VENDA PROIBIDA
EXEMPLAR DE
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Ciência eTecnologia
no Brasil
Junho 2007 Nº 136 ■
BAHIA FELICIDADE POR DECRETO POVOS DO PASSADO NO CORACAO ˆ DA AMAZONIA SOFTWARES PARA EXPORTACAO
INDICADORES DE C&T
OUTRAS VISOES DA ´ LATINA AMERICA
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DeBRITO
ANUNCIO SAUDE FINAL
A ênfase na pesquisa tem garantido à pós-graduação da Unicsul destaque entre as universidades particulares de São Paulo: 1°- lugar no Brasil em número de mestrados recomendados pela Capes; 1°- lugar na avaliação dos programas de iniciação científica do CNPq; 1°- lugar em número de bolsas de iniciação científica/CNPq e 2°- lugar em número de grupos de pesquisa cadastrados no CNPq.* Conheça outros resultados e todos os cursos oferecidos no 2º semestre de 2007. www.unicsul.br/pos •
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EFE/JIM HOLLANDER
IMAGEM DO MÊS
O túmulo de Herodes O arqueólogo israelense Ehud Netzer, da Universidade Hebraica de Jerusalém, procurava desde 1972 o túmulo do rei Herodes, que governou a Judéia durante a ocupação romana e, segundo o relato bíblico, mandou matar todos os meninos com menos de 2 anos de idade em Belém na época do nascimento de Jesus Cristo. Netzer estava convencido de que a tumba se achava num complexo arquitetônico que o monarca construiu no monte Herodion. No início de maio, o pesquisador anunciou que atingira seu intento. O túmulo foi alcançado por meio de uma escada com 6,5 metros que dá acesso a um sarcófago de 2,5 metros de comprimento, feito com pedras calcárias avermelhadas. A descrição coincide com a deixada por um historiador judeu no primeiro século da era cristã, época em que o túmulo foi pilhado e destruído.
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CLAUDIO REIS
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MIGUEL BOYAYAN
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52 EDUARDO CESAR
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> ENTREVISTA 10 O neurocientista
Esper Cavalheiro fala da nova convergência de tecnologias, a combinação sinérgica de quatro áreas
> POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA 22 CAPA
Equipe da USP integra-se a esforço internacional para resgatar documentos sobre arte latino-americana
> AMBIENTE 32 POLÍTICAS PÚBLICAS
Modelos sugerem que combate ao desmatamento pode amenizar aquecimento global
30 COMEMORAÇÃO
FAPESP completa 45 anos com estabilidade e constância no apoio à pesquisa 31 PARCERIA
A saída para a América Latina pode estar na “destruição criativa” propiciada pela ciência e tecnologia
> SEÇÕES
28 COOPERAÇÃO
CAPA
Convênio FAPESPPadtec vai reunir pesquisadores para aperfeiçoar sistemas de comunicações ópticas
> CIÊNCIA 44 ARQUEOLOGIA
Cerâmica indígena revela que o coração da Amazônia já abrigou comunidades complexas 48 NEUROLOGIA
34 MUDANÇA CLIMÁTICA
Brasil sai na frente com etanol, biodiesel e plantio direto
Sinal elétrico enviado diretamente para o cérebro fornece pista a macacos de onde encontrar comida
38 ENERGIA
Novo catalisador melhora a produção de biodiesel
50 BIOLOGIA
Presença de genes saltadores infla tamanho do genoma do mosquito Aedes aegypti
3 IMAGEM DO MÊS 6 CARTAS 7 CARTA DA EDITORA 8 MEMÓRIA 16 ESTRATÉGIAS 40 LABORATÓRIO 58 SCIELO NOTÍCIAS .............................
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EDUARDO GÓES NEVES/USP
WWW.REVISTAPESQUISA.FAPESP.BR
BUENO
JAMES GATHANY/CDC
CARYBÉ, FEIRA, 1984
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50 64
52 DIVULGAÇÃO
Exposição em São Paulo mostra a trajetória de Darwin até a teoria da evolução 56 FÍSICA
Emaranhamento quântico pode desaparecer de modo repentino, uma pedra no caminho da computação quântica
> TECNOLOGIA 64 INFORMÁTICA
Multinacionais instalam no Brasil centros para desenvolver softwares e aplicativos para o mercado mundial
72 NANOTECNOLOGIA
Resinas nanoestruturadas da Suzano funcionam como bactericidas e fungicidas em máquinas de lavar roupa e colchões
70 ENGENHARIA DE COMPUTAÇÃO
Sistema organiza operação das estradas de ferro e reduz tempo perdido pelos trens em pátios de cruzamento
........................... 60 LINHA DE PRODUÇÃO 92 FICÇÃO 94 CLASSIFICADOS 97 RESENHA 98 LIVROS
> HUMANIDADES 78 SOCIOLOGIA
Intelectuais defendem mudanças para salvar a festa mais tradicional da Bahia: o Carnaval 84 LETRAS
Modernização da Biblioteca Nacional ressalta importância da leitura, em qualquer formato 88 PSICOLOGIA
A perigosa relação entre consumo jovem de álcool e propagandas de bebida
CAPA MAYUMI OKUYAMA FOTO MIGUEL BOYAYAN
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CARTAS cartas@fapesp.br
Genética de populações As reportagens de Pesquisa FAPESP retratam a construção do conhecimento que será fundamental para o desenvolvimento do país. Acompanhe essa evolução.
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Preço atual de capa da revista acrescido do valor de postagem. Tel. (11) 3038-1438
Parabéns pelo número de abril da nossa valorosa revista Pesquisa FAPESP. Todas as anteriores merecem iguais parabéns.Mas esta última destaca-se pela reportagem “A África nos genes do povo brasileiro”(edição 134).Vou utilizá-la na próxima palestra sobre a formação do povo brasileiro.As pesquisas dos geneticistas Sérgio Danilo Pena e Maria Catira Bortolini pedem divulgação pelo valor e seriedade.Parabéns à equipe da revista.
Assinaturas, renovação e mudança de endereço
LUIZ HENRIQUE DIAS TAVARES Salvador, BA
Números atrasados
Ligue: (11) 3038-1434 Mande um fax: (11) 3038-1418 Ou envie um e-mail: fapesp@teletarget.com.br ■
Opiniões ou sugestões Envie cartas para a redação de Pesquisa FAPESP Rua Pio XI, 1.500 São Paulo, SP 05468-901 pelo fax (11) 3838-4181 ou pelo e-mail: cartas@fapesp.br
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Site da revista No endereço eletrônico www.revistapesquisa.fapesp.br você encontra todos os textos de Pesquisa FAPESP na íntegra e um arquivo com todas as edições da revista, incluindo os suplementos especiais. No site também estão disponíveis as reportagens em inglês e espanhol.
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Para anunciar
MIGUEL BOYAYAN
Ligue para: (11) 3838-4008
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Caranguejos Na repor tagem “A vida na lama”(edição 134) um único parágrafo é dedicado à enfermidade que denominamos de doença do caranguejo letárgico (Boeger et al., 2005). A enfermidade parece ser,de fato,responsável pelas extensas mortandades detectadas no litoral brasileiro desde 1997.O impacto sobre os estoques de caranguejo foi aparentemente grande,tendo sido quantificado em apenas poucos locais (Paraíba e região de Caravelas,na Bahia).As sugestões sobre a origem da doença publicadas nessa reportagem,todavia,refletem apenas especulações,sem fundamentação científica nenhuma.O grupo de pesquisas do qual faço parte,o Grupo Integrado de Aqüicultura e Estudos Ambientais,é o único no país que trabalha na definição do agente patogênico da DCL,utilizando procedimentos estritamente científicos.Desde os primeiros resultados,fortes evidências apontaram para uma levedura negra como o agente patogênico da DCL.A responsabilidade desse fungo sobre a DCL é hoje suportada por diversos procedimentos e testes,desde
a diagnose do fungo em eventos distintos de mortandade até experimentos de infecção artificial em laboratório.A sugestão de que o vírus do camarão do Pacífico,cultivado na costa brasileira,é responsável pela DCL foi avaliada de diversas maneiras (infecção experimental de filtrados de hemolinfa e tecido de animais enfermos e diagnose molecular de vírus dessa espécie de camarão),mas produziu resultados negativos.Nossa equipe continua buscando responder dúvidas referentes à enfermidade e às mortandades que ela causa.Apesar dessas dificuldades,o trabalho prossegue,mas especulações,como as apresentadas por Pesquisa FAPESP, têm sido o maior inimigo de nossas ações. WALTER A. BOEGER GIA-UFPR Curitiba, PR
Nota da redação: Pesquisadores ouvidos por Pesquisa FAPESP, como Yara Schaeffer-Novelli, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP),afirmam que não há consenso quanto à(s) causa(s) da doença. No futuro,esperamos tratar exclusivamente dessa questão em reportagem exclusiva sobre o assunto,o que não foi o caso do texto “A vida na lama”sobre catadores de caranguejo.
Correção A computação no Brasil conta atualmente com 260 pesquisadores classificados com nível 2 ou 1 no CNPq,e não com 26,como saiu publicado,por um erro de edição,na entrevista com Claudia Bauzer Medeiros (edição 135). Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail cartas@fapesp.br, pelo fax (11) 3838-4181 ou para a rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP, CEP 05468-901. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.
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CARTA DA EDITORA
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Da política à estética
ANOS
MARILUCE MOURA – DIRETORA DE REDAÇÃO
FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CARLOS VOGT
PRESIDENTE MARCOS MACARI
VICE-PRESIDENTE CONSELHO SUPERIOR CARLOS VOGT, CELSO LAFER, GIOVANNI GUIDO CERRI, HERMANN WEVER, HORÁCIO LAFER PIVA, JOSÉ ARANA VARELA, JOSÉ TADEU JORGE, MARCOS MACARI, SEDI HIRANO, SUELY VILELA SAMPAIO, VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO RICARDO RENZO BRENTANI
DIRETOR PRESIDENTE CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ
DIRETOR CIENTÍFICO JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER
DIRETOR ADMINISTRATIVO
ISSN 1519-8774
CONSELHO EDITORIAL LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADOR CIENTÍFICO), CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTINHO, JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, MÁRIO JOSÉ ABDALLA SAAD, PAULA MONTERO, RICARDO RENZO BRENTANI, WAGNER DO AMARAL, WALTER COLLI
DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA
EDITOR CHEFE NELDSON MARCOLIN
EDITORA SÊNIOR MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS
EDITORES EXECUTIVOS CARLOS FIORAVANTI (LICENCIADO), CARLOS HAAG (HUMANIDADES), CLAUDIA IZIQUE (POLÍTICA),MARCOS DE OLIVEIRA ( TECNOLOGIA), RICARDO ZORZETTO (CIÊNCIA - INTERINO) EDITORES ESPECIAIS FABRÍCIO MARQUES, MARCOS PIVETTA (EDIÇÃO ON-LINE)
EDITORAS ASSISTENTES DINORAH ERENO, MARIA GUIMARÃES
REVISÃO MÁRCIO GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGÔ NEGRO
EDITORA DE ARTE MAYUMI OKUYAMA
ARTE ARTUR VOLTOLINI, JOSÉ ROBERTO MEDDA, MARIA CECILIA FELLI
FOTÓGRAFOS EDUARDO CESAR, MIGUEL BOYAYAN
SECRETARIA DA REDAÇÃO ANDRESSA MATIAS TEL: (11) 3838-4201
COLABORADORES ANA LIMA, ANDRÉ SERRADAS (BANCO DE DADOS), BUENO, CRISTOVÃO TEZZA, DANIEL KON (ESTAGIÁRIO), DANIELLE MACIEL (ESTAGIÁRIA), GREGORY ANCOSQUI (ESTAGIÁRIO), HÉLIO DE ALMEIDA, GONÇALO JÚNIOR, LAURABEATRIZ, MANU MALTEZ E YURI VASCONCELOS.
OS ARTIGOS ASSINADOS NÃO REFLETEM NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DA FAPESP É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO
GERÊNCIA DE OPERAÇÕES PAULA ILIADIS TEL: (11) 3838-4008 e-mail: publicidade@fapesp.br
ASSINATURAS TELETARGET TEL. (11) 3038-1434 – FAX: (11) 3038-1418 e-mail: fapesp@teletarget.com.br
IMPRESSÃO PLURAL EDITORA E GRÁFICA TIRAGEM: 37.710 EXEMPLARES
DISTRIBUIÇÃO DINAP
CIRCULAÇÃO E ATENDIMENTO AO JORNALEIRO LM&X (11) 3865-4949
GESTÃO ADMINISTRATIVA INSTITUTO UNIEMP FAPESP RUA PIO XI, Nº 1.500, CEP 05468-901 ALTO DA LAPA – SÃO PAULO – SP SECRETARIA DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA, DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E TURISMO GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
sta edição de Pesquisa FAPESP traz, entre as tradicionais seções de Política e de Ciência,três textos agrupados sob a rubrica Ambiente.Aqui a entendemos numa concepção bastante ampla,capaz de abranger desde as chamadas mudanças climáticas globais até as buscas por fontes de energia mais limpas e eficientes. Com isso queremos,primeiro,enfatizar a importância crescente dessa vasta área transdisciplinar nos programas brasileiros de financiamento à pesquisa científica.A FAPESP,por exemplo,vai lançar em breve um programa alentado de financiamento a projetos de pesquisa que analisem o impacto no país das mudanças climáticas globais,e um outro de suporte a pesquisas na área de etanol.“Ambos estão na fase final de montagem.Falta apenas acertar a participação do governo federal”,disse o diretor científico da Fundação,Carlos Henrique de Brito Cruz,a Eduardo Geraque,da Folha de S.Paulo , em 26 de maio passado. A seção Ambiente se justifica também por nos parecer confortável para o leitor a proximidade espacial dos relatos jornalísticos ligados às questões ambientais,sejam eles inspirados em debates e decisões políticas,em propostas e achados científicos,em soluções tecnológicas ou em pesquisas empíricas e reflexões no âmbito das ciências humanas e sociais.Assim,além de transdisciplinar,ela surge trans-editorial,digamos,e decerto com vocação para uma longa vida nesta revista. Mas é tempo de chegar aos destaques da edição.Primeiro a capa:o que se revela através do texto consistente da editora de política,Claudia Izique,é como bons indicadores de ciência e tecnologia,bem adequados à realidade da pesquisa na América Latina,podem se tornar instrumentos valiosos da busca por competitividade dos países da região e do traçado de eficientes políticas públicas regionais. O palco onde se deram os debates tratados por Claudia na reportagem de capa, a partir da página 22,foi o VII Congresso Ibero-americano de Indicadores de Ciência e Tecnologia,realizado em São Paulo de 23 a 25 de maio,que abriu es-
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paço até para a idéia de uma certa “destruição criativa”,baseada em ciência e tecnologia,que seria a grande saída para o desenvolvimento de nosso subcontinente. Vale a pena conferir. Em Ciência vale destacar uma instigante reportagem (página 44), elaborada pelo editor interino de ciência,Ricardo Zorzetto,sobre o recente achado de fragmentos de cerâmica indígena que conduziu um grupo de arqueólogos à conclusão de que uma vasta área bem no coração da Amazônia,hoje praticamente deserta de almas,abrigou grandes e complexas comunidades entre os séculos III A.C.e XV de nossa era.Em Tecnologia chamo a atenção para o texto da editora assistente Dinorah Ereno (página 64), em que ela relata a criação e multiplicação no país,por iniciativa de empresas de diferentes portes e origens,de centros para desenvolvimento de softwares e aplicativos destinados ao mercado mundial.Na Humanidades destaco a reportagem elaborada pelo jornalista Gonçalo Junior (página 78) em que ele põe à luz uma série de belos estudos que perscrutam os andaimes e as vísceras da cultura baiana para destrinchar um número sem fim de mitos com os quais mercadologicamente se foram recobrindo suas verdades fortes e, com freqüência, incômodas. Para finalizar,faço hoje um convite diferente aos leitores da Pesquisa, ligado à pura fruição estética:se puderem,percorram a revista página após página detendo-se mais um pouco em algumas delas:atentem para a beleza das fotografias da reportagem de capa,vejam que luz há na imagem do mosquito da página 51 e que movimento existe nos dados das páginas 56 e 57;reparem que extraordinárias são as ilustrações das páginas 65 a 67, e deliciem-se – sim,é isso – com a pintura genial de Carybé entre as páginas 80 e 83.São apenas sugestões,tão-somente para chamar a atenção,por dever de justiça,para o criativo e competente trabalho da equipe de arte da revista,sob o comando da jovem designer Mayumi Okuyama.Boa leitura.Com pausas para a contemplação. PESQUISA FAPESP 136 JUNHODE 2007 ■
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() MEMÓRIA
Tijolo após tijolo
Estudos sobre o aquecimento global são feitos há 180 anos N ELDSON M ARCOLIN
Ingvar Emilsson em 1957: teoria de Kaplan não era nova
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s notícias sobre pesquisas relativas ao aquecimento global vêm ganhando cada vez mais espaço na imprensa, saltando das reportagens menores para assumir um lugar cativo nas manchetes. Antes que os estudos mais recentes indicassem a real gravidade da situação ambiental do planeta, o assunto só freqüentava a mídia com assiduidade quando havia grandes reuniões sobre o tema – como a Eco 92 e a de Kyoto em 1997 – ou alguma nova teoria chamava a atenção para a questão.Essas condutas não são novas no Brasil ou no mundo. Há 50 anos o físico húngaro naturalizado norte-americano Joseph Kaplan,da Universidade da Califórnia,publicou um artigo no jornal Santa Monica Evening Outlook, de Santa Mônica,que causou alvoroço por lá e repercutiu no Brasil. O artigo foi notícia em 10 de abril de 1957 no jornal Folha da Noite, atual Folha de S.Paulo. Dizia o texto:“...a combustão do petróleo e do óleo pesado
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Folha da Noite, de 10 de abril de 1957: manchete em oito colunas
ao norte. O pesquisador brasileiro ressaltou, acertadamente, que aqueles eram dados de partes isoladas da Terra e não permitiam conclusão sobre a previsão de Kaplan. No dia seguinte o jornal paulistano voltou ao assunto e entrevistou o oceanógrafo islandês Ingvar Emilsson, então no Instituto Oceanográfico da USP. Emilsson, hoje na Universidade Nacional Autônoma do México, disse à época que a hipótese de Kaplan não era nova. Mas afirmou que o raciocínio do físico húngaro tinha lógica. “Observações
já mostraram que tanto no hemisfério Norte como no Sul tem havido nos últimos decênios um aumento na temperatura média”, afirmou. As ponderações de Kaplan, Silveira e Emilsson seguiam, há 50 anos, a linha evolutiva da ciência. O primeiro cientista a falar em aquecimento da atmosfera por emissão de gases foi o francês Jean Baptiste Fourier, com o ensaio Temperatura da Terra e espaços planetários, em 1827. A partir de 1859, o físico irlandês John Tyndall realizou uma série de testes em seu laboratório para tentar
REPRODUÇÕES EDUARDO CESAR
produz gases, os quais vão aquecendo a atmosfera. Esse aquecimento determinará com o correr do tempo a fundição das calotas polares e a conseqüente elevação do nível dos mares, de cerca de 12 metros. A menos que a ciência consiga controlar a temperatura do ar dentro daquele prazo cidades como Nova York e Tóquio serão inundadas pelo mar”. O prazo citado era de 50 ou 60 anos. Ou seja, os dias atuais. A Folha da Noite deu a notícia como manchete da página, em oito colunas – “Poderá a Terra vir a ser invadida pelos mares?” –, e ouviu João Dias da Silveira, catedrático de geografia física, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP). Silveira disse que regiões da Sibéria, da Groenlândia e de Spitzberg, no norte da Rússia, haviam tido um aumento na temperatura da “ordem de 1,5 grau”, de 1883 a 1934. Como resultado, em algumas regiões a massa gelada teria sofrido um recuo de 40 quilômetros em direção
entender a natureza desses gases. Em 1896, o químico sueco Svante August Arrhenius demonstrou em artigo a influência do dióxido de carbono no efeito estufa. Depois desses estudos as discussões amainaram por mais de 40 anos até o engenheiro inglês Guy Callendar publicar seus trabalhos, em 1938. Meteorologista amador, ele analisou e comparou estatísticas sobre o clima de extensas regiões. E viu que os números, de fato, indicavam o aumento da temperatura global. Em 1957, mesmo ano do artigo de Joseph Kaplan, o químico norteamericano Charles Kelling criou um mecanismo de medição de dióxido de carbono na atmosfera. “Cada pesquisador colocou um tijolo e subiu um degrau”, diz Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP. “O que sabemos sobre o aquecimento global hoje deve-se à boa ciência e aos esforços obsessivos desses e de muitos outros cientistas.”
Folha da Noite, no dia seguinte: consulta a especialistas que trabalhavam no Brasil PESQUISA FAPESP 136
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‘Esper Abrão Cavalheiro ENTREVISTA
A reconstrução do homem Com potencialpara alterar profundam ente o desem penho hum ano,a nova convergência de tecnologias deve ser debatida pela com unidade científica
M ARILUCE M OURA
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N ELDSON M ARCOLIN
neurocientista Esper Abrão Cavalheiro, 57 anos, assessor do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), está nesse momento encarregado de uma tarefa muito especial. Ou melhor, ele se vê inteiramente atravessado por uma missão titânica: provocar um intenso e, se possível, produtivo debate na sociedade brasileira sobre as chamadas tecnologias convergentes, para que o país não se atrase além da conta nesse novo campo tecnocientífico que poderá provocar, em futuro próximo, transformações formidáveis no desempenho do ser humano, na exploração de seus limites potenciais e na conservação de sua saúde – entre outros efeitos.“Precisamos ter um feedback da comunidade científica sobre esse tema para que possamos discuti-lo com o governo, com os empresários e com os cidadãos deste país”, resume Cavalheiro. A rigor, as chamadas tecnologias convergentes, uma vasta área de interação da pesquisa em nanotecnologia, biotecnologia, tecnologia da informação e ciência cognitiva, fizeram sua estréia na cena pública com este nome em junho de 2001, numa reunião organizada pelos pesquisadores norte-americanos Mihail C. Roco e William Sims Bainbridge, com apoio da National Sci-
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ence Foundation (NSF), em Arlington, Virgínia. Desse encontro saiu o documento Converging Technologies for Improving Humam Performance, um cartapácio de quase 500 páginas das quais emergem possibilidades técnicas até aqui impensáveis, muitas delas beirando a pura ficção científica, para âmbitos tão distintos quanto o da defesa militar e o da saúde humana. Dois anos depois, a Comissão Européia resolveu lançar um olhar mais enraizado em sua tradição humanística às tecnologias convergentes e publicou o pequeno documento Converging Technologies: Shaping the Future of European Societies, com perto de 70 páginas, mas ambicioso no propósito de definir o novo campo segundo um european approach. De acordo com ele, “os cidadãos da Europa se beneficiarão das CT se elas forem implementadas com vistas aos cuidados de saúde, processamento de informação e comunicação, mitigação ambiental, fontes de energia e outras áreas de interesse público e pessoal”. É nesse universo complexo das tecnologias convergentes (TCs) que Cavalheiro, professor titular de neurologia experimental da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), se vê mergulhado há alguns meses para coordenar a discussão do que deve ser a participação na-
cional ativa na circunscrição das pesquisas, das bases de financiamento, dos marcos regulatórios, das políticas, enfim, que vão consolidar os marcos fundadores dessa área. Cientista respeitado, com uma contribuição importante para a definição de modelos experimentais de epilepsia, já faz algum tempo que ele ocupa postos importantes na gestão da política científica no país, incluindo a presidência do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A seguir, os principais trechos da entrevista que Cavalheiro concedeu a Pesquisa FAPESP: Há um tema novo que nesse momento ocupa bastante suas reflexões, que é o das tecnologias convergentes, principalmente na área médica. Podemos começar pelo conceito: o que são as tecnologias convergentes? — Ao observar o desenvolvimento da ciência, verificamos que existem momentos em que há uma fragmentação que facilita a compreensão de fenômenos mais intrínsecos de uma determinada área, e outros em que ocorre certo agrupamento, uma convergência. Essa alternância é fundamental e, para exemplificar com algo mais recente, pode-se recorrer à biologia, que passou por um período de fragmentação, de divisão em várias disciplinas dela derivadas. Nas últimas décadas,
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várias dessas disciplinas, em associação com outros campos do conhecimento, entraram num movimento convergente ao redor do gene ou do DNA e que propiciou o surgimento deste fantástico campo da genômica e suas ramificações. Mais recentemente – e agora falando de forma específica desse tema ao qual estou me dedicando –, Mihail Roco, um cientista muito influente da área de nanotecnologia e que conseguiu alavancar grandes financiamentos nos Estados Unidos, foi chamado pela National Science Foundation (NSF) para provocar outro tipo de discussão. Em 2001, ele e William Bainbridge organizaram uma reunião que denominou de Converging Technologies for Improving Human Performance. ■ Foi
então a primeira reunião para discutir essa convergência de tecnologias? — Esse primeiro encontro nos Estados Unidos propôs a atuação convergente de quatro áreas: a nanotecnologia, a biotecnologia, a tecnologia da informação e a ciência cognitiva – hoje ampliada para toda a neurociência, com o objetivo de promover a interação entre sistemas vivos e artificiais na busca de novos dispositivos ou fármacos que sirvam para expandir ou melhorar as capacidades cognitivas e comunicativas, a saúde e a capacidade física das pessoas e, em geral, produzir um maior bem-estar social.
■ Onde
ocorreu a reunião? — Em Arlington, Virgínia, onde se reuniram pesquisadores dessas quatro áreas e que, de alguma forma, já trabalhavam com o conceito da convergência. Por exemplo, nanotecnologia e biotecnologia convergiam dentro de um projeto para se encapsular novas drogas ou para diminuir efeitos colaterais de medicamentos. Outros associavam tecnologias da informação (TI) com biotecnologia para alerta de desastres biológicos via comunicação rápida. Assim, algumas áreas que estavam caminhando isoladamente foram conclamadas a participar conjuntamente (converging technologies) do esforço na solução de importantes questões humanas. Penso que o termo “tecnologias convergentes”não seja a melhor tradução, porque elas por si sós não convergem como, por exemplo, no caso das tecnologias digitais. Aqui, tecnologias inicialmente separadas são chamadas a contribuir na construção de um novo pa12
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radigma, daí eu preferir chamar de “nova convergência tecnológica”ou “convergência de tecnologias”. ■ Não são tecnologias que dialogam entre si.
— Estamos falando de áreas de grande desenvolvimento recente e que, mesmo isoladamente, são capazes de trazer modificações significativas na sociedade e no ambiente. O simpósio americano teve o objetivo de mostrar as inúmeras vantagens que podem advir de sua interação, não no sentido daquilo que uma possa proporcionar ao desenvolvimento da outra, mas na construção de propostas a partir de perguntas comuns. Ali, o título apontava como objetivo o “aprimoramento do desempenho humano”e a discussão indicou as inúmeras possibilidades de aplicação, como a melhora do desempenho humano, da comunicação global, do prolongamento da vida etc. ■ Quer dizer que não visava somente à saúde? — Embora possa se considerar a saúde humana como peça central do simpósio, chegou-se mesmo a propor um novo ambiente social a partir da nova convergência, o que, em determinado momento do simpósio, foi proposto como o “renascimento da ciência”. Isto é, uma nova era da ciência e da tecnologia resultante do agrupamento dessas áreas, e que poderá fazer diferença na sociedade do futuro. Outros aspectos estiveram relacionados ao uso da convergência na segurança das nações ante os novos tipos de agressão – guerra biológica ou química, por exemplo –, levando à necessidade de um aprimoramento no sistema de defesa dos países, e que envolveria desde cuidar fisicamente do soldado que está no front até provê-lo com roupas que pudessem estar em contato, via satélite, informando suas condições de combate. Entretanto, quando se observa mais de perto o documento, vê-se que grande parte dele se dirige ao potencial humano, aos dispositivos para substituição de órgãos ou parte do corpo, à comunicação sem a barreira de diferentes línguas, isto é, na direção de uma nova sociedade. ■ Essas idéias estavam então bem localizadas nos Estados Unidos. Mas em sua recente viagem para uma reunião sobre o mesmo tema na Áustria este já ganhara
uma dimensão internacional. Como se dá a discussão das tecnologias convergentes em 2007? — Em 2004 saiu o primeiro documento da Comunidade Européia sobre o assunto e ele ganhou um nome diferente: Converging Technologies for a Diverse Europe. Nesse texto compreende-se que a Europa – historicamente mais humanista, e que representa um conjunto de países com culturas, às vezes, muito distintas e com níveis diferentes de desenvolvimento econômico e social – procura incluir a dimensão humana, suas culturas e seus valores na nova convergência, para além da busca de um melhor desempenho. Questões sobre o que e em quem aprimorar esta ou aquela função são complicadas e essa discussão não pode ficar restrita apenas ao ambiente científico. Dessa forma, o documento europeu se lança sobre questões mais prementes da sociedade humana e de como a nova convergência pode auxiliar na solução de problemas como a energia, mudanças climáticas, poluição, aumento da obesidade, da hipertensão, da longevidade humana, o abuso de drogas psicoativas etc., além de propor a ampliação da nova convergência com a inclusão das ciências humanas e sociais, parâmetros fundamentais para a compreensão do humano. ■ Quer dizer, a Europa muda o enfoque das tecnologias convergentes. — Dentro do documento americano a importância de “sair na frente” está claramente associada à noção de competitividade, não só científica mas de garantia de mercado. A Europa tenta amenizar esse aspecto e se interroga até aonde se pode ir com a nova convergência sem que seus cidadãos – já que são eles que realmente financiam os avanços científicos e tecnológicos – participem do debate e decidam sobre sua direção. ■ O problema então é como se estabelece esse campo das tecnologias convergentes sem que ele seja associado à manipulação da vida dos indivíduos por instâncias de poder incontroláveis. — Pode-se dizer dessa forma. A leitura atenta de qualquer dos documentos produzidos por diferentes países sobre a convergência tecnológica possibilita antever que se descortinam benefícios fantásticos para a saúde humana, os quais
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têm sido recebidos com verdadeiro entusiasmo. Na interação homem-máquina, por exemplo, poderíamos empregar as técnicas de informação para resolver determinados problemas de motricidade ou de comunicação de pessoas com problemas graves de linguagem, visão ou audição etc. Mas quando se percebe que os limites entre a ação terapêutica e o aprimoramento de funções cognitivas estão pouco visíveis esse entusiasmo diminui. ■ É uma discussão que se estabeleceu em relação a drogas como o Prozac, não? Devese tentar livrar a humanidade da tristeza, tratá-la como se fosse uma patologia? — Essa discussão que tem ocorrido com mais freqüência nos ambientes das ciências humanas e sociais, e que em certa medida se associa ao repúdio àquilo que se tem chamado de medicalização da saúde, começa a indagar quem terá o direito de decidir sobre o que deve ser aprimorado, e quando, e em quem. Quais serão os possíveis efeitos sociais? Que instituições vão cuidar de sua regulamentação? Entretanto, a nova convergência parece já ser uma realidade que veio para ficar, basta para isso observar o número grande de eventos médicos que têm ocorrido nos últimos dois ou três anos com o título de Converging technologies and new drugs ou Converging technologies for medical equipments etc. Embora a nova convergência não seja em si um programa formal para o financiamento da ciência e da tecnologia, seus objetivos têm norteado outros programas, tanto nos Estados Unidos como na Europa.
Mas antes de entrar no detalhamento operacional, vamos falar da reunião na Áustria, para então chegar ao Brasil. — Dentro do Programa Quadro 6 da Comunidade Européia foi lançado um edital para o estudo da nova convergência não só do ponto de vista do desenvolvimento científico, mas de sua interface com o desenvolvimento da sociedade européia. Assim, formou-se uma rede de pesquisa, cada grupo com um objetivo específico, liderados por pesquisadores da Alemanha coordenados por Nico Stehr. Para ele, que tem se dedicado ao campo de estudos que intitula de knowledge politics, a crença de que maior conhecimento redunda obrigatoriamente
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em maior bem-estar deve ser repensada. Maior conhecimento e sua adequada aplicação podem, sim, levar ao maior desempenho econômico, mas não implica que o ganho resultante seja partilhado pela sociedade. Mas este assunto não era o foco central dessa reunião. Ali, e por ser a segunda de três reuniões planejadas, os grupos apresentaram os resultados parciais de seus estudos que buscavam entender o papel da nova convergência como motor central das iniciativas de inovação e seus possíveis impactos sobre o futuro da sociedade européia. ■ E quando foi a primeira? — No ano passado. Este ano foi uma avaliação de meio-termo sobre como as pesquisas estão indo e, no próximo, deve ser apresentado o documento de consolidação das discussões. Foi bastante interessante conhecer estudo que aborda aquilo que os cientistas europeus consideram ou não “realizável”a partir da convergência da nanotecnologia, da biotecnologia, da tecnologia de informação e da neurociência. E nessa reunião, com cerca de 80 participantes, foi interessante verificar discussões acaloradas sobre o uso dessa convergência no transumanismo, na criação de seres híbridos (humano-máquina) etc. Alguém chegou mesmo a dizer:“Chegamos aos Cyborgs”. ■ Eu pensava exatamente nisso... — Só que dessa vez podemos querer ir além de um filme de ficção científica.
