Efeitos da violência

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VENDA PROIBIDA

ASSINANTE

Nº 150 ■

EXEMPLAR DE

Agosto 2008

Agosto 2008 Nº 150 ■ ■

Por que as pernas falham com o fôlego curto

PESQUISA FAPESP

Os limites da produção acadêmica brasileira

Efeitos da

violência Uma em cada dez vítimas desenvolve distúrbio emocional que afeta o trabalho e as relações familiares

>> ESPECIAL EXPOSICAO REVOLUCAO GENÔMICA V capa pesquisa assina-150.indd 1

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ARESTIDES BAPTISTA/AG. A TARDE/FOLHA IMAGEM

IMAGEM DO MÊS

Perdidos

nos trópicos Cerca de 7 mil quilômetros de viagem separam a ensolarada Salvador, na Bahia, das águas do sul da Argentina, onde vivem em colônias os pingüins-de-magalhães. Apesar da distância, pelo menos três centenas dessas aves marinhas, na maioria filhotes desnutridos, perderam-se em sua rota migratória e, em vez de alcançar a costa atlântica sul-africana, foram resgatados por banhistas nas praias quentes da capital baiana. O fenômeno não é inédito, mas, segundo biólogos da organização não-governamental Instituto de Mamíferos Aquáticos, da Bahia, nunca tantos pingüins desgarraram-se ao mesmo tempo. Os animais resgatados seriam transportados de avião até a costa fluminense e devolvidos ao mar.

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AGOSTO 2008 CAIO GUATELLI/FOLHA IMAGEM

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MIGUEL BOYAYAN

MICHAEL A.COLICOS/UCSD

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CAPA

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> CAPA

> ENTREVISTA

> POLÍTICA CIENTÍFICA

> CIÊNCIA

E TECNOLÓGICA 20 Uma em cada dez

vítimas de assalto, seqüestro ou outras formas de agressão desenvolve estresse pós-traumático

12 Crítico das usinas

nucleares nos anos 1970 e defensor do etanol, José Goldemberg faz um balanço de seis décadas de vida acadêmica > ESPECIAL V 51 REVOLUÇÃO GENÔMICA

Debates e embates da ciência

44 FISIOLOGIA 34 INDICADORES

Resultados divergentes em rankings acendem debate sobre os limites de crescimento da produção acadêmica brasileira 37 NEUROCIÊNCIA

PUC do Rio Grande do Sul lança instituto de pesquisa em doenças neurológicas 38 DIFUSÃO

Unicamp atrai 12 mil pessoas para a 60ª Reunião Anual da SBPC

Competição por oxigênio causa a fadiga comum na insuficiência cardíaca e pulmonar 48 FARMACOLOGIA

Componente da goma-guar alivia a dor e evita progressão dos danos nas articulações 50 GENÉTICA

Em laboratório, células-tronco restauram força de camundongos com distrofia

> SEÇÕES 3 IMAGEM DO MÊS 6 CARTAS 7 CARTA DO EDITOR 8 MEMÓRIA 28 ESTRATÉGIAS 40 LABORATÓRIO 76 SCIELO NOTÍCIAS .............................

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> POLÍTICA C&T

> CIÊNCIA

> TECNOLOGIA

> HUMANIDADES

WWW.REVISTAPESQUISA.FAPESP.BR

REPRODUÇÃO

> EDITORIAS

EDUARDO CESAR

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102 70 GENÔMICA

Simpósio internacional discute rumos da pesquisa canavieira no Brasil 72 GEOGRAFIA

A busca da nascente revela as peculiaridades do rio Amazonas, agora o mais longo do mundo

> TECNOLOGIA 82 QUÍMICA

Garrafas plásticas descartadas transformam-se em matérias-primas derivadas de petróleo

Embrapa lança novas variedades de soja transgênica adaptadas às condições de solo e clima do Norte e Nordeste

86 AGRICULTURA

Técnica de cultivo que substitui a queima pelo reaproveitamento da capoeira ganha mais espaço na Amazônia

96 DIPLOMACIA

O caráter flutuante das relacões entre o Brasil e o continente africano 102 HISTÓRIA

92 MEDICINA

Equipe da USP cria soluções inovadoras para próteses cirúrgicas na reconstrução óssea

......................... 78 LINHA DE PRODUÇÃO 110 RESENHA 111 LIVROS 112 FICÇÃO 114 CLASSIFICADOS

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> HUMANIDADES

90 BIOTECNOLOGIA

Estudo recupera personagem perseguido por Inquisição 106 BIOGRAFIA

Doutorado traça perfil de Darcy Vargas, mulher de Getúlio, precursora das políticas sociais na Presidência

CAPA MAYUMI OKUYAMA FOTO LALO DE ALMEIDA/FOLHA IMAGEM

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CARTAS cartas@fapesp.br

As reportagens de Pesquisa FAPESP mostram a construção do conhecimento essencial ao desenvolvimento do país. Acompanhe essa evolução. ■

Para anunciar Ligue para: (11) 3838-4008

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Site da revista No endereço eletrônico www.revistapesquisa.fapesp.br você encontra todos os textos de Pesquisa FAPESP na íntegra e um arquivo com todas as edições da revista, incluindo os suplementos especiais. No site também estão disponíveis asreportagens em inglês e espanhol.

Opiniões ou sugestões

MIGUEL BOYAYAN

Envie cartas para a redação de Pesquisa FAPESP Rua Pio XI, 1.500 São Paulo, SP 05468-901 pelo fax (11) 3838-4181 ou pelo e-mail: cartas@fapesp.br

Revolução genômica

Revista

A humanidade parece ter despertado neste século para três grandes desafios: atender à crescente demanda por alimentos diante da constatada limitação de áreas agricultáveis, criar opções energéticas às tradicionais fontes oriundas de recursos não-renováveis e concretizar esses dois objetivos em conjunto com a imprescindível manutenção do equilíbrio ambiental. A edição 149 de Pesquisa FAPESP mostra como a solução dessas questões apóiase – e não poderia ser de outra forma – no trabalho da ciência. O professor Fernando Reinach aponta com muita clareza o impacto das inovações científicas na otimização dos recursos conhecidos para a produção de alimentos e na criação de novos, com destaque para os transgênicos, e sua harmonização com a proteção ambiental. Do mesmo modo, a reportagem de capa retrata os esforços dos pesquisadores brasileiros para extrair maiores benefícios no processo de obtenção dos combustíveis vegetais, também não descurando da preocupação ecológica. É inegável a magnitude da responsabilidade do Brasil na solução desses três desafios mundiais. Infelizmente, aqui, além do tradicional atraso na atividade de pesquisa com relação aos países mais avançados, ainda há que vencer o preconceito e a ação dos sempre manipulados “movimentos sociais”.

Quero parabenizá-los pelo excelente trabalho jornalístico de Pesquisa FAPESP. A cada número que chega as minhas mãos eu simplesmente devoro. De um modo simples e gostoso de ler, a revista está sempre nos informando sobre a evolução social e tecnológica. Depois dôo à biblioteca municipal de minha cidade para que alunos possam utilizá-la como fonte de pesquisa em seus trabalhos.

Maria Said Rodrigues São Paulo, SP

Parabéns por todo o trabalho da FAPESP. A revista é fantástica, as palestras da agenda cultural da exposição Revolução genômica são demais e os resultados das pesquisas têm colocado o Brasil na vanguarda em muitos campos. Jean Zonato São Paulo, SP

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Roberto Luiz de Godoy Strauss Praia Grande, SP

Vinho branco Gostaria de me solidarizar com outros leitores e cumprimentá-los pela excelência das reportagens publicadas nesta revista. Apenas um pequeno detalhe que talvez tenha passado despercebido. Na reportagem “Quase como um tinto” (edição 149), sobre a técnica da Embrapa que descreve o aumento dos polifenóis presentes num corte de vinho branco envolvendo as uvas Malvasia Bianca e Seyval, é mencionada que a primeira casta entra com 77% de sua “carga genética” e este termo está incorretamente aplicado, porque os geneticistas reservam a utilização da expressão “carga genética” para se referir ao conteúdo de genes deletérios de uma dada espécie (seja de planta, de animal ou microorganismos). O correto numa situação como esta seria ter mencionado que a primeira casta participa com 77% de seu patrimônio genético ou ainda 77% de sua bagagem genética Manoel Victor Franco Lemos Unesp/Campus de Jaboticabal Jaboticabal, SP

Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail cartas@fapesp.br, pelo fax (11) 3838-4181 ou para a rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP, CEP 05468-901. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.

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CARTA DO EDITOR FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CELSO LAFER

PRESIDENTE JOSÉ ARANA VARELA

Doença de um país em guerra

VICE-PRESIDENTE CONSELHO SUPERIOR CELSO LAFER, EDUARDO MOACYR KRIEGER, HORÁCIO LAFER PIVA, JACOBUS CORNELIS VOORWALD, JOSÉ ARANA VARELA, JOSÉ DE SOUZA MARTINS, JOSÉ TADEU JORGE, LUIZ GONZAGA BELLUZZO, SEDI HIRANO, SUELY VILELA SAMPAIO, VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO

Luiz Henrique Lopes dos Santos Diretor de Redação em exercício

CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO RICARDO RENZO BRENTANI

DIRETOR PRESIDENTE CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ

DIRETOR CIENTÍFICO

À

JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER

DIRETOR ADMINISTRATIVO

ISSN 1519-8774

CONSELHO EDITORIAL LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADOR CIENTÍFICO), CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTINHO, JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, MÁRIO JOSÉ ABDALLA SAAD, PAULA MONTERO, RICARDO RENZO BRENTANI, WAGNER DO AMARAL, WALTER COLLI DIRETOR EM EXERCÍCIO LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS

EDITOR CHEFE NELDSON MARCOLIN EDITORA SÊNIOR MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS EDITORES EXECUTIVOS CARLOS HAAG (HUMANIDADES), FABRÍCIO MARQUES (POLÍTICA), MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA), RICARDO ZORZETTO (CIÊNCIA) EDITORES ESPECIAIS CARLOS FIORAVANTI, MARCOS PIVETTA (EDIÇÃO ON-LINE) EDITORAS ASSISTENTES DINORAH ERENO, MARIA GUIMARÃES REVISÃO MÁRCIO GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGÔ NEGRO EDITORA DE ARTE MAYUMI OKUYAMA ARTE JÚLIA CHEREM RODRIGUES, LAURA DAVIÑA, MARIA CECILIA FELLI FOTÓGRAFOS EDUARDO CESAR, MIGUEL BOYAYAN SECRETARIA DA REDAÇÃO ANDRESSA MATIAS TEL: (11) 3838-4201 COLABORADORES ANA LIMA, ANDRÉ SERRADAS (BANCO DE DADOS), ANDRÉA DEL FUEGO, BRAZ, DANIELLE MACIEL, GEISON MUNHOZ, GONÇALO JÚNIOR, LAURABEATRIZ, LAURA DAVIÑA, THIAGO BALBI E YURI VASCONCELOS.

OS ARTIGOS ASSINADOS NÃO REFLETEM NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DA FAPESP É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

PARA ANUNCIAR (11) 3838-4008 PARA ASSINAR FAPESP@TELETARGET.COM.BR (11) 3038-1434 GERÊNCIA DE OPERAÇÕES PAULA ILIADIS TEL: (11) 3838-4008 e-mail: publicidade@fapesp.br

GERÊNCIA DE CIRCULAÇÃO RUTE ROLLO ARAUJO TEL. (11) 3038-4304 FAX: (11) 3038-1418 e-mail: rute@fapesp.br

IMPRESSÃO PLURAL EDITORA E GRÁFICA TIRAGEM: 35.800 EXEMPLARES

DISTRIBUIÇÃO DINAP

GESTÃO ADMINISTRATIVA INSTITUTO UNIEMP

FAPESP RUA PIO XI, Nº 1.500, CEP 05468-901 ALTO DA LAPA – SÃO PAULO – SP SECRETARIA DO ENSINO SUPERIOR GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

INSTITUTO VERIFICADOR DE CIRCULAÇÃO

primeira vista a capa desta edição pode causar certo desagrado aos nossos leitores habituais. Já não bastasse o acompanhamento diário de mortes, assaltos e seqüestros pela mídia ainda é preciso que Pesquisa FAPESP aborde o mesmo assunto? Sim, é preciso. Especialmente quando se trata de uma pesquisa ampla sobre o tema, realizada com critérios científicos, que oferece dados valiosos para que se exijam políticas públicas de segurança mais eficazes. No caso, a abrangente reportagem do editor de ciência, Ricardo Zorzetto, mostrou que uma em cada dez pessoas da cidade de São Paulo vítimas de episódios de violência no último ano (assalto, seqüestro, agressões físicas ou abuso sexual) apresenta sinais de transtorno de estresse pós-traumático – é o equivalente a 1,1 milhão de pessoas. Esse foi o primeiro levantamento sobre a ocorrência do problema no país, em trabalho feito por quase 50 pesquisadores de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Pernambuco e do Ceará. Os pacientes com estresse pós-traumático não conseguem seguir com a vida normal. Muitas vezes abandonam o trabalho e alteram o cotidiano de seus familiares. Quando se amplia o período analisado para a vida toda, vê-se que 26% dos paulistanos – 2,8 milhões de pessoas – apresentaram sinais compatíveis ao desse problema emocional disparado pela violência. Como bem notou um dos autores do estudo, os números são os de um país em guerra. No caso do Brasil, essa guerra urbana tem no homicídio de homens jovens sua face mais violenta, típica de cidades como São Paulo, Rio e Recife, onde os números são estarrecedores e não param de crescer. Mas há também uma face doméstica, quando a opressão ocorre em casa com brigas entre casais, violência contra filhos ou abuso sexual cometido por cônjuge ou parente. A reportagem de Zorzetto indica que os pesquisadores estão empenhados tanto em medir a ocorrência do problema na população como em buscar tratamentos mais eficazes para os pacientes. Como se

vê, é um bom tema para a capa de Pesquisa FAPESP (página 20). Outro bom assunto para discussão, dessa vez no âmbito acadêmico, é sobre os resultados incongruentes em dois rankings de desempenho acadêmico (página 28). Um vem da base de dados Thomson Scientific e coloca o Brasil na 15ª posição com 2,02% do total da produção científica mundial em 2007 – em 2006 foi de 1,92%. Já o da base Scopus, comercializada pela editora Elsevier, deixa o país no mesmo 15º lugar, mas com 1,75% da produção do planeta. Os universos das duas bases são distintos e não dá para saber se a diferença é acidental ou uma tendência. Mas já há quem veja nos números o primeiro sinal de que o aumento exponencial da produção brasileira nas últimas décadas chegou ao limite, embora não haja consenso entre os especialistas. De qualquer modo, a reportagem do editor de política, Fabrício Marques, antecipa uma questão que ainda renderá muito debate, análises e artigos nos próximos anos. A doença pulmonar obstrutiva crônica, ao contrário dos textos citados acima, não provocará nenhuma polêmica ou debate. Ainda assim, o estudo apresentado pela editora assistente de Ciência, Maria Guimarães, traz uma nova abordagem de um velho problema. Ele mostra como a competição por oxigênio causa a fadiga comum na insuficiência cardíaca e pulmonar e deixa nos praticantes de exercícios que têm a doença a sensação de “pernas de chumbo”. A novidade do trabalho se refere ao fato de tratar, nesta doença específica, a circulação e a respiração como sistemas interligados (página 44). Na editoria de tecnologia, a editora assistente Dinorah Ereno fala de um projeto de reciclagem de embalagens plásticas que envolve três processos inovadores (página 82). De um deles, espera-se que leve à reutilização das garrafas plásticas, chamadas de PET, para obtenção de novos recipientes que possam ter, inclusive, contato direto com os alimentos. É algo alentador para um mundo cada vez mais preocupado com a sustentabilidade. PESQUISA FAPESP 150

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() FOTOS COLEÇÃO ARNALDO MACHADO FLORENCE

MEMÓRIA

Cópia fotográfica de etiquetas de farmácia provavelmente de 1833: primeiras experiências

Caminhos paralelos Há 175 anos Hercule Florence se tornava, no interior de São Paulo, um dos muitos inventores da fotografia Neldson Marcolin

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A

descoberta da fotografia é um daqueles momentos tecnológicos em que o olhar de múltiplos pesquisadores ou inventores converge para o mesmo ponto de interesse e os leva a conseguir resultados em períodos próximos uns dos outros. A procura por uma técnica eficaz de impressão utilizando a luz do sol ocorreu simultaneamente na Alemanha, França e Inglaterra durante as três primeiras décadas do século XIX. Os franceses Joseph Niepce e Louis Daguerre conseguiram bons resultados, divulgação e ficaram com as glórias do invento por muitos anos. Ao mesmo tempo, o também europeu Hercule Florence realizou experiências bem-sucedidas com a camera obscura e com a fixação de imagens em papel no Brasil, a partir de 1833. A diferença é que ele vivia isolado no interior de São Paulo, longe dos holofotes e das novidades trazidas pela literatura especializada publicadas além-mar. “A fotografia estava pronta para ser descoberta desde o final do século XVIII porque já havia conhecimento suficiente da camera obscura e sobre os processos químicos”, diz o historiador e pesquisador da fotografia Boris Kossoy, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Em 1972 Kossoy começou a resgatar a história das descobertas de Florence e foi quem levou à comprovação científica, 140 anos depois,

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das principais experiências precursoras empreendidas pelo francês na então vila de São Carlos, atual Campinas. O pesquisador obteve, em 1976, o apoio da tradicional Escola de Artes Gráficas e Fotografia do Instituto de Tecnologia de Rochester, nos Estados Unidos, que reproduziu as experiências e confirmou a validade das realizações de Florence, tal como registradas em seus diários. As pesquisas de Kossoy, que obtiveram repercussão internacional, foram reunidas no livro Hercule Florence – A descoberta isolada da fotografia no Brasil (Edusp, reeditado em 2006), obra que circula também em espanhol numa edição do Instituto Nacional de Antropologia e História do México. Os manuscritos de Florence, em número de seis, encontram-se em Campinas sob a guarda de Teresa Cristina Florence, trineta do inventor, que os herdou do pai, Arnaldo Machado Florence, entusiasta divulgador da obra do bisavô e a pessoa que apresentou a Kossoy o material original. “Mas os desenhos da camera obscura, da máquina de poligrafia, as fotos das etiquetas de farmácia e dos diplomas de maçonaria foram roubados de minha casa em 1989”, lamenta Teresa, que mantém os diários. Como os originais foram reproduzidos numerosas vezes, há cópias dessa documentação. Antoine Hercule Romuald Florence (1804-1879) chegou à fotografia por caminhos tortos. Natural de Nice, tinha talento para o desenho e sonhava em se

aventurar pelo mundo. Em uma de suas viagens aportou no Rio de Janeiro, em fevereiro de 1824, e ficou na cidade, não se sabe exatamente por qual razão. Em 1825 ofereceu-se para participar como segundo desenhista da expedição ao interior do país comandada pelo naturalista e cônsul da Rússia no Rio, Georg von Langsdorff. O primeiro desenhista seria Johann Rugendas, que desistiu e foi substituído por Aimé Adrian Taunay. A expedição foi um desastre sob vários aspectos, com muitos acidentes e a morte de Taunay. Mas ao menos Florence conseguiu fazer um bom trabalho documental. Ele registrou

Desenho de índios mandurucus feito durante a expedição Langsdorff e Florence por volta dos 70 anos

os acontecimentos em seu diário e fez desenhos que revelam, de acordo com especialistas, certo pendor científico, sem montagens ou idealização da paisagem, recursos comuns usados por artistas estrangeiros. Ao final da expedição, Florence casou e fixou-se na vila de São Carlos, onde residia a família de sua mulher. Uma vez instalado, o francês começou a procurar meios de imprimir um de seus ensaios resultantes da expedição Langsdorff, sobre os sons produzidos por animais. Ocorre que havia apenas uma tipografia na província de São Paulo em 1830. Foi naquele momento que iniciou as pesquisas com o objetivo de desenvolver um sistema diferente de impressão, que prescindisse das tradicionais máquinas impressoras. Essa invenção ele batizou de poligrafia (polygraphie). Numa explicação simplificada, trata-se de pranchas de madeira embebidas em tinta capazes de imprimir. Ao tentar aperfeiçoar a poligrafia para torná-la mais eficaz, Florence chegou às experiências com a camera obscura. No dia 15 de janeiro de 1833, registrou em seu diário a possibilidade de “imprimir pela ação da luz”. Em suas experiências utilizou vidro, além de papel. Outros precursores da fotografia fizeram o mesmo, como Thomas Wedgwood, em 1800, e Niepce, em 1822. Fox Talbot chegou a comunicar a Royal Society que inventara uma técnica de copiar desenhos PESQUISA FAPESP 150

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gravados sobre suporte de vidro, em 1834. “Como se vê, as descobertas caminhavam na mesma direção, em países diferentes, embora um não soubesse o que o outro fazia”, observa Kossoy. A ainda não inventada fotografia absorveu todo o interesse de Florence. Em seu diário ele relata a procura por agentes químicos que, aplicados ao papel, pudessem gravar imagens quando atingidos pela luz e escreve sobre as experiências com o nitrato de prata. De acordo com Kossoy, é certo que as informações sobre sais de prata foram passadas pelo boticário e botânico Joaquim Corrêa de Mello em 1832, que foi empregado e depois sócio da botica de Francisco Álvares Machado, sogro de Florence, na vila de São Carlos. O inventor francês construía suas próprias cameras obscuras. Sua primeira foto, que não chegou até nós, mostrava uma janela com a vidraça fechada onde se viam os caixilhos e o telhado da casa em frente, em janeiro de 1833. Ao final dessa primeira experiência, Florence descobriu que o papel embebido em nitrato de prata e com a imagem

gravada nele escurecia, mesmo quando lavado com água. Percebeu também que o que era escuro aparecia claro e o que era claro era representado escuro – ou seja, ele fez uma imagem em negativo no papel. Florence teria de achar um agente químico para tornar permanente

a imagem e impedir o escurecimento total quando ela fosse exposta novamente à luz. Embora vivesse longe da Corte e com pouco acesso à informação, baseou-se em livros antigos de cientistas conhecidos para estudar a sensibilização de substâncias à luz. Nos seus diários há citações

Verbo photographier (fotografar) achado em trecho de diário escrito em 1834

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de químicos e físicos como Jons Jacob Berzelius, Antoine François de Fourcroy, Johann Wilhelm Ritter, Nicholas-Théodore Saussure, Joseph Louis Gay-Lussac, Franz Joseph Muller e Claude Berthollet. Três compostos fotossensíveis foram experimentados com mais freqüência pelo francês: nitrato de prata, cloreto de prata e cloreto de ouro. Os sais de prata eram conhecidos, mas os de ouro foram usados com sucesso pioneiramente por ele, embora os custos não aconselhassem a utilização correntemente. Também testou vários tipos de papel para impressão e optou pelo pergaminho da Holanda, usado para cartas.

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Achar um bom agente fixador que evitasse o escurecimento das imagens já gravadas era um dos outros grandes problemas a serem resolvidos pelos pioneiros da fotografia. Como apenas lavar as cópias com água não resolvesse a questão, Florence chegou a recomendar que os originais das fotos fossem vistos “à noite, à luz de velas, e até durante o dia, à sombra ou à meia-luz, por cerca de meia hora”. Na busca pelo fixador, o francês experimentou substâncias diversas. Teve relativo sucesso com a mais inusitada delas, a urina. Com ela, conseguiu dissolver o cloreto não fixado pela luz. “Podemos inferir que o pesquisador tinha conhecimento de que o amoníaco, presente na composição da urina, podia funcionar como fixador”, sugere Kossoy. Foi um passo para começar a usar hidróxido de amônia. Sem saber, Florence caminhava tão paralelamente aos outros inventores que foi o primeiro a usar o termo “fotografia”. Niepce chamou o seu processo de heliographie, Daguerre de daguerreotypie, Talbot primeiro de photogenic drawings, depois de calotype e, por fim, de talbotype. Entre os pioneiros a utilizar o termo “fotografia” estão o alemão Johann Heinrich Mädler, os ingleses Charles Wheatstone e John Herschel e o francês Desmarets. Todos o fizeram a partir de 1839, de acordo com os historiadores do setor. Boris Kossoy, no entanto, demonstrou que no primeiro manuscrito, na data de 21 de janeiro de 1834, Florence anotou

a seguinte frase: “Il est très probable que l’on pourra photographier...” (“É muito provável que se possam fotografar...”). No mesmo diário, na data de 19 de fevereiro do mesmo ano, ele escreveu photographie. Também na cópia fotográfica dos rótulos de farmácia empregou a palavra photographia (em português). Todos os demais precursores vieram a usar o mesmo termo cinco anos depois. Com algum domínio da técnica de seu novo invento, Florence fotografou diplomas de maçonaria e etiquetas de farmácia a partir de 1833. Mas em 1839 desistiu definitivamente das experiências com a fotografia quando chegou ao Brasil a notícia sobre os trabalhos de Niepce e Daguerre (que colaboraram um com o outro) e o reconhecimento do governo da França aos dois como inventores da técnica de imprimir pela

luz. Em comunicado ao jornal A Phenix, de São Paulo, em outubro do mesmo ano, Florence fala sobre suas invenções, mas não reivindica pioneirismo: “... não disputarei descobertas a ninguém, porque uma mesma idéia pode vir a duas pessoas, porque sempre achei precariedade nos fatos que eu alcançava, e a cada um o que lhe é devido”. Todos os pioneiros realizaram suas experiências entre 1800 e 1839, ano do reconhecimento ao invento pelo governo da França. “O trabalho de Wedgwood, Niepce, Fox Talbot, Hippolyte Bayard, Florence e outros residiu na feliz conjugação de descobertas anteriores”, avalia Kossoy. “Esse conhecimento podia ser aplicado de forma mais ou menos eficaz por algum pesquisador seriamente determinado onde quer que ele se encontrasse, não importando o grau de ‘civilização’ de seu meio.”

Ao lado, equipamento de fotografia: desenho a lápis sobre papel da câmera escura (à esq.) e das pranchas para impressão. Abaixo, cópia fotográfica de diploma maçônico, provavelmente de 1833, embora apareça equivocadamente a data de 1832

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ENTREVISTA

José Goldemberg

De crítico a arauto Voz de oposição às usinas nucleares e um dos pioneiros na defesa do etanol, o ex-reitor da USP faz um balanço de 60 anos de vida acadêmica Fabrício Marques

FOTOS MIGUEL BOYAYAN

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rimeiro foi a revista Time que em dezembro de 2007 citou o físico e ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) José Goldemberg numa lista de heróis mundiais do meio ambiente, em reconhecimento a um artigo que ele escreveu em 1978 na revista Science antecipando as vantagens ambientais do etanol. Depois foi a vez da Asahi Glass Foundation, do Japão, que em junho laureou Goldemberg com seu prêmio Planeta Azul, com direito a 50 milhões de ienes (o equivalente a R$ 800 mil), por “ter dado grandes contribuições na formulação e implementação de diversas políticas associadas a melhoras no uso e na conservação de energia”, com destaque para um conceito formulado por ele segundo o qual, para se desenvolver, os países pobres não precisam repetir paradigmas tecnológicos trilhados no passado pelos ricos. No mesmo mês, o Instituto de Estudos Avançados da USP promoveu um colóquio para discutir o futuro da USP e do país e homenagear os 60 anos de carreira universitária de Goldemberg, abordando seus temas de interesse: ciência, energia, universidade, tecnologia, meio ambiente. A safra de homenagens deixou o físico satisfeito, mas algo constrangido. “Essa coisa é sempre embaraçosa. Por que escolhem você se outros também deram contribuições?” Aos 80 anos, casado pela segunda vez, pai de quatro filhos e avô de cinco netos, o gaúcho José Goldemberg segue como uma das principais referências em planejamento energético do país. Conquistou esse status na década de 1970, depois de mais de 20 anos de trabalho como professor de física nuclear, para se tornar uma voz crítica à construção de usinas atômicas planejadas pelos governos militares. Foi presidente da Sociedade Brasileira de Física e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), posições que o credenciaram a ocupar cargos importantes após a redemocratização: presidente

da Companhia Energética de São Paulo, de 1983 a 1986, reitor da Universidade de São Paulo, de 1986 a 1989, secretário do Meio Ambiente e de Ciência e Tecnologia e ministro da Educação no governo Collor, de 1990 a 1992, isso sem que tais cargos tenham causado hiatos em sua produção acadêmica. De 2003 a 2007 ocupou a Secretaria Estadual do Meio Ambiente. Atualmente permanece na ativa na USP, como pesquisador do Centro Nacional de Referência em Biomassa do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE/USP), e coordena a Comissão de Bioenergia do governo paulista. Na entrevista a seguir, Goldemberg relembra sua trajetória acadêmica, fala do futuro do etanol e da energia nuclear e discute as perspectivas da universidade brasileira. ■ Os organizadores do prêmio Pla-

neta Azul destacaram a sua contribuição na pesquisa sobre racionalização do uso de energia, com ênfase no conceito de leapfrogging, ou “salto tecnológico” em energia que o senhor formulou. Qual a importância desse conceito? — Até a crise do petróleo, na década de 1970, os economistas achavam que a renda per capita PESQUISA FAPESP 150

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era ligada de maneira indissociável ao consumo de energia. Essa relação linear foi desacreditada naquela própria década. Eu estava trabalhando em Princeton e nós começamos a perceber que a razão pela qual a energia crescia junto com a renda per capita era simples: não se otimizava o sistema. As lâmpadas eram ineficientes, assim como as geladeiras e os automóveis. Quando se percebeu que as reservas de energia não eram infinitas e representavam um peso crescente na economia e nos gastos pessoais, as pessoas começaram a otimizar e daí se desacoplaram energia e crescimento da renda. Foi feito um esforço muito grande nesse sentido nos países ricos. Acontece que sou de um país em desenvolvimento. Num país como o nosso, fazer a pregação de que é preciso usar menos energia simplesmente não pega. Parece até um método de manter as pessoas na pobreza. Aí percebi um dos motivos pelos quais essa alegação era feita. Era que, a cada vez que se instalava alguma coisa no Brasil, usava-se uma tecnologia antiga. O Banco Mundial

A idéia de que a cana vai avançar sobre outras culturas não é o que está ocorrendo. A expansão atinge pastagens que criam bois de forma muito ineficiente

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usava isso como estratégia. Imaginavase que os países em desenvolvimento deveriam introduzir tecnologias consagradas. Caso contrário não haveria gente para fazer a manutenção. Vi que repetir esse caminho não era necessário, que se poderia pular na frente, daí o nome leapfrogging. ■ Que exemplos o senhor daria de “salto tecnológico”? — O melhor é o telefone celular. Como a telefonia fixa é muito cara – é necessário instalar cabos – freqüentemente ela não é fornecida de forma adequada nos países em desenvolvimento. Hoje, com uma antena, atende-se uma região rural que demoraria anos para receber cabos. Veja o caso da siderurgia. Ela foi introduzida no Brasil por Volta Redonda, que se tornou um lugar terrivelmente poluído. Depois o parque siderúrgico nacional foi se desenvolvendo e as siderúrgicas se tornaram limpas porque o Brasil já não comprou mais dos Estados Unidos, comprou do Japão. Todo conceito, quando você desenvolve, chama atenção. Agora parece uma coisa trivial. Mas progresso é assim mesmo. Só é trivial depois. O álcool também foi uma maneira de saltar na frente. O Brasil desenvolveu um combustível renovável para substituir a gasolina. Não estamos repetindo a trajetória do passado.

Em 1978 o senhor escreveu um artigo que foi lembrado agora pela revista Time como premonitório, por mostrar as potencialidades ambientais do etanol. Que perspectiva vê para o etanol brasileiro? — A Time me colocou como um dos heróis do meio ambiente – como quem vê o que vai acontecer para a frente. Quero me justificar. Havia outras pessoas envolvidas nesse programa do álcool e eles escolheram a mim. Essa coisa é sempre embaraçosa, mas é a percepção dos outros. Minha visão é a seguinte: em 1978, o etanol foi promovido pelo governo porque o preço do açúcar no mercado internacional estava baixo. Além disso, o Brasil tinha uma conta de importação de petróleo enorme. Os usineiros e algumas pessoas do governo acharam que desviar um pouco do açúcar para produzir etanol seria bom, porque ia resolver o problema dos usineiros e reduzir a importação do petróleo. Refletindo sobre o ■

assunto, eu me perguntei: “Tem vantagem para o usineiro e para a Petrobras, mas e do ponto de vista ambiental?”. Quis fazer um exercício numérico, coisa que físico sabe fazer. Quanta energia fóssil se está usando para produzir o etanol? O trabalho de 1978 é isso: um cálculo. Verificamos uma coisa interessante. Para produzir um litro de etanol, gasta-se aproximadamente um décimo de litro de combustível fóssil. É pouco e há uma razão clara para isso. A energia necessária para produzir etanol vem do bagaço. Numa destilaria de álcool, não é preciso importar combustível – o combustível é o bagaço. Portanto, o etanol é, no fundo, energia solar: o sol bate, a gramínea cresce, você a liquefaz com um procedimento químico e gera etanol. Do ponto de vista ambiental é uma beleza, pois não tem as impurezas da gasolina e pouco contribui para o efeito estufa. No artigo o senhor fez comparações com outras culturas, não é? — Sim, e a comparação deixou tudo evidente. Como o milho não tem bagaço, é preciso trazer energia de fora da destilaria. O etanol de milho é produzido nos Estados Unidos com carvão. Claro que existe uma vantagem, pois não se pode colocar carvão dentro do motor de seu automóvel. Mas, do ponto de vista ambiental, é como trocar seis por meia dúzia. ■

■ Quais são as perspectivas do etanol no médio e no longo prazos? — No momento o etanol ocupa uma fração pequena de terra. A agricultura no Brasil ocupa uma área de 60 milhões de hectares. Em cana-de-açúcar, utilizam-se cerca de 6 milhões, ou seja, 10%. Metade disso é usado para etanol. Não é essa a impressão que se tem porque está muito concentrado em São Paulo, mas, olhando para o Brasil, não é muita coisa. O nosso etanol substitui 50% da gasolina usada no país, o que corresponde a 1,5% da gasolina que se usa no mundo todo. O que vai acontecer daqui a dez anos está mais ou menos traçado porque o sistema está em expansão. O etanol do Brasil, que representa 1,5% do consumo de gasolina no mundo, provavelmente vai subir para 7% ou 8%. Haverá canade-açúcar suficiente para isso usando

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provavelmente 10 milhões de hectares. Já há uma expansão, mas é sobre pastagens que criam bois de uma maneira extremamente ineficiente. A idéia de que o álcool vai provocar o desmatamento da Amazônia ou avançar em outras culturas não é, na prática, o que está ocorrendo. Se pensarmos em substituir 100% da gasolina no mundo, aí realmente é o caso de se preocupar. Nos próximos dez anos, acho que o Brasil ainda tem uma posição confortável. Nos Estados Unidos a situação é bem mais difícil. ■ Por conta da tecnologia que eles adotam e dos subsídios... — E também porque eles não têm para onde expandir. A agricultura norteamericana ocupa cerca de 100 milhões de hectares – um pouco menos do dobro do Brasil. Eu perguntei para um amigo americano: “Por que vocês não expandem?”. Ele respondeu: “Expandir para onde?”. Nós não nos damos conta de que os Estados Unidos têm desertos imensos – a Califórnia praticamente toda, Nevada, é tudo deserto. Há cadeias de montanhas enormes. O Brasil tem uma capacidade de expandir considerável. ■ Mas temos desafios tecnológicos a ven-

cer em relação ao etanol. Como o senhor vê as perspectivas do etanol de segunda geração, extraído da celulose? — Creio que num horizonte além de dez anos teremos a tecnologia de segunda geração. Os Estados Unidos estão numa situação difícil porque estão contando com a chegada da segunda geração dentro de três a quatro anos. Acho que isso não vai ocorrer. Nos últimos anos, o Brasil não tem investido tanto quanto outros países no etanol de celulose... — É natural. Afinal, o etanol de primeira geração do Brasil tem êxito, ao contrário de outros países. A produtividade cresceu quase 4% por ano durante três décadas, considerando os ganhos industriais e agrícolas. E sem usar manipulação genética, que é o que se busca agora. Tudo o que temos é primeira geração. Segunda geração é a celulose. A celulose é formada por uma longa cadeia de sacarose e o problema é quebrar a celulose em sacarose ■

para depois fermentá-la. O Brasil está entrando nisso agora. Há muitos trabalhos em busca do etanol de segunda geração, mas ainda fragmentados. Falta uma articulação e falta, sobretudo, chegar a plantas piloto. Uma coisa é fazer uma experiência na bancada. Outra é produzir em grande escala. A FAPESP lançou um programa de bioenergia, o Bioen, para acelerar o desenvolvimento. Também está em preparação um programa que o governo do estado deverá lançar – que é grande – e pelo menos dobraria os recursos que a FAPESP investe nessa área, também para acelerar o desenvolvimento de tecnologias de segunda geração. Sou o coordenador da Comissão Estadual de Bioenergia, que foi constituída pelo governador com essa finalidade. Nosso relatório está na fase final de preparação e o governo deve tomar medidas nesse sentido brevemente. A idéia é estimular de uma maneira muito significativa as pesquisas de segunda geração. ■ Queria falar um pouco do início da sua

carreira. Não entendi a efeméride dos 60 anos de USP, pois o senhor ingressou no curso de física da universidade em 1946, há 62 anos. — A resposta da charada é a seguinte: só em 1948 eu me tornei bolsista e passei a trabalhar para a USP. ■ Como é que era a universidade naquela

época? — Vim para São Paulo em 1946. Fiz curso secundário em Porto Alegre numa escola muito boa, o Colégio Estadual Julio de Castilhos, que foi o berço do positivismo no Brasil. Quando estava no colégio, já era evidente que queria estudar física. E o lugar onde tinha física no Brasil era a USP. Isso em 1946. A universidade havia sido criada em 1934 – tinha 12 anos de vida. Nessa época, ainda estavam por aqui alguns daqueles professores estrangeiros que tinham vindo para o Brasil para escapar do nazismo e do fascismo. No Departamento de Física da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) tinha um professor italiano, Gleb Wataghin, que acabou dando o nome para o Instituto de Física da Unicamp. Eu acho que aí houve uma injustiça histórica, porque o nome dele devia ter sido dado ao Instituto de Física da USP. Wataghin tinha

sido estudante de Enrico Fermi, que teve um papel muito importante em desenvolver a energia nuclear. Era um indivíduo com uma visão muito boa de física e vim atraído por isso. Tinha outros professores que eram da segunda geração, como o Mário Schenberg e o Marcello Damy de Souza Santos. Havia um sentimento de ciência viva na ocasião. Alguns desses professores já tinham estado no exterior, já tinham publicado, já faziam ciência de Primeiro Mundo. Comecei a trabalhar com física nuclear experimental. A FFCL ainda estava em fase de ascensão, lutando contra as faculdades tradicionais. Havia um sentimento de estar no meio de uma batalha: a Faculdade de Direito era conservadora, a Politécnica não queria saber de ciência etc. Ao mesmo tempo, essas unidades, que já existiam antes da fundação da USP, atraíam mais alunos do que os cursos oferecidos pela FFCL, não é isso? — É, era uma época heróica. O sucesso ■

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da evolução da universidade levou a uma melhoria das faculdades todas. A reforma universitária de 1968 colaborou para que isso ocorresse. Mas logo depois, em 1952, eu fui para o exterior e comecei a desenvolver uma carreira parte no estrangeiro, parte aqui. Naquela época, se você escolhia uma carreira na área de ciências, isso era considerado até mesmo pela sua família como um voto de pobreza.

alguns reitores muito agressivos – no bom sentido – como o Antônio de Ulhôa Cintra e o Miguel Reale, a USP cresceu e conquistou mais recursos. E, finalmente, na época em que fui reitor conseguimos autonomia financeira, que fez uma diferença brutal. Isso não significa que a universidade tenha que se desligar do resto da sociedade e do governo, mas é essencial que ela saiba com que recursos vai contar.

E era mesmo? Ainda hoje a carreira acadêmica traz recompensas que não seriam exatamente materiais... — Isso é mais recente. A USP, é claro, foi pioneira em algo fundamental. Criou o regime de dedicação exclusiva. Ouça um ex-reitor falando: se tivesse que apontar uma coisa que tornou viável a USP, diria que foi o regime de dedicação exclusiva. Sem isso, não seria possível desenvolver atividades científicas, porque o indivíduo, para se manter, precisava dar aulas numa porção de lugares. Depois das várias reformas que a universidade teve e de

A relação dos militares com a ciência foi dúbia e complexa. Eles queriam um país grande e tiveram o bom senso de identificar que, para chegar lá, precisariam dos cientistas

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Por que o senhor mudou o eixo de sua carreira nos anos 1970, trocando a física de bancada pelo interesse em energia? — Em meados de 1960 passei dois anos na Universidade de Stanford, que tinha o melhor acelerador nuclear para elétrons na época, e realizei trabalhos que tiveram uma repercussão significativa. Recebi vários convites para trabalhar no exterior, com posições muito boas: fui convidado para ser professor titular na Universidade de Toronto. Recebi também convite da Universidade de Paris e fui para Paris. É possível que, se não tivessem ocorrido eventos significativos na minha vida pessoal, teria me tornado professor titular da Universidade de Paris ou da de Toronto. Mas a minha primeira esposa faleceu. Voltei para o Brasil com meus filhos pequenos e achei que precisava construir minha vida no Brasil. Isso foi há mais de 40 anos. Era professor assistente e fiz concurso para titular de física na Escola Politécnica. Quando começou a repressão política do regime militar, já tinha responsabilidades administrativas. Me tornei diretor do Instituto de Física, que foi criado em 1970. Ele englobou todas as atividades de física da USP, incluindo a Escola Politécnica. Foi aí que teve início a sua militância? — Não era uma militância partidária. Mas não podia ficar cego diante do que estava acontecendo no país e passei a me envolver em questões da sociedade. Me tornei presidente da Sociedade Brasileira de Física, depois presidente da SBPC e me envolvi muito no debate nuclear. Por causa da minha formação, sabia o que estava se discutindo. Depois o Franco Montoro foi eleito governador de São Paulo e me nomeou presidente da Cesp. E, em seguida, me tornei reitor. Uma coisa positiva é que consegui manter minha ■

atividade científica. Minha lista de publicações não sofreu hiatos. Só deixei, a certa altura, de publicar em revistas de física para fazê-lo em publicações mais abrangentes. ■ Neste mesmo espaço, na edição de julho

de Pesquisa FAPESP, o ex-ministro do Planejamento João Paulo dos Reis Velloso abordou uma série de mudanças positivas no ambiente acadêmico brasileiro implementadas na época da ditadura, como o sistema de pós-graduação. O senhor, que foi uma voz de oposição naquela época, concorda com essa análise? — Apesar da repressão, o movimento dos militares tinha fortes componentes modernizadores. Talvez por isso a relação dos militares com a ciência e a tecnologia foi sempre dúbia e complexa. Eles queriam um país grande, militarmente forte, e tinham o bom senso de identificar que, para chegar lá, precisariam dos cientistas. Eles iniciaram o programa nuclear – de uma forma equivocada, mas começaram –, o programa espacial, e acabaram aceitando essas idéias para a pós-graduação, que foram medidas efetivas de modernização. Mas o governo militar também estava preocupadíssimo com a ameaça do comunismo e com os fantasmas da Guerra Fria. Perseguiu professores como o Mário Schenberg, aposentaram o Fernando Henrique. Mas o foco eram as ciências sociais. Vários de nós contudo não precisaram sair do país, eu inclusive. Fiz oposição clara ao programa nuclear. As pessoas perguntam: “O governo aposentava todo mundo, por que não se livraram de você?”. Eles devem ter achado que, eliminando esse tipo de pessoa, estariam perdendo um tipo de competência de que precisariam. Mas o sistema criado por eles acabou ficando muito distante da atividade industrial. Lembra um pouco, sob esse ponto de vista, a extinta União Soviética, que manteve os cientistas relativamente bem cuidados mas afastados da indústria. Embora tenha se tornado uma grande potência militar, era uma potência de terceira qualidade no que se refere a bens de consumo. Aqui no Brasil não chegamos a isso, mas o sistema científico ainda está longe de atividades em escala industrial. Creio que esse problema está ligado a essa herança.

