Pesquisa FAPESP 208

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junho de 2013  www.revistapesquisa.fapesp.br

Cana-de-açúcar

Empresas investem em tecnologia para aumentar produção de etanol serra da mantiqueira

Folhas na mata captam água como raízes

paulo vanzolini

O zoólogo e músico deixa legado cultural múltiplo evento microsoft

Humanidades podem organizar era da tecnologia entrevista cesar victora

Um epidemiologista das sociedades em transição

Um ambiente para expandir o conhecimento Novos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) devem impactar a produção científica do país



fotolab

Como antigamente O nanquim com bico de pena e preenchimento de sombra com hachurado é uma técnica hoje pouco usada por artistas nas ilustrações para a ciência. A ilustração acima ganhou o primeiro lugar no concurso internacional Margaret Flockton Award for Excellence in Scientific Botanical Illustration neste ano, oferecido pelo Royal Botanic Garden de Sydney, Austrália. O biólogo ilustrador Rogério Lupo desenhou esse exemplar da espécie Vellozia perdicipes, encontrada em Minas Gerais, para integrar artigo científico a ser publicado por Renato de Mello-Silva, do Departamento de Botânica do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. Se você tiver uma imagem relacionada à sua pesquisa, envie para imagempesquisa@fapesp.br, com resolução de 300 dpi (15 cm de largura) ou com no mínimo 5 MB. Seu trabalho poderá ser selecionado pela revista.

Ilustração enviada por Rogério Lupo

PESQUISA FAPESP 208 | 3


junho 2013 n. 208

78 88

16 CAPA Os novos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão da FAPESP projetam mais impacto e ousadia para a ciência do país ilustração  akindo / getty images

entrevista 26 Cesar Victora Um dos mais respeitados epidemiologistas do mundo fala sobre os estudos de acompanhamento de longo prazo de populações

seçÕes 3 Fotolab 5 Editorial 6 Cartas 7 On-line 8 Dados 9 Boas práticas 10 Estratégias 12 Tecnociência 86 Memória 88 Arte 92 Conto 94 Resenhas 96 Carreiras 97 Classificados

4 | junho DE 2013

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA 32 Antártida

Grupo de especialistas indica cinco áreas para dar foco à ciência brasileira no continente gelado

TECNOLOGIA 56 Biocombustíveis

Em meio à crise do setor, empresas investem em tecnologia para aumentar a produção de etanol

62 Engenharia de materiais CIÊNCIA 34 Botânica

Estudo indica que árvores da serra da Mantiqueira captam água pelas folhas e a transportam para o solo

38 Genética

Pequenas moléculas de RNA controlam o crescimento de ramos laterais na planta

40 Especial Biota Educação IV

Savana tropical mais diversificada do planeta, o cerrado guarda universo pouco explorado de moléculas com potencial comercial

45 Astronomia

Levantamento identifica três padrões de evolução das galáxias

48 Física

Serge Haroche e David Wineland, prêmios Nobel de 2012, falam dos desafios de desenvolver um novo conceito de computador e criar um GPS para prever terremotos

52 Evolução

Visão evolutiva e expedições à Amazônia marcaram o trabalho científico do zoólogo Paulo Vanzolini

Setor investe em inovação para oferecer produtos com mais qualidade, segurança e conveniência para o consumidor

68 Medicina

82

Um novo injetor de contraste e a compra de uma ressonância magnética de alta potência contribuem para entender as causas de morte

72 Engenharia biomédica

Sistema permitirá a portadores de paralisias graves comandar cadeira de rodas com músculos da face

HUMANIDADES 74 Big Data

Encontro discute potencial da eScience e afirma papel importante das humanidades

78 Educação

Uso de uma história da ciência atualizada seria a melhor forma de aproximar alunos do entendimento da química

82 Cinema

Glauber Rocha e crítica internacional estabeleceram diálogo que ajudou no projeto de internacionalizar o Cinema Novo

56


carta da editora

Matérias-primas para plasmar o futuro Mariluce Moura Diretora de Redação

Q

uem sente gosto pelos estudos prospectivos ou tão somente deleita-se com os voos da imaginação sobre o futuro tem na nova lista dos 17 Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids), anunciada pela FAPESP em 14 de maio, matéria-prima riquíssima para traçar cenários prováveis do panorama da pesquisa científica em São Paulo dentro de 10 anos. É claro que há sempre incertezas, intervenções do imponderável, além da possibilidade de mudanças de rota econômica e politicamente determinadas, a inutilizar esboços nascidos do esforço de se enxergar nas brumas do que está por vir. Mas, feita a ressalva, os R$ 680 milhões de investimentos previstos nesses centros por até 11 anos, dos quais R$ 370 milhões bancados pela FAPESP e R$ 310 milhões despendidos pelas instituições-sedes em salários pagos aos pesquisadores e técnicos envolvidos, sem dúvida desenham uma parte substantiva do que será a estrutura e as grandes linhas de força da produção de conhecimento científico neste estado, dentro de uma década. Isso parece-me razão mais que suficiente para tornar o programa dos Cepids capa obrigatória desta edição de Pesquisa FAPESP. Cabem, nesse campo descentralizado e fervilhante de produção de novos conhecimentos que está sendo montado em território paulista, trabalhos de áreas tão distintas quanto a neuromatemática e a matemática aplicada à indústria, a neurociência e a neurotecnologia, o desenvolvimento de novas drogas e as terapias celulares, as doenças inflamatórias, a obesidade e a biomedicina, vidros e novos materiais cerâmicos, óptica e fotônica, ciência e engenharia computacional, estudos da metrópole e estudos sobre a violência, para citar algumas. Isso cria um perfil riquíssimo e multifacetado para o setor de ciência e tecnologia no estado, articulado com as grandes tendências internacionais da pesquisa e, simultanea-

mente, atento às mazelas locais que exigem ser compreendidas e superadas (como o fenômeno da violência contemporânea). A relacionar todos os centros está, primeiro, o imperativo de cada Cepid trabalhar na fronteira do conhecimento. E, em segundo lugar, está seu compromisso intrínseco com a criação de conhecimento, a geração de inovações que decorrem de tal conhecimento para sua efetiva apropriação social e, ainda, a difusão de tais conhecimento e inovações para a sociedade, que marca a inserção dos Cepids nas melhores políticas para a ampliação da cultura científica no país. Já era essa a filosofia do programa dos Cepids quando ele foi iniciado em 2000, com o apoio a 11 centros até 2012, totalizando recursos investidos de quase R$ 260 milhões. Agora ela se expande, com o suporte de um dos maiores investimentos já anunciados no Brasil para programas de pesquisa bancados por agências de fomento. Vale ainda destacar aqui que os Cepids da lista recém-anunciada – nove deles efetivamente novos e oito mantidos da lista de 2000, tal qual eram ou repaginados – vão mobilizar de início 535 pesquisadores de São Paulo e 69 de outros países, um time respeitável para um esforço notável de crescimento e ampliação do impacto da ciência brasileira feita a partir de São Paulo. Muito mais detalhes estão na reportagem elaborada por nosso editor de política científica e tecnológica, Fabrício Marques, a partir da página 16. Gostaria de destacar ainda desta edição, em nossa seção de tecnologia, a reportagem elaborada por Bruno de Pierro, editor assistente de política, sobre os investimentos em pesquisa de cana e etanol que várias empresas privadas vêm fazendo, seguindo um movimento inaugurado pela Monsanto em 2008. E recomendar o texto surpreendente de Carlos Fioravanti, nosso editor especial, sobre Paulo Vanzolini, na página 52. Boa leitura! PESQUISA FAPESP 208 | 5


cartas

cartas@fapesp.br

fundação de amparo à pesquisa do estado de são Paulo Celso Lafer Presidente Eduardo Moacyr Krieger vice-Presidente Conselho Superior alejandro szanto de toledo, Celso Lafer, Eduardo Moacyr Krieger, fernando ferreira costa, Horácio Lafer Piva, Herman Jacobus Cornelis Voorwald, joão grandino rodas, Maria José Soares Mendes Giannini, José de Souza Martins, Luiz Gonzaga Belluzzo, Suely Vilela Sampaio, Yoshiaki Nakano Conselho Técnico-Administrativo José Arana Varela Diretor presidente Carlos Henrique de Brito Cruz Diretor Científico Joaquim J. de Camargo Engler Diretor Administrativo

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Conselho editorial Carlos Henrique de Brito Cruz (Presidente), Caio Túlio Costa, Eugênio Bucci, Fernando Reinach, José Eduardo Krieger, Luiz Davidovich, Marcelo Knobel, Marcelo Leite, Maria Hermínia Tavares de Almeida, Marisa Lajolo, Maurício Tuffani, Mônica Teixeira comitê científico Luiz Henrique Lopes dos Santos (Presidente), Adolpho José Melfi, Carlos Eduardo Negrão, Douglas Eduardo Zampieri, Eduardo Cesar Leão Marques, Francisco Antônio Bezerra Coutinho, João Furtado, Joaquim J. de Camargo Engler, José Arana Varela, José Roberto de França Arruda, José Roberto Postali Parra, Luis Augusto Barbosa Cortez, Marcelo Knobel, Marie-Anne Van Sluys, Mário José Abdalla Saad, Paula Montero, Roberto Marcondes Cesar Júnior, Sérgio Luiz Monteiro Salles Filho, Sérgio Robles Reis Queiroz, Wagner do Amaral, Walter Colli Coordenador científico Luiz Henrique Lopes dos Santos Diretora de redação Mariluce Moura editor chefe Neldson Marcolin Editores Carlos Haag (Humanidades), Fabrício Marques (Política), Marcos de Oliveira (Tecnologia), Ricardo Zorzetto (Ciência); Carlos Fioravanti e Marcos Pivetta (Editores espe­ciais); Bruno de Pierro e Dinorah Ereno (Editores assistentes) revisão Márcio Guimarães de Araújo, Margô Negro arte Mayumi Okuyama (Editora), Ana Paula Campos (Editora de infografia), Maria Cecilia Felli e Camila Suzuki (Assistente) fotógrafos Eduardo Cesar, Léo Ramos Mídias eletrônicas Fabrício Marques (Coordenador) Internet Pesquisa FAPESP online Maria Guimarães (Editora executiva - licenciada) Júlio Cesar Barros (Editor em exercício) Rodrigo de Oliveira Andrade Rádio Pesquisa Brasil Biancamaria Binazzi (Produtora) Colaboradores Abiuro, Alexandre Affonso, Ana Lima, Daniel Bueno, Daniel das Neves, Denilson Cordeiro, Evanildo da Silveira, Fabio Otubo, Francisca do Val, Igor Zolnerkevic, Jaime Prades, Luana Geiger, Nelson Provazi, Valter Rodrigues (Banco de Imagens), Yuri Vasconcelos

É proibida a reprodução total ou parcial de textos e fotos sem prévia autorização Para falar com a redação (11) 3087-4210 cartas@fapesp.br Para anunciar (11) 3087-4212 mpiliadis@fapesp.br Para assinar (11) 3038-1434 e 3556-5204 fapesp@veganet.com.br Tiragem 45.200 exemplares IMPRESSão Plural Indústria Gráfica distribuição Dinap GESTÃO ADMINISTRATIVA INSTITUTO UNIEMP PESQUISA FAPESP Rua Joaquim Antunes, no 727, 10o andar, CEP 05415-012, Pinheiros, São Paulo-SP FAPESP Rua Pio XI, no 1.500, CEP 05468-901, Alto da Lapa, São Paulo-SP Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia Governo do Estado de São Paulo

Michel Rabinovitch

Na entrevista de Pesquisa FAPESP (edição 207), o professor Michel Rabinovitch relata sua trajetória de vida e fala, em especial, sobre a formação de pesquisadores até hoje. Contudo, o ponto de viragem da fala foi a instalação da Comissão de Inquérito da USP após o golpe militar de 1º de abril, que resultou na prisão de vários professores e estudantes e na saída de Rabinovitch para os Estados Unidos e, depois, França. Como se sabe, a repressão à ditadura militar intensificou-se após a decretação do AI-5, com novos casos de prisões e torturas que duraram 25 anos de barbaridades, deixando sequelas até os dias atuais. Em contraposição, já foi instalado há mais de um ano a Comissão da Verdade para lançar luzes nos tempos sombrios da ditadura e consolidar a nossa incipiente democracia. Roberto DeLucia ICB/USP São Paulo, SP

Energia limpa e suja

É sempre animador ler sobre os avanços na geração de energia (“O desafio do Sol”, edição 207). O triste é encontrar renovados os textos que perpetuam a desinformação. Muitos leitores acreditarão, certamente, que se trata de “fonte de energia, considerada renovável, abundante e não poluente”. Porém, há alguém que tenha demonstrado que a fotovoltaica, comparada com outras fontes, por watt-hora gerado ao longo da vida útil dos painéis, e do berço à tumba de todos os materiais empregados, seja, pelo menos um pouco, melhor em termos ambientais que as fontes consideradas “sujas”? Sejam quais forem os materiais utilizados no painel (PET, selênio, estanho etc.) ou na sua fabricação, em quantidade suficiente para suprir nossas necessidades, eles terão um impacto enorme no ambiente. E, como custo e poluição sobem e descem em sentidos contrários, creio que se possa vislumbrar o uso da energia fotovoltaica somente onde houver total escassez de outras fontes. Roberto Vicente São Paulo, SP

6 | junho DE 2013

Taxonomia

Sobre o parentesco entre o táxon ao qual pertence Protopterus e tetrápodes (seção On-line, edição 207), o fato já era conhecido bem antes dos resultados apresentados pelos estudos genéticos entre celacanto e Protopterus. Os peixes ósseos dividem-se em dois táxons: Sarcopterygii e Actinopterygii, sendo que os tetrápodes descendem dos primeiros. Em Sarcopteryggi encontram-se os táxons Actinistia (celacanto)-sem coanas e Choanates-com coanas. Em Choanates encontram-se os táxons Dipnoi (Protopterus e a nossa piramboia) e Rhipidistia, com o grupo fóssil Osteolepiformes, onde se encontra o ancestral dos tetrápodes. Portanto, o celacanto, embora tendo uma aparência semelhante a Osteolepiformes, não pertence ao táxon que originou os tetrápodes, e nem os dipnoicos, que são considerados primos dos tetrápodes. Conclui-se então que os estudos genéticos vêm corroborar os estudos feitos sobre anatomia comparada conhecidos desde muito. Francisco Manoel de Souza Braga Instituto Biociências/Unesp Rio Claro, SP

Física e Gaia

A reportagem “Sobre gatos, fótons e mundos estranhos” (edição 202), relativa à física quântica, contrapõe dois sistemas, o de Newton com o de Planck, a mecânica clássica com a quântica – no final da revista há uma resenha (“A Terra é viva?”) com a discussão sobre Gaia e a Terra viva que parece ser um terceiro sistema, cosmologia. Se pensarmos que os antigos não eram idiotas, temos na antiga cosmologia esta ideia da Terra viva. O paradigma antigo existiria como terceira opção. José Fonseca Santo Antonio do Rio Grande, MG

Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail cartas@fapesp.br ou para a rua Joaquim Antunes, 727, 10º andar - CEP 05415-012, Pinheiros, São Paulo-SP. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.


on-line

Nas redes

w w w . re v is t apes q uisa . fapesp . br

j . B . Baitello

Luciano Lima_ Essa capa ficou

Exclusivo no site

demais!! (Edição 207)

x A apenas 38 quilômetros do centro de São Paulo, o Parque Estadual do Juquery guarda espécies características do cerrado, algumas delas consideradas extintas em outras regiões do estado. A constatação é de pesquisadores do Instituto Florestal, vinculado à Secretaria do Meio Ambiente do Estado. Com base em um levantamento florístico feito na reserva, eles identificaram 273 espécies exclusivas do cerrado. O estudo foi publicado em março na Série Registros, editada pelo próprio instituto.

Incrível! Parabéns e muito obrigado

Antonio Francisco Ferreira Neto_ aos autores, colaboradores, à FAPESP e aos outros financiadores. (Novas aves da Amazônia) Roberley Criniti_ O atraso no mundo ainda é visto – ou percebido – com certos dados. Populações reféns da falta de investimentos. (Os nômades e a pólio) Lígia Paganini_ Parabéns pela excelente reportagem sobre Oxypetalum capitatum, espécie considerada presumivelmente extinta

geologia do Brasil nesta última edição! Clara e interessante para sala de aula!

x A oferta de medicamentos de forma equânime e em quantidade adequada às necessidades da população continua sendo um desafio a ser superado pelo SUS. Em estudo publicado na revista Cadernos de Saúde Pública, pesquisadores do Brasil e da Austrália avaliaram os fatores associados ao acesso a medicamentos no SUS por usuários que tiveram prescrição no próprio sistema público. Verificaram que, dos 19.427 pacientes entrevistados, 35,9% não conseguiram receber os remédios receitados gratuitamente na rede pública.

(Por que a terra treme no Brasil)

Rádio A botânica Lucia Garcez Lohmann fala de estudo sobre a história da biodiversidade amazônica

Diogo Ferreira Alves_ Meu medo é: quando a natureza cobra, quem vai pagar? (A ameaça vem do planalto) Adri Mafra_ Que maravilhoso ele. E 87 anos, hein... Grande pessoa e pensador. (Entrevista com Michel Rabinovitch) Iris Amati Martins_ Sim, tem cerrado e lindo. Pertinho da cidade de São Paulo! (Plantas ameaçadas do cerrado)

Vídeo do mês Microcervejaria usa luz para acelerar fermentação

Assista ao vídeo:

youtube.com/user/PesquisaFAPESP

PESQUISA FAPESP 208 | 7


Dados e projetos Temáticos e Jovem Pesquisador recentes Projetos contratados em abril e maio de 2013 Processo: 2012/17869-7 Vigência: 01/05/2013 a 30/04/2018

temáticos  Mecanismos celulares e moleculares envolvidos no papel de neurotransmissores atípicos em transtornos neuropsiquiátricos Pesquisador responsável: Francisco Silveira Guimarães Instituição: Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP Processo: 2012/17626-7 Vigência: 01/04/2013 a 31/03/2018  Fronteiras e assimetrias em fonologia e morfologia Pesquisadora responsável: Maria Filomena Spatti Sandalo Instituição: Instituto de Estudos da Linguagem/Unicamp

 Espectroscopia de alta precisão: impacto no estudo de planetas, estrelas, a Galáxia e cosmologia Pesquisador responsável: Jorge Luis Melendez Moreno Instituição: IAG/USP Processo: 2012/24392-2 Vigência: 01/05/2013 a 30/04/2018  Topologia algébrica, geométrica e diferencial Pesquisador responsável: Daciberg Lima Gonçalves Instituição: Instituto de Matemática e Estatística/USP Processo: 2012/24454-8

Vigência: 01/06/2013 a 31/05/2017  Ação de produtos empregados no cultivo da cana-de-açúcar sobre organismos não alvos Pesquisadora responsável: Carmem Silvia Fontanetti Christofoletti Instituição: Instituto de Biociências de Rio Claro/Unesp Processo: 2012/50197-2 Vigência: 01/04/2013 a 31/03/2017

Jovem Pesquisador  Estudo morfofuncional e molecular da função erétil e do baixo trato urinário em ratos com insuficiência cardíaca crônica: avaliação da via

de sinalização NO-GCs-GMPc Pesquisador responsável: Mario Angelo Claudino Instituição: Universidade São Francisco - campus Bragança Paulista Processo: 2011/21095-4 Vigência: 01/05/2013 a 30/04/2017  Mecanismos envolvidos na redução da resposta inflamatória pulmonar aguda e alérgica, em ratos wistar desnutridos intrauterinamente Pesquisadora responsável: Maristella de Almeida Vitta Landgraf Instituição: Instituto de Ciências Biomédicas/USP Processo: 2012/51104-8 Vigência: 01/05/2013 a 30/04/2017

Inovação em São Paulo e no Brasil Dispêndio empresarial em P&D (% do PIB regional)

São Paulo

1,00

São Paulo - Pintec 0,80

Brasil Brasil - Pintec

Demais estados

0,60 0,40 0,20 0,00

Brasil

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

0,50

0,49

0,47

0,43

0,45

0,44

0,44

0,46

0,50

0,43

0,49

0,48

0,45

São Paulo

0,78

0,80

0,78

0,73

0,78

0,78

0,81

0,87

0,95

0,83

0,99

0,98

0,92

Demais estados

0,34

0,32

0,31

0,28

0,28

0,27

0,25

0,25

0,27

0,24

0,24

0,23

0,22

Brasil - Pintec

0,45

0,41

0,46

0,46

São Paulo - Pintec

0,75

0,75

0,78

0,94

Dispêndio em P&D por empresas. No projeto de Indicadores de C&T&I em São Paulo foi desenvolvido um método para estimar os dispêndios em P&D por empresas (DEPD) a partir dos dados publicados pelo IBGE para a Formação Bruta do Capital Fixo (FBCF). Para esse algoritmo foi usado um conjunto de informações de 24 países ao longo do período de 1981 a 2008, para os quais existem os dados da FBCF e do DEPD. Aos 648 pontos de dados obtidos aplicou-se uma regressão linear que tem R 2= 0,87. Essa metodologia permite estimar anualmente o DEPD (a Pesquisa de Inovação, a Pintec, só foi a campo em 2000, 2003, 2005 e 2008), incluindo os efeitos de aceleração e desaceleração da economia. No gráfico, os pontos cheios representam os valores levantados pela Pintec do IBGE em 2000, 2003, 2005 e 2008, sendo que para 2008 o dado para o estado de São Paulo foi estimado a partir dos dados do IBGE, que não publicou a parte relativa a empresas de P&D no levantamento estadual. Os pontos vazados representam valores calculados como modelo baseado na FBCF.

8 | junho DE 2013

Fonte: FAPESP e Pintec


Boas práticas A revista Nature anunciou medidas para evitar a publicação de artigos científicos que acabam sendo cancelados algum tempo depois da divulgação, porque outros experimentos foram incapazes de alcançar os mesmos resultados. Embora o equívoco tenha origem nos laboratórios, observou editorial da Nature, as publicações científicas agravam o problema quando falham em sua avaliação sobre a robustez dos dados ou a confiabilidade dos métodos. Entre as medidas, destacam-se o aumento do espaço editorial para a descrição de metodologias e um exame mais acurado das estatísticas. Os autores também serão encorajados a ter mais transparência, o que inclui a publicação de dados brutos on-line. Outra ferramenta é uma checagem durante a submissão de trabalhos de ciências da vida, especificando as informações necessárias sobre tamanhos de amostras e testes estatísticos, entre outros aspectos. Segundo informou o site The Scientist, os editores da Nature também querem que os pesquisadores revelem fontes e perfis de substâncias biológicas, tais como linhagens celulares e anticorpos. O problema da irreprodutibilidade de dados é crescente e já existe até uma plataforma na internet, a Reproducibility Initiative (www.scienceexchange.com/ reproducibility), que oferece a pesquisadores a oportunidade de testar experimentos em laboratórios independentes antes de publicar seus achados. A criadora do site é Elizabeth Iorns, diretora-executiva do Science Exchange, um portal on-line que relaciona

pesquisadores com prestadores de serviços experimentais. Ela teve a ideia de criar o serviço quando soube que empresas farmacêuticas estavam contratando pesquisadores capazes de validar resultados publicados. O foco do portal são estudos biológicos pré-clínicos. “Há muita informação negativa sobre o problema da reprodutibilidade de pesquisas. Acredito que esta é a primeira vez que alguém tenta fazer algo positivo nesse sentido”, disse Iorns ao site da Nature. O Reproducibility Initiative tem base em Palo Alto, Califórnia. Os autores interessados em ter seus resultados testados antes da publicação devem pagar um valor específico para pedir a validação. Mas a expectativa é que, com o tempo, agências de financiamento

daniel bueno

Falhas na reprodução de experiências

também apoiem a iniciativa. O Nature Publishing Group, em Londres, e a Rockefeller University Press, em Nova York, já manifestaram apoio à iniciativa.

Investigação confirma fraudes Em maio, a Universidade de Glasgow, na Escócia, notificou revistas científicas sobre as evidências de fraude encontradas em artigos de Alirio Melendez, ex-professor de imunofarmacologia da instituição. Por meio de uma declaração, a universidade confirmou que o pesquisador falsificou dados em cinco papers na área de bioquímica entre 2007 e 2010. No documento, a universidade afirma estar trabalhando para garantir que qualquer correção necessária seja feita. As acusações contra Melendez foram inicialmente feitas pela Universidade Nacional de Singapura (NUS, na sigla em inglês), onde o professor começou a carreira. Após uma investigação que examinou 70 artigos publicados por ele, a NUS

identificou fraudes, como plágio, em 21 papers, considerando também o tempo em que lecionou na Universidade de Liverpool, para a qual ele se mudou em 2010. A investigação terminou em agosto de 2012, mas até maio deste ano a Universidade de Glasgow negava qualquer transgressão cometida por um de seus professores. Em uma entrevista para o jornal Times Higher Education em 2011, Melendez admitiu que alguns dados em seus papers poderiam ter sido duplicados, por meio de plágio, mas ele negou qualquer envolvimento pessoal. Segundo o comunicado da Universidade de Glasgow, não há evidências que comprovem que os coautores dos artigos tenham envolvimento com os atos de má conduta. PESQUISA FAPESP 208 | 9


Estratégias Na academia norte-americana

1

A estreia do Alpha Delphini

O barco oceanográfico: talhado para estudos na plataforma continental

No dia 30 de abril, o

mundialmente por suas

físico Vanderlei Salvador

pesquisas pioneiras

Bagnato, professor da

em malária, a

Universidade de São

pesquisadora começou a

Paulo (USP), e a médica

carreira desenvolvendo

Ruth Nussenzweig,

um modelo experimental

professora na

para estudo da

Universidade de Nova

imunidade contra o

York, foram escolhidos

parasita causador da

membros da National

doença. Em trabalho

Academy of Sciences

publicado na década de

(NAS), dos Estados

1960, Ruth Nussenzweig

Unidos. Ruth é a primeira

imunizou camundongos

cientista brasileira a ser

com esporozoíto

eleita para a NAS, em

irradiado, incapaz de se

150 anos de história da

multiplicar, e em seguida

consagrada instituição.

infectou os mesmos

Incluindo Max Birnstiel,

animais com esporozoíto

nascido no Brasil e

normal, mostrando

agora cidadão suíço,

que os animais não

a representação

desenvolviam a malária.

O Alpha Delphini, primeiro

características ideais

barco oceanográfico

para a maioria das

brasileira na NAS

Professor titular do

inteiramente construído

instituições de pesquisa

chega atualmente a

Instituto de Física de São

no Brasil, inicia neste mês

do Brasil, porque é um

13 cientistas. Professora

Carlos (IFSC) da USP e

sua primeira expedição

barco de porte médio,

no Departamento

coordenador do Centro

científica no litoral de

com um custo

de Parasitologia da

de Pesquisas em Óptica

Pernambuco, entre

relativamente baixo, se

Escola de Medicina da

e Fotônica (CePOF),

a ilha de Itamaracá e

comparado aos navios

Universidade de Nova

um Centro de Pesquisa,

o arquipélago de

oceanográficos, e com

York, Ruth trabalha com

Inovação e Difusão

Fernando de Noronha.

condições de permitir

seu marido, o também

(Cepid) da FAPESP,

A embarcação, que foi

estudos na plataforma

pesquisador Victor

Vanderlei Bagnato

construída para aumentar

continental para os quais

Nussenzweig, desde

já havia sido eleito

a capacidade de pesquisa

há uma demanda muito

os tempos em que

membro da Pontifícia

em oceanografia no

grande”, disse Michel

estudavam na Faculdade

Academia de Ciências,

estado de São Paulo,

Michaelovitch de

de Medicina da USP.

no Vaticano, em

integra um projeto do

Mahiques, diretor do

Reconhecida

setembro de 2012.

Instituto Oceanográfico

IO-USP, à Agência

da Universidade de

FAPESP. A autonomia

São Paulo (IO-USP),

de navegação do Alpha

no âmbito do Programa

Delphini é de 10 a 15

Equipamentos

dias, dependendo do

Multiusuários (EMU) da

número de tripulantes,

FAPESP. O custo total do

e ele poderá operar em

Alpha Delphini foi de R$

toda a faixa de 200

5,5 milhões e o programa

milhas marítimas da

EMU-FAPESP destinou

fronteira litorânea. Em

R$ 4 milhões – o restante

maio do ano passado,

foi financiado pela USP.

o navio oceanográfico

“O Alpha Delphini

de pesquisa Alpha

é uma embarcação

Crucis também

oceanográfica com as

começou a operar.

10 | junho DE 2013

Ruth Nussenzweig e Vanderlei Bagnato: na National Academy of Sciences

2

3


Impacto da ciência brasileira

4

fotos 1 io / usp 2 e 4 léo ramos  3 eduardo cesar  ilustraçãO daniel bueno

Acesso aberto premiado

Cerimônia de abertura do 35º Confap: desafio de aumentar a relevância da pesquisa brasileira

Uma série de propostas

do que o fator de

voltadas ao desafio

impacto dos periódicos.

de ampliar o impacto

No encerramento do

internacional da ciência

fórum, o ministro da

produzida no Brasil foi

Ciência, Tecnologia e

apresentada pelo diretor

Inovação, Marco Antonio

científico da FAPESP,

Raupp, informou que

Carlos Henrique de Brito

será lançado ainda neste

Cruz, aos participantes

ano um novo edital do

do 35º Fórum do

programa dos Institutos

Conselho Nacional das

Nacionais de Ciência

Fundações Estaduais

e Tecnologia (INCTs).

de Amparo à Pesquisa

A continuidade foi

(Confap), que aconteceu

acertada em reunião

entre os dias 23 e 24 de

recente do comitê de

maio. Entre os temas

coordenação do

propostos para discussão

programa, mas ainda

estavam a liberação do

não há data nem valores

A plataforma PLOS,

projetos individuais ou de

que publica revistas

grupos que, por meio de

científicas de alto

pesquisas, conseguirem

pesquisador de tarefas

definidos para a nova

impacto em acesso livre,

demonstrar os benefícios

administrativas e de

chamada. Os resultados

lançou em maio o

e o potencial que o

gestão; a ampliação

serão apresentados

Accelerating Science

acesso a dados abertos

da cooperação

durante um seminário

Award Program (Asap),

pode trazer para o

internacional; o aumento

a ser realizado em julho,

prêmio que reconhecerá

desenvolvimento da

da visibilidade e do

em Brasília. “Estamos

as melhores práticas de

ciência e de outras áreas,

impacto de periódicos

fazendo a avaliação

pesquisa científica

como a medicina e o

científicos e a sinalização

do desempenho dos

publicadas em acesso

mundo dos negócios.

para a comunidade

INCTs existentes.

aberto. A iniciativa tem

“Estamos ansiosos para

científica de que as

Os indicadores, por

como parceiros a

ver casos reais que

agências valorizam mais

enquanto, sugerem que

Wellcome Trust, fundação

mostrem os valores do

o conteúdo e o impacto

o programa deverá ser

de apoio a pesquisas

acesso aberto e sejam

de cada artigo científico

ampliado”, disse Raupp.

biomédicas, e o Google.

capazes de inspirar

O período de inscrição

novas iniciativas”, disse

é de 1º de maio a 15 de

Robert Kiley,

junho. Serão escolhidos

coordenador de serviços

três vencedores, que

digitais do Wellcome

receberão cada um US$

Trust. Os interessados

30 mil, em uma cerimônia

devem acessar o site do

em Washington, Estados

prêmio (asap.plos.org)

Unidos. O júri avaliará

para efetuar a inscrição.

Acervo teatral na Unicamp O acervo do jornalista e poeta português

Brasil. Apolinário foi redator e editor de

cultura do Brasil e complementará o acer-

João Apolinário (1924-1988), com mais

variedades do jornal Última Hora, em São

vo existente”, disse a diretora técnica do

de 500 críticas teatrais, cerca de 1,2 mil

Paulo. Durante o regime militar (1964-

AEL, Elaine Marques Zanatta, à Agência

fotos de espetáculos e 250 programas de

1985), escreveu sobre o teatro brasileiro

FAPESP. A assinatura da doação foi reali-

peças dos anos 1960 e 1970, foi entregue

e conviveu com uma reconhecida geração

zada em São Paulo no dia 15 de maio, no

ao Arquivo Edgard Leuenroth (AEL) da

de diretores, dramaturgos e atores, como

lançamento do livro A crítica de João Apo-

Universidade Estadual de Campinas

Gianfrancesco Guarnieri, José Celso Mar-

linário – Memória do teatro paulista de 1964

(Unicamp), que preserva registros dos mais

tinez e Raul Cortez. “Esse material compõe

a 1971, que reúne críticas dos espetáculos

diversos movimentos sociais ocorridos no

uma importante temática relacionada à

analisados por Apolinário.

PESQUISA FAPESP 208 | 11


Tecnociência

Mais doenças mentais

Quem percorre uma

colega Geraldo Franco

floresta como a da

e Ragan Callaway,

estação ecológica de

da Universidade de

Caetetus, na região

Montana, Estados Unidos

central do estado

(Plant Ecology, abril).

de São Paulo, pode

“Sob a copa de outras

encontrar plantas de

espécies, a sobrevivência

guarantã (Esenbeckia

das plântulas [embrião

leiocarpa) crescendo

já desenvolvido e

de forma bastante

protegido na semente]

aglomerada, com poucos

de guarantã é maior”,

competidores sob suas

diz ela. Em seu estudo de

copas. Pensava-se que

campo, Flaviana plantou

essa espécie, de algum

grupos de 200 sementes

modo, prejudicava o

(100 de guarantã e 100

Sob protestos, a

enquadrar como

crescimento de outras

de cedro) sob guarantãs

Associação Americana

transtorno mental o que

e que a ausência quase

adultos e outras 200

de Psiquiatria (APA)

antes era visto como

completa de outras

sob árvores de outras

lançou em maio a quinta

normalidade. Comer em

espécies poderia

espécies. Embaixo do

edição do Manual de

excesso 12 vezes em

favorecer a sobrevivência

guarantã, a germinação

Diagnóstico e Estatística

três meses, por exemplo,

de seus descendentes.

de suas plântulas foi 64%

dos Transtornos Mentais

deixou de ser um sinal de

Na realidade, não é bem

menor do que sob outras

(DSM), usado

gulodice e se tornou um

assim. “De modo oposto

espécies; no caso das

mundialmente. Em um

indicativo de transtorno

ao que pensávamos, o

plântulas de cedro, essa

comunicado público,

mental. Preocupado

efeito do guarantã sobre

diferença foi de 35%, o

Thomas Insel, diretor

com o aparente exagero,

suas próprias plantas é

que mostra que o efeito

do Instituto Nacional de

Miguel Jorge, professor

muito maior do que sobre

negativo do guarantã

Saúde Mental (NIMH, na

de psiquiatria da

outras espécies nativas”,

sobre seus descendentes

sigla em inglês), criticou

Universidade Federal

concluiu a botânica

é bem maior do que sobre

a falta de marcadores

de São Paulo (Unifesp),

Flaviana Maluf de Souza,

o cedro, possivelmente

biológicos que possam

comentou que qualquer

do Instituto Florestal (IF),

porque as mudas de

validar o diagnóstico de

criança irritadiça poderia

por meio de experimentos

guarantã competem

doenças mentais, ainda

ser agora diagnosticada

controlados na mata,

mais entre elas do que

feito apenas com base

com distúrbio de humor.

em colaboração com seu

com outras espécies.

em sinais e sintomas,

O conceito de depressão

sem parâmetros

está também mais

laboratoriais objetivos.

abrangente: uma pessoa

Em uma declaração

de luto por pelo menos

conjunta, o NIMH e a

duas semanas pode

APA reconheceram que

receber esse diagnóstico.

o manual expressa o

A desordem disfórica

estado da arte do

pré-menstrual, forma

conhecimento nesse

mais grave de tensão

campo e que melhorias

pré-menstrual, passou

no diagnóstico são muito

a ser classificada como

bem-vindas. Allen

um transtorno mental.

Frances, coordenador

Agora existe um só

da edição anterior do

nome – transtorno do

DSM, alertou que o

espectro do autismo –

novo manual alargou

para designar as quatro

a possibilidade de

formas dessa doença.

