Os efeitos das gorduras no cérebro

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fevereiro de 2016  www.revistapesquisa.fapesp.br

Projetos exploram potencial de nova técnica de edição de DNA Instituto Adolfo Lutz e UFRJ sequenciam genoma do vírus zika Medições em nuvens identificam partículas formadoras de chuva na Amazônia Troca cultural entre Brasil e Europa foi intensa no século XIX Simulação sugere que nanotecnologia aumentaria produção em poços de petróleo Mata Atlântica teria ocupado a plataforma continental na Era do Gelo

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os efeitos das gorduras no cérebro Dieta rica em ômega 3 pode promover o nascimento de neurônios e diminuir lesões causadas pelos ácidos graxos saturados

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Pesquisa FAPESP fevereiro de 2016

n.240


m até o c e n i Ass onto c s e d e 50% d

O que a ciência brasileira produz você encontra aqui revistapesquisa.fapesp.br | assinaturaspesquisa@fapesp.br


fotolab

A floresta renasce Parece um mero matagal? Não para um especialista em regeneração florestal. Nesta foto, o biólogo Sergius Gandolfi enxerga polinizadores, dispersores de sementes e uma variedade de microambientes. Passados 30 anos do início do projeto de restauração dessa área de floresta em Iracemápolis, no interior paulista, sementes de paineira envoltas nas características fibras brancas e plantas muito jovens, em meio a troncos de árvores adultas, são sinais de sucesso. “A restauração se dá quando os processos ecológicos que criam e mantêm as populações típicas daquela vegetação são recuperados”, explica o pesquisador, e as sementes são sinal disso. “Espécies como os jequitibás florescerão 20 anos após o plantio e só então jogarão sementes no solo.”

Imagem enviada por Sergius Gandolfi, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) Se você tiver uma imagem relacionada à sua pesquisa, envie para imagempesquisa@fapesp.br, com resolução de 300 dpi (15 cm de largura) ou com no mínimo 5 MB. Seu trabalho poderá ser selecionado pela revista.

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70 Ciências farmacêuticas Trabalho suíço-brasileiro mostra que o umbu, fruto natural da Caatinga, deve dar origem a um creme que age contra o envelhecimento da pele

16 CAPA 16 Ácidos graxos insaturados, como o ômega 3, promovem o nascimento de neurônios e talvez possam reverter danos ao cérebro de obesos ENTREVISTA 22 Jorge Kalil Imunologista fala de sua gestão à frente do InCor e do Instituto Butantan e adianta resultados animadores da vacina brasileira contra a dengue

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA 28 Congresso Lei cria novos incentivos à inovação, mas vetos recebem críticas 32 Energia FAPESP e BG Group lançam centro de pesquisa em São Paulo 34 Cooperação Criação de gado em campo nativo, vegetação típica do sul do país, concilia interesses de pecuaristas e ambientalistas

CIÊNCIA 38 Genética Sistema copiado de bactérias, CRISPR-Cas9 pode catalisar descobertas em biologia e medicina e suscita temores éticos 42 Saúde Sequenciamento confirma que variedade de zika em circulação no país veio da Polinésia e projeção estima que deve se espalhar por outros países foto da capa  Casther / Deposit Photos / Glow Images

68 Indústria sucroalcooleira Óleo fúsel e CO2 gerados na fabricação de etanol têm potencial para ser aproveitados na produção de substâncias químicas de uso industrial

48 48 Biodiversidade Leveduras do deserto do Atacama exibem resistência a uma radiação ultravioleta tão alta quanto em Marte 52 Biogeografia Mata Atlântica pode ter se espraiado para a plataforma continental na Era do Gelo 56 Meteorologia Pesquisadores encontram as partículas que faltavam para explicar a formação de nuvens na Amazônia 59 Química e física Produzidos artificialmente, quatro elementos químicos passam a integrar a tabela periódica, e segue a busca por outros, mais estáveis

TECNOLOGIA 64 Nanogeociência Estudos indicam que nanopartículas de sílica podem aumentar o volume de óleo e gás extraídos dos poços de petróleo

74 Biotecnologia Fungo é usado para produzir nanopartículas metálicas que podem ser empregadas como antibacterianos

HUMANIDADES 76 Cultura Projeto revela uma intensa circulação de bens culturais, sobretudo impressos, entre França, Inglaterra, Portugal e Brasil 82 Educação Estudo aponta ganhos expressivos de saber específico e discreta melhora no conhecimento geral entre formandos de 19 cursos acadêmicos 86 História Pesquisa reconstrói a importância do movimento abolicionista como força social que levou à libertação dos escravos seçÕes 3 Fotolab 5 Cartas 6 On-line 7 Carta do editor 8 Dados e projetos 9 Boas práticas 10 Estratégias 12 Tecnociência 90 Memória 94 Arte 96 Carreiras 98 Resenha 99 Classificados

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cartas

cartas@fapesp.br

Revista CONTATOS Site  No endereço eletrônico www. revistapesquisa.fapesp.br você encontra todos os textos de Pesquisa FAPESP, na íntegra, em português, inglês e espanhol. Também estão disponíveis edições internacionais da revista em inglês, francês e espanhol

A cada novo número fico mais fã de Pesquisa FAPESP pela escolha das reportagens, o conteúdo e a abordagem dos temas. É uma publicação de altíssimo nível, mesmo quando comparada com publicações internacionais. O número de janeiro traz reportagens interessantes, como as estratégias para enfrentar a desindustrialização, a questão da lama de Mariana, a vegetação no sul do país etc. Antonio Penteado Mendonça São Paulo, SP

Opiniões ou sugestões Envie cartas para a

Lagartos no site

ou ligue para (11) 3087-4237,

Sobre a reportagem “Lagartos teiú regulam temperatura corporal em períodos de acasalamento”, publicada no site da revista, não tínhamos ideia de que encontraríamos esse resultado. Eu estava em Rio Claro e “tropecei” nas temperaturas aquecidas em minhas medições. Passaram alguns anos até verificarmos que era real. Se eu não estivesse medindo tantas variá­ veis quanto possível, não teria chegado às conclusões expostas na reportagem.

de segunda a sexta, das 9h às 19h

Colin Sanders

redação pelo e-mail cartas@fapesp.br ou para a rua Joaquim Antunes, 727 – 10º andar, CEP 05415-012, São Paulo, SP Assinaturas, renovação e mudança de endereço Envie um e-mail para assinaturaspesquisa@fapesp.br

Universidade de Alberta, Edmonton, Canadá

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Júlio César Ferreira na Mídia Office, pelo e-mail julinho@midiaoffice.com.br, ou ligue para (11) 99222-4497 Classificados  Ligue para (11) 3087-4212 ou escreva para publicidade@fapesp.br Edições anteriores Preço atual de capa acrescido do custo de postagem. Peça pelo e-mail clair@fapesp.br Licenciamento de conteúdo Para adquirir os direitos de reprodução de textos e imagens de Pesquisa FAPESP ligue para (11) 3087-4212 ou envie e-mail para mpiliadis@fapesp.br

Hidrelétricas

Tomamos conhecimento da reportagem “Cidades alteradas” (edição 237), que se refere à pesquisa sobre o impacto social das usinas hidrelétricas no país. O texto tem algumas inconsistências: os indicadores que provavelmente foram considerados no modelo estatístico usado demonstram a baixa credibilidade desse mesmo modelo ou o desconhecimento técnico do tema; o impacto causado pelo início das obras não pode restringir sua análise apenas à instalação dos canteiros ou às obras principais porque o empreen­dimento deve ser avaliado como um todo; o texto cita “as hidrelétricas do rio Tapajós” que, no curto prazo, estão descartadas; a reportagem cita efeitos negativos sobre os povos indígenas nas regiões afetadas pelas hidrelétricas no Xingu, incluindo Belo Monte, mas desconhece que Belo Monte é a única

hidrelétrica no rio Xingu. A pesquisa sobre o tema deveria considerar outros estudos em curso no país demonstrando os benefícios sociais e econômicos trazidos à região e ao entorno das áreas de instalação das usinas hidrelétricas durante e após sua entrada em operação. Alexei Macorin Vivan Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico (FMASE) São Paulo, SP

Nobel de Economia

Na reportagem “A safra de 2015 do Nobel” (edição 237) é necessário explicitar que o que se conhece como Prêmio Nobel de Economia é um prêmio instituído pelo Banco Central da Suécia (Sveriges Riksbank), em 1969, em memória de Alfred Nobel. Por essa dedicatória, costuma ser incorretamente chamado de Prêmio Nobel de Economia, mas não é concedido pela Fundação Nobel como os demais. Essa incorreção desagrada a alguns descendentes de Nobel, visto que o prêmio representa alto conflito de interesses. Conflito esse que é ainda mais significativo por ser no campo da economia, matéria que define rumos de políticas e países, e na qual os espectros teóricos são por vezes epistemologicamente incompatíveis ou dicotômicos. Não se sabe se tal prêmio estaria de acordo com uma fundação voltada aos estudos para o bem-estar da humanidade. Isabela Prado Callegari Instituto de Economia/Unicamp Campinas, SP

Correção

Na reportagem “As chances das mulheres na universidade” (edição 238), a proporção de docentes do sexo feminino no ensino superior em 2009 passou a ser de 45% e não 55%, como indicado no texto. Em 2011, nas instituições públicas, a proporção era de 44% e não 45%.

Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail cartas@fapesp.br ou para a rua Joaquim Antunes, 727, 10º andar – CEP 05415-012, Pinheiros, São Paulo-SP. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.

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A mais vista do mês no Facebook política C&T

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Exclusivo no site x Em escavações na bacia do Turkana, no Quênia, pesquisadores da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, encontraram esqueletos inteiros, bem articulados e com sinais inequívocos de violência: pancadas na cabeça, marcas do que

Rádio Virologista Paolo Zanotto fala sobre a rede de laboratórios criada para estudar o vírus Zika

Confira no registro fotográfico de Eduardo Cesar algumas das mais belas paisagens do deserto do Atacama, Chile

parecem ter sido flechadas na cabeça e no pescoço, joelhos, mãos e costelas fraturadas. Em um artigo publicado

Vídeos do mês

youtube.com/user/PesquisaFAPESP

em janeiro na revista Nature, eles sugerem que essas ossadas seriam o mais antigo registro de um massacre que, estima-se, teria acontecido há 10 mil anos.

x Embora estejam mais escassos no campo, por causa Assista ao vídeo:

da redução da área das matas e do uso intensivo de fertilizantes químicos, as abelhas e outros insetos polinizadores respondem

Estudo mapeia as razões da recusa familiar de doações de órgãos no Brasil

em média por 24% do ganho em produtividade agrícola em pequenas propriedades rurais (até 2 hectares). Os outros 76% estão associados à irrigação e a nutrientes e técnicas de cultivo, de acordo com estudo publicado em janeiro na revista Science. Segundo esse trabalho, quanto maior o número de polinizadores, maior tende a ser a produtividade agrícola, principalmente nas pequenas propriedades. 6 | fevereiro DE 2016

Assista ao vídeo:

Nova metodologia de recobrimento de floresta é mais eficiente e tem menor custo


carta do editor fundação de amparo à pesquisa do estado de são Paulo José Goldemberg Presidente Eduardo Moacyr Krieger vice-Presidente Conselho Superior Carmino Antonio de Souza, Eduardo Moacyr Krieger, fernando ferreira costa, João Fernando Gomes de Oliveira, joão grandino rodas, José Goldemberg, Maria José Soares Mendes Giannini, Marilza Vieira Cunha Rudge, José de Souza Martins, Pedro Luiz Barreiros Passos, Pedro Wongtschowski, Suely Vilela Sampaio Conselho Técnico-Administrativo José Arana Varela Diretor-presidente Carlos Henrique de Brito Cruz Diretor Científico Joaquim J. de Camargo Engler Diretor Administrativo

issn 1519-8774

Conselho editorial Carlos Henrique de Brito Cruz (Presidente), Caio Túlio Costa, Eugênio Bucci, Fernando Reinach, José Eduardo Krieger, Luiz Davidovich, Marcelo Knobel, Maria Hermínia Tavares de Almeida, Marisa Lajolo, Maurício Tuffani, Mônica Teixeira comitê científico Luiz Henrique Lopes dos Santos (Presidente), Anamaria Aranha Camargo, Carlos Eduardo Negrão, Fabio Kon, Francisco Antônio Bezerra Coutinho, Joaquim J. de Camargo Engler, José Arana Varela, José Goldemberg, José Roberto de França Arruda, José Roberto Postali Parra, Lucio Angnes, Marie-Anne Van Sluys, Mário José Abdalla Saad, Paula Montero, Roberto Marcondes Cesar Júnior, Sérgio Robles Reis Queiroz, Wagner Caradori do Amaral, Walter Colli Coordenador científico Luiz Henrique Lopes dos Santos diretora de redação Alexandra Ozorio de Almeida editor-chefe Neldson Marcolin Editores Fabrício Marques (Política), Márcio Ferrari (Humanidades), Marcos de Oliveira (Tecnologia), Ricardo Zorzetto (Ciência); Carlos Fioravanti e Marcos Pivetta (Editores espe­ciais); Bruno de Pierro (Editor-assistente) revisão Daniel Bonomo, Margô Negro arte Mayumi Okuyama (Editora), Ana Paula Campos (Editora de infografia), Alvaro Felippe Jr., Júlia Cherem Rodrigues e Maria Cecilia Felli (Assistentes) fotógrafos Eduardo Cesar, Léo Ramos Mídias eletrônicas Fabrício Marques (Coordenador) Internet Pesquisa FAPESP online Maria Guimarães (Editora) Rodrigo de Oliveira Andrade (Repórter) Renata Oliveira do Prado (Mídias sociais) Rádio Pesquisa Brasil Biancamaria Binazzi (Produtora) Colaboradores Alexandre Affonso, Caeto, Daniel Almeida, Daniel Bueno, Evanildo da Silveira, Fabio Otubo, Igor Zolnerkevic, Jayne Oliveira, Orlando Margarido, Pedro Handam, Valter Rodrigues, Yuri Vasconcelos É proibida a reprodução total ou parcial de textos e fotos sem prévia autorização Para falar com a redação (11) 3087-4210 cartas@fapesp.br Para anunciar Midia Office - Júlio César Ferreira (11) 99222-4497 julinho@midiaoffice.com.br Classificados: (11) 3087-4212 publicidade@fapesp.br Para assinar (11) 3087-4237 assinaturaspesquisa@fapesp.br Tiragem 41.800 exemplares IMPRESSão Plural Indústria Gráfica distribuição Dinap GESTÃO ADMINISTRATIVA INSTITUTO UNIEMP PESQUISA FAPESP Rua Joaquim Antunes, no 727, 10o andar, CEP 05415-012, Pinheiros, São Paulo-SP FAPESP Rua Pio XI, no 1.500, CEP 05468-901, Alto da Lapa, São Paulo-SP Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia Governo do Estado de São Paulo

A obesidade no cérebro

A

reportagem de capa desta edição destaca pesquisas sobre obesidade voltadas para o cérebro, órgão muito menos visado do que o coração quando se trata de analisar efeitos positivos ou nocivos dos vários tipos de gordura no organismo humano. Nos últimos anos foram publicados trabalhos científicos com indícios de que o consumo excessivo de alimentos com gorduras saturadas e trans produziria uma inflamação constante no hipotálamo, que fica na base do cérebro. A consequência seria a morte dos neurônios responsáveis por controlar as sensações de fome e de saciedade e o gasto de energia. Agora, pesquisadores do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades, um dos 17 Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) financiados pela FAPESP, sugerem que esse dano cerebral poderia ser parcialmente revertido por meio do consumo de alimentos ou compostos ricos em outro tipo de gordura, as insaturadas, as mesmas que são benéficas ao coração. Uma das conclusões que se pode tirar das pesquisas em andamento é a confirmação de que obesidade não deve ser vista como falta de esforço pessoal, mas como doença. As lesões no hipotálamo provavelmente não são a única causa do problema; há outros fatores que contribuem para o acúmulo excessivo de gordura. O caminho aberto pelos pesquisadores ajuda a entender algumas das complexas questões que envolvem a obesidade (página 16). *** Uma novidade começa a aparecer com força nas pesquisas de genética de todo o mundo: a técnica de edição de DNA chamada CRISPR-Cas9. O sistema consiste em usar uma proteína guiada por uma molécula de RNA que corta as fitas de DNA em pontos exatos para reparar o material genético, desativando genes ou inserindo alterações. Destacada pe-

la revista Science como o grande avanço (breakthrough) de 2015, a técnica foi descoberta em 2012, continua a ser desenvolvida e tem grande potencial para ser utilizada em aplicações médicas. No Brasil, antes de os geneticistas começarem a trabalhar, era preciso conhecê-la. Pesquisadores de São Paulo foram então a laboratórios do exterior – com bolsas e auxílios financeiros da FAPESP – aprender como funciona o CRISPR-Cas9, retornaram e repassaram o conhecimento para outros geneticistas. Hoje há linhas de pesquisa usando a técnica para estudar da leucemia à síndrome de Marfan, do Trypanossoma cruzi ao Aedes aegypti. Os trabalhos feitos no Brasil começaram há pouco tempo e ainda são incipientes, mas devem ganhar volume e importância em poucos anos. Pela facilidade de trabalhar com o sistema, os procedimentos estão ao alcance da maior parte dos laboratórios de genética brasileiros. Como toda grande inovação na área envolvendo manipulação gênica, o desenvolvimento trouxe consigo obstáculos éticos a serem resolvidos – uma das possibilidades ainda não comprovadas da CRISPR-Cas9 é a de produzir bebês sob medida (página 38). *** Na área das ciências humanas e sociais, a novidade vem do passado. Com coordenação binacional na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e na Universidade de Versailles-Saint-Quentin, na França, um abrangente projeto recuperou a intensa troca cultural que havia no século XIX entre o Brasil e a Europa. Era um tipo de globalização de mão dupla que contemplava a circulação de impressos como livros, jornais, revistas, folhetins, libretos e partituras (página 76). É uma história esquecida que vale a pena conhecer. Neldson Marcolin | editor-chefe PESQUISA FAPESP 240 | 7


Dados e projetos Temáticos e jovens pesquisadores recentes Projetos contratados em dezembro de 2015 e janeiro de 2016 temáticos  Estudos integrados para o controle de formigas cortadeiras Pesquisador responsável: João Batista Fernandes Instituição: Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia/UFSCar Processo: 2012/25299-6 Vigência: 01/02/2016 a 31/01/2020  Projeto temático em medicina translacional: nanopartículas que se ligam a receptores de lipoproteínas no tratamento da aterosclerose, do infarto agudo de miocárdio, do pós-transplante de coração, do câncer e da endometriose

Pesquisador responsável: Raul Cavalcante Maranhão Instituição: Instituto do Coração do Hospital das Clínicas São Paulo/SSSP Processo: 2014/03742-0 Vigência: 01/11/2015 a 31/10/2020

 Populações estelares na

Instituição: Instituto de Química/

Via Láctea: Bojo, halo, disco e

Unicamp Processo: 2015/08541-6

regiões de formação de estrelas; instrumentação para

Vigência: 01/12/2015 a 30/11/2020

espectroscopia de alta resolução Pesquisadora responsável: Beatriz JOVENS PESQUISADORES Hidróxidos duplos lamelares (LDH)

Leonor Silveira Barbuy  Impactos das mudanças

Instituição: Instituto de Astronomia

climáticas e ambientais sobre a fauna: uma abordagem integrativa Pesquisador responsável: Carlos Arturo Navas Iannini Instituição: Instituto de Biociências/ USP Processo: 2014/16320-7 Vigência: 01/12/2015 a 30/11/2019

e Geofísica e Ciências Atmosféricas/ USP Processo: 2014/18100-4 Vigência: 01/02/2016 a 31/01/2020  Ressonância magnética nuclear:

Além da determinação estrutural Pesquisador responsável: Claudio Francisco Tormena

nanoestruturados com propriedades de up e down-conversion para aplicações como sensibilizadores em células solares Pesquisador responsável: Danilo Mustafa Instituição: Instituto de Física/USP Processo: 2015/19210-0 Vigência: 01/02/2016 a 31/01/2020

Esforço estadual em P&D Dispêndios em pesquisa e desenvolvimento (P&D) como fração da Receita Líquida Real dos estados1 – orçamento executado2 e ensino superior3 (2013)

Demais estados RS GO RN PE CE AM PB MG MS BA SC RJ PR SP Total (estados) 0% 0,5% 1,0% 1,5% 2,0% 2,5% 3,0% 3,5% 4,0% 4,5% 5,0% 5,5% 6,0% 6,5% 7,0% 7,5% 8,0% 8,5%

Total (estados)

SP

PR

RJ

SC

BA

MS

MG

PB

AM

CE

PE

RN

GO

RS

Demais estados

n Orçamento executado

0,8%

1,6%

0,9%

1,1%

1,2%

0,3%

0,9%

0,8%

0,4%

0,5%

0,2%

0,4%

0,2%

0,4%

0,5%

0,2%

n Ensino Superior

1,9%

6,3%

1,5%

0,9%

0,4%

0,8%

0,3%

0,1%

0,5%

0,2%

0,5%

0,2%

0,3%

0,1%

0,0%

0,0%

2,7%

7,9%

2,4%

2,0%

1,6%

1,1%

1,2%

0,9%

0,9%

0,7%

0,7%

0,6%

0,5%

0,5%

0,5%

0,2%

Total

1

Receita Líquida Real dos estados: é a receita anual do tesouro estadual, excluídas as receitas provenientes de operações de crédito, de alienação de bens, de transferências voluntárias, de doações recebidas com o fim específico de atender despesas de capital e as transferências aos municípios. 2 Orçamento executado: dispêndios em P&D com origem nos orçamentos de órgãos estaduais (exceto instituições de ensino superior), incluindo institutos de pesquisa e agências/fundações de apoio à pesquisa. 3 Ensino superior: dispêndios em P&D com origem nos orçamentos das instituições de ensino superior (universidades e outras) estaduais. Obs.: Foram incluídos os estados com pelo menos 0,50% de esforço em P&D; aqueles com frações abaixo desse patamar foram agregados em “Demais estados”.

8 | fevereiro DE 2016


Boas práticas

ilustração  daniel bueno

Mecanismos de correção Houve crescimento no número de casos de má conduta científica detectados no Brasil nos últimos anos, sugere artigo publicado na revista Science and Engineering Ethics por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O estudo analisou mais de 2 mil papers indexados na biblioteca virtual brasileira SciELO (sigla de Scientific Eletronic Library On Line) e à base de dados latino-americana de informações em ciências da saúde (Lilacs) entre 2009 e 2014. Foram identificados 31 artigos que sofreram retratação, que é o cancelamento de sua publicação devido a fraudes ou erros graves. Desse total, 25 trabalhos eram de autores brasileiros. O plágio foi a principal razão para as retratações dos artigos brasileiros, responsável por 46% dos casos. O estudo mostra que as retratações estão em ascensão nas duas bases de dados: entre 2004 e 2009, foram identificadas de uma a duas retratações por ano; já entre 2011 e 2012, a média subiu para sete. De acordo com Renan Moritz Almeida, professor da UFRJ e autor principal da pesquisa, uma hipótese que explica o aumento dos casos de plágio detectados no país é a introdução de softwares que mapeiam a repetição de trechos em mais de um texto sem o devido crédito ao autor. Nos últimos anos, universidades, institutos de pesquisa, agências de fomento e editoras científicas vêm utilizando programas como esse para coibir abusos. “Hoje há uma maior atenção ao fenômeno, principalmente por parte dos editores”, diz Almeida, que reconhece que o número de casos é pequeno. “No entanto, é interessante ressaltar que a primeira retratação nas revistas

que estão na SciELO deu-se em 2008, menos de 10 anos atrás.” Sonia Vasconcelos, coautora do estudo, chama a atenção para o fato de os resultados apontarem para uma maior participação de periódicos científicos indexados em bases menos tradicionais no processo de correção da literatura. “Essa participação de alguma forma reflete comprometimento maior de editores com mecanismos de correção, o que, a longo prazo, pode ter um impacto positivo na qualidade das publicações”, afirma. Sonia Vasconcelos explica que, nos últimos anos, o Brasil assumiu posição de liderança na pesquisa e iniciativas educacionais em ética na pesquisa na América Latina. Ela cita algumas experiências na promoção de uma cultura de integridade científica no país, como o Código de boas práticas científicas, produzido e lançado pela FAPESP em 2011, que contém diretrizes éticas para a atividade profissional

dos pesquisadores que recebem bolsas e auxílios da Fundação. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) também criaram suas próprias normas de conduta.

Investigação concluída Um artigo publicado em 2006 na revista Nature foi retratado após uma longa investigação de seis anos conduzida pela Universidade do Alabama, nos Estados Unidos, concluir que os autores fabricaram dados deliberadamente em um estudo sobre estruturas de proteínas. Em um comunicado público, a universidade informou que também identificou outros nove papers relacionados ao estudo que provavelmente precisarão ser cancelados pelas revistas científicas que os publicaram. Além do pedido de retratação, outra medida tomada pela instituição foi responsabilizar M. Krishna Murthy, autor principal do artigo, que na época

da publicação do trabalho ainda trabalhava na Universidade do Alabama. O artigo retratado descreve a estrutura cristalina de uma proteína chama C3b, que desempenha um papel importante no sistema imunológico. Os resultados chamaram a atenção pois contradiziam outros trabalhos sobre o assunto publicados anteriormente. O Escritório de Integridade Científica da Universidade do Alabama, junto com o Escritório de Integridade de Pesquisa dos Estados Unidos (ORI, na sigla em inglês), começaram a investigação em 2007. Segundo o blog Retraction Watch, o estudo foi citado mais de 40 vezes. PESQUISA FAPESP 240 | 9


Estratégias Reforço contra o câncer

1

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, anunciou, no dia 28 de janeiro, que estabelecerá uma força-tarefa liderada pelo vice-presidente, Joe Biden, para impulsionar a pesquisa contra o câncer. Os objetivos são articular os esforços de diferentes agências de fomento e Campanha de prevenção contra o ebola na Libéria, país da África Ocidental

amenizar as dificuldades burocráticas. A iniciativa já havia sido apresentada pelo presidente ao Congresso norte-americano no dia 12 de

Acordo para produção de vacina contra ebola

janeiro. “Vamos tornar os Estados Unidos o país

Em janeiro, a Global

em Serra Leoa, em 15 de

a vacinas. Mais de 20 mil

que irá curar o câncer de

Alliance for Vaccine

janeiro, apenas um mês

pessoas foram vacinadas

uma vez por todas”,

Initiative (Gavi) anunciou

depois de a Organização

com esses produtos.

acredita Obama, que

que pagou US$ 5 milhões

Mundial da Saúde ter

Embora nenhuma das três

comparou a iniciativa à

a Merck, fabricante da

comunicado que a

candidatas a vacina

ida do homem à Lua.

primeira vacina contra o

epidemia do vírus no

tenha sido submetida à

Obama contou que uma

vírus ebola que teria

oeste da África tinha sido

aprovação nos órgãos

das motivações do novo

apresentado níveis de

contida, fundamenta a

reguladores dos Estados

eficácia aceitáveis nos

necessidade de estoques

Unidos ou da Europa,

testes preliminares com

de vacina. Três empresas,

Serra Leoa e Guiné têm

seres humanos. Este

Merck, Johnson & Johnson

feito acordos com as

é o primeiro acordo

e GlaxoSmithKline,

empresas farmacêuticas

de compra de uma

mantinham um estoque

para avaliar a segurança

organização de saúde

de cerca de 2 milhões de

de uso dos imunizantes

pública com uma empresa

doses de três candidatos

em testes clínicos.

farmacêutica antes de a

plano foi Beau Biden, filho Joe Biden, vice-presidente dos EUA, visita centro de pesquisa em câncer da Universidade da Pensilvânia, na Filadélfia, em janeiro

do vice-presidente, que morreu de câncer no cérebro em maio do ano passado, aos 46 anos. “Não tenho a pretensão de ser especialista no assunto, mas posso ser um catalizador de

vacina ter sido licenciada

esforços no sentido de

para uso amplo em

trabalharmos em

pessoas. O objetivo do

parceria”, escreveu Biden

acordo é ter o imunizante

em seu blog. O vice-

pronto para ser usado

-presidente ressaltou

caso surja outro surto.

problemas que devem ser

A Merck se comprometeu

enfrentados, como a

a manter um estoque de

baixa participação de

pelo menos 300 mil doses

pacientes (5%) em

até março deste ano e

ensaios clínicos de novos

trabalhar para concluir

tratamentos. Outro

os testes e obter a

desafio salientado por ele

aprovação das agências

é o acesso limitado de

regulatórias até 2017. O reaparecimento do ebola 10 | fevereiro DE 2016

médicos aos avanços 2

mais recentes da ciência.


Brics criam fundo Em Pequim, no início de janeiro, os países do Brics (Brasil, Índia, China, Rússia e África do Sul) firmaram um acordo Animais de laboratório: entidades científicas reagem a relatório de CPI

3

de R$ 24 milhões para criar um fundo de financiamento de projetos científicos conjuntos. Os representantes do governo brasileiro

Projeto quer rever experimentação animal

informaram que o país

fotos 1 UNMIL / Emmanuel Tobey 2 Official White House Photo / David Lienemann  3 eduardo cesar  4 Bruno Batista

deverá contribuir com Três entidades que

lei a ser apresentado pela

relatório, isso criaria

R$ 1,2 milhão, do

representam a

comissão propondo

conflito de interesses,

qual R$ 1 milhão se

comunidade científica –

alterações no

uma vez que “compõem

destinaria a projetos

a Sociedade Brasileira

funcionamento e no

o Concea pessoas

da área de segurança

para o Progresso da

organograma do

envolvidas com as

cibernética e ciberdefesa

Ciência (SBPC), a

Conselho Nacional

demandas a ele

e R$ 200 mil à área

Academia Brasileira

de Controle de

submetidas, como

de prevenção e

de Ciências (ABC)

Experimentação Animal

aprovação e

monitoramento de

e a Federação das

(Concea), instituição

credenciamento”.

desastres naturais.

Sociedades de Biologia

colegiada responsável

O projeto propõe criar

A primeira chamada

Experimental (Fesbe) –

por estabelecer normas

uma nova câmara de

multilateral deve ser

articularam-se para

para a experimentação

recursos na estrutura do

lançada em abril e

evitar que o Congresso

animal no Brasil e

conselho. “Isso engessará

contará com a

Nacional altere a Lei

substituir animais

e desestabilizará o

participação do

nº 11.794, conhecida

para propósitos

funcionamento do

como Lei Arouca, que

científicos quando houver

Concea e o processo

regulamentou em 2008

alternativas. O relatório

de regulamentação do

o uso de animais para

foi aprovado em

uso científico de

fins científicos no país.

dezembro, mas pode ser

animais”, escreveram os

Essa possibilidade surgiu

modificado na votação de

presidentes das três

no relatório final da

destaques. A justificativa

entidades, Helena Nader

Comissão Parlamentar

para as mudanças é a

(SBPC), Jacob Palis (ABC)

de Inquérito (CPI) sobre

presença de

e Dalton Valentim

maus-tratos a animais,

pesquisadores que

(Fesbe), em carta

que, entre outras

trabalham com animais

enviada à CPI na qual

recomendações, incluiu

entre membros do

pedem que o projeto seja

o texto de um projeto de

Concea. Nas palavras do

retirado do relatório final.

Conselho Nacional de O engenheiro Anderson Ribeiro Correia: novo reitor do ITA

Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

4

Novo reitor toma posse no ITA No final deste mês deve tomar posse o

1950, atualmente com 180 professores,

novo reitor do Instituto Tecnológico de

700 alunos de graduação e 1.700 de pós-

Aeronáutica (ITA), Anderson Ribeiro

-graduação. Entre as metas apresenta-

próximos anos. “O ITA é um motor para

Correia. Graduado em engenharia civil

das, Correia pretende modernizar o

o desenvolvimento tecnológico brasilei-

pela Universidade Estadual de Campinas

ensino de engenharia e fortalecer a pós-

ro. O impacto da instituição é muito

(Unicamp), com mestrado no ITA e dou-

-graduação e a pesquisa em conjunto

grande em toda a sociedade”, disse Cor-

torado na University of Calgary, no Ca-

com a graduação. A renovação do qua-

reia ao site do instituto. O processo de

nadá, Correia era pró-reitor de Extensão

dro de professores – muitos estão se

seleção do novo reitor começou em

e Cooperação do instituto criado em

aposentando – é uma das metas para os

setembro do ano passado.

PESQUISA FAPESP 240 | 11


Quem morre na praia

1

Estudar mamíferos marinhos exige o uso de equipamentos de rastreamento caros, porque esses animais são capazes de nadar grandes distâncias sem se aproximar da costa e de passar boa parte do

As folhas do sisal, à esquerda, e as sementes da sucupira possuem propriedades que matam larvas do Aedes

tempo debaixo da água. Uma alternativa é percorrer as praias em busca de carcaças. Este método tem limitações, 2

afinal nem todo animal que morre na água encalha na areia. Mas é muito informativo. Em seu doutorado na

Plantas contra o mosquito

Universidade Federal do Rio Grande (Furg), sob

O óleo extraído dos

como larvicida. O estudo

orientação de Eduardo

frutos e sementes da

foi financiado pelo

Secchi, o oceanógrafo

sucupira-branca, uma

Conselho Nacional

Jonatas Prado analisou

árvore do Cerrado

de Desenvolvimento

dados de monitoramento

brasileiro, e o suco das

Científico e

folhas do sisal, uma

Tecnológico (CNPq)

larvas e as elimina na

lagoa dos Patos ao Chuí

planta originária do

e pela Fundação de

totalidade. Eles fizeram

– entre 1976 e 2013

México e cultivada no

Amparo à Pesquisa

o mesmo teste em outras

(PLoS One, 27 de

Brasil para extração

do Estado do Amapá

fases do inseto, como ovo,

janeiro). No período,

de fibras, possuem

(Fapeap) e publicado na

pupa e adulto, e o produto

foram achados 12.540

propriedades capazes de

revista Plos One de 7 de

não teve efeito. A

animais de 40 espécies.

eliminar totalmente as

janeiro. O produto que

explicação é que a larva

larvas do Aedes aegypti,

eles concluíram não

se alimenta da solução e

o mosquito transmissor

utiliza solventes no

provavelmente morre de

da dengue, zika e

preparo e não é tóxico

indigestão com o produto.

chikungunya, de acordo

ao ambiente ou para

Para ser disponibilizado

com dois grupos de

seres humanos. O

ao mercado, o larvicida

pesquisadores brasileiros.

mesmo princípio vale

deverá ser oferecido

O óleo da sucupira

para o larvicida

na forma de pó para

(Pterodon emarginatus)

desenvolvido com folhas

diluição em água porque

foi utilizado por

de sisal (Agave sisalana)

o suco in natura se degrada

pesquisadores das

por pesquisadores da

rapidamente. A pesquisa

universidades federais

Universidade Federal

teve as parcerias do

do Amapá (Unifap),

da Paraíba (UFPB) e

Sindicato das Indústrias

Goiás (UFGO) e

Embrapa Algodão, de

de Fibras Vegetais do

Fluminense (UFF) para

Campina Grande (PB).

Estado da Bahia e da

desenvolver uma

De acordo com os

Organização das Nações

nanoemulsão que

pesquisadores, o suco

Unidas para Agricultura

diluída em água funciona

ataca o intestino das

e Alimentação (FAO).

12 | fevereiro DE 2016

da costa gaúcha – da

3

Leão-marinho-do-sul: chega às águas gaúchas a partir do Uruguai, onde se reproduz

fotos 1 Saulo G. COELHO / Embrapa 2 eduardo cesar  3 Wikimedia Commons / Mannheim Reinhard Jahn  4 SVEN HEIN/EPFL 5 HAGAN, J.E. et al. Plos NTD. 2016

Tecnociência


Painel solar mais potente Depois das tentativas com polímeros fo-

da luz solar em eletricidade por meio de

tossensíveis e condutores de eletricidade

uma lâmina de perovskita, um recorde. O

ainda sem atingir grandes resultados, um

resultado supera os painéis comerciais

grupo de materiais que compartilham

de silício que ficam entre 15% e 17%. O

uma estrutura molecular característica

material sintetizado de perovskita que

ao mineral perovskita é a mais nova op-

recebeu o nome de fluoreno-ditiofeno

din também desenvolveram um arranjo

ção para superar e substituir o silício nos

dissimétrico (FDT) poderá, segundo es-

molecular do material que facilita a mo-

painéis de energia solar. Em experimentos

tudo publicado na revista Nature Energy

vimentação de cargas positivas através

de laboratório, pesquisadores da Escola

em 18 de janeiro, custar um quinto de

da nova célula solar. O estudo teve a

Politécnica Federal de Lausanne (EPFL),

um painel de silício. Os pesquisadores

colaboração de pesquisadores da Itália,

da Suíça, conseguiram transformar 20,2%

liderados por Mohammad Nazeerud-

do Japão e do Catar.

