Pesquisa FAPESP 209

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julho de 2013  www.revistapesquisa.fapesp.br

obesidade

Perda de 8% do peso reequilibra organismo de adolescentes dinossauros

Algas ajudaram a preservar pegadas no interior da Paraíba bioquerosene

Empresas desenvolvem combustível renovável para aviação civil violência

Estudo aponta a polícia como maior responsável pela impunidade entrevista Helena Nader

Mais verbas e menos burocracia para a ciência

Nova cobaia, o zebrafish pode acelerar testes de medicamentos

Deu peixe



fotolab

Beleza oculta A beleza é vista como uma marca registrada das flores, mas algumas partes delas podem também ter uma dimensão estética surpreendente. A foto maior acima mostra um grão de pólen de uma espécie rara de flor do maracujá, a passiflora da Amazônia (Passiflora tholozanii). Marcelo Carnier Dornelas, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), um estudioso da evolução e dos mecanismos moleculares da formação de flores, fez a imagem em um microscópio eletrônico de varredura e a coloriu no computador.

Imagem enviada por Marcelo Carnier Dornelas, do Instituto de Biologia da Unicamp

Se você tiver uma imagem relacionada à sua pesquisa, envie para imagempesquisa@fapesp.br, com resolução de 300 dpi (15 cm de largura) ou com no mínimo 5 MB. Seu trabalho poderá ser selecionado pela revista.

PESQUISA FAPESP 209 | 3


julho 2013 n. 209 POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA 30 Colaboração

Programa mobiliza centenas de instituições para ampliar o conhecimento sobre a biodiversidade brasileira

16 CAPA

34 Workshop

Mais prático e barato que os roedores, o peixe paulistinha começa a ser usado em pesquisas de neurociências e testes de medicamentos no Brasil

Laboratório de Luz Síncrotron envolve empresas nos desafios tecnológicos para construção de sua nova fonte de luz

foto  léo ramos

Em adolescentes, hormônio que controla o apetite pode voltar ao normal com uma redução de apenas 8% da massa corporal

entrevista 24 Helena Bonciani Nader Bióloga molecular e presidente da SBPC fala das conquistas da instituição e pede mais verbas e menos burocracia para a ciência

seçÕes 3 Fotolab 5 Editorial 6 Cartas 7 On-line 8 Dados e projetos 9 Boas práticas 10 Estratégias 12 Tecnociência 86 Memória 88 Arte 91 Resenha 92 Conto 94 Carreiras

4 | julho DE 2013

CIÊNCIA 36 Saúde pública

TECNOLOGIA 56 Energia

Estudo incentiva a produção de bioquerosene para a aviação civil

62 Pesquisa empresarial

Laboratório de Pesquisas da IBM no Brasil mira inovações nas áreas de petróleo e gás, ambiente, logística e suprimento

66 Inovação

Empresas recorrem a universidades para lançar produtos mais competitivos

70 Informática

HC de Ribeirão Preto utiliza sistema nacional para arquivar e gerenciar imagens médicas

40 Ecologia

Orquídeas, sementes e mudas de área a ser perdida podem enriquecer uma região 40 vezes maior

42 Especial Biota Educação V

Deficiência hídrica e clima semiárido exigem respostas adaptativas cada vez mais sofisticadas de espécies da caatinga

47 Paleontologia

Algas ajudaram a preservar pegadas de dinossauro na Paraíba

50 Matéria condensada

Modelo teórico reproduz anomalias das moléculas de H20, como seu superfluxo e estranha difusão em nanotubos

54 Física

Grupos internacionais testam estratégia para realizar, em chip de vidro, operação impossível para computadores convencionais

HUMANIDADES 72 Sociologia

Ineficiência da polícia e do Judiciário quebra crença nas instituições democráticas

78 História

Documentos da Royal Society mostram debate entre Estado e ciência a partir de naufrágio no Brasil

84 Obituário

Ex-dirigente comunista, Jacob Gorender contribuiu para a história do período colonial e da luta armada mais recente


carta da editora

As lições dos leitores Mariluce Moura  |

V

Diretora de Redação

ou me permitir dessa vez, em lugar de comentar como sempre (ou quase) os destaques da edição, falar um pouco do que nos dizem os leitores que buscam estabelecer conosco um diálogo mais direto, sempre bem-vindo. Mensagens de leitores aos editores de uma publicação periódica costumam dar pistas importantes sobre os assuntos que mais os mobilizam e oferecem razões para que se entenda o elo, por vezes o verdadeiro vínculo afetivo, que estabelecem com a revista ou o jornal em questão. São, portanto, um guia editorial precioso a ser levado em conta pelos profissionais que põem mãos à obra para dar corpo – de preferência, um corpo substancioso e atraente – ao produto de que estão encarregados. É assim também com Pesquisa FAPESP. Entretanto, temos que buscar a essa altura a diferença de natureza, se é que existe, entre o que dizem nossos leitores clássicos, tradicionais, e o que expressam os seguidores da revista nas redes sociais. Quem sabe se possa aí deparar com material fecundo que contribua para entendermos o leitor contemporâneo de veículos especializados de comunicação que, embora impressos, chegam ao público em diferentes suportes e plataformas. Enviadas pela internet, às vezes pelo correio, as cartas dos que estou chamando leitores clássicos abordam sobretudo as grandes reportagens da revista. Discutem a pertinência de seu conteúdo, sua importância, chamam a atenção para a qualidade dos textos, detêm-se nas entrevistas pingue-pongue de largo fôlego, desdobram argumentos para embasar os elogios ou as críticas que tecem e tornam claras as preferências de seus autores por determinada área coberta pela revista e por este ou por aquele editor. Por vezes, são mensagens manuscritas como as que nos costumava enviar o professor Luiz Henrique Dias Tavares, autor do clássi-

co Independência do Brasil na Bahia (ver Pesquisa FAPESP, edição 119), lembrança que vem bem a propósito neste 2 de julho em que escrevo neste espaço, posto que se trata da maior data cívica baiana, alusiva ao encerramento das lutas pela Independência do Brasil e à vitória sobre os portugueses, em julho de 1823. Ou como as que nos remete, a mais recente escrita em 26 de junho último, o leitor Antonio Amaro, paulistano/português, imagino, dado que nos enviou uma de suas cartas entusiasmadas quando a revista publicou como tema de capa, em novembro de 2012, reportagem sobre as razões históricas da longevidade multissecular do império luso. Nestes casos, são cartas atravessadas por um tom tão gentilmente afetuoso que nos soam comoventes e, sobretudo, revigorantes. Mas, e as redes sociais, este vasto e novo campo de forças em ebulição? Suas mensagens afastam-se de uma linguagem efetivamente argumentativa e crítica, inadequada à dinâmica desse espaço, mas trazem um outro olhar sobre a revista em seus rápidos comentários de 140 caracteres do Twitter e não muito mais que isso do Facebook e outras redes? Vejamos. De 21 a 27 de junho, o assunto que mais gerou cliques das redes para o site de Pesquisa FAPESP, quase 1 milhar deles (o que é pouco para veículos em geral, mas significativo para a revista), foi uma pequena nota originalmente publicada na revista impressa, de não mais que 1.500 caracteres, da seção Carreiras, a respeito do blog Ciência Prática, criado pelo físico Eduardo Yukihara para dar dicas sobre a carreira acadêmica. A larga distância, com cerca de um quarto dos cliques do primeiro colocado, estava uma nota elaborada para o site da revista sobre a boa posição da Unicamp num ranking de universidades com menos de 50 anos. Na semana anterior o texto campeão de

cliques havia sido uma reportagem de quatro páginas sobre as árvores da serra da Mantiqueira que captam água pelas folhas, seguida, com menos de 50% dos cliques da primeira, por outra pequena nota de Carreiras sobre um ex-cortador de cana que com muito esforço trilhou a carreira acadêmica, fez o doutorado na USP e é hoje professor da PUC de São Paulo. Nas duas semanas, no entanto, textos de maior fôlego se seguiam, incluindo uma reportagem sobre o ensino da química, a entrevista pingue-pongue com o epidemiologista Cesar Victora e a matéria de capa da revista sobre os novos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) bancados pela FAPESP. Que conclusões tirar dessa repercussão, perguntei ao jornalista Caio Túlio Costa, membro do conselho editorial de Pesquisa FAPESP, estudioso respeitado da comunicação nas redes sociais, entre muitas outras credenciais profissionais. “O consumo de informação na rede, levado a efeito predominantemente por um público de 18 a 35 anos, é muito mais imagético e rápido do que na mídia tradicional”, ele disse. Títulos, subtítulos, imagens, infográficos respondem muito mais que textos extensos à sua rápida necessidade de informação, ainda que os leitores que chegam ao site de Pesquisa FAPESP pelo Twitter demorem em média cinco minutos navegando dentro dele – um espanto, porque esse tempo é uma eternidade neste universo! Mas, o mais surpreendente nesse campo hoje, Caio Túlio observa, é a dimensão do uso das redes sociais no Brasil que, desde o Orkut, de novo aponta para algo que os intérpretes clássicos do país ressaltavam: os brasileiros são radicalmente ligados uns aos outros, é de seu caráter a exposição ao diálogo. É tempo de desejar aos leitores, com quem tanto aprendemos, boa leitura! PESQUISA FAPESP 209 | 5


cartas

cartas@fapesp.br

fundação de amparo à pesquisa do estado de são Paulo Celso Lafer Presidente Eduardo Moacyr Krieger vice-Presidente Conselho Superior alejandro szanto de toledo, Celso Lafer, Eduardo Moacyr Krieger, fernando ferreira costa, Horácio Lafer Piva, Herman Jacobus Cornelis Voorwald, joão grandino rodas, Maria José Soares Mendes Giannini, José de Souza Martins, Luiz Gonzaga Belluzzo, Suely Vilela Sampaio, Yoshiaki Nakano Conselho Técnico-Administrativo José Arana Varela Diretor presidente Carlos Henrique de Brito Cruz Diretor Científico Joaquim J. de Camargo Engler Diretor Administrativo

issn 1519-8774

Conselho editorial Carlos Henrique de Brito Cruz (Presidente), Caio Túlio Costa, Eugênio Bucci, Fernando Reinach, José Eduardo Krieger, Luiz Davidovich, Marcelo Knobel, Marcelo Leite, Maria Hermínia Tavares de Almeida, Marisa Lajolo, Maurício Tuffani, Mônica Teixeira comitê científico Luiz Henrique Lopes dos Santos (Presidente), Adolpho José Melfi, Carlos Eduardo Negrão, Douglas Eduardo Zampieri, Eduardo Cesar Leão Marques, Francisco Antônio Bezerra Coutinho, Joaquim J. de Camargo Engler, José Arana Varela, José Roberto de França Arruda, José Roberto Postali Parra, Luis Augusto Barbosa Cortez, Marcelo Knobel, Marie-Anne Van Sluys, Mário José Abdalla Saad, Marta Teresa da Silva Arretche, Paula Montero, Roberto Marcondes Cesar Júnior, Sérgio Luiz Monteiro Salles Filho, Sérgio Robles Reis Queiroz, Wagner do Amaral, Walter Colli Coordenador científico Luiz Henrique Lopes dos Santos Diretora de redação Mariluce Moura editor chefe Neldson Marcolin Editores Carlos Haag (Humanidades), Fabrício Marques (Política), Marcos de Oliveira (Tecnologia), Ricardo Zorzetto (Ciência); Carlos Fioravanti e Marcos Pivetta (Editores espe­ciais); Bruno de Pierro e Dinorah Ereno (Editores assistentes) revisão Márcio Guimarães de Araújo, Margô Negro arte Mayumi Okuyama (Editora), Ana Paula Campos (Editora de infografia), Maria Cecilia Felli e Alvaro Felippe Jr. (Assistente)

Cepids

Fico sempre deliciado com a qualidade de Pesquisa FAPESP. Penso sempre naqueles cidadãos que desde o sul dos Estados Unidos até a Patagônia, ou os cidadãos de Portugal, Angola, Moçambique que têm apenas informação escassa sobre novas descobertas e, na maioria das vezes, só para quem lê inglês, como ficariam agradados de poder ler esta qualidade. Só falta um incentivo de divulgação programada, talvez até com parcerias e colaboração com meios locais. Os Cepids (“A expansão do conhecimento”, edição 208) que presumo vão dar excelentes resultados como os dão os institutos Fraunhofer, da Alemanha. Com pena, não vi nenhuma estrutura ou Cepid dedicado a divulgação, desenvolvimento e formação da sociedade em geral (que financia toda a investigação) até aproveitado as valências de comunicação social e mídia, que são excelentes. Como admirador do Brasil, não posso deixar de clamar pela divulgação da ciência e cultura por toda a área “natural” do Brasil, o espaço latino. Antonio S. Cristovao Lisboa, Portugal

fotógrafos Eduardo Cesar, Léo Ramos Mídias eletrônicas Fabrício Marques (Coordenador) Internet Pesquisa FAPESP online Maria Guimarães (Editora) Júlio Cesar Barros (Editor assistente) Rodrigo de Oliveira Andrade (Repórter) Rádio Pesquisa Brasil Biancamaria Binazzi (Produtora) Colaboradores Abiuro, Adriana Kanzepolsky, Ana Lima, Daniel Bueno, Daniel das Neves, Evanildo da Silveira, Fernando Vilela, Igor Zolnerkevic, Maria Hirzsman, Raul Aguiar, Tato Araújo, Valter Rodrigues (Banco de Imagens), Vinicius Jatobá, Visca, Yuri Vasconcelos

É proibida a reprodução total ou parcial de textos e fotos sem prévia autorização Para falar com a redação (11) 3087-4210 cartas@fapesp.br Para anunciar (11) 3087-4212 mpiliadis@fapesp.br Para assinar (11) 3038-1434 e 3556-5204 fapesp@veganet.com.br Tiragem 44.200 exemplares IMPRESSão Plural Indústria Gráfica distribuição Dinap GESTÃO ADMINISTRATIVA INSTITUTO UNIEMP PESQUISA FAPESP Rua Joaquim Antunes, no 727, 10o andar, CEP 05415-012, Pinheiros, São Paulo-SP FAPESP Rua Pio XI, no 1.500, CEP 05468-901, Alto da Lapa, São Paulo-SP Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia Governo do Estado de São Paulo

6 | julho DE 2013

Michel Rabinovitch

Notável a entrevista de Michel Rabinovitch “Um método para inocular ciência” (edição 207). Nos anos 1950, vários contemporâneos “procuraram o Rabino”, como disse o Brentani. Não fui um deles, aproximei-me de Samuel Pessoa e daí para Ribeirão Preto trabalhar com dois de seus assistentes: Mauro Barreto, dos focos naturais, e Pedreira de Freitas, da erradicação do barbeiro dos casebres, ambos consagrados pelo mergulho na endemia chagásica e seu controle. Agrego uma descrição do episódio da prisão do Hildebrando e fuga do Rabino na reunião anual da SBPC, em julho de 1964 em Ribeirão Preto. O golpe militar ainda não completara quatro meses e a SBPC já era uma das paliçadas da resistência. Panfletamos uma carta de protesto contra a ditadura, de Alceu Amoroso Lima, insuspeito de ser comunista. No saguão da FMRP/USP a polícia prendeu o Luiz Hil-

debrando e perguntou pelo Rabino. Consta que Carlos Ribeiro Diniz, bioquímico, o avisou numa sala às escuras onde projetavam trabalho científico. A fuga do Rabino ele sabe melhor do que ninguém. O que ele não sabe é o destino da Rural Willis, abandonada na fuga na ala residencial dos professores da faculdade. Ficou por lá até que, alta madrugada, fui com Walter Colli resgatá-la. Suspeitávamos que estivesse sendo vigiada por pertencer a um “fugitivo da ditadura”. Saímos tranquilos pelo portão da faculdade, eu no meu Dauphine e o Colli já na direção da Rural. Eu fiquei em Ribeirão Preto e Colli seguiu madrugada afora a caminho de São Paulo. José R. Carvalheiro Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP Ribeirão Preto, SP

Paulo Vanzolini

A reportagem sobre Paulo Vanzolini (Olhar aberto sobre a biodiversidade, edição 208) coloca os pontos nos “is”. Muito mais que compositor, era um cientista dedicado à pesquisa. Foi um homem de campo, amava a herpetologia e rodou o Brasil inteiro à caça de seus artrópodes para formatar o banco de espécies do Museu de Zoologia. Vale dizer que a maioria de suas canções foram compostas nos anos 1940 e 1950. Tadeu Nogueira São Paulo

Correção

Na reportagem “Do bagaço à inovação” (edição 208), onde se lê Usina São Miguel, leia-se Usina São Manoel. Na Carta da Editora “Matérias-primas para plasmar o futuro” (edição 208), o valor do investimento da FAPESP nos Cepids, de 680 milhões, é em dólares, e não em reais.

Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail cartas@fapesp.br ou para a rua Joaquim Antunes, 727, 10º andar - CEP 05415-012, Pinheiros, São Paulo-SP. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.


on-line

Nas redes

Rodolfo Nogueira

w w w . r e v i s ta p e s q u i s a . f a p e s p. b r

Zizzo Bettega_ Pérolas de soja para

Exclusivo no site

ração de porcos. Mundo insano. (Laboratório a céu aberto)

x Com base em fósseis de 80 milhões de anos encontrados no interior de São Paulo, pesquisadores das universidades federais do Rio de Janeiro e do Triângulo Mineiro, em Minas Gerais, puderam descrever como era e vivia o Gondwanasuchus scabrosus, um crocodiliforme – grupo de répteis que inclui os crocodilos. Segundo artigo publicado na revista Cretaceous Research, o animal foi um carnívoro terrestre de 1,30 metro de comprimento, de dentição única e uma visão binocular tridimensional semelhante à do Tyrannosaurus rex, um dos maiores predadores conhecidos.

Celso Goyos_ Pesquisa, pesquisa, pesquisa, caminho certo e seguro. (Do bagaço à inovação) Ronald Antonio Dellabarba Jr._ Essa entrevista é imperdível e oportuna. Os “entraves burocráticos” parecem ser constantes nas atividades brasileiras. Pena. Em tempo, parabéns pelo DVD “10 vídeos selecionados...”. O documentário de Rondon é um importantíssimo documento histórico, Representação artística do G. scabrosus. Fóssil foi encontrado em sítio paleontológico na bacia Bauru, interior de São Paulo

de indispensável veiculação em nossas escolas. (Cesar Victora: A saúde por trás das estatísticas)

x Brasileiros que buscam entender em

Lígia Correia Lima_ Bom texto e boa

detalhe os mecanismos de imunidade

pesquisa! Pena que é caro fazer isso,

contra a leishmaniose conseguiram uma contribuição importante. Dario Zamboni, da Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto, e seus colaboradores demonstraram o papel de um conjunto de proteínas chamado inflamassoma nessa batalha, em artigo publicado em junho no site da Nature Medicine. O trabalho foi feito no âmbito de um projeto do Programa Jovens Pesquisadores

Rádio Médicos usam tomografia e ressonância para criar autópsia digital

mas é uma ferramenta interessante, agilizaria e muito os laudos de medicina legal! (Autópsia digital) Joceny Pinheiro_ Acho muito provável que todas as pessoas que conheço que são portadoras de esclerose lateral amiotrófica (e são muitas) venham a falecer antes que um produto como este se torne comercialmente disponível no Brasil,

da FAPESP. A leishmaniose é uma

isto é, por preços acessíveis.

doença silenciosa no que diz respeito

(Mobilidade ampliada)

à ativação do sistema imunológico.

Vídeo do mês A digitalização dos arquivos da ditadura revela passado obscuro do Brasil

Assista ao vídeo:

youtube.com/user/PesquisaFAPESP

PESQUISA FAPESP 209 | 7


Dados e projetos Temáticos e Jovem Pesquisador recentes Projetos contratados em maio e junho de 2013 temáticos  Estudo e desenvolvimento de novos materiais avançados: eletrônicos, magnéticos e nanoestruturados - uma abordagem interdisciplinar Pesquisador responsável: Carlos Rettori Instituição: Centro de Ciências Naturais e Humanas/UFABC Processo: 2011/19924-2 Vigência: 01/06/2013 a 31/05/2017

 Controle da massa muscular pela via de sinalização do AMPc Pesquisadora responsável: Isis do Carmo Kettelhut Instituição: Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP Processo: 2012/24524-6 Vigência: 01/06/2013 a 31/05/2018

Instituição: Instituto de Física Gleb Wataghin/Unicamp Processo: 2012/51691-0 Vigência: 01/06/2013 a 31/05/2018

Pesquisador responsável: Taran Grant Instituição: Instituto de Biociências/USP Processo: 2012/10000-5 Vigência: 01/05/2013 a 30/04/2017

 Investigação da atividade de biofármacos, agonistas de PPARs e produtos naturais com potencial terapêutico na aterosclerose Pesquisadora responsável: Dulcineia Saes Parra Abdalla Instituição: Faculdade de Ciências Farmacêuticas/USP Processo: 2012/51316-5 Vigência: 01/05/2013 a 30/04/2018

 Redução do déficit hídrico invernal em pomares de abacateiros em sequeiro visando o aumento da produtividade e da qualidade dos frutos Pesquisadora responsável: Tatiana Eugenia Cantuarias Aviles Instituição: Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz/USP Processo: 2012/13527-4 Vigência: 01/06/2013 a 31/05/2017

 São Paulo Excellence Chairs (Spec)

 Ativação do receptor muscarínico tipo 3 e associação com fatores de ribosilação do ADP 1 e 6 na função da célula-beta pancreática: vias de sinalização downstream, arquitetura da ilhota e secreção de insulina Pesquisadora responsável: Helena Cristina de Lima Barbosa Sampaio Instituição: Instituto de Biologia/ Unicamp Processo: 2012/14993-9 Vigência: 01/06/2013 a 31/05/2016

 Séries temporais, ondaletas e análise de dados funcionais Pesquisador responsável: Pedro Alberto Morettin Instituição: Instituto de Matemática e Estatística/USP Processo: 2013/00506-1 Vigência: 01/07/2013 a 30/06/2017

 Trocas líquidas do ecossistema Baixo Rio Amazonas – da terra para o oceano e atmosfera Pesquisador responsável: Jeffrey Edward Richey Instituição: Centro de Energia Nuclear na Agricultura/USP Processo: 2012/51187-0 Vigência: 01/05/2013 a 30/04/2017

 A física de novos materiais e nanoestruturas semicondutoras Pesquisador responsável: Luiz Eduardo Moreira Carvalho de Oliveira

Jovem Pesquisador  Uma abordagem multidisciplinar para o estudo da diversificação de anfíbios

 Genômica populacional: uma nova abordagem para estudos de

especiação em insetos devido ao uso de hospedeiros aplicada ao desenvolvimento de estratégias sustentáveis de MIP Pesquisadora responsável: Karina Lucas da Silva Brandão Instituição: Centro de Energia Nuclear na Agricultura/USP Processo: 2012/16266-7 Vigência: 01/05/2013 a 30/04/2017

 Moléculas conjugadas peptídeo/ quitosana com potencial farmacológico: síntese, prospecção de atividade em sistemas miméticos de membrana e avaliações em células Pesquisadora responsável: Márcia Perez dos Santos Cabrera Instituição: Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas de São José do Rio Preto/Unesp Processo: 2012/24259-0 Vigência: 01/05/2013 a 30/04/2017  Invariantes topológicos de aplicações estáveis e classificação de singularidades Pesquisador responsável: Raul Adrian Oset Sinha Instituição: Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia/UFSCar Processo: 2013/02381-1 Vigência: 01/08/2013 a 31/07/2016

Depósitos paulistas Principais titulares de pedidos de patente do estado de São Paulo com prioridade brasileira – 2004-2008 Depositante

Total

Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

272

Universidade de São Paulo (Usp)

264

Whirlpool S.A.

174

Fapesp

129

Máquinas Agrícolas Jacto S.A.

57

Giuseppe J. Arippol

51

Grupo Seb do Brasil Produtos Domésticos Ltda.

46

Nely Cristina Braidotti

45

Valeo Sistemas Automotivos Ltda.

36

Marchesan Implementos de Máquinas Agrícolas Tatu S/A

33

Multibrás S.A. Eletrodomésticos

31

Duratex S.A.

31

Universidade Estadual Paulista (Unesp)

31

Matheus Rodrigues

30

José Mastellaro

29

Edson Donizetti Begnani

26

Produquímica Indústria e Comércio S.A.

26

René Bourquin Galves

25

Techinvest Ltda.

24

8 | julho DE 2013

Fonte: Base SINPI/INPI. Acesso: Set. 2010.


Boas práticas A Universidade de Sussex, na Inglaterra, iniciou a montagem de um programa-piloto de combate a más condutas científicas que, se tiver êxito, poderá se tornar referência para o Escritório de Integridade Científica do governo do Reino Unido. O pilar principal do programa, cujos custos ainda estão em fase de avaliação, é a criação de um grupo de auditoria encarregado de verificar regularmente procedimentos e resultados das pesquisas científicas realizadas na universidade. Uma porcentagem dos projetos de pesquisa será selecionada aleatoriamente e submetida a uma checagem rigorosa, antes ou depois da publicação. Vários aspectos serão analisados, como os dados brutos em que as conclusões se baseiam, evidências de plágio e análise da veracidade de imagens. Michael Farthing, que é vice-reitor da Universidade de Sussex e vice-presidente do Escritório de Integridade Científica britânico, apresentou o plano na 3ª Conferência Mundial sobre Integridade Científica, realizada em maio, em Montreal. Ele acredita que o medo de poder ser flagrado a qualquer momento, como acontece com os atletas nos exames antidoping, pode ser um estímulo poderoso para prevenir fraudes e plágio. Segundo Farthing, as universidades já estão acostumadas com o monitoramento de seus gastos e dos resultados de aprendizagem, mas não existe mecanismo similar para controlar se as pesquisas estão sendo feitas de modo adequado, com exceção de estudos com testes clínicos. “Isso, embora algumas instituições recebam mais da metade de seus recursos para pesquisa de fontes

públicas”, disse ao site da Times Higher Education. O programa também prevê outras medidas, como o registro das pesquisas assim que elas tiverem início, como ocorre com os testes clínicos, e um rastreamento dos pesquisadores quando se mudam de uma instituição para outra, uma vez que ainda é falha a comunicação entre universidades sobre suspeitas de má conduta entre profissionais que pertenceram a seus quadros. Ele cita o exemplo de Jatinder Ahluwalia, cujo desligamento do programa de doutorado na Universidade de Cambridge em 1998 por suspeita de fraude só se tornou conhecido por outras instituições em 2010, depois de uma investigação concluir que ele falsificou dados

daniel bueno

O medo de ser flagrado

de um artigo científico publicado em 2004 em parceria com seu supervisor de pós-doutorado na University College of London. “A má conduta se estendeu por 15 anos porque a informação disponível não circulou”, afirmou.

Impurezas manipuladas A revista científica Organic Letters, editada pela American Chemical Society, contratou recentemente um analista de dados para trabalhar em seu staff editorial e verificar com mais rigor os artigos submetidos à publicação. Constatou problemas que passavam despercebidos. O principal deles é a remoção de dados que evidenciavam a presença de impurezas nos compostos analisados. Os trabalhos em síntese orgânica exigem análise da pureza dos compostos preparados, pois disso depende muitas de suas conclusões. “Em geral, isso é feito através da espectrometria de ressonância magnética nuclear ou métodos cromatográficos”, explica Ronaldo Pilli, professor do Instituto de Química da Unicamp e especialista em síntese orgânica. Os editores da Organic Letters

detectaram que houve manipulação de espectros, o que falseia as informações. “Mesmo se os resultados experimentais ou as conclusões do estudo não forem afetados, qualquer manipulação de dados lança dúvidas sobre a integridade e a validade do trabalho relatado”, escreveu Amos Smith III, editor da revista. Em alguns casos, o autor correspondente – aquele que submeteu o trabalho em nome de todos os coautores – disse que a manipulação foi feita por alunos sem o seu conhecimento. “Isso não é uma desculpa aceitável”, disse Smith, lembrando que o autor correspondente é o responsável por garantir a integridade do projeto de pesquisa. “A boa notícia é que as violações compreendem apenas uma pequena fração dos dados submetidos à revista.” PESQUISA FAPESP 209 | 9


Estratégias Unicamp no ranking das jovens universidades

Na mira, a violência armada

Dois rankings que

divulgou sua lista, em

reconhecem as melhores

que a Unicamp apareceu

universidades com

em 28º lugar e foi a

menos de 50 anos de

única latino-americana

idade destacaram

citada. Ela subiu

o desempenho da

16 posições em relação

Universidade Estadual

à classificação de 2012.

de Campinas, a Unicamp.

Ambos os rankings

Primeiro foi a consultoria

consideram diversos

Quacquarelli Symonds

parâmetros, como

(QS), cujo ranking

produção acadêmica,

divulgado em 11 de junho

citações e pesquisas

colocou a Unicamp

de opinião sobre

como a 17ª do mundo

a reputação das

entre as jovens

instituições, embora

O Instituto de Medicina

acidentes com armas,

universidades de classe

haja diferenças de

(IOM, na sigla em inglês),

impedindo que sejam

mundial. Ela subiu seis

metodologia entre eles.

braço das Academias

usadas por outras

posições em relação ao

A pró-reitora de

Nacionais dos Estados

pessoas além do dono,

levantamento de 2012 e

Pesquisa da Unicamp,

Unidos, divulgou um

e estudar se a exposição

foi a única universidade

Gláucia Maria Pastore,

relatório de 69 páginas

de longo prazo à violência

brasileira no grupo

disse que a pesquisa da

em que propõe novas

na mídia estimula atos

das 50 melhores, que

universidade é um fator

abordagens para a

de violência com armas

teve apenas mais uma

preponderante para o

pesquisa sobre o uso e o

de fogo. O relatório

instituição da América

sucesso em rankings

controle de armamentos

foi encomendado pelo

Latina, a Universidad

internacionais. “Há uma

no país. De acordo

presidente Barack

Austral, da Argentina.

forte integração com

com o blog de notícias

Obama, em resposta

Uma semana mais

grupos de pesquisa

da revista Nature,

ao massacre de

tarde, o Times Higher

do país e do exterior,

um comitê presidido

Newtown, em janeiro,

Education (THE)

relação que vem se

por Alan Leshner,

em que 20 crianças e

presidente da Associação

6 professores foram

Americana para o

mortos numa escola

disso, a pós-graduação

Avanço da Ciência

primária no estado de

é uma das mais

(AAAS), sugeriu, entre

Connecticut. O estudo irá

qualificadas da América

outros tópicos, avaliar

municiar a agenda de

Latina”, disse. Os dois

a eficiência das leis e

pesquisas sobre violência

rankings destacaram

políticas vigentes na

armada dos Centros

o desempenho de

prevenção da venda de

de Controle e Prevenção

universidades asiáticas.

armas para pessoas com

de Doenças (CDC),

No da Quacquarelli

doenças psiquiátricas

suspensas desde 1996.

Symonds, o primeiro

e verificar o efeito do

Sem esse esforço de

lugar coube à The Hong

monitoramento de pontos

pesquisa, diz o relatório

Kong University of

de venda para evitar

do IOM, as autoridades

Science and Technology

que pessoas proibidas

serão levadas a debater

(HKUST). No da Times

de portar armas

políticas controversas

Higher Education, a

adquiram-nas. Também

sem conhecer as

Pohang University of

propôs levantar novas

evidências científicas

Science and Technology,

tecnologias de segurança

sobre seus efeitos

capazes de prevenir

potenciais.

10 | julho DE 2013

Manifestação a favor do controle de armas em Washington: políticas embasadas na ciência

intensificando nos últimos 10 anos. Além

da Coreia do Sul, 1

despontou na liderança.


Consórcio em hematologia

Sucessão na academia russa

Pesquisadores A Academia de Ciências da Rússia, à

da Universidade de

qual estão vinculados 45 mil cientis-

São Paulo (USP)

tas em 436 institutos de pesquisa

e da Universidade

espalhados pelo país, tem um novo

Paris-Diderot, da França,

presidente: o físico Vladimir Fortov,

criaram o Consórcio

que dirigia o Joint Institute for High

Internacional em

Temperatures. Ele substitui o mate-

Hematologia. A

mático Yuri Osipov, 76 anos, que co-

colaboração tem como

mandava a academia desde o colapso da União Soviética, em 1991. Eleito

2

foco estudos para melhorar o diagnóstico

Vladimir Fortov: combate à burocracia

com 60% dos 1.313 votos, Fortov pro-

e o tratamento da

mete reduzir o poder dos dirigentes

com a dos outros dois candidatos, o

anemia falciforme e

da academia e dos institutos, permi-

Nobel de Física Zhores Alferov e o

outras doenças do

tindo que permaneçam nos cargos

economista Aleksander Nekipelov, é

sangue. Belinda Simões,

por no máximo dois mandatos de

a redução da burocracia na ciência

professora da Faculdade

cinco anos, e estabelecer laços mais

russa. “Estamos sufocados com a quan-

de Medicina de Ribeirão

fortes com o setor privado. “A acade-

tidade de documentos, relatórios e

Preto da USP e uma

mia deve ser mais ativa e ter um papel

notas sem nenhum sentido, que exce-

das coordenadoras do

mais agressivo, precisa gerar ideias”,

dem todos os limites da lógica”, afir-

consórcio, disse à

disse o novo presidente, segundo a

mou o novo presidente, em resposta

Agência FAPESP que

agência RIA Novosti. Mas o ponto prin-

às críticas de que a academia se tornou

a intenção é promover

cipal de sua plataforma, convergente

ineficiente e deveria ser dissolvida.

o intercâmbio de pesquisadores e facilitar a captação de recursos para pesquisa. A anemia

Supercomputador chinês é o mais veloz

falciforme é causada

fotos 1 Slowking4 / Wikicommons 2 MIPT  3 Imaginechina / AFP ilustraçãO daniel bueno

por uma alteração A China reconquistou

Estados Unidos e da

O Tupã, do Instituto

genética e afeta 50 mil

a liderança no ranking

Alemanha. Em 2010, o

Nacional de Pesquisas

brasileiros. Os glóbulos

dos supercomputadores

Tianhe-1 ficou seis meses

Espaciais (Inpe),

vermelhos assumem

mais velozes do mundo.

na liderança, até ser

adquirido em 2010 com

a forma de foice ou

A última edição do

alcançado pelo

recursos do Ministério

ranking semestral

supercomputador K, do

da Ciência, Tecnologia

Top500 informa que

Japão. Os Estados Unidos

e Inovação e da FAPESP,

o chinês Tianhe-2,

seguem dominando

desponta na 145ª posição.

construído pela

o ranking, com 252 dos

Universidade Nacional

500 computadores mais

de Tecnologia de Defesa,

potentes. Mas a China

alcançou velocidade

firmou-se no segundo

de 33,86 petaflops –

lugar, com 66.

ou 33,86 quatrilhões de

O Japão, com 30,

operações por segundo.

o Reino Unido, com 29,

O desempenho é quase

a França, com 23, e a

duas vezes superior aos

Alemanha, com 19,

17,59 petaflops do

completam a lista dos

norte-americano Titan,

seis países com mais

do Laboratório Nacional

supercomputadores no

Oak Ridge. É a segunda

ranking. O Brasil tem

vez que a China alcança

3 representantes na lista.

o topo do ranking,

O Grifo04 e o Grifo02,

compilado desde 1993

da Petrobras, aparecem,

por um grupo de

respectivamente, em

pesquisadores dos

122º e 219º lugar.

meia-lua, tornam-se Tianhe-2: quase o dobro da velocidade do norte-americano Titan

rígidos e dificultam a circulação sanguínea.