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Nos anos 1970 o senhor se manifestou fortemente contra a construção de usinas nucleares, que hoje começam a ser reabilitadas em vários países. A opção da energia nuclear seria oportuna para o Brasil hoje? — Na década de 1970 eu me opus ao desenvolvimento nuclear em grande escala com a total tranqüilidade de que estava certo. Em 1992 realizou-se o Rio-92, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente. Essa conferência durou 15 dias e eu estava lá – era secretário de Ciência e Tecnologia do governo federal e acumulava o Meio Ambiente. Estava no Rio passeando na praia, no calçadão, e encontrei o general Costa Cavalcanti, que tinha sido ministro das Minas e Energia e do Interior nos governos militares. Ele me disse: “Olha aqui, professor, vocês tiveram um papel muito importante no desenvolvimento energético no Brasil, maior do que vocês pensam. Em 1975 eu era o presidente da Itaipu Binacional e estava começando a construção de Itaipu. A grande discussão que havia dentro do governo era se nós devíamos completar Itaipu ou dedicar os recursos só para a área nuclear. A oposição dos cientistas reforçou a nossa posição dentro do governo”. Foi um testemunho não solicitado e mostrou que nós tínhamos razão. A tentativa de introduzir a energia nuclear no Brasil naquela época era intempestiva. Havia essas enormes possibilidades, como Itaipu, que é a maior hidrelétrica do mundo. Agora, passados 30 anos, a energia nuclear está sendo reavaliada. Mas ela ainda é extremamente cara por causa da complexidade e das preocupações com a segurança. Sem dúvida, ela tem vantagens. Não emite gases de efeito estufa, praticamente. As objeções de caráter ambiental diminuíram porque desde 1986 não há nenhum acidente grande. Mas creio que ainda não é tempestivo para o Brasil. Se o governo colocar uma grande quantidade de dinheiro em energia nuclear, que é cara, deixará de fazer outras coisas.

tisfazer grupos políticos ou corporativos, mas não resolve os problemas da universidade. O que uma universidade precisa é de uma gestão que funcione. Na reforma de 1988 nós ampliamos muito a participação nos colegiados. Foi ampliada a participação dos alunos e dos docentes de nível inicial. Mas a gestão continuou de uma maneira clara nas mãos do pessoal mais experiente e permanente. Isso continua válido. Ter uma grande participação de estudantes, que vão embora depois de cinco anos, é problemático. E os funcionários acabaram se caracterizando como muito ligados a partidos políticos, uma coisa muito ruim. Eu não acompanhei em detalhes a nova estatuinte, mas achei que as teses levantadas tinham um sabor de déjà vu. Não vi nenhuma idéia muito criativa que ajude a rejuvenescer a USP. Acho que há problemas mais importantes e não vai ser mudando a estrutura de poder que se vai resolver.

■ E hidrelétricas na Amazônia? O senhor

as considera tempestivas? — Sim. Acho que a utilização desse potencial hidrelétrico da Amazônia – não todo, mas parte dele – é inevi-

■ Se o senhor tivesse que citar um proble-

tável. Mas temos alguns problemas: elas ficam muito longe dos grandes centros consumidores e, portanto, há que se fazer linhas de transmissão e a energia não será barata. Mas não tem jeito. Também há o problema ambiental. É preciso fazer direito. Problemas ambientais existem sempre, porque não se pode construir coisas sem mudar o ambiente. É preciso achar maneiras de minimizar o impacto ou, se isso não for possível, de oferecer compensações. Quando o senhor foi reitor da USP realizou-se uma reforma nos estatutos que, na época, ajudou a oxigenar a universidade. Agora se discute uma nova reforma. Que o senhor acha desse debate? — Naquela época, como agora, havia uma pressão grande para uma participação maior de poder. Era uma discussão sobre gestão de poder e isso está naturalmente muito ligado ao que tinha ocorrido em 1968, quando surgiram as idéias de gestão paritária. Gestão paritária não dá certo. Pode sa■

ma a ser enfrentado, qual seria? — A burocracia e a falta de liderança. A universidade acabou ficando lenta, parecendo uma dama de idade avançada. As pessoas se queixam da lentidão dos processos e da burocracia envolvida que tem aumentado ao longo dos anos. Isso tem um pouco a ver com os problemas do país. Como a corrupção virou um problema endêmico no país, cada vez inventam mais controles – e quanto mais controles surgem, maior é a lentidão. Na época em que o senhor foi reitor houve aquela celeuma famosa a respeito da divulgação de uma relação de professores que não tinham produção acadêmica, que ficou conhecida como “lista dos improdutivos”. Como avalia aquele episódio hoje? — Vejo como extremamente positivo, porque introduziu na universidade a idéia de que é preciso ter aferição. Se há uma característica que norteou o meu trabalho a vida toda é o conceito de mérito e qualidade. Um professor precisa produzir e ser avaliado por juízes independentes. Nos países desenvolvidos é assim. Na época havia setores da universidade que publicavam pouco e se recusavam a ser avaliados. Reivin■

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dicavam que a avaliação fosse interna, dentro dos próprios departamentos. Isso criava compadrio. Esse cenário mudou completamente, não só dentro da USP mas no Brasil todo. Hoje, se você é professor da USP, a Comissão de Pós-Graduação, a Capes, o CNPq, a FAPESP estão exigindo o tempo todo que você prepare relatórios anuais com suas publicações. A nota que a Capes dá depende do nível de publicações – têm publicações que valem, outras que não valem –, que ficou sofisticadíssimo. Sob esse ponto de vista, a batalha pela aferição e pela avaliação da qualidade foi vitoriosa. Que balanço o senhor faz da Conferência Rio-92 ? — Foi importante e abriu caminho para uma nova visão dos problemas ambientais, que passaram a ser responsabilidade dos governos. O fato de que os governos tinham que tomar medidas ficou claramente configurado naquela ocasião. Tanto que da Conferência de 92 surgiu o Protocolo de Kyoto em ■

Nossa diplomacia defende a tese de que o Brasil não vai crescer se adotar metas de redução de gases. Não é verdade. Basta adotar tecnologias modernas

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1997. Com a postura difícil dos Estados Unidos, a implementação dos acordos sofreu um atraso enorme. Há uma luta em andamento. Eu tenho acompanhado esta luta e estou convencido de que o Itamaraty não é suficientemente próativo nessas questões. ■ Que postura o senhor esperava da diplomacia brasileira? — Os Estados Unidos se recusaram a assinar o Protocolo de Kyoto pelo seguinte: eles não querem tomar as medidas para reduzir as emissões se os outros não tomarem, inclusive os países em desenvolvimento. Por quê? Porque se eles as tomarem sozinhos, vai se criar imediatamente um problema de competitividade comercial. Alguns produtos vão ficar mais caros nos Estados Unidos do que nos outros países. Em contrapartida, os países em desenvolvimento argumentam: “Isso não é justo porque nós chegamos tarde ao desenvolvimento e agora temos direito a mais emissões”. Acontece que não há mais espaço para isso. A China está emitindo tanto quanto os Estados Unidos. Não importa se o consumo per capita é diferente. Se você se colocar no lugar da atmosfera, o que vem da China até superou o que vem dos Estados Unidos. O Brasil fica defendendo uma tese obsoleta, de que historicamente nós não somos responsáveis pelo problema e, portanto, temos o direito a nos desenvolver dessa maneira. Lembro o meu conceito de leapfrogging: não é verdadeira a idéia de que o Brasil não pode crescer se adotar metas e reduzir as emissões. Basta adotar tecnologias modernas. Temos uma matriz energética limpa e o governo poderia tomar uma posição mais pró-ativa. O Brasil está tirando as castanhas do fogo para a China, não para si mesmo – exceto pelo que ocorre na Amazônia. E o que está ocorrendo na Amazônia é uma situação vergonhosa que tem que acabar. ■ Em sua passagem pelo Ministério da Educação (MEC), o senhor teve as universidades federais sob o seu comando. Hoje elas estão se esforçando para aumentar o número de vagas. Há um programa forte no sentido de dar acesso a mais gente. Elas têm condição de crescer com característica de universidades de pesquisa?

— Como ministro da Educação, tentei aplicar o modelo da USP para o Brasil. Também tentei dar às universidades federais um pouco mais de autonomia financeira. Não funcionou. Sob esse ponto de vista, minha gestão não teve resultado. Eu achava que, sem autonomia financeira, o reitor é um funcionário de terceira categoria do MEC. Os reitores estavam o tempo todo no meu gabinete dizendo que a verba tinha acabado. Era verdade, porque havia inflação. Como era muito difícil arrumar dinheiro dentro do governo, eles iam ao Senado e conseguiam que se aprovasse uma emenda aqui, outra lá. Ou seja, viraram despachantes de luxo para conseguir mais verbas. Isso os impedia de fazer planejamento. Eu descobri, no processo, que essas universidades na verdade não queriam autonomia. Era só conhecer um senador influente para arrumar uma verba especial. Eu me lembro de um caso concreto em que eu tinha dado dinheiro para certa universidade, fora do orçamento, para construir uma biblioteca. Uns meses depois fui lá e quis olhar a biblioteca. Ela não tinha sido construída. O dinheiro foi usado para fazer um restaurante para os estudantes. Na visão do reitor, o bandejão era mais importante porque os estudantes estavam pressionando. Eu disse: “Pois é; mas isso aqui não é o Ministério de Assistência Social”. Aprendi que o modelo da USP não pode ser aplicado para todas as universidades federais. Por quê? — O modelo da USP é um modelo de elite. E não é que eu a reconheça como elitista. É que querem entrar na USP 100 mil alunos por ano e só há 7 mil vagas. Então tem que haver uma seleção. Os outros vão para faculdades particulares. A impressão que tenho, e compartilho com colegas que se dedicavam mais a isso, como a Eunice Durham, é que o sistema universitário brasileiro precisa ser repensado. Além da USP, temos poucas universidades de nível internacional, como a Unicamp. Depois, as universidades particulares têm dois terços dos alunos. As universidades federais ficaram num limbo entre essas duas categorias. Não conseguem se transformar em universidades de pesquisa nem se dedicam ao ensino ■

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de massa. Alguns dos meus colegas acham que se deviam criar colleges aqui no Brasil, a idéia de que as universidades de todos os estados sejam iguais à USP, pelo menos como meta, não é realista.

Surgiram várias propostas e uma delas propunha a eliminação do ensino gratuito das universidades. Eu me opus violentamente dentro do governo e a idéia foi abandonada. Foi a que altura do governo? — Na metade de 1991. Porque 1992 já foi tomado pela crise que levou ao impeachment. Mas me lembro que argumentei e a idéia foi abandonada. Os economistas acham isso: “Ah, ensino gratuito é elitista”. Achar que os problemas da universidade serão resolvidos com os alunos pagando é uma idéia completamente irrealista. São coisas que apareceram na ocasião, mas a presença de pessoas como eu e a professora Eunice Durham foi importante. E é claro que nós não tivemos absolutamente nada que ver com a corrupção do Collor. Ela envolvia outras áreas. E não era nem por virtude. Na nossa área de atuação não havia dinheiro suficiente para atrair o interesse daquele pessoal.

sociedade explicar que eu estava lá como um cientista que tinha se tornado ministro por escolha do presidente e achava que a SBPC não tinha nada que se manifestar em assuntos políticos. Ela se manifestou pedindo o impeachment e pouco depois eu me demiti. Na minha opinião, a SBPC não foi criada para isso, mas para defender os cientistas e a ciência. E não tem nada que ter muita aproximação com o governo – o que ocorreu recentemente, algo que não vejo com nenhum prazer. Isso me magoou um pouco. Mas não creio que tenha me prejudicado, pois trabalhei com vários governos. O governo Fernando Henrique Cardoso porém sistematicamente me evitou. Em 2003 o governador Geraldo Alckmin me convidou para ser secretário estadual do Meio Ambiente.

■ ■ O senhor participou do governo Collor,

que foi bastante criticado pela comunidade científica por iniciativas como a tentativa de extinguir a Capes. Como o senhor avalia o período? — No que se refere ao meio ambiente, o governo Collor teve um papel bom. Apoiou a Conferência Rio-92. Na ocasião eu acabei sendo secretário de Meio Ambiente, com status equivalente ao de ministro. Foi um período ótimo. Criamos reservas indígenas contíguas quando muitos desejavam retalhá-las. Na área de ciência e tecnologia, acho que também foi bom. Acabamos com esse negócio de produzir armas nucleares escondido e acabamos com a reserva de mercado da informática, o que ajudou a modernizar o país. Essa questão da Capes era da esfera do Ministério da Educação e foi definida antes de o governo começar. Um pessoal que veio de fora achava que tinha uma duplicação entre a Capes e o CNPq, pois os dois davam bolsas para o exterior. Era uma idéia de administrador de empresa. Tenho duas pessoas fazendo a mesma coisa – manda uma embora. Depois tudo foi esclarecido e o governo voltou atrás. Eu não conhecia o Collor antes de o governo começar. Recebi um telefonema no dia 14 de março, véspera da posse. Houve episódios menos conhecidos. Em dado momento, o governo estava pensando em emendar a Constituição num esforço para modernizar o país.

O fato de o governo Collor ter terminado como terminou prejudicou-o de alguma forma? — Não creio. Fui o único ministro que pediu demissão no meio da crise. Em setembro ficou evidente que aquela Operação Uruguai era uma coisa armada e eu pedi demissão. Na época nenhum outro ministro fez isso. O único impacto que houve na minha ida ao governo federal é ter me incompatibilizado com alguns colegas da universidade e com a SBPC. Na ocasião, o conselho da SBPC emitiu um manifesto se associando às propostas de impeachment do presidente. Eu era o ministro e fui à reunião da ■

■ Neste hiato o senhor se dedicou à carreira acadêmica? — Foi um período bom. Primeiro fui para a Suíça e depois para os Estados Unidos. Não fiquei o tempo todo. Sempre fiquei indo e vindo, mas na Suíça eu fiquei um ano.

Os colóquios do IEA que homenagearam o senhor trataram de diversos assuntos como ciência, energia, universidade, tecnologia, meio ambiente e o futuro. O senhor acha que esses temas resumem as suas preocupações, seus interesses, ou faltou algum? — Não. A organização fez um esforço para promover uma discussão em cada uma das áreas em que eu atuei. Naturalmente, as perguntas sobre o futuro ficaram sem resposta. Algo que emanou do simpósio porém foi uma discussão sobre o que precisa ser feito nos próximos dez anos para puxar a universidade do 150º lugar do ranking internacional para o 50º. Acho que é uma boa meta. ■

É factível? — Acho que sim. Mas isso também vai depender de ousadia. O fato é que a universidade ainda está muito distante do setor produtivo, ao contrário do que acontece com as grandes universidades de pesquisa do exterior. O sistema universitário brasileiro está crescendo, mas não está conseguindo atender aos interesses da sociedade. ■ ■

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Uma em cada dez vítimas de assalto, seqüestro ou outras formas de agressão desenvolve estresse pós-traumático Ricard o Zorzet to | ilustrações Laura Dav iña

O

inferno de José Orleans Cruz começou em um final de tarde tranqüilo sete anos atrás. Ele saiu por volta das 17h40 para buscar a mulher no trabalho e chegar a tempo da primeira aula no curso pré-vestibular que havia iniciado meses antes – duas décadas depois de concluir o ensino médio e ajudar os irmãos a estudar, planejava finalmente se formar advogado. Ao reduzir a marcha para cruzar um obstáculo, uma seqüência rápida de eventos virou sua vida de pernas para o ar e desfez seus sonhos. Quatro homens surgiram em duas motocicletas como se tivessem brotado do asfalto e cercaram seu carro. Apontando armas, ordenaram aos gritos que abrisse as portas. Cruz se tornara vítima de seqüestro, algo que pensava ser improvável acontecer a um cidadão de classe média e só atingisse os grandes empresários. No caminho para o cativeiro, levou coronhadas e foi abandonado na entrada de uma favela depois que os seqüestradores souberam que a polícia os seguia. Antes de o liberarem, bateram mais. Cruz recebeu chutes e socos e ficou caído na lama, com as pernas dormentes e a visão embaçada, sem conseguir se mexer. Só recobrou a consciência quando três pessoas o ajudaram. Um casal de namorados o levou para tomar água com açúcar e avisou a polícia. A terceira pessoa, um jovem, se propôs a resgatar o carro, mas tentou furtar o toca-CD de Cruz. “Eu estava muito fragilizado e aquele rapaz agiu daquela maneira”, conta Cruz. O desapontamento foi tão profundo que mudou sua vida. “Passei a desconfiar de todo mundo.” Durante a recuperação em casa na semana seguinte, Cruz começou a receber ameaças de morte por telefone e aos poucos não se sentia mais seguro em lugar nenhum. Trancou-se em casa e passou quatro anos sem visitar os irmãos no bairro vizinho. Nem sequer tinha coragem de chegar ao portão. “Quando alguém se aproximava, eu suava frio e tinha palpitações”, conta. Uma vez desmaiou na calçada ao perceber um motoqueiro por perto. Preso em sua própria casa, passou a comer

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compulsivamente. Em pouco tempo ganhou mais de 50 quilos e se tornou diabético e hipertenso. Três anos atrás concluiu que não valia mais a pena viver. Subiu ao 15º andar do prédio para o qual se mudara e sentou no parapeito, pronto para pular. Só não se jogou porque se lembrou da mãe, que nas aulas de catecismo ensinava às crianças que o suicídio é o maior dos pecados. Dois dias depois de escapar pela segunda vez da morte Cruz foi a uma consulta no Programa de Atendimento e Pesquisa em Violência (Prove) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), levado pela mulher, com quem está casado há 16 anos. Ali descobriu que, além das dores físicas das primeiras semanas, o seqüestro relâmpago havia deixado feridas emocionais profundas que levariam bem mais tempo para cicatrizar. O psiquiatra que o atendeu explicou que ele estava sofrendo o chamado transtorno de estresse pós-traumático, um distúrbio emocional altamente incapacitante em geral apresentado por ex-combatentes de guerra, que apenas nos últimos anos começou a ser investigado no Brasil.

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as sessões de terapia em grupo Cruz ficou mais tranqüilo ao saber que não estava sozinho, nem era o único a não se livrar das lembranças daquela noite que insistiam em aparecer apesar de seu esforço para esquecêlas ou do pavor que passou a sentir de estranhos. Na cidade de São Paulo uma em cada dez pessoas que no último ano sofreu episódios de violência que pôs em risco suas vidas (assalto, seqüestro, agressões físicas ou abuso sexual) apresenta os sinais de transtorno de estresse pós-traumático, de acordo com o primeiro levantamento sobre a ocorrência do problema realizado no país. Coordenado pelo psiquiatra Jair de Jesus Mari, da Unifesp, esse estudo se baseou na avaliação de 2.530 moradores de diferentes regiões e segmentos socioeconômicos da capital paulista (amostra representativa da população paulistana) e foi apresentado em São Paulo no final de junho no 1º Simpósio Internacional sobre Violência e Saúde Mental. “Esses dados fornecem um argumento valioso para que se exijam políticas públicas de segurança mais eficazes”, afirma a antropóloga Alba Zaluar, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, estudiosa das causas da violência no Brasil. Extrapolada para a população da maior metrópole da América do Sul, esses 10% de portadores de estresse póstraumático correspondem a 1,1 milhão de pessoas que nos últimos 12 meses sofreram ou testemunharam situações violentas e desenvolveram problemas emocionais debilitantes o suficiente para impedi-las de seguir com a vida normal, muitas vezes levando-as a abandonar o trabalho e a alterar também o cotidiano de seus familiares. É como se a cada ano a população de uma cidade como Campinas, a segunda mais populosa do estado, adoecesse a ponto de necessitar de atendimento médico e psicológico. Quando os pesquisadores ampliaram o período analisado para a vida toda, a ocorrência de estresse pós-traumático mais que dobrou: 26% dos paulistanos

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Aumento da violência expõe população a distúrbio emocional comum em guerras

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transtorno de estresse pós-traumático essa forma de violência em toda a sua extensão, estudos recentes conseguem e membro da rede brasileira que investiga os efeitos da violência sobre detectar ao menos sua face mais evia saúde mental da população. O codente e letal: os homicídios. mentário de Mello não é apenas uma Dados de mortalidade do Saúde Brametáfora. A ocorrência de distúrbio sil 2006, documento compilado pelo Mipsiquiátrico nas duas cidades brasinistério da Saúde, indicam que um em leiras com os mais elevados índices cada 20 mortos no país é vítima de hoabsolutos de violência é próxima – e micídio, na maioria dos casos assassinatos algumas vezes superior – à obserenvolvendo o uso de armas de fogo, que vada em países que recentemente tiraram a vida de quase 50 mil brasileiros passaram por guerras ou conflitos apenas em 2004. É um problema que vem armados internos como Argélia, crescendo nas últimas décadas: o índice Camboja e Etiópia. Nessas nações de pessoas que perdem a vida vítimas de agressão passou de 14,1 mortes para cada a taxa de estresse pós-traumático na população é, respectivamente, grupo de 100 mil habitantes em 1980 para 37%, 28%, 16%. 27,2 por 100 mil em 2004. Três vezes supeSó que o Brasil não está em rior à média mundial de homicídios calcuguerra, ao menos não uma guerra lada pela Organização Mundial da Saúde, declarada. “Enquanto nos Estados essa taxa reflete apenas a média nacional. Unidos e na Europa a violência é Em cidades brasileiras como Rio, São Paulo decorrente de ataques terroristas e Recife esse índice é bem mais elevado, em especial entre os jovens do sexo masculino, ou da participação de militares alcançando por vezes valores superiores aos em conflitos no exterior, no Brasil é conseqüência de uma espécie de Cali, na Colômbia, que no início da décade guerra urbana”, comenta Mada de 1990 era considerada uma das cidades mais violentas do mundo. ri. Ainda que seja difícil medir PESQUISA FAPESP 150

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– o equivalente a 2,8 milhões de pessoas ou quase a população de Salvador, a terceira cidade mais populosa do país – apresentaram sinais compatíveis ao desse problema emocional disparado pela violência. Nem Mari nem muitos do grupo por ele coordenado, que inclui quase 50 pesquisadores de São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e Ceará, esperavam taxas tão elevadas, cerca de três vezes mais altas do que a estimada para a população norteamericana. Iniciada em 2006 essa pesquisa não se restringe a coletar informações sobre a população paulistana. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) a equipe do psiquiatra Ivan Figueira está concluindo um levantamento semelhante com 1.500 moradores de diferentes pontos da capital fluminense, dos prédios na orla aos morros cariocas. A expectativa é de que o resultado seja semelhante. “São números de um país em guerra”, afirma Marcelo Feijó de Mello, psiquiatra da Unifesp especialista em

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> É uma guerra urbana em que todos perdem. Perdem os que morrem e também os que sobrevivem ao bangue-bangue das metrópoles brasileiras – só na capital paulista houve 36 mil crimes violentos (assassinatos, roubos e estupros) no primeiro trimestre de 2008 – e mais tarde têm de enfrentar os efeitos colaterais da violência, como ansiedade, depressão e também o estresse pós-traumático. O avanço da violência nas últimas décadas se encarregou de trazer para as cidades um problema emocional que até meados do século passado se imaginava ser exclusivo dos campos de batalha. O que hoje os manuais diagnósticos de saúde mental tratam como transtorno de estresse pós-traumático, um quadro grave de ansiedade decorrente de uma situação extrema de estresse, com ameaça à vida, foi descrito inicialmente no final do século XIX pelo neurologista e psicólogo francês Pierre Janet. Marcado por pesadelos, insônia, irritabilidade e lembranças recorrentes e indesejadas da situação que o gerou – ou ainda pela reação exagerada a sons e imagens associados a essa situação –, esse quadro mais tarde se tornaria conhecido como neurose de guerra ou estresse de combate e atrairia o interesse de outro renomado neurologista, o austríaco Sigmund Freud, criador da psicanálise.

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urante a Primeira Guerra Mundial, Freud e outros psicanalistas puderam monitorar combatentes que chegavam aos hospitais com paralisia, tremores, pesadelos recorrentes, perda de desejo sexual. Em comum esses pacientes haviam passado por uma situação traumática, em geral a perda de companheiros ou a proximidade da própria morte durante os combates, além de privação intensa e esgotamento físico. Por influência dos veteranos do Vietnã, o estresse de combate entraria em 1980 pela primeira vez para o manual de diagnóstico de saúde mental, o Diagnostic and Statistic Manual of Mental Disorders (DSM), com o nome de transtorno de estresse pós-traumático. Nas trincheiras ou nas ruas das metrópoles o transtorno de estresse pós-traumático é disparado por uma característica específica: a ameaça de morte. “Durante o episódio violento, as pessoas que desenvolvem estresse pós-traumático têm a percepção nítida de que vão morrer ou de que, no mínimo, algo se perdeu

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OS PROJETOS 1. Transtorno do estresse pós-traumático: epidemiologia, fisiopatologia e tratamento 2. O Impacto da violência na saúde mental da população brasileira

MODALIDADE

1. Projeto Temático 2. Instituto do Milênio COORDENADORES

1. RODRIGO AFFONSECA BRESSAN – Unifesp 2. JAIR DE JESUS MARI – Unifesp INVESTIMENTO

1. R$ 1.060.744,27 (FAPESP) 2. R$ 4.204.400,00 (CNPq)

para sempre e a vida mudou”, conta o psiquiatra José Paulo Fiks, da equipe da Unifesp que realizou o levantamento em São Paulo. Do ponto de vista da psicanálise, uma ameaça extrema e imprevista como a de morte pode produzir no sujeito um impacto afetivo tão intenso que ele não consegue assimilar e incorporar à história de sua vida, explica Sidnei Casetto, professor de teoria freudiana do Departamento de Ciências da Saúde da Unifesp na Baixada Santista. Como resultado, ele passa a rever repetidamente o evento que gerou o trauma na tentativa de dar-lhe um significado e o esquecer, deixando de ser uma espécie de prisioneiro do tempo. Assim como Freud, muitos dos que estudam atualmente o estresse póstraumático acreditam que o episódio violento que o dispara, na realidade, não é sua causa primordial. Sua origem estaria escondida no passado, muitas vezes em algum trauma ocorrido na infância, que seria novamente trazido à tona. “A situação recente em que a vida esteve em risco resgataria uma situação anterior, que permaneceu encapsulada”, comenta a psicóloga Mariana Pupo, também da Unifesp. Os dados clínicos corroboram esse raciocínio. Avaliando a história de cem portadores de estresse pós-traumático atendidos no Prove, Mariana, Aline Schoedl e Marcelo Feijó de Mello constataram que metade deles havia

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passado por situação extremamente violenta na infância ou na adolescência: 48% sofreram abuso sexual antes dos 18 anos. Feito em parceria com Linda Carpenter e Lawrence Price, da Universidade Brown, nos Estados Unidos, esse trabalho mostrou ainda que o risco de desenvolver estresse pós-traumático está intimamente relacionado à fase da vida em que ocorreu o abuso. Vítimas de violência sexual na adolescência (entre 13 e 18 anos) apresentaram risco dez vezes maior de desenvolver transtorno de estresse pós-traumático na vida adulta do que as que haviam passado pela mesma situação antes dos 12 anos. Já o abuso sexual na infância (até os 12 anos) aumentou a probabilidade de desenvolver depressão numa fase posterior da vida, segundo artigo a ser publicado em breve na Child Abuse and Neglect.

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levantamento com 2.530 moradores de São Paulo indicou também que nem sempre são os eventos violentos considerados mais graves, a exemplo dos assaltos à mão armada ou de seqüestros com tortura como o vivenciado por José Orleans Cruz anos atrás, que disparam o estresse pós-traumático. A maior parte dos casos identificados na capital paulista decorre de agressão doméstica (brigas entre casais, violência contra os filhos ou abuso sexual cometido por cônjuge ou parente), segundo o psiquiatra Sergio Baxter Andreoli, responsável pelos dados epidemiológicos do estudo na cidade de São Paulo. Grupos específicos da população parecem correr maior risco de desenvolver estresse póstraumático que os demais. Em 2004 Deborah Maia e Ivan Figueira, da UFRJ, analisaram a ocorrência de estresse pós-traumático entre policiais da tropa de elite de Goiás. Dos 155 policiais que participaram do estudo, 9% apresentavam no momento da entrevista os sintomas que caracterizam o quadro de estresse pós-traumático – e outros 16% manifestavam parte dos sinais, que se tornaram conhecidos da população no esgotamento apresentado pelo Capitão Nascimento, do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), interpretado pelo ator Wagner Moura no filme Tropa de elite, de José Padilha. Esses policiais com sintomas de estresse pós-traumático relatavam se encontrar com a saúde mais debilitada e ter passado por mais consultas e internações médicas que os demais, como detalharam os pesquisadores em artigo publicado em 2007 no Journal of Affective Disorders. Durante um assalto à mão armada, seqüestro ou estupro, o impacto emocional da violência pode ser tão intenso que a vítima manifesta um recurso extremo de defesa. Como se congelasse instantaneamente, o corpo paralisa, sem forças para reagir ou gritar. Comum entre presas ante seus predadores – a exemplo de PESQUISA FAPESP 150

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O exemplo da Primeira Guerra: combatentes adoecem ante a perda de companheiros e o risco de morte

um rato atacado por uma águia –, essa reação involuntária pode ajudar a predizer como evoluirá o tratamento do indivíduo, em geral baseado em sessões de psicoterapia associadas ao uso de medicamentos antidepressivos que agem sobre o neurotransmissor serotonina e ajudam em 80% dos casos. Em um estudo com 23 pessoas vítimas de violência urbana (na maioria dos casos assalto à mão armada), publicado recentemente no Journal of Affective Disorders, dez desenvolveram paralisia e responderam pior ao tratamento com antidepressivos, constataram Figueira e a psiquiatra Adriana Fiszman, da UFRJ. O trabalho dos grupos coordenados por Jair Mari e Ivan Figueira não se restringe a verificar os índices de estresse pós-traumático nas populações das principais metrópoles brasileiras. As equipes de São Paulo e do Rio também buscam compreender melhor aspectos ainda obscuros desse transtorno emocional: as alterações que provocam no funcionamento do organismo muitos anos depois do episódio violento; a identificação de fatores biológicos e ambientais que 26

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predispõem ao desenvolvimento do estresse pós-traumático ou protegem dele; além de tratamentos medicamentosos e psicológicos mais eficientes.

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nalisando amostras de saliva coletadas durante a entrevista com a população da capital paulista, Marcelo Feijó Mello constatou que as pessoas com sinais de transtorno do estresse pós-traumático também apresentavam um desequilíbrio hormonal importante, semelhante ao observado em estudos realizados em outros países. Provavelmente em conseqüência do estresse e da ansiedade prolongada provocados pelo episódio violento, o organismo delas produz níveis mais baixos do hormônio cortisol, associado ao estresse. Parece contraditório, mas não é. Esse resultado sugere que elas se tornaram mais sensíveis à ação desse hormônio. Por essa razão, taxas menores na corrente sangüínea provocam efeitos mais exacerbados, como as palpitações e o alerta redobrado que Cruz sentia ao avistar

um motoqueiro. Esse efeito, que pode fazer a diferença entre a vida e a morte por preparar o organismo para escapar de um agressor, é extremamente danoso quando dura mais que alguns instantes porque provoca a morte de células cerebrais. Os resultados ainda são preliminares, mas essa morte celular parece afetar uma área cerebral associada à aquisição da memória, o hipocampo. A anatomista Andrea Jackowski comparou imagens de ressonância nuclear magnética do cérebro de 55 pessoas vítimas de violência em São Paulo (35 haviam desenvolvido estresse pós-traumático e 20 permaneciam saudáveis) e observou uma redução de até 10% no volume do hipocampo, possivelmente associada à morte celular. “Ainda não sabemos dizer se o estresse pós-traumático provoca a diminuição do hipocampo ou, ao contrário, se as pessoas que já apresentavam hipocampo menor eram mais propensas a desenvolver o problema”, explica Andrea. Esse é outro achado aparentemente contraditório. Mas já é de esperar que

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Enquanto não se chega a um quadro mais claro sobre possíveis fatores biológicos associados ao estresse pós-traumático, capazes de levar a mudanças nos tratamentos atuais, a equipe da Unifesp testa uma terapia psicológica alternativa em grupo de pessoas no qual os antidepressivos e as terapias psicológicas mais usuais não surtiram o efeito desejado. Em vez de expor o indivíduo a situações semelhantes àquela que gerou o trauma, como propõe a terapia cognitivocomportamental, a equipe de Rosaly Braga Campanini tenta restaurar, com a chamada terapia interpessoal de grupo, os laços sociais (na família, no trabalho e na comunidade) que os portadores de estresse pós-traumático em geral perderam. Até o momento as 30 pessoas que passaram por sessões semanais de terapia interpessoal apresentaram melhora importante, com

redução das lembranças do trauma e recuperação da relação com familiares e amigos. Apesar dos avanços, Mari afirma que ainda é preciso trabalhar muito mais para tentar compreender por que a maior parte das vítimas de violência não desenvolve estresse pós-traumático ou conseguir alternativas de tratamento que devolvam aos portadores desse distúrbio emocional a vida em sociedade como aconteceu com José Orleans Cruz. Hoje recuperado, Cruz voltou a dirigir e retomou os passeios com a mulher. Toda semana vai à feira, comer pastel e olhar os produtos barraca por barraca. Até já faz planos para o futuro. Pretende se aposentar em alguns anos e retornar para Itapagé, no interior do Ceará, de onde, com os pais e irmãos, veio adolescente para São Paulo. “Vou criar ovelhas”, diz. “Quero esquecer a cidade grande e o que aconteceu comigo.” ■

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não haja resposta simples para uma enfermidade que pode ser provocada por diversos fatores e que envolve um órgão tão complexo como o cérebro. Se o centro associado à aquisição da memória é menor nos portadores de estresse pós-traumático, eles não deveriam se lembrar menos do que se passou? Na verdade não. É que eventos de forte conteúdo emocional – um revólver engatilhado apontado para a cabeça, por exemplo – acionam também outra área cerebral chamada amígdala, responsável pela aquisição da memória de eventos desagradáveis. Em uma pessoa saudável, o funcionamento da amígdala é inibido pelo córtex frontal, a região mais anterior do cérebro, situada próximo à testa. Andréa tenta agora identificar se as pessoas com estresse pós-traumático também apresentam uma redução no volume do córtex frontal, o que explicaria o funcionamento exagerado da amígdala e o estado de hipervigilância. Em uma vertente pouco usual nos estudos de doenças psiquiátricas, a geneticista Camila Guindalini está analisando cerca de 1.500 amostras de saliva coletadas durante as entrevistas com os moradores de São Paulo de pessoas vítimas de violência que desenvolveram ou não estresse pós-traumático. Ela tenta identificar alterações específicas nos quase 21 mil genes humanos que afetam o funcionamento do sistema nervoso central e possam favorecer o desenvolvimento do estresse pós-traumático ou mesmo aumentar a resistência a esse distúrbio emocional. Estudos internacionais sugerem uma contribuição de aproximadamente 30% dos fatores genéticos para o desenvolvimento do estresse pós-traumático – os outros 70% ficariam por conta do ambiente (condições socioeconômicas, educacionais e suporte social). Camila também pretende ver como se comportam na população brasileira variações em genes específicos ligados ao funcionamento de neurotransmissores ou ao desenvolvimento de células cerebrais e à fixação da memória. “Com uma amostra tão grande, conseguiremos identificar efeitos pequenos provocados pelos genes”, diz. Ainda que não expliquem tudo, podem ajudar a entender o problema.

Segunda Guerra: devastação material e psicológica

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ESCUDO NO DESERTO

Um gigantesco cinturão de árvores de 7 mil quilômetros de extensão por 15 quilômetros de largura deverá ser erguido para deter o avanço do Saara sobre a região do Sahel, faixa de savanas limítrofe ao grande deserto africano que protege as terras férteis do sul. Graças a um investimento de US$ 3 milhões articulado pela União Africana, que congrega 53 países do continente, a criação do escudo verde terá início em duas frentes. O Comitê para Controle da Seca na Região do Sahel já está trabalhando com consultores Nuvens sobre o Saara vistas da Estação Espacial Internacional científicos de Burkina Faso, Mali, Mauritânia, Níger, Nigéria e Senegal > O FMI e a de aumento de crédito para lançar projetos piloto a partir de setembro. Outra frente associava-se a um aumento do programa, que contempla Chade, Djibuti, Eritréia, Etiópia e tuberculose de 0,9% na mortalidade. Sudão, deve começar a operar em dois meses. A participação David Stuckler, pesquisador da comunidade científica da região foi apontada como funQuando o país deixava de da Universidade de precisar do FMI, as taxas damental. “É importante que o trabalho seja coordenado por especialistas de cada país porque eles conhecem melhor do Cambridge, publicou um de mortalidade caíam em artigo na revista PLoS que ninguém as espécies que crescem no solo local”, disse média 31%. “São muitas Medicine em que sugere as correlações e elas se à agência SciDev.Net Joséa Dossou Bodjrènou, do Museu de uma relação entre o avanço repetem em todos os países”, Ciências Naturais do Benin. “E as populações precisam ser de casos de tuberculose em disse Stuckler ao jornal The sensibilizadas sobre a importância de preservar as árvores, caso contrário o projeto irá fracassar”, afirmou. países do Leste Europeu New York Times. “Isso é

e os cortes nos gastos de saúde decorrentes das exigências do Fundo Monetário Internacional para emprestar dinheiro a essas nações. Foram estudados registros de saúde em 21 países. Observou-se que a obtenção de um empréstimo foi seguida de elevações de 13,9% nos novos casos de tuberculose. Segundo o artigo, cada 1% 28

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ciência charlatã”, rebateu William Murray, porta-voz do FMI. “A tuberculose leva tempo para eclodir. O aumento na mortalidade tem a ver com eventos anteriores aos empréstimos.” O estudo avaliou estatisticamente o impacto de outros fatores sobre a incidência de tuberculose, como a Aids, a urbanização e o desemprego.

> A luta pela água Os Emirados Árabes Unidos criaram uma entidade científica destinada a enfrentar a escassez de água no país, que pode aumentar em decorrência das mudanças climáticas. A Academia Árabe da Água

NASA

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vai receber US$ 1 milhão do governo de Abu Dhabi, emirado que sediará a iniciativa, US$ 300 mil do Banco Mundial e outros US$ 200 mil do Banco de Desenvolvimento Islâmico. Segundo o jornal GulfNews, a academia buscará desenvolver tecnologias de tratamento e dessalinização

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MINISTÉRIO DE CIÊNCIA E INOVAÇÃO DA ESPANHA

O governo espanhol recriou o DO SETOR PRIVADO Ministério de Ciência e InovaAO MINISTÉRIO ção, que fora extinto em 2004. Num gabinete em que as pastas são divididas equanimemente entre homens e mulheres, não causou surpresa o convite feito a Cristina Garmendia Mendizábal, 46 anos, bióloga molecular e ex-executiva de um conglomerado de biotecnologia, para assumir a função. A recriação do ministério agitou o ambiente acadêmico espanhol, porque promoveu mudanças estruturais. A nova pasta absorveu os centros nacionais de pesquisa biomédica, antes vinculados ao Ministério da Saúde, além de universidades que respondiam ao Ministério da Educação. Cristina defende as mudanças e rejeita os rumores de que as universidades serão pressionadas a atender interesses de empresas. “Mas queremos fortalecer a geração de conhecimento nas universidades para que ela também possa reverter em benefício da sociedade na forma de produtos ou serviços”, disse à revista Nature.

> O gigante se move A Universidade Harvard deve inaugurar em 2011 um novo campus no subúrbio de Allston, em Boston, que tem a ambição de estreitar os laços entre pesquisa básica e aplicada. Entre outras novidades, o complexo vai concentrar disciplinas de ciências e engenharias sob um mesmo

teto. O objetivo é estimular a pesquisa colaborativa, hoje dificultada pela separação geográfica e a autonomia das faculdades que compõem a instituição. O projeto é visto por críticos como uma ameaça à tradição de patrocinar pesquisa movida apenas pela curiosidade dos cientistas. Steven Hyman, responsável pelo projeto, disse à revista Science BEHNISCH ARCHITEKTEN

da água e a exploração de reservas subterrâneas. A entidade vai oferecer bolsas de pós-graduação em universidades da região e organizar programas de treinamento para cientistas, ambientalistas e técnicos. Também irá criar um banco de dados com as pesquisas de recursos hídricos e lançar uma revista científica para disseminação do conhecimento gerado.

Cristina Garmendia: mudanças

O complexo de Allston: nova mentalidade

que a intenção é competir com a Universidade Stanford e o Massachusetts Institute of Technology (MIT), que estão na vanguarda da conexão entre ciência básica e aplicada.

> Fim da moratória dos transgênicos Após uma moratória que durou 18 meses, o governo do Uruguai anunciou que voltará a avaliar pedidos de plantio e comercialização de alimentos transgênicos no país. A proibição vigorava desde janeiro de 2007. Segundo o jornal La Diaria, uma nova política nacional de biotecnologia será lançada e prevê a criação de duas estruturas. Uma delas, integrada por técnicos e pesquisadores, fará avaliações de risco de novos pedidos de transgênicos e ajudará a elaborar um projeto de lei que regule o tema. Também será montado um comitê, com instituições ligadas à área de biotecnologia, que irá monitorar as licenças.

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> A primazia de voltar à Lua É possível que os primeiros homens a voltar à Lua desde a última missão Apollo, em 1972, finquem na superfície do satélite uma bandeira vermelha com cinco estrelas amarelas. Michael Griffin, diretor da Nasa, a agência espacial norte-americana, admitiu que a China poderá enviar uma missão tripulada à Lua antes dos Estados Unidos. “Certamente é possível que a China queira colocar gente na Lua. Se desejar fazer isso antes dos Estados Unidos, não falta capacidade técnica”, disse Griffin, segundo a agência de notícias BBC. A Nasa programou uma nova viagem tripulada à Lua em 2020, a bordo da Orion, nave que sucederá os atuais ônibus espaciais. A China já enviou duas missões tripuladas ao espaço. A primeira foi em 2003 e manteve em órbita durante mais de 20 horas o astronauta Yang Liwei, da nave Shenzhou 5. No mês passado, Liwei, convertido em herói nacional, conquistou a patente de general. Na segunda viagem, dois chineses a bordo da Shenzhou 6 passaram cinco dias em órbita. Uma terceira missão ao espaço deve partir em outubro. Autoridades chinesas informaram que ainda não há um cronograma para a missão que pretendem mandarvv à Lua. 30

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Um artigo publicado na revista Science contesta a idéia de que a criação de um parque ecológico é socialmente injusta com a população de sua região por restringir o acesso à área. George Wittemyer, pesquisador da Universidade da Califórnia em Berkeley, investigou a situação de 306 áreas protegidas na África e na América Latina e concluiu que a taxa de crescimento populacional nas bordas das reservas, num raio de até 10 quilômetros de seus limites, é duas vezes maior do que em outras áreas rurais das redondezas. “As pessoas se concentram perto dos Queniano tange gado nos limites de um parque nacional parques porque vêem benefícios nisso. Se fossem prejudicadas, > A trapaça procurariam outro lugar”, disse Wittemyer. Há várias causas para o fenômeno. As pessoas são atraídas por oportunidades dos céticos de emprego nas reservas, por ganhos de infra-estrutura, como A Ofcom, agência que a construção de estradas de acesso, e por vantagens geradas regula as telecomunicações por investimentos na preservação da biodiversidade. O estudo no Reino Unido, repreendeu alerta, contudo, que as reservas com grande concentração a emissora de televisão populacional em seus limites têm dificuldade maior de evitar invasões e de garantir a preservação da natureza. britânica Channel 4 por ter

distorcido o trabalho de climatologistas ao produzir um documentário afirmando que o aquecimento global é uma fraude e fruto de uma conspiração. Segundo o jornal The Guardian, queixas contra o documentário intitulado A grande trapaça do aquecimento global foram apresentadas por David King, cientista-chefe do

governo na gestão do ex-premiê Tony Blair, e pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPPC), da ONU. A produção declarava-se porta-voz da minoria de cientistas que se mantém cética em relação ao vínculo entre aquecimento global e produção de gases poluentes pelo homem.

GEORGE WITTEMYER

ESTRATÉGIAS MUNDO

A BOA VIZINHANÇA

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O problema não foi esse, mas o fato de que até mesmo pesquisadores que auxiliaram na produção denunciaram distorção de dados. Apesar da repreensão, a agência considerou que a divulgação do documentário não ofendeu a legislação por não ter causado danos diretos aos espectadores.