Sua participação foi como assessor do CGEE? — O CGEE está iniciando um estudo que pretende abordar os desafios e as oportunidades que a nova convergência pode trazer para nosso ambiente científico e tecnológico e para a sociedade. Eu ainda estou tentando compreender as diversas vozes que ouvi, ora entusiasmadas com as fantásticas possibilidades oriundas das aplicações da nova convergência, ora céticas e pessimistas. É possível que o que mais tenha chamado a atenção seja exatamente essa disposição de colocar a discussão em âmbito público, já que a nova convergência traz consigo dilemas éticos importantes para que ela fique restrita aos ambientes científicos. Não se pode postergar esta discussão para quando seus efeitos forem conhecidos na prática.
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No documento americano vê-se que grande parte dele se dirige ao potencial humano, aos dispositivos para substituição de órgãos ou parte do corpo, à comunicação sem a barreira de línguas, isto é, na direção de uma nova sociedade
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Quem terá o direito de decidir sobre o que deve ser aprimorado, e quando, e em quem? Quais serão os possíveis efeitos sociais? Quais instituições vão cuidar de sua regulamentação?
■ O que se pensava em levar ao debate público eram as aplicações potenciais das tecnologias convergentes na medicina? — A primeira preocupação era com a institucionalidade dessas tecnologias e de como elas permeiam as instituições humanas, entendendo institucionalidade como “as regras do jogo”. Outros aspectos discutidos relacionam-se com o gerenciamento e regulação dos produtos e serviços resultantes da nova convergência, seus aspectos éticos e legais, e seu impacto sobre a sociedade. Um aspecto paralelo, mas nem por isso menos importante, relaciona-se ao papel que as convicções religiosas podem ter na percepção pública da nova convergência, dado que as decisões individuais não são simplesmente baseadas no conhecimento corrente.
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■ Que mudanças concretas poderemos ver
dentro de cinco, dez anos talvez? — Não precisamos esperar muito, já que alguns dispositivos concebidos através do princípio da convergência tecnológica já estão em uso. Pensemos na área médica, por exemplo, onde uma microcâmera incluída em um comprimido emite, em seu percurso após ter sido deglutido, imagens sobre todo o trato digestivo para um receptor externo ao corpo. Estas imagens podem auxiliar no diagnóstico de várias patologias gastrointestinais sem o uso de técnicas invasivas. Outros exemplos incluem a incorporação de drogas em nanocompostos dirigidos a órgãos específicos que ao mesmo tempo que aumentam a eficiência do tratamento podem diminuir os efeitos colaterais. Alguns desses procedimentos já estão em uso ou estão em fases avançadas de estudo aqui no país.
■ Mas ante essa preocupação com o desmerecimento do aspecto da religiosidade pessoal, individual, levanta-se algo bem complicado: como o Estado laico pode se mover nesse terreno? Estamos no Brasil com um problema em torno da autorização do uso das células-tronco embrionárias para pesquisa, por pressões religiosas, e já vamos abrir a discussão sobre o limite possível da intervenção sobre o indivíduo proposta pelas tecnologias convergentes. Na condição de assessor de um órgão do CGEE, qual a sua visão sobre isso? — Embora haja uma discussão bastante importante sobre a utilização das tecnologias emergentes, tanto no Brasil como em vários outros países, eu ainda não tenho uma posição definida, se é que isso é possível, sobre o assunto e nem isso me tem sido demandado na minha atuação no CGEE. Trata-se de uma questão relevante, principalmente ao verificar que, ao lado do avanço recente da ciência, vivemos um período de distúrbios sociais significantes e que muitas vezes são justificados por diferenças religiosas ou culturais. A compreensão e a inclusão desses importantes valores humanos nas discussões sobre o encaminhamento futuro da ciência e da tecnologia podem contribuir para melhorar a nossa convivência social.
■ O que vem a ser “aprimoramento do indivíduo”? — O sentido é muito amplo, mas a nova convergência olha esse aspecto de duas formas: na correção de limitações ou na aceleração de processos normais. No primeiro caso podemos desenvolver dispositivos que restituam a visão, a audição ou o movimento a pessoas que apresentem estes problemas, no segundo, poderíamos pensar no uso de um chip que acelerasse o aprendizado ou que facilitasse a criatividade. Nesse sentido, a imaginação pode ir longe.
■ Qual
■ Então a discussão é: qual a legitimidade
é a sua expectativa de o tema das tecnologias convergentes chegar ao Brasil da maneira como já é discutido na Europa e nos Estados Unidos? — Temos no país uma sociedade científica bastante atuante nas áreas-chave da
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nova convergência. O trabalho desenvolvido no CGEE leva este fato em consideração e será importante saber como esses pesquisadores pretendem participar desse movimento em torno da convergência e quais os desafios que ela nos apresenta. Se observarmos os documentos já referidos, vamos notar que eles apontam para os possíveis benefícios que a convergência pode trazer para os países em desenvolvimento. Mas não acredito que os pesquisadores brasileiros queiram se privar do debate e de atuar ativamente dessas decisões.
desse tipo de intervenção? — Sim, pois ao lado dessas incríveis possibilidades fica a questão de quem vai decidir sobre o que vale ou não a pena de ser aprimorado e para quê.
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■ Como será essa discussão em termos institucionais no Brasil? O que o CGEE está articulando com outros órgãos? — Organizamos, recentemente, uma reunião no CGEE com vários cientistas das áreas centrais da convergência ao lado de outros das áreas sociais e humanas. Foi extremamente proveitoso para o delineamento do estudo que ora iniciamos. Entretanto, foi surpresa observar que, embora vários dos presentes já atuassem na interface da convergência, alguns não estivessem acompanhando os desdobramentos e as discussões que estão correndo no ambiente internacional de ciência e tecnologia. Esta observação veio reforçar a necessidade de ampliar o debate em nossa comunidade, principalmente pelo fato de que essa mesma comunidade tem atuado de forma extremamente competente na formação de recursos humanos para atuar no futuro próximo. No trabalho do CGEE está prevista a participação de órgãos do governo, de empresários e outros segmentos da sociedade que atuam no campo da ciência, tecnologia e inovação.
Abrir canais para que essa discussão aconteça no Brasil ajuda o CGEE, que tem cinco anos, a cumprir seu papel? — Em certa medida, nós brasileiros temos muita dificuldade em trabalhar questões de longo prazo e as preocupações do dia-a-dia tomam quase todo o tempo, deixando a sensação de que muito resta por fazer. Entretanto, não podemos deixar de nos preocupar com os possíveis desdobramentos de decisões tomadas no presente e qual o impacto que elas poderão ter no futuro da sociedade. Os países mais bem estruturados fazem de forma contínua estudos de prospecção e de futuro na tentativa de antever cenários prováveis e desejáveis para daqui a 20 ou 50 anos, de forma a se estruturarem para que isso seja alcançado. As metodologias utilizadas nesses estudos são muito ricas e variadas e o CGEE tem se dedicado a utilizá-las nos seus estudos dirigidos ao campo da ciência, tecnologia e inovação.
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■ Portanto, com enorme grau de incerteza.
— A ocorrência de eventos não previstos e graus de incerteza estão incorporados ao processo de pensar o futuro de forma que os estudos não prevêem um cenário único nem rotas de atuação rí-
gidas que não possam ser modificadas no processo de sua execução. Quem poderia prever as mudanças recentes decorrentes do ataque ao World Trade Center de Nova York e, em decorrência dele, os investimentos financeiros que vêm sendo feitos no que se relaciona à segurança nacional daquele país? Estes fatos recentes devem obrigatoriamente ser incluídos nas agendas dos estudos prospectivos. ■ Quando o senhor fala em projetos para
2050 no Brasil, está pensando em que áreas? — O país tem se destacado em temas importantes não só para nós brasileiros, mas para toda a humanidade. Pensemos nas mudanças climáticas e no desenvolvimento limpo, nas energias do futuro, no uso sustentado da nossa rica biodiversidade. Não podemos mais ficar apenas corrigindo aquilo que já fizemos de errado, é necessário pensar quais os próximos passos e que conseqüências eles poderão ter no futuro. ■ Como se deu o seu trânsito da pesquisa e do ensino para o CNPq e CGEE? — Posso considerar essa mudança como um “presente” de uma pessoa admirável e que eu não conhecia até aquele momento, o ministro Ronaldo Sardenberg, que durante sua passagem pelo MCT convidou-me para trabalhar a seu lado. Ampliar minha atuação do ambiente universitário para trabalhar na elaboração de programas e políticas de ciência e tecnologia foi uma experiência notável. Aprendi muito, não só com o ministro mas com vários membros da equipe, em particular com o secretário executivo, Carlos Américo Pacheco, outra cabeça privilegiada. E contribuí com muita dedicação e trabalho nas propostas do MCT. ■ Seu interesse pela política de C&T vem
desde seu tempo de pró-reitor da Unifesp, não é? — O fato de estar trabalhando há quase 30 anos na Unifesp tem sido um grande privilégio. O que, por um lado, foi sempre uma grande vantagem, isto é, ela ter sido centrada na área da saúde, significou, ao mesmo tempo, uma desvantagem quanto à vivência do conceito de universidade, da interface com outros domínios do conhecimento humano.
Quando comecei a atuar como pró-reitor e a participar de encontros com professores de outras áreas, tive a oportunidade de diversificar minhas expectativas e de completar minha visão sobre o ambiente educacional e da ciência. Quando fui eleito presidente do Fórum de Pró-Reitores de Pós-Graduação e Pesquisa pude, através do encontro de grandes pessoas, aprender ainda mais. ■ E sua experiência na CTNBio? — Exerci a presidência da CTNBio no mesmo período em que era presidente do CNPq. Atualmente um desafio muito interessante, e se considerarmos aquele período como mais “sereno” em relação ao que temos hoje, posso garantir que os membros da CTNBio que trabalhavam comigo naquela época tinham a nítida sensação de que aquele era o período mais conturbado da jovem vida da Comissão. ■ Gostaríamos que terminasse falando de
seu trabalho como neurocientista e das pesquisas sobre epilepsia e a droga pilocarpina. — A pilocarpina, droga conhecida há muito tempo e que é extraída de arbustos da Região Nordeste, vem sendo usada há muito tempo no tratamento do glaucoma. Também já se conhecia o fato de que ela tinha efeito excitatório quando aplicada em neurônios. O nosso achado que acabou sendo fundamental para os avanços no campo das epilepsias foi verificar que a pilocarpina, em altas doses, poderia ser utilizada como ferramenta no desenvolvimento de um novo modelo experimental de epilepsia muito semelhante àquele observado em seres humanos. Nesses 20 anos de trabalho com esse novo modelo experimental o nosso grupo e vários outros do país e do exterior têm podido compreender como um cérebro anteriormente normal pode, a partir de uma lesão, desenvolver mecanismos plásticos que acabam levando à epilepsia. O processo todo é bastante complexo e tem demandado a participação de cientistas de várias áreas, uma verdadeira convergência. Acreditamos que a melhor compreensão desse fenômeno possa contribuir na busca de novas estratégias de tratamento, não só para as epilepsias mas também para as patologias cerebrais que resultam da degeneração neuronal das mais variadas etiologias. ■ PESQUISA FAPESP 136
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> POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
> Diálogo além da fronteira política O lançamento de um fundo de US$ 10 milhões voltado para apoiar a cooperação científica entre pesquisadores de países em conflito no Oriente Médio foi o ponto alto de uma conferência que reuniu 33 ganhadores do Prêmio Nobel em Petro, na Jordânia, em meados de maio. “Serão financiados pesquisadores jordanianos, israelenses e palestinos”, anunciou Elie Wiesel, presidente da conferência e Nobel da Paz de 1986, de acordo com a agência de notícias Deutsche Presse-Agentur. O fundo será constituído com doações do setor privado e irá beneficiar estudos sobre temas com o escassez de água, combate à desertificação, agricultura sustentável, terapias contra
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doenças como hepatite C e treinamento de professores. “A promoção da cooperação científica no Oriente Médio é uma das poucas esperanças que ainda temos de um futuro de paz e de coexistência feliz”, disse à agência SciDev.Net o suíço Richard Ernst, Nobel de Química em 1991. O norte-americano David Gross, vencedor do prêmio de Física em 2004, lembrou que os cientistas têm tradição de trabalhar juntos, além das fronteiras políticas. Citou as colaborações entre norte-americanos e soviéticos nos tempos da Guerra Fria e seu esforço para controlar a corrida armamentista. “Tenho esperança de que isso se repita no Oriente Médio”, disse.
> Um grande salto rumo à África Em mais uma iniciativa para aumentar sua influência nos países africanos, a China lançou no espaço no mês passado um satélite de telecomunicações adquirido pela Nigéria, o Nigcomsat-1, que terá um papel fundamental na expansão da telefonia celular e da internet de banda larga no país africano. Segundo a agência EFE, o Nigcomsat-1 foi construído por uma estatal
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chinesa que serve de braço operacional do programa espacial do país e será monitorado de uma base na capital nigeriana também por uma empresa da China, a Great Wall Industry Corporation. A aquisição e o lançamento foram possíveis graças a um empréstimo de US$ 200 milhões que a China fez à Nigéria no ano passado. As boas relações com a África buscam garantir o abastecimento de matérias-primas que sustentem o crescimento da China. O comércio entre as duas partes multiplicou-se por dez desde 1995. Em 2006, o governo de Pequim lançou o Ano da África na China, para comemorar o 50º aniversário das relações diplomáticas sinoafricanas. Entre os acordos que a efeméride suscitou,
destacou-se a oferta de US$ 5 bilhões em empréstimos para empresas da China com atividades na África.
> O primeiro não-comunista O novo ministro da Ciência da China, Wan Gang, não pertence ao Partido Comunista. É a primeira vez que isso acontece em 35 anos. Reitor de uma universidade em Xangai, ele é ligado ao Zhigong, um dos oito partidos permitidos pelo regime. Jiang Guohua, pesquisador do Instituto Central de Educação de Pequim, disse à agência SciDev.Net que o crescimento do orçamento em ciência e tecnologia e o surgimento de lideranças não-comunistas devem ter um efeito positivo:
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> Harvard em
o envolvimento de mais pessoas na formulação de políticas para o setor. “Isso é um grande progresso dentro da concepção de democracia da China”, disse.
tempo de mudança
> Megadoação para a proteômica A maior doação privada já feita à pesquisa na Dinamarca dará origem a um grande centro dedicado à pesquisa em proteômica. A Fundação Novo Nordisk, que controla várias empresas farmacêuticas e de biotecnologia, anunciou a destinação de 600 milhões de coroas, o equivalente a US$ 110 milhões, para financiar o projeto sediado na Universidade de Copenhague. Apontada como o futuro da biologia molecular, a proteômica estuda o conjunto de proteínas que pode ser codificado pelo genoma. O centro de pesquisas, que começará a funcionar em 2008, abrigará instalações e equipamentos de alta tecnologia capazes de purificar proteínas, determinar sua estrutura e investigar suas propriedades. O objetivo é identificar proteínas que pareçam promissoras para
o desenvolvimento de novas terapias contra doenças. A Universidade de Copenhague vai manter a propriedade intelectual sobre suas descobertas, disse à revista Nature a vice-reitora Birgitte Nauntofte.
A Universidade Harvard, a mais antiga e a número 1 no ranking das universidades norte-americanas, aprovou uma ampla reforma em seu currículo, com o objetivo de aguçar o espírito crítico dos estudantes. Os novos tópicos buscam despertar o interesse dos alunos para o que acontece além das fronteiras acadêmicas e da agenda política norte-americana. Todos os estudantes terão de cumprir disciplinas como o estudo de culturas e crenças religiosas, a posição dos Estados Unidos no mundo, ética e ciências da vida. Segundo o anúncio oficial da universidade, o novo currículo pretende preparar os alunos para “responder de forma crítica e construtiva ao desafio imposto pelas mudanças, além de desenvolver a compreensão das dimensões éticas daquilo que dizem e fazem”. A atualização dos currículos antecede mudanças esperadas no segundo semestre, quando assume a nova reitora Drew Faust. Devem ser propostas medidas para aperfeiçoar o ensino, dando aos professores bem avaliados
por suas atividades na sala de aula os mesmos benefícios salariais hoje concedidos àqueles que se destacam pela excelência em pesquisa. “Precisamos premiar o trabalho dos professores de forma mais consistente”, disse Theda Skocpol, diretora da Escola de Artes e Ciências de Harvard, ao jornal The New York Times.
> Contribuições reconhecidas Um pesquisador do México e outro da Índia ganharam o Prêmio Trieste de Ciência, concedido pela Academia de Ciências do Mundo em Desenvolvimento (TWAS). Luis Herrera-Estrella, do Centro de Pesquisa e Estudos Avançados em Irapuato, México, foi laureado por seu trabalho pioneiro em biotecnologia voltado para a produção comercial de plantas geneticamente modificadas. O químico Goverdhan Mehta, do Instituto Indiano de Ciências em Bangalore, recebeu o prêmio por sua contribuição na síntese de moléculas com aplicações na nanotecnologia e na produção de remédios. Em 2006, um dos vencedores foi o matemático brasileiro Jacob Palis. ILUSTRAÇÕES LAURABEATRIZ
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CIÊNCIA NA WEB
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Envie sua sugestão de site científico para cienweb@trieste.fapesp.br
http://www.wikisky.org
Transfusão de dinheiro público A Comissão Européia anunciou que o Projeto Galileo, sistema europeu de navegação por satélite previsto para operar em 2011, deverá receber uma transfusão de recursos públicos, após os atrasos registrados pelos parceiros privados incumbidos de construir e lançar os satélites. Divergências entre as oito empresas levaram o projeto a um impasse. Já há quem defenda, como Jacques Barrot, comissário europeu para os transportes, uma revisão completa da parceria público-privada. Ele propõe que a construção dos satélites seja bancada por dinheiro público, deixando a exploração para o setor privado. Com isso, a União Européia (UE), que previra gastos de € 1 bilhão, terá de assumir € 2,5 bilhões extras. O Projeto Galileo busca acabar com a dependência européia do sistema norte-americano de GPS. “O Galileo está numa profunda crise e a participação pública deverá 18
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O site fornece um detalhado mapa do espaço com a possibilidade de visualização, por exemplo, de imagens de constelações e fenômenos astronômicos.
crescer consideravelmente”, afirmou Wolfgang Tiefensee, presidente do Conselho de Ministros dos Transportes da UE, à agência Deutsche Welle.
> Tecnologia sem restrição Os países em desenvolvimento venceram uma batalha pelo acesso a vacinas no caso de uma pandemia de gripe aviária. Segundo a agência EFE, chegou-se a um acordo na 60ª Assembléia Mundial da Saúde, realizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em Genebra, na Suíça, para eliminar barreiras no acesso à tecnologia para a produção de imunizantes. A Indonésia foi quem deflagrou a mobilização. O governo negou-se a ceder as amostras do vírus H5N1, causador da doença, recolhidas das vítimas do país, caso não houvesse garantia de acesso às vacinas obtidas a partir do material e à tecnologia necessária para fabricá-las.
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www.professorglobal.cbpf.br
O portal de educação a distância do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas oferece cursos e publicações para apoiar o ensino de física e matemática.
www.cptec.inpe.br/tempo
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais fornece boletins de previsão do tempo ao vivo pela internet, mas é preciso baixar um pacote gratuito de softwares.
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é liberado A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) aprovou a liberação comercial do milho transgênico Liberty Link, da Bayer, resistente ao herbicida glufosinato de amônio. Com 17 votos a favor, quatro contrários e um pedido de diligência, o milho da Bayer tornou-se o primeiro organismo geneticamente modificado liberado pela CTNBio desde o advento da Lei de Biossegurança, em 2005. A decisão precisa agora ser chancelada pelo Conselho Nacional de Biossegurança. A liberação foi possível graças a uma medida provisória baixada em março pelo presidente da República, que reduziu o quórum para aprovação de transgênicos de 18 para 14 votos – de um total de 27 membros .
O médico e pesquisador Marco Antonio Zago é o novo presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), agência de apoio a pesquisa e formação de recursos humanos vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Ele irá substituir o também médico e pesquisador Erney Plessmann de Camargo, que esteve à frente do órgão nos últimos quatro anos. Professor titular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), Zago é diretor científico da Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto e coordenador do Centro de Terapia Celular (CTC), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da
> O PAC da Ciência e Tecnologia O ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, reuniu-se com a comunidade científica do Rio de Janeiro e de São Paulo, nos dias 30 e 31 de maio, para debater o projeto preliminar do Plano de Ações para a Ciência e Tecnologia no período 2007 2010, já batizado de PAC da
e Tecnologia, Sérgio Rezen-
FAPESP. A vice-presidente do CNPq será Wranna Maria Panizzi, ex-reitora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e ex-presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). O ministro da Ciência
Zago: no comando do CNPq
Ciência e Tecnologia. Suas diretrizes foram apresentadas às comissões de Ciência e Tecnologia e de Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados e do Senado. O plano está estruturado em quatro unidades estratégicas: Expansão e Consolidação do Sistema; Inovação Tecnológica nas Empresas; Pesquisa e Desenvolvimento nas Áreas Estratégicas; e Popularização
de, também anunciou os nomes dos titulares de outros 15 órgãos e secretarias vinculados ao MCT. O novo presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), agência voltada para a inovação tecnológica, é o cientista político Luis Manuel Rebelo Fernandes, que foi diretor científico da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj) de 1999 a 2002 e, desde janeiro de 2004, exercia o cargo de secretário executivo do MCT. Rebelo Fernandes substitui Odilon Marcuzzo do Canto, que deixa a Finep para assumir a Agência Brasil Argentina de Contabilidade e Controle (ABACC).
de Ciência e Tecnologia. O plano prevê, por exemplo, o aumento do número de bolsas oferecidas pelas agências de fomento nas áreas tecnológicas; a formação de Centro de Pesquisas em Mudanças Climáticas; a constituição de uma rede de pesquisa na área de etanol, além da retomada do programa nuclear brasileiro. (ver Pesquisa FAPESP nº 135). LAURABEATRIZ
> Milho transgênico
Sob nova direção
EDUARDO CESAR
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> Nossos argentinos são mais criativos Saia-justa na entrega de prêmios da 58ª edição da Feira Internacional de Ciência e Engenharia Intel-Isef, em Albuquerque, estado norteamericano do Novo México. A delegação oficial da Argentina não levou nenhum prêmio. Mas três desgarrados estudantes argentinos, credenciados a participar depois que venceram uma feira de ciências no Brasil, acabaram laureados. Adolfo Luis Soraire, de 18 anos, aluno da Escola de Comércio La Trinidad, em Tucumán, Yamil Alali e Luis Costa, ambos de 15, do Colégio Bilíngüe San Antonio, em Concórdia, não se conformaram com a desclassificação na seleção oficial de trabalhos que representariam seu país e decidiram apresentar suas experiências numa feira de ciências em Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul, que admite estudantes de vários países. Saíram vitoriosos e se credenciaram a competir. A presença dos argentinos no meio da delegação brasileira confundiu a organização do evento. Apresentou-se Soraire como oriundo de “Tucumán, Brasil”. Segundo o jornal La Nación, María Cristina Alvarez, chefe da delegação argentina, criticou o Brasil por acolher os estudantes do país vizinho.“No ano passado combinamos que eles não chancelariam a presença de alunos estrangeiros, mas eles não cumpriram o combinado.” Em tempo: o Brasil saiu vencedor também por méritos próprios. O projeto Aviário Inteligente II, do estudante Igor Seibert, de Novo Hamburgo, 20
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conquistou o terceiro lugar na categoria individual – área de Ciências dos Animais.
> Chamada para políticas públicas A FAPESP abriu a oitava chamada do Programa de Pesquisa em Políticas Públicas (PPPP). Os projetos deverão ser enviados até o dia 10 de julho. Lançado em agosto de 1998, o programa financia pesquisas que possam ajudar a formular e implementar políticas públicas de importância social, cujos resultados tenham impacto no estado de São Paulo. O PPPP reúne institutos de pesquisa, universidades, organismos do setor público e do terceiro setor. Os projetos aprovados terão sua execução prevista em três fases, sendo que as atividades a serem realizadas serão financiadas pela FAPESP na primeira e na segunda fase. As propostas aprovadas serão financiadas com recursos no valor global de R$ 3,4 milhões, provenientes do orçamento da Fundação. Mais informações sobre o programa podem ser obtidas no endereço www.fapesp.br/pppp.
> Morre dirigente da FAP da Paraíba Morreu no dia 24 de maio, em Campina Grande (PB), o diretor-presidente da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (Fapesq), Telmo Silva de Araújo. Ele tinha 65 anos e sofria de câncer. Nascido em Pernambuco e radicado na Paraíba desde 1968, Araújo era professor da Universidade Federal de Campina Grande.
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> Aniversário
Foi diretor-geral da Fundação Parque Tecnológico da Paraíba (PaqTcPB) entre 1985 e 1993 e secretário de Planejamento de Campina Grande, entre 2002 e 2003. Havia assumido o comando da Fapesq havia apenas dois meses.
de 30 anos
> Convergência de interesses
de projetos em aplicações de satélites, lançamento de satélites de pequeno porte, entre outros. Já os interesses brasileiros estão relacionados aos programas de uso de satélites para telemedicina e teleeducação e o intercâmbio de cientistas. “Creio que podemos dar um passo concreto no trabalho de parceria”, diz o presidente da AEB, Sergio Gaudenzi.
> Para estudar o Pantanal A Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) inaugurou no mês passado a Base Avançada de Pesquisas do Pantanal, localizada na Reserva Permanente do
Patrimônio Natural do Sesc Pantanal, em Porto Cercado (MT). Criada pela PróReitoria de Pesquisa da UFMT com o objetivo de oferecer apoio para cursos e pesquisas no Pantanal, a base é composta por um laboratório para triagem de material biológico, estações de tratamento de água e de esgoto, auditório, refeitório e alojamentos. São 106 mil hectares de reserva, dos quais 10 mil foram cedidos à UFMT para funcionamento do centro. A construção da base, cujo projeto arquitetônico tem prédios suspensos que formam um semicírculo para lembrar uma aldeia, contou com recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).
ILUSTRAÇÕES LAURABEATRIZ
O Brasil e a Índia criaram um grupo de trabalho para analisar a viabilidade de cooperações no setor espacial. A decisão foi tomada em uma visita de representantes da Organização de Pesquisa Espacial da Índia (Isro) à sede da Agência Espacial Brasileira (AEB), em Brasília. As conclusões do grupo de trabalho darão lastro a um documento que deve ser assinado pelos governos dos dois países em setembro, quando acontece na Índia o 58º Congresso Astronáutico Internacional. O grupo será coordenado no Brasil pelo diretor de Política Espacial e Investimentos Estratégicos da AEB, Himilcon Carvalho, e na Índia pelo diretor do Programa de Observação da Terra, Venkatakrishnan Jayaraman. Os indianos têm interesse em trocar experiências e informações em assuntos como o rastreio de satélites, desenvolvimento
Um evento realizado no Centro de Convenções da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) marcou, no dia 22 de maio, os 30 anos da produção da primeira fibra óptica brasileira apta a ser usada em telecomunicações, trabalho realizado em 1977 por pesquisadores do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW), da Unicamp, com financiamento da Telebrás. Um dos protagonistas do episódio, o físico José Ripper Filho, estava presente no evento da Unicamp. “A fibra óptica não foi inventada no Brasil, mas revolucionou os serviços de comunicação no país por ter sido capaz de modificar o mercado”, disse Ripper, que em 1971 era chefe do Departamento de Física Aplicada do IFGW, à Agência FAPESP. A transferência da tecnologia ocorreu por meio do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), então vinculado à Telebrás. Estabelecida em Campinas, a empresa nacional ABC XTal assinou contrato de US$ 6 milhões para produzir 2 mil quilômetros de fibra óptica. O primeiro lote de 500 quilômetros foi entregue em agosto de 1984.