3

PESQUISA FAPESP 209 | 11


Tecnociência Raquitismo entre os Medici Crianças da família mais

diz Valentina Giuffra,

poderosa da Renascença

paleopatologista da

italiana sofriam de

Universidade de Pisa,

uma doença típica dos

principal autora do

filhos de humildes

estudo. “O raquitismo

trabalhadores, o

é uma doença da

raquitismo. Arqueólogos

industrialização e das

e paleopatologistas das

classes sociais pobres.

universidades de Pisa e

Mas o estilo de vida das

de Siena analisaram

crianças dos Medici,

nove esqueletos infantis

baseado em um

de descendentes dos

aleitamento materno

Medici da Toscana – uma

prolongado e uma

linhagem que gerou

convivência em

quatro papas entre os

ambientes fechados,

séculos XVI e XVII e

aumentou o risco de

patrocinou artistas do

desenvolverem a

porte de Leonardo da

doença.” Os ossos foram

Vinci e Michelangelo e

estudados visualmente

estudiosos como Galileu

e por meio de raios X, e

– e constataram

pertenceram a crianças

deficiência de vitamina D

do século XVI que

(International Journal

morreram com idades

of Osteoarchaeology,

entre 0 e 5 anos. Oito

Um material que,

Estamos vendo

28 de maio). Causado

dos nove esqueletos

quando submetido a

exatamente o contrário.

pela falta de exposição

estavam numa cripta

pressões entre 9 mil

Isso é contraintuitivo

aos raios solares e

escondida, descoberta

e 18 mil vezes maiores

diante das leis da física.”

alimentação pobre em

em 2004, na Basílica

do que a encontrada ao

Usando diferentes fluidos

cálcio, o raquitismo faz

de São Lourenço, em

nível do mar, reduz sua

em torno do cianeto de

os ossos se tornarem

Florença. A nona ossada

densidade à metade,

zinco quando este era

moles e se deformarem.

foi achada numa tumba

se expande e se torna

submetido às altas

Ironicamente, a riqueza

próxima. Seis crianças

poroso. “É como

pressões, Karena e seus

dos Medici deve ter sido

tinham sinais claros

espremer uma pedra

colegas conseguiram

a causa do problema de

de raquitismo, com

e assim dar origem a

gerar cinco novas fases

saúde. “Os resultados

ossos dos braços e

uma esponja gigante”,

(estados) do material.

nos surpreenderam”,

das pernas deformados.

compara a química

Duas delas mantinham

Karena Chapman, do

a propriedade de serem

Laboratório Nacional

porosas mesmo em

Argonne, de Chicago, um

condições normais de

dos pesquisadores que

pressão. A ideia dos

realizaram experimentos

cientistas agora é ver

com o cianeto de zinco

se os poros do novo

[Zn(CN)2], composto

material podem ser

que sofreu essa

usados para estocar

transformação radical

compostos de interesse

(Journal of the American

para a indústria química.

Chemical Society, 22 de

Atualmente o cianeto de

maio). “Sob pressão,

zinco, um pó branco, é

os materiais devem

normalmente empregado

supostamente se tornar

em processos de

mais densos e compactos.

galvanoplastia.

12 | julho DE 2013

1

2

De pedra a esponja

fotos 1 Wikimedia Commons  2 Divisão de Paleopatologia, Universidade de Pisa  3 Eric Popczum / Penn State University  4 Indiana State Museum  ilustraçãO daniel bueno

Crânio de Filippo de Medici, retratado com a mãe na pintura: raquitismo por falta de sol e alimentação inadequada


Elementos abundantes

Plantio direto da cana Uma lavoura de cana

28% e 40%. A maior

cultivada no sistema

fatia da economia para o

Um novo passo para

de plantio direto sobre

produtor está na redução

facilitar a produção

palha em Ribeirão Preto

de 72% no gasto com

de energia limpa e

está fazendo 15 anos.

diesel por hectare em

barata foi dado por

O experimento inédito

relação ao plantio anual.

pesquisadores da

está sendo realizado pelo

Os pesquisadores

Universidade Estadual

Instituto Agronômico

também calcularam que

da Pensilvânia,

(IAC), de Campinas,

o plantio direto torna o

e Agência Paulista

cultivo de cana mais

de Tecnologia dos

sustentável do ponto de

Agronegócios (Apta), da

vista ambiental. Isso

Secretaria de Agricultura

porque a quantidade de

e Abastecimento do

sequestro de carbono

Estado de São Paulo.

da atmosfera no sistema

3

Estados Unidos. Eles descobriram que

Ilustração mostra bolhas de hidrogênio se desprendendo de superfície com fosfeto de níquel

é possível usar

foi publicada no Journal

nanopartículas de níquel

of the American Chemical

e fósforo, ou o fosfeto

Society (13 de junho).

de níquel, para extrair

O professor Raymond

hidrogênio da água

Schaak coordenou

Nesse sistema, depois de

convencional é de 0,67

e utilizá-lo em células a

o estudo, que contou

colhida, a cana volta a

ton/ha por ano, enquanto

combustível, aparelho

também com

brotar iniciando um novo

no plantio direto é de

produtor de eletricidade

pesquisadores do

ciclo da lavoura, de forma

1,6 ton/ha anual.

com esse gás. Tanto

Instituto de Tecnologia

diferente ao que ocorre

As taxas aumentam

a água como os dois

da Califórnia. Além do

atualmente no plantio

devido ao fato de não ser

elementos químicos são

uso na forma de

comercial, no qual a

necessário preparar o

abundantes em grande

geradores ou para mover

plantação é replantada.

solo no sistema de plantio

parte do planeta.

veículos, as células a

Entre as vantagens

direto, preservando assim

O fosfeto de níquel pode

combustível podem ter

estão o aumento da

a biomassa e as raízes.

ser usado em sistemas

um papel importante

produtividade em até

Esse aspecto também

de hidrólise, reação

em localidades distantes

10 toneladas por hectare

favorece a infiltração

química feita em meio

se acopladas a um

(ton/ha) e a redução dos

de água no solo e a

aquoso para produção

sistema de energia solar.

custos de produção entre

diminuição da erosão.

de hidrogênio.

Basta pouca energia

As nanopartículas de

captada do Sol para

fosfeto de níquel fazem

fazer funcionar um

o papel de catalisador

eletrolisador, no qual

para efetivar a reação

poderão estar as

sem utilizar metais

nanopartículas de

nobres, como a platina,

fosfeto de níquel, para

um elemento caro e

produzir hidrogênio

escasso. A descoberta

e suprir a célula.

Tigre-dente-de-sabre: extinção deve ter sido causada por mudança climática

Homem não caçava megafauna no Brasil

4

Algumas espécies de animais que com-

nacional ou mesmo na América do Sul, ao

ritório nacional provavelmente não teve

punham a extinta megafauna, como pre-

contrário do que ocorreu na América do

nenhuma relação direta com a chegada

guiças terrestres gigantes e tigres-dentes-

Norte, onde mamutes e mastodontes fo-

do ser humano, como algumas hipóteses

-de-sabre, viveram próximas aos primeiros

ram presas constantes das populações

para essa extinção sugerem”, diz o ar-

habitantes do Brasil por mais de mil anos

humanas. Essa é a conclusão de um estu-

queólogo Mark Hubbe, da Universidade

no Sudeste, sobretudo em Minas Gerais e

do de revisão feito por pesquisadores

Estadual de Ohio, um dos autores do es-

São Paulo, durante o final do Pleistoceno.

brasileiros, que analisaram dados e data-

tudo, ao lado de seu irmão, Alex Hubbe,

Apesar dessa longa coexistência cerca de

ções referentes a 33 fósseis de megafau-

que faz pós-doutorado da Universidade de

11 mil anos atrás, não há nenhuma evidên-

na encontrados no país (Earth-Science

São Paulo (USP). Os autores acreditam que

cia confiável de que o homem caçou esses

Reviews, março de 2013). “Isso indica que

a extinção dos animais deve ter sido de-

animais de forma sistemática no território

o desaparecimento da megafauna no ter-

sencadeada por uma mudança climática.

PESQUISA FAPESP 208 | 13


Ler preserva a memória Cultivar o hábito de ler

entre os idosos que

e escrever regularmente

liam ou escreviam com

pode contribuir para

frequência ainda na

preservar a memória por

velhice ocorreu em um

mais tempo. Estudo feito

ritmo 32% mais lento do

por pesquisadores do

que entre os que faziam

Centro Médico da

isso com uma constância

Universidade Rush, de

menor. Os velhos

Chicago, com 294 idosos

que quase nunca se

indica que se dedicar

dedicavam a essas

a esse tipo de atividade

atividades apresentaram

reduz a velocidade

uma velocidade de

do processo de

deterioração mental

deterioração mental

48% maior do que

(Neurology, 3 de julho).

os que liam e escreviam

Essas práticas saudáveis

esporadicamente.

podem diminuir

Os pesquisadores

até 15% o ritmo de

acompanharam os

progressão da perda

participantes do estudo

da memória. ”Nosso

durante cerca de seis

estudo mostra que

anos, até o momento de

adotar atividades que

sua morte, em média aos

estimulam o cérebro

Modelagem de uma fração da superfície de antiga estrela: abundância de lítio bate com a teoria

O lítio do Big Bang Mais uma evidência

maiores de lítio-6

que reforça a teoria do

e de três a cinco vezes

89 anos. Anualmente,

Big Bang, a explosão

menores de lítio-7 nas

ao longo da vida, desde

submeteram os idosos

primordial que teria

estrelas anteriormente

a infância até a idade

a testes de memória

originado o Universo há

analisadas. As novas

avançada, é importante

e cognição e os

cerca de 13,8 bilhões de

medições com o Keck,

para manter a saúde

entrevistaram sobre

anos, foi produzida por

no entanto, encontraram

mental na velhice”,

seus hábitos de leitura

um grupo internacional

valores dentro da

diz Robert S. Wilson,

ao longo da vida.

de astrofísicos, com

margem estimada pelo

principal autor do

Fizeram ainda uma

a participação de

modelo do Big Bang.

trabalho. Não abandonar

autópsia no cérebro

Jorge Meléndez, da

A maior dificuldade

esse estilo de vida com o

dos velhos para

Universidade de

nesse tipo de busca

passar dos anos também

determinar a incidência

São Paulo (USP).

é obter evidências da

se mostrou importante.

de lesões e placas

Os cientistas usaram

assinatura do lítio-6,

O declínio cerebral

associadas a demências.

o espelho de 10 metros

a forma menos abundante

e um potente

desse elemento no

espectrógrafo do

Universo. “O grande

telescópio Keck, situado

poder de coletar luz do

em Mauna Kea (Havaí),

Keck nos permitiu

para refinar as medições

observar estrelas com

sobre os níveis de dois

uma composição mais

isótopos de lítio

‘primordial’ do que

presentes em quatro

qualquer estudo

estrelas muito antigas,

anterior”, comenta

formadas logo após o

Meléndez. Os dados

Big Bang (Astronomy

coletados foram

& Astrophysics, 6 de

analisados com o

junho). Até agora, havia

emprego de uma

uma grande discrepância

sofisticada modelagem

entre o que previa o

computacional em três

modelo de criação do

dimensões da atmosfera

Universo e os registros

das estrelas, estratégia

obtidos. Em relação

que permitiu a obtenção

ao que postula a teoria,

de informações mais

tinham sido encontradas

detalhadas, segundo

quantidades 200 vezes

os pesquisadores.

14 | julho DE 2013

Atividades que exercitam o cérebro, como ler, diminuem até 15% perda de memória


Televisão inibe favorecimento de juiz caseiro A transmissão pela televisão de um jogo

nado por Bruno Rocha, da Universidade

Os autores do artigo, no entanto, salien-

do Campeonato Brasileiro parece inibir

Federal de Minas Gerais (UFMG), o tra-

tam que raramente a proteção de certos

um comportamento que, segundo um

balho indica que a tendência a favorecer

juízes produz efeitos práticos: esse expe-

novo estudo, é sistematicamente usado

a equipe detentora do campo de jogo

diente aumenta em menos de 1% a chan-

pelos juízes, sobretudo em jogos entre

desaparece quando há algum tipo de

ce de o time da casa fazer um gol duran-

equipes pequenas: dar generosos minutos

monitoração sobre a partida, no caso o

te os acréscimos. O estudo analisou dados

de acréscimo no final de partidas parelhas,

seu televisionamento (Applied Economics

oficiais de partidas da primeira divisão do

em que os anfitriões estão perdendo por

Letters, 2013). Da mesma forma, disputas

Campeonato Brasileiro entre 2004 e

apenas um gol, ou reduzir o tempo extra

entre times grandes ou partidas condu-

2008 em que a equipe local ganhava ou

ao mínimo se os donos da casa estão

zidas por árbitros renomados não exibem

perdia o jogo por um gol após os 40 mi-

ganhando por somente um gol. Coorde-

esse comportamento tendencioso.

nutos do segundo tempo.

El Niño afeta coral por anos

fotos 1 Léo ramos  2 Karin Lind, Davide De Martin  3 Francisco Kelmo  ilustraçãO daniel bueno

Córnea tem mais uma camada

Mais de uma década foi

situação de oito

necessária para que os

espécies de corais entre

bancos de recifes de

1995 e 2011 presentes

corais do norte da Bahia

em bancos de recifes

superassem por

rasos de quatro

completo os efeitos

localidades da região

negativos ocasionados

(Praia do Forte,

pelo maior El Niño dos

Itacimirim, Guarajuba

últimos tempos, que

e Abaí). Causado pelo

ocorreu entre 1997

aquecimento anormal

e 1998, e voltassem a

das águas do Pacífico

apresentar a mesma

Sul, o El Niño provoca

biodiversidade de antes.

mudanças no regime

“Não tínhamos ideia

de chuvas e secas e

Membrana transparente

córnea, entre a terceira e

de que a recuperação

também na temperatura

localizada na parte

a (antiga) quarta camada,

demoraria 13 anos”,

atmosférica em várias

anterior do globo ocular,

respectivamente o

afirma o biólogo

partes do planeta.

a córnea humana

estroma e a membrana

Francisco Kelmo, da

No Nordeste, costuma

apresenta uma sexta

de Descemet. “Podemos

Universidade Federal da

intensificar o período

camada, fina e bastante

agora explorar a presença

Bahia (UFBA), autor do

de estiagem e o calor.

dura, que até agora

da nova camada para

estudo ao lado de Martin

Mudanças climáticas

era desconhecida pelos

fazer operações mais

J. Attrill, da Universidade

favorecem a ocorrência

médicos. Descoberta

seguras e simples para

de Plymouth, Inglaterra

do fenômeno chamado

pela equipe do professor

o paciente”, afirma Dua,

(PLoS One, 31 de maio).

branqueamento,

Harminder Dua, da

cujo sobrenome batiza

Os pesquisadores

facilmente identificável

Universidade de

a estrutura identificada.

acompanharam a

por fazer os corais

Nottingham, Inglaterra,

“Do ponto de vista

desbotarem, podendo

a nova camada tem

clínico, há muitas

causar sua morte.

uma espessura de

doenças que afetam a

Durante o período de

15 micrômetros –

parte traseira da córnea

acompanhamento, todas

a grossura de toda a

que os médicos de todo

as espécies de corais

córnea é de cerca de

o mundo agora estão

apresentaram altas

550 micrômetros, pouco

começando a relacionar

taxas de mortalidade

mais de meio milímetro –

com a presença, ausência

e pode resistir ao dobro

ou dano nessa camada.”

da pressão atmosférica

Além de proteger

padrão (Ophthalmology,

o olho, a córnea atua

junho). Ela está situada

como uma lente, refrata

na parte posterior da

e transmite a luz.

e uma delas, a Porites Coral do norte da Bahia: 13 anos para se recuperar do El Niño de 1997/98

astreoides, permaneceu sem nenhum registro de ocorrência nos recifes durante mais de sete anos, entre 2000 e 2007. PESQUISA FAPESP 208 | 15


capa

Um peixe modelo Mais prático e barato que os roedores, o paulistinha começa a ser usado em pesquisas de neurociências e testes de medicamentos no Brasil

Ricardo Zorzetto e Maria Guimarães

N

o subsolo do Museu de Ciências e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), em Porto Alegre, funciona uma agência de encontros um tanto incomum. Todo fim de tarde alguns casais – trios, na verdade – são conduzidos a uma sala silenciosa onde, às escuras, passam algumas horas se conhecendo a certa distância. Pela manhã, quando as luzes são acesas e o contato físico é liberado, os participantes iniciam um namoro de apenas 15 minutos que costuma deixar muitos descendentes. Um cartaz afixado no lado de fora da porta mantém afastados os curiosos: “Não entre: acasalamento em andamento”. Nesse laboratório da PUC-RS, a bióloga Monica Ryff Moreira Vianna, seguindo estratégias que ela otimizou,

16 | julho DE 2013

controla a reprodução de um pequeno peixe listrado de prata e negro conhecido como zebrafish ou paulistinha, cada vez mais usado nas pesquisas em neurociências no mundo e, agora, no Brasil. “Em alguns testes, o zebrafish pode funcionar como uma alternativa ao uso de roedores; em outros, pode oferecer informação complementar”, afirma o biólogo Denis Rosemberg, que recentemente participou da instalação de um biotério de zebrafish na Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó), em Santa Catarina. Ele começou a trabalhar com o peixe no Laboratório de Neuroquímica e Psicofarmacologia, da farmacologista Carla Bonan, durante a graduação na PUC-RS. Ele investigou os efeitos danosos do álcool sobre o cérebro e demonstrou a ação neuroprotetora da taurina,


léo ramos

naturalmente produzida pelo organismo e encontrada em bebidas energéticas, quando migrou para a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Em Santa Catarina, Rosemberg e o farmacologista Angelo Piato começam agora a usar o peixe para investigar os efeitos do estresse no sistema nervoso central e no comportamento. Esse, aliás, é um dos casos em que o zebrafish (Danio rerio) pode oferecer vantagens sobre os roedores. É que no peixe o hormônio que controla o estresse é o cortisol, o mesmo que nos seres humanos é liberado por glândulas situadas sobre os rins em situações reais ou imaginárias de ameaça à vida. Nos roedores, o hormônio produzido nessas situações é a corticosterona, que ocorre em concentrações muito baixas no organismo humano.

Na UFRGS, o grupo do biólogo Diogo Losch de Oliveira conseguiu dar um passo além. Em um trabalho publicado no início deste ano na revista PLoS One, ele e seu aluno de mestrado Ben Hur Mussulini haviam descrito detalhadamente as alterações comportamentais que caracterizam os estágios epilépticos no zebrafish adulto. “Na literatura científica só havia descrições detalhadas para o modelo em larvas, que apresentam um repertório comportamental mais restrito”, diz Losch. Mais recentemente seu grupo começou a testar os primeiros de um grupo de 30 compostos desenvolvidos em parceria com Grace Grosmann, da Faculdade de Farmácia da UFRGS. Esses compostos tentam explorar uma via bioquímica distinta das que são alvo dos medicamentos atualmente disponíveis, incapazes de controlar cerca de 30%

Preenchendo lacuna: nativo da Ásia, o paulistinha ou zebrafish é um modelo animal intermediário entre a drosófila e os roedores

PESQUISA FAPESP 209 | 17


1

dos casos de epilepsia. Dos três compostos testados, apenas um se mostrou capaz de reduzir a intensidade das crises e deve seguir para outras fases de avaliação. Estudos internacionais, a propósito, consideram o zebrafish uma ferramenta bastante promissora para a análise e seleção de compostos candidatos a medicamentos. Com esse peixe, espera-se acelerar e baratear o processo. Uma das vantagens é que seu ciclo de vida é rápido – em quatro dias vários dos seus órgãos estão formados – e as larvas, que nascem às centenas a cada postura, com uns poucos milímetros de comprimento, podem ser acomodadas em vários poços de teste com doses baixíssimas de compostos químicos. Com essa seleção, imagina-se ser possível reduzir o número de moléculas que seguiriam para as fases seguintes, de experimentos com roedores. “Com o zebrafish é possível testar em meses e com alguns milhares de dólares o que levaria anos para ser feito com roedores e custaria milhões”, comenta o bioquímico Diogo Onofre Souza, coordenador do Instituto Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação de Excitoxocidade e Neuroproteção, onde são desenvolvidas as pesquisas com zebrafish na UFRGS. No exterior, algumas indústrias de medicamentos já começam a adotá-lo em sua linha de testes. PIONEIROS

Nativo do sudoeste da Ásia, onde é encontrado em rios calmos e rasos e nas plantações alagadas de arroz e juta, esse peixe chegou aos laboratórios de pesquisa no final dos anos 1960, com o biólogo norte-americano George Streisinger, da Universidade do Oregon. Ele trabalhou sozinho por uma década para selecionar linhagens que permitissem entender como defeitos em diferentes genes afetavam o desenvolvimento. Seu 18 | julho DE 2013

2

esforço só conseguiu reduzir o ceticismo dos colegas em 1981, quando publicou um artigo na revista Nature apresentando o modelo consolidado. Nos anos seguintes, o número de artigos científicos que usavam o peixe como modelo biológico cresceu aceleradamente, em especial nos estudos de genética e desenvolvimento, e só na última década o zebrafish chegou à neurociência. MODELOS COMPLEMENTARES

“O zebrafish começa a preencher uma lacuna que existia entre os modelos animais para o estudo de doenças humanas”, diz o neurofisiologista Luiz Eugenio Mello, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que estuda alterações no sistema nervoso central, entre elas as causadas pela epilepsia, usando ratos como modelo biológico. Mello lembra que um axioma da ciência diz que o melhor modelo para investigar uma coisa é a própria coisa. De acordo com esse raciocínio, o ideal para o estudo das doenças humanas seriam os próprios seres humanos. Mas isso raramente é possível. “Na maioria das vezes há restrições éticas e limitações de tempo, espaço e custo para realizar as pesquisas”, afirma. “Por isso são necessários vários modelos experimentais, dos mais simples aos mais complexos, para compreender a origem de alguns problemas.” Quando não se pode investigar um problema no próprio ser humano, a medicina e a biologia adotam uma espécie de escala preferencial de modelos, em que são levados em conta fatores como a semelhança evolutiva, anatômica, fisiológica e genética. Segundo esse sistema, os animais que permitiriam extrapolar os resultados com mais segurança para as pessoas seriam os outros primatas, como o chimpanzé, cujo uso em pesquisa é proibido no Brasil e vem sendo

Quase transparente: embriões de zebrafish 24 horas após a fertlização (à esquerda) e larva com 5 dias de vida (acima)


fotos 1 Natalia eltz silva  2 laura roesler nery 3 léo ramos

banido nos Estados Unidos, e outros macacos. “Só trabalha com primata quem dispõe de muita verba e muito espaço”, comenta o biólogo molecular João Bosco Pesquero, também da Unifesp, criador de uma “Historicamente das primeiras linhagens brasileiras as pesquisas em de camundongos transgênicos.“Por isso, muita gente opta pelos roedoneurociências res, que são mamíferos como os seres humanos”, diz. usam roedores, Diante de dificuldades técnicas que impedem o trabalho com roemas o cenário dores, o que às vezes ocorre na gecomeça a mudar”, nética – por exemplo, só há bem tempo se começou a consediz Monica Vianna, pouco guir a produzir ratos transgênicos –, a saída é trabalhar com modelos da PUC-RS evolutivamente mais distantes dos seres humanos, mas mais fáceis de manipular, como as drosófilas. E mais recentemente com o zebrafish. O mais importante, porém, é que, do ponto de vista evolutivo, o zebrafish é mais próximo dos seres humanos do que as drosófilas, há quase um século usadas como organismo modelo em genética. O genoma do zebrafish, concluído no início deste ano, indica que 70% de seus 26 mil genes são semelhantes aos genes humanos – essa similaridade é menor com a drosófila e maior com camundongos e ratos, que serviram de base para muito do que se conhece de fisiologia humana (ver quadro na página 20). “Historicamente as pesquisas em neurociências usam os roedores como modelo biológico, mas esse cenário começa a mudar”, conta Monica, que também integra a diretoria da Rede Latino-americana de Zebrafish (Lazen). Esse consórcio reúne pesquisadores de sete países que usam o peixe em seus estudos e oferece treinamento para aqueles, em geral em início de carreira, interessados em adotar o zebrafish como modelo experimental. Dos 39 grupos que integram a rede, 11 são brasileiros e quase metade está no Rio Grande do Sul. A produção científica nacional utilizando o zebrafish, que inexistia há pouco mais de uma década, vem crescendo de modo acelerado nos últimos anos, num ritmo maior do que no restante do mundo. A bióloga Luciana Calabró, especialista em cientometria e integrante de um dos grupos que realizam estudos com o paulistinha

na UFRGS, chegou a essa conclusão em um levantamento recente realizado em uma das maiores bases internacionais de artigos científicos, a Scopus. “A produção brasileira saiu de 2 artigos por ano em 1999 para 36 em 2012, quando passou a representar cerca de 2% dos trabalhos com zebrafish publicados no mundo”, conta. A produção nacional com esse peixe ainda é modesta ante a internacional, que soma quase 2 mil artigos por ano nos últimos tempos. Mas vem conseguindo se destacar nas neurociências. “O zebrafish é um modelo novo nessa área e a comunidade que trabalha com ele ainda é pequena”, conta Monica. No Brasil

Os primeiros trabalhos com esse peixe feitos no Brasil saíram do laboratório da pesquisadora Rosana Mattioli, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), no interior de São Paulo. Naquela época o zebrafish começava a ser usado nas pesquisas em neurociências, mas o comportamento natural da espécie ainda era pouco conhecido. Rosana, então, realizou uma série de experimentos simples que ajudou a identificar a preferência do peixe por viver em ambientes escuros. Ela colocava os exemplares do zebrafish em um aquário pintado de duas cores – metade preto e metade branco – e media o tempo que passavam em cada uma das partes. Assim, observou que eles ficavam a maior parte do tempo (cerca de 80%) no lado negro. Viu também que, uma vez colocados na parte clara, eles rapidamente nadavam para a parte escura. Esse trabalho, publicado em 1999 no Brazilian Journal of Medical and Biolo-

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gical Research, começou a estabelecer a base de um importante teste de ansiedade, aprimorado em seguida por ela e outros pesquisadores e hoje utilizado para avaliar o efeito de compostos que combatem a depressão e a ansiedade. Ansiedade

Ao ver esse trabalho, o psicólogo Amauri Gouveia Junior, então na Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Bauru, notou uma grande semelhança entre o teste do claro-escuro em zebrafish e um experimento que avalia o nível de ansiedade em roedores. Nesse teste, o roedor é colocado em uma plataforma em X a cerca de 60 centímetros do chão. Em dois dos braços, o espaço para caminhar é protegido por paredes, enquanto nos outros dois é aberto. Uma vez no labirinto, os ratos, curiosos, apresentam a tendência de explorá-lo. Mas passam a evitar a parte aberta. Essa ansiedade resulta de um conflito entre a curiosidade e o medo. “O tempo que os peixes passavam no lado escuro era muito semelhante àquele que os roedores ficavam na parte protegida do labirinto”, conta Gouveia. “Por isso imaginei que os dois testes pudessem medir a ansiedade em animais diferentes.” Desde então, ele aplicou o teste de claro-escuro a 12 espécies de peixe, o zebrafish entre eles, para avaliar ansiedade em peixes. “É um dos testes mais adotados hoje em laboratórios de estudos de peixe no mundo todo”, conta Gouveia,

hoje pesquisador na Universidade Federal do Pará. A fase seguinte é testar compostos que interferem Lei que regula nesse comportamento pao uso de animais ra tentar descobrir como eles o alteram. Com alem pesquisa guns desses testes padronizados, os pesquisadores determina que brasileiros já identificam alterações químicas e cea partir de 2014 lulares no cérebro, provosejam usados cadas por crises de epilepsia ou por compostos que exemplares de controlam a depressão e a ansiedade. Na Universidaorigem certificada de Estadual de Campinas (Unicamp), onde instalou um laboratório de zebrafish há dois anos, a geneticista Cláudia Maurer-Morelli e sua aluna de mestrado Patrícia Barbalho viram que os níveis de uma molécula inflamatória, a interleucina 1-beta, aumentaram logo após uma crise epiléptica induzida. As crises também elevam a produção e a atividade do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), uma proteína que em humanos está alterada na epilepsia, como mostraram os resultados publicados por Fernanda Reis-Pinto em 2012 no

Os modelos e suas vantagens Taxa de reprodução elevada, baixo custo de manutenção e desenvolvimento do embrião fora do corpo materno são alguns dos atrativos do zebrafish

Desenvolvimento do embrião Embrião Produção de filhotes

Zebrafish

Camundongo

Interna

Externa

Interna

Externo

Externo

Interno

Não transparente

transparente

Não transparente

100 ovos/dia

100 ovos/dia

10 filhotes/2 meses

60 a 90 dias

85 dias

diária

-

R$ 0,60

R$ 8,00

Plano corporal

Invertebrado, 6 patas e asas

Vertebrado, sem patas

Vertebrado, 4 patas

fonte  José Xavier Neto / LNBio, Monica Ryff Vianna / PUC-RS e Denis Rosemberg / Unchapecó

20 | julho DE 2013

85% 70%

tempo até a idade 20 dias reprodutiva manutenção

Comparação com o ser humano

semelhança genética

Fecundação

Drosófila

60%

100 milhões de anos

500 milhões de anos

Tempo de separação evolutiva

900 milhões de anos


Journal of Epilepsy and Clinical Neurophysiology. Numa linha de pesquisa em fase inicial, Cláudia planeja produzir peixes com alterações genéticas encontradas em pessoas com epilepsia para investigar o papel dessas mutações na doença. O trabalho integra o Instituto Brasileiro de Neurociências e Neurotecnologia, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão financiados pela FAPESP, coordenado por Fernando Cendes. Embora os primeiros trabalhos com zebrafish tenham sido feitos em São Paulo, cerca de metade dos artigos brasileiros dos últimos anos é de equipes do Rio Grande do Sul, boa parte em neurociências. Segundo Monica Vianna, uma razão histórica explica a concentração dos trabalhos brasileiros com paulistinha em neurociências. Tanto ela quanto Carla Bonan, da PUC-RS, uma das primeiras a instalar um laboratório de zebrafish no Brasil, haviam feito parte de seu treinamento no grupo de Iván Izquierdo na UFRGS, um dos principais estudiosos da memória no mundo. Depois de trabalhar com roedores no mestrado e no doutorado, Carla e Monica decidiram investir no zebrafish. Nos últimos anos, Carla mostrou que nesses peixes os níveis de algumas moléculas que atuam na comunicação entre as células cerebrais – o trifosfato de adenosina e um de seus componentes, a adenosina – desempenham um papel protetor contra a epilepsia, o estresse e a neurotoxicidade induzida por metais. reprodução

Na PUC-RS, Monica e sua equipe trabalharam meses até chegarem à estratégia mais eficiente de promover o acasalamento dos peixes no Laboratório de Biologia e Desenvolvimento do Sistema

Nervoso. Ela só conseguiu aumentar a taxa reprodutiva quando reuniu os participantes em grupos de três (uma fêmea e dois machos) e os manteve separados por uma divisória transparente – machos de um lado e fêmeas do outro – durante toda uma noite antes que pudessem finalmente ter contato. “Se não os separo, cada fêmea produz menos de uma dezena de ovos”, conta a bióloga. Já com o isolamento e as 12 horas de namoro a distância, esse número pode aumentar para cerca de 200. Lá ocorrem cerca de dez acasalamentos por dia e nascem, em média, 2 mil filhotes por mês. Em uma manhã excepcionalmente produtiva de maio deste ano, Monica e sua equipe passaram horas recolhendo um a um, com uma pipeta, os cerca de 1.800 embriões que resultaram de um único acasalamento de algumas dezenas de trios de zebrafish, que ela vem usando para investigar a bioquímica da memória e de doenças neurodegenerativas como o mal de Alzheimer. Com a expectativa de que a demanda por exemplares do peixe possa crescer nos próximos anos, os grupos de Monica, Carla e os colegas que compartilham o biotério da PUC-RS trabalham na sua ampliação. É que os 5 mil peixes mantidos ali hoje são suficientes apenas para suprir os estudos conduzidos por eles e alguns colaboradores. A meta é tornar esses laboratórios um dos principais fornecedores desse zebrafish para pesquisa no Brasil, ao lado do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), em Campinas, onde a equipe do biólogo José Xavier Neto instalou no ano passado um biotério para produzir zebrafish com alterações genéticas para o estudo do desenvolvimento de vertebrados. Comparando o desenvolvimento embrionário de peixes, galinhas e camundongos, a equipe de Xavier começou a elucidar nos últimos anos o papel de alguns fatores envolvidos na diferenciação do coração dos vertebrados e no desenvolvimento de neurônios sensoriais. Uma das razões para aumentar a produção do peixe é que há um potencial mercado. A Lei Arouca, que regulamenta o uso de animais em pesquisa, determina que a partir de 2014 sejam usados exemplares de origem, qualidade e uniformidade certificadas. “Em princípio”, diz Monica, “não será mais possível fazer pesquisa com peixes comprados em lojas de animais”. n

Artigos científicos MUSSULINI, B.H. et al. Seizures Induced by Pentylenetetrazole in the adult zebrafish: a detailed behavioral characterization. PLos One. v. 8. Jan. 2013. REIS-PINTO, F. C. et al. Análise temporal dos transcritos dos genes bdnf e ntrk2 em cérebro de zebrafish induzido à crise epiléptica por pentilenotetrazol. Journal of Epilepsy and Clinical Neurophysiology. v. 18, n. 14, p. 107-13. 2012. CASTILLO, H. A. et al. Insights into the organization of dorsal spinal cord pathways from an evolutionarily conserved raldh2 intronic enhancer. Development. v. 137, p. 507-18. 2010.

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www.aner.org.br

22 | agosto DE 2012


Imponente. A eletrônica potencializa a tração 4x4, mas um pouco mais de torque seria bom.

O consumo é muito alto e as buchas da suspensão são frágeis.

OpInIãO. QuAntO mAIS VOcê lê ReVIStAS, mAIS O níVel SObe. ler uma revista é se aprofundar no seu assunto preferido de forma descontraída. A cada página, um universo de informações dos mais diversos temas. e você ainda ganha mais bagagem para formar uma opinião forte e consistente.

Seria bom um pouco mais de cavalos, né?

Arisco.

Vixe, que carrão!

Quem lê ReVISTA Tem opInIão. PESQUISA FAPESP 198 | 23


entrevista Helena Bonciani Nader

Ela briga pela ciência Fabrício Marques

H

elena Bonciani Nader, professora titular da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), foi reeleita no mês passado presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a entidade mais representativa da comunidade científica do país, com cerca de 110 sociedades associadas e mais de 4 mil sócios ativos. Depois de cumprir dois mandatos como vice-presidente e um como presidente, seguirá à frente da entidade até julho de 2015. Nos últimos anos, ela foi uma voz importante na articulação de campanhas bem-sucedidas, como a que conseguiu derrubar um dispositivo da lei da carreira docente nas universidades federais que extinguia a exigência do título de doutor em concursos, e outras ainda não concluídas, como a que briga pela destinação de parte dos royalties do petróleo para a ciência e por mais recursos para a ciência e tecnologia. Com graduação e doutorado pela Unifesp, quando ainda se chamava Escola Paulista de Medicina, pós-doutora pela Universidade do Sul da Califórnia, a pesquisadora comanda o grupo que é referência mundial na pesquisa sobre a heparina, polissacarídeo conhecido por sua ação como anticoagulante. O grupo foi criado por Carl Peter von Dietrich (1936-2005), orientador de doutorado de Helena, com quem ele mais tarde se casou e teve uma filha. A professora formou quase 100 pesquisadores, entre mestres e doutores, e mantém com prazer o hábito de dar aulas na graduação, onde, segundo diz, é mais fácil passar valores para os alunos. Também é coordenadora de área de biologia da FAPESP e professora honorária da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, onde ajudou a criar um grupo em pesquisa de bioquímica. Na entrevista a seguir, ela faz um balanço de sua carreira e de seu trabalho na SBPC, e fala dos planos da entidade.

