Luz

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R$ 9,50

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Pesquisa FAPESP setembro de 2015

n.235

setembro de 2015  www.revistapesquisa.fapesp.br

Plataforma da USP que modela roupas sob medida vence concurso mundial de inovação Ministro da Ciência da Argentina quer ampliar P&D nas empresas Tensão positiva marca relação entre pesquisadores e jornalistas na divulgação científica

Campinas terá o primeiro sistema de reúso de água potável do país Diretor do Fermilab diz que megaprojeto sobre neutrinos é prioridade dos EUA

n.235

Busca por talentos, flexibilidade e internacionalização compõem o sucesso do Impa

Avanços no controle do laser melhoram tecnologia do cotidiano, permitem aplicações médicas e devem moldar a eletrônica do futuro


O que a ciência brasileira produz você encontra aqui

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fotolab

Gota reveladora Uma gotícula de seiva da haste da soja paira na ponta dos estiletes (mandíbula e maxila) de um percevejo (Edessa meditabunda), que foram seccionados. A imagem permite identificar o sítio específico de alimentação do inseto, neste caso os vasos do floema, parte da planta que conduz a seiva e tem pressão positiva. A foto feita pelo doutorando Tiago Lucini confirma os estudos sobre identificação de locais específicos de alimentação de percevejos em tecidos vegetais realizados no Laboratório de Monitoramento Eletrônico EPG da Embrapa Trigo, em Passo Fundo (RS), coordenado por Antônio R. Panizzi.

Foto enviada por Tiago Lucini, doutorando em entomologia da UFPR Se você tiver uma imagem relacionada à sua pesquisa, envie para imagempesquisa@fapesp.br, com resolução de 300 dpi (15 cm de largura) ou com no mínimo 5 MB. Seu trabalho poderá ser selecionado pela revista.

PESQUISA FAPESP 235 | 3


setembro  235

TECNOLOGIA 66 Engenharia sanitária Reúso da água a partir do tratamento de efluentes é alternativa para ajudar no combate à crise de abastecimento 70 Pesquisa empresarial GranBio investe em P&D para superar os desafios da segunda geração de etanol

29 CAPA 16 Avanços na tecnologia do cotidiano dependerão cada vez mais do controle microscópico da luz 20 Inicialmente considerado uma solução à procura de um problema, laser ganha cada vez mais espaço na área da saúde ENTREVISTA 24 Lino Barañao, ministro argentino da Ciência, quer ampliar parcerias com o Brasil e diz que o exemplo de São Paulo pode inspirar empresas de seu país a investir mais em pesquisa

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA 29 Matemática Flexibilidade acadêmica e internacionalização fazem parte da equação de sucesso do Impa 36 Cooperação Simpósios FAPESP Week inspiram pesquisadores paulistas a criar parcerias internacionais de alto nível 40 Colaboração Centro Paulista de Pesquisa em Bioenergia contrata pesquisadores para ampliar base científica na área

74 CIÊNCIA

78 Automação Sistemas computacionais, sensores, lasers e radares garantem a autonomia de carros e caminhões

46 Entrevista Diretor do Fermilab espera que pesquisadores brasileiros participem de megaexperimento sobre neutrinos 50 Físico-química Confinada em nanotubos a -69ºC, água apresenta simultaneamente duas densidades distintas

HUMANIDADES 82 Comunicação Relacionamento entre cientistas e jornalistas melhorou, mas ainda é possível avançar

52 Geomorfologia Análises de grãos de quartzo em planícies fluviais revelam processos recentes de transformação do relevo

86 Ciência política Estudo aponta aumento do desconhecimento sobre o que é o sistema democrático

56 Biologia molecular Pesquisadores brasileiros afirmam que o código genético é similar ao funcionamento do sistema digital

seçÕes

60 Zoologia Cães ajudam a definir áreas de ocorrência de cervídeos farejando fezes para extração do DNA

3 Fotolab 5 Cartas 6 On-line 7 Carta da editora 8 Dados e projetos 9 Boas práticas 10 Estratégias 12 Tecnociência 90 Memória 92 Arte 94 Carreiras 96 Resenhas 99 Classificados

64 Botânica A genética, a fisiologia e a ecologia indicam o que fazer para preservar o faveiro-de-wilson

42 Inovação Plataforma brasileira que fornece moldes de roupas sob medida vence a ImagineCup, da Microsoft foto da capa  léo ramos

74 Astrofísica Universidades e empresa do interior paulista desenvolvem braço mecânico para telescópios que serão instalados no maior observatório de raios gama

42

92


cartas

cartas@fapesp.br

Aviões experimentais CONTATOS Site  No endereço eletrônico www. revistapesquisa.fapesp.br você encontra todos os textos de Pesquisa FAPESP, na íntegra, em português, inglês e espanhol. Também estão disponíveis edições internacionais da revista em inglês, francês e espanhol Opiniões ou sugestões Envie cartas para a redação pelo e-mail cartas@fapesp.br ou para a rua Joaquim Antunes, 727 – 10º andar, CEP 05415-012, São Paulo, SP Assinaturas, renovação e mudança de endereço Envie um e-mail para assinaturaspesquisa@fapesp.br

Excelente a reportagem “Berçário de aviões” (edição 234) sobre as indústrias de pequenas aeronaves. É importante que essas empresas sejam prestigiadas e apoiadas pelas universidades. Entretanto, como ex-coordenador e um dos propositores do curso de engenharia aeronáutica da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP), gostaria de dizer que temos como meta formar projetistas de aeronaves em todos os seus aspectos, e não somente em manutenção de aeronaves como dito no texto. Uma das atribuições do engenheiro aeronáutico é a gerência da manutenção de aviões e damos uma ênfase no nosso currículo de modo que os egressos podem se especializar nessa área tão importante para que a aviação tenha um padrão elevadíssimo de segurança. Fernando Martini Catalano Depto. de Engenharia Aeronáutica/EESC-USP São Carlos, SP

ou ligue para (11) 3087-4237,

Para anunciar Contate Júlio César Ferreira

Rodrigo Scoda

na Mídia Office, pelo

Scoda Aeronáutica Ltda.

e-mail julinho@midiaoffice.com.br,

Ipeúna, SP

ou ligue para (11) 99222-4497 Classificados  Ligue para (11) 3087-4212 ou escreva para publicidade@fapesp.br Edições anteriores Preço atual de capa acrescido do custo de postagem. Peça pelo e-mail clair@fapesp.br Licenciamento de conteúdo

Empresas

Vale a leitura da reportagem “Interação produtiva” (edição 234). Esse é um dos grandes desafios do país. Criar novos e, ao mesmo tempo, consolidar os sistemas de inovação existentes, capazes de articular as universidades com as empresas, os poderes públicos, as agências de financiamento e as organizações sociais. Elias Machado Via Facebook

(11) 3087-4212 ou envie e-mail para mpiliadis@fapesp.br

Bianca Longo

de reprodução de textos e imagens de Pesquisa FAPESP ligue para

Tomaz Puga Leivas Via Facebook

Vídeos

Parabéns ao pesquisador Luiz Domingos Costa pelo trabalho retratado no vídeo Renovação à brasileira (revistapesquisa. fapesp.br/category/multimidia/videos/). Que pesquisa sensacional. Um verdadeiro raio X da nossa história parlamentar. Marino Mirante Via Facebook

O vídeo Renovação à brasileira mostra um estudo interessantíssimo e sério sobre o sistema partidário brasileiro, sobre quem são os senadores e deputados federais. Via Facebook

Muito interessante e instrutivo o vídeo Um zoológico entre as penas. Estudos ou pesquisas como essas deviam ser amplamente divulgados. Se aprendermos a conhecer melhor o ambiente que habitamos, tanto mais saberemos lidar com ele. Consuêlo Ruíz Via Facebook

Fotos

A Galeria de Imagens sobre a coleta de amostras no roteiro de Saint-Hilaire mostrou um excelente trabalho do fotógrafo Eduardo Cesar (revistapesquisa.fapesp.br/2015/08/13/na-trilha-de-saint-hilaire-2/). Parabéns! Mariana P. Massafera

Sobre a reportagem “Interação produtiva”, há aqueles que pensam que qualidade científica significa não ter relação direta com empresas. Pesquisa FAPESP está mostrando que não é bem assim!

Para adquirir os direitos

A respeito da nota “Fraude termina em prisão” (seção Boas práticas, edição 234), deveria ocorrer o mesmo em todo o mundo. Não se brinca com a saúde das populações. Não se fabricam ou adulteram resultados de pesquisas. Deveríamos ser mais rigorosos também aqui no Brasil.

Júlia Barnabé

Gostaríamos de agradecer e também parabenizar Pesquisa FAPESP pela belíssima reportagem “Berçário de aviões”.

de segunda a sexta, das 9h às 19h

Boas práticas

Via Facebook

Via Facebook

Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail cartas@fapesp.br ou para a rua Joaquim Antunes, 727, 10º andar – CEP 05415-012, Pinheiros, São Paulo-SP. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.

PESQUISA FAPESP 235 | 5


on-line

Galeria de imagens

w w w . r e v i s ta p e s q u i s a . f a p e s p. b r

A mais vista do mês no Facebook ESTRATÉGIAS

Familiaridade com a ciência

níveis de letramento científico no brasil em 2015

48% Elementar

42.216 visualizações 221 curtidas 288 compartilhamentos entre 21 e 24 de agosto no perfil de Pesquisa FAPESP

Exclusivo no site x Há algum tempo se sabe que a insuficiência renal crônica, ou perda progressiva da capacidade dos rins de filtrar o sangue — condição que afeta 1 a cada 10 pessoas no Brasil —, pode em alguns casos levar ao desenvolvimento de complicações cognitivas como depressão, perda de memória e demência. Agora, em um estudo publicado na revista PLoS One, um grupo de pesquisadores brasileiros sugere ter identificado os mecanismos envolvidos nesse processo. Em experimentos coordenados pelo farmacologista Cristoforo Scavone, do Laboratório de Neurofarmacologia Molecular no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, eles induziram complicações renais em ratos ao retirar um de seus rins e parte do outro. Os animais foram divididos em dois grupos — um de animais com os dois rins e função renal normal e outro de animais operados —, acompanhados por 120 dias, e submetidos a testes comportamentais e de memória. Os pesquisadores verificaram que o comprometimento da função renal desencadeou inflamações neurais que afetavam o funcionamento do cérebro dos animais. 6 | setembro DE 2015

16% Ausente

31% Básico

5% Proficiente

Rádio Socióloga Marta Arretche fala sobre as desigualdades no Brasil nos últimos 50 anos

Confira no registro fotográfico de Eduardo Cesar a expedição de coleta de amostras em trecho do roteiro feito por Saint-Hilaire em 1822

Vídeos do mês

youtube.com/user/PesquisaFAPESP

Assista ao vídeo:

A relação entre a redemocratização do Brasil e o perfil de parlamentares Assista ao vídeo:

Pesquisadores estudam e descrevem os ácaros de aves


carta da editora fundação de amparo à pesquisa do estado de são Paulo Celso Lafer Presidente Eduardo Moacyr Krieger vice-Presidente Conselho Superior Celso Lafer, Eduardo Moacyr Krieger, fernando ferreira costa, Horácio Lafer Piva, joão grandino rodas, José Goldemberg, Maria José Soares Mendes Giannini, Marilza Vieira Cunha Rudge, José de Souza Martins, Pedro Luiz Barreiros Passos, Suely Vilela Sampaio, Yoshiaki Nakano Conselho Técnico-Administrativo

Financiamento à pesquisa Alexandra Ozorio de Almeida |

diretora de redação

Carlos Henrique de Brito Cruz Diretor Científico Joaquim J. de Camargo Engler Diretor Administrativo

issn 1519-8774

Conselho editorial Carlos Henrique de Brito Cruz (Presidente), Caio Túlio Costa, Eugênio Bucci, Fernando Reinach, José Eduardo Krieger, Luiz Davidovich, Marcelo Knobel, Maria Hermínia Tavares de Almeida, Marisa Lajolo, Maurício Tuffani, Mônica Teixeira comitê científico Luiz Henrique Lopes dos Santos (Presidente), Anamaria Aranha Camargo, Carlos Eduardo Negrão, Celso Lafer, Fabio Kon, Francisco Antônio Bezerra Coutinho, Joaquim J. de Camargo Engler, José Roberto de França Arruda, José Roberto Postali Parra, Lucio Angnes, Marie-Anne Van Sluys, Mário José Abdalla Saad, Paula Montero, Roberto Marcondes Cesar Júnior, Sérgio Robles Reis Queiroz, Wagner Caradori do Amaral, Walter Colli Coordenador científico Luiz Henrique Lopes dos Santos diretora de redação Alexandra Ozorio de Almeida editor-chefe Neldson Marcolin Editores Fabrício Marques (Política), Márcio Ferrari (Humanidades), Marcos de Oliveira (Tecnologia), Ricardo Zorzetto (Ciência); Carlos Fioravanti e Marcos Pivetta (Editores espe­ciais); Bruno de Pierro (Editor-assistente) revisão Daniel Bonomo, Margô Negro arte Mayumi Okuyama (Editora), Ana Paula Campos (Editora de infografia), Maria Cecilia Felli e Alvaro Felippe Jr. (Assistentes) fotógrafos Eduardo Cesar, Léo Ramos Mídias eletrônicas Fabrício Marques (Coordenador) Internet Pesquisa FAPESP online Maria Guimarães (Editora) Rodrigo de Oliveira Andrade (Repórter) Rádio Pesquisa Brasil Biancamaria Binazzi (Produtora) Colaboradores Alexandre Affonso, André Julião, Daniel Bueno, Daniel Kondo, Evanildo da Silveira, Fabio Otubo, Igor Zolnerkevic, José Luiz Goldfarb, José de Souza Martins, Jayne Oliveira, Juliana Sayuri, Mauro de Barros, Negreiros, Pedro Hamdan, Orlando Margarido, Rafael Garcia, Sandro Castelli, Valter Rodrigues, Yuri Vasconcelos É proibida a reprodução total ou parcial de textos e fotos sem prévia autorização Para falar com a redação (11) 3087-4210 cartas@fapesp.br Para anunciar Midia Office - Júlio César Ferreira (11) 99222-4497 julinho@midiaoffice.com.br Classificados: (11) 3087-4212 publicidade@fapesp.br Para assinar (11) 3087-4237 assinaturaspesquisa@fapesp.br Tiragem 42.800 exemplares IMPRESSão Plural Indústria Gráfica distribuição Dinap GESTÃO ADMINISTRATIVA INSTITUTO UNIEMP PESQUISA FAPESP Rua Joaquim Antunes, no 727, 10o andar, CEP 05415-012, Pinheiros, São Paulo-SP FAPESP Rua Pio XI, no 1.500, CEP 05468-901, Alto da Lapa, São Paulo-SP Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia Governo do Estado de São Paulo

E

ste número da Pesquisa FAPESP apresenta três reportagens que oferecem reflexões importantes sobre a organização institucional da ciência no mundo e no Brasil. A escala dos megaprojetos de física de partículas hoje é tal que nenhum país é capaz de financiá-los exclusivamente com os seus recursos. Pela primeira vez, os Estados Unidos se propõem a sediar um projeto internacional bilionário em seu território, com o objetivo do estudo dos neutrinos, misteriosas partículas abundantes no universo. A mudança de posição se deve à percepção de que o país se atrasou na área de física de partículas após a inauguração do Grande Colisor de Hádrons (LHC), que conta com recursos norte-americanos, mas é comandado pela Organização Europeia para Pesquisa Nuclear (Cern). Em entrevista (página 46), o diretor do Fermilab, Nigel Lockyer, explica que, a partir de um relatório produzido por um grupo de especialistas na área, os Estados Unidos decidiram concentrar seus esforços em física de partículas e montar um grande experimento sobre neutrinos. O Deep Underground Neutrino Experiment (Dune), que terá como sede o laboratório de Chicago, busca agora parceiros internacionais, como o Brasil. A busca pela ampliação das fontes de financiamento para pesquisa e desenvolvimento (P&D) motivou o governo da Argentina a procurar novos instrumentos. As parcerias público-privadas são uma das estratégias do país para aumentar a participação das empresas argentinas nas atividades de P&D, que hoje respondem por apenas 24% dos investimentos. Lino Barañao, titular do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação Produtiva desde a criação da pasta, em 2007, ex-

plica em entrevista (página 24) durante visita a São Paulo que a Argentina quer assimilar as boas práticas da iniciativa privada paulista, que considera inovadora, para avançar em projetos com potenciais aplicações a curto e médio prazos. A comparação com um exemplo bem-sucedido e próximo da realidade argentina, defende o ministro, permite mostrar aos empresários de seu país que investir em P&D é rentável. Um exemplo de instituição de pesquisa bem-sucedida que implementou um modelo de financiamento pouco comum no Brasil é o Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). O perfil da instituição (página 29) mostra que o reconhecimento recebido deriva de uma série de fatores, como o alto grau de internacionalização de seu corpo docente e discente e a flexibilidade acadêmica que permite o ingresso na pós-graduação de alunos antes de terem completado o ensino médio. A decisão, tomada no início dos anos 2000, de se tornar uma organização social (OS), isto é, uma pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, ajuda a explicar a condição atual do instituto. A fonte de recursos da instituição é um contrato de gestão estabelecido com o MCTI, mas doações privadas integram seu orçamento anual (entre 2% e 3% do total). Uma das vantagens de ser OS é a autonomia para definir sua própria política de contratação e remuneração de pessoal, que contribui para a atração de bons quadros. Cessão de soberania na liderança de projetos científicos em troca de parceria e cofinanciamento e busca por novos modelos e regimes são algumas das questões complexas das reportagens que compõem esta edição. Boa reflexão. PESQUISA FAPESP 235 | 7


Dados e projetos Temáticos e Jovem Pesquisador recentes Projetos contratados em julho e agosto de 2015 temáticos

 Estudo da corrosão localizada e caracterização da resistência à corrosão associada a fadiga na região de solda em ligas de alumínio de elevada resistência soldadas por fricção (FSW) Pesquisadora responsável: Isolda Costa Instituição: Instituto de Pesquisas Energéticas Nucleares/SDECTSP Processo: 2013/13235-6 Vigência: 01/06/2015 a 31/05/2019  Caracterização e processamento de nanoestruturas semicondutoras e

aplicações como dispositivos Pesquisador responsável: Gilmar Eugenio Marques Instituição: Centro de Ciências Exatas e Tecnologia/UFSCar Processo: 2014/19142-2 Vigência: 01/07/2015 a 30/06/2020

JOVENS PESQUISADORES

 Banco de espermatogônias-tronco em peixes para conservação do genótipo de espécies ameaçadas e de interesse econômico Pesquisador responsável: Rafael Henrique Nobrega Instituição: Instituto de Biociências de Botucatu/Unesp Processo: 2014/07620-7 Vigência: 01/08/2015 a 31/07/2019

 Genômica de paisagens em gradientes latitudinais e ecologia de Anopheles darlingi Pesquisadora responsável: Maria Anice Mureb Sallum Instituição: Faculdade de Saúde Pública/USP Processo: 2014/26229-7 Vigência: 01/08/2015 a 31/07/2019

 Desenvolvimento de metodologias e processos de síntese empregando uma nova plataforma tecnológica: a síntese de produtos naturais e

derivados com potencial atividade farmacológica assistida por micro e mesorreatores contínuos Pesquisador responsável: Julio Cezar Pastre Instituição: Instituto de Química/Unicamp Processo: 2014/26378-2 Vigência: 01/08/2015 a 31/07/2019

 Desenvolvimento de sistemas-modelo em sorgo e uso da biologia de sistemas na elucidação dos mecanismos moleculares do metabolismo fenólico e de lignina em gramíneas Pesquisador responsável: Igor Cesarino Instituição: Instituto de Biociências/USP Processo: 2015/02527-1 Vigência: 01/07/2015 a 30/06/2019

Impacto relativo e colaboração com o exterior Documentos*, porcentagem de documentos com colaboração internacional, impacto relativo** ao mundo e impacto relativo ao mundo das publicações com colaboração internacional*** no período 2004-2014 Universidade

Item

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014

Brasil (total com pelo menos um autor no país)

Documentos

16.258

17.364

19.448

24.158

29.466

31.616

33.192

35.951

38.369

39.856

40.568

USP

Colaboração internacional

31%

31%

30%

27%

25%

25%

26%

27%

28%

30%

33%

Impacto relativo

0,70

0,76

0,72

0,67

0,66

0,65

0,65

0,66

0,69

0,69

0,68

1,07

1,22

1,14

1,13

1,22

1,19

1,21

1,26

1,36

1,29

1,26

Documentos

Impacto relativo col. int.

4.333

4.573

5.104

6.283

7.101

7.569

7.749

8.074

8.514

8.717

8.730

Colaboração internacional

30%

30%

30%

27%

26%

27%

29%

30%

32%

33%

37%

Impacto relativo

0,78

0,88

0,82

0,75

0,76

0,77

0,81

0,78

0,91

0,84

0,84

Impacto relativo col. int.

1,19

1,46

1,33

1,20

1,38

1,37

1,41

1,36

1,73

1,47

1,45

1.186

1.320

1.499

2.024

2.460

2.668

2.749

3.057

3.078

3.195

3.299

Colaboração internacional

21%

20%

21%

18%

18%

18%

19%

23%

24%

25%

28%

Impacto relativo

0,59

0,61

0,62

0,56

0,56

0,58

0,56

0,59

0,74

0,65

0,63

Impacto relativo col. int.

0,91

0,82

1,06

0,93

1,07

1,22

1,16

1,30

1,84

1,36

1,28

Documentos

1.635

1.724

1.961

2.057

2.353

2.348

2.503

2.535

2.749

2.822

2.719

Colaboração internacional

25%

24%

24%

25%

24%

24%

22%

23%

26%

29%

32%

Impacto relativo

0,73

0,73

0,74

0,71

0,67

0,73

0,74

0,77

0,80

0,88

0,95

Documentos

Unesp

Unicamp

Unifesp

UFSCar

Impacto relativo col. int.

1,05

1,10

1,17

1,02

1,09

1,09

1,30

1,38

1,37

1,64

1,67

Documentos

629

674

820

1.146

1.295

1.424

1.573

1.599

1.719

1.766

1.733

Colaboração internacional

28%

28%

28%

24%

21%

23%

22%

25%

25%

27%

27%

Impacto relativo

0,96

0,81

0,86

0,75

0,89

0,76

0,82

0,69

0,93

0,94

0,88

Impacto relativo col. int.

1,89

1,27

1,45

1,36

2,10

1,44

1,66

1,15

2,15

1,99

1,77

Documentos

523

494

514

567

717

747

743

809

893

887

924 32%

Colaboração internacional

23%

21%

20%

22%

20%

22%

24%

23%

24%

27%

Impacto relativo

0,58

0,56

0,60

0,57

0,72

0,75

0,70

0,59

0,74

0,64

0,71

Impacto relativo col. int.

0,65

0,74

0,68

0,70

1,24

1,08

0,92

0,80

1,34

0,99

0,97

Documentos

UFABC

Colaboração internacional

0

1

3

54

160

231

283

375

418

402

351

0%

33%

28%

41%

42%

40%

52%

59%

50%

55%

Impacto relativo

0,57

0,42

1,04

1,39

1,11

1,47

1,73

2,91

1,92

2,26

Impacto relativo col. int.

0,00

0,92

2,13

2,37

1,70

2,41

2,58

4,48

3,13

3,42

Documentos*: são considerados artigos em periódicos, em proceedings, notas e resenhas da base considerada, com pelo menos um autor com endereço no Brasil ou em uma das universidades listadas.  Impacto relativo ao mundo**: é a razão entre o número médio de citações por publicação com pelo menos um autor do país ou universidade e aquele para todas as publicações constantes da base utilizada  Impacto relativo col. int.***: impacto relativo ao mundo das publicações com colaboração internacional  Fonte: InCites (Fapesp), ThomsonReuters, atualização de março de 2015

8 | setembro DE 2015


Boas práticas Um levantamento feito com editores de 174 revistas científicas de várias áreas do conhecimento, todas com fator de impacto elevado, mostrou que 65% delas dispõem de políticas para lidar com retratações de artigos científicos, ou seja, com a desqualificação e o cancelamento de papers publicados em virtude da descoberta de erros ou fraudes. Esse percentual, divulgado em artigo na edição de julho do Journal of the Medical Library Association, é três vezes maior que o registrado numa pesquisa de 2004 com 122 publicações da área biomédica. Segundo os autores do levantamento, é plausível concluir que cresceu o número de revistas com normas para retratação porque seus editores se tornaram mais conscientes da importância de enfrentar o problema. “Isso ajuda a corroborar a hipótese de que o número de retratações de artigos vem crescendo nos últimos 10 anos porque mais publicações adotaram políticas para lidar com elas”, afirma o trabalho assinado por David Resnik e Grace Kissling, ambos do National Institute of Environmental Health Sciences dos Estados Unidos, e Elizabeth Wager, ex-presidente do Committee on Publication Ethics (Cope), fórum de 9 mil editores científicos dedicado à discussão sobre ética na pesquisa. O estudo avaliou a origem das regras adotadas. Na metade dos casos, as políticas foram definidas pelos próprios editores. Em outros 30%, basearam-se parcialmente em recomendações do Cope, que lançou em 2009 orientações sobre o tema. E, para outros 6%, as normas eram integralmente inspiradas em sugestões do Cope. Outras fontes, como o International Committee of

Medical Journal Editors (ICMJE), também foram mencionadas. Entre as revistas com políticas para retratações, 94% permitem que um artigo seja cancelado sem que os autores concordem com a decisão. Da mesma forma, 53% das publicações se permitem publicar declarações de preocupação, que são alertas sobre possíveis irregularidades em um artigo que ainda estão sendo averiguadas, sem autorização dos responsáveis. Segundo os pesquisadores, esse tipo de garantia é importante porque nem sempre os autores concordam com a retratação ou com a investigação e as revistas necessitam de instrumentos para preservar a integridade de seus registros. Entre as que ainda não têm regras para retratações, a maioria é especializada em artigos de revisão, aqueles que compilam e analisam dados da literatura existente, sem divulgar dados inéditos. Segundo os autores, essas publicações não se

daniel bueno

Políticas para retratar artigos

sentem compelidas a criar políticas sobre retratação porque raramente registram casos de falsificação ou fabricação de dados. A recomendação, porém, é que tais revistas também adotem normas para enfrentar o problema. “Elas podem lidar com autores que plagiaram outras publicações”, escreveram os pesquisadores.

Desdobramentos de investigações Há desdobramentos recentes nas investigações sobre um inusitado tipo de fraude, em que o processo de revisão de artigos de algumas editoras foi manipulado por um esquema criminoso (ver Pesquisa FAPESP nº 201). A editora Hindawi, com sede no Cairo, responsável por mais de 400 publicações em acesso aberto, anunciou os resultados de uma auditoria que analisou 57 mil artigos publicados entre 2013 e 2014. Concluiu que 32 papers em biologia molecular e engenharia de computação tiveram a publicação recomendada por revisores que, na verdade, não existiam: perfis e contas de e-mail falsos foram

inseridos nas bases de dados dos periódicos. Segundo comunicado da Hindawi, a fraude foi cometida por três editores: o iraniano Amir Kajbafvala, do Journal of Nanoparticles, o chinês Yuxin Mao, da Mathematical Problems in Engineering, e o sul-coreano Jason J. Jung, do International Journal of Distributed Sensor Networks. Em outro desdobramento, a plataforma BioMedCentral, do Reino Unido, mudou o texto da retratação de um artigo manipulado pelo esquema, publicado na Diagnostic Pathology, alertando que não existem evidências sobre a participação dos autores do paper na fraude. PESQUISA FAPESP 235 | 9


Estratégias Um ministério para a ciência

Goldemberg é o presidente da FAPESP O físico José Goldemberg foi nomeado

Foundation, do Japão, laureou Goldem-

presidente da FAPESP pelo governador

berg com seu prêmio Planeta Azul, por

Estão adiantados

de São Paulo, Geraldo Alckmin, no dia

“ter dado grandes contribuições na for-

os planos para criar

22 de agosto. Professor da Universidade

mulação e implementação de diversas

de São Paulo (USP), Goldemberg, de 87

políticas associadas a melhoras no uso

anos, encabeçou a lista tríplice definida

e na conservação de energia”, com des-

pelo Conselho Superior da Fundação e

taque para um conceito formulado por

encaminhada ao governador em 12 de

ele segundo o qual, para se desenvolver,

agosto, da qual também fizeram parte

os países pobres não precisam repetir

os conselheiros José de Souza Martins e

paradigmas tecnológicos trilhados no

Eduardo Moacyr Krieger. Especialista

passado pelos ricos. Seus trabalhos sobre

em física nuclear e em energia, Goldem-

a sustentabilidade do etanol brasileiro

compartilhado para

berg presidiu a Sociedade Brasileira de

renderam-lhe reconhecimento. Em 2007,

o futuro do Chile”,

Física (1975-1979), a Sociedade Brasi-

a revista Time incluiu seu nome numa

que propõe ações

leira para o Progresso da Ciência (1979-

lista de “heróis do meio ambiente” e, em

para o desenvolvimento

1981) e a Companhia Energética de São

2013, recebeu nos Emirados Árabes o

do país até 2030.

Paulo (1983-1986). Foi reitor da USP

prêmio Zayed de Energia do Futuro. Re-

Entre eles,

(1986-1989) e, no governo federal, se-

centemente, foi agraciado com o Prêmio

sugere-se a criação

cretário do Meio Ambiente e de Ciência

da Fundação Conrado Wessel, categoria

de uma “arquitetura

e Tecnologia e ministro da Educação,

Ciência. Goldemberg substitui Celso La-

institucional” em

entre 1990 e 1992. Ocupou, ainda, a

fer, que presidiu a FAPESP por oito anos,

ciência, tecnologia e

Secretaria Estadual do Meio Ambiente

cujo mandato no Conselho Superior da

inovação capaz de

(2003-2007). Em 2008, a Asahi Glass

Fundação se encerrou em 7 de setembro.

orientar a execução das

um ministério de 1

ciência e tecnologia no Chile. Uma comissão

José Goldemberg: primeiro nome em lista tríplice encaminhada ao governador

criada em janeiro pela presidente Michelle Bachelet apresentou um relatório, intitulado “Um sonho

prioridades nacionais nessa área. Segundo Michelle Bachelet, as

Torre gigante na floresta

recomendações do relatório terão

Foi inaugurado no dia 22

laboratórios do Instituto

regulações sobre política

de agosto o Observatório

Nacional de Pesquisas da

de ambiente e metas

de Torre Alta da

Amazônia (Inpa) e dos

climáticas globais”,

Amazônia (Atto, na sigla

institutos Max Planck de

disse ao site do Inpa

em inglês), estrutura para

Química e Biogeoquímica,

o vice-presidente da

pesquisa científica de

da Alemanha, parceiros

Sociedade Max Planck,

325 metros de altura

do projeto. Mais alto que

Ferdi Schüth.

instalada na Reserva do

a torre Eiffel, em Paris,

alternativas propostas

Uatumã, entre as cidades

o observatório custou

e tomar as decisões

de São Sebastião do

€ 8,4 milhões e é ligado

certas”, afirmou a

Uatumã e Itapiranga,

ao programa Experimento

presidente, de acordo

no Amazonas. Equipada

de Grande Escala da

com o site da Times

com sensores e radares

Biosfera-Atmosfera

Higher Education.

em diferentes alturas,

na Amazônia (LBA).

Ela classificou as

vai coletar dados sobre

A intenção é criar um

sugestões do relatório

gases de efeito estufa,

banco de dados, capaz

como “sólidas”, mas

partículas de aerossóis,

de municiar pesquisas e

afirmou que a criação

propriedades de nuvens

modelos climáticos. “Os

do ministério só será

e transporte de massas

resultados da medição

definida após uma

de ar, entre outros.

estarão disponíveis para

discussão com

As informações serão

os formuladores de

transmitidas para os

políticas desenvolverem

10 | setembro DE 2015

desdobramentos em breve. “Nós queremos cumprir o

Observatório de Torre Alta da Amazônia: dados sobre a floresta intocada

compromisso de criar um ministério para a ciência e a tecnologia. Vamos estudar as

setores da sociedade 2

envolvidos.


Novos rumos na Antártida Um relatório das

sendo realizados no polo

Academias Nacionais de

Sul e nos Andes. Os temas

Ciências, Engenharia e

foram selecionados por

Medicina dos Estados

sua relevância científica

Unidos propôs mudanças

e também pelo possível

na estratégia científica do

impacto social e a

país na Antártida, que

capacidade de atrair

envolve uma comunidade

parceiros, entre os quais

de 450 pesquisadores. O

agências e instituições

estudo foi encomendado

internacionais, disse à

pela National Science

revista Nature a

Foundation (NSF), que

glaciologista Robin Bell,

investe US$ 70 milhões

pesquisadora da

por ano em projetos de

Universidade Colúmbia e

pesquisa e US$ 255

uma das responsáveis

O governo do estado de

também é secretário

milhões em infraestrutura

pelo documento. Em

São Paulo vai introduzir

de Desenvolvimento

e logística no continente

tempos de orçamentos

na estrutura de suas

Econômico, Ciência,

gelado. Em linhas gerais,

enxutos, projetos muito

secretarias a figura

Tecnologia e Inovação,

sugere a manutenção

dispendiosos foram

do cientista-chefe,

é fruto de uma visita

da linha de pesquisa

desaconselhados, tais

responsável por

feita por ele à FAPESP

que atende à demanda

como a segunda geração

fornecer dados e

em março. Na ocasião

espontânea dos

do IceCube, rede de

conselhos baseados no

o presidente da

pesquisadores. Mas

detectores subterrâneos

conhecimento científico.

Fundação, Celso Lafer,

advoga a criação de três

instalados perto do polo

O anúncio foi feito pelo

lembrou a experiência de

novas linhas para induzir

Sul voltada para

vice-governador Márcio

países como Reino Unido

estudos em mudanças

observação de neutrinos,

França, na abertura

e Israel, cujos governos

climáticas, com ênfase na

partículas produzidas em

do Fórum do Conselho

têm essa função em

perda da massa de gelo;

explosões estelares.

Nacional das

seus organogramas,

em genômica, a fim de

Segundo o relatório,

Fundações Estaduais

e do Departamento de

ampliar o conhecimento

os gastos em logística

de Amparo à Pesquisa

Estado norte-americano.

sobre as espécies da

de um novo IceCube

(Confap), sediado na

“É preciso estabelecer

região; e no estudo de

poderiam inviabilizar

FAPESP nos dias 27 e

a parceria entre a

raios cósmicos, por meio

o apoio a outros

28 de agosto. A proposta,

pesquisa e a política”,

de experimentos que vêm

projetos importantes.

segundo França, que

disse França. A proposta,

Voz da ciência nas secretarias

Pesquisador da Universidade de Rochester mede testemunho de gelo do glaciar Taylor

fotos 1 léo ramos 2 inpa  3 Vassili Petrenko / Rochester University  ilustraçãO  daniel bueno

afirmou o vicegovernador, está sendo detalhada em conjunto com a FAPESP. “A intenção é levar a ciência a contribuir para o governo”, disse à Agência FAPESP o diretor científico da Fundação, Carlos Henrique de Brito Cruz. “Durante tanto tempo se falou em interação entre a universidade e a empresa. A interação da universidade com o governo é igualmente meritória. A ciência e os cientistas podem ajudar a empresa e o governo a serem 3

melhores.” PESQUISA FAPESP 235 | 11


Tecnociência O tremor que ergueu o Pó

1

Gueragama sulamericana: primeiro lagarto do grupo dos acrodontes encontrado na América do Sul

Lagarto de 80 milhões de anos

Em 17 de novembro de

papal – hoje Ferrara

1570, um terremoto

é uma cidade industrial.

de magnitude 5,8

Os tremores de 1570

ocorreu próximo à

foram o último estágio

cidade de Ferrara, no

do processo tectônico

norte da Itália. Esse

que ao longo de

tremor e os outros que o

milhares de anos alterou

sucederam nos dias

o curso do rio Pó.

seguintes foram

A falha geológica que

determinantes para

originou os terremotos

alterar o curso final do

daquela época, e

rio Pó, o maior do país,

também outros ocorridos

e deixar a cidade sem

posteriormente, está na

água. Os geólogos

porção norte dos

Livio Sirovich e Franco

Apeninos, a cadeia

Pettenati, do Instituto

montanhosa que nasce

Nacional de Oceanografia

ao sul do vale do Pó e

Pedaços fossilizados,

no Canadá, e do

e Geofísica Experimental

atravessa a Itália rumo

mas muito bem

Contestado, em Santa

da Itália, usaram dados

ao sul. A sequência de

preservados, de uma

Catarina, e do Museu

históricos e técnicas

tremores de 1570 elevou

mandíbula pré-histórica

Nacional da Universidade

modernas de modelagem

em 15 centímetros o

encontrados no

Federal do Rio de Janeiro

para identificar a origem

terreno na porção sul do

município de Cruzeiro do

(UFRJ), sugere que a

do tremor principal.

vale do Pó, deslocando o

Oeste, no noroeste do

dispersão desse grupo de

Segundo eles, o tremor

curso do rio 40

Paraná, estão ajudando

répteis pelo hemisfério

teria sido gerado nas

quilômetros para o norte

pesquisadores brasileiros

Sul se deu muito antes

proximidades de uma

nessa região (Journal of

e canadenses a entender

do que se imaginava

falha geológica localizada

Geophysical Research-

melhor a origem na

e que os acrodontes

aproximadamente a

Solid Earth, no prelo). À

América do Sul da fauna

alcançaram uma

14 quilômetros a

época, o papa Pio V teria

dos lagartos iguanídeos,

distribuição em escala

noroeste de Ferrara,

dito que Deus enviara o

que contabilizam mais

global antes da Era

um importante centro

terremoto para punir o

de 1.700 espécies vivas,

Cenozoica, período que

cultural durante o

duque da cidade, que

sem contar as extintas.

compreende os últimos

Renascimento que

havia acolhido judeus e

De acordo com os

66 milhões de anos.

entrou em declínio após

cristãos novos fugidos

pesquisadores, a nova

“A espécie vivia

ser integrado ao estado

da Espanha.

espécie, batizada de

provavelmente em tocas

Gueragama sulamericana,

para evitar as altas

habitou o sul do Brasil

temperaturas durante

há aproximadamente

parte do dia, como fazem

80 milhões de anos

atualmente os lagartos

(Nature Communications,

acrodontes de hábitat

26 de agosto). Análises

semelhante no norte

indicam que o lagarto

da África e do

pertenceu a um grupo

Oriente Médio”, diz o

chamado acrodonte,

paleontólogo brasileiro

encontrado até então

Tiago Rodrigues Simões,

apenas na Ásia, África

aluno de doutorado na

e Europa. A descoberta

Universidade de Alberta

do G. sulamericana

e principal autor do

por pesquisadores das

estudo sobre o novo fóssil

universidades de Alberta,

de acrodonte.