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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
INDICADORES
As chaves do
desenvolvimento
A saída para a A m érica Latina pode estar na “destruição criativa” baseada em ciência e tecnologia C LAUDIA I ZIQUE | FOTOS M IGUEL B OYAYAN
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uita coisa mudou na América Latina nos últimos 17 anos. A receita de crescimento do Consenso de Washington, formulada em 1989 – que envolve disciplina fiscal, desregulamentação, privatização de estatais, entre outras medidas –, teve forte impacto na economia, nos mercados regionais e até na inovação tecnológica, mas não foi suficiente para garantir um desenvolvimento sustentável: a taxa média do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) na região não ultrapassou os 4% e as desigualdades sociais se aprofundaram. Temos um terço da população vivendo no Primeiro Mundo e dois terços às margens do mercado, disse Jorge Katz,ex-diretor da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), professor de economia industrial da Universidade de Buenos Aires, na Argentina, e professor visitante de teoria da inovação na Universidade do Chile, que esteve em São Paulo. “Precisamos superar o idílio com o Consenso de Washington.” A saída para o desenvolvimento latino-americano, na sua avaliação, está na “destruição criativa”, que, na economia do conhecimento, tem como chaves a ciência e a tecnologia (C&T). O novo caráter da revolução necessária na América Latina foi o pano de fundo do VII Congresso Ibero-americano de Indicadores de Ciência e Tecnologia, promovido pela Rede Ibero-americana de Indicadores de Ciência e Tecnologia (Ricyt) e a FAPESP, entre os dias 23 e 25 de maio, em São Paulo. Hoje há uma nova revolução social inspirada no conhecimento que levará às mudanças sociais. Necessitamos de políticas de desenvolvimento que consolidem uma nova indústria, criem novos mercados e permitam superar a dualidade regional atendendo às demandas sociais, explicou Mario Albornoz, secretário da Ricyt. Nesse novo contexto, a construção de indicadores de C&T são ferramentas estratégicas para dar suporte às políticas regionais de desenvolvimento. Essa é a missão da Ricyt, criada em 1995, por iniciativa do Programa Ibero-americano de Ciência e Tecnologia para
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o Desenvolvimento (Cyted): estimular e facilitar a produção de indicadores para o diagnóstico e a gestão da C&T nos países latino-americanos, Espanha e Portugal. “Na época, constatamos que a maior parte dos países da América Latina e do Caribe carecia de estatísticas em C&T confiáveis e comparáveis internacionalmente”, lembrou Albornoz. A rede foi arquitetada como empreendimento coletivo, já que os países envolvidos tinham problemas comuns: baixa taxa de investimento em inovação e de seus resultados para a sociedade, falta de políticas científicas e tecnológicas de longo prazo e escassez de empreendedorismo. Ela articula organismos nacionais de C&T, universidades, institutos de pesquisa e entidades regionais e tem avançado no desenvolvimento de indicadores de informação, de percepção pública de ciência, de impactos sociais da C&T e de internacionalização da ciência. Hoje vivemos uma nova etapa, cujos objetivos básicos devem ser alcançar maior competitividade e eqüidade social, que se traduzem em necessidade de aumentar as exportações e construir vantagens comparativas dinâmicas baseadas no conhecimento, resumiu Albornoz. Indicadores de inovação - Num congresso ibero-ameri-
cano o Brasil tem posição de destaque, sobretudo quando se trata de avaliar o avanço do desenvolvimento tecnológico. O próprio Katz reconhece que aqui o Estado se manteve presente e, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), contribuiu, por exemplo, para a consolidação de uma indústria forte e diversificada, sobretudo no setor estratégico de bens de capital forte. No Chile o Estado não intervém. Agora é que está adotando política de seletividade de investimentos para construir o Chile 2020. Na Argentina é parecido, analisou. O Brasil também está na frente em matéria de indicadores de desenvolvimento.A principal iniciativa é a Pesqui-
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sa Industrial de Inovação Tecnológica (Pintec), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Nas duas primeiras edições – em 2000 e 2003 – a Pintec contabilizou o número de empresas industriais inovadoras em tecnologia e processos, os investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), as relações de cooperação com outras instituições, pessoas ocupadas, entre outros. Na terceira edição, a ser publicada ainda este ano, a Pintec deverá incluir também o setor de serviços. A última edição da Pintec revelou que a inovação avançava lentamente no país. Entre 2000 e 2003, embora tenha aumentado o número de empresas que realizavam P&D, esse crescimento se concentrava nas pequenas empresas que desenvolveram inovações de caráter imitativo, de menores custos e riscos. Nas demais houve queda nos gastos com a inovação. Os dados da Pintec revelam os pontos frágeis do avanço da inovação no país e apontam a direção em que deveriam ser reforçadas as políticas de desenvolvimento tecnológico. As informações da Pintec – baseadas em metodologia do Manual de Oslo, da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) – não permitem identificar o desempenho inovativo de setores específicos. Mas forneceram o insumo básico para a construção de um outro indicador mais sofisticado – o Índice Brasil de Inovação (IBI) –, resultado de uma iniciativa editorial da revista Inovação, em parceria com o Instituto Uniemp, o Departamento de Política Científica e Tecnológica 24
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do Instituto de Geociências (IGE), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com o apoio da FAPESP. O novo índice avalia o grau da capacidade de inovação das empresas, levando em conta os esforços de inovação e os seus resultados, permitindo assim classificar empresas dos vários setores industriais ordenados por intensidade tecnológica. O ranking das empresas mais inovadoras foi anunciado durante o VII Congresso da Ricyt. O nosso universo de classificação foram 30 empresas do setor de manufatura consultadas pela Pintec, explicou Carlos Vogt, presidente da FAPESP, e idealizador do índice. Além das respostas das empresas ao questionário da Pintec 2003, voluntariamente cedidas à equipe de pesquisadores para a elaboração do indicador sob compromisso de sigilo absoluto, o IBI também utilizou informações relativas às patentes registradas pelas empresas no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) e as da Pesquisa Industrial Anual (PIA) 2003, também do IBGE, que contabilizam investimento na qualificação de pessoal, aquisição de equipamentos, entre outros. Tecnologia e m ercado - A idéia subjacente ao índice é
a de que os esforços tecnológicos não são um objetivo em si mesmo, mas instrumentos para garantir o crescimento da empresa, explicou Ruy Quadros, da Unicamp. Assim, o IBI se divide em dois grandes indicadores: Indicador Agregado de Esforços (IAE) – que leva em conta os insumos empregados no processo de inovação – e Indicador Agregado de Resultados (IAR) – que mede o impac-
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to da inovação no desempenho da empresa. Cada um desses grandes indicadores foi subdividido em outros 15, como o de recursos humanos, de receita de venda com produtos inovadores, de patentes, entre outros. As diferenças intersetoriais nos esforços de P&D e no número de patentes foram compensadas por meio da ponderação dos resultados obtidos por cada empresa com a média do desempenho inovativo do seu setor de atividade. Para evitar que o tamanho da empresa beneficiasse grandes empreendimentos, na avaliação do esforço inovador os pesquisadores levaram em conta a receita líquida e o número de empregados. Os rankings setoriais de inovação foram construídos com base na similaridade de comportamentos tecnológicos. A partir desse critério, as empresas foram reunidas em quatro grupos: setores de alta tecnologia; de médiaalta intensidade tecnológica; de média-baixa intensidade tecnológica; e de baixa intensidade tecnológica. No grupo 1, de alta tecnologia, um dos mais intensivos em atividades de P&D no país, o setor automobilístico ficou com o primeiro e o terceiro lugares. A primeira colocada foi a Delphi, fabricante de autopeças, com um desempenho tecnológico muito acima da média do setor automobilístico. A Embraer ficou com o segundo lugar porque seu peso relativo no setor é muito expressivo. No grupo 2, formado por empresas de setores de média-alta intensidade tecnológica, que realizam P&D contínua, os três primeiros lugares ficaram com a indústria química. A campeã foi a Silvestre Labs, fabricante de produtos farmacêuticos instalada no pólo de biotecnologia do Rio de Janeiro (BioRio), que teve destaque no indicador de resultados. Tem 150 funcionários, mais da metade dedicada à P&D, e já coleciona seis patentes. O segundo lugar foi da Vallé, de Montes Claros, Minas Gerais, que atua na área de saúde animal. O grupo 3, que agrupou setores de média-baixa intensidade tecnológica, teve resultados heterogêneos. O primeiro lugar foi da Brasilata, fabricante de latas de aço com 900 funcionários, mais de 50 patentes depositadas no Brasil e no exterior, que obteve desempenho espetacular nos indicadores de resultados. O segundo lugar coube à Faber Castell, empresa classificada no setor de móveis e diversos, com destaque para o seu Indicador Agregado de Esforços. A Usiminas, empresa de metalurgia básica, apresentou resultados equilibrados entre esforços e resultados, ficando em terceiro lugar. O grupo 4 reúne os setores de mais baixa intensidade tecnológica da indústria brasileira. O primeiro lugar foi da Santista Têxtil; o segundo da Grendene, fabricante de calçado, e o terceiro da Rigesa, indústria de papel e celulose. Na sua próxima edição,o IBI deverá ser aprimorado para corrigir desvios observados na comparação de pequenas e grandes empresas e incorporar também o setor de serviços. Mas, segundo Quadros, já apresenta uma tripla vantagem: permitirá que a sociedade conheça a atuação das empresas inovadoras por um prisma diferente dos indicadores tradicionais; servirá como referência para que o governo e as agências de fomento calibrem instrumentos de política pública voltados para o setor privado; e possibilitará às em-
presas avaliar seu desempenho inovativo em relação às demais concorrentes no mercado.“O próximo passo será fazer o Manual de Campinas, uma espécie de gramática do IBI, com explicações sobre sua sintaxe”, adiantou Vogt. Acesso à ciência - Os indicadores permitem também que se avalie o grau de informação do público sobre o desenvolvimento científico e tecnológico de um país. No Congresso da Ricyt foram apresentados os primeiros resultados da pesquisa Percepção Pública da Ciência e Tecnologia, elaborada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), em parceria com a Academia Brasileira de Ciências, a Fiocruz, com a colaboração do Labjor, da Unicamp e apoio da FAPESP. Foi a segunda investigação em nível nacional sobre o tema. A primeira foi realizada em 1987 pelo Instituto Gallup, por iniciativa do CNPq, quando se constatou que apenas 20% dos entrevistados manifestavam interesse em estudar temas da ciência. Dessa vez foram consultadas 2.004 pessoas em todo o país – com idade média de 36 anos e renda mensal média de R$ 952,29 – por meio de um questionário com perguntas quantitativas, em novembro e dezembro do ano passado. Observou-se, por exemplo, que o brasileiro gosta mais de ciência do que de política. Na Europa também é assim, comparou o pesquisador Yurij Castelfranchi, do Labjor. Mas a atração pela ciência perde para temas relacionados a medicina e saúde (60% de interesse), meio ambiente (58%), religião (57%), economia (51%) e esportes (47%). A pesquisa também revelou discrepâncias no acesso ao conhecimento: o acesso à informação científica varia em função da renda e da educação. O público de classe
Índice Brasileiro de Inovação As mais inovadoras SETORES DE ALTA TECNOLOGIA 1o Delphi (automobilística) 2o Embraer (outros equipamentos de transportes) 3o Marcopolo (automobilística) SETORES DE MÉDIA-ALTA INTENSIDADE 1o Silvestre Labs (química) 2o Vallé (química) 3o Natura (química)
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SETORES DE MÉDIA-BAIXA INTENSIDADE 1o Brasilata (produtos de metal) 2o Faber Castell (móveis e diversos) 3o Usiminas (metalurgia baixa) SETORES
TECNOLÓGICA
DE BAIXA INTENSIDADE TECNOLÓGICA
1o Santista Têxtil (têxtil) 2o Grendene (calçados) 3o Rigesa (papel e celulose) PESQUISA FAPESP 136
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A tinha visitado museus de ciência ou de arte, freqüentado bibliotecas e zoológicos, ou ainda participado de olimpíadas de ciências nos últimos 12 meses. Esse resultado se assemelha a padrões europeus. Na classe E, no entanto, a freqüência foi bem próxima de zero. E mais: 90% dos entrevistados não souberam mencionar nenhuma instituição de pesquisa científica no país. A pesquisa do MCT utilizou a mesma metodologia do Projeto de Indicadores de Percepção Pública, Cultura Científica e Participação dos Cidadãos, que começou a ser arquitetado pela Ricyt em 2001, no Uruguai, Espanha, Argentina e Brasil. O projeto revisou os indicadores tradicionais – que relacionam atitudes positivas quanto à ciência com o nível de escolaridade, por exemplo –, buscando ampliar a abrangência da análise e observar o grau com que a cultura científica está impregnada na sociedade. A metodologia foi testada e aperfeiçoada e um manual de orientação de pesquisa deverá ser publicado em novembro. Acesso à ciência - A América Latina também está empenhada em construir indicadores que permitam avaliar efetivamente a sua produção científica.A principal referência mundial é o Thomson ISI (Institute for Scientific Information), que indexa mais de 8 mil jornais e revistas científicos rigorosamente selecionados, referentes a 164 áreas do conhecimento.“Por isso, temos tido a tendência de publicar em revistas internacionais indexadas ao ISI”, afirmou Rogério Meneghini, do Centro Latino-americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme). O impacto dos artigos de pesquisadores brasileiros, medido pelo número de citações – e a regra vale para toda a América Latina –, perde seu efeito ante a concorrência qualificada: o índice de impacto da ciência brasileira no Journal Citation Repport é de 0,20. Para efeito de comparação: o da Holanda é de 9,58 e o dos Estados Unidos, de 38,33. Na média, os artigos produzidos por países desenvolvidos têm um fator de impacto de 1,90 e o dos países em desenvolvimento de 0,30, afirmou Meneghini. A opção por publicar em revistas indexadas ao ISI enredou os pesquisadores brasileiros num círculo vicioso, alimentado por autores, que manteve escondida boa parte da ciência produzida no Brasil nos últimos anos. A SciELO, criada em 1997, com o apoio da FAPESP e parceria do CNPq, ampliou a visibilidade da pesquisa nacional – e de uma parte significativa da ciência latino-americana – com 200 revistas indexadas, selecionadas por meio de um processo de avaliação crítico e rigoroso. Seu conteúdo é totalmente aberto e gratuito. A consulta aos artigos na grande maioria das bibliotecas eletrônicas, no entanto, é paga. No Brasil, a democratização do acesso é garantida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que investe US$ 32 milhões anuais na compra de assinaturas de 9 mil revistas indexadas. Como lidar com trabalhos científicos, do ponto de vista ético, que levam a um lucro fabuloso, sem facilitar o acesso?, indagou Meneghini, que defende a idéia de que os artigos científicos, sobretudo os que são produto de investimentos públicos, têm de estar disponíveis em meio eletrônico, sem cobrança de taxas ou direitos autorais. ■ 26
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Os sentidos da arte Equipe da USP integra-se a esforço internacional para resgatar documentos sobre movimentos artísticos latino-americanos
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FAPESP e o Museu de Belas-Artes de Houston (MFAH,na sigla em inglês) celebraram um convênio de cooperação que integra o Brasil a um grande programa internacional de resgate e digitalização de documentos sobre arte latino-americana.Batizada de Arte no Brasil – Textos Críticos do Século XX,a vertente brasileira do programa é coordenada por Ana Maria de Moraes Belluzzo,professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP),e receberá R$ 1,3 milhão em investimentos nos dois primeiros anos do acordo,quantia dividida entre a FAPESP e o museu norte-americano. A equipe da USP irá selecionar e digitalizar documentos primários e raros,como manuscritos,cartas e manifestos,produzidos por artistas e críticos brasileiros entre as primeiras décadas do século XX e os anos 1980. O material vai somar-se a compilações de textos da mesma natureza que vêm sendo reunidos desde 2003 por equipes de especialistas na Argentina,no Chile,no México,na Colômbia,no Peru,na Venezuela e também nos Estados Unidos,no âmbito do projeto
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Documentos do Século 20 – Arte Latino-americana e Latino-norte-americana,sob coordenação do Centro Internacional para as Artes das Américas (ICAA), vinculado ao museu de Houston.Todo esse acervo estará disponível em 2008 no portal do MFAH na internet,na forma de um banco de dados público,e servirá de base para uma coletânea de livros em inglês, português e espanhol sobre arte latino-americana. “Esse é um projeto extremamente ambicioso,bemestruturado e bem-organizado”,afirma Carlos Vogt, presidente da FAPESP.“Os documentos permitirão enxergar a arte latino-americana de maneira mais clara e,ao mesmo tempo,mais complexa,fornecendo condições para o desenvolvimento de atividades didáticas e pedagógicas nas instituições de ensino dos países participantes.É mais um exemplo de que educação e cultura jamais se separam”,diz Vogt.O programa foi concebido pelo MFAH,juntamente com a formação de uma coleção de obras latino-americanas,para atender a uma demanda do público e de historiadores da arte nos Estados Unidos,que são mais familiarizados com a arte produzida na Europa,mas pouco conhecem dos
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REPRODUÇÃO
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Eu vi o mundo... Ele começava no Recife: painel dos anos 1920 do pernambucano Cícero Dias que é, por si só, um manifesto
movimentos artísticos latino-americanos. O objetivo é suprir essa carência de informação e romper um círculo vicioso que tolhe a pesquisa sobre o assunto e faz com que as obras sejam pouco valorizadas. A situação geográfica do museu de Houston, no fronteiriço estado do Texas, tornava essa lacuna especialmente evidente. “Sessenta por cento de nossas crianças em idade escolar são descendentes de latinos, mas as escolas não têm informação para lhes mostrar o que é arte latina”, diz Peter Marzio, diretor do MFAH há mais de duas décadas. Marzio sensibilizouse com essa carência já nos anos 1980, quando saiu à procura das melhores obras de artistas norte-americanos de origem latina para montar uma exposição, mas constatou que pouco se sabia acerca de movimentos artísticos latino-americanos. Em 2001, o museu criou o ICAA com a ambição de disseminar e estudar a arte latino-americana nos Estados Unidos. “O público conhece muito pouco os artistas da Argentina, do Brasil ou da Colômbia. Acham que tudo vem do México e, se for preciso citar alguém, lembram de Frida Kahlo”, diz Mari Carmen Ramirez, uma dos 20 curadores do museu de Houston e responsável pelo ICAA. “Nossa idéia é estabelecer uma base comparativa da história da arte nessas mais de 20 nações, que têm uma ampla variedade de etnias e tradições culturais, mas compartilharam uma história de colonização.” O programa Documentos do Século 20 – Arte Latino-americana e Latino-norte-americana trabalha com textos produzidos por artistas, como manifestos, textos críticos, depoimentos e cartas, capazes de abas-
tecer os pesquisadores com matéria-prima para a compreensão de movimentos artísticos. Até o fim do ano, deverá ter reunido 6 mil documentos nos países participantes. A equipe da USP já pré-selecionou 200 documentos para trabalhar. São textos como uma carta de Ferreira Gullar a Mário Pedrosa, datada de fevereiro de 1959, que trata do Manifesto Neoconcreto que lançaria com outros artistas de vanguarda naquele ano. Ou um livro artesanal de colagens, feito em 1963 por Lygia Clark (1920-1988), em que a pintora e escultora conceitua algumas de suas técnicas. Ou ainda o livro Escultura popular brasileira, de 1944, em que o arquiteto Luiz Saia analisa um conjunto de obras coletadas em 1938 no Nordeste por uma missão de pesquisas folclóricas deflagrada pelo Departamento de Cultura de São Paulo, então dirigido por Mário de Andrade. “Os escritos de artistas são muito importantes para a pesquisa porque se baseiam na experimentação e traçam análises que a crítica jamais poderia supor”, explica Ana Maria Belluzzo.“O documento é meio, não fim, porque os textos de arte são sempre referentes às obras, mesmo que não as citem. A história da arte estabelece uma relação entre obra e texto.” Para a professora, o projeto permitirá que a história desse período do século XX possa ser repensada e escrita de forma diferente. “Será possível pensar a partir da visão que os artistas e críticos tinham na época e ver como certas questões aparecem ao longo das décadas. Não podemos pensar com a cabeça de 2007 o que aconteceu em 1930”, afirma. ■
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Carvalho Pinto assina decreto de criação da FAPESP, em 1962: pesquisa em todas as áreas, como na médica, agrícola e genômica COMEMORAÇÃO
Paradigma nacional
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uíte Vila Rica, de Camargo Guarnieri, e Estância,de Albe rto Ginastera,marcaram a comemoração dos 45 anos da FAPESP no dia 23 de maio.As peças foram executadas pela Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp),regida pelo chileno Victor Hugo Toro,regente auxiliar.Mais de 900 convidados compareceram ao concerto e à cerimônia na Sala São Paulo,no centro da capital paulista. Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),fez o discurso inaugural do evento,representando a comunidade acadêmica.Ele ressaltou um aspecto importante da cultura científica paulista: a tradição de respeito pela ciência por parte dos governos estaduais. “A cultura do conhecimento se traduz na estabilidade e na continuidade do apoio a pesquisa garantido pela FAPESP ao longo dos anos e que tem sido responsável por tantas conquistas de peso
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para a ciência brasileira”,disse Belluzzo. A ele impressiona como o estado paulista,por sucessivos governos,sempre respeitou a transferência dos recursos e conseguiu manter a continuidade dos repasses para a pesquisa.“A FAPESP testemunha a possibilidade de o Brasil ter uma estabilidade duradoura.” Carlos Henrique de Brito Cruz,diretor científico da Fundação,afirmou que a FAPESP tem três pilares:apoio à formação de recursos humanos;financiamento da pesquisa acadêmica;e amparo à pesquisa de natureza aplicada, de interesse da indústria e do governo. “A Fundação soube realizar bem essas premissas nesses 45 anos”,disse Brito Cruz.“Tanto que seus estatutos nunca foram alterados.” Cooperação - Ao ser criada,a FAPESP
gerou um princípio de identidade que desenhou as linhas de um processo dinâmico de identificação entre a comunidade de pesquisadores e a instituição, afirmou por sua vez Carlos Vogt,pre-
sidente da FAPESP.“Esse processo logo foi traduzido em uma cooperação intensa de demandas,de ofertas,de colaboração crítica e avaliativa,de produção do conhecimento,de sua difusão e divulgação”,disse.“Com isso,fecha-se o círculo de aberturas programáticas da Fundação,que vai das bolsas à inovação e desta ao aumento da capacidade de investimento na formação de competências e no desenvolvimento científico e tecnológico do estado como base de seu desenvolvimento econômico e social.” O secretário da Cultura,João Sayad, representante do governador José Serra, considerou que a criação da Fundação, em 1962,foi uma proeza da sociedade brasileira.“Às vezes,deixamos de ver o que é feito de bom no país e,com isso, nos surpreendemos quando vemos nossas próprias façanhas,como a criação da FAPESP”,disse.“Hoje,onde quer que se fale de ciência e tecnologia em São Paulo,fala-se da FAPESP.”Para o secretário, a Fundação se transformou em paradigma para o Brasil. ■
ACERVO FAPESP, EDUARDO CESAR, ELLIOT W. KITAJIMA/USP
FAPESP completa 45 anos com estabilidade e constância no apoio à pesquisa
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Esforço multiplicado Convênio FAPESP-Padtec vai mobilizar pesquisadores para aperfeiçoar sistemas de comunicações ópticas
A Padtec busca desenvolver tecnologias e soluções relacionadas a redes ópticas que permitam o lançamento de novos produtos ou tornem mais competitivo seu atual portfólio.A empresa é líder no mercado brasileiro de sistemas avançados de transmissão de fibras ópticas baMIGUEL BOYAYAN
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FAPESP e a Padtec,um dos maiores fabricantes brasileiros de sistemas de comunicações ópticas, estão celebrando um convênio de cooperação científica.O objetivo é estabelecer projetos de pesquisa envolvendo pesquisadores de instituições paulistas e da empresa,que é sediada em Campinas e surgiu em 2001 como um desmembramento do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), braço tecnológico da Telebrás.O aporte financeiro para as propostas selecionadas será de R$ 40 milhões,sendo R$ 20 milhões desembolsados pela FAPESP e os outros R$ 20 milhões pela Padtec. Um comitê composto por dois representantes da FAPESP e dois da Padtec vai elaborar as chamadas de projetos.A parceria terá cinco anos de duração. Segundo o diretor centífico da FAPESP,Carlos Henrique de Brito Cruz,o convênio faz parte de uma iniciativa mais ampla da FAPESP no sentido de organizar em termos mais interessantes para a comunidade acadêmica paulista programas cooperativos envolvendo universidades,institutos de pesquisa e empresas.“A Padtec tem grande necessidade de pesquisa avançada em comunicações ópticas para desenvolver sistemas,dispositivos e softwares. A empresa já tem intensa atividade de pesquisa e isso tornou a cooperação com a FAPESP ainda mais fácil”,afirmou.“O convênio é ambicioso e oferece prazos e investimentos que permitem pesquisas muito sofisticadas”,disse Brito Cruz. O interesse da FAPESP no desenvolvimento de comunicações ópticas avançadas já se manifestou em diversos programas,em especial no Tecnologia de Informação e Desenvolvimento de Internet Avançada (Tidia) e na Plataforma Óptica de Pesquisa para o Desenvolvimento da Internet Avançada (Kyatera).
seadas na tecnologia DWDM/CWDM (Dense/Coarse Wavelength Division Multiplexing,na sigla em inglês),que consiste na transmissão de múltiplos canais ópticos em uma única fibra,ampliando a capacidade de transporte dos sistemas de telecomunicações.Um dos temas principais que serão objetos de chamadas de propostas de pesquisa é o desenvolvimento de novas tecnologias e soluções em sistemas de comunicações ópticas baseados na tecnologia DWDM para aplicações em longa distância e em redes metropolitanas.O DWDM viabiliza o tráfego de dados em taxas de terabits (acima de mil gigabits) por segundo.Outros temas poderão ser incluídos por decisão do comitê. “Já trabalhamos há bastante tempo com diversas instituições financiando pesquisa e desenvolvimento.Com o convênio,conseguiremos multiplicar o esforço para desenvolver e aperfeiçoar tecnologias que garantam a nossa competitividade”,diz o engenheiro eletrônico Jorge Salomão,presidente da Padtec.A empresa tem raízes na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).Seus principais dirigentes estudaram na instituição.Jorge Salomão Pereira,presidente da Padtec,graduou-se em engenharia elétrica,fez mestrado em 1990 e doutorado em 1994,sempre pela Unicamp. José Tadeu de Jesus,diretor industrial, é mestre em física também pela Unicamp.A Padtec está incluída na lista de mais de 140 “empresas filhas”da Unicamp,que estão cadastradas na Inova Unicamp,agência de inovação da universidade.“A Unicamp é um centro de excelência em comunicações ópticas, mas há pesquisadores formados pela universidade espalhados por outras instituições que poderão integrar-se ao convênio e multiplicar este esforço de pesquisa”,disse Salomão. ■ PESQUISA FAPESP 136
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ois artigos científicos publicados no mês passado projetaram cenários para o futuro das florestas tropicais com base em cálculos e modelos computacionais. Aponta-se,por exemplo,uma alta probabilidade de que o aquecimento global vá converter uma parte da Amazônia brasileira em savanas,em decorrência da redução da quantidade de água no solo.Mas,por outro lado,tanto as mudanças globais como seus efeitos na cobertura vegetal poderão ser amenizados caso se reduzam os desmatamentos praticados pelo homem.Os artigos foram escritos por vários cientistas e,em comum,têm a assinatura do brasileiro Carlos Nobre,pesquisador do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC,na sigla em inglês),fórum criado pelas Nações Unidas. Publicado no site da revista Science, o estudo Tropicalforests,climate change and climate policy mostra que,caso seja mantido o ritmo de desmatamento dos últimos anos,a destruição das florestas tropicais deverá lançar uma quantidade adicional de 87 bilhões a 130 bilhões de toneladas de carbono até o ano 2100 – o equivalente a mais de uma década de emissões causadas por combustíveis fósseis.Mas,se os países conseguirem reduzir as taxas de desmatamento em 50% até 2050 e manter este ritmo até 2100,será possível eliminar 50 bilhões de toneladas de carbono.Isso equivale a mais de 10% dos cortes necessários para manter as concentrações atmosféricas de dióxido de carbono em 450 partes por milhão,limite acima do qual,segundo o IPCC,o aquecimento ultrapassará um patamar de 2ºC e produzirá problemas em escala global.O texto é assinado também por cientistas da Austrália,do Canadá,dos Estados Unidos,da França e do Reino Unido e foi divulgado na seção Policy Forum, na qual a Science recomenda estudos aplicáveis em políticas públicas.
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Cenários da floresta
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POLÍTICAS PÚBLICAS
Modelos mostram que parte da Amazônia vai virar savana e sugerem que combate ao desmatamento pode amenizar o aquecimento global F ABRÍCIO M ARQUES
Há tempos os países industrializados são apontados como os grandes responsáveis pelas emissões de gases causadores do efeito estufa,o que levou os cientistas a colocar em segundo plano o potencial de redução dos países em desenvolvimento. Estas nações ficaram fora da primeira fase de compromissos assumidos no Protocolo de Kyoto.Isso está mudando. Segundo dados chancelados pelo IPCC, o desmatamento de florestas tropicais lançou na atmosfera na década de 1990 cerca de 1,5 bilhão de toneladas de carbono por ano – ou 20% das emissões de gases causadores do efeito estufa promovidas pelo homem.Recentemente,no âmbito da Convenção sobre Mudanças Climáticas da ONU,surgiu uma iniciativa voltada para identificar políticas capazes de reduzir emissões do desmatamento em países em desenvolvimento. Foi esta iniciativa que abasteceu de dados o estudo publicado no site da Science. Trajetória declinante - Além da importância de controlar a devastação,o artigo sugere que esse tipo de iniciativa está no rol das opções mais baratas para conter o desmatamento.Os pesquisadores destacam,porém,que países em desenvolvimento precisam de apoio financeiro para reduzir a devastação.“Tem que ser um esforço mundial e parte das reduções precisa ser financiada pelos países ricos”, diz Carlos Nobre. Uma boa notícia é que o Brasil,na avaliação de Nobre,tem amplas condições de alcançar a meta de redução de 50% muito antes de 2050.“A trajetória dos desmatamentos no Brasil é declinante e sou otimista em relação à nossa capacidade de mantê-la sob controle no futuro”,afirma.“O poder público pela primeira vez tem tido ações efetivas para coibir o crime organizado que desmata a floresta,e já se vê o impacto disso.Por outro lado,a população brasileira tende a se estabilizar nas próximas décadas e as enormes áreas já desmatadas são mais do que suficientes para abrigar atividades econômicas da população rural atual e
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do projetado aumento desta população. O Brasil precisa se engajar, mas o quadro é favorável”, afirma. Já o caso das florestas tropicais da Indonésia é mais complexo, segundo o pesquisador. “O controle institucional lá é mais complicado e, como muito já foi desmatado, o que sobrou é especialmente vulnerável.” O segundo estudo, publicado na revista Geophysical Research Letters, em parceria com os pesquisadores Luis Salazar, do Inpe, e Marcos Oyama, do Centro Técnico Aeroespacial, utilizou 15 modelos climáticos computacionais disponíveis para projetar o impacto do aquecimento global nos biomas da América do Sul. Estes modelos ainda apresentam grandes divergências de resultados, como no caso do regime de chuvas, por exemplo. “Há controvérsias, por exemplo, em relação ao papel das nuvens, que são de difícil representação nos modelos”, diz Nobre. O aumento da evaporação deverá estimular a formação de nuvens, que, ao refletir a radiação solar, podem
Queimada na Amazônia: o desafio é reduzir em 50% o desmatamento e manter esse nível até o final do século
servir de antídoto para o aquecimento e contrabalançar efeitos das mudanças globais. Esse tipo de incerteza ainda torna inviável, por exemplo, antever o destino da Caatinga brasileira. Mas há um consenso importante. Mais de 75% dos modelos convergem e indicam que é provável que o sudeste da Amazônia, principalmente as matas do estado do Pará, sofra um processo de savanização. “Esta região já tem uma estação seca mais longa do que outras áreas da floresta. Os modelos indicam que, com uma evaporação maior e a conseqüente redução da quantidade de água no solo, ela pode tornar-se semelhante às regiões de Goiás e Tocantins”, diz Carlos Nobre. O pesquisador, contudo, evita comparar a biodiversidade que restará com o panorama do Cerrado.“Será uma savana bem mais empobrecida”, afirma. As projeções indicam uma redução de 18% das áreas cobertas por florestas tropicais até o final deste século, com o aumento de 30,4% das áreas cobertas por savanas. ■ PESQUISA FAPESP 136
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AMBIENTE
MUDANÇA CLIMÁTICA
Tecnologia contra
o aquecim ento global Brasilsaina frente com etanol,biodiesele plantio direto
C LAUDIA I ZIQUE |
FOTOS
E DUARD O C ESAR
O s três relatórios do Painel Intergovernamental sobre M udanças Climáticas (IPCC) — a maior radiografia ambiental já realizada — divulgados nos meses de março, abril e maio não deixaram dúvidas de que a elevação da temperatura do planeta tem que ser creditada à ação do homem e que o impacto do aquecimento global sobre os ecossistemas, a economia e as sociedades poderá custar caro à humanidade. Mas também apontaram o caminho: o mundo pode reduzir as emissões de gases de efeito estufa, principalmente as de dióxido de carbono (CO2), por meio da utilização de energias renováveis, racionalização no uso de transportes, melhoria no manejo agrícola e redução do desmatamento, entre outras medidas mitigadoras. A ação, no entanto, deve ser imediata. “Esse é um momento excelente para mudar o padrão de consumo para atender demandas da sustentabilidade e mudar a visão de utilização dos recursos naturais do planeta”, afirma Paulo Artaxo, enxergando no que poderia ser interpretado como crise uma oportunidade, sobretudo para o Brasil, que, segundo ele, tem “enormes vantagens estratégicas” em relação a todas as recomendações do IPCC. A lista de “vantagens estratégicas” começa pelo etanol e inclui o biodiesel, as tecnologias de plantio direto e a produção de energia elétrica a partir de insumos renováveis. A tecnologia do etanol vem sendo desenvolvida há três décadas. O país tem mais de 6 milhões de hectares de cana-deaçúcar e produz 17,7 bilhões de litros de etanol, algo em torno de 35% do total mundial, em 325 usinas sucroalcooleiras. A produtividade varia de 6 mil a 8 mil litros de etanol por hectare. Cerca de 90 novas usinas estão em fase de instalação e quase 200 em estudos – metade delas com participação estrangeira –, o que deverá ampliar a área plantada em mais 1 milhão de hectares e elevar a oferta do combustível para 27,8 bilhões de litros até 2010.
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O Brasil e os Estados Unidos – com uma produção de 18,5 bilhões de litros de etanol obtidos a partir do milho – respondem por 70% do mercado mundial de etanol. O mercado brasileiro já tem boas perspectivas de expansão. O consumo interno cresce com o carro flex – a expectativa é de um aumento de 50% até 2010, nos cálculos da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica) – e com a mistura obrigatória do álcool à gasolina. O mercado internacional ainda é incipiente e volátil, como costuma descrever Marcos Jank, presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone). Há perspectivas de um crescimento das exportações brasileiras – que no ano passado somaram 3,5 bilhões de litros – para o mercado japonês e asiático, por exemplo. A possibilidade de negócio com os Estados Unidos esbarra numa tarifa protecionista de US$ 0,14 por litro e na disposição daquele país de ir fundo no abastecimento do mercado interno: US$ 1,9 bilhão está sendo investido em pesquisa com o etanol do milho. Para os especialistas, o Brasil deveria apostar na exportação de sua tecnologia de produção de etanol para países da África, Ásia e América Latina, que produzem cana com baixa utilização de tecnologia e têm déficit de energia. Mas, para tanto, é preciso responder a alguns desafios. Os produtores de cana,
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Etanol: 325 usinas produzem 17 milhões de litros, 35% do total mundial
de acordo com dados da Unica, investiram US$ 40 milhões anuais na produtividade das lavouras, nas últimas duas décadas, que cresce a uma média de 4% ao ano. Na região de Ribeirão Preto, por exemplo, já é de 90 toneladas por hectare.“Mas o potencial da cana é de 180 a 200 toneladas por hectare”, diz o presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Silvio Crestana. Etanol de celulose – Apenas um terço
da biomassa da cana é aproveitado para a produção de açúcar e álcool combustível. O grande desafio é converter em etanol também a celulose, que está no bagaço e na palha descartada na colheita, por meio da hidrólise enzimática. As pesquisas estão em curso no âmbito do Projeto Bioetanol, coordenado pelo Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (Nipe), da Universidade Estadual de Campinas, Unicamp (ver Pesquisa FAPESP no 133). A expectativa é de que a nova tecnologia produza um salto de produtividade, sem ampliar a área plantada de cana-de-açúcar. É preciso resolver também o problema dos insumos para reduzir os custos de produção de cana, assim como dos demais produtos.“Somos importadores de fósforo, potássio e mesmo de nitrogênio, dependentes de acordos multilaterais e bilaterais”, lembra Crestana. No
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caso do nitrogênio, ele observa, já existem avanços importantes da agrobiologia. “Já conseguimos suprir até 30% das necessidades das gramíneas, como a cana, por via biológica”, diz o presidente da Embrapa. Há ainda investigações para obter o produto de rochas potássicas e fostáticas.“O problema é como fazer isso de forma economicamente viável”, diz Pedro Leite da Silva Dias, especialista em mudanças climáticas, do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo (USP). O manejo da cana-de-açúcar também é um problema, destaca Reynaldo Victória, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP). A colheita da cana é feita depois da planta queimada. Se fosse cortada crua, sem queimar, os resíduos da planta seriam incorporados ao solo, transformandose em matéria-prima orgânica. Nesse caso, o balanço de seqüestro de CO2 ao longo do processo de transformação da cana em álcool tem resultado ainda mais positivo. “Testes feitos em usinas já demonstraram resultados superiores em 40 toneladas por hectare num prazo médio de dez anos”, diz Victória. O desafio, nesse caso, é desenvolver tecnologia para a colheita da cana crua: as máquinas colheitadeiras operam apenas em terrenos com até 12º de inclinação e o corte manual seria impossível sem que os trabalhadores usassem equipamentos especiais. “Isso encareceria o custo da colheita”, observa Victória. Outro problema da queimada – prática também utilizada no Brasil para limpeza do solo – é que ela produz gases precursores de ozônio que, em contato com a luz, acumulam esse gás de efeito estufa na troposfera, acrescenta Silva Dias. Seqüestro de carbono - Uma das recomendações do IPCC para a redução do aquecimento global é a adoção do plantio direto nas lavouras, que, por eliminar o uso de arado, não revolve o solo, mantendo acumulado nele a palha e, conseqüentemente, o carbono imobilizado no tecido vegetal. “Essa é uma técnica utilizada em latitudes altas, que a agricultura brasileira adaptou”, observa Silva Dias.