24 | julho DE 2013

especialidade Glicobiologia formação Universidade Federal de São Paulo (graduação e doutorado), University of Southern California (pós-doutorado) instituição Universidade Federal de São Paulo, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência produção científica 248 artigos científicos na base Thomson Reuters, 43 orientações de doutorado e 45 de mestrado


léo ramos

PESQUISA FAPESP 209 | 25


Quais são os principais desafios da ciência brasileira na visão da SBPC? O Brasil está atravessando uma fase nova para a educação e para a ciência, uma fase de maior demanda e demanda qualificada. Na época em que a SBPC foi criada, 65 anos atrás, a ciência brasileira era muito pequena, restrita a algumas áreas do saber e a alguns pontos do país. Hoje a ciência está espalhada pelo Brasil e eu vejo isso como uma vitória de toda a comunidade científica. O panorama é muito bom, mas precisa de investimentos. Por isso lutamos por mais recursos para a ciência. Melhoraram os investimentos, mas estão aquém do necessário. A iniciativa privada investe, mas ainda aquém do que investe, por exemplo, o empresariado na China ou na Coreia. E persiste uma assimetria entre os estados brasileiros? Tem diferenças. Aqui em São Paulo o panorama é um. O Rio de Janeiro também tem um panorama extremamente favorável. Minas Gerais agora está investindo proporcionalmente mais do que o Rio. Tenho um orgulho muito grande porque o estado de São Paulo tem um papel muito importante no cenário científico brasileiro. Nós saímos na frente. A Constituição estadual de 1947 previu a criação de uma fundação de amparo à pesquisa, que cresceu com a confiança da comunidade científica e, importante, da comunidade política. A FAPESP conseguiu impor-se no cenário político, isso foi fundamental. E quando se faz a nova Constituição brasileira, em 1988, se coloca que todos os estados deveriam ter fundações e apoiar a ciência, a pesquisa e a tecnologia. A nossa FAPESP foi fundamental. Me lembro que o Flávio Fava de Moraes, que era o diretor científico da FAPESP, correu o país. O professor Dietrich e eu montamos um programa de pós-graduação na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, nos anos 1980, e encontramos o Fava numa audiência lá na Assembleia Legislativa, mostrando o impacto de se ter uma fundação. A ciência aqui era mais antiga, já tínhamos o Instituto Agronômico de Campinas e o Butantan, com mais de 100 anos.

A criação da USP foi talvez o marco principal... O fato de termos perdido a Revolução Constitucionalista em 1932 teve um impacto na sociedade paulista muito grande. A criação da USP em 1934, numa espécie de compensação para a derrota, trouxe cientistas europeus que estavam sendo perseguidos por problemas políticos, religiosos, ideológicos. São Paulo já era um estado forte, mas com os cafezais em crise. Os nossos jovens que queriam fazer medicina iam para o Rio, para a Bahia, porque em São Paulo só tinha uma escola de medicina, que não era ainda da USP, na avenida Dr. Arnaldo. Não havia investimento federal. Outra instituição, a Escola Paulista de Medicina, nasceu em 1933 como instituição privada e perma-

Temos de lutar por mais financiamento. Sem garantir investimentos, você mata o pesquisador

26 | julho DE 2013

neceu assim até meados da década de 1950. Nosso estado contaminou os outros. Tenho orgulho, como paulista, paulistana e brasileira, de dizer que o estado de São Paulo ajudou nisso. Mas também vejo que São Paulo precisa estar mais presente, pela dimensão de sua ciência, e não se afastar por razões relacionadas com a política partidária. Há um prejuízo de diálogos. Às vezes, você poderia colocar numa mesma mesa pessoas de diferentes tendências e não consegue porque um recrimina o outro. Não deve ser assim. Eu acho que isso está mudando, e é bom. Ainda bem que somos uma democracia, ainda bem que temos alternância de poder. Temos que ter bandeiras comuns, que são fundamentais para o Brasil.

Recentemente, a SBPC liderou a campanha para reverter alguns dispositivos da lei da carreira docente das universidades federais. O resultado foi satisfatório? Quando vimos o projeto de lei, mandamos um documento assinado por mim e pelo Jacob Palis, presidente da Academia Brasileira de Ciências, em que colocamos claramente os prejuízos, mas infelizmente não fomos ouvidos. A lei foi aprovada no dia 28 de dezembro. Depois da aprovação, a SBPC foi, tenho orgulho de dizer, a peça-chave na medida provisória da presidente Dilma, voltando a exigir título de doutor para ser professor de universidade federal, porque isso tinha acabado. É um absurdo. O país tem uma pós-graduação que está sendo copiada lá fora e de repente faz-se uma lei que diz: olha, quer ser professor na federal, basta ter graduação. Foi revertido. Mas há um ponto importante que ainda não foi revertido: é preciso tornar a nova lei compatível com a Lei de Inovação, possibilitando ao professor com dedicação exclusiva desenvolver projeto em empresa, desde que sem prejuízo das atividades de ensino. Nas universidades públicas paulistas o professor em dedicação exclusiva pode destinar um dia por semana a esse tipo de trabalho. Duas bandeiras de sua gestão foram a reação ao corte de orçamento em 2012 e os royalties do petróleo... Nós temos hoje uma parceria com a Academia Brasileira de Ciências. Somos complementares. Com isso você tem a representatividade de toda a comunidade científica. Na visão de alguns, a academia é restrita... nós acadêmicos estamos lá no trono e lá embaixo tem a massa, o que não é real. A academia representa a elite e, no Brasil, elite é uma palavra gasta. Mas a SBPC representa todas as sociedades científicas. São 110 sociedades científicas. Quando um documento é assinado pelo Jacob Palis e por mim, tem um peso importante. Uma bandeira que assumimos foi a recomposição do orçamento depois do corte em 2012. E este ano a presidente Dilma, palavras ditas pelo ministro Marco Antonio Raupp, disse que não se pode contingenciar o


orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação [MCTI], assim como o da Educação. A gente conseguiu mostrar para os dirigentes a importância da ciência e da educação. Considera o orçamento do MCTI satisfatório? Houve aumento para a ciência e tecnologia, e houve um aumento substancial para inovação. As parcerias entre o BNDES e a Finep geraram um aumento importante. Pode ser mais? Claro que pode. Mas do ponto de vista da pesquisa feita em universidades... Na nossa visão, ainda é pequeno. Temos falado isso para o ministro Raupp. Colocamos isso numa reunião que o ministro presidiu recentemente. Ele nos mostrava que aumentaram os recursos para o edital universal do CNPq, mas observamos que o financiamento para as pessoas diminuiu. Eu falei: “Ministro, antes se podia solicitar até R$ 150 mil em dois anos. Dava R$ 75 mil por ano. Para o cientista mais sênior, o total agora é R$ 120 mil divididos em três anos”. Ele não tinha percebido. Houve uma melhora, aumentou o número de bolsas de produtividade. Houve a criação de novas universidades, aumentou o número de doutores. Sem garantir investimentos, você mata o pesquisador. Temos que lutar para ter mais financiamento. As parcerias entre o governo federal e os estaduais têm dado certo e deveriam acontecer com mais frequência. Porque você soma os recursos, economiza na hora do julgamento. Precisamos ter continuidade, por exemplo, dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia [INCTs], que são financiados pelo CNPq e pelas FAPs estaduais. Queremos que o julgamento dos atuais INCTs, agora em julho, seja transparente e aponte quais funcionaram, senão a iniciativa cai em descrédito. Onde não está funcionando você não refinancia. Há uma demanda reprimida e a solução não é tirar de um para dar vez para outro. Vamos atrás de recursos para atender a todos. Da mesma forma o programa Ciência sem Fronteiras precisa ter uma avaliação muito clara.

Que avaliação a senhora faz do Ciência sem Fronteiras? Encontrei bolsistas nos Estados Unidos. Minha impressão foi incrível. Havia gente da graduação, gente fazendo pós-doutorado. O entusiasmo era impressionante. Infelizmente, o que aparece no jornal é que tem bolsista em Portugal. Não é que Portugal não sirva. Tem o laboratório do imunologista Antonio Coutinho, que só publica na Nature e na Science. A SBPC gostaria que o programa fosse avaliado. Como nós também aqui em São Paulo, com os bolsistas da Bepe [Bolsas de Estágio de Pesquisa no Exterior, da FAPESP]. Nós estamos mandando muitos estudantes para o exterior, desde a graduação ao pós-doutorado. Qual é o impacto? A SBPC considera o Ciência

A barreira do inglês segue sendo um problema? Não posso generalizar, mas não é só para o estudante. Nossos cientistas têm a dificuldade da língua. Muita gente pergunta: por que os brasileiros não publicam nas melhores revistas? Pela barreira da língua. Os chineses também não publicavam nas melhores revistas. Hoje publicam na Nature e na Science direto. Mas eles contrataram pessoas, treinadas, para escrever no modelo de revista. Há 15 anos, o chinês falava erradíssimo. Hoje fala sem sotaque. Mas eles têm uma tradição de educação que nós não temos. Esqueça a liberdade, que disso eu não abro mão, mas eles lá têm educação. A criança está na escola de fato, está aprendendo. Lá eles decidem qual universidade vai fazer ciência. Nosso pesquisador não sabe inglês como deveria. Seria importante ter, nas universidades, pessoas que ajudassem a escrever artigos, porque isso está ficando cada vez pior: estão vendendo esse serviço. Vou dar um exemplo. Mandei recentemente um paper para uma revista. Como é tudo on-line, eles viram que o IP é do Brasil. Um revisor elogiou, o outro fez críticas e o terceiro disse que precisava de extensiva revisão da língua, feita por um nativo. Eu respondi que sou formada nos Estados Unidos, e que o artigo tem dois autores, um inglês e um americano. Reclamar do idioma virou praxe, mesmo se não há problema.

Às vezes, artigos são negados e dados semelhantes saem na mesma revista. Coincidência? sem Fronteiras um programa ousado, de difícil gestão, mas que poderá vir a impactar a educação e a ciência brasileira. Nossas universidades estão obsoletas. A gente está fazendo cursos de graduação com um modelo do século XIX, não é nem do século XX. O estudante que passa uma temporada no exterior volta diferente. Aqui o professor dá uma aula geral e diz para o estudante “agora vai e estuda”. Na hora em que este avalia o professor diz “o professor não cumpriu a carga”. O aluno quer aula teórica, estudar por anotação de caderno. No exterior, eu conversei com os bolsistas e eles disseram “nunca pensei que pudesse ser assim”. Os professores mandam estudar e chamam os alunos para discutir.

Por quê? Porque estão vendendo esses serviços. Há um comércio. É um tema relacionado à ética científica. Hoje se discute muito a integridade do pesquisador, sua relação com os estudantes. Mas a integridade vai além. Às vezes, falta integridade em editores de periódicos, em revisores. Já vi isso acontecer: artigos são negados e dados semelhantes saem na mesma revista. Coincidência? É fácil apontar a falha ética de um resultado que não se repete. De plágio é mais difícil. Como provar que o indivíduo não teve a mesma ideia? A pressão pelo financiamento é grande. O número de artigos que repetem o mesmo dado é impressionante. PESQUISA FAPESP 209 | 27


A campanha pelos royalties do petróleo não foi bem-sucedida. Por quê? Perdemos os royalties dos novos contratos, mas continuamos lutando para que parte dos recursos que vão para a educação seja destinada à ciência. Não adianta investir só na educação básica. Me lembro do que aconteceu no governo Fernando Henrique. Houve um investimento na educação básica, mas as universidades federais ficaram à míngua. Está errado, você tem que investir em todo o sistema. Só assim há uma mudança de patamar. O governo hoje, infelizmente, está olhando os royalties apenas como uma saída para alcançar 10% do PIB para educação. O que, aparentemente, a gente conseguiu foi que, nos campos de petróleo já licitados, não se acabe com o CTPetro, o Fundo do Petróleo. Mas ainda não está votado, então temos que estar atentos. Também estamos atentos ao código de ciência, tecnologia e inovação. Tenho ido nas audiências públicas. A lei que rege as universidades é a 8.666, que não foi feita para a ciência. Na verdade é anticiência.

Natura, com nuvens de processos. Tem mais publicações sobre a biodiversidade brasileira no exterior do que no Brasil. E nós continuamos assistindo. Eu acho que isso é anti-Brasil. Se os jovens que estão nas ruas querem algumas bandeiras, posso dar várias. Também estamos atentos à aplicação do Plano Nacional de Educação, o PNE. O salário prometido para os docentes não está sendo cumprido. Queria falar um pouco de sua carreira. A senhora passou períodos nos Estados Unidos e não quis se fixar lá. Por quê? Fui pela primeira vez para os Estados Unidos quando ganhei uma bolsa do programa American Field Service. Fui para a Pensilvânia, onde eu fiquei por um ano fazendo o último ano do colégio. Quando

Em que momento se deu conta de que queria ser pesquisadora? No começo do curso, com os desafios de laboratório. A gente tinha muita vivência em laboratório. Ninguém dava aula. Mandavam a gente estudar: “Está aqui. É esse capítulo”. Ninguém perguntou se a classe sabia ler inglês. Era tudo em inglês. Era um curso inovador. Quanto mais exigiam, mais a gente gostava. Isso, numa turma pequena, muito integrada. E foi no quarto ano que a senhora conheceu o professor Dietrich? Eu estava já fazendo estágio na bioquímica, trabalhando com o professor Leal Prado, quando o professor Dietrich retornou do Canadá, onde passou seis anos e até se naturalizou. Ele era um jovem prodígio e já estava indo para professor titular aos 33 anos. O Leal não me perguntou se eu queria. Apenas disse: “Olha, você vai trabalhar com o professor Dietrich”. E me deu um monte de separatas para ler. Fiz o quarto ano biomédico, que era estágio, com ele. E aí fui para o doutorado direto. Defendi o doutorado em 1974, fiz um pós-doc na University of Southern California, em Los Angeles, e no Veterans Administration Hospital, em San Fernando Valley, por um ano e meio, com bolsa da Fogarty, dos National Institutes of Health. Meu currículo já era muito bom. Tinha muitas publicações. Na iniciação científica, foi um paper e no doutorado, acho que 10 ou 12 papers. O curioso é que escolhi trabalhar com o Walter Marx, que tinha uma pesquisa pioneira no estudo da biossíntese de heparina. Sempre estive envolvida com os glicosaminoglicanos, em especial com a heparina. Escolhi esse laboratório por referências da literatura, mas não sabia que ele estava praticamente desativado. Fui chamada para uma reunião na Fogarty e me disseram: “Você sabe que seu caso foi muito discutido aqui? Nos chamou a atenção, com um currículo como o seu, que não é comum, a escolha que você fez”. E eu disse: “Não sabia. Se vocês tinham essa informação, tinham a obrigação de ter me avisado”. Responderam que queriam

A lei que rege as universidades não foi feita para a ciência. Na verdade, é uma lei anticiência

Como assim? Nós tivemos aqui na Unifesp que devolver dinheiro para a Finep, porque foi impossível usar os recursos. Fomos a primeira universidade a criar a medicina translacional. Mandamos um projeto, aprovado na Finep, mas não conseguimos usar o dinheiro. Todos os editais para construção tinham problemas com o Ministério Público, com o TCU. Do jeito que está a lei, ela impede o gasto. Numa audiência pública em que eu estive em Brasília, na comissão que é presidida pelo deputado Gabriel Chalita, havia representantes do Tribunal de Contas, da Advocacia Geral da União. Dei vários exemplos. Lembrei que foi preciso criar legislação específica para a Copa do Mundo e as Olimpíadas, sem a qual não seria possível realizar esses eventos. Copa e Olimpíadas são mais importantes do que educação e ciência? Vou continuar fazendo essa pergunta. Também estamos lutando por uma legislação enxuta para a biodiversidade. Veja a penalização de empresas como a 28 | julho DE 2013

cheguei aos Estados Unidos, fiz um teste e me puseram para estudar matemática avançada, que seria o equivalente ao primeiro ano da faculdade. Tive cálculo diferencial e integral, química avançada, inglês avançado. Pude aproveitar bastante e me formei lá. Minhas notas foram muito boas, me deram uma bolsa de estudos para fazer universidade na Pensilvânia, com moradia. Mas eu tinha acabado de chegar ao Brasil e falei “não vou”. Não me arrependo. Fiz a universidade aqui, na Escola Paulista de Medicina. Sou da segunda turma do curso de ciências biomédicas. Poderia ter passado depois para o curso de medicina, isso era garantido. Não quis porque, a certa altura, concluí “quero é fazer ciência”.


ver como eu me sairia. O custo foi alto, ter de montar um laboratório quando você quer, no pós-doc, aproveitar a estrutura de um grande laboratório. Mas provei que sou capaz. Fiz uma associação com um pesquisador que estava desenvolvendo mastocitomas, deu um paper. Tive que começar do zero. Fui cortar acrílico, juntava gente para ver, e fiz minhas caixas de eletroforese. E aí volta para o Brasil... Voltei em 1977. Depois, em 1978, fiquei três ou quatro meses na Itália, em Modena, porque uma indústria pediu auxílio para identificar todos os componentes de um produto natural, de origem animal, vendido em toda a Europa. O desafio era, além de identificar os ingredientes, obter 100 gramas de cada um deles. Noventa por cento era ácido nucleico. Imagine que eu tinha que tirar 100 gramas dos outros. Adquiri uma vivência de análise de heparina que é reconhecida. Somos referência. O professor Dietrich é que montou. Eu tive o privilégio de começar com ele e de continuar como parceira. Antes de ele falecer, muita gente achava que a Helena produzia ciência porque estava junto com o Dietrich. Ele ficava muito chateado com isso. Nós casamos, tivemos uma filha. Então a minha produção era porque ele era um top scientist. E ele dizia: “Esse pessoal não entende nada, o privilegiado sou eu”. Eu respondia: “Então somos os dois”. A gente se complementava. Eu sinto muita falta dele. Muita, muita mesmo. Porque era meu amigo, trocávamos ideias. Mas a produção continua.

fazer isso com a heparina”. Foi o primeiro trabalho na literatura mostrando que na heparina são diferentes componentes com diferentes pesos moleculares e ela é o único composto com essas características entre os glicosaminoglicanos. Esse método foi utilizado na indústria para a caracterização da heparina. Esse trabalho é de 1974. Fomos o primeiro laboratório que mostrou que a função da heparina biológica não tem nada a ver com atividade farmacológica. Publicamos um trabalho, aí eu já estava orientando estudantes, no caso a Anita Straus Takahashi, mostrando a distribuição da heparina em alguns tecidos. Teve também uma publicação com o pessoal do Instituto Biológico. O Osvaldo Sant’Anna tinha os camundongos, que ele selecionava para resposta imune. O

pulmão por brânquia. Nosso laboratório fez a árvore filogenética dos glicosaminoglicanos. Heparina e heparam são os dois carros-chefes do laboratório. Em que ponto está essa pesquisa? Em relação ao heparam sulfato, temos um foco muito grande com o papel dele no endotélio. Porque o endotélio é um sistema per si antitrombótico, porque o sangue passa obrigatoriamente ali. Heparam, heparina e os nossos compostos agora viraram vedetes, há até um exagero. A gente tem muita colaboração dentro do Brasil e na nossa universidade. Tenho orgulho disso. Muitos estudantes da medicina e médicos estão aqui desenvolvendo seus trabalhos. Tenho colaboração com a oftalmologia. O estudante que fez o doutorado comigo ganhou um prêmio internacional, depois foi para o New England Eye Institute e Tufts Medical School. E hoje é médico assistente da Escola Paulista de Medicina e professor assistente da Tufts Medical School. Mostramos, num modelo que ele montou de neovascuralização da coroide, o papel de um glicosaminoglicano que extraímos do descarte da produção de camarão como inibidor de angiogênese. Estou trabalhando com câncer via angiogênese. Tenho colaboração com a ortopedia. Também com a plástica, a própria morfologia, a nefrologia, a cirurgia cardíaca, a urologia, entre outras.

Na graduação, tive muita vivência de laboratório. Quanto mais exigiam, mais a gente gostava

Falando de sua contribuição relacionada à heparina, ela começa quando? Começa na minha tese de doutorado. O professor Leal tinha trazido para o Brasil o professor Gordon, de uma universidade em Londres. Ele era um dos pioneiros da eletrofocalização, uma técnica usada até hoje para separar proteínas e peptídeos pelo ponto isoelétrico. Você tem uma mistura de proteínas e via a separação delas. Elas iam parando em momentos diferentes, na eletroforese. E eu falei: “Poxa, vou

camundongo que produzia bastante anticorpo tem pouca heparina na pele. E o que fazia pouco anticorpo tem muita heparina. E mais, as fêmeas têm o dobro de quantidade dos machos. Mostramos até a distribuição ligada ao sexo. Foi um trabalho muito legal. A gente viu que isso estava relacionado a mecanismos de defesa do organismo contra patógenos. Houve um experimento em que demos endotoxina e aquele camundongo que produzia muito anticorpo morria rapidamente. E o nosso amigo que não sabe fazer anticorpo sobrevive. Aí chegamos na heparina de invertebrados. O vôngole, que você come na macarronada, está repleto de heparina e com a mesma distribuição tecidual dos vertebrados, substituindo

Quantos pesquisadores já formou? Quase uma centena, entre mestres e doutores, sem contar os pós-docs e iniciação científica. Vários que fizeram só mestrado comigo estão em laboratórios de empresas. Os doutores estão em laboratórios de pesquisa e universidades espalhados pelo Brasil e no exterior. É bom ver que estão tendo sucesso e te superando. Vibrei quando a Selma Jerônimo, que fez o mestrado e o doutorado comigo, publicou recentemente na Nature Genetics. Comentei: “A filha supera a mãe”. O trabalho tem coautores internacionais, mas os experimentos são do laboratório da Selma no Rio Grande do Norte. Acho que isso é uma herança. n PESQUISA FAPESP 209 | 29


política c&T  colaboração y

redes diversas

Programa mobiliza centenas de instituições para ampliar o conhecimento sobre a biodiversidade brasileira

U

ma rede nacional de pesquisadores dedicados a expandir o conhecimento sobre a biodiversidade brasileira começou a tomar forma, mostrou a primeira reunião de avaliação do Sistema Nacional de Pesquisa em Biodiversidade (Sisbiota). A iniciativa é coordenada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e reúne órgãos de três ministérios além de 14 fundações estaduais de amparo à pesquisa, as FAPs. A reunião, realizada entre 3 e 6 de junho em Brasília, contabilizou o envolvimento de 356 instituições e 1.127 pesquisadores de todo o país. “Há projetos que estão sendo realizados em todos os biomas brasileiros, graças à formação de redes e à descentralização da pesquisa”, explica Roberto Berlinck, professor do Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP) e membro da coordenação do Biota-FAPESP, programa criado em São Paulo em 1999 que serviu de referência para o Sisbiota nacional. Berlinck coordenou a equipe de oito docentes que fez a avaliação dos 39 projetos do Sisbiota, que

30  z  julho DE 2013

reunem 38 redes de pesquisa e um projeto de síntese do conhecimento. A FAPESP cofinancia 14 projetos do programa, aqueles liderados por pesquisadores de instituições do estado de São Paulo. Um deles é coordenado por Vanderlan Bolzani, professora do Instituto de Química de Araraquara da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e também membro da coordenação do Biota-FAPESP. O estudo, que deve estar concluído até janeiro de 2014, concentra-se na prospecção de moléculas bioativas e no estudo da variabilidade de plantas e microrganismos do cerrado e da caatinga. Assim como outros projetos do Sisbiota, o de Vanderlan teve de estabelecer uma rede, que envolve 26 pesquisadores, 15 laboratórios e 8 instituições, como as universidades federais do Ceará, do Piauí e de Minas Gerais. “Quanto mais colaboração temos com outros estados, melhor é o trabalho. Neste país há muita pesquisa de qualidade”, diz Vanderlan. Dentre os resultados obtidos por seu grupo, a professora destaca a recuperação de in-

formações históricas, a prospecção de extratos vegetais com atividade citotóxica (antitumorais), a caracterização de princípios ativos e o uso de informações genômicas para controle de plantas medicinais. A professora conta que foram encontradas 28 amostras referentes a espécies de plantas pouco conhecidas pela ciência e que são vendidas em mercados populares. “As pessoas utilizam estas amostras sem saber do risco que correm ao consumi-las”. A rede coordenada pela professora Maria de Lourdes Teixeira de Moraes Polizeli, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP em Ribeirão Preto, é exemplo de como o trabalho de catalogação de novas espécies pode render desdobramentos com aplicação no mercado. A pesquisa, que está ainda em andamento e conta com 123 pesquisadores espalhados pelo país, realiza a prospecção de fungos filamentosos produtores de enzimas que podem ser utilizadas em biorrefinarias para a produção, por exemplo, do bioetanol a partir do bagaço e da palha de cana-de-

foto  miguel boyayan infográfico ana paula pontes

Bruno de Pierro


Sisbiota em números Distribuição dos recursos do programa pelo país

projetos por estado (redes)

1

2

AM

1

PA

2

RN

PE

15,9

1

2

SE

BA

3

DF

3

1

MG

ES

14

1

SP

1

RJ

PR

Financiamento por fontes em milhões de reais

4

SC

2

orçamento total

RS

12

FNDCT* 7,9

Fapesp 6

MMA**

total investido pelas faps

4,9

Capes***

4,5

CNPq 1,8

Fapemig

em milhões de reais

1,36

Fapesc

7,9

Fapeam

1

Fapergs

1 0,9

Fapespa Fapesb

3,59

0,8

Faperj

0,54

Fapes

0,5

Fapdf

0,5

Facepe

0,5

Fap-PR

0,4

Outras

0,33

*Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico **Ministério do Meio Ambiente ***Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

3,48 2,72

2,65

2,54 2

1,8

1,87

1,8

1,36 1 0,5

SP

mg

DF

1

0,8

0,9

0,5

0,5

SC

AM

BA

RS

PE

1

PA

ES

0,54

0,8 0,4 PR

0,54

0,4

0,25 0,2

RJ

RN

0,13 SE


-açúcar. Até o momento, já foram isolados aproximadamente mil fungos, dos quais 40% apresentaram bons níveis de produção enzimática. “Se estamos fazendo catalogação de fungos, por que não explorar o potencial biotecnológico deles?”, questiona Maria de Lourdes, ao explicar os procedimentos de seu trabalho. A professora afirma que o potencial do fungo para a produção de enzimas varia de acordo com o bioma. O Aspergillus niger, por exemplo, é encontrado em diversos ecossistemas. Seu potencial enzimático, no entanto, difere se ele é da Amazônia ou da caatinga. O valor financiado para o projeto no período de três anos foi de R$ 2 milhões e sua prorrogação até março de 2015 foi aceita pelo Sisbiota. De acordo com a professora, o trabalho em rede permitiu que ela conhecesse realidades com as quais não tinha contato. “No Amazonas a equipe precisou fazer coletas de fungos a cavalo, porque muitos locais ainda são de mata virgem. Em muitos casos é necessário usar métodos primitivos para fazer ciência de ponta”, afirma. Maria de Lourdes chama a atenção para a importância da continuidade do programa. Isso porque não há a preocupação de produzir apenas papers, mas também de aproveitar industrialmente as descobertas e gerar patentes. A permanência 1 Girino Scinax machadoi, do programa a lonlocalizado em go prazo, por meio Minas Gerais pela de novas chamadas, equipe de Denise, ainda não foi definida Unesp da. De acordo com 2 Paineirinha-do-cerrado Denise de Oliveira, (Eriotheca analista em ciência e gracilipes), flor do tecnologia do CNPq cerrado em

“Quanto mais colaboração temos com outros estados, melhor é o trabalho”, diz Vanderlan Bolzani

e gestora do primeiro edital do Sisbiota, os projetos que estão em andamento tiveram a recomendação do comitê avaliador de serem estendidos por mais um ano. “Os projetos receberam muitos elogios pela forma como estão sendo conduzidos, mas alguns foram prejudicados pela falta de chuvas na região Nordeste, por exemplo. Por conta disso, a prorrogação dos prazos está sendo definida”, diz Denise. “A integração de pesquisas em rede não acontece de uma hora para outra. O conhecimento da biodiversidade exige pesquisas de longa duração.” A garantia de financiamento de longo prazo ajuda a explicar o êxito do Biota-FAPESP. Conforme consta no documento básico do Sisbiota, a experiência do pro-

Pratânia (SP)

1

32  z  julho DE 2013

grama paulista ajudou a “delinear um programa de amplo escopo geográfico”. “Após completar 10 anos em 2009, o Biota-FAPESP serviu de inspiração para o governo federal. Foi uma estratégia bem-sucedida da Fundação, que inclusive entrou no Sisbiota com um aporte de quase R$ 8 milhões para financiar projetos”, explica Roberto Berlinck. “Com o Sisbiota, foi possível formar redes abordando diferentes problemas em diferentes biomas, trabalhando em complementaridade, evitando redundâncias, o que nos permite ter um quadro mais completo do conhecimento da biodiversidade nacional”, argumenta o professor, que também acredita que três anos é pouco tempo para que as pesquisas sejam consolidadas. “O Biota existe há 14 anos, o ideal é que o Sisbiota caminhe nesse sentido”, completa. Outro projeto do Sisbiota cofinanciado pela FAPESP é o do professor do Instituto de Biociências da USP Antonio Carlos Marques. Ele coordena um estudo dedicado à síntese do conhecimento sobre organismos da zona costeiro-marinha brasileira. Chamado de Sisbiota-Mar, a rede mantém conexão com 15 estados e 35 instituições, entre as quais o Projeto-Tamar e a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). O projeto envolve mais de 100 pesquisadores, dos quais 26 são responsáveis pela articulação da rede em 8 estados, entre eles São Paulo, Pernambuco, Bahia e Santa Catarina. O projeto também estabeleceu parcerias com universidades nos Estados Unidos, Alemanha e Austrália. compilação

Com base em pesquisas que havia realizado no final da década de 1990 e início dos anos 2000, Marques pôde fazer uma comparação histórica. “Muita coisa mudou na nossa percepção sobre a diversidade marinha nos últimos 10 anos. Temos melhores quadros para trabalhar, coleções mais estruturadas, embora ainda não alcancemos o nível ideal”, afirma o pesquisador. Um dos objetivos do Sisbiota-Mar é ousado: adiantar ao máximo a compilação de registros de todas as espécies marinhas da costa nacional. O Brasil aderiu ao Sistema de Informação Biogeográfica Oceânica (Obis), uma plataforma global que já registrou 140 mil pontos em mares brasileiros, onde é possível localizar, em cada um, pelo menos uma espécie marinha. O projeto de An-


tonio Carlos incorporou à base do Obis, em apenas dois anos, mais 105 mil pontos. “Se queremos ter conhecimento da nossa área oceânica, temos que investigar também a nossa biota marinha. Esse registro de dados de organismos marinhos será importante para o planejamento estratégico, a informatização e a criação de políticas de melhor exploração, além de ajudar na proposição e elaboração de unidades de conservação com mais eficiência”, ressalta o professor.

fotos 1 tiago pezzuti 2 eduardo cesar

descentralização

Para organizar os distintos objetivos de cada rede, foram estruturadas três grandes linhas de pesquisa. A primeira foi a síntese e lacunas do conhecimento da biodiversidade brasileira, com projetos de R$ 150 mil a R$ 600 mil. Já a segunda organizou a pesquisa em redes temáticas para ampliação do conhecimento sobre a biota, o papel funcional, uso e conservação da biodiversidade brasileira, abarcando projetos de até R$ 2 milhões. E a terceira tratou do entendimento e previsão de respostas às mudanças climáticas e nos usos da terra, financiando projetos de até R$ 650 mil. “A avaliação do Sisbiota foi importante para que nós, pesquisadores, ficássemos sabendo de trabalhos que não imaginávamos que estavam sendo feitos; há uma grande riqueza de dados”, destaca Vanderlan Bolzani. Segundo ela, além de pesquisas com plantas, existem muitas outras em curso sobre insetos e peixes, inclusive girinos. É o caso da rede apoiada pela FAPESP que estuda os girinos de anuros (anfíbios que em estado adulto não possuem cauda, como a rã e o sapo) em nove diferentes biomas e formações vegetais associadas, como a mata atlântica e o cerrado. Coordenado pela professora Denise de Cerqueira Rossa-Feres, do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Unesp, o projeto envolve 14 universidades públicas de 10 estados, entre elas as federais do Alagoas, do Paraná e de São Paulo, e instituições internacionais colaboradoras, como a University of South Florida, dos Estados Unidos, e o Gordon Leslie Diamond Care Centre, do Canadá. Ao todo, somam-se 25 pesquisadores, dois dos quais são estrangeiros. Denise explica que inicialmente estava prevista a coleta de amostras de girinos em 320 corpos d’água (poças, brejos, lagos e riachos). O número saltou para 784

2

“No Amazonas, a equipe precisou fazer coletas de fungos a cavalo”, afirma Maria de Lourdes ao longo da pesquisa, e é previsto alcançar um número próximo de mil corpos d’água até o final do projeto. Até o momento, foram registrados girinos de mais de 300 espécies, muitas ainda em fase de identificação. “O mais importante é que a amostragem está sendo conduzida de forma padronizada, desde a caracterização do ambiente até o método e esforço de coleta dos girinos. A base de dados será totalmente integrada e comparável, possibilitando inúmeras análises de processos e testes de hipóteses”, explica a pesquisadora. O principal objetivo é compreender quais fatores “montam” uma comunidade e determinam quais e quantas espécies vão ocorrer. pesquisa interdisciplinar

Um ponto muito comentado pelos coordenadores das redes durante a reunião de avaliação foi a oportunidade concreta de realizar pesquisas interdisciplinares. Segundo Denise de Oliveira, do CNPq, como a maioria das redes é composta por especialistas de diferentes áreas, como ecologia, biologia, química e clima, o conhecimento interdisciplinar resultante do Sisbiota é singular. “Mas recebemos recomendações para que as redes sejam mais descentralizadas, porque a gestão financeira ainda é um desafio para o pes-

quisador”, afirma ela. Como cada rede é composta por subprojetos, alguns coordenadores argumentam que seria mais simples se cada um tivesse autonomia para lidar diretamente com o recurso proveniente do CNPq e da fundação de amparo. O problema, diz Denise, é que há restrições jurídicas para que os recursos das FAPs sejam executados fora de seu estado. “Essa discussão é uma faca de dois gumes”, pondera Maria de Lourdes. Para ela, uma das vantagens da centralização dos recursos é a possibilidade de obter descontos na compra de muitos equipamentos de uma só vez. “Comprei para todo o grupo sete aparelhos que fazem a leitura da atividade enzimática. O fato de eu ter comprado todos de uma só vez fez o preço ser reduzido. Se cada coordenador regional tivesse comprado o seu, o valor seria mais caro.” O aspecto negativo da centralização, aponta ela, é o fato de o coordenador ficar sobrecarregado com questões administrativas e logísticas. “Em São Paulo, a FAPESP tem insistido para que as instituições tenham seus próprios escritórios de gerenciamento de recursos de projetos, como é o caso do Instituto de Biociências da USP, que criou esse serviço capaz de tirar um pouco do peso das costas do coordenador”, afirma Antonio Carlos Marques. n pESQUISA FAPESP 209  z  33


lnls

workshop y

Parceiros do Sirius Laboratório de Luz Síncrotron envolve empresas inovadoras na construção de sua nova fonte de luz Fabrício Marques e Rodrigo de Oliveira Andrade

O

Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) está convidando empresas brasileiras inovadoras para participar da construção do Sirius, sua nova fonte de luz síncrotron de terceira geração, que deverá substituir a fonte atual em operação desde 1997. O custo do projeto é de R$ 650 milhões, que serão financiados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e outros parceiros. No dia 28 de junho, o LNLS promoveu o workshop Parcerias Sirius, em que apresentou a cerca de 50 representantes de empresas um conjunto de desafios tecnológicos envolvidos na construção da nova fonte. A expectativa é de que pelo menos 70% do projeto seja realizado com

34  z  julho DE 2013

a participação de parceiros. O workshop atendeu a uma sugestão da FAPESP, que em 2009 apresentou ao MCTI a ideia de se usar a oportunidade de construção do Sirius para mobilizar a capacitação para pesquisa e desenvolvimento em empresas no estado de São Paulo. Pedro Wongtschowski, presidente do Conselho de Administração do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), organização social responsável pela gestão do LNLS, disse que a iniciativa é uma oportunidade para que as empresas brasileiras se fortaleçam. “A importação será sempre a segunda alternativa. Nosso objetivo é atender às demandas da ciência e tecnologia do país e gerar oportunidades para que a indústria

Representação das futuras instalações do LNLS: primeira fonte de terceira geração da América Latina

nacional possa investir em inovação.” De acordo com o físico Antonio José Roque da Silva, diretor do LNLS, esse tipo de parceria gera impactos variados para as empresas. “Para uma grande companhia, a interação é vantajosa porque envolve suas equipes em desafios sofisticados e ela se credencia como fornecedora no mercado de aceleradores”, afirmou José Roque. Duas companhias já estão engajadas: a Weg, de Santa Catarina, para a construção de eletroímãs, e a Termomecanica, de São Bernardo do Campo, que fornecerá tubos de cobre que pedem laminação diferenciada. Já para empresas nascentes, disse José Roque, a perspectiva também é de fechar um contrato significativo, um desafio para um negócio que ainda busca firmar-se. A fabricação dos eletroímãs pela Weg é um desafio para a empresa, já que eles não são produtos habituais da linha de produção, afirmou Antonio Cesar da Silva, diretor de marketing e relações institucionais da companhia. “Sempre fomos movidos por desafios na área tecnológica. Tanto que, além de um conselho admi-


nistrativo, temos também um conselho científico e tecnológico”, disse. Para Luis Carlos Rabello, conselheiro da Termomecanica, a chance de participar do projeto Sirius renderá mais do que benefícios financeiros: “A parceria será produtiva para a nossa empresa e para o país, que ainda carece de inovação tecnológica”.

