junho de 2014 www.revistapesquisa.fapesp.br
vácuo
Energia do espaço vazio pode destruir estrelas cobaias
Avança esforço para substituir animais em testes de cosméticos dengue
Novos produtos devem ampliar o controle da doença entrevista francis collins
Um projeto para entender o cérebro
O velho mar de Minas Gerais Fósseis indicam que partes da América do Sul e da África eram cobertas por um mar raso há 550 milhões de anos
Chamada de Propostas para o
Programa FAPESP Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) As propostas de financiamento devem conter projetos de pesquisa, que podem ser desenvolvidos em duas etapas: • Fase 1: demonstração da viabilidade tecnológica do produto ou processo, com duração máxima de nove meses e recursos de até R$ 200 mil. • Fase 2: desenvolvimento do produto ou processo inovador, com duração máxima de 24 meses e recursos de até R$ 1 milhão. Se os proponentes já tiverem realizado atividades tecnológicas que demonstrem a viabilidade do projeto, podem submeter propostas diretamente à Fase 2. Condições para participação • Podem apresentar propostas pesquisadores vinculados a empresas de pequeno porte (com até 250 empregados) com unidade de P&D no Estado de São Paulo;
A FAPESP reservou até R$ 15 milhões para atendimento às propostas consideradas meritórias nesta chamada
Data limite para apresentação de propostas, na FAPESP ou como data de postagem: 21 de julho de 2014
• Empresas ainda não constituídas formalmente podem apresentar propostas na condição de “empresa a constituir”, devendo essa formalização ocorrer após a aprovação da proposta e antes da celebração do Termo de Outorga; • O pesquisador proponente deverá demonstrar conhecimento e competência técnica no tema do projeto, mas não é exigido nenhum título formal (seja de graduação ou pós-graduação);
Previsão de divulgação do resultado da chamada: 21 de novembro de 2014
• A empresa deverá comprometer-se a oferecer condições adequadas para o desenvolvimento do projeto de pesquisa durante o período de sua execução e envidar os me lhores esforços para a comercialização bem sucedida dos resultados. A FAPESP divulgará o resultado, enviando a cada proponente os pareceres técnicos dos avaliadores. Os pareceres podem ser úteis para o aperfeiçoamento da proposta, seja ela aprovada ou não. Em caso de não aprovação, o proponente poderá aperfeiçoar a proposta, corrigindo as falhas apontadas, e submeter nova solicitação em edital subsequente. O manual completo para submissão de propostas está disponível no endereço www.fapesp.br/pipe.
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) Rua Pio XI, 1500 • Alto da Lapa CEP 05468-901 • São Paulo, SP +55 11 3838.4000 • www.fapesp.br
Gary Bauchan e Chris Pooley / Electron & Confocal Microscopy Unit USDA-ARS
fotolab
Reservatório de microrganismos O aracnídeo carregado de bactérias e fungos em seu dorso é uma nova espécie de ácaro de planta. Coletado em Ilhéus, na Bahia, ele foi levado pelo doutorando José Marcos Rezende a uma das unidades do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda), em Beltsville, Maryland, e fotografado em um microscópio de varredura, o LT-SEM, que fixa o material por meio de congelamento em nitrogênio líquido. Posteriormente, a imagem foi colorida em computador. “Essa técnica permite ver melhor as características morfológicas e ecológicas do material examinado”, diz Antonio Carlos Lofego, do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (Ibilce) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de São José do Rio Preto. Rezende é orientado por Lofego na Unesp, no programa de pós-graduação em biologia animal, e faz estágio na coleção de ácaros do Instituto Smithsonian, sob orientação de Ronald Ochoa. “Pela imagem, podemos inferir que os ácaros podem agir como reservatórios e dispersores de microrganismos”, diz Rezende. Se você tiver uma imagem relacionada à sua pesquisa, envie para imagempesquisa@fapesp.br, com resolução de 300 dpi (15 cm de largura) ou com no mínimo 5 MB. Seu trabalho poderá ser selecionado pela revista.
Foto enviada por José Marcos Rezende, do Ibilce-Unesp
PESQUISA FAPESP 220 | 3
junho n.220 CAPA 16 Fósseis de cloudinas e
corumbellas encontrados no norte de Minas indicam que um mar raso cobria partes da América do Sul e da África há cerca de 550 milhões de anos
46
ENTREVISTA 22 Francis Collins
Diretor dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos fala sobre o Brain, um projeto para entender o cérebro
52 Zoologia
Comum em regiões tropicais do planeta, fungo letal para anfíbios pode ser nativo da mata atlântica
54 Especial Biota Educação XIII
Genes de plantas do cerrado e do semiárido podem contribuir para o melhoramento de cultivares
TECNOLOGIA 58 Saúde
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA 26 Experimentação
Esforço para substituir o uso de animais em testes começa a mostrar resultados
CIÊNCIA 58
seçÕes 3 Fotolab 5 Carta da editora 6 Cartas 7 On-line 8 Dados e projetos 9 Boas práticas 10 Estratégias 12 Tecnociência 88 Memória 90 Arte 92 Conto 94 Resenhas 96 Carreiras 98 Classificados capa ilustração sandro castelli
4 | junho DE 2014
32 Física
Biossensor faz diagnóstico de dengue em 20 minutos
64 Prêmio
Revista do MIT seleciona no Brasil lista dos 10 empreendedores de destaque
70 Pesquisa empresarial
CI&T aposta na internacionalização para crescer
74 Computação
A energia do vácuo pode destruir estrelas
Servidor de autenticação biométrica do TSE terá software nacional da Griaule
38 Matéria condensada
78 Mineração
Proposta nova estratégia para verificar a existência de férmions
40 Biologia celular
Empresa inova no sistema produtivo de aglomerados de minério de ferro
Estruturas explicam como funcionam os neurônios especializados em odores
HUMANIDADES
44 Neurociência
82 Comunicação
46 Biodiversidade
86 Saúde pública
Caminhos alternativos conectam áreas distantes em lados opostos do cérebro Diversidade microbiana facilita a resolução de problemas ambientais
Estudo mostra a urgência de um modelo de negócio midiático adaptado à realidade digital Método identifica áreas de risco de esquistossomose em regiões sem informação sobre a doença
carta da editora
Ciência bem-humorada Mariluce Moura | Diretora de Redação
P
ara além de todas as implicações relacionadas ao inconsciente que lhe atribuiu Freud, o chiste é recurso delicioso e, com frequência, irresistível para colorir mesmo a prosa mais técnica. Foi assim que, lendo a reportagem de capa desta edição de Pesquisa FAPESP, de repente me flagrei rindo com gosto de um comentário espirituoso do geólogo Lucas Warren, enquanto explicava as novas e poderosas evidências de que meio bilhão de anos atrás um braço de mar raso cobria parte do que hoje é o centro-leste brasileiro. “Essa deve ter sido a última praia que Minas Gerais teve”, ele disse, inventando uma variante do velho sarro que cariocas e outras populações costeiras tiram dos mineiros por sua carência de mar. A breve sentença foi suficiente para me fazer imaginar com que prazer ele relatara ao jornalista Marcos Pivetta, nosso editor especial, o achado feito no ano passado por uma equipe de geólogos e paleontólogos da USP e da Unesp, de diminutos fragmentos de animais marinhos do gênero Cloudina incrustados num paredão e em outros afloramentos de rochas no município de Januária, norte de Minas – em termos geológicos, os fósseis estavam na Formação Sete Lagoas, parte do Grupo Bambuí, unidade sedimentar da bacia sanfranciscana. Os restos de animais constituem uma prova praticamente irrefutável da existência do braço de mar, há 550 milhões de anos, naquela parte do Brasil, proposta agora pelos estudiosos, e nestes termos eles foram descritos em artigo publicado na Geology em maio, do qual Warren é o autor principal. Vale a pena conferir essa “história” instigante de nosso remotíssimo passado a partir da página 16. E, para ficar ainda entre temas instigantes e intrigantes da ciência, recomendo a reportagem de nosso colaborador Igor Zolnerkevic (página 32) sobre uma proposta de um grupo de físicos teóricos de São Paulo segundo a qual a energia do vácuo e suas oscilações, em geral sutis demais para serem percebidas fora das escalas microscópicas, podem ser amplificadas até atingirem a escala astronômica e assim destruírem estrelas inteiras. Por trás disso está um efeito
batizado por seus descobridores como despertar do vácuo, fragorosas tempestades surgidas no espaço quase vazio. Numa passada pelo espaço da política científica e tecnológica vale se deter por mais tempo na reportagem do editor Fabrício Marques sobre o esforço que vem sendo empreendido no país em favor do fim do uso de animais em testes de segurança e eficácia de produtos, vacinas e cosméticos entre eles (página 26). Isso teve início mais sistemático em 2012, e as chamadas rotas alternativas de testes, como os kits de pele artificial, estão avançando, embora se esteja longe ainda de poder dispensar inteiramente as cobaias, principalmente para a segurança de medicamentos ou, mais ainda, na investigação de processos fisiológicos ou patológicos indispensáveis para a produção de conhecimento sobre o organismo humano. Na seção de tecnologia, recomendo a reportagem da editora assistente Dinorah Ereno sobre o arsenal de armas em desenvolvimento que têm em mira o controle da dengue, em termos de diagnóstico ou de tratamento, com destaque para um biossensor que saiu das bancadas da USP em São Carlos, capaz de diagnosticar a infecção em 20 minutos, contra os sete dias dos métodos hoje em vigor (página 58). Chamo a atenção por fim para a entrevista concedida a nosso editor especial Carlos Fioravanti e a Karina Toledo, repórter da Agência FAPESP, por Francis Collins (página 22), um dos líderes do Projeto Genoma Humano, de 1990 a 2003, hoje diretor dos NIH, dos Estados Unidos, e coordenador do grande projeto de mapeamento do cérebro humano, anunciado pelo presidente Barack Obama em 2013. Collins é um dos maiores nomes da genética e da ciência mundial contemporânea e isso já seria o bastante para justificar o interesse por sua entrevista, mas há ainda a conferir suas consistentes previsões científicas. Boa leitura, com os votos de uma boa e tranquila Copa! PESQUISA FAPESP 220 | 5
cartas
cartas@fapesp.br
fundação de amparo à pesquisa do estado de são Paulo Celso Lafer Presidente Eduardo Moacyr Krieger vice-Presidente Conselho Superior
Ecléa Bosi
alejandro szanto de toledo, Celso Lafer, Eduardo Moacyr Krieger, fernando ferreira costa, Horácio Lafer Piva, joão grandino rodas, Maria José Soares Mendes Giannini, Marilza Vieira Cunha Rudge, José de Souza Martins, Pedro Luiz Barreiros Passos, Suely Vilela Sampaio, Yoshiaki Nakano
Excelente a entrevista com a professora Ecléa Bosi (“Narrativas sensíveis sobre grupos fragilizados”, edição 218). Pessoa fascinante. Gostaria que fosse mais longa.