A maioria (97%) pertencia a cinco delas: golfinho-do-rio-da-prata,

Bombeiros ganham drone

4

Ilustração com moléculas de perovskita

identificar os fatores que

5

aumentam a transmissão, pesquisadores da

golfinho-roaz, leão-

Fundação Oswaldo Cruz

-marinho-do-sul,

Um drone capaz de entrar

(Fiocruz) na Bahia,

lobo-marinho-sul-

em edifícios em chamas

trabalhando com

-americano e o lobo-

para encontrar pessoas

equipes dos Estados

-marinho-do-peito-branco.

e identificar a causa do

Unidos e da Inglaterra,

O mais interessante foi

fogo foi desenvolvido

acompanharam durante

relacionar os achados com no Instituto Avançado de

quatro anos cerca de

o contexto ecológico.

Ciência e Tecnologia

2 mil moradores da favela

A maior mortalidade dos

da Coreia do Sul.

Pau da Lima, uma área

golfinhos coincide com a

Além de voar com seus

época de pesca intensiva,

quatro pequenos motores,

quando morrem presos

ele pode escalar paredes

às redes. Já os lobos-

como uma aranha.

-marinhos apareceram

O veículo aéreo não

mais na época de

tripulado, de cerca de 50

migração pós-

centímetros de diâmetro,

-reprodutiva. As mortes

suporta até 1000°C de

dos leões-marinhos

calor provocado por

parecem estar associadas

incêndios. O corpo do robô

aos dois tipos de evento.

é coberto por camadas

em que a leptospirose

Favela Pau da Lima, em Salvador: fatores sociais e ambientais ligados à transmissão da leptospirose

é endêmica em Salvador. Analisando os casos de infecção ocorridos no período, os pesquisadores constataram que a transmissão de leptospirose é

Mais risco de leptospirose

de aramida e um sistema

influenciada tanto por características ambientais como sociais. As famílias que vivem

de arrefecimento interno

Sujeitas a alagamentos

nas áreas de relevo

ajuda a dissipar o

e sem acesso a

mais baixo e próximo

calor dos instrumentos

saneamento básico,

a córregos, em geral

eletrônicos. Uma câmera

as favelas são áreas em

menos valorizadas,

térmica reconhece

que o risco de contrair

correm mais risco de ser

pessoas e objetos dentro

leptospirose é

contaminadas. O risco

do edifício e transfere a

reconhecidamente

também é maior para

informação em tempo

elevado. Mas esse risco

adultos, jovens e do sexo

real para os bombeiros

não é sempre igual.

masculino, em especial

que estiverem no local.

Certas áreas podem

os que trabalham com

Chamado de Faros, da

apresentar uma taxa

coleta de lixo ou

sigla em inglês para

de transmissão maior

construção e estão mais

Sistema Robótico Aéreo

dessa infecção,

expostos à lama, ao solo

à Prova de Fogo, o drone

provocada por uma

e a outros materiais

tem sensores para voar

bactéria encontrada

contaminados (PLoS

de forma autônoma

com frequência na urina

Neglected Tropical

dentro do edifício.

de roedores. A fim de

Diseases, 15 de janeiro). PESQUISA FAPESP 240 | 13


Rejeitos da mineração

1

Sorvedouros de carbono

Floresta em regeneração em meio a área de plantação de mandioca em Tefé, no Amazonas

Soluções para os rejeitos

materiais que sobram da

de mineração como

mineração”, diz Evandro.

aqueles que provocaram

“Nós desenvolvemos um

o acidente em Mariana,

forno de calcinação

da barragem da

chamado Flex, que

empresa Samarco,

calcina a poeira

foram apresentadas por

e a transforma em

pesquisadores da

micropartículas

Universidade Federal

que depois serão

de Minas Gerais (UFMG)

transformadas em areia,

antes mesmo de ocorrer

blocos, vigas, pedra e

o problema ambiental

cimento para a

que atingiu moradores

construção civil”, explica

da região e o rio Doce.

o pesquisador. Evandro

Sob a coordenação dos

coordena o Laboratório

professores Evandro da

de Geotecnologias e

Gama e Abdias Gomes,

Geomateriais do Centro

eles conseguiram

de Produção Sustentável

terminar em 2015, antes

da UFMG, em Pedro

do desastre ambiental,

Leopoldo (MG).

uma casa com 46

Evandro garante que

Proteger as florestas em

espalhadas por oito

regeneração pode ser

países da América

uma forma eficiente de

Latina. Eles verificaram

combater as mudanças

que as florestas em

metros quadrados (m2)

o aproveitamento dos

climáticas. Metade das

regeneração ou

com produtos originados

rejeitos e dos estéreis

florestas do mundo está

secundárias se

de rejeitos e estéreis da

tornaria desnecessárias

em recuperação e esse

recuperam mais rápido

mineração de ferro.

as grandes barragens

tipo de vegetação cresce

em regiões onde chove

O rejeito é o que sobra

não só da mineração

mais rápido e sequestra

mais e não onde o solo

do processamento do

de minério de ferro

mais dióxido de carbono

é mais fértil, como se

minério de ferro e o

como também de bauxita,

(CO2) da atmosfera

pensava até então

estéril são rochas que

ouro, fosfato e calcário.

do que florestas intactas,

(Nature, 3 de fevereiro).

ficam junto com o

Outra vantagem é que

que nunca foram

Segundo os autores, em

itabirito, a rocha que

o material rejeitado

convertidas em

20 anos, essas florestas

contém o minério.

processado e utilizado

pastagem ou área

recuperaram 122

Os dois são estocados

na construção civil

agrícola. A conclusão

toneladas de biomassa

nas barragens. “Tirando

deixa as casas

é de um estudo

por hectare. Isso

telhas, vidros, pisos

menos quentes e com

internacional do qual

corresponde

internos e portas, tudo

paredes que absorvem

participaram equipes

à absorção de 3,05

pode ser feito com os

menos água.

das universidades

toneladas de CO2

federais de Pernambuco

por hectare por ano –

(UFPE) e do Sul da

quase 11 vezes mais do

Bahia (UFSB), da

que a taxa de absorção

Universidade Estadual

das florestas primárias.

de Montes Claros

Com base nesses

(Unimontes), em Minas

dados, os pesquisadores

Gerais, do Instituto

produziram um

Nacional de Pesquisas

mapa do potencial

da Amazônia (Inpa) e

de recuperação de

da Escola Superior de

biomassa das florestas

Agricultura Luiz de

tropicais. A expectativa

Queiroz da Universidade

é de que ele seja

de São Paulo (Esalq-

usado para orientar

-USP). Os pesquisadores

a identificação e a

quantificaram a

preservação de áreas

capacidade de

com baixa resiliência,

recuperação de 1.500

mais difíceis de serem

parcelas florestais

restauradas.

14 | fevereiro DE 2016

Casa construída com materiais originados da exploração do minério de ferro que iriam para as barragens

2


A safra pelo celular

Idade (em bilhões de anos)

Centro velho, periferia nova

0.0 1.5 3.0 4.5 6.0 7.5 9.0 10.5 12.0

Um aplicativo para celular chamado

A partir de informações de 80 mil estre-

AgriSupport permitirá

las, um grupo internacional de astrôno-

que agricultores

mos construiu o mais amplo mapa de

do semiárido, no

idades da Via Láctea. O mapa confirma

Nordeste, enviem

que a galáxia que abriga o Sistema Solar

informações e até fotos

cresceu nos últimos 10 bilhões de anos,

georreferenciadas para

a partir de sua região central em direção

o Centro Nacional de

à periferia. Apresentado no dia 8 de ja-

Monitoramento e Alertas

neiro em um encontro da Sociedade Astronômica Americana, o mapa é obra da equipe liderada por Melissa Ness e Marie Martig, ambas do Instituto Max Planck para Astronomia, em Heidelberg,

3

Concepção artística da Via Láctea, produzida com base nas idades de 80 mil estrelas: as mais antigas aparecem em vermelho e as mais jovens, em azul

Alemanha. Os pesquisadores calcularam

de Desastres Naturais (Cemaden), de Brasília, que fará o planejamento e a tomada de decisão em caso de quebra de safra na região.

as idades de 80 mil estrelas que se en-

atingido o seu tamanho atual e assumi-

Com informações sobre

contram distantes até 65 mil anos-luz

do a forma espiralada, com braços curvos

as culturas plantadas,

do centro galáctico. O mapa ajuda a

partindo de seu centro. Para calcular as

datas de plantio e

visualizar a história da formação da ga-

idades das estrelas com precisão, os as-

distribuição espacial da

láxia. Concentradas no centro da Via

trônomos combinaram observações

lavoura será possível

Láctea estão as estrelas com mais de 10

feitas pelo telescópio espacial Kepler,

medir a produtividade

bilhões de anos, surgidas quando a ga-

da Nasa, com as observações das mes-

e o risco de colapso

láxia era jovem e bem menor. Longe do

mas estrelas obtidas pelo instrumento

da safra de várias

centro estão as estrelas mais jovens,

Apogee, montado no telescópio do Sloan

culturas e oferecer aos

nascidas nos últimos 3 bilhões de anos,

Digital Sky Survey, no Novo México, Es-

agricultores soluções e

quando a galáxia já tinha praticamente

tados Unidos.

alternativas. O aplicativo foi desenvolvido pelo Cemaden e pelo Instituto

Ovos de galinha transgênica para doença rara

Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) para

fotos 1 Frans Bongers 2 ufmg  3 G. Stinson / MPIA  ilustraçãO daniel bueno

Mudanças Climáticas, A primeira galinha

Wolman, que na sua

A FDA verificou também

que tem sede no

transgênica aprovada

forma mais severa mata

que a enzima não afeta

Instituto Nacional de

pela Food and Drug

bebês com até 6 meses.

a saúde dos animais.

Pesquisa Espaciais

Administration (FDA),

A enfermidade provoca

A criação por parte

(Inpe), em São José

agência que regula o

acúmulo de gordura no

da empresa será em

dos Campos, além do

comércio de remédios

fígado, no baço e nas

ambiente seguro e os

Instituto Internacional

e alimentos nos Estados

paredes dos vasos

galináceos não serão

para Análise de Sistemas

Unidos, não servirá para

sanguíneos. Sem a lipase

ofertados à alimentação

Aplicados (IIASA), com

alimentação humana e

ácida lisossômica – ou se

humana. O medicamento

sede na Áustria.

sim como uma biofábrica

ela não funciona como

ganhou da FDA a

para produzir nos ovos

deveria –, o indivíduo

designação de terapia

a enzima sebelipase alfa.

diminui muito a

única, o que significa

Essa enzima, na forma

capacidade de degradar

incentivos fiscais

de um medicamento

o colesterol esterificado

e isenções de

injetável produzido pela

e os triglicerídeos.

impostos.

empresa Alexion, é

A doença de Wolman

o primeiro tratamento

afeta uma criança a cada

para a Deficiência

1 milhão de nascimentos.

de Lipase Ácida

O medicamento tem o

Lisossômica (LAL), uma

nome de Kanuma e é

enfermidade genética

purificado da clara dos

rara conhecida também

ovos das galinhas

como doença de

transgênicas. PESQUISA FAPESP 240 | 15


Salmão e linhaça: alimentos ricos em gorduras insaturadas, como ômega 3, parecem combater inflamação cerebral associada ao ganho de peso 16 | fevereiro DE 2016


capa

Uma gordura contra a obesidade Ácidos graxos insaturados, como o ômega 3, promovem o nascimento de neurônios e talvez possam reverter danos ao cérebro de obesos Marcos Pivetta

léo ramos

A

s reações do corpo humano à ingestão de dietas ricas em gorduras são complexas e marcadas por aspectos positivos e negativos. O coração é provavelmente o órgão em que os potenciais malefícios e benefícios dessa relação dual são mais conhecidos. Alguns tipos de ácidos graxos tendem a se depositar nos tecidos, elevar a pressão arterial e aumentar os riscos de problemas cardíacos. Esse é o caso das gorduras saturadas, encontradas na carne vermelha, em aves e derivados do leite integral, e das trans, produzidas a partir da modificação de óleos vegetais e usadas em grande parte dos alimentos processados industrialmente. Já outras formas de gordura, como as insaturadas, parecem contribuir para manter baixos os níveis de colesterol e da pressão e relativamente limpos os vasos sanguíneos. Nas últimas duas décadas, uma relação igualmente intrincada com os diferentes tipos de gordura começou a ser esmiuçada em outro órgão vital – o cérebro. Novos estudos têm levantado indícios de que a obesidade, marcada geralmente por um consumo excessivo de gorPESQUISA FAPESP 240 | 17


Danos no circuito da fome e saciedade As gorduras saturadas romperiam a barreira hematoencefálica e causariam uma inflamação na região do hipotálamo e a morte de neurônios

Hipotálamo Astrócitos

Barreira hematoencefálica

Situado na base do cérebro, o hipotálamo funciona como um sensor de nutrientes e regula as sensações de fome e saciedade e o gasto de energia

Vaso sanguíneo

Pesquisadores do OCRC deduras saturadas e trans como ram, de duas maneiras distintas, parte de hábitos alimentares e ácidos graxos insaturados da fade um estilo de vida pouco saumília dos ômega 3 para camundáveis, produziria uma inflamaAs gorduras dongos obesos e constataram a ção contínua no hipotálamo. tidas como formação de novos neurônios Os danos a essa região, que fica no hipotálamo. Para um grupo na base do cérebro e funciona boas e ruins de roedores, forneceram uma como um sensor de nutrientes, dieta rica em ômega 3, presenlevariam à morte dos neurônios para o coração te em grandes quantidades em responsáveis por controlar as algas, em peixes de água fria, sensações de fome e de saciedaparecem ter como salmão e atum, e na linhade e o gasto de energia. Assim, o mesmo ça. Para outro, injetaram ácio mau funcionamento dos cirdo docosa-hexaenoico (DHA), cuitos que regulam o comportaefeito sobre ácido graxo poli-insaturado da mento alimentar – o indivíduo família dos ômega 3, diretamensente fome logo depois de uma o cérebro te no hipotálamo. Um terceiro farta refeição – contribuiria pagrupo recebeu apenas uma sora perpetuar o ganho de peso. lução salina em sua dieta. Esse é um dos efeitos deletéOito semanas mais tarde, rios possivelmente ocasionados pelo acúmulo de gorduras saturadas no sistema constataram o surgimento no hipotálamo de neunervoso central. Um trabalho recente do Cen- rônios do tipo Pomc, que modulam a sensação tro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades de saciedade, nos roedores que se alimentaram (OCRC, na sigla em inglês), um dos 17 Centros de comida rica em ômega 3 e nos que receberam de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) finan- doses de DHA. O grupo de controle não apreciados pela FAPESP, sinaliza que o dano cerebral sentou formação de novos neurônios. “Esse é o em animais obesos, alimentados com dietas ricas primeiro trabalho que mostra neurogênese no em gorduras saturadas, poderia ser parcialmen- hipotálamo induzida por um nutriente alimentar, te revertido por meio do consumo de alimentos como a dieta rica em ômega 3”, afirma o médico ou compostos ricos em outro tipo de gordura, Lício Velloso, da Faculdade de Ciências Médicas as insaturadas, basicamente as mesmas que são da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), coordenador do centro e do estudo benéficas ao coração. 18 | fevereiro DE 2016


Barreira hematoencefálica A barreira reveste os vasos sanguíneos e evita que toxinas presentes no sangue contaminem o cérebro

Gorduras saturadas

toxinas cérebro

cérebro

sangue

vaso sanguíneo

Células do endotélio Lâmina basal

infográfico Adaptado de Vishal Punwani/Khan Academy, com informações do Cepid OCRC micrografias Lucas Nascimento/OCRC

Junções entre células

vaso sanguíneo

As gorduras saturadas romperiam a barreira na altura do hipotálamo e causariam inflamação e morte de neurônios

com os animais. “Talvez as gorduras insaturadas possam ser uma forma de minimizar a morte de neurônios causada pela inflamação do cérebro associada à obesidade.” O estudo foi publicado na revista científica norte-americana Diabetes em 28 de outubro de 2015. Os pesquisadores conseguem identificar os novos neurônios, cuja formação foi estimulada pela dieta rica em ômega 3, entre os que já existiam no cérebro dos roedores porque usam um marcador celular para diferenciá-los. Eles administram nos animais um marcador de proliferação celular denominado BrdU, um nucleosídeo (uma base nitrogenada ligada a um açúcar) sintético

análogo à timidina, que pode ser conjugado com um anticorpo fluorescente. Durante a síntese de DNA, o BrdU toma o lugar da timidina e se insere no material genético quando novas células são geradas. Dessa forma, o composto é uma ferramenta molecular útil para averiguar se há nascimento de neurônios no cérebro. No experimento feito no OCRC, os pesquisadores geraram imagens da região do hipotálamo dos camundongos obesos obtidas por microscopia confocal. Nos animais em que não houve neurogênese, apareceram apenas células da cor vermelha, que representam os neurônios Pomc que já existiam nos roedores. Nos que produziram novos neurônios induzidos pela dieta rica em DHA, surgiram também pontos em verde, novas células nervosas marcadas pelo composto BrdU. “Avaliamos outras regiões do cérebro e a neurogênese estimulada pelo ômega 3 parece ocorrer predominantemente em certas áreas do hipotálamo”, diz o biólogo Lucas Nascimento, primeiro autor do estudo, que defendeu sua tese de doutorado sobre o tema no ano passado na Unicamp (atualmente ele faz estágio de pós-doutorado no Helmholtz Zentrum, na Alemanha). Os pesquisadores do Cepid também encontraram indícios de que o DHA estimularia a neurogênese ao interagir com duas proteínas, o fator de crescimento derivado do cérebro (BDNF) e o receptor de ácidos graxos GPR40. Quando inibiram a ação dessas duas proteínas no hipotálamo, a formação de novos neurônios diminuiu. Barreira entre o cérebro e o sangue

As gorduras parecem exercer efeitos positivos ou negativos diretamente em certas regiões do cérebro porque, em mais situações do que se supunha, conseguem atravessar a barreira hematoencefálica. Esse é o nome dado ao sistema de proteção que evita a entrada no cérebro de substâncias consideradas exógenas ou

Imagens de microscopia confocal de células do cérebro de camundongos que receberam uma dieta normal (à dir.) e uma alimentação rica em ômega 3: formação de novos neurônios (em verde) nos animais que ganharam reforço de ácidos graxos insaturados PESQUISA FAPESP 240 | 19


potencialmente perigosas presentes no sangue. A barreira é semipermeável, deixa passar algumas substâncias e bloqueia outras, e reveste todos os vasos sanguíneos do cérebro. É formada por células endoteliais, cujas junções (o espaço existente entre duas células contíguas) são extremamente justas e reforçadas por astrócitos, células do cérebro com propriedades de suporte, 10 vezes mais abundantes do que os neurônios. Como regra geral, os estudiosos sempre pensaram que as gorduras do sangue não passavam pela barreira. Mas essa percepção mudou nos últimos 10 anos. Em 2005, um artigo assinado por Velloso e colegas da Unicamp e da Universidade de São Paulo (USP), publicado na revista Endocrinology, foi um dos primeiros a sugerir que camundongos obesos apresentavam uma inflamação persistente no hipotálamo e desenvolviam resistência à insulina e à leptina, condições que abrem caminho para a ocorrência do diabetes. “Os neurônios dos animais que comeram uma dieta rica em gordura saturada paravam de responder a esses hormônios depois de algumas semanas”, afirma Velloso. A insulina é responsável por carregar a glicose para o interior das células, onde o açúcar é transformado em energia essencial à vida. A leptina induz a saciedade. Essas alterações no hipotálamo são suficientes para criar um quadro que favoreceria a manutenção da obesidade e o surgimento de distúrbios geralmente associados ao ganho de peso, como o diabetes e os problemas cardíacos – e a raiz desse mau funcionamento seria a morte de neurônios provocada pela adoção permanente de dietas ricas em gorduras saturadas.

A obesidade estaria ligada a uma inflamação na região do hipotálamo, na base do cérebro

Extensão do dano cerebral

Em trabalhos mais recentes, o grupo coordenado por Velloso e equipes de outros centros no exterior têm se dedicado a tentar caracterizar a extensão do dano cerebral causado por esse padrão de alimentação. Os pesquisadores acreditam que o consumo contínuo e excessivo de ácidos graxos saturados leva ao rompimento da barreira hematoencefálica em certas sub-regiões do hipotálamo. Desorganizado esse sistema de defesa do cérebro, ocorre a inflamação crônica e a eventual morte de neurônios do tipo Pomc. “Uma alteração pequena na barreira pode produzir efeitos no hipotálamo, região muito sensível do cérebro”, diz o neurologista Fernando Cendes, professor da FCM-Unicamp e coordenador do Instituto de Pesquisa sobre Neurociências e em Neurotecnologia (Brainn, na sigla em inglês), outro Cepid. Os estudos em que se avalia o hipotálamo de seres humanos por ressonância magnética são fruto de intensa colaboração entre os Cepids OCRC e Brainn. 20 | fevereiro DE 2016

Aparentemente, o impacto de uma dieta rica em gorduras saturadas ocorre em setores bem delimitados da base do cérebro. Um estudo feito pela farmacêutica Albina Ramalho, que faz parte de sua tese de doutorado a ser defendida no fim deste mês na FCM-Unicamp, encontrou indícios de que os danos à barreira hematoencefálica induzidos pelo ganho de peso se manifestam precocemente em uma região adjacente ao hipotálamo, a eminência média. “Esse é o primeiro lugar em que ocorre a desorganização da barreira”, diz Albina, que é orientada em sua pesquisa pela professora Eliana de Araújo e por Velloso. Após terem sido submetidos por quatro semanas a uma dieta com 30% de gordura saturada, os tanicitos, células alongadas da glia que fazem a ligação entre o sistema nervoso central e os capilares sanguíneos da barreira, apresentaram perda de coesão e linearidade. Em outras


três regiões cerebrais próximas à eminência média, os efeitos deletérios da dieta hiperlipídica demoraram mais tempo para aparecer. Há evidências de que os tanicitos são as células responsáveis por “decidir” o que passa pela barreira. Para reforçar a hipótese de que o consumo de alimentos com alto teor de gordura saturada desestrutura o sistema de defesa do cérebro na região do hipotálamo, Albina injetou também nos animais um tipo de açúcar que normalmente não atravessa a barreira conjugado com uma substância que emite fluorescência. Nos roedores submetidos à dieta hiperlipídica, o polissacarídeo furou a barreira e foi encontrado na eminência média e no hipotálamo. Obesidade como doença

Chris Goldberg / flickr

Gorduras saturadas, presentes em carnes vermelhas, e do tipo trans, comuns em alimentos processados, alterariam o funcionamento dos sensores cerebrais da fome e da saciedade

Uma das dificuldades óbvias dos estudos sobre o impacto de dietas ricas em gorduras no cérebro é tentar reproduzir em seres humanos os experimentos realizados com os animais. Afinal, para averiguar os impactos no sistema nervoso central é necessário sacrificar os camundongos ao final dos estudos e extrair seu cérebro. Essa limitação é parcialmente contornada com o emprego de técnicas de imagem não invasivas, como a ressonância magnética funcional, que permite ver a ativação de certas áreas do cérebro em tempo real. Um estudo de 2011 do grupo de Velloso, também publicado na revista Diabetes, sinaliza que o hipotálamo de indivíduos obesos mórbidos, ex-obesos (que se submeteram à cirurgia bariátrica, de redução do estômago) e magros reage de forma distinta a estímulos alimentares. Os magros se sentiam saciados mais rapidamente do que os obesos depois de terem recebido glicose. “Os que fizeram a cirurgia apresentaram um padrão intermediário de ativação do hipotálamo”, diz Velloso. “Mas não sabemos se isso se mantém ao longo do tempo porque muitos voltam a ganhar peso.” O fisiologista José Donato Junior, pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, elogia os resultados obtidos pelos colegas do Cepid OCRC. “Eles reforçam a ideia de que a obesidade não é resultado de um simples desleixo do indivíduo”, afirma Donato Junior, atualmente dedicado a estudar fatores de risco que levam as mulheres a engordar. “Ela deve ser vista como uma doença.” O pesquisador da USP, no entanto, faz algumas ressalvas. Os estudos com camundongos não podem ser simplesmente transpostos para a realidade humana. “Ninguém come uma dieta com 30% ou 40% de gordura saturada, como a oferecida aos camundongos nos estudos”, diz Donato Junior. “Mas essa crítica serve para os experimentos de todo mundo, inclusive os meus. Os modelos animais aceleram e exageram os processos metabólicos.”

As lesões no hipotálamo induzidas pelo consumo excessivo de gorduras saturadas devem estar associadas a muitos casos de obesidade, mas não a todos, pondera Donato Junior. A ação do neurotransmissor dopamina, de importância capital para o funcionamento do sistema de recompensa, pode estar por trás de uma parcela das ocorrências de indivíduos obesos. “A pessoa pode não ter lesão alguma no hipotálamo e simplesmente ser viciada em comer”, afirma ele. Para o bioquímico brasileiro Marcelo Dietrich, pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade Yale, nos Estados Unidos, que também estuda os efeitos de dietas ricas em gorduras saturadas nos circuitos da fome e da saciedade no hipotálamo, não é uma tarefa simples determinar se a inflamação cerebral é causa ou consequência da obesidade. “O hipotálamo é visto como um circuito cerebral que deu certo e está presente em quase todos os mamíferos”, diz Dietrich. “Mas entre 7% e 10% dos casos de obesidade infantil são de origem genética e também ativam esse mesmo circuito.” Ninguém dúvida de que vários fatores podem aumentar ou diminuir o risco de se tornar obeso, como o tipo de dieta, distúrbios metabólicos e genéticos e hábitos ligados ao estilo de vida (fazer ou não exercício regularmente, por exemplo). Também é sabido que se alimentar de produtos com muita gordura saturada ou trans engorda. E, como é hoje notório, ganhar peso em excesso aumenta o risco de diabetes, problemas cardíacos e câncer. A contribuição principal dos estudos do grupo de Velloso é reforçar o papel que os diferentes tipos de gordura – as saturadas e as insaturadas – parecem ter sobre o funcionamento do sistema regulador da fome, da saciedade e do gasto de energia localizado no hipotálamo. A exemplo do que fazem no coração, as gorduras “boas” aparentemente atenuam o dano cerebral associado à ingestão das gorduras “ruins”. “A inflamação cerebral pode até não ser a causa da obesidade, mas ela modula essa condição e ajuda a perpetuá-la”, diz o neurologista Fernando Cendes. n

Projeto Centro Multidisciplinar de Pesquisa em Obesidade e Doenças Associadas (nº 2013/07607-8); Modalidade Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid); Pesquisador responsável Lício Velloso (FCM-Unicamp); Investimento R$ 14.579.597,41 (para todo o Cepid).

Artigos científicos NASCIMENTO, L. F. R. et al. Omega-3 fatty acids induce neuro­ genesis of predominantly Pomc-expressing cells in the hypothalamus. Diabetes. 28 out. 2015. VAN DE SANDE-LEE, S. et al. Partial reversibility of hypothalamic dysfunction and changes in brain activity after body mass reduction in obese subjects. Diabetes. v. 60, n. 6, p. 1699-704. jun. 2011. DE SOUSA, C. T. et al. Consumption of a fat-rich diet activates a proinflammatory response and induces insulin resistance in the hypothalamus. Endocrinology. v. 146. n. 10, p. 4192-9. out. 2005.

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entrevista Jorge Kalil

Domador de crises Imunologista fala de sua gestão à frente do InCor e do Butantan e adianta resultados animadores da vacina brasileira contra a dengue Ricardo Zorzetto  |

A

retrato

Léo Ramos

habilidade de gerir grupos e identificar o cerne dos problemas colocou o imunologista Jorge Kalil à frente de duas grandes instituições: o Instituto do Coração (InCor) da Universidade de São Paulo (USP), principal centro de pesquisa, ensino e assistência em cardiologia no país, e o Instituto Butantan, o maior produtor nacional de soros e vacinas. Indicado presidente do conselho diretor do InCor e depois da entidade que o gere, a Fundação Zerbini, Kalil coordenou a equipe que equacionou os problemas financeiros da instituição. No Butantan, coordenou a atualização dos protocolos de produção de soros, a modernização das fábricas e acelerou o desenvolvimento de novas vacinas, como a da dengue. Sem receio de expressar suas opiniões, Kalil critica os entraves burocráticos à pesquisa. Seu trabalho como pesquisador contribuiu para reduzir a rejeição em transplantes, identificar as causas da doença reumática cardíaca e criar uma vacina contra o problema. Natural de Porto Alegre, é casado há 38 anos com Liana, com quem tem dois filhos – Emmanuelle, formada em administração, e Fernando, engenheiro que atua no mercado financeiro. Ele 22 | fevereiro DE 2016

sonha em criar no Butantan um centro para o desenvolvimento de compostos com o potencial de se tornarem medicamentos. Leia a seguir a entrevista que concedeu em novembro à Pesquisa FAPESP. Sua fama é de bom gestor e administrador. O senhor tem um talento para resolver encrencas? Acho que sim. Apesar de ter feito carreira como cientista, desde a juventude alguns amigos diziam que eu tinha de ser administrador ou empresário. Depois de me formar em medicina e iniciar a residência em clínica médica, fui para a França como estagiário em 1978. Dois anos depois, quando eu mal tinha terminado o mestrado, meu orientador e chefe do laboratório, Marc Fellous, foi para Israel fazer um sabático e me deixou chefiando o grupo. Quando ele voltou, foi para o Instituto Pasteur e continuei como chefe de laboratório no Hospital Saint Louis. Fiz meu doutorado quando já dirigia o laboratório. Fellous me ajudava e levei o laboratório. Tanto que, quando o professor Jean Dausset, meu orientador no doutorado, ganhou o Nobel de Medicina, me convidou para ficar definitivamente. Na época, eu tinha de 27 para 28 anos. Pensei na possibilidade, conversei muito com minha mulher, que não queria mais

idade 62 anos especialidade Imunologia formação Universidade Federal do Rio Grande do Sul (graduação), Universidade Paris VII (especialização, mestrado e doutorado) instituição Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Instituto do Coração Instituto Butantan produção científica 522 artigos publicados em revistas científicas e 5.600 citações; orientou 14 dissertações de mestrado e 19 teses de doutorado


Kalil, diante da diretoria do Butantan, onde comandou a modernização das fábricas de soros e a produção de novas vacinas

PESQUISA FAPESP 240 | 23


ficar lá, e com Fellous, que disse: “Vá para o Brasil, que lá você pode fazer a diferença”. Assumi isso como missão e vim. Veio para São Paulo? Não, voltei para o Rio Grande do Sul em 1983, onde fiquei um ano e pouco até os professores Fulvio Pillegi e Adib Jatene me chamarem para trabalhar no InCor. Eu tinha 30 anos e vim montar e dirigir um labo­ratório de pesquisa, primeiro instalado na Faculdade de Medicina da USP e depois no InCor. Ali eu também tinha de gerir pessoas, administrar, ser pesquisador e buscar dinheiro. Criei a Associa­ção Brasileira de Transplante de Órgãos, a ABTO, e fui seu primeiro presidente aos 32 anos. Em 1991, quando saí para um sabático na Universidade Stanford, nos Estados Unidos, também me colocaram como chefe do laboratório. Já na chegada? Fui como professor-assistente visitante e me colocaram como chefe de laboratório de uma pessoa muito carismática, a Rose Payne, que havia concorrido com Dausset ao Nobel. Ela estava saindo e assumi o Laboratório de Tipagem de Tecidos por um ano. Nunca estudei formalmente administração, mas sempre fui curioso, conversava com amigos empresários e, lendo, aprendia técnicas e conceitos. Depois de um mês em Stanford, fiquei apavorado porque tinha perdido dinheiro segundo um relatório financeiro que recebi. Era um laboratório de pesquisa e prestação de serviços em imunologia de transplante e tínhamos feito muitos exames. Pensei que tivéssemos ganhado bastante dinheiro. Mas o aluguel da área era altíssimo, porque, mesmo sendo da universidade, ficava no lugar mais nobre de Palo Alto. Foi uma lição de gestão. Apesar disso, acho que fui bem. Queriam que eu continuasse administrando o laboratório, fazendo ciência e com uma posição definitiva de professor na universidade. Mas, de novo, com a ideia de ajudar a desenvolver o país, voltei.

radas. Talvez lá eu tivesse feito contribuições científicas e tecnológicas mais importantes. Mas acreditei que aqui eu ajudaria mais o país. Isso tudo para dizer que sempre estive envolvido com ciência, administração e uma vontade grande de ensinar e formar grupos. Quem trabalha comigo não quer sair. Como consegue manter as pessoas? Valorizo quem trabalha comigo. Quando voltei dos Estados Unidos, por uma época achei que tinha de ganhar mais dinheiro e trabalhei no Hospital Sírio-Libanês. Em 1995 organizei o laboratório de análises clínicas do hospital. Fiquei 10 anos lá. O laboratório passou de deficitário a lucrativo. Como o meu pagamento dependia do resultado ope-

No InCor, estamos pagando as dívidas, e a Fundação Zerbini recuperou a credibilidade

Se arrepende de ter retornado? Não acho que tenha feito escolhas er24 | fevereiro DE 2016

racional, surgiu a cobiça. Achei que a fase tinha passado e voltei para a USP. Então houve uma crise grande no InCor. A crise da Fundação Zerbini? Primeiro foi no InCor, e me chamaram para presidir o instituto. Quando vi que o problema não era no InCor, mas em uma área da Fundação Zerbini, assumi também a presidência da fundação. Consegui acertar o passo do InCor e, depois de dois anos, saí da presidência do instituto, embora ainda presida o conselho da fundação. Ainda estamos pagando algumas dívidas. Mas a fundação equacionou o problema e recuperou a credibilidade ao retomar sua função primordial, que é dar apoio às atividades do InCor. Hoje

ela tem sanidade e legitimidade. É respeitada novamente. Os problemas surgiram na época da construção do prédio novo do InCor? Houve a questão da construção do prédio novo, mas também teve o InCor de Brasília e a má aplicação de recursos. A fundação estava endividada. O pagamento da operação era feito por meio de empréstimos, comprometendo o patrimônio. Na época, a dívida era superior a US$ 150 milhões. Trabalhamos e equacionamos. Quando as coisas estabilizaram, o Giovanni Cerri assumiu a Secretaria de Estado da Saúde e me pediu para vir para o Butantan, que estava com problemas. Tinha havido o desfalque na Fundação Butantan e o incêndio no prédio das coleções. Além disso, existia um descontentamento geral de quem trabalhava no instituto. Havia uma ruptura grande entre o instituto e a fundação, embora a fundação existisse para auxiliar o instituto. Depois de um ano e meio trabalhando com o José da Silva Guedes, presidente da fundação, conversamos e ele entendeu que tínhamos de unificar a direção de ambos por questão de governança corporativa. Contratei uma consultoria da Fundação Getulio Vargas, que me ajudou a estruturar um sistema de governança que apliquei quando o Guedes achou melhor eu assumir as duas direções. Da fundação e do instituto? Exato. Levei isso até outubro de 2015, quando o secretário estadual da Saúde, David Uip, entendeu que já era tempo de dissociar de novo. Hoje sou presidente do conselho da fundação e o André Franco Montoro Filho, que trabalha próximo a mim, é o diretor-presidente da fundação. É importante que não haja dissociação entre as atividades da fundação e as do instituto. Foi o que aconteceu no InCor e aqui quando ocorreram os problemas de gestão e de administração. O que havia mudado antes das crises? No caso da Fundação Zerbini, primeiro se criou o InCor-Brasília. O InCor é uma instituição do estado de São Paulo,


arquivo pessoal

com atuação aqui, ligado à Faculdade de Medicina da USP. E a Fundação Zerbini havia criado um hospital independente em Brasília. Além disso, só para citar um exemplo, a fundação pensava em atuar em coleta de lixo no Nordeste. Começou a se envolver em negócios que nada tinham a ver com sua atividade-fim, que é dar apoio ao InCor. Como vocês resolveram a questão? Saneamos, cortamos projetos que a fundação não tinha competência para tocar e a trouxemos de volta para sua função. E qual era a situação no Butantan? Quando cheguei, estávamos com as fábricas de vacinas e soros paradas. Elas eram o estado da arte quando foram criadas. Mas envelheceram e não atendiam mais às exigências atuais da Anvisa. Os registros estavam vencendo e passariam por inspeções sérias. Um dos problemas era a qualidade da água, que não atendia às condições exigidas pela Anvisa para as unidades de produção. Também havia problema com as zonas limpas dessas unidades, que exigem aparelhos de ar-condicionado com diferentes filtros, e com o fluxo de material, porque o limpo não pode cruzar com o sujo. Mas o maior problema talvez fosse a fábrica da vacina da influenza [gripe]. Em 1999 o Butantan assinou com a empresa farmacêutica francesa Sanofi um acordo de transferência tecnológica, do qual participei por trabalhar com Jatene no Ministério da Saúde. A transferência tecnológica havia ocorrido, mas a vacina não era operante. Em 2011 fizemos os primeiros lotes, mas a Anvisa não deixou repassar para o ministério. Por causa da qualidade da água? Não. Àquela altura, já tínhamos resolvido os problemas. Tínhamos a licença da Anvisa para preparar a formulação da vacina da influenza, fracioná-la e colocá-la em ampolas. Em 2011, consegui fazer a Anvisa aprovar a produção dos vírus em ovos, aqui. Se tenho a produção do vírus, a próxima etapa é formular e envasar. Produzimos o vírus, formulamos e envasamos. Mas a Anvisa disse que o produto não podia ser vendido ao ministério, porque não tínhamos licença para fazer a linha toda. Era considerado um produto novo e era preciso registrar de outra forma. É burocracia, tive brigas

Na fundação da ABTO, em 1986: Kalil, no centro, acompanhado dos cirurgiões Euryclides Zerbini, terceiro a partir da esquerda, e Adib Jatene, último à direita

enormes. A Anvisa exigiu mudanças na área de formulação e envase e, em 2012, já tínhamos feito. Em 2013 entregamos os 7 milhões de doses. De 2013 para 2014, era preciso fazer a segunda etapa das mudanças. Novamente a Anvisa disse que não terminaríamos a tempo e os secretários do ministério me obrigaram a comprar 10 milhões de doses da Sanofi. Produzimos os 20 milhões que eu disse que produziríamos, mas eles compraram só 10 milhões. Depois, me preparei e entregamos 34 milhões em 2015. É o suficiente para o país? O Brasil usa 54 milhões de doses e imuniza um quarto da população. Quando começou, só imunizava idosos, crianças e profissionais da saúde. Por isso a fábrica foi concebida no início dos anos 2000 para produzir 20 milhões de doses. O restante é fornecido por empresas de fora do país. Nós ajudamos a importar. E o problema com os soros? Quando cheguei os soros eram produzidos com dificuldade. Os protocolos de imunização têm mais de 100 anos e o nível de anticorpos produzidos pelos cavalos contra difteria e tétano não era suficientemente elevado. No produto final não havia problema, porque controlamos a qualidade. Revimos os processos e melhoramos a imunização dos animais. Na época a Anvisa falou que os três produtores nacionais de soros não tinham condições de seguir produzindo

e precisavam fazer reformas. Em 2014 e 2015 reformamos nossa fábrica. Duplicamos a capacidade de produção e estamos no processo de validação. Quando inicia a produção? Farão os 12 soros antes produzidos pelo Butantan? A ideia é começar a produzir neste início de ano. Alguns dos soros só nós fazemos. Durante a reforma, organizamos uma produção compartilhada com o Instituto Vital Brazil, no Rio, e a Fundação Ezequiel Dias, a Funed, em Minas. Pegávamos o plasma dos cavalos do Butantan e preparávamos os soros na Funed. Quanto se gastou nessas reformas e rea­ dequações? Em 2014 e 2015 investimos R$ 300 milhões da Fundação Butantan para renovar essas fábricas. Ainda precisamos renovar as instalações da que faz a vacina contra tétano, difteria e pertússis, a DTP, e da fábrica da vacina contra a hepatite B. Mas estamos sem recursos. O Butantan é uma instituição pública e as margens de lucro são pequenas. A vacina que entregamos para o ministério a R$ 9 é vendida pelas empresas privadas às clínicas de imunização a R$ 100 ou R$ 120. Vendemos a preço de produção. É nossa missão. Como anda a vacina da dengue? O projeto de desenvolvimento da vacina da dengue estava devagar e aceleramos muito. Ele começou em 2008 no âmbito de um projeto Pipe [Programa de Apoio PESQUISA FAPESP 240 | 25


Qual a capacidade de produção da va­ cina da dengue no Butantan? Estamos discutindo porque ainda não temos a fábrica final. Temos um projeto que, otimizado, permitirá produzir vírus para 100 milhões de doses por ano. Mas não temos como liofilizar e formular tudo isso. Precisaremos de mais investimentos ou teremos de comprar esse serviço. Antes, vamos construir uma fábrica cujo projeto está pronto. O tempo de construção é de pouco mais de um ano.

