago reduzido. Com estômago menor e intestino mais curto, alguns pacientes que passam pela cirurgia têm carência de nutrientes essenciais como ferro, zinco e potássio. Complicações mais graves também podem acontecer, como cálculos na vesícula e problemas na parte isolada do estômago, que se torna difícil de examinar por técnicas comuns como a endoscopia, em que uma câmera mostra o sistema digestivo por dentro. Por isso nos pacientes já mais debilitados pela obesidade alguns médicos preferem uma cirurgia menos traumática: a gastrectomia vertical, que se limita a retirar cerca de 60% do estômago. Mas antes de adotar a cirurgia o cirurgião João Luiz Azevedo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), resolveu compará-la à técnica estabelecida para verificar se é mesmo mais segura. “A maior parte do que se publica nessa área são relatos de séries de casos”, critica, “mas a ciência exige que se façam ensaios clínicos controlados”. Seu grupo então sorteia qual cirurgia fará em cada paciente e assim compara os riscos e benefícios de cada uma. “É a única investigação clínica no Brasil de cirurgias comparadas sistematicamente pela mesma equipe cirúrgica”, afirma o médico. Os resultados, ainda preliminares, indicam que a gastrectomia vertical não é tão benigna quanto se apregoa. Depois da cirurgia, em 7% dos pacientes a pressão dentro do estômago chega a romper a sutura que delimita o novo estômago. Isso acontece porque a técnica preserva o piloro, constrição que retém o alimento no estômago. Em camundongos, o grupo da Unifesp está detalhando os efeitos anatômicos e fisiológicos das duas cirurgias. Para o cirurgião Otávio Azevedo, filho e assistente do professor da Unifesp, caso a gastrectomia vertical se confirme mais perigosa no pós-operatório imediato, ela não será recomendada para os pacientes mais debilitados – exatamente aqueles que supostamente deveriam recorrer a ela. Olívia colecionou uma série grave de complicações e sua barriga teve que ser reaberta quatro vezes em pouco mais de 1 ano: primeiro para desfazer uma alça que se formou no intestino, depois para extrair secreções da vesícula biliar acumuladas que obrigaram a equipe médica a refazer as suturas do estômago, em seguida para retirar acúmulos de pus da cavidade abdominal e finalmente para retirar os anéis de silicone que controlavam o fluxo de alimento e de enzimas nas duas partes do estômago, que estavam se fundindo e causando dores terríveis. Apesar das
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complicações, o estudo de Leonor Pacheco mostrou que sete a cada mil pacientes morreram após as cirurgias realizadas pelo SUS, uma taxa comparável à observada em outros países. Por isso a cirurgia é considerada bastante segura pelos médicos. E eficaz. “Ela é bem-sucedida para 90% dos obesos mórbidos, que perdem por volta de 70% do excesso de peso”, diz Pareja. Um estudo de seu grupo, publicado em junho na Obesity Surgery, acompanhou 782 pacientes por pelo menos 2 anos após a cirurgia e verificou que por volta de 50% deles voltou a ganhar cerca de 9% do menor peso atingido – o que não compromete o sucesso do procedimento. Para os autores, porém, isso indica a necessidade de estudos de longo prazo para entender o que há de especial no organismo das pessoas que não conseguem manter o peso. Por enquanto o estudo revela que entre os pacientes que engordaram 60% não fizeram o acompanhamento nutricional e 80% não freqüentaram um psicólogo após a cirurgia. O SUS exige que todas as equipes de cirurgia bariátrica ofereçam essas especialidades, mas não há como garantir que pacientes compareçam depois de operados. Pareja ressalta que em países grandes como este é muito difícil reavaliar pacientes ano após ano, sobretudo no atendimento público. “Em minha clínica consigo acompanhar em torno de 70% dos pacientes porque tenho um funcionário dedicado exclusivamente a mandar e-mails convocando que retornem para consultas periódicas.”
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ara o cirurgião João Ettinger, da Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública, a dificuldade no acompanhamento pós-cirúrgico é o problema mais grave. “Já examinamos por volta de 1.300 pacientes operados, e os que não seguem as orientações do médico e do nutricionista voltam a engordar e sofrem conseqüências como osteoporose e deficiências nutricionais.” Os problemas que ele tem observado associados à cirurgia não são causados pela operação em si, mas pelo excesso de peso – que pode dar origem a lesões musculares quando o paciente passa várias horas na mesma posição, sob anestesia geral. Causada por múltiplos fatores comportamentais e fisiológicos, como compulsões e desequilíbrios hormonais, a obesidade é um dos maiores desafios da medicina atual e vem crescendo sobretudo nos países mais ricos, mas também onde quer que se instale na cultura um estilo de vida sedentário e uma alimentação industrializada de fácil absorção. Para tratar uma doença tão complexa é preciso uma equipe médica com psicólogos, nutricionistas, cirurgiões e endocrinologistas. Em 2007 um grupo norte-americano mostrou, após a cirurgia bariátrica, uma redução na incidência de diabetes, problemas cardiovasculares e câncer, reduzindo a mortalidade em 40% se comparado a obesos tratados clinicamente. Mas a mortalidade por acidentes e suicídios aumentou em 58% nos operados, indicando a importância de cuidados psicológicos. Niraldo de Oliveira Santos, da equipe de psicólogos coordenada por Mara de Lucia que atende pacientes obesos no Hospital das Clínicas da USP, conta que é preciso acompanhamento psicológico antes e depois da cirurgia bariátrica. Ele e Mara coordenaram um levantamento, que aplicou em 90 pacientes a versão para o português de um inventário elaborado nos Estados Unidos para avaliar o histórico de peso e o estilo de vida de obesos.
O estudo detectou compulsão alimentar em quase metade dos pacientes e depressão em 64% deles, cerca de três vezes mais do que na população, e mostra que na maior parte das vezes o ganho de peso está sobretudo ligado a problemas em relacionamentos familiares ou amorosos, como mortes e rompimentos. Os resultados revelaram ainda que o problema maior não vem de ingerir alimentos altamente gordurosos ou doces, mas comer em grandes quantidades. “Mostramos que a realidade alimentar brasileira é muito diferente do que se observa nos Estados Unidos, daí a importância de não só traduzirmos, mas também adaptarmos o inventário ao que observamos aqui”, explica Niraldo. Parte do trabalho do psicólogo é verificar se o paciente tem condições de melhorar com a cirurgia. Se ele tiver compulsão por comer, certamente terá problemas: se tentar comer demais sofrerá dores, vômitos ou poderá causar danos sérios ao novo estômago. Na impossibilidade de comer, muitas pessoas acabam por substituir a comida por outra compulsão, como bebidas alcoólicas, drogas ou jogo. Por isso, o ideal é fazer psicoterapia para controlar os fatores psicológicos antes da operação. “Não há consenso, mas consideramos que sintomas de esquizofrenia, tentativas de suicídio no último ano, consumo de drogas e deficiências no QI que causem dificuldade de compreensão são fatores que aumentam enormemente os riscos de fracasso”, completa Niraldo, que nesses casos não aconselha a cirurgia. Mas às vezes não é possível esperar, como aconteceu com Olívia. Nessas situações, Niraldo ressalta a necessidade de acompanhar o paciente por quanto tempo for necessário após a intervenção. Antes da cirurgia, psicólogos, nutricionistas e grupos de obesos e de operados buscam mostrar ao paciente o que a intervenção PESQUISA FAPESP 149
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significa: se tudo correr bem, terão que passar 1 mês à base de líquidos e o resto da vida com uma alimentação altamente controlada. “Tenho mais problemas agora do que tinha antes”, contou Olívia em seguida a uma sessão de terapia. Ela toma diversos comprimidos de suplementos alimentares, precisa comer a cada 2 horas e suas refeições se limitam a duas colheres de arroz, uma de feijão e carne vermelha – mais rica em proteínas do que outras carnes. Tudo isso devagar e muito bem mastigado. E mesmo assim o corpo ainda não se adaptou à nutrição que recebe: Olívia ainda perde muito cabelo e a pele de seu rosto tem um tom levemente esverdeado. Ainda mais do que o corpo, a mente demora para se acostumar às novidades. “A imagem corporal só muda depois de 5 anos de peso estável, às vezes até mais”, conta o psiquiatra da USP Adriano Segal. Ele explica que os obesos passam por dietas sucessivas, perdem e ganham peso várias vezes e isso acaba desregulando os mecanismos do cérebro envolvidos na imagem corporal. “Desde que comecei a engordar, não me olho no espelho. Uso só espelhinho para batom”, conta Olívia. E ainda se imagina obesa. Por isso, quando terminou a longa série de cirurgias, ela continuou a emagrecer e chegou a pesar 70 quilos, tornando-se visivelmente magra demais. Foi preciso um tratamento intensivo com uma nutricionista para fazer com que voltasse a ganhar os 15 quilos indispensáveis para que tenha um físico saudável. “A perda de peso é sempre rápida, então o descompasso entre corpo e mente é inevitável”, reforça Segal. O que o médico pode fazer é mostrar como a pessoa está fisicamente melhor. Psicólogos e psiquiatras têm que trabalhar, de certa maneira, na penumbra: de acordo com Segal, não há estudos que detalhem os problemas mentais associados à obesidade e não há maneira de prever como cada paciente reagirá à cirurgia. Por isso ele defende que não há fundamento científico em se limitar o acesso à cirurgia por causa de transtornos psiquiátricos. “Com as evidências atuais, o que se pode dizer é que basta que o paciente seja capaz de arrazoar sobre o procedimento”, diz o psiquiatra, “que ele possa tomar uma decisão sobre a cirurgia”. Para ele, os pacientes que precisam de acompanhamento depois da cirurgia são os que já tinham transtornos psicológicos ou psiquiátricos antes. “Há quem desenvolva depressão ou outros problemas de humor depois da cirurgia, mas esses são exceção”, conta. Em geral acontece o contrário: pessoas que têm depressão quando obesas tendem a se sentir melhor no pós-cirúrgico. Estudos recentes mostram que emagrecer não é o único benefício da cirurgia. A redução do estômago e alteração do trânsito do alimento no intestino aumenta a produção de insulina e controla o diabetes. “Cerca de 80% dos pacientes diabéticos já saem do hospital sem a doença”, conta o endocrinologista Bruno Geloneze, colega de José Carlos Pareja na Unicamp. É uma esperança para quem sofre desse mal que aflige 200 milhões de pessoas no mundo, cerca de 8 milhões no Brasil. Com base nesses resultados, Geloneze e Pareja propõem, em 2006 nos Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia, que se desenvolva uma cirurgia metabólica para curar o diabetes do tipo 2. Esse tipo de diabetes é um dos primeiros problemas causados pelo excesso de peso, por isso pode se instalar antes que a pessoa possa ser qualificada como obesa: 75% dos diabéticos têm IMC menor que 35, um quadro leve de obesidade.
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stá então aberta a corrida para desenvolver a cirurgia metabólica. A partir de um modelo desenvolvido em ratos, o grupo de Geloneze e Pareja fez em 15 diabéticos não obesos um procedimento que preserva o estômago intacto, mas cria um pequeno atalho: ao sair do estômago, os alimentos não passam pela primeira parte do intestino – o duodeno. Ao detectar um volume inesperado de comida, o intestino induz à secreção de hormônios responsáveis por estimular a produção de insulina e gerar uma sensação de saciedade. Os resultados, apresentados em junho no congresso da Sociedade Americana do Diabetes em São Francisco, nos Estados Unidos, são preliminares mas promissores: 6 meses após a cirurgia, apenas um dos 15 pacientes continuava precisando tomar injeções de insulina para controlar a doença. “Temos que esperar mais resultados para apresentar ao SUS e mudar o regulamento”, prevê Pareja. À frente da corrida está o cirurgião Áureo Ludovico de Paula, do Hospital de Especialidades de Goiânia, que em 2002 desenvolveu uma cirurgia que visa unicamente tratar o diabetes do tipo 2. Sua equipe transfere parte do íleo, no final do intestino delgado, para o início do intestino. Células do íleo produzem hormônios importantes em estimular o pâncreas a produzir insulina, cuja deficiência está na origem do diabetes. O bom funcionamento dessas células depende de receberem alimentos não completamente digeridos, o que deixa de acontecer nas dietas ricas em comidas industrializadas, que o organismo absorve com mais facilidade. Transferir parte do íleo para uma porção mais inicial do intestino, o jejuno, resolveria esse problema. “É um procedimento completamente novo que desenvolvemos com base em princípios fisiopatológicos”, conta o cirurgião. Em artigo deste ano na revista Surgical Endoscopy, ele relata um sucesso de 95% em 60 pacientes acompanhados ao longo de, em média, 7 meses. Até agora já operou cerca de 400 pacientes. João Luiz Azevedo, da Unifesp, defende que cirurgias passem por testes em animais e estudos clínicos controlados em seres humanos antes de serem usadas em pacientes. Além disso, é preciso seguir pacientes por vários anos para avaliar se o efeito persiste. Com base nisso, seu grupo está testando em ratos o procedimento de Áureo de Paula. O trabalho ainda está no início, mas João Luiz e Otávio Azevedo relatam que quando as células do íleo transplantado morrem o tecido produz novas células conforme instruções do ambiente – que após a cirurgia passou a ser o jejuno. Por isso, ao microscópio essas células se parecem com as do jejuno e não têm mais a arquitetura rica em células secretoras dos hormônios essenciais para o metabolismo da insulina. Por enquanto, os pesquisadores da Unifesp são céticos quanto à possibilidade de uma cirurgia metabólica eficaz para pacientes não obesos. O endocrinologista da USP Alfredo Halpern, colaborador de Áureo de Paula, contesta: “O íleo transposto fica parecido com o jejuno, mas é sabido que a secreção de hormônios continua a mesma”. O debate continuará. Outro efeito colateral promissor da cirurgia de obesidade foi destaque no congresso da sociedade norte-americana de endocrinologia, que aconteceu em São Francisco logo em seguida ao encontro científico dedicado ao diabetes. Alfredo Halpern e sua aluna de doutorado Cristiane Moulin viram que células do sistema imunológico chamadas natural killers são muito pouco ativas em obesos, e que essa deficiência é rever-
tida pela cirurgia bariátrica. “É importante porque essas células são uma linha de defesa inata muito importante no combate a infecções e ao câncer”, explica Halpern. O resultado se encaixa com observações publicadas pelo Scandinavian Obesity Survey, ou SOS, estudo sueco que acompanha pacientes por um longo período após a cirurgia e é considerado por especialistas o melhor projeto do mundo na área. O artigo mais recente do grupo, publicado em 2007 no New England Journal of Medicine, relatou uma incidência de câncer bem menor nos pacientes que fizeram a cirurgia em comparação aos que não fizeram. Halpern e Cristiana mostram por quê. Numa abordagem inédita, ela analisou substâncias que estimulam a atividade das natural killers e detectou três que são produzidas em maior quantidade após a perda de peso súbita que se segue à cirurgia. “É provável que seja esse o mecanismo por trás da observação do SOS”, comemora o endocrinologista, para quem os resultados são um ponto forte a favor da cirurgia. “Há riscos, mas os benefícios são muito maiores.” Mesmo bem-sucedida, a cirurgia não deixa de ser uma solução cara e drástica para um problema que cresce no mundo todo e que, até certo ponto, poderia ser evitado. “É preciso planejar as cidades de maneira a promover mudanças no estilo de vida, como estimular as pessoas a caminhar ou andar de bicicleta. O sistema de saúde fica com o ônus do resultado final de um problema que só pode ser prevenido de maneira integrada”, pondera Leonor Pacheco. Além de pôr o corpo em movimento, uma dieta com menos calorias e mais frutas e verduras reduziria enormemente o problema de obesidade. Mas quando distúrbios metabólicos impedem o organismo de funcionar corretamente a cirurgia se torna a única opção. ■ PESQUISA FAPESP 149
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G ENÉ T ICA M É DICA
C orpos s do ta en m or at
os 11 anos, depois de uma infância normal, um garoto de Dores de Guanhães, cidade de 5 mil moradores a 200 quilômetros a nordeste da capital de Minas Gerais, começou a sentir nas pernas tremores que apareciam sem razão aparente. Aos poucos os tremores se espalharam pelo corpo e em 2 anos o levaram a perder o controle dos movimentos e a deslocar-se apenas por meio de uma cadeira de rodas. Os medicamentos não adiantaram. Nem para ele nem para uma menina da mesma cidade que aos 7 anos tinha dificuldade para escrever e 5 anos depois andava arrastando uma perna e mal controlava os braços; seu rosto se transformara com os músculos em permanente tensão, a voz desaparecia. Foi também aos 11 anos que um menino de Bom Despacho, cidade próxima à nascente do rio São Francisco, a 156 quilômetros a oeste de Belo Horizonte, começou a notar que a mão esquerda fechava intensamente e só abria com a ajuda da direita. Aos 13 o ombro direito desalinhou-se e aos 14 o pescoço movia-se para trás involuntariamente, como se estivesse olhando para o céu. Aos 29 havia emagrecido muito, não andava mais e a voz era quase inaudível. Eles sabiam há anos que tinham distonia, distúrbio neurológico de causas geralmente desconhecidas que produz contrações musculares involuntárias e leva a posturas anormais. Só há poucos meses, porém, souberam que apresentavam uma forma de distonia causada por uma mutação genética descoberta por uma equipe da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que ainda não havia sido diagnosticada e para a qual ainda não há tratamento nem cura. Em maio, um grupo alemão coordenado por Christine Klein, da Universidade de Lübeck, que 3 meses antes havia escrito o editorial apresentando a nova mutação na Lancet Neurology, descrevia nesta revista a mesma mutação, encontrada em um portador de distonia que vivia na Alemanha. “Esse trabalho dá uma dimensão nova a essa doença, que deixou de ser uma idiossincrasia mineira ou brasileira”, diz Francisco Cardoso, neurologista da UFMG que coordenou o trabalho da equipe
Identifi cada m utação que enrijece m úsculos e altera a postura Carlos Fioravanti e Ricard o Zorzet to
brasileira. “Talvez esse defeito seja mais freqüente do que imaginamos.” A descoberta de um gene causador de uma nova forma de distonia expressa um trabalho iniciado em 1993, quando Cardoso começou a atender portadores de distúrbios do movimento no Hospital das Clínicas da UFMG. Aos poucos sua equipe cresceu, mas ninguém conseguia explicar por que os medicamentos que poderiam ajudar a conter os músculos em permanente revolta em situações como essas desapontavam nos três casos, que surgiram em famílias aparentemente sem parentesco. Há 3 anos a neurologista Sarah Camargos integrou-se ao grupo, examinou outros 120 portadores de distonia de início precoce atendidos no hospital, colheu sangue de moradores de Dores de Guanhães e de Bom Despacho e por fim levantou a hipótese de que uma alteração que inativa 11 genes do cromossomo 2 (o ser humano carrega 23 pares de cromossomos com cerca de 35 mil genes em cada célula) poderia explicar o agravamento de sintomas e a resistência aos medicamentos. Essa forma de distonia de origem genética – a 16ª já descrita e possivelmente a primeira identificada no Brasil – emerge a partir da adolescência quando uma pessoa carrega essa mesma alteração em cada uma das duas cópias do gene conhecido pela sigla PRKRA localizado no cromossomo 2. Cada filho de pais normais, que carregam apenas uma cópia do gene alterada, tem 25% de risco de ser portador assintomático do gene. Nem médicos nem geneticistas descobriram ainda como esse gene defeituoso leva à distonia. O que se sabe por enquanto é que, quando as duas cópias do gene PRKRA contêm essa mutação, denominada de DYT16, o gene deixará de cumprir seu papel. Um deles é acionar a fabricação de uma enzima chamada quinase, essencial para os neurônios – e todas as outras células do corpo – queimarem as moléculas de açúcar (glicose) e produzirem a energia que as mantém vivas. Sem essa enzima, os neurônios vão então falhar ao transmitir as mensagens para os músculos funcionarem – e em resposta os músculos se agitam como um mar sob ventos enfurecidos. A versão normal desse gene ajuda também a regular a
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ACERVO DO MUSEU LASAR SEGALL–IPHAN/MINC
morte celular, chamada apoptose – e células que morrem antes ou depois da hora que deveriam também podem causar problemas ao organismo. A equipe da UFMG trabalhou com pesquisadores dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos e da Universidade de Coimbra, Portugal, para caracterizar essa mutação, já encontrada em sete moradores de Minas. Uma das famílias de Bom Despacho e outra de Dores de Guanhães abrigam cada uma três portadores dessa forma de distonia (o mais velho tem 64 anos), marcada por contrações em quase todo o corpo, pela dificuldade de engolir alimentos e pelo encurvamento do pescoço e tronco para trás. “Alguns precisam de ajuda para tomar banho”, conta Sarah, “mas nem todos estão em cadeira de rodas”. Segundo ela, em uma das famílias de Guanhães esse
Interior de pobres II, Lasar Segall, óleo sobre tela, 19 21
problema aparece há quatro gerações, embora só duas tenham sido estudadas até agora. Os pesquisadores suspeitam que as famílias, embora vivam em regiões distantes, tenham um ancestral comum próximo. “A possibilidade de a mesma mutação aparecer em pessoas sem ligação familiar seria extremamente remota”, comenta Cardoso. Próxim as tarefas - Cardoso reconhece
os limites dessa pesquisa: “Demos um salto considerável ao encontrar a origem da doença, mas temos ainda um problema sério, que é descobrir como tratar de modo eficiente”. Até agora os medicamentos habituais – que restabelecem a comunicação entre as células nervosas –
de muito pouco ou quase nada valeram para conter essa variedade de distonia. A incidência das formas mais comuns dessa doença oscila mundialmente de 30 a 50 casos em cada 100 mil pessoas. As distonias de início precoce são ainda mais raras, com 2 a 50 casos para cada grupo de 1 milhão de pessoas. Essas estatísticas, porém, ainda não bastam para os pesquisadores estimarem a incidência dessa forma de distonia e a terem uma idéia sobre o número de portadores no Brasil. Segundo Cardoso, as próximas etapas do trabalho são justamente avaliar a freqüência da doença na população e a capacidade de o gene se expressar. “Temos muitos problemas pela frente”, diz ele. “Se um irmão de um portador dessa forma de distonia nos perguntasse hoje qual o risco de ele também ficar doente, não ■ teríamos uma resposta exata.” PESQUISA FAPESP 149
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esde o início dos anos 1990, quando o mundo tomou conhecimento do chamado paradoxo francês, caracterizado pela baixa incidência de problemas cardíacos numa população adepta de uma dieta rica em gorduras, o consumo moderado de vinho tinto foi apontado como o principal responsável por essa estranha situação, que fugia ao padrão mundial. A explicação para os possíveis benefícios à saúde desse tipo de bebida, um tema cheio de polêmicas no meio médico, foi associada à elevada presença de compostos antioxidantes da categoria dos polifenóis, em especial de uma molécula denominada resveratrol, no vinho tinto. Por ter em média dez vezes menos resveratrol do que o vinho tinto, o vinho branco se tornou uma espécie de patinho feio no mundo dos fermentados de uvas e perdeu consumidores em todas as latitudes. Mas esse complexo de inferioridade acaba de ser, em parte, atenuado pelos bons resultados de um projeto da Embrapa Uva e Vinho, de Bento Gonçalves (RS). Depois de 4 anos de estudos e ensaios, os pesquisadores brasileiros desenvolveram uma técnica para fazer vinho branco com níveis quatro vezes maiores do que o normal de polifenóis, sobretudo do badalado resveratrol, da quercitina e de flavonóides. O novo método, que deve ser alvo de alguma proteção legal, já foi repassado para uma vinícola gaúcha. No início do mês passado, a Cooperativa Garibaldi, que firmou parceria
Os polifenóis, como o resveratrol, estão nas cascas e sementes das uvas
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de 3 anos com a Embrapa, lançou 20 mil garrafas de um vinho branco seco (não-doce) mais rico em resveratrol, o Lorena Ativa Acquasantiera, da safra 2008. “Para obter esse vinho, utilizamos em conjunto três tecnologias desenvolvidas por nossa unidade”, diz o enólogo Mauro Zanus, da Embrapa Uva e Vinho, coordenador do projeto. A uva com que o vinho foi elaborado (BRS Lorena), a levedura usada em sua fermentação e o protocolo de vinificação (a receita técnica para transformar o suco de uva em vinho) são criações do centro de pesquisa de Bento Gonçalves. Alguns dias depois da apresentação do vinho branco brasileiro com mais antioxidantes, pesquisadores do Technion (Instituto de Tecnologia de Israel), em Haifa, divulgaram um método semelhante para elevar a taxa de polifenóis nesse tipo de bebida. Em tese, não deveria haver grandes dificuldades para elaborar um vinho
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ada essa explicação, a receita para elaborar vinho branco com mais polifenóis parece mais do que óbvia. Basta aumentar o tempo de maceração do vinho branco, certo? Certo. Mas há um senão prático. Como se faz isso sem produzir uma bebida descaracterizada? “Não podemos alterar excessivamente a cor e o paladar do vinho”, comenta Zanus. O produto mais comum das macerações prolongadas de vinho branco é um líquido às vezes âmbar, com forte amargor. Esse foi, aliás, o primeiro resultado obtido pela equipe da Embrapa quando, há alguns anos, elaborou um vinho branco mais rico em polifenóis com a uva Chardonnay. O insucesso inicial não desanimou o pessoal da Embrapa. Eles deixaram a Chardonnay de lado e apostaram na BRS Lorena. Essa uva é um híbrido
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um tinto
Técnica da Embrapa quadruplica os níveis de compostos antioxidantes presentes no vinho branco Marcos Pivet ta
complexo, fruto do cruzamento das variedades Malvasia Bianca (da qual tem 77% de carga genética) e Seyval, lançada no mercado em 2001. Robusta e capaz de atingir boa maturação e níveis elevados de açúcar na Serra Gaúcha, a Lorena, que tem aroma intenso e sabor semelhante ao das uvas Moscatel, se mostrou mais adequada ao experimento. Ainda mais com o emprego de uma levedura especial da Embrapa, a 1 vvt, que produz mais álcool durante a fermentação e acelera a extração de vários compostos, entre os quais o resveratrol. Tudo isso fez os estudos
DIVULGAÇ Ã O
branco com mais resveratrol. Esse composto é fabricado sempre que a vinha sofre ataques de fungos e bactérias ou é exposta a agentes agressores, como a radiação ultravioleta. A exemplo das uvas tintas, as brancas produzem, portanto, grandes quantidades desses polifenóis, basicamente em suas cascas e em menor escala nas sementes e cabinhos. O problema é que a maneira consagrada de fazer vinho branco não favorece a extração de níveis elevados de substâncias antioxidantes. O vinho tinto contém muitos polifenóis – e ganha sua cor e outras características – porque permanece dias, às vezes até 3 semanas, em contato com as cascas de uvas tintas durante uma etapa crucial de seu processo de elaboração, a maceração. Em química, macerar significa extrair certos princípios ativos ou nutritivos de um corpo sólido por imersão em um meio líquido. No caso do vinho, a maceração consiste em deixar por algum tempo as cascas e as sementes (partes sólidas) em contato com o suco da uva recém-esmagada que está prestes a iniciar o processo de fermentação. À medida que a fermentação ocorre, o álcool produzido atua como solvente, aumentando a solubilidade das substâncias das cascas e sementes das uvas. No vinho branco a maceração quase inexiste. Raramente passa de 3 horas.