12 | setembro DE 2015

Mapa antigo do Pó: em Ferrara curso do rio deslocou-se 40 km ao norte em razão de tremores ocorridos em 1570

2


O peso da comida ultraprocessada Um estudo recente do Núcleo de Pes-

produzidos pela indústria de alimentos

madas a ingerir esse tipo de alimento.

quisas Epidemiológicas em Nutrição e

(Preventive Medicine, julho 2015). Ao

Os mais adeptos da comida pronta tam-

Saúde da Universidade de São Paulo

dividir e analisar a amostra total em gru-

bém apresentaram riscos, do ponto de

(Nupens-USP), feito a partir de dados

pos menores, separados pela quantida-

vista estatístico, significativamente maio-

fornecidos por 30.243 brasileiros com

de de alimentos processados consumidos,

res de serem obesos ou de estar ao me-

mais de 10 anos durante o Inquérito Na-

os pesquisadores verificaram que os

nos com sobrepeso. Segundo o trabalho,

cional de Alimentação entre 2008 e

indivíduos adeptos de uma dieta rica em

as comidas industrializadas, fabricadas

2009, mostra que 30% da energia obtida

produtos industrializados – aqueles que

a partir do processamento posterior de

(na forma de comida) pelos entrevistados

retiravam ao menos 44% de sua energia

constituintes dos alimentos ou por meio

vinha de produtos altamente processa-

de comidas prontas para comer – tinham

de síntese química, tendem a ser agra-

dos, como pães, pizzas, hambúrgueres,

índices mais elevados de massa corporal

dáveis ao paladar das pessoas e a esti-

bebidas adoçadas, doces e bolachas

em relação às pessoas menos acostu-

mular seu consumo excessivo.

fotos 1 J. Csotonyi 2 ogs  3 Leon Brooks / wikimedia commons  4 Airbus

Candidato a Concorde 2

Alimentos ultraprocessados: tendência a ganhar peso

De Londres a Nova York

o candidato a avião

em uma hora, seis a

futurista tem sido

menos do que costuma

chamado, poderia ser

durar a viagem hoje

usado, se apenas para

nos jatos comerciais.

ligar mais rapidamente

Essa seria a incrível

as cidades do globo ou

performance de um

também para fazer

avião supersônico,

turismo espacial. De

capaz de atingir a

acordo com o projeto, a

velocidade máxima

aeronave seria equipada

de 5.500 quilômetros

com três tipos diferentes

por hora (km/h), voar

de motor, inclusive

a uma altitude de

foguetes. Os propulsores

O surto de sarampo

Europa, segundo artigo

30 quilômetros –

permitiriam que o jato

registrado entre

recém-publicado por

três vezes maior do

decolasse na vertical,

dezembro de 2013 e

pesquisadores da

que a normalmente

como um ônibus

dezembro de 2014 no

Universidade Federal

empregada pela geração

espacial, quebrasse

Ceará, que contabilizou

do Ceará (Emerging

atual de aeronaves de

a velocidade do som

681 casos da doença,

Infectious Diseases,

linha – e carregar

(1.236 km/h) e atingisse

foi provocado

9 de setembro).

apenas 20 passageiros.

ritmo de cruzeiro. A

possivelmente por uma

Análises filogenéticas da

Os detalhes do projeto

Airbus não disse se

variedade do vírus da

população do vírus que

de construção desse

pretende lançar o avião.

doença importada da

causou o ressurgimento

3

Vírus da Europa para o Ceará

Desenho do candidato a Concorde 2: três tipos de motor e velocidade máxima de 5.500 km/h

possível sucessor do

da doença no estado

finado Concorde,

mostram que a única

que viajava a pouco

cepa identificada do

mais de 2 mil km/h,

patógeno, a D8, é a

foram divulgados

mesma em circulação

no mês passado, após

no Velho Mundo. Desde

a fabricante europeia

2000, o sarampo não

Airbus ter obtido uma

era mais considerado

patente nos Estados

endêmico no Brasil,

Unidos que lhe

em grande parte devido

assegura a propriedade

à inclusão da vacina

intelectual desse tipo

tríplice-viral no

de avião-conceito.

calendário básico de

Ainda não se sabe para

imunização de crianças de até 1 ano de idade em

que tipo de viagem o Concorde 2, como

4

todo o país. PESQUISA FAPESP 235 | 13


fotos 1 Luciano Marra / Wikimedia Commons 2 aeb  3 reprodução  4 bernard gomez

Conversa de sagui Não é novidade para

quando se comunicavam

quem já acompanhou o

com os adultos.

desenvolvimento de um

Monitoraram um som

bebê: a fala surge com

específico, chamado

sons aleatórios e

de “fi”, parecido com

aparentemente sem

um assobio e usado em

sentido que, aos poucos,

várias circunstâncias

se associam a algum

da comunicação de

propósito. Nos

indivíduos dessa espécie.

seres humanos, o

Os “fi”, nesse caso,

amadurecimento da

eram sons emitidos pelos

capacidade de se

filhotes em situações

comunicar nos primeiros

nas quais um bebê

meses de vida depende

humano choraria.

da interação do bebê com

Os cientistas queriam

os pais – algo único entre

ver se a capacidade de

os primatas. Agora, uma

comunicação dos

equipe da Universidade

filhotes evoluía do choro

de Princeton, com a

genérico às vocalizações

participação do médico e

mais específicas,

neurocientista brasileiro

semelhante ao

Daniel Takahashi,

observado em seres

demonstrou que os

humanos. Nos testes, os

filhotes de sagui-de-tufo-

filhotes eram colocados

1

Sagui-de-tufo-branco: vocalização melhora quando filhotes interagem com os país

Serpens chega à ISS O nanossatélite Serpens,

– faz parte do projeto

desenvolvido pela

Sistema Espacial para

uns aos outros, mas não

Agência Espacial

Realização de Pesquisas

sua capacidade de se

ver. Os pesquisadores

Brasileira (AEB) em

e Experimentos com

comunicar ao interagir

verificaram que o tipo de

parceria com

Nanossatélites,

com os pais (Science,

vocalização dos saguis

universidades e

financiado pela AEB.

14 de agosto). No estudo,

se alterava de forma

institutos de pesquisa

Em órbita, o dispositivo

os pesquisadores

considerável no período

federais, chegou no dia

testará conceitos

analisaram as emissões

inicial após o parto.

24 de agosto à Estação

básicos de missões

vocais de 10 filhotes de

Mas o desenvolvimento

Espacial Internacional

espaciais, recebendo,

sagui-de-tufo-branco

era mais rápido

(ISS, na sigla em inglês),

armazenando e

do primeiro dia de vida

quando interagiam

plataforma que fica

retransmitindo

até os 2 meses de idade,

mais com os pais.

na órbita da Terra a

mensagens por meio

uma altura de 370

de um sistema de

quilômetros. O satélite,

comunicação na

no qual foram gastos

frequência de

R$ 800 mil, havia sido

radioamador. Ele será,

acoplado à cápsula

assim, capaz de trocar

japonesa HTV5 e

mensagens com outras

lançado ao espaço a

estações espalhadas

partir de Tsukuba, no

pelo mundo. Dessa

Japão, cinco dias antes,

forma, os dados

em 19 de agosto.

armazenados no

O próximo passo

satélite podem ser

agora, segundo a AEB,

recuperados em vários

será colocá-lo em

locais do planeta,

órbita, o que deverá

não apenas pelas

acontecer entre

universidades

setembro e outubro

envolvidas, mas também

deste ano. O satélite de

pela comunidade com

pequeno porte – mede

acesso a estações de

10 x 10 x 30 centímetros

radioamador.

-branco (Callithrix jacchus), em áreas longe dos pais. originários do Brasil,

Assim, podiam ouvir

também aprimoram

Nanossatélite Serpens: chegada à estação espacial

2

14 | setembro DE 2015


Suspense no cérebro Os momentos de maior

periférico do sulco

tensão dos filmes não

calcarino pode diminuir

fazem apenas as mãos

e a atividade das áreas

suarem e o coração

centrais aumentar,

disparar. De acordo com

estreitando o foco visual,

um estudo realizado

ampliando a atenção

por pesquisadores do

em informações críticas

Instituto de Tecnologia

e ignorando as que

da Geórgia, Estados

parecem menos

demais, de Alfred

Unidos, ocorrem

relevantes. Nas cenas

Hitchcock. Para avaliar a

alterações, agora mais

mais calmas, a atenção

atenção periférica, foi

evidentes, no cérebro,

periférica aumentava.

usado um tabuleiro de

principalmente em uma

Os pesquisadores

xadrez piscando nas

área chamada sulco

analisaram, por meio de

bordas da tela em que o

calcarino, a primeira a

imagens por ressonância

filme era exibido. Nos

processar informações

magnética funcional, a

momentos mais tensos

visuais (Neuroscience,

atividade cerebral de 23

dos filmes, o cérebro

associada à anemia

setembro). Nos

pessoas, que assistiram

estreitou a atenção das

falciforme, um

momentos de suspense

a cenas de 10 filmes

pessoas, orientando-as

grupo de pesquisadores

intenso, a atividade

de suspense, incluindo

para o centro da tela e

da Universidade

neural nas áreas de

Intriga internacional e

para a narrativa, sem

Federal da Bahia (UFBA),

processamento visual

O homem que sabia

dar atenção ao tabuleiro.

da Universidade de

3

Cena de Intriga internacional: ativação do sulco calcarino, primeira área do cérebro a processar informações visuais

Células para o fêmur Em um ensaio clínico feito com 89 pessoas com necrose de fêmur

São Paulo (USP) e da Faculdade de Medicina de Petrópolis conseguiu impedir a progressão

Primeira planta com flor do mundo

da degeneração e reduzir as dores ao injetar próximo à cabeça desse osso uma mistura de

Análises detalhadas de mais de mil fós-

células-tronco extraídas

seis de vegetais sugerem que a Montse-

dos próprios pacientes.

chia vidalii, uma espécie de água doce

No experimento, o

identificada há mais de 100 anos na Es-

grupo coordenado pelo

panha, seja a mais antiga planta com flor

ortopedista Gildasio

do mundo, arrebatando o título das mãos

Daltro, da UFBA,

de outra planta antiga, a Archaefructus

implantou na articulação

sinensis, descoberta a partir de fósseis

do fêmur com o quadril

de 125 de milhões de anos encontrados

células-tronco da medula

na província de Liaoning, na China. Em

óssea enriquecidas

laboratório, um grupo de pesquisadores

4

da Universidade de Indiana, nos Estados

com células precursoras do tecido ósseo e

Unidos, dissolveu o calcário de todos os

17 de agosto). Ao que tudo indica, a M.

exemplares. Em seguida, branquearam

vidalii não tinha raízes ou sequer pétalas.

cuidadosamente as cutículas, o filme

As folhas, segundo os pesquisadores,

protetor que cobre as folhas, de cada

dispunham-se ao longo do eixo em es-

planta com uma mistura de ácido nítrico

piral ou opostas umas às outras. Delas

e clorato de potássio. As amostras, então,

brotavam pequenas flores, cada uma

foram examinadas em microscópios. A

com uma semente. “Essa descoberta

planta, de cerca de 130 milhões de anos,

levanta questões importantes sobre a

sentiram menos dor

compunha, ao lado dos dinossauros, a

história evolutiva das plantas com flores,

(Stem Cell Research and

paisagem da região central da Espanha

bem como sobre o papel dessas plantas

Therapy, maio de 2015).

e dos Pireneus, próxima à França, no

na evolução de outras formas de vida

Ainda são necessários

período Cretáceo, crescendo abundan-

vegetal e animal”, diz o paleobotânico

mais estudos para testar

temente em lagos de água doce (PNAS,

David Dilcher, principal autor do estudo.

a eficácia prolongada

acompanhou os participantes por um Fóssil de Montsechia vidalii: flores há 130 milhões de anos

período que variou de um a cinco anos. Em todos os casos o problema estabilizou-se e 96% dos participantes

do procedimento. PESQUISA FAPESP 235 | 15


capa

Onda, partícula e laser O avanço da compreensão da natureza da luz através dos tempos Antiguidade

idade Média

500-300 a.C.

300-200 a.C.

Cerca de 1120

1200-1300

Pitágoras, Platão e outros

Euclides e Ptolomeu

O filósofo árabe Ibn al-Haytham, conhecido no Ocidente

Roger Bacon e

sábios gregos não distinguiam

descreveram os

como Alhazen, publica o Livro de óptica, obra em que

outros estudam

visão e luz. Empédocles dizia

fenômenos da reflexão

combina técnicas experimentais e geometria e formula

propriedades das

que olhos emitiam tentáculos

e da refração com

as leis da refração. Contesta Empédocles ao mostrar

lentes e seu

de fogo. Já para Leucipo a luz

auxílio da geometria

que a luz penetrava nos olhos. Fez experimentos com

uso para corrigir

era feita de partículas

assumindo que a luz

lentes, estudando também o fenômeno da dispersão da

problemas de visão,

emitidas pelos objetos

viaja em linha reta

luz, que acreditava ser formada por partículas

como a miopia

16 | setembro DE 2015


Avanços na tecnologia do cotidiano dependerão cada vez mais do controle microscópico da luz |

Igor Zolnerkevic

E

m uma década, computadores, tablets e celulares sofrerão uma transformação invisível, movida a luz. Na aparência, não deverão ser muito diferentes. Mas seu funcionamento será mais rápido e consumirá menos energia elétrica graças a um novo conjunto de tecnologias para manipular a luz na escala microscópica. Novas tecnologias já estão permitindo a construção dos chamados chips nanofotônicos de silício. Assim como os chips de silício convencionais, os nanofotônicos são feitos de peças eletrônicas microscópicas. A diferença crucial é que, em vez de serem integrados por circuitos de fios metálicos, responsáveis por transmitir os sinais elétricos, os componentes do novo chip se comunicam por meio de sinais de luz, mais especificamente laser. A vantagem dos sinais luminosos sobre os elétricos é transportar mais informação mais rapidamente. Nos chips nanofotônicos, a troca de informações deve ocorrer quase sem a conversão de energia elétrica em calor. Chips com elementos nanofotônicos já fazem parte dos programas de pesquisa de multinacionais da área de eletrônica e existem em protótipo. Quando estiverem prontos para serem comercializados, deverão beneficiar, no início, supercomputadores dos principais centros de dados do mundo. “Há ainda problemas de física básica e de engenharia para resolver”, afirma Gustavo Wiederhecker, físico da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que estuda a interação da luz com materiais nanométricos. “Mas, em algum momento, o custo de produção vai baixar e a nanofotônica poderá entrar no cotidiano das pessoas.” “Os avanços recentes da nanofotônica são impressionantes, mas nada disso é tão revolucionário quanto o laser”, explica Paulo Nussenzveig, físico da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em óptica quântica. Nussenzveig colabora desde 2012 com a equipe da física Michal Lipson na Universidade Colúmbia, Estados Unidos, tentando explorar fenômenos quânticos da luz em chips nanofotônicos. No ano passado, o grupo publicou um artigo na revista Nature Photonics demonstrando como um efeito magnético quântico poderia ser usado para guiar a luz por um canal microscópico em um chip de silício. “O laser foi a mudança de paradigma que permitiu o desenvolvi-

Um futuro

eduardo cesar

brilhante

idade Moderna

Idade Contemporânea

1690

1704

1800

1804

1865

Christiaan Huygens

Em Opticks, Isaac Newton

William Herschel

Thomas Young

Ao sintezar as leis da eletricidade

descreve

descreve a luz como

descobre a luz

demonstra a

e do magnetismo em quatro

matematicamente a

partícula e explica sua

infravermelha.

interferência da luz ao

equações, James Clerk Maxwell

luz como ondas se

separação em cores ao

No ano seguinte,

fazê-la passar por

conclui que campos elétricos e

propagando em um meio

atravessar um prisma por

Johann Ritter

duas fendas paralelas,

magnéticos podem oscilar no

material, explicando

diferenças na massa e na

identifica a luz

fenômeno explicável

vácuo e se propagar como onda

reflexão e refração

velocidade das partículas

ultravioleta

se a luz for por ondas

à velocidade da luz PESQUISA FAPESP 235 | 17


mento de todas as tecnologias que o seguiram”, diz Nussenzveig, que em julho deste ano abordou os avanços recentes em sua área no workshop Light: Life & Science, realizado em São Carlos, interior de São Paulo, para celebrar o Ano Internacional da Luz, uma iniciativa da Organização das Nações Unidas para aumentar a consciência das pessoas sobre a importância da fotônica, a ciência e tecnologia do controle da luz, que permitiu a invenção do laser e das fibras ópticas que hoje conectam computadores mundo afora (ver a linha do tempo na pág. 16). Luz concentrada

A invenção do laser só foi possível graças ao fim do debate histórico sobre a verdadeira natureza física da luz, encerrado no início do século XX. Novos fenômenos envolvendo a matéria (átomos e elétrons) e a luz só foram completamente entendidos com o desenvolvimento da teoria da mecânica quântica. De acordo com essa teoria, um feixe de luz é feito de trilhões de fótons, entidades elementares cuja natureza é ambígua, podendo se comportar ora como ondas, ora como partículas. Albert Einstein calculou em 1916 que, nas circunstâncias adequadas, a presença de um fóton na vizinhança de um átomo “excitado” – isto é, prestes a emitir ele mesmo um fóton – estimularia esse átomo a emitir um fóton idêntico. Nos anos 1950, vários pesquisadores tentaram usar esse efeito para criar o chamado laser, acrônimo em inglês para amplificação de luz por emissão estimulada de radiação. O engenheiro norte-americano Theodore Maiman foi o primeiro a produzir um equipamento capaz de emitir um laser com sucesso, em 1960. O poder do laser está na sincronia de seus fótons. Diferentemente das fontes de luz natural e artificial, cujos átomos emitem fótons em tempos, frequências e direções diferentes, os átomos de um gerador de laser emitem fótons em sincronia, com a mesma frequência e a mesma direção. Um feixe de laser usado para soldar ou cortar chapas de metal, por exemplo, emite fótons com a mesma potência que uma lâmpada caseira de 100 Watts. A diferença é que o feixe laser permite concentrar toda essa potência em uma área muito pequena. O laser também transformou a pesquisa básica e permitiu aos físicos explorarem a chamada

óptica não linear, especialidade de Cleber Mendonça, da USP de São Carlos. “Essa área trata de fenômenos ópticos que só aparecem quando a intensidade da luz é muito alta”, explica o físico. Quando um feixe de laser muito intenso é focalizado sobre um ponto em um material, ocorre o seguinte na região próxima ao foco: as propriedades ópticas do material, tal como a sua capacidade de refletir ou refratar a luz, são transformadas pelo laser e, consequentemente, a luz do laser é transformada pelo material, alterando suas frequências de oscilação, por exemplo. Mendonça e sua equipe na USP exploram esses efeitos não lineares para fabricar estruturas micro e nanométricas em vidros e polímeros orgânicos que os pesquisadores tentam tornar compatíveis com o silício. Já o grupo do físico Paulo Dainese, da Unicamp, investiga como os efeitos não lineares podem melhorar a manipulação da informação codificada em pulsos luminosos conduzidos por fibras ópticas.

Caminhos luminosos: Omar Florez Penaloza prepara experimento para medir o espalhamento da luz no Laboratório de Fibras Ópticas da Unicamp

1905

1916

1960

Einstein explica o efeito fotoelétrico

Einstein descobre que um átomo, ao

Theodore Maiman cria o

assumindo que a luz é feita de partículas,

interagir com a luz, pode ser estimulado a

primeiro laser de luz visível,

mais tarde chamadas de fótons. No

emitir mais luz. Quando se encontra na

baseado nos cálculos de

mesmo ano, apresenta sua teoria da

presença de um fóton, um átomo que

Einstein de 1916 e na invenção

relatividade restrita, que explica os

ganhou energia (excitado) emite outro

do maser (laser de

experimentos mostrando que a luz se

fóton com a mesma direção e energia que

microondas), produzido por

propaga no vácuo a velocidade constante

o primeiro. É o princípio do laser

vários pesquisadores em 1954

18 | setembro DE 2015


eduardo cesar

As fibras ópticas são canais flexíveis feitos de um vidro muito uniforme e transparente, capazes de conduzir os sinais luminosos por longas distâncias quase sem perder energia. Hoje, mais de 1 bilhão de quilômetros de fibras ópticas conectam os computadores do mundo, algo que seria impossível de fazer com cabos de transmissão de sinais elétricos, que se propagam pela oscilação de elétrons em um fio de metal. Esse chacoalhar dos elétrons provoca a perda de muita energia, em geral convertida em calor – já os fótons, se comparados aos elétrons, praticamente não perdem energia nesse processo. Dainese explica que uma única fibra óptica pode transmitir múltiplas mensagens simultaneamente codificadas em sinais de luz, graças a componentes ópticos chamados multiplexadores, que combinam feixes de luz com frequências diferentes – cada frequência de luz transmite uma mensagem. “Às vezes, em telecomunicações, é preciso passar uma mensagem transmitida por um canal de frequência para outro”, conta Dainese. “Hoje isso é feito convertendo o sinal codificado em certa frequência de luz em um sinal elétrico e depois retransmitindo-o em outra frequência de luz, mas estamos estudando maneiras de usar efeitos não lineares para eliminar essa etapa elétrica, que é lenta e cara.” Da mesma forma que se reduziu drasticamente o custo da transmissão da informação a longas distâncias usando fibras ópticas no lugar de cabos elétricos, chegou a hora de fazer o mesmo nos chips de computador. “No passado recente, os microchips eram muito compactos e tinham apenas um único núcleo de processamento com centenas de micrômetros de extensão”, explica Wiederhecker. “Isso mudou nos últimos 15 anos com o surgimento de processadores com vários núcleos, que trabalham em paralelo.” Nesses processadores, uma tarefa computacional é dividida em partes que são executadas simultaneamente pelos diferentes núcleos. Para manter a sincronia entre os processadores trabalhando em paralelo, os núcleos precisam se comunicar. Hoje isso é feito por sinais elétricos transmitidos por fios metálicos. “A comunicação por sinais de luz resolveria o problema da velocidade e da dissipação de calor”, diz Wiederhecker.

“Mas, para isso, precisamos recriar multiplexadores, roteadores, filtros e outros componentes das redes de fibras ópticas na escala de algumas centenas de nanômetros.” No momento, Wiederhecker e seus colegas trabalham na criação de nano-osciladores mecânicos movidos e sincronizados pela luz. “Dentro dos computadores há um cristal de quartzo que oscila acoplado a um circuito elétrico”, esclarece. “O oscilador funciona como um metrônomo, sincronizando as operações dos componentes do computador, como o processador, a memória e a placa de vídeo. Queremos construir uma estrutura nanométrica que vibre ao receber um sinal luminoso.” cada vez menor

Wiederhecker e outros pesquisadores estimam que essa integração microscópica da eletrônica com o laser permitirá a miniaturização de equipamentos que usam a luz para exames médicos e análises químicas. Atualmente, a maioria desses aparelhos é utilizada em laboratórios, mas o uso de chips fotônicos combinados a outras tecnologias pode permitir o desenvolvimento de equipamentos mais baratos e portáteis, que possam ser transportados para qualquer lugar. “Alguns obstáculos ainda impedem que essa tecnologia se torne realidade, mas eles vêm sendo contornados rapidamente”, avalia Vilson R. Almeida, pesquisador que estuda aplicações da fotônica em sensoriamento biológico e aeroespacial no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e no Instituto de Estudos Avançados (IEAv), ambos vinculados ao Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial, ligado ao Comando da Aeronáutica. Almeida participou de uma equipe internacional que desenvolveu um dispositivo composto de estruturas nanométricas em um chip de silício, capaz de transmitir luz em apenas uma direção. O trabalho foi capa da revista Nature Materials, em 2013. Um desses obstáculos, Almeida explica, é o uso do silício como base dos chips eletrônicos e fotônicos comerciais. Apesar de transmitir bem a luz, o silício não gera nem detecta luz de modo eficiente. “Já se demonstrou que existem soluções como o uso de materiais híbridos, que estão sen-

Cerca de 1960

1962

1966

Cerca de 1980

2010

A invenção do laser

Nick Holonyak e outros

Charles Kao e George

Físicos geram os primeiros

IBM apresenta

permite estudar interações

criam os diodos emissores

Hockman descobrem que

pulsos de laser altamente

protótipo de chip

não lineares em que a

de luz (LEDs) vermelha e

impurezas reduzem a

controlados e de duração

integrado de silício

matéria altera as

verde. Em 1993, Shuji

capacidade de fibras ópticas

ultracurta, usados em

com componentes

características da luz e a

Nakamura cria o LED azul,

transmitirem luz por longas

navegação, astronomia,

nanofotônicos,

luz altera as propriedades

permitindo a criação de

distâncias, problema

telecomunicações e

que deverá ser

ópticas da matéria

LEDs de qualquer cor

resolvido nos anos 1980

espectroscopia

utilizado no futuro PESQUISA FAPESP 235 | 19


do aperfeiçoados e devem se tornar disponíveis comercialmente em até três anos”, ele prevê. Um dos nanomateriais mais promissores a serem integrados aos chips nanofotônicos de silício são os chamados pontos quânticos, especialidade do físico Lázaro Padilha, da Unicamp. Pontos quânticos são pequenos grãos, com menos de 10 nanômetros de diâmetro, feitos de diversos materiais semicondutores. Ajustando o tamanho e as propriedades do material de que são feitos, os pontos quânticos podem transformar eletricidade em luz e funcionar como potentes lâmpadas de LED microscópicas – monitores de telas planas de altíssima resolução feitos de pontos quânticos foram lançados recentemente pela indústria eletrônica. Padilha participou de um estudo publicado em 2013 na Nature Communications no qual os pesquisadores mostram como aumentar de 0,2% para aproximadamente 8% a eficiência com que os pontos quânticos convertem eletricidade em luz. Fazendo outros ajustes, os pontos quânticos também podem realizar a operação inversa: transformar luz em eletricidade, funcionando como minúsculos painéis solares. “Costumo dizer aos meus estudantes que a célula solar e o LED são o mesmo animal, mas de ponta-cabeça”, diz Padilha. “Daqui a 20 ou 30 anos”, ele prevê, “o telhado e as janelas das casas, o capô dos carros, tudo será coberto por uma camada de materiais que funcionarão como painéis solares microscópicos de alta eficiência, convertendo a luz do sol em energia elétrica”. n

Projetos 1. Aplicações de pulsos de femtossegundos em óptica não linear: espectroscopia, formatação de pulsos e microfabricação (nº 2011/12399-0); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Cleber Renato Mendonça (IFSC-USP); Investimento R$ 1.181.820,00. 2. Óptica quântica e informação quântica em chips de silício (nº 2011/12140-6); Modalidade Bolsa no Exterior – Pesquisa; Pesquisador responsável Paulo Alberto Nussenzveig (IF-USP); Investimento R$ 105.116,00. 3. Espectroscopia avançada em novos nanomateriais (nº 2013/169112); Modalidade Programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes; Pesquisador responsável Lázaro Aurélio Padilha Junior; Investimento R$ 2.658.400,00. 4. Nanofotônica em semicondutores do Grupo IV e III-V (nº 2012/17765-7); Modalidade Programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes; Pesquisador responsável Gustavo Silva Wiederhecker (Unicamp); Investimento R$ 1.113.640,00. 5. Processos de espalhamento de luz em microestruturas fotônicas (nº 2013/20180-3); Modalidade Programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes; Pesquisador responsável Paulo Clóvis Dainese Júnior (Unicamp); Investimento R$ 1.219.080,00.

Artigos científicos LAWRENCE, D. et al. Non-reciprocal phase shift induced by an effective magnetic flux for light. Nature Photonics. 3 ago. 2014. FENG, L. et al. Experimental demonstration of a unidirectional reflectionless parity-time metamaterial at optical frequencies. Nature Materials. 25 nov. 2012. BAE, W. K. et al. Controlling the influence of Auger recombination on the performance of quantum-dot light-emitting diodes. Nature Communications. 25 out. 2013.

20 | setembro DE 2015

Mil e uma utilidades Inicialmente considerado uma solução à procura de um problema, laser ganha cada vez mais espaço na área da saúde

Ricardo Zorzetto

B

em-humorado, o físico norte-americano Arthur Schawlow ganhou o apelido de “Laser Man” nos anos 1960 por causa de suas demonstrações do invento que ajudara a criar. Em uma de suas preferidas, usava uma pistola a laser para estourar um balão de ar em forma de Mickey, colocado no interior de um balão transparente. No teste, um feixe de laser vermelho de meio milissegundo de duração atravessava a parede do primeiro balão sem danificá-la e concentrava a sua energia na parede escura do segundo, rompendo-a. Esse experimento simples, que Schawlow contou no livro Lasers and their uses, de 1983, ilustrava o princípio que havia gerado uma das primeiras aplicações do laser: seu uso na oftalmologia para evitar o descolamento da retina. Ao atravessar algumas camadas de tecido sem danificá-las e causar pequenas lesões na retina, estimulava a formação de cicatrizes nessa fina camada de células que absorve a luz no fundo do olho, evitando que se soltasse e levasse à perda da visão. Desde que começou a ser empregado na oftalmologia, o laser e suas aplicações na saúde evoluíram muito. Físicos, engenheiros e técnicos aprimoraram o domínio sobre a produção dessa luz de cor muito pura, emitida de modo contínuo ou em pulsos de frações de segundo, sempre em


a definir as bordas do tumor e a eliminar as células doentes. Nessa estratégia de tratamento, conhecida como terapia fotodinâmica, a luz ativa o ácido aminolevulínico, absorvido pelas células tumorais, e desencadeia a produção de substâncias tóxicas que provocam a morte celular. Contra o câncer de pele

léo ramos

Sorriso iluminado: na odontologia, laser corta e molda dentes, além de reduzir infecções

feixes muito condensados, e desenvolveram uma ampla variedade de tipos de laser, agora usados em áreas tão distintas quanto a cardiologia, a dermatologia, a odontologia ou a fisioterapia. Hoje cortam-se, desbastam-se e desintegram-se tecidos vivos num piscar de olhos com o laser. Mas, com ele, também é possível soldar vasos ou fornecer energia extra para as células, auxiliando-as a eliminar infecções e a se regenerarem. Em sintonia com os avanços no exterior, pesquisadores brasileiros vêm testando e aprimorando o uso de lasers e de LEDs – diodos emissores de luz, aparatos que, como o laser, permitem controlar a cor e a potência luminosa – para auxiliar o diagnóstico e o tratamento, em alguns casos ainda experimental, de diferentes problemas de saúde. Um dos grupos mais ativos nessa área está na Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos. Lá, a equipe do físico Vanderlei Bagnato e da dentista Cristina Kurachi trabalha há pouco mais de uma década no desenvolvimento de uma terapia à base de laser e de LED para identificar e tratar tumores de pele. Em parceria com médicos do Hospital Amaral Carvalho, centro de referência em oncologia localizado em Jaú, os pesquisadores ajudaram a produzir a versão nacional de um composto à base de ácido aminolevulínico e de aparelhos de LED ou de laser que podem ajudar

Nos últimos anos, Bagnato e seus colaboradores vêm testando a segurança e a eficácia da terapia fotodinâmica para combater o carcinoma basocelular, a forma mais comum e menos agressiva do câncer de pele – por ano, surgem quase 130 mil novos casos desse tumor no Brasil. O estudo mais extenso que fizeram incluiu 297 pessoas atendidas em 27 centros dermatológicos do país. Médicos treinados pela dermatologista Ana Gabriela Salvio aplicaram a terapia fotodinâmica em 366 carcinomas com até 2 centímetros de diâmetro e 2 milímetros de espessura. Essa estratégia eliminou a lesão tumoral em ao menos 70% dos casos, segundo artigo publicado em 2014 na Photodiagnosis and Photodynamics Therapy. “A resposta melhora quando o diagnóstico da lesão é feito com o auxílio da luz ultravioleta”, afirma Cristina. Caso mais estudos comprovem a efetividade do tratamento, os pesquisadores pretendem tornar a terapia disponível no sistema público de saúde. “Ela pode se tonar uma ferramenta útil no Brasil, onde as pessoas podem levar até um ano para receber tratamento para um tumor de pele”, diz a pesquisadora, que tenta usar laser para detectar precocemente o melanoma, o câncer de pele mais agressivo e letal. A atuação da equipe de São Carlos vai além da oncologia. Atualmente, os pesquisadores testam outros agentes fotossensibilizadores e cores específicas de luz para eliminar micoses de unha e acelerar a cicatrização de feridas difíceis de fechar, comuns em pessoas com diabetes. Com dentistas de São Paulo, do Paraná e da Bahia, Bagnato e Cristina tentam adequar a terapia fotodinâmica ao combate de bactérias e fungos que causam infecções na boca (ver Pesquisa FAPESP nº 181). Em paralelo, o dentista Carlos de Paula Eduardo e sua equipe na Faculdade de Odontologia da USP em São Paulo usam o laser há 25 anos em estudos pioneiros no país para recuperar a saúde bucal. Eduardo criou o Laboratório Especial de Laser em Odontologia (Lelo) em 1990, ao retornar de um estágio na Universidade de Kyushu, no Japão. Desde então, cerca de 250 dissertações de mestrado e teses de doutorado desenvolvidas no Lelo analisaram diferentes aspectos do uso de laser de alta e de baixa potência em odontologia: de sua aplicação em cirurgia, para realizar cortes precisos em dentes e tecidos moles, ao seu emprego na prevenção de inflamações e infecções ou na recuperação dos tecidos. PESQUISA FAPESP 235 | 21


À esquerda, teste com LEDs verdes para eliminar fungos

Uma das contribuições importantes do grupo foi demonstrar que o laser de baixa potência ameniza a mucosite, inflamação do tecido que reveste a boca e atinge 40% das pessoas que fazem quimioterapia e 90% das que recebem transplante de medula óssea para restaurar o sistema imune após o tratamento da leucemia. Com equipes do exterior, Eduardo e o dentista Walter Niccoli Filho, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em São José dos Campos, testaram o efeito do laser em 70 pessoas submetidas ao transplante de medula. De 7 a 13 aplicações foram feitas entre o primeiro dia de preparo para o transplante e o terceiro dia após o procedimento. O laser vermelho foi mais eficaz que o infravermelho para reduzir a inflamação e ambos se saíram melhor do que o placebo, embora não eliminassem a mucosite, que torna difícil até comer. Desde que começou a trabalhar com laser de baixa potência, Eduardo e sua equipe testaram diversas estratégias de aplicação até chegar a uma eficaz para prevenir o ressurgimento da herpes labial. Causada por um vírus que se aloja nos nervos e gânglios, essa infecção se manifesta na forma de feridas doloridas, acompanhadas de febre e dores musculares em períodos de estresse, quando a imunidade baixa. Com aplicações de laser vermelho nos lábios, o grupo do Lelo reduziu a frequência e a intensidade das infecções, segundo estudo que acompanhou os pacientes por três anos. “Demorou 15 anos até chegarmos a esse protocolo de tratamento, que agora pode ser adotado na prática clínica”, conta Eduardo. Mais força e menos cansaço

A mesma luz que acelera a morte das células também pode protegê-las. O fisioterapeuta Nivaldo Parizotto, professor sênior da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), vem confirmando que algumas cores de laser e LED produzem um 22 | setembro DE 2015

efeito revigorante nos músculos. A aplicação sobre a pele de luzes vermelhas e infravermelhas reduziu a fatiga e melhorou o desempenho muscular, mostram estudos conduzidos por Parizotto e seu ex-aluno de doutorado Cleber Ferraresi, em parceria com pesquisadores da Universidade Harvard, nos Estados Unidos. Em testes com camundongos, o uso dessa luz dobrou a capacidade de realizar esforço físico. A redução da fadiga foi atribuída ao aumento da capacidade das células de produzir energia, que se elevou em 10 vezes. Por um mecanismo ainda pouco compreendido, a aplicação de luz vermelha e infravermelha antes do exercício físico intenso protege as células musculares de danos mecânicos. Em um trabalho mais recente, Parizotto e Ferraresi usaram um dispositivo de LED e laser, desenhado pelo grupo de Bagnato e desenvolvido por uma empresa de São Carlos, para realizar sessões de fototerapia na equipe masculina de vôlei profissional de São Bernardo. Os atletas receberam de 20 a 60 segundos (s) de irradiação sobre a coxa, a musculatura mais

fotos eduardo cesar

Abaixo, sessão de terapia fotodinâmica para tratar tumor de pele


exigida nesse esporte, entre 40 e 60 minutos antes das partidas. O tratamento com luz, em especial nas doses intermediária (40 s) e máxima (60 s), reduziu os danos nas células musculares. No artigo da Laser in Medical Science de maio deste ano, em que descrevem os resultados, os pesquisadores supõem que a luz ajude a estabilizar a membrana das células musculares, evitando o rompimento. O mesmo grupo já havia mostrado antes que a luz infravermelha, associada ao exercício, produz efeitos sistêmicos: aumenta o desempenho muscular, melhora o funcionamento do sistema cardiovascular e acelera o emagrecimento (ver Pesquisa FAPESP nº 187). “O uso da luz parece auxiliar no controle da inflamação subclínica associada à obesidade e melhorar a capacidade de queimar gordura”, diz Parizotto. A médica Maria Cristina Chavantes, especialista no uso clínico e cirúrgico do laser e atual presidente da Sociedade Brasileira de Laser em Medicina O laser de baixa e Cirurgia, coordena há anos ensaios clínicospotência pode -piloto para avaliar o potencial terapêutico dessa acelerar a ferramenta em situações diversas. Depois de rececicatrização e ber treinamento no Japão, promover a na Alemanha e nos Estados Unidos, ela começou a analgesia, diz Maria usar o laser de alta potência no fim dos anos 1980 Cristina Chavantes para remover tumores que invadiam a traqueia e os brônquios e prejudicavam a respiração de pessoas com câncer de pulmão – o procedimento não eliminava o câncer, mas facilitava a respiração. Também auxiliou a equipe de James Ausman a aplicar o laser em neurocirurgias no período que passou no Hospital Henry Ford. No início dos anos 1990, a convite do cirurgião cardíaco Adib Jatene (1929-2014), ela criou uma unidade de laser no Instituto do Coração (InCor) da USP, local onde em 1979 o cardiologista Radi Macruz havia iniciado um trabalho pioneiro no mundo: o uso de laser para remover depósitos de gordura (ateromas) da parede da artéria aorta. No InCor, Maria Cristina ajudou os cirurgiões Luís Alberto Dallan e Sérgio Almeida de Oliveira a usar um laser de potência muito elevada para perfurar canais na parede do coração e restaurar parte de sua capacidade de bombear o sangue. O procedimento era realizado em pessoas com doença cardíaca grave, para as quais não havia alternativa de tratamento – de 40 operados, 34 tiveram redução dos sintomas um ano após a cirurgia. Por volta de 1996, Maria Cristina conheceu

os primeiros lasers de baixa potência e começou a usá-los em outras situações para as quais não havia tratamento satisfatório, como a cicatrização de cirurgias extensas, como as cardiovasculares ou as de reparação da coluna vertebral. Mais recentemente Maria Cristina e sua equipe na Universidade Nove de Julho vêm testando a ação anti-inflamatória do laser de baixa potência para auxiliar na cicatrização de cirurgias de redução de estômago, para estimular o funcionamento da glândula tireoide e para tratar uma doença inflamatória crônica na região genital, o líquen escleroso. Ela também avalia a aplicação do laser em distintas áreas do corpo para ajudar a reduzir a pressão sanguínea de gestantes com hipertensão. Para a médica, algumas características do laser de baixa potência – ele é seguro, não invasivo e sua aplicação é indolor – lhe conferem potencial de uso clínico em muitas áreas da medicina. “Em especial para auxiliar na cicatrização e na analgesia”, diz Maria Cristina. Nada mal para uma ferramenta que, logo após criada, chegou a ser considerada sem utilidade ou, como dizia o físico Charles Townes, que com Schawlow propôs a base teórica dos emissores de laser, era uma solução à procura de um problema. n

Projetos 1. Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica - Cepof (nº 2013/072761); Modalidade Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid); Pesquisador responsável Vanderlei Salvador Bagnato (IFSC-USP); Investimento R$ 24.240.400,00 (para todo o projeto). 2. Uso das terapias laser e LED de baixa intensidade para aumentar o desempenho muscular: do in vitro e experimental ao uso clínico (nº 2010/07194-7); Modalidade Bolsa no Brasil – Doutorado; Pesquisador responsável Nivaldo Antonio Parizotto (UFSCar); Beneficiário Cleber Ferraresi; Investimento R$ 111.006,00. 3. Estudo clínico do efeito da radiação laser (alta e/ou baixa potência) no tratamento de mucosite oral pós-radioterapia (nº 2005/57578-8); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Carlos de Paula Eduardo (FO-USP); Investimento R$ 26.161,90. 4. Avaliação da terapia fotodinâmica aplicada no tratamento de herpes labial: estudo in vivo, randomizado e cego (nº 2013/12317-9); Modalidade Bolsa no Brasil – Pós-doutorado; Pesquisador responsável Carlos de Paula Eduardo (FO-USP); Beneficiária Karen Muller Ramalho Eboli; Investimento R$ 94.191,90. 5. Estudo in vitro do uso do laser de baixa potência na proliferação celular de tecido muscular cardíaco (processo de bioestimulação com arseneto de gálio (nº 2001/11865-5); Modalidade Bolsa no Brasil – Mestrado; Pesquisadora responsável Maria Cristina Chavantes (Universidade do Vale do Paraíba); Beneficiária Ritchelli Ricci; Investimento R$ 26.400,00.