12 | junho DE 2013

Guarantã em detalhes: sob a árvore mãe, alta mortalidade

1

fotos 1 flaviana m. souza / if 2 NASA, ESA, CFHT, CXO, M.J. Jee e A. Mahdavi   3 Curvace  ilustraçãO daniel bueno

A sombra do vizinho é melhor


Uma matéria escura do B? Os modelos atuais apontam que cerca de

grupo de astrofísicos da Universidade

exemplo do que ocorre com a matéria

23% do Universo é formado por uma

Harvard, comandado por Matthew Reece,

visível no processo de formação das ga-

componente invisível, de natureza des-

sustenta que a realidade do Universo pode

láxias. Seria ainda composta de versões

conhecida, denominada matéria escura.

ser ainda mais complexa (Physical Review

“escuras” de partículas semelhantes aos

Essa componente de difícil detecção seria

Letters, 23 de maio). Existiria, segundo

prótons e elétrons que apresentariam

constituída de matéria fria, com tão pou-

os pesquisadores, um segundo tipo de

algum nível de interação em razão da

ca energia que suas partículas escuras

matéria escura que poderia ter um com-

hipotética presença de uma “força ele-

raramente se chocariam. Ela se manifes-

portamento mais parecido com o da ma-

tromagnética escura”. O possível novo

taria na forma de um halo em torno das

téria visível. Essa forma alternativa de

tipo de matéria escura teria uma presen-

galáxias feitas de matéria visível, conven-

matéria escura teria um tipo de força

ça importante, mas minoritária no Uni-

cional, que representa apenas 5% do

gravitacional que faria suas partículas se

verso: responderia por apenas 5% de toda

Cosmos. No entanto, um estudo de um

juntarem e originarem discos escuros, a

a matéria escura existente no Cosmos.

Mosca inspira olho artificial

Matéria escura (em tons azul e verde) em um aglomerado: mais de um tipo pode existir no Cosmos

Uma tecnologia

uma visão panorâmica

chamada Curvace (sigla

e sem distorções, com

em inglês de Curved

resolução idêntica

artificial compound eye,

à obtida pelo olho

ou componente ocular

do inseto, mas com

artificial curvo), que

capacidade de capturar

reproduz a arquitetura

imagens três vezes

dos olhos das moscas

mais rapidamente.

drosófilas, foi

A inclusão de

desenvolvida por

fotorreceptores

grupos de pesquisa

neuromórficos – que

ligados a institutos e

simulam os circuitos

universidades europeias,

cerebrais – permite a

sob a coordenação

detecção de imagens em

Pesquisadores da

A combinação de grafeno

da Escola Politécnica

diferentes intensidades

Universidade Purdue,

e nanofios de prata

Federal de Lausanne,

de luz do ambiente.

Estados Unidos,

supera as limitações

na Suíça. O olho das

A tecnologia pode ser

criaram um novo tipo de

de cada material:

drosófilas é composto

usada em aplicações

eletrodo transparente,

isoladamente, ambos

por centenas de

da área de defesa, como

que poderia ser usado

são maus condutores

detectores de luz que

veículos aéreos não

em células solares,

de eletricidade e têm

permitem ao inseto

tripulados (Vants)

dispositivos para

resistência alta para

acompanhar,

e em sistemas de

computadores e

serem usados em

simultaneamente, uma

segurança e vigilância

sensores (Advanced

eletrodos transparentes.

série de movimentos

(Proceedings of the

Functional Materials,

Lâminas de grafeno

rápidos em várias

National Academy of

maio). Os eletrodos são

são feitas de segmentos

direções. O olho artificial

Sciences, 20 de maio).

feitos com nanofios de

individuais chamados

prata cobertos com uma

grãos, em cujas bordas

camadas: microlentes

fina camada de grafeno,

a resistência é grande.

dispostas em superfícies

uma forma de carbono.

Nanofios de prata

curvas e flexíveis,

O material híbrido é um

apresentam alta

detectores de luz que

candidato a substituir o

resistência porque

imitam os circuitos

óxido de índio-estanho

são orientados de forma

neurais da mosca e um

(caro e de baixa

aleatória como um

circuito embutido que

resistência mecânica),

emaranhado de palitos,

permite programar

usado atualmente em

dispostos em diferentes

o tratamento dos

monitores, telefones

direções. Mas a junção

sinais luminosos. Sua

celulares e televisores

dos dois materiais

de tela plana.

contorna esse obstáculo.

é composto por três

arquitetura proporciona

2

Novo eletrodo transparente

Olho artificial, baseado na arquitetura da anatomia da drosófila: visão panorâmica e sem distorções

3

PESQUISA FAPESP 208 | 13


Artemísia contra malária

1

A irmã mais velha do Sol

Representação da gêmea solar CoRoT Sol 1: 6,7 bilhões de anos de idade

A empresa de

ano em países pobres.

biotecnologia Amyris,

O projeto teve como

com sede em Emeryville,

base um trabalho de

na Califórnia, e o

biologia sintética

laboratório francês

conduzido pelo

Sanofi desenvolveram

professor Jay Keasling

um novo processo de

na Universidade da

síntese da artemisinina

Califórnia em Berkeley.

– substância usada no

O processo industrial para

tratamento da malária –,

produção da artemisinina

que permitirá sua

semissintética consiste

produção em larga

na produção do ácido

escala e sem

artemisínico por meio

interrupção. A alteração

de fermentação e sua

genética de células de

transformação sintética

uma levedura fez com

por via fotoquímica.

que ela conseguisse

O novo sistema de

processar a artemisinina,

síntese, aprovado pela

ingrediente ativo obtido

Organização Mundial

Ela tem mais ou menos

espelho de 8,2 metros.

a mesma massa e

“É como se essa estrela

até agora apenas a partir

da Saúde (OMS), é feito

composição química do

fosse o Sol no futuro”, diz

da planta artemísia

em cerca de três meses,

Sol. Seu período de

José Dias do Nascimento,

(Artemisia annua), de

um quinto do tempo

rotação também é

da Universidade Federal

maneira eficaz, com

gasto pelo método

semelhante, em torno de

do Rio Grande do

altíssimo rendimento.

convencional de origem

30 dias. Mas sua idade

Norte (UFRN), líder da

A produção tradicional

apenas vegetal. A Sanofi

é de 6,7 bilhões de anos,

equipe que descobriu e

depende da colheita

anunciou que produzirá

cerca de 2 bilhões de

caracterizou a CoRoT

e extração do composto

ainda este ano na fábrica

anos a mais do que a

Sol 1, ao lado de Jorge

da planta, sujeita

de Garessio, na Itália,

estrela que ilumina o

Melendez, da

à sazonalidade e

60 milhões de doses da

nosso sistema. Assim é a

Universidade de São

flutuações do preço

artemisinina, um terço

CoRoT Sol 1, nome com

Paulo (USP), e Gustavo

de mercado, o que

da demanda mundial.

que foi batizada por um

Porto de Mello, da

prejudicava o

Em 2014 a produção

grupo de astrofísicos

Universidade Federal

tratamento da doença,

atingirá cerca de 80

brasileiros, com a

do Rio de Janeiro (UFRJ).

que mata anualmente

a 150 milhões de doses.

colaboração de um

Embora o Sol seja o

650 mil pessoas por

A pesquisa, que durou

colega do Japão, a

objeto celeste mais

nove anos, foi financiada

gêmea solar mais velha

estudado da galáxia,

pela Fundação Bill e

e distante identificada

pouco se sabe sobre

Melinda Gates (SciDev.

até hoje na Via Láctea

o seu processo de

Net de 13 de maio).

(Astrophysical Journal

evolução e o quão único

Letters, no prelo).

(ou não) ele pode ser

Localizada na

em relação às demais

constelação de

estrelas. Segundo as

Unicórnio, a irmã mais

teorias de evolução

velha do Sol é cerca

estelar mais aceitas,

de 200 vezes menos

o Sol se tornará 33%

luminosa do que a

mais luminoso daqui a

gêmea solar mais

3 bilhões de anos, o que

brilhante que se

esquentaria a Terra e

conhece, a 18 Scorpii.

faria a água dos oceanos

Foi descoberta pelo

evaporar. Estudando

satélite francês CoRoT

mais a fundo a CoRoT

e estudada agora em

Sol 1, os pesquisadores

detalhes com o auxílio

esperam produzir

do telescópio japonês

elementos que

Subaru, que possui um

confirmem essa teoria.

14 | junho DE 2013


fotos 1 Jose Dias do Nascimento 2 Embrapa Cerrados  3 Léo ramos  ilustraçãO daniel bueno

Um maracujá mais nutritivo

Surpresas supercondutoras Uma nova e promissora

alta pelos pesquisadores

classe de materiais

(−264,3ºC). O mais

Uma nova variedade

supercondutores foi

interessante, porém,

de maracujá silvestre,

descrita em artigo

é que os valores de

chamada BRS Pérola

publicado em maio na

energia dos elétrons do

do Cerrado, foi lançada

revista Physical Review B.

material não conseguem

pela Embrapa Cerrados,

Em condições normais,

ser descritos pela teoria

unidade da Empresa

o composto diboreto

mais aceita. “Isso se

Brasileira de Pesquisa

de zircônio (ZrB2) não é

deve a outro mecanismo

Agropecuária com sede

supercondutor. Mas o

ainda não explicado”,

em Planaltina (DF),

doutorando Sérgio

diz Machado. Outra

no final de maio. Foram

Renosto, orientado pelo

propriedade incomum

necessários 20 anos de

engenheiro de materiais

é o campo magnético

melhoramento genético

Jefferson Machado, da

crítico superior do novo

para se chegar ao

Escola de Engenharia

material. Quanto mais

cultivar. Nesse período,

de Lorena da USP,

alto seu valor, menos

a produtividade do Pérola

descobriu que o ZrB2

do material é necessário

foi triplicada e seu

se transforma em

para gerar campos

um supercondutor

magnéticos elevados.

de propriedades

Seu campo crítico é

extraordinárias, quando

de 16, 5 teslas, maior

0,4% do zircônio é

que os 10 teslas das

substituído por átomos

ligas supercondutoras

tamanho aumentado.

2

Durante o processo de

Pérola do Cerrado: mais rico em enxofre, cálcio, boro e manganês

seleção, propriedades

de diâmetro, o Pérola

nutricionais diferenciadas,

atinge no máximo

como a presença de

6 centímetros. “Ele é

antioxidantes, foram

mais rico em enxofre,

de vanádio. Sua

de nióbio e titânio

privilegiadas no cultivar.

cálcio, boro e manganês

supercondutividade se

empregadas em bobinas

“Embora seja da família

em comparação com

manifesta a uma

das máquinas de

dos maracujás, o novo

o maracujá comercial”,

temperatura considerada

ressonância magnética.

fruto apresenta coloração,

ressalta. “O consumo

sabor e aroma bem

de 100 gramas de polpa,

distintos”, diz a

equivalente a dois copos

pesquisadora Ana Maria

diluídos em água, garante

Costa, que coordena a

em torno de 34% a 39%

rede de desenvolvimento

da necessidade diária

tecnológico para uso

de ferro.” Por ser rústica,

funcional do fruto

a planta é resistente

silvestre. Enquanto um

a pragas e responde

maracujá tradicional tem

muito bem ao sistema

cerca de 10 centímetros

de produção orgânica.

Anticorpos monoclonais da Recepta em testes no Instituto Butantan

Resposta imunológica global

3

Pequenas empresas aliadas a grandes

tecnologia chamada Medarex, e a par-

que tem como diretor-presidente o pro-

indústrias farmacêuticas estão contri-

ceria da britânica GlaxoSmithKline com

fessor José Fernando Perez, ex-diretor

buindo para aumentar os estudos com

duas instituições americanas, o Centro

científico da FAPESP, possui acordos de

possíveis medicamentos imunoterápicos

de Câncer MD da Universidade do Texas

cooperação com o paulistano Instituto

contra o câncer. Um perfil desse setor

e a empresa Amplimmune. A brasileira

Butantan e com o Instituto Ludwig de

em âmbito mundial foi mostrado pela

Recepta Biopharma também foi citada

Pesquisa sobre o Câncer, de Nova York.

revista Nature Biotechnology (março

pelo periódico por desenvolver anticor-

No início deste ano a Recepta firmou

2013). Entre as empresas destacadas

pos monoclonais imunomoduladores,

uma parceria com a 4-Antibody AG, em-

pela revista estão os esforços da norte-

que promovem o aumento da resposta

presa suíça que tem tecnologia para

-americana Bristol-Myers Squibb, que

imunológica do paciente contra a doen-

gerar e reproduzir anticorpos humanos

adquiriu uma pequena empresa de bio-

ça. A empresa sediada em São Paulo,

de forma mais rápida e segura.

PESQUISA FAPESP 208 | 15


16 | junho DE 2013


capa

A expansão do conhecimento Os novos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão da FAPESP projetam mais impacto e ousadia para a ciência do país Fabrício Marques

fotos  léo ramos

N

Pesquisas sobre desigualdade nas metrópoles, genoma humano, potencial terapêutico de toxinas e óptica são alvos dos Cepids

um dos maiores investimentos em um programa de pesquisa já feitos no país, a FAPESP anunciou os 17 novos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids), que vão reunir 535 cientistas do estado de São Paulo e 69 de outros países em torno de áreas na fronteira do conhecimento. O investimento ao longo de 11 anos é de US$ 680 milhões, dos quais US$ 370 milhões da FAPESP e US$ 310 milhões em salários pagos pelas instituições-sede a pesquisadores e técnicos. “O financiamento de grande porte e de longo prazo permite ousar nos objetivos de pesquisa, garante a consolidação da equipe e, ao mesmo tempo, confere maior escala à pesquisa científica e tecnológica no estado”, afirma Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP. O processo de seleção durou 20 meses, da apresentação dos 90 pré-projetos à escolha dos 17 centros. Mobilizou 250 revisores brasileiros e estrangeiros e um comitê internacional formado por 11 cientistas convidados, além dos comitês internos da FAPESP. As propostas apresentadas foram avaliadas pelo mérito científico, ousadia, originalidade, competitividade internacional e pela qualificação das equipes e suas lideranças. Cada um dos Cepids contará com um comitê consultivo internacional. Eles terão sua continuidade avaliada pela FAPESP no 2º, 4º e 7º anos.

De outubro de 2000 a dezembro de 2012, a FAPESP havia financiado um primeiro conjunto de 11 Cepids, com investimento global de R$ 260 milhões “A Fundação vai encomendar uma avaliação desse período, mas é possível afirmar que a contribuição gerada por vários desses centros foi notável”, diz Hernan Chaimovich, coordenador do programa dos Cepids. “Alguns líderes ganharam grande reconhecimento internacional, caso, por exemplo, do professor Marco Antonio Zago com a pesquisa de terapia celular em diabetes ou do físico Vanderlei Bagnato, recentemente selecionado para as National Academy of Sciences.” Oito centros representam continuidade em relação a iniciativas contempladas no primeiro edital. Alguns preservam o nome e o propósito, caso, por exemplo, do Centro de Estudos da Metrópole, do Centro para o Estudo da Violência ou do Centro de Terapia Celular. Outros atualizaram sua missão, mantendo os líderes. Nove centros são novos e abordam temas como alimentos, obesidade, doenças inflamatórias, neurociência, biomedicina, matemática aplicada, ciência da computação e vidros. Para os centros que haviam sido selecionados no primeiro edital, a possibilidade de continuar no programa por mais 11 anos traz vantagens e desafios. “Se em 2000 tínhamos uma ideia difusa do que poderiam ser esses centros, hoje conhecemos seu potencial o bastante para ter ambições mais PESQUISA FAPESP 208 | 17


audaciosas e especulativas – e me refiro a todos os centros aprovados, não só ao que lidero”, diz Marco Antonio Zago, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto e coordenador do Centro de Terapia Celular (CTC). “Um resultado importante do primeiro Cepid foi sua capacidade de alinhar o trabalho de uma série de pesquisadores que faziam pesquisa de alto nível de forma independente.” O centro agora terá abordagem mais aplicada. “Nosso Cepid foi bem-sucedido em fazer testes clínicos com uma terapia para o diabetes, mas agora buscamos aperfeiçoar essa forma de tratamento também para leucemia, por meio do uso de células-tronco”, diz Zago, que é pró-reitor de Pesquisa da USP. A equipe do centro está rejuvenescida. “Atraímos pesquisadores formados num ambiente em que a terapia celular é uma realidade”, afirma. Um dos objetivos é gerar linhagens brasileiras de células-tronco para uso em estudos pré-clínicos, com foco em doenças como disceratose congênita (que causa envelhecimento prematuro), hemofilia A e mal de Parkinson. “Se na primeira vez demoramos algum tempo para deslanchar, agora vamos começar em alta velocidade”, concorda Vanderlei Bagnato, professor do Instituto de Física de São Carlos, da USP, e coordenador do Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (CePOF). “Temos o desafio de levantar problemas originais e assumirmos liderança internacional”, diz. O grupo de Bagnato é reconhecido por contribuições, por exemplo, na área de turbulência quântica, um fenômeno demonstrado pela primeira vez pelo grupo de São Carlos em 2009 (ver Pesquisa FAPESP nº 177). Essa linha de pesquisa se relaciona ao chamado Condensado de Bose-Einstein, nome dado a um agrupamento de átomos (ou moléculas) que, quando resfriados de forma intensa, passam a se comportar como uma entidade única. O centro vai trabalhar na pesquisa em três frentes: átomos frios (como os do Condensado de Bose-Einstein), plasmônica (área que pode resultar, no campo aplicado, em processadores ópticos de computadores) e biofotônica (que emprega a luz como ferramenta de pesquisa em ciências da vida). Uma das ênfases da nova fase do CePOF é a inovação. “O objetivo não é apenas obter patentes, mas gerar projetos com empresas”, afirma Bagnato, cujo centro colaborou com o lançamento de 25 produtos. Inspirados nos Science and Technology Centers, um programa criado em 1987 pela National Science Foundation (NSF) dos Estados Unidos, os Cepids incentivam equipes temáticas multidisciplinares com características bem definidas. “O que se busca é pesquisa de classe internacional e de caráter multidisciplinar, na fronteira do conhecimento, que determine novos rumos para a pesquisa e não apenas acompanhe o estado da arte”, diz Hernan Chaimovich. Os centros tam18 | junho DE 2013

1

bém devem produzir inovação e transferir conhecimento para o setor produtivo ou dar lastro à criação de políticas públicas. “Há um terceiro componente importante, que é a formação de capacidades. Os centros precisam ter um braço de ensino, de difusão do conhecimento produzido”, afirma o coordenador, referindo-se à oferta de cursos para estudantes e ao desenvolvimento de recursos pedagógicos.

1e2 Espectrômetro de massas (1) e laboratório de pré-formulação (2) no Instituto Butantan 3 Laboratório do Centro de Estudos sobre o Genoma Humano e Células-Tronco, na USP

Fronteira do conhecimento

A atualização dos rumos de alguns Cepids, que tecnicamente tornaram-se outros centros, explica-se pelo surgimento de novos temas na fronteira do conhecimento. Um centro voltado para a pesquisa de doenças genéticas, por exemplo, incorporou o estudo de células-tronco a seu nome e a seu escopo. “Isso aconteceu já no curso do primeiro Cepid, em 2005, quando introduzimos o estudo de células-tronco como ferramenta para entender a expressão gênica e a diferenciação nas doenças genéticas e avaliar o seu potencial terapêutico”, diz Mayana Zatz, professora do Instituto de Biociências da USP e coordenadora do Centro de Pesquisa sobre o Genoma Humano e Células-Tronco. “Essa é uma das vantagens de um Cepid. Permite atualizar o rumo, mantendo-se sempre na fronteira”, afirma. Outra novidade é a inclusão do estudo do envelhecimento, de doenças degenerativas e de fatores que podem contribuir para esses processos. O centro desenvolve um projeto por meio do qual irá comparar a variação do genoma e o funcionamento do cérebro de indivíduos brasileiros saudáveis com mais de 80 anos e de um grupo de pessoas com mais de 60 anos, acompanhados há mais de 10 anos. O Centro de Inovação em Biodiversidade e Fármacos originou-se do Centro de Biotecnologia Mo-

US$680 milhões serão investidos nos 17 centros ao longo de 11 anos


2

3

“O que se busca é pesquisa de classe internacional, que determine novos rumos para a ciência”, diz Hernan Chaimovich

fotos  léo ramos

lecular Estrutural, com propósitos mais aplicados. Enquanto o Cepid aprovado em 2000 estudou a estrutura e a função de moléculas de interesse biotecnológico, o atual busca desenvolver fármacos com base em compostos encontrados na biodiversidade brasileira e também substâncias sintéticas. Coordenado por Glaucius Oliva, do Instituto de Física de São Carlos da USP e atual presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o centro associou-se ao Núcleo de Bioensaios, Biossíntese e Ecofisiologia de Produtos Naturais (NuBBE) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Araraquara, liderado pela pesquisadora Vanderlan Bolzani e ao grupo de Síntese Química da Unicamp. O NuBBE reuniu um acervo de compostos isolados de plantas, fungos ou microrganismos, entre outros (ver Pesquisa FAPESP nº 200). “Aprendemos muito fazendo pesquisa de alta qualidade em biologia estrutural, e chegou a hora de usar esse conhecimento para desenvolver novos fármacos”, diz Oliva. O centro reúne pesquisadores da Federal de São Carlos e da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, da USP. Violência e Metrópole

No caso do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), a nova fase dará mais foco ao papel do Estado e das políticas públicas na redução das

desigualdades. “Sabemos que há uma redução consistente da desigualdade de renda no Brasil. Mas o bem-estar dos indivíduos não depende apenas da renda, mas também e criticamente do acesso a serviços”, diz Marta Arretche, professora da USP e coordenadora do centro, sediado no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). “Nosso objetivo é examinar de modo sistemático o que vem acontecendo em relação à desigualdade de acessos de serviços públicos, como água, esgoto, emprego, educação, saúde, e em que medida políticas públicas afetam o bem-estar das pessoas”, afirma. Outro interesse central é o funcionamento das instituições que estão fora do alcance do Estado nas periferias, notadamente a segurança e o mercado imobiliário – grande parte das famílias tem acesso à residência de modo irregular. “O Brasil é famoso por ter áreas em que o governo não governa, o que torna relevante estudar a ação do crime organizado e do setor imobiliário nas periferias urbanas. Por outro lado, há outra dimensão que nos interessa, que é o florescimento de formas de associativismo, de vida civil e de expressões culturais nas periferias”, afirma. A nova etapa do CEM buscará aprofundar a internacionalização da agenda de pesquisas. “Haverá um esforço de promover coautorias com autores estrangeiros e aumentar as conexões com pesquisadores de vanguarda”, diz Marta. Uma das vocações que o CEM desenvolveu a partir dos anos 2000 foi a produção de dados georreferenciados (ver Pesquisa FAPESP nº 193). A intenção agora é oferecer um curso remoto em georreferenciamento voltado para formuladores de políticas e pesquisadores. O Centro para o Estudo da Violência vai dedicar-se a um grande estudo na cidade de São Paulo que busca avançar em relação às questões levantaPESQUISA FAPESP 208 | 19


das no projeto anterior, quando foram mapeados os cenários da violência no país e investigadas questões como as causas da persistência da violência e as características da cultura política que apoia os direitos humanos. “Percebemos que há uma grande dificuldade dos cidadãos em acreditar no poder das leis e das instituições na promoção da justiça social e na redução de conflitos que tendem a ser resolvidos com violência”, diz Sérgio Adorno, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, pesquisador principal do centro. “Queremos entender como se dá a relação e os vínculos dos indivíduos com respeito à obediência às leis, ao respeito às autoridades, ao reconhecimento das instituições incumbidas de aplicar lei e preservar direitos”, diz. O ponto de partida, diz Adorno, é a observação de que é conflitiva a relação dos cidadãos em seus bairros com os serviços públicos encarregados de garantir direitos, como escolas, delegacias, postos de saúde. Nesse sentido, a pesquisa trata dos fundamentos de legitimidade da ordem democrática. Um grupo populacional será acompanhado ao longo do tempo e em sucessivos momentos. “Pretendemos observar as mudanças na relação entre governantes e governados, cidadãos e serviços públicos, e entender as possibilidades de conso-

20 | junho DE 2013

lidar políticas de respeito às leis e às instituições”, diz Sérgio Adorno. Será necessário, diz o professor, desenvolver uma metodologia para observar a cidade. “A violência não está distribuída homogeneamente. Para fazer uma pesquisa longitudinal, é preciso ter uma representação dessa diversidade territorial e social”, afirma. O estudo está integrado a uma rede internacional. Pesquisadores de países como Colômbia, México, Estados Unidos, África do Sul e Índia produzirão estudos nos mesmos moldes, alguns, porém, selecionando alguns recortes, mas produzindo resultados comparáveis aos obtidos no Brasil.

O impacto na capacidade de produzir ciência de qualidade é sensível e não decorre apenas do volume de recursos, afirma Fernando Cendes

Saúde

Para os pesquisadores participantes do programa, é notável o impacto na capacidade de produzir ciência de qualidade – e não apenas em virtude do volume de recursos. “Com a garantia de recursos por um longo prazo, pode-se trabalhar com tranquilidade, sem gastar tempo tentando levantar novos recursos”, diz Fernando Cendes, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, coordenador do Instituto Brasileiro de Neurociências e Neurotecnologia (Brainn, na sigla em inglês). “A colaboração flui com todos os pesquisadores sabendo que é possível realizar um projeto ousado. Pode demorar quatro anos para levantar dados para só depois fazer análises complexas”, afirma. Forma-se, então, um círculo virtuoso. “O grupo garante um patamar de prestígio que permite atrair os melhores alunos, mais investimentos e boa infraestrutura.” O Cepid liderado por Fernando Cendes é fruto de outro investimento da FAPESP, o programa CInAPCe (sigla para Cooperação Interinstitucional de Apoio à Pesquisa sobre o Cérebro), rede que reuniu, entre 2007 e 2012, 30 grupos de pesquisa para estudar os mecanismos da epilepsia na população brasileira (ver Pesquisa FAPESP nº 124). O novo centro terá como foco a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico relacionado a epilepsia, doença que afeta 3 milhões de brasileiros, e acidente vascular cerebral (AVC), responsá1 vel por uma em cada nove mortes


fotos  léo ramos

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1 Desigualdade no acesso a serviços públicos nas cidades será investigada pelo Centro de Estudos da Metrópole 2 Desenvolvimento de vitrocerâmica 2 na UFSCar, sede de novo centro sobre materiais vítreos

no país. A articulação envolve pesquisadores de saúde e biologia, profissionais de computação gráfica, engenheiros, físicos e físicos médicos. O objetivo é interferir na evolução da epilepsia e melhorar a reabilitação das vítimas de AVC, desenvolvendo novos métodos diagnósticos e de intervenção, incluindo produtos como eletrodos com microcircuitos, interfaces robóticas e sistemas de alerta acoplados a celulares. A exemplo do Brainn, a compreensão de doenças que atingem grande parte das pessoas e a busca de novas terapias contra elas são um denominador comum de vários Cepids. No caso do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades, uma colaboração entre nove pesquisadores da Unicamp e quatro da USP, e nove de outros países, busca-se avançar na caracterização dos mecanismos em nível celular e molecular que contribuem com o desenvolvimento da obesidade. “Só conhecendo a origem do problema do ponto de vista molecular é que vamos encontrar soluções terapêuticas”, afirma Licio Velloso, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e pesquisador principal do centro. A prevalência da obesidade, que girava em torno de 5% da população mundial nos anos 1970, caminha para ultrapassar os 25% da população nesta década. Uma série de doenças associadas, como hipertensão, diabetes, AVC e infarto, está

crescendo e matando cada vez mais gente, afora o impacto nos custos do tratamento de saúde. “Não existe tratamento eficiente contra a obesidade”, diz Velloso. Cada pesquisador do centro trabalhará numa doença ou tópico de pesquisa específico. “Unindo esforços, queremos avançar no conhecimento e na terapêutica. Temos um pesquisador da área de química que trabalhará no desenvolvimento de fármacos a partir de alvos potenciais que encontrarmos”, afirma. O Centro de Pesquisa em Toxinas, Resposta Imune e Sinalização Celular vai dedicar-se a estudos sobre os mecanismos bioquímicos, moleculares e celulares de toxinas com potenciais terapêuticos. Sediado no Instituto Butantan, originou-se do Centro de Toxinologia Aplicada, que funcionou entre 2000 e 2012. “Na primeira etapa do centro, o objetivo foi descobrir novas toxinas em venenos e secreções em diversos animais, como cobras, aranhas e carrapatos, fazendo seu isolamento e caracterização química e promovendo a síntese de peptídeos e ensaios biológicos para verificar a atividade de toxinas”, observa Hugo Armelin, professor do Instituto de Química da USP, pesquisador do Instituto Butantan e coordenador do centro. “Agora o objetivo é trabalhar com mecanismos de ação molecular de toxinas selecionadas”, explica. Dez pesquisadores do Butantan de áreas como imunologia, bioquímica, biologia celular, biologia sistêmica e ciência da computação, vinculados a vários laboratórios da instituição, atuarão em frentes como estudo de estrutura de proteínas, sequenciamento de DNA e produção de proteínas em bactérias, entre outros. O Laboratório de Dor e Sinalização trabalhará no desenvolvimento de analgésicos e ensaios biológicos com roedores. Estudos com zebrafish, peixe que serve como modelo para pesquisas ligadas à resposta imunológica contra toxinas, estão sendo feitos num laboratório criado recentemente para esse fim. “Usar toxinas significa trabalhar em rede de sinalização celular. As toxinas são substâncias químicas com especificidade altísssima e servem como ferramentas para estudar as vias de sinalização dentro das células”, afirma Armelin. Vinte anos de experiência em estudos básicos e clínicos de um grupo de pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP, dão lastro ao Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias, que vai investigar os mecanismos envolvidos na gênese de doenças inflamatórias de origem autoimunes, infecciosas ou metabólicas, como artrite reumatoide, esclerose múltipla, sepse, leishmaniose e aterosclerose. Os estudos buscam novos alvos para desenvolvimento de terapias para estas doenças. Sob a liderança do professor Fernando Queiroz Cunha, o grupo já produziu importantes contribuições no estudo PESQUISA FAPESP 208 | 21


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da artrite, caso, por exemplo, dos mecanismos pelos quais parte dos pacientes não responde a um importante medicamento utilizado para o tratamento da artrite, ou das razões que levam fumantes a sofrerem de um quadro de artrite mais grave. O grupo também tem contribuído no estudo da dor inflamatória e sepse. A sepse caracteriza-se por uma resposta inflamatória sistêmica em decorrência de uma infecção, conhecida anteriormente como septicemia, fatal para mais de 30% de suas vítimas. Uma preocupação do grupo é entender por que parte dos pacientes que sobrevivem à crise aguda de sepse acaba morrendo pouco tempo depois devido a outras infecções ou a doenças aparentemente não relacionadas, como câncer e problemas cardiovasculares. “Vamos utilizar nossa experiência e agregar outros grupos da área básica e da área clínica para aumentar o leque de doenças estudadas”, diz o professor. “Quando encontrarmos um alvo biológico com potencial para desenvolver um tratamento, vamos analisar se tem importância para as demais doenças investigadas.” A pesquisa também envolverá a busca de novas moléculas naturais em plantas e em saliva de insetos vetores de doenças. Já o Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina busca estratégias antioxidantes eficazes e biomarcadores de estresse oxidativo com potencial de aplicação tecnológica. Sob a liderança da professora Ohara Augusto, do Instituto de Química da USP, o centro terá um laboratório central que fornecerá ferramentas analíticas aos pesquisadores. Uma novidade no resultado do edital dos Cepids foi a seleção de dois centros liderados por matemáticos. A necessidade de modelos matemáticos capazes de analisar a complexa massa de dados gerada pela neurociência experimental foi o mote para a criação do Centro de Pes22 | junho DE 2013

quisa, Inovação e Difusão em Neuromatemática (NeuroMat). “A missão do centro é desenvolver pesquisa pura em matemática e em estatística a partir de questões fundamentais suscitadas pela neurobiologia básica e clínica. A neurociência vive uma situação de desequilíbrio, entre uma grande capacidade de produzir dados experimentais e uma insuficiente capacidade de compreensão teórica”, afirma Antonio Galves, professor do Instituto de Matemática e Estatística da USP e coordenador do NeuroMat. “A superação desse desequilíbrio passa pelo desenvolvimento de um novo domínio da matemática, na interface entre teoria das probabilidades, combinatória, estatística e ciência da computação. O objetivo é construir o quadro conceitual adequado à formulação rigorosa dos problemas da neurobiologia”, afirma. Matemáticos de diversas especialidades, associados a cientistas da computação, neurocientistas e clínicos, trabalharão juntos. A principal atividade de transferência tecnológica será o desenvolvimento de ferramentas computacionais de código aberto para pesquisa básica e clínica, assim como de um banco de dados neurobiológicos de acesso livre. 3

1 Obesidade e sobrepeso, que já atingem 25% da população, são alvo de um Cepid sediado na Unicamp 2 Ressonância magnética do cérebro: equipe com base em Campinas vai avançar em estudos sobre epilepsia e AVC 3 Estudo de nanopartículas busca desenvolver materiais com novas funções no centro da Unesp em Araraquara


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Outra iniciativa é no campo da aplicação da matemática à indústria. “O Brasil não tem tradição de usar a matemática como ferramenta para desenvolvimento industrial, mas isso é prática comum no exterior”, diz José Alberto Cuminato, professor do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP em São Carlos e coordenador do Centro de Pesquisa em Matemática Aplicada à Indústria. A ambição do centro é transferir conhecimento para a indústria, mas não só isso. “Temos de imaginar que os problemas da indústria possam trazer novas abordagens de pesquisa para a matemática”, diz Cuminato. “Quando um matemático trata de um problema acadêmico, ele formula uma conjectura e tenta prová-la. Se não conseguir, reformula as suas hipóteses, simplificando-as. Se tenho de simular o escoamento de um tubo de 15 centímetros de diâmetro, não posso diminuí-lo para 10 centímetros. O problema é real”, afirma. O Cepid irá buscar soluções para áreas como mecânica de fluidos, engenharia aeronáutica, inteligência computacional, otimização, pesquisa operacional e análise de riscos para bancos. “Queremos principalmente trabalhar com problemas para pequenas empresas”, observa.

fotos 1 ITACI BATISTA / ae  2 PHILIPPE PSAILA/SCIENCE PHOTO LIBRARY/SPL DC/Latinstock  3 léo ramos

Compreensão de doenças e busca de novos tratamentos são denominador comum de várias equipes de pesquisadores

Interdisciplinaridade

Uma ambição compartilhada pelos 17 Cepids é reunir pesquisadores de disciplinas diversas para multiplicar o impacto de sua produção científica. O Centro de Engenharia e Ciências Computacionais reúne especialistas de química, física, biologia, engenharia mecânica, computação e ma-

temática aplicada, para desenvolver técnicas de modelagem computacional avançadas. “Estamos reunindo cientistas com backgrounds diferentes em torno de temas multidisciplinares, mas tendo como ponto focal a aplicação e o desenvolvimento de métodos computacionais de grande intensidade”, diz Munir Skaf, professor do Instituto de Química da Unicamp e coordenador do centro. Skaf cita o exemplo da geofísica computacional, que precisa analisar quantidades gigantescas de dados cíclicos, como séries de sinais sismográficos, para obter informações sobre a geofísica de um lugar. “É necessária uma nova abordagem para tratamento de grandes volumes de dados, numa área emergente conhecida como eScience. Vamos usar essa abordagem para lidar com problemas da engenharia de materiais, da bioinformática e biotecnologia, das ciências moleculares, em agricultura, e, quem sabe, posteriormente em ciências do clima e ciências sociais, que envolvem grandes volumes de dados”, afirma. A multidisciplinaridade também molda o Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC, na sigla em inglês para Food Research Center), iniciativa de um grupo de pesquisadores oriundos de áreas como ciência de alimentos, engenharia de alimentos, nutrição, medicina e veterinária. “Nosso objetivo é intervir em toda a cadeia da produção de alimentos e produzir ciência básica e aplicada relevante para o agronegócio, os consumidores e agências regulatórias”, diz Bernadette Dora Gombossy de Melo Franco, professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP e coordenadora do Cepid. O centro tem quatro focos: no primeiro, os alimentos são caracterizados por sua biodiversidade, composição em macro e micronutrientes e outros compostos benéficos à saúde, empregando-se ferramentas “ômicas”; no segundo, estudam-se os impactos dos componentes de alimentos no estado nutricional da população e na redução do risco de doenças; no terceiro, a segurança dos alimentos é avaliada em relação aos riscos decorrentes de contaminação biológica e química. O último foco é voltado a tecnologias para melhorar a qualidade, segurança e valor nutricional dos alimentos e para o estudo de impactos ambientais decorrentes do processamento de alimentos. O FoRC começou a amadurecer há três anos, quando a USP estimulou a formação dos Núcleos de Apoio à Pesquisa (NAPs), que reúnem especialistas em torno de um tema multidisciplinar. “Com o início do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Alimentos e Nutrição, quando o edital do Cepid saiu, estávamos preparados para montar o projeto”, diz Bernadette. Três cidades do interior paulista – Araraquara, São Carlos e Ribeirão Preto – situadas a uma distância de 100 km, reúnem 7 dos 17 Cepids, num sinal de vigor das instituições de pesquiPESQUISA FAPESP 208 | 23


