Desnutrição hoje, obesidade amanhã

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VENDA PROIBIDA

ASSINANTE

Nº 138 ■

Agosto 2007

EXEMPLAR DE

capa pesquisaassinant 138

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Ciência eTecnologia

no Brasil

Agosto 2007 Nº 138 ■

DESNUTRIÇÃO

PESQUISA FAPESP

HOJE, OBESIDADE

AMANHÃ


R esp o n s a bi l i da de S oc i a l é pla nta r a s sement es da pr osper i dade . Pós-Graduação Stricto Sensu

Mestrado Profissional em Farmácia

Única universidade da Região Sudeste a receber a recomendação da Capes para este curso.

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IMAGEM DO MÊS

ITAR-TASS/ITSPRESS BRAINPIX GROUP

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Filhote congelado Um bebê mamute congelado há cerca de 10 mil anos foi encontrado na Sibéria. A fêmea, em excelente conservação, morreu por volta dos 6 meses de idade. O tronco e os olhos estão intactos, além de parte de seus pêlos. Apenas a cauda desapareceu. “Em termos do seu estado de preservação, é a descoberta mais importante deste gênero”, disse Alexei Tikhonov, vice-diretor do Instituto de Zoologia da Academia Russa de Ciências, que participou de uma delegação que foi examinar o animal na Sibéria. O achado reacendeu o debate sobre a possibilidade de trazer de volta espécies extintas como a dos mamutes. Cientistas têm esperança de que células contendo DNA viável possam um dia ser usadas para clonar o animal.

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LÉO RAMOS

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MIGUEL BOYAYAN

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CAPA

BUENO

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> ENTREVISTA 12 Especialista na vida

e na obra de SantosDumont, Henrique Lins de Barros transita da física atômica à biologia, passando pela história da ciência

> POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA 24 AVALIAÇÃO

Produção acadêmica brasileira bate recorde, embora impacto não seja tão expressivo

> SEÇÕES

26 DESENVOLVIMENTO

Investimentos em ciência e tecnologia contarão com incentivos fiscais 28 FINANCIAMENTO

Agência paulista de fomento terá capital autorizado de R$ 1 bilhão para apoiar pequenas e médias empresas 30 CONVÊNIO

Fundação e empresa destinam R$ 100 milhões para estudos de processos industriais

> AMBIENTE 32 MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Ingleses sabem o que fazer contra o aquecimento global, mas ação ainda é limitada 36 ENERGIA

Metano acumulado em hidrelétricas pode gerar mais eletricidade

> CIÊNCIA 42 CAPA

Desnutrição nos primeiros anos de vida provoca hipertensão, diabetes e obesidade em adolescentes e adultos 48 IMUNOLOGIA

Proteínas do verme causador da esquistossomose podem auxiliar no controle de inflamação das vias respiratórias

3 IMAGEM DO MÊS 6 CARTAS 9 CARTA DA EDITORA 10 MEMÓRIA 18 ESTRATÉGIAS 38 LABORATÓRIO 60 SCIELO NOTÍCIAS ..........................


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> POLÍTICA C&T

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> AMBIENTE

> CIÊNCIA

> TECNOLOGIA

> HUMANIDADES

WWW.REVISTAPESQUISA.FAPESP.BR

IMAGENS INPE

> EDITORIAS

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ROBERTO MEIGIKOS DOS ANJOS

FOTOS DIVULGAÇÃO SONY

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50 GEOLOGIA

Elementos químicos radioativos recontam a história da formação do litoral sudeste 54 PALEONTOLOGIA

Há 290 milhões de anos samambaiasgigantes dominaram a paisagem onde hoje é o Tocantins 56 BIOLOGIA

> TECNOLOGIA

Instituto Stela desenvolve sistemas para áreas de saúde, educação e ambiente

66 ESPAÇO

Brasileiros e chineses preparam-se para lançar o terceiro satélite do programa Cbers 72 MÚSICA

> HUMANIDADES

76 INFORMÁTICA

78 INSTRUMENTAÇÃO MÉDICA

Software que analisa a acústica de salas para apresentação musical está disponível na internet

Abordagem integrada do funcionamento do organismo põe em xeque a soberania dos genes

............................... 62 LINHA DE PRODUÇÃO 94 FICÇÃO 96 CLASSIFICADOS 98 RESENHA

Sistema de limpeza de endoscópios terá também aplicação na agricultura e na indústria de alimentos

80 ANTROPOLOGIA

O mercado de consumo sofisticado não pára de crescer 86 CIÊNCIA POLÍTICA

Apesar do boicote de algumas autoridades, ouvidorias trazem avanços 90 PSICOLOGIA

Pesquisa revela complexidade da identidade das travestis de baixa renda

CAPA MAYUMI OKUYAMA

FOTO MIGUEL BOYAYAN


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CARTAS cartas@fapesp.br

As reportagens de Pesquisa FAPESP retratam a construção do conhecimento que será fundamental para o desenvolvimento do país. Acompanhe essa evolução.

Números atrasados Preço atual de capa da revista acrescido do valor de postagem. Tel. (11) 3038-1438

Assinaturas, renovação e mudança de endereço

Sérgio Mascarenhas

Ligue: (11) 3038-1434 Mande um fax: (11) 3038-1418 Ou envie um e-mail: fapesp@teletarget.com.br

Não imaginam a fascinante experiência que foi ler a entrevista de Sérgio Mascarenhas (edição 137).Parabéns para todos.

Opiniões ou sugestões

MÁRCIO VIEIRA GOMES Belo Horizonte,MG

Envie cartas para a redação de Pesquisa FAPESP Rua Pio XI, 1.500 – São Paulo, SP 05468-901 pelo fax (11) 3838-4181 ou pelo e-mail: cartas@fapesp.br ■

Revista

Site da revista No endereço eletrônico www.revistapesquisa.fapesp.br você encontra todos os textos de Pesquisa FAPESP na íntegra e um arquivo com todas as edições da revista, incluindo os suplementos especiais. No site também estão disponíveis as reportagens em inglês e espanhol.

Parabéns pela revista,cada vez mais bonita e interessante.Vocês conseguem a proeza de informar sobre ciência e tecnologia de maneira plural,para um público muito amplo,sem baratear o conteúdo.

Para anunciar

HELOISA JAHM São Paulo,SP

Ligue para: (11) 3838-4008

MIGUEL BOYAYAN

Critérios

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PESQUISA FAPESP 138

A FAPESP há anos tem contribuído para o progresso das ciências no Brasil.Estranho,porém,em face de sua importância,os critérios adotados para financiamento e publicação de certas pesquisas, como as da atual edição (nº 137) de Pesquisa FAPESP. Vaidade, masculinidade etc.não contribuem para o progresso, a não ser para atrair o público interessado em lugares-comuns,acríticos.Estou certo de que existem temas mais relevantes para o país e que a revista poderia colaborar de maneira mais crítica e objetiva,sem viés ideológico. ANDRES UETA São Paulo,SP


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45 ANOS

FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Antonio Bianco Os textos da coluna “Direto de Harvard”, de Antonio Bianco, disponível no site da revista Pesquisa FAPESP (www.revistapesquisa.fapesp.br) são oportunos para lembrar que as universidades públicas brasileiras, como por exemplo a Universidade de São Paulo (USP), têm fundo de doação para exalunos e empresários dispostos a colaborar com seu desenvolvimento científico e cultural. ROBERTO DELUCIA, ICB-USP São Paulo, SP

Revista de História Em nome da Revista de História da Biblioteca Nacional (RHBN), gostaria de fazer algumas retificações quanto à reportagem publicada na edição 136, intitulada “Entre os bits e o papel”, de autoria do jornalista Carlos Haag. A matéria, no trecho que menciona a RHBN, apresenta equívocos que induzem os leitores da revista Pesquisa FAPESP a crer que a RHBN é um produto alheio à Fundação Biblioteca Nacional. Ao contrário disso: 1) Apesar de ser vendida em bancas, a RHBN é distribuída para o Sistema Nacional de Bibliotecas (administrado pela Fundação Biblioteca Nacional). Desta forma, atinge leitores em escolas e bibliotecas públicas de todo o país e contribui para nacionalizar a Biblioteca Nacional; 2) A RHBN não é de “propriedade” da “Associação”, mas fruto de uma parceria, na qualidade de projeto cultural, firmada entre a FBN e a Sociedade (e não Associação) de Amigos da Biblioteca Nacional (Sabin). A Sabin é uma entidade sem fins lucrativos; 3) A FBN

participa ativamente da produção de cada número da revista, não apenas com material iconográfico e divulgação de seus documentos; 4) A preocupação e o respeito em relação à importância da Biblioteca Nacional se refletem em todas as páginas da publicação, inclusive com uma seção inteira – “Por Dentro da Biblioteca” –, que apresenta temas relacionados ao acervo e aos projetos da instituição. Na edição do mês de julho, por exemplo, a revista apresenta a área de indexação da Biblioteca, fundamental para orientar pesquisas no acervo da casa. São vínculos e identidades inquestionáveis. LUCIANO FIGUEIREDO REVISTA DE HISTÓRIA DA BIBLIOTECA NACIONAL Rio de Janeiro, RJ

CARLOS VOGT

PRESIDENTE MARCOS MACARI

VICE-PRESIDENTE CONSELHO SUPERIOR CARLOS VOGT, CELSO LAFER, GIOVANNI GUIDO CERRI, HERMANN WEVER, HORÁCIO LAFER PIVA, JOSÉ ARANA VARELA, JOSÉ TADEU JORGE, MARCOS MACARI, SEDI HIRANO, SUELY VILELA SAMPAIO, VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO RICARDO RENZO BRENTANI

DIRETOR PRESIDENTE CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ

DIRETOR CIENTÍFICO JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER

DIRETOR ADMINISTRATIVO

ISSN 1519-8774

CONSELHO EDITORIAL LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADOR CIENTÍFICO), CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTINHO, JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, MÁRIO JOSÉ ABDALLA SAAD, PAULA MONTERO, RICARDO RENZO BRENTANI, WAGNER DO AMARAL, WALTER COLLI

DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA

EDITOR CHEFE NELDSON MARCOLIN

EDITORA SÊNIOR MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS

EDITORES EXECUTIVOS CARLOS HAAG (HUMANIDADES),CLAUDIA IZIQUE (POLÍTICA), MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA), RICARDO ZORZETTO (CIÊNCIA) EDITORES ESPECIAIS

Correções

CARLOS FIORAVANTI, FABRÍCIO MARQUES, MARCOS PIVETTA (EDIÇÃO ON-LINE)

EDITORAS ASSISTENTES DINORAH ERENO, MARIA GUIMARÃES

REVISÃO

Na reportagem “Fábrica de chips” (edição 137) faltaram duas linhas no início da página 64: “Um dos objetivos da implantação do Ceitec é atrair outras empresas fabricantes...” Na seção Linha de Produção (edição 137) na legenda da foto em que se lê “Larvas do mosquito transmissor da dengue”, o correto, como mostra a imagem, é “Bactericida para eliminar larvas do mosquito transmissor da dengue”.

MÁRCIO GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGÔ NEGRO

EDITORA DE ARTE MAYUMI OKUYAMA

ARTE ARTUR VOLTOLINI, JOSÉ ROBERTO MEDDA, MARIA CECILIA FELLI

FOTÓGRAFOS EDUARDO CESAR, MIGUEL BOYAYAN

SECRETARIA DA REDAÇÃO ANDRESSA MATIAS TEL: (11) 3838-4201

COLABORADORES ANA LIMA, ANDRÉ SERRADAS (BANCO DE DADOS), BRAZ, BUENO, DANIEL KON (ESTAGIÁRIO), DANILO VOLPATO, FERNANDO VILELA, GEISON MUNHOZ (ESTAGIÁRIO), GIOVANA GIRARDI, GONÇALO JÚNIOR, JOÃO ANZANELLO CARRASCOZA, LAURABEATRIZ, SÍRIO J.B. CANÇADO E YURI VASCONCELOS

OS ARTIGOS ASSINADOS NÃO REFLETEM NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DA FAPESP É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

GERÊNCIA DE OPERAÇÕES PAULA ILIADIS TEL: (11) 3838-4008 e-mail: publicidade@fapesp.br

ASSINATURAS TELETARGET TEL. (11) 3038-1434 – FAX: (11) 3038-1418 e-mail: fapesp@teletarget.com.br

IMPRESSÃO PLURAL EDITORA E GRÁFICA

Na reportagem “Fio por fio” (edição 137) as imagens de microscopia eletrônica dos fios de cabelo publicadas na página 42 foram feitas pela pesquisadora Rita Wagner, e não por Carla Scanavez.

TIRAGEM: 37.000 EXEMPLARES

DISTRIBUIÇÃO DINAP

CIRCULAÇÃO E ATENDIMENTO AO JORNALEIRO LM&X (11) 3865-4949

GESTÃO ADMINISTRATIVA INSTITUTO UNIEMP FAPESP RUA PIO XI, Nº 1.500, CEP 05468-901 ALTO DA LAPA – SÃO PAULO – SP SECRETARIA DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA, DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E TURISMO

Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail cartas@fapesp.br, pelo fax (11) 3838-4181 ou para a rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP, CEP 05468-901. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

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Mais ciencia na web_ O site da revista Pesquisa FAPESP está no ar com oito anos de conteúdo integral

Áudio do programa semanal de rádio Pesquisa Brasil Notas sobre os principais artigos publicados nas revistas Nature e Science Coluna Direto de Harvard, com artigos do médico brasileiro Antonio Bianco Chamadas para as matérias da Agência FAPESP

www.revistapesquisa.fapesp.br Para receber o boletim eletrônico com as últimas atualizações do site, faça o cadastro em http://revistapesquisa.fapesp.br/boletim/cadastro/


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CARTA DA EDITORA

Trânsitos: ciência, arte e vida MARILUCE MOURA – DIRETORA DE REDAÇÃO

E

m meados de julho,enquanto eu olhava belas e tristes imagens de crianças que nosso fotógrafo Miguel Boyayan captara para a reportagem de capa desta edição – elaborada pela editora assistente de ciência,Maria Guimarães –,vieram-me à memória,meio desordenados,alguns versos: “...um ventre entretanto baldio/ que envolve só o vazio.../ de côncavo se fará convexo...”.São do poema Alto do Trapuá, de João Cabral de Melo Neto,e me impressionaram de forma definitiva quando eu estava em algum ponto da vida entre os 14 e os 17 anos,tempo em que tive uma fantástica professora de português chamada Zuleica Barreto. Na verdade,ti ve a sorte de ter grandes professoras de português no Colégio de Aplicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA) ao longo dos sete anos do curso secundário,na época composto pelo ginásio e pelo colegial.Mais que todas,entretanto,marcou-me Zuleica, com seu vasto saber sobre cada texto que estudávamos,perpassado por um fantástico olhar irônico,e sua capacidade de partilhá-lo e acionar em nós,adolescentes,incandescentes paixões literárias – ainda hoje sinto-me profunda e irremediavelmente íntima daquele Paulo Honório que dissecamos calorosamente no ambiente seco,áspero,de São Bernardo. Era o Paulo Honório criado por Graciliano Ramos,sim,mas desconfio que transfigurado,iluminado de uma forma especial por Zuleica,para que nossos olhos ávidos chegassem sem medo até o cerne da personagem. Pois bem:em algum momento de nosso trajeto comum pelas salas de aula,prestes a nos embrenhar pela dura viagem de Morte e vida severina, Zuleica quis nos apresentar outras produções menos conhecidas de João Cabral, de quem dizia “ele é o poeta”,para nos dar uma idéia de sua imensurável admiração por ele.Foi aí que surgiu o Al-

to do Trapuá, em cujas imagens vi imediatamente um rigor poético inigualável,uma precisão percuciente,para apresentar aqueles homens com “torpor de vegetal”que povoavam a miséria da caatinga nordestina.E tantos anos passados,mal comecei a lembrar os versos do poema,Mayumi Okuyama,nossa editora de arte,com a pronta adesão de Maria Guimarães,propôs que o usássemos na ilustração da reportagem de capa sobre desnutrição (página 42).Ou melhor,sobre evidências comprovadas de que a desnutrição na infância leva a hipertensão,obesidade e diabetes na adolescência e na vida adulta.Em meu entendimento,isso fazia todo sentido.Mas não conseguimos,por limitações de espaço,publicar o poema inteiro.Botamos pequenos trechos de presente para o leitor, com a promessa de mostrá-lo completo em nosso site (www.revistapesquisa.fapesp.br). Se a ciência por vias tortuosas nos levou à poesia nesta edição,ela também propôs ligações mais diretas,digamos assim,com a música. The music oflife – biology beyond the genome (Oxford University Press),o livro mais recente do professor Denis Noble,um especialista em fisiologia cardiovascular,que hoje se situa como um dos principais opositores do determinismo genético, é razão suficiente para a reportagem do editor especial Carlos Fioravanti sobre a retomada de uma abordagem integrada do funcionamento do organismo (página 56).Fioravanti acabou de chegar de Oxford,onde cumpriu de janeiro a julho um intensivo programa de estudos no Reuters Institute for the Study of Journalism. Já o aflitivo chiado da asma pode em futuro não muito remoto desaparecer pela ação de uma vacina baseada em proteínas do verme causador da esquistossomose.O relato,a partir da

página 48,é de Ricardo Zorzetto,nosso novo editor de ciência. Em outras páginas desta edição é a tecnologia que nos conduz à música ou,mais precisamente,ao reconhecimento dos limites da sonoridade das salas de espetáculo aonde vamos atrás dos concertos e de outras audições musicais.O editor de tecnologia,Marcos de Oliveira,nos conta a partir da página 72 como um grupo de pesquisadores da USP desenvolveu um software para analisar o comportamento sonoro de salas,teatros e auditórios.O software, que pode inclusive ser obtido gratuitamente da internet,via download, apontou em São Paulo o Teatro Municipal e o Teatro São Pedro como os espaços com as melhores condições de sonoridade.Esclareça-se desde já aos aficionados que a Sala São Paulo não foi testada por enquanto. Nas humanidades,o editor Carlos Haag debruça-se sobre estudos recentes a respeito do consumo de luxo,tomado inclusive como categoria importante para pensar as correlações e conflitos entre as classes sociais no Brasil,e demonstra como e por que ele não pára de crescer no país.E,numa outra ponta,ele examina pesquisa recente que revela a extrema complexidade da identidade de travestis de baixa renda e suas dificuldades para uma sobrevivência sem sobressaltos nas metrópoles brasileiras. Para encerrar,a entrevista pinguepongue deste mês,elaborada pelo editor-chefe Neldson Marcolin,traz uma personagem,Henrique Lins de Barros, cuja inquietação e curiosidade científica o fizeram transitar da física atômica para a biologia e para a investigação da vida de Santos Dumont – o que terminou por transformá-lo em nosso grande especialista do genial pai da aviação.Múltiplos trânsitos parece ser a matéria secreta,espécie de subtexto desta edição. PESQUISA FAPESP 138

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() MEMÓRIA

Luxo para ver estrelas OBSERVATÓRIO NACIONAL

Pedido de verba para observar Vênus provocava discussões sobre o apoio à pesquisa há 125 anos | N ELDSON M ARCOLIN

Observatório montado em Punta Arenas, Chile: método desenvolvido por Edmund Halley

U

m episódio ocorrido há 125 anos provocou um dos primeiros debates sobre o investimento em ciência no Brasil. De comum acordo com dom Pedro II,o ministro da Marinha,Bento de Paula Souza, pediu ao Parlamento brasileiro verba de 30 contos para bancar três expedições científicas com o objetivo de observar de pontos favoráveis a passagem de Vênus sobre o disco solar.As observações,em 6 de dezembro de 1882,ajudariam a determinar a distância entre a Terra e o Sol. Uma das expedições foi a Olinda,Pernambuco. Mas as principais se concentraram na Ilha de São Thomás,nas Antilhas,e em Punta Arenas,no sul do Chile.“Esses dois lugares formaram a base de um imenso triângulo,e um dos vértices tocava o planeta Vênus”,explica Marcomede Rangel,físico do

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REPRODUÇÕES MIGUEL BOYAYAN/REVISTA ILUSTRADA/IEB/USP

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Ilustrações de Angelo Agostini na sua Revista Ilustrada: gozação com dom Pedro II e a pesquisa astronômica

Observatório Nacional, instituição que coordenou as expedições, na época com o nome de Imperial Observatório do Rio de Janeiro. “Por semelhança de triângulo se chegava à distância da Terra a Vênus e de Vênus ao Sol.” Vários outros países enviaram equipes para fazer observações em diversos pontos do globo. O pedido do imperador e do ministro suscitou protestos na Câmara e no Senado e muitas charges na imprensa, em especial na Revista Ilustrada, desenhada e editada por Angelo Agostini. “Foi um dos mais vivos debates sobre o uso da ciência básica”, afirma Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, pesquisador do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast) e estudioso do assunto. No Senado, Silveira da Mota, contrário à concessão da verba, reclamava: “O povo quer outras coisas, não quer observações astronômicas (...) o povo quer estradas de ferro, quer muito café, muito fumo, muita liberdade individual, governos muito econômicos e muito moralizados (...) o povo quer tudo isto, mas não se

importa com saber o que vai pelas estrelas... isto é luxo”. Na Câmara, o deputado Ferreira Viana fazia coro ao senador. Os políticos não entendiam quais os benefícios que as expedições trariam para a população. Resultado: o Parlamento não

concedeu os 30 contos. Mas, para atender o imperador, o conselheiro Leão Velloso conseguiu o dinheiro com dois ricos fazendeiros e as expedições foram realizadas. A polêmica sobre Vênus foi um fato isolado para a época, de acordo

com a antropóloga da Universidade de São Paulo, Lilia Moritz Schwarcz, autora do livro As barbas do imperador (Companhia das Letras, 1998). A atividade científica ainda era incipiente em 1882 e o maior interessado em praticá-la, mesmo como amador, era justamente dom Pedro II. Dom Pedro exercia o mecenato nas artes, letras e ciência. Além de desejar dar autonomia cultural à elite local, o imperador visava também se distinguir de outros soberanos, incluindo os do passado. “Na época, para serem considerados ilustrados reis e rainhas tinham de ser cientistas”, diz Lilia. Outro fator que contribuiu para evitar polêmicas na ciência daquele tempo era o fato de dom Pedro praticar a ciência de modo privado – era astrônomo amador e tinha um observatório no Palácio de São Cristóvão. Havia também o Museu do Imperador, onde ficavam as múmias que ele ganhou no Egito, material etnográfico e a coleção de gemas de Leopoldina. “Lá só entravam cientistas convidados por ele.”

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ENTREVISTA

Henrique Lins de Barros Do átomo ao avião N ELDSON M ARCOLIN

N

a sala de Henrique Lins de Barros, no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), na Urca, Rio de Janeiro, há um quadro na parede do lado direito. Na parede do lado esquerdo há um pôster com detalhes sobre o organismo multicelular Candidatus Magnetoglobus multicellularis. No computador, músicas compostas para um documentário sobre Santos-Dumont. Nas estantes e mesa, artigos científicos de física, biologia e história e de divulgação da ciência. Em comum, todos os trabalhos têm a autoria do dono da sala, incluindo a música e o filme. Aos 60 anos, Lins de Barros tem o perfil típico do pesquisador inquieto, que não se limita à própria área e usa a física como ponte para alcançar outros territórios. Foi assim quando migrou da física atômica, teórica, para a biofísica, muito próxima da biologia. As investigações em conjunto com pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro redundaram na descoberta de uma bactéria multicelular (ver Pesquisa FAPESP nº 137) em lagoas do Rio. Apaixonado por aviões desde sempre, o físico descobriu Santos-Dumont na década de 1980 e em alguns anos tornou-se o maior especialista no inventor e na sua obra, uma referência para outros pesquisadores do Brasil e do exterior. Daí para mergulhar na história da ciência foi uma conseqüência natural, que ele soube aproveitar durante a estada de 14 anos na direção do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast), no Rio. O Mast é uma instituição do Ministério da Ciência e Tecnologia que trabalha com história científica e tecnológica do Brasil e promove a divulgação e a educação em ciências. Músico, roterista, pintor, escritor e poeta, o biofísico Henrique vem de uma família que fez história na física brasileira. Seu pai, o oficial da Marinha Henry British, e os tios Nelson, poeta e músico, e João Alberto, político influente que foi um dos líderes da Revolução de 1930, tiveram papel de protagonistas na

criação do CBPF, em 1949, ao lado de César Lattes e José Leite Lopes. Casado com a antropóloga Myriam, com três filhos, Lins de Barros falou sobre sua diversificada vida de pesquisador à Pesquisa FAPESP. O seu grupo de biofísica publicou recentemente artigo sobre um organismo multicelular achado em lagoas do Rio. O que um físico está fazendo na biologia? — Normalmente, quando falamos de um organismo e entramos na discussão se ele é multicelular ou essas categorias que vêm da biologia, associamos isso aos biólogos. Estamos trabalhando no CBPF com as propriedades físicas de um organismo que tem muitas propriedades físicas. A contribuição que podemos dar é ajudar a descobrir como é que um conjunto de células fornece uma informação organizada. Esse organismo que achamos não é composto por uma única célula, mas um conjunto de células, com comportamento descrito por grandezas vetoriais, velocidade, magnetização... Estas células possuem uma coordenação que se manifesta, entre outras maneiras, pelas características físicas que observamos. Para achar a coordenação de grandezas vetoriais é preciso somar esses vetores para conseguir uma componente. Vetor não se soma como número. Se somarmos um vetor que aponta para um lado com um vetor que aponta para outro, dá zero. Para ter um comportamento homogêneo preciso de uma certa organização. E se eu tenho organização, então isso é um organismo, e não apenas um agregado. Boa parte do nosso trabalho foi a observação do movimento, das propriedades magnéticas, do momento magnético total. Com essas informações dá para chegar a um modelo matemático. Isso significa que aquele organismo tem uma ordem antecedente, quer dizer, posso descrever uma determinada realidade que estou vendo a partir de um modelo abstrato, racional. Com uma única equação descrevemos o ciclo de vida do organismo.

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■ Esse não parece um comportamento mui-

to comum na biologia. — Acredito que não. O biólogo tem uma tendência maior para os procedimentos tradicionais de se colocar os organismos estudados dentro de categorias preestabelecidas. A contribuição que pude dar como físico foi a visão do não-biólogo. É uma visão, de certo modo, mais desprovida de preconceito. Temos os preconceitos da física, mas não os da biologia. Ao olhar desse modo, podemos dizer, “Isso não é o que vocês estão falando”. Esse trabalho é pioneiro? — Sim, é. A biologia, quase como um postulado, pensa a bactéria como sendo unicelular. Ao pensar na possibilidade de um organismo multicelular constituído por células bacterianas, mexemos naquela estrutura básica da biologia em que se tem, há bilhões de anos, a origem da vida por algum ponto e, depois, a divisão para um grupo de células que não têm núcleo – as procariontes –, e um outro grupo de células que têm núcleo celular, onde está o DNA – as eucariontes. E esse grupo procarionte, que não tem organização ou complexidade suficiente, vai se desenvolver sempre como unicelular. Um outro grupo começa, por sua vez, a ter um desenvolvimento diferente que leva ao multicelular. E, no entanto, encontramos algo que cai no meio, que é a bactéria e o multicelular. Tenho um palpite, que esse organismo multicelular talvez tenha uma origem na revolução cambriana, uns 570 milhões de anos atrás. No momento em que houve uma explosão de formas de vida, inclusive de organismos multicelulares, ocorreram muitas variações. Talvez na ocasião tenham surgido multicelulares bacterianas que não sobreviveram depois, como aconteceu com a maior parte da vida que surgiu naquele momento. Mas deixou algo. Isso é interessante porque permite repensar um pouco a biologia e sua evolução.

■ Como foi a repercussão desse trabalho? — Antes da publicação do trabalho eu o apresentei em alguns congressos e levei muita paulada. Em alguns momentos simplesmente não há tempo para expor corretamente a descoberta e as pessoas não entendem. Em uma ocasião fiz uma apresentação em Barcelona, com o Jorge Wagensberg presente. O Wagensberg é o diretor do Museu de Ciências de Barce-

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lona e me convidou para ir até lá quando esteve no Brasil. Quando eu estava mexendo com essas coisas, ainda diretor do Mast, contei sobre nosso trabalho para ele, que não acreditou. Disse, “Duvido”. Pensei,“Ah, tudo bem, vai quebrar a cara”.

ria. Começamos muito no faro e isso nos levou a ver algo – esse organismo em particular – que o biólogo não via porque estava procurando outras coisas, como bactérias ou algas. O que aparecia e não era objeto de estudo ele punha de lado.

E quebrou? — Mostrei o material pesquisado e ele ficou fascinado. Na ocasião o Wagensberg havia montado uma exposição no Museu da Caixa e colocou os nossos organismos num dos módulos. A idéia era mostrar o nível de organização desses organismos. Eles se multiplicam de um para dois sem passar por uma célula: de 20 células, de repente eles se dividem para 40 células mais ou menos e geram dois novos organismos de 20 células. Ou seja, não passam pelo processo de crescimento a partir de uma única célula, já saem prontos para continuar o ciclo, e isso é novo em biologia. O modelo matemático descreve isso com um único parâmetro. Quando fui para Barcelona a convite do Wagensberg, fiz uma apresentação para o pessoal de biologia de lá. Eu falava em português, embora o público falasse espanhol, e notei todos muito céticos. Terminei a apresentação e deixei um vídeo passando na tela para responder às perguntas. Foi muito interessante porque as pessoas observavam o vídeo e começaram a perguntar sobre ele, se aquilo era tempo real, se era filmagem de um microscópio, se era um modelo... À medida que o vídeo corria eles foram se convencendo. A mudança foi total. Quando a pessoa vê, diz, “É inacreditável”.

■ Por que escolheu a física atômica como objeto de estudo inicial? — No momento de decidir pelo mestrado, a área que tinha disponível era a física atômica. Fiz uns trabalhos nessa área, mas descobri que gosto das coisas experimentais. Faço a teoria, mas tenho que ter o experimental na mão. Quando surgiu a ligação com a biologia, que é um caminho paradigmático da ciência do final do século XX, me entusiasmei.

■ Como é que se montou o grupo multidis-

ciplinar para fazer o trabalho? — Isso aconteceu há quase 20 anos. Eu já tinha terminado meu doutorado e trabalhava com teoria de física atômica. A Darci Motta, aqui do CBPF, tinha terminado o doutorado em física experimental, e conhecemos a área de magnetorrecepção. Isso unia duas coisas que nos interessava. Uma é a biologia, que é muito chata quando aprendemos no colégio, mas fantástica quando se entra a fundo. Outra é a física, nossa área de trabalho. Havia problemas para conciliar as duas coisas: em um instituto de física como o CBPF não existiam microscópios biológicos. Tínhamos de trabalhar com equipamento adaptado. E, naturalmente, faltava conhecimento. Para nós, qualquer coisa pequena, menor do que o visível, já era bacté-

Olhando sua biografia hoje parece muito natural a escolha pela física, dado que seu pai e tios foram importantes na criação do CBPF e a maioria dos melhores físicos daquela época o conhecesse. Antes da decisão pela física, porém, houve uma passagem pela música e engenharia. — Eu entrei numa crise, daquelas de adolescentes, e fui para a engenharia para cursar o ITA [Instituto de Tecnologia da Aeronáutica] por causa da aviação. Meu irmão mais velho, Mauro, já estava no ITA. E o avião sempre foi importante lá em casa. Eu e meus irmãos fazíamos aviãozinho o tempo todo. Tenho 200 aviõezinhos dentro de casa, ainda monto modelos em miniatura. Na época a gente morava em Copacabana e conhecia avião pelo barulho: sabíamos exatamente quando valia a pena correr para a janela. Creio que a aviação era uma contraposição ao navio de guerra. Meu pai era oficial da Marinha e a gente criou um espaço, a aeronáutica, em vez de um espaço naval. Ocorre que não passei no ITA porque não estudava.Aqui no Rio acabei entrando para a Universidade Federal Fluminense, em engenharia. Mas eu não queria engenharia e fiquei um ano e meio tentando convencer as pessoas que não tinha o menor jeito para matemática e não podia fazer engenharia. Nessa época comecei a fazer música, de brincadeira.

Que tipo de música? — Música popular. Era a época dos festivais, então fazia uns sambinhas. Meu tio, Nelson Lins de Barros, era parceiro do Carlos Lira, e deu uma força. Fiz umas coisinhas, nada que valha a pena ouvir. De qualquer forma, provei que eu não


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dava para a matemática. Como não dava para matemática, saí da engenharia. Fiquei seis meses anunciando que ia fazer música ou teatro, até começar a namorar a Myriam, minha mulher, que ainda não estava na universidade. Fiquei sem escapatória, tinha de fazer alguma coisa. Quando abriu o vestibular de física na Federal do Rio [UFRJ], eu fiz e passei. Com dois detalhes: em primeiro lugar e sem ter feito a prova de física. ■ Como foi possível? — Não era o vestibular unificado ainda. Tinha a parte de português, que eu tirei 10. Era uma redação e tinha uma prova de matemática. Mas matemática, bem ou mal, eu tinha visto na engenharia, fiz cálculo 1, cálculo 2 e cálculo 3. Tirei 9 e tanto na prova. Como não tinha mais candidatos, passei. A física ainda não era na Ilha do Fundão, mas no centro da cidade, ao lado da Maison de France. No ano que entrei, 1967, a universidade mudou para o Fundão. Foi o que bastou para eu pedir a transferência para a PUC. Foi fácil porque eu tinha passado em primeiro lugar, mas comecei na matemática porque não tinha vaga em física. É bom que se diga que a física, para mim, não tinha uma perspectiva de futuro. Eu achava que físico para valer era o César Lattes, que freqüentou a casa dos meus pais, o Richard Feynman, o José Leite Lopes, o Jayme Tiomno... Eles estão lá em cima e eu não achava que chegaria ao mesmo nível – como não cheguei. Uma coisa é ser pintor de parede, e outra é ser pintor. Tem um degrau no meio difícil de ultrapassar.