avançarem, mas o grande diferencial do projeto foi mesmo o estabelecimento do tal protocolo de vinificação. Os dados mais críticos dessa receita são o tempo exato de maceração e as condições de fermentação durante esse período, segredos não divulgados. Os testes na Embrapa mostraram que o vinho branco atinge seu maior nível de produção de compostos antioxidantes após 12 dias de maceração. “Mas não deixamos o vinho em contato com as cascas durante todo esse tempo senão ele ficaria muito amarelado e amargo”, comenta Zanus. Nos próximos 3 anos, em razão da parceria com a Embrapa, apenas a Cooperativa Garibaldi, que reúne 300 famílias de pequenos produtores da Serra Gaúcha, poderá usar a nova técnica. A empresa já se mostra satisfeita com o interesse despertado pelo Lorena Ativa 2008, um produto, é forçoso dizer, modesto, com preço em torno dos R$ 10. “O vinho é muito aromático, floral, tem uma cor dourada e é bem encorpado”, assegura o enólogo Maiquel Vignatti, que cuida do marketing da cooperativa. Embora tenha no máximo 40% do conteúdo total de polifenóis de um tinto, o Lorena Ativa espera atrair consumidores interessados nos possíveis benefícios à saúde do consumo moderado da bebida. Para a Embrapa, o próximo passo é desenvolver vinhos brancos com mais resveratrol, só que elaborados com outras castas de uva. ■ PESQUISA FAPESP 149
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Todas as faces do coloniz ador
m trabalho de três Baseada na análise das características anatômicas geneticistas braside 576 crânios de populaleiros e um antropólogo argentino ções extintas e atuais enconadiciona um poutradas de norte a sul nas co mais de controAméricas e também em 10 vérsia a um tema mil amostras de dados genéticos, a proposta de colojá amplamente polêmico, nização das Américas defeno processo de povoamendida pela equipe binacional to das Américas, o último continente a ser desbravado de pesquisadores faz uma síntese interdisciplinar do pelo Homo sapiens. Segundo o estudo, publicado no mês conhecimento sobre o espinhoso tema. “Fazia 20 anos passado na versão on-line do American Journal of Physical que não havia uma visão integrada do povoamento Anthropology, foi necessária apenas uma onda migratória das Américas”, afirma Sanvinda do norte da Ásia via dro Bonatto, da Pontifícia Universidade Católica do estreito de Bering, por volta Rio Grande do Sul (PUCde 18 mil anos atrás, para introduzir toda a diversidade RS), outro autor do estudo, biológica humana presente que também foi assinado nas Américas. Os membros por Fabrício Santos, da UniEstreito de B ering: a antiga passagem está submersa dessa leva primordial de caversidade Federal de Minas çadores-coletores que peneGerais (UFMG), e pelo artraram no Novo Mundo exigentino Rolando Gonzálezbiam uma grande variedade de caracteJosé, do Centro Nacional Patagónico. de contato entre Ásia e América – hoje Talvez por isso o novo cenário prorísticas físicas. Havia desde indivíduos a Beríngia está submersa e deu lugar posto difira tanto da visão clássica coao estreito de Bering – não é um mero assemelhados aos povos mongolóides, com feições orientalizadas (dos quais detalhe da teoria. Durante o período mo de outras teses alternativas sobre descendem todos os grupos atuais de em que essa população ficou aprisioo povoamento das Américas. A teoria ameríndios), até pessoas bem menos nada na região ocorreram alterações tradicional fala em três ondas migratórias de povos mongolóides, tendo a marcadas por esses traços (parecidas em seu DNA. “Existem mutações nos com o crânio de Luzia, encontrado em ameríndios que são específicas da époprimeira delas ocorrido há 12 mil anos. O modelo defendido por Walter Neves, Lagoa Santa, em Minas Gerais). ca em que seus antepassados viveram O novo modelo de ocupação dena Beríngia e que não são encontradas da Universidade de São Paulo (USP), admite a existência de duas migrações, fende a idéia de que, antes de se esnos povos asiáticos”, diz Maria Cátira tabelecerem propriamente em terras Bortoloni, da Universidade Federal do uma de indivíduos semelhantes a Luzia, Rio Grande do Sul (UFRGS), uma das há 14 mil anos, e outra, mais recente, de americanas, os primeiros migrantes autoras do estudo. Quando as geleiras asiáticos ficaram estacionados por algrupos mongolóides. Para a arqueóloque barravam a entrada no continente guns milhares de anos, provavelmente ga Niède Guidon, o homem chegou ao entre 26 mil e 18 mil anos atrás, na americano começaram a derreter, os Novo Mundo há 100 mil anos, provavelBeríngia, uma vasta porção de terra remanescentes do grupo inicial que se mente por uma rota pelo Atlântico. ■ firme que ligava a Sibéria ao Alasca. A instalara entre os dois continentes fiMarcos Pivet ta parada obrigatória nessa antiga zona nalmente entraram no Novo Mundo. NASA/GSF/JPL/MISR TEAM
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Asiáticos que povoaram as Américas 18 mil anos atrás exibiam grande diversidade biológica
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especial: revolução genômica iv
Ciência, embates e debates 52 Apresentação 53 Rob DeSalle Genômica no museu 55 Andrew Simpson Aspectos genômicos do câncer 58 Fernando Reinach Impactos da genômica na agricultura brasileira 63 Carlos Nobre Ciência do sistema terrestre e a sustentabilidade da vida no planeta
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67 Muniz Sodré O bios midiático na cena social contemporânea
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Apresentação Um mundo de trânsitos e recriações Trânsitos, transcrições, traduções, recriações – de uma certa maneira e de muitas formas temos lidado com isso, ou seja, com reelaboração e deslocamentos de objetos de conhecimento de um lugar a outro, de um tempo a outro, de uma linguagem a outra, na série de palestras promovidas desde março pela Pesquisa FAPESP para compor a programação cultural da exposição Revolução genômica, organizada pelo Instituto Sangari. Mas talvez em nenhum momento isso tenha ficado mais claro do que na palestra de Rob DeSalle, curador da Divisão de Zoologia de Invertebrados na parte de pesquisa do Museu de História Natural de Nova York e curador da própria exposição Revolução Genômica, em 15 de junho passado. DeSalle foi extremamente eloqüente ao explicar o tamanho do desafio que foi para ele atravessar a fronteira entre as duas partes do museu, isto é, aquela onde o público tem sua curiosidade instigada pelas peças em exposição e a outra, como pode ser lido no texto sobre a palestra na página 53, quase secreta, onde pesquisadores circulam entre as caixas empoeiradas que abrigam coleções científicas. Era no fundo a metáfora do desafio de fazer transitar da linguagem técnica, onde se sentia tão à vontade, para a língua comum, do público em geral, os complexos e abstratos conceitos da genômica. Aliás, o biólogo, marcado por um estilo esportivo bem informal, chegou a confessar que em suas primeiras palestras ninguém entendia nada. No caso da palestra do bioquímico Andrew Simpson, diretor científico do Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer, em Nova York, em 8 de junho, a idéia de trânsito e deslocamento serve melhor às
expectativas da sociedade ante um problema de grande magnitude. O que quero dizer é que, se durante décadas discutiu-se acaloradamente a cura do câncer, hoje vai se disseminando a noção de que a humanidade terá que conviver tanto mais com a doença, que é plural, aliás, quanto mais longeva se torne, e que seu tratamento será diversificado e adaptado a cada paciente. Simpson, que foi o principal coordenador do projeto pioneiro da genômica no Brasil, o da Xylella fastidiosa, e depois coordenador do projeto Genoma Humano do Câncer, ambos bancados pela FAPESP entre 1997 e 2000, procurou mostrar como o conhecimento acumulado pela pesquisa genômica está ajudando justamente a desenvolver isso. Questões sobre a necessidade crucial de sensibilizar o público, portanto, uma vez mais, de fazer transitar certos conhecimentos da esfera científica para a sociedade em geral, foram levantadas de forma enfática pelo biólogo Fernando Reinach, em 1º de junho, e pelo climatologista Carlos Nobre, em 14 de junho. Reinach, diretor da Votorantim Novos Negócios, observou que ante um planeta que deverá ter, em 2050, uma população de 11 bilhões de pessoas não há saída, senão tecnológica, para dobrar a produção de alimentos no mundo, sem tanta disponibilidade de terra, e evitar a fome dramática. Essa saída implica a combinação de transgenia, com adubos, bioinseticidas e novas tecnologias, e é aí que a sociedade terá que perceber que, ao contrário do que pregam os ambientalistas, “a tecnologia sempre foi a melhor amiga da política ambiental”. Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial e uma das autoridades mais respeitadas do país em clima e, agora, no campo da ciência do sistema terrestre, observou que ante o aquecimento global não se sustenta a velha fé no progresso e na idéia de que a ciência dará um jeito, porque há efeitos já irreversíveis do aquecimento. Entretanto, mostrou como a proteção inteligente e adequada à Amazônia e sua floresta poderá fazer do Brasil o primeiro país tropical efetivamente desenvolvido. A idéia de bios para falar de certa dimensão fundamental do funcionamento da sociedade, a da comunicação, fecha bem essa sensação de deslocamentos conceituais que as palestras ligadas à Revolução genômica têm trazido. Refiro-me ao conceito de bios midiático que Muniz Sodré introduziu na discussão teórica da comunicação há alguns anos e sobre o qual discorreu com extrema erudição em sua palestra, em 27 de maio. A mídia constitui, ele explicou, uma nova forma de vida, um novo bios, e como esfera existencial é inteiramente regida pela economia monetária. E em larga medida, num mundo dominado pela imagem, é como se as pessoas todo o tempo estivessem entrando e saindo dessa esfera, desse bios midiático. Ou seja, o trânsito permanente entre real e virtual faz parte do cotidiano. Trânsito entre mundos, entre linguagens. Mariluce Moura
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Rob DeSalle Genomas revelam lugar do homem e de cada organismo no planeta Maria Guimarães
Além da realidade: DeSalle contempla DNA ilustrado
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Rob DeSalle não se limita a um tema de pesquisa. É especialista em estudar genomas – objeto e objetivo variam. Curador da Divisão de Zoologia de Invertebrados na parte de pesquisa do Museu de História Natural de Nova York, em seu laboratório inúmeros projetos examinam o material genético de organismos tão diversos quanto vírus e mamíferos. Com isso ele e seus colaboradores buscam caracterizar a biodiversidade, organizar a classificação, buscar caminhos para conservação e mais. Esse espírito aventureiro – num rosto com um quê de surfista – não podia deixar de se entusiasmar quando a curadoria de exposições públicas lhe pediu que projetasse uma mostra. Nasceu aí a Revolução genômica e o caminho para novos aprendizados: tornar concreto para o público leigo
um tema abstrato e atravessar a fronteira entre as duas partes do museu – aquela onde crianças e adultos têm a imaginação e a curiosidade científica atiçadas, e a quase secreta, onde pesquisadores circulam por escadas estreitas entre caixas empoeiradas que abrigam coleções científicas. “O DNA é uma coisa real”, afirmou logo no início ao mostrar fotografias de copos com um líquido transparente onde boiava uma massa esbranquiçada. Era material genético materializado na cozinha de sua casa. “Fiquei tentado a fazer o experimento no meu quarto de hotel ontem”, disse, dando a receita: basta lavar a boca com água salgada, cuspir num copo e misturar com um pouco de xampu. O xampu faz buracos nas células bucais dentro do copo e libera o DNA preso no núcleo. Em seguida basta abrir a garrafinha de vodca do frigobar e despejar na mistura. O álcool faz o DNA se condensar e se separar da água salgada, formando o tal grumo esbranquiçado. Com isso quis mostrar que o DNA está em todas as células, mas é muito mais do que curiosidade demonstrada numa cozinha ou num quarto de hotel. “O genoma nos conta sobre nosso lugar neste mundo e também tem muito a contribuir para a saúde.” Para ouvir o que ele conta, a tecnologia tem
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Saber a semelhança consigo próprio, porém, é um dos aspectos da genômica de animais que menos lhe interessa. Ele acredita que no futuro próximo é possível que exista um pequeno aparelho capaz de desvendar em minutos o material genético de qualquer organismo para identificá-lo. Seria como fazer trabalho de campo levando no bolso um leitor de código de barras. Um problema que ainda existe, e que a genômica pretende ajudar a solucionar, é que grande parte da biodiversidade é desconhecida. Estima-se que as 47 mil espécies de vertebrados que já ganharam nome representem cerca de 97% da diversidade total desse grupo, mas outros são menos privilegiados. As 6 mil bactérias conhecidas pelo nome não passam de uma fração dos 6 milhões de espécies que especialistas acreditam existir.
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Genoma na prática
dado saltos cada vez mais amplos e rápidos. Assim o genoma humano foi seqüenciado e agora o desafio é realizar o feito a custo mais baixo, a corrida pelo seqüenciamento de genomas a US$ 1.000.
Forma e função
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Mas a genômica vai além de desvendar a seqüência do DNA nas células humanas. Um dos mais importantes desenvolvimentos da genômica, a tecnologia de microarranjos acusa a atividade genética de centenas de regiões do genoma ao mesmo tempo e permite caracterizar o funcionamento de tecidos ou doenças. Especialmente útil para estudar e diagnosticar doenças complexas e influenciadas por diversos genes como diabetes, câncer de mama ou melanoma, o microarranjo mapeia quais genes estão ativos e inativos na célula doente em comparação à normal. “É provavelmente a única maneira de entender algumas doenças”, afirmou.
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O Projeto Genoma Humano tem um apelo óbvio para quem se reconhece nos resultados, mas o DNA está em todos os organismos. Por esse motivo, ele inveja a parte inicial da exposição Revolução genômica em cartaz no parque paulistano do Ibirapuera, acrescentada pelas curadoras brasileiras Mônica Teixeira e Eliana Dessen: uma réplica de floresta com plantas e animais variados. “Eu queria ter aberto a exposição com a biodiversidade, mas no museu de Nova York não foi possível”, lamentou. Vários animais já tiveram seus genomas seqüenciados, uns mais e outros menos semelhantes ao homem. DeSalle destacou as leveduras, fungos que têm 23% de seus genes em comum com o homem e são para o pesquisador essenciais, pois sem elas não se faz cerveja. “Eu gostaria de fazer cerveja a partir do meu DNA”, brincou, “mas não é possível – são os outros 77% do genoma da levedura que fazem essa tarefa”.
Para DeSalle, o genoma como código de barras ajudará a revelar a riqueza de espécies mas não é uma panacéia. O ideal será associar essa informação a espécimes de museu, que preservam características físicas dos organismos. Mas para microorganismos, que são muitíssimo diversos e pouco conhecidos, não há outro jeito a não ser usar técnicas como microarranjos para seqüenciar e descrever geneticamente o maior número possível. Identificar o código de barras ajuda a manter o armazém da natureza em ordem, mas o pesquisador de Nova York ressalta que é também uma maneira eficaz de identificar tráfico de animais silvestres ou de caça ilegal. Ele ajudou, por exemplo, a desenvolver um teste genético para identificar a espécie de peixe que dava origem ao caviar comercializado nos Estados Unidos. Ficou provado que as saborosas ovas vinham de três espécies de esturjão gravemente ameaçadas de extinção, que foram por isso declaradas protegidas. A informação genética tem sido essencial para organizar a árvore genealógica da vida. Desde que o DNA começou a auxiliar a anatomia e a aparência externa em reconhecer parentescos entre seres diferentes, foram várias as surpresas. Hipopótamos são parentes mais próximos
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Andrew Simpson Bioquímico diz que genoma humano está ajudando a desenvolver um novo leque de terapias Marcos Pivetta
Nos próximos anos o tratamento do câncer será feito de forma semelhante à abordagem hoje empregada com sucesso contra a Aids. Não haverá uma cura universal, mas um leque de terapias desenvolvidas a partir do conhecimento genômico – pequenas drogas de consumo oral, anticorpos que acionam as defesas do organismo e vacinas terapêuticas – que deverão ser utilizadas de maneira combinada de acordo com as particularidades de cada paciente. Assim como a Aids deixou de ser sinônimo de uma sentença de morte imediata e se tornou uma doença crônica, controlável em razão da adoção do chamado coquetel de remédios antivirais, o câncer deverá seguir esse mesmo caminho. Isso começará a acontecer assim que as novas terapias, que estão sendo concebidas para atuar de forma mais específica contra os tumores, se mostrem eficientes e seguras. Essa é a visão geral do bioquímico Andrew Simpson, diretor
científico do Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer, em Nova York, a respeito de como será o combate da doença. Simpson, que viveu no Brasil durante anos e foi o principal coordenador dos projetos de seqüenciamento do genoma da bactéria Xylella fastidiosa e do Genoma Humano do Câncer-FAPESP, fez palestra no dia 8 de junho como parte da programação cultural da exposição Revolução genômica. A iniciativa brasileira foi o segundo projeto científico do mundo que mais forneceu dados sobre tumores para o banco público internacional de seqüências genômicas. Simpson falou sobre o tema “Aspectos genômicos do câncer”. O pesquisador acredita que o avanço do conhecimento genômico sobre os tumores vai fornecer alvos mais específicos que poderão ser atacados por novas terapias. Disse que grande parte do trabalho dos cientistas de sua área consiste hoje em procurar por genes alterados ou que se mostram
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de baleias do que de porcos; chimpanzés são mais aparentados conosco do que com gorilas. Com a possibilidade de extrair DNA de seres extintos, agora se sabe que os homens de Neandertal foram a linhagem humana mais próxima da que deu origem ao homem moderno. Que, com toda a sua diversidade, representa uma porção ínfima da árvore da vida – insignificância representada no Museu de História Natural de Nova York pelo Passeio da Vida, um corredor em espiral onde o visitante avança 75 milhões de anos a cada passo. Ao final dos 110 metros de comprimento se passaram 3,5 bilhões de anos – a idade estimada para o início da vida na Terra – e debaixo de uma lente de aumento está um fio de cabelo, cuja espessura representa o tempo que o Homo sapiens já passou no planeta. Analisar em detalhe o genoma humano vem permitindo reconstruir as rotas de migração humana ao longo dos milênios que compõem o fio de cabelo do Passeio da Vida: o DNA mitocondrial, transmitido pelas mães, revela linhagens maternas; já o cromossomo Y, presente só em homens, segue de pai para filho geração após geração. Embora digam muito sobre os caminhos da humanidade, essas informações não revelam as origens de cada pessoa, advertiu o geneticista. “Se o seu cromossomo Y veio da África, isso não quer dizer muito sobre você”, afirmou. Com toda a miscigenação que acontece há milhares de anos não é possível, por exemplo, encontrar um único ancestral para cada continente. “A única coisa que sabemos é que a origem de todos os humanos está na África”, concluiu. Voltando ao seqüenciamento do genoma humano, DeSalle incitou a platéia a pensar cuidadosamente sobre o conhecimento que vem dessas pesquisas. A genômica ensina muito sobre os animais que habitam o planeta. E também faz revelações sobre nossas origens e nosso lugar no mundo. Para ele, exposições como a Revolução genômica contribuem para que esse conhecimento se estenda para além das esferas científicas e chegue à sociedade inteira. ■
Molécula do Herceptin: anticorpo monoclonal contra câncer de mama
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excessivamente expressos (ativados) em tecidos tumorais, mas que se mantêm silenciosos ou pouco ativos em tecidos normais do corpo humano. “Queremos desenvolver moléculas reagentes e drogas contra esses alvos”, afirmou. Antes de falar das três linhas de pesquisa que julga mais promissoras, Simpson fez uma avaliação de como se combate a doença atualmente. “Sabemos que até agora o câncer é tratado principalmente por meio de cirurgia, rádio e quimioterapia. A cirurgia cura o câncer quando você retira o tumor precocemente. A rádio e a quimioterapia têm sua importância inquestionável”, salientou. “Mas não são tratamentos focalizados no tumor. Eles têm efeito generalizado e, por causa disso, também muitos efeitos colaterais. Infelizmente, poucas vezes acabam com a doença. Prolongam a vida, mas não são a resposta final.” Em razão dessas limitações, a meta da pesquisa de ponta é desenvolver drogas e terapias com efeitos específicos, focalizados, nos tumores.
Drogas desenhadas Em meio ao arsenal de novas terapias que estão sendo pesquisadas em laboratórios de todo o mundo, Simpson falou primeiramente da procura por drogas, semelhantes à aspirina, que poderiam ser tomadas por via oral e interagiriam diretamente com os tumores. Tecnicamente em inglês esse tipo de medicamento é denominado targeted low molecular weight drugs. “Para esse tipo de medicamento, procuramos moléculas de sinalização que, dentro da célula, tenham a capacidade de mandá-la se reproduzir, migrar, invadir a que transmite informação”, exemplificou. “Procuramos moléculas desse tipo, ou seus genes, melhor dizendo, que se encontram mutados ou superexpressos dentro do tumor.”
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O pesquisador explicou que há duas maneiras para definir genesalvos para a atuação desse tipo de droga. Uma delas, os microarranjos de DNA, já é bastante utilizada. Trata-se basicamente de colocar pedaços de DNA em placas. Muitas dessas placas têm milhares de pontos de DNA, cada um representando um gene diferente. Com os microarranjos é possível medir concomitantemente os níveis de expressão (ativação) de muitos genes em tecidos sadios e com câncer. “Só conseguimos fazer isso porque temos o conhecimento da seqüência dos genes humanos”, comentou. A outra forma é usar a tecnologia do RNA de interferência, ou simplesmente RNAi, que valeu o Prêmio Nobel de Medicina de 2006 para seus descobridores. A técnica permite anular a ação do gene, como se ele não existisse ou não estivesse mais funcional, num organismo. “É uma maneira de suprimir a expressão de gene sem usar uma droga, mas simplesmente com o auxílio de uma pequena molécula genética”, explicou. “É um método altamente específico, no qual escolhemos os genes em que queremos atuar.” Já há medicamentos desse tipo no mercado, desenvolvidos por empresas farmacêuticas. O primeiro e mais famoso deles é o Gleevec (ou Glivec), que foi lançado pela Novartis nos Estados Unidos em 2001. A droga foi especialmente desenhada para neutralizar o defeito genético que causa a leucemia mielóide
crônica (LMC). Posteriormente, seu uso foi ampliado para outros tipos de câncer, como o linfoma gástrico. “Ele está prolongando em muitos anos a vida de muitas pessoas”, afirmou. “O problema é que, depois de 3 ou 4 anos, o tumor desenvolve resistência ao medicamento. Precisamos então de um segundo e de um terceiro medicamento. O segundo já foi desenvolvido e no futuro vamos utilizar os dois juntos. Provavelmente, dessa forma, vamos estender a vida dos pacientes por uma década em vez de alguns anos.” A segunda abordagem que deve contribuir com novos tratamentos contra o câncer usa o sistema imunológico do próprio corpo para lutar contra os tumores. Simpson explicou que os anticorpos, as células de defesa do organismo, normalmente atacam doenças infecciosas, mas também têm a habilidade de combater, se reconhecerem como estranhos, tecidos inteiros. “Queremos aproveitar essa capacidade de rejeição para rejeitar o tumor”, disse. Uma maneira de fazer isso é construir anticorpos, modificá-los para parecerem com as defesas normais do corpo humano e introduzi-los no paciente. “Procuramos moléculas na superfície das células que estão superexpressas ou mutadas.” Essa linha de pesquisa, que trabalha com os chamados anticorpos monoclonais, também já rendeu alguns produtos comerciais ao mercado. O Herceptin, uma droga
Simpson: pesquisa de drogas, anticorpos e vacinas contra o câncer
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do laboratório Roche destinada ao combate de alguns tipos agressivos de câncer de mama, é, por exemplo, um representante dessa nova forma de combater tumores. O Erbitux, das empresas Merck e Bristol-Myers Squibb, é um anticorpo monoclonal receitado contra o câncer de cólon e pulmão. A droga age contra uma proteína expressa por tumores em crescimento chamada EGFR (epidermal growth factor receptor). Simpson salientou que o Instituto Ludwig tem grande experiência nessa nova abordagem terapêutica. Desenvolveu sete anticorpos monoclonais e conta com uma unidade de produção desse tipo de molécula em Melbourne, Austrália. “Um dos primeiros anticorpos produzidos no mundo foi desenvolvido pelo diretor que me antecedeu no instituto, o doutor Lloyd Old, em seu laboratório no Memorial Sloan-Kettering, de Nova York”, comentou. Originários de roedores, os anticorpos precisam ser “humanizados” para que possam ser usados como drogas destinadas às pessoas. A primeira etapa do trabalho consiste em modificar parte do anticorpo de murídeos por meio da introdução de seqüências idênticas de um anticorpo humano. “Se não fazemos isso, o paciente vai reconhecer esse anticorpo como uma coisa estranha ao seu sistema de defesa e vai montar uma resposta imunológica contra ele, reduzindo assim sua eficácia”, explicou. Um dos desafios dos pesquisadores é mostrar que o anticorpo real-
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“Em cinco anos poderemos ter uma nova maneira de tratar o câncer a partir de dados do genoma”
mente funciona contra o tipo de tumor para o qual foi desenhado. Simpson ilustrou esse ponto falando de um anticorpo que se liga com uma molécula EGFR mutada num tipo de câncer de cérebro. “Aqui vemos tecidos normais, aqui vemos tecidos de câncer de cérebro onde há uma superexpressão do alvo EGFR e aqui temos o EGFR mutado”, explicou o pesquisador, mostrando slides à platéia que assistia à palestra. “O anticorpo contra a forma normal do alvo se liga em todos os tecidos. Já o anticorpo específico para a mutação só se liga ao tecido quando houver a mutação. Nosso anticorpo foi muito bem desenhado e identifica quando a proteína está superexpressa e também mutada (alterada).” Em testes com roedores foram obtidos bons resultados no controle de glioblastomas (tumores de cérebro) usando dois anticorpos, em vez de um. Quatro dos anticorpos monoclonais desenvolvidos pelo Ludwig já foram licenciados, um deles para a empresa
brasileira de biotecnologia, a Recepta Biopharma. “Vocês podem perguntar o que isso tem a ver com os projetos genômicos feitos no Brasil e a resposta é esta: quem montou essa empresa foi o próprio José Fernando Perez”, disse Simpson. “E eu tenho a honra de estar no conselho da empresa.” O físico Perez foi diretor científico da FAPESP no 1993 a 2005, quando incentivou projetos na área genômica. O anticorpo monoclonal hu3S193, com potencial para tratar câncer no ovário, reconhece o antígeno Y (LeY), que tem acentuada expressão em tecidos de tumores. O candidato a droga já está sendo testado em humanos.
Vacinas terapêuticas Por fim, Simpon abordou em sua apresentação a terceira grande linha de pesquisas que pode gerar novas terapias contra o câncer: as vacinas terapêuticas. “Essa é a parte que mais me anima”, afirmou. Não se trata de uma vacina para não desenvolver tumores, mas para estimular uma resposta do sistema imunológico para que as próprias defesas do organismo ataquem o câncer presente num organismo. “Ainda não chegamos a esse objetivo, mas estamos quase lá”, assegurou. Para isso, os cientistas estão procurando componentes do tumor que o corpo reconheça como um elemento estranho, externo, ao organismo. Moléculas alteradas, com mutações, que têm uma estrutura inexistente num tecido humano
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Cirurgia mais vacina Inicialmente foram descobertos cem genes de antígenos CT. Mas, procurando por genes que se expressavam em células com melanoma e também nos testículos, os pesquisadores identificaram mais 200 alvos que podem gerar vacinas contra o câncer. “Mas funciona esse novo tratamento?”, perguntou Simpson à platéia, de forma retórica. “Estamos em fase de testes avançados. Estamos usando dois genes, NY-ESO-1 e MAGE3, como protótipos para montar vacinas contra o câncer.” Uma das principais descobertas dos primeiros experimentos é que as vacinas parecem não funcionar contra o tumor primário, já instalado no organismo, mas são efetivas contra suas micrometástases, que não têm defesa contra o sistema imunológico. “Essa abordagem pode ser utilizada por pessoas diagnosti-
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cadas relativamente cedo, que fazem uma cirurgia para retirar o tumor primário e recebem a vacina para matar as metástases”, afirmou. Testes clínicos em pacientes com melanoma e câncer de pulmão feitos pelo Ludwig e também pela empresa Glaxo SmithKline, que licenciou algumas vacinas, apresentam resultados muito animadores. “Já estamos na fase 3 do teste de pulmão, que é o maior de todos os tempos para um medicamento contra esse
tipo de câncer. Vamos avaliar mais de 10 mil pessoas para o tratamento e tratar 3 mil pacientes”, afirmou. Na fase 3 a eficácia e a segurança de um possível medicamento são avaliadas numa amostra grande de pacientes. “Mas, se tudo correr bem, em 5 anos podemos ter não só um novo medicamento, mas uma nova maneira de tratar o câncer, em que o trabalho e o uso de todo nosso conhecimento do genoma humano foram decisivos.” ■
Fernando Reinach Para pesquisador será preciso dobrar a produção de alimentos até 2050 com novas tecnologias Neldson Marcolin
O mundo tem 6,7 bilhões de pessoas e deverá chegar a 11 bilhões em 2050. Para alimentar tal quantidade de gente será preciso ao menos dobrar a quantidade de alimentos produzidos. E, de preferência, sem aumentar em demasia a área agriculturável. “A única forma de alcançar essa meta é desenvolver e usar tecnologia no campo”, afirmou o biólogo Fernando Reinach, professor titular da Universidade de São Paulo e diretor executivo da Votorantim Novos Negócios. “Ao contrário do que pregam os ativistas ambientalistas, a tecnologia sempre foi a melhor amiga da política ambiental”, disse ele em palestra durante a agenda cultural da exposição Revolução genômica, no dia 1º de junho. Um dos idealizadores e coordenadores do seqüenciamento da bactéria Xylella fastidiosa, Reinach justificou sua afirmação com fatos: se não fosse o avanço da tecnologia, a área desmatada para plantio no Brasil e no mundo seria muito maior. O uso da adubação química e dos agroquímicos, além do melhoramento genético clássico, foi
o que permitiu o aumento da produção por hectare nos últimos 50 anos. “Claro que em muitos casos a tecnologia foi usada de modo exagerado, sem controle, mas a atual preocupação com o ambiente tem provocado uma reação contra ela que demonstra um grave erro de percepção”, observou. Ele citou o exemplo dos transgênicos – os organismos geneticamente modificados (OGMs) –, que já são muito usados na agricultura em todo o planeta. “Nenhuma novidade tecnológica foi tão combatida quanto essa, embora esteja entre as mais promissoras técnicas usadas para aumentar a produtividade agrícola com menos agroquímicos.” O biólogo voltou no tempo para explicar a importância do uso da tecnologia no campo. Toda a alimentação consumida pelo homem passa pelas plantas, seja para consumo humano ou para a criação de animais. A única exceção é o peixe, que vem do mar. Foi depois de desenvolver a agricultura, entre 10 mil e 15 mil anos atrás, que a população começou a dar saltos de crescimento, quando a batalha
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normal, são um dos candidatos a desempenhar esse papel. “Pegamos essa molécula e a colocamos numa vacina para estimular uma resposta imunológica”, explicou. Essa abordagem terapêutica surgiu, disse Simpson, depois que pesquisadores do Instituto Ludwig, nos anos 1990, descobriram que proteínas chamadas antígenos CT eram reconhecidas pelo sistema imunológico de uma paciente com melanoma, câncer de pele. “O melanoma é famoso porque de vez em quando ocorre uma cura espontânea”, contou o bioquímico. “A pessoa está morrendo, não há mais nada a fazer e, de repente, melhora sozinha. Verificou-se que nesses casos, por algum motivo, o sistema imune conseguiu reconhecer o tumor e acabou com ele.” Para averiguar o que acionava a resposta do sistema imunológico, os pesquisadores pegaram as células T (de defesa) de um paciente com esse tipo de câncer e procuraram os elementos que eram vistos por elas como estranhos ao sistema. Descobriram que se tratava de uma série de proteínas que, normalmente, estão totalmente ausentes do organismo adulto e só estão presentes nas linhagens germinativas. Os únicos tecidos sadios em que genes que codificam os antígenos CT são expressos são os testículos, onde não são combatidos pelo sistema imune.
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“Nenhuma novidade tecnológica foi tão combatida quanto os transgênicos, embora esteja entre as mais promissoras técnicas para aumentar a produtividade agrícola com menos agrotóxico”
roça simples, de poucos metros quadrados, ele corta parte da floresta, tira toda a biodiversidade e planta no lugar duas ou três espécies apenas.” Também era assim com a agricultura no Oriente Médio, quando começaram a produzir os alimentos nas roças ao lado das cidades. O impacto global era pequeno, mas não diferia do que se faz atualmente – as pessoas destruíam o ambiente local e plantavam culturas no lugar. O desastre ecológico ganhou proporções gigantescas quando a população iniciou sua fase de grande crescimento. Para solucionar parte significativa da questão de produção de alimentos nos próximos anos, o Brasil terá papel central. Aqui há terra, água e luz solar abundante, algo que só existe em poucos lugares, como na África subsaariana. Os Estados Unidos e a Europa já ocuparam toda a área agriculturável possível. Quer o Brasil queira ou não, haverá pressão internacional para que a maior parte dos alimentos saia daqui. “Será
uma grande oportunidade para o país enriquecer, mas será também a maior ameaça para ecossistemas como a Floresta Amazônica.”
