maio de 2014 www.revistapesquisa.fapesp.br
financiamento
Universidades do país começam a captar recursos de doadores saúde mental
Inflamação crônica pode favorecer depressão química
Estudo elucida ação anticoagulante da heparina entrevista walter colli
Ambiente científico rarefeito freia evolução das descobertas
Os nanossatélites brasileiros Quatro artefatos devem ser lançados neste ano da Estação Espacial Internacional e do foguete russo DNEPR
léo ramos
O que a ciência brasileira produz você encontra aqui
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2 | outubro DE 2013
w w w. r e v is ta pe s quis a . fa pe sp. b r
fotolab
Cores de um predador Os biólogos ainda não sabem a razão da grande variedade de cores das planárias terrestres, parentes mais próximos das tênias do que das lesmas. Sabe-se que a maioria delas, que podem medir até 30 centímetros, é encontrada na mata atlântica, principalmente no solo, e tem hábitos noturnos que evitam a desidratação. As planárias são predadoras: se alimentam de minhocas, caramujos, tatu-bola e alguns tipos de ácaros, entre outros animais. De 2007 a 2014, o professor Fernando Carbayo e seus estudantes do Laboratório de Ecologia e Evolução da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP) fizeram coletas nas matas do Espírito Santo até o Rio Grande do Sul com o objetivo de avançar nos estudos das espécies neotropicais, a maior parte desconhecida pela ciência.
Se você tiver uma imagem relacionada à sua pesquisa, envie para imagempesquisa@fapesp.br, com resolução de 300 dpi (15 cm de largura) ou com no mínimo 5 MB. Seu trabalho poderá ser selecionado pela revista.
Fotos enviadas por Fernando Carbayo e Júlio Pedroni, da EACH-USP.
PESQUISA FAPESP 219 | 3
maio n.219
fundação de amparo à pesquisa do estado de são Paulo Celso Lafer Presidente Eduardo Moacyr Krieger vice-Presidente Conselho Superior alejandro szanto de toledo, Celso Lafer, Eduardo Moacyr Krieger, fernando ferreira costa, Horácio Lafer Piva, joão grandino rodas, Maria José Soares Mendes Giannini, Marilza Vieira Cunha Rudge, José de Souza Martins, Pedro Luiz Barreiros Passos, Suely Vilela Sampaio, Yoshiaki Nakano Conselho Técnico-Administrativo José Arana Varela Diretor presidente Carlos Henrique de Brito Cruz Diretor Científico Joaquim J. de Camargo Engler Diretor Administrativo
issn 1519-8774
Conselho editorial Carlos Henrique de Brito Cruz (Presidente), Caio Túlio Costa, Eugênio Bucci, Fernando Reinach, José Eduardo Krieger, Luiz Davidovich, Marcelo Knobel, Marcelo Leite, Maria Hermínia Tavares de Almeida, Marisa Lajolo, Maurício Tuffani, Mônica Teixeira
32
comitê científico Luiz Henrique Lopes dos Santos (Presidente), Adolpho José Melfi, Carlos Eduardo Negrão, Douglas Eduardo Zampieri, Eduardo Cesar Leão Marques, Francisco Antônio Bezerra Coutinho, Joaquim J. de Camargo Engler, José Arana Varela, José Roberto de França Arruda, José Roberto Postali Parra, Lucio Angnes, Luis Augusto Barbosa Cortez, Marcelo Knobel, Marie-Anne Van Sluys, Mário José Abdalla Saad, Marta Teresa da Silva Arretche, Paula Montero, Roberto Marcondes Cesar Júnior, Sérgio Luiz Monteiro Salles Filho, Sérgio Robles Reis Queiroz, Wagner do Amaral Caradori, Walter Colli
CAPA 16 Nanossatélites são lançados em missões de coletas de dados que vão do monitoramento ambiental a testes de sistemas biológicos
Coordenador científico Luiz Henrique Lopes dos Santos Diretora de redação Mariluce Moura editor chefe Neldson Marcolin Editores Fabrício Marques (Política), Marcos de Oliveira (Tecnologia), Ricardo Zorzetto (Ciência); Carlos Fioravanti e Marcos Pivetta (Editores especiais); Bruno de Pierro e Dinorah Ereno (Editores assistentes) revisão Márcio Guimarães de Araújo, Margô Negro
ENTREVISTA 44
24 Walter Colli
arte Mayumi Okuyama (Editora), Ana Paula Campos (Editora de infografia), Maria Cecilia Felli e Alvaro Felippe Jr. (Assistente) fotógrafos Eduardo Cesar, Léo Ramos
50
Mídias eletrônicas Fabrício Marques (Coordenador) Internet Pesquisa FAPESP online Maria Guimarães (Editora) Júlio Cesar Barros (Editor assistente) Rodrigo de Oliveira Andrade (Repórter) Rádio Pesquisa Brasil Biancamaria Binazzi (Produtora) Colaboradores Ana Lima, Daniel Bueno, Daniel Kondo, Eduardo Nunomura, Evanildo da Silveira, Gustavo Fioratti, Karina Toledo, Luana Geiger, Márcio Ferrari, Maria Alzuguir Gutierrez, Mauro de Barros, Nelson Provazi, Pedro Handam, Samuel Rodrigues, Valter Rodrigues, Victor Heringer, Yuri Vasconcelos É proibida a reprodução total ou parcial de textos e fotos sem prévia autorização Para falar com a redação (11) 3087-4210 cartas@fapesp.br Para anunciar (11) 3087-4212 publicidade@fapesp.br Para assinar (11) 3087-4237 assinaturaspesquisa@fapesp.br Tiragem 43.500 exemplares IMPRESSão Plural Indústria Gráfica distribuição Dinap GESTÃO ADMINISTRATIVA INSTITUTO UNIEMP PESQUISA FAPESP Rua Joaquim Antunes, no 727, 10o andar, CEP 05415-012, Pinheiros, São Paulo-SP FAPESP Rua Pio XI, no 1.500, CEP 05468-901, Alto da Lapa, São Paulo-SP Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia Governo do Estado de São Paulo
seçÕes 3 Fotolab 6 Carta da editora 7 On-line 8 Dados 9 Boas práticas 10 Estratégias 12 Tecnociência 80 Memória 82 Arte 84 Conto 86 Resenhas 88 Carreiras 90 Classificados
capa foto léo ramos
4 | maio DE 2014
Autor de contribuições significativas para o conhecimento do Tripanosoma cruzi, pesquisador atribui à pobreza do ambiente científico brasileiro a dificuldade de garantir a prioridade do país em seus achados pioneiros
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA 32 Internacionalização FAPESP Week Beijing aproxima pesquisadores do Brasil e da China
38 Financiamento
Fundos formados por doações de ex-alunos e empresários começam a se tornar realidade em universidades brasileiras
16
58
CIÊNCIA
TECNOLOGIA
HUMANIDADES
44 Saúde mental
60 Física
72 História
Processos imunológicos desregulados podem estar relacionados a uma parcela dos casos de depressão
48 Bioquímica
Nova metodologia diferencia as estruturas das heparinas de baixo e ultrabaixo peso molecular e elucida sua ação como anticoagulante
50 Ecologia
Telescópio desenvolvido em São Paulo vai detectar explosões solares na faixa de tera-hertz a partir de um balão estratosférico
64 Pesquisa empresarial
Padtec aposta na inovação para tornar-se fornecedora global de sistemas de comunicações ópticas
Histórias evolutivas divergentes dão formas distintas às savanas atuais e afetam possíveis respostas a mudanças climáticas
68 Engenharia da computação
54 Especial Biota Educação XII
Equipe da Embrapa desenvolve junto com empresa equipamento que faz análise instantânea de frutas, carnes e azeites
Desmatamento eleva em 100 vezes o custo do tratamento de água
Depois de ter sido vendido pelo pai, Luiz Gama transformou seu drama pessoal em luta pela Abolição e pela República
76 Indústria cultural
Digitalização dos arquivos da TV Tupi permite reavaliar a importância de Beto Rockfeller
Prancheta eletrônica é inovação para técnicos de futebol
70 Instrumentação
58 Geofísica
Satélite delimita as regiões de maior densidade da superfície do planeta
72 PESQUISA FAPESP 219 | 5
carta da editora
Satélites, semântica e educação Mariluce Moura | Diretora de Redação
O
s nanossatélites não são nano. Afinal, medem até 10 centímetros de aresta ou, se têm formato cilíndrico, até 10 centímetros de altura, quando a escala nanométrica de fato refere-se a medidas da ordem do milionésimo do milímetro. Mas, tenha sido por razões de marketing ou por outras insondáveis motivações de quem os nomeou, o batismo como nanossatélites desses pequenos, leves e multifuncionais artefatos – cujos inventores reconhecidos são Bob Twiggs e Jordi Puig-Suari, professores respectivamente das universidades Stanford e Politécnica da Califórnia – pegou. E parece-me pouco sensata agora qualquer insurgência contra essa falsificação semântica. Aos nanossatélites, pois. E, neste caso, aos brasileiros, que são o tema da reportagem de capa desta edição de Pesquisa FAPESP. Antes de tudo, numa visão que reconheço como completamente parcial, devo dizer que nada me surpreendeu e encantou tanto nesta reportagem quanto a participação de 150 estudantes de ensino fundamental de uma escola de Ubatuba, São Paulo, na construção de um dos nanossatélites que estão sendo preparados no país para ganhar em breve o espaço. Por isso sugiro particular atenção aos trechos em que essas crianças invadem com graça o texto, mesmo que o satélite Tancredo-1 não seja o mais importante nesse empreendimento do ponto de vista tecnológico – já em termos educacionais, com certeza o é. São quatro os nanossatélites do tipo cubesat que têm lançamentos previstos para este ano, 10 anos depois de pesquisadores do Inpe, com apoio da Agência Espacial Brasileira, terem iniciado o programa nacional para construção de satélites de pequeno porte, muito valorizados para objetivos de pesquisa científica. Suas finalidades, observa Dinorah Ereno, nossa editora assistente de tecnologia e autora da detalhada reportagem que começa na página 16, vão da detecção de sinais eletromagnéticos que antecedem os terremotos aos testes de sistemas biológicos, como a produção de proteínas bacterianas no espaço, passando por uma variadíssima gama de outras aplicações. Diga-se logo que no plano internacional os primeiros lançamentos de cubesats ocorreram há 11 anos. Desenvolvendo-se a atividade em velocidade crescente, até o presente aconteceram 130
6 | maio DE 2014
lançamentos, dos quais 65 no ano passado. E, se o Brasil está pouco ou muito defasado neste campo no cenário internacional, é uma conclusão a que os leitores poderão chegar com mais dados a embasá-la, assim esperamos, ao fim da leitura do texto em questão. Gostaria de destacar também aqui duas reportagens da seção de ciência, ambas envolvendo questões da complexa e sempre desafiadora fisiologia do organismo humano. A primeira, elaborada pelo editor especial Marcos Pivetta, a partir da página 44, aborda estudos recentes de dois grupos, um liderado por uma pesquisadora brasileira radicada em Londres e o outro coordenado por um pesquisador da Unicamp, que estabelecem conexões importantes entre processos inflamatórios e depressão. Em particular, esses trabalhos articulam inflamação, problemas no sistema imunológico e respostas insatisfatórias ao tratamento com antidepressivos, ao tempo em que acenam com a possibilidade de se encontrar marcadores biológicos que respondam, de saída, se determinado paciente responderá bem ou não a uma dada categoria de antidepressivo. A segunda reportagem, elaborada pelo repórter Rodrigo de Oliveira Andrade (página 48), aborda um estudo do grupo da Unifesp liderado por Helena Nader que permitiu diferenciar as estruturas das heparinas de baixo e de ultrabaixo peso molecular, lançando novas luzes a respeito de sua ação como anticoagulante. Como se sabe, no âmbito médico a heparina é a substância básica para enfrentar trombos, coágulos e todas as situações em que se precisa evitar uma coagulação indesejável do sangue. E, de novo, o que aqui está no horizonte prático são vias terapêuticas mais eficientes para tratar esses episódios. O peso bioquímico desta edição se completa com a entrevista instigante do professor Walter Colli, premiado em março pelo CNPq, pelo conjunto de sua obra, com destaque especial para as pesquisas com o T. cruzi (página 24). E por fim, meu espaço já estourando, recomendo a reportagem sobre a importante questão das doações nas universidades brasileiras, elaborada pelo editor assistente de política, Bruno de Pierro (página 38). Boa leitura!
on-line
Nas redes
Lucie Maquet / Nature
w w w . r e v i s ta p e s q u i s a . f a p e s p. b r
Carol Neuber_ A edição está
Exclusivo no site
fantástica. Adorei a matéria sobre as abelhas, um tema superatual
x Um grupo internacional de astrônomos encontrou anéis em torno de um corpo celeste relativamente pequeno chamado Chariklo. A descoberta contraria a noção de que esse tipo de estrutura só poderia existir em planetas gigantes, já que fora observada em Júpiter, Urano, Netuno e Saturno. Chariklo tem 250 quilômetros de diâmetro e foi descoberto em 1997 entre as órbitas de Saturno e Urano. Falta estudar melhor os anéis e entender o que os mantém separados por uma faixa sem matéria. Segundo os autores da descoberta, publicada na revista Nature, é provável que alguma lua determine seus limites.
e de extrema importância. (Biota-Educação, edição 218) Abreu Jose_ Vale a pena assistir! É curtinho e belo! (vídeo Outros sertões) Eduardo Sousa_ O melhor da ciência brasileira ao seu alcance. (edição 217) Anderson De Queiroz Domingues_ Pode parecer loucura, mas me sinto orgulhoso em ser brasileiro, quando leio matérias como esta. (Fotossíntese artificial) Concepção artística ilustra a dupla de anéis detectada em torno de Chariklo
Levi Souza_ importante buscar sempre novas formas de energia... (Fotossíntese artificial)
x Dez pesquisadoras brasileiras foram selecionadas para o Prêmio Capes-Elsevier 2014, uma parceria da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) com a editora Elsevier. A premiação será no hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro. “É o reconhecimento de um trabalho duro”, festeja uma das agraciadas, a farmacêutica Vanderlan Bolzani, professora do Instituto de Química de Araraquara da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Este ano, assim como em 2010, o prêmio homenageia apenas mulheres.
Silvinha Cardinale_ Vida inteligente
Rádio O sociólogo da USP Massimo Di Felice conversa sobre o papel da internet para o ativismo e as novas práticas de democracia
nos protestos. Tem gente pensando soluções de verdade. (Net-ativismo) André Lopes_ Parabéns pela matéria! Esta é realmente uma descoberta surpreendente! (Sob efeito da Lua) Pablo Gutto_ Vocês merecem. Pesquisa Fapesp é uma ótima revista. Parabéns! (post especial 40 mil fãs)
Vídeo do mês Pesquisa feita na USP cataloga e caracteriza a arquitetura rural do século XIX no Rio Grande do Norte
Assista ao vídeo:
youtube.com/user/PesquisaFAPESP
PESQUISA FAPESP 219 | 7
Dados e projetos Temáticos e Jovem Pesquisador recentes Projetos contratados em março e abril de 2014 temáticos Toxinas animais nativas e recombinantes: análise funcional, estrutural e molecular Pesquisadora responsável: Suely Vilela Sampaio Instituição: FCFRP/USP Processo: 2011/23236-4 Vigência: 01/02/2014 a 31/01/2018
Vigência: 01/05/2014 a 30/04/2018
de carboidratos Pesquisadora responsável: Maria Célia Bertolini Instituição: IQ Araraquara/Unesp Processo: 2013/24705-3 Vigência: 01/04/2014 a 31/03/2018
Eixo Imune-Pineal: integrando a biologia do tempo em condições fisiológicas, fisiopatológicas e patológicas Pesquisadora responsável: Regina Pekelmann Markus Instituição: Instituto de Biociências/USP Processo: 2013/13691-1 Vigência: 01/04/2014 a 31/03/2018
Novas abordagens e metodologias na investigação genético-molecular dos distúrbios de crescimento e desenvolvimento puberal Pesquisador responsável: Alexander Augusto de Lima Jorge Instituição: FM/USP Processo: 2013/03236-5 Vigência: 01/04/2014 a 31/03/2018 Alterações nas redes neurais envolvidas na geração e controle das atividades simpática e respiratória em diferentes modelos experimentais de hipóxia Pesquisador responsável: Benedito Honório Machado Instituição: FMRP/USP Processo: 2013/06077-5 Vigência: 01/04/2014 a 31/03/2018 Física e geometria do espaço-tempo Pesquisador responsável: Alberto Vazquez Saa Instituição: IMECC/Unicamp Processo: 2013/09357-9 Vigência: 01/05/2014 a 30/04/2019 Regulação da homeostase energética e do balanço hidromineral: das células aos sistemas fisiológicos Pesquisador responsável: José Antunes Rodrigues Instituição: FMRP/USP Processo: 2013/09799-1
SPEC Canais de conexina e panexina como alvos terapêuticos e biomarcadores nas doenças hepáticas aguda e crônica Pesquisador responsável: Mathieu Frederick Alexander Vinken Instituição: FMVZ/USP Processo: 2013/50420-6 Vigência: 01/11/2013 a 31/10/2017
Abordagens moleculares para estudar a relação entre etileno e maturação em cana-de-açúcar Pesquisador responsável: Marcelo Menossi Teixeira Instituição: Instituto de Biologia/Unicamp Processo: 2013/15576-5 Vigência: 01/03/2014 a 28/02/2018
Sinalização por íons de cálcio em tripanossomatídeos Pesquisador responsável: Roberto Docampo Instituição: FCM/Unicamp Processo: 2013/50624-0 Vigência: 01/03/2014 a 28/02/2019
As instituições políticas subnacionais: um estudo comparativo dos estados brasileiros Pesquisador responsável: George Avelino Filho Instituição: EESP/FGVSP Processo: 2013/15658-1 Vigência: 01/03/2014 a 28/02/2018
JOVEM PESQUISADOR Processos de superfície durante orogênese ativa: soerguimento e erosão da Serra Nevada de Santa Marta (Colômbia) em escalas múltiplas de tempo Pesquisador responsável: Mauricio Parra Amezquita Instituição: IEE/USP Processo: 2013/03265-5 Vigência: 01/04/2014 a 31/03/2018
Entre a escravidão e o fardo da liberdade: os trabalhadores e as formas de exploração do trabalho em perspectiva histórica Pesquisador responsável: Sidney Chalhoub Instituição: IFCH/Unicamp Processo: 2013/21979-5 Vigência: 01/04/2014 a 31/03/2018
Mecanismos neurais envolvidos com as variações diárias do controle do quimiorreflexo central Pesquisadora responsável: Mirela Barros Dias Instituição: IBB/Unesp Processo: 2013/04216-8 Vigência: 01/05/2014 a 30/04/2018
O fungo filamentoso Neurospora crassa como um organismo modelo para a caracterização funcional de proteínas/fatores de transcrição que regulam o metabolismo
Onde se formam mais doutores Número de doutorados outorgados por país e campo do conhecimento (% sobre o total) Campo do conhecimento País
Total
Ciências físicas e biológicas
Matemática e computação
Ciências agrícolas
Ciências sociais e comportamentais
Engenharias
Outros
EUA
57.405
12.610 (22%)
3.155 (5%)
982 (2%)
8.090 (14%)
7. 812 (14%)
24.756 (43%)
China
48.987
9.638 (20%)
NA
1.973 (4%)
2.371 (5%)
17.428 (36%)
17.577 (36%)
Alemanha
26.039
6.291 (24%)
1.363 (5%)
399 (2%)
1.422 (5%)
2.514 (10%)
14.050 (54%) 9.938 (39%)
Rússia
25.652
4.296 (17%)
NA
796 (3%)
6.017 (23%)
4.605 (18%)
Inglaterra
18.750
4.185 (22%)
1.355 (7%)
215 (1%)
2.770 (15%)
2.530 (13%)
7.695 (41%)
Índia (2006)
18.730
5.625 (30%)
NA
1.299 (7%)
NA
1.058 (6%)
10.748 (57%)
Japão (2009)
15.872
1.480 (9%)
NA
1.170 (7%)
988 (6%)
3.758 (24%)
8.476 (53%)
França (2009)
11.941
4.631 (39%)
999 (8%)
13 (0,1%)
1.198 (10%)
1.379 (12%)
3.721 (31%)
Brasil (2008)
10.705
2.122 (20%)
248 (2%)
1.081 (10%)
798 (7%)
1.221 (11%)
5.235 (49%)
Coreia do Sul
10.542
910 (9%)
185 (2%)
206 (2%)
358 (3%)
2.506 (24%)
6.377 (60%)
Espanha
8.696
1.894 (22%)
511 (6%)
170 (2%)
803 (9%)
1.296 (15%)
4.022 (46%)
Canadá
5.416
1.579 (29%)
349 (6%)
102 (2%)
748 (14%)
1.036 (19%)
1.602 (30%)
NA = Dados não disponíveis.
8 | maio DE 2014
Fonte: Science and Engineering Indicators 2014, NSF, USA; 2010 ou dado do ano mais recente.
Participação dos circuitos endocanabinoides, glutamatérgicos e endovaniloides do córtex pré-frontal medial no modelo de dor neuropática e da investigação das comorbidades dor crônica e outras desordens neurológicas Pesquisador responsável: Renato Leonardo de Freitas Instituição: FMRP/USP Processo: 2013/12916-0 Vigência: 01/02/2014 a 31/01/2018 Estudo da motilidade do parasita Plasmodium: identificação de novas moléculas alvo de terapia e validação de candidatos a vacina Pesquisadora responsável: Georgina Nuri Montagna Instituição: EPM/Unifesp Processo: 2013/14361-5 Vigência: 01/02/2014 a 31/01/2018 Investigação do potencial contra tuberculose de uma nova classe de compostos furoxânicos e compostos nanoestruturados de rutênio (II) e cobre (II) Pesquisador responsável: Fernando Rogério Pavan Instituição: FCFAR/Unesp Processo: 2013/14957-5 Vigência: 01/05/2014 a 30/04/2018 Equações dinâmicas funcionais impulsivas em escalas temporais e aplicações Pesquisadora responsável: Jaqueline Godoy Mesquita Instituição: FFCLRP/USP Processo: 2013/17104-3 Vigência: 01/04/2014 a 31/03/2018 Interações biológicas de uma biblioteca de nanopartículas de ouro com aplicações na nanomedicina Pesquisador responsável: Alioscka Augusto C.A. Sousa Instituição: EPM/Unifesp Processo: 2013/18481-5 Vigência: 01/04/2014 a 31/03/2018 Dinâmica de portadores eletrônicos em nanoestruturas semicondutoras Pesquisador responsável: Marcio Daldin Teodoro Instituição: CCET/UFSCar Processo: 2013/18719-1 Vigência: 01/04/2014 a 31/03/2018 Materiais híbridos orgânico-inorgânicos nanoestruturados para liberação controlada de lignanas com potencial farmacológico Pesquisador responsável: Eduardo Ferreira Molina Instituição: Reitoria/Unifran Processo: 2013/20455-2 Vigência: 01/04/2014 a 31/03/2018 Perfil diferencial de transcritos em células-tronco mesenquimais obtidas do fluxo menstrual (MENMSCS) de mulheres com endometriose Pesquisadora responsável: Juliana Meola Lovato Instituição: FMRP/USP Processo: 2013/22431-3 Vigência: 01/04/2014 a 31/03/2017
Boas práticas A editora Springer anunciou o cancelamento de 18 artigos publicados em anais de conferências nas áreas de ciência da computação e engenharias entre 2008 e 2013. Há três meses, a editora foi alertada de que alguns artigos submetidos a anais de conferências publicados por ela haviam sido gerados por um software que cria papers sem sentido. No mês seguinte, optou pela retratação dos artigos, uma espécie de “despublicação” oficial, em vez de simplesmente removê-los de seu sistema, por se tratar do “melhor mecanismo disponível para corrigir a literatura e assegurar sua integridade”. A editora também irá acompanhar mais de perto o processo de revisão dos artigos aceitos em conferências. Além da Springer, mais de 100 trabalhos publicados pelo Instituto dos Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE), consagrada instituição mundial que reúne profissionais da área de tecnologia, também foram identificados como falsos. Entre eles estava um artigo publicado em 2013 sobre novas metodologias para a construção de um site de e-commerce. No resumo, os autores afirmam que concentraram esforços “para contestar que planilhas podem ser feitas com base em conhecimento, empatia e de forma compacta”, algo evidentemente sem sentido. A maioria das conferências que aceitaram artigos falsos foi realizada na China e a maior parte dos autores tem afiliação chinesa. O software capaz de produzir tais aberrações é o SCIgen, que combina sequências de palavras de forma aleatória para produzir falsos artigos na área de ciência da computação. O programa foi inventado em 2005 por
pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT) com o objetivo de provar que muitas conferências realizadas na área de ciência da computação aceitam publicar artigos sem revisá-los de forma adequada. Como o SCIgen está disponível na internet, pode ser usado por qualquer pessoa. “Eu não tinha consciência da dimensão do problema, mas eu sabia que ele acontece”, disse à revista Nature Jeremy Stribling, um dos criadores do software. O responsável pelas denúncias é Cyril Labbé, pesquisador em ciência da computação da Joseph Fourier University, na França. Em 2012, ele iniciou uma investigação que catalogou artigos produzidos por computadores publicados em mais de 30 anais de conferências nos últimos cinco anos. Labbé desenvolveu uma técnica para detectar artigos criados pelo SCIgen, descrita em um artigo publicado na revista Scientometrics em 2012.
daniel bueno
Artigos nonsense
O método envolve a busca do vocabulário característico produzido pelo programa. A editora Springer anunciou uma parceria com Labbé para trabalhar no desenvolvimento de mecanismos de detecção de artigos falsos gerados pelo SCIgen ou por programas semelhantes que possam surgir no futuro.
Reviravolta no Japão Uma pesquisa sobre um novo método para produzir células-tronco por meio da exposição de células maduras em meio ácido, batizado de pluripotência desencadeada por estímulo (Stap, na sigla em inglês), foi alvo de uma investigação para apurar evidências de má conduta científica. O estudo, que foi publicado em janeiro na revista Nature, é liderado por cientistas do Centro de Biologia do Desenvolvimento Riken, no Japão, e teve repercussão na comunidade científica. A autora principal da pesquisa, Haruko Obokat, de 30 anos, foi acusada pelo comitê disciplinar do centro Riken de ter
fabricado e manipulado dados de forma intencional. Entre as evidências de fraude, foram citadas anotações de laboratório fragmentadas e não datadas e uma imagem que teria sido utilizada anteriormente na tese de doutorado da pesquisadora. Obokat alega que a imagem foi adicionada por engano. Em entrevista à Nature, a pesquisadora disse que o julgamento foi “inaceitável” e que irá recorrer da decisão na Justiça. Em nota, a Nature afirmou que não comentaria sobre o caso até realizar sua própria apuração, avaliando as conclusões da investigação feita pela instituição japonesa. PESQUISA FAPESP 219 | 9
Estratégias Cooperação em risco A anexação da península
Soyuz para transportar
da Crimeia pela Rússia
seus astronautas. “Se
estremeceu as relações
a Rússia tomar mais uma
científicas do país
polegada de território da
com parceiros da Europa
Ucrânia, inevitavelmente
e dos Estados Unidos.
virão outros cortes
A Organização do
em programas de
Tratado do Atlântico
intercâmbio científicos”,
Norte (Otan) suspendeu
disse à revista Nature
todo tipo de colaboração
Harley Balzer,
com a Rússia, incluindo
especialista nas relações
o programa Ciência para
entre Estados Unidos e
a Paz e Segurança, que
Rússia da Universidade
busca o desenvolvimento
Georgetown, em
de tecnologias para
Washington. Um dos
prevenir ataques
alvos prováveis, disse
Lançado no dia 3 de
System (EDRS), um
terroristas. Já o governo
Balzer, seria a parceria
abril, o Sentinel-1A,
sistema de satélites em
norte-americano
entre o Massachusetts
satélite desenvolvido
órbita projetado para
suspendeu os contatos
Institute of Technology
pela Agência Espacial
minimizar atrasos na
entre a Nasa e a agência
(MIT) e o Instituto
Europeia (ESA, na sigla
transmissão de grandes
espacial russa, incluindo
Skolkovo de Ciência e
em inglês), enviou as
quantidades de dados.
visitas, encontros e
Tecnologia, universidade
primeiras imagens da
A expectativa da ESA
até trocas de e-mails.
no subúrbio de Moscou
superfície terrestre.
é que os dados gerados
A única exceção foram
que reunirá 15 centros de
Elas são uma pequena
pelo Sentinel-1A sejam
as atividades da Estação
pesquisa de excelência.
amostra do tipo de
úteis na formulação
Espacial Internacional,
Estima-se que o MIT vá
imagem que a missão
de novas políticas
atualmente habitada
receber US$ 300 milhões
irá fornecer para o
ambientais e de
por dois tripulantes
do governo russo para
ambicioso programa
segurança. Desde o
norte-americanos,
organizar o currículo e os
europeu de
lançamento, o satélite
três russos e um japonês,
programas de pesquisa e
monitoramento
tem realizado uma
pois os Estados Unidos
dar suporte administrativo
ambiental batizado de
complicada rotina para
dependem das naves
à instituição.
Copérnico. O Sentinel-1A
implantar seus radares
é equipado com um
de 12 metros e suas
radar capaz de
longas asas solares.
esquadrinhar a superfície
Construído a um custo
terrestre através das
de € 280 milhões,
nuvens e da chuva,
ainda não está em sua
o que facilitará o
órbita operacional,
monitoramento de
o que deverá ocorrer
geleiras, vazamentos
num horizonte de
de petróleo no mar e
três meses. Uma das
mudanças no uso da
primeiras imagens
terra, além da resposta
enviadas pelo satélite
a emergências,
mostra a parte norte
como inundações e
da península Antártica.
terremotos. O satélite
Um outro satélite,
também é dotado de um
o Sentinel-1B, idêntico
terminal de laser para
ao 1A, será lançado
transmitir rapidamente
no próximo ano para
seus dados por meio do
potencializar o envio
European Data Relay
de dados do espaço.
Península Antártica vista pelo satélite Sentinel-1 A: capacidade de enxergar através das nuvens
Sentinela ambiental
O russo Mikhail Tyurin (de costas), o japonês Koichi Wakata e o norte-americano Rick Mastracchio, astronautas da Estação Espacial Internacional
1
10 | maio DE 2014
2
fotos 1 nasa 2 esa 3 Kate Holt / Africa Practice ilustraçãO daniel bueno
Redes de conhecimento
Parcerias no parque A Universidade Estadual
(ver Pesquisa FAPESP
de Campinas (Unicamp)
nº 206). As empresas
O International Social
abriu inscrições para
interessadas em utilizar
Science Council (ISSC),
a seleção de projetos
os espaços já existentes
vinculado à Organização
inovadores em seu
poderão escolher entre
das Nações Unidas para
Parque Científico e
os prédios do Inovasoft,
a Educação, a Ciência
Tecnológico. Podem
do Centro de Inovação
e a Cultura (Unesco),
participar empresas
e Incubadora e do
lançou uma chamada de
interessadas em
Laboratório de Inovação
propostas preparatória
desenvolver projetos
em Biocombustíveis
para o financiamento
de pesquisa e
(LIB). As que quiserem
de projetos no âmbito do
desenvolvimento em
construir poderão
programa Transformations
parceria com a Unicamp
escolher espaços de até
to Sustainability.
que queiram utilizar as
3 mil metros quadrados,
O prazo para inscrições
dependências já
dentro da área do
é 31 de maio e o anúncio
sobre sustentabilidade
existentes do parque ou
parque. O processo de
dos selecionados está
global, por meio de
construir um espaço
seleção das empresas
previsto para 30 de
redes de conhecimento
próprio. Administrado
será conduzido pela
junho. Os projetos devem
em biodiversidade,
pela Agência de
comissão de avaliação,
contar com a participação
mudanças climáticas,
Inovação Inova Unicamp,
que terá o prazo máximo
de pesquisadores
segurança alimentar,
o parque busca, entre
de 90 dias, após a
ligados a instituições de
entre outros assuntos.
outros objetivos,
inscrição da empresa,
pesquisa de diferentes
O ISSC é uma das
enriquecer a formação
para se pronunciar.
países e agregar áreas
sete organizações
de estudantes e o
O edital de seleção é
como as ciências
internacionais que
trabalho dos cientistas
de fluxo contínuo e está
humanas e naturais,
compõem a Science and
da universidade com
disponível em www.
engenharia e medicina.
Technology Alliance for
as demandas trazidas
inova.unicamp.br/
Os coordenadores das
Global Sustainability, uma
pelas empresas
parquecientifico/edital.
pré-propostas escolhidas
iniciativa internacional de
serão convidados a
pesquisa interdisciplinar.
participar de um workshop
Além do ISSC, participa
na Alemanha em
da Alliance o Belmont
setembro. Os resultados
Forum, grupo de
da seleção final serão
instituições de fomento
divulgados até abril de
à pesquisa em mudanças
2015. O programa
globais. A FAPESP, que
Transformations to
é membro do Belmont
Sustainability busca
Forum, é uma das
promover a cooperação
instituições envolvidas
internacional em pesquisa
na iniciativa do ISSC.
Pesquisa sobre segurança alimentar no Quênia: qualificação de pesquisadores
Centros de excelência na África
3
O Banco Mundial destinará US$ 150 mi-
será repassado ao governo de sete paí-
Nigéria, o número chega a 38, enquanto
lhões para financiar 19 centros de exce-
ses, entre eles Nigéria, que receberá US$
na América Latina a média é de 481 e
lência em universidades africanas. Os
70 milhões, Senegal, com US$ 16 milhões,
na Ásia, 1.714. Segundo o portal SciDev.
recursos apoiarão pesquisas nas áreas
e Gâmbia, que também será beneficiada
NEt, o Banco Mundial também se asso-
de engenharias, matemática, agricultu-
com um crédito de US$ 3 milhões volta-
ciou ao Fundo Nórdico de Desenvolvi-
ra e saúde. O projeto, chamado de Áfri-
dos para o ensino de graduação e cursos
mento (NDF, na sigla em inglês), que
ca Centers of Excellence, busca qualificar
técnicos. A taxa de pesquisadores na
reúne Dinamarca, Finlândia, Islândia,
jovens pesquisadores africanos, colo-
população é baixa na África. Em Burkina
Noruega e Suécia, para apoiar projetos
cando-os em contato com novas técnicas
Faso, por exemplo, são 45 pesquisado-
voltados para solucionar problemas cli-
e procedimentos científicos. O dinheiro
res para cada milhão de habitantes. Na
máticos e ambientais na África.
PESQUISA FAPESP 219 | 11
Tecnociência Duas vezes fora da África Os primeiros seres humanos modernos deixaram a África para ganhar o mundo em ao menos duas levas migratórias, e não uma, que teriam se iniciado mais cedo do que se pensava. A primeira teria ocorrido por volta de 130 mil anos atrás e
1
A pluma de Manaus pode chegar a 250 km sobre a floresta e intensificar as chuvas
seguido uma rota pelo sul da Ásia, passando pela península Arábica e costeando o Pacífico até alcançar a Austrália. Já a segunda teria saído da África por um caminho
Poluição urbana sobre a floresta
mais ao norte cerca de 50 mil anos atrás.