O que César Lattes achava disso? — Ele brigou muito comigo quando eu fui fazer física em vez de continuar fazendo música. O Lattes dizia que tudo o que ele tinha feito não valia uma sinfonia de Mozart. Eu respondia,“Não vou discutir, mas eu também não sou Mozart”. Ele foi, em determinados momentos, muito próximo da minha família, inclusive nos momentos de crise dele, e depois houve um afastamento muito grande. Quando vim para o CBPF, ele ainda estava aqui, mas vinha pouco. No ano em que morreu, em 2004, fui a Campinas para dar um seminário e o visitei. A mulher, Martha, já tinha morrido, assim como meus pais. Eu queria conversar com ele, recuperar um pouco do meu passado. Foi engraçado quando cheguei de carro na casa dele. O

Lattes abriu o grande portão da garagem e disse,“Para um Lins de Barros esse portão é pequeno”. Ele era amigo do meu pai e dos meus tios e eu entrei naquela casa com toda uma família de espectros. Foi bom. Conversamos muito sobre as questões da vida e da morte. ■ Depois da física atômica e da biofísica, em um determinado momento seu interesse se voltou para a história da ciência e da técnica. Como foi essa passagem? — Havia o fascínio pelo avião, que vinha desde sempre, e isso acabou por aflorar quando me vi diante de algumas questões básicas da história do vôo. Por que é que um avião não voa no século XIX, mas voa no século XX? Tem um pulo-do-gato, alguma coisa que não é óbvia. Lembro que quando eu dei o curso de física 2, no ciclo básico ainda, centrei todo o curso no avião, para tentar entender o equilíbrio, a sustentação, as resistências, a rotação... ■ E entendia? A física do vôo parece não ter

sido completamente explicada ainda. — Ainda não foi, se a intenção é entender a sustentação, algo extremamente complicado. O avião continua sendo um objeto de laboratório, não é um aparelho que se possa fazer e construir em série do mesmo modo que um carro. Do protótipo até a produção há um longo exame. Agora, por outro lado, é possível entender como é que se equilibra o avião no ar, porque se sabe quais são as forças que compõem isso, não se está entrando na origem da força de sustentação. Esses estudos são interessantes porque dá para lidar com campos variados da física, convergindo para um mesmo objetivo. O avião não está preso ao chão, mas solto no ar, tem todos os graus de liberdade. Temos toda a física do corpo rígido num objeto que se pode ver. Conhecer a história do vôo ajuda a entender algumas questões. Quando vim para o CBPF e terminei o doutorado, porém, esses termos de história da ciência não apareciam no dia-a-dia do centro de física. Ainda hoje o centro não está preocupado com a história.

O avião continua sendo um objeto de laboratório, não é um aparelho que se possa fazer e construir em série do mesmo modo que um carro

Por que não? — Há uma prática muito forte para fazer coisas atuais, embora a história seja fundamental para se entender o que se está fazendo. Era isso que me incomodava na física teórica. A equação te domina, é preciso seguir passo a passo, tomar um enorme cuidado. Depois de um tempo, você

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Quando participei da réplica do 14-Bis em Caldas Novas, feita pelo Alan Calassa em 2005, fiquei profundamente impressionado. O 14-Bis não tem um único parafuso fora do lugar, tudo se encaixa perfeitamente

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é uma pessoa toda ordenada, toda disciplinada, que pega um problema, o encaixa na sua metodologia, desenvolve a metodologia e chega à resolução. Pega outro problema e repete o processo. É como se falássemos apenas uma língua. Por isso, a questão da história do avião, que me interessava tanto, ficou um tanto enrustida. Mas, ainda assim, escrevi o livro SantosDumont, em 1986, que foi até Prêmio Jabuti pela diagramação visual. Foi com esse trabalho que Santos-Dumont apareceu forte para mim. Antes, não tinha a menor simpatia por ele. Não? — Zero de simpatia. Apareceu na medida em que eu comecei a me perguntar, “Onde é que estava o obstáculo para inventar o avião? Qual foi a chave?”.

■ Naquela

época, seus irmãos ainda compartilhavam a mesma paixão? — Sempre. Falava com o Mauro, engenheiro de aeronáutica, e o Flávio, que faz desenho industrial. O Flávio olha o avião pela parte do design, do acabamento. O Mauro enxerga pela ótica do projeto aeronáutico. E eu vejo pela física. É um grande hobby nosso que persiste até hoje.

■ Qual foi o momento em que surgiu a paixão pelo personagem Santos-Dumont, que o levou a se tornar a grande referência no assunto? — Foi quando pude, com um pouco mais de tempo, entender que a história do vôo vinha sendo contada de modo errado, era falsa. E passei a entender qual é a real contribuição de Santos-Dumont, que não foi apenas realizar um vôo. Aquilo foi decorrência de um intenso processo criativo. Ele é a síntese de cem anos de desenvolvimento para se conseguir voar.

Ele tinha consciência disso? — Acho que tinha, embora não tenha deixado escrito. O projeto do 14-Bis é uma síntese em que ele mostrou que sabia tudo. Santos-Dumont decolou com o 14-Bis em 1906, passou um período fazendo experimentos, e em 1907 decolou com o Demoiselle. É um desenvolvimento estonteante, além de demonstrar uma mudança conceitual completa.

■ Foi depois de seu primeiro livro que a história da ciência entrou definitivamente no seu rol de atividades?

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— Tenho quatro livros sobre Santos-Dumont. Dei um mergulho profundo no tema porque a física era uma profissão e o avião, um hobby. Juntei as duas coisas. Ao fazer isso, derrubei uma barreira. O momento de lazer, que antes era fazer aviãozinho em casa, ganhou outra intenção. O treinamento em física foi bom para ficar disciplinado. Aponto um objetivo e determino,“Vou chegar ali”. E chego. Sobre Santos-Dumont, pensava,“Por que ele deu uma contribuição tão importante e foi esquecido? Quando foi esquecido?”. Foi importante, por exemplo, o período que passei na França, pouco menos de um mês, com um amigo, o filósofo Roberto Machado, que trabalhou com Michel Foucault um tempo. O Roberto não tinha interesse na aviação, mas ficava pedindo informações sobre isso. São típicas questões de quem está por fora do objeto de estudo e faz aquelas perguntas óbvias que o especialista não pára para pensar. Essa é uma grande contribuição de quem não está envolvido pelo tema. Percebi que não sei fazer um avião, mas sei quais os problemas que envolvem fazer um avião. Meu instrumento para isso é a física. Reduzo o avião a uma esfera ou a um traço e vou colocando as forças: como é que se equilibra isso? Põe a asa de um lado e de outro, vai caminhando com as tentativas e, quando se faz isso, chegamos ao 14-Bis. O 14Bis é decorrência direta de um raciocínio ingênuo, equivocado – porque não se consegue levar em conta todas as variáveis –, mas é o primeiro raciocínio que um grande mecânico, um bom físico do século XIX teria. Depois que você vê que não dá certo, corrige rapidinho. Mas esse não é o raciocínio de um engenheiro aeronáutico. Esse engenheiro de hoje olha o 14Bis e vai logo dizendo,“Está errado aqui e aqui e aqui...”. ■ Acha

rudimentar demais. — Sim, mas quando participei da construção da réplica do 14-Bis em Caldas Novas, feita pelo Alan Calassa em 2005, fiquei profundamente impressionado. O 14-Bis não tem um único parafuso fora do lugar, tudo se encaixa perfeitamente. Levamos uma surra para descobrir como Santos-Dumont fez o avião. O aparelho não voou até descobrirmos um erro de interpretação de nossa parte, sobre o ponto correto do centro de gravidade. Quando corrigimos o erro, ele percorreu uns tantos metros e voou.


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■ O senhor já reclamou que no Brasil se faz

■ Qual é a sua principal crítica aos museus

história da ciência, mas poucos estudam história da técnica? Qual a razão? — Achamos que o Brasil não fez técnica, não teve participação na técnica. Mas teve, claro. No caso do vôo: os brasileiros estavam pensando no vôo desde o século XVIII. É o caso de Bartolomeu de Gusmão que fez o primeiro balão de São João em 1709. Esta história do vôo foi o argumento do livro Desafio de voar (Metalivros, 2006). Nós chegamos a ter uma indústria naval importantíssima no século XIX. O Brasil desenvolveu uma transmissão a distância com o padre Landell, que não foi o rádio. Temos estudos importantes na década de 1930. E temos pequenas contribuições, como o cartão de telefone, que é invenção brasileira. Outro dia vi uma notícia de um grupo lá na tríplice fronteira que desenvolveu um software que é capaz de ler o chip do cartão, para falsificar. Se fosse nos Estados Unidos, já estaria patenteado. Basta prender os bandidos e patentear o processo. É preciso valorizar o passado. Por exemplo, quem é que inventou o automóvel? Na França atribuem a um, na Alemanha a outro, nos Estados Unidos a outro. Há vários inventores do automóvel, para não entrar na questão do avião. Esse hábito brasileiro de deixar as coisas de lado é meio uma herança portuguesa. O sextante aéreo é uma invenção absolutamente genial de um português, o Gago Coutinho. Quem é que sabe disso? Nem em Portugal... E é usada até hoje no ônibus espacial Columbia. Acho que não paramos para olhar o nosso desenvolvimento. Nós nos colocamos à margem do mundo e nos ressentimos porque somos tão maravilhosos, tão fantásticos e não nos dão reconhecimento.

de ciência? — Eles apresentam a ciência como se fosse uma metodologia experimental, algo técnico, meio de interação, meio voltado para as crianças. Há museus grandes, cheios de demonstrações científicas que são feitas lá dentro. Mas a demonstração pressupõe uma teoria por trás em que se constrói o experimento. O visitante vê uma demonstração no museu, chega em casa e não sabe mais reproduzir aquilo – e não é porque não tem habilidade. Todo experimento científico é uma construção: construo um equipamento para medir alguma coisa. E a medida é feita com a construção teórica que se tem por trás. Acho que tem de mostrar isso.

■ Quando foi para o Mast já estava deter-

minado a trabalhar com popularização da ciência? — Aí eu consegui novamente juntar o que era, de certa forma, um hobby mais intelectual com uma profissão. Fui para lá a convite do Pedro Leitão, que era diretor e me convidou para pensar um museu científico. Tenho uma visão muito crítica dos museus e centros de ciência. Acho que não são lugares gostosos. Não me refiro ao sentido de ser bonito ou arrumadinho. Acredito que tem um problema de concepção, que é um dos pontos que eu tenho discutido com o Jorge Wagensberg.

■ O senhor conseguiu transformar o Mast num bom museu de ciências? — Não. Acho que consegui mostrar a importância do Mast. O que consegui fazer bem lá foi recuperar o prédio e grande parte do acervo, que estava se perdendo. O Brasil tem tido muito pouco cuidado – agora um pouco menos –, em preservar acervos históricos. Acho que a gente tem de pensar seriamente no que chamo de contrato tecnológico. Nós estamos em uma crise ambiental, de comprometimento dos recursos terrestres. Em algum momento, a humanidade, a cultura ocidental vai ter que dizer,“Embora essa tecnologia me traga conforto e seja muito agradável, eu não a quero, porque ela me mata”. Isso não quer dizer que temos de parar o desenvolvimento científico. Muito pelo contrário. Teremos de avançar muito o desenvolvimento científico, mas abrir mão de avanços tecnológicos desnecessários. ■ Falando agora sobre educação: por que o livro Física do parque: ciência, história e brinquedos (Mast/Vitae, 1997)? — O livro é decorrência de uma situação quando eu estava no museu e tínhamos de reformar o parque das crianças. O Mast tinha construído um parque de diversões dentro do campus que divide com o Observatório Nacional e era uma espécie de cartão de visitas. E eu, como diretor, via aquilo como sendo um grande problema para mim, porque não gostava do parque. Acho o Parque da Ciência um faz-de-conta. Pode ensinar ciência para um professor. Para o usuário normal, ele é um brinquedo frustrante. O balanço

não balança bem, a gangorra não gangorra bem etc. e tal. Conseguimos um financiamento e o local se tornou um parque piloto para ser reproduzido por outras instituições, como aconteceu em Vitória. Pensei então em escrever um livro em que pegava um brinquedo e fazia o caminho inverso. Em vez de fazer um livro sobre um brinquedo específico eu escreveria um livro sobre a física daquele brinquedo. A idéia foi tirar um pouco o lado lúdico do parque, porque acho que não se aprende brincando. E colocar um lado mais formal, de ensinamento, que se possa passar para o outro. ■ Como foi sua trajetória com a poesia e como roteirista? — Tem os que escrevem versos com rima e métrica e há os que escrevem poema. Eu pertenço ao primeiro grupo. Sobre o roteiro, quando cheguei ao Mast, havia lá uma ilha de edição Sony, U-Matic. Achei fascinante poder trabalhar com algo assim. E era necessário produzir material de divulgação porque o museu não tinha. Nesse momento comecei a brincar com cinema. Fiz alguns filmes, como A origem da vida. Fiz também sobre Santos-Dumont, todo em cima de documentos. Com esse tive problema porque, quando estava editando o filme, a fita tinha 60 minutos. Como eu não sabia passar para outra fita, ficou com 59 minutos. O filme acabou ganhando o nome Santos-Dumont – Uma vida não se conta em uma hora. Esse material foi agora ressonorizado pelo Departamento de Popularização e Difusão da Ciência e Tecnologia do Ministério da Ciência e Tecnologia. Depois veio o convite de Nelson Hoineff de fazer o roteiro do filme Santos-Dumont, o homem pode voar, com música de David Tygel. Aí foi um trabalho profissional de alto nível de qualidade técnica e o filme passou nos cinemas e o DVD apareceu nas bancas de jornal. Mas o curioso é que quando eu estava fazendo o filme no Mast, me disseram que precisaria pagar direito autoral pelo uso das músicas. Como não sabia como se faz esse processo, minha solução foi fazer as músicas.

E musicou o filme inteiro? — Compus no violão, transpus para a partitura e passei para o computador, que tem um programa que permite a orquestração da música. São umas 40 composições em um estilo mais clássico. ■

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MUNDO

> POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

foi embarcado no porto de Roterdã, na Holanda, rumo à base espacial européia em Kourou, na Guiana Francesa, de onde partirá a bordo de um foguete Ariane 5 em janeiro de 2008. Com o Jules Verne, a ISS supera a dependência dos cargueiros russos Progress, responsáveis pelo abastecimento de alimentos, água, equipamentos e

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a ser escolhidos por comitês enxutos, compostos por não mais do que 30 especialistas, e poderão cumprir dois mandatos de quatro anos – hoje a escolha é feita por colégios com mais de 130 membros e a reeleição é proibida. O projeto é apenas o início de uma vasta reforma do sistema universitário, disse o primeiro-ministro François Fillon, que classificou o assunto como o mais importante de sua agenda doméstica. O presidente Sarkozy também confirmou que as universidades receberão mais € 5 bilhões nos próximos cinco anos.

> Maioridade européia A Agência Espacial Européia (ESA) conseguiu superar obstáculos tecnológicos e concluiu a construção do Jules Verne, nave de carga que será usada para reabastecimento da Estação Espacial Internacional (ISS). No mês passado, o veículo

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NONONONONONONON

Nicolas Sarkozy, o novo presidente da França, quer aproveitar a popularidade de início de mandato para aprovar no Parlamento um projeto que torna mais autônomo o sistema universitário do país. De acordo com a revista Nature, a proposta autoriza as 85 universidades públicas francesas a controlar seu orçamento, contratar professores segundo suas necessidades e até estabelecer políticas salariais diferenciadas, além de gerenciar seu patrimônio. Hoje tudo isso é controlado pelo governo. O salário dos professores, por exemplo, é definido pelo nível hierárquico que eles ocupam. Sarkozy justifica que tal engessamento é um obstáculo para manter cérebros em áreas estratégicas e atrair talentos internacionais. O projeto também quer fortalecer os presidentes das universidades francesas, que passarão a ter poder decisório sobre praticamente todos os assuntos acadêmicos. Os dirigentes passarão

provisões da estação durante os três anos em que os ônibus espaciais norteamericanos ficaram em terra após a explosão do Columbia, em 2003. O novo veículo de 20 toneladas, que custou € 1,3 bilhão, é a nave mais complexa já concebida pela ESA. Permanecerá atracado à ISS por seis meses. Depois será ejetado com lixo e destruído

ESA

Universidades sem amarras

O Jules Verne ainda em construção: passo estratégico da ESA


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LAURABEATRIZ

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a construção de 26 plantas – incluindo a primeira usina flutuante do mundo, no gélido mar Branco – que aumentarão de 15% para 25% a parte da energia de origem atômica produzida pelo país.“Nossa economia está crescendo e precisamos de energia”, disse o físico russo Vladimir Fortov ao jornal The Christian Science Monitor. Para facilitar a expansão, o Kremlin determinou a fusão de 30 empresas do setor nuclear no conglomerado estatal Atomenergoprom, num modelo semelhante ao imposto aos setores de eletricidade, gás, aviação e indústria bélica.

ao entrar na atmosfera terrestre, numa descida guiada sobre o Pacífico. “Desenvolvemos tecnologias que nos habilitam a fazer muitas coisas no futuro, no campo da exploração espacial”, disse à agência BBC Daniel Sacotte, diretor da ESA para vôos tripulados.

> Beleza A russa Yelena Kamenskaya venceu no final de junho um concurso de miss politicamente incorreto. A loira de 23 anos foi a vitoriosa na eleição pela internet da mais bela entre as funcionárias das usinas e empresas da área de energia atômica do país. O prêmio foi um casaco de peles. O concurso da Miss Nuclear mobiliza os russos desde 2004 e faz parte da estratégia de marketing do governo para amenizar o trauma do acidente nuclear de Chernobyl, ocorrido duas décadas atrás. A Rússia voltou a investir pesadamente na construção de usinas nucleares. O presidente Vladimir Putin anunciou

crianças A partir deste mês, 1 milhão de crianças mexicanas terá aulas de ciência e tecnologia já nos primeiros anos da vida escolar.“A familiaridade com a ciência é vital para o México competir com países como China, Índia e Brasil”, explicou Josefina Vázquez Mota, secretária de Educação Pública do país.“A idéia é estimular as crianças a seguir carreiras científicas em zonas indígenas ou empobrecidas do país”, disse à agência SciDev.Net o coordenador do programa, Alejandro Frank. A iniciativa inclui a preparação de um

FOTOS DIVULGAÇÃO

atômica

> Ciência para

A Miss Nuclear 2007 Yelena Kamenskaya e a segunda colocada, Anastasia Pletnyova

livro sobre ciência voltado para a educação primária, preparado pela Academia Mexicana de Ciências e a Fundação México-Estados Unidos para a Ciência.

> Recrutamento heterodoxo Três médicos britânicos que sugeriram uma ligação entre a vacina tríplice viral e o autismo vão enfrentar um processo no Conselho Médico Geral do Reino Unido. A acusação, curiosamente, nada tem a ver com os efeitos da pesquisa, que espalhou medo entre as famílias e fez a cobertura de vacinação contra sarampo, caxumba e rubéola cair de 90% para 80% no país. Andrew Wakefield e seus colegas John Walker Smith e Simon Murch são acusados de falta de ética no recrutamento de pacientes avaliados no estudo. Wakefield pagou R$ 20 a cada criança que forneceu uma amostra de sangue durante a festa de aniversário de seu filho e não informou essas circunstâncias heterodoxas à revista The Lancet, que publicou o artigo em 1998.

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Caça às bruxas em Teerã A prisão de três pesquisadores acusados de espionagem põe em xeque o intercâmbio científico no Irã. Os detidos têm cidadania iraniana e norte-americana, são acusados de conspirar contra o Estado islâmico e foram capturados por policiais mascarados e armados de facas. Haleh Esfandiari, de 67 anos, que trabalha no Centro Internacional Woodrow Wilson, em Washington, foi presa assim que chegou a Teerã para visitar a mãe. Os outros dois presos são o sociólogo Kian Tajbakhsh, que trabalha para uma organização humanitária de Nova York, e Ali Shakeri, da Universidade da Califórnia. Em maio, o Ministério da Inteligência do Irã avisou os cientistas de que o contato com instituições estrangeiras ou a participação em conferências internacionais são consideradas atividades suspeitas. A caça às bruxas já emperra o intercâmbio, disse à revista Nature a psicóloga 20

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PESQUISA FAPESP ONLINE Acesse www.revistapesquisa.fapesp.br e veja o que você só encontra em nosso site

O melhor das Revistas

iraniana Fatemeh Haghighatjoo, bolsista da Universidade Harvard. Recentemente, ela convidou 20 conterrâneos seus para um workshop sobre o futuro da democracia no Irã. Dezoito disseram não.

> Caminho para a liberdade Foi comutada em prisão perpétua a pena de morte decretada contra cinco enfermeiras búlgaras e um médico palestino que foram trabalhar na Líbia em 1998. Eles são acusados de infectar propositalmente com o vírus HIV mais de 400 crianças no hospital pediátrico Al-Fateh, da cidade líbia de Benghazi. A comutação deverá permitir a extradição dos acusados, que dizem ter confessado o crime sob tortura. Uma intensa mobilização da comunidade acadêmica internacional antecedeu a decisão da justiça da Líbia.

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Semanalmente a seção de notas destaca os principais trabalhos publicados nas duas mais influentes revistas científicas, Nature e Science.

Pesquisa Brasil Toda segunda-feira a mais recente edição do programa semanal de rádio de Pesquisa FAPESP pode ser ouvido online ou baixado no omputador.

Coluna Direto de Harvard Professor na famosa universidade norteamericana, o médico brasileiro Antonio Bianco escreve sobre a ciência nos EUA e o seu campo de estudos, a glândula tireóide.


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BRASIL

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A hora da ciência na Amazônia

> Raupp substitui Candotti na SBPC

FÁBIO DE CASTRO

LAURABEATRIZ

Marco Antonio Raupp, coordenador do Parque Tecnológico de São José dos Campos, é o novo presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Foi uma vitória apertada, por apenas 15 votos, em segundo turno – e depois de um empate contra Renato Sérgio Cordeiro, da Fiocruz. Raupp, que já foi diretor do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), substitui Ennio Candotti. Promete trabalhar com dois enfoques: o da inovação e o da expansão da base da produção científica brasileira.

O novo presidente: expansão da pesquisa

Com o tema “Amazônia: Desafio nacional”, a 59ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) aconteceu entre 8 e 13 de julho, em Belém (PA). Duas constatações permearam a programação: a Amazônia chama a atenção do mundo, mas permanece à margem das políticas nacionais. O conhecimento é fundamental para a região, mas faltam investimentos em pesquisa, com formação de recursos humanos locais. A programação teve ampla participação de pesquisadores locais, que não se cansaram de defender a presença da ciência na região. Homenageado especial, o sociólogo Lúcio Flávio Pinto foi enfático: “A Amazônia já teve todo tipo de pioneiros: seringueiros, madeireiros, mineiros, grileiros e fazendeiros. Faltam os cientistas. Se a região abrigar pólos científicos, poderá, finalmente, aproveitar uma oportunidade histórica de adquirir uma identidade”. Alex

Bolonha, reitor da Universidade Federal do Pará (UFPA), afirmou que é preciso reverter a tendência de a ciência apenas servir-se da Amazônia. “A Amazônia não é só floresta, nem é só natureza. Ela é o lugar de 20 milhões de brasileiros que precisam de renda e qualidade de vida. Não pode ser um santuário de ONGs, nem um espaço exótico para turistas. Não se defende a Amazônia com preservação, mas com conhecimento”, disse Bolonha na abertura do evento. Nos cinco dias da reunião foram apresentados aproximadamente 170 conferências, mesas-redondas e simpósios. Cerca de 50 deles tinham temas diretamente ligados à Amazônia, com foco em diferentes áreas do conhecimento – dos fármacos à lingüística, da nanotecnologia à agroenergia. A maior parte dos 70 mini cursos e encontros abertos também abordaram a região. Foram apresentados 2,8 mil traba-

lhos. Cerca de 10 mil pessoas participaram das atividades e conferências no suntuoso Hangar — Centro de Convenções da Amazônia, inaugurado um mês antes do evento. Durante a reunião, o governo federal divulgou as premissas do Plano de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Nacional. Segundo o secretário-executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia, Luiz Antonio Rodrigues Elias, o plano, conhecido como PAC da C&T, precisará de investimentos entre R$ 35 bilhões e R$ 40 bilhões, somando recursos de quatro ministérios, de parcerias com governos estaduais e com o setor privado. “É um programa que se pretende horizontal, mas as premissas não estão consolidadas. São proposições que recebemos da sociedade e estamos integrando em um grande projeto”, afirmou Elias.

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BRASIL EDUARDO CESAR

> O mapa das florestas O Serviço Florestal Brasileiro lançou a primeira versão do Cadastro Nacional das Florestas Públicas, que reúne dados georreferenciados sobre as florestas públicas da União, estados e municípios e oferece aos gestores públicos e à população em geral uma base confiável de mapas, imagens e dados com informações para a gestão florestal. Sua implementação será realizada em etapas e os produtos disponíveis serão continuamente atualizados e aprimorados. Ao todo, essas florestas ocupam 193,8 milhões de hectares – quase um quarto do território nacional –, 94% deles espalhados pelos estados da Amazônia Legal. O acesso ao cadastro nacional pode ser feito por meio do site www.sfb.gov.br

> O Brasil ligado

> Entre as vítimas da tragédia

Dados sobre as florestas públicas chegam à internet

no aquecimento maior repercussão. No extremo oposto, o noticiário televisivo da Rússia não fez nenhuma menção aos documentos do IPCC. México e Índia dedicaram espaço ao primeiro relatório, sobre as causas do aquecimento, divulgado em fevereiro, mas ignoraram os outros dois, que apresentaram

o impacto das mudanças globais e o custo das estratégias para enfrentá-las, anunciados em abril e maio. China e África do Sul divulgaram os dois primeiros, mas não o terceiro. A TV brasileira foi a única entre os países monitorados a noticiar todos os relatórios. O levantamento foi apresentado

Duas pesquisadoras estavam entre as vítimas do acidente do vôo 3054 da TAM, que explodiu após uma aterrissagem frustrada no aeroporto de Congonhas. Graduada pela Universidade de Mogi das Cruzes em 1987 e doutora em geografia humana pela Universidade de Barcelona, a paulistana Vanda Ueda, 42 anos, era professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Doutora em educação, Valdemarina Bidone de Azevedo e Souza, 62 anos, era professora da Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre (PUC-RS), onde coordenava o programa de pós-graduação em gerontologia biomédica.

> Nova atribuição para a Capes Entrou em vigor em julho a lei que amplia as atribuições da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal

LAURABEATRIZ

Levantamento sobre a cobertura na televisão de seis países em desenvolvimento sobre os três recentes relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, na sigla em inglês) mostra que o Brasil foi aquele onde os alertas sobre os efeitos do aquecimento global tiveram

no final de junho pelo inglês James Painter, jornalista da BBC ligado ao Reuters Institute for the Study of Journalism, num workshop realizado na Universidade de Oxford.

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de Nível Superior (Capes). A agência vinculada ao Ministério da Educação que há 56 anos avalia os programas de pós-graduação passará também a cuidar da qualificação de professores da educação básica. A Universidade Aberta do Brasil (UAB), um programa criado na Secretaria de Educação a Distância do MEC em 2005, passará a ser gerida pela Capes. Serão instalados 297 pólos de ensino que oferecerão 60 mil vagas para aperfeiçoamento de professores. Os pólos oferecerão aulas presenciais e a distância.

> Educação multimídia Os ministérios da Educação (MEC) e da Ciência e Tenologia (MCT) lançaram um edital para apoio financeiro à produção de conteúdos educacionais digitais multimídia. A chamada, com valor total de R$ 75 milhões, tem por objetivo modernizar o ensino público através da utilização de plataformas como rádio, televisão e informática. As propostas devem ser enviadas até o dia 30 de setembro. Os produtos educacionais deverão se relacionar com matemática, língua portuguesa, física, química e biologia. O edital é voltado para universidades, centros e museus tecnológicos e de ciências, organizações nãogovernamentais e centros de pesquisa brasileiros. A íntegra do edital pode ser obtida no endereço portal.mec.gov.br/arquivos/ pdf/conteudosdigitais.pdf.

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> Inscrições abertas Estão abertas até 30 de novembro as inscrições da 23ª edição do Prêmio Jovem Cientista, cujo foco será educação para reduzir as desigualdades sociais. Serão contempladas pesquisas sobre tópicos como o papel da educação na superação da violência, os mecanismos de inclusão social e a educação voltada para o empreendedorismo. O prêmio é concedido em cinco categorias: graduado, estudante do ensino superior, estudante do ensino médio, orientador e mérito institucional. Mais informações podem ser obtidas no endereço eletrônico www.jovemcientista.cnpq.br.

> Centro de desenvolvimento A Fiocruz recebeu R$ 30 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para iniciar a implantação de uma nova unidade de desenvolvimento de vacinas e biofármacos. O futuro Centro Integrado de Protótipos, Biofármacos e Reativos para Diagnóstico (CIPBR), vinculado ao Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Biomanguinhos), produzirá, entre outros insumos, a alfaepoetina humana recombinante, utilizada contra a anemia grave e o antiviral interferon alfa 2b humano recombinante, além de reativos para diagnóstico laboratorial de diversas doenças.

Meia Itaipu no rio Madeira RICARDO ZORZETTO

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Rio Madeira: licença ambiental concedida O leilão que escolherá o consórcio responsável pela construção da Hidrelétrica de Santo Antônio, no rio Madeira, em Rondônia, está agendado para outubro. A licitação para a construção da usina de Jirau, na mesma região, deverá acontecer em 2008. As duas novas usinas deverão entrar em operação em 2012 e 2015, respectivamente, adicionando 4,5 mil megawatts no sistema elétrico nacional, o equivalente a metade da energia gerada por Itaipu. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) concedeu a licença ambiental que permitirá a licitação dos empreendimentos no dia 8 de julho. Fez, é certo, 33 exigências, entre as quais a implantação de um centro de reprodução de peixes para repovoamento do rio, a abertura de dois canais laterais capazes de garantir a passagem de grandes bagres e medidas para

evitar o depósito de cascalho na barragem. Também estão previstas compensações para as famílias afetadas pela construção. A expectativa é que as duas obras atraiam para a região de Porto Velho algo em torno de 30 mil pessoas. A maior preocupação é o aumento esperado do número de casos de malária. De acordo com Mauro Tada, do Centro de Pesquisa em Medicina Tropical (Cepem), a capital de Rondônia, junto com Manaus, no Amazonas, e Cruzeiro do Sul, no Acre, concentram cerca de 25% dos casos da doença registrados no país. Numa das áreas a ser inundadas pela barragem estão instaladas cinco comunidades onde o Cepem realiza pesquisas de controle da malária. Essas áreas estão nas proximidades do traçado da ferrovia Madeira—Mamoré, empreendimento cuja construção, no século passado, matou milhares de trabalhadores.