Conselho Técnico-Administrativo
Djalma Rosa
José Arana Varela Diretor presidente
São Simão, SP
Pedro Henrique Godinho
Carlos Henrique de Brito Cruz Diretor Científico Joaquim J. de Camargo Engler Diretor Administrativo
issn 1519-8774
Conselho editorial Carlos Henrique de Brito Cruz (Presidente), Caio Túlio Costa, Eugênio Bucci, Fernando Reinach, José Eduardo Krieger, Luiz Davidovich, Marcelo Knobel, Marcelo Leite, Maria Hermínia Tavares de Almeida, Marisa Lajolo, Maurício Tuffani, Mônica Teixeira comitê científico Luiz Henrique Lopes dos Santos (Presidente), Adolpho José Melfi, Carlos Eduardo Negrão, Douglas Eduardo Zampieri, Eduardo Cesar Leão Marques, Francisco Antônio Bezerra Coutinho, Joaquim J. de Camargo Engler, José Arana Varela, José Roberto de França Arruda, José Roberto Postali Parra, Lucio Angnes, Luis Augusto Barbosa Cortez, Marcelo Knobel, Marie-Anne Van Sluys, Mário José Abdalla Saad, Marta Teresa da Silva Arretche, Paula Montero, Roberto Marcondes Cesar Júnior, Sérgio Luiz Monteiro Salles Filho, Sérgio Robles Reis Queiroz, Wagner do Amaral Caradori, Walter Colli
Institutos históricos
Gostaria de cumprimentar Pesquisa FAPESP pela reportagem “Guardiões da história” (edição 219), na qual se salienta a importância dos institutos históricos e geográficos brasileiros nesta oportunidade em que o de São Paulo e o da Bahia completam seus 120 anos de fundação. Parabéns também pelas reportagens que enfocam artigos e pesquisas da mais alta qualidade científica e literária.
editor chefe Neldson Marcolin
Maria Helena Capelato Professora da FFLCH/USP
Fogo no cerrado
GESTÃO ADMINISTRATIVA INSTITUTO UNIEMP
Giovenardi Eugênio
PESQUISA FAPESP Rua Joaquim Antunes, no 727, 10o andar, CEP 05415-012, Pinheiros, São Paulo-SP
Brasília, DF
arte Mayumi Okuyama (Editora), Ana Paula Campos (Editora de infografia), Maria Cecilia Felli e Alvaro Felippe Jr. (Assistente) fotógrafos Eduardo Cesar, Léo Ramos Mídias eletrônicas Fabrício Marques (Coordenador) Internet Pesquisa FAPESP online Maria Guimarães (Editora) Júlio César Barros (Editor assistente) Rodrigo de Oliveira Andrade (Repórter) Rádio Pesquisa Brasil Biancamaria Binazzi (Produtora) Colaboradores Alexandre Affonso, Ana Lima, Daniel Bueno, Evanildo da Silveira, Fabio Colombini, Gilberto de Mello Kujawski, Gustavo Fioratti, Igor Zolnerkevic, Juliana Sayuri, Karina Toledo, Mariana Coan, Mauricio Pierro, Mauro de Barros, Monica Dowbor, Negreiros, Noêmia Lopes, Priscila Menegasso, Reinaldo José Lopes, Sandro Castelli, Valter Rodrigues, Visca, Yuri Vasconcelos É proibida a reprodução total ou parcial de textos e fotos sem prévia autorização Para falar com a redação (11) 3087-4210 cartas@fapesp.br Para anunciar (11) 3087-4212 publicidade@fapesp.br Para assinar (11) 3087-4237 assinaturaspesquisa@fapesp.br
FAPESP Rua Pio XI, no 1.500, CEP 05468-901, Alto da Lapa, São Paulo-SP Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia Governo do Estado de São Paulo
6 | junho DE 2014
Golpe de 1964
São Paulo, SP
Tiragem 43.000 exemplares IMPRESSão Plural Indústria Gráfica distribuição Dinap
revisão Márcio Guimarães de Araújo, Margô Negro
Assis, SP
José Carlos de Barros Lima
Na reportagem “A origem do cerrado” (edição 219), Giselda Durigan diz que a fauna (gado) e as queimadas são parte integrante do ecossistema. Em outra citação da mesma pesquisadora se lê: “No Brasil vamos ter que aprender a usá-lo como ferramenta de manejo, agora que a lei prevê a prática para o bem do ecossistema”. Já na reportagem “Sem floresta, gasta-se mais”, José Galizia Tundisi parece contradizer essa prática. Dedico-me, há 40 anos, à preservação de uma área de cerrado e minha experiência, acompanhada de especialistas, desaconselha o fogo e o pisoteio do gado. O sistema de captação de águas pluviais que mantenho tem sido benéfico para a recarga dos aquíferos. Seria importante que Giselda orientasse de forma mais clara onde, quando e como usar o fogo para o bem do ecossistema.
Editores Fabrício Marques (Política), Marcos de Oliveira (Tecnologia), Ricardo Zorzetto (Ciência); Carlos Fioravanti e Marcos Pivetta (Editores especiais); Bruno de Pierro e Dinorah Ereno (Editores assistentes)
Professor titular aposentado da Unesp
Parabéns pelo especial sobre o golpe de 1964 (edição 218). A reportagem “Braços civis de uma intervenção militar”, de Rodrigo de Oliveira Andrade, ficou excelente por juntar depoimentos diversos sem perder o eixo, um trabalho muito difícil, que contribui para uma visão de conjunto da historiografia atual sobre o tema.
Coordenador científico Luiz Henrique Lopes dos Santos Diretora de redação Mariluce Moura
meiros a acreditar que pudesse ser ela uma bela adolescente, o que ocorreu, e depois que tivesse uma bela maturidade, o que tenho testemunhado ocorrer, em cada edição que a recebo. Cumprimento a todos pelo belíssimo trabalho que vem sendo executado.
São Paulo, SP
Correções
O nome do professor Pedro Lacava foi trocado por Roberto Lacava na reportagem “Pequenos ganham espaço” (edição 219). Na reportagem “Na velocidade da luz” (edição 219), as legendas corretas das páginas 66 e 67 são: legenda 2, “Placas para sistemas de comunicações ópticas”; legenda 3, “Montagem de placas de amplificadores ópticos”. Na resenha “A criação do imperfeito fílmico” (edição 219), a palavra “esteira” foi trocada por “esteio” na segunda frase do primeiro parágrafo por erro de digitação. A Marcha da Família com Deus pela Liberdade, retratada em foto na página 19 da reportagem “Braços civis de uma intervenção militar” (edição 218), ocorreu em Santos, e não em Andradas.