Ao usarem seus carros,
(PNNL), fazia zigue-
Departamento de
Parte teria se dispersado
os moradores de Manaus
-zagues dentro da pluma,
Energia dos Estados
pelo centro-sul asiático
modificam os padrões
filmava as nuvens à
Unidos. “Tivemos
e parte se espalhado
de chuva. Em fevereiro
frente, fotografava cristais
também um imenso
para o sudeste do
e março, como parte das
de gelo e, por meio
apoio logístico do
continente. Um grupo
atividades do programa
dos sensores colocados
Ministério da Defesa
de pesquisadores
de pesquisa Green
sob as asas ou na
e da Força Aérea.”
coordenado por Katerina
Ocean (GO) Amazon,
fuselagem, registrava a
As informações
Harvati, da Universidade
pesquisadores do Brasil
quantidade de material
coletadas tomaram a
de Tübingen (Alemanha),
e dos Estados Unidos
particulado, óxidos de
forma de um banco de
chegou a essa conclusão
fizeram 15 sobrevoos em
nitrogênico, monóxido
dados, acessível, por
ao confrontar dados
um avião de pesquisa
de carbono e ozônio
meio de mapas e
genéticos e morfológicos
sobre a floresta
produzidos na cidade e
gráficos, em uma das
amazônica e a cidade de
de compostos voláteis
páginas do site do Inpe
Manaus e verificaram
orgânicos, liberados
(http://meioambiente.
que a massa de ar com
pelas plantas da floresta.
cptec.inpe.br/
poluição gerada na
“Conseguimos captar
goamazon-1km/).
cidade, a chamada
a extensão e a altitude
pluma, pode chegar a
da pluma de Manaus
sugere que as populações
250 quilômetros (km)
com excelente
originais da Austrália
de distância e modificar
concordância com nosso
e da Melanésia seriam
a estrutura da chuva
modelo numérico de
descendentes da
na floresta e na capital
transporte químico da
primeira leva migratória
do Amazonas. A
atmosfera”, disse Karla
e teriam permanecido
uma altitude mínima
Longo, pesquisadora
relativamente isoladas.
de 600 metros, o avião
do Instituto Nacional de
Já as demais populações
Gulfstream ARM 1,
Pesquisas Espaciais
asiáticas descenderiam
conhecido como G-1,
(Inpe) e coordenadora
da migração posterior
do Pacific Northwest
dessa parte do trabalho,
National Laboratory
financiado pelo
12 | maio DE 2014
do crânio de populações Duas migrações: a primeira (verde) há 130 mil anos e a segunda (vermelha) há 50 mil anos
humanas atuais da África e da Ásia com informações geográficas sobre as potenciais rotas de migração. O estudo
ou da miscigenação de 2
ambas (PNAS, abril 2014).
Um plástico que se autorrepara Um plástico que pode ser reparado depois
truturando a estrutura molecular original,
plástico realmente tem as propriedades
de receber arranhões, cortes ou mesmo
sem a ajuda de qualquer substância quí-
de autorreparação foi realizada por meio
ter se rompido foi desenvolvido em uma
mica, como aditivos ou catalisadores. A
de ensaios mecânicos, de tração e vis-
parceria entre pesquisadores do Institu-
restauração acontece por meio de calor,
cosidade. As propriedades obtidas podem
to de Tecnologia de Karlsruhe, da Alema-
entre 50° e 120°C, durante poucos mi-
ser transferidas para outros polímeros já
nha, e a multinacional da indústria
nutos. O polímero tem um sistema de
usados no mercado. Os resultados do
química de origem alemã, Evonik. A
reticulação de fibras ou pequenas molé-
grupo do pesquisador Christopher Barner-
novidade é um novo tipo de polímero que
culas que consegue corrigir a constituição
-Kowollik foram publicados na Advanced
faz uma autocura para reparar-se rees-
química do material. A prova de que o
Materials em 21 de março.
fotos 1 eduardo cesar 2 Katerina Harvati / Universidade de Tübingen 3 Universidade de Manchester ilustraçãO daniel bueno
Mais ouro desacelera reação O químico Pedro
de prata. Para entender
Henrique Cury Camargo,
por que isso ocorria,
do Instituto de Química
Camargo contou com a
da Universidade de São
colaboração da
Paulo (USP), descobriu
pesquisadora Sarah
que catalisadores –
Haigh, da Universidade
substâncias que
de Manchester, na
aceleram as reações
Inglaterra. “Por meio
químicas, inclusive na
de técnicas de
indústria – feitos de
espectroscopia acoplada
nanopartículas de ouro e
a microscopia eletrônica
prata tornam-se menos
de alta resolução,
eficientes à medida que
conseguimos mapear,
se aumenta a proporção
em 3D, a distribuição
Um novo material para
de Ilha Solteira, que
de ouro no material. Dos
relativa dos diferentes
o setor de construção
participou da pesquisa
dois elementos isolados,
elementos nas
com resistência similar
quando fazia seu
o ouro é o que tem maior
nanopartículas
ao cimento convencional,
doutorado na UPV.
atividade catalítica. “Por
bimetálicas”, conta.
feito com restos de
De acordo com a
isso, se pensava que essa
Assim, eles descobriram
telhas, tijolos, azulejos
coordenadora do
atividade aumentaria à
que, ao se aumentar a
e vasos sanitários, foi
projeto, professora
medida que se elevasse
proporção de ouro,
criado por pesquisadores
Maria Victoria
a proporção de ouro”,
esse elemento se dirige
da Universidade
Borrachero, depois da
explica Camargo. “Mas
para o centro das
Politécnica de Valência
homogeneização da
o que observamos
nanopartículas, deixando
(UPV) e da Universidade
mistura o novo material
é o contrário, o que
a prata na superfície,
Jaime I de Castellón, na
é colocado em moldes
foi surpreendente.”
que é a região mais
Espanha, em colaboração
e submetido a um
Para chegar a esse
importante para a
com o Imperial
processo de cura a
resultado, ele sintetizou
catálise. Mas a prata
College de Londres e a
65ºC de temperatura.
nanoestruturas com
tem menor atividade
Universidade Estadual
“O material produzido
diferentes composições,
catalítica, deixando
Paulista (Unesp). “O
apresenta resistência
com teores crescentes
o composto menos
material desenvolvido
similar ao cimento
de ouro, chegando a
eficiente. “Quando
não contém cimento,
convencional, com
34% desse metal na liga,
o ouro diminui para 18%,
apenas areia, resíduos
menos gasto de energia
para 66% de prata.
uma mistura dos dois
cerâmicos moídos e
para a sua fabricação”,
Com essa proporção,
metais ocupa a
um ativador alcalino
relata Tashima.
as nanoestruturas
superfície, mas com um
composto por hidróxido
Os primeiros resultados
bimetálicas tiveram
pouco mais de ouro”,
de sódio, silicato de sódio
da pesquisa foram
a menor atividade
explica Camargo. “Por
e água”, explica o
publicados na
catalítica. A maior
isso as nanoestruturas
professor Mauro Tashima,
revista Construction
ocorreu na proporção de
nessa proporção são
do departamento de
and Building Materials,
18% de ouro e 82%
mais eficientes.”
engenharia civil da Unesp
em agosto de 2013.
Material feito com resíduos
Imagens de microscopia eletrônica mostram nanopartículas de ouro, em vermelho, e prata, em verde
3
PESQUISA FAPESP 219 | 13
Nanorrótulo contra fraudes
Tomates múltiplos A agricultura do
escolhido por ter ciclo
Um rótulo invisível
futuro poderá se valer
de vida curto e ser
misturado ao azeite
de uma técnica
um excelente modelo
de oliva pode ser a
biotecnológica que
genético para estudos
mais nova solução
apresentou promissores
de frutos carnosos,
para evitar as fraudes
resultados na Escola
além de possuir o
e falsificações desse
Superior de Agricultura
microRNA156. Para
produto. Pesquisadores
Luiz de Queiroz da
superexpressar esse
do Instituto Federal
Universidade de
gene, os pesquisadores
de Tecnologia de
São Paulo (USP), na
inseriram no tomateiro
Zurique (ETH, na sigla
cidade de Piracicaba.
o mesmo segmento
em alemão), na Suíça,
O biólogo Geraldo Felipe
genético da Arabidopsis
anunciaram que
Ferreira e Silva, sob
thaliana, uma planta-
conseguiram por meio
a coordenação do
-modelo para estudos
de um minúsculo pedaço
professor Fabio Tebaldi
genéticos. Entender
de material genético
Silveira Nogueira,
essa via de regulação
artificial marcar uma
produziu tomateiros
é importante também
produção de azeite.
transgênicos em que
por motivos comerciais.
Chamado de DNA
as células das frutas
“Conhecer o que está
sintético e revestido de
permanecem capazes
por trás da variação nos
de dar origem a outros
tomates pode permitir
órgãos. Outro aspecto
no futuro alterar o
observado é que a planta
formato dos frutos e
produz mais brotos,
aumentar a produção”,
o que pode levar a um
diz o professor
aumento de biomassa.
Nogueira, que também
sílica, o rótulo, que tem dimensões nanométricas equivalentes a um milímetro dividido por um milhão, não pode
1
Material genético artificial identifica falsificações em azeites
ser substituído ou retirado do produto e
A nova tecnologia
“Esse é um experimento
recebeu financiamento
não altera a cor ou o
poderá suprir a
de ciência básica em que
da FAPESP para o
sabor. Uma análise
necessidade de etiquetas
superexpressamos o
estudo. Nogueira tinha
laboratorial com uma
anti-falsificação de
gene do microRNA156,
detectado essas
pequena quantidade do
alimentos no mundo.
que foi capaz de alterar
moléculas de RNA
produto confirma ou não
Em operação conjunta
o estado do ovário da
em seus trabalhos com
a procedência e também
no início do ano,
flor do tomateiro e com
cana-de-açúcar,
se houve adulterações
a Interpol e a Europol
isso levar o próprio fruto
planta que não é um
com outros tipos de óleo.
confiscaram mais de
a retomar o processo de
modelo adequado para
Para que possam ser
1.200 toneladas
crescimento da planta”,
investigar a formação
melhor identificados,
de alimentos e 430 mil
diz Silva, doutorando
de frutos. Um artigo
a etiqueta de
litros de bebidas
no Centro de Energia
sobre o estudo com
nanopartícula de DNA
falsificadas. O estudo foi
Nuclear na Agricultura
tomates transgênicos
foi marcada com óxido
publicado na revista ACS
(Cena) da USP, com
foi publicado na edição
de ferro magnético.
Nano em 25 de março.
financiamento da
de abril da revista
FAPESP. O tomateiro foi
The Plant Journal.
A solução também poderá ser incorporada
Fruto de tomateiro transgênico brota novamente gerando biomassa
a gasolina e perfumes. Os pesquisadores acreditam que não vai existir repulsa dos consumidores pelo azeite ou outros produtos comestíveis por ele conter sílica e óxido de ferro. A sílica está presente em ketchups, molhos e sucos e o ferro é um aditivo alimentar comum. 14 | maio DE 2014
2
O cérebro e o terremoto
A embriaguez de homens e mulheres
Escapar com vida de um evento traumático pode
Quem resiste mais aos efeitos de bebidas
produzir alterações de
alcoólicas, os homens ou as mulheres?
longo prazo no cérebro,
Depende da bebida. Em um teste feito
mas que podem ser
no Rio de Janeiro com 20 voluntários (10
reversíveis. A equipe
homens e 10 mulheres com idade entre
de Atsushi Sekiguchi,
21 e 54 anos), a ingestão de bebidas
da Universidade
destiladas – uísque e cachaça – promo-
Tohoku, em Sendai, fez
veu um aumento nos níveis de álcool no
imagens de ressonância
sangue mais rapidamente do que o con-
magnética do crânio
sumo de bebidas fermentadas nos ho-
de 37 sobreviventes do
mens. Nas mulheres, a cerveja promoveu
grande terremoto
os menores níveis de álcool no sangue
seguido de tsunami
ao longo das seis horas do experimento,
que atingiu o Japão em
e a cachaça promoveu níveis de álcool
março de 2011 e matou
no sangue bem menores do que os ob-
16 mil pessoas. Os
tidos com o consumo de vinho. A inges-
todas as bebidas (cerveja, vinho, uísque
exames, realizados logo
tão de uísque ocasionou os maiores níveis
e cachaça), com intervalo de uma sema-
após o cataclismo e um
de álcool no sangue em ambos os sexos.
na entre cada teste. A primeira coleta
ano depois, revelaram
A mesma dose de etanol (0,5 grama por
de sangue (8 mililitros) era após uma
que uma estrutura ligada
quilograma de peso corporal) era ofere-
noite de jejum de 12 horas. Os partici-
à autoestima, o córtex
cida a cada participante (Food Chemistry,
pantes tinham meia hora para consumir
orbitofrontal, diminuiu
setembro de 2014). No estudo de Lucia-
a dosagem padrão de álcool, em cada
de tamanho num
na Nogueira, do Instituto Federal de
bebida, e então a segunda amostra era
primeiro momento como
Educação, Ciência e Tecnologia do Rio
coletada, e outras a cada hora, até a
resposta ao estresse,
de Janeiro (IFRJ), com colegas da Univer-
sexta hora. Depois de atingir um valor
mas aumentou com
sidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
máximo, a concentração de álcool no
o passar do tempo
e de Campinas (Unicamp), cada volun-
sangue volta lentamente ao normal,
(Molecular Psychiatry,
tário poderia participar dos testes de
dependendo do tipo de bebida.
29 de abril de 2014). Os
fotos 1 eduardo cesar 2 Geraldo Silva / Esalq 3 Danilo Balthazar Silva / IO-USP ilustraçãO daniel bueno
pesquisadores acreditam que a estrutura voltou a crescer porque os testes
Lixo quase invisível nas praias
psicológicos feitos com os sobreviventes indicam
A quantidade de
que profundidade os
Esse material deve
grânulos plásticos,
pellets chegavam”, diz o
provir de empresas
os chamados pellets,
biólogo Alexander Turra,
produtoras e usuárias
com diâmetro de 3 a 5
professor do Instituto
desse tipo de plástico
milímetros, misturados
de Oceanografia da
ou da perda dos pellets
com a areia das praias,
Universidade de
durante o transporte
parece ser maior
São Paulo (IO-USP)
e armazenamento
que a imaginada.
e coordenador do
em contêineres. Em
Apenas 10% dos pellets
estudo (Scientific
conjunto com o Instituto
encontram-se à
Reports, 27 de março).
Plastivida, Turra está
superfície da areia, e a
“Cavamos, cavamos e
elaborando um manual
maior parte se esconde a
continuávamos achando
de procedimentos para
uma profundidade de até
os grânulos plásticos.”
as empresas poderem
dois metros, de acordo
Com sua equipe, Turra
reduzir a perda de
com um levantamento
estimou em 15 toneladas
pellets. “Não é possível
realizado em Santos
a quantidade de pellets
retirar os pellets
e São Vicente, cidades
acumulada na areia
da praia, mas podemos
do litoral sul do
da área amostrada,
impedir a entrada
estado de São Paulo.
com cerca de sete
de mais”, propõe
“Queríamos ver até
quilômetros de extensão.
o pesquisador do IO.
De grão em grão, toneladas de pellets se espalham em praias do litoral paulista
que eles tinham grande capacidade de lidar com situações extremas.
3
PESQUISA FAPESP 219 | 15
capa
NanossatÊlite AESP-14, desenvolvido pelo ITA e Inpe, em câmara de teste 16 | maio DE 2014
Pequenos ganham o espaço Nanossatélites são lançados em missões de coletas de dados que vão do monitoramento ambiental a testes de sistemas biológicos Texto
Dinorah Ereno
C
Fotos
Léo Ramos
riados em 1999 como uma ferramenta educacional, os cubesats – nanossatélites em forma de cubo com 10 centímetros de aresta, medida que engloba altura, largura e profundidade – tornaram-se um instrumento relativamente barato e rápido para coletar dados espaciais. Eles são usados para diversas finalidades, que vão da detecção de sinais eletromagnéticos que antecedem os terremotos a sistemas de sensoriamento de condições atmosféricas, passando pelos testes de sistemas biológicos, como a produção de proteínas bacterianas no espaço, até a observação de fenômenos no solo, entre outras aplicações. Desde os primeiros cubesats lançados em 2003, quando seis projetos pegaram carona no veículo de lançamento russo Rockot, até abril deste ano foram feitos 130 lançamentos, 65 dos quais apenas no ano passado. No Brasil, o programa para construção de satélites de pequeno porte, iniciado em 2003 por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), com apoio da Agência Espacial Brasileira (AEB), começa a mostrar resultados concretos com a previsão de lançamento de
quatro minissatélites ainda este ano. O primeiro, com lançamento programado para 19 de junho, é o NanoSatC-BR1 – sigla de nanossatélite científico brasileiro. A área espacial pegou emprestado o prefixo nano – relativo a tamanhos de um milímetro dividido por um milhão – para designar satélites muito pequenos. O BR1, com pouco menos de um quilo de peso, foi concebido e desenvolvido por pesquisadores do Centro Regional Sul do Inpe, em parceria com a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul. Depois da realização de ensaios como o de vibração, que simulam as condições na fase de lançamento, ele foi levado para Delft, na Holanda. Lá serão feitos outros testes antes de o artefato ser enviado para a Rússia, onde será lançado pelo foguete DNEPR, um antigo míssil nuclear soviético-ucraniano convertido em plataforma de lançamento comercial. “O foguete leva um satélite principal e nos locais vagos são acondicionados vários satélites menores”, explica Otávio Durão, coordenador de engenharia e tecnologia espacial do projeto na sede do Inpe, em São José dos Campos, interior de São Paulo. PESQUISA FAPESP 219 | 17
O
outro circuito eletrônico integrado tem como base um software, desenvolvido pelo laboratório do grupo de Microeletrônica do Instituto de Informática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), também parceira no desenvolvimento, que protege o hardware de falhas causadas pela radiação. Duas estações terrenas de rastreio e controle de nanossatélites, uma em Santa Maria (RS) e outra instalada no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos, irão monitorar o cubesat BR1 em órbita, rastreando e baixando os dados que o satélite deverá adquirir no espaço. Essas estações já estão recebendo dados de outros satélites em órbita. “De início pensamos em trabalhar com satélites de pequeno porte, mas como surgiu o conceito dos cubesats, criado pelo professor Robert Twiggs, da Universidade de Stanford [Califórnia, Estados Unidos], mudamos a nossa estratégia”, diz Schuch. A plataforma foi projetada para ser pequena, simples – o que facilita sua construção por alunos de pós-graduação – e com tamanho padrão: uma caixa cúbica com 10 centímetros de aresta que acomo18 | maio DE 2014
Por dentro dos satélites Estrutura, função e outras características dos artefatos espaciais brasileiros
aeb
inpe
A bordo do cubesat BR1 irá uma placa com três cargas úteis. Uma delas é um sensor chamado magnômetro, que irá estudar o campo magnético terrestre e sua interação com a radiação ionizante proveniente do Sol e das estrelas. Seu objetivo é estudar um fenômeno conhecido como anomalia magnética do Atlântico Sul, que ocorre na região costeira sul do Brasil. Nesse local os pesquisadores apontam a existência de uma falha na magnetosfera terrestre que permite à radiação ionizante espacial chegar mais perto da superfície. Como consequência, existe um risco maior da presença de partículas de alta energia que podem afetar as comunicações, os sinais de satélites de posicionamento global (como o GPS), as redes de distribuição de energia ou mesmo causar falhas em equipamentos eletrônicos como computadores de bordo. As medições do sensor serão feitas pelo cubesat a partir de uma órbita baixa próxima de 600 quilômetros de altitude, sobrevoando os polos terrestres. “Também vamos testar no espaço os dois primeiros circuitos integrados projetados no Brasil para uso espacial”, diz Nelson Jorge Schuch, físico de formação e coordenador-geral do Programa NanoSatC-BR - Desenvolvimento de Cubesats no Centro Regional Sul de Pesquisas Espaciais e gerente do Projeto BR1 do Inpe. Um dos circuitos recebe comandos do solo com instruções para ligar e desligar a carga útil, câmera etc. “O método de projeto usado para o desenvolvimento deste circuito faz com que ele tenha proteção à radiação do espaço e é isto que se deseja testar em voo”, relata Schuch.
NanoSatC-BR1 Desenvolvimento Inpe e UFSM Tipo Cubesat Dimensões 10 × 10 × 11,33 cm Função Satélite científico-tecnológico
serpens
Equipamentos a bordo Subsistemas
Desenvolvimento Consórcio de
de computação, potência, rádio,
universidades, com apoio da AEB
controle e carga útil
Tipo Nanossatélite - Cubesat 3U
Lançador Foguete russo DNEPR
Dimensões 10 × 10 × 30 cm
Altitude da órbita 600 km
Função Prova de conceito para o
Posicionamento Órbita baixa polar
sistema brasileiro de coleta de dados
(volta completa em torno da Terra a
Equipamentos a bordo Transponder
cada 90 minutos)
digital para coleta de dados,
Tempo no espaço 1 ano
computador de bordo, sistema de
Custo R$ 800 mil
energia e comunicação duplicados Lançador Estação Espacial Internacional (ISS) Altitude da órbita 400 km Posicionamento Órbita baixa polar Tempo no espaço Menos de 2 anos Custo R$ 800 mil
da subsistemas de comunicação, painéis solares, bateria e alguns extras, com peso total de cerca de um quilo. “Com o passar do tempo, tornou-se um padrão tecnológico espacial e abriu caminho para a montagem de outros cubesats”, diz Durão. Entre os nanossatélites brasileiros que se preparam para ganhar o espaço, um deles, o Tancredo-1, se destaca por ter como construtores estudantes do ensino fundamental da escola municipal Tancredo de Almeida Neves, de Ubatuba, litoral norte paulista. “A ideia de montar um satélite surgiu numa conversa com alunos do quinto ano, que trabalhavam em um projeto de iniciação científica”, relata o professor de matemática Candido Osvaldo de Moura, coordenador do projeto. O apoio
inpe
ubatubasat
inpe
aesp-14 Desenvolvimento ITA e Inpe Tipo Cubesat
tancredo-1
Dimensões 10 × 10 × 11,33 cm
Desenvolvimento Escola Municipal
Função Ferramenta educacional que
Tancredo Neves e Inpe
itasat
levará como experimento mensagem
Tipo Tubesat
Desenvolvimento ITA e Inpe
destinada a cientistas brasileiros
Dimensões 9,7 cm de diâmetro
Tipo Nanossatélite – Cubesat 6U
Equipamentos a bordo Modem em
e 12 cm de altura
Dimensões 10 × 22,6 × 34 cm
banda UHF para enviar mensagens
Função Educacional
Função Medidas de radiação e coleta
Lançador ISS
Equipamentos a bordo Computador
de imagens
Altitude da órbita 350 a 400 km
de bordo, radiotransmissor/receptor,
Equipamentos a bordo Experimentos
Posicionamento Órbita baixa polar
antena, subsistema de controle
de comunicação, sensores de radiação,
Tempo no espaço 90 dias
de potência e gravador num chip
campo magnético e câmera
Custo R$ 150 mil
Lançador ISS
Lançador Em fase de seleção
Altitude da órbita 350 km
Altitude da órbita 600 km a 700 km
Posicionamento Órbita equatorial,
Posicionamento Órbita baixa polar
a mesma da estação
Tempo no espaço 1 ano de operação
Tempo no espaço 4 meses
Custo R$ 1,8 milhão (sem o
Custo R$ 30 mil (sem o lançamento)
lançamento)
inpe
Desenvolvimento Inpe Tipo Nanossatélite - Cubesat 8U Dimensões 20 × 20 × 20 cm Função Satélite de coleta de dados ambientais Equipamentos a bordo Subsistemas de computação, de controle de atitude, de telemetria e telecomando e antenas Lançador Não contratado até o momento
nasa
Altitude da órbita 650 km Posicionamento Órbita baixa polar
conasat
Tempo no espaço 1 ano Custo Previsão de R$ 5 milhões
financeiro de um empresário local, que contribuiu com R$ 16.500,00, foi o ponto de partida para a concretização do sonho, que entrou no quinto ano com o envolvimento de 150 alunos. “Compramos os componentes e o satélite foi montado peça por peça aqui”, relata o professor.
N
os Estados Unidos há um movimento crescente de missões espaciais que têm como plataforma os cubesats. A agência espacial Nasa, por exemplo, colocou em órbita em novembro do ano passado 29 satélites em uma única missão, composta por um satélite militar e 28 cubesats projetados e construídos por diversas instituições universitárias. Um
deles, chamado de PhoneSat 2.4, utilizou como computador de bordo o hardware de um telefone celular. Empresas privadas como a Planeta Labs de San Francisco, criada em 2010 por três ex-cientistas da Nasa, também estão investindo nessa plataforma de coleta de dados. Em fevereiro deste ano, ela lançou, a partir da Estação Espacial Internacional (ISS), uma frota de 28 nanossatélites chamada Flock 1, que vai fotografar a Terra continuamente. Segundo a empresa, as imagens irão permitir a identificação de áreas de desastres ambientais e ajudarão a melhorar a produção agrícola nos países em desenvolvimento (ver mais sobre o assunto na Nature de 17 de abril de 2014). PESQUISA FAPESP 219 | 19
“A estrutura dos cubesats é montada com componentes de prateleira, ou seja, itens industriais, o que barateia muito o custo do projeto”, diz Durão. O custo total do NanoSatC-BR1, por exemplo, ficou em cerca de R$ 800 mil – o valor engloba compra de componentes, desenvolvimento do software da estação terrena de rastreio e controle de nanossatélites, construção da estação e dos experimentos que irão como carga útil, além do lançamento pelo foguete russo. Só o lançamento ficou em cerca de R$ 280 mil. Para efeito de comparação, um satélite da série Cbers, feito em parceria com a China para sensoriamento remoto, custa cerca de US$ 270 milhões e o risco de perder todo o projeto existe tanto para cubesats como para satélites de grande porte. O Cbers-3, por exemplo, foi perdido em dezembro de 2013 devido a uma falha em um dos motores do veículo lançador chinês. Já o primeiro nanossatélite científico brasileiro, o Unosat-1, das universidades Norte do Paraná (Unopar) e Estadual de Londrina (UEL), foi destruído em um acidente com o veículo lançador VLS-1 em Alcântara, no Maranhão, em 2003.
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m segundo cubesat do programa NanoSatC – o BR2, com o dobro do tamanho do primeiro e maior capacidade de carga útil – está em fase de finalização e a expectativa de que seja lançado em 2015. “As cargas úteis já foram definidas, estão em desenvolvimento e agora precisamos contratar o lançamento”, diz Durão. Uma delas é composta por um sen-
sor para detecção de partículas na ionosfera e a outra por um subsistema para a determinação de atitude que define a posição angular do satélite, essencial, por exemplo, para tirar uma fotografia ou mirar uma antena. Esse subsistema, que está sendo feito pela primeira vez no Brasil, foi desenvolvido por meio de uma parceria entre o Inpe, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Federal do ABC (UFABC). Ele é um item crítico para satélites por causa Estrutura dos de sua aplicação também militar, o cubesats é que limita o acesso a essa tecnologia a alguns poucos países. O custo montada com para montagem da plataforma do BR2, com modelos de engenharia componentes e de voo e estação de solo, ficou em R$ 748 mil. industriais, o O Centro Renato Archer em Camque reduz custo pinas também participou da construção da carga útil dos NanosatCdos projetos -BR1 e 2, por meio do Projeto Citar, cujo objetivo é o desenvolvimento de circuitos integrados com proteção à radiação para diversas aplicações, inclusive espaciais, para grandes satélites como os de telecomunicações e outros. “Estes cubesats, e os demais do programa, serão utilizados como plataformas de testes no espaço para estes circuitos”, relata o engenheiro eletricista Saulo Finco, do Centro Renato Archer e coordenador do projeto. O BR1 já tem como uma
nasa
Lançamento de satélites do módulo japonês a partir da Estação Espacial Internacional
20 | maio DE 2014
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Alunos de escola de Ubatuba aprendem a montar um tubesat
de suas cargas úteis um dos circuitos desenvolvidos dentro do Projeto Citar. Os outros três nanossatélites brasileiros com previsão de lançamento para este ano deverão ser lançados da ISS, plataforma que fica em órbita a uma altura de 370 quilômetros. Serão lançados por meio de um braço robótico operado pelo módulo espacial japonês Kibo. Um desses satélites é o Serpens – sigla de sistema espacial para realização de pesquisa e experimentos com nanossatélites –, projeto coordenado pela AEB e com participação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), da UFABC, da UFMG e da Universidade de Brasília (UnB), além do Instituto Federal Fluminense de Campos de Goitacazes, no Rio de Janeiro, responsável pelas estações que irão receber os dados dos satélites. Entre os parceiros internacionais estão a Universidade de Vigo, na Espanha, a Sapienza Università di Roma, na Itália, a Morehead State University e a California State Polytechnic University, ambas dos Estados Unidos. “A nossa proposta é que a execução do projeto capacite os estudantes dos novos cursos de engenharia aeroespacial, que estarão em contato com grupos de pesquisa com experiência nessa área”, diz Gabriel Figueiró de Oliveira, bolsista da AEB e responsável pelo processo de desenvolvimento e montagem do satélite. A execução do projeto caberá às universidades. “O Serpens, nome que remete a uma constelação chamada serpente [vista do hemisfério Norte], é o mais desafiador nanossatélite desenvolvido no Brasil”, diz o professor Carlos Gurgel, diretor de satélites, aplicações e desenvolvimento da AEB. A meta é que ele fique pronto até o final deste ano – seu lançamento está previsto para o início de dezembro. O processo para dar início à primeira missão do programa começou em setembro do ano passado, com a
abertura do processo para a compra de equipamentos, mas o lançamento oficial ocorreu na primeira semana de dezembro, durante um workshop com a participação de parceiros internacionais. “As imagens do satélite sendo lançado da estação espacial poderão ser vistas e compartilhadas pelos estudantes”, diz Figueiró.
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odos os subsistemas dentro do Serpens, como computadores de bordo, painéis solares e outros componentes obrigatórios, foram duplicados. E cada um dos setores levará uma carga útil cujo objetivo é testar um conceito tecnológico para os cubesats de recebimento e transmissão de mensagens por sistema de rádio, que, no futuro, poderá ser usado para coleta de dados. “Um dos setores levará uma carga útil composta por um transponder [dispositivo para coleta de dados] montado com arquitetura experimental e componentes de baixo custo, alguns nunca testados em órbita, na banda VHF [frequência muito alta]”, relata Figueiró. O outro setor levará um dispositivo de comunicação eletrônico já testado em órbita para essa finalidade, com um sistema em banda UHF, a mesma da TV digital. “Queremos testar se o transponder na banda UHF pode receber, armazenar e procesPESQUISA FAPESP 219 | 21
1 Nanossatélite na câmara de vácuo do Inpe
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sar informações de bordo e depois transmiti-las para as antenas instaladas nas universidades.” O segundo cubesat com previsão de lançamento para este ano, da Estação Espacial Internacional, é o AESP-14, com cerca de um quilo de peso e desenvolvido em parceria entre o ITA e o Inpe. “O desenvolvimento do nanossatélite é uma forma de incentivar os alunos a exercitarem aquilo que aprendem na sala de aula”, diz o professor Roberto Lacava, coordenador do projeto e do curso de engenharia aeroespacial do ITA, conhecido na instituição como AESP. Essa mesma sigla foi adotada como nome do projeto, iniciado em 2012 pela turma que irá se graduar em 2014. “Todos os subsistemas eletrônicos e mecânicos foram projetados e montados pelos estudantes”, diz o engenheiro Cleber Toss Hoffmann, coordenador técnico do projeto no ITA. Apenas o modem de radiofrequência, utilizado em diversos cubesats e compatível com a comunidade de radioamadores do mundo, foi comprado. Aluno de mestrado no ITA, Hoffmann também é professor no curso de graduação e usa o projeto em suas aulas. A carga útil do AESP-14 é um experimento intelectual. “Radioamadores do mundo todo receberão frases gravadas por cientistas brasileiros”, diz Lacava. O seu desenvolvimento foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com bolsas no total de R$ 150 mil, e pela AEB, responsável pela compra de componentes, ensaios ambientais, manufatura e material de consumo no valor de R$ 250 mil. O terceiro satélite brasileiro que também sairá da ISS, o Tancredo-1, pesa apenas 750 gramas, tem cerca de 9 centímetros de diâmetro e 12 centímetros de altura. Seu formato lembra um cilindro, daí ser chamado de tubesat. A plafatorma, criada pela empresa norte-americana Interorbital Systems, 22 | maio DE 2014
consiste de um sistema modular composto por um conjunto de placas empilhadas e outras para captura de energia solar. “Após conversar com colegas, empresários do município e fazer contatos na prefeitura, senti que havia condições para levantar os recursos necessários à sua montagem”, relata Moura. O projeto teve início em 2010, quando o professor leu em uma revista que a Interorbital estava vendendo um kit de montagem do satélite e se encarregava de colocá-lo em órbita.
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le ligou então para a empresa para saber se os preços eram os mesmos anunciados e a possibilidade de montá-lo aqui no Brasil. “Na conversa, eles nos disseram que os nossos alunos seriam as pessoas mais jovens do mundo a fazer pesquisa espacial e também que precisaríamos de ajuda técnica.” A estudante Maryanna Conceição Silva, de 16 anos, é um dos jovens que fazem parte do projeto UbatubaSAT desde o seu início. Na época ela tinha 12 anos e cursava o quinto ano do ensino fundamental. “É muito legal aprender como os satélites são feitos”, conta sobre a sua experiência. “No começo foi muito difícil. Hoje já não é mais.” O apoio técnico ao projeto veio do Inpe, que ao ser procurado encampou imediatamente a ideia e na sequência passou a treinar os professores e depois os alunos. “Chegamos a ter até um modelo de engenharia do satélite praticamente testado, mas tivemos problemas na Interorbital e percebemos que iria demorar muito até ele ser lançado e por isso saímos em busca de alternativas.” No total foram gastos até agora cerca de R$ 30 mil com o nanossatélite. E o que era apenas uma ideia em sala de aula transformou a vida de muitos estudantes, como a de Maryanna. Antes pouco interessada em ciência e tecnologia, hoje ela quer ser engenheira espacial.
2 Estrutura interna do NanoSatC-BR2
cional para a coleta de dados ambientais. “Com o passar do tempo houve uma adequação do satélite para a plataforma cubesat, definida em literatura internacional, o que facilita a sua replicação em outros experimentos”, relata o professor Elói Fonseca, gerente do projeto. “Com isso, o Itasat passou a aproveitar tudo o que já tinha sido desenvolvido.” Ele pesa cerca de 6 quilos e tem dimensões de 10 por 22,6 centímetros e 34 centímetros de altura, o que corresponde a seis unidades do cubesat BR1. Como carga útil, ele levará ao espaço os mesmos sensores de medida de radiação de campo eletromagnética dos satélites NanoSatC. “Dessa forma, poderemos dar continuidade aos experimentos como uma rede de satélites”, diz Fonseca.