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Biodiesel: 23 usinas produzem 964 milhões de litros
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O Brasil tem 24 milhões de hectares cultivados na forma de plantio direto que representam 30% da área total de lavouras no país. É a segunda maior área cultivada sob esta tecnologia, perdendo apenas para os Estados Unidos, com 26 milhões de hectares.“O plantio direto foi adotado para reduzir a erosão do solo”, explica Carlos Eduardo Pellegrino Cerri, do Departamento de Solos da Esalq. Sabe-se agora que ele tem a qualidade de “seqüestrar” o carbono no solo. Estudos têm mostrado que 0,5 tonelada de CO2 por hectare é anualmente incorporada ao solo por meio da prática de plantio direto. “Se multiplicarmos pela área plantada, de 24 milhões de hectares, o resultado somaria 12 milhões de toneladas de carbono por ano”, calcula Cerri. Essa prática, num país de dimensões tropicais, resultaria no armazenamento monumental desse gás de efeito estufa. O grande desafio a ser desvendado pela ciência é reduzir o armazenamento no solo também de óxido nitroso (N2O), um dos gases de efeito estufa com enorme potencial de aquecimento global, presente nos resíduos de fertilizantes nitrogenados, que também é incorporado ao solo. As pesquisas têm revelado que esse efeito negativo pode ser atenuado com o fracionamento das aplicações de fertilizantes. “O carbono seqüestrado no solo poderia transformar-se numa fonte de receita para o produtor se comercializado no âmbito do mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL)”, sugere Cerri. O MDL é um instrumento criado no âmbito do Protocolo de Kyoto que permite que os países desenvolvidos – que têm metas de redução de emissões a cumprir até 2012 – adquiram créditos de carbono gerados em projetos de redução de emissões de gases de efeito estufa implementados nos países em desenvolvimento. Em todo o mundo, mais de 50 países desenvolvem projetos de MDL. O Brasil ocupa hoje o terceiro lugar, com 210 projetos, atrás da China, com 299 projetos, e da Índia, com 557. O carbono seqüestrado no solo não está credenciado para esse mercado.“Isso dependerá de negociações de governos para ser validado a partir de 2012, no período conhecido como pós-Kyoto.”
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Uma das recomendações do IPCC para a redução do aquecimento global é a adoção do plantio direto. Esse método dispensa o arado e fixa o carbono na palha que se acumula no solo
Combustível de futuro - O Brasil também desenvolve pesquisa sobre o biodiesel desde 1975. Atualmente estão em funcionamento 23 usinas de processamento do biocombustível com capacidade de produção de 964 milhões de litros, destinados à mistura de 2% em todo o óleo diesel no país, que será obrigatória a partir de 2008. Mas ainda há um longo caminho a percorrer no desenvolvimento dessa tecnologia, já que quase todo o biodiesel produzido no Brasil é feito a partir do metanol, que não é considerado propriamente renovável (ver Pesquisa FAPESP nº 134). “Temos que fazer a transição para o biocombustível. Essa é uma tecnologia que não dominamos totalmente”, sublinha Silva Dias. Com uma produtividade entre 1,5 mil e 3 mil litros por hectare, o biodiesel é muito menos eficien-
te que o etanol – entre 6 mil e 8 mil por hectare – e inferior ao de países como a Indonésia, que produz o combustível a partir do dendê, obtendo resultados surpreendentes: 5 mil litros por hectare. É preciso dar um “salto na pesquisa e na tecnologia”, ele recomenda, e testar, entre outras investigações, o desempenho de palmáceas em grandes áreas, analisando sua real contribuição para a redução de gases de efeito estufa. Insumos renováveis - Em matéria de
insumos renováveis para a produção de energia elétrica, o Brasil também tem posição de vantagem. Artaxo lembra que o Brasil tem enormes perspectivas na exploração da geração de energia eólica e solar. “Isso não tem preço”, enfatiza. Na avaliação de José Goldemberg, do Instituto de Energia Elétrica, da USP, a grande opção brasileira segue sendo a energia hidrelétrica. “O potencial energético utilizado no país é só de 30%”, diz. Ele reconhece que as grandes fontes hidrelétricas se concentram hoje na Região Norte. É o caso das duas hidrelétricas do rio Madeira – Santo Antônio e Jirau – cuja construção aguarda autorização do Instituto Brasileiro de Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Mas , na sua avaliação, o país deveria investir na construção de pequenas centrais hidrelétricas (PCH), com capacidade de até 1.000 MW, hoje restritas ao Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia (ProInfa).“Temos tecnologia para isso”, sublinha. O Proinfa, no entanto, caminha a passos lentos e seus resultados estão aquém do desejado. O programa foi criado em 2002 com o objetivo de apoiar investimentos em fontes eólicas e PCH, além da biomassa. A meta era atingir uma capacidade instalada de 3,3 mil MW, mas os resultados não ultrapassaram os 860 MW. As eólicas instalaram 208,3 MW e as PCHs, 186,4 MW. O país já tem tecnologia, mas o grande desafio, segundo Artaxo, é conferir escala a essa produção. “O Estado não tem condições financeiras nem logísticas de implementar esse novo mercado de energia. A sua tarefa deve ser a de fomentar investimentos e deixar o negócio para a iniciativa privada.” ■
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ENERGIA
A química do biodiesel Novo catalisador melhora a produção do biocombustível | M ARCOS DE O LIVEIRA
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inte e cinco anos após ganhar os prêmios Jovem Cientista e Governador do Estado,o químico Osvaldo Cândido Lopes finalmente está vendo a evolução de seu invento chegar ao mercado.Até o final do ano deve começar a funcionar em Campo Verde,em Mato Grosso,uma usina de produção de biodiesel que utilizará um novo catalisador,substância química imprescindível para a transformação do óleo vegetal,extraído de grãos oleaginosos e gordura animal, em biocombustível. O produto é fruto dos primeiros trabalhos iniciados quando Lopes,logo após a graduação na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),no início dos anos 1980,fazia seu curso de mestrado na própria universidade.A importância do novo catalisador se mede em três avanços para a industrialização do biodiesel:maior volume de produção,com um aproveitamento de 99% diante de 96% dos produtos atuais,menos contaminante e possibilidade do uso mais eficaz do etanol no processo industrial.Hoje grande parte dos catalisadores é importada e usada com o metanol,outro ingrediente do processo,chamado de transesterificação, de obtenção desse biocombustível (ver Pesquisa FAPESP n° 134). O uso do etanol,o álcool da cana-de-açúcar,matériaprima plenamente renovável ao contrário do metanol que é extraído do petróleo ou do gás natural,poderá ser feito com melhor aproveitamento em relação aos catalisadores convencionais. Lopes desenvolveu os primeiros catalisadores sob a orientação do professor
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UlfSchuchardt,do Instituto de Química da Unicamp.Mas naquela época o projeto do biodiesel,que nem tinha esse nome e variava entre pró-óleo e pró-diesel, não ganhou a projeção do Proalcool por motivos políticos e econômicos.Lopes, então,abandonou a idéia por alguns anos até encontrar em um congresso,em 2004, o professor Antônio José da Silva Maciel,da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp, ex-colega dos tempos de graduação. Com novas idéias e o apoio do professor Maciel,Lopes voltou à academia,agora na Feagri,para fazer o doutorado.“Durante mais de 20 anos dei aula na Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) e em outras faculdades e cursos,mas foi o conhecimento sobre química analítica,principalmente na área farmacêutica (objeto de suas aulas),que me despertou novamente para os catalisadores”,diz Lopes. Como doutorando da Unicamp,Lopes,junto com Maciel,registrou uma patente sobre o novo tipo de catalisador em 2006 e,em abril deste ano,eles fizeram o primeiro licenciamento de uso para a empresa Biocamp,de Mato Grosso.O trabalho de registro da patente,assessoria e negociação do licenciamento foi realizado pela Agência de Inovação da Unicamp (Inova),que soma 34 contratos de licenciamento de inovações gerados na universidade.A empresa matogrossense vai produzir cerca de 60 milhões de litros de biodiesel por ano a partir de óleo de soja,algodão e sebo bovino. A Unicamp já firmou o segundo contrato de licenciamento,também em Mato Grosso,agora com a Cooperativa de
Biodiesel (Cooperbio),de Cuiabá,que reúne 500 associados e foi formada pela Associação Mato-grossense dos Produtores de Algodão (Ampa).O objetivo da cooperativa é produzir biodiesel para consumo próprio na frota de caminhões e máquinas agrícolas dos associados.A produção do óleo será feita principalmente com soja dos próprios produtores rurais e deve atingir 100 milhões de litros por ano.O diesel comum representa 8% do total de gastos de uma propriedade agrícola da região.Com o biodiesel,esse custo deve cair para 4%,considerando-se que os agricultores devem usar a fórmula B100,totalmente derivada de óleos vegetais,ao contrário da convencional,que possui,inicialmente,2% (B2) de origem vegetal e se tornará obrigatória em todo país a partir de 2008. Uma das principais contribuições da Inova nas negociações foi a definição do cálculo dos royalties, baseado na produção do biodiesel.“Nossa proposta foi a adoção de uma porcentagem fixa sobre o custo do litro”,diz o professor Roberto Lotufo, diretor executivo da Inova.Os números das negociações não podem ser revelados.O licenciamento foi firmado com a usina porque a preparação final do catalisador,na forma de pó,será feita no próprio local da produção. Quanto aos ingredientes do produto, tanto Lopes como Maciel não falam do que ele é feito.“A primeira característica em relação aos outros catalisadores é não possuir metal na sua composição.Assim ele não produz um dos contaminantes da produção que é o sabão”,diz o professor Maciel.“Com ele é possível produ-
O PROJETO Produção de biodiesel a partir de óleos vegetais residuais, promovendo a inclusão social e a preservação do meio ambiente MODALIDADE
Programa de Pesquisa em Políticas Públicas (PPPP) COORDENADOR
ANTÔNIO JOSÉ DA SILVA MACIEL – Unicamp INVESTIMENTO
R$ 48.260,00 (FAPESP)
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zir biodiesel com etanol ou metanol em larga escala a partir de matérias-primas, óleos vegetais ou gordura animal, sem a exigência de alta pureza, comum a outros catalisadores.” Os pesquisadores enquadram o novo produto na terceira geração.“A primeira, da década de 1920, é de hidróxido de sódio ou de potássio. A segunda, utilizada hoje, é a de metilato de sódio e potássio, criada nas décadas de 1970”, diz Lopes. “O nosso catalisador é o carro-chefe de um projeto maior de consultoria para a elaboração de usinas. Para isso contamos com a parceria de duas empresas paulistas, a Lucato, de Limeira, fabricante de equipamentos, e a Alliance, empresa de equipamento e de produção de óleo vegetal, com sede em Ourinhos”, diz Lopes. Além dos pesquisadores da Feagri, também colaboram os da Faculdade de Engenharia de Alimentos e do Instituto de Química da Unicamp.
MIGUEL BOYAYAN
Óleo de Indaiatuba – Parte dessa estru-
tura, inclusive o próprio catalisador, já está em uso na cidade de Indaiatuba, no interior paulista, num projeto de políticas públicas intitulado Biodiesel Urbano. “Nossa proposta é recolher óleo residual de frituras em bares, restaurantes, cozinhas industriais e residências para produção de biodiesel”, diz o professor Maciel, que coordena o projeto financiado pela FAPESP e pela prefeitura local.“Para isso levamos parte do nosso laboratório para a cidade. Temos capacidade de produzir de 10 a 12 mil litros por mês.” O projeto Biodiesel Urbano visa tanto ao ambiente, ao evitar que o óleo usado siga para esgotos e rios, como à geração de receita para um fundo social municipal com a venda do biodiesel. A iniciativa tem a participação do Instituto Harpia Harpya, comandado pelo bispo dom Mauro Morelli, instituição com foco na nutrição e na preservação do ambiente. Dom Mauro pretende implementar, a partir dessa experiência, um programa nacional de biodiesel urbano que gere empregos na coleta, na produção e na distribuição, além de formar um fundo de complemento alimentar para famílias carentes.“Estamos montando um pacote que poderá ser reproduzido em outras cidades para a produção de biodiesel a partir de óleos residuais”, diz o professor Maciel, que conta também com o apoio da Inova. ■
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Duas usinas de Mato Grosso foram licenciadas para usar o novo catalisador
> CIÊNCIA
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MUNDO
Possibilidades cósmicas Demorou, mas o homem finalmente encontrou um planeta fora do sistema solar que realmente se parece com a Terra.Depois de ter descoberto nos últimos 12 anos mais de 210 mundos girando ao redor de outras estrelas que não o Sol, cientistas europeus localizaram no final de abril um planeta extra-solar na constelação de Libra que se situa na chamada zona habitável e apresentaria, teoricamente,as condições para abrigar vida.Com massa cinco vezes maior do que a da Terra,mas um diâmetro apenas 50% maior, o candidato a irmão maior de nosso planeta orbita uma pequena estrela fria,a anã vermelha Gliese 581,distante 20,5 anos-luz.É o menor
mundo extra-solar conhecido e o primeiro a apresentar composição rochosa.Quase todos os planetas extra-solares conhecidos são gigantes gasosos,inóspitos para abrigar vida semelhante à da Terra.“Estimamos que a temperatura média nessa super-Terra fique entre 0° e 40°C,”explica Stéphane Udry, do Observatório de Genebra, Suíça, principal autor do estudo científico que revelou a existência do Gliese 581 c,nome provisório do novo planeta. “Nessas condições, a água poderia se manter no estado líquido.” O novo planeta está 14 vezes mais perto de sua estrela-mãe do que a Terra em relação ao Sol.Por isso,o ano lá dura
apenas 13 dias.Apesar de muito próximo à sua estrelamãe,o novo mundo extra-solar não apresenta temperaturas elevadas porque a anã vermelha é mais fria que o Sol.A super-Terra foi descoberta com o auxílio de instrumentos instalados no telescópio de 3,6 metros do European Southern Observatory (ESO), localizado em La Silla,Chile. Fora o Gliese 581 c,outros dois mundos maiores já foram encontrados ao redor da anã vermelha.
> Sexo saudável Diferentemente do que prega a Igreja Católica e o governo norte-americano,o uso de preservativo nas relações sexuais não parece incentivar a promiscuidade entre os
jovens.Durante quase oito anos,pesquisadores da Universidade de Washington em Seattle,Estados Unidos, acompanharam o comportamento e a saúde sexual de 4.018 adolescentes em três momentos distintos. No estudo,na edição de junho do American Journal of Public Health, mostraram que os jovens que usaram camisinha na primeira relação sexual são mais propensos a adotar proteção durante o sexo e a ter usado camisinha na transa mais recente.Os adolescentes que usam camisinha e os que fazem sexo sem proteção apresentavam o mesmo número de parceiros sexuais: em média,cinco.Entre os adeptos do preservativo, houve menos infecção por doenças sexualmente transmissíveis (New York Times).
Super-Terra: planeta a 20 anos-luz tem potencial para abrigar vida
SO
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> O genoma
> Bem antes
da cuíca
de Colombo
ABU ZAYD/WEBSHOTS COMMUNITY
Cuícas recém-nascidas se recuperam de rompimento total da medula espinhal. Quando adultas, são o único mamífero além de seres humanos em que a radiação ultravioleta causa câncer de pele. Essas particularidades fizeram desse pequeno marsupial sul-americano um importante modelo para estudos médicos. Em artigo na Nature de 10 de maio, um grupo internacional de pesquisadores anunciou o seqüenciamento completo do genoma da cuíca, Monodelphis domestica. Esse avanço promete contribuir para um
Sem atropelos: programa de computador orienta peregrinos
PAUL SAMOLLOW/NATURE
movimento
ESO
Cuíca: genoma é promessa em medicina e evolução
salto no conhecimento não só sobre o marsupial, mas também sobre a evolução de mamíferos como um todo: marsupiais e outros mamíferos seguiram rumos evolutivos distintos há 180 milhões de anos e nesse tempo acumularam divergências genéticas. Mas o novo genoma mostrou, segundo análise publicada na revista Genome Research, que a complexidade do sistema imunológico surgiu antes da separação das duas linhagens. Mais um indício de que compreender os genes da cuíca pode trazer avanços para a medicina.
A peregrinação anual ao templo da Caaba (Pedra Negra) na cidade de Meca, Arábia Saudita, é uma das principais celebrações religiosas do mundo muçulmano, com cerca de 2 milhões de participantes. Mas a festa às vezes termina em tragédia. Em janeiro de 2006 houve um corre-corre que deixou 345 peregrinos mortos e 289 feridos. Na Universidade Tecnológica de Dresden, Alemanha, pesquisadores analisaram as imagens do incidente com a ajuda de um programa de computador capaz de medir o movimento da multidão. Normalmente as pessoas caminham de maneira
ordenada, mas conforme a multidão se adensa surge um padrão de movimentos e paradas que se propaga como ondas na superfície de um lago. Quando as pessoas entram em pânico, passam a se deslocar de um modo aleatório. Estudando as imagens, a equipe identificou o que leva a essa mudança no movimento: é a pressão da massa, determinada pela densidade de pessoas e pelo ritmo de mudança da velocidade com que andam (Physical Review E). Para garantir uma peregrinação tranqüila, programas de reconhecimento de imagem acompanham o fluxo de pedestres e orientam os organizadores a reduzir o fluxo quando a pressão se aproxima de valores críticos.
LAURABEATRIZ
> Massa em
Ao cotejar as antigas sagas nórdicas com estudos arqueológicos modernos, Richard Hall, diretor do York Archaeological Trust, mostra que os vikings chegaram às Américas perto do ano 1000. Em seu livro Exploring the world of the vikings, Hall conta como eles fugiram dos reis escandinavos para o oeste. Invadiram a Escócia, subiram para as ilhas Feroe e colonizaram a Islândia. Eric, o Vermelho, banido pela morte de um homem, foi além e encontrou enormes pastos verdes: a Groenlândia. Seu filho, Leif Eiriksson, ouviu boatos sobre terras ainda mais a oeste, juntou seus homens e navegou até o que chamou de Leifsbudir, no que hoje é o norte do Canadá. Três tentativas de colonização foram frustradas por ataques dos nativos e nenhuma durou mais que três invernos. O artefato que sedimenta a história das sagas é uma moeda norueguesa, cunhada entre 1067 e 1093, encontrada num sítio arqueológico perto de Brooklin, no Maine, já nos Estados Unidos.
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BRASIL
>
J.F.DIORIO/AE
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Salada brasileira
> Selva de pedra Brasileira por definição: Daiane dos Santos resume a herança genética brasileira
A malária ameaça deixar de ser uma doença dos confins do Brasil.Entre o final de 2006 e março deste ano,foram confirmados 67 casos na cidade de São Paulo – ante seis nos 16 anos anteriores.Os casos se concentram na Zona Sul da cidade,onde ocupações irregulares aproximam as pessoas de matas – áreas em que estão os mosquitos transmissores da doença. Outra hipótese da Secretaria da Saúde é um aumento na notificação dos casos.Todos os pacientes encontrados pela secretaria e pela Superintendência de Controle de Endemias (Sucen) apresentam a malária em sua forma branda,que não costuma representar grandes riscos – exceto para gestantes. Segundo o médico infectologista Luiz Jacintho da Silva,ex-superintendente da Sucen,pode haver ainda mais casos do que os detectados,pois os médicos em São Paulo não estão preparados para reconhecer a doença (Folha de S.Paulo ). 42
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A ginasta Daiane dos Santos tem mais herança européia do que africana em seu material genético. O resultado está no especial Raízes afro-brasileiras, da BBC Brasil. O geneticista Sérgio Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais, foi o responsável pela análise do material genético de nove celebridades negras brasileiras. O perfil genético de Daiane, primeiro divulgado, define o protótipo do brasileiro: 39,7%
> Vovó sabe-tudo “Vovó,de que são feitas as coisas?”.A pergunta veio de Daniel,deitado numa rede no sítio da avó.A avó é Anna Maria Endler,que teve 50 anos de experiência em física de partículas no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, no Rio de Janeiro.A pergunta foi a deixa para sessões de conversa sobre átomos, raios X,bomba atômica
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africano, 40,8% europeu e 19,6% ameríndio. O resultado do exame de Neguinho da Beija-Flor foi ainda mais surpreendente para quem acredita que a ascendência genética se reflete na cor da pele: 67,1% de seu genoma tem origem européia e 31,5%, africana. “Europeu, eu?! Um negão desse...”, exclamou. As análises foram feitas pela equipe de Pena no Laboratório Gene, em Belo Horizonte, e conside-
e muito mais,materializadas no livro Vovó conta de que são feitas as coisas, publicado pela Editora Livraria da Física,em São Paulo.Daniel faz perguntas,elabora hipóteses,imagina formas de descobrir as respostas. Os diálogos tornam temas densos e complexos da física mais acessíveis para alunos do ensino médio, o público-alvo que Anna Maria espera contagiar com a curiosidade de Daniel.
raram 40 trechos do DNA que têm características diferentes entre as populações que mais contribuíram para a origem do brasileiro: europeus, africanos e ameríndios (ver Pesquisa FAPESP nº 134). O projeto mostra que, apesar de ser facilmente reconstruída no genoma, a ancestralidade étnica não está à flor da pele. Mais detalhe e os resultados genéticos do especial estão no www.bbc.co.uk/portuguese
> Sementes voadoras Trabalhos de reflorestamento têm agora novos aliados. O biólogo Gledson Bianconi, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, e seus colegas aromatizaram redes para captura de morcegos com óleos essenciais de frutos em áreas de cultivo a 50 metros da borda de uma floresta. Mostraram assim que iscas
odoríferas são eficazes para atrair os mamíferos voadores, cujas fezes contêm sementes de várias espécies de plantas nativas da floresta. Como muitas espécies só germinam após passar por um trato digestivo, a ajuda voadora não só amplia o alcance das sementes, mas também pode ser essencial para sua viabilidade. O trabalho foi feito no Parque Estadual Vila Rica do Espírito Santo, no Paraná, e publicado na revista Biotropica.
> Doenças fósseis
ANA LIMP
Que doenças afligiam as pessoas que viviam há 3.500 anos? Pergunte a um paleopatologista. A exposição Paleopatologia: o estudo da doença no passado, até 9 de setembro no Museu da Vida, da Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, ajuda a entender como essa investigação é feita. São múmias, esqueletos, cabeças reduzidas e mais, que dão pistas sobre infecções, acidentes e violências em vários lugares do mundo. Uma oficina especial
Tempo congelado: múmia guarda causa da morte
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para crianças permite aos pequenos cientistas simular coleta de peças arqueológicas, aprender a interpretar os achados e a descobrir como esse material é utilizado em estudos científicos. A exposição já foi apresentada em 2001 e 2004, e este ano vem incrementada com material mais recente, que ajuda a desvendar como as doenças se comportam e se disseminam entre civilizações e continentes.
> Noitadas cibernéticas Adolescentes que passam noites ao computador pensam que a diversão é segura. Mas a psicóloga Gema Duarte, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mostrou que não é bem assim (Jornal da Unicamp). Ela avaliou os hábitos e a qualidade do sono de 160 adolescentes, que em média contemplam o monitor até 3 horas da madrugada durante a semana e até as 6 nos fins de semana. Gema avaliou duração e latência do sono, sonolência diurna, uso de medicação para dormir e distúrbios do sono, e avisa: adolescentes que usam
computador à noite dormem pior. “A curto prazo os efeitos incluem sonolência diurna, irritabilidade e dificuldade de concentração. A longo prazo a má qualidade do sono pode provocar danos à saúde”, explica Gema.
> Vida encarcerada Aproximadamente 287 mil animais silvestres que vivem na Mata Atlântica foram recuperados das mãos de traficantes entre 1999 e 2005 nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais e Bahia. Esse número, uma pequena amostra do que é retirado de nossas matas, está no Diagnóstico do tráfico de animais silvestres na Mata Atlântica, publicado pela Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas). São apenas alguns dos animais que a polícia ambiental e o Ibama conseguiram apreender e impedir que se tornassem bichos de estimação no Brasil e no exterior, integrassem zoológicos e coleções particulares ou fossem usados em pesquisas voltadas para a descoberta de novos medicamentos. “A maioria dos animais provenientes da
Mata Atlântica é enviada para o Rio de Janeiro e São Paulo, onde são vendidos em feiras livres ou lojas especializadas. Muitos são exportados para Estados Unidos, Europa e Japão”, escreve Raulff Lima, coordenador executivo da Renctas. Segundo ele, a lógica do tráfico é cruel: “Quanto mais ameaçada ARQUIVO RENCTAS
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Bugio: retirado da Mata Atlântica por tráfico ilegal
de extinção for a espécie, maior valor ela alcançará no mercado ilegal”. O tráfico de animais silvestres é a terceira maior atividade comercial ilegal do planeta, anualmente movimenta entre US$ 10 bilhões e US$ 20 bilhões. Estima-se que a cada ano os traficantes capturem 38 milhões de animais nos diferentes ecossistemas brasileiros (Amazônia, Cerrado, Caatinga e Mata Atlântica) para alimentar esse comércio.
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ARQUEOLOGIA
Fragmentos do passado
Estilos variados: vaso e pedaços de urnas fabricados pelas culturas manacapuru, açutuba e guarita
FOTOS JOSÉ CALDAS/PETROBRAS; EDUARDO GÓES NEVES/USP E MIGUEL BOYAYAN
Cerâmica indígena revela que o coração da Amazônia, hoje um vazio demográfico, já abrigou comunidades vastas e complexas antes da chegada dos europeus | R ICARD O Z ORZET TO, DE M ANAUS *
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CIÊNCIA
As comunidades indígenas que habitaram a Amazônia Central nos quase dois milênios que antecederam a chegada dos europeus eram formadas por grupos que se fixavam por dezenas a centenas de anos próximos às margens dos rios e já não perambulavam tanto pela floresta em busca de alimentos. Em uma forma inicial de agricultura, cultivavam mandioca, milho e possivelmente outras plantas domesticadas na Amazônia – como o abacaxi ou a pupunha. Também pescavam e caçavam pequenos animais no alto das árvores, uma vez que por ali ainda hoje são raros os bichos no nível do chão. Com interrupções mais ou menos breves, grupos de quatro culturas indígenas se sucederam em comunidades que, nos períodos mais prósperos, chegaram a reunir alguns milhares de pessoas. Nessa época sobre a qual não há registros históricos, o grau de organização social dos grupos indígenas era bastante variável, como se pode inferir das escavações iniciadas em 1995 pela equipe de Eduardo Góes Neves, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (USP). É certo que as culturas pré-coloniais que viveram entre 2.300 e 500 anos atrás na Amazônia Central, região que abrange os principais afluentes do rio Solimões no estado do Amazonas, jamais atingiram a estrutura e a sofisticação de outras civilizações contemporâneas como a maia e a asteca, na América Central, ou a inca, na cordilheira dos Andes, dizimadas pelos conquistadores espanhóis e pelas doenças que trouxeram para as Américas. No coração da Amazônia brasileira, nem sempre as comunidades indígenas se constituíam segundo um padrão de complexidade crescente – bandos, tribos, cacicados e * Ricardo Zorzetto viajou a convite da Petrobras e do projeto Piatam.
civilizações –, proposto há mais de 50 anos por um ramo da antropologia norte-americana chamado neoevolucionismo, que via na civilização ocidental seu mais alto grau de desenvolvimento. “Há sinais de que nesses dois milênios existiram por ali tribos e possivelmente cacicados, em que um líder exerceria poder sobre várias aldeias”, diz Neves. Na Amazônia Central, essa complexidade variou segundo a época. Alguns grupos cresceram e atingiram certo grau de organização, mas, próximo à chegada dos colonizadores, começaram a diminuir até quase desaparecer. “É um quadro bem mais complicado do que se imaginava, e essa é a beleza da Amazônia”, comenta Neves, que até recentemente trabalhou com os arqueólogos norte-americanos Michael Heckenberger, da Universidade da Flórida em Gainesville, e James Petersen, morto em 2005 durante um assalto perto de Manaus. Complexidade - Não se deveria estranhar
tal variedade. Afinal, a Amazônia é um mundo de complexidade. Quem toma um avião de Brasília para Manaus sobrevoa por mais de duas horas a densa vegetação que se esparrama por todos os lados até onde a terra se confunde com o céu. É de 11 mil metros de altitude que se tem uma idéia mais precisa da imensidão da floresta: são 7 milhões de quilômetros quadrados de mata fechada que só deixa 10% da luz solar chegar ao chão. Metade dela está em território brasileiro – cobre pouco mais de um terço do país – e vem sendo vorazmente corroída em suas bordas por pastagens e plantações de soja que empurram madeireiras clandestinas mata adentro. Do alto, parece única e homogênea. Mas o que a ciência já descobriu mostra que não é. Como quase tudo no Brasil, a Amazônia é múltipla. São várias as formações florestais, que ora absorvem mais carbono do que lançam para a atmosfera, ora devolvem
mais do que tomam para si. Também é diversa a distribuição de animais e a fertilidade do solo, assim como foi variado o padrão de ocupação humana da floresta antes da chegada dos europeus, como revelam as pesquisas de Neves. Em 12 anos de trabalho em uma área de 900 quilômetros quadrados próxima a Manaus, o grupo do arqueólogo da USP vem ajudando a reescrever a história da Amazônia pré-colonial. Ou, ao menos, colocando em questão conceitos que prevaleceram por mais de meio século entre círculos da arqueologia e da antropologia no Brasil e no exterior. Com base no que encontrou, Neves já visualiza com bom nível de detalhe como foi entre 2.300 e 500 anos atrás a vida no interior da Amazônia, mais precisamente na calha do turbulento Solimões e do sereno Negro, pela primeira vez investigada em profundidade. Essas novas informações devem contribuir para que os arqueólogos comecem a ver o passado da Amazônia brasileira – uma região que abarca os estados de Rondônia, Roraima, Amapá, Acre, Pará e partes do Mato Grosso e Tocantins – como um mosaico de culturas com diversos graus de evolução, e não mais um gigantesco bloco homogêneo. Por muito tempo, prevaleceram visões antagônicas a respeito dos primeiros grupos humanos que viveram por ali. Segundo uma dessas visões, as comunidades ancestrais amazônicas jamais teriam reunido mais do que algumas dezenas de indivíduos. Embora rica em diversidade de plantas e animais, a floresta seria um ambiente com pouca disponibilidade de comida e desfavorável à agricultura, por causa do solo pobre em nutrientes, como defende desde os anos 1950 a norte-americana Betty Meggers, pioneira nas escavações da Amazônia. Essa escassez de alimento impediria as comunidades ancestrais de crescerem e se tornarem numerosas a ponto PESQUISA FAPESP 136 JUNHO DE 2007 45 ■
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de as pessoas assumirem papéis sociais distintos e desenvolverem uma cultura mais sofisticada, capaz de produzir cerâmicas ricamente ornamentadas. Uma das principais autoridades na pré-história amazônica, Betty Meggers tirou suas conclusões a partir do que observou na Ilha de Marajó, no Pará, a cerca de 2 mil quilômetros de Manaus. Para ela, os índios marajoaras, autores de cerâmicas coloridas elaboradas, descenderiam de uma cultura original da Colômbia ou do Equador e seriam uma exceção à regra. Na década de 1970, outro arqueólogo norte-americano, Donald Lathrap, sugeriu o oposto. Sem nunca ter pisado terras brasileiras, comparou cerâmicas produzidas nos Andes com a dos povos amazônicos, e propôs que a Amazônia Central tivesse sido o principal centro de inovação cultural sul-americano, com influência até sobre o desenvolvimento das primeiras civilizações andinas, além de ter sido o berço da agricultura nessa parte do continente. As generalizações de Meggers e Lathrap geraram modelos panorâmicos para a ocupação da Amazônia, mas que deixam de lado detalhes importantes.“Ainda se sabe pouco sobre o passado da Amazônia”, reconhece Neves. “O que se diz de lá tem por base trabalhos feitos no Pará, no Amapá, no Mato Grosso e, mais recentemente, no Amazonas.” Terra preta - Esse debate, um dos mais
acirrados da arqueologia nacional, levou Neves, Heckenberger e Petersen a voltarem seus olhos para o coração da Amazônia. Numa viagem a Manaus em 1994, Heckenberger pediu a um barqueiro que lhe mostrasse o que geólogos e arqueólogos chamam de terra preta. Esse solo cinza-enegrecido, que se destaca da terra arenosa e pardacenta da Amazônia, é bastante fértil e costuma indicar áreas de ocupação humana antiga. Alguns minutos de barco pelo rio Negro, Heckenberger avistou uma imensa mancha de solo enegrecido, coberto por uma plantação de bananas e mandioca. No ano seguinte, o trio iniciou a exploração dessa área próxima ao igarapé Açutuba.