Artigos científicos RAMIREZ, D. P. et al. Experience and BCC subtypes as determinants of MAL-PDT response: preliminary results of a national Brazilian project. Photodiagnosis and Photodynamic Therapy. v. 11. p. 22-6. 2014. SCHUBERT, M. M. et al. A phase III randomized double-blind placebo-controlled clinical trial to determine the efficacy of low level laser therapy for the prevention of oral mucositis in patients undergoing hematopoietic cell transplantation. Supportive Care in Medicine. 2007. FERRARESI, C. et al. Light-emitting diode therapy in exercise-trained mice increases muscle performance, cytochrome c oxidase activity, ATP and cell proliferation. Journal of Biophotonics. 2015. FERRARESI, C. et al. Light-emitting diode therapy (LEDT) before matches prevents increase in creatine kinase with a light dose response in volleyball players. Lasers in Medical Science. 2015.

PESQUISA FAPESP 235 | 23


entrevista Lino Barañao

O desafio de criar conhecimento e riqueza Ministro argentino quer ampliar parcerias com o Brasil e diz que o exemplo de São Paulo pode inspirar empresas de seu país a investir mais em pesquisa Fabrício Marques  |

O

retrato

Léo Ramos

governo da Argentina criou em 2007 o seu Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação Produtiva (Mincyt) e, ao longo dos últimos oito anos, a pasta manteve o mesmo titular: o portenho Lino Barañao, 61 anos, doutor em Química pela Universidade de Buenos Aires, especializado em biotecnologia animal. Em sua trajetória de cientista, atuou como pesquisador visitante do Instituto Max Planck, em Munique, na Alemanha, e da Universidade do Estado da Pensilvânia, nos Estados Unidos, e se tornou diretor do Laboratório de Biologia de Reprodução e Biotecnologia Animal, vinculado ao Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (Conicet, na sigla em espanhol), a principal agência de promoção da ciência e da tecnologia do país. Em 2002, participou da primeira equipe na América Latina a clonar um bezerro, a novilha Pampa. No ano seguinte, assumiu a presidência da Agência Nacional de Promoção Científica e Tecnológica (Anpcyt), criada nos anos 1990 para dar mais fle24 | setembro DE 2015

xibilidade ao financiamento à pesquisa, até então concentrado na estrutura do Conicet. Comandou a agência até 2007, quando foi convidado pela presidente Cristina Kirchner a assumir o ministério. Sua gestão teve impacto no modo como a Argentina faz ciência. A ampliação no investimento em infraestrutura promoveu a construção de 190 mil metros quadrados em laboratórios e um programa de repatriamento de pesquisadores argentinos trouxe do exterior mais de mil deles, instalando-os em centros de pesquisa públicos e em empresas, além de estabelecer uma teia de relacionamentos com mais de 5 mil cientistas do país radicados em outros países, transformados em pontas de lança de colaborações científicas internacionais. Os reduzidos investimentos das empresas argentinas em pesquisa e desenvolvimento (P&D) – 76% das atividades de P&D no país são financiadas pelo Estado – seguem como um gargalo no desenvolvimento científico do país, que vem recorrendo a parcerias público-privadas para mudar esse quadro.


idade 61 anos especialidade Biologia celular, fisiologia da reprodução e biotecnologia animal formação Graduação (1976) e doutorado (1981) em Ciências Químicas pela Faculdade de Ciências Exatas e Naturais da Universidade de Buenos Aires. Pesquisador convidado do Instituto Max Planck de Psiquiatria (1981); pesquisador-associado da Universidade do Estado da Pensilvânia (1982-1984) instituição Laboratório de Biologia de Reprodução e Biotecnologia Animal (Conicet) produção científica Publicou mais de 50 artigos em revistas científicas internacionais e 5 capítulos de livro. Orientou 6 doutorados PESQUISA FAPESP 235 | 25


Em agosto, Barañao fez uma visita ao Brasil. Esteve na sede da FAPESP, discutiu a ampliação das colaborações com pesquisadores paulistas e relatou que está dentro do cronograma a construção, nos Andes argentinos, do radiotelescópio Llama (sigla em inglês para o projeto Grande Arranjo Milimétrico Latino-americano), concebido por meio de uma parceria na qual pesquisadores paulistas são os responsáveis pela compra da antena de 12 metros, cujo custo total, financiado pela FAPESP, é de US$ 9,2 milhões, cabendo aos argentinos montar a estrutura física para receber o equipamento e cuidar de sua operação, que deve ter início em 2017. O ministro também visitou o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, em Campinas, bastante utilizado por pesquisadores argentinos, e foi a Brasília reunir-se com o ministro brasileiro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Aldo Rebelo. Na capital federal, disse que Brasil e Argentina têm desafios complementares e defendeu uma maior integração entre cientistas dos dois países. Barañao fez questão de reservar tempo em sua agenda para conceder à Pesquisa FAPESP a entrevista a seguir.

Que é uma de suas áreas de interesse, não é? Sim, trabalho também com células-tronco. Na FAPESP Week Buenos Aires, realizada em abril passado, houve mesas-redondas sobre temas de pesquisa que interessam aos dois países, tais como energia, alimentos funcionais, nanociências e informação quântica. O senhor destacaria alguma área? Há uma nova iniciativa relacionada com estudos de física quântica e átomos frios. É algo bastante original e poderá incorporar ciência de ponta à cooperação. O ministério tem interesse em ampliar parcerias com pesquisadores do estado de São Paulo? Em que setores?

de economia liberal, com um mercado aberto, foram penalizados aqueles empresários que investiram em pesquisa e tentaram competir saudavelmente por meio da incorporação de conhecimento. Eles estão se recuperando lentamente. Mas a comparação com exemplos bem-sucedidos serve, e muito, principalmente quando a referência é tão próxima, como é o caso de São Paulo. Não faz sentido comparar com a Irlanda ou com os países nórdicos, porque há fatores culturais que tornam esses países muito diferentes do nosso. Já as diferenças culturais entre o Brasil e a Argentina não são grandes. Na Argentina, 76% dos investimentos em P&D dependem do setor público. Que estratégias o país adota para tentar ampliar a participação das empresas nos investimentos? Em São Paulo, as empresas contribuem com 61% dos investimentos em P&D, um percentual muito alto. Essa proporção decorre da matriz produtiva. Na Argentina, os setores extrativistas, incluindo a agricultura, a mineração, os produtos não elaborados, têm ainda um peso importante na economia. Essas empresas não investem em P&D ou porque têm processos já estabelecidos ou porque são filiais de companhias estrangeiras que aplicam tecnologia já desenvolvida. O setor da agricultura, contudo, começou a investir mais na última década e já existe uma parceria dos produtores, chamada Bioceres, que criou um centro de pesquisa num campus universitário. É o primeiro caso de um setor que compreendeu a importância da biotecnologia para a competitividade e deseja desenvolver tecnologia própria. Mas, claro, quando se tenta medir o impacto disso, ele ainda não é detectável. Outro setor com impacto crescente é o de software, que é um setor de serviços. A Argentina já exporta mais software que carne. Isso é um fato, embora o software não seja tão saboroso... Analisando individualmente, as empresas de software investem uma proporção tão alta de seus lucros quanto a de uma empresa americana, porque é próprio de uma empresa de software ser

Um setor de impacto crescente é o de software. A Argentina já exporta mais software do que carne

O Brasil é o terceiro país com o qual a Argentina mais produz artigos científicos em colaboração internacional, atrás apenas dos Estados Unidos e da Espanha. Em que campos do conhecimento a colaboração entre os dois países tem sido mais produtiva? Isso foi mudando ao longo da história. Algumas décadas atrás, a preponderância era da física e da química. Depois, com o surgimento do Centro Argentino-Brasileiro de Biotecnologia, o Cabbio [rede binacional de grupos de pesquisa criada em 1987 que já apoiou mais de uma centena de projetos], a colaboração se intensificou em áreas como biologia e biotecnologia aplicada tanto na produção vegetal quanto animal. Mais recentemente, cresceu muito a cooperação em temas de biologia estrutural e em questões de saúde, nesse centro brasileiro e argentino, fundamentalmente em células-tronco. 26 | setembro DE 2015

Mais do que pensar em uma área específica, interessa assimilar as boas práticas de um setor privado inovador. Vemos a participação do setor privado na pesquisa como um diferencial do estado de São Paulo. Nosso grande desafio é conectar conhecimento com geração de riqueza. Dessa forma, estamos interessados em avançar em projetos que tenham possíveis aplicações no curto e médio prazo, além de casos bem-sucedidos que permitam mostrar para os empresários argentinos que investir em P&D é rentável. Em São Paulo há essa diferença qualitativa, graças a um processo de seleção natural. Não que os empresários argentinos sejam intrinsecamente menos propensos à inovação, mas, por causa dos anos


ESO / B. Tafreshi

competitiva e melhorar continuamente seus processos. Esse setor está crescendo aos poucos. Ainda não temos empresas que faturem US$ 500 milhões ou US$ 1 bilhão. Aí sim o percentual aplicado à pesquisa seria mais notável. Eu confio que, à medida que tenhamos uma diversificação da matriz produtiva, com empresas com mais conhecimento agregado, iremos ter uma maior proporção de investimento do setor privado. O investimento em pesquisa do governo argentino cresceu nos últimos anos em áreas como biotecnologia, nanotecnologia, agroindústria, saúde e informática, que fomentam investimentos de risco em inovações dentro de instituições públicas com o objetivo de repassá-las, quando estiverem maduras, para o setor privado. O modelo tem funcionado? O que fizemos foi criar um fundo que financia primeiro setores previamente estabelecidos, como biotecnologia, nanotecnologia, meio ambiente, entre outros. Mas, além disso, financiamos unicamente parcerias público-privadas. Ou seja, o esforço precisa ser conjunto: de um lado, o pesquisador com a ideia inovadora e, de outro, o empresário disposto a se engajar com o investimento necessário para chegar ao mercado caso o produto passe no teste de sucesso. O governo investe na inovação de risco, é isso? O setor público investe na fase de risco e o setor privado acompanha depois. Para o desenvolvimento de anticorpos monoclonais, por exemplo, concedemos subsídios num montante de US$ 7 milhões. Nenhuma empresa farmacêutica na Argentina poderia investir isso a risco, então foi algo novo. Uma empresa construiu uma fábrica que custou US$ 25 milhões, mas sobre a base de um produto que havia sido testado e estava pronto para ser comercializado. Nós expandimos essa modalidade de parceria público-privada. Já temos mais de 30 em andamento, com desenvolvimentos concretos. Acreditamos que elas são um jeito eficaz de acoplar esses dois mundos diferentes. O problema principal é que os mecanismos de recompensa do setor privado e do setor público são diferentes. O setor privado tem como recompensa a rentabilidade, já que vive disso, enquanto no setor público o pesquisador busca o

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A antena de 12 metros do Llama, que deve ser instalada em 2016, é semelhante à do Apex (acima), no Chile

reconhecimento dos pares por meio das publicações, das citações. Como aproximar os dois sistemas de recompensa? É difícil compatibilizar, a menos que haja um estímulo grande, como um financiamento que o pesquisador não conseguiria para seu trabalho de modo tradicional. Assim, ao participar dessas parcerias, os pesquisadores podem comprar equipamentos maiores e ter mais bolsistas na equipe, e isso em geral não atrapalha sua capacidade de publicação. Muitas vezes eles terminam publicando coisas que desenvolveram para as parcerias como uma contribuição ao conhecimento geral. Também podemos incentivar esse acoplamento utilizando instrumentos como a Lei de Software, que fez aumentar o investimento das empresas do setor, sobretudo fazendo P&D – porque para poder contar com a isenção fiscal precisam fazer P&D e investir. Isso tem sido benéfico. As empresas têm um incentivo concreto para escoar parte dos lucros para pesquisa, porque são compensadas por outra via. Trata-se de uma combinação de instrumentos de promoção e instrumentos fiscais, que, em síntese, creio que seja a ferramenta mais adequada. Quais são as perspectivas da parceria entre o Conicet e a FAPESP para a construção do Llama? O que esperar, em termos de resultados científicos, desse projeto? Além de agregar recursos,

qual a aspiração com a elaboração de projetos conjuntos? O projeto Llama está em andamento, cumprindo o cronograma exatamente em conformidade com o previsto. Agora está na etapa da engenharia, de design das bases para a antena, a parte logística; mas tanto o Conicet como o ministério e o governo da província de Salta estão aportando os recursos tal como previsto. Por isso nós acreditamos que entrará em funcionamento na data estabelecida originalmente. Este tipo de iniciativa tem duas vertentes de resultados. Por um lado, há os resultados científicos, como analisar fontes de energia do espaço estelar, conhecer a origem do Universo e saber como ele foi evoluindo. Isso tem a ver com satisfazer a curiosidade, creio que todos nós a compartilhamos, de saber de onde nós viemos e o que acontece com o Universo. Contudo, vemos na prática que, para alcançar os resultados científicos, é preciso desenvolver tecnologias que servem também para outras coisas. Assim, evoluem a engenharia e as comunicações, porque é preciso produzir detectores, construir instrumentos com extrema precisão. É o caso, por exemplo, da “máquina de Deus” [Grande Colisor de Hádrons, LHC na sigla em inglês], do Cern [Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear], em Genebra, cujo desenvolvimento gerou, por exemplo, tecnologias aplicáveis para o diagnóstico médico. Acho que o Llama vai contribuir para o conhecimento universal e desenPESQUISA FAPESP 235 | 27


volver tecnologias, mas, sobretudo, será um símbolo muito forte da cooperação entre o Brasil e a Argentina num projeto que contribui com a ciência global. Do ponto de vista político, que retroalimenta o investimento em ciência, emite-se um sinal muito claro. Por outro lado, o governo provincial de Salta também apoia o projeto, de fato, por interesse turístico, juntando gastronomia e astronomia. Como assim? A ideia é conectar a astronomia ao desenvolvimento regional por meio da gastronomia. Ocorre que esses empreendimentos atraem aficionados em astronomia que desejam ver algum telescópio e eles buscam um local de alojamento à noite e boa comida. O Chile já fez isso para promover o turismo, um turismo seletivo, mas que não chega apenas para fazer uma observação particular e sim para conhecer o entorno, porque, obviamente, de dia não dá para ver estrelas, então se pode bater perna, fazer compras… Achamos que poderá ser um corredor turístico, uma iniciativa interessante, já que também pode servir para transmitir a cultura da região.

mos em consideração as consequências das mudanças climáticas, com grandes oscilações no regime de chuvas. No campo da saúde, o desenvolvimento de novas terapias para o câncer; a contribuição à indústria de satélites, com o desenvolvimento, por uma empresa privada, de nanossatélites; temos uma quantidade de exemplos que mostram que é preciso um tempo de pelo menos cinco ou seis anos para conseguir resultados. Agora estamos começando a colher os frutos disso. O senhor costuma utilizar o verbo “pasteurizar” quando se refere à estratégia do ministério para a ciência argentina. Pode explicar o conceito? O conceito de “pasteurização” tem a ver com o livro de [Donald] Stokes, O qua-

de demais para pensar em estratégias. Como avalia, hoje, o papel da agência? Separamos a elaboração de políticas, o financiamento e a execução. As políticas estão sob a égide do ministério, o financiamento fica por conta da agência, que é descentralizada dentro do ministério e tem seus mecanismos de avaliação, tanto para o setor privado quanto para o público, e cabe ao Conicet o papel de braço executor e de financiar projetos específicos. Esta divisão de papéis tem sido extremamente eficaz, pois permite uma avaliação objetiva dos projetos para além dos currículos dos pesquisadores. Digamos que são critérios complementares. A existência desses dois balcões também resulta útil porque há projetos que às vezes não têm uma aplicação concreta hoje, mas terão no futuro, e então são financiados pelo outro balcão. Qual é o balanço do programa Raíces, que desde 2008 repatriou mais de mil cientistas argentinos radicados no exterior? Onde eles estão trabalhando? Tem sido muito eficaz. Não apenas repatriou pesquisadores, e temos já 1.160 residindo e trabalhando na Argentina tanto no setor público como no privado, mas também estabeleceu vínculos muito ativos com os pesquisadores argentinos residentes no exterior. Isso por meio do sistema de bolsas, que permite a eles virem à Argentina para trabalhar, da organização de workshops e da interação com empresas. Recuperamos não apenas fisicamente os pesquisadores, mas também o vínculo com quase 5 mil pesquisadores argentinos que trabalham em diferentes instituições no exterior; assim estamos recuperando com acréscimos o capital humano que investimos lá fora.

Podemos contribuir para gerar conhecimento original por meio da solução de problemas

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação Produtiva foi criado em 2007 para, segundo palavras que o senhor usou na época, colocar a ciência a serviço do desenvolvimento econômico da Argentina. A ênfase na transferência de conhecimento para a sociedade é uma forma de legitimar o investimento em ciência? É. Depois de oito anos dessa política, temos alguns resultados concretos. Eu já mencionei a produção de anticorpos monoclonais no país. Em breve, vamos também exportá-los para países em desenvolvimento por meio de um programa da Organização Mundial da Saúde (OMS). Ou seja, não só vamos abastecer o mercado interno como também seremos provedores globais desta tecnologia. O desenvolvimento de variedades de plantas resistentes à seca pode, ainda, ter um impacto estimado em US$ 20 bilhões por ano, se de fato melhorar a produção em escala mundial, principalmente se levar28 | setembro DE 2015

drante de Pasteur. Ele recomenda para os Estados Unidos, e achamos que vale para os países em desenvolvimento, fazer ciência básica inspirada no uso. Isso permite superar a contradição entre ciência básica e ciência aplicada. Podemos contribuir para gerar conhecimento original por meio da solução de problemas. O que defendemos é, de alguma maneira, resolver problemas usando várias disciplinas e a maior quantidade de imaginação possível. O senhor presidiu a Agência Nacional de Promoção Científica e Tecnológica, criada em 1996 para dar mais flexibilidade ao financiamento à pesquisa. Dizia-se que a estrutura do Conicet havia ficado gran-

A Argentina ainda sofre com a fuga de cérebros? Não temos mais fuga. O que fazemos com os bolsistas é mandá-los por períodos curtos para destinos específicos quando já têm contratos no país. Ou seja, garantimos que eles continuem se formando, mas retornem. n


política c&T  Matemática y

Uma fórmula que deu certo Flexibilidade acadêmica e internacionalização fazem parte da equação de sucesso do Impa Texto

Marcos Pivetta, do Rio de Janeiro |

Fotos

Léo Ramos

E Aula ministrada na sede do instituto, no bairro fluminense do Horto: abertura para talentos precoces, como a prata da casa Artur ávila, ganhador da Medalha Fields

m uma visita ao Rio de Janeiro no início dos anos 1980, o economista carioca José Alexandre Scheinkman resolveu passar na nova sede própria do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), um prédio envidraçado de quatro andares situado no bairro do Horto, nas bordas de uma área de Mata Atlântica entre a Floresta Nacional da Tijuca e o Jardim Botânico. O então professor da Universidade de Chicago mantinha laços com o instituto desde o final dos anos 1960, quando, em paralelo ao curso de economia concluído na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), lá fizera mestrado. Entre 1978 e 1979 fora ainda professor visitante do Impa. Mas aquela não era uma visita totalmente desinteressada. Scheinkman estava tendo dificuldades em entender um paper sobre a teoria matemática do caos, cujas ideias queria aplicar a um problema de economia. Pretendia bater na porta da sala de Jacob Palis, velho conhecido e um dos mais renomados quadros do Impa, que certamente lhe explicaria os detalhes do artigo. “Bati e um sujeito enorme abriu a porta e disse, em inglês, que o professor Palis estava em viagem”, relembra pESQUISA FAPESP 235  z  29


Scheinkman, 68 anos, hoje professor emérito da Universidade de Princeton e docente da Universidade Colúmbia, em Nova York. “Em seguida, ele se apresentou: chamava-se Floris Takens.” Era o matemático holandês autor do trabalho que levara Scheinkman ao número 110 da estrada Dona Castorina. O próprio Takens, colaborador de Palis que passava uma temporada no país, contou-lhe do que tratava exatamente o paper.

O

episódio com o economista ilustra três características que, ao longo de mais de seis décadas, foram incorporadas ao DNA do Impa: a busca por jovens promissores, o desapego a formalidades acadêmicas e a internacionalização do seu corpo docente e discente. Fundado por três pesquisadores em 1952, o instituto, que dispõe de um orçamento anual de R$ 35 milhões oriundo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), conta hoje com 48 pesquisadores fixos contratados, dos quais 18 são estrangeiros. Cerca de 40% de seus atuais 154 alunos de mestrado e doutorado são do exterior, com forte presença de estudantes da América Latina. Entre os 60 pós-doutorandos, a história não é muito diferente: os brasileiros representam 40% e 60% vêm de fora. Uma página no site do Impa atualiza todos os meses o número de pesquisadores visitantes ministrando aulas ou fazendo pesquisa no prédio do Horto. Em agosto, havia 51 nomes nessa lista, 12 de instituições brasileiras. “O Impa é um líder in30  z  setembro DE 2015

ternacional tanto em pesquisa como na formação para a área de matemática”, diz o argentino Matias del Hoyo, especialista em geometria, que tem uma bolsa de estudos de até três anos para atuar como pesquisador-professor visitante. “O instituto tem recursos e se destaca pelo nível de seus pesquisadores e por ter um ambiente muito ativo, com congressos e visitantes ao longo do ano.” A fama de excelência do Impa extrapolou os limites acadêmicos quando o carioca Artur Ávila, um dos mais destacados rebentos da extensa genealogia de matemáticos ali formados (744 mestres e 401 doutores em seis décadas de atuação), tornou-se o primeiro sul-americano a ganhar a Medalha Fields, o maior prêmio internacional da matemática, em 2014 (ver entrevista com o pesquisador no nº 223 de Pesquisa FAPESP). A história de Ávila, 36 anos, hoje pesquisador extraordinário no instituto fluminense e diretor de pesquisa do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), em Paris, é típica do jeito Impa de ser. Ele concluiu o mestrado ainda como aluno do ensino médio, aos 18 anos, e obteve o doutorado aos 21 anos junto com a graduação na UFRJ. “Aqui não priorizamos os formalismos acadêmicos, somos mais flexíveis”, diz César Camacho, diretor-geral do instituto, que tem dupla cidadania, peruana (é de Lima) e brasileira. “Além disso, a matemática costuma apresentar talentos precoces.” Camacho foi aceito no mestrado do Impa, ainda nos anos 1960, sem ter concluído o curso de ciências físicas e matemáticas na Uni-

Fachada (acima) e biblioteca (página ao lado) do Impa: 60 mil volumes para 48 professores, 154 alunos de mestrado e doutorado e 60 pós-doutorandos


versidade Nacional de Engenharia, em Lima. A legislação brasileira não permite que pessoas sem graduação completa recebam o título de mestre ou doutor. Por isso, o Impa deixa que seus alunos nessa condição façam o mestrado ou o doutorado normalmente, mas só entra com o pedido para validar o título da pós depois que os estudantes terminam formalmente a graduação. Os números referentes à produção de artigos científicos publicados por pesquisadores do Impa em revistas com peer review parecem modestos se comparados aos índices das ciências biológicas, mas, de acordo o instituto, são semelhantes aos exibidos pelos melhores departamentos de matemática do mundo. Segundo o relatório de gestão do Impa publicado no ano passado, que usou dados extraídos da publicação MathSciNet, da Sociedade Matemática Americana, seus docentes produziram 76 papers em 2012, média de 1,65 artigo por professor. Com 88 papers publicados naquele ano, o Departamento de Matemática da Universidade de Princeton obteve a melhor média, 2,10 artigos por pesquisador. Em termos de fator de impacto, cada artigo do Impa foi citado 1,46 vez de acordo com uma média ponderada, desempenho superior ao de departamentos importantes de pesquisa matemática, como os da Universidade da Califórnia em Berkeley (1,41) e da Universidade de Cambridge (1,30). Novamente, por esse critério, sempre de acordo com o relatório do Impa, Princeton liderou o ranking, com 2,59 citações por paper. O Impa sem dúvida tem prestígio internacional, ainda mais depois da Medalha Fields. Mas o ranking das melhores instituições superiores do mundo com atuação no campo da matemática

divulgado neste ano pela consultoria britânica Quacquarelli Symonds (QS) situa o instituto carioca em uma posição modesta: entre o 301º e o 400º lugar, atrás da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Campinas (Unicamp), ambas entre o 51º e o 100º lugar, da UFRJ (151-200) e da Universidade Federal de Minas Gerais (251-300). “Não concordo com essa comparação. Ela envolve instituições com estruturas distintas. O resultado não é confiável”, diz Palis, diretor do Impa entre 1993 e 2003 e atual presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC). “As avaliações da matemática da USP e da Unicamp também parecem distorcidas para baixo. A matemática brasileira como um todo tem grande prestígio internacional.”

P

alis acredita que o sucesso do Impa possa ser explicado, em parte, por sua trajetória discreta, de crescimento lento, mas marcada por bons quadros e continuidade administrativa. “Se o Impa tivesse começado grande, talvez não tivesse alcançado tanto sucesso”, diz ele. Primeira unidade de pesquisa criada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o instituto foi fundado em 1952 por três destacados pesquisadores: Lélio Gama, astrofísico e matemático, seu primeiro diretor, função que exerceu até 1965 em paralelo à direção do Observatório Nacional; Leopoldo Nachbin, matemático, também um dos fundadores do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), com boas conexões no exterior; e Maurício Matos Peixoto, que desenvolveu a área de sistemas dinâmicos, em que o próprio Palis, Ávila e outros matemáticos do Impa atuam. Depois de Gama, o Impa só teve mais

pESQUISA FAPESP 235  z  31


Instituto recebe doações da família Moreira Salles. No ano passado ganhou um terreno da Globo para expandir sua sede quatro diretores. Entre 1965 e 1993, dois nomes se alternaram, em diferentes períodos, no comando da instituição, Lindolpho de Carvalho Dias e Elon Lages Lima, este último ainda hoje seu professor emérito. A seguir, vieram Palis e agora Camacho.

A

ntes de se instalar definitivamente no aprazível Horto, em 1981, o Impa teve três endereços temporários. Durante os cinco primeiros anos, ocupou uma sala do CBPF na praia Vermelha. De 1957 a 1967, funcionou em um casarão em Botafogo e posteriormente em um prédio no centro do Rio de Janeiro até se transferir para a sede própria. A mudança de casa ocorria conforme crescia. Na virada do século XXI, já no prédio da estrada da Castorina, tinha 31 pesquisadores fixos. Em 2001, durante a gestão de Palis, uma mudança estrutural conferiu-lhe ainda mais autonomia administrativa e científica: o instituto transformou-se em organização social (OS), pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, mantida basicamente por meio de um contrato de gestão com o MCTI. “Ficamos um ano discutindo se deveríamos virar ou não uma OS”, lembra Luiz Velho, coordenador do Visgraf, o laboratório de computação gráfica criado em 1989 no Impa. Na época, a principal crítica que se fazia é que essa forma jurídica de atuação representaria uma porta de entrada para a privatização do setor público de pesquisa. “Aqui usamos o regime de OS de forma responsável”, diz Velho. O contrato de gestão do Impa com o MCTI estabelece 18 metas anuais a serem atendidas por seu corpo docente, como a publicação de um determinado número de artigos em revistas internacionais de primeira linha e a formação de uma certa quantidade de mestres e doutores. 32  z  setembro DE 2015

A Associação Brasileira de Tecnologia em Luz Síncrotron (ABTLuS), de Campinas, foi a primeira instituição de pesquisa a se converter em OS e firmar contrato de gestão com o MCTI. Em janeiro de 1998, ela ganhou esse status jurídico. Hoje, cinco instituições de pesquisa associadas ao ministério adotam esse regime, que permite criar regras próprias de funcionamento, distintas das que regem o setor público. “Uma instituição ruim não se torna boa por se transformar em OS”, afirma Carlos Américo Pacheco, diretor-geral do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM, sucessor da ABTLuS), organização social que administra o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) e outros três laboratórios. “As OS têm um contrato de gestão com uma missão clara, que lhe dá liberdade de ação para perseguir seus objetivos e evita, por exemplo, o estabelecimento precoce de estabi-


Diretor César Camacho (na outra página), pesquisador Jorge Zubelli (acima) e professor visitante Matias del Hoyo, respectivamente, um peruo-brasileiro, um brasileiro e um argentino: internacionalização dos quadros do Impa

lidade no emprego, o que pode gerar, em certos casos, acomodação. Mas nem todas as instituições de pesquisa precisam trabalhar nesse regime.” Uma das razões de haver poucas OS vinculadas ao MCTI, segundo Pacheco, foi a insegurança jurídica que pairou durante mais de 15 anos sobre a legalidade dos contratos de gestão firmados entre essas entidades e o Estado brasileiro. Desde 1998, corria uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que questionava a existência das OS que atuam em áreas que seriam de responsabilidade estatal, como saúde, educação, pesquisa, ensino e preservação do meio ambiente. Em abril deste ano, o Supremo Tribunal Federal se posicionou sobre o tema e considerou legal a atuação das OS. Uma das vantagens de ser uma organização social é ter a possibilidade de definir uma política própria de contratação e remuneração de pessoal. A carreira dos matemáticos contratados pelo Impa é dividida em nove faixas salariais, três para cada um dos três estágios do cargo de pesquisador (adjunto, associado e titular). A remuneração mais baixa, de pesquisador adjunto de nível 1, é de R$ 16,7 mil. A mais alta, de pesquisador titular de nível 9, chega a R$ 22,9 mil. “O Impa é uma instituição que nasceu bem e foi bem implementada. Suas qualidades foram potencializadas quando virou uma organização social”, diz o físico José Fernando Perez, ex-diretor científico da FAPESP, o mais antigo dos 10 membros do conselho de administração do instituto – novidade criada com a adoção do regime de OS. “Hoje ele tem uma flexibilidade para contratar e demitir que é impossível de ser adotada em universidades públicas.” Quando decidiu largar o emprego na sede da Microsoft Research, nos arredores de Seattle, no estado americano de Washington, e voltar para o Rio de Janeiro no fim da década de 2000, o engenheiro da computação Diego Nehab, 38 anos, tinha duas boas propostas de emprego na área acadêmica: de uma universidade privada e do Impa. A do instituto no Horto pagava 30% mais e oferecia outras vantagens comparativas. “O Impa tem muitas colaborações no exterior. Como morei nos Estados Unidos por um bom tempo, todos os meus contatos também estavam lá fora”, diz Nehab, que antes de entrar na gigante dos softwares fez doutorado em Princeton e, desde 2010, é pesquisador associado do Impa. O intercâmbio internacional dos pesquisadores contratados é facilitado com a adoção de um calendário letivo mais flexível. Nehab, por exemplo, tem de dar aulas em dois dos três períodos do ano letivo do Impa. Pode escolher entre ministrar seus cursos em janeiro e fevereiro, durante o chamado programa de verão, de março a junho ou de agosto a novembro. Dessa forma, se optar por dar um curso no verão, terá um se-

mestre livre para se dedicar exclusivamente à pesquisa e a eventuais viagens. “O Impa recebe muitos visitantes e propicia uma grande liberdade para os pesquisadores viajarem”, diz o francês Hubert Lacoin, de 30 anos, especialista em teoria da probabilidade, com ênfase em problemas físicos, contratado desde outubro passado como pesquisador adjunto. Do processo de seleção que escolheu Lacoin e o alemão Oliver Lorscheid, de 37 anos, participaram 100 candidatos. Dezessete eram do Brasil; os demais, do exterior.

A

atuação dos pesquisadores do Impa se distribui por 11 áreas da matemática: álgebra, análise e equações diferenciais parciais, computação gráfica, dinâmica dos fluidos, dinâmica holomorfa e folheações complexas, economia matemática, geometria diferencial, geometria simplética, otimização, probabilidade e sistemas dinâmicos/teoria ergódica. A piada que se ouve nos corredores do instituto é que Impa significou, durante um bom tempo, instituto de matemática pura e abstrata. Hoje a brincadeira já não faz tanto sentido. As áreas aplicadas ganharam terreno nas duas últimas décadas. Há quatro anos foi criado o Laboratório de Análise e Modelagem Matemática em Ciências Aplicadas, que usa e desenvolve ferramentas matemáticas para solucionar problemas em diferentes setores, como o petrolífero, o mercado financeiro e a saúde pública. “Gostaríamos de ter mais alunos atuando em nossa área”, diz o pesquisador Jorge Zubelli, coordenador do laboratório. Andar pelos corredores do número 110 da estrada da Castorina, um endereço em que a matemática caminha emoldurada por sons, cheiros e imagens da Mata Atlântica, é uma introdução ao estilo Impa de ensinar e fazer pesquisa. Conversas em espanhol, francês e inglês fundem-se ao português ouvido na grande sala de café, que costuma encher durante os intervalos de aulas e eventos. Pendurada em um canto da sala, uma lousa dá um ar quase acadêmico ao cafezinho. “Quero fazer também o doutorado aqui”, diz, em “portunhol”, Jennifer Loria, uma costa-riquenha que iniciou o mestrado em janeiro deste ano no Impa após ter entrado em contato com um pesquisador brasileiro, há dois anos, numa edição internacional da olimpíada de matemática. Com 24 anos, ela é um pouco mais velha do que boa parte de seus colegas de turma. “O ambiente aqui é lindo e as pessoas são calorosas.” A presença de mulheres no Impa é minoritária: apenas uma professora e 12 alunas de mestrado e doutorado, menos de 10% do total de estudantes. Dos atuais pós-doutorandos, 10 são do sexo feminino. Das grandes janelas nas salas de aula do Impa, vê-se a floresta ao redor, lambendo as paredes da edificação. Quando um professor para sua explipESQUISA FAPESP 235  z  33


cação diante do quadro negro, é possível ouvir, com um pouco de sorte, a bagunça dos macacos nas árvores mais próximas. Mesmo em um dia de outono ou inverno não é raro deparar com alunos ou jovens professores de bermudas. Se a busca é por silêncio, vale a pena entrar na biblioteca. Além ter à disposição 60 mil volumes divididos entre livros clássicos e modernos e periódicos especializados em matemática, o visitante pode se dedicar à leitura em um amplo salão com vista para a Floresta da Tijuca e a Lagoa Rodrigo de Freitas. A excelência do Impa conseguiu uma proeza rara no meio acadêmico brasileiro: atrair contribuições privadas, prática comum no ambiente universitário dos Estados Unidos. Hoje as doações externas representam entre 2% e 3% do orçamento anual do instituto. Os meses que Ávila passa no Brasil são, por exemplo, custeados por um auxílio de Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central e sócio de um banco de investimentos. Ávila ostenta o título de pesquisador extraordinário e ocupa uma cátedra no Impa com o nome do banqueiro. Em abril do ano passado, a família Marinho, dona do grupo Globo, cuja sede está no bairro Jardim Botânico, doou um terreno de 250 mil metros quadrados contíguo ao prédio do Impa. A área é coberta em sua quase totalidade pela Mata Atlântica, que não pode ser cortada, e apresenta grandes restrições em termos de possi-

Corredor na sede do Impa, no Horto: bermudas e clima de descontração

Estudo nas férias Cursos livres de verão atraem jovens talentos ao Impa Uma porta de entrada para a pós-

“Tinha um amigo de 18 anos

-graduação do Impa, muito utilizada por

matriculado no doutorado no Impa.

do ABC (UFABC), em Santo André (SP).

alunos que às vezes nem terminaram o

Por isso já sabia que era possível fazer

Mas logo viu que não era isso que

ensino médio ou ainda estão no meio da

o mestrado sem ter a graduação”, diz

queria estudar. Fez então o curso

faculdade, são os chamados cursos livres

Ramos, que recebe uma bolsa de

de verão no Impa em 2014, quando

de verão, oferecidos de forma intensiva

R$ 2.200 da Fundação de Amparo à

foi aprovada também na graduação

entre janeiro e fevereiro. As férias

Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro

em matemática na PUC-Rio.

escolares permitem que estudantes de

(Faperj) e, em paralelo, faz graduação

“Gosto da flexibilidade e da falta de

fora do Rio e do Impa frequentem

em matemática aplicada na UFRJ.

burocracia do Impa”, diz a aluna.

disciplinas mais facilmente nessa época.