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Também em função do projeto, os alunos da escola escreveram um artigo Conasat, satélite científico que, no começo em construção de 2013, foi submetido e aceito para ser apresentano Inpe de do no principal congresso aeroespacial do Japão, em Natal, terá como Nagoya. A viagem foi paga pela Organização das Namissão coletar ções Unidas para a Educadados ambientais ção, a Ciência e a Cultura (Unesco). “Os alunos fizeram um enorme sucesso e foram convidados a conhecer a Jaxa, a agência aeroespacial do Japão”, relata Moura. Lá foi rodado um documentário, em fase de finalização, que narra a trajetória da construção do satélite. Os alunos visitaram ainda a Nasa, em Pasadena, e a empresa Interorbital em Mojave, ambas na Califórnia. O modelo de engenharia do tubesat já foi finalizado e o modelo de voo deverá estar pronto até julho, quando seguirá para o Japão, onde fará os testes finais antes do lançamento. A escola está fazendo agora um concurso para escolher a mensagem que será transmitida na faixa de radioamador. Moura também está trabalhando na viabilização do Tancredo-2. A ideia, segundo ele, é fazer um poketcube, um modelo diferente, também desenvolvido por Twiggs, da Universidade de Stanford. Outros satélites de pequeno porte estão em construção no Brasil, como o Itasat 1, projeto conjunto entre o Inpe e o ITA com previsão de lançamento para o segundo semestre de 2015. Originalmente, o projeto tinha como objetivo a construção de um satélite de estrutura conven-
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o projeto será utilizado um transponder desenvolvido pelo Centro Regional do Nordeste (CRN) do Inpe, em Natal, no Rio Grande do Norte. “Ao mesmo tempo, nosso satélite irá coletar informações de solo a partir de uma câmera imageadora com resolução de 80 metros a uma altitude de 650 quilômetros, onde estará em órbita.” Essas imagens poderão ser usadas para estudos de relevo, de atmosfera e experimentos universitários. O CRN de Natal, responsável pelo sistema brasileiro de coleta de dados ambientais, também faz parte do movimento de expansão dos cubesats brasileiros. Desde o início de 2011, pesquisadores do centro regional, coordenados por Manoel Mafra de Carvalho, estão trabalhando no projeto Conasat – constelação de seis nanossatélites para coleta de dados ambientais, sendo cada um deles um cubo com aresta de 20 centímetros e 8 quilos de peso. O objetivo do projeto é garantir a continuidade da coleta de dados ambientais, já que dos dois satélites em operação atualmente, o SCD1 e 2, do Inpe, apenas um está funcionando de acordo com o planejado. Os dois satélites, feitos na década de 1990, têm formato cilíndrico, medem 1 metro de altura por 1,5 de diâmetro e pesam mais de 100 quilos. “O Conasat tem a mesma função do SCD, com custo reduzido”, diz Carvalho, que também é coordenador do CRN. Antes de decidir que o satélite teria o formato de cubesat, foi feito um estudo para avaliar a viabilidade de ter um transponder de coleta de dados embarcado no nanossatélite. “No espaço, o transponder irá receber os sinais das plafatormas que estão espalhadas pelo Brasil e pelo Atlântico e retransmiti-los para nossas estações de recepção em Alcântara e Cuiabá”, relata Carvalho. Após a recepção nas estações, eles são processados e enviados para os usuários. O custo do projeto e montagem do Conasat é de cerca de R$ 5 milhões, com lançamento incluído. A previsão é que o lançamento do primeiro satélite da constelação ocorra em 2016. n PESQUISA FAPESP 219 | 23
entrevista Walter Colli
A arte de ser cientista no Brasil Mariluce Moura
24 | maio DE 2014
a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia. Enquanto isso, a conquista do Álvaro Alberto é um excelente pretexto para Pesquisa FAPESP levar a seus leitores um pouco da trajetória pessoal e científica de Walter Colli, narrada por ele mesmo. Isso significa dizer que ela vem embalada numa prosa de quem sabe contar histórias com um sabor especial, articulando personagens centrais, suas peripécias e o contexto em que se dão, sob um olhar sempre crítico e combativo, às vezes divertido, eventualmente comovido. É assim a entrevista que se segue (ver versão completa em www.revistapesquisa.fapesp.br) e em cujo percurso ficam visíveis, entre outras coisas, a trajetória vitoriosa de Walter Colli, cenas de uma velha São Paulo e dois traços marcantes de seu jeito de ser cientista: de um lado, a sem-cerimônia engraçada, verdadeira intimidade, com que ele trata seu grande objeto de pesquisa, o T. cruzi. De outro, o desassombro com que enfrenta questões delicadas ou polêmicas, como a influência que teria a pobreza do ambiente científico do país sobre a trajetória individual de cientistas – dito em outros termos, sobre a impossibilidade de pesquisadores brasileiros sustentarem e desdobrarem, até o reconhecimento internacional, determinadas descobertas que fizeram pioneiramente. Ou como as pesadas batalhas que travou na CTNBio contra os que se opõem às culturas e consumo de organismos geneticamente modificados. A palavra é dele: Onde o senhor nasceu? Sou paulistano do Brás. Nasci na rua Joli, que fica perto da rua Bresser. Área de imigrantes italianos. Como era sua família? Bem pobre. Meu pai era um escriturário. Trabalhava na fábrica do irmão – bem-sucedido –, que produzia fitilhos. Hoje ninguém sabe o que é isso, mas é uma espécie de barbante achatado, usado nos pacotes finos. Ganhava um salário mínimo. Morávamos,
léo ramos
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a última semana de fevereiro, o professor Walter Colli soube por telefone que ganhara o prêmio Almirante Álvaro Alberto para Ciência e Tecnologia de 2014. A lhe dar a notícia auspiciosa, estavam, do outro lado da linha, o então ministro da Ciência e Tecnologia, Marco Antonio Raupp, e o presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Glaucius Oliva. “Tomei um susto”, ele disse em entrevista ao programa Pesquisa Brasil, na Rádio USP, em 4 de abril passado. Compreensível, afinal, como ele mesmo comentou, “esse é talvez o mais importante prêmio da ciência brasileira”. A distinção é concedida pelo CNPq, em parceria com a Fundação Conrado Wessel e a Marinha do Brasil, com base em avaliação rigorosa dos nomes indicados pela própria comunidade científica, representada por suas associações e sociedades, e por instituições do sistema nacional de ciência e tecnologia. Leva-se em conta a contribuição dada pelo pesquisador ao longo da carreira para o progresso de sua área de conhecimento – neste ano, a grande área escolhida foi ciências da vida. Não há dúvida de que foram determinantes na decisão do CNPq as muitas contribuições de Colli ao avanço do conhecimento sobre a interação do protozoário causador da doença de Chagas, o Trypanosoma cruzi, com sua célula hospedeira no organismo humano. Mas ele entende, com razão, que também pesaram a influência que exerceu sobre os rumos de seu campo, sua dedicação à política stricto sensu de ciência e tecnologia, sua passagem pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e por uma série de conselhos. Ele é desde 2003, por exemplo, coordenador adjunto de ciências da vida da FAPESP. “Eu estive sempre presente. Fui figurinha fácil e talvez tenham gostado de mim”, disse brincalhão na mesma entrevista ao Pesquisa Brasil. Em outubro ele receberá o diploma, a medalha e os R$ 200 mil que o prêmio inclui, numa cerimônia em Brasília, durante
idade 75 anos especialidade Bioquímica formação Universidade de São Paulo (USP): graduação (1962), doutorado (1966) e livre-docência (1971); The Public Health Research Institute of the City of New York: pós-doutorado (1969) instituição Instituto de Química (USP) produção científica Mais de 100 trabalhos publicados na literatura especializada e 22 capítulos de livros. Supervisionou o trabalho de 24 estagiários, entre mestrandos, doutorandos e pós-doutores
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meu pai, minha mãe, eu e minha irmã, numa casa numa vila, nome que se dava para um beco. A casa tinha um quarto, uma sala e a cozinha, o fogão era a lenha e tomávamos banho na bacia, na cozinha, porque não tínhamos chuveiro. Para ir à fossa, descia-se uma escada. Seus pais tinham chegado quando? Eram brasileiros, italianos eram os avós. Meu pai tinha algumas habilidades, tocava violino e era um bom pintor de paredes. Naquela época, era moda pintar frisos com flores no alto das paredes e ele fazia isso muito bem, tinha essa segunda profissão, mas mal mantinha a casa. Quando eu tinha nove anos e minha irmã, quatro, ele teve um linfoma de Hodgkin, doença fatal então, e faleceu aos 45 anos. Ficamos numa situação quase sem saída. Minha mãe tinha dois irmãos que moravam com minha avó numa casa maior. Um era o solteirão típico, nunca casou, e o outro tinha um armazém de atacado numa das travessas da rua Santa Rosa, perto do Mercado Municipal. Esse tio saiu da casa e fomos morar com minha avó e o tio solteiro. O que se mudou disse que ia me pagar um curso de datilografia (hoje, seria digitação), de sorte que sou datilógrafo formado, com um diploma que guardo. Em seguida ele propôs que eu fizesse as faturas no armazém e o serviço de bancos. Em contrapartida, eu continuaria estudando com a ajuda dele.
Antônio Firmino de Proença, na Mooca. Entrei, e a partir daí só estudei em instituições públicas. Depois do ginásio, fui para o Roosevelt, com outro admissão. Quais eram suas matérias favoritas? Eu sempre gostei muito de português e gostava muito de latim, que tive por quatro anos, desde a 1ª série de ginásio. Fui o melhor aluno de francês, e depois a vida me levou para os Estados Unidos para falar inglês na marra! Adiante colaborei com uma professora argentina por 30 anos e falo espanhol, não portunhol. E falo um pouco de italiano, porque ouvia minha avó falando. A propósito, na época em que vocês moravam com essa avó, sua mãe teve que trabalhar para sustentar a família?
Ao entrar no colegial, como foi seu encontro com física, química e biologia? O melhor no Roosevelt eram as ciências humanas. Mas tive um professor de matemática excepcional, Antônio Alves Cruz, que nomeia hoje uma escola no Sumaré. Ele chegava e dizia: “Fulano, na lousa! Na aula passada demonstramos que X é igual a tal coisa, portanto...”. O aluno tinha que saber a conclusão. Os mais preparados estudavam no caderno de um colega do ano anterior, sabiam que ele falava sempre a mesma coisa. No primeiro ano, fui para a segunda época [recuperação]. Isso me assustou e, no segundo ano, fui o melhor aluno de matemática. Para isso, eu, que era do 2º B [as turmas eram divididas por ordem alfabética], assistia à aula na turma A, decorava tudo e ia para a aula em minha turma. Quando o professor Cruz me chamava, eu já sabia as conclusões. A física era ruim. A química foi boa de início. A biologia, mais ou menos. Tinha uma professora muito antiga, tinha também a irmã do [Crodowaldo] Pavan, Aída Pavan, mas ela era assistente, não dava aulas teóricas. Só no 3º ano, quem ia para medicina, biologia, veterinária, farmácia etc., teria aulas com ela no microscópio. Em algumas aulas do 3º ano, descíamos a rua São Joaquim e íamos a um bar na esquina com a rua da Glória, jogar snooker. Até que um dia o diretor, um senhor jovem com Glostora nos cabelos, percebeu e foi lá. Subiu em cima da mesa de snooker e disse que quando atingíssemos os píncaros da glória iríamos lembrar dele e concluiu: “Voltem para a aula já!”. Aprendi física e biologia para entrar na universidade mais no cursinho. Eu fazia o 3º científico de manhã, à tarde ia para o armazém do meu tio, ia aos bancos e fazia fatura, à noite ia ao cursinho na [rua] Brigadeiro [Luís Antônio] e, quando voltava para casa, não deixava cair a peteca. Eu estudava.
A rua onde eu morava, a Benjamin de Oliveira, e mais a Assunção, a Santa Rosa, todas inundavam
Onde o senhor fez o curso primário? Numa escola particular, acho que muito barata, o Externato São João, no Brás. Duas irmãs, dona Emygdia e dona Aquilina de Souza, eram as donas. Eram daquelas professoras antigas, rigorosas, mas não muito, ótimas, e ensinavam bem o português. Nunca esqueço um dia em que dona Emygdia chegou na classe – estavam terminando a ditadura de Getúlio Vargas e a guerra – e disse: “Agora posso mostrar uma coisa a vocês”. Abriu uma caixa e tirou de dentro a bandeira paulista. Até então a bandeira estava proibida. Absolutamente proibida desde 1932. Depois, fiz admissão ao ginásio numa escola que me daria acesso ao Colégio Estadual 26 | maio DE 2014
Não, ela ajudava minha avó em casa, ia ao mercado todos os dias comprar coisas frescas, andava quatro quarteirões e vinha com a cesta cheia. Era naquele tempo em que os bairros tinham cheiro de hortaliças. Bom, aquele bairro tinha mais do que isso, porque havia um armazém atrás do outro, com arroz e feijão na rua, de vez em quando chovia e ficava malcheiroso. A rua onde eu morava, a Benjamin de Oliveira, e mais a Assunção, a Santa Rosa, tudo inundava. As casas em geral eram elevadas e na parte de baixo tinham um armazém. O que meu tio alugava tinha sido a oficina dele e do pai, ambos tinham sido artesãos, haviam cursado a Escola de Belas Artes, que ficava na atual Pinacoteca.
O senhor era um bom aluno. Era excelente. Quando chegou a hora do exame, já sabia muita coisa, não teve correria nem nervosismo. Eu tinha propensão para ciências biológicas e gostava de verdade de genética. Não sabia como fazer genética. Diziam-me que eu tinha que fazer biologia. Mas eu via a pobreza e raciocinava, o que ia ser, biólogo? Na-
foto obtida no microscópio de varredura da escola paulista de medicina / unifesp
quele tempo teria que ser professor secundário, era muito limitado. Aí pensei: vou ser médico porque isso abre mais horizontes financeiros. Prestei medicina e entrei em 29º lugar. Prestei biologia à noite e entrei em 2º lugar. Logo concluí que não ia poder levar os dois cursos adiante. Medicina era integral. Sua entrada na Faculdade de Medicina encheu sua família de orgulho? Acho que sim, mas minha família nunca foi de expressar demais os sentimentos. Mas no bairro eu era o dottore. Ali só tinha italianos do sul, do Adriático, de Bari, imigrantes que falavam um dialeto difícil de entender. Lembro que logo que me formei houve uma grande chuva, inundou tudo, a água entrou nos armazéns e deu um prejuízo danado. Tinha umas tábuas que todo mundo botava como trilhos e sacos de areia para evitar que a água entrasse porta adentro, mas entrou. Eu tinha que passar pela enchente e não tive dúvida: tirei a calça, entrei na água só de cueca, enquanto as mulheres das sacadas gritavam, dottore, dottore...! Durante os anos da Faculdade de Medicina, como foi se dando seu encaminhamento profissional? Já no 1º ano tive aula de bioquímica com o professor Isaias Raw. Ele não se conformava com não haver um curso de genética no currículo da Medicina e disse que quem quisesse aprender fosse com ele. Ia ensinar genética clássica. Primeiro, a classe inteira foi. Na segunda aula, só tinha sete pessoas – aqueles que se tornaram meus amigos para sempre. Três, ele chamou para trabalhar com ele. Perguntei o que fazia, ele disse que era bioquímica e foi aí que comecei. Na verdade, eu queria ser um cientista. O senhor já tinha consciência a essa altura de como atua um cientista? Nenhuma. Mas Isaias tem essa característica fantástica que é confiar a fundo nas pessoas quando decide que elas merecem confiança. Então propunha, “vamos provar tal coisa”. Me dava a levedura, mandava botar na geladeira, eu não sabia nada, aí chegava no dia seguinte e a levedura tinha crescido e saído pela porta da geladeira... Olhe que maluquice! Fui aprendendo com ele que pesquisa é pergunta e resposta, pergunta e resposta sempre, sem pressão. No fundo, as duas
Vesículas em volta do T. cruzi: pensava-se que eram sujeira, mas são partes do protozoário que anunciam à célula hospedeira sua chegada em breve
ou três ideias que ele me deu, e eu não provei, eram ideias antes do tempo. Cinco ou seis anos mais tarde alguém provou. Por exemplo? Ele achava que a insulina era feita como pró-insulina, ou seja, como uma molécula única que depois é cortada no meio. E é, como se descobriu. Só que ele queria que eu demonstrasse isso quando ninguém sabia. Ele tinha uma enzima do ciclo de Krebs que usava duas coenzimas e dizia que não era possível. Mas eu não conseguia provar nada, não conseguia nem crescer levedura! Depois de duas semanas ele dizia, “esquece, essa ideia não é boa, vamos para outra”. Ele deixava o senhor num campo de experimentação livre. Absolutamente livre. Foi aí que ele propôs cristalizarmos o citocromo b5, que ele e outros pesquisadores americanos descreveram e demonstraram em 1955 e 1956. Naquela época, cristalizar uma proteína era um feito. Purificamos a proteína, pus num tubo e ela cristalizou. Ele fotografou, mandou para a Nature e aceitaram. Meu primeiro trabalho, ainda como estudante, foi na Nature. Porque foi a décima proteína cristalizada no mundo, foi sorte. Terminada a faculdade, como foi seu encaminhamento na bioquímica? No 6º ano éramos obrigados a dar plantões, mas a faculdade entendia que alguns formandos iriam fazer o que chamavam de cadeira básica, e então deixavam que, em vez de cuidar dos pacientes interna-
dos, voltassem para o laboratório. Ricardo Brentani e eu fizemos isso. Mas também fiz exame para o SAMDU, o Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência que existia no Brasil todo. E aí eu dava um plantão por semana em Santos, onde se atendiam 250 pessoas, em média, por dia. Quando cheguei, disse que eu era acadêmico, não médico, e que estava ali para uma espécie de estágio. Os dois médicos que estavam lá responderam: “É o que você pensa! Vamos dividir os pacientes, 80 para cada um”. Fiz um pouco de medicina, na marra. Em 1963, Isaias disse que o governador Carvalho Pinto havia instituído o regime de tempo integral, com o que Brentani e eu não ficaríamos ricos, mas também não morreríamos de fome. “Querem ser meus assistentes?”, perguntou. Aceitamos na hora. Fui fazer bioquímica. A genética ficou meio escondida e aparece numa história mais tarde. Quando o senhor foi para os Estados Unidos? Em meados de 1963, Isaias trouxe ao Brasil Maynard Pullman, que havia feito uma descoberta muito importante nos Estados Unidos e tinha direito de ficar um ano fora. Ele veio com a esposa e as três filhas e ficou até a metade de 1964. Aí trabalhei com ele, meu doutorado se fez com os problemas novos que ele trouxe e que, após o seu retorno, desenvolvi com Isaias. Defendi meu doutorado em agosto de 1966. Pullman tinha dito que eu fosse fazer pós-doutorado com ele em Nova York quando terminasse o doutorado e eu fui. PESQUISA FAPESP 219 | 27
Seu doutorado e pós-doutorado foram em cima de quê? Discutia-se se a mitocôndria da célula fazia síntese proteica, e eu demonstrei que fazia. Mas Maynard era muito cauteloso e dizia que o Brasil é um país tropical, por isso talvez eu estivesse medindo síntese de proteínas em bactérias contaminantes. Eu me esfalfava para mostrar que não tinha nenhuma contaminação, mas ele nunca acreditou. Defendi o doutorado, nunca publiquei o trabalho e, no fim, perdemos a prioridade porque outros provaram o que eu demonstrara. Esse trabalho de 1967 só foi citado em um parágrafo, numa revisão. Mesmo assim fui trabalhar com Maynard, uma ótima pessoa, mas muito cuidadoso. Só publicava em excelentes revistas. Cheguei a ter alguns problemas com ele, mas forcei a barra e publicamos dois trabalhos excelentes. Estando lá, também me liguei a um japonês, Michio Oishi. Almoçávamos todo dia juntos e planejamos todos os experimentos conjuntos no almoço. Depois de dois anos, pedi mais um tempo de licença à USP e fui trabalhar com ele. Ele fazia uma genética moderna, olhava o DNA quimicamente. Publicamos quatro trabalhos.
diferente – ele tem mais bases GC do que AT –, a coluna segurava mais esses genes, então os purificávamos. Dependendo do tamanho e como são genes repetitivos, se tem um gene ribossômico 23S, um 16S e um 5S, depois tem um spacer, um espaçador cujo tamanho determinamos. Demonstramos as relações topológicas entre os genes de rRNA. Foi muito bom. O trabalho foi publicado em 1969, foi citadíssimo na época e repetido em livros. E assim acabei encontrando a genética por vias tortas. Depois temos um trabalho em 1970 e dois em 1971. Entre esses dois está o mais citado, que incluiu mais um autor, e que trata da ligação física de genes ribossômicos de Bacillus subtilis, publicado no Journal of Molecular Biology. Demonstramos que havia ligação entre os genes.
Em 1968, Oishi e eu isolamos um gene, o primeiro a ser isolado, quebrando o DNA no tranco
Quais foram os seus trabalhos publicados com Pullman? Publicamos no Journal of Biological Chemistry, o melhor da época, um trabalho a respeito de síntese de ácidos graxos em mitocôndria e outro que era uma demonstração de que o ATP [adenosina trifosfato] era o primeiro produto feito pela mitocôndria. Era original? Não. Mas tinha uma corrente na época que dizia que não era ADP [adenosina difosfato] que gerava ATP, mas AMP [adenosina monofosfato], então fomos fundo e mostramos que estavam errados. Provamos o que já estava provado, mas foi importante na época. E com Oishi? Isolamos um gene, o primeiro a ser isolado, mas não do jeito que se isola hoje. Estávamos em 1968 e as enzimas de restrição usadas para clonar só entraram no circuito em 1974. Ali quebrávamos o DNA no tranco. Era posto no ultrassom, quebrava em pedaços, separava por colunas e, como o gene ribossômico tem constituição 28 | maio DE 2014
Em seus anos americanos, a situação estava difícil no Brasil. Foi quando Isaias Raw saiu do país. Pois é. Eu era um sujeito politizado, embora não tenha sido ligado a nenhum partido. Tinha muitos amigos que depois soube que eram do Partido Comunista. Eram sérios, sabiam o que a universidade devia ser, nunca acharam que era um sindicato. Eram muito bons, o que não digo isso de toda a esquerda. Voltei no Natal de 1969. Sabia que tinha havido um problema aqui, porque Isaias me telefonou em abril de 1969 e disse que tinha sido cassado. Por leituras eu não sabia nada. Meu grau de consciência sobre a dimensão dos problemas no Brasil era quase nenhum. Ao descer no aeroporto aqui, vi soldados com baionetas, então percebi que a situação estava preta. Eu estava alienado mesmo.
Mas quando Isaias Raw chegou nos Estados Unidos, cassado, vocês não conversaram? Conversamos. Ele foi à minha casa, jantamos, contou tudo, mas à maneira do Isaias, que não é de fazer análises. Análises só tive quando Luiz Hildebrando passou por lá, mas então meu maior interesse era saber o que tinha acontecido em Paris em 1968. Isaias contou que haviam tomado o poder na faculdade e que o cassaram. Fora a faculdade que fizera isso, houve delação na faculdade, fulano e sicrano tinham acusado e eles tinham sido colocados para fora. Não obtive uma visão panorâmica do que estava acontecendo no país. Não que ele não a tivesse, mas não falou, seu negócio era tocar para a frente. Ao voltar, o senhor se reintegrou à Faculdade de Medicina. Não. O Instituto de Química estava sendo construído, havia a ideia de que deveríamos evoluir para o college, e ela era muito forte nas universidades, apesar de estarmos num perío do de ditadura. Isso permitiu que em 1965 Newton Sucupira desse seu famoso parecer para a pós-graduação. Tinha gente de altíssimo nível que lutava pela reforma, como Anísio Teixeira, e essa era a mesma reforma apoiada por Fernando Henrique Cardoso, Arthur Giannotti, Isaias Raw, Alberto Carvalho da Silva etc. Ela prosperou. Em 1968 foi implantada a Lei de Diretrizes e Bases e já estávamos construindo os institutos básicos aqui, para implantar o college. Isaias era tão fanático pela reforma universitária que na Medicina era visto como um traidor da faculdade e do sistema das cátedras. Numa noite, em agosto de 1965, ele mandou encostar o caminhão na faculdade e transportamos todo o departamento para cá. De manhã, o 4º andar estava vazio. Era o Departamento de Fisiologia? De Química Fisiológica. Ele trouxe, por exemplo, um espectrofotômetro Cary 14, que era uma grande novidade, muito bom. Eram pesados e botamos no caminhão, uma loucura, mas, se não fosse assim, ele sabia, não iam deixar. Ele foi o primeiro a chegar e se instalou no bloco 10.
Em 1966, outros grupos começaram a vir: todos os químicos da Faculdade de Filosofia, os bioquímicos da Odontologia, da Veterinária etc. Quando voltei, eu ainda era da Medicina, mas em 1º de janeiro de 1970 passei a ser professor do Instituto de Química, no Departamento de Bioquímica. A partir daí são 44 anos vindo todos os dias, e nunca tive vontade de não vir. Entre 1970 e 1995, seu laboratório teve um percurso marcado por vitórias científicas importantes e eu gostaria de ouvi-lo sobre isso. Quando eu cheguei, alguns jovens que fizeram parte da equipe de Isaias me esperavam. Entre eles, Maria Julia Manso Alves, Bianca Zingales, Marinei Ferreira Gonçalves, Clara Carniol, Anita Marzzoco, que é autora de livros de bioquímica. Eram de três a quatro pessoas experientes no laboratório e decidi trabalhar em três linhas de pesquisa. Primeiro, continuar com a que tinha desenvolvido nos Estados Unidos. Eu demonstrara que havia ligação física entre 10 genes e separados por espaços, e a pergunta era: esses genes são cotranscritos ou transcritos individualmente? Até eu provar isso, meu trabalho dera margem a que uma série de grupos americanos tentassem verificar se isso era igual na Escherichia coli. E na ciência tem o bicho eleito. Se você trabalha com E. coli, células hepáticas ou camundongo, você está em business. Se trabalha com algo como bacilo, não vale, não é universal. É algo psicológico. Publicamos em 1977 – olha quanto tempo demorou! – a tese de Bianca que provava que os genes ribossômicos em Bacillus subtilis tinham um mecanismo de cotranscrição, eram todos copiados juntamente por uma enzima só. Mas isso não era mais novidade: a mesma coisa para a E. coli havia sido demonstrada em 1975 ou 1976. Aprendi então que não adianta trazer coisas valiosíssimas dos Estados Unidos porque, se elas forem importantes, eles lhe comem pelo pé.
olha no microscópio, ela é espetacular, espraia-se, uma coisa maravilhosa. É de vida livre, mas se entrar pelo nariz de uma pessoa vai se alojar no cérebro – aí se tem problemas sérios. Mas é um patógeno eventual. Encontrávamos três ou quatro tipos de DNA nessa ameba e não entendíamos, porque tudo bem quanto ao nuclear e ao mitocondrial, mas os outros dois, de onde vinham? Agora sabemos que essas amebas têm vírus enormes dentro delas e são usadas para colonizar vírus de mar. Provavelmente estávamos vendo um vírus e não tínhamos ideia. E a terceira linha? Julia tinha aprendido a mexer com Trypanosoma cruzi no laboratório do professor José Ferreira Fernandes, e eu me pergun-
coproteínas? Já haviam demonstrado então que algumas lectinas de plantas eram capazes de reconhecer açúcar. A lectina mais comum é a concanavalina, tirada de feijão. Em 1971 fui aos Estados Unidos fazer um curso de genética de leveduras e passei por Nova York, onde encontrei um amigo a quem falei sobre a dificuldade para comprar concanavalina. Ele tinha e me deu um vidro. Propus a Julia fazermos uma solução e jogar em cima do Trypanosoma. Não deu outra, todos aglutinaram instantaneamente, prova de que na superfície tinha uma grande quantidade de açúcares. A solução foi colocada numa placa? Não, num tubo em que o Trypanosoma estava num meio de cultura, sem o que ele não vive. Bactérias vivem, mas o Trypanosoma é um protozoário e só vive em meios complexos, indefinidos. Quer dizer, você põe sal, açúcar, põe de tudo e 10% de soro, que é indefinido. Ele precisa disso para viver, você não sabe tudo que está ali. Estuda-se, analisa-se, mas não se chega a uma coisa boa definida para cruzi. Ele precisa de soro, fazer o quê?
Com a concanavalina, provamos que na superfície do T. cruzi havia uma grande quantidade de açúcares
E quanto às duas outras linhas de pesquisa? A segunda linha era estudar DNA de Acanthamoeba castellanii, o que fiz com a Anita. É uma ameba enorme, linda! Você
tei: por que não Trypanosoma? É um bicho nacional que tem tudo que os outros têm, só não tem charme. Tem núcleo, mitocôndria, flagelo. E foi minha terceira linha. Comecemos então por sua descoberta fundamental quanto à superfície da membrana do Trypanosoma. Quando entrei em contato com o Trypanosoma, raciocinei que se ele entra numa célula, é porque a enxerga, e a célula também o enxerga. Portanto, o que se deve estudar é a membrana, a estrutura que vê o exterior. Claro que iniciei pelo Trypanosoma não infeccioso, na fase em que está no inseto. Primeiro, porque é fácil de cultivar em laboratório e, segundo, porque eu tinha muito medo de ter problemas com a forma infecciosa. Perguntei-me o que ele teria na superfície: açúcar, gli-
E depois? Publiquei o trabalho dizendo que o T. cruzi tinha proteínas na superfície, provavelmente glicoproteínas, e parti para tentar isolar isso. Usei os métodos tradicionais e submeti o Trypanosoma ao isolamento. Corria em eletroforese, corava com corantes para açúcares e tinha quatro bandas nítidas de moléculas que continham açúcar. Peguei uma delas, a que corria mais rápido e que era a menor, e nos trabalhos preliminares parecia que ela tinha lipídeo, açúcar e proteína. Mas pensava, essa molécula tem tudo, ninguém vai acreditar em mim! Foi quando veio para São Paulo e, por sorte, para meu laboratório, uma argentina, Rosa Lederkremer, e foi um espetáculo, porque ela é química, muito boa. Planejávamos, eu mesmo ia fazer o experimento, fui fazer cromatografia de gases, espectrometria de massa, uma série de coisas que nunca tinha feito. E mostramos que havia ali uma molécula, à qual demos o nome de LPPG, lipopeptidofosfoglicana. Isso vocês publicaram logo? PESQUISA FAPESP 219 | 29
O primeiro trabalho, com Júlia, no Febs Letters, um artigo muito curtinho. Depois, com Rosa e Júlia, em muitas outras revistas. Começamos a estudar a estrutura e talvez aí nós tenhamos perdido uma primazia. À medida que se tomava conhecimento da estrutura, via que nela existiam componentes de moléculas que existem no nosso cérebro ou no nosso sistema nervoso. São os chamados gangliosídeos e cerebrosídeos. A estrutura parecia, mas tinha uma molécula chamada inositol que não existe em nenhuma dessas estruturas conhecidas. Na verdade, estávamos com uma família de moléculas novas em mãos e não percebemos, porque achávamos que fazia parte dos gangliosídeos. Publicamos várias coisas, parte da estrutura lipídica, depois o inositol, mas a estrutura de açúcares deu trabalho. E outros grupos brasileiros entraram na pesquisa. Do Rio, entraram Lúcia e José Osvaldo Previato, porque eles tinham na mão alguma coisa parecida, mas não percebíamos que era a mesma coisa. Muito tempo depois, Lúcia foi para a França estudar a estrutura da molécula, usando aparelhos de espectrometria atômica, e chegou à conclusão de que era uma nova molécula. Pouco depois, Rosa, já na Argentina, foi trabalhar com Michael Ferguson, na Escócia, e ele também determinou a estrutura da molécula. Quem trabalhava na área sabe que nossa descober ta foi de uma molécula original. E Michael Ferguson mais ainda. Ele foi pós-doc em Nova York, trabalhou com George Cross. Encontrou com Julia e disse que não acreditava no que propúnhamos até repetir tudo e ver que estávamos certos. Ele foi para a Escócia estudar uma coisa nova, âncoras de proteínas, que tinham sido descobertas por um inglês e uma brasileira, Maria Lúcia Cardoso de Almeida, da Escola Paulista de Medicina [Unifesp], no Trypanosoma brucei, africano. E foi estudando essas âncoras no T. brucei que Ferguson viu que eram parecidas com as coisas que nós havíamos descrito. Praticamente iguais.
ancorar. Elas podem ser superficiais e nadar na membrana ou podem ser transmembrânicas. Uma membrana é formada de lipídeos e eles detestam água, são hidrofóbicos. Têm uma cabeça polar voltada para o ambiente, que tem água, e na outra ponta, outra cabeça polar voltada para o interior, que igualmente tem água. Mas entre uma e outra extremidade o corpo apolar repele água e tudo que for hidrossolúvel. Então, para manter uma proteína na membrana, caso da transmembrânica, ou uma parte da proteína é formada por aminoácidos hidrofóbicos, e essa parte é que está na membrana, ou ela está ligada a uma âncora de lipídeos, que foi o que vimos. Na verdade, não vimos a âncora, mas uma estrutura que é encontrada em todas as âncoras. Ferguson deu
É âncora porque realmente permite que as proteínas se prendam à superfície das células? Isso, há duas formas de uma proteína se
Por quê? Nos países civilizados há muito mais massa crítica. Durante a descoberta da hélice do DNA, quando Watson e Crick
ficavam construindo modelos, um com intuição biológica e o outro calculando para ver se podia, eles chegaram numa estrutura de dupla hélice e disseram que não era possível porque não ficava no espaço, porque ali tinha um oxigênio onde devia ter um OH. Tinha que ter um hidrogênio junto para ter uma ponte de hidrogênio, sem o que a estrutura desaba. Aí um químico, Jerry Donahue, passou por ali e disse que no pH que o oxigênio está aquilo não é O, mas OH. Esse tipo de dica acontece. Então sua queixa é quanto a uma pobreza do ambiente científico, mesmo em São Paulo? Mas São Paulo é subdesenvolvido! Veja, eu trabalhei nisso tanto tempo que fui obrigado a aprender química de açúcares e de lipídeos. Mas não sou um expert, porque saber química de açúcares como Rosa e outros argentinos que têm uma tradição nisso sabem, me é impossível. Pois bem, no Instituto de Química da USP me convidam para dar uma aula de quatro horas sobre isso porque ninguém consegue explicar bem. Estávamos sós e ainda estamos.
Já antes dos gipls, poderíamos ter dito que era uma nova molécula na literatura, mas não dissemos
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a essas estruturas o nome de GIPLs, que quer dizer glicoinositolfosfolipídeos. O inositol está aí, é a coisa a que eu não dei bola e que era importante. Isso lhe dá uma certa raiva? Às vezes, um pouco. Alguns colegas argentinos dizem que tínhamos na mão a âncora e jogamos fora. Não, o que tínhamos era uma molécula que depois ficou parecida com a âncora. Poderíamos ter dito que era uma nova molécula na literatura, mas não dissemos. Isso me diz o seguinte: se eu estivesse nos Estados Unidos, teria tido outro futuro.
A partir do que se descobriu sobre a âncora, como avançaram os seus trabalhos? Em 1980, um revisor de papers nos devolveu um trabalho porque achava que já estava na hora de passarmos às formas do T. cruzi que provocam a doença. Eu também achava. Essas formas, ou vêm de doentes, e a quantidade é muito pequena, do camundongo que temos que infectar, muito complicado, ou do cultivo de tecido. Eu não sabia fazer cultivo de tecido, mas aí, nova coincidência, uma orientanda do professor Hugo Armelin, Norma Andrews, hoje na Universidade de Maryland, disse que queria trabalhar comigo e ela sabia cultivar tecidos. Estudamos as melhores maneiras de ter o melhor rendimento e esse trabalho, “Andrews e Colli, 1982 – Adesão e interiorização de Trypanosoma cruzi em células de mamíferos”– é muito citado. Conseguimos tripomastigotas, a forma que infecta, precisamos mudar o laboratório para padrão de segurança NB2. Aí comecei a perguntar o que tem na membrana desse Trypanosoma infectivo,
por que é ele quem invade e não o outro. E vimos que ele tinha 10 vezes menos GIPLs que a forma não infecciosa. Ele faz down regulation, ou seja, quando vira infeccioso, diminui muito a produção de GIPLs. E por quê? Não sei, talvez porque não precise. Com colegas do Rio fomos ver o que fazem os GIPLs na forma não infecciosa. Vimos que ele é usado pelo T. cruzi para grudar nas paredes do intestino do barbeiro. Ele precisa aderir para virar infeccioso. Esse é um mistério do Trypanosoma. Demorou muito para publicarmos algo sobre isso. Só em 2007 saiu “Trypanosoma cruzi: involvement of glycoinositolphospholipids in the attachment to the luminal midgut surface of Rhodnius prolixus”. E não é importante, porque algo semelhante já tinha sido publicado sobre Leishmania. Mas voltando ao desenvolvimento dos trabalhos em seu laboratório... Em 1980 ou 1981, recebi um pós-doutor da Argentina que tinha feito um doutorado em parasitologia e propus a ele usarmos uma lectina que reconhece ácido siálico e glicosamina. Passamos um extrato de trypanosoma por uma coluna que ligava esses dois açúcares e por isso todas as gliproteí nas que os continham ligaram-se à coluna. Aí foi só eluir o material grudado com N-acetilglicosamina e isolamos um composto que dava na eletroforese uma banda linda e maravilhosa. Chamamos de TC85 e dissemos que era específica do Trypanosoma cruzi infeccioso, portanto teria importância na infecção. Atrás desse vieram outros trabalhos com Norma e Bianca. Depois veio Julia, que estava no exterior, e fez um anticorpo monoclonal contra essa proteí na. Fizemos um estudo e demonstramos que ela fazia parte de uma família, porque eram proteínas reconhecidas pelo mesmo anticorpo. Elas migravam na eletroforese em lugares diferentes, mas eram todas primas entre si. Chamei a família de TC85. Com a entrada de outros pesquisadores, principalmente americanos e argentinos, houve mudança de nome. Essas moléculas passaram a chamar-se GP85, porque eles determinaram que era uma família muito mais complexa e extensa, viram quantos
genes tinha, e não sabiam se a minha era igual a deles. É assim que acontece em ciência, a coisa muda de nome. Não estou reclamando. Agora, quando publicamos, pomos “TC85, um elemento da família GP85”. Ao mesmo tempo ocorreu uma outra descoberta: José Osvaldo e Lúcia Previato suspeitaram que o ácido siálico ia diretamente de uma molécula grande para a superfície do Trypanosoma e em experimentos somente em formas não infecciosas determinaram isso indiretamente. Publicaram o trabalho em 1985 e me sugeriram investigar isso na forma infecciosa. E, com Bianca, demonstramos a existência dessa enzima diretamente. Demos um nome para ela, ácido siálico glicosiltransferase, e publicamos em 1987, mostrando que o ácido siálico pulava dire-
Como é a questão das vesículas do T. cruzi que vocês estudaram? Em 1991 demonstramos que ele solta vesículas no meio de cultura. Passado muito tempo, fomos analisar as vesículas e vimos que, em cultura de células de mamífero, entre três e 24 horas elas começam a entrar no citoplasma da célula hospedeira, e em 24 horas todas as vesículas ficam em volta do núcleo da célula. Elas são pedaços de Trypanosoma, mas chegam na célula e entram, têm a mesma capacidade dos Trypanosomas. Então, nossa hipótese na literatura é de que as vesículas são uma mensagem enviada pelo Trypanosoma para dizer que está chegando. E alguma coisa acontece que abre as portas das células. E em relação à TC85? A partir da definição da família por outros grupos, minha história ficou mais pé no chão. Estamos desde então, com Julia e alunos, tentando demonstrar que há pedaços dessa glicoproteína – não de açúcar, mas da proteína – que reconhece a célula hospedeira. Publicamos muitos trabalhos. Mas outros grupos também mostram que outras moléculas são igualmente importantes para o Trypanosoma penetrar. Então, atual mente, o Trypanosoma cruzi entra de várias maneiras. E talvez seja verdade. Quando fazemos anticorpos para a TC85, inibimos a entrada do Trypanosoma 70%, mas outros inibem com anticorpos para outras moléculas também 70%. Tudo inibe 70%, mas 30% a 40% entram. Então, não sabemos como ele entra. Ponto.