Os novos Cepids Os 17 Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão da FAPESP

Sucessores dos Cepids de 2000 a 2012

Novos centros

cepid

Coordenador

Experiência precedente

Instituições envolvidas

Centro de Inovação em Biodiversidade e Fármacos

Glaucius Oliva – IFSC/USP

Centro de Biotecnologia Molecular Estrutural (2000-2012)

USP (sede), Unesp, Unicamp, UFSCar

Centro de Pesquisa em Toxinas, Resposta Imune e Sinalização Celular

Hugo Armelin – Instituto Butantan

Centro de Toxinologia Aplicada (2000-2012)

Instituto Butantan (sede), USP, Instituto de Pesquisa Albert Einstein, Unesp, UFMG, Academia Nacional de Medicina dos Estados Unidos, universidades de Glasgow, Cardiff, Stanford, Virginia, Toyama, Montpellier, Berlim e Lausanne

Centro de Terapia Celular

Marco Antonio Zago – FMRP/ USP

Centro de Terapia Celular (2000-2012)

USP (sede), Centro de Hemoterapia de Ribeirão Preto, Unesp, UFSCar, universidades de Montreal, Guelph, Oxford, King’s College, Califórnia, Southern California, Northwestern, Feinberg, Munique, Paris e Leiden

Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica

Vanderlei Salvador Bagnato – IFSC/USP

Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (2000-2012)

USP (sede), Unicamp, UFSCar, UFPE, Embrapa, Hospital do Câncer de Barretos

Centro de Estudos da Metrópole

Marta Arretche – Cebrap

Centro de Estudos da Metrópole (2000-2012)

Cebrap (sede), USP, Unicamp, Inpe, Insper, UFSCar, King’s College

Centro para o Estudo da Violência

Sérgio Adorno – FFLCH/USP

Núcleo de Estudos da Violência (2000-2012)

USP (sede), Seade, El Colegio Del Mexico, Latin American Social Sciences Institute, Indian Institute for Human Settlements, Center for the Study of Violence and Reconciliation-Johanesburg, universidades de Columbia, California e Cape Town

Centro de Pesquisa para o Desenvolvimento de Materiais Funcionais

Elson Longo – IQ de Araraquara/ Unesp

Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos (2000-2012)

Unesp (sede), USP, Unifesp, UFSCar, UFABC, IPEN, CNPEM e FacTI

Centro de Pesquisa sobre o Genoma Humano e Células-Tronco

Mayana Zatz – USP

Centro de Estudos do Genoma Humano (2000-2012)

USP (sede), Unifesp, Hospital Albert Einstein, Fleury S.A., Fundação Zerbini, InCor, Universidade Utrecht

Centro de Pesquisa em Alimentos

Bernadette Dora Gombossy de Melo Franco – FCF/USP

Núcleo de Apoio à Pesquisa em Alimentos e Nutrição – USP

USP (sede), Unicamp, Unesp, Ital, IMT

Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades

Licio Velloso – FCM/Unicamp

INCT de Obesidade e Diabetes (2009-2013)

Unicamp (sede), Unesp, InCor

Centro de Pesquisa, Tecnologia e Educação em Materiais Vítreos

Edgar Dutra Zanotto – UFSCar

UFSCar (sede), USP

Centro de Pesquisa em Matemática Aplicada à Indústria

José Alberto Cuminato – ICMC/ USP

USP (sede), Unicamp, Unesp, DCTA, UFSCar, PUC-RJ

Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias

Fernando Queiroz Cunha – FMRP/ USP

USP (sede)

Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina

Ohara Augusto – IQ/USP

USP (sede), Unesp, Unifesp, Instituto Butantan, A.C. Camargo Cancer Center, InCor, CNRS, National Institute of Aging, Atomic Energy and Alternative Energues Commission, universidades de Harvard, Milwaukee, Boston, Rochester, de Madri, Emory, Liverpool John Moores, Koç, Aarhus, da República (Uruguai)

Centro de Engenharia e Ciências Computacionais

Munir Skaf – IQ/ Unicamp

Instituto Brasileiro de Neurociências e Neurotecnologia

Fernando Cendes – FCM/Unicamp

Programa CInAPCe (2007-2012)

Unicamp (sede), Unifesp, CTI, Unesp, UFABC, CNRS, universidades de Montreal, Erlangen, Phillips e College London

Antonio Galves – IME/USP

Núcleo de Apoio à Pesquisa em Modelagem Estocástica e Complexidade – USP

USP (sede), Unicamp, UFABC, Impa, Conselho Regional de Estatística-SP, UFRJ, UFRN, Harvard Medical School, Watson Research Center, CNRS, universidades Rockefeller, de Memphis, de San Andrés, de Buenos Aires e da República (Uruguai)

Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão em Neuromatemática

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INCT Redoxoma (2009-2013)

Unicamp (sede), Biocelere Agroindustrial, universidades do Texas, Yale, de Buenos Aires e Graz


juan ojea

Pesquisadora do Centro de Neuromatemática, na USP: busca de equilíbrio entre grandes volumes de dados e sua compreensão

teriais multifuncionais. Estudamos toda a gama de propriedades de um material e analisamos como podem ser utilizadas como elementos de um novo material. As reservas de certos compostos estão exauridas. Temos de otimizar a utilização da matéria-prima e melhorar o desempenho desses materiais.” Energia e saúde são dois focos importantes do centro. “Estamos desenvolvendo materiais bactericidas ou fungicidas tanto para diminuir as infecções hospitalares como para despoluir lagos e rios”, afirma. O centro quer estimular a geração de empresas tecnológicas. “No âmbito internacional, vamos aumentar a interação com universidades e com parques de alta tecnologia, para estabelecer parcerias com empresas dos nossos parques.” Os Cepids também são responsáveis por oferecer atividades de extensão voltadas para estudantes e o público em geral. O CePOF de São Carlos sa da região. A pesquisa em nucleatem um canal de TV que ção e cristalização de vidros em São oferece cursos a distância Carlos, uma das mais produtivas do para estudantes do ensino mundo, deu origem ao Centro de “Seria uma boa médio. “Vamos criar agoPesquisa, Tecnologia e Educação em ideia articular ra cursos na internet para Materiais Vítreos (CeRTEV, na sigla alunos de todo o Brasil”, em inglês). Sob a liderança de Edgar os Cepids e diz Vanderlei Bagnato. Zanotto, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e criar um grande “Oferecemos jogos educativos para estudantes num supervisor do Laboratório de Mateportal da internet e obtiveriais Vítreos (LaMaV), o Cepid vai programa mos mais de 4 milhões de reunir 14 pesquisadores da UFSCar de difusão da acessos”, diz Elson Lone do campus da USP em São Carlos go, cujo centro também em engenharia de materiais, física e ciência”, colocou vídeos com miniquímica, 20 colaboradores no extepalestras de cientistas no rior e 10 no Brasil. “Nosso grupo tem diz Zago reconhecimento internacional, mas youtube. Uma iniciativa há aspectos que precisam ser reforque reúne vários centros çados e os especialistas em física e desenvolve kits de expequímica poderão contribuir signiriências científicas para ficativamente”, diz Zanotto. Entre os tópicos de estimular o gosto dos adolescentes pela pesquisa. pesquisa em que o Cepid procura avançar, Zanot- “Distribuímos kits em escolas de São Paulo e o to destaca o desenvolvimento de vitrocerâmicos impacto entre os estudantes foi enorme”, conta para uso em próteses ortopédicas e dentárias e Mayana Zatz. Outros centros vão oferecer cursos, substituição de mármores e granitos, de materiais desenvolver softwares e video games e organizar para proteção balística de automóveis e aviões, e acervo de museus de ciência. “Uma boa ideia suportes para catalisadores na produção de etanol. seria articular as ações de difusão de todos os O Centro de Pesquisa para o Desenvolvimento Cepids, mantendo a autonomia de cada grupo, de Materiais Funcionais, sediado em Araraquara, para criar um grande programa de difusão da é uma evolução do Centro Multidisciplinar pa- ciência no estado de São Paulo”, propõe Marco ra o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos, Antonio Zago, cujo Cepid lançou em 2001 o proCepid que teve como foco de pesquisa a síntese grama Casa da Ciência, com atividades voltadas de materiais. O novo centro busca desenvolver para alunos e professores de escolas da região materiais nanoestruturados, talhados para solu- de Ribeirão Preto. “Na rodada anterior ficou evidente o aumento cionar problemas relacionados à energia renovável, saúde e meio ambiente. “Vamos continuar do impacto intelectual, social e econômico dos com o que já fazíamos, mas com uma direção Cepids. Por isso, nossas expectativas são altas diferente”, explica Elson Longo, coordenador em relação aos 17 selecionados agora”, diz o dido Cepid e professor do Instituto de Química retor científico da FAPESP, Carlos Henrique de de Araraquara da Unesp. “Buscamos criar ma- Brito Cruz. n PESQUISA FAPESP 208 | 25


liane neves

26 | junho DE 2013


entrevista Cesar Victora

A saúde por trás das estatísticas Ricardo Zorzetto

Q idade 61 anos especialidade Epidemiologia formação Universidade Federal do Rio Grande do Sul (graduação) Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres (doutorado) instituição atual Universidade Federal de Pelotas

uando desembarcou na Inglaterra em 1980 para iniciar o doutorado, o médico gaúcho Cesar Gomes Victora portava um material precioso. Havia conseguido no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) os dados sociais, econômicos e de saúde de quase 1% da população brasileira, armazenados em um enorme rolo de fita magnética, uma forma então sofisticada de guardar informações. Quando apresentou o material para seu orientador, o epidemiologista John Patrick Vaughan, ouviu de pronto: “Não confio em epidemiologia de gabinete”. Essa primeira lição o fez regressar ao Brasil antes do planejado. Victora teve de pôr os pés na estrada e rodar o Rio Grande do Sul atrás de informações sobre as condições de vida e a saúde infantil no interior gaúcho. Esse trabalho revelou importantes condicionantes socioeconômicas da saúde – os níveis de desnutrição e mortalidade eram menores na região com distribuição de renda menos desigual e agricultura familiar – e o convenceu do princípio apresentado por seu orientador, que Victora adota até hoje com seus alunos: o epidemiologista deve ir a campo coletar seus dados. Concluído o doutorado, Victora, avesso à correria dos grandes centros, retornou em 1984 para a distante e tranquila Pelotas, onde já era

professor da universidade federal recém-criada ali – a Universidade Federal de Pelotas. Nessa cidade de gente afável e receptiva, importante centro econômico gaúcho em fins do século XIX que produzia couro e charque, a carne seca e salgada que servia de alimento a tropeiros e escravos, ele ajudou o pediatra e amigo Fernando Barros a criar no país uma das primeiras coortes de nascimento, nome dado aos estudos que acompanham por longos períodos a saúde das pessoas nascidas em um lugar num certo ano. Iniciado em 1982, esse acompanhamento, que continua até hoje, gerou desdobramentos que tornaram o trabalho da dupla reconhecido no país e no exterior e transformaram o Centro de Pesquisas Epidemiológicas, organizado por eles, em referência internacional na área. Considerado um dos mais respeitados epidemiologistas em saúde infantil no mundo, premiado no Brasil e no exterior, Victora tem 61 anos e está aposentado da universidade desde 2009. Mas continua altamente produtivo: já publicou mais de 500 artigos, quase 70 nos últimos quatro anos. Quando não está viajando – passa 40 dias voando de um país a outro a cada ano –, costuma trabalhar em sua casa, em frente à lagoa dos Patos, onde pratica windsurf sempre que o vento permite. Entre um compromisso e outro, ele recebeu Pesquisa FAPESP em Pelotas em março para a entrevista a seguir. PESQUISA FAPESP 208 | 27


Um fato em sua carreira chama a atenção. O senhor se formou em 1977 e no ano seguinte já era professor em Pelotas. Como aconteceu? Foi coincidência. Eu fazia residência em saúde comunitária em Porto Alegre e, no meio do curso, a Universidade de Pelotas foi federalizada. Antes a faculdade de medicina era independente, se chamava Faculdade Leiga de Medicina de Pelotas porque havia outra, a católica. E a leiga estava procurando professores porque precisava ter um Departamento de Medicina Social. Foram até meu curso atrás de pessoas, e resolvi vir. Sou de São Gabriel, no interior do estado, e sempre quis morar numa cidade menor que Porto Alegre, que já achava grande. O senhor começou as pesquisas em saúde pública quando foi para a Inglaterra fazer o doutorado? Um pouquinho antes. Logo que vim para cá, comecei a fazer pesquisas, influenciado por Kurt Kloetzel, o fundador do departamento, que foi quem me trouxe para cá.

Na época Fernando Barros, seu colega, estava retornando ao Brasil. Vocês já pretendiam iniciar os estudos de acompanhamento da saúde das pessoas nascidas em Pelotas, as coortes de nascimento? Tínhamos planejado alguns estudos, mas éramos amadores, sem formação específica. Alguns anos antes um pro-

cional. Depois Fernando, o Patrick e eu conseguimos financiamento da Inglaterra para continuar. Qual a abrangência do levantamento? Em 1982 pegamos 99% dos nascimentos registrados em hospitais e maternidades de Pelotas, porque 1% nascia em casa. No ano seguinte fomos atrás do endereço dado pelos pais e reencontramos 83%. Perdemos 17%. É uma taxa razoável, mas, se perco isso em um ano, como vou acompanhar um número razoável no longo prazo? Na época as pessoas não iam embora de Pelotas. Mudavam de bairro. Então tive a ideia: quem sabe não vamos de casa em casa e as encontramos? Surgiu até uma piada de mau gosto. Chamaram de Operação Herodes porque, assim como Herodes ia de casa em casa procurando Jesus, a gente procurava as crianças da cidade. Com essa estratégia, em 1984 achamos 87,5%. O aumento nesse índice é paradoxal, porque com o tempo a tendência é diminuir. Aliás, uma das características das coortes de Pelotas é a taxa de acompanhamento fantástica, mais alta que a das feitas em outras regiões do Brasil e até no exterior. Há uma coorte inglesa famosa de 1970 que, 30 anos depois de iniciada, não encontrou tanta gente quanto encontramos no ano passado, quando nossa primeira coorte completou 30 anos e localizamos 68% dos nascidos em 1982.

Trabalhei com populações pobres e notei que tratava uma criança e ela voltava com o mesmo problema

O que pesquisava? Comecei a estudar mortalidade infantil e desnutrição. Sempre trabalhei com populações muito pobres, de favelas de Pelotas e Porto Alegre, e havia percebido que as crianças sempre voltavam [ao posto de saúde] com os mesmos problemas: diarreia, desnutrição, pneumonia. Eu tratava uma criança e ela voltava duas semanas depois com a mesma coisa. Elas viviam num ambiente de muita pobreza, não tinham água encanada, não eram amamentadas e estavam expostas a contaminações ambientais. Foi aí que resolvi ir para a epidemiologia e tentar fazer algo voltado para a prevenção das doenças. Como escolheu ir para Londres? Fiquei em dúvida. Fui aceito em um curso em São Francisco, na Califórnia, e em outro em Londres. Comecei a ler os artigos e gostei mais da epidemiologia inglesa. Os estudos não são ambiciosos demais. A epidemiologia norte-americana fazia estudos enormes, com múltiplos objetivos e uso de tecnologia sofisticada. Eu achava que essa 28 | junho DE 2013

corrente não seria útil no Brasil, um país pobre na época. Meu doutorado foi sobre o perfil da desnutrição no Rio Grande do Sul. Comparei a frequência de desnutrição no estado e mostrei que no sul, onde estavam os latifúndios, a mortalidade infantil era muito alta. Já na região norte, onde predominava o pequeno agricultor, que tinha sua terra, cultivava seus alimentos, a desnutrição e a mortalidade eram baixas.

fessor inglês, David Morley, que orientou o Fernando no mestrado, nos apresentou o epidemiologista John Patrick Vaughan, nosso orientador no doutorado. Quem criou a primeira coorte foi o Fernando, que no doutorado planejou o levantamento de 1982. Quando voltei da Inglaterra em 1983, tinha conseguido financiamento para outro estudo e sobrou dinheiro. Aí fizemos o acompanhamento de 1983. O estudo de 1982 era um levantamento para medir mortalidade infantil, prematuridade e outras características do recém-nascido. Esse estudo incluiu os 6 mil nascimentos da cidade naquele ano. No Brasil está cheio de estudos feitos em um único hospital, o que não permite ter essa característica popula-

Vocês esperavam fazer um acompanhamento tão longo? Fizemos uma visita a todas as crianças quando completaram 2 anos e depois aos 4 anos e achamos que tinha dado. Só retomamos a coorte quando elas completaram 15 anos. Perdemos informações sobre uma fase crítica do desenvolvimento. Podíamos ter feito uma visita aos 7 e outra aos 10 ou 11 anos, como estamos fazendo com as coortes mais recentes. Foi difícil obter verba para continuar? Esse é um desafio constante. As agências financiadoras gostam do projeto, mas depois de certo tempo se cansam e mudam as prioridades. De 2004 a 2014 tivemos financiamento da Wellcome Trust para


as três coortes, de 1982, 1993 e 2004 [em maio a Secretaria de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, a Decit, aprovou financiamento para as principais coortes de nascimento brasileiras, a de Pelotas, a de Ribeirão Preto e a de São Luís, no Maranhão]. Quais projetos desenvolveram depois da primeira coorte? Fernando e eu começamos a trabalhar no Nordeste do Brasil com o Unicef [Fundo das Nações Unidas para a Infância] para mapear a desnutrição e a mortalidade infantil. Entre 1987 e 2001, fizemos inquéritos em nove estados. Havia índices altíssimos de mortalidade infantil [as taxas eram superiores a 100 mortes para cada mil nascimentos]. Interagimos com secretários de Saúde e conseguimos direcionar as linhas de atuação dos estados com base nos resultados da pesquisa. Mas nosso grupo era pequeno. Fernando e eu treinávamos de forma amadora os colegas interessados. Em 1990 vimos que precisávamos de gente que quisesse fazer epidemiologia. Então criamos o mestrado em 1991. Foi nossa maior sacada. Já formamos mais de 100 mestres e 50 doutores. A maior parte vai embora, mas temos uma massa crítica. É um grupo forte, reconhecido no Brasil, com conceito 7 na Capes.

Já começam a manifestar problemas decorrentes do excesso de peso? Sim. Nos exames já aparecem colesterol elevado, glicemia elevada, pressão alta, proteína C reativa [marcador de inflamação crônica] elevada. Quero formar gente jovem porque espero que essa coorte dure mais 30 ou 40 anos, como as coortes clássicas. Esse tipo de pesquisa dá uma ideia do que chamamos de epidemiologia do ciclo vital, que começa na concepção e atravessa a vida toda.

Só a partir dos seis meses entrar com alimentos com alto valor de proteína e nutrientes. É nessa fase que a criança desenvolve mais o cérebro, o fígado, o pâncreas, órgãos que podem causar problemas na idade adulta. A partir de dois anos, o desafio é evitar que a criança engorde. Nossos resultados mostram que o ganho de peso rápido no início da vida se transforma em ossos, músculos e vísceras como fígado e cérebro. Depois de dois anos, se transforma em gordura.

Nesses 30 anos, o que vocês aprenderam com as coortes? O principal é a importância dos fatores de risco precoces e dos primeiros mil dias de vida, quando podem ocorrer danos irreversíveis. Conseguimos provar

E essa gordura leva a problemas... A pior combinação é ser subnutrido no começo da vida e obeso depois. A criança que é subnutrida no útero nasce com baixo peso e tem um déficit de altura nos dois primeiros anos de vida. Seu organismo fica programado para ser pequeno e, depois, não tolera uma dieta como a que temos, com alimentos gordurosos e ultracalóricos. O Brasil está numa fase crítica. Os adultos de 30 anos são as crianças que cresceram quando havia desnutrição e subnutrição. Agora enfrentam um ambiente obesogênico, com pouca atividade física e abundância de comida. Achei um equívoco o Fome Zero. Fome no Brasil, se existir, é em bolsões. Todos têm o que comer, mas comem as coisas erradas, porque são baratas.

Mais da metade das pessoas que acompanhamos desde 1982 tem sobrepeso ou obesidade

O que os levou a procurar de novo as crianças de 1982? Em 1997 conseguimos um dinheiro do Unicef, que estava interessado em saúde do adolescente. Como não era muito, só conseguimos avaliar 25% da coorte. Em 2000, quando completaram 18 anos, os meninos entraram no Exército. Montamos uma clínica no quartel para examiná-los. Conseguimos ver mais de 80% da amostra inicial. Também fomos atrás de 25% das meninas. Na época pedimos verba para a Wellcome e em 2004 quando elas tinham 23 ou 24 anos encontramos 75%. Agora, com 30 anos, achamos 68%. Como estão essas pessoas? O que chama a atenção é que estão gordas. Mais da metade está com sobrepeso ou obesidade. Antes havia subnutrição.

que ganhar peso rápido é bom nesse período, que vai da concepção ao segundo aniversário. Depois começa a ser ruim. Como cuidar da criança nos mil dias? A primeira coisa é investir para que a mulher comece uma gestação saudável. Que não seja subnutrida, nem obesa, nem tenha diabetes. Durante a gestação, é preciso oferecer pré-natal de qualidade. No Brasil o número de atendimentos pré-natal é grande, mas a qualidade é baixa. Não é preciso alta tecnologia. Tem de fazer os exames básicos, orientar a nutrição. Após o parto, precisa orientar a mãe a amamentar nos primeiros seis meses de vida, sem dar mais nada, e tentar seguir amamentando até os dois anos.

Os resultados de Pelotas, uma cidade de 300 mil habitantes, valem para o Brasil? As coortes em geral são feitas em apenas um lugar. O estudo que mais ajudou a conhecer os fatores de risco da doença cardiovascular é o de Framingham, uma comunidade pequena e rica no estado de Massachusetts, Estados Unidos. Qualquer estudo desse tipo parte do microcosmo. Agora há duas coisas. Uma é medir a prevalência de uma doença. Se quero saber quantas pessoas têm hipertensão no Brasil, o resultado de Pelotas não resolve. É preciso um estudo nacional. Mas, se quero saber se quem é gordo tem mais hipertensão, não preciso fazer no Brasil inteiro. Pego uma cidade que tenha variabilidade, não só rico nem só pobre, não só gordo nem só magro, e faço um estudo que tem validade interna PESQUISA FAPESP 208 | 29


e serve para mostrar uma associação de fatores. Pelotas é interessante porque é o pobre do Sul, o pobre dentro do rico, mais parecida com o resto do Brasil do que com o Rio Grande do Sul. Nos estudos em Pelotas encontro associações entre fatores de risco e doença que se aplicam ao país. O foco é encontrar fatores que determinem a saúde das pessoas lá adiante. Exatamente. E o que vemos aqui, aposto, é verdade para o resto do Brasil. Quando me convidaram para coordenar uma série de artigos que saiu na Lancet em 2008, fui atrás das maiores coortes de fora dos países ricos. Identifiquei as da Guatemala, Pelotas, Soweto [África do Sul], Nova Délhi [Índia] e ilhas Cebu [Filipinas]. Criamos um consórcio de pesquisas em saúde em sociedades em transição, o Cohorts. Os resultados são muito parecidos. Estamos publicando na Lancet artigos sobre a questão dos mil dias. Esses trabalhos mostram, pela primeira vez num estudo sistemático em vários países, que ganhar peso é diferente de ganhar altura. Quem ganha altura rápido vai ser um adulto mais saudável, mais inteligente, mais produtivo, com maior escolaridade.

Tudo quanto é pediatra, inclusive eu, quando pega uma criança de 3 ou 4 anos magrinha, o que faz? Faz engordar. Mas não se consegue mais recuperar a altura. Já passou a janela dos mil dias. Vamos ter de mudar como a gente pensa o crescimento e os programas de nutrição e saúde. Como convencer os pediatras? É paradoxal. Quando um pediatra de Pelotas descobre algo assim, ele não consegue convencer outro pediatra de Pelotas. Nos anos 1980 fizemos um estudo mostrando que até os 6 meses a criança só devia tomar leite materno. Ninguém acreditou. Conseguimos convencer a Organização Mundial da Saúde [OMS] e o Unicef, e eles convenceram o Ministério da Saúde, que convenceu

os 5 anos. É uma curva simples: peso, idade e altura. Para estabelecer esse tipo de curva, tenho de estudar gente que cresce bem, e nas coortes tem gente que cresce bem, mal, mais ou menos. Todo mundo dizia que brasileiro é diferente de jamaicano, norueguês, indiano. Então fizemos uma coisa ambiciosa. Pegamos uma amostra de mais de 7 mil crianças do Brasil, dos Estados Unidos, da Noruega, de Omã, de Gana e da Índia. Escolhemos mães e crianças de bom nível socioeconômico – as mães tinham feito pré-natal, não eram fumantes nem tinham doenças importantes, e as crianças haviam sido amamentadas – e fomos ver como as crianças crescem. Até para a nossa surpresa, elas cresceram de modo muito parecido. Se pensa que brasileiro é baixinho e norueguês é alto. Aos 2 anos, o brasileiro tinha 0,2 centímetro a mais que o norueguês.

Uma criança de Nova Délhi ou Pelotas pode crescer tanto quanto uma da Califórnia ou da Noruega

Há alguma razão biológica? Sim. Altura é massa magra: osso, músculo e víscera. Forma um adulto mais alto, mais forte, com cérebro maior, fígado maior e pâncreas maior. Essa pessoa tem mais capacidade de produzir insulina, seu fígado tem mais capacidade de processar, o rim filtra melhor. O ganho de peso não. No início da vida o que se quer é ganho de peso. Nessa fase ele influencia a altura. O pediatra vai ter de pensar como fazer para a criança crescer em altura sem ganhar peso demais. Já se sabe como promover isso? Não. Sabemos que algumas coisas ajudam a ganhar altura, como a amamentação e uma dieta rica em proteína de alta qualidade – principalmente a animal – e em alguns micronutrientes. Se depois desse período a criança continuar miúda, é melhor deixar assim? 30 | junho DE 2013

os pediatras brasileiros. Hoje os bons pediatras recomendam isso. Existe um ciclo [de disseminação do conhecimento] que nem sempre é direto. Fomos convidados para apresentar os dados sobre os mil dias em março numa reunião da OMS. Estamos começando o processo de translação, que é transformar o resultado de um estudo científico em uma prática clínica, uma política de saúde. É um processo lento. Como foi o estudo que estabeleceu o padrão ideal de crescimento infantil? As coortes fornecem informação descritiva. Esse outro estudo buscava informações prescritivas de como é o crescimento ideal da espécie humana até

Que parte desse estudo foi feita em Pelotas? Ajudamos a desenvolver a metodologia. O primeiro centro a fazer esse estudo foi o nosso. O pessoal dos outros países veio treinar aqui. Hoje essa curva de crescimento é usada em 140 países. Deve ser motivo de orgulho. Para mim, é. Fazer pesquisa e escrever artigo é bom, mas estou me aproximando do final da carreira e quero ver resultados práticos.

Essa curva indica se fatores ambientais influenciam o crescimento saudável? O que mais chama a atenção é que uma criança de Nova Délhi, Omã ou Pelotas pode crescer tanto quanto uma da Califórnia ou da Noruega, se tiver as condições adequadas. A ideia de que existe uma diferença genética cai por terra Uma pessoa pode ser baixinha ou alta por questões genéticas. Mas em cada população tem gente alta e baixa. De um modo geral, porém, as populações saudáveis são muito parecidas. Vocês estão iniciando outro trabalho preditivo, o da curva de crescimento fetal. Como é? É a mesma ideia. Não há padrões inter-


nacionais para fazer ultrassom durante a gestação e dizer se a criança está crescendo bem. Há curvas feitas com informações de um único lugar. Estamos fazendo um estudo com oito centros, coletando dados da 9a semana de gravidez até a 38a, 39a ou 40a de um grupo de mães cuja condição de saúde permite um crescimento ideal. O trabalho, coordenado pelo Fernando Barros, está avançado. Temos informações de 360 mães, serão 500.

ção; o aumento da obesidade; e o aumento no nascimento de prematuros. Este último está relacionado em parte ao aumento de cesarianas. Hoje 54% dos partos em Pelotas são cesarianas. No Brasil é quase 50%. No setor privado é 90% e no setor público, 35%, o que ainda é alto. O ideal é 15% ou menos. Há uma epidemia. Ao mesmo tempo, a amamentação melhorou. Quando começamos, a duração era de dois a três meses. Hoje são 14 meses.

Como decidiram iniciar outras coortes? Começamos a perceber que a situação estava mudando e achamos interessante fazer outra coorte 10 anos depois da primeira. Pedimos financiamento para a Comunidade Europeia, mas o projeto atrasou e saiu em 1993. Por isso decidimos fazer a terceira coorte em 2004, para manter o intervalo de 11 anos. Já temos dinheiro para iniciar mais uma em 2015. Temos dados de quando as crianças das três coortes estavam com 4 anos. Da primeira para a terceira, a obesidade aos 4 anos duplicou. Nesses 30 anos a situação mudou muito. Por exemplo, o percentual de adolescentes que já foram assaltados é bem maior agora que em 1982.

A melhora na saúde pública também é consequência da criação do Sistema Único de Saúde, o SUS? Acho que sim. Sou a favor do SUS e do PSF, o programa de saúde da família. Fizeram uma diferença enorme. Agora, o SUS é subfinanciado. O governo brasi-

ta massa magra ou muita massa gorda. A gente sabe que massa magra é benéfica e massa gorda, maléfica. A primeira melhoria foi adotar métodos para separar massa magra de gorda e separar a massa gorda ruim, como a gordura interna do abdômen, da massa gorda não tão ruim, como a gordura das coxas, das nádegas e a gordura superficial da barriga. Os dados acabam de ser coletados. Queremos saber por que algumas pessoas acumulam, desde sua origem, a gordura mais nociva. Há outras ferramentas novas? Temos os exames de sangue e o DNA de 4 mil pessoas da coorte de 1982. Estamos fazendo o escaneamento genômico para tentar ver os genes associados a acumulação da gordura intraperitoneal. Acho que é a maior amostra no Brasil a usar essa técnica. Levou três ou quatro anos para começar devido aos entraves burocráticos do Brasil. Já podíamos ter publicado os resultados. Quais foram os entraves? Quando pedimos autorização à Comissão Nacional de Ética e Pesquisa [Conep] para coletar material genético e estudar o DNA, perguntamos quais seriam os termos da autorização e fizemos como informado. Em nenhum momento disseram que era preciso informar que o material genético seria estudado no exterior. Mais tarde a Conep disse que não tínhamos essa cláusula no contrato e tivemos de refazer todo o procedimento. Que diferença faz onde vai ser examinado se a pessoa autorizou a coleta e os dados são confidenciais? Também tivemos percalços para pagar os exames. O Tribunal de Contas da União exige concorrência internacional. Isso não existe em outros países. Esses percalços não justificados atrapalham a pesquisa no Brasil. No caso de uma universidade federal fazendo pesquisa observacional – não vou dar remédio, não vou fazer cirurgia nem nada que coloque em risco a vida – de interesse público, tinha que haver um sistema de aprovação rápida. Esses entraves burocráticos que afetam a nossa competitividade internacional são o custo Brasil da pesquisa. n

Entraves burocráticos que afetam a nossa competitividade são o custo Brasil da pesquisa

Vocês avaliam questões além da saúde física? Temos antropólogos, sociólogos, criminologistas no grupo. Essas coortes não são mais só de saúde pública. São de trabalho, vida social, comportamento.

O que mais mudou? Eles têm mais escolaridade. Na primeira coorte, um grande número de crianças não completava as primeiras séries da escola. Hoje todo mundo vai. O número de fumantes parece estar diminuindo. Eles estão mais obesos e há mais nascimentos prematuros, o que me preocupa. Também observamos menos atividade física. As crianças iam a pé ou de bicicleta para a escola. Hoje vão de carro ou ônibus. No restante do país, o que se alterou de quando era estudante para cá? Quatro coisas chamam a atenção. A redução da mortalidade infantil e da subnutri-

leiro investe pouco no SUS, em relação ao tamanho da máquina. Então há problemas cada vez maiores. Quem pode está pulando para os planos privados de saúde porque a qualidade do SUS é ruim. A situação é melhor do que antes, mas o SUS está ameaçado pelo subfinanciamento. O Brasil gasta proporcionalmente menos em saúde pública do que os Estados Unidos [que não têm um sistema de saúde pública universal]. Vocês sofisticaram o tipo de medição que estão fazendo nas coortes. Quais informações esperam conseguir? Até bem pouco tempo só tínhamos o IMC, o índice de massa corporal, que podia ser alto porque a pessoa tem mui-

PESQUISA FAPESP 208 | 31


política c&T  Antártida y

Caminho na neve

1

nova Estação

Grupo de especialistas indica cinco áreas para dar foco à ciência brasileira no continente gelado Fabrício Marques

A

comunidade de pesquisadores dedicada a estudos na Antártida está debatendo um documento que propõe uma grande mudança nos objetivos científicos do Programa Antártico Brasileiro (Proantar) ao longo dos próximos 10 anos. Aberto para consulta pública durante o mês de maio, o relatório Ciência Antártica para o Brasil / Um Plano de Ação para o Período 2013 – 2022 foi produzido por um grupo de nove especialistas sob encomenda do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e, de modo geral, sugere dar mais foco à pesquisa, com ênfase na influência do continente gelado no clima, na atmosfera, na biodiversidade ou na formação geológica do Atlântico Sul. “Precisamos investir em pesquisas de impacto que investiguem as conexões entre a Antártida e o Brasil”, diz o glaciologista Jefferson Cardia Simões, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), coordenador do grupo que produziu o documento. Críticas e sugestões recebidas pela comunidade científica deverão ser incorporadas ao relatório. A intenção do MCTI é utilizá-lo como parâmetro para a seleção de projetos de pesquisa num novo edital do Proantar que será lançado no final do ano. O plano propõe que os projetos se vinculem a cinco grandes áreas. A primeira 32  z  junho DE 2013

são as interações gelo-atmosfera, com destaque para o papel da superfície terrestre coberta por gelo, a criosfera, no clima do hemisfério Sul. A segunda envolve os efeitos das mudanças climáticas na biodiversidade da Antártida e as conexões de seus ecossistemas com os da América do Sul. A terceira aborda a vulnerabilidade do oceano Austral às mudanças climáticas. A quarta, o papel da Antártida na ruptura do supercontinente Gondwana, que reunia o continente gelado, a América do Sul e a África, para entender sua influência sobre os recursos petrolíferos brasileiros. A quinta envolve os impactos na redução do ozônio no clima do polo Sul. O documento recomenda atenção a novas fronteiras de pesquisa, como astronomia no platô antártico, biodiversidade em condições extremas e até em ciências sociais, como arqueologia, sociologia da ciência e geopolítica. Outra frente sugere estudar conexões com o polo Norte. O plano também aponta para as necessidades de formação de especialistas e sua absorção no sistema universitário e de pesquisa nacional. “É fundamental estudar todos os processos relacionados ao continente antártico e ao oceano Austral que tenham potencial impacto para o Brasil”, diz Janice Trotte Duhá, coordenadora para Mar e Antártica do MCTI.