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

AVALIAÇÃO

Fôlego crescente Produção acadêmica bate recorde no país, embora seu impacto ainda não seja tão expressivo | FABRÍCIO M ARQUES

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com 32,3% da produção científica mundial.Mas houve mudanças de posição no primeiro pelotão em relação a 2005.A Alemanha desbancou o Japão e assumiu o segundo lugar,com 8,1% do total de artigos.Na quarta posição surge a China,com 7,9% dos artigos,pela primeira vez à frente da Inglaterra,com 7,27%. A Capes divulgou também um segundo ranking, que leva em conta o número de citações de artigos brasileiros em textos de outros pesquisadores entre 2002 e 2006 (um consagrado indicador de repercussão da pesquisa) e a qualidade das publicações em que eles foram divulgados.No chamado “ ranking de impacto”,a posição do país cai para o 20º lugar,sendo superado pela Suíça,cujos artigos mereceram 551.537 citações (ante 206.231 do Brasil),e até por nações que publicaram um número significativamente menor de artigos,como Suécia, Polônia, Bélgica, Israel, Escócia, Dinamarca e Áustria.A posição brasileira só não foi inferior porque, em matéria de impacto,conseguiu superar países como Rússia,Índia e até a China,que publicaram mais.No caso dos chineses,o número de artigos publicados é quatro vezes maior que o dos brasileiros.“A repercussão dos nossos artigos é superior ao do grupo de países emergentes com os quais efetivamente competimos”,diz Jorge Guimarães,da Capes.“Em número de artigos,o Brasil sofre desvantagem nas áreas tecnológicas,mas essa diferença em alguns casos desaparece no índice de impacto.” A diferença entre os dois rankings abriu margem à interpretação segundo a qual a pesquisa brasileira exibe mais fôlego no quesito quantidade que no de qualidade.Mas,segundo especialistas,

a verdade pode estar num meio-termo entre os dois levantamentos.“Na teoria, se um artigo não recebe citações é porque não acrescentou nada ao conhecimento.Mas pode haver alguma distorção quando se analisa isoladamente o índice de impacto,pois países com uma produção restrita podem se beneficiar da repercussão extraordinária de um pequeno número de artigos”,observa o físico José Fernando Perez,ex-diretor científico da FAPESP. Tradição - Rogério Meneghini observa

que alguns países escandinavos superam o Brasil por terem tradição em certas áreas. “A Suécia é forte em várias áreas.A Dinamarca,por exemplo,teve um físico como Niels Bohr,que ajudou a formar gerações de pesquisadores”,diz,referindose ao cientista,morto em 1962,cujos trabalhos contribuíram decisivamente para a compreensão da estrutura atômica e da física quântica.“São países que herdaram uma ciência de altíssimo nível e,com isso,mantêm influência e ditam rumos de determinadas áreas”,explica Meneghini. Mas a principal distorção nos índices de impacto pode ter uma outra origem.Vários trabalhos no campo da cienciometria,disciplina que busca gerar informações para estimular a superação dos desafios da ciência,sugerem um “efeito psicossocial”na lógica das citações:norte-americanos tendem a citar mais norte-americanos;alemães,os alemães,e assim por diante.“O rigor que as revistas científicas impõem aos autores é o mesmo,independentemente de sua origem.Mas as citações de artigos de países como o Brasil,a Índia e a China são invariavelmente menores que as dos países desenvolvidos”,diz Meneghini. ■

BUENO

A

produção acadêmica do Brasil bateu um novo recorde em 2006.O país foi responsável por 1,92% dos artigos publicados em periódicos indexados na base de dados do ISI (Instituto de Informação Científica,na sigla em inglês),coleção que reúne as mais destacadas publicações do planeta.Em números absolutos,os pesquisadores brasileiros publicaram 16.872 artigos, cerca de mil a mais do que em 2005. Com tal desempenho,o país subiu da 17ª para a 15ª posição no ranking das 25 nações mais produtivas,deixando para trás, ainda que por uma pequena margem, países desenvolvidos como a Suécia e a Suíça.Os dados foram divulgados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes),agência do Ministério da Educação que avalia os programas de pós-graduação.“Em 2002,estávamos em 20º lugar;em 2005 subimos para 17º.O patamar atual era esperado apenas para 2009”,disse Jorge Almeida Guimarães,presidente da Capes.O que mais impressiona é a velocidade com que a produção brasileira vem avançando.Entre 2004 e 2006,o aumento foi de 33%.“O crescimento é exponencial e resulta,entre outros fatores,da estratégia da Capes de cobrar com rigor a publicação de artigos”,afirma Rogério Meneghini,coordenador científico da biblioteca eletrônica SciELO Brasil. As áreas que exibiram um maior aumento na produção acadêmica entre 2005 e 2006 foram as de imunologia (23%),medicina (17%),produção animal e vegetal (13%),economia (12%), ecologia e meio ambiente (12%) e engenharias (11%).Os Estados Unidos estão, como é tradição,no topo do ranking,


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DESENVOLVIMENTO

Uma LEI ROUANET da pesquisa Ciência e tecnologia recebem novos incentivos fiscais C LAUDIA I ZIQUE

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o Brasil,pouco mais de mil empresas fazem pesquisa e desenvolvimento (P&D) de forma contínua.O número de pesquisadores envolvidos em P&D industrial também é pequeno,algo em torno de 21 mil.E o número de patentes depositadas por brasileiros no United State Patents and Trademark Office (Uspto) não é maior que uma centena.Aqui – e ainda no quesito propriedade intelectual – as universidades ocupam um lugar que deveria ser das empresas:a campeã de patentes depositadas no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) é a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),com 191 pedidos depositados entre 1999 e 2003,de acordo com ranking do INPI.Em segundo lugar vem a Petrobras,com 177 pedidos de depósito.Esses indicadores deixam claro que,apesar de já contar com uma legislação específica,o país ainda patina antes de avançar definitivamente na direção da inovação. Na avaliação de Jorge Guimarães,presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Superior (Capes),do Ministério da Educação (MEC),o baixo investimento em inovação e o déficit brasileiro de patentes “são um problema cultural”e se associam ao fato de a grande maioria das empresas não contar com centros de pesquisa e desenvolvimento.A saída,ele sublinha,é estimular a interação com a universidade – já prevista na Lei de Inovação – por meio de incentivos fiscais. Esse é o espírito da Lei 11.487,sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 15 de junho,conhecida como Lei Rouanet da pesquisa.A sua regulamentação está sendo concluída e a intenção do governo é publicar rapidamente o


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FERNANDO VILELA

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primeiro edital de seleção de projetos de pesquisa candidatos a receber investimentos de empresas.“Temos pressa”, diz Jorge Almeida Guimarães. A nova lei permite que empresas deduzam do seu lucro líquido – receita, já descontados custos, despesas e o Imposto de Renda – até duas vezes e meia o valor investido no patrocínio de pesquisas científica e tecnológica e de inovação, antes de calcular o valor da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido. A dedução poderá ser menor – até a metade do investimento – se a empresa tiver participação na propriedade intelectual do produto decorrente da pesquisa ou da inovação. Ou seja: a empresa pode escolher deduzir menos impostos para ganhar na repartição dos royalties da patente, ou abater do imposto 250% dos recursos aportados no projeto. Só poderão se beneficiar dos investimentos privados os projetos de pesquisa e desenvolvimento previamente aprovados por uma comissão formada por representantes do MEC, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) e do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). As propostas deve-

rão ser apresentadas pelas Instituições Científicas e Tecnológicas (ICT) – como universidades, laboratórios e institutos públicos e privados – junto com a previsão de investimento do parceiro privado. Recursos privados – A associação com as ICTs está aberta a qualquer empresa, inclusive do setor de serviços. “Bancos, supermercados, transportadoras, entre outros, podem investir em pesquisa em qualquer área do conhecimento, desvinculados de sua área de atuação”, exemplifica Guimarães. Neste aspecto, a Lei Rounet da pesquisa se diferencia do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Padct), criado em 1984, com o objetivo de captar recursos privados para pesquisa, desde que a empresa patrocinadora invista em investigação relacionada ao seu ramo de atividade. A nova lei não se aplica apenas a projetos de desenvolvimento de softwares ou de automação, por exemplo, que já dispõem de incentivos previstos na Lei de Informática. Ainda não estão definidos os limites para a renúncia fiscal. “Estamos negociando com a Receita Federal”, diz

Guimarães. A sua expectativa é de que o incentivo seja “substantivo”, algo em torno de US$ 1 bilhão, no médio prazo. “Mas deve começar com US$ 100 milhões a US$ 200 milhões”, pondera. Na avaliação de Hugo Resende, presidente da Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras (Anpei) e cientista-chefe da Embraer, se a nova lei pretende estimular a aproximação entre universidade e empresas, inovação e aumento do número de patentes, está “equivocada” .“Pesquisa e desenvolvimento deveria ser feita na própria empresa e não fora dela”, afirma. A saída, ele sublinha, é aumentar o número de equipes de P&D nas empresas e, ao mesmo tempo, estimular o desenvolvimento de projetos inovadores e competitivos. “A Anpei não é contra a ampliação de recursos para a melhoria do ensino superior e da produção científica”, ressalva. “Quando um projeto inovador e competitivo requerer a ampliação ou transferência de conhecimentos, as empresas inovadoras com certeza buscarão parcerias com as universidades, institutos de pesquisa e seus pesquisadores.” ■ PESQUISA FAPESP 138

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> FINANCIAMENTO

Insumo para crescer Agência paulista de fomento poderá ter até R$ 1 bilhão para apoiar pequenas e médias empresas

O

governador do estado de São Paulo,José Serra, vai publicar,nos próximos meses,um decreto criando a agência paulista de fomento. Sua implantação depende de aprovação do Banco Central,e a expectativa é de que ela inicie sua operação a partir do próximo ano,com um capital inicial autorizado de R$ 1 bilhão. A agência,que deverá contar com cinco diretorias,não vai operar apenas na concessão de empréstimos.Também atuará como intermediadora de repasses do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), e estimulará, junto com sócios privados, a criação de fundos de aval para garantir empréstimos às empresas integradas a um dos 34 arranjos produtivos incrustados no estado de São Paulo. “Será um instrumento de mobilização de recursos orçamentários,de repasses de agências federais e de agências internacionais para promover o desenvolvimento de pequenas e médias empresas”,explica o vice-governador e secretário de Desenvolvimento,Alberto Goldman.As empresas de base tecnológica também poderão beneficiar-se dos créditos de financiamento,desde que estejam integradas “de alguma forma”,como ele sublinha,em algum tipo de arranjo produtivo de modo a que os recursos igualmente contribuam para estimular a consolidação da cadeia produtiva.As condições de financiamento ainda não estão definidas.“Será uma decisão interna.” Ainda não estão definidas as áreas prioritárias para os investimentos.“Estamos contratando estudos para fazer essa avaliação.Tudo vai depender das demandas e do interesse do estado”,explica Goldman.Os estudos,ele prevê,estarão concluídos no próximo ano, coincidindo com a aprovação do funcionamento da agência pelo Banco Central. A operação de financiamento e de repasse de recursos ficará a cargo da Nossa Caixa.“O banco garantirá capilaridade à instituição e reduzirá custos,ao permitir que a agência seja um organismo pequeno,

funcionando com um número pequeno de pessoas”, justifica o vice-governador.“As decisões políticas, no entanto,ficarão a cargo da agência.” Bioenergia - Além de inaugurar as operações da agência de fomento,o vice-governador espera que,em 2008,o estado de São Paulo já tenha definido uma “linha de ação”para incentivar a produção do biocombustível e,mais especificamente,do etanol.Esse plano está sendo elaborado por uma comissão de bioenergia,constituída pelo governo estadual em abril deste ano.Deverá avaliar as perspectivas para o desenvolvimento do setor,levando em conta a evolução da oferta e demanda interna,acesso a mercados internacionais,barreiras comerciais e tecnológicas,questões ambientais,entre outras.A idéia é estabelecer metas para garantir a produção,transporte,distribuição e uso de fontes renováveis de energia.“A agência de fomento poderá atender à demanda de empresas produtoras de máquinas e equipamentos necessários à produção de etanol”,prevê o vice-governador.“Poderemos utilizar instrumentos de incentivo/desincentivo em função das decisões a serem tomadas pela comissão de bioenergia.” A comissão,coordenada por José Goldemberg,exsecretário estadual de Meio Ambiente e atualmente pesquisador do Instituto de Energia Elétrica da Universidade de São Paulo (USP),é formada por Goldman;pelos secretários de Economia de Planejamento, Francisco Vidal Luna;de Saneamento e Energia, Dilma Seli Pena;de Agricultura e Abastecimento,João de Almeida Sampaio Filho;dos Transportes,Mauro Arce; do Meio Ambiente,Francisco Graziano;além de pelo diretor científico da FAPESP,Carlos Henrique de Brito Cruz;do ex-ministro da Agricultura,Roberto Rodrigues;do presidente da Única,Marcos Jank; e por Isaias Macedo,da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). ■

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> CONVÊNIO

Etanol

de celulose Fundação e empresa destinam R$ 100 milhões para estudos de processos industriais F ÁBIO

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C ASTRO , A GÊNCIA FAPESP

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FAPESP e a Dedini Indústria de Base assinaram convênio com o objetivo de financiar projetos de pesquisa tecnológica voltados a processos industriais para a fabricação de etanol de cana-de-acúcar.Válido por cinco anos, o acordo terá aporte financeiro de R$ 100 milhões,dos quais R$ 50 milhões serão desembolsados pela FAPESP e R$ 50 milhões pela empresa sediada em Piracicaba,no interior paulista.O convênio apoiará projetos cooperativos a serem estabelecidos entre pesquisadores da Dedini e de universidades e instituições de pesquisa,públicas ou privadas,no estado de São Paulo. A assinatura do convênio,que contou com a presença do governador José Serra e do vice-governador Alberto Goldman,foi realizada no primeiro dia do 5 º Simpósio Internacional e Mostra de Tecnologia da Agroindústria Sucroalcooleira (Simtec). A expectativa é que o aproveitamento total da cana-de-açúcar,assim como o domínio e a possibilidade de aplicação em larga escala de técnicas inovadoras de processamento,ajude a manter o Brasil entre os principais produtores e exportadores de álcool combustível.“São Paulo é o segundo maior produtor de açúcar e álcool do mundo – o primeiro é o Brasil.Trata-se de um setor muito importante.Em 2006, os derivados da cana-de-açúcar corresponderam a 14,4% da oferta de energia do país,que é uma porcentagem idêntica à oferta de energia hidrelétrica.Esse é um número fantástico”,destacou Serra. Carlos Vogt,presidente da FAPESP,lembrou que, desde a década de 1990,a Fundação tem privilegiado o fomento à pesquisa tecnológica ligada à atividade empresarial.“A parceria com a Dedini foi uma escolha natural, já que se trata de uma das principais empresas do mundo na área de tecnologia industrial para a produção de etanol e tem um expressivo esforço interno de pesquisa e desenvolvimento”,disse.

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Essa é a maior parceria assinada até o momento entre a FAPESP e uma empresa privada. “Trata-se de pesquisa tendo em vista aplicações e, nesses casos, a FAPESP sempre busca se associar com empresas que têm maior capacidade de identificar as oportunidades de mercado que as universidades ou instituições de pesquisa”, disse Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fundação. Com esse mesmo objetivo, a Fundação já assinou convênio com a Oxiteno, Telefônica, Microsoft e Padtec. Segundo Brito Cruz, o aquecimento global tornou crítica a necessidade de investir em tecnologias ligadas à produção de etanol. “Há até dois anos produzir etanol em grande quantidade era assunto brasileiro. Agora, com o interesse dos países desenvolvidos nessas tecnologias, teremos competidores que nos obrigam a incorporar muito mais ciência avançada.”

EDUARDO CESAR

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Chamada de propostas - A primeira chamada de propostas no âmbito do convênio deverá ser lançada em agosto. Os recursos serão destinados exclusivamente às que forem selecionados pela FAPESP, com a participação do Comitê Gestor da Cooperação, e serão desembolsados de acordo com o cronograma aprovado em cada proposta selecionada. De acordo com José Luiz Olivério, vice-presidente da Dedini, a chamada será dirigida para projetos de pesquisa com foco em áreas de tecnologias industriais de produção de etanol. “Serão aplicados R$ 20 milhões por ano durante cinco anos. Acreditamos que será suficiente para muitos projetos nessas áreas. Os valores para cada um deles dependerão de sua natureza”, disse Olivério. A previsão é de que sejam fomentados projetos para o aperfeiçoamento de tecnologias em uso na planta de demonstração de hidrólise ácida da empresa, ou descoberta e desenvolvimento de novas; produção de energia a partir de subprodutos da obtenção de etanol; formas de reduzir o consumo de energia durante o processo industrial; e formas de aumentar a eficiência dos processos de destilação e fermentação. De acordo com Olivério, um dos focos será desenvolver métodos de produção de etanol a partir de celulose.“A cana tem um terço de sacarose e dois terços de celulose. Só produzimos etanol a partir da sacarose. Quando desenvolvermos a tecnologia para produção por celulose, isso terá um grande impacto na produtividade”, disse. Espera-se também que os projetos de pesquisa incentivem a difusão do conhecimento e a implementação de projetos inovadores de pesquisa científica ou tecnológica cujos resultados apresentem potencial de aplicação no mercado. O convênio com a FAPESP estabelece que os direitos relativos à propriedade intelectual eventual-

mente gerada pela parceria, ou associados aos projetos analisados e selecionados, deverão ser acordados em termos a serem estabelecidos entre a Dedini e as instituições dos pesquisadores proponentes, podendo ou não haver participação da Fundação. Segundo Olivério, o convênio permitirá que pesquisadores das universidades e empresas trabalhem cooperativamente.“A base é que o trabalho se desenvolva na universidade com participação do departamento de pesquisa da empresa. Mas, se houver projetos que necessitem da construção de protótipo, provavelmente os pesquisadores da universidade virão para a usina”, afirmou. Fundada há 85 anos, a Dedini é uma das principais fornecedoras de bens de capital para destilarias e usinas de açúcar e álcool. A empresa atua em diversos segmentos industriais, como celulose e papel, energia, fertilizantes, hidrelétricas, mineração, metalurgia, petróleo, química, siderurgia, tratamento de efluentes e alimentos. De acordo com Olivério, a empresa investe hoje 3% de seu faturamento em pesquisa e desenvolvimento. “Uma das linhas de pesquisa previstas no âmbito do convênio é o aprimoramento de tecnologias para o sistema Dedini Hidrólise Rápida (DHR), desenvolvido para aumentar a produção de energia conjugada à redução do seu consumo e conseguir maior rendimento e eficiência de processos”, disse. Patenteado no Brasil, Estados Unidos, União Européia e em vários países de todos os continentes, o DHR é um processo que transforma em poucos minutos, por meio da hidrólise ácida, o bagaço da canade-açúcar em material fermentável que pode ser utilizado para produção de álcool.“Depois do etanol do caldo de cana e da celulose, vamos buscar o chamado etanol de terceira geração: o uso de biomassa gaseificada e o uso de reações de síntese para produzir combustíveis líquidos”, afirmou. Segundo Olivério, para a construção e instalação de uma Unidade de Desenvolvimento de Processo de maior escala, a Dedini contou com o apoio do programa Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (Pite) da FAPESP. A unidade DHR está instalada na Usina São Luiz, em Pirassununga, no interior paulista, e permite o aumento da produção de álcool para uma mesma área de cana-de-açúcar plantada. Durante a assinatura do convênio com a Dedini, a FAPESP lançou a publicação Brasil líder mundial em conhecimento e tecnologia de cana e etanol, elaborada pela gerência de Comunicação da Fundação. O documento reúne informações sobre projetos de pesquisa em cana-de-açúcar, etanol e outros produtos industriais apoiados pela Fundação nos últimos dez anos, além de reportagens sobre esses temas publicados na revista Pesquisa FAPESP, entre novembro de 2000 e fevereiro de 2007. ■ PESQUISA FAPESP 138

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AMBIENTE MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Prontos para agir Ingleses sabem o que fazer contra o aquecimento global TEXTO E FOTOS

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a Inglaterra as conversas sobre mudanças climáticas saíram das nuvens e entraram na cozinha, nos quartos e no banheiro, à medida que tomam corpo os planos de redução de consumo de energia e da emissão de gases que aceleram a elevação da temperatura média do planeta. As propostas implicam sacrifícios no conforto e no status: manter o aquecedor em temperaturas mais baixas, tomar banhos menos quentes, usar menos o forno microondas, trocar as lâmpadas incandescentes por fluorescentes, trocar a geladeira por outra mais econômica, andar mais de ônibus e menos de carro, parar de andar de avião e (quem ainda não comprou) esquecer a sonhada televisão de plasma, que consome muito mais energia que uma comum. Achou muito? Pois não acabou. Sob o argumento de que as pessoas devem agir ainda que os governos não tenham se posicionado claramente a respeito de como lidar com as mudanças climáticas, Chris Goodall, autor do livro How to live a low carbon life (editora Earthscan), um manual para reduzir a emissão individual de gases do efeito estufa, sugere também: reduzir o consumo diário de comida e de alimentos industrializados, deixar de ir tanto ao supermercado e usar mais o transporte público ou, quando possível, bicicleta. No trabalho, evitar o ar-condicionado e diminuir o consumo de eletricidade, desligando os computadores e as lâmpadas ao sair para o almoço, por exemplo. Goodall detalhou e justificou essas recomendações falando à frente do altar de uma das dezenas de igrejas de Oxford, a St. Giles, sob

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A igreja de St. Giles: novas luzes sobre os limites dos homens


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o olhar e os ouvidos atentos de senhoras elegantes, que não se preocupam mais em esconder os cabelos brancos. Não, ele não era um sacerdote no estrito sentido do termo, ainda que tacitamente pregasse a humildade e a resignação a hábitos mais modestos. Goodall era apenas um dos palestrantes convidados para falar nessa pequena igreja de paredes de pedra e sinos poderosos, construída entre 1123 e 1133, sobre um assunto que interessava aos habituais freqüentadores e, ao mesmo tempo, poderia atrair mais público às missas, ao coral e às quermesses.

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s descobertas e preocupações sobre os prováveis impactos das mudanças climáticas não ficaram só nos jornais e na televisão. Dezenas de palestras e de debates aproximaram as pessoas, alimentaram o diálogo e movimentaram esta por si só animada cidade medieval inglesa nos últimos meses. As lectures – como são chamados esses encontros, quase sempre com meia hora de exposição de idéias e outra meia hora de perguntas e respostas – ocuparam não só a St. Giles, mas também os auditórios das faculdades e institutos da Universidade de Oxford. Chegaram também ao salão principal da prefeitura. Ali, na tarde e na noite de 5 de junho, os moradores da região ouviram (e questionaram) especialistas, conheceram os planos do poder público e viram o que poderiam fazer para reduzir o consumo de energia. Semanas antes, em um sábado frio e chuvoso, estudantes e professores do Exeter College, uma das unidades da Universidade de Oxford, ambientalistas e a ganhadora do Prêmio Nobel da

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Paz em 2004, Wangari Maathai, saíram em uma alegre passeata conduzida por um homem de óculos escuros, fraque e cartola cinza, uma larga faixa vermelha cruzando o peito e um guarda-chuva azul com franjas dançando à frente de uma pequena banda de jazz. Como em toda boa passeata, o grupo ganhava adeptos à medida que avançava entre as ruas estreitas. A multidão seguiu até outro college, como são chamadas as faculdades da Universidade de Oxford. Wangari Maathai então pôs as botas que lhe ofereceram, pegou a enxada, fez um buraco para remover a terra preta e plantou uma árvore. “Qualquer pessoa pode contribuir para melhorar o mundo”, ela disse.“Quem planta uma árvore pode plantar 1 bilhão de árvores.” Mais do que o dever, “temos o direito de proteger o mundo”, ela ressaltou. “Se você não tem dinheiro, mais valor ainda você tem, porque tem de contar ainda mais com a autogovernança.” Os ingleses estão preocupados. Vivem geograficamente isolados em um arquipélago e estão sujeitos a um tempo pouco amigável, que prima pela imprevisibilidade: a um inverno relativamente quente seguiu-se uma primavera anormalmente fria – e o verão promete ser mais quente que o habitual. De acordo com uma exposição com 90 imagens de fotógrafos da National Trust e da agência Magnum que começou em Londres

O clima nas ruas: protestos de cidadãos comuns e passeatas com uma Nobel (ao lado, no alto) sob o discreto olhar das bibliotecas

em abril e segue por outras cidades até janeiro de 2008, as temperaturas mais altas já estão secando os campos, desregulando a reprodução das plantas, atraindo pragas, enfim, degradando a paisagem e a vida na Inglaterra.

T

ambém não faltam argumentos que incentivem apertos nos já espartanos hábitos do dia-a-dia. Segundo Goodall, trocar as lâmpadas incandescentes de uma casa, considerando que cada casa tem em média 20 lâmpadas desse tipo, poderia reduzir em quase três quartos o consumo de eletricidade destinada à iluminação. Algumas de suas propostas podem soar pouco práticas ou radicais,como usar forno ou fogão a lenha no lugar de gás para aquecer água ou a própria casa. Goodall acredita que essas transformações dos hábitos para reduzir os impactos das mudanças climáticas só avançarão por meio de um acordo que possa integrar todas as classes sociais, políticas e econômicas. Não se trata de uma tarefa em princípio impossível, a seu ver, porque a Inglaterra já conseguiu algo assim uma vez, de 1787 a 1833. Foi quando grupos religiosos e políticos opostos se uniram em uma campanha nacional, que se tornou uma causa patriótica, para acabar com a escravidão. “Sem uma campanha como essa, que valorize o senso de obrigação moral além das diferenças individuais ou de grupos, a vida na Terra pode se tornar intolerável em 50 anos”, comentou. Jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão, a começar pela BBC, a rede pública, e dezenas de livros e de sites tratam hoje com intensidade das conseqüências do aquecimento global e das possibilida-


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des de ação para evitar bruscas transformações na vida das pessoas. Esse clima de preocupação se fez aos poucos, por meio de episódios como a apresentação do Relatório Stern, em outubro de 2006. Esse estudo de quase 700 páginas previa custos da ordem de 20% do PIB mundial em decorrência das catástrofes naturais resultantes do aquecimento global. O debate então transbordou do círculo estritamente científico e mobilizou empresários, ambientalistas, políticos e cidadãos comuns em busca de responsabilidades, respostas e ações. Jornais e websites mostraram como calcular – e reduzir – o consumo de energia,mas até agora,talvez até pela própria complexidade do problema, parece haver um certo descompasso entre a consciência do problema e a ação efetiva. As empresas, por exemplo, ainda não mostraram resultados à altura dos planos que haviam anunciado para conter as emissões de gases do efeito estufa. Em maio, a cúpula do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) reunida em Bangcoc, na Tailândia, reforçou a idéia de que serão necessárias modificações nos estilos de vida, ao lado das iniciativas dos governos de cada país, para reduzir os impactos das mudanças climáticas – secas e inundações mais intensas, perda de safras agrícolas, migrações em massa de populações e até mesmo conflitos pela posse de terras férteis.

Mas não é fácil transformar a preocupação em ação. Em um levantamento do Energy Saving Trust, metade das pessoas entrevistadas em 1.192 domicílios ainda não está fazendo nada para conter esses prováveis impactos, embora 80% dos entrevistados acreditem que as mudanças climáticas já estão atingindo a Inglaterra. A maioria não se mostrou preparada ou disposta a mudar o estilo de vida e deixar de lado a viagem de férias ou a televisão de plasma: 40% ainda não faziam nada para economizar energia, mas 39% disseram estar preparados para fazer pequenas mudanças em suas vidas. Apenas 4% tinham feito mudanças radicais no dia-a-dia. George Marshall, diretor do Climate Outreach Information Network, passou anos procurando entender por que as pessoas não reagem mais intensamente e por que é tão difícil mudar mesmo diante da perspectiva de tantas perdas e tragédias. Uma das conclusões a que chegou é esta:“A falta de conexão entre o que as pessoas sabem e o que fazem é um problema cultural, socialmente construído”. Segundo ele, as respostas são mais intensas a ameaças que são visíveis, com precedente histórico, imediatas, de causas simples, provocadas por outros grupos sociais e com impactos diretos. O problema é que, inversamente, os perigos decorrentes das mudanças climáticas são invisíveis, sem precedentes, de

NEGAÇÃO DA RESPONSABILIDADE,

efeito lento, de causas complexas e provocado por todas as pessoas, com efeitos indiretos e imprevisíveis.

N

ascem daí nove estratégias de negação das mudanças climáticas, apresentadas por Suzanne Stoll-Kleemann, Tim O’Riordan e Carlo Jaeger em 2001 na revista Global Environmental Change: a metáfora do compromisso deslocado (quando alguém diz “eu protejo o ambiente de outros modos”), a condenação do acusador (“você não tem o direito de me cobrar”), a negação da responsabilidade (“não sou a causa desse problema”), a rejeição da culpa (“não fiz nada errado”), a ignorância (“eu não sabia”), a sensação de falta de poder individual (“eu não faço nenhuma diferença”), limitações genéricas (“há muitos impedimentos”), o pessimismo (“a sociedade é corrupta”) e o apego excessivo ao conforto (“é muito difícil para mim mudar meu comportamento”). Diante de tantas barreiras, o que fazer? “Podemos reconhecer essa tendência à negação, encorajar respostas emocionais e desenvolver uma cultura do engajamento, que seja visível, imediata e urgente”, disse Marshall. Na semana seguinte, lendo trechos do Gênesis, de Deuteronômio e de Jeremias para mostrar que os seres humanos também têm o papel de guardiães da natureza, o vigário de St. Giles,Andrew Bunch, lembrou:“Não mudamos nada apenas pensando que somos bons”. ■

IGNORÂNCIA, PESSIMISMO E O APEGO EXCESSIVO AO CONFORTO: ALGUMAS DAS ESTRATÉGIAS PARA ADIAR A AÇÃO PESQUISA FAPESP 138

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AMBIENTE

U

ENERGIA

Metano acumulado em hidrelétricas pode gerar mais energia elétrica Y URI VASCONCELOS

NO FUNDO DOS LAGOS

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ma equipe de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe),em São José dos Campos,em São Paulo,criou um sistema para capturar o metano acumulado nos reservatórios de usinas hidrelétricas e, com ele,produzir energia elétrica.Estimativas do grupo apontam que,juntas, todas as represas do mundo emitem entre 18 e 24 milhões de toneladas de metano por ano,o que corresponderia a cerca de 5% a 7% desse gás liberado na atmosfera por todas as atividades humanas como,por exemplo,o cultivo de arroz,os aterros sanitários,a mineração de carvão, a extração de petróleo ou a pecuária.Junto com o dióxido de carbono (CO2), o gás metano (CH4) é um dos principais vilões do efeito estufa do planeta.O potencial de aquecimento do metano é entre 21 e 25 vezes maior do que o do gás carbônico. Isso acontece porque, apesar de ter um tempo de vida menor do que o CO2, a molécula de metano é mais opaca do que a de carbono à radiação térmica,provocando um aprisionamento maior de calor na superfície terrestre. A solução dos pesquisadores brasileiros poderia elevar em 30% a capacidade produtiva das hidrelétricas localizadas na bacia do rio Amazonas.As líderes na emissão de metano são as construídas em áreas de florestas úmidas,como as brasileiras Tucuruí,Balbina e Samuel,e a Petit Saut,na Guiana Francesa,todas elas na Amazônia.Somente Tucuruí,a maior delas,libera entre 700 mil e 1,2 milhão de toneladas de metano por ano.“Há evidências,ainda sem comprovação científica,de que há grandes estoques de metano no fundo de Itaipu.Ninguém foi ainda lá para medir,mas o gás teria origem nos dejetos jogados no lago por fazendas e granjas de criação de animais situadas no entorno do reservatório”,diz o pesquisador Fernando Manuel Ramos, do Laboratório Associado de Computação e Matemática Aplicada (LAC) do Inpe,autor do projeto com outros três colegas do instituto,Luís Antônio Waack Bambace,Ivan Bergier Tavares de Lima e Reinaldo Roberto Rosa. O metano dos reservatórios é produzido principalmente por bactérias que participam do ciclo de decomposição subaquática do carbono existente na matéria orgânica remanescente da época da formação da represa ou levada,na forma

de sedimentos,pelos rios que deságuam no reservatório.O gás permanece dissolvido na água,principalmente nas camadas mais profundas do lago,e escapa para a atmosfera quando passa pelas turbinas e pelos vertedouros das usinas.“É parecido como abrir uma garrafa de refrigerante.A água das represas é subitamente despressurizada e libera o gás,no caso o metano,dissolvido nela”,diz Ramos. Barreira física - A idéia do grupo do Inpe para evitar que o metano chegue à atmosfera é capturá-lo ainda no fundo do lago.O primeiro passo é a colocação de uma barreira física,na forma de uma grande membrana,para impedir que as turbinas das hidrelétricas,normalmente posicionadas de 40 a 60 metros de profundidade,suguem águas ricas em metano.Essa membrana seria feita com lona encerada usada nos caminhões para proteção das cargas e ancorada por pesos e estacas no fundo da represa.“Ela seria colocada numa distância segura para não ser sugada pelas turbinas e seria fixada a bóias na superfície que controlariam seu posicionamento e nivelamento.Com essa barreira,a água que entraria nas turbinas viria de camadas superficiais da represa,com menor concentração de metano”,explica Bambace.

ENERGIA PARA A REDE

Uma lona fixada no fundo da represa (1) impede que a água com metano escape para a turbina (2). Na parte protegida, dutos de captação (3) levam a água para balsas na superfície (4) onde ocorre a extração de metano. Em seguida, o gás é levado por barco (5) até uma tubulação conectada a uma termelétrica (6)


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Um sistema de tubulações conectado a bombas semelhante ao aspirador de uma piscina coletaria a água rica em metano “aprisionada”no fundo da represa e levaria para balsas na superfície,onde seria feita a extração do gás por um sistema de vaporização em ambiente fechado.Esse equipamento reproduziria o mesmo processo que ocorre na saída das turbinas e nos vertedouros das usinas, quando o gás é liberado pela formação de spray e borbulhamento da água.A água tratada contendo metano residual voltaria para o fundo da represa por outro sistema de dutos e o gás extraído seria utilizado para geração de energia.“O metano poderia ser armazenado e transportado para uma termelétrica qualquer, mas o melhor é que a geração de energia ocorresse em centrais junto às hidrelétricas para aproveitar as mesmas linhas de transmissão”,diz Ramos.Assim,o metano coletado será queimado numa turbina a gás,de forma semelhante ao querosene na turbina de um avião,para geração de energia elétrica.O CO 2 resultante da queima do CH4 vai para a atmosfera,mas não produz efeito estufa adicional porque foi capturado anteriormente desta mesma atmosfera pela vegetação e outros organismos vivos do reservatório ou seu entorno.

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Os pesquisadores do Inpe estimam que a construção de um sistema para captação de 1 milhão de toneladas de metano por ano exigiria investimentos da ordem de US$ 100 milhões.Essa quantidade de gás é suficiente para gerar 1.780 megawatts (MW) de energia,a potência de uma hidrelétrica de médio porte – para efeito de comparação,Tucuruí I tem 3.960 MW de potência instalada.“A instalação de sistemas de aproveitamento de metano nas usinas de Tucuruí,Balbina e Samuel,as três maiores da Amazônia,elevaria em 30% a capacidade produtiva delas”,destaca Ramos.“Com isso,além de gerar energia limpa e reduzir uma fonte do aquecimento global,ainda contribuiríamos para reduzir a pressão pela construção de novas hidrelétricas na região.” Longo caminho - O trabalho do grupo

foi publicado na revista científica Energy, em junho.No momento,os pesquisadores estão tentando obter financiamento para construir o primeiro protótipo. Eles estimam que o modelo experimental ficaria pronto em um ano.A construção de um sistema produtivo,como,por exemplo,na represa Balbina,que tem 250 MW de potência instalada,levaria entre três e quatro anos para tornar-se operacional.O grupo prevê que a barreira fí-

TERMELÉTRICA

REPRESA

sica instalada no fundo do lago de Balbina teria cerca de 850 metros de comprimento por 25 metros de altura e custaria algo em torno de R$ 1 a 2 milhões.Ramos acredita também que a lâmina d’água livre,com cerca de 10 metros,será suficiente para peixes e outras espécies aquáticas se movimentarem.Estudos específicos nas represas poderão avaliar cada detalhe do impacto ambiental. “Ninguém produz ainda energia em escala industrial a partir do metano encontrado em reservatórios,mas há um caminho a ser percorrido para sua maturação”,diz Ramos.Uma importante etapa a ser cumprida é o mapeamento dos estoques de metano dos reservatórios brasileiros e no mundo,que pode ser feito por sondagem ou amostragem,com a análise da água do fundo do lago.Para o sistema ser economicamente viável,explica Bambace,é preciso que a represa tenha concentrações na faixa de 20 gramas de metano por metro cúbico de água, nível encontrado a 60 metros de profundidade no lago de Tucuruí.“É possível também que exista muito metano nos reservatórios de São Paulo,em função da poluição que eles recebem dos rios.Mas somente com o mapeamento dos estoques saberemos do real potencial da solução que estamos propondo.” ■

Esquema de captura do metano na hidrelétrica

Bóias

SIRIO J. B. CANÇADO

VERTEDOURO

USINA HIDRELÉTRICA TURBINA

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> CIÊNCIA

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MUNDO LAURABEATRIZ

LABORATÓRIO

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Vodca, suco de laranja e tapas

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nada com o que se distrair mostravam uma clara agressividade contra seus adversários.Já os que haviam bebido e se concentrado no teste de memória eram menos agressivos até mesmo do que os que não haviam bebido.Conclusão:o álcool pode tanto aumentar quanto reduzir a agressividade, dependendo se a pessoa está focada ou não em outra coisa.

> Conflitos fraternos Relações conturbadas entre irmãos na infância podem levar os homens a desenvolver depressão na idade adulta,sugere um estudo realizado por pesquisadores do Brigham and Women’s Hospital e da Universidade Harvard,nos Estados Unidos.A equipe de Robert Waldinger e Georg Vaillant acompanhou o desenvolvimento psicossocial de 229 homens ao longo de três décadas, dos 20 aos 50 anos. Os resultados mostram que o fator genético é o mais importante para o desenvolvimento de

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possíveis problemas psiquiátricos, como a depressão e o consumo abusivo de álcool e outras drogas.Entre os homens sem histórico de problemas psiquiátricos na família,a relação conflituosa com os irmãos – mais do que com os pais – foi o principal fator associado ao desenvolvimento da depressão.Na opinião dos autores,as relações entre os irmãos,normalmente deixadas de lado pelos psiquiatras,devem ser tratadas com mais atenção.