Quando a TC85 vira GP85, quem estava na origem da descoberta deixa de existir to de uma proteína para o Trypanosoma. Um estudante que assistia a nossas aulas contou isso para Victor Nussenzweig e eles foram atrás. Descreveram o gene num artigo de 1994, só que o nome da enzima mudou, hoje é transialidase. E, quando muda, quem estava na origem deixa de existir. Essa é minha história. Descobri coisas que mudaram, talvez porque não tenha explorado até o fundo, talvez porque não tenha capacidade para isso. Não tem importância. Os grupos argentinos e os americanos, inclusive George Cross, foram em cima disso e com umas ferramentas genéticas importantes, que não domino, mostraram que a GP85, inclusive a TC85, e a transialidase faziam parte da mesma família, eram todas semelhantes. Quer dizer, dá para ver que eu estou nessa história, não?
Ou seja, o Trypanosoma cruzi continua um sujeito cheio de mistérios. Embora seja altamente primitivo, ele evoluiu de forma a entrar em qualquer lugar, em qualquer célula. Esse é um outro mistério brutal. Se você usar qualquer tipo de célula em laboratório, ele entra. Se você produzir uma superinfecção no animal, ele entra no baço, no fígado, não vai ao cérebro, porque existe uma barreira. No fim mesmo, ele sobra no coração e nos músculos do trato gastrointestinal, no resto, desaparece. Isso é o mistério. Ele se esconde n PESQUISA FAPESP 219 | 31
política c&T Internacionalização y
Barreiras desafiadas FAPESP Week Beijing aproxima pesquisadores do Brasil e da China
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ada como uma boa conversa face a face para reduzir as barreiras criadas pela distância e pelas diferenças culturais que persistem mesmo na era da internet. De 16 a 18 de abril deste ano cerca de 30 dos mais destacados pesquisadores do Brasil e da China se reuniram na capital chinesa para conhecer um pouco mais da ciência de ponta feita nos dois países e avaliar a possibilidade de iniciar colaborações que permitam diminuir o efeito dos quase 20 mil quilômetros e as diferenças linguísticas que os separam. Em um dos salões da Peking University (PKU), a principal instituição de ensino e pesquisa da China e a mais bem colocada nos rankings universitários internacionais, eles assistiram a 28 palestras em áreas tão diversas como medicina e ciências de materiais e participaram de reuniões oficiais – e de conversas informais em almoços, jantares e intervalos para um café ou chá-verde – durante a FAPESP Week Beijing, o sétimo dos encontros internacionais que a Fundação promove desde 2011 com o objetivo de aumentar a projeção da ciência brasileira no exterior e estimular a cooperação com grupos estrangeiros. Apesar de breve, esse primeiro contato permitiu que alguns pesquisadores brasileiros e chineses identificassem afinidades e interesses em comum entre o 32 z maio DE 2014
trabalho de seus grupos e saíssem do encontro com cooperações científicas já em vista. Além das possíveis parcerias entre equipes específicas, o encontro em Beijing terminou com as negociações avançadas de um acordo formal entre a PKU e a FAPESP para apoiar pesquisas em áreas do conhecimento consideradas estratégicas para o Brasil e a China. Realizada no campus da PKU, no distrito de Haidian, região noroeste da capital chinesa – e não muito longe do Palácio de Verão, a residência que os imperadores passaram a usar no século XVIII para escapar do calor que tomava a Cidade Proibida no meio do ano –, a FAPESP Week Beijing resultou de uma negociação iniciada em junho de 2013, quando uma missão da FAPESP visitou a China. No primeiro dia do encontro em Beijing, Enge Wang, presidente da PKU, a mais alta autoridade da universidade chinesa (seu cargo equivale ao de um reitor em uma universidade brasileira), se reuniu com o presidente da FAPESP, Celso Lafer, acompanhado pelo vice-presidente Eduardo Krieger e o diretor científico Carlos Henrique de Brito Cruz. Na reunião, Enge manifestou a intenção de firmar um acordo de cooperação entre as duas instituições. “A cooperação com a China é prioritária porque os dois países passam por pro-
ricardo zorzetto
Ricardo Zorzetto, de Beijing
A Grande Muralha: pesquisadores do Brasil e da China buscam iniciar colaborações que diminuam o efeito dos 20 mil quilômetros de distância e das diferenças linguísticas
cessos similares de desenvolvimento científico e tecnológico”, afirmou Lafer. Hoje classificadas, respectivamente, como a segunda e a sétima maiores economias do mundo, a China e o Brasil apresentavam uma produção científica bastante modesta três décadas atrás. O número de artigos científicos publicados em revistas internacionais de qualidade era da ordem de umas poucas centenas por ano no início da década de 1980. Desde então, a produção científica dos dois países cresceu continuamente, com a chinesa progredindo num ritmo acelerado jamais observado no mundo. Apenas em 2011 os pesquisadores residentes na China publicaram cerca de 150 mil artigos científicos, o correspondente a 11% da produção mundial, enquanto os brasileiros produziram cerca de 30 mil (2,6% da produção mundial), de acordo com o estudo Building Bricks, publicado pela Thomson Reuters em fevereiro de 2013. Esses números tornam a produção científica chinesa inferior apenas à dos Estados Unidos, um dos países com tradição científica mais consolidada no mundo, de onde sai quase um terço das pesquisas publicadas em revistas da base de dados Web of Science, da Thomson Reuters. As autoridades chinesas “reconheceram que a pesquisa científica e a educação em nível superior
são essenciais para conquistar a liderança global”, escreveram os pesquisadores Philip Altbach, do Centro para Educação Superior Internacional do Boston College, Estados Unidos, e Qi Wang, da Escola de Educação da Universidade Xangai Jiao Tong, na China, em artigo publicado em 2012 na revista Scientific American. Desde o início dos anos 1980, o número de estudantes do ensino superior saltou de 860 mil para 23 milhões e o de estudantes inscritos no doutorado de 280 mil para 1,6 milhão na China. dispêndio em p&D
Características sociais, econômicas e políticas de cada um desses países podem justificar a diferença no ritmo de crescimento. O Brasil tem pouco mais de 100 mil pesquisadores entre seus 200 milhões de habitantes. Já na China, seis vezes mais populosa, o total de pesquisadores alcança 1 milhão. Nos dois países o dispêndio em pesquisa e desenvovimento (P&D) cresceu nas últimas décadas. Mas no Brasil ele estacionou nos últimos anos na faixa de 1,1% do produto interno bruto (PIB), que em 2012 foi de US$ 2,2 trilhões, enquanto na China esse investimento continua aumentando. Segundo dados do Banco Mundial, a China aplicou em 2012 quase 2% do seu PIB de pESQUISA FAPESP 219 z 33
O presidente da FAPESP, Celso Lafer, e o presidente da Peking University, Enge Wang: intenção de firmar acordo de cooperação
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com base na publicação de artigos científicos em revistas internacionais de qualidade, de modo semelhante ao que ocorreu no Brasil nas últimas décadas. Associada ao processo de repatriamento de pesquisadores de elite treinados no exterior, essa estratégia impulsionou a produção científica chinesa. “Quanto maior o número de publicações, mais rápido se avança na carreira acadêmica”, explicou Yan Li. Em algumas universidades e instituições de pesquisa, estudantes têm de publicar artigos para obter o título de doutor. Apesar dessa combinação, a qualidade dos artigos chineses, medida pelo número médio de vezes que são citados por outras publicações (fator de impacto), ainda está em muitas das áreas abaixo da média mundial, embora no geral seja superior à do Brasil. A exceção são as áreas de matemática, engenharia, ciências de materiais, biologia e bioquímica e agricultura. A elevada taxa de crescimento da produção chinesa, no entanto, pode camuflar o aumento do fator de impacto dos artigos mais acelerado do que o que vem sendo medido, segundo o estudo China’s absorptive state – Research, innovation and the prospects for China–UK collaboration, publicado em outubro de 2013 pela Nesta, fundação do Reino Unido que avalia políticas de inovação. Interesse mútuo
Assim como no Brasil, a produção científica chinesa está concentrada em um pequeno número de instituições, em geral concentradas na faixa leste do país asiático. A mais produtiva delas é a Peking University, que conta com um orçamento anual para pesquisa de aproximadamente US$
agência fapesp
US$ 8,3 trilhões em ciência e tecnologia. E essa proporção deve continuar subindo. Em 2006 o governo central do que foi o antigo Império do Meio lançou um plano estratégico para o desenvolvimento no médio e no longo prazo, o Medium and Long–term National Plan for Science and Technology Development 2006–2020, que coloca como meta nacional investir 2,5% do PIB em atividades de ciência e tecnologia até o final desta década. “Esse plano representou um ponto de inflexão no desenvolvimento da ciência e tecnologia chinesas”, explicou Zhe Li, vice-diretor do Instituto de Sistemas e Gerenciamento de Ciência e Tecnologia da Academia Chinesa de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento (Casted), órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia da China, em entrevista à Pesquisa FAPESP. O plano determina que tanto o governo central como os governos das províncias contribuam para atingir a meta de investimento. “Nos últimos quatro anos estes vêm gastando proporcionalmente mais dinheiro do que o governo central”, completou Yan Li, outro pesquisador do Casted. Eles contaram que após a morte de Mao Tsé-tung, no final dos anos 1970, a China começou a se abrir para o Ocidente e a investir no desenvolvimento industrial baseado na mão de obra barata. “Mas se viu que não dava para depender do trabalho barato o tempo todo”, disse Yan Li. “Os investimentos em ciência e tecnologia são o motor que impulsiona a economia.” Além de aumentar os gastos em pesquisa e desenvolvimento, a China também implementou um sistema de avaliação dos pesquisadores
400 milhões e em 2013 publicou 6.247 artigos, dos projetos envolvendo pesquisadores chineses e tendo como primeiro autor um pesquisador da brasileiros custeados pela FAPESP. Em uma anáuniversidade. “A entrada na China pela Peking lise inicial, Brito Cruz considerou “muito bom” University é muito boa porque essa é uma uni- o resultado desse primeiro contato. versidade de muito prestígio na China e no mun“Experiências anteriores mostram que uma fordo”, disse Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor ma eficaz de incrementar o intercâmbio entre pescientífico da FAPESP, que durante o evento apre- quisadores é estabelecer contatos pessoais”, disse sentou as estratégias de estímulo à cooperação o vice-presidente da Fundação, Eduardo Moacyr internacional adotadas pela Fundação, em espe- Krieger, que nos 11 anos nos quais dirigiu a Academia cial a colaboração com universidades e agências Brasileira de Ciências trabalhou intensamente para estrangeiras de fomento à pesquisa e o apoio para melhorar a inserção da ciência brasileira no cenário que jovens pesquisadores do Brasil e do exterior internacional. “O papel das instituições é promover iniciem sua carreira científica em São Paulo. encontros para colocar os pesquisadores em contato, “A Peking University claramente se interessou mas a colaboração se dá sempre entre indivíduos”, pela colaboração com a pesquisa feita em São lembrou. “Os pesquisadores são muito ciosos de seu Paulo”, contou Brito Cruz ao final da FAPESP tempo e de seus interesses; por isso, se não houver Week Beijing. “Estamos finalizando a discussão interesse recíproco, a colaboração não sai.” de um acordo no qual a FAPESP deve oferecer Mesmo antes da formalização do acordo entre seed funds para os pesquisadores de São Paulo a FAPESP e a PKU, grupos de São Paulo e da unie a PKU providenciar o mesmo tipo de finan- versidade chinesa que trabalham com medicina ciamento para pesquisadores daqui”, explicou. molecular e biologia de plantas já demonstraram Com duração que pode vainteresse em desenvolver proriar de poucos meses a um ano, jetos em conjunto. No segundo os seed funds são apenas uma dia do encontro, a cardiologista forma inicial de fomento, em Rui-Ping Xiao convidou os mégeral destinados a colaborações dicos Eduardo Moacyr Krieger com universidades estrangeie José Eduardo Krieger, pai e ras. Seu objetivo é permitir que filho, ambos do Instituto do O Brasil tem pesquisadores de São Paulo e Coração (InCor) da Universipouco mais de instituições internacionais dade de São Paulo (USP), para trabalhem juntos na preparaconhecer o Instituto de Medide 100 mil ção de projetos de maior fôlego cina Molecular da PKU, criaque sejam concebidos, redigido e dirigido por ela. Rui-Ping pesquisadores. dos e executados por equipes Xiao e seu grupo investigam os de São Paulo e do país parceimecanismos genéticos e moJá a China, ro. Desde que passou a invesleculares associados à síndroseis vezes tir mais fortemente na intername metabólica, desequilíbrio cionalização da ciência de São no processamento de energia mas populosa, Paulo, a FAPESP já estabeleceu do organismo, marcado pela acordos com várias universidaalcança 1 milhão elevação dos níveis de açúcar des estrangeiras. Além dessa (glicose) e lipídeos no sangue e estratégia, também já firmou associado ao aumento do risco acordos de financiamento em de problemas cardiovasculares. conjunto com agências de fomento de ao menos Recentemente eles identificaram alterações ge10 outros países, que resultaram em mais de 300 néticas que impedem os músculos de aproveitar projetos financiados de 2005 a 2010 (ver tabela adequadamente o hormônio insulina, responsána página 36). “Temos em São Paulo pesquisas vel por transportar a glicose, principal fonte de muito competitivas internacionalmente”, lem- energia celular, para o interior das células musbrou Brito Cruz. “Por isso a estratégia não é me- culares. Como consequência dessas alterações, ramente baseada no envio de estudantes ou no surge a chamada resistência à insulina, uma das intercâmbio de pesquisadores, mas sim em colo- causas da síndrome metabólica. car os pesquisadores para trabalhar de igual para Depois de passar quase duas décadas como igual, conjuntamente concebendo, escrevendo e pesquisadora nos Institutos Nacionais de Saúde submetendo as propostas de pesquisa.” (NIH) dos Estados Unidos, um dos maiores cenAlém do acordo para oferecer seed funds, o tros de investigação médica no mundo, Rui-Ping presidente da PKU se comprometeu a trabalhar Xiao foi convidada pelo presidente da PKU em para que a National Natural Science Foundation of 2005 a retornar ao seu país de origem e a conChina (NSFC), a agência chinesa de apoio à pes- ceber um centro de medicina molecular na uniquisa básica e aplicada, atue como financiadora versidade chinesa. Hoje ela coordena o trabalho pESQUISA FAPESP 219 z 35
Projetos Temáticos em colaboração internacional Projetos aprovados no âmbito de acordos de cooperação entre a FAPESP e agências de fomento estrangeiras PAÍS
AGÊNCIA
TÍTULO
PESQUISADORES RESPONSÁVEIS NO BRASIL / NO EXTERIOR
INSTITUIÇÃO no brasil
INSTITUIÇÃO no EXTERIOR
duração
França
ANR
Modelling the dynamics of equatorial forest soil deep carbon in changing environments
Adolpho Jose Melfi / Yves Lucas
USP-ESALQ
Université du Sud Toulon-Var
2/2013 a 1/2016
França
ANR
Agroindustrial wastes and their potential use as appropriate materials for housing and infraestructure (Agrowaste)
Holmer Savastano Junior / Marie-Ange Arsenem
USP-FZEA
Université des Antilles et de la Guyane
2/2013 a 1/2017
França
ANR
Role of Fc receptors in bacterial immune evasion
Irineu Tadeu Velasco / Renato Monteiro
FMUSP
Université Paris Diderot - Paris 7
2/2013 a 1/2016
França
ANR
Evolution of consumption patterns, economic Suani Teixeira Coelho / Franck convergence and carbon footprint of developLecocq ment. A comparison Brazil-France
USP-IEE
Centre International de Recher- 3/2013 che sur l’Environnement et le a 8/2016 Développement (CNRS)
Dinamarca
DCSR
Improving food safety by eliminating pathogens in mixed biofilms
Elaine Cristina Pereira de Martinis / Leone Kirsten Gram
USP-FCFRP
National Food Institute
2/2013 a 1/2017
Dinamarca
DCSR
GIFT: genomic improvement of fertilization tratis in Danish and Brazilian cattle
Marcelo Fábio Gouveia Nogueira UNESP/ Haja Kadarmideen FCL-ASSIS
University of Copenhagen
2/2013 a 1/2017
Dinamarca
DCSR
Improved quality of cultured fish for human consumption
Reinaldo José da Silva / Niels Gerslev Jorgensen
UNESP-IBB
University of Copenhagen
2/2014 a 1/2018
Dinamarca
DCSR
Bioactive components from by-products of Susana Marta Isay Saad / Lene food processing used in a synbiotic approach Jespersen for improving human health and well-being
USP-FCF
University of Copenhagen
2/2014 a 1/2018
Alemanha
DFG
Dynamical phenomena in complex networks: fundamentals and applications
Elbert Einstein Nehrer Macau / Jurgen Kurths
MCTI/INPE
Humboldt-Universität zu Berlin
12/2011 a 11/2016
Estados Unidos
NSF
Chemical and biological reactivity in interfaces
Hernan Chaimovich Guralnik / Daniel Talham
USP-IQ
University of Florida
10/2007 a 9/2012
Estados Unidos
NSF
Structural biophysics of nuclear receptors and related proteins
Igor Polikarpov / Adrian E. Roitberg
USP-IFSC
University of Florida
6/2006 a 10/2009
Estados Unidos
NSF
Molecular recognition and energy storage: fundamental studies concerning geometry, size and Roberto Manuel Torresi / synthesis effects on the optimization of the Rodney J. Bartett chemical properties of electroactive materials
USP-IQ
University of Florida
4/2010 a 3/2015
Estados Unidos
NSF
Chemical biology: new natural and synthetic Ronaldo Aloise Pilli / Sukwon molecular targets against cancer, structural Hong studies, biological evaluation and mode of action
UNICAMP-IQ University of Florida
10/2009 a 9/2014
Estados Unidos
NSF Dimensions of Biodiversity
Dimensions US-BIOTA São Paulo: a multidisCristina Yumi Miyaki / Ana ciplinary framework for biodiversity predicCarolina O. Queiroz Carnaval tion in the Brazilian Atlantic forest hotspot
USP-IB
City University of New York
9/2013 a 8/2018
Estados Unidos
NSF Dimensions of Biodiversity
Structure and evolution of the Amazonian biota and its environment: an integrative approach
Lúcia Garcez Lohmann / Joel Lester Cracraft
USP-IB
American Museum of Natural History
9/2012 a 8/2017
Reino Unido
RCUK, AHRC
Je landscapes of Southern Brazil
Paulo Antônio Dantas de Blasis / USP-MAE José Iriarte
University of Exeter
2/2014 a 1/2017
Reino Unido
RCUK, NERC
ECOFOR: biodiversity and ecosystem functioning in degraded and recovering Amazonian and Atlantic Forests
Carlos Alfredo Joly / Jos Barlow
UNICAMP-IB
Lancaster University
8/2013 a 7/2017
Reino Unido
RCUK, BBSRC
Behavioural and neuroendocrine mechanisms regulating hydromineral metabolism: a lifelong perspective
José Antunes Rodrigues / David Murphy
USP-FMRP
University of Bristol
11/2012 a 10/2015
Reino Unido
RCUK, BBSRC
Amelioration of the autonomic imbalances of old age with exercise: exploring the molecular and physiological mechanisms
Lisete Compagno Michelini / David Murphy
USP-ICB
University of Bristol
5/2012 a 4/2016
França, Chile
STIC-AmSud
Mesh (graph) modeling and techniques of pattern recognition: structure, dynamic and applications
Roberto Marcondes Cesar Junior / Marie-France Sagot (França) e Eric Goles (Chile)
USP-IME
Université Claude Bernard Lyon 1, Universidad Adolfo Ibañez
6/2006 a 5/2011
França, Chile, Uruguai
STIC-AmSud
Information Theory and Coding
Sueli Irene Rodrigues Costa / Alejandro Hevia (Chile), Alfredo Viola (Uruguai) e Tamara Rezk (França)
UNICAMPIMECC
Universidad de la República, Univesidad de Chile, Institut 4/2008 National de Recherche en Infor- a 11/2012 matique et en Automatique
Diversos
Belmont Forum
XINGU - Integrating land and planning and water governance in Amazonia towards improved freshwater governance in the agricultural frontier of Mato Grosso
Alex Vladimir Krusche / Christopher Neill (e outros)
usp-CENA
Marine Biological Laboratory, USA
11/2013 a 8/2017
Diversos
Belmont Forum
Metropole: an Integrated Framework to Analyze Local Decision Making and Adaptive Capacity José Antonio Marengo Orsini / to Large-Scale Environmental Change: Commu- Frank Muller Karger (e outros) nity Case Studies in Brazil, UK and the US
MCTI/INPE
University of South Florida, USA
9/2013 a 8/2016
36 z maio DE 2014
M.L. Duong / Wikicommons
não há um centro com todos os recursos como o da Peking University, comentou Eduardo Moacyr Krieger. “Um instituto como o da PKU permite fazer não só a translação do conhecimento da bancada para a área clínica como também algo que ainda é polêmico, e se começa a pensar que a universidade deve fazer um pouco, que é a inovação”, disse. Ao dar um passo além, as universidades e os institutos públicos de pesquisa complementariam o papel da indústria. “O problema da saúde é tão complexo que o poder público não pode ficar afastado da responsabilidade de também criar novas drogas”, comentou Krieger. “A indústria tem uma lógica própria, enquanto o Estado pode fazer investimento em certas moléculas que por alguma razão não são tão atraentes para o setor comercial.” biologia de plantas
Boya Pagoda, um dos marcos do campus da Peking University: a mais produtiva universidade da China tem orçamento anual para pesquisa de US$ 400 milhões
de quase 200 pessoas que realizam testes com roedores, porcos, macacos. Os pesquisadores do Instituto de Medicina Molecular da PKU também estão começando a participar das fases iniciais de testes em humanos de compostos desenvolvidos por Rui-Ping Xiao durante o período que passou nos NIH. “O José Eduardo Krieger me convidou para iniciar uma parceria para estudar reparação cardíaca”, contou Rui-Ping Xiao depois de apresentar os resultados de seu grupo no último dia do encontro em Beijing. “Eu adoraria. Ele tem feito estudos com porcos e aqui temos macacos. Talvez a gente consiga fazer algo em conjunto.” José Eduardo Krieger confirmou o interesse na cooperação depois de apresentar dados animadores que sua equipe no InCor obteve ao usar células-tronco implantadas diretamente no coração para auxiliar na recuperação cardíaca depois do infarto. “Aqui eles têm um modelo experimental com minipigs, uma raça de porco que não cresce muito e reduz o espaço necessário para a criação e manutenção dos animais.” Na USP, os estudos em biologia molecular são desenvolvidos por laboratórios instalados em diferentes institutos, como o InCor e o do Câncer. Mas
Outra área que pode render uma cooperação em breve é a de biologia de plantas. Durante a FAPESP Week Beijing, o biólogo molecular Hongwei Guo, da PKU, e o botânico Marcos Buckeridge, da USP, demonstraram interesse recíproco nas pesquisas. Guo e sua equipe investigam os mecanismos moleculares pelos quais o hormônio vegetal etileno atua, induzindo o desenvolvimento e também a senescência nas plantas. Usando estratégias de genômica e proteômica, eles verificaram nos últimos anos que mudanças no ciclo de claro-escuro, estressores ambientais, infecções alteram a produção de etileno. Já Buckeridge tem interesse em compreender como o etileno pode influenciar a degradação da parede celular da cana-de-açúcar, importante para a produção do chamado etanol de segunda geração. Atualmente, o etanol é produzido a partir da quebra da celulose, um dos açúcares que forma a parede celular da cana. Mas a celulose representa apenas 30% desses açúcares e o aumento da produção de etanol depende da capacidade de quebrar outros açúcares. Na USP, o grupo de Buckeridge vem trabalhando para caracterizar a ação dos hormônios vegetais, entre eles o etileno, na degração da parede celular da raiz da cana. Como o grupo de Guo já conhece os genes relacionados à ação do etileno, a interação com a equipe da USP poderia acelerar a compreensão de como regular esse fenômeno. Buckeridge imagina que, uma vez entendido esse passo, seria possível tentar controlar a atividade dos genes que induzem a produção de etileno e a degração da parede celular no colmo, o grande reservatório de açúcares da cana. “A interação com o grupo de Guo tem o potencial de acelerar a transferência desse conhecimento”, disse. “Em seguida, poderíamos usar modelos de gramíneas que crescem mais rápido, como a Setaria ou a Brachipodium, para fazer um teste de prova de conceito enquanto paralelamente trabalhamos na cana.” n pESQUISA FAPESP 219 z 37
38 z maio DE 2014
Financiamento y
A força das doações Universidades começam a investir recursos oferecidos por ex-alunos e empresários Bruno de Pierro
ilustrações nelson provazi
D
oações feitas por ex-alunos, empresários ou filantropos são fundamentais para a manutenção das principais universidades de pesquisa do mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, até 40% do orçamento de instituições como a universidade Harvard ou o Massachusetts Institute of Technology (MIT) é proveniente dos chamados endowment funds, compostos por dotações de grandes doadores cujos rendimentos são investidos em pesquisa, infraestrutura e bolsas. No Brasil, esse modelo de financiamento, embora ainda pouco utilizado, começa a dar sinais de vitalidade. Pelo menos oito universidades e instituições de pesquisa estão criando fundos desse tipo, voltados para complementar as fontes tradicionais de recursos destinados para o ensino e a pesquisa. O principal exemplo brasileiro é o da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), que lançou dois fundos endowment nos últimos três anos, o Amigos da Poli, com patrimônio de R$ 5 milhões, e o Endowment da Poli, com R$ 800 mil. pESQUISA FAPESP 219 z 39
Discute-se, hoje, a possibilidade de reunir os dois fundos numa mesma estrutura. “Ambos nasceram com o propósito de servir a Poli. A diferença está na forma como cada um foi concebido”, explica Vahan Agopyan, vice-reitor da USP e membro do conselho do Amigos da Poli. O Endowment da Poli surgiu de um projeto do grêmio estudantil da faculdade e é gerido pela diretoria da escola em parceria com os alunos e a Associação dos Engenheiros Politécnicos, que reúne ex-alunos. Já o Amigos da Poli foi criado e é administrado por um grupo de ex-alunos, entre eles empresários e executivos que se graduaram na faculdade, como Roberto Setubal, do Itaú Unibanco, Rubens Ometto, da Cosan, e Pedro Wongtschowski, ex-presidente da Ultrapar e membro do conselho da empresa. Foi Wongtschowski, aliás, que fez a primeira doação, suprindo o capital inicial para viabilizar a montagem do fundo. “O brasileiro não tem o hábito de reconhecer a importância de sua formação. Já na Poli, parte das pessoas que saem de lá mantém um víncu-
40 z maio DE 2014
“
O endowment exige um voto de confiança por parte dos doadores”, diz Felipe Sotto-Maior
lo emocional forte com a escola”, diz o empresário, que fez graduação em engenharia química, mestrado e doutorado na Poli-USP e hoje preside o conselho do Amigos da Poli. “Não foi por acaso que a experiência com endowment aconteceu primeiro lá.”
U
m dos primeiros beneficiados por esse tipo de doação no país foi a Keep Flying, equipe de aerodesign formada por alunos de graduação da Poli-USP em 2003, e que conseguiu comprar dois novos computadores com alta capacidade de processamento de dados. “Precisávamos dar um salto de qualidade”, diz Victor Pinheiro Rosa, aluno do terceiro ano de engenharia de telecomunicações e membro da equipe. Em 2013, a Keep Flying passou na seleção do primeiro edital lançado pelo Amigos da Poli e recebeu R$ 30 mil, dos quais cerca da metade foi usada para adquirir os computadores. “Com eles, passamos a realizar cálculos com mais rapidez e a projetar aeronaves com mais eficiência e agilidade. Também desenvolvemos algoritmos e softwares de avaliação de desempenho”, conta o estudante. Se o dinheiro viesse do orçamento da Poli, que é a principal patrocinadora do grupo, a compra dos equipamentos teria que passar por uma licitação, por exigência dos estatutos da universidade. “Isso nos forçaria a um processo muito mais demorado para adquirir máquinas mais baratas e, provavelmente, de qualidade inferior”, diz Rosa. O Amigos da Poli também ajudou a impulsionar atividades realizadas pelo APĒ, um grupo de estudos em mobilidade urbana formado por alunos da escola, de outras unidades da USP e de outras universidades. A equipe recebeu R$ 25 mil do fundo, o que proporcionou aos seus membros a participação em congressos, a promoção de palestras e discussões e a organização de oficinas e audiências públicas em municípios do interior do estado. Também foi possível fazer a instalação de uma exposição sobre novas propostas para o espaço urbano da capital, em parceria com o Museu da Cidade de São Paulo. “Tudo isso foi possível graças ao apoio do fundo endowment”, diz Mateus Humberto Andrade, aluno do sexto ano de engenharia civil e arquitetura da USP e membro do APĒ. “O fundo não só potencializa as
Projetos apoiados pelo Amigos da Poli: a exposição Centrolugar, no Museu da Cidade, em São Paulo, e a equipe de aerodesign Keep Flying
ações, como também viabiliza aquelas que dependem de investimentos maiores, contribuindo para a formação dos estudantes envolvidos e do público-alvo de nossos estudos”, diz Andrade.
fotos léo ramos
P
or enquanto, a prioridade tem sido prestar apoio a projetos que não conseguiriam facilmente financiamento pelas vias tradicionais, como as agências de fomento. “Os frutos consistentes apenas virão daqui a 10 ou 20 anos. É algo que fizemos para o politécnico do futuro”, diz José Roberto Cardoso, ex-diretor da Poli-USP e do Endowment da Poli. Segundo Vahan Agopyan, que também dirigiu a Politécnica entre 2002 e 2005, o endowment deve atuar como um complemento às agências de fomento. “Com os recursos do fundo, poderemos custear projetos de pesquisa de risco ou trazer pesquisadores do exterior”, ressalta Agopyan. Diferentemente de uma doação tradicional, que prevê a aplicação direta do recurso na reforma de um laboratório ou na construção de uma biblioteca, os fundos endowment buscam criar um patrimônio perpétuo. A dotação é aplicada em fundos de investimentos e apenas um repasse periódico baseado nos ren-
“
Há uma falta de equilíbrio entre o que a universidade de fato precisa e o que os doadores acham que merece ser viabilizado”, afirma Rui Albuquerque
dimentos desse patrimônio é utilizado. “Por isso, o endowment exige um voto de confiança por parte dos doadores”, diz o advogado Felipe Sotto-Maior, diretor da Vérios, empresa especializada em investimentos e que em 2011 ajudou a estruturar o modelo legal do fundo pioneiro Endowment da Poli. “No Brasil, contudo, a maioria dos potenciais doadores ainda prefere contribuir com projetos específicos e executados no curto prazo”, afirma. Há, é certo, exceções, como o caso da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal (FMCSV), em São Paulo. Em 2006, ela passou a contar com um fundo patrimonial, criado para garantir a sustentabilidade dos projetos apoiados pela instituição no longo prazo. O aporte inicial foi dado
pela família dos fundadores da instituição, o banqueiro Gastão Bueno Vidigal e sua mulher, Maria Cecília Souto Vidigal, que a criaram em 1965 com o objetivo de incentivar a pesquisa em hematologia. “O sucesso do fundo não se deve apenas à doação inicial feita pela família, mas principalmente à definição de uma política de investimento e de um conselho de curadores responsável pelo planejamento e pelas decisões estratégicas”, diz Ricardo Yukio Sueyasu, gestor do fundo patrimonial da FMCSV. Em 2012, do total de rendimentos gerados pelo fundo patrimonial, a fundação destinou R$ 10 milhões a seus programas e projetos. Um deles é o Núcleo Ciência pela Infância, fruto de uma parceria com o Center on pESQUISA FAPESP 219 z 41
the Developing Child e o David Rockfeller Center for Latin American Studies, ambos da Universidade Harvard, a Faculdade de Medicina da USP e o Insper – Instituto de Ensino e Pesquisa. A FMCSV mantém um acordo de cooperação com a FAPESP, para apoiar pesquisas na área de desenvolvimento infantil. Até 2015, as duas instituições destinarão, cada uma, R$ 1,3 milhão a projetos de pesquisa.
“
A
dificuldade para mobilizar as primeiras doações é um dos principais problemas enfrentados pelas instituições que criam fundos endowment. “Diferentemente da Poli, que tem muitos ex-alunos, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) tem uma comunidade de alunos menor e forma menos pessoas, o que dificulta a captação inicial”, diz Leonardo Frisso, aluno do quinto ano de engenharia aeronáutica do ITA e um dos responsáveis pelo projeto de criação do endowment do instituto. Em 2013, o ITA formou 95 engenheiros, enquanto a Poli-USP, 595. Para o professor Rui Albuquerque, assessor da reitoria do ITA, uma solução é recorrer a empresas interessadas em colaborar com o fundo.
Com os recursos do fundo, poderemos custear projetos de pesquisa de risco ou trazer pesquisadores do exterior”, diz Vahan Agopyan
O problema, diz ele, é que o Brasil não tem experiência na administração e gestão de fundos endowment. “Há uma falta de equilíbrio entre o que a universidade de fato precisa e o que os doadores acham que merece ser viabilizado. Muitas empresas preferem fazer convênios com a universidade para projetos específicos”, diz Albuquerque, que fez uma palestra sobre o assunto no simpósio Excellence in Higher Education, realizado em janeiro na FAPESP. Um exemplo disso é um fundo já existente no ITA, gerido pela Associação Acadêmica Santos Dumont, cujo faturamento é de R$ 343 mil. O fundo, porém, não é endowment, pois o dinheiro doado é diretamente aplicado em projetos concretos, de curto prazo. A Faculdade de Direito da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP) criou um fundo endowment em 2011 para patrocinar bolsas para alunos de graduação. A partir de 2012 a faculdade começou a selecionar anualmente 10 estudantes que passaram no vestibular, mas não têm condições de custear a mensalidade do curso, e concede a eles uma bolsa no valor de R$ 850. As bolsas são
Ambiente fértil para doações A cultura de doação é um dos
O ambiente fértil para doações
inauguraram o Lemann Center for
principais fatores que explicam o
nos Estados Unidos levou alguns
Educational Entrepreneurship and
sucesso dos endowments nos Estados
empresários brasileiros a doar recursos
Innovation in Brazil, instalado na
Unidos. A Universidade Harvard, por
para instituições do país. Um caso
Escola de Educação da universidade.
exemplo, foi a primeira a criar um
conhecido é o do empresário brasileiro
O objetivo do centro é promover
fundo patrimonial, em 1643. Em 2013,
Jorge Paulo Lemann, dono da cervejaria
treinamento de profissionais
a Harvard Management Company,
Ambev e atualmente o homem mais
brasileiros, responsáveis pela
braço da universidade responsável
rico do país, segundo o ranking da
formação de educadores, além de
pelo gerenciamento dos endowments,
revista Forbes. Em 1999, Lemann
apoiar pesquisas de políticas
tinha patrimônio de US$ 32,7 bilhões
doou uma quantia ao Centro David
educacionais. Mas por que Lemann
– um crescimento de 6,5% em relação
Rockefeller para Estudos Latino-
não criou o centro no Brasil? “Cerca
a 2012, quando os repasses do fundo
americanos de Harvard, onde se
de 70% do dinheiro que ele colocou no
chegaram a representar 35% da
formou em economia em 1961.
centro é voltado para formar capital
receita da universidade. As
O empresário seguiu uma tradição
humano, que depois retorna ao Brasil.
universidades de Yale (US$ 20 bilhões
segundo a qual ex-alunos que
Na visão de Lemann, esse é o melhor
de patrimônio), Princeton (US$ 18
enriquecem costumam repassar parte
investimento para se fazer pelo país”,
bilhões) e o MIT (US$ 9,7 bilhões)
da fortuna para a instituição que os
afirma Paulo Blikstein, engenheiro
também fazem parte do grupo de
formou. O investimento de Lemann
formado pela Poli-USP e diretor do
endowments bilionários. Esses recursos
em Harvard permitiu que o centro
centro em Stanford. Segundo ele,
são aplicados tanto em pesquisa
recebesse bolsistas e professores
o fato de a doação ser direcionada
quanto em manutenção da
brasileiros. Em 2012, a Fundação
para Stanford beneficia indiretamente
infraestrutura da instituição.