2

3

navio ary rongel

criosfera

A proposta, diz Jefferson Simões, busca aumentar a relevância da pesquisa feita por brasileiros na Antártida e utilizar de forma plena a infraestrutura de pesquisa na região, composta por dois navios da Marinha (o polar Almirante Maximiano e o de apoio Ary Rongel), a nova estação de pesquisa que deverá ficar pronta em dois anos e o Criosfera 1, módulo científico brasileiro para obtenção de dados climáticos, localizado 2,5 mil quilômetros ao sul da estação. “O objetivo é estabelecer uma política científica para a Antártida, o que nunca chegamos a ter de verdade”, diz o pesquisador. “A voz de um país no Tratado Antártico depende muito da qualidade de sua pesquisa na região. Deveríamos ser, pelo menos,


Infraestrutura de pesquisa O suporte aos projetos brasileiros na Antártida

SP

24 3 1

fotos 1 Estúdio 41 2 e 4 www.naviosbrasileiros.com.br  3 Heitor Evangelista

Antártida

o líder entre os Brics, mas China, Índia e Rússia investem mais em pesquisa do que o Brasil”, afirma. Na avaliação de Antonio Carlos Rocha-Campos, professor aposentado do Instituto de Geociências da USP e coordenador do Centro de Pesquisas Antárticas da universidade, o plano escolheu temas relevantes, mas contém imperfeições. “À primeira vista, há uma ênfase forte nos estudos da atmosfera, em detrimento de outras áreas”, afirma. Ele também vê problemas formais na proposta. “Ela não leva em conta que existem programas científicos em vigor, no âmbito do Proantar”, diz. E considera difícil implantar novas diretrizes já a partir deste ano: “Os estudos vinculados ao último

Polo Sul

4

Navio polar almirante maximiano

Os pesquisadores dispõem hoje de dois navios da Marinha para fazer pesquisas na Antártida (2 e 4) e um módulo de coleta de informações (3) a 2,5 mil quilômetros da Estação Comandante Ferraz (1), que será reconstruída em dois anos após sofrer incêndio

edital do Proantar deveriam terminar em 2013, mas parte deles deve atrasar, por causa do incêndio na Estação Comandante Ferraz no ano passado”. A trajetória da pesquisa brasileira na Antártida já teve vários momentos. Logo após o advento do Proantar e a criação da estação brasileira, nos anos 1980, as pesquisas na região surgiam quase exclusivamente da curiosidade dos pesquisadores. “Era um esquema de balcão”, lembra Rocha-Campos. Isso mudou um pouco no final dos anos 1990, quando o Tratado Antártico exigiu que cada país realizasse estudos sobre o impacto ambiental de sua presença na Antártida. Ao contrário do que ocorria nos primeiros tempos do programa, hoje apenas um

terço da pesquisa feita na Antártida depende da Estação Comandante Ferraz – expedições, estudos sobre o oceano Austral, projetos em cooperação com outros países e o módulo Criosfera 1 ampliaram o interesse dos pesquisadores na região. Um salto recente se deveu a uma iniciativa induzida. Dois dos 144 Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia dedicaram-se à pesquisa na Antártida. “A primeira geração de pesquisadores formados para estudar a Antártida começa a sair de cena. Precisamos preparar o terreno para os mais jovens”, diz Simões, que planeja encerrar suas expedições em dois anos, ele que foi o primeiro brasileiro a atingir o polo Sul geográfico por terra, em 2004.n pESQUISA FAPESP 208  z  33


ciência  Botânica y

Caminho inverso Estudo indica que árvores da serra da Mantiqueira captam água pelas folhas e a transportam para o solo Igor Zolnerkevic, de Campos do Jordão

Entre nuvens: neblina se adensa sobre trecho de mata atlântica na serra da Mantiqueira, interior de São Paulo


foto rafael oliveira / unicamp

E

m uma expedição no início de maio à serra da Mantiqueira, o biólogo Paulo Bittencourt parou diante de um córrego de água fria e cristalina numa estrada de terra entre fazendas de criação de ovelhas próximas ao Parque Estadual de Campos do Jordão. “Pode beber que não tem como estar poluída. Essa água vem lá de cima”, disse, apontando para o local onde nasce o riacho, a cerca de 2 mil metros de altitude, em um morro coberto por uma mata de árvores baixas com folhas pequenas. “São riachos assim que descem a serra para alimentar e manter estáveis os rios maiores lá embaixo”, explicou. Paulo faz mestrado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) sob a orientação do ecólogo Rafael Oliveira, que trabalha para quantificar a contribuição desse tipo pouco conhecido de mata atlântica para o abastecimento de água do Vale do Paraíba. “Há uma importante relação entre essas matas e as nascentes da serra da Mantiqueira”, afirma Oliveira. Sem essa vegetação, a chamada floresta tropical montana nebular, a neblina que sobe a serra seguiria continente adentro, carregando a umidade que obtém a partir da evaporação dos rios e a transpiração das plantas no vale. As pequenas matas nebulares nas encostas montanhosas retêm umidade quando o vapor da neblina se condensa em gotas sobre suas folhas e escorre para o solo. Estudos em matas nebulares tropicais da Costa Rica sugerem que a captação de

água da neblina pelas árvores pode contribuir com até 30% do volume dos rios de uma região. Uma porção menor da água da neblina retorna ao solo de um modo surpreendente: por dentro das árvores. Em artigo publicado on-line em março na New Phytologist – será a capa da edição de julho –, a equipe de Oliveira mostra que, quando o solo está seco e a neblina aparece, as folhas da casca-de-anta – Drimys brasiliensis, a árvore mais abundante nessas matas – são capazes de absorver a água que se deposita em sua superfície. Os pesquisadores observaram que o sistema vascular da árvore conduz essa água até suas raízes e libera parte dela no solo. Segundo Oliveira, é a primeira vez que se observa essa forma de transporte de água em uma árvore tropical. “Essa constatação muda como enxergamos a interação entre as árvores e a atmosfera”, afirma. Até pouco tempo atrás, achava-se que era impossível as árvores absorverem água pelas folhas. Afinal, a superfície das folhas é coberta por uma fina camada de cera impermeável, a cutícula, que evita a perda de água para o ambiente. Mas, nos últimos tempos, segundo o botânico Gregory Goldsmith, da Universidade da Califórnia em Berkeley, foram identificadas 70 espécies de plantas com folhas capazes de absorver água. A botânica Aline Lima confirmou a absorção de água pelas folhas em seu mestrado, orientado por Oliveira e parte do projeto Biota Gradiente Funcional, financiado pela FAPESP. Ela pingou

pESQUISA FAPESP 208  z  35


Entre o céu e a terra Árvores podem conduzir água do solo para a atmosfera e também da atmosfera para o solo

ciclo global da água

Neblina

Absorção pelas folhas

Água na atmosfera

A maior parte da umidade do ar (84%) vem dos

84%

oceanos. Nos continentes, a transpiração das árvores

Transpiração das plantas

contribui com boa parte da

16%

água que chega à atmosfera

Liberação pelas raízes Lençóis freáticos

MATAS NEBULARES Mas nem sempre as árvores canalizam Oceanos

Rios

Absorção pelas raízes

água do solo para o ar. Espécies das matas nebulares fazem o contrário, quando

Lençóis freáticos

a neblina deixa o ar mais úmido que o solo

fonte  Universidade de queensland e rafael oliveira / unicamp

Na contramão

Esses resultados contrariam o que dizem os livros-texto de biologia. Esses livros ensinam que o fluxo de água nas plantas segue um sentido único. Segundo a visão clássica, as folhas estão sempre transpirando, perdendo água para o ar por meio dos estômatos, orifícios na superfície inferior das folhas que abrem e fecham segundo a disponibilidade de luz e água. Como alguém que sorve líquido por um canudo, a perda de água por transpiração exerce uma força de sucção no interior dos vasos condutores fazendo a água subir até as folhas enquanto mais água é retirada do solo pelas raízes. “É o que a maioria das plantas faz o tempo todo”, explica Oliveira. Estudos sugerem que até 50% da umidade que circula na atmosfera em certas regiões venha da transpiração de suas florestas. Nos últimos anos, entretanto, alguns pesquisadores começaram a observar 36  z  junho DE 2013

que esse fluxo pode ser invertido em situações em que o ar está mais úmido do que a terra. O biólogo Todd Dawson, que orientou Oliveira durante seu doutorado na Universidade da Califórnia em Berkeley, descreveu em 2004 como as sequoias transportam água na contramão. As florestas de sequoias, árvores com até 115 metros de altura, ocorrem em regiões da Califórnia onde cai uma quantidade de chuva comparável à do sertão nordestino. O que salva essas árvores da seca é a neblina vinda do mar, que satura o ar de vapor-d’água. Nessa condição, as folhas das sequoias absorvem água e param de transpirar, cessando o fluxo de baixo para cima. Ao mesmo tempo, a secura no interior do tronco cria uma força de sucção capaz de puxar a água da atmosfera para baixo, até a árvore se reidratar. Tentando identificar um fenômeno semelhante em árvores brasileiras, Oliveira procurou por florestas nebulares em todo o país até encontrar as matas da serra da Mantiqueira, onde nascem vários rios, embora seja uma região com secas frequentes. Nas matas do Parque Estadual de Campos do Jordão, onde trabalha desde 2009, chove um pouco mais do que no cerrado. O clima é seco de junho a agosto, embora quase sempre haja neblina no começo e no fim do dia. Para entender como a casca-de-anta sobrevive nessas condições, Cleiton Eller,

aluno de doutorado de Oliveira, cultivou essas árvores em uma estufa na Unicamp em três condições: recebendo água pela terra, hidratadas por meio de uma neblina artificial borrifada sobre as folhas ou sem irrigação. As plantas tratadas só com neblina sobreviveram por dois meses. A fim de confirmar que a água absorvida pelas folhas podia ser transportada até a terra, os pesquisadores realizaram um experimento complementar. Tomando cuidado para não molhar o solo, eles borrifaram as folhas da casca-de-anta com água pesada. A água pesada contém átomos de um tipo de hidrogênio mais Imagem de microscopia mostra que a água atravessa a cutícula e penetra na folha quando a atmosfera está saturada (ao lado)

infográfico ana paula campos  ilustração fabio otubo  fotos rafael oliveira / unicamp

gotas de água contendo cristais fluorescentes sobre folhas de casca-de-anta em uma estufa, para depois observar ao microscópio o caminho percorrido pela água. O trabalho comprovou que a água atravessa a cutícula e penetra na folha. Segundo Oliveira, estudos recentes feitos na Alemanha mostram que os cristais de cera da cutícula são dinâmicos. Numa atmosfera muito úmida eles se rearranjam e deixam a folha permeável.


Ar seco Ar úmido

Água em gotículas Cutícula Epiderme superior Camada intermediária Epiderme inferior Cutícula Estômato aberto Estômato fechado

Água absorvida

AR SECO, TERRA ÚMIDA

AR ÚMIDO, TERRA SECA

Com o ar seco e o solo úmido, a cutícula

Na situação inversa, a cutícula

é impermeável e a folha libera por meio

se torna permeável e deixa a água

dos estômatos a água que as raízes da

infiltrar na folha. Os estômatos se

planta captam no solo

fecham, impedindo a transpiração

pesado que o normal, o deutério, que podem ser detectados por um espectrômetro de massa. Segundo o raciocínio desse teste, o deutério encontrado posteriormente na terra serve como prova de que a água teria sido absorvida pelas folhas, transportada até as raízes e injetada no solo. Pelos números obtidos no experimento, Oliveira estima que, se uma árvore transpira 10 litros de água por dia, ela é capaz de transportar em seu interior, no mesmo dia, 2,5 litros de água da atmosfera para o solo. “Esse é o nosso resultado mais impressionante”, afirma Oliveira, que encon-

trou apenas outro registro na literatura científica de água absorvida pelas folhas chegando ao solo. Em 1969, a botânica Fusa Sudzuki, da Universidade do Chile, demonstrou o mesmo fenômeno em um experimento com o tamarugo, árvore típica do deserto do Atacama. “O trabalho dela é bonito, mas seus resultados foram rejeitados na época”, conta Oliveira. possível e relevante

“O estudo do grupo da Unicamp mostra que o fluxo de água da atmosfera para o solo não só é fisicamente possível, mas fisiologicamente relevante”, observa a

botânica Lúcia Dillenburg, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que publicou evidências de que as araucárias também absorvem água pelas folhas. “Esse é um trabalho muito original”, afirma o botânico Marcos Buckeridge, da Universidade de São Paulo. Ele, no entanto, comenta que nem toda a água com deutério detectada no solo corresponde à água captada pelas folhas. Segundo Buckeridge, a planta pode ter usado a água que captou pelas folhas para produzir compostos orgânicos, como os açúcares, normalmente liberados pelas raízes. “Em questão de segundos, os açúcares trocam deutério com a água do solo”, explica. Na sua opinião, um modo de desfazer a dúvida seria repetir o experimento usando água pesada contendo oxigênio-18, que interage menos com outras substâncias do que o deutério. “Seria um experimento mais caro e complicado”, diz. Oliveira concorda que há incerteza sobre a quantidade de água que as raízes liberam para o solo, mas ressalta que seus experimentos comprovaram o fluxo inverso da água das folhas até as raízes. “Como a maioria das plantas não tem um mecanismo que previna a liberação de água das raízes para o solo e como há um gradiente de potencial hídrico grande o suficiente para permitir o movimento de água das folhas para as raízes”, diz Oliveira, “o mais provável é que a água tenha saído das raízes para o solo”. Nos testes feitos na serra da Mantiqueira, a equipe de Oliveira traçou o fluxo de água nas árvores com sensores conectados por fios a um equipamento que armazena as informações. Agora o grupo se prepara para iniciar o monitoramento de matas nebulares com sensores sem fios, a serem desenvolvidos por engenheiros da Microsoft, com apoio da FAPESP. A ideia é acompanhar as transformações que esses ambientes podem sofrer com as alterações climáticas. n

Projeto Mudanças climáticas em montanhas brasileiras: respostas funcionais de plantas nativas de campos rupestres e campos de altitude a secas extremas (nº 2010/17204-0); Modalidade Linha Regular de Auxílio a Projeto de Pesquisa; Coord. Rafael Silva Oliveira – IB/Unicamp; Investimento R$ 566.468,84 (FAPESP).

Artigo científico ELLER, C. B. et al. Foliar uptake of fog water and transport belowground alleviates drought effects in the cloud forest tree species, Drimys brasiliensis (Winteraceae). New Phytologist. 2013. No prelo.

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Genética y

Ramificações da cana Pequenas moléculas de RNA controlam o crescimento de ramos laterais na planta

P

lantar um canavial não envolve sementes, mas pedaços do colmo, o talo da cana-de-açúcar. Cada fragmento gera uma nova planta a partir do desenvolvimento de brotos laterais. A genética por trás da arquitetura da cana está sendo desvendada pelo grupo do engenheiro agrônomo Fabio Nogueira, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu, em parceria com o bioinformata Renato Vicentini, da Universidade Estadual de Campinas. Em artigo publicado em maio no Journal of Experimental Botany, os pesquisadores mostraram que pequenas moléculas de RNA (sRNAs) controlam o silenciamento e a ativação de genes nesses brotos laterais, as gemas axilares. “Cada entrenó do colmo tem uma ou duas gemas axilares dormentes”, explica Nogueira. “Quando o colmo é cortado, ocorre uma alteração no balanço hormonal e metabólico que induz o crescimento da gema e produz uma nova planta.” Os protagonistas são moléculas de RNA que agem como interruptores sobre os genes (ver Pesquisa FAPESP nº 133). Um exemplo é o micro-RNA 159, presente em altas quantidades nas gemas axilares dormentes também caracterizadas por alto teor do hormônio vegetal ácido abscísico.

38  z  junho DE 2013

Esse RNA bloqueia a resposta fisiológica a outro hormônio, o ácido giberélico, que estimula a proliferação celular. Quando a planta é cortada, algum sinal ainda não identificado reduz a quantidade de ácido abscísico nas gemas axilares, reduzindo a ação desse micro-RNA e liberando a via de sinalização do ácido giberélico. A origem de muitos desses pequenos RNAs que podem atuar na sinalização hormonal e nas respostas a situações de estresse, como a resistência à seca, parece estar em fragmentos móveis do DNA, os elementos de transposição. Nogueira chegou a essa conclusão ao comparar as sequências de RNA detectadas em seu projeto com o banco de dados produzido pelo grupo da bióloga da Universidade de São Paulo (USP) Marie-Anne Van Sluys (ver Pesquisa FAPESP nº 198). Segundo ele, os elementos de transposição associados aos pequenos RNAs são responsáveis por aumentar a diversidade e controlar o funcionamento do genoma. E a relação entre as duas entidades genéticas não acaba aí. “Alguns elementos de transposição são regulados negativamente por pequenos RNAs, que funcionariam como um tampão que evita alterações no DNA”, conta Nogueira. No caso da cana, proteger o DNA de alterações é importante para manter as

propriedades de variedades comerciais, desenvolvidas para produzir mais açúcar ou crescer em áreas de chuva escassa. “Busquei o conhecimento básico com meu projeto, mas essa compreensão também é essencial para a propagação e a produtividade da cana”, explica Nogueira. A arquitetura da planta é central para determinar o uso que se pretende fazer de uma plantação. Colmos pouco ramificados são melhores para produzir açúcar, e plantas com mais brotos laterais e folhas geram mais biomassa, a matéria-prima para fabricar etanol de segunda geração. Conhecer os atores genéticos no comando dessas características permite desenvolver marcadores para a seleção de mudas e pode contribuir para o melhoramento das variedades comerciais. A importância desse trabalho foi reconhecida pelo prêmio Top Etanol de 2012 com o segundo lugar na categoria trabalhos acadêmicos para a dissertação de mestrado de Fausto Ortiz-Morea, que gerou o artigo recém-publicado. Outra publicação da equipe de Nogueira, que saiu em 2010 na BMC Plant Biology, ganhou este ano o segundo lugar no mesmo prêmio. O trabalho de Nogueira produziu um catálogo de pequenos RNAs ativos (microtranscriptoma) em gemas axilares de

fotos 1 léo ramos 2 e 3 fabio nogueira / unesp

Maria Guimarães


Gema axilar dormente

Tecido de desenvolvimento

Tecido precursor das folhas

Gema axilar ativa

cana e o tornou disponível para outros pesquisadores. Em colaboração com uma equipe da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP, ele está testando alguns desses RNAs em plantas usadas como modelos vegetais para verificar seu efeito no metabolismo. O pesquisador comemora ser o primeiro a esmiuçar a regulação gênica da arquitetura da cana, mas a precedência vai além. Não há estudos em outras plantas sobre a atividade dos pequenos RNAs em gemas axilares porque essas estruturas são muito pequenas e difíceis de serem isoladas. A cana, com gemas visíveis a olho nu, nas quais se pode medir concentrações hormonais e extrair DNA e RNA, tem tudo para se tornar um organismo modelo para estudos de arquitetura vegetal. n

Projeto Isolamento e caracterização de micro-RNAs e seus genes-alvo em cana-de-açúcar (nº 2007/58289-5); Modalidade Programa Jovem Pesquisador; Coord. Fabio Tebaldi Silveira Nogueira – IB/Unesp; Investimento R$ 314.903,10 (FAPESP).

Artigo científico ORTIZ-MOREA, F.A. et al. Global analysis of the sugarcane microtranscriptome reveals a unique composition of small RNAs associated with axillary bud outgrowth. Journal of Experimental Botany. v. 64, n. 8, p. 2.307-20. mai. 2013.

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especial biota educação iv

Laboratório a céu aberto Savana tropical mais diversificada do planeta, o cerrado guarda universo pouco explorado de moléculas com potencial comercial Rodrigo de Oliveira Andrade

“O

cerrado não revela seus mistérios à gente que não é cativa desse destinozinho de chão”, escreveu certa vez João Guimarães Rosa, traduzindo os caprichos das paisagens que dominam a região central do Brasil. Muitos desses segredos do cerrado, a maior savana tropical do planeta, podem ter valor científico, social e econômico, mas não estão mesmo expostos à vista. É que fazem parte do universo molecular. “O cerrado é um laboratório químico altamente sofisticado”, destacou a pesquisadora Vanderlan da Silva Bolzani. Professora do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara e membro da coordenação do Programa Biota-FAPESP, Vanderlan se dirigia a uma entusiasmada plateia, composta sobretudo por estudantes do ensino médio, que assistia a mais um encontro do Ciclo de Conferências Biota-FAPESP Educação, realizado dia 16 de maio, em São Paulo. 40  z  junho DE 2013

O cerrado, explicou Vanderlan, é constituído por um mosaico de ambientes, determinados por diferentes tipos de solos, condições climáticas e paisagens. Sua diversidade biológica, assim como toda a variedade de formas de vida na Terra, é “resultado da evolução mediada por processos químicos que, com o passar do tempo, tornaram-se cada vez mais complexos”. Segundo ela, as substâncias produzidas pela flora do cerrado, fundamentais para a adaptação e o equilíbrio de plantas, insetos, animais e microrganismos desse ecossistema, também podem ser úteis para os seres humanos. A pesquisadora se referia especificamente aos metabólitos secundários das plantas, os subprodutos de um ciclo metabólico que se inicia com a fotossíntese, processo pelo qual as plantas transformam a energia solar em matéria orgânica. Por vezes produzidos em pequenas quantidades, esses compostos, que em geral são importantes agentes de defesa das plantas contra predadores ou para a atração de


ilustrações  jaime prades  foto fabio colombini

Grande sertão: vegetação formada por gramíneas e árvores de pequeno e médio porte, uma das fisionomias típicas do cerrado

polinizadores, podem apresentar atividade biológica útil para a concepção de novos fármacos. “A investigação científica da biodiversidade pode ser uma estratégia valiosa para fornecer bens e serviços essenciais para a humanidade”, afirmou Vanderlan. Cerca de 100 mil compostos secundários já foram isolados de plantas e são usados na produção de alimentos, agroquímicos, combustíveis e cosméticos, entre outros. Esse universo que não é visível a olho nu, ressaltou a química, agrega valor à nossa biodiversidade. “E tudo o que tem valor precisa ser protegido.” Mas não é isso que se vê por lá. Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente, de 2002 a 2008 subiu de 43,7% para 47,8% a área desmatada do cerrado. Essa variação corresponde a 85 mil quilômetros quadrados (km²) – a média anual de desflorestamento na região hoje é de 14,2 mil km². Essa transformação da paisagem original tornou o cerrado um dos 25 ecossistemas terrestres mais ameaçados do mundo. “Mas continua

sendo um dos de maior riqueza também”, disse a bióloga Vânia Regina Pivello, professora do Departamento de Ecologia da Universidade de São Paulo (USP), uma das convidadas do ciclo de conferências. O cerrado é o segundo maior ecossistema do Brasil. Estende-se por cerca de 2 milhões de km² ou 23% do território nacional. É menor apenas que o ecossistema amazônico, que, com 3,5 milhões de km², ocupa quase a metade da área total do país. De acordo com a bióloga, o cerrado abriga uma grande variedade florística. São cerca de 6 mil a 7 mil espécies (44% endêmicas da região), muitas ainda insuficientemente conhecidas. Essas plantas se distribuem por paisagens bastante distintas. Em geral, os especialistas as classificam em ao menos três fisionomias: a campestre, composta predominantemente por gramíneas; a savânica, formada por campos abertos com árvores de pequeno e médio porte (entre 5 e 12 metros de altura); e a flopESQUISA FAPESP 208  z  41


1

restal ou cerradão, com árvores que podem alcançar 20 metros. “O cerrado é a mais diversificada savana tropical do planeta”, ressaltou Vânia. Essas formações surgiram a partir de condições ambientais bastante específicas. Uma delas é o clima, que, no cerrado, é marcadamente estacional, com períodos bem definidos de seca intercalados com períodos de chuvas intensas. A profundidade do lençol freático é outro fator que influencia a diversidade de paisagens desse ecossistema. A razão é que as árvores de lá não

se adaptam bem a solos úmidos. Assim, quanto mais próximo da superfície está o lençol freático em determinada área, menor é a quantidade de árvores ou arbustos. Segundo Vânia, essa situação favoreceu a formação de vegetação herbácea, com predominância de gramíneas. Um terceiro fator ambiental que contribui para moldar o cerrado é o solo bastante antigo e pouco fértil, ácido e carregado de alumínio. “Comparado ao solo de outras savanas, principalmente as africanas, o do cerrado tem baixo teor nutricional”, afirmou. A baixa fertilidade do solo reduz a 2 ocorrência de animais pastadores de maior porte, como os veados-campeiros (Ozotoceros bezoarticus). Na avaliação de Vânia, os pastadores mais abundantes do cerrado são os cupins e as formigas-cortadeiras, que aumentam a disponibilidade de nutrientes para as plantas, especialmente árvores e arbustos.

A bióloga Vânia Pivello, à esquerda, e a química Vanderlan Bolzani

DE NOVO, O FOGO

A preservação e a evolução das plantas do cerrado também são influenciadas pelo fogo, importante para a manutenção de outros ecossistemas do país, como os pampas, no sul do Rio Grande do

Avanço rápido O cerrado já perdeu quase metade (47,8%) de sua vegetação original

MA PI TO

MT GO MG

MS Área desmatada Vegetação remanescente fonte  MMA

42  z  junho DE 2013

SP

fotos 1 e 2 eduardo cesar  3 e 4 fabio colombini

BA


Sul, onde as queimadas contêm o avanço das florestas de araucária e o adensamento de plantas lenhosas (ver Pesquisa FAPESP n° 206). Os incêndios no cerrado A presença geralmente são breves, exde substâncias plicou Vânia. “A maior parte das queimadas é provocada químicas inflamáveis pelo homem. Mas também há casos de queimadas nana vegetação do turais, causadas por raios.” Tanto em uma situação como cerrado contribui em outra, o fogo favorece o para a frequência brotamento de muitas plantas, além de estimular a floelevada de ração, a abertura de frutos e a liberação de sementes. “Há queimadas uma série de características próprias desse ecossistema que hoje compreendemos como sendo fruto da adaptação dessa vegetação ao fogo”, destacou a bióloga. Uma característica possivelmente moldada pelo fogo são as grossas camadas de cortiça, que recobrem o tronco de algumas árvores e funcionam ainda como isolantes térmicos. A frequência das queimadas também influencia a fisionomia da vegetação, por diminuir a quantidade de árvores e aumentar a do estrato herbáceo, em especial de gramíneas, cujas raízes são mais superficiais e utilizam os nutrientes depositados na forma de cinza. Assim como ajuda, o fogo também pode ser preVeados-campeiros, em área de judicial ao cerrado. “É preciso estar atento à frecerrado consumida quência das queimadas, à época em que ocorrem e pelo fogo, e flor à intensidade de calor que produzem”, disse Vânia. de canela-de-ema

“Esses são fatores importantes para determinar seus efeitos sobre a vegetação local.” Por causa do potencial efeito devastador dos incêndios, a bióloga defende o manejo controlado do fogo na região, a fim de evitar a ocorrência de incêndios acidentais e fora de controle. Uma das razões que contribuem para a frequência elevada de queimadas no cerrado é o fato de sua vegetação possuir substâncias químicas inflamáveis, explicou Vanderlan. Acredita-se que a tendência é que ao longo das gerações as plantas apresentem uma redução dos compostos inflamáveis e o aumento de outros que as protejam contra o fogo. “Do ponto de vista evolutivo, as espécies tendem sempre a desenvolver mecanismos de defesas químicas que permitem sua adaptação”, disse. POTENCIAL INVISÍVEL

Além das moléculas com potencial econômico produzidas por várias espécies, o cerrado é um importante polo agrícola, com destaque para o cultivo de soja, algodão, feijão, arroz, milho e café. Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a produção de grãos e sementes oleaginosas, como o cacau, e proteicas, como a soja, vem crescendo exponencialmente no cerrado. Quase metade da área dedicada ao cultivo de soja no país se localiza nesse ecossistema. “Mesmo havendo muita pesquisa para aprimorar a produção de soja, o desmatamento na região continua crescendo e eliminando diversas espécies de plantas que produzem moléculas com potencial para fornecer bens e serviços de grande valor agregado à sociedade”, disse Vanderlan. Um exemplo de produto farmacêutico gerado a partir da biodiversidade do cerrado é o Fitos-

(ao lado)

3

4

pESQUISA FAPESP 208  z  43


car, pomada cicatrizante lançada em 2007 pelo laboratório Apsen. O fitoterápico é produzido a partir do extrato seco da Stryphnodendron adstringens – ou barbatimão-verdadeiro, como é mais conhecido –, planta da família Fabaceae, facilmente encontrada no cerrado. A pomada foi desenvolvida em uma parceria entre o laboratório e a Faculdade de Medicina da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp). “É o primeiro agente cicatrizante aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a utilizar uma planta típica desse ecossistema”, destacou Vanderlan. Na sua avaliação, o potencial farmacológico da região precisa ser mais bem aproveitado no país. Com o objetivo de investigar melhor esse universo, o Núcleo de Bioensaios, Biossíntese e Ecofisiologia de Produtos Naturais (NuBBE), rede de pesquisa que mantém uma base de dados sobre produtos naturais isolados a partir de elementos químicos da biodiversidade brasileira, vem estudando substâncias com propriedades farmacológicas promissoras. O objetivo é isolar compostos anticancerígenos, antifúngicos e antimaláricos, entre outros. Outra Empresa rede, a BIOprospecTa, que integra farmacêutica o Biota-FAPESP, tem se dedicado a buscar substâncias biologicamente produziu em ativas na biodiversidade do estado de São Paulo. O objetivo é tentar 2007 pomada identificar modelos químicos que possam ser usados na concepção de cicatrizante fármacos e cosméticos. “O país tem a partir do muito a ganhar com a descoberta de produtos naturais com proextrato seco priedades farmacológicas”, disse do barbatimão, Vanderlan. “Afinal, o cerrado é um banco de moléculas pouco explorado e sua biodiversidade, fonte de abundante matéria-prima para diversos usos.” no cerrado Desde fevereiro o Programa Biota-FAPESP, em parceria com a revista Pesquisa FAPESP, vem promovendo uma série de palestras voltadas à discussão dos desafios ligados à conservação dos principais ecossistemas brasileiros: pampa, pantanal, cerrado, caatinga, mata atlântica e Amazônia, além dos ambientes marinhos e costeiros e a biodiversidade em ambientes antrópicos – urbanos e rurais (ver programação ao lado). Com o tema O compromisso com o aperfeiçoamento do ensino da ciência da biodiversidade no Brasil, as palestras pretendem, até novembro, apresentar o estado da arte do conhecimento científico gerado por pesquisadores de todo o Brasil, visando a contribuir, por meio de linguagem acessível, com a melhoria da qualidade da educação científica e ambiental de professores e alunos do ensino médio do país. n 44  z  junho DE 2013

Programação

Ciclo de Conferências Biota-FAPESP Educação 2013 Para mais informações: www.biota.org.br  www.biotaneotropica.org.br www.agencia.fapesp.br

20 de junho (14h00-16h00) Bioma Caatinga Conferencistas Luciano Paganucci (UE, Feira de Santana) Fernanda Werneck (ICB-UnB, Brasília) Bráulio Almeida Santos (UFPB, Paraíba) 22 de agosto (14h00-16h00) Bioma Mata Atlântica Conferencistas Carlos Alfredo Joly (IB-Unicamp, Campinas, São Paulo) Helena Bergallo (Ibrag/Uerj) Márcia Hirota (SOS Mata Atlântica) 19 de setembro (14h00-16h00) Bioma Amazônia Conferencistas Maria Lucia Absy (Inpa) Carlos Peres (Universidade East Anglia, Reino Unido) Helder Queiroz (IDSM) 24 de outubro (14h00-16h00) Ambientes marinhos e costeiros Conferencistas Mariana Cabral de Oliveira (IB-USP, São Paulo) Maria de los Angeles Gasalla (IO-USP, São Paulo) Roberto S .G. Berlinck (IQSC-USP, São Paulo) 21 de novembro (14h00-16h00) Biodiversidades em ambientes antrópicos – urbanos e rurais Conferencistas Luciano M. Verdade (Cena-USP, São Paulo) Elisabeth Höfhling (IB-USP, São Paulo) Roseli Buzanelli Torres (IAC)

+10


Padrões de formação estelar

Astronomia y

Arqueologia de estrelas MASSA ELEVADA  Galáxias com massa superior a 70 bilhões de sóis, como a NGC 6411, formam a maioria de suas estrelas em 5 bilhões de anos, a partir do centro

Levantamento identifica três padrões de evolução das galáxias

U MASSA CRíTICA  Galáxias com massa em torno de 70 bilhões de sóis, como a NGC 4047, produzem suas estrelas em menos

imagens enrique pérez e andré luiz de amorim  infográficos ana paula campos

de 3 bilhões de anos, a partir do centro

MASSA baixa  Galáxias de baixa massa, inferior a algumas dezenas de bilhões de sóis, como a UGC 9476, geram estrelas de modo contínuo em toda a sua extensão

m estudo pioneiro começa a traçar a história evolutiva das galáxias. Liderado pelo espanhol Enrique Pérez, do Instituto de Astrofísica da Andaluzia, esse trabalho identificou onde e quando se formaram as estrelas de uma centena de galáxias que surgiram nos últimos 10 bilhões de anos e se encontram relativamente próximas à Via Láctea, que abriga o Sol e a Terra. Publicado em janeiro deste ano na revista Astrophysical Journal Letters, o estudo comparou diferentes tipos de galáxias e permitiu compreender como a massa delas afeta o ritmo de formação de suas estrelas. Dessa equipe participaram os astrofísicos brasileiros Roberto Cid Fernandes, da Universidade Federal de Santa Catarina, que desenvolveu em 2005 o Starlight, software que analisa a luz emitida pelas galáxias para reconstruir a história de suas populações estelares e fazer uma espécie de arqueologia estelar, e seu aluno de doutorado André Luiz de Amorim. A pesquisa confirmou que as galáxias com centenas de bilhões de estrelas e massa muito elevada formaram a maioria delas há mais de 5 bilhões de anos, primeiro no centro e depois na periferia, e hoje são verdadeiros asilos estelares. Já as galáxias menores, com poucos bilhões de estrelas, continuam, depois de velhas, produzindo estrelas em todas as suas regiões. O estudo se baseou em dados do levantamento Califa (Calar Alto Legacy Integral Field Area Survey), uma colaboração de 80 pesquisadores de 13 países que pretende observar em detalhes a formação de estrelas em cerca de 600 galáxias. Iniciado em 2010, o projeto usa um telescópio do Observatório de Calo Alto, na Andaluzia, Espanha. pESQUISA FAPESP 208  z  45


Perfil evolutivo Massa das galáxias influencia o ritmo de formação de estrelas As galáxias com massa mais elevada formaram suas estrelas mais cedo e aparecem com cor amarelo-avermelhada na parte esquerda superior do diagrama. As galáxias com baixa massa (cor azulada) situam-se na porção direita e inferior

NCG 6411 Massa elevada e formação precoce de estrelas

NGC 4047 Massa intermediária e produção

cor

acelerada de estrelas no início da vida

brilho

46  z  junho DE 2013

da uma fosse um ponto no céu, o Califa usa uma técnica mais cara e complexa, que divide cada galáxia em mil pedaços e analisa a luz deles em separado. O resultado é um mapa que revela diferenças nas propriedades químicas e físicas das várias partes da galáxia. O Califa observa galáxias situadas a distâncias relativamente próximas – entre 70 milhões e 400 milhões de anos-luz – da Via Láctea. Elas não ficam nem tão longe a ponto de serem observadas

105

galáxias distantes entre 70 milhões e 400 milhões de anos-luz do Sol foram analisadas no projeto

imagens  califa e sdss

A amostra de 105 galáxias, descrita na Astrophysical Journal Letters, é ínfima se comparada aos bilhões de galáxias que existem no Universo visível. Também é pequena se comparada ao total de galáxias – quase 1 milhão – já observadas pelo maior levantamento astronômico já feito, o Sloan Digital Sky Survey (SDSS), resultado do esforço de outro consórcio internacional, que usa um telescópio nos Estados Unidos. Mas, enquanto o SDSS analisou a luz das galáxias como se ca-


“As galáxias de menor massa continuam formando estrelas, enquanto para as de massa elevada a festa já acabou”, diz Fernandes

UGC 9476 Baixa massa e geração contínua de estrelas

como eram no passado remoto do Universo, nem tão próximas que se possa identificar suas estrelas individualmente. Massa crítica

Mas o critério de seleção mais importante foi observar galáxias das mais variadas cores e brilhos. Vistas a mais ou menos à mesma distância, as galáxias jovens são azuladas e as mais velhas, avermelhadas. Já o brilho funciona como um indicador da massa da galáxia: quanto

mais brilhante, mais estrelas possuem. “A intenção foi garantir a diversidade de galáxias, para ter uma visão global delas”, conta Fernandes. Analisando os dados do Califa com o Starlight, os pesquisadores determinaram qual combinação de estrelas jovens e velhas contribuía para a luz de cada pedaço das galáxias. Assim, os astrofísicos identificaram quando e com que frequência as estrelas se formaram nas várias regiões galácticas. A primeira diferença confirmada pelo estudo refere-se ao ritmo de produção de estrelas. Galáxias com massa superior a 70 bilhões de sóis condensaram todo o seu gás em estrelas rapidamente na juventude e produziram a maioria de suas estrelas há mais de 5 bilhões de anos. Já as galáxias de mesma idade, mas com menos de 10 bilhões de massas solares, gastam o seu gás com parcimônia. “As galáxias de menor massa continuam formando estrelas a uma taxa respeitável, enquanto para as de massa elevada a festa já acabou”, diz Fernandes. Outra diferença está na ordem de formação das estrelas. As galáxias de baixa massa geraram suas estrelas mais ou menos ao mesmo tempo em toda a sua extensão, começando um pouco mais cedo nas partes mais externas. Nas galáxias de grande massa, entretanto, aconteceu o contrário: a formação estelar começou mais cedo no centro e avançou para a periferia. Esse padrão, aliás, parece ter ocorrido na própria Via Láctea, uma galáxia com cerca de 60 bilhões de massas solares. “As regiões mais distantes do centro da Via Láctea são mais pobres em elementos químicos pesados do que a parte interna”, explica o astrofísico Hélio J. Rocha-Pinto, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que estuda os vestígios de colisão da Via Láctea com galáxias anãs. “Isso é uma evidência indireta de que as estrelas da parte interna se formaram

primeiro e enriqueceram quimicamente essa parte da galáxia mais rapidamente.” Essa diferença entre centro e borda, porém, não aumenta sempre com a massa da galáxia. Ela alcança seu máximo nas galáxias com massa em torno de 70 bilhões de massas solares, nas quais as estrelas da região central se formaram mais de duas vezes mais rápido do que as da borda. “Essa massa crítica tem algo de especial”, diz Fernandes. Mas ninguém sabe exatamente o que é esse algo especial. Rocha-Pinto sugere que a massa crítica represente a massa a partir da qual as galáxias não crescem isoladamente. Acredita-se que as galáxias maiores nasceram da fusão de galáxias menores, eventos nos quais a formação estelar aumenta na parte central da galáxia recém-formada. Fernandes, no entanto, chama a atenção para outra possibilidade. Galáxias grandes têm buracos negros tão gigantes em seu centro que atrapalhariam a formação estelar. Já em galáxias pequenas, menos estrelas se formam porque parte do gás é expelido da galáxia durante as explosões de supernovas. Ambos os efeitos poderiam ser menores em galáxias com a massa crítica e aumentar a formação estelar. “A questão”, pondera Rocha-Pinto, “é provar que os efeitos que propomos têm a magnitude para explicar o que observamos”. No ano que vem, os astrônomos do SDSS esperam iniciar um levantamento semelhante, batizado de MaNGA, que mapeará 10 mil galáxias. “O aumento de 100 vezes da amostra será transformacional”, diz o astrofísico Kevin Bundy, da Universidade de Tóquio, Japão, coordenador do MaNGA. “Vamos testar as conclusões do Califa e muito mais”. n Igor Zolnerkevic

Artigo científico PÉREZ, E. et al. The evolution of galaxies resolved in space and time: an inside-out growth view. The Astrophysical Journal Letters. v. 763. jan. 2013.