Brasil como protagonista Como resolver a questão de modo a não perder toda a biodiversidade que resta para a agricultura? Entre 1950 e 2000 a quantidade de alimento cresceu três vezes sem aumentar a área plantada na mesma proporção. Para conseguir repetir a dose, será preciso um crescimento ainda maior da produtividade por hectare ou aumentar muito a área para cultivo. “Se triplicarmos a área plantada atualmente no Brasil não teremos mais Amazônia, nem Cerrado ou Mata Atlântica”, afirmou. Da platéia saiu a questão sobre o desperdício e a má distribuição de alimentos. “Mesmo se esses ajustes importantes fossem feitos, ainda assim só 20% a 30% do problema estaria resolvido”, respondeu Reinach. “Não se escapa de ter de aumentar a quantidade.” Nos últimos 50 anos não houve uma grande crise de falta de alimentos porque a produção de grãos foi proporcional ao crescimento da população. O mundo saiu de 600 milhões de toneladas em 1950 para 1,8 bilhão de toneladas em 1995. No mesmo período a população pulou de 2,5 bilhões para quase 6 bilhões. A área cultivada cresceu pouco: era de 600 milhões de hectares em 1950 e subiu para apenas 700 milhões em 1995. Mesmo assim, a produção foi de 1
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diária pela comida se tornou mais amena. “No passado remoto todas as poucas pessoas do mundo estavam envolvidas com a produção de algum tipo de alimento”, disse Reinach. “Hoje menos de 10% da população mundial trabalha diretamente com plantio ou pecuária.” Em 1750, por exemplo, havia cerca de 1,5 bilhão de habitantes no mundo. A população começou a crescer de modo significativo por volta de 1950, graças a uma série de fatores como o surgimento de medicamentos mais eficazes, como antibióticos, melhor organização e distribuição de alimentos. De lá para cá o número de pessoas sobre a Terra quase triplicou. Passou de 2,5 bilhões (1950) para 6,7 bilhões (2007) e deve se estabilizar em 12 bilhões entre os anos de 2050 e 2100, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU). O desafio da agricultura nos últimos 50 anos, grosso modo, foi alimentar três vezes mais pessoas. “E alimentar mal, porque ainda tem muita gente passando fome.” O drama agora é repetir a dose. O mundo terá de dobrar a produção no campo para conseguir, ao menos, manter o padrão de alimentação atual. O grande problema é que esse objetivo se choca com as atuais preocupações ambientais. Reinach fez questão de lembrar que a agricultura sempre foi uma ameaça à ecologia. “Veja o índio, o sujeito mais integrado à natureza que existe”, exemplificou. “Quando faz uma
Reinach: tecnologia sempre foi a melhor amiga da política ambiental
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mil quilos por hectare para 2,7 mil quilos por hectare no período. No Brasil, mesmo com esse ganho de produtividade, houve uma grande devastação da floresta para se colocar no lugar exclusivamente gado – “o pior uso possível da terra”, nas palavras de Reinach. A solução para o crescimento da produção foi a tecnologia. Entre 1950 e 1965 o uso de adubo químico para fertilizar a terra foi intensivo. Depois surgiram os agroquímicos, compostos que matam insetos e ervas daninhas. E houve, claro, a sofisticação do melhoramento genético clássico, que conseguiu fazer as plantas produzirem mais grãos. Em muitos casos, os avanços no campo também trouxeram problemas como contaminação de solo e dos rios e a intoxicação de pessoas e animais em razão do modo exagerado como foram usados. “Mas, se essas tecnologias não tivessem sido desenvolvidas, a fome seria um problema muito maior do que o ecológico e nós já teríamos devastado o equivalente a três Amazônias.” Nas últimas décadas a consciência ambiental cresceu em todo o mundo e uma parte da sociedade começou a impor restrições severas para o uso de novas tecnologias. Reinach alerta para o que considera um grande erro de percepção dos dias atuais. Quem deseja abolir
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“Se o adubo químico, os agroquímicos e o melhoramento genético clássico não tivessem sido desenvolvidos, a fome seria um problema muito maior do que o ecológico e nós já teríamos devastado o equivalente a três Amazônias
os agroquímicos do mundo não sabe que foi a criação de técnicas como essas que garantiram o contínuo aumento da produtividade. “Toda tecnologia traz benefícios e riscos; por isso tem de ser bem administrada.” Os alimentos orgânicos, plantados sem nenhum aditivo e livres de contaminação, são um luxo para poucos, nem de leve podem ser encarados como solução para um mundo com vários bilhões de habitantes. “Simplesmente não dá para não desmatar, não usar nenhuma tecnologia mais agressiva e ainda produzir comida para todos”, disse. “É a falta de conhecimento que faz com que as pessoas queiram essa meta impossível.” Como algumas dessas tecnologias alcançaram seu limite de uso, agora será preciso agregar outras. Os transgênicos estão entre as mais promissoras delas e deverão contribuir para o aumento da produtividade sem o crescimento excessivo da área plantada.
Cana-de-açúcar Da platéia da palestra saiu outra questão: não estaria havendo uma mudança da cultura de alimentos para a cultura de produção de combustível? Reinach aproveitou a pergunta para falar da cana-de-açúcar como protagonista de uma nova revolução em curso, a da energia renovável. Pela primeira vez o Brasil está na liderança da pesquisa e no desenvolvimento de etanol. “Perdemos todos os bondes das revoluções tecnológicas que já passaram por aqui e agora temos a chance real de oferecer matéria-prima e soluções tecnológicas para o mundo”, disse. O investimento do país desde o programa Proálcool, dos anos 1970, até hoje, com o desenvolvimento dos carros flex e dos biocombustíveis, tornou o Brasil centro das atenções quando se procuram soluções para substituir o petróleo. Mesmo que ainda demorem muitos anos para se esgotar as reservas mundiais, o combustível fóssil é visto como um enorme problema ambiental. Para o biólogo, o petróleo não deixará de ser usado, mas em alguns anos passará a ser apenas mais um elemento dentro da matriz energética usada no mundo, ao lado do álcool, da energia eólica, das marés e da nu-
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clear – esta última voltou a ser uma forte opção nos últimos anos. Os biocombustíveis são uma ótima fonte de energia renovável. Mas seu uso como combustível provavelmente colocará mais pressão sobre a questão da produção de alimentos. “É uma competição. Mesmo que eles tomassem apenas 1% da terra, ainda assim seria 1% a menos para plantar comida”, avaliou. Neste ponto, a tecnologia volta a ganhar importância. O cientista acredita que dá para fazer as duas coisas e ainda preservar boa parte da floresta. O Brasil é privilegiado porque a cana-de-açúcar ocupa de 1% a 2% da área agrícola nacional e pode ser expandida sobre a área de pasto. Nos Estados Unidos não tem mais espaço. Lá, cada hectare a mais de milho para produzir etanol significa um hectare a menos para produzir soja. Mais uma vez surgiu da platéia uma questão relevante: os Estados Unidos já perceberam essa situação e provavelmente investirão pesado para aproveitar tirar álcool da biomassa do milho. Não há risco de eles desenvolverem tecnologias antes de o Brasil poder se aproveitar do bom momento das energias renováveis? Para Reinach os norte-americanos provavelmente vão resolver antes essa questão tecnológica de aproveitar melhor a biomassa do milho ou da cana. “Ocorre que o Brasil tem matéria-prima mais barata e isso é um fator fundamental para o sucesso da política de energia renovável, mesmo que tenhamos de pagar por esse conhecimento desenvolvido por eles”, disse. O cientista acredita que o desenvolvimento da tecnologia de aproveitamento da biomassa não vai ocorrer aqui porque é impossível competir com o investimento feito no exterior. “Ainda assim temos todas as chances de ser o centro da revolução tecnológica atual porque é aqui que produzimos muita cana. E do modo mais barato.”
Biocombustível Mesmo que o desenvolvimento tecnológico ocorra na Califórnia ou na Groenlândia, não será nesses dois lugares que haverá o grosso da produção de biocombustíveis. “Não tem jeito, a fotossíntese é produzida com grande eficiência aqui no Bra-
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sil, onde há as melhores condições naturais para isso.” Os semicondutores foram desenvolvidos nos Estados Unidos, mas quem ganhou dinheiro com eles foi o grupo de países chamados de Tigres Asiáticos porque souberam usar. Não há necessidade de criar e desenvolver tudo para obter ganhos. “Já temos o monopólio natural e temos de saber nos aproveitar dele”, alertou. Isso significa que o Brasil será apenas um produtor de matériaprima?, perguntou um integrante da platéia. “Não, significa que uma parte do desenvolvimento será feito aqui, mas outras partes serão feitas no exterior”, afirmou. Um exemplo prático: as duas únicas empresas que trabalham com genética de cana estão no Brasil. São a Alellyx e a CanaVialis, da Votorantim Novos Negócios, das quais Reinach é diretor executivo. “Estamos na liderança desse processo, mas o que investimos aqui é apenas um centésimo do que é investido lá fora.” É por isso
que não dá para ter a ilusão de que o país fará tudo sozinho. Já há empresas do exterior fazendo joint-venture com usinas de álcool brasileiras para trabalhar no melhoramento da produção de etanol. A competição é grande. Não só existem companhias vindo para cá como Moçambique e Angola começaram a plantar muita cana também, que está sendo reintroduzida lá. Mas quais são, afinal, as grandes vantagens da cana-de-açúcar sobre os outros vegetais, tão cantadas pelo cientista, perguntou alguém da platéia. “Não há nenhuma planta mais eficiente conhecida até agora que transforme luz solar em água e em açúcar”, explicou. Em toneladas de matéria-prima por hectare, nada no mundo bate a cana produzida em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Hoje a preocupação é produzir combustível mais barato e mais limpo que o petróleo. E há também um movimento nada desprezível para substituir a indús-
Segundo o biólogo, o país poderá oferecer matéria-prima e soluções tecnológicas para o mundo
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tria petroquímica pela do álcool. “Um bom exemplo é o acordo que a Dow Chemical fez com a Crystalserv para construir dez usinas de etanol e produzir eteno, etileno e polietileno, este último um tipo muito comum de plástico.” Não será apenas a cana que vai competir alimento, mas o combustível etanol enfrentará a competição com o plástico. Reinach mostrou um gráfico comparando os países mais aptos a produzir cana, Cuba, Índia, Austrália e Brasil. Alguns elementos são geográficos, como luz, água e disponibilidade de terra. Outros são o custo da mão-de-obra, a escala de produção, o desenvolvimento genético e de tecnologia em geral. Comparando com os países citados, o Brasil tem tanta água quanto Cuba e Índia e um pouco menos de luz que Cuba para produzir cana. Quanto à disponibilidade de terra, não dá para comparar com nenhum outro. Desenvolvimento genético também é feito melhor e mais por aqui. E só a Austrália tem uma tecnologia um pouco mais próxima da brasileira. O biólogo pediu atenção para alguns números importantes na questão do biocombustível. Tratase de uma equação chamada energy returned on energy investid (algo como energia resultante da energia investida), que avalia quanto se gasta de petróleo para produzir etanol. O cientista usou o exemplo do trator usado na lavoura. O veículo é movido a óleo diesel. As peças são feitas de ferro em uma usina que usa diesel como energia. Para fazer o fertilizante que vai na terra também é usado um derivado do petróleo. Para quase tudo é preciso da energia do petróleo. Com um barril de petróleo é possível produzir quantos barris de etanol? No Brasil, com um barril de petróleo são produzidos de 5,2 a 11,2 barris de etanol de canade-açúcar. “É uma eficiência energética muito boa”, avaliou o cientista. Nos Estados Unidos gasta-se um barril de petróleo e produz-se de 1,3 a 2 barris de etanol a partir do milho. “É muito pouco, porque a cultura do milho é muito cara.” A biomassa brasileira, também produzida em quantidade quase dez vezes maior que a do milho norte-
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“Dois terços da cana não são aproveitados. Transformar essa biomassa em etanol é a principal corrida tecnológica de hoje”
americano, praticamente não é usada. Quando a cana é colhida, palha, folhas e ponteiro ficam no campo ou são queimados. Na usina, da cana sai o caldo e o bagaço, mas apenas o primeiro é usado para tirar etanol ou açúcar. Na prática, da energia que uma plantação de cana capta dois terços não são aproveitados. “Com um pouco de tecnologia podemos tirar energia desses dois terços”, afirmou. Transformar biomassa em etanol é a principal corrida tecnológica de hoje.
Conquistas da genômica Vejamos a seguinte conta: 1 hectare produz 110 toneladas (t) de cana e 85 t vão para a usina, depois que se tiram a folha e o ponteiro. Com as 85 t são produzidas 12 t de açúcar (ou 7 t de etanol) e sobram 23 t de bagaço. Este último, em geral, é queimado com baixa eficiência para gerar energia elétrica. A palha fica no campo, sem gerar nada. Hoje a produção é de 7 mil litros de etanol e 6,1 megawatts/hora de energia por hectare de cana. “Mas podemos também pegar o bagaço e separar em celulose, hemicelulose e lignina”, explicou. “E lignina eu queimo e produzo energia; com a celulose e hemicelulose consigo fazer mais 4
mil litros de etanol.” Logo, se usar a tecnologia para tirar etanol do bagaço, a produtividade sobe para 11 mil litros de etanol. Se usar a tecnologia em tudo, da palha ao bagaço, dá para tirar 28 mil litros de etanol por hectare em vez de 7 mil litros, com praticamente a mesma quantidade de energia elétrica. De acordo com Reinach, esse processo já foi desenvolvido recentemente na empresa CanaVialis. “É isso que chamo de uma nova revolução tecnológica.” Essas transformações feitas com a biomassa da cana são possíveis em razão de reações catalisadas por diversas enzimas conhecidas na natureza que permitem produzir praticamente todos os produtos petroquímicos. Por essa razão existem empresas químicas estrangeiras e brasileiras investindo seriamente nessa vertente de pesquisa com o objetivo de produzir não só mais etanol, mas também os derivados do petróleo que se tornarão tão caros quanto ele, como o polietileno e o polipropileno. As recentes conquistas da tecnologia nos últimos anos, especialmente as proporcionadas pela genômica, ajudam a explicar também a criação das duas empresas de biotecnologia criadas dentro da Votorantim e dirigidas por Reinach, a Alellyx e a CanaVialis. “Depois da Xyllela, participamos do seqüenciamento da cana e do eucalipto e decidimos criar a Alellyx, em 2002, porque não havia nenhuma empresa no mundo capaz de transformar a cana-de-açúcar”, disse. “Trabalhamos também com laranja e eucalipto, mas o grosso do orçamento é para fazer novas variedades de cana transgênica.” Depois da Alellyx, Reinach se empenhou para contratar dois pesquisadores, Sizuo Matsuoka e Hideto Arizono, para trabalhar em uma nova empresa, a CanaVialis, criada em 2003. Foram os dois que desenvolveram o primeiro programa de melhoramento genético de cana-de-açúcar, a partir de 1970. “Eles foram os responsáveis por pelo menos 70% da tecnologia desenvolvida para a cana até agora e são alguns dos cientistas que mais criaram valor para o Brasil.” Na CanaVialis, ambos tocam o maior programa de genética clássica do mundo. ■
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Carlos Nobre Meteorologista do Inpe expõe as causas e os efeitos das mudanças climáticas Fabrício Marques
realizada em São Paulo no dia 14 de junho sobre a “Ciência do sistema terrestre e a sustentabilidade da vida no planeta”. Um dos mais renomados meteorologistas do país, Carlos Nobre é coordenador do recém-criado Centro de Ciência do Sistema Terrestre (CCST) do Inpe. Também integra o grupo de pesquisadores brasileiros que participa dos trabalhos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão das Nações Unidas que ganhou o Nobel da Paz de 2007 ao lado do ex-vicepresidente dos Estados Unidos Al Gore. A palestra de Nobre, que foi apresentado ao público por Marcos Buckeridge, professor da USP, fez parte da programação cultural da exposição científica Revolução genômica. O desafio brasileiro, disse o pesquisador, consiste em encon-
Nobre, com o botânico Marcos Buckeridge ao fundo: “O novo paradigma é trazer valor à riqueza biológica da floresta”
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O Brasil leva uma vantagem em meio ao esforço internacional para atenuar os efeitos do aquecimento global. Acontece que a metade das emissões brasileiras provém do desmatamento, sobretudo na Amazônia, uma atividade econômica predatória que não responde por mais de 1% do PIB. “O Brasil é o país com a maior quantidade potencial de fontes de energia renovável e onde grande parte das emissões vêm de um setor que não está gerando nem distribuindo riqueza. Já para países como a China e a Índia, que não têm tantas fontes de energia e nos quais as emissões de CO2 estão ligadas principalmente à queima de combustíveis fósseis, a redução impõe severas restrições ao modelo de desenvolvimento econômico”, disse o pesquisador Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em palestra
trar uma solução para a questão da Amazônia que fuja do modelo tradicional baseado na exploração de soja, madeira e pecuária. “O novo paradigma é trazer valor à floresta em pé, trazer valor à riqueza biológica, à riqueza da água, da biodiversidade, dos recursos naturais renováveis. E por que esse é um desafio tão grande para o Brasil? Porque não existe o que copiar. Se o Brasil inventar esse modelo, poderá tornar-se o primeiro país tropical desenvolvido. Essa é uma grande oportunidade e o Brasil reúne as melhores condições, tanto pela sua potencialidade de recursos naturais como pela sociedade diversa, pela força de sua comunidade científica e tecnológica, por sua base industrial sofisticada”, afirmou o pesquisador. Por mais de 2 horas Nobre deu uma aula sobre as causas e os efeitos das mudanças climáticas. Começou explicando o conceito de sistema terrestre que é, em resumo, o somatório de todos os elementos vivos e os não-vivos e a interação entre eles. “O sistema terrestre é composto pela atmosfera, os oceanos, a vegetação, a terra sólida, o solo, a água. Tudo isso está interligado e a ciência do sistema terrestre procura entender a complexa dinâmica de interação dos sistemas naturais e humanos, além de compreender como essa transformação afeta as nossas ações e até a nossa vida”, disse Nobre. “O homem tem um papel especial neste
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Com o derretimento recorde do gelo do Ártico, ursos-polares podem perder habitat e desaparecer
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conceito, por ser o único ser com capacidade de transformar esse sistema terrestre de uma maneira que nenhuma outra espécie viva até hoje conseguiu”, explicou o professor. Nobre citou duas pesquisas recentes publicadas em revistas científicas para exemplificar o peso da ação humana modificando o ambiente global. Uma delas, divulgada em maio pela revista Science, mostra que o homem aumentou a oferta de nitrogênio nos oceanos em quase 50%. Além disso, tem influenciado gravemente os ciclos desse elemento químico na atmosfera e no solo do planeta. O aumento tem sérias implicações para as mudanças climáticas, uma vez que o nitrogênio em excesso aumenta a atividade biológica marinha e a absorção de dióxido de carbono, o que, por sua vez, leva à produção de mais óxido nitroso, considerado ainda mais prejudicial ao aquecimento global do que o metano ou o próprio dióxido de carbono. “Hoje nós jogamos no
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ambiente mais nitrogênio do que a fixação biológica. Isso graças ao excesso de fertilizantes e das indústrias químicas que produzem como subproduto de algum produto químico o nitrogênio”, disse Nobre. O segundo artigo, publicado na revista Nature, deu conta de que o homem acelerou em 10 mil vezes o processo que leva à extinção de espécies. “As espécies surgem e desaparecem. Esse é um fenômeno natural. Às vezes tem uma grande extinção. Pode cair um meteorito, por exemplo. Ele levanta muita poeira, a luz do sol fica obscurecida por anos, as plantas morrem, os animais morrem e muitos são extintos. Depois a vida volta, devagarzinho. Esse processo é natural. Nós aceleramos esse processo em 10 mil vezes com a caça, a pesca predatória, a fragmentação e o desaparecimento de habitats, a contaminação e a poluição. Recentemente, também as mudanças climáticas começaram a ser responsabilizadas pelo desaparecimento de espécies. No futuro, elas
serão o principal fator de extinção de espécies, com velocidade equivalente a dessas grandes extinções.” Para mostrar a força do homem nas mudanças globais, Carlos Nobre amparou-se numa definição do holandês Paul J. Crutzen, ganhador do Nobel de Química de 1995, que ajudou a elucidar a química e a física do buraco na camada de ozônio. Segundo Crutzen, a influência humana no equilíbrio do planeta nos últimos 200 anos foi tão intensa que pode ser comparada às mudanças que ocorrem no planeta na mudança das eras geológicas – daí ele chamar o tempo que vivemos de Antropoceno. “Tecnicamente, a definição pode não ser correta, pois o conceito de era geológica depende de fenômenos que acontecem na escala geológica de tempo, como a órbita da Terra em volta do Sol, as pequenas variações da radiação solar que levam às épocas glaciais a cada 20 mil, 30 mil ou 100 mil anos, ou os movimentos das placas tectônicas que geram terremotos, ativam vulcões e formam um novo solo oceânico”, disse Nobre. “Mas o professor Crutzen mostra que somos uma força telúrica capaz de promover transformações na mesma magnitude.” Nobre apresentou dois conjuntos de evidências sobre o advento do Antropoceno. O primeiro é a evolução da concentração na atmosfera ao longo dos últimos 10 mil anos de gases causadores do efeito estufa, como o gás carbônico, o metano e o óxido nitroso. “A variação histórica desses gases é pequena, até que, nos últimos 200 anos, após a Revolução Industrial, eles dão um salto e não param de crescer”, disse Nobre. “A população do mundo passou de 2 bilhões para 6,6 bilhões em apenas 70 anos. Levou 9 mil anos para atingir 1 milhão de habitantes e cem anos para passar a 6,6 bilhões. Mesmo que a gente continuasse consumindo a mesma coisa de antes, já seria um fator multiplicador de seis vezes. Só que cada um de nós hoje consome muito mais energia e retira mais recursos naturais do que nossos pais e avós. Esse fator per capita de utilização de recursos naturais hoje é 20 a 30 vezes maior do que era da população do século XIX”, afirmou.
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“Os países ricos se preocupam com a adaptação às mudanças climáticas, mas não com a nossa adaptação”
A irreversibilidade das mudanças climáticas traz a responsabilidade de se adaptar”, afirmou ele, que mostrou exemplos de países que já se preparam. “A Holanda já gasta milhões de euros por ano na pré-preparação para o aumento do nível do mar. Os Estados Unidos gastam uma quantidade que ninguém nem fica sabendo em preparação. Só a baía de São Francisco tem um plano enorme para se adaptar ao aumento do nível do mar, que vai modificar muita coisa naquela baía, região extremamente importante dos Estados Unidos. Eles calculam que os custos de adaptação da baía nos próximos 50 anos passem de US$ 1 trilhão. A gente quase não ouve falar de adaptação no Brasil”, disse. O climatologista enumerou efeitos já visíveis do aquecimento. “O planeta mais quente tem mais energia na at-
mosfera. Os ventos e as chuvas são mais fortes. O mundo está ficando tropicalizado. Com isso, eventos extremos que eram raros começaram a aparecer com certa freqüência nos últimos 3 anos. Aumentaram o número e a intensidade de furacões registrados no Caribe. Houve enchentes na Venezuela e na Argentina que nunca tinham acontecido. Houve uma seca sem precedentes no oeste da Amazônia. O primeiro furacão observado no Atlântico Sul atingiu o Brasil em 2004. Houve tempestades de granizo em Buenos Aires e em La Paz que nunca tinham sido registradas. São exemplos do que já está acontecendo e vai se intensificar”, disse. Embora a China tenha ultrapassado em 2006 os Estados Unidos e alcançado a liderança das emissões de gás carbônico, Nobre lembrou que é injusto atribuir o papel de vilão ao gigante asiático. “Não vamos culpar a China, porque a maneira talvez mais justa de olhar essa questão é analisar a emissão per capita, emissão por habitante. Quando a gente olha a emissão per capita, vemos que os Estados Unidos emitem 5,5 toneladas de carbono por habitante por ano. Os países europeus, que têm um nível
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A segunda fotografia do Antropoceno, disse Nobre, pode ser vista na elevação contínua da temperatura média do planeta nos últimos 50 anos. “A temperatura não parou de aumentar. Já subiu 0,8 grau. Parece pouco, mas na verdade é muito, pois não podemos olhar esse dado como uma mera flutuação da temperatura, mas sim sob a perspectiva de como a Terra processa as variabilidades naturais”, disse Nobre. “De uma Era Glacial até o período Interglacial, a temperatura varia 5 a 6 graus, mas isso leva 10, 12, 20 mil anos para acontecer. Nós, em cem anos, aumentamos a temperatura quase 1 grau. Isso significa que nós aceleramos a máquina climática em 50 vezes. O que faz a diferença não é tanto o valor de temperatura, mas o fato de estarmos acelerando a velocidade. E isso faz toda a diferença. Para se adaptar a essa velocidade, o sistema terrestre vai perder muita coisa e a grande questão que se coloca é se, ao perder funcionalidade, ele também perderá condição de sustentar a vida no longo prazo”, explicou. “Associado ao aumento de temperatura, há o aumento do nível do mar. O ar mais quente derrete as geleiras, a água corre para o mar e eleva o nível dos oceanos. E a água mais quente também ocupa um espaço maior nos oceanos, pois sua densidade fica menor.”
Adaptação às mudanças Nobre expôs os cenários do clima no futuro traçados pelo IPCC. “Se nós estabilizarmos a concentração dos gases, como o CO2, por exemplo, na faixa de 600 partes por milhão, vai aquecer 1,8 grau no século XXI e vai aquecer mais meio grau até o século XXIII. O nível do mar vai subir até o ano 3000. Isso seria um cenário. Para estabilizar nessa concentração, nós temos um trabalho muito grande a fazer. Mas se a gente não fizer nada, aí pode subir 3,4 graus neste século e continuar a subir sem parar”, afirmou Nobre, lembrando que os países precisam preparar-se para tais mudanças. “Só se fala em reduzir as emissões. Os países desenvolvidos querem envolver todos na redução das emissões e nós, de certa forma, copiamos essa agenda. Eles estão preocupados com a adaptação, mas não com a nossa adaptação.
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Nova Orleans inundada após a passagem do furacão Katrina: eventos extremos
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de vida normalmente melhor que o dos Estados Unidos, emitem 3 toneladas/ano por habitante. Eles mostram que você não precisa gastar tanta energia e emitir tanto para viver bem. Os Estados Unidos têm muita gordura, têm muito desperdício, é um país perdulário na energia. Os veículos americanos são ineficientes até hoje. Se os Estados Unidos fizessem uma frota tão eficiente quanto a da China, que não é a mais eficiente do mundo, eles já diminuiriam em 10% a emissão de CO2. Mas as instituições e as pessoas não querem mudar o seu padrão de vida muito consumista. É assim no mundo todo, e nos Estados Unidos em particular”, disse Nobre.