Os desafios tecnológicos O LNLS procura empresas para desenvolver os seguintes equipamentos, dispositivos e sistemas Área

Produtos

Óptica

Máscaras para linhas de luz Fendas monocromáticas para linhas de luz

Eletrônica de potência

Fontes de corrente de baixa potência Fontes de corrente de alta potência

seleção

O LNLS selecionou um conjunto de desafios que estão sendo apresentados às empresas (veja quadro). Entre eles há, por exemplo, “monitores fluorescentes de perfil de feixe de elétrons” e “desenvolvimento de fontes de corrente de baixa potência”, identificados a partir do mapeamento do conjunto de sistemas e componentes do anel. Alguns devem ser entregues ainda no ano que vem, enquanto outros só precisam estar prontos mais tarde. No caso dos eletroímãs da Weg, a entrega vai se distribuir ao longo do tempo – são mais de mil peças para serem fabricadas. Outros componentes, como o trem de monitoramento, só precisa ser entregue quando o túnel estiver pronto, em 2016. Nas próximas semanas, as empresas que demonstrarem interesse serão avaliadas segundo sua capacidade técnica. Feita a seleção, terão de seguir um cronograma apertado, que inclui a criação de protótipos, testes e a fabricação. Parte dos componentes será produzida no exterior. “Certos sistemas sofisticados requerem um prazo longo de produção, como a fabricação de espelhos. Não haveria tempo para produzir no país”, disse José Roque. Envolver empresas na construção de grandes instalações científicas é prática comum na Europa e nos Estados Unidos, mas ainda pouco seguida no Brasil. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) utiliza a capacidade de empresas de tecnologia aeroespacial em vários projetos. A construção da cúpula do telescópio Soar, nos Andes chilenos, e o desenvolvimento de detectores de raios cósmicos para o observatório Pierre Auger, na Ar­gentina, projetos apoiados pela FAPESP, tiveram como fornecedores empresas nacionais de alta tecnologia (ver Pesquisa FAPESP nº 188). “O LNLS oferece uma oportunidade para a capacitação e desenvolvimento de empresas do estado de São Paulo, que poderão submeter projetos a programas da FAPESP, como o Pipe”, disse Carlos Henrique de Brito

Módulos de regulação digital de fonte Ultra-alto vácuo

Válvulas all-metal para vácuo Câmaras metálicas para ultra-alto vácuo Câmaras de elementos ópticos em vácuo

Automação / Robótica

Robôs Gamma Shutter (equip. para obstruir raios gama) Photon Shutter (equip. para obstruir os fótons) Porta-amostras para experimentos

Controle e supervisão de dados

Equipamentos de conectividade Placa universal de controle (PUC)

Mecânica e transferência de calor

Planta de fornecimento de nitrogênio

Eletrônica para diagnóstico do feixe

RF Front End (montagem e teste das placas)

Planta de fornecimento de hélio

FMC Digitizer (montagem e teste das placas) Digital Back End (montagem e teste das placas) Eletrônica de detector de posição de fótons Mecânica para diagnóstico do feixe

Mecânica dos medidores de posição dos elétrons Monitores fluorescentes

Materiais

Fita de aquecimento

Mecânica

Combinadores de amplificadores de RF Sistemas de guia de ondas Racks Berços Soquetes de alinhamento dos berços Hutch (cabana para experimentos)

Controle e automação

Trem de monitoramento de túnel Centrais de interlock

Eletrônica

Cruz, diretor científico da FAPESP, que participou do workshop. “Não dá para se ter um país em que a ciência e a pesquisa são fortes na academia e não nas empresas”, afirmou. Na construção do primeiro acelerador, entre 1987 e 1997, houve pouca parceria com empresas. “O primeiro acelerador foi praticamente todo feito dentro do laboratório, até por características daquele momento, como inflação alta, dificuldade de importação e incertezas financeiras”, afirmou José Roque. A radiação da luz síncrotron é gerada por elétrons produzidos num acelerador, que ficam circulando num grande anel quase na velocidade da luz e, quando passam por ímãs, sofrem uma deflexão provocada pelo campo magnético. Fó-

Cabos

tons são emitidos, resultando na luz síncrotron. As ondas eletromagnéticas são aproveitadas por pesquisadores de todo o país no LNLS em estações de trabalho ou linhas de luz espalhadas em pontos do anel, em estudos sobre a estrutura atômica de materiais como polímeros, rochas, metais, além de proteínas, moléculas para medicamentos e cosméticos, ou mesmo imagens tridimensionais de fósseis ou até de células. Por suas características técnicas, Sirius será o único de terceira geração na América Latina. “A parceria com o setor empresarial é decisiva, pois ela nos dará o horizonte para essa perspectiva de inovação e de desenvolvimento científico e tecnológico no país”, disse o secretário executivo do MCTI, Luiz Antônio Elias. n pESQUISA FAPESP 209  z  35


ciência  Saúde Pública y

Em adolescentes, hormônio que controla o apetite pode voltar ao normal com uma redução de apenas 8% da massa corporal

Carlos Fioravanti

36  z  julho DE 2013

E

m adolescentes, perder apenas 8% do excesso de peso, o equivalente a uma redução de 6 a 11 quilogramas (kg) da massa corporal, pode ser o bastante para desfazer as alterações metabólicas causadas pela obesidade, manter a fome sob controle e sair da faixa de risco para diabetes, hipertensão e doenças cardiovasculares, que normalmente acompanham a obesidade. “Não é preciso perder 20 kg em pouco tempo, como normalmente se procura fazer, para evitar os problemas de saúde que se agravam com o excesso de peso”, diz Ana Dâmaso, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenadora do estudo interdisciplinar que levou a essas conclusões. Durante um ano, médicos, nutricionistas, psicólogos, educadores físicos e fisioterapeutas acompanharam 77 adolescentes de 14 a 19 anos e peso entre 101 e 120 kg, motivando-os a perderem peso gradativamente, por meio de exercícios físicos e da incorporação de uma dieta mais rica em verduras e frutas e de hábitos de vida mais saudáveis, como dormir mais cedo e pelo menos oito horas, em vez de passar a noite na internet comendo batatinhas fritas. Outros estudos já haviam associado a obesidade a riscos crescentes de diabetes tipo 2, hiper-


fotos  léo ramos

Grandes ganhos com pequena perda de peso tensão, câncer, problemas nos rins, no pâncreas e no fígado, além de dificuldade para dormir, e detectado que uma perda de 5 kg de peso reduzia à metade o risco de diabetes. Agora, com esses novos estudos, começa a ser definido um valor de redução de peso – a ser confirmado ou ajustado por outros estudos – necessário para recolocar o organismo em ordem. Os avanços são relevantes porque os adolescentes representam um grupo de risco para problemas de saúde: estima-se que a prevalência de sobrepeso entre adolescentes no Brasil tenha triplicado – passou de 4% para 13% – na última década. De acordo com o Ministério da Saúde, 20% dos adolescentes e 48% da população estão acima do peso recomendado para a idade e a altura. “Quanto mais cedo trabalharmos com adolescentes obesos e propusermos mudanças no estilo de vida, menor será a carga de doenças crônicas entre adultos e menores os gastos do sistema público de saúde”, diz Danielle Caranti, que durante o doutorado trabalhou com adolescentes obesos em um hospital de doenças metabólicas da Itália antes de começar com adultos na Unifesp em Santos em 2010. Adultos obesos provavelmente terão de perder mais peso do que os adolescentes para desfazer as alterações metabólicas causadas pela obesidade.

De acordo com um estudo em andamento com 43 pessoas com idade entre 21 e 60 anos na Unifesp de Santos, os níveis de hormônios que controlam o apetite e os processos inflamatórios decorrentes do excesso de peso podem estar até três vezes acima do normal, desse modo exigindo mais esforço e tempo para voltarem aos níveis considerados saudáveis. Segundo Danielle Caranti, coordenadora dessa pesquisa, os resultados preliminares indicaram que, em adultos, a redução mínima de massa corporal necessária para normalizar os níveis dos principais hormônios ligados à obesidade parece ser da ordem de 10% a 20% – e só se chega a esse valor após pelo menos um ano de exercícios físicos e ajustes na dieta e no estilo de vida. Um estudo recente do grupo de Mario Saad na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) indicou que, em camundongos, a prática de exercícios físicos, além de queimar calorias, como já se sabia, ajuda a reduzir a inflamação nos neurônios do hipotálamo, a região do cérebro que regula a fome, e a restabelecer a saciedade (ver Pesquisa FAPESP nº 173). Esses trabalhos indicam que é importante perder peso gradativamente, para dar tempo para o organismo restabelecer o equilíbrio perdido, em vez de emagrecer muito de um fôlego só. “Quando pESQUISA FAPESP 209  z  37


Menos leptina, menos fome Redução da perda de peso acompanhou a redução da taxa de hormônio regulador do apetite (em nanograma por mililitro de sangue) 45,01

39,98 37,65

32,77

26,92

início final

grupo 1 fonte: Unifesp

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de 49 adultos obesos passou de 2.195 quilocalorias (kcal) para 1.603 kcal, e a compulsão alimentar caiu de 23,8% para 4,8% entre os obesos moderados e de 9,5% para 0% entre os obesos severos, do início ao fim de um tratamento de seis meses. benefícios

Os ganhos são proporcionais à perda de peso, de acordo com o artigo publicado neste mês na revista Clinical Endocrinology. O primeiro dos quatro grupos em que os adolescentes fo26,47 25,17 ram divididos após o tratamento de um ano perdeu até 5,8 kg ou 3,4% da massa corporal. Os 19 rapazes 18,72 e moças desse grupo apresentaram uma redução no nível sanguíneo do principal hormônio regulador do início final início final início final apetite, a leptina, mas não a grupo 2 grupo 3 grupo 4 ponto de voltar ao normal de 24 nanogramas por decilitro (ver gráfico). se emagrece muito rapidamente, a gordura do abOs resultados e benefícios à saúde se tornam dômen tende a ir para o fígado e para o coração”, mais evidentes a partir do segundo grupo de 19 diz Ana Dâmaso. Para evitar a euforia de perder participantes, que emagreceu de 5,8 a 10,9 kg, o peso rapidamente e recuperar tudo em seguida, equivalente a 8% da massa corporal. O nível méos pesquisadores propunham aos adolescentes a dio de leptina nesse grupo estava mais alto, mas meta de perder 0,5 a 1,5 kg por semana – alguns, caiu de modo mais acentuado, quase chegando após um ano de tratamento, perderam até 22 kg. ao nível normal. De acordo com esse estudo, a Outra conclusão, já adotada por outros grupos redução na taxa de leptina favoreceu o emagrede pesquisa, é que a obesidade deve ser vista co- cimento e contribuiu para a redução do chamado mo uma doença crônica multicausal e, portanto, processo inflamatório subclínico, característico precisa ser tratada de modo integrado. Tanto os da obesidade, que aumenta o risco para as doenadolescentes quanto os adultos submeteram-se ças cardiovasculares. A partir de uma redução de a uma terapia interdisciplinar de redução de pe- 8% da massa corporal os níveis de gordura abdoso que Ana Dâmaso conheceu na Alemanha em minal e de gordura no fígado voltam ao normal. 2002 e implantou na Unifesp dois anos depois. Os 19 participantes do grupo 3 perderam de 11 Nos últimos anos, essa abordagem tem sido apli- a 16 kg, o equivalente a 12% da massa corporal. cada e avaliada por outros grupos de pesquisa do Além de apresentarem quedas ainda mais acenParaná, Pernambuco e São Paulo, com duração tuadas de leptina, reduziram sensivelmente alvariável de 3 a 12 meses. guns fatores da chamada síndrome metabólica, Por meio dessa estratégia, médicos, educadores caracterizada por excesso de açúcar e lipídeos no físicos, fisioterapeutas, psicólogos e nutricionistas sangue e pressão arterial elevada. Normalizaram adotam os mesmos objetivos e propõem mudan- também dois indicadores de risco para doenças ças no estilo de vida para adolescentes e adultos. cardiovasculares: o nível de triglicérides, avaliado “Temos de atacar a obesidade em várias frentes, ao por meio de exame de sangue, e a espessura da mesmo tempo”, diz Danielle Caranti. Em princípio, parede da artéria carótida na altura do pescoço, é mais fácil emagrecer quando adolescente, embora medida por ultrassom. Os 20 integrantes do grupo 4 perderam pelo adultos obesos também consigam mudar de hábitos. Joana Ferreira, do grupo da Unifesp, verificou que menos 16 kg ou 19% da massa corporal e se beo consumo médio diário de calorias em um grupo neficiaram mais: a concentração de colesterol


de baixa densidade e a pressão arterial voltaram aos níveis considerados normais. Só nesse grupo é que o nível de adiponectina – principal hormônio que inibe os processos inflamatórios, reduz o risco de problemas no coração e nos vasos sanguíneos e ajuda a regular a ação da insulina e a absorção de glicose – aumentou a ponto de chegar ao normal e colocar o metabolismo dos adolescentes obesos em ordem outra vez.

Mastigar mais devagar, dormir mais e controlar a ansiedade: mudar hábitos é fundamental para perder peso

Suar mais, comer melhor

Os ganhos resultaram de vários tipos de adaptações e mudanças no estilo de vida. Os adolescentes participaram de um programa de emagrecimento que durou um ano e incluía quatro frentes de ação. A primeira eram as avaliações médicas mensais, com exames de sangue e ultrassonografia. A segunda, o acompanhamento psicológico em grupo e individual para identificar e controlar a depressão, a ansiedade ou a compulsão alimentar, que levam a comer muito, mas nem sempre são consideradas nos tratamentos de redução de peso. Em um estudo publicado neste ano na British Journal of Medicine & Medical Research, uma equipe da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), depois de entrevistar 128 adolescentes obesos (76 moças e 52 rapazes), verificou que a falta de autocontrole e a falta de suporte social eram as principais barreiras para a perda de peso. A terceira frente de atividades eram três sessões semanais de uma hora de exercícios físicos aeróbicos e de musculação para promover a queima de gordura. Em Santos, por não contar com um local específico para as atividades práticas do grupo de pesquisa, Danielle Caranti faz seu grupo de 40 homens e mulheres com excesso de peso correr, dançar e saltar em um anfiteatro ou na área externa da universidade. Os pesquisadores propunham aos adolescentes e adultos que continuassem a prática regular de exercício fora das sessões de ginástica, fazendo caminhadas, surfe, canoagem, subindo escadas ou dançando. A quarta consistia em palestras semanais de nutricionistas. “Muitos queriam comer melhor, mas não sabiam direito o quê”, comentou Deborah Masquio, uma das nutricionistas do grupo.

Em uma das aulas, os adolescentes – de olhos vendados – experimentaram alimentos diferentes como brócolis, cenoura, melão e mamão. “Muitos falavam que não gostavam, mas nunca tinham provado!”, ela observou. A mudança no estilo de vida incluía até mesmo mastigar mais devagar como forma de controlar o apetite. “Quem come rápido come mais do que realmente necessita para manter o peso”, alertava Deborah. Uma vez por mês, as nutricionistas enfatizavam a importância de variar os alimentos em conversas com os pais da rapaziada, que em geral também apresentavam excesso de peso (apenas 11% estavam na faixa de peso recomendável para a altura e idade). Muitos abandonaram o tratamento – dos 132 adolescentes que começaram o tratamento de um ano, apenas 77 chegaram ao final –, porque os resultados custavam a aparecer. A redução de peso e a mudança da imagem corporal se tornaram mais evidentes seis meses depois do início do programa. “As meninas começavam a se arrumar mais, a passar batom e a se pentearem com mais cuidado”, observou Ana Dâmaso. À medida que reduziam o peso, os adolescentes perdiam roupas, que não serviam mais, mas viam a ansiedade, que os fazia comer com avidez, esvanecer-se. Alguns perderam até 25 kg, tendo de passar por uma readaptação corporal para reaprender a andar e a subir escadas, mas nem todos perderam peso. Em dezembro de 2011, na última entrevista com os pesquisadores, uma adolescente de 15 anos se desculpou, já que ela não tinha emagrecido e achava que os tinha decepcionado. Em seguida ela pediu para que não se preocupassem porque já conseguia voltar a passear no shopping e não tinha mais vergonha dela mesma, em consequência do apoio psicológico que havia recebido. n

Projetos 1. Influência da hiperleptinemia nas respostas inflamatórias e aterogênicas em adolescentes obesos; Modalidade Linha Regular de Auxílio a Projeto de Pesquisa (2011/50414-0); Coord. Ana Dâmaso / Unifesp - Santos; Investimento R$ 68.026,14 (FAPESP). 2. Efeitos da terapia interdisciplinar no controle da síndrome metabólica em adultos obesos e sua relação com as adipocinas pró e anti-inflamatórias (11/51723-7); Modalidade Linha Regular de Auxílio a Projeto de Pesquisa; Coord. Danielle Arisa Caranti/Unifesp - Santos; Investimento R$ 228.228,51.

Artigos científicos MASQUIO, D.C.L. et al. The effect of weight loss magnitude on pro-/ anti-inflammatory adipokines and carotid intima-media thickness in obese adolescents engaged in interdisciplinary weight loss therapy. Clinical Endocrinology. 79, p. 55-64. 2013. LOFRANO-PRADO, M.C. et al. Reasons and barriers to lose weight: obese adolescents’ point of view. British Journal of Medicine & Medical Research v.3, n.3, p.474-82. 2013. CARVALHO-Ferreira, J.P. et al. Interdisciplinary lifestyle therapy improves binge eating symptoms and body image dissatisfaction in Brazilian obese adults. Trends in Psychiatry and Psychotherapy, v. 34, p. 223-33. 2012.

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ECOLOGIA y

Transplante de florestas Orquídeas, sementes e mudas de área a ser perdida podem enriquecer uma região 40 vezes maior

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Epífitas fixadas com barbante de sisal e fibra de palmeiras em floresta em processo de restauração de Santa Bárbara d'Oeste 40  z  julho DE 2013

lorestas a serem cortadas com autorização legal para a construção de estradas ou hidroelétricas podem ser uma fonte de material para enriquecer outras, em processo de restauração, ou para formar novas florestas. Pesquisadores do Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP) em Piracicaba verificaram que é efetivamente possível transplantar ervas, palmeiras, trepadeiras, bromélias e orquídeas de uma floresta a ser perdida para outras, em formação. Calcula-se que esse material, as mudas pequenas (plântulas) de árvores e arbustos e o solo superficial carregado de sementes – geralmente não aproveitados –, represente 50% da diversidade biológica de uma mata e, agora se vê, pode complementar o plantio de mudas de árvores e arbustos. De 80 mil a 190 mil mudas de árvores poderiam ser retiradas de apenas um hectare de floresta madura, antes de ser cortada. Com esse material seria possível replantar mais de 40 hectares, estimam os pesquisadores da USP. Das matas a serem cortadas também se poderiam retirar epífitas (orquídeas e bromélias) e trepadeiras, que ajudam a reestabelecer a interação entre plantas, animais e o solo nas matas em que fossem introduzidas. Arbustos, ervas, palmeiras, bromélias e orquídeas deixam as florestas em restauração mais diversificadas, coloridas e floridas que as formadas apenas por árvores. Se apenas uma parte das plântulas dos 590 hectares que foram legalmente desmatados em 2009 e 2010 no estado de São Paulo tivesse sido


1 Uma orquídea Catasetum fimbriatum transplantada formou raízes e se fixou em uma árvore de uma floresta de Iracemápolis

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2 Um inseto visita as flores da orquídea Rodriguezia decora instalada em uma floresta de Santa Bárbara d'Oeste 3 O cacto Rhipsalis floccosa transplantado floresceu em uma floresta de 23 anos em Iracemápolis

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colhida, teria sido possível replantar pelo menos 23 mil hectares de novas matas, de acordo com os cálculos da equipe da USP coordenada por Sergius Gandolfi. Se a camada de solo superficial cheia de sementes também tivesse sido retirada da área desmatada e depois espalhada em áreas degradadas, mais 3 mil hectares poderiam ter sido restaurados. “Os órgãos reguladores do governo poderiam incentivar o uso de materiais das áreas de desmatamentos legais, por meio de leis, encorajando os responsáveis a doarem e receberem esse material”, diz Gandolfi. Segundo ele, a retirada de mudas de árvores nativas que crescem espontaneamente nos eucaliptais e são destruídas a cada seis anos, quando os eucaliptos são cortados e replantados, também poderia ser estimulada. “As empresas florestais poderiam colher e doar esse material a pequenos agricultores ou mesmo autorizar a coleta sem custos pelo governo, viveiristas ou cooperativas”, diz ele.

fotos  marina duarte / esalq-usp

Em campo

Os pesquisadores da Esalq propõem três técnicas para reaproveitar sementes, mudas ou epífitas de uma mata a ser perdida. A primeira é a retirada de uma camada de 30 centímetros do solo superficial, contendo sementes, raízes e botões germinativos, da área a ser desmatada. Essa terra, chamada top soil, pode ser transferida e espalhada, formando uma camada de seis centímetros de espessura na área que se deseja reflorestar ou enriquecer.

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A segunda consiste na retirada de mudas das áreas a serem desmatadas. As plantas são preparadas, retirando-se a terra e deixando a raiz nua, depois transferidas para um recipiente com água e levadas a um viveiro. Em seguida são replantadas em sacos plásticos ou em tubetes. Em 2008, Cristina Yuri Vidal, da equipe de Gandolfi, demonstrou a viabilidade ecológica, técnica e econômica dessa abordagem ao transferir 2.106 mudas (com 1 a 30 centímetros de altura) de árvores, arbustos, lianas (trepadeiras) e espécies herbáceas de uma área de floresta a ser cortada em Registro, sul do estado de São Paulo. Das 98 espécies que ela coletou, metade não era cultivada em viveiros e três estavam em risco de extinção. Depois de sete meses em viveiros, 60% das plântulas sobreviveram. Em um trabalho mais abrangente concluído em 2011, sua colega Milene Bianchi dos Santos coletou 43 mil plântulas de 97 espécies de árvores, lianas e espécies herbáceas de uma mata a ser cortada no município paulista de Guará e as cultivou em viveiro. Depois, 400 mudas de 20 espécies foram plantadas em uma área em restauração e apresentaram uma taxa de sobrevivência de 91% depois de um ano. “A taxa de sobrevivência acima de 90% encontrada nesse estudo demonstra a viabilidade da introdução de espécies por meio da produção de mudas

4 A bromélia Tillandsia pohliana floresceu depois de ser transplantada para uma floresta de 13 anos em Santa Bárbara d'Oeste

de plântulas coletadas em matas a serem legalmente suprimidas”, ela diz. Outra técnica, que agora se mostrou viável, é o transplante de epífitas. Em um experimento concluído em novembro de 2012, a bióloga Marina Duarte, da equipe de Gandolfi, coletou 360 exemplares de seis espécies de orquídeas, bromélias e cactáceas e as fixou com barbante de sisal em árvores de duas florestas em restauração no interior paulista – uma com 13 anos em Santa Bárbara d’Oeste e outra com 23 anos em Iracemápolis. Depois de um ano de observação das plantas, Marina concluiu que o transplante de epífitas é viável, principalmente quando feito no início da estação chuvosa e com o reforço de fibra de palmeiras ela verificou que a taxa de sobrevivência das epífitas variou de 63% a 100% na mata de 13 anos e de 55% a 90% na outra. “Mesmo quando não sobrevivem por longo prazo”, ela observou, “as epífitas contribuem para enriquecer os ambientes em que são introduzidas”. n Carlos Fioravanti

Projeto Transferência de plântulas, semeadura direta e plantio de espécies de sub-bosque nativas para o enriquecimento de áreas degradadas em restauração (2008/56588-8); Modalidade Linha Regular de Auxílio a Projeto de Pesquisa; Coord. Sergius Gandolfi/Esalq/USP. Investimento R$ 19.770,03 (FAPESP).

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especial biota educação v

Fazenda Dona Soledade, na Paraíba: heterogeneidade de ambientes é uma das marcas da caatinga


As muitas faces do sertão Deficiência hídrica e clima semiárido exigiram respostas adaptativas sofisticadas de espécies da caatinga Rodrigo de Oliveira Andrade

ilustrações  fernando vilela  foto Fernando Rosa

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m 1818, durante a expedição austríaca no Brasil – investigação científica que trouxe ao país pesquisadores e artistas para estudar e retratar espécies e paisagens próprias da biodiversidade brasileira –, dois naturalistas, Carl Friedrich von Martius e Johann Baptiste von Spix, se impressionaram com a diversidade vegetal de uma floresta teoricamente incomum para a região, próxima às margens do rio São Francisco, no município de Januária, em Minas Gerais. O fascínio dos naturalistas justificava-se, em grande parte, pelo fato de aquela vegetação estar em uma área própria da caatinga, um ecossistema determinado por um clima predominantemente semiárido, no qual a disponibilidade hídrica é baixa e extremamente variável. Como muitos, é provável que os dois alemães acreditassem que a caatinga caracteriza-se como um ambiente homogêneo, o que não é verdade: “Por lá há uma grande variação de condições ambientais, essenciais para o surgimento e a manutenção de várias espécies bem adaptadas ao clima da região”, destacou o biólogo Bráulio Almeida Santos, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em sua palestra no quinto encontro do Ciclo de Conferências Biota-FAPESP Educação, em 20 de junho, em São Paulo.

A caatinga, explicou o biólogo, ocupa hoje 11% do território brasileiro, estendendo-se por aproximadamente 845 mil quilômetros quadrados (km2). Está dividida em oito ecorregiões – todas elas distribuídas em paisagens, tipos de solo e vegetações bastante distintos –, nas quais as chuvas podem não atingir os mil milímetros (mm) ao longo do ano. “Em algumas áreas a estiagem pode chegar a 11 meses”, disse. Atualmente, a região enfrenta sua pior seca em 30 anos, o que tem afetado a vida de 27 milhões de pessoas. Somente no estado da Bahia, mais de 214 municípios declararam estado de emergência este ano. Esses fatores ambientais têm, ao longo de milhares de anos, exigido respostas adaptativas específicas das plantas locais, o que lhes permite sobreviver num ambiente cada vez mais quente e seco. Uma dessas respostas é o ajuste que determinadas espécies fazem quanto à manutenção de suas folhas. Isso se dá por uma boa razão: quanto menos folhas as plantas têm, menor será a perda de água durante as estações mais secas. Algumas delas chegam a fazer a fixação de gás carbônico (CO2) à noite, utilizando-o na fotossíntese durante o dia, quando seus estômatos – estruturas nas folhas para troca de água e gases – estão fechados. pESQUISA FAPESP 209  z  43


“Esses são alguns dos mecanismos encontrados por essas espécies para não perderem água pela transpiração, que se dá pelas folhas. Uma estratégia simples, mas que lhes permite reter água para as épocas mais secas”, disse o biólogo Luciano Paganucci de Queiroz, da Universidade Estadual de Feira de Santana, na Bahia, um dos convidados do ciclo de conferências. Segundo ele, esse racionamento é uma das razões que têm contribuído para determinar o tamanho dessas plantas e também de suas folhas. Isso porque esse mecanismo, ao mesmo tempo que lhes garante melhor adaptação ao clima semiárido, restringe o surgimento de árvores de grande porte. “As plantas da caatinga não crescem de modo contínuo por não terem água disponível o suficiente o ano todo”, disse o biólogo. Outra resposta adaptativa dessas espécies aos variados ambientes do semiárido é a proteção que desenvolveram para suas folhas, enquanto ainda as têm. Essa proteção se dá por meio de acúleos, projeções pontiagudas que nascem na superfície do caule das plantas, e de tricomas, pequenos “pelos” que contêm substâncias urticantes e que,

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A partir da esquerda, os biólogos: Bráulio Almeida Santos, Luciano Paganucci de Queiroz e Adrian Garda

ao tocar a pele, podem desencadear reações alérgicas. Boa parte das plantas da caatinga, como os cactos, apresenta-se armada com esses escudos naturais. “Trata-se de um mecanismo de defesa bastante interessante contra animais herbívoros”, destacou Queiroz. “Essas espécies mantêm suas folhas por um curto período de tempo durante o ano, logo elas são muito preciosas e por isso precisam ser protegidas.” Segundo ele, as condições às quais essas espécies têm sido submetidas vêm se configurando como um importante filtro ambiental, influenciando o processo evolutivo das espécies desse ecossistema ao longo do tempo. RIQUEZA DE ESPÉCIES

Apesar das circunstâncias desfavoráveis, a caatinga tem grande variedade de plantas, muitas delas endêmicas. São cerca de 6 mil espécies, distribuídas em 1.333 gêneros, dos quais 18 são próprios da região (endêmicos). Das 87 espécies de cactos da caatinga, 83% são exclusivas desse ecossistema. É o caso do mandacaru (Cereus jamacaru) e do xique-xique (Pilosocereus gounellei), espécies ameaçadas, “pois são retiradas ainda jovens de

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Os lagartos Rubricauda parna e Ameiva ameiva (abaixo) e a perereca Corythomantis greeningi: adaptações complexas às adversidades do clima


fotos  1, 2 e 3 léo ramos  4, 5, 6 e 7 Adrian Garda  8 fernando rosa

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Acima, serpente da espécie Epicrates assisi, comum em regiões como a das Cabaceiras, na Paraíba (ao lado).

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seu ambiente e vendidas como souvenir em restaurantes de beira de estrada”, alertou Queiroz. Também a família das leguminosas, a mais diversa da caatinga, engloba várias das espécies exclusivas do semiárido, como a mucunã (Diclea grandiflora) e a jurema-preta (Mimosa tenuiflora). Muitas delas desempenham importantes funções ecológicas. Devido à associação com algumas bactérias, essas plantas ajudam na fixação de nitrogênio pelo solo, tornando-o mais nutritivo. Mas mesmo com os avanços na identificação de novas espécies, como a Prosopanche caatingicola, planta parasita catalogada em 2012, a falta de dados em relação à biodiversidade florística desse ecossistema ainda é grande. Esse desconhecimento também se estende à fauna da caatinga, sobretudo em relação aos invertebrados, enfatizou o biólogo Adrian Garda, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Semiárido desprotegido Unidades de conservação cobrem só 7,5% da caatinga

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Área desmatada Vegetação remanescente fonte  MMA

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(UFRN), um dos palestrantes presentes. Segundo ele, por muito tempo se acreditou que a caatinga era um ecossistema descaracterizado, com baixos índices de endemismo e diversidade de espécies. “Pensava-se que a caatinga era uma subamostra de outros ecossistemas”, disse. Sabe-se hoje que ela é a região semiárida mais diversa do mundo. DIVERSIDADE AMEAÇADA

Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente (MMA), a região do semiárido possui 591 espécies de aves, 241 de peixes e 178 de mamíferos. Estima-se que 41% das espécies da caatinga ainda permaneçam desconhecidas, enquanto 80% ainda são pouco estudadas. “Há uma carência de dados em relação à diversidade de animais desse ecossistema”, ressaltou Garda. Mas os índices de endemismo registrados por lá sugerem que sua fauna tenha sido submetida a um processo evolutivo local independente, com muitas espécies adaptadas a este domínio. Por exemplo, a Corythomantis greeningi, perereca típica da região, nas épocas secas hiberna por meses entre pequenas frestas de rochas seladas por seu crânio altamente modificado, se protegendo de predadores e armazenando água. Já o Scriptosaura catimbau, lagarto adaptado a regiões de solos arenosos, “literalmente se enterra e ‘nada’ por debaixo da areia”, comentou. Outras espécies, como a rã Pleurodema diplolister, chegam a se enterrar a mais de 1,5 metro na procura de água em épocas de seca. “Mas ainda precisamos compreender melhor o que pretendemos preservar”, completou Garda. De acordo com a Secretaria de Biodiversidade e Florestas do MMA, de 2002 a 2008 a área desmatada no semiárido foi de 15 mil km² – pouco mais de 2 mil km² por ano. Restam hoje apenas 54% da vegetação original da caatinga. Segundo Santos, das 364 unidades de conservação (UCs) cadastradas no MMA, 113 são destinadas à proteção e conservação do ecossistema, sendo que elas cobrem apenas 7,5% de seus 845 mil km². Para ele, a principal causa de desmatamento na região é a produção de energia. Abatida, a mata pESQUISA FAPESP 209  z  45


nativa vira lenha e carvão para siderúrgicas de Minas Gerais e Espírito Santo, ou de indústrias de gesso e cerâmica instaladas no próprio semiárido. Na sua avaliação, as consequências do uso inapropriado dos recursos naturais da região é a perda de hábitats e a fragmentação de ecossistemas. “Não se trata de deixar de utilizar os recursos naturais da caatinga, mas sim de identificar até que ponto podemos usá-los sem comprometê-la.” Santos lembrou que a criação desregulada de cabras e ovelhas também tem contribuído para a degradação da vegetação da caatinga. Em torno de 17 milhões de cabras e ovelhas consomem diariamente a vegetação local. “Muitas vezes a cerca necessária para manter o rebanho em uma área custa mais do que a propriedade. Assim, muitos produtores deixam seus animais soltos, consumindo a vegetação indiscriminadamente”. Para ele, o uso mal planejado dos recursos naturais já está levando à desertificação da caatinga. “É preciso conservar a vegetação remanescente, expandindo a rede de áreas protegidas”, disse Santos. “É importante promover o manejo adequado das áreas que sofrem A caatinga influência da atividade humana e é hoje educar todos que vivem ou fazem uso dos recursos naturais da região, considerada resgatando o sentimento de pertencimento à caatinga.” Para isso, a região concluiu, é fundamental ampliar o apoio à pesquisa e ao ensino, além semiárida da fiscalização, garantindo a premais diversa servação da diversidade biológica da caatinga. Diversidade que os do mundo, naturalistas alemães há muito já haviam constatado. “Julgamo-nos segundo os aqui transportados a um país inteipesquisadores ramente diverso. Em vez de matas secas, desfolhadas ou de campos do alto sertão, vimo-nos de todos os lados cercados de matas virentes, que orlavam extensas lagoas piscosas”, escreveram em Viagem pelo Brasil, obra em que relatam suas excursões pelo país entre 1817 e 1820. O Ciclo de Conferências Biota-FAPESP Educação é uma iniciativa do Programa Biota-FAPESP, em parceria com a revista Pesquisa FAPESP, voltada à discussão dos desafios ligados à conservação dos principais ecossistemas brasileiros: pampa, pantanal, cerrado, caatinga, mata atlântica e Amazônia, além dos ambientes marinhos e costeiros e a biodiversidade em ambientes antrópicos – urbanos e rurais (ver programação ao lado). As palestras pretendem, até novembro, apresentar o conhecimento gerado por pesquisadores de todo o Brasil, visando a contribuir com a melhoria da educação científica e ambiental de professores e alunos do ensino médio do país. n 46  z  julho DE 2013

Programação

Ciclo de Conferências Biota-FAPESP Educação 2013 Para mais informações: www.biota.org.br  www.biotaneotropica.org.br www.agencia.fapesp.br