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Não gosto da ideia de me apresentar como um engenheiro que vai construir o computador quântico Serge Haroche

Sempre que alguém desenvolve um relógio mais preciso, aparece um novo uso, geralmente na navegação David Wineland

48  z  junho DE 2013


Físicay

Apostas quânticas Os prêmios Nobel de 2012 falam dos desafios de desenvolver um novo conceito de computador e criar um GPS para prever terremotos Marcos Pivetta

fotos  eduardo cesar

A

mecânica quântica é um ramo da física que causa estranheza à maioria das pessoas. Superposição de estados, emaranhamento de partículas, decoerência de sistemas – esses conceitos geralmente escapam à compreensão de quem, como todos na Terra, vive no mundo da física clássica. Ainda assim, o homem convive hoje com inventos que operam a partir de efeitos quânticos, como o laser e os aparelhos de ressonância magnética. O prêmio Nobel de Física do ano passado foi dividido por uma dupla de pesquisadores que trabalha de forma independente, e com abordagens distintas, numa área de fronteira desse campo. Por seus “métodos experimentais inovadores que permitem medir e manipular sistemas quânticos individuais”, o americano David Wineland , do Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia (Nist) e da Universidade do Colorado em Boulder, e o francês Serge Haroche, da École Normale Supérieure e do Collège de France, partilharam a honraria de 2012. Ao lado de outros três prêmios Nobel, Wineland e Haroche estiveram entre fins de fevereiro

e início de março deste ano num simpósio promovido pelo Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo, onde concederam entrevistas exclusivas a Pesquisa FAPESP (ver reportagem sobre o simpósio na edição 205). Ambos frequentam o Brasil há pelo menos duas décadas e Haroche, que costuma passar férias numa praia da Bahia, fez recentemente nova visita ao país após o evento no interior paulista. Eles falam de suas pesquisas, que têm certa complementaridade, e dos possíveis caminhos a que seus estudos podem levar. Wineland conjectura, por exemplo, que relógios atômicos mais precisos talvez possam ser úteis para prever terremotos. E o tão sonhado computador quântico? “Não gosto da ideia de me apresentar como um engenheiro que vai construir o computador quântico. Ninguém sabe qual rota devemos tomar para chegar nisso. Estamos fazendo progressos em pequenos passos”, afirma Haroche. As entrevistas foram concedidas em separado. Mas, como os temas tratados por vezes se tocam e se repetem, as falas foram editadas lado a lado.

pESQUISA FAPESP 208  z  49


Ganhar o Nobel do ano passado foi uma surpresa? Wineland – Acho que a maioria das pessoas que

ganham o Nobel ouviu, de um jeito ou de outro, que seu nome estava sendo cogitado para o prêmio. Ouvi meu nome ser mencionado um par de vezes. Nesse sentido, o prêmio não foi totalmente inesperado. Mas, nos últimos anos, não estava pensando no assunto. Algumas pessoas acordam para acompanhar as notícias e ver quem são os ganhadores do Nobel. Mas estava dormindo quando ocorreu o anúncio. Minha mulher foi quem me acordou. Quando se ganha um Nobel, fica implícito que você virou uma espécie de porta-voz de seu campo de pesquisa. Isso aconteceu comigo e com o Serge. Você passa a ser uma inspiração para os estudantes, que hoje têm tantas distrações, seguirem a carreira científica. Uma forma simples de fazer isso é contar a minha história. Quando era jovem, no ensino médio, estava mais interessado em carros e motos, não em ciência. Com certeza, não era um dos melhores alunos. Mas devo dizer que sempre gostei de matemática e física quando estava na escola.

Wineland usa a luz para controlar propriedades dos átomos e Haroche faz o inverso

Haroche – Esse tipo de prêmio não é algo que se fique esperando. Claro que eu sabia que estava fazendo um trabalho que despertava atenção na comunidade. Mas nossa área é vasta, há muitos temas e subáreas que estão produzindo resultados interessantes. Então era impossível prever quem ia ganhar o prêmio. Você também precisa entender – e o David concorda comigo nesse ponto – que o prêmio é para nossa área como um todo. Não é para mim e ele. A pesquisa é um trabalho em grupo. Em meus estudos, contei com o trabalho de dois pesquisadores seniores. Tenho certeza de que foi assim também com o David. Mas, pela natureza do Nobel, eles têm de associar o prêmio a algumas pessoas.

Suas equipes eram rivais? – As abordagens eram distintas o bastante para não nos sentirmos como competidores da mesma área. Rainer Blatt [físico da Universidade de Insbruck], que também esteve no seminário de São Carlos, tem um grupo muito forte e é um dos meus maiores concorrentes. Apesar de sermos competidores, somos bons amigos há muitos anos. Meus trabalhos e os do Serge são um pouco complementares. Para explicar as coisas de uma maneira simples, diria que uso a luz para controlar algumas propriedades dos átomos e Serge usa átomos para investigar e controlar propriedades da luz. Embora um trabalho seja descrito como o oposto do outro, utilizamos a mesma física quântica para descrever interações entre átomos e luz.

– Há uma bela simetria entre nossas pesquisas. Na verdade, ambos trabalhamos com as interações da luz e dos átomos no nível quântico mais fundamental. Eu olho as coisas de uma perspectiva e ele, de outra. Talvez essa simetria tenha levado o comitê do Nobel a pensar que seria uma boa coisa premiar ambos.

O emaranhamento é a assinatura de que há algo de quântico num sistema? – Antes do emaranhamento há a ideia de superposição de estados. Um dos experimentos que fizemos em nosso laboratório foi mostrar que uma partícula, um íon ou um átomo pode estar em dois lugares ao mesmo tempo antes de haver emaranhamento. A superposição é a marca registrada de que entramos no estranho mundo da mecânica quântica. Para mim e também para outras pessoas, uma questão fundamental ainda não respondida é saber onde termina o mundo clássico e começa o quântico. Se houver uma linha divisória, precisamos saber onde ela fica. Isso traz à tona conceitos como o da existência 50  z  junho DE 2013

– A noção central [da quântica] é a superposição, o fato de um sistema poder estar ao mesmo tempo em diferentes estados. O emaranhamento é uma consequência disso. Dois sistemas estão emaranhados quando interagem e podem estar em uma superposição de estados. Isso quer dizer que o que ocorre com um sistema imediatamente produz um efeito sobre o outro – mesmo se eles estiverem separados por uma grande distância. Isso se chama não localidade. Essa é uma propriedade muito bem estabelecida da matéria e da radiação. De uma forma superficial, pode se pensar que essa propriedade viola a noção de


Haroche

Wineland

de vários mundos ou universos [em paralelo]. No momento, considero que a tese dos vários mundos é perturbadora, mas tão válida quanto qualquer outra ideia do que realmente esteja ocorrendo. Até onde sei, ela é uma solução válida para o problema. Como físico experimental, sinto que há algo a ser descoberto nesse sentido. Mas não temos um experimento que possa ser feito para responder essa questão. Talvez haja algum mecanismo, alguma nova física, que ainda não vimos que provoca essa barreira (entre o quântico e o clássico). Esse campo é muito especulativo. Não acho que alguém tenha a resposta para essa questão. Mas sinto que há algo muito profundo a ser descoberto.

causalidade, pois não é possível propagar informações a uma velocidade maior do que a da luz. Ainda assim, existem alguns tipos de correlação que são instantâneos. Mas essas correlações não podem ser usadas para propagar informações. Portanto, não há contradição alguma. Há muitos grupos trabalhando nessa questão, sobretudo com fótons se propagando no espaço aberto e em fibras ópticas. Um dos pioneiros nesse campo é meu colega Alain Aspect [do Instituto de Óptica e da Escola Politécnica de Paris, que também participou do simpósio], que fez um experimento em 1982 mostrando pela primeira vez esse tipo de emaranhamento.

O que podemos esperar em termos de novas aplicações derivadas da física quântica? – A maioria dos físicos acredita que as aplicações na área de computação quântica deverão lidar com simulações. Por exemplo, uma coisa que estimulou muito a computação (quântica) foram os algoritmos de fatoração. Mas efetuar uma fatoração útil é um desafio muito difícil, pois utiliza muitos recursos que ainda não dominamos. Com um número pequeno de qubits [bits quânticos] dá para fazer coisas interessantes. Talvez com 50 ou 100 qubits seja possível simular um sistema. Para mim, essa questão se tornará interessante quando conseguirmos aprender algo novo com essa simulação. Por ora, estão fazendo na quântica demonstrações de simulações que já conseguimos fazer com um computador normal. É difícil fazer previsões, mas talvez nos próximos 10 anos consigamos fazer uma simulação que realmente nos ensine algo de novo. Os progressos são muito mais palpáveis na área de relógios atômicos? – Esse é um campo muito mais desenvolvido. Fazemos relógios atômicos que servem a um propósito, tanto com átomos como com íons. Um bom exemplo são os sistemas de navegação baseados no GPS. Há décadas, relógios atômicos para esses sistemas têm sido feitos. E há séculos é assim: sempre que alguém desenvolve um relógio mais preciso, um novo uso aparece, geralmente na área de navegação. Foi e ainda é assim. Há algumas aplicações em comunicação que também usam relógios atômicos. Por exemplo, se tivermos um relógio atômico para um sistema do tipo GPS com precisão de milímetros, poderíamos medir a deformação da Terra. Potencialmente, um sistema assim poderia prever terremotos. Claro que seriam necessárias outras ferramentas também, mas um relógio com essa precisão poderia ser útil nesse sentido.

A fronteira que separa o mundo quântico e o clássico ainda não foi delimitada pelos físicos

– Há coisas que são uma realidade, como a criptografia quântica. Mas a questão que se coloca é se ela é útil e competitiva em relação à criptografia clássica. Há também a metrologia, em que se usa a quântica para aprimorar a precisão das medidas. Um bom exemplo disso é o trabalho do David com relógios atômicos. Ele usa o emaranhamento para medir o que ocorre num íon, que seria o relógio atômico mais preciso já construído. O computador quântico poderia trabalhar num estado de superposição de tal maneira que alguns cálculos poderiam ser feitos de forma mais rápida e eficiente do que em um computador clássico. Isso é um sonho. Os conceitos necessários para isso estão estabelecidos, mas eles funcionam em sistemas pequenos. Para ter um computador quântico, precisamos controlar centenas de partículas. Há problemas técnicos e práticos e não sabemos se eles serão resolvidos. Não gosto da ideia de me apresentar como um engenheiro que vai construir o computador quântico. Ninguém sabe qual rota devemos tomar para atingir esse objetivo. Estamos fazendo pequenos progressos. Por exemplo, estamos aprendendo a corrigir pequenos erros que ocorrem nos sistemas quânticos, que chamamos de decoerência. A superposição quântica é um estado muito frágil, que desaparece facilmente. Em Paris, fazemos experiências que denominamos de correção de feedback nas quais conseguimos manter, em média, certo número de fótons por um tempo muito longo. Conseguimos corrigir as perturbações assim que elas ocorrem. Isso é bom para algumas coisas, mas não o suficiente para a computação quântica. É muito difícil prever o que vai acontecer. Se olharmos para a história, todas as tecnologias derivadas da quântica, como o laser e as imagens de ressonância nuclear magnética para fins médicos, saíram de pesquisa básica não concebida com essa finalidade. Tenho quase certeza de que as aplicações vão aparecer. Mas não dá para adivinhar o que vai acontecer. n pESQUISA FAPESP 208  z  51


evolução y

Olhar aberto sobre a biodiversidade Visão evolutiva e expedições à Amazônia marcaram o trabalho científico do zoólogo Paulo Vanzolini

P

oucos doutorados influenciaram tanto uma área da ciência brasileira quanto a do zoólogo paulista Paulo Emílio Vanzolini na Universidade Harvard, Estados Unidos. Ao voltar ao Brasil em 1951, depois de conviver com biólogos que examinavam a formação e a diversificação de espécies sob o ponto de vista evolutivo, ele trouxe conceitos que revolucionaram a zoologia brasileira e ainda são adotados para entender a biodiversidade. Vanzolini argumentava que era essencial estudar as espécies não só por meio de exemplares isolados, como se fazia até então, mas também pela distribuição de populações de uma mesma espécie no tempo e no espaço. Depois ele propôs que a elevada diversidade de espécies de animais da Amazônia seria o resultado do isolamento geográfico de populações de animais, causado por variações climáticas ocorridas há milhares de anos. Em épocas de clima mais frio e seco, as florestas teriam se fragmentado e formado ilhas de vegetação, também chamadas de refúgios, em que os animais puderam sobreviver e formar novas espécies. Essa abordagem ainda pode ser útil, embora, como qualquer outra ao longo do tempo, tenha apresentado limitações. “Não foram apenas os refúgios os responsáveis pelos padrões de diver-

52  z  junho DE 2013

sidade biológica”, acentua Célio Haddad, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro. Segundo ele, geralmente há questões filogenéticas, climáticas e geológicas que devem ser analisadas em conjunto para que se possa entender devidamente a formação e diversificação de espécies. “Uma mesma ideia ou hipótese pode ser usada em contextos distintos”, diz o biólogo João Alexandrino, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). No começo de maio, um de seus estudantes iniciou a análise da diversidade genética de populações de uma espécie de perereca encontradas na mata atlântica e nos campos do sul do Brasil, Argentina e Uruguai. Depois de examinar os padrões de diversidade sugeridos pelos primeiros resultados, Alexandrino sugeriu que o rapaz lesse um artigo que Vanzolini havia publicado em 1981 propondo o conceito de refúgios evanescentes, por meio do qual as ilhas de florestas poderiam se fragmentar, forçando espécies menos especializadas a se adaptarem a ambientes abertos. “A abordagem dos refúgios foi inovadora, na época em que foi apresentada, e orientou várias gerações de pesquisadores”, observou Hussam Zaher, diretor do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), que Vanzolini coman-

fotos  ACERVO PARAGuASSÚ ÉLERES

Carlos Fioravanti


3

2

1

4

1 Desenho de Paraguassú Éleres da estrutura de madeira do Lindolpho R. Guimarães

5

2 O Lindolpho pronto para receber o túnel do eixo da hélice e o leme (Vanzolini na canoa) 3 Equipe de apoio com a carga da primeira coleta na Belém-Brasília em maio de 1967 4 Os dois barcos atracados em Oriximiná em 1966 (Heraldo Britski, do Museu de Zoologia, à direita) 5 Página de um diário de viagem de Vanzolini

pESQUISA FAPESP 208  z  53


Os grandes rios podem favorecer o isolamento e a diferenciação de espécies

apresentado maior pluviosidade. Três anos antes, o ornitólogo inglês Reginald Moreau havia destacado a influência das alternâncias climáticas e de refúgios sobre a distribuição e diferenciação das populações de aves na África, mas não foi muito além disso. Em paralelo, Vanzolini e seu ex-colega de Harvard Ernest Williams analisaram – e publicaram um ano depois de Haffer – um estudo sobre a variação geográfica e a distribuição de uma espécie de lagarto do gênero Anolis na Amazônia, que poderia ser explicada por meio das variações do clima. Em uma entrevista concedida a Pesquisa FAPESP em 2012, Vanzolini contou que o trabalho dele e de Williams era “um exemplo

Viagens pioneiras Museu de Zoologia, FAPESP e centros de pesquisa de Belém e Manaus se uniram para investigar áreas inexploradas da Amazônia

n FAPESP + MZ-USP  n MZ-USP  n Viagem proposta para 1977

54  z  junho DE 2013

prático daquilo que Haffer havia proposto do ponto de vista teórico. Nada mais é do que um modelo [conceitual], que pode ser replicado, inclusive para outras regiões”. Em 1970, no mesmo ano que seu trabalho com o Anolis foi publicado, Vanzolini reconheceu que a visão do biólogo não bastava para entender a distribuição das populações de animais nas florestas do Brasil. “Estou há 20 anos trabalhando sobre padrões de evolução dos lagartos sul-americanos. Embora tenha aperfeiçoado a teoria já em 1951, o trabalho sempre andou muito devagar por falta de informações paleoclimáticas, até uns 6-7 anos atrás, quando consegui dispor da excelente assessoria geográfica de Aziz N. Ab’Saber. Com as novas racionais obtidas, a pesquisa se desamarrou, e estou conseguindo resultados compensadores”, ele escreveu em um pedido de financiamento enviado à FAPESP em 1970. “Sinto-me em condições de tentar um trabalho maior, qual seja uma consideração conjunta dos padrões de especiação no conjunto dos lagartos sul-americanos.” Aplicações e limitações

“É impossível dizer que o modelo de refúgios, como ele preferia chamar, não se aplica a parte de nossa fauna”, diz o zoólogo Miguel Trefaut Rodrigues, professor da USP. Os brejos de altitude – ilhas de florestas encontradas no topo de morros, principalmente na região Nordeste, cercadas por descampados – são hoje “a evidência atual mais consistente de refúgios”, diz ele, e ainda hoje são áreas de estabilidade climática, que favorecem a diversificação de espécies. “Cada brejo tem uma composição faunística única, mas não basta ser brejo para ser um refúgio.” Em 1980, na única expedição em que fizeram juntos, Rodrigues, então no doutorado, e Vanzolini, seu orientador, foram coletar no município de Catinga do Moura, norte da Bahia, que Vanzolini pensava ter sido um refúgio. “Só 10 anos depois dessa viagem”, conta Rodrigues, “é que eu vi que a área de estabilidade climática era na verdade nas serras próximas da Chapada Diamantina”. Vanzolini gostava de viajar, mas saía pouco para coletar em campo, argumentando que não era bom nisso, e a seu modo sempre trazia material precioso para as coleções do museu. Quando chegava a um lugar, espalhava a notícia que tinha

Reprodução daniel das neves / ACERVO FAPESP

dou durante três décadas, como diretor vitalício, nomeado pelo governador Carvalho Pinto. “Durante muito tempo se falava em refúgios.” Zaher assinala o que considera o maior mérito científico de Vanzolini: trazer e ajudar a implantar no Brasil a então chamada síntese moderna, que resultava do trabalho de Theodosius Dobzhansky na genética, de Ernest Mayr na zoologia e de George Simpson na paleontologia. Vanzolini foi aluno de Mayr e Simpson em Harvard, desde aquela época um centro da ciência moderna. Dobzhansky, que andou por Harvard, foi importante na formação dos primeiros geneticistas do Brasil, que ele visitou quatro vezes. Vanzo, como preferia ser chamado, estava acostumado a conviver com intelectuais: seu bisavô traduziu do latim para o italiano os seis livros de De rerum natura (Sobre a natureza das coisas), do poeta romano Lucrécio, e seu avô enviava espécies interessantes de animais do Brasil para museus da Europa. Em um depoimento ao zoólogo William Ronald Heyer, Vanzolini contou que aprendeu inglês lendo as peças de Shakespeare no original. A chamada Teoria dos Refúgios foi apresentada pelo geólogo alemão Jürgen Haffer em 1969 na revista Science. Haffer mostrou que havia uma maior concentração de populações de diferentes espécies de tucanos nas áreas que haviam


fotos  ACERVO MZ-USP

1

1 Vanzolini e os colegas e professores de Harvard em 1951 1 2 A equipe do Museu de Zoologia entre 1959-1962: (esquerda para a direita, em pé): Helio Ferraz de Almeida Camargo, Eurico Alves de Camargo, Messias Carrera, Carlos Otaviano da Cunha Vieira, Lauro Travassos Filho, Werner Carlos Augusto Bokermann; (sentados) Paulo Emílio Vanzolini, Lindolpho Rocha Guimarães e Carlos Amadeu de Camargo Andrade

2

trazido um saco de moedas e estava2comprando bichos. “Entre os 400 lagartos do gênero Tropidurus que ele comprou da molecada em Cocorobó, na Bahia, encontrei seis exemplares de uma espécie nova”, diz Rodrigues. De 1967 até meados de 1980, por meio da Expedição Permanente à Amazônia, Vanzolini e outros pesquisadores do Brasil e de vários países percorreram áreas inexploradas ao longo dos principais rios da região em dois barcos, os primeiros financiados pela FAPESP – o Lindolpho Guimarães, de 11,5 metros de comprimento, e o Garbe, com 18 metros. Em abril deste ano, Paraguassú Éleres, pesquisador de construção naval, concluiu um relato sobre a construção dos dois barcos, que ele projetou e cuja construção supervisionou, em Oriximiná, Pará (1965), junto com Paulo Vanzolini (as raras fotos dos barcos apresentadas nesta

reportagem são de seu acervo; leia no site da revista a íntegra do relato de Éleres e o diário das viagens de Vanzolini e outros zoólogos à Amazônia). O conceito de refúgios não funciona sempre. Em um estudo publicado em março, Tiago Porto e Luis Rocha, da Universidade Federal da Bahia, e Ana Carnaval, da Universidade de Nova York, verificaram que a distribuição das populações de 14 espécies de grupos diferentes de animais – aranhas, opiliões, escorpiões, anfíbios, aves, lagartos e mamíferos – não coincide com as áreas de refúgios previamente identificadas. Além disso, nos últimos 20 anos, análises genéticas e moleculares indicaram que a maioria das espécies de animais deve ter se formado há cerca de 11 milhões, e não há 1 milhão de anos, o período geológico conhecido como Quaternário, como Haffer, Vanzolini e outros cientistas

de outros continentes haviam sugerido. “Existem, sim, evidências de retração de florestas no Quaternário, mas esse foi um momento essencialmente de extinção de espécies, por ter sido relativamente curto”, comenta Zaher. “Os processos evolutivos que levaram à formação da maioria das espécies são muito mais antigos.” As abordagens mais recentes também não resolvem tudo. Barreiras geográficas como os rios podem favorecer o isolamento e a diferenciação de espécies de mamíferos, aves e insetos, mas às vezes não têm relevância. Em resumo, afirmam pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e do Instituto de Botânica de São Paulo em um artigo de março, a diversidade biológica na América do Sul expressa um espaço complexo, resultado de influências climáticas, geológicas e biológicas, para a qual ainda não existe uma explicação única. n Leia reportagem sobre a produção musical de Paulo Vanzolini na página 88.

Artigos científicos VANZOLINI, P. E. Paleoclimas e especiação em animais da América do Sul tropical. Estudos avançados. v. 6, n.15, p. 41-65, 1992. PORTO, T.J. et al. Evaluating forest refugial models using species distribution models, model fillingand inclusion: a case study with 14 Brazilian species. Diversity and Distributions. v. 19, p. 330-40, 2013. TURCHETTO-ZOLET, A. C. et al. Phylogeographical patterns shed light on evolutionary process in South America. Molecular Ecology. v. 22, p.1.193-213, 2013.

pESQUISA FAPESP 208  z  55


tecnologia  biocombustíveis y

Do bagaço à inovação Em meio à crise do setor, empresas investem em tecnologia para aumentar a produção de etanol

N

o início de fevereiro, a ETH Bioenergia, fundada em 2007 pela Organização Odebrecht, mudou definitivamente seu nome para Odebrecht Agroindustrial e anunciou investimentos com a finalidade de moer 30% a mais do volume de cana-de-açúcar processado na safra 2012/2013 e produzir 2 bilhões de litros de etanol – o equivalente a 8,6% da atual produção anual do país, de 23 bilhões de litros. O investimento de R$ 1 bilhão será aplicado na expansão da área de cultivo e também em pesquisas de variedades de cana e novos processos de produção de etanol. E, para isso, a área de inovação da Odebrecht Agroindustrial, criada em 2010, teve de se articular com universidades e centros de pesquisa, como o Instituto Agronômico de Campinas (IAC). “Construímos nossa estratégia de inovação bem no momento de crise da cana no país”, diz Carlos Calmanovici, diretor de Inovação e Tecnologia da Odebrecht Agroindustrial. O exemplo da Odebrecht é um dentre outros de grandes empresas, como Syngenta, Monsanto e Granbio, que nos últimos anos ampliaram seus investimentos em pesquisa utilizando melhoramento genético para a obtenção de novas variedades de cana ou tentando encontrar alternativas para a produção de etanol a partir do bagaço que sobra da planta. 56  z  junho DE 2013

A explicação para a fase nada doce de desaceleração enfrentada pelo setor sucroenergético desde 2008 é uma combinação de diversos fatores, que passam, por exemplo, pela crise internacional de crédito, problemas climáticos em três anos consecutivos, entre 2009 e 2011, e a falta de reajustes no preço da gasolina. No entanto há certa distância entre a crise da produção de cana-de-açúcar e a situação da pesquisa realizada no setor. A diferença, conta Calmanovici, é que a pesquisa é pensada a longo prazo, e um dos exemplos dessa visão estratégica é o acordo de cooperação que a empresa firmou em 2011 com a FAPESP, resultando em 11 projetos de parceria com universidades do estado de São Paulo, como a USP, a Estadual de Campinas (Unicamp) e a Federal de São Carlos (UFSCar), para as quais foram disponibilizados R$ 20 milhões, metade desembolsada pela Fundação e a outra metade pela empresa. Boa parte dos projetos teve início no ano passado e envolve desde pesquisas para o desenvolvimento de cana-de-açúcar transgênica resistente a insetos até a identificação e seleção de plantas com genótipos (constituição genética) para as condições agroecológicas do Pontal do Paranapanema, região onde a produtividade de cana ainda não é boa. Há cinco anos a perda de fôlego do setor sucroalcooleiro no Brasil fez muitos analistas sus-

syngenta

Bruno de Pierro


Estratégias para enfrentar a crise Empresas apostam em novas alternativas tecnológicas para aumentar a produtividade da cana

syngenta Desenvolve a Cana Plene, que, segundo a empresa, pode eliminar a necessidade de áreas de viveiro e dispensar o uso de maquinários pesados na colheita, preservando o solo. Além disso, tem resistência a algumas pragas da cana.

centro de tecnologia canavieira (CTC) Realiza mapeamento de áreas com baixa produtividade e desenvolve variedades de cana para essas regiões dentro de, no máximo, 8 anos, período que geralmente variava entre 12 e 14 anos.

Granbio Produção de etanol de segunda geração em estação experimental começará este ano. A empresa

Monsanto

desenvolve um novo tipo

Produção de novas variedades

de cana (Cana Vertix), que será

de cana adaptadas à colheita

resistente a pragas e doenças

mecanizada e com alta germinação

e terá alto teor de fibras.

em ambientes menos favoráveis ao plantio.

Odebrecht Agroindustrial Pesquisas com novas variedades de cana, inclusive transgênicas, para ampliar a produção de etanol e expandir a área cultivável.

novozymes Desenvolvimento de enzimas capazes de quebrar a lignina presente na celulose de células do bagaço da cana para produção de etanol de segunda geração.

Muda de nova variedade de cana-de-açúcar é manipulada em laboratório da Syngenta. pESQUISA FAPESP 208  z  57


Altos e baixos da cana no Brasil Linha do tempo do setor sucroalcooleiro nacional

1986

2004

Primeira crise do

O Brasil passa por

Embraer lança o primeiro

petróleo. Em cinco

uma crise econômica

avião do mundo movido

meses, o preço

e as vendas dos veículos

exclusivamente

do petróleo

movidos a etanol

a etanol e produzido

aumentou 300%

começam a cair

em escala comercial

1975

2003

Criado o Proálcool (Programa

Carro flex. Até 2012,

Nacional do Álcool) para

o uso dos carros flex

substituir em larga escala

possibilitou redução de

combustíveis derivados

160 milhões de toneladas

do petróleo por etanol

em emissões de CO2

tentarem a hipótese da “década perdida” da indústria em relação à produção de açúcar e etanol. Os investimentos que chegaram a US$ 6,4 bilhões em 2008 foram reduzidos para US$ 250 milhões em 2012, segundo Eduardo Leão, diretor-executivo da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica). A previsão é que a atual retomada de investimentos no setor deverá esperar por mais cinco anos, tempo necessário para a renovação completa do canavial – uma situação muito diferente do momento de grande salto dado entre 2005 e 2010, após a entrada do carro flex no país em 2003. Naquela época, os Estados Unidos e a União Europeia começaram a estabelecer diretrizes para o uso de biocombustíveis, com metas de consumo para os próximos anos. As iniciativas contribuíram para a entrada de multinacionais no setor.

A

partir de 2012, começou-se a esboçar um futuro menos sombrio. A produção de etanol apresentou leve retomada e o governo federal mostrou sinais de reação à crise com uma série de incentivos, como a elevação percentual de mistura do etanol na gasolina, de 20% para 25%, e a redução de impostos (PIS e Cofins). “Não é ainda um momento rentável para o setor, mas os ganhos em produtividade com investimentos em tecnologia e a consequente redução dos custos médios de produção têm amenizado os problemas financeiros de algumas empresas”, explica Miriam Bacchi, pesquisadora do Centro de Estudos Avançados em Economia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da USP (Esalq/USP). Com o etanol de segunda geração, por exemplo, a estimativa de algumas empresas, como o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) e a Granbio, é atingir ganhos próximos de 50% com esse novo processo produtivo, que deverá entrar no mercado nacional em 2014. 58  z  junho DE 2013

Um dos possíveis marcos desse novo posicionamento de grandes empresas diante da importância da pesquisa com cana foi a compra, em novembro de 2008, das brasileiras Allelyx e CanaVialis pela multinacional Monsanto, por US$ 290 milhões. As duas empresas nasceram como start-ups de um fundo de capital de risco da Votorantim Negócios, entre 2002 e 2003, após o sequenciamento do genoma da Xylella fastidiosa, a bactéria causadora da praga do amarelinho nos laranjais, em programa financiado pela FAPESP. Para Paulo Arruda, professor do Instituto de Biologia da Unicamp e um dos fundadores da Allelyx, o processo de compra pela Monsanto fomentou o desenvolvimento dessa área de pesquisa com cana-de-açúcar e ajudou a impulsionar a biotecnologia da cana no país. “Houve um impacto positivo, inclusive em outras empresas, como o próprio CTC, que passou a modificar seu processo de gestão”, argumenta. Em 2011, o CTC deixou de ser uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) para se tornar uma Sociedade Anônima (SA). “Hoje temos que ganhar dinheiro com as tecnologias que desenvolvemos aqui”, afirma Robson Cintra de Freitas, vice-presidente de negócio e novas tecnologias do CTC, que foi criado em 1969 pela Copersucar em Piracicaba, interior de São Paulo. Por meio do melhoramento convencional, a Monsanto lançou no mercado três variedades de cana em 2012 e pretende, para este ano, colocar em circulação mais uma. A empresa não revela quanto investe em pesquisa no setor de cana, mas Gustavo Monge, gerente de biotecnologia da Monsanto no Brasil, diz que do US$ 1,4 bilhão que a empresa destina a suas pesquisas no mundo todo “uma parcela significativa vem para o país”. Segundo ele, o setor sucroenergético apresenta

ilustração abiuro

1973


eduardo cesar

Mudas de cana preparadas no laboratório do CTC em Piracicaba (esq.), antes de irem para a estufa (dir.), de onde seguem para os viveiros em usinas

projeções de grande aumento de demanda no consumo de açúcar e etanol. “No campo da pesquisa, não consigo imaginar empresas de biotecnologia sendo afetadas nem positiva nem negativamente pela crise, porque as decisões são a longo prazo e olham para uma situação de mercado em que a competitividade do etanol cresce fruto da inovação”, avalia o economista André Nassar, da consultoria Agroicone. Já para José Maria da Silveira, professor do Instituto de Economia da Unicamp, “o aumento da pesquisa aplicada é estimulado pelas instituições públicas em parcerias com a iniciativa privada”. Como exemplo, ele cita o Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (Bioen), iniciado em 2008 e que conta hoje com 12 empresas no grupo de parceiros, entre elas a Odebrecht e outras como Dedini, Oxiteno e Braskem. “Há uma evolução no número de parcerias estabelecidas entre o programa e empresas, buscando incrementos tanto do melhoramento tradicional quanto da rota transgênica”, afirma Glaucia Mendes Souza, professora do Instituto de Química da USP e uma das coordenadoras do Bioen.