> Florescer ou não florescer Em condições adversas, as plantas adotam táticas alternativas:fazem flores ou

Marmeleirodo-japão: flores só sob condições favoráveis

deixam de fazer,suas sementes germinam ou ficam dormentes.Reprimir o crescimento até que surjam dias mais favoráveis é uma dessas estratégias agora desvendadas por pesquisadores do Norwich Research Park, no Reino Unido (Current Biology). Eles descobriram que o crescimento é controlado por um complexo de reações orquestradas pelo hormônio giberelina,em resposta às condições ambientais. De acordo com o trabalho, os genes responsáveis pela fabricação de proteínas que controlam o crescimento já existiam nas primeiras plantas a conquistar o ambiente terrestre,os musgos.Mas essas proteínas não trabalhavam em conjunto e não impediam

RICH GILLIS/DOW GARDENS

Por que as pessoas que consomem grande quantidade de bebidas alcoólicas podem se tornar agressivas? Esse efeito depende do nível de intoxicação,das próprias pessoas ou das circunstâncias? O psicólogo Peter Giancola e a estudante Michelle Corman,da Universidade de Kentucky, Estados Unidos, exploraram essas perguntas em laboratório com um grupo de homens jovens. Alguns tomaram três ou quatro doses de vodca com suco de laranja enquanto outros permaneceram sóbrios.Então competiram entre si em um jogo que exigia respostas rápidas.A cada rodada que perdiam, recebiam um pequeno golpe, que variava em intensidade. Quando ganhavam,eram eles que davam um golpe nos oponentes.Ao mesmo tempo, a pedido dos pesquisadores, alguns voluntários – que haviam bebido ou não – faziam um difícil teste de memória:o objetivo era ver se eles poderiam se distrair e se teriam reações hostis.Como descrito em julho na Psychological Science, os que haviam bebido e não tinham


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TERRY SPIVEY/USDA FOREST SERVICE

que a planta crescesse sob condições desfavoráveis. O mecanismo se aperfeiçoou com o surgimento das plantas com flores, as angiospermas, há 300 milhões de anos.

> Economia sobre dois pés

> O poder da voz jovem Como um disco dos Beatles, as canções dos pássaros também envelhecem. Essas mudanças podem explicar como surgem as barreiras para o acasalamento. Elizabeth Derryberry, ecóloga de comportamento da Universidade Duke, Estados Unidos, comparou gravações do canto de pardais da espécie Zonotrichia leucophrys feitas em 1979 e em 2003. As canções mais recentes, ela concluiu, eram mais lentas e

menos intensas que as anteriores (New Scientist). Depois a bióloga tocou as canções para dez fêmeas e 20 machos. Resultado: as fêmeas solicitavam mais acasalamentos e os machos mostravam comportamentos territoriais mais agressivos ao ouvir as canções mais recentes.

> Ataque direto à malária O Iêmen está fazendo o dever de casa para deter a malária, um grave problema

EDUARDO CESAR

Ainda não sabemos ao certo por que somos bípedes, mas ao menos uma equipe de antropólogos dos Estados Unidos descobriu algo curioso: caminhar sobre dois pés gasta 75% menos energia em comparação com a forma com que os chimpanzés adultos se deslocam. O estudo coordenado por Herman Pontzer, professor de antropologia da Universidade de Washington, e publicado em julho na revista PNAS mostrou que ser bípede pode ter conferido aos primeiros grupos de representantes da espécie humana uma vantagem adaptativa sobre outros primatas, reduzindo o esforço na hora de sair para a caça.

Fora de moda: pardais atualizam o canto para atrair parceiras

nacional. Nesse país de 20 milhões de habitantes, surgem de 800 mil a 900 mil casos novos por ano e cerca de 12 mil pessoas morrem em conseqüência da malária, uma das mais altas incidências do Oriente Médio. O Iêmen gastou o equivalente a US$ 9 milhões nos últimos seis anos para controlar a malária, com estratégias que incluíram a aplicação de inseticida em 260 mil casas. Não foi o bastante: a malária ainda persiste no país. Agora o Ministério da Saúde Pública e População planeja aplicar inseticida em 131 mil residências durante o próximo verão como parte de uma estratégia nacional ampliada para conter a propagação dos mosquitos transmissores da malária. A campanha, que inclui a distribuição de 450 redes tratadas com inseticidas, mobilizará quase 300 pessoas nas regiões mais atingidas e deverá proteger cerca de 100 mil pessoas.

Primatas modernos: caminhar sobre duas pernas permite aos seres humanos poupar energia PESQUISA FAPESP 138

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LABORATÓRIO

RICARDO ZORZETTO

BRASIL

>

> Além da fauna e da flora

Rio adentro:a Amazônia é palco de atividade econômica de grande porte

Atmosfera da Amazônia (LBA) sobre a expansão da fronteira agrícola, o desenvolvimento do agronegócio,a urbanização e outras forças sociais que transformam a paisagem natural em um espaço dinâmico,sujeito a conflitos. A geógrafa Bertha Becker, uma das coordenadoras do livro,analisa os caminhos da ocupação do território pela soja,em particular as estratégias do grupo Maggi, e chama a atenção para um ator social que ela considera negligenciado:as empresas,

> Policiais

“que podem contribuir para uma produção sustentável com tecnologia avançada”. Matemático especializado em desmatamento,Diógenes Alves mostra como o uso da terra na Amazônia tem se intensificado,em busca de um maior aproveitamento das áreas desmatadas para agricultura ou pecuária.Em conjunto,os oito capítulos, cada um escrito por especialistas de áreas distintas e complementares,mostram como as ciências sociais são imprescindíveis para resolver os impasses da região.

sob estresse

LAURABEATRIZ

“São reais os riscos ambientais de muitas das práticas econômicas que se detectam na região,ao par de prejuízos inquestionáveis ou benefícios sociais discutíveis”, alerta o economista Francisco de Assis Costa.É também ele que ressalta que,se não for vista apenas como natureza, mas também como espaço social,a Amazônia exige uma requalificação dos aparatos institucionais que expressam o poder federal para minimizar as contradições da região.Costa é um dos autores do livro Dimensões humanas da biosferaatmosfera na Amazônia (Edusp),que reúne resultados dos especialistas em ciências humanas do Programa Experimento de Grande Escala da Biosfera-

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Quase metade dos 264 policiais militares examinados por uma equipe da Universidade Federal do Rio Grande do Norte apresentava estresse.Desse grupo com estresse,3,4% estavam em estágio de alerta, 39,8% em estágio de resistência,3,8% em quase explosão e 0,4% em explosão, o estágio mais grave.A equipe coordenada por Marcos Costa identificou estresse psicológico em 76% e estresse físico em 24% dos policiais de Natal que participaram desse estudo,publicado na Revista Panamericana de Salud Pública. Mesmo que esses valores não caracterizem uma situação crítica de fadiga,os pesquisadores recomendam ações preventivas que possam diagnosticar e tratar o estresse desde os primeiros estágios.


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> Os custos da obesidade

REPRODUÇÃO DO QUADRO A MULHER SENTADA, DE VICENTE DO REGO MONTEIRO

FALTA GORDOS

Obesidade: alto custo para o Sistema Único de Saúde

o tratamento para hipertensão, por exemplo, consome 23% da renda de pessoas com esse problema. O estudo, publicado nos Cadernos de Saúde Pública, alerta para o impacto do sobrepeso e da obesidade no orçamento público, já que o Sistema Único de Saúde (SUS) cobre cerca de 75% de todas as hospitalizações.

Anatomia estelar: o ferro se dilui na camada de gás das gigantes vermelhas

> Ovo ou galinha? A superfície de estrelas com planetas tem mais ferro do que as outras. Mas será que os planetas estão ali por isso, ou o ferro recobre as estrelas porque há planetas ao redor? Para decifrar o enigma, astrônomos encontraram uma maneira de espiar além da superfície. Eles estudaram gigantes vermelhas, um tipo de estrela que já gastou o hidrogênio de seu núcleo e se expandiu, tornando-se maior e mais fria. O grupo, que inclui pesquisadores do Observatório Nacional no Rio de Janeiro, verificou que as gigantes vermelhas com planetas eram muito menos ricas em ferro do que as estrelas normais com planetas. A explicação mais provável é que o ferro não é parte da estrela, mas do seu entorno. Quando a gigante infla, o ferro se dilui no gás que rodeia a superfície da estrela (Astronomy and Astrophysics).

> Doença rara do timo A equipe coordenada pela pediatra Magda CarneiroSampaio, da Faculdade de

ESA

Um único problema de saúde, o sobrepeso e as doenças que são a ele relacionadas, responde por 3,02% dos custos totais de hospitalização nos homens e 5,83% nas mulheres ou 6,8% e 9,3% de todas as hospitalizações, de acordo com um estudo coordenado por Rosely Sichieri, médica especializada em saúde pública da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O sobrepeso e a obesidade estão associados com doenças do coração, hipertensão e diabetes, cada uma, por si só, com um expressivo peso sobre o orçamento dos brasileiros:

Medicina da Universidade de São Paulo, identificou recentemente em uma família brasileira de ascendência italiana a causa de uma doença bastante rara: a poliendocrinopatia auto-imune tipo 1. Uma falha no gene auto-immune regulator (Aire), expresso sobretudo no timo, prejudica o amadurecimento e a seleção de células do sistema imune – linfócitos T –, que passam a atacar órgãos e glândulas do próprio corpo. Como conseqüência, o portador do gene alterado precisa receber reposição hormonal pelo resto da vida. No caso brasileiro, o defeito no gene Aire levou os linfócitos T a atacarem a glândula hipófise, situada na base do cérebro e responsável pela produção do hormônio do crescimento. Segundo Magda, identificar esse problema na população brasileira pode ser um sinal de que algumas doenças tidas como raras não sejam tão raras assim. “Talvez sejam mais comuns do que imaginamos, mas não sejam diagnosticadas”, comenta. A identificação do problema o mais cedo possível pode melhorar a qualidade de vida dos pacientes.

> Aves protegidas e contaminadas O Parque Nacional das Emas é – ou deveria ser – uma área de proteção dos animais e plantas típicos do Cerrado goiano. Mas agricultores de fazendas próximas estão usando agrotóxicos em quantidade elevada a ponto de contaminar as aves do próprio parque, concluiu o médico veterinário Sady Valdes. Ele capturou e examinou 109 bacurausdo-rabo-branco (Eleothreptus candicans), espécie rara e exclusiva da região. Conclusão: as aves se contaminam ao comer insetos que tiveram contato com agrotóxicos usados nas plantações de milho, soja e algodão. O efeito independe da distância: aves capturadas tanto nas proximidades das fazendas quanto a 15 quilômetros de distância exibiram os mesmos níveis de contaminação, o que ameaça a continuidade dessa e de outras espécies. Valdes sugere uma fiscalização mais intensa do uso de agrotóxicos, além da conscientização dos habitantes locais e o monitoramento das populações de aves do parque.

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SAÚDE PÚBLICA

As mutações

da fome Desnutrição nos primeiros anos de vida provoca hipertensão, diabetes e obesidade em adolescentes e adultos M ARIA G UIMARÃES |

C

FOTOS

M IGUEL B OYAYAN

om um 1 ano e 3 meses, Lia mal conseguia manterse sentada enquanto a maior parte das crianças da mesma idade já começa a andar. O motivo do atraso no desenvolvimento era a carência de nutrientes desde a gestação, que, além de ser a principal causa de mortalidade infantil nos países em desenvolvimento, pode causar danos permanentes à saúde. Após quase duas décadas em que investiga os efeitos da desnutrição infantil, a bióloga Ana Lydia Sawaya, do Departamento de Fisiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), hoje consegue explicar por que a alimentação insuficiente tem efeitos duradouros e produz adultos obesos, diabéticos e com problemas cardiovasculares. E, mais do que destrinchar a fisiologia da desnutrição, ela investiu em recuperar crianças como Lia e mostrou que tratá-las até os 6 anos de idade pode evitar boa parte desses problemas. Lia mora numa favela da Zona Sul da cidade de São Paulo, onde Ana Lydia faz boa parte de sua pesquisa. Ela escolheu trabalhar com essa população não só porque é a que mais sofre as conseqüências da pobreza. “São pessoas excluídas, fora do mercado de trabalho e do alcance das políticas públicas que poderiam ajudá-las”, explica. Ao investigar a saúde de habitantes de favelas em São Paulo e em Maceió, onde cerca de 50% da população vive em situação de miséria, o grupo de Ana Lydia verificou que adolescentes desnutridos durante a infância apresentam taxas de obesidade e hipertensão muito mais altas do que o resto da sociedade brasileira, e maior risco de desenvolver diabetes quando adultos. Alguns de seus resultados mais recentes mostram uma elevada prevalência de hipertensão em adolescentes que foram crianças desnutridas – que chega a 21% em São Paulo. É muito alto se comparado a adolescentes que não sofreram desnutrição (7%). Para adultos com baixa estatura em Maceió essa prevalência é de 28,5% e afeta mais as mulheres (44%) do que os homens (18%); em mulheres obesas pode chegar a 50%. O grupo da Unifesp descobriu que essa alteração na pressão arterial surge por causa de lesões que reduzem a elasticidade dos vasos sangüíneos e da má-formação dos rins. Maria do Carmo Franco, bióloga especializada em hipertensão que integra a equipe de Ana Lydia, é uma das responsáveis por explicar o que acontece nas veias e artérias. Ela mergulhou a fundo no vín-

(…) Estranhamente, no rebento cresce o ventre sem alimento, um ventre entretanto baldio que envolve só o vazio e que guardará somente ausência ainda durante a adolescência quando ainda esse enorme abdome terá a proporção de sua fome. Esse ventre devoluto, depois, no indivíduo adulto, no adulto, mudará de aspecto: de côncavo se fará convexo e o que parecia fruta se fará palha absoluta. (…)

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culo entre desnutrição e metabolismo. Examinou crianças entre 10 e 13 anos que já nasceram com baixo peso, indício de desnutrição intrauterina,e viu que nessas crianças o colesterol do tipo LDL – que integra a membrana das células – reage mais do que deveria com radicais livres, moléculas de oxigênio altamente reativas. É o que se chama de estresse oxidativo, que dá origem a espécies ainda mais reativas de oxigênio que por sua vez danificam as células que revestem os vasos sangüíneos: um passo para desenvolver placas de gordura que alteram a pressão sangüínea e reduz a elasticidade dos vasos, como sugerem resultados publicados este ano na revista Pediatric Research.

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asos sangüíneos danificados, com menos capacidade de se expandir para a passagem do sangue, são apenas parte do problema. A dificuldade maior parece estar na constituição dos rins, órgãos com a função de depurar o sangue de toxinas. A má nutrição do feto pode levar a uma formação inadequada dos rins, que acabam por conter menos unidades funcionais – os néfrons – do que o normal. A equipe de Ana Lydia usa formas indiretas – como a medição do teor de toxinas no sangue – para avaliar o número de néfrons.“O ideal seria uma biópsia, mas não vou tirar um pedaço do rim de uma criança que já está debilitada”, conta. Mesmo que cada néfron trabalhe mais, os rins funcionam como um filtro pouco eficiente que limita o fluxo de sangue e acaba por aumentar a pressão arterial. “Essa é a única seqüela da desnutrição que não conseguimos recuperar”, lamenta a bióloga. Como os néfrons se formam somente durante o desenvolvimen-

to do feto, não há nada que se possa fazer para reparar esses rins. Também não há como restituir a elasticidade dos vasos sangüíneos danificados. A desnutrição no início da infância provoca ainda deficiências no metabolismo do açúcar, comandado pelo hormônio insulina cuja carência é a principal causa do diabetes – doença que em 2000 atingia quase 5 milhões de adultos no Brasil, proporção que deve subir para mais de 11 milhões até 2030. Em artigo publicado em 2006 no British Journal of Nutrition, Ana Lydia e sua exaluna Paula Martins, agora professora no campus da Unifesp na Baixada Santista, mostraram que a produção de insulina é deficiente em crianças que sofreram de desnutrição no início da vida. Isso ocorre porque a escassez de alimento nas primeiras fases do crescimento leva o organismo a produzir menos células beta no pâncreas, que fabricam a insulina. Para compensar, o organismo dessas crianças é mais sensível à pouca insulina produzida. Em famílias pobres que consomem uma dieta moderna carregada de açúcar esse desequilíbrio fica ainda mais sério. O corpo tenta suprir a deficiência e faz cada célula do pâncreas trabalhar mais. O preço desse esforço suplementar é alto. A nutricionista Telma Florêncio, da Universidade Federal de Alagoas, usou a baixa estatura como sinal de desnutrição nos primeiros anos de vida, pois outros estudos mostraram que a contribuição genética para o crescimento é menor do que a ambiental. Ela descobriu que o organismo desses adultos de baixa estatura acaba por se tornar resistente à insulina, de maneira que mesmo em altas concentrações o hormônio não consegue que o corpo aproveite o açúcar disponível.


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Embora os resultados, publicados em edição recente do European Journal of Cardiovascular Prevention and Rehabilitation, ainda não permitam explicar com clareza o mecanismo que causa essa resistência, eles mostram que cada célula pancreática tem que trabalhar mais e mais, o que no longo prazo leva o pâncreas à exaustão. “Em seguida vem o diabetes”, conclui Ana Lydia. O trabalho da equipe da Unifesp revelou mecanismos fisiológicos que causam hipertensão e diabetes, mas na base dessas doenças está também o excesso de peso. A dieta moderna, em que a publicidade e os preços acessíveis estimulam o consumo de alimentos calóricos de baixa qualidade nutricional – hambúrgueres industrializados, frituras, biscoitos, balas –, costuma ser acusada da ascensão da obesidade. Mas, de acordo com o trabalho de Telma, na população extremamente pobre o sobrepeso não se deve a excessos alimentares: as calorias consumidas pelos obesos de baixa estatura estavam abaixo do calculado como necessário para atingir suas necessidades nutricionais. Mesmo mal nutridas, essas pessoas engordam. Telma examinou habitantes de um acampamento de semtetos próximo à universidade, em Maceió, onde as condições de vida eram subumanas: famílias com uma renda mensal per capita inferior a US$ 10 viviam em barracos de plástico com um único cômodo. Os resultados mostram que cerca de 20% dos adultos tinham baixa estatura. Entre estes, 30% estavam acima do peso ou obesos e 16,3% subnutridos. Assim, o problema nutricional mais sério naquela população era a obesidade associada à desnutrição infantil: tanto homens como mulheres de baixa estatura tinham maior tendência ao excesso de peso do que vizinhos que tiveram um crescimento normal.

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obesidade é uma forma com que o organismo se defende da pobreza. De acordo com Ana Lydia, em situações adversas o sistema nervoso central regula o metabolismo para reter energia na forma de gordura. Ela demonstrou que o metabolismo de crianças com baixa estatura decompõe a gordura acumulada no corpo de forma menos eficiente. Além disso, o acúmulo de gordura é comandado pela diminuição no gasto de energia e queda na produção do hormônio IGF-1, que promove crescimento – as crianças ficam assim mais baixas. Os estudos de metabolismo mostraram que esse efeito é mais acentuado em meninas do que em meninos e faz com que essas crianças cresçam menos e armazenem a energia que ingerem na forma de gordura, provisões que podem ser essenciais para sobreviver. Ana Lydia explica por que o corpo feminino é ávido por calorias:“As mulheres precisam de mais energia para gestação e amamentação”. As reservas se acumulam sobretudo na região da cintura – reservas que liberam no sangue maiores quantidades de um tipo de gordura mais leve, que por sua vez se acumula nos vasos sangüíneos e dá origem a doenças cardiovasculares e diabetes. A desnutrição deixa também seqüelas cognitivas. A psicóloga Mônica Miranda, da Unifesp, mostrou em artigo recente na Revista Brasileira de Saúde Materno-Infantil que crianças entre 6 e 10 anos com má alimentação contínua desde o início da vida se lembram mal do que viram pouco tempo antes, têm um vocabulário mais restrito e sofrem de ansiedade. Outro estudo, liderado por Luciana Melo de Lima, da clínica Otomed, em Alagoas, mostrou que crianças com histórico de desnutrição têm maior dificuldade em aprender a falar.


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Sem conseguir sustentar seu tronco e com o rosto inexpressivo, Lia chegou há pouco menos de um ano ao Centro de Recuperação e Educação Nutricional (Cren), a instituição brasileira de referência em tratamento de desnutrição ligada à Unifesp, fundada em 1994 por Ana Lydia. Dois meses depois a menina ensaiava seus primeiros passos e hoje caminha decidida com o olhar curioso e um cubo de brinquedo na mão para oferecer ao visitante na sala que funciona como creche para crianças de até 2 anos – outras salas abrigam três outras turmas, divididas por idade, com crianças até 6 anos. As unidades do Cren atendem cerca de 3 mil crianças por ano, das quais 70% já nasceram com peso abaixo do esperado – 2,5 quilos. Parte dessas crianças é enviada pelo sistema de saúde. A maioria, porém, é ativamente selecionada pela equipe que entra em contato com a liderança de cada favela em sua área de ação (o Cren da Vila Mariana atua na Zona Sul do município e o Cren da Vila Jacuí, inaugurado em 2006, na Zona Leste) e organiza mutirões de pesagem e medição. “É nas famílias mais desestruturadas que estão as crianças em estado de desnutrição grave. Não adianta esperar que venham a nós, essas pessoas não podem nem pagar o ônibus”, conta Ana Lydia. O grupo inclui as crianças desnutridas em seu programa e fornece vales-transporte para que compareçam ao Cren.“Em algumas dessas famílias o pai não existe e a mãe tem problemas com álcool ou drogas, de forma que temos que acionar outros laços sociais”, completa. A equipe de censos, que inclui médicos, nutricionistas, assistentes sociais e voluntários, elabora mapas da rede social de cada criança. São diagramas em que estão representados todos aqueles com quem a criança pode contar: parentes, vizinhos, amigos ou instituições como ONGs e programas do governo. Às vezes é preciso acionar elementos dessa rede para levar a criança ao Cren com regularidade.

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s pequenos pacientes são atendidos conforme o grau de desnutrição. Alguns são atendidos no ambulatório, onde recebem tratamento para infecções ou parasitoses, além de orientados para que se alimentem bem. Para os casos graves há o sistema de hospital-dia, em que a criança passa dias inteiros no centro onde recebe cinco refeições por dia, além de acompanhamento médico, nutricional, pedagógico e – quando necessário – psicológico. O serviço social e a equipe de nutrição oferecem oficinas de culinária, onde as mães aprendem não só a fazer refeições nutritivas a baixo custo, aproveitando ao máximo alimentos comuns como arroz, feijão e verduras, mas também a fazer suas compras de forma mais eficiente e econômica. Crianças também participam de oficinas de manipulação de alimentos, em que aprendem a reconhecer os itens de um cardápio equilibrado e, no caso das mais velhas, preparar algumas receitas. Os dados coletados ao longo dos 13 anos do Cren mostram que até os 6 anos de idade a recuperação é bastante eficaz, mas o ideal é que aconteça até os 2 anos.“É aí que se estabelecem gostos alimentares”, explica Ana Lydia,“é só comendo fruta e verdura desde cedo que se firmará o reflexo condicionado que cria o desejo de consumir alimentos sau-

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dáveis”.As crianças tratadas recuperam a estatura mais depressa do que ganham peso. Até a densidade óssea,que perde qualidade com a desnutrição, se normaliza com o tratamento no Cren. A melhora, porém, é mais marcada em meninas do que em meninos. “Fisiologicamente somos o sexo forte”, diz Ana Lydia. “O corpo feminino é esperto, se recupera rapidamente.” O tratamento do Cren não normaliza só o tamanho. Ana Lydia mostrou que é possível recuperar o pâncreas e evitar a obesidade. Com isso, boa parte das doenças crônicas que a desnutrição causa no adulto pode também ser evitada. Após o tratamento a equipe acompanha as crianças para verificar se os efeitos se mantêm. O resultado das pesagens e medições periódicas é animador: mostra que a melhora física e a alteração nos hábitos alimentares persistem em casa, mesmo que as condições de renda e moradia não mudem. O Cren representa uma experiência de sucesso em São Paulo que será em breve implementada em Maceió. Mas não é a única. Já foram criadas iniciativas com alcance nacional, mas elas têm duração curta ou não conseguem atingir toda a população. Em 1999 o governo federal instituiu o Incentivo ao Combate às Carências Nutricionais (ICCN), em que deveriam ser inscritas crianças com deficiência de peso. Pelo menos em alguns locais a iniciativa foi bem-sucedida, como mostra o artigo encabeçado por Rita Goulart, da Universidade São Judas Tadeu (São Paulo), nos Cadernos de Saúde Pública. Os pesquisadores avaliaram 724 crianças de até 2 anos que foram atendidas pelo ICCN no município paulista de Mogi das Cruzes entre 1999

(…) Apesar do pouco que vinga, não é uma espécie extinta e multiplica-se até regularmente. Mas é uma espécie indigente, é a planta mais franzina no ambiente de rapina, e como o coqueiro, consuntivo, é difícil na região seu cultivo. (…) Alto do Trapuá, JOÃO CABRAL DE MELO NETO


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e 2001. O programa incluía avaliar e tratar problemas de saúde das crianças, orientar as mães quanto à alimentação e fornecer leite em pó e óleo de soja (para aumentar o teor calórico do leite) às crianças inscritas. Elas cresceram, mais rápido quanto mais grave era o estado inicial de desnutrição.

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pesar das experiências bem-sucedidas, o ICCN foi substituído por outros programas sociais do governo, como a Bolsa-Alimentação e o Bolsa Família. De acordo com Ana Lydia, o Programa de Saúde da Família, que prevê visitas domiciliares, é a iniciativa do governo, que poderia funcionar na prevenção da desnutrição. No entanto, na prática isso não acontece.“A estrutura do programa não permite visitas domiciliares sistemáticas em favelas, e não é possível tratar desnutrição mais grave sem uma estrutura de hospital-dia como a do Cren”, lamenta.

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Em contraposição à realidade dolorosa da fome nas favelas, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que o Brasil está passando por uma transição nutricional, em que a desnutrição infantil se torna cada vez mais rara e a obesidade a partir da adolescência cresce de forma alarmante. A pesquisa, cujos dados foram analisados por Carlos Augusto Monteiro e Wolney Conde, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), seguiu a metodologia padrão do IBGE para inquéritos domiciliares – sorteiam-se conjuntos de moradias em zonas urbanas e rurais, inclusive favelas e cortiços. Os resultados mostram nos últimos 30 anos uma queda contínua na prevalência de desnutrição na idade mais vulnerável – até 5 anos – de 16,6% em 19741975 até 4,6% em 2002-2003. A pesquisa mostrou também que a situação ainda é preocupante nas regiões Norte e

Nordeste, sobretudo em áreas rurais da Região Norte, onde a desnutrição infantil atinge 11% da população. Nas demais regiões, porém, a pesquisa detectou desnutrição em 3,5% da amostra, valor que para Monteiro indica que o problema está quase controlado. Preocupante também é o aumento do sobrepeso e obesidade a partir da adolescência – de 5,7% em 1974-1975 para 16,7% em 2002-2003 –, que segundo Monteiro ocorre em todas as regiões e estratos econômicos e resulta de alimentação inadequada e pouca atividade física. Esses e outros dados estão num inquérito nacional feito em 2006 por um consórcio de instituições acadêmicas liderado pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), cujos resultados Monteiro está ainda analisando. Porém Ana Lydia argumenta que esses dados não resumem a realidade brasileira. “Censos são feitos por endereço ou outros localizadores oficiais. Quando se trabalha com miséria e favelas, são pessoas que não existem – não têm endereço, não têm emprego, não têm carteira de identidade. Trabalhar com médias nacionais não faz sentido no Brasil, com desigualdade de renda e exclusão social tão grandes.” Para ela, desnutrição e obesidade não são doenças opostas. Ao contrário, o fato de que a primeira causa a segunda indica que elas estão associadas aos mesmos mecanismos fisiológicos. “Desnutrição e obesidade coexistem nas favelas, dentro das mesmas famílias”, completa a pesquisadora, que ressalta que ninguém sabe bem quantos desnutridos há no Brasil.“Não sabemos nem quantas pessoas moram em favelas em São Paulo – as estimativas variam entre 1,1 milhão e 2 milhões –, o que dirá no resto do país. Como poderíamos dizer que cobrimos sua situação nutricional?” ■

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> IMUNOLOGIA

Contra a asma Proteínas do verme causador da esquistossomose podem auxiliar no controle de inflamação das vias respiratórias

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omo um hábil trapaceiro,o parasita causador da esquistossomose – o verme Schistosoma mansoni – facilmente dribla as defesas do organismo humano e se instala na parede de vasos sangüíneos do intestino.Parte de seus ovos se aloja no fígado,provocando o inchaço desse órgão que deixa 5% de seus 200 milhões de vítimas com o ventre dilatado feito uma bola.Após analisar as alterações do sistema imunológico disparadas pelo agente da esquistossomose,imunologistas de Minas Gerais e da Bahia tentam agora se aproveitar de estratégia semelhante à do parasita para amenizar o desconforto gerado pela asma,inflamação crônica das vias aéreas e dos pulmões provocada por uma super-reação do sistema imunológico a proteínas de ácaros encontrados na poeira, à fumaça ou até a medicamentos. A saída imaginada por Maria Ilma Araújo e Edgar Marcelino Carvalho,da Universidade Federal da Bahia (UFBA),é aparentemente simples.Eles buscam desencadear no organismo o mesmo tipo de reação imunológica acionada pelo Schistosoma mansoni – só que sem provocar a doença –,o mesmo princípio de funcionamento das vacinas.Esperam alcançar esse objetivo usando algumas das proteínas que recobrem a superfície do parasita e foram identificadas e produzidas em laboratório por equipes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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A equipe da Bahia tem fortes razões para querer imitar a ação desse parasita. Poucos anos atrás, Maria Ilma e Carvalho notaram um efeito intrigante entre os portadores de asma de um vilarejo de pescadores do litoral norte baiano. Parte deles apresentava sinais muito mais brandos que o habitual dessa doença inflamatória que nas últimas décadas vem se tornando mais comum no Ocidente e afeta entre 150 milhões e 300 milhões de pessoas no mundo, tornando o banal ato de respirar um verdadeiro suplício. Investigando o que havia de diferente com esses pescadores, Maria Ilma deparou com um dado inicialmente contraditório: os que apresentavam a forma mais amena de asma não eram necessariamente os mais saudáveis. Na realidade, muitos deles estavam infestados por vermes como o Schistosoma mansoni, comum em comunidades como a da Vila Conde, onde água tratada e esgoto encanado ainda são luxo. Ante esse resultado, Manoel Medeiros Júnior, da equipe da Maria Ilma, acompanhou durante um ano a saúde de pessoas com asma de três regiões da Bahia – uma em que a esquistossomose é endêmica e duas em que esse problema praticamente não existe. Os dados, publicados em 2003 no Journal of Allergy and Clinical Immunology, confirmaram: a asma era mais amena naqueles que também estavam contaminados com o parasita. Só um ano mais tarde, Maria Ilma encontraria a explicação para o aparente paradoxo: em resposta à infestação pelo Schistosoma mansoni, o sistema imunológico aumenta a produção de uma molécula do sistema de defesa chamada interleucina-10 (IL-10), de ação antiinflamatória, e reduz a produção de outras moléculas que exacerbam a inflamação, como outras três interleucinas (IL-4, IL5 e IL-13). Descrito por Maria Ilma e seus alunos de doutorado Luciana Cardoso e Ricardo Oliveira em uma série de artigos publicados nos últimos anos, esse mesmo mecanismo que possivelmente garante a sobrevida do parasita no corpo parece capaz de atenuar a asfixia provocada pela asma. Ao notar que o Schistosoma mansoni poderia contribuir para o combate à asma, Maria Ilma procurou os imunologis-

tas Sergio Costa Oliveira e Alfredo Goes, da UFMG, que trabalhavam no desenvolvimento de uma vacina contra a esquistossomose e, como o grupo baiano, integravam o Instituto de Investigação em Imunologia, um dos projetos Institutos do Milênio financiado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. Goes e Oliveira já haviam identificado algumas proteínas do Schistosoma mansoni e começavam a produzi-las em laboratório utilizando bactérias Escherichia coli. Entre quase dez proteínas, a equipe de Minas identificou quatro capazes de simular os efeitos que o Schistosoma mansoni provoca no organismo e candidatas a integrar uma vacina contra a esquistossomose. O número de parasitas caiu pela metade em camundongos que receberam uma versão experimental da vacina contendo a proteína Sm29, de acordo com artigo publicado no ano passado na Clinical and Experimental Immunology.“Em parceria com uma equipe da Austrália, estamos trabalhando na produção de uma vacina contendo outras duas proteínas. Nossa expectativa é conseguir baixar ainda mais a carga de parasitas no organismo”, conta Oliveira. Essa combinação também parece funcionar contra a asma. Recentemente

Luciana Cardoso testou in vitro essas proteínas, conhecidas como antígenos por despertar a resposta imunológica. Tanto a Sm29 como a Sm22,6 estimularam as células de defesa extraídas do sangue de portadores de asma a produzirem interleucina-10, antiinflamatória, e inibiram a produção das moléculas que agravam a inflamação respiratória. Efeito semelhante foi observado quando as proteínas de Schistosoma mansoni eram injetadas em camundongos com sintomas semelhantes aos da asma, como indica estudo a ser publicado em breve pela equipe da UFBA e da UFMG. Os resultados obtidos até o momento indicam que as equipes de Minas e da Bahia têm em mãos moléculas candidatas a integrar uma vacina de ação dupla, capaz de combater tanto a asma como a esquistossomose. Caso se confirme, essa pode ser uma alternativa mais eficiente e duradoura às tradicionais terapias à base de corticosteróides – inaláveis, administrados por via oral ou injetáveis –, usadas para tratar ou prevenir as crises de falta de ar da asma.“Demos apenas o primeiro passo”, diz Luciana. ■

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> GEOLOGIA

De onde vem a areia das praias Elementos químicos radioativos recontam a história da formação do litoral sudeste

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Quem vê uma montanha de areia em frente a um prédio em construção não imagina que ela esconde segredos de uma época em que as praias começavam a ser formadas por sedimentos arrastados ao sabor da flutuação do nível do mar. É a composição da areia que conta o enredo e o tempo dessa história, como vem descobrindo o físico Roberto Meigikos dos Anjos, da Universidade Federal Fluminense (UFF). Paulistano formado em todos os estágios de graduação na Universidade de São Paulo (USP), Meigikos trocou os laboratórios da capital paulista pela praia fluminense. Em Niterói, seu trabalho começou com a medição da radioatividade natural da areia das praias e avaliação do risco de se usar essa areia na construção civil. Mais recentemente ele e sua equipe passaram a escrever uma espécie de história da formação do litoral brasileiro. PESQUISA FAPESP 138

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Algumas partes da costa norte do Rio apresentam uma concentração de elementos químicos radioativos que podem expor a população a uma dose de radiação natural de três a cinco vezes superior à média mundial, efeito que os pesquisadores costumam chamar de anomalia. O contato ocasional com essa radiação não chega a ser prejudicial para quem freqüenta a praia, mas se essa areia for usada em grande quantidade na construção de uma casa, por exemplo, pode trazer problemas de saúde para seus moradores. É que as pessoas ficam expostas permanentemente à radiação emitida pelos elementos enclausurados nas paredes. Intrigado com o nível de radiação detectado na areia de praias como Guaxindiba, no município de São Francisco de Itabapoana, Meigikos resolveu analisar outros pontos do litoral. Em diversas excursões, muitas vezes usando o seu próprio carro, ele e seus alunos recolheram amostras de areia de 50 praias de um trecho da costa que vai do norte do Espírito Santo ao sul de São Paulo. O alvo então já não eram mais as anomalias propriamente ditas, mas descobrir as origens daqueles sedimentos e os mecanismos que os transportaram até ali.