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ESTRATÉGIAS BRASIL

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) vai abrigar um dos mais poderosos supercomputadores do mundo, com capacidade de processamento de 15 trilhões de operações matemáticas por segundo, para pesquisa de mudanças climáticas. Isso graças a um investimento de R$ 48 milhões, sendo R$ 35 milhões do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e R$ 13 milhões da FAPESP. O investimento conjuga a prioridade ao estudo das mudanças climáticas definido pelo MCT com o Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais da FAPESP, que deverá ser lançado nas próximas semanas. “Com esse tipo de instrumento computacional altamente potente será possível coordenar o clima como ninguém imaginou há 60 anos”, afirmou o titular do MCT, Sérgio Rezende. “Com a colaboração entre MCT e FAPESP, a expectativa é que se possa em São Paulo desenvolver modelos climáticos globais orientados às particularidades e aos interesses específicos do Brasil”, disse o diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz. O Inpe já começa a se preparar para receber o supercomputador, que deverá começar a operar em 2009. A nova máquina será instalada no CPTEC (Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos) em Cachoeira Paulista e será utilizada pelo recém-inaugurado Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Inpe, dirigido pelo climatologista Carlos Nobre.

LAURABEATRIZ

UM NOVO SUPERCOMPUTADOR

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> Embraer vai a Portugal A Embraer vai construir duas fábricas na cidade de Évora, em Portugal, uma dedicada à fabricação de estruturas metálicas e outra à de conjuntos em materiais compósitos, utilizados na construção de aviões. Elas representarão investimentos estimados em € 148 milhões (o equivalente a R$ 365 milhões) ao longo dos próximos seis anos. Os materiais produzidos nas fábricas portuguesas serão vendidos para as unidades de produção de aviões da empresa. A escolha de Évora, a 130 quilômetros de Lisboa, resultou de fatores como acesso à mão-de-obra qualificada e infra-estrutura logística, além da existência de um parque tecnológico

no município dedicado à indústria aeronáutica. “A União Européia é um de nossos maiores e mais importantes mercados, tanto para a compra de equipamentos e insumos quanto para a venda de aeronaves”, disse o diretor presidente da Embraer, Frederico Fleury Curado, na solenidade de lançamento das unidades em Lisboa, que teve a presença do premiê português José Sócrates e do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva.

> De Pequim para a praça da Sé O reitor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Marcos Macari, e o embaixador da China no Brasil, Chen Duqing, assinaram o convênio para a instalação, em São Paulo, do Instituto Confúcio da Unesp (Icunesp), voltado para formar professores de mandarim, patrocinar atividades acadêmicas e prestar serviços de consultoria para brasileiros

que pretendam estudar na China. O instituto funcionará no prédio da Editora Unesp, na praça da Sé, centro de São Paulo. A administração do Icunesp ficará a cargo da universidade. Já os professores e um diretor serão selecionados pelo Instituto Confúcio chinês, vinculado ao Ministério da Educação da China, que tem sede em Pequim e mais de cem unidades espalhadas pelo mundo, sobretudo nos Estados Unidos e na Europa.

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ESTRATÉGIAS BRASIL

> Inovação

alternativas, nanotecnologia e neurociência, entre outros. O edital faz parte do programa Inova RN, que busca reduzir a distância entre os pesquisadores e o setor produtivo e melhorar a competitividade das empresas.

potiguar A Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Norte (Fapern) lançou um edital para apoiar projetos que estimulem a atividade inovadora de micro e pequenas empresas. Poderão concorrer empresas com faturamento de R$ 1,2 milhão a R$ 10,5 milhões. Os recursos são de R$ 4 milhões, oriundos do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e do governo potiguar. Estima-se que sejam financiados 35 projetos, com valores de R$ 100 mil e R$ 150 mil. São considerados prioritários projetos em áreas como agronegócio, aqüicultura, fruticultura, processamento de alimentos, medicamentos, controle de poluentes, biocombustíveis, energias

> Aulas de física na internet

LAURABEATRIZ

DOUTORAS PREMIADAS

O Grande Prêmio Capes de Teses de 2007 foi dominado pelas mulheres em suas três categorias. Maria Laura Schuverdt, 32 anos, do Programa de Pós-graduação em Matemática Aplicada da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), venceu na categoria Lobo Carneiro (engenharias e ciências exatas), com uma tese de doutorado que resultou na criação de um método capaz de solucionar problemas com um número enorme de variáveis e restrições, próprio a ser usado em ciências aplicadas e na tomada de decisões. Na categoria Johanna Döbereiner (ciências agrárias e biológicas, meio ambiente e medicina), a vencedora foi Ana Lia Parra-Pedrazzolli, 34 anos, do Programa de Pós-graduação em Entomologia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (USP). Ela isolou e identificou o feromônio sexual (substância química que a fêmea libera para atrair o macho no acasalamento) do inseto Phyllocnistis citrella. Trata-se de uma pequena mariposa originária da Ásia, que infestou pomares de laranja do interior paulista, Triângulo Mineiro e outras regiões do Brasil nos últimos dez anos. Solange Maria Teixeira, 42 anos, do Programa de Pós-graduação de Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), conquistou o prêmio na categoria Celso Furtado (ciências sociais e humanidades). O estudo premiado analisa a questão social do envelhecimento do trabalhador e as formas de respostas do Estado e da sociedade a essa problemática. O Grande Prêmio Capes de Teses é oferecido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e pela Fundação Conrado Wessel (FCW). As três vencedoras receberam bolsa de pósdoutorado no exterior além de US$ 15 mil. Na edição de 2007 da premiação foram inscritas 417 teses.

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Os professores de física dispõem agora de uma página na internet com material de apoio ao processo de ensino, como simulações, aulas, textos, imagens e links. O portal Píon (www.pion. sbfisica.org.br) foi desenvolvido pela Sociedade Brasileira de Física (SBF) com patrocínio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O nome do portal é uma homenagem ao físico brasileiro Cesar Lattes (1924-2005), um dos descobridores da partícula elementar conhecida por méson pi ou píon. A página tem uma seção de artigos com adaptações de textos originalmente da revista Física na Escola, da SBF. Já a seção “Você sabia” oferece uma seleção de desafios em física, elaborados para professores e estudantes. O coordenador do portal é o físico Nelson Studart, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

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EDUARDO CESAR

A CERIMÔNIA DO BIOEN

Com investimento estimado em US$ 130 milhões nos próximos cinco anos, foi lançado no dia 3 de julho o Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia – Bioen, voltado para aprimorar a produtividade do etanol brasileiro e avançar em ciência básica e em desenvolvimento tecnológico relacionados à geração de energia a partir de biomassa (ver Pesquisa FAPESP nº 149). A chamada de projetos prevê investimentos de cerca de R$ 38 milhões, divididos entre a FAPESP (R$ 19 milhões) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Também foram celebrados convênios no âmGoldman, Lafer e Zago no lançamento do programa bito do Bioen que articulam o esforço de pesquisa com empresas e outras entidades. Um – que formulam, deles é a primeira chamada de propostas para o Convênio FAPESP/Dedini para Apoio à Pesquisa sobre Processos Inimplementam e avaliam as políticas de ciência e dustriais para a Fabricação de Etanol de Cana-de-açúcar, que tecnologia ao se dedicarem investirá inicialmente R$ 20 milhões em projetos cooperatià docência e à pesquisa vos envolvendo especialistas da empresa e de universidades em universidades públicas e instituições de pesquisa paulistas. Outra é a chamada de propostas no valor de R$ 5 milhões para o convênio entre a ou a atividades burocráticas em institutos públicos FAPESP e a Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais de pesquisa e agências (Fapemig) de pesquisa em biocombustíveis. "O programa se dedicadas ao fomento e ao sustenta sobre uma sólida base de pesquisas desenvolvidas planejamento das atividades na área há quase dez anos”, disse o diretor científico da FAde ciência e tecnológica. PESP, Carlos Henrique de Brito Cruz. ”A posição de liderança Isso não ocorre só no Brasil, científica, no entanto, não permanece por si só: é preciso mas aparentemente em continuar avançando. O Brasil não está acostumado a ser um toda a América Latina. Nos dos melhores do mundo quando o assunto é ciência e tecnopaíses avançados, segundo logia. Mas em bioenergia nós estamos na liderança e preciDagnino, o modelo é samos ter uma atitude diferenciada", afirmou. O presidente da FAPESP, Celso Lafer, lembrou que a pesquisa científica diferente e mais sofisticado. e tecnológica na área de bioenergia tem importância estratégica também sob o ponto de vista diplomático. "O Brasil tem feito esforços no sentido de argumentar em defesa do etanol nacional, afirmando sua sustentabilidade ambiental e social. Só teremos condições de sustentar essa articulação diplomática se ela vier acompanhada de um conhecimento sólido, com publicações de abrangência internacional, legitimando nossa posição", disse. No evento também estavam presentes o vice-governador de São Paulo, Alberto Goldman, o professor Marco Antônio Zago, presidente do CNPq, a professora Lucia Carvalho Pinto de Melo, presidente do Centro O livro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), e o secretário de de Dagnino: Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Estado de Minas processo decisório Gerais, Alberto Duque Portugal.

Brito, Portugal,

> A política da ciência Quem elabora e como é feita a política científica brasileira? Quase exclusivamente a própria comunidade científica, sem participação importante do Estado ou do setor empresarial ou industrial e tampouco da sociedade civil, segundo o engenheiro e economista Renato Dagnino, especialista em estudos sociais da ciência e tecnologia. No livro Ciência e tecnologia no Brasil: o processo decisório e a comunidade de pesquisa (Editora Unicamp), Dagnino, professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), compara a evolução do pensamento sobre a política científica e tecnológica no Brasil nas últimas décadas e conclui: são os pesquisadores – ou professores-pesquisdores

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

INDICADORES

O fôlego na berlinda Resultados incongruentes em dois rankings abrem debate sobre os limites do crescimento da produção acadêmica brasileira Fabrício Marques

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ois rankings de produção científica mundial divulgados em julho apresentaram resultados incongruentes em relação ao desempenho acadêmico do Brasil em 2007. A tradicional base de dados Thomson Scientific indica que o Brasil continua a ganhar fôlego, embora mantenha a 15ª posição no ranking mundial conquistada no ano passado. Foram 19.428 artigos publicados nos periódicos científicos indexados na base de dados, 2.556 a mais do que em 2006. Com isso, o país respondeu em 2007 por 2,02% do total da produção científica mundial, diante de 1,92% no ano anterior. Segundo os dados, o Brasil está um pouco à frente da Suíça e da Suécia e se aproxima da Holanda e da Rússia. Já a base de dados Scopus, comercializada pela editora Elsevier, registrou 26.369 artigos brasileiros em publicações estrangeiras, 292 a menos do que em 2006, com o país ocupando também a 15ª posição no ranking, mas com 1,75% da produção mundial. Como as duas bases de dados contemplam universos distintos, é difícil afirmar se a divergência é acidental e qual é a tendência atual. A ferramenta Web of Science, da Thomson Scientific, cobre cerca de 10 mil periódicos, ante 15 mil da ferramenta SCImago, da Scopus. Nos anos cobertos pela base de dados SCImago – de 1996 a 2008 – a Scopus contém até 45% mais registros que a Thomson. Ainda assim, a divergência animou um debate sobre o futuro e os limites de expansão da produção acadêmica brasileira. O biólogo Marcelo Hermes-Lima, professor da Universidade de Brasília (UnB) e co-editor do periódico on-line PLoS One, afirmou em seu blog Ciência Brasil que a oscilação detectada pela Scopus pode ser o primeiro sinal de saturação. “A meu ver, o aumento da produção científica brasileira chega ao seu limite. Ou seja, a taxa de crescimento poderá ser nos

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próximos anos entre zero e 2% – que é o limite do crescimento vegetativo da população de cientistas de verdade. Em outras palavras, estamos no ponto de saturação da curva de crescimento no número de papers do Brasil”, disse. Já Rogério Meneghini, coordenador científico da biblioteca eletrônica SciELO Brasil, considera necessário esperar mais um ano para avaliar qual é a tendência. “É precipitado afirmar que a produção brasileira bateu no teto”, diz Meneghini, especialista em cienciometria, disciplina que busca gerar informações para estimular a superação dos desafios da ciência. “Não houve um refreamento nos investimentos que justifique uma queda, ainda que o Brasil invista menos do que países como a China e a Coréia do Sul, cuja produção acadêmica cresce justificadamente em velocidade mais alta que a nossa”, avalia Meneghini. Enquanto a produção brasileira cresceu 133% nos últimos dez anos, a da China avançou 300%. No Brasil, as áreas ligadas à biologia e às ciências médicas, como medicina, agricultura, bioquímica, genética e biologia molecular, seguida pela física e a astronomia, são as mais produtivas. As cinco instituições com maior número de artigos publicados são a Universidade de São Paulo (USP), a Estadual de Campinas (Unicamp), a Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Federal de Minas Gerais (UFMG). Jacqueline Leta, pesquisadora da UFRJ, chama a atenção para o fato de que, a despeito do crescimento da produção científica brasileira, não está avançando a participação relativa de artigos brasileiros em revistas internacionais de alto impacto, do nível de Science e Nature. “Os indicadores mostram a visibilidade internacional de uma parte da produção brasileira, mas eles são influenciados por uma série de fatores e não podem ser tomados ao pé da letra como sinais

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de qualidade”, ela afirma. “Uma questão que se coloca, a meu ver, é se essas publicações estariam interessadas em ampliar o número de artigos de países emergentes como o Brasil. Creio que não, o que tem a ver mais com regras comerciais desse mercado editorial do que com a oferta de estudos qualificados”, disse Jacqueline. Um dado relevante na discussão diz respeito ao número de doutores formados no Brasil, que cresceu dez vezes entre 1980 e 2006, passando de mil para cerca de 10 mil profissionais ao ano. O diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, destaca o fato de a curva do aumento da produção científica estar sincronizada, nos últimos anos, com a do crescimento do número de doutores e com a qualificação das instituições acadêmicas. “O aumento no número de artigos científicos se correlaciona muito bem com o crescimento na formação de doutores. E em São Paulo a razão entre o número de artigos e o número de cientistas é comparável com aquele de países da OECD (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), indicando que para aumentarmos a produção científica precisamos de mais cientistas”, diz Brito Cruz. O número de doutores continua a crescer, mas não na velocidade de uma década atrás. Entre meados dos anos 1990 e o ano de 2003, a taxa de crescimento dos

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doutorados defendidos a cada ano era de 16% ao ano. Já de 2003 em diante houve um arrefecimento nesta taxa de crescimento para um patamar de 4% ao ano. O comportamento dos indicadores permite supor que essa perda de fôlego projete um impacto na produção acadêmica. Essa vinculação é reforçada por dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), segundo os quais 85% da produção científica nacional é realizada pelo sistema de pós-graduação. Patamar - Países com sistemas de ciên-

cia e tecnologia maduros tendem a estabilizar o crescimento de sua produção acadêmica e do número de doutores, mas este seria o caso do Brasil? Em números absolutos, os 10 mil doutores formados anualmente no Brasil estão em patamar semelhante ao de países como a Inglaterra, Índia e Coréia do Sul. Já em números relativos, a situação é diversa. O Brasil forma 5 doutores por grupo de 100 mil habitantes, diante de índices de 12,1 do Japão, 13,6 da Coréia do Sul; 14 dos Estados Unidos, 24 do Reino Unido e 30 da Alemanha. Segundo o presidente da Capes, Jorge Guimarães, o país precisa de mais pesquisadores. “Somos referência na área agrícola e odontológica e isso precisa ser valorizado. Mas, em comparação com outras nações, o nosso número de pesquisadores é dramaticamente baixo. Temos de melhorar muito”, afirmou, em palestra na 60ª Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), no mês passado. Enquanto os estados da Região Sudeste ostentam uma proporção de 30

a 35 doutores por 100 mil habitantes, no Norte e no Nordeste ela não ultrapassa 10. O índice mais elevado é do Distrito Federal, com 41,3 doutores por 100 mil habitantes. O mais baixo é o de Tocantins, com 3,8 doutores para 100 mil moradores. Para Guimarães, o grande desafio é formar especialistas nas regiões desfavorecidas. “Não há outra forma de atacar o problema senão pela formação de quadros”, avaliou. A concentração da pós-graduação no Brasil também é visível na quantidade de doutores formados nas universidades estaduais paulistas. A USP, com 2 mil doutores por ano, e a Unicamp, com 870, formaram mais do que qualquer universidade norte-americana. A média da Universidade da Califórnia em Berkeley foi de 769 doutores, ante 702 da Universidade do Texas, em Austin, e 664 da Universidade da Califórnia em Los Angeles. Outro problema conhecido é a ainda restrita permeabilidade do setor produtivo brasileiro aos doutores formados no país. Do total de cientistas brasileiros, apenas 23% (menos de 20 mil) desenvolvem pesquisas em laboratórios industriais, enquanto na Coréia do Sul e nos Estados Unidos, por exemplo, cerca de 54% (94 mil) e 80% (790 mil) dos cientistas, respectivamente, estão empregados nas indústrias para o desenvolvimento de produtos e processos inovadores. “Há dois desafios igualmente importantes: aumentar ainda mais a capacitação para ciência básica e formação de pessoal nas universidades e acelerar a capacitação para a pesquisa aplicada e desenvolvimento tecnológico na empresa”, disse Brito Cruz, da FAPESP. ■

Redução de marcha A taxa de crescimento do número de doutores formados no Brasil perdeu velocidade a partir de 2003

Doutorados por ano

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2005

2010

Fonte: Capes/MCT

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O Brasil que inova

A Demos, uma organização inglesa de estudos estratégicos, lançou um relatório que chama a atenção para a vitalidade do panorama de ciência, tecnologia e inovação no Brasil. Assinado pela pesquisadora Kirsten Bound, o documento Brazil, the natural knowledge economy sugere que o país, cuja força de inovação ainda se vincula fortemente à exploração de recursos naturais, já possui competências diversificadas em áreas como biocombustíveis, genômica e software – no que se configuraria a “economia natural do conhecimento” sugerida no título do relatório. O texto destaca fatos e indicadores positivos, como o 15º lugar do Brasil nos rankings mundiais de produção acadêmica e o crescimento nos orçamentos de pesquisa – tudo isso num ambiente de estabilidade política e econômica. Bound discute por que o Brasil é pouco conhecido pelo mundo desenvolvido. As causas seriam o pouco alarde que o país faz de seus avanços e também o fato de o Brasil, colonizado por europeus, não ser visto como uma cultura ameaçadora como as da Índia e da China. O relatório faz recomendações para que o Brasil tire maior proveito das qualidades que tem. Uma delas é ampliar a discussão sobre temas controversos, como a tensão entre gastar dinheiro com ciência ou combater as desigualdades. Organizar uma rede de apoio internacional a partir dos cientistas brasileiros vivendo no exterior e implementar com firmeza as políticas públicas já existentes completam as sugestões.

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> NEUROCIÊNCIA

Por dentro do cérebro PUC do Rio Grande do Sul lança instituto de pesquisa em doenças neurológicas

sobre sono e epilepsia, assim como estudos sobre o comprometimento neurológico de bebês prematuros também terão espaço no Inscer. “No caso dos prematuros, a idéia é produzir estudos que ajudem a compreender como prevenir lesões cerebrais nos bebês”, diz. A criação do Inscer soma-se a outras iniciativas que buscam estimular o desenvolvimento da neurociência no país. Segundo Jaderson da Costa, o modelo do Inscer tem semelhanças com o programa CInAPCe (sigla para Cooperação Interinstitucional de Apoio à Pesquisa sobre o Cérebro), da FAPESP, que conjuga pesquisa avançada em diversos ramos na neurociência, com ênfase no estudo da epilepsia, e tratamento de pacientes em ambulatórios e hospitais. “Uma diferença importante é que teremos uma estrutura física unificada, enquanto o CInAPCe envolve uma rede de várias instituições”, diz Jaderson. “Mas está em nossos planos promover colaborações com outros grupos do Brasil e do exterior”, afirma. No ano passado começou a funcionar no Rio Grande do Norte o Instituto Internacional de Neurociências de Natal (IINN), liderado por Miguel Nicolelis, professor brasileiro da Universidade Duke, autor de pesquisas pioneiras envolvendo a comunicação entre o cérebro de macacos e próteses robóticas. ■ MICHAEL A.COLICOS/UCSD

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Região Sul vai ganhar um De acordo com o neurologista Jaderson da Costa, diretor do IPB e grande instituto de pesquisa coordenador do projeto, a decisão e de tratamento de doenças neurológicas. Começa a funde criar o Inscer foi tomada por ducionar em 2010 o Instituto as razões. “O envelhecimento da podo Cérebro do Estado do Rio pulação e o conseqüente aumento na Grande do Sul (Inscer), em incidência de doenças neurodegeneraPorto Alegre, vinculado à Pontifícia Unitivas criaram uma demanda crescente versidade Católica do Rio Grande do Sul por atendimento médico e pesquisa. (PUC-RS). O custo inicial do projeto E percebemos que tínhamos massa críserá de R$ 35 milhões, bancados pelo tica para suprir essa necessidade”, afirma. Mas os estudos não vão limitar-se governo federal, pela Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul, pela a doenças como Alzheimer, Parkinson e própria universidade e pela iniciativa esclerose lateral amiotrófica. Pesquisas privada. O Inscer atenderá pacientes de diversas origens, com prioridade para os do Sistema Único de Saúde (SUS), e terá uma abordagem interdisciplinar, envolvendo também especialistas em física, farmácia, biociências e ciências humanas. O complexo do instituto terá dois edifícios e uma área de 6 mil metros quadrados. Estruturas que já existem no hospital universitário e no Instituto de Pesquisas Biomédicas (IPB) da PUC-RS serão incorporadas à iniciativa. São exemplos o Laboratório de Neurociências e o Centro de Memória, criado pelo neurocientista Iván Izquierdo, pioneiro no estudo da neurobiologia da memória e do aprendizado, que há quatro anos se aposentou da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e foi Neurônio: combate a moléstias degenerativas trabalhar na PUC-RS.

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> DIFUSÃO

SOB O SOL DA CIÊNCIA Unicamp atrai 12 mil pessoas para a 60ª Reunião Anual da SBPC

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o longo de uma ensolarada semana de julho, 12 mil pessoas estiveram em Campinas para participar de uma maratona científica que debateu temas estratégicos para o desenvolvimento nacional, como o futuro do etanol e os desafios da inovação. A 60ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) foi realizada entre 13 e 18 de julho na mesma cidade que abrigou, em 1949, a primeira edição do que se consagraria como o maior encontro científico da América Latina. Se o encontro de 59 anos atrás teve lugar no Instituto Agronômico (IAC), o campus da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) foi o cenário da reunião de 2008, que contou com 7 assembléias, 80 conferências, 55 mesas-redondas, 7 sessões especiais, 71 simpósios e 43 minicursos. Na avaliação do presidente da SBPC, Marco Antonio Raupp, um dos resultados positivos da reunião foi a discussão por núcleos temáticos, tais como etanol de cana-de-açúcar; conhecimento, desenvolvimento e inovação tecnológica; aquecimento global; biodiversidade e conservação; experimentação com animais de laboratório; pesquisa científica e legislação brasileira; educação para a ciência no ensino básico; e saúde pública: doenças endêmicas, entre outros. Das 12 mil pessoas que prestigiaram o evento, 6.264 estavam oficialmente inscritas na programação científica. Desse total, 2.020 eram do estado de São Paulo. Em 2º lugar havia 375 participantes do Pará, que sediou a reunião da SBPC em 2007; seguido por Minas Gerais, com 368 inscritos. O público pôde circular por um ginásio que exibiu mais de 3 mil pôsteres com trabalhos de jovens pesquisadores e estudantes de iniciação científica, além de uma Feira do Livro, com estandes de 25 editoras, e a Exposição de Tecnologia e Ciência (ExpoT&C),

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que contou com mais de 60 expositores. O estande da FAPESP da ExpoT&C apresentou ao público as principais áreas de atuação, programas e projetos apoiados pela Fundação. O núcleo temático “Etanol de canade-açúcar” foi um dos que mais atraíram a atenção, com palestras, conferências e mesas-redondas sobre vários aspectos do biocombustível animadas por nomes como o do botânico Marcos Buckeridge (USP), Isaías Macedo e Cylon Gonçalves da Silva (Unicamp), entre outros. Também foram concorridos os eventos do núcleo temático sobre aquecimento global, entre os quais a conferência de Carlos Nobre, meteorologista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU. O presidente do Inpe, Gilberto Câmara, fez um desabafo ao explicar os sistemas de monitoramento do desmatamento da Amazônia, que apontaram uma elevação nas áreas devastadas neste ano – e foram postas em dúvida por autoridades. Câmara disse que o tempo dará razão ao Inpe. “A relação entre poder e ciência é muito interes-

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ILUSTRAÇÃO LAURA DAVIÑA/ FOTO EDUARDO CESAR

Ginásio da Unicamp: 3 mil pôsteres apresentados

sante”, afirmou. “Não é uma relação entre iguais, mas a desigualdade muda com o tempo. Em curto prazo, o poder tem a capacidade de prejudicar a ciência. A longo prazo, no entanto, a ciência é mais forte. A verdade aparece e nem sempre é agradável para quem tentou prejudicar a pesquisa.” Os entraves ao desenvolvimento da ciência também foram objeto de discussão. A necessidade de criar uma legislação que regule a experimentação científica com animais foi discutida em diversas palestras e mesas-redondas. A queda do interesse dos jovens brasileiros por cursos de computação animou uma mesa-redonda “Futuro da computação e robótica”. Desde 2004, entrou em declínio a curva do número de alunos de graduação, mestrado e doutorado e total de alunos nas áreas de robótica, engenharia de software e microeletrônica. A única exceção é o doutorado em microeletrônica, em que os números não sofreram alteração. Isso apesar do crescimento da produção científica nacional em tecnologia da informação. Segundo Dante Barone, secretário da SBPC, o caráter teórico dos currículos é um

fator desmotivador dos alunos. “Os conteúdos das faculdades nem sempre contemplam, em cadeiras oficiais, cursos de webdesign e linguagens específicas, o que também contribui para afastar alunos”, diz. Aliada – Dois ministros de Estado estiveram no encontro. Carlos Minc, do Meio Ambiente, expôs os principais projetos de sua pasta e admitiu que há exageros nas exigências feitas pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) para permitir o acesso de pesquisadores em reservas ambientais. “A atividade científica não pode ser vista como nossa adversária. No meu ponto de vista, ela é a nossa principal aliada”, disse. O ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, anunciou a aquisição de um supercomputador para simulações avançadas das mudanças climáticas globais. O sistema, que será adquirido por meio de uma parceria entre a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e a FAPESP, será instalado no Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), na cidade de Cachoeira Paulista, no Vale do Pa-

raíba (leia mais na página 31). Rezende também anunciou a criação de 50 Institutos Nacionais de Pesquisa em até três anos, que substituirão os Institutos do Milênio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Segundo Rezende, está previsto o investimento de R$ 270 milhões até 2010, financiado pelo CNPq e a Finep. Serão selecionados até 30 institutos por edital para atuação nas seguintes áreas estratégicas: biotecnologia e nanotecnologia; tecnologia da informação e comunicação; insumos para saúde; biocombustíveis; energias renováveis; petróleo; agronegócio; biodiversidade e recursos naturais; meteorologia e mudanças climáticas; programa espacial; programa nuclear; e defesa nacional. Outros 20 institutos trabalharão temas gerados por demanda. De acordo com Rezende, a iniciativa representa uma fase de transição no sistema de fomento federal para ciência e tecnologia. “Os Institutos do Milênio conseguiram excelentes resultados, mas têm recursos muito limitados. Os Institutos Nacionais vão substituí-los com mais sustentabilidade”, disse Rezende à Agência FAPESP. No encerramento do evento, o reitor da Unicamp, José Tadeu Jorge, elogiou a qualidade dos debates e se disse orgulhoso pela chance de a universidade abrigar a principal reunião científica brasileira. O governador do Amazonas, Eduardo Braga, participou do encerramento do evento com uma palestra sobre o sistema de ciência e tecnologia montado com sucesso no Amazonas. “Sem tecnologia não será possível implementar o desenvolvimento necessário para vencer o desafio da Amazônia brasileira”, disse Braga, ao convocar a comunidade científica a prestigiar a 61ª reunião, que será realizada em Manaus, em julho de 2009. ■

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LABORATÓRIO MUNDO

> A falta de sono e as falsas memórias

LAURABEATRIZ

Dormiu pouco e lembra de coisas que não aconteceram? Não se desespere, o cérebro está em ordem. Deve ser culpa da noite sem dormir

(lembra-se?). Um grupo da universidade alemã de Lübeck pediu a voluntários que memorizassem grupos de palavras, e viu que testes de memória após uma noite com ou sem sono tiveram resultados diferentes.

falsas que o bem-dormido e insistia que as novas palavras estavam na lista original. Café (lembra-se?) pode salvar o dia. Voluntários privados de sono que tomaram café uma hora antes do teste das palavras inventaram 10% menos palavras.

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MARIA GUIMARÃES

TERRA EMPOBRECIDA

Aumentaram as terras degradadas no planeta. Hoje 24% das superfícies dos continentes estão poluídas, pobres em nutrientes ou erodidas a ponto de serem incapazes de manter ecossistemas naturais ou agricultura. Eram 15% duas décadas atrás, segundo o relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) lançado em julho. Esse resultado indica que áreas antes produtivas foram afetadas. Atualmente 20% das áreas cultivadas, 30% das florestas e 10% dos campos estão degradados. A perda de produtividade dessas áreas afeta 1,5 bilhão de pessoas que dependem da terra para produzir alimento. E suas conseqüências vão além. A Novos usos: um quarto do solo do planeta está degradado degradação da terra pode aumentar a fome, a migração de populações, reduzir a biodiversidade e a disponibilidade de recursos naturais como a água. “A degradação da Os pesquisadores mostraram > Vinho, bom a lista de palavras novamente terra pode afetar de modo importante a capacidade de reduzir desde o começo o impacto das mudanças climáticas e de adaptação a elas, aos voluntários, com algumas a mais, e pediram uma vez que a perda de biomassa e de matéria orgânica do Combinar carne vermelha solo libera carbono para a atmosfera”, disse Parviz Koohafka, a lista original. O grupo com vinho tinto pode diretor da Divisão de Terra e Água da FAO. insone deu mais respostas indicar mais do que bom

gosto. Uma equipe da Universidade de Jerusalém liderada por Joseph Kanner verificou que compostos do vinho impedem a formação de substâncias químicas prejudiciais que surgem ao longo da digestão da carne. Vinhos tintos são ricos em polifenóis, antioxidantes que protegem contra câncer e doenças cardíacas. A resposta sobre como os polifenóis atuam pode estar no próprio estômago. Kanner verificou que a digestão de carnes vermelhas espalha toxinas oxidantes, associadas a câncer, diabetes e outras doenças. Ele imaginou que os polifenóis, se chegassem na hora certa, poderiam

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pegajosa Tão logo alcança a corrente sangüínea o parasita Plasmodium falciparum, causador da forma mais agressiva da malária, penetra nas células vermelhas do sangue e começa a se reproduzir. Grávidas de parasitas, as células humanas tornam-se rígidas e pegajosas e aderem aos vasos sangüíneos, burlando o sistema de defesa. A equipe de Alan Cowman, do Instituto de Pesquisa Médica Walter e Eliza Hall em Melbourne, Austrália, identificou a maquinaria usada pelo Plasmodium: oito genes produzem proteínas que levam a proteína adesina para a superfície das hemácias, tornando-as pegajosas (Cell). Basta faltar uma dessas proteínas e as células deixam de aderir aos vasos. Pode ser o caminho para novos tratamentos contra a malária.

> Sobrevivem os Quase todo mundo já ouviu que a evolução favorece a sobrevivência dos mais aptos. Talvez seja o caso de rever essa certeza, pelo menos no que diz respeito aos genes. Pesquisadores da Universidade do Texas em Austin, nos Estados Unidos, desenvolveram um modelo em computador para analisar seqüências genéticas e afirmam: a seleção natural favorece traços que possam ser produzidos por diferentes seqüências de DNA. Para os autores, a idéia apóia a hipótese de que a natureza privilegia a ascensão dos abundantes, mesmo que não sejam mais aptos (PLoS Computational Biology).

Mulheres: menos suscetíveis ao efeito placebo

> Saltos da imaginação Se um pesquisador, com seu respeitável jaleco branco, supostamente injeta hormônio de crescimento numa pessoa, é muito mais provável que a pessoa acredite ter recebido hormônio se for homem. O endocrinologista Ken Ho, da Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália, fez esse

JAKOB VINTHER/YALE

mais abundantes

MIGUEL BOYAYAN

> Infecção

barrar a entrada dessas toxinas na corrente sangüínea. Um experimento com ratos alimentados de modos diferentes mostrou que a idéia tinha sentido. Vem daí outra conclusão: os antioxidantes não precisam estar na corrente sangüínea para serem benéficos, porque começam a agir a favor do organismo já no estômago. Além disso, comer frutas no final de uma refeição é realmente saudável: muitas frutas são ricas em polifenóis, que podem agir da mesma forma no estômago (ainda que os enólogos torçam o nariz com tamanha simplificação, o próprio vinho não é nada mais que suco de fruta fermentado).

experimento com homens e mulheres e pediu que participassem de um teste de salto. Mesmo que tivessem recebido uma injeção inócua os homens pulavam mais alto, comentou Ho durante o congresso de endocrinologia em junho, nos Estados Unidos. Para ele, os resultados indicam que muitos dos feitos esportivos se devem mais à mente do que ao corpo (Science News).

Tempos atrás paleontólogos haviam sugerido que penas fossilizadas seriam traços de bactérias que as comem. Agora outros paleontólogos mostraram que não é nada disso. Comparando uma pena fóssil listrada de um pássaro-preto-da-asa-vermelha (Agelaius phoeniceus) e uma de bacurau (Caprimulgus vociferous), Jakob Vinther, da Universidade de Yale, Estados Unidos, verificou que as penas escuras preservam muito mais carbono do que as descoloridas. As estruturas antes classificadas como bactérias são na verdade melanossomos, que produzem o pigmento melanina. Os especialistas de Yale consideram provável que os melanossomos sejam a fonte de carbono nas penas fósseis. Diferentes cores, incluindo preto, marrom, vermelho e amarelo, parecem resultar de diferentes formas e arranjos de melanossomos nas penas de aves. No futuro talvez seja mais fácil descobrir a cor das penas de animais extintos.

A COR DAS PENAS FÓSSEIS

Cor fóssil: penas preservam melanina

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LABORATÓRIO BRASIL

Estes dados deveriam interessar aos formuladores de políticas públicas. Há tempos se sabe que o número de filhos que as brasileiras têm diminuiu muito. Baixou de, em média, 5,8 em 1970 para 2,6 em 2000. A queda não foi homogênea nem ocorreu ao mesmo tempo em todo o país. A diminuição na fecundidade foi intensa no Sul e no Sudeste na década de 1970 e só depois caiu nas outras regiões. Alguns demógrafos explicam a queda pela disseminação de um perfil de família entre as pessoas, processo chamado contágio ou difusão. Agora Suzana Cavenaghi, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas, no Rio de Janeiro, comparou a redução na fecundidade com indicadores de desenvolvimento social e econômico (taxa de eletrificação, taxa de mortalidade infantil e educação materna) em 500 microrregiões. Constatou que a redução é explicada pelo desenvolvimento social e econômico (Population Research and Policy Review). A difusão pode ter ajudado, mas só no início.

Brasil: mais educação e renda, menos filhos

> Contra dores e bactérias Usado para combater bactérias e parasitas ou tratar dores, inflamações e tumores, o óleo de copaíba (Copaifera multijuga) é uma fonte de renda valiosa na Amazônia. Mas até agora pouco se sabe sobre como e por que essas árvores produzem óleo. Raquel Medeiros e Gil Vieira, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, estão mudando esse quadro. Mostraram que a produção está mais relacionada a fatores bióticos, como infestação por cupins e competição por recursos com outras árvores, do que às estações do ano ou à qualidade do solo (Forest Ecology and Management). A dupla sugere que a estratégia Copaíba: árvores jovens produzem mais rápido estoque de óleo

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mais sustentável é extrair óleo de plantas mais jovens, que têm uma produtividade mais constante. Árvores maiores produzem até 14 vezes mais óleo do que as menores, mas demoram mais para repor o estoque.

> O ataque dos fungos falsos A pitiose, uma grave micose mais conhecida em cavalos e em humanos na Tailândia, foi em 2005 detectada em brasileiros pelo grupo

EDUARDO CESAR

EDUARDO CESAR

REPRODUÇÃO EM BAIXA

do micologista Eduardo Bagagli e do dermatologista Sílvio Alencar Marques, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Botucatu. A doença, causada por um organismo parecido com um fungo chamado Pythium insidiosum, produz lesões na pele que se transformam em nódulos parecidos com tumores. Com freqüência confundida com micoses comuns, a pitiose muitas vezes se agrava e tratá-la requer cirurgia e até amputação. Para agilizar o diagnóstico, a equipe descreveu o P. insidiosum em termos morfológicos e moleculares. Também mencionou o cheiro de carniça exalado pelo P. insidiosum no meio de cultura. A análise molecular do pseudofungo indica que cavalos e pessoas são infectados pelo mesmo organismo (Medical Mycology).

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ELISABETTA VISALBERGHI/ISTC

> Duro de comer

NASA

Um macaco-prego (Cebus libidinosus) é capaz de segurar com as duas mãos uma pedra com cerca de um terço de seu próprio peso, erguê-la acima da cabeça e atingir com força um fruto apoiado numa pedra no chão. Uma equipe que reúne pesquisadores da Itália, do Brasil (Universidade de São Paulo) e dos Estados Unidos mediu a força necessária para quebrar os quatro frutos mais duros consumidos pelos macacos-prego da fazenda Boa Vista, no Piauí (American Journal of Primatology). Esses industriosos primatas de quatro quilogramas conseguem quebrar cocos de piaçava, tão duros quanto alguns dos frutos que chimpanzés, dez vezes mais pesados, abrem. Vale a pena tanto esforço? O estudo mostrou que esses cocos, muito mais resistentes do que os de catulé, catuli

Macaco-prego: força e habilidade com frutos

e tucum – que também fazem parte da dieta desses macacos piauienses –, são menos ricos em polpa. Enquanto não fazem estudos nutricionais mais detalhados, os pesquisadores têm um palpite: metade dos cocos de piaçava examinados continha larvas de besouros, um pitéu para macacos-prego.

Os planos do governo para o deOS RISCOS DO senvolvimento da Amazônia braPROGRESSO sileira – que incluem a construção de milhares de quilômetros de estradas e dez represas hidrelétricas – ameaçam parte da biodiversidade dessa região, que abriga por volta de um sexto de todas as espécies de aves, mamíferos e anfíbios do mundo. Durante o doutorado na Universidade Duke, nos Estados Unidos, a ecóloga Mariana Vale fez uma projeção do que pode acontecer com 39 espécies de aves amazônicas até 2020, caso os planos de desenvolvimento se concretizem. Ela prevê que oito dessas espécies, com nomes inspiradores como choca-de-gargantapreta, dançador-de-coroa-dourada e pica-pau-anão-da-várzea, se tornem ameaçadas de extinção. Outras oito deverão perder pelo menos metade do ambiente natural em que vivem no Brasil. Detalhadas em um artigo a ser publicado na Conservation Biology, essas projeções trazem um alerta: aves que vivem perto de rios e em florestas de várzeas – zonas que já sentem o impacto do desenvolvimento e há tempos são palco de exploração madeireira – são as mais ameaçadas.

> De onde vêm os meteoritos A astrônoma Thais Mothé Diniz, do Observatório Nacional, no Rio de Janeiro, conseguiu evidências fortes da origem dos meteoritos mais freqüentes na superfície da Terra: os chamados condritos ordinários, rochas de uns poucos centímetros de diâmetro que contêm

grânulos em sua estrutura. Esses objetos muito provavelmente vêm do cinturão de asteróides situado entre as órbitas dos planetas Marte e Júpiter. Já se suspeitava dessa origem, mas os astrônomos ainda não haviam conseguido encontrar nesse cinturão formado por 1 milhão de asteróides objetos com composição semelhante à dos condritos. Thais encontrou. Eles estavam lá, só que recobertos por uma camada de poeira espacial que impedia de conhecer a composição mais interna dos asteróides. Thais e David Nesvorny conseguiram analisar a composição interna desses asteróides ao apontar o telescópio para os mais jovens, formados há menos de 1 milhão de anos, que acumularam menos poeira em sua superfície (Astronomy and Astrophysics). “Esse resultado permite conhecer um pouco mais da nuvem de gás e poeira que originou os planetas do Sistema Solar”, diz Thais.

Amazônia: desmatamento segue estradas

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CIÊNCIA

N

o laboratório, o ciclista parece uma marionete, tal a quantidade de fios que saem de seu peito, costas, mão e perna. Ele sofre de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), uma doença causada pelo tabagismo que combina danos irreversíveis nos alvéolos pulmonares com sintomas de bronquite crônica, como estreitamento das vias aéreas e tosse. Até agora o estudo da doença se concentrou nos pulmões, apesar das queixas dos pacientes de que, junto com a falta de ar, era freqüentemente o cansaço nas pernas que os impedia de subir um lance de escadas sem descansar. Ao fazer testes de esforço em bicicletas ergométricas, alguns pacientes agora têm a chance de fazer mais do que explicar seus sintomas: ajudar o pneumologista José Alberto Neder, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a entender as relações entre pulmões e pernas. A aparelhagem que parece enredar o paciente, um conjunto único no país, dá a Neder um quadro completo que o põe em situação privilegiada para entender como funciona a deficiência pulmonar. Eletrodos no peito e nas costas monitoram os batimentos cardíacos e registram o volume de sangue que o coração do paciente bombeia a cada contração; um grampo no dedo

indicador mede o teor de oxigênio no sangue; a máscara, além de ajudar na respiração quando regulada para isso, também mede quanto oxigênio o ciclista exala e permite ao pesquisador calcular quanto o organismo absorveu; e um detector na perna lança um facho de luz (espectroscopia por raios quase-infravermelhos) que mede quanto oxigênio chega aos músculos da coxa. Tudo isso sem a necessidade de espetar uma agulha que seja no paciente. Até agora nenhum estudo tinha reunido todos esses parâmetros. Com essa visão integrada, Neder demonstrou que pacientes com DPOC têm algo em comum com atletas de elite: os pulmões roubam o sangue das pernas, que não conseguem manter o esforço físico sem o oxigênio trazido pelos glóbulos vermelhos circulantes.