Túnel do tempo: arqueólogo escava tumba construída com cacos de cerâmica 46 JUNHO DE 2007 PESQUISA FAPESP 136 ■
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Ao longo de dois meses eles mapearam o sítio Açutuba, uma faixa de 3 mil metros de extensão por 300 de largura, tamanho de 90 quarteirões de uma cidade. De lá para cá, identificaram quase cem sítios arqueológicos de dimensões variáveis – os menores têm área de quatro quarteirões – e até o momento escavaram sistematicamente dez deles. Camadas de terra preta com espessura entre 70 centímetros e quase 2 metros preservaram vasos, urnas funerárias e cacos de cerâmica fabricados por povos que viveram ali entre centenas e milhares de anos atrás – em alguns pontos, por até 300 anos seguidos. A análise de pouco mais de cem amostras pela técnica de datação por carbono 14, que permite estimar com uma precisão de
dezenas de anos a idade do material, revela que a presença humana na Amazônia Central é antiga e descontínua. Uma ponta de lança esculpida em uma rocha muito dura amarelo-avermelhada, o sílex, tem cerca de 7.700 anos. Mas os vestígios das comunidades indígenas somem e só reaparecem cinco milênios mais tarde, quando surge uma cerâmica bastante elaborada – pintada em vermelho, preto e branco e com incisões próximas à borda –, típica de um povo que a equipe de Neves denominou cultura açutuba, que ocupou a região por quase dez séculos, até 1.600 anos atrás. O ressurgimento da presença humana na Amazônia Central coincide com um período em que a temperatura do planeta aumentou e a Amazônia voltou EDUARDO GÓES NEVES/USP
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FOTOS EDUARDO GÓES NEVES/USP E JOSÉ CALDAS/PETROBRAS
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Formas e cores: vaso com incisões, aplique em forma de cabeça e desenho policromático
a se expandir depois de ter encolhido por milhares de anos.“Nesse período os rios subiram, possivelmente ocultando áreas de ocupação mais antiga”, diz Neves. Na mesma época em que começam a rarear os sinais da cultura açutuba, aumenta nos sítios uma cerâmica atribuída à cultura manacapuru, que durou até 1.100 anos atrás e deixou as cores de lado, enfeitando seu trabalho apenas com desenhos geométricos. Quase simultaneamente, um povo que fazia vasos e urnas sem cores, mas com bordas reforçadas e apliques em formas humanas ou de animais, ocupou por sete séculos a Amazônia Central até ser aparentemente expulso da região pelos autores de um quarto tipo de cerâmica chamada guarita – adornada em preto, branco e vermelho, semelhante à dos marajoaras. Os vestígios de cerâmica guarita indicam que, por volta de 1.800 anos atrás, esse povo migrou de uma região no Pará situada cerca de 300 quilômetros a leste de Manaus rumo à Amazônia colombiana, no extremo oeste. No caminho, afugentavam quem estivesse pela frente. Na opinião de Neves, os índios guaritas podem ter visto na terra preta – formada pela deposição de restos de alimentos, excrementos e outros compostos orgânicos pelas três culturas que viveram antes por ali – o local ideal para plantar roças temporárias. Em três dos sítios escavados ele encontrou sinais de que pode ter havido conflito entre as culturas que viveram na região: valas com 2 metros de profundidade e até 150 me-
tros de extensão protegiam as aldeias. Dois desses fossos ainda preservam indícios de cercas de estacas pontiagudas. Em conjunto, os vestígios da região indicam presença humana por longos períodos, com apogeu entre 1.400 e 800 anos atrás. Nessa época, algumas comunidades podiam abrigar milhares de pessoas, até mesmo com diferenciação social – tumbas construídas com cacos de cerâmica sugerem divisão de trabalho, comum onde há hierarquia do poder. O pesquisador da USP é o primeiro a reconhecer os limites do próprio trabalho.“É muito arriscado fazer essas afirmações para uma região tão vasta como a Amazônia Central com base nos achados de apenas dez sítios arqueológicos.” Mas é o que se conhece de mais preciso até o momento. “Estamos ajudando a construir um conhecimento que pode mudar daqui a dez ou vinte anos.”
O PROJETO Cronologias regionais, hiatos e descontinuidades na história pré-colonial da Amazônia MODALIDADE
Projeto Temático COORDENADOR
EDUARDO GÓES NEVES – MAE/USP INVESTIMENTO
R$ 735.437,12 (FAPESP)
Neves espera checar essa hipótese da chamada expansão guarita em outra área da Amazônia Central onde começou a trabalhar mais recentemente. Em 2002, ele foi convidado pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e pela Petrobras para acompanhar a instalação de um gasoduto de 400 quilômetros de extensão que liga a maior reserva de petróleo nacional em terra, no município de Coari, à cidade de Manaus. É que no início das obras equipes da Petrobras encontraram vestígios de um sítio arqueológico em Coari. Desde então foram identificadas outras 41 áreas ocupadas por antigos povos da Amazônia, que vêm sendo estudadas por um grupo coordenado por Neves no programa Potenciais Impactos e Riscos Ambientais na Indústria do Petróleo e Gás no Amazonas (Piatam), conduzido pela Ufam e pela Petrobras com o objetivo de reduzir possíveis impactos ambientais decorrentes do transporte de petróleo na Amazônia. Se Neves estiver certo, a passagem dos guaritas varreu as outras comunidades de boa parte da Amazônia Central três séculos antes da descoberta das Américas. Quando Cristóvão Colombo alcançou o Caribe em 1492, a serviço da Coroa espanhola, de 2 milhões a 4 milhões de nativos sul-americanos viviam na Amazônia. Hoje as comunidades indígenas na região devem somar umas 170 mil pessoas: a maior parte habita áreas próximas à Venezuela, ao norte, ou ao Mato Grosso, ao sul, e um terço se concentra em Manaus. ■ PESQUISA FAPESP 136 JUNHO DE 2007 47 ■
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NEUROLOGIA
Conexão banana Sinal elétrico enviado diretamente para o cérebro fornece pista a macacos de onde encontrar comida
UNIVERSIDADE DUKE
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m experimento com macacosda-noite comprovou que eles são capazes de interpretar múltiplos sinais elétricos transmitidos diretamente para seus cérebros,aprimorando os resultados alcançados em um teste de adivinhação.Conduzido pela equipe do neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis,esse trabalho representa um passo importante para a compreensão de como o cérebro funciona e para o desenvolvimento de tecnologias que possibilitem construir próteses robóticas mais facilmente controláveis e que reproduzam algumas características do corpo humano,como o tato ou a sensibilidade à temperatura. A aposta dos pesquisadores é que,se deu certo com macacos,deve funcionar com seres humanos,já que o cérebro de ambos apresenta estrutura parecida e funciona de modo semelhante. “Há um grande interesse no desenvolvimento dessa área,pois se acredita que os microeletrodos poderão servir como um canal artificial para transmitir ao cérebro as sensações perdidas por causa de danos neurológicos ou para transmitir sensações da prótese de um membro”,
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diz Nicolelis,que,anos atrás,já percorreu o caminho inverso:usou os sinais elétricos captados por microeletrodos implantados no cérebro de macacos para movimentar um braço robótico. Dessa vez,no laboratório da Universidade Duke, Estados Unidos, os pesquisadores submeteram duas fêmeas de macaco-da-noite (Aotus trivirgatus) a 40 sessões de um teste que,de início,lembrava brincadeira de criança,mas gradualmente se tornou complexo e sofisticado.Numa primeira etapa,ele e os neurofisiologistas Nathan Fitzsimmons,Weying Drake e Mikhail Lebedev simplesmente treinaram as macacas para apontar atrás de qual de duas portas de madeira estaria escondido um pedaço de banana.Antes,porém,davam uma pista:deixavam-nas ver a porta em que estava a comida através de uma barreira de vidro. Quando elas se tornaram craques em encontrar o lanche,os pesquisadores começaram a dificultar as coisas.Em vez de abrir a porta da caixa em que estava a banana para que elas espiassem,passaram a acionar um pequeno vibrador no ombro correspondente à porta com o alimento.Se as macacas errassem,uma
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pessoa da equipe imediatamente retirava a banana da outra porta para evitar que usassem a falha como uma pista de onde estava a comida. O passo seguinte foi substituir o pequeno tremor, que funcionava como um leve toque no ombro, por sinais elétricos transmitidos diretamente para a região do cérebro – o córtex somatossensorial – que interpreta as sensações de dor, frio e calor da mão. Durante um período de transição, Nicolelis e sua equipe repetiram os experimentos fornecendo simultaneamente os dois tipos de pista – a vibração no ombro e os sinais elétricos no cérebro –, até que elas aprendessem a associá-los. Por volta da 35a sessão do teste, as duas voluntárias de grandes olhos castanhos alcançaram um nível de acerto superior a 85%, mostrando que haviam aprendido a usar a pista dada pelos pesquisadores. Como os eletrodos foram implantados apenas no hemisfério esquerdo do cérebro, responsável pela sensibilidade do lado direito do corpo, Nicolelis recorreu a uma estratégia um pouco mais rebuscada. Com o auxílio de um computador, passou a enviar para os eletrodos no cére-
bro das macacas duas seqüências de pulsos elétricos com 4 segundos de duração cada um: pulsos curtos ou pulsos longos. A seqüência de pulsos curtos, com duração de 150 milissegundos intercalados por intervalos de 100 milissegundos, indicava que a porta correta era a da direita. Já a seqüência de pulsos longos (300 milissegundos de duração e intervalos de 200 milissegundos) significava: a comida está atrás da porta esquerda. Dessa vez as macacas alcançaram um bom nível de desempenho mais rápido, já na oitava sessão, como descrevem os pesquisadores em artigo publicado na edição de 23 de maio de Journal of Neuroscience.
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epois que aprenderam a diferenciar as dicas codificadas na forma de pulsos longos e curtos – informação que os pesquisadores chamaram de temporal –, as macacas tiveram de lidar com mais um desafio: identificar a ordem em que os quatro microeletrodos eram acionados. Nessa etapa do experimento, em vez de enviar os pulsos simultaneamente para todos os eletrodos, Nicolelis passou a acioná-los em seqüência – A, B, C e D, significando “porta da direita”, ou D,
C, B e A, “verifique a porta esquerda” –, associando uma característica espacial à informação, que as macacas conseguiram interpretar mais rápido ainda. “Acreditamos que essa espécie de macaco consiga compreender ao menos dez formas de estímulos espaço-temporais, número que certamente poderia ser ultrapassado pelos seres humanos”, diz Nicolelis, que ainda desenvolve pesquisas na Universidade Politécnica de Lausanne, na Suíça, e no Instituto Internacional de Neurociência de Natal Edmondo e Lily Safra, no Rio Grande do Norte. Esses resultados são importantes para que se compreenda como o cérebro responde a esses estímulos e os usa para controlar o comportamento. Segundo Nicolelis, ainda que seja quase impossível reproduzir o funcionamento natural dos neurônios por meio de pulsos elétricos enviados para eletrodos implantados no cérebro, a fidelidade dessa transmissão de informações pode ser suficiente para melhorar a qualidade de vida de usuários de próteses robóticas. A outra boa notícia é que os microeletrodos não danificam o sistema nervoso, mesmo quando usados por longos períodos. ■ PESQUISA FAPESP 136
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esultado de um esforço internacional de cientistas de sete países, incluindo o Brasil,a publicação da primeira versão do genoma do mosquito Aedes aegypti na edição de 18 de maio passado da revista científica Science trouxe uma grande surpresa:o material genético do agente transmissor dos vírus da dengue e da febre amarela é cinco vezes maior do que o do Anopheles gambiae,vetor do protozoário da malária,e quase sete vezes mais extenso que o da Drosophila melanogaster, a mosca-da-fruta, até então as duas únicas espécies de mosquito com genomas seqüenciados.O DNA do Aedes compreende quase 1,4 bilhão de pares de bases,as unidades químicas que compõem o código genético,enquanto o do Anopheles chega a 280 milhões de pares de bases e o da Drosophila, a 180 milhões de pares de bases. Apesar da enorme diferença de tamanho,os genomas dos mosquitos da dengue e da malária,para ficar apenas nos dois insetos transmissores de doenças,têm mais ou menos a mesma quantidade de genes,cerca de 15 mil.O talhe avantajado do genoma do Aedes se deve
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BIOLOGIA
Presença de genes saltadores infla tamanho do genoma do Aedes aegypti, o mosquito da dengue e da febre amarela M ARCOS P IVET TA
a uma peculiaridade também presente em igual intensidade no DNA humano: quase metade de toda a sua seqüência,precisamente 47% dela,é composta pelos chamados elementos de transposição,ou simplesmente transposons,os populares (para o pessoal da genética) genes saltadores.É uma porcentagem muito alta.No Anopheles,que evolutivamente derivou de linhagens de mosquitos dos gêneros Aedes e Culex há 150 milhões de anos,os elementos de transposição respondem por menos de 25% do genoma. Transposons são trechos de DNA que podem mudar de posição dentro de um genoma,ou mesmo passar do genoma de uma espécie para o de outra,por meio da geração de cópias de sua seqüência original ou pelo seu simples deslocamento entre duas regiões.Mais de mil tipos diferentes de transposons foram identificados no genoma do mosquito da dengue.Um deles,chamado Feilai-B,apresenta cerca 50 mil cópias espalhadas pelos cromossomos do inseto.No caso do Aedes, esses trechos móveis de DNA podem ser usados como ferramentas para estudar a interação entre o mosquito e o vírus da dengue.Podem ser a chave para re-
velar uma forma de interferir na transmissão da doença do inseto para o homem.“Dos transposons,pode sair uma pista de por que o Aedes é capaz de passar um vírus ao homem ao passo que o Anopheles transmite um protozoário”, diz Sergio Verjovski-Almeida,do Instituto de Química da USP,que coordenou a participação brasileira no consórcio internacional que seqüenciou o DNA do mosquito da dengue.Coube à equipe nacional,que também incluiu cientistas do Instituto Butantan,seqüenciar os genes expressos nas larvas dos mosquitos e,em menor escala,em suas glândulas salivares.A contribuição dos brasileiros se deu por meio de uma parceria firmada entre a FAPESP e o Instituto Pasteur de Paris,que financiaram o trabalho da equipe coordenada por Verjovski. Os transposons já foram considerados parte do chamado DNA lixo,como eram pejorativamente denominados os pedaços do genoma que pareciam não desempenhar função alguma.Hoje fica cada vez mais claro que a inserção desses genes saltadores – ou ao menos de alguns deles – num genoma pode alterar ou regular a ação de outros genes.Dessa forma,essas seqüências móveis e repetitivas,que alguns acreditam ser resquícios genéticos de material de origem viral,podem ser responsáveis por mutações e contribuir para a ocorrência de algumas doenças,como a distrofia mus-
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Seqüência inchada
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cular de Duchenne e hemofilias em seres humanos, e promover alterações de traços físicos. Uma única espiga de milho-indiano, por exemplo, pode apresentar grãos de três cores diferentes (brancos, amarelos ou avermelhados) em razão da presença de genes saltadores. “O genoma de alguns tipos de milho pode ser composto em 80% de transposons”, afirma Marie-Anne Van Sluys, do Instituto de Biociências da USP, uma estudiosa dos transposons. Aliás, foi trabalhando com a genética do milho na década de 1940 que a norte-americana Barbara McClintock começou a desvendar a influência desses elementos de transposição, feito pioneiro que lhe renderia um Nobel em 1983. ■
O PROJETO FAPESP Aedes aegypti cdna project in partnership with Institut Pasteur – Amsud network MODALIDADE
Linha Regular de Auxílio a Pesquisa – Projeto Genoma COORDENADOR
SERGIO VERJOVSKI-ALMEIDA – IQ/USP INVESTIMENTO
R$ 690.882,36 (FAPESP/Instituto Pasteur)
Aedes aegypti logo depois de se alimentar de sangue: genes saltadores respondem por 47% do genoma
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A origem
da polêmica Exposição em São Paulo mostra a trajetória de Darwin até a teoria da evolução
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m 27 de dezembro de 1831 o navio H.M.S. Beagle deixou o porto de Plymouth, no sul da Inglaterra. A bordo estava Charles Darwin, um rapaz de 22 anos que acabara de concluir os estudos para se tornar pastor. A expedição dedicou boa parte do tempo a explorar a América do Sul, onde o jovem cientista recolheu copiosas impressões em diários e coletou espécimes de animais e plantas de todos os tipos, que periodicamente mandava para a Inglaterra: ao todo, amostras de mais de 1.500 espécies. Precedido pelo material, por suas descobertas sobre a natureza tropical e pela correspondência com figuras de destaque na ciência britânica, o Darwin que desembarcou de volta à Inglaterra cinco anos depois em vez de pastor já era um teórico investigativo e um naturalista conhecido. Quem visitar a exposição Darwin, uma versão incrementada da mostra elaborada no Museu de História Natural de Nova York, em cartaz até 15 de julho no Museu de Arte de São Paulo (Masp), percorrerá uma amostra da trajetória de observação e encantamento que levou o pai da evolução a elaborar sua teoria que explica como espécies se diversificam em resposta a pressões ambientais.
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Logo no início da exposição o visitante encontra esqueletos diversos, que já eram estudados nos séculos XVIII e XIX. Ao compará-los fica evidente a estrutura comum à maior parte dos animais. Olhando com atenção é possível perceber analogias mesmo entre espécies bastante diferentes, como morcegos e cavalos: os ossos da asa de um morcego correspondem aos da mão de uma pessoa, que no cavalo são fundidos e dão forma às patas. Porém, apesar do amplo conhecimento sobre anatomia comparativa e história natural, antes de Darwin poucos questionavam o porquê das semelhanças e diferenças entre animais. Erasmus Darwin, avô de Charles, no fim do século XVIII publicou suas idéias que descreviam a adaptação dos animais ao ambiente. Mas era uma visão isolada, em geral acreditava-se que os seres vivos tinham sido criados um por um, o mundo era considerado imutável e duvidar dessa ótica feria os cânones religiosos vigentes. Foi nesse contexto que o jovem Darwin partiu para explorar um mundo pouco conhecido e passou em terra dois terços dos cinco anos de viagem do Beagle. A expedição chegou à América do Sul pelo porto de Salvador, na Bahia, onde Darwin ficou deslumbrado com a natureza (“A mente é um caos
FOTOS EDUARDO CESAR
M ARIA G UIMARÃES
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Para Darwin, viajar com o Beagle foi o acontecimento mais importante de sua vida
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de encanto”, escreveu) e horrorizado com a escravidão. Suas cartas relatam a discussão mais séria que teve com Fitzroy, capitão do Beagle, que defendeu que os escravos estavam satisfeitos com sua condição. “Ele defendeu e louvou a escravidão, que eu abominava”, escreveu ao narrar a briga que chegou a fazer Darwin pensar que teria que abandonar o barco. A partir do Brasil percorreu vários países da América do Sul – inclusive as ilhas Galápagos, que acabaram por representar um desafio definitivo à visão fixista do mundo. Expedição paulistana - O Beagle deu
a volta ao mundo em sua trajetória de descoberta. Quem sai da avenida Paulista, mais de 170 anos depois, e desce a rampa que leva ao subsolo do Masp, caminha cinco minutos mas também se sente viajar a outro mundo. O barulho das buzinas dos carros e o burburinho da rua aos poucos desaparecem substituídos por sons de insetos, cantos de passarinhos, iguanas vivas, esqueletos e orquídeas de diversas formas e cores, que mergulham o visitante num ambiente tropical.
Ao percorrer a exposição no subsolo do Masp, o visitante percebe o mesmo que Darwin observou: espécies distintas têm semelhanças intrigantes, e as diferenças entre elas são igualmente inspiradoras. A carapaça dos imensos jabutis de Galápagos muda ligeiramente de uma ilha para outra. O mesmo acontece com o bico dos tentilhões, aves que Darwin coletou sem dar a devida atenção a registrar a localidade precisa onde cada espécime foi coletado. Ao dar-se conta de que a forma do bico das aves variava conforme a ilha de origem, Darwin e seus auxiliares tiveram que reconstituir a informação que depois veio a se tornar um dos exemplos mais marcantes da relação entre as espécies e o ambiente que ocupam. Essas semelhanças e diferenças entre as espécies, que se tornam naturalmente óbvias ao longo da exposição, puseram Darwin no caminho de explicar o que ele chamou de mutabilidade das espécies. Além da ciência, a mostra – com reproduções de fotografias, cartas, diários e manuscritos – traz de volta à vida o homem Charles Darwin. Ele aparece no
menino que aos 10 anos de idade contava as flores das peônias do jardim a pedido do pai – eram 160 em 1819, 384 em 1820, 363 em 1821. Também era Darwin o rapaz que se deslumbrou com a exuberância natural dos trópicos e mais tarde listou em seu caderno os prós e os contras da vida conjugal, antes de optar por pedir sua prima Emma Wedgwood em casamento, a quem escreveu: “Eu acredito que você me humanizará e logo me ensinará que há uma maior alegria do que construir teorias e acumular fatos no silêncio e na solidão”. O casamento talvez tenha humanizado Darwin, que gozava das rotinas estabelecidas, do lar bem mantido, das sessões de gamão e de leitura de cartas com a companheira. O casal teve dez filhos, que o pai cientista observava e cujo desenvolvimento registrava como se fossem experimentos. Mas nem só de ciência se alimentava o coração do cientista pai: a morte da filha Annie aos 10 anos, de tuberculose, causou uma dor profunda que abalou definitivamente a fé de Darwin em Deus. Trabalho solitário - Mas a suposta huma-
Quase humano: esqueleto de macaco-prego é indício de parentesco entre espécies
nização, se de fato apresentou alegrias maiores a Darwin, não parece ter tirado nada do seu prazer em “construir teorias e acumular fatos”. A teoria da evolução exigiu mais de 20 anos de trabalho, isolado no escritório cuja réplica está na mostra paulistana. Ao observar o gabinete com seus móveis e objetos é fácil imaginar que Darwin acaba de abandonar a observação de besouros ou caramujos e sai para um passeio de reflexão no caminho de areia que percorria um bosque em sua propriedade – também reproduzido no Masp na forma de fotografias em movimento, de modo que o visitante tem a impressão de também passear por ele. Em contraste com a ciência altamente tecnológica do século XXI, a teoria da evolução por seleção natural tomou forma à custa de muito refletir e observar animais e plantas com pouco mais do que a ajuda de uma lupa. Ao longo desses 20 anos de trabalho, Darwin laboriosamente acumulou conhecimento e evidências para explicar como funciona a evolução por seleção natural. Apesar de ser a mais famosa, A origem das espécies está longe de ser sua única obra. Além de inúmeros artigos e monografias, Darwin é também autor
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Depois do deslumbramento com iguanas (abaixo), trabalho minucioso em casa
de outros livros que tiveram impacto na ciência, como A expressão das emoções no homem e nos animais e A origem do homem e a seleção sexual, ambos publicados no Brasil. Formular a teoria levou tempo, mas o mais difícil parece ter sido vencer o medo da celeuma que ela causaria no meio científico e social, além de desgosto à fé religiosa de Emma. A coleta meticulosa de evidências só foi reunida no volume hoje conhecido como A origem das espécies porque outro temor maior se sobrepôs à cautela do autor: o de perder a autoria de sua idéia tão longamente trabalhada. Em 1858 Darwin recebeu, para sua avaliação, um manuscrito de seu conterrâneo Alfred Russel Wallace, que após um período na Amazônia pesquisava a natureza do arquipélago Malaio, entre o sudeste da Ásia e a Austrália. Ao longo de seus estudos, Wallace chegara às mesmas conclusões de Darwin: os integrantes de uma espécie não são todos idênticos, e os mais adaptados ao ambiente onde vivem deixarão mais descendentes. Ao longo do tempo, essa reprodução desigual pode levar a alterações na espécie como um todo.
Darwin procurou seus amigos e mentores Joseph Hooker e Charles Lyell, com quem discutira suas idéias. Cientistas influentes, os dois organizaram um acordo que entrou para a história como polêmico: Darwin redigiu um resumo de seu trabalho, que apresentou em conjunto com Wallace numa reunião da Sociedade Lineana de Londres, onde se
reunia a nata da intelectualidade. Por ter contatos influentes, Darwin conseguiu não ser deixado para trás e entrar para a história como o pai da evolução. Wallace teve que se contentar com um papel de figurante. A idéia de que todas as espécies são na verdade aparentadas de fato sacudiu a sociedade vitoriana, que se recusava a aceitar o parentesco com primatas. Em 1859, Darwin publicou A origem das espécies, cuja tiragem de 1.250 cópias praticamente se esgotou no primeiro dia. Seus trabalhos tiveram impacto imediato na ciência e na sociedade. Após a publicação de A origem do homem, em 1871, um amigo contou a Darwin que jantara fora de casa três vezes numa semana, “e em todas as mesas se falava de evolução como um fato aceito e, a respeito da descendência do homem, com tranqüilidade”. A seleção natural continua a ser a única explicação científica para a diversidade biológica na Terra, mas ainda não deixou de ser considerada por alguns como uma afronta à religião. Ainda hoje movimentos religiosos, em especial nos Estados Unidos, buscam substituir o ensino de evolução pelo de criacionismo, a idéia de que a vida foi criada por Deus como ela é hoje. A polêmica, assim como o processo de descoberta científica, está representada em Darwin, a exposição – que também inclui em sua programação a peça de teatro After Darwin, realizada pelo grupo Arte Ciência no Palco. Ali, cada um pode fazer sua própria viagem e tirar suas conclusões. ■
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> FÍSICA
Ligações perdidas Emaranhamento quântico pode desaparecer de maneira repentina, uma pedra no caminho da computação quântica
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mente pequena – próxima do tamanho de um átomo – em que as leis da física clássica dão lugar à mecânica quântica.Imagine que seja possível emaranhar um par de dados de modo que a soma dos dois seja sempre 7.Enquanto o primeiro dado não for lançado,não se pode saber qual será o número sorteado no segundo.Mas se o primeiro dado cair com o número 4 para cima é possível afirmar que,ao lançar o segundo dado,o resultado será 3.Na perspectiva da mecânica quântica,enquanto os dados rolam,a probabilidade de aparecer qualquer um dos números é a mesma.Os físicos interpretam essa situação como se o dado mostrasse os seis números ao mesmo tempo. Essa indefinição,chamada de superposição de estados,está no centro da teoria quântica da informação,que explora efeitos do mundo quântico para armazenar,transmitir e processar informação.Enquanto os bits de um computador clássico correspondem a um único estado por vez (os famosos 0 ou 1 do sistema binário),os bits de um computador quântico,apelidados de qubits, podem apresentar diferentes estados si-
multaneamente. Com isso, um processador composto por bits quânticos (átomos,elétrons ou outras partículas) seria capaz de realizar um número enorme de cálculos ao mesmo tempo,e seu poder dobraria a cada bit adicionado. Ocorre que a perda repentina do emaranhamento comprometeria o funcionamento do sistema.Isso porque se perderia o controle sobre a informação codificada naqueles qubits. Voltando à metáfora,é como se o segundo dado passasse a dar um resultado aleatório depois de se lançar o primeiro – e a soma dos dois deixasse de ser sempre a esperada. Morte súbita – Batizado de morte súbita do emaranhamento,o efeito observado pela equipe da UFRJ já havia sido previsto por físicos teóricos.Em um artigo publicado em 2006 na Physical Review A, Davidovich formulou,com outros colegas,um método para observar o sumiço do elo quântico entre partículas.No experimento relatado no artigo da Science a equipe fez uma adaptação:em vez de usar átomos,trabalhou com fótons, as partículas elementares da luz. Os diferentes níveis de energia dos átomos fo-
MIGUEL BOYAYAN
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esde meados da década de 1980, muitos cientistas apostam que a aplicação da física quântica no processamento de informações definirá o futuro da computação,como previu o físico norteamericano Richard Feynman. Isso porque,em princípio,as leis do universo quântico possibilitariam um desempenho muito superior ao das máquinas atuais.Mas uma peculiaridade do mundo das partículas subatômicas,comprovada por físicos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),pode ser uma pedra no caminho do desenvolvimento dos computadores quânticos. Em um artigo publicado em 27 de abril na Science, Luiz Davidovich e seus colegas do Laboratório de Óptica Quântica do Instituto de Física da UFRJ mostraram como uma propriedade essencial para o funcionamento de um computador quântico – o emaranhamento – pode desaparecer repentinamente. Esse fenômeno faz com que um conjunto de partículas compartilhe de maneira quase telepática certas propriedades,sem nenhuma ligação física entre elas.Isso só acontece em escala extrema-
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ram simulados pela polarização dos fótons, o sentido de vibração de seu campo magnético.A polarização vertical correspondia ao nível mais alto de energia, e a horizontal, ao mais baixo. O primeiro passo foi obter um par de fótons emaranhados. Para tanto, os pesquisadores fizeram um feixe de laser atravessar um cristal capaz de absorver a energia de um fóton e emitir dois fótons emaranhados – cada um com a metade da energia do original. Os fótons foram emaranhados de modo que apresentassem sempre a mesma polarização.Assim, embora não se pudesse afirmar de início se eles vibravam na vertical ou na horizontal, ao medir a polarização de um imediatamente se determinava a do outro. Então, esses pequenos pacotes de luz foram guiados por uma rede de espelhos, lentes e outros apetrechos ópticos. No final do labirinto, um detector media a ligação entre os fótons. No trajeto, a polarização dos fótons decaía progressivamente do nível de energia mais alto (polarização vertical) para o mais baixo (horizontal). Em geral, quando os fótons atingissem a polarização horizontal, eles deixariam de estar emaranhados. Mas no experimento do Rio o emaranhamento se perdeu antes disso. O motivo da perda precoce do emaranhamento é a interação do sistema com o ambiente: à medida que as partículas perdem energia para o meio, a intensidade do emaranhamento diminui. Mas há estados em que a sensibilidade à interferência do meio é menor. “No nosso experimento, fótons com polarização vertical são mais sensíveis que fótons com polarização horizontal”, explica Marcelo de Almeida. Primeiro autor do artigo da Science, Almeida está na Universidade de Queensland, Austrália, buscando fontes mais eficientes de fótons emaranhados e meios de miniaturizar experimentos como o da UFRJ. O trabalho de Queensland tenta construir um protótipo de computador quântico financiado pelas Forças Armadas dos Estados Unidos. Encontrar formas de prolongar o emaranhamento será essencial para se desfrutar todo o potencial da computação quântica. “Sem o emaranhamento, o computador quântico se tornaria um computador clássico”, diz Davidovich. ■
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Biblioteca de Revistas Científicas disponível na internet www.scielo.org
Notícias A Bireme lançou no mês passado uma recomendação aos editores de revistas científicas da área da saúde indexadas na Scientific Library Electronic Online (SciELO) e na Literatura Latino-americana e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (LILACS). Segundo a Organização Mundial da Saúde, os ensaios controlados aleatórios e os ensaios clínicos devem ser notificados e registrados antes de iniciados. Isso permitirá identificar todos os ensaios clínicos em execução e seus respectivos resultados, uma vez que nem todos são publicados em artigos científicos. O International Committee of Medical Journal Editors sugere aos editores de revistas científicas que exijam dos autores o número de registro no momento da submissão de trabalhos.