Reconhecimento Ainda que o modelo norte-americano inspire muitos países, Nobre observou que há fissuras no pensamento hegemônico. Citou um recente discurso de George W. Bush sobre o aquecimento global em que o presidente, embora tenha se oposto à adesão dos Estados Unidos ao Protocolo de Kyoto ao longo de todo o seu mandato, engrossou o coro em favor da redução de emissões de gases causadores de efeito estufa e disse acreditar que os avanços da tecnologia ajudarão a proteger o ambiente. “Já é o primeiro reconhecimento, mas ainda num caminho ilusoriamente fácil. Ele insiste que é possível reduzir os gases do efeito estufa, mas sem diminuir o crescimento econômico ou restringir a prosperidade. A palavra prosperidade tem vários sentidos. No século XX, prosperidade e consumismo são termos que não se dissociam, ainda que a etimologia da palavra prosperidade não seja necessariamente negativa”, afirmou o pesquisador. Para ele, mais significativo do que o discurso de Bush foi a inclusão do urso-polar na lista dos animais ameaçados de extinção pelo serviço de proteção à vida selvagem do governo americano. “Simbolicamente isso reflete que os Estados Unidos finalmente se dobraram às evidências da ciência. Colocar o urso-polar na lista de animais seriamente ameaçados de extinção é admitir que não vai mais ter gelo em cima do oceano Ártico daqui a 30, 40 ou 50 anos ao final
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“Eu traduzo ganância para uma palavra mais moderna chamada consumismo. O planeta não tem recursos para manter o nível de consumo dos Estados Unidos”
da estação do verão. Isso significa de fato o fim do urso-polar no seu habitat natural. Ele não é um peixe. Ele vive em cima dos icebergs. Mergulha, caça e volta. O urso-polar vai existir nos zoológicos, mas não mais na natureza. Quando forem escritos livros sobre a nossa época, tenho certeza de que esse fato vai ser mais lembrado do que a frase do presidente Bush.” O grande dilema, lembra Nobre, é reduzir o exagerado padrão de consumo sem mergulhar o mundo numa grande depressão econômica. Citando a máxima de Mahatma Gandhi, segundo a qual a Terra tem os recursos para manter bilhões de pessoas em plena satisfação e felicidade, mas não tem os recursos que mantenham a ganância, o climatologista disse: “Eu traduzo a ganância para uma palavra mais moderna chamada consumismo. Na geração dos meus pais, ter o segundo carro na garagem era uma prova inconteste do progresso. Precisava do segundo carro na garagem? Não, mas aquilo era um valor cultural e a nossa geração cresceu com esse valor. O consumismo é consumir mais do que nós necessitamos para a plena realização humana. E nós consumimos muito mais. Se hoje todos nós decidíssemos parar
o consumismo amanhã, haveria uma crise econômica maior do que a de 1929”. Nobre alertou que, no longo prazo, não existe saída além de mudar o padrão de consumo. “É impossível mudar essas coisas de um dia para o outro, mas isso tem que ser mudado. O planeta não tem recursos naturais para manter o consumo de energia, o consumo de alimento, o consumo de proteína animal que a classe média brasileira ou que os Estados Unidos ou a Europa Ocidental têm. Se os chineses pobres, se os indianos e se todos os pobres do mundo quiserem chegar até a metade desse nível, então teremos que mudar profundamente nossas expectativas sobre o futuro da humanidade”, afirmou. A China, observou Nobre, ainda tem 500 milhões de pobres nas áreas rurais. A Índia tem 800 milhões de pobres, o Brasil, 100 milhões, a África do Sul, 40 milhões, o México, 50 milhões. “Ao todo há 2,5 bilhões de pobres no planeta”, afirmou o pesquisador. “A grande questão é como elevar o padrão de vida desses pobres sem aumentar o consumo de energia. Ninguém sabe. Precisa aumentar o consumo de energia para os níveis dos Estados Unidos? Não. Temos que ser criativos, mas é difícil imaginar os países pobres tirando as pessoas da pobreza e mantendo os velhos níveis de emissão. Esse é o grande dilema. As emissões estão aumentando porque não há soluções simples”, disse Nobre. Nem a perspectiva de que o petróleo se esgote traz um alento para reduzir a concentração de gás carbônico. “Tem carvão para elevar a concentração acima de 1.500 até 2.000 partes por milhão. O problema não será resolvido pela exaustão dos combustíveis fósseis, mas pela substituição dos combustíveis fósseis por formas renováveis, que hoje são muito caras para os países em desenvolvimento. Como vai haver um grande acordo em que os países em desenvolvimento vão ser ajudados a transformar? Como convencer a China a parar de usar o carvão que ela tem em abundância? Essas questões permanecem em aberto e a gente não está avançando, tanto é que as emissões estão crescendo. Poderemos, se não houver
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Muniz Sodré Especialista em comunicação pensa que a mídia se constitui como esfera existencial regida pela economia monetária Gonçalo Junior
As formas de se comunicar sofreram, nas duas últimas décadas, uma revolução intensa e transformadora e seu impacto na vida das pessoas pode ser até maior do que o acontecido ao longo do século XX, período em que foram difundidas novas formas de comunicação de massa como telefone, cinema, rádio, histórias em quadrinhos e TV. É a era digital, cuja impressionante velocidade e difusão de informação e conhecimento parece confundir a
cabeça daqueles que estudam a comunicação. Aos poucos, no entanto, desenvolveram-se estudos, teses e teorias que tentam explicar o que está se passando. “Estamos num período realmente de rompimento, de pensar reflexivamente a comunicação, mas um belo momento dos estudos dessa área no Brasil”, avalia Muniz Sodré, um dos grandes pensadores contemporâneos da comunicação no Brasil, presidente da Biblioteca Nacional e professor M A RCIA M IN ILLO
ação, cruzar um desses limites críticos, o que vai causar uma grande perturbação do sistema climático, e até mesmo da sustentabilidade futura da vida”, disse. Respondendo a perguntas da platéia, Nobre comentou o avanço da multidisciplinaridade na ciência, com destaque para a pesquisa na área ambiental. “Quando fiz minha tese de doutorado, fiquei 2 anos fazendo um cálculo no computador. Isso foi de 1977 a 1982. Um aluno meu de doutorado hoje faz exatamente o mesmo cálculo, ou seja, obtém o mesmo resultado científico em uma tarde usando um supercomputador. O cientista não precisa ficar fazendo tudo como antigamente. Essa mudança da eficácia da geração do novo conhecimento está liberando o cientista disciplinar para se interessar em ligar as coisas. O fato de não precisar ficar o tempo todo no laboratório liberta o cientista para aprender mais de uma disciplina. Eu treino alunos de doutorado nas áreas que domino bastante, mas também quero que eles sejam treinados também em biologia, em química e um pouco de ciências sociais.” Outra mudança, segundo Nobre, é que os cientistas se movem cada vez mais em função de grandes problemas da sociedade. “Não que o cientista tenha virado um ser político, mas começa a responder a grandes questões sociais e essas questões, por definição, são complexas e exigem a abordagem interdisciplinar e transdisciplinar”, afirmou. O momento, ele diz, é positivo, mas requer cuidados. “Se o cientista não ficar alerta, pode acabar se tornando um instrumento dócil, ingênuo e manipulado pela classe política. Nós temos visto o que o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, tem feito com alguns cientistas. Ele os trouxe à sua esfera de influência e hoje utiliza esses cientistas para legitimar um modelo absolutamente insustentável de desenvolvimento, de desmatamento da Amazônia. É um aprendizado. Pode ser uma visão um pouco otimista demais, mas eu acho que, no balanço geral, a ciência está ganhando. A ciência está conseguindo se colocar com muito mais força nas grandes decisões e o IPCC é o melhor exemplo disso.” ■
Muniz Sodré: “Para a criança, a vida real pode ser apenas mais uma janela da internet”
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titular da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A mídia se constitui, explica, numa nova forma de vida, um novo bios. “E, como esfera existencial, ela é inteiramente regida pela economia monetária”, afirma. Sodré falou sobre isso e outros temas da vida virtual que emerge das relações que os meios de comunicação estabelecem no espaço social na palestra organizada pela revista Pesquisa FAPESP para a exposição Revolução genômica, em São Paulo. Nos últimos anos, sua preocupação maior tem sido estabelecer a mídia não como transmissor de informação, mas como ambiência, uma forma de vida, segundo suas próprias palavras. “Mídia como o que Aristóteles chama de bios, isto é, a cidade investida politicamente. É a sociabilidade da polis. Não é carne o que chamamos de biológico hoje”, acrescenta. Aristóteles falava de três bios: do conhecimento, do prazer e da política. “Eu descrevo a mídia como o quarto bios, que é o midiático, virtual, da vida como espectro, da vida como quase presença das coisas. É real, tudo que se passa ali é real, mas não da mesma ordem da realidade das coisas.” Em Antropológica do espelho (Vozes, 2002), Sodré detalha esse estudo. O pesquisador observa que a informação, hoje, é espectro, representação, fantasma, palavra e discurso, o que faz da realidade da mídia algo essencialmente discursivo. “Entramos em um momento da história em que a esfera civilizacional que circunda o homem é espectral. Não é substancial, de toque. É feita do impalpável, de ausência/ presença de luz, seja circuito fechado/circuito aberto, seja o pingo no
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papel, a imagem no cinema ou na fotografia.” Tudo é cada vez menos substancial e mais visual – cabeça e olho. “Ora, essa realidade, para mim, é outra forma de vida, é um outro bios. Se entendemos a mídia como ambiência, environment, um mundo em que cerca esse mundo, mudamos inteiramente o foco da análise.” Segundo ele, todas as concepções antigas de jornalismo e da mídia como transmissão de informação – para educar, instruir – não têm mais sentido e não mais definem mídia no meio de comunicação. “É preciso, inicialmente, considerar que, mesmo pertencendo a um bios específico, a TV não é um ator social isolado, está sempre inserida em contextualizações de ordem sociohistórica.” Colocada dentro de uma tradição sociocultural patrimonialista como a brasileira, a televisão, apesar do transnacionalismo de sua forma, produz efeitos específicos e regionais. Enfim, no bios virtual, o objeto predomina sobre o sujeito. A transformação de um objeto em imagem, enquanto isso, implica a negação de dimensões materiais – relevo, peso, cheiro etc. Mas também isso é o que interessa como estudo – o tempo e o sentido, que reduzem a duas, as três dimensões do Universo. Sodré refere-se a Baudrillard, que falava do preço da “desencarnação” que a imagem ganha com essa potência de fascinação e se torna medium – que ele chama da “objetualidade pura”. Para o francês, a imagem se tornaria transparente a uma forma de sedução mais sutil do que essa sedução da forma. “Ora, a mídia hoje não se define como um puro dispositivo técnico, embora o suporte técnico seja necessário. Não é também uma forma fechada em
torno de uma gramática expressiva. É um conceito maior do que a definição de televisão, rádio, jornal, internet.” O medium seria propriamente o conceito dessas formas e também do desdobramento tecnológico da cidade humana. Significa que a mídia é uma espécie de prótese odontológica para o controle das relações sociais e o controle das novas subjetividades por tecnologias informacionais. É preciso ressaltar, prossegue, que a manifestação mais evidente da virtualidade é o bios midiático, dentro do conceito aristotélico de bios como a esfera existencial da vida ético-social, distinta da natural – a vida crua em que se insere a revolução genômica e onde se mapeia o genoma. “É uma intervenção da tecnologia e no limite controle da vida nua e da vida crua. Ao lado dos bios tradicionais emerge essa nova forma de vida, dos fluxos digitalizados e redes artificiais definindo por uma materialidade leve ou mesmo pela imaterialidade dos circuitos eletrônicos.”
Afetivas A partir de uma realidade sistêmica que foi ponto de partida e ponto de chegada das análises de Habermas, nasce essa verdadeira forma de vida que é o bios virtual. A ponta desse iceberg é o bios midiático, espécie de comunidade afetiva, de caráter técnico e mercadológico, onde impulsos digitais e imagens se convertem em prática social. É esse o objeto dessa nova ciência social chamada comunicação para Sodré. “Não há nada de intrigante aí em termos de civilização. Essa realidade que chamo de bios midiático só é possível porque as imagens já estão inscritas na própria cultura,
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na mediação do sujeito consigo mesmo.” Assim, o novo bios seria só uma nova exacerbação do processo, uma forma de vida que torna socialmente relevante quem intervém nas relações espaço-temporais e percebe o mundo por essas relações espaço-temporais e age sobre o mundo a partir do tempo e do espaço. Como conseqüência, o indivíduo e o mundo se relacionam efetivamente por meio do tempo e do espaço, que é a base de toda comunicação concreta, que são os quadros de percepção mutáveis e as formas modificáveis, segundo as variações da história e da cultura. O bios midiático aparece como uma transformação técnica do espaçotempo adequado às novas estruturas e às novas configurações da vida social. “É uma maneira, digamos, mais sociológica. O bios virtual de que nós estamos falando é mais de que o conjunto de atribuições e de competências técnico-profissionais de um grupo, de um campo, porque é uma forma de vida duplicada, que engloba o profissional em público e estala um novo tipo de relacionamento com o real, um novo tipo de relacionamento com a história.” A nova forma de vida identificada por Muniz Sodré implica a intervenção profunda na dimensão espaço-temporal clássica. “Se retirarmos daquilo que chamamos de real o espaço e o tempo, temos o virtual, que é o real menos o
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“Há novas utopias ligadas à cibercultura e toda a normatização tem detratores”
espaço e o tempo. Ora, o bios virtual não está alinhado de modo neutro ao lado dos campos sociais. Por quê? Porque ele participa ativamente hoje da luta pelo controle das representações do real.” O comunicólogo explica que o bios virtual afeta ontologicamente a própria idéia moderna do social e do exercício do poder. Isso pode ser observado na própria academia, nas próprias pesquisas em comunicação. “Quando se desconfia um pouco das utopias de felicidade difundidas pela internet ou pela cibercultura e se diz que podem não ser a solução para o relacionamento humano, imediatamente se é acusado de reacionarismo. Há novas utopias ligadas à cibercultura e toda a normatização social traz os seus detratores e seus utopistas. Qual a razão disso? “Porque há alguma coisa de visceral, de fundo surgindo dessa intervenção no tempo e no espaço, junto com outras interferências que a ciência vai fazer na vida nua dos indivíduos.
Aqui há intervenção na comunidade, na vida comunitária, com a revolução genômica, com a ciência, intervenção no corpo, na reprodução, no indivíduo mesmo em sua reprodução. Para além desse viés sociológico, vários autores apontam para a mesma idéia. Fala-se da telecracia (poder das teles), da cibercracia (sociedade de controle), em Deleuze, telerrealidade etc. “Bourdieu se refere à telemorfose para se referir à vida plasmada, à vida idealizada, o que ele chama de grau zero de significância da televisão. Mas destôo um pouco dele. Não acho que se trata de arrolar os efeitos catastróficos da televisão (que é o principal meio síntese imagem do século passado) sobre a realidade tradicional. Acho que se trata agora de identificar uma nova forma de vida, para cuja construção concorrem transformações importantes de toda uma estrutura social básica.”
Transparente Para Sodré, não se trata mais de tornar as coisas visíveis a um olho externo, a um olho exterior, mas de tornar as coisas transparentes a si mesmas. “A potência de controle é como que internalizada e os homens não são mais vítimas das imagens. Eles mesmos se transformam em imagens. Uma telemorfose integral da sociedade, portanto, não deve ser compreendida como um efeito específico de programação
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de televisão, mas é um evento da midiatização, da articulação exponencial, das tradicionais instituições sociais, com o conjunto da tecnologia da informação a reboque do mercado.” Em outros termos, tratase de uma associação estreita entre práticas sociais e espaço público, ativada por processos tecnológicos da comunicação. Não há, garante o pesquisador, nenhum problema nisso. “Há sim uma mutação, tão-somente uma mutação. É, assim, uma totalidade espacial, virtualizada, que eu chamaria um fato social total.” Sodré toma emprestada uma expressão de Marcel Mauss para designar fato social total como um acontecimento que permeia as instâncias econômicas, políticas, culturais da sociedade. “A informação hoje permeia todas essas instâncias, está na economia, na política, na cultura, mas com uma duração continuada com uma forma de vida. É por isso que eu falo em bios, que é característico de um novo tipo de ordem social em que a designação de sociedade controle pode ser adequada.” Quando se pensa nesse bios como parte das estratégias de indução, de um dispositivo técnico de controle da vida nua, da vida natural, como parte dessa estratégia de indução, de certo modo se aceita. “Estamos preparados pelo bios virtual para aceitar a virtualização da vida pela ciência. Trata-se de um novo tipo de operador social, mais temporal do que espacial, movido à tecnologia avançada.”
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“É isso que está permitindo às pessoas namorarem pela internet, mas não namorar trocando cartas, namorar realmente”
Sodré compara o bios midiático a uma espécie de clave virtual aplicada à vida cotidiana, à existência real e histórica do indivíduo. Em termos de puro livre-arbítrio, exemplifica ele, pode-se entrar e sair dele, pois não se está absolutamente dominado. “Mas, nas condições civilizatórias em que vivemos (urbanização intensiva, relações sociomercadológicas), onde há um predomínio do valor da troca capitalista, estamos imersos nessa virtualidade midiática e isso nos dá uma forma de vida vicária, que quer substituir Deus.” Ou seja, tem-se uma forma de vida substitutiva, paralela, virtual, alterada. “Vivemos uma vida alterada pela intensificação da tecnologia audiovisual conjugada ao mercado e é isso que faz do bios midiático a indistinção entre tele e realidade no sentido tradicional.” É isso que explicaria, por exemplo, o comportamento de entrevistados como os do livro de Sherry Turkle sobre a vida na tela. Psicanalista que investiga a televisão e a internet, Sherry entrevista um homem que vive totalmente conectado à internet e descobre que, para ele, a vida real é apenas “uma janela a mais na internet.” Realmente, afirma Sodré, é possível que, para o adolescente, uma criança hoje que passa o dia grudado na internet a vida real se torne apenas uma janela a mais. Por outro lado, a vida virtual que ele leva já é plenamente real. “É isso que está permitindo às pessoas namorarem pela internet, mas não namorar trocando cartas, namorar realmente. Na virtualização é possível, em determinadas circunstâncias, substituir a vida nua e crua.” Tal idéia faz do bios midiático a indistinção entre tele e realidade. “A realidade de hoje se constitui sob a égide da integralidade espetacularizada ou sob essa realidade imagística a que o real aspira e o real quer. Portanto, trata-se de uma inflexão exacerbada do imaginário, que como Deleuze disse, não é o irreal, mas a indiscernibilidade entre o real e o irreal.” Não é que nada disso seja mentira ou, se for, vivemos em um mundo irreal, porém cada vez mais difícil se fazer a distinção que antes havia com muita clareza entre o que é real e irreal. Nesse contexto, esse bios não se define
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como a soma de todas as imagens tecnicamente produzidas. Assim como na ordem mítica, o mito é o poder dos símbolos primordiais e dos arquétipos, o bios midiático é o poder desses modelos, que se atualizam e se concretizam em determinados tipos de imagem. As imagens midiáticas que regem as relações sociais vêm dos modelos hegemônicos do capital e do mercado globais. O espetáculo de hoje em que todos estão imersos resulta de uma sobredeterminação histórica da imagem. “A espetacularização é, na prática, a vida transformada em sensação, em entretenimento com a economia poderosa voltada para produção e consumo de filmes, programas de televisão, música popular, moda, parques temáticos, jogos eletrônicos, efeitos de fascinação, celebridade e emoção a todo custo. Tudo isso permeia sistematicamente essa forma de vida.” Esse modelo em que a estesia detém a primazia sobre velhos valores de natureza ética é algo em ascensão. “O fenômeno estético se tornou hoje insumo para estimulação da vida, que está, de agora em diante, dirigida para a indústria e para o mercado. Isso é mais esthesis do que ethos. Embora se possa falar do ethos, da estética, você pode tratar de uma inteligibilidade sensível, capaz de levar uma ética, uma arquitetura social de valores.” Essa absorção faz pensar que há um vínculo não exatamente disciplinar científico entre o mapeamento do genoma, o bios social e o bios midiático porque é essa absorção de dígitos, de imagens e de realidade paralela que leva o indivíduo a viver virtualmente no espaço imaterial das redes de informação. “A isso chamamos de bios midiático, onde o contato é mais do que simplesmente visual, é tátil como interação dos sentidos, a partir de imagens de simulação do mundo.” Sodré explica que vem do tátil a sensação de que se está ocupando um ponto qualquer do mundo em uma ambiência ou em uma paisagem feita de matéria audiovisual, de compreensão numérica em alta velocidade, que é o caso da internet. “Essa é a idéia que Kerckhove trouxe da existência, em vez da
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perspectiva, o que permitiria ao individuo encontrar uma posição física e meio sentidos que são tecnologicamente prolongados.” É textual se dizer que a sensação física de estar em algum lado é uma experiência tátil, não algo visual, frontal ou exclusivo. É, sim, ambiental, compreensiva. “O ponto de existência em vez de distanciar da realidade, como acontece com o ponto de vista, torna-se o ponto de partida do mundo.” Para ele, é algo perigoso porque não se tem ponto de vista, uma crítica. “Se eu só tenho ponto de existência, estou tão imerso que Deleuze tem razão quando diz que o controle é total nesse caso. Dessa maneira, quando levamos em consideração toda uma forma de vida virtual e não a gramática exclusiva de um meio de comunicação separado, a experiência sensorial do indivíduo, do espectador, ultrapassa a das expressões externas do corpo de alguém que fala, faz manejo de cabeça, sorrisos ou movimentos. “Acontece porque hoje não podemos ser instituídos como simples espectadores. Somos, sim, membros orgânicos de uma ambiência que deixa de funcionar na escala tradicional do corpo humano para se adequar existencialmente. É essa a idéia do ponto de existência, pelo êxtase ou pelo deslumbramento à imersão. Nos adequamos à escala de um sistema neural que é a interconexão dos multidispositivos de representação, que damos o nome precário de mídia.”
Índices Nesse sistema, explica Sodré, a corporeidade como tal desaparece e fica em segundo plano, em um sentido físico, real, ela fica em segundo plano. O corpo e a corporeidade são substituídos por seus índices. Estes favorecem as formas não representativas que introduzem a todos em um novo tipo de sensibilidade individual e de sensibilidade coletiva. “Isso nos leva a ficar sob a égide de um paradigma cultural. É algo mais indicial do que cognitivo e sígnico.” A televisão, para ele, é indicial, pois dá um índice que vai levar o espectador a sensações, a sentimentos. “As palavras estão
nesse contexto também, claro, mas são muito ocas, vazias.” O comunicólogo afirma que o Brasil vive um momento, inclusive no jornalismo, em que as palavras são cada vez mais ocas, já que o jornalismo é indicial e o índice, diferente do signo. A palavra com signo é plena, é cheia. Quando diz a palavra “mesa” ou “cultura”, Sodré se refere a signos plenos, que têm um significado na língua. “Enquanto o índice me aproxima fisicamente, existencialmente de uma significação, como quando vejo uma fumaça e sei que ali tem fogo. A fumaça não significa fogo. Não é a significação que está ali, é um índice que me aproxima existencialmente do fogo. É esse tipo de categoria semi-ótica, a categoria indicial, que predomina hoje no conteúdo da mídia e que no fundo dá a chave para a indução que a mídia exerce sobre nós, que nos induz a um afeto.” Muniz Sodré não vê com olhos pessimistas a mídia. O afeto, observa, não é necessariamente bom. “A raiva e o ódio são um afeto. A mídia neutraliza também as velhas tensões comunitárias afetivamente. Mas o modo de se acercar de nós é pela emoção, pela sensação, que diz respeito a entretenimento, a espetáculo e também ao próprio conhecimento que os bytes e os dígitos nos dão.” O bios midiático, a intervenção da tecnologia do ver e da tecnologia do sentir na vida nua e crua dos indivíduos, tudo isso obriga o intelectual, o professor, a mãe e o pai a repensarem a forma de vida em que estamos ingressando como algo não afetado por gracinhas tecnológicas que se acumulam. Ao menos quando se usa a técnica. “É preciso pensar na radicalização desse uso e ter, de algum modo, coração técnico para ampliar esse uso.” Esse coração técnico não é ruim. “Está na hora de pensarmos radicalmente, com coração, nesse novo modo de compreensão do mundo que se insinua agora junto com o mapeamento do genoma e com o bios virtual, o bios midiático.” Pode ser que num futuro próximo esse mundo, que Muniz Sodré percebe tão claramente e de forma entusiasmada, se torne cada vez mais perceptível e admirável. ■
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A vida no
mar
profundo
Corais fornecem pistas sobre a evolução da biodiversidade marinha nos últimos 65 milhões de anos
Ricard o Zorzet to
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e 2001 a 2003 o biólogo catarinense Alberto Lindner teve a sorte de ir aonde muitos jamais sonharam estar. Navegou pelas águas geladas do mar de Bering, no Alasca, já próximo ao pólo Norte, e cruzou os mares quentes e ensolarados da Nova Caledônia, no Pacífico Sul, próximo à Austrália e à Nova Z elândia. Não estava a passeio. Seu interesse era coletar o maior número possível de exemplares de um grupo de corais de formas variadas e cores intensas bastante raros na costa brasileira: os corais da família Sty lasteridae, encontrados quase exclusivamente em regiões profundas do oceano. A bordo de navios de pesquisa Lindner recolheu corais apanhados por redes de pesca, trazidos por dragas que raspavam o leito marinho ou ainda coletados com a ajuda de pequenos submarinos. Colecionou ao todo mais de 72
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3 mil exemplares de 100 das 25 0 espécies já identificadas de Sty lasteridae, a segunda menor das quatro famílias de corais conhecidas. Com tamanho variando de poucos centímetros a quase 1 metro, cada exemplar é na verdade uma colônia com milhões de animais invertebrados de corpo muito simples, formado por uma boca rodeada por tentáculos e uma cavidade única que funciona a um só tempo como estômago e intestino. Durante o trabalho de doutorado que desenvolveu nos Estados Unidos com apoio da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da National Science Foundation, Lindner comparou seus exemplares de corais com outros recolhidos em diferentes partes do planeta. Constatou que entre os Sty lasteridae coletados havia 26 espécies ainda não descritas pela ciência. São corais em forma de folha de alface ou de arbusto
com pigmentos carmim, amarelo ou laranja – algas microscópicas chamadas zooxantelas determinam a cor em outros grupos. Pertencem aos gêneros Stylaster, Lepidopora, Lepidotheca, Distichopora e Stephanohelia e foram achados a profundidades que variam de 100 a 1.000 metros, em regiões onde possivelmente existem bancos de corais, colinas calcárias com cobertura viva que constituem um dos ambientes com maior diversidade de espécies do mundo, atualmente ameaçados por atividades humanas como a pesca e a alteração do clima do planeta. Das águas azuis do Pacífico emergiram também evidências mais contundentes de como a vida marinha evoluiu e se disseminou pelos oceanos nos últimos 65 milhões de anos. Com Clifford Cunningham, na Universidade Duk e, e Stephen Cairns, do Museu Nacional de H istória Natural dos Estados Unidos, Lindner analisou três genes dos exemplares de corais emprestados de museus e que recolheu no Alasca, na Nova Caledônia e na Costa Oeste norte-americana e estabeleceu o grau de parentesco entre as cem espécies de Sty lasteridae. Cruzados com informações sobre fósseis de corais coletados ao redor do mundo, Lindner e os biólogos norte-americanos reconstruíram a história evolutiva dessa família, que surgiu 65 milhões de anos atrás quando os continentes ocupavam uma posição próxima da atual. O que essa história conta? Muito sobre o passado desses corais, claro. Mas também contribui para atualizar e complementar uma teoria proposta quase 13 0 anos atrás para explicar a evolução da vida marinha. Em 1880 o naturalista britânico H enry Nottidge Moseley , que participou da expedição oceanográfica Challenger, publicou na Nature um artigo postulando que as espécies que hoje habitam tanto os continentes como os oceanos teriam surgido em mares rasos e somente mais tarde ocupado também as zonas marinhas mais profundas e menos turbulentas. Mais recentemente os biólogos David Jacobs e David Lindberg, da Universidade da Califórnia em Los Angeles, nos Estados Unidos, conse-
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guiram evidências químicas que corroboram essa idéia: entre 240 milhões e 9 0 milhões de anos atrás, o nível de oxigênio nas profundezas dos mares primitivos diminuiu a ponto de inviabilizar a existência de animais. C ontra a corrente - Q uando o oxigênio da água aumentou, animais marinhos naturais das regiões mais rasas se espalharam pelas águas profundas. Já os corais Sty lasteridae seguiram o caminho inverso, de acordo com o trabalho de Lindner. Surgiram há 65 milhões de anos em áreas situadas a centenas de metros abaixo da superfície e ao menos em quatro momentos distintos invadiram as zonas costeiras marinhas. Em três dessas vezes (há cerca de 3 0 milhões, 15 milhões e 10 milhões de anos) migraram para
os oceanos tropicais – e por volta de 20 milhões de anos atrás alcançaram também as águas rasas das regiões temperadas. “Esse resultado não invalida a hipótese de Moseley , segundo a qual as águas rasas tropicais serviram como reservatório da diversidade marinha”, diz Lindner. “Mas mostra que o contrário também deve ter ocorrido.” O trabalho de Lindner também indica que as águas profundas nem sempre são tão pacíficas, razão por que, segundo o geólogo Geerat Vermeij, da Universidade da Califórnia em Davis, muitas espécies teriam trocado as águas rasas pelos vales marinhos (66% das 5 .080 espécies de corais vivem abaixo dos 5 0 metros). Três espécies de corais do gênero Adelopora, que possuem uma estrutura calcária sobre a abertura da boca capaz de protegê-los do
ataque de lesmas e caracóis marinhos, são naturais das águas profundas, de acordo com o artigo da PLoS One. “Esse mecanismo protetor sugere que há uma pressão de predação considerável sobre os organismos que vivem em mares profundos”, comenta Lindner, hoje pós-doutorando do Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo, no litoral paulista, onde implementou um laboratório de biologia molecular com apoio da FAPESP e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “Ainda sabemos pouco sobre a ecologia dos animais que vivem em regiões profundas”, diz Lindner, que mais recentemente começou a investigar a evolução das antomedusas, grupo de animais marinhos que inclui outros tipos de corais, águas-vivas e hidras. ■
B em abaixo da superfície: corais Stylasteridae achados nas Ilhas Aleutas, Alasca
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> AST ROFÍSICA
Para ver mais longe B rasileiros se organizam para participar de grandes projetos mundiais de pesquisa C A R L O S F I O R AVA N T I , DO RIO DE JANEIRO
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s astrônomos brasileiros que se reuniram no final de maio no Observatório Nacional (ON) com representantes dos 15 principais telescópios em construção no mundo – alguns deles monumentais, com espelhos refletores três ou quatro vezes maiores que os dos equipamentos em uso hoje – temem se isolar do que corre no mundo e seguir trabalhando em equipamentos que em breve lembrarão fusquinhas enquanto os colegas de outros países dirigem Ferraris. “Lá fora o salto será grande”, diz Paulo Pellegrini, astrofísico do ON. “Quem não estiver organizado e preparado vai ficar para trás.” Além de telescópios mais potentes, que devem reger as descobertas nessa área nas próximas décadas, emergem novos objetos de estudo, como os planetas extra-solares, principalmente os que podem abrigar alguma possibilidade de vida. Em meados de junho um grupo de astrônomos europeus apresentou três novos planetas extra-solares rochosos, com massas relativamente próximas à da Terra, orbitando uma única estrela; quase todos os 303 planetas já identificados eram gasosos, bem maiores, mais quentes e inabitáveis. “Há 15 anos ninguém falava em planetas extra-solares nem em energia escura”, lembrou Verne Smith, do National Optical Astronomy Observatory (Noao), Estados Unidos, durante a reunião de três dias no Observatório Nacional.
Nossa galáxia: o vermelho representa a radiação emitida por estrelas (pontos luminosos) e por nuvens de gás e poeira. A região amarelada indica o centro da V ia Láctea, com um buraco negro supermassivo
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Na semana anterior, astrofísicos de cinco institutos federais de pesquisa ligados ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) haviam terminado uma análise (quase 50 páginas) dos limites e das possibilidades de ação em astronomia do Brasil. A próxima versão deve agregar as conclusões do encontro de maio no Rio e, mais adiante, as considerações do maior número possível dos quase 500 astrônomos profissionais no país. “O que decidirmos agora”, diz Pellegrini, “vai definir o futuro da astronomia brasileira”. Talvez ainda este ano saia a versão final, com um plano de ação que sirva de referência às agências de financiamento à ciência no país. “Seria mais fácil tomar decisões sobre que pesquisas apoiar se houvesse um programa unificado de pesquisa”, comenta Avílio Franco, superintendente da área de institutos tecnológicos e de pesquisa da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). “O Brasil não pode se dar ao luxo de apoiar apenas três ou quatro grupos de pesquisa em uma área tão específica.” 76
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Pesquisadores do Rio de Janeiro, de São Paulo, do Rio Grande do Sul e do Rio Grande do Norte conversaram muito no Observatório Nacional sobre que caminhos tomar. “Não precisamos ter grandes telescópios”, acredita Luiz Nicolaci da Costa, astrofísico do Observatório e coordenador da reunião. Diante da dificuldade de desenvolver equipamentos de alta tecnologia como parte da contrapartida do país nos projetos internacionais, ele propõe: “Podemos trabalhar no processamento de dados.”
dados é que não faltarão. Só o Large Synoptic Survey Telescope (LSST), que deve funcionar a partir de 2015 com um espelho de 8,4 metros, deverá produzir uma imagem do céu de 7 gigabytes, o equivalente a 1,5 DVD, a cada 20 segundos. “Temos de estar prontos quando os dados
dos grandes telescópios começarem a chegar”, diz Márcio Maia, do Observatório. Os astrônomos brasileiros já participam da análise de dados de dois projetos internacionais. Um é o Sloan Digital Sky Survey-III, cuja meta é mapear 1 bilhão de galáxias. O outro é o Dark Energy Survey, voltado à energia escura, que por enquanto nem os físicos sabem direito o que é. A pergunta torturante é o que fazer e por onde ir depois de 2017, quando o Dark Energy Survey terminar. À frente desse grupo que não quer ficar na poeira das estrelas, Nicolaci sabe que não será fácil priorizar projetos, estabelecer um plano comum, superar rivalidades entre grupos de pesquisa e encontrar um equilíbrio entre custos e benefícios científicos, tecnológicos e sociais. “As análises sobre as alternativas de trabalho devem ser feitas em conjunto, por meio do diálogo”, afirma Nicolaci, que trabalhou por 16 anos nos Estados Unidos, na França e na Alemanha em projetos internacionais de astronomia antes de voltar ao Brasil,
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surgir também movimentos de reflexão semelhantes em outras áreas. Franco, que coordenou os institutos federais de pesquisa ligados ao Ministério da Ciência e Tecnologia antes de ingressar na Finep, ressalta: “Precisamos avançar em um programa conjunto de pesquisa para o Brasil”. Em um congresso sobre estudos sociais da ciência e tecnologia que corria ao mesmo tempo que o encontro dos físicos, Pablo Kreimer, professor da Universidade Nacional de Quilmes, Argentina, mostrou que as mais variadas atividades científicas – como neste caso a astronomia – expressam o drama sobre como produzir e usar o conhecimento. No artigo “Dependientes o integrados? La ciencia latinoamericana y la nueva división internacional del trabajo”, publicado na revista Nómadas, Kreimer sugere que uma forma de resolver esse impasse é reconhecer as tensões entre a subordinação e a autonomia e explorar os espaços de negociação.