Revista
Cada vez que recebo a Pesquisa FAPESP me sinto como ao encontrar com a minha primeira namorada: suando por fora, gelado por dentro. Fui dos pri-
Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail cartas@fapesp.br ou para a rua Joaquim Antunes, 727, 10º andar - CEP 05415-012, Pinheiros, São Paulo-SP. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.
on-line
Nas redes
luana pinho / urfj
w w w . r e v i s ta p e s q u i s a . f a p e s p. b r
Will Rosa_ Leitura muito útil.
Exclusivo no site
O professor Colli é bem-humorado e muito crítico. (A arte de ser
x Se a temperatura subir, lagos próximos à linha do equador podem aumentar mais as emissões de gases de efeito estufa, em relação àqueles perto dos polos. O ecólogo Humberto Marotta, da Universidade Federal Fluminense (UFF), comparou o que acontece com a matéria orgânica armazenada em lagos na Amazônia e na Suécia (Nature Climate Change). Experimentos e análises estatísticas mostram que as emissões de lagos tropicais podem se tornar até três vezes maiores do que as de lagos boreais num cenário em que as emissões subam até o meio do século e depois se Sedimentos coletados no final de 2009 em reduzam graças a medidas de mitigação. lagos revelam potencial de emissão de gases
cientista no Brasil) Elisabeth Brossi_ Querido professor Colli, sempre foi um exemplo para todos nós. Saudades! (A arte de ser cientista no Brasil) Aparecida Andrés_ Doações para universidades: um bom hábito chega ao Brasil. (A força das doações) Tania Maria Santos_ Parabéns aos pesquisadores, excelente oportunidade para buscar soluções para as doenças sanguíneas. (Identidade esclarecida)
x Os mosquitos Aedes aegypti e A. albopictus – os mesmos que transmitem a dengue – são vetores eficazes para a febre chikungunya, que recentemente chegou à América. O resultado vem da parceria entre pesquisadores da França e o parasitologista Ricardo Lourenço, do Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz), que avaliaram a suscetibilidade das duas espécies de mosquito à infecção, assim como a quantidade de vírus que chega à saliva dos insetos (Journal of Virology). Com a afluência de visitantes do exterior durante a Copa do Mundo, o pesquisador brasileiro teme um aumento do risco.
Roberta Cristina Passos Gonçalves_
Rádio Um brasileiro foi escolhido entre 40 jovens cientistas do mundo para analisar o futuro da ciência
Por isso é que não tem chuva no Sistema Cantareira. (Poluição urbana sobre a floresta) Flaminio Araripe_ Arquitetura visita casarões do sertão em doutorado com sotaque do Nordeste. (Vídeo Outros sertões) Edmundo Santos_ Bastante interessante a ação dessa proteína que impede a coagulação nos vasos. (Identidade esclarecida)
Vídeo do mês Troncos de árvores guardam informações sobre o clima do planeta no passado
Assista ao vídeo:
youtube.com/user/PesquisaFAPESP
PESQUISA FAPESP 220 | 7
Dados e projetos Temáticos e Jovem Pesquisador recentes Projetos contratados em abril e maio de 2014 temáticos Ações genômicas vs. não genômicas dos hormônios tiroidianos: mudanças de paradigmas, implicações fisiológicas e perspectivas terapêuticas Pesquisadora responsável: Maria Tereza Nunes Instituição: Instituto de Ciências Biomédicas/USP Processo: 2013/05629-4 Vigência: 01/05/2014 a 30/04/2019
Produção de L-Asparaginase extracelular: da bioprospecção à engenharia de um biofármaco antileucêmico Pesquisador responsável: Adalberto Pessoa Júnior Instituição: Faculdade de Ciências Farmacêuticas/USP Processo: 2013/08617-7 Vigência: 01/07/2014 a 30/06/2019 Filmes nanoestruturados de materiais de interesse biológico Pesquisador responsável: Osvaldo Novais de Oliveira Junior Instituição: Instituto de Física de São Carlos/USP Processo: 2013/14262-7 Vigência: 01/05/2014 a 30/04/2019 Planejamento, síntese e atividade
tripanossomicida de inibidores covalentes reversíveis da enzima cruzaína Pesquisador responsável: Carlos Alberto Montanari Instituição: Instituto de Química de São Carlos/USP Processo: 2013/18009-4 Vigência: 01/05/2014 a 30/04/2019
Projeto Interface: relações entre estrutura da paisagem, processos ecológicos, biodiversidade e serviços ecossistêmicos Pesquisador responsável: Jean Paul Walter Metzger Instituição: Instituto de Biociências/USP Processo: 2013/23457-6 Vigência: 01/05/2014 a 30/04/2019 Química supramolecular e nanotecnologia Pesquisador responsável: Henrique Eisi Toma Instituição: Instituto de Química/USP Processo: 2013/24725-4 Vigência: 01/05/2014 a 30/04/2019 Cepema - Centro Cooperativo em Engenharia Ambiental Pesquisador responsável: Claudio Augusto Oller do Nascimento Instituição: Escola Politécnica/USP
Processo: 2013/50218-2 Vigência: 01/05/2014 a 30/04/2018
Restauração ecológica de florestas ciliares, de florestas nativas de produção econômica e de fragmentos florestais degradados (em app e rl), com base na ecologia de restauração de ecossistemas. (Biota/FAPESP) Pesquisador responsável: Ricardo Ribeiro Rodrigues Instituição: Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz/USP Processo: 2013/50718-5 Vigência: 01/02/2014 a 31/01/2019 JOVEM PESQUISADOR Papel da sinalização purinérgica e da sinalização SOCS-JAK-STAT nos efeitos anti-inflamatórios do treinamento aeróbio em modelos experimentais de asma e em indivíduos asmáticos Pesquisador responsável: Rodolfo de Paula Vieira Instituição: Universidade Nove de Julho - Campus Vergueiro/Uninove Processo: 2012/15165-2 Vigência: 01/04/2014 a 31/03/2018
Centro de caracterização de novas espécies minerais: espectroscopia raman, difração por raios X e
nêutrons, e microssonda eletrônica Pesquisador responsável: Marcelo Barbosa de Andrade Instituição: Instituto de Física de São Carlos/USP Processo: 2013/03487-8 Vigência: 01/07/2014 a 30/06/2018
Sistemas de desenvolvimento para visualização direta de imagens radiológicas tridimensionais, suas aplicações diagnósticas e utilização no ensino de neuroanatomia Pesquisador responsável: Daniel Souza Ferreira Magalhães Instituição: Faculdade de Ciências Médicas/Unicamp Processo: 2013/13272-9 Vigência: 01/05/2014 a 30/04/2018 Técnicas de luz síncrotron sob condições extremas Pesquisador responsável: Narcizo Marques de Souza Neto Instituição: Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais/MCTI Processo: 2013/22436-5 Vigência: 01/04/2014 a 31/03/2018 Aquisição e aprimoramento das funções executivas: um programa com enfoque na independência e qualidade de vida de adultos com deficiência intelectual. (FAPESP-Apae de São Paulo) Pesquisadora responsável: Adriana Augusto Raimundo de Aguiar Instituição: Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais - São Paulo/Apae Processo: 2013/50194-6 Vigência: 01/04/2014 a 31/03/2018
Desempenho de publicações Visibilidade de artigos científicos, estimados pelo número médio de citações, em algumas revistas indexadas Posição relativa no conjunto de revistas indexadas em InCites ordenadas pelo número de citações por documento1
Documentos indexados Número de no Web of Science5 citações5
Número médio de citações por documento5
141 Science2
4.272
193.247
45,24
157 Nature2
4.540
249.658
54,99
721 Journal of the American Chemical Society 3
6.456
87.024
26,96
7.710
226.596
29,39
6.354
144.876
22,80
8.606
73.993
8,60 2,36
743 Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America4 1.003 Physical Review Letters 4 2.464 Langmuir2 5.817 Memórias do Instituto Oswaldo
Cruz2
782
1.848
6.422 Brazilian Journal of Medical and Biological Research2
663
1.335
2,01
7.493 Journal of the Brazilian Chemical Society 2
1.124
2.683
2,39
7.733 Revista de Saúde Pública2
563
843
1,50
9.109 Anais da Academia Brasileira de Ciências2
452
673
1,49
9.958 Brazilian Journal of
Physics2
10.414 Brazilian Journal of Chemical Engineering2 10.448 Revista Brasileira de Zootecnia-Brazilian Journal of Animal Science2
222
266
1,20
309
458
1,48
1.210
1.139
0,94
10.736 Revista Brasileira de Psiquiatria2
331
597
1,80
10.928 Brazilian Journal of Microbiology 2
791
877
1,11
379
730
1,93
11.599 Jornal de
Pediatria2
Fontes: 1 InCites TM, Thomson Reuters, Journal Ranking, 1979 - 2014; 2 Publicações 2010 - 2013 citadas até 2014; 3 Publicações em 2010 - 2012 citadas até 2014; 4 Publicações em 2010 - 2011 citadas até 2014; 5 Web of Science: consultado em 16/05/2014.
