Poluição de longo alcance

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JANEIRO 2002 Nº 71

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TECNOLOGIAS LIMPAS COM ECONOMIA DE CUSTOS NOVAS ESTRATÉGIAS PARA COMBATER O AMARELINHO

Poluição de longo alcance Fumaça produzida na grande São Paulo pode chegar a cidades a 400 km de distância


EDUARDO CESAR

28 A poluição de São Paulo agora é um problema regional: a fumaça da região metropolitana pode chegar a cidades distantes até 400 km CARTAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 EDITORIAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 MEMÓRIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6

CIÊNCIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 LABORATÓRIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 AS DESCOBERTAS SOBRE A AGROBACTERIUM . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 POR QUE OS POVOS DA AMÉRICA DO SUL SÃO DIFERENTES . . . . . . . . . . . . . . 42 COPAÍBA CONTRA O CARUNCHO . . . . . . . 46 COMO O UNIVERSO SE ILUMINOU . . . . . . 48

Projeto Genoma Brasileiro finaliza o seqüenciamento da bactéria Chromobacterium violaceum, realizado por 25 laboratórios de todo o país

Capa: Hélio de Almeida sobre foto de Eduardo Cesar

56 As vantagens das chamadas tecnologias limpas que promovem a reciclagem, diminuem os resíduos de matéria-prima, provocam menos danos ao ambiente e são mais econômicas para as empresas

TECNOLOGIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52 LINHA DE PRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . 52 MANTA DE FIBRAS ÓPTICA CURA ICTERÍCIA EM BEBÊS . . . . . . . . . . . . . 62 NARIZ ELETRÔNICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66 VIDRO RECICLADO VIRA FILTRO PARA USO NA AGRICULTURA . . . . . . . . . . . 68 HUMANIDADES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 UM ESTUDO SOBRE A SOCIOLOGIA DA CULTURA . . . . . . . . . . . . . 74 A MORTE DE VILMAR FARIA . . . . . . . . . . . . 77 PROJETO FAZ ANÁLISE DA OBRA DE TOMIE OHTAKE . . . . . . . . . . . . . . . 78 LIVROS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80 LANÇAMENTOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 ARTE FINAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82

MIGUEL BOYAYAN

18 EDUARDO CESAR

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 ESTRATÉGIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 SEMINÁRIO DEBATE PESQUISA E MERCADO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 CGEE ANALISARÁ DESCENTRALIZAÇÃO DE RECURSOS DO MCT . . . . . . . . . . . . . . . . 14 CONSÓRCIO VAI SEQÜENCIAR GENOMA DO CAFÉ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 CNPQ INVESTE EM LABORATÓRIOS DE BIOINFORMÁTICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 TIDIA VAI AVALIAR 123 PRÉ-PROJETOS . . . 22

36 Estudos indicam quais as novas estratégias de combate à praga do amarelinho, que ataca os laranjais

70 Banco de dados alimentará análises e previsões de médio e curto prazos sobre os resultados da inserção brasileira no mercado global PESQUISA FAPESP

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C A R TA S Revista Estou concluindo minha graduação, realizada na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCLRP/USP), no curso de Ciências Biológicas. Em 2002 pretendo terminar a licenciatura em biologia e no final deste mesmo ano prestar mestrado na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) para trabalhar com melhoramento vegetal de plantas. Tive recentemente acesso à revista Pesquisa FAPESP e fiquei impressionada com a quantidade de reportagens científicas presentes, que, além de ensinar-me muita coisa, levoume ao conhecimento dos laboratórios em que estão sendo realizadas. Achei fabulosa a existência de uma revista como essa. É pena que muitos alunos de graduação não a conheçam. Não tenho condições financeiras de assinar jornal e nem qualquer tipo de revista científica que possa proporcionar-me um conhecimento tão diversificado e de qualidade realizados na área biológica. Maravilhoso poder aprender um pouco sobre tantos assuntos diferentes, que por facilidade estão agrupados em uma única revista. GISELE C. DEDEMO Ribeirão Preto, SP

Por casualidade, passou por nossas mãos uma edição da Pesquisa FAPESP. Foi amor à primeira vista. Promovemos reuniões, palestras, debates, conferências e seminários sobre igualdade de gênero, raça e etnia e certamente essa publicação muito nos ajudará. VALKÍRIA ORTEGA DONOSO Fórum de Mulheres de Santos Santos, SP

Sou aluna de graduação de biologia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e faço Iniciação Científica no Laboratório de BioInformática no Centro de Biolo4

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gia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da mesma universidade. Adoro a revista. GISELE CHAN Campinas, SP

Há algum tempo acompanho com interesse as edições da revista Pesquisa FAPESP, emprestando os exemplares de colegas. Recentemente assumi a responsabilidade pela disciplina de Metodologia Científica de nossa unidade, fazendo meu interessse pela revista aumentar, pois por meio das reportagens busco informações atualizadas e subsídios para discussões em aula. ROGÉRIO N. OLIVEIRA FACULDADE DE ODONTOLOGIA/USP São Paulo, SP

Gostaria de cumprimentar a revista Pesquisa FAPESP pela excelente qualidade das informações científicas que tanto contribuem para o desenvolvimento de novas tecnologias e o despertar científico para muitos jovens, como eu. ALEXANDRE DOS SANTOS Lavras, MG

A Biblioteca da Universidade Autónoma de Lisboa é uma estrutura de apoio direccionada a alunos e professores. No âmbito das suas competências é nosso intuito estabelecer um quadro de colaboração com diversas entidades que desenvolvem ou acompanham actividades de interesse para a nossa comunidade de utilizadores. Pelo facto de ser leccionada na Universidade Autónoma de Lisboa, a pós-graduação em Ciências Documentais, temos todo o interesse em adquirir a publicação Pesquisa FAPESP, da qual tivemos acesso a um exemplar e que se revelou de grande utilidade para esta mesma área. MADALENA ROMÃO MIRA Diretora das Bibliotecas Lisboa, Portugal

Carta ao diretor científico Foi com muito prazer que o ouvi explicar no Conselho de PósGraduação (CPG) da Universidade de São Paulo (USP) a política da FAPESP em relação a nossos jovens doutores e pós-doutores. É raro ver uma instituição de interesse altamente público defender os interesses nacionais ao invés de se render à marca fatal do mimetismo cultural. O esforço dessa Fundação por manter nossos pesquisadores e professores qualificados no Brasil, quando há tantas pressões para retê-los no exterior, evidenciado no seu relato, foi uma das afirmações que me comoveram, incluindo o episódio da cientista que foi convidada a desenvolver pesquisa em febre amarela e dengue no Brasil em vez de permanecer nos Estados Unidos a convite de norte-americanos. Creio que precisamos de mais administradores e instituições que defendam o interesse do país. ERMÍNIA MARICATO Presidente da CPG da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/USP São Paulo, SP

Políticas Públicas Gostaria de fazer uma correção sobre uma informação dada no suplemento especial sobre políticas públicas/ensino público, que acompanha a edição de número 68 da revista Pesquisa FAPESP. No suplemento consta uma reportagem (Maravilhas da modernidade), na página 35, sobre o projeto que coordeno. Gostei muito da reportagem, mas o nome da escola, contudo, saiu errado: em vez de Escola Estadual de Primeiro Grau Mariza, chama-se Escola Estadual Professora Marina Cintra. SANDRA MAGINA São Paulo, SP


ISSN 1519-8774

EDITORIAL

De poluição,genética e economia

PESQUISA FAPESP É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DA FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO PROF. DR. CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ PRESIDENTE PROF. DR. PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO VICE-PRESIDENTE CONSELHO SUPERIOR ADILSON AVANSI DE ABREU ALAIN FLORENT STEMPFER CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ CARLOS VOGT FERNANDO VASCO LEÇA DO NASCIMENTO HERMANN WEVER JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA MARCOS MACARI NILSON DIAS VIEIRA JUNIOR PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO RICARDO RENZO BRENTANI VAHAN AGOPYAN CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO PROF. DR FRANCISCO ROMEU LANDI DIRETOR PRESIDENTE PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER DIRETOR ADMINISTRATIVO PROF. DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ DIRETOR CIENTÍFICO EQUIPE RESPONSÁVEL CONSELHO EDITORIAL PROF. DR. FRANCISCO ROMEU LANDI PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER PROF. DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ EDITORA CHEFE MARILUCE MOURA EDITORES ADJUNTOS MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS NELDSON MARCOLIN EDITOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CIÊNCIA) CLAUDIA IZIQUE (POLÍTICA C&T) MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA) EDITOR-ASSISTENTE ADILSON AUGUSTO REPÓRTER ESPECIAL MARCOS PIVETTA ARTE JOSÉ ROBERTO MEDDA (DIAGRAMAÇÃO) LUCIANA FACCHINI (DIAGRAMAÇÃO) TÂNIA MARIA DOS SANTOS (DIAGRAMAÇÃO E PRODUÇÃO GRÁFICA) FOTÓGRAFOS EDUARDO CESAR MIGUEL BOYAYAN COLABORADORES ALEXANDRE AGABITI FERNANDEZ JOSÉ TADEU ARANTES LARA LIMA LILIANE NOGUEIRA LUCAS ECHIMENCO MARIA INÊS NASSIF RENATA SARAIVA RICARDO ZORZETTO SÉRGIO ADEODATO TÂNIA MARQUES VANDA JORGE PRÉ-IMPRESSÃO GRAPHBOX-CARAN E GRÁFICA AQUARELA IMPRESSÃO PADILLA INDÚSTRIAS GRÁFICAS S.A. TIRAGEM: 24.000 EXEMPLARES FAPESP RUA PIO XI, Nº 1500, CEP 05468-901 ALTO DA LAPA – SÃO PAULO – SP TEL. (0 – 11) 3838-4000 – FAX: (0 – 11) 3838-4181 SITE DA REVISTA PESQUISA FAPESP: http://www.revistapesquisa.fapesp.br cartas@trieste.fapesp.br

Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da FAPESP É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

SECRETARIA DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

esquisa FAPESP faz sua entrada neste ano de 2002 trazendo novas e não exatamente alvissareiras notícias sobre dois fenômenos – articulados, aliás – que com certa freqüência se imiscuem nas conversas dos paulistanos: o clima e a poluição ambiental. Sobre o clima: ele mudou, de fato, em São Paulo, como insistem todos que vivem na cidade há mais de 40 anos. Os dias de verão, relata o editor Carlos Fioravanti na reportagem de capa que começa na página 28, são cada vez mais quentes, enquanto os de inverno, mais secos, baniram quase que totalmente da paisagem a garoa paulistana. A temperatura média está 1,3° Celsius mais alta do que há quatro décadas. Sobre a poluição: a Região Metropolitana de São Paulo – a capital e os 38 municípios vizinhos – é um poderoso centro exportador de poluentes, a tal ponto que seu ar carregado de gases indesejáveis e poeira pode chegar a cidades que estão a até 100 quilômetros da capital – é bem verdade que em concentrações mais baixas. Pior: se carregado por ventos fortes, pode alcançar Bauru, a nada menos que 350 quilômetros. Se do ponto de vista de saúde pública e da preservação do meio ambiente essas são constatações muito preocupantes, do ponto de vista dos objetivos da pesquisa científica elas são valiosas. Primeiro, porque traduzem conhecimento novo – o trabalho enfocado na reportagem, longe de deter-se nas constatações, detalha de forma inédita, rica, a dinâmica da circulação do ar em grande escala, ou seja, penetra nos porquês do comportamento da poluição em São Paulo, tal como se apresenta. E, segundo, porque ao oferecer esse conhecimento abre espaço para a formulação de políticas públicas que tornem possível um controle bem fundamentado da poluição e de seus efeitos sociais.

P

Esta edição da revista, de qualquer sorte, traz outros resultados de pesquisa que não precisam ser relativizados na base do é ruim por um lado, mas bom por outro. São bons e ponto. Esse é o caso, por exemplo, da reportagem que começa na página 36 sobre as estratégias de combate à praga do amarelinho, anunciadas em dezembro pelos pesquisadores responsáveis pelo projeto do Genoma Funcional da Xylella fastidiosa. Tudo indica que a mais promissora delas deverá ser o desenvolvimento de plantas geneticamente alteradas, nas quais seja agregada alguma proteína que mate a bactéria, funcionando, portanto, como um potente inseticida natural, ou atrapalhe seu processo de adesão ao xilema da planta. A primeira variedade de laranja doce geneticamente modificada, obtida a partir de tecido adulto, é mais que uma bela promessa nesse caminho. No campo da genômica, contudo, há que se destacar também o anúncio do projeto de seqüenciamento do café arábica, por meio de um consórcio formado pela Embrapa e FAPESP. Uma visão ampla da pesquisa de novas tecnologias limpas em vários segmentos industriais, que resultam em melhor aproveitamento das matérias-primas, redução de resíduos e reciclagem de produtos e sobras industriais, é oferecida na reportagem que começa na página 56. Ela deixa patente que, além dos benefícios diretos sobre o meio ambiente, tais tecnologias produzem considerável economia de custos. E, por falar em economia, em Humanidades há que se ressaltar a reportagem que tem início na página 70, sobre um temático ambicioso a ponto de poder ser comparado a uma espécie de projeto genoma da economia. Ele deverá resultar num banco de dados capaz de alimentar análises e previsões de curto e médio prazos sobre os resultados da inserção brasileira no mercado global. No mais, boa leitura. PESQUISA FAPESP

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MEMÓRIA

Centenário de uma teoria

Frederick Soddy

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Rutherford e Soddy explicaram,em 1902,como ocorrem as transformações radioativas

Ernest Rutherford

O

mundo científico habituou-se a ver o físico francês Henri Becquerel e o casal franco-polonês Pierre e Marie Curie como os primeiros desbravadores do mundo das partículas radioativas. Isso é verdade em parte. Sem as experiências e observações deles e de outros físicos, apresentadas a partir de 1896 na Academia de Ciências de Paris, não haveria oportunidade para novas descobertas e hipóteses. Mas foi o trabalho teórico de dois físicos, Ernest Rutherford, da Nova Zelândia, e Frederick Soddy,

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Acima, trajetória das partículas muon (verde) e elétron (vermelho): mundo do infinitamente pequeno continua fascinando os físicos


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Emissão de partículas alfa do rádio: descoberta de Rutherford e Soddy

não entendia bem o que eram e acabou por desinteressar-se delas depois de alguns anos. “O casal Curie teve também um papel importante, percebendo que a radioatividade era algo novo, não influenciável por luz ou calor, e descobrindo novos elementos radioativos além do urânio”, explica

Roberto de Andrade Martins, professor do Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e especialista no assunto. “Rutherford e Soddy deram, então, um passo fundamental, esclarecendo o que acontecia dentro dos materiais radioativos.”

ROGER VIOLLET/FRANCE PRESSE

da Inglaterra, que efetivamente explicou como ocorrem as atividades radioativas. Entre novembro de 1902 e maio de 1903, eles publicaram uma série de cinco artigos em que apresentavam a hipótese de que a radioatividade está associada a fenômenos atômicos de desintegração, que levam à transformação de um elemento químico em outro. Em 1904, a hipótese dos dois, ganhadores do Nobel de Química de 1908, estava consolidada e aceita por outros pesquisadores. Ou seja, a compreensão moderna desses fenômenos começou a existir há 100 anos. Até então, o que se sabia sobre radioatividade eram descrições de experiências de laboratório com “substâncias que brilham”, como sulfeto de zinco fosforescente, sulfeto de cálcio, estrôncio, bário e urânio, entre outras. Embora esteja entre os pioneiros desse tipo de pesquisa, Becquerel descobriu “coisas” que

Pierre e Marie Curie batizaram o fenômeno recém-descoberto de radioatividade e descobriram diversos outros elementos com a mesma característica do urânio PESQUISA FAPESP

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

E S T R AT É G I A S

■ Elas avançam,mas

eles ainda dominam Um relatório da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos mostrou que a participação feminina na comunidade científica aumentou, mas elas ainda ficam atrás dos homens na conquista de títulos acadêmicos e cargos de tempo integral, de acordo com informações da revista Nature (22 de novembro de 2001). Há 25 anos, as mulheres quase não tinham representação no mundo da ciência. Em 1995, já estavam respondendo por cerca de um terço dos novos títulos acadêmicos em vários campos. No entanto, ainda há 8

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gia aplicada à agricultura e à indústria de alimentos. No site http://europa.eu.int/ comm/research/quality-oflife/gmo/index.html há o relatório completo com o estudo. Um estranho no milho -

Vem das montanhas do Estado de Oaxaca, no sul do México, o outro fato importante para a discussão sobre transgênicos. Cientistas da Universidade da Califórnia encontraram material originário de plantas geneticamente modificadas inserido no DNA de uma espécie selvagem de milho, cultivada apenas por fazendeiros da região, informa a revista Nature (29 de novembro de 2001). No meio desse material, foi identifi-

grande disparidade. Se nas ciências biológicas elas já são donas de 40% de todos os PhDs, em engenharia respondem por apenas 7% das graduações e 5% dos empregos em nível de doutorado.

cado o gene do Bacillus thuringienses (Bt), injetado propositalmente pelo homem nas culturas transgênicas por ter a propriedade de produzir uma toxina letal para pestes nocivas às plantações. Os pesquisadores não sabem precisar de onde vieram os componentes externos descobertos no código genético do milho de Oaxaca. Formulam apenas hipóteses. Presente em

Milho transgênico: a polêmica continua

versões modificadas de milho e outras culturas transgênicas plantadas nos Estados Unidos e importadas atualmente pelo México como ração para animais, o gene Bt pode ter “escapado” dessas plantas e se disseminado pelo país. Há também a possibilidade de a troca genética ter ocorrido antes de 1998, quando o México ainda permitia o cultivo de milho transgênico. Por fim, existe ainda a suspeita de que fazendeiros mexicanos estejam cultivando clandestinamente espécies transgênicas e cruzando-as com variedades nativas.

■ Nature e Science

juntas,na Internet Desde 3 de dezembro de 2001, o site www.scidev.net reúne alguns artigos das duas principais publicações cienLAURABEATRIZ

Dois fatos divulgados em meados de dezembro de 2001 colocaram mais combustível na discussão sobre os transgênicos. O primeiro foi um estudo da União Européia realizado num período de 15 anos (entre 1985 e 2000) sobre o uso e aplicação de organismos geneticamente modificados. O resultado indicou que os alimentos transgênicos são tão seguros para o consumo humano quanto para o ambiente. E mais: eles podem ser ainda mais seguros que as plantas convencionais. O estudo acompanhou todo o processo, do desenvolvimento até o consumo dos alimentos. No total, o trabalho teve 81 projetos feitos por mais de 400 equipes de saúde, nutrição, biotecnolo-

FLÁVIO CANNALONGA

A confiança da UE nos transgênicos

tíficas do mundo: a revista britânica Nature e a norteamericana Science. O site tem notícias sobre ciência, tecnologia e desenvolvimento gratuitamente. “A iniciativa é importante para ajudar a criar uma ponte entre os Hemisférios Norte e Sul com o objetivo de reduzir a distância entre as duas regiões no setor científico”, diz David Dickson, diretor do Scide.Net. Ele acredita que a medida é uma forma de promover atividades destinadas a melhorar a comunicação sobre C&T, especialmente em países em desenvolvimento. A Academia de Ciências do Terceiro Mundo é uma das parceiras do projeto.


LAURABEATRIZ

■ Um instituto para a

espaço para a web

informação quântica

Ela entrou nas casas como uma curiosidade e logo conquistou um espaço privilegiado na sala de estar. Agora, porém, a velha televisão vê seu reinado ameaçado por outro monitor, o da Internet. É o que está acontecendo nos Estados Unidos, onde a Universidade da Califórnia (UCLA) realizou pesquisa em 2 mil residências. E constatou que os americanos usuários de Internet ficam menos tempo à frente da TV – 4,5 horas a menos por semana em relação aos não-usuários. O Projeto Internet, financiado pela Fundação Nacional de Ciência (NSF), foi criado para investigar mudanças de hábitos provocadas por essa tecnologia. Pretende-se entrevistar usuários e não-usuários por uma geração inteira e, assim, traçar um quadro global de como a Internet afeta a sociedade. Na opinião de Jeffrey Cole, diretor do Centro de Políticas de Comunicação da UCLA, eles estão fazendo, hoje, um trabalho que deveria ter sido iniciado nos anos 40, em relação à TV. Atualmente, mais de 72% dos americanos têm acesso à Internet, em relação a 67% em 2000. Sua popularidade já pode ser medida pela hora da bronca, segundo a pesquisa: agora, quando querem castigar os filhos por algum motivo, as mães estão deixando de proibir a TV – mas o computador fica desligado.

A Fundação Nacional de Ciência (NSF) dos Estados Unidos concedeu uma bolsa de US$ 5 milhões ao Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech, na sigla em inglês) para a criação de uma nova instituição dedicada à ciência da informação quântica – campo que pode culminar no desenvolvimento dos sonhados computadores quânticos. O novo Instituto para Informação Quântica (IQI) atuará

em diversas áreas, incluindo física, ciência da computação e matemática, segundo o diretor fundador John Preskill, professor de física teórica no Caltech. “A meta do IQI será dominar os princípios da física quântica que possam ser explorados para melhorar a performance da transmissão, processamento e aquisição de dados”, informa o pesquisador. O assunto que o deixa realmente entusiasmado é a possibilidade de criação de um computador quântico. “Se pudermos processar esta-

dos quânticos, em vez de informação clássica, poderemos solucionar problemas que nunca seriam resolvidos com tecnologia clássica”, afirma. Ele explica que, atualmente, os melhores computadores levam vários meses para encontrar os fatores primos de um número de 130 dígitos, e levariam 10 bilhões de anos para fatorar um número de 400 dígitos – quase a idade inteira do universo. Um computador quântico seria capaz de fatorar um número de 400 dígitos em um minuto.

Os Nobel contra os economistas As comemorações do centésimo aniversário do Prêmio Nobel foram marcadas por uma desconcertante polêmica: quatro descendentes do inventor sueco defendem retirar o nome da família do prêmio de Economia. “Economia nunca esteve no testamento de Alfred Nobel e não tem o espírito de seus prêmios”, afirmou ao jornal inglês Financial Times (24 de novembro de 2001) Peter Nobel, advogado especialista em Direitos Humanos e bisneto do irmão de Alfred, Ludvig. Alfred não deixou descendência direta. Três outros descendentes de Ludvig – Anders Ahlqvist, Johan Ahlqvist e John Hylton – concordam com Peter. As outras cinco

DSK/FRANCE PRESSE

■ Televisão perde

Nobel: discussão inusitada

categorias do prêmio – Paz, Literatura, Física, Química e Medicina – foram diretamente mencionadas no testamento do inventor e concedidas já na primeira edição do Nobel, em 1901. Economia só foi incorporada em 1968, em comemoração aos 300 anos de fundação do Riksbank, o

banco central sueco. Para os quatro Nobel, Riksbank deveria ser o nome do prêmio conferido aos economistas. Eles argumentam que essa premiação contraria declarações do próprio Alfred de que os prêmios deveriam ser outorgados todos os anos àqueles que tivessem dado “o maior benefício à humanidade”. “A maioria dos prêmios de economia vai para pessoas que refletem o pensamento ocidental dominante. E temos dúvidas se esse é realmente um benefício a toda a humanidade”, afirma Peter Nobel. Não por acaso, os vencedores do prêmio de economia de 2001 – George Akerlof, Michael Spence e Joseph Stiglitz – são dos Estados Unidos.

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E S T R AT É G I A S

O estudo mais recente sobre doutorado no Brasil revelou 32.500 pesquisadores com essa titulação em atividade e uma esperada concentração nos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro. “Mas indicou também o começo da descentralização dos doutorados em direção ao Nordeste e ao Sul”, diz Reinaldo Guimarães, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e consultor do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Guimarães foi um dos autores do trabalho, junto com Silvana Cosac e Ricardo Lourenço, ambos ligados ao CNPq. Para o estudo, eles usaram dados do

Período de formação Pesquisadores doutores segundo o ano de doutoramento

SIRIO J. B. CANÇADO

Quantos são os doutores brasileiros

8.339

6.261 3.327 2.189 169

334

Até 1965

1966 1970

859 1971 1975

1.237 1976 1980

1981 1985

1986 1990

1991 1995

1996 2000

Fonte: CNPq/CGINF, Diretório v.4.0 e CV Lattes

Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil e dos currículos Lattes. A pesquisa confirma o boom de pesquisadores dos anos 90. Os pesquisadores acharam 8.339 doutores formados

■ Prêmio José Reis

(CNPq), Esper Cavalheiro, entregou dia 17 de dezembro o Prêmio José Reis de Divulgação Científica para o físico Marcelo Gleiser, ganhador de 2001. Gleiser trabalha nos Es-

para Marcelo Gleiser O presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

entre 1996 e 2000. Para chegar a esse número, foram considerados os que estão nas instituições de pesquisa com perfil acadêmico, mas não os que trabalham com pesquisa e desenvolvimento

tados Unidos, mas mantém intensa atividade como articulista de jornais brasileiros, sempre escrevendo sobre ciência. Seus textos saíram em dois livros: Retalhos Cósmicos

em órgãos do governo e empresas, por falta de dados disponíveis. Um dado surpreendente é o crescimento da participação de outros Estados na formação do pesquisador. Até 1965, São Paulo era responsável por 70,4% dos doutores formados no país. Em 2000, caiu para 55,7% e outros centros tornaram-se mais atuantes. O Rio passou de 10,2% para 18,1%, no mesmo período. Santa Catarina, Bahia e Pernambuco, que não formavam ninguém, hoje titulam 3% e 0,9% (BA e PE) dos doutores, respectivamente. Minas Gerais e Rio Grande do Sul deram um ligeiro salto: ambos foram de 5,1% para 7,3%.

e A Dança do Universo. O físico vai receber US$ 4,5 mil e um diploma. Gleiser é professor do Departamento de Física e Astronomia do Dartmouth College, nos EUA.

Ciência na web Envie sua sugestão de site científico para cienweb@trieste.fapesp.br

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habitare.infohab.org.br/habitare.htm

www.argiropolis.com.ar/ameghino/marco.htm

www.chemkeys.com/bra/index.htm

Site do Programa Habitare sobre tecnologia de habitação e pesquisas de C&T sobre o setor da construção civil.

Textos fundamentais da produção científica argentina ao longo de sua história, documentos e biografias.

Endereço de fácil navegação, com informações específicas para o ensino de química e ciências afins.

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Engler: currículo extenso

Joaquim José de Camargo Engler, diretor administrativo da FAPESP, foi renomeado pelo governador Geraldo Alckmin para o cargo. É a quarta vez que assume o posto. Engenheiro agrônomo, PhD em Economia, livre docente e professor titular do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), Engler publicou 82 artigos científicos e relatórios de pesquisa. Foi diretor da Esalq, coordenador da Comissão de Especialistas de Ensino de Ciências Agrárias do Ministério da Educação, coordenador e prefeito do campus da USP em Piracicaba, professor visitante do Instituto Gulbenkian de Ciência, de Portugal, e coordenador geral de Administração da USP, entre outros cargos.

Stempfer (ao lado) no comando do processo e Macari: renovação parcial do Conselho

O governador Geraldo Alckmin nomeou o professor Marcos Macari como integrante do Conselho Superior da FAPESP. A designação visou a escolha de um representante dos institutos de ensino superior e pesquisa do Estado de São Paulo (oficiais e particulares). Macari foi o nome mais votado (383 votos) de uma lista tríplice enviada ao governador, resultado da eleição que ocorreu entre os dias 26 e 30 de novembro de 200 1em que concorreram 14 candidatos. O biomédico Marcos Macari é pesquisador e professor titular do Departamento de Fisiologia Animal da Faculdade de Ciências Agrárias e Vete-

■ Os 25 anos da

rinárias da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Jaboticabal. Todo o processo eleitoral foi feito, pela primeira vez, de forma eletrônica, via Internet, o que facilitou a votação de quem estava distante da capital. Alain Florent Stempfer, conselheiro da FAPESP, presidiu a comissão que comandou a eleição.

Unesp em livro A Universidade Estadual Paulista (Unesp) comemorou 25 anos em 2001 e não deixou de fora reportagens e artigos REPRODUÇÃO

■ Mais informações

sobre biotecnologia A criação de insulina mais barata e segura, arroz com provitamina A, plantas com capacidade de extrair metais pesados do solo. Essas e outras possíveis conquistas das pesquisas com transgênicos serão, agora, sistematica-

Novo conselheiro

EDUARDO CESAR

ELIANA ASSUMPÇÃO

diretor administrativo

mente divulgadas pelo Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB), órgão criado por empresas e instituições do setor, como a Monsanto, Cargill, DuPont e Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação (Abia), entre outras. Segundo Belmiro Ribeiro da Silva Neto, diretor executivo do CIB, os brasileiros ainda desconhecem o assunto e, muitas vezes, recebem somente uma versão da informação. “Pesquisa realizada pelo Ibope em julho de 2001 apontou que apenas 31% da população demonstra ter conhecimento suficiente sobre biotecnologia”, afirma. Segundo Silva Neto, com a criação do CIB, essa situação pode mudar. “Agora, há uma entidade que pode falar em nome dos que estudam e desenvolvem a biotecnologia em nosso país com total isenção e credibilidade.” O CIB contou com R$ 500 mil em 2001 e prevê R$ 1 milhão em 2002, que serão investidos em publicações, seminários, campanhas publicitárias e no site www.cib.org.br, que pretende atingir dos alunos do ensino fundamental até a comunidade acadêmica.

MIGUEL BOYAYAN

■ Engler é renomeado

Capa do livro: comemoração

que acompanharam o crescimento das atividades da instituição. O recém-lançado livro Os 25 Anos da Unesp sob o Olhar da Imprensa conta a história da universidade desde 17 de setembro de 1975, quando foi anunciado que o então governador Paulo Egydio Martins assinaria sua criação, até 1 de agosto de 2001, data de reportagem sobre a abertura de 500 novas vagas em 13 cursos de graduação. A obra traz farto ma-

terial publicado em 19 jornais e revistas da capital e do interior de São Paulo. Os artigos retratados em fac-símile e os textos produzidos pela Assessoria de Comunicação e Imprensa da Unesp, com o apoio do Centro de Documentação e Memória, estão agrupados cronologicamente. Por eles, é fácil acompanhar as diversas etapas e a natural evolução da instituição,i desde a elaboração dos estatutos até a expansão dos cursos.