Em ótima companhia: Kalil, com a mulher, Liana, e o prêmio Nobel francês Jean Dausset, amigo e mentor

à Pesquisa em Parceria para a Inovação Tecnológica], da FAPESP, em parceria com o CNPq. Terminamos os testes clínicos de fase 2 com excelentes resultados. A produção de anticorpos neutralizantes aproximou-se de 90% para os quatro sorotipos da dengue. Estamos prontos para a fase 3. Quem vai receber a vacina nessa fase? Na fase 2, foram 300 pessoas. Na fase 3, serão 17 mil. Doze mil receberão a vacina e 5 mil, placebo. Ela será testada em 14 centros no Brasil selecionados de acordo com a incidência da dengue e dos diferentes sorotipos do vírus. A vacina está pronta. Foi aprovada pelo conselho de ética e pesquisa da FM-USP, pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, a Conep, e também pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, a CTNBio, porque trabalhamos com vírus recombinante. A última série de perguntas feita pela Anvisa já foi respondida. Estamos esperando a licença para iniciar o estudo. [Em dezembro a Anvisa aprovou a fase 3 e o Butantan, seguindo novas exigências de fabricação da agência, iniciou a produção dos lotes para os testes. A imunização deve começar em fevereiro, embora falte parte dos recursos para o ensaio clínico.] Essa vacina foi desenvolvida junto com os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, os NIH, certo? 26 | fevereiro DE 2016

Os NIH fizeram as deleções que deram origem ao vírus atenuado. Eles escolheram o vírus e fizeram uma formulação líquida congelada, impossível de usar em países como o Brasil e a Índia. No Butantan, trabalhamos no desenvolvimento industrial. Desenvolvemos estratégias para cultivar a célula em que o vírus é inoculado e obter grande rendimento e também métodos para purificar, liofilizar e torná-lo mais estável após a reconstituição. Fizemos isso e comparamos com a vacina dos NIH. Temos uma vacina nova, que deu origem a outra patente. Nosso produto é diferente. Já compararam com a dos NIH? O que mostram os testes? Comparamos com a dos NIH e tem o mesmo grau de imunização. No estudo de fase 2, testamos a vacina em indiví­ duos que haviam tido contato com a dengue e em indivíduos sem contato com o vírus. No meu laboratório com o Esper Kallas, na USP, analisamos a produção de anticorpos e a resposta celular. Em geral, ninguém estuda essa segunda parte. Todos avaliam o nível de anticorpos, que são produzidos pelos linfócitos B. Mas, para fazer anticorpos, os linfócitos B precisam interagir com outro tipo de célula, os linfócitos T helper ou auxiliadores. Fizemos um estudo inédito, com resultados excepcionais, que explica por que a nossa vacina funciona

Vai depender do resultado da fase 3? A Sanofi construiu a fábrica da vacina da dengue quando terminou a fase 2. As empresas competitivas internacionais têm a noção do risco, coisa que não temos no Brasil. Aqui se faz a fábrica depois de ter a encomenda do governo. Idealmente é preciso construir a fábrica sem a fase 3. Se esperarmos a conclusão dos ensaios clínicos, a chegada da vacina ao mercado será retardada em dois anos. Mas não temos recursos para isso. Quanto seria necessário para construir essa fábrica? Para realizar a fase 3 e construir a fábrica, precisaremos de US$ 100 milhões. Só na fase 3 a Sanofi gastou € 300 milhões e € 1,5 bilhão em todo o projeto. Creio que o que já gastamos não chegue a US$ 10 milhões, obtidos com o apoio do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], que, ao lado da Finep [Financiadora de Estudos e Projetos], é uma das instituições a serem preservadas no país. Qual a situação do Butantan hoje? Há dois problemas financeiros. Em 2014 o governo federal e o Poder Judiciário disseram que havia uma resolução definindo que o governo não pode fazer contrato com fundações. Os contratos de compra do governo tinham de ser feitos com a instituição pública, que, no nosso caso, é a Secretaria de Estado da Saúde. Com isso, deixamos de receber dinheiro. Quando o governo de São Paulo fatura e

arquivo pessoal

bem e as outras, feitas a partir do esqueleto do vírus da febre amarela e parte do vírus da dengue, não oferecem proteção tão boa. Quando cheguei, esse projeto estava mortinho e hoje é o principal da casa. Há farmacêuticas nacionais e internacionais interessadas.


recebe o recurso, tem de abater a dívida federal e repassa 13% para esse fim, mais 1,5% para o pagamento de precatórios e 1% de Pasep [Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público]. A Fundação Butantan não tem lucro para pagar isso. Em 2014, retiveram 15,5%. Além disso, o repasse do dinheiro leva um tempo. Temos R$ 300 milhões zanzando por aí, do total de R$ 1,2 bilhão que vamos faturar em 2015 com a venda de soros e vacinas. O segundo problema é que em 2014 tivemos de assinar contratos no exterior de compras de vacinas que são repassadas para o Ministério da Saúde e isso nos onerou. Eu não queria assinar porque o dólar começou a variar. Mas não houve jeito. O Butantan compra em dólar ou euro e o governo não quer repassar a diferença de custo que houve com a desvalorização do real. Por essas questões, o Butantan está com problemas para pagar os seus fornecedores. De onde vem a verba da fun­ dação? De uma margem da venda de vacinas para o governo. Gostaria de que tivéssemos também dinheiro de royalties.

Por que é difícil inovar nessa área? Porque é burocrático. As farmacêuticas brasileiras ou não fazem inovação ou fazem nos Estados Unidos e na Europa. As universidades, quando têm uma descoberta, acham que vão ganhar muito dinheiro com a patente e não facilitam. Os procuradores do Estado não querem que só uma empresa seja responsável por uma patente, embora a exclusividade seja decorrente do pedido de patente. Ela existe para que uma empresa desenvolva um composto e obtenha retorno financeiro. Poderíamos ter mais investimento em inovação. O problema é regulatório e de gestão. A lei de inovação é complicada. Muitas regras atrapalham. Fruto disso é que não existe inovação na área farmacêutica e de saúde no Brasil.

Nossa vacina da dengue gerou altos níveis de anticorpos contra os quatro sorotipos do vírus

Há interesse em transferir tecnologia para empresas? Se o Butantan ganhar por isso, sim. São 3 bilhões de pessoas vivendo em áreas de risco para a dengue. O Butantan não consegue produzir para todo mundo, nem tem canais de distribuição. Se conseguirmos fazer com que a vacina se espalhe pelo mundo e o Butantan receba royalties, poderíamos dar uma lição ao Brasil. O país poderia entender que não é só plantando soja que se gera riqueza, mas também criando tecnologias e ganhando royalties. Não sabemos ser competitivos. Somos amarrados em burocracia e regras. Tenho dificuldades enormes de gestão como administrador público. A toda hora o Ministério Público e o Tribunal de Contas do Estado querem saber o que está sendo feito. No Butantan, temos o Núcleo de Inovação Tecnológica, NIT, com um grande número de patentes. Há gente interessada em trabalhar com as patentes, mas somos asfixiados pela burocracia.

O senhor sofre alguma retaliação por falar desses problemas? Crio inimizades com certeza. Mas a maioria, às vezes silenciosa, concorda comigo. Claro que é complicado e me incomodo. Qualquer pessoa pode ir ao Ministério Público e dizer que estou fazendo algo errado e tenho de me explicar. Eles não têm o ônus da prova; eu é que tenho o ônus da defesa. Mas, cada vez que o pessoal do Tribunal de Contas vem aqui e entende o que estamos fazendo, nos ajuda. Qual é a sua contribuição científica mais importante? A comunidade científica internacional premiou os trabalhos em que, em cola-

boração com Luiza Guilherme, descrevi os mecanismos de indução e progressão de doenças autoimunes humanas, sobretudo o mecanismo pelo qual um agente infeccioso leva o organismo a quebrar a tolerância a si mesmo e passa a se atacar. Entre esses estão os trabalhos em que descobrimos como o Streptococcus quebra a tolerância imunológica e provoca a doença reumática cardíaca. É um modelo importante de doença autoimune desencadeada por um agente infeccioso. Outras doenças parecem funcionar assim, como o diabetes tipo 1 e a esclerose múltipla. Com Edecio Cunha Neto, vi algo semelhante em Chagas. Tempos atrás o senhor disse que esta­ va num momento da carreira em que queria fazer a ciência trans­ lacional mais rapidamente. Já estou fazendo. Assinamos um contrato de R$ 20 milhões com a GSK [GlaxoSmithKline], financiado pela FAPESP, para instalar no Butantan um dos centros da empresa para o desenvolvimento de novos fármacos. Temos vários compostos em desenvolvimento, cujos princípios ativos foram obtidos a partir dos venenos. Também gostaria de criar o Instituto de Inovação em Biotecnologia do Butantan, o IIBB. A ideia é pegar compostos com potencial de virar novos medicamentos ou vacinas e desenvolvê-los em parceria com empresas. Seria uma espécie de incubadora. Dos laboratórios do Butantan saem vá­ rios compostos, mas eles não conseguem ultrapassar a barreira de inovação e originar novos medicamentos. Temos 40 patentes ativas nas quais estamos trabalhando. É o que tenho de fazer. Já tenho muitas publicações científicas e citações. Quero desenvolver algo que possa ajudar efetivamente as pessoas. Com o surgimento do Zika, reuni o pessoal do instituto e fizemos um programa de estudos da doença. Gosto de administração porque permite colocar em prática minhas ideias científicas. Para participar do grupo de países desenvolvidos, o Brasil tem de mostrar que é capaz de resolver os seus próprios problemas. n PESQUISA FAPESP 240 | 27


política c&T  congresso y

Arcabouço atualizado Lei cria novos incentivos à inovação, mas vetos recebem críticas

U

ma lei sancionada com vetos pela presidente Dilma Rousseff reúne um conjunto de medidas cujo objetivo é estimular a inovação e a interação entre centros de pesquisa públicos e privados. A Lei nº 13.243/2016, isoladamente, não chega a ser um marco legal da ciência, tecnologia e inovação, como vem sendo chamada, mas promove atualizações e aperfeiçoamentos do arcabouço jurídico sobre tais assuntos existente no país. Uma das leis modificadas é a de Inovação (nº 10.973). Em vigor desde 2004, ela já permitia, por exemplo, que laboratórios e equipamentos universitários pudessem ser usados por empresas, mediante remuneração. As novas regras, que ainda precisam ser regulamentadas, permitem, por exemplo, o compartilhamento do capital intelectual das universidades em projetos de inovação com o setor produtivo, além de desburocratizar o processo para esse tipo de cooperação. Outra novidade atinge a carreira nas universidades federais. Novas regras ampliam as possibilidades de que pesquisadores em regime de dedicação exclusiva exerçam atividades remuneradas fora das universidades, mediante permissão da instituição. Um pesquisador sob esse regime 28  z  fevereiro DE 2016

poderá dedicar-se 416 horas por ano a projetos de pesquisa em cooperação com empresas, ou oito horas por semana. Até então, o limite era de 120 horas. “Quando o pesquisador atua como consultor nas primeiras fases de viabilização de um produto, tanto a indústria quanto a universidade ganham com isso”, avalia Naldo Dantas, assessor de relações institucionais da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei), uma das entidades que representaram o setor produtivo nas negociações sobre a lei no Congresso. Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, destaca que o impacto maior deverá ser observado na esfera federal. Isso porque universidades federais não contam com um regime de autonomia efetivo como o existente nas três universidades estaduais paulistas, USP, Unicamp e Unesp. “Nas estaduais de São Paulo, o regime de dedicação exclusiva é assegurado por normas internas, provenientes de deliberações do conselho universitário. Já as federais dependem de uma lei nacional”, explica. “Pesquisadores podem usar as oito horas por semana para consultoria e colaboração com empresas. Isso acontece com frequência nas melhores universidades do mundo.”

ilustração freepik

Bruno de Pierro


O QUE DIZ A NOVA LEI

Infraestrutura compartilhada Além de laboratórios e equipamentos, também os recursos humanos de instituições públicas podem ser compartilhados com empresas para fins de pesquisa, mediante contrapartida financeira

Dedicação exclusiva

ou fornecimento de mão de obra e serviços

Professores de universidades públicas federais contratados sob regime de dedicação exclusiva podem dispor de 416 horas anuais (ou oito horas

Remanejamento de recursos

semanais) para desenvolver atividades de pesquisa ou consultoria no setor privado

As instituições de ciência e tecnologia e os pesquisadores podem remanejar ou transferir recursos de um projeto com o

Núcleos flexíveis Os Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs) passam a ter personalidade jurídica própria, podendo funcionar como fundações ou

objetivo de viabilizar os resultados da pesquisa

organizações sociais. A nova configuração confere maior autonomia para firmar parcerias e negociar acordos de transferência de tecnologia

Propriedade intelectual Instituições públicas de pesquisa podem ceder ao parceiro privado a totalidade

Pesquisador estrangeiro

dos direitos de propriedade intelectual mediante

A lei prevê menos

compensação

burocracia para a

financeira

Contratação direta

concessão de vistos

Órgãos e entidades públicas podem contratar, sem licitação,

estrangeiros, na

empresas e instituições públicas para a realização de

condição de bolsista

atividades de pesquisa em inovação tecnológica

ligado a algum

temporários a

projeto de pesquisa concedido por órgão ou agência de fomento, ou na condição de pesquisador a serviço do governo

Sem licitação A aquisição de produto para pesquisa está dispensada de licitação. O pesquisador pode comprar diretamente no Brasil e no exterior, por exemplo, equipamentos ou reagentes mais adequados para seu trabalho, e não necessariamente as opções mais baratas existentes no país

brasileiro


30  z  fevereiro DE 2016

Compra de equipamentos e insumos para a pesquisa também foi tratada na nova lei

foto  léo ramos  ilustração  freepik

De acordo com Sergio Gargioni, presidente do Outro ponto da nova lei estabelece que, paConselho Nacional das Fundações Estaduais de ra apoiar a gestão de sua política de inovação, Amparo à Pesquisa (Confap), a nova lei oferece a instituição de pesquisa pública poderá dispor uma releitura da Lei de Inovação. “É uma espécie de um Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT), de revisão, uma vez que muitos pontos da lei de que pode ser inclusive constituído de persona2004 mereciam ser atualizados”, considera. Por lidade jurídica própria, como entidade privada exemplo, o poder público (União, estados e mu- sem fins lucrativos. Até então, os NITs eram denicípios) e seus respectivos órgãos de fomento, partamentos das universidades, com bolsistas universidades e institutos de pesquisa poderão temporários ou funcionários públicos realocaconferir apoio à criação de ambientes capazes dos para trabalharem nesses escritórios. Agora, de promover a inovação, como parques tecnoló- o núcleo pode configurar-se como uma fundação gicos e incubadoras de empresas. “Essa questão de apoio, uma organização social ou continuar não estava contemplada na legislação anterior sendo um departamento. “O gestor da univere houve situações em que procuradores da Jus- sidade ganhou flexibilidade para escolher qual tiça questionaram a legitimidade do repasse de modelo adotar”, diz Plonski. recursos públicos de universidades para a consCarlos Américo Pacheco, atual diretor do Centrução de parques tecnológicos”, explica Gui- tro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais lherme Ary Plonski, coordenador do Núcleo de (CNPEM), que foi secretário executivo do MinisPolítica e Gestão Tecnológica tério da Ciência e Tecnologia da Universidade de São Paulo entre 1999 e 2002, lembra que a (PGT-USP), que acompanhou nova lei não é autoaplicável, ou a tramitação do projeto de lei seja, depende de regulamentano Congresso. ção e não poderá ser executada “A lei flexibiliza Segundo Plonski, a lei reimediatamente. Ele observa que a legislação cém-aprovada é um dos pilaboa parte do que consta no texres do que se pode chamar de to são possibilidades jurídicas científica no marco legal da ciência, do qual que não necessariamente serão fazem parte várias outras leis, país e simplifica seguidas por todas as instituicomo o regime federal de comções. “Digamos que o cardápio pras e também a Emenda Consda política científica brasileira a relação entre titucional nº 85, aprovada em aumentou. Isso não significa instituições fevereiro de 2015, que promoque tudo será implementado veu alterações na Carta Magna. na prática”, diz Pacheco, para públicas e Para Helena Nader, presidente quem a lei não pode ser vista da Sociedade Brasileira para o isoladamente. “Para as novas privadas”, diz Progresso da Ciência (SBPC), a regras serem praticadas, os lei flexibiliza e desburocratiza agentes envolvidos, incluindo Helena Nader a legislação científica no país, as agências de fomento, precisimplificando a relação entre sam criar condições concretas, instituições públicas e privadas. como abrir mais editais de coo“Um artigo da nova lei permite, por exemplo, a peração entre universidades e empresas e apoiar a dispensa de licitação para a aquisição de equi- associação de startups com grandes companhias.” pamentos e insumos para a pesquisa”, explica Helena Nader. baixa densidade Em 2011, quando o Confap e o Conselho Na- Paulo Feldmann, professor da Faculdade de Ecocional de Secretários Estaduais para Assuntos de nomia e Administração da USP, considera que a Ciência, Tecnologia e Inovação (Consecti) leva- lei não dispõe de instrumentos para fazer com ram a discussão para Brasília, o objetivo inicial que o desenvolvimento científico e tecnológico era elaborar um código nacional para ciência, voltado à inovação atinja níveis próximos aos de tecnologia e inovação. Mas a ideia foi desenco- países como Estados Unidos e Coreia. “Ela não rajada pelo governo federal. A justificativa dada trata, por exemplo, de uma questão muito imporera de que seria complicado demais juntar em tante, que seria fazermos como na Coreia do Sul, uma mesma legislação assuntos tão variados e onde os gastos das empresas com P&D [pesquisa complexos como pesquisa clínica e biodiver- e desenvolvimento] são abatidos diretamente da sidade, por exemplo. “Assim, o projeto inicial linha de ‘imposto de renda a pagar’. Além disso, do código foi reformulado”, conta Plonski, que há inúmeros outros desafios a enfrentar, como a também é conselheiro da Associação Nacional baixa densidade de engenheiros e pesquisadores, de Entidades Promotoras de Empreendimentos a péssima relação entre universidades e empresas, Inovadores (Anprotec). a falta de incubadoras de empresas de tecnologia e


lho, presidente da APqC. “A nova lei beneficiará apenas projetos que possam trazer rentabilidade direta às empresas”, afirma Adelino. “Além disso, concursos públicos podem ser direcionados para atender exclusivamente os interesses privados.” “Nas audiências públicas realizadas desde 2011, não discutimos carreira de docente nem concursos públicos”, salienta Gesil Amarante, professor da Universidade Estadual de Santa Cruz, na Bahia, e diretor do Fórum Nacional de Gestores de Inovação e Transferência de Tecnologia (Fortec). “Debatemos a necessidade de uma interação saudável e transparente entre academia, governo e empresas no país”, diz Amarante, que coordenou o grupo de trabalho organizado pelo deputado Sibá Machado (PT-AC) na Câmara Federal formado por representantes do governo, empresas, universidades e institutos de pesquisa com o objetivo de aperfeiçoar o projeto de lei inicial. vetos

Havia a expectativa de que o projeto fosse sancionado sem vetos, mas isso não ocorreu. Os ministérios da Fazenda e do Planejamento manifestaram-se contra alguns tópicos da lei, apontando “con“Há outros desafios a enfrentar, trariedade ao interesse púcomo a baixa densidade de blico”. “Não esperávamos que isso fosse acontecer. pesquisadores”, diz Paulo Feldmann Se uma das estratégias para o país sair da crise é incentivar a produção e a inovação, com os vetos as a cultura do brasileiro de aversão doentia ao risco, empresas podem ser desestimuladas a investir apenas para citar alguns exemplos. A legislação é em pesquisa”, afirma Gargioni, do Confap. Um dos vetos removeu o dispositivo que previa importante, mas não suficiente”, pondera. Alguns pontos da lei, como o referente aos a dispensa de licitação pela administração púNITs, se tornaram alvo de críticas de sindicatos blica para contratar micros, pequenas e médias e grupos de pesquisadores. Em novembro do ano empresas com faturamento anual de até R$ 90 passado, um grupo de entidades publicou um milhões para prestar serviços ou fornecer bens documento intitulado “Carta de Campinas: Em produzidos a partir da aplicação do conhecimendefesa da ciência e tecnologia pública no Brasil”, to. Segundo Naldo Dantas, da Anpei, essa decisão no qual afirmava que o projeto de lei, à época diminui o poder de compra das estatais. “Com o em tramitação no Senado, implicaria mudanças veto, somente grandes empresas e institutos irão regressivas à pesquisa brasileira. Assinada por se beneficiar das encomendas do Estado. Já as grupos de instituições, dentre as quais a Asso- startups, com estrutura e capital reduzidos, têm ciação dos Docentes da Unicamp (ADunicamp) dificuldade de concorrer com empresas maiores e a Associação dos Pesquisadores Científicos do em um processo de licitação.” Entidades que integram a Aliança em Defesa Estado de São Paulo (APqC), a carta diz que a nova lei poderia provocar “o aumento da san- do Marco Legal da Ciência, Tecnologia & Inovagria do fundo público para empresas privadas”. ção, entre elas a SBPC, o Confap e a Academia O documento ainda criticou “o alto clero da Brasileira de Ciências (ABC), encaminharão um comunidade de pesquisadores brasileiros, os relatório ao Congresso com uma avaliação do imacadêmicos empreendedores”, que, segundo a pacto negativo dos vetos. A expectativa de Helena carta, atuam em favor de uma lógica privatizan- Nader, da SBPC, é de que eles sejam derrubados. te. “Nos últimos anos, as linhas de pesquisa estão “A lei foi apoiada e aprovada por unanimidade, mais atreladas aos interesses econômicos do que na Câmara e no Senado, por todos os partidos. aos sociais”, diz Joaquim Adelino de Azevedo Fi- Por isso, não aceitaremos esses vetos”, diz ela. n pESQUISA FAPESP 240  z  31


Energia y

Para desenvolver o gás natural FAPESP e BG Group lançam centro de pesquisa em São Paulo

P

esquisadores da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) estão estudando um método alternativo de armazenamento de gás natural que pode levar ao desenvolvimento de tanques veiculares mais eficientes e compactos. O objetivo é aperfeiçoar uma tecnologia já conhecida, mas pouco explorada, batizada de Gás Natural Adsorvido (ANG, na sigla em inglês). Nesse processo, as moléculas de gás se fixam na superfície de substâncias sólidas porosas, como o carvão ativado, e com isso diminuem o espaço existente entre elas. “O método pode diminuir o tamanho dos tanques instalados nos porta-malas dos veículos e também permitirá a fabricação de recipientes em outros formatos, não apenas o cilíndrico”, explica Emílio Carlos Nelli Silva, autor da pesquisa junto com seu aluno de doutorado Ricardo Cesare Román Amigo. “Resultados preliminares indicam que existem determinadas dis32  z  fevereiro DE 2016

tribuições de porosidade que diminuem os tempos de carga e descarga de tanques ANG”, diz Silva. O estudo é um dos 28 projetos que integram o Centro de Pesquisa para Inovação em Gás, iniciativa lançada no dia 1º de dezembro em São Paulo. Com sede na USP, o centro é fruto de uma parceria entre a FAPESP e a BG Brasil, empresa do britânico BG Group. Ao longo dos próximos cinco anos, a Fundação investirá R$ 28 milhões e a BG Brasil, R$ 30 milhões. Em contrapartida, a USP oferecerá apoio institucional e administrativo aos pesquisadores. No total, serão envolvidos cerca de 170 pesquisadores da Poli e de outras instituições, como os institutos de Energia e Ambiente (IEE) e de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen). Haverá também participação de pesquisadores de instituições internacionais, entre elas o Imperial College e a University of Leeds, no Reino Unido, além de universidades dos Estados Unidos, França e Alemanha.

“A parceria tem o potencial de proporcionar aplicações reais na indústria, como no pré-sal e no enfrentamento de desafios muito particulares, como o aumento da eficiência e o desenvolvimento de novos conceitos de propulsão híbrida para frotas de navios de metano”, disse Adam Hiller, diretor de tecnologia do BG Group, durante a cerimônia de apresentação do centro. Para José Goldemberg, presidente da FAPESP, trata-se de um marco da participação brasileira no que ele chamou de “revolução energética global”: “O mundo vive uma revolução que deve culminar no amplo desenvolvimento de fontes renováveis de energia, mas nós ainda não chegamos lá”. Nesse cenário, afirma Goldemberg, o gás natural se apresenta como uma transição por ser o mais limpo dos combustíveis fósseis. “A FAPESP, ao lado da BG Brasil, financia uma iniciativa de proporções compatíveis com os desafios e os potenciais que São Paulo tem para gerar energia limpa. A Fundação acredita no


bg group

Um dos objetivos do novo centro será promover pesquisas para tornar mais eficiente o transporte de gás em navios

papel do conhecimento científico nessa revolução”, diz Goldemberg. De acordo com Julio Meneghini, professor da Poli-USP e coordenador-geral do centro, os pesquisadores têm pela frente uma diversidade grande de desafios para enfrentar, desde buscar melhores maneiras de separação e transporte de gás natural a partir da bacia do pré-sal de Santos até a costa, passando pelo aumento da eficiência dos processos de combustão até a promoção da produção de biogás. “No caso do biogás, é possível obtê-lo por meio da biomassa, originária do lixo, de resíduos da produção agrícola ou da produção do etanol. Esse gás pode ser utilizado para geração de energia e eventual substituição do óleo diesel”, diz Meneghini. Para efeito de organização, os projetos já em andamento foram divididos em três programas: Engenharia, Físico-Química e Política Energética e Economia.

O Programa de Engenharia, coordenado por Emílio Carlos, aborda problemas relacionados à queima do gás natural como combustível e também à questão de como otimizar e utilizar novas tecnologias para seu transporte. Já o Programa de Físico-Química dedica-se ao desafio da conversão de gás natural em outros produtos. “Trata-se de pensar o gás como insumo de processos da indústria química”, explica Reinaldo Giudici, professor da Poli-USP e coordenador do programa. Nessa linha de pesquisa, alguns projetos buscam converter metano em gás de síntese, uma mistura de monóxido de carbono (CO) e hidrogênio, que serve de matéria-prima para a produção do metanol, solvente e também matéria-prima para obtenção de outros produtos químicos na indústria petroquímica. Outro projeto trata do desenvolvimento de células de combustível. O hidrogênio é utilizado nessas células para gerar eletricidade com

emissão zero de gases que contribuem para o efeito estufa. Outro projeto envolve a geração híbrida de eletricidade a partir do gás natural e da energia solar. Quanto ao Programa de Política Energética e Economia, coordenado por Edmilson Moutinho Santos, do Instituto de Energia e Ambiente da USP, o objetivo é promover a infraestrutura e as políticas de incentivo à utilização de gás. “A articulação dos programas será fundamental. Teremos de desenvolver tecnologias e métodos e, paralelamente, integrar o gás natural aos sistemas de energia no contexto brasileiro emergente”, conclui Meneghini. n Bruno de Pierro

Projeto Brasil Research Centre for Gas Innovation (n° 2014/ 50279-4); Modalidade Centro de Pesquisa em Engenharia; Pesquisador responsável Julio Romano Meneghini (Poli-USP); Investimento R$ 28 milhões (FAPESP) e R$ 30 milhões (BG Group).