Lemann e a Universidade de Stanford
instituições brasileiras. O centro tem
42 z maio DE 2014
bolsas. “Isso contraria a ideia do endowment. O ideal seria utilizarmos apenas os rendimentos, mas isso ainda não é possível”, explica Andrade. “No Brasil, os fundos endowment têm nascido com orçamentos pequenos, diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos. É preciso desenvolver um modelo brasileiro, e não simplesmente importar o sistema norte-americano, como se ele fosse único”, sugere Andrade.
O
utros desafios para a consolidação do modelo são a ausência de legislação específica e a inexpressiva cultura de doações no país. Vahan Agopyan salienta que, no Brasil, o doador é “punido” pela incidência de impostos. “Quem doa mais de R$ 48 mil
Universidade Harvard
pagas com recursos gerados pelo fundo de doações criado por ex-alunos e pais de alunos. O curso de direito na FGV é integral nos três primeiros anos, o que impede os estudantes de trabalhar nesse período. “Muitos jovens que passavam no vestibular, mas não podiam pagar a mensalidade, acabavam desistindo do curso”, conta Rafael Andrade, diretor do fundo endowment e ex-aluno de direito da FGV-SP. A partir do quarto ano, o curso deixa de ser integral e o aluno pode começar a trabalhar. Mas aqueles que desejam seguir para a pesquisa, fazendo iniciação científica, podem continuar recebendo a bolsa. A dificuldade de captar doações faz com que parte do patrimônio do fundo, de cerca de R$ 300 mil, seja utilizada diretamente nas
convênios com as universidades Estadual de Campinas (Unicamp), Federal de Minas Gerais (UFMG), de São Paulo (USP) e também com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “Nos Estados Unidos, os fundos endowment conseguem financiar pesquisa de alto risco, que às vezes não consegue apoio das agências de fomento. No Brasil, isso ainda está longe de acontecer. Mandar brasileiros para centros de excelência fora do país é uma forma de investir no Brasil, sem esbarrar nos entraves burocráticos que as doações enfrentam no Brasil. Uma coisa não exclui a outra”, avalia Blikstein.
Formatura na Universidade Harvard, nos Estados Unidos: US$ 32,7 bilhões em recursos provenientes do endowment direcionados para pesquisa, infraestrutura da universidade e bolsas
tem que pagar impostos. As doações são sujeitas a um imposto estadual de 4% do valor da doação”, diz ele. Não apenas o doador, mas também os fundos são sacrificados nesse processo, diz o professor. “Cerca de 70% das despesas do Amigos da Poli são para pagar impostos. Isso está errado, porque o fundo não tem fins lucrativos e não deveria ser taxado como se fosse uma empresa”, afirma. A legislação brasileira ainda não reconhece os fundos endowment. “Em outros países, como na França, o endowment é uma figura jurídica específica. Precisamos ter parâmetros do que a lei reconhece como endowment e a partir disso viabilizar incentivos fiscais”, diz o advogado Felipe Sotto-Maior. Atualmente, cinco projetos de lei em tramitação na Câmara dos Deputados tratam das doações para universidades públicas. A maioria propõe medidas para a dedução no Imposto de Renda, e um deles, o da deputada Bruna Furlan (PSDB-SP), cuida especificamente dos fundos endowment. Em análise na Comissão de Educação no Congresso Nacional, o projeto propõe a criação de um fundo patrimonial em cada instituição federal de ensino superior no país. Também permite doações isentas de impostos para esses fundos e deduções de até 12% do imposto devido pelos doadores. A expectativa é que ele seja apreciado ainda neste ano. Em fevereiro, Carlos Américo Pacheco, reitor do ITA, participou de uma reunião com parlamentares em Brasília. “Os deputados estão dispostos a aprovar os projetos, que irão tratar em grande parte da questão tributária. Além disso, os desdobramentos da aprovação de uma lei para instituições federais poderão levar à criação de legislação semelhante para instituições estaduais e privadas”, diz Pacheco. Os desafios parecem não intimidar as instituições que já demonstraram interesse em criar endowments. Com o surgimento de novos interessados – como as faculdades de Medicina e de Arquitetura e Urbanismo da USP, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) –, a expectativa é que o modelo cresça no país nos próximos anos. “É uma questão de tempo. Depois que as instituições pioneiras consolidarem seus modelos e obtiverem sucesso, outras irão segui-las”, avalia Felipe Sotto-Maior. n pESQUISA FAPESP 219 z 43
ciência saúde mental y
Depressão por inflamação Processos imunológicos desregulados podem estar relacionados a uma parcela dos casos de depressão Marcos Pivetta
P
esquisas recentes indicam que a perda da capacidade de regular adequadamente processos inflamatórios, desencadeados por diferentes formas de estresse físico ou mental, pode ser um dos fatores associados à ocorrência e à manutenção de um quadro de depressão em certas pessoas. Há também indícios preliminares de que pacientes cujo sangue apresenta altos índices de proteínas ligadas à ativação excessiva do sistema imunológico respondem de maneira menos adequada – quando respondem – aos remédios usualmente empregados contra esse problema psiquiátrico. Os fatores listados como possíveis causas de uma desregulação do sistema imunológico vão desde os conhecidos eventos traumáticos, como a morte de um parente próximo ou a notícia de uma doença grave, até hábitos ligados ao estilo de vida, caso da falta de exercícios físicos e da obesidade. Em um trabalho publicado em janeiro deste ano na revista Translational Psychiatry, a equipe da bioquímica brasileira Livia A. Carvalho, do Departamento de Epidemiologia e Saúde Pública 44 z maio DE 2014
do University College London (UCL), constatou que 44 de 47 genes ligados à resposta anti-inflamatória apresentavam um padrão elevado de ativação no tipo mais comum de leucócitos, as células brancas de defesa do organismo, de pacientes com depressão severa que não tomavam medicamentos. Dois genes associados aos receptores de glicocorticoides (cortisol), hormônios importantes para regular o funcionamento do sistema imunológico e a resposta ao estresse, se mostraram pouco ativos nas pessoas com problemas psiquiátricos. O estudo comparou a expressão dos genes em 47 pessoas com depressão e 42 indivíduos saudáveis. “É possível que cerca de 30% dos casos de depressão estejam ligados a processos que envolvam uma inflamação pequena, mas crônica”, diz Livia. Essa inflamação pode alterar o estado mental de algumas pessoas mais suscetíveis porque provocam, entre outras alterações, modificações na produção de neurotransmissores, como a serotonina, importantes para o bem-estar cerebral. Outro artigo recente da pesquisadora sugere que algumas pessoas com o sistema inflamatório
ilustraçãO daniel kondo
excessivamente requisitado são pouco beneficiadas pelo uso de antidepressivos. Ela e colegas ingleses mediram os níveis de cortisol e de vários tipos de citosinas, pequenas proteínas que estimulam ou inibem a resposta inflamatória do organismo, no sangue de 19 pacientes com depressão que não se beneficiavam adequadamente do tratamento médico e de 21 pessoas sem problemas psiquiátricos. Os resultados do trabalho, que ganhou as páginas do Journal of Affective Disorders no final de 2012, indicam que as pessoas continuamente deprimidas apresentam concentrações mais elevadas de cortisol e de citosinas que estimulam a resposta do sistema imunológico. Talvez seja por isso, diz Livia, que os antidepressivos sejam pouco eficazes para minorar os sintomas de depressão em certos indivíduos. O grupo da brasileira radicada em Londres é um dos que mais têm se dedicado a pesquisar se a inflamação é um dos mecanismos pelos quais o estresse psicológico desencadeia diversos tipos de doença, como depressão, problemas cardiovasculares e processos ligados ao envelhecimento precoce. Mas obviamente não é o único. Embora
a esquizofrenia seja o foco central dos trabalhos de Daniel Martins de Souza, do Departamento de Bioquímica do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp), alguns de seus estudos mais recentes do proteoma (o conjunto de proteínas produzido por um organismo) tiveram como foco a depressão. Esses trabalhos também sugerem que moléculas fundamentais para o processo de inflamação parecem ter um papel importante em modular a eficácia ou não dos medicamentos contra a depressão. Em artigo publicado em fevereiro deste ano no periódico Biological Psychiatry, Souza mostra que as proteínas integrina (fundamental para a resposta inflamatória) e ras (produzida por gene associado a certos tipos de câncer) apresentaram níveis mais elevados em pacientes com depressão que não melhoraram após terem sido tratados com antidepressivos do que em pessoas que se beneficiaram do uso dos medicamentos. “Estamos procurando marcadores biológicos que possam indicar se o paciente vai responder ou não ao tratamento”, afirma Souza, que retornou ao Brasil no início de 2014 após ter trabalhado por dois anos no DeparpESQUISA FAPESP 219 z 45
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Dieta mediterrânea: frutas, legumes e azeite em teste contra a inflamação
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Além de entender o papel dos processos inflamatórios no desencadeamento da depressão, trabalhos como os de Livia, Souza e de outros pesquisadores perseguem também o objetivo de encontrar marcadores moleculares que indiquem se uma pessoa deprimida tende a melhorar se tomar antidepressivos. “O ideal era termos um teste de sangue que mostrasse se o paciente vai reagir ao tratamento”, diz Livia, que, desde 2008, investiga se citosinas inflamatórias, como a interleucina 6, podem ser esse marcador. Estudos feitos no UCL indicam que essa substância, produzida em situações de perigo e de estresse e capaz de alterar o funcionamento do cérebro, apresenta níveis elevados em pacientes com depressão. “Alguns trabalhos sugerem até que a interleucina 6 pode ser útil para prever quem desenvolverá Estudos tentam quadros de depressão no futuro”, afirma a pesquisadora. encontrar Outra molécula que pode ser útil para prever a eficácia do uso de antitamento de Psiquiatria da marcadores depressivos é o fibrinogênio, proteíLudwig Maximilians Unina fundamental para a coagulação do versität (LMU) e ter sido moleculares sangue. Um estudo recente de Souza, colaborador no Instituto também feito quando ainda estava Max Planck de Psiquiatria, que indiquem na Alemanha, detectou concentraambos em Munique. se pacientes ções mais altas dessa proteína em O trabalho analisou as pacientes que não responderam ao concentrações de 1.919 vão responder tratamento do que nos que responproteínas presentes nos deram. “Encontramos um candidato leucócitos de 20 pacientes a tratamentos a marcador para a resposta ao uso com depressão crônica que de antidepressivos”, afirma Souza. participavam de um estudo “Como dois terços dos pacientes não tocado pelas instituições respondem às primeiras tentativas alemãs. Os níveis das moléculas foram medidos no momento em que os de tratamento, seria ótimo identificar os que têm pacientes deram entrada no hospital da univer- níveis altos de fibrinogênio e pensar em terapias sidade e após terem recebido antidepressivos por alternativas.” Se uma resposta imunológica exaseis semanas. Cerca de 30 proteínas apresentaram cerbada pode ser uma das causas de problemas níveis distintos antes e depois de as pessoas co- psiquiátricos, combater a inflamação pode ser meçarem a ser medicadas. Entre as pessoas que uma abordagem complementar ao emprego de melhoraram sua condição psiquiátrica com a me- antidepressivos. Por isso há estudos que testam dicação, os pesquisadores viram que a concentra- até o emprego da aspirina ou de dietas anti-inflação da maioria das proteínas diminuiu depois de matórias, como a mediterrânea (rica em vegetais, 42 dias de tratamento. O oposto ocorreu com os frutas, azeite e com pouca carne vermelha), coindivíduos que não responderam ao tratamento mo terapias suplementares contra a depressão. com antidepressivos. Nesses pacientes, os níveis das proteínas se elevaram. “Nossos dados sugerem estresse, sono e envelhecimento que os antidepressivos afetam processos biológi- Uma das vantagens dos trabalhos de Livia na cos similares nas pessoas que respondem e nas Inglaterra é contar com um grupo de mais de 10 que não respondem ao tratamento, mas em dire- mil pessoas de meia-idade e idosos cujo estado ções opostas”, diz Souza, que toca um projeto de de saúde, inclusive o psiquiátrico, vem sendo Jovem Pesquisador financiado pela FAPESP na acompanhado por pesquisadores do University área de neuroproteômica e doenças psiquiátricas. College London. Trata-se do estudo epidemioló-
ambos os trabalhos as alterações nos telômeros não foram encontradas nas mulheres que participaram dos estudos. Isso talvez se deva ao fato de as mulheres, devido a suas peculiaridades hormonais, responderem ao estresse de forma diferente dos homens. Boa parte dos trabalhos que relacionam depressão a diferentes formas de inflamação é feita em adultos de meia-idade ou idosos. Livia se associou recentemente a grupos de pesquisa de universidades brasileiras para estudar esse tema em populações mais jovens e de perfil distinto. A equipe da Estresse psicológico parece encurtar pediatra Heloisa Bettiol, os telômeros, estruturas celulares professora da Faculdade de Medicina de Ribeirão associadas à senescência Preto da Universidade de São Paulo, mediu os níveis de 42 citosinas, ligadas ao processo inflamatório, em que homens saudáveis, com idade entre 54 e 76 um grupo de 1.400 gestantes que já vinham sendo anos, expostos a estresse psicológico contínuo – acompanhadas pelos pesquisadores da universicom poucos amigos, pessimistas diante da vida e dade. Um dos objetivos é ver se mães com altos personalidade agressiva – apresentam telômeros índices de proteínas inflamatórias teriam maior menores e produzem uma forma menos funcional propensão a ter depressão durante a gravidez ou da enzima que repara essa estrutura celular. A re- após o parto. “Ainda estamos tabulando os dados dução no tamanho dos telômeros, que protegem a e em breve teremos dados sobre essa questão”, ponta dos cromossomos, é interpretada como um diz Heloisa. A professora Kênia Mara Baiocchi de Carvaindicador do processo de envelhecimento celular. Telômeros menores são um sinal de degradação lho, da Universidade de Brasília (Unb), aproveibiológica. “O estresse psicológico parece acele- tou os trabalhos regionais de um grande estudo rar o processo de envelhecimento, em parte por nacional sobre a saúde dos adolescentes de 12 a desencadear uma inflamação crônica”, afirma 17 anos, o projeto Erica, para analisar a presença Livia. Há dois anos, em outro artigo no mesmo de proteínas ligadas à inflamação no sangue de periódico, Livia e colegas já haviam mostrado 1.400 jovens da capital federal. “Não aplicamos que homens que dormiam cinco ou menos horas um teste para ver se eles estavam deprimidos, por dia apresentavam telômeros 6% menores do mas algumas perguntas feitas no estudo podem que os que tinham sete horas diárias de sono. Em nos dar uma ideia de se os adolescentes estavam submetidos a estresse psicológico”, diz Kênia. Como no caso de Heloisa, os dados ainda estão sendo analisados. Mas, se tudo der certo, novas informações sobre possíveis ligações entre estresse/inflamação e depressão na população brasileira devem ser divulgadas. n gico Whitehall II. Esse contingente de homens e mulheres, que tinham entre 35 e 55 anos de idade no início do estudo, forneceu subgrupos de pacientes que permitiram à pesquisadora brasileira e seus colegas ingleses realizar uma série de estudos relacionando estresse/inflamação à depressão e também a outras doenças. Um desses trabalhos recentes, publicado em março deste ano na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), mostra
fotos 1 Kerry Hyndman / gettyimages 2 ASIEKA / SCIENCE PHOTO LIBRARY
Cristais de serotonina: inflamação pode alterar produção de neurotransmissores
Projeto Desenvolvimento de um teste preditivo para medicação bem-sucedida e compreensão das bases moleculares da esquizofrenia através da proteômica (nº 13/08711-3); Modalidade Programa Jovem pesquisador; Pesquisador responsável Daniel Martins de Souza (IB-Unicamp); Investimento R$ 926.108,49 (FAPESP).
Artigos científicos
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CARVALHO, L.A. et al. Inflammatory activation is associated with a reduced glucocorticoid receptor alpha/beta expression ratio in monocytes of inpatients with melancholic major depressive disorder. Translational Psychiatry. 14 jan. 2014. SOUZA, D.M. et al. Blood mononuclear cell proteome suggests integrin and ras signaling as critical pathways for antidepressant treatment response. Biological Psychiatry. 6 fev. 2014.
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Bioquímica y
Identidade esclarecida Nova metodologia diferencia as estruturas das heparinas de baixo e ultrabaixo peso molecular e elucida sua ação como anticoagulante Rodrigo de Oliveira Andrade
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empre foi difícil separar os diversos tipos de heparina, substância produzida pela maioria dos organismos e usada como anticoagulante. Cada tipo, com peso molecular próprio, pode ter funções diferentes, até mesmo opostas. Comparando as características estruturais de uma heparina de baixo peso molecular, usada há décadas, com as de ultrabaixo peso molecular, produzidas há apenas alguns anos, pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) verificaram que as propriedades anticoagulantes das heparinas de ultrabaixo peso molecular podem variar de acordo com a composição das cadeias de açúcar que as compõem e com o próprio peso molecular, apesar de serem estruturalmente semelhantes às de baixo peso molecular. “Quanto menor o peso molecular, mais específica será a ação da heparina sobre determinadas enzimas fundamentais para a coagulação do sangue”, diz Helena Nader, professora da Unifesp e uma das principais especialistas em heparina no mundo. Nos anos de 1970, seu orientador de doutorado e futuro marido, Carl Peter Dietrich, falecido em 2005, isolou a heparina de baixo peso molecular, o
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que possibilitou sua produção em ampla escala como anticoagulante. Agora a equipe da Unifesp desenvolveu uma metodologia de identificação das estruturas químicas das heparinas de baixo e ultrabaixo peso molecular, mostrando como usar melhor cada grupo e abrindo novas possibilidades de uso. “Podemos agora entender os mecanismos de ação das heparinas de baixo e ultrabaixo peso molecular mais usadas atualmente”, afirma Marcelo Andrade de Lima, pesquisador do Departamento de Bioquímica da Unifesp e primeiro autor de um artigo publicado na Thrombosis and Haemostasis em março de 2013 e destacado pelos editores em março de 2014 como um dos mais importantes trabalhos publicados na própria revista no ano anterior. Tornou-se possível identificar as reações químicas usadas para produzir cada tipo de heparina, desse modo evitando equívocos e falsificações. A partir daí, os especialistas poderiam desenvolver reações químicas específicas para obter heparinas de ultrabaixo peso molecular com ações novas ou mais específicas. “Poderíamos determinar por qual caminho queremos que esses novos compos-
tos atuem no organismo e, assim, criar novos agentes terapêuticos”, diz Lima. Produzidas por células chamadas mastócitos, encontradas em diferentes tecidos, as heparinas em geral se ligam a um inibidor natural da coagulação chamado antitrombina, aumentando em até 2 mil vezes a velocidade com que a antitrombina inibe as enzimas responsáveis pela coagulação. Por isso são bastante usadas para evitar a formação de coágulos, que podem ser fatais. O processo de coagulação constitui uma sequência de reações enzimáticas. Como em uma cascata, elas se ligam uma a outra, convertendo pró-enzimas em enzimas ativas, que por fim transformam uma proteína solúvel, o fibrinogênio, em outra, insolúvel, denominada fibrina, que corresponde ao produto final da coagulação. “Todas as heparinas agem da mesma forma sobre a antitrombina”, diz Helena. Quanto menor o peso molecular, porém, mais seletiva será a ação. As heparinas convencionais, chamadas de não fracionadas, constituídas por moléculas com pesos moleculares diferentes, depois de se ligarem à antitrombina, inibem a ação de pelo menos cinco enzimas desde o início do processo de coagulação do sangue.
Alerta vermelho: o núcleo oval de mastócito preenchido e cercado por grânulos (em vermelho) que contêm heparina, liberada em resposta a bactérias e vírus
As de baixo peso molecular agem principalmente em duas enzimas – chave do processo, o Fator Xa e a trombina, ou Fator IIa. As de ultrabaixo peso molecular são ainda mais seletivas e agem apenas sobre a Xa, inibindo sua ação. “Ao separar as heparinas de acordo com o peso molecular e características estruturais peculiares, restringimos sua ação, cada vez mais específica”, afirma Lima.
SCIENCE PHOTO LIBRARY
Os rastros da heparina
Essas reações são conhecidas há décadas, mas poucos pesquisadores haviam se preocupado em identificar as estruturas químicas responsáveis por sua ação anticoagulante. Em colaboração com pesquisadores do Paraná, Estados Unidos e França, Lima e Helena desenvolveram uma metodologia para determinar as diferenças entre dois fármacos do grupo das heparinas de ultrabaixo peso molecular: a semuloparina, com peso molecular de 2,9 mil daltons (a unidade de medida da massa molecular), produzida na França; e a bemiparina, com 3,8 mil daltons, fabricada na Espanha. As duas foram comparadas com a enoxaparina, a heparina de baixo peso molecular mais usada no mundo, também produzida na França,
com peso molecular de 4,1 mil daltons. Todas foram produzidas a partir da heparina não fracionada de mucosa intestinal de porcos, uma das principais fontes da heparina usada como medicamento. Por meio de espectroscopia de ressonância magnética nuclear (RMN) e outras técnicas, o grupo da Unifesp avaliou as características estruturais de cada substância e as relacionou com seu peso molecular. “Desenvolvemos um método que combina diferentes técnicas e análises matemáticas para avaliar essas estruturas”, diz Helena. “Em seguida tentamos entender como poderíamos usar esses dados para a concepção de novas drogas.” Definidas as estruturas químicas dessas heparinas no Laboratório Institucional de RMN da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e outros centros de análise, os pesquisadores identificaram a reação química usada para obter as heparinas de baixo e ultrabaixo peso molecular. Cada heparina, de baixo e ultrabaixo peso, foi obtida por meio de um processo específico. “A reação química usada para despolimerizar a heparina deixa rastros. Nosso método identifica esses rastros e a reação usada na produção de cada substância”, afirma Lima.
Um dos rastros é a composição das cadeias de açúcares da heparina, que aumentam a afinidade pela antitrombina. No caso da semuloparina, uma reação química específica usada pela empresa Sanofi, da França, é capaz de despolimerizar a heparina preservando uma sequência de cinco açúcares, que se ligam fortemente à antitrombina. “Assim, a semuloparina foi obtida por uma reação química específica em que os pentassacarídeos são preservados na maioria das moléculas, levando a um composto com atividade anticoagulante dirigida contra o Fator Xa e sem ação contra a trombina”, diz Helena. Essas informações ajudaram a explicar resultados clínicos recentes. Há três anos, a empresa francesa relatou que a administração de semuloparina teria reduzido em 64% o risco de trombose venosa profunda, embolia pulmonar e mortes relacionadas a tromboembolismo venoso em pessoas com câncer no início da quimioterapia. O Brasil produz apenas a heparina não fracionada, retirada da mucosa de bois e porcos. Em 2012, o país exportou o equivalente a R$ 24 milhões de heparina não fracionada e importou as formas mais purificadas, de maior valor agregado. n Projetos 1. Espectrometria de massas e de ressonância magnética nuclear na caracterização estrutural de glicosaminoglicanos e polissacarídeos complexos de invertebrados e algas (n° 2010/52426-3); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisadora responsável Helena Bonciani Nader (Unifesp); Investimento R$ 819.080,01 (FAPESP). 2. Compostos bioativos obtidos a partir de resíduos de carcinicultura e modificações químicas de heparina (nº 2012/008501); Modalidade Bolsa no país – Regular – Pós-doutorado; Pesquisadora responsável Helena Bonciani Nader (Unifesp); Bolsista Marcelo Andrade de Lima (Unifesp); Investimento R$ 152.469,11 (FAPESP).
Artigos científicos LIMA, M. A. et al. Ultra-low-molecular-weight heparins: precise structural features impacting specific anticoagulant activities. Thrombosis and Haemostasis. v. 109, n. 3, p. 471-8. mar. 2013. CHRISTIAN W. e GREGORY Y. H. L.. Editors’ Choice papers in Thrombosis and Haemostasis. Thrombosis and Haemostasis. v. 111, n. 1, p. 185-8. jan. 2014.
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Ecologia y
A origem do cerrado Histórias evolutivas divergentes dão formas distintas às savanas atuais e afetam possíveis respostas a mudanças climáticas Maria Guimarães
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rvores pequenas e retorcidas, às vezes com a casca dos troncos transformada em carvão pela passagem do fogo, em meio a um tapete de capim. Quem já viu logo reconhece o cerrado, a savana brasileira. Na África e na Austrália, os dois outros continentes em que o bioma é característico, as savanas formam paisagens muito parecidas. Mas a semelhança é superficial, já que o cerrado tem uma biodiversidade maior a ponto de estar na lista de 34 áreas no mundo com maior riqueza de espécies, e sob ameaça de extinção – os hotspots. A novidade é que as savanas dos três continentes também diferem em como respondem ao fogo, à umidade e à temperatura, conforme um grupo internacional, com a participação de brasileiros, mostrou em janeiro na revista Science a partir de dados compilados em mais de 100 estudos realizados em 2.154 áreas de savana na 50 z maio DE 2014
América do Sul, na África e na Austrália. Além da importância para compreender o funcionamento desse ambiente, os achados são essenciais para a criação de modelos que prevejam a reação das savanas às mudanças climáticas e estimem a sua capacidade de amenizar essas alterações ao remover carbono do ar. “Conseguimos ver um papel aparente da história evolutiva na determinação da dinâmica contemporânea do bioma”, diz Caroline Lehmann, da Universidade de Edimburgo, na Escócia. Essa visão mais abrangente é para ela a conclusão mais empolgante do trabalho que coordenou. As diferenças parecem acontecer porque a savana é relativamente jovem: deve ter surgido entre 3 milhões e 8 milhões de anos atrás. Nessa época, os continentes já estavam separados havia um bom tempo e suas floras e faunas tinham acumulado diferenças marcantes. As espécies de ár-
A fauna de grande porte, como estas manadas de zebras e gnus no Parque Nacional de Ngorongoro, na Tanzânia, reduz a campo parte da paisagem africana
Cezary Wojtkowski / Tips / Glow Images
vores presentes, com uma dominância de mirtáceas (família que inclui a pitanga, a goiaba, a jabuticaba e o eucalipto) na Austrália e de leguminosas na África, são distintas em fenologia – a periodicidade com que produzem flores e frutos –, resistência ao fogo, crescimento e arquitetura. Já o cerrado, a mais diversa das savanas, não tem uma família botânica predominante. Um olhar mais atento sobre os fatores ambientais que regem esses ecossistemas revelou que eles estão por trás de diferenças funcionais. Na África e na Austrália, as chuvas e a temperatura têm um efeito forte em aumentar a frequência do fogo, já que propiciam o crescimento de capins. Em menor intensidade, esses fatores também afetam o tamanho das árvores. Na América do Sul essas relações são muito fracas, tanto no Brasil como na Venezuela, onde também há vegetação
savânica. A variação de um continente para o outro surpreendeu os pesquisadores, que esperavam uma homogeneidade maior. “Em retrospecto, parece bastante óbvio quando se considera a diversidade na arquitetura e na fenologia das árvores nessas regiões”, reflete Caroline. O importante é que essa variação significa que não é possível usar um único modelo para prever qual será, por exemplo, a biomassa de árvores em determinadas condições ambientais, ou como a vegetação reagirá a mudanças na temperatura global. Uma particularidade do cerrado é ter evoluído num ambiente mais úmido do que as outras savanas. “Nos outros continentes, sob o mesmo clima em que aqui há cerrado, já haveria floresta”, exemplifica a engenheira florestal Giselda Durigan, do Instituto Florestal do Estado de São Paulo em Assis, interior paulista, coautora do estudo.
As particularidades da África também se devem à grande variedade de herbívoros de tamanho avantajado – como elefantes, antílopes ou zebras, com suas manadas populosas – cuja voracidade vegetariana impede a sobrevivência das mudas de árvores e torna muito mais comum o campo dominado por capins. “A ausência da megafauna na América do Sul é em grande parte responsável pela diversidade do cerrado”, diz Giselda. Sem os grandes herbívoros – aqui muitas vezes representados pelo gado –, o que mantém aberta a fisionomia do cerrado é o fogo. Quando não há queimadas, as árvores crescem, se multiplicam e inibem a germinação e o desenvolvimento de espécies endêmicas, que não toleram a sombra. Sem fogo e sem pastejo, o próprio capim pode prejudicar os brotos que precisam de luz. Um exemplo de como a fauna e as queimadas são parte integranpESQUISA FAPESP 219 z 51
te do ecossistema apareceu na pesquisa que Giselda vem realizando na Estação Ecológica de Santa Bárbara, no interior paulista. Ela encontrou uma planta com menos de 10 centímetros de altura que descobriu ser um exemplar de Galium humile, da família do café, uma espécie que não era coletada no estado desde 1918. O curioso é que o achado se deu justamente numa área que nas últimas décadas foi muito sujeita a incêndios e ao uso como pastagem. “A flora e a fauna do cerrado dependem da passagem do fogo”, alerta Giselda. “No Brasil vamos
De olho no futuro
Com a sua contribuição o estudo se tornou mais representativo, com modelos
estatísticos mais robustos para estimar o efeito de cada uma das variáveis sobre a biomassa da savana. Esses modelos também buscam prever o que pode acontecer com o porte das savanas diante das mudanças previstas no clima das próximas décadas. Ao considerar um aumento de quatro graus Celsius (°C) na média anual de temperatura, o estudo mostrou diferenças marcantes entre os modelos globais e regionais de alteração na biomassa das savanas. Na África, por exemplo, o modelo que não distingue continentes prevê uma leve redução na biomassa, enquanto o específico indica que haverá um aumento. Para a América do Sul, o modelo regional prevê, nesse cenário, uma redução de biomassa bem maior do que aquela prevista pela simulação global. “Os mapas de biomassa prevista derivados de nossos modelos estatísticos são adequados para propósitos ilustrativos”, relativiza Caroline. “Mas, na verdade, as pessoas exercem uma influência enorme nos padrões atuais de biomassa por meio de desmatamento, agricultura, pecuária e derrubada seletiva.” Ela imagina, por isso, que haja bastante descompasso entre as previsões dos modelos e o que realmente acontece. E destaca o cerrado, que tem passado por transformações muito mais extensas do que as outras savanas, devido ao uso para a agropecuária, e já perdeu quase metade de seu território. Mas antecipar o que as mudanças ambientais causarão nas savanas ainda é impossível, não só pela incerteza quanto ao que acontecerá no clima de cada continente. O problema é especialmente complexo para esses ecossistemas por sua enorme diversidade entre os continentes e dentro de cada um deles. O estudo se concentrou nas savanas mais típicas, que têm uma divisão mais ou menos equilibrada entre árvores e capins. Mas em cada um dos continentes o bioma pode ser desde um capinzal até uma floresta mais densa de árvores altas, com um estrato herbáceo esparso. “O aumento nas concentrações de CO2 atmosférico deve afetar de forma diferente os capins tropicais e as árvores, mudando o equilíbrio competitivo entre essas plantas centrais Com pouca água para agricultura, na Austrália as savanas são mais preservadas
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fotos 1 Thomas Schoch / wikimedia commons 2 eduardo cesar infográfico ana paula campos ilustraçãO samuel rodrigues
Não é possível usar um único modelo para prever como a vegetação reagirá a mudanças na temperatura
ter que aprender a usá-lo como ferramenta de manejo, agora que a lei prevê a prática para o bem do ecossistema.” Investigações como a do grupo de Giselda foram a base para o artigo publicado na Science, que reúne dados de muitos outros grupos de pesquisa. “É um tipo de estudo que ganha em abrangência, mas perde em detalhe”, comenta Giselda. Ela foi convidada para a reunião na Austrália que formou o grupo de trabalho em 2009, mas não pôde participar por conflitos de agenda: estava naquele país no mesmo momento, mas em outro evento. A única representante brasileira era, por isso, a engenheira florestal Jeanine Felfili, da Universidade de Brasília (UnB). Mas logo em seguida Jeanine não sobreviveu a um acidente vascular cerebral, e parte de sua contribuição foi concretizada por Ricardo Haidar, à época seu estudante de mestrado. Mesmo assim, em 2013 uma primeira versão do artigo foi recusada pela revista por ter poucos dados sul-americanos. Caroline então procurou Giselda, que nesse momento não só estava disponível como acabara de participar de um extenso levantamento sobre o cerrado e tinha todos os dados necessários na cabeça e no computador. “Muitos dos dados estavam em artigos em português ou mesmo ainda em teses”, conta a brasileira. Por isso, na prática eram invisíveis para os estrangeiros.