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studando as correlações entre os elementos químicos radioativos tório, urânio e potássio, os pesquisadores conseguem traçar as propriedades mineralógicas da areia da praia, estimar o tipo de formação rochosa que a originou e dizer se esses sedimentos chegaram ali por ação dos ventos, dos rios ou arrastados pelas águas do oceano. Também permite avaliar se os sedimentos que hoje se depositam na orla marítima permaneceram muito tempo em ambientes terrestres ou ficaram submersos em águas profundas ou rasas. É uma informação

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relevante, uma vez que, no caso brasileiro, as flutuações do nível do mar foram importantes para moldar as planícies costeiras. Aqui as praias começaram a se formar nos últimos 18 mil anos – durante o período geológico Quaternário – e ainda hoje continuam em transformação. Durante esse período houve uma drástica variação no nível do mar, que ora expôs grandes áreas da plataforma continental, ora as deixou submersas. “Esse sobe-e-desce fez o oceano funcionar como um filtro, reprocessando os sedimentos que originam a areia das praias”, conta Meigikos. De modo geral, a areia contém minerais leves, que se espalham nas águas mais superficiais, e pesados, que se concentram no fundo do oceano. As ondas e as correntes marítimas, porém, se encarregaram de reunir em algumas de nossas praias os minerais mais pesados – e também mais interessantes economicamente –, como ilmenita e rutilo, usados para a produção de pigmentos; o zircônio, que abastece a indústria siderúrgica; e a monazita, empregada na confecção de catalisadores. Esses minerais mais pesados contêm altas concentrações de tório e urânio, ao passo que os mais leves, como o quartzo e o feldspato, apresentam alto nível de potássio. Na praia, todos esses minérios estão misturados. A cor da areia costuma ajudar a identificá-los – as mais escuras, num tom entre o vermelho e o preto, sinalizam maior presença de elementos pesados, enquanto a areia clarinha representa elementos mais leves. Só que dizer

Composição química indica origem da areia de Tabatinga e Ubu, no Espírito Santo, Parati, no Rio, e Picinguaba, em São Paulo

o que veio de onde não é tão simples assim. É aí que a técnica de radiometria de Meigikos entra em ação porque a identificação dos elementos radioativos ajuda a determinar o tipo de rocha que originou esses sedimentos.

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epois de analisar a areia de 50 praias, o grupo da UFF calculou a razão entre as concentrações dos elementos tório e urânio e entre tório e potássio das amostras. A primeira proporção ajuda a estimar os principais meios de transporte e o tempo que os sedimentos passaram debaixo d’água. Isso porque uma parte do urânio sofre oxidação e assume uma forma mais solúvel em contato com o ar – portanto, o sedimento que fica muito tempo exposto à atmosfera apresenta menor concentração de urânio –, ao passo que o tório é bastante estável. Como conseqüência do comportamento distinto desses elementos, se a divisão de tório por urânio resultar em um número alto, é sinal de que o urânio passou muito tempo fora d’água e sofreu um intenso processo de oxidação. Meigikos avalia essa relação por meio de uma escala que vai de 0 a 7. Quando o resultado é maior que 7, significa que o sedimento passou muito tempo fora d’água, ou seja, o urânio se oxidou bastante. Entre 2 e 7, passou muito tempo em ambientes de águas rasas, como rios ou lagoas. Resultado menor que 2 indica que o sedimento passou a maior parte do tempo em águas profundas, onde o nível de oxigenação é menor. A relação entre tório e potássio, por sua vez, permite contar outra parte da história. Quase todos os sedimentos que formam a areia da praia provêm da decomposição e da erosão das rochas ao longo de milhares de anos. O enigma, no entanto, é saber como eles chegaram à


ROBERTO MEIGIKOS DOS ANJOS, RICARDO ZORZETTO E JOÃO ALEXANDRINO

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praia. Podem ter sido carregados por ventos e depositados diretamente na praia ou levados por rios até o mar, onde passaram um tempo sendo arrastados de um lado para o outro até se fixarem na praia. Os pesquisadores perceberam que, se a areia contém grande quantidade de potássio, esse sedimento provavelmente veio direto da rocha para a orla. Já se a quantidade de potássio é baixa, passou por várias outras etapas que levaram à decomposição desse elemento químico. Praias com faixa de areia mais estreita, como as da região entre Caraguatatuba, no litoral norte de São Paulo, e Angra dos Reis, no sul do Rio de Janeiro, possuem nível de potássio comparável ao de rochas graníticas. Para Meigikos, é um sinal de que a areia dessa região originou-se principalmente na serra do Mar – cadeia de rochas graníticas muito antigas, formadas há mais de 500 milhões de anos – e foi carregada para a costa pelo vento. Mas há exceções. Em Caraguatatuba e Ubatuba a areia foi arrastada pelos rios e passou muito tempo submersa em águas profundas antes de se depositar nas praias. Em áreas com faixa de areia mais larga, comuns ao norte do Rio e no Espírito Santo, o nível de potássio é consideravelmente mais baixo. A explicação é que a areia dali veio de vastos depósitos de sedimentos que se acumularam entre 65 milhões e 2 milhões de anos atrás a alguns quilômetros do litoral. Rios como o Paraíba do Sul e o Doce transportam esses sedimentos até o oceano, onde permanecem longos períodos antes de chegarem às praias. Mais do que esclarecer pontos da história geológica, a compreensão de como se formaram as praias pode resolver dúvidas sobre como se deu sua ocupação do litoral pelos primeiros brasileiros.

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Compreender a variação dos níveis do mar pode ajudar a entender as condições que propiciaram ou dificultaram a instalação humana do litoral muito antes da chegada dos europeus. Os principais registros arqueológicos da presença de gente na região são os sambaquis, montes de até 30 metros de altura formados por conchas e areia ou terra, construídos ao longo da costa pelos primeiros povos nômades a habitarem o local. Datações feitas nos sambaquis indicam que a região teria sido ocupada há no máximo 6 mil anos, a data mais aceita por arqueólogos e antropólogos. Mas estudos recentes sugerem que os sambaquis podem ter até 8 mil anos.

O

s críticos desses trabalhos alegam que esse valor é improvável porque em teoria os primeiros humanos a habitarem a costa não teriam chegado tanto tempo atrás. Além disso, alegam que o local onde o sambaqui supostamente mais velho foi encontrado, na praia de Camboinhas, em Niterói, estaria completamente embaixo d’água há 8 mil anos. Algumas datações apontam que a restinga sobre a qual está esse monte de conchas tem apenas 5 mil anos. Outras datações feitas em turfas encontradas no fundo da lagoa apontam que havia água doce por ali muito tempo antes, o que tornaria possível a presença de humanos. O uso da técnica de radiometria de Meigikos pode resolver esse impasse. Em parceria com a arqueóloga Tania Andrade Lima, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que identificou o sambaqui de Algodão, em Angra dos Reis, o físico espera responder se Camboinhas estava de fato debaixo d’água. “Vamos usar a correlação entre tório e urânio. Se o resultado for entre 2 e 7 ou superior a 7, é pos-

sível que houvesse gente vivendo ali no período”, explica. Caso o sedimento estivesse em águas profundas, é impossível que o local tenha sido ocupado por seres humanos. Isso porque se acredita que esses grupos eram formados por pessoas que não saíam para caçar e dependiam basicamente de peixes e frutos do mar. Por essa razão é provável que preferissem se estabelecer próximo a regiões de águas rasas, que facilitavam a coleta do alimento.“Aparentemente esses dois locais identificados como os mais antigos eram excepcionalmente favoráveis à ocupação humana”, conta Tania. Meigikos espera não só auxiliar Tânia a resolver esse impasse de Camboinhas, como também explicar, em pareceria com a arqueóloga Ângela Buarque, da UFRJ, por que algumas regiões da costa fluminense não apresentam nenhum sambaqui. “A região dos Lagos é uma das mais ricas nesses montes de conchas, comuns em Búzios, Cabo Frio, Arraial do Cabo e Saquarema. Mas não existe nenhum sambaqui em Araruama”, diz Meigikos. “Os estudiosos sempre se perguntaram por quê. Meu palpite é que essa região, por alguma condição específica da natureza, ficou muito acima ou abaixo do nível do mar, o que pretendemos responder a partir da análise do teor de tório e urânio das areias de lá.” Em última instância esse estudo pode fortalecer a idéia de que os humanos chegaram às Américas muito antes do que se imagina. A descoberta do fóssil Luzia, em Minas Gerais, pelo grupo do antropólogo da USP Walter Neves já jogou a ocupação do interior do Brasil para 11.500 anos atrás, quase 3 mil anos antes do que se pensava. Se os dados de Camboinhas e Algodão se confirmarem, é provável que o litoral já fosse habitado há mais de 6 mil anos. ■

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R ICARD O Z ORZET TO M ARIA G UIMARÃES

E

>

PALEONTOLOGIA

CHAPADAS IMPONENTES BROTAM DO CHÃO E , AQUI E MAIS ADIANTE , INTERROMPEM A PAISAGEM VERDE DO MUNICÍPIO DE

folhas de

pedra

Filadélfia,no norte do estado de Tocantins.Ali,onde as águas escuras do rio Tocantins começam a banhar o Maranhão, criando praias muito procuradas por banhistas,as árvores tortuosas do Cerrado ora cedem espaço para os arbustos mais acanhados e ressequidos da Caatinga,ora desaparecem entre a vegetação exuberante da Floresta Amazônica.Há tempos esse ponto de encontro de três dos principais ecossistemas do país chama a atenção pela variedade singular de plantas e animais que reúne.Mais recentemente voltou a atrair o interesse de pesquisadores brasileiros por conservar marcas de um passado distante do planeta. Numa área de Filadélfia equivalente a 32 mil campos de futebol se espalham pedras bastante preciosas:são caules e folhas petrificadas de samambaias-gigantes que dominaram a paisagem da região cerca de 290 milhões de anos atrás.O que revelam? Que essa região sobre a qual hoje crescem arbustos e árvores esparsas já abrigou uma paisagem bem mais homogênea.No início do período geológico Permiano,que durou de 295 milhões a 250 milhões de anos atrás,essas terras foram cobertas por uma vasta floresta de samambaias que tinham a dimensão de árvores – caule de até 1 metro de diâmetro e 15 metros de altura – e se pareciam com as atuais samambaiaçus (Dicksonia sellowiana),plantas da Mata Atlântica de caule fibroso e folhas rendilhadas que não ultrapassam os 2 metros.Além

Há 290 milhões de anos samambaias-gigantes dominaram a paisagem onde hoje é o Tocantins


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dessas samambaias, o primeiro grupo de plantas a desenvolver vasos para o transporte de água e nutrientes, essa floresta primitiva também abrigava árvores semelhantes a pinheiros e araucárias, mas em menor proporção. Um passeio pelos arredores desse município de apenas 8.500 habitantes deixa evidente a riqueza de fósseis de Filadélfia: facilmente se encontram caules partidos como colunas que se quebraram ao cair e um fino cascalho marrom-acinzentado formado por pedaços de folhas petrificadas que ainda conservam o rendilhado típico das samambaiaçus.“É difícil caminhar por ali sem pisar em um fóssil”, afirma o geólogo Dimas Dias-Brito, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, em São Paulo, que há dois anos vem articulando o trabalho de mapeamento da região e de investigação de seus fósseis em parceria com colaboradores da Unesp, da Universidade Federal do Tocantins (UFT) e do Museu da Natureza de Chemnitz, na Alemanha. A análise inicial dos fósseis já permite classificar essa floresta fóssil – denominada Floresta Petrificada do Tocantins Setentrional e definida em 2000 como unidade de proteção integral – como uma das mais importantes do mundo. O motivo é que ela pode revelar como era aquela vegetação no Permiano. Acredita-se que, nesse período em que os blocos que formam os atuais continentes estavam fundidos no supercontinente Pangéia, uma flora contínua cobria a América do Sul, a Austrália, a África, a Índia e a Antártida – além desta, haveriam outras três floras: na China, na Sibéria e uma última na Europa e América do Norte. Os fósseis estudados pela equipe de Rio Claro, porém, sugerem que a divisão entre essas quatro floras pode ser diferente da que se imaginava. Embora se esperasse que a vegetação primitiva do Paraná fosse semelhante à do Tocantins, uma avaliação inicial sugere que os fósseis de Filadélfia são mais parecidos com exemplares da flora que cobriu a Europa, encontrados em Chemnitz. “Ainda não sabemos explicar as diferenças entre as duas paleofloras do Brasil, uma vez que não há evidências de barreiras físicas as

DIMAS DIAS-BRITO

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A fossilização das samambaias da Floresta Petrificada do Tocantins preservou estruturas internas e externas, como nesta folha

separando no Permiano, o que justificaria que tivessem se tornado tão distintas”, diz a paleobotânica Rosemarie Rohn Davies, da equipe da Unesp, que, com Tatiane Tavares, trabalha na classificação das espécies encontradas em Filadélfia. Dimensões do passado - Uma das razões que tornam os fósseis do Tocantins tão especiais para os pesquisadores é que o processo de fossilização preservou a estrutura tridimensional de folhas, caules e raízes das samambaias, algo raro. O resultado é muito diferente dos fósseis mais comuns, geralmente com estruturas achatadas ou correspondendo a moldes ou impressões que os seres vivos deixaram em rochas. “Nos fósseis de Filadélfia pode-se reconhecer muito bem os contornos originais das células”, diz Rosemarie. Na tentativa de reconstruir com mais precisão o ambiente dessa floresta duran-

te o Permiano, Robson Capretz, aluno de doutorado de Rosemarie, estuda a disposição dos troncos fossilizados em Filadélfia. A posição em que muitos deles foram encontrados – alinhados em uma mesma direção – sugere que tenham sido transportados por rios que banhavam a região. São dados que podem contribuir para se entender a dinâmica do ambiente, algo sobre o que se sabe muito pouco. Pesquisa é apenas parte do que ocorre por ali. Uma parceria entre as instituições científicas e o órgão ambiental do governo do Tocantins, o Instituto Natureza do Tocantins, vem preparando os moradores para ajudar na preservação da área. Segundo o geólogo Ricardo Dias, da UFT, esse é o embrião de uma estrutura que será responsável por fiscalizar os sítios fossilíferos e deverá incluir um centro de visitantes e de treinamento para formação de gestores de conservação. ■

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> BIOLOGIA

Orquestra afinada sem regente

Abordagem integrada do funcionamento do organismo põe em xeque a soberania dos genes C ARLOS F IORAVANTI ,

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REPRODUÇÃO

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DE

O XFORD

specialista em corações, Denis Noble costuma sugerir à rapaziada que comparece às suas aulas e palestras na Universidade de Oxford: “Para mudar o nível de expressão de seus genes, vão ao teatro e se deixem levar por uma paixão. Alguns dias depois, o nível de expressão de seus genes estará diferente. Além disso, vocês estarão mais felizes!” Aos 70 anos, gentil e atencioso, Noble é uma das principais autoridades mundiais a questionar os limites do determinismo genético – a visão predominante da biologia, segundo a qual o surgimento, o desenvolvimento e o destino de qualquer organismo dependem essencialmente das seqüências da molécula de DNA conhecidas como genes. “Nós nos tornamos incapazes de ver os sistemas vivos de qualquer outro modo”, diz Noble, que leciona e pesquisa fisiologia cardiovascular em Oxford. Tanto nas conferências quanto em seu livro mais recente, The music of life – biology beyond the genome (Oxford University Press), publicado no ano passado na Inglaterra e este ano na França, ele faz um convite: abdicar da obsessão pelos genes e olhar para os níveis mais elevados de organização dos organismos vivos, em busca de uma compreensão mais ampla da natureza. The music of life oferece um contraponto à visão de que as instruções para o desenvolvimento de cada ser vivo residem em seus genes, apresentada por

Jacques Monod e François Jacob, prêmios Nobel de Medicina de 1965. Essa idéia criou pernas por meio de um livro de 1976, O gene egoísta, no qual outro biólogo inglês, Richard Dawkins, descreve o gene como uma entidade autônoma e o corpo como um prisioneiro de suas ordens e caprichos. “O gene egoísta é uma metáfora que tenta convencer os leitores de uma verdade, não uma verdade científica”, comenta Noble. Como Dawkins, ele se vale de metáforas que também não podem ser demonstradas cientificamente para expor os conceitos-chave da biologia de sistemas, uma área de estudos que privilegia a integração em vez da separação, a visão de conjunto em vez da visão sobre as partes. Criada por cientistas como o sul-africano Sydney Brenner, Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 2002, e pelo próprio Noble, a biologia de sistemas nasce da biologia clássica e da fisiologia, com doses generosas de matemática e de ciência da computação. É esse embasamento matemático que permite a aproximação entre os diversos planos de funcionamento dos organismos. Foi o que Noble fez, por exemplo, em um artigo publicado em 2002 na BioEssays ao integrar modelos matemáticos de células com modelos de tecidos e do próprio coração. Noble reconhece: já foi um reducionista de carteirinha – e com bons resultados. Estudou o funcionamento dos canais por onde o cálcio entra e sai das céPESQUISA FAPESP 138

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UNIVERSIDADES DE OXFORD E DE AUCKLAND

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Para entender o coração Noble, biólogos matemáticos e bioengenheiros simularam o efeito da pressão do sangue sobre as artérias coronárias e suas ramificações (em azul os momentos de menor pressão, em vermelho os de maior)

lulas dos músculos do coração e criou o primeiro modelo matemático do funcionamento do coração humano, publicado em 1960 na Nature. Mas depois concluiu que alguns fenômenos do coração não poderiam ser entendidos apenas por meio de genes, de proteínas ou de células, já que resultavam da interação de muitas células em um nível mais amplo. Começou então a abrir o olhar em busca de resultados mais eloqüentes.

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oble tem trabalhado nos últimos anos no coração virtual, um modelo de computador que reúne o conhecimento sobre o funcionamento dos genes, das células e dos músculos cardíacos. Por meio do coração virtual torna-se um pouco mais fácil entender melhor, por exemplo, o efeito de mutações genéticas, das arritmias ou do infarto.“A integração bem-sucedida no nível sistêmico deve ser construída sobre o reducionismo bem-feito, mas a redução, por si só, não é suficiente”, comenta. Em uma das metáforas de seu livro, ele alerta: “Se todos colocarmos o nariz perto do quadro, ninguém verá a pintura maior”. Seu colega Eric Werner, outro professor de Oxford especializado em biologia de sistemas, trabalha com simulações de computador em um contexto multicelular dinâmico para estudar o crescimento de tumores e a ação de medicamentos sobre o organismo. Segundo ele, análises integradas do organismo podem alertar para interações indesejáveis dos fármacos com outros órgãos ou tecidos que não aqueles que se pretende tratar. Além dos desafios científicos, Noble e Werner apreciam o diálogo entre

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especialistas de áreas diferentes. Tempos atrás Werner reuniu em Oxford físicos, matemáticos, economistas, biólogos, fisiologistas e especialistas em computação, que descreveram os problemas que gostariam de resolver e levantaram as possibilidades de trabalho em conjunto. “Por ser ampla e apresentar poucos limites previamente definidos, a biologia de sistemas é atraente para qualquer um que tem pensado sobre a vida e tem alguma especialização técnica”, comentou Werner em março deste ano na Nature. Em Music of life, o mais poético dos livros recentes sobre biologia de sistemas, Noble vê o genoma, o conjunto de genes de um organismo, como um órgão gigantesco, com 30 mil tubos. Cada tubo corresponde a um gene e as formas como são acionados confere ao órgão imensas possibilidades de variação de intensidade, tonalidade e efeitos das notas musicais. Como em uma peça em que o organista aciona muitos tubos ao mesmo tempo, muitos genes – talvez até mesmo 10 mil genes, o equivalente a um terço do genoma – são expressos ao mesmo tempo em órgãos como o cérebro, o coração e o fígado. Mas quem é o músico, o compositor e o regente? “Não há um só organista”, comenta Noble.“O organista consiste de redes regulatórias de interações em todos os níveis, dos mais altos aos mais básicos, incluindo redes que integram genes a eles mesmos. Não há componentes privilegiados contando aos outros o que fazer. Há, sim, uma forma de democracia, com todos os elementos em todos os níveis tendo a chance de ser parte da rede regulatória. A mão coordenadora não é tan-

to um regente. Ou talvez devêssemos pensar em um regente virtual – o sistema se comporta ‘como se’ ele próprio fosse o regente. Os genes se comportam como se pensassem que estão sendo tocados por esse maestro. A orquestra da vida funciona sem um regente.” Para ele, os genes representam apenas uma base de dados por meio da qual os organismos podem ser reconstruídos. “O livro da vida é a própria vida, que não pode ser reduzida a apenas uma de suas bases de dados, o genoma.” Noble lembra que o DNA – inegavelmente importante por transmitir informações sobre os organismos para as gerações seguintes – é relativamente passivo se comparado às proteínas, as moléculas realmente ativas no desenrolar da vida.

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DNA passivo? Sim; em primeiro lugar, porque não sai do núcleo da célula. Em segundo lugar, porque não é ele em si que importa, mas a leitura que a maquinaria celular faz dele. De vez em quando a célula copia a seqüência de que precisa de modo a produzir as proteínas, que por sua vez vão formar as células, os tecidos, os órgãos e o organismo todo – eis a expressão do gene. “O DNA não faz nada fora do contexto da célula que contém esses conjuntos de proteínas, do mesmo modo que o CD não faz nada sem o toca-CDs.” Para Noble, dizer que o DNA é o senhor absoluto da vida é como dizer que um CD é que causa o prazer de ouvir uma música de Schubert e ser capaz de levar alguém às lágrimas: “O efeito da música depende evidentemente de Schubert, mas também dos músicos, que to-


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“Não há um nível privilegiado em biologia de sistemas que dita todo o resto.” Problemas resolvidos em um plano de organização não estão a priori resolvidos em outros planos

componentes dos sistemas”, diz ele. “Nem há um nível privilegiado em biologia de sistemas que dita o resto.” Em termos práticos, problemas resolvidos em um plano de organização não estão a priori resolvidos em outros planos.

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CARLOS FIORAVANTI

caram com técnica e inspiração, e do contexto emocional em que a música é apreciada, da companhia e do significado desse episódio na vida de cada um”. Segundo ele, se quiséssemos identificar um autor da ação, seriam os mecanismos biológicos que lêem o DNA. Noble procura desfazer a idéia de que a cadeia de desenvolvimento de um ser vivo segue um sentido único: os genes levando à produção de proteínas, que vão constituir as células e tecidos como pele, ossos e músculos; por sua vez os tecidos vão formar os órgãos e todos juntos, com os sistemas imune e hormonal, formar o ser completo. O caminho da informação – a causalidade – pode ser de mão dupla, já que o ambiente tanto celular quanto externo determina em que medida os genes vão se expressar. Um dos princípios da biologia de sistemas é exatamente este: as instruções que levam à formação do organismo resultam de relações de baixo para cima, de cima para baixo e também laterais – enfim, de todas as direções. A vida resultaria dessa intrincada rede de conexões e feedbacks entre genes, proteínas, órgãos, corpo e ambiente. Cada nível de organização consiste de uma rede integrada com uma lógica própria – e as relações de causa e efeito que regulam um não regulam outro. “Não é possível entender essa lógica simplesmente investigando a propriedades dos

Um biólogo que também é músico: “Somos inclinados a ignorar a complexidade”

or essa razão é que esse professor de Oxford tem olhado com ceticismo para os relatos sobre genes vistos como os responsáveis pelos mais variados tipos de câncer ou pela origem do comportamento criminoso. Pode ser arriscado associar um gene como o responsável por uma doença qualquer porque também os fragmentos de genes podem se combinar de muitas formas e ter mais de uma função. Além disso, muitos genes cooperam para formar proteínas, que também agem em conjunto ao cumprirem funções biológicas em níveis mais altos de organização – da regulação dos batimentos cardíacos à secreção de insulina pelo pâncreas. Só que as proteínas se integram de modo muito mais complexo que o dos genes. “Somos inclinados a ignorar a complexidade, que é desconfortável”, diz Noble. Mas esse caminho de integração representado pela biologia de sistemas pode mostrar como aproveitar o conhecimento acumulado nas últimas décadas. O fato de os benefícios à saúde demorarem a aparecer, segundo ele, tem a ver sobre como as escalas pequenas se relacionam com as escalas maiores.“Sabemos muito sobre mecanismos moleculares. Agora o desafio é estender esse conhecimento a escalas mais amplas.” Além de gostar muito de música, Noble é um lingüista amador e às vezes faz discursos em francês, occitano e limosino, dois dialetos da França, além de italiano, japonês, coreano e maori. Em uma conferência no Balliol College, onde ele leciona (e Dawkins estudou zoologia), Noble reuniu as duas paixões ao tocar no violão e cantar uma canção em gascão, outro dialeto francês, mostrando a letra para que todos pudessem acompanhar e cantar juntos. Semanas depois, no Exeter College, a palestra foi ainda mais refinada. Palestra ou recital? Em alguns momentos o suíço Christoph Denoth, músico residente do Balliol College, tocou violão suavemente enquanto Noble falava à espera das dúvidas da platéia. Denoth e Noble fecharam a apresentação juntos, tocando Bach. ■ PESQUISA FAPESP 138

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Biblioteca de Revistas Científicas disponível na internet www.scielo.org

Notícias

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Agricultura

do Piauí e da Bahia.Para os dados consolidados em escala nacional,o maior desvio observado foi de 5,81%,na safra 2000/2001,e o menor de 0,62% na safra 2005/2006.

Previsão de safra O trabalho “Sistema de previsão da safra de soja para o Brasil”baseou-se em modelos empíricos regionalizados para estimativa da produtividade da soja,a partir de um banco de dados de área cultivada em escala municipal e de um sistema de monitoramento agrometeorológico de abrangência nacional.Os autores são Eduardo Delgado Assad,Fábio Ricardo Marin,Silvio Roberto Evangelista e Felipe Gustavo Pilau,da Embrapa Informática Agropecuária,de Campinas,José Renato Bouças Farias,da Embrapa Soja,de Londrina,e Hilton Silveira Pinto, Jurandir Zullo Júnior,do Centro de Ensino e Pesquisa em Agricultura, de Campinas.Os modelos incorporam a base conceitual proposta por Doorenbos & Kassam,com ajustes empíricos para cada região do Brasil,considerandose as diferenças quanto ao potencial produtivo das principais variedades e as peculiaridades dos sistemas de produção utilizados nas diferentes regiões.A base de informações de área cultivada de cada estado foi constituída por dados provenientes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).A produção de soja,entre as safras 2000/2001 e 2005/2006,foi estimada e comparada com os levantamentos da Conab.A análise estatística pelo teste t indica não haver diferença entre as estimativas e os dados oficiais.Bons ajustes foram obtidos para as produções regionalizadas,com desvios mais expressivos nos estados do Rio Grande do Sul,de Santa Catarina,Mato Grosso do Sul,do Maranhão,

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PESQUISA AGROPECUÁRIA BRASILEIRA – V. 42 – Nº 5 – BRASÍLIA – MAIO 2007 www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo138/agricultura.htm

Fisiologia

A sede é suficiente? USDA

A Bireme/OPAS/OMS participou do seminário internacional Controle de Qualidade das Revistas Científicas, organizado pelo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (Concytec) e pela Representação da Organização Pan-americana no Peru. Regina Castro, coordenadora da unidade de Comunicação Científica em Saúde (CCS), fez a apresentação “Uso de dados estatísticos da SciELO na avaliação e gestão de revistas”. O tema foi solicitado pelos organizadores.

O objetivo deste estudo é fazer uma revisão sobre a hidratação e discutir se,durante o exercício,a reposição de líquidos de acordo com a sede é suficiente para hidratar o indivíduo.O título do trabalho é “Hidratação durante o exercício:a sede é suficiente?”,de autoria de Christiano Antônio Machado-Moreira,Ana Carolina Vimieiro-Gomes,Emerson Silami-Garcia e Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues,da Universidade Federal de Minas Gerais.A perda hídrica pela sudorese induzida pelo exercício,especialmente realizado em ambientes quentes,pode levar à desidratação,alterar o equilíbrio hidroeletrolítico, dificultar a termorregulação e,assim,representar um risco para a saúde e provocar uma diminuição no desempenho esportivo.Tem sido citado que os atletas não ingerem voluntariamente água suficiente para prevenir a desidratação durante uma atividade física.Em razão disso são propostas recomendações internacionais sobre a hidratação: segundo o American College ofSports Medicine (ACSM),deve-se ingerir aproximadamente 500 militros (ml) de líquidos nas duas horas antecedentes ao exercício.Durante o exercício,os atletas devem começar a beber desde o início e em intervalos regulares,em volume suficiente para repor as perdas pela sudorese ou o máximo tolerado. A National Athletic Trainer’s Association (Nata) faz as seguintes recomendações:ingerir 500 a 600 ml de água


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ou outra bebida esportiva duas a três horas antes do exercício e 200 a 300 ml dez a 20 minutos antes do exercício; durante o exercício, a reposição deve aproximar as perdas pelo suor e pela urina e pelo menos manter a hidratação, com perdas máximas correspondentes a 2% de perda de peso corporal; após o exercício a hidratação deve ter como objetivo corrigir quaisquer perdas líquidas acumuladas. Além disso, o ACSM e o Nata fazem referências sobre temperatura e palatabilidade do líquido, adição de carboidratos e eletrólitos de acordo com a intensidade e duração do exercício e estratégias de hidratação para facilitar a acessibilidade do atleta ao líquido. No entanto, outros autores questionam o uso da reidratação em volumes predeterminados e sugerem que a ingestão de líquidos de acordo com a sede seja capaz de manter o equilíbrio fisiológico. REVISTA BRASILEIRA DE MEDICINA NO ESPORTE – V. 12 – Nº 6 – NITERÓI – NOV./DEZ. 2006 www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo138/fisiologia.htm

Biomedicina

Obesidade em pauta A cultura ocidental valoriza a magreza, embasada principalmente pelas descobertas da biomedicina, que acabou por transformar o corpo gordo em sinônimo não apenas de falta de saúde, mas também de um “corpo desumanizado”, um caráter pejorativo de falência moral. Assim, a pesquisa “O gordo em pauta: representações do ser gordo em revistas semanais”, de Nara Sudo, da Rede Metodista de Educação do Sul, Porto Alegre, e Madel T. Luz, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, teve por objetivo analisar as representações sociais sobre ser gordo por meio de uma análise qualitativa e interpretativa de 14 reportagens que foram capas de duas revistas semanais brasileiras: Veja e IstoÉ, entre os anos de 1997 e 2002. O artigo privilegiou a utilização do conceito de representações sociais, tal como é utilizado pelas ciências sociais, por permitir compreender por que algumas questões – no caso, o indivíduo ser gordo – ganham visibilidade em um determinado momento. Sobressaíram das análises que as revistas destacam depoi-

mentos baseados no saber científico e biomédico que legitimam a escolha de um tipo de corpo caracterizado como supostamente “ideal”, por ser considerado sinônimo de saúde, felicidade e alegria: o magro. Assim, um cerco à gordura é declarado e estratégias de “luta” são formuladas, recaindo, em última análise, sobre o ser gordo. CIÊNCIA & SAÚDE COLETIVA – V. 12 – Nº 4 – RIO DE JANEIRO – JUL./AGO. 2007 www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo138/biomedicina.htm

Veterinária

Vida de cachorro Com o objetivo de avaliar a expectativa de vida dos cães na área metropolitana de São Paulo e as causas relacionadas com a morte destes, foram analisados dados correspondentes a 2.011 animais provenientes de um hospital veterinário universitário, de clínicas particulares, de canis e de proprietários particulares. A idade mediana de sobrevivência dos animais foi de 36 meses. Os animais de porte médio, grande e gigante apresentaram maior longevidade que os cães de porte pequeno. As fêmeas viveram mais que os machos e os animais castrados viveram mais que os não-castrados. Não houve diferença na expectativa de vida entre os animais de raça pura e os animais sem raça definida. Constatou-se que as causas mais importantes de mortalidade foram, em ordem decrescente de ocorrência, as doenças infecciosas, as neoplasias e os traumas. Pode-se concluir que a expectativa de vida dos cães foi menor que a observada na literatura internacional e que as doenças infecciosas constituem a principal causa de óbito. O estudo foi apresentado no artigo “Expectativa de vida e causas de morte em cães na área metropolitana de São Paulo (Brasil)”, de Henri Donnarumma Levy Bentubo, da Universidade de São Paulo (USP), Maurício Angelo Tomaz, da Universidade Paulista (Unip), Eduardo Fernandes Bondan, da Unip, e Maria Anete Lallo, da Unip e da Universidade Metodista de São Paulo.

FOTOS MIGUEL BOYAYAN

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CIÊNCIA RURAL – V. 37 – Nº 4 – SANTA MARIA – JUL./AGO. 2007 www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo138/veterinaria.htm

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> TECNOLOGIA

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MUNDO

> Biocombustível de frutose

LEDs da iluminação Novas linhagens de LEDs, diodos emissores de luz, foram anunciadas pela empresa alemã Osram Opto Semicondutores. Eles são dispositivos que emitem luz branca e fria com mais capacidade de iluminação e de tamanho muito menor que as lâmpadas comuns. A linha Ostar Lighting, por exemplo, ultrapassou a barreira dos mil lúmens, o que significa uma luminosidade maior que uma lâmpada halógena de 50 watts, tipo comum em vitrines de lojas e que produz calor. O segredo desses LEDs está nos chips montados em forma de filmes finos. No caso da Lighting, que tem prevista a sua entrada no mercado ainda este ano, são seis chips de 1 milímetro quadrado (mm2) que geram energia para o LED emitir alta luminosidade. Ou-

Um composto obtido a partir da frutose produz 40% mais energia do que o etanol. O combustível obtido pela equipe coordenada por James Dumesic, da Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos, é o 2,5dimetilfuran (DMF). Ele tem densidade energética maior do que o etanol e não é solúvel em água, o que evita contaminação. A técnica foi concebida a partir de trabalhos anteriores do time de pesquisadores. Em 2006, a equipe de Dumesic aprimorou o processo de obtenção de hidroximetilfurfural (HMF) – um composto utilizado na indústria de plásticos, drogas e combustíveis – a partir de frutose ou de glucose, açúcares encontrados em grande variedade de plantas. Os pesquisadores desenvolveram um processo para converter o HMF em DMF. Contudo, eles alertam que ainda é cedo para a difusão da tecnologia porque o impacto do DMF sobre o ambiente e a saúde ainda não foi amplamente estudado.

tra linha da empresa é a automotiva. Um carro conceito, o GTC da Opel, marca da General Motors na Europa, foi dotado de LEDs, tanto no interior como no exterior. Os LEDs são fáceis de moldar e podem ser usados em várias funções nos veículos. Segundo a empresa, os LEDs duram 50 mil horas, tempo suficiente para a vida de um carro. Atualmente, os diodos luminosos são comercializados com luzes brancas ou azuis. Começam a ser encontrados em painéis de publicidade, em scanners e máquinas de fotocópias.