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Tecnologia de alimentos
Cachaça envelhecida O processo de envelhecimento ou maturação das bebidas proporciona uma melhora nas características sensoriais da cachaça,tornando-a de qualidade superior e de maior valor econômico. Segundo o artigo “Estudo do efeito da irradiação gama (60CO) na qualidade da cachaça e no tonel de envelhecimento”, de Mariana Branco de Miranda,Jorge Horii e André Ricardo Alcarde,da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo,o método tradicional de maturação de bebidas é sua interação com madeiras.A cachaça e os tonéis de carvalho de 20 litros de capacidade foram submetidos à irradiação gama.Análises físico-químicas e cromatográficas foram realizadas periodicamente ao longo de 390 dias do período de envelhecimento da bebida.A irradiação da cachaça e do tonel não alterou a maioria dos componentes voláteis do coeficiente de congêneres como acidez volátil,ésteres,álcoois superiores e furfural durante os 390 dias.Há evidências, entretanto,de que os parâmetros de alguns componentes como aldeídos,taninos,cor e teor de cobre são de alguma forma influenciados,resultando em aceleração parcial do processo de maturação ou envelhecimento.Ao final do período de envelhecimento foi feita uma análise sensorial com 30 provadores não treinados.A aceleração do processo de envelhecimento foi confirmada pela avaliação sensorial,e a cachaça e/ou tonel irradiados receberam maior indicação de aprovação em todos os parâmetros analisados (aroma,sabor e aparência) durante o estudo. CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE ALIMENTOS – VOL. 26 – Nº 4 – CAMPINAS – OUT./DEZ. 2006 www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo136/tecnologiade alimentos.htm
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História
Educação e Pombal Os autores Lizete Shizue Bomura Maciel,da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),e Alexandre Shigunov Neto,da Universidade Federal de Santa Catarina,por meio de um recorte histórico,realizaram o estudo,de caráter bibliográfico – “A educação brasileira no período pombalino:uma análise histórica das reformas pombalinas do ensino”–,a partir do qual analisam o ensino brasileiro ao focalizar em especial a proposta de reforma educacional realizada por Marquês de Pombal.Nessa análise apontam para as conseqüências da proposta pombalina para a educação brasileira e portuguesa,em cujo contexto social estavam presentes idéias absolutistas,de um lado,e idéias iluministas inspiradoras de Pombal,de outro.Os estudos estão centrados na fase governativa de Pombal,isto é, como ministro da Fazenda do rei dom José I e,como tal,buscou empreender reformas em todas as áreas da sociedade portuguesa,inclusive atingindo o Brasil como colônia,visando dar-lhe uma unidade.A análise crítica converge para a afirmação de que a reforma pombalina foi desastrosa para a educação brasileira e,em certa medida, também para o sistema educacional português. Tal afirmação está fundamentada na seguinte questão:a destruição de uma organização educacional já consolidada e com resultados seculares da Companhia de Jesus,ainda que contestáveis do ponto de vista social,histórico,científico,sem que ocorresse a implementação de uma nova proposta educacional que conseguisse dar conta das necessidades sociais.Portanto,a crítica que se pode formular,que vale para o atual momento brasileiro,está relacionada às freqüentes descontinuidades das políticas educacionais.No entanto, torna-se necessário enfatizar,de acordo com os autores,que a substituição da metodologia eclesiástica dos jesuítas pelo pensamento pedagógico da escola pública e laica marca o surgimento,na sociedade,do espírito moderno. EDUCAÇÃO E PESQUISA – VOL. 32 – Nº 3 – SÃO PAULO – SET./DEZ. 2006 www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo136/historia.htm
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Nutrição de plantas
A adoção de um sistema de manejo que possibilite melhorar as condições físicas do solo, associado ao fornecimento adequado de nitrogênio, pode ser de suma importância no sentido de aumentar a eficiência da planta na utilização dos recursos disponíveis para seu desenvolvimento e produção. O trabalho relatado no artigo “Manejo do solo e da adubação nitrogenada na cultura de feijão de inverno e irrigado” teve como objetivo avaliar o efeito do manejo do solo e de diferentes épocas de aplicação de nitrogênio no desenvolvimento e na produtividade do feijoeiro de inverno. O artigo é de autoria de Flávio Ferreira da Silva Binotti, Orivaldo Arf, Salatier Buzetti e Marco Eustáquio de Sá, da Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira, da Universidade Estadual Paulista (Unesp),Airton Romanini Junior, da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Unesp, campus de Jaboticabal, e Fabiana Aparecida Fernandes, da Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp de Botucatu. O experimento foi desenvolvido no município de Selvíria, Mato Grosso do Sul, no período outono-inverno de 2002, 2003 e 2004, com uso de irrigação. Conclui-se que dos três anos de cultivo somente em um o plantio direto proporcionou maior produtividade do feijoeiro de inverno irrigado por aspersão em relação ao preparo convencional do solo. As épocas de aplicação de nitrogênio não proporcionaram diferenças na produtividade do feijoeiro. A adubação nitrogenada propiciou, em média, três cultivos, um aumento de 62% na produtividade do feijoeiro de inverno irrigado. BRAGANTIA – VOL. 66 – Nº 1 – CAMPINAS – 2007 www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo136/nutriçãodeplantas.htm
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Saúde pública
Obesidade e exercício A obesidade é atualmente um problema de saúde pública que provoca sérias conseqüências sociais, físicas e psicológicas. A etiologia da obesidade não é de fácil identificação, uma vez que é caracterizada como doença multifatorial de complexa interação entre fatores comportamentais, culturais, genéticos, fisiológicos e psicológicos. De acordo com o artigo “Leptina, ghrelina e exercício físico”, de Gustavo da Mota e Angelina Zanesco, do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista, campus de Rio Claro, recentes avanços na área de endocrinologia e metabolismo mostram que, diferentemente do que se acreditava há alguns anos, o adipósito (célula adiposa) sintetiza e libera diversas substâncias e não é apenas uma célula armazenadora de energia. Entre as
FOTOS EDUARDO CESAR
Manejo com nitrogênio
substâncias liberadas pelo adipócito incluem-se a adiponectina, o fator de necrose tumoral-alfa, a interleucina-6 e a leptina. Especificamente, a leptina desempenha importante papel no controle da ingestão alimentar e no controle do peso corporal em mamíferos. Além disso, o hormônio ghrelina, recentemente descoberto, também parece influenciar o metabolismo energético e a obesidade. As alterações que o exercício físico provoca na fisiologia endócrino-metabólica podem contribuir muito para a prática clínica. Trabalhos realizados mostram que a relação entre o exercício físico e a concentração plasmática desses peptídeos ainda não está clara. As razões para isso poderiam ser devidas aos diferentes protocolos de treinamento físico empregados nos estudos. Além disso, diferenças genéticas também podem explicar as discrepâncias entre os resultados obtidos em seres humanos. ARQUIVOS BRASILEIROS DE ENDOCRINOLOGIA & METABOLOGIA - VOL. 51 – Nº 1 – SÃO PAULO – FEV. 2007
www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo136/saudepublica.htm
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Psicologia
Habilidades sociais O artigo “Treinamento de habilidades sociais educativas para pais de crianças com problemas de comportamento” descreve um programa de treinamento de habilidades sociais para pais de crianças com problemas de comportamento. Os autores são Maria Isabel Santos Pinheiro,Vitor Geraldi Haase e Claret Luiz Dias Amarante, da Universidade Federal de Minas Gerais, Almir Del Prette e Zilda Aparecida Pereira Del Prette, da Universidade Federal de São Carlos. O programa, com duração de 11 semanas, apresentou, por meio de passos semanais seqüenciados, princípios da análise do comportamento para a prática disciplinar não-coerciva e modelos de habilidades sociais educativas para pais, com tarefas semanais de observar o comportamento do filho, estabelecer condições de aprendizagem e desempenho de comportamentos desejáveis (empatia, seguir instruções, independência etc.), expressão afetiva, entre outros. Participaram do programa 32 mães e dois pais, com avaliações pré e pós-intervenção por meio de questionários de auto-relato e entrevistas. Os resultados mostraram redução significativa na freqüência e severidade de comportamentos importunos e/ou indisciplinados, conforme avaliação dos pais participantes. A julgar pela assiduidade e pelos resultados das entrevistas e inventários, o programa foi bem aceito pelos participantes, o que revela validade social. Concluiu-se que o enfoque de habilidades sociais educativas para pais pode contribuir positivamente para o desenvolvimento de práticas disciplinares não-coercivas dessa clientela. PSICOLOGIA: REFLEXÃO E CRÍTICA – VOL. 19 – Nº 3 – PORTO ALEGRE – 2006 www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo136/psicologia.htm
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MUNDO
> TECNOLOGIA
> Cresce o número de patentes
operar com diferentes tipos de combustível, entre eles óleo de cozinha usado, óleos refinados, biodiesel e até querosene. O equipamento já foi testado em cerca de cem residências nas Filipinas no ano passado e a empresa planeja expandir o projeto para pelo menos 10 mil casas em outros países da Ásia e da África. O desenvolvimento contou com a participação de pesquisadores da Universidade de Hohenheim, na Alemanha, da Fundação de Meio Ambiente da Alemanha e da Universidade Estadual de Leyte, nas Filipinas, entre outros institutos de pesquisa da Alemanha e da Europa.
Protos: reduz o uso de madeira no cozimento de alimentos
de patentes nos Estados Unidos, Europa e Japão, além da análise da produção tecnológica da China e da Coréia do Sul, país que aparece como uma nação “madura” em termos de inovação, segundo o resultado dos estudos.
No geral, a atividade de patentear inovações cresceu 72% desde 1997, e as inovações exclusivas ou novos produtos cresceram 34%. Nesse item, a China é líder entre os países com patentes originárias exclusivamente nas universidades.
> Nanotubos gigantes Pesquisadores da Universidade de Cincinnati, nos Estados Unidos, conseguiram criar os maiores nanotubos de carbono já feitos até o momento. ILUSTRAÇÕES LAURABEATRIZ
As invenções relacionadas a semicondutores, telecomunicações e computação cresceram, respectivamente, 75%, 86% e 172%, entre 1997 e 2006, no mundo. No mesmo período, Estados Unidos, com 145%, e China, com 470%, foram os países que apresentaram o maior crescimento no número de patentes. Esses resultados são parte de dois estudos realizados pela Thomson Scientific, empresa que mantém os sites Web of Science, ISI Web, com base de dados de publicações científicas, e o DWPI, que reúne patentes de todo o planeta. As informações se basearam no depósito
Mais de 2,5 bilhões de pessoas no mundo preparam suas refeições usando fogueiras, sendo que, em média, 700 quilos de lenha são necessários para satisfazer as necessidades alimentares de um indivíduo por ano. Essa atividade gera sérios impactos ambientais, como desmatamento e poluição atmosférica, e no interior das residências. Uma alternativa para minimizar essa situação foi apresentada pela empresa Bosch and Siemens Home Appliances (BSH), formada pelos dois grupos alemães para desenvolver e produzir, principalmente, equipamentos elétricos para residências. A BSH desenvolveu um fogão high-tech que funciona à base de óleo vegetal. Batizado de Protos, sua temperatura de combustão é altíssima, de mais de 1.400ºC, o que garante baixa emissão de poluentes, fator importante para a diminuição do lançamento de carbono na atmosfera e redução do aquecimento global. O fogão foi projetado para
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que acelera a reação química, formado por camadas alternadas de metal e cerâmica colocados por cima de uma pastilha de silício oxidada. Quando o vapor de carbono toca a superfície do catalisador, ele gera os nanotubos que crescem continuamente. Eles poderão ser “tecidos” em fibras para uso em escala industrial. Os nanotubos de carbono geram grande interesse devido a suas excelentes propriedades mecânicas, elétricas e ópticas.
> Butanol é opção de combustível
Juntos são visíveis a olho nu e formam uma espécie de tapete de 1,2 centímetro (cm) de espessura e medem cerca de 2 cm de comprimento, medidas relativas a um comprimento 900 mil vezes maior que o diâmetro de apenas um deles. Para conseguir produzir nanotubos de carbono tão grandes, os cientistas elaboraram um novo método que mescla a técnica de deposição por vapor químico (CVD), empregada na indústria eletrônica e de semicondutores para criação de revestimentos muito finos, com um novo conjunto de substrato sobre o qual são criados os nanotubos. Esse substrato é um catalisador,
A corrida mundial por alternativas aos derivados do petróleo também conta com o butanol, um parente químico do etanol e do metanol. Ele é objeto de financiamento do governo da Grã-Bretanha, de US$ 500 mil, para a empresa Green Biologics, que desenvolveu um método de baixo custo para produzir esse tipo de álcool a partir de biomassa, tanto de resíduos de plantações como de capins ou outras culturas. O butanol pode ser produzido a partir da fermentação de amidos e de açúcares ou na indústria petroquímica. É usado como solvente na produção de tintas. Até há pouco tempo ele era descartado como combustível devido aos altos custos de produção. O novo método da empresa britânica faz os custos caírem em mais de um terço. A produção é feita com microorganismos termofílicos (resistentes a altas temperaturas) e enzimas termoestáveis e utiliza, no processo, fases de fermentação e de hidrólise,
reação química que quebra as moléculas dos vegetais para extração do álcool. Em 2006, a British Petroleum e a Du Pont anunciaram uma parceria para produzir butanol pela rota convencional, com amido e açúcares, para ser misturado à gasolina (London Press).
> Computadores em rede mundial A malária mata mais de 1 milhão de pessoas por ano no mundo e a busca por novos medicamentos contra essa doença é uma constante entre pesquisadores da área. Em maio, eles ganharam uma nova ferramenta que já está disponível para estudos de novas drogas. São mais de 140 milhões de compostos de substâncias com perspectivas de agir sobre
a doença surgidos da análise de uma rede internacional de computadores, que funcionou em paralelo na forma de grids (grades). O projeto reuniu, durante quatro meses, mais de 5 mil PCs em 27 países e gerou mais de 2 mil gigabytes de dados. As máquinas são principalmente de físicos da Europa, Estados Unidos e Coréia do Sul. Originariamente, os grids de várias instituições foram construídos para análise de partículas físicas, como os experimentos com o Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern, na sigla em francês), na Suíça. No tempo livre, esses computadores podem se ocupar de outras funções, nesse caso coordenadas pela organização Enabling Grids for E-sciencE (Egee), fundada pela Comissão Européia. MAXIMILIEN BRICE/CERN
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Grid de computadores acelera estudo de novas drogas PESQUISA FAPESP 136
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> TECNOLOGIA
LINHA DE PRODUÇÃO
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BRASIL
Biopolímero na usina
Membranas inorgânicas de cerâmica para filtragem do sangue dos pacientes com insuficiência renal estão em desenvolvimento no Instituto Nacional de Tecnologia (INT), do Rio de Janeiro. Feitas com alumina, essas membranas poderão, futuramente, substituir as poliméricas importadas, utilizadas nos procedimentos de diálise. “As membranas atuais são usadas com segurança por até dez vezes”, diz o pesquisador José Carlos da Rocha, coordenador do projeto. Depois disso, correm o risco de rompimento, podendo levar o paciente à morte. A membrana cerâmica funciona da mesma forma que a polimérica. Pequenos canais, semelhantes a uma colméia, filtram o sangue que passa através da membrana. “A nossa proposta era encontrar um material com as mesmas funcionalidades capaz de substituir a importada”, diz Rocha. A próxima etapa será a realização de testes de filtração, como retenção da uréia, com sangue sintético. 62
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Quitosana: dos crustáceos para a produção de etanol
> Carroça cidadã O aumento das atividades de reciclagem nos últimos anos fez surgir, principalmente nas ruas e avenidas dos grandes centros urbanos, catadores munidos de carroças mambembe feitas de restos de madeira, de móveis usados e outros produtos descartados, além de difíceis de ser controladas. Com esse problema como tema, o estudante de engenharia
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mecânica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), Rafael Antônio Bruno, com
POLYMAR
terapia renal
nol, segundo Craveiro, como a eliminação da etapa de centrifugação e também da toxicidade que mata a levedura no processo tradicional, tornando a produção de etanol mais barata. Em testes laboratoriais, a quitosana proporcionou um aumento na produção de álcool de 5 a 7%. Para desenvolver a nova tecnologia no nível industrial, a empresa vai receber R$ 1,4 milhão do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O projeto será realizado em parceria com o Parque de Desenvolvimento Tecnológico (Padetec) da Universidade Federal do Ceará (UFC), onde a empresa nasceu e ficou incubada de 1997 a 2000.
a orientação do professor Marcelo Massarani, projetou um veículo de tração humana para coleta EDUARDO CESAR
> Cerâmica para
Se depender de uma pequena empresa cearense, a produção de álcool combustível poderá ganhar uma inusitada matéria-prima. É a quitosana, um biopolímero extraído de rejeitos da indústria pesqueira como carapaças de caranguejo, cabeça de camarão e casca de lagosta, usados, depois de processados, para compor cosméticos e suplementos alimentares. “Estamos utilizando a quitosana, em forma de microesferas, para fixar e imobilizar a levedura usada na produção de etanol”, diz Alexandre Craveiro, diretor da Polymar, empresa instalada em Fortaleza. São várias as vantagens do uso desse biopolímero no processo de fermentação do eta-
Catadores de material para reciclagem: freios e retrovisores
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mais secas Um equipamento para secagem de materiais particulados como pós, sais e grânulos, destinado às indústrias química, alimentícia e farmacêutica, foi desenvolvido pelo professor Marcello Nitz, do Centro Universitário do Instituto Mauá de Tecnologia, em São Caetano
> Patentes sem mistérios
Secagem de grãos mais rápida e econômica
do Sul, na Grande São Paulo, em um trabalho conjunto com o professor Osvaldir Taranto, da Faculdade de Engenharia Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O diferencial desse equipamento é que ele utiliza um processo chamado pulso-fluidização, com um fluxo de ar alternado para secagem das partículas. Um sistema rotatório distribui o gás de secagem em distintos trechos da tela que suporta o material e, com isso, há uma redução no consumo de ar. “O menor consumo de energia é uma das vantagens da técnica”, diz Nitz. O equipamento, na forma de protótipo, despertou o interesse de uma indústria química de Diadema, na Grande São Paulo.
> Física concreta para cegos Tábuas, pregos e barbantes são as matérias-primas do material didático criado para ensinar física a alunos cegos ou com deficiência visual. “A idéia foi criar canais de comunicação com esses estudantes por meio de uma aula multissensorial. Essa estratégia também permite uma melhor compreensão dos fenômenos físicos e uma troca de experiência bem produtiva entre os alunos de uma turma mista”, diz o professor Eder Pires de Camargo, do Departamento de Física da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) de Bauru, que desenvolveu o material durante sua pesquisa de pós-doutorado.
Quando é preciso solicitar uma patente? Como fazê-la e quais os caminhos para elaborá-la? Essas são perguntas freqüentes tanto entre profissionais de instituições de pesquisa como de empresas. Para ajudá-los, a engenheira química Sonia Regina Federman, examinadora de patentes do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) desde 1981, elaborou o livro Patentes, Desvendando seus
Mistérios, da editora Qualitymark. Em linguagem simples e repleta de detalhes, a autora define termos, explica como fazer buscas em bancos de patentes e descreve quais as condições para patentear, além de indicar as obrigações e os direitos dos requisitantes. LAURABEATRIZ
> Partículas
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de resíduos recicláveis. O projeto faz parte do programa Poli-Cidadã, que incentiva alunos de graduação a realizar trabalhos de conclusão de curso com assuntos de interesse social. Depois de pesquisar em cooperativas de catadores, Bruno projetou o carrinho com materiais novos, como freios e pneus de motocicletas, além de retrovisores e adesivos que refletem a luz dos faróis. “É uma solução que as próprias cooperativas podem produzir embora não tenham recursos”, diz Bruno. O preço do protótipo foi de R$ 1,1 mil. “Mas é possível diminuir as dimensões e os custos.” Uma associação de catadores do bairro dos Jardins, em São Paulo, já se interessou pelo projeto.
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TECNOLOGIA
INFORMÁTICA
Negócio oportuno Empresas criam centros no Brasil para desenvolver softwares e aplicativos destinados ao mercado mundial D INORAH E RENO |
ILUSTRAÇÕES
B UENO
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ão-de-obra qualificada, flexibilidade para trabalhar em equipe e fuso horário compatível com o mercado norteamericano, o principal do mundo, são algumas características que têm atraído para o Brasil centros de competência, unidades regionais de multinacionais responsáveis pelo desenvolvimento de softwares e outros aplicativos que são distribuídos para toda a corporação. “As grandes empresas estão enviando maciçamente projetos para países em desenvolvimento, o que cria uma enorme oportunidade para lugares como o Brasil, possuidor de boa mão-de-obra em tecnologia e engenharia ”, diz Cesar Gon, presidente da Ci&T Software. A empresa de Campinas, no interior paulista, atua na área de consultoria e desenvolvimento de aplicações e tem uma estrutura global de prestação de serviços que inclui seis unidades no Brasil, uma subsidiária nos Estados Unidos e um escritório em Londres, na Inglaterra. Em abril, a Ci&T foi escolhida pela revista norte-americana Fortune entre as dez empresas rising stars, ou aquelas companhias que estão em ascensão no mercado mundial de outsourcing, atividade da área de tecnologia da informação (TI) que produz soluções de software para outras empresas. A pesquisa The Global Outsourcing 100 foi realizada em parceria com a Associação Internacional de Profissionais em Outsourcing (IAOP na sigla em inglês).
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As perspectivas brasileiras no mercado de software internacional é conseguir US$ 5 bilhões em vendas externas em 2010, gerando 100 mil novos empregos, num mercado mundial estimado em US$ 100 bilhões, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Software e Serviços para Exportação (Brasscom), com sede no Rio de Janeiro. Um salto significativo em relação aos US$ 800 milhões contabilizados como exportações brasileiras de softwares no ano passado. “A Índia deve ficar com US$ 60 bilhões do total em 2010 e os outros US$ 40 bilhões restantes serão distribuídos entre países como China, Rússia, Malásia, México e Brasil”, diz Ricardo Saur, diretor da Brasscom.“Na pior das hipóteses, conseguiremos ficar com 5%”, completa. Treinamento contínuo - Na avaliação de Geraldo Gomes, gerente sênior do Centro de Desenvolvimento de Software da Dell, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, para atingir essa meta é necessário primeiro resolver alguns en-
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Quando as empresas descobrem que o país tem boa mão-de-obra, ponto forte do Brasil, elas investem mais do que pensavam
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traves, como domínio do inglês entre analistas e técnicos, além de treinamento contínuo para acompanhar as mudanças tecnológicas. Uma pesquisa feita pela Ci&T Software sobre os centros de competência em tecnologia da informação no Brasil apontou um outro problema mais sério, que dificulta a “venda” da TI nacional para as matrizes das multinacionais: o não cumprimento de prazos. Esse fator foi citado repetidamente como negativo pela matriz das corporações. O levantamento foi realizado com executivos do primeiro escalão da área de tecnologia da informação, representantes de 46 empresas norte-americanas e européias, todas com presença significativa no Brasil. Dessas, 20 têm centros de competência em TI nos Estados Unidos, nove no Brasil, enquanto França, Inglaterra, Alemanha e Índia possuem, cada um, sete centros.
“Temos que buscar o nosso espaço, porque hoje os indianos já não conseguem atender o mercado mundial”, diz Gomes. A Índia lidera esse mercado desde a metade da década de 1990, quando as empresas começaram a diminuir as áreas de TI e a passar para companhias especialistas toda a parte de desenvolvimento, manutenção e suporte de aplicações.Inicialmente, essa atividade terceirizada, chamada de outsourcing, ficava circunscrita ao próprio país onde as empresas estavam sediadas. Com o passar do tempo, a terceirização extrapolou as fronteiras entre os países, alavancada pelo movimento indiano, e ficou conhecida como offshoring.“Os principais atrativos para que isso ocorresse foram a capacitação técnica e a mão-de-obra muito mais barata do que nos países desenvolvidos”, diz Gon, da Ci&T. Que a Índia vai continuar a liderar o mercado por muitos anos é consenso entre os especialistas consultados. Mas existe um movimento, ainda tímido, que conta com a participação do governo, de entidades representativas dos exportadores e produtores de software e de empresas para que o Brasil atinja um outro patamar no setor de tecnologia da informação. “Existe uma demanda nos Estados Unidos ainda não atendida e, a nosso favor, temos vantagens culturais e de fuso horário em relação à Índia e ao restante da Ásia”, diz Gomes. A Lei de Informática é citada pelo executivo como um dos atrativos para as grandes empresas criarem os centros de desenvolvimento de software no Brasil. Pela lei, a empresa tem benefícios fiscais com a produção local, mas deve investir cerca de 2,5% de sua receita bruta em pesquisa e desenvolvimento no país. Ele ressalta, no entanto, que sem mão-de-obra qualificada o empreendimento não se mantém. “Quando as empresas descobrem que o país tem mão-de-obra de ponta, e esse é um dos pontos fortes daqui, acabam investindo mais do que pensavam inicialmente”, diz. O centro da Dell começou com projetos piloto de desenvolvimento de softwares em parceria com a Pontifícia Universidade Católica (PUC) em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.“Fomos a primeira empresa a se instalar no Parque Científico e Tecnológico da universidade em 2002”, diz o executivo. Hoje o TecnoPUC conta com 31 empresas e entidades instaladas. Além da Dell, são em-
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presas-âncoras a HP, a Sonae e a Microsoft. O centro brasileiro produz software para uso global da Dell. “É um grande exportador de software e acaba trazendo problemas bem complexos para a universidade”, diz Gomes. Entre os aplicativos desenvolvidos no centro da Dell encontram-se os de suporte para a área financeira e aqueles para os processos de venda, como a loja on-line da América Latina, desenvolvida e mantida em Porto Alegre, e os call centers, além do suporte para as ferramentas exigidas na engenharia de produtos. O centro do Brasil foi o primeiro da Dell a operar fora dos Estados Unidos. Depois desse grupo operacional, outros dois foram instalados na Índia, em Bangalore e Hyderabad, na Rússia, em São Petersburgo, e o mais recente na Malásia.“O nosso foco são os sistemas globais, como um software para recursos humanos que envolve 80 mil usuários”, diz Gomes. Mercado estratégico - A gigante nor-
te-americana de computadores instalouse no Brasil em 1999, em Eldorado do Sul (RS). Em 14 de maio deste ano inaugurou uma segunda fábrica em Hortolândia, no interior paulista, que vai concentrar as linhas de montagem da empresa, reduzindo seus custos de logística. A Dell gera 1.200 empregos diretos e 600 indiretos no Brasil, um mercado considerado estratégico para a empresa, ao lado da Índia e da China. “Cerca de 95% do mercado de TI brasileiro é de desenvolvimento interno”, diz Gomes. Enquanto o mercado internacional cresce 6% ao ano, o brasileiro aumenta de 18% a 20%. “Isso ocorre porque é uma economia bastante ativa, que ainda está em processo de informatização”, diz José Antonio Antonioni, coordenador-geral da Associação para Promoção da Excelência do Software Brasileiro (Softex), entidade com sede em Campinas. “O Brasil é um mercado de US$ 12 bilhões, muito atrativo para as empresas multinacionais”, ressalta Antonioni. Por conta disso, muitas delas acabam estabelecendo centros de desenvolvimento no país para atender tanto o mercado interno como o externo. O grupo português Sonae, um dos maiores do setor de distribuição e de supermercados e lojas da Europa, criou a Tlantic Sistemas de Informação, também instalada no TecnoPUC de Porto Alegre, para dePESQUISA FAPESP 136
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senvolver softwares para empresas do grupo espalhadas pela Europa. A estratégia das multinacionais ao instalar esses centros nas filiais é a busca pela melhora dos serviços de TI. Ocorre que, como a gestão de tecnologia não é a atividade central dessas empresas, parte do serviço acaba sendo terceirizada para fornecedores locais. A Johnson& Johnson, que escolheu o Brasil, dentro da América Latina, para desenvolver produtos com qualidade e preços mais competitivos destinados ao mercado norteamericano e canadense, é uma das empresas que recorrem a parceiros como a Ci&T Software. Inaugurado em janeiro de 2005, o centro brasileiro de São José dos Campos, no interior paulista, chamado de captive center (centro cativo), conta com 128 funcionários, 44 contratados e 84 prestadores de serviços para desenvolvimento e manutenção de aplicações utilizadas pelas filiais e matriz. De oito sistemas em 2005, o centro administra 35 aplicações atualmente. Dos 46 portais iniciais na internet, chegou a 180 gerenciados por aqui. “Do volume que produzimos mensalmente, 2% vão para a América Latina e 98% têm como destino a Johnson nos Estados Unidos e no Canadá”, diz Argemiro Leite, o CIO, ou chief information officer,que é o profissional responsável pelo captive center da J&J.Além da unidade de serviços de TI do Brasil, a empresa trabalha para a implementação de outras unidades, sendo a próxima na Ásia, possivelmente na Índia. “Do meu ponto de vista, o centro brasileiro é o mais forte de todos”, analisa Leite. Base industrial - Antecipando-se ao movimento das multinacionais de instalar centros de competência em suas filiais, a Motorola, empresa de hardware e software para comunicação, fornecedora de produtos e soluções de mobilidade nas áreas de banda larga, sistemas integrados e redes sem fio, com vendas de US$ 42,9 bilhões em 2006, iniciou em 1997 o seu Programa de Desenvolvimento Tecnológico no Brasil. Um ano antes, em 1996, a empresa decidiu fazer do Brasil a sua base industrial na América do Sul. Para isso, construiu o campus industrial e tecnológico no município de Jaguariúna, no interior paulista, onde são produzidos celulares, equipamentos digitais de comunicação móvel e rádios bidirecionais. Hoje, a empresa, que conta 68
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A vantagem competitiva da exportação brasileira está nos profissionais com sólida formação acadêmica
com cerca de 900 engenheiros trabalhando na área de pesquisa e desenvolvimento na própria Motorola e instituições parceiras, é a maior exportadora de bens de tecnologia da informação do país, totalizando mais de US$ 5 bilhões desde o início das operações em 1997. O Brasil está entre os quatro países de interesse para a companhia no mundo, juntamente com Rússia, Índia e China. “Além das exportações feitas pelos centros das multinacionais, existem várias empresas brasileiras que estão empreendendo ações para exportar softwares”, diz Antonioni, da Softex. No rastro das grandes companhias estão, principalmente, pequenas empresas de consultoria e de desenvolvimento de aplicações que cresceram nesse mercado nos últimos anos, como é o caso da Ci&T Software. A empresa obteve R$ 8,8 milhões do seu faturamento de R$ 40 milhões registrado no ano passado com o desenvolvimento de soluções tecnológicas exportadas para dez clientes dos Estados Unidos. Criada por três jovens for-
mados em engenharia da computação na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a empresa revela uma trajetória de crescimento de cerca de 40% ao ano desde a sua fundação há 12 anos. O primeiro contrato, no valor de R$ 50 mil, foi fechado com a IBM em 1995 para gerenciar redes de telecomunicações. Hoje a empresa conta com 500 profissionais. O detalhe surpreendente nesse caso é que a Ci&T só começou a exportar há três anos, quando atingiu, numa escala de 5, o nível 3, de maturidade CMMI (capability maturity model integration),o mais respeitado padrão de qualidade de software no mundo. Em abril deste ano obteve a certificação no nível 5 para toda a empresa, resultado de um investimento de US$ 1 milhão em treinamento de pessoal e adequação de processos durante quatro anos. A certificação é um dos caminhos apontados por Cesar Gon, presidente e um dos sócios da empresa, para as empresas que querem participar dos processos internacionais de venda de soluções de tecnologia da informação. “É preciso também ter unidades fora do Brasil, próximas do mercado que vai comprar esse tipo de oferta, principalmente nos Estados Unidos, na Europa e no Japão, os três grandes mercados internacionais”, diz Gon. Vender para o mercado externo era a meta da empresa desde o início. “Por mais insensato que parecesse na época, essa era a nossa ambição, e trabalhamos muito para que ela se tornasse realidade”, diz Gon. A oportunidade concreta surgiu com o movimento de terceirização internacional de serviços de TI no final da década de 1990. A estratégia de exportação começou com um aporte de capital do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social Participações (BNDESPar). Hoje os três sócios originais detêm 85% das ações de capital fechado, e o banco governamental, os 15% restantes.“Ser uma empresa exportadora de TI é muito diferente de ser uma fabricante de equipamentos”, diz Gon. “O que nos dá uma vantagem competitiva na exportação são os nossos profissionais, com sólida formação acadêmica.” Profissionais antenados com as novidades da área de TI serão necessários para que o país consiga crescer no ritmo imaginado pelos especialistas do setor. Para atingir a meta de exportar US$ 5 bilhões em 2010, eles estimam a criação de cerca de 100 mil novos empregos. ■
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> ENGENHARIA DE COMPUTAÇÃO
Inteligência Sistema organiza operação das estradas de ferro e
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m software desenvolvido por uma empresa de Campinas,a CFlex,está promovendo um choque de eficiência na precária malha ferroviária do Brasil. Adquirido por boa parte das operadoras de estradas de ferro do país,o sistema computacional CFlexTrains consegue reduzir em até 18% o tempo de parada dos trens nos pátios para realizar cruzamentos e ultrapassagens.Como se sabe,a maioria dos trechos que compõem as ferrovias brasileiras são de trilhos simples que permitem a passagem de um trem por vez. Com isso,muitos deles são obrigados a esperar sua hora de ocupar a linha nos pátios de cruzamento.O sistema da CFlex fornece aos operadores uma tela com gráficos das posições atuais e futuras dos trens,dentro do período de tempo planejado,propondo um escalonamento de utilização da linha entre as diversas composições daquele dia,de modo a garantir a segurança da viagem e a reduzir ao mínimo o tempo de parada. Mas essa não é a tarefa mais complexa que o CFlexTrains executa.Se o operador,por exemplo,quiser intervir e determinar que um certo trem tenha prioridade,o sistema consegue propor instantaneamente um novo escalonamento. Caso uma locomotiva quebre,o que acontece com freqüência,a reprogramação é feita imediatamente pelo software. O programa pode remodelar continuamente a utilização da linha de acordo com as necessidades impostas pelo operador.“Trata-se de uma ferramenta que ajuda o usuário a pensar melhor”,diz o engenheiro de computação Rodrigo Almeida Gonçalves,34 anos,um dos fundadores da CFlex.