Natural de Pirajuba, no Triângulo

e tecnologia da Universidade Federal

Uma das dificuldades para os jovens

Os cursos são gratuitos e a inscrição pode

Mineiro, Maria Clara Mendes Silva,

alunos de fora do Rio é encontrar um

ser feita no site do instituto. Na prática,

20 anos, fez um percurso ligeiramente

lugar para morar a preços razoáveis.

as disciplinas livres funcionam como um

mais tortuoso antes de se tornar neste

Um quarto alugado perto do Impa custa

teste para ver se o aluno tem condições

ano oficialmente mestranda do instituto

por volta de R$ 700. Nascido em Lima,

de entrar na pós do Impa e contam

fluminense. Destaque em várias edições

o mestrando Raúl Arturo Cháves

créditos se o candidato for aceito.

da Olimpíada Brasileira de Matemática

Sarmiento, de 17 anos, divide desde

O carioca João Pedro Gonçalves Ramos,

das Escolas Públicas (OBMEP), projeto

março deste ano um imóvel perto do

de 19 anos, aluno de mestrado do Impa, fez

implementado pelo Impa em 2005 do

Jardim Botânico com o irmão Enrique, de

dois cursos no verão de 2013 (Análise na

qual participam anualmente 18 milhões

26 anos, que faz doutorado no Impa, e

reta e Combinatória I), quando estava no

de estudantes do ensino fundamental e

mais dois peruanos. “Entre 2012 e 2015,

segundo ano do ensino médio. Em outubro

médio, Maria Clara foi aluna durante o

fiz quatro cursos de verão no Impa”,

daquele ano foi aceito no mestrado.

ano de 2013 do bacharelado em ciência

afirma Sarmiento, também aluno da

34  z  setembro DE 2015


civil carioca de estreitar relações com o Impa. É um centro de excelência em pesquisa que está no Rio, quando a maioria fica em São Paulo. Temos o dever de ajudá-lo”, diz o cineasta. Um efeito colateral do reconhecimento alcançado pela matemática brasileira é o assédio dos grandes centros internacionais a talentos formados pelo Impa. Em setembro do ano passado, o matemático alagoano Fernando Codá, de 35 anos, que fez carreira no instituto fluminense, transferiu-se para Princeton. O nome de Codá é especulado como candidato à Medalha Fields, concedida a cada quatro anos a matemáticos com menos de 40 anos. Ao lado do português André Neves, Codá solucionou a Conjectura de Willmore, um dos mais desafiadores problemas da geometria. “É normal perder pessoas. Isso não é defeito”, comenta Palis. “As pessoas saem, mas podem voltar. Quem sabe a gente não consegue uma boa doação para trazê-lo de volta?” As próximas medalhas Fields serão anunciadas em agosto de 2018 durante o 28º Congresso Internacional dos Matemáticos, que ocorrerá no Rio. A festa da matemática será na casa do Impa. n

bilidades de construir edificações. Mas nas franjas, em setores já parcialmente alterados, existe espaço para edificar um novo prédio. “Vamos fazer alojamentos e ampliar nossas instalações”, diz o diretor Camacho. O elevado preço da moradia no Rio é um problema para os alunos e professores visitantes que passam temporadas no Impa.

A

família Moreira Salles, que foi a principal acionista do Unibanco, hoje incorporado ao Itaú, é outra que apoia o Impa. O cineasta e jornalista João Moreira Salles travou contato mais próximo com o instituto em 2009, quando começou a preparar o perfil do matemático Artur Ávila que seria publicado em sua revista, a piauí, no ano seguinte. A partir desse perfil, Moreira Salles estreitou a relação com a direção do Impa. Ele e o irmão Pedro organizaram um grupo de pessoas que financiaram o programa Conferências Magnas, que, entre 2012 e 2014, trouxe sete matemáticos de ponta, seis deles medalhistas Fields como Ávila, para palestras e uma semana de convívio com os alunos e pesquisadores do instituto. Os Moreira Salles também auxiliam quando se trata de arrumar hospedagem no Rio para visitantes do Impa. O cineasta diz que é parte de um grupo de pessoas abertas à ideia de ajudar e apoiar o Impa e o Departamento de Matemática da PUC-RJ. “Há uma vontade cada vez maior da sociedade

Joao Pedro (abaixo), Arturo e Maria Clara: alunos do Impa que fazem o mestrado em paralelo à graduação

graduação em matemática aplicada na Fundação Getulio Vargas (FGV) do Rio. Boa parte dos alunos que precocemente são aceitos na pós-graduação do instituto obteve algum destaque na OBMEP ou na Olimpíada Brasileira de Matemática (OBM), concurso também organizado pelo Impa para alunos da rede pública ou privada que estejam cursando desde o ensino fundamental até o nível universitário. “O principal objetivo da OBMEP é estimular o ensino da matemática na rede oficial”, explica Claudio Landim, diretor adjunto do Impa e coordenador-geral da olimpíada para as escolas públicas. “Mas esse tipo de iniciativa nos ajuda a descobrir novos talentos.” Em 2017, o Brasil será, pela primeira vez, sede da Olimpíada Internacional de Matemática. Talentos, nacionais e estrangeiros, estarão por aqui.

pESQUISA FAPESP 235  z  35


COOPERAÇÃO y

Conexões cultivadas Simpósios FAPESP Week inspiram pesquisadores paulistas a criar parcerias internacionais de alto nível Fabrício Marques

C

om 12 edições realizadas em oito países estrangeiros desde 2011, os simpósios FAPESP Week procuram, entre outros objetivos, divulgar a pesquisa de nível internacional feita em instituições paulistas e criar novas conexões entre cientistas de São Paulo e do exterior. Pesquisadores que já participaram dos eventos afirmam que essa troca de experiência ajuda a semear colaborações. Isso aconteceu, por exemplo, numa sessão sobre câncer e doenças inflamatórias da FAPESP Week Califórnia, que ocorreu nos campi da Universidade da Califórnia em Davis e Berkeley em novembro de 2014. A bióloga Silvia Rogatto, da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp), compartilhou seu trabalho em oncologia molecular com o bioquímico colombiano Luis Carvajal-Carmona, professor da Universidade da Califórnia, em Davis. No fim dos anos 2000, os dois já haviam se encontrado nas reuniões anuais no projeto Chibcha (sigla para Genetic Study of Common Hereditary Bowel Cancers in Hispania and the Americas), consórcio internacional que investigou as raízes genéticas do câncer colorretal. À época, Carvajal-Carmona trabalhava na Universidade de Oxford, no Reino Unido, e Silvia representava o A.C.Camargo Cancer Center, que contribuiu com amostras de mil casos brasileiros para o estudo. Mas acabaram perdendo contato.

36  z  setembro DE 2015

No simpósio da Califórnia, ela comentou com Carmona sobre casos de câncer de testículo, tireoide e mama que está estudando, sabendo que o colega acabara de publicar um artigo na Nature Communications sobre o câncer de mama e alguns outros sobre câncer de tireoide. Foi o bastante para criar uma colaboração. “Nós fizemos o sequenciamento do exoma [fração do genoma que codifica os genes] e a análise dos dados de câncer de testículo de casos brasileiros em gêmeos e ele me ajudou na parte final das análises. Estamos escrevendo um artigo juntos”, diz a pesquisadora. “A presença do câncer de testículo em gêmeos aumenta a probabilidade de detecção do gene associado com a doença. A chance de estudar gêmeos idênticos abre a oportunidade de aprofundar o conhecimento sobre a origem genética desse tipo de câncer”, afirma. A estada na Califórnia também foi proveitosa para Paulo Mazzafera, professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e diretor do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE). Ele foi procurado em Davis por uma pesquisadora que acabara de fazer o doutorado naquela universidade e manifestou interesse em estagiar na Unicamp. De origem portuguesa, Ana Raquel dos Santos Figueiredo teve sua bolsa de pós-doutorado aprovada pela FAPESP recentemente e já iniciou


FAPESP Week Munique, realizada em 2014: acordos de cooperação e novas interações entre pesquisadores de São Paulo e da Alemanha

estudos, no laboratório de Mazzafera, sobre a suberina, biopolímero presente na parede celular das plantas que, no caso da cana-de-açúcar, é um dos responsáveis pela recalcitrância de sua biomassa, que dificulta o uso do bagaço para produzir etanol. Mazzafera também aproveitou a viagem à Califórnia para procurar Markus Pauly, que coordena um laboratório dedicado à pesquisa em paredes celulares de plantas na Universidade da Califórnia, em Berkeley. “Ele havia viajado para a Austrália no período do simpósio, mas consegui contatá-lo pelo Skype e estamos conversando sobre uma possível colaboração”, conta. Mazzafera enviou para o laboratório de Pauly quatro espécies de cana, sendo que duas acumulam mais sacarose e as outras duas, mais fibras e menos sacarose. “Dependendo dos resultados das análises que estão sendo feitas, poderemos começar uma parceria. O grupo de Pauly é muito bom em caracterizar compostos da parede celular de plantas”, explica o professor.

heitor shimizu

afinidades

Os temas abordados nas edições da FAPESP Week são escolhidos de acordo com afinidades e interesses da comunidade científica de São Paulo e do país sede do evento, observa o físico Marcelo Knobel, professor da Unicamp e coordenador adjunto de colaborações em pesquisa da FAPESP,

que participou da organização dos simpósios. No caso da FAPESP Week Pequim, que levou 10 pesquisadores brasileiros à capital chinesa em abril de 2014, os anfitriões optaram por concentrar as sessões em temas como ciências dos materiais, agrárias, ambientais e médicas. Já na FAPESP Week Buenos Aires, que ocorreu em abril deste ano, o leque de temas abordados foi expressivo. Foram apresentados os avanços obtidos pela ciência paulista e argentina em áreas como astronomia, alimentos funcionais, energia, nanotecnologia, informação quântica, saúde e humanidades, entre outros. “Levamos a Buenos Aires um número significativo de pesquisadores do estado de São Paulo. Foi o maior evento entre as edições da FAPESP Week”, diz Knobel. Para Héctor Luis Saint Pierre, professor da Faculdade de História, Direito e Serviço Social de Franca, da Unesp, e especialista em defesa e relações internacionais, o encontro de Buenos Aires gerou uma oportunidade de articulação preciosa. No último dia do evento, o pesquisador, argentino radicado no Brasil há duas décadas, reuniu-se com colegas de várias universidades, como a de Buenos Aires, de La Plata, de Quilmes e de Lanús, além de pesquisadores vinculados ao Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (Conicet), entidade que coorganizou o simpósio. “Foram três reuniões em que pesquisadores se pESQUISA FAPESP 235  z  37


Os simpósios FAPESP Week

2012 América do Norte (Toronto, Canadá; Cambridge, Washington e Morgantown, Estados Unidos) 17 a 24 de outubro Fronteras de la Ciencia (Salamanca e Madri, Espanha) 13 e 14 de dezembro

2013

2011 América do Norte (Washington, Estados Unidos) 24 a 26 de outubro

38  z  setembro DE 2015

juntaram por amizade ou interesse temático”, diz Saint Pierre. “Todos manifestaram interesse em participar de redes de cooperação com o Brasil.” Dessas reuniões, houve um agrupamento em torno de dois tópicos. Um deles, liderado por pesquisadores da Universidade de Quilmes, estuda a situação das ilhas Malvinas e a ofensiva diplomática em torno de sua soberania. O segundo, ancorado em Lanús, analisa a importância estratégica da cooperação Sul-Sul. “São temas de política externa e de defesa que devem ser trabalhados em cooperação internacional”, afirma. Parte do grupo já se reuniu em Lima, Peru, em julho, num congresso promovido pela Associação Latino-americana de Ciência Política (Alacip). “Eu não pude ir, mas continuamos conversando virtualmente e pretendemos submeter projetos em conjunto”, diz Saint Pierre. Os simpósios costumam ser uma oportunidade para firmar novos acordos de cooperação entre a FAPESP e instituições estrangeiras. Na FAPESP Week Londres, realizada na capital inglesa em setembro de 2013, foram assinados memorandos de entendimento para estabelecer cooperação entre pesquisadores de São Paulo e do Imperial College London. Também saíram acordos com as universidades de Cambridge e Manchester, que se somaram às parcerias já existentes com os sete Conselhos de Pesquisa do Reino Unido (RCUK), o British Council e 13 universidades britânicas. Outro simpósio que inspirou cooperações foi a FAPESP Week Munique, em outubro de 2014. Foram celebrados acordos com o Ministério da Educação e Pesquisa da República Federativa da Alemanha, com a Universidade de Münster e com a Fraunhofer-Gesellschaft, maior organização para a pesquisa aplicada da Alemanha. Em 2015, foi assinado acordo com a Friedrich-Alexander-Universität Erlangen-Nürnberg (FAU). Segundo Irma de Melo-Reiners, diretora executiva do Centro Universitário da Baviera para América Latina (Baylat), coorganizador do simpósio, a FAPESP Week Munique já começa a produzir colaborações. Ela cita um projeto aprovado numa chamada de propostas do Baylat pelos pes-

Londres (Londres, Inglaterra) 25 a 27 de setembro Carolina do Norte (Charlotte, Raleigh e Chapel Hill, Estados Unidos) 11 a 13 de novembro Japão (Tóquio, Japão) 15 e 16 de março

quisadores Thomas Hamacher, da Universidade Técnica de Munique, e Gilberto Jannuzzi, da Unicamp, sobre o fornecimento de energia em regiões remotas do Brasil. Hamacher e Jannuzzi participaram de uma sessão do simpósio sobre energias renováveis e sustentáveis. “Pretendemos enviar um de nossos estudantes para a Alemanha no próximo ano para estudar modelos de políticas para a disseminação de geração de eletricidade e a integração de energia renovável no sistema elétrico”, completa Jannuzzi. retomada

A organização dos simpósios costuma convidar para as sessões temáticas pesquisadores que mantiveram no passado alguma colaboração com as instituições anfitriãs. Há casos em que o encontro serviu para reacender a parceria. A FAPESP Week Carolina do Norte, realizada em novembro de 2013 nas cidades norte-americanas de Charlotte, Raleigh e Chapel Hill, marcou a retomada de uma parceria entre o Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC) e a Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB), vinculados à Universidade de São Paulo (USP), e o Craniofacial Center, ligado à Escola de Odontologia da Universidade da Carolina do Norte (UNC), em Chapel Hill. “Trabalhamos de forma colaborativa desde os anos 1990, quando o professor Donald Warren era diretor do Craniofacial Center, mas a parceria perdeu ímpeto depois que ele se aposentou”, explica Inge Trindade, professora da FOB, que participou da FAPESP Week. “Já era nossa intenção retomá-la, mas o evento acelerou o processo.” Em Cha-


2015 Barcelona (Barcelona, Espanha) 28 e 29 de maio UC Davis no Brasil (São Paulo, Brasil) 12 e 13 de maio Buenos Aires (Buenos Aires, Argentina) 7 a 10 de abril

2016 América do Norte (Michigan e Ohio) Ainda sem data definida

2014 Califórnia (Davis e Berkeley, Estados Unidos) 17 a 20 de novembro Munique (Munique, Alemanha) 15 a 17 de outubro

fotos 1 jvinfante / wilson center 2 margo camilo production  3 diogo freire

Pequim (Pequim, China) 15 a 18 de abril

pel Hill, Inge se encontrou com o brasileiro Luiz Pimenta, que fez mestrado na FOB e atualmente é diretor odontológico do Craniofacial Center. Das conversas com ele e outros pesquisadores, foi definido um intercâmbio em estudos sobre reabilitação de pacientes com fissuras no palato e outras anomalias craniofaciais. “Essas fendas são fechadas cirurgicamente quando o paciente ainda é um bebê, mas ao longo do crescimento surgem deformidades e disfunções que prejudicam a respiração, a fala e o sono”, diz a professora Inge. O novo convênio ainda não foi assinado, mas o intercâmbio já foi reativado. Ivy Trindade-Suedam, professora da FOB, foi convidada a atuar como professora associada adjunta da Faculdade de Odontologia da UNC Chapel Hill e um de seus alunos, Thiago Freire Lima, bolsista de mestrado da FAPESP, fez um estágio sanduíche de três meses no Cranofacial Center, sob supervisão de Luiz Pimenta. Ambos receberam treinamento para o uso do software Mimics, que avalia tomografias das vias aéreas superiores. A tese de livre-docência da professora Ivy está baseada em estudos feitos com o software, disponibilizado pelo Craniofacial Center. Três alunos da Escola de Odontologia da UNC fizeram, neste ano, uma visita de uma semana ao Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, e estão previstas outras visitas anuais. Em breve, a aluna de doutorado do HRAC Letícia Dominguez Campos passará um período sanduíche na UNC, para estudo da morfologia da faringe e sua relação com o sono em pacientes com deformidades maxilo-mandibulares, utilizando simulações computacionais.

No caso do pesquisador Carlos Eduardo Ambrósio, professor da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da USP, em Pirassununga, a participação na FAPESP Week Carolina do Norte ajudou a consolidar uma parceria com Jorge Piedrahita, diretor do Centro de Medicina Regenerativa da North Carolina State University, que já resultou na publicação de vários artigos científicos em colaboração. Os dois grupos queriam trabalhar juntos há algum tempo e tinham submetido um projeto conjunto em um edital da rede UGPN (sigla para University Global Partnership Network), dos Estados Unidos, que estava aprovado na época do simpósio, em 2013. “Mas minha participação na FAPESP Week foi importante para estreitar os contatos e, depois disso, pude utilizar instrumentos do acordo de cooperação celebrado entre a Fundação e a universidade em 2012”, diz. As duas equipes trabalham com linhagens de células animais adultas em que se induz a pluripotência, que é a capacidade equivalente à das células-tronco embrionárias de se diferenciar em qualquer tecido. “Nosso foco é obter uma linhagem segura, sem o potencial de formar tumores, para ser usada em testes pré-clínicos e clínicos”, diz Ambrósio. Para induzir a pluripotência em fibroblastos de cachorros, os pesquisadores usam a técnica premiada com o Nobel de Medicina em 2012. O método consiste em inserir na célula adulta da pele certas proteínas – conhecidas como fatores de transcrição – capazes de reprogramar o genoma celular. Uma estudante de mestrado orientada por Ambrósio, Vanessa Cristina de Oliveira, esteve na Carolina do Norte, com bolsa estágio de pesquisa no exterior (Bepe) da FAPESP, para fazer uma pesquisa que descreveu uma nova fonte de células-tronco em modelos animais e foi publicada em fevereiro no Journal of Tissue Engineering and Regenerative Medicine. A pesquisadora Natália Nardelli Gonçalves também esteve nos Estados Unidos realizando estudos com células-tronco de pluripotência induzida em cães para o seu doutorado. “Nesse estudo, produzimos a primeira linhagem brasileira destas células em cães”, diz Ambrósio. n pESQUISA FAPESP 235  z  39


Colaboração y

Para enfrentar gargalos Centro Paulista de Pesquisa em Bioenergia contrata pesquisadores para ampliar base científica na área Bruno de Pierro

S

ediado nas três universidades estaduais paulistas, o recém-criado Centro Paulista de Pesquisa em Bioenergia (SPBioenRC, na sigla em inglês) anunciou a chegada de 17 pesquisadores, contratados para ampliar a produção de conhecimento nessa área no país e auxiliar na formação de recursos humanos. O centro é o resultado de uma partilha de investimentos e de responsabilidades de três atores – governo estadual, universidades e FAPESP. As três universidades incumbiram-se de contratar pesquisadores para trabalhar nos laboratórios do centro: até o momento, sete pesquisadores foram admitidos pela Universidade de São Paulo (USP), oito pela Estadual de Campinas (Unicamp) e dois pela Estadual Paulista (Unesp). Já o governo estadual repassou recursos para as três universidades, que estão sendo usados para a construção de laboratórios, reformas e compra de equipamentos vinculados ao centro. A FAPESP assumiu o compromisso de selecionar e financiar os

40  z  setembro DE 2015

projetos em bioenergia ligados ao centro (ver Pesquisa FAPESP nº 168). Segundo Glaucia Mendes Souza, do Instituto de Química (IQ) da USP e membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (Bioen), a chegada dos novos quadros do SPBioenRC vai incorporar temas e projetos que não vinham sendo muito explorados dentro do programa. “O centro insere jovens pesquisadores em uma rede de colaboração madura. O SPBioenRC nasce em um contexto no qual tecnologias e metodologias importantes estão sendo desenvolvidas em várias iniciativas de pesquisadores do Bioen. Os novos pesquisadores se beneficiarão disso. Cabe agora a eles formar bons grupos de pesquisa e trazer coisas novas”, ressalta Glaucia, que participou da organização de um workshop realizado na sede da FAPESP, no dia 4 de agosto, em que foram apresentados os projetos de alguns dos novos profissionais. No encerramento do workshop, Luís Cor-

tez, professor da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp e coordenador adjunto de programas especiais da FAPESP, ressaltou que o SPBioenRC deve ganhar em breve um conselho consultivo internacional, do qual deverão fazer parte membros do Bioen. “Em um ou dois anos o centro já vai estar bem maduro”, prevê.


Ilustração flaticon.com  fotos  eduardo cesar e léo ramos

O desenho do SPBioenRC começou a ser discutido em 2009 como resposta ao desafio de ampliar a capacidade da comunidade científica de resolver grandes problemas em bioenergia. Na época, um mapeamento de pesquisadores atuantes nas três universidades estaduais paulistas identificou 456 docentes e profissionais. Eles foram consultados sobre gargalos enfrentados para garantir competitividade à pesquisa e à indústria brasileira nesse campo. Um tema que reunia um número limitado de pesquisadores era o de biorrefinarias, que busca desenvolver insumos químicos e polímeros verdes, estimulando a substituição de petróleo como matéria-prima. Um dos pesquisadores contratados pelo centro, o português Pedro Vidinha se dedica a esse desafio no IQ-USP. Um dos objetivos de seu projeto é aumentar o rendimento do dióxido de carbono como matéria-prima na indústria química para a produção de metanol, um álcool com várias

aplicações que também é utilizado para produzir biodiesel. Na Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp, Marcus Soares Forte trabalha com uma técnica de pré-tratamento do bagaço de cana com líquidos iônicos, considerados solventes verdes. Além de buscar maior eficiência na produção de etanol de celulose, a pesquisa contribui para a implantação de biorrefinarias, já que os líquidos iônicos podem tornar solúveis os componentes do bagaço de cana de forma seletiva. Uma área importante para ampliar a produtividade da cana é a dos estudos na área de genômica estrutural e funcional. A bióloga Tatiane da Franca Silva, da Escola de Engenharia de Lorena da USP, desenvolve um projeto para a identificação e caracterização de genes de cana envolvidos na organização das microfibrilas (fibras pequenas e delgadas) de celulose, que apresentam um grande potencial de aplicação biotecnológico na área de bioenergia. O objetivo é aumentar a eficiência do processo da sacarificação, que é a quebra de açúcares existentes nas fibras por meio de enzimas. Outro recém-contratado, o especialista em bioinformática Gabriel Rodrigues Alves Margarido, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP), pretende desenvolver algoritmos para elucidar a estrutura e o funcionamento de genomas complexos como o da cana-de-açúcar. Plantio direto

A pesquisa em sustentabilidade é outro foco de interesse do SPBioenRC, com ênfase em temas como a utilização de técnicas de plantio direto de cana-de-açúcar para reduzir a compactação do solo causada pela colheita mecanizada. No Instituto de Física Gleb Wataghin, da Unicamp, Antonio Riul Jr. quer desenvolver dispositivos capazes de analisar as características do solo e orientar o uso de adubos e defensivos agrícolas, a fim de reduzir impactos ambientais e aumentar a produtividade em culturas como a de cana-de-açúcar. Já Lucas Rios do Amaral, da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da mesma universidade, estuda

a aplicação de conceitos da agricultura de precisão e de geoprocessamento para melhorar o uso de insumos, identificar problemas no cultivo e guiar tratamentos localizados, também com foco em cana-de-açúcar, buscando aumentar a sua produtividade e a rentabilidade da exploração agrícola. A Unesp contratou pesquisadores que estão trabalhando no Laboratório Central do Instituto de Pesquisa em Bioenergia (IPBen) em Rio Claro, inaugurado em dezembro de 2014. Um dos novos integrantes é Sandra Maintinguer, pesquisadora do Centro Multidisciplinar de Pesquisa em Combustíveis, Biocombustíveis, Petróleo e Derivados (Cempeqc), vinculado ao Instituto de Química, em Araraquara. Ela investiga a viabilidade do uso de efluentes da indústria de suco de laranja na produção de hidrogênio. “Nas águas residuárias das indústrias citrícolas há glicose e outras fontes de carbono, como frutose e ácidos orgânicos, necessárias para a produção de gás hidrogênio”, explicou. Associado à criação do SPBioenRC foi desenvolvido o Programa Integrado de Doutorado em Bioenergia, oferecido em conjunto pelas três universidades. O curso foi reconhecido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) em 2013 e iniciou suas atividades no primeiro semestre de 2014. No primeiro processo seletivo, 46 estudantes fizeram inscrição para o programa, entre eles nove estrangeiros. Em 2015, foram inscritos 28 estudantes, dos quais cinco são do exterior. No total, foram matriculados 40 alunos desde o ano passado. O curso oferece disciplinas em temas como produção de biomassa, processos de fabricação de biocombustíveis, biorrefinarias, motores e sustentabilidade socioeconômica e ambiental. “Queremos promover a formação de recursos humanos de excelência internacional na área de bioenergia para docência e pesquisa, atendendo aos setores público e privado”, diz Carlos Alberto Labate, pesquisador da Esalq e membro da coordenação do programa de doutorado em bioenergia. n pESQUISA FAPESP 235  z  41


Inovação y

Democracia na moda Plataforma brasileira que fornece moldes de roupas sob medida vence a ImagineCup, da Microsoft

A

cena aconteceu na noite de 31 de julho diante de uma plateia de 5 mil pessoas no Washington State Convention Center, em Seattle, nos Estados Unidos, e durou apenas três minutos. A equipe eFitFashion, composta por três pesquisadores e três estudantes de graduacão e pós-graduação da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da Universidade de São Paulo (USP), apresentou para um trio de jurados as utilidades de uma plataforma on-line capaz de fornecer de forma automática moldes de roupas personalizados, bastando digitar as medidas do cliente e fazer a encomenda. Como o tempo era muito curto, a imagem foi mais forte que as palavras. Uma das estudantes, Juliana Pirani, de 26 anos, trajava uma versão de um vestido usado pela filha do imperador Pedro II, a prin42  z  setembro DE 2015

cesa Isabel (1846-1921), cujo molde foi produzido pelo software desenvolvido pelo grupo, batizado de Clothes for me. Os demais membros da equipe, os professores Luciano Vieira de Araújo, Isabel Italiano e Fausto Viana, e os alunos Bianca Letti, 21 anos, e Daniel Freire Tsuha, 24, usavam uma camisa azul-clara igualmente produzida pelo programa de computador. O júri era composto pelo sueco Jens Bergensten, um dos inventores do game Minecraft, o brasileiro Alex Kipman, criador do Kinect, sensor de movimentos desenvolvido para os consoles Xbox, da Microsoft, e Thomas Middleditch, astro da série Silicon Valley, do canal HBO. Os jurados fizeram algumas perguntas e o grupo da EACH rapidamente deixou o palco, abrindo caminho para a apresentação dos outros finalistas da ImagineCup 2015, competi-

ção mundial de inovação em tecnologias da informação promovida anualmente pela Microsoft. Mais tarde, o presidente da Microsoft, Satya Nadella, anunciou os vencedores e prevaleceu o caráter inovador e o potencial impacto social do projeto brasileiro, voltado para pessoas que necessitam de roupas sob medida e capaz de ampliar o mercado de trabalho de costureiras e alfaiates, além de servir como plataforma para estilistas interessados em comercializar suas criações. O Clothes for Me teve uma conquista inédita: venceu na categoria Inovação, na qual concorria, e ainda levou o primeiro lugar geral da competição, superando os ganhadores das outras duas categorias: uma equipe da Rússia, em Games, e uma da Austrália, em Cidadania. “Vocês representam a paixão de sonhar o impossível e torná-lo


eduardo cesar

Arara com roupas que farão parte de livro sobre trajes históricos, produzidas em algodão cru a partir de moldes feitos utilizando a plataforma

possível. Foi um prazer para mim ver a paixão e a inovação que vocês mostraram hoje”, disse Nadella, ao fazer o anúncio. Além de um troféu, a equipe ganhou US$ 50 mil e uma vaga na Microsoft Ventures, programa de aceleração de startups e treinamento de jovens empreendedores, que os levará de volta a Seattle por quatro semanas a partir de outubro. Também terão uma sessão de mentoria com Satya Nadella. “A competição da Microsoft busca reconhecer soluções que tenham impacto global e apostamos que o nosso projeto tinha esse perfil. Foi

gratificante ver que estávamos certo”, diz Luciano Vieira de Araújo, professor de Sistemas da Informação da EACH e membro do grupo de pesquisa interdisciplinar que reúne os professores da área de moda, Isabel Italiano, e de cenografia, Fausto Viana. O projeto de pesquisa que resultou na plataforma começou a ser gestado em 2010, quando estudantes e professores dos cursos de moda e de sistemas de informação da escola começaram a trabalhar no desenvolvimento de um software para produzir moldes sob medida. “A professora Isabel me procurou e propôs que criássemos um programa capaz de melhorar a vida da costureira, com o qual ela pudesse facilmente obter moldes apenas digitando as medidas do cliente”, diz Araújo. “A costureira sabe tirar medidas e costurar a peça, mas

em geral depende de alguém que faça os moldes”, afirma Isabel Italiano. O primeiro passo do grupo foi analisar softwares profissionais usados pela indústria de moda. “Os programas existentes exigem treinamento técnico de quem os utiliza e não eram acessíveis para costureiras e alfaiates”, afirma Juliana Pirani, que se graduou na EACH em moda em 2013 e hoje faz mestrado na instituição. A equipe do curso de sistemas de informação incumbiu-se de desenvolver um algoritmo capaz de adaptar moldes às medidas de um cliente. “Não se tratava apenas de criar um molde que crescesse ou diminuísse de acordo com as proporções do corpo do cliente, mas de obter um algoritmo para redesenhar o molde segundo as medidas informadas”, diz o mestrando Daniel Tsuha. “A composição de um molde, com suas curvas pESQUISA FAPESP 235  z  43


Abaixo, réplica de vestido da princesa Isabel em tamanho infantil. Ao lado, da esq. para a dir., os alunos Bianca, Daniel e Juliana (trajando versão do vestido da princesa Isabel), a professora Isabel Italiano e, ao fundo, os professores Viana e Araújo

Juiz da competição alertou para o perigo de receber na plataforma desenhos pirateados de roupas de grife

são oferecidos e comercializados. Bianca também consultou bancos de dados de startups. Não encontrou nenhuma iniciativa parecida.

O

e derivações, tem grande complexidade. Tivemos de nos debruçar sobre questões de anatomia e sobre como produzir um molde em duas dimensões a partir de uma modelagem em três dimensões”, observa Luciano Araújo. “Não bastava criar uma roupa que coubesse. Não era um exercício acadêmico. A roupa precisava ter bom caimento e qualidade.” Levou algum tempo para que o algoritmo fosse desenvolvido. Foi preciso aprender a representar um molde e indexar seus dados, de modo que fosse possível recuperá-los e adaptá-los às medidas do usuário. “Moldes são dinâmicos. Há camisas com manga curta, manga longa ou 44  z  setembro DE 2015

sem manga. Cada peça tem um conjunto de medidas e regras diferentes. A dificuldade era achar a melhor representação dessa complexidade”, explica Araújo. Outro desafio foi criar uma interface de uso intuitivo. “Fomos criando um sistema no qual um modelista pudesse facilmente inserir e cadastrar o seu molde e uma costureira conseguisse obter a modelagem personalizada de um cliente a partir de suas medidas, podendo imprimi-lo em pedaços até mesmo em uma impressora doméstica”, diz Bianca Letti, graduanda do curso de sistemas de informação responsável por criar um ambiente virtual em que os moldes

passo seguinte foi fazer testes com o software. A princípio, o uso do programa foi validado com peças básicas, como camisas e saias. A prova de fogo veio em 2013. Isabel Italiano passou dois dias fechada numa sala do Instituto Feminino da Bahia, em Salvador, copiando o modelo de um vestido original usado pela princesa Isabel, uma peça de desenho complexo, guardada no acervo da instituição. O vestido foi reconstruído em algodão branco, etapa necessária para validar o molde, que foi então cadastrado no software. O Núcleo Traje de Cena, Indumentária e Tecnologia da EACH, coordenado pelo pesquisador Fausto Viana, propôs então um desafio para costureiros e cenógrafos: que reproduzissem a roupa da princesa em qualquer tamanho, com liberdade também para usar cores e tecidos diferentes do original, desde que utilizando o software para gerar os moldes. Deu certo e cinco vestidos derivados do traje, incluindo até mesmo um feito nas proporções de uma boneca, foram expostos em uma mostra no Senac, em São Paulo, no início deste ano. O modelo vencedor na competição, feito pelo cenógrafo José Alfredo Beirão, uma recriação que transformou o modelo verde e amarelo em um traje noturno em vinho e preto, foi usado por Juliana Pirani na final da ImagineCup, em Seattle. “Perguntamos ao Beirão o que tinha achado do software. Ele nos disse que era simples e fácil e que a ferramenta poupou pelo menos um dia de trabalho, tempo que ele gastaria para fazer o modelo”, diz Isabel Italiano. O grupo também prevê aplicações no campo da cenografia, com a possibilidade de reproduzir trajes de época para espetáculos, e em museologia, com a


fotos  eduardo cesar

popularização de peças de roupas dos acervos de museus a partir de moldes oferecidos na internet. A equipe de professores passou uma temporada no Victoria and Albert Museum, em Londres, e no Museu Nacional do Traje, em Lisboa, estudando roupas antigas. O resultado desse trabalho será divulgado num livro que analisa a história da modelagem no século XIX, a ser publicado ainda neste ano, que terá links para a plataforma on-line nos quais os usuários poderão obter moldes de algumas peças. As possibilidades do software são variadas. Um pesquisador indiano que avaliou o Clothes for me em Seattle na semana que antecedeu à premiação sugeriu o uso do software, em seu país, para a fabricação de trajes típicos que são tradicionalmente feitos pela população em festividades. Durante a validação do programa, o grupo da EACH produziu moldes de trajes típicos, como vestidos de festa junina e de baianas, que foram levados pelo professor Fausto Viana a um curso de modelagem que ministrou em uma escola de teatro e moda em Hong Kong, no ano passado. As quatro semanas em que o grupo participará do programa de aceleração em Seattle serão dedicadas à busca de

O software também pode ter aplicações na cenografia e na museologia, permitindo a reprodução de trajes de época um modelo de negócios que defina, entre as aplicações possíveis, quais são as mais apropriadas para que a plataforma ganhe escala rapidamente. O sucesso nessa tarefa poderá ajudá-los na etapa decisiva do projeto, que é atrair investidores para a startup. Alguns riscos foram apontados durante a ImagineCup, como o perigo de inclusão na plataforma de moldes piratas, copiados de roupas de grife sem a

autorização de seus criadores ou o pagamento de direitos autorais. “A depender da abordagem da questão da propriedade intelectual, a ideia pode se tornar viável ou inviável comercialmente”, alertou Thomas Middleditch, membro do júri. A aposta do grupo é reunir parceiros diversos, incluindo desde cooperativas de corte e costura, estilistas e até revistas de moda, em torno do projeto da startup. “Há um potencial para criar renda para vários tipos de profissionais com nosso software”, diz Luciano Araújo. “Uma costureira que hoje trabalha 10 horas por dia produzindo o mesmo tipo de peça para um fornecedor poderia, com o nosso sistema, fazer roupas sob medida para clientes e aumentar sua renda, assim como um estilista poderia oferecer seus modelos cobrando royalties a cada vez que alguém fizer o download de um molde criado por ele. Da mesma forma, uniformes escolares de escolas estaduais poderiam ser fabricados em cada cidade, usando a força de trabalho de cooperativas locais”, afirma Juliana Pirani. “A ideia não é excluir ninguém da cadeia produtiva da moda, mas, ao contrário, criar novas oportunidades para quem está dentro dela e quem deseja entrar.” n Fabrício Marques pESQUISA FAPESP 235  z  45


ciência  entrevista  Nigel Lockyer y

A física das alianças Diretor do Fermilab espera que pesquisadores brasileiros participem de megaexperimento sobre neutrinos Carlos Fioravanti e Marcos Pivetta

D

esde setembro de 2013, quando assumiu o cargo de diretor do Fermilab, o principal laboratório de física de partículas dos Estados Unidos, Nigel Lockyer, físico escocês criado no Canadá com cidadania americana, tem dedicado boa parte de seu tempo a atrair novos parceiros internacionais para o Deep Underground Neutrino Experiment (Dune), megaprojeto bilionário que tentará descobrir novas propriedades dos neutrinos, uma fugidia partícula elementar, quase desprovida de massa, que viaja a uma velocidade muito próxima à da luz. Embora sejam considerados a segunda partícula mais abundante do Universo, perdendo apenas para os fótons, os neutrinos são extremamente difíceis de serem detectados pois apresentam interação tênue com outras partículas.

46  z  setembro DE 2015

O projeto Dune prevê a construção de uma fonte subterrânea emissora de um feixe de neutrinos no Fermilab, nos arredores de Chicago. Esse feixe de partículas viajará sob a terra e será flagrado por dois detectores: um a 600 metros de profundidade, localizado no Fermilab, e um segundo, maior, situado a 1,47 quilômetro de profundidade, no Sanford Lab, em Lead, localidade de Dakota do Sul, distante 1.300 quilômetros de Chicago. Nessa longa jornada apartada da atmosfera, os neutrinos, esperam os físicos envolvidos no projeto, devem fornecer pistas sobre suas características mais elementares e talvez ajudar a entender por que o Universo tem mais matéria do que antimatéria. “O Fermilab é um grande laboratório que precisa de um grande projeto, que envolva os melhores cientistas e realmente amplie nosso conhecimento”, diz Lockyer, ex-diretor


Léo Ramos

se propõem a sediar um projeto internacional de megaciência em física em solo próprio. Nesta entrevista, concedida durante visita à FAPESP no mês passado, Lockyer fala dos planos para a montagem do experimento e da possível participação brasileira no projeto. Qual o propósito de sua visita ao Brasil? O principal é discutir a física de neutrinos que será feita no Dune, que vemos como o futuro do programa de pesquisa em física de partículas nos Estados Unidos. O Dune está apenas começando. Tenho discutido com [Carlos Henrique de] Brito Cruz [diretor científico da FAPESP] a possibilidade de o Brasil participar desse projeto desde o início, opinando sobre a seleção das tecnologias que nele serão usadas. Queria encontrá-lo pessoalmente. Até então tínhamos conversado apenas por telefone, a última vez durante a Copa do Mundo no ano passado.