8 | junho DE 2014
Boas práticas Disposta a verificar a consistência de estudos de psicologia social, uma força-tarefa de 100 pesquisadores de vários países tentou repetir os resultados de 27 artigos dessa área publicados recentemente. Em pelo menos 10 casos, ou seja, em mais de um terço do total, os achados não se confirmaram. Em outros cinco artigos o efeito observado foi menor que o descrito no estudo original ou apareceram problemas estatísticos não relatados pelos autores. “A replicação dos resultados nos ajuda a ter certeza de que é realmente verdade aquilo que achamos que é verdade”, explicou à revista Science Brent Donnellan, psicólogo da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, um dos líderes da força-tarefa. A impossibilidade de reproduzir resultados de pesquisas tira o sono da comunidade científica por representar um obstáculo ao avanço do conhecimento e, em alguns casos, envolver fraudes. Os avaliadores advertem que não se pode afirmar que houve má conduta científica. Um dos estudos não reproduzidos sugere que eventos físicos ligados à limpeza, como lavar as mãos, podem influenciar o comportamento das pessoas e fazê-las momentaneamente agir com menos severidade em julgamentos morais. O paper, divulgado em 2008 na Psychological Science, buscava complementar trabalhos similares – um deles mostrava que um sentimento de desgosto podia tornar mais severo o julgamento de um indivíduo. “Eu me sinto como um suspeito de um crime sem o direito de se defender”, disse Simone Schnall, autora do artigo e psicóloga da Universidade de Cambridge, na Inglaterra. “Defendo meus
métodos e minhas descobertas e não tenho nada a esconder.” Ela afirma que a metodologia adotada na reavaliação de seu estudo foi diferente da utilizada originalmente: alguns dados que divergiam muito da média de observações foram descartados pelos revisores. Brent Donnellan confirma a diferença de metodologia, mas diz que utilizou várias estratégias para evitar distorções – em todas elas, os achados de Schnall não se confirmaram. Ele afirma que o problema do estudo foi o número restrito de casos analisados pela pesquisadora, o que pode gerar um resultado falsamente positivo. Para reduzir o prejuízo profissional, Daniel Kahneman, professor da Universidade de Princeton, sugeriu a adoção do que chamou de “etiqueta da reprodução”, com os avaliadores buscando de boa-fé a colaboração dos autores dos estudos, que,
daniel bueno
Achados sem confirmação
por sua vez, devem participar ativamente dos esforços de replicação. De todo modo, ele observa, responsáveis por estudos com resultados espetaculares devem buscar eles próprios repetir os resultados de seus trabalhos antes que algum colega tente fazê-lo.
Revisora plagiada Um casal de pesquisadores indianos da Universidade Rhodes, na África do Sul, foi demitido depois de uma investigação confirmar que eles falsificaram e fabricaram dados em um estudo submetido a revistas científicas há três anos. Em 2011, Bhupesh Samant e sua mulher, Mugdha Sukhthanakar, então professores do Departamento de Farmácia, encaminharam um artigo para o Journal of Bioorganic and Medicinal Chemistry. Para o azar deles, a revisão do paper foi feita por Rowena Martin, bióloga da Australian National University. Imediatamente percebeu que continha trechos plagiados
de um trabalho que ela própria publicara. Anteriormente, o artigo dos indianos fora recusado pelo European Journal of Medicinal Chemistry. “Um dos editores da revista me pediu para ler o trabalho e dar um parecer”, disse Rowena ao site University World News. “Além do plágio, o artigo apresentava dados que tinham sido fabricados”, explicou. Susan Smailes, diretora de projetos especiais da Universidade Rhodes, disse que o casal prometeu fornecer provas da veracidade e da originalidade da pesquisa, mas isso nunca aconteceu. Antes que a investigação fosse concluída, eles voltaram para a Índia. PESQUISA FAPESP 220 | 9
Estratégias Submarino perdido
Colaborações internacionais
Pesquisadores do
biólogo e chefe da
US Woods Hole
missão. Cientistas
Oceanographic
envolvidos no projeto
Institution (Whoi), nos
disseram que a
Estados Unidos,
pesquisa não deverá ser
perderam acesso a uma
interrompida e que já
área inexplorada do
existe em andamento
oceano Pacífico depois
um projeto para
que Nereus, um veículo
substituir Nereus. Em
subaquático não
sua primeira viagem,
tripulado, não suportou a
em 2009, o submarino
pressão da água e entrou
descobriu uma nova
em colapso ao atingir
espécie de anêmona
uma profundidade de
numa região conhecida
10 quilômetros abaixo
por Fossa das Marianas,
do nível do mar. No dia
no oceano Pacífico. Em
9 de maio, os cientistas
2011, o equipamento foi
que controlavam o
incorporado ao Hadal
As colaborações
aprovadas, recursos
submarino a partir de um
Ecosystem Studies, um
internacionais em
para viagens, seguro
navio deixaram de receber
programa internacional
pesquisa apoiadas pela
saúde e diárias para
imagens enviadas pelas
da National Science
FAPESP contam com
manutenção de
cinco câmeras de Nereus.
Foundation com o
uma nova estratégia
pesquisadores do estado
A confirmação do
objetivo de determinar
de organização, o
de São Paulo em missão
acidente só veio após
a composição e a
São Paulo Researchers
científica no exterior.
os pesquisadores
distribuição das espécies
in International
Anualmente serão
encontrarem destroços
que fazem parte do
Collaboration (Sprint),
abertas quatro
do veículo flutuando no
ecossistema das fossas
que consiste no anúncio
chamadas com data-
mar. “A perda de Nereus
abissais com mais de
simultâneo de
-limite para apresentação
é uma tragédia para o
6 mil metros de
oportunidades de
de propostas sempre na
estudo da zona abissal.
profundidade. Apenas o
colaboração internacional
última segunda-feira dos
Não temos como explorar
Nereus e três outros
com diversos parceiros
meses de janeiro, abril,
dois terços do oceano
submarinos conseguiram
da Fundação. Um dos
julho e outubro.
profundo sem um veículo
atingir a faixa próxima
objetivos principais
A data-limite para
não tripulado”, disse à
dos 11 quilômetros de
do Sprint é contribuir
submissão das propostas
revista Nature Tim Shank,
profundidade.
para o planejamento de
nesta primeira chamada
submissões de propostas
é 28 de julho. As
de mobilidade (seed
instituições parceiras
funding), estimulando
que participam da
pesquisadores de
chamada são University
São Paulo e de
of North Carolina
instituições internacionais
Charlotte, Estados
a trabalharem juntos na
Unidos; Baylat/StMBW,
preparação de projetos
Alemanha; University
de maior fôlego que
of Sydney, Austrália;
sejam concebidos,
e Heriot-Watt University,
redigidos e executados
Reino Unido. A chamada
por equipes de São Paulo
de propostas do
e do país parceiro.
Sprint está disponível
A FAPESP concederá,
no endereço
para as solicitações
www.fapesp.br/8620.
10 | junho DE 2014
Nereus em atividade: destruído a 10 mil metros de profundidade
1
fotos 1 WHOI ADVANCED IMAGING AND VISUALIZATION LAB 2 Ben Curtis / AP Photo / Glow Images 3 miguel Boyayan 4 eduardo cesar ilustraçãO daniel bueno
Fundo aeroespacial
2
Bloqueio à pesquisa sobre Aids
Manifestantes contra leis antigays em Nairóbi, Quênia
Foi lançado no dia
fundo será de R$ 131,3
7 de maio o Fundo
milhões. O BNDES,
de Investimento em
a Embraer e a Finep
Participações (FIP)
colaborarão, cada um,
Aeroespacial, o primeiro
com R$ 40 milhões.
na América Latina
A Desenvolve-SP entrará
voltado para o setor.
com R$ 10 milhões
O fundo de capital de
e a gestora do fundo,
risco será destinado a
a Portbank, fará um
empresas inovadoras de
aporte de R$ 1,3 milhão.
pequeno e médio porte,
“O capital de risco é
com faturamento bruto
uma ferramenta eficiente
de até R$ 200 milhões
para financiar projetos.
por ano. A iniciativa é
Principalmente porque
Um projeto de pesquisa
causa dessas leis”, disse
para o tratamento do
à revista Nature Stefan
HIV na Universidade
Baral, epidemiologista
uma parceria entre
cria um ambiente de
Makerere, em Uganda, foi
da Johns Hopkins
o Banco Nacional de
investimento constante”,
suspenso depois que um
Bloomberg School of
Desenvolvimento
disse o presidente da
membro de sua equipe
Public Health, que há
Econômico e Social
Finep, Glauco Arbix.
foi preso quando tentava
anos pesquisa a
(BNDES), a Financiadora
“A Embraer sempre
recrutar homossexuais
transmissão do HIV nas
de Estudos e Projetos
incentivou o
para participar do estudo.
relações sexuais entre
(Finep), a Agência de
desenvolvimento de
Casos semelhantes têm
homens na África.