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PATENTES

Receita para bons negócios Seminário avalia estratégias para levar a pesquisa ao mercado com sucesso que leva tecnologias ao mercado não é só o seu potencial comercial nem seu teor de inovação. Regras do mundo dos negócios também são necessárias, e a correta adequação a elas é ainda mais importante quando se trata de captar recursos, e encontrar mercados, no exterior. Para discutir o tema, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) realizou, com o apoio da FAPESP, o seminário Comercialização Internacional de Tecnologia Brasileira, na sede do instituto, em 29 de novembro do ano passado. “Todos nós temos muito que aprender sobre esse assunto”, afirmou Edgar Dutra Zanotto, coordenador do Núcleo de Patentes e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec), da FAPESP. Abordando os desafios que se colocam para a comercialização da tecnologia brasileira, o norte-americano Robert Sherwood, consultor que colaborou para a reforma dos sistemas de propriedade intelectual de 11 países trabalhando para o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Banco

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Mundial, lembrou que, antes de prospectar recursos, é fundamental que se verifique se a tecnologia objeto da pesquisa ainda não foi inventada e se ela tem oportunidades no mercado. O passo seguinte é encaminhar o registro da patente. Esse processo, frisou, tem de ser iniciado antes da publicação do trabalho – o que, evidentemente, não significa que os resultados da pesquisa não devam ser publicados.“A publicação prematura desfecha um golpe mortal sobre qualquer perspectiva de comercialização futura”, disse. “Os analistas recebem centenas de planos de negócios e simplesmente eliminam, logo na primeira triagem, aqueles nos quais o problema da propriedade intelectual não está contemplado”, disse. Sherwood afirmou que, na busca de capital, o mais difícil é conseguir financiamento para a pesquisa. Ressalvou que essa é uma dificuldade que os pesquisadores brasileiros praticamente não conhecem em função dos mecanismos de fomento disponíveis.“Ainda são raros, porém, os casos em que a imensa criatividade dos brasileiros rende frutos do ponto de vista comercial. E os contribuintes, que financiam a pesquisa, têm o direito de condenar a falta de preocupação com o potencial econômico das tecnologias desenvolvidas no Brasil.”

Na avaliação de Sherwood, a lentidão dos processos de patenteamento no país pode ser um obstáculo à obtenção de recursos. Lembrou que iniciar o processo de registro de patentes pelo Brasil não é a única possibilidade. Como alternativa, ele sugeriu iniciar pelos mercados em que a aplicação da tecnologia tenha maior potencial comercial. Afirmou também que a legislação brasileira, apesar dos avanços registrados em 1997, ainda deixa os investidores receosos com, por exemplo, o poder de decisão do governo sobre quebra de patentes por razões de interesse público, ou a impossibilidade de patentear alguns bens, como material transgênico e software. O especialista ressaltou que é necessário proteger informações relativas a tecnologias patenteáveis por contratos de confidencialidade – os chamados non-disclosure agreements – com redação clara. Em projetos que presumem pesquisa compartilhada, convém que os contratos estabeleçam nitidamente a responsabilidades de cada uma das partes envolvidas. Walter Bayer, vice-presidente da GE Licensing, divisão da General Electric dedicada exclusivamente ao licenciamento de patentes, definiu o licenciamento de tecnologias como um negó-


LAURABEATRIZ

cio. Na avaliação de Bayer, um bom plano de negócios começa pela identificação dos interessados. Apenas deter os direitos de propriedade intelectual sobre determinada tecnologia não basta, se não houver potencial efetivo de licenciamento. As expectativas de retorno dos investimentos devem ser quantificáveis. “Argumentos como ‘qualquer lojinha vai vender’ não devem ser usados”, adverte Bayer. No que diz respeito ao registro de patentes propriamente dito, Bayer lembrou que idéias não podem ser patenteadas: em qualquer parte do mundo, é preciso contar com algo tangível. Da mesma forma, os chamados segredos comerciais não são passíveis de proteção por patente – são fórmulas, ou mesmo processos, que as empresas guardam a sete chaves por seu valor como diferencial competitivo. Nesse sentido, o exemplo mais conhecido é o da receita da Coca-Cola, mas há milhares de outros, bem menos evidentes. “Em uma companhia de software, uma idéia se transforma em código, e código-fonte pode constituir um um segredo comercial.” No caso, o que pode ser patenteado é o produto de software, que ganha tangibilidade por meio de gravação, digamos, em um CD. A decisão de patentear uma tecnologia ou tratá-la como segredo comercial depende de uma avaliação dos riscos envolvidos e de uma comparação cuidadosa dos custos e benefícios de cada opção. A patente é a escolha mais segura. Na visão de Bayer, uma política de licenciamento bem-sucedida deve, entre outras coisas, apoiar-se em um

portfólio amplo e competitivo. Mesmo quando se trata de licenciar apenas uma tecnologia, a capacidade de antever as aplicações possíveis, imediatas ou futuras, faz diferença. O plano de negócios deve se fundamentar, porém, nos resultados a curto prazo e utilizar um estilo de argumentação agressivo. Do ponto de vista comercial, também é preciso manter a flexibilidade, dando abertura para o futuro licenciado realizar as modificações que forem de seu interesse. “Uma patente não é um monopólio”, disse Bayer. Conflitos de interesse - Christopher Ostrovski, presidente da Technology Partners International, agência especializada em transferência de tecnologia com sede em Guelph, no Canadá, comentou um estudo realizado por ele que tinha como objetivo uma melhor compreensão dos conflitos de interesse que muitas vezes permeiam a relação entre universidades e empresas. “Os objetivos do pesquisador incluem o direito de publicar seus trabalhos, transferir propriedade intelectual para a sociedade e o compromisso com o desenvolvimento da pesquisa”, enumerou. “Por sua vez, a empresa quer vantagem competitiva, a construção de uma base tecnológica e uma visão das novas tecnologias.” A solução desse conflito está na consciência das necessidades da outra parte, e uma das questões a serem equacionadas é a que antepõe a proteção de direitos de propriedade intelectual à publicação dos trabalhos. Ostrovski acredita que as duas partes devem estar dispostas a estabelecer relações de longa duração para desen-

volver confiança recíproca e que um dos caminhos mais fáceis para chegar a isso é a aproximação. “Para fazer o marketing de suas tecnologias, a universidade deve nomear representantes com habilidades de comunicação e capazes de administrar as diferenças filosóficas entre a academia e a indústria.” No que diz respeito à prospecção de recursos, Ostrovski aconselhou os pesquisadores a prestar atenção aos diversos tipos de investidores possíveis – de amigos dispostos a apostar em uma tecnologia a bancos, dos chamados “anjos” (indivíduos muito ricos que gostam do setor tecnológico e agem quase como os mecenas das artes) aos investidores institucionais e, no caso de empresas de base tecnológica, abertura do capital. A advogada Juliana L.B. Viegas, da Trench, Rossi e Watanabe, fez uma explanação sobre a evolução do conceito de propriedade intelectual no contexto da legislação brasileira. “Com mais de 30 anos de carreira, vi muitos casos de importação de tecnologia e no máximo dois ou três casos de exportação de tecnologia brasileira, e talvez este seja o momento da virada.” Ela afirmou que o país, do ponto de vista legal, não tem o conceito de licenciamento de tecnologia – o que existe é só transferência permanente. Outra dificuldade apontada por ela é a limitação da remessa de royalties e da dedutibilidade para fins fiscais entre 1% e 5% das vendas líquidas e a obsolescência da definição de essencialidade que pauta a aprovação das importações de tecnologia, que data de uma portaria de 1958. • PESQUISA FAPESP

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FAPs

Gestão compartilhada Grupo de trabalho vai avaliar descentralização de políticas de C&T Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) vai abrigar um grupo de trabalho cuja tarefa será avaliar estratégias de indução de políticas regionais de Ciência e Tecnologia e, dentro dessa perspectiva, estudar medidas de descentralização das políticas de planejamento do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). O grupo será formado por representantes das Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs), das Secretarias Estaduais de Ciência e Tecnologia, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). A FAPs defendem a descentralização das políticas e dos recursos de C&T para estreitar parcerias com os governos locais. Propõem assumir, por exemplo, a distribuição dos recursos de fomento à pesquisa e à formação de recursos humanos, que atualmente são de responsabilidade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Capes, conforme explica Francisco Romeu Landi, diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP e presidente do Fórum das FAPs. A descentralização, ou melhor, uma gestão compartilhada, irá permitir o uso da capilaridade estratégica que têm as FAPs, o seu conhecimento local de pesquisadores, laboratórios, empresas e problemas regionais/locais. Sérgio Bampi, diretor-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul (Fapergs), esti-

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ma que as FAPs tiveram, em 2001, uma receita de R$ 600 milhões, “muito aquém do deveriam”, observa. Com verbas do governo federal será possível consolidar parcerias com os Estados, acrescentou Naftale Katz, diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig). “Esperamos que esta parceria com o MCT permita definir uma agenda de operação comum com contrapartida efetiva do governo federal”, completou Jocelino Francisco de Menezes, presidente da FAP de Sergipe. Arranjos produtivos - O MCT vê com

preocupação a idéia da descentralização. Mas, durante o Fórum Nacional das Fundações e Entidades de Amparo à Pesquisa dos Estados e Distrito Federal, realizada na FAPESP, no dia 7 de dezembro, o secretário-executivo do MCT, Carlos Américo Pacheco, aceitou analisar o assunto e propôs a formação do grupo de trabalho no CGEE. Também participaram do Fórum o secretário-adjunto de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, Oswaldo Massambani; Evandro Mirra, presidente do CGEE; Esper Abrão Cavalheiro, presidente do CNPq; Mauro Marcondes, presidente da Finep; José Galisia Tundisi, ex-presidente do CNPq e que hoje integra o Instituto Internacional de Ecologia; José Seixas Lourenço, do MCT; Beatriz Tess, do Ministério da Saúde; Cláudio Marinho, presidente do Fórum das Secretarias estaduais, e presidentes de FAPs. Pacheco acredita que descentralização só terá relevância se as FAPs se vincularem aos projetos de desenvolvimento local, como os clusters e arranjos produtivos, que estão sendo desenvolvidos pelo MCT junto com o CNPq, a Finep, agências de desen-

volvimento e outros parceiros locais. Essas ações, batizadas como Programa de Cooperação Científica e Tecnológica para o Desenvolvimento Regional, têm como objetivo identificar prioridades e vocações locais, organizar arranjos produtivos e alavancar investimentos. As ações centralizadas da União devem se traduzir em ações seletivas nos Estados. Lembrou, ainda que a agenda de política científica e tecnológica nacional vai muito além da estrutura de fomento. “Existe dificuldade de entender essa agenda, que tende a ser subavaliada, como se se resumisse ao fomento, que é uma atividade central, mas que representa uma parcela pequena dos gastos.” Acrescentou que, apesar dos de ter ampliado o seu orçamento com recursos dos Fundos Setoriais, o MCT administra só 50% dos gastos federais com C&T. E concluiu: “Não é trivial falar em descentralização”. Na sua avaliação, qualquer mudança na forma de distribuição dos recursos para o fomento exigirá alterações nos valores básicos para o pagamento de bolsas. O valor das bolsas, no âmbito federal, está vinculado aos salários básicos dos professores das universidades federais. “Nos Estados não existe esse compromisso e isso pode trazer problemas.” Sistema heterogêneo - A descentralização já pauta as relações do CNPq com as FAPs, lembrou Cavalheiro. “Hoje temos 12 ações com as fundações”, contabiliza Cavalheiro. O problema são as discrepâncias que existem entre elas. “Existem FAPs atuantes, não-atuantes e aquelas que não existem”, afirmou. Num sistema heterogêneo, avaliou, a descentralização do financiamento pode ser um problema. “Tem que haver articulação com a política nacional e entre as FAPs, e


NEGREIROS

não um trabalho de competição, mas de respeito a particularidades locais.” Lembrou o exemplo do Instituto do Milênio para Políticas do Mar, que reuniu grupos de pesquisa do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Pernambuco que, antes, trabalhavam isolados. “É preciso que as discussões sejam centralizadas, e o CGEE é o lugar certo para fazer isso.” Mirra, que já presidiu o CNPq, garantiu que o CGEE vai acolher essa “força-tarefa” formada por representantes das FAPs e da Secretarias estaduais. “Precisamos diagnosticar as possibilidades e a rede de obstáculos”, afirmou. O primeiro obstáculo, ele apontou, está na lógica orçamentária do setor público. “Não é possível fazer previsões sequer de curto prazo. Hoje, o CNPq ainda não sabe qual o orçamento deste ano.” Isso decorre do

atraso na votação do orçamento pelo Congresso e na aprovação posterior da execução orçamentária que estabelece limites de empenho. Apesar dessas dificuldades, ele diz, o CNPq assume riscos e apóia estratégias regionais. Mirra deixou claro, no entanto, que a indução não é condição indispensável para o desenvolvimento de pesquisas afinadas com as necessidades regionais ou do país. Revelou que pelo menos 85% do orçamento do CNPq financia pesquisas espontâneas, “sem qualquer indução política”. Das 1.600 linhas de pesquisa sobre Ciências da Vida, por exemplo, constatou-se que 70% estão alinhadas com as oito prioridades nacionais da Saúde. “O exame das linhas de pesquisa revela gratas surpresas, revelando que os nossos pesquisadores estão maduros”, disse. Essa avaliação deixou

claro, no entanto, que o país carece de pesquisa básica. “Temos de trabalhar de forma a construir estratégias cooperativas e desenhar ações conjuntas.” Mauro Marcondes, da Finep, também apontou a articulação entre as FAPs como o caminho para o desenvolvimento de uma agenda comum de ações nos Estados. “Temos parceria com os Estados nos arranjos produtivos locais. Estamos articulando novas agências e bancos de desenvolvimento, com esse objetivo”, afirmou. Projeto Piloto - A idéia de descentra-

lização proposta pelas FAPs já está se consubstanciando num projeto piloto que está sendo implementado pelo Ministério da Saúde, em parceria, por meio de convênios, com Fundações de Amparo à Pesquisa e Secretarias estaduais de Saúde em sete Estados: Alagoas, Goiás, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Sergipe e Mato Grosso do Sul. O convênio com as FAPs do Nordeste foi assinado no dia 13 de dezembro. O objetivo é promover a articulação e a integração entre os sistemas estaduais de saúde e os de ciência e tecnologia. Coube ao ministério identificar as ações de desenvolvimento científico e tecnológico no setor. A proposta foi fechada no 1º Fórum Intersetorial de Desenvolvimento Institucional em Ciência e Tecnologia em Saúde, que reuniu técnicos do ministério e dez FAPs. O ministério deverá repassar R$ 2,68 milhões, que serão destinados ao financiamento de pesquisas em áreas consideradas prioritárias para o desenvolvimento regional e institucional das secretarias estaduais e das FAPs. “Pelo menos 70% dos recursos vão para pesquisa e 30% para a infra-estrutura e recursos humanos”, afirmou Beatriz Tess. O Mato Grosso do Sul, por exemplo, contará com R$ 63 milhões. Os pesquisadores também contarão com recursos da administração direta. • PESQUISA FAPESP

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

PARCERIA

Café sem mais segredos Consórcio vai seqüenciar genoma da planta epois do seqüenciamento dos genes da Xyllela fastidiosa, que ataca os pomares de laranja, e do genoma da cana-de-açúcar, é a vez de decifrar o código genético do café arábica. Um consórcio formado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a FAPESP, no âmbito do Programa de Inovação Tecnológica (PITE), está implementando o Projeto Genoma EST-Café, que vai produzir 200 mil seqüências de genes do café. A tarefa de seqüenciamento dos genes será dividida entre o Programa Agronomical and Environmental Genome (AEG), da FAPESP, e o Centro Nacional de Recursos Genéticos (Cenargen), da Embrapa. Os clones seqüenciados por cada um dos parceiros serão mantidos nas respectivas entidades e intercambiados ao final do projeto. O Genoma EST-Café está orçado em R$ 1,92 milhão, que serão divididos entre a Embrapa e a FAPESP. A FAPESP participa com R$ 480 mil. O prazo previsto para a execução do projeto é de 12 meses, mas, na avaliação de Luiz Eduardo Aranha Camargo, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, de Piracicaba, deverá ficar pronto em quatro meses. Banco de dados - As 200 mil seqüências geradas serão depositadas no Banco de Dados do Laboratório de Bioinformática (LBI), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e ficarão à disposição dos interessados para consulta, de acordo com Aranha Camargo. Terão acesso ao banco de

Seqüenciamento do gene do café dará pistas para melhorar a qualidade da bebida

dados, além das instituições participantes do consórcio, outras instituições públicas e privadas.“A análise funcional ficará por conta do interesse e das áreas de investigação de cada instituição ou pesquisador”, afirma Aranha Camargo, citando como exemplo os Institutos Agronômicos de Campinas e do Paraná e as Universidades Federais de Lavra, Viçosa e Uberlândia, em Minas Gerais. A solicitação de acesso ao banco de dados será feita mediante assinatura de Termo de Compromisso e Confidencialidade. O consórcio prevê que a Embrapa e a FAPESP dividirão a titularidade de qualquer patente que vier a ser gerada pelo projeto. Os custos para a obtenção e manutenção das patentes serão proporcionais aos direitos de royalties nas seguintes proporções: a Embrapa ficará com 30%, o Cenargen, com 20%, a FAPESP, com 20%, e a instituição à qual pertencer o inventor, 30%.

Qualidade da bebida - O café é o terceiro maior produto da agricultura paulista, atrás da laranja e da cana-deaçúcar. E é o quinto produto na pauta nacional de exportações, depois da soja, carne, celulose e papel e o açúcar. Neste ano, a produção brasileira de café deverá atingir 26,7 milhões de sacas, 14% a menos do que a safra anterior. Nos últimos anos, doenças como a ferrugem, fungo que ataca as folhas, e o nematóide, verme que corrói a raiz, comprometeram a produtividade dos cafezais e fizeram reduzir os investimentos. A iniciativa da pesquisa partiu do Consórcio Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento do Café, que reúne produtores de todas as regiões do país. O objetivo é, numa segunda fase da pesquisa, avaliar a resistência da planta a doenças. A expectativa é que a análise funcional do genoma do café também permita melhorar a qualidade da bebida. • PESQUISA FAPESP

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MONALISA LINS/AE

NONONONONON

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O GENÔMICA

Trabalho avançado Programa Genoma Nacional finaliza seqüenciamento da bactéria Chromobacterium violaceum

T ÂNIA M ARQUES

seqüenciamento da bactéria Chromobacterium violaceum, do Projeto Genoma Brasileiro (BRGene), que integra 160 pesquisadores em 25 laboratórios espalhados pelo país, está concluído. A bactéria é encontrada em regiões tropicais como, por exemplo, no rio Negro, na Amazônia. Acredita- se que ela poderá ser utilizada no tratamento de algumas doenças como o mal de Chagas e a leishmaniose. “A definição de uma possível continuidade para o trabalho dependerá de decisões de caráter técnico-científico”, diz Ana Lúcia Assad, coordenadora-geral do Programa Nacional de Biotecnologia do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Este é o primeiro resultado das pesquisas desenvolvidas pela Rede Nacional do Projeto Genoma Brasileiro, lançada em dezembro de 2000, que abrange 480 instituições de ensino e pesquisa e reúne 240 cientistas, com o objetivo de disseminar pesquisas na área de biotecnologia em todo o território nacional. De maneira geral, houve avanços significativos nas demais redes regionais integrantes do projeto. “As redes já estão consolidadas no que diz respeito à participação dos grupos, aos processos e procedimentos do trabalho colaborativo e à capacitação dos recursos humanos”, conta Ana Lúcia. A integração das redes está possibilitando a construção de um imenso banco de dados que, no futuro, poderá contribuir para reduções bastante significativas no prazo de apresentação de resultados da pesquisa genômica. Segundo Ana Lúcia, algumas das instituições envolvidas nos projetos regionais ainda esperam a chegada de equipamentos importados, mas muitas delas já operam a todo vapor e, em alguns casos, estão até negociando possíveis parcerias com a iniciativa privada. “A primeira rodada de acompanhamento in loco será realizada no início deste ano, quando verificaremos se há necessidades ainda não contempladas”, diz ela. A partir daí, observa, serão analisados eventuais aportes adicionais de recursos. Das sete redes regionais, quatro trabalham na área de saúde, pesquisando novos medicamentos e alternativas para a prevenção de doenças endêmicas. As outras três dirigiram o foco dos estudos para a área agrícola, com o intuito de combater pragas e aumentar a qualidade e produtividade no campo. No total, as sete redes estão recebendo investimentos de R$ 13 milhões do MCT e mais R$ 13 milhões de fontes diversas. “A maior parte dos recursos complementares vem das fundações de amparo à pesquisa estaduais”, explica Ana Lúcia.

Crinipellis perniciosa - Entre os trabalhos em estágio avançado está o projeto de ampliação da rede de genômica do Estado da Bahia, que tem por alvo o fungo parasítico Crinipellis perniciosa, causador da vassoura-de-bruxa, que devasta os cacaueiros baianos e provoca prejuízos de US$ 1,6 bilhão, desde 1989.“Esse valor leva em conta apenas as vendas que deixaram de ser realizadas”, ressalva Gonçalo Amarante Guimarães Pereira, coordenador do Laboratório de Genômica e Expressão da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do projeto. “Considerando-se outros aspectos, como o nível de em18

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FOTOS TESE DE CARLOS PELLESCHI TABORDA

tam do início da década de 90. “Agodos aspectos importantes do projeto é prego, as perdas facilmente superam ra, buscamos novas drogas inibidoras a difusão da genômica”, diz Pereira. US$ 10 bilhões.” da ação do parasita e, possivelmente, Pereira afirma ainda que a desatiuma vacina para prevenir a contamiSchistosoma mansoni - A Rede Genovação dos cacaueiros, em decorrência nação”, afirma Naftale Katz, coordema do Estado de Minas Gerais usa da vassoura-de-bruxa, também teve nador do projeto e diretor científico como modelo o genoma expresso do forte impacto ambiental sobre a faixa da Fundação de Amparo à Pesquisa Schistosoma mansoni, causador da esde Mata Atlântica no sul da Bahia. As de Minas Gerais (Fapemig). quistossomose. Projeto semelhante plantações de cacau continham o desSegundo Katz, a esmatamento, já que preciquistossomose atinge savam da sombra da algo em torno de 7 mifloresta. A doença é o lhões de pessoas no Bramaior problema fitosil, com forte concentrapatológico das regiões ção nas regiões costeiras produtoras de cacau no do Nordeste e no Estado continente americano e de Minas Gerais. “Com atinge também os Estao fluxo migratório do dos do Pará, Rondônia, meio rural para o urbaAmazonas, Mato Grosno, focos de esquistosso e Acre. Até hoje, nesomose têm aparecido nhum fungicida se reveem áreas metropolitalou eficaz no combate nas.” Katz conta que, nos ao Crinipellis pernicioúltimos anos, dois nosa, que vem sendo estuvos medicamentos com dado com técnicas conpoucos efeitos colaterais vencionais há cerca de desenvolvidos com base cem anos. em descobertas realiza“Depois de definir as das por pesquisadores características básicas da brasileiros possibilitamolécula de que preciram o controle da forma saríamos para conter o hepato esplênica da doavanço da vassoura-deença, que atinge entre bruxa, passamos a bus5% e 10% do total de cá-la no mercado”, conta portadores do parasita e Pereira. Essa molécula, pode levar a óbito. A fornecida por uma emrecontaminação segue presa que atua na área sendo, porém, um prode defensivos agrícolas, blema grave – mesmo mas nunca tinha sido as manifestações mais utilizada no combate brandas da esquistossoà vassoura-de-bruxa, mose podem, por exemapresentou excelentes plo, incapacitar para o resultados no laboratótrabalho. Em todo o rio. “Em dezembro, co- Paracoccidioides brasiliensis está sendo mapeado pelo Centro Oeste mundo, cerca de 200 mimeçaram os testes de está sendo desenvolvido por um grulhões de indivíduos são portadores da campo.” po de seis laboratórios paulistas, sob a doença. O projeto recebeu R$ 1,3 milhão coordenação de Sérgio Verjovski. Já “O projeto recebeu R$ 1,8 milhão do MCT e R$ 1,2 milhão do governo estão sequenciados metade dos 120 do governo federal e R$ 2 milhões da baiano e conta com a participação, mil ESTs previstos no projeto. Minas Fapemig, em uma de suas primeiras além da Unicamp, do Centro de Pesjá tem tradição no estudo do parasita iniciativas de indução de demanda”, quisas do Cacau, da Universidade Esta– os primeiros estudos no Estado enconta Katz. Cerca de 40 pesquisadodual de Santa Cruz (Uesc), da Embrapa volvendo o Schistosoma, realizados no res estão trabalhando no projeto. Recursos Genéticos e Biotecnologia, da Instituto de Ciências Biológicas da “Vislumbramos a possibilidade de Universidade Estadual de Feira de SanUniversidade Federal de Minas Gerais estabelecer parcerias interessantes tana (UEFS), da Universidade Federal (UFMG) e no Centro de Pesquisas com empresas”, diz Katz. “Estamos da Bahia (UFBA) e da UniversidaRenê Rachou (CPQRR/Fiocruz), dapatenteando tudo.” de Católica de Salvador (Ucsal). “Um PESQUISA FAPESP

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Projeto em Rede do Centro-Oeste quer mapear o genoma funcional diferencial do Paracoccidioides brasiliensis, fungo responsável pela paracoccidioidomicose, micose endêmica que pode ser fatal em crianças, para o desenvolvimento de novos medicamentos. Segundo estimativas, o número de pessoas infectadas na América Latina chega a 10 milhões, sendo 80% dos casos no Brasil. O Programa de Implantação do Instituto de Biologia Molecular do Paraná, trabalhando com a ge- Trypanosoma é objeto de pesquisa no Paraná nômica funcional do processo de Herbaspirillum seropedicae - Já o Prodiferenciação celular do Trypanosograma Genoma do Estado do Paraná ma cruzi, que provoca a doença de tem por objeto o genoma estrutural e Chagas, busca os genes com expresfuncional da Herbaspirillum seropedisão regulada durante a diferenciação cae, uma bactéria fixadora de nitrocelular do parasita (metaciclogênegênio cuja interação com as plantas se), seleção e caracterização de novos pode trazer benefícios para ambas as genes e a análise de alvos quimioterápartes. Nesse sentido, o caso do arroz é picos inovadores. A experiência acuexemplar: em algumas amostras de semulada no processo poderá ser mentes, a Herbaspirillum seropedicae transferida para outros projetos de chega a fornecer 54% de todo o nitrogenoma.

ARQUIVO WALTER COLLI/IQ-USP

Paracoccidioides brasiliensis - O

gênio acumulado pelo vegetal. O projeto visa à construção de novas estirpes da bactéria, com níveis de eficiência ainda maiores. Seus autores acreditam que o uso desses organismos pelos produtores rurais pode gerar economia de R$ 840 milhões em fertilizantes nitrogenados.

Ácido glucônico - Com objetivos semelhantes, o Programa de Implantação da Rede Genoma do Estado do Rio de Janeiro (RioGene) tem como meta o seqüenciamento do genoma da Gluconacetobacter diazotrophicus, outra bactéria endofítica fixadora de nitrogênio. Presente em culturas como cana-de-açúcar, café e batatasdoces, a bactéria também pode reduzir significativamente o uso de fertilizantes nitrogenados, promovendo economia estimada em R$ 60 milhões anuais só na plantação de cana. A bactéria também produz substâncias que estimulam o crescimento vegetal e metabólitos de interesse industrial, como o ácido glucônico. •

Nordeste decifra genoma de protozoário Com R$ 8,2 milhões em caixa, 20 grupos de pesquisa dos nove Estados nordestinos, reunidos no Programa Genoma Nordeste (Progene), trabalham para vencer até a metade deste ano o primeiro grande desafio genético da região: o seqüenciamento da Leishmania chagasi, protozoário transmissor da leshmaniose visceral. A doença atinge 5 mil pessoas por ano no Brasil – 95% no Nordeste. No mundo, são registrados anualmente 500 mil novos casos, principalmente na Índia, no Paquistão e em Bangladesh. Três máquinas seqüenciadoras estão em pleno funcionamento – duas em Pernambuco e uma em Alagoas. Piauí e Maranhão já compraram os equipamentos, devendo impulsionar de imediato a produtividade da rede regional para 5 mil

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seqüências por semana. Para atingir rapidamente a meta de processar 150 mil seqüências do protozoário, os demais estados estarão equipados até março, com recursos próprios e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que liberou R$ 1,7 milhão em julho do ano passado para a compra de máquinas e suprimentos. “Montada a estrutura ideal, poderemos voar alto”, planeja o pesquisador Paulo Paes, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), coordenador do Progene. O próximo passo será o seqüenciamento de um microrganismo de importância agrícola para o Nordeste, como fizeram cientistas de São Paulo com a bactéria Xylella fastidiosa, causadora de doenças nos laranjais.

Os grupos de pesquisa do Progene optaram por não trabalhar com o código genético completo da Leishmania, mas somente com os genes expressos, aqueles que efetivamente exercem funções no parasita. Cerca de 4 mil deverão ser estudados.“Seqüenciar todo o genoma seria um trabalho longo, para o qual ainda não temos tecnologia”, explica Paes. Os desdobramentos estão sendo negociados. O cientista encaminhou ao CNPq um projeto de R$ 3 milhões para adquirir equipamentos e ir além nos estudos com o protozoário da leishmaniose, passando a analisar as funções das proteínas existentes no DNA. Mais R$ 250 mil serão investidos na criação de parasitos transgênicos, necessários para a identificação detalhada das atividades genéticas.