“Acredito muito no planejamento global para a física de partículas. Deveríamos aproximar os planos, porque precisaremos de uma máquina ainda maior no futuro”

do Triumf, o laboratório de física de partículas do Canadá. Ele reconhece que os Estados Unidos ficaram em segundo plano na área de física de partículas depois que a Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (Cern) inaugurou em 2008 o Grande Colisor de Hádrons (LHC), o maior acelerador de partículas do mundo, nos arredores de Genebra. No ano passado, o chamado relatório P5, produzido por um grupo de especialistas em física de partículas, recomendou que os Estados Unidos deveriam concentrar seus esforços na área e abrigar em solo americano um grande experimento sobre neutrinos, além de continuar colaborando estreitamente com o LHC e de apoiar a construção de um colisor linear de partículas no Japão. O Dune é esse grande projeto com neutrinos. É a primeira vez que os Estados Unidos

Como está a colaboração internacional para implementar o Dune? Já temos 26 países envolvidos, a maioria da Europa. Nas Américas, o Brasil é o país que tem demonstrado mais interesse. Alguns pesquisadores do estado de São Paulo já estão trabalhando no Fermilab em experimentos, tanto com feixes de neutrinos como com feixes de partículas eletricamente carregadas, que são uma plataforma de desenvolvimento e avaliação de ideias para o Dune. A ideia básica é criar um feixe de neutrinos no Fermilab e, como a Terra é curva, apontá-lo para baixo e fazê-lo emergir no lugar certo. Estamos construindo um experimento em uma antiga mina de ouro chamada Homestake, em Dakota do Sul, a cerca de 1 milha de profundidade. Por estar a 4.850 pés de profundidade [1,47 quilômetro], chamamos esse local de nível 4850. Construiremos um detector criogênico, com argônio líquido, com uma massa total de 70 mil toneladas. Ele será inacreditavelmente grande. O orçamento total do projeto é de US$ 1,5 bilhão? Essa é apenas a parte dos Estados Unidos. Não falamos sobre o total para não assustar ninguém. Não há um projeto pronto. Estamos convidando todo mundo a participar do projeto desde o início e perguntamos o que cada um gostaria de fazer. Coloco todas as possibilidades na mesa. Temos seguido de perto a estrutura de governança do LHC porque vimos que ele é um modelo bem-sucedido. Contar com as agências de fomento à pesquisa em cada decisão é importante. Mas é necessário ter um conselho superior, como o do Cern, para arbitrar quando necessário. Já o governo dos Estados Unidos quer uma única pessoa no comando, que possa ser consultada quando houver algum problema. pESQUISA FAPESP 235  z  47


Esse enfoque internacionalizado é diferente do habitualmente adotado pelos Estados Unidos, que costumam tocar seus projetos de forma mais independente? Sim, muito diferente. É a primeira vez que os Estados Unidos se propõem a sediar um projeto internacional de megaciência em física em solo próprio. É também a primeira vez que o Cern investirá em um projeto de outro país. Prometemos ajudá-los no LHC e eles prometeram nos ajudar com os neutrinos. Esse novo cenário é consequência de um trabalho bem-sucedido no LHC e também da falta de financiamento a pesquisa, não apenas nos Estados Unidos? Acredito muito no planejamento global para a física de partículas. Os projetos são muito grandes. Temos o plano europeu, o dos Estados Unidos, o da Ásia. Pouco a pouco, deveríamos aproximar os planos, porque precisaremos de uma estrutura ainda maior no futuro. Temos de aprender a trabalhar conjuntamente desde o começo. O diretor do Escritório de Política Científica e Tecnológica, John Holdren, tem mostrado muito interesse no Dune. Ele disse que é desse modo que deveríamos fazer as coisas no futuro. O secretário de Energia, Ernest Moniz, tem formação na área de física de neutrinos e entende muito bem o que estamos tentando fazer.

o Cern aprovou uma verba para construir uma plataforma de desenvolvimento que permitiria sua união a um programa de pesquisa em neutrinos de algum país. Deixou-se em aberto se esse país seria os Estados Unidos ou o Japão. Isso, no entanto, permitiu aos físicos da Europa trabalhar no Cern para desenvolver protótipos de componentes de detectores de neutrinos. O Japão também considera a possibilidade de investir em um grande experimento com neutrinos que seria um concorrente do Dune? Certamente. Eles podem optar por construir uma extensão do seu detector atual de neutrinos, o Super-K, que hoje tem

Gostaríamos que o Brasil formasse um grupo de 10 pesquisadores principais, focados em uma área

Quais as dificuldades para tocar esse novo experimento com neutrinos? A parte difícil é convencer o governo dos Estados Unidos a começar o projeto antes de ter a certeza de que outros países participarão do Dune. Mas costumo dizer que, se começarmos, outros virão atrás. Todos estão envolvidos, mas os acordos de investimento levam anos. Apostamos em um acordo com o Cern, que dará ao governo a confiança na participação de outros países. O Cern representa as agências de financiamento de 21 países. Em setembro, o organismo europeu votará o orçamento. Há um ano, 48  z  setembro DE 2015

um tanque de 50 mil toneladas de água. Eles falam em alcançar até 1 milhão de toneladas de água, algo inacreditável. Mas essa ampliação vai depender da decisão que tomarem a respeito de construir ou não o Colisor Linear Internacional. Claro que gostaríamos que o Japão se juntasse a nós. Teremos que esperar para ver qual é a sua posição. Não acredito que eles possam tocar os dois projetos, o do colisor e o de neutrinos. Que tipo de parceria no Dune o senhor propõe para o Brasil? Estamos tentando motivar os físicos brasileiros interessados no nosso programa a, primeiramente, por meio de uma colaboração, estabelecer-se no Fermilab.

Eles devem dizer o que querem fazer, apontar de qual parte do detector eles gostariam de ser os responsáveis. Todos os grupos estão trabalhando assim. Em seguida, viria a parte de financiamento da pesquisa. Ainda não estive em nenhum outro país da América do Sul, mas há sinais de interesse de outros. Aqui há físicos que já se uniram a experimentos do Fermilab para desenvolver suas pesquisas. Gostaríamos que o Brasil pensasse na possibilidade de formar um grupo de 10 pesquisadores principais, com massa crítica focada em uma área. É assim que fazemos no Canadá: focamos em áreas específicas de modo a ter impacto científico. Os físicos brasileiros se interessaram pela área de coleta de luz. Quando uma partícula eletricamente carregada atravessa o argônio líquido, ela emite luz em frequências diferentes. Nesse caso, o mais óbvio seria construir detectores na faixa do ultravioleta distante para registrar informações muito rápidas porque se trata de luz. No Dune, estaremos olhando para as propriedades de neutrinos que virão de um feixe de partículas criado no Fermilab, de neutrinos oriundos da colisão dos raios cósmicos na alta atmosfera, que cria uma chuva de partículas, e também de neutrinos provenientes da explosão das estrelas, como supernovas. O detector com argônio líquido permite identificar e separar os diferentes tipos de neutrinos. Será possível ver detalhes da formação de uma estrela de nêutrons. Se tivermos sorte, essa estrela de nêutrons formará um buraco negro, cujo sinal poderemos ver. É correto dizer que os físicos de partículas dos Estados Unidos, Europa e Japão dividiram entre si as diferentes linhas de pesquisa desse campo de conhecimento, visto que não há verba para todos se dedicarem a tudo? As agências de financiamento é que dizem que não se pode fazer tudo em todo lugar. Os físicos jamais diriam isso, porque gostariam de fazer tudo em todo lugar! Mas, de fato, não é possível traba-


Reidar Hahn / Fermilab

lhar assim, seria preciso muito dinheiro. O Dune é um projeto imenso. Ninguém vai construir um projeto similar em outro lugar. Não faria sentido. É preciso reunir todos os especialistas do mundo para construir os equipamentos do Dune. E temos de fazê-los funcionar. Durante mais de 20 anos o Fermilab trabalhou com colisões de partículas em altas energias [antes do LHC, o maior acelerador de partículas foi o Tevatron, do Fermilab, que funcionou entre 1987 e 2011]. Os Estados Unidos chegaram a começar a construção de um supercolisor no Texas, que seria maior e mais potente do que o LHC, mas o projeto foi cancelado no início dos anos 1990 por questões financeiras. O LHC foi adiante. Surgiu então a questão: quem quer fazer um colisor linear, que é uma máquina para estudar com mais precisão as partículas? A Europa já tem o LHC. Os Estados Unidos poderiam fazer o colisor linear. Mas ele é caro demais. Quando cheguei no Fermilab, disse que eles deveriam investir em um feixe de neutrinos de forma conjunta com outros países. Não há razão para fazerem isso sozinhos. As coisas não funcionam assim hoje. O Cern não terá um feixe de neutrinos. A prioridade deles é explorar o LHC e fazer a pesquisa com neutrinos em outro lugar. Assim, o que estamos fazendo é pedir ajuda. Podemos fazer mais à medida que mais parceiros queiram contribuir com o projeto. Na física de neutrinos é a massa total que importa. Poucos neutrinos devem interagir com o detector a cada dia, talvez apenas um. Então se pudermos dobrar o tamanho do detector, haverá dois neutrinos interagindo. Depois do LHC, não compensa mais construir máquinas pequenas para fazer descobertas na área de física de partículas? Algumas coisas serão pequenas, mas haverá projetos de megaciência – e esses serão cada vez maiores. O acelerador que deverá suceder o LHC tem sido chamado de Future Circular Collider, FCC. Dizemos, em tom de brincadeira, que FCC pode significar Future Cern Collider, Future Chicago Collider ou Future China Collider. O significado da sigla vai depender de onde estará sediado o acelerador, que poderá ter 100 quilômetros de circunferência. O mundo quer construir essa máquina, mas, ironicamente,

O gerador Cockcroft-Walton, uma das etapas do acelerador de partículas do Fermilab

nenhum país tem recursos suficientes para isso. Então o FCC será uma máquina mundial. Não há dúvidas sobre isso. Ninguém sabe também para onde vai a física de neutrinos. É um novo espaço a ser explorado, em certo sentido. Quando o detector de neutrinos do Dune deverá entrar em operação? Em 2021 ou 2022 pretendemos começar o comissionamento de seu primeiro módulo. Falamos em dois números, massa total e massa fiducial [de referência]. A massa total é de 17 mil toneladas e a massa fiducial é de 10 mil toneladas. Parte da massa é usada como blindagem, protegendo o detetor de rochas e de raios cósmicos. A massa que realmente importa é a de 10 mil toneladas. Essa tecnologia já foi escolhida por meio da colaboração [com pesquisadores de outros países], mas outras coisas ainda não foram decididas e podemos optar por fazer algo de forma um pouco diferente. Quantos físicos e pesquisadores vão participar do Dune? No momento, há 775 pesquisadores prin-

cipais, que assinaram a proposta de adesão. Mas o número deve dobrar. É um grupo grande. Há também os pós-doutores, estudantes e outros. É correto dizer que, com o LHC, a liderança em física de partículas foi perdida para a Europa? Sim, é justo dizer isso. Essa é a minha tarefa, consertar esse problema. A primeira coisa que temos a fazer é começar a cavar um buraco em Dakota do Sul. Esse é o plano, será o sinal mais forte que os Estados Unidos podem dar de que estão avançando com o projeto. Esperamos que isso comece no ano fiscal de 2017, como está no orçamento que estamos discutindo agora. Dessa forma, o financiamento começaria em outubro de 2016, daqui a um ano. O experimento em si tem até 2019 para decidir o que realmente vai ser construído. A definição sobre a melhor forma de construir o primeiro dos quatro módulos do detector de neutrinos, por meio dos protótipos no Cern e no Fermilab, tomará dois ou três anos de trabalho pesado. Temos de trabalhar com rapidez. n pESQUISA FAPESP 235  z  49


Físico-Química y

1

no nanotubo Confinada nessa ínfima estrutura a -69ºC, água apresenta simultaneamente duas densidades distintas

Imagem de microscopia eletrônica de microtubos de difenilalanina (acima à esq.). Cada fio do microtubo é um nanotubo (à dir.). A água fica no centro do nanotubo, em um espaço com 1 nanômetro de espessura (detalhe, ampliado 65 mil vezes) 50  z  setembro DE 2015

A

zero grau Celsius (ºC), a água normalmente se solidifica, virando gelo. Mas, em certas condições específicas, mesmo a temperaturas bem abaixo do ponto de congelamento, ela se mantém líquida e apresenta propriedades termodinâmicas peculiares. Um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do ABC (UFABC) acredita ter flagrado um comportamento singular das moléculas de H2O quando submetidas a uma situação extrema. Confinada em micro e nanotubos feitos do composto orgânico difenilalanina e submetida à temperatura de 204 Kelvin (K), ou -69,15ºC, a água não só permanece no estado líquido, algo já conhecido, como exibe simultaneamente duas fases distintas, uma possibilidade teórica até agora não demonstrada em laboratório. “Há uma coexistência de água de alta e de baixa densidade quando a armazenamos nessas condições controladas”, afirma o físico Herculano Martinho, da UFABC, um dos autores de um experimento que forneceu evidências da ocorrência desse duplo rearranjo das moléculas de H2O quando submetidas às condições acima descritas. Os resultados do estudo, feito sem alteração da pressão atmosférica incidente sobre as diminutas estruturas com água confinada, foram publicados em 1º de junho no periódico científico Physical Chemistry Chemical Physics (PCCP). As amostras de H2O líquidas foram analisadas por meio das técnicas de espectroscopia Raman, capaz de determinar em alta resolução os detalhes estruturais de um material ou substância, e de difração de raios X. Os pesquisadores encontraram evidências de duas “assinaturas físico-químicas” distintas para a água presa nos micro/ nanotubos a -69°C. “Usamos os nanotubos mais simples que existem para estudar as propriedades da água confinada”, explica o químico Wendel Alves, da UFABC, outro

imagens 1 Michelle da Silva Liberato  2 Thiago de Carvalho Cipriano

H2O

2


autor do estudo. Os trabalhos do grupo coordenado pela dupla de pesquisadores são financiados pela FAPESP e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Aprisionar a água em micro/nanotubos da molécula biológica é mais fácil do que um leigo pode imaginar. Todo o processo ocorre de forma espontânea, natural, sem nenhum controle de temperatura e pressão, de acordo com uma receita já consagrada. O primeiro passo é sintetizar em laboratório ou adquirir a difenilalanina, peptídeo presente na formação de fibras beta-amiloide na doença de Alzheimer, que pode ser ordenada na forma de micro/ nanotubos em um processo de cristalização. “Misturamos os aminoácidos com álcool butílico e água”, conta Martinho. Em uma ou duas horas, formam-se as diminutas estruturas de difenilalanina com moléculas de água no interior dos canais. “Os nanotubos funcionam como uma esponja e retêm a água”, compara Alves. A olho nu, as estruturas estudadas não passam de um montinho de pó branco. Em nível molecular, o arranjo interno do material é mais complexo, embora seja fácil de ser alcançado. As moléculas de difenilalanina se ligam em grupos de seis e formam uma estrutura circular. No centro desse hexâmero, espaço equivalente a 1 nanômetro de diâmetro, ficam aprisionadas em média 24 moléculas de

H2O. Essas estruturas circulares com água no meio se ligam entre si no plano vertical e originam nanotubos. A junção de vários nanotubos forma um microtubo de difenilalanina (ver quadro). Os nanotubos funcionam como tijolos porosos que se agregam para moldar as paredes permeáveis à água do microtubo. A facilidade e o baixo custo de produzir essas estruturas tornaram os estudos com nanotubos feitos de peptídeos um tema frequente na literatura científica atual. Há grupos no Brasil e no exterior analisando a possibilidade de usá-las em diferentes áreas, como biossensores, carregadores de drogas no interior do corpo humano ou até geradores de energia em miniatura (ver Pesquisa FAPESP nº 174). Segundo Ponto Crítico

Por sabidamente conter água líquida em seu interior, os micro/nanotubos de difenilalanina são uma boa estrutura para analisar possíveis alterações nas propriedades das moléculas de H2O a baixas temperaturas. “Entender o comportamento da água confinada é importante para a biologia e até para a indústria espacial”, comenta Martinho. “Boa parte da água no corpo humano está armazenada em nano e microcanais. No espaço, parte da corrosão do equipamento ocorre pelo acúmulo de água em nanoporos.” Em seu experimento, Martinho, Alves

A água superfria que não congela O estranho comportamento das moléculas de H2O presas em nanotubos

infográfico ana paula campos  ilustraçãO fabio otubo

Moléculas de difenilalanina Moléculas de água com densidade maior

Moléculas de água com densidade menor A união de vários nanotubos origina um microtubo feito do peptídeo difenilalanina Fonte UFABc

Cada nanotubo se forma a partir do empilhamento de estruturas circulares desse composto

As moléculas de difenilalanina são as paredes da estrutura, em cujo centro fica a água

A -69 ºC, a água confinada se mantém líquida e apresenta duas densidades diferentes, segundo estudo da UFABC

e seus colegas analisaram o comportamento da água confinada no intervalo de temperatura entre 290 K (16,85ºC) e 10 K (-263,15ºC). Aos 204 K, registraram um comportamento anômalo na água, que denotaria a coexistência de arranjos distintos das moléculas de H2O. A possibilidade de a água líquida super-resfriada apresentar concomitantemente duas fases diferentes é denominada, no jargão dos físico-químicos, seu segundo ponto crítico. Por definição, o ponto crítico de um material é representado por uma determinada temperatura e uma certa pressão em que dois estados distintos dessa substância, quase sempre o líquido e o gasoso, coexistem. Em outras palavras, trata-se de uma situação extremamente específica em que não se consegue dizer se o material é líquido ou gasoso, pois ele é ambos ao mesmo tempo. A água exibe um (primeiro) ponto crítico quando aquecida a 647 K (374 ºC) e mantida a uma pressão 218 vezes maior do que a atmosférica. Nessa situação, não se consegue diferenciar a água líquida de seu vapor. Nas últimas duas décadas, vários autores propuseram que a água, a baixíssimas temperaturas, poderia apresentar um segundo ponto crítico, no qual se manteria na forma líquida, mas teria duas densidades distintas, uma mais viscosa e outra, menos. Como praticamente tudo cristaliza nessas condições, essa hipótese teórica é de difícil comprovação. “Confinar a água evita formar o cristal e, dessa maneira, o segundo ponto crítico seria visível”, diz a física teórica Márcia Barbosa, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que estuda comportamentos anômalos das moléculas de H2O. “O artigo dos pesquisadores da UFABC traz indícios de um segundo ponto crítico da água. Ele não dá a martelada final no tema, mas é um grande avanço.” n Marcos Pivetta

Projeto Auto-organização hierárquica de peptídeos anfifílicos: mecanismos fundamentais e potenciais aplicações (nº 2013/12997-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Wendel Alves (UFABC); Investimento R$ 374.155,00.

Artigo científico FERREIRA, P. M. et al. Relaxation dynamics of deeply supercooled confined water in L,L-diphenylalanine micro/nanotubes. Physical Chemistry Chemical Physics. 1º jun. 2015.

pESQUISA FAPESP 235  z  51


GEOMORFOLOGIA y

A história da

paisagem na areia dos rios Análises de grãos de quartzo em planícies fluviais revelam processos recentes de transformação do relevo Carlos Fioravanti

52  z  setembro DE 2015

G

rãos de areia extraídos das margens de rios estão trazendo à tona informações sobre mudanças no relevo e delineando possíveis variações do clima nas regiões sudeste e nordeste nos últimos 20 mil anos. Dois estudos publicados em abril na Revista Brasileira de Geomorfologia apresentam diferentes idades obtidas com a análise de cristais de quartzo dos depósitos de areia das margens de dois rios paulistas, o Mogi Guaçu e o Corumbataí, e sugerem a ocorrência de períodos de chuvas intensas alternados com outros, de chuvas escassas. Não são casos isolados. Geógrafos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), os autores desses trabalhos, encontraram grãos de quartzo com idade variando de 200 a 3.500 anos em nove rios de São Paulo e caracterizaram os movimentos de construção e reconstrução de planícies


fluviais, que, com as outras formas de relevo, formam o que o geógrafo francês Jean Tricart chamava de epiderme da Terra. As conclusões desse e de outros estudos foram obtidas por meio de uma técnica de análise chamada luminescência opticamente estimulada, que revela quando um cristal de quartzo foi exposto à luz solar pela última vez antes de ser coberto por sedimentos mais recentes. Os resultados fortalecem as conjecturas sobre a evolução da paisagem brasileira propostas há 50 anos pelo geógrafo Aziz Ab’Saber e pelo zoólogo Paulo Vanzolini. Eles afirmavam que a alternância entre clima seco e clima úmido teria sido decisiva para construir e esculpir o

relevo e determinar a formação do solo e a expansão ou retração de florestas e do Cerrado em todo o país. As análises dos cristais de quartzo, a serem confirmadas ou ajustadas por outras abordagens, também questionam conceitos estabelecidos. “Os dados obtidos mostram que a paisagem tropical é frágil e recente, diferentemente do que se afirmava”, diz o geógrafo Archimedes Perez Filho, professor do Instituto de Geociências da Unicamp. Com sua equipe, ele percorreu 8.610 quilômetros e coletou 93 amostras de areias de nove rios paulistas que desaguam no Paraná (ver mapa na página 54). “As possíveis oscilações climáticas nos últimos 20 mil anos não são apenas regionais”, diz Ar-

chimedes, com base em observações realizadas também ao longo do rio Itapicuru e na foz do rio Jequitinhonha, na Bahia. “A ideia de que a paisagem, as florestas e o solo são muito antigos, com centenas de milhares ou milhões de anos, precisa ser revista. Não é o que estamos vendo”, reitera o geógrafo Antonio Carlos de Barros Correa, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Segundo ele, a técnica de luminescência opticamente estimulada pode fazer datações de até 1 milhão de anos, mas as idades obtidas até agora não passaram de 100 mil anos. Ele próprio encontrou uma idade máxima de 40 mil anos em levantamentos realizados nos estados de Piauí, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande

equipe archimedes perez filho / ig-unicamp

Planície do rio Beija-Flor, em Minas Gerais: um dos lugares estudados para se conhecer melhor o clima nos últimos 20 mil anos

pESQUISA FAPESP 235  z  53


do Norte e Alagoas. “Sedimentos mais antigos já foram levados para o mar”, afirma Correa. As diferentes idades dos cristais de quartzo indicam que a intensidade dos processos erosivos poderia variar por região. “Cada região tem uma história climática própria, mais ou menos conectada com a região vizinha, até mesmo de modo oposto. Quando chovia no Sudeste, fazia seca no nordeste, de modo alternado”, diz Correa, que tem visto sinais de que o clima no nordeste foi muito mais dinâmico do que se pensava. “Identificamos sinais de chuvas torrenciais nas encostas do planalto da Borborema, em Pernambuco, há 17 mil anos. Em uma fase de clima seco no nordeste, portanto, houve momentos de muita chuva, que podem ter durado décadas.” A análise dos movimentos dos sedimentos transportados pelas chuvas o levou a cogitar que “a paisagem é transformada aos poucos, por meio de pulsos climáticos de grande intensidade, sem ciclos definidos, e não de modo contínuo”.

Rios que levam ao passado Análises de sedimentos coletados em 93 pontos de planícies fluviais ajudaram a desenterrar a história da paisagem

São José dos Dourados

Pardo Jacaré Guaçu Santo Anastácio

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Mogi Guaçu

Peixe Jacaré Pepira

Corumbataí Piracicaba

Atibaia

Capivari Itapetininga Rios examinados

São Paulo

Planalto Ocidental Paulista Depressão Periférica Paulista Planalto Atlântico Fonte  Equipe archimedes perez filho/ig-unicamp

A formação dos rios

Archimedes identificou variações da vazão dos rios ao examinar cristais de quartzo colhidos de profundidades entre 80 centímetros e 1 metro nos altos e baixos terraços. Os altos terraços, localizados entre 30 e 50 metros acima do nível atual dos rios, constituíram as áreas antes inundadas, com seixos do fundo de leito, enquanto os baixos estão de 3 a 5 metros acima do nível atual dos rios. Segundo ele, o volume de água determinou a ampliação das planícies, em épocas mais secas, ou seu entalhamento, formando degraus, em períodos mais chuvosos, em que o rio transbordava para além de seu leito. “O clima tem de ser quente e seco, com chuvas torrenciais, para os terraços se expandirem”, diz ele, “enquanto o entalhamento dos leitos dos rios se faz por meio de chuvas contínuas, predominantes no clima quente e úmido”. As análises dos cristais de quartzo delinearam quatro períodos de acúmulo de sedimentos nas planícies dos rios – portanto, de provável clima seco – nos últimos 2 mil anos entre os nove rios examinados. O primeiro foi de cerca de 200 a 300 anos atrás, o segundo de 600 a 700 anos, o terceiro de 1.100 a 1.200 e o quarto de 1.900 a 2.000 anos. “Tais

Turvo

O hemisfério sul pode ter tido um período de clima quente e seco, enquanto o norte vivia a pequena idade do gelo

pulsos estão sendo também identificados na Argentina, por equipes de geomorfólogos que estudam processos glaciares”, diz Archimedes. Os climatologistas ainda não conseguiram delinear ciclos com tamanha precisão e observam que a formação das planícies não deveria ser considerada um indicador direto

de variações climáticas, embora outros estudos tenham indicado uma aceleração nos processos erosivos nos últimos 4 mil anos, em consequência das chuvas mais intensas e frequentes. “Com as informações climatológicas atuais, muitas delas com períodos de registros de menos de 100 anos, é muito difícil identificar ou avaliar ciclos climáticos na escala de centenas de anos”, comenta o climatologista José Marengo, pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas aos Desastres Naturais (Cemaden), que analisa a variação do clima de ano para ano no último século. “Indicadores paleoclimáticos podem ser úteis para preencher as lacunas no conhecimento sobre o clima na escala de milhares de anos e para comparar os mecanismos de variabilidade climática do presente com os do passado.” Cada rio guarda sua própria história. Períodos mais secos ocorridos há cerca de 5.060 anos, 2.570 e 1.070 anos devem ter favorecido a deposição de sedimentos nos altos e baixos terraços do rio Corumbataí, enquanto os baixos terraços do Mogi Guaçu parecem ter se formado ao mesmo tempo ou em períodos secos


1

fotos 1 arquivo público do Estado de são paulo 2 equipe archimedes perez filho/ig-unicamp  ilustração do mapa  pedro hamdan

Transformações: o salto Quatiara, perto de Tupã, foi uma das corredeiras desfeitas com as hidrelétricas do rio Peixe (ao lado), hoje mais largo e profundo do que há um século

mais recentes, a 1.900, 1.150 e 630 anos. As datações, ressalta Archimedes, têm uma margem de erro em torno de 10% para mais ou para menos. Em 2012, Fred Teixeira Trivellato, do mesmo grupo, repetiu – e comparou – as medições realizadas pelos integrantes da Comissão Geográfica e Geológica do Estado de São Paulo em 1906 no rio Peixe, um dos afluentes do Paraná. Trivellato verificou que, diferentemente dos comentários dos moradores da região, a largura, profundidade do leito e velocidade e vazão do rio aumentaram, em consequência da expansão das áreas urbanas e da agricultura e da retirada da vegetação nativa. “Antes, com as florestas, a infiltração da água no solo era maior”, diz Archimedes. “Hoje, quando chove, a água escoa mais rapidamente para os rios.” Outra mudança é que, em consequência da construção dos reservatórios das hidrelétricas, as corredeiras desapareceram. Cerrado também recente

Cada região ou trecho estudado pode apresentar um mosaico de áreas com diferentes idades. A geógrafa Gizelle Prado da Fonseca, em seu doutorado, a ser

defendido até o fim deste ano, verificou que a idade das planícies de uma região ao norte do Pantanal, em Mato Grosso, varia de menos de 10 mil a 70 mil anos. “Esses estudos mostram como o relevo é produzido e esculpido e como a vegetação se instala e se recompõe”, comentou o geógrafo Jurandyr Ross, professor da Universidade de São Paulo (USP) que orientou o estudo no Pantanal. A equipe da Unicamp verificou que a idade dos terrenos atualmente ocupados pelo Cerrado no interior paulista varia de 12 mil a 15 mil anos, bem menos do que se esperava. Portanto, concluiu Archimedes, as diferentes fisionomias atuais do Cerrado devem ter essa idade aproximada, já que a vegetação depende da formação do solo para se manter. A conclusão converge com outros estudos, como os de Luiz Carlos Pessenda, do Centro de Energia Nuclear da USP, que identificou registros de Cerrado com pelo menos 15 mil anos em fragmentos de carvão naturalmente soterrados no solo na região de Jaguariúna e Campinas. O biólogo Marcelo Simon, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargen), observa: “A idade do solo

não está necessariamente ligada à vegetação associada a ela. Vegetações bastante recentes podem estar assentadas em terrenos muito antigos”. Antes de formarem uma vegetação específica, as árvores que hoje caracterizam o Cerrado provavelmente estavam dispersas em meio a outras, com as araucárias, mais adaptadas ao clima frio que deve ter predominado na região sudeste há cerca de 20 mil anos. O geólogo Francisco Cruz, professor do Instituto de Geociências da USP, participou de um estudo publicado em 2012 que indicou intensas variações do clima, inferidas a partir da análise da proporção de formas de oxigênio em minerais de cavernas e sedimentos de lagos, nos últimos 2 mil anos no estado de São Paulo. Agora é a vez de a equipe da Unicamp detectar sinais de oscilações do clima por volta do ano 1100, 2 reforçando a ideia de que o hemisfério Sul possa ter tido um contraponto de clima quente e úmido, com muita chuva, à chamada pequena idade do gelo, verificada no hemisfério norte nessa mesma época. Para ampliar suas conclusões, Archimedes começou a colher amostras de materiais do solo nas planícies de rios da chapada de Uberlândia e Uberaba, em Minas Gerais. “Eu queria ter 20 anos a menos e os equipamentos que tenho hoje”, diz o geógrafo, hoje com 67 anos. n

Projeto Evolução da paisagem e geocronologia do relevo no planalto ocidental e na depressão periférica paulista/ SP (nº 2012/00145-6); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Archimedes Perez Filho (IG/Unicamp); Investimento R$ 258.247,58.

Artigos científicos STORANI, D. L. e PEREZ FILHO, A. Novas informações sobre geocronologia em níveis de baixo terraço fluvial do rio Mogi Guaçu, SP, Brasil. Revista Brasileira de Geomorfologia. v. 16, n. 2, p. 191-9. 2015. DIAS, R. L. e PEREZ FILHO, A. Geocronologia de terraços fluviais na bacia hidrográfica do rio Corumbataí-SP a partir de luminescência opticamente estimulada (LOE). Revista Brasileira de Geomorfologia. v. 16, n. 2, p. 341-9. 2015. VUILLE, M. et al. A review of the South American monsoon history as recorded in stable isotopic proxies over the past two millennia. Climate of the past. v. 8, p. 1309-21. 2012.

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Biologia molecular y

A estrutura matemática do DNA Pesquisadores brasileiros mostram por meio de equações que o código genético é similar ao funcionamento do sistema digital

U

m grupo de pesquisadores brasileiros das universidades Estadual de Campinas (Unicamp) e de São Paulo (USP) está mostrando em artigos científicos que sequências genéticas podem ter uma estrutura matemática semelhante aos Códigos Corretores de Erros (ECC, sigla de error-correcting codes) utilizados tanto no sistema de transmissão como de gravação digital. Os ECCs são um conjunto de comandos embutidos em softwares instalados nos chips de computadores, em equipamentos de telecomunicações, televisores e smartphones para corrigir informações digitais com defeitos ao longo de uma conversa telefônica ou, por exemplo, no armazenamento de dados no disco rígido de um computador. A mesma lógica matemática, de acordo com os pesquisadores, está presente na formação do DNA – o ácido desoxirribonucleico que carrega nas células os genes

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e todas as instruções para a formação e a manutenção de um ser vivo. No estudo, eles comparam as equações algébricas de um código corretor de erros com certas sequências do DNA, atribuindo uma lógica aos nucleotídeos que formam o genoma – timina (T), guanina (G), citosina (C) e adenina (A) – e descobriram que há padrões ligando o nucleotídeo a um número. Assim, dependendo do tipo de sequência, o A é representado pelo 0, o C é 2, o G, 1 e o T, 3, por exemplo. Na linguagem digital, formada de bits, as informações são traduzidas em 0 ou 1. “Mostramos que o DNA tem sequências que seguem estruturas matemáticas e as mesmas regras da comunicação digital”, conta Márcio de Castro Silva Filho, do Departamento de Genética da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP. “A sequência de DNA não é aleatória, segue um padrão”, diz Márcio.

ilustraçãO  sandro castelli

Marcos de Oliveira


O mais recente estudo do grupo foi publicado em julho na revista Scientific Reports, da mesma editora da Nature. Na introdução, eles escreveram que os sistemas de comunicação biológica e digital têm semelhanças em relação aos procedimentos correspondentes utilizados para transmitir a informação de um ponto para outro. De acordo com os pesquisadores, a informação contida no DNA é copiada (transcrita) na forma de RNA que irá orientar a ordenação dos aminoácidos nas proteínas necessárias ao funcionamento da célula com uma lógica matemática. No estudo, eles apresentam uma ferramenta computacional para compreender a via evolutiva do código genético ao analisar, por exemplo, a Arabidopsis thaliana, planta-padrão de estudos genéticos, e a formação dos nucleotídeos em agrupamentos de três letras chamados de códons. Em casos raros, esse agrupamento biológico – TGA,

por exemplo – apresentou diferenças que não se encaixavam nos resultados apresentados pelo ECC. Ao apresentar o problema no Congresso Brasileiro de Genética em 2011, Márcio ouviu uma pergunta do biólogo Everaldo Barros, da Universidade Católica de Brasília, que o ajudou a encontrar um caminho. Barros queria saber se aquela alteração em um códon no DNA da batata-doce (Ipomoea batatas) não se referia a um código ancestral. Márcio e o engenheiro eletrônico Reginaldo Palazzo Júnior, da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp, outro coordenador do grupo, empenharam-se em achar a resposta. Junto com as doutorandas Luzinete Cristina Bonani Faria e Andréa Santos Leite da Rocha, eles mostraram que a diferença detectada entre a sequência derivada do código de erros para a biológica é uma mutação que não bate com as equações pESQUISA FAPESP 235  z  57


matemáticas do genoma primordial da batata-doce, encontrado em sequências de organismos mais antigos como as algas prymnesophytes ou variantes mitocondriais ancestrais do código genético. A mitocôndria é uma organela da célula que guarda resquícios de material genético mais remoto. Assim, apenas o DNA mais antigo se encaixa na equação. “A sequência do gene que codifica a subunidade delta da proteína F1-ATPase da batata-doce apresenta o códon TGG que codifica o aminoácido triptofano. Entretanto, a sequência gerada pelo código matemático para o códon triptofano era TGA, o que introduziria um stop na síntese da proteína, inviabilizando a sua função. A princípio, essa alteração gerada pelo código matemático estaria errada", diz Márcio. Quando verificamos o aminoácido triptofano que está ali ancestralmente, codificado pelo códon TGA, a conta fechou, então compreendemos que ali aconteceu uma mutação”, diz Reginaldo. Esse tipo de mutação já era conhecido por meio do processo bioquímico, mas nunca havia sido identificado por processo matemático. Os pesquisadores fazem agora um estudo filogenético para saber mais sobre a evolução das espécies do ponto de vista matemático e biológico. Eles analisam sequências genéticas para verificar se as mutações encontradas apresentam nos indivíduos características relevantes para a funcionalidade da espécie. Os estudos atuais estão sendo feitos em genomas de

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No futuro, o estudo por meio de estruturas matemáticas de genes ligados a doenças poderá levar à correção de problemas como o diabetes

plantas e animais para confirmar se de fato o modelo matemático tem uma relação estrita com o que ocorre na biologia. A descoberta levou o grupo a depositar uma patente internacional do modelo de uso do sistema desenvolvido por eles, que já foi concedida nos Estados Unidos. “Essa estrutura matemática poderá ser importante na área de engenharia de proteínas para a elaboração de organismos geneticamente modificados, novos medicamentos, vacinas e alterar a sequência de DNA em futuros sistemas de terapia gênica, ou, ainda, produzir e descobrir novas proteínas a partir do código matemático”, explica Márcio, um engenheiro agrônomo com mestrado e doutorado em genética e biologia molecular e especialista em transporte de proteínas. Seria possível também, no futuro, em um tratamento contra o diabetes, por exemplo, estudar os genes ligados à doença por meio de uma estrutura matemática e corrigi-los para que o problema desapareça. Márcio prevê que a indústria farmacêutica terá grande benefício com essa nova forma de ver o DNA porque tanto o entendimento das doenças como a formulação de medicamentos com alvo mais específico de ser atingido estarão facilitados com o uso do código matemático. Alterações sequenciais

Entre matemáticos e cientistas da computação, o código utilizado pelos pesquisadores brasileiros é conhecido pelas letras BCH, iniciais do francês Alexis Hocquenghem e dos indianos Raj Chandra Bose e Dwijendra Kumar Ray-Chaudhuri, que o descobriram entre 1959 e 1960. O BCH é apenas um dos códigos corretores de erros existentes. Utilizando esse código, biólogos, bioquímicos e farmacêuticos, possivelmente com a colaboração de matemáticos, poderão fazer análises preliminares com as sequências no computador para testar a alteração de aminoácidos, proteínas e mutações e só então ir para o laboratório verificar se o resultado está correto. “A existência de uma estrutura matemática em sequências de DNA implica uma complexidade computacional enorme, porém factível para a realização de análises e previsões de mutações”, diz Reginaldo, que é engenheiro eletrônico e atua nas áreas das teorias da informação e codificação. Atualmente, esse processo de alteração para produção de um organismo geneticamente modificado ou de


um medicamento é realizado por meio de extensivos testes laboratoriais. A função do código matemático nos processos biotecnológicos será de minimizar a ocorrência de erros no núcleo da célula, depois da transcrição gênica do DNA para o RNA, o ácido ribonucleico que dirige a síntese da proteína nos ribossomos. A possibilidade da associação de códigos de correção de erros com sequências de DNA não é nova. Um dos principais estudiosos do assunto é o professor Hubert Yockey, que atua na área desde a década de 1980 na Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos. Outro pesquisador da área é Gérard Battail, professor aposentado da Escola Nacional Superior de Telecomunicações, na França, que publicou vários artigos propondo a relação entre código de correção de erros e genoma. Eles têm demonstrado o processo e levantado hipóteses, mas não apresentaram as efetivas relações matemáticas com o DNA. Os brasileiros conseguiram estabelecer essa relação nas sequências genéticas produtoras de proteínas. “Ao conhecermos a estrutura matemática do gene que codifica a proteína, é possível alterar a ordem das bases e também corrigir as mutações ou erros que possam acontecer para ela voltar à condição original de uma proteína”, diz Márcio. O estudo inicial surgiu com Reginaldo, que indicou às duas doutorandas, em 2008, o desafio de modelar a transmissão da informação, no caso as proteínas, entre o núcleo celular e a mitocôndria. Para isso, Luzinete e Andréa procuraram então Márcio de Castro, na Esalq. O diálogo foi estabelecido e as duas passaram a testar alguns modelos matemáticos de sistemas de comunicação com o objetivo de encontrar um que se adequasse ao modelo biológico. Depois de alguns meses, elas mostraram o resultado para Márcio, que, no início, pensou haver apenas uma coincidência entre as sequências geradas pelo ECC e a biológica em relação aos aminoácidos. Com o avanço dos estudos, foram realizados levantamentos de sequências de DNA de diferentes seres vivos e o resultado se manteve independentemente da espécie. A descoberta teve também a participação do então doutorando João Henrique Kleinschmidt, engenheiro da computação que hoje é professor na Universidade Federal do ABC (UFABC), e mais

Nesta página e na outra, as letras e número em vermelho indicam mutação na sequência genética

recentemente da bióloga Larissa Spoladore, doutoranda da Esalq, e do biólogo Marcelo Brandão, professor da Unicamp. Em 2009, Márcio, Reginaldo, Luzinete e Andréa submeteram um artigo à revista Eletronic Letters, que foi publicado na edição de fevereiro de 2010 (ver Pesquisa FAPESP nº 178). “Agora com a publicação na Scientific Reports, acreditamos que a comunidade mundial da área das ciências biológicas poderá se interessar mais”, diz Márcio. “Não existe outro grupo fazendo pesquisa nesse sentido segundo a literatura aberta, até onde sabemos, porque pode ter alguém da indústria farmacêutica, de forma fechada, desenvolvendo algo nesse sentido.” “Como várias outras descobertas científicas, essa deverá ter um caminho longo para ser aceita e utilizada. Eles deram um salto que, sem nenhuma dúvida, é uma quebra de paradigma”, diz o biólogo Rogério Margis, professor do Centro de Biotecnologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Imagino que existirão novos desafios com a descoberta desse padrão que transcende a sequência linear das bases e adiciona mais uma camada de complexidade e de padrões de código na molécula de DNA. Para expandir esse tipo de análise será necessário ter uma grande infraestrutura computacional”, comenta Rogério.