O

utra medida institucional que favorece a pesquisa é a exigência de que a colheita seja totalmente mecanizada no estado de São Paulo – o maior polo de produção canavieira do país, responsável por 52% da produção nacional segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A mecanização acaba exigindo tecnologias inovadoras tanto em equipamentos quanto em novas variedades de cana mais adaptadas ao processo. Algumas das variedades produzidas pela Monsanto, por exemplo, têm como característica a fácil adaptação à colheita mecanizada. Desde 2007, o estado deixou de queimar 5,53 milhões de hectares e de lançar à atmosfera mais de 20,6 milhões de toneladas de poluentes, segundo o governo do estado. Uma contribuição tecnológica proporcionada pela pesquisa no campo vem da nova fase do CTC. A empresa conseguiu a redução do tempo de colocação no mercado de novas variedades de cana do seu programa de melhoramento. Isso significa que o tempo para uma variedade nova ser transferida do laboratório para o mercado diminuiu seis anos no máximo. Até poucos anos

2007

2010

Protocolo Agroambiental

Estados Unidos classificam o etanol

do estado de São Paulo

de cana como biocombustível avançado.

antecipa fim da queima

É criado o Laboratório Nacional de

da palha da cana

Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE)

2005

2008

2013

Primeiro leilão de energia

Lançamento

Volta da mistura de 25%

nova. Hoje a eletricidade

do Bioen-FAPESP.

de etanol anidro na

produzida com bagaço

Auge da crise

gasolina. Lançamento

supre mais de 2% do

de crédito nos

de incentivos do governo

consumo no país

Estados Unidos

federal para o setor pESQUISA FAPESP 208  z  59


atrás esse intervalo, que inclui uma série de testes e cruzamentos de plantas, era de 12 a 14 anos, e agora é de 8 anos, explica Marcos Casagrande, gerente de desenvolvimento de produtos do CTC. Desde 2007, a grande expectativa do CTC é em relação ao etanol de segunda geração. Entre julho e agosto deste ano deverão começar as atividades para construção de uma planta em escala de demonstração, na Usina São Miguel, a qual terá capacidade instalada de produzir 3 milhões de litros de etanol, antes de se avançar para a etapa industrial. Em 2008, o processo desenvolvido pelo CTC para se obter etanol celulósico da cana foi patenteado, por representar uma diferença estratégica em relação aos métodos adotados por outras empresas que estão na corrida da pesquisa com etanol de segunda geração no país. O processo de hidrólise enzimática da celulose presente no bagaço e na palha será completamente integrado à estrutura existente da usina. Além de reduzir custos, essa integração se torna uma alternativa para solucionar o problema da capacidade ociosa da fermentação e da destilaria, dois setores da usina que geralmente se encontram em nível próximo de 30% de paralisação devido à flexibilidade das usinas para direcionarem a produção ora para o açúcar, ora para o etanol. “Se o etanol de segunda geração é agregado numa usina, consegue-se utilizar esse potencial para obter um combustível mais barato”, afirma Freitas. No início do ano, o Plano Conjunto BNDES-Finep de Apoio à Inovação Tecnológica Industrial dos Setores Sucroenergético e Sucroquímico (Paiss) assinou o primeiro contrato com uma empresa, no caso o CTC, que recebeu crédito de R$ 227 milhões da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), de um total de R$ 2 bilhões em recursos que serão destinados a projetos até o meio do ano.

A

brasileira Granbio, fundada em 2011, também vislumbra novos horizontes para o etanol de segunda geração. Neste ano, seu centro de pesquisas de biotecnologia sintética, localizado no complexo do Techno Park, em Campinas, foi aberto para o desenvolvimento de leveduras brasileiras usadas na fermentação industrial. Além disso, a empresa inaugurou em maio uma estação experimental para a segunda geração em Alagoas, com um investimento de R$ 10 milhões. A meta é que a indústria de etanol celulósico da empresa, cujo investimento é de R$ 350 milhões, comece a operar até fevereiro de 2014, com uma estimativa de produção de aproximadamente 82 milhões de litros de etanol de segunda geração, o que representará um aumento de 20% na produção de biocombustíveis em Alagoas. Batizada de Cana Vertix, a nova variedade de cana da Granbio está sendo obtida a partir do cruzamento genético de tipos ancestrais de cana com hí-

60  z  junho DE 2013

bridos comerciais. “Teremos uma cana mais “Há uma robusta, mais resistenevolução te a pragas e doenças e mais longeva, com teor no número de fibra e produtividade maiores que as plantas de parcerias convencionais”, enfatiza Alan Hiltner, viceestabelecidas -presidente-executivo entre o da empresa. O pesquisador da Unicamp GonçaBioen-FAPESP lo Pereira, que também é vice-presidente de e empresas”, tecnologia da empresa, explica que a nova caexplica Glaucia na será usada apenas para consumo da própria Granbio. “A eficiência da fotossíntese da Cana Vertix vai refletir no custo da matéria-prima. No setor, quem manda no jogo é quem tem cana barata e eficiente”, afirma. Até o fim de 2013 deverão ser plantadas 200 mil mudas, com sementes vindas de bancos de germoplasmas (sementes, células) do Brasil e do mundo. Os cruzamentos são feitos hoje pelo IAC e pela Rede Interuniversitária para o Desenvolvimento do Setor Sucroenergético (Ridesa). Em 2014, esse trabalho também será realizado pela estação experimental em Alagoas. Dentre as razões para os investimentos em etanol de segunda geração a partir do bagaço e da palha de cana, Hiltner destaca o mercado dos Estados Unidos, que premia o uso do etanol celulósico e, especificamente, o da Califórnia, onde há um adicional por tonelada de carbono capturado. O conjunto de iniciativas em torno do etanol de segunda geração tem sido capaz de movimentar uma cadeia que inclui empresas fornecedoras de enzimas utilizadas na quebra da lignina e das he-


fotos 1 syngenta 2 michel rios

1 Centro de pesquisas da Syngenta em Itápolis, interior de São Paulo, onde a empresa realiza a multiplicação de materiais genéticos 2 Estufa de cana na nova estação experimental da Granbio, em Alagoas

1

sas com cana-de-açúcar foi a multinacional suíça Syngenta. Até 2006, a participação do segmento de cana dentro da companhia era marginal, representada apenas pela venda de produtos químicos usados para matar pragas. A partir de 2008, uma guinada possibilitou a adoção de novas estratégias para incrementar tecnologicamente a plantação de cana, por meio, por exemplo, da construção de uma biofábrica, espaço onde são realizados os procedimentos de melhoramento da planta, inaugurada em 2012. “A demanda por cana no país, em 2020, será de aproximadamente 1,1 bilhão de toneladas. A chave do sucesso para a produção do etanol é aumentar a produtividade, o que demanda pesquisa também”, explica Adriano Vilas Boas, diretor global de cana-de-açúcar da Syngenta. A Unica estima que a produção de etanol na safra 2013/1014 seja 20% maior em relação à anterior. Hoje a empresa tem três pilares de sustentação 2 da pesquisa em torno da cana, dos quais um é a multiplicação de materiais genéticos, que acontece em miceluloses das células da cana para Itápolis, no interior paulisse obter a celulose e, em seguida, a ta. Lá são geradas mudas glicose, possibilitando, assim, a fer“A pesquisa livres de doenças, por meio mentação do açúcar para a obtenção paralisada leva de multiplicação do matedo etanol. Esse é o caso da multinarial genético, assegurando cional dinamarquesa Novozymes, mais tempo a sanidade dos materiais, fundada em 1923. Em 2007, a emporque quando se multiplipresa realizou a primeira parceria para se ca a cana o risco de ela concomercial para o desenvolvimento trair doenças é alto. “Mulde enzimas para a produção de etarecuperar do tiplicamos, assim, clones nol, no caso com o CTC. que a passagem de uma mesma matriz de Em 2010 a empresa passou a forforma controlada”, acresnecer enzimas para a Petrobras, que de uma crise”, centa Vilas Boas. Depois, também tem programa de pesquisa para se multiplicar em miem etanol de segunda geração, e, em diz Fernandes lhares de amostras, a cana 2012, fechou contrato com a Granbio. é manejada em estufa e a De acordo com o presidente da Noamostragem é multiplicada, vozymes para América Latina, Pedro preservando o DNA, para Fernandes, a crise do setor sucroeque possa ir direto para o nergético chegou a atingir a empresa, principalmente porque nesses momentos os clientes campo formar viveiros. Pesquisas em biotecnologia, se retraem em relação à demanda para produção e ao voltadas para aumentar a capacidade de transforvolume de dinheiro aplicado. No entanto, as pesqui- mar variedades de cana em vegetais geneticamente sas continuaram a todo vapor. “As crises vêm e vão modificados, já são feitas em estações de pesquisa sempre, mas a pesquisa não. Se paramos hoje uma da companhia no Brasil. A Syngenta investe mais pesquisa, ocorre um atraso cuja recuperação leva de US$ 1,4 bilhão em pesquisa e desenvolvimento mais tempo do que uma crise”, explica o executivo. no mundo. No Brasil, o orçamento para cana-deA Novozymes investe US$ 300 milhões em P&D em -açúcar não é revelado pela empresa. Hoje ela tem todas as suas unidades de pesquisa no mundo, o que mais de 100 agrônomos focados em assistência para envolve também as enzimas para o etanol no Brasil. cana, desenvolvendo tecnologia no campo, e uma A divisão da empresa na América Latina representa equipe dedicada exclusivamente à pesquisa com 10% do faturamento global da empresa, que foi de transgênicos. As parcerias com universidades se US$ 2 bilhões em 2012. Hoje são 11 profissionais tra- estendem à Universidade Estadual Paulista (Unesp), balhando diretamente com pesquisa no Brasil, dois à Esalq/USP, que ajudam a validar as tecnologias, e doutores e os demais com mestrado. E uma parceria também ao IAC, na parte de variedades, por meio com a Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde de um projeto conjunto para o aperfeiçoamento são realizados testes com enzimas. Outra empresa de metodologias para o melhoramento e a transque se voltou mais atentamente para as pesqui- formação da cana. n pESQUISA FAPESP 208  z  61


ENGENHARIA DE MATERIAIS y

Embalagens sofisticadas Setor investe em inovação para oferecer produtos com mais qualidade, segurança e conveniência para o consumidor Yuri Vasconcelos

U

62  z  junho DE 2013

radiografia do setor Indústria nacional de embalagem gera 223 mil empregos e fatura R$ 47 bilhões

*Projeção

R$ 46,1 bilhões de Receita líquida em 2012

224,8 mil Empregos gerados em 2012

Lata com fechamento Plus, da Brasilata: sucesso de venda com travamento mecânico e maior proteção do produto

1.100 Empresas aproximadamente

Fonte  Abre / Datamark / IBGE / Brasil Pack Trends 2020 / ITAL

fotos léo ramos  infográficos ana paula campos

ma nova embalagem plástica para o acondicionamento de frutas e hortaliças composta de uma bandeja reciclável e uma base articulada e retornável recebeu no início deste ano o IF Design Award 2013, um dos principais prêmios internacionais de qualidade e excelência em desenho industrial. A concepção e o projeto foram do Instituto Nacional de Tecnologia (INT), do Rio de Janeiro, que recebeu a premiação promovida pelo IF Internacional Fórum Design, organização com sede em Hannover, na Alemanha. A embalagem é uma solução para combater o desperdício que no Brasil gira em torno de 40% das frutas e hortaliças, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). São alimentos que não chegam à mesa do consumidor principalmente porque embalagens inadequadas causam danos e não preservam a integridade desses produtos. As geometrias das bandejas do INT são variadas, resultado do escaneamento em 3D com câme-


6,2%* de Crescimento do setor entre 2011-2016

US$ 498 milhões

2,7%

3,7%

em Exportações

de Participação no faturamento

de Participação

em 2012

da indústria nacional

no mercado global

em 2010

em 2011

US$ 853 milhões

4,1%

em importações

de Participação no faturamento

em 2012

da indústria de transformação em 2010 pESQUISA FAPESP 208  z  63


ras especiais que determina a melhor condição prega quase 225 mil trabalhadores, a maioria nos de armazenamento para os diferentes tipos e segmentos de plástico, papel e papelão, é explicacalibres de frutas contempladas pelo projeto: do por vários fatores, principalmente a melhora do cenário econômico e o aumento da renda da caquis, mangas, morangos e mamões. A base, que se dobra e arma com um simples população, que tem impulsionado o mercado de movimento, facilita a logística, além de reduzir bens de consumo. “A inovação é um fator fundao tempo de montagem em relação às caixas con- mental para o crescimento do segmento”, afirma vencionais. Os tamanhos disponíveis se ajustam Maurício Groke, presidente da Associação Braaos pallets usados no país e na Europa, adaptan- sileira de Embalagem (Abre). Segundo ele, para do a solução tanto para uso no mercado inter- evoluir, as empresas de embalagem que atuam no quanto para exportação. Segundo o designer no país têm usado o design estrategicamente, Luiz Carlos Motta, que coordenou o trabalho, a olhando para o consumidor. “Precisamos deintenção do INT, órgão vinculado ao Ministério senvolver soluções criativas, aperfeiçoando o da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), é fa- design das embalagens e inovando nos processos zer a transferência da tecnologia para indústrias produtivos”, diz. interessadas em produzir as embalagens. “Estamos trabalhando em parceria com indústrias de Evolução produtiva transformação e elas têm a preferência no licen- Uma evidência de que o Brasil está inserido na caciamento”, diz ele. O projeto contou com o apoio deia global de embalagens é a presença de mais da do Fundo Tecnológico (Funtec) do Banco Nacio- metade das 45 maiores empresas de embalagem nal de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e foi feito em parceria com a unidade Embrapa Agroindústria de Alimentos, de Algumas tendências para o futuro Guaratiba (RJ), e do ainda são raras no país, como sistemas Instituto de Macromoléculas da Univerde fácil abertura e sensores capazes sidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). de identificar a origem do produto A inovação do INT é apenas uma das soluções tecnológicas na área de embalagens criadas no país nos últimos anos por empresas e institutos de pesquisa. A lista é extensa e inclui embalagens fabricadas com biopolímeros recicláveis, sistemas de fácil abertura, métodos alternativos de fechamento, filmes plásticos de alta barreira a gases e latas com formatos diferenciados. Em essência, todas visam conferir mais segurança, comodidade e praticidade ao consumidor, além de proteger melhor o produto e minimizar impactos ambientais. O Brasil é hoje o sétimo maior mercado global de embalagens, com receita líquida de R$ 46,1 bilhões em 2012, uma evolução de 30% nos últimos cinco anos. No ranking mundial, o país está atrás apenas de Estados Unidos, China, Japão, Alemanha, França e Canadá. Projeções feitas por consultores especializados indicam que dentro de três anos o país irá ultrapassar o Canadá e a França para assumir o quinto posto. Até lá, é esperado um crescimento médio anual de 6,2%, ritmo superior ao da maioria das nações que encabeçam a lista (ver gráfico na página ao lado). O forte crescimento do setor de embalagens, 1 formado por cerca de 1.100 empresas e que em64  z  junho DE 2013

1 Ploc Off: solução para fechamento de embalagens usadas repetidas vezes, como leite em pó e café solúvel 2 Pack Less: pallet mais leve e reciclável


PRINCIPAIS MERCADOS GLOBAIS Brasil ocupa 5º lugar no ranking mundial e deve subir duas posições até 2016 (em US$ bilhões) ESTADOS UNIDOS

141,4

163,3

2,9%*

CHINA

79,7

116,6

7,9%

JAPÃO

76,3

87

2,7%

ALEMANHA

36,5

FRANÇA

27

30,4

CANADÁ

27

30,8

BRASIL

25

33,8

REINO UNIDO 22,3 RÚSSIA 20,5

3%

42,3

25,4 26

ÍNDIA 16,9 24,5

2,1%* 2,9%

n 2011 n  2016 (Projeção) n  Crescimento médio

anual estimado 2011-2016 *Crescimento conjunto EUA e Canadá Fonte  Datamark / Brasil Pack Trends 2020 / ITAL

6,2% 2,6% 4,9% 7,7%

MAIORES MERCADOS CONSUMIDORES Indústrias de bebidas e alimentos são as principais usuárias de embalagens no país em 2011 (em toneladas e US$ milhões)

Indústria

Volume

Consumo

Bebidas 3.270 11.486 Alimentícia

3.125 13.665

Higiene e cosméticos

421

1.847

Limpeza 668 1.670 Farmacêutica

202 223

Fonte  Datamark / Brasil Pack Trends 2020 / ITAL

do mundo no país. “Esse dado confirma o bom nível tecnológico das embalagens que atuam no país”, diz a engenheira de alimentos Claire Sarantópoulos, pesquisadora do Centro de Tecnologia de Embalagem (Cetea) do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), de Campinas, órgão vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Apesar disso, a variedade de embalagens encontrada no Brasil, segundo a pesquisadora, ainda é restrita ao perfil do nosso mercado, em que os grandes volumes são de baixo valor agregado. “Temos produtos de alta tecnologia como as latas de alumínio usadas em bebidas, filmes plásticos de alta barreira utilizados na conservação de alimentos e garrafas PET com reciclagem pós-consumo. Contudo, algumas tendências para o futuro ainda são raras no país como sistemas mais sofisticados de fácil abertura, embalagens ativas e inteligentes – que controlam os gases e a umidade ao redor de frutas ou incorporam absorvedores de oxigênio para preservar alimentos e bebidas por mais tempo – e outras tecnologias de rastreabilidade, como as etiquetas de identificação por radiofrequência (RFID).” Claire acredita que o setor tem cada vez mais importância para as indústrias de bens de consumo. “O sistema de embalagem é vital para a eficiência da cadeia produtiva, conferindo qualidade e segurança às mercadorias”, diz ela. “A competitividade das empresas está em grande medida associada à otimização e inovação de suas embalagens.” Foi do Cetea a coordenação de um projeto do programa Consórcios Setoriais para Inovação Tecnológica (Consitec) financiado pela FAPESP. O Consórcio Associativo para Promoção da Pesquisa Tecnológica no Setor de Embalagem, coordenado pelo diretor do Ital, Luis Fernando Ceribelli Madi, foi realizado entre 2003 e 2010, e teve o objetivo de fomentar o desenvolvimento tecnológico de embalagens de produtos alimentares, por meio da pesquisa em empresas produtoras e usuárias de embalagem. “O projeto possibilitou a interação com mais de 100 empresas fabricantes e usuárias de embalagens por meio de parcerias em projetos de desenvolvimento tecnológico, assessorias tecnológicas, serviços analíticos e treinamentos”, diz Claire.

fotos  léo ramos

Bem fechado

2

Um exemplo das inovações mais aprimoradas citadas por Claire pode ser visto no portfólio de produtos da Brasilata, uma das líderes nacionais em produção de latas de aço. A empresa lançou em 2004 uma lata para produtos alimentícios em pó, como leite, café e chocolate, com um novo sistema de fechamento. A solução, batizada de Ploc Off, ganhou vários prêmios no país e no exterior, entre eles o Prêmio Brasileiro de Embalagens na pESQUISA FAPESP 208  z  65


66  z  junho DE 2013

fotos 1 int  2 léo ramos  3 eduardo cesar  4 coca-cola  5 cmdmc / unesp

categoria Alimentos, e foi considerada uma das 10 melhores inovações brasileiras em pesquisa publicada pela revista de negócios Exame. De acordo com a Brasilata, a Ploc Off oferece vedação 30 vezes superior, após a primeira abertura da lata. Essa característica torna a lata indicada para produtos de consumo progressivo, que são usados repetidas vezes, como achocolatados e cafés solúveis. O fechamento, constituído de um lacre e uma tampa plástica, também apresenta custo mais competitivo do que o sistema convencional da lata com selo de alumínio e sobretampa plástica. “O fechamento Ploc Off oferece aos fabricantes uma opção mais competitiva por dispensar o uso da recravadeira no envase do produto alimentício”, afirma João Vicente Tu1 ma, diretor da Divisão Alimentos da Brasilata. A recravadeira é a máPrêmio internacional de desenho industrial quina responsável pepara embalagem de das de minério de ferro e de 6,4 mil lo fechamento de recifrutas e hortaliças toneladas de carvão. Além disso, por pientes metálicos por Menor impacto desenvolvida no INT, ser 100% reciclável, após o consumo meio da operação de do Rio de Janeiro ambiental e a lata de aço retorna à sua condição dobramento das borinicial sem se degradar. das superiores das laredução de peso tas. Embora com tantas vantagens, a Ploc Off Embalagens sustentáveis são pontos ainda está presente em O menor impacto sobre o ambiente poucos produtos. e a produção responsável são aspecessenciais no Outra inovação da tos cada vez mais considerados pedesenvolvimento las empresas na hora de desenvolver empresa, que tem sede em São Paulo e fánovas embalagens. “A sustentabilide embalagens bricas em Pernambuco, dade em toda cadeia produtiva é um Goiás e Rio Grande do caminho sem volta”, afirma Claire, Sul, é a lata com fechado Cetea. Segundo ela, os fabricanmento Plus, destinada tes de embalagens estão investindo ao mercado de tintas. em produtos e processos que econoEm abril deste ano, a mizem energia, diminuam o uso de Brasilata comemorou a marca de 1 bilhão de recursos naturais (água e materiais), reduzam as unidades vendidas do produto. Sua novidade emissões na cadeia produtiva e estendam a vida é o sistema de travamento mecânico, que está útil do produto. A redução do peso das embalapatenteado no Brasil e nos principais mercados gens é uma das principais formas de atuar na internacionais, como Estados Unidos, União Europeia, Japão e China. Até o final do século XX, o mercado de embalagens para tintas usava EVOLUÇÃO DO SEGMENTO PRODUÇÃO FÍSICA latas com o tradicional fechamento por atrito. Receita líquida das empresas de embalagem cresParticipação de cada segmento na Em meados de 1995, a Brasilata surpreendeu o ceu 30% nos últimos cinco anos (em R$ bilhões) indústria de embalagem (2012) mercado ao apresentar esse novo sistema de fechamento, destinado à lata redonda e com vários benefícios. Além de suportar melhor as pressões Vidro Madeira R$ 46,1 internas, choques, pancadas e até mesmo a queda 8,7% 1,8% R$ 44,7 da lata, o fechamento Plus usa menos matéria2012 R$ 42,0 2011 -prima na sua fabricação e oferece maior veloMetal Plástico 2010 26,6% cidade nas linhas de enchimento das indústrias 29,7% R$ 36,7 de tinta. Para o usuário, facilita o uso progressivo R$ 35,5 2009 da tinta, pois garante o fechamento hermético 2008 e a melhor conservação do produto. Segundo Papel, papelão e cartão a empresa, desde o lançamento da lata com o 33,1% Plus, foram economizadas 14 mil toneladas de aço, que significam a redução de 21 mil tonela- Fonte  IBGE / FGV /ABRE Fonte  Abre / IBGE


Indicadores do futuro No estudo Brasil Pack Trends 2020, o Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital) faz o monitoramento de tendências do setor para os próximos anos. Aqui, algumas dessas novas tecnologias EMBALAGENS ATIVAS Elas atuam sobre o produto ou sobre o espaço livre da embalagem com o objetivo de aumentar a vida útil e garantir a segurança microbiológica de bebidas e alimentos. Aditivos podem ser incorporados a plástico, papel, metais ou a uma combinação

2

desses materiais. No caso de embalagens poliméricas, o princípio ativo pode estar associado às suas características intrínsecas. Exemplos: filmes antimicrobianos, absorvedores de oxigênio e de odores e embalagens autoaquecíveis. EMBALAGENS INTELIGENTES Monitoram e dão indicações de frescor, da qualidade e da condição de refrigeração. Conferem maior segurança e também permitem indicar a localização e a rastreabilidade do produto. O processo de detecção e comunicação das informações se dá por meio de indicadores, sensores

3

e transmissores instalados na embalagem. Exemplos: são indicadores de temperatura, stress térmico, deterioração microbiológica, amadurecimento de frutas e localização. BIOPOLÍMEROS O uso de biopolímeros feitos com matéria-prima oriunda de fontes renováveis é uma forte tendência associada ao conceito de sustentabilidade. No processo de reciclagem desse material é gasta menos energia do que 4

na produção de um novo. Exemplos: polietileno da Braskem produzido a partir do etanol de cana-de-açúcar e PlantBottle da Coca-Cola, garrafa plástica produzida com 30% de matéria-prima de fonte renovável. NANOTECNOLOGIA O uso da nanotecnologia em embalagens plásticas e celulósicas pode melhorar suas propriedades – flexibilidade, resistência térmica, barreira a gases etc. –, conferir

diminuição do consumo de recursos naturais. Outra é utilizar matérias-primas renováveis em sua fabricação. Essa é a aposta da Braskem, maior indústria petroquímica do país, que, em 2010, lançou o polietileno verde. Fabricado a partir do eteno obtido do etanol da cana-de-açúcar, essa matéria-prima já é utilizada na fabricação de potes de iogurte, tampas de embalagem cartonadas assépticas usadas para acondicionar leite, embalagens de produtos de higiene e beleza entre outros produtos. O polietileno verde, de acordo com a Braskem, tem balanço ambiental positivo, porque engloba uma cadeia produtiva completa, com até 2,5 toneladas de dióxido de carbono (CO2) retiradas da atmosfera para cada tonelada produzida. O plástico verde da petroquímica é exportado para outros países, sendo que a Europa consome 50% da produção, de 200 mil toneladas por ano. O mercado para o produto é gigantesco, porque o polietileno convencional, fabricado a partir de combustíveis fósseis, é o plástico mais consumido no mundo. O cuidado em desenvolver produtos sustentáveis pode ser percebido também na cadeia produtiva da embalagem. A Pack Less, com sede em Cotia, na Grande São Paulo, por exemplo, inovou ao lançar recentemente um “pallet verde” feito de polipropileno para movimentação de mercadoria. Criada há quatro anos, a empresa, presente em vários países (Argentina, Colômbia, Estados Unidos e Europa) por meio de licenciamentos e joint ventures, investiu R$ 2 milhões no desenvolvimento do produto e em patentes internacionais. Seus pallets, 100% recicláveis, são 10 vezes mais leves do que os correlatos de madeira e ocupam menos espaço dentro dos navios. Por serem mais leves, reduzem o consumo de combustível dos caminhões que transportam as mercadorias até o porto, contribuindo, em última instância, para a redução da emissão de poluentes. “Quando comparado, nas mesmas condições, com o pallet convencional, o Pack Less consome 70% menos energia e emite 90% menos gases causadores de efeito estufa”, contabiliza Rodinei Lapietra, diretor da Pack Less, acrescentando que a empresa possui hoje capacidade para produzir 200 mil pallets por mês. O Pack Less foi criado pelo engenheiro José Roberto Durço, um dos sócios da empresa, e seu desenvolvimento tem apoio da Braskem, animada em dar uma nova utilidade ao polipropileno que produz. n

novas funcionalidades e torná-las mais leves e sustentáveis. 5

Exemplos: embalagens feitas com

Projeto

poliamida acrescida de nanocompósitos

Consórcio associativo para promoção da pesquisa tecnológica no setor de embalagem (nº2001/10784-1); Modalidade Programa Consórcios Setoriais para Inovação Tecnológica (Consitec); Coord. Luis Fernando Ceribelli Madi/Ital; Investimento R$ 452.075,63 e US$ 112.074,53 (FAPESP).

para aumentar a barreira a gases, tintas metálicas usadas em indicadores de variação de temperatura, incorporação de metais em plásticos para atribuir propriedades antimicrobianas.

pESQUISA FAPESP 208  z  67


medicina y

Autópsia digital Um novo injetor de contraste e a compra de uma ressonância magnética de alta potência contribuem para entender as causas de morte Marcos de Oliveira

A

mais célebre representação de uma dissecção humana está num quadro pintado pelo holandês Rembrandt em 1632. Conhecida como Aula de anatomia do Dr. Nicolaes Tulp, a pintura mostra sete circunspectos alunos de medicina olhando o corpo de um assaltante estendido em uma mesa com a parte interna de um dos braços exposta. Ao longo de séculos, a medicina se valeu desse tipo de procedimento retratado por Rembrandt para conhecer o funcionamento do corpo humano e suas doenças, no aprendizado médico e também como um método de verificação, quando necessário, do motivo da morte de uma pessoa. Agora a tendência no mundo é o uso de equipamentos médicos já consagrados, como as tomografias e as ressonâncias magnéticas, para “ver” a causa da morte de uma pessoa sem a necessidade de abrir o corpo. Mas ainda falta uma base científica para esse fim. Um dos estudos

68  z  junho DE 2013

mais ambiciosos nesse sentido está sendo realizado em São Paulo, na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Lá, sob a coordenação do professor Paulo Saldiva, um grupo de pesquisadores está testando em um equipamento de tomografia formas de fazer autópsia com imagem. Para isso, eles desenvolveram com a empresa Braile Biomédica, de São José do Rio Preto, no interior paulista, uma bomba de injeção de contraste por uma artéria na virilha do cadáver, que se espalha em todo o corpo e garante imagens de melhor qualidade. Os pesquisadores esperam dar um salto nos estudos a partir de 2014 com a entrega de um equipamento de ressonância magnética de alto campo magnético, a primeira do hemisfério Sul, que foi comprada com recursos da FAPESP, Secretaria da Saúde do estado e USP, no valor de US$ 7 milhões. “Com a evolução da medicina e a adoção de métodos bioquímicos, biologia

Imagens de corpo inteiro de cadáveres obtidas por tomografia e coloridas no computador


pESQUISA FAPESP 208  z  69

faculdade de medicina / usp


celular e molecular e métodos de imagens, a autópsia passou a ser algo antigo, mesmo na especialização de médicos”, diz Saldiva, que é chefe do Departamento de Patologia da FMUSP. “Autópsia dá muito trabalho, ela pode levar até três dias para ser concluída e é mal remunerada”, afirma. Ele esclarece que a autópsia médica que tem um decréscimo no mundo é a de “morte morrida”, e não de “morte matada”. É diferente da medicina legal que trata de óbitos por causas violentas como tiros e facadas, por exemplo. Nesses casos é preciso que o corpo passe pelo Instituto Médico Legal (IML) para que o médico-legista, normalmente formado também em academias de polícia, possa fazer laudos para a investigação criminal e o processo legal. “A autópsia médica trata de pessoas encontradas sem vida em casa 1 Reconstrução tridimensional ou na rua, ou que chefeita a partir de gam a um pronto-souma tomografia. corro já mortas, por Em vermelho, exemplo, e os médios órgãos e, em tons de branco a cos não sabem a caucinza, ossos e o sa para preencher o contraste injetado atestado de óbito”, nas vasos explica Saldiva. 2 Imagens do

Os estudos com autópsia digital são ambiciosos, não só pelos novos equipamentos que serão anexados à Faculdade de Medicina, mas também porque a USP é a mantenedora do Serviço de Verificação de Óbitos da Capital (Svoc), que está vinculado à universidade desde 1939 por decreto estadual. Esse serviço é que recebe todos os casos para autópsia médica do município de São Paulo. “É o maior serviço de autópsia médica do mundo. Não existe outro vinculado a uma universidade e o Svoc é um órgão como o Museu Paulista ou o Instituto de Medicina Tropical, todos ligados à USP. Então, as pessoas que morrem em São Paulo e não têm atestado de óbito são trazidas para cá.” Por ano são realizadas mais de 13 mil autópsias no Svoc e muitos estudos são realizados ali, sempre com a aprovação de familiares ou em indigentes ou corpos não reclamados pela família, que no ano passado, por exemplo, chegaram a 194. “Portanto, temos todas essas autópsias à mão e podemos avançar nossos estudos e trazer novos conhecimentos, além de contarmos com a colaboração de todos os departamentos da Faculdade de Medicina. Hoje existem dúvidas quanto ao papel da autópsia como conhecimento científico. Queremos provar com as novas técnicas incorporadas à autópsia que ela é muito útil”, diz Saldiva.

“Queremos provar com as imagens que a autópsia ainda é muito útil e pode trazer novos conhecimentos”, diz Saldiva

coração

descobrir discordâncias

1

70  z  junho DE 2013

Em um artigo científico publicado na revista The Lancet em 2012, um grupo da Universidade de Oxford, Inglaterra, apresentou um estudo em que foram analisados 182 casos com tomografia computadorizada e ressonância e sem a realização de biópsia. “Nós temos condições, com o apoio do Svoc, de fazermos mil autópsias com imagens e biópsias por ano. Podemos fazer autópsia minimamente invasiva e autópsia convencional no mesmo corpo. “Acreditamos que a minimamente invasiva é melhor que a convencional para algumas situações, e em outras não. Poderemos definir os casos e saber onde funciona e onde não funciona.” As bases científicas do estudo com imagens só estão estabelecidas para mortes violentas. As autópsias com imagem surgiram na medicina legal e teve a Suíça como um centro de desenvolvimento nessa área. “É possível mostrar lesões, hematomas, fraturas e onde o tiro pene-


imagens faculdade de medicina/ usp

trou e qual foi a trajetória da bala sem abrir o paciente e mostrar as imagens para o juiz e o júri.” A autópsia médica, segundo Saldiva, serve primeiro para determinar a causa de morte de uma pessoa. Depois é possível verificar a doença de base, saber o que levou a pessoa a óbito. Também é possível saber se o tratamento foi adequado e se houve complicações terapêuticas. “Há espaço para controle de qualidade hospitalar”, diz. Saldiva lembra de um estudo realizado no Massachusetts General Hospital, nos Estados Unidos, que analisou autópsias comparando a concordância e discordância de casos de mortes nos últimos 30 anos, e verificou que em 10% houve erros graves, que interferiram no óbito das pessoas. “No hospital da Universidade Harvard foram encontrados 11% de erros e no Hospital das Clínicas de São Paulo, 15%. Lógico que existe um viés de seleção para a autópsia de casos mais complicados e talvez aponte mais erros que o normal”, diz. “Do ponto de vista da pesquisa, a contribuição da autópsia é inimaginável. Para análise de cérebros, em relação a doenças relacionadas com a velhice, como o mal de Alzheimer, é importantíssimo porque não dá para fazer biópsia desse órgão de pessoa viva.” Nesse sentido, ele acredita que a nova ressonância vai contribuir para a escolha e análise de tecidos cerebrais para o banco de cérebros que está sendo montado na USP. Mas Saldiva quer ir mais longe. Ele quer mostrar e relacionar as mortes em cada região da cidade de São Paulo. “Se tiver uma concentração de mulheres jovens com câncer de mama em determinada região da cidade é possível detectar. É uma forma de avaliar a relação entre genoma e meio ambiente”, diz. Ele imagina colher os dados dos 13 mil óbitos e estudar os hábitos de cada um, saber o que eles comiam e mapear as doenças, principalmente as relacionadas a poluição do ar. Na prática, os estudos na Faculdade de Medicina atingiram uma qualidade importante com a bomba de injeção do contraste que é constituído por iodo e polietilenoglicol, um produto viscoso. “Nós tínhamos a indicação de uma máquina na Suíça que custava € 100 mil, mas a solução de contraste era muito cara e deveria ser importada. Aí falamos com o Domingo Braile [médico cirurgião e um dos donos da Braile Biomédica, ver Pesquisa FAPESP nº 176] e ele colocou a equipe dele a nossa

2

A bomba de injeção de contraste desenvolvida pela Braile vai funcionar com o novo equipamento de ressonância disposição”, diz Saldiva. “Nós adaptamos a máquina de circulação extracorpórea que produzimos para uso em cirurgias cardíacas ou de pulmão para que ela possa injetar a solução de contraste. Adicionamos alguns controles, principalmente em relação ao fluxo do líquido que deve ser bem dosado para não romper acidentalmente algum vaso”, diz Marcos Vinicius, engenheiro eletrônico e superintendente de testes da Braile. blindagem especial

A injeção do contraste permite não apenas melhores imagens como também saber se há rompimentos em veias e artérias. “O equipamento possibilita desenvolver funcionalidades que os nossos projetos requerem com muita habilidade e flexibilidade”, diz o professor Luiz Fernando Ferraz da Silva, do grupo de Saldiva. A tecnologia nacional apresenta outra vantagem, que é a produção de um software personalizado para a pesquisa. A empresa e a USP analisam a possibilidade de elaboração de um pedido de patente para o equipamento que deve custar, quando finalizado, de R$ 100 mil a R$ 150 mil. A bomba de injeção também está sendo preparada para funcionar com a ressonância magnética que será instalada em

um conjunto de salas no subsolo da Faculdade de Medicina. O gerenciamento do dia a dia da instalação das salas e dos equipamentos está a cargo do professor Silva, que explica ser necessário uma forte blindagem com 400 toneladas de ferro em volta da sala de ressonância para conter o alto campo magnético emitido. A blindagem é necessária porque sem ela pessoas com próteses metálicas e marca-passos podem ter problemas ao passar muito perto da máquina. A ressonância tem um campo magnético de 7 teslas (T). “As de uso clínico, usadas em hospitais, por exemplo, têm 3 teslas”, afirma. “Nós íamos comprar uma de 3 teslas, mas por solicitação do pessoal da radiologia compramos a mais apropriada para uso em pesquisas”, diz Saldiva. “Somente Alemanha, Estados Unidos, Inglaterra, Japão, Suíça e França possuem esse tipo de ressonância que não tem aprovação ainda para uso em exames clínicos”, diz Silva. n

Projeto Plataforma de imagem na sala de autópsia (nº 2009/ 54323-0); Modalidade Programa Equipamentos Multiusuários; Coord. Paulo Hilário Nascimento Saldiva/ USP; Investimento US$ 3.000.000,00 (FAPESP), US$ 3.000.000,00 (USP), US$ 1.500.000,00 (Fundação Faculdade de Medicina) e R$ 3.000.000,00 (USP).

pESQUISA FAPESP 208  z  71


Engenharia biomédica y

Mobilidade ampliada Sistema permitirá a portadores de paralisias graves comandar cadeira de rodas com músculos da face Evanildo da Silveira

I

ndispensável para pessoas que apresentam dificuldade de locomoção, a cadeira de rodas evoluiu muito nas últimas décadas desde que nas ruas eram vistos apenas modelos movidos a mão – hoje são comuns as cadeiras motorizadas, controladas por joysticks. Agora uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) em parceria com colegas da Universidade de Lorraine, na França, e paralelamente a vários outros grupos de pesquisa ao redor do mundo buscam colocar esse meio de locomoção em um novo patamar tecnológico. A equipe trabalha no desenvolvimento de um sistema que tornará possível o controle e o comando de uma cadeira de rodas por meio de sinais elétricos gerados pelos músculos e pela atividade cerebral, para ser usado por pessoas com paralisias tão graves que não conseguem mover sequer um joystick. O grupo brasileiro, liderado pelo engenheiro Alcimar Barbosa Soares, do Laboratório de Engenharia Biomédica da UFU, se dedica à definição das tecnologias de detecção e processamento dos sinais de controle musculares ou neurais e também à construção de ambientes de realidade virtual e aumentada. Os franceses trabalham no desenvolvimento do controle e navegação das cadeiras de rodas inteligentes e colaboram com a equipe da UFU na criação de sistemas virtuais para treinamento.