BRAZ

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

INFRA-ESTRUTURA

Rede ampliada CNPq investe R$ 3 milhões na implementação de núcleos de bioinformática Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) está investindo R$ 3 milhões no aperfeiçoamento e na implementação de núcleos de bioinformática em todo o país, com o objetivo de ampliar a infra-estrutura de pesquisa dos programas de seqüenciamento e análise de genoma patrocinados pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). O CNPq, o MCT e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) selecionaram 28 laboratórios de bioinformática instalados em 32 instituições localizadas nas regiões Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul, envolvendo cerca de 200 pesquisadores. Boa parte desses laboratórios integra o Projeto

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Genoma Brasileiro e os projetos genomas regionais. Os laboratórios receberão recursos para a aquisição de equipamentos, materiais de consumo e serviços diversos, de forma a dar suporte às pesquisas em genômica, por meio do desenvolvimento de softwares e programas de apoio. “Atualmente, o Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC) processa todo o genoma brasileiro. A nossa intenção é descentralizar esse processamento, distribuindo-o a outros laboratórios do país”, diz Fábio Paceli Anselmo, consultor da Coordenadoria de Biotecnologia do CNPq. A expectativa é que, além de apoio aos programas Genoma, os laboratórios de bioinformática também desenvolvam novos projetos de pesquisa. Entre os projetos selecionados, dez foram propostos por universidades e institutos de pesquisa paulistas. Entre eles, está o de anotação genômica e desenvolvimento de fármacos, coordenado por Goran Nesic e que tem co-

mo parceiros a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Laboratório de Estrutura Molecular da Universidade de Brasília (UnB), o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) e os 16 laboratórios paulistas que participam da Rede de Biologia Molecular Estrutural (SmolBnet). O projeto contará com R$ 240 mil para, entre vários objetivos, instalar, automatizar e avaliar processos de identificação de alvos protéicos, identificados a partir de seqüências de genomas, para o desenvolvimento de fármacos e desenho de drogas. Também contará com recursos do CNPq o projeto coordenado por Diego Gervasio Frías Suárez, do Laboratório de Genômica da Universidade Estadual de Santa Cruz, em Ilhéus, na Bahia. O laboratório receberá R$ 80 mil para implementar a utilização de técnicas de inteligência artificial na identificação de genes e seqüências reguladoras do fungo Crinipellis perniciosa, agente causador da vassourade-bruxa no cacaueiro. Anotação de proteoma - A Rede de Pesquisa e Desenvolvimento em Bioinformática do Centro-Oeste, um consórcio que reúne a Embrapa, a Universidade de Brasília e a Universidade Católica de Brasília, integra a lista de projetos aprovados. O grupo, coordenado por Georgio Joannis Pappas Júnior, utilizará os R$ 250 mil repassados pelo CNPq para criar uma estrutura de banco de dados para armazenamento e manipulação de seqüências, montar uma plataforma, via web, para a validação de seqüências e mineração de dados e integrar ferramentas e sistemas para anotação automática de genoma e proteoma. A CNZ Indústria e Comércio Ltda., empresa incubada no Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec), em São Paulo, é o único laboratório privado contemplado com recursos do CNPq. O projeto aprovado prevê o desenvolvimento de produto com tecnologia capaz de propiciar as reações em cadeia de polimerase para aplicações em biologia molecular computacional e em genômica computacional. • PESQUISA FAPESP

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Tidia em alta Programa de Internet avançada vai analisar 123 pré-projetos

das pelas redes acadêmicas. O apoio à pesquisa atende ao segundo objetivo do programa, que é formar especialistas em desenvolvimento de tecnologias para a Internet. Tecnologia de rede - Os temas de pes-

s coordenadores do Programa Tecnologia da Informação no Desenvolvimento da Internet Avançada (Tidia) têm, nos próximos três meses, uma dura tarefa: analisar e consolidar propostas de 123 pré-projetos encaminhados à FAPESP em resposta à chamada de edital lançado em outubro. “Foi uma agradável surpresa”, diz Carlos Antônio Ruggiero, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, em São Carlos, um dos coordenadores do Tidia. “O mais otimista do grupo apostava que o número de pré-projetos não passaria de 80.” Todos serão analisados, classificados e reunidos em um pequeno número de projetos cooperativos, em torno de temas e objetivos comuns. Os resultados da análise dos projetos serão publicados em fevereiro ou março deste ano. O Tidia tem como objetivo transformar a Internet em objeto de pesquisa. Prevê a criação de uma rede de fibras ópticas com velocidade de 400 gigabits/s, construída em parceria com a iniciativa privada, ligando, inicialmente, São Paulo, Campinas e São Carlos e, posteriormente, outros municípios do Estado de São Paulo. Essa rede será um campo de testes (test bed) com arquitetura capaz de suportar um laboratório comunitário para multiusuários, onde serão desenvolvidas pesquisas encaminhadas ao programa e implementa-

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quisa propostos nos 123 projetos também surpreenderam pelo equilíbrio em torno de dois temas: aplicações de Internet e tecnologia de rede propriamente dita. “Metade das propostas de trata pesquisas em telemedicina, teleducação, governo virtual, biblioteca virtual, entre outras. Temíamos que só o pessoal de rede atendesse ao edital”, comemora Ruggiero. Uma primeira análise dos projetos revelou também a falta de interação entre o grupo de pesquisadores

com propostas de pesquisa sobre a aplicação da Internet e o grupo que pretende investigar a infra-estrutura da rede. “São grupos distintos. Ao integrarmos os projetos no Tidia estaremos forçando o trabalho cooperativo”, afirma. No decorrer da análise dos projetos, a coordenação do programa poderá consultar a comunidade sobre a consolidação dos pré-projetos e, eventualmente, abrir espaço para novas propostas. Os projetos contarão com recursos da FAPESP de, no mínimo R$ 10 milhões, mas também receberão apoio de empresas privadas, futuras parceiras do programa. “Estamos em contato com fabricantes de equipamento de telecomunicações, concessionárias de telecomunicações, provedores de acesso e alguns órgãos do governo paulista. Todos já demonstraram interesse em participar do programa.” Apesar de os projetos serem de conteúdo aberto, Ruggiero não tem dúvidas de que o Tidia contará com o apoio significativo dos parceiros. Cada empresa poderá participar em áreas de interesse específico, como acontece nos Estados Unidos, onde a Internet 2 não é só um projeto de rede de alta velocidade, mas também de cooperação com a iniciativa privada. O apoio do governo também é considerado fundamental, quer seja na condição de parceiro, quer seja na condição de agente facilitador, já que o programa necessitará, por exemplo, de autorização para utilizar os dutos de fibra óptica que se estendem ao longo das rodovias paulistas. O novo programa consolida a participação da FAPESP na história da Internet no Brasil, que começou com a criação da rede ANSP, em 1989. A Fundação também já foi o único e principal link internacional, responsável pelo tráfego acadêmico e, por solitação do Comitê Gestor da Internet, é atualmente responsável pelo registro de domínios no país. • BRAZ

AVALIAÇÃO


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CIÊNCIA

L A B O R AT Ó R I O ■ O menor réptil

Como corrigir defeitos de nascimento

ximação menos invasiva para a obtenção de células fetais poderia tornar este conceito mais amplamente aplicável”, diz Fauza. Os pesquisadores partiram da hipótese de que células fetais humanas obtidas por

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Gestante: possibilidade de tratamentos menos invasivos

amniocentese – punção no abdome materno para a retirada de líquido amniótico – podem ser isoladas e expandidas em laboratório para aplicações em engenharia de tecido fetal. Células obtidas de mulheres entre 15 e 19 semanas de gestação foram cultivadas num meio contendo 20% de soro fetal bovino e fator de crescimento de fibroblasto. Células morfologicamente distintas foram isoladas do restante e expandidas seletivamente. O estudo mostrou que o fluido amniótico pode servir

como fonte de células para engenharia de tecido fetal. “Nossos resultados indicaram que uma amostra de 2 mililitros de fluido amniótico obtido por amnicentese pode conter células suficientes para criar um tecido pronto para a implantação imediatamente após o nascimento”, explica Fauza. Ele afirma que o risco da amniocentese, conduzida por especialistas, é de uma taxa de aborto espontâneo de 1% ou menos. O pesquisador observa que a aplicação clínica requer mais estudos.

Com seu 1,6 centímetro do nariz à ponta do rabo, o jaraguá cabe com folga dentro de uma moeda de dez centavos de dólar e tem de tomar cuidado para não virar comida de lacraias e escorpiões – embora seja um lagarto, o Sphaerodactylus ariasae é provavelmente a menor espécie de réptil do mundo, segundo seus descobridores, os biólogos Blair Hedges, da Universidade do Estado da Pensilvânia, e Richard Thomas, da Universidade de Porto Rico. Eles encontraram o minúsculo lagarto em três pontos da Isla Beata, uma pequena ilha caribenha pertencente à República Dominicana, e acreditam que esse seja o único local do mundo habitado por essa curiosa espécie. A descoberta foi relatada no Caribbean Journal of Science (n° 37). Segundo o pesquisador norte-americano Michael Smith, especialista em biodiversidade caribenha, o achado pode se transformar numa bandeira preservacionista – o Caribe já sofre os efeitos do desmatamento de 90% de sua mata original. Além do lagarto, o local é também é o hábitat dos menores pássaro, sapo e cobra do mundo.

S. BLAIR HEDGES/AFP

Tecido fetal - “Uma apro-

STEFAN KOLUMBAN/PULSAR

O cirurgião pediatra brasileiro Dario Fauza, da Faculdade de Medicina da Universidade Harvard, Estados Unidos, supervisionou duas pesquisas, uma com fetos de animais e outra com fetos humanos, que envolvem o uso de células do líquido amniótico como matéria-prima para a engenharia de tecidos fetais. O objetivo é a reconstrução cirúrgica para tratar certos defeitos de nascimento – como hérnia diafragmática e problemas nas paredes abdominal ou torácica – sem necessidade de tocar no feto. Em experimentos conduzidos pelo pesquisador Amir Kaviani, as células extraídas foram cultivadas e manipuladas in vitro na fase final da gestação, para a criação de uma bioprótese que possa ser implantada logo depois do parto. O conceito de engenharia de tecidos fetais tem sido aplicado com sucesso em experimentos com animais para a reconstrução de deformidades de bexiga, pele e diafragma. As experiências são promissoras, embora haja riscos de lesões no feto ou de indução a parto prematuro.

do mundo

Jaraguá: fuga de escorpiões


ODD ANDERSEN/AFP

Jogador inglês (de branco): defesa boa ou ataque ruim?

oculto do gol Depois de analisar os resultados de 135 mil jogos de futebol, realizados entre 1999 e 2001 nos principais campeonatos internos de 169 países, físicos da Universidade de Warwick, em Coventry, Inglaterra, concluíram que gol atrai gol. John Greenhough e seus colegas britânicos perceberam que, durante uma partida, a chance de uma das equipes mandar a bola para a rede do adversário guarda relação direta com a quantidade de gols já marcados. Quanto mais dilatado estiver o placar da disputa num determinado momento, maior a probabilidade de haver um novo gol. Ou seja, é mais fácil mandar a bola para rede num jogo com escore parcial de 3 a 3 ou 4 a 1 do que numa partida com placar temporário de 0 a 0 ou mesmo 1 a 0. Segundo os cientistas, a regra vale para o futebol praticado em todo o planeta – menos na Inglaterra, onde goleadas são mais raras. As estatísticas dos físicos mostram que a cada 300 jogos realizados no mundo um deles tem mais de dez gols. Os estudiosos de

Warwick só não souberam responder a uma questão: saem poucos gols nos campeonatos locais por que os goleiros e as defesas das equipes inglesas são muito boas ou por que os ataques são muito ruins?

“barriga de cerveja”

insulina vegetal A espécie amazônica conhecida como pata-de-vaca (Bauhimia forficata link), usada popularmente como planta medicinal, tem fama de ser eficaz no tratamento da diabetes e apresentar propriedade purgativas e diuréticas. Agora, ela começa a ser estudada pela Universidade do Amazonas, com apoio da Fundação de Apoio Institucional Rio Solimões e financiamento do Banco da Amazônia. Serão investigadas as substâncias químicas de ação farmacológica da planta e definidas formas de plantio, manejo e coleta para a difusão do uso fitoterápico. A pata-de-vaca é utilizada como uma espécie de insulina vegetal por regularizar a glicemia.

Um dos dramas masculinos, aquela adiposidade no abdome conhecida como “barriga de cerveja”, recebeu uma ajuda da ciência no mês passado, de acordo com o jornal norteamericano The Boston Globe (14 de dezembro de 2001). Pesquisadores do Centro Médico Beth Israel Deaconess, em Boston, Estados Unidos, identificaram uma enzina em células de gordura que as leva a se concentrar na região abdominal. Se for possível “desligar” essa enzima, provavelmente será mais fácil eliminar a gordura. O fato seria bemvindo pelos médicos: esse tipo de gordura está relacionado a várias doenças, como risco de diabetes, hipertensão e doenças cardíacas.

Os três anos de sucesso do programa Biota Em março, o Biota-FAPESP completa três anos de sucesso. A opinião é do Comitê Científico Consultivo, composto por pesquisadores estrangeiros que avaliam anualmente os avanços do programa. O Biota coordena cerca de 40 projetos destinados a mapear a biodiversidade e os recursos naturais do Estado de São Paulo. “Em um ano, o programa avançou muito e alguns projetos já estão amadurecendo”, afirmou Frank Bisby, diretor do Centro de Diversidade de Plantas da Universidade de Reading, Inglaterra, e coordenador do projeto Species 2000, um esforço internacional destinado a catalogar todas as espécies de vegetais, animais, fungos e micróbios do mundo. Bisby e outros

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■ O magnetismo

■ As causas da

■ Pata-de-vaca é

Planta da mata Atlântica: elogios ao programa

três membros do comitê – Arthur Chapman, do Departamento de Meio Ambiente e Patrimônio da Austrália, Donald Potts, da Universidade da Califórnia, e Barry Chernoff, do Field Museum of Natural Hystory, de Chicago – estiveram em São Paulo em

dezembro para acompanhar o andamento do Biota. Entre os fatos destacados figuram a montagem e entrada em funcionamento de sua base de dados online, o sistema SinBiota, e a criação de seu jornal científico, a revista Biota Neotropica, também on-line.

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L A B O R AT Ó R I O

espirra menos

Buda afegão A estátua gigante de Buda, destruída em março de 2001 quando o Taliban ainda dominava o Afeganistão, será reconstruída com ajuda de imagens em três dimensões usando fotografias com alta definição feitas nos anos 70, informa a revista New Scientist (1º de dezembro de 2001). O trabalho será feito por pesquisadores da Universidade de Zurique e Museu da Basiléia, ambos da Suíça, e artesãos do Instituto Afegão. A imagem original tinha 53 metros de altura, mas a réplica terá 6 metros. Eles esperam que a cópia estimule a população afegã a se mobilizar para recriar o Buda de 53 metros, uma vez que o país se torne politicamente estável.

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dos realizados na extinta estação espacial russa Mir mostram que os astronautas são mais susceptíveis a ter pedras nos rins do que os seres humanos com os pés na terra. Nos vôos que duram mais de 18 dias o risco

■ Irmão caçula

■ Reconstrução do

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Astronautas no espaço: cálculo renal pode abortar missão

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Ser o mais novo numa família grande pode significar vestir sempre roupa usada e levar a pior nas brigas. E virar o xodó da mamãe é uma vantagem duvidosa. Há, porém, uma outra: ser menos suscetível a alergias. As mudanças hormonais sofridas pelas mulheres após várias gestações podem explicar por que os primeiros filhos têm mais tendência a desenvolver alergia do que os caçulas. A tese é do pesquisador Wilfried Karmaus, da Universidade do Estado do Michigan, Estados Unidos, que encontrou nos primogênitos recém-nascidos níveis maiores da

é ainda maior. Foram coletadas amostras de urina de astronautas da Mir antes, durante e depois de várias missões realizadas entre 1995 e 1999. Os pesquisadores descobriram que o volume de urina dos astronau-

imunoglobulina E (IgE), proteína-chave do processo alérgico, de acordo com a revista New Scientist (17 de no-

tas era significativamente mais baixo do que o normal durante e até um mês após as viagens. A perda de massa óssea que ocorre em condições de microgravidade é uma das causas do problema. O cálcio que é liberado dos ossos pode ir para a urina, levando à formação do cálculo. Uma forma de tratamento e prevenção seria tomar litros de água e eliminar grande quantidade de urina, uma medida quase impossível de ser adotada no espaço. Uma solução mais prática pode estar nos suplementos de citrato de potássio e magnésio. O citrato, encontrado nas frutas frescas de que os astronautas carecem, inibe a formação dos cálculos.

vembro de 2001). O epidemiologista inglês David Strachan foi o primeiro a relatar maior ocorrência de processos alérgicos como asma, febre do feno e eczema nos filhos mais velhos. A princípio, ele atribuiu o fenômeno a uma questão de higiene: o sistema imunológico dos primeiros filhos ficaria desordenado se eles não fossem expostos aos desafios do ambiente desde cedo. Já os caçulas, convivendo com os germes e poeira trazidos pelos irmãos, estariam menos sensíveis aos potenciais alérgenos. Agora, porém, as pesquisas de Karmaus revelam que a vantagem dos caçulas pode começar ainda mais cedo, no útero materno. LAURABEATRIZ

Nos livros e filmes de ficção científica, os vôos espaciais podem ser ameaçados por choques com meteoritos, sabotagem e até ataques alienígenas. Na vida real, os riscos podem ser mais prosaicos, mas não menos destrutivos. Uma das maiores preocupações dos especialistas da Nasa é evitar que os astronautas sofram com pedras nos rins, informa a revista New Scientist (10 de novembro de 2001). Quem já teve, sabe: a dor provocada por um cálculo renal pode colocar fora de ação mesmo o ser humano mais treinado a suportar condições adversas – e um único membro de tripulação espacial incapacitado pode pôr a perder toda a missão. Estu-

NASA

O perigo das pedras no espaço


FABIO COLOMBINI

A fórmula do canto Uma equipe formada por cientistas norte-americanos e argentinos conseguiu traduzir três notas do canto de um canário em uma fórmula física. O trabalho é importante para ajudar na compreensão da própria fala humana. Embora o canto de pássaros como os canários, por exemplo, seja formado por complexos padrões acústicos, envolvendo notas de muitas freqüências e comprimentos, os pesquisadores da Universidade Rockefeller, dos Estados Unidos, e Universidade Ciudad, na Argentina, afirmam que os processos físicos que produzem esses sons são surpreendentemente simples. Eles compararam o órgão

Canário: fórmula física

vocal dos pássaros, a siringe, a um oscilador harmônico – aparelho baseado numa partícula que oscila em torno de uma posição de equilíbrio. À medida que o pássaro expele ar, a siringe abre e fecha para produzir notas com freqüência entre 1 e 2 quilohertz. Dois fatores controlam como os sons são produzidos – a pressão do ar entrando no órgão e a

■ Confirmada datação

bre o povoamento da América a partir da análise da morfologia cranial de antigos esqueletos resgatados em Lagoa

A datação pelo método do carbono 14 de carvões associados às covas onde foram encontradas partes de três ossadas humanas em sítios pré-históricos de Matozinhos, na região mineira de Lagoa Santa, confirmou as previsões iniciais do bioarqueólogo Walter Neves, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), que coordenou em julho de 2001 uma expedição de 25 pesquisadores aos ancestrais cemitérios da área: os fragmentos de esqueletos desenterrados em meados do ano passado têm entre 8.360 e 8.800 anos. A obtenção de ossadas na região é importante para o trabalho de Neves, que defende uma nova teoria so-

MIGUEL BOYAYAN

de Lagoa Santa

■ Castanha combate

elasticidade do tecido que o reveste. Quando a pressão do ar excede determinado nível, o tecido oscila. Os pesquisadores reconheceram esse comportamento como semelhante aos movimentos de um oscilador harmônico simples, como um peso em uma mola, por exemplo. Então, eles usaram as equações que descrevem tal fenômeno para estudar variáveis como pressão do ar e elasticidade e criaram um modelo para descrever três notas do repertório do canário. A compreensão dos processos físicos pode ajudar a desvendar o canto dos pássaros e, de quebra, o próprio fenômeno da fala humana, pois os pássaros aprendem a cantar exatamente como os bebês aprendem a falar: ouvindo os adultos.

câncer de próstata

Santa. Para dar suporte aos trabalhos de campo do projeto de Neves, financiado pela FAPESP, uma base de apoio é mantida o ano todo em Matozinhos, com a ajuda de cientistas e estagiários locais.

Anzol (alto) e ponta de lança: peças confirmam a teoria de Neves

Estudo feito a partir da Universidade Stanford, na Califórnia, Estados Unidos, mostrou que as castanhas brasileiras e o atum ajudam a prevenir o câncer de próstata. A pesquisa, publicada no Journal of Urology (volume 166), da Associação Norte-Americana de Urologia, indicou que esses alimentos são ricos em selênio, substância químico cuja ausência está associada à maior probabilidade de risco de contrair a doença. De acordo com o autor do trabalho, James Brooks, pesquisador de Stanford, a falta de selênio no sangue aumenta de quatro a cinco vezes o risco de contrair esse tipo de câncer. O problema para os homens mais velhos é que, quanto mais avançada a idade, menor a quantidade do elemento no sangue. O estudo é promissor e vem em boa hora: um outro trabalho feito com 1.400 pessoas em sete países europeus (Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha, Itália, Espanha e Suécia) pelo centro de pesquisas britânico NOP Healthcare indicou que apenas 39% dos homens têm conhecimentos básicos sobre o problema. O câncer de próstata é o segundo mais letal na maioria dos países ocidentais e em sua fase inicial não apresenta sintomas. O problemas é que a pesquisa feita na Europa constatou que a maioria das pessoas acha que é possível perceber os sintomas da doença ao urinar – não mais de 1% sabe que a doença não se manifesta, no início. No Brasil, o tumor na próstata só é superado pelo câncer de pele, de acordo com estimativas do Instituto Nacional do Câncer.

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Noroeste da capital e pico do Jaraguá: poluição é barrada pela serra da Cantareira, considerada de “ar puro”, e ali se acumula

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CAPA METEOROLO GIA

Estufa que exporta poluição Mais quente e sem garoa, São Paulo espalha a fumaça que produz para cidades distantes até 400 km C ARLOS F IORAVANTI

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clima de São Paulo mudou. Os dias de verão são cada vez mais quentes e os de inverno, mais secos. A temperatura média da maior cidade do Brasil está 1,3ºC (grau Celsius) mais alta do que há quatro décadas. E, ao contrário do que se poderia imaginar, os efeitos da urbanização, sobretudo a impermeabilização do solo e o excesso de veículos, não são os principais responsáveis pela mudança: respondem por cerca de 30% nas alterações, enquanto os 70% cabem às forças naturais, principalmente ao aquecimento do Oceano Atlântico nesse período. Além de explicar essas alterações, as pesquisas coordenadas por Pedro Leite da Silva Dias, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAGUSP), mostram algo pior: a Região Metropolitana de São Paulo – capital e 38 municípios vizinhos – é um centro exportador de poluentes. Cercada ao sul pela serra do Mar, que separa a planície litorânea do planalto – e ao norte pela serra da Cantareira, de cerca de 1.200 metros de altitude, a região ocupa um quadrilátero de 200 por 150 km (quilômetros), onde vivem 17 milhões de pessoas. Seu ar poluído, principalmente no inverno, pode chegar a cidades situadas a até 100 km da capital, ainda que em concentrações menores do que nas imediações das avenidas ou plantas industriais onde é produzido. Silva Dias estima que, conforme a época do ano, de 20% a 30% da poluição de Campinas, Tatuí e Sorocaba, por exemplo, venha de São Paulo. A poluição tornou-se, portanto, um problema não mais apenas local, mas regional. Má notícia para os próprios paulistanos que, nos finais de semana e férias, vão se refugiar na montanha em busca de ar puro, um dos atrativos de cidades serranas próximas. Modelagens feitas em computador atestam que o ar pode não ser tão puro assim, por causa da poluição trazida sorrateiramente pelos ventos que sopram da capital. Quem vive mais longe nem sempre escapa. Se embalado por ventos mais intensos, o ar poluído da metrópole pode alcançar Bauru, a quase 400 km. Delineou-se outro problema para os vizinhos de São Paulo: há lugares onde a concentração de ozônio (O3) perto do solo chega a superar a da capital. Formado pelos poluentes emitidos pelos carros, esse ozônio é prejudicial, ao contrário do que existe numa camada atmosférica elevada, que protege o planeta de radiações danosas. Na alta atmosfera, essa forma de oxigênio fil-

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Túnel Jânio Quadros: medições valiosas nesse “laboratório” livre da radiação solar, que acelera as reações entre poluentes

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tra os raios ultravioleta do Sol, mas junto do solo pode irritar os olhos e causar rinite, tosse e outros problemas respiratórios. É tóxico também para as plantas. Em Barueri, Embu e Jundiaí, por exemplo, o teor desse ozônio poluente pode ser até 50% maior que na praça da Sé ou no vale do Anhangabaú – nesses pontos, em pleno centro, a média horária de ozônio, de 60 ppb (partes por bilhão), oscila conforme a época do ano e às vezes excede o limite de segurança, que é de 80 ppb.

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uando se pensa em soluções, surge um complicador. Quem deve assumir a responsabilidade pelos problemas de saúde causados pela poluição: o município que exporta poluentes ou o que os recebe? Nem os especialistas em Direito Ambiental da Europa ou dos Estados Unidos se entendem a respeito. Na capital, também há surpreendentes pontos de formação de ozônio, como a serra da Cantareira e o pico do Jaraguá. Embora considerados refúgios de ar puro, são regiões altas, e por isso barram a passagem do ar e podem ter as mesmas concentrações de ozônio que áreas densamente urbanizadas, segundo levantamentos do IAG e do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen). A situação preocupa porque hoje o ozônio é o poluente que mais ultrapassa o limite de segurança, sobretudo nos bairros paulistanos do Ibirapuera e da Mooca, bem como em Cubatão, na Baixada Santista. A formação de ozônio em locais distantes dos pontos de origem dos poluentes é um problema comum aos grandes centros. Silva Dias acredita que haja muito ozônio nos arredores de Brasília e Curitiba, por exemplo, já que o fenômeno costuma ocorrer em cidades com mais de 400 mil habitantes. O trabalho conjunto de físicos, químicos, meteorologistas e matemáticos mostra por que hoje a Terra da Garoa não passa de uma lembrança. Esse apelido de São Paulo se refere a uma situação que persistiu até os anos 60, quando a chuvinha fina era assídua e se somava ao clima mais frio:

Cubatão, ao pé da Serra do Mar: brisa marinha leva ao planalto poluentes dessa cidade industrial

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no inverno, os paulistanos não dispensavam casacos grossos, luvas e cachecóis. Hoje praticamente não há garoa, enquanto são mais freqüentes as chuvas torrenciais, causadoras de inundações na estação quente. Os pesquisadores analisaram as condições meteorológicas – variação de temperatura e umidade, distribuição de chuvas, freqüência de nevoeiros e ventos – que determinam o transporte dos poluentes e concluíram: as forças naturais são decisivas para e transformação da São Paulo da Garoa numa cidade de chuvas torrenciais. “Há uma forte correlação entre as mudanças do clima da capital e as ocorridas no Atlântico Sul, cuja temperatura média anual aumentou 1,4ºC em 40 anos”, explica Silva Dias. Influências marinhas -Embora não se possa garantir que o aquecimento do oceano seja a causa direta do aquecimento da capital, a hipótese é plausível. Medições feitas desde 1933 na estação meteorológica do IAG na Água Funda, junto ao Jardim Zoológico, apontam para uma mudança drástica no regime pluviométrico: aumento das chuvas intensas no verão e diminuição das chuvas leves no inverno. Disso resultou uma mudança no teor de umidade do ar. O ar mais seco que passou a predominar no inverno dificulta a dispersão dos poluentes gerados pelos 6 milhões de automóveis, 400 mil caminhões e ônibus e cerca de 30 mil instalações industriais da Região Metropolitana. Apoiados ainda em medições de 1999 e 2000, que se somaram a informações colhidas rotineiramente pela Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), os pesquisadores passaram a entender melhor não só as mudanças climáticas, mas também as origens e os movimentos das massas de ar que se desfazem, estacionam ou mudam de rota ao encontrar as serras e os corredores de prédios. São os ventos originados mais freqüentemente no mar que carregam a poluição produzida na cidade, principalmente por veículos, em volumes nada desprezíveis: 1,6 milhão de toneladas de monóxido de carbono, 380 mil toneladas de hidrocarbonetos e 64 mil toneladas de aeros-


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análise do movimento e da qualidade do ar baseou-se numa metrópole ampliada em raio de 100 km – inclui parte da Baixada Santista (Santos e Cubatão), do Vale do Paraíba (até São José dos Campos) e de áreas mais planas, como Sorocaba e Campinas. Foi essa visão abrangente que permitiu conhecer os pontos e os processos de formação de ozônio. Já se sabia que há menos ozônio no centro ou em Congonhas, porque os próprios poluentes dessas áreas – sobretudo óxidos de nitrogênio – o consomem. É pela falta desses poluentes que pode haver mais ozônio no parque do Ibirapuera do que na vizinha avenida 23 de Maio. Levados pelas massas de ar, os poluentes emitidos pelos carros – formadores do ozônio – saem da capital e participam de reações promovidas pela luz solar, que demoram de duas a três horas para se completar – tempo suficiente para que cheguem a municípios vizinhos ou estacionem nas encostas das serras. A situação se agrava em novembro, quando há muitos dias ensolarados e sem nuvens. O detalhamento do processo foi um trabalho duro. A vice-coordenadora Maria de Fátima Andrade, do IAG, estudou a formação e interação de poluentes. Com os valores

do inventário de emissões, estudou a formação de ozônio a partir de óxidos de nitrogênio, hidrocarbonetos e radicais livres (fragmentos de moléculas formadas a partir de oxigênio). O programa de previsão de formação de ozônio que ela usou tem cerca de 200 reações com 90 poluentes. Tampa de panela - Ficou clara a importância da brisa marinha – corrente de ar de baixa intensidade que nasce no oceano, como resultado da diferença de temperatura entre o mar e o continente. É essa brisa, ao circular a 500 metros da superfície, que ameniza a temperatura da capital e intensifica a dispersão de poluentes, sobretudo quando associada aos ventos de Sudeste, correntes mais intensas, também originadas no mar. O efeito refrescante desses ventos marinhos, descobriram os pesquisadores, pode chegar até São Carlos ou Pirassununga, a 230 km da capital.“São Paulo tem sorte de estar perto do mar”, diz o coordenador.“O clima seria pior, do ponto de vista do impacto sobre a saúde pública, sem a brisa.” Dias quentes e abafados são dias em que a brisa marinha não atinge a cidade. A equipe fez também um perfil tridimensional das massas de ar na Região Metropolitana: é a camada-limite planetária, região baixa da atmosfera onde os poluentes reagem entre si. Descrita num artigo publicado em abril de 2001 em Atmospheric Environment, essa região ocupa de 50 a 100 km ao redor do centro de São Paulo.Sua altura depende da força dos ventos que abriga, mas durante o dia chega a 1.500

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sóis (material particulado) por ano. Além de mostrar que esses poluentes afetam a qualidade de vida na capital e nos municípios vizinhos, o estudo é provavelmente o primeiro a medir a origem e o destino do ar respirado em São Paulo. A Região Metropolitana produz a maior parte de seus poluentes: de 70 a 80%. O resto vem do interior ou de outros Estados: entre fins de outubro e começo de novembro, cerca de 10% da poluição da metrópole é resíduo de queimadas, principalmente de cana, feitas a até 300 km de distância, nas regiões de Piracicaba ou Ribeirão Preto. Mesmo as cinzas de queimadas no sul da Amazônia podem chegar à maior cidade do Brasil, dependendo da direção e da intensidade dos ventos – a movimentação diária dos ventos pode ser acompanhada na página www.master.iag.usp.br, construída com os resultados da pesquisa.


metros do solo. À noite, o limite cai para 400 metros ou menos e, como o volume ocupado pelo ar urbano diminui, a concentração de poluentes aumenta.