“Até agora os estudos deles não tiveram o impacto e a repercussão esperada na comunidade científica. Um problema é que o estudo, embora único, engloba áreas distintas como biologia e matemática, que pouco conversam”, diz. “Já apresentei os estudos em eventos no exterior, mas acho que há uma certa desconfiança por várias razões. O assunto é extremamente complexo, poucas pessoas conseguem transitar nas duas áreas, da genética e dos códigos corretores de erros, o grupo é de brasileiros e o trabalho de 2010 foi divulgado em uma revista da área de engenharia elétrica”, explica Márcio. O interesse maior pelos estudos, segundo ele, deve partir do pessoal da biologia molecular e da biotecnologia. Do lado da matemática, seriam os grupos de teoria da informação e comunicação. Mas isso só vai acontecer se houver uma integração multidisciplinar, como aconteceu no caso da descoberta. n

Projetos 1. Código matemático de geração e decodificação de sequência de DNA e proteínas: utilização na identificação de ligantes e receptores (n° 2008/04992-0); Modalidade Programa de Apoio à Propriedade Intelectual (Papi); Pesquisador responsável Márcio de Castro Silva Filho (USP); Investimento R$ 13.200,00 e US$ 20.000,00. 2. Herbivory and intracellular transport of proteins (nº 2008/52067-3); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Márcio de Castro Silva Filho (USP); Investimento R$ 1.392.217,77 e US$ 169.187,06. 3. Biologia de sistemas aplicada à agricultura: análise de transcriptomas e interactomas (nº 2011/00417-3); Modalidade Programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes; Pesquisador responsável Marcelo Mendes Brandão (Unicamp); Investimento R$ 199.169,39 e US$ 3.846,15.

Artigos científicos Brandão, M. M., et al. Ancient DNA sequence revealed by error-correcting codes. Scientific Reports. v. 5, n. 12051. jul. 2015. Faria, L. C. B., et. al. Transmission of intra-cellular genetic information: A system proposal. Journal of Theoretical Biology. v. 358, p. 208-31. out 2014. Faria L. C. B., et al. Is a Genome a Codeword of an Error-Correcting Code? PLoS ONE. v. 7, n. 5, e 36644. mai. 2012. Faria, L. C. B. et. al. DNA sequences generated by BCH codes over GF(4). Electronics Letters. v. 46, n°. 3, p. 202-3. fev 2010.

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zoologia y

No mato

com cachorro Cães ajudam a definir áreas de ocorrência de cervídeos farejando fezes para extração do DNA André Julião

G

ranada já encontrou mais de 1.800 amostras de fezes de veado, mas se vir um desses animais na natureza provavelmente não saberá do que se trata. Embora tenha colaborado para o estudo de espécies como as dos veado-mão-curta (Mazama nana), veado-mateiro (M. americana), veado-mateiro-pequeno (M. bororo) e veado-catingueiro (M. gouazoubira), quatro das oito espécies de cervídeos catalogadas no Brasil, a cadela só tem um objetivo: localizar o cheiro para o qual foi treinada e ganhar o agradecimento em forma de carinho e uma bolinha de tênis dos integrantes do Núcleo de Pesquisa e Conservação de Cervídeos (Nupecce), da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Jaboticabal – o único grupo de pesquisa brasileiro concentrado no estudo desse grupo de animais. No mais recente trabalho em que a cadela colaborou com pesquisadores coordenados pelo professor José Maurício Barbanti Duarte, da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Unesp, foram percorridas 46 áreas protegidas 60  z  setembro DE 2015

das regiões Sul e Sudeste brasileiras. Em parte graças às fezes encontradas por Granada e seu antecessor, Apolo, os pesquisadores conseguiram definir a área de ocorrência das quatro espécies na Mata Atlântica por meio da identificação do DNA dos cervídeos presente em 555 amostras fecais colhidas em 30 desses lugares. Eles descobriram que o veado-mateiro-pequeno, espécie descrita em 1996 por Duarte (ver Pesquisa Fapesp nº 65), ainda pouco estudada, está fortemente associada aos 37.517 quilômetros quadrados (km2) da densa floresta na região chuvosa ao longo da costa brasileira, o que mostra a dependência de um tipo restrito de vegetação e clima para a sobrevivência da espécie, de acordo com artigo ainda não publicado. “É o maior animal endêmico do Brasil e possivelmente o que tem a menor distribuição geográfica dentre todos os cervídeos neotropicais já descritos”, diz Duarte. O uso de cães farejadores é um dos grandes trunfos do pesquisador e coordenador do Nupecce, que utiliza os cachorros em coletas de campo desde 2002 – antes da vira-lata Granada, quem fazia


jorge morales / unesp

Veado-catingueiro: monitorado por marcação e transmissor de rádio

as buscas era o springer spaniel Apolo, morto em 2007 aos 12 anos. Cães farejadores são usados em pesquisas para a localização de fezes de lobo-guará, onça-pintada, suçuarana e tamanduá-bandeira, no Brasil, além de raposas e até mesmo baleias, no exterior (neste último caso, a bordo de um barco cujo condutor segue indicações do parceiro canino para rumar até os dejetos flutuantes). Sem os cães, provavelmente se saberia ainda menos sobre os cervídeos brasileiros que, de audição e olfato apurados, saltam e correm ao menor sinal de perigo. “Não adianta ficar de tocaia; eles sentem nosso cheiro”, lembra Duarte, acostumado a embrenhar-se na mata em busca desses mamíferos, normalmente sem sucesso, desde a graduação. “Em um projeto de pesquisa sobre o veado-mateiro-pequeno, capturamos apenas três indivíduos em quatro anos de buscas”, conta. Além da dificuldade de localização, soma-se o fato de as espécies do gênero Mazama serem crípticas, ou seja, tão parecidas que só é possível determinar a diferença entre elas com segurança por meio de testes de DNA. Amostras de sangue e outros tecidos são ideais para extrair o material genético de qualquer animal, mas como é raro capturar os veados na natureza não resta opção para os pesquisadores dessas espécies senão usar as fezes, que em 2013 eles mostraram ser uma possibilidade viável para a pesquisa sobre veados em artigo na Genetics and Molecular Research. É aí que entra Granada, treinada pela Polícia Militar. O adestramento é parecido com o dos cães que buscam entorpecentes em aeroportos, só muda o cheiro a ser encontrado. “Para procurar drogas, os cachorros andam presos em uma guia e têm apenas uma área pequena para procurar: uma sala, algumas malas. Aqui nós temos florestas ou campos inteiros”, conta Márcio Leite de Oliveira, doutorando pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) e pesquisador do Nupecce. pESQUISA FAPESP 235  z  61


Mamíferos ameaçados Das espécies de cervídeos que vivem no Brasil, metade é vulnerável à extinção

Cervo-do-pantanal Blastocerus dichotomus

Veado-campeiro Ozotoceros bezoarticus

Por isso, a segunda parte do treinamento dos cachorros é feita com os próprios pesquisadores, andando na mata sem a guia. Em cerca de uma semana indo a campo todos os dias os animais começam a entender o que devem fazer. Em um mês, já ajudam os pesquisadores. “Enquanto andamos na trilha, ela vai procurando as fezes num raio em torno da gente, aumentando em muito a área de busca”, explica Pedro Peres, pesquisador do Nupecce. “Ela pode achar apenas um cíbalo embaixo da vegetação, sem nem mesmo vê-lo”, conta, se referindo ao termo usado para fezes em forma de bolinhas. Mesmo com as fezes coletadas, porém, as dificuldades continuam. Enquanto extrair DNA de sangue e tecidos é uma técnica consagrada, o mesmo não se pode dizer do excremento. Uma das dificuldades é obter DNA suficiente nas amostras – além de escasso, degrada-se rapidamente nesse tipo de material. “Existem enzimas e microrganismos que degradam o DNA assim que as fezes caem no chão”, explica Duarte. Além disso, em cada amostra há não só o material genético do animal que o expeliu como das plantas que ele comeu, das bactérias presentes no seu trato digestório e também no solo. “Qualquer pelo de outro animal que estiver ali ou mesmo de quem o coletar pode contaminar a amostra”, diz. Por isso, além de demandar amostras frescas, cujo DNA ainda não se degradou tanto, os pesquisadores precisam separar o que é realmente material genético dos veados. Para isso, a equipe de Duarte criou, em 2002, os primeiros marcadores genéticos específicos para o gênero Mazama, permitindo diferen62  z  setembro DE 2015

Veado-mateiro-pequeno Mazama bororo

ciar o gênero e suas cinco espécies em qualquer amostra. Ao encontrar as fezes, marcar os pontos no GPS e determinar a espécie que esteve ali, os pesquisadores do Nupecce obtêm um conjunto valioso de dados sobre a área de ocorrência dos cervídeos. Além disso, podem relacionar os animais com o ambiente em que são encontrados (tipo de vegetação, umidade do ar, temperatura). Esses dados reunidos dão uma estimativa de onde os animais se encontram e qual o seu hábitat, informações essenciais para embasar políticas de conservação, como a definição de áreas de proteção. No rastro dos veados

Parte dos dados da pesquisa mais recente, com espécies da Mata Atlântica, é fruto da pesquisa de doutorado de Oliveira, que está definindo áreas prioritárias para a conservação do veado-mateiro e do veado-mão-curta e deve defender a tese nos próximos meses. “Sabendo onde estão localizados e qual o tipo de vegetação que utilizam para viver, podemos fornecer dados para que se protejam essas áreas”, afirma. Os cervídeos brasileiros são ameaçados sobretudo pela perda de hábitat, mas somam-se a esse fator as doenças transmitidas pelo gado, a caça e a predação por cães. Os encontros entre fauna silvestre e cachorros são comuns na fronteira entre unidades de conservação e áreas de ocupação humana. Mesmo sozinhos, cães podem detectar veados e persegui-los por horas. Os cervídeos são conhecidos pela agilidade e reação rápida, ideais para fugir das onças (Panthera onca) e suçuaranas (Puma concolor), mas não

Veado-mão-curta Mazama nana

Veado-catingueiro Mazama gouazoubira

Veado-mateiro Mazama americana

Veado-da-amazônia Mazama nemorivaga

Veado-galheiro Odocoileus virginianus n  Vulnerável n  Menos preocupante n  Dados insuficientes Fonte iucn


foto  eduardo cesar  infográfico ana paula campos  ilustraçãO  pedro hamdan

Granada: recompensada com bola e afagos quando encontra fezes de veados

dos cães, que podem correr por grandes distâncias. Mesmo quando não são pegos, os veados podem morrer em decorrência de uma síndrome causada pela intensa atividade física durante a fuga, a miopatia de captura. Granada, por ser treinada para localizar apenas fezes, não ameaça os cervídeos. Outra consequência provocada pelo contato com áreas de ocupação humana é a transmissão de enfermidades bovinas, como a língua azul e a doença epizoótica hemorrágica, que não matam bois e vacas, mas causam hemorragias letais nos veados. As pesquisas com DNA fecal geram dados para mudar a própria definição das espécies que vivem em solo nacional. “Já temos indícios para propor a divisão do gênero Mazama, que está presente do México à Argentina”, diz Duarte. De acordo com ele, pelo menos dois gêneros devem ser criados para enquadrar os atuais Mazama nemorivaga, conhecido como veado-roxo ou veado-da-amazônia, e M. gouazoubira, o veado-catingueiro. “É possível que ainda sejam descritas quatro ou cinco novas espécies crípticas, de animais que já são conhecidos, mas estão classificados como outras espécies”, afirma. Para obter a abrangência nacional e o número de indivíduos necessários para essa reorganização, as fezes podem ser o único recurso. Os pesquisadores também realizam extensa revisão histórica da literatura e colhem amostras de DNA de material

de museus de história natural para confirmar geneticamente o que foi descrito pela morfologia. Parte do trabalho é realizada pela doutoranda Aline Mantellatto, que colheu fragmentos de ossos de cerca de 400 esqueletos de cervídeos do gênero Mazama da Mata Atlântica depositados em 10 museus brasileiros e no Museu de História Natural de Londres. trabalho de detetive

Metade dos fragmentos já foi classificada e 20 deles mostraram ser de Mazama bororo, mas estavam identificados nos museus como outras espécies. Aline descobriu ainda que a espécie, descrita por Duarte em 1996, já havia sido registrada em 1901 como uma subespécie, M. americana jacunda. Se isso for confirmado, o veado M. bororo deve mudar de nome para Mazama jacunda. O trabalho em campo e no laboratório feito pelos pesquisadores tem ainda o suporte de um criadouro no Nupecce, no qual 58 indivíduos de sete das espécies que ocorrem no Brasil servem como repositório genético e permitem a realização de pesquisas sem que seja necessário capturar animais selvagens. Esse acervo vivo pode ajudar na revisão da classificação desses animais, com limitações. Justamente a que foi descrita por Duarte, por exemplo, não tem um representante ali, tão difícil é sua localização na natureza.

Também difícil de encontrar, pelo menos no estado de São Paulo, é o veado-campeiro (Ozotoceros bezoarticus), que se não for visto nos próximos anos pode vir a ser classificado como regionalmente extinto. Na Estação Ecológica de Santa Bárbara, onde vivia a última população conhecida da espécie no estado, Peres recentemente coletou 73 amostras fecais com auxílio da Granada – todas do veado-catingueiro. Pode ser que o veado-campeiro não esteja mais por ali. Durante um assalto no início de agosto, a única fêmea dessa espécie em cativeiro no Brasil desapareceu do Nupecce, onde havia a esperança de iniciar um programa de reprodução. Para que o cervo-do-pantanal (Blastocerus dichotomus) não tenha destino parecido, o grupo de Jaboticabal conseguiu gerar embriões a partir de uma população de cativeiro para implantá-los em uma fêmea selvagem. O animal foi capturado na natureza e levado para o Nupecce, onde receberá o embrião depois de tratamento hormonal. Depois de prenhe, a fêmea voltará ao local de origem para dar à luz e criar o filhote da “barriga de aluguel” em liberdade. As fases da gravidez serão monitoradas também por meio das fezes, já que os pesquisadores desenvolveram uma metodologia que agora permite reconhecer os diferentes hormônios excretados durante a gravidez, conforme mostra artigo de 2012 na Animal Reproduction Science. A ideia é aumentar a diversidade genética e as chances de reprodução da espécie, vulnerável à extinção, em grande parte por conta da inundação de seu hábitat por barragens de hidrelétricas. A operação envolveu até um helicóptero para localizar e capturar a futura mãe selvagem. Dessa vez, Granada ficou em casa. n

Projeto Os veados-cinza do Brasil (Mammalia: Cervidae: Mazama): a busca das variantes genéticas, morfológicas e ecológicas no sentido de explicar a complexa taxonomia e evolução do grupo (nº 2010/50748-3); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável José Maurício Barbanti Duarte (FCAV-Unesp); Investimento R$ 808.564,00.

Artigos científicos OLIVEIRA, M. L. & DUARTE, J. M. B. Amplifiability of mitochondrial, microsatellite and amelogenin DNA loci from fecal samples of red brocket deer Mazama americana (Cetartiodactyla, Cervidae). Genetics and Molecular Research. v. 12, n. 1, p. 44-52, 16 jan. 2013. KREPSCHI, V. G. et al. Fecal progestins during pregnancy and postpartum periods of captive red brocket deer (Mazama americana). Animal Reproduction Science. v. 137, n. 1-2, p. 62. fev. 2013.

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botânica y

O resgate de uma

espécie A genética, a fisiologia e a ecologia indicam o que fazer para preservar o faveiro-de-wilson, árvore rara que virou símbolo da resistência de Minas Gerais

Rafael Garcia

64  z  setembro DE 2015

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ma árvore frondosa e rara do cerrado mineiro, notável pelos cachos de flores amarelas e pelas favas de sementes com perfume adocicado, ganhou nova perspectiva de conservação. Com apenas duas dezenas de exemplares contados até uma década atrás, o faveiro-de-wilson (Dimorphandra wilsonii) passa agora a ser mais bem conhecido. Nos últimos anos, sua diversidade genética foi mapeada, seus inimigos foram identificados e mais de 200 exemplares encontrados na natureza. Esses resultados ampliam a chance de evitar que a espécie desapareça. O trabalho de entender o que se passava com essa árvore naturalmente rara e relativamente nova para a ciência – foi descrita apenas em 1969 – começou em 2003 com pesquisadores da Fundação Zoo-Botânica (FZB) de Belo Horizonte. O projeto atraiu o interesse de equipes

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de outros centros e tornou a planta símbolo da resistência mineira. Em abril deste ano um grupo liderado por Luiz Orlando de Oliveira, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), publicou o mais recente perfil genético da árvore. Quando iniciou o trabalho, só se conheciam 21 indivíduos adultos na natureza e a preocupação era saber se a preservação do faveiro não estaria comprometida por causa da baixa diversidade genética da espécie, detectada anos antes pelas biólogas Helena Souza e Maria Bernadete Lovato, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “A endogamia, cruzamento entre indivíduos aparentados, pode levar ao aparecimento de características deletérias”, explica Oliveira. “Várias plântulas [embriões] provenientes de sementes que a gente coletou apresentavam clorose [insuficiência de clorofila], indicando


2

1 Raridade: um dos 219 exemplares de faveiro identificados na natureza 2 Biólogos analisam flores do faveiro, amarelas como as do parente pau-brasil 3 O polígono do faveiro: árvores estão na região central de Minas Gerais

3

BA BR

GO

13

5

MG

Paraopeba

ES SP

RJ

Vespasiano

BR

Fonte  Fernandes e Rego, Acta Botanica Brasilica, 2014

0

04

Nova Serrana

Florestal

BR362

Juatuba

Limites dos municípios Rodovias federais

fotos  Fernando M. Fernandes / fZB   mapa ana paula campos  ilustração pedro hamdan

Área de ocorrência

que poderia existir algum problema. Isso talvez seja fruto da endogamia.” Analisando a constituição genética das sementes, porém, Oliveira percebeu que essas árvores não estavam isoladas reprodutivamente: estavam sendo fertilizadas pelo pólen de outros exemplares da mesma espécie, cuja localização era desconhecida. Com a bióloga Christina Vinson, ele concluiu que seria necessário recolher sementes de cerca de 150 árvores para garantir a integridade genética da espécie, embora não se soubesse se esse número existia na natureza. Procura-se

Após submeterem o estudo em junho de 2014 à revista Tree Genetics & Genomes, os pesquisadores receberam uma boa notícia. Em julho, uma equipe da FZB publicou o resultado da busca por novos espécimes, que contabilizou 219

Belo Horizonte

BR 38 4

Indivíduos

faveiros adultos, com capacidade de reprodução, em 16 municípios de Minas Gerais (ver mapa). Esse era o resultado de um projeto – o Programa de Conservação do Faveiro-de-wilson – que durava havia uma década, liderado por Fernando Moreira Fernandes, engenheiro florestal da fundação. Para encontrar as árvores, os pesquisadores produziram cartazes com o título "Procura-se", espalharam pelos municípios da região e conversaram com cerca de mil pessoas. O material ensinava a identificar o faveiro e trazia os contatos dos pesquisadores. A cada alerta positivo, eles iam a campo para confirmar a existência da árvore e mapear sua posição. Com mais de uma centena de exemplares catalogados em 2010, os pesquisadores fizeram uma modelagem da distribuição espacial da espécie, usando variáveis do clima e

do ambiente, para tentar prever onde a árvore poderia ocorrer e escolher alvos para novas expedições. “Agora provavelmente conhecemos a maior parte dos indivíduos que restaram na natureza, porque percorremos toda a região de ocorrência”, afirma a bióloga Juliana Rego, da FZB, que participou do projeto com Fernandes. Segundo Juliana, isso preocupa porque 219 árvores não são suficientes para tirar o faveiro do status de “criticamente ameaçado” de extinção. A principal dificuldade que os pesquisadores enfrentam é que as sementes que germinam em pastagens e são deixadas sem acompanhamento podem não sobreviver. Um estudo da UFMG indicou que o principal inimigo do crescimento da árvore são as braquiárias. Esses capins africanos do gênero Urochloa, introduzidos no país para cobrir pastagens e alimentar o gado, crescem rápido. “Por competição, as braquiárias podem limitar o crescimento das raízes e impedir o desenvolvimento das plântulas”, afirma Marcel Giovanni Costa França, professor da UFMG e um dos autores do estudo, publicado em 2014 na revista Journal of Plant Interactions. Para contornar o problema da competição com o capim africano, o plano de ação nacional para a conservação da espécie, elaborado pela FZB, pelo Centro Nacional de Conservação da Flora e mais 12 entidades, prevê, entre outras medidas, o treinamento de proprietários de terra e de técnicos para tentar conter o avanço dos capins invasores, proteger os faveiros já existentes e plantar novos. Sob condições ideais, em 10 anos o faveiro-de-wilson atinge 15 metros de altura e alcança a maturidade reprodutiva. Multiplicando mudas, plantando-as nos lugares adequados e tentando acompanhar o seu crescimento, a meta do plano é tirar a espécie da condição de criticamente ameaçada de extinção até 2025. n

Artigos científicos FERNANDES, F. M. e REGO, J. O. Dimorphandra wilsonii Rizzini (Fabaceae): distribution, habitat and conservation status. Acta Botanica Brasilica. v. 28, n. 3, p. 434-44. 2014. VINSON, C. C. et al. Population genetics of the naturally rare tree Dimorphandra wilsonii (Caesalpinioideae) of the Brazilian Cerrado. Tree Genetics & Genomes. 2015. FONSECA, M. B. et al. Early growth of Brazilian tree Dimorphandra wilsonii is also threatened by African grass Urochloa decumbens. Journal of Plant Interactions. v. 9, n. 1, p. 92-9, 2014.

pESQUISA FAPESP 235  z  65


Estação de Produção de Água Industrial Aquapolo: exclusivamente para fins não potáveis

66  z  setembro DE 2015

Rogério Reis / Assessoria Aquapolo

tecnologia  ENGENHARIA SANITÁRIA y


Água reciclada Reúso a partir do tratamento de efluentes é alternativa para ajudar no combate à crise de abastecimento Yuri Vasconcelos

A

Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento (Sanasa), órgão responsável pelo fornecimento de água e tratamento de esgoto do 1,1 milhão de moradores de Campinas, no interior paulista, vai iniciar em setembro um estudo pioneiro com a finalidade de implantar no Brasil o primeiro sistema de produção de água de reúso potável, destinada ao abastecimento da população. O projeto será realizado com apoio do Centro Internacional de Referência em Reúso de Água (Cirra), da Universidade de São Paulo (USP), um dos principais órgãos de pesquisa na área. Produzido a partir do tratamento avançado de efluentes domésticos, o reúso é apontado como uma das alternativas para a escassez de água, um problema que surge quando as chuvas são insuficientes, como nos dois últimos anos na região Sudeste. No estudo da Sanasa serão estabelecidos parâmetros e analisados os melhores processos de tratamento a fim de se projetar um sistema em escala real de reúso potável. O projeto em escala-piloto – fase de pesquisas de laboratório que antecede os equipamentos definitivos utilizados na estação de tratamento – terá capacidade para fazer o tratamento de 700 litros de esgoto por hora. “Esse piloto será alimentado com a água de reúso não potável que já produzimos na Epar [Estação Produtora de água de Reúso] Capivari II”, conta o tecnólogo em saneamento Renato Rossetto, gerente de operação de esgoto da Sanasa. “Esperamos finalizar o estudo em sete meses.” A água de reúso pode ser classificada em dois tipos: não potável e potável. Hoje, no Brasil, poucas companhias de abastecimento, entre elas a Sanasa, a Sabesp e a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), produzem água de reúso não potável, que pode ser empregada na lavagem de pisos, descarga de banheiros, irrigação de jardins e culturas agrícolas, caldeiras industriais e sistemas de resfriamento, entre outras finalidades. Já a água de reúso potável, aquela destinada ao consumo direto pela população (para beber, cozinhar e higiene pessoal), precisa atender a padrões elevados de potabilidade e ainda não está disponível no país. Esse tipo de reúso pode ser classificado como direto, quando o efluente tratado é injetado diretamente na rede de distribuição, ou indireto, quando o líquido é despejado nos mananciais usados para captação de água pelas companhias de abastecimento, sofrendo, em seguida, um novo sistema de processamento nas estações de tratamento de água. “Temos tecnologia para tratar efluentes e transformá-los em água de reúso potável, que a população pode beber com segurança, sem risco nenhum. Mas ainda falta no Brasil uma legislação a respeito”, diz o engenheiro Ivanildo Hespanhol, diretor do Cirra e um dos maiores especialistas em reúso de água no Brasil. “Com o projeto da Sanasa pretendemos mostrar que é viável produzir água potável a partir de esgoto e, dessa forma, pressionar as autoridades a criar uma norma específica sobre o pESQUISA FAPESP 235  z  67


assunto”, diz ele. A água de reúso é uma solução moderna, economicamente viável e que conta com tecnologia comprovadamente eficaz, segundo Hespanhol. Essa prática já existe em diversos países, entre eles Estados Unidos, África do Sul, Austrália, Bélgica, Namíbia e Cingapura. “Nunca se detectaram problemas de saúde pública associados ao reúso nesses países”, diz o especialista. Maior companhia de saneamento do país, a Sabesp é a empresa líder na produção desse tipo de água. Com capacidade instalada de aproximadamente 830 litros por segundo, o reúso é feito em quatro estações de tratamento de esgoto (ETEs) da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) – Barueri, Jesus Neto, Parque Novo Mundo e São Miguel – e na Estação de Produção de Água Industrial Aquapolo, um projeto em parceria com a empresa Odebrecht Ambiental. De acordo com a Sabesp, o volume produzido é comercializado para cerca de 50 clientes, entre eles prefeituras, construtoras e indústrias dos setores têxtil, petroquímico e de papel e celulose. O fornecimento, exclusivamente para fins não potáveis, é feito via rede adutora, sendo que uma parcela minoritária dos clientes recebe o líquido por caminhões-pipa. A empresa Aquapolo, criada em 2012 pela Sabesp, é, segundo a companhia, o maior projeto do tipo na América Latina e um dos 10 maiores do mundo. A estação fornece água para o polo industrial de Mauá e indústrias da região do ABC, em São Paulo. limpeza dos rios

Crítico da política de trazer água de lugares distantes para abastecimento dos moradores de São Paulo, Hespanhol afirma que uma solução sustentável e de longo prazo para a crise hídrica em São Paulo passa, necessariamente, pela implantação da tecnologia de reúso. No fim de junho, ele apresentou, durante o workshop Subsídios para Suprimento de Água na Região Metropolitana de São Paulo, realizado na Escola Politécnica da USP, uma proposta que prevê a implantação desse sistema utilizando membranas de ultrafiltração e tecnologias avançadas. Nos primeiros cinco anos do projeto seria implantado um sistema indireto, pelo qual o esgoto seria convertido em água não potável e armazenado em um reservatório, sendo posteriormente tratado para virar água potável e ser distribuído à população. Na segunda etapa, nos cinco anos seguintes, seria implementado o reúso direto. “Tecnologias como membranas, osmose reversa, processos oxidativos avançados e carvão ativado possibilitariam converter o esgoto em água potável para ser distribuída diretamente à população”, explica o diretor do Cirra. Nos 10 anos seguintes seria feita a limpeza dos rios Tietê e Pinheiros, que deixariam de receber efluentes, já que eles estariam sendo reutilizados. 68  z  setembro DE 2015

Estação de água de reúso potável

Fonte cirra

1 TRATAMENTO PRELIMINAR

Ao chegar à estação de reúso,

2 BIORREATOR COM MEMBRANA É formado por finas membranas

o esgoto passa por um

permeáveis de ultrafiltração. Com poros

gradeamento e por uma caixa

que variam de 0,01 a 0,1 micrômetro de

de areia para a retenção de

diâmetro, eles retêm partículas em

resíduos no nível de milímetros

suspensão, inclusive vírus e bactérias

O Brasil já domina a tecnologia de fabricação de membranas de ultrafiltração, componente fundamental dos biorreatores com membrana (ou MBR, sigla para Membrane BioReactor), que é o sistema mais empregado para a produção de água de reúso. “A pesquisa para desenvolvermos no Cirra o protótipo de uma membrana de ultrafiltração começou em 2009, com um projeto Pipe [Programa de Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas] da FAPESP, envolvendo a Escola Politécnica e a empresa Ambihidro Engenharia Ambiental”, conta o engenheiro químico José

No laboratório do Cirra, biorreator com membranas para ultrafiltração fabricado pela empresa Ambihidro


Modelo proposto pelo Centro Internacional de Referência em Reúso de Água (Cirra) a ser implantado em Campinas

3 OSMOSE REVERSA

foto  eduardo cesar infográfico ana paula campos  ilustraçãO alexandre affonso

Aqui o efluente tem baixa carga de

4 PROCESSOS OXIDATIVOS AVANÇADOS

5 RETENÇÃO E CERTIFICAÇÃO

Antes de ser distribuída para a população,

Na etapa final, o efluente recebe água

poluentes, mas ainda carrega

oxigenada e é submetido à radiação

a água de reúso potável passa por um

impurezas. A membrana de osmose

ultravioleta para a formação do radical

balanceamento químico para correção do

reversa elimina sais, reduz a carga

hidroxila (·OH). Esse elemento oxida os

pH e eventual adição de microelementos

microbiana e elimina hormônios

compostos químicos ainda presentes na água

(ferro, zinco etc.)

Carlos Mierzwa, professor do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Poli-USP. Essas membranas, dotadas de poros com 0,01 a 0,1 micrômetro de diâmetro, são uma barreira eficiente, capaz de reter partículas sólidas com diâmetro mil vezes menor do que um fio de cabelo, inclusive vírus e bactérias. “Existem no mundo menos de 10 fabricantes de grande porte desse produto. Nossa intenção é disponibilizar a tecnologia que criamos por meio de uma parceria entre o Cirra e uma companhia interessada ou, mesmo, pela transferência de tecnologia”, diz Mierzwa, que também é o coordenador de projetos do Cirra. Um estudo comparativo conduzido pela doutoranda Izabela Major Barbosa, aluna da Poli e orientanda de Mierzwa, mostrou que as membranas sintetizadas no Cirra tiveram melhor desempenho do que os modelos comerciais. “A adição das nanopartículas de argila na composição do material levou à redução da adesão de biofilme na membrana, o que elevou a capacidade de filtração. Com isso, nossa membrana apresentou melhor resultado do que as outras”, explica Izabela. O biofilme a que ela se refere é formado por partículas retidas nos poros da membrana. As membranas de ultrafiltração fazem parte da etapa inicial do tratamento do esgoto nas estações de reúso, que podem ter diferentes configurações (ver no infográfico as etapas básicas de um sistema-padrão). Em seguida, o efluente, já livre de boa parte da carga de contaminantes, é

submetido a tratamentos avançados em série, baseados no conceito de múltiplas barreiras, para tornar o produto próprio para uso. “A configuração do sistema avançado de tratamento deve ser pensada em função das características do esgoto a ser tratado”, explica Ivanildo Hespanhol. “Mas, seja qual for, a tecnologia hoje disponível possibilita a produção de uma água de reúso segura para consumo”, diz o pesquisador. “O uso do efluente doméstico é um caminho natural para termos um processo sustentável na produção de água no país”, afirma o especialista em recursos hídricos Gesner Oliveira, ex-presidente da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e sócio da consultoria GO Associados. “Hoje, a água de reúso representa menos de 1% do consumo nacional de água. Seria muito interessante se houvesse mais incentivo para essa prática e o governo estabelecesse metas para elevar paulatinamente esse percentual.” n

Projetos 1. Produção de sistemas de membranas de polissulfona e de membranas de polissulfonas nanocompósitas de micro e ultrafiltração para tratamento de água para fins potáveis (nº 2006/51800-3); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Ivanildo Hespanhol (Ambihidro); Investimento R$ 50.408,54 e US$ 5.770,83. 2. Avaliação de membranas modificadas de ultrafiltração em biorreatores de membranas submersas (nº 2013/06821-6); Modalidade Bolsa de Doutorado (Izabela Major Barbosa); Pesquisador Responsável José Carlos Mierzwa (USP); Investimento R$ 112.085,22.

pESQUISA FAPESP 235  z  69


pesquisa empresarial y

A vez da biotecnologia na biomassa GranBio investe em P&D para superar os desafios da segunda geração de etanol Marcos de Oliveira

Gonçalo, em pé, à esquerda, e a equipe de pesquisa e desenvolvimento da GranBio, em Campinas. Atrás, fardos de palha de cana

empresa

A

palha da cana-de-açúcar deixada no campo após a colheita é a principal matéria-prima da GranBio na produção de etanol. Em setembro de 2014 a empresa foi a primeira a produzir no Brasil, em escala fabril, o etanol celulósico ou de segunda geração (2G) fabricado a partir de biomassa por um processo biotecnológico. A forma tradicional, de primeira geração, produz o combustível com base no caldo da cana. Com sede na capital paulista, a empresa de biotecnologia industrial foi fundada em 2011 e atua do começo ao fim da cadeia produtiva, procurando soluções científicas e tecnológicas em diversas frentes do sistema de produção agrícola e industrial. A empresa já obteve conquistas tecnológicas importantes como uma leve70  z  setembro DE 2015

dura modificada geneticamente e uma variedade de cana voltada à produção de etanol 2G. A fábrica Bioflex 1 foi instalada em São Miguel dos Campos, Alagoas, ao lado da Usina Caeté, produtora de etanol de primeira geração. É dela e de três outras usinas da região que são obtidas as palhas da cana. O etanol celulósico é produzido de forma experimental em poucas usinas comerciais no mundo. São duas nos Estados Unidos, que usam como matéria-prima caules e folhas de milho; uma na Itália, com folhas de trigo; e em julho deste ano a Raízen, em Piracicaba, inaugurou uma usina que usa bagaço e palha de cana. A estratégia inicial da GranBio foi trazer tecnologia do exterior para acelerar o processo produtivo. Foram escolhidos ingredientes como leveduras da DSM, da Holanda, e enzimas da dinamarquesa

GranBio

Centro de P&D Campinas, SP

Nº de funcionários 18

Principais produtos Desenvolvimento de tecnologia para a produção de etanol a partir das folhas e do colmo da cana-de-açúcar


Novozymes. Ao mesmo tempo, a empresa montou a área de pesquisa e desenvolvimento (P&D), localizada em Campinas. “O que fazemos é converter ciência em tecnologia”, diz Gonçalo Amarante Guimarães Pereira, sócio e cientista-chefe da empresa. Aos 51 anos, é professor há 18 anos do Laboratório de Genômica e Expressão do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Do grupo de pesquisadores que lidera, a maioria foi recrutada na universidade. Atualmente são 18 pesquisadores e técnicos trabalhando diretamente com P&D: oito doutores, dois mestres e quatro doutorandos.

léo ramos

Levedura especial

A equipe foi responsável pelas duas conquistas tecnológicas anunciadas recentemente. A primeira é a elaboração de uma

levedura capaz de processar a xilose, açúcar presente na hemicelulose, uma das três principais fibras das folhas e do colmo da cana, junto com a celulose e a lignina. “Na primeira geração, a cepa de levedura industrial [da espécie Saccharomyces cerevisiae] consome a sacarose e a frutose existente de forma solúvel no caldo da cana para produzir etanol; no bagaço, os açúcares das fibras das folhas, como xilose e pentose, não estão solúveis e a levedura não os reconhece”, explica Gonçalo. Para tornar a levedura apta a processar a xilose, a equipe da GranBio desenvolveu uma linhagem geneticamente modificada com um gene de outro microrganismo – que preferem não revelar – e alguns genes modificados da própria Saccharomyces. O organismo já foi aprovado para uso comercial pela coordenação-geral da

Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) em abril e seu uso é objeto de uma patente depositada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). “Vamos começar a usar a levedura geneticamente modificada em 2016 na linha de produção.” O aproveitamento da xilose, segundo Gonçalo, representa um ganho de cerca de R$ 50 milhões anuais para a empresa, que pretende processar 400 mil toneladas de biomassa por ano. “A glicose representa 40% desse material e a xilose, 25% [a pentose compõe cerca de 35%], o que significa cerca de 100 mil toneladas. Para a segunda geração ser rentável é preciso processar a xilose e outros açúcares encontrados na palha e no bagaço.” O trabalho de engenharia genética realizado na levedura teve à frente o biólogo Leandro Vieira dos Santos, de pESQUISA FAPESP 235  z  71


1 Em Pauliceia (SP), à esquerda, a cana tradicional e, à direita, a cana-energia 2 Palha da cana no laboratório de biologia molecular 3 Amostras de cana no laboratório de química analítica

1

32 anos. “Fizemos um estudo para identificar quais seriam os genes e as combinações favoráveis para a Saccharomyces passar a consumir a xilose”, diz Leandro, que cursa o doutorado na Unicamp. Formado na Universidade Federal de Viçosa (UFV), onde fez mestrado em microbiologia, ele, depois de trabalhar dois anos na empresa de biotecnologia Agrogenética, resolveu fazer o doutorado com leveduras e procurou Gonçalo em 2011, quando o pesquisador montava a equipe da GranBio. Hoje, com a levedura pronta, Santos se dedica a aperfeiçoá-la. A propagação e o escalonamento do microrganismo são tarefas do engenheiro em biotecnologia Luige Calderon. Peruano formado pela Universidade Católica de Santa Maria, em Arequipa, fez o mestrado na Unicamp e, em 2012, foi

convidado a trabalhar na GranBio como pesquisador na área de bioprocesso. “Eu seleciono microrganismos utilizando engenharia genética e evolutiva, desenvolvendo, por exemplo, o meio de cultivo mais adequado”, explica. A genética de leveduras também levou Osmar de Carvalho Netto para a empresa. Formado em ciência dos alimentos pela Universidade de São Paulo (USP), ele fez o doutorado na Unicamp. Participou do sequenciamento do genoma da Saccharomyces na Unicamp e pensava em montar, junto com Leandro Vieira, uma empresa de leveduras industriais. “Íamos ser fornecedores da GranBio, mas nos convenceram a integrar o quadro da empresa”, conta. Tornou-se, no entanto, coordenador de processos em áreas como fermentação, hidrólise e pré-tratamento da biomassa. Também foi