Relações variáveis Fatores ambientais têm atuação distinta conforme o continente Um modelo que mapeia o efeito das chuvas, do solo e da temperatura sobre a frequência de incêndios e a biomassa das árvores mostra o peso dos fatores
n Umidade n Fogo n Solo n Biomassa arbórea n Temperatura
áfrica
ambientais na savana de cada continente. Traços mais grossos indicam influência mais forte. O fogo tem um leve impacto direto, negativo, diminuindo a biomassa
América do sul n Áreas com savanas
Austrália
As cascas espessas das árvores do cerrado são essenciais para resistir ao fogo Fonte science
do sistema”, explica Caroline. Os efeitos serão variáveis conforme a região. “Posso dizer que nossa falta de compreensão de como os sistemas de savana podem responder à mudança climática é uma falha de conhecimento crítica que deveria ser levada a sério.” Para ela as savanas, que cobrem cerca de 20% da superfície terrestre do planeta, devem ser estudadas com tanto afinco quanto a Amazônia e outras florestas tropicais. Intrigada com a relação fraca entre as variações de temperatura e chuva e a vegetação do cerrado, Giselda acredita que encontrará respostas abaixo da superfície. As características físicas do solo têm forte influência sobre a disponibilidade de água para as plantas, que precisam dessas reservas para enfrentar
os períodos de estiagem. “Quando o solo é argiloso, uma seca de quatro meses é sentida pelas plantas como se durasse apenas dois meses”, explica. Isso acontece porque a argila consegue reter água em maior quantidade e por mais tempo do que a areia. “Mas quando há argila demais a água fica retida de tal maneira que as plantas não conseguem captar.” As condições ideais para o desenvolvimento das plantas, portanto, envolvem um equilíbrio sutil dos componentes do solo, que é mais variável de um ponto a outro do cerrado do que nas outras savanas. Os modelos produzidos no estudo da Science para estudar a relação entre fatores ambientais e a biomassa arbórea levaram em conta os teores de carbono e de areia numa camada de 50 centíme-
tros de profundidade. O carbono serve como medida da matéria orgânica ou do conteúdo em nutrientes do solo, e a areia como estimativa de sua capacidade de retenção de água. Mas esses indicadores são insuficientes, de acordo com Giselda, e foram escolhidos por estarem disponíveis sobre as savanas de todo o planeta. Ao dar indicações das variáveis ambientais importantes para as savanas, o estudo aponta direções importantes para trabalhos futuros. Giselda imagina o que seria necessário para se ter uma compreensão melhor da complexa relação entre o solo, o clima e o cerrado: uma rede de pesquisa com grupos trabalhando em toda a extensão do bioma, cavando trincheiras em várias profundidades para examinar o solo e relacionar suas propriedades com o porte e outras características da vegetação. n
Artigo científico LEHMANN, C. E. R. et al. Savanna vegetation-fire-climate relationships differ among continents. Science. v. 343, n. 6.170, p. 548-52. 31 jan. 2014.
pESQUISA FAPESP 219 z 53
especial biota educação XIi
Sem florestas, gasta-se mais Desmatamento eleva em 100 vezes o custo do tratamento de água
O
desmate da vegetação que recobre as bacias hidrográficas altera o ciclo de chuvas, prejudica a recarga de aquíferos subterrâneos, consequentemente reduz os recursos hídricos disponíveis para o abastecimento humano e tem forte impacto sobre a qualidade da água, encarecendo em cerca de 100 vezes o tratamento necessário para torná-la potável. O alerta foi feito pelo pesquisador José Galizia Tundisi, do Instituto Internacional de Ecologia (IIE), durante palestra apresentada no terceiro encontro do Ciclo de Conferências 2014 do programa Biota-FAPESP Educação, realizado em 24 de abril, em São Paulo. Em áreas com floresta ripária, também chamada de mata ciliar, contígua a cursos d’água, “basta colocar algumas gotas de cloro por litro e obtemos água de boa qualidade para consumo”, disse Tundisi. Já em locais com vegetação degradada, como o sistema Baixo Cotia, a bacia hidrográfi54 z maio DE 2014
ca do rio Cotia, na Região Metropolitana de São Paulo, é preciso usar coagulantes, corretores de pH, flúor, oxidantes, desinfetantes, algicidas e substâncias para remover o gosto e o odor. “Todo o serviço de filtragem prestado pela floresta precisa ser substituído por um sistema artificial e o custo passa de R$ 2 a R$ 3 a cada mil metros cúbicos para R$ 200 a R$ 300. Essa conta precisa ser relacionada com os custos do desmatamento.” Quando a cobertura vegetal nas bacias hidrográficas é adequada, por meio das florestas ripárias, as matas de áreas alagadas e demais mosaicos de vegetação nativa, a taxa de evapotranspiração, definida como a perda de água do solo por evaporação e da planta por transpiração, é mais alta. Consequentemente, uma quantidade maior de água retorna para a atmosfera e favorece a precipitação. Nesses casos, segundo Tundisi, o escoamento da água das chuvas ocorre mais lentamente, diminuindo o processo erosivo. Parte da água se infiltra no solo por meio dos troncos e raízes, que
Floresta amazônica: boa parte do carbono das folhas, galhos e sedimentos vai para os rios
eduardo cesar
Karina Toledo, da Agência FAPESP
funcionam como biofiltros, recarrega os aquíferos e garante a sustentabilidade dos mananciais. A situação é oposta em solos sem vegetação nativa. “O processo de drenagem da água da chuva ocorre de forma muito mais rápida e há uma perda considerável da superfície do solo, que tem como destino os corpos d’água. Essa matéria orgânica em suspensão altera completamente as características químicas da água, tanto a de superfície como a subterrânea”, disse ele. A mudança na composição química da água é ainda mais acentuada quando há criação de gado ou uso de fertilizantes e pesticidas nas margens dos rios. Ocorre aumento na turbidez e na concentração de nitrogênio, fósforo, metais pesados e outros contaminantes – impactando fortemente a biota aquática. Tundisi lembrou que, além de garantir água para o abastecimento humano, os ecossistemas aquáticos oferecem uma série de outros serviços de grande relevância econômica, como geração de hidroeletricidade, irrigação, transporte (hidrovia), turismo, recreação e pesca. A mensuração do valor desses serviços ecossistêmicos é o objetivo do projeto Pesquisas ecológicas de longa duração nas bacias hidrográficas dos rios Itaqueri e Lobo e represa da UHE Carlos Botelho, Itirapina, SP, Brasil (PelD), coordenado por Tundisi com apoio da FAPESP e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “São serviços estratégicos e fundamentais para o desenvolvimento do estado de São Paulo. Sua valoração é de fundamental importância para a implantação de projetos de economias verdes, dando ênfase à conservação dessas estruturas de vegetação e áreas alagadas”, disse.
fotos 1 e 3 Cristiano menezes / embrapa 2 tom wenseleers / universidade de leuven
Ciclo de carbono
Na Amazônia, “sempre se acreditou que quase todo o carbono da atmosfera absorvido pela floresta ficasse fixado no solo, mas mostramos que uma parcela significativa vai para os rios na forma de folhas, galhos e sedimentos”, disse a pesquisadora do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da Universidade de São Paulo (USP) Maria Victoria Ramos Ballester, em sua apresentação. “Esse material é decomposto por microrganismos e volta para a atmosfera.” Segundo ela, as águas fluviais processam em nível global praticamente a mesma quantidade de carbono estimada para os sistemas terrestres – algo em torno de 2,8 petagramas (2,8 bilhões de toneladas) por ano. Ela descreveu os estudos realizados com apoio da FAPESP que revelaram a importância dos rios no balanço de carbono na bacia amazônica, incluindo a floresta e os solos. Parte dos resultados foi divulgada em 2005 na revista Nature. Estudos do grupo mostraram que na porção cenpESQUISA FAPESP 219 z 55
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tral da bacia amazônica a quantidade de carbono nas Na Amazônia, rios de áreas águas era cerca desmatadas abrigavam apenas de 13 vezes maior que a descarregauma espécie de peixe da no oceano. “As análises da composição isotópica mostraram que o carbono é originário principalmente de plantas jovens, de aproximadamente 5 anos. Ele é metabolizado rapidamente dentro do rio e retorna para a atmosfera. O metabolismo do carbono ocorre ainda mais rapidamente em rios pequenos”, disse ela. O intenso processo de ocupação da Amazônia e a consequente mudança no padrão de uso do
Cantareira, zona norte de São Paulo: luta contínua entre as casas e a vegetação 56 z maio DE 2014
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solo têm alterado a ciclagem de nutrientes nos rios, elevando a quantidade de carbono e reduzindo o oxigênio dissolvido, alertou a pesquisadora. “A maior quantidade de matéria orgânica em suspensão na água, aliada à maior penetração de luz resultante da retirada das árvores, favorece o crescimento de uma gramínea conhecida como Paspalum, o que aumenta o consumo de oxigênio e o fluxo de dióxido de carbono (CO2) para a atmosfera”, disse ela. Os efeitos da mudanças no hábitat fluvial sobre a biota foi avaliado em um estudo realizado no âmbito do projeto temático O papel dos sistemas fluviais amazônicos no balanço regional e global de carbono: evasão de CO2 e interações entre os ambientes terrestres e aquáticos, coordenado pelo pesquisador Reynaldo Luiz Victória. O grupo do Cena analisou as transferências de nitrogênio e a
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fotos 1, 4 e 5 eduardo cesar 2 e 3 léo ramos
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José Tundisi, Victoria Ballester e Humberto Rocha: alertas
Programação
Ciclo de Conferências Biota-FAPESP Educação 2014
Para mais informações: www.biota.org.br www.biotaneotropica.org.br www.agencia.fapesp.br
22 DE MAIO
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Áreas alagadas e matas ciliares: fundamentais para o abastecimento dos moradores das cidades
biodiversidade de peixes de duas bacias interligadas em Rondônia, com 800 metros de extensão e as mesmas condições físicas. Uma das bacias, no entanto, era margeada por áreas de pastagem de gado e a outra possuía mata ciliar. Os pesquisadores observaram que o rio que teve sua cobertura vegetal modificada apresentava apenas uma espécie de peixe, enquanto o curso da água cuja mata ciliar foi mantida possuía 35 espécies. Também houve alteração significativa da diversidade de espécies de invertebrados observada. Desigualdade
A desigualdade no acesso aos abundantes recursos hídricos existentes no território brasileiro foi tema da terceira e última palestra do encontro, proferida por Humberto Ribeiro da Rocha, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG-USP). Segundo ele, os rios brasileiros oferecem cerca de 5.660 quilômetros cúbicos de água por ano (km3/a) – o equivalente a 12% da disponibilidade hídrica mundial. A demanda no país, segundo o pesquisador, é de 74 km3/a, ou seja, menos de 2% da quantidade ofertada. “O grande problema é a desigualdade na distribuição. Existem regiões com muito, como a Amazônia, e outras que enfrentam desabastecimento”, disse Rocha. Enquanto no Nordeste e no norte de Minas Gerais a falta de chuva é a causa da escassez hídrica, acrescentou o pesquisador, nos grandes centros urbanos como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre e Goiânia
(14h00-16h00) BIODIVERSIDADE
o problema é o adensamento populacional. “Há uma grande dificuldade de consolidar sistemas que acompanhem o crescimento populacional e a demanda dos setores industrial e agrícola. Todos trabalham no limite e, quando há um evento climático extremo com a estiagem que afetou São Paulo no último verão, o abastecimento entra em crise”, disse ele. A frequência das estiagens e dos extremos climáticos deve aumentar nos próximos anos em razão das mudanças no clima, o que deve impactar diretamente a disponibilidade dos recursos hídricos nos grandes centros urbanos brasileiros.
E MUDANÇAS CLIMÁTICAS Conferencistas Leonardo Meirelles (USP Leste) Alexandre F. Colombo Eduardo Assad (CNPTIA-Embrapa)
26 DE JUNHO (14h00-16h00) BIODIVERSIDADE E CICLAGEM DE
Biota Educação
NUTRIENTES
O ciclo de conferências organizado pelo Programa de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade do Estado de São Paulo em 2014 tem como foco os serviços ecossistêmicos. Outros dois encontros estão programados para este semestre, com os temas: “Biodiversidade e mudanças climáticas” (relacionadas à perda de biodiversidade) e “Biodiversidade e ciclagem de nutrientes” (um exemplo é a influência da biodiversidade sobre a poluição e o equilíbrio de dióxido de carbono e oxigênio na atmosfera). A iniciativa é voltada à melhoria do ensino da ciência da biodiversidade. Podem participar estudantes, alunos e professores do ensino médio, alunos de graduação e pesquisadores. n
Conferencistas Luiz A. Martinelli (a confirmar) Simone A. Vieira (Nepam-Unicamp) Plínio Barbosa de Camargo (Cena-USP)
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Artigo científico MAYORGA, E. et al. Young organic matter as a source of carbon dioxide outgassing from Amazonian rivers. Nature n. 436, p. 538-41. 2005.
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geoFísica y
Ossos da Terra Satélite delimita as regiões de maior densidade da superfície do planeta Carlos Fioravanti
A
té cair no mar, em novembro do ano passado, encerrando sua missão de quatro anos na órbita do planeta, o satélite Goce (sigla em inglês para missão de estudo da gravidade e da circulação oceânica em regime estável) registrou com precisão o campo gravitacional da Terra, determinado pela variação de densidade. Quanto maior a massa no interior da Terra, maior o campo gravitacional e a aceleração da gravidade. Agora as informações estão ajudando a desvendar as grandes estruturas da Terra, principalmente de regiões de difícil acesso como a Amazônia, os Andes e a Sibéria, onde os dados terrestres são escassos. Projetado, lançado e administrado pela Agência Espacial Europeia (ESA), o Goce tem ajudado a reconstruir a história da Terra. Usando as informações do Goce, Carla Braitenberg, da Universidade de Trieste, na Itália, determinou as regiões de maior densidade ou de maior campo gravitacional, destacando as áreas mais densas, como se estivesse observando os ossos da Terra, inacessíveis a observações geológicas diretas. Ela identificou as estruturas rochosas mais antigas, chamadas de crátons, da África e da América do Sul e detectou a continuidade das estruturas de maior ou de menor densidade dos dois continentes, como a Província da Borborema, no nordeste brasileiro, que se conectava geologicamente com o oeste da 58 z maio DE 2014
África Central. A conclusão é que esses blocos de rochas deviam ser contínuos antes de os continentes se separarem, afastando o que agora reaparece unido. Usando o Goce, o físico Everton Bomfim, em seu doutorado no Instituto de Astronomia, Geociências e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP), detectou falhas nas medições da variação de gravidade, por terra, em áreas limitadas na Amazônia na década de 1970. Em seguida, ele verificou que o cráton da Amazônia, antes visto como único, pode ser na verdade dois – um ao norte, o Escudo das Guianas, e outro ao sul do rio Amazonas, o Escudo Brasileiro –, ainda que tenham idades geológicas próximas entre si, de até 3,2 bilhões de anos. Essa possibilidade “poderia mudar um pouco a história geológica da região”, disse Bomfim, com a ressalva: “Não é possível tirar uma conclusão final a partir apenas de medidas gravitacionais. Precisamos também de outras fontes de dados como o paleomagnetismo”. O paleomagnetismo é uma técnica de análise das variações do polo magnético da Terra e de determinação dos polos magnéticos das rochas há milhares ou milhões de anos (ver Pesquisa FAPESP nº 85). Estudos paleomagnéticos recentes nas regiões sul e norte do cráton amazônico, coordenados por Manoel D'Agrella-Filho e Franklin Bispo-Santos, também
do IAG-USP, detectaram uma possível diferença na direção entre as duas partes do cráton, indicando que elas poderiam ter origens distintas e que, em algum momento, já estiveram separadas. “Apenas sugerimos essa indicação, que contraria conclusões amplamente aceitas sobre a formação da bacia sedimentar amazônica”, observou Bomfim. Já é o bastante, porém, para aventar outras possíveis ocorrências de jazidas minerais e de petróleo ainda não identificadas na região. “O Goce não via detalhes, mas a Terra inteira”, sintetizou Eder Molina, professor do IAG-USP especializado em medições das variações do campo de gravidade, que foi o orientador de mestrado e doutorado de Bomfim. “Ou seja: via melhor coisas grandes, que os outros modelos gravimétricos não veem bem.” Por essa razão, disse ele, mesmo com uma resolução de 80 quilômetros, inferior a de outros satélites, os dados do Goce têm ajudado a complementar ou corrigir as medições terrestres, não tão abrangentes, e era o único a medir a variação dos componentes da gravidade em relação aos três eixos espaciais, chamados de x, y e z – até agora se media
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Os Andes, uma das regiões de difícil acesso investigadas pelo Goce, cujas imagens de variações do campo gravitacional lembram uma Terra amassada (acima)
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apenas a variação vertical, no eixo z, da aceleração da gravidade, determinada pela força da gravidade. O Goce via as variações do campo de gravidade de nove modos (para cima, para baixo, para frente, para trás e para os lados), indicando a influência de montanhas ou rochas mais densas da proximidade do ponto analisado, cujo formato, a partir daí, poderia ser delineado com mais precisão. Em 2011, com informações de satélites gravitacionais mais simples que o Goce, Molina, com sua equipe, elaborou um mapa da variação do nível do mar, registrando uma diferença de 70 metros entre a altura da linha-d’água na África do Sul e em Belém, no Pará, em consequência da variação do campo gravitacional da Terra (ver Pesquisa FAPESP nº 181).
fotos 1 eduardo cesar 2 esa
África e Andes
Sua obra seguinte, ainda não publicada, retratou o possível encaixe gravimétrico entre a América do Sul e a costa oeste da África antes da separação dos continentes. O mapa, ele notou, é muito semelhante ao publicado em fevereiro deste ano por Carla Braitenberg, de Trieste. Ela própria afirma, no artigo, que seu
mapa representa outra forma de ver os continentes unificados em um único bloco e certamente será analisado com rigor por geólogos que examinavam apenas regiões específicas eventualmente comuns nos dois continentes. “Alguns resultados questionam a validade de conceitos estabelecidos”, comentou Orlando Álvarez, pesquisador da Universidade de San Juan, Argentina, que trabalhou em Trieste com Carla Braitenberg durante um mês em 2010. De volta à Argentina, usando o Goce e outros modelos gravimétricos, ele mapeou as zonas de fraturas dos Andes, o limite geográfico dos crátons da Argentina e o avanço horizontal ou inclinado da placa de Nazca sobre o continente sul-americano. “As áreas de ruptura causadas por terremotos intensos, como o de Valdivia em 1960, coincidiram com nossos resultados”, disse ele. “Podemos agora mapear as regiões mais frágeis e as possíveis zonas de ruptura antes dos tremores, embora não seja possível prever onde e quando um tremor possa ocorrer.” Talvez às vezes seja possível. No dia 27 de março, o chileno Hans Agurto Detzel, em uma apresentação no IAG-USP, onde
é pesquisador, disse que tinha observado uma sequência de terremotos pequenos na costa norte do Chile, com base em uma rede de sismógrafos, um dos aparelhos mais comuns para estudos em geofísica. Ele indicou uma região ainda vazia – uma lacuna sísmica – e a possibilidade iminente de um terremoto de magnitude oito a nove naquela área; o último dessa intensidade tinha ocorrido em 1877. No dia 1º de abril chegou o terremoto de magnitude 8,2 na região que ele havia assinalado, rompendo somente 200 dos 500 quilômetros da lacuna sísmica. Nos dias seguintes, acompanhando os tremores no norte do Chile, ele notou que os tremores começavam a migrar para o sul da lacuna sísmica. Exatamente ao sul, entre Iquique e a península de Mejillones, parecia haver muita energia acumulada, “o suficiente para gerar outro sismo de magnitude similar ou maior”, segundo ele. Uma página do IAG na internet (www.moho.iag.usp.br/portal ) contém informações atualizadas sobre tremores no Brasil e nos países vizinhos. n
Artigos científicos BOMFIM, E. P. et al. Mutual evaluation of global gravity models (EGM2008 and Goce) and terrestrial data in Amazon Basin, Brazil. Geophysical Journal International, v. 2, p. 870-82. 2013. BRAITENBERG, C. Exploration of tectonic structures with Goce in Africa and across-continents. International Journal of Applied Earth Observation and Geoinformation. 2014 (no prelo).
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tecnologia física y
Em nova frequência Telescópio desenvolvido em São Paulo vai detectar explosões solares na faixa de tera-hertz a partir de um balão estratosférico
léo ramos
Evanildo da Silveira
60 z maio DE 2014
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epois de 10 anos de trabalho, está pronto o primeiro equipamento brasileiro para medir e estudar um dos aspectos menos conhecidos e mais misteriosos da atividade do Sol: as radiações emitidas na origem das explosões que ocorrem na estrela na faixa do infravermelho distante, conhecida também como tera-hertz (THz). Trata-se do Solar-T, um telescópio que não forma imagens como seus congêneres ópticos. Ele identifica e mede as radiações emitidas pelos objetos observados. Funciona como um fotômetro ao medir a intensidade dos fótons, que são as partículas associadas às ondas eletromagnéticas, como a luz. A previsão é que o aparelho faça seu primeiro voo sobre a Antártida, a bordo de um balão estratosférico a 40 quilômetros (km) de altitude em conjunto com um experimento da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos, no verão de 2015, em uma missão com duração de duas semanas. O aparelho foi desenvolvido, com financiamento de R$ 590 mil da FAPESP, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo, em colaboração com o Centro de Componentes Semicondutores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A medição das radiações emitidas pelo Sol ocorre na faixa dos tera-hertz do espectro eletromagnético que, entre outras, abrange as ondas de rádio, infravermelho e luz visível. “Não há equipamento igual no mundo até o momento para operar nas frequências de THz, com o objetivo de estudar as explosões solares”, garante o pesquisador da equipe Rogério Marcon, do Laboratório de Difração de Raios X do Instituto de Física da Unicamp e criador do Observatório Solar Bernard Lyot, uma instituição privada de Campinas que participou do projeto Solar-T. “A faixa dos THz é utilizada na medicina e segurança, mas na astrofísica solar é inédita.” Para Marcon, o trabalho do grupo do Mackenzie e da Unicamp coloca o Brasil na linha de frente
das pesquisas em detectores na faixa de THz e sobre a natureza das explosões solares. “Tudo é novidade”, diz. A mesma equipe desenvolve o projeto Hats (high altitude terahertz solar telescope), um telescópio de solo, com objetivos semelhantes aos do Solar-T, mas com diferenças tecnológicas e de operação. Esse novo equipamento deverá ficar pronto até o fim de 2014, para ser instalado provavelmente no Parque Astronômico do Atacama, a 5.100 metros de altitude, nos Andes chilenos. “Até agora conseguimos financiamento de R$ 300 mil do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] e do Mackenzie”, conta Pierre Kaufmann, do Centro de Radioastronomia e Astrofísica Mackenzie (Craam), coordenador dos dois projetos. A história que culminou nesses dois equipamentos começou em 1984, quando Kaufmann detectou os primeiros sinais de que explosões solares poderiam emitir radiação na faixa de tera-hertz, também chamados de raios T. De acordo com ele, até os anos 1970 acreditava-se que as explosões emitiam radiação com frequências até micro-ondas no máximo e aí decaíam. Depois disso, alguns pesquisadores, como o inglês David Croom e o norte-americano Fred Shimabukuro, mostraram que nas explosões solares havia um tipo de radiação de intensidade crescente, que, imagina-se hoje, poderia chegar aos tera-hertz. Mas devido às limitações e à baixa sensibilidade de seus telescópios, eles não conseguiram determinar que frequência máxima essa radiação atingia. Em 1984, uma descoberta do próprio Kaufmann e equipe aumentou o conhecimento nessa área de pesquisa. “Com um telescópio com maior sensibilidade, do Rádio Observatório de Itapetinga, em Atibaia [no interior paulista], detectamos uma explosão solar com uma radiação com intensidade crescente, até 100 giga-hertz [GHz]”, conta. “Na época, produzimos um artigo científico, publicado
Telescópio Solar-T passa pelos últimos ajustes na empresa Propertech, de Jacareí (SP), antes de seguir para os Estados Unidos
pESQUISA FAPESP 219 z 61
Medições na estratosfera Telecópio Solar-T vai subir até 40 km de altura para captar as ondas em tera-hertz emitidas pelas explosões solares
1 sistema de espelhos
3 filtros 2
Chopper
4
Célula Golay
3
Filtros Espelho convexo
2 Chopper
Modulador que alterna o sinal de entrada da radiação
4 célula golay
Detector optoacústico que registra as variações da intensidade da radiação
1 Espelho côncavo mecanismo interno do solar-t
explosão Solar
Servem para selecionar as frequências de operação e suprimir as radiações indesejáveis no infravermelho próximo e a luz visível
Balão estratosférico
Ondas eletromegnéticas em Terahertz
Solar-t
Frequência 3 THz
Até 40 km da superfície da Terra
Frequência 7 THz Fonte Pierre Kaufmann/Universidade Presbiteriana Mackenzie
em 1985 na revista Nature, no qual propusemos a existência de radiações solares com frequências superiores a 100 GHz. A descoberta teve um tremendo impacto. A partir desse trabalho, corroborado pelo de outros autores, nós começamos a tentar detectar radiações em faixas mais altas.”
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aufmann conta que, para isso, a FAPESP aprovou, em 1997, um projeto para pesquisas sobre radiações solares nas frequências de 200 e 400 GHz, ou 0,2 e 0,4 THz, respectivamente. O financiamento permitiu a construção do Telescópio Solar para Ondas Submilimétricas (SST) que foi instalado no Complexo Astronômico El Leoncito (Casleo), localizado nos Andes argentinos a 2.600 metros de altitude. “Em novembro de 2003 detectamos essa radiação em duas frequências: 212 GHz e crescente até 405 GHz”, conta o pesquisador do Mackenzie. Até então, a maior frequência que se media no mundo era 100 GHz. “Com esse telescópio, nós detectamos a existência de duas componentes de radiação nas explosões solares, uma em micro-ondas, bem conhecida, e outra na faixa THz simultânea e nunca vista. Mas devido às limitações das observações feitas a partir do solo, não conseguimos determinar até que frequências essa radiação poderia chegar. Mesmo em elevadas altitudes, a atmosfera é opaca para quase toda a faixa THz do espectro.” Agora, com o Solar-T e o telescópio de solo, o pesquisador pretende ir mais longe. O primeiro é 62 z maio DE 2014
3e7
tera-hertz são as frequências em que se quer detectar as explosões solares
subdividido em dois aparelhos, um para detectar radiação de três THz e o outro de sete THz. Cada um deles é feito de duas partes: o primeiro é o sistema coletor, ou os telescópios propriamente ditos, para captar a radiação solar, e o sistema sensor. Cada telescópio tem configuração óptica tipo Cassegrain com dois espelhos, o principal, côncavo com 7,6 centímetros de diâmetro, e outro convexo, menor, além de filtros especiais para bloquear radiações indesejáveis, como as ondas eletromagnéticas na faixa do infravermelho próximo e no visível, que poderiam superaquecer e até incendiar o equipamento, além de mascarar o fenômeno procurado nas frequências THz. Outros filtros e malhas metálicas delimitam a frequência que se quer detectar, no caso três e sete THz. Embora não formem imagens, os espelhos são necessários para captar e concentrar as radiações eletromagnéticas. A segunda parte do Solar-T é o sistema sensor, composto por uma Célula de Golay, equipamento fabricado pela empresa Tydex, de São Petersburgo, na Rússia. Trata-se de um detector optoacústico que registra as variações da intensidade da radiação. O Solar-T tem ainda um sistema de aquisição, armazenamento, transmissão e recepção de dados, produzido pelas empresas brasileiras Propertech Tecnologia, de Jacareí, e Neuron, de São José dos Campos, no interior de São Paulo. A primeira também é responsável pela integração de todos os componentes e a montagem final do equipamento.
infográfico ana paula campos ilustração pedro hamdan
Conjunto de espelhos permite captar as radiações eletromagnéticas e direcionar para o interior do telescópio, com superfície rugosa para difundir parte do visível e infravermelho próximo
léo ramos
Os dois telescópios têm duas inovações. A primeiA configuração do Solar-T será ra está no espelho maior, que é rugoso. “O objetivo em parte aplicada dessa rugosidade é difundir a radiação infraverao Hats, um melha”, explica Kaufmann. “Ela consegue difundir telescópio de solo 80% dessa luz. Os outros 20% são suprimidos pepara ser instalado nos Andes los filtros, com isso eliminamos o infravermelho e chilenos a luz visível.” A outra inovação, que foi objeto de um pedido de patente, é um dispositivo que capta qualquer explosão do disco solar. Para isso, é preciso que a imagem do disco completo esteja focada na superfície do sensor. Os dados obtidos do Solar-T são armazenados e enviados para satélites da rede Iridium, que os transmitem para uma As explosões estação terrestre e dali, pela internet, solares podem para os pesquisadores. O telescópio de solo, o Hats, tem afetar as basicamente o mesmo objetivo, mas seu tamanho e configuração são difecomunicações rentes. Ele tem um espelho côncavo, com 46 centímetros de diâmetro, e e os sistemas foco curto, de acordo com o mesmo de navegação conceito óptico usado no Solar-T em que a radiação solar é refletida para via satélite o sensor. O objetivo é detectar radiação em “janelas” de 850 giga-hertz e 1,4 tera-hertz. “Ele é inteiramente robótico, com sistema próprio de rastreio e de manobras usadas para calibrar e determinar a opacidade atmosférica. Possui também uma redoma retrátil automática comandada por estação meteorológica para protegê-lo em regimes de intempéries locais”, explica. “Além disso, terá estação geradora de energia própria, por painéis solares, e facilidades para transmissão remota de dados.”
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ssas tecnologias usadas nos dois equipamentos vão possibilitar avanços científicos importantes no conhecimento dos mecanismos, principalmente na produção de energia, que estão por trás das explosões solares. Segundo Kaufmann, quase não existiram avanços conceituais nessa área nos últimos 60 anos. “Sabemos tanto hoje quanto quando elas foram descobertas”, diz. “Há vários modelos que tentam explicar o fenômeno, mas nenhum foi confirmado.” Entender o papel da radiação na faixa dos tera-hertz não é mera curiosidade científica. Esses fenômenos, que se repetem com maior intensidade a cada 11 anos mais ou menos, têm implicações diretas no dia a dia da atual civilização. Em 1989, por exemplo, quando ocorreu uma das mais fortes explosões solares de que se tem registro, houve queda da transmissão de eletricidade em alguns países, como no leste do Canadá e costa leste dos Estados Unidos, e na Suécia. Atualmente se sabe que tais eventos podem afetar satélites, sistemas de navegação como GPS e telecomunicações incluindo os celulares. Como consequência, danos
em satélites podem ocorrer levando ao mau funcionamento dos sistemas de comunicação e navegação de aviões e navios. Entender o fenômeno é a melhor maneira de prevenir tudo isso. O Solar-T vai voar num balão estratosférico até 40 km de altitude, para se livrar do manto opaco das radiações em tera-hertz da atmosfera. A equipe de Kaufmann recebeu duas propostas para voar quase sem custos. Na Universidade da Califórnia o Solar-T deve voar com o experimento de raios gama Grips (gamma-ray imager-polarimeter for solar flares), que tem um sistema automático de apontamento e rastreio do Sol. Primeiro seria feito um voo de teste, de um dia no Texas, em setembro deste ano por um grupo de lançamento de balões da Nasa (com 80% de probabilidade de confirmação). O outro convite é para uma missão de 7 a 10 dias sobre a Rússia, em colaboração com o Instituto de Física Lebedev de Moscou. Nesse caso será necessário desenvolver um novo sistema de direcionamento para o Sol, o que exigiria mais recursos. n
Projeto Solar flare THz measurements from space: phase I (2012-2013) (nº 2010/51861-8); Modalidade Auxílio à Pesquisa - Regular; Pesquisador responsável Pierre Kaufmann (Universidade Presbiteriana Mackenzie); Investimento R$ 429.972,33 e US$ 64.000,00 (FAPESP).
Artigo científico Kaufmann, P. et al.; Correia, E.; Costa, J.E.R.; Vaz, A.M.Z.; Dennis, B.R. Solar burst with millimetre-wave emission at high frequency only. Nature. v. 313, p. 380. 1985.
pESQUISA FAPESP 219 z 63
pesquisa empresarial y
Na velocidade da luz Padtec aposta na inovação para tornar-se fornecedora global de sistemas de comunicações ópticas Yuri Vasconcelos
H
á pouco mais de um mês para o início da Copa do Mundo de Futebol, em 12 de junho, um frenesi rondava a linha de produção e os laboratórios da Padtec, empresa de base tecnológica instalada no Polo de Alta Tecnologia de Campinas, a cerca de 100 quilômetros da capital paulista. Especializada no desenvolvimento, na fabricação e na comercialização de sistemas de comunicações ópticas, a Padtec foi contratada em 2012 pela Telebras para fornecer equipamentos de transmissão óptica para construção de uma rede de alta velocidade voltada aos grandes eventos planejados para ocorrer no Brasil, entre eles a Copa das Confederações, realizada no ano passado, e o mundial de futebol deste ano. É por essa rede de fibra óptica que trafegam conteúdos de voz e vídeo, possibilitando, entre outras coisas, a transmissão dos jogos e o trabalho de cobertura dos veículos de imprensa. A rede está concluída desde o ano passado nas seis cidades-sede da Copa das Confederações e, nas outras seis, estava sendo concluída em abril. “Os equipamentos que compõem a rede de alta velocidade entre os 12 estádios que sediarão as partidas da Copa e o centro de comunicação no Rio de Janeiro são fornecidos, em grande parte, por nós”, diz Roberto Nakamura, 49 anos, diretor de tecnologia da Padtec. A empresa foi escolhida para participar do projeto em razão de sua competência na área. Maior fabricante de equipamentos para comunicações ópticas do Brasil, a Padtec fornece soluções para redes de telecomunicações ópticas de longa distância, redes metropolitanas (dentro de cidades), de acesso e armazenamento de dados. Ela foi a primeira fabricante da América Latina de sistemas de transmissão baseados
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empresa Padtec
Localização Campinas, SP
Nº de funcionários 350 funcionários
Produtos Sistemas de comunicações ópticas
Faturamento em 2013 R$ 400 milhões
léo ramos
A partir da esquerda: Lavoisier Farias, Plínio de Paula, Roberto Nakamura e Pedro Grael Júnior
na tecnologia WDM (wavelength division multiplexing), capaz de aumentar em dezenas de vezes a capacidade de transmissão de fibras ópticas. Criada em 1999 como uma unidade do CPqD, uma fundação de direito privado, ela se tornou uma empresa privada em 2001. Hoje, além do CPqD, centro de pesquisa independente com foco na inovação em tecnologias da informação e comunicação, são sócios da empresa a companhia de capital de risco Ideiasnet e o BNDES-Par, empresa de participação acionária do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que investiu mais de R$ 138 mi-
lhões na Padtec no início de 2013, adquirindo 19% de seu capital social – o CPqD é dono de 46% e a Ideiasnet, de 34%. A empresa tem foco na inovação tecnológica. Em média, 15% do faturamento anual da companhia, que atingiu R$ 400 milhões em 2013, é destinado à atividade de pesquisa e desenvolvimento. A diretoria de tecnologia, responsável pelo projeto, criação e lançamento de novos produtos, conta com uma equipe de 139 funcionários (40% do total de 350 empregados), dos quais 52 têm título de especialista, mestre ou doutor. Um desses colaboradores é o engenheiro eletricista
Arlindo Garcia Granado Filho, 52 anos, gerente de requisitos e arquitetura de sistemas. “Minha área é responsável por um dos primeiros estágios do desenvolvimento dos novos produtos. Fazemos a análise de viabilidade, traçamos os requisitos técnicos e desenhamos a arquitetura desse novo equipamento ou sistema”, diz ele, que atua na Padtec desde 2010 e por 10 anos – entre 1984 e 1994 – foi funcionário do CPqD. “A equipe da Padtec tem um bom mix de pesquisadores, formado por gente mais experiente, que passou por companhias de tecnologia localizadas na região, entre elas CPqD, Motorola, pESQUISA FAPESP 219 z 65
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Dispersão Transcontinental
Mais recentemente, no fim de 2012, uma nova tecnologia inovadora nasceu nos laboratórios da empresa, o primeiro transponder nacional de 100 gigabits por segundo (Gbps). Esse equipamento é dotado de sofisticados processadores digitais de sinais que desfazem o efeito de dispersão da luz no interior da fibra – efeito este responsável pela distorção do sinal. Isso possibilita a transmissão de dados por distâncias transcontinentais ou transoceânicas de até 12 mil quilômetros. 66 z maio DE 2014
1 Teste de sistema de transmissão óptica 2 Produção de processador de sinais digitais 3 Montagem de placas de amplificadores que conectam fibras ópticas
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“Fomos a primeira e somos a única companhia brasileira a desenvolver e oferecer esse produto. No resto do mundo, nossos concorrentes também começaram a disponibilizar comercialmente essa tecnologia em 2012. Foi um desenvolvimento simultâneo e não fizemos patente desse equipamento”, diz Nakamura. Outra inovação importante, segundo o diretor de tecnologia, são os novos repetidores ópticos submarinos. Formado por um conjunto de 12 amplificadores ópticos armazenados em uma espécie de minicontêiner de aço especial para suportar altíssimas pressões, os repetidores são instalados em cabos de telecomunicações ópticas que cruzam o oceano levando e trazendo informações digitais. “Esse equipamento é instalado em fibras transoceânicas a fim de aumentar a potência do sinal de luz que carrega a informação. O problema é que eles ficam no fundo do mar, em profundidades de até 8 mil metros, e precisam ser muito resistentes e confiáveis. Além de suportar pressões atmosféricas absurdas, de 800 ATMs, devem ter uma vida útil de 25 anos”, diz. Segundo ele, esses são os primeiros repetidores ópticos do gênero feitos no país. Patentes desse equipamento foram depositadas no Brasil e no exterior. “No mundo todo, há poucas empresas que
dominam o processo de fabricação desses aparelhos, entre elas a norte-americana Tyco, a chinesa Huawei e a japonesa Nec.” Para desenvolver o sistema de transmissão de 100 Gbps e o repetidor óptico submarino, que se encontra em fase final de testes no mar do Caribe, a Padtec recebeu um empréstimo de R$ 29 milhões do BNDES. A empresa também desenvolve projetos inovadores com recursos da FAPESP. Iniciado em 2007, o acordo, no valor de R$ 40 milhões, foi firmado no âmbito do programa Pesquisa em Parceria para a Inovação Tecnológica (Pite) e tem como objetivo apoiar pesquisas em telecomunicações e comunicação óptica, além de formar recursos humanos. Duas linhas de pesquisa são desenvolvidas com apoio da FAPESP, uma delas na área de processamento digital de sinais, coordenada pelo professor Dalton Soares Arantes, da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Unicamp, e outra no campo de sistemas ópticos coerentes, que possibilitam aumentar massivamente a quantidade de dados e as distâncias de transmissão por fibra óptica, liderada pelo professor Evandro Conforti, da mesma unidade acadêmica. “Esses projetos já deram origem ao pedido de depósito de três patentes nas áreas de redes ópticas de acesso e redes
fotos léo ramos
Nortel Networks e Alcatel-Lucent, e profissionais mais jovens com boa formação universitária”, diz Granado Filho. A trajetória da empresa, que tem entre seus principais clientes as operadoras Embratel, Oi e Vivo, acumula lançamentos pioneiros. Em 2003, apenas dois anos após sua criação, ela colocou no mercado um sistema dense wavelength division multiplexing (DWDM) de alta potência com um eficiente processo de diminuição dos efeitos não lineares, fenômeno que ocorre dentro da fibra e prejudica a transmissão. A Padtec instalou esses sistemas ópticos que suportavam mais de 250 quilômetros de transmissão sem a necessidade de instalação de amplificadores na rede – os amplificadores são fundamentais para regenerar o sinal da luz laser que naturalmente se degrada ao longo da fibra. Dois anos depois ela criou um equipamento chamado de transponder optical transport network (OTN), capaz de aumentar o tráfego de dados nas fibras ópticas e substituir os multiplexadores de hierarquia digital síncrona, SDH na sigla em inglês. Multiplexador é um aparelho que agrega sinais de diferentes comprimentos de ondas em uma única fibra óptica.