LED com chips da linha Ostar e o Opel GTC

é a milionésima parte de 1 milímetro). O dispositivo criado pela equipe de Peidong Yang, da Universidade da Califórnia (EUA), é feito de um material inorgânico chamado niobato de potássio (KNbO3) capaz de alterar a freqüência de um feixe de luz. Eles utilizaram uma pinça óptica – um aparelho que usa feixes de laser para manipular

> Lanterna

OSRAM

nanoscópica

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Uma ínfima fonte de luz capaz de obter imagens em alta resolução de estruturas em escala nanométrica foi criada por pesquisadores de instituições norteamericanas e japonesas. Eles desenvolveram um nanofio que funciona como uma lanterna do tamanho de poucos nanômetros (1 nanômetro

objetos microscópicos – para segurar o nanofio e fazer imagens de uma estrutura nanométrica. Essa técnica pode ajudar a quebrar uma barreira importante no campo da nanotecnologia. Normalmente, é impossível obter imagens com resolução inferior ao comprimento de onda da luz utilizada, algo que o nanofio é capaz de


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fazer. Como o aparato não precisa de eletrodos ou circuitos eletrônicos convencionais, ele pode ser utilizado em tecidos vivos sem risco de danos ao organismo. Além do potencial de ser uma ferramenta para obter imagens de organismos vivos, a técnica pode ter uso ainda na transmissão e processamento de informação (Nature de 28/06/2007).

> Chips para TVs digitais A crescente interatividade de meios de comunicação exige uma constante. Os celulares que sintonizam canais de TV digital já começam a se tornar comuns no Japão, na Coréia do Sul e em breve, estarão em todo o mundo. Mas como fazer para, em viagens, sintonizar a TV digital do país visitado? A Samsung Electronics sai na frente e anunciou que desenvolveu um par de chips capaz de decodificar sistemas digitais de TVs européias, japonesas e coreanas. Os chips também poderão ser usados em laptops, palms e qualquer outro equipamento móvel. Com estruturas nanométricas, o chip começará a ser produzido em massa a partir deste final de ano.

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elétricas movidas a carvão. A tecnologia não é exatamente uma novidade, mas havia dúvidas sobre o risco de o material liberar no ar pequenas partículas de mercúrio. Testes realizados numa câmara fechada mostraram que, ao contrário do que se suspeitava, os tijolos absorvem o mercúrio presente na atmosfera. Os pesquisadores ainda estão tentando entender como isso ocorre. O fato é que a descoberta abre espaço para a viabilidade comercial do novo produto. Anualmente, cerca de 25 milhões de toneladas de cinza de carvão são liberadas por centrais elétricas. Elas são recicladas e usadas, principalmente, como

> Hidrogênio

aditivo a materiais de construção, como concreto, mas outros 45 milhões de toneladas vão para o lixo. O novo tijolo vai reutilizar um resíduo ambiental e, indiretamente, reduzir o impacto no ambiente causado pela fabricação de tijolos convencionais, que precisam, na produção, de altas temperaturas. A empresa é Freight Pipeline Company, criada pelo engenheiro Henry Liu, ex-professor da Universidade do MissouriColúmbia, e financiada pela Fundação Nacional de Ciência, NSF na sigla em inglês, dentro do programa Small Business Innovation Research (Sbir) de apoio a pequenas empresas.

da Islândia

> Tijolos Uma empresa norteamericana do estado do Missouri está próxima de começar a fabricar em escala comercial tijolos feitos da cinza expelida por centrais

ILUSTRAÇÕES LAURABEATRIZ

de cinza

A Islândia poderá se tornar o primeiro país com economia totalmente baseada em hidrogênio no ano de 2050. A nação do norte da Europa é uma ilha com extensão um pouco maior que o estado de Pernambuco e possui 300 mil habitantes. Para a empreitada inédita, o país está se tornando um banco de teste de tecnologias que produzem e transformam o hidrogênio em energia elétrica para uso geral. Um ponto favorável para esse caminho energético é o fato de a Islândia se manter hoje com 95% de energia geotérmica, que vem do interior da Terra em forma de gêiseres, usada no aquecimento de ambientes e água, o que representa 20% das necessidades energéticas do país. Nos campos geotermais existe farta presença de sulfeto de hidrogênio, um gás expelido pelos gêiseres. Pesquisadores da Universidade da Islândia já testam um sistema para converter essas emissões em hidrogênio. A energia geotermal também pode ser usada para gerar eletricidade e produzir hidrólise, a forma mais conhecida de obtenção de hidrogênio. Além de um sistema experimental de ônibus movido a esse gás, o país tem atraído empresas como Shell, DaimlerChrysler e General Motors, que testam veículos e sistemas de abastecimento com hidrogênio, como mostrou a revista bimestral The Fuel Cell Review, edição de junho e julho.

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BRASIL

> TECNOLOGIA

LINHA DE PRODUÇÃO

Um jato executivo

> Inspeção esperta Um exemplo da transferência do conhecimento obtido na universidade para uma empresa está na InventVision, de Belo Horizonte, Minas Gerais. O fundador e diretor de tecnologia da empresa, Luiz Fernando Etrusco Moreira, se inspirou em seu doutorado na Faculdade de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) para criar uma câmara para inspeção óptica automática em processos industriais. Ele montou a empresa na incubadora Inova, da UFMG, em 2003. “Hoje o produto está maduro, a câmera está acoplada a um sistema maior de inspeção, e funciona em indústrias dos setores metalúrgico, automobilístico e eletroeletrônico”, diz Moreira. A câmera detecta

medidas de peças mecânicas, como engrenagens de câmbio, cores de produtos, verifica ausência de componentes etc. Ela capta, processa, aciona alarmes, se necessário, e até indica a expulsão de produtos da linha de montagem.

INVENTVISION

Câmera analisa processos industriais e detecta medidas, cores e presença de peças 64

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do jato da família é o Phenom 300, com capacidade para nove ocupantes, com alcance de 3.334 quilômetros e possibilidade de atingir a altitude de 13.716 metros. As entregas começam em 2009 e será mais caro: US$ 6,65 milhões na configuração básica. Para garantir a segurança, os dois jatos contam com um sistema brake-bywire com funcionalidade antiderrapante. O projeto das duas aeronaves foi desenvolvido por mais de 400 engenheiros da Embraer, nos últimos dois anos.

Phenom 100: pronto para os primeiros vôos

EMBRAER

O primeiro protótipo de vôo de uma nova família de jatos da Embraer está pronto. É o Phenom 100 que transportará quatro passageiros na configuração executiva típica. A aeronave está equipada com dois motores e atingirá 2.148 quilômetros sem reabastecimento. É capaz de voar a uma altitude de 12.497 metros e está projetado para decolar em pista curta. Custará US$ 2,85 milhões, na configuração básica, e os primeiros exemplares comerciais deverão ser entregues em 2008. O segun-

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> Algodão vermelho Pesquisadores do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) cruzaram duas linhagens de algodão – a Texas Red e a IAC 87/544 – e geraram uma terceira variedade, de caules e ramificações na cor vermelha, mas com características e qualidades das anteriores. O algodão vermelho repele pragas como o bicudo, um problema da cotonicultura, porque esses insetos não

reconhecem a cor vermelha e rejeitam o vegetal. Da norteamericana Texas Red, a nova variedade herdou a cor, porque apresenta baixa produtividade. Do IAC 87/544, herdou a resistência a alguns tipos de nematóides, ao fungo murcha de fusarium e à doença ramulose, também provocada por fungos. Assim, o plantio dispensa uso pesado de agrotóxicos. As primeiras pesquisas com o algodão vermelho começaram em 1991. Mesmo com caules vermelhos, a fibra continua branca.


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> Máquinas

MIGUEL BOYAYAN

A necessidade de armazenamento e a troca de grande quantidade de dados fazem nascer, após o advento da internet, uma outra rede. É o grid, um sistema para processar, compartilhar e trocar dados por agrupamentos de vários computadores em conexão num mesmo local ou ligado a outro grupo, em outro prédio, em qualquer parte do mundo. Por enquanto, ele é mais usado para processar e trocar dados científicos. Uma explicação detalhada, em linguagem acessível, sobre esse novo recurso computacional está no livro Da Internet ao

Grupo de computadores

Grid: a globalização do processamento, dos professores Sérgio Novaes, do Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (Unesp), e Eduardo Gregores, da Universidade Federal do ABC. Eles trabalham em conjunto, via grid, com dois laboratórios de aceleradores de partículas, o Fermilab, nos Estados Unidos, e o Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern), na Suíça. O livro faz parte da série Novas Tecnologias da coleção Paradidáticos da Editora Unesp.

BIOTECH

compartilhadas

Eletricidade do campo

> Luz de capim A primeira usina geradora de eletricidade a partir de capim será instalada em São Desidério, município baiano. O projeto será desenvolvido pela Dedini Indústrias de Base para a Sykué Bionergya Eletricidade e está orçado em R$ 80 milhões. O contrato para a construção do empreendimento foi assinado durante o Simpósio Internacional e Mostra de Tecnologia da Indústria Sucroalcooleira (Simtec), em Piracicaba, no dia 17 de julho. A usina deverá entrar em operação até dezembro de 2008 e terá capacidade de geração de 30 megawatts (MW). A matéria-prima será o capim-elefante, com alta capacidade de transformar a energia solar em matéria celulósica, por meio de um ciclo de produção limpo, renovável e economicamente viável, segundo a empresa.

quilômetros e permaneceu em ambiente de microgravidade por um período de 6,2 minutos no dia 19 de julho, até cair no oceano. Foi o quarto vôo, todos bem-sucedidos, desse foguete desenvolvido pelo Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE) em parceria com a Agência Espacial Alemã. Ele foi lançado do Centro de Lançamentos de Alcântara, no Maranhão, e o sucesso não se estendeu à carga que transportava, pertencente ao Programa de Microgravidade da Agência Espacial Brasileira (AEB). Chamada de Operação Cumã II, o VSB-30 levou nove experimentos científicos. Durante a queda, oscilações no sinal de telemetria, via rádio, dificultaram o resgate da carga no mar. Pelo mesmo

sistema, foi possível obter dados de experimentos do IAE e do Instituto de Estudos Avançados, da Universidade Estadual de Londrina e da Universidade Federal de Santa Catarina, além de visualização, por câmera instalada dentro do módulo de carga, da propagação de ondas de gel, um estudo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares e da Universidade de Hohenheim, da Alemanha. Foram prejudicados os experimentos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Centro Universitário da FEI, de São Bernardo do Campo (SP), Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e Universidade Federal de Pernambuco. AGÊNCIA ESPACIAL BRASILEIRA

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> Foguete na microgravidade Sobre o mar do Maranhão, o foguete brasileiro VSB-30 subiu a uma altitude de 242

O VSB-30 voou até a altitude de 242 km e caiu no mar PESQUISA FAPESP 138

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IMAGENS INPE

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Brasília

Pequim

Manaus

São Luís

Rio Paraná

Porto Alegre


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>

TECNOLOGIA

ESPAÇO

Visão privilegiada Brasileiros e chineses preparam-se para lançar o terceiro satélite do programa Cbers Y URI VASCONCELOS

N

o início de setembro os olhos de todos os engenheiros e técnicos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) estarão voltados para a China. Eles estarão acompanhando, muitos naquele país, o lançamento do terceiro Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres (Cbers, de China-Brazil Earth Resources Satellite), produzido em cooperação entre o Brasil e a China. O artefato subirá ao espaço a bordo do foguete Longa Marcha 4B, a ser lançado do Centro de Lançamento de Satélites de Taiyuan, na província chinesa de Shanxi, a 800 quilômetros da capital Pequim. O novo satélite, batizado de Cbers-2B, é quase uma réplica do anterior, o Cbers-2, que está em órbita desde 2003, em plena operação, e já ultrapassou sua vida útil, estimada em dois anos. O lançamento é mais um passo do programa Cbers que teve início em 1988, com a assinatura de um protocolo de cooperação entre o governo dos dois países para o desenvolvimen-

to, fabricação, testes, lançamento e operação em órbita de dois satélites de sensoriamento remoto, idênticos entre si. O primeiro deles, o Cbers-1, foi lançado em outubro de 1999 e deixou de funcionar em agosto de 2003, sendo substituído pelo Cbers-2. Em novembro de 2002 um novo protocolo foi assinado para dar continuidade ao programa com a construção e o lançamento de mais dois satélites, Cbers-3 e 4. O programa Cbers permite ao Brasil fazer parte do seleto grupo de nações capazes de coletar imagens da Terra e monitorar seu próprio território. O país é responsável por 30% da produção dos equipamentos e componentes do satélite 2B, tarefa que envolveu 12 empresas brasileiras, todas de médio e pequeno porte. Nos dois próximos satélites a participação brasileira sobe, como está previsto em contrato, para 50%, meio a meio com os chineses. “O Cbers-2B foi construído com peças sobressalentes de seu antecessor e será lançado para cobrir uma lacuna e

Acima, esquema artístico do lançamento do foguete Longa Marcha e os estágios de soltura do satélite no espaço com a abertura do painel solar. Na página ao lado, imagens de regiões do Brasil e de Pequim, a capital chinesa PESQUISA FAPESP 138

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Painel solar produzido pela empresa Orbital e responsável pelo fornecimento de energia ao satélite

evitar a descontinuidade do serviço de fornecimento de imagens do programa, porque o próximo satélite da série só deverá ir ao espaço dentro de dois anos”, diz o engenheiro eletrônico Ricardo Cartaxo, coordenador do programa Cbers no Inpe, órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) responsável pelo programa no país. Segundo Cartaxo, a reutilização de boa parte dos projetos de subsistemas – as diversas partes que um satélite é dividido – desenvolvidos para o Cbers-2 permitiu a redução no tempo necessário para o seu lançamento e, ao mesmo tempo, economia no custo de fabricação. O investimento brasileiro foi de US$ 15 milhões, incluindo o valor do lançamento, enquanto o custo total dos dois primeiros satélites chegou a US$ 118 milhões para o Brasil. Distribuição gratuita – Uma caracterís-

tica importante dos satélites de sensoriamento remoto Cbers é o fato de serem dotados de várias câmeras para observação de todo o globo terrestre, com diferentes resoluções espaciais e bandas 68

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espectrais (ondas eletromagnéticas captadas do solo), além de um sistema de coleta de dados ambientais. As imagens são utilizadas em várias aplicações, como controle do desmatamento e queimadas na Amazônia, monitoramento de recursos hídricos e de áreas agrícolas, acompanhamento do crescimento urbano e da ocupação do solo. A distribuição é gratuita e foi adotada em junho de 2004. Cerca de 340 mil imagens do território nacional geradas pelo Cbers-2 já foram distribuídas sem custo para 15 mil usuários de 1.500 instituições brasileiras, entre elas universidades, institutos de pesquisa, órgãos públicos, organizações nãogovernamentais e empresas privadas. “Somos os maiores distribuidores de imagens gratuitas de satélites no mundo”, afirma Cartaxo. Em maio de 2006 o Inpe passou a oferecer, também sem custos, imagens para países da América do Sul localizados na área de abrangência da estação de recepção e gravação de dados da instituição situada em Cuiabá, em Mato Grosso. “Com o 2B pretendemos começar a distribuir imagens gratuita-

mente para os países africanos. Mas para isso é preciso fazer adaptações em estações receptoras localizadas na África do Sul e nas Ilhas Canárias, no norte da África”, diz o engenheiro do Inpe. Com a órbita em volta da Terra sincronizada com o Sol, que permite a obtenção das imagens a uma altitude de 778 quilômetros (km), o Cbers-2B cruzará a linha do Equador sempre às 10h30 da manhã, o que permitirá a comparação das imagens feitas em dias diferentes. Ele fará 14 revoluções em torno da Terra a cada 24 horas e conseguirá obter a cobertura completa do planeta em 26 dias. Isso é possível porque ele faz um giro em torno da Terra em 100 minutos e cobre, em cada passagem no sentido norte-sul, uma faixa de cerca de 120 km. Com a Terra girando em torno de si uma volta por dia, na próxima passagem, 100 minutos depois, um ponto na linha do Equador terá percorrido 2.700 km. Ao fim de 26 dias tudo será coberto, embora algumas câmeras tenham resolução menor, de até 27 km de faixa, e aumentem o tempo para fotografar todo o planeta.

ORBITAL

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A principal novidade do satélite será uma nova câmera pancromática de alta resolução (High Resolution Camera – HRC), que produz imagens com boa nitidez de uma faixa de 27 km de largura com uma resolução de 2,7 metros (m). Construída pelos chineses, ela permitirá a observação com grande detalhamento da superfície terrestre. A cada 130 dias será possível ter uma cobertura completa do país. Segundo o engenheiro agrônomo José Epiphânio, coordenador do programa de aplicações Cbers do Inpe, as imagens geradas pela HRC terão várias aplicações, entre elas a geração de mosaicos nacionais e estaduais detalhados, a atualização de mapas, a geração de produtos para fins de planejamento local ou municipal e aplicações urbanas e de inteligência. “O equipamento, que operará experimentalmente, funcionará como uma teleobjetiva e irá substituir a câmera de varredura IRMSS (Imageador por Varredura de Média Resolução), instalada a bordo dos Cbers-1 e 2, que produziu imagens de uma faixa de 120 km de largura e 80 m de resolução. Isso equivale dizer que 120 km de terreno serão divididos em pequenas porções (cada imagem) de 80 m. Assim quanto menor o

número de metros, melhor a resolução espacial e mais detalhes serão possíveis de ser visualizados”, diz Epiphânio. Além da HRC, o Cbers-2B também será equipado com duas outras câmeras: um Imageador de Amplo Campo de Visada (WFI) e uma Câmera Imageadora de Alta Resolução (CCD). Também projetada e desenvolvida na China, a CCD fornecerá imagens de uma faixa de 113 km de largura com 20 m de resolução. Assim, se pegarmos um mapa qualquer que esteja na escala de 1:100.000, em que cada centímetro no papel equivale a mil m (1 km) no terreno, cada 0,2 milímetro (mm) representa um pixel (ponto) de 20 m de resolução. Ela irá operar em quatro faixas espectrais (azul, verde, vermelho e infravermelho próximo), mais uma pancromática, e terá capacidade de orientar seu campo de visada (faixa do solo visualizada pela câmera) dentro de mais ou menos 32 graus em relação à trajetória regular do satélite, permitindo a obtenção de imagens estereoscópicas de determinada região para fins cartográficos. A câmera WFI foi construída no Brasil pela empresa Equatorial Sistemas, de São José dos Campos, interior de São Paulo. Ela tem um campo de vi-

sada de 890 km e permite a obtenção de imagens com resolução espacial de 260 m. Em função de sua ampla cobertura espacial, é possível obter uma visão completa do globo a cada cinco dias. A câmera será usada para acompanhar safras agrícolas e queimadas e monitorar a vegetação, entre outras aplicações. Portanto, em termos de câmeras, o Cbers-2B estará bem equipado e poderá observar desde estreitas faixas do terreno (2 km no caso da HRC) até amplas faixas (890 km no caso da WFI). Poderá ainda observar objetos em detalhe (2,7 m na HRC e 20 m na CCD). Dados ambientais – O Cbers-2B também carrega a bordo equipamentos repetidores para o Sistema Brasileiro de Coleta de Dados Ambientais, que foram fabricados pela Neuron Eletrônica, outra empresa de São José dos Campos, criada em 1993 para projetar e desenvolver equipamentos para o programa espacial brasileiro. Esse sistema conta com mais de 750 plataformas de coleta de dados (PCDs) em terra, que são pequenas estações automáticas normalmente instaladas em locais remotos de diferentes regiões do território nacional.

Sistemas produzidos por empresas brasileiras 2

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INPE

1. Antena Banda S para o sistema de coleta de dados (DCS) (Neuron e Fibraforte). 2. Bloco Optoeletrônico WFI (Equatorial). 3. Processador de sinal eletrônico WFI (Equatorial). 4. e 5. Unidades de terminal remoto 3 e 4 (Omnisys). 6. Receptor e ampliador de sinal 1 de banda S (Tectelcom e Beta Telecom). 7. Conversor de corrente contínua 1 (Aeroeletrônica). 8. Receptor e ampliador de sinal 2 de banda S (Tectelcom e Beta Telecom). 9. e 10. Conversores de corrente contínua 2 e 7 (Aeroeletrônica). 11. e 12. Receptor e ampliador de sinal 2 e 1 para DCS (Neuron). 13. Transmissor UHF para DCS (Neuron). 14. Conector de transmissão para DCS (Neuron).

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Elas enviam ao satélite dados ambientais, como índice de chuva, pressão atmosférica, radiação solar, temperatura, umidade do ar, direção e velocidade do vento. Essas informações são retransmitidas pelo satélite para as estações terrestres do Inpe em Cuiabá e em Alcântara, no Maranhão. O aproveitamento desses dados acontece em diversas áreas, como previsão do tempo, estudos sobre correntes oceânicas, marés e planejamento agrícola. Outra inovação do satélite Cbers-2B é seu gravador de dados digitais, mais potente do que o instalado nas duas versões anteriores do Cbers .“Anteriormente ele só gravava as imagens da CCD e agora vai gravar das três câmeras”, afirma o engenheiro eletrônico Jânio Kono, coordenador do segmento espacial do Inpe. A gravação é importante porque permite armazenar imagens de qualquer parte do globo para depois descarregálas quando o satélite passar sobre uma

estação terrestre de recepção. Além da câmera WFI e dos aparelhos repetidores para o sistema de coleta de dados ambientais, instalados no módulo do satélite conhecido como “carga útil”, um grupo de empresas nacionais também ficou responsável pelo desenvolvimento de outros três subsistemas integrantes do módulo de serviço, que são a estrutura, o suprimento de energia e a parte de telecomunicações. Sistemas e controles – O módulo de serviço contém os equipamentos que asseguram o suprimento de energia, os controles, as telecomunicações e demais funções necessárias à operação do satélite. Coube a um consórcio formado pelas empresas Akros, de São José dos Campos, e Digicon, de Gravataí, no Rio Grande do Sul, a fabricação da estrutura do satélite, enquanto a Omnisys Engenharia, de São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, ficou responsável pe-

INPE

Satélite foi montado dentro dos laboratórios do Inpe, em São José dos Campos

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lo subsistema de controle de atitude e órbita e o On Board Data Handling, um computador que controla o funcionamento do satélite. Tectelcom, Beta Telecom e Neuron, todas de São José dos Campos, desenvolveram equipamentos para o módulo de telecomunicações, ao passo que o subsistema de suprimento de energia ficou a cargo das gaúchas Digicon e Aeroeletrônica e da Orbital Engenharia, de São José. Essa última ganhou a licitação para construção dos painéis solares, também conhecidos como geradores fotovoltaicos. “Ganhamos duas licitações do Cbers2B, no valor aproximado de R$ 4 milhões. A primeira delas foi para o fornecimento dos módulos solares, que são o principal componente dos painéis. Até então eles tinham que ser importados da Alemanha. A outra foi para a montagem dos módulos na estrutura dos painéis. Foi a primeira vez que a parte elétrica dos painéis solares do Cbers foi integralmente feita no país”, afirma o engenheiro mecânico Célio Costa Vaz, diretor da Orbital. O satélite conta com três painéis solares, cada um deles com 1,7 m de largura por 2,6 m de comprimento. Eles são responsáveis por fazer a captação da radiação solar e sua conversão em eletricidade. “O ferramental, equipamentos e toda a tecnologia de fabricação foram desenvolvidos e qualificados por meio do programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe) da FAPESP”, diz Vaz (ver Pesquisa FAPESP nº 99). Segundo o engenheiro, além da geração de novos empregos e da independência tecnológica, a fabricação local dos painéis gera uma economia de 15% a 25% para o Inpe. Além da Orbital, outras seis empresas participantes do Cbers – Akros, Omnisys, Equatorial, Neuron, Beta Telecom e Opto – possuem projetos (alguns não específicos para o satélite) financiados pelo Pipe. Todas as atividades de montagem, integração e testes do Cbers-2B, que tem uma massa de 1.500 quilos, foram realizados no Inpe entre setembro do ano passado e abril deste ano, quando o satélite foi enviado à China para os últimos preparativos antes do lançamento. Antes mesmo de o 2B ir ao espaço, o novo exemplar que irá substituí-lo já está em desenvolvimento. Previsto para entrar em órbita em 2009, o Cbers-3 trará várias mudanças em relação aos seus ante-


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cessores. A participação brasileira no projeto aumenta, e a metade dos subsistemas do artefato será feita por companhias nacionais.“O desenvolvimento e a fabricação dos satélites Cbers-3 e 4, que são iguais, representam cerca de R$ 235 milhões em contratos para as empresas brasileiras. O valor parece alto, mas basta olhar a variedade de aplicações e o alto número de usuários que utilizam as nossas imagens. Sem falar no impulso ao desenvolvimento da indústria brasileira, que passa a fabricar produtos de alta tecnologia”, justifica Ricardo Cartaxo. Os Cbers-3 e 4 – este último deve ser lançado em 2012 – representam uma evolução dos exemplares anteriores.“Eles integram uma nova família com uma concepção muito mais moderna”, diz Jânio Kono. Os dois satélites serão maiores, em torno de 2 mil quilos, e proporcionarão novas aplicações. As células solares de seus painéis serão mais eficientes, com 26% de conversão de energia luminosa em elétrica, ao passo que no 2B essa relação é de 14%.“Isso permitirá alimentar mais subsistemas, o que significa que eles poderão levar mais carga útil”, explica Kono. Com isso, o satélite levará quatro câmeras a bordo – uma a mais do que os exemplares anteriores –, sendo duas delas (MUX e AWFI) construídas no Brasil e as outras duas (pancromática e IRMSS) na China. Versão atualizada – Projetada e fabricada pela empresa Opto-Eletrônica, de São Carlos, em São Paulo, a MUX é uma câmera multiespectral de 20 m de resolução e campo de visada de 120 km de largura. Ela gera imagens em quatro bandas espectrais, do azul ao infravermelho próximo, e é destinada ao monitoramento ambiental e gerenciamento de recursos naturais. Segundo o engenheiro do Inpe, Mário Luiz Lingardi, gerente-técnico do Projeto MUX, esta será a primeira câmera com essas características inteiramente desenvolvida e produzida no Brasil. Ela foi projetada para substituir a CCD, que integrou os Cbers1 e 2, e passou por uma primeira bateria de testes ao longo de 2006. A outra câmera brasileira será uma versão atualizada do WFI do Cbers-2B, que está em produção em conjunto pela Opto-Eletrônica, responsável pela parte óptica, e a Equatorial Sistemas, que fará a integração mecânica e os

componentes para o processamento de imagens e envio para as estações em solo. A câmera cobrirá uma área de 866 km e terá 73 m de resolução espacial, ante 260 da versão antiga, portanto. Dessa forma, ela conseguirá, na mesma distância da Terra, observar mais detalhes no terreno. “É um projeto muito arrojado em termos ópticos e eletrônicos. Para ter uma idéia, o equipamento pesará cerca de 40 quilos, ante apenas 5 da versão anterior”, afirma o engenheiro mecânico Humberto Pontes Cardoso, responsável pelo projeto na Equatorial. No momento, a empresa está construindo o modelo de engenharia para qualificar toda a parte funcional da câmera e o modelo mecânico para validar o projeto estrutural e térmico. Essa etapa será concluída até o final de 2007 e, em seguida, começará a produção do modelo de qualificação, quando o equipamento passará por testes ambientais e de compatibilidade eletromagnética. “Para a Equatorial, é muito importante participar do programa Cbers. A fabricação da nova WFI trouxe vários desafios para nós, tanto do ponto de vista de desenvolvimento da parte eletrônica quanto dos procedimentos de integração e testes, que também serão de nossa responsabilidade”, destaca Cardoso. Outra empresa com larga participação no projeto é a Omnisys Engenharia. Ela ficou mais uma vez responsável pelo subsistema de controle de atitude e órbita e o On Board Data Handling, que equipam o módulo de serviço.“Também vamos projetar e construir o subsistema de coleta de dados (DSC) e, em parceria com a Neuron, faremos o subsistema MWT, que será responsável pela transmissão de dados das câmeras MUX e WFI”, diz o engenheiro eletrônico Luiz Henriques, presidente da Omnisys.“São projetos muito complexos em que a empresa exercita ao máximo sua competência técnica e tecnológica”, diz Henriques. A companhia já está fabricando os modelos de qualificação dos dois computadores, para controle de atitude e órbita e o On Board Data Handling, mas os outros dois projetos encontram-se numa etapa preliminar, a revisão crítica, que consiste numa minuciosa avaliação da solução adotada. O contrato da Omnisys com o Inpe soma cerca de R$ 41 milhões, o que representa 40% de seu faturamento.

Ao integrar o grupo de empresas envolvidas com o programa Cbers, a Neuron está automaticamente se capacitando para projetos da área espacial de outros países

Além de participar dos projetos em parceria com a Omnisys, a Neuron está construindo, em conjunto com a Mectron Engenharia e a Beta Telecom, ambas de São José dos Campos, o subsistema de telemetria e comando, que será responsável pela comunicação entre o satélite e as estações em Terra. “Tivemos uma presença bastante intensa na primeira fase do programa Cbers e isso nos ajudou a ganhar os contratos para participação dos Cbers-3 e 4. Acredito que nossa habilidade técnica foi fundamental para vencermos a concorrência”, conta o engenheiro eletrônico Claudemir da Silva, sócio-diretor da Neuron. Para ele, ao integrar o grupo de empresas envolvidas com o programa, a Neuron está automaticamente se capacitando para projetos da área espacial de outros países. “Nossa meta é, no médio prazo, oferecer serviços em âmbito internacional.” ■ PESQUISA FAPESP 138

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> MÚSICA

Resposta impulsiva Software que analisa a acústica de salas para apresentação musical está disponível na internet M ARCOS

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O LIVEIRA


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FOTOS PEDRO PAULO KOHLER/LAMI-ECA/USP

O

s músicos são competentes, os instrumentos são de primeira linha, o repertório é agradável e o maestro tira o máximo de sua orquestra, mas o som não flui bem. Os músicos não ouvem uns aos outros e o público não aproveita o eficiente conjunto musical. Um problema que ocorre em muitas salas de espetáculo novas ou antigas. A arquitetura, o tipo de construção e, principalmente, os materiais usados no acabamento da sala nem sempre são os mais indicados para a obtenção de uma boa sonoridade. Para estudar melhor esse tipo de fenômeno e suas variáveis, além de oferecer soluções e uma ferramenta acessível para os profissionais da área, um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) desenvolveu um software para analisar o comportamento sonoro de salas, teatros e auditórios que pode ser obtido gratuitamente, via download, da internet. Com ele, os pesquisadores fazem medições com o auxílio de um laptop, microfones e caixas de som nos ambientes a serem analisados. A análise de variáveis engloba valores de 12 parâmetros que fornecem informações sobre aspectos sonoros ligados a inteligibilidade dos sons, equilíbrio entre graves e agudos, distribuição da energia sonora dentro da sala e percepção da posição das fontes sonoras como caixas acústicas, vozes e instrumentos musicais. Também envolve a reverberação, tempo em que um som, após terminar, continua ressoando com suas múltiplas reflexões nas superfícies que compõem um ambiente. “O software tem funções que o tornam mais abrangente e completo que outros produtos comerciais existentes no mercado”, diz Fernando Iazzetta, professor do Laboratório de Acústica Musical e Informática (Lami) do Departamento de Música da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da USP. Ele coordenou um projeto temático financiado pela FAPESP que teve o software como principal resultado.“Nossa área é o estudo da acústica e o sistema faz medições de parâmetros do som nos ambientes a serem estudados.” O software possui ferramentas de cálculo que auxiliam na análise acústica de ambientes e as medições são realizadas a partir da geração de sinais sonoros especiais que são captados por microfones colocados em cada posição que se deseja analisar de uma sala. Ele calcula a resposta impulsiva, que é a resposta da sala ao impulso mecânico do som, caracterizado como ondas que se propagam no ar em variações entre 20 e 20 mil vezes por segundo, ou freqüências de 20 a 20 mil hertz que correspondem à faixa percebida pela audição humana. A resposta impulsiva fornece um modelo temporal das reflexões na sala, registrando o comportamento do som no ambiente. “Com os números que ele nos fornece podemos também comparar os resultados obtidos com a percepção dos músicos, ou a subjetividade de cada um em relação à sala, se o som está bom ou mau para os instrumentistas.” Isso é realizado por meio de testes subjetivos em que alguns trechos musicais gravados em um estúdio anecóico, onde não existem ecos nem reflexões das ondas sonoras, são tocados a partir de um CD nas salas estudadas. Esses trechos são gravados


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Parceria musical - O software, que leva o nome de AcMus, começou a ser desenvolvido em 2002 e contou com a parceria do Departamento de Ciência da Computação do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP, liderado pelo professor Fábio Kon, além de pesquisadores da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), da Escola Politécnica (Poli) e do Instituto de Física (IF) da mesma universidade. No final de 2006 estava validado e pronto para ser distribuído pela internet, via download, no endereço: http://gsd.ime.usp.br/acmus/ O software já começou a ser utilizado por profissionais para auxiliar a reforma e a construção de teatros e estúdios de gravação, como, por exemplo, na reforma do teatro da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).“A partir das medidas produzidas pelo sistema foram feitas as adaptações para que o ambiente tenha maior qualidade de som”, diz o professor Iazzetta. “Pelo que sabemos, dois outros doutorandos, um da Poli-USP e outro da engenharia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), além de dissertações de mestrado e vários projetos de iniciação científica também já utilizaram o software em seus trabalhos. Mas qualquer músico, por exemplo, que queira analisar e adaptar a sua sala de ensaio na própria casa, por exemplo, pode usar o AcMus, mesmo com microfones e caixas acústicas caseiras.” O uso do programa 74

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so, o nível elevado de ruído diminuía a capacidade de concentração dos alunos e obrigava os professores a falar muito alto, prejudicando a voz desses profissionais. O problema foi resolvido, depois de um estudo acústico, simplesmente colocando-se tijolos para tampar as aberturas. Dentro em breve, o software terá também a função de simular o comportamento acústico em um teatro ainda na fase de projeto. “Os mesmos parâmetros de medição de uma sala real são calculados na planta, em três dimensões, do local a ser construído, garantindo a boa qualidade do som e eliminando possíveis problemas antes da construção”, diz Iazzetta. Será possível analisar a geometria da sala, simular o comportamento acústico e fazer uma descrição detalhada dos materiais a serem usados. “Essa simulação é realizada levando-se em consideração não apenas a geometria, mas também o desempenho acústico de cada superfície que compõe o ambiente. Os materiais que revestem essas superfícies possuem coeficientes de absorção sonora que determinam a quantidade de energia do som que é absorvida ou refletida de volta para o ambiente. Por exemplo, se um material absorve 20% das ondas, ele reflete os outros 80%.” Materiais rígidos e lisos como paredes e tijolos tendem a refletir o som, enquanto materiais macios e porosos como tapetes, espumas e estofados absorvem as ondas sonoras. São características importantes também para o tipo de cadeira da platéia. Ela precisa ser equivalente à absorção do som de uma pessoa média. “Isso acontece porque o som não pode variar quando algumas cadeiras estão vazias, ou mesmo antes da apresentação, quando da passagem do som que normalmente é feita com o teatro vazio.”Para melhor caracterização das medições acústicas, o AcMus leva em conta ainda outros dados como umidade e temperatura da sala. Para validar o software e testá-lo em relação à funcionalidade, os pesquisadores fizeram uma análise comparativa do comportamento acústico de seis salas, MIGUEL BOYAYAN

de modo idêntico em cada sala e, posteriormente, apresentados a músicos experientes que podem comparar as gravações e avaliar como uma determinada música soa em salas diferentes. Outra possibilidade, em estudos mais avançados com o software, para testes também de estúdios de gravação, é o uso de um sistema binaural que simula a audição humana. Esse equipamento é dotado de um busto semelhante a um manequim. As orelhas dele têm formato e contornos iguais às humanas que facilitam a captura de som por meio de microfones especiais embutidos.