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Para se ter uma dimensão do impacto produzido pela inovação da CFlex,até há pouco era totalmente manual o trabalho de definir quais trens ocupariam primeiro as linhas e quais ficariam esperando a passagem das composições prioritárias.A tomada de decisão cabia a um solitário controlador de tráfego de trens.Na prática,levavam-se em conta apenas os problemas de curtíssimo prazo.Se vários trens necessitassem compartilhar um mesmo trecho da linha ao mesmo tempo,resolvia-se quem deveria ter prioridade naquele momento sem levar em conta os entraves que tal decisão provocaria dali a uma ou duas horas – quando,então,os novos gargalos seriam administrados.“Quando alguém cometia um erro, às vezes era necessário dar marcha à ré em um trem por dezenas de quilômetros, causando enormes prejuízos”,diz Gonçalves.“Não era raro que o operador acabasse demitido quando isso acontecia.E seus colegas,com medo de ter o mesmo destino,passavam um tempo tomando decisões muito conservadoras,que provocavam lentidão extra às linhas”,afirma.
O PROJETO Supervision: Sistema de apoio a logística e operação ferroviária MODALIDADE
Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe) COORDENADOR
RODRIGO ALMEIDA GONÇALVES – CFlex INVESTIMENTO
R$ 86.249,16 (FAPESP)
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nos trilhos reduz em 18% o tempo perdido pelos trens em pátios de cruzamento
FOTOS EDUARDO CESAR
O CFlexTrains pensa no médio prazo. É dotado de dois agentes inteligentes. Um, de nível local, planeja a utilização das linhas para as próximas horas. O outro, global, atua em paralelo. Tenta prever bloqueios na linha férrea, causados por cruzamentos e ultrapassagens de trens, e antecipar soluções para eles. Quando um problema acontece, os dois agentes dialogam e apresentam em milésimos de segundo a melhor solução possível, com base em cálculos prévios. Seu diferencial consiste em dar sugestões em tempo real. Outros sistemas foram desenvolvidos para organizar o uso das estradas de ferro, mas demoravam longos minutos para dar uma resposta. Convênio da Vale - A tecnologia e a mãode-obra da CFlex têm origem na universidade e mantêm vínculos com ela até hoje. No final dos anos 1990, a Companhia Vale do Rio Doce encomendou a Fernando Gomide, a Rafael Mendes e a Luís Gimeno Latre, professores da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o desenvolvimento de um software que ajudasse a planejar a circulação dos trens em sua malha ferroviária. O trabalho foi realizado e inspirou a tese de doutorado de Rodrigo Gonçalves sobre o problema da programação de trabalho dos maquinistas nos trens. Em paralelo, a mestranda Magali Rondon González realizava uma pesquisa sobre o uso de sistemas inteligentes em transportes ferroviários. O convênio com a Vale não foi renovado após a privatização da companhia, mas a Unicamp seguiu investindo nessa linha de pesquisa até dar origem à CFlex, que tem como sócios os ex-alunos Rodrigo e Magali.A empresa foi cria-
da em 1996 com o nome de Softel, dentro do Projeto Softex 2000, mas acabou mudando de nome para incorporar sua atual vocação. Em 2004, Luís Elesbão de Oliveira Neto, ex-diretor da Ferronorte, tornou-se sócio da CFlex. A partir daí, a empresa decidiu investir no aperfeiçoamento do sistema CFlexTrains, que teve apoio da FAPESP por meio do Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe). Já conseguiram vendê-lo para grandes operadoras. A mais recente foi a América Latina Logística (ALL), que irá implantar o software até em ferroviárias da Argentina. Além da ALL, o sistema também está em uso na Companhia Ferroviária do Nordeste e em implantação na Ferrovia Centro-Atlântica e na Estrada de Ferro Vitória-Minas. Hoje, além do CFlexTrains, a empresa vende softwares que organizam a logística de pátios de minérios e de portos. Também desenvolveu um programa para formulação da mistura de gorduras e óleos em indústrias de alimentação, combinando matérias-primas de tipos e origens diferentes sem alterar a qualidade do produto final. A CFlex tem 24 funcionários, boa parte deles na área de pesquisa e desenvolvimento. Como alguns ainda estão na universidade, envolvidos com dissertações e teses, a CFlex adota horários flexíveis na empresa. Mas, para garantir que os clientes serão atendidos no tempo prometido, a empresa criou um software de uso interno que administra a agenda dos empregados, estabelece metas e programa reuniões. “Os laços com a universidade são vitais para a empresa, mas o mundo não espera a gente parar para estudar”, diz Rodrigo Gonçalves. ■
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> NANOTECNOLOGIA
Múltiplas utilidades Resinas nanoestruturadas funcionam como bactericidas e fungicidas em máquinas de lavar roupa e colchões Y URI VASCONCELOS |
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FOTOS
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nvestir em nanotecnologia tem sido uma das estratégias da Suzano Petroquímica, nos últimos anos, para se lançar em novos mercados e continuar ampliando seus negócios. A empresa é líder na América Latina na produção de resinas de polipropileno e segunda maior produtora de resinas termoplásticas no Brasil, duas matérias-primas versáteis empregadas na fabricação de embalagens plásticas, frascos para cosméticos e produtos de higiene, utensílios domésticos, peças automotivas e produtos têxteis. Em maio passado, a companhia apresentou, durante a 11ª Feira Internacional da Indústria do Plástico, a Brasilplast 2007, realizada em São Paulo, dois produtos elaborados a partir das pesquisas em nanotecnologia: uma resina especial de polipropileno nanoestruturado com partículas de prata utilizada para fabricação de eletrodomésticos da linha branca, como máquinas de lavar roupa, e uma nova resina com nanopartículas
para fabricação de fios e fibras para produção de colchões. A principal característica das duas inovações, de acordo com o engenheiro de materiais Cláudio Marcondes, gerente de desenvolvimento de novos produtos da companhia, é sua ação bactericida e fungicida. A petroquímica prevê que, dentro de três anos, cerca de 10% de sua receita será fruto das pesquisas em nanotecnologia.“Com o uso desse novo ramo do conhecimento, estamos agregando valor aos nossos produtos”, diz Marcondes. A nova máquina de lavar está sendo produzida em parceria com a Suggar, fabricante de eletrodomésticos no país, com sede em Belo Horizonte. O aparelho é um dos primeiros produzidos no Brasil com o uso de nanotecnologia na matéria-prima. A nanotecnologia – que é a construção de estruturas e materiais em escala nanométrica, em medidas equivalentes a 1 milímetro dividido por 1 milhão de vezes – permite a fabricação de produtos com carac-
Tecido para colchões que contém fios com nanopartículas de prata
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Tubos para o fundo do mar Além das resinas plásticas com nanopartículas de prata, a Suzano apresentou, durante a Brasilplast 2007, outros produtos para o mercado de polipropileno. Um deles foi uma especialidade de polipropileno para o setor de prospecção de petróleo no mar. A nova resina é utilizada na cobertura de proteção de tubos off-shore usados em grandes profundidades. “Esses tubos trabalham em condições extremas e precisam resistir a altas temperaturas, elevada pressão e agressividade do meio”, ressalta Cláudio Marcondes, gerente de desenvolvimento de novos produtos da companhia. Eles são feitos de aço especial revestido com proteção de polipropileno anticorrosivo e isolante térmico. A espessura dessa camada protetora, de cerca de 20 a 50 milímetros (mm), garante a temperatura necessária para o fluxo do óleo. Os tubos são destinados a poços situados a profundidades de até 2 mil metros, mas a Suzano já possui estudos para o desenvolvimento de especialidades que componham tubos voltados a profundidades ainda maiores. O novo polipropileno é vendido para as fabricantes de tubos Socorril e Termotite, que, por sua vez, os fornecem à Petrobras. A Suzano já atende o mercado interno e seus produtos têm sido utilizados nos campos de Roncador, Marlim e Albacora, no litoral do estado do Rio de Janeiro e também exportou o produto para Angola. A empresa estima que o potencial de consumo de polipropileno deste setor será de 5 mil toneladas em 2007. 74
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terísticas diferenciadas, porque modifica as propriedades dos materiais no nível atômico.A resina nanoestruturada de polipropileno com partículas de prata da Suzano é empregada na fabricação da cuba das lavadoras, recipiente onde é colocada a roupa, conferindo ação antimicrobiana à peça. O efeito desinfetante da resina acontece por meio das cargas positivas (íons) da prata – um material conhecido por sua propriedade bactericida há séculos –, que atraem as cargas negativas das bactérias e causam a ruptura de sua membrana celular em função da diferença de potencial entre a parte interna e externa do microorganismo, provocando sua morte. A nova tecnologia, segundo o diretor industrial da Suggar, Marcelo Emrich Soares, permitirá a eliminação de 99,9% das bactérias que se desenvolvem na cuba das lavadoras, trazendo mais higiene e qualidade ao processo de lavagem de roupas. “O ambiente dentro da máquina fica livre de contaminação e preparado para novas lavagens. A nova resina também confere mais resistência e durabilidade ao produto”, garante Soares. Por enquanto, o polipropileno aditivado com nanopartículas de prata está sendo aplicado apenas na linha de lavadoras semi-automáticas, segmento no qual a Suggar tem participação expressiva, com cerca de 30% das vendas. Mas já existe um entendimento entre as duas empresas para a aplicação da nanotecnologia em outros tipos de eletrodoméstico. Até o momento, a Suzano forneceu 100 toneladas de polipropileno nano-
estruturado para produção das lavadoras. Como cada cuba tem cerca de 6 quilos, a matéria-prima é suficiente para fabricação de quase 17 mil máquinas. Colchões higiênicos - A resina especial utilizada na fabricação de fios e fibras de colchões é outro desdobramento da pesquisa da petroquímica com novos materiais nanoestruturados com prata. De acordo com a Suzano, o desenvolvimento do produto consumiu um ano de pesquisas e sua aplicação é bastante variada, podendo ser usado em colchões de hospitais, residências e hotéis. Outra vantagem é que a ação bactericida do produto não tem prazo de validade. Como a higienização de colchões não é um processo muito comum, a ação da resina contribui para a manutenção de um ambiente saudável, evitando a disseminação de infecções. A resina é fornecida para a fabricante catarinense de produtos têxteis Döhler, que já está produzindo fios e fibras e fornecendo-os para a empresa Castor, responsável pela confecção dos colchões com estruturas nanoestruturadas. “Acreditamos que o produto deverá chegar ao mercado em dois meses”, diz Cláudio Marcondes, da Suzano. Os trabalhos em nanotecnologia na Suzano são coordenados pelo químico Adair Rangel, que iniciou o estudo e o desenvolvimento de novos materiais nanoestruturados há apenas três anos, quando fazia o doutorado no Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Nesse período foram investidos R$ 20 milhões em
Cuba de lavadora produzida com polipropileno e prata: efeito bactericida
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Pote para guardar alimentos com nanopartículas de prata: maior tempo de conserva
pesquisa nanotecnológica no Centro de Tecnologia da empresa. A unidade abriga cerca de 40 pesquisadores e técnicos. No total, a petroquímica direciona 1,5% de seu faturamento, de cerca de R$ 2,37 bilhões, para a pesquisa e o desenvolvimento de novos produtos. Para viabilizar a fabricação de produtos de alta tecnologia, a companhia já iniciou a construção de uma linha de produção específica, batizada de Unidade Autônoma de Extrusão, localizada na fábrica da Suzano em Mauá, na Grande São Paulo. Ela iniciará sua operação comercial no final do próximo ano e terá capacidade para produzir 24 mil toneladas anuais de resinas especiais. O grande desafio da empresa, segundo Marcondes, é desenvolver não apenas novas resinas de polipropileno com nanopartículas, mas também fazer com que elas possam ser processadas no maquinário já instalado no parque fabril nacional que compra as resinas da Suzano. No ano passado, a Suzano registrou sua primeira patente em nanotecnologia, voltada para a obtenção de nanocompósitos com polipropileno e argila, empregando uma nova rota para compatibilizar os dois materiais. O novo material apresentou considerável avanço em suas propriedades mecânicas, como rigidez e resistência a impactos, e de barreira, relacionada à permeabilidade. “Ainda não
lançamos nenhum produto com ele. Nosso objetivo no momento é apresentar o potencial das resinas de polipropileno nanoestruturadas”, diz Marcondes. Tábua de carne - Um dos primeiros produtos nanotecnológicos da empresa foi revelado ao público no final de 2006 no II Congresso Internacional de Nanotecnologia (Nanotec), realizado em São Paulo. Foi uma resina de polipropileno com nanopartículas de prata – uma primeira versão do material utilizado na fabricação da máquina de lavar e dos colchões. A principal aplicação dessa resina é o mercado de utensílios domésticos. Com ele, a Suzano desenvolveu protótipos de uma tábua para cortar carne e de um pote plástico para acondicionar alimentos. “O pote aumenta consideravelmente o tempo de conserva de alimentos”, diz Marcondes. Já a tábua de cortar carne está livre da contaminação por bactérias que costumam se alojar nas reentrâncias provocadas pela faca. “Estamos incentivando uma de nossas parceiras, a Reflet, a produzir utensílios domésticos com a resina nanoestruturada, que é cerca de 10% mais cara do que a convencional”, diz o executivo. A Suzano também trabalha no desenvolvimento de filmes nanoestruturados com íons de prata, que serão empregados na fabricação de embalagens para
frutas, gêneros alimentícios e outros produtos. Em breve a companhia espera depositar duas novas patentes relacionadas a outras nanopartículas em áreas de aplicação com polipropileno, que, por enquanto, não podem ser detalhadas. De acordo com Marcondes, o volume de produção das resinas nanoestruturadas ainda é pequeno, mas tende a crescer na medida em que a população perceber o valor agregado dos novos produtos fabricados com elas. “A nanotecnologia nos oferece um potencial ilimitado. Estamos na pontinha do iceberg”, destaca. Com capacidade para produzir 685 mil toneladas por ano de resinas de polipropileno, a Suzano vende produtos no mercado nacional para mais de 500 clientes e os exporta para cerca de 40 países. A petroquímica conta com três fábricas, localizadas em Mauá, Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, e no pólo petroquímico baiano de Camaçari. Juntas, elas fabricam mais de 60 produtos. A companhia, de capital nacional, é controlada pela Suzano Holding, que também é a principal acionista da Suzano Papel e Celulose. Investimentos atualmente realizados nas fábricas de Mauá e Duque de Caxias ampliarão a capacidade de produção da petroquímica em mais 190 mil toneladas por ano até 2008, o que vai garantir a liderança da empresa na América Latina no negócio de polipropileno. ■ PESQUISA FAPESP 136
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HUMANIDADES SOCIOLOGIA
A DI TA DURA DA ALE GRIA
Intelectuais defendem mudanças para salvar a festa mais tradicional da Bahia: o Carnaval G O N Ç A LO J U N I O R
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ssim que o comércio baixa suas portas na região central, a Salvador de 2007 mais parece que está sob toque de recolher. Importantes vias como a avenida Sete de Setembro e a rua Carlos Gomes são rapidamente esvaziadas, enquanto os gargalos próximos às áreas de concentração de shoppings na região da avenida Paralela ganham um fluxo intenso e transformam o trânsito num caos parecido com os congestionamentos de São Paulo. Todos parecem ter pressa para chegar em casa. Enquanto as obras do metrô são finalmente retomadas, seus moradores passam a impressão de que vivem inquietos, acuados e aflitos. O maior motivo, aparentemente, é a violência do dia-a-dia, que encurrala moradores de todas as idades e classes em suas casas e limita sua diversão aos shoppings – que brotam como caça-níqueis por toda a cidade. No último sábado de maio, por exemplo, enquanto a orla estava semideserta por volta das 21 horas, no Shopping Iguatemi, o maior da cidade, era quase impossível comprar um ingresso para ver algum filme ou conseguir uma mesa vazia em suas dezenas de lanchonetes e restaurantes fast-foods. Há quem diga que a violência se tornou um problema de calamidade pública na cidade, embora os latrocínios sejam em número menores que em São Paulo e Rio de Janeiro. Não por acaso, a enquete de uma emissora de TV local, no mesmo dia, perguntava quantas vezes cada transeunte tinha sido assaltado. Segundo o professor Antonio Albino Rubim, da Universidade Federal da Bahia, o fim do carlismo, provocado pela eleição do governador Jacques Wagner, traz a expectativa ao menos do início de uma ruptura com o que ele chama de “ditadura da alegria”. A expressão tem vários significados. Está relacionada, por exemplo, ao jeito supostamente natural de ser do baiano intensamente explorado pela indústria do turismo, da música e do Carnaval há quase 20 anos. Ou de um lugar onde a televisão tem força suficiente para impor a idéia de um lugar festeiro 24 horas por dia e onde é possível ser feliz sempre. Um estado de coisas simbolizado por letras de canções antropofágicas como “We are
Carnaval, we are folia, we are the world of Carnaval, we are Bahia”. A idéia de Salvador como “Terra da Felicidade” – modernizada para “Terra da Alegria” –, diga-se, não é nova. Já nos anos 1930 Ary Barroso usou a expressão ao compor o clássico Na Baixa do Sapateiro, cuja letra exaltava as belezas da mulher baiana e da tal “Boa Terra” do Senhor do Bonfim. Mas o que se vive em 2007 está ancorado num conceito mais moderno de “baianidade” que a antropóloga Goli Guerreiro – autora do livro A trama dos tambores – A música afro-pop de Salvador (Editora 34) – diz ser possível de entender como uma articulação entre políticos, artistas, religiosos, intelectuais, publicitários e gestores turísticos e que encontra ressonância em diversas camadas sociais. A ditadura da folia, continua Rubim, estaria relacionada também às estreitas ligações que o mercado momesco e o da música têm com o poder estadual e municipal, por meio da Bahiatursa e Emtursa, empresas que promovem o turismo. Uma cumplicidade, diz, que acabaria atrelada à figura de Antonio Carlos Magalhães, que, ao voltar ao governo do estado em 1990, soube capitalizar o fenômeno da música baiana que surgia – e seria pejorativamente rotulado de axé-music – para transformá-la em produto de turismo. Blocos - Ao mesmo tempo que cooptou
artistas, produtores e empresários de blocos com infra-estrutura e patrocínios, para o pesquisador, o grupo de ACM deu a todos eles a ampla liberdade para que gerenciassem o Carnaval. Daí, completa, a expectativa e o temor de alguns grupos com a subida do PT ao poder. Wagner pode matar dois coelhos com uma só paulada: fragilizar um foco carlista de grande influência na vida cultural da cidade e acabar com a omissão dos poderes públicos em deixar a condução do Carnaval ser manipulada em prejuízo da tradição da festa. A Bahia, observa o antropólogo Antonio Risério, vende muitos mitos que não são verdadeiros. Autor de Uma história da cidade da Bahia (Versal), ele cita alguns: diz-se que é uma cidade ensolarada, quando, na verdade, chove o ano PESQUISA FAPESP 136
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inteiro, torrencialmente. “Caymmi alimentou a idéia de que não se trabalha, mas baiano rala pra cacete”, observa. A visão de cidade alegre, avalia Risério, contrasta com os nomes de lugares antigos como Largo dos Aflitos, Praça da Piedade e Ladeira do Desterro, entre outros. “Impôs-se uma imagem maníaca, onde ninguém tem o direito de ser triste, mas basta conversar com as pessoas e você encontrará muita solidão.” O sociólogo Paulo Miguez faz coro. “Em Salvador não se pode ficar triste e se isso nunca acontece a pessoa será profundamente infeliz, porque a tristeza é uma dimensão da vida humana que não pode ser desprezada”, observa. Miguez defendeu o doutorado “A organização da cultura na cidade da Bahia”, em que apresenta conclusões reveladoras sobre a indústria da música e do Carnaval de Salvador. “A fossa, o baixo-astral, tudo isso, de vez em quando, nos enriquece. Um povo que é permanentemente alegre fica chato porque não é possível construir alegria cotidianamente a partir de tudo e numa cidade de graves desigualdades sociais.” Criou-se, na sua opinião, uma “ilha da fantasia, embora às vezes se desmonte o circo, como na greve dos policiais [em julho de 2001], quando a população ficou refém de criminosos”.
Compreender as complexidades de Salvador e defender uma ampla e urgente discussão sobre os rumos da cidade tem sido uma preocupação quase exclusiva dos acadêmicos baianos nos últimos anos. Principalmente no Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura/Cult, do Programa Multidisciplinar de Pósgraduação em Cultura e Sociedade/Póscultura, da UFBA. O núcleo realizou entre os dias 23 e 25 de maio o III Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (Enecult), que reuniu quase duas centenas de pesquisadores de todo Brasil, América Latina e Europa. Carnaval - Os pesquisadores afirmam que qualquer planejamento de crescimento sustentável para Salvador tem de passar pela elaboração de um projeto de reavaliação do papel do Estado e da prefeitura no Carnaval, com a finalidade de salvar a mais importante festa popular da Bahia. Significa, entre outras medidas, tirá-la das mãos de um pequeno grupo de empresários que há mais de duas décadas tem ditado regras e estabelecido privilégios em nome do que chamam de “profissionalização” do Carnaval “mais democrático do mundo”. Na prática, porém, essa máquina tem privatizado os espaços públicos e asfixiado as manifestações populares tradicionais ou ligadas à cultura afro. Embora se diga que o baiano é cordial, o fato é que o temor da violência tem afastado das festas tanto turistas quanto moradores. O Carnaval de 2007 refletiu, de acordo com Rubim, a crise no modelo da festa e serviu como mais um alerta: os hotéis não tiveram ocupação máxima e era possível comprar fantasias (abadás) sem dificuldade e durante a folia. “Tem de se criar caminhos, uma lógica de mercado que não seja submissa, predatória, em busca do ganho imediato, para dar margem à inovação”, sugere. Teórico respeitado da comunicação, Muniz Sodré, um dos palestrantes do Enecult, destaca que tanto o Carnaval quanto a música baiana precisam ser repensados.“A cultura popular tem sido feita pela mídia de Salvador, principalmente por causa da força da TV. No entanto, continua a ter, da parte do povo, apropriações diversas e em lugares diferentes.” Por isso ele acredita que o conceito de lugar é imperativo para definir diversidade, “porque não é o lugar da mídia, mas da
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pequena comunidade, do interior, com formas próprias que se manifestam”. A Bahia, observa Sodré, já foi o lugar onde, de repente, essas expressões simbólicas diferenciadas ganharam o primeiro plano, mas logo se comercializaram. Se, por um lado, o mercado musical fez emergir certa identidade que até então estava recalcada, por outro lado foi imediatamente apropriada pela indústria do entretenimento e pelo Estado como atrativo turístico.“Acho que isso teve no primeiro momento um papel político muito forte e o problema é saber se essa radiação já acabou. Pessoalmente, acho que tal força está se esgotando porque não se preocupou muito com a continuidade.” Se fez surgir alguns grupos, o Carnaval, afirma ele, tem limitações econômicas grandes e não toca na questão da desigualdade. “Os próprios blocos, que tinham sentido libertário, hoje são organizações cercadas por cordas.” Assim, o conceito que se vê nas ruas durante a fo-
lia vai de encontro à idéia do Carnaval dionisíaco, libertário. Predomina entre empresários, artistas, Estado e município, na sua opinião, a velha ideologia do patrimonialismo.“É a ideologia do compadrio, do favor. O país continua a ser assim e, por mais que o conteúdo da cultura seja de esquerda, não se pode infringir essa lógica, que estabelece territórios. É mais forte que qualquer ideologia de direita ou de esquerda.” Injustiça - Para o jornalista e folião Bob
Fernandes, o Carnaval é só mais um dos graves fenômenos da “evidente” injustiça social que tem marcado os cinco séculos de história da Bahia. “Carnavalesco rueiro”, como se define, ele diz que demagogo não é quem propõe discutir a festa, mas aqueles que defendem seu continuísmo a partir da visão do conforto dos camarotes e do palanque oficial. “Eu ando no meio da massa e sei que mexer no esquema não vai resolver o problema do apartheid na Bahia, mas
pode sinalizar o que o poder público pensa a esse respeito. Quando não, ao menos ampliar o número de ‘proprietários’ desse negócio.” A primeira medida, sugere ele, é acabar com as cordas. “A corda é a porrada, é a venda do espaço público e a imposição do preconceito e da segregação.”Fernandes acredita que o futuro da festa vai depender da capacidade do novo governo de se impor, de discutir e de executar algum tipo de projeto para a cidade.“Salvador é a jóia da coroa e não é possível que não se faça um amplo debate até o Carnaval do ano que vem. Por ser uma grande festa popular, pode-se estabelecer uma política duradoura e mais justa.” O mais grave, na sua opinião, está no poder que os blocos estabeleceram na organização da festa. “É um Carnaval de perseguição, com objetivo absolutamente restrito a meia dúzia de senhores, garotos e garotas. São pessoas que se dão bem num esquema montado a partir de uma gigantesca mentira que se criou para ven-
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baiano adora sair na porrada individualmente, mas tem se mostrado incapaz de se mobilizar contra os desmandos desses grupinhos que fazem o que querem da cidade”, provoca. Desafios - O secretário de Cultura Márcio Meirelles, há cinco meses no cargo, sabe dos desafios e das reformas que precisa fazer. Um dos renovadores do teatro baiano nas duas últimas décadas, ele fala com cautela dos desafios que tem pela frente. Dentre as suas prioridades está a descentralização da cultura para o interior a fim de preservar ou reviver ricas tradições ameaçadas pelo rolo compressor em que se tornaram a música e o Carnaval da cidade. Meirelles ri antes de falar do vespeiro que quer enfiar a mão: a relação de trocas de favores entre a Bahiatursa, empresários e artistas do Carnaval.“Quando as relações não são mais com um cacique, um coronel, as coisas têm de mudar.” Segundo ele,“há muita gente esper-
neando porque está perdendo privilégios. É aquela velha história: quem se sente ameaçado, reage. E é isso que começamos a viver: o ataque dos privilegiados”. Outro aspecto da cultura baiana que tem sido de interesse na academia é a importância da música afro-brasileira, que deixou o gueto para fazer sucesso nas rádios e na TV e alimentar a folia a partir dos anos 1980. Mais que isso, causou profundas transformações, como o rompimento de barreiras de preconceitos, e promoveu a recolocação do negro em seu espaço, numa cidade onde 70% da população tem ascendência africana. Esse é o lado positivo de uma indústria predatória, marcada por equívocos, como explica Rubim. Miguez ressalta que o acirramento da disputa por foliões teve um ponto favorável: fez com que parâmetros raciais e de beleza fossem deixados de lado.“A seleção dos foliões hoje, não tenho dúvida, prioriza a questão econômica.”Até mesmo o esquema de montar uma agenda de
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der o evento: o de que Salvador recebe 1 milhão de turistas em cinco dias.” Como isso é possível, pergunta ele, se a cidade só tem 27 mil leitos hoteleiros? “Não há casas ou apartamentos para alugar que caiba tanta gente.”Pelas suas contas, se 30 blocos desfilam ao mesmo tempo com cerca de 90 mil foliões, o número de gente na rua não deve passar de 500 mil. Bob Fernandes identifica problemas graves de aspectos cultural e político que podem transformar a capital baiana num lugar inviável de viver a médio prazo. Sintomas que já aparecem no trânsito caótico nas principais vias por causa de concessões dadas a construtoras de shoppings e de condomínios de luxo. “Querem a qualquer custo agora aumentar o gabarito dos prédios da orla para transformá-la numa nova Copacabana, cujos prejuízos ambientais e de qualidade de vida atingirão toda a cidade.” E ressalta sua preocupação para uma certa “covardia moral” da população que vê os bens públicos serem usurpados sem reagir.“O
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Carnavais fora de época por todo o ano – as micaretas –, que deixam alguns blocos e artistas com as agendas cheias, parece fragilizado pela falta de novidade. Rubim aponta a própria universidade como responsável, de certo modo, pelo ínício da valorização da cultura afro, com a criação do Centro de Estudos Afro-Orientais (Ceao) na década de 1960. Outro aspecto relevante, ressalta, foi a industrialização do Recôncavo com a criação do pólo petroquímico de Camaçari e do Centro Industrial de Aratu nos anos 1970, que fez surgir grupos emergentes de negros, mais conscientes de seus direitos e da importância de sua cultura, com novas necessidades e em sintonia com o movimento do black power americano e da música negra, principalmente o reggae. Desse despertar nasceu o bloco afro Ilê Aiê, conscientemente voltado para a valorização do negro na Bahia. Caetano Veloso - O terceiro elemento foi
o engajamento de um grupo de compositores vindos da classe média na década de 1970, liderado por Antonio Risério, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Este só veio a descobrir a força da cultura negra depois da experiência do exílio e com seu engajamento no bloco Filhos de Gandhi. Eles plantariam a semente do que seria a axé-music. Risério concorda com Rubim e assume seu papel na história. Ele conta que havia uma investida política clara para que ocorresse na Bahia “uma grande virada negra, com a população tratada com respeito,“pois o que existia de interessante na cultura local vinha deles”. Esse esforço apareceu, por exemplo, na gravação de Beleza pura, por Caetano; e na batida do afoxé que Moraes Moreira conseguiu tirar do violão. “Jogamos signos e ajudamos a transformar a cultura negra numa ideologia hegemônica.” O antropólogo lembrou que ia com Caetano a várias iniciativas ligadas à música negra promovidas por blocos como Badauê, Ilê Aiê e Zamzimbá, entre outros. Aos observadores curiosos fica a expectativa de como será o ritual de louvação de alguns importantes cantores aos políticos. ■ As imagens que ilustram esta matéria são reproduções do livro O capeta Carybé, editora Berlendis & Vertecchia Editores Ltda. PESQUISA FAPESP 136
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Entre os bits
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Modernização da Biblioteca Nacional ressalta importância da leitura, em qualquer formato C ARLOS H AAG
Vista noturna da avenida Central, Rio de Janeiro, entre 1910 e 1912, com a Biblioteca Nacional ao centro
EM FINS DE 2005, POUCOS DIAS APÓS ASSUMIR COMO O NOVO DIRETOR DA FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL, FBN (“O MINISTRO GIL ME CONVIDOU E PASSEI 15 DIAS PENsando se aceitava”, lembra), no Rio de Janeiro, o professor de comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Muniz Sodré, foi surpreendido com uma reclamação das mais insólitas. Chegando em meio a uma crise geral da instituição, cujos funcionários estavam em greve, tendo que resolver, às pressas, pendengas da administração anterior com o Tribunal de Contas da União, dar conta à opinião pública do desaparecimento de mais de mil itens da coleção Teresa Cristina, a “menina-dosolhos” da fundação, o novo diretor recebeu em sua sala pesquisadores da UFRJ que haviam sido barrados na portaria porque, ao contrário das normas da biblioteca,“estavam vestindo camisetas cavadas”.“Sou descendente do povo nagô, um negociador nato, e só me jogando na parede é que parto para a capoeira. Aos poucos a biblioteca se modernizou, perdeu esse ar ‘velhusco’ e olha para o futuro”, explica Muniz. Considerada pela Unesco a oitava biblioteca do planeta, com um acervo de mais de 9 milhões de itens, a FBN abriga tesouros do passado e, por causa da Lei do Depósito Legal, é guardiã de toda a publicação feita no Brasil, obrigada a lidar com o passado e correr para dar conta do presente. Ironicamente, ela mesma não pode editar (à exceção da Revista do Livro, dos Anais da Biblioteca e da Poesia Sempre, publicações retomadas por Sodré), apenas co-editar e nunca vender fora de seu espaço, no prédio neoclássico construído em 1905, como parte do bulevar à Paris do prefeito Pereira Passos, na hoje avenida Rio Branco. Muniz, irrequieto, mas seguidor das leis, driblou os obstáculos e acaba de lançar a nova revista da FBN, Cultura Brasileira Contemporânea, publicação quadrimestral editada por Francisco Bosco, doutor em teoria literária pela UFRJ (filho e parceiro letrista do compositor João Bosco), com tiragem inicial de 2 mil exemplares ao preço de R$ 15 na biblioteca, mas distribuída gratuitamente para bibliotecas públicas do país. “Nem PESQUISA FAPESP 136