22 de agosto (14h00-16h00) Bioma Mata Atlântica Conferencistas Carlos Alfredo Joly (IB-Unicamp, Campinas, São Paulo) Helena Bergallo (Ibrag/Uerj) Márcia Hirota (SOS Mata Atlântica) 19 de setembro (14h00-16h00) Bioma Amazônia Conferencistas Maria Lucia Absy (Inpa) Carlos Peres (Universidade East Anglia, Reino Unido) Helder Queiroz (IDSM) 24 de outubro (14h00-16h00) Ambientes marinhos e costeiros Conferencistas Mariana Cabral de Oliveira (IB-USP, São Paulo) Maria de los Angeles Gasalla (IO-USP, São Paulo) Roberto S. G. Berlinck (IQSC-USP, São Paulo) 21 de novembro (14h00-16h00) Biodiversidades em ambientes antrópicos – urbanos e rurais Conferencistas Luciano M. Verdade (Cena-USP, São Paulo) Elisabeth Höfhling (IB-USP, São Paulo) Roseli Buzanelli Torres (IAC)

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Paleontologia  ogia y

Registros do Cretáceo Algas ajudaram a preservar pegadas de dinossauro na Paraíba

fabio colombini

Igor Zolnerkevic

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ara quem quiser deixar uma marca duradoura de sua existência na Terra, fica a dica: caminhe à beira de um lago, onde houver lama ou areia fina e molhada, coberta de limo. Centenas de dinossauros fizeram isso, e suas pegadas permanecem intactas, gravadas nas rochas do sertão nordestino, no município de Sousa, interior da Paraíba, graças à ação das algas verdes e azuis do limo onde pisaram há mais de 100 milhões de anos. A conclusão é dos paleontólogos Ismar Carvalho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Giuseppe Leonardi, do Instituto Cavanis, em Kinshasa-Ngaliema, na República Democrática do Congo. Em parceria com o geólogo Leonardo Borghi, da UFRJ, eles apresentaram, em artigo publicado em maio deste ano na revista Cretaceous R esearch, a primeira prova material da importância do limo na preservação de pegadas fósseis. O filme gelatinoso criado pelos microrganismos crescendo sobre a lama pisada teria impedido que as pegadas fossem apagadas pelo vento e pela chuva, antes que ela endurecesse e fosse recoberta por uma nova camada de sedimento que a protegeria da erosão. “É incrível como microrganismos ajudaram a registrar a vida de alguns dos maiores Trilha fossilizada no animais que já viveram”, comenta Leonardi, Vale dos Dinossauros, no município de Sousa pESQUISA FAPESP 209  z  47


considerado um dos principais especialistas em icnologia, o estudo de marcas deixadas por animais extintos, os chamados icnofósseis, para determinar sua postura e comportamento. Foi por meio de pegadas, por exemplo, que os paleontólogos deixaram de montar incorretamente os esqueletos fósseis nos museus. Antigamente achava-se que os dinossauros andavam como os crocodilos, arrastando o ventre e a cauda no chão. As pegadas, no entanto, mostram que as criaturas andavam com a cauda e corpo suspensos, com seu peso distribuído igualmente sobre as patas. As pegadas de Sousa foram descritas pela primeira vez em 1924, pelo engenheiro de minas Luciano Jacques de Moraes. O estudo dessas marcas, entretanto, só começou em 1975, quando Leonardi passou um ano explorando a região. Nascido na Itália em uma família de geólogos e paleontólogos, Leonardi, 74 anos, sempre dividiu seu tempo entre a carreira de pesquisador e a de padre católico. Ele se prepara para lançar um livro sobre Sousa, escrito em colaboração com Carvalho, ao mesmo tempo que atua na educação de crianças no Congo. As rochas de Sousa se formaram a partir de sedimentos acumulados em um vale aberto no início da separação entre a América do Sul e a África, no começo do chamado período Cretáceo. Entre 142 milhões e 130 milhões de anos atrás, o vale abrigava rios e lagos, atraindo a fauna da região. Sua lama transformada em rocha registrou a passagem de quase

Pegadas ricas em detalhes, com marcas de unhas e ranhuras das patas, se formaram onde havia mais esteira microbiana

400 indivíduos — dinossauros, crocodilos, sapos e tartarugas. Também há marcas de ondulações produzidas por água corrente e até pequenos buracos criados por gotas de chuva. Cenas do passado

Não há, porém, ossadas fósseis em Sousa, ao contrário do que ocorre na bacia sedimentar vizinha do Araripe, no Ceará, local da descoberta de muitos dinossauros do Cretáceo. Leonardi explica que os sedimentos e o ambiente das bacias eram distintos. O ambiente mais ácido

de Sousa corroía os ossos, enquanto no Araripe enxurradas arrastavam e soterravam rapidamente as carcaças dos animais, mantendo os ossos em condições favoráveis à petrificação. “Em geral, os fósseis são registros da morte, enquanto as pegadas são registros da vida”, afirma Carvalho. Dificilmente as pegadas permitirão identificar a espécie do animal que as produziu. Mesmo assim, os pesquisadores conseguem classificá-las de acordo com certos grupos de dinossauros e, em locais onde há muitas delas, podem reconstruir cenas do passado. O cotidiano dos dinossauros de Sousa lembra a vida dos grandes mamíferos das savanas africanas de hoje. Há trilhas feitas por bandos numerosos de saurópodes, imensos herbívoros quadrúpedes, semelhantes aos brontossauros. Em certo local é possível notar que um saurópode adulto diminuiu sua marcha para acompanhar o passo de um filhote. Em outros pontos, esses bandos são perseguidos por pequenos grupos de terópodes, carnívoros bípedes parecidos com tiranossauros ou velocirraptores. Mais ativos que os herbívoros, os terópodes deixaram mais pegadas registradas, apesar de provavelmente terem sido em menor número. “Essas marcas são estruturas tão delicadas, tão fáceis de serem apagadas pelas intempéries”, diz Carvalho. “Queríamos entender como foram preservadas.” Segundo ele, os pesquisadores costumavam concordar que, para as pegadas serem preservadas, bastava que o sedimento onde estavam impressas tivesse certas

Gravadas para sempre Limo ajudou a preservar pegadas que poderiam ter sido apagadas pelo vento e pela chuva

1

2

3

caminhada

efeito protetor

petrificação

Dinossauro terópode pisa em lama coberta

Microrganismos continuam a crescer e

Durante a seca, o cálcio dos microrganismos

por camada de algas verdes e azuis

preservam a forma da pegada

acelera a petrificação do sedimento

48  z  julho DE 2013


Vale de pegadas Rios e lagos de bacia sedimentar formada no Cretáceo atraíam dinos CE PI

Sousa

Araripe

PB

PE

2

n  Região de Sousa n Outras regiões estudadas

ilustrações Ariel Milani Martine  mapa daniel das neves

fonte  carvalho et al. cretaceous research, 2013

características especiais. Ele deveria ser fino, úmido e plástico na medida certa, como a argila. Todos os estudos experimentais feitos até agora, porém, demonstram que isso muitas vezes não é o suficiente. De uma década para cá, começaram a aparecer evidências de que as pegadas menos erodidas são aquelas cobertas por limo. Em 2009, por exemplo, um grupo de arqueólogos suíços observou exatamente isso ao estudar o endurecimento de pegadas humanas impressas há poucos anos na beira de lagos no Caribe e no Oriente Médio. Carvalho notou algo semelhante na Região dos Lagos, no Rio de Janeiro. Outros paleontólogos começaram a suspeitar de que as chamadas esteiras microbianas que compõem o limo funcionariam como uma cola entre os grãos do sedimento, preservando os traços das pegadas, além de os protegerem contra o vento e a chuva. Os microrganismos ajudariam ainda na petrificação, acumulando o cálcio que endurece o sedimento. Carvalho e seus colegas descobriram a primeira evidência material do fenômeno ao analisarem ao microscópio as lâminas de rochas extraídas de um poço na Fazenda Cedro, em Sousa. Encontraram várias camadas de microbialitos, um tipo de rocha formado a partir dos restos de esteiras microbianas do Cretáceo. Outra evidência indireta é a presença em Sousa de fósseis de conchostráceos, um crustáceo protegido por duas conchas,

aparentado de caranguejos e camarões. Os conchostráceos existem até hoje e quase nunca ultrapassam meio centímetro de comprimento. Uma das espécies de Sousa, porém, atinge 4,5 centímetros. Carvalho acredita que os conchostráceos de Sousa cresceram tanto por conta do ambiente de águas quentes, calmas e ricas em nutrientes que favoreceram a proliferação das esteiras microbianas nas margens dos lagos onde os dinossauros pisavam. mais limo, mais detalhes

As pegadas mais ricas em detalhes, que vistas bem de perto revelam de marcas de unhas a ranhuras da planta das patas e dos dedos, seriam aquelas formadas onde as esteiras teriam crescido mais. O limo teria ajudado a preservar também as rebordas que aparecem em volta de algumas pegadas. As rebordas são feitas da lama espirrada quando o animal pisou e podem informar seu peso. Além do sedimento argiloso e das esteiras microbianas, os ciclos de deposição dos sedimentos seguindo as estações secas e chuvosas também ajudou a preservar as pegadas em Sousa. Pegadas eram gravadas e endurecidas durante a estação seca, para então serem enterradas por uma nova camada de sedimento trazida pelas chuvas. A nova camada serviria então de substrato para gravar mais pegadas na estação seca seguinte. Em um local conhecido como Passagem das Pedras,

em Sousa, Leonardi escavou 25 dessas camadas com pegadas, produzidas por variações cíclicas na borda de um lago. Carvalho, cuja pesquisa tem apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), espera agora examinar lâminas de rochas de outros lugares do mundo com pegadas fósseis. O maior deles fica em Sucre, na Bolívia. “Tenho quase certeza de que os microbialitos estão presentes lá”, diz. “As esteiras microbianas estão na moda”, comenta o paleontólogo Marcelo Adorna Fernandes, da Universidade Federal de São Carlos, cujo laboratório possui a maior coleção de icnofósseis do país, muitos deles coletados no interior paulista, principalmente em Araraquara, onde foram descobertas pegadas até em rochas das calçadas da cidade. Fernandes conta que espera analisar em breve o que ele acredita ser rastros deixados por invertebrados ao rasgarem esteiras microbianas crescendo no fundo dos lagos glaciais, que deram origem às rochas sedimentares conhecidas como os varvitos de Itu. n

Artigo científico CARVALHO, I. et al. Preservation of dinosaur tracks induced by microbial mats in the Sousa Basin (Lower Cretaceous), Brazil. Cretaceous Research. Publicado on-line. 10 mai. 2013.

pESQUISA FAPESP 209  z  49


Um líquido diferente Confira 5 dos 69 comportamentos estranhos da água, que diferem das propriedades exibidas pela maioria dos líquidos

Difusão Moléculas de água confinada podem se movimentar mais rápido em alguns ambientes menores do que em lugares maiores. Isso ocorre quando o líquido é liberado no interior de nanotubos com diâmetro menor que 1 nanômetro

Fluxo A capacidade de escorrer pelo interior de nanotubos é no mínimo 200 vezes maior do que a de atravessar canos muito maiores. Essa propriedade da água confinada é denominada superfluxo

Para provocar uma pequena alteração em sua temperatura, a água precisa ser exposta a uma quantidade de calor muito maior do que a maioria dos materiais. É por isso que o Sol esquenta muito mais a areia do que a água do mar 50  z  julho DE 2013

Densidade A fase sólida de um material costuma ser mais densa do que a líquida. Mas isso não ocorre com a água. O gelo flutua por ser 9% menos denso que a água líquida

Fases O ponto de congelamento da água é a 0°C. Mas água superfria, a temperaturas próximas de -100°C, pode existir na forma líquida (ou amorfa). Nessa estranha situação, é o aquecimento que faz a água se solidificar

foto  léo ramos  ilustraçãO abiuro

Calor específico


matéria condensada y

O lado esquisito da água Modelo teórico reproduz anomalias das moléculas de H20, como seu superfluxo e estranha difusão em nanotubos Marcos Pivetta

I

magine um líquido que se movimenta mais rápido quando confinado em um ambiente menor do que se retido em um maior. Um composto que passa por um nanotubo com um fluxo centenas de vezes maior do que o esperado se o mecanismo fosse o mesmo que o da água atravessando uma torneira. Essa estranha substância é a água, a ubíqua H2O que recobre 70% do globo terrestre, constitui mais da metade do corpo humano e está envolvida com a produção e manutenção das formas de vida. Por que a água apresenta esses e outros comportamentos estranhos é alvo de debates entre pesquisadores e não raro aparecem explicações complicadas tentando dar conta desses fenômenos, como a ideia de que há algo de quântico nesse líquido quando exposto a determinadas condições. Nos últimos dez anos, a física teórica Márcia Barbosa, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), vem refinando um modelo computacional que tenta explicar, de maneira mais simples, o mecanismo central que estaria por trás de algumas excentricidades da água, como as já citadas. É sabido que as ligações de hidrogênio entre moléculas de água favorecem a formação de aglomerados de quatro moléculas, os tetrâmeros. A forma como os quartetos de moléculas interagem entre si é determinante para explicar boa parte das anomalias da água, segundo as simulações

computacionais feitas pelo grupo de Márcia. É como se a unidade elementar para descrever o comportamento da água não fosse a própria molécula, mas esses tetrâmeros. A ligação de um quarteto de moléculas com outros tende a se revezar entre duas configurações preferenciais: uma fechada, mais estável e de menor energia, em que as moléculas de um aglomerado se encontram mais distantes das moléculas do outro; e uma segunda conformação, aberta, em que as moléculas de dois tetrâmeros estão mais próximas (ver quadro na página 52). De acordo com os experimentos virtuais da física, a alternância entre uma e outra conformação – no jargão dos pesquisadores, entre uma maior escala de distância espacial entre os agrupamentos moleculares e outra menor – é suficiente para explicar a ocorrência de certos comportamentos estranhos da água. “Em nossas simulações, só vimos as anomalias quando introduzimos esse potencial de interação de duas escalas”, diz Márcia. “Para nós, a água é uma mistura de tetrâmeros que fazem e rompem ligações uns com os outros.” Se é verdade que, em certas situações, os tetrâmeros passam constantemente de uma escala para outra, esse frequente rearranjo de sua estrutura altera a densidade da água. Ora os agrupamentos moleculares estão mais próximos e o líquido se torna mais denso. Ora estão mais longe e a estrutura fica menos densa. “Nesse nosso potencial de pESQUISA FAPESP 209  z  51


Competição entre duas formas distintas de interação entre moléculas alteraria a densidade da água e explicaria comportamentos estranhos B Segundo o modelo de Márcia Barbosa, cada grupo de quatro moléculas (tetrâmero) de H20

A

alterna sua forma de se associar a outro aglomerado em consonância com um padrão que se reveza entre duas configurações preferenciais. Ora a junção dos tetrâmeros daria origem a uma estrutura fechada (em roxo), ora levaria a uma conformação aberta (verde)

Tetrâmeros ligados em estrutura aberta, em que as moléculas estão mais próximas

molécula de água (H2O)

Aglomerados associados em conformação fechada, mais estável e menos energética

Difusão da água confinada Nanotubo com diâmetro maior que 1 nanômetro Menos difusão

Nanotubo com diâmetro menor que 1 nanômetro Mais difusão

O mecanismo que estaria por trás desse fenômeno guardaria relação com a forma como os tetrâmeros de H2O se rearranjariam no interior dos nanotubos. Em função do diâmetro do ínfimo canal por onde passam, as moléculas de água apresentariam duas conformações distintas: uma mais densa, que ficaria diretamente em contato com as paredes dos nanotubos e revestiria a água menos densa, que comporia a parte mais central do líquido. “É como se formasse um ‘gelinho’ em torno das paredes do nanotubo que fizesse a água do centro escorrer mais rápido facilmente”, compara Márcia, que neste ano foi uma das cinco ganhadoras do prêmio internacional L’Oréal/Unesco para Mulheres na Ciência. Qualquer que seja o mecanismo relacionado com essa propriedade, o superfluxo da água não parece ser um desvio provocado pelas simulações. Experimentos reais, com água de verdade passando por nanotubos, também chegaram a resultados semelhantes. Uma possível aplicação dessa propriedade é o desenvolvimento de nanofiltros para dessalinizar a água do mar. Como a água flui mais rápido que o sal, a abordagem poderia ser viável comercialmente.

Paradoxalmente, os aglomerados de

Em nanotubos mais finos, a competição

menos espaÇo, mais movimento

moléculas se movem mais lentamente em

entre as duas formas de interação

nanotubos mais grossos. Nesse caso, existe

entre os aglomerados faz os tetrâmeros

só a forma mais estável dos tetrâmeros

apresentarem uma maior difusão

A estranha difusão da água em ambientes confinados é outra anomalia que a equipe de Márcia simula com sucesso por meio de seu modelo computacional. Na verdade, em um trabalho teórico conjunto com Netz em 2001, Márcia descobriu a anomalia de difusão. Em termos simples, difusão é a capacidade das moléculas de se movimentarem num certo espaço, de se espalharem por uma determinada região. “A difusão das moléculas num líquido pode ser vista como (algo) semelhante ao movimento das pessoas numa multidão”, compara Netz. “Vamos supor que a multidão esteja reunida numa praça e que, de repente, tenha que se deslocar para uma praça menor, onde sua mobilidade será menor. É isso o que ocorre com a maior parte dos líquidos.” Quando se eleva a pressão sobre um líquido – ou seja, diminui seu volume e aumenta sua densidade –, o coeficiente de difusão se reduz. As moléculas “andam” de forma mais lenta. Com a água, porém, ocorre justamente o contrário. A subida da pressão leva ao aumento de seu coeficiente de difusão.

fonte  márcia barbosa

interação que procura mimetizar o que ocorre na água, há uma competição entre escalas, o que cria uma concorrência entre ambientes ou arranjos locais de diferentes densidades”, afirma o químico Paulo Netz, da UFRGS, coautor de vários estudos com Márcia. “Dessa forma, conseguimos explicar muitas anomalias presentes na água.” O foco recente das simulações dos pesquisadores são os comportamentos anômalos da água exibidos em diminutos ambientes confinados. O modelo virtual de água desenvolvido pelos brasileiros reproduz, por exemplo, as anomalias de difusão ou de fluxo das moléculas de H2O num nanotubo. Num trabalho publicado em 21 de maio deste ano na revista Journal of Physical Chemistry B, Márcia e colaboradores modelaram a passagem 52  z  julho DE 2013

de seu conceito de água virtual por nanotubos de tamanho fixo, mas com espessuras distintas de diâmetro. O objetivo da simulação era ver o que ocorria com o fluxo do líquido quando atravessava nanotubos grossos e finos. Como regra, o fluxo de uma certa quantidade de um líquido no interior de algo semelhante a um cano sempre aumenta à medida que o diâmetro da tubulação se torna menor. Basta lembrar que a água sai com mais “força” quando se estreita o furo de uma mangueíra. Num nanotubo, as simulações indicam que o aumento do fluxo é muito superior ao previsto. “Alguns experimentos mostram um fluxo 2 mil vezes maior do que o esperado”, comenta Márcia. “Em nossas simulações chegamos a um número 200 vezes maior do que o normal.”

infográfico  ana paulacampos

Um modelo para as anomalias


imagem  universidade de barcelona

Nessa condição, as moléculas da água aceleram seu passo em vez de reduzi-lo, como seria o comportamento padrão. Esse comportamento pode ser visto numa simulação relatada por Márcia e colaboradores em um artigo publicado em 23 de agosto do ano passado na revista Journal of Chemical Physics. No experimento, os tetrâmeros de água se encontram em dois reservatórios conectados por um nanotubo. Quando as comportas que tampam as duas extremidades do nanotubo são abertas, as moléculas de água começam a entrar no interior do nanotubo. Até um determinado diâmetro de nanotubo, por volta de 1 nanômetro, a água se comporta de maneira tradicional. Menos espaço significa menor difusão de suas moléculas. No entanto, abaixo desse limite, em vez de as moléculas diminuírem sua movimentação, passam a “andar” mais depressa. Surge então a tal anomalia de difusão. A maior locomoção das moléculas no nanotubo mais fino ocorre, segundo Márcia, porque um ambiente confinado com essas dimensões produz a tal competição de escalas entre os tetrâmeros. Cada aglomerado de moléculas de água oscila entre as duas escalas de seu potencial de interação, entre ficar mais próximo e mais distante de outros tetrâmeros. Essa dança interna de cada grupo de quatro moléculas rearranja constantemente a estrutura interna da água. Em nanotubos maiores esse efeito não se manifesta e os tetrâmeros de H2O tendem a permanecer apenas na escala menos energética, a mais estável. Existem dezenas de modelos teóricos que tentam explicar e reproduzir

O fluxo da água por um nanotubo pode ser centenas ou até milhares de vezes maior do que o esperado

por meio de simulações computacionais algumas das 69 anomalias térmicas, estruturais ou dinâmicas conhecidas da água. Nem todos os comportamentos estranhos de H2O se manifestam em situações tão específicas, como ocorrem com as anomalias de difusão e de fluxo dentro de nanotubos. De tão corriqueiras, algumas excentricidades da água passam quase despercebidas. A maioria dos líquidos encolhe de tamanho e se torna mais denso quando resfriado. Com a água ocorre o contrário. A 0ºC, o gelo é 9% menos denso do que a água. Por isso flutua sobre o líquido. Outra bizarrice da água pode ser conferida num banho de mar. Quem já foi à praia num dia de calor intenso deve ter percebido que a água está sempre bem mais fria

do que a areia. Ambas estão expostas aos mesmos raios solares, mas a sílica da areia esquenta mais do que o oceano. Isso ocorre porque a água tem um calor específico muito maior do que o da areia. Ela precisa ser exposta a uma quantidade enorme de calor para sua temperatura variar minimamente. “Como temos muita água, seu alto calor específico é benéfico para a vida”, afirma Márcia. modelo minimalista

Para o físico-químico Munir Salomão Skaf, do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é “incrível” que um modelo tão econômico como o adotado pela colega da UFRGS consiga explicar até mesmo o comportamento da água confinada. “Ao contrário das abordagens atomísticas amplamente utilizadas na química e na física para descrever a água como meio solvente, o modelo desenvolvido por Márcia pode ser classificado como ‘minimalista’”, afirma Skaf. “Ele procura capturar o que há de mais essencial na física do problema de maneira simplificada. No caso da água, a questão toda parece se resumir à existência de duas escalas espaciais distintas nas interações presentes no líquido.” O físico teórico Giancarlo Franzese, da Universidade de Barcelona, tem opinião semelhante. “As aproximações que estão na base do modelo da Márcia limitam parcialmente sua capacidade de descrever a água, mas ele pode ser visto como uma interessante alternativa para descrever sistemas com as mesmas propriedades anômalas da água.” Produtivo pesquisador desse campo de estudos, Franzese publicou em 2011 uma simulação mostrando que água líquida confinada em nanocanais e resfriada a cerca de -100°C – sim, a água pode estar líquida a temperaturas tão baixas – apresenta propriedades únicas. Embora aposte na contribuição de modelos teóricos mais simples, o italiano acredita que algumas anomalias da água só poderão ser explicadas por efeitos quânticos. n

Artigos científicos

Simulação retrata água confinada em nanocanais: propriedades únicas a -100ºC

BORDIN, J. R. et al. Relation between flow enhancement factor and structure for core-softened fluids inside nanotubes. Journal of Physical Chemistry B. v.117, n.23, p. 7.047-56. 21 mai. 2013. BORDIN, J. R. et al. Diffusion enhancement in core-softened fluid confined in nanotubes. Journal of Chemical Physics. v. 137, n. 8. 23 ago. 2012.

pESQUISA FAPESP 209  z  53


Física y

Atalho para a computação quântica Grupos internacionais testam estratégia para realizar, em chip de vidro, operação impossível para computadores convencionais

Q

uatro equipes internacionais de pesquisadores criaram, de maneira independente, uma calculadora que funciona por meio das estranhas propriedades quânticas da luz. A versão dessa calculadora quântica executada com a participação de brasileiros, por exemplo, resolve uma operação matemática depois que milhares de trios de fótons (partículas de luz) percorrem um pequeno chip de vidro, do tamanho de uma lâmina de microscópio. Esses aparatos fazem parte de mais uma tentativa de comprovar na prática que a computação quântica tem capacidade de superar a convencional – por enquanto, algo previsto em teoria. As calculadoras criadas por esses grupos são na verdade o que os físicos vêm chamando de computadores quânticos restritos. Planejados para realizar um tipo específico de cálculo, eles são uma versão simplificada dos sonhados computadores quânticos universais, que, em princípio, poderiam fazer qualquer tipo de operação matemática. Enquanto esses últimos devem demorar décadas para superar o desempenho dos computadores clássicos, os físicos acreditam que, em pouco mais de 10 anos, os computadores quân-

54  z  julho DE 2013

ticos restritos realizarão cálculos impossíveis até mesmo para o mais poderoso dos supercomputadores atuais. Os aparatos projetados e desenvolvidos pelas quatro equipes, por enquanto, demoram duas semanas para completar uma operação matemática complicada envolvendo matrizes que, embora não seja trivial, qualquer laptop caseiro resolveria em segundos. Ainda que não impressionem por sua velocidade, esses dispositivos estão empolgando os físicos porque versões um pouco mais aprimoradas podem em breve desafiar os limites da computação clássica. “Esses são os primeiros de uma série de experimentos planejados para realizar cálculos cada vez mais difíceis de serem repetidos por computadores comuns”, afirma o físico Ernesto Galvão, da Universidade Federal Fluminense, em Niterói, Rio de Janeiro. Ele e seu aluno de doutorado Daniel Brod colaboraram no experimento realizado no ano passado no laboratório dos físicos Paolo Mataloni e Fabio Sciarrino, da Universidade Sapienza de Roma, na Itália. Computadores quânticos aproveitam as leis da mecânica quântica, que regem o comportamento da luz, de átomos e de

moléculas, para executar cálculos a uma velocidade exponencialmente maior. Eles poderiam, por exemplo, escrever qualquer número inteiro como o produto de uma série de número primos, operação conhecida como fatoração. Enquanto os computadores atuais levam anos para fatorar números grandes, com centenas de dígitos, um computador quântico com memória suficiente poderia fazer a conta em segundos. Mas até agora os físicos só conseguiram construir computadores quânticos com memória que permite fatorar o número 21. Redução nas expectativas

Diante da dificuldade de criar computadores quânticos universais, programáveis para executar diversas tarefas, os físicos passaram nos últimos tempos a projetar computadores quânticos restritos, que funcionam mais como calculadoras do que computadores. Os computadores quânticos restritos que estão sendo desenvolvidos e aperfeiçoados pelos quatro grupos internacionais se baseiam em uma estratégia proposta em 2010 e batizada como amostragem bosônica. Apresentada em 2010 pelo cientista da computação


Cálculos com luz

nas 2 Alterações 1 Entrada trajetórias dos fótons

Fóton

3 Saída dos fótonS ou

1

1

2

2

3

3

4 Fóton

Canal

4

5

5 Região de interferência

TRIGÊMEOS

SALTOS QUÂNTICOS

SAÍDA ALEATÓRIA

Os pesquisadores

As partículas podem

A probabilidade de os fótons

injetam três fótons

pular para outro caminho

saírem por qualquer um dos

idênticos no circuito

nos trechos em que dois

canais muda com ajustes

simultaneamente

canais se aproximam

nas regiões de interferência

FONTE CRESPI ET AL, NATURE PHOTONICS, 2013

curva de RESPOSTA A repetição do experimento milhares de vezes fornece a resposta, que é a probabilidade de os fótons saírem por cada sequência específica de canais

25% 20% 15% 10% 5% (00111)

(01011)

(01101)

(01110)

(10011)

(10101)

(11001)

(11010)

0% (11100)

Probabilidades

infográfico  ana paula campos

A trajetória percorrida pelos fótons no circuito óptico define a resposta da operação matemática, um conjunto de probabilidades

Combinações possíveis de saída

n Medido n Esperado 0 Nenhum fóton saiu do canal 1 Um fóton saiu do canal

fonte  CRESPI ET AL, NATURE PHOTONICS, 2013

Scott Aaronson e pelo matemático Alex Arkhipov, ambos do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos, essa estratégia usa a dificuldade de estimar o comportamento de fótons percorrendo um circuito óptico para realizar uma tarefa computacional difícil de calcular. Em um circuito em que há cinco caminhos paralelos para fótons, qual a probabilidade de três fótons idênticos que ingressam ao mesmo tempo, cada um por uma entrada diferente, por exemplo, 1,2 e 3, saltarem de um caminho para outro e saírem em uma sequência específica, como 2, 3 e 5? Para chegar ao resultado desse cálculo, é preciso executar uma operação matemática com matrizes, cujos números dependem das propriedades do circuito e do número de fótons (ver infográfico acima). A dupla do MIT descobriu que o tempo que um computador convencional levaria para realizar o cálculo cresce exponencialmente à medida que aumenta o número de fótons e de caminhos do circuito. Em um exemplo com 30 fótons, supercomputadores provavelmente gastariam horas para encontrar a resposta. Com 100 fótons, então, demorariam anos.

Em 21 de dezembro de 2012, data em que uma profecia atribuída aos maias previa o apocalipse, Aaronson brincava em seu blog: “Se o mundo acabar hoje, pelo menos não será sem a demonstração do protocolo de amostragem bosônica”. Naquele dia a revista Science publicou os resultados de dois experimentos que haviam implementado sua ideia, um liderado por Ian Walmsley, da Universidade de Oxford, na Inglaterra, e outro por Andrew White, da Universidade Queensland, na Austrália. Os resultados conquistados pelas outras duas equipes – a ítalo-brasileira e a de Philip Walther, do Instituto de Ótica Quântica e Informação Quântica, na Áustria – apareceram naquela mesma semana no site arXiv, um repositório de trabalhos científicos, e foram publicados em 26 de maio deste ano na revista Nature Photonics. De acordo com Galvão, o trabalho de sua equipe apresenta uma vantagem que será importante em experimentos futuros. Enquanto a maior parte das propriedades do circuito usado pelos outros grupos é fixa, o chip de vidro feito no laboratório do físico Roberto Osellame, do Instituto de Fotônica e Nanotecnologia, em Milão, é flexível. Os pesquisadores podem ajustar arbitrariamente as probabilidades de os fótons pularem de um caminho do circuito para outro. “É possível controlar o caminho dos fótons”, explica. “Isso pode ser útil na pesquisa de óptica quântica em geral.” Paulo Souto Ribeiro, físico experimental especialista em óptica quântica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, considera razoável o prazo de 10 anos para que a velocidade de cálculo dos aparatos usando amostragem bosônica ultrapasse a dos computadores clássicos. “Mas essa é uma estimativa com grande incerteza”, diz Ribeiro. A razão é que ainda é muito difícil criar fótons idênticos em grande quantidade e controlar a perda de fótons ao longo do percurso em circuitos maiores. Também não se sabe se os cálculos da amostragem bosônica teriam alguma utilidade prática. Ribeiro conta que dispositivos semelhantes vêm sendo desenvolvidos para futuramente simular o comportamento de elétrons em materiais supercondutores. n Igor Zolnerkevic

Artigo científico CRESPI, A. et al. Integrated multimode interferometers with arbitrary designs for photonic boson sampling. Nature Photonics. Publicado on-line. 26 maio, 2013.

pESQUISA FAPESP 209  z  55


tecnologia  Energia y

Voo verde Estudo incentiva a produção de bioquerosene para a aviação civil Marcos de Oliveira

A

conta já está feita. A aviação comercial deverá reduzir em 50% as emissões de dióxido de carbono (CO2) até 2050 em relação ao que foi emitido pelos motores de aviões em 2005. Para isso, um grande esforço de pesquisa e desenvolvimento está sendo feito em vários países por instituições e empresas no sentido de alcançar um querosene não mais produzido de petróleo, mas de origem renovável, que lance menos gases nocivos na atmosfera. O bioquerosene, como está sendo chamado, tem grandes chances de levar o Brasil a novamente se tornar um centro de referência mundial importante para o desenvolvimento e produção de um biocombustível como foi com o álcool e o biodiesel. Essa tendência está destacada no estudo “Plano de voo para biocombustíveis de aviação no Brasil: plano de ação” apresentado no início de junho, em São Paulo, e patrocinado por duas das três maiores fabricantes de aviões do mundo, a Boeing e a Embraer, com financiamento da FAPESP e coordenação do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (Nipe) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Também participaram do estudo, desenvolvido ao longo de um ano com a realização de

56  z  julho DE 2013

8 workshops, 33 parceiros, entre empresas nacionais e internacionais, universidades e institutos de pesquisa. O estudo apresenta várias rotas tecnológicas que podem partir de matérias-primas –como a tradicional cana-de-açúcar até algas, gordura animal, óleos vegetais, material ligno-celulósico, amidos e lixo urbano – e utilizar variadas tecnologias de conversão e refino até a obtenção do bioquerosene. Nessas etapas, indica o estudo, ainda existem muitas lacunas importantes no âmbito tecnológico e de custos a serem preenchidas. São dificuldades técnicas que vão exigir a participação de todos os envolvidos, de fabricantes de aviões a empresas de aviação, desenvolvedores e fornecedores de combustível, além das entidades certificadoras mundiais. Outro fator a ser levado em consideração é o da logística de produção e distribuição do biocombustível para 108 aeroportos nacionais onde pousam as grandes aeronaves, o que representa 1 milhão de voos programados apenas no espaço aéreo brasileiro, além da necessidade de servir aos 62 mil voos internacionais que partem por ano do Brasil, com destino a 58 aeroportos de 35 países. Esses voos para o exterior representam 60% do consumo de querosene para aviação no país.

Frota da Embraer: empresa se une à Boeing para pesquisar alternativas para o querosene de petróleo


Consumo e projeção para o futuro A aviação comercial no Brasil deve crescer 5% ao ano, em média, até 2020

12 11

Volume  milhões m3/ano

10 9 8 7 6 5 4

20

00 20 01 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 20 07 20 08 20 09 20 10 20 11 20 12 20 13 20 14 20 15 20 16 20 17 20 18 20 19 20 20

3

n Produção de querosene no Brasil n Consumo de querosene no Brasil ➔ Projeção de produção no Brasil

As refinarias brasileiras produzem 75% do querosene consumido pela aviação no país

➔ Projeção de consumo do Sindicato Nacional das Empresas

Distribuidoras de Combustível (Sindicom) ➔ Projeção de consumo da Empresa

de Pesquisa Energética (EPE) fonte ANP 2012

Do Brasil partem 62 mil voos internacionais por ano. Em território nacional são 1 milhão de voos

O combustível representa, na média mundial, 34% dos custos operacionais

embraer

das companhias aéreas

pESQUISA FAPESP 209  z  57


cionam com hidrogênio ou baterias de lítio, por exemplo. Esses equipamentos ocupam muito espaço e são pesados, o que exige maior gasto de combustíveis”, explica o professor Luís Augusto Cortez, vice-reitor de relações internacionais da Unicamp e coordenador do estudo. “Não há como diminuir as emissões apenas com a melhora da eficiência dos motores e por isso estamos incentivando a pesquisa para novos biocombustíveis”, diz Mauro Kern, vice-presidente executivo de engenharia e tecnologia da Embraer. A empresa anunciou em junho a nova linha dos seus jatos, a E2, que começa a voar a partir de 2018 com menos gastos de combustível e diminuição das emissões.