Desenvolvimento
uma cadeia nacional para
se tornado frequentes no
Embora a Aids tenha se
Paulista (Desenvolve-SP)
indústria aeronáutica
país, onde recentemente
disseminado na África
e a Embraer, e busca
e de defesa no Brasil,
foi aprovada a prisão
entre grupos de todo tipo,
fortalecer a cadeia
e tem especial interesse
perpétua de homossexuais
o Programa Conjunto
produtiva aeroespacial,
no segmento de alta
e a condenação de
das Nações Unidas sobre
aeronáutica, de defesa
tecnologia”, disse
defensores dos direitos
HIV/Aids (Unaids)
e segurança. O
Frederico Curado, diretor-
dos gays. A criminalização
identifica os homens que
patrimônio inicial do
-presidente da Embraer.
da homossexualidade em
mantêm relação sexual
países da África, entre
com outros homens como
eles Etiópia, Nigéria,
um grupo de risco para
Senegal e Uganda, tem
a infecção pelo HIV –
dificultado o trabalho de
por conta de questões
cientistas que estudam
culturais, contudo,
métodos para conter a
muitos homossexuais na
transmissão do vírus HIV.
África não têm acesso
“Há muitos exemplos
a informações sobre
de pesquisas que estão
como evitar o contágio
sendo interrompidas por
ou como se tratar.
José Goldemberg e Paulo Nogueira-Neto: trajetórias reconhecidas pela Rede WWF
Conservação ambiental
3
4
O físico José Goldemberg, reitor da Uni-
últimos anos para a causa da conserva-
dente do conselho do WWF-Brasil; Clau-
versidade de São Paulo (USP) entre 1986
ção ambiental. A cerimônia de premiação
dio Maretti, líder da iniciativa Amazônia
e 1990 e professor do Instituto de Ener-
foi realizada durante a conferência anual
Viva, da WWF, e Rosa Lemos de Sá, se-
gia e Ambiente, e Paulo Nogueira-Neto,
da WWF, organização que atua em mais
cretária-geral do FunBio (Fundo Brasilei-
professor emérito do Instituto de Bio-
de 100 países desenvolvendo projetos
ro da Biodiversidade). A geógrafa e pro-
ciências da USP e pioneiro do ambien-
de conservação ambiental. O evento,
fessora emérita da Universidade Federal
talismo no país, receberam o prêmio
realizado pela primeira vez no Brasil,
do Rio de Janeiro Bertha Koiffmann Bec-
internacional de Mérito em Conservação
também homenageou José Roberto Ma-
ker e a engenheira agrônoma Tatiana
da Rede WWF (World Wildlife Fund),
rinho, presidente da Fundação Roberto
Carvalho, ex-funcionária do Greenpeace,
pela contribuição que prestaram nos
Marinho; Álvaro de Souza, vice-presi-
receberam homenagens póstumas.
PESQUISA FAPESP 220 | 11
Tecnociência A vespa Aleiodes falloni, que deposita seus ovos no corpo de uma lagarta e a mumifica
Pequenos mumificadores
1
Um grupo de
aumentar as chuvas
pesquisadores
em algumas regiões
coordenado por
e diminuir em outras,
Toshichika Iizumi, do
afeta o rendimento
Instituto Nacional de
das plantações de modo
Ciências Agroambientais
distinto, de acordo com
do Japão, mapeou o
a localização geográfica,
impacto que os
o produto cultivado e a
fenômenos climáticos
fase de aquecimento ou
El Niño e La Niña podem
resfriamento do Pacífico.
gerar sobre as principais
Segundo o estudo,
culturas agrícolas nas
o El Niño pode aumentar
diferentes regiões do
o rendimento de até
planeta. Esse parece
36% das áreas
ser o primeiro trabalho
plantadas e diminuir em
a avaliar a influência
até 24% delas – entre as
global das diferentes
culturas favorecidas
No Equador, em terras
batizadas em
fases da Oscilação Sul-
estão o milho, a soja
conhecidas por abrigarem
homenagem a pessoas
-El Niño (Osen) –
e o arroz produzidos no
tribos de índios que
famosas, como a vespa
fenômeno climático
Brasil. Já o La Niña pode
miniaturizavam as
Aleiodes shakirae.
responsável pelo
causar um impacto
cabeças de seus inimigos,
A referência à cantora
aquecimento (El Niño) e
negativo em até 13%
foram encontrados agora
colombiana Shakira vem
resfriamento (La Niña)
das terras agrícolas
novos agentes
da forma como a lagarta
da temperatura da
e positivo em no
mumificadores. São 24
se contorce durante a
superfície do oceano
máximo 4% (Nature
novas espécies de vespas
mumificação. Segundo
Pacífico – sobre as
Communications, maio
do gênero Aleiodes,
Shimbori, no Brasil existem
plantações de arroz,
2014). Os pesquisadores
habitantes da encosta
ao menos 160 espécies
trigo, milho e soja, as
acreditam que o
leste dos Andes. Esses
desse gênero ainda não
principais culturas
mapa possa ajudar os
insetos, que medem entre
descritas. Desde 2010
agrícolas do mundo,
produtores a decidir
quatro e nove milímetros
ele se dedica a diminuir
responsáveis por
quais culturas plantar,
de comprimento, foram
essa lacuna em um pós-
fornecer até 60%
além de fornecer aos
descritos pelo biólogo
-doutorado supervisionado
das calorias produzidas
governos um sistema
brasileiro Eduardo
por Angélica Penteado-
em terras agrícolas.
de alerta sobre escassez
Shimbori, da Universidade
-Dias, coordenadora do
A Osen, que pode
de alimentos.
Federal de São Carlos
Instituto Nacional de
(UFSCar), e o americano
Ciência e Tecnologia dos
Scott Shaw, da
Hymenoptera Parasitoides
Universidade de Wyoming
da Região Sudeste
(ZooKeys, 2014). As
Brasileira. “Como
fêmeas injetam um ovo
parasitoides estão sempre
em uma lagarta específica,
associados a insetos que
em cujo corpo a larva
utilizam como hospedeiro,
cresce e induz o
esse conhecimento é
endurecimento da pele da
muito importante para
hospedeira, levando à sua
a pesquisa relacionada à
mumificação. Em seguida,
ecologia e à evolução,
a larva completa seu ciclo
assim como a sua
de desenvolvimento no
utilização no controle
interior da lagarta. Várias
de pragas agrícolas”,
das espécies foram
completa o biólogo.
12 | junho DE 2014
Milho: uma das culturas que podem produzir mais em anos de El Niño
2
fotos 1 Eduardo Shimbori / UFSCar 2 e 3 Eduardo Cesar ilustraçãO daniel bueno
El Niño e as plantações
Duas vidas da tampinha
O micróbio do câncer
Uma tampinha de
A ideia era fazer com
garrafa que se encaixa
que pelo menos parte
O câncer de próstata,
a outra e é compatível
da embalagem plástica,
o mais frequente em
com blocos de montar
no caso a tampa, não
homens, poderia ser uma
como Lego e Mega
tivesse como destino o
doença transmitida
Block. Assim são
lixo nem a reciclagem.
sexualmente, causada
descritas as Clever Caps,
“Dar uma nova utilidade
por uma infecção comum
novidade do design
para as tampinhas faz
adquirida durante o ato
brasileiro apresentada
com que elas não sejam
em abril durante a
descartadas”, explica
14ª Conferência da
Henry Suzuki, consultor
Associação Nacional
na área de propriedade
de Pesquisa e
intelectual e coinventor
patentes no Brasil.
detectaram uma infecção
Desenvolvimento das
das tampinhas. Ele
Em menos de três anos,
chamada tricomoníase,
Empresas Inovadoras
descobriu que existiam
as tampinhas venceram
causada pela bactéria
(Anpei), em São Paulo.
mais de 30 projetos
importantes premiações
Trichomonas vaginalis,
O produto, desenvolvido
semelhantes depositados
internacionais, entre elas
ao examinarem células
pela Clever Pack, foi
em bancos de patentes
o IF Design Awards, na
humanas da próstata.