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COOPERAÇÃO y

Pecuaristas e ambientalistas

juntos

Criação de gado em campo nativo, vegetação típica do sul do país, concilia interesses das duas partes Carlos Fioravanti

E

m abril, supermercados do Rio Grande do Sul devem receber o primeiro lote de carne de bois criados em campos nativos, um tipo de vegetação típica do sul. É o resultado de 12 anos de negociações, debates e alianças entre ambientalistas e pecuaristas, unidos em torno de uma estratégia até agora bem-sucedida de preservação com aproveitamento econômico de uma vegetação nativa e de sua biodiversidade. A pecuária em campos nativos é um modo de produção que favorece a preservação do ambiente original, que de outro modo poderia ser convertido em agricultura ou pastagens dominadas por gramíneas de espécies exóticas como o capim braquiária. Ainda que limitada a terras gaúchas e de pequena escala diante da dimensão do rebanho bovino brasileiro, calculado em 212 milhões de cabeças, essa estratégia –esperam os produtores – deve resultar em uma carne de qualidade melhor, com menos gordura e mais sabor, como resultado da dieta variada que os animais poderiam usufruir. Nos campos sulinos já foram identificadas 450 espécies de gramíneas nativas, como o capim-forquilha, grama-tapete, barbas-de-bode e cabelos-de-porco, uma diversidade maior que em outros ambientes. As formas campestres do Cerrado, por exemplo, apresentam cerca de 100 espécies nativas de gramíneas, a maioria de baixo valor nutricional. Até o final de 2015, 50 mil bois e vacas eram criados

34  z  fevereiro DE 2016


fabio colombini

Águia-chilena, uma das espécies de aves encontradas nos campos sulinos

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em 8 mil quilômetros quadrados (km2) de campos preservados de 110 fazendas do Rio Grande do Sul, certificadas pela Alianza del Pastizal (campos nativos, em espanhol), uma associação de produtores criada pelas unidades da organização não governamental BirdLife no Brasil, no Uruguai, na Argentina e no Paraguai. A empresa de alimentos Marfrig fez um acordo com 24 produtores certificados para receber, abater e distribuir inicialmente 250 animais por mês. “Temos de conservar os campos para assegurar a perenidade do negócio”, disse Mathias Almeida, gerente de sustentabilidade da empresa. Vegetação predominante no Pampa, ecossistema natural que ocupa 176,5 mil km2 no Rio Grande do Sul ou 2% do território brasileiro, os campos nativos estão encolhendo. Sua área passou de 41% do Pampa em 2002 para 36% em 2008, por causa da expansão de monoculturas como a de soja e das pastagens com espécies exóticas de gramíneas, que afugentam a biodiversidade. Os campos abrigam cerca de 500 espécies de aves, como a ema, o joão-de-barro, o veste-amarela, a noivinha-de-rabo-preto, o sabiá-do-campo e a águia-chilena, além de 100 espécies de mamíferos, entre eles o veado-campeiro, ameaçado de extinção, e um roedor só encontrado nessa região, o tuco-tuco. identidade gaúcha

“A pecuária sobre campo nativo, com o adequado manejo, é uma excelente oportunidade de ganho econômico com manutenção dos serviços ecossistêmicos dos ambientes campestres”, diz o geógrafo Heinrich Hasenack, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. “O grande cuidado que se deve ter é identificar a carga animal adequada para cada tipo de campo, evitando assim a sobrecarga animal.” A Alianza propõe o limite de 0,8 animal por hectare, bem menos que os 3 ou 4 por hectare de pastagens mais adensadas, como forma de preservar a vegetação e a lucratividade. “Se bem manejado sem sobrecarga animal, a pecuária sobre campo nativo é considerada um elemento-chave na manutenção da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos da região, assim como o fogo é importante na manutenção da diversidade em algumas fisionomias do Cerrado”, reitera o biólogo Tiago Gomes, professor da Universidade Federal do 36  z  fevereiro DE 2016

A pecuária hoje é vista como importante para manter a biodiversidade dos campos nativos, como o fogo no Cerrado

Limite recomendado é de 0,8 animal por hectare como forma de preservar a vegetação e a lucratividade

Pampa (Unipampa). “Práticas adicionais simples podem aumentar a riqueza de espécies nas propriedades rurais, como a rotação dos animais em sistemas de potreiros ou piquetes, garantindo que as plantas possam sementar antes de serem pastejadas e oferecendo campos heterogêneos, com diferentes alturas e adensamentos de moitas, aos animais.” Pecuaristas e ambientalistas consideram satisfatórios os resultados obtidos até agora. “Estamos conseguindo preservar não só a biodiversidade e uma vegetação típica do Sul, mas também a identidade gaúcha, muito ligada à pecuária e aos campos nativos”, observou o biólogo Pedro Develey, diretor executivo da organização não governamental SAVE/BirdLife e um dos articuladores da estratégia que incentivou a criação de gado nesse ambiente natural como forma de preservar, principalmente, a diversidade e as populações de aves (ver

Pesquisa FAPESP no 156). Em 2004, ao ingressar na SAVE/BirdLife, ele encontrou em gestação o projeto de conservação das aves dos campos nativos, que se estendem pelos três países vizinhos. Para continuá-lo, seu primeiro desafio foi expandir o universo de interlocutores. “Eu conhecia apenas pesquisadores acadêmicos, mas tinha de falar também com os criadores de gado”, disse. Em uma reunião de pecuaristas em Bagé em 2006, Develey se sentiu finalmente com sorte ao ouvir uma apresentação do agrônomo Fernando Adauto Loureiro de Souza, então à frente da Associação dos Produtores de Carne do Pampa Gaúcho da Campanha Meridional, sobre a criação de um selo de indicação geográfica a ser conferido aos criadores de bois em campos nativos. “O senhor está fazendo exatamente o que queremos fazer”, disse Develey. Souza o ouviu, gostou da proposta e percorreu


com ele e outros biólogos as terras dos demais fazendeiros interessados em preservar os campos nativos, ainda que sob o impacto da convivência com o gado, que pisoteia e come a vegetação.

fabio colombini

aves À Vista

Aos poucos, ambientalistas e pecuaristas venceram a resistência recíproca, acertaram o que era possível fazer e, em conjunto, prepararam os critérios de certificação ambiental, emitidos pela Alianza aos produtores que preservarem os campos nativos em pelo menos 50% de suas terras. “Sem radicalismos”, ponderou. “Nenhum produtor deixará de ser aceito na Alianza se plantar soja ou eucalipto na metade da propriedade.” Procurando integrar os grupos, ele fez palestras em reuniões de pecuaristas e Souza, em um congresso de ornitologia. Para fortalecer as propostas de conservação da biodiversidade, os biólogos

prepararam guias de identificação de aves e, como resultado, “os pecuaristas começaram a prestar mais atenção nas aves das terras deles”, disse Develey. Em um levantamento publicado na edição de novembro de 2015 da revista Lavras do Sul, Glayson Bencke e outros biólogos do Museu de Ciências Naturais da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul identificaram de 85 a 120 espécies de aves em cada uma das sete fazendas examinadas. De acordo com os pesquisadores, a diversidade e as populações de aves parecem estar se mantendo. “O melhor negócio é produzir com mais rentabilidade, não é produzir mais”, disse Souza. Foi dele a ideia de organizar os leilões de bezerras, novilhas e vacas criadas em campos nativos para serem usadas para formar novos rebanho. Todos os animais dos dois primeiros leilões foram vendidos – 1.115 no primeiro, em

2014, e 1.478 no do ano seguinte –, a um preço pelo menos 10% acima do valor de mercado, com negócios fechados de R$ 1,5 milhão e R$ 2,5 milhões. O terceiro está marcado para 23 de abril na cidade gaúcha de Lavras do Sul. Nas próximas semanas, quando as embalagens com as carnes dos bois chegarem aos balcões refrigerados dos mercados gaúchos, começará a batalha pela conquista do consumidor. Se os compradores não gostarem do sabor, da consistência e do preço da carne dos animais criados no campo nativo, o engajamento dos pecuaristas e as conexões entre pessoas e instituições poderiam se enfraquecer. n Artigo científico DEVELEY, P. F. et al. Conservação das aves e da biodiversidade no bioma Pampa aliada a sistemas de produção animal. Revista Brasileira de Ornitologia. v. 16, n. 4, p. 308-15, 2008.

pESQUISA FAPESP 240  z  37


ciência  Genética y

Uma ferramenta para editar o

DNA Maria Guimarães

U

m sistema que permite a bactérias reconhecer e combater invasões virais promete uma novidade significativa na genética. Trata-se de uma proteína guiada por uma molécula de RNA que corta as fitas de DNA em pontos específicos e ativa vias de reparo. No Brasil, vários pesquisadores já se preparam para incorporar às suas linhas de pesquisa a técnica criada em 2012. É uma história que está no início e por enquanto rendeu poucos resultados palpáveis. Vale a pena ficar de olho, tanto pelo que o sistema tem de promissor quanto pelo potencial de alterar genes humanos e produzir bebês sob medida, o que suscita cautela a ponto de se discutir uma moratória ao seu uso. “É um grande equalizador, até nós conseguimos fazer”, brinca o médico José Xavier Neto, do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), em Campinas, sobre o sistema que ficou conhecido como CRISPR-Cas9. A sigla significa 38  z  fevereiro DE 2016

Conjunto de Repetições Palindrômicas Regularmente Espaçadas, que funciona com uma proteína associada, a Cas. A CRISPR-Cas9 pode ser inserida em células usando vírus ou por meio de injeções de DNA nas fases iniciais de um embrião. Uma molécula de RNA sintetizada especialmente serve de guia para atingir o gene que se pretende alterar (ver infográfico ao lado). São procedimentos ao alcance da maior parte dos laboratórios de genética, o que confere autonomia aos pesquisadores. No laboratório de Xavier tudo começou com Ângela Saito, que à época fazia doutorado sob orientação do biólogo Jörg Kobarg, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e precisava produzir um roedor com deficiência na produção de uma determinada proteína (nocaute) para estudar seu papel na leucemia. Nas bancadas de Xavier, ela começou o tedioso processo tradicional, em que é preciso gerar e rastrear as

manipulações genéticas em centenas de clones de células-tronco embrionárias. Para aprender a fazer esse trabalho de escala quase industrial ela foi, ainda durante o doutorado, ao Centro de Câncer MD Anderson da Universidade do Texas, onde acabou aprendendo a nova técnica com o geneticista norte-americano Richard Behringer. Voltou ao laboratório paulista trazendo na bagagem os vetores que injetaria nos embriões de camundongos para produzir os nocautes que necessitava. Deu certo: Ângela ensinou os colegas e, em pouco mais de um ano, o laboratório já produziu nocautes para quatro genes diferentes. Combate a doenças

O potencial da CRISPR-Cas9 na pesquisa de agentes causadores de doenças também atraiu os parasitologistas venezuelanos Noelia Lander e Miguel Chiurillo, interessados em estudar o parasita Trypanosoma cruzi, causador da doença de


2

1

Feito o corte, entra em ação o mecanismo natural de reparo, que pode alterar o gene a ponto de eliminar sua função

Usando como referência um trecho do DNA, o RNA-guia se liga à proteína Cas9, que faz o corte próximo à sequência PAM, abrindo caminho para a inativação (no alto) ou a correção (abaixo)

Pequenos trechos são deletados ou inseridos

RNA-guia

Sequência-alvo

Sequência PAM

infográfico  ana paula campos  ilustração caeto

DNA que sofrerá edição

Chagas, e quem sabe contribuir para o desenvolvimento de terapias alternativas. Atualmente em estágio de pós-doutorado na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp em colaboração com os bioquímicos Aníbal Vercesi e Roberto Docampo, argentino que é professor na Universidade da Geórgia, nos Estados Unidos, e atua como professor visitante na universidade do interior paulista, Noelia já mostrou que consegue alterar genes em artigo de 2015 na revista mBio. Ela avariou genes ligados ao flagelo dos parasitas – a estrutura semelhante a uma cauda que lhes permite locomover-se. “É um fenótipo muito fácil de enxergar, porque o flagelo se separa do corpo celular e o parasita fica depositado no fundo da garrafa”, explica. A prova de conceito é uma vitória porque os tripanossomos têm se mostrado muito eficazes em resistir a qualquer tentativa de manipulação genética. Agora, nos estudos com genes envolvidos na sinalização celular

proteína CAS9

3

Mutação de ponto O acréscimo de fragmentos de tamanhos variados pode corrigir ou inserir genes

Trecho doador

Fontes doudna e charpentier / science e ângela saito / lnbio

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Mutação do albinismo: para efeito homogêneo, é preciso injetar no início da fase embrionária

As aplicações são tantas que a possibilidade de editar genes humanos tem causado temores

por cálcio, vem a parte que pode ajudar no combate a essa doença que carece de tratamento eficaz na fase crônica. “Os níveis de cálcio mudam muito quando o parasita infecta o hospedeiro”, explica. “Se conseguirmos mexer nessas proteínas, que são diferentes entre o parasita e o hospedeiro vertebrado, pode ser o caminho para uma terapia alternativa.” O combate à transmissão da dengue é o objetivo do biólogo Jayme de Souza-Neto, do campus de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp). No mosquito Aedes aegypti, ele comparou os RNAs transcritos de mosquitos infectados e resistentes ao vírus em populações naturais em Botucatu, interior paulista, e Neópolis, em Sergipe, e identificou genes que podem estar ligados à resistência. “Estamos começando a fazer as mutações nos genes dos mosquitos”, relata. Até julho, ele pretende ter no laboratório populações nas quais poderá verificar se a suscetibilidade ao vírus foi alterada. Ainda longe no horizonte, a ideia é produzir mosquitos resistentes, que por não serem infectados também não transmitem a doença aos seres humanos. O projeto tem avançado no âmbito da colaboração estabelecida entre a FAPESP, a Unesp e a Universidade de Keele, no Reino Unido (ver Pesquisa FAPESP nº 40  z  fevereiro DE 2016

230). Souza-Neto passou três meses no laboratório de Julien Pelletier, que esteve em Botucatu por quatro meses. “Em abril ele deve voltar para começarmos as injeções nos embriões de mosquitos”, planeja o pesquisador. A bióloga Natália Gonçalves está lidando com sujeitos maiores: cães da raça golden retriever usados como modelo para estudos da distrofia muscular de Duchenne, uma doença degenerativa que acaba impedindo os pacientes de andar e comer (ver Pesquisa FAPESP nº 237). Durante o doutorado ela estabeleceu linhagens de células reprogramadas (células-tronco de pluripotência induzida, ou iPSCs) a partir de células da pele dos cães. Agora, no estágio de pós-doutorado sob supervisão de Carlos Eduardo Ambrósio, da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo (FZEA-USP), pretende estabelecer a linhagem com células de cães distróficos e corrigir o gene defeituoso para produção da proteína distrofina em parceria com o geneticista francês Jean-Paul Concordet, do Museu Nacional de História Natural, em Paris. “Já sabemos qual região do gene está faltando, então a ideia é produzir esse pedacinho e inseri-lo”, planeja. Ela tem muito trabalho pela frente: enquanto a técnica

para inativar genes com CRISPR-Cas9 já está razoavelmente dominada, o sucesso na inserção de trechos específicos ainda é baixo. A geneticista Maria Rita Passos Bueno, do Instituto de Biociências da USP (IB-USP), também aposta na edição do DNA para estudar doenças humanas com a ajuda da pesquisadora Erika Kague, que aprendeu a técnica no final do estágio de pós-doutorado na Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos. O doutorando Luciano Abreu Brito estabeleceu uma linhagem de peixe-paulistinha, o zebrafish (ver Pesquisa FAPESP nº 209), para estudar fissura de lábio palatino. “Encontramos a mutação por sequenciamento em pacientes, agora posso inserir no peixe para testar se é mesmo relevante para a doença”, conta. Em células humanas isoladas, a doutoranda Danielle Moreira inseriu mutações ligadas ao autismo. No futuro, ela pretende usar iPSCs que possam dar origem a neurônios, para verificar se as alterações genéticas identificadas em pacientes alteram o funcionamento de células nervosas. Lygia da Veiga Pereira, geneticista do IB-USP, também está começando a alterar diretamente células humanas. Sua aluna de mestrado Juliana Sant’Ana es-


à evolução podem ser muito maiores que os benefícios”, alerta. “A possibilidade de efeitos off target [não previstos] pode fazer com que se atire no que se viu e acerte o que não se viu, produzindo bebês ‘programados’ para aparência ou desempenho, mas com leucemia ou problemas piores.” Contra isso existem mecanismos de controle como comitês de ética e, no Brasil, a Lei de Biossegurança, que proíbe a engenharia genética em embriões humanos. O Reino Unido decidiu: em 1º de fevereiro autorizou a edição de genes em células humanas no âmbito de pesquisa científica. n

foto  carolina clemente / lnbio  ilustraçãO caeto

Projetos

tá em contato com o geneticista Chad Cowan, da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, para aprender como utilizar o CRISPR-Cas9. A ideia é provocar no gene da proteína fibrilina a mutação típica da síndrome de Marfan. Uma vez bem-sucedida em células de fácil cultivo, Lygia pretende passar à linhagem de células-tronco desenvolvida em seu laboratório, a BR-1 (ver Pesquisa FAPESP nº 153). “Quero produzir células cardíacas e células de osso com a mutação”, planeja. A facilidade de trabalhar com a CRISPR-Cas9 permite passar por essa fase com relativa rapidez e chegar ao que interessa: o estudo de como a doença se comporta em diferentes tecidos. “A ciência vai começar quando pudermos comparar essas células.” Estrutura proteica

Maria Rita explica que o conhecimento sobre o sistema CRISPR-Cas9 está avançando rapidamente na busca por uma exatidão cada vez maior na edição. Uma das frentes agora exploradas por Jennifer Doudna, da Universidade da Califórnia em Berkeley, uma das protagonistas no desenvolvimento da técnica, é desvendar como a estrutura da proteína permite que ela se encaixe no DNA e o corte em um ponto específico, conforme mostra artigo publicado em janeiro na revista Science. O bioquímico teuto-chileno Martin Würtele, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), já se dedicava a desvendar a estrutura tridimensional dessas

proteínas antes mesmo da descoberta de Jennifer e sua colega francesa Emmanuelle Charpentier, do Instituto Max Planck de Biologia da Infecção, Alemanha, em 2012. “Começamos a trabalhar há uns cinco anos com diversas proteínas CRISPR-Cas por sua contribuição para a proteção das bactérias contra os seus principais inimigos naturais, os fagos, e pela possibilidade de se fazer edição no DNA”, conta. “Mas de lá pra cá descobriram a Cas9, que, ao contrário dos sistemas CRISPR-Cas com que trabalhamos, faz praticamente todo o processo com uma única proteína e é um candidato sério ao Prêmio Nobel.” Ele revelou que uma proteína chamada Csm2, retirada de uma bactéria, é formada por uma longa cadeia de aminoácidos em hélice, circundada por três hélices mais curtas. “A proteína Csm2 é completamente diferente das descritas em outros complexos”, conta Würtele. Para ele, essa proteína é parte de uma defesa importante da bactéria e o conhecimento de como funciona pode vir a ser usado contra as próprias bactérias. “Há um interesse muito grande de usar fagos como potenciais substitutos de antibióticos.” As aplicações são tantas que a possibilidade de editar genes humanos gera temores. Por enquanto está garantida a continuidade das pesquisas, com a proposta de se proibir a implantação de embriões humanos alterados. Muitos pesquisadores revelam preocupação, mas José Xavier Neto não acredita em um risco real. “Os malefícios de se sobrepor

1. Geração de camundongo nocaute para o receptor nuclear órfão Coup-TFII: Investigação dos mecanismos moleculares que determinam a expressão atrial-específica do promotor do gene SMyHC3 (nº 2015/10166-9); Modalidade Bolsa no País – Pós-doutorado; Pesquisador responsável José Xavier Neto (CNPEM); Bolsista Ângela Saito (CNPEM); Investimento R$ 169.558,00. 2. Sinalização por íons de cálcio em tripanossomatídeos (nº 2013/50624-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Programa SPEC; Pesquisador responsável Roberto Docampo (Unicamp); Investimento R$ 1.955.088,00. 3. Edição gênica por CRISPR-Cas9 na correção da Distrofia Muscular de Duchenne no modelo canino (GRMD) a partir de células de pluripotência induzidas (nº 2015/09575-1); Modalidade Bolsa no País – Pós-doutorado; Pesquisador responsável Carlos Eduardo Ambrósio (USP); Bolsista Natalia Juliana Nardelli Gonçalves (USP); Investimento R$ 169.558,00. 4. Caracterização dos mecanismos de ação antidengue mediados pela microbiota intestinal de populações naturais do mosquito Aedes aegypti (nº 2013/11343-6) Modalidade Auxílio à Pesquisa – Jovens Pesquisadores; Pesquisador responsável Jayme Augusto de Souza-Neto (Unesp); Investimento R$ 2.209.619,50. 5. Geração de mutações no gene FBN1 em Células-Tronco Pluripotentes Induzidas (iPSCs) utilizando o sistema CRISPR-Cas9 (nº 2015/01339-7); Modalidade Bolsa no País – Mestrado / Capes; Pesquisadora responsável Lygia da Veiga Pereira Carramaschi (USP); Bolsista Juliana Borsoi Sant’Ana (USP); Investimento R$ 38.823,80. 6. Análise genômica para a compreensão dos mecanismos genéticos etiológicos das fissuras labiopalatinas na população brasileira (nº 2011/23416-2); Modalidade Bolsa no País – Doutorado; Pesquisadora responsável Maria Rita dos Santos e Passos Bueno (USP); Bolsista Luciano Abreu Brito (USP); Investimento R$ 146.770,80. 7. Biologia estrutural de proteínas processadoras de ácidos nucleicos em bactérias com elevada relevância biomédica (nº 2011/50963-4); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Martin Rodrigo Alejandro Würtele Alfonso (Unifesp); Investimento R$ 496.766,00.

Artigos científicos JIANG, F. et al. Structures of a CRISPR-Cas9 R-loop complex primed for DNA cleavage. Science. On-line. 14 jan. 2016. LANDER, N. et al. CRISPR-Cas9-induced disruption of paraflagellar rod protein 1 and 2 genes in Trypanosoma cruzi reveals their role in flagellar attachment. mBio. v. 6, n. 4, e01012-15. jul-ago. 2015. GALLO, G. et al. Structural basis for dimer formation of the CRISPR-associated protein Csm2 of Thermotoga maritima. FEBS Journal. on-line. 10 dez. 2015. GALLO, G. et al. Purification, crystallization, crystallographic analysis and phasing of the CRISPR-associated protein Csm2 from Thermotoga maritima. Structural Biology Communications. F71, p. 1223-27. out. 2015.

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ORIGIN 1 agtatcaaca ggttttattt tggatttgga aacgagagtt tctggtcatg aaaaacccaa 61 aaaagaaatc cggaggattc cggattgtca atatgctaaa acgcggagta gcccgtgtga 121 gcccctttgg gggcttgaag aggctgccag ccggacttct gctgggtcat gggcccatca 181 ggatggtctt ggcgattcta gcctttttga gattcacggc aatcaagcca tcactgggtc 241 tcatcaatag atggggttca gtggggaaaa aagaggctat ggaaataata aagaagttca 301 agaaagatct ggctgccatg ctgagaataa tcaatgctag gaaggagaag aagagacgag 361 gcgcagatac tagtgtcgga attgttggcc tcctgctgac cacagctatg gcagcggagg 421 tcactagacg tgggagtgca tactatatgt acttggacag aaacgacgct ggggaggcca 481 tatcttttcc aaccacattg gggatgaata agtgttatat acagatcatg gatcttggac 541 acatgtgtga tgccaccatg agctatgaat gccctatgct ggatgagggg gtggaaccag 601 atgacgtcga ttgttggtgc aacacgacgt caacttgggt tgtgtacgga acctgccatc 661 acaaaaaagg tgaagcacgg agatctagaa gagctgtgac gctcccctcc cattccacta 721 ggaagctgca aacgcggtcg caaacctggt tggaatcaag agaatacaca aagcacttga 781 ttagagtcga aaattggata ttcaggaacc ctggcttcgc gttagcagca gctgccatcg 841 cttggctttt 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ccaagggagg agggaggaag agactcctgt tgagtgcttc gagccttcga 5101 tgctgaagaa gaagcagcta actgtcttag acttgcatcc tggagctggg aaaaccagga 5161 gagttcttcc tgaaatagtc cgtgaagcca taaaaacaag actccgtact gtgatcttag 5221 ctccaaccag ggttgtcgct gctgaaatgg aggaagccct tagagggctt ccagtgcgtt

Abaixo, o genoma completo da variedade do vírus zika que circulou no surto de 2013 e 2014 na Polinésia Francesa

42  z  fevereiro DE 2016 foto  James Gathany / CDC

saúde y

Zika em expansão Sequenciamento confirma que variedade em

circulação no país veio da Polinésia e projeção estima

que deve se espalhar por outros países

Ricardo Zorzetto


5281 atatgacaac agcagtcaat gtcacccact ctggaacaga aatcgtcgac ttaatgtgcc 5341 atgccacctt cacttcacgt ctactacagc caatcagagt ccccaactat aatctgtata 5401 ttatggatga ggcccacttc acagatccct caagtatagc agcaagagga tacatttcaa 5461 caagggttga gatgggcgag gcggctgcca tcttcatgac cgccacgcca ccaggaaccc 5521 gtgacgcatt tccggactcc aactcaccaa ttatggacac cgaagtggaa gtcccagaga 5581 gagcctggag ctcaggcttt gattgggtga cggatcattc tggaaaaaca gtttggtttg 5641 ttccaagcgt gaggaacggc aatgagatcg cagcttgtct gacaaaggct ggaaaacggg 5701 tcatacagct cagcagaaag acttttgaga cagagttcca gaaaacaaaa catcaagagt 5761 gggactttgt cgtgacaact gacatttcag agatgggcgc caactttaaa gctgaccgtg 5821 tcatagattc caggagatgc ctaaagccgg tcatacttga tggcgagaga gtcattctgg 5881 ctggacccat gcctgtcaca catgccagcg ctgcccagag gagggggcgc ataggcagga 5941 atcccaacaa acctggagat gagtatctgt atggaggtgg gtgcgcagag actgacgaag 6001 accatgcaca ctggcttgaa gcaagaatgc tccttgacaa tatttacctc caagatggcc 6061 tcatagcctc gctctatcga cctgaggccg acaaagtagc agccattgag ggagagttca 6121 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uas equipes brasileiras completaram nas últimas semanas o sequenciamento do material genético do vírus zika isolado nos estados de São Paulo e da Paraíba. Os resultados sugerem que a variedade do zika em circulação em diferentes regiões brasileiras é mesmo originária da Polinésia Francesa, onde houve um surto em 2013 e 2014. Também indicam que o vírus possivelmente foi introduzido no Brasil em um único evento. No Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, o virologista Renato Pereira de Souza e sua equipe sequenciaram o material genético do zika extraído de uma pessoa que desenvolveu a doença em Campinas. Esse indivíduo contraiu o vírus ao receber uma transfusão de sangue. O doador adoeceu dias mais tarde e avisou ao hemocentro da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que estava com suspeita de dengue. Análises feitas no Adolfo Lutz descartaram a dengue e confirmaram a infecção por zika. “Os hemocentros terão de prestar atenção também a esse vírus, uma vez que muitos casos são assintomáticos”, afirma Souza. “No caso em questão, o vírus permaneceu viável e infectou outra pessoa”, conta o virologista, um dos coordenadores da análise, realizada em parceria com pesquisadores da Unicamp e da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, e aceito para publicação na revista Genome Announcements. O sequenciamento do material genético do vírus revelou um genoma enxuto. São cerca de 10,6 mil unidades (nucleotídeos) compondo uma fita simples de ácido ribonucleico (RNA). Essa fita abriga ao todo apenas seis genes, capazes de produzir 10 diferentes proteínas – alguns genes são polivalentes. “A análise do genoma indica que o vírus é de uma linhagem muito próxima à que circulou na Polinésia Francesa e na Ilha de Páscoa”, conta Souza. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro, o virologista Amilcar Tanuri e sua equipe também sequenciaram o genoma do zika extraído do líquido amniótico de duas gestantes que tiveram bebês com microcefalia na Paraíba. As conclusões são as mesmas. “Não tenho dúvida de que é a mesma linhagem da Polinésia”, afirma Tanuri. Segundo o virologista carioca, a diferença entre o material genético do vírus em circulação aqui e o de lá é pequena, cerca de 20 nucleotídeos e apenas 1 dos 3.500 aminoácidos (unidades formadoras das proteínas). Tamanha semelhança, segundo ele, indica que o vírus está se espalhan-

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Embrião de galinha (ao lado) e de zebrafish: modelos para estudar o desenvolvimento do sistema nervoso central

do muito rapidamente e foi introduzido uma única vez no Brasil. Tanuri conta ainda que o zika sequenciado no Rio tem grande similaridade com o vírus da dengue, em especial o sorotipo 4, o que pode dificultar o desenvolvimento de um kit de diagnóstico que identifique especificamente os anticorpos contra o zika. “Teremos de driblar essa semelhança na hora de produzir o teste”, diz. Do Brasil para o mundo

O vírus que assombra o mundo com a ameaça da microcefalia levou quase 70 anos para atravessar metade do globo. Mas em pouco tempo conquistou um potencial explosivo de disseminação. Sua capacidade de se espalhar parece ter aumentado nos últimos tempos, em especial depois de chegar ao Brasil, onde, segundo estimativas do governo, já infectou de 440 mil a 1,3 milhão de pessoas. Adaptações sofridas pelo vírus durante a sua viagem a partir da África aparentemente facilitaram a sua reprodução no organismo humano. Essa característica, somada à alta mobilidade da população atual e ao fato de que o vírus costuma pegar carona no sangue humano sem ser notado (em 80% dos casos a infecção não provoca sintomas), está transformando o zika em uma dor de cabeça internacional. Em um breve artigo apresentado na edição de 23 de janeiro da revista 44  z  fevereiro DE 2016

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Desde outubro, 404 casos de microcefalia foram confirmados; 17 têm ligação comprovada com zika

Lancet, uma das mais importantes da área médica, um grupo de pesquisadores do Canadá, dos Estados Unidos e da Inglaterra prevê um cenário de rápido espalhamento do zika por regiões com elevada concentração de pessoas nas Américas e na Europa. A equipe chefiada pelo médico Kamran Khan, infectologista da Universidade de Toronto que investiga o espalhamento de doenças por viajantes, usou um modelo matemático que reproduz os surtos de dengue para estimar a capacidade de disseminação do zika. Os pesquisadores

alimentaram o modelo com informações sobre as áreas de ocorrência atual dos mosquitos do gênero Aedes, que, além do zika, transmitem também os vírus da febre amarela, da dengue e da chikungunya, e as regiões com clima favorável à proliferação dos insetos. Com esses dados, eles conseguiram ter uma ideia de onde haveria condições favoráveis para o zika se espalhar, caso chegasse lá. Numa etapa seguinte, os pesquisadores precisaram calcular a probabilidade de o vírus alcançar as regiões onde vive seu transmissor – o Aedes aegypti, nas Américas e na África, e o Aedes albopictus, na Ásia e na Europa. Para isso, mapearam o destino internacional de pessoas que entre setembro de 2014 e agosto de 2015 estiveram em regiões do Brasil onde havia transmissão de zika. Nesse período, quase 10 milhões de pessoas viajaram para o exterior a partir de 146 aeroportos brasileiros situados em áreas onde circulava o vírus. Cerca de 6,5 milhões de pessoas (65% do total) foram para países das Américas do Sul e do Norte. Outros 27% viajaram para a Europa e 5% para a Ásia. Só os Estados Unidos receberam 2,8 milhões de pessoas vindas do Brasil, enquanto a Argentina acolheu 1,3 milhão e o Chile, 614 mil. Na Europa os destinos mais comuns foram Itália, Portugal e França, cada um recebendo 400 mil pessoas.


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infecção por zika em 17 dos 404 casos de microcefalia – os outros 387 dependem da realização de testes imunológicos, ainda não disponíveis, para descartar de vez essa associação. síndrome congênita 2

fotos 1 léo ramos 2 ângela costa e murilo carvalho / lnbio

Casos de microcefalia associados ao zika apresentam padrão que favorece hipótese de síndrome congênita

Algumas dezenas de milhares também foram para a Ásia, em especial a China, e para a África, principalmente Angola. Esse cenário preocupa as autoridades da saúde por várias razões. Em primeiro lugar, porque algumas regiões que receberam os viajantes abrigam uma elevada concentração de pessoas. “Mais de 60% da população da Argentina, da Itália e dos Estados Unidos vive em regiões favoráveis à transmissão sazonal do vírus”, escreveram os pesquisadores. No México, na Colômbia e também nos Estados Unidos entre 23 milhões e 30 milhões de habitantes estariam ainda em áreas com risco de transmissão contínua, nas quais insetos podem espalhar o vírus durante o ano todo. O segundo motivo de inquietação é que o zika parece ter adquirido a capacidade de infectar mais facilmente o organismo humano no longo e lento caminho que percorreu na Ásia, desde que deixou as florestas de Uganda por volta de 1945, até chegar à Polinésia Francesa em 2013, de onde alcançou o Brasil. Nessa travessia, mapeada recentemente pelo biomédico Caio de Melo Freire, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e colegas da USP e do Instituto Pasteur no Senegal, o vírus se humanizou: alguns de seus genes hoje contêm receitas para fazer proteínas mais compatíveis com o organismo hu-

mano, o que facilita a infecção (ver Pesquisa FAPESP nº 239). “Isso pode ter ocorrido porque ao longo dessa viagem o vírus circulou entre poucos vetores, provavelmente o ser humano e o inseto”, explica o biólogo Atila Iamarino, coautor do estudo. Membro da equipe da USP, Iamarino também faz divulgação científica e, com a zoóloga Sônia Carvalho Lopes, coordenou a produção de um material disponível no site Wikiversidade com orientações para professores do ensino básico e médio auxiliarem os alunos a desmentir boatos sobre o zika disseminados pela internet. Enquanto o vírus avança, pesquisadores de todo o Brasil seguem com seus estudos para tentar entender o que o zika causa no organismo humano e como poderia provocar os casos de microcefalia a ele atribuídos. De 22 de outubro de 2015 a 30 de janeiro deste ano, o Ministério da Saúde registrou o nascimento de 4.783 bebês com suspeita de ter microcefalia (antes da epidemia de zika a notificação não era obrigatória). Dos 1.113 casos já analisados, 404 foram confirmados. Esses bebês têm de fato o cérebro pequeno demais para a idade e, além dos sintomas clínicos, apresentam sinais de lesão cerebral compatíveis com os de uma infecção adquirida durante a gestação (congênita). Até agora, porém, só se conseguiu comprovar a

Alguns grupos tentam caracterizar melhor os problemas apresentados por bebês filhos de mães possivelmente infectadas pelo vírus. Sob a coordenação da médica e geneticista Lavinia Schüler-Faccini, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, especialistas em anomalias congênitas de diferentes instituições brasileiras realizaram exames clínicos, genéticos e de imagem em 35 crianças com microcefalia relacionada ao zika nascidas em oito estados brasileiros, entre eles São Paulo. “Os exames permitiram excluir doenças genéticas ou infecção por outros agentes sabidamente causadores de microcefalia”, conta Lavinia. Dessa análise, começou a emergir um padrão de alterações típico de infecções causadas por vírus durante a gestação. Embora não houvesse comprovação de que as mães tenham sido infectadas pelo vírus, 74% delas apresentaram sinais compatíveis com a febre zika durante a gravidez, como manchas vermelhas que coçam, febre baixa e dor nas articulações – a maior parte no primeiro trimestre da gestação, quando o feto se encontra em fase acelerada de desenvolvimento. Dos 35 bebês examinados, 25 (71% do total) tinham microcefalia grave, com o perímetro do crânio inferior a 31 centímetros no nascimento. Os 27 bebês que passaram por exames de imagem apresentavam alterações neurológicas. A mais comum eram as calcificações, pequenos nódulos que funcionam como uma espécie de cicatriz no tecido cerebral. Uma em cada três crianças apresentava lisencefalia, ausência das dobras características do cérebro sadio, ou paquigiria, dobras mais alargadas. Mais graves, essas alterações sugerem que a infecção ocorreu em uma fase precoce do desenvolvimento. Quatro bebês desenvolveram um problema articular grave, a artrogripose. EspESQUISA FAPESP 240  z  45


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sa doença, que dificulta o movimento das articulações, manifestou-se principalmente nos joelhos, quadris e cotovelos e, segundo Lavinia, pode significar que o bebê não se movia muito durante o desenvolvimento intrauterino por causa das lesões neurológicas. “Já analisamos outros 15 casos e o padrão que vemos é sempre muito parecido, favorecendo a hipótese de que a infecção pelo zika não cause apenas microcefalia, mas uma síndrome nova, como já propuseram alguns pesquisadores”, conta a geneticista, que apresentou os resultados em um artigo na edição de 22 de janeiro da Morbidity and Mortality Weekly Report. A caracterização dos danos associados ao zika é fundamental para orientar o trabalho de outros grupos que tentam esclarecer os mecanismos biológicos por trás da microcefalia. Em uma nova iniciativa de estudo do vírus organizada por Kleber Gomes Franchini, do Laboratório Nacional de Biologia (LNBio) do Centro de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), o médico e pesquisador José Xavier Neto e sua equipe em Campinas planejam inocular o vírus em embriões de camundongos, galinhas e zebrafish de diferentes idades. Nos vertebrados, o extenso grupo animal que inclui de peixes a mamíferos (inclusive os seres humanos), a formação e o desenvolvimento dos órgãos do sistema nervoso central seguem uma sequência de passos conhecidos e padronizados. Interferências em diferentes estágios costumam levar a modificações distintas na arquitetura do cérebro, o que torna possível antecipar como o vírus atua. “Antes”, explica Xavier, “teremos de verificar qual modelo biológico é mais adequado para estudar a infecção”. Xavier pretende examinar alterações no nível celular e genético. O padrão observado nos casos de microcefalia associados ao zika sugere que pode haver interferência tanto na multiplicação das células como na fase de migração, na qual elas se deslocam perifericamente até as posições que vão ocupar no cérebro fetal, fenômeno que ocorre no segundo trimestre da gestação. “Há muita informação chegando e ainda é preciso determinar o que é mais relevante”, diz Xavier. Nos seus experimentos, ele usará amostras do vírus que está sendo cultivado no laboratório de Lucio Freitas Júnior, também do LNBio. Freitas Júnior, por sua vez, está 46  z  fevereiro DE 2016

Colônias de bactérias do gênero Bacillus e Microbacterium (no alto): testes para avaliar se eliminam o vírus zika

desenvolvendo ensaios de triagem para a busca de novos compostos que possam ser usados para tratar as infecções por zika. O VÍRUS E O MOSQUITO

Enquanto alguns pesquisadores mapeiam os danos produzidos pelo vírus no organismo humano, outros buscam formas de tentar reduzir ou até bloquear a transmissão do vírus pelo mosquito. Na Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Botucatu, o biólogo Jayme Souza-Neto começa a investigar quais fato-

res tornam o Aedes mais suscetível a se infectar com o zika. Nesse trabalho, ele planeja usar o que já se aprendeu nos últimos anos sobre a interação entre o mosquito e o vírus da dengue. Anos atrás, em seu pós-doutorado na Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, Souza-Neto começou a observar que as bactérias que compõem a microbiota intestinal e são naturalmente encontradas no sistema digestivo do inseto em alguns casos o protegem do vírus da dengue. Esse efeito ficou evidente quando os pesquisadores trataram uma população de mosquitos com antibióticos – alterando a microbiota intestinal deles – e verificaram que eles se infectavam mais facilmente com o vírus do que aqueles com a microbiota intacta. Num desdobramento desse trabalho, Souza-Neto constatou que alguns gru-


fotos  Letícia Gushi / Unesp

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pos de bactérias parecem desempenhar um efeito mais protetor do que outros. Fêmeas de Aedes alimentadas com uma mistura de sangue e alta concentração de certos grupos de bactérias – por exemplo, as bactérias do gênero Paenibacillus e Proteus – apresentavam uma quantidade menor de cópias do vírus nos intestinos. Além de estimularem o sistema imunológico do inseto, algumas dessas bactérias, já se sabe, atuam diretamente sobre o vírus, inibindo a sua replicação. “Como o vírus da dengue e o da febre zika são evolutivamente muito próximos, é possível que algumas variedades de bactérias que agem contra um também funcionem contra o outro”, diz Souza-Neto. Se for bem-sucedida, essa estratégia de combate ao vírus pode se somar ao combate ao próprio mosquito; por ora, a forma mais eficiente de evitar o avanço do zika. Além de buscar formas de evitar que o mosquito se infecte com o vírus, impedindo o inseto de o passar adiante, Souza-Neto planeja comparar a eficiência do Aedes aegypti em transmitir o vírus da dengue com a de propagar o da zika. Esse trabalho será realizado em parceria com a equipe da entomologista Margareth Capurro, da USP, e pode ajudar a explicar por que este vírus parece se disseminar mais rapidamente do que aquele. Em um projeto a ser desenvolvido com pesquisadores do Imperial College de Londres, ele pretende ainda verificar se o Aedes albopictus, comum na Europa e encontrado em regiões de mata no Brasil, também pode ser um bom propagador do zika. Simultaneamente aos estudos de mais longo prazo, Souza-Neto desempenhará uma tarefa de impacto imediato. Assim como outras equipes da Rede Zika, seu grupo em Botucatu fará a busca ativa de mosquitos nas áreas com casos suspeitos da doença. “Assim, esperamos conhecer a quantidade de mosquitos infectados no ambiente e a variedade do vírus em circulação”, conta o biólogo, que trabalhará com Margareth Capurro e Lincoln Suesdek, do Instituto Butantan, ambos integrantes da rede de pesquisa que começou a se estruturar em dezembro em São Paulo e agora deve ganhar eficiência com uma gestão otimizada. rede mais eficiente

Em uma reunião realizada no início de fevereiro no Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas

“Precisamos atuar de forma complementar para vencer as barreiras mais rapidamente”, diz Glaucia Pastore

(Cruesp), os pró-reitores de Pesquisa da USP, da Unicamp e da Unesp propuseram às lideranças da Rede Zika a criação de uma estrutura que permita otimizar o uso dos recursos disponíveis, coordenar a interação entre essas universidades e outras instituições do país e do exterior, além de acelerar o acesso a mais verbas para pesquisa. Essa estrutura será composta por um comitê científico e um consultivo, ambos integrados por membros das três universidades, além de um porta-voz, que se encarregará da interlocução com os meios de comunicação. O objetivo, segundo os pró-reitores, é desenhar um programa de ação que leve mais rapidamente à compreensão de como o vírus zika atua no organismo humano, ao desenvolvimento de testes de diagnóstico eficazes, à produção de um soro ou uma vacina contra o vírus, além do controle do vetor. Um primeiro passo será fazer o levantamento de todos os pesquisadores da rede e de suas áreas de atuação. “Assim, queremos ter mais claro o cenário com que estamos trabalhando para verificar de quais recursos dispomos e quais será preciso buscar, inclusive no exterior”, diz Maria José Giannini, pró-reitora de Pesquisa da Unesp. “Será uma tentativa de fazer essas colaborações obterem resultados

mais rapidamente para uma questão que se tornou de urgência nacional e internacional”, completa. “Talvez não se precisasse dessa coordenação até este momento”, afirmou o pró-reitor de Pesquisa da USP, José Eduardo Krieger. “Agora, porém, sentimos que ela se tornou necessária para a rede ganhar eficiência.” Segundo Krieger, essa estruturação permitirá aproveitar melhor o uso dos recursos e da infraestrutura das três universidades. “Ainda não se tinham aliado as capacidades internas de cada instituição e pode haver mais de um grupo trabalhando isoladamente num mesmo tema”, conta Glaucia Pastore, pró-reitora de Pesquisa da Unicamp. “Nesse momento de emergência, precisamos de um novo modelo de trabalho, em que se atue de forma complementar para vencer as barreiras mais rapidamente.” Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP participou da reunião e solicitou às três universidades que preparem um programa com propostas, metodologias e objetivos que possa ser encaminhado a algumas fontes de financiamento. “Nossa pretensão era ter um novo programa subvencionado pela FAPESP, visando ao melhor entendimento, principalmente do vírus zika, e também em relação à dengue e chikungunya”, disse Brito. “Teremos mais reuniões a respeito.” n

Projeto Caracterização dos mecanismos de ação antidengue mediados pela microbiota intestinal de populações naturais do mosquito Aedes aegypti (nº 2013/11343-6); Modalidade Programa Jovens Pesquisadores; Pesquisador responsável Jayme Augusto de Souza Neto (IBTec-Unesp); Investimento R$ 1.843.243,92

Artigos científicos CUNHA, M. S. et al. First complete genome sequence of zika virus (Flaviviridae, Flavivirus) from an autochthonous transmission in the Americas. Genome Announcements. No prelo. SCHÜLER-FACCINI, L. et al. Possible association between zika virus infection and microcephaly – Brazil, 2015. Morbidity and Mortality Weekly Report. 22 jan. 2016. BOGOCHI, I. I. et al. Anticipating the international spread of zika virus from Brazil. Lancet. v. 387, p. 334-5. 23 jan. 2016. OLIVEIRA MELO, A. S. et al. Zika virus intrauterine infection causes fetal brain abnormality and microcephaly: tip of the iceberg? Ultrasound Obstretics and Gynecology. v. 47. p. 6-7. 2016. VENTURA, C. V. et al. Zika virus in Brazil and macular atrophy in a child with microcephaly. Lancet. v. 387. p. 228. 23 jan. 2016.