1

O bioquerosene para ser qualificado precisa de critérios específicos e rigorosos. É preciso que ele satisfaça as mesmas especificações técnicas do combustível atual para ser considerado drop-in, característica que garante o pronto abastecimento nos motores atuais e naqueles ainda em desenvolvimento, além de poder ser misturado com querosene de aviação convencional. “É consenso que nas próximas décadas não vai haver uma grande mudança tecnológica nos combustíveis para a aviação comercial, como a incorporação de energia solar, células a combustível que fun-

Comparação atual Combustível utilizado hoje ainda tem vantagens em relação ao preço e à logística de distribuição, que é mundial

Querosene

bioQuerosene

Não renovável

Renovável

Produzido com petróleo

Produzido principalmente com cana e óleos vegetais

Mais poluente

Menos poluente

Processo único de produção

Várias rotas tecnológicas de produção

Produção bem estabelecida e distribuída em todo o mundo

Produção apenas experimental, sem escala industrial

Preço de mercado

Preço ainda alto

58  z  julho DE 2013

E

ntre as tecnologias mais avançadas em desenvolvimento no Brasil e que foram citadas durante o anúncio do estudo estão os bioquerosenes da Amyris e o da Solazyme, duas empresas de bioenergia, ambas com origem no estado da Califórnia nos Estados Unidos. As duas fazem parte do grupo de parceiros no estudo coordenado pela FAPESP. A primeira, fundada por pesquisadores da Universidade da Califórnia, em Berkeley, está no Brasil desde 2007. A empresa já produz desde dezembro de 2012, no município de Brotas, no interior paulista, o farneseno, um produto líquido feito a partir do caldo de cana com o uso de linhagens de leveduras Saccharomyces cerevisiae modificadas geneticamente. Esses microrganismos transformados atuam no processo de fermentação e levam a produção do farneseno, e não do etanol. A partir desse produto é possível, por processos de refino específicos, fabricar tanto o bioquerosene como produtos para a indústria química ou, ainda, o diesel que foi o primeiro alvo da empresa no Brasil (ver Pesquisa FAPESP n° 153), utilizado experimentalmente em algumas frotas de ônibus nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. “Com um processo mínimo de hidrogenação, o farneseno se transforma em farnesano, que nada mais é do que o bioquerosene”, diz Joel Velasco, vice-presidente sênior da Amyris. “As nossas patentes e tecnologia estão principalmente nas linhagens da levedura desenvolvidas pela Amyris, porém o farnesano não é um produto transgênico”, diz Velasco. “Até agora o farneseno foi produzido em escala relativamente pequena, resultando obviamente em custos maiores que o querosene tradicional. Porém esses custos já estão reduzindo na medida em que aumentamos a escala”, diz Velasco. Fundada em 2003, a Amyris recebeu investimento, na forma de compra de parte das ações, da Total, a quinta maior companhia de petróleo e gás do mundo, com sede na França e atualmente a maior distribuidora de querosene de aviação na Europa. “Quando estivermos operando em escala industrial, esperamos ser a alternativa


fotos 1 boeing 2 embraer

1 Motores do Boeing 747: bioquerosene para voos internacionais

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mais competitiva dentre os querosenes de aviação renováveis”, diz Velasco. Para ser um fornecedor de bioquerosene, as empresas que desenvolvem esse biocombustível precisam receber a aprovação da Sociedade Americana para Testes e Materiais (ASTM, na sigla em inglês). Como parte desse processo, foram realizados voos-teste com no máximo 50% de biocombustível misturado a igual porção de combustível tradicional. Foi o que aconteceu no dia 20 de junho, quando a Amyris, junto com a Total, supriu com bioquerosene um Airbus 321 durante o Paris Air Show. “O combustível usado foi produzido com cana-de-açúcar do Brasil”, diz Velasco. Antes, em junho de 2012, a empresa já havia fornecido bioquerosene para um voo no Rio de Janeiro durante a Conferência Rio+20. Nesse caso, a aeronave foi um jato E195 da Azul Linhas Aéreas, fabricado pela Embraer. Em junho deste ano, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) publicou a especificação brasileira para bioquerosene de aviação, alinhada com os procedimentos internacionais, possibilitando que voos comerciais possam usar o biocombustível no país.

M

ais de 1.500 voos comerciais e militares já foram realizados com misturas de querosenes renovável e fóssil. A Solazyme também se vale de testes em aeronaves tanto para obter os certificados como para verificação e análise dos fabricantes de aviões. O primeiro voo comercial com o bioquerosene produzido pela empresa aconteceu em 2011, num Boeing 737-800 da United Airlines, entre as cidades de Houston e Chicago, numa distância de 1,7 mil quilômetros. Segundo dados da Solazyme, o voo deixou de emitir de 10 a 12 toneladas de CO2 na atmosfera. Essa quantidade é equivalente ao percurso de 48 mil quilômetros de um automóvel de

2 Design do E2: novo jato da Embraer vai ter motores mais econômicos

passageiro médio utilizando gasolina nos Estados Unidos. A empresa, fundada em 2003 e no Brasil desde 2011, produz bioquerosene a partir de microalgas alimentadas com açúcares. Depois da “engorda” em fermentadores, elas geram óleo em seu interior. Por esmagamento, é feita a extração do óleo, o qual, após um processo de refino semelhante ao utilizado pela indústria petroquímica, é fracionado em vários tipos de biocombustíveis e produtos para a indústria química. “Fazemos um craqueamento no óleo produzido pela alNo processo ga. Depois vem a fase de hidrogenação da Solazyme, e isomerização resultando, entre outros produtos, num bioquerosene que o caldo de cana atende às especificações da aviação”, diz Rogério Manso, diretor comercial é transformado global da Solazyme. “Para desenvolver nosso processo, selecionamos na em óleo de alto natureza indivíduos entre as microalvalor agregado gas que são mais adaptados a produzir óleo. Depois, por meios tradicionais de por meio de seleção, induzimos a mutações, e por fim existe um trabalho de engenharia microalgas genética para a seleção final das nossas cepas de microalgas”, diz Manso. A Solazyme, no Brasil, firmou uma parceria com a empresa Bunge, produtora de óleos vegetais para o mercado de nutrição e biodiesel, que possui usinas de cana-de-açúcar. Assim, a Solazyme Bunge Produtos Renováveis está construindo uma unidade de produção ao lado de uma usina, no município de Orindiúva, no interior paulista. O óleo primordial é produzido a partir de um processo de fermentação do açúcar existente no caldo de cana por meio das microalgas, cuja espécie a empresa não divulga o nome. “Pelo nosso processo o caldo de cana é transformado em um óleo de alto valor pESQUISA FAPESP 209  z  59


fotos   1 amyris  2 solazyme

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1 Usina da Amyris, em Brotas (SP) 2 Cultivo de microalgas da Solazyme 1

agregado”, diz Walfredo Linhares, diretor da Solazyme no Brasil. Ele informa que a empresa já tem parcerias com a Volkswagen e contrato de fornecimento para a Marinha norte-americana que não quer depender mais exclusivamente dos derivados de petróleo. A produção no Brasil deve começar no final de 2013 e a Solazyme Bunge conta com um investimento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) de R$ 246 milhões. A fabricação do bioquerosene no Brasil ainda depende de acertos com alguma outra empresa especializada em refino ou mesmo com a construção de uma unidade própria. Tanto “Existe demanda a Solazyme quanto a Amyris podem global por parte adaptar as tecnologias próprias para outros tipos de açúcar como a beterdas companhias raba na Europa, o amido do milho, nos Estados Unidos, e também o bagaço de aviação para de cana-de-açúcar. Outra tecnologia de fabricação de um combustível bioquerosene renovável, dessa vez que emita desenvolvida na Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp, menos CO2”, diz sob a coordenação do professor Rubens Maciel Filho, está na escala de Luiz Nogueira laboratório e pronta para passar para uma linha de produção-piloto (ver Pesquisa FAPESP n° 164). “Atingimos o máximo de produção que pode ser feita dentro de um ambiente de laboratório, agora estamos trabalhando para captar recursos, ampliar a produção e fazer uma avaliação econômica do nosso bioquerosene e em paralelo um estudo de sustentabilidade”, diz Maciel, que também é um dos coordenadores do Programa de Pesquisa em Bioenergia (Bioen) da FAPESP. “Um acordo comercial está sendo 60  z  julho DE 2013

negociado”, diz ele sem revelar o nome da empresa. Nesse processo, vários óleos e gorduras podem ser usados conforme a disponibilidade local, o que contribui com a logística de matéria-prima com importante impacto nos custos de produção. “O biocombustível é produzido com óleos vegetais, etanol e um catalisador específico que promove a reação sem a necessidade de microrganismos geneticamente modificados”, diz. Os exemplos de processos em desenvolvimento no país para produção de bioquerosene renovável mostram que o Brasil busca se firmar na linha de frente no mundo dos biocombustíveis. “O país tem vantagens relevantes e uma situação diferente à do etanol e do biodiesel, cuja aceitação por parte das empresas resultou do incentivo dos programas de governo. Agora é diferente. Existe uma demanda global por parte das companhias de aviação para um combustível que emita menos CO2”, diz o professor Luiz Horta Nogueira, da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), em Minas Gerais, participante do estudo. O trajeto, até caminhões de bioquerosene adentrarem os aeroportos para abastecer os aviões, ainda é longo e depende também da comprovação de quanto cada biocombustível deixa de emitir CO2 e outros poluentes, em comparação ao feito de petróleo. “Ainda temos uma dificuldade em estabelecer e analisar o ciclo de vida das emissões do bioquerosene. Não existem dados confiáveis, conforme diagnosticado em nosso estudo”, diz Cortez. n

Projeto Roadmap tecnológico para biocombustíveis de aviação sustentáveis - Oportunidades para o Brasil (n° 2012/50009); Modalidade Programa Parceria para Inovação Tecnológica (Pite); Coord. Luís Augusto Cortez/Unicamp; Investimento R$ 565.550,00 (FAPESP).


léo ramos

O que a ciência brasileira produz você encontra aqui

As reportagens da Pesquisa FAPESP retratam a construção do conhecimento que será fundamental para o desenvolvimento do país. Acompanhe essa evolução sem perder

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nenhum movimento

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pesquisa empresarial y

Foco nos negócios

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léo ramos

Da esquerda para a direita, Claudio Pinhanez, Sérgio Borger, Fábio Gandour, cientista-chefe, Nicole Sultanum e Ulisses Mello, do IBM Research, em São Paulo.


Laboratório de Pesquisas da IBM no Brasil mira inovações nas áreas de petróleo e gás, ambiente, logística e suprimento Yuri Vasconcelos

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lhar a ciência como negócio. Foi esse o conceito que orientou a criação do Laboratório de Pesquisas da IBM no Brasil dois anos atrás. O centro, o primeiro da gigante norte-americana de tecnologia da informação no hemisfério Sul, nasceu não apenas com o objetivo de buscar descobertas científicas e tecnológicas, mas também para gerar lucro e impactos positivos nos negócios de seus financiadores e fomentar a economia do conhecimento. O Brasil foi escolhido em 2010 para sediar a instalação – na época apenas o nono laboratório global da empresa – por conta das oportunidades de negócio que o país oferece e pela ênfase estratégica em inovação dada pelo governo nos últimos anos. “O país tem um bom ambiente de negócios, um rico ecossistema de pesquisa e desenvolvimento e talentos profissionais de sobra”, diz Ulisses Mello, de 54 anos, diretor do laboratório. “A pesquisa na IBM tem mais de 65 anos e começou em mercados maduros, nos Estados Unidos e Europa. Há alguns anos, focou nos países emergentes. Percebemos que era preciso estar onde as coisas acontecem. Por isso a decisão de abrir o centro de pesquisas no Brasil.” A aposta, aparentemente, deu certo. Em dois anos de atividade, a equipe brasileira já gerou mais de 40 patentes e produziu acima de 100 artigos científicos – dois deles foram escolhidos como os melhores das conferências em que foram apresentados. A IBM Research se divide em duas estruturas equivalentes, uma em São Paulo e outra no Rio de Janeiro, e até 2015 deverá atingir a meta de 100 profissionais. “Diria que vamos superar essa meta antes do planejado”, conta Mello. Graduado em geologia pela Universidade de São Paulo (USP) e com doutorado na mesma área pela Universidade Columbia, nos Estados Unidos, antes de dirigir o laboratório brasileiro, ele liderava, em Nova York, a pesquisa global da companhia pESQUISA FAPESP 209  z  63


fotos 1 Raphael lima / ibm 2 léo ramos

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voltada ao desenvolvimento de inovações para o setor de recursos naturais. Pesquisador premiado – em 1998 recebeu o Wallace Pratt Award, principal comenda da Associação Americana de Geólogos de Petróleo –, contabiliza mais de 70 artigos publicados e três patentes. Ciência de serviços

A IBM estabeleceu quatro focos de atuação para o seu centro de pesquisas no país. O primeiro é a chamada ciência de serviços. “A finalidade da equipe multidisciplinar é aprimorar os serviços que a IBM presta nas áreas de tecnologia da informação e consultoria. Também trabalhamos para tornar mais eficientes empresas que atuam no setor de serviços, como

bancos e lojas, assim como órgãos da administração pública”, afirma o matemático Claudio Pinhanez, de 49 anos, doutor em ciência da computação pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Ele coordena, desde São Paulo, a área que tem pesquisadores na capital paulista e no Rio de Janeiro. Um dos mais recentes desenvolvimentos do grupo liderado por Pinhanez foi a criação de um simulador capaz de prever o impacto das ações de comunicação em mídias sociais, como Facebook e Twitter, com base nos padrões de comportamento dos usuários. Os primeiros resultados desse projeto, feito em parceira com pesquisadores do Departamento de Computação do Instituto de Matemática e Estatística (IME)

Instituições que formaram os pesquisadores da empresa Ulisses Mello, geólogo, diretor do Laboratório de Pesquisas da IBM Brasil

USP: Graduação Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop): Mestrado Universidade Columbia (EUA): Doutorado

Fábio Gandour, médico, cientista-chefe do laboratório

UnB: Graduação Universidade de Stanford (EUA): Doutorado

Claudio Pinhanez, matemático, líder da área de pesquisa em Sistemas de Serviços

USP: Graduação USP: Mestrado Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT): Doutorado

Nicole Sultanum, cientista da computação, pesquisadora da área de Recursos Naturais

Universidade Federal de Pernambuco (UFPE): Graduação Universidade de Calgary (Canadá): Mestrado

Sérgio Borger, engenheiro eletrônico, líder da área de Sistemas Humanos

Fundação Armando Álvares Penteado (Faap): Graduação Mestrado: USP

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da USP, foram apresentados em maio no Latin American eScience Workshop 2013, promovido pela FAPESP e pela Microsoft Research, em São Paulo. Para criar o método inicial para modelar e simular as interações entre os usuários das redes sociais foram coletadas mensagens publicadas por 25 mil pessoas no Twitter do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e de seu adversário na última corrida presidencial, Mitt Romey, em outubro de 2012, último mês da campanha eleitoral. Os pesquisadores analisaram os conteúdos das mensagens e o que cada pessoa fez em relação à frequência de postagens, se eram positivas ou negativas, e o impacto das opiniões em outros usuários. “Essa tecnologia pioneira pavimenta o caminho tecnológico para a utilização efetiva de análise de sentimentos por empresas que atuam no mercado brasileiro”, destaca Pinhanez. Desenvolver sistemas humanos inteligentes, com ênfase em eventos de larga escala, é o segundo segmento de negócios da unidade de pesquisa brasileira. O objetivo inicial dessa área é fomentar inovações que serão usadas nos grandes eventos esportivos que o país sediará nos próximos anos, como a Copa do Mundo, em 2014, e os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016. O líder do setor, também coordenado a partir de São Paulo, é o engenheiro eletrônico paulista Sérgio Borger,


Fomentar inovações que serão usadas nos grandes eventos esportivos realizados no país de 47 anos, funcionário da IBM desde 1990. “Estava no meio do meu doutorado quando fui convidado pela empresa para participar do grupo que desenvolvia a primeira geração de sistemas de gerência de redes IP [Protocolo Internet]. Aceitei o desafio e fui para Raleigh, na Carolina do Norte, nos Estados Unidos. Fiquei lá um ano e depois voltei ao Brasil. Passei por diversas áreas da companhia e, em 2009, me integrei ao grupo responsável pela montagem do IBM Research no país”, diz Borger. Ele juntou-se à equipe liderada pelo pesquisador Fábio Gandour, um dos principais idealizadores do centro de pesquisas brasileiro. Paulista de São José do Rio Preto, médico por formação e com um doutorado em ciência da computação pela Universidade de Stanford, na Califórnia, Gandour, de 60 anos, é o maior defensor da ideia de fazer ciência como negócio. “Nosso laboratório nasceu a partir desse paradigma”, diz ele, que trabalha na companhia há 22 anos e tem especial interesse por computação de alta performance. Ambientes complexos

Atual cientista-chefe do IBM Research Brasil, Gandour é o primeiro contato de todo empresário que bate às portas da empresa com uma demanda de solução. “O modelo de ciência como negócio se beneficia da ciência doutrinária feita na academia, mas tem um objetivo particular, o de produzir resultados com impactos relevantes nos negócios de quem a financia”, diz. Para ele, a ciência deve ser capaz de ajudar o setor produtivo, auxiliando-o a lidar com a complexidade do ambiente. A fim de atingir esse objetivo, a IBM realiza diversos projetos em parceria com universidades, centros de pesquisa e outras empresas. O IBM Research também está conectado a outros laboratórios já existentes da companhia no país como na terceira linha de pesquisa do centro que é a geração de inovações relacionadas à descoberta, à exploração e à logística de recursos

1 Centro de Operações da Prefeitura do Rio de Janeiro: soluções urbanas 2 Sede da IBM, em São Paulo: impacto da ciência como negócio

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naturais, contemplando principalmente as áreas de petróleo e gás. Esse setor irá trabalhar de forma integrada com o Laboratório de Soluções para a Indústria de Recursos Naturais, com sede em São Paulo, e o Centro de Soluções para Recursos Naturais, baseado no Rio de Janeiro. Um dos desenvolvimentos da IBM na área de petróleo e gás é a utilização de mesas digitais multitouch, um ambiente de visualização e interação que pode acomodar vários usuários ao mesmo tempo. Essas mesas permitem, por exemplo, a visualização colaborativa de modelos de reservatórios petrolíferos no fundo do mar. “Essa tecnologia já existe e está começando a ganhar força em diversos campos. Estou integrando mesas digitais às atividades de óleo e gás para torná-las mais cooperativas, intuitivas e interativas”, diz a pesquisadora pernambucana Nicole Sultanum, de 27 anos. Uma das mais novas integrantes da equipe de especialistas da IBM, ela é mestre em ciência da computação pela Universidade de Calgary, no Canadá, e especialista em interação homem-computador. O quarto pilar do IBM Research é a pesquisa voltada ao desenvolvimento de dispositivos inteligentes que podem ser

criados a partir dos avanços da área de semicondutores e microeletrônica. A empresa projeta que o laboratório se transforme em um centro de colaboração para empresas brasileiras e globais nas áreas de desenvolvimento e uso desses avanços. As soluções criadas no Brasil vão fortalecer a tecnologia gerada na IBM. Em 2012, pelo 20º ano consecutivo, a empresa liderou o ranking de registro de patentes nos Estados Unidos, de acordo com levantamento feito pela consultoria especializada IFI Claims. Em 2012, a companhia depositou 6.478 patentes, 5% a mais do que no ano anterior – o segundo lugar da lista ficou com a Samsung, com 5.081 registros. A área global de pesquisa da empresa é constituída hoje por 12 unidades localizadas em 10 países dos cinco continentes. Além do centro brasileiro e de três unidades nos Estados Unidos, a IBM mantém instalações na Suíça, na Irlanda, no Japão, na China, na Austrália, no Quênia, na Índia e em Israel. Ao todo, são mais de 3 mil pesquisadores, trabalhando em rede e dispondo de um orçamento anual de US$ 6 bilhões para pesquisa e desenvolvimento. Os recursos destinados a essa área corresponderam a 5,7% da receita bruta em 2012, de US$ 104,5 bilhões. n pESQUISA FAPESP 209  z  65


Inovação y

Conhecimento no mercado Empresas recorrem a universidades para lançar produtos mais competitivos

I

novações concebidas em universidades têm chegado com mais frequência ao mercado brasileiro. Essa é uma alternativa para as empresas agregarem tecnologia em produtos e processos como tem demonstrado o crescente aumento de licenciamentos de propriedade intelectual de universidades e a transformação desse conhecimento em produtos inovadores. Um exemplo de tecnologia promissora que entrou no mercado no final de 2012 é um fotômetro analisador de combustível desenvolvido no Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e licenciado para a Tech Chrom, empresa gestada na Incubadora de Empresas de Base Tecnológica da universidade (Incamp). Enquanto os testes para avaliação de adulteração de combustíveis nos postos necessitam de várias etapas e de pessoas treinadas para examinar as informações, o fotômetro – que trabalha na região do infravermelho próximo – apresenta o resultado diretamente no visor do aparelho em cerca de sete segundos. Além disso, o teste tradicional de gasolina necessita de 50 mililitros (ml) do combustível e o de 66  z  julho DE 2013

etanol de 1 litro. Já o aparelho com o fotômetro funciona com apenas 5 ml de combustível inserido em um recipiente apropriado. “Só é preciso informar se a análise é de etanol ou gasolina”, diz Ismael Pereira Chagas, que desenvolveu o protótipo do analisador de combustível durante o seu doutorado e atualmente trabalha como pesquisador na empresa. Um aporte do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), da FAPESP, possibilitou que Chagas continuasse a pesquisa na Tech Chrom para que o protótipo se transformasse em um produto. “O desafio foi criar um equipamento pequeno e robusto que pudesse ser operado por qualquer pessoa”, diz Valter Matos, diretor da empresa. O aparelho, chamado Xerloq, tem capacidade para armazenar na memória os resultados de até 98 análises. “Também foi desenvolvido um software para imprimir o resultado da análise do combustível para o cliente do posto”, diz Chagas. Com o projeto do Pipe, a empresa conseguiu reduzir o preço de venda de R$ 6.800,00 para R$ 4.950,00. Até agora foram vendidos mais de 50 aparelhos para postos

ilustrações  raul aguiar

Dinorah Ereno


revendedores e distribuidoras de combustível. “Mas há um mercado em potencial para explorar, porque existem cerca de 39 mil postos espalhados pelo Brasil”, diz Matos. O licenciamento de uma gordura com baixo teor de ácidos graxos saturados e isenta de ácidos graxos trans, desenvolvida na Faculdade de Engenharia de Alimentos em parceria com a Cargill Agrícola (ver Pesquisa FAPESP nº 182) e utilizada como recheio de biscoitos e outras aplicações, garantiu à Unicamp uma arrecadação recorde de royalties de R$ 724 mil em 2011. As pesquisas que resultaram na nova gordura foram iniciadas na universidade ainda na década de 1990, mas somente em 2008 os resultados efetivos começaram a aparecer e chamaram a atenção da indústria. Desde a sua criação em 2004 a Agência de Inovação Inova, da Unicamp, registrou uma curva de crescimento tanto no depósito de patentes como no licenciamento de tecnologias, um indicativo do interesse de empresas por inovações. No ano passado foram depositadas 73 patentes, assinados 13 contratos de licenciamento e registrados 29 programas de computador, números recordes para um único ano desde a primeira patente da universidade, em 1984. No total, são 63 os licenciamentos vigentes. Para conhecer a fundo avançados sistemas de inovação, a agência celebrou em 2009 uma parceria com a Universidade de Cambridge. A Cambridge Enterprise é a subsidiária da universidade para cuidar das patentes e da transferência de tecnologia. “Depois de mais de 20 anos como uma agência de inovação da universidade, passamos em 2006 a ser uma empresa que inclusive pode investir em outras empresas. Já são 63 companhias em que investimos recursos e temos ações”, disse Shirley Jamieson, diretora de marketing da Cambridge Enterprise, na XIII Conferência da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei), realizada em Vitória (ES), em junho. As empresas no Brasil também têm procurado as universidades em busca de tecnologia. Uma roupa especial que corrige a postura corporal, criada na Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (EEFFTO) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) a pedido do fisioterapeuta Renato Loffi, dono da empresa Treini Biotecnologia, tem previsão de pESQUISA FAPESP 209  z  67


R$724 mil foi o valor de royalties pagos à Unicamp em 2011

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Pequena fábrica de calçados procurou a UFMG para desenvolver linha de tênis com sistema de amortecimento

lançamento em 12 meses. “Uma teia de fitas elásticas interconectadas promove a tensão da roupa, o que resulta na correção da postura e prevenção de lesões”, diz o professor Pedro Vidigal, diretor da Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica (CTIT), agência de inovação da universidade mineira. Após trabalhar mais de oito anos no Sistema Único de Saúde (SUS), Loffi decidiu procurar o professor Sérgio Fonseca, da EEFFTO, especialista em estudos sobre movimentos humanos, para criar uma vestimenta que pudesse ser usada tanto por pessoas com comprometimentos funcionais como por atletas. A Treini, que licenciou a tecnologia, estuda o lançamento da roupa em quatro versões: terapêutica, ocupacional, esportiva e militar. Entre os destaques de licenciamentos da UFMG que já ganharam o mercado brasileiro está uma vacina contra a leishmaniose visceral canina chamada Leish-Tec, desenvolvida pela Faculdade de Farmácia e o Instituto de Ciências Biológicas em colaboração com o laboratório espanhol Hertape Calier. A expectativa é de que até 2014 a vacina esteja no mercado europeu. Há ainda um caso de cooperação entre empresa e universidade considerado emblemático por Vidigal. Trata-se da Crômic, uma pequena fábrica do polo de calçados esportivos de Nova Serrana, na região de Belo Horizonte, que procurava um produto inovador para se destacar no mercado

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e competir com os produtos chineses. “Eles queriam desenvolver uma linha de calçados esportivos inovadora”, relata Vidigal. Como não havia ninguém na universidade que trabalhasse com isso, foi criado um grupo de pesquisadores, coordenados pela agência e ligados à EEFFTO e ao laboratório de Bioengenharia da Escola de Engenharia, para desenvolver um sistema de amortecimento para solados de calçados esportivos. A inovação foi incorporada e lançada em uma linha de tênis chamada Aerobase, que hoje é o segundo produto com maior faturamento da empresa. Em 2012, a CTIT registrava 661 propriedades intelectuais – entre depósitos de patentes, registros de marcas, desenhos industriais e programas de computador. Desse total, 547 referem-se apenas a patentes. Até maio deste ano, os contratos de licenciamento de tecnologia assinados somavam 43, com 101 tecnologias licenciadas. Grande parte da tecnologia é licenciada pelos próprios pesquisadores das universidades, a exemplo de uma inovação no processo de produção de cerveja idealizada por Éverton Estracanholli durante o seu doutorado no Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC-USP), que acelerou a fase de fermentação. Ele teve a ideia de utilizar LEDs (diodos emissores de luz) durante a fermentação e com isso conseguiu reduzir entre 15% e 20% o tempo gasto no processo sem alterar a qualidade da bebida (ver Pesquisa FAPESP nº 204). O resultado alcançado fez com que transformasse seu hobby de produzir cerveja em escala artesanal na microcervejaria Kirchen,

fotos 1 ufscar 2 leo ramos 3 treini

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1 Alface Brunela da UFSCar 2 Analisador de combustível da Unicamp 3 Roupa especial criada na UFMG

bolsa da FAPESP. Assim que ele voltou ao Brasil, foi depositado um pedido de patente para um dispositivo que permite que uma Físico inventa instrumento de técnica biomagnética chadiagnóstico não invasivo para mada BAC, usada para obtenção de imagens do trato estômago em doutorado na Unesp gastrointestinal sem a necessidade do uso de contrastes radioativos, possa ser incorporada a equipaem São Carlos. “É um pequeno negócio que vai mentos médicos a um custo menor. Com apenas crescer, porque está atraindo também grandes quatro anos de existência, a Agência Unesp de cervejarias”, diz o professor Vanderlei Bagnato, Inovação conta com 51 tecnologias licenciadas. diretor da agência de inovação da USP e orientador Em 2012 contabilizava 133 depósitos de patentes, de Estracanholli. “Temos observado que, muitas além do registro de seis desenhos industriais e vezes, os alunos que participam das pesquisas são de 53 softwares. Cultivares de cana-de-açúcar são o destaque os potenciais interessados no licenciamento das próprias patentes, inclusive por meio da abertura nas pesquisas realizadas na Universidade Federal de uma empresa e apoio do Pipe”, diz. Em média de São Carlos (UFSCar). “Nós temos 16 cultivares são depositados 100 pedidos de patentes por ano licenciados para mais de 150 usinas”, diz a propela Agência USP de Inovação, com 80 licencia- fessora Ana Lúcia Vitale Torkomian, diretora da Agência de Inovação da UFSCar. “Eles têm como mentos assinados até agora. Outro exemplo de aluno que transformou o seu diferencial maior produção de álcool e açúcar, além conhecimento em produto é o do físico Fabiano de serem mais resistentes a pragas e adaptados ao Carlos Paixão. Durante o seu doutorado no Ins- nosso clima.” Recentemente, a universidade lantituto de Biociências da Universidade Estadual çou um cultivar de alface chamado Brunela, com Paulista (Unesp) de Botucatu, ele criou um ins- folhas crespas como a variedade brasileira e crotrumento de diagnóstico não invasivo para estô- cante como a americana, adaptada às condições mago, que está prestes a ser lançado no mercado de cultivo em altas temperaturas e pluviosidade. Os projetos de sucesso vão além do agronegócio norte-americano. “Fabiano criou, em sociedade com outros pesquisadores, uma start-up nos na UFSCar. Um em especial chamou a atenção no Estados Unidos para desenvolvimento do equi- seu lançamento: o papel sintético feito a partir pamento”, diz a professora Vanderlan Bolzani, de resíduos plásticos descartados pós-consumo, diretora da Agência Unesp de Inovação. Parte do desenvolvido sob a coordenação da professora doutorado de Paixão com o tema biomagnetismo Sati Manrich e produzido pela empresa Vitopel aplicado em gastroenterologia foi feito na Uni- (ver Pesquisa FAPESP nº 155) desde 2010. Lançaversidade Vanderbilt, nos Estados Unidos, com do com o nome comercial de Vitopaper, o papel sintético não rasga, não molha e absorve 20% menos tinta na impressão. Com pouco mais de cinco anos de atividade, a agência de inovação registra 93 depósitos de patente e o licenciamento de 12 patentes, uma marca, um programa de computador, além dos cultivares. n

Projetos 1. Produção de gordura low trans e sua aplicação em alimentos (2005/54796-4); Modalidade Linha Regular de Auxílio a Projeto de Pesquisa; Coord. Lireny Guaraldo Gonçalves-Unicamp; Investimento R$ 267.760,00 (FAPESP). 2. Viabilização de produção em escala de um fotômetro para determinação do teor de etanol em álcool combustível e gasolina (2011/51061-4 e 2011/52004-4); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) e Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (Pappe); Coord. Ismael Pereira Chagas-Tech Chrom; Investimento R$ 205.667,29 (FAPESP) e R$ 195.930,00 (Finep).

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3. Estudos em filmes multicamadas de compósitos de termoplásticos virgens e reciclados para aplicações em escrita e impressão (2003/06113-0); Modalidade Linha Regular de Auxílio a Projeto de Pesquisa; Coord. Sati Manrich-UFSCar; Investimento R$ 69.518,53 (FAPESP).

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informática y

Acesso

digital Hospital de Ribeirão Preto usa sistema nacional para arquivar e gerenciar imagens médicas Evanildo da Silveira

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uso crescente de imagens nos hospitais nos últimos anos, como raio x, ultrassom, res­ sonância e tomografia, levou à necessidade de desenvolvimento de sis­ temas para gerenciá-las. De olho nes­­se mercado, grandes empresas da área de tecnologia da informação como Siemens, Toshiba, Agfa, GE, Carestream e Philips criaram soluções chamadas generica­ mente de sistemas de arquivamento e dis­tribuição de imagens (Pacs, do inglês picture archiving and communication system). Agora uma pequena empresa de Ribeirão Preto se posiciona ao la­ do das grandes ao desenvolver um Pacs próprio. O sistema já está em uso, com bons resultados, há mais de dois anos no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP), naquela cidade. Chamado de LyriaPacs, o sistema foi criado pela empresa i-Medsys, fundada em 2005 em Ribeirão Preto, por três jo­ vens pesquisadores formados e pós-gra­ duados pela USP nas áreas de tecnologia da informação e ciência da computação. “O Lyria é um sistema de armazenamen­ to, comunicação, distribuição e visuali­ zação que segue especificações do pro­ tocolo Dicom (do inglês digital imaging and communication in medicine), que é o padrão para arquivamento e distribui­ ção de imagens médicas”, explica Diego 70  z  julho DE 2013

Fiori de Carvalho, sócio fundador da em­ presa. “É uma solução completa para o gerenciamento de imagens médicas em hospitais, centros de diagnóstico, clíni­ cas e profissionais da área da saúde”, diz Carvalho. “Com base nas funcionalidades do pa­ drão Dicom, o Lyria garante a intercone­ xão com os sistemas de informação de saúde do hospital e possibilita o controle do fluxo completo de dados de imagens”, diz o professor de informática biomé­ dica e física médica Paulo Mazzoncini de Azevedo Marques, coordenador do serviço de física médica e radioprote­ ção do HC de Ribeirão Preto. O Lyria se conecta com o sistema computacional do hospital e recebe as informações dos pacientes que irão fazer determinados exames em um dia específico e gera uma lista. Faz então a conexão com os equi­ pamentos que geram as imagens daque­ les exames – por exemplo, um aparelho de ressonância magnética – e insere os dados do paciente. Concluído o exame, o Lyria transfere as imagens para um sistema de arquivamento, mantendo a vinculação entre os dados do paciente, existente no sistema de informação do hospital, e os do exame gerado. “Eles ficam arquivados pelo tempo que for necessário, ou definido pela instituição segundo a legislação vigente”, diz Aze­ vedo Marques.


ilustracão  tato araujo

sob a coordenação de José Antônio Ca­ macho Guerrero, sócio da empresa, foi desenvolvido um sistema de ligação en­ tre documentos, denominado Linkdigger, destinado a criar soluções inovadoras para indivíduos e empresas que preci­ sam relacionar os dados disponibiliza­ dos por diferentes fontes de informa­ ção. O segundo foi o sistema ArcaMed para desenvolver vários softwares para uso hospitalar, que resultou, entre outros produtos, no Lyria. O ArcaMed foi implantado como pi­ loto no HC em 2007. “Em 2008 obtive­ mos recursos do CNPq [Conselho Na­­­­­­c ional de Desenvolvimento Científico e Tecnoló­ gico], para contrata­ ção de profissionais”, HC economiza conta Fiori. “Dentro R$ 7 milhões do projeto-piloto no HC de Ribeirão Pre­ por ano com to surgiu a necessida­ de de uma plataforma a dispensa computacional que possibilitasse a troca de arquivar e e o armazenamento imprimir laudos de imagens de forma consistente e automá­ e imagens tica. Assim, a i-Medsys criou o Lyria.” Segun­ do Fiori, existem pou­ cas empresas no Bra­ sil que desenvolvem esse tipo de solução. Os exames podem ser visualizados “A maioria é representante de sistemas por meio do sistema de informação do estrangeiros, apenas com tradução do hospital, que regula os direitos de quem software para português”, diz. tem permissão de acessar os dados se­ gundo os perfis dos usuários previamen­ Contrato e personalização te definidos. É o caso do radiologista no “No mundo existem Pacs interessantes, momento de fazer um laudo, por exem­ mas nem todos oferecem uma solução plo. Com uma senha, ele se conecta ao completa. Há, por exemplo, visualiza­ Lyria, em um computador em qualquer dores muito utilizados, como o KPacs, local do hospital, seleciona um exame, Osirix (para Apple), E-Film, e servido­ baixa as imagens e faz o laudo usando a res para armazenamento e distribuição interface do sistema de informação do desenvolvidos por grandes companhias. hospital apropriada. Depois o documen­ Essas soluções normalmente necessitam to fica vinculado com seu respectivo exa­ de personalização, demandando custos me e disponível para consulta, que pode adicionais, além do gasto na aquisição.” ser feita por um clínico, por exemplo, Na mesma universidade, em outro para ler o laudo elaborado pelo radio­ hospital, o das Clínicas da Faculdade de logista ou ver a imagem. Medicina de Universidade de São Paulo Para desenvolver o Lyria, a i-Medsys (HCFM-USP) na capital, há um contrato recebeu financiamento de dois proje­ de prestação de serviços com a Philips, tos do Programa Pesquisa Inovativa em para o fornecimento do sistema utilizado Pequenas Empresas (Pipe) da FAPESP, no gerenciamento das imagens médicas ambos iniciados em 2005. No primeiro, em todo complexo da instituição. “Nesse

contrato de prestação de serviços toda a responsabilidade sobre o fornecimento de hardware, software e manutenção do sistema RIS/Pacs é da Philips, permitindo que a equipe do hospital mantenha foco nas atividades assistenciais”, explica Vil­ son Cobello Junior, gerente de Sistemas do Núcleo Especializado em Tecnologia da Informação do HC de São Paulo. De acordo com Cobello, o projeto teve início em 2007 e entrou em operação em de­ zembro de 2008. “Essa solução é respon­ sável por gerenciar todo fluxo de atendi­ mento do Departamento de Radiologia do HC”, diz. “O que inclui desde o cadastro do paciente, agendamento, preparo do paciente, realização do exame, armaze­ namento e distribuição de imagens até a execução e distribuição do laudo radioló­ gico para todo complexo do HC por meio de um portal eletrônico, que consolida de imagens médicas e laudos a atendimen­ tos e resultados de exames laboratoriais.” No caso do Lyria, os resultados após dois anos de uso no HC de Ribeirão Pre­ to, segundo Fiori, são bons e apresenta­ ram custos competitivos em relação aos concorrentes. Até dezembro de 2012 fo­ ram armazenados 389.764 estudos – con­ junto de imagens médicas de pacientes –, distribuídos nas diferentes modalida­ des, como raio x, ultrassom, tomografia e outras. “No total, esses estudos foram compostos por 53.020.858 imagens, que estão armazenadas no sistema do hos­ pital”, informa Fiori. De acordo com a tabela de preços do mercado para ar­ mazenamento, impressão de imagens e dos laudos, uma instituição do porte do HC de Ribeirão Preto economiza cerca de R$ 7 milhões por ano com esse siste­ ma. O hospital realiza perto de 600 mil consultas ou procedimentos por ano. “Os custos de implantação do sistema em um hospital que gera cerca de 14 mil imagens por mês é de R$ 1 milhão, com equipamentos, serviços de instalação e treinamento”, diz Fiori. n

Projetos 1. Arcamed: um arcabouço para construção de sistemas de apoio a diagnósticos médicos (n° 2005/60038-5); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Coord. Diego Fiori de Carvalho – i-Medsys; Investimento R$ 164.733,15 (FAPESP). 2. Linkdigger: serviços de criação de ligações entre informações disponibilizadas na web (n° 2003/07968-9); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe). Coord. José Antônio Camacho Guerrero i-Medsys. Investimento R$ 397.632,09 (FAPESP).