apresentado em garrafas
pelo mundo, mas
Alemanha. O projeto, que
Em seguida, a equipe
de água mineral da
nenhum era compatível
teve um investimento de
Petrópolis Paulista, que
com os blocos de
R$ 2 milhões, também foi
chegam ao mercado em
montar. Depois de
um dos 76 selecionados
junho. “A proposta é que
verificar que as patentes
para concorrer em
as tampas ganhem uma
do Lego já haviam
uma votação popular
nova vida”, diz Cláudio
expirado, Suzuki abriu
do Museu de Design de
Patrick Vollers, um
as portas para que a
Londres. “A indústria
dos idealizadores do
Clever Pack criasse a
brasileira precisa abrir-se
Nos homens a infecção
produto e sócio da
primeira tampinha de
mais para o design, que
causa dor ao urinar e nas
Bauen Plásticos,
garrafa compatível com
ainda é visto por muitos
mulheres corrimento
empresa parceira da
o brinquedo. No total,
empresários como algo
vaginal, embora em
Clever Pack no projeto.
foram registradas sete
superficial”, diz Vollers.
metade dos casos não
sexual (Pnas, 19 de 3
maio). Pesquisadores da Universidade da Califórnia em Los Angeles
de Patrícia Johnson identificou uma proteína
Clever Caps na garrafa de água mineral e na formação de estruturas para brinquedos ou artesanato
da bactéria que promove a formação de células tumorais. Estima-se que 275 milhões de pessoas tenham tricomoníase.
sejam registrados sintomas. Em 2009 um estudo da Universidade Harvard verificou que 25% dos homens com câncer de próstata mostravam sinais de tricomoníase e tendiam a ter tumores agressivos.
Aplicativo sobre suinocultura para celulares e tablets A diversidade de aplicativos para celula-
com o sistema Android. “Ele serve para
tamanho ideal para serem mais bem
res e tablets ganha mais uma espécie,
calcular a granulometria das matérias-
aproveitadas por frangos e suínos. “Antes
agora destinado a produtores de frangos
-primas usadas para alimentar suínos e
de serem oferecidas aos animais, as
de corte e suínos. É o primeiro software
aves. Por meio de dois parâmetros, o
matérias-primas passam por um moinho
para dispositivos móveis da Embrapa
aplicativo faz cálculos para determinar
e o Granucalc faz os cálculos da porção
Suínos e Aves, unidade da Empresa Bra-
a melhor uniformidade dos grãos para
que fica nas peneiras após a moagem”,
sileira de Pesquisa Agropecuária sediada
cada espécie animal”, diz Everton Krab-
diz Krabbe. Na versão para notebook e
em Concórdia, em Santa Catarina. Cha-
be, pesquisador da Embrapa Suínos e
PCs, o Granucalc teve 191 downloads,
mado de Granucalc, o aplicativo é gra-
Aves. Formadas basicamente de milho e
incluindo agroindústrias, veterinários,
tuito e pode ser usado em dispositivos
farelo de soja, as rações precisam ter um
cooperativas e fábricas de ração.
PESQUISA FAPESP 220 | 13
Os genes e a cor da pele Alterações em diferentes
entre esses SNPs e
O gerador solar do
trechos de um ou mais
o nível de melanina,
Satélite Sino-Brasileiro
genes podem influenciar
pigmento que dá cor à
de Recursos Terrestres
a pigmentação da pele
pele, em 352 gaúchos e
(Cbers-4), responsável
de populações com alto
148 baianos (PLoS One,
por captar a luz do
grau de miscigenação,
maio 2014). Quatro
Sol e convertê-la em
segundo um estudo
dessas alterações
energia, essencial
coordenado pela
permitiram predizer o
para o funcionamento
geneticista Maria Cátira
nível de pigmentação da
de todos os sistemas
Bortolini, do
pele nessas populações
e subsistemas do
Departamento de
miscigenadas. Mas
artefato espacial, seguiu
Genética da Universidade
apenas duas delas
para a China em maio.
Federal do Rio Grande do
tinham relação direta
“A tecnologia usada
Sul (UFRGS). No trabalho,
com o nível de melanina
na fabricação das
o biólogo Caio Cerqueira
tanto nos gaúchos
células solares de tripla
analisou 18 alterações
quanto nos baianos.
junção resulta em uma
genéticas, conhecidas
Segundo Cátira, essas
taxa de eficiência
como polimorfismos de
alterações podem ser
nucleotídeo único (SNPs),
de grande valia para a
distribuídas em nove
ciência forense, já que
genes associados à
se mostraram ligadas
pigmentação da pele, dos
ao nível de pigmentação
olhos e dos cabelos.
dos dois grupos,
Os SNPs são alterações
independentemente do
energética de 26%”,
1
diz Antônio Carlos de
Células solares do satélite sino-brasileiro: 26% de taxa de eficiência energética
Oliveira Pereira Junior,
empresas Cenic e Orbital,
coordenador do
ambas de São José
programa Cbers. Dessa
dos Campos. “A Cenic
forma, com a mesma
construiu a estrutura
área coberta por células
do gerador e a Orbital a
genéticas em que
grau de miscigenação
solares é possível gerar
parte elétrica que
apenas uma das letras
de cada um. “Com base
muito mais energia.
envolve a montagem das
da sequência do DNA
nesse tipo de informação
Com mais de 16 metros
células solares no painel”,
(A, T, C e G) é alterada.
e uma amostra de
quadrados, o gerador de
diz Pereira. O Cbers-4
Há tempos se verificou
DNA encontrada na
apenas 55 quilogramas
deverá ser lançado em
que essas 18 alterações
cena de um crime, a
foi fabricado pelas
dezembro deste ano.
estariam ligadas direta
polícia pode detalhar
ou indiretamente à
o retrato do suspeito
pigmentação humana.
a partir dessas duas
Agora Cerqueira e
alterações genéticas
colegas procuraram
ligadas à cor da pele”,
possíveis associações
explica a geneticista.
De olho no Sol há 2.300 anos Vestígios do que pode
linhas de Nazca, esse
ser o mais antigo sítio
complexo arquitetônico-
de observação
-astronômico ocupava
astronômica do
uma área de 40
hemisfério Sul foram
quilômetros quadrados.
descobertos na costa
Incluía 71 geoglifos
do Pacífico em um vale
(desenhos escavados
próximo à cidade de
no solo) lineares,
Chincha Altana, a cerca
montículos edificados
de 200 quilômetros de
para fins cerimoniais e
Lima. Quem os encontrou
moradias (Pnas, 20 de
foram pesquisadores
maio). As construções
da Universidade da
eram usadas em rituais
Califórnia, nos Estados
e serviam de ponto de
Unidos, e do Instituto
referência para rotas
Francês de Estudos
comerciais e para
Andinos, do Peru.
observação do céu,
Construído há 2.300 anos
visto que eram
pelo povo Paracas,
orientadas na direção
antecessor da cultura
do nascer do sol durante
que produziu as famosas
o solstício de inverno.
14 | junho DE 2014
fotos 1 inpe 2 Universidade Harvard 3 Douglas Galvão e Eric Perim / Unicamp 4 nanox ilustraçãO daniel bueno
Gerador para o Cbers-4
Prata contra bactérias
Microdrones bioinspirados
Para eliminar bactérias e fungos que se
Os veículos aéreos não tripulados (vants),
acumulam em escovas
também conhecidos como drones, estão
de dentes, fios dentais e
ganhando novas inspirações. É o que
higienizadores de língua,
mostram os 14 artigos sobre o tema pu-
a empresa OralGift, de
blicados em uma edição especial da re-
Curitiba, lançou uma
vista Bioinspiration & Biomimetics de maio.
linha de produtos, como
A bioinspiração é obtida principalmente
suportes e estojos,
em insetos e morcegos. As soluções apre-
com nanoestruturas de
sentadas pelos pesquisadores incluem o
prata incorporadas à
voo desses minirrobôs nas áreas de vigilância, pesquisa, resgate de pessoas e até polinização. Os minidrones já foram
2
matéria-prima, em parceria com a empresa
Voando como helicópteros, microinsetos podem fazer o papel de polinizadores
Nanox de São Carlos, no
utilizados em operações de busca e sal-
interior paulista. “A prata
vamento para investigar áreas perigosas
guiram um carro em movimento. Na Uni
tem efeito bactericida
e difíceis de alcançar em Fukushima, no
versidade Harvard, nos Estados Unidos,
e consegue reduzir
Japão, após o tsunami de 2011. Outro
os estudos com microrrobôs voadores
até 99% das bactérias
estudo enfoca o trabalho de uma equipe
com poucos milímetros de tamanho e
que estão na superfície
da Universidade Eötvös Loránd, da Hun-
com asas rotativas, como helicópteros,
dos produtos”, diz
gria, que desenvolveu soluções matemá-
indicam a possibilidade de uso na agri-
Gustavo Simões,
ticas (algoritmos) para os drones voarem
cultura desses dispositivos para polini-
diretor da empresa que
em formação como um bando de pás
zação, além de auxiliar as pesquisas de
desenvolveu a tecnologia
saros. Os pesquisadores acreditam que
entomologistas. O maior problema des-
batizada de NanoxClean.