TMT
TM T, um dos maiores telescópios em construção: espelho de 3 0 metros
em 2005. “Principalmente nos projetos de valores mais altos”, diz Franco, “os grupos precisam estar conectados e trabalhar em conjunto”. O futuro pode também trazer novas formas de trabalhar. Uma possibilidade já em vista é a aproximação dos astrofísicos com os físicos de partículas e físicos teóricos, usando os resultados das observações do céu para depurar teorias e entender a evolução do Universo. “Podemos criar uma linguagem comum”, afirma Maia. “Os físicos teóricos já perceberam que não basta ter uma boa teoria; têm de ter também uma boa comprovação da teoria.” Charles Steidel, do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), sugere: “Devemos pensar em espaços de descobertas, mais do que em questões específicas”. Dos novos telescópios em construção podem chegar não só novas descobertas, mas também programas de computador e técnicas de tratamento de imagens que poderiam ser úteis na medicina ou na biologia. Poderiam
esse trabalho Kreimer retoma um conceito que criou com outro professor de Quilmes, Hernán Thomas, o de conhecimento aplicável não aplicado, e afirma: “Os grupos de pesquisa mais integrados em megarredes de pesquisa apresentam em geral uma produção elevada e prestigiada, mas seu suporte ao desenvolvimento das sociedades locais tem sido historicamente marginal”. Segundo ele, o modelo vigente de produção de conhecimento científico apresentou mais conseqüências simbólicas do que materiais, por ter servido até agora mais para aumentar a visibilidade dos pesquisadores do que para gerar conhecimento localmente útil. Na conferência de abertura desse congresso, Michel Callon, professor de sociologia na Escola de Minas de Paris, contou das trajetórias originais que tem encontrado ao aplicar ao mundo econômico as teorias da sociologia da ciência, que apregoam que a ciência e a sociedade que a fabrica não devem ser vistas separadamente. Na Noruega os pescadores criaram o direito de cotas,
por meio do qual poderiam explorar uma quantidade preestabelecida de peixes. “Uma comunidade pode ir à ruína se os recursos não forem divididos”, observou. Segundo ele, cada pescador trataria de pescar até os peixes acabarem se não tivesse parte do direito da propriedade – nascido de estudos que determinaram quantos eram, como viviam e onde estavam os peixes a serem divididos. “O direito de propriedade transformou o oceano obscuro em um aquário transparente”, disse Callon. “Os pescadores, que antes não se preocupavam com a economia, transformaram -se em Homo economicus e começaram a revender os direitos de pesca.” Uma abordagem semelhante rege a construção e uso dos maiores telescópios, já que cada país ou instituição se torna uma espécie de sócio do empreendimento e compra cotas de participação que depois se convertem em horas proporcionais de uso do equipamento. Assim é que os astrônomos brasileiros têm acesso atualmente a três telescópios construídos por meio de consórcios internacionais e ainda considerados grandes: dois com espelhos de 8 metros do Projeto Gemini no Havaí e no Chile e um de 4,1 metros do Soar, também no Chile. O direito de uso definido por meio de cotas pode se tornar inviável diante da remota possibilidade de o Brasil desembolsar dezenas de milhões de dólares rapidamente para participar da construção de telescópios bem maiores. O Thirty Meter Telescope (TMT), um dos maiores em construção, com um espelho de 30 metros de diâmetro, quase quatro vezes maior que os maiores em uso atualmente, deve começar a funcionar em 2016 a um custo total estimado em US$ 754 milhões. Como os governos dos Estados Unidos, do Canadá e do Japão não conseguiram cobrir todo esse valor, a Gordon & Betty Moore Foundation deve ajudar com US$ 50 milhões, reforçando a tendência de parcerias entre instituições públicas e privadas nesse tipo de empreendimento. “Estamos ansiosos por outras parcerias”, reiterou Wendy Freeman, diretora do Observatório Carnegie, na Califórnia, que sedia o Giant Magellan Telescope (GMT), com um espelho de 25 metros, o equivalente a seis carros modelo Gol alinhados. ■ PESQUISA FAPESP 149
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B iblioteca de Revistas Científicas disponível na internet w w w .scielo.org
Notícias ■
N europsiquiatria
CDC
Toxina botulínica e a dor A toxina botulínica do tipo A (TB-A) tem sido utilizada com sucesso para o tratamento de várias enfermidades neurológicas, tais como sialorréia, hiperidrose, distonia, espasmo hemifacial, espasticidade e dor. Mas poucos são os autores que a utilizaram no tratamento da dor no ombro espástico secundária a acidente vascular cerebral (AVC). Com o objetivo de estudar a eficácia da TB-A no tratamento da dor no ombro secundária a AVC, foram acompanhados 16 pacientes com esta enfermidade associada à dor refratária no ombro espástico. Houve melhora da dor à movimentação da articulação do ombro, principalmente nos movimentos de rotação e extensão. O estudo “Toxina botulínica do tipo A no tratamento do ombro doloroso após AVC”, de Glícia Pedreira, Eduardo Cardoso e Ailton Melo, da Universidade Federal da Bahia, conclui que a TB-A é uma terapêutica segura e eficaz para o tratamento do ombro doloroso secundário a AVC. Arquivos de Neuro-Psiquiatria – v. 66 – nº 2 – São Paulo – jun. 2008
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Educação
Problemas do ensino médio O ensino médio, ponto de encontro das muitas contradições do ensino brasileiro, tem papéis demais. Pode-se dizer que é um nível em crise permanente, de acordo com o artigo “O ensino médio: órfão de idéias, herdeiro de equívocos”, de Claudio de Moura Castro, presidente do conselho consultivo da Faculdade Pitágoras, em Minas Gerais, e consultor internacional de educação. O dilema mais grave está entre preparar a metade dos alunos para o trabalho e a outra metade para o superior. São coisas díspares, com maiores distâncias entre valores e atitudes funcionais em cada uma das opções. O ensino médio herda todos os problemas de qualidade do fundamental e soma a eles um modelo inédito no mundo: não há caminhos alternativos nem entre escolas com perfis diferentes (modelo europeu) nem a possibilidade de trilhar trajetórias divergentes dentro da mesma escola (modelo americano). Há amplo debate sobre as múltiplas saídas para o nosso ensino médio. Algumas grandes linhas podem ser
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sugeridas, justamente por lidarem com erros flagrantes, cuja correção se faz necessária. “Mas, mais cedo ou mais tarde, porém, será preciso ter a coragem para resolver o impasse de um sistema único que, na teoria, oferece a mesma escola para todos e, na prática, não oferece nada para ninguém, nem um ensino que preste”, afirma o autor. “Ademais, ainda, discrimina os mais pobres.” Só o Brasil apresenta esse sistema e paga o preço dessa utopia impossível, afirma. Ensaio: avaliação e políticas públicas em educação – v. 16 – nº 58 – Rio de Janeiro – jan./mar. 2008
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Am biente
Como ser mais efi caz Muitos analistas mostraram que os movimentos ambientalistas têm experimentado, na melhor das hipóteses, um sucesso heterogêneo. O artigo “Como os movimentos ambientalistas podem ser mais eficazes: priorizando temas ambientais no discurso político”, de Thomas J. Burns, da Universidade de Oklahoma, e Terri LeMoyne, da Universidade do Tennessee em Chattanooga, desenvolve uma estrutura teórica do por que esse fato tem ocorrido. Os autores examinam as maneiras pelas quais as questões ambientais são elaboradas e priorizadas no processo de decisão coletiva, tanto dentro dos movimentos ambientalistas como na política em geral. As questões ambientais com freqüência são usadas para energizar um eleitorado a apoiar uma dada política partidária. O artigo conclui sugerindo modos pelos quais os movimentos ambientalistas podem tornar-se mais eficazes. Ambiente & Sociedade – v. 10 – nº 2 – Campinas – jul./dez. 2007 ■
Estudos fem inistas
Indústria do sexo Em Fortaleza, uma das cidades do Nordeste brasileiro onde se pratica o turismo sexual, mulheres jovens das camadas mais baixas da sociedade deixam o país com turistas sexuais estrangeiros ou convidadas por eles. Algumas delas se inserem na indústria do sexo em diversos países da Europa. Outras, porém, conseguem se casar com homens europeus. O trabalho “Sexo tropical em um país europeu: migração de brasileiras para a Itália no marco do ‘turismo sexual’ internacional”, de Adriana Piscitelli, da Universidade Estadual de Campinas,
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vinculado à missão organizacional percebida e não à missão real. Na amostra estudada altos níveis de comprometimento foram encontrados entre servidores da área de segurança, quando comparada às áreas de saúde e educação. Revista de Administração Pública – v. 42 – nº 2 – Rio de Janeiro – mar./abr. 2008
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Nabuco em Yale
Revista Estudos Feministas – v. 15 – nº 3 – Florianópolis – set./dez. 2008
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Econom ia
Seguro rural A implementação de um programa de seguro rural é uma reivindicação antiga do setor agropecuário no país. Após a malsucedida experiência da Companhia Nacional de Seguro Agrícola o governo voltou a tomar medidas para incentivar o mercado, por intermédio da Lei nº 10.823/03, que subvenciona parte do prêmio pago pelo produtor. A natureza deste trabalho é essencialmente analítica, de tal forma que não foram estabelecidos modelos quantitativos. Historicamente, os resultados deficitários do Proagro e de diversas seguradoras demonstram que o atual modelo de seguro agrícola apresenta fortes sinais de esgotamento. O artigo “Em busca de um novo paradigma para o seguro rural no Brasil”, de Vitor A. Ozaki, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP), mostra as principais iniciativas, tanto privadas como governamentais, e sugere um conjunto de medidas visando o desenvolvimento do seguro rural no país. Revista de Economia e Sociologia Rural – v. 46 – nº 1 – Brasília – jan./mar. 2008
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Adm inistração
Serviço público O comprometer-se com a organização envolve alguma atividade do indivíduo no sentido de identificar-se com ela e desejar manter-se como seu membro, a fim de satisfazer seus interesses e facilitar o alcance das missões organizacionais. Adotando a concepção de comprometimento afetivo de Mowday, Porter e Steers (1979), que enfatiza a natureza do processo de identificação do indivíduo com os objetivos e valores da organização, e a escala reduzida proposta por Bastos (1994), o artigo “Comprometimento de servidores públicos e alcance de missões organizacionais”, de Dulce Pires Flauzino, da Universidade Federal de Juiz de Fora, e Jairo Eduardo Borges-Andrade, da Universidade de Brasília, analisa o comprometimento organizacional de servidores públicos ligados à atividade-fim em saúde, educação e segurança. Os resultados apontam que o instrumento modificado permite identificar o comprometimento dos servidores e que este está
L iteratura
Kenneth David Jackson, da Universidade de Yale, realizou pesquisa sobre a passagem de Joaquim Nabuco pelos Estados Unidos, especialmente por algumas universidades. No artigo “Um estadista na academia: Joaquim Nabuco na Universidade de Yale”, ele fala sobre as conferências acadêmicas do então embaixador do Brasil em Washington, D.C., naquela instituição e em mais cinco universidades norte-americanas durante o período 1908-1909. Nabuco volta ao poeta português Luís de Camões como exemplo do amor a uma língua e uma cultura, das quais o Brasil seria a maior realização, e aproxima o espírito do nacionalismo das duas grandes nações como exemplos para a política do pan-americanismo da época. Estudos Avançados – v. 22 – nº 62 – São Paulo – jan./abr. 2008
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Z ootecnia
Alho para frango de corte O trabalho “Utilização de alho e cobre na alimentação de frangos de corte”, de Cristina Kimie Togashi, da Agência Paulista de Tecnologia de Alimentos, José Brandão Fonseca, Rita da Trindade Ribeiro Nobre Soares, Ana Paula Delgado da Costa, Karla Silva Ferreira, da Universidade Federal do Norte Fluminese, Edenio Detmann, da Universidade Federal de Viçosa, objetivou avaliar os efeitos de diversos níveis de alho e cobre sobre o desempenho produtivo, as características de carcaça e os teores de colesterol no soro e nos tecidos de frangos de corte. Foram utilizados 400 pintos machos Cobb. Houve dois abates – o primeiro aos 21 dias e o segundo aos 42 dias de idade das aves – para a coleta de sangue e tecidos e determinação dos teores de gordura e colesterol. Os resultados obtidos comprovaram que a suplementação de alho e cobre nas rações, apesar de prejudicar a conversão alimentar das aves na fase de 1 a 21 dias de idade, promoveu reduções dos teores de gordura no peito (1 a 21 dias) e de colesterol sérico (22 a 42 dias). Revista Brasileira de Zootecnia – v. 37 – nº 6 – Viçosa – jun. 2008
> O link para a íntegra dos artigos citados nestas páginas estão disponíveis no site de Pesquisa FAPESP,w w w .revistapesquisa.fapesp.br
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REPRODUÇ Ã O
centrou-se em um universo de casais integrados por mulheres oriundas dos vários estados do Nordeste brasileiro e italianos e discute as categorias de diferenciação que adquirem centralidade quando esses relacionamentos, iniciados em um terreno ambíguo da sexualidade, interesse econômico e romance no qual se misturam, são contextualizados na Itália. O artigo em questão analisa as implicações culturais, políticas e econômicas desse tipo de migração, refletindo sobre os diversos significados adquiridos pela sexualidade tropical na migração para esse país europeu.
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Um carro com bom desem penho, conforto e que não em ite nenhum poluente. Esse é o FCX Clarity, lançamento da Honda. Será o primeiro automóvel dotado de célula a combustível – equipamento instalado no lugar do motor a combustão que transforma hidrogênio em energia elétrica – a ter uma linha de produção, na cidade de Tochigi no J apão, e ser vendido, a partir de julho, em concessionárias.O carro é um descendente da primeira geração do FCX (v er Pesquisa FAPESP nº 12 6 ), do qual foram feitos alguns exemplares e alugados pela fábrica nos Estados Un idos e no J apão. No início ele será destinado ao estado norte-americano da Califórnia, onde existe uma estrutura com mais de 2 0 postos de abastecimento de hidrogênio que servem a uma centena de veículos movidos com esse gás, na forma de protótipos e de várias montadoras. O Clarity possui um tanque que acomoda 4 ,1 quilos de hidrogênio comprimido, sufi ciente para rodar 4 6 0 quilômetros e atingir uma velocidade máxima de 16 0 quilômetros por hora.
> Energia sustentável
O projeto da Cooperativa Regional de Eletrificação Rural do Alto Uruguai (Creral), que distribui energia para 6.300 clientes da área rural de Erechim, no Rio Grande do Sul, está entre os outros seis finalistas
> M aterial alternativo Pequenos dispositivos de cristal líquido com eletrodos feitos de grafeno, uma fina folha de átomos
ILUSTRAÇ Õ ES LAURAB EATRIZ
Um projeto indiano de fornos para pequenas indústrias, que usa materiais como casca de coco no lugar de madeira, recebeu
US$ 80 mil como primeiro colocado no prêmio de energia sustentável, concedido em junho pela instituição britânica Ashden para inovações criadas em benefício de comunidades de países em desenvolvimento.
Com o tanque cheio de hidrogênio, o Clarity tem autonomia para rodar 4 6 0 km sem emitir poluentes
premiados com US$ 40 mil. A cooperativa construiu e gerencia duas pequenas centrais hidrelétricas, que produzem 25% da demanda local. A Creral financia suas usinas com a venda de energia elétrica e de créditos de carbono. Os outros cinco projetos finalistas são de fornos que usam casca de arroz ou resíduos de serragem em vez de carvão vegetal, da Tanzânia, de energia solar para comunidades que vivem em áreas isoladas, da China, de fogões a etanol para famílias de refugiados somalianos, da Etiópia, um sistema solar para secagem de frutas, de Uganda, e um financiamento do Gramin Bank para a compra de sistemas de energia solar para comunidades rurais, também da Índia.
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Pesquisadores chineses da Universidade de Tecnologia Q uímica, de Pequim, criaram um método ambiental e economicamente efi ciente de produção de biogás a partir da palha do arroz, um rejeito agrícola que causa poluição atmosférica ao ser queimado. Os pesquisadores descobriram uma forma de quebrar a celulose presente na biomassa, algo que os métodos até então existentes não faziam com efi ciência. Liderado pelo engenheiro ambiental Li X iujin, o grupo superou esse problema submetendo a palha a um tratamento com uma pequena quantidade de uma solução alcalina contendo 6 % de hidróxido de sódio. Com isso, conseguiram elevar consideravelmente a Produção de arroz gera biocombustível degradação da palha em reatores de digestão anaeróbica, sem a presença de oxigênio.A pesquisa abre caminho para a China, maior produtor mundial de arroz com sobra > Jornada de 2 30 milhões de toneladas de palha do cereal, tornarrealista se um dos líderes mundiais no setor de biocombustíveis, embora para isso ainda sejam necessários elevados invesAquele pequeno aparelho timentos em instalações industriais (S ciD ev ). de diagnóstico de doenças
Outra aplicação, também anunciada pelos mesmos pesquisadores, é o uso do grafeno na fabricação de sensores que podem detectar uma única molécula de gás tóxico. Aparelhos baseados em grafeno poderão ser usados para detectar explosivos ou o monóxido de carbono expelido por motores a combustão. Geim, da Universidade de Manchester, na Inglaterra, é um dos desdobramentos da descoberta do grafeno feita por eles em 2004. O grafeno é um filme de carbono com um só átomo de espessura. É transparente e condutor de eletricidade. Essas propriedades fazem desse material um candidato para aplicações em vários dispositivos que necessitam de condução elétrica em finas películas.
> Ar sem gases poluidores Um dos maiores vilões da poluição atmosférica nos centros urbanos, a fumaça que sai do escapamento dos veículos movidos a óleo diesel (ônibus, caminhões e utilitários), pode estar com os dias contados. Pesquisadores do Instituto Nacional Industrial de
Ciência e Tecnologia do Japão desenvolveram um sistema capaz de purificar os gases exalados pelos motores a diesel. Trata-se de um reator eletroquímico com eletrodos nanoestruturados que decompõe os óxidos de nitrogênio lançados na atmosfera, transformando-os em oxigênio e nitrogênio. Os óxidos de nitrogênio são um dos principais poluentes gerados pelos motores a diesel e a gasolina. O reator também eleva a eficiência do motor por causa da atual redução de energia necessária para a purificação dos gases expelidos. A nova tecnologia permitirá a construção de sistemas que combinam a preservação da qualidade do ar com a redução da emissão de dióxido de carbono (CO2).
do doutor McCoy, da série Jornada nas estrelas, inspirou a empresa Orla Protein Technologies, uma spin-out formada por um grupo de alunos da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Newcastle, da Inglaterra, a desenvolver um equipamento portátil para testar a presença de vírus e bactérias, além de identificar marcadores de proteínas nos pacientes. O aparelho poderá ser usado no próprio consultório ou em local onde não existam clínicas e laboratórios por perto, sem a necessidade de complexos equipamentos. Os resultados poderão ser arquivados e transmitidos via rádio para um centro de análises clínicas. Essa possibilidade surgiu com a parceria da empresa Japan Radio Company, do Japão (London Press).
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MIGUEL B OYAYAN
B IO G Á S DO AR R O Z
de carbono, poderão ser usados futuramente na fabricação de TVs e monitores para computadores, em substituição às películas de óxido de índio usadas nas telas de Liquid Crystal Display (LCD), matéria-prima que corre o risco de se extinguir num futuro próximo. A pesquisa, conduzida pelos professores Kostya Novoselov e Andre
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Partículas de óxido de cobre e de zinco, ampliadas milhares de vezes em microscópios eletrônicos
> B anco de dados simplifi cado Uma solução capaz de fazer a migração ou replicação entre diversos bancos de dados em tempo real, sem necessidade de recorrer aos mainframes – servidores utilizados para processar elevados volumes de informações por grandes empresas –, é o resultado 82
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de parceria entre as empresas brasileiras Global Development Network, gestora de projetos empresariais e governamentais, e a AmazonTech Group, ligada ao Grupo Atech Tecnologias Críticas. A tecnologia desenvolvida no país recebeu o nome de Verti e replica as informações existentes em ambiente
mainframe sem a necessidade de que seus códigos, alguns com milhões de linhas e tabelas, sejam reescritos. As informações podem ser armazenadas em qualquer banco de dados e acessadas em tempo real pelos mais diversos aplicativos.
e produtividade agrícola, o livro avalia ainda questões sobre a defesa e a proteção do ambiente e da produção, focadas na prática de uma agricultura
> Inovações tropicais O primeiro volume da coletânea Agricultura tropical: quatro décadas de inovações tecnológicas, institucionais e políticas, lançado pela Embrapa Informação Tecnológica, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária em Brasília, aborda a história da agricultura tropical no Brasil, analisa os efeitos e apresenta os resultados das inovações científicas e tecnológicas sobre o desempenho da agricultura. Com o título de Produção
EDUARDO CESAR
Um quebra-cabeça que revela DETAL H ES em detalhes o mundo microsM IC R O SC Ó PIC O S cópico como pólen de fl ores, asas de mariposa ou partículas de óxido de zinco ou de cobre está disponível gratuitamente na internet para estimular o desenvolvimento cognitivo de alunos dos ensinos fundamental e médio. O jogo, chamado Q uebra-Cabeça de Nanotecnologia, foi desenvolvido por pesquisadores do Centro M ultidisciplinar para o Desenvolvimento de M ateriais Cerâmicos (CM DM C), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) da FAPESP, ligado à U niversidade Estadual Paulista (U nesp), de Araraquara, e à U niversidade Federal de São Carlos (U FSCar), em parceria com a empresa são-carlense Aptor Softw are.As imagens foram obtidas com microscópios eletrônicos e algumas delas chegam à escala de 70 mil vezes.A soma das melhores pontuações de cada jogador será usada para distribuição de prêmios.O jogo pode ser acessado no endereço w w w .cmdmc.com.br/quebra-cabeca.
Embrapa revisita quatro décadas
sustentável, no que diz respeito tanto ao manejo dos recursos naturais como à qualidade do produto. Na coleção serão tratados ainda os temas: utilização sustentável dos recursos naturais; desenvolvimento institucional e políticas públicas; e impacto das inovações e desafios à agricultura tropical.
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social
Simples e funcional, turbina é feita de plástico e cerâmica
> Q ueima
iluminação residencial e fazer funcionar aparelhos como rádio e televisão. Como a diferença de altitude entre as casas e as nascentes é grande, a água gera uma pressão alta na parte inferior das mangueiras. Para evitar que se rompam, a solução encontrada foi escoar o excesso de líquido pelo ladrão da caixa. Mas não há desperdício, porque a água segue por gravidade para os córregos da mesma bacia hidrográfica das nascentes.
efi ciente Um incinerador compacto e eficiente, capaz de reduzir a emissão de gases poluentes como metano e monóxido de carbono no processo de eliminação dos resíduos de pó de serragem, foi desenvolvido na Universidade Federal do Pará (UFPA), em parceria com outras instituições, e está em fase de protótipo. O projeto Comciclone (Câmara de combustão
ciclônica para resíduos das indústrias madeireiras), coordenado pelo professor Manoel Fernandes Martins Nogueira, da Faculdade de Mecânica, teve início em 2004. O combustor é composto por um cilindro de alvenaria com 4 metros de altura e 80 centímetros de diâmetro interno, onde o pó de serragem é injetado misturado com o ar. O incinerador testado consumiu 200 quilos de serragem por hora, quantidade equivalente a um queimador tradicional de 6 metros de diâmetro e 10 metros de altura. O movimento das partículas, na forma espiral como de um ciclone, aumenta o tempo de permanência das partículas dentro do incinerador, com um processo mais longo de combustão e efluentes com menor teor de particulados e monóxido de carbono. O projeto recebeu R$ 240 mil do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Um m edicam ento fi toterápico, com propriedades analgésicas e antiinfl am atórias, à base de extrato seco de folhas de Aleurites moluccana, popularmente conhecida como nogueira-da-índia, está em fase de testes pré-clínicos.O desenvolvimento, feito em parceria entre a U niversidade Vale do Itajaí (U nivali), em Santa Catarina, e a empresa farmacêutica Eurofarma, resultou em um depósito de patente em co-titularidade. Parte dos estudos pré-clínicos já foi concluída em camundongos, demonstrando boa tolerância e importante atividade contra a dor, febre e outros sinais infl amatórios. A empresa espera concluir nos próximos 2 anos os estudos pré-clínicos, com destaque para a avaliação do perfi l de segurança do extrato padronizado do fi tomedicamento, além de preparar o caminho para o início dos estudos em humanos. As próximas fases incluem também os estudos para a produção dos comprimidos em escala industrial. O lançamento do produto fi toterápico está previsto para 2 0 12 , depois de cumpridas todas essas etapas. A Aleurites moluccana é uma árvore de origem asiática, introduzida no B rasil na década de 19 6 0 e difundida nas regiões Sul e Sudeste.Há mais de 10 anos pesquisadores do Núcleo de Investigações Q uímico-Farmacêuticas da U nivali, sob a coordenação do professor Valdir Cechinel Filho, dedicam-se ao estudo dessa espécie.
Folhas da árvore nogueira-da-índia: propriedades analgésicas e antiinfl amatórias
EUROFARMA
FIT O T ER Á PIC O AN AL G É SIC O
Dez famílias de regiões serranas do Vale do Ribeira, no estado de São Paulo, foram beneficiadas com o projeto gerador social de energia elétrica, coordenado pelo professor Mário Kawano, do Centro de Ciências Exatas da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Uma pequena turbina, que aciona um gerador de corrente contínua, é movimentada pelas nascentes de água que estão a 30 ou 40 metros acima das residências. Para chegar até a turbina a água é canalizada em mangueiras, cujo comprimento pode variar de 100 a 800 metros. A turbina foi criada de forma inovadora, com cerâmica e plástico, e pode ser reproduzida pelos próprios moradores, pela simplicidade e baixo custo. A pequena potência gerada tem capacidade de fornecer
PUC-SP
> G erador
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Petroquímica
v erde Glicerina que sobra da produção de biodiesel será usada para produzir polipropileno
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busca por matérias-primas alternativas aos derivados de petróleo está na pauta do dia nas áreas relacionadas à produção de plástico. O alto preço do óleo in natura no mercado mundial e a necessidade de produtos ambientalmente mais favoráveis, seja biodegradáveis ou obtidos por recursos renováveis, têm contribuído para o aparecimento de novas rotas tecnológicas para esse tipo de indústria. No Brasil, a mais recente novidade é o uso da glicerina que sobra, como subproduto, da elaboração do biodiesel para produzir o propeno, resina obtida até aqui de derivados de petróleo e utilizada para fazer polipropileno (PP). Esse plástico é amplamente utilizado em automóveis, eletrodomésticos, seringas descartáveis, fraldas, embalagens para alimentos e produtos de limpeza. O desenvolvimento da alternativa de produção é da empresa Nova Petroquímica, a antiga Suzano, que desde junho deste ano participa do conglomerado Quattor, formado pela Petrobras e pelo grupo Unipar. O início da produção está marcado para 2009, com uma planta piloto em local a ser definido. Depois será a vez de uma planta industrial definitiva a ser instalada até 2014. O total dos investimentos industriais deverá atingir US$ 50 milhões. A rota de produção da empresa segue outros grandes fabricantes
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de matérias-primas para a produção de plástico, como Braskem, Dow Química e Oxiteno (leia em Pesquisa FAPESP n°142), empresas que possuem projetos para a produção de polímeros de origem vegetal com a utilização, principalmente, de cana-de-açúcar. Junto com a glicerina do biodiesel elas estão formando a cadeia de petroquímica verde ou renovável. A produção do PP com glicerina é importante porque envolve grandes números tanto na produção de biodiesel como da própria resina em que a Quattor detém 45% do mercado, com 875 mil toneladas anuais de polipropileno e exportação para 40 países. Segundo levantamento realizado pela empresa, o volume de glicerina disponível em 2008 deverá atingir cerca de 105 mil toneladas se a produção chegar a 1 bilhão de litros de biodiesel para compor a cota obrigatória de 2% adicionado ao diesel, principal combustível de caminhões e ônibus do país. Em 2013, quando essa porcentagem subir para 5% de biodiesel, o excedente de glicerina deverá ser de 250 mil toneladas. O problema é que o mercado brasileiro consome apenas 40 mil toneladas de glicerina por ano. A glicerina é o nome comercial do glicerol, que pode ser produzido tanto de óleos vegetais como de derivados de petróleo como o próprio propeno. A produção de plástico com essa substância vem se somar a uma série de
MIGUEL B OYAYAN
Marcos de Oliveira
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Glic erina loira: se não aproveitada, pode ter descarte inadequado
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outros usos industriais. Ela é utilizada em cosméticos, está presente na indústria farmacêutica, na composição de cápsulas, xaropes e pomadas; na química, em tintas, vernizes e detergentes; na alimentícia, para conservar bebidas e alimentos, como refrigerantes, balas, bolos, carnes e rações, além de embalagens. Na indústria do tabaco, a glicerina torna as fibras do fumo mais resistentes e evita o ressecamento das folhas, da mesma forma que é usada para amaciar e aumentar a flexibilidade de fibras têxteis. De cada mil litros de biodiesel fabricados pelo processo de transesterificação, que agrega óleo vegetal ou gordura animal de várias origens e um tipo de álcool (o metanol, mais utilizado, ou etanol), sobram no final cerca de 100 litros. O preço também despencou nos últimos tempos. O quilo do produto valia US$ 1,55, em 1995, e caiu para US$ 0,50, em 2007. “Identificamos que os consumidores atuais de glicerina não teriam como utilizar toda a produção”, diz Pedro Geraldo Boscolo, gerente da Quattor. Foi a partir da constatação dessa crescente oferta de glicerina no mercado que a empresa procurou o professor Claudio Mota, do Instituto
de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 2006. “A motivação partiu deles e no início achei difícil retirar da glicerina (C3H8O3) os átomos de oxigênio para transformála em propeno (C3H6)”, lembra Mota. “Embora não existissem referências na literatura científica, nós conseguimos um bom sistema extraindo o oxigênio como água.” A reação química resulta na produção de água, que se torna um benefício porque ela também poderá ser comercializada ou usada pela própria indústria. Foi feita uma patente em que os resultados financeiros serão divididos 50% para a UFRJ e os pesquisadores do projeto e 50% para a empresa. O projeto de pesquisa teve investimentos de R$ 2 milhões, sendo R$ 600 mil da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e o restante da Quattor. O utros usos - Quando recebeu o convite
da empresa, Mota já trabalhava com a obtenção de compostos da glicerina para uso como aditivos na gasolina ou no diesel. “Estamos desenvolvendo derivados da glicerina que poderão ser misturados a esses combustíveis para melhorar a lubrificação do motor, além de diminuir o teor de enxofre e
de compostos particulados, no caso do diesel. Na gasolina, eles podem diminuir a produção de monóxido de carbono (CO) e de outros poluentes e melhorar o desempenho do motor”, explica Mota. Ele também desenvolve estudos para a produção de plásticos acrílicos com glicerina. “Tudo isso dentro da expectativa do aumento da produção de biodiesel.” O sistema produtivo do polipropileno verde desenvolvido na parceria entre a empresa e a UFRJ começa no plantio da soja, hoje a principal oleaginosa usada para produzir biodiesel. Segundo dados da Quattor, de 3 mil quilos (kg) de grãos colhidos em 1 hectare de área sobram 540 kg de óleo a que são acrescidos 54 kg de metanol. Os resultados são 540 kg de biodiesel e 54 kg de glicerol. Essa glicerina vai resultar em 27 kg de propeno e a mesma quantidade de polipropileno. Embora tenha o quilo como medida de comercialização e uso, a glicerina é líquida. “O transporte desse produto das empresas produtoras de biodiesel até a nossa fábrica será feito de caminhão”, explica Boscolo. O uso da glicerina proveniente do biodiesel tem outro aspecto que fortalece os estudos e a necessidade
C iclo industrial do plástico verde
Produção do óleo
Plantio de soja
cosméticos,fármacos, peças de carro,embalagens e eletrodomésticos
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Perigo am biental - “O uso da glicerina loira apresentou melhores propriedades mecânicas como resistência à tração e alongamento do que a comercial”, diz Rosa. Eles apresentaram o estudo no Congresso PlastShow 2008, realizado em maio em São Paulo. No trabalho citam, como exemplo, que excedentes de glicerol estão sendo despejados no rio Poti, na cidade de Crateús, no Ceará, uma região produtora de biodiesel, causando um impacto ambiental negativo. “Uma vez ligamos para uma produtora de biodiesel para pedir algumas amostras para pesquisa e eles nos perguntaram quantas toneladas”, lembra Rosa, que na época se espantou porque precisava apenas de poucos quilos. “A plastificação do amido é uma alternativa no caminho de produzir plásticos biodegradáveis e mais favoráveis ao ambiente contando para isso com o uso da glicerina do biodiesel.” Outras alternativas para a glicerina, fora o plástico, são a queima para produção de energia elétrica na própria fabricação do biocombustível, além de usá-la na substituição e alternativa menos tóxica que o etilenoglicol em produtos anticongelantes e para entrar como uma espécie de adoçante e umedecedor em alimentos. ■
SÔ NIA FARIA Z AW ADZ K I/UFPR
de aumentar os seus usos industriais. É a possibilidade de descarte como lixo ou efluente caso não exista o que fazer com ela. “Essa glicerina é um pouco diferente da produzida via derivado de petróleo. Em vez de transparente, ela é amarelada e possui 9% de resíduos. Pela cor é chamada de glicerina loira e não tem um mercado definido, por isso está passível de um descarte inadequado”, diz o professor Derval dos Santos Rosa, diretor acadêmico do campus de Campinas da Universidade São Francisco, que tem sede em Bragança Paulista, no interior paulista. Estudando o uso dessa glicerina e da comercial como plastificante, aditivo que confere maior resistência e elasticidade aos plásticos, ele e os alunos Marcelo Bardi e Luciano Rigolo, da Faculdade de Engenharia de Itatiba, da mesma universidade, demonstraram que ela teria um bom uso para plastificar polímeros produzidos com amido, uma substância chamada de polissacarídeo presente em muitos vegetais.