FISIOLOGIA

PERNAS DE CHUMBO Competição por oxigênio causa a fadiga comum na insuficiência cardíaca e pulmonar Maria Guimarães

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FOTOS EDUARDO CESAR

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O estudo é inovador porque trata a circulação e a respiração como sistemas interligados, embora normalmente sejam estudados por especialistas diferentes. É em sua passagem pelos pulmões que o sangue se abastece do oxigênio que em seguida leva a todas as células do corpo. Quando uma pessoa está em atividade física intensa, correndo ou subindo uma ladeira de bicicleta, a maior parte do sangue precisa ser mandada para os músculos em ação, que para manter o movimento precisam de grandes quantidades de oxigênio. O corpo enfrenta então o desafio de manter um equilíbrio delicado: suprir as pernas e, ao mesmo tempo, mandar uma quantidade suficiente de sangue para os músculos que movem os pulmões, onde é oxigenado. Usando o aparato completo do laboratório, o grupo da Unifesp submeteu dez homens com DPOC a testes de esforço e avaliou os parâmetros circulatórios e respiratórios. Os resultados, em processo de publicação na revista Journal of Applied Physiology, mostram que a doença reduz o volume de sangue bombeado a cada batimento cardíaco e leva a uma perda rápida de oxigênio na musculatura das pernas – como a oxigenação é deficiente, todo oxigênio que chega aos músculos é rapidamente consumido, causando uma

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sensação de peso nas pernas, como se estivessem recheadas de chumbo. Mais surpreendente, o trabalho revela o que há de comum entre esses pacientes e atletas de elite. Esportistas como velocistas profissionais desenvolvem sua técnica e musculatura – inclusive os músculos respiratórios e cardíacos – para atingir o rendimento máximo exigido nas competições. Mas às vezes exageram na dose e o esforço ultrapassa a velocidade com que o sangue pode levar oxigênio aos tecidos. Há cerca de dez anos a equipe do pneumologista norteamericano Jerome Dempsey, da Universidade de Wisconsin, descreveu o que acontece quando esses atletas excedem sua capacidade de fazer exercício. Nesse ponto, a encruzilhada que reparte o fluxo de sangue entre pulmões e pernas funciona quase como a de uma ferrovia, em que um mecanismo subitamente altera a trajetória do trem. Os músculos dos pulmões produzem substâncias que, quando atingem uma determinada concentração, mandam um aviso ao cérebro. O órgão central

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O PROJETO A oxigenação muscular periférica durante o exercício dinâmico em pacientes com DPOC: efeitos da redução do trabalho ventilatório induzido pela ventilação não-invasiva com pressão positiva

MODALIDADE

Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa COORDENADOR

JOSÉ ALBERTO NEDER SERAFINI (EPM/Unifesp) INVESTIMENTO

R$ 277.572,52

do sistema nervoso age instantaneamente reduzindo o calibre dos vasos das pernas. O fluxo de sangue é então desviado em grande parte para os pulmões. Com menos sangue – e menos oxigênio – as pernas se tornam pesadas. “Quando surge uma competição entre os músculos das pernas e os da respiração, estes últimos ganham”, explica Neder. “De nada adianta manter o sangue fluindo para os músculos que estão se exercitando se faltar sangue para os músculos que movem os pulmões, justamente os órgãos que fornecem o oxigênio tão vital para a musculatura.” Órgãos fundamentais para manter o organismo funcionando – como o cérebro, o coração e os pulmões – têm preferência na hierarquia do corpo. Atletas frustrados – Neder mostrou

que esse mesmo mecanismo limita a capacidade de os pacientes com DPOC se exercitarem, mas neles bastam alguns degraus ou uma caminhada até a padaria da esquina para que os músculos respiratórios reclamem um volume maior de sangue. Entender isso abre

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o caminho para buscar maneiras de proporcionar uma vida mais ativa para as pessoas que sofrem de deficiências respiratórias e cardíacas. No setor de pneumologia da Unifesp, Neder vem testando alternativas para que esses pacientes tenham mais facilidade nas atividades cotidianas como trabalhar ou fazer compras. Por enquanto já obtiveram bons resultados no laboratório. Ajudar o paciente com uma máscara por onde entra ar normal sob pressão ou heliox – ar menos denso por ser rico em hélio, um gás mais leve – reverte o processo e lhe devolve a vitalidade na bicicleta ergométrica. Em termos mensuráveis, o tempo em que agüentam manter exercício intenso triplica ou até quadriplica, com menos sensação de falta de ar e cansaço nas pernas. O tratamento não aumenta o teor de oxigênio respirado, ele simples-

“DE NADA ADIANTA MANTER O SANGUE FLUINDO PARA OS MÚSCULOS QUE ESTÃO SE EXERCITANDO SE FALTAR SANGUE PARA OS MÚSCULOS QUE MOVEM OS PULMÕES, OS ÓRGÃOS QUE FORNECEM OXIGÊNIO”

mente lança o ar nas vias respiratórias de maneira que reduz o esforço exigido dos músculos pulmonares. O efeito do heliox é mais intenso porque o ar menos denso se difunde com mais facilidade pelas vias respiratórias. “O ar entra como uma flecha”, conta Neder. Mas tem um efeito colateral que restringe ainda mais o tratamento ao laboratório: o hélio tem um efeito temporário sobre as cordas vocais que deixa a voz parecida com a do Pato Donald nos desenhos animados. Por isso, o pneumologista recomenda que o paciente não fale durante o tratamento. O artigo, em processo de publicação na Thorax, deixa claro que basta facilitar o acesso do ar aos pulmões para aumentar a proporção de sangue oxigenado em circulação e nos músculos. O mesmo vale para quem sofre de insuficiência cardíaca crônica (ICC). Ao contrário do que se acreditava, o que limita a capacidade física desses pacientes não é o coração, mas a oxigenação dos músculos. Neder testou o mesmo tratamento nesses pacientes e mostra, em artigo disponível desde março no site da revista American Journal of Physiology – Heart and Circulatory Physiology, que a respiração assistida aumenta a quantidade de oxigênio que chega às pernas e torna possível o exercício. Essa melhora, porém, não reflete um aumento no teor de oxigênio geral no sangue – este continua o mesmo, conforme medido pela presilha no dedo indicador. Os autores postulam que o auxílio à respiração elimina os sinais de cansaço dos músculos respiratórios, que por isso deixam de induzir o fechamento dos vasos sangüíneos que alimentam as pernas. A circulação mais eficiente leva consigo mais oxigênio. O tratamento com respirador é limitado às sessões de exercício no

laboratório ou, no futuro, em sessões de fisioterapia e reabilitação. Mas seus efeitos são duradouros e se fazem também sentir nas atividades cotidianas normais dos pacientes tratados. “Os músculos dessas pessoas se tornam atrofiados pela falta de uso, o que agrava cada vez mais suas condições físicas”, explica o pneumologista. Tornar a musculatura mais eficiente lhes permite usar o oxigênio de maneira mais eficaz, o que acelera a melhora. Neder não pretende parar por aí e agora tenta desenvolver um tratamento mais acessível às pessoas. “Já começamos a testar uma forma de treinar os músculos respiratórios”, conta o pneumologista. Os pacientes são instruídos a fazer várias sessões diárias em que respiram usando um aparelho que exige maior esforço, como um canudo levemente entupido. Algo como uma musculação respiratória que, segundo os testes preliminares, pode ser uma solução eficaz para melhorar a oxigenação de quem tem deficiência pulmonar. Outra terapia que Neder começará a testar em breve é o sildenafil – o princípio ativo do Viagra. “É uma droga que dilata os vasos sangüíneos e melhora a circulação sangüínea, então esperamos que ajude a difundir o oxigênio de maneira mais eficiente pelos músculos do corpo”, explica. ■

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FARMACOLOGIA

Com açúcar,

sem artrose Componente da goma-guar alivia dor e evita progressão dos danos nas articulações Carlos Fioravanti

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MIGUEL BOYAYAN

A

goma-guar, quando ingerida, espanta a fome. Por ser rica em fibras, acreditase que ajude a conter o colesterol, o diabetes e a obesidade. É um espessante comum em alimentos industrializados e em cosméticos e medicamentos. Mas não param aí as propriedades dessa substância obtida da semente de uma planta originária da Índia e Paquistão, a Cyamopsis tetragonolobus, que parece ter mil e uma utilidades. Em experimentos realizados com ratos, uma equipe da Universidade Federal do Ceará (UFC) verificou que um dos componentes da goma-guar, um açúcar conhecido como galactose, pode reduzir a dor e conter a perda da cartilagem nas articulações e reconstituir ao menos parte dos movimentos perdidos com a artrose, uma doença que acompanha o envelhecimento e tende a deformar e imobilizar principalmente mãos, quadris, joelhos e pés. Francisco Airton Castro da Rocha, professor do Departamento de Medicina Clínica, e Judith Pessoa de Andrade Feitosa, de Química Orgânica e Inorgânica, começaram a investigar juntos em 2002 as possibilidades de uso da goma-guar como anestésico. A goma-guar é um galactomanano, um açúcar complexo ou polissacarí-

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UFPE

deo formado por manose e galactose, na proporção expertise, nem é esse meu projeto de vida.” Rocha de dois para um. Se usada in natura, descobriram os conta que visitou cinco empresas, inclusive uma pesquisadores da UFC, a goma-guar provoca inflamamultinacional, mostrou o gel e os artigos científicos, ção nas juntas corroídas pela artrose, uma das áreas mas a conversa não avançou porque todas queriam ver os resultados dos testes em seres humanos, que de trabalho de Rocha. Depois retiraram a proteína só podem ser feitos depois dos testes em animais. e verificaram que os açúcares restantes poderiam deter a dor na artrose. Mais um tanto de trabalho O botânico Marcos Buckeridge, da Universidade e isolaram o açúcar responsável por essa ação, a gade São Paulo (USP), viveu uma experiência semelactose, encontrada em frutas e, em abundância, no lhante. Em 2001 ele encontrou galactomananos em café. Os experimentos feitos até agora sugerem que a abundância na semente de uma árvore típica do Cergoma-guar poderia funcionar tanto como gel quanto rado, o barbatimão (Dimorphandra mollis). Como em solução. “Os resultados mais recentes mostram esses açúcares eram quimicamente idênticos aos da que a galactose pode proteger contra a destruição da goma-guar, imaginou que as sementes de barbatimão cartilagem que reveste os ossos”, diz Rocha. “Ainda poderiam ser uma fonte alternativa ao goma-guar. não existe nenhuma medicação que impeça a proEm seguida criou um processo de extração de gagressão da artrose.” lactomananos o mais simples possível que, em vez A caracterização química, os experimentos de rede patentear, tornou público por meio de um artigo tirar ou acrescentar componentes e os testes de eficácientífico na Revista Brasileira de Ciência e Tecnologia cia em animais tomaram a forma de quatro artigos de Alimentos. “Eu pretendia incentivar o uso sustencientíficos publicados em revistas científicas internatável das sementes e colaborar com a conservação do cionais, duas teses de mestrado e duas de doutorado, Cerrado”, diz Buckeridge. “Para explorar as sementes, um prêmio concedido pela Sociedade Brasileira de as árvores teriam de ser preservadas.” Reumatologia em 2004 e a uma patente solicitada no Em 2004 Buckeridge e sua equipe identificaram ano seguinte com o propósito de assegurar os direitos nas folhas do capim-favorito (Rynchelytrum repens) de uso do conhecimento gerado na universidade. Aí é outro açúcar, o betaglucano, que nos experimentos que apareceram os problemas ainda não superados, preliminares em camundongos reduziu pela metade começando pelos testes de toxicidade em animais de a taxa de glicose no sangue – portanto, poderia ser laboratórios, que, se bem-sucedidos, poderão permiuma alternativa para o tratamento de diabetes. Até tir os testes em seres humanos. hoje não conseguiu avançar nessa pesquisa, mas Rocha acredita que a goma-guar, por ser constituílogo depois ele descobriu outro açúcar, desta vez da por açúcares que circulam continuamente pelo um xiloglucano, na goma da semente do jatobá (Hymenaea coubaril), organismo, não é tóxica nem despertará reações alérgicas. que poderia ser usado em Mas terá de provar, por meio cremes para pele. Em vez de uma série de trabalhos de torturar-se com experigidamente padronizados, rimentos com animais e para cumprir a árdua trajedeixar que a descoberta se tornasse um peso, tória de desenvolvimento de tomou outro rumo: soum novo medicamento, de licitou uma patente e a acordo com as regras internacionais. “Não temos como cedeu a uma empresa de fazer aqui na universidade”, cosméticos em troca de diz. “Pensei em criar uma equipamentos para o laempresa [para fazer os testes boratório que ele estava Açúcar derivado da goma-guar ampliado 500 vezes pré-clínicos], mas não tenho montando na USP. ■ PESQUISA FAPESP 150

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GENÉTICA

De gordura a músculo Em laboratório, células-tronco restauram força de camundongos com distrofia

FOTOS EDUARDO CESAR (CÃO) E NATÁSSIA VIEIRA

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om as patas dianteiras agarradas a um varal em miniatura, o camundongo ergue o corpo até que as traseiras também agarrem o arame, evitando assim a queda. O pequeno acrobata é a mais recente esperança do grupo da geneticista Mayana Zatz, do Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo (USP) – um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão financiados pela FAPESP –, para combater a distrofia muscular, doença genética que atinge um em cada 2 mil brasileiros. Ainda sem cura, a distrofia muscular causa a degeneração progressiva dos músculos a partir da infância, levando à perda dos movimentos e à necessidade de aparelhos para auxiliar a respiração. Nos últimos anos a equipe de Mayana vem testando diferentes tipos de células-tronco adultas, extraídas da gordura descartada na lipoaspiração, de dentes de leite e do cordão umbilical, em modelos animais que desenvolvem um problema semelhante à distrofia muscular humana.

No caso do camundongo acrobata, células-tronco de gordura humana fizeram jus à sua versatilidade e se transformaram em músculo. A equipe da USP usou 21 camundongos, divididos em três grupos. Um deles recebeu células-tronco indiferenciadas, que não foram manipuladas depois de extraídas do corpo humano. No segundo foram injetadas células um pouco mais maduras, tratadas em laboratório para se transformarem em células musculares. O terceiro grupo não recebeu tratamento e serviu para comparação com os outros dois. O resultado foi surpreendente. A melhora mais marcante se deu nos animais tratados com as células indiferenciadas, segundo dados publicados na revista Stem Cells. “Parece que as células se desenvolvem melhor no organismo do que no laboratório”, comenta Mayana. O efeito do tratamento pode ser notado até mesmo por quem não é pesquisador. Os camundongos do grupo de controle (não-tratados) permaneceram cerca de um minuto pendurados no varal antes de cair. Já os que receberam injeção de células-tronco se saíam bem no teste – esses animais apresentaram em média um aumento de 15% na força muscular. Há ressalvas, porém, quanto a usar camundongos como modelo para investigar a distrofia muscular humana. Mutações no gene produtor de distrofina, proteína responsável pela maior parte dos casos da doença em seres humanos, Células (no detalhe) produzem distrofina humana em cães e roedores

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não causam uma fraqueza visível nos roedores. Por isso a equipe da USP usou nos testes camundongos com distrofia muscular causada por deficiência na produção da proteína disferlina, que provoca nos animais os sintomas mais visíveis da doença humana. A melhora não foi só clínica: “As células-tronco humanas se transformaram em músculo e passaram a produzir todas as proteínas musculares, inclusive a disferlina e a distrofina”, conta a geneticista Natássia Vieira, autora principal do trabalho. É um indício de que as proteínas humanas cumprem sua função também em outros mamíferos. A equipe de Mayana procura superar as restrições dos estudos com camundongos trabalhando, em parceria com o grupo de Maria Angélica Miglino, da Faculdade de Medicina Veterinária da USP, com cães da raça golden retriever. Esses animais apresentam sinais de distrofia mais próximos aos das crianças que procuram o Centro de Estudos do Genoma Humano. Mas nem tudo é perfeito: os cachorros ocupam mais espaço, comem mais ração e não se reproduzem tão rapidamente quanto os roedores, motivo pelo qual o trabalho com eles é mais lento. O avanço mais recente no tratamento dos cães já está disponível no site do Journal of Translational Medicine. Encabeçado pela geneticista Irina Kerkis, do Instituto Butantan, e pelo veterinário Carlos Ambrosio, da USP, o grupo comparou o efeito de duas formas distintas de aplicação de célulastronco: diretamente no músculo ou na corrente sangüínea. Irina e Ambrosio aplicaram injeções de células-tronco retiradas de dentes-de-leite humanos em quatro filhotes de golden retriever – dois machos e duas fêmeas – e constataram que as células injetadas no sangue têm mais chances de se incorporar ao músculo do animal afetado. Mayana ainda não comemora o resultado. Dos quatro animais tratados, só um macho continua vivo e saudável após o final do estudo. “Ele pode estar vivo só por ser parente do Ringo”, reflete a geneticista, referindo-se ao cão que aos 5 anos de idade não tem sintomas apesar de geneticamente ter a doença. Descobrir o porquê pode mudar o combate à distrofia muscular. ■

Maria Guimarães

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especial: revolução genômica v

Ciência, embates e debates 52 Apresentação 53 Wen-Hsiung Li Uma visão genômica da evolução humana 56 José Eduardo Krieger Genômica, saúde e reparação cardíaca utilizando células-tronco 60 Robin Buell Arroz: um exemplo de como a genômica pode mudar as abordagens da ciência 63 Emilio Moran Expansão internacional da antropologia ambiental: experiências na Amazônia

MARCIA MINILLO

66 Mayana Zatz e Cristiane Segatto Células-tronco embrionárias e mídia

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Apresentação Promessa cumprida Um chinês radicado nos Estados Unidos ajuda a entender, com base genética, como chimpanzés, orangotangos e outros grandes primatas se diferenciaram da espécie humana. Um médico brasileiro mostra as promissoras experiências com células-tronco para regenerar lesões cardíacas. Uma especialista em biologia vegetal norte-americana fala como a genômica pode mudar as abordagens da ciência e detalha o trabalho em torno do seqüenciamento do arroz. Um antropólogo cubano naturalizado americano defende como saída para problemas ambientais a interação entre pesquisadores das ciências naturais e sociais. E, por fim, uma geneticista brasileira debate com uma jornalista a visão da mídia sobre o uso de células-tronco embrionárias para pesquisa. Traduzindo em nomes, Wen-Hsiung Li, José Eduardo Krieger, Robin Buell, Emilio Moran, Mayana Zatz e Cristiane Segatto participaram da última rodada da programação paralela dentro da exposição Revolução genômica, encerrada em São Paulo em julho. Ao examinar os nomes acima e suas especialidades, Pesquisa FAPESP crê ter cumprido o prometido no primeiro encarte, em abril deste ano (edição 146): “... o que vamos procurar pôr em cena é a palavra dos respeitados cientistas, dos pesquisadores ligados a múltiplas áreas e dos variados especialistas (...). Palavra de quem tem algo significativo a dizer quando o que está em questão são as fronteiras do conhecimento e o lugar da ciência e da tecnologia na construção das culturas e das sociedades nas quais já estamos imersos ou que estamos projetando para um lugar chamado futuro”. No total, falaram na programação paralela 31 palestrantes, entre pesquisadores, curadores e jornalistas. Destes, 10 cientistas vieram do exterior. Nem todos falaram apenas sobre o impacto da genética e da genômica na ciência e na vida cotidiana. Alguns miraram temas igualmente importantes e atuais, como as mudanças climáticas, os desafios da divulgação da ciência e as relações entre neurociência e psicanálise. Um evento desse porte tem que vencer percalços, e o ciclo de palestras não foi exceção. O último palestrante estrangeiro não conseguiu chegar a tempo e optou por adiar, em vez de cancelar. A palestra do geneticista norte-americano Michael Lynch, sobre a complexidade de organismos e genomas, não acontece a tempo de integrar este suplemento especial, mas será trazida ao leitor em oportunidade próxima. Algumas palestras atraíram mais público do que outras, mas, acima do número de pessoas, festejamos a diversidade dos que compareceram. A programação cultural serviu como um ponto de encontro para pesquisadores e uma convergência entre especialistas e interessados. A exposição recebeu cerca de 150 mil pessoas no período em que ficou em São Paulo, de 29 de fevereiro a 13 de julho, e agora visitará outros estados. Luiz Henrique Lopes dos Santos

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Wen-Hsiung Li Geneticista explica como macacos e seres humanos seguiram caminhos evolutivos diferentes Carlos Fioravanti

Li e Sandro de Souza, do Instituto Ludwig: evolução com menos preconceitos

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Normalmente a evolução é vista por fora, considerando prioritariamente a aparência e a forma dos animais. O chinês Wen-Hsiung Li prefere olhar por dentro e buscar os artifícios genéticos que favoreceram (ou atrapalharam) a diferenciação de espécies, em especial a humana. Desse modo, carrega para a biologia o conhecimento que acumulou ao longo de uma peculiar trajetória acadêmica, que começou em Taiwan, onde ele nasceu em 1942, com um curso de engenharia e mestrado em geofísica, e prosseguiu nos Estados Unidos com doutorado em matemática aplicada à genética. Desde 1998 na Universidade de Chicago, Li ajudou a criar os métodos de análise estatística que ajudam

a entender, com base na genética, como chimpanzés, orangotangos e outros grandes primatas seguiram caminhos diferentes dos da espécie humana, mesmo com uma carga genética muito semelhante. Foi Li quem mostrou que o relógio molecular – a taxa de transformação da molécula de DNA – não era tão constante ao longo do tempo, mas poderia variar com o tempo de vida de uma espécie: anda mais devagar na espécie humana e mais rápido entre os camundongos, por exemplo. “Graças aos avanços da biologia molecular, da genética e de genômica”, comentou Li na palestra do dia 12 de julho no Ibirapuera, “podemos ter uma compreensão razoavelmente boa da evolução humana”. Melhor ainda, segundo ele, é que podemos ver nossa história com menos preconceitos: “Os primeiros europeus a chegarem à África viram os africanos, que tinham outra cor, e os consideraram indivíduos de outra espécie. Achavam que não seria possível o acasalamento, mas os humanos não se diferem tanto assim uns dos outros”. Ele próprio reconheceu que evidentemente ainda há muitos mistérios a serem resolvidos, como o fato de muitos primatas andarem tocando o solo com as quatro mãos, enquanto o

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ser humano consegue andar ereto; a evolução da inteligência ainda é outro conjunto de perguntas à espera de boas respostas. Li abriu a palestra intitulada “Uma visão genômica da evolução humana” com uma rápida revisão dos conceitos básicos de DNA, RNA e gene. Antes de deixar a platéia pensar que havia começado uma aula tediosa, mostrou sua habilidade em fazer rir ao mostrar uma cena de um chimpanzé acenando ao lado do atual presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, também acenando. “Eles parecem muito diferentes porque seus genomas são diferentes”, acentuou. Mas, exatamente, quão diferentes? Não muito, considerando que a evolução é um acúmulo de mudanças genéticas ao longo do tempo. “Sem alterações genéticas, não há evolução”, afirmou, lembrando que as pessoas naturais de Taiwan que nasceram

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antes ou logo depois da Segunda Guerra Mundial, por não terem sido bem nutridas, têm baixa estatura. Já as que nasceram depois da guerra se alimentaram adequadamente e crescem mais. Uma geração é mais alta que a outra não em razão da evolução, porque as pessoas que nascerem em Taiwan serão novamente baixas se houver outra vez limitação de alimentos. Em seguida Li tratou do darwinismo, um conjunto de idéias fundamentais para a biologia. De acordo com o darwinismo, a evolução dos seres vivos resulta da seleção natural, segundo a qual sobrevivem principalmente os indivíduos mais bem adaptados ao ambiente. As diferenças entre as espécies, ressaltou, são uma conseqüência da seleção natural, de modo que todas as espécies têm uma origem comum. “É difícil aceitar essa idéia de que chimpanzés, macacos e nós temos

um ancestral comum”, observou. “Por esse motivo, Darwin chegou a ser ridicularizado. Esse aspecto do darwinismo é o mais polêmico. Atualmente, entretanto, acredito que já se aceitou completamente a idéia de que todos os primatas, incluindo todos os humanos, têm a mesma origem.” Para mostrar de onde vieram essas duas espécies, Li expôs sucessivas árvores genealógicas apresentando relações mais próximas ou mais distantes entre as famílias – a categoria mais abrangente na classificação de animais e plantas – de quatro espécies de grandes primatas (orangotango, gorila, chimpanzé e bonobo) e da espécie humana. As seqüências de DNA, ele lembrou, são ótimas para tentar descobrir quando surgiu cada uma dessas espécies: a simples troca de uma seqüência pode levar a espécies diferentes, que podem ou não cruzar entre si, dependendo da semelhança genética. Como ele mostrou em seguida, o genoma humano difere apenas 1,2% do genoma do chimpanzé, 1,62% do gorila e 3,08% do orangotango. O orangotango e o gorila, com uma taxa de divergência de 3,09%, são mais distantes geneticamente entre si do que o homem e o chimpanzé. Li arrancou novamente risadas ao mostrar um chimpanzé e Bush fazendo caretas. “Um chimpanzé pode fazer quase tudo o que os homens fazem”, comentou o geneticista. Já entre um rato e um camundongo, apesar das semelhanças, a divergência genética é muito maior: 20%.

Linguagem e cor da pele Mas o que exatamente faz de um macaco um macaco e de um homem um homem? Esta pergunta inevitável leva a incertezas: as diferenças, do ponto de vista genético, poderiam resultar das seqüências de proteínas formadas a partir dos genes, os mecanismos de regulação dos genes ou ambos. A regulação dos genes, ele lembrou, determina o momento de ligar ou desligar um gene, além de controlar a quantidade desse gene e em que tecido será produzido. “Essa regulação afeta o desenvolvimento, a fisiologia e a saúde”, disse Li. Com outras árvores

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José Eduardo Krieger Bons resultados da reparação cardíaca com células-tronco não iludem pesquisador Neldson Marcolin

Pesquisas clínicas com célulastronco vêm sendo feitas em vários centros do mundo como uma esperança para resolver problemas cardíacos graves. Aprender como reconstruir músculo e vasos sangüíneos do coração utilizando essa terapia é um objetivo perseguido pelos pesquisadores porque infartos e isquemias estão entre as doenças que mais matam. Em São Paulo, José Eduardo Krieger, um especialista em novas abordagens terapêuticas para regeneração cardíaca, dirige o Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular do Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor/ FMUSP), um dos locais de excelência onde ocorrem algumas das pesquisas mais promissoras nesse setor. No dia 26 de junho, ele falou sobre o tema “Genômica, saúde e reparação cardíaca utilizando células-tronco” durante a agenda cultural da exposição Revolução genômica.

Nos últimos oito anos Krieger tem estudado o uso de células-tronco adultas na regeneração cardíaca, mas sempre de olho na pesquisa com as células-tronco embrionárias. “Trabalhar com a segunda é fundamental para entender todo o processo. Para as pesquisas de aplicação pré-clínica em animais de experimentação e no homem usamos as adultas, das quais temos mais conhecimento e experiência”, disse. Para explicar a importância que a terapia celular poderá vir a ter, o pesquisador começou sua exposição lembrando que o Brasil gasta cerca de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) em saúde. Os Estados Unidos despendem 15% e outros países desenvolvidos entre 6% e 12%. Apesar do gasto diferenciado, a insatisfação com os diversos sistemas de saúde é mais ou menos comum em todos eles. Para Krieger, uma das razões para isso é que dois terços do dinheiro são usados em

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filogenéticas ele mostrou em seguida que o homem e os grandes primatas se separaram – ou divergiram – de um ancestral comum há pelo menos 15 milhões de anos. Uma divergência mais recente, entre 4,8 milhões e 6,4 milhões, teria feito a espécie humana e os chimpanzés tomarem caminhos biológicos próprios. A possibilidade de existir um gene para a linguagem pode ajudar a responder a essa pergunta inevitável. Trabalhando com a carga genética transmitida de uma geração a outra de uma mesma família na Irlanda, os geneticistas encontraram um gene, o FOXP2, que controla a linguagem: os portadores de versões defeituosas desse gene perderam a habilidade de falar e de se comunicar. Por outro lado, contou Li, o desenvolvimento da linguagem depende de duas versões funcionais do FOXP2. “O FOXP2 é o único gene capaz de influenciar o desenvolvimento da linguagem”, observou. Sutis diferenças em uma versão original desse gene apareceram há pelo menos 14 milhões de anos, levando os seres humanos a terem um vocabulário muito mais rico que o dos chimpanzés. “Nossa hipótese é que esse gene foi selecionado por causa da vantagem que a linguagem pode proporcionar.” Genes que determinam as diferentes tonalidades da pele e dos cabelos, como o MC1R, também foram selecionados ao longo de milhões de anos, favorecendo a migração e se mantendo à medida que poderia beneficiar a sobrevivência da espécie humana. Não é um privilégio de nossa espécie. Há cerca de 10 mil anos uma glaciação isolou em grandes poças d’água distantes entre si uma espécie de peixe, o peixe-espinho (Gasterosteus aculeatus), que a partir daí começou a se diferenciar em espécies distintas, alguns com escamas escuras, outros com escamas claras, determinadas pela expressão ou não do gene Kitlg. Os seres humanos, embora tenham seguido outros caminhos evolutivos, também carregam esse gene, mais comum entre africanos do que entre escandinavos. Ao longo de nossa evolução esse gene deve ter favorecido a migração e a produção de pigmentos que protegiam do sol intenso. ■

Krieger: anos de pesquisa com células-tronco adultas e embrionárias

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doenças crônico-degenerativas com resultados insatisfatórios. “Estou falando das doenças prevalentes, como hipertensão arterial, câncer, doença coronária, diabetes, obesidade e outras que têm características multifatoriais”, disse. Ou seja, não é um único defeito genético que pode determinar esses males, mas vários deles, simultaneamente. Além, claro, dos fatores ambientais. Outra característica delas é o aparecimento tardio justamente na fase em que o custo para tratar é mais alto, quando o paciente precisa ser internado. Uma das formas de melhorar significativamente essa situação e, conseqüentemente, o modelo de saúde é tentar entender como as variações genéticas determinam não só as diferenças entre os indivíduos, mas também como essa variação vai fazer com que alguém seja mais ou menos suscetível a desenvolver as doenças. “Se pudéssemos saber em uma fase muito precoce da vida quais os problemas de saúde mais prováveis que uma pessoa terá, poderíamos colocá-la próxima do sistema e, assim, torná-lo mais racional”, disse. A prática dessa medicina individualizada ou preditiva é a grande meta a ser alcançada para melhorar de modo efetivo a vida das pessoas e o modelo atual de saúde. Krieger alertou que esse é só um dos conceitos do setor que deve mudar. Além da medicina preditiva, ele aposta na medicina regenerativa. Para ilustrar o conceito, o pesquisador usou o coração, sua especialidade, como exemplo. “Quando alguém tem um infarto, várias células de músculo do coração são destruídas e, ao contrário da musculatura esquelética,

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elas não se regeneram”, explicou. Se perder muitas células, ele deixa de funcionar. Hoje a isquemia cardíaca é tratada com medicamentos, cirurgia de revascularização (ponte de safena) e com a introdução de um cateter dentro do organismo para desobstruir o vaso sangüíneo. Mais recentemente esse cateter leva com ele um tipo de malha chamada stent, com medicamento, para manter o vaso aberto. Ainda assim, um grande número de pessoas não se beneficia desses tratamentos e é preciso novas pesquisas médicas. É aí que aparece a reparação cardíaca biológica, objeto de estudo da equipe liderada por Krieger no InCor. “Em vez de apenas desobstruirmos os vasos sangüíneos, agora sabemos que o melhor a fazer é reconstruir vasos e músculo”, disse ele. A formação de novos vasos e a substituição de células musculares ainda estão numa fase muito precoce, mas já existem estratégias de ação. Uma delas é usar as células-tronco, que Krieger chama metaforicamente de curinga, aquele mesmo dos jogos de baralho. “Já se fala há mais de 40 anos de engenharia de tecidos, mas o desenvolvimento de novos materiais junto com a possibilidade de os combinarmos com células-tronco está revolucionando essa área.”

Curingas No jogo de baralho, quando o jogador não tem a carta que precisa ele pode usar um curinga genérico, que entra em qualquer lugar da canastra. Ou pode ser um curinga específico, que só entra em um determinado local. Os curingas biológicos de Krieger são as células-tronco embrionárias, que serviriam em qualquer parte da canastra, e as células-tronco adultas que só entram em alguns lugares. “Se a embrionária um dia precedeu todas as nossas células é porque ela tem a receita para fazer isso, mas para ser útil devemos saber fazê-la se diferenciar no tecido que queremos.” Ele usa outro exemplo para mostrar como funciona esse tipo de célula: ela é como um computador que tem um hardware completo. Ocorre que ele só funciona se tiver um programa que o faça trabalhar como queremos.

Como se sabe que as embrionárias são um bom hardware se ainda não existe um programa conhecido que a faça funcionar? “É fácil demonstrar: seleciono uma célulatronco embrionária do camundongo, que pode ser armazenada em temperaturas muito baixas, descongelada e cultivada novamente no laboratório e, finalmente, injetada em outro camundongo. O que ocorre é a formação de um tumor chamado teratoma”, explicou. O teratoma tem células de todo tipo, como pele, pêlo e pedaço de dente. “Essa é uma evidência direta de que uma célula-tronco embrionária, mantida em laboratório, que foi congelada e descongelada, dá origem a componentes de todas as células.” No entanto, esse conhecimento ainda é insuficiente para servir como terapia celular porque os pesquisadores estão longe de controlar todo o processo. Hoje eles sabem apenas que é possível fazer, mas não sabem como. No laboratório do InCor já se conseguiu fazer cultura de células embrionárias se diferenciar em célula cardíaca. O problema é que elas estão juntas com outros tipos de célula. Para dar certo, a diferenciação tem de ser realizada de forma controlada, caso contrário é inútil como terapia. Quando os pesquisadores conseguirem entender exatamente como essas células são programadas talvez nem seja preciso usá-las – o conhecimento adquirido com o estudo das células embrionárias poderá ser aplicado em outros tipos de célula. “Daí a importância da decisão do Supremo Tribunal Federal de reafirmar a lei que permite pesquisa com célulastronco embrionárias”, enfatizou. A equipe do InCor trabalha também com outro curinga, a célula-

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tronco adulta, encontrada em várias partes do organismo. A diferença é que, ao contrário da embrionária, ela só se encaixa em determinados tecidos. “Isso não é ruim se soubermos exatamente qual o problema que temos”, disse. Um desses curingas específicos são as células da medula óssea, já bem conhecidas. Há décadas os hematologistas conseguem regenerar a medula de um indivíduo que tem câncer fazendo transplante de medula. Nos últimos anos surgiram evidências de que esse conjunto de células que estão dentro dos ossos longos, como o fêmur ou a bacia, além de fazer células da corrente sangüínea também pode se diferenciar em células de músculo ou da parede de vasos. “A grande vantagem desse curinga é que por ter sido muito testado pode ganhar um uso prático mais rapidamente. Sabemos que mal ele não faz.” É por isso que a medula óssea é utilizada para pesquisa em seres humanos no mundo inteiro, incluindo InCor e outras instituições brasileiras. Pode-se também obter células indiferenciadas da musculatura esquelética e da gordura. Estas últimas já são objeto de estudo na equipe de Krieger. As células de gordura são colocadas em meio de cultura. Aí começam os problemas: como fazêlas virar músculo cardíaco e vaso sangüíneo de forma controlada? O pesquisador explicou que, quando o sangue viaja dentro dos vasos, existe uma força física que é exercida pela corrente sangüínea. Essa força de arrastamento (ou shear stress, como é chamada em inglês) funciona para mudar o calibre dos vasos e alterar sua estrutura a médio e longo prazo. “É como se mudássemos a espessura da mangueira de jardim de acordo com a água que corre por ela.” “Usando um aparelho específico conseguimos mimetizar de maneira controlada a shear stress em laboratório e reproduzir na célula o que acontece em diversos pontos da nossa circulação”, disse. O que se quer fazer é estimular a célulatronco de gordura a virar célula cardíaca colocando-a sob condições que imitam a circulação do sangue no coração e nos vasos. “Se conseguirmos, já teremos andado meio caminho para utilizar essa

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“Quando entendermos exatamente como a célula-tronco embrionária é programada, talvez nem seja preciso usá-la”

célula como um agente terapêutico.” Ao fazer essa experiência viu-se que essa célula parecia não ter mudado. Há uma série de marcadores moleculares utilizados e os pesquisadores não notaram diferença depois dos testes. “Mas continuamos olhando cuidadosamente e notamos que essa célula passou a produzir duas substâncias. Uma delas é o gás óxido nítrico (NO), típico de uma célula endotelial, um dos componentes da parede do vaso”, contou. Como a célula de gordura normalmente não produz NO, ela pode não ter se transformado totalmente em endotelial, mas de alguma maneira se comportava como tal. A segunda descoberta é que ela produziu a substância VEGF (fator angiogênico), que estimula a formação de novos vasos. Ou seja, sob o mesmo estímulo dentro da máquina que simula a circulação, a célula indiferenciada passou a produzir VEGF.

O próximo passo, em curso, é testar essa célula treinada em laboratório para saber se ela consegue fazer um reparo cardíaco eficiente. Para isso, os pesquisadores usam ratos, nos quais é provocado infarto. Eles são separados em três grupos. Nos primeiros ratos infartados nada é injetado; no segundo é injetada a célula sem ser submetida ao shear stress; e no terceiro é introduzida a célula submetida ao shear stress. O objetivo é ver se o último grupo reagirá melhor que os outros. “Estamos em uma fase que o conhecimento não permite fazer avaliações definitivas e dizer se um procedimento é melhor do que o outro.” Os avanços conseguidos suscitam novas dúvidas. Quando houver uma célula-tronco que funcione a contento, quantas serão necessárias para reparar músculo e vasos do coração? A injeção será dada diretamente no músculo cardíaco, via circulação periférica, ou será preciso que um cateter leve as células até dentro do ventrículo do coração? Se o indivíduo tiver um infarto, a terapia terá de ser aplicada imediatamente ou será melhor depois de alguns dias ou semanas? “Todas essas dúvidas que se referem à reparação do sistema cardiovascular valem também para o tratamento de outras doenças crônico-degenerativas.” Krieger conta uma pequena história que ajuda a explicar sua

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cautela quanto aos resultados. “Em 2001 saiu publicado um artigo na revista Nature que mostrou pela primeira vez que injetando células-tronco da medula óssea em um ratinho após um infarto o animal melhora”, disse. “Mas, além disso, a célula teria virado músculo e vaso.” O trabalho se tornou um dos mais conhecidos naquela época, mas três anos depois surgiram outros dois papers também na Nature sobre a mesma experiência. Os autores não contestavam o fato de o rato ter melhorado, mas a explicação dos pesquisadores para isso. Ou seja, o mecanismo de ação é que não havia sido realmente esclarecido.

Dúvidas e cuidados Mesmo com todas as dúvidas e cuidados, Krieger vê razões para ser otimista. Ele deu exemplos do que sua equipe está fazendo com animais de experimentação. “Tiramos uma célula de um ratinho, uma célula de fibroblasto da pele ou do músculo, por exemplo, e a modificamos geneticamente no laboratório para que ela produza substâncias que estimulem a formação de vasos sangüíneos ou músculo. Em seguida provocamos um infarto e depois de 24 horas o animal recebe o tratamento e vive por mais quatro semanas. Ao final desse período nós analisamos se o tratamento influenciou a estrutura e função do coração”, disse. O resultado mostrou que os animais que receberam as células modificadas para produzir o fator angiogênico conseguiram estimular a formação de capilares (vasos mais simples). Além disso, a quantidade de fibrose no músculo reduziu-se, algo altamente positivo. “Esses resultados foram de certa maneira tão espetaculares que, em vez de tentar entender melhor o que havia sido feito, iniciamos a mesma experiência com um animal intermediário, o porco, que é bem mais parecido com o homem do que o rato.” Se ocorrer o mesmo sucesso, aí sim haverá empenho dobrado para entender o processo e partir para o homem. Para fazer qualquer experiência parecida no ser humano é preciso ter, pelo menos, uma probabilidade muito grande que não haverá

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“Todas as nossas dúvidas com relação às células-tronco usadas no sistema cardiovascular valem para o tratamento de outras doenças crônicodegenerativas também”

nenhum mal em usar a terapia. É preciso que haja uma janela de oportunidade ética para poder injetar as células-tronco. Mas não qualquer uma – neste momento os pesquisadores estão limitados a célula-tronco de medula, pois é a única onde a experiência acumulada mostra que os riscos são mínimos. Restava saber quando e em quem se poderia usar. “No InCor identificamos uma oportunidade para agir. Por exemplo, uma pessoa que teve infarto não se recuperou inteiramente e deverá ser submetida à cirurgia para colocar pontes de safena. Às vezes ocorre de, por razões técnicas, não ser possível colocar todas as pontes e uma região que se beneficiaria da revascularização não será tratada. Essa é uma excelente janela de oportunidade ética”, disse. Nesse lugar do coração onde não dá para colocar a ponte os pesquisadores poderão injetar as células. O procedimento tem de ser aprovado por comitês, internos e externos. Em uma primeira experiência com o paciente nas condições requeridas, quando ele chega ao centro cirúrgico e é anestesiado, os médicos retiram 100 mililitros do conteúdo da medula, que seguem para o laboratório alguns

andares acima. O objetivo é deixar a população de células da medula um pouco mais homogêneas, um procedimento feito em duas horas, durante o período em que a pessoa estava sendo operada para a colocação das pontes. “Assim que termina a cirurgia para a revascularização, o cirurgião injeta cerca de 140 milhões de células na região indicada.” Durante o acompanhamento pós-cirúrgico foram feitos diversos exames como, por exemplo, de ressonância magnética para checar a situação do coração. “Nesse caso, constatamos que os pacientes melhoraram e o efeito persistiu por 12 meses depois da cirurgia. Mas é preciso não se iludir porque nesse estudo os pacientes também receberam as pontes e a melhora era esperada. Não dá para saber se as células injetadas realmente tiveram influência ou se foi efeito das pontes.” Krieger ressaltou dois pontos importantes como saldo do trabalho feito até agora. Primeiro, que o procedimento de injetar células-tronco durante a cirurgia é seguro. Segundo, examinando cuidadosamente a região do coração que recebeu somente as células, observou-se um aumento da perfusão de sangue na região. Ainda que isso não seja uma “prova” de que a terapia funciona, é um dado encorajador. “Agora serão necessários estudos com maior número de pacientes, realizados por diferentes instituições, e de um modo que chamamos de aleatorizado e duplo-cego; ou seja, pacientes com as mesmas características serão tratados com as pontes e no local onde a ponte não pode ser colocada será injetada a célula ou não”, disse. Nem o médico que fará as avaliações nem o paciente saberão naquele momento o que foi feito. Somente ao final de 12 meses de acompanhamento é que o código será quebrado e se saberá se o tratamento com as células foi benéfico. Este estudo, patrocinado pelo Ministério da Saúde, com a participação de vários hospitais e coordenado pelo InCor, está em curso. “Será preciso muita pesquisa e paciência para ter certeza de que estamos no caminho certo.” No momento, Krieger se diz muito otimista. Mas cauteloso. ■

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Robin Buell Bióloga da Universidade Estadual de Michigan fala da importância do genoma do arroz Marcos Pivetta

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A genômica mudou o modo como se faz pesquisa e o próprio entendimento do que é a biologia. Seus efeitos atuais são comparáveis aos produzidos nos anos 1940 pela descoberta da penicilina, que então mudou a medicina. “A genômica é hoje responsável pelo mesmo fenômeno, só que em todas as áreas da biologia e na agricultura”, disse a pesquisadora Robin Buell, do Departamento

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de Biologia Vegetal da Universidade Estadual de Michigan (EUA), em palestra realizada no dia 22 de junho. A apresentação fez parte da agenda cultural da exposição Revolução genômica, que esteve em cartaz até meados do mês de julho no Parque do Ibirapuera, em São Paulo. Robin falou sobre o tema “Arroz: um exemplo de como a genômica pode mudar as abordagens da ciência”. A

pesquisadora teve papel de destaque no trabalho do consórcio público internacional que seqüenciou em 2005 o genoma quase completo da subespécie japonica do arroz (Oryza sativa), a primeira planta cultivável a ter o seu DNA mapeado. Antes do cereal, apenas o genoma da Arabidopsis thaliana, planta modelo da biologia, tinha sido seqüenciado em sua integridade. Se o século passado viu a primeira revolução verde, que permitiu o aumento generalizado de produtividade na agricultura devido ao emprego de fertilizantes e pesticidas e à introdução de cultivares criadas pela genética clássica, o século atual vai precisar de uma segunda revolução verde, com um perfil distinto da anterior. “Isso pode ocorrer com o uso dos mesmos métodos que utilizamos no passado, mas também será necessário um novo método para atendermos à demanda de alimentos da população”, disse Robin. “Acreditamos que, na maior parte dos casos, serão introduzidas novas características nos cultivos agrícolas por meio da genômica e da biotecnologia.” Com o auxílio das modernas técnicas desenvolvidas pela biologia molecular, é possível alterar simultaneamente um número expressivo de traços de uma cultivar, como a resistência a doenças, a mudanças ambientais e níveis de produtividade. Esse processo é muito mais rápido e direcionado do que o trabalho de melhoramento genético levado a cabo de maneira clássica (sem transgenia). Com a biotecnologia, acredita a pesquisadora, será possível elevar a produtividade agrícola praticamente sem precisar aumentar as terras destinadas ao cultivo de grãos, hoje escassas em praticamente todo o mundo. Segundo Robin, a genômica tem a capacidade de causar um grande impacto na agricultura porque permite observar o “projeto arquitetônico” da construção e do funcionamento de uma célula, de um organismo ou até mesmo de um órgão. “Dessa forma, conseguimos informações que explicam como a célula foi construída, o que ela faz em resposta ao ambiente ou a patógenos”, afirmou. “Conseguimos entender como as células funcionam, de modo que podemos to-

Robin: papel de destaque no grupo que seqüenciou o genoma do arroz

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REPRODUÇÃO

Diversidade do arroz: formas e cores distintas nos distintos ambientes em que o cereal se adaptou

mar decisões inteligentes e fazê-las funcionar melhor.” A pesquisadora também disse que a genômica permitiu passar do estudo de um gene isolado para o de vários genes (centenas, dezenas ou milhares deles) ao mesmo tempo. “Essa foi a maior mudança de paradigma que tivemos. Isso ocorreu somente nos últimos dez anos, e tudo foi muito rápido”, comentou.