Orelhas e microfones: sistema que simula a audição humana

também é indicado para ambientes como salas de aula e pequenos auditórios para palestras. A análise dos resultados serve para melhorar a sala e o conseqüente nível de inteligibilidade de uma palestra. Um exemplo de dificuldade na projeção da voz aconteceu em alguns dos Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), no Rio de Janeiro, criados no início dos anos 1980, em que o som de uma sala de aula interferia em outra, porque algumas paredes não chegavam até o teto. Com is-

O PROJETO Projeto e simulação acústica de ambientes para escuta musical MODALIDADE

Projeto Temático COORDENADOR

FERNANDO HENRIQUE DE OLIVEIRA IAZZETTA – USP INVESTIMENTO

R$ 135.425,25 e US$ 3.527,00 (FAPESP)


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todas da administração pública. Em São Paulo, eles levaram os equipamentos para cinco teatros: anfiteatro Camargo Guarnieri, com 367 lugares, auditório do Memorial da América Latina, 1.600, Teatro Municipal de São Paulo, 1.580, Teatro São Pedro, 636, e Sérgio Cardoso, 864. O sexto foi no município vizinho de Diadema, no Teatro Clara Nunes, com 460 lugares. As medições indicaram que os teatros que apresentam as melhores condições para uma boa escuta musical são o Municipal de São Paulo e o São Pedro, não coincidentemente os preferidos pelos músicos dentre esses seis.“O software compara o som tocado pelo computador com o captado pelos microfones. Nessa subtração de um sinal do outro, o que sobra é a sala. Nesse sentido, os mais estáveis são o Teatro Municipal e o São Pedro”, diz Iazzetta. Mesmo com uma boa estabilidade de som, os pesquisadores detectaram pontos de perturbação sonora no Teatro Municipal, inaugurado em 1911. “Bem no meio da platéia, no corredor central, existe um ponto de desequilíbrio muito forte porque é o ponto focado pela cúpula

no centro do teatro que, em vez de espalhar o som, se concentra num mesmo local prejudicando a boa audição.” O problema desaparece deslocando-se um pouco mais de 1 metro para o lado. Outra característica do Municipal é o comportamento do som nos nichos formados nos balcões das laterais do teatro. Nessas posições, ondas sonoras são refletidas pelas paredes e pelo teto formando ressonâncias que alteram o equilíbrio sonoro. “Mas o Municipal, como muitos teatros antigos, tem muitas superfícies com reentrâncias e acabamentos irregulares que servem como bons difusores do som.” Graves freqüências - Nos outros teatros problemas estruturais e de materiais atrapalham um pouco o desempenho do som. No Sérgio Cardoso uma enorme câmara atrás do palco funciona como uma caixa de ressonância em que as freqüências graves ficam emboladas e os músicos têm dificuldade de se ouvir. No Memorial da América Latina o problema está nas paredes acarpetadas que absorvem freqüências mais agudas. A solução em teatros como o Sérgio Cardoso e outros

com acústica problemática é a amplificação com microfones e mesa de som que compensa as deficiências sonoras da sala. Mas mesmo com amplificação alguns locais podem também apresentar problemas. Exemplo clássico foi a inauguração do Credicard Hall, em São Paulo, em 1999, quando o músico João Gilberto reclamou muito do som durante a sua apresentação, causando vaias na platéia. “O problema é que o som batia no fundo e voltava com um atraso perceptível. Era possível ouvir o eco nas primeiras filas da platéia”, lembra Iazzetta.“Isso aconteceu porque não existia na época um revestimento absorvedor ou um material difusor no fundo do palco.” Os pesquisadores envolvidos com o desenvolvimento do AcMus querem que ele tenha uma grande propagação. Para isso, além da distribuição gratuita, o software é multiplataforma.Pode ser usado em ambientes Windows, Linux e Macintosh. Sua estrutura também permite a adição de funções por meio de plug-ins (programas menores) e o código fonte é aberto, possibilitando amplo uso e colaborações dos usuários na evolução do sistema. ■


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> INFORMÁTICA

Plataforma acadêmica Instituto Stela desenvolve sistemas para áreas da saúde, educação e ambiente D INORAH E RENO

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ma organização privada sem fins lucrativos dedicada à engenharia e gestão do conhecimento que já desenvolveu uma série de sistemas inovadores para organizações governamentais, universidades e empresas.Esse é o perfil do Instituto Stela,de Florianópolis,Santa Catarina,criado por profissionais oriundos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).Eles são os desenvolvedores da Plataforma Lattes,um conjunto de sistemas de informações sobre pesquisadores brasileiros,bases de dados e portais voltados para a gestão de ciência e tecnologia.Os pesquisadores do Stela ganharam,em 1997,o contrato com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para um projeto de pesquisa e desenvolvimento que deu origem à Plataforma Lattes.O passo importante para esse contrato foi dado com a visibilidade conquistada quando o então Grupo Stela,criado em 1995 para atender a uma demanda do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da UFSC,construiu bibliotecas digitais e um sistema que permitiu atender os alunos iniciantes de um programa de mestrado a distância com uso de videoconferência.O sistema pioneiro de matrículas on-line, lançado em 1996,teve repercussão nacional. A Plataforma Lattes foi lançada em 16 de agosto de 1999 com a primeira versão do Sistema CV-Lattes,com cerca de 35 mil currículos importados e adaptados de sistemas anteriores do CNPq.O CV-Lattes reúne as informações sobre a vida científica e acadêmica de pesquisadores,estudantes,docentes,gestores,técnicos e profissionais liberais ligados a ciência e tecnologia.“Desde então há um crescimento exponencial no número de currículos que compõem a plataforma e até o final de ju-

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lho a estimativa é de que chegue a 1 milhão”,diz Vinícius Medina Kern,diretor de Projetos e Pesquisa do Instituto Stela.“Desenvolvemos para a Plataforma Lattes um conjunto de 138 produtos,produzidos entre 2002 e 2004,como,por exemplo,estatísticas de produção por área de conhecimento,dicionário de palavras-chave, além de conexão com outras bases de dados de ciência e tecnologia. A repercussão internacional da Plataforma Lattes se deu com a sua adoção como tecnologia fundamental da Rede ScienTI,formada em 2002,a partir de uma colaboração entre CNPq,Grupo Stela,Organização Pan-americana da Saúde (Opas) e Centro Latino-americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme).Atualmente,além do Brasil,participam Argentina,Cuba,Chile,Colômbia, Equador, México, Panamá, Paraguai,Peru,Portugal e Venezuela.“Além dos sistemas mais conhecidos,desenvolvemos vários projetos de reconhecimento, como,por exemplo,a rede de egressos Lattes,que permite a qualquer pessoa conectada à internet,a partir da definição de parâmetros,acompanhar a trajetória profissional de ex-alunos”,diz Kern. Ligação acadêmica – A condução de pro-

jetos da magnitude da Plataforma Lattes e em projetos de gestão do conhecimento fez com que pesquisadores do Grupo Stela se motivassem a criar um instituto de pesquisa privado sem fins lucrativos,o que ocorreu em setembro de 2002.Inicialmente, o instituto funcionou em paralelo ao grupo.A total independência se deu em março de 2005,quando os pesquisadores se mudaram para uma sede própria. Mas o instituto mantém ainda uma forte interação com a UFSC.“Nosso perfil é bastante acadêmico.Temos professores e alunos de pós-graduação e muitos de nos-

sos colaboradores cursam disciplinas de mestrado e doutorado”,diz Kern.Desde o ano passado o Instituto Stela também conta com uma editora,criada para publicar teses,dissertações,artigos científicos e livros.O instituto tem em seu quadro de funcionários cerca de 60 pessoas,das quais sete são doutores e 15 mestres. A trajetória internacional do Stela também resultou na elaboração de um sistema para a Opas,com sede em Washington,nos Estados Unidos,entidade que também representa a Organização Mundial da Saúde (OMS).O sistema localiza e contata profissionais para as missões da entidade por meio do sistema Localizador de Especialistas,desenvolvido por pesquisadores do Instituto Stela.Outro projeto criado pelo mesmo grupo de pesquisa é o Portal Sinaes,do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior,com dados e estatísticas produzidos desde 1991 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)e atualizados constantemente.Pelo portal é possível consultar o número de cursos e o tipo de profissional que se forma em cada cidade,estado,região ou em todo o país. Ele permite ainda que o interessado encontre um curso de graduação a distância,além de análises comparativas da qualidade dos cursos existentes. “Um dos principais sistemas de gerenciamento do conhecimento desenvolvidos para a primeira fase do projeto foi um mecanismo de seleção de professores para o banco nacional de avaliadores da educação superior,baseado em 43 critérios objetivos”,diz Kern.O portal permitiu a seleção com critérios objetivos e baseados em mérito dos cerca de 9 mil avaliadores de cursos superiores e cerca de 4.500 avaliadores de instituições,num total de quase 12 mil pessoas – há docentes que avaliam tanto os cursos como as instituições.


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“A nossa competência vai além das técnicas de construção de sistemas”, ressalta Kern.“Ela abrange também as áreas de engenharia e gestão do conhecimento, o que permite às organizações fazerem melhor uso da sua experiência.” Demanda empresarial – Também foi

realizado pelo instituto o desenvolvimento do Portal Inovação,uma plataforma interativa para a troca de dados entre empresas, universidades e instituições de ciência e tecnologia e inovação contratada pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) para o Ministério da Ciência e Tecnologia, em 2005.“O objetivo era criar um espaço para promover o encontro das competências em ciência e tecnologia com as demandas empresariais para inovar em produtos e processos”, relata Kern. Atualmente o instituto trabalha em uma nova fase de desenvolvimento da ampliação do portal, agora sob gestão da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), além de MCT e CGEE.“No início tínhamos uma base de especialistas e universidades muito grande, mas não tão grande de empresas. Agora estamos também dando mais espaço para instituições que apóiam o processo de inovação, como o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e outras similares”, diz Kern. Outro projeto recente concebido pelo Instituto Stela em parceria com o Ministério do Meio Ambiente é o portal eletrônico do Sistema Brasileiro de Informações sobre Educação Ambiental (Sibea). O portal tem um banco de dados com 200 mil informações da área. “Para produzirmos uma plataforma de sistemas de informação e conhecimento, existe todo um trabalho de articulação entre os vários atores que compõem determinado ambiente ou tema”, diz Kern. ■ PESQUISA FAPESP 138

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> INSTRUMENTAÇÃO MÉDICA

Desinfecção poderosa Sistema de limpeza de endoscópios terá também aplicação na agricultura e na indústria de alimentos

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m sistema de desinfecção de endoscópios que tem como base uma solução de água e cloreto de sódio, mais conhecido como sal de cozinha,está em fase final de desenvolvimento pela empresa Ibasil Tecnologia,instalada no bairro do Butantã,em São Paulo.O novo desinfetante é atóxico,de ação rápida e não agride o ambiente. Ele traz benefícios para pacientes,médicos e enfermeiras que utilizam a endoscopia para controle e diagnóstico de doenças do aparelho digestivo.O sistema inovador também poderá ter aplicação em outras áreas como fungicida em frutas e legumes,bactericida na indústria alimentícia ou desinfetante na avicultura e pecuária.Inicialmente,o produto vai atuar na limpeza de endoscópios porque a complexidade desses equipamentos,que por meio de uma sonda introduzida na boca do paciente chega ao estômago, envolve múltiplos canais e válvulas,favorecendo o acúmulo de materiais orgânicos e inorgânicos,possíveis fontes de infecção por microorganismos.Por isso,entre um exame e outro,é necessário fazer uma rigorosa limpeza e assepsia no aparelho para evitar o risco de transmissão de doenças como tuberculose,hepatite e Aids. Atualmente,o desinfetante mais utilizado em hospitais e clínicas é o glutaraldeído na concentração de 2%,uma substância química com alto poder bactericida e fungicida. “O produto,porém,é cancerígeno e agressivo ao ambiente.O tempo de ação dele é de 30 minutos para a desinfecção,diante de apenas sete minutos do nosso sistema”,diz Luís Iba,diretor da Ibasil.Estudos comprovam que o vapor liberado pelo glutaraldeído é irritante para o sistema respiratório,pode causar dermatites de contato,além de ser tóxico para o organismo.Por isso,em outros países ele está sendo gradativamente substituído por substâncias menos agressivas. O projeto desenvolvido pela Ibasil tem o apoio financeiro do Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe),da FAPESP,e é coordenado pelo engenheiro químico Gerhard Ett,da empresa Electrocell,que desenvolve células a combustível

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para produção de energia elétrica a partir do hidrogênio,sediada no Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec),na Cidade Universitária,em São Paulo.“O convívio e a cooperação dentro do Cietec (a Ibasil também estava incubada no mesmo local) e o nosso conhecimento sobre automação,controle de sistemas e,principalmente,geradores eletrolíticos que possuem tecnologia similar às células a combustível permitiram a parceria”,diz Ett.“Esses geradores transformam a solução de água com sal em outros compostos.”Também participa da pesquisa e desenvolvimento do produto a bióloga Débora Moreira,com bolsa da FAPESP. O equipamento,que deverá estar disponível para uso médico dentro de um ano,é baseado em um processo eletroquímico que gera,a partir da eletrólise,uma corrente elétrica numa mistura de água e cloreto de sódio,um poderoso desinfetante composto de 12 substâncias.O ácido hipocloroso,o peróxido de hidrogênio,o óxido cloreto,o ozônio e o ácido perclórico são os oxidantes de maior ação bactericida da mistura,também chamada de água superoxidada.“Um agente potencializa a ação do outro.Os 12 juntos têm ação desinfetante comprovada em testes”, diz Iba. Testes no HC - O primeiro teste para ava-

liação da água superoxidada em bactérias isoladas de aparelhos destinados à endoscopia foi realizado no Serviço de Endoscopia do Hospital das Clínicas,da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em agosto de 2006.Foram coletadas amostras de seis aparelhos de endoscopia utilizados no HC,após eles terem passado pelo processo de lavagem mecânica com água.O material colhido foi semeado em meio de cultura apropriado,em estufas laboratorais,e colocado em contato com a água superoxidada por sete minutos.Após esse intervalo de tempo,novas coletas foram realizadas. O resultado é que,antes do contato com a água superoxidada,foram isolados vários microorganismos,como as bactérias Escherichia coli e Pseudomonas aeruginosa,esta um dos mais prevalentes agentes de infecção hos-


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O PROJETO Desinfectadora automática de endoscópios com gerador eletrolítico de desinfetante a partir de água e sal MODALIDADE

Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe) COORDENADOR

GERHARD ETT – Ibasil INVESTIMENTO

R$ 71.241,06 (FAPESP)

a Ibasil já tinha experiência na área. Quando ainda estava incubada no Cietec, de fevereiro de 2002 a abril de 2005, a empresa projetou e construiu um equipamento automatizado para limpeza de endoscópios chamado Endolav, que teve a patente do produto e da marca comprada pela empresa Lifemed, do Rio

Grande do Sul (ver Pesquisa FAPESP nº 113). Foi nessa época que houve a aproximação com a Electrocell, que participa do projeto atual. A próxima etapa da pesquisa prevê a participação do Instituto Biológico do Estado de São Paulo, do Instituto de Tecnologia de Alimentos e do Instituto Agronômico de Campinas nos testes bacteriológicos. Os pesquisadores querem ampliar os estudos visando à aplicação do produto na avicultura e na pecuária. O sistema poderá ser utilizado para descontaminação dos galpões onde ficam os animais, no processamento de carnes e na desinfecção de maquinários. Na agricultura poderá ser usado como fungicida e bactericida para frutas e legumes e também para limpeza de instalações, caminhões e máquinas. Na indústria alimentícia tem potencial de uso como desinfetante no processamento de sucos e alimentos. ■

D INORAH E RENO EDUARDO CESAR

pitalar. “Após o contato com a água superoxidada, não houve nenhum crescimento microbiano”, diz Débora Moreira. Na próxima etapa da pesquisa será feita a análise da eficácia contra o vírus da hepatite B e C. Para a produção da célula eletroquímica foram construídos eletrodos de grande área superficial, separados por membranas de polímeros.“A célula eletroquímica é basicamente composta por membranas, anodos e eletrodos de titânio”, diz Gerhard Ett. Durante o processo de eletrólise há a produção de dois líquidos. De um lado da célula eletroquímica sai a água ácida, o desinfetante oxidante, e do outro a água alcalina, que não é usada. Para não haver danos ao ambiente é feita a neutralização dos dois subprodutos antes do descarte. “O desinfetante, antes de ser eliminado para o esgoto, é misturado à água alcalina originando uma solução inofensiva para o ambiente”, diz Iba. Antes do desenvolvimento do novo sistema de desinfecção de endoscópios,

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HUMANIDADES

Dar-se ao luxo é um

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ANTROPOLOGIA

O mercado de consumo sofisticado brasileiro não pára de crescer |

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ê-me o supérfluo que eu abro mão do essencial”, dizia, em sua sabedoria, Oscar Wilde. A rainha Maria Antonieta (vista nestas páginas e nas seguintes, representada pela atriz Kirsten Dunst, no filme homônimo de Sofia Coppola) quis as duas coisas e perdeu a cabeça. Foi talvez o primeiro exemplo de que é preciso tê-la no pescoço para usar, com felicidade, luxo e política. Vinda da corte austríaca, onde os excessos de cerimônia haviam dado lugar a um estilo de governo mais simples, a adolescente de 16 anos penou ao deparar com a pompa de Versalhes. “Ela não tem etiqueta, não mostra os sinais de sua posição e não está cumprindo com seu papel”, anotou seu irmão, o imperador José II. Por fim, a jovem compreendeu, mas abusou do remédio: refestelou-se no luxo para ganhar seu espaço, sem perceber que o que ficava bem para a “amante real” era intolerável numa rainha. A corte e o povo passaram a odiar sua exibição de jóias, sapatos, vestidos e perfumes. Ao usar o luxo para con-

seguir o poder, perdeu tudo e nos legou uma lição valiosa: por vezes, na contramão freudiana, um vestido pode ser bem mais do que um vestido. “Por meio do luxo, paradigma central do consumo, as classes economicamente superiores geram sistemas de valores, estruturas de sociabilidade, formas de produção simbólica e uma verdadeira ordem cultural que acaba por ser transmitida e reorientada entre as demais classes sociais por meio de modelos, ideais de consumo a serem reproduzidos de forma heterogênea entre estas”, afirma a antropóloga Valéria Brandini, cujo pós-doutorado, orientado por Guillermo Ruben, da Universidade Estadual de Campinas, discute a etnografia do luxo, apoiado pela FAPESP. Segundo ela, as diferentes classes, grupos e movimentos sociais não ficam indiferentes, se posicionando de alguma maneira, em função da relação com o grupo hegemônico de consumidores de luxo. Basta lembrar que o mesmo grupo furioso de mulheres que foi buscar Maria Antonieta e o rei, para levá-los a

C ARLOS H AAG

Paris, onde seriam guilhotinados mais tarde, revirou os guarda-roupas reais e afanou os vestidos, sapatos e jóias que provocaram sua queda. “O luxo é um fenômeno cultural que fez parte de praticamente todas as civilizações antigas e povos primitivos, nascendo com a busca do consumo isento de racionalidade, ou seja, sem preocupação com o depois. Desde os primórdios, ele marca a divisão entre categorias sociais e promove a hierarquização, definindo papéis sociais”, observa Valéria. Segundo a pesquisadora, a relação entre luxo e sociedade pode ser uma forma de se entender as atuais relações de classe, em especial no Brasil.“O consumo de luxo converte-se em uma categoria importante para pensar não apenas a cosmologia da classe mais abastada, como também as correlações e conflitos entre as diversas classes sociais e de como estas sentem a disparidade da distribuição desigual de renda no Brasil e se diferenciam em valores, comportamento e perspectivas”, avalia. Da mesma forma que o conceito de

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Lévi-Strauss de que o alimento para certas civilizações indígenas não são apenas bons para comer, mas para pensar, também no consumo, continua, não desfrutamos tão-somente da funcionalidade dos objetos, mas pensamos seu significado, absorvendo a essência de valores que o objeto de consumo nos provê.“Os hábitos de consumo nos definem.” Isso está expresso na primeira pesquisa sobre o mercado de luxo no Brasil, feita entre 2006 e 2007 pela MCF Consultoria e pelo Instituto Gfk Indicator, que revela o crescimento do mercado de luxo nacional, com um faturamento de US$ 3,9 bilhões (1% do faturamento do mercado mundial), um incremento significativo de 17%, se comparado ao PIB brasileiro, de cerca de 3,7%. O mercado de luxo cresceu 33% nos últimos cinco anos, movimentando, em média, US$ 2,2 bilhões por ano, quase 3% do nosso PIB. O Brasil é, ainda, responsável por 70% do consumo de luxo da América Latina e pode se “gabar” de abrigar uma das maiores lojas do gênero no mundo, a Daslu, com 20 mil metros quadrados, 87 banheiros, 72 caixas, 22 elevadores e 63 marcas internacionais. “É ponto pacífico de que há símbolos no capitalismo tanto quanto há simbologias e mitologias entre os índios do Amazonas, os nativos da Polinésia e os negros da África Equatorial. Os objetos de consumo são a parte mais visível da cultura contemporânea”, avalia o antropólogo Roberto DaMatta. “A sociedade de consumo produziu a sacralização do profano, ou seja, a ascensão e a valorização do mundo material, alçando-a à condição de merecedor de respeito e devoção tanto quanto os antigos valores da religião um dia mereceram”, concorda André Cauduro D’Angelo, autor da pesquisa Precisar, não precisa (Lazuli Editora), feita para a Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Moral - Dentre as várias entrevistas feitas para seu retrato do luxo, o pesquisador cutucou na questão “moral” do consumo. “Os entrevistados valeram-se da lógica liberal para justificar o consumo de luxo sob uma perspectiva moral. Sendo resultado de um esforço individual, o luxo, segundo eles, nada mais é que autogratificação legítima. Parece mesmo natural que no próprio universo do luxo se estimulem compreensões da sociedade que atenuem ou enfraqueçam qualquer reflexão moral.” Um bom exemplo está nas conversas de 82

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D’Angelo com as “aventaizinhas”, as funcionárias subalternas da Daslu, o oposto direto das “dasluzetes”,“as vendedoras socialites da loja que ajudam na socialização das novas integrantes do universo da elite, uma fórmula em que o dinheiro antigo acolhe o dinheiro novo, ensinandolhes o que comprar, como se vestir e quais marcas idolatrar”. Proibidas de sentar nas cadeiras da loja e falar com as clientes, as “aventaizinhas”demonstram uma notável simpatia pelo mundo do luxo que as exclui.“Em uma sociedade em que a melhor forma de ascensão de um pobre é alojarse sob a asa generosa de um rico, as duas partes fazem um acordo que vigora no universo do luxo: a elite estende a mão à plebe que, em contrapartida, não questiona, reflete ou critica.” Legitima-se assim, diz, o consumo de bens de luxo. As pessoas comparam a sua realidade à dos imediatamente acima, tendo neles o seu espelho. Em vez de condenado, o consumo de luxo é admirado e copiado e o que geraria uma discussão moral torna-se mera questão de possibilidade financeira. O problema é histórico, mas recente. Por eras, o luxo foi visto pelo homem com olhos diferentes dos da modernidade. O luxo pré-histórico, por exemplo, não estava voltado à posse dos objetos, mas à troca, em que os objetos revestidos de prestígio ficavam reservados a um intercâmbio de sentido religioso e mágico, em que se dava e recebia na mesma medida. Os objetos eram símbolos, e não “coisas”. Uma dessas primeira manifestações foi o Kula, entre os melanésios, um sistema intertribal de trocas de colares e braceletes de conchas, cujo valor reside na continuidade da transmissão. Com o surgimento do Estado, o luxo se consolida como instituição social, passando a coincidir com as lógicas de acumulação, centralização e hierarquização. Platão, Aristóteles e Sócrates reprovavam o desejo pelo excesso, de tudo o que fosse além dos limites das necessidades, fixados pela natureza. Os romanos, pasmem, tampouco aprovavam o consumo desenfreado, visto como ameaça à ordem: Cícero e Sêneca condenavam o luxo como um vício corruptor do caráter. Para evitar o “mal” foram criadas, em 200 a.C., as “leis suntuárias” que punham freios no consumo de luxo e vigoraram até 1300.“Com o enriquecimento e ascensão da burguesia, o luxo se emancipa do sagrado e da ordem hierárquica, tornando-se uma es-

fera aberta à consolidação da mobilidade social”, lembra Valéria. A mesma lógica econômica que, em fins do século XVII, legitimou o homem consumidor libertou o “gênio”do luxo de sua garrafa. “A justificação instrumental do luxo ocorreu num momento em que a burguesia começava a ostentar produtos antes restritos à nobreza. O consumo passa a servir cada vez mais à emulação social”, explica D’Angelo. O espírito de liberdade individual do século XVIII valorizou ainda mais o desejo humano, considerado expressão dessa liberdade. “O argumento usado era que ‘vícios privados’ como o luxo traziam ‘benefícios públicos’. Para o economista político holandês Bernard de Mandeville, o crescimento da indústria e da economia dependia diretamente desses vícios humanos. Apesar das críticas de Rousseau ao consumo, Hume e Adam Smith viam apenas benesses nessa nova modalidade econômica, ora vista como natural, ora como ápice da civilização.“Os burgueses eram ávidos consumidores de luxo, como forma de obter o reconhecimento social que lhes faltava. O desejo de pertencimento fez surgir, na França, a indústria da imitação: produtos


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semelhantes aos de luxo, com materiais baratos e produção em série, para atender à demanda dos que queriam se sentir um nível acima daquele que ocupavam na sociedade”, nota o pesquisador. O século seguinte repetiu a dose. Prestígio - A ponto de o filósofo americano Thorstein Veblen, autor de A teoria da classe ociosa, criar o conceito de “consumo conspícuo” para definir tudo o que se consumia para exibição individual, para impressionar os outros, parte do jogo de status e prestígio social. Ao longo desse caminho, nota Valéria, o luxo se estetizou na erotização e na moda, que tornava o corpo um suporte do luxo.“As mudanças constantes da moda estão ligadas à lógica do desperdício demonstrativo e das lutas simbólicas que acompanham o ethos do luxo”, avalia. Segundo ela, a moda nasce em meio à luta da burguesia por um lugar ao sol na sociedade e, ao fazer uma aliança com o luxo, ambos transformam-se em ferramentas ou armas que, a partir de então, tornam-se um par constante até a atualidade.“Se, na era anterior à Revolução Industrial, as formas de exposição na vida pública revela-

vam a posição social do indivíduo, sendo a roupa um referencial do status social denotado por uma pessoa, a partir do século XIX as pessoas passaram a acreditar que suas roupas, seus gestos, seus gostos revelavam não mais a sua origem social, mas sua personalidade”, explica a pesquisadora, para quem “a moda sempre foi comunicação”. Assim, pondera, com a moda se instala a primeira grande figura de um luxo absolutamente moderno, superficial e gratuito, móvel e liberto das forças do passado e do invisível. No Brasil, embora o seu primeiro produto tenha sido um artigo de luxo, o paubrasil, usado no tingimento de tecidos finos e na fabricação de tintas, apenas em 1808, com a chegada da família real ao país e a abertura dos portos, é que nos integramos, por meio da importação direta (em especial da França) ao consumo elegante global. Depois de décadas de reinado, a rua do Ouvidor, no Rio, cedeu lugar, nos anos 1920, ao domínio das lojas de departamentos, como a Mappin Store, em São Paulo, que concentravam num único espaço todas os artigos de luxo que se compravam separadamente nas lojas da rua carioca. Isso gerou uma revolução

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silenciosa, como observa a historiadora Maria Claudia Bonadio em sua tese defendida na Unicamp (com apoio da FAPESP), recém-lançada em livro, Moda e sociabilidade (Editora Senac). Com as novas lojas à inglesa, as mulheres da elite paulistana conseguiram um acesso ao espaço público, reduzidíssimo na época, por meio do ato de “ir às compras”, passando não apenas a desfrutar desse espaço como a experimentar novas formas de sociabilidade a partir do consumo da moda de luxo, ato aparentemente inócuo que foi fundamental para a luta feminista brasileira. Aos poucos, o brasileiro foi criando o seu lócus para consumir o luxo, como a rua Augusta e, mais tarde, a sua vizinha próxima, a rua Oscar Freire. Grifes - Nada, é claro, comparável ao sur-

gimento, nos anos 1990, com a liberação das importações pelo governo Collor, da afamada Daslu, que, nota D’Angelo, “atendia aos desejos da elite por produtos importados aqui mesmo, no Brasil, sem a necessidade de pegar um avião e ir para a Europa”. Ela era fruto de uma mudança nos hábitos de consumo de luxo nacionais que indicava a presença maciça de consumidores da classe média alta entre a clientela das grifes.“Aquele estouro de vendas não refletia só a demanda reprimida das elites, mas a criação de novos desejos de consumo entre os setores mais afluentes da classe média brasileira”, completa o pesquisador. Isso igualmente trouxe dados importantes sobre as relações entre os estratos sociais.“A 84

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polarização em relação ao consumo de luxo não está situada obrigatoriamente entre a classe baixa e a classe alta, mas entre a classe média e a classe alta. Tal qual a relação entre burguesia e aristocracia no início das relações capitalistas, o consumo de luxo representa a relação entre essas duas classes, a média e a alta, em que a primeira quer consumir os signos de distinção da segunda”, avalia Valéria. Ou, em outras palavras, as marcas, que aparecem como totens das sociedades complexas, as quais os indivíduos querem que os representem, pois sua significação social lhes atribuí características que desejam ter, nota a autora. “Os conglomerados democratizaram o luxo mundo afora. A logomania tornou-se febre mundial a incentivar a indústria das falsificações. Os logos de luxo tornaram-se pictogramas lidos como uma linguagem universal do Cairo a Moscou, por todas as categorias sociais”, continua Valéria. Segundo ela, nesse movimento o luxo estilhaçou-se em vários luxos, para públicos diversos, onde o verdadeiro luxo, ou seja, o luxo de exceção, coexiste com um luxo intermediário e acessível. “O ícone do verdadeiro luxo pode ser adquirido pelas classes menos favorecidas na forma de um perfume Gucci, um chaveiro Ferrari, que, fragmentando o luxo de exceção, funciona para as classes economicamente inferiores que consomem produtos isolados como um arremedo, um pastiche do universo de significações que categorizam o habitus das classes poderosas, mas que não torna acessível aos mais pobres o sentido de unidade de gosto e estilo de vida dos mais ricos, senão pela transformação do luxo em kitsch.” Os movimentos se sucedem, de baixo para cima, e vice-versa. “Surge um Brasil evocado nas coleções de moda, dito tradicional, popular e singular. A cultura brasileira e a popular passam a interessar as elites criadoras e consumidoras do luxo. O povo do luxo passa a ver, no Brasil, o luxo do povo”, nota a antropóloga Débora Krischke Leitão, em Antropologia e consumo (Editora Age). São os desfiles que trazem trilha sonora com Tati Quebra-Barraco, vestidos de chita, bolsas com estampas do Cristo Redentor, sacolas de feira, saias de baiana. “A ‘harmonia’ entre popular e alta moda é proposta pelos produtores de moda e aceita por suas consumidoras, que desfilam nas colunas sociais com peças