PV C com resina vegetal, à esquerda, e não plastifi cado
Plastifi cante renovável A rota vegetal também está na origem de um novo produto que poderá substituir um aditivo usado pelas indústrias para dar maior maciez e fl exibilidade aos artefatos feitos com policloreto de vinila (PV C), o segundo plástico mais usado no mundo.“Conseguimos um plastifi cante renovável com base em um óleo vegetal para substituir os ftalatos (produzidos a partir de derivados de petróleo)”, diz a professora Sônia Faria Z aw adzki, do Departamento de Q uímica da U niversidade Federal do Paraná (U FPR).Os ftalatos formam um conjunto de substâncias químicas que estão presentes, principalmente quando associados ao PV C, na formulação de sacos plásticos ou em forma de fi lme para embalar alimentos, além de estarem presentes em brinquedos, cortinas de banheiro, embalagem para cosméticos, cateteres e bolsas de sangue e soro.Sobre eles pesam a suspeita de trazerem vários males à saúde humana. Estudos mostram que, mesmo em pequenas doses, os ftalatos podem passar por contato para alimentos e bebidas e depois ser ingeridos por adultos e crianças e ser associados a câncer, má-formação esquelética, problemas endócrinos e hormonais, principalmente danos ao sistema reprodutor masculino.O principal suspeito é um tipo plastifi cante chamado de ftalato de di-(2-etil-hexila)
(DEHP na sigla em inglês) muito usado em fi lmes plásticos.“Em camundongos já estão comprovados câncer no pâncreas, rins e fígado, mas em relação aos humanos ainda há controvérsias”, diz a professora Sônia.A Agência Nacional de V igilância Sanitária (Anvisa) indica o máximo de 3% de ftalatos em produtos vendidos no B rasil.“M as há dados na literatura nacional e internacional que mostram a presença de valores acima desse nível, principalmente nos fi lmes e sacos plásticos, produtos que fi cam bem molinhos graças aos plastifi cantes.” O produto desenvolvido na U FPR para substituir os ftalatos e plastifi car o PV C começou a ser desenvolvido em 2 0 0 3.A pesquisa, coordenada pela professora Sônia em colaboração com o professor Luiz Pereira Ramos, chegou até a fase pré-industrial numa parceria com a fi lial da empresa norte-americana Corn, que processa matéria-prima vegetal para as indústrias alimentícia, química e farmacêutica.Eles começaram a investir na pesquisa depois que a professora Sônia fez a formulação e mostrou à empresa.Agora a Corn estuda a implementação industrial do produto, que ainda não pode ter revelados alguns detalhes como o óleo vegetal do qual é feito, embora já tenha um depósito de patente.O novo plastifi cante custará cerca de 10 % a menos que os ftalatos convencionais.
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Ligação íntima Interação entre luz e polímeros acelera processos de estruturação de resinas odontológicas e degradação de plásticos Dinorah Ereno
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luz sob determinadas condições contribui para acelerar processos de estruturação e de degradação de materiais poliméricos, assim como ajuda a avaliar a sua composição. Essa estreita interação em suas múltiplas facetas é a base de estudos desenvolvidos no Instituto de Q uímica de São Carlos (IQ SC) da Universidade de São Paulo, com resultados interessantes, principalmente para a área odontológica. No caso dos compósitos de resinas utilizados em tratamentos dentários, uma das pesquisas realizadas teve como foco avaliar, com auxílio da luz ultravioleta (UV), a resposta fluorescente da restauração, ou seja, verificar se ela apresentava o mesmo comportamento de um dente natural, que possui uma fluorescência própria, originada de um peptídeo chamado piridinolina, presente no colágeno da dentina. “Dependendo do material utilizado, a restauração aparece na cor preta, enquanto o dente emite uma radiação branco-azulada em contato com a luz UV”, diz o professor Miguel Guillermo Neumann, coordenador da Câmara de Apoio aos Núcleos de Pesquisa da USP e que desde 19 84 está à frente do Grupo de Fotoquímica no IQ SC, responsável pela publicação de mais de 200 trabalhos científicos em revistas nacionais e internacionais. “É como se existisse um buraco no lugar da restauração”, compara a professora Carla Schmitt Cavalheiro, parceira de Neumann no grupo de pesquisa. Isso ocorre porque a composição da resina pode não conter agentes fluorescentes, em geral compostos de terras-raras, que também têm aplicação em tecnologias diversas como lâmpadas fluorescentes, vidros e fibras ópticas. “Q uando em contato com a radiação ultravioleta, a resposta da resina tem que se igualar à resposta do dente”, diz o professor Ivo Carlos Correa, da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que participa do grupo de pesquisa desde o ano 2000, quando iniciou seu doutorado na USP de São Paulo. “Essa é uma característica estética importante que tem de ser levada em conta no processo de fabricação do material.” Corante verde O estudo foi apresentado em congressos cienusado no tíficos e chamou a atenção de uma empresa fotorreator alemã fabricante de materiais odontológicos, que faz análise que alterou a formulação para acrescentar o com luz ultravioleta componente fluorescente na composição.
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Fonte de luz usada na fotoativação do polímero usado em restaurações de dente tem que ser compatível com o sistema químico escolhido
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Na área odontológica, o fotoiniciador mais utilizado atualmente é a canforquinona, um corante de cor amarela que, quando misturado nas formulações, pode resultar em um efeito amarelado indesejado no dente restaurado, visível principalmente nos tratamentos de branqueamento. “Nas restaurações que ficam no fundo da boca, essa pequena diferença não fica muito aparente. Mas nas restaurações da frente é mais difícil conseguir a mesma tonalidade dos outros dentes e essa diferença se acentua quando é feito o branqueamento”, diz Neumann. Sistem as sincrônicos - Nas buscas
por fotoiniciadores mais brancos em substituição à canforquinona, as indústrias depararam com um obstáculo. “Dependendo da fonte de luz usada na fotoativação, não havia geração suficiente de radicais livres para iniciar a polimerização, com isso o material restaurador não endurecia na cavidade”, explica Correa, da UFRJ. “O sistema químico e o de luz têm que funcionar em sincronia”, ressalta Carla. Para a canforquinona dar início ao processo de polimerização, por exemplo, é preciso aplicar uma fonte na INSTITUTO DE QUÍMICA DE SÃ O PAULO/USP
Outro resultado das pesquisas do IQSC é um fotorreator para polímeros, que já está pronto para ser produzido sob encomenda ou até em escala comercial. Também chamado de câmara de irradiação, o fotorreator com 16 lâmpadas de luz ultravioleta foi projetado pelos pesquisadores da universidade e da empresa Tecnal, de Piracicaba, no interior paulista, que agora produz o aparelho. “Começamos o desenvolvimento em 2003 tomando como base uma estufa com refrigeração e, a partir daí, fomos juntando as informações encontradas na literatura científica com as necessidades do laboratório”, explica Fredy Rossi Borges, gerente comercial da empresa, que tem um departamento de pesquisa composto por engenheiros e técnicos. Depois de pronta, a empresa recebeu uma encomenda de uma pesquisadora da UFRJ para a fabricação de uma câmara semelhante. “Tivemos que fazer ajustes no comprimento de onda da luz porque o equipamento tinha outra finalidade”, diz Borges. O interesse no produto demonstrado por outros pesquisadores resultou na criação de um catálogo com fotos, em que é possível determinar variações no projeto. A câmara de irradiação é usada nas pesquisas de fotopolimerização e fotodegradação, as duas principais linhas na área de fotoquímica estudadas na USP de São Carlos. Na fotopolimerização a luz é utilizada para, a partir de moléculas muito simples, chamadas monômeros, obter moléculas mais complexas, as macromoléculas ou polímeros, que são a base de produtos como resinas odontológicas, circuitos impressos, materiais ópticos, tintas vinílicas e plásticos. No consultório do dentista, as resinas encontram-se em estado líquido ou pastoso, como nos adesivos (tipo de cola que prepara o dente para receber a restauração) e compósitos restauradores, respectivamente. A fotopolimerização é o processo que endurece o material restaurador pela interação da luz visível com um corante, chamado de fotoiniciador, que participa da reação química como gerador de radicais livres.
Luz ultravioleta revela diferenças entre restaurações
cor azul, emitida por aparelhos de luz halógena ou de luz LED (da sigla em inglês light emitting diodes, ou diodos emissores de luz). Por conta de uma controvérsia surgida entre os pesquisadores sobre a capacidade das fontes de luz à base de LEDs serem capazes de polimerizar materiais dentários, Correa escolheu esse tema para a sua tese de doutorado defendida na USP em 2003. “Os LEDs de luz azul como uma nova tecnologia de iluminação para a área odontológica, em contraposição à luz halógena, começavam a apresentar algumas irregularidades em relação à resistência do material na boca”, conta. Ao contrário das lâmpadas halógenas, cuja luz é gerada por filamentos incandescentes, os LEDs convertem a energia elétrica diretamente em luz por eletroluminescência através de feixes de semicondutores. A luz halógena compreende um espectro mais amplo e é emitida em comprimentos de onda entre 350 e 700 nanômetros, enquanto o LED emite luz azul entre 440 e 490 nanômetros. Antes de dar início à tese de doutorado, Correa entrou em contato com Neumann e, desde então, os dois estabeleceram uma sólida parceria, que já dura 7 anos. “Trabalhei em colaboração com o professor em várias combinações de resinas, formuladas com diferentes iniciadores pela empresa Vigodent, do Rio de Janeiro, usando a luz halógena e o LED cedido pela empresa DMC Equipamentos, de São Carlos”, explica Correa. A avaliação foi feita com quatro fotoiniciadores, entre os quais a canforquinona, o PPD (fenilpropanodiona) e dois fotoiniciadores à base de óxido acilfosfina, o Lucirin TPO e o Irgacure 819. “A conclusão é que, dependendo do fotoiniciador utilizado, uma lâmpada é mais apropriada do que outra”, diz Neumann. O Lucirin, por exemplo, é mais eficiente do que os outros avaliados quando irradiado com a lâmpada convencional, enquanto a resposta efetiva da canforquinona se dá com o uso do LED. “Estudamos reações químicas que acontecem em
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Processo de fotopolimerização com fonte de luz LED na cor azul
dade da luz e faixa de comprimento de onda, que resultem em correta polimerização dentro da boca do paciente. Esses estudos tiveram grande impacto na comunidade científica mundial, durante apresentação de trabalhos do grupo de fotoquímica nos congressos da Associação Internacional de Pesquisa Odontológica (IADR). Degradação testada - Outra linha de
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OS PROJETOS
1.Interações de luz visível com polímer os: fotopo lime rização e fotodegradação 2.Con tribuição ao estudo de fotoestabilidade de corantes em polím eros 3.Polim erização vinílica fotoiniciada M O DALIDADES
1.Projeto Temático 2.Auxílio Regular a Pesquisa 3.Auxílio Universal C O O R DENA DO R ES
1 e 3.M IG U EL G U ILLERM O NEU M ANN – USP 2.CARLA SCHM IT T CAVALHEIRO – USP INV EST IM ENT O
1.R$ 341.745,25 (FAPESP) 2.R$ 244.184,88 (FAPESP) 3.R$ 34.000,00 (CNPq)
menos de 1 bilionésimo de segundo e, a partir daí, podemos indicar os iniciadores mais eficientes”, explica Neumann. A aplicação prática, no entanto, depende de mudanças na infra-estrutura comercial, que hoje está direcionada para o uso da canforquinona como fotoiniciador principal nas formulações. As pesquisas com novos fotoiniciadores poderão conduzir a LEDs específicos para esses materiais. “A eficiência desse processo é importante, porque vai culminar na longevidade da restauração”, diz Correa. Alguns pesquisadores já estão se dedicando ao desenvolvimento de fontes em outros comprimentos de luz para os materiais odontológicos, além do azul. Esse estudo conduziu a outras pesquisas dentro do grupo, direcionadas para estabelecer parâmetros de eficiência fotônica, como material restaurador mais adequado, intensi-
pesquisa do grupo que tem apresentado resultados alentadores é na área de fotodegradação, em que a luz é utilizada para degradar plásticos descartados em indústrias, lixões e aterros sanitários. Os primeiros testes foram realizados com o polietileno glicol, usado em formulações cosméticas, pomadas para uso tópico e radiadores de carro para controlar a temperatura do motor. Esses materiais receberam a adição de corantes responsáveis pelo início do processo de fotodegradação. Em algumas condições, o polietileno glicol se decompôs até formar moléculas de água e gás carbônico. As pesquisas foram conduzidas pela aluna de doutorado Laís Calixto Santos, que comparou diferentes métodos de degradação. Em um deles foi utilizado o peróxido de hidrogênio (água oxigenada) e luz, em outro a reação de Fenton (combinação de água oxigenada e sais de ferro) e no terceiro o sistema de fotoFenton (água oxigenada, sais de ferro e luz). Os sais de ferro se comportam como um corante ao absorver a luz e dar início à reação. O melhor resultado para o consumo total do polietilenoglicol foi obtido com o foto-Fenton, cerca de 15 minutos. Com o peróxido irradiado foram necessárias 2 horas para a decomposição, enquanto com água oxigenada e ferro, sem a luz, demorou 10 dias. Esse processo pode ser usado, por exemplo, para o tratamento de efluentes industriais. Futuramente esses sistemas e outros contendo corantes poderão ser utilizados em formulações de garrafas plásticas que, ao serem descartadas no ambiente, entrarão em um rápido processo de decomposição. ■ PESQUISA FAPESP 149
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M EDICINA
B anho de luz preciso Dispositivo eletrônico monitora dose de radiação usada no tratamento de icterícia em recém-nascidos
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uem tem filhos ou visitou bebês em maternidades já deve ter estranhado a cor amarelada da pele, das mucosas e do branco dos olhos de alguns recém-nascidos. Esse problema, conhecido como icterícia ou hiperbilirrubinemia neonatal, costuma aparecer ao redor do segundo ou terceiro dia de vida e é relativamente comum, atingindo de 60% a 80% dos neonatos no mundo, dependendo do local. O problema está relacionado à falta de maturidade do fígado, incapaz de metabolizar a bilirrubina, um pigmento normal, de cor amarelada, gerado pelo metabolismo das células vermelhas do sangue. A principal terapia em uso para icterícia, que não costuma ter maiores conseqüências se for adequadamente tratada, é a fototerapia (ou banhos de luz), com a exposição do recém-nascido a uma fonte luminosa equipada com lâmpadas fluorescentes, incandescentes halógenas ou LEDs azuis (sigla em inglês para diodos emissores de luz). A eficiência do tratamento é diretamente proporcional à quantidade de energia luminosa (irradiação) que in92
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cide sobre o bebê e à área de sua superfície corporal exposta a essa radiação. O controle e o monitoramento dessa luz sobre o recém-nascido foram estudados por pesquisadores do Departamento de Física da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e o resultado foi o desenvolvimento de um dosímetro de radiação feito com material polimérico luminescente. Com ele é possível um controle fino e o monitoramento pormenorizado da dose de luz recebida por bebês expostos a essa terapia. Uma patente com a reivindicação do uso desses polímeros para identificação e quantificação de radiação não-ionizante foi depositada pelo grupo em janeiro de 2007. Radiações nãoionizantes são aquelas que não possuem energia capaz de emitir elétrons de átomos ou de moléculas com as quais interagem. O dispositivo ainda se encontra na fase de protótipo, mas, segundo seus inventores, está pronto para adquirir formato comercial. Seu elemento central é uma ampola de vidro preenchida por uma solução à base de polímeros luminescentes disponíveis no mercado e conhecidos como meh-ppv. O dispo-
sitivo funciona a partir da mudança de cor dessa solução em razão do tempo de exposição à radiação. Ao serem sensibilizadas pela luz, as soluções podem variar de vermelho a incolor, passando pelo laranja, amarelo, amarelo-claro e assim sucessivamente. “O dispositivo deve ser posicionado junto ao corpo do bebê e indica a quantidade de radiação recebida a partir de uma simples mudança de cor”, explica o físico e professor da Ufop, Rodrigo Fernando Bianchi, que liderou o desenvolvimento da nova tecnologia. A leitura é feita qualitativamente, por meio da alteração de cor das soluções, ou quantitativamente, com um circuito elétrico composto por LEDs e fotodetectores que medem a mudança de cor da solução e indicam, num painel digital, a dose de radiação absorvida pelos polímeros. “A fácil leitura dispensa a necessidade de treinamentos complexos e demorados para que os profissionais de saúde possam usar o aparelho”, explica o pesquisador. Para garantir maior controle e monitoramento da radiação, um conjunto de cinco ampolas, dispostas numa pequena embalagem plástica chamada de blister, deverá ser colocado junto ao
LAPPEM/UFOP
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O PROJETO Dosíme tro para fototerapia
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recém-nascido. Os pesquisadores já trabalham na criação de dosímetros poliméricos na forma de selos autocolantes, os quais poderão ser usados sobre as fraldas ou em qualquer parte do corpo do bebê. Apesar de a hiperbilirrubinemia neonatal ser um distúrbio facilmente controlado, ela exige atenção porque alguns problemas podem surgir durante a terapêutica, gerando até mesmo falsos diagnósticos. A maior preocupação recai sobre a ineficiência das fontes de radiação empregadas pelas maternidades porque as lâmpadas do aparelho de fototerapia podem estar fora das especificações, por exemplo. A distância entre as fontes luminosas e os pacientes e o mau posicionamento do recém-nascido durante o tratamento também podem não ser os ideais. Esses fatores podem levar à redução da taxa de absorção da radiação e à ineficiência da conduta, provocando sérios problemas de saúde.
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Danos neurológicos – O aumento da
concentração de bilirrubina no sangue do recém-nascido é extremamente tóxico para o sistema nervoso, podendo causar lesões neurológicas irreversíveis e até mesmo a morte do bebê. O principal objetivo da terapêutica é a prevenção da encefalopatia bilirrubínica, também conhecida como kernicterus. A proposta do grupo de Ouro Preto é que junto ao exame de concentração sérica (do sangue) de bilirrubina entregue ao pediatra, que avalia o teor do pigmento no sangue dos neonatos, seja anexado um laudo mostrando a dose de radiação absorvida pelo recémnascido. “Desta forma os pediatras teriam certeza de que os bebês receberam a radiação prescrita para o tratamento da doença”, diz Bianchi, que é o coordenador do Laboratório de Polímeros e Propriedades Eletrônicas de Materiais (Lappem) da Ufop.
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1.Programa Nacional de Nanotecnologia – Jovens Pesquisadores 2.Instituto Multidisciplinar de Materiais Poliméricos – Instituto do Milênio 3.Edital Universal C O O R DEN ADO R
RODRIG O FERNANDO B IANCHI – U fop IN V EST IM EN TO
1.R$ 170.000,00 (CNPq) 2.R$ 35.000,00 (MCT) 3.R$ 90.6 36 ,00 (Fapemig)
Os desenvolvimentos na área de dosimetria têm sido cada vez mais consistentes nos últimos anos. O aparelho ideal, segundo a aluna de doutorado Cláudia Karina Barbosa de Vasconcelos, participante da equipe, deve ser capaz de medir a dose emitida por uma fonte de radiação e também apresentar exatidão, precisão, limite de detecção e facilidade de operação, entre outros parâmetros. Algumas tecnologias, como sensores de radiação, já são empregadas no monitoramento da dose de luz que atinge a superfície corporal de bebês submetidos ao tratamento fototerápico, mas, de acordo com Bianchi, nenhuma delas se assemelha ao dosímetro polimérico feito por sua equipe. “Até onde sabemos, ele não tem similares”, diz. Segundo o pesquisador, o problema dos sensores disponíveis comercialmente é que precisam ser constantemente cali-
brados e nenhum apresenta uma leitura simples da dose de radiação. Outras vantagens do protótipo mineiro são a facilidade de fabricação, de manipulação e o baixo custo de produção. Em escala laboratorial, cada ampola polimérica sai por menos de R$ 0,10, enquanto o blister tem custo inferior a R$ 0,40. A colocação do aparelho no mercado, acredita Bianchi, é apenas questão de tempo. “Trabalhamos com duas possibilidades. A primeira é a submissão de um projeto ao programa Pesquisa Inovativa na Pequena e Micro Empresa (Pipe), da FAPESP, que seria coordenado pelos alunos envolvidos no desenvolvimento que se mudariam para São Paulo para formar uma empresa. A segunda opção envolve a possibilidade de transferência de tecnologia para empresas interessadas no desenvolvimento, na fabricação e na comercialização do produto”, diz o pesquisador da Ufop. “Já estamos em conversação com um potencial interessado, mas não temos ainda nada conclusivo”, afirma. Para desenvolver o dosímetro, o grupo obteve recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). ■
Soluç ão à base de polím eros lum inescentes, nas am polas acima à esq., muda de cor na med ida certa para proteger o beb ê
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Antena do sistema Saber M -6 0 capta aeronaves num raio de 6 0 quilômetros
CART OG RAFIA
Mapas mais nítidos Novo radar fornece dados topográfi cos com maior precisão
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O
s três sócios da Orbisat, empresa especializada em sensoriamento remoto com sede em São José dos Campos, no interior paulista, têm bons motivos para comemorar. O faturamento de seu negócio deve alcançar este ano R$ 60 milhões, um salto de 40% em relação ao resultado de 2007, que foi de R$ 43 milhões. O motivo do expressivo crescimento é a aposta contínua em inovação tecnológica. A mais recente novidade da empresa, que consumiu 1 ano de pesquisas e investimentos de R$ 500 mil, é uma versão avançada do radar aerotransportado OrbiSar RFP (sigla em inglês de radar para penetração em cobertura vegetal) para a produção de mapas em três dimensões, que aumenta a precisão na captação da topografia real do solo de florestas de 1,5 metro para apenas 1 metro. Além dele, engenheiros e técnicos da empresa estão desenvolvendo em conjunto com o Exército brasileiro uma família de radares de vigilância aérea, batizados de Saber (Sistema de Acompanhamento de Alvos Aéreos Baseados em Emissão de Radiofreqüência) e trabalham numa modificação do OrbiSar
RFP para detecção de manchas de óleo na superfície do mar. A precisão oferecida pela nova versão do OrbiSar RFP é uma das melhores do mundo. “Conseguimos capturar imagens com precisão altimétrica de, no mínimo, 1 metro”, garante o engenheiro eletrônico João Roberto Moreira Neto, sócio-diretor da Orbisat. Oferecer informações acuradas sobre a topografia do terreno é vital para empresas que atuam na área de mineração e no setor elétrico, entre outras. Mineradoras precisam conhecer com exatidão o solo onde se encontram suas jazidas para calcular a quantidade de terra que deve ser retirada para chegar à camada subterrânea de minério. E as construtoras de grandes hidrelétricas precisam saber com detalhes a topografia do terreno onde será construído o lago da usina para realizar os cálculos de área de inundação. Os dados coletados pelos radares cartográficos OrbiSar RFP também fornecem informações sobre o tipo de cobertura do solo, a distribuição de biomassa e o escoamento hidrológico da região imageada. O OrbiSar RFP emprega a tecnologia InSAR (Radar Interferométrico
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N o m ar e no ar – A nova versão do OrbiSar RFP também é voltada à detecção de manchas de óleo no mar. Nesse caso, o trabalho de pesquisa tem apoio financeiro da FAPESP por meio do Programa Pesquisa Inovativa na Pequena e Micro Empresa (Pipe). O projeto da antena está na fase final e é feito na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (Feec) da Universidade Estadual
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O PROJETO Processado r para detecção de ma nchas de óleo
M O DALIDADE
Programa Pesquisa Inovativa na Pequena e Micro Empresa (Pipe) C O O R DEN ADO R
J OÃ O ROB ERTO M Orbisat
OREIRA
NETO –
INV EST IM EN TO
R$ 318.400,00 (FAPESP)
de Campinas (Unicamp). “Devemos realizar o primeiro vôo no final deste ano. Nossa meta é começar a prestar serviços à Petrobras a partir de 2009”, diz o sócio-diretor da Orbisat que possui uma carta de intenção com a empresa petrolífera. “Com uma nova antena na banda X e um processamento em tempo real, será possível localizar as manchas de óleo situadas a até 100 quilômetros da aeronave. Poderemos fazer uma busca completa na bacia de Campos, que tem uma área de 90 mil quilômetros quadrados, em menos de 4 horas”, diz Moreira Neto. Esse sistema capta o movimento das ondas do mar. As freqüências eletromagnéticas enviadas pelo radar são refletidas pelas pequenas ondas formadas pelo vento. Quando existe óleo no mar, a tensão superficial aumenta, fazendo sumir as ondinhas, que não mais são captadas de volta pelas antenas. O desenvolvimento da linha de radares de vigilância aérea Saber também
conta com apoio da Unicamp. Pesquisadores da Feec são responsáveis pelo projeto da antena do modelo Saber M-60, capaz de identificar aeronaves num raio de 60 quilômetros ou que sobrevoem o equipamento a até 5 mil metros de altura. A partir daí a detecção passa para os radares de tráfego aéreo da Aeronáutica. “Na fase de pesquisa e desenvolvimento foram produzidos dois protótipos e agora, na etapa de industrialização, outros três estão sendo fabricados e entregues ao Exército brasileiro nos próximos meses”, diz o tenente-coronel Roberto Castelo Branco Jorge, gerente do projeto do radar M-60 no Exército. O valor de mercado dos radares é estimado em R$ 3 milhões. Um software desenvolvido em conjunto pela Orbisat, Unicamp e Centro Tecnológico do Exército (CTEx) permite que o radar rastreie e forneça, em tempo real, a localização exata de até 40 alvos aéreos simultaneamente. Empresa 100% nacional, a Orbisat, criada em 1983, desenvolve projetos em engenharia eletrônica, sistemas automáticos de teste de cartões eletrônicos, controle e automação industriais e equipamentos de radionavegação. Ela insere o Brasil no seleto grupo de países que dominam a tecnologia de produção de radares, do qual fazem parte Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Holanda e França. A empresa cresceu bem nos últimos anos e hoje tem 270 funcionários – diante de 100, em 2003, quando a Orbisat foi tema da reportagem na edição de Pesquisa FAPESP nº 83, de julho de 2003. ■
Yuri Vasconcelos ORB ISAT
EDUARDO CESAR
de Abertura Sintética), que faz uma fotografia avançada do solo, mostrando as dimensões das árvores, rios, estradas e prédios. O modelo da Orbisat foi projetado para gerar informações geográficas precisas, principalmente de áreas com densas florestas, e utiliza duas freqüências de mapeamento simultâneas: as bandas X e P. “A banda P penetra na floresta e mede a altura do solo com precisão de 1 metro”, explica Moreira Neto. “A banda X mede a altura da copa das árvores.” O segredo para aumentar o nível de precisão foi o desenvolvimento de algoritmos mais acurados de processamento de dados. O radar também faz imagens à noite ou em dias nublados e com fortes chuvas. Em vez de utilizar luz para realizar o mapeamento, como faz a maioria dos sistemas convencionais, o RFP emite ondas eletromagnéticas. “Fazemos a aquisição de dados de maneira rápida, precisa e econômica, porque nosso radar não depende das condições atmosféricas e da luz do dia. Podemos mapear grandes áreas em tempo mínimo ocupando um pequeno avião por pouco tempo”, explica Moreira Neto. O preço de mercado desse radar chega a R$ 8 milhões. Ele é aerotransportado e emite ondas eletromagnéticas pulsadas ao longo da viagem e recebe o sinal de retorno pelas antenas. Com 1,2 metro de largura, 1 metro de altura, 60 centímetros de comprimento e 200 quilos, o radar fica dentro da aeronave, enquanto as antenas da banda P são posicionadas no compartimento de bagagens e as da banda X, fora do avião. O processamento de dados é automático. “O software foi desenvolvido por nós e é continuamente atualizado”, diz Moreira Neto. A Orbisat tanto vende o radar quanto presta o serviço de mapeamento. A empresa já realizou trabalhos de sensoriamento na Venezuela, Equador, Suíça, Itália e Inglaterra.