DNA menor

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Membro da família das Poaceae, as populares gramíneas, o arroz, ao lado do trigo e do milho, figura entre os cereais mais cultivados do mundo, de importância inquestionável para alimentação. Metade da população do planeta consome arroz diariamente, em especial na Ásia. Mas essa não foi a única razão que o levou a ser a primeira cultura agrícola a ter o genoma completamente seqüenciado. Pesou também um motivo prático: seu DNA é bem menor do que o dos outros cereais. Essa característica, explicou Robin, foi decisiva, já que o custo do trabalho de seqüenciamento é diretamente proporcional ao tamanho do genoma. Como o estudo do DNA de plantas não costuma obter o mesmo nível de financiamento que os trabalhos com o genoma humano, é preciso ser seletivo na hora de montar um projeto de pes-

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“A genômica permitiu passar do estudo de um gene isolado para o de vários genes ao mesmo tempo. Essa foi a maior mudança de paradigma que tivemos e só ocorreu nos últimos dez anos”

quisa. Com 430 milhões de pares de bases (as letras químicas que formam o código genético), o genoma do arroz tem menos de um quinto do tamanho (17%) do genoma do milho e é 40 vezes menor que o do trigo. Confrontado com o genoma da Arabidopsis, o do arroz é apenas três vezes maior. “As plantas podem ter genomas bastante grandes, pois elas têm trechos repetidos de DNA e múltiplas cópias de seus cromossomos”, disse a bióloga. A opção pelo arroz era tão óbvia que, além do consórcio público internacional, duas empresas de biotecnologia, a Monsanto e a Syngenta, e os chineses produziram, ainda no início desta década, versões nãofinalizadas do genoma do cereal. Diferentemente dos outros grupos, que trabalharam com a subespécie japonica do arroz, muito cultivada no Japão, Coréia e Estados Unidos, os chineses preferiram estudar a subespécie indica, justamente a mais disseminada em seu país. “O arroz se beneficiou do fato de haver diversos projetos de seqüenciamento do seu genoma”, disse Robin. De acordo com os resultados do trabalho publicado pelo consórcio internacional, o arroz tem 12 cromossomos e cerca de 41 mil genes, sendo provavelmente o organismo vivo conhecido com maior número de genes até hoje determinados. “Infelizmente, sabemos a função de apenas 50% desses genes. O maior desafio para as pesquisas futuras é determinar a função dos outros 50%.” Ainda há muitos detalhes do genoma do arroz que precisam ser entendidos. Mas o que se sabe já o coloca como modelo para o estudo do DNA de outras espécies de gramíneas. “Seqüenciar o genoma de uma espécie permite compreender o funcionamento do genoma das demais espécies da família”, explicou a pesquisadora. Há cerca de 10 mil espécies diferentes de gramíneas no planeta, adaptadas às mais diversas condições ambientais, desde zonas de clima quente e árido até regiões mais frias, com altitudes elevadas. Algumas dessas plantas são cultivadas em boa parte do planeta devido a três motivos principais: uso dos frutos comestíveis, os grãos, para produzir alimentos (caso dos cereais milho, trigo, arroz, cevada, centeio,

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desses genes para o surgimento das propriedades que favorecem o cultivo dos cereais. A função da maioria desses genes exclusivos de cereais ainda permanece desconhecida. “Na minha opinião, esses são os genes mais intrigantes, pois provavelmente são os que definem um cereal como tal”, afirmou Robin.

Continuidade A exemplo do que a biologia fez com a Arabidopsis, da qual já foram seqüenciadas 90 variedades distintas da planta, Robin defende a continuidade dos trabalhos genômicos com mais variedades de arroz. “O seqüenciamento do genoma de um tipo de arroz não basta”, disse. “Agora queremos mais genomas, para que esse que já foi feito (da subespécie japonica) possa ser comparado com outros.” Há um projeto chamado Oryza SNP Project, tocado por um consórcio público internacional, que pretende definir toda a variação genética presente nesse cereal. A iniciativa busca seqüenciar o genoma de 20 variedades de arroz e utilizar esse conhecimento para o melhoramento genético dessa importante cultura agrícola. O objetivo do projeto é identificar no genoma do arroz todos os polimorfismos de um único nucleotídeo, os SNPs, na sigla em inglês. Trata-se de mutações caracterizadas pela variação

de apenas uma das letras químicas, os tais pares de base ou nucleotídeos, num determinado segmento de DNA. O projeto também quer definir como e se esses SNPs modificam a aparência e as características físicas do arroz. A variedade de formas que os diversos tipos de arroz podem assumir é surpreendente. Robin exibiu à platéia um slide do Instituto Internacional de Pesquisa do Arroz, das Filipinas, com diferentes cultivares de arroz. Algumas plantas eram altas, outras pequenas. Certos tipos de arroz floresciam cedo, outros mais tarde. Há grãos de arroz com várias colorações, indo das mais claras às mais escuras. Além de compreender as bases genéticas do arroz, os cientistas tentam entender melhor o rendimento, a reprodução, a morfologia e a qualidade do grão de cada variedade de arroz. “Também estamos analisando como as variedades respondem a situações de estresse, como a privação de água e o excesso de sal, e ao ataque de patógenos ou pestes”, afirmou Robin. Enfim, como mostrou a pesquisadora da Universidade Estadual de Michigan, há hoje um esforço científico internacional que, sem fazer muito alarde ou ser muito badalado, tenta assegurar a produtividade agrícola de um dos alimentos mais básicos da humanidade, o arroz. ■

Para Robin, seqüenciar só uma variedade de arroz não basta. É preciso analisar mais tipos do cereal

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sorgo, entre outros); extração de açúcar, como ocorre com a cana; produção de biomassa, que é o produto bruto do vegetal. Os primeiros estudos comparativos feitos pelos cientistas já revelam informações interessantes. Eles analisaram dados genômicos de 180 plantas e verificaram que 90% dos genes do arroz podem ser encontrados em outras espécies vegetais. Muitos desses genes estão ligados a processos básicos de todas as plantas, como o controle da fotossíntese, do crescimento e da reprodução. “O arroz não possui um conjunto exclusivo de genes que o definem como arroz”, explicou. “Ele partilha muitos genes com outras plantas e apenas uma pequena parte desses genes lhe são exclusivos.” Num dos slides da palestra, Robin mostrou, como exemplo do que os biólogos moleculares chamam de conservação genética, um gene do arroz, bastante grande, que também pode ser encontrado no milho, no sorgo, na Arabidopsis e em 50 outras espécies vegetais. Quando descobrem esse gene numa planta, os cientistas logo se perguntam em que local do genoma ele se encontra. Eles querem saber se, além de ser comum a várias espécies, o gene também ocupa a mesma posição dentro do genoma dessas plantas. Em alguns casos, grandes trechos de DNA de uma espécie, compreendendo um cromossomo ou muitos genes, se mantêm intactos em outras espécies aparentadas. O fenômeno também ocorre com o arroz e o trigo. “Isso mostra que, ao longo da evolução, não somente os genes foram mantidos nas duas espécies, mas também a sua ordem”, comentou a pesquisadora. “Esse dado é muito importante, por exemplo, para os biólogos que estudam o trigo, que tem um genoma muito grande e ainda não seqüenciado. Eles podem usar os genes do arroz para compreender o genoma do trigo.” Apesar de ter muito em comum com o DNA de outras gramíneas, o genoma do arroz também exibe especificidades. Aproximadamente 5 mil dos 41 mil genes são exclusivos de cereais, não tendo sido até agora encontrados em outras espécies. Robin quer saber qual a importância

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Segundo antropólogo, saída para problemas ambientais depende da interação das ciências naturais com as sociais

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Ricardo Zorzetto

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Se a atividade humana gerou os problemas ambientais de hoje, é dela que deverão surgir as soluções. Mas para que se alcancem saídas eficazes do ponto de vista ambiental, econômico e social será preciso primeiro compreender como o ser humano se relaciona com a natureza. Esse entendimento depende da integração do conhecimento das ciências naturais com o das ciências sociais, de modo semelhante ao que ocorre na chamada antropologia ambiental ou ecologia humana, que estuda a interação entre as populações humanas e o ambiente físico, defendeu o antropólogo Emilio Moran na palestra “Expansão internacional da antropologia ambiental: experiências na Amazônia”, apresentada em 21 de junho no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, como parte da programação cultural da exposição Revolução genômica. “No Brasil não se pensa que a antropologia também estude o ambiente”, disse Moran, diretor do Centro Antropológico para Treinamento e Pesquisa em Mudanças Ambientais Globais da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos. A falta de reconhecimento à contribuição da antropologia para compreender questões ambientais não é um problema só brasileiro. Também é comum na Europa e nos Estados Unidos, onde há tempos a antropologia ambiental é reconhecida como disciplina e ensinada nas universidades. Moran deu uma idéia do desequilíbrio entre ciências naturais e ciências sociais nos Estados Unidos ao citar o volume de recursos que essas áreas recebem para pesquisar mudanças globais e ambientais: as ciências naturais levam 97% das verbas e as sociais

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3%. Para Moran, apesar dessa diferença, em parte justificada pelo emprego de tecnologias mais caras pelas ciências naturais, deve haver um intenso esforço de integração entre essas áreas, caso se deseje compreender em profundidade as razões que levaram à intensa alteração do ambiente, como a que se observa na Amazônia brasileira. O principal desafio a essa integração está nas próprias universidades, onde a estrutura dos cursos para diferentes carreiras dificultam a interdisciplinaridade. Segundo Moran, muitas vezes se criam barreiras para que as pessoas não possam cruzar as linhas e, por exemplo, o antropólogo estudar biologia ou o aluno de ciências políticas aprender sensoriamento remoto. Ou seja, na formação acadêmica exige-se uma pureza disciplinar excessiva. “Não precisamos de pureza, precisamos nos sujar para resolver o problema”, disse Moran. Para ele, o funda-

FOTOS MARCIA MINILLO

Emilio Moran

mental não são as disciplinas, mas a formulação da pergunta científica a responder, que deve ser feita em conjunto por pesquisadores das ciências naturais e sociais. Moran falou com a experiência de quem teve uma formação essencialmente multidisciplinar e nas últimas décadas esteve à frente de projetos internacionais como o Land Use and Land-Cover Change (Lucc) e o Global Land Project (GLP), que investigam como as atividades humanas vêm alterando os processos biológicos, químicos e físicos do planeta. E exemplificou a importância da interdisciplinaridade para compreender as alterações ambientais apresentando o trabalho que desenvolve há quase quatro décadas na Amazônia brasileira. Nascido em Cuba e vivendo nos Estados Unidos desde os 14 anos, Moran começou a enveredar pelas ciências naturais durante o doutorado na Universidade da Flórida, no início da década de 1970. Em uma palestra, seu orientador, o antropólogo Charles Wagley, contou que estavam abrindo uma grande estrada na Amazônia capaz de gerar impactos ambientais e sociais em toda a América do Sul pelos 30 anos seguintes e que alguém deveria estudar essa questão. Essa estrada era a Transamazônica – planejada pelo governo militar de Emílio Garrastazu Medici para cortar o Brasil de leste a oeste e promover o desenvolvimento da Amazônia –, e o único candidato que procurou

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Wagley para estudar seu impacto foi Moran. Quando Moran perguntou o que deveria saber para começar o trabalho, Wagley o mandou estudar ecologia de sistemas, geografia e também solos tropicais, pois na época se pensava que a qualidade do solo limitava o desenvolvimento das sociedades amazônicas. “Ele queria que eu soubesse se era verdade ou não e coletasse amostras de solo”, contou Moran. “Wagley me permitiu criar um programa individual que misturava pedologia, ecologia, geografia e antropologia para enfrentar a pergunta.” Moran fez sua primeira viagem ao Brasil em 1972, quando veio assistir à abertura da Transamazônica no estado do Pará. Acompanhou os trabalhadores da empreiteira que construía a estrada do município de Marabá, no leste do estado, a Itaituba, no oeste, e viu muita coisa diferente do que os livros contavam ou os planos do governo sugeriam. Encontrou os solos pobres (latossolos) que os livros descreviam, mas, bem próximo, identificou trechos de terra extremamente fértil (terra roxa estruturada eutrófica). As agrovilas prometidas pelo governo – que deveriam ser implantadas a cada dez quilômetros ao longo da estrada, com escolas, água tratada e serviço de saúde – simplesmente não existiam e as pessoas tinham de morar em tapiris, casas simples cobertas de folhas, construídas por elas próprias, contou Moran, que em 1973 e 1974 morou por 14 meses em uma agrovila no município de Altamira com os colonos.

Acidentes e malária Dois problemas afetavam os colonos e os trabalhadores que abriam a estrada, constatou o antropólogo. Um deles era a malária, que atingia entre 20 e 70 pessoas por mês. O outro eram os ferimentos graves provocados pela queda de árvores ou pelos acidentes com caminhões que tombavam nas pontes improvisadas ao longo da estrada, feitas com troncos de madeira deitados sobre valas ou o leito de riachos. Moran iniciou seus estudos comparando a energia que os colonos ingeriam com a que gastavam para derrubar árvores, plantar alimentos ou coletar frutos. Também reuniu

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“Temos que conectar duas ou três áreas que liguem o mundo biofísico com o social para enfrentar a realidade do meio ambiente”, disse Moran

e analisou amostras de solo nas agrovilas e descobriu que, diferentemente do que mostrava um levantamento inicial dos solos ao longo da Transamazônica, o da região não era exclusivamente pobre. De 15% a 20% das terras eram terra roxa, boas para a agricultura. O governo federal havia encomendado um mapa de solos que teve de ser feito em pouco tempo, razão por que se baseou em amostras coletadas a cada 500 metros ao longo da estrada. Mas esse mapa, o melhor possível obtido no prazo exíguo de dois anos, mostrava a composição do solo apenas no traçado da Transamazônica e não dava idéia do que havia um pouco além da estrada. Até hoje, segundo Moran, não há estudos que aprofundem as descobertas iniciais daquele levantamento e os moradores da região continuam a agir sem orientação adequada. Comparando as características dos diferentes tipos de solo, o pesquisador demonstrou que as pessoas naturais da Amazônia sabiam identificar as áreas de terra fértil melhor do que os colonos vindos

de outras regiões do país. “Tentei mostrar que o caboclo da Amazônia, aquele que o governo havia falado que não prestava, só caçava onça e não sabia cultivar, na verdade conseguia escolher a melhor terra”, disse. Além do critério visual – as áreas com solo mais escuro em geral são mais férteis –, os nativos da Amazônia avaliavam características da vegetação diferentes das levadas em consideração pelas pessoas que haviam migrado do Sul ou do Nordeste. Os imigrantes pensavam que o solo era mais fértil nas áreas em que as árvores são mais altas. Esse critério podia ser verdadeiro em outras regiões, mas não na Amazônia, onde a floresta é menos densa nas áreas férteis. Segundo Moran, os colonos naturais da Amazônia usavam outras características da vegetação para escolher as melhores terras e obtinham os índices mais altos de produção agrícola. Com base nesse resultado, o antropólogo perguntou a técnicos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) por que não usavam esse conhecimento para instalar os

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EMILIO MORAN

Fronteira: colono trabalha na abertura da Transamazônica, em 1973

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imigrantes de outras regiões. Ouviu como resposta que a taxa de migração era tão alta que não havia tempo de selecionar apenas as terras boas. “Cada um tinha que se virar e escolher uma terra sem saber se era boa”, contou Moran, que em junho lançou no Brasil seu livro mais recente Nós e a natureza, sobre a redução do consumismo como estratégia para a preservação do planeta. Após uma interrupção de quase uma década – período em que escreveu seu primeiro livro em português, Ecologia humana das populações da Amazônia –, o pesquisador retornou à Amazônia no início dos anos 1990 quando os meios de comunicação afirmavam que as queimadas levariam à desertificação do ecossistema. “Eu não acreditava porque, quando perguntava aos colonos qual o principal problema com a terra, eles nunca falavam que se tornava deserto, mas que havia uma invasão rápida da mata secundária”, contou. Para estudar esse problema, o antropólogo teve mais uma vez de recorrer a outras áreas do conheci-

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mento. Foi aprender sensoriamento remoto e, com mais financiamento e uma equipe maior, analisar em sete regiões da Amazônia um fenômeno que preocupava os pesquisadores naquela época: a capoeirização, substituição da floresta por vegetação secundária, que ressurge após o corte – atualmente se acredita que, com o aumento da temperatura média do planeta nas próximas décadas e a redução da umidade na Amazônia, parte da floresta possa se tornar savana. Com Mario Dantas, da Embrapa-Pantanal, Moran usou imagens de satélite, entrevistas com os colonos, análises de solo e observações locais das áreas de estudo para avaliar o efeito da intervenção humana sobre a floresta e o uso do fogo para o manejo da terra. Constatou que a forma de uso do solo dependia da fertilidade. Nas propriedades em que prevaleciam os solos pobres (latossolos eram mais de 75% da área), os colonos só plantavam pasto. Quanto maior a porção de terra fértil (50% ou mais), menor era a área dedicada à pastagem e

maior a variedade de culturas, como cacau, cana-de-açúcar e outras. Duas décadas após o início da colonização, as pessoas haviam aprendido a melhor forma de usar a terra, concluiu Moran. Nesse trabalho, realizado com cerca de 400 proprietários em Altamira, Moran descobriu ainda que um fenômeno comum na Amazônia – a venda das propriedades obtidas durante o início da colonização – também estava essencialmente ligado à qualidade do solo. Quem tinha propriedades com maior proporção de solos férteis não vendia suas terras, enquanto os outros as negociavam com freqüência. Como apenas 20% das terras na Amazônia são terra roxa, essa constatação levantou, segundo Moran, a seguinte dúvida: não seria melhor identificar inicialmente as áreas de terra fértil, que podem ser usadas para a agricultura, em vez de sair desmatando indiscriminadamente para depois se descobrir que a terra é fraca? “Os caboclos sabem proteger a área que não merece ser desmatada”, afirmou Moran, para quem tentar proteger tudo não é uma estratégia realista nem do ponto de vista político nem prático. Para ele, esse conhecimento poderia orientar o desenvolvimento agrícola da Amazônia e a definição de áreas a serem protegidas. Nesse trabalho, em que observou ainda que a floresta se recupera em ritmos diferentes segundo as características do solo, o antropólogo constatou que no Brasil o desmatamento progride em função da economia: nos períodos de hiperinflação e crédito rural apertado dos anos 1980 o desmatamento e a migração para a Amazônia caíram, mas aumentaram com a estabilização da economia.

Ferramenta adequada O uso de ferramentas de outras áreas do conhecimento levou Moran a identificar outro fator que influencia a derrubada da floresta: o perfil das populações que chegam às frentes de colonização. Ele decidiu investigar esse efeito ao notar que a trajetória do desmatamento havia sido a mesma nas diferentes regiões estudadas, embora a origem dos colonos fosse diversa. Segundo Moran, os livros de ecologia sempre colocam

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a população como culpada dos problemas ambientais. “Incorporei um demógrafo ao grupo e entrei no assunto para ver até que ponto a demografia podia nos ajudar a esclarecer essa culpa humana”, disse. O antropólogo e sua equipe passaram a investigar se o número de membros, o gênero e a idade dos integrantes das famílias dos colonos afetavam o desmatamento na Amazônia. Um fato que influenciou a decisão de estudar esse efeito foi que no início da colonização de Altamira, no Pará, o perfil da população era distinto do de outras frentes de colonização. No mundo todo essas frentes são compostas por gente jovem, na faixa etária dos 20 aos 25 anos, e sem filhos. Em Altamira era diferente. O Incra estimulou a ida para a Amazônia de pessoas com mais idade e mais filhos, pois o objetivo era povoá-la. Mais tarde, durante a Presidência do general Ernesto Geisel, o governo parou de escolher quem migraria para a Amazônia e a estrutura etária dos colonos se tornou mais próxima à das populações de fronteira. Moran desejava saber se a estrutura dessas diferentes levas de migrantes alteraria o ritmo do desmatamento. Constatou que, de modo geral, cada frente de colonização produzia dois surtos de desmatamento intercalados por uma queda. Esse padrão se repetiu em diversos períodos analisados. Para explicar o fenômeno, Moran propôs a teoria do ciclo doméstico. Na fase inicial da colonização, os pais desmatam e se dedicam à agricultura para a subsistência da família, formada por vários filhos pequenos. À medida que os filhos crescem, passam a ajudar na agricultura e aumentam a produção e a venda para o mercado, permitindo o acúmulo de capital. Mais tarde, com os filhos adultos, as famílias mudam as culturas para mais perenes e os que se casam passam a querer sua própria lavoura. Esse fenômeno ocorre nas regiões de terras férteis, enquanto nas áreas de solos mais pobres as famílias se dedicam à criação de gado. Na Amazônia também não se observa outro fenômeno comum em regiões de fronteira, onde as famílias têm sempre muitos filhos para ajudar na lavoura: a elevada ta-

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xa de fertilidade. Em duas décadas a fertilidade caiu de 6 filhos por casal para cerca de 2, padrão semelhante ao das outras regiões brasileiras. Moran atribui essa queda à urbanização do país, que, imagina-se, atingirá as regiões de fronteira. O uso de ferramentas de diferentes áreas do conhecimento permitiu à equipe de Moran ver que os fatores que influenciam o desmatamento na Amazônia são muitos e de diferentes ordens (biofísicos, demográficos e econômicos). “Temos que conectar pelo menos duas ou três áreas que liguem a parte do mundo biofísico

com a parte social para poder enfrentar a realidade do meio ambiente de hoje”, disse Moran. O antropólogo concluiu sua apresentação lembrando uma recomendação que fazia aos membros de sua equipe em Indiana: “Quando você entrar por aquela porta para uma reunião, deixe suas ferramentas e armas, seus métodos e suas teorias lá fora. Depois que definimos a pergunta científica, mandamos procurar a ferramenta mais adequada para respondê-la, sem nos preocupar com quem trouxe a ferramenta”. ■

Mayana Zatz e Cristiane Segatto Geneticista e jornalista discutem erros e acertos da mídia na cobertura das células-tronco embrionárias Fabrício Marques

O apoio de amplos setores da mídia foi fundamental para a aprovação em 2005 da lei que autorizou estudos com células-tronco embrionárias e também para a derrubada no Supremo Tribunal Federal (STF), há três meses, da Ação Direta de Inconstitucionalidade que tentou neutralizar a lei e barrar as pesquisas. Mas a imprensa também cometeu deslizes, alardeando esperanças de tratamento com as células-tronco que a ciência não autorizava propagar. Esse diagnóstico emergiu no debate “Células-tronco embrionárias e mídia”, que reuniu no dia 6 de julho a geneticista Mayana Zatz, pró-reitora de Pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP, e a jornalista Cristiane Segatto, repórter especial da revista Época, dentro da programação cultural da exposição Revolução genômica organizada pela revista Pesquisa FAPESP. “A imprensa esteve escandalosamente ao nosso

lado e isso fez toda a diferença”, disse Mayana, conhecida como uma ativista da liberdade nas pesquisas. Segundo ela, a mídia cumpriu um papel inestimável ao dar voz aos cientistas e ajudar a explicar para a população o que eram essas pesquisas. “E também mostrou para os políticos a importância dessas pesquisas”, completou. Mayana relembrou no debate as origens de seu interesse pelas células-tronco embrionárias. “Trabalho com doenças genéticas, especificamente com moléstias neuromusculares, que atingem uma em cada mil pessoas. Por causa de um defeito genético, essas doenças levam a uma degeneração progressiva da musculatura”, explicou. Segundo ela, são mais de 50 doenças diferentes e as formas mais graves causam morte na primeira ou segunda década de vida. “O envolvimento com esses pacientes me motivou a batalhar pelas pesquisas com células-tronco. Isso porque, pela primeira vez, comecei a

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à medula óssea, aos músculos, ao coração e aos vasos. E o ectoderma que vai formar pele, neurônios, hipófise, olhos, orelhas. “Até 14 dias, não há nenhum resquício de célula nervosa. É a partir do décimo quarto dia que elas começam a se formar. Por isso, os países que aprovaram essas pesquisas permitiram que se utilizassem embriões de até 14 dias”, disse a professora. Após essa fase, tem início a diferenciação em tecidos. Forma-se, então, o tecido adiposo, ósseo, músculo e depois os órgãos. “Descobrir os mecanismos que norteiam a diferenciação é a grande interrogação dos pesquisadores. Controlar esse processo é o que as pesquisas no mundo todo estão fazendo agora”, afirmou a pesquisadora. O que se sabe, segundo ela, é que após a diferenciação todas as células seguintes têm as mesmas características. “As filhas da célula de fígado vão ser todas células de fígado e assim por diante”, afirmou. Embora os genes sejam os mesmos em todos os tecidos, a expressão desses genes é diferente entre um tecido e outro. “Alguns genes ficam ativos e outros ficam silenciados. Esse silenciamento faz um tecido ser diferente do outro e isso é um processo extremamente bem controlado, caso contrário não teremos uma célula funcional”, explicou.

Fraude A esperança dos cientistas é conseguir manipular as células-tronco a ponto de gerar células pancreáticas MARCIA MINILLO

Cristiane e Mayana: o desafio de informar sem gerar falsas expectativas

ver nessas pesquisas uma esperança de tratamento”, disse Mayana. De forma didática, a pesquisadora propiciou aos espectadores a chance de relembrar ou tomar o primeiro contato com os conceitos científicos que embasam o debate. Iniciou descrevendo o surgimento das células-tronco embrionárias. “Cada um de nós surgiu a partir da fecundação de um óvulo que sobreviveu. A célula começa a se dividir, primeiro em duas, duas viram quatro, e aí temos um embrião de oito células. Essas oito células são chamadas células-tronco totipotentes. Por que totipotentes? Porque qualquer uma delas, caso seja inserida num útero, tem potencial para tornar-se um ser completo”, disse Mayana. O embrião, prosseguiu a professora, segue se dividindo, até que, na fase de 64 a cem células, aproximadamente cinco dias depois da fecundação, forma o chamado blastocisto. “Ocorre uma primeira diferenciação. As células externas vão se transformar em placenta e membranas embrionárias, enquanto as células internas são chamadas células-tronco pluripotentes. Elas têm o potencial de formar todos os tecidos do corpo, mas já não têm o potencial de formar um ser completo”, explicou Mayana. Depois, com 14 a 16 dias, desponta uma estrutura chamada de gástrula, com os três folhetos embrionários. O endoderma, que é a parte mais interna, vai formar o pâncreas, o fígado, a tireóide, o pulmão. O mesoderma dará origem

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sob medida capazes de devolver aos diabéticos a capacidade de produzir insulina, ou produzir neurônios motores para regenerar as vítimas de lesões de medula, para citar dois exemplos. “Até hoje, ninguém conseguiu fazer isso com célulastronco adultas”, disse Mayana. A pesquisadora explicou a diferença entre células-tronco embrionárias e adultas. As embrionárias podem ser obtidas de embriões congelados que sobram em clínicas de fertilização. Ou então pela chamada clonagem terapêutica, que é a transferência de núcleo de uma célula diferenciada para um óvulo sem núcleo. “Houve uma equipe de cientistas coreanos que afirmaram ter conseguido, e chegaram a publicar suas experiéncias em revistas de alto impacto, mas depois se viu que era uma fraude”, afirmou Mayana. Se bem-sucedida, a clonagem terapêutica permitiria gerar células-tronco com as mesmas características genéticas de um indivíduo do qual foi retirada a célula, com o objetivo de substituir órgãos ou tecidos doentes sem risco de rejeição. “Trata-se de uma tecnologia muito difícil e ainda não alcançada em seres humanos, que, creio, será o futuro da terapia celular por medicina regenerativa. A boa notícia é que algumas células do nosso corpo permanecem com características de células-tronco. São as chamadas células-tronco adultas. Temos células-tronco adultas na polpa do dente-de-leite, na medula óssea, no tecido adiposo, no cordão umbilical e em outros tecidos e órgãos, pâncreas, fígado”, afirmou Mayana. A má notícia, ela lembrou, é que as células-tronco adultas não têm o mesmo potencial que as célulastronco embrionárias, embora sejam importantes para formar alguns tecidos. “Nós estamos trabalhando ativamente com elas. As embrionárias podem formar todos os tecidos do corpo, enquanto as adultas formam alguns, mas não todos”, afirmou. A clonagem da ovelha Dolly, em 1996, foi essencial para abrir essa perspectiva. “A revolução foi mostrar que células já diferenciadas de um mamífero poderiam voltar a ser reprogramadas, voltar a ser totipotentes e formar um animal completo”, disse Mayana. Ela explicou como a ovelha foi clonada. Primeiro,

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SU-CHUN ZHANG/UNIVERSITY OF WISCONSIN-MADISON

retirou-se o núcleo de uma célula da glândula mamária de uma ovelha. Depois, esse núcleo celular foi introduzido num óvulo sem núcleo. Ocorreu a fusão e formou-se o embrião, que foi colocado no útero de uma outra ovelha. Esse processo deu origem a Dolly, cópia idêntica da ovelha que cedeu o núcleo da célula mamária. Não foi, contudo, uma tarefa simples. Houve 277 tentativas até que se chegasse a uma ovelha viável. “Além disso, Dolly morreu precocemente, aos seis anos de idade. Ela tinha artrite e embora os pesquisadores que fizeram a Dolly garantam que sua morte não foi por causa da clonagem, ela tinha doenças de ovelha mais velha”, afirmou Mayana. Após a experiência da clonagem da ovelha e de outros bichos, segundo a pesquisadora, começou-se a falar em clonagem de seres humanos. Um médico italiano, Severino Antinori, anunciou em abril de 2002 que o primeiro clone ia nascer em novembro daquele ano. “Como seria a clonagem reprodutiva humana?”, perguntou Mayana à platéia, para responder: “Vamos imaginar um bebezinho, ou pode ser um adulto, do qual se tira uma célula, tira-se o núcleo, coloca-se em um óvulo sem núcleo e se houver fusão, você tem também um embrião, inserese em um útero humano, e aí você vai ter n cópias do bebezinho”. Um outro grupo, a seita dos raelianos, também anunciou que estava fazendo clonagem reprodutiva e até se propunha a vender equipamentos pela internet para fazer a clonagem em casa. “A proposta deles era ótima”, disse Mayana. “Diziam que você poderia se clonar e ter um corpo novo e manter a sabedoria das vidas anteriores. Que maravilha: eu quero ser a Gisele Bündchen! Bom, quais seriam as implicações éticas da clonagem reprodutiva humana? O risco biológico é enorme, pelo que a gente viu das pesquisas com animais. A tecnologia não está nem disponível em humanos, mas se tivesse disponível é impensável o risco de fazer uma clonagem reprodutiva humana”, afirmou. Em meio àquele frisson, a Academia Brasileira de Ciências pediu que Mayana ajudasse a escrever um documento que estava sendo redigido por pesquisadores de vários países

sugerindo o banimento da clonagem reprodutiva. “Estava todo mundo muito preocupado com a clonagem reprodutiva. E eu disse: estou muito menos preocupada com isso, porque há consenso entre os pesquisadores de que isso é uma loucura. E acho muito mais importante permitir as pesquisas com células-tronco embrionárias”, lembra-se. A geneticista e outros colegas ajudaram a escrever o documento condenando a clonagem reprodutiva, mas apoiando as pesquisas com células-tronco embrionárias. O texto foi subscrito por 63 países. “A revolução da Dolly mostrou realmente que clonagem reprodutiva é uma loucura, mas ela abriu novas perspectivas de tratamento com células-tronco que podem ser obtidas tanto de embriões congelados que sobram nas clínicas de fertilização quanto por clonagem terapêutica”, disse Mayana.

No Congresso Depois disso Mayana Zatz envolveu-se na mobilização pela aprovação da Lei Nacional de Biossegurança no Congresso Nacional, que permitiria as pesquisas com células de embriões, mas foi rejeitada pela Câmara. “Teve início a minha peregrinação em Brasília. Comecei a participar de audiências públicas e a conversar com senadores, porque

a lei voltou ao Senado para ser reescrita. Nós visitamos os senadores, um por um, para tentar explicar a importância dessa lei. E ela acabou aprovada no Senado no final de 2004 com 96% dos votos favoráveis”, ela lembra. O próximo passo era uma nova votação na Câmara dos Deputados, mas o então presidente da Casa, o deputado Severino Cavalcanti, ligado à Igreja Católica, hesitava em colocar o projeto em pauta. “Tivemos uma reunião com o Severino e ele prometeu que ia colocar a lei para votar’”, disse a pesquisadora. Em março de 2005 a lei foi aprovada por 85% dos deputados e, em seguida, sancionada pelo presidente da República. Proibia a clonagem de embriões sob qualquer hipótese, mas autorizava a pesquisa com embriões congelados que seriam descartados nas clínicas de fertilização in vitro. Mas uma ação de inconstitucionalidade contra o uso de embriões apresentada em maio de 2005 pelo procurador-geral da República, Claudio Fonteles, voltou a trazer insegurança para os pesquisadores – e Mayana retomou a mobilização, no Supremo Tribunal Federal. Ela participou ativamente da audiência pública em que o relator da ação, o ministro Carlos Ayres Britto, ouviu médicos, especialistas em bioética e pacientes sobre o uso das células-

Células neuronais geradas a partir de célulastronco embrionárias

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tronco. A pesquisadora também estava em Brasília, acompanhada de seus pacientes, nos dois momentos em que o Supremo avaliou a ação, até a vitória em maio passado. A jornalista Cristiane Segatto disse que, em 13 anos de experiência acompanhando assuntos de saúde e de ciência, jamais cobriu um tema que tenha despertado um debate tão grande, polêmico e emocionante quanto as células-tronco. “Não é difícil entender por que esse tema mexeu com os corações e mentes do Brasil”, afirmou a jornalista. “Imaginem as células-tronco, aquelas coisinhas minúsculas que têm o potencial de se transformar em qualquer tecido do corpo humano. Isso, por natureza, já é uma coisa espetacular. Agora imaginem a possibilidade de um cientista interferir nesse processo e domar essas células para que elas se transformem no tecido desejado e com isso poder restaurar corações, fígados, curar doenças. Isso parece mágica. Agora imaginem que essas células só estão disponíveis em embriões congelados nas clínicas de fertilização, o que atrai uma forte oposição dos grupos religiosos. Isso cria uma tensão entre vários direitos, como o direito à liberdade de pesquisa, à saúde, à expressão religiosa, à vida”, disse Cristiane. Esse enredo, ela disse, é tão maravilhoso que a imprensa não escaparia de investir nele. A questão é a forma como a imprensa brasileira cobriu isso. “Será que ela informou ou criou falsas esperanças?”, indagou a jornalista. Na opinião dela, a cobertura foi bastante heterogênea. Em alguns veículos, como as redes de televisão e de rádio, obrigados a dar informação de uma forma rápida e sintética, muitas vezes os conceitos ficavam mal explicados e, segundo Cristiane, tendiam um pouco para o espetáculo. “As reportagens davam a impressão de que as células eram sementes mágicas que os cientistas tinham total domínio sobre elas e que só não estavam podendo trabalhar porque havia uns ogros, uns atrasados ligados à Igreja, que impediam o avanço da ciência. Mas que assim que os cientistas pudessem colocar as mãos nessas células, logo os pacientes seriam salvos. Isso é uma simplificação bárbara da realidade”,

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“A imprensa esteve ao nosso lado. Deu voz aos cientistas, esclareceu a população e mostrou aos políticos a importância das pesquisas”, disse Mayana Zatz

ela exemplificou. Cristiane afirmou, porém, que ao longo do tempo a imprensa foi ganhando domínio sobre o assunto e a qualidade das informações melhorou. “Nos jornais, principalmente, a qualidade da informação melhorou muito. Mas às vezes pendia para o outro extremo, que era o hermetismo”, afirmou. A jornalista convidou a platéia a refletir sobre o trabalho das três principais revistas semanais de informação: Veja, Época e IstoÉ. “De todos os tipos de veículos da mídia, eu acho que as revistas semanais são que teoricamente têm mais tempo e atraiam condições para fazer um trabalho mais completo, mais profundo, ir além da notícia, fazer uma coisa mais analítica”, explicou. Segundo Cristiane, o problema para este segmento da imprensa tem sido a dificuldade de criar chamadas de capa que traduzam o conteúdo da reportagem e ao mesmo tempo atraíam o leitor. “Muitas vezes, o conteúdo da matéria é bom. Ela não induz a falsas esperanças e faz

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FOTOS MARCIA MINILLO

todas as ressalvas necessárias. Mas a capa vai em sentido contrário, às vezes até vendendo ilusões”, afirma. Utilizando o telão do auditório, ela passou a exibir algumas capas de revistas semanais sobre células-tronco. A primeira foi uma capa da revista Veja, que estampava a imagem de duas crianças, filhas da atriz Luisa Thomé, e trazia a seguinte mensagem: Estes bebês são pioneiros de uma revolução da medicina. Ao nascer eles tiveram armazenadas células-tronco, terapia que já está sendo usada para tratar doenças como diabetes, infarto, derrame, Alzheimer, Parkinson, esclerose múltipla. “As células-tronco até agora são uma promessa, mas revolução de fato ainda não dá para afirmar”, disse. “E, além disso, essa idéia de congelar as células do cordão para uso dos filhos é algo bastante discutível, porque a probabilidade de que essas células sejam úteis para as próprias crianças é bem baixa”, afirmou. Em seguida, apresentou uma capa publicada por Época, de sua autoria, com uma imagem do músico Herbert Viana numa cadeira de rodas e as chamadas Células da vida. Perspectivas: como os embriões podem gerar tratamentos para males cardíacos, paralisia, diabetes, câncer, Alzheimer. Em que estágio estão os estudos sobre cada doença. Congresso: quem é a favor e quem se opõe. “Essa capa repercutiu muito porque foi publicada num momento político importante. Depois ganhou um prêmio de jornalismo, foi considerada bem-sucedida. O conteúdo está completo, mas sempre que olho para ela fico pensando: será que as célulastronco são a esperança?”, perguntou. “Tudo bem, entendo que elas são a esperança das pessoas retratadas, mas até que ponto contribui com essa capa para gerar falsas esperanças em outras pessoas? Será que o Herbert Viana e as outras pessoas vão assistir a algum avanço que possa ser útil para eles? Porque a gente sabe que até hoje não existe nenhum estudo clínico realizado com células de embrião, em nenhum país do mundo”, disse. Cristiane seguiu comentando outras capas, como uma da revista IstoÉ publicada na mesma semana em que o STF aprovou as pesquisas no Brasil. A capa exibia a imagem de uma menina e a chamada Células-

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tronco, nova chance de vida. Júlia, 10 anos, e mais uma centena de outros pacientes poderão ser os primeiros beneficiados pelas terapias com células-tronco embrionárias, finalmente liberadas no Brasil. “Será mesmo?”, perguntou a jornalista . “Já tem uma terapia prontinha para ser testada? Ela vai se curar? De novo eu acho que tem um exagero”, disse Cristiane, que, ao final, apresentou uma outra capa de Veja com a chamada Tratamentos com células-tronco no Brasil, a medicina que faz milagres. “Aí eu acho que eles jogaram pesado, porque não tem milagre. A medicina nunca faz milagre”, disse.

Liberdade Cristiane Segatto ponderou que sua intenção, ao apresentar as capas, não era desqualificar o trabalho da imprensa. “Eu quis mostrar isso tudo até para fazer uma espécie de mea culpa aqui e para mostrar que a imprensa cometeu sim seus excessos. Mas eu não queria deixar uma mensagem pessimista, pois acho que a imprensa, embora possa ter errado em alguns aspectos, deu uma colaboração valorosa para o debate sobre as pesquisas com embriões no Brasil”, afirmou. Segundo ela, foram escritos artigos e reportagens muito bons, muito esclarecedores, com argumentos muito bem alinhavados. “A imprensa contribuiu sim para a educação da sociedade. E não podia ser de outra forma, porque o que estava em jogo lá no STF era a liberdade da expressão científica e o direito que os casais têm de dar o destino que julguem melhor a esses embriões congelados. A imprensa contribuiu muito para a defesa dessas liberdades fundamentais e por isso acho que ajudou a fazer história. Nunca antes o STF havia promovido uma audiência pública para discutir qualquer assunto que estivesse em pauta”, diz, referindo-se à iniciativa do ministro Ayres Britto de ouvir a opinião de cientistas, pacientes, religiosos e especialistas em bioética. “Com a exposição desse tema das células-tronco na mídia, o STF decidiu ouvir a sociedade e isso foi bom. A decisão do STF reiterou a separação entre Igreja e Estado e é muito importante que essa discussão tenha sido suscitada por um tema da ciência”, disse, para concluir: “Eu não

sei se as células-tronco embrionárias vão dar origem a algum tratamento. Acho que só daqui a uns 20 anos a gente vai poder olhar para trás e ver o que era perspectiva real e o que era fantasia. Torço pelos pacientes, fico extremamente sensibilizada pela garra, pela força deles, mas não sei se terão de fato uma nova chance de vida. O que sei é que, com essas pesquisas, o Brasil vai ganhar um patrimônio inestimável, que é o conhecimento. Com seus erros e acertos, a imprensa pode se orgulhar de ter contribuído para isso”, afirmou. Mayana Zatz concordou com o diagnóstico de Cristiane. Explicou que levou ao plenário do STF pacientes que esperam beneficiar-se de tratamentos criados a partir de células-tronco embrionárias. Mas ressaltou que todos eles sabem do estágio ainda inicial das pesquisas. “Eles sabem que não há tratamentos, mas tentativas terapêuticas com célulastronco adultas, não as embrionárias”, disse a geneticista. “Não se sabe se um dia as células-tronco embrionárias resultarão em tratamentos, mas se aposta que a pesquisa poderá resultar em avanços do conhecimento, cujo impacto hoje nem sequer podemos imaginar”, afirmou Mayana. ■

Cristiane Segatto: “A imprensa pode ter cometido excessos, mas contribuiu para a educação da sociedade”

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O SUMO DA CANA

GENÔMICA

Simpósio internacional discute rumos da pesquisa canavieira no Brasil

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produto máximo da cana-deaçúcar ainda está por vir. São os desdobramentos do projeto conhecido como Genoma Cana, financiado em parte pela FAPESP, que catalogou os genes ativos da cana-deaçúcar. Para dar os próximos passos com segurança, a geneticista MarieAnne Van Sluys, da Universidade de São Paulo (USP), organizou uma reunião entre pesquisadores brasileiros e internacionais no Workshop de Genômica da Cana, realizado na FAPESP nos dias 4 e 5 de agosto. Parte dos convidados são pesquisadores dos Estados Unidos e da França com experiência em projetos genômicos de outras gramíneas, família que inclui a cana, o sorgo, o milho e o arroz. “Os erros e os acertos desses projetos nos ajudarão a avançar mais depressa”, explica Marie-Anne. A história da cana-de-açúcar é longa e deu origem a um genoma complexo. Já na Antiguidade os asiáticos mastigavam as hastes doces da espécie Saccharum officinarum. Mas quando a população aumentou e chegou a era da agricultura em ampla escala foi preciso tornar mais eficiente a produção do caldo doce. A solução foi cruzar a espécie original com uma mais resistente a doenças, pragas e condições climáticas adversas: Saccharum spontaneum. Em seguida, ao longo dos séculos os agricultores selecionaram plantas mais resistentes e que produziam mais açúcar, dando origem à planta que desde o século XVI é importante para a economia brasileira. O genoma reflete essa história de cruzamentos e seleção de características: há cerca de dez cópias de cada gene, em vez do par que caracteriza a maior parte dos animais. Entre as várias cópias dos genes estão os elementos de transposição, trechos de DNA que se duplicam e mudam de lugar no genoma. O grupo de Marie-Anne vem seguindo esses fragmentos errantes de DNA, até recentemente considerados nocivos ao organismo. A equipe da USP seqüenciou todos os elementos de transposição encontrados e verificou que alguns deles existem também no arroz, que há 50 milhões de anos segue uma trajetória evolutiva independente da cana. “Isso significa que são antigos na evolução das gramíneas, portanto não devem ser

nocivos”, conclui a geneticista. Outro indício de que os elementos de transposição têm participação benéfica na biologia da planta é que são, em muitos casos, tão ativos quanto os demais genes. O grupo continua em busca de descrever essas funções. Ciência aplicada - Conhecer em de-

talhe o genoma da cana não é mera curiosidade. A cada ano, o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) testa 1 milhão de mudas em busca de plantas mais produtivas do que as existentes. É um processo lento: demora 12 anos para que, desse imenso canavial, surjam duas ou três variedades promissoras. A pesquisa genômica agiliza essa busca ao fornecer listas de genes ativos da cana-de-açúcar – os mapas funcionais, que podem ajudar a reduzir à me-

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que fazer seu próprio mapa para a variedade que estuda.” Para facilitar o trabalho, ela e Garcia publicaram no ano passado um programa de computador para construção de mapas genéticos que também já foi usado para outras plantas como o maracujá e a laranja. Para Anete, reunir-se com pesquisadores internacionais com experiência em outros sistemas é uma oportunidade de delinear estratégias para continuar o seqüenciamento do genoma da cana, além de abrir caminhos para estabelecer colaborações com aqueles que usam tecnologias ainda não completamente conhecidas ou disponíveis no Brasil. Com experiência no genoma do sorgo, o geneticista Andrew Paterson, da Universidade Cornell, nos Estados Unidos, afirma que seu trabalho pode ser útil para pesquisas em cana.