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dou o perfil tridimensional da poluição na Região Metropolitana”, comenta Paulo Artaxo, pesquisador do Instituto de Física da USP que participou do trabalho. Para chegar onde chegaram, os especialistas soltaram balões parecidos com os de festas de aniversário, que sinalizam a direção e a intensidade dos ventos.Valeram-se também de um avião Bandeirante do Instituto Nacional de Pesquisas Espacial (Inpe). Em quatro vôos, nos invernos de 1999 e 2000, coletaram amostras de ar das cidades de São Paulo, Sorocaba, São José dos Campos, Campinas e Cubatão, voando a 200 metros do solo, abaixo do tráfego aéreo.

ar piora com um fenômeno típico do inverno paulistano: inversão térmica. Na chegada de uma frente fria, a temperatura sobe com a altura, ao contrário do habitual: normalmente a temperatura cai 1ºC a cada 100 metros de altitude. Em 1999 e 2000 houve observações por meio do Sodar – Sounding Detection and Ranging ou sondador acústico, aparelho que emite sinais sonoros como um radar de submarino e traça o perfil da variação Variação brusca - Os pesquisadores analisaram a concentérmica a até 1.500 metros do solo. Apurou-se que, sob tração dos gases poluentes ozônio, óxidos de nitrogênio, forte inversão térmica, a camada-limite pode cair para 200 monóxido de carbono e dióxido de enxofre. A concentrametros. Ela funciona como uma tampa de panela e, quanto ção de material particulado foi analisada por uma técnica mais baixa, mais concentração de poluentes. “Para os moque analisa os raios X gerados por uma amostra num aceradores da cidade, é a pior situação”, diz Fátima. lerador de partículas. Foram analisados tanto o material O Sodar evidenciou também dois fenômenos que afetam fino, de menos de 2 micra (1 mícron é a milésima parte do a qualidade do ar. Um deles é o dos “jatos noturnos”, ventos milímetro), que entra na corrente sanguínea e atinge os alverticais intensos que resultam de mecanismos atmosféricos véolos pulmonares, quanto o grosso, acima de 2 micra, de maior escala, como as frentes frias – massas de ar vinque causa rinite, tosse e resfriado. das do sul do continente. Os jatos quebram a estabilidade Primeira conclusão: a concentração de poluentes pode da camada-limite noturna e podem trazer para baixo poluenvariar bruscamente num local. Em medição do dia 13 de tes como o ozônio, aumentando sua concentração perto da agosto de 1999 no aeroporto Campo de Marte, havia 9.000 superfície. Além disso, a mistura do ar partículas por centímetro cúbico (cm3) a provocada pelos jatos também pode 1.000 metros de altitude. A 1.500 mecontribuir para a diminuição da contros, o teor de material particulado caía O PROJETO centração de poluentes produzidos na para 2.000 por cm3. A diferença também Meteorologia e Poluição Atmosférica superfície, como a poeira. varia muito com a distribuição geográem São Paulo A situação pode melhorar com o sefica: “Das áreas litorâneas para o centro MODALIDADE gundo fenômeno, o das ondas de gravidada cidade, a concentração de material Projeto temático de. Mais intensas à noite, assemelham-se particulado subiu 20 vezes”, diz Artaxo. COORDENADOR às ondas de água que batem numa barE as fontes desses poluentes variam no PEDRO LEITE DA SILVA DIAS – Instituto reira: ao subir a Cantareira, o ar origina ano. Num estudo feito no inverno, a Astronômico e Geofísico – USP oscilações, análogas às ondas de água, o distribuição de material particulado fino INVESTIMENTO que contribui para reduzir a poluição. foi esta: veículos, 28%; poeira do solo, R$ 1.411.210,01 “Esta foi a primeira vez que se estu25%; sulfatos de fontes industriais,

Beleza enganadora: as cores do pôr-do-sol na metrópole se devem ao excesso de poluição

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icou claro que a emissão de poluentes se casa com as condições meteorológicas para determinar a qualidade do ar. O problema é que uma lógica ainda misteriosa rege essa combinação. “Se reduzíssemos a emissão de poluentes pela metade, pode ser que a poluição não caísse pela metade”, diz Artaxo. “Em algumas condições meteorológicas, poderia cair muito pouco.” Estudos mais refinados do Instituto de Física indicaram que o material particulado afeta o comportamento das camadas mais baixas da atmosfera. Já se descobriu que a poeira, sobretudo a mais fina, absorve e reflete luz, além de aquecer o ar ao redor – o ar poluído a 1 km do solo é mais quente que o ar puro na mesma altitude. As partículas também diminuem a visibilidade e dificultam a dispersão de poluentes – e oferecem o pôr-do-sol avermelhado típico da capital. Já se conhece a composição dessa poeira da cidade: há partículas de pelo menos 13 elementos, como enxofre, cloro, titânio, ferro, níquel, zinco, bromo e chumbo. No particulado fino, predomina o enxofre e no grosso elementos vindos do solo, como silício, cálcio e ferro. Nessa sopa aérea também circulam esporos de fungos e bactérias. Só não se sabe de onde vem mais material particulado, se dos carros ou das indústrias. Por isso, Fátima e a equipe do Instituto de Química da USP coordenada por Lílian Carvalho viveram dois dias desconfortáveis fazendo medições e coletas em dois túneis da cidade: o Jânio Quadros, por onde só passam veículos leves, e o Maria Maluf, que também recebe caminhões. São laboratórios onde se misturam poluentes que ainda não reagiram entre si – entre outras razões, porque ali não há radiação solar. Nos próximos meses, à medida que o grupo concluir as análises, conhecerá melhor a contribuição dos veículos.

O aprofundamento da pesquisa evidencia mais as soluções. Estudos semelhantes em Santiago do Chile permitiram reduzir pela metade a concentração de poluentes, cuja dispersão é barrada pela cordilheira. Segundo Artaxo, foi simples: depois de se descobrir que a poeira era o maior poluente, concluiu-se ser mais viável investir em caminhões que varrem as ruas toda noite do que controlar a emissão de poluentes por indústrias e veículos.“Poluição do ar tem solução”, diz Artaxo. “Basta criar um plano de controle bem embasado cientificamente, com metas claras e multas para quem não cumpri-las.” Soluções à mão - Para ele, não se trata de criar, mas de im-

plantar medidas já anunciadas: mais investimento no transporte urbano coletivo, controle anual de emissões veiculares e substituição dos ônibus a diesel por equivalentes a gás. “Se essas medidas houvessem sido aplicadas há dez anos, a poluição hoje seria de 30 a 50% menor.” Há mudanças em andamento. Já funciona no pico do Jaraguá uma estação móvel da Cetesb que mede o teor de material particulado, dióxido de enxofre, monóxido de carbono e ozônio a 300 metros do solo. Há outras 23 estações fixas e duas móveis na Região Metropolitana e seis fora: Cubatão (duas), Campinas, Paulínia, Sorocaba e São José dos Campos. Atentos ao futuro, pesquisadores da USP buscam o estudo da poluição por imagens de satélites com resolução de 1 a 5 km. O satélite Terra, lançado no ano passado pela Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos, mostra ser possível detectar ao menos o teor de partículas na faixa da luz visível e de monóxido de carbono no infravermelho. Em dez anos, quando a Região Metropolitana fundir-se com Campinas e São José dos Campos, como se prevê, talvez seja difícil administrar centenas de sensores para saber como está o ar do dia. De imediato, o estudo ensina a ter uma idéia da qualidade do ar só com uma olhada no céu. Se há nuvens, é bom sinal, pois elas funcionam como aspiradores: sugam o ar poluído das camadas baixas da atmosfera e o expelem para o alto. •

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23%; e queima de óleos industriais, 18%. Já no verão, a participação dos carros cai para 24% e se destacam a poeira do solo (30%) e a queima de óleo residual (21%).


CIÊNCIA

GENÔMICA

Engenharia genética contra a Xylella Pesquisas definem novas estratégias de combate à praga das laranjas

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primeira variedade de laranja doce geneticamente modificada, que abre caminho para a produção de laranjeiras resistentes a doenças, e uma série de bactérias mutantes, nas quais foram desativados genes considerados prejudiciais às plantas. Essas são algumas das novidades do 1º Simpósio Genoma Funcional da Xylella fastidiosa, realizado de 10 a 13 de dezembro em Serra Negra. Ali, os coordenadores dos 21 grupos de pesquisa do projeto Genoma Funcional, financiado pela FAPESP, anunciaram as estratégias de combate à Xylella fastidiosa, bactéria causadora da doença conhecida como amarelinho – ou clorose variegada de citrus (CVC). Transmitida por um inseto – a cigarrinha –, essa é uma praga que, com sintomas mais graves ou mais amenos, atinge 65 milhões de laranjeiras no Estado de São Paulo (36% do total) e, a cada ano, torna improdutivas cerca de seis milhões delas. Os alvos dos pesquisadores estão claros: são os genes que permitem à Xylella desencadear a doença (lhe conferem patogenicidade) ou determinam a agressividade (virulência) com que a planta será infectada. O trabalho, iniciado há dois anos, converge agora para a busca de mecanismos – como plantas ou bactérias alteradas geneticamente – que bloqueiem a ação desses genes maléficos, permitam o desenvolvimento de inseticidas mais eficientes para impedir que a cigarrinha transmita a bactéria a plantas saudáveis ou que levem ao desenvolvimento de plantas resistentes, produtoras de proteínas capazes de impedir a sobrevivência da Xylella. Começa assim uma nova etapa na luta contra a bactéria causadora do amarelinho, deflagrada em 2000 com o vitorioso seqüenciamento de seu genoma em programa financiado pela FAPESP. Além das técnicas já em uso – controle dos insetos transmissores e uso de mudas livres de contaminação, que ao menos evitam o alastramento do problema para plantas ainda intactas –, será possível contar com os recursos da engenharia genética para

construir bactérias ou plantas modificadas geneticamente. Com isso se pretende bloquear o desenvolvimento da praga, que traz um prejuízo anual para a citricultura paulista estimado em US$ 100 milhões. No simpósio de Serra Negra, para uma platéia de cerca de 100 pesquisadores, Beatriz Mendes, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), e Francisco Alves Mourão Filho, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), ambos da Universidade de São Paulo (USP), apresentaram a primeira variedade de laranja doce geneticamente modificada, obtida a partir de tecido adulto. Conquista decisiva - Em 2000, Beatriz e Mourão já haviam obtido uma planta transgênica a partir de tecido cítrico jovem, isto é, obtido logo depois da germinação da semente, mas não ficaram satisfeitos com o resultado: a planta pode demorar de cinco a oito anos para frutificar. Trabalharam durante um ano e meio avaliando os fatores que influenciam as condições de crescimento da planta – como o meio de cultura, o tempo de incubação e a temperatura. Finalmente, tiveram sucesso com a laranjeira da variedade Hamlin, a partir de seu tecido adulto, que frutifica mais cedo: cerca de dois anos. É uma conquista que promete ser decisiva para a próxima etapa do projeto, com término previsto para meados deste ano. “Quando tivermos um gene que proporcione à planta resistência contra a bactéria, poderemos produzir plantas para testar no campo em uns dois anos”, calcula Beatriz. Mais pesquisas devem amadurecer este ano. Na linha de frente dos resultados está João Lúcio de Azevedo, coordenador do Núcleo Integrado de Biotecnologia (NIB) da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) e professor titular aposentado da Esalq. Ele desenvolve uma Xylella mutante na qual poderá ser bloqueado o gene da enzima endoglucanase A, um dos associados à produção da goma fastidiana. É essa goma que a bactéria utiliza para aderir ao xilema, o sistema de vasos

que transporta água e sais minerais através de toda a planta. A goma fastidiana está ligada ainda ao entupimento do xilema e, em conseqüência, à manifestação dos sintomas da doença – manchas amareladas – nas folhas da laranjeira. Azevedo espera obter já em 2002 os primeiros resultados da inoculação da bactéria modificada na planta maria-sem-vergonha ou vinca (Catharantus roseus), usada como modelo nesse tipo de experimento, bem como em citros.“Se funcionar”, diz ele, “podemos estender a técnica para as bactérias do gênero Xantomonas, que atacam citros e hortaliças”. Para avançar, não se conta apenas com informações sobre como a bactéria provoca a doença e a agressividade com que a planta é infectada. Esses dados já foram aprofundados pelo conhecimento acumulado sobre o genoma da Xylella, cujo seqüenciamento contou com quase todos os pesquisadores que agora participam do Genoma Funcional. Também se avançou bastante no conhecimento das proteínas produzidas pela causadora do amarelinho – já são 130 as identificadas pelo Laboratório de Química de Proteínas do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – e, de modo mais amplo, na epidemiologia da doença. Experimentos conduzidos sobretudo na Esalq mostram que tanto o amarelinho quanto a cigarrinha se propagam mais intensamente nas regiões mais quentes do Estado, onde a escassez de água é comum. Assim, na área dos municípios de Barretos e Bebedouro, norte do Estado, 48% das laranjeiras estão infectadas, enquando nos arredores de Limeira e Itapetininga, ao sul, não passam de 17%, segundo levamento que o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), mantido pelos agricultores, fez em 2001. “As etapas mais importantes já foram vencidas”, comenta Jesus Aparecido Ferro, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Jaboticabal, um dos coordenadores do Genoma Funcional: “Com certeza o progresso será mais rápido daqui para a frente”. Será ainda mais rápido no que depender PESQUISA FAPESP

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EDUARDO ALVES/ESALQ-USP

da bióloga Patrícia Brant Monteiro, do Fundecitrus: ela produziu colônias de bactérias mutantes estáveis para 12 genes, que regulam, entre outras coisas, a patogenicidade e a produção de toxinas para a planta ou de polissacarídeos (açúcares) que destruirão o xilema. Tanto Patrícia como Azevedo trabalham na técnica de interrupção de genes. É a “leitura” do gene que determina a produção de proteínas específicas. Ao se colocar um trecho de DNA no meio de um gene, essa leitura fica perturbada e, assim, ele é “desligado”. A bacté- Colônias de Xylella crescendo dentro dos vasos condutores de seiva: ação começa a ser contida ria que resulta dessa ria, por onde são secretadas as enzimas modificação é uma mutante: ela pasdas informações do genoma da Xylella, que destroem os vasos do xilema. sa a carregar o gene alterado no seu identificou oito possíveis exoenzimas Recentemente, testes feitos com o material genético. e, em testes de laboratório, caracteriuso de material radiativo para marcazou três delas: são três celulases, enzição de genes comprovaram que uma atrícia foi pioneira na mas que digerem celulose e a transforem cada oito colônias de bactérias muconstrução de uma Xylella mam em glicose, molécula essencial tantes mantém incorporado o trecho de mutante, resistente à inpara qualquer organismo obter enerDNA alterado, mesmo depois de dez corporação de material gia. Próxima etapa: desenvolver bactéciclos reprodutivos.“Começamos a dogenético exótico – vindo rias com genes alterados que impeçam minar a técnica de transformação da de outros organismos – ao seu genoma. a produção dessas proteínas. Xylella, o que é importante para deterEla superou o problema ao utilizar Outro gene que os pesquisadores minar a função de cada gene na doencomo vetor um plasmídeo (segmento de Piracicaba querem desligar é o ça”, revela Marilis. Agora ela procura de DNA circular) desenvolvido em laXf1940, produtor da enzima metionina produzir bactérias mutantes usando boratório e que continha um pequesulfóxido redutase. Essa enzima partitransposons (pedaços de DNA que muno trecho de material genético da cipa do mecanismo de adesão da bactédam de lugar no cromossomo) como própria bactéria. ria à parede do xilema e a outras bacvetores, no lugar de plasmídeos. A vanEsse trabalho abriu caminho para térias, para formar colônias, segundo tagem disso seria obter, a partir do uso outros grupos. As pesquisadoras da modelo desenvolvido por Breno Leite, de um único tipo de vetor, várias colôUSP Marilis Marques, do Instituto de da equipe de Pascholati. A metionina nias de bactérias transformadas, cada Ciências Biomédicas, e Suely Gomes, também estaria relacionada à fixação uma com um gene diferente desligado. do Instituto de Química, também obda Xylella no aparelho bucal da cigartiveram sucesso na produção de bactérinha. Eles acreditam poder chegar a Pesquisas integradas - Dominar a técrias mutantes. Utilizando uma estraum mecanismo de controle da doennica de produção de mutantes foi tégia diferente, desenvolveram um ça, se bloquearem a ação desse gene. igualmente essencial para o grupo plasmídeo que permitiu a incorporaPascholati trabalha em conjunto coordenado em Piracicaba por Sérgio ção de DNA exótico no genoma da com especialistas do Fundecitrus, ligaPascholati, da Esalq. Ele trabalhou na Xylella. Marilis e Sueli desenvolveram dos também à equipe de Azevedo e ao identificação de genes que codificam colônias de Xylella que têm o gene NIB de Mogi das Cruzes, que interage exoenzimas – proteínas que a bactéria gspD alterado. Esse gene é responsáainda com a Esalq e o Instituto Agroproduz e servem para obter nutrienvel pela produção de uma proteína nômico de Campinas (IAC). Não se tes e colonizar a planta. Valendo-se que forma canais na parede da bactébusca uma estratégia única para deter


Alvos selecionados - “Temos de testar todas as possibilidades”, diz o coordenador Ferro, da Unesp: “Não sabemos qual vai dar certo”. Patrícia pretende testar os mutantes em plantas ainda este ano, mas sabe que há incertezas: “Será sorte se conseguirmos uma Xylella não-patogênica, pois metade dos genes dos organismos em geral codificam proteínas de funções ainda desconhecidas”. Para que o combate à praga seja eficiente, os cientistas tiveram de criar instrumentos que ajudem a determinar os melhores alvos. Entre eles está o microarranjo (microarray), também chamado biochip, uma lâmina de microscópio onde são depositados os genes da bactéria. O biochip indica, de uma vez só, quais os genes – entre todos do genoma – estão mais ativos em determinada situação. Foi o grupo de Regina de Oliveira, do NIB de Mogi das Cruzes, que concluiu a terceira versão do biochip da Xylella, com cerca de 2.500 genes – 93% dos cerca de 2.700 que compõem o material genético da bactéria. “É como se tirássemos uma fotografia da expressão gênica da célula em determinado momento”, explica Luiz Nunes, do NIB. Ele já identificou um conjunto de genes que a bactéria aciona, por exemplo, em resposta ao estresse oxidativo – que ocorre quando é atacada por for-

mas reativas de oxigênio, como o peróxido de oxigênio, liberadas pelo sistema de defesa da planta hospedeira. Regina e Nunes trabalham em cooperação com Sílvio Lopes, da Unidade de Biotecnologia da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp), que estuda a atividade dos genes de cepas da Xylella que infectam plantas diferentes. “Já identificamos vários genes que acreditamos estar ligados à patogenicidade da bactéria e à sua especificidade com relação ao hospedeiro”, diz Nunes.

especialistas do Laboratório de Química de Proteínas do Instituto de Biologia da Unicamp adotam uma abordagem diferente. Em vez de analisar diretamente os genes, observam o resultado final: as proteínas. Em quatro meses, esse grupo de Campinas, único que estuda o Proteoma (conjunto de proteínas) da Xylella, coordenado por José Camillo Novello, identificou 130 proteínas produzidas pela bactéria. As principais estão associadas aos processos de adesão e agregação, à captação e ao armazenamento de ferro e à eliminação de toxinas. Também foram encontradas proteínas de membrana, que atuam na captação de nutrientes. Até o final da atual etapa do Genoma Funcional, prevista para terminar em meados do ano, a equipe da Unicamp espera formar um banco de dados com 250 a 300 proteínas caracterizadas.

Fungos que digerem a goma xantana: contra o amarelinho

Meio de cultura - O encontro de Serra Negra marcou ainda a superação de uma das etapas mais complicadas do Genoma Funcional: o desenvolvimento de um meio de cultura definido, no qual se conhecem todos os nutrientes – vitaminas, minerais, hidrocarbonetos e aminoácidos – necessários ao crescimento da bactéria. Ao fim de dois anos de trabalho, as pesquisadoras Eliana de Macedo Lemos e Lúcia Carareto Alves, da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Unesp em Jaboticabal, produziram um meio de cultura mínimo, que tem como única fonte de nitrogênio o ácido aspártico (C4H7NO4). “O estudo das vias metabólicas mostrou que a bactéria pode crescer num meio relativamente simples, em condições muito próximas às do xilema”, diz Eliana. A determinação do meio de cultura é uma ferramenta importante para quem trabalha com fisiologia ou genética da Xylella, pois permite conhecer os genes expressos em determinada condição e auxilia na seleção de formas mutantes da bactéria. A Xylella que se cuide. •

JOELMA MARCON/ESALQ-USP

o estrago provocado pelo amarelinho na citricultura paulista. A própria equipe de Azevedo, além de bloquear genes, trabalha em outra forma de controlar a praga: por meio de microrganismos endofíticos, bactérias que convivem com a Xylella na laranjeira, mas não provocam a doença na planta. Seu grupo identificou nove gêneros de bactérias endofíticas de citros. Entre elas está a Pantoea agglomerans, na qual os pesquisadores já conseguiram introduzir um gene que produz a xantanase. Essa enzima impede a formação da goma xantana, produzida pelas bactérias do gênero Xantomonas e semelhante à goma fastidiana.

Marcos Antônio Machado, do Centro de Citricultura do IAC, utilizou o biochip para comparar a expressão gênica da bactéria em duas situações de crescimento: a de isolamento primário, quando é recém-retirada da planta, e a de cultivos sucessivos, depois de 25 ciclos de reprodução em laboratório. No primeiro estado, a Xylella se desenvolve lentamente em cultura artificial, mas, quando inoculada, coloniza a planta rapidamente. No segundo caso, ocorre o inverso. Banco de proteínas - A comparação

das duas situações mostrou que alguns genes, ligados à capacidade de adesão, tornam-se menos ativos quando a Xylella é cultivada fora da planta. “Esses resultados comprovam que a capacidade de colonização está associada à de agregação”, diz Machado. “Talvez possamos desenvolver alguma forma de reduzir a ação desses genes.” Para conhecer os genes mais ativos na bactéria em determinada situação, os

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Programas Jovens Pesquisadores

Programa GENOMA

Programa CEPID

Um dos melhores pós-doutoramentos do mundo fica bem aqui pertinho: em São Paulo. Programa BIOTA

Projetos Temáticos

Bolsas de pós-doutoramento da FAPESP. O sistema brasileiro de pesquisa se expande. A FAPESP está revolucionando sua política de pós-doutoramento, ampliando o prazo de duração das bolsas e possibilitando estágios no exterior dentro de uma concepção que torne o intercâmbio com centros de pesquisa de outros países produtivo para a ciência brasileira. Os bolsistas devem vincular-se aos mais importantes programas de pesquisa financiados pela Fundação. São centenas de projetos, em todas as áreas do conhecimento, que permitem uma sólida formação aos jovens doutores integrados a grupos de excelência. Para mais informações, acesse www.fapesp.br ou ligue (11) 3838 4000. Projetos Temáticos (150 projetos de pesquisa) Grandes equipes formadas por pesquisadores de diferentes instituições em busca de resultados científicos, tecnológicos e socioeconômicos de grande impacto. Programa Genoma (60 laboratórios) Projetos com o objetivo de pesquisar genomas, identificar e analisar genes com impacto sobre o conhecimento genômico, a saúde humana e a produção agropecuária. Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico

Programa CEPID (10 centros de pesquisa) Centros para desenvolver pesquisas inovadoras na fronteira do conhecimento, transferir seus resultados para os setores público e privado e contribuir para a criação de novas tecnologias e empresas.

Programa Biota (25 projetos) Projetos que visam ao levantamento e novos conhecimentos sobre a biodiversidade do Estado de São Paulo e outras regiões do país.

Programas Jovens Pesquisadores (270 projetos) Programa que fomenta a formação de novos grupos de pesquisa em centros emergentes do Estado de São P aulo. Rua Pio XI, 1500 - Alto da Lapa 05468-901 - São P aulo - SP Tel.: (11) 3838 4000 - www.fapesp.br


CIÊNCIA

BIOTECNOLO GIA

Liderança brasileira diz João Paulo Kitajima, um dos coordenadores do LBI, ligado à rede ONSA (Organização para Análise e Seqüenciamento de Nucleotídeos), criada pela FAPESP. João Carlos Setúbal, outro coordenador do LBI, trabalhou durante um ano e meio como professor visitante na Universidade de Washington, próximo aos biólogos que cuidavam do mapeamento da Agrobacterium.

Publicação do genoma da Agrobacterium fortalece bioinformática nacional páreo foi difícil. Com a retaguarda do Laboratório de Bioinformática (LBI) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a Universidade de Washington concluiu o seqüenciamento do genoma de uma das bactérias mais utilizadas na produção de plantas transgênicas, a Agrobacterium tumefaciens. O artigo científico com os resultados saiu na edição de 14 de dezembro da revista Science, sucedido por outro, assinado por pesquisadores da Cereon Genomics, subsidiária da Monsanto, com outra versão do mesmo genoma. A Science concedeu a capa ao seqüenciamento da linhagem C58 da A. tumefaciens, que, de acordo com um artigo comentado da própria revista, deve dar novo impulso às pesquisas em biotecnologia. A Agrobacterium exibe uma capacidade natural de transferir parte de seu DNA para as plantas, cujo genoma passa a expressar os genes recebidos. Em cerca de 600 espécies de plantas, entre elas roseiras e videiras, a bactéria causa a galha da coroa, um tipo de câncer vegetal: o crescimento desordenado das células origina galhas (tumores) na junção do tronco com a raiz (coroa) ou na própria raiz. O conhecimento da estrutura do DNA (ácido desoxirribonucléico, que contém o código genético) do microrganismo deve elucidar seu mecanismo de ação, explorado desde os anos 80 para inserir material genético em culturas agrícolas. “Não pensávamos que fosse sair na Science, porque os dados já haviam sido divulgados para o GenBank”,

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MICHIGAN

EDUARDO CESAR

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Nalvo Almeida Jr., que comparou o genoma da Agrobacterium com o de outras bactérias. Trabalhando separadamente, a equipe da Universidade de Washington, formada também por membros da empresa DuPont, e a da Cereon, em conjunto com a Universidade de Richmond e o Hiram College, chegaram a resultados semelhantes. O genoma do microrganismo tem cerca de 5,6 milhões de pares de bases e pouco mais de 5 mil genes (5.419 para o grupo de Washington e 5.299 para o da Cereon). O material genético está contido em dois cromossomos, um circular e um linear, e em dois pedaços menores de DNA, os plasmídeos.

Agrobacterium (ao lado): bactéria que vive no solo e transfere o DNA ao infectar 600 espécies de plantas

Os bioinformatas paulistas fizeram a parte mais sofisticada do trabalho, a anotação do genoma (interpretação de dados e identificação de genes), além de montarem o banco de dados do projeto, que se encontra num site mantido pela Unicamp. Participou ainda um pesquisador da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul,

No artigo publicado na Science, a equipe de Washington destaca que a A. tumefaciens deve ter um ancestral comum com a Sinorhizobium meliloti, bactéria que também vive no solo mas não causa doenças: o cromossomo circular das duas é bastante parecido. Agora o desafio é entender como se diferenciaram, ao longo da evolução. Os pesquisadores da Cereon descobriram que a Agrobacterium não dispõe dos genes normalmente utilizados por outros organismos para infectar o hospedeiro – indício de que a bactéria deve usar outras partes do DNA nessa tarefa. • PESQUISA FAPESP

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ROSA GAUDITANO/STÚDIO R

CIÊNCIA

GENÉTICA

Ameríndios eram siberianos Estudo da UFMG desvenda por meio da genética uma história não-escrita dos povos pré-colombianos


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DEAN CONGER/CORBIS

Fabrício Santos explica que, inidetalhado do ponto de vista genômico, evolução genética dos indícialmente, buscavam uma resposta de populações nativas da América do genas sul-americanos ao genética para a relação entre os povos Sul, a sugerir um modelo coerente longo de milênios é desdos Andes e os de outras regiões sulcom questões históricas, arqueológivendada no modelo que americanas. Até então, a maior parte cas, lingüísticas e climatológicas”, afiros geneticistas Eduardo dos estudos sobre variabilidade molema Fabrício Santos, do Instituto de Tarazona, Sérgio Pena e Fabrício Sancular em populações nativas era Ciências Biológicas da UFMG, que tos, da Universidade Federal de Minas orientada de modo a responder apenas orienta o doutorado de Tarazona. Gerais (UFMG), começaram a elaboquando e como os primeiros povos Para chegar ao modelo evolutivo rar em 1999. Segundo o modelo sugechegaram ao continente americano. Desproposto, os pesquisadores optaram por re, as populações indígenas do oeste e ta vez, os pesquisadores procuraram estudar a variabilidade molecular do do leste da América do Sul se distinmaior profundidade. cromossomo Y em sul-ameríndios. Esse guem por terem seguido padrões cromossomo é de linhagem paterna: opostos em sua história genética. Os Realidades opostas - Para isso, estudatransmitido apenas pelo pai para os fipesquisadores também concluíram que ram grupos andinos do Peru e do lhos do sexo masculino, passa inalteos indígenas das três Américas têm a Equador. E, aos dados desses mesma e bem demarcada origrupos, somaram os de indígem: dois povos siberianos cugenas brasileiros – grupos ja linhagem ainda sobrevive. Xavante, Wai-Wai, Karitiana, Confirmaram ainda a teoria Ticuna, Gavião, Zoró e Suruí corrente, de que os antepassa– previamente estudados por dos dos ameríndios chegaram Denise Carvalho Silva (do da Ásia pelo estreito de Bering, mesmo grupo da UFMG), quando havia ali uma faixa bem como de tribos argentide solo firme. E demonstranas e paraguaias já estudadas ram que todos os ameríndios pelo grupo de Nestor Biantêm grande similaridade gechi, de Buenos Aires. nética: por isso acreditam que Pela análise das amostras vieram juntos, numa grande do DNA de 192 indivíduos, onda migratória. em 18 grupos indígenas de Uma constatação básica sete países, concluíram que inspirou o estudo: populaas populações do leste e do ções geneticamente isoladas oeste seguiram padrões de preservam as identidades gecomportamento demográfinéticas que tinham antes dos co opostos, o que se refletiu grandes movimentos migrana diferenciação genética. tórios ocorridos no mundo Assim, na região andina, depois das grandes navegaos grupos indígenas têm poções do século 16. Por isso os pulações grandes e experigeneticistas se interessam por mentaram entre si maiores essas populações isoladas – como os esquimós, os Yano- Indígena siberiano: ancestrais em comum com nossos ameríndios níveis de fluxo gênico – trocas de material genético mami do Brasil e da Venenos cruzamentos. Isso implica, de um rado ao longo das gerações, até que zuela, e mesmo os berberes do Saara e lado, uma tendência à homogeneizaocorra uma mutação (variação no DNA, os finlandeses – e tentam traçar suas ção no plano geral, e, de outro, maior o ácido desoxirribonucléico, portador origens e rotas de migração, que em diferenciação genética entre indívído código genético). Com isso, quisegeral a história não pôde registrar. duos da mesma população. ram descobrir o que aconteceu desde O estudo mostra que as contribuiO contrário ocorreu no leste, entre o início do povoamento.“Fazemos uma ções do Projeto Genoma Humano os grupos da Amazônia, do Planalto espécie de arqueologia molecular”, diz podem servir não só à área médica, Central Brasileiro e do Chaco. Esses Tarazona, “e isso é possível porque as mas para descobrir aspectos do nosso têm populações menores e níveis baivicissitudes demográficas pelas quais passado: “É o primeiro estudo mais xos de fluxo gênico de um grupo para uma população passa deixam uma outro. Disso resultam tendências a marca na distribuição de seus genes. muitos grupos isolados e geneticaPor meio da análise do DNA, conseHomem do povo Xavante: um dos grupos mente diferenciados, bem como à hoguimos identificar essas marcas, que incluídos na pesquisa genética que mogeneidade dentro de cada grupo. rastreou a origem remota dos ameríndios nos dizem o que aconteceu”. PESQUISA FAPESP

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tindo que as populações humanas se assentassem e desenvolvessem em comum um complexo cultural – e biológico, segundo este estudo –, o que facilitou as migrações”.