Fora do avião, antenas emitem ondas eletromagnéticas e captam sinais do solo
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H U M A N ID A D E S
N um paradoxo digno da fam osa m á xim a da “ casa de ferreiro,espeto de pau” há um a notá veldifi culdade, quando o assunto é a m í dia brasileira,de encontrar quem faça a história de quem faz a história. Mesmo M Í DIA o bicentenário da nossa imprensa passou algo em brancas nuvens, como se dom João VI, atualmente tão celebrado por jornais e revistas, enfim se vingasse das diatribes contra o seu governo feitas por Hipólito da Costa, o editor do Correio Braziliense e autor, em junho de 1808, do que se considera (não sem polêmicas) o artigo que marca o início do jornalismo brasileiro. “Nossa imprensa começou de forma auspiciosa, inspirada e esmerada. O escrito pioneiro de Hipólito da Costa não é apenas um texto jornalístico, mas um texto jornalístico sobre jornalismo. É uma gênese magistral: B icentenário da imprensa inaugura a imprensa e inaugura a crítica à imprensa, concomitantemente”, observa o brasileira exige refl exão ampla editor do Observatório da Imprensa, Alberto Dines, que criticou um suposto descaso (com Carlos Haag raras exceções) da mídia com a efeméride. “Seria válido contestar a data e a primazia concedida a Hipólito da Costa ou escolher Frei Tibúrcio José da Rocha, primeiro redator da Gazeta do Rio de Janeiro, como patriarca da nossa imprensa. Não querem um maçom e anticlerical como precursor do nosso jornalismo? Então que se inventem teorias: a historiografia não é uma ciência exata, é elástica”, observou em artigo. “Estabeleça-se o debate, questione-se, que se desencavem as acusações contra a probidade do redator do Correio Braziliense. Ignorar o espetacular início da imprensa e esconder o atraso com que chegamos até ela é crime de lesa-identidade”, avisa. Será difícil “cortar a própria carne?” “Fazer a história da mídia implica necessariamente desconstruir o seu discurso, ou seja, recusar sua autoconsciência (seu ‘discurso nativo’), o que implica desconstruir também a cotidianidade de sua produção”, nota o historiador Fernando Lattman-Weltman, da Fundação Getúlio Vargas. Segundo o comunicólogo e estudioso da imprensa, José Marques de Melo, a historiografia do gênero estaria diante de um paradoxo: “Cresce o volume de pesquisas sobre a imprensa, mas são raras as generalizações capazes de elucidar seu desenvolvimento e discernir o seu futuro”. Há exceções. Uma delas acaba de ser lançada pela Editora Contexto, História da imprensa no Brasil, organizada por Ana Luiza Martins e Tânia Regina de Luca. “Na sua maioria, os trabalhos sobre a imprensa no Brasil têm-se voltado para análises pontuais e fragmentadas, pensadas em amplo espectro, mas interrompidas e inconclusas pela magnitude da empreitada”, avaliam as autoras. Efetivamente, a partir da década de 1990, o que houve de mais importante nesse campo foi a publicação de memórias e biografias. “Positivos na ampliação de fontes, esses produtos, apesar da sua qualidade, pertencem não à historiografia, mas à indústria cultural”, adverte Richard Romancini, autor de História do jornalismo no Brasil, para quem “chega a surpreender a publicação, em 1966, da História da imprensa no Brasil, de Nelson Werneck”, o mais influente estudo até hoje. “Sodré é muito crítico em relação à história positivista e se destaca pela coerência
A histó ria
de quem
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com que adota um referencial marxista que correlaciona o desenvolvimento da imprensa no país às suas forças produtivas, com a célebre fórmula ‘a história da imprensa é a própria história do desenvolvimento da sociedade capitalista’.” Mas, nota Romancini, “há uma dificuldade em trabalhar temas culturais a partir de um marxismo ortodoxo sem diminuí-los à dimensão de reflexo da infra-estrutura socioeconômica, do que resulta um certo empobrecimento teórico”. Que ficaria evidente, continua, no ensaio acrescentado pelo autor, em 1999, à quarta edição do livro, em que, mantendo-se no mesmo referencial teórico, chega a uma conclusão “só com dificuldade aceita na íntegra: alienada e vinculada à classe dominante, a imprensa perdeu, no Brasil, qualquer traço nacional”. General-de-exército reformado, intelectual brilhante autor de mais de 56 livros, Werneck acalentou por 30 anos o projeto de sua história da imprensa. “O ponto central do livro é a relação de interdependência entre imprensa e Estado, majoritariamente de dependência econômica da imprensa em relação ao poder público”, notam Octavio Pieranti e Paulo Emílio Martins, ambos da FGV, em seu artigo sobre o livro de Sodré. Segundo os pesquisadores, a visão do clássico é que “a imprensa, desde o início, foi atividade da classe dominante em que os timoneiros do jornalismo não estavam dispostos a se aliar ao povo em lutas pela liberdade política, não sendo fiscalizadora do poder público, alinhando-se, pelo contrário, ora com ele, ora com a oposição, de forma clara e inequívoca, estimulando, como agravante, revoltas e atos de rebeldia armados”. No Império, segundo Sodré, muda a gestão da imprensa, mas os novos veículos são comandados pelos amigos do imperador, sem espaço para oposição. A República, afirma, não mudaria essa essência. O fato notável para o historiador, com a consolidação republicana, seria a guinada da imprensa em empresas jornalísticas, uma contradição entre seu comportamento e sua essência real. “Idolatrias e xingamentos conviviam tranqüilamente com estruturas empresariais e modernas. O poder público logo entendeu que seria preciso sustentar as empresas, comprar a opinião da imprensa, que teria assumido sua condição empresarial sem se prepa-
rar para tal”, explicam os pesquisadores. No extremo, lembra Sodré, “não é mais preciso, para se dominar a imprensa, o emprego de métodos violentos ou autoritários, como no passado; bastam apenas recursos financeiros para que essa, mergulhada em crise perene e jamais vista, se submeta a novos interesses”. Assim, o jornal é menos livre quanto maior é a empresa e a liberdade de imprensa seria condicionada pelo capital. Engajado – “O livro é uma referência
obrigatória, mas foi escrito há mais de 40 anos e são necessárias novas interpretações para explicar o movimento da história na sua relação com a imprensa no país”, avisa Marialva Barbosa, professora de comunicação da Universidade Federal Fluminense e autora de História cultural da imprensa. “Ele propunha uma história engajada, partindo do pressuposto de que elementos do passado podem esclarecer problemas contemporâneos.” As diferenças historiográficas já se marcam pelo real pioneiro da imprensa. Sodré considera “discutível” a inserção do Correio no conjunto da im-
prensa brasileira. Para ele, isso decorre “menos pelo fato de ser feito no exterior, o que aconteceu muitas vezes, do que pelo fato de não ter surgido e se mantido por força de condições internas, mas de condições externas”. Dessa forma, o verdadeiro “aniversário” da imprensa dataria de setembro de 1808, quando da fundação da Imprensa Régia e da edição da Gazeta do Rio de Janeiro. Esse seria o período, segundo avaliação de LattmanWeltman (baseado na periodização de Habermas para a imprensa mundial) em que a “imprensa era serviço preso a uma lógica pré-capitalista”. O suposto “atraso” de nosso jornalismo, ainda segundo Sodré, se deveria justamente a uma ausência de capitalismo e de burguesia, pois apenas nos países em que ambos se desenvolveram é que a imprensa floresceu. “Mas a ênfase no atraso ou na censura para explicar a ausência de imprensa não dão conta da complexidade de suas características. Sem negar esses fatores, é importante acrescentar que seu surgimento não se deu em um vazio cultural, mas marcava e ordenava uma cena pública que passava por
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Debate – Para a autora, ao contrário do
que supõe Sodré, esse primeiro periodismo não era apenas incipiente, mas foi por meio dele que se “começa a instaurar a opinião pública, já que não se praticavam até 1808 o debate e a divergência política publicamente”. Mais tarde, durante as Regências, esse papel se estenderia: “A imprensa se constitui como formuladora de projetos de nação e de uma cena pública em que emergiam atores políticos”. Nisso Werneck concorda: “Os órgãos de imprensa, apesar de controlados por membros da burguesia, não descartavam a participação do povo em revoltas contra o poder, comportamento que não seria visto na imprensa brasileira em outros momentos de sua história”. Com o Segundo Império nasce o segundo momento da imprensa nacional: surgem os primeiros jornais de oposição (abolicionistas e republicanos), de nítida intenção ideológica e não financeira, como nota o historiador. Eram instrumentos de determinadas pessoas com carreiras políticas, de partidos ou grupos políticos. Daí que a maioria teve vida curta. “A segmentação de público, porém, ainda tardaria, dada a restrita população leitora”, observa Ana Luiza Martins. Com a República, a imprensa monarquista, salvo exceções, se transformou em republicana, agente do projeto civilizador e modernizador. A política mantinha seu espaço, mas o crescimento urbano era o principal novo foco de notícia. A imprensa experimentou processos de inovação tecnológica (com ilustração, fotografia, charges etc.) e surge, aos poucos, um mercado consumidor que a leva cada vez mais a se transformar em empresa. A publicidade ganha espaço, o que não impedia a relação espúria com o Estado: Campos Salles, por exemplo, gabava-se de ter um fundo secreto governamental para comprar a opinião de jornalistas. “À vontade do governo de comprar a opinião da imprensa aliou-se a predisposição dessa em levar a cobertura política às suas páginas principais. Para Sodré, é difícil dizer o que veio antes, se a vontade da imprensa de se aconchegar
no leito das verbas oficiais, se o interesse do governo em distribuir quantias polpudas para acalmá-la. Foi o casamento perfeito, aliando a fome com o mecenato”, observam Pieranti e Martins. Se por décadas a luta política foi o motor dos jornais, com a transformação desses em negócio, seus donos passam a adotar métodos racionais de distribuição e gerenciamento. “As novas edições tinham que ser difundidas imediatamente para tentar manter o leitor, apressado, informado”, explica Tânia. Delineava-se a distinção entre matérias informativas, jornalísticas, supostamente neutras, das opinativas, que defendiam valores. “É o declínio da doutrinação em prol da informação. Consagrou-se, nesses primeiros anos do século XX, o ideal de que o jornal tinha a nobre missão de informar o leitor com a ‘verdade dos fatos’. O jornal vira mais problema de dinheiro do que de credo político. Conquistar o público foi para a imprensa menos viREPRODUÇ Ã O DO LIVRO A REVISTA NO B RASIL/MILLÔ R,VEJA,8/5/1974
transformações nas relações de poder, a saber, a crise do absolutismo”, reforça Tânia de Luca, que também lembra o fato de que o Correio, apesar de feito fora do país (na Inglaterra), “era lido sistematicamente aqui”.
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na construção da sua auto-imagem a retórica da imparcialidade, reforçando a sua imagem de independência”, nota a pesquisadora. O Estado Novo getulista quebra essa lógica. “Por coerção ou alinhamento político, o Estado ganha a exclusividade da divulgação e o público é afastado dos periódicos, fazendo com que, em meados dos anos 1930, ele esteja ausente das publicações. Sua fala é silenciada e a do Estado amplificada pelos jornais.” O ponto de inflexão será nos anos 1950. M udanças – “Até meados dessa época,
o cenário não favorecia mudanças, já que, além das dificuldades institucionais de consolidação da chamada esfera pública em nosso país, havia ainda problemas de ordem socioeconômica e cultural que inviabilizavam qualquer tentativa de criação de um mercado razoavelmente autônomo de bens culturais. A industrialização e o crescimento das cidades mudam esse quadro”, avalia Lattman-Weltman. Assim, as reformas da década de 1950 devem ser vistas como o momento de construção pelos próprios profissionais de um jornalismo que se fazia moderno e permeado por uma neutralidade fundamental para espelhar o mundo. “A mítica da objetividade é fundamental para dar ao campo lugar autônomo e reconhecido, construindo o jornalismo como a úni-
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tória de idéias do que simples negócio, defesa natural das somas empenhadas na empresa. A imprensa vira indústria.” Uma empresa que produz espaços para anúncios como uma mercadoria que se torna vendável pela parte da redação. É a terceira e última fase do nosso jornalismo: a superação do jornalismo literário pelo empresarial que, para Sodré, já se teria iniciado nos anos 1920, correspondendo à transição da fase artesanal para a industrial. O conteúdo seria, é claro, afetado. “As bases para a construção do ideal de objetividade, aprofundadas com as reformas por que passariam os jornais meio século mais tarde, estão lançadas na passagem do século XIX para o XX. A rigor, esse mito deve ser entendido como um simbolismo construído por essas empresas e pelos jornalistas para ganhar uma distinção, um lugar autorizado de fala”, adverte Marialva. Na nova definição dos jornalistas, um jornal moderno seria aquele que destacava as notícias informativas, relegando a opinião a um plano secundário. Mas, apesar disso, a venda de anúncios ainda era fraca, fazendo com que a imprensa dependesse, em muito, das benesses públicas. “Apesar disso, o jornal precisava de um novo interlocutor, uma massa uniforme que começa a ser adjetivada para ganhar consistência na década de 1930. Para isso, estandardiza sua linguagem, destacando
ca atividade capaz de decifrar o mundo para o leitor”, afirma Marialva. O jornalismo passa a se afirmar com fala autorizada em relação à constituição do real e seu discurso se reveste da aura de fidelidade aos fatos, o que lhe dá grande poder simbólico. Jornais são, a partir de então, lugares emblemáticos para a difusão de informação, ainda que, nota a pesquisadora, “a carga opinativa não tenha sido alijada das publicações”. Nas palavras de Gramsci, é quando a imprensa passa a atuar como “partido”: “O poder da palavra é o de quem detém essa palavra, ou seja, não só o discurso, mas também a formalização da maneira de falar, a distinção entre a quem é delegado o papel de informar e todos os outros que não possuem essa função”. “Mas, para Gramsci, os jornais não querem apenas atuar no campo político, mas sobretudo conseguir mobilização crescente do público. Quanto maior sua audiência, maior seu poder de divulgação e a lógica da conquista do próprio poder. Nada melhor para conseguir audiência, aliás, do que divulgar ao extremo que produzem um discurso que apenas espelha o mundo. E conseguir audiência é conseguir poder”, nota Marialva. A relação com o Estado se modifica. “O jornalismo confere-se o papel de único intermediário possível entre o poder público e o público. Nesse sentido, se revela não como um contrapoder, mas como um poder instituído. Os anos de censura da ditadura militar apenas vão consolidar esse processo e promover uma “seleção pouco natural” na mídia. “Frente a um universo em que a política sai de cena como discurso simbólico dominante perante o universo cultural do público, separando a polêmica do noticiário, os diários assumem uma nova face que não encontra resposta do público”, observa a autora. “Num momento de conjuntura política em que não há mais espaço para a tomada de posições, cabe ao grupo que melhor serve naquele momento às elites políticas, no caso O Globo, alcançar o sucesso empresarial mais representativo.” Esses tempos também vão mudar o caráter dos jornais, mais especificamente a partir dos anos 1980. Com a saída em cena por várias décadas da política, as editorias de economia ganham nova proeminência e viram carros-chefe de várias publica-
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ções. Também explode o gênero do jornalismo investigativo: “A adoção do modelo de jornalismo ‘objetivo, imparcial e neutro’ também foi favorecida pelos limites impostos durante o período militar, uma vez que se distanciar da opinião passou a ser uma espécie de forma de sobrevivência”. Quando a política deixa de ser um campo de debate e polêmica, foi preciso achar outro espaço para essas mesmas polêmicas. É o cenário ideal para o jornalismo de denúncia, sem teor político, mas ligado a condições de vida de trabalhadores, por exemplo, ou questões ambientais. Infelizmente, nota a autora, nem sempre esse denuncismo tem bases reais ou evidências suficientes e o importante é a denúncia dramatizada. Outra mudança é a força da exclusividade, como estratégia de construção de autoridade. “O jornalista deveria ser aquele que podia não só revelar o que estava oculto, mas a quem caberia descobrir fatos, denunciando-os ao público.” O caso de Tim Lopes, para citar um, é um exemplo desse novo formato em que se “naturaliza a prática do repórter policial como investigador de
polícia, atuando como intermediário em prol da coletividade”. Nos anos que antecedem esse bicentenário da imprensa, porém, nem tudo correu como esperado pela mídia. “As eleições de 2006 mostraram que o conceito de formadores de opinião a que estávamos acostumados caducou”, afirmou Marcos Coimbra, do Vox Populi. “O modelo da classe média como formadora de opinião e que, uma vez conquistadas pela mídia, resolvia uma eleição desapareceu com a consolidação da classe C, incorporada ao mercado de consumo. A partir de agora é essa classe que vai formar opinião, é um fenômeno novo”, avalia a socióloga Cláudia Camargo, para quem a “grande mídia vive um impasse no Brasil desde então”. Para a pesquisadora, a grande questão é saber como, ou se, o jornalismo do século XXI sobreviverá. “A crise em que a mídia se viu mergulhada no Brasil, após ter atingido o ápice da glória no episódio do impeachment de Collor, parece sugerir que não. Ao menos na forma em que vinha sendo praticado o jornalismo até meados dos anos 1990.” O ferreiro tem que pensar numa alternativa ao espeto de pau. ■
Jornal moderno seria o que destacava notícias informativas, com a opinião em plano secundário
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A segunda derrota
de Napoleão Missão Francesa de iluministas sofreu ao juntar realeza e escravidão
NICOLAS-ANTOINE TAUNAY,RETORNO DOS PASTOS: CAMINHADA DOS ANIMAIS AO NASCER DO SOL,1816 -21
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ão basta ser rei, é preciso parecer um rei. Ou, nas palavras de Montesquieu, “o esplendor que envolve o rei é parte capital de sua própria pujança”. “Mais do que um elogio, a consideração sintetiza a dimensão simbólica de qualquer poder público e político. Se é só a realeza que introduz o ritual em meio à sua lógica formal e no corpo da lei, não há sistema político que abra mão do aparato cênico, que se conforma como um teatro, uma grande representação”, observa a historiadora Lilia Schwarcz, autora do recém-lançado O sol do Brasil: Taunay e as desventuras dos artistas franceses na corte de d. João (Companhia das Letras, 412 páginas, R$ 55) e curadora da mostra Taunay no Brasil: uma leitura dos trópicos, que chega a São Paulo no dia 17 e fica aberta até um sintomático 7 de setembro na Pinacoteca do Estado de São Paulo, após uma temporada no Rio. O pintor francês Nicolas-Antoine Taunay (1755-1830), conhecido como o “David das pequenas paisagens” (referência ao principal pintor histórico napoleônico), também está presente em dois outros belos lançamentos: Taunay no Brasil (Editora Sextante, 272 páginas, R$ 98), que traz uma coletânea de textos de especialistas; e Taunay e o Brasil: obra completa (Editora Capivara, 272 páginas, R$ 135), editado por Pedro Corrêa do Lago, trazendo as 29 pinturas feitas pelo
artista em sua estada na corte joanina, de 1816 a 1821. “A visão de Taunay é uma das mais interessantes entre os vários pintores viajantes que passaram por aqui. É fascinante vê-lo tentar adaptar à nova paisagem do Rio as composições clássicas que costumava repetir na Europa, com detalhes dignos de miniaturista”, explica Lago. As razões que trouxeram o prestigiado vice-presidente da Classe de Belas-Artes do Institut de France (ao menos até 1815, momento da queda de Napoleão, a quem era ligado e cuja desgraça determinou o seu ostracismo no mundo artístico da restauração dos Bourbons) colocam em questão um mito clássico da historiografia nacional: a Missão Francesa (da qual Taunay fez parte) que, segundo a versão oficial, teria sido chamada pelo monarca lusitano exilado no Brasil, com intermediação do marquês de Marialva, para trazer ecos da civilização aos trópicos. O projeto, organizado por Joachim le Breton, administrador das Obras de Arte no Museu do Louvre, previa a vinda de um grupo de artistas ao Brasil para ensino industrial e artístico. Apesar de malsucedida, a tal Missão (com toda a carga religiosa de fardo civilizatório que a denominação carrega) acabou dando luz, em 1826, à Academia Imperial de Belas-Artes, centro importante de formação de futuros artistas nativos brasileiros. Acima de tudo, a Missão, que trazia artistas neoclássicos, deveria servir para,
nota Lilia, “elevar uma corte transmigrada e carente de modelos de nacionalidade”, já que a nação, continua, surge representada como “objeto de desejo”, uma instituição economicamente, fisicamente e emocionalmente palatável. “As imagens atuam rompendo, mas também consolidando representações que criam a noção de pátria e pátria como lar.” Isso era fundamental numa sociedade iletrada, em que as imagens comunicavam sentidos de maneira oral e transformavam-se em instrumentos poderosos na formação de representações de como os indivíduos percebem a si próprios como membros de uma nação. “Sobretudo no contexto em que uma corte imigrada lutava para guardar sua soberania, pintores neoclássicos assumiam a missão de conformar uma nação e dar passado e tradição a um império de história recente”, observa a pesquisadora. O ponto importante é que essa iniciativa, ao contrário do que se imaginava, não partiu diretamente do monarca que, “esclarecido”, desejava trazer artes e progresso para sua antiga colônia, mas do esforço pessoal de alguns nobres portugueses, mais zelosos da “parte capital de sua própria pujança” do que o monarca lusitano. Mais: em boa monta, o desejo de vir ao Brasil partiu dos próprios artistas franceses que, após o fim do império napoleônico, com o qual estavam comprometidos, se viram desempregados e PESQUISA FAPESP 149
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em situação de penúria, necessitados de abrigo em alguma outra corte, de preferência na América portuguesa, pois a hispânica não demonstrava boa vontade com antigos súditos do corso. O grande catalisador silencioso desse movimento foi um engenheiro e naturalista: Alexander von Humboldt.
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m seu livro Essai politique sur le royaume de la nouvelle Espagne, publicado em 1811, o alemão descrevia o sucesso da Academia de los Nobles Artes, fundada no México em 1783, um projeto de desenvolvimento artístico e industrial. “Amigo de Le Breton, Humboldt teria influenciado o francês com suas experiências mexicanas e até mesmo pode tê-lo convencido das possibilidades de progresso artístico que havia na América portuguesa. O reino lusitano poderia se converter num berço para o progresso e para o recebimento de artistas, em face da si-
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tuação difícil vivida pela Europa com a queda de Napoleão, que, pouco antes, fora o responsável pela fuga da corte portuguesa para o Brasil”, observa a historiadora Eliane Dias, bolsista FAPESP de pós-doutoramento na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP). “Poderia ter sido Humboldt, influente junto à corte de dom João, quem convenceu o marquês de Marialva de um projeto nos moldes do mexicano. Este, persuadido pelo alemão, pode ter articulado as correspondências entre Le Breton e Francisco Maria de Brito, responsável pelas questões diplomáticas da corte portuguesa em Paris”, nota. O detalhe importante é que, em momento algum, na correspondência dos envolvidos, se fala efetivamente num apoio oficial do governo ao projeto. “O próprio Le Breton tinha interesses pessoais em função de sua delicada situação em Paris, pois defendera a permanência na França de objetos de arte conquista-
dos por Napoleão. Em 1816 ele mesmo parte para o Brasil como chefe de uma colônia de artistas, levando adiante o projeto apresentado ao Brito.” “Artistas desempregados, a moda francesa nas artes, uma monarquia européia na América, uma colônia até então fechada aos franceses e com potencial de comércio. Com todos esses argumentos, é mais correto pensar que foram os viajantes que resolveram vir ao Brasil. Trabalho não faltaria, pois chegaram no momento das exéquias de dona Maria I e antes da coroação de dom João e do casamento de dom Pedro”, completa Lilia. Nesse contexto, o paisagista com experiência em pintura histórica Taunay foi figura-chave. “Era preciso dar à monarquia brasileira uma nova história, uma iconografia original. Enquanto a realeza era enaltecida (e a escravidão literalmente esquecida), o passado era relembrado a partir da escolha de imagens que insistiam na descrição
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pesar de vítima política da reação monarquista na França, a arte de Taunay, a pintura de paisagens, ganha novo alento com o retorno dos monarcas, que, conservadores, decidem eliminar o passado napoleônico revivendo as célebres academias. “Esse gênero ganha nova relevância, competindo com a antiga supremacia da pintura histórica. É nesse contexto político e artístico que devemos entender a montagem da Missão de 1816”, explica Lilia. A paisagem era fundamental no novo movimento romântico, já que enquanto o Iluminismo enfatizava o universalismo e a racionalidade, o Romantismo, por oposição, destacava a subjetividade e o racionalismo. Ao mesmo tempo, faziam sucesso as teorias de Schelling, para quem a arte era uma forma privilegiada de representar a essência da nova filosofia que se inscrevia na noção de natureza. “A arte seria a conexão entre alma e natureza, uma síntese vital de ambas. Mas o filósofo encorajava uma atenção próxima da realidade visual no processo de conhecimento da natureza”, nota a autora. Para os novos artistas, era também desejável a busca pela diversidade, pela pesquisa de imagens incomuns que excluem o repouso da observação, mas sempre feita in loco. “Infelizmente, porém, para Taunay, se o mercado favorecia o gênero da paisagem, o novo soberano francês se distanciava de todos que lembrassem o nome de Napoleão.” Restava apenas
o exílio numa corte que ansiava por posteridade e legitimidade renovada em terras pouco cultivadas. “Mas se de um lado havia o modelo neoclássico com seus exemplos da Antigüidade misturados à civilização ocidental, de outro estava a colônia marcada pela escravidão. Daí os limites da inserção de uma Missão como essa. O modelo que se pretendia era inatingível e a saída era imaginar uma civilização possível, descolada da realidade e desenhada no papel. Para piorar, em tempos de domínio inglês, um grupo de franceses simpatizantes de Napoleão não era bem visto”, nota Lilia. Assim, nada do que fora planejado foi sendo executado, e os artistas em pouco tempo caíram no marasmo, aproveitados para realização de festas e rituais da realeza. Taunay aproveitou seu tempo livre pintando paisagens cariocas e sofrendo, como “filho iluminado da Revolução Francesa”, o pesadelo de ter que dourar a pílula numa terra inculta e onde, para progredir, era preciso “ter negros e, logo, dinheiro para comprar esses negros”. Assim sua dedicação idealizada à imagem do campo. “Em contraposição à vida burguesa surgia a paisagem intocada pelos homens. A imagem do campo servia didaticamente para falar dos valores verdadeiros: o trabalho, a
piedade como virtude da família unida”, diz a autora. A escravidão, continua, aparecia como limite e, por isso, a vegetação é maior do que os homens que aparecem diminutos. No seu lugar está o pitoresco da natureza. “Todo o entorno é inflacionado para reduzir o papel e o lugar da escravidão que é quase uma cena muda e com certeza passiva.” Basta ver a tela Cascatinha da Tijuca para entender o dilema de Taunay, símbolo do dilema da Missão, em que o artista se retrata pintando e se congregando numa união com seus escravos, pintados como figuras minúsculas, quase invisíveis, uma alegoria da ideologia do artista escondida em meio à mata. Mesmo esta reproduz (na pintura e na vida do artista) o bosque francês de Montmorency, onde o pintor viveu na casa que pertencera a Rousseau. “O caráter educativo da obra mostra a tradição iluminista da qual Taunay é filho, ainda que o sistema escravista brasileiro seja um poderoso obstáculo a essa concepção”, nota Eliane. É nesse mundo alegórico e feito de tinta e papel que a corte exilada, talvez, gostaria de ter vivido e pelo qual desejava ser lembrada pela posteridade. Mas, é claro, com escravos bem maiores e fortes para servi-los. ■
Carlos Haag
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de uma flora grandiosa, adornada por indígenas em cenários idealizados. Éden e ícone da memória imperial, os trópicos surgiam como cenário romantizado em oposição ao espetáculo ‘degradado’ da mestiçagem”, nota a pesquisadora. Com os franceses, chega ao Brasil o neoclassicismo, que jogaria para escanteio a paixão anterior pelo Barroco, em geral feito por artesãos de extração social e racial “inferior”. Segundo Lilia, Taunay teria sido o personagem emblemático dos impasses e contradições da suposta Missão Francesa, pois nele “as virtudes exaltadas do academicismo francês tiveram que se combinar com a grandiosidade dos trópicos, onde uma mata valia uma catedral e um riacho (mesmo que alterado em proporção) correspondia às exaltações dos monumentos franceses”.
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proximidade cronológica costuma deixar períodos, fatos e pessoas um pouco de lado, principalmente quando a política se faz presente. Talvez só com o tempo o papel da primeira-dama Ruth Cardoso, falecida na última semana de junho, aos 77 anos, seja dimensionado. Por um motivo simples. Historicamente, apenas duas mulheres de presidentes da República se destacaram e foram além da função de esposas-acompanhantes. E ambas na mesma área: política social que alguns confundem com mera filantropia. Antes dela houve somente Darcy Vargas (1895-1968), mulher de Getúlio Vargas (1882-1954) e que criou a Legião Brasileira de Assistência (LBA), em 1942, a mesma extinta por Fernando Henrique Cardoso em 1995, quando Ruth fundou a organização não-governamental (ONG) Comunidade Solidária, atual Comunitas, responsável por programas sociais e de voluntariado. Ruth, no entanto, diferenciava-se de sua antecessora por causa de sua sólida formação intelectual e respeitabilidade acadêmica, capazes de lhe dar todo fundamento teórico para desenvolver programas sociais atrelados aos princípios que sempre defendeu, em especial nos tempos em que a universidade vivia cercada de fuzis e blindados, na ditadura militar. Para compreender o desafio que atribuiu a si de primeira-dama militante, é preciso ressaltar sua intensa vida na academia. Com o marido na Presidência, há quem afirme que Ruth Cardoso se posicionou como o lado franco e progressista do governo e atuou como influente conselheira. Chegou a se manifestar politicamente, de modo polêmico, ao dizer que o senador Antonio Carlos Magalhães era o lado ruim do PFL. Feminista declarada, a favor do aborto, que considerava uma escolha feminina, apaixonada por cozinhar, defendia sempre seu direito à privacidade. Na Universidade de São Paulo (USP) desenvolveu e orientou pesquisas e publicou livros com abrangência social e antropológica. Era doutora pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Foi docente e pesquisadora também em várias instituições universitárias de diferentes países – Chile, França, Estados Unidos. Na vida pública, presidiu o Conselho Assessor do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) sobre Mulher e Desenvolvimento e integrou a junta diretiva da Comissão da OIT (Organização Internacional do Trabalho) sobre as Dimensões Sociais da Globalização. Foi na USP que conheceu Fernando Henrique e com quem se uniu em 1953. Formou com ele um casal atuante de professores. Sua relação com a USP começou a se intensificar quando se tornou funcionária no setor de Recursos Humanos, em 1952. Na mesma instituição recebeu seu mestrado em 1959 e doutorado em 1972, ambos em antropologia.