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mesmo na academia existiam revistas de molde monotemático, que tratassem de um tema com profundidade. Daí a criação de uma publicação que trouxesse idéias novas para dissecá-las”, afirma. Na administração passada, a FBN passou por maus bocados por causa de outra publicação, uma querela em torno de quem teria os direitos sobre o nome Revista de História. Em verdade, essa revista, que é vendida em bancas, é de propriedade da Associação dos Amigos da Biblioteca Nacional, uma entidade mantenedora da fundação. Cultura Brasileira Contemporânea é a real prata da casa, cujo primeiro número discutiu a música popular brasileira, com artigos de Arthur Nestrovsky, Antônio Cícero e Nuno Ramos, entre outros. O próximo número será dedicado às “conjugações contemporâneas”, com escritos sobre os verbos amar, consumir, grafitar etc. Muniz já tem planos para outras edições que tratariam de temas como o “homem cordial” de Sérgio Buarque de Holanda e sobre o cinema nacional. A revista, porém, é apenas uma das realizações da atual gestão, que para Muniz, baiano, “é do povo, como o céu é do avião”. “MINHA INTENÇÃO É FAZER O MÁXIMO PARA AMPLIAR A CIRCULAÇÃO DO LIVRO E O ÍNDICE DE LEITURA. A ECONOMIA FORMAL, DO DINHEIRO, É SEMPRE PRECEDIDA DE OUTRA, invisível, da cooperação. É a economia do saber, do conhecimento, o capitalismo cognitivo que, embora não computável, é fundamental para o desenvolvimento da economia formal. É pela alfabetização que se prepara a população para a entrada numa nova era tecnológica, que se constrói essa economia do saber”, explica. Segundo ele, não há como levar à frente o Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, econômico, sem o saber. “Mas o valor de políticas públicas de cultura não deve ser buscado na fetichização do Estado. É preciso deslocar o viés classista para uma interação com as comunidades que assinalam a diversidade simbólica brasileira e que aspiram à preservação patrimonial e à participação nessas políticas. É inovador agregar ao interesse do patrimônio de pedra e cal o cuidado com o outro, imaterial”, diz. Para Muniz Sodré, ainda falta na sociedade global o entendimento da cultura como ponto de partida, não de chegada, e, para tanto, ela precisa ser associada à educação. “O desafio é assegurar cidadania cultural e acessibilidade”, avisa. Muniz está menos interessado em como será o suporte material futuro do saber e mais em como reparti-lo de forma mais democrática. Daí a participação, de última hora, do Brasil no projeto Biblioteca Digital Mundial, iniciado em dezembro do ano passado, e que pretende, a partir de 17 de outubro, inaugurar um site onde se podem encontrar, gratuitamente, materiais culturais considerados por cada participante do grupo como o mais representativo de seu desenvolvimento. De início, o Brasil não estava dentro do projeto, mas Muniz foi convidado a partici-
Interior da Biblioteca Nacional: Muniz Sodré está menos interessado no suporte material do saber e mais em sua democratização
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par e, agora, a Biblioteca Nacional disponibilizará material nacional para acesso global. O ponto de partida foi a renovação do site da FBN (www.bn.br), parte da crença de Muniz Sodré na tecnologia como forma de tirar a poeira que parece cercar a palavra biblioteca. Hoje no computador, por exemplo, é possível conhecer o acervo da instituição, sua história, passear virtualmente por ela e, “algo que encantou os gringos”, apreciar uma coleção com 1.600 mapas dos séculos XVI e XVII, bem como baixar obras clássicas completas, de Machado de Assis ou Lima Barreto. A partir de outubro, qualquer cidadão do planeta poderá ver, entre outras coisas, as preciosidades da coleção Teresa Cristina, por exemplo, que inclui obras de Rugendas e Debret, mapas, traduções de clássicos etc. SEM O PERIGO DE ROUBO, POIS AGORA A FBN INSTALOU UM SOFISTICADO SISTEMA DE SEGURANÇA PARA EVITAR OS ROUBOS QUE MACULARAM O NOME DA INSTITUIÇÃO NO PAS-
FOTOS WILTON JUNIOR/AE
sado. São 70 câmeras espalhadas pelo prédio e mais de 10 mil metros de fibras ópticas que servem como alarme.“Isso deu tranqüilidade aos nossos funcionários, de alto nível e que têm orgulho de trabalhar aqui, na preservação de nossa cultura”, afirma Muniz Sodré. O novo laboratório de restauração é, diz o diretor, o melhor do país, com novos equipamentos e troca de tecnologia por meio de maior interação com a biblioteca do Congresso americano. “A ênfase da minha administração é a preservação de acervos culturais, bem como a promoção e o intercâmbio de eventos na área de patrimônio”, conta. Para tanto, com apoio da Petrobras, o prédio anexo da FBN, na avenida Rodrigues Alves, será preparado para que a he-
meroteca (para onde vai todo o material após ser digitalizado) funcione a todo vapor, bem como está se preparando, pasmem, um inventário do acervo da biblioteca, até hoje inexistente. Além disso, Muniz encomendou dois filmes (com atores populares como Marcos Palmeira e Antonio Calloni) que serão exibidos, a partir do próximo mês, no foyer da FBN, contando a história da biblioteca, seus acervos e de como utilizá-la da melhor forma. Ele, porém, não se contenta com o trabalho de Hércules, que é dirigir um órgão desse porte e quase sem verba, e está participando ativamente da institucionalização de uma parceria estratégica entre os ministérios da Cultura e da Educação, algo inédito, na elaboração do Plano Nacional do Livro e da Leitura, sancionado pelo presidente Lula em setembro. “Estou convicto de que o desenvolvimento da parte educacional do PAC requer, com o intuito de melhoria do rendimento escolar, a intensificação dos esforços na disseminação do livro e da leitura”, observa. Com uma sorte de nagô, Muniz Sodré logo ao assumir recebeu uma verba inesperada de R$ 28 milhões, captada pelo Minc via Senado, que usou para a criação de mais de 400 novas bibliotecas.“Ainda assim continuamos com um déficit de 700 bibliotecas”, lamenta. O link entre os ministérios quer fazer da leitura uma política de Estado, envolvendo professores e editores, que serão treinados como estimuladores de leitura nas escolas, incluindose a reativação, por Muniz Sodré, do Pró-Ler, no Rio de Janeiro. “Estamos diante da relativização da velha hegemonia do livro em face da esfera do virtual, onde não se reside, circula-se, embalado pela promessa de um discurso, democrático, de um saber sem hierarquias”, avalia. ■
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Desce macio demais
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m se tratando de consumo de bebida e adolescência, o surrado slogan “eu sou você amanhã” não é, com certeza, uma propaganda enganosa. Um projeto apoiado pela FAPESP e coordenado pela psicóloga Ilana Pinsky, da Universidade Federal Paulista (Unifesp), avaliou a relação entre a publicidade de bebidas alcoólicas (em especial a cerveja) e seu consumo pelos jovens. Os resultados não descerão “redondo” na goela da indústria da cerveja, que fatura mais de R$ 20 bilhões por ano e gastou, em anúncios, apenas em 2006, R$ 700 milhões.“Temos dados que questionam a eficácia da auto-regulamentação das propagandas feitas pelo Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária (Conar), por meio de uma pesquisa feita com estudantes do ensino médio de escolas públicas de São Bernardo. O outro, realizado com alunos ainda mais jovens (6ª e 7ª séries), revela a associação das variáveis das publicidades de bebidas alcoólicas com o consumo de álcool dessa amostra”, explica Ilana, que apresentou, neste mês, em Budapeste, Hungria, os papers no 33rd Annual Alcohol Epidemiology Symposium of the Kettil Brunn Society for Social and Epidemiological Research on Alcohol. Segundo a pesquisadora, se até 2000 (quando a Lei 10.167 proibiu a propaganda do cigarro nos meios de comunicação) o álcool já era o produto mais anunciado, hoje ele reina soberano, encerrando mensagens que associam a bebida à resolução de problemas, tensões, sinônimo de camaradagem, humor, sexualidade, sucesso, e até mesmo carregando um conteúdo nacionalista, como se verificou nos estudos feitos durante a última Copa do Mundo. “No Canadá, por exemplo, é proibido associar bebidas a símbolos de status ou dar a entender que aceitação social, sucesso pessoal, negócios ou conquistas esportivas podem ser atingidos pelo consumo do produto”, lembra a professora. Um levantamento feito em 2001 pela Unifesp mostrou que o alcoolismo afeta 11,2% dos brasileiros e, dentre esses, 17,1% dos homens. Essas pesquisas, porém, estavam deixan-
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do de lado um dado fundamental: a idade dos consumidores.“Nosso estudo com crianças e adolescentes entre 10 e 17 anos mostrou que assistir a propagandas com freqüência provoca a expectativa de consumir bebidas no futuro. Muitos dos meninos entrevistados disseram que a publicidade os encorajava a beber. Vários afirmaram que ‘as festas a que eu vou são iguais às dos anúncios’. Acima de tudo há uma crença generalizada de que as propagandas de álcool ‘dizem a verdade’, o que faz os jovens crerem nelas para definir a sua idéia de ‘hábitos normais de beber’ .” Ilana ressalta a importância da preocupação levantada no encontro internacional da Organização Mundial da Saúde (OMS), em Valência, Espanha, no ano passado: há uma tendência mundial, em particular nos países em desenvolvimento, de indústria de bebidas alcoólicas dirigir seus produtos aos jovens, num efeito colateral do “eu sou você amanhã”. Daí a gravidade do que se descobriu na segunda pesquisa feita pelo grupo da Unifesp, cujos resultados revelaram que as propagandas de cerveja violam grande parte das regras do código brasileiro de auto-regulamentação publicitária. Das 16 regras incluídas no estudo,12 foram desrespeitadas,segundo o julgamento do público adolescente, em especial a que proíbe a publicidade a induzir o consumo abusivo e irresponsável de bebidas, a que veta que se dê a impressão de o produto estar sendo recomendado em razão de seus efeitos sobre os sentidos e,acima de tudo,a regra que impede a utilização de imagens, linguagem ou idéia de que o consumo do produto é sinal de maturidade ou que contribua para o êxito profissional, social ou sexual. Basta fechar os olhos e tentar lembrar de algumas das propagandas recentes de cerveja para perceber que a mensagem está sendo dirigida aos jovens e que eles estão abertos a ela. O pior é que a realidade é conhecida pela sociedade: há mais de 120 projetos em andamento no Legislativo, muitos deles exigindo, nos moldes do tabaco, a proibição dos anúncios de álcool, como ocorre na França e na Holanda.“Países que proíbem a publicidade de destilados têm níveis de consumo 16%
ILUSTRAÇÕES HÉLIO DE ALMEIDA
Há uma perigosa relação entre propaganda de bebidas e o consumo de álcool pelos jovens
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mais baixos e 10% menos acidentes automobilísticos fatais do que países sem nenhuma proibição. Esses números passam para 11% e 23% no caso de cerveja e vinho”, ressalta Ronaldo Laranjeira, coordenador da Unidade de Pesquisas em Álcool e Drogas (Uniad-Unifesp). O Brasil, como o Reino Unido, a Austrália e os Estados Unidos, optou pela regulamentação ética.“O setor de propaganda brasileiro se organizou a partir dos anos 1980, editando regras de comportamento interno a fim de evitar ingerência externa (leia-se do governo). As indústrias de bebidas, com setores de publicidade e propaganda, defendem a eficácia do controle ético. No caso da cerveja, os dados obtidos mostram uma outra realidade”, avalia Ilana.
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razão pela qual as empresas fazem publicidade é fidelizar seus consumidores e ganhar participação no mercado em cima de consumidores de outras marcas. Nós disputamos, entre nós, fatias de mercado a partir da publicidade. Um estudo feito a nosso pedido pela Luciano Coutinho Associados Consultores analisou a relação entre volume de audiência em televisão e consumo. A correlação encontrada foi insignificante do ponto de vista estatístico”, afirmou Milton Seligman, presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv), na audiência pública realizada em 2006 pelo Conselho de Comunicação do Congresso Nacional, que discutia O álcool nos meios de comunicação. Seligman afirmou a necessidade de estratégias diferenciadas a serem adotadas pelo governo no caso do tabaco e do álcool. “Quanto ao cigarro, a percepção do risco é de longuíssimo prazo. ‘Só vai me acontecer algo quando for velho e eu já parei de fumar’. Era, portanto, preciso, interromper o quanto antes os códigos que alimentavam essa noção”, explicou. “No caso do álcool, os prejuízos (consumo por menor de idade, riscos de violência familiar e acidentes) são percebidos como de curtíssimo prazo:‘hoje à noite’, ‘depois da festa’. Logo, é necessário amplificar todos os códigos de comunicação para a percepção do risco imediato. Ou seja, investir em muita comunicação, campanhas publicitárias que levem a uma mudança de comportamento, e não acabar com as propagandas.” Na mesma audiência, José Inácio Pizani, presidente da Associação Brasileira
das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), avisou que tentativas de proibição de propagandas de bebidas colocam “em jogo a liberdade de expressão”. “Somos, sim, concessionários, mas também somos empresários. Temos as obrigações legais de um ente privado e insisto: aprovadas as proibições ou danosas restrições à propaganda comercial, quem custeará as emissoras de rádio e TV abertas do Brasil? Será que o objetivo é acabar com elas?” O tom foi o mesmo adotado no editorial do jornal O Globo,de 8 de maio passado,que criticava a resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que, dentro da Política Nacional sobre o Álcool, conforme decreto do governo Lula, propõe adotar medidas para reduzir o consumo de bebidas e colocar limites à sua propaganda (como passar a considerar cervejas, ice e coolers como bebidas alcoólicas, o que antes não ocorria, e proibir a publicidade das 8h às 21h). “No diálogo, pode ser que o Ministério da Saúde entenda que jogar sobre os ombros da publicidade a culpa pelo alcoolismo equivale a condenar anúncios da indústria automobilística pela violência no trânsito”, disse O Globo. “Estudos mostram que a fidelidade a uma marca, como defende a indústria da cerveja, acaba por elevar o consumo geral do produto. Um anúncio pode aumentar a demanda por uma certa marca, mas não afeta consideravelmente o consumo de outras, chegando mesmo a causar um crescimento global do álcool. Se uma cerveja faz uma campanha de sucesso, isso estimula a sua concorrente a revidar com outra ainda mais forte”, rebate Ilana. Além disso, continua a pesquisadora, para furar o “bloqueio”ético do Conar, a indústria vem recorrendo nas propagandas a uma linguagem generalizante, tornando a tarefa de escapulir de preceitos do regulamento com facilidade.“São desenvolvidos nichos específicos a partir da associação de determinada marca com esportes, estilos de vida e outras artimanhas destinadas a fisgar o consumidor pela via da identificação”, analisa Laranjeira, para quem a regulamentação ética seria apenas uma forma de escapar “da mira do governo”, fazendo uma sub-regulação em detrimento do interesse público. Em grande parte dos casos, denúncias ao Conar sobre irregularidades em campanhas de cerveja são feitas pela própria indústria, no caso, avisa Ilana, uma cervejaria concorrente.“A regulamentação de horá-
rio da Anvisa, embora seja uma tentativa positiva de disciplinar as propagandas de cerveja, terá pouco efeito, pois o estudo mostra que, independentemente do horário, os anúncios continuam atrativos para os adolescentes.”
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lana, no entanto, ressalta que “não se deseja atribuir somente aos anúncios atitudes e comportamentos no trânsito e no consumo de bebidas alcoólicas”, apenas focar um aspecto até então pouco estudado, levando também em conta um público igualmente menosprezado pelos estudos.“A sociedade toma atitudes paradoxais frente ao tema: por um lado, condena o abuso de álcool pelos jovens, mas é permissiva ao estímulo do consumo por meio da propaganda”, observam em artigo Flávio Pechansky e Cláudia Maciel, do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. “Mesmo com os avisos de que o produto é ‘para adultos’ e sobre ‘moderação’, há desproporção entre isso e o impacto gigantesco da propaganda sobre o consumo de bebidas pelos jovens. Para os pesquisadores, o adolescente está construindo sua identidade e, mesmo sem um diagnóstico de abuso, à medida que se habitua a passar por uma série de situações apenas sob o efeito de álcool, há o perigo de dependência.“Vários adolescentes associam lazer ao álcool ou só conseguem tomar iniciativas afetivas e sexuais se beberem. Para uma mente em desenvolvimento, o paradoxo da posição da sociedade e a falta de firmeza no cumprimento de leis (bem como a facilidade do acesso, os exemplos familiares e a falta de suporte parental) são um caldo de cultura ideal para a experimentação de drogas e bebidas, contribuindo para a precocidade da exposição ao consumo abusivo.” “É legítimo pressupor que uma sociedade tem o direito de se defender daquilo que julga pernicioso e que isso pode ser entendido como mais do que somente o acesso ao controle remoto da TV. E, da mesma forma que é legítimo e desejável que na democracia uma atividade se auto-regulamente, é também legítimo que se questione se interesses corporativos ou financeiros estão atropelando os interesses da sociedade como um todo”, avalia Ilana. ■
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FICÇÃO
Encontro
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air do laboratório às 5 da tarde era um ato que envolvia um conjunto de procedimentos cautelosamente preparados de modo a manter o tempo sob controle.Às 4h30 (minutos antes ele levantaria os olhos do microscópio para o enorme relógio branco na parede) uma agenda de pequenos passos começava a mover suas páginas na sua mente,uma atividade de cada vez,e os cromossomos manchados diante de seus olhos no foco da lente pareciam indóceis;sim,trata-se de outra trissomia,o que ele já sabia antes mesmo de olhar,mas é preciso fazer tudo de novo a cada procedimento de modo a manter a natureza sob estrito controle,ele fantasiou,já um pouco tenso,porque o grande ponteiro à frente avançava resoluto para o número 8,e ele estaria,quem sabe,40 segundos atrasado,e sorriu,supondo que alguém soubesse de sua previsibilidade,algum microscópio gigante que o visse assim como ele vê o cromossomo (reproduções espelhadas uma na outra até o infinito como na estampa de um óleo de soja de sua infância) e o ponteiro avançou de novo,uma estocada silenciosa de um segundo.Ele anotou o resultado da lâmina,exame número 39.02.977.07,a senha do técnico responsável,registrou POSITIVO PARA e a coluna da direita já dispunha doze opções,das quais ele escolheu a terceira,e retirou a lâmina para depositá-la nos encaixes do lado direito,o número sobre o código de barras,mas desta vez não pegou a próxima lâmina,embora,no limite,houvesse tempo para isso,ele especulou – mas não,o ponteiro avançava,agora faltavam 16 minutos para as 5 horas e ele imaginou o que dizer hoje,se é que algum dia teria coragem de dizer algo.Nada.Um homem sem palavras.Melhor não pensar,e ele finalmente pensou em Mariela,o rosto tímido oculto na sombra da própria mecha de cabelo que lhe caía na testa,teimosa,sempre que fitava alguém,o gesto de
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levar para o alto um pedaço de si mesma que teimava em cair de volta aonde estava,para ocultá-la.O ponteiro avançava mais rápido agora,ele deduziu,o coração batendo – nesse exato instante ela está fechando a porta de sua sala no outro prédio,volta-se para um lado do corredor,dá quase um passo completo e lembra-se que deve ir para o outro lado,e ele sorri,imaginando o que nunca viu,colocando a capa sobre o microscópio ao mesmo tempo que confere os minutos restantes no relógio impiedoso – ele deve desligar o computador,e isto está 2 minutos atrasado hoje,o que vai exigir um passo estugado ao longo do corredor onde espera não encontrar ninguém para dizer nada porque terá ainda dois lances de escada a enfrentar (melhor que o elevador,que não tem lógica) e então – então ele conferiu o relógio uma última vez,tudo estava bem no melhor dos mundos e sentiu um manto de felicidade,o fim do trabalho,o encontro previsto,a ausência de chuva (há vários meses seu único inimigo, desorganizador, infernal – a chuva), e abriu a porta com a mão esquerda,o chaveiro na mão direita, mas havia esquecido,não as luvas (olhou para as mãos) – e isso angustiou-o como um chão que falta súbito – mas não, basta tirar o guarda-pó,é claro que há tempo;pendurou o guarda-pó e correu de volta à porta imaginando onde ela estaria agora,certamente avançando pelo também longo corredor para o pátio e dali para o caminho que ele vai cruzar como em tantas outras vezes, um espaço seguro de trinta metros em que issoé sempre possível,e depois eles se afastarão até o outro dia se ele não puder falar (e não vai falar,ele sabe).Ela agora está,talvez,esperando o elevador,ele calcula;não precisará ir tão rápido se não encontrar ninguém e não há ninguém à vista naquele horizonte estreito do corredor que ele vai palmilhando firme pensando pela milésima vez no que poderia dizer – al-
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go como – assim, que não assustasse Mariela, o nome no crachá que ele uma vez flagrou milagrosamente numa pausa, em que ela levantava a mecha dos olhos enquanto a outra mão, o esmalte vermelho nas unhas, ajeitava alguma coisa na fivela do sapato azul-escuro enquanto a sombra dele resvalava no caminho estreito, assim meio de lado, para não esbarrar – assim como – mas ele é um homem sem palavras, ele só tem olhos, olhos exatos, capazes de reconhecer cromossomos, bacilos, proteínas, estafilococos, o que estiver na lâmina, com uma agudeza absoluta. O melhor: Rogério é o melhor. Naquele microscópio, ninguém bate o Rogério, ele ouvia no cafezinho, e se afastava, discreto. E rápido, ele é muito rápido também, e Rogério apressou o passo para ao mesmo tempo fugir da lembrança de si mesmo e não perder os seus trinta metros. Dizer, talvez: Eu trabalho ali. Ou então – e lhe ocorreu que não tinha plano para esta segunda parte, já vencida e dominada a primeira, que era justamente encontrá-la, tê-la praticamente ao alcance dos braços, a um palmo de seus olhos; descendo as escadas, sentiu essa nova angústia, a necessidade de uma seqüência ou ele ficaria louco – era o que diziam, cara, você é muito maluco, e ele não achava graça, as outras pessoas são só desorganizadas, falta-lhe senso de humor, alguém lhe disse, e ele deu uma gargalhada falsa para provar o contrário. Ele sempre sorri, para dentro – as pessoas são muito óbvias, eu não, repetiu mentalmente, descendo as escadas degrau a degrau e imaginando Mariela a pisar nesse exato momento a pista de encontro, e ele lembrou como sempre andavam na mão dos carros, ele pela direita, ela também, e sempre fingiam – ele, pelo menos, corrigiu-se, ajustando o microscópio da própria alma para torná-la mais nítida – uma casualidade inexistente, um jeito ostensivamente falso de andar, co-
mo um soldadinho de plástico colocado ali olhando para o céu, mas é uma falsidade externa, ele se corrigiu de novo, já sentindo o vento no rosto quando passou pela porta automática e evitou o olhar de um conhecido, descendo sete degraus rapidinho e assumindo a pista de concreto que ia reta até o outro prédio, com o mesmo medo de sempre de erguer a cabeça e não encontrá-la, o mesmo pânico de que o espelho da casa não funcionasse mais e não lhe devolvesse o próprio rosto, mas alguma outra coisa, desconhecida; no quinto passo ergueu a cabeça e lá estava o vulto de Mariela vindo em sua direção, seriam aproximadamente quinze passos de cada um até que ela passasse por ele ajeitando a mecha, talvez, se ele tivesse sorte. Pressentiu o discretíssimo perfume de Mariela, às vezes mais forte, às vezes mais fraco, de acordo com a brisa, e lhe ocorreu súbito que ele seria o personagem central de um filme publicitário sob as ordens de um Grande Microscópio, mas esqueceu desse absurdo porque se cruzaram sem se olhar no mesmo passo de sempre – e cinco passos depois ele fez o que nunca havia feito – parou, e olhou para trás; e lá estava Mariela, simétrica, imóvel, e olhando para ele, a mão ainda levantando a mecha dos olhos, como para vê-lo melhor. Um décimo de segundo (ele calculou mais tarde) e voltou a andar, tonto, sob as pancadas brutas do coração, antecipando desde já a epifania de amanhã, um passo adiante, se não chovesse, e ele olhou para o céu. CRISTOVÃO TEZZA é escritor, autor dos romances O fotógrafo, Breve espaço entre cor e sombra, Uma noite em Curitiba e A suavidade do vento, entre outros, e é professor do Departamento de Lingüística da Universidade Federal do Paraná. PESQUISA FAPESP 136
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RESENHA
Justiça distributiva e liberdade individual Livro confronta neoliberalismo apontando deficiências de sua moralidade
YARA F RATESCHI
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m A justiça igualitária e seus críticos, Álvaro de Vita defende as posições centrais do liberalismo igualitário diante de teorias contemporâneas rivais,exaltando o caráter distributivo e o potencial democrático da concepção liberaligualitária de justiça de John Rawls.O argumento do livro se constrói a partir de uma análise crítica do libertarianismo de Nozick,da versão contemporânea mais relevante do contratualismo hobbesiano,de Gauthier,e do utilitarismo de preferências sustentado por Harsanyi.Expostas as deficiências dessas teorias,o autor faz uma análise da proposta de Rawls, respondendo às objeções mais bem elaboradas à justiçaigualitária.O livro vem para mostrar que “uma sociedade liberal bem ordenada,tal como Rawls a concebe,é muito mais igualitária do que qualquer coisa que conhecemos” (p. 23). O autor confronta o neoliberalismo de Nozick e Gauthier,apontando as deficiências de sua moralidade.O êxito da ideologia neoliberal se deve menos à sua capacidade de prever o desempenho econômico resultante das reformas de mercado e mais a um argumento hábil contra a intervenção estatal calcado numa concepção específica de justiça:as políticas públicas distributivas são recusadas porque afrontam a liberdade individual.Na versão de Nozick, o Estado,que deve ser “escrupulosamente neutro entre os seus cidadãos”,não pode impor aos mais privilegiados qualquer sacrifício em nome dos menos favorecidos.A perspectiva liberal-igualitária corrige a deficiência dessa teoria ao atribuir valor moral não apenas ao interesse próprio,mas também aos interesses mais fundamentais dos outros.Nesse sentido,assume uma feição menos individualista,admitindo que somos responsáveis pelas privações a que muitos estão sujeitos,quando contribuímos para um arranjo institucional que as causa. Enquanto a moralidade neoliberal peca ao supervalorizar a não interferência na liberdade pessoal e desconsiderar o bem-estar dos outros,o utilitarismo de Harsanyi falha ao assumir que o critério último para julgar o bem-estar dos indivíduos é dado por suas próprias pre-
ferências.A deficiência,nesse caso,é a ausência de um critério não-subjetivo que permiÁlvaro de Vita ta comparar os níveis de bemEditora Martins Fontes estar de diferentes indivíduos. O mesmo problema advém de 320 páginas concepções relativistas,para as R$ 45,00 quais não é possível dissociar o julgamento do nível de bemestar das crenças e tradições morais locais.Contra toda sorte de subjetivismo e relativismo moral,o autor argumenta que é impossível deixar de considerar que as preferências individuais são condicionadas pelo contexto socioeconômico,ou ainda por valores enraizados (que muitas vezes operam em favor de uma situação de inferiorização no interior da comunidade).Para escapar do beco sem saída a que leva a métrica subjetiva,o autor sustenta que há certos bens que são valiosos independentemente da diversidade de concepções individuais do bem e da variedade de contextos culturais.Partindo precisamente desse princípio,a concepção liberal-igualitária entende que esses bens devem ser assegurados eqüitativamente pelas instituições básicas da sociedade. O argumento de que a justiça distributiva se opõe à manutenção da liberdade individual é rejeitado:é a garantia da igualdade distributiva na estrutura básica da sociedade que protege as preferências e escolhas individuais de interferências.A virtude do liberalismo-igualitário está em valorizar as condições institucionais capazes de garantir recursos e oportunidades eqüitativas e,ao mesmo tempo, respeitar o pluralismo de valores.Por outro lado,ao assumir que o Estado tem uma função redistributiva,desbanca o argumento de que atribuir prioridade às liberdades fundamentais implica uma concepção formalista dessas liberdades.Ajuda a pensar o Brasil? Para além da excelente reconstrução teórica,Álvaro de Vita não se furta ao desafio de mobilizar a teoria da justiça igualitária para refletir sobre a pobreza e a violação de direitos em um país que abriga um bairro como o Jardim Ângela. A justiça igualitária e seus críticos
YARA FRATESCHI é professora de ética e filosofia política no Departamento de Filosofia da Unicamp. PESQUISA FAPESP 136
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LIVROS
O pensamento musical de Nietzsche Fernando de Moraes Barros Editora Perspectiva/FAPESP 192 páginas, R$ 38,00
Parte da coleção Signos/Música, o livro busca justificar a afirmação:a característica mais relevante do pensamento de Nietzsche é a sua recusa em separar música e filosofia.Segundo o autor,Fernando Barros,Nietzsche constrói de uma maneira musical seu discurso,abordando o fenômeno da música como comunicação e suas dificuldades. Acompanha ainda este livro um CD com uma composição do filósofo alemão tocada pela pianista Gisela Muller. Editora Perspectiva (11) 3885-8388 www.editoraperspectiva.com.br
Inventando carnavais: o surgimento do Carnaval carioca no século XIX e outras questões carnavalescas Felipe Ferreira Editora UFRJ 360 páginas, R$ 48,00
Pela ótica da geografia,Felipe Ferreira ressalta o espaço como um aspecto de grande relevância, uma arena onde vicejam tensões entre atores,com seus objetos simbólicos e ações diversas na direção do poder. O autor recorre a uma abordagem comparativa entre o Carnaval carioca e o francês,mais especificamente as festas das cidades de Paris e Nice. Editora UFRJ (21) 2542-7646 www.editora.ufrj.br
A formação do romance inglês: ensaios teóricos
FOTOS EDUARDO CESAR
Sandra Guardini Vasconcelos Editora Hucitec/FAPESP 650 páginas, R$ 59,00
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Trabalho livre, trabalho escravo — Brasil e Europa nos séculos XVIII e XIX Douglas Cole Libby e Júnia Ferreira Furtado (orgs.) Annablume Editora 466 páginas, R$ 48,00
Este livro agrega estudos de vários pesquisadores no Brasil,na Europa e nos EUA sobre o trabalho livre e o trabalho escravo numa perspectiva comparativa.O paralelo proposto no livro aponta para o desenvolvimento de uma história do trabalho verdadeiramente “global”, resgatando-nos,assim,do provincianismo do contingente e da tirania do singular.É a comparação da sociedade escravista por excelência com a sociedade do trabalho livre. Annablume Editora (11) 3812-6764 www.annablume.com.br
Hannah Arendt: ética & política Eugênia Sales Wagner Ateliê Editorial 320 páginas, R$ 42,00
Eugênia Wagner tem como objetivo apreender as relações entre ética,política e liberdade no pensamento de Hannah Arendt.Tendo como baliza a autoridade,a liberdade e o amor,os três primeiros capítulos lançaram luz sobre as principais questões com as quais Arendt se encontrava às voltas em A vida do espírito e permitiram que a autora decifrasse,nos dois capítulos finais,os enigmas que impediam uma aproximação à terceira parte não escrita da obra:“O julgar”. Ateliê Editorial (11) 4612-9666 www.atelie.com.br
Intelectuais e Estado Marcelo Ridenti, Elide Rugai Bastos e Denis Rolland (orgs.) Editora UFMG 264 páginas, R$ 47,00
O objetivo deste livro é apresentar ao leitor um conjunto de prefácios,ensaios e resenhas em que escritores ingleses do século XVIII discutiram sua prática ou a sua leitura de um gênero de ficção que ainda não tinha definições nem contornos muito claros ou precisos. Uma introdução crítica precede a antologia desses textos, visando fornecer informações básicas e preliminares que permitem compreender o fenômeno da ascensão do romance na Inglaterra.
Este livro,resultado de seminário realizado na Universidade Estadual de Campinas,com a participação de pesquisadores brasileiros e franceses,aborda as múltiplas relações dos intelectuais com o Estado em diferentes conjunturas ao longo dos séculos XIX e XX,na França, Rússia,Portugal,Itália e em países da América Latina, com ênfase na sociedade brasileira.
Editora Hucitec (11) 3083-7419 www.hucitec.com.br
Editora UFMG (31) 3499-4650 www.editoraufmg.com.br
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