Link Wikiversidade – bit.ly/boatos_zika

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Biodiversidade y

Os fungos brancos e negros do Atacama Leveduras do deserto chileno exibem resistência a uma radiação ultravioleta tão alta quanto em Marte Texto

Carlos Fioravanti  |  Fotos  Eduardo Cesar, de San Pedro de Atacama

Vida em condições extremas: microrganismos do deserto se adaptaram à terra seca e à radiação ultravioleta 48  z  Fevereiro DE 2016


Em agosto de 2012, na etapa final do curso de Biotecnologia na Universidade Federal de São Carlos em Araras, interior paulista, André Pulschen estava prestes a encontrar quatro espécies de fungos casca-grossa, coletadas seis meses antes do alto de um vulcão do deserto do Atacama, norte do Chile. Usando um equipamento que simula o ambiente de outros planetas em um laboratório ligado à Universidade de São Paulo (USP), ele identificou duas espécies de fungos – Exophiala sp., que forma colônias pretas por causa do acúmulo do pigmento mela-

nina, e Rhodosporidium toruloides, que se agrega em colônias cor de laranja em razão do caroteno – com uma capacidade de resistir à radiação ultravioleta (UV) do sol tão elevada quanto à da bactéria Deinococcus radiodurans, usada como organismo-modelo para estudar as possibilidades de vida em Marte. No planeta vermelho o ambiente é tão seco e com tanta radiação UV quanto o deserto do Atacama. Normalmente essa radiação é fatal para microrganismos e seres humanos. Outras duas espécies trazidas das paredes rochosas do vulcão Sairecabur – Cryptococcus friedmanii e Holtermanniella watticus – apresentaram uma resistência elevada à radiação UV de modo intrigante, já que são brancas, desprovidas de pigmentos aos quais se atribuem o efeito protetor contra o ultravioleta. As quatro espécies já tinham mostrado uma resistência elevada a baixas temperaturas – as duas brancas

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continuaram se multiplicando mesmo depois de passar alguns dias a -6,5 graus Celsius (ºC). Embora não seja ainda possível explicar como resistem à variação de temperatura e a cargas intensas de radiação UV mesmo sem pigmento, esses fungos expressam impressionantes mecanismos de adaptação ao deserto mais seco do mundo, onde não se pensava que a diversidade biológica fosse tão variada. Quem desce no aeroporto de Calama, cidade de 150 mil habitantes encravada no deserto do Atacama, logo sente o calor intenso e a luz arrebatadora em meio à paisagem imensamente plana e avermelhada. Na viagem até San Pedro de Atacama, vilarejo de 3 mil moradores a 2.400 metros de altitude que constitui a base para as expedições aos raros lagos, salinas e vulcões da região, é díficil ver sinal de vida silvestre na terra seca de poucos morros. Os moradores de San Pedro reforçam a ideia de que existe pouca variedade de vida silvestre além dos flamingos rosados nos lagos que recebem água do degelo dos Andes, das pombas andinas que perseguem os turistas em busca de comida, dos lagartos acanhados ou das vicunhas que se alimentam em touceiras 50  z  Fevereiro DE 2016

de gramínea baixa nas reletas feitas no Atacama em giões mais altas. altitudes que variavam de Fungos do vulcão: Exophiala sp., 746 a 5.047 metros, equiO deserto que se esR. toruloides, pes da UFMG, da USP, do praia por mil quilômeC. friedmanii e Laboratório Nacional de tros de extensão guarda H. watticus. Acima, Luz Síncrotron (LNLS) e formas notáveis e ainda os gêiseres de Tatio com o vapor da Universidade de Antopouco conhecidas de orescaldante saindo fagasta, no Chile, identiganismos microscópicos das rochas ficaram 81 variedades de adaptados à escassez de fungos capazes de viver água e à temperatura que em fissuras ou cavidades pode variar de 50ºC durante o dia a -15ºC à noite. Em 2006 uma de rochas semelhantes ao granito, nas equipe da Nasa, a agência espacial dos quais a temperatura pode variar de -45 Estados Unidos, identificou 12 gêneros a 60ºC. “Os fungos devem produzir ende fungos capazes de viver na terra tór- zimas que lhes permitem aproveitar os rida do Atacama e de produzir esporos, minerais, a umidade proveniente do orestruturas semelhantes a sementes, que valho e a matéria orgânica do interior se espalham com o vento. Agora, pesqui- das rochas”, ele comentou. Em 2013 uma sadores brasileiros e chilenos encon- equipe dos Estados Unidos e da Espanha traram em cavidades de rochas ou nas apresentara as bactérias das cavidades de paredes rochosas de um vulcão, a quase rochas vulcânicas conhecidas como rio6 mil metros de altitude, variedades de litos, coletadas de rochas sedimentares fungos com uma ainda inexplicada re- do Valle de la Luna, uma depressão da cordilheira do Sal, próxima a San Pedro sistência a situações adversas. “O micro-hábitat no interior das ro- de Atacama. Além de identificar os fungos – orgachas pode favorecer a colonização, a sobrevivência e a dispersão da vida mi- nismos formados por células dotadas crobiana”, disse Luiz Henrique Rosa, de núcleo e, portanto, mais complexos professor da Universidade Federal de que as bactérias –, a equipe da UFMG os Minas Gerais (UFMG). A partir de co- colocou para trabalhar. Em laboratório,


sol. As duas espécies de Vívian Gonçalves cultivou fungos brancos trazidas os fungos das rochas do O Vale da Lua: depósitos de sal do alto do vulcão Sairecadeserto e examinou os exà vista bur indicam, porém, que tratos que produziram em os pigmentos talvez não meio de cultura. Orientasejam indispensáveis. Ouda por Rosa, ela encontrou 23 extratos que apresentaram ação con- tros mecanismos moleculares ainda não tra fungos, vírus e protozoários causa- identificados poderiam ser tão importandores de doenças em seres humanos. tes quanto a pigmentação para evitar os Em 2014 ela fez o fracionamento quí- efeitos nocivos da radiação UV do alto mico dos extratos em um laboratório do vulcão. “A 5 mil metros de altitude, a do Departamento de Agricultura dos pele, se exposta, pode se queimar facilEstados Unidos e isolou duas substân- mente por causa da radiação ultravioleta cias, o ácido alfa-linolênico e o ergoste- do sol”, disse Pulschen, agora no doutorol 5,8-endoperóxido, com ação contra rado no Instituto de Química da USP. A extrema aridez e a elevada incimicrorganismos. dência de radiação UV fazem do deserto do Atacama um ambiente similar ao Fungos em Marte? Fungos representantes do gênero Cla- de Marte. Por essa razão, organismos dosporium foram encontrados em rochas resistentes a essas condições atraem os de cinco altitudes diferentes, destacan- cientistas por representar formas de vida do-se pela capacidade de se adaptar a que poderiam sobreviver fora da Terambientes diferentes – outras equipes ra. Especializado nesse campo, Douglas já haviam verificado que ao menos uma Galante, atualmente no LNLS, faz uma espécie, C. halotolerans, consegue viver aposta: os fungos casca-grossa do vulcão em lugares com alta concentração de do Atacama poderiam sobreviver em sal. O Cladosporium apresenta-se como Marte, já que as condições ambientais manchas marrons ou pretas, em razão do são muito parecidas. Para ele, a busca de acúmulo de melanina, que protege con- resquícios atuais ou antigos de organistra os efeitos danosos da radiação UV do mos mais complexos como os fungos e

não apenas de seres anucleados como a bactéria Deinococcus radiodurans, como se planeja, poderia ser considerada nas próximas expedições ao planeta vermelho, “ampliando as possibilidades de encontrarmos vida fora da Terra”. Neste ano a equipe brasileira pretende estudar as bactérias que vivem em meio a rochas lavadas continuamente pelo vapor dos gêiseres de Tatio, a 90 quilômetros de San Pedro de Atacama, a 4.320 metros de altitude. O vapor se forma quando a água dos rios subterrâneos entra em contato com rochas quentes e sai por fissuras, a uma temperatura próxima a 100ºC, formando colunas de até 10 metros de altura. As bactérias resistentes a temperaturas elevadas parecem se alimentar de materiais inorgânicos liberados pelas próprias rochas, ricas de enxofre. n Artigos científicos GONÇALVES, V. N. et al. Fungi associated with rocks of the Atacama Desert: taxonomy, distribution, diversity, ecology and bioprospection for bioactive compounds. Environmental Microbiology (on-line). 2015. PULSCHEN, A. A. et al. UV-resistant yeasts isolated from a high altitude volcanic area on the Atacama Desert as eukaryotics models for astrobiology. MicrobiologyOpen. v. 4, n. 4, p. 574-88. 2015.

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Biogeografia y

Quando o mar era floresta Mata Atlântica pode ter se espraiado para a plataforma continental na Era do Gelo

A

plataforma continental brasileira, área hoje submersa ao longo da costa, pode ter abrigado uma extensa área de Mata Atlântica há cerca de 21 mil anos, período conhecido como Último Máximo Glacial. A ideia é do casal de biólogos Yuri Leite e Leonora Costa, professores da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), e contraria a visão aceita por muito tempo de que o frio teria forçado o encolhimento da Mata Atlântica e ilhado pequenas populações de plantas e animais em fragmentos isolados de floresta – os refúgios. “A plataforma continental 52  z  fevereiro DE 2016

aparece no Google Maps, mas ninguém pensa nela como parte do continente”, explica o pesquisador. A ideia, lançada por ele e colaboradores em artigo publicado em janeiro na revista PNAS, se baseia no conhecimento de que na Era do Gelo o nível do mar chegou a ser 120 metros mais baixo, e por isso foi batizada de hipótese da Mata Atlântida, em referência ao lendário continente engolido pelo oceano. A proposta surgiu de um encontro de colaborações catalisado pelo Laboratório de Mastozoologia e Biogeografia, coordenado por Leite e Leonora. Trabalhando com modelos ecológicos para inferir

condições passadas, Carolina Loss, em estágio de pós-doutorado no laboratório, teve a ideia de considerar o contorno do continente na época glacial, quando o nível do mar baixou e a costa avançou centenas de quilômetros para leste, expondo 270 quilômetros quadrados da plataforma, o equivalente a três vezes o território de Portugal. Ao mesmo tempo, num projeto em parceria com a bióloga Renata Pardini, da Universidade de São Paulo, e outros colegas, o grupo buscava avaliar a resposta dos pequenos mamíferos à fragmentação da Mata Atlântica. Espera-se que essas situações de redução


leonardo merçon / instituto últimos refúgios

Onde agora há mar na praia de Setiba, no Espírito Santo, o solo já esteve exposto

do hábitat disponível e de isolamento em trechos distantes causem redução populacional e a consequente perda de variedade genética. Mas não era isso que eles viam nos modelos demográficos analisados pela bióloga portuguesa Rita Rocha, também em pós-doutorado na Ufes: não havia uma assinatura genética de redução populacional e todos os cenários eram rejeitados nos modelos computacionais. “Juntei as duas coisas e decidi testar uma situação de expansão da Mata Atlântica”, conta Leite. O modelo acusou ser essa a explicação mais plausível para a diversidade genética detectada em

trechos do DNA de cinco espécies de pequenos mamíferos típicos desse tipo de floresta. As análises indicaram que as espécies se deslocaram para o norte e em menores altitudes, onde a temperatura era mais alta, em concordância com o que outros estudos já tinham indicado. As surpresas foram ver que a área adequada para esses animais estava menos subdividida em fragmentos durante o Último Máximo Glacial do que hoje e no período anterior à glaciação, e que a distribuição dessas espécies avançava pela plataforma então exposta. Os resultados contrariam a teoria dos refúgios,

principal explicação para a formação da diversidade biológica nas florestas brasileiras, sobretudo na Amazônia (ver Pesquisa FAPESP nº 208). Estudos palinológicos feitos há mais de uma década pela bióloga Aline Freitas, atualmente em estágio de pós-doutorado na Universidade de Murcia, na Espanha, sob a supervisão do botânico José Carrión, corroboram a presença de Mata Atlântica no litoral, expandindo-se para a plataforma continental durante o Último Máximo Glacial. Inicialmente na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde fez pós-graduação sob pESQUISA FAPESP 240  z  53


Potencial para expansão Larga na porção centro-sul da costa brasileira, a plataforma continental (em azul claro) se estreita da Bahia para o norte

orientação do biólogo Marcelo Carvalho, ela vem analisando um testemunho retirado do fundo do mar na bacia de Campos, na parte norte do estado fluminense. As amostras de pólen fossilizado retiradas desse material indicam que ali havia um mosaico de árvores, arbustos, samambaias e plantas herbáceas típico da Mata Atlântica e da restinga associada. “Tudo indica que a vegetação dessa região parece não ter sofrido grandes mudanças durante as fases glaciais e interglaciais, senão adaptações de acordo com as variações relativas do nível do mar”, avalia, ressaltando que seus dados ainda não permitem assinar embaixo da hipótese da Mata Atlântida. Colcha de retalhos

Não está descartada a ideia de que trechos isolados de floresta estavam em localizações que lhes permitiram resistir à glaciação e manter, como arcas de Noé, um acervo de animais e plantas que evoluíram separadamente e deram origem à diversidade que se vê hoje. Mas a história deve ter sido muito mais complexa do que isso. “O principal é a topografia como um todo”, explica Leite. As regiões mais a norte, onde os mamíferos incluídos no estudo permaneceram durante a 54  z  fevereiro DE 2016

“Fui percebendo que rio não é barreira na história da Mata Atlântica”, conta Leonora Costa

glaciação, são menos acidentadas e, em parte por isso, teriam permitido uma distribuição mais contínua. O mesmo vale para a plataforma continental, com um relevo mais plano. O biólogo Henrique Batalha-Filho, da Universidade Federal da Bahia (Ufba), coautor do artigo da PNAS, não abandonou os refúgios. No mesmo dia em que a parceria com os colegas da Ufes veio a público, ele teve outro artigo publicado no site da revista Journal of Zoological Systematics and Evolutionary Research.

Nele, o pesquisador infere que as choquinhas-de-garganta-pintada (Rhopias gularis) seguiram o padrão previsto pela teoria dos refúgios para a Mata Atlântica, conforme o modelo proposto em 2008 pela bióloga brasileira Ana Carolina Carnaval, da Universidade da Cidade de Nova York, e pelo australiano Craig Moritz, da Universidade Nacional da Austrália. Batalha conta que, no sul de sua distribuição, essas aves são encontradas no nível do mar. Na porção norte, na Bahia, elas só existem a altitudes acima de 600 metros, o que restringe bastante sua distribuição. Ele não vê contradição entre os dois trabalhos. “No meu ponto de vista, a Mata Atlântica parece ser um mosaico de histórias e cada espécie responde de forma diferente à situação à qual está sujeita”, propõe. Ele começou a pensar nisso durante o doutorado (ver Pesquisa FAPESP nº 210), no qual viu indícios de que espécies de aves passaram por históricos distintos durante a era glacial. Embora ele tenha observado que animais dependentes de floresta, em muitos casos, parecem ter obedecido ao padrão clássico de ter a distribuição restrita a refúgios, outros se mantiveram estáveis. É o caso da ave Myiothlypis leucoblephara (pula-pula-assobiador) estudadas por ele. Especializadas em áreas mais altas, portanto frias, seu hábitat não parece ter rareado durante a glaciação. “Comecei a pensar que as ecologias tinham uma participação importante nessa história.” O novo olhar também permite uma nova interpretação para a divisão que muitos pesquisadores observaram na região do rio Doce, em termos da genética das populações de vários tipos de animais. “Desde o doutorado me debruço sobre o norte e o sul da Mata Atlântica, olhando os rios”, conta Leonora. “Fui percebendo que rio não é barreira na história mais profunda da Mata Atlântica.” Outras feições parecem ser mais importantes nessa região. Ao sul do rio Doce, a serra está muito próxima à costa, enquanto ao norte está mais distante. A plataforma continental tem um estreitamento ao sul desse mesmo rio e mais ao norte, a partir do arquipélago de Abrolhos, se torna muito estreita. Todo esse relevo deverá fazer parte das análises daqui para a frente. “O artigo joga lenha na fogueira e traz mais uma hipótese para ser testada”, afir-


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foto  leonardo merçon / instituto últimos refúgios mapa google maps

Em alguns pontos da costa capixaba a Mata Atlântica avança quase até a água, como na região de Linhares, próximo ao rio Doce

ma a bióloga Maria Tereza Thomé, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro, que não fez parte da pesquisa. A nova visão pode fazê-la olhar seus próprios resultados com outros olhos, já que em estudos com os sapos do grupo Rhinella crucifer ela encontrou resultados condizentes com a hipótese da Mata Atlântida: não detectou flutuações demográficas fortes. Na parte sul da floresta, ao contrário, infere que as populações tenham permanecido estáveis. Em artigo publicado em 2014 na Molecular Ecology, ela e colaboradores sugerem a necessidade de identificar barreiras hoje invisíveis à movimentação dos animais. A proposta da plataforma continental se encaixa. “Para os meus bichos faz todo o sentido”, declara.

Maria Tereza ressalta a importância de ser um trabalho pensado e feito apenas por pesquisadores brasileiros, publicado em um periódico renomado apenas por ser uma boa ideia, e bem exposta. “Na nossa área sofremos com a falta de hipóteses; agora obrigatoriamente todos terão que incluir esta”, prevê. Mas ainda precisará passar por testes para estabelecer-se. “Novas hipóteses são importantes para enriquecer o debate”, avalia o biólogo Fabio Raposo do Amaral, do campus de Diadema da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Para ele, serão necessários estudos com mais espécies e uma abrangência maior no material genético. “Me pergunto se aquele conjunto de dados tem poder estatístico para explorar os eventos em questão, com o grau de precisão necessário para separar períodos que diferem em poucos milhares de anos – precisão que provavelmente apenas dados genômicos podem proporcionar”, ressalva. Batalha, que participou da execução dos testes de cenários históricos de como as populações se mantiveram, usando como base

a teoria da coalescência (que infere as alterações no DNA a partir do presente em direção ao passado), concorda que “essas análises clamam por mais marcadores”. Mesmo enxergando um sinal confiável, ele concorda que o uso de vários trechos do DNA daria mais força à hipótese levantada no trabalho publicado na PNAS. “Talvez nunca se saiba o que aconteceu na Mata Atlântica, mas vamos acrescentando mais pecinhas ao quebra-cabeça”, diz. n Maria Guimarães

Artigos científicos BATALHA-FILHO, H. & MIYAKI, C. Late Pleistocene divergence and postglacial expansion in the Brazilian Atlantic Forest: multilocus phylogeography of Rhopias gularis (Aves: Passeriformes). Journal of Zoological Systematics and Evolutionary Research. on-line. 11 jan. 2016. FREITAS, A. G. de et al. Pollen grains in quaternary sediments from the Campos Basin, state of Rio de Janeiro, Brazil: Core BU-91-GL-05. Acta Botanica Brasilica. v. 27, n. 4, p. 761-72. out./dez. 2013. LEITE, Y. L. R. et al. Neotropical forest expansion during the last glacial period challenges refuge hypothesis. PNAS. v. 113, n. 4, p. 1008-13. 26 jan. 2016. THOMÉ, M. T. C. et al. Barriers, rather than refugia, underlie the origin of diversity in toads endemic to the Brazilian Atlantic Forest. Molecular Ecology. v. 23, n. 24, p. 6152-64. 24 nov. 2014.

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meteorologia y

As sementes ocultas da chuva Pesquisadores encontram as partículas que faltavam para explicar a formação de nuvens na Amazônia

Nuvem de chuva em região de atmosfera limpa sobre a floresta: aerossóis concentrados próximo ao topo

56  z  fevereiro DE 2016


C

o Green Ocean Amazon (GoAmazon) e o Acridicon-Chuva, financiados pela FAPESP, pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas, pelo Instituto Max Planck e pelo governo norte-americano (ver Pesquisa FAPESP nº 217). Capaz de voar à altitude de 15 km, o jato verificou que a maior parte das novas partículas de aerossóis está acima de 8 km – concentrada próximo ao topo das nuvens, que na Amazônia atingem 16 km de altura – nas regiões de floresta preservada. “Procuramos os mecanismos de formação dessas partículas por 20 anos”, conta o físico Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo (USP). “Agora vimos que a maior parte é formada nas nuvens e trazida para a superfície da floresta por correntes de ar descendentes”, explica o pesquisador, que coordena um projeto ligado ao GoAmazon. Os mecanismos de geração desses aerossóis nas nuvens ainda estão sendo estudados e não se sabe o quanto eles explicam das chuvas na Amazônia. Imagina-se que os gases orgânicos emitidos pela floresta entram nas nuvens profundas e, ao subir, empurrados por correntes de ar

ascendentes, congelam a -20 ou -30 graus Celsius e formam esses aerossóis. “A forte interação das nuvens com as emissões da floresta realimenta o ciclo hidrológico mais intenso do planeta”, diz Artaxo. “Em Rondônia, estado que derrubou 60% de suas florestas, a composição e as propriedades dos aerossóis mudam e a chuva é produzida por outros mecanismos.” Em parte dos voos, o avião alemão foi acompanhado por uma aeronave norte-americana que coletava dados a altitudes menores e já havia sobrevoado a floresta meses antes, na estação chuvosa. Somadas aos dados de radares, satélites e sondas meteorológicas, essas informações revelaram dois padrões de nuvens na Amazônia. Sobre as regiões de floresta pouco alterada, quase sem poluição, as nuvens têm menos aerossóis. “Suas gotas concentram-se na base das nuvens, são maiores e crescem mais rápido, gerando chuvas abundantes”, conta o meteorologista Luiz Augusto Machado, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e coordenador do Projeto Chuva, que investigou os tipos e a distribuição das nuvens de chuva no Brasil.

fabio colombini

omeça a ficar mais completa a resposta para uma questão que há duas décadas intriga quem estuda o clima e o padrão de precipitação na Amazônia: onde são produzidas as partículas microscópicas que ajudam a formar as nuvens de chuva na maior floresta tropical do planeta. Anos atrás, surgiu parte da resposta: as sementes das nuvens na Amazônia são partículas em suspensão (aerossóis) de origem orgânica – em especial, formadas a partir da transformação química do gás isopreno emitido pelas plantas –, em torno das quais se condensa o vapor-­ -d’água e se formam as gotas de nuvens (ver Pesquisa FAPESP nº 97). Mas medições feitas por aviões a 4 quilômetros (km) do solo só detectavam uma fração dos aerossóis liberados pela floresta. Agora o restante foi encontrado. As partículas de aerossóis estão nas nuvens, mas não na base delas, como se pensava. Em agosto e setembro de 2014 um jato alemão mediu a composição química e as características físicas das nuvens em 14 voos sobre a Amazônia. As medições integram uma campanha conjunta de dois projetos:

pESQUISA FAPESP 240  z  57


Levantamento identifica a existência de dois padrões de nuvens na Amazônia

0ºC

Nas regiões de atmosfera limpa, a base das nuvens concentra poucas partículas de aerossol e forma gotas de nuvem maiores

Direção da corrente de ar Cristais de gelo e neve Graupel ou granizo

Por colisão, essas gotas crescem rapidamente e se transformam em gotas de chuva, bem maiores, e geram precipitação abundante

Isoterma de 0ºC. Acima desse limite, ocorre acúmulo de gelo, abaixo, de água líquida

Gota de chuva Gota grande de nuvem Gota média de nuvem Gota pequena de nuvem Partículas de aerossol

0ºC

Esse foi o perfil encontrado no entorno de Boa Vista, em Roraima. Nessa região de atmosfera limpa, a base das nuvens continha cerca de 200 gotas por centímetro cúbico (cm3), cada gota com 100 a 1.000 micrômetros de diâmetro. Já na região da floresta que recebe os poluentes de Manaus ou das queimadas, as nuvens têm mais aerossóis. Com mais núcleos em torno dos quais se condensar, a água se distribui em mais gotas (400 por cm3) de menor tamanho (60 micrômetros). Essas gotas demoram mais a ganhar volume e podem evaporar ao invés de chover. Essas nuvens são mais altas, têm mais cristais de gelo e geram raios frequentes. A meteorologista Rachel Albrecht, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, observou ainda que nas regiões poluídas as nuvens de tempestade geram raios de um tipo incomum: positivos, em que a descarga é mais intensa e ocorre de uma só vez. Esses raios são mais frequentes no fim da estação seca, quando há mais queimadas. “Conhecer esses mecanismos é fundamental para alimentar modelos de alta resolução espacial, com melhor capacidade de reproduzir chuvas locais e prever desastres”, diz Machado, que discutirá os dados do Acridicon-Chuva este mês em um workshop em Ilhabela, litoral paulista. “O que estamos observando na região afetada pela pluma de poluentes de Manaus pode indicar o futuro de uma floresta tropical urbanizada”, diz Artaxo. “E é representativo do mecanismo atual de formação de chuva na África ou na Indonésia, onde há muitas cidades em meio à floresta, ou em uma Amazônia mais urbana.” Maria Assunção da Silva Dias, meteorologista do IAG e pesquisadora do GoAmazon, alerta que o que ocorre na Amazônia pode ter impacto global. “Mudanças nas nuvens e nas chuvas da Amazônia”, diz, “afetam o clima ao redor do planeta”. n Ricardo Zorzetto

Projetos

Nas regiões de floresta com poluição urbana ou de queimadas, as nuvens contêm mais aerossóis e formam gotas menores

Essas gotas demoram mais a ganhar corpo e podem evaporar, ao invés de chover. Formam nuvens mais altas, com mais gelo e raios Fonte Rosenfeld D. et al. Science 2008

58  z  fevereiro DE 2016

1. GoAmazon: Interação da pluma urbana de Manaus com emissões biogênica da Floresta Amazônica (nº 2013/05014-0); Modalidade Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais; Pesquisadores responsáveis Paulo Artaxo Netto (IF-USP) e Maria Assunção da Silva Dias (IAG-USP); Investimento R$ 3.246.351,45. 2. Processos de nuvens associados aos principais sistemas precipitantes no Brasil: Uma contribuição à modelagem da escala de nuvens e ao GPM (medida global de precipitação) (nº 2009/15235-8); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Luiz Augusto Toledo Machado (Inpe); Investimento R$ 2.362.708,53.

iustração  fabio otubo

Chuva ou tempestade


QUÍMICA E FÍSICA y

29

À pro Cu   ra N O dos  úmer s mágico S 7

8

16

Produzidos artificialmente, quatro elementos químicos passam a integrar a tabela periódica; segue a busca por outros, mais estáveis Igor Zolnerkevic

fotos  wikipedia

O

ano de 2016 começou com os jornais noticiando a redecoração das paredes dos laboratórios de química em todo o mundo. É que, de um momento a outro, ficaram desatualizados os pôsteres exibindo a famosa tabela periódica, a lista que organiza os elementos químicos conhecidos segundo suas características e propriedades. Em um comunicado à imprensa no dia 30 de dezembro de 2015, a União Internacional de Química Pura e Aplicada (Iupac) e a União Internacional de Física Pura e Aplicada (Iupap) reconheceram oficialmente a existência de quatro elementos químicos descobertos nos últimos anos. São os elementos de número 113, 115, 117 e 118, ainda sem um nome oficial, que se somam aos 114 identificados anteriormente. Os novos elementos químicos são chamados de superpesados porque abrigam em seu núcleo um número elevado de prótons (partículas de carga elétrica positiva), muito superior ao dos elementos químicos encontrados na natureza. É esse conjunto de prótons, o chamado número atômico, que distingue um elemento químico do outro e define muitas de suas características. Por exemplo, o carbono, que constitui a maior parte da massa dos seres vivos, abriga em seu núcleo apenas seis prótons. À temperatura ambiente e puro, o carbono forma cristais que podem ser negros e macios, caso da grafite, ou transparentes e duro, como o diamante, dependendo de

Mendeleev, em 1897: quase três décadas após ordenar os elementos por suas características físico-químicas

pESQUISA FAPESP 240  z  59


como os átomos estão geometricamente organizados. Já o elemento químico natural mais pesado, o urânio, é um sólido metálico bastante denso e radiativo. Tem 92 prótons e, ainda assim, é bem mais leve que os quatro acrescentados agora à tabela periódica. Os novos elementos são dificílimos de observar e não devem existir espontaneamente na natureza – ao menos, não por muito tempo. Por terem núcleos superpesados, são tão instáveis e fugazes que se desfazem em frações de segundo. A existência deles só pôde ser confirmada por meio de uma série de experimentos realizados ao longo da última década. Um dos poucos laboratórios capazes de fabricar esses elementos está no Instituto Riken, no Japão. Foi lá que, em 2004, identificou-se o elemento 113. Outros laboratórios com a mesma capacidade estão no Instituto Conjunto para Pesquisa Nuclear, em Dubna, na Rússia, e em centros nos Estados Unidos. Uma colaboração entre uma equipe de Dubna e pesquisadores norte-americanos, a maioria do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, produziu o elemento 115 em 2004, o 118 em 2006 e o 117 em 2010. Com os quatro novos elementos químicos, somados aos elementos 114 e 116, cuja existência foi reconhecida em 2011, finalmente foram preenchidos todos os espaços vagos na sétima linha da tabela periódica. “Só nos últimos 50 anos, 17 novos elementos químicos foram acres3

89

Em 1789, o Tratado elementar de química, de Lavoisier, listava apenas 33 elementos

centados à tabela, do 102 ao 118”, diz o físico Edilson Crema, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP). “Quando o químico francês Antoine Lavoisier publicou em 1789 o Tratado elementar de química, considerado um marco da química moderna, a obra listava apenas 33 elementos”, observa o químico e historiador da ciência Carlos Alberto Filgueiras, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Naquela época a identificação de novos elementos químicos dependia do desenvolvimento de produtos e métodos de extração para estudar os minerais. “A análise das propriedades de novos mi-

nerais muitas vezes revelava a presença de um elemento químico até então desconhecido”, explica. A tabela periódica só surgiria no final dos anos 1860. Os químicos já haviam então percebido que os elementos, enfileirados em ordem crescente de massa atômica (a soma de seus prótons e nêutrons), formavam séries com propriedades físicas e químicas semelhantes, que se repetiam periodicamente ao longo da fila. A partir dessas observações, o químico russo Dmitri Mendeleev ordenou os 65 elementos identificados até então no que chamou de tabela periódica dos elementos químicos. Ele previu a existência de outros, como o gálio e o germânio, só descobertos anos depois. Depois de preencherem quase todas as lacunas da tabela periódica entre o hidrogênio, que tem 1 próton, e urânio, com 92, começou-se a usar aceleradores de partículas nos anos 1940 para tentar produzir elementos químicos mais pesados que o urânio. Os primeiros elementos químicos sintéticos eram formados pela adição de um nêutron, que, ao aderir ao núcleo, converte-se em um próton, liberando um elétron e um neutrino. Essa estratégia funcionou até o férmio, que tem 100 prótons. A partir daí, os elementos pesados passaram a ser criados pela colisão e fusão de dois núcleos mais leves. A produção desses elementos exige um ajuste fino entre as massas dos núcleos e a energia com que são lançados

7

O Li ver S Ac ks e os eleme N tos A tabela periódica sempre provocou

“(...) Desde muito pequeno minha

presença – uma presença muito próxima,

grande admiração em profissionais

tendência é lidar com a perda – a perda

impossível de negar –, volto a me cercar

de todas as áreas. Nos dois

de pessoas que me são caras – voltando-

como quando menino, de metais e

últimos anos antes de morrer,

-me para o que não é humano. Quando

minerais, pequenos emblemas da

em agosto de 2015, o escritor e

me mandaram para um colégio interno

eternidade. Numa ponta da mesa de onde

médico neurologista inglês Oliver

aos seis anos, na eclosão da Segunda

escrevo tenho o elemento 81 em uma

Sacks escreveu alguns artigos de

Guerra Mundial, os números se tornaram

graciosa caixa que amigos dos elementos

caráter afetivo sobre sua vida.

meus amigos; retornei a Londres,

me mandaram da Inglaterra. Ela diz: ‘Feliz

Um deles, “Minha tabela periódica”,

aos dez, e os elementos e a tabela

Tálio Aniversário’, uma lembrança do meu

fala do entusiasmo que sempre

periódica passaram a ser meus

81º aniversário em julho passado; depois

teve pelos elementos. O artigo

companheiros. Épocas difíceis ao longo

vem um reino dedicado ao chumbo,

faz parte do livro Gratidão,

de toda a minha existência levaram-me

elemento 82, para o meu 82º aniversário,

publicado pela Companhia das

a buscar as ciências físicas ou retornar

celebrado no começo deste mês. Também

Letras, com tradução de Laura

a elas: um mundo onde não há vida,

há uma caixinha de chumbo contendo o

Teixeira Motta. A seguir, trechos

mas também não há morte.

elemento 90, tório, o cristalino tório, belo

em que Sacks fala de sua paixão pela tabela periódica.