“A grande vantagem do sorgo é que não passou pelas duplicações do genoma e por hibridização, como a cana, por isso tem um genoma muito mais simples”, explica. Isso faz com que o genoma do sorgo ainda tenha uma organização mais próxima à de seu ancestral, enquanto a cana sofreu embaralhamentos causados pelas duplicações e pelos elementos de transposição. Projetos não faltam entre os pesquisadores brasileiros envolvidos nas pesquisas canavieiras, que contam com financiamento dentro do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (Bioen), lançado em julho. Mas, para levar a cabo uma tarefa de tal monta, a melhor estratégia é mesmo reunir esforços e mentes. ■

Maria Guimarães EDUARDO CESAR

tade o número de clones analisados pelo CTC. Um grande avanço nessa área vem da parceria entre os geneticistas Anete Pereira de Souza, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e Antonio Augusto Franco Garcia, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, que no ano passado publicaram na revista Molecular Breeding o primeiro mapa funcional da cana-de-açúcar. Eles descreveram mais 400 marcadores genéticos funcionais, em artigo em processo de publicação. São partes do DNA responsáveis por produção de sacarose, resistência a doenças e outras características essenciais para o valor econômico das plantas. “Estamos fornecendo essas informações para toda a comunidade mundial que trabalha com cana-deaçúcar”, conta Anete. “Cada grupo terá

Extraindo o caldo: pesquisa genômica revela as riquezas da cana-de-açúcar

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GEOGRAFIA

As primeiras

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águas de um rio A busca da nascente revela as peculiaridades do rio Amazonas, agora o mais longo do mundo Carlos Fioravanti | fotos Oton Barros

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Jardins inundados: ilhotas de matéria orgânica nos trechos iniciais do Amazonas, na cordilheira dos Andes

m algumas semanas, Paulo Roberto Martini contará a outros geólogos em um congresso na capital de Cuba, Havana, como ele e sua equipe do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) concluíram que o rio Amazonas pode ser o mais extenso do mundo. Por meio de imagens de satélite e levantamentos de campo, verificaram que ele deve ter exatos 6.992 quilômetros, 140 a mais que o Nilo, durante séculos considerado o mais longo. Martini provavelmente ouvirá sugestões de ajustes nas medidas, mas dificilmente terá tempo para apresentar as outras descobertas sobre o modo de funcionamento de um rio de muitas personalidades, ora ágil e impetuoso, ora lento e sereno. Um rio quase sempre exagerado: nasce como um fio de água que escorre em meio de rochas a 5.500 metros de altitude em um ponto próximo de uma montanha conhecida como o nevado Mismi, nos Andes peruanos, forma cachoeiras monumentais e acolhe águas turvas, cristalinas e escuras de outros 7 mil rios. É eixo de uma bacia hidrográfica do tamanho de dois Méxicos, que despeja no Atlântico 3 milhões de toneladas de sedimentos por dia, como se corroesse e carregasse em quase um mês um morro como o Pão de Açúcar, a rocha mais famosa do Rio de Janeiro. “O Amazonas é mais do que um rio”, pensa Martini, que aprendeu com sua equipe a entender e admirar o rio enquanto procuravam a nascente.

“É um monumento vivo, um agente planetário.” Por enquanto o rio que aparentemente não fala pode apenas insinuar o que pretende. Ao buscar a trajetória mais longa possível para as águas do Amazonas e do Nilo com base no mesmo banco de imagens de dois satélites, o sino-brasileiro Cbers e o norte-americano Landsat, Martini notou que a possível nascente do Amazonas encontra-se a menos de 250 quilômetros do Pacífico, como se pretendesse unir os dois oceanos e rasgar a América do Sul. As primeiras águas já começam a entalhar as rochas íngremes mal descem dos Andes como neve derretida. Seguem suaves nos primeiros 100 quilômetros cortando planícies andinas quase desérticas com os nomes de Lloqueta e Ene. Mais adiante formam um riozinho que encorpa, parece acordar e, com o nome de Tambo, torna-se um rio de corredeiras que desabam afoitas do alto da montanha. Prossegue agora sinuoso com o nome de Apurimac, caindo por mais 150 quilômetros de cascatas e cachoeiras. “O volume de sedimentos retirados dos Andes e depositados na bacia amazônica faz desta garganta uma das mais erodidas do planeta”, conta Martini. O rio então se infiltra e serpenteia pelas terras baixas tomadas pela Floresta Amazônica, já com o nome de Ucayali, mais e mais caudaloso à medida que ganha as águas de outros rios. Em Amazonas – Águas, pássaros, seres e milagres, o poeta Thiago de Mello apresenta essa PESQUISA FAPESP 150 AGOSTO DE 2008 ■

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Entre um precipício e uma lagoa: o Amazonas se formando a 5.200 metros de altitude

imensa planície verde, “ramificada em milhares de caminhos líquidos”, como um “mágico labirinto que de si mesmo se recria incessante”. O Amazonas, para ele, é a pátria da água. Eis finalmente o Amazonas que conhecemos: gordo, sonolento, envolvente. O agora convertido em rio de planície escapa de um imenso lago do Ucayali e segue a leste, entrando no Brasil com outro nome, Solimões, que vale por mais 1.700 quilômetros, até as águas barrentas se entenderem com as águas cor de coca-cola do rio Negro, após uma longa negociação que começa em Manaus; sai daí, finalmente, o Amazonas. O rio calmo é ainda inquietante, porque sua habilidade de deslizar em um terreno tão plano a uma velocidade de 6 quilômetros por hora a partir de Tabatinga, a primeira cidade brasileira de seu percurso, intrigou a equipe do Inpe por muito tempo. “Pelo tamanho dele, deveria ser muito mais lento”, diz Martini, que talvez tenha encontrado uma explicação depois de muita conversa com Valdete Duarte, Egídio Arai, Janari de Moraes e Oton Barros, para citar apenas os colegas mais próximos. São os estreitos, eles concluíram, que controlam o rio e o fazem andar rápido. Logo depois de Tabatinga, a 74

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distância entre as margens do rio é de 2,2 quilômetros. Pouco depois, em dez minutos de barco, o rio se alarga e a largura entre as margens passa a 12 quilômetros. Mais adiante, outro estreito, em São Paulo de Olivença, a três horas de barco, com 2,5 quilômetros de largura, depois vêm outro e mais outro, entremeados por áreas mais largas até o último estreito, em Óbidos, no Pará, com apenas 1.800 metros entre as margens, que comprimem um volume impressionante de água, 200 mil metros cúbicos por segundo, o suficiente para encher a Baía de Guanabara em três minutos e meio. Sob as ordens dos Andes – “O rio

se estreita e se espraia, acelerando ou represando as águas, como se cada segmento dele próprio fosse uma bacia hidrográfica”, comenta Martini. Formados por rochas elevadas, os estreitos que definiram o trajeto do rio funcionam como as válvulas das veias que controlam o fluxo do sangue no corpo humano. Possivelmente foi na época em que se formaram as bases geológicas desses estreitos, há cerca de 6 milhões de anos, que o rio inverteu seu trajeto, outrora rumo ao Pacífico, e embicou para o Atlântico, cedendo às novas ordens

dos Andes que haviam recomeçado a crescer e mudaram o trajeto de muitos outros rios sul-americanos. Mesmo no Brasil o Amazonas não deixa de ser um rio andino, rico em sedimentos trazidos das montanhas do leste até encontrar as águas do Xingu, no Pará, já próximo da foz. Nos arredores do arquipélago de Marajó, formado pelos sedimentos do Amazonas, parte da terra dos Andes cessa a longa jornada, mergulha no Atlântico e pressiona a matéria orgânica de origem marinha que em alguns milhões de anos podem se transformar em petróleo. Se caírem nas correntes marinhas, os sedimentos mais finos do que areia podem chegar ao litoral do Suriname, a 2 mil quilômetros da foz, e fertilizar plantações de arroz. Nos meses de cheia, quando as águas sobem em média 18 metros, o Amazonas invade a floresta, faz as madeiras apodrecerem e libera uma quantidade colossal de gás carbônico, um dos responsáveis pelo aquecimento global. “Parte do carbono que falta pode estar sendo gerada nas várzeas durante as cheias do Amazonas”, diz Martini, com base em estudos da Nasa que indicam que a cada ano as cheias do Amazonas geram 6 gigatoneladas de gás carbônico, o equivalente a 60 milhões de elefantes

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mortos deixados a céu aberto. Em outro fenômeno próprio deste rio, a água das cheias deslocando-se ao longo da calha infiltra-se pelos canais subterrâneos e faz quilômetros de terras próximas às margens afundar quase 8 centímetros, de tão encharcadas, de acordo com medições realizadas nos arredores de Manaus. Mesmo as rochas que formam o leito cedem sob o peso da água. De Nova York a Roma – Antes de ser candidato a rio mais extenso do mundo, que se colocado em linha reta iria da cidade de Nova York a Roma, o Amazonas já era o rio de maior vazão de água que, somado com os afluentes, contém 20% de toda a água doce da Terra. É tanta água que, estando lá no meio, não conseguimos ver as margens. “As águas do Amazonas sobem no horizonte, e a gente afunda, como se estivesse no mar”, conta Martini, hoje com 60 anos, que viu o rio pela primeira vez quando tinha 22 anos, de um cais de Belém, quando ainda estava no terceiro ano do curso de geologia. Achou que era o mar. Mas como não se deixar iludir por um rio cujas margens desaparecem, a 10 quilômetros uma da outra? Só há 15 anos é que Martini decidiu sair em busca da nascente do Amazonas.

Ele e os colegas do Inpe também desconfiavam que o ponto de partida do rio não estava no norte, mas no sul do Peru. A análise das imagens de satélite avançou a ponto de indicar em 1995 que o Amazonas seria, sim, o mais extenso, com 7.100 quilômetros, pouco mais de 100 quilômetros a mais que a medição atual, mas depois entrou em um ritmo mais lento, por falta de tempo, gente, dinheiro, equipamentos ou informação. Há dois anos as circunstâncias começaram a se tornar novamente favoráveis. Foi quando o grupo do Inpe conheceu um arquivo de imagens da Nasa chamado Geocover, que ajuda a analisar e a corrigir imagens de satélite e seria usado para mapear áreas desmatadas da Amazônia em conjunto com pesquisadores de instituições peruanas. Martini voltou então a se entender com o rio e, em maio do ano passado, recebeu o convite para participar de uma expedição à nascente do Amazonas, organizada pelos produtores de programas de TV Paula Saldanha e Roberto Werneck, que visitaram as primeiras águas do Ucayali em 1994 e pretendiam voltar, agora em uma expedição formal, com representantes do Inpe, da Agência Nacional das Águas (Ana), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do

Instituto Geográfico Nacional (IGN) do Peru. Martini tinha assumido outro compromisso que impedia sua participação, lembrou que subir os Andes era perigoso (Janari de Moraes, alpinista experiente, havia morrido meses antes enquanto percorria uma trilha inca nos Andes peruanos) e, mesmo apaixonado pelo rio, desistiu. Duas semanas depois, quem embarcou para o Peru no lugar de Martini foi outro integrante da equipe, Oton Barros, engenheiro agrônomo de 42 anos e esportista amador que percorre 50 quilômetros de bicicleta sempre que pode. Por ter vivido em Manaus dos 9 aos 21 anos e percorrido a Amazônia, sempre quis ver onde o Amazonas nascia. Mas o que sentiu no alto dos Andes, em sua primeira aventura como alpinista, em vez do encanto que esperava, foi um enjôo permanente e uma leve ressaca por causa da altitude e por ter comido muito pouco nos três dias subindo até lá: a maioria dos quase 20 integrantes do grupo já havia tido diarréia, por terem estranhado a alimentação nas montanhas, com molhos à base de creme de leite. Estava tenso e cansado sob o frio e o vento forte. “É um lugar inóspito, que inspira respeito e medo”, descreve Barros. Por causa do ar pobre em oxigênio, sentia o cérebro funcionando em câmera lenta. A expedição ajudou a estabelecer o consenso entre os especialistas do Brasil e do Peru de que o rio Amazonas nasce nas vertentes do rio Ucayali. O ponto exato de que partem as águas do maior curso de água do mundo talvez ainda custe a ser fixado. “É muito difícil definir qual a água principal, já que a água escorre de tudo que é lado e só vai virar um riozinho três quilômetros abaixo”, conta Barros. Os peruanos já estabeleceram por lei que a nascente encontrase em uma quebrada chamada Carhuasanta, um vale em forma de U com uma base de 300 metros. Barros e a equipe do Inpe ainda analisam a possibilidade de a nascente estar em outra quebrada, a Apacheta, a um quilômetro de distância, com uma área maior de captação de água e turfas e liquens que armazenam água o ano inteiro. Dilema difícil: acima da Carhuasanta ergue-se o nevado Mismi, uma montanha sagrada para os peruanos desde os tempos em que os incas viviam por lá. ■ PESQUISA FAPESP 150 AGOSTO DE 2008 ■

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Biblioteca de Revistas Científicas disponível na internet www.scielo.org

Notícias ■

Ensino médico

de Janeiro, e Philippe Michelon, da Université d’Avignon et des Pays de Vaucluse, apresenta o desenvolvimento de uma metodologia de planejamento logístico para prevenção e combate à dengue, baseada em sistemas Geográficos de Informação e sistemas de Apoio a Decisão com modelos incorporados de otimização. É apresentada também uma ferramenta computacional, baseada em web, desktops e palms e poquets, capaz de aplicar tal metodologia. Estudos e testes piloto, nas cidades de Sobral e Fortaleza, no Ceará, foram realizados. Os resultados dessa aplicação computacional forneceram, após os testes, uma melhor visualização da dimensão do problema de coordenação do combate para os gestores da dengue, ou seja, alcançaram êxito pleno nesses experimentos pioneiros.

Angústia de estudante O artigo “A angústia na formação do estudante de medicina”, de Alberto Manuel Quintana, Arnaldo Teixeira Rodrigues, Dorian Mônica Arpini, Luis Augusto Bassi, Patrícia da Silva Cecim, da Universidade Federal de Santa Maria, e Maúcha Sifuentes dos Santos, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, objetivou conhecer as situações que se apresentam ao estudante de medicina como angustiantes durante a sua formação e os fatores que ele identifica como originários desse sentimento. Foi empregada uma abordagem etnográfica, utilizando-se entrevistas semi-estruturadas, observação e grupos de discussão. Os dados foram analisados por meio de análise de conteúdo. Os alunos identificaram a dissociação entre o ciclo básico e o profissionalizante como responsável pela angústia suscitada em face do primeiro contato com o paciente, além de apresentarem estresse psicológico por terem que trabalhar com a dor e o sofrimento. Os discentes identificaram também como fator estressante o fato de que sua aprendizagem implica a utilização de outro ser humano. Além disso, em algumas situações, a dificuldade de relacionamento com os professores é apontada como geradora de angústia.

Pesquisa Operacional – v. 28 – nº 1 – Rio de Janeiro – jan./abr. 2008

Motivação para escrever O trabalho “Por que publicar?”, de Fabio Rubio Scarano, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, opina acerca das motivações de autores e periódicos para publicar. Motivações pessoais e institucionais são listadas e discutidas e, em relação às ciências da biodiversidade, é proposto que uma motivação nacionalista é também pertinente em países ricos em biodiversidade como o Brasil. A combinação de curiosidade e competitividade leva ao alcance de melhores resultados. Finalmente, são discutidas originalidade e inovação sob uma perspectiva pós-moderna, e como o mero ato da redação científica pode ser o início de revoluções tanto científicas quanto sociais.

Revista Brasileira de Educação Médica – v. 32 – nº 1 – Rio de Janeiro – jan./mar. 2008

Gestão em saúde

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EDUARDO CESAR

Combate à dengue O uso do conhecimento da ciência moderna no sentido de aprimorar os esforços de combate a doenças transmitidas por animais, denominadas zoonoses, em regiões tropicais é uma preocupação considerada de grande relevância pelos gestores da Organização Mundial da Saúde (OMS). O artigo “Integração de sistemas computacionais e modelos logísticos de otimização para prevenção e combate à dengue”, de Marcos José Negreiros, Airton Fontenele Sampaio Xavier, José Wellington de Oliveira Lima, da Universidade Estadual do Ceará, Adilson Elias Xavier e Nelson Maculan, da Universidade Federal do Rio

Produção científica

Revista Brasileira de Botânica – v. 31 – nº 1 – São Paulo – jan./mar. 2008

Administração

Benefícios da TI A tecnologia de informação (TI) é um dos componentes mais importantes do ambiente empresarial atual, oferecendo grandes oportunidades para as empresas que têm sucesso no aproveitamento de seus benefícios. O estudo “Benefícios do uso de tecnologia de informação para o desempenho empresarial”, de Alberto Luiz Albertin e Rosa Maria de Moura Albertin, da Fundação Getúlio Vargas/ Escola de Administração

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Revista de Administração Pública – v. 42 – nº 2 – Rio de Janeiro – mar./abr. 2008

Oftalmologia

De olho nas informações Os objetivos do estudo “Nomenclatura anatômica em oftalmologia”, de Ricardo Lamy e Adalmir Morterá Dantas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é informar os oftalmologistas sobre as diferenças existentes entre as listas em língua inglesa e portuguesa de termos equivalentes para as estruturas do olho, ambas aprovadas pela Comissão Federativa Internacional de Terminologia Anatômica. Também visa apresentar os termos anatômicos incluídos na lista de descritores publicada pela Biblioteca Nacional de Medicina Norte-Americana e propor uma lista de termos de uso comum pelos oftalmologistas. Arquivos Brasileiros de Oftalmologia – v. 71 – nº 3 – São Paulo – maio/jun. 2008

dade com relação à qualidade e segurança do atendimento da necessidade de eletricidade com a redução dos danos ambientais decorrentes do consumo de energia. O artigo “O aproveitamento da energia eólica”, de F.R. Martins, R.A. Guarnieri e E.B. Pereira, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), apresenta uma revisão dos conceitos físicos relacionados ao emprego da energia cinética dos ventos na geração de eletricidade. Inicialmente, o estudo descreve a evolução do aproveitamento da energia eólica, incluindo dados e informações sobre a situação atual do uso desse recurso para geração de energia elétrica. A modelagem e a previsão dos ventos são discutidas apresentando os principais resultados obtidos com as metodologias empregadas no Brasil. Os aspectos relacionados à estimativa e previsão da potência eólica são abordados ressaltando a importância de uma base de dados de vento de qualidade para a determinação da confiabilidade dos resultados fornecidos pelos modelos numéricos.

DIVULGAÇÃO

de Empresas de São Paulo, apresenta as dimensões do uso de TI e a relação entre os benefícios oferecidos pelo seu uso e o desempenho empresarial. A metodologia utilizada é o estudo de caso numa empresa líder de seu setor, com investimento significativo em TI e que, a partir do estudo, passou a utilizar tal instrumento para a avaliação e acompanhamento dos gastos e investimentos nessa tecnologia.

Revista Brasileira de Ensino de Física – v. 30 – nº 1 – São Paulo – 2008

Economia

Emprego de jovens ■

Antropologia

Reavaliação de Freyre Após um longo período, durante o qual sua obra foi negligenciada ou desprezada pela academia brasileira e admirada principalmente por não-brasileiros com pouco conhecimento sobre o Brasil, uma reavaliação das idéias e do estilo de Gilberto Freyre teve início durante a década de 1990, separando o caráter incisivo de algumas de suas idéias do caráter superficial de outras e tentando distinguir fatos de mitos criados sobre ele. O estudo “Gilberto Freyre: a reavaliação prossegue”, de David Lehmann, da Universidade de Cambridge, Reino Unido, descobre a heterogeneidade da leitura do jovem Freyre, que pode explicar por que ele desconcertou seus leitores por tanto tempo, já que era difícil colocar um simples rótulo nesse indivíduo que era claramente anti-racista, embora também conservador. Horizontes Antropológicos – v. 14 – nº 29 – Porto Alegre – jan./jun. 2008

Energia

Poder dos ventos Diversos estudos realizados nos últimos anos têm apontado as implicações e impactos socioambientais do consumo de energia. As fontes renováveis são apresentadas como a principal alternativa para atender as demandas da socie-

Após a estabilização da inflação com o Plano Real em 1994, a taxa de desemprego dos jovens no Brasil aumentou significativamente em relação aos adultos. De acordo com o argumento proposto no artigo “Desemprego dos jovens no Brasil: os efeitos da estabilização da inflação em um mercado de trabalho com escassez de informação”, de Mauricio Cortez Reis e José Márcio Camargo, da Fundação Getúlio Vargas, a maior rigidez salarial provocada pela estabilização da inflação e o elevado grau de incerteza dos empregadores sobre a produtividade dos trabalhadores mais jovens foram importantes para explicar esse resultado. Como parte das informações sobre a produtividade é revelada com a experiência no mercado de trabalho, a estabilização deve ter limitado a capacidade das firmas de ajustarem o salário real à medida que adquirem mais informações sobre os trabalhadores jovens. Com isso, os ajustes nas situações em que a produtividade do trabalhador se revela inferior ao salário real passam a ser feitos através do emprego. Usando dados da PNAD para o período de 1981 a 2002 são encontradas evidências consistentes com esse argumento, já que reduções na taxa de inflação parecem ter aumentado o desemprego e reduzido a duração média do emprego de todos os grupos etários, mas de maneira mais acentuada para os trabalhadores jovens. Revista Brasileira de Economia – v. 61 – nº 4 – Rio de Janeiro – out./dez. 2007

> O link para a íntegra dos artigos citados nestas páginas estão disponíveis no site de Pesquisa FAPESP, www.revistapesquisa.fapesp.br

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LINHA DE PRODUÇÃO MUNDO

transformar no mais novo aliado das autoridades de vários países em operações as mais variadas, como na busca por sobreviventes em escombros de terremotos, na supervisão do tráfico de drogas ou na investigação

de terrenos contaminados por agentes químicos. A novidade do aparelho é que ele será alimentado por meio de uma célula a combustível, equipamento

muito leve de apenas 30 gramas e com potência de 12 watts, que gera energia elétrica a partir do hidrogênio. Para conseguir criar um artefato tão LAURABEATRIZ

MIGUEL BOYAYAN

nas janelas Pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, criaram um sistema de energia solar que deve baratear a produção de eletricidade num ambiente residencial. No lugar das placas coletoras no telhado, que encarecem o sistema, a captação de energia será feita pelas janelas do imóvel. Para isso, os pesquisadores propõem o emprego de um concentrador formado por uma cobertura de tintas especiais sobre o vidro para absorver a energia. As moléculas da tinta absorvem a luz solar e a reenviam em forma de diferentes ondas eletromagnéticas para células solares instaladas na estrutura lateral da janela onde fica também um pequeno dispositivo semicondutor que produz a eletricidade. De acordo com os autores da pesquisa, liderada pelo engenheiro Marc Baldo, o concentrador é capaz de gerar dez vezes mais energia elétrica que os equipamentos tradicionais. Para transformar o conhecimento em produto, os pesquisadores criaram a empresa Covalent Solar.

A bactéria Escherichia coli pode se tornar uma fiel transformadora de glicerina, um subproduto da fabricação do biodiesel, em etanol ou em formiato e succinato, substâncias químicas usadas na indústria. A descoberta é de pesquisadores da Universidade Rice, nos Estados Unidos, e deve resolver um problema dos produtores norte-americanos e brasileiros (leia em Pesquisa FAPESP n° 149), ocasionado pelo excesso de glicerina, também usada na indústria química mas já com o mercado saturado. Os pesquisadores liderados pelo professor Ramón González desenvolveram um novo processo de fermentação que usa a bactéria para produzir etanol mais barato que o extraído do Glicerina do biodiesel: aproveitar o excesso milho, nos Estados Unidos, além de outros produtos químicos. Os trabalhos científicos > Helicópteros estão nas revistas Current Opinion Biotechnology e Metabomultimissão lic Engineering e a tecnologia já está licenciada para a Glycos Biotechnologies, uma nova empresa que tem González e o Um pequeno helicóptero pesquisador Syed Yazdani como sócios. As pesquisas foram financiadas pelo Departamento de Agricultura dos Estados não tripulado, de apenas Unidos e pela Fundação Nacional de Ciência (NSF). 20 centímetros, deverá se

MERCADO SATURADO

> Coletores

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o resistente O material mais resistente já estudado é o grafeno. Esse é o resultado a que chegaram os pesquisadores da Escola de Engenharia e Ciência Aplicada (Seas, na sigla em inglês) da Universidade Colúmbia, nos Estados Unidos. O grupo de pesquisadores liderados por Changgu Lee demonstrou que esse material é 200 vezes mais duro que o aço. O grafeno é formado por um fino filme de átomos de carbono arranjado em forma hexagonal e similar a uma colméia. Ele tem

METAIS EM NANOESTRUTURAS

> Grafeno,

Uma nova forma de moldar metais numa escala de nanômetros, igual a um milímetro dividido por 1 milhão de vezes, foi desenvolvida por pesquisadores da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos. Eles criaram um método para “automontar” materiais metálicos em configurações complexas com detalhes estruturais cerca de 100 vezes menores do que uma bactéria. Nanoporos na estrutura de platina Durante o processo, eles utilizam recursos duas dimensões e pode da nanometalurgia para guiar metais para a forma desejada ser enrolado como um usando polímeros. As aplicações da nova técnica incluem a fananotubo, e todos os bricação de catalisadores, substâncias para acelerar reações átomos estão expostos na químicas, mais eficientes e baratos para células a combustível superfície em contato (aparelho que transforma hidrogênio em eletricidade), além com outras substâncias. de servir na construção de delicadas estruturas metálicas Os pesquisadores mostraram sobre superfícies capazes de transportar mais informações em microscópios de força no interior de microchips. A “automontagem” começa com o atômica o que se estimava recobrimento de nanopartículas metálicas de cerca de 2 naem modelos teóricos. nômetros (entre 10 e 20 átomos de diâmetro) por um material Assim, eles abrem caminho orgânico conhecido como ligante. Em seguida, os átomos de para uma maior aceitação metal são dissolvidos em uma solução contendo polímeros em estruturas feitas de duas longas cadeias diferentes de do grafeno na fabricação de nanoartefatos ou moléculas conectadas entre si. O material é aquecido a aplicados em materiais altas temperaturas para conversão dos polímeros em uma para deixá-los mais armação de carbono, que é resfriada em seguida. O suporte robustos e resistentes de carbono é, por fim, lixiviado (lavado) com ácido, deixando à oxidação e à fadiga. intacta a estrutura de metal sólido.

É difícil imaginar, mas os teclados de comTECLADO SEM putadores podem “esconder” cerca de 10 BACTÉRIAS milhões de microorganismos, número 400 vezes maior do que a média encontrada em assentos sanitários. Um equipamento com esse nível de contaminação se torna um problema dentro de um hospital. Para reduzir contaminações em instituições de saúde, a fabricante norte-americana Seal Shield lançou uma família de teclados com proteção antimicrobiana e uso de nanotecnologia. Seus principais diferenciais são a resistência à água, o que permite a lavagem, e a presença de uma camada protetora antibacteriana à base de prata. Segundo a Seal Shield, o metal é integrado ao plástico criando uma solução antimicrobiana inorgânica, segura e efetiva, capaz de oferecer proteção contra vários microorganismos, como o superbug MRSA (sigla em inglês para estafilococo áureo resistente à meticilina), que apresenta elevada resistência a antibióticos.

SEAL SHIELD

SCOTT WARREN & ULI WIESNER/UNIVERSIDADE DE CORNELL

pequeno, cientistas da Universidade Técnica de Berlim, em conjunto com colegas do Instituto Fraunhofer, da mesma cidade, substituíram as placas de metal geralmente usadas no desenvolvimento de células a combustível por lâminas de plástico extremamente finas. O próximo desafio do grupo é ajustar a produção de hidrogênio às necessidades energéticas de cada situação de vôo.

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Transpor as fases da colheita de cana-deaçúcar e da produção de etanol, o álcool combustível, para uma competição com pequenos robôs foi o desafio proposto pela 19ª edição da Competição de Design Internacional (IDC na sigla em inglês), a Robocon’08. Realizado em julho na Robôs simulam o corte da cana com tubos verdes e transportam álcool em tanques de metal Escola Politécnica da USP, o evento reuniu > Proteção Estadual Paulista (Unesp) estudantes de engenharia de seis países – Estados Unidos, em Araraquara e pela Japão, Coréia, Tailândia, França e Brasil – vindos de universihospitalar dades como Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) Universidade Federal O selo de proteção de São Carlos (UFSCar), e Instituto de Tecnologia de Tóquio (Titech), do Japão. As equipes foram formadas obrigatoriamente com estudantes de antimicrobiana NanoxClean, com apoio da FAPESP. diferentes nacionalidades. Eles tinham a missão de construir e fruto de nanotecnologia desenvolvida pela empresa levar os robôs a cortar a cana, identificada por pequenos tubos Nanox, de São Carlos, no > Olimpíada verdes, levar o material para a usina e transportar tonéis de álcool até um barco localizado num porto simulado. Além da interior paulista, será da inovação capacidade técnica demonstrada na construção e operação utilizado pela linha hospitalar dos robôs, o IDC contribui na formação de engenheiros gloAproveitando o clima de da Marcatto Fortinox, Olimpíada, a Universidade fabricante de mais de 40 bais, que possam trabalhar em equipes com pessoas de vários de São Paulo (USP) países. Essa foi a segunda competição realizada no Brasil, a produtos de aço inoxidável, anterior aconteceu em 1998. também criou a sua como bandejas, bacias, cubas

e estojos, entre outros. A função bactericida é propiciada pela incorporação de nanopartículas de dióxido de titânio, depositadas nos materiais em forma de uma camada fina e transparente. Os produtos que recebem a nanotecnologia são certificados por laboratórios credenciados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que seguem normas internacionais. A tecnologia foi desenvolvida pela empresa em parceria com o Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos, formado pela Universidade 80

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competição interna. Mas nada de esportes, o tema é inovação. Até 5 de setembro, toda a comunidade USP, formada por cerca de 80 mil alunos, 5,3 mil professores e 15 mil funcionários, pode apresentar à Agência USP de

Inovação projetos de planos de produtos que possam interessar a uma empresa. “Queremos incentivar a colaboração entre a academia e o mercado”, diz o professor

EDUARDO CESAR

LINHA DE PRODUÇÃO BRASIL

ROBÔS CANAVIEIROS

>>

José Antônio Siqueira, da Escola Politécnica e coordenador da Olimpíada USP de Inovação. “Muito conhecimento é gerado na universidade e nós queremos

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USINA BAIANA

ROGÉRIO REIS/PETROBRAS

torná-lo disponível para a sociedade.” Os projetos podem ser inscritos em sete áreas: saúde, agronegócio, tecnologias sociais e ambientais, tecnologia de processos industriais, tecnologia de equipamentos domésticos, biotecnologia e tecnologias da informação e comunicação. Em cada área serão ofertados aos primeiros colocados R$ 5 mil, R$ 2 mil e R$ 1 mil. Entre todos os premiados, um será escolhido para ganhar um automóvel Prisma, da General Motors, um dos patrocinadores. Mais informações no site: www. inovacao.usp.br/olimpiada.

> Argamassa feita

Reator de produção de biodiesel

de resíduos

LAURABEATRIZ

de Tecnologia Mineral (Cetem), com recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). O Cetem desenvolveu o processo de separação dos resíduos da água, captando-os em tanques, o que permite o acúmulo do pó fino para utilização posterior.

de um acordo assinado entre a empresa e o Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (Nipe) da Unicamp, que vai estudar e implementar as inovações na moto.

> Moto na tomada Causou surpresa a apresentação de uma motoneta elétrica na Universidade Estadual de Campinas, em julho, capaz de gastar apenas R$ 0,01 por quilômetro (km) rodado com autonomia para 50 km. A moto é da CPFL Energia e vai passar por modificações que aumentem a autonomia para 150 km e a façam gastar apenas duas horas na recarga contra quatro da versão atual. Ela faz parte

THIAGO ROMERO/AG.FAPESP

A água utilizada no corte das rochas ornamentais no município de Santo Antônio de Pádua, no Rio de Janeiro, está sendo reaproveitada no processo de produção e o pó residual transforma-se em 20 mil toneladas de argamassa por mês na fábrica Argamil, do Grupo Mil, inaugurada em junho. A tecnologia foi desenvolvida por meio de uma parceria entre o Instituto Nacional de Tecnologia (INT) e o Centro

A usina de biodiesel de Candeias, na Bahia, da Petrobras, com capacidade para produzir 57 milhões de litros de bicombustível por ano e beneficiar a agricultura familiar da região, entrou em operação no final de julho. Até agora estão cadastrados 28.922 agricultores de 215 municípios da Bahia e 49 de Sergipe para o fornecimento de oleaginosas. A estimativa é que os agricultores possam colher e fornecer à empresa, ainda este ano, 48 mil toneladas de grãos, dos quais 30 mil toneladas de mamona e 18 mil de girassol. Para garantir maior produtividade, a Petrobras forneceu para os agricultores 205 toneladas de sementes de mamona e girassol certificadas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). A empresa também está comprando óleos e gorduras residuais provenientes dos processos de fritura de alimentos.

Silenciosa, não poluente e autonomia futura de 150 km

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TECNOLOGIA

QUÍMICA

A rota inversa da reciclagem Garrafas plásticas descartadas transformam-se em matérias-primas derivadas de petróleo Dinorah Ereno

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Símbolo da poluição: garrafas PET gigantes nas margens do rio Tietê, em São Paulo, na arte de Eduardo Srur

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U

m retrato do desperdício no Brasil descortina-se na análise do lixo produzido em Indaiatuba, cidade de 175 mil habitantes na região de Campinas, feita durante um ano por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Sorocaba, no interior de São Paulo. O levantamento revela que cerca de 90% dos resíduos poderiam ser utilizados e reciclados e apenas 10% das 135 toneladas de lixo produzidas diariamente, como fraldas descartáveis, lixo de banheiro, pilhas e outros materiais capazes de causar contaminação, teriam obrigatoriamente como destino o aterro sanitário. O estudo, publicado em dezembro de 2007 na revista Waste Management & Research, periódico oficial da Associação Internacional de Resíduos Sólidos, é parte de um projeto de desenvolvimento de processos alternativos de reciclagem de embalagens plásticas feitas a partir de poli (tereftalato de etileno), o conhecido PET das garrafas de refrigerante, água mineral e óleo de cozinha, coordenado pelo professor Sandro Mancini, da Engenharia Ambiental da Unesp Sorocaba, com financiamento da FAPESP. Três processos de reciclagem de plástico estudados pelo grupo de Mancini apresentaram resultados alentadores. Um deles propõe uma rota inovadora para a obtenção do ácido tereftálico – um dos reagentes importados utilizados na produção do PET – a partir de garrafas plásticas usadas e descartadas, uma matéria-prima barata e abundante. Dados da Associação Brasileira das Indústrias Químicas mostram que em 2007 o Brasil importou 347.057 toneladas desse ácido, no valor de US$ 337,8 milhões. Tema da tese de doutorado de Mancini na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) sob orientação da professora Maria Zanin, que resultou em um depósito de patente, essa rota, um tipo de reciclagem química, foi combinada à reciclagem mecânica do PET, composta por moagem, 83

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SANDRO MANCINI/UNESP

lavagem, secagem e reprocessamento. Durante o processo de lavagem com água foi adicionada soda cáustica. Na reciclagem química, o objetivo é forçar o plástico a ter uma reação contrária à ocorrida na sua formação. “Em vez de os derivados de petróleo serem polimerizados para formação do plástico, utilizamos reações de despolimerização para obter os derivados de petróleo como o ácido tereftálico”, explica o pesquisador. “É um novo sistema de obtenção de derivados de petróleo.” Com a nova rota é possível conseguir um material mais limpo, apropriado para os processos de reciclagem mecânica tradicionais de garrafas plásticas descartadas em que o material resultante é usado para fazer cordas, vassouras, carpetes e outros produtos. A combinação de água e soda cáustica provoca um descascamento da superfície do PET, que retém a maior parte das impurezas presentes no material reciclado. “Os resultados foram muito bons, indicando que 5% de remoção de material é suficiente para revelar uma superfície bem mais limpa”, relata Mancini. Para chegar a essa constatação, foram feitos vários ensaios, como análise elementar, viscosidade, microscopia eletrônica e cromatografia gasosa. Os resultados mais evidentes são os de microscopia eletrônica, em que foi possível observar o ataque do reagente e a remoção da

Câmara de plasma: gás para facilitar a lavagem das garrafas

superfície. “Quando utilizamos o recurso de raio X do microscópio, pudemos fazer uma análise da composição de minúsculos pedaços da superfície e vimos a grande eficiência da lavagem química na remoção de impurezas, muitas vezes impregnadas pela ausência de coleta seletiva, associadas a metais como alumínio, ferro, titânio, potássio, cálcio e

Regras para alimentos As embalagens de PET reciclado estão liberadas, desde abril deste ano, para acondicionar alimentos. O registro do produto na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é a principal exigência para a utilização do PET com essa finalidade. Além disso, o rótulo da embalagem deve conter o nome do produtor, o número de lote e a expressão PET-PCR, de pós-consumo reciclado. A norma da agência fundamentou-se no surgimento de novas tecnologias capazes de limpar e descontaminar esse tipo de material, independentemente do sistema de coleta. A liberação atende a uma exigência do Mercado Comum

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do Sul (Mercosul), acertada entre os países membros em dezembro do ano passado. A decisão deverá contribuir para aumentar o índice de reciclagem das garrafas plásticas descartadas após o uso. Em 2006, das 378 mil toneladas (à base) de PET fabricadas no Brasil, 194 mil toneladas foram recicladas, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria do PET (Abipet) divulgados no final do ano passado, para a produção de fios, cordas e carpetes, por exemplo. As outras 184 mil toneladas contribuíram para aumentar o volume dos depósitos de lixo ou foram parar em córregos e rios ou outros locais inapropriados.

sódio.” O processo funcionou tanto para garrafas de refrigerante como para as de óleo vegetal usadas e descartadas. No entanto, o estudo dos compostos orgânicos identificados nas embalagens de óleo antes e depois da lavagem química apontou a necessidade de uma reciclagem diferenciada para a obtenção de produtos com a mesma qualidade dos provenientes de embalagens de refrigerante. “A lavagem química foi boa, mas não perfeita, principalmente no caso das embalagens de óleo vegetal”, diz Mancini. Mesmo após esse procedimento, foram encontrados 19 compostos orgânicos dos 30 inicialmente identificados dentro desse tipo de embalagem. O material removido na lavagem é o PET despolimerizado, de onde o ácido tereftálico pode ser obtido por meio de processos químicos e físicos, como dissolução, acidificação e filtração. Ácido puro – O segundo dos três pro-

cessos estudados trata também da despolimerização do PET via reciclagem química para a obtenção de ácido tereftálico e de etilenoglicol, outro produto derivado do petróleo. No caso, com apoio dos professores Elidiane Rangel e Nilson Cruz, também da Unesp Sorocaba, foi utilizado um tratamento com plasma de ar atmosférico para deixar a superfície

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Detalhes do lixo municipal A análise do lixo de Indaiatuba também dá algumas pistas do padrão de consumo das famílias brasileiras. “Uma análise socioeconômica dos resíduos indicou que bairros de classe baixa descartam menos embalagens e mais restos de comida, sapatos e entulho”, diz Mancini. Foram avaliadas dez amostragens obtidas diretamente do caminhão coletor entre setembro de 2004 e julho de 2005. Para a escolha de cada amostragem, levou-se em conta a região geográfica da cidade, a estação climática do ano na época da coleta e a classe social do bairro. No município, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2001, a classe alta corresponde a 11% da população, enquanto as classes média e baixa representam 55% e 34%, respectivamente. O lixo foi subdividido em 27 itens, cada um escolhido por sua potencialidade ou não para a reciclagem. Os itens separados foram restos de comida, fraldas, lixo de banheiro, tecidos, calçados, pilhas, embalagens de leite em caixa, vidro, latas de aço, alumínio, entulho, papéis

das garrafas plásticas mais receptiva à água usada no processo. Para formar o plasma, aplica-se uma determinada potência elétrica num gás sob baixa pressão. “O plasma ajudou a aumentar a velocidade da reação de hidrólise”, diz Mancini. Por esse processo, os pesquisadores conseguiram obter ácido tereftálico em quantidade suficiente e com alto grau de pureza, mas em relação ao etilenoglicol o estudo ainda não está encerrado. O grau de pureza do produto obtido está abaixo do esperado pelo grupo de pesquisa. “A nossa proposta é obter os dois derivados num estado tão puro quanto o do petróleo, a ponto de eles poderem ser repolimerizados para obtenção de novo PET que possa, inclusive, ter contato direto com alimentos”, diz Mancini. Para as embalagens recicladas serem utilizadas com essa finalidade, é preciso autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (leia texto ao lado). Mesmo sem divulgação, o processo de obtenção dos

e plásticos. Desses itens, 23 podem ser reutilizados e reciclados, desde que a gestão dos resíduos sólidos esteja relacionada à coleta seletiva. Dos 135 mil quilos de resíduos descartados diariamente, 54 mil quilos, que correspondem a 40% do total, são restos de comida. Somados às folhas e galhos de árvores, enquadrados na categoria restos de jardim, resultam em 55% de matéria orgânica apodrecendo em aterro sanitário. Cálculos indicam que o custo médio da coleta e destinação do lixo fica em torno de R$ 100,00 a tonelada. Em cidades menores, por conta das distâncias mais curtas de transporte, esse valor cai para R$ 70,00 a tonelada. “Só em Indaiatuba são gastos quase R$ 10 mil por dia com coleta e aterramento, o que significa R$ 3 milhões por ano, que se somam a outros R$ 6 milhões anuais em materiais que poderiam ser reciclados”, diz Mancini. Embora os dados sejam de Indaiatuba, eles podem ser estendidos para outros municípios que não contam com programas de coleta seletiva.

dois derivados do petróleo com utilização de plasma chamou a atenção de uma empresa do Paraná, mas ainda não há um contrato de repasse da tecnologia. A reciclagem mecânica de PVC, sigla de poli (cloreto de vinila), com aplicação

>

O PROJETO Desenvolvimento de processos alternativos de reciclagem de poli (tereftalato de etileno) proveniente de resíduos sólidos urbanos