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Segundo Yann Morere, da Universidade de Lorraine, a principal vantagem da parceria é reunir competências complementares. “O pessoal da UFU é especialista em aquisição e análise de sinais humanos e em realidade virtual e aumentada”, diz. “E nós, em cadeira de rodas, dispositivos comunicadores, robótica móvel e tecnologia assistiva.” Soares conta que, quando o trabalho começou, eles tiveram que escolher qual seria a melhor forma de desenvolver uma cadeira com as especificações e potencialidades necessárias para o projeto. Eles deveriam construir uma cadeira do zero ou usar uma comercialmente disponível? A opção, visando facilitar a transferência de tecnologia, foi selecionar uma cadeira comercial com a maior quantidade de sensores e sistemas que atendesse aos requisitos preliminares da equipe. Os primeiros estudos que resultaram nesse projeto começaram há quatro anos, como desdobramento de uma parceria entre os grupos de pesquisa brasileiro e francês para desenvolvimento de tecnologias de comunicação aumentada destinadas a pessoas com deficiências neuromotoras. Elas fornecem suporte em comunicação alternativa, mobilidade, acessibilidade e domínios cognitivos, por exemplo. Soares conta que naquela época os dois grupos iniciaram um trabalho para possibilitar que pacientes com esclerose lateral amiotrófica (ELA) em estágio avançado –

que perderam o controle de praticamente todas as funções motoras, inclusive de fala – pudessem se comunicar por meio de software especialmente criado para eles. O físico inglês Stephen Hawking, por exemplo, é portador dessa doença degenerativa que paralisa todos os movimentos de suas vítimas ao longo dos anos. O projeto foi financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e pelo Comitê Francês de Avaliação da Cooperação Universitária com o Brasil (Cofecub, na sigla em francês de Comité Français d’Evaluation de la Coopération Universitaire avec le Brésil). navegação segura

Trabalhar no desenvolvimento de sistemas de controle de cadeiras de rodas para melhorar ainda mais a vida desses pacientes foi uma sequência natural das pesquisas. “Nosso objetivo agora é criar um dispositivo de locomoção com um grau de inteligência embarcado que permita comandos cerebrais ou neuromusculares e navegação segura e eficiente”, diz Soares. “Esperamos ter os primeiros equipamentos com controle neuromuscular à disposição dos pacientes em cerca de dois ou três anos.” A ideia é que, nesta primeira fase, o usuário controle a cadeira com os sinais elétricos gerados pelo movimento dos músculos da face. Posteriormente, as pesquisas migrarão para controle por sinais


Como funciona a nova cadeira Contrações musculares são transformadas em movimento

1

sinais neuromusculares Sensores fixados no rosto captam pequenas alterações químicas na superfície da pele quando um músculo se contrai ou determinada região do cérebro torna-se mais ativa. Se o usuário mexe o masséter direito, por exemplo, a cadeira move-se para a direita

2 Sensor

processamento dos sinais O sinal captado pelo sensor é amplificado e filtrado por um equipamento que fica junto ao corpo do cadeirante. Depois o sinal é digitalizado e processado

ilustração alexandre afonso

em um computador portátil que roda um software de processamento

Motor

3

movimentação da cadeira O software de processamento decodifica as informações transmitidas pelos sensores e envia comandos para os circuitos elétricos da cadeira de rodas, acionando o motor, que realiza o movimento desejado

fonte  alcimar soares / ufu

Realidade virtual permite que usuário no Brasil tenha a sensação de se mover com a cadeira em laboratório francês

cerebrais. O primeiro passo é procurar um músculo na pessoa com paralisia grave que ainda funcione minimamente, ou seja, que tenha uma pequena capacidade de contração. “Então colocamos na região sensores de superfície que captam os sinais da atividade elétrica associada à contração muscular”, explica Soares. “Esses sinais são enviados a um computador para serem processados e transformados em comandos para a cadeira de rodas.” músculos em ação

No caso de pessoas com paralisia cerebral ou portadoras de ELA em estágios avançados, mas que ainda tenham os músculos da face funcionais, por exemplo, podem-se convencionar alguns comandos. “Uma mordida usando os dois masseteres [músculos da mastigação] pode representar a ordem para que a cadeira vá

para a frente”, exemplifica Soares. “Uma mordida mais forte do lado esquerdo pode significar que a cadeira deve virar à esquerda. E assim por diante.” Para que isso ocorra, o paciente precisa ser treinado para dominar esses comandos. “Estamos desenvolvendo também sistemas de realidade virtual e aumentada – mistura de imagens reais com objetos virtuais – que propiciam a operação da cadeira de rodas real em um ambiente virtual e, portanto, mais seguro”, conta Soares. “Sensores conectados à pele dos usuários captam os comandos neuromusculares, enviados para controlar a cadeira de rodas.” Eletrodos conectados ao corpo do paciente em uma sala aqui no Brasil captam os sinais, que são processados e transformados em comandos e enviados, via internet, ao laboratório na França. Lá, eles são transformados em sinais de controle da cadeira de rodas real, que se movimenta sozinha pelo laboratório. “A cadeira, por sua vez, possui câmeras que captam as imagens, transmitidas para o Brasil e projetadas na tela de um computador à frente do paciente ou em óculos especiais para projeção de imagens 3D”, explica Soares. “Assim, o usuário pode ter a sensação de se mover pelo laboratório francês, como se lá estivesse.” Morere diz que eles também pretendem estabelecer parâmetros de uso da cadeira de rodas para cada usuário, como velocidade e aceleração máximas, zona morta em torno da posição central do joystick e atraso de partida. “Também queremos experimentar novas funcionalidades com segurança completa, mas sem as limitações dos materiais pesados utilizados nos protótipos de cadeiras de rodas inteligentes.” Embora exista um grande número de pessoas em todo o mundo com níveis de deficiência motora que impedem a locomoção e até a utilização de cadeiras de rodas convencionais, os dois grupos ainda não fizeram uma avaliação do mercado potencial para os equipamentos que estão desenvolvendo. Mas o trabalho deverá ir adiante. Eles já realizaram testes com um voluntário e o resultado foi animador. “Neste momento dominamos o desenvolvimento de sistemas de controle por meio de sinais neuromusculares”, diz Soares. “Estamos iniciando agora as pesquisas para desenvolvimento de interfaces cérebro-máquina que permitam o controle ‘mental’ da navegação dos equipamentos.” n pESQUISA FAPESP 208  z  73


humanidades   big datay


A arca humana num

dilúvio de dados Encontro discute potencial da eScience e afirma papel importante das humanidades Carlos Haag

ilustrações  nelson provazi

P

ara alguns cientistas, o nó górdio no desenvolvimento de suas teorias é que elas superam os dados e as novas ideias não podem ser testadas por falta de instrumental ou de tecnologia. Para outros, como os pesquisadores da genômica ou da astronomia, a angústia vem justamente da abundância: a reunião de dados é tão rápida que excede a capacidade de analisar, validar e guardar as informações. Para lidar com esse dilúvio de informações é que está surgindo a eScience, que pretende aumentar a capacidade de análise de grandes volumes de dados gerados por projetos de pesquisa por meio da criação de softwares capazes de dar conta das informações coletadas. No mês passado, a FAPESP e a Microsoft promoveram em São Paulo o Latin American eScience Workshop 2013 para discutir o avanço desse instrumental. “Os telescópios espaciais, como as máquinas de sequenciamento genético e aceleradores de partículas estão gerando um volume de dados até então nunca visto. Para lidar com esse fenômeno e permitir que os cientistas possam manipular e compartilhar os dados precisamos

de uma série de tecnologias e ferramentas da ciência da computação que possibilitem fazer ciência de forma melhor, mais rápida e com mais impacto”, explica Tony Hey, vice-presidente da Microsoft Research. “Temos grandes expectativas em relação à eScience. Se soubermos usá-la adequadamente ela poderá trazer grandes avanços não só em pesquisas, mas na própria maneira de fazer ciência”, diz Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP na abertura do workshop, quando avisou que a instituição pretende lançar em breve um programa para apoiar pesquisas em eScience. “Temos a clara convicção de que um papel importante da FAPESP é estar na vanguarda da inovação e do conhecimento e consideramos muito importante o apoio à pesquisa em eScience, cuja aplicação em áreas como as de meio ambiente é inequívoca, mas também tem um grande potencial de utilização nas ciências humanas, por exemplo”, afirma Celso Lafer, presidente da FAPESP. Prova disso é que o workshop foi encerrado com a palestra do historiador Chad Gaffield, presidente da Social Sciences and HupESQUISA FAPESP 208  z  75


manities Research Council of Canada (SSHRC), para quem a grande questão da era da tecnologia é saber o que nos faz humanos. Para os especialistas o Brasil não pode ficar de fora desse movimento que pretende transformar as práticas de pesquisa pelo pensamento computacional, com instrumentos científicos movidos por computadores que farão deles amplificadores universais. A ideia pode não parecer tão nova: basta lembrar de Darwin e de sua rede de correspondentes. Mas se no passado os cientistas trabalhavam sós ou com poucos colaboradores, a ideia é que eles possam, a partir de agora, compartilhar projetos com centenas de colegas em qualquer lugar do planeta em redes internacionais de colaboradores.

A

presença de um grupo de 54 estudantes de pós-graduação oriundos da Europa, América do Norte, América Latina (Brasil inclusive), Ásia e África deu um ar jovem e globalizado à plateia do workshop. Os alunos, em geral mestrandos ou doutorandos, foram escolhidos entre 240 candidatos de todo o mundo que participaram do processo de seleção do evento. A bioinformata indiana Angana Chakraborty, que faz doutorado no Indian Statistical Institute, em Calcutá, por exemplo, trabalha no desenvolvimento de novos algoritmos capazes de explorar a “inteligência” das máquinas para acelerar o processo de análise de sequências genéticas. Pesquisas como essa, nota Hey, mostram que será preciso reestruturar a cultura científica para integrar ciências biológicas, físicas e sociais com engenharias, num movimento interdisciplinar de reunião de criação e uso de conhecimento. Em meio a todo esse movimento, nota o pesquisador, é preciso também refletir sobre as questões como ética, privacidade e segurança cibernética. “Avanços importantes nas ciências precisam ser colocados num contexto social maior pelas humanidades e pelas artes”, observa Hey.

76  z  junho DE 2013

Na palestra Big Data, Digital Humanities and the New Knowledge Environments of the 21st Century, o canadense Chad Gaffield defendeu justamente a centralidade das ciências humanas nesses novos tempos, já que elas seriam as responsáveis pelas ideias, métodos e profissionais que impactam nas indústrias cujo input primário de conhecimento vem das chamadas “ciências duras”. “O novo modelo de inovação integra invenção tecnológica num contexto social e, com isso, aumenta a necessidade e o valor de pesquisa sobre grupos individuais e sociedades”, explica o pesquisador. Para o historiador, entender tecnologia é compreender o pensamento humano e o seu comportamento, porque fazemos o que fazemos e o que nos faz mudar ou permanecer os mesmos. Segundo ele, as pesquisas mostram que a tecnologia não é apenas outra ferramenta, ao contrário do que Bill Gates disse uma década atrás. Tecnologias e culturas se misturam e interagem para determinar o crescimento econômico e a competitividade, a coesão social e o engajamento, bem como a qualidade de vida. Gaffield avisa que, como sociedade, devemos reconhecer que temos o dever de entender as implicações sociais e humanas de nossas descobertas, mesmo que essas pareçam ser primariamente científicas ou tecnológicas. É preciso entender os impactos da inovação seja em questões éticas, como o uso de células-tronco, ou de comportamento humano, como no caso da crise econômica recente, fruto de escolhas individuais, financeiras e governamentais. “Reconhecer essa complexidade é perceber que a construção do futuro não é mais uma questão de pílulas mágicas, drogas milagrosas, arranjos tecnológicos e soluções fáceis. O significado de uma tecnologia agora depende das relações com o meio a que ela se liga. A sociedade importa e a tecnologia depende do contexto que traz significado a novas formas de fazer as coisas”, diz o historiador.


Assim, afirma ele, a economia da internet não pertence mais aos construtores da estrutura que possibilitou a era digital. A tocha foi passada adiante: o futuro agora pertence, ao menos igualmente, aos que usam a tecnologia, às pessoas criativas, aos provedores de conteúdo, aos servidores, a todos que aprenderam a pegar imagens, sons, ideias e conceitos e dividi-las digitalmente. “Basta ver as colaborações interdisciplinares de filósofos com biólogos, engenheiros e artistas para interpretar as dimensões éticas, legais e estéticas das tecnologias biomédicas; geógrafos em conjunto com demógrafos e economistas repensando políticas públicas para a agricultura; empresários identificando questões críticas a serem pesquisadas por estudiosos do desenvolvimento sustentável”, lembra Gaffield.

O

canadense, então, propõe uma nova forma de se pensar a era tecnológica em que vivemos. “Uma nova maneira de entender essas mudanças profundas por que passamos é repensar o que é ser humano”, afirma. Para que as ciências humanas deem conta dessa tarefa elas também precisam estar adequadas aos novos tempos. Gaffield defende que é preciso redefinir o ensino e a pesquisa. Nos programas que ele desenvolve com seu grupo estão sendo abandonadas as velhas distinções entre pesquisa pura e aplicada e de pesquisa estratégica e aquela presumidamente não estratégica. Eles também rejeitam qualquer hierarquia de tipos de atividade de pesquisa em termos de prestígio ou importância. O mesmo vale para a expansão da contribuição acadêmica para além da ênfase familiar nos artigos em revistas acadêmicas ou livros, para incluir formas diversas de mobilizar o conhecimento dentro e para fora do campus. Segundo o pesquisador, a pesquisa deve ser redefinida de uma epistemologia da especialização para “múltiplas epistemologias”: as humanidades digitais estão se perguntando agora como é possível interpretar 1 milhão de livros. Até pouco tempo atrás, nota Gaffield, os estudiosos das humanidades achavam que compartilhar o seu conhecimento com não especialistas era um rebaixamento. Os acadêmicos de hoje reconhecem que a comunicação efetiva para além de grupos especializados é um desafio retórico complexo. Os novos professores estão se especializando no uso das possibilidades da era digital. Assim, além de escrever para colegas e para alunos, mais e mais acadêmicos agora proveem o público com conteúdo de cursos on-line, podcasts e mídias sociais para difundir informação, estimular o debate e fazer avançar o conhecimento e o saber. No futuro, acredita o pesquisador, os estudantes não verão mais uma linha divisória entre tra-

balhar com humanidades ou tecnologia. Como resultado das novas redes e acesso à informação, a graduação está rapidamente se transformando num grau de pesquisa, ao menos nas universidades que querem preparar Para os seus estudantes para os desafios Chad Gaffield, deste século. Para ele, até recentemente o fluxo uma das formas global dominante era de mão única, com antigas colônias e países em de entender desenvolvimento olhando para os centros cosmopolitas para liderar a nova era da esforços de pesquisa e educar os seus tecnologia é melhores estudantes. Agora as correntes são multinacionais e não clapensar o que ramente distribuídas. Os líderes das antigas instituições de prestígio sanos faz humanos bem que estas podem ficar para trás. Ao mesmo tempo novos talentos e o desenvolvimento de conhecimento em outras regiões podem ajudar na construção de sociedades na nova era que não estejam sujeitas ao velho circuito do saber. Em outras palavras, para Gaffield, a internacionalização da educação e da pesquisa se transformou na característica central das estratégias nacionais do século XXI. O pesquisador ressalta a observação feita no OECD Global Science Forum Report on Data and Research Infrastructure for the Social Sciences 2012, intitulado New Data for Understanding the Human Condition: “As agências nacionais de amparo à pesquisa precisam colaborar internacionalmente para dar recursos aos pesquisadores a fim de propiciar o potencial necessário e desenvolver novos métodos de compreender as oportunidades e limitações oferecidas pelas novas formas de dados e tecnologias para dar conta de importantes áreas de pesquisa”. Entre os temas fundamentais, insiste Gaffield, está a descoberta do que nos faz humanos. “Esta é a questão que nunca foi respondida adequadamente e que está no centro desta nova era em que vivemos”, avisa. n

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educação y

Nada se perde, tudo se transforma Uso de uma história da ciência atualizada seria a melhor forma de aproximar alunos do entendimento da química

léo ramos

S

egundo o relatório Químicos BR: demandas e desafios para o século XXI, editado pela Sociedade Brasileira de Química (2012), entre 2000 e 2010, os cursos superiores de química passaram de 96 para 230. O detalhe notável é que, dentre esses, 70% são cursos de licenciatura. Haverá um crescimento expressivo de diplomados em química nos próximos anos, mas não se sabe se o necessário para suprir as demandas do parque industrial, porque a grande maioria sairá para trabalhar como professor e não na indústria. Nesse caso, fica uma pergunta: teremos bons educadores, capazes de criar bons profissionais que supram as carências tecnológicas futuras do país? “Há aspectos preocupantes quando se consideram as demandas educacionais em uma economia que cresce e traz muitas expectativas, já que o ponto mais vulnerável da cadeia de formação de profissionais químicos é o ensino fundamental e médio”, observa Vanderlan Bolzani, do Instituto de Química de Araraquara da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (IQ-Ar-Unesp). “Outra questão que se faz hoje de norte a sul refere-se à formação em química:

ela hoje é adequada às necessidades da sociedade brasileira? Ela está preparando os profissionais para atuarem num campo inovador e multidisciplinar?”, questiona a pesquisadora. “Isso só vai acontecer quando os estudantes tiverem ideia da complexidade da química e, especialmente de sua essencialidade para o desenvolvimento sustentável, tão propalado. Os professores devem entender que o objetivo não é só ensinar conteúdos, mas ajudar esses alunos a entender o que um conhecimento científico tem de característico e que o fez ser valorizado a ponto de ser incluído na educação básica para a cidadania”, explica Paulo Alves Porto, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo. A estrada desse percurso passaria pela história da ciência, como ele propõe no projeto Explorando interfaces entre a história da ciência e o ensino da química, apoiado pela FAPESP. Para Porto, a análise do processo histórico do desenvolvimento da ciência pode ajudar o aluno a dar significado ao conhecimento químico, ao fazê-lo entender as questões que motivaram a proposição de conceitos e o olhar caracterís­ tico que o químico tem sobre a realidade.

distribuição dos cursos Cursos de química e sua distribuição por interesse, região e esfera de ensino Capital Interior

38

192

Licenciatura Bacharelado

71

159

Privada

81

Pública

149

fonte sbq

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Um levantamento da imagem da química nos séculos XX e XXI, e de que forma isso impacta no ensino da disciplina, pode ser um interessante ponto de partida. Autores como LaFollette, Lazlo, Kovac, Schummer, entre outros, observam que a química, durante os anos 1930, com a ascensão do consumo de novos produtos, foi aceita pragmaticamente pela sociedade. Entre 1950 e 2000, o contexto militar do pós-guerra fez com que, de benfeitores da humanidade, os químicos virassem os grandes responsáveis pela degradação ambiental. A sociedade leiga igualmente passou a questionar problemas éticos, como pesquisas sobre armas químicas, acidentes químicos, poluição ambiental, “efeitos colaterais” negativos (e não intencionais) de produtos químicos. “A desinformação sobre a química pela sociedade em geral mostra que a formação dos químicos deve incorporar análises históricas, filosóficas e sociológicas sobre o empreendimento científico, bem como os valores que o regem. Isso traria reflexões éticas que, unidas à educação, entrariam na prática dos químicos e ajudariam a sociedade a pensar melhor sobre a química”, diz o pesquisador. Porto observa ainda que a adoção da física como ciência paradigmática conduziu a química a um “estatuto subalterno”, sendo vista, erroneamente, como tendo teorias, modelos e modos de pensar menos corretos e importantes do que os da física. Ele, no entanto, ressalta a diferença entre o “fazer química”, que segue suas regras de atuação, e o “ensinar química”, onde é preciso maior reflexão sobre os diversos posicionamentos filosóficos, apresentando aos alunos as controvérsias sobre os temas, mostrando os prós e os contras de cada vertente da história da

Um grande entrave seria a deficiência das publicações disponíveis para o público especializado

ciência química. Um grande entrave, porém, seria a deficiência das publicações disponíveis ao público especializado. “A história da ciência mostrada nos materiais de ensino não reflete o estado atual da história das ciências e se baseia em perspectivas ultrapassadas”, avisa Maria Helena Roxo Beltran, do Programa de Estudos Pós-Graduados em História da Ciência da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), onde desenvolve, junto ao Cesima (Centro Simão Mathias de Estudos em História da Ciência da PUC-SP), o projeto História da ciência e ensino: abordagens interdisciplinares no ensino superior (diagnóstico, formação continuada e especializada de professores), apoiado pela Capes no Programa Observatório da Educação. Para a pesquisadora, a maioria dos textos didáticos ou paradidáticos tem uma

cursos de graduação em química Separação por região e natureza jurídica

n Públicas n Privadas

n Interior  n Capital

120 Sudeste 100 80

48 Nordeste

60

90 40 20 0

Centro-oeste

49

41

22 20 3

5

fonte SBQ

80  z  junho DE 2013

4

12

Norte 13 3

10 5

Sul 17

53 11

19

31 5

visão da história da ciência como a saga heroica do conhecimento com “pais” das ideias científicas. O passado é analisado do ponto de vista do presente e se selecionam as “boas ideias” que se assemelham às atuais numa linha de continuidade. Maria Helena Beltran lembra que, das alquimias, são escolhidas as práticas, muitas das quais chegaram aos dias de hoje, e as explicações simbólicas são deixadas de lado como errôneos devaneios. Logo, a alquimia seria reduzida a uma “química primitiva” e não a um conhecimento legítimo e valorizado em sua época. No outro extremo haveria uma visão pautada na concepção de que rupturas ou revoluções impulsionariam os conhecimentos, com referencial em Thomas S. Kuhn. Perspectivas historiográficas atuais que preconizam continuidades e rupturas não chegam aos educadores. Segundo ela, seria preciso levar para a sala de aula debates científicos do passado, analisar com os alunos a coerência interna das diversas teorias propostas para se investigar um mesmo fenômeno. Mas, para tanto, é necessária a elaboração de textos e materiais instrucionais, voltados à história da ciência e às interfaces entre história da ciência e ensino, bem como a proposta de cursos de educação continuada e especializada de professores nessas mesmas áreas. Com essas iniciativas, as quais estão em desenvolvimento no contexto do projeto História da ciência e ensino: abordagens interdisciplinares no ensino superior, pretende-se contribuir para a formação de professores de todos os níveis de ensino, na perspectiva interdisciplinar da história da ciência. CONCEITUAIS

Em seu projeto, Paulo Alves Porto verificou que os livros didáticos efetivamente não favorecem a superação de estereótipos e equívocos históricos e conceituais. Segundo o pesquisador, os cientistas tendem a aparecer como “figuras que trabalham isoladas por possuírem uma inteligência exclusiva de uma parcela ínfima da população”. Também as informações históricas presentes nos livros didáticos analisados seriam “ligeiras e superficiais” e as transformações tendem a ser descritas como um processo linear e direto, como se o “conhecimento fosse sendo melhorado com o tempo, sem controvérsias ou rupturas”. Um único experimento é mostrado como capaz de


léo ramos

Livros didáticos não favorecem a superação de estereótipos do cientista genial e solitário “derrubar” uma teoria, levando imediatamente a outra, verifica Porto. “Há relatos escassos e raros da contribuição de uma comunidade científica. No geral, um cientista consegue fazer tudo sozinho”, observa o historiador. Um exemplo é o modelo de Thomson que, segundo os textos, “teve” que ser substituído pelo de Rutherford. Nos livros didáticos, em geral, não se menciona, fala Porto, que havia vários outros modelos atômicos em discussão, incluindo-se outros “nucleares” anteriores ao de Rutherford. Como curiosidade, a célebre analogia do “pudim de passas”, tão repetida nos livros, é totalmente inadequada para representar Thomson, já que o seu modelo não descrevia elétrons estáticos distribuídos aleatoriamente, mas movendo-se em anéis concêntricos dentro da esfera positiva. Como a profissão docente tende a ser desvalorizada, nota o professor, profissionais de outras áreas, sem qualificação para o ensino, podem assumir a função

pedagógica e o professor leigo não tem ideia por que ensina os conteúdos que ensina, nem a razão por que um dado livro é adotado. Mesmo os professores de cursos específicos nem sempre analisam o material que usam: por isso o livro didático acaba se transformando no material didático mais importante dos cursos de química do ensino médio. “A trajetória dos livros didáticos no Brasil reflete, de certa forma, o modo de se pensar a química no país”, afirma Porto. Nos anos 1950 e 1960, os americanos tomaram conta do que se usava para ensinar química no nível superior. O espírito desses livros era formar profissionais mais criadores e menos reprodutores. As áreas valorizadas eram a pesquisa, desenvolvimento e operação, enfatizando a matemática e a física com especial atenção na resolução de problemas. O pós-guerra havia feito da química uma matéria “glamurosa” que prometia empregos e o progresso do país. MOLECULAR

Com a redução do conteúdo descritivo dos cursos introdutórios, cresceu a aproximação com os conceitos de física. Aos poucos, os livros americanos utilizados no Brasil se voltaram para os muitos alunos que não viam a química como objetivo, mas como meio para uma engenharia, medicina etc. “Por outro lado, alguns pesquisadores em ensino de química desconstruíram a divisão clássica das subáreas da química que seriam respon-

sáveis por um ‘paroquialismo’ que dificultaria o reconhecimento da química como uma ciência de interfaces”, nota o pesquisador. Os livros voltaram, então, a mostrar as relações entre a química e outras áreas de interesse e cresceram as ilustrações referentes ao “cotidiano” . Os livros passam a depender, cada vez mais, da capacidade dos alunos em acompanhar ou não uma abordagem mais rigorosa. Muitos professores, por exemplo, passaram a rejeitar livros com maior ênfase em tratamento matemático. Para Porto, esse caminho do livro didático mostra o diálogo multifacetado entre a disciplina da química e as forças exercidas pela sociedade de cada época. “A história da ciência permitiria mostrar que o fazer científico envolve conflitos e debates, como ocorre em qualquer outra área da atividade humana. Mas a construção e a análise de possíveis interfaces entre história da ciência e o ensino da química só será possível a partir de diálogos entre historiadores da ciência e educadores. Um diálogo que está apenas começando”, avisa Maria Helena Beltran, que convida para a IV Jornada de História da Ciência e Ensino, a ser realizado de 4 a 6 de julho (www.pucsp.br/ jornadahcensino). n Carlos Haag

Projeto Investigando a presença da história da ciência nos livros didáticos de química (nº 2007/02542-4); Modalidade Linha Regular de Auxílio a Projeto de Pesquisa; Coord. Paulo Alves Porto/USP; Investimento R$ 19.202,88 (FAPESP).

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cinema y

Glauber Rocha com sotaque francês Cineasta baiano e crítica internacional estabeleceram diálogo que ajudou no projeto de internacionalizar o Cinema Novo Agabite Fernandes

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m 1963, o cineasta e crítico Gustavo Dahl, em carta, avisa o colega Glauber Rocha: “O artigo nos Cahiers du Cinéma é muito bom para nós, só fala da turma, de você, do Joaquim do Pedro de Andrade, do Leon Hirzman, e diz que, em potência, nós somos os primeiros cineastas do mundo. Tudo isso me convence cada vez mais que só o Cinema Novo tem elementos para penetrar na Europa. Seria o caso de nos organizarmos e mandar, por conta própria, ou pelo Itamaraty, filmes para todos os festivais, fazer em Paris uma central Cinema Novo, abrir uma frente mundial!”. O estrategista dessa “revolução” de sociabilidade que se estabelecera com a crítica francesa era o cineasta baiano que, desde de 1960, vivia em viagens para a Europa, que culminariam com seu exílio em meados dos anos 1970. “Sem sombra de dúvida, Glauber foi um dos intelectuais brasileiros que mais prestígio obteve na Europa. A aliança entre ele e a crítica francesa é um intercâmbio cultural raramente visto. Vários críticos de revistas especializadas se transformaram, a partir da relação com Glauber, em defensores do cinema brasileiro e os seus veículos em porta-vozes das ideias vindas 82  z  junho DE 2013

do hemisfério Sul”, fala o crítico literário Arlindo Rebechi, professor da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Bauru, que pesquisou o tema em A recepção crítica na França dos filmes Deus e o diabo na terra do sol (1964) e Terra em Transe (1967), de Glauber Rocha, na década de 1960: levantamento documental em arquivos franceses, que contou com apoio da FAPESP. Para Rebechi, a crítica glauberiana deu, com certa razão, uma atenção bastante grande à interpretação dos seus filmes. Mas a história de Glauber como um intelectual e o valor dos seus respectivos escritos ficaram em segundo plano, a não ser por trabalhos isolados de alguns bons pesquisadores. “Minha intenção é contribuir para o mapeamento ainda pouco estudado das relações estabelecidas por Glauber e suas parcerias na França, dando uma ênfase na forma como os seus filmes puderam ser vistos e discutidos num contexto de recepção que centraliza a figura de cineasta como um autêntico agente da sua própria trajetória e um autêntico representante do então dito Terceiro Mundo”, diz o pesquisador.