J

á no leste, as mudanças climáticas causaram a expansão dos refúgios isolados de floresta tropical, que foram ocupando e fechando os espaços da savana, até formar a imensa Floresta Amazônica – mata fechada que, ao contrário da savana, passou a limitar o fluxo gênico. Disso resultou fragmentação populacional e isolamento

de Silvia Fuselli e Davide Pettener, da Universidade de Bolonha, Itália, onde Tarazona fez um doutorado em antropologia. Os resultados, segundo Tarazona, estão sendo altamente consistentes com o modelo. Na verdade, o modelo de variabilidade do cromossomo Y é a terceira etapa do estudo que Fabrício Santos iniciou em 1993, quando se doutorava na UFMG, orientado por Sérgio Pena. Santos relata que o grupo tem feito importantes contribuições por meio do estudo das linhagens paternas: “Nossas primeiras publicações, em

Geleiras e florestas - Dados paleoecológicos, lingüísticos e históricos se combinam bem para fundamentar o modelo proposto. Por exem- Indígenas andinos: grupos distantes mais parecidos entre si que os do leste da América do Sul plo, no último período glacial – que durou de 60 mil a 13 mil cultural. Assim, a transição Pleistoceno1995 e 1996, revelaram uma identianos atrás –, a altitude das geleiras nos Holoceno seria uma espécie de interdade genética entre os povos nativos Andes era muito menor e o frio bem ruptor evolutivo, determinando padrões das três Américas, como se todos mais intenso, o que limitava o povoadivergentes de variabilidade genética. descendessem de um único pai – o mento. Já a leste, predominava um É por isso que povos andinos de áreas Adão americano –, que vivera entre ambiente aberto de savana, praticabem distantes se parecem mais do que, 12 e 25 mil anos atrás. Em 1999, oumente sem matas fechadas, o que por por exemplo, os Ticuna do Amazonas tra publicação revelou o retrato gealgum tempo favoreceu a comunicae os Suruí de Rondônia. nético de ancestrais dos nativos ameção e o fluxo gênico. ricanos, que habitavam a Ásia entre Há 12 mil anos, entretanto, ocorPela Beríngia - O grupo está amplian20 mil e 30 mil anos atrás. É como se reu a transição Pleistoceno-Holoceno do os estudos e testando seu modelo, fizéssemos uma série de exames de e isso mudou radicalmente. Nos Anbaseado nas variações do cromossopaternidade envolvendo milhares de des, o nível das geleiras subiu bastanmo Y. O passo seguinte será confrongerações passadas”. te, permitindo a colonização humana tar esses dados com os do DNA miOs estudos iniciais confirmaram a em ampla escala, o que favoreceu o detocondrial, que é transmitido por teoria corrente, de que os antepassasenvolvimento cultural homogêneo, linhagem materna, da mãe para os fidos dos nativos americanos chegaram evidente até hoje. “As geleiras”, diz Talhos de ambos os sexos. Os estudos do ao continente entre 40 mil e 13 mil razona, “liberaram os Andes, permiDNA mitocondrial têm a colaboração anos atrás – há muita divergência em 44

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ALEJANDRA BRUN/AFP

Desse modo, as populações andinas, ainda que numerosas e geograficamente distantes entre si, experimentaram um intenso fluxo gênico e mantiveram uma identidade cultural comum, compartilhando costumes e língua, o quéchua – outras línguas da região, como aimara e araucano, são muito parecidas com o quéchua dominante e pertencem à mesma família lingüística. Dentro de cada tribo há muita diferenciação genética e, no global, muitas semelhanças entre grupos que vivem a até mais de 3 mil quilômetros de distância um do outro, do Peru ao norte da Argentina. Já as tribos das regiões brasileiras e do Chaco mostram características opostas às andinas. Estão fisicamente mais próximas do que, por exemplo, os andinos do norte e os do sul. Dado o seu isolamento mútuo, contudo, apesar da maior proximidade, estão longe de um nível de similaridade cultural, falam línguas bem diversas e revelam pouca diferenciação genética entre os indivíduos de cada tribo.


ÁSIA

SIRIO J. B. CANÇADO SIRIO J.B. CANÇADO

Sib

éria

Linha costeira da glaciação

AMÉRICA DO NORTE

Povos do Leste

À direita, as forças Povos evolutivas que moldam do Oeste a estrutura genética de povos da América do Sul. O tamanho dos círculos indica as proporções AMÉRICA das populações. DO SUL As setas representam os níveis do fluxo gênico.

Cayapa Ticuna

Wai Wai

Gavião, Tayacaja Karitiana Zoró e Suruí Arequipa

Xavante

Susque e Huamahuaqueño

Lengua e Ayoreo

Toba, Chorote e Wichi Tehuelche

Distribuição dos povos da América do Sul incluídos no estudo genético Fonte: UFMG

torno das datas. Mas limitaram a data de chegada numa faixa mais restrita, entre 15 mil e 30 mil anos atrás. Também confirmaram que os ameríndios vieram pela Beríngia, faixa de solo firme que na época das glaciações ligava a Ásia ao Alasca, onde está hoje o Estreito de Bering (daí o nome Beríngia). Mas foram mais longe: demonstraram que os nativos das três Américas têm grande similaridade genética, a despeito da alta diversidade lingüística e cultural, o que sugere que todos vieram juntos da Ásia numa onda migratória principal. Indo mais além, em 1999 concluíram que os ancestrais dos nativos americanos foram povos siberianos dos grupos lingüísticos keti e altai. Os altais são do grande grupo das línguas

túrquicas, o mesmo dos povos da Mongólia e do Japão. Já os ketis compõem um grupo lingüístico isolado, sem similar no mundo, e cuja língua original está praticamente extinta. Em algumas etapas, o grupo pesquisou com equipes de outras universidades do Brasil (especialmente o grupo de Francisco Salzano, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul), de outros países sul-americanos, da Mongólia e da Inglaterra. Já em 1995, Santos e Sérgio Pena publicavam em Nature Genetics o trabalho Principal Efeito Fundador nas Populações Indígenas Americanas. No ano seguinte, um grupo da Universidade de Stanford (EUA) confirmou as conclusões dos brasileiros e usou uma nova variação de DNA, o DYS199, com duas bases diferentes: o alelo C, presente em todos os europeus, asiáticos e africanos, e o T, característico dos ameríndios. Depois, outros americanos da Universidade de Tucson também confirmaram os dados dos brasileiros, que em

1999 apontaram os ketis e os altais, entre vários grupos siberianos examinados, como aqueles de maior grau de parentesco com o principal cromossomo Y dos nativos americanos. O Modelo de Evolução para as Populações Nativas da América do Sul, elaborado por Tarazona e Fabrício Santos, foi apresentado em abril de 2001 no evento Portugalia Genetica, em setembro no 10º Congresso Internacional de Genética em Viena e em outubro no Congresso Brasileiro de Genética em Águas de Lindóia. Também rendeu artigo publicado em junho último no American Journal of Human Genetics. Agora, os geneticistas mineiros pretendem pesquisar outros mistérios, como a origem específica dos povos tupis que povoavam a costa na época do Descobrimento e tiveram influência decisiva na formação do povo brasileiro. Também querem confrontar, com os dados genéticos reunidos, outras teorias sobre a origem dos povos da Amazônia e do Planalto Central brasileiro. • PESQUISA FAPESP

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CIÊNCIA

BIOLO GIA

Copaíba contra o caruncho Sementes da árvore nativa mostram-se fatais para a grande praga da agricultura

A

semente da copaíba (Copaifera langsdorffii), árvore de até 30 metros de altura que margeia o rio Paraná no Centro-Oeste paulista, numa área de transição entre a Mata Atlântica e o Cerrado, contém uma proteína que inibe o metabolismo e o crescimento das larvas do caruncho (Callasobruchus maculatus), inseto de ação devastadora sobre a agricultura. O estudo, de Sérgio Marangoni e seu doutorando José Antônio da Silva, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), também abre perspectivas de elaboração de inseticidas naturais, menos tóxicos. Também conhecido como broca, gorgulho e carpinteiro, o caruncho tem um ciclo de vida de apenas 20 a 30 dias. Ainda assim, consegue destruir cerca de metade da safra brasileira anual de feijão-de-corda (Vigna unguiculata), largamente consumido no Norte e Nordeste, e, de modo geral, causa perdas de 30% a 40% nos principais grãos colhidos no país – principalmente milho, trigo, soja e arroz. O inseto ataca tanto as vagens verdes quanto o feijão armazenado. O ataque começa no campo, com uma infestação de cerca de 2% das sementes, mas a perda principal ocorre no armazenamento. No mundo inteiro, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultu46

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ra (FAO), as perdas por ele causadas representam 10% da produção total de grãos. No Brasil, o prejuízo médio fica em torno de 20%, mas em alguns lugares pode chegar a 70%. “O caruncho”, comenta Marangoni, “causa redução direta no peso e na qualidade das sementes, que se tornam inviáveis tanto para o consumo quanto para o plantio. Esse é um sério problema de alimentação, já que a principal fonte de proteína das populações mais carentes é justamente o feijão”. A ação devastadora começa já no campo, com o ataque aos grãos de cereais. Num só grão de feijão, milho ou soja, cada fêmea põe de 60 a 80 ovos. Desencadeia-se aí uma progressão geométrica que os inseticidas não conseguem parar. O ataque prossegue no armazenamento, atravessa o processamento e chega até o alimento industrializado. É por isso que se encontram carunchos até em pacotes fechados de macarrão guardados no armário: os ovos sobreviveram à moagem do trigo e à manufatura da massa e só vão morrer em contato com a água fervente do preparo da comida. Proteína fatal - Marangoni e Silva

partiram de um perfil de 20 anos de trabalho do Laboratório de Química de Proteínas da Unicamp. Durante três anos, testaram muitos vegetais, até verificar que o extrato protéico das sementes de copaíba, usadas como alimento por pássaros, mostrou-se resistente ao desenvolvimento das larvas do inseto. Os pesquisadores têm estudado vários inibidores de sementes, entre eles inibidores de pata-devaca (Bauhinia variegata) e flamboyant (Delonix regia).


EDUARDO CESAR

O trabalho reforça a hipótese de que os inibidores de tripsina estejam ligados a mecanismos de defesa das leguminosas, como o feijão. A próxima etapa é transportar o gene do inibidor da copaíba para grãos transgênicos. Outra vertente é o uso da proteína na fabricação de iscas naturais contra o caruncho. Sob orientação de Marangoni, Silva estuda a seqüência completa da proteína com cristalografia de raio-X, em colaboração com o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), e elabora um modelo tridimensional da proteína. Já descobriu que é pequena. Aos poucos, a modelagem descortina os mecanismos de interação da proteí-

Caruncho: ação devastadora sobre os grãos

Sementes de copaíba: um efeito mortal

turadas. Do pó resultante foi retirado o TDI inibidor da tripsina e, a partir dele, produzidas sementes artificiais, que foram postas como alimento para larvas do caruncho. Ao se alimentar da falsa semente, o inseto começava a definhar e morria, já que o TDI inibe a ação das enzimas proteolíticas (ou proteases) do seu tubo digestivo.

na com as enzimas digestivas e sugere estratégias. Para Silva, não há preocupação com efeitos sobre a saúde humana, já que o TDI é da mesma família de proteínas já existentes no feijão, com a vantagem de que esse inibidor enzimático mostrou-se mais resistente por estar presente em espécies evolutivamente distintas. O problema é como manter a modificação genética. “A originalidade do trabalho da semente da copaíba foi encontrar na flora brasileira um agente eficiente contra uma praga da nossa agricultura”, diz Marangoni. O desafio de encontrar na biodiversidade nacional um produto natural de combate a uma praga agrícola de tal dimensão foi vencido e reconhecido com o relato da identificação do inibidor de tripsina este ano no Journal of Protein Chemistry. “De todo modo”, conclui, “ainda serão necessários alguns anos de pesquisa até que seja possível reduzir a voracidade do caruncho”. •

EDUARDO CESAR

UNIVERSIDADE TEXAS A&M

Encontrada a trilha, ambos sentiram-se encorajados para estudar as proteínas das sementes de copaíba e, no ano 2000, identificaram uma que inibe a ação da serinoprotease tripsina – enzima digestiva do caruncho. “No feijão, alimento natural do caruncho, existe uma proteína inibidora da tripsina, mas o caruncho já desenvolveu um mecanismo de resistência a ela”, conta Marangoni. Já a proteína que os dois pesquisadores descobriram, chamada inibidor de serinoprotease ou TDI, bloqueia o processo digestivo do caruncho, que pára de se alimentar e definha até morrer, em poucos dias. Em laboratório, definido o interesse pela copaíba, as sementes foram tri-

O PROJETO Isolamento e Caracterização Bioquímica de Inibidores de Proteinases Serínicas de Sementes de Copaifera langsdorffii. Estudo da Ação Antifungicida e Resistência contra o Bruquídeo callosobruchus Maculatus MODALIDADE

Linha regular de auxílio à pesquisa COORDENADOR

SÉRGIO MARANGONI – Instituto de Biologia da Unicamp INVESTIMENTO

R$ 101.807,60

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CIÊNCIA NASA

ASTROFÍSICA

Universo remoto se ilumina A reionização,fenômeno que pôs fim ao universo opaco, é comprovada pela primeira vez

“F

im da idade das trevas” e “renascimento cósmico”: foi assim que astrônomos do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), dos Estados Unidos, qualificaram um momento crucial da história do universo, que conseguiram observar em 2001. Tratase da reionização do cosmo – ou seja, a formação da matéria em núcleos atômicos positivos e elétrons O quasar SDSS 1044-0125, que levou às descobertas negativos – fenômeno ocor“Antes da reionização, era como se rido há cerca de 12 bilhões de anos, o universo estivesse cheio de uma neprevisto em modelos teóricos, mas nunblina opaca e escura”, diz Sandra. “Enca antes comprovado. O grupo autor tão os fogos se acenderam e queimada inédita observação é coordenado ram através da neblina, produzindo a pelo iogoslavo naturalizado norteluz e a claridade”. Os “fogos” a que se americano George Djorgovski e tem a refere, em linguagem quase bíblica, participação principal da brasileira são os mais antigos quasares, um dos Sandra Castro, que se doutorou no quais, o SDSS 1044-0125, que Sandra Instituto Astronômico e Geofísico da estudou a fundo, levou a equipe do Universidade de São Paulo (IG-USP), Caltech a sua grande descoberta. fez pós-doutoramento no ObservatóOs quasares são objetos cósmicos rio Nacional do Rio de Janeiro (ON) e extraordinários: pouco maiores que o embarcou para o Caltech em 1999.

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CALTECH

J OSÉ TADEU A RANTES sistema solar, chegam a brilhar 100 vezes mais que uma galáxia. Foram eles que reionizaram a neblina primitiva, tornando o universo transparente. Essa neblina era constituída por hidrogênio neutro, que absorve facilmente a luz. Com a reionização, os átomos de hidrogênio foram desmembrados em prótons e elétrons, que não mais retêm a radiação luminosa. Como resultado, o gás perdeu a opacidade e fez-se a luz. Peça fundamental – A existência daquele meio denso e neutro, depois reionizado, era uma peça fundamental no quebra-cabeça da evolução do cosmo, até então não encontrada. A maneira de achá-la era observar o universo em grande profundidade, penetrando épocas cada vez mais remotas. “Foi o que ocorreu com a descoberta do quasar SDSS 1044-0125. Na análise espectroscópica de sua radiação, verificou-se que ela havia sofrido a absorção característica de um meio denso e neutro. Na faixa correspondente às freqüências absorvidas, o gráfico também apresentou pequenos picos de emissão, típicos de objetos


JODRELL BANK/SCIENCE PHOTO LIBRARY

primordiais em reionização”, informa Reinaldo Ramos de Carvalho, do Observatório Nacional, que trabalhou com Djorgovski na observação de mais de 100 quasares – a maior coleção desses objetos já estudada – e orientou o pós-doutoramento de Sandra Castro. Na longa viagem desde o SDSS 1044-0125 até a Terra, a luz do quasar atravessou parte da espessa neblina que preenchia o cosmo, o que deixou uma marca no espectro luminoso do objeto: seu gráfico indica que a radiação eletromagnética diminui na faixa do ultravioleta, que corresponde aos fótons com energia suficiente para ionizar o hidrogênio atômico. Isso revela que foram os quasares da geração do SDSS 1044-0125 que arrancaram o universo de sua idade das trevas e promoveram o renascimento cósmico. Maior telescópio - Considerada a distância do objeto, a análise espectroscópica do SDSS 1044-0125 é uma proeza que exigiu grandes recursos. Para isso, a equipe do Caltech usou nada menos que o telescópio mais poderoso do mundo: o Keck II, situado no topo do monte Mauna Kea, no Havaí, e dotado de espelho coletor de 10 metros de diâmetro. Sandra conta: “Observamos esse quasar pelo período de 1 ano, totalizando 5 horas e meia de exposições, e só conseguimos identificar o efeito produzido pela reionização depois de combinarmos todas as imagens obtidas numa única”. Ao ser descoberto, o SDSS 10440125 era o mais antigo objeto já observado. É difícil determinar a distância ou a idade de um quasar como esse. O que se pode fazer, com equipamento de ponta persistência, é calcular o desvio para o vermelho (redshift) da radiação eletromagnética que ele emite – uma conseqüência direta da expansão do universo. O 3C 273, o quasar mais próximo da Terra, a 2,1 bilhões de anos-luz: afastando-se a 50 mil km por segundo, com jatos intensos de partículas na região central PESQUISA FAPESP

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O

desvio para o vermelho (representado por z) é, assim, um modo indireto de quantificar a distância – e, conseqüentemente, a idade – de um objeto. Se a luz chega ao observador com o dobro do comprimento de onda com que saiu do objeto, ela tem um redshift igual a 1; se chega num comprimento de onda seis vezes maior, seu desvio para o vermelho é 5 – o valor de z é sempre uma unidade menor do que o do comprimento de onda final. A radiação do SDSS 1044-0125 apresentou o desvio z = 5,73. Há estruturas ainda mais recuadas, mas os recursos atuais não permitem observá-las, devido ao obstáculo imposto pela neblina de hidrogênio neutro. Nasce um quasar - A verdadeira natureza dos quasares ainda não é questão resolvida, mas os estudos avançaram muito desde que eles foram descobertos, na década de 60. Hoje a maioria dos pesquisadores os considera produtos do colapso gravitacional da enorme quantidade de gás e de estrelas que se acumula no centro das galáxias. Quando toda essa matéria se comprime por efeito gravitacional, o resultado é um buraco negro supermassivo – local onde a força da gravidade é tão grande que não deixa escapar sequer a luz –, com massa equivalente de 100 milhões até 1 bilhão de sóis. Essa entidade imensa passa a

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CALTECH

Ocorre que a radiação que viaja pelo espaço acompanha a métrica do espaço: se ele se expande, ela se expande também, de modo que chega ao observador com um comprimento de onda maior do que ao ser emitida. No caso da luz visível, isso corresponde a um desvio para o vermelho – a faixa de radiação que tem o maior comprimento de onda –, daí o nome redshift. Dizer que um objeto tem redshift maior do que outro equivale a afirmar que suas emissões viajaram por mais tempo no espaço, sofrendo mais prolongadamente os efeitos da expansão do universo, até atingir a Terra – e, portanto, ele está mais distante.

O Fim da Escuridão A Reionização deixa o Universo transparente

Tempo desde o Big Bang (em anos)

Big Bang Universo preenchido por gás ionizado

300 mil

O Universo torna-se neutro e opaco Começa a Idade das Trevas

Galáxias e quasares iniciam a reionização

500 milhões

Renascimento Cósmico Fim da Idade das Trevas

Reionização completada. O Universo torna-se transparente novamente

1 bilhão

Galáxias se desenvolvem

9 bilhões

Forma-se o Sistema Solar

13 bilhões

Fonte: George Djorgovski e Digital Media Center, Caltech


CALTECH

Farol do Passado Quasares contam a história do Universo

A luz que chega do quasar denuncia as nuvens de hidrogênio, material neutro que de outra forma não seria visto

Nuvens de hidrogênio filtram a luz emitida pelo quasar

Bolhas de gás ionizado, as primeiras estruturas que se adensaram e formaram estrelas

Nenhuma luz atravessa o gás opaco que forma o Universo primordial

Quasar

Fonte: George Djorgovski e Digital Media Center, Caltech

atrair o gás e as estrelas das vizinhanças, criando uma estrutura conhecida como disco de acreção (aglomeração).

A

ntes de engolidas pelo buraco negro, as partículas do disco são violentamente aceleradas em espiral. A fricção entre elas aquece o disco e produz parte da extraordinária radiação do quasar. O restante da radiação se deve a outro fenômeno. Por efeito combinado da pressão de radiação e do campo magnético, grande número de partículas é arremessado para fora, num jato perpendicular ao disco, próximo de sua borda interna. Esse fluxo é constituído por elétrons relativísticos, com velocidades muito próximas à da luz, e por uma forte emissão eletromagnética. O nascimento dos quasares é posterior ao surgimento das galáxias, pois a atração gravitacional precisa de, no mínimo, meio bilhão de anos para acumular, no centro galáctico, aquela massa crítica de 100 milhões a 1 bilhão de sóis. E foi necessária uma quantidade significativa de quasares para a reionização alcançar a escala do universo inteiro. Em ordem decrescente de redshifts (dos eventos mais distantes e antigos para os mais próximos e recentes), pode-se atribuir às primeiras galáxias o redshift 10; aos primeiros quasares, entre 10 e 5; e à reionização, entre 6 e 5 – conforme a equipe do Caltech verificou.

Universo recombinante - Mas o universo se estende muito além – na distância e no passado. O momento de formação da densa neblina que preencheu o cosmo antes da reionização corresponde ao fantástico redshift 1500! Estima-se que tenha ocorrido 300 mil anos depois do Big Bang – o evento que, pelo modelo cosmológico dominante, originou o universo há cerca de 15 bilhões de anos. O fenômeno de formação da neblina foi chamado de recombinação: nele, após o universo se ter resfriado da temperatura infinita do Big Bang até o modesto patamar de 3 mil Kelvin (o zero da escala Kelvin,ou zero absoluto,é igual a -273,16 graus Celsius), os elétrons e os fótons, que antes interagiam intensamente, se separaram. Foi o desacoplamento entre matéria e radiação. Livres da ação dos fótons, os elétrons puderam então ser capturados por núcleos atômicos simples, compondo os primeiros átomos. E esses átomos – basicamente de hidrogênio – formaram a neblina que preencheu o universo em sua idade das trevas. A recombinação fez com que a matéria, antes totalmente ionizada – constituída de núcleos atômicos positivos e elétrons negativos –, se tornasse eletricamente neutra. A neblina dominaria a cena por meio bilhão de anos, até que a matéria fosse reionizada. Liberados no desacoplamento, os fótons primordiais compõem hoje a radiação cósmica de fundo, um mar de microondas que preenche todo o uni-

verso a uma temperatura de 2,7 K. Essa radiação é uma relíquia da era da recombinação: proporciona aos estudiosos um fantástico instantâneo do universo naquele momento crucial. Sua descoberta, na década de 60, forneceu um poderoso argumento a favor da teoria do Big Bang. Agora, a comprovação observacional da reionização vem reforçar ainda mais esse modelo. Rivais unidos - Essa comprovação se

deve à sinergia involuntária de duas equipes rivais. O primeiro passo foi do Grupo Sloan, formado por pesquisadores da Universidade de Princeton, do Fermilab (Fermi National Accelerator Laboratory, dos EUA) e de outras instituições. Reinaldo de Carvalho informa: “Com detectores tipo CCD, 20 vezes mais eficientes que as antigas chapas fotográficas e capazes de medir o fluxo da fonte emissora em cada pixel da imagem, eles estão mapeando todo o céu do Hemisfério Norte em vários comprimentos de onda. E já encontraram dois quasares com redshifts em torno de 5,7 – os mais distantes e portanto mais antigos descobertos até o momento”. Ao definir como alvo um desses quasares, o SDSS 1044-0125, o Grupo Caltech entrou em ação. “O Caltech dispõe de 45% do tempo de operação dos dois melhores telescópios ópticos do mundo, os Keck I e II, do Havaí, frutos da doação milionária de um particular à Universidade da Califórnia”, revela Carvalho. Esse equipamento excepcional permitiu a Sandra e seus colegas fazer seu primoroso trabalho de espectroscopia, que sugere claramente a reionização. “Até o momento, esse evento era uma aposta dos modelos teóricos. E sua comprovação não teria sido possível sem um observatório como o Keck”, reconhece Sandra.“O universo de hoje é complicado e cheio de padrões difíceis de entender. Os grandes telescópios nos aproximam de uma época em que o universo era simples. Eles nos proporcionam a visão de como a matéria começou a se organizar, passo a passo, para formar os bilhões de galáxias e estrelas que vemos hoje”. • PESQUISA FAPESP

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TECNOLOGIA

LINHA DE PRODUÇÃO

O tráfego aéreo mundial deve duplicar na próxima década, aumentando ainda mais os congestionamentos nos aeroportos. Para evitar o caos, pesquisadores do mundo inteiro buscam soluções que melhorem a eficiência e a segurança dos espaços aeroportuários. O Órgão Nacional de Estudos e Pesquisas Aeronáuticas (Onera), da França, até criou um programa, batizado de Aeroportos do Futuro, para propor saídas para o problema. Segundo reportagem divulgada no informativo França-Flash, do Centro Franco-Brasileiro de Documentação Técnica e Científica (Cendotec), entre as várias alternativas estudadas estão os aeroportos flutuantes e novas tecnologias, baseada, no uso de sensores, para melhorar o controle de tráfego aéreo perto dos aeródromos. O aeroporto flutuante tem uma pista com quatro quilômetros (km) de extensão e 800 metros de largura. Fica numa plataforma no meio do mar e deve entrar em operação em 2025. Um projeto similar, batizado de Mega-Float, já está em testes, há dois

■ Do espaço sideral

para os hospitais Uma câmera de raios X desenvolvida pela Agência Espacial Européia (ESA) para capturar imagens do espaço sideral é a mais nova arma no combate ao câncer de mama, o de maior incidên52

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RÉMY POINOT/ONERA

Soluções para os aeroportos do futuro

Concepção futurística de um aeroporto no mar: perto da cidade e com quatro km de pista

anos, na Baía de Tóquio, no Japão. Além desse estudo, a Onera criou um sistema de sensores instalados no aeroporto e nos aviões capaz de melhorar a capacidade operacional dos aeródromos, principalmente quando estão sob condições meteoro-

cia entre mulheres em todo o mundo. A descoberta foi feita por cientistas do Centro de Pesquisas em Ciência, Tecnologia e Engenharia da ESA, com sede na Holanda. O aparelho será usado tanto para fazer diagnósticos mais precisos do tumor quanto para auxiliar os médicos durante

lógicas adversas. Simulações mostraram que o novo sistema trará melhorias significativas ao tráfego aéreo, especialmente em aterrissagens com visibilidade precária, quando até os avançados instrumentos ILS (sigla em inglês para sistema de pouso

as cirurgias. No aparelho da ESA as falhas – na detecção das células doentes no início da doença – existentes nos aparelhos atuais vão desaparecer. “O sistema é completamente digital e permitirá ao cirurgião estudar toda a região afetada, identificando as partes potencialmente cance-

por instrumentos), usados atualmente, apresentam limitações. Esses projetos têm o objetivo de dispor de meios que possibilitem o desenvolvimento de novos sistemas ou que auxiliem às indústrias a encontrar novas soluções para os aeroportos do futuro.

rosas”, afirma Tone Peacock, um dos coordenadores do projeto. Segundo o cientista, não é surpresa que um aparelho projetado para observar emissões de raios X no espaço possa ter finalidade médica.“Afinal, os raios X são os únicos queatravessam o corpo humano”, diz Peacock.


■ Baratas resistentes

■ Teste identifica

remédios falsificados Descobrir se alguns tipos de medicamento foram ou não falsificados tornou-se uma tarefa bem mais simples, rápida e barata com o kit desenvolvido pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara. Composto de tubo de ensaio e reagentes, o equipamento permite a reali-

zação de testes que detectam adulterações em remédios que contêm como princípio ativo a dipirona (analgésico e antitérmico encontrado em medicamentos como Novalgina, Magnopirol, Buscopan, Dorflex e Neosaldina) e a hexamina, também conhecida como urotropina, utilizada para combater infecções urinárias. “Remédios falsificados ou adulterados

Diagnóstico da diabetes pelo olho Quantificar a glicemia – a taxa de açúcar no sangue – a partir da análise da cor da íris. Esse sistema inovador foi desenvolvido por um grupo de pesquisadores do Centro Tecnológico e do Instituto de Engenharia Biomédica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). “Nossas pesquisas, iniciadas há três anos, mostraram que a cor da íris muda quando ocorrem alterações no Cálculo da glicemia em foto da íris nível de glicemia”, afirma Armando Albertazzi Taxas altas de glicemia inGonçalvez Junior, professor dicam que a pessoa tem do Departamento de Enge- diabetes. Para fazer a medinharia Mecânica da UFSC ção, os pesquisadores desene coordenador do projeto. volveram um protótipo ba-

ARMANDO GONÇALVES/UFSC

Um estudo feito com baratas (Blattella germanica) em estabelecimentos comerciais de São Paulo e do Rio de Janeiro mostrou que elas estão desenvolvendo resistência aos produtos mais usados pelas empresas de desinsetização, como deltametrina (piretróide), clorpirifós (organofosforado) e suas misturas. Segundo o professor Celso Omoto, do departamento de Entomologia Agrícola da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), de Piracicaba, que coletou e pesquisou as amostras, a variabilidade genética nas linhagens estudadas confere resistência aos dois inseticidas. Mas não foram observadas resistências cruzadas com o fipronil, um novo inseticida em gel usado em iscas. “Não é possível determinar um índice único de resistência, pois essa porcentagem varia conforme o local de coleta”, explica Omoto. “O grande problema é o controle irracional, com doses muito altas de inseticidas ou de suas misturas, contaminando pessoas e o ambiente, e elevando os custos de controle. Não existem muitos produtos no mercado e as alternativas não surgem facilmente. É preciso saber se há resistência das baratas e qual a porcentagem dela, em cada um dos locais onde as colônias são encontradas, para a indicação do inseticida certo e da dose adequada ao extermínio dos insetos. “Esse monitoramento deve ser permanente e aliado a outras medidas, como a limpeza e a higiene dos ambientes”, observa Omoto, que também é consultor do Comitê Brasileiro de Ação à Resistência a Inseticidas.