60  z  fevereiro DE 2016

E agora, a esta altura, quando a morte já não é um conceito abstrato mas uma

como o diamante e, obviamente, radioativo – daí a caixa de chumbo. (...)


Lantanídeos Actinídeos

uns contra os outros. É que a colisão tem de ocorrer com energia suficiente para vencer a força de repulsão entre os núcleos, que têm carga elétrica positiva. Mas a energia não pode ser elevada demais a ponto de impedir a formação de um núcleo maior e estável, ainda que por instantes. O objetivo dos físicos não é apenas fabricar elementos químicos novos. Essa é também uma forma de testar as teorias sobre como prótons e nêutrons interagem e a matéria se comporta num nível ainda mais elementar. Essas teorias explicam como os elementos mais

(...) Vizinha do círculo de chumbo na

Completa, por ora: elementos incorporados preenchem os últimos espaços vagos e são conhecidos por seus números (113, unúntrio; 115, unumpêntio; 117, ununséptio; e 118, ununóctio)

leves – como hidrogênio, hélio e lítio – se formaram na explosão que teria dado origem ao Universo, o Big Bang, e depois produziram os demais elementos por fusão nuclear no interior de estrelas e durante as explosões que as extinguem. O núcleo dos átomos é uma região em constante tensão. Os prótons se repelem

pouco badalado, ignorado até por muitos

mesa fica a terra do bismuto: encontrado

amantes dos metais. Meu sentimento

naturalmente na Austrália; pequeninos

de médico pelos maltratados ou

lingotes de bismuto em formato de

marginalizados estende-se ao mundo

limusine vindos de uma mina boliviana;

inorgânico e encontra um paralelo no

bismuto resfriado lentamente numa

meu sentimento pelo bismuto.

fundição para dar origem a belos cristais

É quase certeza que não verei meu

iridescentes, formados como uma aldeia

aniversário polônio (84º), e eu não iria

Hopi; e, em homenagem a Euclides

mesmo querer nenhum polônio por perto,

e à beleza da geometria, um cilindro e

com sua radioatividade intensa e

uma esfera feitos de bismuto.

assassina. Porém, na outra ponta da

O bismuto é o elemento 83. Acho que

mesa – minha tabela periódica –, tenho

não verei o meu 83º aniversário, mas me

um belo pedaço de berilo (elemento 4)

dá uma certa esperança, um certo

trabalhado à máquina, para me lembrar

encorajamento, ter o ‘83’ por perto. Além

da infância e de há quanto tempo

do mais, tenho um carinho especial pelo

começou esta minha vida, que se

bismuto, um metal cinzento humilde,

encerrará em breve.”

mutuamente por terem carga elétrica de mesmo sinal, positiva. Só se mantêm unidos pela ação de uma força contrária, de atração: a força nuclear forte. Esse equilíbrio entre essas forças é bastante delicado. Segundo Crema, os núcleos, além de prótons, contêm certo número de nêutrons, partículas eletricamente neutras. “Os nêutrons são uma espécie de estabilizadores nucleares”, diz. “Núcleos com muitos prótons exigem um número ainda maior de nêutrons em relação ao número de prótons, o que torna mais difícil formar núcleos superpesados.” Uma teoria chamada de modelo de camadas propõe que, no núcleo dos átomos, os prótons e os nêutrons se encontram organizados em camadas concêntricas, cada uma delas comportando um número máximo de partículas – o chamado número mágico. De acordo com esse modelo, quanto mais completa a camada externa de um núcleo, mais estável ele é. Essa ideia, em princípio, explica por que alguns núcleos pesados se desmancham facilmente enquanto outros existem por mais tempo. Os físicos esperam fabricar elementos contendo números mágicos de partículas. Eles teriam chance de se manter estáveis por vários anos e permitiriam iniciar uma oitava ou até mesmo nona linha na tabela periódica. “Mas isso”, diz Crema, “ainda é só conjectura e esperança”. n pESQUISA FAPESP 240  z  61


INFORME PUBLICITÁRIO

ED. 01 - FEVEREIRO 2016

BRASIL, o país do futuro, é o país da ciência, tecnologia e inovação

I

ndicadores mostram que a Ciência, a Tecnologia e a Inovação no Brasil crescem a cada ano. Entre 1985 e 2014, houve um aumento de 93% na produção de artigos científicos no País. De 1985 a 1989, essa produção representava apenas 0,5% da inovação mundial. De 2010 a 2014, passou a equivaler a 2,76%. Esses resultados são fruto do investimento do Governo Federal em bolsas de pesquisa como as do CNPq e da Capes, nos institutos de pesquisa do MCTI, na Embrapa, na Fiocruz, entre outros.

O investimento brasileiro em Ciência e Tecnologia saltou de cerca de R$ 15 bilhões, em 2000, para mais de R$ 85 bilhões em 2013. E o investimento em Pesquisa e Desenvolvimento aumentou de cerca de R$ 12 bilhões, em 2000, para R$ 65 bilhões em 2013. Neste Informe Publicitário do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e nas próximas edições você vai conhecer as descobertas e tecnologias brasileiras que estão conquistando o mundo e conferir os resultados que estão elevando o Brasil a um novo patamar.

Equipamento zela pela vida de populações em áreas de risco de deslizamento

E

quipamento que detecta a movimentação de terra dos morros, Estação Total Robotizada (ETR), é instalado na Escola Municipal do Alto da Independência, em frente de encostas e áreas vulneráveis a deslizamentos de um dos bairros mais populosos de Petrópolis (RJ), com cerca de 60 mil moradores. Além do ETR, 100 prismas, equipamentos que refletem o sinal de infravermelho emitido pela ETR, indicando qualquer tipo de movimentação de terra, também foram implantados próximos às moradias, terrenos e rochas. Ainda na Região Serrana do Rio de Janeiro, os próximos municípios a receber os ETR são Nova Friburgo, Teresópolis e Angra dos Reis. Entre março e abril, estão previstas as instalações dos sensores geotécnicos em Salvador e Recife. As cidades de Mauá e Santos (SP) e Blumenau (SC) já contam com equipamentos. Essa importante iniciativa do Projeto de Monitoramento de Morros para Prevenção de Riscos de Deslizamentos do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden/

MCTI) e os esforços de educação e percepção de risco de desastres naturais, segundo a diretora substituta do Cemaden, Regina Alvalá, nos permitem alcançar o mesmo patamar dos países mais avançados em monitoramento.


INFORME PUBLICITÁRIO

Satélite sino-brasileiro CBERS observando o Brasil por outro ângulo

A

busca por meios mais eficazes e econômicos motivou o Brasil a desenvolver satélites de sensoriamento remoto para monitorar o meio ambiente, verificar desmatamentos, desastres naturais, a expansão da agricultura e das cidades e outras aplicações. Mas devido aos altos custos dessa tecnologia e para não depender de imagens fornecidas por equipamentos de outras nações, o governo do Brasil realizou um acordo com a China, em 1988, envolvendo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e a Academia Chinesa de Tecnologia Espacial (CAST). Esse acordo previa o desenvolvimento de um programa de construção de satélites avançados de sensoriamento remoto, denominado Programa CBERS (China-Brazil Earth Resources Satellite).

Câmera MUX, primeira câmera para satélite totalmente nacional A MUX é um dos projetos espaciais mais sofisticados realizados no Brasil. Assim como os demais equipamentos, partes e componentes do satélite que couberam ao País na parceria sino-brasileira, a câmera foi desenvolvida pelo INPE por meio de contratos com a indústria nacional, um investimento que se traduz na criação de empregos especializados e crescimento econômico.

O Programa avançou e, recentemente, especialistas brasileiros e chineses concluíram que o projeto do CBERS-4A, sexto satélite sinobrasileiro, deve seguir para a fase de fabricação dos modelos de voo de seus subsistemas e equipamentos. Com lançamento previsto para dezembro de 2018, o satélite levará a bordo três câmeras – uma chinesa e duas brasileiras. As câmeras brasileiras serão réplicas da WFI e da MUX que estão a bordo do CBERS-4, lançado em 2014. As imagens obtidas com a MUX, a bordo do CBERS-4, têm contribuído para o monitoramento dos impactos causados no rio Doce pelo rompimento da barragem de rejeitos de mineração em Mariana (MG).

IMAGEM DA CÂMERA MUX DO CBERS-4 (07/12/2015) DA FOZ DO RIO DOCE, NO LITORAL DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, MOSTRANDO PARTE DA PLUMA DE SEDIMENTOS E LAMA DE REJEITOS DE MINÉRIO

Marco Legal da desburocratização da ciência, tecnologia e inovação

S

e uma tecnologia revolucionária só for certificada após anos de tramitação burocrática, perde o seu caráter de vanguarda. É por isso que a comunidade científica brasileira está comemorando o novo Marco Legal de CT&I, Lei No 13.243 de 11/01/2016. Agora as ações entre os setores público e privado, que formam o sistema de CT&I, serão mais ágeis, flexíveis e menos burocráticas. O Marco também permite maior aproximação entre universidades e empresas para dinamizar a pesquisa, o desenvolvimento tecnológico e a inovação no País. Segundo a presidenta da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader, “esse novo marco põe o Brasil realmente na rota da inovação. Para nós, da ciência, é um dia de grande festa.”

Capital intelectual e a cooperação entre empresas e órgãos públicos Um importante avanço do novo Marco Legal da CT&I é a introdução do conceito de capital intelectual como um ativo a ser objeto de cooperação entre empresas e órgãos públicos. A lei ainda amplia o tempo máximo que os professores das universidades federais poderão trabalhar em projetos institucionais de ensino, pesquisa e extensão, ou exercer atividades de natureza científica e tecnológica.

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tecnologia  NANOGEOCIÊNCIA y

Poços de petróleo

mais produtivos 64  z  fevereiro DE 2016


Estudos indicam que nanopartículas de sílica podem aumentar o volume de óleo e gás extraídos dos reservatórios

petrobras

E

Yuri Vasconcelos

mpregar a nanociência para elevar a co (CO2) e nitrogênio para deslocar o petróleo produtividade de poços de petróleo, ex- ainda presente no reservatório. Esses fluidos traindo de reservatórios submarinos são introduzidos nos poços a certa distância do e continentais o óleo que não é recu- local de produção e têm ação puramente mecâperado pelos métodos tradicionais, é o nica, empurrando o óleo em direção à coluna objetivo dos estudos do físico Caetano Miranda, de perfuração. Nesse processo de recuperação professor do Departamento de Física de Materiais secundária do óleo chega-se à média de 35% do e Mecânica do Instituto de Física da Universidade volume extraído na maioria dos poços do planeta. de São Paulo (IF-USP). A ideia central do pesquiA partir desse ponto, se estudos das petrolíferas sador, que recorre à modelagem computacional comprovarem que há viabilidade econômica, elas para simular o interior de poços de petróleo em continuam explorando o reservatório, injetando escala micro e nanométrica, é usar nanopartículas no poço surfactantes para fazer o deslocamento de óxidos, como a sílica, impregnadas com sur- do óleo residual. “Surfactante é um produto sefactantes – substâncias utilizadas pelas empresas melhante ao sabão que altera as interfaces entre o petrolíferas na exploração das reservas – para ex- óleo, a rocha e a água salgada, os três componentrair o petróleo aderido às rochas que formam os tes do sistema. Ele diminui as tensões interfaciais reservatórios. Hoje, apenas 35% do óleo contido desses componentes nos reservatórios, modifinos poços é extraído, em média. A finalidade da cando a viscosidade do óleo e fazendo com que nova técnica é dobrar esse percentual. se desloque mais facilmente”, explica Miranda. Para compreender como as nanopartículas Essa substância, porém, apresenta dois problede sílica irão atuar na exploração petrolífera, é mas. O primeiro é o custo elevado. A petrolífera preciso entender que tanto o óleo quanto o gás precisa usar grandes volumes de surfactante, o não estão armazenados em bolsões ou grandes que implica uma complexa logística de transcavernas subaquáticas ou subterrâneas. O óleo e porte, porque a maioria dos poços se encontra o gás se acumulam em espaços vazios de rochas em lugares remotos. O segundo problema é que sedimentares porosas, como se fossem água em surfactantes são intolerantes à alta salinidade e uma esponja encharcada. Quando o poço é per- à elevada temperatura. Nessas condições, eles furado, parte do óleo flui naturalmente, por causa precipitam, depositando-se na superfície das da diferença de pressão – mais elevada no reser- rochas. Quando isso acontece, eles não alteram vatório e menor na superfície. “Nessa recuperação a viscosidade do óleo residual, essencial para primária, são extraídos em torno de 5% a 15% do sua recuperação. As pesquisas com uso de modelagem computatotal de hidrocarbonetos armazenados no depósito. Esse percentual varia conforme certos fatores, cional feitas por Miranda recaem justamente na escolha do melhor material para fazer entre eles o tipo de rocha que forma o o papel de surfactante. O pesquisador reservatório e características do óleo, Antes de testar nos estuda nanopartículas capazes de aucampos petrolíferos como sua viscosidade, por exemplo”, as soluções para xiliar na extração de óleo e gás retiexplica Miranda. retirar mais óleo das dos em nanoporos e microporos das No momento em que o poço começa rochas, é preciso rochas e, ao mesmo tempo, procura a reduzir sua produção, as petrolífefazer a simulação em compreender o comportamento descomputador ras injetam nele água, gás carbônipESQUISA FAPESP 240  z  65


Óleo

Ilustração realizada em computador simula o fluxo de óleo entrando em um nanoporo na rocha, preenchido inicialmente com água salgada. Oléo e água se misturam no nanoporo

66  z  fevereiro DE 2016

A nanopartícula de sílica, em si, altera a interface entre o óleo, a rocha e a salmoura, mas com o acréscimo de um surfactante essa ação fica mais Rocha eficaz”, diz Miranda. “Queremos entender por que ele altera a molhabilidade do óleo.” Molhabilidade é a capacidade de um líquido em manter contato com uma superfície sólida quando os dois são colocados juntos. “Recorremos à simulação em Nanoporo computador por causa do custo-benefício. Fazer Água os ensaios dos surfactantes nos reservatórios seria custoso e demorado demais.” No caso de funcionar com as nanopartículas de sílica, a quantidade e o custo do surfactante serão bem menores em relação ao volume utilizado sozinho. Outra vertente da pesquisa é estudar nanoestruturas que possam ser empregadas para “iluminar” os campos de petróleo, extraindo mais informações dos reservatórios, como, por exemplo, detalhes sobre a porosas nanoestruturas. “Não sidade das rochas, os fluidos presensabemos o que ocorre com tes nelas, a composição química e as o petróleo ou o gás natural condições de temperatura e pressão quando eles estão confinaSimulações do ambiente. Essas informações são dos nos nanoporos. Sequer essenciais para as tomadas de deciconhecemos o percentual são mais são da equipe de engenharia de prode óleo e gás retido neles”, baratas e têm dução. O uso de nanopartículas, sediz Miranda. gundo Miranda, poderia aprimorar O emprego da nanociênmenos riscos a resposta da ressonância magnética cia na indústria do petrófeita durante a perfuração – a técnileo, segundo o professor que os ca é empregada para mapeamento da USP, surgiu em 2008 a dos depósitos. Para isso, nanopartípartir de uma demanda da experimentos culas seriam injetadas no poço junto Sociedade de Engenheiros em laboratório com a água, servindo como agentes do Petróleo (SPE, na sigla de contraste. “De uma maneira geral, em inglês) e se insere em nossos estudos buscam uma melhor um campo interdisciplicompreensão, em escala molecunar mais amplo, a nanolar, dos mecanismos e fenômenos geociência. Ela estuda os fenômenos que ocorrem em nanoescala em ma- que ocorrem em poços de petróleo. Queremos teriais geológicos e tenta entender os efeitos de ter uma visão atomística do processo e verificar sistemas nanoestruturados ou nanoconfinados as consequências em escalas maiores”, afirma. em escalas maiores. Segundo o pesquisador, em 2008 as nanopartículas de sílica já eram usadas Códigos computacionais comercialmente em outras áreas, como biome- Três teses de doutorado, quatro dissertações de dicina e catálise, na síntese de novos materiais. mestrado e mais de uma dezena de artigos fo“A questão era saber como essas nanoestruturas ram produzidos nos últimos oito anos no âmbito se comportariam nas condições extremas dos re- das pesquisas de Caetano Miranda. Seu trabalho servatórios, onde a temperatura atinge 400oC e tem vinculação com um projeto de quatro anos a pressão ultrapassa 200 atmosferas (atm). Pre- financiado pela FAPESP e coordenado pelo físico cisávamos saber se seriam capazes de modificar Alex Antonelli, do Instituto de Física Gleb Waa interação entre o óleo, a rocha e a salmoura”, taghin da Universidade Estadual de Campinas explica. “Nossos estudos indicaram que as nano- (Unicamp). “Nosso projeto tem como finalidade partículas de sílica poderiam ser potencialmente estudar uma varidade de propriedades da matéria condensada por meio da modelagem computacioutilizadas para extração do óleo.” O trabalho também teve como desafio tornar nal. Caetano utiliza as mesmas ferramentas que funcionais as nanopartículas de sílica com um sur- empregamos e, por isso, podemos compartilhar factante, a fim de potencializar sua ação. “A partir tanto os computadores quanto os códigos comde simulações moleculares, tentamos descobrir putacionais”, afirma Antonelli. “Em princípio, qual seria o melhor produto a ser adicionado na podemos compreender no computador, que funnanoestrutura, já que existem muitos no mercado. ciona como um laboratório virtual, os processos


Extração gota a gota Os poços de petróleo não são bolsas bem definidas com óleo dentro. Depois de extraído o óleo superficial é preciso retirar aquele que fica preso às rochas

Petróleo Nanossílica + CO2

Superficial

profundo

De 5% a 15% são retirados pela fluidez natural do poço. Depois são injetados água, CO2 ou nitrogênio

A pressão exercida faz desprender o óleo aderido às rochas porosas dos poços

Nanopartículas

Mais óleo

Os pesquisadores da USP, Unicamp e Petrobras querem injetar também nanopartículas de sílica

A sílica modifica a interface entre a água do mar, as rochas e o óleo faciltando a extração

já conhecidos e possivelmente melhorá-los de uma forma mais barata, sem ter que testar uma nova ideia na prática.”

imagem  lucas stori de lara / james moraes de almeida/ caetano miranda ilustraçãO alexandre affonso

APOIO DAS PETROLÍFERAS

Além da FAPESP, Miranda também recebe financiamento da Petrobras. Suas pesquisas se inserem no programa de Redes Temáticas da estatal, instituído em 2006 e executado em parceria com pesquisadores de universidades e instituições nacionais de pesquisa. “O trabalho do professor Caetano faz parte da Rede Temática Recuperação Avançada de Petróleo”, afirma a engenheira de petróleo Lua Selene Almeida, do Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes). “É um estudo muito avançado e de fronteira. Ele está nos ajudando a modelar fenômenos físicos que ocorrem nos poços de petróleo numa escala bem distinta daquela que estudamos em nossos laboratórios”, diz a pesquisadora. Outra fonte de financiamento dos estudos vem do Advanced Energy Consortium (AEC), consórcio internacional de empresas do setor de petróleo, entre elas a anglo-holandesa Shell, a inglesa British Petroleum (BP), a norueguesa Statoil, a espanhola Repsol, a francesa Total e a Petrobras, voltado ao financiamento de nanociência aplicada à indústria do petróleo. O projeto apoiado pela AEC contou com a participação de pesquisadores da Universidade de Austin, no Texas, um impor-

tante centro de estudos no setor de óleo e gás. “Enquanto nosso grupo fazia as simulações em computador, eles se encarregavam da parte experimental”, diz Miranda, destacando que testes laboratoriais e ensaios experimentais, etapas que precedem aos experimentos com as nanopartículas de sílica nos campos de petróleo, também serão realizados em breve no IF-USP. “As simulações computacionais são muito mais baratas e apresentam menos riscos do que os experimentos de laboratório”, diz a química Flávia Cassiola, pesquisadora brasileira da Shell Internacional, Produção e Exploração, em Houston, nos Estados Unidos. “A indústria do petróleo tem todo o interesse que os métodos se aprimorem, proporcionando a inclusão de mais características dos reservatórios na simulação. A Shell possui vários grupos dedicados à simulação computacional em seus centros de tecnologia e inovação e o professor Caetano é a nossa referência no assunto. O trabalho dele tem nos auxiliado no desenvolvimento e aprimoramento de métodos avançados de recuperação de petróleo e gás natural”, diz Flávia. n Projeto Modelagem computacional da matéria condensada: uma abordagem em múltiplas escalas (nº 2010/16970-0); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Alex Antonelli (IFGW-Unicamp); Investimento R$ 356.196,00 e US$ 225.400,00.

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Indústria Sucroalcooleira y co2

Resíduos reciclados Óleo fúsel e CO2 gerados na fabricação de

co2

co2

etanol podem ser aproveitados na produção de substâncias químicas de uso industrial Evanildo da Silveira

Óleo fúsel

L

íquido viscoso, de cor amarelada e odor desagradável, o óleo fúsel é o menos conhecido dos resíduos da indústria sucroalcooleira. Para cada mil litros de etanol são gerados, em média, 2,5 litros de fúsel. O composto é formado por vários álcoois em que apenas uma pequena parte dos cerca de 80 milhões de litros produzidos no Brasil a cada ano é destinada à fabricação de um tipo de álcool chamado isoamílico. Outra parte é queimada para gerar energia para as usinas. As indústrias, no entanto, não informam o quanto é transformado em isoamílico, a porcentagem queimada e a quantidade descartada. Com o objetivo de reaproveitar melhor esse resíduo, dois grupos de pesquisa estudam o óleo fúsel para transformá-lo em um produto de maior valor. Em um dos grupos, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista (FCT-Unesp), campus de Presidente Prudente, o professor Eduardo René Pérez González coordena um projeto que propõe a reciclagem em um processo único do óleo fúsel e do dióxido de carbono (CO2), um dos gases do efeito estufa, também gerado nas usinas. Em estudo publicado na revista RSC Advances da Royal Society of Chemistry, o grupo da Unesp indica que o processamento dos dois rejeitos pode levar à produção de carbonatos de alquila para

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uso em aditivos de combustíveis, fármacos e fungicidas. “Nosso objetivo é agregar valor a esses resíduos ao combiná-los para formar compostos químicos com diversas utilidades potenciais ou já conhecidas”, explica González. “Nos países mais desenvolvidos, o que mais se busca é dar uma solução para o CO2. Aqui conseguimos em escala laboratorial. As principais substâncias obtidas são os carbonatos de alquila, que em princípio podem ser considerados como agentes intermediários em síntese orgânica de outras substâncias químicas.” Isso significa que elas podem servir para, entre outras aplicações, produzir carbamatos, potenciais fungicidas para proteção de plantações de cana ou de outras culturas. A aluna de doutorado Fernanda Stuani, orientanda de González no Laboratório de Química Orgânica Fina (LQOF) da FCT-Unesp, explica que durante os experimentos foram testados dois processos. “No primeiro, destilamos o fúsel para extração dos álcoois isoamílicos, com os quais se produzem carbonatos de alquila. Como seria difícil viabilizar economicamente esse processo, porque as usinas teriam primeiro de destilar o óleo para depois produzir o carbonato, também tentamos, no segundo processo, fazer isso direto do fúsel.” Nos experimentos, foi usado dióxido de carbono adquirido comercialmente, mas a ideia é aprovei-

O resultado do experimento na Unesp é a produção de carbonatos de alquila e depois carbamatos que podem ser utilizados na fabricação de fungicidas e fármacos

co2

co2


ilustraçãO ana paula campos

co2

carbonatos

carbamatos

tar o que é gerado nas usinas durante a produção de etanol. “Mais adiante, com a colaboração de engenheiros químicos e ambientais, tentaremos fazer um estudo para levar essa tecnologia a uma escala maior de trabalho”, acrescenta González. informações e descarte

O outro grupo que estuda o destino do fúsel é coordenado por Eduardo Augusto Caldas Batista, professor da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (FEA-Unicamp). São projetos que visam obter o álcool isoamílico com tecnologias mais avançadas – o produto tem aplicações nas indústrias de tintas, plastificantes, perfumaria e de alimentos. Para ele, uma das dificuldades para realizar as pesquisas é a escassez de informações sobre o aproveitamento do fúsel. “Como o mercado desse resíduo não está bem estabelecido, é difícil obter informações sobre preço, utilização e destino”, diz. De acordo com o pesquisador, sabe-se que o resíduo pode ser adicionado ao etanol combustível. Mas não se sabe o que as empresas sucroalcooleiras fazem com ele, exatamente, nem como é descartado. “Como é altamente tóxico, esse resíduo não pode ser descartado sem tratamento no meio ambiente.” No trabalho de Batista, a proposta é estudar configurações de processo para produção de ál-

cool isoamílico integrada à produção de etanol a partir do óleo residual. “As configurações podem ser acopladas à produção convencional de etanol ou ainda em sistemas independentes”, diz. “A linha de pesquisa começou em 2010 e continuou em 2012 com o projeto de doutorado do estudante Magno José de Oliveira”, conta Batista. Ao longo dos estudos foram desenvolvidas três configurações de processo para recuperar o isoamílico, que faz parte da composição do óleo. O estudo resultou em um artigo em 2013 na revista Industrial and Engineering Chemistry Research. O projeto de Oliveira propõe duas configurações de processo: uma integrada a uma planta de produção de etanol hidratado e outra que, além de obter isoamílico do óleo, também consegue recuperar butanol e etanol presentes no resíduo. “Esses dois processos estão com depósitos de pedido de patente no INPI [Instituto Nacional de Propriedade Industrial]”, diz Batista. O professor Antonio Aprigio da Silva Curvelo, do Instituto de Química de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP), conta que a captura e a utilização de dióxido de carbono vêm sendo estudadas há anos. “Quanto ao aproveitamento do óleo fúsel, ainda não se mostrou importante do ponto de vista industrial, embora possa encontrar algumas aplicações”, diz Curvelo. Para ele, o maior mérito do trabalho é a contribuição acadêmica como rota alternativa para o uso dessas matérias-primas e a elucidação dos mecanismos envolvidos nas reações estudadas. n

Projetos 1. Estudo de reações de síntese limpa e modificação química do biodiesel e óleo fúsel para preparação de carbonatos e carbamatos orgânicos utilizando dióxido de carbono na presença de organocatalisadores e catalisadores heterogêneos (nº 2013/24487-6); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Eduardo René Pérez González (FCT-Unesp); Investimento R$ 106.024,75 e US$ 58.568,54. 2. Phase equilibrium and purification processes in the production of biofuels and biocompounds (nº 2008/56258-8); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Programa Bioen – Projeto Temático-Pronex; Pesquisador responsável Antônio José de Almeida Meirelles (FEA-Unicamp); Investimento R$ 1.307.138,81 e US$ 629.087,74.

Artigos científicos Pereira, F. S. et al. Cycling of waste fusel alcohols from sugar cane in­dustries using supercritical carbon dioxide. RSC Advances. v. 5, n. 99, p. 81515-22. 2015. Ferreira, M. C. et al. Study of the fusel oil distillation process. Industrial and Engineering Chemistry Research. v. 52, n. 6, p. 2336-51. 2013.

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CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS y

O cosmético que vem da Caatinga Estudo suíço-brasileiro mostra que o umbu, fruto do sertão nordestino, pode dar origem a um creme que age contra o envelhecimento da pele

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da Universidade de Genebra (Unigen), na Suíça, e do Centro de Inovação e Ensaios Pré-Clínicos (CIEnP), empresa privada sem fins lucrativos com sede em Florianópolis (SC). “O estudo fornece a primeira documentação completa sobre o isolamento de compostos da polpa do umbu, com propriedades antioxidantes e rejuvenescedoras da pele”, explica Maria Luiza Zeraik, que atuou na equipe quando fazia pós-doutorado. Atualmente, ela é professora do Departamento de Química do Centro de Ciências Exatas da Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Paraná. “Um aspecto relevante do nosso estudo é promover uma inovação tecnológica com valor social para a região Nordeste”, diz Maria Luiza. O umbuzeiro é importante na Caatinga porque dá frutos durante a estação seca e representa uma fonte de renda para a população local. A pesquisa contou com recursos dos governos suíço e brasileiro e teve financiamento da FAPESP por meio de uma bolsa de pós-doutorado, concedida à Maria Luiza, além de um projeto do Sisbiota, programa do CNPq em parce-

ria com a Fundação. A partir de 2014, o estudo integrou a carteira de projetos do Centro de Pesquisa e Inovação em Biodiversidade e Fármacos (CIBFar), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da FAPESP, coordenado por Glaucius Oliva, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IFSC-USP) de São Carlos. Dois pedidos de patentes foram depositados no Brasil e no exterior. Eles são pertinentes ao processo de extração e isolamento de compostos presentes na polpa do umbu relativos às propriedades antioxidantes, à inibição da acetilcolinesterase, enzima que promove as ligações (sinapses) entre os neurônios. “As substâncias relacionadas à acetilcolinesterase poderiam, no futuro, originar um medicamento ou um suplemento alimentar para tratar a perda da memória, quadro comum em idosos”, diz Vanderlan. Foco na biodiversidade

As descobertas sobre o umbu fizeram parte de um estudo mais amplo com o objetivo de investigar as propriedades de 22 frutos pertencentes à biodiversidade

eduardo cesar

T

ípico da Caatinga, o umbu, fruto do umbuzeiro, é conhecido por suas ricas propriedades nutricionais, com destaque para o elevado teor de vitamina C, alto índice aquoso e vários componentes voláteis, especialmente nos frutos maduros. No sertão nordestino, ele é largamente consumido in natura ou processado, na forma de polpa, geleia, doce ou sorvete. Recentemente, um grupo de cientistas brasileiros e suíços concluiu um estudo que revelou novas propriedades dessa fruta arredondada, de casca aveludada e sabor levemente azedo. Eles descobriram que o umbu (Spondias tuberosa) é rico em compostos fenólicos com atividade antioxidante, o que faz dele um insumo potencial para fabricação de cosméticos com ação sobre o envelhecimento da pele, como cremes antirrugas ou contra flacidez. Duas das substâncias identificadas são inéditas. Coordenada pela farmacêutica Vanderlan da Silva Bolzani, professora do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (IQ-Unesp) de Araraquara, a pesquisa teve a participação


O umbu é um dos 22 frutos estudados para a verificação das propriedades químicas e possível uso em cosméticos e na indústria alimentícia

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brasileira visando a seu potencial uso na indústria de cosméticos e de alimentos. Esse projeto fez parte do Convênio Bilateral entre Brasil e Suiça, ou Brazilian Swiss Joint Research Programme (BSJRP), coordenado no lado brasileiro pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O projeto foi iniciado em 2011 e concluído em 2014, no IQ-Unesp, responsável pela triagem química e biológica inicial de frutos nativos ou endêmicos das regiões Norte e Nordeste do país. Além do umbu, também estão na lista do estudo as frutas bacuri, ciriguela, mangaba, pitomba e cajá, entre outras. “O processo de preparo de amostras dos frutos, a extração dos componentes químicos por métodos analíticos usuais e os ensaios químicos preliminares dos extratos foram feitos no nosso laboratório NuBBE [Núcleo de Bioensaios, Biossíntese e Ecofisiologia de Produtos Naturais, laboratório com selo verde que excluiu o uso de solventes clorados e outros derivados de petróleo em muitas etapas de extração e purificação]”, explica Vanderlan, que também é membro da coordenação do Programa Biota FAPESP, cujo objetivo é mapear e analisar a biodiversidade paulista e avaliar as possibilidades de exploração sustentável de plantas ou de outros organismos com potencial econômico. “Todas as partes dos frutos [cascas, polpas, sementes] foram analisadas, resultando em mais de 100 extratos. Dentre eles, separamos alguns bastante ativos e a polpa do umbu mosDepois dos testes positivos trou-se excelente pae um prêmio, falta agora ra iniciar a pesquisa.” Outros frutos – cujos o interesse de uma empresa nomes são mantidos em sigilo pelo grupo – também apresentaram atividades de interesse e serão es- atividade de inibição da acetilcolinestudados posteriormente. terase, enzima-alvo para o tratamenA parceria com a Universidade de Ge- to da doença de Alzheimer”, destaca o nebra, um importante centro europeu farmacêutico brasileiro Emerson Queide pesquisa em produtos naturais, teve roz, professor da Escola de Ciências um orçamento de 173,4 mil francos suí- Farmacêuticas da Unigen, na Suiça. ços (equivalentes a atuais R$ 700 mil), Os ensaios biológicos in vitro com os divididos entre os governos do Brasil compostos puros foram realizados pela (35% do total) e da Suíça. “Empregamos professora Muriel Cuendet, da mesma metodologias inovadoras de caracteri- universidade. zação química, detectamos, isolamos e Como parte do programa suíço-braidentificamos os compostos químicos sileiro, a química Maria Luiza, na época presentes no umbu responsáveis pela estagiária de pós-doutorado supervisio72  z  fevereiro DE 2016

nada por Vanderlan, ficou nove meses na Universidade de Genebra. Nesse período, ela aprendeu os princípios do estudo metabolômico realizado pelo grupo dos professores Jean-Luc Wolfender e Emerson Queiroz. Wolfender é o chefe do Laboratório de Fitoquímica e Produtos Naturais Bioativos da universidade e coordenador do projeto bilateral por parte da instituição suíça. “Metabolônica é uma abordagem avançada sobre o mapeamento químico ideal para quantificar todos os produtos naturais de um organismo”, explica Maria Luiza. “Ela é usada para estudarmos todos os compostos metabólicos secundários de uma planta e, por meio dessas análises, obtém-se um fingerprint, a identidade metabólica vegetal, como um painel das substâncias químicas presentes na espécie.” Para Emerson, a formação de


1

2

O umbuzeiro se destaca no sertão nordestino. Mesmo no período de seca os frutos são suculentos (acima)

recursos humanos e a transferência de conhecimento e tecnologia para o Brasil é outro aspecto relevante do programa bilateral Brasil-Suíça.

fotos 1 fabio colombini 2 eduardo cesar

Ensaios in vitro

Depois da caracterização feita na Suíça, os extratos de umbu foram padronizados e enviados para o CIEnP, em Florianópolis, para estudos de prova de conceito, fase essencial quando se almeja posterior colaboração industrial visando a um possível produto. “Fizemos aqui estudos in vitro em células humanas da pele – melanócitos e queratinócitos – para avaliar o uso do produto no desenvolvimento de cosméticos com ação sobre o envelhecimento”, explica João Batista Calixto, diretor-presidente do CIEnP e ex-professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). “Durante quase um

ano, realizamos por volta de 30 ensaios, envolvendo várias enzimas e mediadores inflamatórios potencialmente responsáveis pelo envelhecimento da pele.” Financiado pelo governo do estado de Santa Catarina e pelos ministérios da Saúde (MS) e da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o CIEnP foi criado há dois anos com a missão de contribuir para a inovação tecnológica nos setores farmacêutico (medicamentos de uso humano e veterinário) e de cosméticos. A maioria dos projetos desenvolvidos na instituição se dá em conjunto com o setor industrial. A pesquisa envolvendo o umbu foi a primeira parceria do centro com uma universidade e a primeira prova de conceito realizada no CIEnP com um produto da biodiversidade brasileira. Segundo Calixto, o extrato padronizado do umbu mostrou-se seguro e com

toxicidade em níveis aceitáveis. “Esses resultados mostraram que o fruto tem potencial para ser usado como cosmético na prevenção de sintomas de inflamação da pele observados durante o processo de envelhecimento”, diz ele. “Agora, estamos procurando uma empresa interessada na produção e na comercialização desse bioativo.” Em dezembro de 2015, Vanderlan Bolzani, João Batista Calixto e Maria Luiza Zeraik receberam o Prêmio Kurt Politzer de Tecnologia, na categoria Pesquisador, pelo projeto “Utilização sustentável da polpa dos frutos do umbu e umbu-cajá: produtos fenólicos de alto valor agregado para a indústria de cosmético com propriedades antienvelhecimento”. O reconhecimento é concedido pela Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) a projetos de empresas e cientistas que estimulam a pesquisa e a inovação na área química no país. n Yuri Vasconcelos

Projetos 1. Prospecção de moléculas bioativas e estudo de variabilidade infraespecífica em plantas e microrganismos endófitos do Cerrado e Caatinga. Contribuição para o conhecimento e uso sustentável da biodiversidade brasileira (Sisbiota) (nº 2010/52327-5); Modalidade Programa Biota; Pesquisadora responsável Vanderlan Bolzani (Unesp); Investimento R$ 552.668,55 e US$ 246.950,72. 2. Produtos naturais oriundos de plantas do Cerrado e Mata Atlântica, modelos potenciais e úteis para identificar protótipos com ação oxidante em neutrófilos e enzima mieloperoxidase (MPO) (nº 2011/03017-6); Modalidade Bolsa de pós-doutorado (Maria Luiza Zeraik); Pesquisadora responsável Vanderlan Bolzani (Unesp); Investimento R$ 297.813,41. 3. CIBFar – Centro de Inovação em Biodiversidade e Fármacos (nº 2013/07600-3); Modalidade Programa Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid); Pesquisador responsável Glaucius Oliva (IFSC-USP); Investimento R$ 21.485.493,35 (em quatro anos).