Othon Bastos em cena do filme Deus e o diabo na terra do sol, de 1964


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Segundo o professor, a documentação inédita levantada na França em arquivos da Bibliotèque Nationale Française e da Cinématèque Française vai complementar a visão que temos do cineasta. “Há uma visão de senso comum do ‘uma câmera na mão, uma ideia na cabeça’, associando Glauber ao artista de improviso, que não pode mais continuar. Embora devamos compreender e interpretar o seu cinema como uma célebre contribuição para a cultura brasileira, é preciso ainda melhor entender seus textos escritos e a dimensão do seu discurso de um intelectual engajado em seu próprio mundo. Reforçar isso é a originalidade da minha pesquisa”, fala Rebechi. Segundo ele, ainda muito pouco se falou da atuação do Glauber na França e da repercussão dos seus filmes por lá. “É algo que alguns poucos, talvez pouquíssimos, pesquisadores estão tentando fazer”, avisa. É um material praticamente de divulgação muito restrita no Brasil. Apenas parte dele pode ser encontrada nos acervos mais especializados no Brasil, já que não há aqui as coleções de periódicos na íntegra. A pesquisa documental em arquivos franceses privilegiou textos de recepção crítica de Deus e o diabo na terra do sol e Terra em transe, pois os filmes alcançaram grande repercussão na França. “Além de dizerem muito sobre os filmes, estes textos dão uma boa ideia das redes de sociabilidade estabelecidas por Glauber Rocha”, afirma 84  z  junho DE 2013

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Rebechi. A partir de agora será possível mapear, com segurança, o percurso desses filmes e os discursos por onde gravitaram suas recepções. “Tanto pelo levantamento das coberturas feitas por veículos maiores, como Positif e Cahiers du Cinéma, como por veículos menores ligados às associações de cineclubes, como é o caso da revista Cinéma e Jeune Cinéma, pudemos ter uma informação mais confiável da recepção desses dois filmes e inferir de modo mais preciso a forma como Glauber atuou e dialogou junto a esses críticos nesses respectivos festivais”, diz o pesquisador. estratégia

Um detalhe interessante é que conhecer a atuação do cineasta nesses festivais também é entender sua estratégia não apenas de se colocar junto aos críticos, mas, como nota Rebechi, de defender o cinema brasileiro mesmo em filmes que não os seus. “Também podemos compreender de que maneira se deu o movimento de internacionalizar o Cinema Novo, o modo programático com que Glauber e seus companheiros sempre estiveram dispostos a levar o movimento para fora das fronteiras brasileiras”, observa o autor. Uma estética da fome, o mais conhecido e emblemático texto do diretor baiano, também indica a disposição programática de seu autor em internacionalizar o Cinema Novo, pois foi escrito para ser apresentado em um congresso sobre

Acima, duas cenas de Deus e o diabo na terra do sol. Ao lado, cena de Terra em transe

cinema latino-americano realizado em Gênova, em 1965. “O texto foi lido em um debate que reuniu importantes cineastas europeus, teve ótima repercussão e meses depois foi publicado na revista Positif e em outras revistas europeias. Se Deus e o diabo consagrou Glauber como cineasta na Europa, com Uma estética da fome ele se afirmou como agitador cultural”, observa o pesquisador. A conjuntura francesa daquela época era bastante propícia à boa receptividade dos filmes de Glauber e do Cinema Novo. A Nouvelle Vague questionava o cinema clássico e suas convenções, abrindo espaço para a discussão de novas linguagens; a independência da Argélia ampliava o debate sobre o colonialismo e o pensamento terceiro-mundista, atraindo intelectuais como Roland Barthes e Edgar Morin, entre outros. Para se ter uma ideia do relevo de Glauber nos debates, basta ler o tom com que um crítico e historiador importante como Georges Sadoul escreveu para o cineasta, em 1963, orientando-o (!) sobre a inscrição em um grande festival: “Você encontrará anexo o regulamento do evento, que terá grande repercussão. No caso, bem entendido, de ser possível de nos enviar uma cópia de Viva a terra an-


tes do dia 30 de março, seria interessante. Se Barravento ainda não foi apresentado antes, faça todo o possível para nos enviar uma cópia a Paris”, pedia o crítico. Detalhe: Viva a terra era o título provisório de Deus e o diabo na terra do sol. “S e m p r e m u i t o consciente do alcance e do impacto dos seus gestos e de sua performance, Glauber assumiu a responsaConjuntura bilidade política por francesa da uma interlocução madura e horizontal com época era muito a crítica europeia, isto é, sem o velho comfavorável aos plexo de inferioridade que tanto nos filmes de assombra”, observa Glauber Rocha Maurício Cardoso, professor do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) e autor de O Cinema tricontinental de Glauber Rocha: política, debate sobre a questão da linguagem, estética e revolução, pesquisa que ana- mas apresentavam nuances. Os críticos lisa o projeto internacional do cineasta de Positif viam Glauber como um grande no exílio. “Incansável e livre, criativo e apoiador latino-americano do cinema intempestivo, Glauber chamou a atenção de ação política, enquanto os Cahiers da intelectualidade francesa e italiana, du Cinéma estavam mais interessados principalmente dos de esquerda, ligados em um tipo de cinema autoral inovador ou não aos respectivos partidos comunis- na forma e feito com poucos recursos tas. A marca fundamental foi a sua capa- financeiros, avalia o professor. cidade de interpretar o cinema como expressão das condições materiais de cada acervo país em suas especificidades culturais, “O trabalho de Rebechi tem o mérito de rompendo com a noção de influência recuperar e organizar um acervo imporou cópia que marcou as relações entre tantíssimo, que pela primeira vez estaas cinematografias do Primeiro Mundo rá disponível aos pesquisadores. Além e as cinematografias dos países subde- disso, ilumina um aspecto menos cosenvolvidos”, continua Cardoso. Para o nhecido da trajetória de Glauber Rocha pesquisador, ele dialogava com Godard, que não pode ser desprezado”, afirma Pasolini e Buñuel, entre outros, como Antonio Dimas, professor do Departaquem dialoga com colegas de trabalho. mento de Letras Clássicas e Vernácu“O pensamento de esquerda estava em las da FFLCH-USP e coordenador da alta e as intervenções de Glauber encon- pesquisa Territórios culturais no Brasil, traram ressonância tanto do ponto de que pretende fazer uma avaliação dos vista temático quanto da linguagem cine- territórios culturais nacionais a partir matográfica”, analisa Rebechi. Segundo de uma perspectiva literária, entre elas o pesquisador, Glauber estabeleceu uma a trajetória ensaística do cineasta baiainterlocução com a imprensa francesa, no. “É uma pesquisa muito valiosa para especialmente junto às revistas de cine- conhecermos em detalhes a riqueza da ma mais influentes: Cahiers du Cinéma trajetória intelectual de Glauber Rocha e Positif. Ambas estavam no centro do – que vai além dos filmes – e as diver-

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sas conformações que ela apresentou”, avalia Dimas. “A aliança entre Glauber Rocha e a crítica francesa indica ao estudioso do cinema brasileiro uma importante seara de estudos: trata-se de um intercâmbio cultural raramente visto, próprio da conjuntura dos anos 1960, tanto por parte da intelectualidade francesa do período como por parte dos intelectuais brasileiros de esquerda, sobretudo os do nosso cinema. Sem sombra de dúvida, essas são sugestões interpretativas que o material recolhido na França já avaliza”, diz o historiador. Agora o objetivo é uma leitura mais fina da documentação levantada, depois da qual Rebechi vai procurar fazer articulações entre elementos da correspondência, da biografia e de outros textos para fazer uma ponte entre a atuação intelectual de Glauber no exterior e sua atuação no Brasil, para entendê-las melhor. “Estabelecer esta ponte é fundamental, pois a rede de sociabilidade internacional que o cineasta construiu está concatenada a uma rede de sociabilidade interna, da qual participaram cineastas e críticos como Paulo Emílio Salles Gomes e Jean-Claude Bernardet, entre outros”, destaca Rebechi. n pESQUISA FAPESP 208  z  85


memória

Saúde em revista

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Primeiros periódicos médicos

ano de 1889 foi singular para a classe médica paulista, com não mais de 100 integrantes distribuídos por todo o estado. Além da proclamação da República, foi criada nesse ano a Revista Médica de São Paulo, o primeiro periódico com temas para serem lidos e debatidos por profissionais da saúde. Até a criação da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, em 1912, surgiram outras 14 publicações que tratavam de assuntos médicos, embora não se furtassem a sugerir rumos que seus redatores achassem indispensáveis para o maior progresso da sociedade paulista. “O poder público e a então nova realidade republicana estabeleceram uma forte relação com os setores de saúde do estado”, diz Márcia Regina Barros da Silva, historiadora da ciência da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP). Rio de Janeiro e Salvador ganharam sua faculdade de medicina ainda em 1808 e editaram periódicos médicos antes de 1889. Só na primeira metade do século houve cinco revistas especializadas em saúde no Rio, a primeira delas de 1827, Propagador das Ciências Médicas. Em Salvador, a Gazeta Médica da Bahia, de 1866, ganhou fama ao divulgar as ideias da Escola Tropicalista Baiana sobre medicina tropical. Mas em São Paulo deu-se o inverso – foram

paulistas começaram a ser publicados no final do século XIX Neldson Marcolin

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O primeiro número da Revista Médica de S. Paulo (1898), Gazeta Clínica (1903) e o Boletim da Sociedade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo (1895)


fotos  1, 2, 3 e 4 léo ramos  5, 6 e 7 biblioteca central da fmusp

as revistas que ajudaram a induzir a criação de um curso superior de formação de médicos. Como não havia um local que congregasse professores e estudantes de medicina, alguns médicos criavam periódicos e discutiam por meio deles. “As revistas traziam artigos que discutiam a profissão, opinavam como deveria ser a formação de um profissional, quais eram as necessidades sanitárias de São Paulo e muitos outros assuntos que fazem parte dos debates acadêmicos”, conta Márcia, que é também presidente da Sociedade Brasileira de História da Ciência. Essas questões apareciam nas revistas ao lado de comunicados e relatos sobre doenças, artigos científicos e traduções que procuravam divulgar novos conhecimentos e avanços da medicina. A Revista Médica de São Paulo (1889-1890), a Revista Médica de S. Paulo: jornal prático de medicina, cirurgia e higiene (1898-1914) e a Gazeta Clínica (1903-1954) foram os três únicos periódicos, dos 15 feitos até 1912, bancados e redigidos por médicos independentes – todos os outros eram ligados às instituições de saúde paulistas. A primeira revista era quinzenal, com

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Luiz Pereira Barreto, na foto da Gazeta Clínica (1923), e Rubião Meira: médicos que escreviam com frequência nas revistas médicas

Apresentação ao leitor do primeiro número do Boletim da Sociedade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo (1895)

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32 páginas, dirigida por Augusto César Miranda de Azevedo, Francisco de Paula Souza Tibiriçá e Luiz José de Mello Oliveira. A segunda tinha como proprietário Victor Godinho, médico do Serviço Sanitário. E a última assinavam como redatores Bernardo de Magalhães, José Prudente de Moraes Barros, João Alves de Lima, Xavier da Silveira e Rubião Meira. Nos últimos 20 anos do século XIX, surgiram algumas instituições que reorganizaram a atenção à saúde em São Paulo. Havia o novo hospital da Santa Casa de Misericórdia (1885), o Serviço Sanitário (1892) e a Sociedade de Medicina e Cirurgia (1895).

Arnaldo Vieira de Carvalho, um dos idealizadores da Faculdade de Medicina e Cirurgia, fundada em 1912

As revistas médicas apareciam – com a exceção das três citadas – ligadas a essas e outras instituições, como a Revista Farmacêutica, da Sociedade de Farmácia, a Coletânea de Trabalhos do Instituto Butantan ou Revista da Sociedade Scientífica de São Paulo, entre outras. Era fácil encontrar nesses periódicos artigos assinados pelos mais importantes médicos da época, como Luiz Pereira Barreto, Adolfo Lutz, Emílio Ribas, Arnaldo Vieira de Carvalho, Vital Brazil e Rubião Meira. Com a criação da Faculdade de Medicina, que seria uma das escolas que dariam origem à USP em 1934, a maior parte das novas revistas médicas e de saúde criadas passou a ser vinculada a algum departamento ou serviço da instituição. Os novos tempos também ensejavam novos veículos, mais especializados, para fazer circular trabalhos acadêmicos e eram onde se podia aprender um pouco sobre as transformações constantes que ocorriam no conhecimento biomédico na primeira metade do século XX. n PESQUISA FAPESP 208 | 87


Arte

A liberdade do boêmio Paulo Vanzolini não fez revoluções na música popular, mas ajudou a fixar o samba urbano paulista Carlos Haag

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uma entrevista, ao ser questionado sobre a sua dualidade de cientista e compositor, Paulo Vanzolini (1924-2013), morto no mês passado, explicou, irritado, que ninguém conseguia fazer só zoologia ou só música em tempo integral. Mas a qual das duas ele dedicava mais tempo, insistiu o jornalista. “Como você acha que eu ganho a vida? Essa é a do zoólogo”, respondeu. “Na verdade, ele gostava é dos seus lagartos. Compor era uma coisa de final de noite, sem grande seriedade, um hobby. Nunca foi músico de levantar bandeiras. Dizia que de conhecimento bastava o da universidade”, diz Luiz Tatit, professor do Departamento de Linguística da Universidade de São Paulo (USP). Para o pesquisador, não se deve buscar um revolucionário do samba em Vanzolini. “Ele adaptou o samba carioca a São Paulo, como o fizeram, em outros moldes, Adoniran Barbosa ou Geraldo Filme. Como ele jamais precisou da música para viver e compor não era sua preocupação central, ignorou todos os movimentos musicais que pas-

Aquarelas de Francisca do Val feitas para a caixa de CDs Acerto de contas, de Vanzolini


saram, bem como as crises que o samba enfrentou. Seu universo era livre e muito particular”, nota Tatit. Para Regina Machado, professora do Instituto de Artes da Unicamp, Vanzolini ajudou a fixar o samba urbano paulista. “Na época em que ele começou não se podia falar num samba de São Paulo, mas no samba carioca rompendo suas fronteiras e chegando até os paulistas e, com essa primeira geração, da qual Vanzolini fez parte, ganhando algumas características próprias”, avalia Regina, autora de A voz na canção popular brasileira (Ateliê). Um dos tons característicos não estava em notas, mas no debate em que os sambistas se inseriram sobre a afirmação da “paulistanidade”. Ao lado do orgulho pelo progresso paulista, o samba mostrava desequilíbrios e outras mazelas da urbanização. “Isso transparece nas letras de Adoniran, que mostram os traços da imigração, ou nas letras mais biográficas de Vanzolini, em sua vivência com donos de bares ou amigos nos ‘inferninhos’, temas que não faziam parte dos sambas cariocas”, observa Tatit. Ao contrário da efervescência do Rio, em São Paulo as rodas de samba eram exclusividade da vida noturna dos bares e boates. “Vanzolini, porém, vai crescer ouvindo o samba nos rádios, em especial Noel Rosa, com quem se identificava. Afinal, Noel trocou a medicina pela música. Mas Vanzolini formou-se e se transformou em cientista e compositor. Para ele sambista não tinha nada a ver com malandro e essa palavra nunca entrou em suas canções. Gostava de dizer que era boêmio e trabalhador”, conta Sonia Marrach, autora de Música e universidade na cidade de São Paulo: do samba de Vanzolini à vanguarda paulista (Editora Unesp). “Filho das classes médias, letrado e com ocupação privilegiada e estável, ele rompeu com

os estereótipos e as generalizações simplistas. O caso de Vanzolini demonstra claramente como o samba ascendeu socialmente e foi aceito e consumido não apenas nos círculos de sempre, mas chegando às classes médias e elites, em boa parte graças aos meios de comunicação”, observa Marcos Virgílio da Silva, do Laboratório de Fundamentos da Arquitetura e Urbanismo (LabFAU) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU-USP), que pesquisou o tema na tese de doutorado Debaixo do “pogréssio”: urbanização, cultura e experiência popular. Ainda assim, Vanzolini nunca quis se profissionalizar como músico. Adorava contar uma história. Num show, muito aplaudido, seu parceiro, Paulinho Nogueira, virou-se para a plateia e disse: “Vocês são gente boa, mas não concordo com vocês baterem palmas para a única pessoa que não sabe a diferença entre tom maior e tom menor”. Era um “analfabeto musical” por opção e não por falta de oportunidades. Quando aluno da Faculdade de Medicina, nos anos 1940, participava de shows dos alunos, mas foi proibido de cantar por ser desafinado ou não seguir um ritmo. Recitava monólogos para o público. “No programa


Ensaio, quando canta Ronda, sai em disparada, sem nem pensar no ritmo ou no tom, deixando o violista que o acompanhava num desespero de tentar segui-lo”, recorda Tatit. “Por um lado, ele comprovava o lado intuitivo do músico popular. Por outro, sua erudição permitiu que ele trabalhasse suas canções com grande elaboração de pensamento. Sua importância maior está justamente nesse trânsito do universo popular com um viés intelectual. Isso influenciou em muito as obras de Chico Buarque e Caetano Veloso”, lembra Regina Machado. “Como cientista ele se misturou à boemia e virou um observador da noite, com retratos poéticos de personagens dos bares nas madrugadas. Fez isso sem idealismo e sem utopia, usando muito humor”, nota Sonia Marrach. As letras de Vanzolini, para a pesquisadora, são o seu melhor lado, são enxutas, com grandes achados verbais, com uso e abuso do subentendido, numa linguagem econômica e concentrada. O professor Antonio Candido, crítico e ensaísta, na apresentação da coleção de discos Acerto de contas, nota que Vanzolini trabalha com o mínimo para obter o máximo rendimento das palavras, carregadas de expressão, fazendo verdadeiros retratos poéticos das madrugadas paulistanas. “O que singulariza Vanzolini no panorama da música popular brasileira é que seu pensamento musical é organizado pela contradição. Para ele, o caráter essencial da vida em seus vários aspectos é o movimento, a mudança, que vem da negação e dos conflitos transformadores das coisas subjetivas e objetivas”, avalia Sonia. O notável é que

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“O que singulariza Vanzolini é que seu pensamento musical é organizado pela contradição”, diz Sonia Marrach

essa contradição é percebida com bom humor, com um veio cômico e uma boa vontade para ver tudo com graça. “Ele faz brincadeiras irônicas, transforma o perdedor em ganhador do jogo e, assim, faz a gente refletir de forma inusitada. A visão cômica faz inversões de sentido, para prevalecer o riso regenerador”, observa a autora. Seria como se dissesse que esse mundo que nos faz sofrer é pequeno diante de uma canção, de uma brincadeira, de uma cerveja com os amigos. “No último show que fizemos, em 2012, era evidente que o maior prazer para ele era ficar ali o dia todo, esperando sua hora de cantar, ouvindo os amigos e tomando suas cervejas. Não havia maiores preocupações”, lembra Tatit. Por isso foram “apenas” 50 músicas em 50 anos, um ideal de música como refresco da hora do lazer que deixou de existir após a bossa nova. “Seu amadorismo é profissional e não artístico. Ele tem um modo artesanal de compor. Letra e música nascem juntas e são criadas lentamente, a partir da primeira frase, e então, sem a pressa da indústria cultural, de forma consciente, paciente, demorando anos para fazer, sem importar a quantidade”, conta Sonia. Reza a lenda que passou seis meses para decidir se usava “demonstra” ou “revela” num verso de Boca da noite. Mas o resultado era, melodicamente, samba. “Faz samba igual os meus. Não é igual. É diferente os temas que ele pega, os meus é mais povo, os dele é mais intelectual, porque ele é um professor, ele é desse zoológico, sei lá, um cara inteligente. Mas o samba nosso é igual”, contou Adoniran Barbosa. E o samba de Vanzolini


permaneceu igual, graças justamente ao que Tatit chamou de “seus lagartos”, o trabalho na universidade. Compondo entre 1940 e 1990, ele passou pela bossa nova, que foi, esta sim, um divisor de águas da música popular brasileira, bem como por outros movimentos musicais, sem se deixar levar, preso ao samba de raiz. O amigo Adoniran, por exemplo, viu-se obrigado a esbravejar contra o iê-iê-iê. “Diferentes também da bossa nova impressionista, contida e intimista, as canções de Vanzolini são expressionistas, fortes, brincalhonas, exigindo um canto mais aberto e vital, uma interpretação despojada, sem dispensar a importância solística do cantor e a vitalidade do canto”, avalia Sonia. Odiava o canto quase falado da bossa nova e tampouco gostava das músicas com exagero de

emoção, dono de um samba sofisticado que vai distante das realidades sensoriais de um Caymmi, com seus pescadores e mares. “Vanzolini é cerebral, intelectual. Suas letras trazem pensamentos elaborados e pontes entre cultura erudita e popular”, analisa a pesquisadora. O produtor e arranjador musical da coleção Acerto de contas, Italo Peron, que conheceu Vanzolini por muitos anos, afirma que ele nunca quis ser e não se reconhecia como divisor de águas de “qualquer coisa”. “Nunca pretendeu ser compositor profissional. Boa parte da sua fama se deve à grande aceitação que ainda tem no meio estudantil, algo impressionante, e também a sua boa rede de relacionamentos”, fala. Para Peron, sua música é simples e ele dizia “que o que tenho de melhor veio da música do rádio dos anos 1930 e 1940”. “O grande talento de Vanzolini é sua poética. Ele consegue traduzir uma situação emocional complexa em quatro versos. Em São Paulo havia uma lacuna disso e ele a preencheu”, conta. Para Peron, e Vanzolini concordava com ele, o músico só virou “a cara de São Paulo” porque o público se identificou com ele e o adotou. “Ele, por exemplo, não gostava de Ronda, que achava despretensiosa. Pior: achava um absurdo que a cidade adotasse como ‘hino’ uma música que falava de prostitutas e de um bandido que quer dar tiros nessas mulheres”, revela Peron. Assim, Vanzolini teria virado um modelo “a despeito” de si mesmo, de sua música e de suas intenções, por um público que buscava um representante. Para o produtor, seu sucesso se deveu muito ao “boca a boca”, a seu papel na universidade e durante a ditadura. “Isso não o desmerece, nem à sua genialidade como escritor, mas ele não se reconhecia nesse entusiasmo todo e até achava tudo, sinceramente e sem fazer gênero, muito sem sentido”, diz Peron. n

Odiava o canto quase falado da bossa nova e não gostava das músicas com exagero de emoção. Era dono de um samba sofisticado

Leia reportagem sobre a produção científica de Paulo Vanzolini na página 52.

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conto

A verdade de minhas mentiras Denilson Cordeiro

Dizer que o mundo está “diante de nós” significa dizer que não é criação nossa, que a maior parte das coisas no espaço e no tempo são efeitos de causas que não são estados mentais do homem; a “verdade” porém não está “diante de nós”: ela só existe onde há linguagens, criações do homem. [de uma página surrupiada do caderno de classe de Fernando Urbi]

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ei de muito poucas coisas, mas me lembro de algumas. Uma das lições mais patéticas que me lembro ter recebido foi sobre a mentira. Quando criança, convivi com um menino que dizia coisas absurdas, das quais só comecei a desconfiar quando o acúmulo de mentiras dele superou o dilatado campo da minha ingenuidade. Até então, para mim, o que ele dizia era tão verdadeiro e real quanto o meu próprio assombro diante dos castelos de realizações e projetos que ele fazia desfilar sobre si mesmo. Enquanto as outras crianças queriam ser bombeiros, policiais e pilotos de avião, esse menino, cujo nome era Fernando Urbi, dizia estudar muito para ser excelente criminoso. E era surpreendentemente convincente, pois era sério e quase sempre tinha uma informação que calava os outros. Pronunciava, por exemplo, com desenvoltura supostamente a rigor, segundo ele, nomes como Mortimer, Raskolnikov, Jean Valjean. E isso enquanto nós estávamos enrolados com os nomes de jogadores brasileiros de futebol em figurinhas de álbum de banca de jornal. O limite para mim surgiu numa aula de ciências, na qual, sob sabatina, ele disparou essa: “A

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senhora sabia que é muito fácil preparar uma bomba de fumaça, normalmente usada em fugas de roubos a banco, e são necessários somente nitrato de potássio, açúcar, bicarbonado de sódio e coloral?”. Cansei da minha miséria diante do que ele dizia e revidei considerando tudo mentira, tudo invenção da mente doente dele. Mas por que mentia? A vida era insuficiente? Sofria em casa com as exigências da família? Sofria de alguma doença misteriosa? O que quer que fosse representava para mim uma manifestação do mal, cuja mentira era a cortina de fumaça a nos envolver e seduzir. E, por contraste, eu nisso me sentia superior a ele, afinal era “normal”. Isso, no entanto, não acabou assim, pois fiquei, durante anos, como que acometido por essa condição, ora de me lembrar reduzido, ora com uma sensação de ter sido excessivo. Não percebia, mas toda a minha atenção estava imantada por essa busca de sentido. É provável, inclusive, que minhas escolhas fossem mais tributárias disso do que eu teria podido reconhecer ou desejar. Muito tempo mais tarde, caiu-me sob os olhos o Dom Quixote. A certa altura do livro, voltou-me impressão semelhante a que experimentei diante daquele menino. Foi quando percebi que a invenção de Dom Quixote constituía, na verdade, um mundo completamente real para ele. E não importava a comparação com um pretenso real prioritariamente mais verdadeiro ou sequer melhor. Enquanto ao leitor, pasmo e compadecido — eu mesmo, aliás —, atracado com seu sistemazinho de enunciados acanhados, restava lamentar a ilusão do que dizia ver o personagem, para ele transbordava uma circunstância de aventura, de desafios e de conquistas. Matutei indignado: que “sanidade” restritiva era essa na qual fora adestrado a comungar e a defender como critério último?


luana geiger

Foi forte o impacto dessa ideia sobre mim, a ponto de mudar o que pensava sobre Fernando Urbi. Eu, que não hesitava em recusar o que ele dizia, fugia da sua presença, tapava os ouvidos quando em aula ele se manifestava, agora vislumbrava um novo significado para tudo aquilo. Por essa senda empenhei-me, movido por um comportamento que julgava ser semelhante ao do próprio Fernando, em investigar esse nó górdio incrustado no meu pensamento. Ora essa, então não havia mentiras ou verdades? O que existe são acordos tácitos pelos quais os enunciados propostos são avaliados e, nisso, aceitos ou recusados. No primeiro caso, serão chancelados como pertencentes ao celebrado conjunto dos enunciados chamados (com prazo de validade determinado) verdadeiros. Se recusados, parte voltará ao fim da fila dos enunciados candidatos à verificação, parte será ajustada pelos critérios do acordo em voga. O que fez a ruína de Fernando nos acordos do nosso grupo faria seu sucesso em um grupo cujos acordos fossem mais próximos do vocabulário dele. Para nós foi um mentiroso, mas em outra circunstância, talvez em outro tempo, teria sido um visionário. O terror de perder o chão de uma linguagem segura (eis as grades do calabouço de um outro acordo) nos dava ganas de recusar violentamente as novas imagens propostas por Fernando. Aquilo desfazia nosso sentimento de pertencer a uma única família, o

que equivalia a dizer que mexia com nossos brios, daí a negação ostensiva que fazíamos pesar sobre ele. A natureza do seu único “crime”, revejo, foi ter recusado a univocidade reinante. Algum tempo depois dessa espécie de reconversão, tive a impressão de reconhecê-lo na rua. Estava composto, sóbrio e levava um livro sob o braço. Pensei em abordá-lo, mas não tive coragem de enfrentar as injustiças que cometi contra ele. Não tive coragem de reconhecer que, ao falar sobre criminosos literários, sobre nomes complicados em idioma estrangeiro, sobre sua admiração particular pelo ardil dos marginais, ele tinha constituído um mundo paralelo e, agora entendo, muito melhor do que a exígua dieta inventada em nome de um suposto cotidiano ao qual nos submetíamos. Não tive coragem de admitir publicamente a criativa liberdade das suas invenções. Tive, como sempre, um medo ancestral de uma outra verdade possível. — E, no entanto, essa narrativa nada mais foi do que um outro arranjo de enunciados a constituírem uma nova imagem no meu pensamento. Por isso mais verdadeiros? “ — A escribir de otra suerte — dijo Don Quijote —, no fuera escribir verdades, sino mentiras.” Denilson Cordeiro é paulistano da zona leste, palmeirense bissexto, ex-jogador de futebol, ex-feirante, ex-balconista, ex-bancário e professor de filosofia na Unifesp.

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resenhas

A companheira constante de viagem Carlos Haag

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Cinco séculos de presença francesa no Brasil Leyla Perrone-Moisés (org) Edusp 298 páginas, R$ 43,00

94 | junho DE 2013

título da coletânea de textos organizada por Leyla Perrone-Moisés, Cinco séculos de presença francesa no Brasil, já revela a importância do tema. Afinal, quem além dos portugueses pode alegar um contato tão extenso com as terras brasileiras? Claro que, além do tempo, a presença dos franceses e de sua cultura, do século XVI ao XX, tem peculiaridades com resultados notáveis sobre a nossa cultura. Isso é justamente o que interessa ao grupo de pesquisadores que se reuniu, em 2009, no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, durante o Ano da França no Brasil, para discutir essa questão, trazendo esclarecimentos e corrigindo muitos enganos que foram perpetuados pela tradição. O primeiro deles, seguindo a ordem cronológica estabelecida pelo ciclo de conferências, é o conceito de “invasão” alegado a posteriori pelos colonizadores portugueses. Em O Brasil de Montaigne, de Frank Lestringant, e Franceses no Maranhão, de Beatriz Perrone-Moisés, entendemos que os franceses tinham um conhecimento sobre os índios muito maior e bem mais sutil e interessado que os lusitanos. Montaigne conheceu índios enviados à França e fez indagações fundamentais sobre eles a ponto de que, como nota Lestringant, “a América, no Renascimento, nasce do Brasil e pouco importa que Colombo tenha abordado o Novo Mundo pelas Bahamas”. A familiaridade da corte francesa com o Brasil, já em 1560, era muito grande. Ao contrário dos portugueses, os navios franceses que vinham para instalar a França Antártica contavam com esse conhecimento e sabiam do poder da aproximação com os nativos, sempre trazendo pessoal que se transformaria em intérpretes, uma novidade que os lusos tentaram, sem sucesso, copiar. Alguns, como David Migan ou Charles des Vaux, viviam entre os nativos e eram admirados por eles. Invasão? Um salto no tempo e chegamos às missões artísticas francesas no século XIX, que, em verdade, mostram Lilia Schwarcz e Jacques Leenhardt, nada tiveram de conjunto ou combinado, mas foram levas de artistas que vieram ao Brasil por questões pessoais, fugindo tanto de Napoleão quanto das consequências de sua queda posterior. Nicolas-Antoine Taunay e Jean Baptiste Debret enfrentaram, aqui, o dilema da escravidão em

face das ideias da Revolução Francesa, cada um descobrindo a sua solução para essa vergonha. Taunay revisou a grandiosidade revolucionária com a pujança da natureza americana: a mata valia pela catedral e o riacho entrava no lugar do monumento. Para “subtrair” o escravo era preciso aumentar ainda mais o natural para que esse engolisse o negro cativo, uma impossibilidade na tela neoclássica. Já Debret, que poderia ter se transformado num pintor de corte medíocre de uma corte insípida, optou, com brilho, pela documentação do nascimento da nação, se identificando com o povo. Nas suas obras, o exotismo desaparece e, pela primeira vez, índio e escravo aparecem e participam do mundo que os representa sobre a tela. Num outro extremo, a literatura, Gilberto Pinheiro Passos volta a ressaltar a influência francesa sobre Machado de Assis, atualmente soterrado sobre ascendências inglesas. Num movimento interessante, reconhece como “primas” de Capitu, entre outras personagens, a volúvel Manon Lescaut e a Carmen de Mérimée, a dona do “olhar de cigana dissimulada”. João Roberto Faria, em O teatro francês no Brasil do século XIX, questiona os efeitos das companhias francesas entre nós e de como elas, com sua presença massacrante, teriam inibido o surgimento de uma dramaturgia de melhor qualidade do que as revistas ligeiras e popularescas. Coisa bem brasileira, o público só queria ver Shakespeare, Racine e outros grandes nomes com os estrangeiros. Quando eles iam embora, tudo voltava ao mesmo e não se demandava dos autores e intérpretes brasileiros nada além do popular. No século XX, Manoel Corrêa do Lago revela como o Carnaval mudou a cabeça musical de Darius Milhaud, que esteve no Brasil entre 1917 e 1918 e nunca mais tirou o país da cabeça e de suas obras. Carlos Augusto Calil e Helena Salgueiro revelam como a vida nacional mexeu também com cabeças modernas como Blaise Cendrars, Benjamin Péret, Pierre Verger e Marcel Gautherot. Encerrando o livro, alguns textos trazem notícias das atividades artísticas francesas mais recentes. O resumo total do ciclo é dado pela sua organizadora, Leyla Perrone, que nos lembra como “a Universidade de São Paulo ainda se mantém fiel às suas origens francesas”.


fotos eduardo cesar

A ciência e as paixões

Poesia e pesquisa

E

O

m seu novo livro o compositor Flo Menezes inicia se identificando como “professor de música” e é a partir desse viés acadêmico que analisa o que chama de “mais sublime exercício de abstração e, como tal, a mais difícil das artes”. O título do estudo refere-se justamente à suposta dualidade da música, dividida entre a ciência e as paixões. Mas Menezes diferencia os dois campos: se como uma espécie de matemática as fórmulas da música são sempre aparentemente elementares, o significado e o afeto que cada componente das formulações musicais carrega fazem dessa matemática algo supremo. “Emocionar-se em ciência significa ter certeza parcial de mais uma etapa conquistada em direção à asserção de sua intuição primeira, enquanto se emocionar em música significa deparar-se com a perplexidade do que será compreendido apenas com o passar dos tempos”, observa. É a intuição que dará o pontapé inicial no jogo da experiência. Nesse embate o compositor passa a ser revisto como “recompositor”. Para isso é preciso lembrar, nota Menezes, que a música, ainda que atividade prazerosa e experimental, tenha seu radicalismo ancorado numa dialética entre o novo e a revisitação do velho, só que num novo contexto. Isso pode ser verificado no próprio ato de compor que Menezes batiza de “escritura”, para reforçar a ideia de que a composição, como um texto, traz múltiplas referências ao passado e ao presente, em distintos planos de intertextualidade, um conceito que empresta do colega e mestre Luciano Berio. Essa “herança” precisa sempre ser retirada ou “decomposta”, extraindo os sons ou os objetos sonoros, seja pela escrita musical, seja pela especulação nos estúdios eletroacústicos. Dessa forma, de posse desse passado-presente é possível recompor numa nova obra musical. Nesse contexto, Menezes acredita que a música não admite o supérfluo, o que chama de objeto de consumo obrigatório das sociedades capitalistas. Para ele, seria melhor o silêncio, ou melhor, a escuta dos eventos do mundo, tão interessantes e tão negligenciados diante do massacre auditivo a que somos sujeitos.

Matemática dos afetos Flo Menezes. Edusp. 312 págs R$ 84,00

Almanaque – Histórias de ciência e poesia Juan Nepote Tradução de Márcia Aguiar Coelho Editora Unicamp 392 páginas R$ 54,00

que a declaração do bioquímico espanhol Severo Ochoa ao receber o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1959 – “O amor é pura física e química” – teria a ver com a busca de uma ordem na natureza, um método, uma razão, a inteligibilidade que está por trás de cada ação científica? Para o autor Juan Nepote, é a imagem de mistério, a organização e a possibilidade de previsão que fazem a ciência ser tão atraente e apaixonante para os seus praticantes como o era para Ochoa. Nepote, físico de formação, pode ser descrito como um ativista da divulgação científica no México. Seu livro mais recente, Almanaque – Histórias de ciência e poesia, foi publicado por enquanto só Brasil, por iniciativa da Editora da Unicamp. O Almanaque tem 12 capítulos, cada um deles com quatro artigos, originalmente escritos para o jornal mexicano La Jornada (edições de Jalisco e Michoacán), que tratam de temas e personagens protagonistas da ciência. Alguns são tão interessantes quanto óbvios, como Isaac Newton, Charles Darwin, Nicolau Copérnico, Galileu Galilei, Albert Einstein e Werner Heisenberg. Mas há outros menos festejados: o matemático inglês Charles Dodgon – que adotou o nome de Lewis Carroll e escreveu o consagrado Alice no país das maravilhas, entre outras obras literárias –, o físico italiano Ettore Majorana, que colegas como Enrico Fermi (Nobel de 1938) consideravam “genial”, o psiquiatra Franco Basaglia e Alberto Santos Dumont. Juan Nepote trata de outros temas, como mulheres cientistas, museus de ciência, histórias do café, nuvens, bicicletas, bolhas, xadrez e muitos outros, todos imbricados com a ciência. O mais interessante é a busca do autor por relacionar os temas e cientistas a poemas, aforismos e pensatas de escritores e poetas, como Calderón de la Barca, Pablo Neruda, John Donne, Julio Cortázar, José Hierro ou García Márquez, entre muitos. Os artigos ganham então, além da prosa fácil e da ciência descomplicada, a tentativa de harmonizar literatura com ciência. Na maioria dos casos o autor é bem-sucedido. Neldson Marcolin PESQUISA FAPESP 208 | 95


carreiras ciência prática

Melhor e mais rápido

De boia-fria a professor universitário Ex-cortador de cana vence obstáculos e vai além do doutorado na USP

“Nadei contra a corrente e tive que superar muitos obstáculos”, diz o professor José Agnaldo Gomes, de 43 anos, do Departamento de Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Nascido em Maracaí, a 463 quilômetros da capital, Gomes começou a trabalhar aos 13 anos como cortador de cana. Durante sete anos a escola ficou fora da sua rotina de acordar de madrugada, trabalhar duro e desabar de cansaço à noite. Até decidir cursar o supletivo para concluir o ginásio e o ensino médio. “Mesmo cortando cana, sempre alimentei o sonho de ser psicólogo”, diz. Após 10 anos como boia-fria, conseguiu uma vaga no escritório da usina, mas decidiu deixar a mãe, os irmãos e o emprego e vir para São Paulo, onde trabalhou nas Casas Bahia. Em seguida, começou a cursar psicologia na Universidade São Judas Tadeu, 96 | Junho DE 2013

mas não tinha como pagar a mensalidade. Por meio de amigos, conheceu d. Luciano Mendes de Almeida, que conseguiu para ele uma bolsa de estudos integral. Como queria dar aulas, fez o mestrado em psicologia social na PUC, também como bolsista, com foco nos moradores de rua. Em 2003 candidatou-se ao doutorado em psicologia do trabalho na Universidade de São Paulo (USP). Barrado no exame de proficiência em alemão, foi aprender o idioma na Alemanha, onde ficou durante seis meses como voluntário em uma associação que cuida de moradores de rua. Na volta, foi aprovado no doutorado da USP. “Como tema, fui para Cosmópolis onde estudei as condições de vida dos cortadores de cana”, relata. Na defesa do doutorado, a banca sugeriu que a tese virasse livro, publicado em 2012 com o título Do trabalho penoso à dignidade no trabalho.

Em 2011, dez anos depois de chegar para um pós-doutorado e sete depois de ser contratado como professor na Universidade Estadual de Oklahoma, Estados Unidos, o físico Eduardo Yukihara resolveu criar um blog, o Ciência Prática, para reunir dicas práticas e discutir problemas sobre a elaboração e publicação de artigos científicos e a carreira acadêmica. “Existia também uma motivação pessoal, que era me forçar a escrever em português e manter contato com a comunidade científica no Brasil”, diz Yukihara, 39 anos. “Como escolher um orientador de mestrado ou doutorado” e “Deve-se ou não evitar usar a primeira pessoa em linguagem científica?” foram alguns dos tópicos recentes do blog (cienciapratica. wordpress.com), escrito com Emico Okuno, sua ex-orientadora na Universidade de São Paulo (USP). “Chegamos a mais de 6 mil acessos por semana e nos últimos dois meses tivemos mais de 20 mil acessos por mês”, disse ele. “Temos um número crescente de colaboradores, como André Sawakuchi, da USP, e Alejandro Frank, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Eles estão escrevendo artigos excelentes, que serão publicados em breve.” O artigo sobre os primeiros passos para escrever um artigo científico, publicado em março, foi compartilhado 239 vezes no Facebook, enquanto um sobre mudança de carreira, escrito por Emico Okuno, foi um dos mais debatidos. Yukihara também recebe informações preciosas. “Foi por meio de um leitor que soube da Fundação Alexander von Humboldt e decidi submeter um projeto para realizar na Alemanha.” Ele aguarda a resposta.

foto  arquivo pessoal ilustraçãO daniel bueno

Físico dá dicas em blog para pesquisador enfrentar exigências acadêmicas


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