4 Teste de etanol em analisador bioquímico

2

designado para fazer a ponte entre a pesquisa e a área corporativa. “Precisava ser alguém que entendesse a linguagem dos cientistas e passei a fazer isso em 50% do meu tempo. Nos outros 50% trabalho na coordenação dos processos”, diz. Ele trata, por exemplo, de organizar testes, entregas de material e contatos com a usina, tudo para que os pesquisadores se concentrem na pesquisa. Volta ao princípio

Formação dos pesquisadores da empresa Gonçalo Amarante Guimarães Pereira, engenheiro agrônomo, cientista-chefe

Universidade Federal da Bahia (UFBA): graduação Universidade de São Paulo (USP): mestrado e pós-doutorado Universidade de Düsseldorf, Alemanha: doutorado

José Bressiani, engenheiro agrônomo, diretor agrícola

Universidade de São Paulo (USP): graduação, mestrado e doutorado

Osmar Carvalho Neto, cientista de alimentos, coordenador de processos

Universidade de São Paulo (USP): graduação e mestrado Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade do Colorado, Estados Unidos: doutorado

Leandro Vieira dos Santos, biólogo, pesquisador

Universidade Federal de Viçosa (UFV): graduação e mestrado Universidade Estadual de Campinas (Unicamp): doutorado (em curso)

Luige Calderon, engenheiro em biotecnologia, pesquisador

Universidade Católica de Santa Maria, Peru: graduação Universidade Estadual de Campinas (Unicamp): mestrado e doutorado (em curso)

72  z  setembro DE 2015

Além da levedura, outra novidade da GranBio foi a cana-energia apresentada em agosto. É uma variedade nova, não transgênica, desenvolvida com cruzamentos tradicionais entre vários outros cultivares em colaboração com a Rede Universitária para o Desenvolvimento do Setor Sucroenergético (Ridesa) de Alagoas e o Instituto Agronômico de Campinas (IAC). “Voltamos ao início do melhoramento genético da cana. Em vez de aumentar o açúcar no caldo, aumentamos a quantidade de fibra na planta. Assim temos uma cana mais rústica. Ela é mais alta, tem longevida-


4

fotos 1 Granbio 2, 3 e 4 Léo ramos

3

de de colheita, floresce menos e é mais resistente ao ataque de pragas, além de ser mais dura”, explica o agrônomo José Bressiani, diretor agrícola da empresa. Com graduação, mestrado e doutorado pela USP em melhoramento genético, ele adquiriu experiência na produção de cultivares de cana durante os 15 anos que trabalhou no Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) e mais cinco anos na Canavialis, do grupo Monsanto. “Minha função é equacionar a função de biomassa para plantas de cana. Estamos criando uma planta que deverá ter custo de produção baixo”, afirma. Os testes com a cana-energia, que tem o nome comercial de Cana Vertix, ocorrem nas regiões Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste. A ideia é de que, no futuro, variedades específicas de cana-de-açúcar sejam usadas apenas na produção de etanol 2G e para gerar energia elétrica por meio da queima de resíduos. Inicialmente, da Cana Vertix será utilizada apenas a palha. Depois do corte por máquinas colheitadeiras, a palha fica no solo e seca após alguns dias, quando

Até agosto deste ano, a empresa produziu 3 bilhões de litros de etanol apenas com palha de cana

é recolhida e transportada para a usina 2G ou para estoque, onde pode ficar por vários meses. Os avanços tecnológicos e o crescimento da GranBio ampliaram a importância do centro de P&D, que passou a ser uma subsidiária com o nome de BioCelere. A formação da empresa teve início a partir de uma conversa entre Gonçalo, Bernardo Gradin, presidente, e Alan Hiltner, vice-presidente executivo da GranBio, em março de 2010. Gradin estava saindo da presidência da Braskem e queria investir em biotecnologia e etanol 2G. “Fiz no verso da conta do restaurante em que estávamos um esboço do que poderia ser a futura GranBio no campo científico. Ele gostou e depois me convidou para ser um dos sócios”, conta Gonçalo. Os dois já se conheciam – serviram juntos ao Exército na Bahia e se reencontraram em 2007 quando Gonçalo coordenou um projeto do Programa Parceria para Inovação Tecnológica (Pite) da FAPESP, entre Unicamp e Braskem, sobre propeno (matéria-prima para produção de plásticos) renovável feito com cana-de-açúcar. O investimento realizado pela GranBio já atingiu US$ 265 milhões para uma capacidade de produção de 82 bilhões de litros por ano. Até agosto a produção tinha atingido um total de 3 bilhões de litros de etanol. Só não foi maior porque alguns processos industriais precisam de aperfeiçoamentos. “Mas já encontramos as soluções e vamos implementá-las até o início de 2016”, prevê Gonçalo. n pESQUISA FAPESP 235  z  73


Astrofísica y

Made in Brazil Universidades e empresa do interior paulista desenvolvem braço mecânico para telescópios que serão instalados no maior observatório de raios gama

O

braço metálico responsável por dar sustentação e posicionar a câmera de 2 toneladas dos telescópios de médio porte do Cherenkov Telescope Array (CTA), iniciativa internacional que pretende construir o maior observatório de raios gama até 2020, será fabricado de acordo com as especificações de um protótipo dessa estrutura desenvolvido no estado de São Paulo. Concebido ao longo dos últimos quatro anos pela equipe de Luiz Vitor de Souza Filho, do Instituto de 74  z  setembro DE 2015

Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC-USP), em parceria com a Universidade Federal do ABC (UFABC) e uma empresa de São José dos Campos, a Orbital Engenharia, o suporte mecânico made in Brazil bateu um projeto rival francês, que também criou uma estrutura semelhante, e foi escolhido para equipar 40 telescópios que devem ser montados e operados pelo observatório. “Nosso protótipo cumpriu todas as exigências pedidas”, afirma Souza Filho, que contou com dois

financiamentos da FAPESP para o desenho e construção do braço metálico. Composta pela junção de 84 peças distintas, a estrutura, de formato tubular, é feita de aço-carbono, pesa 4,5 toneladas e tem 16 metros (m) de altura. Em novembro do ano passado, foi enviada desmontada à Alemanha para ser instalada nas demais partes do protótipo do telescópio de 12 m de diâmetro e submetida a testes. O suporte se mostrou extremamente estável, como é exigido de um componente cuja principal função é conectar a base

fotos 1 DESY/Milde Science Comm. / Exozet 2 ronald nones borduni / orbital

Marcos Pivetta


Montagem de como deverá ser o observatório CTA (acima). Protótipo do telescópio de 12 m (à esq.): estrutura criada no Brasil, formada por tubos prateados, conecta o espelho à câmera

onde está o espelho à câmera do telescópio e manter essas duas partes no alinhamento correto. “Ele funciona bem”, diz o físico de partículas Stefan Schlenstedt, do Deutsches Elektronen-Synchrotron (Desy), centro de pesquisa nos arredores de Berlim, responsável pelo desenvolvimento dos telescópios de médio porte do CTA. “Esperamos que o Brasil possa bancar ao menos 25 dessas estruturas.” As demais, mesmo se construídas fora do país ou com verba de outros parceiros do CTA, deverão ser idênticas ao desenho e pESQUISA FAPESP 235  z  75


ter a mesma qualidade do protótipo feito no interior paulista, segundo Schlenstedt. O custo de fabricação do braço mecânico criado pelo IFSC e a Orbital, empresa dedicada essencialmente à construção de painéis solares para satélites, é de cerca de R$ 500 mil por unidade. O projeto de desenvolvimento do protótipo da estrutura de apoio da câmera do telescópio foi objeto de um pedido de patente por parte de seus criadores. Com um orçamento total estimado em € 270 milhões, o CTA é um consórcio internacional formado por 1.200 cientistas e engenheiros de 170 instituições de pesquisa e 31 países. Seu objetivo é instalar cerca de 120 telescópios do tipo Cherenkov, ideal para realizar observações em raios gama dos fenômenos mais energéticos do Universo, como a colisão de partículas de matéria escura, a natureza de eventos capazes de acelerar os raios cósmicos (como o choque de estrelas e a ação de buracos negros supermassivos) e ocorrências que violam a constância da velocidade da luz. Os telescópios serão de três tamanhos: os maiores terão 24 m, os de porte médio chegarão a 12 m e os menores medirão 4 m. Aproximadamente 70 telescópios serão do tamanho pequeno e 40, do tipo intermediário. Os grandões provavelmente não chegarão a uma dezena de unidades.

76  z  setembro DE 2015

Cada tipo de telescópio observa eventos em diferentes faixas de energia, entre poucas dezenas de gigaelétron-volt (GeV) e 100 teraelétron-volt (TeV), e apresenta um campo de visão distinto. “As maiores energias são captadas pelos pequenos telescópios e as menores pelos grandes”, explica Souza Filho. Quando estiverem 100% operacionais, os instrumentos de observação do CTA deverão aumentar em 10 vezes a capacidade dos físicos e astrofísicos de registrar eventos de alta energia nas frequências de raio gama, argumentam os apoiadores do consórcio. Sítios em Atacama e La Palma

Os telescópios do CTA serão distribuídos em dois sítios astronômicos, um no hemisfério Sul e outro no Norte. Em julho deste ano, o consórcio internacional decidiu os prováveis lugares onde eles serão montados. Um conjunto ou array de 100 telescópios (dos quais 25 de porte médio) será instalado em Paranal, no deserto de Atacama, no Chile, onde funciona uma das unidades do Observatório Europeu do Sul (ESO). Um segundo set, menor, com 20 telescópios (15 deles de tamanho intermediário), será erigido no Observatório del Roque de los Muchachos, em La Palma, um concorrido ponto de observações astronômicas nas Ilhas

Canárias, na Espanha, situado a 2.400 metros acima do nível do mar. Quem olha a grande estrutura tubular não se impressiona com sua aparência simples. Um leigo diria que ela parece ser formada pela junção de dois tripés gigantes dotados de algumas singularidades. Em sua parte inferior, é composta por seis pés, quatro grossos e dois finos, que se encaixam no painel onde fica o espelho do telescópio. Na porção superior, 10 pontos de apoio, quatro principais e seis auxiliares, fixam-se na câmera ou no suporte da câmera. “Não se trata de uma estrutura convencional, fácil de ser projetada e fabricada”, explica o engenheiro mecânico Celio Costa Vaz, presidente da Orbital, que participou diretamente do desenvolvimento do protótipo. “Ela tinha de preencher uma série de pré-requisitos específicos.” A mais draconiana das exigências dizia respeito à estabilidade e à precisão do braço mecânico depois de ser instalado no telescópio. A estrutura tinha de suportar as 2 toneladas da câmera sem deformar mais do que 19 milímetros (mm), resistir à neve e aguentar ventos Ilustração de buraco negro supermassivo: CTA deve estudar ação desses sugadores de matéria, que podem acelerar os raios cósmicos


imagem  ESO / L. Calçada infográfico ana paula campos  ilustraçãO do telescópio  ifsc e orbital

de até 200 quilômetros por hora. Com o telescópio em funcionamento, sua vibração não podia ultrapassar 3 mm. “Em 50 segundos, o telescópio gira para qualquer posição e a estrutura de suporte da câmera tem de se manter estável”, comenta Ronald Cintra Shellard, pesquisador da área de física experimental de altas energias do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), do Rio de Janeiro, que representa o Brasil no conselho financeiro do CTA. Uma estrutura fechada, sólida, seria mais fácil de ser projetada, mas limitaria o campo de visão do espelho do telescópio. Isso fez com que os pesquisadores da USP e os engenheiros da Orbital optassem por criar um braço mecânico tubular, vazado. “Dessa forma, a sombra gerada pela estrutura afeta menos de 10% da área do espelho”, diz o físico Marcelo Leigui da UFABC, outro pesquisador envolvido no projeto.

Anatomia de um braço mecânico Um terço dos 120 telescópios do observatório CTA será do tamanho médio e usará a estrutura de suporte da câmera criada no Brasil Câmera Estrutura de suporte da câmera

Ilhas Canárias espanha

Suporte óptico Espelhos Sistema de rotação Contrapeso Paranal Chile

Torre Trava da câmera

medidas O braço mecânico pesa 4,5 toneladas e tem 16 metros de altura. Será instalado em 40 telescópios com espelho de 12 m de diâmetro (25 no Chile e 15 na Espanha)

Plug and play

Material

Outras exigências menores também guiaram o trabalho de concepção e fabricação do braço mecânico. Os telescópios do CTA serão instalados em dois sítios de acesso relativamente difícil. Nesse contexto, a estrutura de sustentação da câmera precisava ser de fácil transporte e montagem, prescindir de manutenção constante e apresentar uma vida útil de ao menos duas décadas. “Por isso criamos uma estrutura do tipo plug and play”, diz, em tom de brincadeira, Vaz, da Orbital. As partes do suporte tubular são montadas com o emprego de 584 parafusos. As peças de aço-carbono foram galvanizadas a quente por imersão, técnica que garante a proteção até das faces internas dos tubos. Se o cronograma inicial for mantido, o protótipo de braço mecânico para telescópios de 12 m desenvolvido no eixo São Carlos-São José dos Campos será mandado provavelmente no segundo semestre de 2016 para o sítio austral do CTA, no deserto de Atacama. Segundo o físico Souza Filho, do IFSC, não foi fácil encontrar no Brasil um parceiro privado disposto a participar do processo de criação do braço mecânico. “Além da Orbital, outras empresas têm capacidade técnica para conceber um projeto com essas características”, afirma o pesquisador da USP de São Carlos. “Mas a maioria delas não tem como abrir espaço em sua linha de produção,

É composto pela junção de 84 peças de formato tubular, feitas em aço-carbono. Os tubos foram galvanizados a quente por imersão para proteger inclusive suas faces internas Resistência A estrutura suporta uma câmera de 2 toneladas sem deformar mais do que 19 mm, resiste a neve e ventos de 200 km/h. Com o telescópio em operação, sua vibração não chega a 3 mm Custo O processo de desenvolvimento e de fabricação do braço mecânico demorou quatro anos. O custo de uma unidade da estrutura é de R$ 500 mil Fontes IFSC e orbital

voltada à fabricação de produtos comerciais, para investir no desenvolvimento de uma estrutura destinada a um fim muito específico.” Em seus contatos com firmas de engenharia, Souza Filho conta que conheceu uma empresa que, como a Orbital, teria todas as condições de conceber e construir o projeto de braço mecânico para o telescópio do CTA. Só havia um problema: sua linha de produção é praticamente toda monopolizada

pela fabricação de antenas parabólicas, um mercado com boa demanda no país. Além de ter desenhado e fabricado o protótipo de braço mecânico que deverá equipar os telescópios de 12 m do CTA, o Brasil também colabora nos projetos dos telescópios de pequeno e grande porte do futuro observatório de raios gama. Pesquisadores do CBPF e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) trabalham no desenvolvimento e construção das placas de interface dos dispositivos mecânicos que fazem o alinhamento dos espelhos dos telescópios de 24 m. A astrofísica Elisabete de Gouveia Dal Pino, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, coordena a atuação nacional no Astri Mini-Array, iniciativa que prevê a instalação de nove telescópios de 4 m no sítio do CTA em Paranal, no Chile, entre 2016 e 2017. Ao custo de cerca de € 3 milhões, a FAPESP banca a construção na Itália de três telescópios pequenos destinados a esse primeiro array do CTA, baseados em um protótipo concebido pelo Instituto Nacional de Astrofísica da Itália, e a participação de engenheiros brasileiros na iniciativa. n

Projetos 1. Design e construção do protótipo do Cherenkov Telescope Array Observatory (n° 2010/19514-6); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Luiz Vitor de Souza Filho (IFSC-USP); Investimento R$ 128.568,00. 2. Desenvolvimento e construção de protótipo da estrutura dos telescópios do CTA (n° 2012/22540-4); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Luiz Vitor de Souza Filho (IFSC-USP); Investimento R$ 406.449,00.

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Caminhão autônomo: radares e GPS no teto e câmeras na frente

78  z  setembro DE 2015


Automação y

O futuro

sem

motorista Sistemas computacionais, sensores, lasers e radares garantem a autonomia de carros e caminhões Evanildo da Silveira

Paulo Arias

C

arros autônomos não se cansam, não se distraem, nem ficam bêbados. Eles prometem transformar a mobilidade urbana. Podem se movimentar sem motorista ao volante, sob o comando de um sistema de controle computacional interligado a sensores e equipamentos. Vão de um local a outro conforme a instrução do usuário. No caminho, devem ser capazes de obter informações do ambiente, como sinalização, pedestres e outros veículos, além de se orientar por sistemas de satélite. A tecnologia para esse fim está em desenvolvimento por meio de vários projetos no mundo, em universidades e centros de pesquisa e na própria indústria automobilística. No Brasil existem alguns projetos desse tipo em instituições científicas, dos quais pelo menos um em parceria com uma fabricante de veículos. A Scania investiu R$ 1,2 milhão em um projeto para desenvolver um caminhão robótico em parceria com pesquisado-

res da Universidade de São Paulo (USP), campus de São Carlos. O modelo cedido pela empresa sueca aos pesquisadores para o trabalho, iniciado em 2013, é o G360, de 9 toneladas. Para torná-lo autônomo, a equipe do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC), liderada pelo cientista da computação Denis Fernando Wolf, teve que fazer alterações mecânicas e instalar sensores e sistemas eletrônicos. “Acoplamos pequenos motores elétricos no volante e nos freios e um chip no comando do acelerador para poder controlar as manobras e a velocidade”, explica. Além disso, o caminhão foi equipado com sistema de câmeras estéreo e aparelho GPS (sistema de posicionamento global) de alta precisão, que dá a direção e a posição do veículo com margem de erro de 5 centímetros (cm). São três câmeras, instaladas na frente do caminhão, a 1,5 metro (m) de altura e a 20 cm uma da outra, que funcionam, duas de cada vez, como uma só, a exemplo dos olhos humanos, torpESQUISA FAPESP 235  z  79


fotos 1 google 2 léo ramos

nando possível estimar a distância dos objetos da imagem. Há ainda um radar, que identifica obstáculos em situação de baixa visibilidade. De acordo com Wolf, os dois tipos de equipamento se complementam. O radar detecta, a longa distância, a presença ou não de obstáculos. As câmeras são mais precisas e sensíveis, podendo identificar a sinalização horizontal da faixa de trânsito ou semáforo e distinguir cores e texturas, além de pessoas e animais na pista. Mas, por si sós, esses aparelhos não são capazes de dirigir o caminhão, sendo necessário o “cérebro”: um computador. Instalado atrás do banco do motorista, ele recebe os dados dos sensores e os processa, controlando o veículo em tempo real. Veículos sustentáveis

Rogério Rezende, diretor de Assuntos Institucionais e Governamentais da Scania Latin America, explica que o principal objetivo da parceria não foi comercial. “Nós investimos em projetos de pesquisa e desenvolvimento em todo o mundo e o autônomo, em parceria com a USP de São Carlos, está dentro deste cenário”, conta. “A ideia é gerar conhecimento, fundamental para promover um transporte sustentável.” Além do caminhão, a equipe de Wolf trabalha em outro projeto, o Carro Robótico Inteligente para Navegação Autônoma (Carina), que começou em 2011, com apoio da FAPESP e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), no âmbito do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Sistemas Embarcados (INCT-SEC). Enquanto o objetivo do projeto do caminhão era demonstrar que é possível desenvolver a tecnologia no Brasil ao menor custo possível, preservando a funcionalidade, o pesquisador explica que o Carina é uma plataforma de pesquisa. “Quanto mais sensores, e mais sofisticados eles forem, melhores as condições para fazer pesquisa de ponta.” O Carina é equipado com duas câmeras (em estéreo), GPS de precisão e uma unidade inercial (um tipo de bússola em 3D). Possui ainda um emissor de laser giratório no teto, que lança 32 feixes que fazem uma varredura identificando tudo que está em torno, criando uma espécie de mapa em 3D do caminho percorrido. Em outubro de 2013 o veículo foi testado nas ruas de São Carlos, sem ninguém no 80  z  setembro DE 2015

1

1. Carro desenvolvido pela Google: já nasceu autônomo 2. Carina na USP de São Carlos: laser giratório no teto

banco do motorista (ver Pesquisa FAPESP nº 213). “Foi o primeiro da América Latina a fazer um teste desses, em vias urbanas”, orgulha-se Wolf. “Até então, isso só havia ocorrido em pouquíssimas cidades dos Estados Unidos, França e Alemanha.” O trecho que o Carina deveria percorrer era de 3 quilômetros (km), mas o total trafegado chega perto de 30 km. A próxima missão do carro deverá acontecer até o fim do ano. Ele está sendo preparado para ser usado como transporte autônomo dentro do campus da USP de São Carlos, demonstrando a tecnologia desenvolvida por quem queira testá-lo. Para isso, será desenvolvido um aplicativo pelo qual interessados no serviço chamam o veículo. Uma vez nele, o passageiro indicará o destino por meio de uma tela sensível ao toque. Ao fim da corrida, o automóvel retornará para seu ponto de estacionamento à espera de outra chamada.

Pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) também desenvolvem um veículo robótico, o Iara. O projeto começou em 2009, no Laboratório de Computação de Alto Desempenho (LCDA), com um pequeno carro-robô e um objetivo amplo: entender como o ser humano consegue dirigir usando sua capacidade visual e destreza para controlar o automóvel. Essa etapa contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo (Fapes). Em setembro de 2012, a equipe importou dos Estados Unidos um carro híbrido, a eletricidade e a gasolina. Para essa segunda fase, que se estenderá até dezembro, o apoio é do CNPq. Parte da adaptação do carro para as pesquisas, como volante, freio e câmbio especiais para veículo autônomo, já chegou pronta ao Brasil. “Os outros equipamentos nós adicionamos”, conta o coordenador do projeto, Alberto Ferreira de Souza. Entre eles, está um emissor de laser em cima do Iara, semelhante ao do Carina. Além disso, ele possui GPS de precisão e várias câmeras agrupadas aos pares ao seu redor, que funcionam como o olho humano. O grupo da Ufes desenvolveu o software que faz o controle do carro, que já deu uma volta completa no cam-


pus da Ufes, em um trajeto de 3,8 km. O próximo objetivo é uma viagem autônoma do veículo de Vitória a Guarapari, a 50 km de distância.

2

História e seguro

No Departamento de Engenharia de Transportes da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), o professor Edvaldo Simões da Fonseca Júnior coordena um grupo de alunos de pós-graduação que desenvolve alguns projetos na área de navegação autônoma, usando pequenos carrinhos de 80 cm de comprimento. “Uma das pesquisas usa GPS para fazer o veículo se deslocar entre dois pontos”, conta. “Outra criou um carrinho que pode se deslocar no interior de espaços fechados, como um prédio, onde o GPS não funciona, guiando-se por uma rede wi-fi, e poderá ser útil no interior de minas, por exemplo.” Fonseca acompanha o assunto há anos e lembra que os carros robóticos têm uma história antiga. No artigo “Veículos autônomos: conceitos, histórico e estado da arte”, apresentado em 2013 no Congresso de Pesquisa e Ensino de Transportes, assinado com seus colegas de departamento Rodrigo de Sousa Pissardini e Daniel Chin Min Wei, Fonseca relata que a primeira vez em que se falou em automação nos transportes foi em 1939, durante a Feira Mundial de Nova York, nos Estados Unidos. Previa-se o mundo dali a 20 anos, exibindo “um protótipo de sistema de rodovias automatizado, onde as estradas corrigiriam as falhas de condução humanas, impedindo ações que não pudessem ser realizadas”. Desde então, as pesquisas evoluíram, principalmente com o surgimento da área de robótica móvel. Em 1985 surgiu, segundo o artigo, o protótipo VaMoRs, uma van Mercedes-Benz equipada com câmeras e outros sensores, na qual a direção e outros componentes eram controlados por comandos computacionais. O veículo podia, de forma autônoma, atingir até 100 km/h em vias sem tráfego. A partir de então, várias outras empresas da indústria automobilística, como Nissan, Volvo, Volkswagen e BMW, começaram a desenvolver automóveis robóticos. Um dos mais avançados é de uma novata no setor, a gigante de tecnologia Google. A empresa começou as pesquisas em 2010, adaptando modelos do mercado. Hoje ela tem seu próprio carro, que se assemelha

Não há respostas para apontar quem será o responsável se o carro autônomo infringir leis de trânsito ou provocar acidentes ao Fiat 500, mas é menor. Esses veículos também têm um conjunto de sensores com radares, GPS e câmeras. Os carros da Google possuem um equipamento chamado de telêmetro [um dispositivo óptico usado para medir a distância entre o observador e um ponto qualquer] a laser instalado sobre o teto, que gera um mapa tridimensional do ambiente. Desenvolver a tecnologia e construir os carros autônomos não basta para que seu uso se torne realidade. Antes de colocá-los nas ruas é preciso discutir as regras que vão regular seu tráfego e definir as responsabilidades legais em caso de acidentes. Embora teoricamente eles sejam menos sujeitos a falhas e erros, não há garantias absolutas. “O carro autônomo vai ser feito para não infringir regras e não causar acidentes, mas ele pode ter uma pane e bater em outro veículo ou atropelar alguém. E aí quem será o responsável? Quem o comprou, quem o fabricou? Vai ter um seguro? Não sabemos ainda”, diz Fonseca. Wolf lembra de outras questões que terão de ser resolvidas. “A tecnologia para construí-los está praticamente pronta, mas sua adoção em larga escala vai depender muito do mercado”, diz. “É preciso esperar para ver se interessará à indústria automotiva.”

Apesar de ainda não estarem à venda – o que deve demorar alguns anos –, os veículos robóticos têm contribuído para introduzir, de forma sutil, a automação no caótico trânsito das grandes metrópoles. Entre os exemplos mais marcantes, Fonseca cita o cruise control, que mantém o veículo na mesma velocidade, o freio ABS, que evita que a roda trave e derrape, o automatic parking, que estaciona o carro usando sensores, e sistemas anticolisão com radares ou câmeras para detectar uma colisão iminente. A autonomia está chegando aos poucos. n

Projetos 1. Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Sistemas Embarcados Críticos (INCT-SEC) (n° 2008/57870-9); Modalidade Projeto Temático-INCT; Pesquisador Responsável José Carlos Maldonado (USP); Investimento R$ 2.639.677,06 (para todo o INCT-SEC) (FAPESP/CNPq). 2. A Collaborative Effort For Safer And More Efficient Transportation With Intelligent Vehicles (FAPESP-OSU/2013) (n° 2013/50332-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Denis Wolf (USP); Investimento R$ 21.660,00. 3. Projeto Carina – Carro Robótico Inteligente para Navegação Autônoma (n° 2011/10660-2); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Denis Wolf (USP); Investimento R$ 55.753,20. 4. Projeto CaRINA – Localização e Controle (nº 2013/24542-7); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Denis Wolf (USP); Investimento R$ 61.412,95 e US$ 15.840,10.

pESQUISA FAPESP 235  z  81


humanidades   comunicação y

82  z  agosto DE 2015


Na segunda de uma série de reportagens sobre jornalismo científico, motivada pelos 20 anos da publicação do primeiro boletim Notícias FAPESP, que originou esta revista, o objeto é a relação por vezes conturbada entre cientistas e jornalistas. A primeira reportagem, publicada na edição de agosto, relatou o trabalho pioneiro de Júlio Abramczyk e José Hamilton Ribeiro

Relacionamento entre cientistas e jornalistas melhorou,

AGênCIA ilustração ESTADO negreiros

mas ainda é possível avançar

| Carlos Fioravanti

m 2008, Ana Lúcia Azevedo, então editora de ciência do jornal O Globo, recebeu a tarefa de preparar com urgência uma reportagem sobre os 200 anos da chegada da família real portuguesa ao Rio de Janeiro. O historiador a quem ela ligou para marcar uma entrevista concordou com seu plano de reportagem e em seguida lhe pediu: “Venha daqui a dois meses”. Ela esperava marcar a entrevista para o mesmo dia ou o dia seguinte. Não foi possível, e ela procurou outro especialista, que a recebeu logo. Os pesquisadores acadêmicos vêm, aos poucos, reconhecendo que é importante se comunicar com públicos mais amplos, mas ainda há dissonâncias de ritmos e expectativas no relacionamento entre cientistas e jornalistas. “Já foi muito mais difícil do que hoje”, diz Ana Lúcia, que editou ciência durante 22 anos e desde maio deste ano é repórter especial, escrevendo principalmente sobre temas científicos, ambiente e medicina. “Antes os pesquisadores simplesmente não queriam falar. Hoje são mais receptivos, principalmente os jovens.” Apenas uma vez um pesquisador jovem impôs uma série de condições antes de dar uma possível entrevista: a jornalista não aceitou, procurou o chefe dele, “um inglês supergentil, e a reportagem saiu ótima”, ela recorda.

“Nos últimos 10 anos houve uma clara melhora na forma de a imprensa se colocar em relação à ciência”, observa o físico Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP). “De modo geral os repórteres hoje parecem se preparar melhor para formular perguntas mais consistentes. Antes as perguntas eram muito básicas, perguntavam-me: ‘É verdade que o planeta está se aquecendo?’, e hoje me perguntam: ‘Como você avalia as estratégias brasileiras de combate aos impactos das mudanças climáticas?’.” Artaxo tem uma longa experiência e uma rara habilidade de falar com jornalistas. Seu didatismo e cordialidade, porém, não evitaram infortúnios. Várias vezes ele recebeu repórteres que tinham acabado de receber a tarefa de entrevistar um especialista em mudanças climáticas. “Eles me pediam: ‘Professor, o que é que eu tenho de te perguntar?’”, relata Artaxo. “Aí a entrevista é um fiasco.” Outro problema são as entrevistas que começam bem, mas depois revelam um tácito direcionamento político para uma abordagem da qual ele discorda e para a qual voluntariamente jamais faria qualquer comentário. “Não dou mais entrevistas para alguns órgãos de imprensa porque o que vai sair não é o que eu disse, mas o que o editor quer”, ele decidiu, depois

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de ver que os pedidos de erratas não eram bem-vindos. Uma vez ele ligou para um repórter de uma revista e disse que o que tinha sido publicado não era exatamente o que ele tinha falado. “E o repórter me respondeu: ‘Foi assim que eu entendi’”, diz Artaxo. “Quem faz o título não é quem faz a matéria”, diz Esper Cavalheiro, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Ele reconhece que hoje os jornalistas estão mais bem preparados e já conhecem melhor o funcionamento da ciência, mas também guarda decepções. Há muitos anos ele deu uma entrevista quando começou a usar um composto convulsivante, para induzir epilepsia em animais usados em experimentos. “E o título que saiu era algo como: ‘Pesquisa busca droga anticonvulsivante’”, ele recorda.

O

utros embates resultaram de descuidos com a linguagem ou da dificuldade em encontrar uma linguagem comum. Ele diz sempre “pessoa com epilepsia” e nos jornais sai, como se ele tivesse falado, “epiléptico” ou “portador de epilepsia”, termos que abomina. “E depois os pacientes me cobram: ‘Mudou de ideia?’. Eu jamais falo assim. Temos de tomar cuidado com a palavra que o público vai ler.” A tensão entre jornalistas e cientistas – embora hoje esteja menor, por causa do amadurecimento da relação, das concessões e do conhecimen-

to recíprocos – provavelmente sempre existirá, porque os dois grupos trabalham com diferentes regras e ritmos, analisa Alicia Ivanissevich, editora executiva da Ciência Hoje, uma revista de divulgação científica híbrida, composta por reportagens e notícias feitas por jornalistas e artigos escritos por pesquisadores. “É uma tensão positiva, que nos obriga a pesquisar, a simplificar sem ser simplista e a ver o lado do leitor.” Como editora da Ciência Hoje há 18 anos, ela recebe e, com editores científicos, examina artigos de cientistas para eventual publicação. “Muitas vezes os artigos têm uma quantidade enorme de erros, em assuntos que os cientistas deveriam dominar. São erros de conteúdo, de interpretação de gráficos, de nomes científicos, de metodologia, erros de todo tipo”, diz ela. “Às vezes, fico me perguntando se o erro não é transferido para o jornalista por comodidade ou falta de modéstia do cientista. Assim como há bons e maus jornalistas, existem bons e maus cientistas.” Os cuidados com o texto na revista asseguram a qualidade dos artigos. “A grande maioria reconhece a intervenção positiva dos jornalistas”, ela relata. “Atualmente, 90% dos autores agradecem pela edição e pela divulgação.” Três pesquisadores da Universidade de Twente, da Holanda, entrevistaram 21 cientistas da área de ciências biomédicas e 14 jornalistas que cobrem ciência para examinar as vantagens, desvantagens e dificuldades de se comunicar com um público mais amplo que o acadêmico. Na Holanda, de acordo com esse trabalho, publicado em maio deste ano na revista Journal of Science Communication, os cientistas acreditam que a interação com jornalistas pode aumentar a visibilidade, o prestígio acadêmico, a possibilidade de conseguir novos colaboradores, apoio financeiro para suas pesquisas e atrair a atenção para sua área de trabalho. Por outro lado, se a reportagem for ruim, pode prejudicar a credibilidade científica e o status acadêmico, além de atrair críticas negativas dos colegas. Os cientistas consideram como um dever a divulgação do trabalho científico, principalmente quando financiado com dinheiro público, e comentam que os artigos de divulgação sobre ciência são superficiais, incompletos e tendem a ser


sensacionalistas. Para eles, os jornalistas deveriam saber mais sobre os assuntos que escrevem e ter uma formação acadêmica mais consistente. Além disso, muitas vezes os profissionais da imprensa não apresentariam claramente suas intenções e seriam arrogantes, exigentes e inflexíveis, embora existam muitas diferenças entre os jornalistas e os veículos de comunicação para os quais trabalham.

P

não gostou de algumas reportagens publicadas e achou que seus entrevistadores também não gostaram. Em 2014, foi diferente, e ele falou com segurança para jornalistas dos Estados Unidos e do Brasil sobre seu trabalho de doutorado, feito na Universidade Cornell, nos Estados Unidos (ver Pesquisa FAPESP nº 226). O que o fez sair-se bem da segunda vez foi uma conversa com sua orientadora, Kelly Zamudio, que lhe apresentou o media box, uma tática que ela havia aprendido em um curso de desenvolvimento profissional oferecido aos professores de Cornell. Também chamado de press box, o media box é um roteiro com os pontos centrais do trabalho a ser apresentado, que ajuda a organizar o raciocínio e a manter o foco da conversa. Em um quadrado no centro de uma folha deve estar a ideia central que se deseja ver no título da reportagem. Acima, abaixo e aos lados do quadrado, o pesquisador a ser entrevistado deve colocar os comentários complementares, por tópicos, sobre a metodologia ou as implicações do trabalho, tudo em frases curtas, claras e sintéticas. Para reduzir o risco de dizer o que poderia ser mal interpretado, “não dar muitos detalhes nem falar muito”, ele sugere.

or sua vez, os jornalistas disseram que em geral gostam de conversar com cientistas, embora lhes falte habilidade em comunicar o que fazem em linguagem simples. Além disso, os jornalistas afirmaram que tinham dificuldade em encontrar outros pesquisadores para entrevistar, o que explicaria a baixa diversidade de entrevistados, agravada pelos prazos apertados para a produção das reportagens. “Tanto os jornalistas quanto os cientistas já conhecem melhor os papéis um do outro”, disse Anne Dijkstra, primeira autora do estudo, para Pesquisa FAPESP. Segundo ela, quando necessário os jornalistas deveriam tornar públicos os resultados ou descobertas controversos, ainda que abdicando das relações amigáveis com os cientistas. A jornalista Fabiane Cavalcanti chegou a conclusões similares após ouvir 10 cientistas e sete jornalistas de Recife em um estudo realizado em 1993 na Universidade Federal “Muitas vezes os artigos dos de Pernambuco. De acordo com cientistas têm uma quantidade esse trabalho, os cientistas temem que a objetividade e o imediatismo enorme de erros”, diz Alícia dos jornalistas simplifiquem demais seus trabalhos, enquanto os jornalistas se queixam que os cientistas se mantêm refratários e relutam em Um refinamento do media box são os conecfornecer informações. Cavalheiro, da Unifesp, incomoda-se com o maniqueísmo dos jornalis- tores, temas que os jornalistas poderiam levantas, que faz com que um cientista seja endeusado, tar – já que têm hoje um conhecimento maior caso faça coisas aparentemente extraordinárias, sobre a ciência –, e o entrevistado deveria evitar, e em seguida esquecido caso cometa algum erro. voltando rapidamente para a ideia principal ou Artaxo também tem observado a dificuldade dos para as complementares. “Kelly me disse que jornalistas em lidar com as incertezas científicas: até o presidente Barack Obama usava o media box, mentalizando os comentários, para não cair “Não existe ciência 100% exata”. Uma compreensão mais apurada dos processos em arapucas”, diz Becker. “Na Holanda, o mede produção do conhecimento científico pelos dia training é comum”, comenta Anne Dijkstra. jornalistas e – algo raríssimo nas universidades “Em minha universidade, o pessoal de relações brasileiras – um treinamento dos cientistas para públicas treina os pesquisadores que vão entrar falar com a imprensa certamente levariam a re- em contato com a mídia.” n portagens mais satisfatórias. O biólogo Guilherme Becker descobriu como um pouco de preparo para falar com repórteres pode ser útil. Em 2007, Artigos científicos ele deu algumas entrevistas sobre o declínio das CAVALCANTI, F. G. Jornalistas e cientistas: os entraves de um diálogo. populações de anfíbios na Mata Atlântica, resultaIntercom. v. 18, n. 1, p. 140-152. 1995. DIJKSTRA, A. M. et al. The science-media interaction in biomedical do de seu mestrado na Universidade Estadual de research in the Netherlands. Opinions of scientists and journalists on Campinas (Unicamp). Como não tinha prática em the science-media relationship. Journal of Science Communication. expor suas ideias para públicos não acadêmicos, v. 14, n. 2, A03, p. 1-21. 2015.