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humanidades   sociologiay

Policiais revistam as celas da cadeia de Cianorte, Paraná, após fuga de presos

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A justiça da

Ineficiência da polícia e do Judiciário quebra crença nas instituições democráticas

impunidade

DIRCEU PORTUGAL/AE

Carlos Haag

U

ma frase de 1764 que consta do clássico Dos delitos e das penas, de Cesare Beccaria, tem uma atualidade notável: “A perspectiva de um castigo moderado, mas inevitável, causará sempre uma impressão mais forte do que o vago temor de um suplício terrível, em relação ao qual se apresenta alguma esperança de impunidade”. Sua antevisão também captou tendências em voga. “Há no Brasil a sensação forte de que, independentemente de classe, riqueza ou poder, os crimes cresceram e se tornaram mais violentos, porém há impunidade. Nesses momentos as pessoas acham que a solução são leis mais severas e mais tempo de prisão”, diz o sociólogo Sérgio Adorno, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, um dos 17 Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão financiados pela FAPESP (NEV-Cepid/USP). “O sentimento de impunidade gera descrença nas instituições democráticas encarregadas de aplicar a lei e a ordem, proteger os direitos civis dos cidadãos, consagrados na Constituição, em especial o direito à segurança”, fala o pesquisador. Mas qual seria a real dimensão dessa impunidade? Com essa preocupação foi feita a pesquisa Inquérito policial e processo judicial em São Paulo: o caso dos homicídios, um desdobramento do projeto Estudo da impunidade penal. A proposta era analisar o fluxo de ocorrências de homicídios desde o registro policial até a sentença judicial. O que se pretendia era, além de medir a impunidade penal, identificar os fatores judiciais e extrajudiciais, bem como os mecanismos institucionais que favorecem a desistência da aplicação de penas para estes crimes. Os números básicos já revelam a magnitude da impunidade: apenas 60,13% das ocorrências de homicídios foram objeto de investigação. Logo, para cerca de 40% dos registros não foram identificados inquéritos policiais. Enquanto os homicídios cresceram 15,51%, os inquéritos policiais aumentaram apenas 7,48%. “Isso significa que aumentou o hiato entre o potencial de crescimento da violência e a capacidade de as autoridades policiais investigarem crimes, o que pode ter repercutido na desconfiança dos moradores nas instituições encarregadas de assegurar a ordem pública e aplicar lei e ordem”, observa o sociólogo. pESQUISA FAPESP 209  z  73


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Blitz realizada pela Polícia Militar na avenida Rio Branco, região central de São Paulo, em 2006

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dado mais notável é sobre a natureza da autoria dos crimes. Apenas 19,58% dos registros de homicídios são de autoria conhecida: a grande maioria, 76,65%, é de autoria desconhecida. No entanto, 90,36% das ocorrências convertidas em inquérito são de homicídios com autoria conhecida. “Em síntese, todo registro deveria virar investigação, mas há uma seletividade patente centrada nos 10% de conhecidos, ou seja, aqueles cometidos por vizinhos, parentes, colegas de trabalho, amigos de bar etc. Se há flagrante, esse número cresce para 97,64%. A natureza da autoria é um critério de seletividade arraigado na cultura da polícia”, fala Adorno. Se há, por exemplo, suspeita de que existe qualquer relação com tráfico de drogas, cresce ainda mais o risco de o crime não ser investigado. “Os policiais dizem que é muito complexo mexer com isso ou que há um grupo especial para esses casos”, conta o pesquisador. Logo, há um percentual pequeno de homicídios investigados e, veremos, uma condenação quase irrelevante nesses casos. Apenas com flagrante é que as possibilidades aumentam. “O detalhe é que o flagrante é feito pela Polícia Militar, mas quem se encarrega de fazer a investigação é a Polícia Civil. Então temos um flagrante que é aleatório e que vai ser investigado depois por outro grupo. O sistema funciona de maneira frágil e irracional”, diz Adorno. O sociólogo lembra ainda que diante da ausência de um padrão investigativo entre as delegacias, a seletividade é ainda mais arbitrária do que se imagina. “A pesquisa identificou sete grupos de desempenho, variando desde aqueles com baixo registro de homicídios e baixa produção de inquéritos abertos para investigação até aqueles

com elevado volume desses registros e elevada produção de inquéritos.” A investigação policial não parece ser uma prioridade de política institucional da área de segurança pública. “Não se deve confundir o modelo de inquérito policial existente no país com a mera investigação policial, porque aqui se reúnem atribuições próprias à polícia e atribuições que em outros países são feitas com o controle do Ministério Público”, avisa o sociólogo Michel Misse, professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autor de Inquérito policial no Brasil: uma pesquisa empírica (2010). Segundo o professor, com isso, o inquérito brasileiro passa a ser um importante dispositivo de poder nas mãos dos delegados de polícia, uma peça que tende a prevalecer durante todo o processo legal de incriminação. “É o núcleo mais reticente e problemático de resistência à modernização do sistema de justiça brasileiro. Por isso virou também uma peça insubstituível, a chave que abre todas as portas do processo e que poupa trabalho dos demais operadores do processo, os promotores e juízes”, avisa. Para Misse, ele se transforma num dispositivo de seletividade na esfera policial: instaurá-lo ou não pode transformá-lo numa “mercadoria política”. “Se o modelo do inquérito policial adotado no Brasil contribui para a baixa capacidade de resolução judicial dos conflitos e crimes, é certo que também funciona adequadamente para preservar e reproduzir um ‘sistema-arquipélago’ em que saberes concorrentes não se entendem bem”, avalia Misse. O inquérito, segundo o pesquisador, percorre esse arquipélago e dá a ele a aparência de um continente, embora os resultados obtidos sejam nulos e


fotos 1 EDUARDO NICOLAU / AE  2 Carol Carquejeiro/Folhapress

a “degola”, a sujeição criminal extrajudicial, muitas vezes seja a demanda e a solução daqueles que, por não confiarem mais na justiça do Estado, vão em busca da justiça pelas próprias mãos. Para a socióloga Joana Domingues Vargas, professora do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), autora da pesquisa Controle e cerimônia: o inquérito policial em um sistema criminal frouxamente ajustado, o modelo policial atual só se mantém porque os delegados ainda se aferram a velhos instrumentos de inquérito e têm um lobby forte no Congresso para essa permanência. “Há mais de 10 anos tramitam propostas de simplificação e modernização da investigação criminal e outros tópicos semelhantes, sem resultados. O aumento da criminalidade violenta nos últimos 30 anos diminuiu ainda mais a efetividade do sistema de justiça criminal”, nota Joana. São novas modalidades de crimes, um volume crescente de inquéritos policiais e a morosidade crescente no processamento desses que só levam à perda de legitimidade do sistema. “Temos apenas que imaginar a dificuldade que representa a transformação ou a eliminação de instrumentos que reproduzem a ordem social do Brasil, que tem como uma de suas marcas centrais a distância entre os dispositivos previstos na lei pelo Estado e as práticas efetivas que recaem sobre a sociedade, tendo como resultado a desconfiança geral sobre essas práticas.” O antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário de Segurança do Rio de Janeiro e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), autor de Violência política no Rio de Janeiro (1996), observa que, com seus 50 mil homicídios dolosos por ano, o Brasil fica em quinto lugar na América Latina. “Desse total, porém, só 8% são esclarecidos, ainda que não sejam julgados na Justiça, ficando impunes 92%. Isso quer dizer que somos o país da impunidade? Sim e não. Porque temos 540 mil presos, a terceira população carcerária do mundo e a taxa mais veloz de encarceramento do planeta”, analisa. Como explicar essa contradição? “Mais de 65% dos presos, nos últimos quatro anos, são jovens pobres, negros, que não usavam armas, não tinham vínculos com organizações criminosas e foram presos em flagrante por negociarem substâncias ilícitas”, explica o antropólogo, que critica o sistema que prende sem dar condições de retorno dos jovens à vida.

gastamos anos em busca de pastas de processo sem localizá-las, entre outros problemas. Mas, do que encontramos, verificamos que apenas A falta de um terço dos infratores foi senteninvestigação ciado pelo crime de homicídio, tendo os demais destinos o arquivamento de casos do inquérito, impronúncia, absolvição sumária e absolvição”, conta o de autoria sociólogo. Ao contrário do que diz a literatura especializada, as fases desconhecida é judiciais são igualmente sujeitas à fator central destacada seletividade, ainda que mais restritas aos controles procesda impunidade suais penais. Novamente, a não investigação dos casos de autoria desconhecida é o fator central da impunidade: o não esclarecimento foi responsável pelo desfecho de 84,5% dos inquéritos arquivados. A tudo isso se junta uma morosidade penal: esses inquéritos arquivados levaram em média 25,8 meses para serem encerrados. Nos casos em que houve denúncia a fase policial foi concluída em 4,3 meses. Maior o tempo gasto na etapa inicial dos procedimentos policiais, menor a possibilidade de investigação. “O notável é que fatores extralegais ligados às características biográficas de réus/acusados, como cor, não parecem influenciar Detento do presídio modular da as taxas de impunidade. O perfil dos indiciados/ delegacia do bairro réus é muito semelhante entre impronunciados,

de Novo Horizonte, município de Serra, ES, em 2006

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ara Adorno, “em resumo, está na fase policial o maior gargalo para que réus, suspeitos de haverem cometido um homicídio, possam ser processados e julgados de acordo com o devido processo legal”. E quando passamos para a segunda fase, o sistema de justiça, atingimos outro funil. “É praticamente impossível pesquisar no Judiciário brasileiro, porque

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ara o pesquisador, a impunidade é a grande fragilidade do sistema de justiça criminal na sociedade brasileira. “Os alvos aumentaram, bem como a disponibilidade das armas de fogo, mas a capacidade preventiva do sistema não acompanhou essa elevação. Os níveis de impunidade, se não cresceram, permaneceram os mesmos, em patamares elevados. Impunidade entendida como baixo grau de certeza de punição e não propriamente baixa severidade da punição”, observa

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Sapori. Daí a continuidade nos pedidos de maior rigidez e penas, como o debate sobre o rebaixamento da “Muitas vezes maioridade penal. se atribui “Cada sociedade tem que decidir o que são seus ao réu o ônus jovens, se quem está apto a dirigir pode ou não ir de provar sua para uma prisão, mas há muitos equívocos a serem inocência, desfeitos antes de uma demas ele não cisão”, fala Adorno. Um deles é o suposto crescitem os recursos mento da criminalidade dos menores. “O que há, do Estado”, na verdade, é um decréscimo. Aumentou, sim, a diz Adorno crueldade nos crimes cometidos pelos jovens, um fator que precisa ser investigado.” Outro ponto é: para qual prisão serão levados esses adolescentes? “Hoje o PCC domina as prisões e o comportamento dos presos em detalhes. Até mesmo os presos homossexuais são discriminados lá dentro. Quanto mais prisões o governo constrói, mais o PCC lucra com as pensões, vendinhas e o comércio interno e no entorno dessas cadeias. Não basta jogar na cadeia sem pensar como ele vai sair em alguns anos, um ‘soldado’ treinado pelo PCC”, avisa Adorno. Para o pesquisador, mudou a natureza do crime, mas se insiste em oferecer as mesmas respostas, sem levar em conta que há uma nova “ecoFuncionário trabalha, entre as nomia do crime” que opera em coletivos organipilhas de autos zados sob a forma de rede, cuja resposta não se processuais, em um dá apenas pelo desejo obsessivo de lei e ordem dos cartórios do punitiva com mais prisões. “Nem a Justiça, nem Tribunal de Justiça de São Paulo

fotos 1 Bruno Miranda / Folhapress  2 Moacyr Lopes Junior / Folhapress

absolvidos sumariamente, arquivados, comparativamente aos denunciados e aos que foram a júri. As razões para isso não são claras. Em tese, essa descoberta significa dizer que preconceitos e julgamentos valorativos dos operadores técnicos do direito não influenciam as decisões judiciais ou a sentença judicial. Mas na análise qualitativa foi frequente flagrar preconceitos e julgamentos valorativos nos argumentos usados pela acusação e pela defesa”, observa Adorno. “As provas técnicas constantemente estão sujeitas a erros e na maioria dos casos tudo está centrado em evidências e testemunhos orais, embora prevaleça, nos documentos, a lei do silêncio, bem como ao longo de um processo, que chega a durar até cinco anos, muitas testemunhas não são mais encontradas, o que acentua a produção de provas inconsistentes”, fala o pesquisador. Não existe tampouco a previsibilidade esperada em sistemas de justiça que funcionam. “É muito comum se flagrarem retratos morais dos envolvidos, algo de natureza extrajudicial, usados pela defesa e pela acusação, tentando influenciar decisões e sentenças. Também é comum a inversão do ônus da prova: pela lei brasileira, cabe ao Estado provar a culpa dos réus reunindo material sólido comprobatório. Muitas vezes, se atribui ao réu o ônus de provar sua inocência, mas ele não tem os mesmos recursos do Estado.” Para o sociólogo ficou difícil saber se a crença nas instituições de segurança foi abalada, já que, diz, as crenças em todas as instituições parecem quebradas. “Por isso, no centro da segurança deve estar como objetivo a redução da impunidade. Isso não passa pelo aumento do rigor de punir os criminosos, como em geral as pessoas querem, mas no aumento da certeza dessa punição. Não há necessidade de penas mais duras ou mesmo da ampliação da tipologia dos crimes hediondos. Devemos aumentar as chances de um indivíduo que tenha cometido um ato criminoso ser identificado, preso, processado e sentenciado. Condenado, ele deve realmente ir para o sistema prisional”, analisa o sociólogo Flavio Sapori, do Centro de Estudos e Pesquisa em Segurança Pública da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (Cepesp-PUC Minas), autor de Segurança pública no Brasil: desafios e perspectivas (2007).


Números da impunidade Pesquisa mostra os dois gargalos, policial e judicial, responsáveis pelo não funcionamento do sistema (1991-1997) fase judicial

fase policial

Magnitude da impunidade

Autoria dos homicídios 76,65% Desconhecida

60% dos homicídios foram investigados

19,58% Conhecida

Crimes × Investigações

Prosseguimento dos casos 59,11% Geraram abertura de inquérito 90,36% Geraram abertura de inquérito

O não esclarecimento dos casos é responsável por 85,4% dos inquéritos arquivados

Homicídios cresceram 15,51% Inquéritos cresceram 7,48%

40% dos homicídios não foram investigados

Fonte NEV-Cepid/USP

Taxa de esclarecimento de crimes em outros países (2002)

as pessoas estão preparadas para esse tipo de crime. Não se trata mais apenas da questão da arbitrariedade, que deve ser combatida, é claro, mas do que funciona ou não para dar a segurança ao cidadão”, fala o pesquisador.

E 96% Alemanha

95% Canadá

90% Reino Unido

infográfico  ana paula campos

88% Austrália

64% Estados Unidos Fonte NEV-Cepid/USP

m PCC: hegemonia nas prisões e monopólio da violência, lançado no mês passado, a socióloga Camila Nunes Dias, da Universidade Federal do ABC, fruto de seu doutorado, orientado por Adorno, mostra que, no estado de São Paulo, 90% das prisões, num total de 200 mil presos, são controladas pela facção criminosa. Mas o comando está em processo de nacionalização com braços em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, Paraná, Sergipe e Pernambuco. O detalhe importante é que o PCC cresce em paralelo com o aumento da violência, das prisões e, acima de tudo, da impunidade. “Há uma queda notável na taxa de homicídios do estado a partir dos anos 2000, um movimento que começa em 2001 e se acentua a partir de 2005, quando o PCC se expande para além das prisões, se estabelecendo em bairros da periferia, uma verdadeira hegemonia fora do sistema prisional”, explica Camila. Para a pesquisadora, uma queda de 80% na taxa de homicídios não se explicaria apenas por fatores como a expansão do sistema prisional ou aumento da presença de ONGs na periferia, fatores comumente mobilizados para explicar esse fenômeno. “No momento em que o PCC passa a mediar e regular disputas no mundo do crime, em especial no mercado de drogas, o processo de vingança e violência anárquico de antes passa a ser controlado pelo PCC”, nota. O PCC se transforma na instância de mediação que rompe os ciclos de vingança. O mesmo se daria dentro

das prisões, onde cada vez menos há rebeliões, o que não significa melhorias das condições de vida, mas da manutenção da ordem para evitar problemas com o Estado, prova da hegemonia do PCC, razão pela qual não se ouve mais falar em rebeliões. “O mundo do crime teve a capacidade de implementar um dispositivo capaz de oferecer parâmetros de comportamento e de estabelecer operadores de fiscalização e instâncias, experimentadas como legítimas, para julgar e punir os desvios e os desviantes”, analisa Camila. Tudo, é claro, em nome do poder, dos negócios e de uma ideologia de oposição ao Estado. O esforço em bloquear a lógica dos “mata-mata”, que assolaram a periferia durante a década de 1990, a interrupção das cadeias de vingança privadas, motivos da maioria dos homicídios, é um dos significados mais importantes do sentido de justiça implícitos nos debates promovidos para solucionar os conflitos interpessoais no âmbito do poder do PCC, afetando diretamente a queda das taxas de homicídios em São Paulo. Claro que a ordem social pela imposição da paz pelo PCC tem como reverso as zonas de exclusão, nas quais estão os “párias” que não cabem na unidade constituída pela consolidação do poder, nota Camila. Ao mesmo tempo, não se sabe por quanto tempo e em que condições vai durar essa “paz”, totalmente nas mãos dos criminosos. “A percepção da ineficiência das agências estatais na promoção da democracia, por causa da impunidade penal, tem estimulado a adoção de soluções privadas, extremamente violentas, que contribuem para aumentar os sentimentos de insegurança coletiva e a emergência de um poder capaz de controlar, de forma espúria, autoritária e criminosa, os conflitos”, diz Adorno. n pESQUISA FAPESP 209  z  77


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national library of australia


história y

O império no fundo do mar Documentos da Royal Society mostram debate entre Estado e ciência a partir de naufrágio no Brasil

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O quadro Death of a ship, H.M.S. Thetis de Owen Stanley (sem data), a única imagem conhecida do navio

pós ter lido a versão em inglês da matéria Uma incômoda pitada de magia (edição 199 de Pesquisa FAPESP), Keith Moore, diretor dos arquivos da Royal Society, enviou uma mensagem avisando que havia se deparado com documentos sobre o debate iniciado na instituição após o naufrágio da fragata inglesa HMS Thetis em 1830 em Cabo Frio. Para Moore, não se tratava apenas de um caso curioso ocorrido que calhara acontecer no Brasil, mas de um evento que levantava questões importantes sobre o desenvolvimento da ciência da época. Com uma tripulação de 300 homens e armada com 46 canhões, a Thetis voltava para a Inglaterra com US$ 810 mil, em valores da época. Para Moore, era um caso que levantava questões importantes sobre o desenvolvimento da ciência. No desastre, não se perdia apenas o tesouro, mas a crença no funcionamento da rede imperial inglesa, vista como infalível, e se colocava em xeque a capacidade dos ingleses de agir a distância. Era urgente descobrir o que acontecera e a ciência foi chamada a intervir, para entender as causas do naufrágio e, depois, recuperar a fortuna enterrada no fundo do mar. Esse processo está regis-

trado nos documentos das discussões na Royal Society. Para Moore, o grande interesse científico que houve pelo desastre da HMS Thetis está relacionado ao início do movimento de união entre Estado e ciência a partir da questão marítima. Incipiente em início do século XIX, essa ligação seria a base para a expansão imperial britânica do século XX. A história do naufrágio é conhecida, mas a documentação só foi explorada por dois pesquisadores, ambos da Universidade de Londres: Felix Driver, do Royal Holloway, e Luciana Martins, do Birkbeck, autora de O Rio de Janeiro dos viajantes: o olhar britânico (2001). A dupla pesquisou o tema em Shipwreck and salvage in the tropics: the case of the HMS Thetis, 1830-1854, no Journal of Historical Geography. “O estudo da Thetis revela o que acontecia quando a rede de poder e conhecimento se quebrava e de que maneira a ciência foi chamada a reparar e recompor essa estrutura que mantinha em funcionamento o império inglês”, fala Luciana Martins. A pesquisadora brasileira doutorou-se em geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e há 17 anos está radicada em Londres, onde trabalha no Departamento de Estudos Ibero-Americanos no Birkbeck.

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“O interesse pela Thetis vem do encontro com as pinturas a óleo do resgate do tesouro de John Christian Sketchy no National Maritime Museum, em Londres, com lembranças da minha adolescência, quando passava férias em Arraial do Cabo, onde o naufrágio se tornara parte das lendas locais”, conta. Mais tarde viu que as lembranças do passado tinham uma importância para a história da ciência e, com Felix, foi aos arquivos, incluindo-se o Brasil, onde quase não há material. Felizmente, os ingleses demonstraram um interesse muito maior sobre o desastre, como comprovam os documentos que estão na Royal Society, cujos debates começaram poucos meses após o afundamento da fragata. Em abril do ano seguinte ao acidente, o matemático Peter Barlow já perguntava aos fellows da Royal Society, em On the errors in the course of vessels, occasioned by local attraction: with remarks on the recent loss of His Majesty’s Ship Thetis: “Como entender um navio deixando o porto, com todos os auspícios de uma boa vaigem, arrebentar-se num rochedo distante não mais do que 70 milhas do seu ponto de partida e que se suponha estar milhas a leste?”. A fragata naufragara em águas tidas como calmas e conhecidas dos marujos britânicos. Saindo do Rio, o capitão da Thetis estabeleceu erradamente a posição da embarcação em relação a Cabo Frio. Esse engano depois seria atribuído às “atrações locais” magnéticas que teriam afetado a bússola do navio, cujo casco era em boa parte feito de ferro, e levado o comandante ao erro (seja como for, na corte marcial, o capitão foi considerado culpado pelo naufráugio). O vento forte, que aumentou a velocidade do navio, só apressou a tragédia. Em pouco tempo, gritos da gávea avisaram da presença de rochas. O mastro projetado na proa se chocou com a ilha de Cabo Frio e o impacto fez cair os três mastros principais, matando marinheiros e destruindo escaleres. A fragata não afundou, mas o mar jogou o costado contra as rochas. O casco foi se arrebentando e o navio foi sugado para dentro de uma enseada, onde continuou sendo arremessado contra as pedras. Os ingleses escalaram para a terra até que a Thetis cedeu e afundou, deixando um saldo de 30 mortos. O capitão mandou emissários ao Rio para avisar ao comandante da esquadra inglesa na América do Sul. A carga foi 80  z  julho DE 2013

dada como perdida. Num relato submetido à Royal Society em março de 1833, cujo sumário sobreviveu, o capitão Thomas Dickinson, que se voluntariou para recuperar o tesouro, deu sua versão dos fatos. “Segundo ele, houve grande consternação no Rio quando se soube da perda da Thetis com uma carga de US$ 810 mil e o capitão lembra de sua determinação ao ver que ninguém parecia disposto a ir em frente para recuperar a propriedade assim perdida. Ele estava convencido de que os obstáculos e dificuldades eram formidáveis, mas poderiam ser superados com o emprego de meios que imaginou seriam praticáveis naquela ocasião”, diz o document hoje na instituição inglesa.

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ickinson construiu dois sinos de mergulho a partir de tanques de água que tirou de um navio, reforçando-os e colocando janelas de vidro para iluminar o interior, onde havia tochas. Preparou também uma bomba de ar para fornecer oxigênio, que foi impermeabilizada com alcatrão. “Isso deu a ele muito trabalho em face do atraso do trabalho nativo”, observa o document da Royal Society. A Thetis estava afundada no centro da enseada. Dickinson planejou colocar cabos de um penhasco a outro para descer com o sino. “O capitão conta que passou muitas dificuldades por causa da natureza terrível do trabalho, a insalubridade do clima, dos ataques de insetos, da exposição ao tempo nas cabanas de sapé, e Durante as operações pelos perigos dos de resgate, ingleses teriam mergulhos no mar, uma combinação visto “tigres” na praia de terrores que o autor está convencido de que só poderiam ser superados por marinheiros ingleses”, conta o sumário da instituição britânica. Dickinson narra ainda que marujos teriam visto “cinco tigres na praia”. Armados com rifles, os ingleses atiraram O pintor e marinheiro nas sombras e verificaram que se trataJohn Christian va de sea-pigs, capivaras. A “visita” de Schetky retratou em répteis de magnitude assustadora, como Salvage of stores and uma cobra, atemorizaram seu imediato, treasure from HMS Thetis at Cape Frio um homem “incapaz de se apavorar por Brazil, de 1833, o bobagens”, mas a serpente, efetivamente, resgate do tesouro. “mexia com os nervos dos mais fortes”, Pode-se ver o sino de escreveu o comandante inglês. mergulho à direita


Royal Museums Greenwich

Foram necessários vários mergulhos e algumas mortes até que se começasse a recolher a fortuna da Thetis do fundo do mar. Moravam em cabanas numa vila que batizaram de St Thomas e onde o capitão cumpria as obrigações de um britânico temente à pátria, celebrando datas como a Batalha de Trafalgar, da qual ele participara. Preocupado em ser roubado, Dickinson vigiava seus homens, e foi essa uma das razões de ter dispensado um grupo de brasileiros, os “caboclos”, que se juntaram a ele no início do resgate. Ainda assim, os marinheiros inventaram códigos entre os que estavam no fundo e os da superfície, avisando da presença ou não do capitão. Eram turnos de 12 horas sem comida ou descanso. Foram obrigados a remover os detritos que cobriam o naufrágio, incluindo-se corpos e a comida estragada da fragata, cujo gás tóxico quase matou um grupo de resgate.

“Foi um trabalho pioneiro. Ao mesmo tempo que Dickinson usava seu sino em condições extremas do mar revolto, Sir Basil Hall, celebrado viajante e pesquisador inglês, elogiava como ‘maravilha’ uma operação semelhante que se fazia em Portsmouth”, conta Luciana. O resgate da Thetis foi também uma das primeiras ocasiões em que foram feitos desenhos do fundo do mar, com os restos da fragata. “No caso da Thetis se investiu mais na história do seu salvamento do que na da sua perda. Na época, isso foi um tributo à perseverança humana diante do poder devastador da natureza”, dizem Felix e Luciana. “O olhar imperial via nesse processo uma rede mais ou menos coerente pela qual a informação circulava até que finalmente se traduzia num conhecimento estabelecido”, observam os pesquisadores. “O Estado e os cientistas mudaram seu foco das posições coloniais em terra para

as vastas áreas inexploradas dos oceanos, um espaço intelectual fértil de significação comercial e imperial. Com isso, elevaram o status do recém-definido ‘cientista’. Da mesma forma que regulavam e manipulavam o oceano no papel, o Almirantado inglês usava o oceano físico para transportar tropas, riqueza e a cultura britânica para os confins do mundo”, observa o historiador americano Michael Reidy, autor de Tides of history: ocean science and Her Majesty’s navy (University of Chicago). Segundo Reidy, o domínio naval da Inglaterra foi o resultado de uma colaboração estreita entre o Almirantado e a elite científica. Juntos, eles transformaram a imensidão sem dono do oceano numa rede organizada. Nesse processo emergiu, literalmente, o cientista moderno: um dos elos importantes dessa ligação, William Whewell, cunhou o termo “cientista” em 1833, no auge de seus estudos sobre as pESQUISA FAPESP 209  z  81


marés. “A ciência rompeu os limites de um apoio parcimonioso do Estado para ganhar um financiamento bem mais generoso e global para suas pesquisas”, explica o historiador.

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asos como a da Thetis obrigavam o sistema a melhorar sua rede de conhecimento e mostravam que, quando o assunto era mar, quanto maior a relação Estado e ciência, melhor. Os cientistas envolvidos no projeto imperial sabiam que o financiamento dos estudos sobre o mar eram dispendioso e só um país poderoso como a Inglaterra seria capaz de bancá-lo. “O oceano se transformou na área mais fértil de investigação, com fundos do Estado e um grupo internacional de cientistas. Foi o interesse pelo mar que fez com que a ciência virasse uma tarefa global que dependia pesadamente do apoio e da participação do governo. Isso modificou totalmente a maneira de se fazer e pensar ciência”, nota Reidy. O império foi sutilmente transmutado pela ciência e o cientista moderno, por sua vez, foi moldado pela demanda militar por inteligência e controle dos oceanos. “O interesse dos fellows da Royal Society sobre o destino da Thetis deve ser

visto no contexto desses esforços contemporânos de demonstrar a utilidade prática do pensamento científico e nada melhor para isso do que a ciência da navegação”, fala Felix. Em seu Preliminary discourse on the study of natural philosophy (1830), o astrônomo John Hershel retratou o observador científico ideal como sendo um oficial naval bem treinado. A rota de um navio, por sua vez, era como uma espécie de hipótese, baseada em

Desastre quebrou confiança na rede de conhecimento do Império Britânico

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O capitão Dickinson. Na outra página, um desenho do sino de mergulho feito por seu rival, capitão De Roos

observações astronômicas cuidadosas e cálculos matemáticos, testada contra a experiência da chegada a salvo no destino. Se o navio era o instrumento do experimento, seu capitão era o homem de ciências exemplar. “Com a Thetis, ao contrário, a ‘experiência’ de navegação na ausência de pontos de referência falhou, com consequências catastróficas para o capitão e sua tripulação. Nesse contexto, a atribuição de causa e efeito foi inseparável da de responsabilidade e culpa”, observam Felix e Luciana. Para que a rede do império, rompida momentaneamente pelo naufrágio, voltasse a ganhar a confiança geral, era fundamental se compreender, de forma científica, o que acontecera. Uma das respostas se ligava diretamente a um debate dos anos 1820 e 1830, quando autoridades em magnetismo terrestre alertavam para os efeitos magnéticos nas bússolas dos navios por causa da “atração local”. “Os navios de ferro eram testemunhos do poder da ciência no domínio inglês sobre as correntes magnéticas e oceânicas. Mas o destino dessa indústria estava em jogo com os problemas navegacionais que surgiram com o uso do ferro na construção das embarcações, já que o casco dos navios causava alterações nas bússolas, deixando-as pouco confiáveis”, diz a historiadora Alison Winter, da Chicago University, autora de Compasses all awry: the iron ship and the ambiguities of cultural authority in victorian Britain. “Quando os navios começaram a se perder por causa das bússolas, a falta de um meio sólido de corrigi-las ameaçou afundar a credibilidade do público nos cientistas.” Segundo Alison, durante a era vitoriana, o tema das bússolas desorientadas e dos navios perdidos era usado para descrever incerteza espiritual e intelectual e falta de convenções claras e estabelecidas de autoridade. “As mesmas forças magnéticas usadas na navegação serviam para retratar como os líderes exerciam seu poder”, explica a historiadora. A mistura de política e ciência, que dominará o periodo vitoriano, já estava latente no tempo da Thetis e a isso explica por que o Almirantado investiu mais de £ 500 nas pesquisas de Peter Barlow, professor de matemática na Royal Military Academy e membro da Royal Society. Para Barlow, “todo navio carrega em si um mal insidioso”, ou seja, o tal efeito


do ferro sobre as bússolas. Na exposição feita em 1831 à Royal Society, Barlow usou como exemplo “o melancólico naufrágio do navio de Sua Majestade, a Thetis” para discutir essa “questão fundamental” e propôs que essa era a causa do desastre. Afinal, o casco do navio, embora de madeira, tinha grande quantidade de ferro na sua estrutura. “Se não se tomaram as precauções para corrigir as distorções da atração local, não hesito em afirmar que essa omissão foi o suficiente para causar o acidente”, afirma perante a plateia da Royal Society. “Se a ciência pode ser trazida para facilitar o progresso da navegação e contribuir para sua segurança, não se pode permitir que seja negligenciada na Marinha britânica”, completou Barlow.

1 Royal Museums Greenwich  2 Royal Society

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interesse da comunidade científica na Thetis não se restringiu às causas do naufrágio. Como se viu, relatos das operações de salvamento de Dickinson foram lidos na Royal Society, bem como o do capitão De Roos, seu successor nos destroços e o primeiro a remeter um relato aos fellows em 1833. Segundo o sumário da instituição, “o que sobrou do pobre navio foi submetido à grande pressão do mar, como se fosse um martelo e formou uma massa única que mistura madeira, ouro, prata e ferro”. De Roos também conta que “numa ocasião foram visitados por uma enorme baleia, que se aproximou muito do sino de mergulho, mas, por sorte, mudou seu curso”. A troca de comando aconteceu a contragosto de Dickinson, que se viu colocado de lado após todo o seu esforço. Ao final, ambos entenderiam que o oportunismo partiu do comandante da esquadra inglesa no Rio, que queria louros e lucros para si, o que não impediria uma disputa entre os dois dentro da Royal Society em busca de reconhecimento pelo pioneirismo científico do resgate. Dickinson também se queixava de que, além das mazelas físicas, fora obrigado a dar conta de questões políticas no trato com os brasileiros. “Sempre tive medo da inveja do governo brasileiro sobre a nossa permanência na ilha. Fui acusado de interromper a pesca e depois de roubar madeira”, escreveu. A pedidos, a municipalidade de Cabo Frio foi investigar o que fazia o grupo de ingleses em St Thomas. “Quando eles chegaram ficaram embasbacados ao ver uma vila com casas confortáveis.