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ópticas coerentes. São soluções bastante avançadas, ainda um pouco à frente do tempo. Por isso, não é possível aplicá-las comercialmente, mas, no futuro, com avanço da tecnologia e redução de custos, poderão dar origem a tecnologias disruptivas”, afirma Nakamura. A Padtec recebeu ainda recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), para o desenvolvimento de um equipamento chamado OTN Switch, um aparelho capaz de comutar circuitos de altíssima capacidade, entre 1 e 100 Gbps. Os comutadores ópticos são peças-chave instaladas nos entroncamentos das redes, permitindo a distribuição de sinais ópticos na rede. Gestor da área de projetos, o engenheiro eletrônico Pedro Grael Júnior, 52 anos, está envolvido nesse desenvolvimento. “Começamos a trabalhar no OTN Switch há dois anos e a expectativa é que seja finalizado no começo de 2015. Depois o projeto deve ter continuidades e melhorias”, diz o pesquisador, ressaltando que esse será
Aquisição de novas empresas e expansão no exterior são fundamentais para a Padtec se tornar uma fornecedora mundial
o primeiro comutador de feixes digitais de nova geração produzido no Brasil. O trabalho cooperativo com universidades e centros de pesquisa é uma característica marcante da área de pesquisa e desenvolvimento da empresa. Atualmente estão em execução 12 projetos com sete instituições, entre elas a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o Instituto Atlântico, de Fortaleza, a Universidade Estadual do Ceará (Uece), a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp). Com o CPqD, a Padtec mantém um acordo permanente para desenvolvimento de amplificadores e comutadores ópticos. “Buscamos centros de competência que possam nos auxiliar em nossos desafios. Essa interação resulta na transferência
Instituições que formaram os pesquisadores da empresa Roberto Yoshihiro Nakamura, engenheiro eletricista, diretor de tecnologia
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp): graduação Unicamp: mestrado
Lavoisier José Leite Farias, engenheiro eletricista, gerente de desenvolvimento de software
Universidade Federal da Paraíba (UFPB): graduação ESAMC: MBA
Plínio de Paula, engenheiro de computação, gerente de produto
Unicamp: graduação Unicamp: mestrado (em andamento) ESAMC: MBA
Arlindo Garcia Granado Filho, engenheiro eletricista, gerente de requisitos e arquitetura de sistemas
Unicamp: graduação Unicamp: mestrado Unicamp: doutorado (em andamento)
Pedro Grael Júnior, engenheiro eletrônico, gerente de projetos
Unicamp: graduação Unicamp: mestrado
de conhecimento da academia para nossas equipes”, diz o engenheiro eletricista Lavoisier José Leite Farias, 40 anos, líder da gerência de desenvolvimento de software. Formado na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), ele trabalha há oito anos na Padtec. Opinião parecida tem o também engenheiro de computação Plínio de Paula, 34 anos, gerente de produto da empresa. “Como atuamos num mercado muito competitivo, precisamos unir forças para atingir nossos objetivos. Nesse sentido, as parcerias com as universidades são fundamentais.” dois pilares
Com grande oferta de equipamentos de elevado conteúdo tecnológico, a Padtec tem clientes espalhados por 42 países. Hoje suas exportações respondem por cerca de 10% do faturamento referentes a equipamentos de baixo custo. Apenas para a América Latina são vendidos aparelhos de maior valor. Mas a expectativa é que o percentual exportado seja multiplicado algumas vezes no médio prazo. Para isso, a empresa tem estabelecido escritórios internacionais em vários países, entre eles Argentina, México, Peru, Estados Unidos, França e Itália. Nesse último, uma equipe de 15 pesquisadores presta consultoria no desenvolvimento de repetidores ópticos subaquáticos. A Padtec também está presente em Israel. Em 2008 ela adquiriu o controle da Civcom, companhia local líder no desenvolvimento e na fabricação de aparelhos de comunicação óptica de baixo custo, como transponders e compensadores sintonizáveis de dispersão. “A Civcom fabrica uma parte importante do transponder, que são os módulos ópticos de transmissão. Ela participou do desenvolvimento do nosso transponder de 100 Gbps, que também teve parceria do CPqD”, diz Nakamura. Além da companhia israelense, a Padtec criou a PSG Telecom em 2013 para suprir a demanda por serviços profissionais em redes de banda larga, e divide com a Icatel Serviços, de São Paulo, o comando da WxBR, companhia de alta tecnologia do setor de comunicação sem fio voltado à criação e à comercialização de soluções inovadoras de banda larga de acesso sem fio. A aquisição de novas empresas e a ampliação da presença no exterior são dois pilares para o alcance do objetivo traçado pela Padtec, que é tornar-se um grande fornecedor global de soluções para redes ópticas. n pESQUISA FAPESP 219 z 67
Engenharia da Computação y
A tática do jogo Prancheta eletrônica é inovação para técnicos de futebol
O
técnico de futebol Joel Santana, que dirigiu vários times no país e a seleção sul-africana, ficou famoso tanto pela maneira nada ortodoxa de falar o inglês como pela sua inseparável prancheta de madeira. Sobre o papel, ele explicava a tática e o posicionamento de seus jogadores e dos adversários. Um hábito de vários técnicos que agora está se transformando pelos campos do país com a disseminação das pranchetas eletrônicas principalmente em treinos e preleções antes dos jogos. No Brasil foram vendidos entre 2009 e 2014 mais de 3 mil softwares da empresa ClanSoft, com funcionalidade para prancheta eletrônica em que é possível visualizar um campo de futebol e dois times representados por escudos numerados. Em uma versão 3D do mesmo software, jogadores aparecem na tela como se fossem um videogame e o técnico pode manipulá-los pelos comandos no tablet ou mesmo em telas touch screen com o arraste pelos dedos. Com o nome de TaticalPad, o software foi criado por três ex-alunos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Pedro Almeida, Danilo Lacerda e Fernando Closs, colegas da mesma turma
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iniciada em 2001 do curso de engenharia da computação. Eles fundaram a ClanSoft em 2009 na incubadora de empresas da Companhia de Desenvolvimento do Polo de Alta Tecnologia de Campinas (Ciatec) para desenvolver a ideia do software de prancheta eletrônica para uso em tablets. Logo no início das atividades, a ClanSoft teve aprovado um projeto do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) financiado pela FAPESP. “No meu mestrado estudei o uso de tablet com caneta na educação e o Danilo e o Fernando trabalhavam no Instituto Venturus [um centro de inovação tecnológica de Campinas]. Foi o Fernando quem propôs a ideia de fazer um software com funcionalidade de prancheta. Com essas experiências e essa proposta nós nos reunimos e montamos a empresa.” O TaticalPad pode ser utilizado em dispositivos com plataformas Windows, android e iOS, da Apple. Além dos tablets, ele pode ser utilizado em smartphones e projetado em telas de TV e computadores. A explicação de estratégias e verificação de como joga o time adversário, antes da partida, podem ser feitas também com o vídeo de uma partida anterior
da equipe. É possível fazer marcações por meio de círculos e setas mostrando a posição dos jogadores e a movimentação deles em campo. Além do futebol, o software apresenta também as mesmas funcionalidades para quadras de futsal, handebol e basquete. “Começamos fazendo um levantamento de tudo o que havia em relação a pranchetas eletrônicas e percebemos que os programas existentes eram muito complicados tanto para operar como para os jogadores entenderem”, diz Almeida. “Para mapear as necessidades de técnicos e jogadores, nós fizemos parcerias com os times de base do Palmeiras e profissional da Ponte Preta.” A primeira versão do software foi vendida no final de 2009 para Toninho Cecílio, que foi gerente de futebol do Palmeiras e técnico de várias equipes do interior paulista. Segundo Almeida, outros técnicos, como Gilson Kleina, do Palmeiras, Abel Braga, do Internacional de Porto Alegre (RS), Nei Franco, atualmente no Vitória (BA), e as equipes de base da seleção brasileira, do Santos e Fluminense utilizam o software. “Muitas vezes, quem manipula a prancheta eletrônica é o auxiliar técnico ou o preparador físico”, diz Almeida. Não se
fotos Clansoft
Marcos de Oliveira
TaticalPad nas versões para várias mídias. Ele possui funcionalidades para posicionamento de jogadores e planejamento tático para futebol, futsal, handebol e basquete
Programa permite detectar e tratar os dados de cada jogador ao longo de uma partida
sabe se alguma seleção que participará da Copa do Mundo no Brasil usará o TaticalPad. Mais recentemente, o público consumidor ampliou-se. Blogueiros que tratam de futebol, além de jornalistas esportivos, como Paulo Vinícius Coelho, da rede televisiva ESPN, André Rocha, da SportTV, e Mauro Beting, da FOX, também usam o software. “Em 2011, nós fizemos uma parceria com o jornal Lance, de São Paulo, que mostrou as escalações para o jornal impresso e no site do periódico alguns exemplos de táticas dos jogos do campeonato brasileiro”, lembra Almeida. Técnicos no exterior
Os primeiros modelos de tablet eram da Microsoft e precisavam de adaptações para facilitar o uso de mouse e teclado. Hoje a prancheta eletrônica já funciona em dispositivos com tecnologia touch
em que os jogadores são movidos com a passagem dos dedos sobre a tela ou com uma caneta compatível. A venda do software é automatizada por meio de licenciamento próprio da ClanSoft. A licença é de um ano e a versão profissional mais cara custa US$ 249 e depois de um ano a anualidade é de R$ 95. A versão mobile custa US$ 19,90. Nas lojas virtuais da Apple e da Google, com sistema Android, é possível baixar uma versão simples gratuitamente. A versão completa vendeu mil unidades, a light, 2 mil e a simples já foi baixada 150 mil vezes. Com isso, e mais o trabalho de consultoria, a empresa faturou R$ 480 mil em 2013 e pretende atingir R$ 700 mil este ano, com a ampliação de vendas para o exterior. Técnicos brasileiros já levaram o software para o Japão, Catar, Jamaica e Coreia do Sul.
Outro software criado pela empresa permite a detecção e tratamento de dados da distância percorrida pelos jogadores por meio de GPS. “Na parceria que temos com o time profissional do Palmeiras estamos produzindo relatórios que mostram quanto um jogador correu ou andou dentro de campo com um sensor instalado em um pequeno colete embaixo da camiseta. Para a transposição dos dados coletados nós criamos esse software que pode ser acoplado ao TaticalPad e reproduzir a movimentação dos jogadores”, diz Almeida. Outra atividade do grupo é coletar e prover o conteúdo de um site – www.taticalpedia.com – que reúne táticas de futebol e deve servir a técnicos e pesquisadores da ciência do esporte. n
Projetos 1. Pesquisa e desenvolvimento de uma aplicação de apoio a esportes coletivos utilizando tablet PC (nº 2008/58404-1); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Pedro Henrique de Almeida (ClanSoft); Investimento R$ 12.058,39 (FAPESP). 2. Pesquisa e desenvolvimento de uma aplicação de apoio a esportes coletivos utilizando interfaces pen-based (nº 2011/50064-0); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Pedro Henrique de Almeida (ClanSoft); Investimento R$ 31.390,00 (FAPESP).
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Instrumentação y
Ressonância nos alimentos Equipe da Embrapa desenvolve junto com empresa equipamento que faz análise instantânea de frutas, carnes e azeites
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medicina já utiliza a técnica de ressonância mag nética nuclear (RMN) desde os anos 1980 no diagnóstico de doenças cerebrais, musculares e ósseas. O abrangente uso medicinal está agora sendo transferido para outras áreas, como possibilitar que os consumidores saibam no supermercado, por exemplo, se uma fruta está doce ou não, se a maionese é light mesmo ou se o azeite está adulterado. Vários estudos desenvolvidos pela equipe do pesquisador Luiz Alberto Colnago, da Embrapa Instrumentação, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) localizada em São Carlos, no interior paulista, mostram essas utilidades que podem no futuro ter uso comercial. A tecnologia da Embrapa foi incorporada pela empresa brasileira Fine Instrument Technology (FIT), que vai desenvolver o produto na mesma cidade. A tomografia por ressonância magnética nuclear já é empregada na análise da qualidade interna de frutas in natura desde a década de 1980 para análise dos efeitos de pancadas, de baixas temperaturas, defeitos fisiológicos e das consequências da infestação de pragas e de doenças. “A RMN também tem sido usada para estudar a va70 z maio DE 2014
Protótipos de aparelhos de ressonância construídos em São Carlos analisam ameixa e azeite
riabilidade dos compostos presentes em uvas e na qualificação de tomates quanto à firmeza e maturação”, acrescenta Colnago. O problema é que esses estudos são feitos em equipamentos semelhantes aos usados em medicina, cujos custos podem chegar à casa dos milhões de dólares. Ou então as análises só podem ser realizadas com as frutas cortadas em pedaços ou com os sucos colocados em pequenos tubos. Não é possível analisar os produtos em suas próprias embalagens. O que Colnago fez foi desenvolver métodos e equipamentos de ressonância magnética nuclear de baixo custo, para análise não invasiva de alimentos in natura ou embalados. “Em análise de frutas, carnes frescas e produtos comerciais embalados não temos competidores diretos, com aparelhos de baixo custo”, garante. Colnago conta que na Universidade da Califórnia, em Davis, nos Estados Unidos, o professor Michael McCarthy tem usado equipamento (tomógrafos) de alto custo, para estudar vegetais. “Ele analisou principalmente abacate, ameixas e azeitonas”, informa o pesquisador da Embrapa. “No entanto, o princípio de análise desenvolvido por ele é diferente do nosso, mais demorado, e as análises não podem ser feitas em aparelhos de baixo custo.”
Assim como qualquer aparelho do gênero, os desenvolvidos em São Carlos são compostos por um ímã, uma estação de transmissão e recepção de ondas de rádio e um computador. A estação transmissora e receptora de ondas de rádio, da marca Tecmag, foi importada dos Estados Unidos e uma antena foi desenvolvida por Colnago. Os produtos para análise podem estar embalados desde que não seja com material metálico ou tetra pak, que impede a passagem das ondas de rádio. A função dos ímãs é magnetizar os produtos. Sinais de rádio (energia eletromagnética), na frequência de nove mega-hertz (MHz), gerada em um transmissor de rádio AM, modulada em pulso, são enviados à amostra pela antena. “Após o produto ser irradiado, ele induz um sinal na antena, conhecido como sinal de ressonância magnética. Em seguida, ele é amplificado e convertido para o formato digital e armazenado em um computador.” A ressonância é possível porque núcleos atômicos de cada elemento químico do material absorvem energia em uma frequência específica, sendo possível diferenciá-los dentro de uma mesma molécula. Isso torna possível obter a composição química e bioquímica dos produtos analisados num aparelho de RMN. Com a
vantagem de que a medida demora bem menos do que um segundo, enquanto uma imagem médica pode demorar até dezenas de minutos. “Nos aparelhos usados em alimentos não se obtém uma imagem, mas sim se mede apenas o tempo de desaparecimento do sinal de rádio, que é proporcional à viscosidade do produto”, explica Colnago. “Quanto mais viscoso, mais rápido o sinal desaparece.”
fotos eduardo cesar
Teores de gordura
Por isso, o sinal de uma rocha, que tem “viscosidade” extrema, desaparece de imediato. No caso da água, cuja viscosidade é baixa, o sinal leva por volta de três segundos para acabar. Por isso, por exemplo, o sinal de ressonância magnética desaparece mais rapidamente para as frutas mais doces, que têm maior viscosidade, do que aquelas com baixo teor de açúcar. O mesmo processo se aplica para medir o índice de gordura de um pote de maionese ou para verificar se um vidro de azeite está adulterado, com a mistura de óleo de soja, por exemplo. No caso da carne, é possível verificar três parâmetros: maciez, suculência e gordura intramuscular. Apesar de ser bem mais barato que os similares médicos, os primeiros modelos criados pela equipe da Embrapa Instru-
mentação e financiados pela FAPESP ainda são caros para uso nos supermercados, além de serem muito grandes. Por isso Colnago está desenvolvendo aparelhos menores e mais baratos. Um deles custou cerca de R$ 40 mil. Foi feito ainda um outro, menor e plano, no qual o produto a ser analisado é colocado sobre o aparelho, que custou R$ 5 mil. O aparelho menor – que tem formato de círculo – está sendo desenvolvido para ser comercializado pela empresa FIT, criada em 2006, na cidade de São Paulo e depois instalada em São Carlos. “Ela foi fundada para comercializar equipamentos médicos de ressonância magnética fabricados na China e desenvolver as partes desses aparelhos até que se tornasse um produto sino-brasileiro. Pouco depois a empresa chinesa foi comprada por uma multinacional e a FIT ficou sem o produto para vender, mas continuou desenvolvendo seus projetos”, conta Daniel Martelozo Consalter, gerente de projetos da empresa. “Em 2009 demos o primeiro passo para a construção do equipamento nacional de ressonância magnética e tivemos a aprovação de um projeto de subvenção da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e outro do Programa de Formação de Recursos Humanos em Áreas Estratégicas (Rhae) do Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)”, diz Consalter. Com os recursos recebidos, a FIT desenvolveu cinco bobinas de recepção (parte de um aparelho de RMN), para realizar exames de joelho, punho, cotovelo e articulação temporomandibular (ATM) e um módulo de controle, também conhecido como espectrômetro digital, que já está sendo vendido com o nome de SpecFIT. “Este módulo de controle é à base de qualquer equipamento de ressonância magnética”, diz Consalter. “Durante este projeto firmamos convênio com o Instituto de Física de São Carlos (USP) para o desenvolvimento do SpecFIT.” n Evanildo da Silveira
Projetos 1 Desenvolvimento e validação de espectrômetros e métodos de RMN no domínio do tempo para análise não destrutiva de alimentos (nº 2012/20247-8); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Luiz Alberto Colnago (Embrapa); Investimento R$ 222.188,58 (FAPESP). 2 Análise de produtos agrícolas em fluxo, por RMN (nº 2009/09526-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Luiz Alberto Colnago (Embrapa); Investimento R$ 405.449,82 (FAPESP).
Artigo científico Colnago, L.A. et al. Why is inline NMR rarely used as industrial sensor? Challenges and opportunities. Chemical and Engineering Technology. v. 37, p. 191-203. fev 2014.
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humanidades História y
Escravo e abolicionista Depois de ter sido vendido pelo pai, Luiz Gama transformou seu drama pessoal em luta pela Abolição e pela República
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uiz Gama foi um personagem tão extraordinário quanto complexo, a começar por suas qualificações: abolicionista, republicano, poeta, advogado, jornalista e maçom. Pertenceu a uma geração que preparou a derrocada do Segundo Império no Brasil, no século XIX. Com a pena e a oratória, embrenhou-se na luta contra os conflitos da época, tais como as relações entre Igreja e Estado, Monarquia e República, raça e nação. Tomava o partido das causas libertárias e havia um sentido pessoal nessa escolha: Gama foi escravo, que tinha sido vendido por seu pai quando criança. Quase adulto, conseguiu conquistar a liberdade. Autodidata, extraiu de sua dramática e épica história de vida força e obstinação para libertar mais de 500 escravos. Esse personagem batiza logradouros por todo o país, sobretudo em São Paulo, onde foi maior a sua atuação, mas ainda é pouco conhecido. Conhecê-lo, estudá-lo e iluminá-lo tem sido uma tarefa de pesquisadores como Ligia Fonseca Ferreira, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Autora de uma tese de doutorado sobre a vida e obra do ex-escravo defendida na Universidade de Paris III - Sorbonne Nouvelle, Ligia é negra e assume a responsabilidade de estudar um personagem com quem guarda relações mais
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complexas que a de um pesquisador neutro diante de seu objeto. “Às vezes, minimiza-se, quando não se invisibiliza, o trabalho dos pesquisadores negros a respeito de personagens históricas negras que afirmaram esta condição”, afirma. A contribuição de Ligia para a compreensão de Luiz Gama é ímpar. Ela organizou a reedição crítica das Primeiras trovas burlescas & outros poemas de Luiz Gama (Martins Fontes, 2000) e Com a palavra, Luiz Gama. Poemas, artigos, cartas, máximas (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2011). De formação em letras, com ênfase na área de língua e literatura francesa, Ligia tomou conhecimento do abolicionista quando realizava pesquisa na Sorbonne sobre a literatura negra no Brasil entre 1987 e 1988. Gama era ninguém menos que o pioneiro. Mas diante da fragmentada documentação sobre o poeta, e já mirando um doutorado, a solução foi percorrer bibliotecas, centros de estudos e até sebos de livros. O que encontrou não foi pouco. As Primeiras trovas burlescas de Getulino foram publicadas em 1859, em São Paulo, àquela altura uma província de poucos leitores, escassos escritores e parcas tipografias e livrarias. O livro continha 22 poemas de sua autoria e três do político e professor de direito José Bonifácio, o Moço. A escolha do pseudônimo “Getulino”, derivado de “Getúlia”,
Militão Augusto de Azevedo
Eduardo Nunomura
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território do norte da África, já indicava o posicionamento de um autor de origem africana, adentrando o restrito círculo de letrados, privilégio de brancos. Dois anos mais tarde, ele reedita a obra no Rio, na mesma gráfica que imprimia romances de José de Alencar. Na segunda edição, “correcta e augmentada”, publicou 39 poemas, dos quais 20 inéditos.
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o Brasil escravocrata, escrever e ser lido eram duas formas de se manter próximo do poder. Procure se colocar no lugar de um ex-escravo, no início dos anos 1860. Imagine então usar seus escritos para satirizar os políticos e os costumes, parodiar as instituições arcaicas, criticar os “doutores” e trazer à tona os temas da corrupção, do preconceito racial, do embranquecimento dos mulatos que renegavam as raízes e do anticlericalismo. Segundo a pesquisadora, Luiz Gama fez isso com essa obra. Ao publicar em 2000 uma versão compilada com a produção poética integral do abolicionista, Ligia abriu um frutífero campo de estudos. Luiz Gama nasceu em 21 de junho de 1830 em Salvador, filho de uma africana livre, a “altiva” Luiza Mahin, e de um fidalgo de origem por-
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tuguesa e membro de uma importante família baiana. O abolicionista jamais revelou o nome do pai que o vendeu como escravo. Foi entregue ao negociante e contrabandista Antônio Pereira Cardoso, que, sem conseguir revendê-lo, acabou ficando com o garoto de 10 anos. Gama aprendeu a ser copeiro, sapateiro, a lavar e engomar, e a costurar. Sete anos mais tarde, conviveu com o estudante Antônio Rodrigues do Prado Junior, que lhe ensinou as primeiras letras. Em 1848, “havendo obtido de forma ardilosa e secretamente provas inconcussas de sua liberdade”, segundo seu próprio relato, foge da casa de Cardoso. Apenas dois anos antes de sua morte, em 25 de julho de 1880, Luiz Gama envia carta a Lúcio de Mendonça, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, revelando fatos inéditos de sua biografia. Ligia encontrou esse documento na Biblioteca Nacional, no Rio. “É um dos poucos relatos da vida de um ex-escravo no Brasil. Na história dos negros e das letras brasileiras, não há equivalentes das memórias de escravos, tão frequentes nos Estados Unidos”, diz. Esse texto é fundamental para compreender como Gama se tornou uma voz influente nos movimentos abolicionista e republicano.
No periódico Cabrião, Luiz Gama empunha a bandeira dos liberais dissidentes que não aceitam a República sem o fim da escravidão; no destaque, anúncio em que ele oferece sua mão de obra
fotos 1 Cabrião 2 Correio Paulistano
A esse documento se soma uma carta anterior, de 26 de novembro de 1870, também na Biblioteca Nacional e publicada por Ligia no livro Com a palavra, Luiz Gama. Poemas, artigos, cartas, máximas – obra que traz uma seleção de mais de 40 textos de Gama, vários inéditos, e também cerca de 30 ilustrações, além de seis ensaios da autora. O destinatário da carta era José Carlos Rodrigues, fundador de O Novo Mundo, primeiro periódico em português publicado nos Estados Unidos. O abolicionista fala sobre o movimento republicano no Brasil e sobre a loja maçônica América, fundada por ele e um grupo de liberais que contava, entre seus membros notáveis, com Rui Barbosa e Joaquim Nabuco. “Asseguro-te que o partido republicano, graças à divina inépcia do sr. D. Pedro II, organiza-se seriamente em todo o império”, escreveu. Mas, segundo Ligia, defendia que a instauração de uma República deveria vir acompanhada da Abolição. A convicção era tamanha que ele abandonou a Convenção de Itu (1873), ao encontrar cafeicultores contrários à emancipação dos escravos na fundação do Partido Republicano Paulista. Naquele momento, Luiz Gama já era uma personalidade. Em 1864, havia fundado, ao lado do caricaturista italiano Angelo Agostini, o Diabo Coxo, primeiro periódico humorístico ilustrado da capital paulista. Dois anos depois, colaborou no semanário Cabrião, também com Agostini e Américo de Campos. Em polêmicos artigos, criticava com veemência o regime escravocrata e passava a sofrer perseguições políticas. Sua ira se voltava contra o uso abusivo do Poder Moderador e o próprio imperador dom Pedro II, cuja imagem havia sido abalada na Guerra do Paraguai (1864-1870). Em 1869, Luiz Gama obteve autorização para exercer a profissão de advogado em primeira instância, mesmo ano em que funda o Clube Radical Paulistano com outros membros da Loja América. Com sólidos argumentos, Gama revela a fragilidade do sistema judiciário. De acordo com a pesquisadora, além das críticas, tratou de inovar no plano jurídico, como quando desenterrou a Lei de 7 de novembro de 1831, que extinguiu o tráfico negreiro, para conseguir libertar africanos comercializados depois dessa data. Em um processo de 1869, entrou em choque com um dos principais juízes da capital, Rego Freitas, a quem exigiu que “respeita[sse] o direito e cumpri[sse] seu dever, para o que é pago com o suor da nação”. O discurso de Gama continua atualíssimo.
Foi também proprietário e redator do semanário político e satírico O Polichinelo (1876). A imprensa e a maçonaria foram fundamentais para o ativismo de Gama, porque lhe franquearam espaço para defender os ideais republicanos e o apoiaram na libertação dos escravos. No século XIX havia outros negros abolicionistas, como os jornalistas Ferreira de Menezes e José do Patrocínio ou o engenheiro André Rebouças, mas nenhum deles vivenciou o drama da escravidão. Pode-se comparar o brasileiro só a abolicionistas americanos, como os ativistas Frederick Douglass, autor de The life of an american slave (1845), ou Booker T. Washington, autor de Up from slavery (1901).
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ama manifestava admiração pelos Estados Unidos, para ele “o farol da democracia universal”. Um modelo exemplar: república federativa, de cidadãos livres e iguais, e ancorada nos ideais iluministas da liberdade, igualdade e fraternidade. Incomodava ao abolicionista o fato de que o Brasil se mantinha como única monarquia das Américas e última nação escravagista do Ocidente. A pesquisadora não deixa de questionar, no artigo “Representações da América nos escritos de Luiz Gama”, a ser publicado na Revista de Estudos Afroasiáticos, a ausência de alusões por parte de Gama aos conflitos raciais e à segregação dos negros nos Estados Unidos pós-escravista. Ligia chama atenção para o fato de ele jamais ter mencionado Joaquim Nabuco em seus escritos, numa recíproca quase verdadeira. Isso decorreria do fato de que o também líder na luta antiescravista era filho de Nabuco de Araújo, ex-presidente da província de São Paulo e denunciado por Gama por sua conivência com a escravização ilegal de africanos. Gama, provavelmente cansado de esperar pela libertação dos africanos, defendia a incitação de um movimento popular, já que, para ele, se a insurreição é um “crime”, a “resistência” afigura-se como “virtude cívica”. Já Joaquim Nabuco estava convencido de que a Abolição deveria ser feita pela via parlamentar. Luiz Gama morreu em 1882, antes de testemunhar a libertação dos escravos e o fim do Império. Para a pesquisadora, ele foi poupado de ver a República nascer de um golpe militar, constatar que os ideais de igualdade entre os homens não foram aplicados e que a campanha imigrantista tinha, entre seus propósitos, embranquecer o Brasil para eliminar os traços da estigmatizada e incômoda presença africana no país. n pESQUISA FAPESP 219 z 75
indústria cultural y
Uma revolução na telenovela Digitalização dos arquivos da TV Tupi permite reavaliar a importância de Beto Rockfeller Márcio Ferrari
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telenovela Beto Rockfeller foi considerada revolucionária já na época em que foi exibida pela extinta TV Tupi, entre 1968 e 1969. Num tempo em que a teledramaturgia se apoiava em dramalhões anacrônicos e quase totalmente gravados em estúdio, a narrativa escrita por Bráulio Pedroso e dirigida por Lima Duarte trazia uma ambientação contemporânea e urbana, um anti-herói malandro e alpinista social, imagens externas, improvisação dos atores, comportamentos rebeldes e um tom de ironia. Quase tudo era novo, incluindo o primeiro caso, também improvisado e casual, de merchandising. É conhecida a história que envolveu o ator que representava o personagem-título, Luis Gustavo, e a marca de remédio Engov, contra a indigestão e a ressaca. Segundo ele, o acordo de incluir cenas explícitas da marca era um modo de compensar os atrasos de salário comuns na TV Tupi, que, apesar de líder de audiência, era cronicamente mal gerida. Para Esther Hamburger, professora da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), o merchandising do remédio pode ser considerado uma indicação da presença, na novela, de uma sensibilidade maior em relação a um estilo de vida e a um estágio de modernidade que marcaram a época em que foi produzida. É um elemento que, segundo ela, não estava tão claro no momento da transmissão de Beto Rockfeller e foi 76 z maio DE 2014
observado durante a recuperação e digitalização de seus sete capítulos sobreviventes. “Esse tipo de merchandising, tal como a exibição de moda, cigarro, uísque, telefones ou motocicletas, constitui uma via de acesso dos espectadores ao universo dos personagens”, diz Esther. “É como se, ao adotar acessórios sugeridos pelos personagens, os espectadores compartilhassem seu posicionamento no mundo.” Esther esteve à frente do trabalho que se iniciou em 2009, a partir da publicação pela FAPESP de um edital de digitalização, preservação e organização de arquivos. As fitas VHS da teledramaturgia da Tupi estavam na sede da Cinemateca Brasileira, em São Paulo, depois de um périplo por vários órgãos públicos, à espera de condições técnicas adequadas à sua preservação. O projeto terminou com a digitalização das 100 horas de material previstas no projeto, mas ainda há cerca de 3 mil aguardando tratamento nos arquivos da Cinemateca. O que havia de Beto Rockfeller, no entanto, já está resguardado. “O trabalho foi muito mais demorado do que a gente esperava”, diz Esther. A recuperação dos arquivos dependeu da aquisição de uma ilha de edição Quadruplex, o primeiro formato de vídeo usado pela televisão, criado em 1956. Anteriormente, os telejornais da TV Tupi, gravados em película, já haviam sido digitalizados por meio de outro projeto, parceria da Cinemateca com o
Luis Gustavo protagonizou a novela que, entre outras inovações, apresentou o primeiro merchandising na TV brasileira
Acervo UH / Folhapress
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1 Plínio Marcos, parceiro da personagem de Luis Gustavo, do teatro maldito para as telas da TV Tupi 2 Da esquerda para o centro: os atores Bete Mendes, Rodrigo Santiago, Luiz Gustavo e Debora Duarte
Ministério da Justiça. Tanto os arquivos de telenovelas quanto os de jornalismo estão disponíveis no Banco de Conteúdos Culturais, site da Cinemateca Brasileira (bcc.gov.br). Todos esses trabalhos aconteceram num contexto novo, em que os arquivos televisivos começam a ser valorizados. Por questões legais relativas a direitos autorais e um antigo desprezo acadêmico pela produção televisiva como produto cultural, grande parte dos arquivos das primeiras décadas da televisão brasileira se perdeu. As próprias emissoras tinham o hábito de reutilizar as fitas de vídeo, além de descuidarem de sua manutenção. “Não existia a cultura de preservação da TV no Brasil, ao contrário do que aconteceu em países da Europa, cujos acervos normalmente estão disponíveis em bibliotecas nacionais, com direitos autorais garantidos”, diz Esther. A pesquisadora se deteve nos capítulos restantes de Beto Rockfeller, que, por revelar vários aspectos inovadores no tema e na forma, mostra as muitas possibilidades de abordagem dos arquivos televisivos. Em seu estudo sobre Beto Rockfeller, Esther foi buscar um contraponto nas pesquisas mais recentes sobre o “primeiro cinema”, que revelam a arte da tela grande como um elemento constituinte da modernidade já em seu surgimento, com a presença frequente de máquinas, velocidade e movimento urbano, enquanto a teoria tradicional só identificava a presença moderna nos filmes feitos a partir dos anos 1960. “O cinema é moderno por excelência e é parte da modernidade”, diz. “No Brasil, nunca houve propriamente uma indústria do cinema, mas houve uma indústria televisiva. A TV é parte do processo de modernização, não apenas uma representação de um determinado momento histórico.” No caso de Beto Rockfeller, está presente, segundo Esther, uma “utopia da modernidade”. Beto Rockfeller, a perso78 z maio DE 2014
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nagem (cujo nome alude ao milionário americano Nelson Rockefeller, com um erro de grafia talvez intencional), é um funcionário de sapataria na rua Teodoro Sampaio – então um símbolo do comércio de classe média em São Paulo – que se finge de rico para se integrar à alta sociedade, cuja vida de consumo se concentrava na então sofisticada rua Augusta. É um “bicão”, termo da época para os alpinistas sociais que se comportavam como penetras num mundo que não era o seu. “Beto é o indivíduo capaz de superar os limites do bairro aprendendo a lidar com as referências dos ricos”, diz Esther. ascensão social
Um episódio em particular, presente nas fitas digitalizadas e destacado pela pesquisadora, é um “racha” de motocicletas entre Beto e seu rival rico, em competição pelo coração da mocinha. As motos já significam muito na trama – são ao mesmo tempo um símbolo de status, um sonho de consumo e um ícone de rebeldia, como no pôster de Marlon Brando no filme O rebelde que decora o quarto de Beto. São também um símbolo de esforço de ascensão social (e capacidade de conquistar uma garota rica e mais ou menos liberada sexualmente) na medida em que Beto precisa aprender a dirigir a moto com a ajuda de seu melhor amigo, o mecânico pobre interpretado pelo dramaturgo Plínio Marcos. Finalmente,
é um pretexto para mostrar uma nova avenida em obras, a Sumaré, um sinal do cosmopolitismo de São Paulo e do país. Além de ser levada ao ar no mundialmente agitado ano de 1968, a novela começou em 4 de novembro de 1968, pouco mais de um mês antes da decretação do AI-5, marco do endurecimento da ditadura militar no Brasil. Contava mesmo no elenco com a atriz Bete Mendes, estudante de ciências sociais, que viria a ser presa e torturada pelo regime. Não havia na trama, no entanto, nenhuma premonição do que estava por vir. “A novela dava mais forma a uma imaginação do que se queria ter, relacionada ao ‘milagre econômico’ que viria depois”, diz Esther. “Tudo era muito ambíguo. Apesar da rebeldia presente no tom da novela, o personagem principal levava o espectador a espiar num buraco da fechadura para o fascinante mundo dos ricos. A sensibilidade presente era bem despolitizada. Parece que previa a onipresença do consumo a que a gente assiste hoje.” A ambiguidade também se dava na criação. Se de um lado estavam incluídos nomes ligados à telenovela tradicional, como o produtor Cassiano Gabus Mendes e o diretor Lima Duarte, por outro foram procurados destaques atuais do teatro paulistano, como a “dama” Maria della Costa em sua primeira participação em meio televisivo e o iconoclasta Plínio Marcos (autor da peça Navalha na carne), além do dramaturgo Bráulio
fotos 1 Acervo UH / Folhapress 2 reprodução revista intervalo - acervo Orias elias
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“A novela conectou universos eruditos e da indústria cultural em torno de um repertório de liberalização dos costumes”, diz Esther Hamburger
Pedroso, convidado especialmente para escrever o texto. “A novela conectou universos eruditos e da indústria cultural em torno de um repertório de liberalização dos costumes associada à ascensão social e ao consumo”, diz Esther. Era um grande caldeirão que misturava tradição e sinais de modernidade, algo que a TV Globo tratou de normatizar em seguida, começando sua ascensão definitiva na área da telenovela. Até 1969, o departamento de novelas da emissora era chefiado por Gloria Magadan, cubana exilada no Brasil, que imprimia aos folhetins da casa “seu estilo de produzir histórias rocambolescas que se passavam em terras e/ou tempos distantes”, nas palavras de Esther. Eram títulos como O sheik de Agadir e Sangue e areia. Naquele ano, a Globo, coincidindo com o início da rede nacional, demitiu Magadan e a substituiu por Daniel Filho, inaugurando uma nova dramaturgia, com temas contemporâneos e brasileiros. Já para começar, a novela Véu de noiva, de Janete Clair, tinha um galã cor-
redor de Fórmula 1, num momento em que o piloto Emerson Fittipaldi era um herói nacional. “As modificações se inspiraram no modelo introduzido por Beto Rockfeller, mas com uma organização de produção mais próxima do modelo industrial”, diz Esther. Tanto assim que a emissora criou em 1971 um departamento de pesquisa para monitorar movimentos quantitativos e qualitativos da audiência, como parte de uma política “de profissionalizar suas relações com anunciantes e agências de publicidade”. “Antes disso, TV ainda não era um negócio muito lucrativo”, diz Esther. “Seria interessante que economistas começassem a estudar essa indústria.” Eis aí mais um filão promissor que a preservação dos arquivos televisivos pode estimular. n
Projeto Acervo quadruplex da extinta TV Tupi (nº 2009/54923-7); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Programa Infra-estrutura; Pesquisadora responsável Esther Império Hamburger (USP); Investimento R$ 446.934,77 (FAPESP).