Artigo científico Zeraik, M. L. et. al. Antioxidants, quinone reductase inducers and acetylcholinesterase inhibitors from Spondias tuberosa fruits. Journal of Functional Foods. v. 21, p. 396-405, on-line. jan. 2016.

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biotecnologia y

Microprodutor

de prata Fungo é usado para produzir nanopartículas metálicas que podem ser empregadas como antibacterianos

U

m estudo coordenado pelo professor Nelson Durán, do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (IQ-Unicamp), indica que o fungo Phoma glomerata é capaz de produzir nanopartículas de prata, que podem ser eficazes contra microrganismos. Trata-se de um esforço por novas drogas para debelar doenças causadas por fungos e bactérias. Para Dúran, nanopartículas antimicrobianas apresentam muitas vantagens em relação aos antibióticos convencionais, entre elas a redução dos efeitos colaterais. “Levando em consideração a atividade antimicrobiana e os aspectos envolvidos na produção, como a utilização de meios de cultura de baixo custo, com bom rendimento e geração de resíduos não tóxicos, é possível que num futuro próximo as nanopartículas de prata possam ser utilizadas como medicamentos ou em combinação com antibióticos, visando potencializar sua ação”, diz a bióloga Marta Cristina Teixeira Duarte, do Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) da Unicamp, que participou do estudo realizando os ensaios in vitro de atividade antifúngica com as nanopartículas. O uso inicial deve ser sobre a pele para tratamento de dermatomicoses. A ingestão de nanopartículas está descartada no momento por não se conhecer a toxicidade para os seres humanos. No artigo publicado em 2015 na revista IET Nanobiotechnology, os autores, entre os quais Durán e Marta Cristina, sugerem que as nanopartículas de prata são uma nova esperança para o tratamento de infecções causadas por bactérias que se tornaram resistentes a antibióticos. Segundo Durán, a nanopartícula de prata tem uma superfície relativamente grande em comparação com o seu volume. Isso significa que a maior parte dos átomos está na superfície da nanopartícula, o que aumentaria sua eficiência antimicrobiana em razão de ter maior capacidade de interagir com outras substâncias.

Cultura de Fusarium oxysporum, fungo usado para o desenvolvimento de um medicamento contra infecção de unha

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O uso do fungo Phoma spp. representa uma nova estratégia para substituir com vantagens os métodos físicos e químicos que empregam muitas vezes substâncias tóxicas ao meio ambiente. Durán diz que, para superar esses obstáculos, os cientistas buscam inspiração na natureza e começam a utilizar cada vez mais os sistemas biológicos, como plantas, bactérias, algas e fungos, para fazer sínteses. As pesquisas mostraram até agora que os fungos têm a capacidade de reduzir cátions (íons com carga positiva) de metal para formar nanopartículas de tamanhos e propriedades diferentes. O grupo de Durán optou pelos fungos por serem seres eucariotos (organismos ou células cujo núcleo está envolvido por uma membrana), o que lhes dá maior robustez e uma maquinaria biológica sofisticada. Além disso, seu cultivo é de fácil controle e há grande disponibilidade de linhagens ou cepas. Também pesaram na escolha as propriedades desses organismos em extrair metais do meio extracelular, que podem ser reduzidos ou oxidados pela remoção ou acréscimo de elétrons. “Nós propusemos o termo ‘miconanotecnologia’ para definir a área de pesquisa de síntese de nanomateriais por fungos”, diz Durán.

KEITH WELLER / US DEPARTMENT OF AGRICULTURE / SCIENCE PHOTO LIBRARY / SPL / Latinstock

protótipo eficiente

Além de Phoma spp., foi também estudado o fungo Fusarium oxysporum. “Os projetos procuraram verificar qual era o mais eficiente e econômico”, explica Durán. “Mas eles apresentaram desempenhos muito similares.” Com o primeiro foi comparada a eficiência de antibióticos existentes no mercado com a das nanopartículas de prata produzidas pelo microrganismo. Com o F. oxysporum, cuja pesquisa começou antes do Phoma, os trabalhos estão mais avançados. A partir das nanopartículas produzidas com essa espécie foi desenvolvido um protótipo de antifúngico (gel e esmalte) contra onicomicose (infecção das unhas). “Agora, com apoio do Pipe [Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas] da FAPESP, vamos buscar a produção em maior escala, visando à utilização no tratamento de doenças negligenciadas e fúngicas de importância em humanos.” O novo medicamento está em estudos na empresa Donaire, de Americana (SP).

A utilização de fungos como mão de obra poderá resultar em um sistema produtivo barato e inovador para a produção de nanopartículas de prata destinadas À medicina e À agricultura

Durán conta que o trabalho foi iniciado em seu laboratório em 2013 pelo pesquisador indiano Mahendra Rai, da Universidade Amravati, que esteve no Brasil com apoio da FAPESP e também assina o artigo da IET Nanobiotechnology. O intercâmbio havia começado alguns anos antes, num projeto de parceria entre os dois países, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “Ele veio várias vezes para cá e eu o visitei algumas vezes em seu país”, conta. “O objetivo era gerar nanopartículas de prata biológicas para aplicações médicas e na agricultura. Como resultado, publicamos artigos sobre antibacterianos e antifúngicos e obtivemos patente no Brasil de um filme para a proteção de frutas [ver Pesquisa FAPESP nº 176].” Para o professor Elson Longo, do Instituto de Química de Araraquara da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e coordenador do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) apoiados pela FAPESP, o trabalho de Durán é inovador e com grande potencial de se transformar num produto. “O mercado é que será a balança para viabilizar esse desenvolvimento tecnológico”, diz Longo, um dos primeiros pesquisadores brasileiros a traba-

lhar com nanotecnologia. “No mundo, existem trabalhos semelhantes que estão ainda em fase incipiente. No Brasil, não conheço estudo semelhante.” De acordo com Longo, a grande vantagem dessa linha de pesquisa é a utilização de fungos como mão de obra, um custo baixo e inovador. “Como existem muitos produtos que exigem diferentes tipos de prata metálica (clusters, nanopartículas, micropartículas, prata ancorada em diferentes substratos, associada a outros compostos), depende do uso para se obter melhor ou pior resultado com o metal”, diz Longo. n Evanildo da Silveira

Projetos 1. O desenvolvimento de produto cosmecêutico à base de nanopartículas de prata para tratamento de onicomicose (nº 2013/50289-7); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisadora responsável Patricia Pulcini Rosvald Donaire (Donaire Consultoria); Investimento R$ 83.153,50. 2. Biossíntese de nanopartículas de prata por seleção de espécies de Phoma e suas atividades contra micróbios multirresistentes (nº 2012/03731-3); Modalidade Auxílio à pesquisa – Pesquisador visitante; Pesquisador responsável Nelson Eduardo Durán Caballero (Unicamp); Pesquisador visitante Mahendra Rai (Universidade Amravati); Investimento R$ 167.241,52.

Artigo científico Mahendra, R. et. al. Three Phoma spp. synthesized novel silver nanoparticles that possess excellent antimicrobial efficacy. IET Nanobiotechnology. v. 9, n. 5, p. 280-7. out. 2015.

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humanidades   CULTURA y

Globalização no século XIX Projeto revela uma intensa circulação de bens culturais, sobretudo impressos, entre França, Inglaterra, Portugal e Brasil Márcio Ferrari

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ilustraçãO daniel almeida

M

uitas décadas antes da difusão da palavra globalização, o mundo letrado frequentemente ignorava as fronteiras nacionais no século XIX, pelo menos no Ocidente. O polo difusor de bens culturais era a França e, com ela, o idioma francês, um símbolo de refinamento, usado cotidianamente até entre os membros da corte dos czares russos. Em um mercado crescente, a França exportava mil toneladas de livros e revistas por volta de 1840 e chegou a 4,7 milhões em 1890. Muitos desses impressos, em vários idiomas, eram depois reexportados. Mesmo quando em francês, podiam ser traduções de textos produzidos em diversas línguas, sobretudo alemão e inglês, que atendiam no estrangeiro a ávidos leitores de elite, incluindo os brasileiros dos grandes centros urbanos. Imprimia-se na França, em praticamente todos os idiomas conhecidos, porque, com um enorme parque gráfico, ficava mais barato. Além disso, no caso brasileiro, pagava-se imposto pela importação de papel em branco, mas não pela importação de livros. Esse cenário efervescente é reconstituído pelo projeto temático financiado pela FAPESP A circulação transatlântica dos impressos – A globalização da cultura no século XIX, iniciado em 2011 e previsto para terminar em agosto


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deste ano. Os coordenadores-gerais são Márcia Abreu, do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (IEL-Unicamp), e o francês Jean Yves-Mollier, da Universidade de Versalhes-Saint-Quentin (França). A finalidade é “conhecer os impressos e as ideias em circulação entre Inglaterra, França, Portugal e Brasil”. O período coberto toma de empréstimo do historiador britânico Eric Hobsbawm (19172012) o conceito de “longo século XIX”, cujo marco inicial é a Revolução Francesa (1789) e o final, o início da Primeira Guerra Mundial (1914). Para os assuntos estudados, a data inaugural é apropriada pelo fato de a Revolução Francesa ter alterado a legislação relativa ao comércio de livros na França, resultando numa profusão de publicações, muitas vezes efêmeras, que se espalharam pelo país e depois pelo mundo. E a data de término é um marco geopolítico global que afeta diretamente todos os países em foco. Um dos resultados do projeto é o livro The cultural revolution of the nineteenth century: Theatre, the book-trade and reading in the transatlantic world (A revolução cultural do século XIX: Teatro, comércio 78  z  fevereiro DE 2016

de livros e leitura no mundo transatlântico), coletânea de artigos lançada em dezembro no Reino Unido pela editora I. B. Taurus e sem previsão de tradução para o português. No período estudado, os impressos costumavam chegar ao Brasil em média 28 dias depois de lançados na Europa e encontravam um exército de tradutores a postos para atender, entre outras finalidades, à demanda crescente por sua publicação em forma de folhetim nos rodapés das páginas nobres dos jornais – fenômeno não muito distinto do que se vê hoje em relação às séries de televisão norte-americanas. Um aspecto também semelhante é que o sucesso dos itens estrangeiros no promissor mercado abaixo do Equador estimulou a produção local. Editores franceses e de outras nacionalidades europeias mudaram-se para Portugal e para o Brasil e se estabeleceram com sucesso. De início, o mercado brasileiro foi disputado por franceses e portugueses. Os livreiros-editores instalados no Brasil não só importavam e vendiam livros produzidos na Europa. Também publicavam revistas e livros brasileiros impres-

sos em gráficas da França e de Portugal. “Além disso, com o tempo eles visaram ao público leitor português, invertendo a direção do fluxo secular dos livros, a ponto de a concorrência feita pelas obras lusas impressas no Brasil tornar-se motivo de inquietação em Portugal”, diz a professora. A preocupação se estendia ao fenômeno da contrafação de livros e revistas, nada mais do que pirataria de produtos culturais, algo também comum no mundo contemporâneo. Portugal já tinha uma população bem menor (5,5 milhões em 1900) do que a do Brasil (18 milhões) e uma taxa de analfabetismo equivalente (cerca de 25%), o que tornava o mercado brasileiro mais pujante e comercialmente atraente. URBANIZAÇÃO

Uma tendência do período foi a consolidação da vida nas cidades. É também uma época de distâncias encurtadas, não só com o progresso das ferrovias, mas também com a invenção e a disseminação da prensa a vapor, a mecanização da fabricação do papel e o advento do telégrafo, no início do século XIX, até a impressão rotativa, a linotipia e a fo-


XIX, havia um desejo dos países internacionalmente menos relevantes de se fazerem conhecidos na França. Quando nos afastamos dos limites dos territórios nacionais, começamos a perceber fatos e personagens que antes praticamente não tinham visibilidade.” TRADUÇÃO

tografia, em suas últimas décadas. “O consumo cultural não poderia mais ser o tradicional, baseado apenas no que era difundido pelo púlpito das igrejas”, afirma Tania de Luca, professora do Departamento de História da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e responsável, no projeto, por coordenar o estudo dos periódicos. Segundo Márcia Abreu, o que permitiu aos pesquisadores avaliar de modo inédito a participação brasileira no circuito de troca de produtos culturais e ideias foi deixar de lado “a tradição centrada na ideia de nação”, como havia sido proposto em 2010, um ano antes do início dos trabalhos da pesquisa, durante um encontro na Universidade de Versalhes coordenado por Jean-Yves Mollier. O grupo que se agregou ao projeto é constituído de 40 pesquisadores de 19 instituições de pesquisa dos quatro países estudados. E o núcleo inicial, que inclui o historiador francês Roger Chartier, bastante conhecido no Brasil, voltou a se encontrar anualmente. “Naquele primeiro encontro, alguns dos trabalhos apresentados mostraram que, já no século

Os impressos, entre eles os folhetins, chegavam ao Brasil em menos de um mês e já encontravam tradutores a postos

Entre esses personagens distingue-se a importante figura do tradutor, profissional muito requisitado em todos os países estudados e, na condição de mediador entre eles, quase um símbolo da globalização da cultura. Os tradutores eram profissionais polivalentes que se exercitavam em várias atividades intelectuais e se agrupavam na categoria genérica de “homens de letras”. “Mesmo na França, um país central, parte do que se lia era traduzida”, observa Márcia. Um representante emblemático dessa categoria profissional no Brasil foi o fluminense Salvador de Mendonça (1841-1913), tradutor contratado pela Casa Garnier, editora que lançou também seu romance mais conhecido, Marabá (1875). Ele era ainda poeta, dramaturgo, crítico, jornalista e, mais tarde, cônsul-geral do Brasil nos Estados Unidos. O curioso é que um tradutor como Mendonça, quando exercia a função de crítico, condenava a ampla circulação das obras estrangeiras no Brasil. Era uma época de construção de literaturas nacionais “como alicerce das nações que se formavam” e essa era a ambição dos homens de letras que, entretanto, tinham que atuar como tradutores como forma de complementar sua renda, observa Márcia. Até Machado de Assis (18391908), conhecido como o grande autor de romances do século XIX, atuou como crítico, cronista, dramaturgo e tradutor. O único autor brasileiro do período estudado que viveu exclusivamente de literatura, por algum tempo, foi Aluísio Azevedo (1857-1913), muito criticado por intelectuais que o consideravam submisso ao gosto popular. A pesquisadora ressalta que os tradutores tinham “muita liberdade para mudar; não havia tanto respeito pelo original como existe hoje”. Assim, surge, por exemplo, a pergunta sobre quais “versões” dos romances do francês Émile Zola (18401902) eram lidas no Brasil, onde o autor gozava de muito prestígio de público. De modo semelhante, praticamente tudo o pESQUISA FAPESP 240  z  79


que se conhecia no Brasil de literatura inglesa e alemã no período era traduzido de outras traduções para o francês – o que acontecia também com os livros comercializados entre os países europeus. “Em termos de gênero, a grande novidade da época foi o surgimento do folhetim, que se dá na mesma década de 1830 no Brasil e na França”, lembra Márcia. Era um momento de popularização da leitura e de surgimento de um público que procurava textos ágeis e tramas movimentadas. A maioria dos romances publicados em livros se originava de folhetins, embora nem todo folhetim se tornasse livro. A publicação nos jornais, que não era muito custosa para os editores, funcionava como um teste para a publicação em formato mais duradouro. “Uma história com boa aceitação fazia até quadruplicar a circulação de um jornal.” Como cada romance, por limitações técnicas, saía repartido em três ou quatro volumes, a publicação em livro podia começar antes de o folhetim terminar nas páginas dos jornais. INDIGENISMO

Outro episódio revelador das múltiplas direções do circuito de bens culturais do século XIX destacado por Márcia é a do poeta Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810) e sua obra mais conhecida, Marília de Dirceu. Por sua participação na Inconfidência Mineira, Gonzaga se encontrava degredado em Moçambique quando, provavelmente sem que ele tomasse conhecimento, o livro foi publicado em Lisboa em 1792, encontrando um enorme sucesso de público, o que gerou mais três edições até 1800. Foi essa repercussão na “metrópole” que, provavelmente, levou o livreiro franco-brasileiro Paulo Martin Filho, estabelecido no Rio de Janeiro, a reeditar a obra, o que ocorreu em 1810 e levou exemplares da edição brasileira a voltar a circular no mercado português. Em 1825, traduzido, o poema saiu em francês sob o título Marilie – Chants élégiaques de Gonzaga. Seguiram-se traduções em outras línguas, do italiano ao latim. “Uma das coisas interessantes dessa história é que ninguém sabe quem levou a obra para fora do Brasil, uma vez que Gonzaga estava isolado num país distante, de onde não voltaria mais”, diz Márcia. 80  z  fevereiro DE 2016

Muito apreciada na Europa foi a literatura indigenista e aquela que depois viria a ser chamada de regionalista, representada por Inocência, do Visconde de Taunay (1843-1899), traduzido em várias línguas. “Dos romances urbanos de José de Alencar [1829-1877], como Senhora, ambientado na Corte, não houve traduções, provavelmente porque os europeus julgavam ser algo já bem conhecido”, diz Márcia. “Mas seus romances O guarani, Ubirajara e Iracema tornaram Alencar o nosso grande sucesso do século XIX no exterior.” “Contrariando o senso comum de que o Brasil era um país culturalmente atrasado e sem leitores, várias famílias de livreiros vieram do exterior e implantaram seus negócios aqui”, conta a pesquisadora. Desde o século XVIII a França já exportava editores para vários lugares do mundo. Na segunda metade daquele século, 14 dos 17 livreiros de Lisboa eram franceses. Contudo, até a mudança da família real portuguesa para o Brasil (1808), toda publicação no Brasil era clandestina. Em seguida, dependia-se da iniciativa ou da autorização da Imprensa Régia, ou, em


alguns casos, da utilização da sua tipografia em regime de aluguel. Entretanto, no Segundo Reinado (1840-1889), as editoras chegaram a contar com a ajuda direta do imperador dom Pedro II. O primeiro francês a aportar no Brasil para fazer negócios de editor e livreiro foi Paulo Martin Filho, cujo pai, Paul Martin, exercia o ofício em Lisboa. Foi o mais expressivo livreiro no Rio de Janeiro do começo do século XIX e quase não veio: com medo da concorrência, a Junta Comercial portuguesa havia tentado barrar a emissão de seu passaporte. ILUSTRAÇÃO

O mais importante editor-livreiro estrangeiro no Brasil seria Baptiste Louis Garnier (1823-1893), cujos irmãos eram editores em Paris e que chegou ao Rio em 1844. “Ele foi o responsável pela formação do cânone da literatura brasileira”, diz Lúcia Granja, professora de literatura e cultura brasileiras da Unesp, campus de São José do Rio Preto, responsável por coordenar os estudos da área de livreiros e editores do projeto de cooperação internacional. “Garnier publicou os grandes autores brasileiros daquele momento, atendendo a uma aspiração importante dos intelectuais da época”, observa Lúcia. Foi o editor francês quem transformou autores brasileiros em escritores remunerados, entre eles Machado de Assis. O livreiro publicava também o Jornal das Famílias, impresso na França, no qual intelectuais do Brasil imprecavam contra a presença estrangeira nas letras nacionais. “Ele fazia dinheiro com traduções do francês e publicava os brasileiros que lhe davam prestígio”, diz Lúcia. Garnier também editava livros didáticos, religiosos e especializados. “Sua produção seguia o padrão europeu, com duas edições simultâneas de cada livro, uma barata, outra luxuosa.” Antes mesmo dessa intensa atividade de circulação de livros, as revistas e jornais já viviam um momento pujante e diversificado. “A imprensa do século XIX já nasceu internacionalizada, com títulos e modelos que se repetiam”, diz Tania de Luca. “A grande novidade do século seria a incorporação de imagens.” Novidade que se refletiria em publicações como a Revista Ilustrada, fundada no Rio pelo caricaturista ítalo-brasileiro Angelo Agostini, que circulou de 1876 a 1898. Era um periódico predominante-

Um editor francês, Louis Garnier, foi o responsável por publicar os autores que formariam o cânone da literatura brasileira

mente de humor satírico e engajado: a linha editorial defendia a República e a abolição da escravidão, num período em que as duas campanhas se encontravam na ordem do dia. Nessa época eram comuns as publicações que discutiam ideias políticas e filosóficas. “Muitas revistas e jornais selecionavam e traduziam textos de outras publicações, e isso era feito em escala mundial”, conta Márcia. “Causas como a formação dos estados nacionais e a República eram temas de textos traduzidos, reimpressos e assimilados, formando uma grande comunidade em sintonia com as novidades da época, inclusive científicas.” O mesmo ocorria com as revistas dedicadas à moda e ao público feminino, que continham também jogos e charadas, além de notícias do mundo do espetáculo. Algumas revistas de moda publicavam moldes de vestidos criados na Europa e traziam no texto sugestões de adaptações para o clima quente dos trópicos. Um filão nada desprezível para as editoras e tipografias era o relacionado ao teatro. “Na época, os textos de peças eram um gênero literário que circulava na forma de livro”, diz Orna Messer

Levin, professora do IEL-Unicamp e responsável pela área de teatro do projeto. Folhetos, cartazes, libretos e outros subprodutos dos espetáculos teatrais também davam dinheiro aos editores. “O teatro tinha uma importância enorme no século XIX para os países europeus, pois era um instrumento para a afirmação nacional. Italianos divulgavam textos em seu idioma, mas também peças francesas, assim como portugueses traziam ao Brasil obras traduzidas do francês.” turnÊs na américa

As companhias teatrais trabalhavam em esquema empresarial e altamente profissionalizado. Agentes viajavam de antemão aos países de destino para verificar a adequação das salas de teatro aos espetáculos que as companhias viriam a apresentar. Para sobreviver no verão, época em que na Europa não havia apresentações teatrais, os grupos faziam turnês que começavam no norte do Brasil, desciam pela costa, chegavam ao Uruguai e à Argentina e não raro davam a volta pelo sul do continente, chegando à costa oeste da América do Sul e depois aos Estados Unidos. No Brasil, eram o programa principal da elite da capital – as companhias chegaram a obter subsídios do Estado imperial até a década de 1860. Uma crítica favorável ou uma temporada estendida no Rio repercutia em favor do espetáculo em outros países, mesmo os de origem da companhia. Divas dos palcos europeus, como a italiana Eleonora Duse e a francesa Sarah Bernhardt, vieram se apresentar no Brasil. Segundo Orna, muitos artistas, sobretudo atrizes, casavam-se e ficavam no país. O teatro nativo se beneficiou desse ambiente movimentado. O século XIX foi a época de grandes atores, como João Caetano dos Santos, e de assimilações como as “burletas”, os espetáculos satírico-musicais de Artur de Azevedo (1855-1908), que eram uma “resposta” às operetas europeias, exemplo de uma espécie de antropofagia cultural em uma época anterior ao termo ser cunhado pelos modernistas de 1922. n

Projeto A circulação transatlântica dos impressos – A circulação da cultura no século XIX (nº 2011/07342-9); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Projeto Temático; Pesquisadora responsável Márcia Azevedo de Abreu; Investimento R$ 741.770,00.

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Educação y

U

m trabalho que analisou o desempenho entre 2008 e 2010 de 484.410 alunos no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), o popular Provão, encontrou um discreto ganho de conhecimentos gerais e um significativo aumento de conhecimento específico entre universitários que estavam se formando em 19 cursos das áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (Stem, na sigla em inglês), Humanidades e Ciências Biológicas. Em todas as carreiras analisadas, a condição socioeconômica e o tipo de instituição frequentada, se pública ou privada, não tiveram impacto relevante na nota média dos estudantes, de acordo com o estudo, publicado no periódico científico Higher Education em 23 de novembro do ano passado. “A boa notícia é que, em relação ao desempenho dos calouros no Enade, a maior parte dos formandos parece ter adquirido algum

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conhecimento, sobretudo o de caráter mais específico, diretamente ligado à carreira escolhida”, diz Jacques Wainer, professor do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (IC-Unicamp), autor do estudo. “Mas isso não quer dizer que todos os cursos sejam bons ou que as notas dos alunos foram boas.” Wainer fez o trabalho em parceria com Tatiana Melguizo, da Escola de Educação Rossier da Universidade da Califórnia do Sul (USC), em Los Angeles, especialista em economia da educação superior. Eles usaram dados públicos, disponibilizados na página eletrônica do Enade, para confrontar a performance dos veteranos que estavam prestes a se formar com a dos calouros do mesmo curso, cujo desempenho no exame funciona como baliza de comparação para se aferir quanto os formandos aprenderam na faculdade. A comparação foi feita por meio do cálculo de um índice, denominado Cohen D, comumente


Aprendizado técnico na frente Estudo aponta ganhos expressivos de saber específico e discreta melhora no conhecimento geral entre formandos de 19 cursos acadêmicos

ilustraçãO  Stuart Kinlough / getty images

Marcos Pivetta

empregado em trabalhos desse tipo. O Cohen D indica a diferença padronizada entre a nota média do grupo dos formandos e a do conjunto dos calouros dividida pelo desvio-padrão associado a essas respectivas notas. O desvio-padrão é uma medida de dispersão estatística e indica qual é o grau de variação existente em relação a uma média ou a um valor esperado. Seu conceito se assemelha à ideia de margem de erro, sempre evocada ao se noticiarem os resultados de pesquisas eleitorais. Se baixo, o desvio-padrão sinaliza que as notas estão próximo da média. Quando elevado, sugere que os escores dos estudantes se distribuem por uma série de valores, alguns perto da média e outros distantes. Quanto maior a diferença padronizada calculada pelo Cohen D no trabalho de Wainer e Melguizo, melhor o desempenho dos veteranos frente aos ingressantes no curso. Um Cohen D equivalente a 2 significa que 98% dos veteranos

tiveram uma nota superior à média dos calouros. Se o índice cair para 1 ou 0,5, cerca de 84% ou 69% dos formandos atingiram, respectivamente, essa condição. Por esse critério, o estudo chegou a números bastante modestos no que diz respeito aos conhecimentos gerais adquiridos pelos formandos ao longo dos cursos. Nesse quesito, o maior ganho foi de 0,3 entre os concluintes dos cursos de farmácia e o menor, de 0,03, praticamente zero, entre os estudantes do último ano de medicina. Na parte destinada a medir o conhecimento específico de cada carreira, o maior ganho ocorreu entre os formandos de medicina (Cohen D de 2) e o menor entre os universitários dos cursos de comunicação social (0,39). Os cinco cursos que obtiveram maior ganho de conhecimento específico foram da área biológica. Depois de medicina, vieram os programas de odontologia (1,55), terapia ocupacional (1,34), nutrição (1,12) pESQUISA FAPESP 240  z  83


e enfermagem (0,85). “Foi animador encontrar ganhos relativamente grandes nas provas de temas específicos em relação às de conhecimentos gerais”, afirma Melguizo (ver quadro na página 85 com os ganhos de conhecimento específico calculados para cada curso). Academicamente à deriva

Um estudo feito pelos sociólogos Richard Arum e Josipa Roksa, respectivamente, da Universidade de Nova York e da Universidade da Virgínia, redundou no livro Academically adrift: Limited learning on college campuses (Academicamente à deriva: Aprendizado limitado nos campi universitários, numa tradução livre), lançado no final de 2010. Na obra, a dupla de pesquisadores norte-americanos concluiu que 45% dos 2.300 estudantes de 24 universidades que tinham feito um teste padronizado não apresentaram melhora significativa em uma série de habilidades, como escrever, ter pensamento crítico e desenvolver raciocínios complexos, após terem frequentado um curso superior por dois anos. “Acho que os resultados desse trabalho são problemáticos e não é apropriado compará-lo com o nosso estudo”, opina Melguizo. “Arum e Roksa tentaram medir os ganhos de conhecimentos gerais, não os específicos, entre os alunos.” Criado pelo Ministério da Educação (Mec) em 2004 como parte do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), o Enade aplica o mesmo exame para os alunos ingressantes e os formandos dos cursos. Os universitários têm quatro horas para responder duas questões dissertativas e oito de múltipla escolha sobre conhecimentos gerais, iguais para todos os estudantes independentemente da carreira, e três questões

dissertativas e 27 de múltipla escolha de formação específica (cada curso tem um teste individualizado). O peso do componente geral sobre a nota final é de 25% e o do específico, 75%. Cada curso ou programa é avaliado pelo Enade a cada três anos. Em 2008, fizeram o Provão os alunos da área de Stem. No ano seguinte, foi a vez dos de humanas e, em 2010, os da área biológica. O estudo de Wainer e Melguizo não abrange todos os cursos avaliados nesses três anos. Eles selecionaram 19 carreiras: engenharia, física, química, matemática, ciência da computação, arquitetura, economia, direito, contabilidade, administração, comunicação, turismo, nutrição, enfermagem, medicina, terapia ocupacional, farmácia, odontologia e educação física. A dupla trabalhou com dados de estudantes de 10.041 cursos de universidades públicas e privadas. Para minimizar distorções inerentes às amostras de calouros e veteranos que fizeram o Enade, o estudo adotou alguns métodos estatísticos e procedimentos corretivos. Foram excluídos da análise, por exemplo, os alunos que entregaram em branco as provas, em uma clara demonstração de boicote ao exame, uma forma de protesto que costuma ocorrer entre os universitários de alguns programas de universidades públicas. Embora o Enade seja compulsório para os formandos, há pouco ou quase nenhum prejuízo prático para os estudantes que não fazem o exame ou comparecem ao local da prova, mas a entregam em branco. Os autores do trabalho também lançaram mão de um expediente para corrigir para baixo a nota média dos estudantes do último ano dos cursos. “Há uma tendência de os alunos mais fracos ou com algum tipo de problema abandonarem os cursos pela metade”, diz Wainer. “Assim, os que

Rafael Hupsel / Folhapress

Alunos fazem o Enade: cursos são avaliados a cada três anos

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se formam são os melhores alunos de um grupo inicial que era mais heterogêneo. Essa situação tende a inflar as notas do grupo dos formandos.” Já entre os calouros há uma diversidade maior, uma mistura de estudantes bons, medianos e ruins, o que tem impacto em seu desempenho médio. Outros fatores fazem com que os resultados do Enade sejam levados em conta com certa cautela, como admitem Wainer e Melguizo. Provas fáceis sobre o conteúdo específico de cada programa tendem a produzir médias semelhantes entre os grupos de calouros e de formandos. Nivelam as notas pelo alto e tornam mais difícil aferir se houve ganho ou não de conhecimento entre os universitários no fim do curso. Promover pensamento crítico

Especialista em avaliação educacional e políticas educacionais, Robert Verhine, da Universidade Federal da Bahia (Ufba), afirma que o trabalho de Wainer e Melguizo é interessante, ainda mais no contexto em que os estudos com dados do Enade são escassos. “Mas os resultados são óbvios, esperados. É normal que o ganho de conhecimento específico seja maior do que o de conhecimento geral”, afirma Verhine, ex-presidente da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (Conaes). “Em geral, as pessoas fazem uma faculdade para ganhar conhecimentos específicos.” Para Renato Pedrosa, coordenador do Laboratório de Estudos de Educação Superior (Lees) da Unicamp, o avanço registrado no estudo também era esperado. “O problema é saber exatamente o que significam esses números de ganho de conhecimento relativo, algo impossível de estabelecer, uma vez que o Mec nunca desenvolveu a relação entre notas ou conceitos e níveis de conhecimento ou de habilidades desenvolvidas”, comenta Pedrosa, que tem estudado ao lado do físico Marcelo Knobel, também da Unicamp, o desempenho dos cursos de engenharia e medicina no Provão. “Sem isso, a avaliação resulta apenas numa ordenação dos cursos, sem critérios e cortes de proficiência ou de qualidade, o que limita o uso dos resultados para avaliação dos cursos.” Ao registrar o desempenho dos universitários de um curso, o Enade atribui um conceito relativo, não absoluto, a esse programa. Sua escala estabelece um ranking dos cursos com cinco níveis: os melhores recebem o conceito 5; os segundos melhores, ganham 4; e assim por diante até a atribuição do menor conceito, 1. Assim, a despeito de exibir conceito 5, de estar no topo da escala, um curso pode ser o melhor em relação a todos os demais, mas pode não ser bom. Se os alunos da maioria dos programas foram muito mal no exame, a porcentagem de acertos no Provão necessária para garantir o conceito 5 para um curso pode ser razoavelmente baixa, da ordem de 50%.

Quem aprende mais na faculdade Ganho de conhecimento específico ao final de cada curso. Quanto maior o número, maior o aprendizado 0,83

Física

0,67

Arquitetura

ciências e engenharias

0,56

Engenharia

0,53

Química

0,49

Matemática

0,47

Ciência da computação

0,67

Contabilidade Direito

0,55

Economia

0,54

Administração

0,54

Turismo

0,43

Comunicação

0,39

humanas

2,0

Medicina 1,55

Odontologia Terapia ocupacional

1,34 1,12

Nutrição

biológicas

0,85

Enfermagem

0,81

Farmácia Educação física

0,58

Obs.: Os números representam o índice Cohen D, que indica a diferença padronizada entre a nota média do grupo dos formandos e a do conjunto dos calouros dividida pelo desvio-padrão associado a essas notas. Um índice D equivalente a 2, 1 ou 0,5 significa, respectivamente, que 98%, 84% ou 69% dos veteranos tiveram uma nota superior à média dos calouros fonte Jacques Wainer e Tatiana Melguizo

Segundo Knobel, os resultados do estudo de Wainer e Melguizo parecem consistentes e devem servir de estímulo para que novas pesquisas sejam feitas com dados do Enade e também do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Ele, no entanto, faz um alerta sobre o perfil do ensino superior no Brasil. “As universidades brasileiras ainda estão muito preocupadas em fornecer conteúdo técnico e específico em seus cursos, mas pouco em estimular habilidades que são fundamentais no século XXI.” Para ele, seria importante que as instituições de ensino também se dedicassem a promover habilidades mais gerais, como o pensamento crítico e o trabalho em equipe. “Essas questões são valorizadas nas universidades americanas e são uma tendência mundial”, diz Knobel. n Artigo científico MELGUIZO, T. e WAINER, J. Toward a set of measures of student learning outcomes in higher education: evidence from Brazil. Higher Education. 23 nov. 2015.

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HISTÓRIA y

A batalha da Abolição Estudo reconstrói a importância do movimento abolicionista como força social que levou à libertação dos escravos

86  z  fevereiro DE 2016

A

história da Abolição não se restringe apenas às iniciativas legais do governo imperial, nem à conjuntura econômica internacional, tampouco às rebeliões dos escravos. Foram essas as linhas predominantes que guiaram as interpretações acadêmicas sobre o assunto até agora. Um robusto movimento abolicionista, com sua contrapartida escravista, também teve papel histórico central durante os 20 anos (18681888) que precederam a Lei Áurea. É dessa perspectiva pouco conhecida que se alimenta o livro Flores, votos e balas, pela editora Companhia das Letras. A autora é a socióloga Angela Alonso, professora do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) e presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). A pesquisa, que incluiu um ano na Universidade Yale (EUA), durou seis anos. “Por ser socióloga e adotar um ângulo interdisciplinar, prestei atenção na mobilização do espaço público, à qual os historiadores talvez não tenham dado a devida importância”, diz Angela, também autora de Joaquim Nabuco (2007), biografia do político abolicionista pernambucano. “Percebi que, por sua estrutura e características, eu esta-


fotos  divulgação

va diante de um movimento social conforme descreve a teoria sociológica e muito semelhante estruturalmente aos que ocorreram na Inglaterra e nos Estados Unidos.” Não por acaso, um dos pontos que a pesquisadora enfatiza em seu estudo é a conexão de parte do movimento abolicionista brasileiro com ativistas da causa no exterior. “Raramente tivemos um estudo de abrangência tão grande sobre o assunto”, diz a professora Lígia Fonseca Ferreira, do Programa de Graduação e Pós-graduação em Letras da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), estudiosa do período e biógrafa do advogado, abolicionista e poeta negro Luiz Gama (1830-1882). Um dos expoentes da vertente internacionalista da militância contra a escravidão foi o educador Abílio Borges (1824-1891), que, apesar de pertencer à elite imperial, mantinha laços estreitos com associações inglesas e francesas que lutavam contra a escravidão no além-mar. Borges, segundo Angela, “apostou no vexame externo” ao promover uma petição emancipacionista assinada por políticos franceses e entregue ao imperador Pedro II por intermédio do Ministério de Assuntos Estrangeiros da França. “O documento embaraçou dom Pedro”, narra Angela. “Arranhava a reputação do Império aparecer como terra escravista.”