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Nenhum falava uma palavra de inglês e depois de me encher com mais ‘ilustríssimos’ do que eu podia aguentar me disseram que tinham vindo ali para ver se eu era uma força de invasão.” Dickinson, gabando-se de ter aprendido português a ponto de não ser superado na quantidade de “ilustríssimos”, mostrou a sua “fortificação”, palavra que usa com ironia. Os brasileiros assustaram-se com um barulho que tomaram por um tiro de canhão e o britânico diverte-se ao narrar sua dificuldade em fazê-los entender que se tratava do barulho do jato de ar da bomba do sino de mergulho. Por fim, todos beberam a William IV, a Pedro I e à municipalidade de Cabo Frio. “A ilha, no tempo da Thetis, era uma estação de pesca que desde o século XVI crescia regularmente. Assim, não pro-

cedem as observações de Dickinson de que a vila cresceu graças aos ingleses. Também não é de supreender que uma força militar acampada por 18 meses tenha inquietado o governo brasileiro”, notam Felix e Luciana. Para Dickinson, não havia por que pagar por madeiras e outros materiais, porque tudo na ilha “estava disponível e não se podia considerar propriedade”, reminiscências das fantasias da abundância e disponibilidade tropical. Mas acabaram tendo que pagar um aluguel pelo uso do espaço. Um preço pequeno a pagar pela redenção da falha implícita no naufrágio da Thetis. Embora até hoje não se saiba o que tenha provocado o fim da fragata, foi numa ilha brasileira que a ciência pôde resgatar a autoimagem do império naval britânico. n Carlos Haag pESQUISA FAPESP 209  z  83


obituário y

Vitória da vocação Ex-dirigente comunista, Jacob Gorender contribuiu para a história do período colonial e da luta armada mais recente

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se alistou para lutar na Segunda Guerra Mundial e por sete meses combateu em Apeninos e Monte Castelo, na Itália. Na volta ao Brasil mergulhou de vez na militância. Largou a faculdade, foi para o Rio de Janeiro e se tornou “revolucionário profissional”, como dizia, dedicado às atividades do partido. Entre 1955 e 1957 esteve em Moscou fazendo o curso de formação de quadros. Durante sua estada na Rússia houve o congresso do PC em que surgiram as denúncias sobre os crimes de Stalin e a violenta repressão soviética às reformas da Hungria. Durante o curso conheceu sua futura mulher, Idealina. Com a renúncia de Jânio Quadros e a posse de João Goulart em 1961, a direção do partido, liderada por Luís Carlos Prestes, adotou uma posição conciliadora e colaboracionista com o governo. A ala mais à esquerda, na qual estavam

Mário Alves (esq.), Sara Orenstein e Gorender na redação do Estado da Bahia, em 1942. Na outra página, servindo na Itália durante a Segunda Guerra Mundial (s/d)

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fotos 1 Antônio Gaudério / Folhapress  2 e 3 Acervo familiar

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té ser preso pela ditadura em 1970, Jacob Gorender tinha um perfil profissional fácil de definir: dirigente comunista. Solto dois anos depois, cansado dos 30 anos de lutas incessantes dentro do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), Gorender abraçou de vez sua vocação intelectual. Tornou-se um misto de escritor com historiador, embora jamais tenha terminado a graduação em direito. “Estamos homenageando um intelectual formado e amadurecido fora dos muros de toda e qualquer instituição acadêmica. Caso raríssimo de autodidatismo bem logrado tão mais digno de respeito e admiração por ter sofrido tantos reveses”, disse o professor Alfredo Bosi na reunião da Congregação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP), no dia 20 de junho, ao analisar a trajetória do pensador marxista, morto em 12 de junho aos 90 anos, em São Paulo. Jacob Gorender (1923-2013) nasceu em Salvador, o mais velho dos cinco filhos de um casal de judeus imigrantes pobres – o pai, Nathan, veio da Ucrânia, e a mãe, Anna, da Bessarábia. Aos 17 anos ele já estava trabalhando no jornal soteropolitano O Imparcial como arquivista, depois como repórter e redator. Foi o primeiro de muitos outros jornais nos quais escreveu, boa parte deles ligada ao PCB. Em 1941 começou o curso na Faculdade de Direito de Salvador e no ano seguinte foi recrutado pelo amigo Mário Alves para entrar no partido. Aos 20 anos


Gorender na sua casa, em 1999: obra ganhou reconhecimento

Gorender, Alves, Apolônio de Carvalho e Carlos Marighella, entre outros, criticava os “desvios de direita” da direção e pregava o aprofundamento da luta social e autonomia diante do governo de Goulart. Em 1964 veio o golpe, que ocorreu sem nenhuma resistência. A cisão entre os comunistas cresceu e a oposição à esquerda perdeu a disputa para o grupo prestista em 1966. Um ano depois foi expulsa do partido sem direito de defesa durante o sexto congresso do PCB. Em 1968, Gorender fundou o PCBR com Alves e Apolônio, mas acabou preso e torturado no Presídio Tiradentes, em São Paulo, em 1970. Na cadeia era o mais velho da cela, com 47 anos, cercado por 2 jovens. Decidiu então dar um curso de história do Brasil e fazer palestras sobre questões políticas. Livros

Na prisão, Gorender fez também traduções de obras do francês e do alemão que eram contrabandeadas para fora do presídio por sua mulher e levadas à antiga Abril Cultural, que as publicava. “Logo após sair da cadeia ele continuou fazendo traduções para a editora e minha mãe servia como testa de ferro”, conta a filha Ethel, médica pediatra. Nos anos 1970 e 1980 teve participação importante na série Os Pensadores e coordenou Os Economistas, coleções de livros vendidos em banca com grande sucesso. “Além das traduções, Gorender escreveu duas apresentações notáveis para traduções de livros de Marx: em Para a crítica da economia política e outros textos e outra em O capital, ambas de 1982”, diz Marcelo Ridenti, professor e pesquisador de sociologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Em 1978, Gorender publicou O escravismo colonial (Ática, 1978; Perseu Abramo, 2011), no qual estudou a formação colonial do país. “Havia uma linha tradicional dentro do PCB, defendida por Nelson

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Werneck Sodré, para quem o Brasil tinha um passado feudal, representado pelo latifúndio, com uma economia voltada para dentro do país”, explica Bosi. O país seria apenas um fornecedor de produtos naturais (açúcar, café), o que teria atrasado sua industrialização. A outra tese foi formulada por Caio Prado Júnior, também comunista, e dizia que a produção era toda voltada para a venda no mercado externo. Ou seja, o capitalismo já estaria presente aqui desde o início do século XVI. “Em seu livro, ele abre uma terceira via, que seria mais adequada ao Brasil, Caribe e mesmo ao sul dos Estados Unidos”, diz Bosi. Para Gorender, o sistema não poderia ser chamado de feudal por-

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que era fornecedor e vendedor de produtos. E não poderia ser considerado capitalista porque não era operado por trabalhadores livres. “Sua tese era de que havia um modo próprio de produção escravista dentro da Colônia, o que representou um ganho teórico para a questão”, diz Bosi. A produção dos escravos era vendida, mas não havia contrato social. Para surpresa do autor e da editora, o livro provocou grande polêmica e tornou-se um sucesso entre o público acadêmico. Foi Bosi, então conselheiro da editora Ática, quem recomendou a publicação do livro. Seu segundo livro importante foi Combate nas trevas (Ática, 1987, esgotado). Para Marcelo Ridenti, é o trabalho mais completo sobre o tema até hoje: “Ele uniu seus talentos: o de historiador, de memorialista e de jornalista”. Segundo o jornalista Alípio Freire, um dos jovens que assistiam às aulas de Gorender na prisão, a obra foi precursora no esforço de entender o período da “atomização da esquerda no pós-1964”, especialmente na época da luta armada, de um modo não fragmentado. O pensador marxista escreveu outros seis livros e ganhou o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal da Bahia, em 1994, aos 71 anos. De 1994 a 1996 foi professor visitante no Instituto de Estudos Avançados da USP e na FFLCH. Dentro ou fora da universidade, o velho pensador marxista teve sua obra reconhecida. n PESQUISA FAPESP 209 | 85


memória

Siderurgia na Colônia As tentativas de produzir ferro no Brasil começaram no final do século XVI no interior de São Paulo Neldson Marcolin

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história dos sucessos e fracassos da Real Fábrica de Ferro de Ipanema, um empreendimento siderúrgico realizado no século XIX no Brasil, já foi analisada e contada várias vezes. Hoje se conhecem bem as dificuldades técnicas enfrentadas por suecos e alemães contratados para conseguir produzir ferro em grande quantidade e com qualidade no interior de São Paulo, o que nunca foi alcançado. Nesse período a siderurgia já estava avançada na Europa, onde os altos-fornos eram feitos com base no conhecimento científico acumulado nos últimos séculos. Já as tentativas de produzir ferro antes da Real Fábrica são uma história pouco conhecida. O minério era transformado em ferro por práticos fundidores que trabalhavam em condições precárias no meio da mata, com fornos muito pequenos e dificuldade para distribuir a produção. Muitos práticos em metalurgia e fundição e mineiros especializados em ouro, prata e pedras preciosas foram trazidos ao Brasil em 1598 por dom Francisco de Sousa (1591-1602), o sétimo governador-geral do Brasil. Sousa seguia informações sobre a ocorrência de minérios valiosos em uma região perto da então Vila de São Paulo de Piratininga, no morro de Araçoiaba, a 15 quilômetros do atual município de Iperó. Os trabalhos de exploração

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Ruína da fábrica de ferro em foto de 1987


Vasilhame de cerâmica do século XVI e fragmento de telha do século XVIII, ambos do sítio Afonso Sardinha

Vestígios do forno de fundição (esq.) e ruína da vala destinada à roda hidráulica usada na fábrica (foto de 1988)

Araçoiaba não foi o único lugar de São Paulo a fabricar ferro no século XVII. Na Vila de São Paulo foi aberta a Fábrica de Ferro de Santo Amaro, em 1607, uma sociedade de Diogo Quadros com Francisco Lopes Pinto e Antonio de Souza. Durou alguns anos e fechou. As atividades realizadas do século XVI ao XVIII no interior de São Paulo foram investigadas entre 1983 e 1989 pela arqueóloga Margarida Davina Andreatta, uma das pioneiras da arqueologia histórica no Brasil, segundo Anicleide. A área pesquisada e escavada por Margarida foi encontrada com a ajuda de um pesquisador da história da região, José Monteiro Salazar. Ela identificou o sitio, denominado Afonso Sardinha, e achou escórias, telhas, cerâmica em geral e vestígios de forno e outras construções. Quando Anicleide fez sua tese de doutorado sobre o sítio mandou datar as peças e comprovou que eram do período pesquisado. “Foi o primeiro sítio do século XVI datado em São Paulo”, diz Margarida. Hoje aposentada da USP, ela ainda vai duas vezes por semana ao Museu Paulista e coordena um grupo de arqueologia histórica da Universidade Braz Cubas, de Mogi das Cruzes (SP). n

fotos  coleção arqueologia histórica / museu paulista / usp

no local começaram um ano antes com o bandeirante e comerciante português Afonso Sardinha, esperançoso de encontrar metais nobres no local, de acordo com o historiador Pedro Taques (1714-1777). Em Araçoiaba, no entanto, a abundância do minério de ferro restringia-se à magnetita. A fim de aproveitar o potencial daquela área foram construídos fornos e forjas para fazer barras e peças simples como facas, espadas, ferraduras e cravos. “Os fundidores faziam esse trabalho utilizando o conhecimento prático, sem o entendimento científico dos fenômenos presentes na fundição, especialmente os que ocorrem na combustão dos materiais”, diz a historiadora Anicleide Zequini, especialista no tema do Museu Republicano de Itu, ligado ao Museu

Paulista da Universidade de São Paulo (USP). “Esses fenômenos só foram desvendados durante a chamada revolução científica, entre 1789 e 1848, com o avanço da química e passo a passo com a Revolução Industrial.” A exploração empreendida no morro de Araçoiaba por dom Francisco e Sardinha não durou muito. Na época, o investimento tinha de ser parcialmente ou totalmente feito pelo explorador. Se o capital fosse limitado e o retorno não se desse logo, o investidor ia à bancarrota, como aconteceu com dom Francisco. Suas investidas não surtiram efeito e ele morreu na miséria. Depois houve duas outras iniciativas semelhantes. No século XVII, em 1684, o português Luiz Lopes de Carvalho construiu um engenho de ferro no mesmo lugar. Para conseguir dinheiro ele hipotecou suas propriedades em Portugal, mas faliu em 1682. No século seguinte, em 1763, foi a vez de Domingos Pereira Ferreira tentar. “Ele deve ter sido o último a produzir ferro naquele morro com a ajuda dos fundidores”, diz Anicleide. A Real Fábrica foi erguida apenas em 1810 alguns quilômetros distante daquele local.

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Arte

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Ruptura sem volta resgata obra de Maria Martins, em ampla mostra intitulada Metamorfoses

Maria Hirzsman

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m 1950, Maria Martins (1894-1973) realizou no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP) sua primeira exposição no Brasil. A artista voltava de um longo período de residência no exterior, na qual se deu sua formação e maturação artísticas. Durante os anos 1940 havia se destacado como importante interlocutora dos mestres surrealistas, desenvolvido um trabalho marcado pelo resgate de elementos relativos a mitologias nativas brasileiras e pela deformação crescente e expressiva da figura humana e, ao voltar ao Brasil, rapidamente se engajou no efervescente movimento de criação de instituições como a Bienal de São Paulo. Em poucos anos, sem afinação com as tendências abstrato-geométricas predominantes e com problemas nas mãos que dificultavam a moldagem, ela abandona a escultura pela literatura. A solidez de sua produção e a ampla teia de relações, no entanto, não foram suficientes para garantir-lhe a receptividade que seria natural.

fotos 1 rômulo fialdini 2 a 5 Jaime Acioli  6 Cristina Isidoro

Exposição no MAM


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Cerâmicas industriais esmaltadas, que decoravam a residência particular de Maria Martins, testemunham fascínio da artista pela arte oriental, pelo caráter expressivo de formas humanas e animais e pela experimentação de novas técnicas

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mais intensa com os modelos de representação direta da forma humana, distorcendo-a e fundindo-a com elementos da natureza. Segundo a curadora da mostra, Veronica Stigger, Maria Martins passa então a criar “formas que não se fixam, que estão em constante transformação”. Daí o título da exposição, Metamorfoses. “A ideia2 é mostrar como a desfiguração do humano, nesta obra, é sempre já o início da figuração de outra forma, que se aproxima ora do vegetal, ora do animal”, explica.

De forma um tanto paradoxal, Maria Martins ocupou um lugar de destaque entre as figuras de primeira grandeza da escultura nacional, sem que estudos mais aprofundados ou mostras mais amplas fossem organizados em torno de sua produção. Tal lacuna, que começou a ser preenchida na última década, ganha agora a contribuição de peso da exposição Maria Martins: metamorfoses, que poderá ser visitada entre os dias 11 de junho e 15 de setembro, também no MAM-SP, museu que tem se dedicado nos últimos tempos a revisitar alguns momentos importantes de sua história. A mostra reúne 38 esculturas bem como uma grande quantidade de desenhos, cerâmicas e pinturas e se concentra na fase posterior a 1943, momento de corte em sua produção, a partir da qual propõe uma ruptura sem volta e cada vez

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biografia e curiosidades

Na página ao lado, L’Impossible, 1940 (bronze) À esquerda, Glèbe-ailes, 1944 (bronze)

A pesquisadora, que se dedica a estudar a obra de Maria Martins desde seu pós-doutorado, desenvolvido entre 2006 e 2009, não se debruça sobre a movimentada e fascinante vida mundana e afetiva da artista, deixando as informações biográficas e curiosidades suplementares a cargo de uma série de novos estudos lançados sobre ela na última década (como a biografia escrita por Ana Arruda Callado, de 2004, a monografia de autoria de Graça Ramos, de 2009, ou o alentado livro Maria, lançado pela Cosac Naify em 2010, e que traz inclusive um texto assinado por Veronica Stigger). Maria Martins, mulher ativa, independente, separou-se ainda nos anos 1920, de um marido conservador, por ter tido um caso com ninguém menos que Benito Mussolini. Com seu segundo marido, o embaixador Carlos Martins, percorreu diversos países (como Japão, Equador e Bélgica, onde aprimorou seus estudos artísticos) e manteve uma relação aberta. Seu caso mais intenso e conhecido foi com Marcel Duchamp, que lhe dedica os trabalhos Le paysage fautif e Etant donnés. Outra passagem fascinante de sua PESQUISA FAPESP 209 | 89


trajetória é o fato de ter compartilhado com Piet Mondrian o espaço da Valentine Gallery em sua segunda individual, de 1942. A mostra dela foi um sucesso comercial enquanto Mondrian praticamente não vendeu. A própria Maria comprou na ocasião uma tela, a Broadway boogie-woogie, que doou posteriormente ao MoMA e que é um dos grandes destaques do museu nova-iorquino. encanto e estranhamento

Em vez de estruturar a mostra a partir dessa efervescente biografia, Veronica optou por fechar a investigação sobre a produção mais madura da artista, enfocando principalmente seus desdobramentos formais por pouco mais de uma década. A exposição foi organizada em torno de cinco núcleos, que funcionam como chaves de leitura, sem um critério cronológico rígido. O primeiro deles, intitulado “Trópicos”, trata desse olhar de fora, desse desejo de pertencimento, mesclado de encanto e estranhamento, lançado pela artista sobre a natureza do país que havia deixado há mais de 15 anos e que a artista explicita nos títulos de seus trabalhos. Basta lembrar, por exemplo, da peça Não te esqueças que eu venho dos trópicos, de 1945, que estará na exposição. Curiosamente outros artistas importantes, como Vicente do Rego Monteiro, também forjaram no estrangeiro uma relação de resgate intenso do imaginário e da cultura brasileira. Em seguida vem o núcleo das “Lianas”, no qual se nota um acirramento do processo de flexibilização das formas, que se distorcem em estruturas tentaculares que lembram cipós e galhos, numa espécie de emaranhado. A mostra se encerra com os grupos intitulados “Cantos” e “Esqueletos”, reiterando a tendência à abstração, à busca de dar forma ao informe e à redução da escultura a uma estrutura básica, quase inorgânica. O terceiro núcleo, “Deusas e monstros”, parece concentrar alguns dos aspectos mais rei90 | julho DE 2013

1 Maria Martins em seu ateliê, 1950 2 Hasard hagard, 1947 (bronze)

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fotos 1 reprodução 2 Vicente de Mello/Editora Cosac Naify

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teradamente trabalhados por Maria Martins. Esse título nasce de um poema de sua autoria, intitulado Explicação: “Eu sei que minhas deusas e meus monstros irão sempre parecer sensuais e bárbaros”. Essa citação contempla dois aspectos centrais: o caráter onírico, fantasioso, que a aproxima do universo surrealista, e a forte tensão que ela estabelece entre atração e repulsão, erotismo e agressividade, presente com clareza na obra O impossível, um de seus mais notáveis trabalhos. Tensão que remete a um “espírito torturado”, como afirmou Mário Pedrosa (a quem a obra de Maria Martins não agradou por ser cheia de “brechas” e “inconsistências”) ou a um jogo provocante de ambiguidades, como afirma o crítico francês Stéphane Le Follic, ao constatar que “Maria apreende o tema do corpo feminino riva­lizando em leveza com os cipós, fundindo-se ao vegetal ao ponto de não saber distingui-los ou dizer se isso é plenitude ou tortura”. Com relação ao pertencimento ou não da artista ao movimento surrealista, esta não é uma questão central para Veronica Stigger. Segundo ela, a aproximação de Maria com o grupo não deve ser vista como um alistamento da artista, que detestava os “ismos”, mas como consequência dos profundos laços que estabeleceu, sobretudo em sua estadia norte-americana, com os líderes do movimento, como Max Ernst e André Breton (que escreve vários textos sobre seu trabalho), e da confluência de interesses entre eles. “Me parece que ele (Breton) encontra na obra dela uma relação com a natureza que é cara ao surrealismo”, sintetiza. n


resenhas

O olhar preciso sobre as artes Adriana Kanzepolsky

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Fervor das vanguardas. Arte e literatura na América Latina Jorge Schwartz Companhia das Letras 376 páginas, R$ 66,00

or que o ‘primitivo’, ou as ‘artes primeiras’ […], transforma-se no canto da sereia da modernidade? Por que Paris se converte no centro da produção estética ameríndia de Rego Monteiro, da afro-brasileira de Tarsila do Amaral ou de boa parte da pintura afro-uruguaia de Joaquín Torres García ou asteca de Diego Rivera?”, pergunta Jorge Schwartz em “Rego Monteiro, antropófago?”, um dos 14 ensaios que compõem Fervor das vanguardas. Arte e literatura na América Latina. Acredito que essa pergunta que fala da passagem pela Europa para poder voltar àquilo que é próprio, uma pergunta de índole estética, mas sobretudo política, junto à indagação reiterada acerca da presença de uma proposta utópica, entendida como um valor, nos projetos de escritores como Oswald de Andrade ou Oliverio Girondo, ou de pintores como a própria Tarsila ou Lasar Segall, ou de escritores/pintores como Xul Solar ou Torres García, é o que organiza e inquieta o olhar preciso e detalhado de Schwartz sobre as vanguardas históricas latino-americanas, em particular as brasileiras e rio-platenses. Uma preocupação que encontra respostas de diferentes matizes, mas que ilumina não somente a obra dos artistas das primeiras décadas do século XX, mas principalmente o lugar e a época a partir de onde o crítico escreve e observa. A segunda pergunta da citação fala também não unicamente da necessidade dos vanguardistas latino-americanos de viajar ao “centro” para poder olhar sua própria realidade, mas da elaboração desses ensaios que encontram no deslocamento sua lógica e sua finalidade. Entre a escrita e a pintura, entre o castelhano e o português, entre o Brasil e a Argentina, entre Buenos Aires e São Paulo, especificamente, os ensaios são pensados como uma viagem que cruza e entrecruza mundos que, apesar de próximos, tiveram sempre contatos efêmeros e muitas vezes frustrados, como no caso de Lasar Segall, cuja viagem à capital argentina, planejada várias vezes, acaba não se concretizando; ou a viagem metafórica de Xul Solar, que aposta em criar uma língua – o neocriollo – que reúna o português e o castelhano e termina finalmente inventando um idioma com nuances místicas e apto somente para iniciados; ou a viagem feliz de Horacio Coppola, que chega

ao Brasil para fotografar as esculturas de Aleijadinho e encontra-se com Manuel Bandeira. A viagem aparece já em uma das cenas iniciais deste livro e é reiterada com alguns matizes em um dos três textos que Schwartz dedica justamente ao fotógrafo argentino Horacio Coppola. Destacada pelo próprio crítico como um ponto de virada em sua carreira em direção ao que chama “o estabelecimento de um sistema de equivalências entre palavra e imagem”, a cena que recupera uma recordação pessoal condensa múltiplos sentidos. De viagem por Valencia, onde havia sido convidado para ministrar um curso, Schwartz conta seu espanto ao ver pela janela do ônibus enormes banners que anunciavam “El Buenos Aires de Horacio Coppola”. A surpresa reside na dificuldade de associar o Coppola da exposição com o fotógrafo que na década de 1930 havia publicado duas imagens da capital argentina no Evaristo Carriego de Borges. Embora breve, ou justamente por essa razão, a lembrança imanta. Não apenas porque conserva o encantamento de um momento-chave, mas porque a lembrança presentifica um tipo de olhar educado não exclusivamente na contemplação da arte, mas também atento à cidade, sem a qual é impossível pensar o surgimento das vanguardas históricas. Se, como mencionei, as obras que Schwartz interroga e coloca em diálogo são as de Oswald e Tarsila, Girondo, Lasar Segall, Rego Monteiro, Xul Solar, Horacio Coppola e Torres García, os textos incorporam também outras figuras contemporâneas, em particular a de Jorge Luis Borges, que entra e sai dos ensaios, seja como parceiro de caminhadas de Coppola, seja como o oposto e complemento de Girondo nas imagens de uma Buenos Aires perifericamente moderna. E é Borges que concede a Schwartz a zona mais intensa do título do livro. Fervor, uma palavra que vale tanto para o espanhol como para o português, assinala já previamente ao texto a posição do ensaísta, o entusiasmo que percorre os ensaios; mas não se trata de um fervor cego, e sim de uma inteligência que encontra na pergunta a forma precisa para a leitura. Adriana Kanzepolsky é professora de literatura hispano-americana da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e autora de Un dibujo del mundo: extranjeros en Orígenes (Beatriz Viterbo Editora, 2004) e coorganizadora de Em primeira pessoa. Abordagens de uma teoria da autobiografia (Annablume, 2009).

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conto

Monstros medonhos Vinicius Jatobá

A

deus, grande arte, foi o que Inácio pensou: e logo começou a catapultar monstros verdes por cima da Grande Muralha. Mas antes veio a conversa. E depois a conversa após a conversa. A primeira conversa também foi uma Grande Muralha: ninguém quer ler o que você escreve, disse o célebre editor. E Inácio capitulou, e voltou de metrô até Vicente de Carvalho lendo as notas no manuscrito surrado: rabiscos vermelhos, comentários ferinos. Ao lado de um personagem mecânico três grandes pontos de exclamação. Inácio passou pela banca de jornal. Entrou em casa e entrou direto no quarto e deitou na cama. Estava desolado: se ninguém se interessa pelo mecânico e pelo padeiro e pelo boticário e pela professora de português e pelo policial aposentado, ninguém se interessa por Inácio Reis. Descobriu que Inácio Reis não existia. Saiu na rua e andou até a esquina da Jucari e então seu pai sujo de graxa estava lá no boteco com o tio Frederico e o pai logo disse senta e bebe, e sentou e bebeu, e Inácio abriu seu coração. O pai ficou medindo o tio, o tio encarou o pai, e quando Inácio terminou a trama e a ladainha o pai perguntou e o que você fez com ele depois desse desaforo. E antes de Inácio dizer qualquer coisa tio Frederico foi dizendo que tinha que ter pego o folgado, puxado o cangote do corno e dado muita porrada na cara, e o pai disse com certeza, e depois pegava a caneta vermelha e furava os olhos. Inácio sorriu, mas seguiu triste. E o pai então disse casa sem parede não tem teto filho. E tio Frederico disse muito bonito isso que você disse Jorge mas Inácio vai por mim, dá é porrada nele. Mas aquela recusa do editor célebre era muito para Inácio, que estava velho, que estava cansado, e seus 27 anos pesavam. Nos dias seguintes

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ficou na cama por mais tempo que o necessário, e não conseguia ler. O que leu: o livro de um colega. Nasceu também em Madureira e Vaz Lobo, e tinha um livro. Mas o livro não se passava em Madureira, nem em Vaz Lobo. Quando o avô levava no livro o neto para ver os peixes em Copacabana Inácio reconhecia os peixes do aquário de Madureira. Vermelhos, animados. Eram eles: os peixes de sua infância. Risca onde está escrito Edgard Romero e escreve avenida Atlântica, risca onde está Cine Madureira e escreve Cine Odeon. Risca os nomes todos e vai riscando até furar o papel, até marcar a mesa onde se escreve, até estragar a caneta e sujar de tinta todos os papéis e personagens e estórias. Inácio pegou um caderno novo, o único que não enterrou no fundo do armário. Começou logo a escrever que um homem célebre andava pela Monsenhor Félix de madrugada e de repente era atacado, e cães agitados latiam e latiam tanto que pareciam gargalhar: o homem era vítima do assassino da faca, que cintilava, e atravessava o corpo, e que logo passou na terceira página escrita no caderno a ser uma caneta vermelha. O homem célebre era cegado pela caneta. Depois, o assassino da caneta escrevia contos de mecânicos no corpo gelado das vítimas. Cada corpo de vítima encontrado tinha um personagem diferente escrito na pele: ora estórias de professoras de português, mas também de padeiros, e de boticários. As estórias eram publicadas nos jornais pelo sensacionalismo. O assassino da caneta vermelha finalmente tinha sua obra editada. Mas a raiva do assassino da caneta vermelha era distinta naquela madrugada: sua mão estava esverdeada. Com facilidade arrancou o tampo da cabeça do homem célebre. O cérebro apetitoso e lustroso, e os latidos dos cães eram gemidos


visca

pavorosos de fome, e seres humanos corriam de um lado ao outro fugindo de criaturas asquerosas e vorazes. Uma horda de zumbis. Inácio percorreu correndo as ruas do bairro: metalizadas, cibernéticas, digitais, modernosas, estavam todas sujas de sangue ressecado. Apenas a rua Jucari se mantinha como Inácio a conhece: o terreno baldio, os postes de luz, os muros baixos. Sentado no boteco estava tio Frederico, bebendo. Zumbis chegavam perto e cheiravam o tio e se olhavam confusos. O tio fez um aceno, e Inácio se aproximou. Os zumbis também não se interessaram por Inácio. O tio Frederico logo disse não se preocupe que eles não comem a nossa família porque nós somos os heróis dessa estória que você está escrevendo. Inácio sentou ao lado do tio, e ficou sabendo que estava em Irajá do ano 2389. Tenho certeza que essa merda toda começou, disse o tio Frederico, quando o Alberto da barraca de sanduíche decidiu trocar a maionese. Inácio pensou em terminar a estória, largar o caderno, mas tio Frederico pediu que esperasse um pouco mais. Inácio abriu novamente o caderno e pensou adeus, grande arte. E então um corpo caiu bem no meio da rua Jucari. Os zumbis saltaram sobre o corpo, esfomeados, e logo em seguida mais corpos caíram do céu. Eles vêm lá do outro lado da Grande Muralha que o governo levantou para isolar a Peste Suburbana, Inácio. E o tio contou o que Inácio tinha perdido: quando os zumbis apareceram os cientistas afirmaram que era consequência do gene suburbano. Linhas de trem e de metrô foram implodidas, avenidas

destruídas. A Grande Muralha entre a Zona Sul e o subúrbio levou trinta anos para ser levantada, usando os próprios suburbanos como trabalhadores escravos. E agora todo ser humano da Zona Sul que desenvolvesse manchas verdes no corpo era catapultado por cima da muralha para cá. Esses cientistas são uns merdas, disse o pai do Inácio, chegando na mesa. Onde você estava perguntou o tio Frederico e o pai disse estava lá no banheiro parindo um zumbi. Gargalharam, e até uns zumbis lambendo uma ossada aos nossos pés deram um arroto feliz. A rua estava abarrotada de zumbis, e a chuva de humanos tinha acabado. Cada vez tem menos suburbanos na Zona Sul, disse o tio. Inácio abriu a mochila e tirou dela pistolas e disse vamos livrar o mundo dos zumbis, pai. Vamos sim claro, disse o pai, mas deixa primeiro acabar essa cerveja filho, e aí a gente tira um cochilo, e depois sai por aí salvando o mundo. Seguiram bebendo, e os zumbis começaram a se dissipar, gritando. É um inferno, nunca dormem, ficam gemendo, deve ser muito ruim ser zumbi, disse o pai. Não jogam porrinha, nem sinuca, não sabem mais o que é o Flamengo, é uma tristeza. E o tio Frederico disse vamos é implodir essa Muralha maldita, e levar os zumbis para praia. Eles são tão gente boa. E Inácio deu a primeira gargalhada em dias, e feliz fechou o caderno. Vinicius Jatobá é escritor e crítico literário. Seu primeiro livro de contos, Apenas o vento, será publicado no segundo semestre pela Editora Bateia.

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carreiras

Empreendedorismo  |  Gestão da inovação

Sucesso a curto prazo Intel compra empresa montada por ex-alunos da Unicamp A parceria de Gustavo Svertuzt Barbieri, de 31 anos, e Ulisses Furquim Freire da Silva, de 32 anos, começou em 2004 na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Barbieri cursava engenharia da computação, Freire fazia mestrado em ciência da computação e ambos participavam de um grupo de desenvolvimento de software livre Linux. Freire fez parte por duas vezes do time da Unicamp finalista na olimpíada anual de programação da Association for Computing Machinery (ACM) nos Estados Unidos entre universidades do mundo todo. “É uma competição em equipe em que 94 | julho DE 2013

são apresentados problemas de computação para serem resolvidos em duas etapas, uma sul-americana e a outra mundial”, relata. A participação em congressos e em conferências na área também fazia parte da rotina dos estudantes. Em 2006, eles foram convidados para trabalhar no Instituto Nokia de Tecnologia em Recife (PE), onde ficaram por dois anos desenvolvendo softwares para celulares. “Quando começamos a trabalhar na Nokia aumentou a nossa participação em congressos internacionais, onde apresentávamos trabalhos”, diz Barbieri. Nessas ocasiões, eles perceberam que havia

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oportunidades no mercado, já que frequentemente eram procurados por empresas interessadas em desenvolver softwares. “Após dois anos na Nokia, decidimos montar em 2008 uma empresa para desenvolvimento de softwares

Ulisses Freire (esq.) e Gustavo Barbieri: parceria que deu certo


fotos 1 gustavo barbieri 2 acervo pessoal  ilustraçãO daniel bueno

para sistemas embarcados”, conta Barbieri. Vontade, tempo disponível e experiência, além do indispensável apoio dos pais, foram os motores para a criação da Profusion Embedded Systems, em Campinas. O primeiro cliente, um empresário de São José dos Campos, no interior paulista, foi indicado pelo professor Rodolfo Jardim de Azevedo, que orienta alunos de mestrado e doutorado em ciência da computação na Unicamp. O empresário encomendou um conversor para TV digital, tecnologia que tinha acabado de ser lançada no Brasil. Logo em seguida, a empresa começou a fazer projetos com a Samsung para celulares que envolviam um motor HTML5, utilizado em navegadores da web. Em menos de um ano a Profusion, que começou com quatro funcionários, tinha nove. Ao mesmo tempo surgiu uma demanda da Electrolux para desenvolvimento de módulos de programação – com caderno de receitas, calendário e agenda telefônica – para um painel de controle sensível ao toque. A inovação foi incorporada a um refrigerador de duas portas chamado iKitchen, lançado no Natal de 2010. O projeto foi feito em parceria com a fábrica de Curitiba. “Nós fizemos toda a parte de software e eles a parte de engenharia elétrica e mecânica”, diz Freire. A Intel, multinacional de tecnologia, anunciou em fevereiro deste ano a aquisição da Profusion, a primeira e única, por enquanto, feita pela empresa no Brasil. Na época do anúncio, um dos executivos disse que o grupo de desenvolvedores da empresa, composto por vários ex-alunos da Unicamp, chamou a atenção da Intel nos Estados Unidos. “Eles precisavam de mais força de trabalho, com exclusividade”, diz Freire. “A Profusion foi comprada pela Intel para continuar a fazer o que sempre fez.” Barbieri e Freire continuam na empresa, integrados ao centro global de tecnologia da multinacional, com a mesma equipe e no mesmo local. “O time está aumentando bastante e agora somos 35 pessoas”, diz Barbieri. “A filosofia do centro de tecnologia é bem próxima da nossa filosofia de empresa. Foi um ótimo casamento.”

GESTÃO DA INOVAÇÃO

Conhecimento inquieto José Cláudio Terra criou sua empresa a partir da tese de doutorado “Sou um semiacadêmico”, reconhece o engenheiro e empresário José Cláudio Terra, cuja inquietação causou certo 2 desconforto para os primeiros leitores de sua tese de doutorado, apresentada em 1999, no Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). Ele se lembra de que um dos examinadores perguntou: “Quem é você para propor esse modelo novo de gestão de conhecimento?” e preferia que ele tivesse valorizado mais as visões dos autores consagrados do que as dele próprio. Terra não queria que a tese, sobre gestão pró-ativa do conhecimento nas empresas, ficasse parada nas bibliotecas. Não ficou. Um ano depois saiu na forma de livro. O segundo livro, sobre portais corporativos, ele escreveu quando trabalhou nos Estados Unidos e Canadá, para onde foi atraído pelo monumental crescimento da então incipiente internet. Como as empresas em que estava fecharam, ele voltou ao Brasil e, com base nos modelos de gestão de conhecimento propostos

em sua tese, em 2002 ele abriu sua própria empresa, a TerraForum Consultores, integrando serviços de consultoria, criação, design, vídeo e tecnologia. Como empreendedor apoiado em conhecimento acadêmico, ele tinha em mente, desde o início, que teria depois de vender a empresa. “Demorou 10 anos.” Em 2012 a Globant, multinacional que desenvolve programas de computador para empresas de grande audiência, comprou a TerraForum. Terra continua como diretor-geral, auxiliando na fase de transição. “O que fazemos, em termos estratégicos e operacionais, é mobilizar cérebros para a gestão do conhecimento nas organizações”, ele relata. Isso quer dizer, por exemplo, identificar, valorizar e aplicar o conhecimento estratégico para gerar patentes ou novos produtos. Terra escreve artigos acadêmicos e, mais intensamente, livros – o décimo, Dez dimensões da gestão da inovação, saiu em 2012. “Desde o doutorado, nunca parei de dar aulas em cursos de MBA e de fazer palestras”, ele diz. “Nunca saí totalmente da academia e sempre gostei da liberdade de seguir meus próprios caminhos.” PESQUISA FAPESP 209 | 95


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