LAURABEATRIZ

aos inseticidas

trazem sérias conseqüências e até a morte de pacientes que os utilizam”, explica o professor Leonardo Pezza, que elaborou a metodologia desses kits em conjunto com a professora Helena Redigolo Pezza. Os resultados dos trabalhos dos pesquisadores, que pertencem ao Instituto de Química da Unesp, foram publicados em periódicos internacionais. Os kits permitem até cem análises e custam de R$ 6,00 a R$ 8,00 cada. “Já estamos desenvolvendo técnicas para detecção de outros princípios ativos, como ranitidina, diclofenaco de sódio e de potássio, captopril e paracetamol. A intenção dos pesquisasdores é elaborar métodos mais rápidos e mais baratos para a venda de kits em farmácias e para o uso em laboratórios farmacêuticos e de controle de qualidade industrial.

tizado de Glucoíris. Graças a um sistema especial de iluminação, uma câmera fotográfica digital registra e envia para o computador uma foto de alta qualidade da íris. A imagem é processada, e a glicemia, calculada. Hoje, todos os glicosímetros têm ação invasiva ou semiinvasiva. “O Glucoíris poderá ser o primeiro aparelho para quantificação de glicemia totalmente não invasivo”, diz o pesquisador.“Mas para isso estamos à procura de interessados em investir US$ 150 mil, que nos possibilitem avançar com as pesquisas.”

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LINHA DE PRODUÇÃO

OLÉSIO DA SILVA

Criatividade e técnica na usina de robôs A cena é impressionante. Uma van modelo Besta, da Kia, transforma-se num robô de seis metros de altura que fala, emite luzes, solta fumaça de gelo seco e toca música. Chamado de Robocar, ele é o principal artefato construído pelo autodidata Olésio da Silva, um profissional especializado em efeitos especiais para filmes de publicidade que já desenvolveu robôs de vários tamanhos. Todos têm a função de servir como atração promocional em eventos. Assim, além do Robocar, que custou R$ 120 mil, Olésio, 50 anos, e seus dois filhos, Marcus Vinicius da Silva, 25 anos, estudante de engenharia, e Marco Aurélio da Silva, 17, construíram um robô com cabeça de radiogravador e espaço no peito para anunciantes que se locomove e fala, transformando-se na alegria das crianças. Outra conquista da família é uma réplica perfeita de um telefone celular da Motorola

■ Drogas mais eficazes

com lipossomas A professora Maria Palmira Daflon Gremião, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara, conseguiu um melhor aproveitamento de medicamentos contra a esquistossomose ao utilizar lipossomas, que são partículas capazes de encapsular outras substâncias e levá-las a um local preciso do organismo. “Lipossomas são sistemas 54

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fabricado em escala de 1:10 que se abre automaticamente, levanta a antena e passa a mensagem do fabricante. “Estamos agora desenvolvendo um robô didático para servir as es-

Robocar: espetáculo de transformação com luzes e som atrai espectadores

compostos de fosfolipídios (componentes de gordura das membranas celulares) que possibilitam a diminuição das doses dos medicamentos, direcionando o fármaco para órgãos ou regiões específicas do corpo, além de permitir melhor biodisponibilidade na circulação sanguínea”, explica Maria Palmira. Ela conseguiu preparar lipossomas de fármacos esquistossomicidas e comprovar sua eficácia na redução de ovos e de indivíduos do verme Schistosoma man-

soni, em testes realizados in vivo com camundongos. São 8 a 10 milhões de infectados com esquistossomose no Brasil e apenas dois fármacos para o tratamento: oxamniquina e praziquantel, ambos com muitos efeitos colaterais. Em altas doses comprometem os rins e possibilitam o aparecimento de algumas cepas resistentes do parasita. O melhor

colas técnicas de eletrônica nas aulas de princípios de robótica”, diz Marcus Vinicius. A família também tem outros planos para o futuro. “Nossa intenção agora é trabalhar com grupos de pesquisa do meio acadêmico para desenvolver outros tipos de robôs que possam ser úteis em funções diferentes da promocional”, garante Olésio.

processo obtido pela pesquisadora foi com lipossomas de praziquantel. “Observamos a redução de parasitas e ovos em camundongos”, diz Maria Palmira. Antes dos testes em humanos, vamos avaliar outras formulações de lipossomas e novas vias de administração, como a injetável, porque testamos os fármacos apenas em comprimidos.”


INETI

■ A energia das

ondas do mar

Ondas na Ilha do Pico, nos Açores: 400 kW de energia elétrica

SIRIO J. B. CANÇADO

Gerar energia a partir das ondas do mar não é mais coisa do futuro. Há mais de um ano, uma usina construída em Islay, na costa da Escócia, tem gerado energia suficiente para abastecer 400 residências. Em julho do ano passado, uma segunda planta foi instalada na Ilha do Pico, no arquipélago de Açores, em Portugal. Com 400 kW de potência, ela fornece energia para mil pessoas, ou 10% do total da ilha. Diante dos bons resultados atingidos e por ser uma fonte de energia limpa, renovável e de baixo impacto ambiental, a Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro firmou convênio com o Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial (Ineti) de Portugal para acompanhar o funcionamento da usina de Açores. Pesquisadores dos dois países também vão estudar as condições do litoral brasileiro para avaliar o uso dessa matriz energética. Indicadas para pequenas comunidades, as usinas de ondas custam cerca de R$ 1 milhão e são relativamente simples. São feitas de uma estrutura de concreto, de cerca de 12 metros quadrados de superfície e 14 metros de altura, na zona de arrebentação das ondas. O vaivém da água provoca uma compressão e descompressão de ar no interior de um vão, fazendo girar uma turbina. Essa, por sua vez, aciona o gerador de eletricidade. Segundo o professor Antônio Carlos Fernandes, chefe da área de hidrodinâmica da Coppe, o maior desafio aos pesquisadores é manter uma constância, porque as ondas são irregulares e têm ta-

O vaivém das ondas dentro da câmara de concreto provoca compressão e descompressão do ar, movimento que aciona o gerador de eletricidade

manhos diferentes. A primeira usina piloto do país deverá ser construída no Arraial do Cabo, no litoral fluminense. “Esperamos que fique pronta até o início do próximo ano”, afirmou Fernandes.

■ Polímeros com

piche de alcatrão Pesquisadores do Departamento de Química do Instituto de Ciências Exatas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), coordenados pela professora Vânya Pasa, desenvolveram várias alternativas para o reaproveitamento do piche de alcatrão, um resíduo do carvão vegetal utilizado nas siderúrgicas. Os estudos, iniciados há seis anos, mostraram que o produto tem ampla utilidade: na fabricação de espumas de po-

liuretano, como isolante térmico e acústico, na composição de tintas, vernizes, fibras de carbono e resinas fenólicas do tipo baquelite, empregadas em cabos de panelas e peças internas de automóveis. Segundo Vânya Pasa, sua equipe possui vários estudos sobre o reaproveitamento do piche do alcatrão na indústria de materiais poliméricos. “Nossas pesquisas mostram como aproveitar de forma mais eficiente os resíduos da fabricação do carvão”, afirma Vânya.

■ Na vanguarda das

telecomunicações Um dos casos de sucesso de empresas residentes em incubadoras é a Suntech de Florianópolis (SC). Em menos de dois anos, essa empresa que oferece serviços para redes de

telecomunicações já está perto de atingir R$ 1 milhão de faturamento. A Suntech nasceu no Centro Empresarial para Laboração de Tecnologias Inovadoras (Celta), incubadora com 31 empresas que faturam juntas R$ 32 milhões e empregam 500 pessoas. A empresa desenvolveu um sistema de gerenciamento de qualidade de redes de telecomunicações e já possui clientes como Algar Telecom Leste, Companhia Telefônica Brasil Central (CTBC) e Tim Telecelular Sul. No final do ano passado, a empresa fechou contrato com a Tess, operadora de telefonia celular do Vale do Paraíba e litoral de São Paulo, para oferecer um serviço de localização de veículos, voltado principalmente para os caminhões. Com o novo sistema, o TrackNet Car, será possível gerenciar frotas de veículos em tempo real e saber o histórico da trajetória desses veículos com base na cobertura oferecida pelas células do sistema.

■ Experimentos

em microgravidade A Agência Espacial Brasileira (AEB), vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), divulgou a relação das cinco pesquisas selecionadas para integrar o Projeto Microgravidade (veja no site www.mct.gov.br) que serão embarcadas ainda neste ano nos foguetes de sondagem VS30, fabricados pelo Centro Técnico Aeroespacial (CTA) do Ministério da Aeronáutica. O vôo do VS-30 proporciona aos experimentos três minutos em ambiente de microgravidade, a uma altitude de 90 quilômetros. Para 2002, estão previstos dois lançamentos. O primeiro será em maio, o outro no segundo semestre.

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TECNOLOGIA

ENGENHARIA

Eficientes, limpas e econômicas Tecnologias recentes promovem a reciclagem,diminuem os resíduos industriais e não poluem o ambiente

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FOTOS EDUARDO CESAR - MIGUEL BOYAYAN - DELFIM MARTINS/PULSAR

O

s setores produtivos nacionais têm recorrido, com maior freqüência, a processos e sistemas de trabalho mais eficientes e limpos com o objetivo de melhorar o aproveitamento das matérias-primas, diminuir os resíduos e buscar a reciclagem de produtos e de sobras industriais. O resultado dessa seqüência de novos procedimentos é a redução substancial de custos e a possibilidade de conquistar mercados externos, cada vez mais exigentes em relação a processos de produção que causem menos agressões ao ambiente. “A adoção de tecnologias limpas leva as empresas a economizar muito dinheiro e a aumentar seu faturamento”, diz o professor Luis Nunes de Oliveira, coordenador adjunto das áreas de exatas da diretoria científica da FAPESP. “Além disso, a empresa deixa de ser multada em casos, por exemplo, de descarte de resíduos em rios.” Dentro dessa política estratégica para o país, sete projetos financiados pela FAPESP ampliam e lançam novas perspectivas para o uso e desenvolvimento de tecnologias limpas. Esses projetos englobam desde a construção civil até a reciclagem de metais e o aproveitamento de embalagens. “A construção civil é o ramo da economia que mais agride a natureza, devido à grande quantidade de recursos naturais que demanda”, reconhece Vahan Agopyan, engenheiro civil e professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). Os estudos de Agopyan são centrados em projetos que têm como objetivo reutilizar o que é descartado como lixo. Entre os mais importantes está o que transforma a escória de resíduo da produção do aço, sem nenhum valor, em componente importante na fabricação de um cimento inovador:



Venda de escória - A Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST), em Vitória, no Espírito Santo, apoiou o projeto e fatura, atualmente, US$ 9 milhões por ano com a venda da escória para quatro cimenteiras. Antes, toda a sua produção, de 1,7 milhão de toneladas por ano, tinha como destino apenas duas empresas que estocavam o produto em terrenos. “Nossos clientes 58

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CST

duas vezes mais resistente e 40% mais barato que o cimento comum. No novo cimento, que rendeu o registro de uma patente, a escória desempenha função fundamental. Combinada com ativadores, que são substâncias formadas por compostos de silicatos de sódio, sulfatos e hidróxidos de cálcio, o cimento ganha baixa alcalinidade, o que permite acrescentar fibras na mistura. Fibras de vidro fazem do cimento de escória material resistente e fácil de moldar. “A escória tinha um valor irrisório. Nossa pesquisa agregou valor a esse rejeito, transformando-o num excelente material do ponto de vista industrial”, diz Agopyan, que coordenou o projeto Painéis de Cimento de Escória Reforçados com Fibra de Vidro E, desenvolvido no âmbito do Programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE) da FAPESP. Dois anos atrás, quando esse projeto foi concluído, as siderúrgicas não tinham outra alternativa senão pagar para deixar esses resíduos em aterros industriais. Devido aos altos custos, grande parte da escória era abandonada no meio ambiente, contaminando o solo e a água. “Com o tempo, a escória endurece e forma rochas compostas por metais pesados que contaminam o lençol freático”, diz Agopyan. A cada ano, as siderúrgicas brasileiras obtêm, como subproduto da obtenção do aço, cerca de 6 milhões de toneladas de escória de altoforno. Hoje, não só economizam o que gastavam com destinação final como ainda faturam com a escória.

Escória estocada na Companhia Siderúrgica de Tubarão para ser transformada em cimento

não sabiam o que fazer com tanta escória”, diz Paulo Lana, gerente de vendas especiais da CST.

A

gopyan é o primeiro brasileiro a integrar a diretoria do Conselho Internacional de Pesquisa e Inovação em Construção Civil (CIB), entidade existente há mais de 50 anos, como vice-presidente. “Essa preocupação com o meio ambiente não é modismo”, diz. Tanto que o CIB, que muda o tema de seus congressos a cada três anos, em 2001 retomou o mesmo assunto abordado em 1998: a construção sustentável. Outra contribuição de Agopyan para esse tema – junto com outros pesquisadores da USP – foi colaborar no texto de uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) sobre “Resíduos da Construção Civil”, que dará mais responsabilidades aos municípios para fiscalizar empreiteiras e transportadoras na geração e no transporte de entulhos de construção civil. A partir dessa resolução, haverá mais regras a cumprir por parte das empreiteiras e dos proprietários das caçambas, que também serão responsáveis pelo depósito de resíduos. No momento, o texto da re-

solução está em análise pela câmara técnica de controle ambiental do Conama. A construção civil ainda tem um grave problema a resolver. É a presença do amianto na composição das telhas. O uso desse mineral é proibido em 21 países, devido aos problemas de saúde que provoca. A partir de janeiro de 2005, a decisão valerá para todos os países membros da União Européia. Mas no Brasil a fibra mineral continua a ser utilizada pelos fabricantes de caixas d’água, telhas e pastilhas de freio. O projeto de lei federal que bania definitivamente o amianto da indústria brasileira sob o argumento de que esse material é cancerígeno e causa doenças no pulmão não foi aprovado, mas substituído por outro, que estabelece o seu uso controlado.

Fibras vegetais - Mas a substituição do amianto nas telhas brasileiras já está a caminho com um projeto do PITE – Desenvolvimento de Tecnologia para Fabricação de Telhas de Fibrocimento sem Amianto –, desenvolvido em parceria com as empresas Infibra-Permatex, de São Paulo, e Imbralit, de Santa Catarina. A principal função do projeto é eliminar o amianto e introduzir fibras vegetais e plásticas na fabricação das telhas. O uso crescente desses materiais é uma tendência mundial na construção ci-


DELFIM MARTINS/PULSAR

No Brasil, sobram 10 milhões de toneladas de casca de arroz por ano: problema ambiental

vil. O cimento, quando misturado às fibras vegetais, torna-se apropriado à produção de equipamentos delgados e mais resistentes a esforços dinâmicos. “A indústria brasileira tem como grande desafio desenvolver tecnologias para o uso de fibras que sejam, ao mesmo tempo, limpas e viáveis economicamente”, diz o coordenador do projeto, professor Holmer Savastano Júnior, da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo (USP). O projeto prevê a fabricação de telhas reforçadas com fibras plásticas e de celulose. Matéria-prima renovável, as fibras de celulose são aceitas internacionalmente. A intenção é utilizar fibras de eucalipto e de pinus, para reforçar as telhas, e fibras plásticas, que dão resistência a longo prazo. Na fase atual, os pesquisadores testam essas matériasprimas em escala de laboratório. Casca de arroz - Outra fibra vegetal que pode ser útil como matéria-prima em insumos para a construção civil é a casca de arroz. Não in natura, mas com a extração da sílica existente nessa fibra para compor concretos estruturais. A casca de arroz é hoje um grande problema ambiental no Brasil. Por ano, são descartados 10 milhões

de toneladas de casca de arroz – e 400 mil toneladas de sílica –, que são queimadas ou deixadas sobre a terra. Para aproveitar o potencial desse resíduo, na USP de São Carlos desenvolve-se o projeto Concretos de Alto Desempenho com Sílica de Arroz, coordenado pelo professor Jefferson Libório, do Laboratório de Engenharia Civil do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia. Os pesquisadores desenvolveram um método para extrair a sílica da casca do arroz e comprovaram sua aplicação em concretos estruturais. Libório desenvolveu a tecnologia junto com o professor Milton de Souza, do Instituto de Física e Ciência dos Materiais da USP. O trabalho conjunto já possui um pedido de patente e está prestes a ser colocado no mercado. “Várias empresas estão interessadas, mas temos de manter os nomes em sigilo enquanto elas fazem os ensaios”, diz Libório. Outro foco do desenvolvimento de tecnologias limpas está na reciclagem de produtos descartados. Embora seja popular a destinação de latinhas de cervejas e refrigerantes para a reciclagem, apenas 229 mil toneladas de alumínio de sucata recuperada participaram do 1,5 milhão de toneladas produzidas no Brasil durante o ano 2000, segundo levantamento fei-

to pela Associação Brasileira do Alumínio (Abal). Na avaliação do professor Antonio Carlos da Cruz, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), essa proporção deve aumentar gradativamente. Entre as muitas vantagens, a reciclagem consome muito menos energia elétrica do que a necessária para produzir alumínio a partir da bauxita, 5% no máximo. Mas, para que os processos de reciclagem tornem-se realmente limpos, novas tecnologias precisam ser aperfeiçoadas. Cruz coordena uma pesquisa considerada inovadora, pelo fato de dispensar o uso de sais na reciclagem de alumínio. Usados para proteger o próprio alumínio contra a oxidação, os sais geram resíduos que contaminam o ambiente. O projeto Reciclagem do Alumínio: Desenvolvimento de Inovações Tecnológicas prevê o controle da atmosfera do forno, impedindo ao máximo a presença de oxigênio, e substitui a combustão, que requer o uso desse gás, pelo uso de plasma térmico para aquecer o forno. Esse produto é obtido pela passagem de corrente elétrica em um gás, formando o plasma, substância capaz de atingir a temperatura de até 20 mil graus Celsius. Escala industrial - Os recursos investi-

dos no projeto pela FAPESP e por seis empresas representadas pela Abal viabilizaram tanto a tecnologia como o forno rotativo, com capacidade para processar 300 quilos de material – volume suficiente para demonstrar o desempenho em escala industrial. Falta apenas a inspeção das condições de segurança, para que o forno comece a operar, reciclando borra de alumínio, latinhas, panelas, blocos de motor e esquadrias usadas em janelas e portas. A vantagem do plasma para a reciclagem de alumínio está no fato de esse processo não produzir resíduos nem efluentes tóxicos e perigosos. Uma das empresas candidatas a se valer dessa nova tecnologia é a Latasa, PESQUISA FAPESP

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FOTOS MIGUEL BOYAYAN

Na USP: corpos de prova e protótipos

que fabrica 6 milhões de latinhas, de telhas fabricadas com fibras vegetais metade com alumínio reciclado. Hoje, o processo utilizado para retrica quanto a consumida na produciclagem das 40 mil toneladas de alução do alumínio primário. Ao substimínio da empresa utiliza sais que pretuir os sais de fluoretos (compostos de cisam ser descartados e geram um flúor) pelos cloretos (à base de cloro) custo adicional para eliminá-los com e, a partir disso, reestruturar o prosegurança. O gerente do Centro de cesso, o professor Marcelo Linardi, Reciclagem da Latasa em Pindamodo Ipen, diminuiu o gasto de energia nhangaba, no Vale do Paraíba, Antoem dois terços, de 15 quilowatts nio Paulo Galdeano Damiance, não revela a quantidade de sais utilizados na reciclagem nem o custo com a desProjeto Instituto/Empresa tinação final, mas assegura que, nos últimos três anos, a Latasa reduziu os Cimento com escória USP e Owens Corning sais, e, conseqüentemente, os resíduos, Filberglass em 45%. Segundo o gerente, isso se deve à aplicação de tecnologias norteTelhas com fibras USP, Infibra-Permatex americanas no processo. Com a ajuda vegetais e plásticas e Imbralit dos pesquisadores da USP, a empresa tem chances de zerar esse índice. Menos energia - Os avanços na área

de reciclagem de alumínio não param por aí. Um novo tipo de refino eletrolítico do alumínio, um dos processos de reciclagem desse metal, tornou-se viável economicamente devido a uma tecnologia desenvolvida nas instalações do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), por meio do projeto Desenvolvimento de um Processo de Refino Eletrolítico (reciclagem) de Sucatas de Alumínio em Banhos de Cloretos Fundidos. Até pouco tempo, esse processo exigia tanta energia elé60

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(kW) para cerca de 4 kW por quilo de alumínio reciclado produzido. Com essas inovações e outras modificações no processo, ele construiu uma célula de refino eletrolítico, obtendo alumínio com 99,8% de pureza a partir de sucatas. Ciclo de vida - Se o destino das lati-

nhas de alumínio foi a reciclagem em 78% do total de unidades produzidas Modalidade

Investimento

PITE

R$ 13.900,00 e US$ 196.651,60 (FAPESP) e R$ 415.000,00 (Owens Corning Filberglass)

PITE

R$ 213.749,00 e US$ 95.496,33 (FAPESP) e R$ 1.576.560,00 (Innfibra-Permatex e Imbralit)

Concreto com sílica de arroz

USP

Projeto temático

R$ 230.993,27 e US$ 166.979,51

Reciclagem de alumínio com plasma

IPT e Abal

PITE

R$ 161.924,00 e US$ 129.107,36 (FAPESP) e R$ 192.700,00 (Abal)

Reciclagem eletrolítica do alumínio

Ipen

Linha regular de auxílio à pesquisa

R$ 28.542,71 e US$ 3.150,54

PITE

R$ 92.800,00 e US$ 138.200,00 (FAPESP) e R$ 280.00,00 e

Ciclo de vida das Ital e Fundepag embalagens de papelão

US$ 45.000,00 (Fundepag) Embalagens de papelão Ital e ABPO para hortifrutícolas

PITE

US$ 52.520,00 (FAPESP) R$ 41.040,00 (ABPO)


TEA

/IT AL

o Desenvolvimento Industrial e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Nos últimos anos, essas entidades ajudaram a instalar centros de tecnologia limpa em 22 países em desenvolvimento. O centro recebe apoio e está instalado no prédio do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). “A destinação final dos resíduos custa caro às empresas. Quando elas reduzem esses resíduos na origem do processo, tornam-se mais competitivas”, diz Hugo Springer, diretor do CNTL. Com o apoio desse centro, empresas ligadas ao Senai tornaram sua produção mais limpa em vários setores da indústria: calçadista, moveleiro, metal-mecânico, alimentos e celulose. O empenho nesse esforço comum conta também com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Referência para o empresariado, a ABNT prestou, em novembro do ano passado, sua mais recente contribuição, com o lançamento da ISO 14040, que vem somar-se ao conjunto de normas ISO 14000 dirigidas à proteção ambiental. Segundo Hubmaier Lucas de Andrade, coordenador do subcomitê de ciclo de vida na ABNT, a nova norma orienta as empresas na revisão de toda a cadeia produtiva, por meio da análise do ciclo de vida do produto. “A ISO 14040 é uma ferramenta voluntária que não é certificável, mas ajuda as empresas a tomar decisões para aperfeiçoar o processo”, diz Andrade. Na avaliação do coordenador, a aplicação da norma facilita a definição de prioridades no desenvolvimento de tecnologias limpas. “No Brasil, temos de construir um arranjo institucional que permita às empresas levantar seus dados de ciclo de vida, desde o uso da matéria-prima até o pós-consumo”, avalia Andrade. Por tudo isso, o novo século aponta para a perspectiva das tecnologias limpas. Uma condição para que o planeta continue vivendo outros séculos. •

CE

no Brasil em 2000, as outras embalae transporte de tomate, laranja, uva, gens ainda não têm o mesmo sucesso. berinjela, pepino, pêssego e cenoura. Embora exista tecnologia para reciDesde 1999, quando o projeto foi conclagem, papel e plástico, por exemplo, cluído, as caixas de papelão estão disainda não atingem alto índices de reponíveis para a cadeia de hortifrutícoaproveitamento. O principal motivo é las, que anteriormente não tinha opção que o quilo desses materiais custa para as caixas de madeiras tipo K. bem menos que o do alumínio. Mas em inferioridade não vale para os esNormas técnicas - O papelão ondulatudos com embalagens de papel e pado tem pelo menos duas vantagens pelão, vidro, madeira, plástico, aço e em relação à caixa K. A primeira pelo de leite longa vida. No campo da pesfato de ser descartável e reciclável, o quisa acadêmica, essas embalagens que aumenta o nível de limpeza das merecem a mesma atenção. frutas e verduras comercializadas. A O Brasil já possui um vasto banoutra está relacionada à maior comco de dados com os resultados das patibilidade do papelão com a fragiliavaliações desses materiais, com dade dos produtos. Nas caixas K, as números e tabelas de consumo de combustível, energia, água e todos os outros insumos necessários à fabricação e ao ciclo de vida dessas embalagens. Esse banco de dados foi composto durante o projeto Análise do Ciclo de Vida de Embalagens para o Mercado Brasileiro, do PITE, finalizado em 1999 e desenvolvido por pesquisadores do Centro de Tecnologia de EmbalaPapelão reciclável substitui gem (Cetea), do caixas de madeira para tomates Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), de Campinas. Segundo Anna Lúcia Mourad, química que integra o grupo de pesquisa, perdas dos hortifrutícolas chegam a o banco de dados, cuja primeira ver30%. Segundo a engenheira de alisão foi concluída em 1998, passa por mentos Eloísa Garcia, pesquisadora freqüentes atualizações. “Fizemos o do Cetea,“a perda de produtos por falevantamento completo, detalhado, de lha de embalagem traz conseqüências tudo o que se consome para obter negativas ao ambiente, muitas vezes uma caixa de papelão”, exemplifica maiores que o custo ambiental da faAnna Lúcia, responsável pela área de bricação e disposição final de uma materiais celulósicos da pesquisa. embalagem adequada”. Do cimento às embalagens, todos Papelão ondulado - Esse não é o único os setores buscam a excelência em projeto do Cetea afinado com a proprodutos e sistemas menos tóxicos e posta de produção mais limpa. Um que gastem menos energia. Iniciatioutro, desenvolvido no âmbito do PIvas por um mundo mais voltado para TE, intitulado Desenvolvimento de Sisos conceitos de tecnologia limpa são temas de Embalagens de Papelão Onincentivadas, inclusive, pela Organidulado para Hortifrutícolas, também zação das Nações Unidas (ONU). tem forte caráter ambiental. Em parDesde 1995 a capital gaúcha, Porto ceria com a Associação Brasileira de Alegre, é a sede brasileira do Centro Papelão Ondulado (ABPO), o Cetea Nacional de Tecnologias Limpas desenvolveu três tipos de caixas de pa(CNTL), fundado com o apoio da pelão ondulado para armazenamento Organização das Nações Unidas para

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TECNOLOGIA

BIOENGENHARIA

Saúde na manta azul A Komlux finalizou o Blanket Luz,equipamento para o tratamento da icterícia,doença que atinge 200 mil bebês por ano no Brasil WANDA JORGE m dos produtos pioneiros desenvolvidos dentro do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) está pronto para entrar no mercado. É a manta para fototerapia em recém-nascidos da empresa Komlux, de Campinas. Com o nome comercial de Blanket Lux, o equipamento aguarda apenas a certificação do Ministério da Saúde, que vai fazer a última fiscalização no novo prédio construído pela empresa. A Komlux também se prepara para a certificação ISO 9000, um pré-requisito para obter a marca CE, da Comunidade Econômica Européia. “A expectativa é abrir um profícuo mercado na área médica brasileira e também no exterior”, diz Cícero Lívio Omegna de Souza Filho, diretor-proprietário da empresa, que já recebe pedidos para entrega em março deste ano. A Blanket Lux é uma manta tecida com fibras ópticas que emite luz azul para tratamento fototerápico de recém-nascidos com hiperbilirrubi-

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nemia, mais conhecida como icterícia fisiológica, causada pela incapacidade de o organismo do bebê eliminar a bilirrubina do sangue. Em condições normais, esse pigmento biliar é filtrado pela placenta ou eliminado pelo fígado. Nos casos mais graves, a icterícia pode causar danos ao sistema

nervoso central e surdez, sendo o efeito mais visível a presença do tom amarelado na pele. A icterícia é comum no Brasil e afeta cerca de 5% do total de crianças nascidas a cada ano, o que equivale a 200 mil bebês. A fototerapia é o tratamento mais utilizado atualmente para eliminar a

Trajetória exemplar Cícero Omegna Filho sonhava ser engenheiro, mas acabou se formando em análise de sistemas. Ele viu o mundo das fibras ópticas entrar em sua vida a partir do estágio que fez em 1977 como técnico em eletrônica no Instituto de Física da Unicamp. Em 1986 a Komlux nascia no porão de sua casa e tinha como sócio o engenheiro mecânico Marco Kairala. A empresa foi formada para produzir ponteiras odontológicas para fotopolimerização, equipamento que seca em segundos a massa utilizada na reconstrução dentária. Esse projeto foi

posteriormente vendido para a multinacional 3M, e a sociedade desfeita. Omegna Filho continuou com a Komlux e ganhou um fôlego de três meses ao fechar um contrato de prestação de serviços com a Elebra, também de Campinas, onde já trabalhava na área de produção de fibra óptica para telecomunicações. Mas os sucessivos planos econômicos deixaram a empresa à míngua e, em 1993, apenas três funcionários haviam sobrado dos dez existentes em 1989. Naquele ano, Omegna Filho foi para os Estados Unidos prospectar


Manta tecida com fibras ópticas é usada diretamente sobre a pele do bebê sem provocar calor

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próximas para não provocar queimaduras, o calor provoca desconforto e o bebê permanece mais tempo no hospital. A manta resolve muitos desses inconvenientes: pode ser usada diretamente sobre a pele do bebê, é pequena, acoplada a um fio de fibras que fica distante do corpo, diminuindo riscos. Além do conforto, reduz custos hospitalares, filtra o calor e as faixas indesejáveis do espectro da luz, sobretudo a infravermelha e a ultravioleta, deixando passar apenas a azul, que resolve o problema da bilirrubina.

bilirrubina. A luz decompõe a substância, que é eliminada pelo organismo. Mas os inconvenientes são grandes: durante horas ou dias, o bebê permanece no berço, apenas com fralda e olhos vendados, submetido à luz que sai de lâmpadas fluorescentes ou halógenas. As lâmpadas não podem ficar muito novos negócios. E quase ficou por lá porque recebeu um convite do consultor de empresas Abraham Szule para que montasse sua empresa em território norte-americano. Mas, uma semana após voltar a Campinas, foi procurado por pesquisadores da Unicamp e da Unifesp para desenvolver os endoscópios aplicados à Medicina. Até então, sua experiência com esses equipamentos limitava-se aos de modelo rígido, para atender às encomendas da empresa Iochpe-Maxion, utilizados para inspecionar o interior da câmara de combustão de motores diesel usados em tratores.