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populares/artesanais/brasileiras. Mas essa apropriação se dá no registro do exótico, interessante porque é diferente. São facetas de uma tradição retiradas de seu contexto e engessadas. O povo que vai para a passarela é um povo inventado e objeto de adaptações, um povo de apelo comercial, lapidado de acordo com os gostos da classe consumidora de luxo”, avalia. Na contramão, temos a pirataria, a imitação, hoje muito bem feitas, dos artigos de luxo consumidos por várias classes sociais, pois, ao menos no Brasil, elas não são apenas uma imitação de cima para baixo que viria suprir as necessidades de emulação dos grupos populares. “Elas não são consumidas só porque são bem feitas, mas porque as diferenças entre as classes sociais brasileiras estão tão fortemente demarcadas que, muitas vezes, a distinção se dá pela própria aparência”, observa Débora. Daí, é possível às classes médias altas (e até mesmo a “celebridades”) usarem, por exemplo, uma bolsa Louis Vuitton pirata, pois a mesma passará por legítima. “A diferenciação é tão bem incorporada nos sujeitos que é possível para muitos usar um bem falso e este passar por original. O mesmo produto, em um popular, por melhor pirateado que seja, não engana ninguém na cena social, apenas em função de quem o carrega.” A reação é imediata. Quando um bem de luxo se “banaliza”, pela sua “democratização”, as elites o deixam de lado, como se fez no Brasil com a Louis Vuitton, então vista como “brega” e desprezada pelos ricos. Isso, porém, não afetou o consumo de imitação pelos mais pobres, o que pode indicar que o luxo nem sempre é forma de imitação das classes altas, mas pode ser usado de forma adaptada.“O consumo de luxo é adaptado ao gosto popular e ao invés de interpretá-lo como uma deformação do estilo da bolsa original, achamos melhor pensar que é modificado ou trans-

formado, num processo que, de cima para baixo, parece distorção ou má compreensão, e de baixo para cima parece adaptação a necessidades específicas.” Isso vale, inclusive, para o consumo “verdadeiro”do luxo feito atualmente pelas elites. “O luxo deixou de servir apenas à marcação de posições sociais no coletivo para satisfazer o indivíduo, suas instâncias emocionais e a satisfação de suas fantasias pessoais.Ao luxo de natureza quantitativa (escassez gerando valor) contrapõe-se o novo luxo, qualitativo, ligado à identidade, ao conforto, à comodidade, à sofisticação, liberdade. Tudo o que é novo, diferente, ousado, converte-se hoje em luxo”, pondera Valéria.Assim, o luxo perderia a obviedade do material nobre e ganharia em suporte sensorial e em capital cultural: o prazer é o grande luxo almejado. Não sem razão, a Daslu oferece, aos seus clientes, um spa e a Louis Vuitton, de Paris, tem lugares para “sonecas”. O luxo está associado ao bemestar, agora um privilégio de poucos. Status - O corpo, diz a pesquisadora, é

o grande suporte para este novo luxo por meio da moda e das marcas.“A moda contemporânea torna-se mais do que roupa, tendência ou estilo. Ela se torna objeto de ação expressiva, de mensagem, não apenas referencial de status, mas forma de comunicação.” O indivíduo, continua, se autonomiza na massa e ao mesmo tempo a incorpora pela representação que faz de si mesmo, pela dramatização proposta pela forma de vestir, de compor um estilo, de comunicar valores sociais ou aspectos subjetivos que deseja expressar para o outro. “O estilo é a ferramenta da construção da personalidade. Signos codificados em peças de vestuário atuam como novas formas de expressão da subjetividade e identidade do indivíduo.” D’Angelo nota como o novo luxo, ao negar o velho luxo, mostra-se não ostensivo. “É quase invisível de tão voltado à intimidade de cada um

e, embora raro, não tão dependente do poder econômico. É, de outro modo, elitista, já que preserva a relação de diferença (os que têm e os que não têm) sem, no entanto, ser tão rigoroso nos pré-requisitos que a ele dão acesso.”Remonta, dessa forma, à noção mais pessoal do que venha a ser luxo, a simplificação da auto-indulgência individual, tratada de forma coletiva, privilégio ao qual todos querem acesso. Chegamos, então, ao luxo “sensato”, como proposto pelo filósofo francês Giles Lipovetsky, para quem “a busca dos gozos privados suplantou a exigência de ostentação e de reconhecimento social, substituindo a teatralidade social pelas sensações íntimas”? “Acho que, quando o assunto são as motivações do luxo, é melhor adicionar do que subtrair.Assim como na sociedade há sempre uma combinação de forças entre aquilo que queremos e desejamos e aquilo que os outros querem e esperam de nós, no luxo, a nossa vida de consumidor combina escolhas para ‘nós’e outras tantas para os ‘outros’. O mesmo se dá na moda: ao mesmo tempo que ajuda a filiar o consumidor a uma tribo, reforçando seu pertencimento, ela serve também para solidificar a sua própria compreensão como consumidores. juvenis mais abastados em vários países”, explica Valéria. Mais: para a pesquisadora, no universo globalizado, os estilos de vida são fluidos, portanto, um mesmo consumidor pode participar de grupos diferentes e, por vezes,“antagônicos”, dependendo do momento de trabalho, lazer ou educação em sua vida cotidiana. “Uma executiva pode consumir uma caneta Mont Blanc e uma pasta Louis Vuitton e também usar um vestido Doc Dog, colares Guerreiro e botas da Galeria Ouro Fino.” Ao contrário da “pobre” Maria Antonieta hoje é possível usar-se o luxo para o poder e para o prazer, sem medo algum de perder a cabeça. Só cuidado para não guilhotinarem seu cartão de crédito. ■

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> CIÊNCIA POLÍTICA

A polícia sob a vigilância da lei Apesar do boicote de algumas autoridades, ouvidorias trazem avanços G ONÇALO J UNIOR

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or mais que os índices de violência não dêem trégua e a credibilidade das autoridades e dos poderes públicos nessa área esteja em baixa, uma verdadeira revolução parece acontecer nos bastidores das forças de combate e prevenção ao crime em 14 estados brasileiros. Ou seja, naqueles em que existe a ação das ouvidorias de polícia. Graças a essa ferramenta, que existe há apenas alguns anos – a primeira foi criada em São Paulo, em 1995, por Mário Covas –, a sociedade civil começa a minar a máquina de violência do aparelho policial, freqüentemente denunciada como violadora dos direitos humanos. Isso tem sido possível a partir de um mapeamento constante de irregularidades e de denúncias, disponível à população por meio de relatórios, acessados até pela internet. Vários grupos de extermínio puderam ser identificados e desmontados em diversas cidades por causa das ouvidorias. Outro resultado importante foi alcançado em

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São Paulo, onde se descobriu que os crimes de resistência seguida de morte (RSM), um eufemismo para encobrir a morte de cidadãos pela polícia, entravam pela porta errada no fórum, pois eram considerados “crimes de resistência”. Como o “réu” tinha morrido, extinguia-se automaticamente a ação do Ministério Público e o crime de morte da polícia nem sequer era considerado. A vítima, portanto, era culpada por ter morrido. A partir de um relatório publicado pela ouvidoria, o fórum foi obrigado a mudar o encaminhamento dos processos de RSM, que passam primeiro às varas criminais. Essas conclusões fazem parte da tese de doutorado em ciências políticas “Ouvidorias de polícia no Brasil: controle e participação”, do cientista político Bruno Konder Comparato, que acaba de ser defendida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP). Comparato é um entusiasta da defesa dessa ferramenta a partir do seu inte-


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resse em estudar dois temas que lhe são fundamentais: direitos humanos e democracia. Seu estudo, bem fundamentado com fatos e números, é consistente e não deixa dúvidas de que a população precisa e deve dar um voto de confiança nas ouvidorias de polícia. Prestará assim um favor a si mesmo e à sociedade num sentido mais amplo de aprimoramento do Estado democrático. Em vez de tratar do viés da eficiência ou não, o autor aponta elementos que legitimam sua existência. E enfatiza a importância do papel do Estado nesse sentido: para que a experiência das ouvidorias de polícia possa continuar e frutificar, é preciso que os argumentos normativos a favor do controle externo que estiveram na origem da sua criação – transparência, fiscalização, prestação de contas, adequação aos princípios dos direitos humanos – sejam corroborados por evidências mais concretas dos seus benefícios, como diminuição da violência e dos abusos por parte da polícia; menos crimes

dos policiais; e maior satisfação dos cidadãos quanto ao desempenho da polícia. Da forma como foram criadas e institucionalizadas as ouvidorias de polícia no Brasil, contudo, seria um erro pretender julgá-las e avaliá-las pelo que elas não podem fazer. Como investigar os crimes cometidos por policiais e punir os policiais infratores. “Devemos avaliá-las pelo que está em seu poder e ao seu alcance.”Ou seja, reunir as informações e dados sobre a atuação da polícia e ouvir os cidadãos, provocar as organizações policiais e os órgãos competentes para que tomem providências no sentido de solucionar as queixas apresentadas e cobrar dos mesmos respostas satisfatórias para a população. Cabe-lhes ainda organizar os dados e sugerir mudanças no padrão de comportamento da polícia, por meio de projetos de lei ou de resoluções internas das polícias; divulgar os dados por meio de relatórios, entrevistas coletivas, artigos na imprensa e incentivar e facilitar a participação popular.

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Seus papéis, portanto, são três: o monitoramento, a investigação e a punição. “Pode parecer frustrante, mas a única das três etapas ao alcance das ouvidorias de polícia é a primeira, o monitoramento.” Comparato chama a atenção para o fato de que o objetivo implícito na própria razão de ser das ouvidorias de polícia, que é diminuir os abusos e crimes da polícia, é muito difícil de ser avaliado, pois não há parâmetros de comparação, mesmo que indiretamente bons resultados possam ocorrer.“Muitas das frustrações com relação ao funcionamento e aos seus resultados pouco visíveis para a população em geral se devem às suas limitações institucionais.” Vários denunciantes reclamam da falta de resposta adequada por parte das ouvidorias, quando, na verdade, as providências esperadas dependem das corregedorias e do Ministério Público. Tema - O sociólogo lembra que sua intenção inicial foi estudar o tema dos direitos humanos e investigar a maneira como passaram a fazer parte da agenda pública no Brasil nas últimas duas décadas. Seu ponto de partida foi a constatação da criação de instituições de promoção dos direitos humanos nos três Poderes e nas três esferas da Federação. Além disso, o Brasil passou a ser signatário de todos os tratados internacionais e regionais relacionados ao tema. Na fase inicial da pesquisa, Comparato percebeu também que direitos humanos englobam praticamente tudo o que se refere a políticas públicas, de modo que não seria fácil definir “política pública de direitos humanos”. Depois, afirma ele, não basta se comprometer com a sua defesa e assinar tratados internacionais para que sejam efetivados. “Seria preciso que as prescrições internacionais fossem tra-

duzidas em regras e leis nacionais e criadas instituições nacionais e locais específicas”, concluindo que este era justamente o caso das ouvidorias de polícia, que permitem a verificação de um preceito humano fundamental, o direito à segurança, que está ligado ao direito à vida. Comparato se sentiu estimulado a explorar esse aspecto por um outro motivo: como as ouvidorias de polícia são recentes, ainda não tinham sido estudadas.“Elas existem em vários estados, o que permite fazer comparações, e há um abundante material de pesquisa, pois são, pelo menos em tese, obrigadas a publicar relatórios periódicos das suas atividades.”Além dessas fontes, o pesquisador recorreu a atas do fórum nacional de ouvidores da polícia, a entrevistas com os ouvidores e funcionários, a anais de eventos organizados pelas instituições e a textos sobre o tema publicados no Brasil e no exterior. Em síntese, sua tese defende que a instalação de uma ouvidoria de polícia faz realmente a diferença. O ideal para provar isso, explica ele, seria comparar estados com e sem esse tipo de serviço. Descobriu, no entanto, que, no segundo grupo, não se tem informação nenhuma sobre o controle da polícia. Ao escolher outro caminho, notou que esse instrumento permite que a sociedade possa conhecer mais de perto a maneira como se organiza e é exercida a atividade policial.“É importante ressaltar que denúncias sempre são feitas, mesmo que não haja um canal apropriado para elas. Quando a população quer, denuncia.” Nesse contexto, a principal vantagem das ouvidorias, segundo o sociólogo, é agrupar as denúncias que antes eram feitas nas comissões de direitos humanos das câmaras e Assembléias Legislativas, no Ministério Público, nos jornais, em ONGs, em associações da sociedade ci-


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vil ligadas aos direitos humanos, na Comissão Pastoral da Terra, nas sedes regionais e em locais da OAB etc. As denúncias não só ficavam dispersas, como eram guardadas com queixas e relatos de naturezas das mais diversas. “Esse formidável banco de dados que as ouvidorias estão formando ao longo do tempo permite fazer análises mais detalhadas sobre a atuação da polícia, sempre de acordo com a visão da população, pois as irregularidades, crimes e denúncias comunicados não constituem a realidade, mas apenas o que a população julgou que valia a pena comunicar.” Por causa de sua importância, talvez as mais conhecidas ouvidorias públicas do país sejam as de polícia. E também as mais visadas quanto a incomodar, uma vez que expõem as reclamações coletadas. Muito por isso, e talvez pela novidade, algumas reações de pressão por meio de boicote tentam minar ou enfraquecer a autonomia e credibilidade a esse tipo de fiscalização. São ações diretas ou indiretas que partem principalmente de autoridades e daqueles que se sentem ameaçados. Daí vem um aspecto importante que precisa ser discutido: a autonomia. No Brasil, as ouvidorias de polícia são ligadas ao Executivo. A sua instalação depende de uma decisão do governador e, no seu dia-a-dia, os ouvidores e auxiliares ficam à mercê da boa vontade do secretário de Segurança Pública. “A partir do momento em que passam a funcionar corretamente, elas começam a incomodar, pois apontam irregularidades e colocam o dedo na ferida.” E todo tipo de pressão pode acontecer então: desde não nomear o ouvidor ou repor os funcionários até não repassar verbas, dificultar ou impedir o bom andamento dos trâmites burocráticos.

Um caso exemplar nesse sentido aconteceu durante o governo Alckmin (2003-2006), em São Paulo, quando a ouvidoria foi obrigada a mudar duas vezes de endereço – um deles, inclusive, para um prédio com instalações precárias, sem móveis, luz e telefone. Em Minas Gerais, o mandato do ouvidor terminou no final de 2006 e o novo ouvidor ainda não tinha sido nomeado até meados de 2007. Pior: uma grande quantidade de equipamentos, como computadores, automóvel e móveis que tinham sido adquiridos graças a uma verba repassada pela União Européia por meio de um programa de fortalecimento das ouvidorias de polícia no Brasil, foi desviada para a Ouvidoria-Geral do Estado. Demitidos - A pressão aparece de outras formas. A divulgação do telefone da ouvidoria seria simples para o governo, mas este não o faz. Bruno Konder Comparato afirma que, em alguns casos, os ouvidores são sumariamente demitidos. Em Goiás, a ouvidora foi dispensada em junho último às vésperas de um evento realizado para aproximar a instituição da comunidade e das corporações policiais. Por tudo isso, sugere o cientista, dois pontos são importantíssimos para as ouvidorias de polícia: independência e autonomia. Independência, observa ele, significa um mandato para o ouvidor, de modo que ele não pode ser demitido antes do final do mandato, salvo em caso de falta grave, como todo funcionário público, e que ele seja escolhido pela sociedade civil e não seja ligado às corporações policiais. Autonomia quer dizer que a instituição tenha uma verba reservada e assegurada no orçamento e que possa dispor desse dinheiro sem precisar da aprovação do secretário de Segurança. O ideal para o pesquisador seria que a ouvidoria tivesse uma sede própria, separada fisicamente dos prédios da Secretaria de Segurança Pública ou da polícia. “Não é muito acolhedor para quem vai fazer uma denúncia pessoalmente se deparar com guardas armados e fardados na porta do prédio em que está instalado um serviço de denúncia contra a própria polícia. Mas este é, infelizmente, o caso na maioria das ouvidorias em todo país.”Há, portanto, muito ainda a ser feito.“A experiência até o momento mostra que o desempenho das ouvidorias ainda depende muito da personalidade do ouvidor, o que mostra que elas ainda estão pouco institucionalizadas.” Até o seu surgimento cabia ao Ministério Público fazer o papel de fiscalização das polícias. Mas esse trabalho foi relegado ao segundo plano e só recentemente começou a ser desempenhado de forma organizada e sistemática. A aposta – e esperança – de Comparato é de que a ouvidoria de polícia, como mecanismo de vigilância e de proteção dos direitos humanos e da democracia, tenha eficácia no controle da atividade policial, para evitar, constranger ou diminuir bastante os abusos e excessos cometidos por policiais, agentes, delegados e demais funcionários da área. Uma luta que já começou, mas infelizmente não tem data para acabar. ■ PESQUISA FAPESP 138

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> PSICOLOGIA

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ambigüidade Pesquisa revela complexidade da identidade das travestis de baixa renda

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meaçada de destruição por um zepelim prateado, a cidade, de joelhos, foi salva pela travesti Geni. Como agradecimento, ela ganhou mais do mesmo dos cidadãos “de bem”: “Joga pedra na Geni/ Ela é feita pra apanhar/ Ela é boa de cuspir/ Maldita Geni”, escreveu Chico Buarque em sua Ópera do malandro. Recentemente, a imprensa noticiou que atores globais teriam ido a um motel com duas travestis e, se dando conta do engano, as ameaçaram de morte. “Feitas para apanhar”, outras receberam bem mais do que ameaças.“Figuras consideradas ‘monstruosas’ e abjetas, não são apropriadas pelos sistemas de saber e poder estabelecidos, o que suscita sua eliminação, resultando nos assassinatos freqüentes de travestis, fruto da chamada ‘transfobia’. Ao exceder as classificações de gênero e sexualidade de nossa sociedade, elas nos desafiam, nos desconstroem e provocam um desejo de morte, como as figuras monstruosas descritas por Foucault”, explica o psicólogo Marcos Garcia, autor da tese de doutorado “Dragões: gênero, corpo, trabalho e violência na formação da identidade entre travestis de baixa renda”, defendida este ano no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Durante quatro anos Garcia acompanhou reuniões semanais de travestis em uma instituição pública em busca de um fator comum que as identificasse. Em vez da mera dualidade de gêneros,

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deparou com uma complexa “colcha de retalhos”em permanente construção que reúne, numa pessoa, várias figuras diversas e contraditórias, parcialmente incorporadas pela travesti e que formam sua identidade: a “mulher submissa”, a “prostituta”, a “mulher super-sedutora”, no campo da feminilidade, e o “viado”, o “malandro” e o “bandido”, no lado da masculinidade. “Elas são travestis justamente porque assumem todas essas figuras. A síntese de elementos contraditórios numa mesma pessoa pode ser metaforizada na figura mítica do dragão, mesmo termo usado por elas para designar as que são pobres ou têm aparência masculina (em oposição às “deusas”, como Roberta Close etc.)”, observa o autor.“O dragão tem como marca comum a mistura de elementos de diferentes animais e é entendido como um representante de poderes do ‘bem’ ou do ‘mal’, outra analogia com as travestis, tidas como figuras a serem eliminadas, mas que, ao mesmo tempo, atraem o desejo erótico de muitos, às vezes os mesmos que as agridem.” Como o ser mitológico, continua, elas “contrariam” as leis da natureza e da sociedade, combinando o impossível com o proibido, aquilo que não é contra a lei, apenas na medida em que essa não o prevê.“Ele é impensado, o fora-da-lei, suscitando não a imposição da lei, mas a eliminação.” Garcia acredita que a violência a elas direcionada tenha como um de seus determinantes o fato de elas justamente


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não ocuparem um local definido nos “catálogos” identitários reconhecidos na sociedade brasilera, “sendo perseguidas não por ocupar um lugar feminino, mas pela pretensão à transitividade e por escapar à classificação social”. No Brasil, o termo “travesti”, até a década de 1960, era reservado a quem se vestia como mulher, seja em paródias carnavalescas ou em shows, sem a conotação de prostituição.“Naquele tempo era quase impossível ser travesti no Brasil. Elas não tinham condição de pôr os pés na rua, pois a sociedade não admitia”, conta o antropólogo Hélio Silva, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e autor de Travestis: entre o espelho e a rua (Editora Rocco), estudo clássico, relançado recentemente. Em uma década, os “transformistas”, como também eram chamadas, se transformaram, nos anos 1970, observa Garcia, na travesti atual, termo a partir de então usado para designar quem se prostituía, não apenas usando adereços femininos, mas cabelos longos, unhas pintadas e com o “corpo modificado” por meio de hormônios ou silicone, em busca de uma imagem semelhante à feminina. A pesquisa do antropólogo revelou histórias comuns entre elas, em geral vindas de famílias de baixa renda e desde cedo discriminadas e agredidas por serem “efeminadas”. A solução também era padrão – ir para a cidade grande em busca de melhores condições de vida e aceitação social –, assim como o destino final, a prostituição, alternativa à falta de espaço no mercado de trabalho e à impossibilidade de contar com o auxílio da família. Esse rompimento, aliás, é responsável pelo isolamento social das travestis, que fortalece a nova identidade, já que a convivência próxima a outros homossexuais surge como a rede social alternativa à exclusão familiar. Esses laços de amizade e proteção, nota o pesquisador, chegavam mesmo a constituir uma linguagem específica entre as travestis, permeada por termos oriundos de dialetos africanos, manifestação “de pertencimento a um grupo seleto e uma proteção em relação aos que estão fora das fronteiras definidas por esses cultos”. Essa língua própria se explicaria, observa Garcia, “pela associação histórica entre os cultos afro-brasileiros e a homossexualidade”. 92

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O “retalho” mais notável da “colcha” identitária das travestis é sua relação, afetiva e sexual, com seus companheiros, os “maridos”.“Elas incorporavam a mulher submissa, permanecendo em posição passiva frente a eles, que muitas vezes as exploram economicamente, e associando a feminilidade com o sofrimento.” Se aceitavam o “marido” malandro, na relação com os clientes, porém, se colocavam como “malandros”, mantendoos numa posição complementar a sua (a de “otários”) e se revoltando contra aqueles que tentavam deixá-las em um lugar submisso. Segundo o antropólogo, há um desprezo pelos clientes que queriam relações passivas nos “programas”, uma vez que, embora isso garantisse a satisfação das necessidades financeiras, não realizava as da ordem de serem desejadas como “mulheres”. Já o papel passivo pode, muitas vezes, ser fonte de satisfação, já que a travesti era reconhecida,“cantada”, desenvolvendo a sua autoestima, e ganhando dinheiro. Tia - Mas a felicidade nunca é completa.

“As travestis desvalorizam o dinheiro da prostituição, visto como ‘sujo’. O mesmo termo é aplicado aos portadores de HIV (chamados por elas de ‘tias’ e vistos como uma forma indesejada de ‘masculinização’, redobrando o sofrimento de ser portadores), cujo sangue também seria ‘sujo’. Nos dois casos há um desprezo pela atividade que exercem, remetendo a uma ‘sujeira moral’, envolvendo tudo numa atmosfera de vergonha e culpa”, analisa o pesquisador. A pauperização revelava nelas outro “retalho”: o “bandido”. “Roubando e ameaçando clientes para arrancar dinheiro, faziam deles objetos de exploração econômica. Isso é agravado pelo envolvimento com o tráfico de drogas ou pelo consumo de drogas, em especial o crack, que fazia com que elas se aproximassem do ‘mundo do crime’.” Mas o que dizer dos clientes? Infelizmente, diz Garcia, quase inexistem pesquisas sobre a outra ponta da relação, por um medo óbvio dos clientes em se apresentarem como tal.“Mas alguns autores relacionam a procura por travestis como a busca de um ideal de feminilidade estereotipada, associada à sedução que as mulheres ‘de verdade’ não mais encarnariam por conta da emancipação feminina, que as faria recusar a posição de

‘mulher objeto’. Essa ‘mulher ideal’ seria mais facilmente inventada por um homem, pelo fato de ele conhecer profundamente os desejos masculinos.” Embora o psicólogo ressalte a perigosa generalização desse argumento, ele, de certa forma, explica outro dos “retalhos”: a figura da femme fatale, ideal de muitas travestis.“A relação delas com o corpo passa por uma percepção do caráter ambíguo do mesmo, o que sugere que não o percebem como apenas masculino ou feminino. Daí a intensa preocupação com a transformação corpórea por meio de métodos definitivos como a hormonioterapia ou a aplicação de silicone (feita, muitas vezes, de forma inadequada e perigosa pelas ‘bombadeiras’, colegas que injetam silicone industrial).” A busca por um corpo sedutor e voluptuoso remete à figura da mulher sedutora, calcada nos estereótipos cinematográficos, o que também se desdobra na escolha de nomes de guerra com sonoridade “estrangeira” (quando não diretamente inspirados em celebridades), forma de ressaltar a aproximação das travestis com as estrelas das telas. Para Garcia, toda essa complexidade deve ser contemplada ao se tentar traçar um retrato da identidade das travestis. “Talvez os ‘retalhos’ não sejam os únicos a preencher a ‘colcha’ e que cada um deles pode ter tamanhos diferentes. Isso implica reconhecer uma identidade sujeita a tensões evidentes entre masculino e feminino, mas também dentro do campo da feminilidade e da masculinidade.” Como, por exemplo, a contradição entre a submissão da “mulher de malandro” e o desejo de domínio da femme fatale ou o desacordo entre ser desejada e ser usada, no caso da “prostituta”. No campo da masculinidade, existe a tensão entre a figura do “malandro” e a do “bandido” no que se refere às práticas aceitas por elas em relação aos clientes e a incoerência de um “bandido” viril ante a identidade gay, vista como “passiva e covarde”. “Ser travesti é viver tais contradições cotidianamente, no corpo, na auto-representação, nos relacionamentos duradouros e transitórios, e ser cotidianamente punida por isso.”Afinal, nada mais fácil do que jogar pedras e cuspir na Geni. ■

> As fotos desta matéria são da exposição Retratos de uma cidade escondida, que faz parte do Projeto Nome Delas, desenvolvido pelo fotógrafo, advogado internacional, criminologista e militante de direitos humanos Barry Michael Wolfe, com o objetivo de resgatar a dignidade das travestis de São Paulo. As fotos, tiradas por Wolfe na noite paulistana, foram distribuídas como presente às travestis, que, muitas vezes, as enviam para as famílias, sendo estes os únicos registros dignos que elas têm de si próprias. Barry Michael Wolfe nasceu na Escócia e está no Brasil desde 1986. É formado pela Universidade de Edimburgo com Suma Cum Laude em direito penal e criminologia, com pós-graduação na Yale Law School e mestrado em direito internacional público pela Universidade de Cambridge. O Projeto Nome Delas inclui pesquisas acadêmicas, artigos editados em publicações internacionais e ações em direitos humanos.

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FICÇÃO

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J OÃO A NZANELLO C ARRASCOZA *

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u as vejo pelo espelho retrovisor,crianças todas,sentadas recatadamente,enquanto o novo dia estala lá fora além dos vidros,e posso captar em cada uma,de rosto a rosto,o mesmo estremecimento.Foram alçadas bruscamente do sono,mesmo se com um beijo ou umas palavras amenas, Acorda,filho; Está na hora,querida!, e saltaram da cama,serelépidas algumas, sonolentas a maioria.Pegaram logo suas vidas, como as mochilas,e,com os olhos ainda sujos de espanto,saíram à rua e entraram na van escolar,onde seguem comigo.Se o mundo nos agride — a nós que vivemos em vigília e temos veneno nas unhas,facas na voz —,é um susto para elas desligar os sonhos e acender a realidade,é um torpor silencioso como o de uma febre alta.Mas,por esses milagres que fazem as flores suportarem temporais,eis que vão aos poucos despertando novamente,de volta à sua condição ensolarada,de meninos e meninas.Já posso ouvir um resmungo tímido aqui,uma risada ali, e, a cada quarteirão percorrido, outros ruídos faíscam delas,fraturando o barulho monótono do motor,como se testassem com cautela,em doses mínimas,as poderosas descargas de felicidade que vão eletrizar seu dia.Pressinto

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se estão bem ou não quando passam pela porta da van e me dizem Oi, não porque eu tenha aprendido a ler seus gestos ou a reconhecer em cada oi o timbre de seu humor,mas porque se abrem inteiras,pedem em silêncio para que a gente as folheie,nos põem nas mãos novamente lápis coloridos.A vida é aos trechos,e eu só as conduzo,nessas manhãs,por um curto trajeto, umas ruas caladas que desembocam em avenidas estridentes,até que alcancemos os portões do colégio.Lá dentro,no pátio ou nas salas de aula,vão enfrentar outros deslocamentos e aprender,a sós,onde estão os sinais verdes e vermelhos,onde há valas perigosas,onde o asfalto se esfarela e não percebemos senão quando já derrapamos.Mas estamos a meio caminho e vamos tranqüilos,o dia se espreguiçando devagar, quase esqueço que envelhecemos aos poucos,eu mais do que elas,muitos trechos ainda têm pela frente,já vejo o sorriso nascer na face de uma — o vazio dos dentes que caíram lhe dá um aspecto comovente —,a língua a despontar na careta de outra;em minutos os assuntos,só delas,vão rebentar e fluir como um manancial. Quem nos vê nessa van não pode imaginar senão um mundo de levezas,uma margem que é


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ela mesma um rio de águas translúcidas, um território que corre à parte, como as nuvens sobre a cidade, alheias ao frenesi das pessoas dentro da pele, da roupa, do veículo que as leva, ora rápido ora lento, aos seus compromissos. Não há razão para ninguém se afligir pensando, de súbito, que um momento turvo poderá vir ao nosso encontro. Contudo, não há quem, diante da beleza, resista ao ímpeto, mesmo se inconsciente, de destruí-la. Agora ouço a voz de um garoto que se cruza com a de outro, e ambos vão tecendo sem pressa um desenho cujas formas não distinguo, só eles sabem dar contornos suaves às conversas — aí está algo que desaprendi —, e, aos relances, observo os cabelos loiros da menina lá no fundo, iguais aos da mãe que vem me entregá-la todos os dias; os olhos daquele garoto tão verdes como os do pai; a forma semelhante dos lábios de dois irmãos, o mistério das combinações que passam desse para aquele as mesmas manias, o mesmo jeito de olhar, a mesma duração da viagem. Como se trocasse a lente dos óculos, vejo pelo retrovisor o futuro na face delas, o fim do percurso, que em mim se encurta, e os trechos que venci se misturam em minha lembrança formando um mapa que nem mesmo

eu sei mais decifrar. Enveredamos por um longo viaduto, acelero forte para enfrentar a subida, e, lá adiante, há um cruzamento, sairei à esquerda e avançando mais alguns metros estaremos no colégio. Já percebo a luz amarela do semáforo, vou freando com delicadeza, mas só aí percebo que um ônibus a toda velocidade vem em nossa direção e, por um instante, vejo-o chocarse estrondosamente na lateral da van, onde está a maior parte das crianças com suas lancheiras, seus game boys, suas bonecas, seus cadernos e estojos escolares. Fecho os olhos, mas a buzina de um carro atrás me obriga a abri-los e sacode essa cena da minha imaginação. Aliviado com a normalidade à minha frente, o acidente apenas no reino das hipóteses, arranco às pressas, como se pudesse evitar, para sempre, o que um dia sucederá a elas. Como ainda não sucedeu, e a manhã segue iluminada, e todas já se agitam, enfim, falantes e felizes, sorrio e digo Estamos chegando, crianças, e nesse sorriso, eu bem sei, é que se esconde a minha lição de vida. *João Anzanello Carrascoza é escritor, autor de Dias raros e O volume do silêncio, entre outras obras. PESQUISA FAPESP 138

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• microinjeção pronuclear de DNAem zigotos • injeção de células-tronco modificadas em blastocistos Informações: allegro@biofis.epm.br www.cedeme.epm.br/cedeme

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RESENHA

Histórias da vida real Divulgação científica em formas inusitadas M ARILUCE M OURA

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dos primeiros cálculos da idade do Universo feitos por Edwin Hubble no começo do século Mariano Sigman XX. Mas em qualquer tema flaEditora Perspectiva gra-se um certo ponto de vista original,às vezes quase sarcásti224 páginas co, que faz de Sigman um divulR$ 36,00 gador muito diferente do usual. Veja-se para ilustrar essa diferença um trecho da crônica Juvenilia:“Os elefantes machos começam a ser férteis por volta dos dezoito anos,porém dificilmente se reproduzem antes dos trinta.Em média,atravessam uma violenta prática biológica e social chamada musth. Durante esse período,as bochechas do elefante derramam lágrimas de um azeite com cheiro de almíscar e seu pênis ereto expulsa,de maneira contínua,uma enorme quantidade de urina que jorra entre as pernas”.Sigman vai falar em seguida de experiências da pesquisadora Joyce Poole que demonstraram que a presença de velhos elefantes inibia o musth nos mais jovens,de tal forma que se conseguia construir entre eles,como entre outros animais,vias para uma convivência menos agressiva do grupo.O texto termina com a observação de que “somos uma espécie,mais uma,e jogamos o mesmo jogo que os elefantes e os rinocerontes.Só que nós resolvemos o nosso musth no divã”.Em uma crônica de natureza bem diversa,tratando das teorias da origem do Universo e de seu provável desenvolvimento, Sigman observa em certo ponto que “por uma longa série de razões a ciência acaba sendo vendida em latas de cores.A divulgação da ciência é triunfalista e sensacionalista,sem perder tempo em discussões de métodos ou nas histórias que desembocam nos diferentes resultados”.De fato,quem lida com divulgação científica sabe que quase sempre é assim. Não é fácil,certamente,resumir as muitas facetas da visível iconoclastia do autor,multiplicada por quase quatro dezenas de textos.Como diz no prefácio para a edição brasileira o neurocientista Sidarta Ribeiro,Sigman,entre outros traços,“um neuro-hedonista que celebra a ciência para a fruição humana”,em O breve lapso entre o ovo e a galinha “faz uma crítica anárquica da valorização científica do ego,pulsando de inconformidade com a tragédia humana. Fala da ciência da vida,assim como da vida vista pela ciência,em toda a minúcia de sua práxis,seus vai-e-vens,desacertos e descaminhos”.Assim é – sem esquecer de Borges. O breve lapso entre o ovo e a galinha

FOTO MIGUEL BOYAYAN

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á ecos assumidos de Jorge Luis Borges no modo de Mariano Sigman contar suas histórias e apresentar suas reflexões em O breve lapso entre o ovo e a galinha, lançado agora no Brasil. Tanto que, no prefácio que já aparecia na edição original em espanhol,publicada em 2004,depois de esclarecer que as idéias do reverenciado escritor argentino “não foram o ponto de partida de nenhum texto,a não ser pelo fato de que cada história,a partir de uma série de associações naturais,se encontrava com Borges”,Sigman declara sua intenção de homenageá-lo. “De alguma maneira espero que este,meu livro,seja uma pequena e modesta homenagem,um testemunho seguramente desnecessário de seu conhecimento profundo e intuição sobre a fenomenologia da mente,a memória,a teoria das representações,os sonhos”,diz ele.Mais que na linguagem,entretanto,ou na narração de cada história,é na estranheza que consegue imprimir a cada dado,achado ou observação científica que comenta em suas crônicas que Sigman traz à nossa lembrança sonoridades de Borges.É pelo insólito do olhar que a ciência e o conhecimento nessas crônicas ganham uma dimensão de fabulação extraordinária e,por isso mesmo,uma carga de atração comparável à das melhores ficções. Não há dúvida,contudo,que é divulgação científica o que faz Sigman,um neurocientista de 35 anos,formado físico pela Universidade de Buenos Aires,doutorado em neurociências pela Rockfeller University,de Nova York,e,desde 2005,professor da Universidade de Barcelona,ao mesmo tempo em que é pesquisador do Laboratório de Neuroimagens Cognitivas do Inserm,de Paris.Os textos que integram O breve lapso entre o ovo e a galinha foram escritos entre 1998 e 2004 para a revista argentina 3 Puntos, em sua maior parte, enquanto alguns outros se destinaram a Le Monde Diplomatique, e se ligam tanto a temas mais contingentes quanto a indagações radicais que têm movido os cientistas desde que a cultura humana começou a erigir qualquer coisa que se pôde denominar ciência.Assim,os genes,a C. elegans, os experimentos dos físicos com a sincronicidade,estão presentes nas páginas do livro de Sigman tanto quanto os desdobramentos contemporâneos do darwinismo e os efeitos


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Apresentação Leandro Andrade Comentários Mariluce Moura Diretora de redação de Pesquisa FAPESP

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