MODALIDADE

Programa Apoio a Jovens Pesquisadores COORDENADOR

SANDRO DONNINI MANCINI – Unesp INVESTIMENTO

R$ 79.015,94 (FAPESP)

de plasma de hexafluoreto de enxofre, um tipo de gás, é o terceiro processo estudado pelo grupo. O tratamento foi utilizado para deixar a amostra com menor afinidade em relação à água visando aumentar a resistência da superfície à passagem da corrente elétrica. Assim, o material tratado a plasma conduz menos eletricidade que o material sem tratamento, o que é bom para aplicações comuns do PVC reciclado, como conduítes. “Na comparação das propriedades de superfície do PVC reciclado com o produto virgem, vimos que os dois materiais não apresentavam muita diferença”, diz Mancini. O PVC utilizado nesse estudo foi retirado de um aterro de resíduos de construção civil de Sorocaba, porque há pouco material desse tipo no lixo doméstico. As estimativas, feitas com apoio da prefeitura da cidade, indicam que Sorocaba descarta cerca de 500 toneladas de entulho por dia, além de outras 350 toneladas de resíduos domésticos. Esse projeto conta com apoio técnico da empresa Braskem. Outro dado obtido pelo grupo é o maior descarte de alumínio e PET incolor nos meses com alta temperatura. Do PET incolor descartado, cerca de 26%, em massa, são embalagens de óleo, que costumam ter o preço reduzido em relação às embalagens de água e de refrigerantes, pois normalmente apresentam mais impurezas impregnadas, como constatado no estudo sobre lavagem química. Dos plásticos, o mais encontrado nos resíduos é o polietileno de alta densidade, presente nas sacolas de supermercado, por exemplo. As estimativas consideram uma média de 5 mil quilos de descarte desse material por dia. Para comprovar na prática que a reciclagem só compensa quando há a separação prévia do lixo seco do úmido, os pesquisadores pegaram amostras de sacolas plásticas do aterro sanitário para serem recicladas. As amostras foram pesadas, lavadas, enxaguadas, colocadas para secar e pesadas novamente, sem as impurezas. “Na coleta comum a diferença de peso chega a 40%, enquanto na coleta seletiva não chega a 10%”, diz Mancini. Isso significa que, a cada mil quilos de material para reciclagem após um sistema de coleta convencional, apenas 600 quilos correspondem ao plástico, o resto é sujeira, que será transferida para a água após a lavagem. ■ PESQUISA FAPESP 150

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> AGRICULTURA

Terra

protegida Na Amazônia, técnica de cultivo reaproveita a capoeira em vez de queimá-la Carlos Fioravanti, de Manaus

ILUSTRAÇÃO BRAZ/REPRODUÇÃO MIGUEL BOYAYAN

P

elo menos uma vez por mês as biólogas Elisa Vieira Wandelli, da Embrapa Amazônia Ocidental, e Sandra Celia Tapia-Coral, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), visitam seis famílias de agricultores de um assentamento próximo a Manaus. Elas acompanham a implantação da tipitamba, técnica de cultivo agrícola que substitui a queima pelo reaproveitamento da capoeira, vegetação secundária que cresce em áreas desmatadas e abandonadas. Na versão mais recente dessa metodologia, um trator tritura árvores com até 20 centímetros de diâmetro e lança as folhas e a madeira cortadas sobre o solo percorrido. Mais atrás, homens com enxadas uniformizam a cobertura que protegerá o solo contra erosão, calor intenso e perda de nutrientes que seriam inevitáveis se a vegetação fosse queimada. Já adotada por cem famílias de pequenos agricultores em seis estados da Amazônia, essa técnica começou a ser desenvolvida em 1991 no Pará por um grupo de pesquisadores brasileiros e alemães. Eles buscavam uma alternativa à agricultura fundamentada na derrubada e queima da vegetação natural, adotada por 600 mil famílias para produzir 70% do alimento consumido na Amazônia, mas de eficiência limitada: a produtividade só é boa por até dois anos, até a vegetação que sobreviveu ao fogo renascer. Além de reduzir a fertilidade do solo, essa forma tradicional de agricultura contribui para a destruição da floresta original, quando faltam terras novas

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Vista normalmente como reserva para cultivar, e é uma das causas do abandono de 200 milhões de hectares já desmatados na Amazônia. As primeiras tentativas de cortar, triturar e reaproveitar a mata manualmente mostraram-se pouco produtivas, mas indicaram o caminho que levou à mecanização e aos métodos atuais. Hoje estão claros os benefícios agrícolas e ambientais da metodologia desenvolvida pelas equipes coordenadas pelo engenheiro agrônomo Osvaldo Ryohei Kato, da Embrapa Amazônia Oriental, em Belém, e pelo biólogo Manfred Denich, da Universidade de Bonn, em um projeto chamado inicialmente Estudos de Impactos Humanos sobre Florestas e Áreas Alagáveis nos Trópicos (Shift, na sigla em inglês). Ao ser triturada e devolvida ao solo, a mata se transforma em um adubo de liberação lenta, que fornece fósforo, nitrogênio e potássio para as plantas enquanto se decompõe. Filho de imigrantes japoneses que nasceu e cresceu entre plantações de pimenta em Tomé-Açu, no nordeste paraense, Kato conta que o solo coberto de mata triturada adia em pelo menos quatro meses a retirada de gramíneas invasoras, que disputam espaço e nutrientes com as culturas agrícolas e aparecem mais rapidamente quando a mata é queimada. Arroz, hortaliças e frutas - Experimen-

tos realizados nos últimos anos indicam que arroz, milho, feijão e mandioca podem crescer no solo tratado dessa forma. “As famílias podem fazer dois cultivos sucessivos na mesma área em vez de um só, já que não precisam mais deixar o solo se recuperando da queimada”, afirma Kato. Além disso, diz ele, a terra pode ser preparada em qualquer época do ano – e assim o calendário agrícola, que determina o que plantar em cada mês, ganha elasticidade. Segundo Kato, testes realizados pelos agricultores mostraram que a tipitamba pode ser empregada também no cultivo de hortaliças e de

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ou sucata, a capoeira poderia se tornar capital vivo, como uma máquina que produz nutrientes para a terra frutas como graviola, açaí, cupuaçu, murici, laranja, caju e maracujá. A tipitamba não constitui só uma alternativa às queimadas, responsáveis por 75% das emissões brasileiras de gases que contribuem para o aquecimento global, uma das causas das mudanças climáticas. Apoiada pelo governo alemão, pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pelo governo do Pará – mais recentemente pelo Ministério do Meio Ambiente e Banco da Amazônia –, essa técnica é também uma forma de aproveitar a capoeira. Embora vista apenas como vegetação temporária de um espaço em transformação, a capoeira ocupa 76% dos 3,4 milhões de hectares da Região Norte classificados como terras úteis não utilizadas no Censo Agropecuário de 1995, o mais recente. O uso de técnicas de cultivo como a tipitamba poderia aplacar a imagem dessa mata como terra ociosa ou capoeira-reserva, expressão adotada pelo economista Francisco de Assis Costa, professor do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (Naea) da Universidade Federal do Pará (UFPA), em um estudo recente. Poderia também, com o tempo, eliminar o outro sentido que Costa analisa, o de capoeira-sucata ou capoeira-resíduo – áreas abandonadas e improdutivas que expressam,

segundo ele, “o fracasso da vegetação original”, a floresta, ou da atividade agropecuária tradicional e de baixa eficiência econômica. Uma técnica de cultivo menos agressiva que a queimada poderia também reforçar o que ele chama de capoeira-capital, quando a vegetação se torna elemento produtivo ou meio de produção, como uma máquina que produzisse nitrogênio, fósforo e outros nutrientes necessários ao cultivo agrícola. A possibilidade de reaproveitar periodicamente a mata ganha adeptos à medida que as barreiras se desfazem. O biólogo Flavio Luizão e sua equipe do Inpa temiam que a capoeira, ao se decompor, liberasse uma quantidade inaceitável de metano, um dos gases responsáveis pelo aquecimento global. Seus experimentos do Projeto LBA – Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia mostraram, porém, que a liberação de metano pela madeira apodrecendo diminui em vez de aumentar. Para ele, o resultado sugere que o metano poderia estar sendo incorporado por microorganismos e insetos que decompõem folhas e galhos, já que essa biodiversidade se torna mais abundante, como Sandra Tapia-Coral verificou. Segundo Luizão, o solo, quando coberto pela mata triturada, fica mais poroso e água, micro e macroorganismos e oxigênio poderiam então circular mais facilmente, criando um ambiente que absorveria o metano. “Não vimos efeito adverso dessa metodologia”, diz Luizão. Eric Davidson, do Woods Hole Research Center, dos Estados Unidos, em conjunto com Kato e outros pesquisadores da Embrapa Amazônia Oriental, demonstrou este ano na revista Global Change Biology que cortar e triturar a mata emite menos metano logo após o plantio e absorve mais nos meses seguintes que a técnica tradicional de derrubar e queimar a vegetação natural. Outra conclusão desse estudo é que a

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Serviços ambientais como tipitamba emite também cinco vezes menos outros gases responsáveis pelo aquecimento global. Ainda há ajustes a serem feitos na tipitamba, palavra dos índios tiryios, do Pará, que significa “capoeira” ou “exroça”. O primeiro é o custo do equipamento, já que o valor do trator é cerca de R$ 200 mil e o triturador, cerca de R$ 100 mil. As máquinas, que vêm da Alemanha, representam uma versão mais robusta dos protótipos trazidos em 2000 para testes, utilizados na Europa Central para triturar galhos mais finos e menos duros. Os custos deixam de pesar, porém, se os equipamentos forem comprados por meio de cooperativas ou por empresas, como fez a Alumínio do Brasil (Albrás), que comprou um tratortriturador para incentivar 20 famílias a cultivar a terra sem queimar em torno da fábrica em Barcarena, no Pará. Em um dos capítulos do livro Inovação e difusão tecnológica para sustentabilidade da agricultura familiar na Amazônia – Resultados e implicações do projeto Shift Socioeconomia, organizado por Costa, Thomas Hurtienne e Claudia Kahwage (versão integral livre pelo Google Books), Geraldo Stachetti Rodrigues e outros pesquisadores da Embrapa mostram que serviços ambientais, como o seqüestro de carbono, que daria aos agricultores uma vantagem comparativa em relação aos que liberam carbono queimando a floresta, poderiam ampliar a eficiência econômica dessa técnica. Outro problema a ser resolvido é a produtividade no primeiro ano de cultivo, que, embora seja maior que a da terra queimada, ainda é considerada baixa. “É o mesmo problema do plantio direto sobre a palhada”, lembra Silas Aquino de Souza, da Embrapa Amazônia Ocidental de Manaus. Por esse motivo Luizão defende a idéia de que os agricultores deveriam receber um subsídio para poder vencer essa primeira fase. A produtividade começa a crescer a partir do segundo ano, redu-

o seqüestro de carbono poderiam ampliar os ganhos dos agricultores que não queimam mais a vegetação nativa zindo ou até mesmo eliminando a necessidade de nutrientes extras. “Nossa hipótese”, diz Kato, “é que a qualidade do solo melhore a longo prazo, como resultado do acúmulo de matéria orgânica em decomposição”. Uma barreira ficou para trás: convencer os agricultores a mudar os hábitos de cultivo da terra. Em 2000, com um protótipo de triturador, os pesquisadores ganharam a adesão de seis famílias de agricultores em Igaparé-Açu e de cinco em Marapanim, no Pará. Carlos Oliveira, durante o curso de mestrado na Universidade Federal do Pará e na Embrapa Amazônia Oriental, acompanhou as famílias de Marapanim e concluiu que os usuários se apropriam mais facilmente de uma tecnologia quando participam de seu desenvolvimento desde o início. Com o tempo as próprias famílias começaram a propor e a conduzir os experimentos de uso dessa técnica no cultivo de melancia, pimenta ou hortaliças. Hoje cem famílias adaptam a tipitamba aos cultivos e terras do Acre, Amapá, Amazonas, Rondônia, Roraima e Maranhão, com apoio das unidades da Embrapa nesses estados. “Apenas oferecemos a inovação”, conta Kato. “Os agricultores é que decidem como usar e hoje são eles que nos ensinam o que dá ou não para ■ plantar com essa técnica.”

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BIOTECNOLOGIA

Lavoura

mais produtiva Lançadas novas variedades de soja transgênica para o Norte e o Nordeste do país

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Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) acaba de lançar duas novas variedades de soja transgênica especialmente adaptadas às regiões Norte e Nordeste do país. A safra brasileira dessa cultura deve atingir, este ano, a marca histórica de 60 milhões de toneladas, um aumento de 2%, ou 1,2 milhão de toneladas, em relação ao volume colhido na safra anterior, de 2006/2007. Esse bom desempenho da cultura se deve a muitos fatores, entre eles as boas condições climáticas e o alto nível tecnológico da sojicultura nacional. As duas novas variedades, também chamadas de cultivares, são importantes porque a soja é uma cultura originária de clima temperado, mas, no Brasil, por meio de programas de melhoramento genético tradicional, ela está cada vez mais presente em regiões de baixa latitude, próximas à linha do Equador. Os estados do Norte e Nordeste respondem, atualmente, por pouco mais de 8% da produção nacional da oleaginosa. A principal região produtora é o Centro-Oeste, com 48% da colheita, seguido pelo Sul, com 34%. As duas cultivares transgênicas da Embrapa, denominadas BRS 278RR e BRS 279RR, têm como diferencial a resistência a herbicidas à base de glifosato, largamente empregado pelos agricultores para o controle de ervas daninhas. Essas plantas transgênicas não são afetadas e não morrem com a aplicação do herbicida. Para adquirir essa resistência, as variedades receberam

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um gene de outro organismo, a bactéria Agrobacterium tumefaciens. Segundo o engenheiro agrônomo José Ubirajara Vieira Moreira, pesquisador da unidade Embrapa Soja, de Londrina, no Paraná, as novas cultivares empregam a mesma tecnologia da soja transgênica da empresa Monsanto, cujo nome comercial é Roundup Ready ou, simplesmente, RR. “Fizemos um contrato com a empresa para utilizar esse gene de resistência em nossas cultivares”, explica Moreira. Como são sementes geneticamente modificadas, elas passaram pelo processo de regulamentação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) para obtenção de uso e aplicação dessa tecnologia nas linhagens e cultivares da Embrapa. As novas variedades, segundo a Embrapa, apresentam produtividade superior ao padrão encontrado no sul do Maranhão, sudoeste do Piauí e norte do Tocantins, principais áreas produtoras do Norte e Nordeste. Estudos de campo revelaram que as sementes transgênicas produzem, em média, 3.600 quilos por hectare (kg/ha). No caso da BRS 278RR foi observada produtividade de até 4.200 kg/ha. “Em condições ideais de solo, clima e chuva, a nova cultivar mostrou todo o seu potencial. Isso aconteceu

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EMBRAPA SOJA

Do total da soja plantada no mundo, 64% é de cultivares transgênicos

numa área de chapada do município de São Raimundo das Mangabeiras, no Maranhão”, conta Moreira. A produtividade média da soja no Nordeste varia de 2.600 a 3.000 kg/ha, de acordo com o pesquisador. As cultivares recém-lançadas também são dotadas de genes chamados de período juvenil longo que proporcionam o desenvolvimento da planta em baixas latitudes. Esses genes foram introduzidos na planta por meio de melhoramento genético tradicional da Embrapa, e não por meios biotecnológicos. “Conforme o plantio no norte do país, a planta tem tendência a florescer mais cedo e ter vagens menos produtivas. Os genes de período juvenil impedem que isso aconteça. O período de crescimento vegetativo se prolonga, elevando seu porte e produtividade”, destaca Moreira. Controle de pragas - A variedade BRS

279RR permite ao produtor rural colher o grão mais rapidamente e preparar o terreno para uma nova safra. Um fator importante de antecipação da colheita é que em áreas com incidência da ferrugem asiática (Phakopsora pachyrhizi) o agricultor utiliza menos fungicida no combate à praga. Outra característica

da BRS 279RR é a resistência aos nematóides de galha (Meloidogyne incognita e Meloidogyne javanica), que provocam uma doença comum em todo país com ataques à raiz da planta, prejudicando a absorção de nutrientes. Antes dessas novas cultivares, a Embrapa já havia lançado, em 2006, duas variedades de soja geneticamente modificadas adaptadas às condições de solo e clima do Norte e Nordeste – a BRS 270RR e a BRS 271RR. “Nosso programa de melhoramento genético está em contínua evolução. Nos últimos dez anos já lançamos 24 diferentes cultivares transgênicas de soja”, diz Moreira. De acordo com o pesquisador, a instituição está trabalhando para lançar outro tipo de soja transgênica no país, batizada de Cultivance. Fruto de uma parceria com a empresa alemã Basf, ela será resistente aos herbicidas da classe das imidazolinonas e uma alternativa para o controle e manejo das plantas daninhas que atacam as lavouras. A cultivar ainda precisa da aprovação da CTNBio e deve auxiliar os agricultores na rotação de herbicidas, para melhorar o controle de ervas daninhas. Uma das líderes do mercado de sementes de soja no Brasil, a Embrapa responde atualmente por cerca de 35%

a 40% desse setor, estimado em 800 mil a 1 milhão de toneladas de sementes. “Do total comercializado da Embrapa, quase metade das sementes é de cultivares transgênicas”, diz o engenheiro agrônomo e pesquisador da Embrapa Soja, José Francisco Toledo. O Brasil é o segundo maior produtor mundial da oleaginosa, perdendo apenas para os Estados Unidos, e exporta 75% da produção na forma de grão, óleo ou farelo. Estimativas apontam que 60% da safra nacional já é composta por soja transgênica. A exploração dos cultivos geneticamente modificados tem crescido significativamente ao longo dos últimos 12 anos, segundo o engenheiro agrônomo Marcelo Gravina de Moraes, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O uso de organismos geneticamente modificados (OGMs), segundo dados do pesquisador, tiveram uma evolução sem precedentes, com crescimento de 67 vezes entre 1996 e 2007. “Esse aumento faz da biotecnologia a tecnologia agrícola de mais rápida adoção dos últimos tempos”, escreveu Moraes num artigo para o Conselho de Informações sobre Biotecnologia, uma organização não-governamental. De acordo com o pesquisador da UFRGS, o crescimento atual desses cultivos, presentes em 23 países, é da ordem de 12% ao ano, o que significa um acréscimo de 12,3 milhões de hectares de terras dedicadas anualmente aos OGMs. “O número de variedades de soja transgênica cresce a todo momento, mas a soja com o gene RR da Monsanto é a única amplamente utilizada. Do total de soja cultivada no mundo 64% é transgênica”, diz Moraes. A soja é o único cultivo em que a área transgênica supera a não transgênica. Além do Brasil, Argentina, Estados Unidos, Canadá, México, Uruguai, Paraguai, Japão e África do Sul também cultivam a soja RR. Outros países consomem, mas não cultivam, como é o caso da China. ■

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MEDICINA

Ossos artificiais Equipe da USP cria soluções inovadoras para próteses cirúrgicas na reconstrução óssea Yuri Vasconcelos

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m dos grandes desafios para o desenvolvimento de ossos artificiais é criar materiais que sejam o mais próximo possível do tecido ósseo natural. As próteses devem ser réplicas não só na aparência como também nas propriedades biológicas e mecânicas. Essa é uma condição importante para o implante ser bem-sucedido e que não sofra rejeição por parte do organismo. Assim, dois novos materiais para a confecção de ossos artificiais desenvolvidos no campus da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos, no interior paulista, se transformam em uma boa notícia para a área de implantes ósseos. O principal diferencial dessas novas próteses cirúrgicas é sua estrutura superficial porosa e a presença de substâncias em sua composição que lhes conferem atividade biológica. Segundo os pesquisadores envolvidos na descoberta, essas características devem proporcionar a fabricação de implantes ósseos mais eficientes e duráveis. Os materiais – estru-

Corpos-de-prova de polímero para prótese cirúrgica com estrutura interna densa e porosa no exterior

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Carlos da USP. Os poros existentes na superfície da prótese permitem que o osso cresça para dentro do implante, aderindo a ele. “Estamos satisfeitos com os resultados obtidos até agora e confiantes no sucesso da aplicação da estrutura de cerâmica e polímero em implantes e próteses cirúrgicas”, diz Purquerio. De acordo com o pesquisador, as novas próteses deverão ser usadas em reconstruções da boca, mandíbula e faces, operação plástica do crânio e implantes ortopédicos em geral (joelho, quadril, punho etc.). Hoje os materiais mais empregados nessas cirurgias são ligas metálicas, especialmente as de titânio e aço inoxidável, materiais cerâmicos, como alumina, zircônia, biovidro e hidroxiapatita, e compostos polímeros, PMMA, poliuretano e polietileno. Esses materiais precisam ser biocompatíveis, inertes e não tóxicos e devem ter resistência e rigidez compatíveis com nosso sistema biológico. A cerâmica possui poros abertos e interconectados com 50 a 400 mi-

crômetros de dimensão, compatíveis com os processos de reparação óssea. A parte porosa do implante é bem superficial e tem espessura de apenas 0,5 a 1,0 milímetro. “Não há necessidade da porosidade nas camadas internas ser igual àquelas da superfície porque os tecidos penetram até certo ponto. Além disso, quanto mais espessa for a camada porosa externa, menos resistente poderá ficar todo o implante”, explica o engenheiro de materiais Carlos Alberto Fortulan, também da Escola de Engenharia de São Carlos, que integra a equipe. Os pesquisadores adicionam sacarose na fase de preparação dos aglomerados cerâmicos para fornecer porosidade à cerâmica de alumina. Após a conformação da peça, a sacarose é removida por um processo de lixiviação (lavagem) em água. Em seguida ela é sinterizada (queimada). “As partículas de sacarose que, porventura, ainda restarem no implante são decompostas em dióxido de carbono na etapa de sinterização”, diz Fortulan.

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turas cerâmicas de alumina e compostos poliméricos de polimetilmetacrilato (PMMA) – já foram submetidos, com sucesso, a testes in vitro e a ensaios com animais, os testes in vivo. As primeiras cirurgias em seres humanos estão programadas para agosto. Os dois materiais trabalhados pelo grupo da USP já são conhecidos e homologados pelas autoridades médicas para uso em implantes. São previsíveis em relação à sua ação no organismo e estáveis biologicamente. O que os pesquisadores fizeram foi modificar as propriedades da cerâmica de alumina e do PMMA. “Criamos uma peça com diferentes níveis de densidade, com um núcleo denso integrado a uma superfície porosa. Essa porosidade é importante porque facilita a vascularização e acelera a adesão dos tecidos ósseos e musculares ao implante”, explica o engenheiro mecânico Benedito de Moraes Purquerio, coordenador do grupo de pesquisas em biomateriais do Laboratório de Tribologia e Compósitos (LTC) da Escola de Engenharia de São

Acima, amostras de material cerâmico com poros capazes de se ligarem aos tecidos orgânicos

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A concepção das estruturas superficiais porosas de polímero é a mesma da cerâmica, com a diferença de que, nesse caso, a estrutura porosa ao PMMA é preparada com um polímero derivado da celulose, o carboximetilcelulose (CMC), embebido em água. Depois que a peça está pronta – seja ela a cerâmica ou o polímero –, os pesquisadores fazem uma impregnação a vácuo de hidroxiapatita e biovidro nas superfícies internas dos poros para aumentar a atividade biológica do implante. A hidroxiapatita é o mineral básico do osso e faz o organismo reconhecer o implante como uma estrutura similar a ele. Primeiras cirurgias - “No processo de

integração óssea, os vasos sangüíneos e as células ósseas e musculares penetram nos poros da prótese cirúrgica possibilitando o crescimento de tecidos dentro da peça implantada. Em próteses convencionais desse tipo, feitas com materiais não porosos ou sem as características de bioatividade conferidas pela hidroxiapatita e biovidro, não ocorre integração entre os tecidos e o implante”, destaca o cirurgião buco-maxilo-facial Edelto dos Santos Antunes, chefe do serviço de cirurgia buco-maxilo facial do Hospital Santa Tereza, de Petrópolis, no Rio de Janeiro, local onde deve acontecer a primeira cirurgia de aplicação clínica dos novos materiais em pacientes. As cirurgias vão ocorrer em uma parceria do hospital com a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Outra vantagem da porosidade é dar, indiretamente, maior proteção contra infecções, na medida em que promove uma integração dos tecidos de cobertura com toda a superfície porosa da peça implantada. O periósteo é uma membrana muito vascularizada, fina e resistente que envolve por completo 94

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Microscopia eletrônica: ao lado, detalhes da superfície porosa do polímero; e, abaixo, na seta vermelha, restos do implante e, verde, crescimento ósseo no interior dos poros

os ossos humanos. Durante o procedimento de colocação do implante, o cirurgião retira uma porção de periósteo que recobre outro osso do corpo vizinho ao campo cirúrgico e encapsula a prótese. “Com isso, qualquer infecção tem ação apenas pontual. Sem esse encapsulamento, o material implantado fica mais exposto a possíveis infecções no futuro”, diz Antunes, que também integra o grupo de pesquisa. Segundo ele, as peças porosas de cerâmica de alumina e de PMMA infiltrados com hidroxiapatita e biovidro substituem com muito mais fidelidade o osso humano do que outros materiais usados atualmente em implantes porque suas propriedades biológicas e mecânicas são mais próximas das do osso. “Essas peças dão mais previsibilidade e estabilidade aos resultados dos implantes. O material é capaz de resistir às solicitações mecânicas que incidem sobre o osso sem interferir tão drasticamente na fisiologia dos tecidos ao redor”, diz Antunes. “A técnica cirúrgica também tem sofrido adequações. É de fundamental importância que os tecidos de cobertura restabeleçam a anatomia de forma que eles se tornem bem definidos e sejam suficientes para minimizarem as possibilidades de exposição e contaminação da superfície porosa da prótese cirúrgica.”

As estruturas superficiais diferenciais de cerâmica de alumina e PMMA já passaram por estudos de citotoxicidade e integração óssea durante os testes in vitro e in vivo realizados em São Carlos. Os ensaios com ratos e coelhos ocorreram do final de 2007 ao início deste ano. “Os implantes foram inseridos nas tíbias dos animais e percebemos uma perfeita integração óssea com crescimento tecidual no interior dos poros”, conta Carlos Fortulan. “As cirurgias em seres humanos vão começar com implantes em falhas cranianas menores, de até 10 centímetros quadrados, para, em seguida, passar a fazer reconstruções mais completas de crânio. Numa terceira etapa, passaremos para reconstruções mandibulares em que haja defeitos que comprometam apenas segmentos ósseos. Depois será a vez dos casos que envolvem segmentos ósseos e articulares, onde passaremos a utilizar implantes de compósitos de PMMA reforçados com fibras de carbono”, diz o cirurgião Edelto Antunes. As próteses cirúrgicas completas de mandíbula, destinadas às cirurgias mais complexas, serão confeccionadas com os dois materiais, alumina e PMMA, ficando a estrutura cerâmica de alumina limitada ao componente articular, na junção com o osso da face. O restante da peça será fabricado com o políme-

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Proteína para fraturas ósseas em forma de medicamento

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ro e reforçado internamente com um tubo de fibra de carbono. Até o começo do próximo ano os pesquisadores pretendem iniciar estudos visando ao desenvolvimento de próteses femurais. “Vamos começar o trabalho implantando hastes de PMMA reforçadas com fibras de carbono na tíbia de cabritos. Nosso intuito é que esses novos materiais sejam usados, no futuro, em qualquer tipo de cirurgia ortopédica”, afirma Antunes. Iniciada no final de 2004, a pesquisa para desenvolvimento das estruturas superficiais porosas de cerâmica de alumina e PMMA contou com financiamento de R$ 250 mil do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) do Ministério da Ciência e Tecnologia e Ministério da Saúde (Projeto Fundo Setorial da Saúde 2004), coordenado pelo professor Purquerio. O trabalho já gerou três depósitos de patente, uma delas específica sobre a criação de uma matriz cerâmica porosa bioativa. A produção científica também inclui quatro dissertações de mestrado, cinco teses de doutorado e 39 trabalhos acadêmicos. O grupo apresentou as estruturas de cerâmica de alumina no 8º Congresso Mundial de Biomateriais, em Amsterdã, na Holanda, em junho deste ano, e vai mostrar os resultados envolvendo o PMMA em dois eventos internacionais nos próximos meses: o simpósio de outono da Society for Biomaterials, em Atlanta, nos Estados Unidos, em setembro, e o International Bone-Tissue-Engineering Congress (Bone-Tec 2008), em Hannover, na Alemanha, em novembro. ■

Um medicamento injetável para tratamento de fraturas deverá, em breve, ser um novo aliado de pacientes e médicos. Pesquisadores do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) desenvolveram uma proteína capaz de aumentar e melhorar a recuperação óssea. Chamada de proteína morfogenética óssea (BMP na sigla em inglês), ela pertence à classe dos fatores de crescimento celular e estimula a proliferação de células-tronco próximas ao local da fratura, promovendo sua diferenciação em células ósseas com acumulação de cálcio. “Nesse estágio já temos uma estrutura rígida mineralizada que compõe o osso. A aplicação dessa proteína é local e sua recomendação é para fraturas, nos casos em que não há união em ossos longos – por exemplo, no fêmur – e na coluna vertebral, um lugar de difícil recuperação óssea”, diz o biomédico Erik Halcsik, que integrou a equipe junto com o doutorando Juan Carlos Bustos-Valenzuela. Pacientes que sofrem de osteoporose e que fizeram implantes dentários também serão beneficiados com o medicamento. As BMPs já são produzidas naturalmente pelo organismo humano ao longo do desenvolvimento do embrião e quando ocorrem fraturas, mas em quantidades muito pequenas. A proteína produzida pela USP seria um suplemento para tais células se desenvolverem mais rapidamente e garantir a formação de tecidos ósseos. A criação da proteína começou a partir de seqüências de DNA humano que correspondem aos genes das BMPs. Elas foram transferidas para um vetor, que são seqüências de DNA que auxiliam na inserção e manutenção do gene introduzido e depois

transferidas para linhagens celulares especiais para produção de proteínas. Os pesquisadores, por fim, selecionaram as células que produzem as BMPs do tipo 2 e 7, ligadas ao crescimento ósseo, em grande quantidade. Segundo a professora Mari Cleide Sogayar, coordenadora da pesquisa e do Núcleo de Terapia Celular e Molecular (Nucel) da USP, as seqüências de DNA que codificam essas duas proteínas foram identificadas a partir dos bancos de cDNA (ou DNA complementar) do Projeto Transcriptoma do Genoma do Câncer da FAPESP, conhecido como Transcript Finishing Initiative. “Foram quase seis anos de pesquisa e desenvolvimento até chegarmos a essas duas proteínas recombinantes”, conta Mari Sogayar. Pelo menos três empresas norte-americanas já fabricam drogas similares na mesma plataforma utilizada na USP, que é a produção a partir de células de mamíferos. Mas muito pouco se sabe do processo de produção dessa proteína, porque as empresas que detêm o know-how o mantêm em segredo ou protegido por patentes. “Por isso tivemos que desenvolver nossa própria plataforma de produção a partir do DNA de células humanas”, diz Halcsik. As três empresas produzem a proteína com valores entre US$ 3,5 mil e US$ 4,5 mil a dose. “Nosso produto deverá custar menos do que o das empresas estrangeiras, mas seu valor final dependerá do escalonamento da produção industrial”, diz Halcsik. A previsão do grupo é de que o fármaco esteja no mercado dentro de três a cinco anos. Os estudos estão sendo realizados em parceria com uma empresa que deverá produzir o medicamento. Por força de contrato, os pesquisadores não podem revelar o nome dessa empresa.

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HUMANIDADES DIPLOMACIA

‘Mama’ África não pode ser mãe solteira Especialistas defendem estreitamento de relações entre o Brasil e o continente africano Carlos Haag

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ono da segunda maior população negra do globo, o Brasil, por muito tempo, tratou a “mama” África como a sua versão homônima da canção de Chico César: “Vai e vem, mas não se afasta de você”. Nossa diplomacia vive se “lembrando” e se “esquecendo” do continente. Durante o século XX, pelo menos até 1960, a política externa brasileira ignorou o continente africano, voltando-se para a América e a Europa. “Mas, mais recentemente, entre 1985 e 2006, essas relações entram num movimento de intensidade variável e contínuo, com períodos de ambivalências e incertezas, de acentuado declínio entre as décadas de 1980 e 1990, esboçando recuperação nesta virada de século”, observa Cláudio Oliveira Ribeiro, professor do curso de relações internacionais da PUC-SP e autor da tese de doutorado Relações político-comerciais Brasil-África, defendida no ano passado na USP. Um vaivém que, nota ele, “se ajusta às variações observadas no plano internacional e na própria agenda diplomática brasileira”. O Atlântico, como já observou o diplomata e africanista, já foi um rio a separar Brasil e África e poderia voltar a ser. A “mama” África sofreu as penas e preconceitos de ser “mãe solteira”, romantizada pela mesma razão. Mesmo com a recente priorização, na esfera do Atlântico, de uma política para o continente africano, o pesquisador adverte que “a construção de uma políti-

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ca africana embasada na premissa de laços maternos pressupõe uma visão distorcida da própria África, em que o Brasil, por meio de um discurso pretensamente progressista, julga-se capaz de ajudar os países africanos, promovendo uma política missionária”. Para Ribeiro, a política externa para o continente não pode ser compreendida sem o reconhecimento dos interesses estratégicos do continente, sem que isso signifique “considerar estritamente os interesses brasileiros nessa relação”. Se no governo atual o presidente Lula e o ministro das Relações Exteriores realizaram um roteiro de visitas e acordos sem precedentes, que revela a nova dinâmica da relação entre Brasil e África, “constata-se que o processo de formulação da política externa para o continente ainda é desprovido de embasamento societário”. Segundo o autor, na relação entre a diplomacia e o setor empresarial, apesar das oportunidades abertas para o desenvolvimento de projetos comerciais brasileiros no continente africano, “inexistem mecanismos de articulação e canais fluidos de comunicação entre os dois segmentos, o que compromete a participação mais ampla de setores e atores sociais, como é o caso do setor privado, que, pela política diplomática insular, se mantém à margem dos processos negociadores”. Apesar disso, empresários elogiam a aproximação atual com a África. Numa entrevista concedida ao pesquisador, Roger Agnelli, atual presidente da Vale, afirma:

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A PERCEPÇÃO DE QUE A ÁFRICA ERA “A aproximação com o continente africano é um dos mais acertados desdobramentos recentes da política externa brasileira. Avaliada superficialmente, a estratégia tem atraído críticas, uma vez que pode parecer paradoxal um país em desenvolvimento como o Brasil incrementar seus esforços diplomáticos em parceiros pobres, com relativamente pouca influência no contexto geopolítico global e peso ainda baixo na balança comercial brasileira”. Mas, continua Agnelli, “é preciso ir além da superfície e avaliar essa estratégia nos movimentos de internacionalização de empresas brasileiras. A África é um dos territórios naturalmente adequados de investimentos em setores em que empresas brasileiras já são muito competitivas”. Afro-pessimismo - O economista Ivo

de Santana, analista do Banco Central do Brasil e autor da tese de doutorado Relações econômicas Brasil-África, concorda com o empresário: “As potencialidades do comércio Brasil-África existem, pois, ainda que se observe a debilidade da situação econômica de muitos países, há várias economias africanas que, desde 1994, vêm conseguindo taxas anuais de crescimento acima de 10%, o que justifica maior interesse e agressividade de empresas brasileiras”. Apesar do chamado “afro-pessimismo” que, no geral, apenas vê no continente as guerras de etnias, as ditaduras sanguinárias, os blood diamonds e a Aids, cada vez mais, nos meios comerciais e diplomáticos, cresce a idéia de que a África terá um lugar de destaque na cena internacional contemporânea. Afinal, estamos falando de um espaço que ocupa 22,5% das terras do planeta, com 10% da população mundial, que deverá dobrar até 2050 (será o continente a conseguir isso). A África concentra 66% do diamante global, 58% do ouro, 45% do cobalto, 17% do manganês, 15% da bauxita, 15% do zinco e 10 a 15% do 98

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IMPORTANTE NA NOSSA POLÍTICA EXTERNA SÓ SE DEU NA DÉCADA DE 1960 petróleo. Apesar de possuir cerca de 30 recursos minerais do mundo, ela só participa de 2% do comércio global e possui só 1% da produção industrial internacional. O continente ostentou, entre 2002 e 2007, dados ainda promissores. A região mais pobre do planeta, a África Subsaariana, cresceu em torno de 5,5% a 6% ao ano, o maior crescimento da história africana, proporcional ao crescimento econômico da América Latina pelos dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e superior ao do Brasil. As inflações médias estão contidas na ordem de 6% a 7% no mesmo período. “Há uma África em crescente internacionalização e nada marginal e que está no centro de uma concorrência fortíssima de interesses e interessados de todas as partes do globo, em especial a China e, mais recentemente, os EUA”, afirma José Flávio Sombra Saraiva, professor de relações internacionais da Universidade de Brasília. “Não sejamos, porém, ingênuos: é óbvio que a África é outra fronteira do capitalismo, é o faroeste de hoje. Há ali, é claro, uma luta de gigantes, iniciada pela China em 1989, com a crise da Paz Celestial que isolou o país e obrigou o primeiro-ministro, Li Peng, a se aproximar do continente africano, de onde não partiram críticas aos

incidentes políticos chineses”, observa. “Mas há um artigo recente, vindo dos EUA, de 2006, escrito por um professor de Harvard e Chester Crooker, ex-subsecretário americano de Estado para a África, “More than humanitarism”, que eleva o status da questão africana para além do humanitarismo, colocando-a no epicentro da questão do terrorismo, do petróleo e dos recursos naturais. Sem falar na viagem de Bush à África, que se posicionou contra a Guerra do Iraque”, nota Saraiva. Segundo ele, há razões de sobra para otimismo em todas as regiões africanas e o continente, hoje, foi escolhido como prioridade para novas áreas e carteiras de empréstimos do Banco Mundial. “Há sobretudo um sentimento de que, nos últimos sete anos, a África vem superando o drama histórico das guerras internas. O número de conflitos armados caiu de 13 para cinco. Existe uma onda democratizante dos regimes políticos de várias partes do continente. Essa redução dramática de guerras faz pensar que os recursos, quase da ordem de US$ 300 bilhões, queimados nos conflitos entre 1990 e 2005, podem agora ser dirigidos às políticas de redução de pobreza e miséria”, avalia. Apesar disso, observa Saraiva, existe uma reflexão brasileira modesta e tardia sobre os potenciais econômicos. “Os

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há capital africana em que não esteja a construção importante de um edifício subsidiado pelos recursos chineses e que não estejam as escolas de chinês, como já existem em Angola, e não há um aeroporto ou estrada que não tenha um financiamento chinês. Desde os anos 1980 os chineses desenham um plano estratégico que é apresentar a África como representante do mundo em desenvolvimento, como espaço de barganha nas negociações internacionais relativas ao seu próprio regime e a sua transição política para um novo século.” Segundo dados do Ministério das Relações Exteriores, hoje o comércio brasileiro com a África cresceu mais de 200%. “Mas isso ainda é pouco diante do possível. Se olharmos para o crescimento das relações da África com economias emergentes como China e Índia ou os países do Golfo, o Brasil já fica para trás. Se há países do continente que crescem 6% ao ano, há outros, como Angola, que superam a marca de 20%. O Brasil tem que apostar muito mais”, avisa Carlos Lopes, subsecretário-geral da ONU. “Poucos

empresários brasileiros sabem que uma empresa gigante como a Gazprom, da Rússia, investe massivamente em gás na África ou que dois dos maiores bancos comerciais do continente agora têm participação majoritária chinesa ou, ainda, que a produção de cobre africana já está na mão dos chineses.” O Brasil, apesar dos discursos culturais que tanto falam da “mãe África”, desconhece esse potencial. Gilberto Freyre - Afinal, a percepção

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meios de comunicação insistem em apresentar uma África indolente e ditatorial, onde o Brasil nada tem a fazer e muitos empresários ainda duvidam das possibilidades de agir em terreno africano. Há um reumatismo crônico como força impeditiva no avançar o país na velocidade dos demais corredores em direção ao continente africano.” Os próprios Estados africanos teriam abandonado o antigo discurso da vitimização colonial, impeditivo para qualquer progresso, e adotado uma linha pragmática de relações com países estrangeiros. “Ao reivindicarem a capacidade de construção do seu futuro, as lideranças africanas estão atraindo para si maior responsabilidade de superação do grau marginal de inserção ao qual o continente foi submetido na década de 1990”, analisa Saraiva, para quem o Brasil não pode perder a “brecha africana”. Senão certamente perderemos a chance diante da estratégia chinesa, que, diz ele, está voltada para a utilização exponencial e quase ilimitada dos recursos naturais da África. “Não

Gana: fazenda da Caltech, onde Embrapa desenvolve projeto na África

de que a África teria uma dimensão privilegiada para a política externa brasileira só se deu na década de 1960, de forma incipiente, dentro da política externa independente, inaugurada no governo Jânio Quadros e mantida por Goulart. Antes, no governo JK, debates acadêmicos, liderados por figuras como Gilberto Freyre, já advogavam a criação de uma comunidade lusotropical no Atlântico, mas mais ligada aos laços com Portugal do que com suas então colônias africanas. “Ao longo da segunda metade do século XX é que se percebe o potencial das relações dentro de um discurso terceiro-mundista que, de início, pretendia contrabalançar, com esse elo, o peso das relações do país com os EUA e se opor às limitações impostas pela clivagem Leste-Oeste da Guerra Fria”, explica Ribeiro. O Brasil identificou na África uma chance de arranjos diplomáticos que possibilitassem uma posição diferenciada no cenário internacional. Mas as relações especiais com Portugal impediam uma ligação direta com os territórios africanos em processo de independência e é só a partir da década de 1970, com a Revolução dos Cravos e a descolonização, que as ações se concretizam. Assim, curiosamente, nos governos militares de Medici, Geisel e Figueiredo, nota o pesquisador, as relações do Brasil com as antigas colônias portuguesas na África se aprofundam. Em particular no setor energético do petróleo, com PESQUISA FAPESP 150

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Presidente do Senegal, Abdoulaye Wade, visita Brasília em 2007

a presença intensa da Petrobras, via Braspetro, na África. O governo Sarney colocou água na fervura. O antigo modelo diplomático terceiro-mundista de cunho nacionaldesenvolvimentista é abandonado, ao mesmo tempo que os dois lados do Atlântico entram numa crise econômica. Toma a cena o conceito do “custo África”, uma percepção de que, explica o autor, “a insistência no relacionamento com o continente africano teria um custo elevado para a política externa”. Segundo essa visão, as lutas de independência ainda não haviam se encerrado e havia a imagem de que os Estados da África, em comparação com o passado colonial, ainda eram frágeis e numerosos, incapazes de gerar instituições que garantissem contratos e leis. “Para um país como o Brasil, que enfrentava crises econômicas e a tarefa de consolidar o regime democrático, insistir na ligação com um continente mergulhado em lutas político-institucionais tinha pouco apoio”, observa o pesquisador. 100

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Houve, continua, um desinteresse crescente, pois a África não era prioridade para a opinião pública nacional e a política brasileira para o continente entrou em agonia. A agenda do governo Sarney, então, se volta prioritariamente para a idéia de integração regional da América do Sul. Modernidade - Para o governo Collor

a prioridade era, lembra Ribeiro, a promoção da modernidade, por meio de uma “agenda internacional que queria aproximar o Brasil do grupo de nações industrializadas, superando sua identificação com o Terceiro Mundo”. Assim, avalia, “em oposição à postura dos governos anteriores, queria-se então trabalhar a noção de parcerias operacionais, em que a África ficava claramente ausente”. No domínio das relações entre o Brasil e o continente africano esse foi um momento de afastamento intenso, em que a dimensão atlântica deixa de ser considerada como propícia aos interesses e demandas internacionais do

país. O processo de regionalização, por meio do Mercosul, e a manutenção do ideal do “alto custo” da relação com a África se intensificam nos dois governos de FHC, que preconizava, afirma Ribeiro, como eixo central da política externa, “o fortalecimento do Mercosul e o adensamento das relações com os EUA e demais economias avançadas e potências regionais”. O pesquisador avalia que havia um sentido particular nessa estratégia: “Havia a premissa de que o maior empenho diplomático junto aos países da região permitiria ao Brasil um melhor exercício do universalismo diplomático, base da política exterior do Itamaraty, fortalecendo a diretriz da ‘autonomia pela integração’. O Mercosul, então, era condição necessária à autonomia brasileira, resguardando e ampliando a identidade nacional pelo globo”. Para complicar a situação da “mama” África, havia carência de recursos financeiros e humanos para que se pudesse exercer uma política exterior que fosse hemisférica e global. Era preciso fazer opções, e a África não ganhou um lugar de destaque na nova agenda. “Num continente com mais de 40 países como o africano era impossível não fazer uma política seletiva”, contou, em entrevista para o pesquisador, o ministro das Relações Exteriores do governo FHC, Luiz Felipe Lampreia, para quem, “sem desconsiderar as relações com nossos parceiros tradicionais na África, as prioridades da política externa se traduzem no processo de consolidação do Mercosul”. O resultado foi o fechamento de postos diplomáticos no continente africano e a ênfase na relação com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Moçambique), os chamados Palops. “Essa escolha leva a concluir que o continente africano não é um vetor que mereça maiores investimentos por parte do governo FHC e no âmbito das relações Sul-Sul os esforços são concen-

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‘É IMPORTANTE TRANSFORMAR OS LAÇOS DE AMIZADE EM PROGRESSO ECONÔMICO E SOCIAL’, DIZ AMORIM

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trados nas relações com a Índia e com a África do Sul. Nesse cenário, percebe-se com nitidez que o declínio comercial Brasil-África articula-se à própria retração do papel do Estado na economia, caracterizada pela desregulamentação e pela ampla privatização.” Segundo Ribeiro, o governo Lula se mostrou como um ponto de inflexão nas relações entre África e Brasil. “Essas mudanças derivam, em grande medida, do projeto internacional do governo de que, no plano global, existe espaço para uma presença mais afirmativa do Brasil, uma avaliação de conjuntura mundial que assume a existência de brechas para uma potência média como o Brasil, as quais, por meio de uma diplomacia ativa e consistente, podem até ser ampliadas.”