os robôs são capazes de trabalhar em
ses insetos voadores é o enfrentamento
“A prata nanoestruturada
conjunto, e a eficácia do algoritmo foi
de elementos da natureza como calor,
é incorporada a uma
demonstrada quando quatro drones se-
chuva e frio congelante.
cerâmica (sílica) que é então adicionada ao plástico para a fabricação de produtos.” Inicialmente
Nanopapiros de carbono
os estojos e suportes com proteção bactericida
Os físicos Douglas
resistência a tração e
Galvão e Eric Perim, da
capacidade de conduzir
Universidade Estadual
eletricidade, o grafeno
de Campinas, afirmam
costuma ser enrolado
ser possível fabricar
para formar tubos de
nanorrolos – tubos feitos
diâmetro fixo, os
por folhas de um átomo
nanotubos. Ao enrolar
de espessura enroladas
o grafeno como se fosse
cálculos por computador
produtos comerciais,
como os papiros da
uma espiral, obtém-se
demonstrando a
como bebedouros,
Antiguidade – com um
um tubo com diâmetro
possibilidade de produzir
secadores de cabelo,
novo tipo de material.
variável. Galvão e
nanorrolos de nitreto
tapetes, carpetes e
São os nanorrolos de
colegas demonstraram
de boro, material com
embalagens alimentícias.
nitreto de carbono
em 2006 que o diâmetro
propriedades similares
(ChemPhysChem,
dos nanorrolos pode ser
às do grafeno. Novas
maio 2014). Os primeiros
controlado por meio de
simulações sugerem ser
nanorrolos foram
cargas elétricas. “Isso
possível fazer nanorrolos
produzidos de maneira
permitiria usá-los como
de nitreto de carbono.
controlada em 2004,
molas em dispositivos
Uma das vantagens
enrolando folhas de
nanomecânicos ou
desse material são os
carbono com apenas
armadilhas para
poros de três tamanhos
um átomo de espessura,
aprisionar gases”,
diferentes, nos quais
material chamado
explica Perim. Em 2009
se podem armazenar
grafeno. Com grande
ele e Galvão realizaram
partículas de gases.
Nanorrolos de nitreto de carbono: tubos feitos por folhas de um átomo de espessura 3
serão destinados a alunos de escolas públicas e privadas e numa segunda etapa serão vendidos em farmácias. A tecnologia é usada ainda em diversos
Nanoestruturas de prata incorporadas à matéria-prima de suporte da escova: menos bactérias
4
PESQUISA FAPESP 220 | 15
Paredão e afloramento em pedreira (ao lado) em Januária, norte de Minas Gerais: fósseis de diminutos animais marinhos foram achados na Formação Sete Lagoas, que faz parte da unidade geológica chamada Grupo Bambuí 16 | junho DE 2014
capa
O último litoral de Minas Fósseis de cloudinas e corumbellas encontrados no norte do estado indicam que um mar raso cobria partes da América do Sul e da África há cerca de 550 milhões de anos
fotos 1 e 3 nonononono 2 nonononno 4 nonononono ilustraçãO nonoono
fotos pedro strikis
Marcos Pivetta
C
om pouco menos de 70 mil habitantes, o município de Januária, no norte de Minas Gerais, é conhecido hoje por suas cachoeiras, grutas calcárias e cachaças artesanais, cujas virtudes derivam, segundo os produtores, do clima e da umidade natural do solo local, bom para o cultivo de cana-de-açúcar destinada à fabricação da aguardente. Sua posição geográfica estratégica, na margem esquerda de quem sobe o grande São Francisco, chamado de opará (rio-mar) pelos antigos índios da região, fez com que fosse um importante porto e entreposto comercial na época colonial. Vestígios de um passado muito mais remoto, quase imemorial e também marcado por uma relação íntima com as águas, acabam de vir à tona em pedreiras ainda ativas nos arredores da cidade. Uma equipe de geólogos e paleontólogos da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp) encontrou ali um tipo de fóssil especial: diminutos fragmentos de animais marinhos do gênero Cloudina, seres de formato tubular compostos por uma sucessão de cones calcários encaixados uns sobre os outros. Os restos dos animais, que viveram na Terra por volta de 550 milhões de anos atrás, estavam incrustados em um paredão e em outros afloramentos constituídos de rochas da Formação Sete Lagoas, que faz PESQUISA FAPESP 220 | 17
Mar invade as terras ocidentais de Gondwana Ocorrência dos fósseis sugere que, há 550 milhões de anos, as águas de um hipotético oceano, o Clymene, cobriram partes dos crátons que formariam o supercontinente austral
Gondwana Ocidental Austrália
Antártida CongoSão Francisco Oeste da África
Kalahari
Paraná
Oce ano Clymene
Índia Laurentia Rio Apa Amazônia
Rio da Prata Fósseis de cloudinas
Áreas alagadas por mar raso
Cloudinas de Januária
18 | junho DE 2014
r i o sã o f r
co
Fonte WARREN ET AL, GEOLOGY, 2014
parte do Grupo Bambuí. Unidade sedimentar da bacia sanfranciscana, o Bambuí se espalha por aproximadamente 300 mil quilômetros quadrados e abarca vastas porções de Minas Gerais e da Bahia, além de se estender para os estados de Goiás, Tocantins e Distrito Federal. Os fósseis são uma prova praticamente irrefutável de que, pouco mais de meio bilhão de anos atrás, um braço de mar, raso, com no máximo 10 metros de profundidade, cobria essa parte do Brasil. “Essa deve ter sido a última praia que Minas Gerais teve”, comenta, com bom humor, o geólogo Lucas Warren, hoje professor do Instituto de Geociências e Ciências Exatas (IGCE) de Rio Claro, da Unesp, mas que fazia pós-doutorado na USP, com bolsa da FAPESP, quando a descoberta foi feita, no ano passado. O pesquisador é o autor principal de um artigo na edição de maio da revista científica Geology sobre a descoberta dos fósseis em Januária. “Até agora ninguém havia seguramente encontrado fósseis de animais no Grupo Bambuí”, afirma Warren, que contou com a colaboração de Fernanda Quaglio, especialista em paleobiogeografia, para identificar os fósseis. “Além das cloudinas, também achamos ao menos três fragmentos atribuídos ao gênero Corumbella e rastros em rocha deixados provavelmente por um animal de corpo mole.” Também dotadas possivelmente de um esqueleto, as corumbellas dividiam o mesmo ambiente marinho com as cloudinas. A equipe que coletou os fósseis de Januária incluiu ainda o geólogo Nicolás Strikis,
a
n
ci
s
salvador januária Brasília
Belo Horizonte
Grupo Bambuí
doutorando da USP, também autor do artigo, e um biólogo da cidade mineira, Hamilton dos Reis Salles. Em 2012, o próprio Warren e colegas da América do Sul já tinham encontrado cloudinas e corumbellas em Puerto Vallemí, localidade do norte do Paraguai (ver Pesquisa FAPESP nº 199). No novo estudo, os pesquisadores defendem a hipótese de que esse braço de mar pouco profundo cobria não apenas a parte do território nacional com rochas do Grupo Bambuí, mas vastas porções do leste da América do Sul, do oeste da África e do sul da Antártida (ver mapa). “Esse mar conectava os três continentes e se ligava ao oceano”, afirma o biólogo Pedro Strikis, do Instituto de Geociências (IGc) da USP, outro autor do trabalho. Há pouco mais de meio bilhão de anos, a
mente costumam ser classificadas, a exemplo das corumbellas, como parte dos cnidários, grupo que inclui os corais. Seu hábitat era o assoalho de mares pouco profundos, ricos em gás carbônico, numa faixa em que a luz consegue atravessar a água. As cloudinas viviam presas no fundo do mar a esteiras ou tapetes microbianos, finas camadas de cianobactérias que retiram sua energia da fotossíntese. Em alguns casos, essas esteiras estão associadas à formação de rochas calcárias que, quando fossilizadas, podem originar os chamados estromatólitos (se suas camadas forem perceptíveis) As cloudinas eram animais que ou trombólitos (quando as viviam no fundo de mares de água camadas tiverem aparência grumosa). rasa e mediam até três centímetros Os resquícios de exemplares de cloudina são considerados fósseis-guia. No juntaram (se há 520 milhões ou 620 milhões de jargão dos paleontólogos, isso significa que são anos), é consensual a visão de que a maior parte um tipo de registro encontrado em várias partes da América do Sul já estava ligada à África e à do globo terreste, mas cuja ocorrência se restringe Antártida por volta de 550 milhões de anos atrás. a um período de tempo bem definido. Essas pecuA proposta de que houve um mar raso que liaridades fazem com que fósseis-guia sejam interinundou grandes trechos do Gondwana se ba- nacionalmente usados para correlacionar e datar seia fundamentalmente na distribuição geográfica camadas geológicas e, por