Uma

CIÊNCIA POLÍTICA y

Estudo aponta aumento do desconhecimento sobre o que é o sistema democrático

N

as últimas eleições, em 26 de outubro de 2014, mais de 100 milhões de brasileiros foram às urnas para escolher seus representantes. Dias depois, uma equipe de pesquisadores de várias universidades saiu a campo para investigar a relação dos eleitores com o sistema político representativo. Vinculado a um convênio internacional com a Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, o estudo, como ocorre desde 2002, foi realizado num momento em que os resultados das 86  z  setembro DE 2015

eleições já estavam definidos. “Queremos analisar o quanto a democracia é um sistema compreendido como um regime que satisfaz ao cidadão”, diz a cientista política Rachel Meneguello, professora do Departamento de Ciência Política e pesquisadora do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), coordenadora da pesquisa. Um dos principais eixos do projeto é o Estudo Eleitoral Brasileiro (Eseb), um survey nacional com 3.136 entrevistas

realizadas entre 1o e 18 de novembro de 2014, que abordou questões como adesão à e definições de democracia, memória do voto, preferência partidária e representação política. Em 2002, época da eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para seu primeiro mandato, cerca de 59,1% dos brasileiros preferiam a democracia como sistema político, 15,6% admitiam a possibilidade de uma ditadura, 15,2% responderam “tanto faz” e 9,9% não souberam responder. Em 2010, na transição entre Lula e Dilma


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ilustraçãO daniel kondo

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Preferências do eleitor Levantamento nacional com 3.136 eleitores indica queda na adesão à democracia em 2014 (em %) Rousseff, a adesão à democracia saltou para 78,5%, diante 8,7% que não se opunham à volta de um regime autoritário. Em 2014, porém, a preferência pela democracia caiu para 65,2%. “É preciso comparar com outros dados da pesquisa”, comenta Rachel Meneguello. “A parcela que considera a ditadura preferível à democracia em algumas situações aumentou [de 8,7% para 10,5%], mas ainda é baixa. No entanto, a porcentagem dos que não sabem definir o regime democrático cresceu sig-

n Democracia  n Ditadura  n  Tanto faz  n  Não sabe/não respondeu 78,5

71,4

65,2

59,1

15,6

15,2

2002

9,9

14,2

6,9

2006

9,9

8,7

5,3

2010

8

10,5

16,3 8,1

2014

Fontes Coleção Eseb-CSES, 2002-2014. Banco de dados Cesop/Unicamp

pESQUISA FAPESP 235  z  87


nificativamente, de 25,1% em 2010 para 47,8% em 2014.” Esse dado, mais o fato de que menos da metade dos entrevistados (40,7%) se diz satisfeita com o funcionamento da democracia, revela a existência de um descontentamento com o regime do modo como está sendo exercido no país. “Preferir a democracia não significa estar contente com ela”, aponta Rachel. “Além disso, recebemos respostas diferentes sobre as definições de democracia”, diz Valeriano Mendes Ferreira Costa, da Unicamp, um dos integrantes da equipe de pesquisadores. “Teria a ver com direitos e deveres? Com justiça? Com liberdades? É um momento de redução de crença na democracia, o que é compreensível pela conjuntura, polarização política, menor identificação com os partidos – incluindo o PT –, o desgaste e a crise econômica. Há uma série de oscilações a considerar, mas não há uma curva contínua de queda na adesão à democracia”, acrescenta Ferreira Costa. Ao contrário, até 2010 essa adesão vinha subindo regularmente. A queda só se verifica entre 2010 e 2014. Na interpretação dos cientistas políticos, essa quebra de tendência revela um paradoxo, que é o ponto principal a ser estudado a partir de agora. Ou seja, após um período em que as políticas de inclusão, ampliação dos direitos e redução da desigualdade têm ampla difusão como elementos básicos da construção democrática do país, os referenciais associados ao aprofundamento da democracia perderam peso, aumentando a parcela da população que não sabe definir o fenômeno. A pesquisadora observa que a percepção da democracia traz oscilações relacionadas com a principal bandeira dos governos da vez. Nos mandatos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), um dos itens mais reconhecidos entre os valores associados à democratização do país era a estabilidade econômica ao lado das eleições diretas. Nos governos petistas, a predominância passou a ser das políticas sociais. Esta última tendência não mudou entre os eleitores ouvidos pela pesquisa de 2014, mas mesmo assim apareceram nos resultados menor adesão à forma de governo vigente e queda no entendimento do que é democracia. “Se analisarmos o salto de 2002 para 2010 [a adesão à democracia passou então de 59,1% para 78,5%], é preciso lembrar que estávamos num terreno de conquis88  z  setembro DE 2015

Oscilação da percepção da democracia está relacionada com a bandeira do governo da vez

ta de direitos e inclusão socioeconômica. E os dados de 2014 sugerem que se perderam no período as referências que constituíam a noção de democracia para a população”, diz Rachel. A cientista política é cautelosa em relacionar o resultado da pesquisa com os protestos e a crise política de 2015. “Não é possível analisar os dados de 2014 à luz do que aconteceu depois. Mas o descontentamento já estava indicado na pesquisa”, afirma. Para a pesquisadora, um sinal eloquente é a queda pela metade, entre 2010 e 2014, da porcentagem de entrevistados que se consideravam representados por um partido (57,9% e 26,4%, respectivamente). Desconfiança

Um dos principais focos da pesquisa é o estudo da capacidade representativa do sistema eleitoral. “No Brasil, temos uma tradição presidencialista. O eleitor lembra em quem votou para o Executivo, mas, com muita frequência, esquece o candidato escolhido para o Legislativo pouco tempo depois das eleições”, prossegue a pesquisadora. Os dados da pesquisa, segundo ela, indicam desconfiança em relação ao próprio funcionamento das instituições representativas: em 2010, 25,6% dos cidadãos tinham uma avaliação positiva do Congresso; em 2014, a cifra caiu para 16,8%. “Isso quer dizer que a relação entre o cidadão

e o sistema político está ruim”, avalia. Não há, no entanto, uma crise importante em relação ao valor da participação e da escolha eleitoral: em 2014, 79,1% acreditavam que seu voto tem poder de mudança. Em 2010, eram 71%. Além das análises proporcionadas pelos dados colhidos no Eseb, há outras linhas de pesquisa que compõem o projeto e congregam cientistas políticos de diversas universidades. Da Unicamp há Rachel, Ferreira e Oswaldo Estanislau do Amaral; da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Maria Teresa Miceli Kerbauy; da Federal de São Carlos (UFSCar), Pedro Floriano Ribeiro e Maria do Socorro Sousa Braga; e da Universidade de São Paulo (USP), Bruno Wilhelm Speck. Um segundo eixo do projeto se dedicou a um estudo inédito no Brasil a respeito do funcionamento interno das organizações políticas, avaliando o papel da militância e dos filiados partidários no estado de São Paulo, território onde os 32 partidos ativos do país marcam presença. Foram entrevistados 445 eleitores, filiados aos 10 maiores partidos de São Paulo. Um dos indicadores do estudo revelou a atividade vigorosa dos militantes: 92,1% dos filiados do PT participaram de um evento partidário, no mínimo, em 2013 – uma tendência alta acompanhada por PSDB (90,2%), PSB (82,8%) e PDT (82,4%), entre outros.


Memória do voto

Fonte  Coleção ESEB-CSES, 2002-2014. Banco de Dados CESOP/Unicamp

Em 2014, mais de 40% dos entrevistados não lembravam quem escolheram para deputado federal e estadual semanas depois da eleição n 2002  n 2006  n 2010  n 2014

45,3

43,2

34,5

33,7 *Em 2006 e 2014 houve

27,9

eleição para apenas 1/3

43,5

40,7

28,5

26,8

da composição do Senado

15,9 11,8 5,6

10,2

7,3

Não lembrou voto do senador

Não lembrou voto do 2º senador*

Não lembrou voto do dep. federal

Não lembrou voto do dep. estadual

respostas variadas Preferência por regime segundo as definições de democracia (2010-2014)

Definições de democracia

A democracia é sempre melhor Em algumas que qualquer situações é melhor outra forma de uma ditadura que governo uma democracia

Fonte  Coleção ESEB-CSES, 2010-2014. Banco de Dados CESOP/Unicamp

Não sabe

2014

2010

2014

2010

2014

2010

2014

86,8% 90,6%

5%

7,1%

3,8%

2,4%

4,4%

0%

2010 Direitos e deveres/ Direitos sociais/Cidadania

Tanto faz/ Nenhuma das duas é melhor

Forma e governo/ Procedimentos para governar

82,4%

88%

9,3%

8,9%

5,6%

0,6%

2,8%

2,5%

Liberdade de ir e vir

87,1%

82,7%

8,9%

11,55

2%

5,8%

2%

0%

Liberdade de expressão e opinião

84,6% 81,9%

8,9%

11,5%

4%

5,3%

2,5%

1,2%

Direito ao voto

78,6% 79,8%

10,3%

12,5%

6,9%

5,8%

4,1%

1,9%

União da população/ Conquista do povo/Luta

94,3%

81,8%

2,9%

9,1%

2,9%

4,5%

0%

4,5%

Liberdade de escolha/ Direito de escolha

86,3%

84%

6,1%

11,2%

6,1%

3,6%

1,5%

1,2%

90%

87,5%

6%

10%

0%

2,5%

4%

0%

74,3%

74,6%

14,3%

18,3%

0%

5,6%

14,3%

1,4%

36,4% 20,8%

0%

12,5%

18,2%

8,3%

Liberdades em geral Justiça/Igualdade/ Respeito Respostas críticas à democracia no país

45,5% 58,3%

Diversas teorias tentam explicar o comportamento eleitoral mundo afora. Uma delas defende que a economia é o fator determinante para as disputas eleitorais. No projeto liderado pela Unicamp, os pesquisadores consideram outras variáveis contextuais, como as estruturas socioeconômicas, abrindo-se para abordagens que reconhecem o impacto de diferentes níveis da realidade social sobre o comportamento político dos indivíduos, sem esquecer o peso da economia e o papel das instituições. “No geral, a economia é um fator importantíssimo para o comportamento eleitoral, mas sozinha não é capaz de explicar as diferentes escolhas dos eleitores”, diz Bruno Bolognesi, pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira da Universidade Federal do Paraná (Nusp/UFPR) e do Núcleo de Estudos dos Partidos Políticos Latino-americanos (Nepla/UFSCar). “É preciso investigar diversos fatores.” Rachel alerta para outra questão: “Nós estamos trabalhando com dados individuais, com as percepções das pessoas. Se os eleitores percebem que a economia vai bem, votam no governante X. Se vai mal, pensam: ‘Vou perder meu emprego, não tenho expectativa econômica’, e votam no candidato Y. Mas não é só isso. As pessoas têm ideologias, crenças e valores políticos.” Segundo Valeriano Ferreira Costa, o momento de polarização política das eleições consolidou ainda mais essa observação. “A economia importa, mas a identificação ideológica e partidária também. Em 2014, por exemplo, por que tantas pessoas votaram em Aécio Neves [que recebeu 48,35% dos votos], se a economia, na época, estava aparentemente bem com Dilma? Em 2006, diante do escândalo do mensalão, por que tantas pessoas reelegeram Lula?”, pergunta o pesquisador. “O voto, afinal, expressa a opinião do eleitor. Por muito tempo, na década de 1970, os estudos democráticos focaram apenas indicadores socioeconômicos. O que explica muito, mas não explica tudo. No fim, nossos estudos de opinião pública destacam essa dimensão: a opinião importa.” n

Projeto Outras respostas

Não sabe

74,4%

7,9%

16,3%

5,3%

9,3%

2,6%

0%

60,9% 47,8%

8,2%

8,8%

8%

11%

23%

32,3%

84,2%

Organização e funcionamento da política representativa no estado de São Paulo (1994-2014) (nº 2012/193308); Modalidade Projeto temático; Pesquisadora responsável Rachel Meneguello (Cesop-Unicamp); Investimento R$ 854.931,60.

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memória

1

As primeiras formas da província Impresso em Paris, primeiro grande mapa de São Paulo facilitou o planejamento de estradas e a ocupação do território Carlos Fioravanti e Rodrigo de Oliveira Andrade

90 | setembro DE 2015

O

Mappa chorographico da provincia de São Paulo, de 1841: consultado por administradores públicos, intelectuais e viajantes

oeste paulista aparece como “sertão desconhecido”, sem nenhuma menção às populações indígenas, mas a região próxima ao litoral está bastante detalhada no Mappa chorographico da provincia de São Paulo, a primeira carta impressa a representar toda a província de São Paulo e a se tornar um instrumento de gestão do território. Impressas em Paris em 1841, as primeiras cópias – cerca de 100 – chegaram no ano seguinte às mãos dos deputados da Assembleia Legislativa, que desde 1835 ansiavam por mapas para administrar a província, após conquistarem relativa autonomia tributária com as reformas constitucionais decorrentes da abdicação de dom Pedro I, em 1831. O engenheiro militar Daniel Pedro Müller foi o escolhido para fazer o mapa. “Em 1835, Müller era o engenheiro militar mais experiente e preparado na província de São Paulo para a


fotos  1 e 2 arquivo público do estado de são paulo  3 wikimedia commons

execução daquela tarefa”, avalia José Rogério Beier, historiador que estuda o mapa desde 2012 na Universidade de São Paulo sob a orientação da professora Iris Kantor. Müller baseou-se em notas pessoais e em observações de outros engenheiros a serviço da Coroa para fazer sua própria representação gráfica da província paulista, que naquela época incluía parte do atual estado do Paraná. Nascido em Portugal, filho de pais alemães, Müller cursou a Real Academia de Marinha de Portugal e se mudou para o Brasil em 1802, aos 17 anos, como ajudante de ordens do governador da capitania. Como engenheiro, fez várias obras, como a estrada do Piques, atual rua da Consolação, e o chafariz do atual largo da Memória, no Anhangabaú. Como militar, Müller participou da campanha contra uma ameaça de ataque dos espanhóis em 1819 e da guerra da Cisplatina, contra a Argentina, em 1825. Como marechal de campo reformado, voltou a São Paulo. Em 1835 a recém-instituída Assembleia Legislativa fez a ele uma encomenda dupla: organizar as estatísticas e preparar um mapa da província. “A encomenda de um mapa e de um levantamento populacional e econômico pela Assembleia Legislativa sugere uma preocupação da elite política com a ocupação do território, o desenvolvimento da infraestrutura viária e de comunicação com o porto de Santos e com a capacidade de expansão da ocupação do território no sentido oeste”, comenta

Autat velit paria voluptum re rernati apit quoditi none core veliciusciis et eruptas

2

Iris. “O levantamento e a carta desenhada por Pedro Müller permitiram aos governantes paulistas consolidar um projeto de autonomia e de afirmação dos interesses econômicos a partir de 1835”, conclui Beier. O mapa, que media 102,4 por 151,6 centímetros, por falta de uma tipografia adequada no Brasil, foi enviado para Paris, então um centro mundial de produção cartográfica. As cópias “circularam não só entre órgãos da administração provincial e da corte, mas

Mapa equivocado: atribuído a Müller, mas sem confirmação de autoria, e o povoado de Pinheiros deve ser a atual cidade de Valinhos

Obelisco no largo da Memória, centro de São Paulo: uma das obras de Müller

3

também entre academias de ciências, como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, intelectuais e viajantes, como sir Richard Francis Burton”, observou Beier em um artigo publicado em 2014 na revista Tempos Históricos. Em meio às pesquisas, ele encontrou um mapa atribuído a Müller no Arquivo Público do Estado de São Paulo, indicando um caminho novo a ser aberto para um povoado chamado Pinheiros, e o examinou com Élzio José da Silva, coordenador da seção de cartografia do arquivo. “Não encontramos nenhuma evidência de que tenha sido feito por Müller. Não há assinatura e a caligrafia não corresponde à do marechal de campo reformado”, diz Beier. “Mais ainda, o mapa não descreve um caminho para o atual bairro de Pinheiros, em São Paulo, mas sim para uma povoação próxima à então vila de São Carlos, atual Campinas. O povoado de Pinheiros, representado no mapa, deve ser a atual cidade de Valinhos, que à época era conhecida como Pouso dos Pinheiros.” Müller tinha uma casa próxima ao rio Pinheiros. Em 1842, endividado e angustiado, ele se suicidou, afogando-se no rio. n PESQUISA FAPESP 235 | 91


Arte

Teatro do real

1 1

Grupo Vertigem retrata a vida urbana em encenações na rua e prédios públicos Orlando Margarido

Encenação no rio Tietê (BR-3), em hospital abandonado (O livro de Jó) e em igreja no centro de São Paulo (O paraíso perdido): temas urbanos sempre presentes 3

92 | setembro DE 2015

2


fotos 1 nelson Kao 2 e 3 Claudia Calabi  4 Adauto Perin

P

oderia ter sido uma sessão maldita, daquelas à meia-noite. A intenção dos fiéis reunidos na Igreja Santa Ifigênia, no centro de São Paulo, não era assistir, mas impedir um espetáculo considerado blasfemo. Enfim, cansados, retiraram-se. Foi então, à 1 hora da manhã de 5 de novembro de 1992, que O paraíso perdido estreou, marcando o início da trajetória do Teatro da Vertigem. “Em certo momento, acreditei que só mesmo o espírito santo faria a peça estrear”, brinca o diretor artístico da companhia, Antonio Araújo. Na época, um apoio determinante à realização veio do arcebispo emérito de São Paulo dom Paulo Evaristo Arns. Araújo chegou a receber telefonemas anônimos com ameaças de morte. Desde então, alguma polêmica sempre acompanha a trajetória de um dos coletivos teatrais mais bem-sucedidos da cena contemporânea, quase sempre em razão da ocupação de espaços urbanos não convencionais e pelo fator físico, elementos essenciais do grupo. Na segunda peça da trilogia bíblica do Vertigem, O livro de Jó (1995), de Luís Alberto de Abreu, o intérprete se debatia nu em macas e aparelhos cirúrgicos no abandonado Hospital Umberto Primo, na zona sul paulistana. O público, perturbado, caminhava pelos corredores com cheiro de éter. Esses desafios aos sentidos encerrariam uma primeira fase da companhia no desativado presídio do Hipódromo, na zona Leste da capital. Tratava-se de encenar a evocação do massacre de presos do Carandiru no projeto Apocalipse 1,11 (1999). A ousadia de encenação prosseguiu nos anos 2000. Em BR-3, a plateia navegava pelo rio Tietê à mercê da visão e dos odores que tal experiência implica e os atores encenavam em alguns pontos da margem, quando o barco parava. “É quando o Vertigem deixa uma noção metafísica e idealizada para enfiar o pé na lama”, diz Silvia Fernandes, professora titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) especializada na produção teatral brasileira dos anos 1990. “O grupo passa então a uma ação contundente e por isso o classifico como um teatro político, se lembrarmos a alusão às torturas contidas em Jó, e um teatro do real, isto é, ligado à realidade no sentido de trabalhar com temas urbanos, fazer encenações nas ruas e em prédios públicos.” Araújo, mineiro de Uberaba, é egresso do curso de artes cênicas da ECA-USP, do qual hoje é professor. Com sete outros colegas da universidade iniciou uma pesquisa de linguagem aplicada aos movimentos dos atores influenciado pelos estudos de mecânica clássica do matemático irlandês William Hamilton (1805-1865). O passo seguinte foi imaginar esses movimentos realizados em espaços simbólicos. “Pensamos primeiro no sentido mítico do Paraíso e da queda do homem, dos

4

O filho, mais recente trabalho do Vertigem: atuação elogiada de Antonio Petrin (centro)

corpos, a partir de obras como Paraíso perdido, de John Milton [1608-1674]”, explica o diretor. “Daí surgiu um jogo às avessas com o espectador em um lugar sagrado como a igreja.” Veio dessa experiência o batismo da companhia. Em 2011, Araújo lançou A gênese da Vertigem (editora Perspectiva com o apoio da FAPESP). Trata-se da dissertação de mestrado em que o diretor esmiúça o processo de criação de O paraíso perdido. A prática do lugar ideal para a encenação, diz Araújo, sempre vem depois da dramaturgia. No grupo, o ofício pode ser dividido com autores e escritores convidados, como Sérgio de Carvalho, da Cia. do Latão, e Fernando Bonassi. A concepção de BR-3, por exemplo, foi ambiciosa. Partiu de uma busca da identidade nacional fundamentada em três “brasis”, o bairro paulistano Vila Brasilândia, a capital Brasília e Brasileia, cidade do Acre. O grupo viajou de ônibus ao Norte com o escritor Bernardo Carvalho. “Nessa viagem, vimos uma modernização predatória, desde lixo no córrego até florestas devastadas”, diz Araújo. O rio Tietê veio a calhar como cenário da montagem de BR-3, que teve coordenação de dramaturgia da professora Silvia Fernandes. Vez ou outra, o Vertigem abre mão da paisagem urbana, como ocorre agora com O filho, baseado na Carta ao pai, de Franz Kafka, com direção de Eliana Monteiro, assistente de Araújo desde Apocalipse. Ela utilizou o galpão do Sesc Pompeia, em São Paulo, e o recheou de objetos domésticos descartados, além de criar mezaninos. A peça rendeu elogios generosos ao veterano ator Antonio Petrin, de 77 anos. A marca registrada do grupo, no entanto, é o estranhamento e a provocação a uma realidade urbana, o que já chamou a atenção no exterior. Bom Retiro 958 metros (2012), uma deambulação noturna pelo bairro de comércio paulistano, recebeu recentemente uma adaptação chilena para uma zona equivalente de Santiago do Chile. n PESQUISA FAPESP 235 | 93


carreiras

Empreendedorismo

Transição para o mercado Dificuldades e objetivos que uma empresa spin-off acadêmica deve ter para alcançar o sucesso Uma ferramenta gerencial para auxiliar os criadores de spin-off acadêmica. Esse é o resultado prático do artigo “Inovação como transição: uma abordagem para o planejamento e desenvolvimento de spin-offs acadêmicas”, publicado em fevereiro na revista Production. A rota traçada por pesquisadores do Laboratório de Gestão da Inovação (LGI), da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), pode ajudar os novos empreendedores a construir uma estratégia para planejar o negócio e lidar com as incertezas do mercado e da tecnologia, tanto internas da empresa quanto as coletivas do setor em que vão atuar. Criadas normalmente por pesquisadores e alunos ou egressos de cursos superiores que desejam transformar determinado trabalho científico em produto comercial, as spin-offs têm de superar uma série de dificuldades antes de se 94 | setembro DE 2015

consolidar e ter sucesso no mercado. Segundo o engenheiro de produção Leonardo Augusto de Vasconcelos Gomes, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (FEA-USP), à época doutorando da Poli-USP e autor principal do artigo, a ferramenta gerencial proposta no trabalho fornece um conjunto de passos para que o empreendedor planeje e gerencie o seu negócio, auxiliando no complexo caminho de transformar um resultado de uma pesquisa acadêmica em um negócio bem-sucedido. Aborda simultaneamente o desenvolvimento do produto e da empresa, inclusive a parte administrativa e financeira. O primeiro passo é compreender quais são as grandes tendências ou pressões tecnológicas e mercadológicas que podem criar uma janela de oportunidades para

a inovação concebida ou a ser explorada pela spin-off. O segundo é identificar os direcionadores existentes, que podem ser novos requisitos técnicos dos produtos atuais ou as necessidades atendidas ou não. E o terceiro é verificar o que a inovação vai mudar, por exemplo, no mercado. “O primeiro e o segundo passo explicam como o mercado e a cadeia produtiva estão funcionando”, diz Gomes. “O terceiro aponta o que a spin-off e a tecnologia em desenvolvimento vão alterar em relação aos produtos que já existem.” O quarto passo é verificar que soluções emergentes concorrem com a proposta da empresa, porque pode haver outras tecnologias ou modelos de negócio que estão disputando o mesmo mercado. “O passo cinco consiste em determinar o ecossistema, ou seja, a rede de fornecedores e clientes, por exemplo, necessária para conseguir desenvolver e comercializar o novo produto”, explica Gomes. “E o último constitui-se basicamente de entender a agenda de cada um dos atores e estruturar um plano de ação para a gestão de uma spin-off acadêmica.” Em relação às incertezas, Mario Sergio Salerno, coordenador do LGI e coautor do artigo, diz que há quatro categorias. Uma delas é a tecnológica, porque não há como saber se ela vai dar certo. Outra é a de mercado, se o produto vai ser aceito ou não, a que preço e em quais condições. Há ainda


foto  IBM  ilustraçãO  daniel bueno

a incerteza de recursos – haverá dinheiro ou competências para desenvolver o produto e o negócio? – e a organizacional, em que a companhia pode não ter um bom sistema de decisão, ou haver mudanças de orientação estratégica, por exemplo. “Uma empresa iniciante de base tecnológica só vai dar certo se ela conseguir diminuir essas incertezas”, diz Salerno. Fabíola Spiandorello, gerente de Propriedade Intelectual da Agência Unesp de Inovação, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), lembra outro obstáculo que pode surgir para as spin-offs. “Muitas vezes o produto é tão inovador que ainda não existe mercado para ele”, afirma. Nesse caso, Salerno diz que é necessário desenvolver todo um “ecossistema” envolvendo outras empresas, fornecedores, financiadores e órgãos reguladores. “A invenção da lâmpada elétrica é um exemplo histórico”, lembra. “Ela exigiu não apenas a produção de lâmpadas, mas o aumento da infraestrutura de produção e distribuição de energia, o desenvolvimento de mecanismo de medição e controle do consumo de eletricidade.” Além da necessidade de se ter um bom produto a preço razoável, não há uma fórmula ou receita para que uma spin-off faça com sucesso a transição da academia para o mercado e se firme nele. Fabíola cita, no entanto, algumas estratégias que podem ajudar. “Primeiro, o empreendedor precisa mudar sua mentalidade”, sugere. “Ele não é mais um pesquisador de laboratório cujo foco está nos resultados que saem da bancada. O objetivo agora deve estar em fazer a empresa sobreviver. Precisa entender também que há necessidade de agregar diversos tipos de conhecimento para isso, como administrativo, financeiro, legal e captação de recursos.” n Evanildo da Silveira

perfil

Motivação da mudança Depois de 10 anos, engenheiro deixa a universidade para trabalhar com tecnologia da informação na IBM O desejo de se dedicar totalmente à pesquisa aplicada foi a maior motivação que levou o engenheiro de computação Renato Cerqueira, de 45 anos, a trocar a posição na academia por um cargo numa empresa privada. Depois de 10 anos lecionando em tempo integral no Departamento de Informática da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), ele se transferiu em setembro de 2011 para o Laboratório de Pesquisas da IBM Brasil, na capital fluminense. “Sempre gostei de pesquisa aplicada, de ver o resultado do meu trabalho colocado à disposição da sociedade. Um dia, um colega do IBM Research me convidou para um teste no laboratório recém-criado no Rio”, conta Cerqueira. Ele se interessou, participou de um processo seletivo e foi contratado. No início, Cerqueira foi incorporado a uma das equipes de pesquisa do IBM Research, mas com um ano de casa assumiu a gerência da área de Soluções para Recursos Naturais do laboratório. A unidade é responsável por abordar desafios científicos e tecnológicos enfrentados pelas indústrias de petróleo e gás, mineração e agricultura, por meio do desenvolvimento de soluções que combinam modelos analíticos baseados em dados com modelos físicos, construídos sobre plataformas computacionais em nuvem.

No seu dia a dia, Cerqueira lidera uma equipe de algumas dezenas de pesquisadores com especializações em diferentes áreas, tais como ciência da computação, engenharias elétrica, mecânica e civil, matemática aplicada, estatística, lógica e linguística. Essa equipe se dedica a investigar e criar novos métodos e tecnologias de software para a caracterização e gerência de recursos naturais, assim como para o aprimoramento das operações das indústrias do setor de recursos naturais. “São, por exemplo, programas que ajudam os gestores de companhias petrolíferas na tomada de decisão sobre explorar ou não determinado reservatório de óleo. Trabalho num ambiente instigante, exposto a uma diversidade de desafios e interagindo com cientistas que atuam em laboratórios da IBM em diversos lugares do mundo”, afirma. “É muito bom fazer pesquisa numa organização que conta com uma rede global de 3 mil cientistas.” A decisão de deixar a PUC-Rio, no entanto, não foi tão fácil. Foi lá que Cerqueira fez graduação, mestrado e doutorado – os dois últimos em ciência da computação. Nos 10 anos em que lecionou na universidade, publicou mais de 40 artigos científicos e orientou 38 alunos de mestrado e doutorado. Ele diz que tem saudades da sala de aula e do ambiente acadêmico e planeja voltar a lecionar. Com uma ressalva: “Sem abrir mão do trabalho na empresa, que me proporciona muita satisfação”. n Yuri Vasconcelos

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resenhas

A figueira e a USP José de Souza Martins

A Glette, o palacete e a Universidade de São Paulo César Ades (in memoriam) Angélica Z. P. Sabadini Carlos Ribeiro Vilela Neusa G. de Carvalho Viktoria K. L. Osorio (organizadores) CM-IPUSP 256 páginas Em breve, disponível para ser baixado gratuitamente no site do CM-IPUSP: citrus.uspnet.usp.br/centrode memoriaip/

96 | setembro DE 2015

visórias e em casa alheia. O palacete da Glette foi a primeira casa “própria” da escola. Talvez por isso os alunos dos cursos nela frequentados tenham guardado cálidas lembranças daqueles tempos iniciais da USP, lembranças do que foi, de fato, a batalha pela universidade. Lembranças de uma casa materna. Raramente lembram alunos e professores de hoje que a USP, em particular a Faculdade de Filosofia, só se tornou possível graças à teimosia e à obstinação de docentes e estudantes de então. O quadro era o do lúcido empenho de governantes que concebiam a universidade e a educação pública, gratuita e laica como instrumentos de democracia e de emancipação social. Hoje a USP está configurada e realizada sobretudo no espaço da Cidade Universitária, em boa parte como a idealizou Júlio de Mesquita Filho num dia dos anos 1930. Foi quando visitou a Fazenda Butantã com seu cunhado Armando de Salles Oliveira, governador do estado, e Paulo Duarte, jornalista. Nas proximidades do portão do Instituto Butantã que dá agora acesso à ladeira que corre ao lado do prédio de História e Geografia e do Instituto de Química, estendeu o olhar por aquilo que viria a ser o campus do Butantã e povoou imaginariamente o descampado com os edifícios que formariam a arquitetura da universidade que estava sendo criada. Era sonho de visionários. A USP vingou porque existiu, previamente, como um todo na imaginação dessas pessoas e também na de professores e alunos. Testemunha dos primeiros tempos da Faculdade de Filosofia dispersa, Claude Lévi-Strauss, que foi nela o

fotos 1 e 3 Acervo fotográfico do CM-IPUSP / digitalização de Carlos Vilela  2 Simon Plestenjak  livro eduardo cesar

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ma velha figueira no terreno baldio da alameda Glette, em São Paulo, transformado em estacionamento, entrou no imaginário de toda uma geração de antigos alunos da Universidade de São Paulo (USP) e tornou-se símbolo de seus anos de formação universitária. Está no centro da memória e das lembranças de um grupo de ex-alunos de vários antigos cursos da USP reunidas em livro lançado em 2014: A Glette, o palacete e a Universidade de São Paulo, organizado por César Ades, Aparecida Angélica Zoqui Paulovic Sabadini, Carlos Ribeiro Vilela, Neuza Guerreiro de Carvalho e Viktoria Klara Lakatos Osorio. Foi publicado pelo Centro de Memória do Instituto de Psicologia da USP (CM-IPUSP). A figueira é o que resta do passado no terreno do antigo palacete, que fora de Jorge Street, médico e industrial famoso, dono da Fábrica Nacional de Tecidos de Juta, no bairro do Belenzinho, onde mandara construir a vila operária conhecida como Vila Maria Zélia. Industrial socialmente progressista, plasmou na vila a que deu o nome de uma das filhas, falecida com 16 anos de idade, seu ponto de vista sobre a relação entre o capital e o trabalho. A vila, inaugurada em 1917, ano da histórica greve geral, é a configuração de sua concepção do que deveriam ser as relações de produção na indústria moderna. Malogrado como empreendedor e endividado, acabaria vendendo a fábrica em 1924, para pagamento de credores. Ele se tornaria funcionário público e, finalmente, funcionário da Fiesp, de que fora um dos fundadores. O palacete do bairro dos Campos Elíseos também foi perdido para uma companhia de seguros e a família de Street teve que deixar a casa. Até móveis ficaram no imóvel, que seria adquirido em 1937 para abrigar diversas seções e cadeiras da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, criada três anos antes para nuclear a Universidade de São Paulo, que assim nascia. Compra de urgência porque a Faculdade de Filosofia fora literalmente expulsa pelos alunos da Faculdade de Medicina, ali provisoriamente alojada no início de sua história. A faculdade esteve por muitos anos dispersa, em diferentes lugares da cidade, não raro os alunos assistindo a algumas aulas num lugar e outras noutro, sempre em acomodações pro-


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1 Entrada social do Palacete Jorge Street, após reforma de 1926 2 Figueira da Glette em foto de 2014. Desde 1973 funciona no local um estacionamento 3 Sala localizada no porão do palacete, em 1948, escavado para instalar parte da Biologia Geral

segundo professor de sociologia, ao visitá-la na Cidade Universitária, já velhinho, muitos anos depois de ter voltado à França, não resistiu e chorou. Um sentimento parecido com o de outros artífices da obra, o triunfo do espírito republicano e da razão, entre nós, sobre o atraso e o oligarquismo de uma sociedade que tinha raízes profundas na escravidão ainda próxima e no autoritarismo que lhe era próprio. No palacete da Glette fincaram raízes, além da administração da atual Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, em cujos saguão e diretoria ainda há belos móveis procedentes da antiga residência de Jorge Street, também antigas seções da escola, como se dizia, que vieram a ser departamentos e cursos. São hoje o Instituto de Geociências, o Instituto de Biologia, o

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Instituto de Química, o Instituto de Psicologia. Com o tempo foram se transferindo para outros lugares até serem localizados definitivamente na Cidade Universitária, deixando o antigo palacete, construído no final do século XIX. Em 1973, mediante concorrência pública, o imóvel foi vendido pela USP e demolido pelo comprador. Restou a figueira do antigo jardim da família Street, hoje tombada. A antiga figueira foi clonada, quatro mudas foram produzidas. Foram plantadas em diferentes pontos da Cidade Universitária, especialmente nos jardins de algumas das unidades que tiveram suas raízes no palacete da Glette, como o Instituto de Psicologia e o Instituto de Geociências. Um original e criativo modo de construir o memorial dos primeiros tempos da Universidade de São Paulo. O livro é não só rico em detalhes históricos sobre o estabelecimento e sobre docentes e alunos que se destacaram na história de diversos campos do conhecimento. É rico, também, de imagens fotográficas oriundas de arquivos da própria família Street como ainda de arquivos de pessoas ligadas à origem da USP. Uma verdadeira história visual da universidade. Um belo e emocionante documento de uma geração que não se perdeu no tempo nem abriu mão da memória enquanto alimento vital do espírito.

José de Souza Martins é sociólogo e professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Entre outros livros, é autor de A sociologia como aventura (Contexto, 2014) e Linchamentos: a justiça popular no Brasil (Contexto, 2015).

PESQUISA FAPESP 235 | 97


Uma obra para especialistas e leigos José Luiz Goldfarb

U História da astronomia no Brasil Oscar T. Matsuura (org.) Mast / Cepe Editora / Sectec 656 páginas (volume I) 604 páginas (volume II) Disponível para ser baixado: www.mast.br/HAB2013/

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ma obra de fôlego. Com mais de 1.200 páginas, acaba de ser lançado o livro História da astronomia no Brasil, em versão digital e impressa. Em uma iniciativa conjunta do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast), do Rio de Janeiro, Cepe Editora, de Recife, e Secretaria de Ciência e Tecnologia de Pernambuco, e com organização de Oscar Toshiaki Matsuura, a obra tem na comissão editorial Alfredo T. Tolmasquim, Antônio Augusto P. Vieira, Cristina H. Barbosa e Walter J. Maciel, e conta com mais de 60 colaboradores de diferentes especialidades. O livro está dividido em dois volumes. O primeiro deles tem 16 capítulos e trata da época mais remota: parte da era pré-colombiana com a arqueoastronomia e a astronomia indígena, segue para a época do descobrimento, visita os tempos do Brasil holandês, mergulha nas expedições europeias ao Brasil e suas consequências para essa área do conhecimento. Passa então para o início do ensino da astronomia no país, com destaque para a determinação da hora legal, os meteoritos em solo brasileiro – incluindo alguns eventos marcantes –, o começo dos estudos científicos de astrofísica no país, com rico capítulo sobre Mario Schenberg, e, ainda, capítulos sobre a consolidação do ensino superior e pesquisa e a construção dos observatórios. Já o segundo volume tem 18 capítulos, em que os temas tendem a ser tratados de modo mais fatual e menos analítico do que na primeira parte. São abordadas diversas áreas da pesquisa em astronomia no Brasil, como raios cósmicos, radioastronomia, cosmologia teórica, ondas gravitacionais, além de capítulos que abordam como se deu a estruturação da área no país, incluindo a pós-graduação, formação de sociedades científicas, grandes eventos internacionais, divulgação, planetários e temas correlatos. Segundo o organizador, a ideia inicial do projeto surgiu durante a realização de um evento científico que celebrava o quarto centenário de Jorge Marcgrave, historiador natural, cartógrafo e cosmógrafo do conde Maurício de Nassau no Brasil holandês, em um simpósio internacional realizado em 2010 na Fundação Joaquim Nabuco, em Recife. Na mesa de encerramento do evento, concluiu-se que a história da astro-

nomia deveria ser recontada e o projeto dessa obra abrangente foi lançado. Já em novembro daquele ano foi distribuída pela internet uma circular com a primeira versão do projeto para 17 potenciais participantes. A partir de então, o projeto assumiu um caráter de empreendimento coletivo com envio de outras sugestões e comentários que levaram a uma nova versão do trabalho, mais ambiciosa. O processo se repetiu várias vezes até convergir no início de 2012 para a versão consensual que resultou na obra agora disponível ao público. Ainda segundo o organizador, após minuciosa visita à bibliografia existente na área da história da astronomia, constatou-se que novos estudos sobre episódios do passado mais remoto estavam ausentes. Além disso, os estudos estavam espalhados em livros, teses, artigos publicados em periódicos especializados ou comunicações públicas em anais de encontros. Os episódios da nova astronomia brasileira – aquela feita a partir dos anos 1960, como definido por Sylvio Ferraz-Mello – eram abordados de forma isolada ou abreviada e tocavam apenas na sua fase inicial. Essas considerações levaram Oscar Matsuura a concluir pela falta de uma narrativa abrangente e integrada da história da astronomia no Brasil. Assim, a nova obra deveria incorporar tanto os episódios mais recentes quanto os novos estudos a respeito dos episódios do passado. Lançar um projeto com o objetivo de recontar essa história e sanar essa séria lacuna bibliográfica tornou-se sua meta, plenamente justificada, e que recebeu total apoio da comunidade de historiadores da ciência. O resultado é esta vasta História da astronomia no Brasil, que passa agora a ser uma obra referencial. Sua diversidade no enfoque, metodologia e estilo não é um demérito, mas, pelo contrário, comprova a riqueza da atividade da história da ciência no país. Devemos louvar os esforços do organizador Matsuura e o trabalho de tantos colaboradores. Podemos agora conhecer em profundidade e abrangência a história da nossa astronomia. José Luiz Goldfarb é físico, doutor em História da Ciência e coordenador do Programa de Estudos Pós-graduados em História da Ciência da PUC-SP.


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