Manta portátil – A inovação da manta é que ela foi fabricada com fibras ópticas modificadas. Elas emitem luz la-

“A chegada dos pesquisadores possibilitou dar uma guinada na especialização da empresa, que saiu das telecomunicações para a área biomédica”, diz Omegna Filho. Nessa mesma época, entre 1994 e 1995, teve início o desenvolvimento do produto com o apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Omegna Filho fez parte do Grupo Técnico de Instrumentação do MCT por dois anos, o que lhe permitiu visitar várias universidades e entender suas demandas. Abriu as portas de sua empresa para a cultura da pesquisa. Conseguiu

teralmente de forma controlada ao longo da manta. Com a manta fototerápica não existe a necessidade de interromper o tratamento para amamentação, como no sistema convencional. Ela é portátil e pode ser usada em casa. “A grande vantagem da manta é que ela pode ser usada dentro da incubadora em casos de bebês prematuros, por exemplo”, afirma o professor Fernando Facchini, do Centro de Assistência Integral à Saúde da Mulher (Caism) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Aliás, a idéia de produzir a manta foi dele. “Eu estava interessado em usar uma manta de fibra óptica – já existente no exterior – e procurava alguma forma de produzi-la no Brasil. Aí eu procurei o Centro de Bioengenharia da Unicamp e eles me indicaram a Komlux.” O desafio de produzir o equipamento nacional foi lançado em 1997. Foram dois anos e meio de pesquisas e seis meses para o lançamento.“A manta está apta para os berçários do país e do exterior”, diz Omegna Filho. O preço está estimado em R$ 3,3 mil, incluindo a distribuição do produto, enquanto o similar japonês Homeda custa US$ 4 mil. O tratamento convencional, com fototerapia halógena, fica entre R$ 2 mil e R$ 4 mil. No segundo semestre, quando Omegna Filho espera estar com o sistema de comercialização da manta do Programa de Capacitação de Recursos Humanos para Atividades Estratégicas, do MCT, seis bolsas para a Komlux. Naquele momento, já começava a ficar evidente para Omegna Filho a primeira conclusão dessas parcerias: “Não adianta direcionar recursos exclusivamente para equipamentos e plantas industriais, é fundamental formar pessoas”. A segunda veio agora, quando se prepara para o grande desafio da comercialização e divulgação da manta. “Minha empresa sempre teve uma relação umbilical com a universidade e a pesquisa e, certamente, pelas próprias pernas não teria resistido.”

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camp, e os professores consolidado e já suPedro Mangabeira Alperada a fase de quabernaz e Aníbal Arlificação, a expectatiraes, da Universidade va é vender toda a Federal de São Paulo capacidade de produ(Unifesp), procuraram ção da Komlux, que é a Komlux para desende 50 conjuntos (manvolver o videoendosta mais fonte de luz) cópio para aplicação por mês. “Na verdade, em otorrinolaringolodiante da receptividagia, eles queriam simde que temos alcanplificar a aparelhagem çado com o produto, existente. A alternativa acreditamos que a deda Komlux é um equimanda será bem maipamento parecido com or que esse volume.” uma caneta, com miA Blanket Lux foi apresentada aos par- Videoendoscópio sob encomenda: aparelhagem mais simples de manusear crocâmeras que captam e enviam imaticipantes do XVII gens para um monitor de vídeo ou Congresso Brasileiro de PerinatoloSegundo Omegna, a estimativa é computador, onde serão analisadas. gia, realizado em Florianópolis (SC), vender de 50 a 100 conjuntos por mês Ele terá modelos para várias especialiem novembro do ano passado. “Sua do videoendoscópio com haste rígida, dades. O aparelho para a boca já está estréia ao público especializado teve quando for lançado comercialmente pronto e para ouvido e laringe está muito sucesso e provocou interesse de em 2003. O preço também promete em andamento. Outro equipamento mercado em nichos que ainda nem ser competitivo. O endoscópio e todo pronto, fruto de desdobramento da havíamos cogitado”, diz Omegna Fio sistema de vídeo da Komlux custará pesquisa, é o intra-oral, para auxiliar lho. É o caso de uma grande cooperade R$ 3,5 mil a R$ 4 mil, enquanto seu o dentista em várias funções. tiva de saúde, que identificou na mansimilar hoje custa o dobro: só o sisteA pesquisa desenvolvida pela ta a solução de seus problemas de ma de câmeras está em R$ 3,5 mil. Komlux para montar um protótipo prolongamento da internação nas O otimismo de Omegna Filho funde endoscópios flexíveis, destinados a maternidades, uma vez que o uso dodamenta-se em números. A empresa exames de esôfago, estômago e intestiméstico do produto já é uma prática fatura hoje em torno de R$ 180 mil no, está sendo realizada em parceria utilizada nos Estados Unidos, onde repor mês, depois de quase ter dobrado com o Centro de Diagnóstico em Docebe o nome de biliblanket. sua receita em um ano e meio. As enças do Aparelho Digestivo (Gastroperspectivas para o mercado de fibras centro) da Unicamp. Novo produto - A Komlux também ópticas, onde atua com uma linha de desenvolve dois tipos de videoendos200 produtos, só crescem. Manter a fibra - Os resultados mais cópio, um com haste rígida para apliQuando o professor Hugo Frangimediatos desses projetos são a nova cação em otorrinolaringologia (nariz, nito, do Instituto de Física da Unifábrica em Campinas, com 1,1 mil ouvido e garganta) e outro flexível, 2 m , quase o dobro do antigo espaço, para investigação clínica do estômago OS PROJETOS 2 de 600 m , e aumento no número de e do intestino. Os dois projetos tamProjeto e Desenvolvimento funcionários, de 19 para 40. Mas bém têm apoio do PIPE. O endoscóde Equipamento para Fototerapia Omegna Filho sabe que, sozinho, não pio é um instrumento que permite a Neonatal baseado em Fibra Óptica conseguirá entrar nesse mercado doCorrugada observação de locais com acesso limitaDesenvolvimento de Videoendoscópio minado por multinacionais. “Creio do. A maior utilização é na medicina, com Óptica Gradiente que não devemos gastar energia para para visualizar cavidades do corpo. disputar o mercado distribuidor com MODALIDADE O endoscópio da Komlux estará Programa de Inovação Tecnológica empresas já estabelecidas. Prefiro manacoplado a uma câmara de vídeo, perem Pequenas Empresas (PIPE) ter nossa identidade na área de demitindo o registro das imagens em fisenvolvimento e aplicações de fibras COORDENADOR tas de vídeo para futuras análises ou CÍCERO LÍVIO OMEGNA DE SOUZA FILHO – ópticas”, diz. Ele acrescenta que, despara banco de dados. A redução dos Komlux de a fase embrionária dos projetos, já preços de câmeras, monitores e gravacomeça a buscar parceiros e clientes INVESTIMENTOS dores de vídeo, bem como de acessóR$ 169.209,40 e US$ 125.296,00 (manta) para que o produto tenha condições rios para digitalizar imagens e manie R$ 167.287,00 e US$ 79.500,00 de entrar no mercado tão logo saia da pulá-las em microcomputadores, (videoendoscópio) fase de protótipo. viabilizou o uso em larga escala. • 64

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Milhares de boas idéias nunca saíram do lugar pela falta de um mero detalhe: financiamento.

Agora você tem 3 oportunidades para inscrever o seu projeto no PIPE – Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas – até 31 de março, 31 de julho e 30 de novembro. A FAPESP oferece financiamento para projetos de pesquisas de empresas com até 100 funcionários, sediadas no estado de São Paulo. A proposta deve descrever claramente a inovação tecnológica pretendida, seja em produtos, processos ou serviços, a viabilidade comercial e a metodologia a ser usada. A primeira fase do PIPE, com duração de 6 meses e financiamento de até R$ 75 mil, é focada na pesquisa de viabilidade técnica da inovação proposta. A segunda fase, com duração de até 2 anos e financiamento de até R$ 300 mil, destina-se propriamente ao desenvolvimento do projeto de pesquisa. Acesse www.fapesp.br/pipe.htm e consiga mais informações. Se preferir, escreva para intec-pipe@trieste.fapesp.br

Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico

Rua Pio XI, 1500 - Alto da Lapa 05468-901 - São Paulo - SP Tel.: (11) 3838-4000 www.fapesp.br


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ENGENHARIA QUÍMICA

Nariz artificial detecta gases Setor petrolífero investe em sensor portátil para áreas de risco esquisadores pernambucanos conseguiram, há dois anos, analisar eletronicamente e identificar, com o auxílio do computador, os aromas e as safras de diferentes tipos de vinho. Totalmente nacional, a tecnologia, já aperfeiçoada e dominada em todas as fases, está sendo adaptada para a detecção de gases tóxicos e explosivos em plataformas e refinarias de petróleo. Com recursos de R$ 1 milhão, repassados em 2001, o nariz eletrônico, fruto de parceria entre a Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), está entre os principais projetos aprovados pelo fundo setorial do petróleo, o CTPetro. A união entre eletrônica e “olfato” se dá por meio de polímeros condutores de eletricidade, materiais que alteram a resistência elétrica na presença de gases. A equipe do Laboratório de Polímeros da Unicap utiliza o polipirrol, dopado com reagentes que lhe conferem propriedades elétricas em temperatura ambiente. O material é depositado sobre lâminas de vidro condutor – os sensores do nariz eletrônico. “A inovação está em projetar a melhor fórmula desses reagentes”, afirma o engenheiro químico Edson Gomes de Souza, da Unicap. Cada lâmina é conectada por fios a um aparelho medidor de corrente elétrica, ligado a um computador que armazena as medições. O sistema para a coleta de dados foi desenvolvido na universidade pernambucana, por intermédio de um software de linguagem gráfica, o LabView. As alterações de condutividade

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elétrica geradas pelos gases são transformadas em padrões, armazenados no banco de dados. As informações são interpretadas por sistemas de redes neurais, “treinados” pela equipe de inteligência artificial da UFPE para reconhecer os odores correspondentes aos diversos gráficos de condutividade. Diferença imperceptível – O projeto

começou com a detecção de odores de produtos mais simples em termos moleculares, como os solventes orgânicos etanol e metanol. “São substâncias de diferenças imperceptíveis ao olfato humano, mas uma delas, o metanol, pode matar”, destaca o físico Francisco Luiz dos Santos, da Unicap. Com o sucesso da experiência, o grupo passou a distinguir eletronicamente diferentes tipos de vinho – branco, tinto e rosé. O nariz artificial conseguiu também diferenciar vinho de uísque, até que os cientistas decidiram testar a identificação de vinhos tintos nacionais das safras de 1995, 1996 e 1997. Os mais novos têm maior teor de dióxido de enxofre, detectado

pelo sensor.“O desafio tecnológico foi formar padrões nítidos para as diferentes safras”, diz Santos. O sistema teve 90% de acerto. Os resultados, que já renderam uma tese de mestrado e duas de doutorado, foram publicados na revista científica Synthetic Metals. A tecnologia de narizes eletrônicos está entre as que mais crescem no mundo, acompanhando a efervescência científica no setor de polímeros. As propriedades elétricas desses materiais deram, em 2000, o Prêmio Nobel de Química a cientistas japoneses e norte-americanos. Das indústrias alimentícias ao auxílio no diagnóstico de doenças associadas a odores exalados pelo organismo, são inúmeras as aplicações da tecnologia. No Brasil, o foco, agora, é o setor petrolífero. Uma central de gás com painel de controle foi instalada em novembro do ano passado na Unicap, ao custo de R$ 30 mil, para verificar a sensibilidade dos sensores ao metano, etano, butano, propano e monóxido de carbono. São gases explosivos e tóxicos, alguns inodoros ao ser humano. Engenheiros

Fonte de recursos para universidades Pernambuco não produz petróleo, mas está na linha de frente das pesquisas com esse combustível e seus derivados.A UFPE tem 20 projetos aprovados pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com recursos de R$ 5 milhões do CTPetro. Outros seis são cooperativos, conduzidos em vários Estados do Norte e Nordeste, sob coordenação da universidade pernambucana. Como ocorre com o nariz eletrônico, vários grupos estão dire-

cionando as pesquisas para o setor de petróleo e gás natural, dono de uma das maiores fontes de recursos para universidades. “Nunca recebemos tanto dinheiro”, comemora o engenheiro químico César Abreu, coordenador do Laboratório de Processo Catalítico da UFPE. Só o Departamento de Engenharia Química, responsável pelo laboratório, desenvolve 13 projetos, no valor de R$ 3,7 milhões. Um dos mais importantes é a reforma catalítica do gás natural, tecnologia baseada em reações químicas


químicos estão aperfeiçoando a arquitetura dos tubos de testes e utilizando novos reagentes. O objetivo é aumentar de oito para 30 o número de sensores contidos no nariz artificial, que no futuro será usado para detectar com rapidez e precisão. para transformar o produto em substâncias de maior valor agregado. Atualmente, o gás natural é utilizado somente em processos de queima, na combustão de automóveis ou na geração de calor e energia. Mas tem utilidades mais nobres. Associado ao dióxido de carbono – poluente eliminado pelas chaminés das usinas de álcool –, gera monóxido de carbono e hidrogênio. Eles são matéria-prima para produzir combustíveis líquidos, como gasolina sintética, metanol, hidrocarbonetos pesados e hidrogênio. “Na forma líquida, os combustíveis geram menos riscos no transporte e armazenamento”, diz Abreu.

Novo modelo – Ao mesmo tempo, os pesquisadores pernambucanos desenvolvem a terceira geração de narizes artificiais. Trata-se de um protótipo portátil, capaz de ser transportado em áreas industriais de risco. O programa de miniaturização do “nariz” tem R$ 500 mil do CTPetro. Todos os programas de inteligência artificial estão sendo adaptados para o novo modelo. O protótipo anterior funcionava dentro de uma pasta tipo executivo, que tinha computador laptop e aparelho coletor de gases com os sensores. Na nova versão, a tela do laptop é substituída por um mini-display de cristal líquido, e o processador do computador, por um chip microcontrolador. O objetivo é processar os dados on-line para identificação imediata dos gases. “Já temos a tecnologia. Nosso atraso é comercial”, diz Santos. O processo, do começo ao fim, foi desenvolvido no país. Tudo começou há sete anos, quando a mulher do físico, a analista de sistemas Marizete Silva Santos, da UFPE, concluía a tese de mes-

trado sobre centrais multimídia para atendimento público. “Esses aparelhos começavam a reproduzir sentidos humanos, como a visão, a audição e o tato, mas faltava o olfato”, conta Santos.“Como físico, assumi o compromisso de encontrar uma solução.” O assunto estava em estudo nos Estados Unidos e na Europa, mas a literatura era rara. A descoberta aconteceu por acaso. Como trabalhava com polímeros condutores de eletricidade, o físico decidiu borrifar álcool sobre alguns deles para saber o que acontecia. Verificou a mudança na resistência elétrica. E começou a montar o primeiro e rudimentar protótipo, fixando o material em agulhas de seringas de injeção. Como acontecia no Japão na era dos transistores, pacientes e cuidadosas estagiárias juntavam as pontas das agulhas sob o microscópio. Mas nada daquilo era novidade. “Soubemos que já existiam protótipos do gênero na Inglaterra”, ressalta Santos. Foi melhor assim. “Isolados no Nordeste, começamos o trabalho do zero e hoje estamos na vanguarda.” • PESQUISA FAPESP

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GEYSON MAGNO/AG. LUMIAR

Nariz eletrônico conectado a laptop consegue diferenciar vinho de uísque em testes na Universidade Católica de Pernambuco


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ENGENHARIA DE MATERIAIS

Filtro inovador na agricultura Vidro reciclado e moído é base de composto testado para remover resíduos de agrotóxicos

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EDUARDO CESAR

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s empreendimentos rurais somam cerca de 5,8 milhões no Brasil, dos quais 4,3 milhões praticam a agricultura de subsistência. Eles exercem enorme pressão sobre o lençol freático, devido à existência de fossas sépticas, pocilgas e matadouros, além de grandes lavouras que depositam agrotóxicos no solo. A água, nesses casos, pode contaminar e poluir os rios e o subsolo. Com essa preocupação, o físico especializado em engenharia de materiais Odílio Benedito Garrido de Assis, da Embrapa Instrumentação Agropecuária, sediada em São Carlos, acaba de encerrar um projeto que lança as bases para o barateamento e aprimoramento dos processos de filtragem de água no meio rural. Assis começou o estudo pela análise de dados que mostravam que, nos lugares poluídos, a água pode ter cerca de 140 milhões de partículas de poluentes por metro cúbico (m3). Um problema para o qual os melhores sistemas convencionais de purificação conseguem remover em torno de 90% a 98%, explica Assis, índice até bem aceitável em termos mundiais. Mas a parte restante dessa empreitada é árdua. Os 2% a 10% de poluentes que sobram na água podem significar milhões de partículas. Limpar a água numa faixa de 50% a 90% é relativamente fácil, diz Assis. A partir daí, os ganhos de eficiência começam a ser medidos em unidades cada vez mais curtas e igualmente mais caras. Com 99,99% de filtragem eficiente, o nú-

A membrana tem poros que medem de 8 a 16 mícrons de diâmetro

mero de partículas baixa para 14 mil por m3. E um grau ainda melhor seria chegar aos 99,9999%, o que deixaria a água com 140 partículas por m3. Maior eficiência - Missão até hoje não cumprida porque, devido à impossibilidade de retenção de alguns poluentes na água, os custos com tratamento podem crescer 400% para uma melhoria mínima de eficiência. “Quando começamos a trabalhar no assunto, em 1999, estávamos atrás de um sistema que tornasse possível tanto baratear a filtragem quanto melhorar sua eficiência, principalmente para a remoção de resíduos deixados por agrotóxicos”, relata Assis.

Assim nasceu o projeto. Para começar, era preciso usar um material de fácil acesso e baixo custo. Foi escolhido o vidro reciclado e moído, para funcionar como meio poroso. “Todos os outros materiais, cerâmica, metais, polímeros, são mais caros”, afirma Assis. As garrafas, coletadas em lugares públicos, foram quebradas e moídas numa escala de 10 mícrons – mícron é a milésima parte do milímetro –, compactadas e sinterizadas, ou seja, as partículas foram reagrupadas por aquecimento formando um novo material. As membranas resultantes ficaram com o formato de uma pequena bolacha circular cheia de poros, tendo de 0,6 a 4 milímetros de espessura por


de origem animal que, em contato com as bactérias, destrói a camada protetora desses microrganismos. Nessa membrana de vidro também podem ser adicionados alguns tipos de polisNova fase - Essas membranas foram o sacarídeos – cadeias de moléculas de material da primeira fase de testes, açúcares – como a quitosana, um prochamada de filtragem mecânica, isto duto obtido pelo processamento da é, capaz de reter partículas apenas quitina, matéria-prima tirada da cascomo obstáculo físico. “Toda partícuca de crustáceos, que reage fortemenla que fosse maior do que os poros sete com metais pesados, e a carboximeria retida”, explica Assis. Mas as bactétilcelulose, que cumpre a função de rias e os componentes químicos são solubilizar os componentes testados. geralmente ainda menores que os poNuma série de experimentos realiros das membranas. Os primeiros teszados, sempre em escala de laboratótes mostraram que novos arranjos prerio, os pesquisadores fizeram passar cisavam ser feitos. Uma nova fase se água contaminada pela iniciou num encontro de bactéria Escherichia coli Assis com o professor Sérpor uma membrana progio Campana Filho, do decessada sem qualquer repartamento de Química e cobrimento. Depois repeFísico-Química de Macrotiram a operação, mas moléculas do Instituto de usando membrana recoQuímica da Universidade berta com lisozima. “Os de São Paulo (USP), em resultados foram impresSão Carlos. Desde 1993, sionantes”, destaca Assis. Campana pesquisa compos“As placas em que as tos químicos que revelam amostras foram coletadas potencial para estabelecer mostram dois extremos. ligações com vários eleSem lisozima, o grau de mentos, entre eles metais permanência da bactéria pesados, resíduos deixados foi de 70% a 92%. Já com pelos agrotóxicos e até a enzima, os resultados radioisótopos. “Nada exatambém variaram, mas tamente novo como idéia, em um dos experimentos mas pouco explorado em a taxa de eliminação ficou Filtro: menos bactérias termos práticos, pois repróxima de 90%.” quer muito estudo e experimentação”, acrescenta Campana. Efeitos residuais - Segundo Assis, os A junção dessas linhas de pesquisa resultados mais promissores foram foi o que tornou o trabalho inovador, obtidos com quitosana, que reagiu, com direito a uma apresentação dos ainda em níveis baixos, aos agrotóxiresultados por Assis como palestrante cos. “Isso foi muito importante para convidado, no ano passado, no workconstatar a possibilidade de interação shop Fronteiras da Ciência dos Matecom agrotóxicos”, diz Campana. Seriais, em Trieste, na Itália. Além disso, gundo Assis, o maior problema é a o trabalho ganhou as páginas de pufuncionalidade dos agrotóxicos. Para blicações científicas internacionais. mostrar resultados econômicos, “eles “Nosso plano foi adicionar ao filtro são feitos para não reagir aos elemenmecânico uma função bioquímica, tos que os dissolvem, por isso seus recobrindo a membrana de vidro efeitos residuais são tão poderosos”. com filmes em que houvesse elemenNos testes feitos no âmbito do projeto tos químicos que reagissem de forma de membranas porosas, o grau de reespecífica com os poluentes em meio ação aos poros, e a conseqüente elimiaquoso”, lembra Campana. nação dos poluentes, foi da ordem de Alguns desses agentes testados fo12%, aquém dos índices esperados. ram a lisozima, uma enzima natural EDUARDO CESAR

3 a 4 centímetros de diâmetro. Os poros estão num intervalo de 8 a 16 mícrons de diâmetro.

Apesar de esse experimento revelar baixo índice de eficiência, os pesquisadores recarregaram suas baterias, tanto na Embrapa Instrumentação Agropecuária quanto no Instituto de Química da USP. Eles têm agora nove alunos trabalhando em pesquisas que complementam o projeto inicial, três em níveis de doutorado e seis de mestrado. “Precisamos ver novas reações, testar em escalas maiores”, diz Campana. Uma idéia é montar um filtro feito somente de quitosana compartimentada. “Nos testes aqui na USP vimos que a quitosana tem uma capacidade muito grande de absorver bactérias. Precisamos desenvolver maneiras de, uma vez montado esse filtro, formularmos soluções para a manutenção do seu formato, já que em contato com meio ácido a quitosana se desfaz. Quando conseguirmos esse formato, poderemos usar o filtro de quitosana centenas de vezes, pois bastará eliminar o estoque de bactérias que ele é capaz de estocar.” Polpa frágil - Para Assis, já existe outro

caminho para seus estudos. Segundo ele, as membranas mostraram que, além de filtrar, funcionam também como sensores. Isso quer dizer que poderão indicar a presença de elementos químicos indesejáveis em meios diversos como alimentos que tenham massa permeável ou polpa na forma de massa, como tomates e morangos, pela interação direta com os filmes ativos imobilizados sobre superfícies vítreas. Entre esses agentes contaminantes estão os compostos organofosforados, que são cancerígenos. • O PROJETO Desenvolvimento de Membranas Permoseletivas Bioativadas para Emprego na Descontaminação de Águas Contaminadas MODALIDADE

Linha regular de auxílio à pesquisa COORDENADOR

ODÍLIO BENEDITO GARRIDO DE ASSIS – Embrapa INVESTIMENTO

R$ 40.199,76 e US$ 22.652,00

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CIÊNCIAS ECONÔMICAS

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euforia neoliberal dos anos 80/90 não faz mais dogmas. Os mandamentos do novo capitalismo produziram ao longo da década efeitos reais, palpáveis. Eles são “lidos” tanto nas séries históricas e nos indicadores macro e microeconômicos como nas imagens reais dos miseráveis. No Brasil, depois de mais de uma década de um processo de inserção global que estabilizou a economia, mas deixou um rastro enorme de perdas, já é possível desenhar o DNA da internacionalização. Os contrários a esse modelo já podem se defender dos rótulos simplistas de “neobobos”. O projeto temático Liberalização, estabilidade e crescimento: balanço e perspectivas da experiência brasileira nos anos 90, realizado por economistas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é quase um genoma da economia brasileira. Coordenado pelo economista Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo e com a subcoordenação de Ricardo de Medeiros Carneiro, o projeto, financiado pela FAPESP, resultará ao seu final num banco de dados capaz de alimentar análises e previsões de médio e curto prazos sobre os resultados da inserção brasileira no mercado global. O projeto

MAURICIO DE SOUZA/AE

HUMANIDADES

O genoma da

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também mobiliza especialistas de dentro e de fora das universidades para analisar esse período. Os “de fora”, segundo Belluzzo, cumprem o papel de evitar “a reiteração das próprias hipóteses do grupo”, isto é, exercem um papel crítico em relação às formulações dos pesquisadores. Isso garante a honestidade científica no tratamento dos dados colhidos pela equipe do projeto, embora não seja uma vacina contra o mau uso desses dados por outros agentes. “Em economia é possível torturar os dados até que eles digam o que você quer ouvir. Isso é ideológico, mas também uma desonestidade científica”, diz. Em fase final de testes, o banco de dados já dispõe de aproximadamente 7,5 mil séries econômicas, 220 publicações e 41 instituições. No futuro, ele estará disponível para toda a comunidade acadêmica da Unicamp. O trabalho de formulação de hipóteses e a próBolsa de Valores de São Paulo pria concepção do banco de dae fábrica da Renault dos, além dos seminários feitos no Paraná: estabilização entre a equipe e com professores e globalização, mas convidados, já resultaram num com perdas enormes AFP PHOTO/ORLANDO KISSNER

Projeto cria banco de dados para analisar e prever resultados da inserção brasileira na globalização


economia brasileira


trabalho bastante avançado de diagnóstico da economia brasileira na última década. Mais do que isso, está dando suporte para a discussão de propostas alternativas de modelo econômico, também um papel da universidade. O projeto de diagnóstico da economia brasileira tem, na sua origem, um trabalho feito por Belluzzo e por Maria da Conceição Tavares para a Comissão Econômica da Organização das Nações Unidas para América Latina e Caribe (Cepal) e para o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), intitulado Desenvolvimento no Brasil: relembrando um velho tema, e a tese de livre-docência de Carneiro, ambos bastante definidos sobre o processo de integração brasileiro.

A aceitação plena do mercado livre e da abertura incondicional, por exemplo, pode ter produzido o efeito de um grande ganho de competitividade para algumas empresas brasileiras, concorda Belluzzo. Mas os números mostram que, do ponto de vista do perfil industrial brasileiro, houve uma “regressão relativa”, isto é, perto do avanço dos demais países, o Brasil andou menos. Da mesma forma, a convicção, embutida no Consenso de Washington, de que as taxas flutuantes de câmbio garantem maior estabilidade que as fixas, tornaram a economia mais sujeita a sobressaltos, além do efeito que elas têm sobre os preços. Um movimento muito pequeno das taxas pode deixar o exportador de um país periférico entre o prejuízo e o lucro. Isso cria uma grande incerteza no deas hipóteses levantadas nos dois trabalhos sempenho da balança comercial. “Para os que entraram que originaram esse projeto, a equipe já conde cabeça na etapa gloriosa da globalização, este é um seguiu comprovar várias delas. Os estudos problema particularmente grave”, observa Belluzzo. feitos sobre a base de dados de dez anos Da mesma forma, as privatizações sem regras e a constatam uma completa distorção do câmabertura da economia sem controle produziram outra bio e dos juros. O subprojeto que estuda o tema emprego distorção estrutural: as empresas sediadas no Brasil têm, e salário chegou à conclusão de que a aprovação da proposem geral, um grande déficit em sua balança comercial, ta de flexibilização das leis trabalhistas, na verdade, apeisto é, desnacionalizaram a sua produção. Um surto de nas institucionalizará uma informalização do trabalho que desenvolvimento econômico, em vez de produzir superájá ocorreu na prática. O acompanhamento das fusões e das vits na balança comercial brasileira, pode torná-la mais incorporações de empresas, ao longo do período de inserdeficitária. ção na economia global, mostra, segundo Belluzzo, que o “As taxas de crescimento dos últimos anos desenham Brasil seguiu ipsis litteris a tendência mundial, impondo uma uma montanha-russa”, compara Belluzzo. “Isso porque, acelerada desnacionalização da economia brasileira. freqüentemente, a economia encontra uma restrição seJá no trabalho para a Cepal, Belluzzo e Conceição alinhavera do ponto de vista do balanço de pagamentos, que acavaram os pontos de estrangulamento do modelo brasileiro ba obrigando o Banco Central a manejar a política mode inserção – sem, no entanto, assumirem suas críticas como netária de maneira restritiva”, afirma. Um movimento oposição pura e simples ao projeto de globalização. “Não cumulativo de desvalorização do real, por exemplo, pode é uma recusa à inserção, que é inevitável, mas à forma provocar uma mudança abrupta no portfólio dos agencomo ela está sendo feita”, diz Belluzzo.“A globalização é um tes econômicos. locus de oportunidade e, ao mesmo tempo, de bloqueios As pesquisas feitas na Unicamp comprovam também – os resultados dependem de como você decide a sua inque a instabilidade financeira do Brasil – como da maioserção no processo global.” Os exemplos de que os probleria dos países periféricos do Consenso de Washington – é mas estruturais originários da forma de inserção brasileira registrada em ciclos, que estão cada vez mais curtos. “Um poderiam ser evitados são a China e a Índia. “Na época pequeno ciclo de euforia é seguido por um de retração, e em que escrevemos esse estudo, não estavam ainda tão aí volta de novo, e no outro momento torna a refrear a claros os acertos dos dois países. Hoje o Banco Mundial economia por conta da miopia que toma o mercado de os incensa, dizendo que fizeram a incurto prazo.” Os reflexos da crise arserção correta.” gentina sobre o Brasil, segundo ele, O PROJETO Belluzzo e Conceição consideraram são um exemplo dessa variação cícliLiberalização, estabilidade definitiva a mudança que ocorreu nos ca, embalada pelos humores dos ine crescimento: balanço padrões de concorrências e nas estravestidores. e perspectivas da experiência tégias de localização das empresas Seguir a expectativa do mercado, brasileira nos anos 90 transnacionais e a predominância da respondendo ora às expectativas dos MODALIDADE entrada de capital mais volátil no merinvestidores internacionais, ora às neProjeto temático cado periférico. Também rejeitaram cessidades dos agentes econômicos incomo anacrônico o modelo desenvolternos, é um risco para os dois preçosCOORDENADOR LUIZ GONZAGA DE MELLO BELLUZZO – vimentista dos anos 50/60, de substituchave da economia, câmbio e juros. Unicamp ição de importações. Mas constataram “Já há uma certa convergência de opios prejuízos decorrentes da entrada do niões de que devemos proteger a taxa INVESTIMENTO Brasil sem defesas nesse novo patamar de câmbio real”, diz o economista. A R$ 208.808,00 da economia internacional. China, por exemplo, fez uma grande

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a opinião de Belluzo, é equivocado situar a globalização como o grande vilão da história – mas é igualmente errado acreditar que as amarras do processo de inserção brasileiro são inexoráveis. “Nós entramos com o pé errado e temos todas as condições para entrar corretamente”, afirma o economista, deixando claro que essa é uma posição pessoal. “Entrar errado” é aceitar sem críticas o discurso de liberalização plena da economia.“No final dos anos 80, começo dos anos 90, havia uma grande pressão ideológica que se refletia nos pronunciamentos empresariais e no comportamento da míInserção brasileira dia”, lembra Belluzzo. “Houve deveria ter seguido uma idéia de rejeitar o passado os modelos da como um erro fatal: o próprio Índia (acima) e China, Gustavo Franco veio com a frase agora elogiados pelo de que vínhamos de 40 anos de Banco Mundial burrice”, diz. O tempo, no entanto, mostrou que o liberalismo sem controle dos países periféricos que levaram a ferro e fogo o Consenso de Washington era uma ingenuidade. As economias dos próprios países ricos não são tão livres assim. “O mundo é uma combinação de protecionismo e abertura.” Belluzzo remete à discussão sobre a Alca. Os Estados Unidos estão no seu papel: querem o máximo de concessões do outros países envolvidos na negociação e fazer o mínimo delas. “O Brasil, então, é acometido por uma oscilação moral: de um lado, os que são contra a Alca; de outro, os que são a favor”, diz. A questão, segundo o economista, não é aceitar as imposições dos Estados Unidos ou recusar o bloco comercial, mas “jogar o jogo”, isto é, conseguir o máximo de concessões dos outros países e fazer o mínimo. A necessidade de o Estado brasileiro assumir uma política ativa de desenvolvimento é a contraposição natural às distorções estruturais do modelo econômico atual. No estudo de Belluzo e Conceição Tavares, eles concluem que o Estado deveria ter desempenhado um papel mais ativo no decorrer do processo de liberalização da economia, para criar instrumentos de poupança de longo prazo, fazer a reestruturação produtiva da empresa nacional, investir em produção de tecnologia e alterar a estrutura de gastos públicos, de forma a reduzir a pobreza e a má distribuição de renda.