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> O pós-doutorado foi feito na Universidade de Colúmbia. É considerada um dos primeiros acadêmicos brasileiros a perceber a necessidade de se voltar para os movimentos sociais ligados a diversidades étnico-raciais, de orientação sexual e econômica, na década de 1970. Se a universidade, de tendência marxista, não via essas mobilizações como objetos de estudo, Ruth saiu em sua defesa como “novos movimentos sociais” e percebeu ali indícios do surgimento de uma sociedade participativa. Em 1978 publicou Sociedade e poder: representações dos favelados em São Paulo, considerado um marco do estudo das estruturas de poder nas grandes cidades. No exílio que seguiu ao golpe de 1964, acompanhou o marido ao Chile, onde lecionou na Flacso. Na volta ao Brasil, os dois fundaram o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), importante para pesquisa social no país. Ruth Cardoso fez parte de um grupo de notáveis intelectuais. No final da década de 1950 ela participou da equipe que organizou um estudo sistemático de O capital e de outras obras angulares do capitalismo contemporâneo. Sob inspiração de José Arthur Giannotti, reuniuse o que viria a ser um dos segmentos mais expressivos da inteligência brasileira. Ao lado dela, os colegas das lutas futuras: os economistas Paul Singer e Sebastião Advíncula da Cunha, os sociólogos Fernando Henrique Cardoso, Juarez Brandão Lopes e Octávio Ianni e o historiador Fernando Novaes, bem como, ainda com o estatuto de “aprendizes”, estudantes como Bento Prado, Francisco Weffort, Michael Löwy, Gabriel Bolaffi e Roberto Schwarz. Esses personagens, que demonstrariam um grande poder de irradiação nos círculos universitários, procuravam não apenas compreender corretamente a dinâmica capitalista, mas sobretudo observá-la no contexto específico da realidade brasileira. Iniciava-se, assim, uma discussão sobre o materialismo que inaugurava uma reflexão sobre o método e as análises específicas de realidades particulares, que não se detinha em Marx, mas abrangia autores com compreensões próximas ou complementares à obra marxista. Foi com esse espírito que muitos daqueles intelectuais do grupo de Ruth Cardoso se reuniram para outro pro-
PERSONALIDADE
A cerimônia
do adeus Ruth Cardoso colocou em prática as idéias que desenvolveu como respeitada antropóloga e pesquisadora na USP Gonçalo Junior
jeto ainda mais expressivo e fruto dos anos de estudo, colocando em prática o aprendido nas reuniões de discussão com Gianotti. Por causa do afastamento compulsório de alguns de seus membros da universidade, no início de 1969, sob o comando de Fernando Henrique e Giannotti, esse grupo de intelectuais fundou o Cebrap com a perspectiva de dar continuidade à tradição de pesquisa à qual se filiavam. A fundação do Cebrap visava acima de tudo preservar o ambiente intelectual e a tradição de pesquisa que se haviam consolidado na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, principalmente depois da assimilação do marxismo em sua agenda de pesquisa. O grupo se viu obrigado a aprender a conviver com outra realidade, que exigia deles uma enorme capacidade de renovação de suas práticas e de seu repertório conceitual, forçando-os a estabelecerem novas relações institucionais e a estudarem temas que não faziam parte de sua agenda tradicional de pesquisa. Estavam lançadas as sementes do futuro. Dignidade – Mas, apesar dessa impor-
tância no cenário intelectual do país, ao lado de seus pares, quem a conheceu no convívio diário destaca ainda sua dignidade e integridade de caráter, sua simplicidade no trato com as pessoas, sua sensibilidade social e seu profundo conhecimento da realidade brasileira, como observa Celso Lafer, presidente da FAPESP e ex-chanceler do gover-
no Fernando Henrique. Ele lembra no aspecto profissional o inovador exemplo que Ruth estabeleceu de utilização do conhecimento como meio de ação social e “a consciência do papel dos movimentos sociais como elemento essencial para a adequada compreensão da realidade da sociedade contemporânea constantes na carreira e na vida da antropóloga”. Na Fundação, Ruth foi pesquisadora vinculada, além de assessora científica, integrando a tradicional parceria existente entre a comunidade acadêmica e a instituição de amparo à pesquisa. Lafer lembra ainda que, como acadêmica, os caminhos percorridos por Ruth Cardoso a levaram da antropologia à ciência política, permitindo que, nesta última área, enfrentasse temas fundamentais, até então não muito presentes nas pesquisas em nosso país, tais como a sociedade civil e seu modo de ação em organizações não-governamentais e as reivindicações de gênero. “Seu foco estava, desse modo, mais fixado no ambiente da sociedade civil, em sua relação com o Estado, do que no ambiente interno do próprio Estado. E a consciência do papel dos movimentos sociais é elemento essencial para a adequada compreensão da realidade da sociedade contemporânea.” “A professora Ruth Cardoso foi uma cientista fundamental para o desenvolvimento da antropologia no Brasil”, ressalta o diretor científico da FAPESP, PESQUISA FAPESP 149
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Carlos Henrique de Brito Cruz. “Ela abriu novos temas de pesquisa e caracterizou-se no debate acadêmico por análises argutas, rigorosas e originais. Educou várias gerações de estudantes e seu trabalho tem enorme impacto na universidade brasileira. Além da atividade científica e docente, dona Ruth teve papel determinante na vida política brasileira, sempre com análises ao mesmo tempo ponderadas e incisivas, baseadas em seu extenso conhecimento da realidade brasileira.” Eunice R. Durham, professora emérita da FFLCH/USP e pesquisadora responsável da área educacional do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas (NUPPs/USP), afirma que o percurso acadêmico e científico de Ruth Cardoso se caracteriza por algumas qualidades que “raramente” se encontram reunidas na mesma pessoa. “Em primeiro lugar, a amplitude e a profundidade da formação teórica que incluía, além da antropologia, a sociologia, a ciência política e a filosofia”. Isto lhe permitia, diz ela, uma visão muito ampla e crítica na abordagem dos problemas sociais que constituíram seus objetos de pesquisa: a imigração japonesa, a constituição e a caracterização das periferias urbanas na metrópole e no interior e os movimentos sociais urbanos. “Nessas três últimas foi pioneira, abrindo novos caminhos para a compreensão desses processos sociais complexos.” Em segundo lugar, deve-se ressaltar seu papel como professora. “Ela sempre demonstrou uma dedicação incansável no ensino e graduação.” Na área da pós-graduação, constituiu grupos de pesquisa, que eram raros nas ciências sociais brasileiras, e formou toda uma geração de antropólogos na USP. Para Eunice, Ruth jamais se eximiu de posturas políticas na defesa da democracia e da participação das camadas populares, jamais foi sectária nem permitiu que sua militância política afetasse sua visão crítica dos problemas brasileiros. “Não basta, entretanto, apontar suas qualidades intelectuais. Foram suas qualidades pessoais permeadas de um humanismo muito profundo, sua modéstia, sua integridade, seu respeito pelas pessoas, qualquer que fosse sua etnia ou classe social, sua dedicação e orientação generosa para com as pessoas que trabalhavam com ela que suscitaram a lealdade e
Ruth, ao lado do marido, FHC: brilho próprio
a admiração dos seus colegas e discípulos. Como figura pública constitui um exemplo, que hoje nos faz muita falta, de absoluta honestidade e dignidade.” Ruth Cardoso, destaca José Álvaro Moisés, diretor do NUPPs/USP, foi uma fonte de inspiração para quantos foram seus alunos no curso de ciências sociais ou seus colegas nos Departamentos de Antropologia e de Ciência Política da USP. “Seus trabalhos pioneiros de pesquisa, assim como sua contribuição para a análise dos movimentos sociais, serviram de ponto de partida para inúmeras teses e pesquisas realizadas na universidade.” Sobretudo, prossegue ele, a professora conduziu seus alunos e colegas no caminho da pesquisa científica rigorosa. “Ruth foi uma parceira importante do antigo Nupes e inspiradora do atual NUPPs. Perdemos uma importante referência de nosso trabalho e o país fica privado de uma extraordinária personalidade pública que soube tão bem aliar o seu conhecimento ao seu serviço ao país, especialmente aos socialmente excluídos.” Exílio – Professor titular aposentado do
Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia da USP, José de Souza Martins foi aluno de antropologia de Ruth Cardoso e de sociologia de Fernando Henrique Cardoso no curso de graduação em ciências sociais na USP há 47 anos. Ele recorda que retomaram o contato quando o casal voltou do exílio. Acolheu-a como colega na
Faculdade de Filosofia. “Tivemos contatos freqüentes nos últimos anos, em seminários e conferências. Ruth foi dos primeiros antropólogos a se dedicar à antropologia urbana e à antropologia das sociedades complexas. Destaco sua contribuição no campo da antropologia do que chamou de novos movimentos sociais.” Com o marido na Presidência, destaca Martins, ela criou o Comunidade Solidária, “um programa de superação do assistencialismo”. Na fase pós-poder, criou a Comunitas, uma entidade que atua entre populações pobres. “Ruth era uma professora preocupada com o esmero teórico nas aulas e na pesquisa antropológica. Foi uma inovadora na diversidade de temas de que tratou em sua vida científica.” Inovou também nos temas e nas perspectivas de orientação. “Ela nunca confundiu militância política com trabalho científico e docência, embora efetivamente militasse na causa da redemocratização e foi aí pensadora de referência.” A relação entre Ruth e Elza Salvatori Berquó, coordenadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), não começou na universidade, onde Elza foi aposentada compulsoriamente pelo AI-5, como ela mesma recorda. “Ficamos próximas nas discussões que levaram à fundação do Cebrap, há 39 anos. Estivemos juntas nas discussões para considerar os aspectos de criação do centro.” Desde então as duas tiveram uma convivência intensa.
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até gerações mais novas como Simone Coelho, Ana Cristina Martes, Helena Sampaio e Cátia Ida da Silva. “Profundamente atenciosa com o texto, defendia que seus orientandos aprendessem pesquisa empírica e a produção do dado empírico. Também cobrava muito na definição do objeto e o instrumento para produção do estudo.” Todos que trabalharam com ela, diz Maria Filomena, tornaram-se bons pesquisadores de campo graças a seu empenho. “Por outro lado, dava uma enorme liberdade, estimulava que as pessoas inventassem temas interessantes, que contestassem o convencional.” Ela lembra que Ruth Cardoso fez uma importante etnografia das favelas, com observação mais direta em seus meandros e características. Nesses estudos, mostrou sensibilidade para as maneiras de organização que surgiam na periferia. Nos anos 1980 sempre demonstrou firmeza em seu trabalho de orientação, mas com liberdade até mesmo na escolha dos autores. “Queria que a gente pensasse e defendesse seus pontos de vista e conseguisse convencê-la. Tinha preferência pela polemização do que era considerado convencional ou predominante.” Na maior parte da vida, Ruth Cardoso ficou conhecida como antropóloga e professora, e não como mulher do sociólogo e, depois, senador e presidente da República Fernando Henrique Cardoso. Tinha brilho próprio, muito além do seu papel significativo de primeira-dama. ■
Doçura e determinação Ruth Cardoso escolheu viver na claridade, entre os holofotes da vida política e a noite da rotina doméstica. Somente nesse intervalo poderia combinar a determinação da sua vontade e a doçura de seus gestos. Quando estudante, muitos queriam namorar aquela araraquarense bonita e estudiosa e foi Fernando Henrique quem venceu a disputa. Casaram-se muito cedo, mas a despeito de passarem juntos quase 60 anos, nenhum deles perdeu o gosto por suas identidades. Pelo contrário, cada um fez seu próprio caminho, sempre mais largo para que o outro pudesse nele encontrar estâncias de diferenças, de diálogo e de abrigo. Logo no início da carreira pública de Fernando Henrique, quando este recebeu seu primeiro título da Legião de Honra do Governo Francês, ao cumprimentar o casal ela me fala com seu humor peculiar: “Não venha me dizer que atrás de um grande homem sempre há uma grande mulher”. O sentido era claro: “Estou contente e solidária, mas não abro mão de meu próprio caminho”. E assim os dois se enriqueceram mutuamente. J O S É A RT H U R G I A N N OT T I VIDAL CAVALCANTE/FOLHA IMAGEM
“Lembro-me dela como uma pessoa sempre atenta e na defesa das mulheres, não apenas na sua liberdade sexual, como do corpo, na igualdade de direitos e de oportunidades profissionais. Queria que tivessem voz em várias estâncias, mesmos salários e postos, além de direitos reprodutivos. Participou de muitas atividades nesse sentido.” Para Elza, Ruth era dentro da academia e do meio intelectual brasileiro uma figura que se destacava pelo diálogo sempre construtivo, democrático, muito alerta e com uma visão plural como companheira nessa instituição. “Com uma lucidez muito grande, viveu à frente de seu tempo. Quando enfrentávamos a ditadura, havia poucos espaços para debates e reflexões, muitos intelectuais se aproximaram do Cebrap e ela foi uma pessoa muito importante no contexto. Eu a admirava principalmente por seu jeito simples porém soberano de defender suas idéias, posições e princípios.” Maria Filomena Gregori, professora de Antropologia da Unicamp, esteve próxima de Ruth nos últimos 27 anos e lamenta ter perdido a orientadora de sua próxima pesquisa, que ambas já tinham acertado. “Comecei a trabalhar com ela em 1981, quando vim da graduação na Unicamp e participei da seleção de mestrado de ciência política, da qual ela fazia parte.” Tornou-se sua orientadora numa pesquisa sobre violência contra a mulher, com foco no SOS Mulher, que resultou no livro Cenas e queixas – estudo sobre mulheres, relações violentas e práticas violentas, editora Paz & Terra, 1992. Em 1986 Maria Filomena entrou para o programa de bolsa do Cebrap e se tornou pesquisadora da instituição. Em 1991 iniciou o doutorado em antropologia, quando, mais uma vez, foi sua orientanda. “Trabalhamos juntas sistematicamente até 1994, quando ela se mudou para Brasília.” Do convívio foi a lembrança de uma professora e orientadora absolutamente singular, de acordo com sua descrição. “Recebi e-mails de colegas que diziam o quanto ela marcou todos nós. É uma lista enorme de nomes orientados por ela e que tiveram vidas acadêmicas bem-sucedidas.” A professora da Unicamp cita Gilberto Velho, Marisa Correia, Tereza Caldeira, Ana Maria Doimo, Otavio Frias Filho,
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Baianos fundamentais Livro revela em imagens a amizade de Verger e Carybé Carlos Haag
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ram amigos, mas se tratavam de forma bonachona, como raposa e corvo. “Mon Cher Carybé, Cara de Carybé, Cara de Cariba machão, Cara de Otun Obá Onã Sokun, Cara de Raposa e Monsieur Le Renard” era como o fotógrafo e etnólogo francês, convertido em soteropolitano, Pierre Verger (1902-1996) se dirigia em cartas ao amigo argentino, mas baianíssimo de coração, o pintor, gravador, ilustrador, ceramista e entalhador Carybé (1911-1997), apelido de Hector Julio Páride Bernabó, adotado ainda criança pelo artista, quando escoteiro na Gávea, Rio de Janeiro, em homenagem a um peixe amazônico. “Mon Cher Pierre, Velho Pierre, Querido Fatumbi, Caro Oju Obá, Zangbetô Windi, Mon Cher monsieur le Corbeau” era como respondia Carybé. Essa amizade acaba de render um belíssimo livro editado pela Fundação Pierre Verger (que completa 20 anos de existência), o primeiro da trilogia Entreamigos: Gente da Bahia. Os próximos dois tomos trarão a paixão dos dois pelo mar e pelo candomblé, meio século de amizade e construção de um dos grandes acervos culturais da Bahia. A obra é um primor de beleza estética, trazendo de quebra ensaios muito bem escritos do jornalista José de Jesus Barreto, com direito a textos inéditos dos amigos e sobre eles da pena de Jorge Amado, entre outros. A cada foto de Verger corresponde uma perfeita tradução em tintas feita por Carybé. Longe de uma mera repetição, são dois modos complementares de celebrar a baianidade em seu apogeu, durante a chamada “renascença” da cultura da Bahia, durante os anos 1950, em que Salvador ganha status de pólo de referência cultural de modernidade e tradição, reunindo figuras como Koellreuter, Lina Bo Bardi, Roger Bastide, Pancetti, Amado, entre tantos outros. Longe do mero exotismo, são tempos em
que a Bahia se toma de orgulho pelo seu cadinho de diversidade candente de inovações e de religiosidade. A chegada da Petrobras, na seara da descoberta do petróleo, em Lobato, traz progresso e dinheiro, sem falar na BR-116, que ligava Salvador à então capital federal carioca. É também a época da chegada do educador Anísio Teixeira, trazido pelo governo Mangabeira, para colocar em prática experimentações de educação pública com a criação dos Centros Integrados de Ensino. O candomblé, de religião perseguida, passa a culto admirado pela sua riqueza, pólo de atração para pessoas como Verger, que buscam semelhanças entre as culturas nascidas no Brasil e seus contrapontos africanos, revelando identidades inesperadas e reais. É desse cadinho que nascerá o Cinema Novo e, mais tarde, a Tropicália. Conceitos como baianidade, negritude, até então estigmatizados, viram bandeiras que reafirmam a identidade do povo da Bahia. Verger e Carybé testemunham essa revolução silenciosa e, por meio de suas artes, ajudam a construir, ainda que fossem estrangeiros, essa nova consciência. O parisiense Verger era um viajante inveterado que desembarcou em Salvador em 1946, seduzido pelas descrições feitas por Amado da cidade. Foi seduzido de imediato pela hospitalidade local e apaixonou-se pela dignidade e pela nobreza dos negros, que retratou como figuras vivas, mas com um toque de imortalidade. Estudou os orixás e foi para a África entender melhor a cultura soteropolitana, ganhando o título honroso de Fatumbi, “nascido de novo graças a Ifá”, em 1953. Ao longo da vida foi cada vez menos fotógrafo e cada vez mais etnólogo com uma câmera na mão e uma teoria na cabeça. Carybé chegou a Salvador em 1938 para ser correspondente de um jornal que faliu meses após ele se estabelecer na capital baiana, igualmente atraído pelas descrições de Jorge Amado. Sua pintura adquire o balanço da cidade, plena de movimento, ritmos e surpresas, em que nada é deixado ao acaso ou pouco reconhecível. Curiosamente, trabalha com uma notável economia de traços. Ambos compartilham, além do olhar carinhoso pela gente e pelos costumes da Bahia, um distanciamento de qualquer denúncia social, tão forte naqueles tempos. Sua arte não se interessa pela paisagem, mas pelas pessoas, que mostra sempre elevadas por um espírito orgulhoso. O mesmo está presente nas fotos etnológicas de Verger. “Se tenho alguma vaidade dos meus livros é como a leitura deles, no Brasil e no estrangeiro, trouxe à Bahia gente vinda pela mão da moça Gabriela. Dois dentre eles se fizeram baianos fundamentais: o artista Carybé e Pierre Verger, dois principais preservadores da memória do povo baiano. São dois obás da Bahia”, escreveu Jorge Amado.
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Preconceito racial: modos,temas e tempos Antonio Sérgio G uimarães Cortez Editora 14 4 páginas, R$ 17,9 0
Mais um livro da Coleção Preconceitos, que já tratou de temas como preconceito contra mulheres, crianças, homossexuais etc. O destaque deste novo tomo é o preconceito racial, analisado em todos os seus aspectos, revelando que conceitos como raça ainda vigoram entre nós, apesar do que nos ensina, ao contrário, a ciência. Cortez Editora (11) 3864-0111 www .cortezeditora.com.br
Anita Simis Annablume 3 12 páginas, R$ 4 0 ,0 0
Um estudo interessante sobre a controversa relação entre Estado e cinema no Brasil, em que a autora se pergunta como, apesar da simbiose entre os dois, o primeiro se organizou e o segundo, não. Estabelecendo comparação entre o período autoritário e o democrático, a pesquisadora desenvolve tópicos fundamentais. Annablume (11) 3812-6764 www .annablume.com.br
D icionário etno-histórico da A mazônia colonial
V iagens ultramarinas: monarcas,vassalos e governo a distância
Antonio Porro IEB 19 0 páginas, R$ 10 ,0 0
Ronald Raminelli Alameda Casa Editorial 32 0 páginas, R$ 4 6 ,0 0
Com esta publicação, Antonio Porro contribui para a difusão do conhecimento multidisciplinar sobre o período colonial na região amazônica e os povos indígenas que ali viviam. Baseando-se em relatos deixados por cronistas europeus, o dicionário etno-histórico reúne centenas de verbetes, divididos em cinco seções: Povos e Territórios; Aldeias e Lugares; Chefes e Pajés; Crenças e Divindades; e Economia e Sociedade.
A pesquisa mostra como os vassalos do monarca português, transferido para o Brasil em 1808, contribuíram para manter o império, durante tantos séculos, e como a lealdade ao rei viabilizou um governo ainda que a longa distância. Sem a ajuda desses homens, com certeza as conquistas reais seriam inviáveis.
IEB (11) 3091-1149 www .ieb.usp.br
Inimigo R umor R evista de Poesia Cosac Naify, 7 Letras 328 páginas, R$ 33,0 0
FOTOS EDUARDO CESAR E MIGUEL B OYAYAN
Estado e cinema no B rasil
Alameda Casa Editorial (11) 386 2-085 0 www .alamedaeditorial.com.br
Tietê,o rio que a cidade perdeu — São Paulo,189 0 - 1940 J anes J orge Alameda Casa Editoria / FAPESP 24 0 páginas, R$ 38 ,0 0
A edição que comemora os seus 10 anos presenteia-nos com “Crise do verso”, de Mallarmé, “Discurso do centenário da fotografia”, de Paul Valéry, além de um ensaio sobre Ana Cristina, Cacaso e Leminski. Sem nenhum editorial ou manifesto poético declarado que a caracterize, a revista define-se apenas como periódico semestral que se destina à publicação de poemas e textos críticos ou documentais referentes à poesia.
Os primeiros 50 anos de República na capital paulistana são revividos por Janes Jorge a partir das transformações sofridas pelo maior rio que atravessa a cidade. Com base na história do cotidiano das populações que viviam e dependiam dos recursos oferecidos pelo Tietê, o autor acompanha as tensões que sempre envolvem o processo de urbanização, os interesses econômicos e a degradação do meio ambiente.
Cosac Naify (11) 3218-1444 www .cosacnaify.com.br
Alameda Casa Editorial (11) 386 2-085 0 www .alamedaeditorial.com.br
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O caos perfeito
Ronaldo Correia de Brito
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erkeley é só tédio aos domingos. O escritor João Gilberto Noll que o diga. Melhor pegar um trem para San Francisco do que subir e descer a Shattuck Avenue, olhando os cafés vazios. Loucos e pedintes se abrigam nas portas das lojas, com seus cães e tralhas. A reforma psiquiátrica devolveu-os às ruas, impregnados de neurolépticos. Já não existem manicômios, apenas a cidade e o lixo da riqueza, muito lixo, restos da contracultura dos anos sessenta, molambos de hippies. Nenhum corpo nu desfila em protesto pela guerra no Iraque. A insurreição de intelectuais e estudantes nos tempos de Vietnã transformou-se em retratos nas paredes do Free Speech Coffee, da universidade. Ninguém mais procura o que se enxergava antes, olhos aprisionados na tela do laptop, sem risco de rebelião. As bocas ávidas sorvem large coffee preparado com grãos da Abissínia ou Colômbia. De vez em quando disparam tiros e matam, mas não se comenta nada. São balas perdidas, resquícios, talvez, de Vietnã, Afeganistão e Iraque. O que nem ousam confessar. Os bons meninos e meninas, os rapazes e moças que passam correndo sobre patins estranham-se e matam. Matam-se. E todos se calam nas salas de aula, nos corredores dos departamentos, nos bares, nas avenidas largas sem ruído de buzina e sem atropelamentos. Nenhum clamor ou protesto. Em boca fechada só entra large coffee. É preferível não arranhar a beleza americana dos jardins perfeitos, ostentando camélias e orquídeas tropicais. As batidas do carrilhão de Berkeley imprimem ritmo aos passos do escritor residente: bão... bão... bão... – O que é o tempo? – perguntaram a Santo Agostinho. – Se não me perguntam eu sei; se me perguntam desconheço – ele respondeu. O escritor sobe e desce a Shattuck aos domingos, como João Gilberto Noll subia e descia a Shattuck aos domingos, angustiado porque nunca conseguiria ler os 6 milhões de livros da biblioteca central. Três andares submersos e mais quatro andares acima do solo coberto de pinheiros, esquilos 112
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e fontes d’água. Alexandria de livros. Parte do saber acumulado disponível para que o homem se torne bom, feliz, e não precise matar. Bão! Hora de literatura brasileira para jovens atentos e curiosos. Bão! O que é o sertão? Se não me perguntam eu sei; se me perguntam desconheço. Sertão! – Jatobá! Sertão! – Cabrobó! – Cabrobó! – Ouricuri! – Exu! – Exu! O poeta Ascenso Ferreira, que cantava o sertão, nunca esteve na rica Califórnia de cowboys bang-bang, tomada ao México como reparação de guerra; conheceu apenas o sertão de cangaceiros lampiões e cidades perdidas nos confins de Judá. O rapaz de Massachusetts estuda na Universidade da Califórnia, em Berkeley, e lê em voz alta a tradução de uma novela do writer in residence brasileiro. Cursou física, toca saxofone e se desloca num skate. Precisa ganhar dinheiro. Todos precisam ganhar dinheiro, de preferência muito dinheiro, comprar uma picape a diesel e uma casa de três andares. O writer in residence não pode conversar com o aluno de Massachusetts nos corredores, por mais que o aluno deseje esclarecer metáforas. É politicamente incorreto. O writer conversa com os alunos em sua sala do Departamento, com a porta aberta. – Professor, uma dúvida. – Escreva para o meu e-mail. – É apenas uma questão. – Marque uma hora. – OK! – Recebo você na minha sala. – OK!
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trange como tocar em alguém por acaso. O corpo é sagrado na Califórnia, todos possuem seguro saúde. Os estudantes universitários se fotografam nus e editam revistas com subsídio público. As fotos não devem passar sensualidade. Os estúdios filmam pornografia sadomasoquista, na cidade de San Francisco. Pagam os direitos trabalhistas dos rapazes e moças importados do Leste Europeu e da América Latina. Os instrumentos usados nas sessões de sadomasoquismo são cuidadosamente esterilizados. Geram-se empregos, seguros são pagos e o capital circula. Os corpos se defendem de assédios e toques ao acaso. – Sorry. Felizmente se passaram os cinqüenta minutos do encontro. No dia seguinte será a conferência e a leitura pública de um conto do writer, na biblioteca do Departamento. Agora ele caminha pela Telegraph Avenue, alegre com o aparente caos. Atravessa um pátio que leva aos departamentos, onde são permitidas manifestações políticas. Compra maçãs e tangerinas sem agrotóxicos, numa feirinha improvisada. Fez frio desde que chegou, mas o dia luminoso de hoje parece o Brasil. Rapazes tiram as camisas e meninas usam saias curtas. Andam apressados como cavalos a galope. Só ele não tem quase nada o que fazer. Gasta o tempo caminhando, sem vontade de retornar para casa. Toma outro café, retarda o passo. Não voltará ao Departamento, onde assiste ao espetáculo dos alunos sentados nos corredores, esperando falar com seus mestres. Evita observar o empenho de todos em parecer felizes e eficientes. São pessoas ocupadas. Criam o que ninguém parece capaz de criar no restante do planeta. Numa ordem absoluta que vez por outra se fragmenta. Os tiros. Alguém enlouquece e decide instalar o caos. Ronaldo Correia de Brito é médico e escritor, autor de Faca e O livro dos homens. PESQUISA FAPESP 149
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– Não esqueça o e-mail. – OK! Conversam. Fala cerimonial como a arte cavalheiresca do arqueiro zen. Burocrática como a entrevista com um professor do Departamento. Marcada por e-mail, vários e-mails até os acertos finais do encontro de cinqüenta minutos, numa cafeteria. – Chá ou café, professor? – Café. – Pequeno, médio ou grande? – Grande. – O que dizia mesmo? – Tudo acabou. A contracultura acabou. – Açúcar? – Mascavo. – É verdade, o sonho acabou. Mesmo aqui na Califórnia. Não encontrei nada do que pensava encontrar. – Temos obsessão pelo politicamente correto. Preferimos alface à carne. O carrilhão de Berkeley desgasta o tempo e as engrenagens do meu inglês enferrujado, cheio de palavras que não se ajustam às do professor do Departamento. Felizmente me distraio com um casal. Acaba de entrar, as mochilas sobrecarregadas de livros, notebook e ipod. Será que namoram? Ele puxa a cadeira e senta; ela põe a bolsa pesada no chão. Os dois são bonitos, um orgulho de Deus e do presidente Bush. Mas não trocam beijos de cinema. Apenas os gays de San Francisco trocam beijos explícitos, no bairro do Castro. O rapaz e a moça sentam em lados opostos da mesa de café. Cada um ajusta o ipod nas orelhas e abre o laptop. Preferem nunca se tocar. Sozinhos no mundo, ligados pelos canais cibernéticos. – Como as pessoas começam um namoro aqui? O professor não compreende a pergunta, ou finge não compreender. É tabu como os assassinatos nas escolas; cons-
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CLASSIFICADOS » An u n c i e v o c ê t a m b é m : t e l . ( 1 1 ) 3 8 3 8 - 4 0 0 8 | v w w w . r e v i s t a p e s q u i s a . f a p e s p . b r
Departamento de Recursos Humanos Concursos / Professores
Os dados abaixo destinam-se exclusivamente à divulgação, não constituindo texto oficial, o qual se encontra publicado no Diário Oficial do Estado indicado. Faculdade de Ciências Farmacêuticas - FCF fcf@edu.usp.br 01 Professor Titular, referência MS-6, em RDIDP (dedicação exclusiva), junto ao Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas. Inscrições abertas pelo prazo de 180 dias, a partir da publicação. Diário Oficial de 22/05/2008. Edital 005/2008
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