Missa campal em celebração à abolição dos escravos e ilustração que representa um abolicionista, escravos e o Parlamento pESQUISA FAPESP 240  z  87


Confederação abolicionista em 1888, com José do Patrocínio (em pé, primeiro à esq.) e André Rebouças (sentado, primeiro à esq.)

o processo. É o que Angela chama de “escravismo de circunstância”: setores do Parlamento eram “compelidos pela conjuntura a justificar a situação escravista, sem defender a instituição em si, que, reconheciam, civilização e moral condenavam naquela altura do século”.

PERSONAGENS

Borges, que até agora era mais conhecido por ter inspirado Raul Pompeia a criar o personagem do diretor da escola no romance O ateneu, é uma das figuras centrais de Flores, votos e balas, assim como o conhecido abolicionista André Rebouças (1838-1898), engenheiro negro muito requisitado como projetista de obras modernizadoras e interlocutor dos círculos de poder. Do lado dos escravistas, Angela destaca a figura de Paulino Soares de Sousa (1834-1901), fio condutor das táticas e manobras da ala “emperrada” (isto é, inflexível) do Partido Conservador no Parlamento. O governo (ou o Estado), lembra a socióloga, é o vértice necessário de um triângulo formado pelo movimento abolicionista e seus contramovimentos na sociedade. “Sinal claro desse jogo é que o Estado ora trouxe o abolicionismo para dentro do Parlamento, ora o reprimiu”, diz Angela, referindo-se às sucessivas mudanças de orientação política durante o período estudado, em que se alternaram na chefia do governo, por exemplo, Manuel de Sousa Dantas, abolicionista do Partido Liberal (1884-5), e o Barão de Cotegipe (João Maurício Wanderley), escravista do Partido Conservador (1885-8). A indecisão política mostra, segundo a pesquisadora, que não faz sentido a ideia, relativamente difundida, de que a abolição foi um processo consensual ou inelutável. A pesquisa indica que a ideia da emancipação dos escravos encerrava 88  z  fevereiro DE 2016

ameaças consideráveis à ordem estabelecida. “O Império era fundado na escravidão, não só na economia”, afirma Angela. “A hierarquia social era baseada na posse de bens que davam poder e prestígio, e os bens mais importantes eram os escravos. A escravidão sustentava também o sistema partidário, porque o eleitorado era definido com base na renda.” O romancista José de Alencar (18291877), deputado conservador e um dos porta-vozes mais ativos do antiabolicionismo, diante do quadro que se avizinhava, advertiu em 1867: “Um sopro bastará para [...] lançar o Império sobre um vulcão”. Não se tratava, no entanto, de defesa aberta do escravismo, mas de retórica do medo para tentar adiar

Parlamento durante a votação da Lei Áurea em 1888 e a multidão do lado de fora: texto reduzido ao mínimo necessário

Havia-se chegado a esse tenso estado de coisas mediante o processo sobre o qual Angela se debruçou, composto de duas dinâmicas, uma mundial, outra interna. “No âmbito externo, havia um ciclo de abolições pelo mundo e o Brasil se mantinha escravista, chamando a atenção internacional”, diz Angela. O processo tem o ponto de maior tensão em 1850, quando a Inglaterra impõe o tratado do fim do tráfico de escravos, embora o Brasil demore a efetivá-lo. Contudo, até a década de 1860, o Brasil se encontrava mais ou menos protegido pelo fato de haver no mundo ocidental dois outros exemplos escravistas de grande porte, a Espanha, com suas colônias de Porto Rico e Cuba, e os Estados Unidos. Mas, à medida que esses países avançam rumo ao fim da escravidão, o Brasil foi ficando isolado no cenário mundial. Isso provocou uma inevitável divisão da elite política. “Não se tratava mais de responder ou não à pressão interna-

fotos  divulgação

CENÁRIO MUNDIAL


cional, mas em que velocidade”, ressalta Angela. O processo culmina quando o Parlamento aprova a tramitação da Lei do Ventre Livre, em 1871, como “um sinal de que o Brasil era civilizado”. Nesse momento, observa Angela, já havia uma mobilização articulada na sociedade. “Ressalto que o processo não começa em 1879, quando Nabuco e José do Patrocínio [1854-1905] partem para a atuação no espaço público, e sim na década anterior”, diz a pesquisadora. Essa trajetória, que culminará na abolição, é dividida por Angela nas três fases enunciadas no título de seu livro: flores, votos e balas. As flores se referem ao símbolo das manifestações abolicionistas promovidas, entre outros, por Borges e Rebouças, que, além de suas atividades de articulação política, criavam associações e cerimônias públicas. “A abolição começou a ser propagandeada em espaços que não eram genuinamente políticos”, diz a socióloga. Em pouco tempo, os teatros passaram a dar abrigo a essas manifestações, intercaladas com números artísticos. Diferentemente do que ocorreu nos EUA, onde os polos de difusão das campanhas abolicionistas civis foram as igrejas quakers, no Brasil o catolicismo era não só credo predominante, mas também religião oficial do Estado. Isso favoreceu a conquista de almas para o abolicionismo entre a elite social e camadas intelectuais, que tinham no teatro sua maior diversão. Os princípios e atividades abolicionistas também se beneficiaram nessa época de avanços que permitiram a impressão e circulação de publicações independentes.

As “conferências-concerto”, como chamavam os ativistas, espalharam-se pelo país. Em 1883, começaram a ser acompanhados por uma adaptação da estratégia norte-americana de organizar rotas de fuga de escravos para territórios livres. A diferença entre o Brasil e os EUA é que aqui não havia territórios oficialmente livres – foram criados pelos abolicionistas, em ruas ou bairros. Aos poucos, os ativistas vão liberando territórios, contando com a aceitação dos proprietários ou recorrendo a campanhas de arrecadação para pagar a alforria dos escravos. ativismo jurídico

A estratégia tornou-se campanha nacional e deu certo principalmente no Ceará e no Amazonas, que tinham relativamente poucos escravos e contavam com presidentes de província abolicionistas. No caso do Ceará, a movimentação gerou a abolição da escravidão dentro dos limites da província em 1884 – que passou a ser um destino para escravos fugidos e libertos de todo o país. Também de inspiração estrangeira foi a estratégia de Luiz Gama ao buscar inconsistências na lei para pedir a libertação de escravos nos tribunais. “Gama fazia parte de uma facção do abolicionismo que defendia o ativismo jurídico, divergindo de Nabuco, para quem a reforma deveria ser feita no Parlamento”, diz Lígia Fonseca. Angela argumenta que “não havia propriamente divergência entre eles, mas complementaridade de estratégias, cada um recorrendo a um estilo de ativismo”. A libertação dos escravos no Ceará abre a fase dos “votos”, quando a classe

política decide reagir. Com a indicação de Sousa Dantas para a chefia do governo imperial, em 1884, os abolicionistas colaboraram na redação do programa de governo e lançaram 51 candidaturas em apoio a ele. No entanto, os abolicionistas perdem, “menos nas urnas do que na apuração”, segundo Angela. Com a queda de Dantas, sobe o governo escravista de Cotegipe e começa o período das “balas”, com repressão aberta e acirrada às atividades abolicionistas, posta em prática pela polícia ou por milícias à paisana. “É nesse momento que o processo de desobediência civil ganha escala”, afirma a pesquisadora. José do Patrocínio diz que “os abolicionistas sinceros estão preparados para morrer”. Para o historiador Celso Castilho, professor da Universidade Vanderbilt (EUA), essa é uma evidência da importância dos movimentos sociais no processo estudado. “As lutas pela participação política e cívica têm as próprias histórias e precisam ser repensadas pela historiografia”, diz Castilho. Em grande parte graças ao movimento social abolicionista, a causa ganhou adesão ou tolerância na sociedade. “No final do processo, o abolicionismo contava com apoio tácito da população urbana, que se calava diante das fugas”, diz Angela. “A escravidão foi sendo comida por todos os lados.” O re­sultado do processo foi, contudo, um empate. Os escravistas cederam, mas os abolicionistas não conseguiram implementar seu programa com extensão de direitos aos libertos. Venceu o empenho do gabinete de João Alfredo em fazer da Lei Áurea uma simples declaração de dois parágrafos, sem as indenizações aos proprietários, mas também sem garantias de vida digna aos ex-escravos. n Márcio Ferrari

Projetos 1. Circulação de ideias e estratégias de ação no movimento abolicionista (nº 2009/05921-1); Modalidade Bolsa no Exterior – Regular – Novas Fronteiras; Pesquisadora responsável Angela Maria Alonso (FFLCH-USP/Cebrap); Investimento R$ 78.689,12. 2. Abolicionismo como movimento social (nº 2012/ 08495-6); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisadora responsável Angela Maria Alonso (FFLCH-USP/Cebrap); Investimento R$ 116.566,11.

Livro ALONSO, A. Flores, votos e balas – O movimento abolicionista brasileiro (1868-88). São Paulo: Companhia das Letras, 2015, 568 p.

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memória

O O eclipse que confirmou Einstein Observatório Nacional restaura 61 placas fotográficas do eclipse do Sol de 1919 em Sobral, que comprovou pressuposto da teoria da relatividade geral

Rodrigo de Oliveira Andrade

Astrônomo Teófilo H. Lee (acima), membro da equipe brasileira em Sobral, faz observações espectroscópicas da coroa solar

dia 29 de maio de 1919 amanheceu nublado em Sobral, no Ceará. Aos poucos, porém, as nuvens se dissiparam e um clarão entre elas se abriu. A movimentação de pessoas e equipamentos era intensa em torno do Jockey Clube da cidade, onde astrônomos vindos do Rio de Janeiro e de Londres se preparavam para observar e registrar um fenômeno que trocaria por alguns minutos o dia pela noite. Pouco antes das 9 horas da manhã, o disco da Lua começou a sobrepor-se ao do Sol, encobrindo-o por completo minutos depois. O eclipse total do Sol em Sobral entrou para a história da ciência por ajudar a comprovar experimentalmente um pressuposto científico previsto na teoria da relatividade geral, publicada quatro anos antes pelo físico alemão


fotos  observatório nacional

Albert Einstein (1879-1955): matéria e energia distorcem a malha do espaço-tempo, podendo também desviar a trajetória da luz que viaja por ele. Para registrar o eclipse e verificar se o campo gravitacional do Sol entortava a luz das estrelas, os astrônomos das expedições brasileira e inglesa usaram placas fotográficas de vidro, agora

resgatadas e restauradas por pesquisadores do Observatório Nacional (ON), no Rio de Janeiro. Foram encontradas 900 delas em caixas guardadas na biblioteca, das quais 61 registram o fenômeno e os momentos que o antecederam na pacata cidade cearense. As placas, que medem 24 centímetros (cm) por 18 e 9 cm por 12,

Cientistas das expedições vindas do Rio de Janeiro (em pé) e de Londres (sentados) para observar e registrar o eclipse total do Sol (acima) de 1919 em Sobral

são cobertas por uma emulsão com sais de prata sensíveis à luz. Elas estavam em uma área de obras raras da biblioteca do ON e ainda não haviam sido melhor examinadas. A maioria está bem preservada e mostra com nitidez a imagem da Lua encobrindo o Sol e o telescópio refrator astrográfico — usado para observar o eclipse. O astrônomo Henrique Charles Morize, então diretor do Observatório Nacional, por meio de um artigo publicado dias antes em um jornal local, havia pedido às pessoas que acompanhassem o fenômeno em silêncio, sem soltar fogos de artifício, para não prejudicar a observação do eclipse e a qualidade das fotografias. Morize coordenou os trabalhos da expedição inglesa e chefiou a equipe brasileira em Sobral. Um dos objetivos da missão era fazer observações PESQUISA FAPESP 240 | 91


espectroscópicas da coroa solar. Durante o fenômeno, várias chapas fotográficas foram tiradas sucessivamente a partir de câmeras acopladas a telescópios, registrando a posição das estrelas próximas à borda do Sol. O eclipse durou exatamente 5 minutos e 13 segundos. “A análise das imagens registradas nas placas ajudou, mais tarde, a esclarecer melhor as leis físicas que regem o movimento dos corpos celestes”, diz o astrônomo Carlos Veiga, pesquisador da Coordenação de Astronomia e Astrofísica e chefe da Divisão de Atividades Educacionais do ON. Durante um mês, o astrônomo e outros bibliotecários trabalharam na recuperação das placas fotográficas de vidro, em que estão registradas as imagens do eclipse. Um trabalho lento, segundo ele, dada a fragilidade das placas — algumas têm as pontas quebradas. 92 | fevereiro DE 2016

Astrônomo Henrique Charles Morize, então diretor do Observatório Nacional e chefe da equipe brasileira em Sobral

Telescópio refrator astrográfico usado para registrar a imagem do eclipse total do Sol sobre as placas fotográficas

“As placas agora estão em caixas especiais e embaladas em um papel próprio para esse tipo de material, evitando reações químicas que possam danificá-las”, explica. Veiga e sua equipe pretendem digitalizar o material e disponibilizá-lo para consulta no site do Observatório Nacional. O eclipse de 1919 foi observado ao mesmo tempo na ilha de Príncipe, na África Ocidental, por outra equipe de astrônomos ingleses. O mau tempo, contudo, prejudicou a qualidade das imagens. Em algumas placas, as estrelas apareciam de forma mais

clara, em outras, sumiam em meio ao céu encoberto. Em Sobral, considerada uma das melhores regiões para a observação do fenômeno, o céu estava limpo durante o eclipse e as placas registraram 12 estrelas, usadas mais tarde como referência para medir o ângulo de desvio da trajetória de seus feixes de luz. Esse efeito, chamado deflexão da luz, havia sido previsto pela relatividade geral de Einstein: um feixe de luz vindo de uma estrela teria sua trajetória encurvada, ou desviada, ao passar em regiões com campo gravitacional muito forte. Esse desvio na


fotos  observatório nacional

População no Jockey Clube de Sobral momentos antes do início do eclipse

trajetória da luz, segundo os astrônomos, faria com que as estrelas observadas fossem vistas em uma posição aparentemente diferente de sua posição real; sua luz, ao passar próximo ao Sol, seria desviada 1,75 segundo de arco, de acordo com a teoria de Einstein. Os astrônomos em Sobral pretendiam medir um pequeno ângulo formado por essas duas posições. Era uma oportunidade única, uma vez que o eclipse permitiria, por alguns poucos minutos, fotografar as estrelas no fundo do céu mais próximas da borda do Sol, a uma distância de 150 anos-luz da Terra — cada ano-luz equivale a cerca de 9,5 trilhões de quilômetros. Uma das estrelas analisadas, a Hip 20712, era forte candidata para confirmar as previsões do físico alemão. A medição do ângulo de desvio da trajetória da luz não foi uma tarefa simples. As imagens de muitas estrelas estavam imersas no halo difuso causado pela luz do Sol ou encobertas pelo disco da Lua, ao mesmo tempo que a turbulência atmosférica prejudicava um pouco a qualidade das fotografias. A equipe inglesa

ficou em Sobral até julho daquele ano para fotografar o mesmo campo estelar à noite, sem a influência gravitacional do Sol. A ideia era comparar nas duas imagens as posições das estrelas mais próximas de sua borda. A confirmação das ideias de Einstein veio meses depois. Astrônomos reunidos na Royal Astronomical Society, em Londres, no dia 6 de novembro de 1919, após avaliarem os resultados obtidos a partir da análise das placas fotográficas feitas em Sobral e na ilha de

Imagem do disco da Lua sobre o do Sol registrada por uma das placas fotográficas

Príncipe, concluíram que a teoria da relatividade geral estava correta. O resultado final das observações feitas na ilha de Príncipe apresentava um desvio médio de 1,6 segundo de arco, enquanto nas de Sobral tinham um desvio de 1,9 segundo de arco, quase duas vezes o valor estimado na teoria gravitacional do físico inglês Isaac Newton (1643-1727), elaborada e apresentada dois séculos e meio antes. Consideradas as margens de erro, Einstein estava certo. “Com isso, a teoria da gravitação universal de Newton passou a ser um caso particular da relatividade geral de Einstein”, explica Veiga. “Podemos entender as chapas fotográficas produzidas em Sobral e na ilha de Príncipe como um momento fundamental na história da ciência no século XX, quando as ideias propostas na teoria da relatividade ainda eram encaradas com desconfiança”, diz o físico e historiador da ciência José Luiz Goldfarb, do Centro Simão Mathias da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “Desafiar as ideias da mecânica clássica, desenvolvidas a partir de Newton, enfrentava fortíssima oposição, uma vez que as proposições de Einstein e de outros cientistas faziam com que nossa compreensão do mundo fosse completamente redesenhada.” Para ele, preservar as placas fotográficas é manter viva a memória das transformações que se deram na ciência no início do século XX e que ainda influenciam a maneira como vemos o mundo atual. n PESQUISA FAPESP 240 | 93


Arte

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Um teatro C de muitas linguagens Companhia Balagan conjuga a prática pedagógica e a pesquisa multidisciplinar da encenadora Maria Thaís Orlando Margarido

94 | fevereiro DE 2016

edo a encenadora Maria Thaís aprendeu a olhar o outro a partir das próprias diferenças e a questionar contextos deterministas. Baiana da pequena Piritiba, na chapada Diamantina, a diretora, cujo nome completo é Maria Thaís Santos Lima, prefere se referir a si mesma como sertaneja. Quando já dedicada ao teatro, nos anos 1980, optou por não praticar um teatro de militância política. Essa postura não arrefeceu durante sua estadia na Rússia, onde desenvolveu os elementos para a pesquisa de doutorado sobre o encenador Vsevolod Meierhold (1874-1940), sua referência e modelo. O aprendizado se tornou a razão de ser da Cia Teatro Balagan, fundada em 2000 por Maria Thaís com o objetivo primordial de pesquisa, desdobrada em espetáculos e ação pedagógica. As duas vertentes, artística e educacional, desde então correm juntas. Nesse período, o núcleo de atores e colaboradores da Balagan (palavra que em russo significa teatro de feira) levou ao palco sete peças, entre elas a premiada Recusa (2012), espécie de síntese das orientações da companhia. A mais nova empreitada é Cabras – Cabeças que voam, cabeças que rolam, com temporada prevista para este mês e parte de março no Centro Cultural São Paulo. Com a guerra como eixo central, a montagem renova os fundamentos esboçados

Acima, cena do espetáculo Recusa, premiada síntese das orientações da companhia


na estreia, Sacromaquia (2000), e enfatizados a partir de Tauromaquia (2004). Na Balagan, articulam-se narrativas em variações de todos os elementos cênicos, como linguagem corporal, voz, música e cenário, e requer-se do público uma postura participativa. “Trata-se de discutir e entender por que nós temos tanta dificuldade em aceitar o outro, se afinal ele nos integra”, diz Maria Thaís, também professora do Departamento de Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Exemplo maior desse questionamento, Recusa o representa a partir da cultura indígena, baseando-se em fato real ocorrido em 2008, quando foram descobertos dois índios da etnia Piripkura, julgada extinta. Esse fato chegou ao conhecimento da companhia no momento em que a trajetória de Maria Thaís se transformava. Envolvida desde os anos 1970 com tarefas pedagógicas, ela sempre esteve próxima da vocação artística, fosse dança, canto ou mesmo cinema. “A prática me ensinaria que o teatro não deveria se constituir como arte pura, mas influenciada por outras linguagens”, diz. Nos anos 1980, atuou como professora no Centro de Artes de Laranjeiras (CAL), no Rio, e foi preparadora corporal em diversos espetáculos. Na época, a formação de atores era fortemente influenciada pelo italiano Eugenio Barba, com sua “antropologia teatral”, que coloca o ator em primeiro plano. “A mim interessava mais estudar as relações entre cena e atuação a partir de outras práticas artísticas, sem tentar encontrar unidade na universalidade”, afirma Maria Thaís. Em seguida ela se estabeleceu em São Paulo, também para dar início a seu mestrado com o crítico e professor Sábato Magaldi na ECA-USP. Nessa fase, a professora ainda relutava em dirigir. Participou da concepção e coordenação da inovadora Escola Livre de Teatro, em Santo André (SP), onde conheceu o dramaturgo Luis

2

Tauromaquia (acima) e Cabras, o mais recente espetáculo: consolidação da perspectiva espacial que caracteriza a Balagan

fotos  1 e 3 alê catan 2 Chris Von Ameln

3

Alberto de Abreu, autor habitual dos trabalhos da Balagan, como o atual Cabras. No final dos anos 1990, Maria Thaís fez sua viagem a Moscou para uma bolsa de “doutorado sanduíche” com a qual realizou a pesquisa sobre Meierhold e, a convite do diretor russo Anatoli Vassiliev, uma residência artística no Teatro Escola de Arte Dramática de Moscou. A prática na Rússia alicerçou o nascimento da Balagan, formada por atores e outros artistas de diversas procedências, entre eles o músico Fernando Carvalhaes e o cenógrafo e figurinista Márcio Medina, que responde por todos os espetáculos da companhia desde então. Da parceria entre diretora e cenógrafo, surgiu uma perspectiva espacial que caracteriza os espetáculos da companhia, começando por Sacromaquia, primeira parte de uma trilogia sobre a clausura, cujos personagens são freiras. Tauromaquia trata do cotidiano de vaqueiros. A Západ (2007), seguiu-se um período de exaustiva pesquisa. Somente quatro anos depois, em 2011, surgiu um novo espetáculo. Prometheus – A tragédia do fogo era o vértice trágico de um estudo que prosseguiu com Recusa e termina com Cabras. As múltiplas linguagens da Balagan exigem colaborações especializadas e ligações com diferentes ciências, entre elas semiótica e antropologia. “Impressiona a imersão que os espetáculos da Balagan provocam”, diz Alexandre Mate, professor do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista (IA-Unesp). “É um rigor conquistado com uma pesquisa singular que une os elementos de composição do teatro numa sinestesia.” Para Cassiano Sydow Quilici, professor do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), trata-se não só de pesquisar temas polêmicos, como em Recusa, mas também de aproximar-se de um outro modo de sentir e pensar. n PESQUISA FAPESP 240 | 95


carreiras

carreiras caminhos da difusão

Usar repositórios de acesso aberto como ResearchGate, por exemplo, para divulgar artigos, conteúdos de palestras etc.

Divulgar um artigo científico é tão importante quanto publicá-lo

Identificar quem menciona seu trabalho e em quais plataformas. Isso pode ser feito por meio de sistemas como Google Alerts

Divulgar as produções para públicos-chave, como jornalistas, bibliotecários, pesquisadores de outros departamentos e agências de fomento

Publicar em revistas de acesso aberto como as do grupo PLoS

Ser ativo nas redes sociais, sobretudo no Twitter, a mais usada por acadêmicos em todo o mundo

✹ Envolver-se com públicos distintos por meio de blogs, um site pessoal ou redes específicas, como a Mendeley

96 | fevereiro DE 2016

☞ A luta pela visibilidade novas mídias

A possibilidade de aumentar a ressonância das produções científicas de modo a alcançar um público mais amplo tem feito com que muitos pesquisadores adotem as mídias sociais como ferramenta de divulgação de seus estudos. Não por acaso, a integração dessas plataformas à rotina do trabalho em laboratório é crescente, em parte porque elas permitem identificar o alcance e a influência dos artigos por meio da análise de menções em sites, redes sociais, número de downloads e de compartilhamentos no Twitter e Facebook. Hoje, 13% dos cientistas do mundo usam o Twitter como plataforma para a divulgação e discussão de estudos científicos, segundo um artigo publicado pela revista científica PLoS One (ver Pesquisa FAPESP nº 221). “Diferentemente dos Estados Unidos, a maioria dos cientistas brasileiros ainda não entende por que deve divulgar seus trabalhos e, por isso, não se preocupa em atrair leitores para seus artigos, que acabam se perdendo em meio a milhares de outros publicados todos os dias”, diz o biólogo Átila Iamarino, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e um dos criadores da rede de blogs científicos ScienceBlogs Brasil. “Outros veem com desconfiança aqueles que usam ferramentas digitais para promover suas produções; contentam-se com a publicação em revistas especializadas, sem enviá-las a bibliotecas, jornalistas ou até mesmo a colegas de outros departamentos.” Ao notar essa dificuldade, o site de difusão de informações científicas SciDev.Net, da Inglaterra, publicou uma lista com conselhos para ajudar os pesquisadores a ampliar a visibilidade de seus artigos (ver recomendações ao lado). Um dos critérios mais importantes de avaliação da produtividade acadêmica hoje é a quantidade de papers publicados. Quanto mais artigos o cientista produz — e quanto mais forem citados por outros pesquisadores —, melhor. Uma estratégia para aumentar o impacto das publicações científicas é publicá-las em revistas de acesso aberto,


foto  arquivo pessoal

Perfil

removendo as barreiras financeiras e tornando-as disponíveis para qualquer pessoa tão logo estejam disponíveis on-line. “Artigos publicados em revistas abertas costumam alcançar públicos diversos mais rapidamente que os publicados em revistas de acesso fechado”, diz Iamarino. “Na América Latina, 25% dos downloads de artigos em revistas de acesso aberto são de fora das universidades”, ressalta. Ele sugere que os pesquisadores aumentem o impacto e a abrangência de suas produções colocando-as em portais de acesso aberto, como o ResearchGate e o Academia.edu. “Tão importante quanto facilitar o acesso às produções científicas é identificar o tipo de público que se interessa por elas, os lugares onde os artigos são compartilhados, discutidos e citados”, diz Iamarino. Manter-se ativo na internet por meio de redes sociais, blogs ou plataformas como a Mendeley pode ajudar os pesquisadores a ampliar a rede de contatos dentro e fora da academia, segundo o biólogo brasileiro Alysson Muotri, na Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. “As redes sociais têm papel muito forte na divulgação científica porque permitem uma maior interação com públicos diversos”, diz. Em sua coluna Espiral no portal G1, ele divulga os trabalhos dele e de outros pesquisadores. “Costumo enviar meus artigos científicos para alguns cientistas e associações da mesma área e para as agências financiadoras.” Falar do próprio estudo, porém, exige muito cuidado. A divulgação deve ser feita de modo criterioso, a partir de trabalhos mais abrangentes e com conclusões bem definidas, sugere Muotri. n

Disposição para inovar Ainda no doutorado, biólogo Marcos Valadares abriu empresas de produção de células-tronco e testes genéticos O desejo de ir além da carreira acadêmica tradicional e investir no desafio de transformar o conhecimento adquirido na universidade em um modelo viável de negócio foi o que motivou o biólogo mineiro Marcos Valadares, então com 27 anos, a criar a Pluricell Biotech, startup dedicada à produção e comercialização de células-tronco pluripotentes induzidas (iPS, na sigla em inglês), células maduras que podem ser reprogramadas para se tornarem outra vez capazes de gerar tecidos diferentes do organismo. A ideia nasceu, como ele próprio conta, de um convite de seu colega e futuro sócio, Diogo Biagi, também biólogo, que à época trabalhava no desenvolvimento de uma técnica capaz de transformar células adultas de qualquer tecido em células-tronco induzidas. Ainda durante o doutorado — sob orientação da geneticista Mayana Zatz, no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) —, Valadares uniu-se a Biagi e ao médico Alexandre Pereira para abrir a empresa. No início, a falta de visão comercial e administrativa atrapalhou o trabalho de prospecção e avaliação de possíveis clientes, além da elaboração de um plano de negócio. Em 2013, a empresa conseguiu financiamento da FAPESP por meio do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe). “Com o investimento, pudemos transformar nossa ideia em realidade rentável”, diz. “Isso foi importante já que aproximadamente 90% do material que usamos na produção desse tipo de célula, como os reagentes usados no processo de diferenciação celular,

é importado dos Estados Unidos e Europa.” A bolsa do Pipe também lhe permitiu ampliar sua visão de negócio durante o período que passou na Inglaterra, onde participou de um curso promovido pela Leaders in Innovation Fellowships Programme da Royal Academy of Engineering (RAEng) em Londres e Oxford. A Pluricell Biotech está incubada no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec), em São Paulo. A startup atualmente produz células-tronco que se transformam em células cardíacas, que mais tarde podem ser usadas em testes in vitro de moléculas candidatas a fármacos, um mercado que começa a se estabelecer no Brasil, segundo Valadares. Também já foram produzidos alguns lotes para grupos de pesquisas do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), em Campinas, interior paulista, e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Mais recentemente, a empresa começou a investir na produção de células-tronco da pele, em geral usadas no desenvolvimento de produtos pela indústria de cosméticos. Em outra frente comercial, o biólogo criou uma nova empresa voltada ao desenvolvimento de testes genéticos. Um deles, por exemplo, serve para identificar anomalias em genes associados a doenças recessivas, como algumas distrofias musculares, em casais que pretendem ter filhos. “Importamos a tecnologia, fazemos os testes e os vendemos aos laboratórios e clínicas do país por um preço mais acessível”, explica Valadares. “Estamos trabalhando para desenvolver esses testes no Brasil e baratear ainda mais o custo.” n R. O. A.

Rodrigo de Oliveira Andrade PESQUISA FAPESP 240 | 97


resenha

Dinossauros brasileiros e seus conterrâneos Marcos Pivetta

N Dinossauros e outros monstros – Uma viagem à pré-história do Brasil Luis Eduardo Anelli Editora Peirópolis / Edusp 248 páginas | R$ 65,00

98 | fevereiro DE 2016

ão se deve procurar por informações detalhadas sobre a alimentação dos carnívoros tiranossauros, a destreza dos velociraptors ou os chifres dos tricerátopos em Dinossauros e outros monstros –Uma viagem à pré-história do Brasil. O motivo é simples, como descobrirá o leitor do livro do paleontólogo Luiz Eduardo Anelli, professor do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (IGc-USP): esses dinossauros estão fora do foco central da obra. Famosa por suas aparições em filmes do cinema norte-americano, essa troica de antigos répteis não viveu em terras hoje brasileiras. Ou, se por aqui pe­ rambulou, não se encontraram (ainda) vestígios de nenhum deles. Tiranossauros, velocirap­­­­­­­­ tors e tricerátopos habitaram antigas porções continentais atualmente situadas no hemis­fé­ rio Norte durante os estertores do Cretáceo, período geológico compreendido entre 145 e 66 milhões de anos atrás. Esta última data, há 66 milhões de anos, marca justamente a extinção das linhagens não voadoras dos dinossauros, provavelmente pela queda de um asteroide no México que alterou drasticamente o clima no planeta (as atuais aves são consideradas exemplares vivos dos dinossauros pelos paleontólogos). No livro, as estrelas são espécimes de uma fauna antiga e extinta pouco conhecida do grande público, mas de grande importância para o entendimento do surgimento desses fascinantes animais que no século XIX foram batizados de dinossauros, termo de origem grega que significa, literalmente, lagartos terríveis. “Dentre os dinossauros que viveram em nossas terras, alguns estão entre os primeiros do mundo, e cá entre nós, ser o primeiro, o número um, quase sempre é coisa boa. Por isso, quando os estudamos, conhecemos a pré-história dos próprios dinossauros”, escreve Anelli, autor de vários livros sobre os dinossauros do Brasil. Esse é o caso do Pampadromaeus barberenai, um bípede onívoro de 15 quilos, 50 centímetros de altura e 1,20 metro de comprimento que viveu há 230 milhões de anos, cujo fóssil foi encontrado no Pampa gaúcho. Primeiro vestígio de dinossauro achado no Brasil, em 1936, também

no Rio Grande do Sul, o Staurikosaurus pricei viveu igualmente cerca de 230 milhões de anos atrás. Seus restos petrificados estão hoje em um museu da Universidade Harvard, nos Estados Unidos. Apenas na vizinha Argentina, dona de ricas reservas fossilíferas nos desertos da Patagônia, afirma Anelli, há registros de restos de dinossauros ligeiramente mais antigos do que os achados no Brasil, aproximadamente 1 milhão de anos mais velhos. Como indica seu próprio título, a obra não se restringe a passar em revista os dinossauros que ocorreram em terras nacionais. Há também “outros monstros”. “São chamados de monstros não porque foram abomináveis, seres detestáveis que desejaríamos jamais terem existido. Ao contrário. Foram monstros pela dimensão dos desafios que enfrentaram e pelas conquistas que tiveram”, justifica-se o paleontólogo da USP logo em suas primeiras linhas. Entre esses seres do passado remoto, nem todos contemporâneos dos dinossauros, Anelli destaca exemplares da chamada megafauna (preguiças e tatus gigantes, tigres-dentes-de-sabre), lagartos e crocodilos, pterossauros, aves diversas, anfíbios, mamíferos e até insetos. Feitas pelo artista Julio Lacerda, belas ilustrações de como podem ter sido esses animais, e dos ambientes em que eles viveram, aparecem na parte final do livro. Mais do que fazer um simples inventário de representantes de uma fauna extinta que um dia cruzou nossas latitudes, Dinossossauros e outros monstros procura fornecer ao leitor o contexto geoclimático em que esses bichos viveram e morreram e explicar, à luz dos conhecimentos hoje disponíveis, por que alguns triunfaram em um certo período enquanto outros pereceram. O texto coloquial de Anelli é enriquecido por recursos gráficos explicativos. Há um conjunto de árvores genealógicas, que mostram as conexões das diferentes formas de vida de outrora, e mapas e tabelas explicativos sobre as eras geológicas do planeta, a movimentação dos continentes do globo, as bacias sedimentares do Brasil, entre outras questões. Ao menos no papel, a viagem ao mundo dos primeiros monstros brasileiros não parece assustar tanto.


classificados

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FAPESP oferece recursos para Pesquisa em Pequenas Empresas em São Paulo Chamada de Propostas para o Programa FAPESP Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE)

As solicitações de financiamento devem apresentar projetos de pesquisa, que podem ser desenvolvidos em duas etapas: • Fase 1: pesquisa para demonstrar a viabilidade tecnológica de um produto ou processo, com duração máxima de nove meses e recursos de até R$ 200 mil. • Fase 2: pesquisa para desenvolver o produto ou processo inovador, com duração máxima de 24 meses e recursos de até R$ 1 milhão. Se os proponentes já tiverem realizado atividades tecnológicas que demonstrem a viabilidade do projeto, podem submeter propostas diretamente à Fase 2. Condições para participação • Podem apresentar solicitações de financiamento pesquisadores vinculados a empresas de pequeno porte (com até 250 empregados) com unidade de P&D no Estado de São Paulo; • Empresas ainda não constituídas formalmente podem apresentar propostas na condição de “empresa a constituir”, devendo essa formalização ocorrer após a aprovação da proposta e antes da celebração do Termo de Outorga; • O pesquisador proponente deverá demonstrar conhecimento e competência técnica no tema do projeto, mas não é exigido nenhum título formal (seja de graduação ou pós-graduação); • A empresa deverá comprometer-se a oferecer condições adequadas para o desenvolvimento do projeto de pesquisa durante o período de sua execução e envidar os melhores esforços para a comercialização bem sucedida dos resultados. As normas para submissão de propostas estão disponíveis em www.fapesp.br/pipe.

A FAPESP reservou até R$ 15 milhões às propostas consideradas meritórias nesta chamada. Data limite para apresentação de propostas no SAGe 2 de maio de 2016 Previsão de divulgação do resultado da chamada 31 de agosto de 2016

TIRE SUA S DÚVIDA S Participe do “Diálogo sobre apoio à pesquisa para inovação na Pequena Empresa”, reunião organizada pela FAPESP, o CIESP e a Anpei para esclarecimentos sobre a Chamada de Propostas. 28 DE MARÇO DE 2016 das 9h às 12h na sede da FAPESP INSCRIÇÕES www.fapesp.br/eventos/dialogo-2-2016

As solicitacões de financiamento serão recebidas exclusivamente por meio eletrônico, no sítio www.fapesp.br/sage. A FAPESP divulgará o resultado enviando a cada proponente os pareceres técnicos dos avaliadores. Em caso de não aprovação, o proponente poderá aperfeiçoar a proposta, corrigindo as falhas apontadas, e submeter nova solicitação em edital subsequente.

Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia

FAPESP – Rua Pio XI, 1500 – Alto da Lapa – São Paulo, SP – CEP 05468-901 • (11) 3838-4000 – www.fapesp.br


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