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memória
Institutos históricos e geográficos de São Paulo e da Bahia completam 120 anos buscando se integrar ao século XXI
Guardiões da história Neldson Marcolin
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o período em que a maioria dos institutos históricos e geográficos (IHGs) foram criados, no século XIX, não havia uma instituição destinada a agregar o conhecimento da época, estimular o debate cultural e guardar a história das cidades e estados. Existiam algumas faculdades de medicina e de direito e poucos museus de história natural e academias. Os IHGs reuniam as elites intelectual e comercial que traziam e discutiam notícias do exterior, apresentavam estudos sobre aspectos culturais e científicos e acolhiam acervos pessoais de personalidades públicas. Em 2014, dois desses institutos completam 120 anos: o da Bahia (IGHB), em maio, e o de São Paulo (IHGSP), em novembro. Com a atual diversidade de universidades, entidades de proteção ao patrimônio e centros de memória e divulgação cultural, tornou-se frequente a indagação sobre qual o papel que essas centenárias instituições devem ter no século XXI. “Os institutos devem responder aos desafios contemporâneos produzindo conhecimento, contribuindo para sua disseminação, constituindo acervos, construindo memórias e identidades e assessorando políticas públicas”, diz Arno Wehling, ex-reitor da Universidade Gama Filho e presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
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(IHGB), o primeiro a ser fundado, em 1838, no Rio de Janeiro. “Mas é preciso ter claro nosso perfil: somos instituições acadêmicas diferentes das estritamente profissionais como as universidades.” De acordo com Wehling, o papel central dos 23 institutos estaduais e 52 municipais é receber professores, pesquisadores universitários ou não, ensaístas e colecionadores, além de editar textos científicos, consolidar, inventariar e ampliar os acervos de modo a se constituírem em centros de referência documental. É preciso cuidar, porém, para não deixar os IHGs engessados, como se estivessem parados no tempo, alerta Consuelo Pondé de Sena, presidente
Exposição de mapas de municípios baianos recebe visitantes em 1940. Hoje a mapoteca está digitalizada
do IGHB. “Na Bahia fazemos tudo o que os outros institutos fazem, mas sempre tentamos ir além, oferecendo cursos e palestras sobre as mais diversas áreas da cultura”, diz. Ela cita um encontro para discutir a história e a destinação do Palácio Episcopal de Salvador e um minicurso sobre Dorival Caymmi para celebrar seu centenário, em 30 de abril. O IGHB – conhecido como “a Casa da Bahia” – é responsável pelas comemorações da data da independência na Bahia, o 2 de julho de 1823. Mesmo com a festejada independência do Brasil em 7 de setembro de 1822, havia ainda partes do país ocupadas por forças lusitanas. A vitória dos baianos sobre os portugueses quase um ano
depois ajudou a selar o processo a favor do Brasil. “Esse aspecto histórico ajuda a trazer uma instituição tradicional para perto da população, que participa das atividades”, explica o advogado e professor Edivaldo Boaventura, sócio do IGHB. O presidente de honra do instituto, o ex-governador Roberto Santos, lembra do rico acervo. “Temos a mais completa coleção de periódicos da nossa terra e o valiosíssimo arquivo consultado por inúmeros pesquisadores que aqui encontram excepcional campo para a preparação de trabalhos acadêmicos originais destinados a múltiplas finalidades”, diz. A administração pública pode também se beneficiar dos arquivos. No acervo cartográfico é possível conhecer a formação das 417 cidades baianas. Já em 1940, o IGHB sediou uma exposição com 150 mapas. Agora, acrescido de outros mapas digitalizados, o arquivo deverá se tornar disponível on-line. O congênere paulista do instituto baiano é uma entidade mais formal, sem a mesma vocação popular. O IHGSP sempre ofereceu informações sobre a história
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Sócio do IHGSP, Euclides da Cunha (esq.) leu a primeira parte de Os sertões no instituto. O baiano Theodoro Sampaio foi sócio ativo das instituições da Bahia e de São Paulo
da cidade, suas instituições e personagens mais influentes. O engenheiro e escritor Euclides da Cunha, por exemplo, fez no instituto uma leitura pública dos textos que viriam a compor a primeira parte de Os sertões, em 1898. “Somos o principal guardião da memória paulista e contribuímos para esclarecer pontos ainda obscuros da história de São Paulo”, diz a presidente Nelly Candeias. Um desses pontos tratou do surgimento do bairro paulistano da Lapa. O professor José Carlos de Barros Lima, sócio do IHGSP e proprietário da escola Instituto Santo Ivo, comprovou que o bairro nasceu em 1590 e não em 1745, como se pensava. “Foi pesquisando nos textos de Theodoro Sampaio disponíveis no instituto e nos documentos da então Câmara da Vila de São Paulo que estabeleci a nova data, comprovada por historiadores profissionais”, conta Barros Lima. No momento, o acervo do IHGSP está em processo de recuperação e digitalização no Arquivo Público do Estado de São Paulo. PESQUISA FAPESP 219 | 81
Arte
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Novas bagagens Companhias desbravam cidades brasileiras em busca de material para criações teatrais Gustavo Fioratti
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om 15 anos de experiência na bagagem, os curitibanos da Companhia Brasileira de Teatro resolveram levantar âncora e partir com o barco. Desde o início deste ano o grupo navega distante dos limites de sua pequena sede situada em um velho imóvel no centro histórico da capital paranaense. Nas malas de seus integrantes vai junto o projeto Brasil, que tem por princípio criar um espetáculo a partir de viagens pelo país. O histórico do grupo já prenunciava uma vontade de expansão territorial. Após as festejadas peças Vida (2009), Oxigênio (2010) e Isto te interessa? (2011), seus integrantes assumiram em 2012 no Rio de Janeiro uma parceria com a atriz Renata Sorrah e criaram Esta criança, com texto do francês Joël Pommerat. Nos últimos anos também se dedicaram a oficinas de criação no Nordeste. O projeto Brasil, segundo Márcio Abreu, diretor da companhia, procura furar o escopo calcificado anteriormente. “É como passar um bloqueio criado pela própria história do grupo. Ao sair de
Tchekhov no sertão nordestino: ensaios de O duelo em cidades do Ceará pela Mundana Companhia de Teatro, em 2013
fotos 1 camila marquez 2 Giovana Soar
nosso circuito, pretendemos criar novas cartografias”, explica, referindo-se à série de destinos visitados este ano, entre eles Manaus, Rio de Janeiro, Brasília e Salvador. As viagens incluem atividades como a apresentação do repertório da companhia, oficinas, entrevistas com os moradores dessas cidades e trocas de informações e de metodologias com grupos sediados em cada uma delas. “Nós preferimos nos afastar de temas, não sabemos sobre o que será a peça”, afirma Abreu. Embora a criação não tenha se definido pelo assunto, o diretor adianta que as discussões do grupo acabaram passando por pelo menos uma questão específica: as cidades visitadas podem ter identidades peculiares, e por suas vastas paisagens procura-se, sob o olhar do grupo, um elemento comum. “Não é uma peça sobre o Brasil, porque não damos conta de algo que estaria no campo da antropologia ou da sociologia. Mas é o nosso olhar sobre o país”, explica. Pelo projeto, no Rio de Janeiro, a Companhia Brasileira de Teatro trabalhou com outros dois grupos, o Teatro de Extremos e o Favela Força, este último sediado em uma favela do Complexo do Alemão. São duas turmas que se debruçam sobre questões como multiculturalismo e cidadania e que frequentemente moldam seus trabalhos pela realidade mais próxima que os cerca. Já em Brasília o grupo decidiu investigar a relação entre arquitetura e os moradores da cidade. Passaram por clichês, falando por exemplo sobre a questão de Brasília ser uma cidade planejada para incentivar o uso do automóvel. “Mas havia um outro lado que avançava para além dos clichês”, diz Abreu. “Entrevistamos uma garota que falou sobre o hábito de cruzar a cidade passando pelo meio das superquadras, e ela desmentiu quem dizia que Brasília impunha apenas uma relação entre os habitantes e a cidade”, diz. A viagem da Companhia Brasileira de Teatro foi toda documentada, dando origem a diários de bordo, vídeos e fotografias. A partir de maio, numa segunda etapa, esse material será processado e revisto em sala de ensaio. Ainda sem título, o espetáculo está programado para fazer sua estreia daqui a um ano. OUTRAS VIAGENS
Esse tipo de processo não é novo. Houve, por exemplo, o circuito feito pelo Teatro da Vertigem para a composição de BR-3 (2006), espetáculo encenado em lugares do rio Tietê, inclusive dentro de um barco que navegava sobre seu leito. O texto foi criado a partir de vivências dos integrantes do grupo em três lugares: o bairro paulistano Brasilândia, a capital do país, Brasília, e a cidade de Brasileia, no Acre. No ano passado, a Mundana Companhia de Teatro também viajou pelo sertão nordestino para
Documentação das viagens da Companhia Brasileira de Teatro será usada em trabalho com exibição prevista para 2015
incorporar a cultura regional em uma adaptação da novela O duelo, de Tchekhov. Os ensaios do grupo percorreram três cidades cearenses: Iracema (14 mil habitantes), Arneiroz (com quase 8 mil habitantes) e Lavras da Mangabeira (31 mil habitantes). Nenhuma delas tem sequer um teatro, e os ensaios foram improvisados em galpões, sob direção de Georgette Fadel. O enredo do livro O duelo, sobre um homem que conquista uma mulher casada e a leva para viver em uma cidade no interior do Cáucaso, passou a atravessar elementos estranhos à cultura de seu cenário original. “Mas o resultado da imersão não é exatamente uma transposição do argumento para a paisagem do Nordeste”, explica o ator Aury Porto, um dos fundadores da companhia. Não é mesmo. A menção ao Cáucaso permanece no texto, e a passagem pelo sertão nordestino apenas impregna a encenação de elementos estéticos alheios ao original. Há, por exemplo, a recriação de uma crise do protagonista após ser convidado para um duelo. A cena passa a ocupar um bar cuja ambientação recorre a referências observadas em bares que a companhia visitou durante a viagem: há um globo de espelho girando e a música brega ao fundo. A peça foi apresentada no Centro Cultural São Paulo no segundo semestre do ano passado e tinha Camila Pitanga em seu elenco. O mesmo grupo agora, diz Porto, vai reciclar esse tipo de criação teatral em uma viagem pela cidade de São Paulo para adaptar Na selva das cidades, de Bertolt Brecht. A expedição parte em outubro, em busca de uma vizinhança ainda inexplorada. n PESQUISA FAPESP 219 | 83
conto
Descender Victor Heringer
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om quantos pauzinhos se faz uma suástica? Seis: uma cruz e quatro perninhas nas pontas. Mas as crianças não sabem desenhar direito, e é difícil decorar para quais lados ficam as perninhas. Os desenhistas de suásticas da minha escola sempre se confundiam. As carteiras da minha sala eram cheias desses rabiscos – a lápis, caneta, hidrocor. Na minha turma, as suásticas apareceram bem antes dos desenhos pornográficos, o nazismo foi a primeira sedução proibida. Quando ninguém sabia ainda quem tinha pipi e quem tinha perereca, todos já sabíamos que aquele símbolo era do mal. Abri um exemplar de Mein Kampf antes de abrir uma Playboy. Um amiguinho levou para o colégio. Lemos numa rodinha secreta, mas não entendemos nada. Estava em alemão.
II Meu nome é Vítor Heringer, uns dizem “réringuer”, outros “erínge”. Nasci na cidade do Rio de Janeiro em 1979. Sou branco, do branco que atrai mendigos, branco da linha dos alemães que aportaram aqui em 1824 e subiram a serra em direção a Nova Friburgo, para tentar cultivar a terra ruim que os suíços não quiseram. A bordo do navio Argus, vieram dois Heringer: Felipe (Phil, Phillip, segundo os registros), alfaiate, e Jacó (Jacob, Jacques), ourives, ambos de Oldenburg e provavelmente irmãos. Pesquisei, mas não consegui descobrir qual dos dois é meu antepassado direto. Se pudesse escolher, seria tataraneto de Jacó, que chegou ao país com mulher e cinco filhos (Felipe trouxe a esposa), só pagou metade da passagem (Felipe pagou a inteira) e ainda liderou uma pequena rebelião contra o imperador, que o mandou para um segundo exílio no subúrbio carioca. Minha avó dizia que somos descendentes de judeus asquenazitas, mas nunca conversei direi84 | maio DE 2014
to com ela. Acho que ninguém nunca o fez. Por isso foi envelhecendo com aquela cara de grito de Munch que tem. O pânico da espécie é esse mesmo: morrer sem ter tido uma conversa sequer. III Dei a impressão de que vovó estava morta. Não está. Viaja quietinha no banco do carona, toda maquiada, laquê, a boca naquele ô mudo de pavor, lábios pintadinhos de vermelho. O carro na avenida Nossa Senhora de Copacabana. Eu no banco de trás. Vamos jantar no Velho Cosme, um restaurante novo no bairro. Mamãe dirige: “Os alemães, eles são predispostos a odiar os outros, será?”, ela pergunta sem querer dizer “os alemães, nós”. Está falando dos campos. De vez em quando falamos dos campos, não sei direito por quê. É como falar de um parente distante, será que morreu?, será que seus filhos morreram?, será que estão preparados para os efeitos catastróficos das mudanças climáticas?, onde é que eles moram mesmo? Mais adiante: “Por que eles não ficaram lá? Nós poderíamos ter nascido na Alemanha. Imagina só”. Vó: Eram pobres. Agricultores. Eu: A gente nem fala alemão. Só a vó. No restaurante, mamãe pediu legumes no vapor. Vovó, risoto. Eu, bife malpassado. “Imagina só ser filho de nazista”, minha mãe imagina, pensando naquele documentário sobre os filhos do Veit Harlan, cineasta do Jud Süß. Eu imagino mais longe: como deve ser bisneto de nazista, tataraneto, alguém sem muitos laços afetivos. Ser somente da mesma estirpe da gente que aperfeiçoou o horror, os automóveis e a filosofia. Gente que tinha certeza de que havia algo de podre no sangue dos outros. Eu sou de uma família pré-nazista, por exemplo, mas quem sabe do que o meu sangue é capaz. “Será que tem algo de podre
Luana Geiger
no nosso sangue que nos faz achar que há algo de podre no sangue dos outros?”, imagino. Será que somos o povo escolhido para ter ódio? Os filhos de Harlan têm muita vergonha. Os garçons que passam são todos negros, pardos. Caras de cansaço. Caras de raiva contida. Vivem no morro do Cantagalo? Como eu vou saber? Vó: (Olha à volta, o pescoço todo quebradiço, manchas pretas na pele) Antigamente tinha mais judeu em Copacabana. Assustador mesmo é ser civilizado. IV Responda com sinceridade: (o) Brasil teve o maior partido nazista fora da Alemanha (In: Gazeta do Povo, 24/09/2011) (a) O que será que bis-vovô estava fazendo nos anos 30 e 40? _______________. (b) Quantos parentes nossos fizeram parte da Sociedade Alemã de Nova Friburgo, e do Partido Nazista de Presidente Venceslau, São Paulo, Timbó, Curitiba? ___________________. (c) Quantos ergueram suas taças à saúde de Hitler naquela comemoração do 20 de abril de 1935, na Sociedade Alemã de Friburgo? _1_. Teste o seu germanismo (de 0 a 10): Você é organizado/controlado? __. Você já pensou em montar indústria? __. Você é austero com dinheiro? __. Você se sente desconfortável na presença de estranhos? __. Como anda a sua memória? _____________________. Há um tempo, soube de um velho em Nova Friburgo que todo ano solta fogos no aniversário do Führer. Ainda.
A cidade sofreu recentemente a maior catástrofe climática da história do país. Os turistas vão lá tirar fotos dos prédios em ruínas. Friburgo é a capital da moda íntima. Vovó nasceu lá, depois foi morar em Copa. Não sei se tem muito ou pouco judeu em Friburgo. “Isso você tem que pagar logo”, a mãe me diz, “senão meu nome fica sujo”. Está falando de uma conta de gás que eu esqueci de pagar. Vó: Antigamente tinha mais judeu em Copacabana. Diminuíram as luzes do restaurante e os garçons vieram colocar duas velas no centro de cada mesa – “Que chique”, mamãe disse – para justificar os preços do cardápio. Vó: Não tinha? Judeus? (Pausa) Juden! Mãe: (Sem graça, sem paciência) Tinha, mãe. Era difícil vovó calar aquela boca, sempre aberta. (Ninguém parou de comer, nenhum suspiro de surpresa.) Alguns minutos depois, mamãe me olhou com uma cara que decifrei fácil: queria que vovó morresse logo, mas como era difícil admitir: “Descender, que inferno”. Aí a vó descambou a falar longamente, olhando uma vez para cada garçom, uma para mim, uma para todos os presentes, que não prestaram atenção. Aquela mandíbula molenga prestes a despencar do rosto. Nem eu, nem mamãe entendemos nada do discurso, que estava em alemão. Mas o escutamos inteiro, com uma paixãozinha meio secreta pelos fonemas e raivas de minha avó, nosso velho idioma. Ainda está viva.
Victor Heringer (Rio de Janeiro, 1988) é autor de Glória (7Letras, 2012, Prêmio Jabuti 2013) e Automatógrafo (poesia, 7Letras, 2011). Segundo a tradição familiar, descendente de judeus asquenazins por parte de pai e sefardim por parte de mãe. Site: http://automatografo.org
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resenhas
Sempre a luta de classes Eduardo Nunomura
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Política e classes sociais no Brasil dos anos 2000 Armando Boito Jr. e Andréia Galvão (orgs.) Alameda/FAPESP 429 páginas, R$ 58
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onflito de classes é expressão frequente entre marxistas, e por essa razão permeia todo o livro Política e classes sociais no Brasil dos anos 2000. Fruto do trabalho de um grupo de pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o Centro de Estudos Marxistas, a obra reúne artigos que abordam os efeitos do neoliberalismo sobre os dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva. Trata-se assim de uma espécie de continuidade de “Neoliberalismo e lutas sociais no Brasil”, número especial da revista Ideias (Unicamp, 2002), sobre os governos de Fernando Henrique Cardoso. O novo título complementa o primeiro e traça um retrato das contradições e dos desafios que classes trabalhadoras e dominantes, organizações representativas e movimentos sociais enfrentam sob a política neoliberal. Organizado por Armando Boito Jr. e Andréia Galvão, professores do Departamento de Ciência Política da Unicamp e editores da revista Crítica Marxista, o livro parte do pressuposto de que é preciso tratar o neoliberalismo como um conflito de classes, sem meias palavras. E propõe que as privatizações, a abertura e a desregulamentação impostas ao mercado acabaram por contaminar e acuar a reação dos movimentos progressistas. Se os socialistas se preocupavam com a revolução nos anos 1950 e 1960 e com a luta contra a ditadura nas duas décadas seguintes, dos anos 1990 em diante parece haver uma lacuna na história do pensamento crítico. Interessa destacar as contribuições do livro para refinar esse debate, a começar do primeiro capítulo. Ao analisar a crise do governo de Fernando Collor de Mello, o que soa temporalmente deslocado em relação aos outros oito artigos, o autor Danilo Enrico Martuscelli afirma que setores burgueses não aderiram de forma unânime ao neoliberalismo, mas ofereceram resistências “seletivas”. Com sua abertura comercial, Collor impôs sérias dificuldades à indústria brasileira, forçando diferentes frações burguesas a reagirem contrariamente a esse governo. Os autores do livro adaptam o conceito de burguesia interna de Nicos Poulantzas (1978) para a realidade brasileira. No contexto original, Poulantzas analisa o conflito entre os capitais nacionais europeu e americano, mostrando que a burguesia interna apresenta certa ambiguidade em relação ao capital externo. Essa é a chave para entender
Política e classes sociais no Brasil dos anos 2000. A grande burguesia interna brasileira nunca esteve fora do poder, introduz em seu artigo Boito Jr., mas foi na passagem, em 2002, da “era FHC” para a “era Lula” que seus interesses voltaram a influenciar as iniciativas e medidas do Estado. Boito Jr. recorre ao termo “neodesenvolvimentismo” para definir o modelo econômico do Brasil nos anos 2000: é o “desenvolvimentismo possível dentro do modelo capitalista neoliberal periférico”, diz. Voltado para o mercado externo, esse modelo tende a priorizar os interesses das frações burguesas internas em detrimento dos interesses da grande burguesia compradora e do capital financeiro internacional. E, em troca, Lula pode se ancorar na relação com importantes setores industriais nacionais para preservar capital político, inclusive na crise do “mensalão”. Em outro artigo, Andréia Galvão analisa a organização e a luta das classes trabalhadoras, propondo que houve uma reconfiguração do movimento sindical benéfica para o arranjo político de sustentação do governo Lula. Mas a pesquisadora não deixa de questionar se estaria havendo cooptação das grandes centrais sindicais ou se elas, por razões estratégicas, assumiram que há interesses comuns entre trabalho e capital e que uma parceria com a burguesia teria o condão de levar ao crescimento econômico. O livro é crítico aos anos Lula, no sentido de que sua ascensão não resultou no fortalecimento das classes que combatiam o neoliberalismo. Apesar do modelo econômico, os trabalhadores terceirizados, por exemplo, conseguiram se organizar e participar da luta sindical. O mesmo teria ocorrido com os movimentos dos sem-teto, mas estes correm o risco de se enfraquecer ao participarem marginalmente do processo de decisão política que lhes foi oferecido nos anos 2000. Menos sorte tiveram os desempregados, que continuam abandonados pelo sindicalismo brasileiro, o mesmo que pode ter sido cooptado e se recusa a organizar essa fração de classe para a luta, segundo sublinha outro artigo. Leitura recomendada para marxistas e não marxistas. Eduardo Nunomura é jornalista e doutorando em ciências da comunicação da Escola de Comunicações e Artes (ECA), da USP.
A criação do imperfeito fílmico Maria Alzuguir Gutierrez
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Manoel de Oliveira Novas perspectivas sobre a sua obra Carolin Overhoff Ferreira (org.) Editora FAP-Unifesp 264 páginas, R$ 40
que se deve felicitar antes de tudo a respeito da publicação de Manoel de Oliveira – Novas perspectivas sobre a sua obra é o estreitamento de laços Brasil-Portugal, não só por seu objeto, mas pela presença de artigos de pesquisadores portugueses. A compilação que ora se apresenta é uma espécie de produto tardio da safra de estudos que vieram à luz no esteio do centenário do cineasta em 2008. No livro há artigos mais panorâmicos, que analisam traços gerais do cinema de Oliveira, ou close readings de filmes específicos. Entre as abordagens panorâmicas, a do artigo que abre a compilação é das mais instigantes. Thomas Brandlmeier atribui a Oliveira a criação do “imperfeito fílmico”, “um passado que ainda não acabou e que surge de repente, misturando-se com a narrativa do presente”, e que “não deve ser confundido com o flashback” (p. 19). Assim, como contribuição do diretor português à linguagem do cinema, o autor vê a construção de um “tempo em fluxo”, em que convivem e se justapõem diferentes níveis temporais (passado e presente, tempos históricos e cíclicos). Brandlmeier trata também da interação entre farsa e melodrama na obra do cineasta, que possibilita a crítica do código a partir de dentro. O artigo, que contou com boa tradução do alemão, dá uma dimensão do nível de elaboração estética que preside a obra de Manoel de Oliveira e de seu lugar na história do cinema, ainda que o diretor faça parte de uma cinematografia periférica como a portuguesa. O artigo de Paulo Cunha discute a relação do cineasta com o Novo Cinema Português. Oliveira era já maduro quando do surgimento da movimentação de jovens cineastas em Portugal nos anos 1960 e havia ficado muito tempo sem filmar, dadas as dificuldades de produção no país até então. De acordo com Cunha, Oliveira foi tomado como bandeira pela nova geração, o que acabou permitindo o retorno do veterano à produção, no que se acreditava que seria seu último filme – mal se imaginava que o cineasta se tornaria mais produtivo do que nunca a partir dos anos 1990, já com 80 anos completos. A direção de atores tem sido questão pouco estudada na historiografia e crítica do cinema, e a obra de Oliveira parece servir como uma luva
para colocar luz sobre este assunto, como nos mostra o texto de Pedro Maciel Guimarães. Trata-se de um cinema em que o ator não se oblitera na personagem, mas permanece visível. O artigo de Fausto Cruchinho aborda o problema da representação da mulher na obra de Oliveira. O questionamento ao sexismo do cineasta soa peremptório por não encontrar confirmação em análises fílmicas aprofundadas, elaboradas talvez pelo autor em outros trabalhos seus. Quanto ao texto da organizadora do livro, Carolin Overhoff Ferreira, este trata das “implicações geopolíticas” da obra de Oliveira, que ela analisa, apoiando-se em trabalho de Dudley Andrew, de acordo com diferentes fases, que teriam levado o cineasta do “local” ao “global”. Entre os ensaios que apresentam close readings de obras específicas de Oliveira, destaque-se o texto de Ana Isabel Soares sobre Acto de primavera (1963), em que estabelece diálogo com uma crítica de 1977 de Serge Daney, que havia visto o filme como um “folhado de história”. Ismail Xavier, a partir de seu repertório conceitual em torno da noção de alegoria nacional, oferece uma leitura crítica de Non, ou a vã glória de mandar (1990). Mauro Luiz Rovai põe o foco no curta-metragem A caça (1963); Paulo Menezes realiza análises paralelas de Douro, faina fluvial (1931) e de Porto da minha infância (2001); e Bernadette Lyra propõe uma leitura de Francisca (1981), “representação viva da saudade do cinema silencioso” (p. 146). Faltou incluir no livro uma filmografia de Oliveira, que ficasse à mão do leitor pouco familiarizado com a sua obra, para que localizasse nela cada filme analisado. Teria sido útil, mesmo em tempos de internet. De toda maneira o que se deve ressaltar são os aspectos positivos desta publicação: a interação entre autores radicados em Portugal e no Brasil (além de um estudioso estabelecido na Alemanha); a mescla de discussão geral da obra do cineasta com análises fílmicas pormenorizadas; e a presença de uma bibliografia completa no final, nem sempre disponível em compilações. Maria Alzuguir Gutierrez é doutoranda no Programa de Pós-graduação em Meios e Processos Audiovisuais da Escola de Comunicações e Artes (ECA), da USP.
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carreiras
Quadros para pesquisa empresarial Multinacional promove competição sobre inovação de olho em futuros cientistas Um dos caminhos adotados por empresas, no momento de impulsionar os investimentos em inovação, é o estabelecimento de parcerias com universidades ou centros de pesquisa. Outra via é voltar os olhos para profissionais que acabaram de deixar a universidade e ambicionam uma carreira como pesquisadores dentro de empresas. Para a Henkel, multinacional alemã fundada em 1876 e que atua nos setores de limpeza, cosméticos e adesivos, quanto mais cedo a aproximação com estudantes acontecer, maiores as chances de estimular, desde cedo, o gosto pela pesquisa e de fazer com que os jovens criem laços com a pesquisa empresarial. 88 | maio DE 2014
Em 2007, a empresa criou o Henkel Innovation Challenge, uma competição global anual na qual alunos de graduação e pós-graduação dedicam-se na criação de projetos inovadores com vistas a serem executados em 2050. “A disputa é uma oportunidade de estar presente entre os estudantes como um empregado e também de conhecer jovens talentos de todo o mundo”, diz Manuel Macedo, presidente da Henkel no Chile e diretor de adesivos de consumo no Mercosul. Além de prêmios materiais, como viagens e tablets, os participantes têm a oportunidade de entrar em contato com gerentes da Henkel, que atuam como mentores das
equipes. A competição também representa uma oportunidade de trabalhar na empresa: em sete anos, cerca de 130 estudantes foram contratados. Neste ano, uma equipe brasileira venceu a final regional da América Latina, superando o México – país com tradição no evento – e a Colômbia, que participou pela segunda vez na competição, assim como o Brasil. Os alunos de mestrado do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) Daniel Minatelli, de 23 anos, e Fernando Luengo, 25, chegaram à final do evento, realizada em abril na Alemanha, na qual participaram estudantes de 30 países. Os brasileiros
foto eduardo cesar ilustraçãO daniel bueno
pesquisam o uso de biopolímeros, como proteínas, amido e celulose, para a regeneração de tecidos humanos. Quando souberam do torneio, tiveram a ideia de desenvolver um novo adesivo totalmente biodegradável. “A partir do lixo gerado pela sobra de alimentos, por exemplo a casca da batata, é possível extrair amido e, com ele, produzir um adesivo que pode ser usado em embalagens de alimentos”, explica Luengo. “Além de ser biodegradável, e poder servir como adubo no pós-consumo, o material não seria tóxico.” O projeto não venceu a competição, mas a experiência abriu os olhos de Luengo para uma forma de conceber a atividade de pesquisa diferente da que ele tinha anteriormente. “Vimos que nossa pesquisa tem potencial para ultrapassar as fronteiras da universidade e ir além dos limites de nosso laboratório”, diz ele. Isso porque a competição também se apoia na percepção de que o pesquisador precisa ter consciência das dimensões econômicas de seu projeto. Segundo Luengo, ao longo das três etapas o participante é estimulado a pensar em estratégias de negócios capazes de tornar viável o projeto. “É necessário que o candidato tenha criatividade e capacidade analítica para desenvolver um conceito claro e consistente, levando em consideração as necessidades do mercado”, salienta Manuel Macedo. Por isso, diz ele, o interesse da Henkel não é pelos produtos propostos pelos inscritos. “Esse não é o foco do desafio, e sim potenciais criativos e inovadores dos estudantes. Os projetos são somente considerados como dicas de tendências para o futuro”, diz Macedo
trajetória acadêmica
Da Baviera para a reitoria Físico alemão comanda uma das mais jovens universidades brasileiras Aos 45 anos, o físico alemão Klaus Capelle, recém-empossado como reitor da Universidade Federal do ABC (UFABC), 2 apresenta uma trajetória incomum. Fez a graduação e obteve os títulos de mestre e doutor na Universidade de Würzburg, instituição situada em uma pequena cidade homônima do norte da Baviera que contabiliza mais de 600 anos de história e 14 prêmios Nobel em seu currículo. A dissertação de mestrado, de 1993, e a tese de doutorado, de 1997, ganharam em suas respectivas categorias o prêmio de melhor trabalho do ano da Faculdade de Física e Astronomia da universidade. Especialista em física da matéria condensada e em química quântica, Capelle tinha credenciais acadêmicas para desenvolver uma carreira de sucesso em sua terra natal. Mas, logo após o término do doutorado, optou por uma bolsa de estudos em um país tropical onde passara férias nos anos 1990. “A reputação do Brasil na Alemanha era boa e eu sabia que a Universidade de São Paulo (USP) era uma excelente universidade”, diz o físico. “Achei que seria um grande desafio ir para um país com uma cultura diferente e uma ciência mais jovem do que a alemã.” Capelle desembarcou no Instituto de Física de São Carlos (IFSC-USP) ainda em 1997 com a ideia inicial de fazer um pós-doutorado sob a supervisão do professor Luiz Nunes de Oliveira e, depois de um ano, voltar para a Europa. Não foi o que ocorreu. De 1999 a 2003 tornou-se bolsista do programa Jovem Pesquisador da FAPESP no Instituto de Química de São Carlos da USP. Durante
esse período e nos anos seguintes, passou também temporadas como pesquisador visitante nas universidades de Missouri (EUA), Bristol (Inglaterra), Lund (Suécia) e Livre de Berlim. “Poderia ter voltado para a Alemanha ou ter ido para a Universidade de Bristol, onde tinha recebido um convite, mas optei por ficar no Brasil”, diz o físico, que foi professor do IFSC de 2003 a 2009. “Na Europa estaria apenas lapidando um sistema já estruturado, talvez trabalhando em uma universidade com uma história de centenas de anos. Aqui posso ajudar a construir algo novo.” A capacidade de improvisar e de ser flexível diante das adversidades, qualidades normalmente associadas aos pesquisadores brasileiros, é um dos traços nacionais que mais entusiasmam Capelle, autor de mais de 90 artigos publicados em revistas científicas e avaliador e membro do conselho editorial de vários periódicos. O físico alemão tinha tudo para fazer uma longa carreira no IFSC. No entanto, resolveu apostar no novo, mais uma vez, em 2009. Deixou o posto na USP e obteve vaga de professor titular da UFABC, instituição recém-criada em Santo André, no ABC paulista. Na UFABC, ao lado do trabalho como professor e pesquisador, Capelle decidiu desenvolver outra habilidade, a de gestor. De 2010 a janeiro deste ano, ocupou o cargo de pró-reitor de Pesquisa da universidade. Em fevereiro tomou posse como reitor, posto para o qual fora eleito em dezembro de 2013. “Não sou reitor, estou reitor”, afirma o físico, cuja mulher é brasileira, formada na área de terapia ocupacional. “É uma experiência gratificante. Como professor, podia conseguir bolsa para um aluno. Como pró-reitor, para 100. Como reitor, a escala dos benefícios que posso conseguir para os estudantes se torna ainda maior.” PESQUISA FAPESP 219 | 89
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90 | maio DE 2014
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Conferência Brasileira de Ciência e Tecnologia em Bioenergia Brazilian BioEnergy Science and Technology Conference
De 20 a 24 de outubro de 2014
Bioenergia, tecnologias e matérias-primas para biocombustíveis de segunda geração, biocombustíveis para aviação, estratégias e impactos da produção de bioenergias renováveis são alguns dos temas mais atuais que serão discutidos durante a segunda edição da BBEST, que será realizada no Centro de Convenções de Campos do Jordão, Estado de São Paulo Um fórum privilegiado para a apresentação das mais recentes descobertas científicas e tecnológicas e discussões voltadas à definição de políticas para o setor. Os mais destacados especialistas em bioenergia de cinco continentes já têm presença confirmada. Temas centrais da Conferência: Biomassa, Tecnologias para Biocombustíveis, Alcoolquímica e Biorrefinarias, Motores e outros dispositivos de conversão, Integração de Processos e Sustentabilidade.
AS INSCRIÇÕES JÁ ESTÃO ABERTAS www.bbest.org.br Os participantes também terão a oportunidade de inscrever-se em Tutoriais. Os cursos vão tratar de práticas agrícolas no cultivo de cana, biocombustíveis avançados, rotas termoquímicas para produção de biocombustíveis e rotas bioquímicas para produção de etanol celulósico, sustentabilidade dos biocombustíveis, biorrefinarias e motores movidos a biocombustíveis.
Envie um resumo para apresentação oral ou pôster Prazos para submissão: Apresentação oral: 25 de maio de 2014 Pôster: 20 de julho de 2014