O Plano Real fez a opção pelo capital externo de curto prazo, apostou na melhora da eficiência dos investimentos públicos com a privatização; no investimento externo para equilíbrio do balanço de pagamentos; e na abertura comercial como o desafio capaz de modernizar as empresas nacionais. A conclusão do estudo é de que houve “perda de controle nacional sobre as empresas e os bancos” e a desarticulação dos “mecanismos de governança e de coordenação estratégica da economia brasileira”.

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desvalorização de sua moeda em 1994 – devastando os países vizinhos – e passou a exportar o que pôde. “Os chineses perceberam que países daquele tamanho – como também do tamanho do Brasil e da Índia – não podem ter uma economia sem nenhum controle”, afirma o economista. O governo chinês adotou um controle seletivo de capital externo que, ao ingressar no país, era obrigado a obedecer a determinadas regras e a trabalhar em consonância com a estratégia econômica de crescimento do governo local.

Os dois autores reconhecem que as condições internacionais não favorecem uma mudança de rumo da economia brasileira, mas, de outro lado, não acreditam no fôlego do atual modelo. O Plano Real produziu resultados medíocres e instáveis. Eles propõem um “projeto contra a corrente”, ao pregarem “uma intervenção mais forte, abrangente e contínua do Estado Nacional e das instâncias públicas subnacionais”. Para eles, este é um papel do Estado – a sociedade civil e os movimentos sociais não podem ficar com a responsabilidade de construção de um “Estado do Bem-Estar”. • PESQUISA FAPESP

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SO CIOLO GIA

A São Paulo do meio do século 20 Estudo explora a relação entre sociedade e cultura na metrópole


Centro de São Paulo nos anos 50: encarando a cultura paulistana como uma questão urbana

de sistema. “A cultura em São Paulo é mais fragmentada, menos orgânica do que em Minas. Tive dificuldades para entendê-la como sistema”, afirma. Durante o andamento da pesquisa, a noção de linguagem revelou-se mais produtiva, pois deu conta da pluralidade cultural paulista. “A cultura do Modernismo se caracteriza por linguagens fragmentadas, referidas a seus próprios termos. O que procuro demonstrar no livro é como essas linguagens estavam ligadas a um contexto particular, a cidade de São Paulo, no momento que sua vida cultural se transformava profundamente.” A partir do pós-guerra, certos arMIGUEL BOYAYAN

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partir da segunda metade do século 20, a cidade de São Paulo passou a ser o pólo da modernidade cultural brasileira. A industrialização, a imigração massiva, a institucionalização da vida universitária, a criação de museus, companhias de teatro e cinema criaram uma atmosfera cosmopolita, propícia ao debate e à proliferação de linguagens. Em vez de estudar esse período confrontando visões diferentes de uma mesma atividade cultural, a socióloga Maria Arminda do Nascimento Arruda escolheu o exame de experiências culturais inovadoras, aparentemente desvinculadas entre si, procurando estabelecer correspondências entre elas que permitissem mostrar como a sociedade está presente na cultura. Essa abordagem original faz de Metrópole e Cultura – São Paulo no Meio Século XX (São Paulo, Edusc, 2001, 482 páginas) um estudo sem precedentes na sociologia da cultura feita no Brasil. A pesquisa foi apresentada originalmente como tese de livre-docência no Departamento de Sociologia da FFLCH-USP. Habituada a pensar as relações entre cultura e sociedade sob um viés regional, Maria Arminda é autora de Mitologia da Mineiridade. O Imaginário Mineiro na Vida Política e Cultural do Brasil (São Paulo, Brasiliense, 1990), estudo em que trabalhou com material muito diverso – escritores como Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino, Guimarães Rosa, autores intérpretes de Minas e discursos políticos. “Consegui mostrar que havia uma relação muito mais próxima do que se imaginava entre, por exemplo, a poesia de Drummond e o discurso de Tancredo Neves, explicitando assim a presença da noção genérica de sistema cultural”, explica a autora. No caso de Metrópole e Cultura, Maria Arminda teve problemas para lidar com o conceito

tistas e intelectuais emergem, construindo novas identidades. A aproximação do problema da cultura na metrópole pela via da linguagem permitiu à autora articular os três focos que compõem sua reflexão, que surgem nessa época: o teatro de Jorge Andrade, a sociologia de Florestan Fernandes e a renovação poética empreendida pelas vanguardas concretistas, organizadas em torno de Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari. Esses três focos desenvolvem algumas questões levantadas pelos intelectuais do Modernismo, que foram os primeiros a encarar a cultura como uma questão urbana, dando expressão estética à modernização da vida

da cidade e estabelecendo uma nova ordem de percepções que abriu espaço para uma consciência moderna. Os três focos engendram formas peculiares de apreensão dessa nova realidade. “A linguagem do Florestan é árdua, cheia de conceitos, mas à medida que fui trabalhando com a obra dele, percebi que as interpretações existentes não davam conta do objeto. Ora ele aparecia como o grande revolucionário socialista, ora ele era visto como um funcionalista que mais tarde se torna marxista. Essas interpretações são esquemáticas, não me satisfizeram. Quando li seus primeiros escritos sobre a cidade de São Paulo, percebi que ele apostava no que chamou de ‘sociedade moderna nos trópicos’, e São Paulo estava no centro disso”, afirma. Por outro lado, o sociólogo estava preocupado em construir uma linguagem científica, teórica, que conferisse legitimidade acadêmica à disciplina. O tema da pesquisa foi sendo ampliado a partir da leitura da obra de Florestan. “Aos poucos fui percebendo que havia uma relação entre a linguagem da ciência do Florestan e a poética não conteudística dos concretos: uma idéia de universalidade da linguagem, independente dos contextos”, afirma o pesquisador. Em sua empresa de renovação da linguagem poética, os concretos recusaram o legado estetizante da geração anterior. Sua sintaxe se baseava em premissas visuais, espaciais, desprezando o verso. O poema era encarado como objeto de linguagem, como técnica. Exprimia a sua própria estrutura como objeto “em si e por si mesmo”, refletindo os novos traços da sociabilidade urbana, numa metrópole que se moderniza com a indústria, a sociedade de consumo, a propaganda. “Perseguiram uma poesia de anulação do tempo, de exclusão da história, de afirmação do presente”, escreve Maria Arminda. Nas artes plásticas, o concretismo se insurgiu contra o figurativismo, concebendo formas e cores como dados eminentemente visuais, universais, em detrimento da expressão de conteúdos. A PESQUISA FAPESP

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imagem se torna autônoma, autoreferente, designando assim o tempo presente, o próprio modo de viver contemporâneo. A representação se apaga, para que a presença se imponha. A autora destaca o papel desempenhado pela leitura do livro Viena Fin-de-Siècle, de Carl Schorske, uma importante fonte de sugestões. “Notei duas possíveis aproximações entre a Viena do fim do século 19 e a São Paulo de meados do século 20: havia uma dinâmica cultural muito viva, em dois contextos periféricos. Eram duas propostas culturais universalistas e a-históricas, contra a cultura do passado, mesmo que tivessem motivações diferentes – em Viena, ela estava ligada à crise do liberalismo, e em São Paulo ela se articulava com a idéia Maria Arminda: fragmentos modernos em SP de cultura universal, embutida na modernidade. A universalidade de noção de progresso”, comenta. Nos sua linguagem foi demonstrada pela dois casos, a recusa da história se fez tradução das peças em línguas estranpela multiplicação de experiências sogeiras e pelas montagens no exterior. ciais, que instauram a fragmentação, a Fio condutor da análise, a linguadescontinuidade das linguagens. gem fornece a lógica que determina a Jorge Andrade faz parte desse proordem dos capítulos. O estudo aborda cesso, pois sua obra sintetiza as tenAndrade primeiro, pois é, entre os sões características da cultura paulistrês, o menos inovador no uso da lintana, os dilemas de uma sociedade em guagem. Em seguida aparece Florestransformação, numa postura cética tan – os concretos vêm depois, já que diante das visões otimistas identificaa linguagem ocupa lugar decisivo na das com o progresso. Sua dramaturgia problemática que levantaram. A persé um teatro da memória, que não buspectiva crítica em relação à modernica atualizar o passado para apropriardade é mais presente em Florestan e se dele nos termos propostos por WalAndrade do que nos concretos, que titer Benjamin, mas procura reconstituir nham um olhar otimista, uma cono passado para esquecê-lo e assim licepção positiva da modernidade. bertar-se dele. Andrade quer acertar contas com o passado e assim poder Crítico e pessimista - Florestan sempre olhar para o futuro. A urbanidade está foi crítico, mas ficou pessimista a parmuito presente em sua obra, pois a citir de A Integração do Negro na Sociedade pressupõe uma dinâmica que dade de Classes, tese de cátedra defenataca a velha ordem agrária. dida poucos dias antes do golpe militar Sob o ponto de vista da linguade 1964. “Florestan constata que o gem, a dramaturgia de Jorge Andrade projeto de modernidade vigente, no é essencialmente moderna, pois digequal ele acreditava, não integrava o nere um amplo espectro de referências, gro. Ele termina o texto dizendo que, se que vão do teatro grego a Brecht. Annão resolvermos essa questão, não drade deu expressão universal a quesconseguiremos construir um suporte tões locais, ligadas ao ambiente culde civilização moderna. A partir daí, o tural de São Paulo, sempre com projeto de Florestan entra em crise. preocupações sociais, presentes no Com sua expulsão da universidade, em exame da condição dos deserdados da

1969, é todo o seu projeto de vida que vem abaixo”, afirma. O movimento concreto também entrou em crise antes de 1964. A dissidência neoconcreta – surgida em 1959, no Rio de Janeiro, em torno de Ferreira Gullar e Mário Pedrosa – ataca o mecanicismo e a ortodoxia idealista dos concretistas paulistas, que se situavam fora da história, desprezando a participação política e social. No período imediatamente posterior, a questão da participação se acirrou, e o concretismo sofreu novas cisões. Assim como aconteceu na trajetória de Florestan, as vanguardas perdem força e chegam aos anos 60 num profundo desencanto com a modernidade brasileira. A crise do teatro de Jorge Andrade também é desta época. “Como Florestan, Andrade quis construir um projeto profissional, estabelecer-se como dramaturgo, viver disso. O projeto fracassa, e Andrade vai sofrendo críticas de todos os lados: os setores ligados à cultura de participação diziam que seu teatro era passadista, pois falava da memória. Quando ele tentou entrar no debate e escreveu peças claramente políticas, caiu no esquematismo, perdeu substância. Por outro lado, seu teatro também não se adaptava ao gosto burguês, pois Vereda da Salvação selou a crise do TBC”, analisa. “Andrade é a síntese de um tempo, pois colocou em cena a tensão entre necessidade e impossibilidade da exclusão do passado.” Com o golpe de 1964, os limites dessa modernidade cultural se explicitaram. Diante da indústria cultural, que se torna o sistema dominante, as linguagens não conseguem responder adequadamente. A história derrapa, o projeto de pensar uma modernidade cultural é atropelado pelas condições políticas. “Como escreveu Florestan, não há revolução burguesa no Brasil, pois a burguesia não se autonomizou para implantar seu projeto moderno, mas se aliou com a oligarquia rural, escravista. A face mais moderna dessa burguesia é a que se refere ao mercado. Em relação ao projeto cultural, ela é problemática”, conclui. •


HUMANIDADES

PERSONALIDADE

MILTOM MICHIDA/AE

O discreto articulador social Vilmar Faria,morto aos 59 anos,era o responsável pelas políticas públicas de FHC osé Arthur Giannotti, em artigo para o jornal Folha de S.Paulo, deu a melhor definição da perda recente do amigo que, como ele, também foi presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap): “Vilmar Faria se foi como sempre viveu: discretamente, um peixe de fundo de mar”. O sociólogo, morto em novembro de 2001, aos 59 anos, vítima de um aneurisma, efetivamente era um homem discreto que preferia passar despercebido. Essa característica, porém, escondia um dos mais importantes articuladores de políticas públicas e sociais do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso desde 1995, quando foi chamado a Brasília para integrar a equipe de base do recém-eleito. “Sou apenas um assessor do governo”, costumava dizer, com modéstia. Mas até 1999, Faria era o Secretário de Coordenação da Câmara de Política Social da Presidência e era a cabeça pensante por trás dos principais projetos de Fernando Henrique na área. Foi Faria o responsável pela elaboração da chamada “rede de proteção social do governo”, que incluía o Projeto Alvorada, que pretendia combater a pobreza nas cidades com pequeno Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Além de conselheiro oficial, Faria foi amigo do casal Fernando Henrique e Ruth Cardoso. “Era um homem discreto e competente, um intelectual comprometido com as mudanças do país. O Brasil perdeu um eventual ministro da Educação”, lamentou o presidente.

PAULO GIANDALIA/FOLHA IMAGEM

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A pobreza da cidade grande e seu estudioso, Vilmar Faria

A morte de Faria foi muito sentida também na comunidade acadêmica. “Afora a perda de uma pessoa por quem eu tinha grande amizade pessoal, ressalto que a comunidade científica brasileira perde um importante interlocutor com o governo federal”, diz José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP. “Vilmar tinha uma visão moderna do sistema de pesquisa do país e teve atuação decisiva, por exemplo, na preparação de medidas provisórias relativas à lei 8.666, eliminando a necessidade de licitação sob bens de pesquisa com recursos financiados pelas agências de fomento. Também atuou na questão de como se devia calcular o imposto devido de funda-

ções. Ele era um canal direto do sistema de pesquisa com o presidente.” Vilmar doutorou-se na Universidade Harvard (com a tese Marginalidade Ocupacional, Emprego e Pobreza no Brasil Urbano) e, depois do Cebrap, também ajudou na fundação do Departamento de Ciências Sociais da Universidade de Brasília. Sua área de estudo mais importante era a análise dos problemas das grandes cidades e as complexas problemáticas da pobreza e do emprego. Dava uma especial atenção às dificuldades da pesquisa científica no Brasil, ajudou o desenvolvimento da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e, durante a sua gestão à frente do Cebrap, Faria conseguiu fazer uma ponte entre a velha e a nova geração de pesquisadores. Fez o mesmo durante a sua estada no Planalto, um importante elo entre governo e mundo acadêmico. Era um otimista. “Problema social do Brasil é como um copo d’água: você pode ver o que falta para encher, mas eu prefiro ver até onde encheu”, dizia. • PESQUISA FAPESP

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A obra de Tomie Ohtake Projeto financiado pela FAPESP contabiliza 1.200 trabalhos da artista distribuídos por todo o país e no exterior

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A idéia surgiu há quatro anos, quando Ricardo percebeu a necessidade de realizar uma catalogação mais ampla da obra da artista, distribuída entre dezenas de galerias, colecionadores e acervos de diversos Estados do Brasil – sem contar os trabalhos localizados no exterior. Um primeiro levantamento tinha sido feito na ocasião de uma retrospectiva da obra de Tomie realizada em 1983 no Museu de Arte Moderna de São Paulo (Masp). Naquele tempo, cerca de 480 obras tinham sido levantadas nos Estados do Rio e de São Paulo e em Brasília. A nova busca por obras de Tomie, que também teve apoio financeiro do Banco Santos, levou a um salto de 480 para 1.200 trabalhos conhecidos – mais de uma dezena fora do país. Esse crescimento quantitativo foi acompanhado de uma melhora qualitativa, proporcionada pela metodologia de pesquisa empregada por Miguel Chaia. “Achamos importante que não fosse feita apenas uma catalogação, mas também que se finalizasse a pesquisa com uma análise da obra e da trajetória de Tomie”, diz o professor, que teve a colaboração de um pesquisador no Rio e dois em São Paulo. Chaia contou com uma ajuda de R$ 61.597,00 da FAPESP, valor empregado principalmente no fornecimento de equipamen-

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recente inauguração do Institor do instituto, e pelo professor Mituto Tomie Ohtake, no bairguel Wady Chaia, coordenador do ro de Pinheiros, em São Núcleo de Estudos de Arte, Mídia e Paulo, reacendeu o brilho Política (Neamp) da Pontifícia Unino olhar de quem se ressentia por versidade Católica de São Paulo nunca mais ter visto o surgimento, na (PUC-SP). cidade, de novos equipamentos culturais de grande porte desde a abertura do Centro Cultural São Paulo, há 20 anos. Vinculado a um centro comercial de escritórios, esse espaço parece ter nascido sob a nova égide que direciona os negócios culturais: a parceria com a iniciativa privada. Projetado por Ruy Ohtake, um dos filhos de Tomie, o instituto tem 12 salas para exposições, quatro salas de espetáculos, restaurante, livraria, loja de design e um café. O prédio inteiro levou quatro anos para ser concluído e foi financiado pelo Laboratório Aché, com um custo total de R$ 100 milhões. O apoio que a FAPESP deu ao Projeto Tomie Ohtake (de catalogação e análise da obra da artista) também contribuiu para o sucesso do instituto, que já é visto com bons olhos nos meios culturais, principalmente por causa dos eventos que o inauguraram – uma retrospectiva da carreira de Tomie Ohtake, uma mostra da artista mineira Rosângela Rennó e duas exposições coletivas, de arquitetura e design. A pesquisa foi encabeçada por Ricardo OhSérie Grandes Formatos: consistência artística take, outro filho da artista e dire-


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tos, como computadores e câmaras fotográficas. O Banco Santos entrou com R$ 77.600,00, utilizados, entre outras coisas, para o pagamento dos salários dos pesquisadores. “Essa foi uma feliz parceria entre a FAPESP e o Banco Santos”, avalia Ricardo Ohtake. O resultado já pode ser visto no belíssimo livro Tomie Ohtake, lançado juntamente com a abertura do instituto. A publicação, realizaTela de 1952: projeto ajuda a organizar informações sobre arte brasileira da com apoio do Instituto Takano, tem textos de Paulo Herkenhoff, Frederico Morais, Agnaldo Farias e Fernando Cocchiaralli) naldo Farias (curador para artes visue gravações, em vídeo, de depoimenais do Instituto) e do próprio Chaia. tos sobre a artista. A página estará disO próximo fruto da pesquisa estaponível na Internet em dois meses e rá em um site que reunirá reproduos textos dos especialistas devem ser ções de cada uma das obras (200 delas publicados com apoio da FAPESP. só foram localizadas em reproduções, Os pesquisadores do Projeto Toou seja, não se encontraram os origimie Ohtake também encontraram vánais), fichas descritivas do histórico rios documentários sobre a artista, um de cada trabalho – a que colecionadodeles realizado pelo cineasta Walter res já pertenceu, de que exposições fez Salles Jr, Retrato de Tomie, de 1988. parte, qual a técnica utilizada –, texChaia fez um levantamento bibliográtos escritos por especialistas (Miguel fico de tudo o que já foi publicado em Chaia, Frederico Morais, Cecília Allivro e na imprensa sobre Tomie e trameida Salles, Dorothea Passetti, Agçou sua trajetória artística, para que a

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Obra de 2001:“Tomie une a arte geométrica ao informalismo e ao gestual de forma única”, avalia o pesquisador Miguel Chaia

pesquisa também contribua para o entendimento do significado de sua obra no contexto em que ela foi produzida. “Tomie é uma artista que surgiu de repente (pintou o primeiro quadro aos 39 anos) e logo mostrou uma grande consistência artística”, avalia Chaia. “Ela une a arte geométrica ao informalismo e ao gestual de forma única. Sua obra tem uma dimensão cósmica, que nos faz refletir sobre as relações entre arte e ciência”, diz o professor. “A pesquisa também nos ajudou a ver a dimensão de suas obras públicas”, continua. Para Ricaro Ohtake, o projeto financiado pela FAPESP tem importância fundamental também para ajudar a organizar as informações sobre a arte brasileira. “Ele vai ajudar muito o trabalho de curadores, historiadores, críticos de arte e estudantes”, afirma o pesquisador. “Se um trabalho desses fosse feito para cada um dos artistas brasileiros, seria muito mais fácil fazer a história da arte brasileira”, encerra. • PESQUISA FAPESP

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LIVROS

Visitas afetivas e literárias Livro revela detalhes das passagens de Jorge Luis Borges pelo Brasil C LÁUDIA B ARCELLOS

estre em encerrar histórias com ambigüidade e em usar metáforas envolvendo espelhos, tigres e labirintos, imagens que o perseguiam antes e depois da cegueira e seriam suas marcas registradas, o escritor argentino Jorge Luis Borges nunca escreveria um romance nem ganharia o Prêmio Nobel de Literatura. Mas se consagraria como o mais original e criativo escritor da América Latina na opinião de boa parte da crítica literária, de pesquisadores e de incontáveis leitores. Para esse extenso público, o livro Borges no Brasil, organizado pelo professor da Universidade de São Paulo (USP) Jorge Schwartz, é uma rara oportunidade de conhecer as ligações afetivas e literárias que trouxeram o escritor ao país em três diferentes ocasiões e o levavam a citar Euclides da Cunha como um dos grandes nomes da literatura universal. Pergunta Borges, em trecho do livro: “Quem sou eu para ombrear-me com Euclides da Cunha, Camões ou Montaigne?” O professor Schwartz, que também organizou os cinco volumes com as obras completas de Borges em português, coordenou uma equipe de diversos pesquisadores bolsistas ao longo de quatro anos de trabalho. O resultado é um volume de excepcional qualidade e abrangência, que traça amplo perfil de Borges e reúne textos inéditos e outros até então dispersos ou de circulação restrita – caso do Boletim Bibliográfico Mário de Andrade, fruto de duas jornadas literárias do escritor em São Paulo na década de 80. Borges, nascido em 1899, esteve pela primeira vez no Brasil em data imprecisa na década de 30, quando viu, pela única vez em sua vida, um homem ser morto em Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul. Pouco antes disso, em 1928, o visionário Mário de Andrade publicava um laudatório comentário a respeito de Borges no Diário Nacional, de São Paulo.

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“Jorge Luis Borges é o poeta e ensaísta que parece a personalidade mais saliente Organização de da geração moderna da ArJorge Schwartz gentina”, escrevia Mário no jornal. Quase duas décadas se Editora Unesp/ Imprensa Oficial passariam até que Borges pudo Estado/FAPESP blicasse Ficções, em 1944, e O Aleph, em 1949, verdadeiras 608 páginas obras-primas que o levariam R$ 40,00 ao reconhecimento e renome internacionais. A segunda vez em que visitou o Brasil foi bem menos traumática e mais lucrativa. Borges esteve em São Paulo em 1970, para receber um prêmio literário de US$ 25 mil, à época menor, em valor, apenas do que o Nobel. O escritor recebeu o cheque das mãos do empresário Ciccilo Matarazzo. A foto da ocasião encontra-se no final do volume, junto com outras que trazem surpresas – como Borges em palestra no anfiteatro do curso de madureza Santa Inês. Mas foi em 1984, na última passagem por São Paulo, dois anos antes de morrer, que o escritor brilhou à altura da qualidade de seus escritos. Pouco antes de seu 85º aniversário, acompanhado da inseparável Maria Kodama, ele participou de duas jornadas de literatura e recebeu um exemplar da primeira edição de Os Sertões, presente do bibliófilo José Mindlin, das mãos do diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, Rui Coelho, no auditório do Museu de Arte de São Paulo. O registro dessas pouco conhecidas passagens de Borges pelo país, ao lado das 51 páginas da Bibliografia Borges no Brasil (1970-1999), que compilam tudo que foi escrito por e sobre o autor no Brasil, já valeriam a edição do volume. Mas os leitores poderão encontrar também os artigos das palestras proferidas durante o ciclo Borges 100, na USP, em 1999 – ano do centenário de nascimento dele – e algumas das entrevistas que o escritor concedeu a jornalistas de televisão e revistas. Borges no Brasil

CLÁUDIA BARCELLOS é jornalista.


LANÇAMENTOS

R E V I S TA S

O Pensamento Mestiço

Revista USP

Companhia das Letras Serge Gruzinski 398 páginas / R$ 38,00

2001 - volume 50

O historiador francês inicia seu livro mostrando admiração por uma frase de um poema de Mario de Andrade: “Sou um tupi tangendo um alaúde”. Esse é o ponto de partida para que ele investigue de que forma se deu a assimilação da cultura invasora européia pelos povos vencidos do México. Para Gruzinski, o que, ao primeiro olhar, parece uma derrota cultural é, na verdade, uma “antropofagia” de modelos europeus e cristãos que, após deglutidos, foram reelaborados pelos mexicanos. É o caso do pintor índio que trata temas da mitologia clássica com objetos do seu cotidiano, entre outros exemplos.

O Desafio da Sustentabilidade: Um Debate Socioambiental no Brasil Editora Fundação Perseu Abramo Gilney Viana e Nilo Diniz (org.) 364 páginas / R$ 30,00

O livro reúne uma série de artigos escritos por importantes acadêmicos tendo como tema o conceito de desenvolvimento sustentável, ou seja, a sabedoria de retirar o necessário da natureza sem, no entanto, tirar das gerações futuras a herança ecológica exigida para sua sobrevivência. Os textos indicam caminhos para que o governo possa manter o funcionamento do país com responsabilidade.

Brasil, um Século de Transformações Companhia das Letras Paulo Sérgio Pinheiro, Jorge Wilheim e Ignacy Sachs (org.) 522 páginas / R$ 42,00

São 19 textos fundamentais para que se possa entender o Brasil em toda a sua multiplicidade. Os intelectuais querem analisar as escolhas feitas no passado para tentar direcionar as do futuro. Entre os artigos, análises escritas por: Celso Lafer (Brasil e o Mundo); Renato Ortiz (Sociedade e Cultura); Luiz Carlos Bresser Pereira (Do Estado Patrimonial ao Gerencial); Lídia Goldenstein (Uma Avaliação da Reestruturação Produtiva); Gilberto Dupas (Os Grandes Desafios da Economia Globalizada); Jorge Wilheim (Metrópoles e Faroeste no Século 21); Paulo Sérgio Pinheiro (Transição Política e Não-Estado de Direito).

A revista da Universidade de São Paulo (USP) chega número 50, num total de quase 13 anos de sucesso trazendo artigos de primeira linha para seus leitores. Para celebrar a data, mais do que respeitável, os editores da Revista USP reuniram textos de grandes pensadores, escritos especialmente para comemorar a passagem do cinqüentenário. Entre esses: Sobre Bandeira e Cabral, de Luiz Costa Lima; Lezama Devora o Magro Virgílio, de Teresa Barreto; O Silenciar de Crátilo, de Antonio Medina; Pessoa: Personagens e Poesia, de Milton Vargas; Basílio da Gamma e a Ilustração, de Sergio Paulo Rouanet; Ilíada Recriada, de Trajano Vieira; e Diadorim, de Willi Bolle.

Revista Brasileira de Ciências Sociais Volume 16 - número 47

A publicação quadrimestral, uma edição feita pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, traz em seu número mais recente uma deliciosa entrevista com Antonio Candido, uma raridade nos dias de hoje. A entrevistadora não é menos brilhante: Heloísa Pontes. O resultado é uma conversa saborosa sobre cultura e civilidade. Ainda no mesmo volume, os seguintes artigos: Comida e Antropologia, de Sidney Mintz; Anotações sobre Religião e Globalização, de Renato Ortiz; Candomblé, de Reginaldo Prandi.

Brazilian Journal of Medical and Biological Research Volume 34 - número 12 Virtual Symposium

Em seu último número de 2001 a revista da Associação Brasileira de Divulgação Científica traz um simpósio virtual sobre o cérebro com os artigos The Brain Decade in Debate (Sensory and Motor Maps: Dynamics and Plasticity e Neurobiology of Sleep and Dreams). Também no volume de dezembro: The Brazilian Investment in Science and Technology, de Pinheiro-Machado e Oliveira; Circulating Forms of Parathyroid Hormone Detected with an Immunofluorometric Assay in Patients with Primary Hyperparathyroidism, de I.S. Kunii; entre outros. PESQUISA FAPESP

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