Politizados: no 7º Fórum Social Mundial em Nairóbi

No Atlântico, a política em relação ao continente africano vira uma prioridade. “A África tem muita pobreza, mas não é estagnada. Em minhas diversas viagens ao continente, noto haver dinamismo e vontade de encontrar soluções autóctones para os problemas africanos”, observou, em entrevista ao autor, o atual chanceler Celso Amorim. A política em direção à África, porém, ganhou foros mais pragmáticos. “Apesar de os vínculos étnico-culturais serem apresentados como um diferencial em nossas relações, é a convergência de interesses no plano da agenda global que se constitui no dado legitimador da política sobre a África. Quanto mais coordenação houver com o continente, mais chances teríamos de ser ouvidos na esfera internacional no sentido de obter o atendimento a certos interesses brasileiros e dos africanos”, explica Ribeiro. A dinâmica comercial também tem peso considerável na relação. “É importante transformar os laços de amizade em progresso econômico e social”, adverte Amorim. Assim a reabertura de postos diplomáticos fechados e as muitas visitas feitas pelo presidente Lula à África com empresários. “Ainda assim há problemas de comunicação graves. Segundo os diplomatas entrevistados, pesa muito na falta de adensamento das relações comer-

ciais a ausência de participação ativa do empresariado no desenho da ação diplomática, o que expressaria o baixo perfil empreendedor do setor privado nacional. Já os empresários reclamam da atuação dos diplomatas na região.” Para o setor privado investidor, não basta abrir postos diplomáticos sem dar condições de trabalho para os diplomatas, bem como é necessário se repensar a “capacitação adequada” dos quadros diplomáticos brasileiros. “O que se percebe é que a estratégia externa em termos comerciais permanece restrita a pequenos grupos decisórios e auto-suficientes do governo que, de posse de informações, sabem e decidem”, nota Ribeiro. “É evidente a marginalização do setor privado. Na falta de um canal de comunicação concreto entre os dois grupos, de fomentar parceria entre governo e setor privado, nota-se a permanência de um comportamento diplomático baseado na consulta ad hoc aos setores interessados.” Para o autor, “é preciso repensar o processo de formulação da atual política brasileira para a África, pois não é possível sustentar a premissa de que essa seja uma dimensão estritamente estatal”. Há, porém, boas-novas até para o campo científico, como a entrada recente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) no continente, atuando na África com desenvolvimento de projetos de uso sustentável de recursos naturais, sistemas produtivos e proteção sanitária de plantas e animais, com direito a um caminho inverso no futuro, já que o continente tem muito a ensinar ao Brasil sobre tecnologia de mineração, entre outras coisas. “É preciso que a nova política africana do Brasil não seja um ato de retórica, mas deverá servir ao conjunto da sociedade de todos os países envolvidos, na articulação em favor do acesso dos nossos produtos nos mercados fechados do Norte”, avisa Saraiva. A verdadeira “mama” África não é mãe solteira. ■ PESQUISA FAPESP 150

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> HISTÓRIA

O dilema

eterno

da traição

REPRODUÇÃO DO LIVRO FERNANDO RAU GOYA/ EL SUEÑO DE LA RAZÓN PRODUCE MONSTRUOS

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hico Buarque fez história e irritou o governo militar ao afirmar, numa música, que “Vence na vida quem diz sim”, parte do musical Calabar, o elogio da traição. “A idéia da peça era discutir a traição, mas a traição com uma finalidade louvável. Era como discutir se o Lamarca, um militar que passou para o lado da guerrilha, era ou não um traidor. Havia um paralelo evidente”, afirmou o compositor sobre a obra, censurada em 1974. Infeliz o país que precisa de heróis ou o país que esconde seus traidores? Para o historiador Carlos Vesentini, idéias como “Calabar, o traidor” vão se construindo a partir das lutas de representações durante as disputas de poder. “Como vencedor, a apropriação da idéia garante-lhe legitimidade para dirigir a obra, como ainda faculta-lhe cindir o tempo, instaurando um passado capaz de caracterizar um vencido, abrir um futuro, e localizar uma realização.” Assim, quem merecerá ser lembrado pela história? Afinal, quais os critérios para classificar um traidor? E quem são, de fato, os heróis e os vilões? “A nossa historiografia deixou os traidores à margem, tanto é que o maior deles, Calabar, não mereceu uma grande biografia”, lamenta o historiador Ronaldo Vainfas, da Universidade Federal Fluminense (UFF), que acaba de dar a sua contribuição contando a história de um notável traidor, curiosamente do mesmo período histórico de que saiu Calabar, a dominação holandesa no Brasil colonial (1630-1654). “O padre jesuíta Manoel de Moraes foi um homem que namorava a heresia, mas se casou mesmo com a traição, estrela de uma longa constelação de traidores e colaboradores. Saiu do catolicismo para o calvinismo militante. Rompeu a fidelidade a Felipe IV, de Habsburgo, para ser vassalo orgulhoso do príncipe de Orange. Passou de capitão de Matias de Albuquerque contra os holandeses para capitão contra os portugueses. Mas não deixou de

Estudo recupera personagem perseguido por Inquisição

fazer, depois, o caminho inverso. Largou o calvinismo em favor do catolicismo, abandonou o príncipe de Orange para jurar fidelidade a dom João IV, traiu a Companhia das Índias Ocidentais para servir a João Fernandes Vieira na guerra restauradora”, conta Vainfas, autor de Traição: um jesuíta a serviço do Brasil holandês processado pela Inquisição (Companhia das Letras, 384 páginas, R$ 47). “Ele foi um personagem extraordinário, o anti-herói esquecido das guerras pernambucanas, o ‘Calabar’ de batina preta ou gibão escarlate, cuja história nos permite conhecer a dominação holandesa nas entranhas do processo. Além disso, não deixa de estimular, por metáfora, a discussão sobre o ‘caráter brasileiro’, melhor dizendo, sobre a questão da ética na nossa formação histórica”, explica. O período tem implicações profundas no imaginário nacional. “No Brasil, o interesse pela presença holandesa ressurge, na segunda metade do século XIX, num momento em que o Brasil desatava seus laços políticos com os portugueses e procurava construir sua identidade como nação independente”, afirma o historiador Marcos Galindo, professor da Universidade Federal de Pernambuco. No site do Exército brasileiro, a descrição da Batalha dos Guararapes revela, ainda hoje, a delicadeza de se tratar do tema dos anti-heróis desse período: “O espírito dos Guararapes é o mais fino e raro perfume da tradição da nacionalidade brasileira. O espírito dos Guararapes foi ontem a chama mais viva e radiosa que das heróicas terras de Pernambuco iluminou todo o Brasil no caminho dos seus gloriosos destinos. Sua brilhante chama quase desapareceu nas cinzas do lenho em que ardia radiosa, por omissão de muitos e intenção criminosa de alguns, durante a longa madrugada (1945-1964). O nacionalismo do espírito dos Guararapes é o nacionalismo racional, estratégico, seguro, traduzido na prática por uma Petrobras, uma Transamazônica, o decreto de 200 PESQUISA FAPESP 150

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milhas de mar territorial, nossa política de fretes marítimos e tantas outras realizações como Volta Redonda, marco do progresso material do Brasil”. Manoel de Moraes, o traidor, era mameluco natural de São Paulo, nascido por volta de 1536. Ingressou na Companhia de Jesus em 1613 e foi enviado para o Colégio da Bahia, iniciando sua carreira de missionário em Pernambuco, um das principais capitanias açucareiras do Brasil. Lá foi responsável pela catequese de Felipe Camarão, o futuro líder dos potiguaras contra os holandeses. Em 1627, a Companhia das Índias Ocidentais, a WIC, uma empresa moderna com objetivos comerciais, invadiu Pernambuco (após, em 1623, ter atacado a Bahia), desafiando os monopólios ultramarinos ibéricos, que incluíam, em razão da União Ibérica, Espanha e Portugal, ambos logo em guerra contra os Países Baixos.

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líder português Matias de Albuquerque adotou uma tática de guerrilha contra os invasores, contando para tanto com apoio indígena, arrebanhado, entre outras formas, com a ajuda dos jesuítas, que “dominavam” as populações nativas. Manoel lutou“como um leão” ao lado dos índios, “ao qual obedecem como a seu Capitão, com grande pontualidade em tudo quanto lhes manda”, nas palavras de uma fonte da época. O padre pelejou na defesa do Recife, nas escaramuças do Arraial do Bom Jesus,

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na defesa da Ilha de Itamaracá e na do Rio Grande e, observa Vainfas, “só não chegou a ser capitão oficial pela sua condição de jesuíta”. Os holandeses logo perceberam a importância de contar com os índios e, a seu favor, tinham “o desgaste de uma colonização que os flagelava há mais de cem anos em várias capitanias”. Faltava-lhes, porém, um líder para angariar os nativos. Manoel “tornou-se um homem soberbo, contador de vantagens” e que ousou escrever ao rei Felipe IV pedindo compensações materiais pela sua bravura. Criou inimigos aos montes e despertou invejas. Cansado das intrigas, segundo anotou o holandês Joannes de Laet, “o padre Manoel veio ter com os nossos, fato importante por ser ele um jesuíta que exercia a maior autoridade sobre todos os selvagens da região e passou voluntariamente para os nossos”. O traidor foi enviado ao Recife e passou a viver como um capitão holandês, andando pelas ruas “vestido de ‘framengo’ e lançando-se aos prazeres do sexo”. Segundo Vainfas, “embora conhecesse mal o calvinismo, não somente pareceu adotá-lo como tentava fazer proselitismo entre os prisioneiros portugueses, inclusive religiosos”. A importância da ação do padre foi tão grave, nota o autor, que a Companhia de Jesus passou a adotar uma nova política de restrição de mestiços, já que ele era um “mameluco paulista”. Enquanto isso, o ex-jesuíta (expulso da

ordem por traição religiosa) saboreava sua glória na Holanda, para onde fora levado pelos invasores, agora a serviço da WIC, chegando a propor um modelo de conquista dos índios baseado em seu aprendizado da catequese jesuítica, um híbrido de ensinamentos calvinistas e inacianos. Aliás, foi como calvinista que se casou duas vezes entre os batavos. “O calvinismo que atraiu Manoel não era o da fé interior, mas a doutrina que lhe permitia mudar sua vida pessoal, já que não penalizava a riqueza material e não exigia celibato”, explica o autor. Julgado pela Inquisição, foi condenado in absentia e sua “estátua” foi queimada em praça pública em Lisboa. Com a restauração lusitana, começou a negociar, secretamente, com os portugueses, mas aceitou um bom dinheiro para voltar a Pernambuco, em nome da WIC, e explorar pau-brasil, largando mulher e filhos na Europa. Deu um calote nos holandeses. “Manoel era um traidor perfeito. Traiu os jesuítas; traiu os portugueses na guerra de resistência; voltou a traí-los, prometendo, nos acordos secretos, voltar a servir dom João IV em troca de mercês e perdões, enquanto arrancava o contrato do paubrasil; traiu, ao mesmo tempo, a WIC, oferecendo-se aos embaixadores portugueses para combater os holandeses no Brasil.” E não parou por aí. Voltou a adotar os hábitos religiosos de antes e resolveu se apresentar ao Santo Ofício em busca de perdão, de quebra, denunciando judeus ocultos no Brasil. Em Portugal, julgado, foi absolvido, mas penou nas prisões da Inquisição e perdeu todo seu dinheiro, não sem antes escrever um violento panfleto contra os holandeses. “Não vou festejar nosso Manoel de Moraes, que não é caso para tanto. Mas, metáfora por metáfora, fico com a idéia de que já estava morto quando saiu no auto-de-fé de 1647, após ser absolvido, como se fora um El Cid às avessas, embora estivesse vivíssimo”, conclui Vainfas. O seu destino foi o esquecimento. Como, de certa forma, experimentou Calabar, o patriarca dos traidores, que, como Manoel, ao ver que a balança da guerra pendia para os holandeses como tantos outros quis tirar alguma vantagem de seus talentos. Também se converteu ao calvinismo e, como o padre, afirmou em vários depoimentos que “muito sabia e tinha visto naquele material e que não eram os mais abatidos do povo os culpa-

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dos”, nota Vainfas, mostrando que havia outros traidores, festejados como heróis ou patriotas.“Sua morte foi o que chamamos de ‘queima de arquivo’ e sua execução se deveu não apenas ao colaboracionismo, mas também ao conhecimento que adquirira dos contatos comprometedores mantidos por pessoas graúdas com autoridades neerlandesas.”

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de traição é sempre questionado: “Um dia esse país vai ser independente. Dos holandeses, dos espanhóis... Mas isso requer muito traidor. Muito Calabar. E não basta enforcar, retalhar, picar... Calabar é cobra-de-vidro. E o povo jura que o cobra-de-vidro é uma espécie de lagarto que quando se corta em dois, três mil pedaços, facilmente se refaz”. Para Albuquerque, no contexto das peças, independentemente de que o poder colonial está sendo afetado, a traição vira uma reação nativa à imposição de estruturas estrangeiras na economia da terra. “Traição é um instrumento de resistência do oprimido, não importa em que tempo, se em 1630 ou hoje, ou da identidade do opressor.” Ou, nas palavras de Vainfas: “Manoel deu um exemplo magnífico de mediação cultural, falando português, castelhano, tupi, latim e, quem sabe, holandês. Transitou em vários mundos, serviu a muitos senhores. Traiu a todos”. Afinal, vence quem diz sim. ■

Carlos Haag REPRODUÇÃO DO LIVRO FERNANDO RAU GOYA/ESTRAGOS DE LA GUERRA

urioso paralelo com a frase dita pelo personagem de Matias de Albuquerque no Calabar, de Chico e Ruy Guerra: “Calabar será executado sem a presença do povo, na calada da noite, para que não diga coisas que não devem ser escutadas”. “A questão dramática da traição é essencial para o entendimento do drama de protesto político no Brasil durante o regime militar. Nada menos do que quatro dramaturgos (O sonho de Calabar, de Geir Campos; Calabar, de Ledo Ivo; Calabar: o elogio da traição, de Chico Buarque e Ruy Guerra) usarão o contexto histórico do conflito entre portugueses e holandeses para examinar o conceito de traição e suas

implicações para o público moderno”, afirma Severino João Albuquerque, da Universidade de Wisconsin. “Todas as peças se perguntam: será que traidores não podem ser boas pessoas num contexto de dominação colonial? O espectador é convidado a relacionar o gesto de Calabar ao Brasil atual, cuja economia é controlada, cada vez mais, por corporações e bancos estrangeiros”, observa o professor. Na peça de Ledo Ivo, por exemplo, Calabar diz: “Lamento agora ter servido à Holanda, da mesma forma que lamento ter servido à Espanha e a Portugal”. Mais à frente, o traidor iguala o passado e o futuro brasileiros com aquele do Novo Mundo: “Todos nós somos a América: esta miséria cercada de ouro. Somos a América: nosso futuro está no passado”. Num registro muito próximo, o Calabar de Chico e Ruy tem sua honra defendida por Bárbara, a viúva: “Calabar sabia o gosto da terra. Calabar vomitou o que lhe enfiaram pela goela. Foi essa sua traição. A terra e não as sobras do rei. A terra e não a bandeira”. O conceito

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BIOGRAFIA

Trabalhadoras

do Brasil Doutorado traça perfil de Darcy Vargas, mulher de Getúlio, precursora das políticas sociais na Presidência Gonçalo Junior

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etúlio Vargas (1882-1954) teve o cuidado de criar para si uma trajetória de vida das mais gloriosas, narrada em livros, enquanto tentava torná-la real no dia-a-dia. Em especial, quando se tornou ditador, a partir de 1937. Estabeleceu uma máquina eficiente de propaganda em torno de sua imagem, por meio do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), inspirada em Adolf Hitler e Benito Mussolini, líder fascista italiano e seu ídolo declarado. Ficaram famosas entre as crianças de sua época as aventuras heróicas de político que regularmente o Ministério da Educação mandava para as escolas ou iniciativas como a do editor Adolfo Aizen (1907-1991), pioneiro das histórias em quadrinhos no Brasil, que produziu em sua homenagem um gibi vendido em bancas em 1942. Sua biografia, no entanto, foi encerrada pela tragédia do suicídio, em agosto de 1954. Não se sabe exatamente por que a vida de Getúlio conseguiu ofuscar a de uma pessoa que foi fundamental para seu êxito político: Darcy Vargas, a esposa de toda vida. Uma injustiça histórica que começa a ser corrigida com o lançamento de Mulher e política – A trajetória da primeira-dama Darcy Vargas (1930-1945), da Editora Unesp, resultado do doutorado de Ivana Guilherme Simili, da Universidade Estadual de Maringá, Paraná, realizado na Unesp entre 2000 e 2004. Ivana focou seu estudo no primeiro mandato de Vargas, que se estendeu da Revolução de 1930 ao fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, prolongado pela implantação da ditadura do Estado Novo. O trabalho vai além da política em si e do varguismo. Mapeia no decorrer da narrativa um importante momento de emancipação feminina no país, uma vez que Darcy colocou a mulher na vida política nacional por meio da mobilização solidária – é preciso lembrar que somente em 1928 o sexo feminino passou a ter direito de voto no Brasil, depois de uma campanha de 11 anos. Nesse ano também foi eleita a primeira prefeita do Brasil, Alzira Soriano de Souza, no município de Lages (RN). Essa aproximação seria avançada a partir de 1961, quando surgiram as organizações femininas que legitimariam o golpe militar de 1964, graças às marchas da família por elas organizadas – tema que não faz parte da pesquisa de Ivana. A personagem revelada pela pesquisadora construiu uma história própria e paralela à do marido. Getúlio e Darcy se casa-

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Darcy Vargas em visita à Casa Maternal e da Infância Leonor Mendes de Barros; na página ao lado, Getúlio Vargas FOTO: ARQUIVO/AE

ram em 1911 e tiveram quatro filhos, todos nascidos na década de 1910 e já falecidos. O nome da esposa começou a se destacar nacionalmente durante o movimento revolucionário que anulou a eleição do presidente Júlio Prestes e levou seu marido ao poder em outubro de 1930. Imediatamente, ainda durante o levante golpista, Darcy criou a Legião da Caridade, associação de mulheres que deveriam produzir roupas para os revolucionários e distribuir alimentos às famílias daqueles que acompanharam m Vargas. A conclusão de Ivana é que, nos 15 anos seguintes, da participação e expressiessividade das ações de benemerência social de dona Darcy dependeu boa parte rte dos sucessos políticos obtidos pelo governo verno de Vargas, considerado por muitoss o maior estadista brasileiro de todos os tempos. Nesse contexto, além de traçar raçar a personalidade de Darcy, a tese aponta ponta sua contribuição para a criação dee um modelo de atuação da mulher na vida da pública. Seu gesto mais importante foi a criação da Legião Brasileira de Assistência ncia (LBA), em 1942. Segundo a autora, ao envolver-se com as questões sociais ocorridas com o ingresso do país no conflito mundial, ela fazia surgir no cenário nacional cional a primeira instituição pública de assistência ssistência social e marcava de forma decisiva siva sua participação na história da políticaa assistencial. “Mais que isso, é possível dizer er que, no período de 1942 a 1945, as mulheres heres que se tornaram voluntárias da LBA escreveram um capítulo importante da história tória das mulheres na guerra” – um dos pontos ontos marcantes do livro. Em 1938, com a Fundação Darcy Vargas, e, em 1942, com a LBA, ela desenhou seu percurso filantrópico-assistencial. As iniciativas da primeira-dama, diz Ivana, sempre estiveram articuladas com os empreendimentos políticos do marido. E sugerem, também, como as lutas e conquistas masculinas são fatores que mobilizam e envolvem as mulheres – esposas, mães, filhas. “Em suma, elas se transformam em questões da família.” A imagem possível de ser obtida de Darcy nesse contexto é a de uma esposa e mãe dedicada à família – ao marido e aos filhos. O mesmo empenho observado na vida privada, no entanto, a primeira-dama levou para o espaço público, na criação e na administração das entidades filantrópicas e assistenciais para cuidar dos “outros” – a aos llista inclui desde pequenos jornaleiros ao soldados mobilizados pela guerra e su so suas famílias. sociais fam mílias. “Nos empreendimentos so e assistenciais assi sistenciais ela se mostrava como uma

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e políticos a primeira-dama foi estratégica para Vargas na fabricação de imagens e representações para o governo e governante, mas ela também soube aproveitar os benefícios oferecidos pelo poder.” Desde sua chegada no Rio de Janeiro em 1930 e até 1945 as fotografias mostram a mudança no seu visual, transformando-se numa mulher bemvestida e atualizada na moda. “Com as criações filantrópicas e assistenciais, ela produzia um modelo de atuação e de participação da esposa na política.” No seu percurso inscrevem-se também as formas de atuação e de participação dos segmentos da elite no desenvolvimento de projetos e programas dedicados à maternidade e à infância promovidos pela primeira-dama. A autora não tem dúvida em afirmar: “Ou seja, Darcy Vargas pode ser tomada como representante da presença do maternalismo na construção do Estado brasileiro e das políticas públicas para mulheres, crianças e adolescentes. Finalmente é preciso lembrar a contribuição da LBA, sob a administração da primeira-dama, para alavancar a profissionalização do serviço social no país”.

mulher que não media esforços para conseguir seus intentos.” O poder de mobilização de Darcy Vargas, ressalta a autora, é um elemento a ser destacado. Basta lembrar que ela conseguiu envolver nomes importantes do universo social, cultural, político e artístico da época. E os levou a participar de suas realizações. Desse modo, contou com o apoio e a adesão das mulheres da elite nos projetos filantrópico-assistenciais, algo inédito na época. “O poder que detinha, pelo lugar ocupado no cenário nacional, facultou-lhe a possibilidade de fazer uso da máquina administrativa em nome da filantropia.” Tratava-se, sem dúvida, afirma Ivana, de uma mulher com personalidade composta por alguns ingredientes: diplomata no trato com as pessoas para conseguir o que queria, determinada nos seus empreendimentos e sedutora na conquista para atingir seus objetivos. “Os retratos de Darcy Vargas possíveis de ser obtidos pela documentação consultada revelam que ela era uma mulher dominada pelo marido. Entretanto, conforme diz Chartier, existem algumas fissuras nas relações sociais e de poder que inauguram possibilidades aos sujeitos para mudar as regras do jogo.” Nos jogos estabelecidos entre o casal e entre pais e filhos, diz a autora, Darcy Vargas encontrou espaço para influenciar e fazer valer suas vontades. 108

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“Embora seja preciso ressaltar que os jogos familiares trazidos à tona são versões de Getúlio e de Alzira para os fatos relatados – foram consultados, em especial, os diários de Vargas e a biografia deste, escrita pela filha –, podemos exemplificar a afirmação com a confissão feita pelo governante no diário de que em determinado momento da vida conjugal a esposa pediu a ‘separação de camas’ e que a opinião da mãe numa contenda familiar, descrita por Alzira, fora fundamental para que o pai se convencesse e permitisse que ela se tornasse motorista.” Em seu relato, Alzira usa a expressão “o poderoso apoio da mãe” para falar da força materna no âmbito familiar. “Quanto à influência da personagem no circuito das decisões políticas, se elas aconteceram, não foram objeto de registros.” Chamou a atenção de Ivana ao focalizar a trajetória da personagem o modo pelo qual o casamento pode ser um elemento diferenciador no percurso de uma mulher, de modo a criar mecanismos para a ascensão social e política. A história de Darcy Vargas é exemplar nesse sentido. Nas palavras da autora, pelo casamento ela foi inserida no universo da política; e pelas relações conjugais foi levada a participar das encenações do poder. “Não resta dúvida de que nos jogos públicos

Ruth - A tese de Ivana começou a brotar

em 1997, influenciada pelas leituras de historiadoras das mulheres e de gênero. Surgiu então a vontade de trabalhar com questões relacionadas à mulher na política. Primeiro pensou em estudar Ruth Cardoso e o Programa Comunidade Solidária, surgido na década de 1990. Algumas leituras começaram a indicar que havia uma relação entre a Legião Brasileira de Assistência, extinta por Fernando FOTOS DO LIVRO MULHER E POLÍTICA/ACERVO DO CREAS

FOTO DO LIVRO MULHER E POLÍTICA/ACERVO DO CPDOC

A primeira-dama dirigindo, da cadeira do marido, reunião no Palácio do Catete

Dona Darcy na ativa, momento a momento:

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Henrique Cardoso em 1995, e o programa de Ruth Cardoso, lançado logo em seguida pela mulher do presidente. “Dei então início a um estudo comparativo entre as duas primeiras-damas – Darcy Vargas e Ruth Cardoso. No decorrer da investigação, percebi que havia uma lacuna a ser explorada pela história das mulheres e pela história política brasileira, a qual dizia respeito ao papel desempenhado por Darcy na história política, particularmente a assistencial.” A bibliografia consultada contribuía para a pesquisadora se definir. Colaboraram nesse sentido as poucas menções ra à personagem pe na literatura histórica que cobriam temas, personagens e questões cobri do gov governo e governante; a maneira como a pri primeira-dama era descrita quando apareci aparecia nos relatos, particularmente nas biografias criadas para ela, as quais falavam de su sua dedicação às ações assistenciais com início em 1930, com a Legião da Carid Caridade, substituída pela Fundação Darcy V Vargas (1938), e, por fim, o nascimento d da Legião Brasileira (1942). E ainda os estude Assistência (1942) dos da assistência social que vinculavam sua participação na polít política assistencial ao criar a Legião Brasileira de Assistência, a primeira instituição pública de assistência social, que surge no cenário assistencial com o ingresso do país na Segunda Guerra Mundial – ccom o objetivo de “amparar os soldados mobilizados e seus familiares”. Tudo iisso confirmava a impressão de que a traje trajetória da primeira-dama podia esclarecer aspectos importantes sobre o relacionamento da mulher com a política. No trabalho sobre Darcy Vargas, desenvolvido no doutorado, Ivana

buscou conhecer oss meandros percorridos pela personagem gem Vargas no seu relacionamento com om Getúlio e suas “políticas”. Um doss questionamentos foi qual o significado do que o casamento com Getúlio Vargass teve para a sua vida. Ou como ela havia avia convivido com a carreira política do homem público. A autora se indagou ou também de que maneira a política participou de sua vida e que participação ação que ela teve no percurso de Vargass e suas “políticas”. “Enfim, tratei de descobrir escobrir a diferença que o casamento e a convivência com Getúlio tinha feito na sua vida, criando para ela formas de atuação tuação e de participação na vida pública ica brasileira.” Damismo - Ivanaa acredita que seu

estudo produziu uma ma história para a personagem, a quall permite entender aspectos significativos vos da atuação das primeiras-damas e, por conseguinte, o processo de construção ução do primeirodamismo no Brasill e da participação das mulheres dos homens públicos nos circuitos do poder. der. A principal dificuldade encontrada da para a realização do trabalho foi com m relação às fontes. Darcy Vargas não deixou eixou nada ou quase nada escrito de próprio óprio punho. Dela, a autora encontrou u apenas uma carta manuscrita, a qual tratava de aspectos relacionados a um dos momentos mais dolorosos de sua existência: istência: a morte do filho, Getulinho, em m 1943, aos 26 anos de idade. Nos acervos vos da imprensa e de memória era possível ossível encontrar a personagem. “Ela estava nas notícias, nas obras memorialísticas, ísticas, nas imagens fotográficas, nos documentos fo ocumentos escritos de vários tipos e estilos tilos (atas, boletins,

relatórios). Entretanto, o modo como ela se apresentava e era apresentada intrigava e inquietava. Posso afirmar que o silêncio e a maneira impenetrável como Darcy Vargas se mostrava na documentação se transformaram no motor da pesquisa.” Para contornar os problemas das informações das fontes, Ivana desenvolveu algumas estratégias narrativas. Como, por exemplo, a composição de cenários com a bibliografia sobre mulheres e política, em suas múltiplas perspectivas. As diferenças nas informações obtidas pelas fontes de consulta, explica ela, também foram determinantes na narrativa. No diário de Getúlio e no livro Getúlio meu pai, escrito pela filha Alzira Vargas do Amaral Peixoto, captou as representações para mãe e esposa; os materiais da imprensa, as fotografias e os outros documentos forneceram as pistas para perseguir a primeira-dama nas múltiplas formas de sua atuação como mulher pública – esposa e presidente das instituições. “Foi a história possível de ser escrita sobre o percurso da personagem que o livro oferece aos leitores.” Darcy Vargas morreu no Rio de Janeiro, em 1968. Após o suicídio do marido, em 1954, ela permaneceu morando no Rio de Janeiro e continuou na administração da fundação que leva o seu nome. No mesmo ano da morte da idealizadora da entidade, a filha Alzira Vargas assumiu seu lugar na direção. Em 1992, quando Alzira morreu, a neta dos Vargas, Edith, filha de Jandira, assumiu os trabalhos e responde pela instituição até hoje. ■

recebendo doação de livros, entregando-os para a autoridade escolar e, por fim, presenteando marinheiro com exemplar

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.. .. RESENHA

A Rússia americana Estudo revela visão inovadora da terra brasileira Carlos Haag

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e já causa estranheza o conceito de uma “Rússia americana”, o que dizer do uso dessa expressão, que reúne ideais aparentemente antagônicos, para explicar o Brasil, ou melhor, para questionar a idéia de que somos um país fadado ao atraso, partindo justamente de um elemento, a imensidão territorial, em geral, entendido como a raiz própria desse atraso? Esse é o tema complexo de que João Marcelo Ehlert Maia trata, com precisão e inteligência, em seu livro A terra como invenção, fruto de seu doutorado, vencedor do Prêmio Anpocs 2007 de melhor tese em ciências sociais. Num exercício intelectual notável, o pesquisador procura reabrir o pensamento social brasileiro sobre as características do processo civilizador nacional, analisando obras literárias menos conhecidas de dois engenheiros-pensadores, Euclides da Cunha e Vicente Licínio Cardoso. Na idéia central da dupla a visão de um Brasil cuja formação social, na contramão do senso comum, se baseou no pragmatismo, na modernidade inconclusa e na inventividade bem como na aspereza, que ganha, com eles, status de força positiva. Nesse movimento, o país seria, para usar a expressão utilizada por Gilberto Freyre, uma Rússia americana, trazendo elementos das duas culturas na formação de um pensamento sobre a terra inovador em face daquele em vigor no Velho Mundo. Entre nós, a lógica territorialista sempre nos condenou a uma evolução que impossibilitaria a modernidade.

A terra como invenção João Marcelo Ehlert Maia Jorge Zahar Editor 222 páginas R$ 39,00

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Daí a importância do debate que, aparentemente acadêmico, é dotado de grande atualidade, aplicável a experiências da sociedade contemporânea brasileira como favelas, ajuntamentos urbanos e sertões galvanizados pela cultura global. Como, porém, compreender uma Rússia americana? “Os exemplos russo e americano guardam diferenças, mas apontam para um campo que guarda elementos convergentes. Nas duas formações sociais, a terra foi a imagem principal de fabulações que buscavam um caminho inventivo e aberto para o processo civilizador, que não repetisse os códigos do Velho Mundo e fornecesse aos seus povos a chance de se recriarem de maneira flexível”, nota o autor. No caso de Euclides, nos seus escritos sobre a Amazônia (Terra sem história), a chave estaria na “terra em movimento que exige uma sociabilidade nova, ao mesmo tempo bárbara – ele compara os seringueiros a personagens dostoievskianos – e inventiva”. Nessa geografia em que falharam tentativas de se adaptar uma civilização artificial, apenas uma experiência nova e “bárbara” (não vista em oposição ao moderno, mas na sua vanguarda) poderia prosperar. Licínio, em À margem da história da República, que organiza em 1920, reunindo um grupo de pensadores interessados numa visão crítica da República, vai ainda mais longe. O Brasil, como nação americana e tropical, partilharia do potencial americano dos pioneiros que desbravaram as florestas ao norte. “Essa imagem associa uma qualidade civilizatória americana, fazendo do Brasil uma sociedade marcada pela inventividade.” Ao mesmo tempo, fala em “força da terra”, conceito russo que vê num registro de civilização pujante e aberta, a despeito da aridez da vida nas estepes. No Brasil, as duas “virtudes” se encontrariam e se tropicalizariam na Rússia americana, capaz de dar ao binômio conservação-mudança de nossa sociedade um andamento positivo, já que indicativo de uma forma de modernidade periférica ajustada a uma boa experiência civilizatória que dispensa um código moral das sociedades centrais. “O Brasil se constrói a partir do movimento constante de conhecê-lo e inventariá-lo”, observa o autor. Sorte nossa contar com um guia tão bem preparado como João Marcelo.

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.. .. LIVROS

Lasar Segall: arte em sociedade Fernando Antonio Pinheiro Filho Cosac Naify e Museu Lasar Segall 272 páginas, R$ 42,00

O livro trata de um dos aspectos pouco estudados da obra de Segall: seus trabalhos como cenógrafo e decorador de bailes da Sociedade Pró-Arte Moderna e de pavilhões de arte da elite paulistana nos anos 1920 e 30. O autor atenta para a inserção social do artista nesse ambiente e para o jogo de interdependência entre este e seus mecenas, traçando assim um retrato estético e político dessa época. Cosac Naify (11) 3218-1444 www.cosacnaify.com.br

Sons, formas, cores e movimentos na modernidade atlântica: Europa, Américas e África Júnia Ferreira Furtado (org.) AnnaBlume Editora 508 páginas, R$ 60,00

Dando ênfase para temas pouco explorados pela historiografia, Júnia Furtado organiza um estudo voltado para as formas, os sons, as cores e os movimentos que caracterizam uma época em que o mundo ampliava suas fronteiras. Explorar as possibilidades que os quatro temas abrem para o estudo histórico sobre o mundo atlântico moderno é o principal objetivo do livro. AnnaBlume (11) 3812-6764 www.annablume.com.br

Urdidura do vivido: Visão do paraíso e a obra de Sérgio Buarque de Holanda nos anos 1950

FOTOS EDUARDO CESAR

Thiago Lima Nicodemo Edusp 248 páginas, R$ 33,00

Cem anos da imigração japonesa: história, memória e arte Francisco Hashimoto, Janete Leiko Tanno, Monica Setuyo Okamoto (orgs.) Editora Unesp 372 páginas, R$ 45,00

A coletânea reúne 18 textos de pesquisadores e artistas que, sob olhares diversificados, abordam a temática da imigração japonesa. Valorizando documentos literários, artísticos, jurídicos e orais, o livro ultrapassa o padrão acadêmico e busca rememorar o centenário da vivência de japoneses em território brasileiro fazendo emergir o sentimento desses sujeitos de identidades híbridas e corações repartidos. Editora Unesp (11) 3242-7171 www.editoraunesp.com.br

Judeus no Brasil: estudos e notas Nachman Falbel Humanitas, Edusp 822 páginas, R$ 60,00

Judeus no Brasil visa recuperar parte da defasagem a respeito dos estudos da participação e da presença do elemento judaico na história do país, principalmente a partir do século XIX. O autor, medievalista e militante de movimentos comunitários, lança mão de métodos modernos da historiografia para reunir uma rica documentação e pensar os problemas que envolvem estes personagens e instituições. Editora Humanitas (11) 3091-2920 www.editorahumanitas.com.br

1932: imagens de uma revolução Marco Antonio Villa Imprensa Oficial 208 páginas, R$ 60,00

Thiago Nicodemo foca o percurso intelectual de Sérgio Buarque durante toda a década de 1950 a partir de seu livro Visão do paraíso, fruto de uma tese que escreveu em 1958, e lança olhares para as imagens e estereótipos brasileiros como símbolos e mitos. O autor também faz uma comparação e contraste entre o seu protagonista e Caio Prado Jr. na condição de historiadores do Brasil colonial.

O cenário paulista da Revolução de 1932 é retratado através de fotos, documentos e jornais da época, partituras e letras musicais, instrumentos bélicos, entre outras fontes. O olhar diferenciado de Marco Villa procura superar a convencional abordagem acadêmica que toma o evento como último grito da velha oligarquia cafeeira deslocando-o para a questão democrática como herança política do conflito.

Edusp (11) 3091-4008 www.edusp.com.br

Imprensa Oficial (11) 5013-5108 www.imprensaoficial.com.br

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... FICÇÃO

Cobaia

Andréa del Fuego

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iz a inscrição porque quis. Ser cobaia de uma experiência médica à base de mistério foi o que me motivou. Conheço outras cobaias. São pessoas curiosas, dóceis e até saudáveis. Muitas tiveram parentes mortos por doenças letais e se botam como sacrifício da ciência. É uma forma de suicídio, querem ficar iguais ao finado. Sou técnico em informática, mas sempre quis ser médico, atender gente mais fraca que eu. Aviar receitas, orientar o horário dos comprimidos, proibir o cigarro e ver o paciente dois meses depois com o rosto inseguro, querendo que eu diga a verdade sobre seu caso. Digo que por mais três meses ele poderá ficar tranqüilo, mas que exames mais elaborados esclarecerão a origem dos sintomas. Ele dirá que os sintomas sumiram, eu informarei que é esse o sintoma do agravamento, o seu sumiço. O paciente me visitaria toda semana, os exames sempre imprecisos, confiaria em meu diagnóstico e nas bulas. Fui médico placebo. Exerci medicina ilegal e fui pego por um juiz. Abri consultório em uma pequena cidade, havia um cardiologista e um dentista. Eu me ofereci como clínicogeral. O hospital me aceitou com os documentos falsificados que apresentei. Não mantive contato com os médicos, dizendo que nunca podia tomar um café mais tarde por conta de minha mãe adoecida, ainda tinha que dirigir por duas horas até minha cidade-dormitório. Não havia reuniões de planejamento e pude gastar o receituário por quase um ano. Namorei uma mulher de quarenta e alguma coisa, só soube que seu pai era juiz quando ele se apresentou no quarto da pensão que aluguei na cidade vizinha. Minhas fichas são limpas, nas delegacias de polícia, nos consultórios dentários e nos financiamentos de magazine. Apesar do flagra, a queixa foi retirada e fui convidado a de-

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saparecer, a fiança foi paga a pedido da filha madura. Topei o acordo e sumi. Tratei de levar uma vida comum, fazendo conserto de eletrônicos, o problema é que as manchetes me excitam. Polvos podem matar por ciúmes Cientistas acham fezes de 14 mil anos Pesquisadores revelam insetos da Era dos dinossauros Astrônomos divulgam imagens de tsunami solar Homem que era mulher anuncia estar grávido Tofu pode elevar risco de demência, diz estudo Síndrome faz mulher recordar 24 anos em detalhes Cientistas flagram assédio sexual de foca a pingüim De um hospital pra outro não foi difícil. Com a ficha limpa e sem a pretensão do jaleco branco, caneta de prata e carimbo, ofereci meu sangue. Doei muito. Sou doador universal, o tipo sangüíneo mais antigo do planeta. Ou o mais ultrapassado, o caboclo que vai levando na maciota em condições naturais. Talvez seja híbrido o sangue do homem atual, com anticorpos vindos do espaço, transmitidos em alguma festa de ufólogos em Goiás. Se bem que do espaço somos todos, boiando em torno da omelete com a gema mole do sol. A doutora Sandra, responsável pelos procedimentos, me fez várias perguntas. O hábito gentil e cívico da doação somou pontos no meu tipo psicológico, humanista e social. A ciência é rígida e seus seguidores são obedientes. Há leis de ética, punições e aquele que a exercer para fins individuais não consegue respeito nem bolsa de estudo. Ai do pesquisador que não faça uma análise de mercado, para saber o que a massa precisa e então formular suas questões.

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THIAGO BALBI

Eu daria um bom pesquisador, assim como fui excelente médico. Pesquisador ilegal é bem mais radical. Problema é que fingir ser um me escapa à técnica, ao discurso, onde pôr as mãos durante a palestra, se a armação dos óculos pode ser de acrílico fosco. Sendo cobaia, pretendo ter acesso aos laboratórios nem que seja a portinhola de onde saem as seringas que a enfermeira gentilmente espreme no meu braço. Fico deitado em ambiente asséptico, sou bem tratado. Um doutor me observa e disca números em um celular. — Brandão? Deu negativo, fase quatro em andamento. Um dia essa cena se dará dentro do corpo de um homem adulto, seremos diminuídos à nano-escala e viveremos em edifícios de osso, jardins de plaqueta, presídios de aspirina, beliches de benzetacil. Assinei uma cláusula de sigilo pela qual não poderei abrir a boca sobre exatamente o que não sei: o objetivo do experimento. Sei que há outros como eu, mas que ficaram em outra seleção, outra sala, outro contrato. Assinei também um papel em branco, mas foi em troca de uma boa grana. Agora tenho casa própria, moto roliça, geladeira cheia e plano de saúde com direito a helicóptero. Claro, a qualquer momento um pesquisador poderá criar uma nova tecnologia sob a qual deverei me expor: uma substância, uma agulha, uma ressonância barulhenta. Tenho pra mim que eles sabem de meu passado, e meu futuro sem glória faz de meu corpo um elemento branco e peludo de laboratório. Gosto disso. E não vai ser uma estudante de direito hospitalar que irá me salvar do que ela chama de absurda violação da integridade física e mental de um cidadão. Cidadão não doa sangue, não doa o corpo, não salva vidas ainda que sem o diploma. Diga a ela que eu não assino, não denuncio, não dou testemunho.

— Sim, Brandão, estou gravando o que ele diz, a substância está em contato com a medula, posso observá-la. Estamos na terceira sessão, o médico acha que pode rastrear meu pensamento, pois ele carrega moléculas elétricas que são detectadas por aparelhos. Essas moléculas revelariam o DNA de um possível tumor criado por pensamentos desalinhados no berço, ou seja, na minha cabeça. Os caras são loucos, eu fico quieto. Não consigo precisar um pensamento, nem impedi-lo de nascer, o tal Brandão defende que tumores malignos têm consciência, os benignos são acéfalos. Os malignos pensam por si, se reproduzem quando encontram, no corpo do ratinho, um ninho de paranóia e carinho. O que farão com a consciência do maligno só posso especular: contato em primeiro grau, pedirão que a comunidade escolha uma molécula líder, exigirão que a líder explique sob o microscópio os seu objetivos, por fim oferecerão animais criados em laboratório no lugar do corpo humano, a molécula aceitará porque suas companheiras se rebelam justamente na multiplicação. Os cientistas terão que lidar com tumores do tamanho de animais, pois preferirão organismos constantemente alimentados para hospedá-los. Aglutinados, pensarão com força, todas as moléculas dispersas encontrariam seu território, terão time de futebol, bandeira, hino nacional e cobaias. Andréa del Fuego é escritora, nasceu em São Paulo, em 1975. É autora da trilogia de contos Minto enquanto posso, Nego tudo e Engano seu (projeto contemplado com a bolsa de incentivo à criação literária da Secretaria do Estado de São Paulo) e do romance juvenil Sociedade da Caveira de Cristal. Mantém o blog www.delfuego.zip.net PESQUISA FAPESP 150

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