extensão, o ambiente de das cloudinas encontradas em várias partes do deposição a elas associado. As cloudinas só ocorrem mundo. Exemplares do fóssil foram obtidos em em rochas sedimentares de origem marinha que lugares como a Namíbia, Omã, Argentina, Para- foram depositadas sobre a crosta terrestre entre guai, Espanha e China. No Brasil, antes da des- 550 milhões e 542 milhões de anos atrás, no final coberta dos espécimes no norte de Minas, restos do período geológico denominado Ediacarano. Esdesses seres marinhos tinham sido resgatados em se período é imediatamente anterior ao início do Corumbá, no Mato Grosso do Sul. Com até três centímetros de comprimento, as cloudinas são um dos primeiros animais macroscópicos a apresentar exoesqueleto, concha ou carapaça à base de carbonato de cálcio. De difícil classificação, foram inicialmente incluídas como membros dos anelídeos, que incluem as minhocas, mas atualconformação dos blocos rochosos razoavelmente estáveis que constituem a crosta continental, denominados crátons pelos geólogos, era diferente da atual. A América do Sul, a África e a Antártida estavam ligadas entre si. Eram parte do Gondwana, o supercontinente austral, que reunia a maior porção das terras hoje situadas no hemisfério Sul. Apesar de ainda ocorrerem debates intensos entre os pesquisadores brasileiros sobre como e quando exatamente todas as peças do Gondwana se
fotos lucas warren ilustraçãO sandro castelli
Fragmentos fósseis de cloudinas (abaixo) e rastro de animal de corpo mole: vestígios de vida marinha há 550 milhões de anos em Januária
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Cambriano, quando, em curto espaço de tempo, os invertebrados marinhos providos de carapaças biomineralizadas se diversificaram. As carapaças das cloudinas são frágeis, possuem quantidade pequena de carbonato de cálcio. “As conchas não eram mecanicamente resistentes e não poderiam ‘sobreviver’ a um intenso transporte ou à ação continuada da água corrente”, diz o paleontólogo Marcello Guimarães Simões, do Instituto de Biociências (IB) da Unesp de Botucatu, que também assina o paper na Geology. “Em outras palavras, elas eram autóctones ou parautóctones.” Por isso, os fósseis desses animais são considerados como originários dos locais em que foram encontrados ou de lugares muito próximos. Tal particularidade reforça a ideia de que um mar raso cobria de fato os locais de ocorrência desses fósseis. Como os sítios com cloudinas faziam parte de crátons mais ou menos contíguos ao que seria o Gondwana há cerca de 550 milhões de anos, é razoável supor que esse antigo mar raso juntasse a América do Sul à África.
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milhões de anos, mais jovem do que normalmente se associava ao grupo (ver Pesquisa FAPESP nº 195). Novos fósseis “Encontrar fósseis de anitambém mais em Januária foi uma grata surpresa e praticaestabeleceram mente encerra a polêmica em torno da idade do uma datação Grupo Bambuí”, afirma A idade do Bambuí Pimentel. mais precisa Além de ser uma evidência de que O geólogo Claudio Ricáguas oceânicas inundaram partes para a unidade comini, do IGc-USP, vai do supercontinente austral em seus na mesma linha, emboprimórdios, os exemplares de clougeológica ra faça uma ressalva. “A dinas ajudam os geólogos nacionais descoberta de cloudinas a estabelecer uma cronologia mais denominada e também de fragmentos precisa para os sedimentos que estão de corumbellas responna base do Grupo Bambuí. A idade Grupo Bambuí de de forma conclusiva à dessa unidade geológica tem sido questão da idade do Grualvo de controvérsias nas últimas po Bambuí, pelo menos no décadas. As estimativas para o peplano do conhecimento ríodo em que suas rochas se formaram variam enormemente, de 740 milhões a 550 atualmente estabelecido”, diz Riccomini, que, milhões de anos atrás. Em 2012, o geólogo Márcio aliás, é também um dos coautores do artigo sobre Pimentel, então na Universidade Federal do Rio os novos fósseis marinhos. “Mas esse debate não Grande do Sul (UFRGS) e hoje na Universida- se encerra por completo. Entre outros temas, é de de Brasília (UnB), determinou a idade de 25 importante verificar se o Grupo Bambuí apresenta amostras de zircão detrítico coletadas em áreas a mesma idade em diferentes partes de sua bacia do Grupo Bambuí no norte de Minas e no centro e averiguar as relações que as rochas da Formada Bahia. Os zircões são minerais cristalizados em ção Sete Lagoas apresentam com os depósitos granitos ou em rochas vulcânicas que, posterior- glaciais que estão situados abaixo delas.” Em linhas gerais, os especialistas concordam a mente, são erodidos, transportados com os sedimentos e depositados em bacias. Contêm quan- respeito da importância dos fósseis de Januária tidades significativas de urânio e sua idade pode para o estabelecimento de uma cronologia mais ser calculada por meio do decaimento radioativo. precisa do Grupo Bambuí e para a formulação da A idade obtida por Pimentel para os cristais en- hipótese de que partes significativas da América contrados no Bambuí foi entre 600 milhões e 550 do Sul, da África e da Antártida estavam cobertas 20 | junho DE 2014
1 Formações calcárias em caverna da região de Januária 2 Marcas de pequenas ondulações: evidência de antigo mar raso no norte de Minas
fotos 1 pedro strikis 2 lucas warren
por um mar raso cerca de 550 milhões de anos atrás. No entanto, a descoberta das cloudinas no norte de Minas intensifica a discórdia em torno de uma questão de fundo: há pouco mais de meio bilhão de anos, o supercontinente austral Gondwana já estava totalmente formado ou não? Esse tema divide os estudiosos, que nos últimos anos se alinharam em torno de dois grupos com visões distintas. Cada corrente de pensamento se baseia em diferentes tipos de dados, como datações de rochas e informações sobre paleomagnetismo, que ajudam a determinar onde estariam os crátons do Gondwana num determinado período e como poderia ter sido sua movimentação e interação dentro do globo terrestre ao longo do tempo. Os autores do trabalho com os fósseis de Januária defendem a hipótese de que o Gondwana, sobretudo sua porção oeste (que hoje inclui a América do Sul), ainda não estava totalmente formado no período em que cloudinas e corumbellas viveram. De acordo com essa teoria, a maioria dos grandes blocos continentais, os tais crátons, constituintes do supercontinente já estavam juntos, mas um deles, o grande cráton da Amazônia, ainda se encontrava apartado dos demais há cerca de 550 milhões. Um antigo oceano, batizado de Clymene em 2006 pelo geólogo Ricardo Trindade, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, separaria a maior parte do Gondwana do cráton da Amazônia. Por esse cenário, o Clymene seria a fonte das águas salgadas que teriam criado o mar raso sobre uma parte significativa das terras do nascente Gondwana no tempo das cloudinas. Apenas por volta de 520 milhões de anos atrás esse oceano teria se fechado e o quebra-cabeça da montagem do supercontinente austral teria terminado. “A for-
mação da parte ocidental do Gondwana é mais complexa e se deu mais tarde do que se acreditava”, diz Trindade. Para o geólogo Umberto Cordani, do IGc da USP, as águas do mar raso que provavelmente cobriram uma parte da América do Sul e da África no final do período Ediacarano não podem ter vindo do Clymene. O motivo de tal impossibilidade é, segundo ele, simples: esse oceano nunca existiu. Cordani, Márcio Pimentel, da UnB, e outros pesquisadores defendem a visão mais clássica a respeito do estabelecimento do Gondwana. Segundo essa hipótese, a parte 2 ocidental desse supercontinente, formada pela África e pela América do Sul, juntou-se por volta de 620 milhões de anos atrás, por meio do fechamento de um grande oceano, o Goiás-Pharusian, que separava os crátons do Congo e do Saara dos blocos continentais da Amazônia e do oeste africano. No período das cloudinas, portanto, a América do Sul e a África não possuiriam oceanos internos, de acordo com essa visão. Os pequenos animais marinhos agora encontrados em Minas Gerais e em outros sítios do Gondwana povoariam um extenso mar interior, raso, apoiado sobre litosfera (crosta) de tipo continental. “Não há nenhuma evidência geológica no Brasil Central de uma litosfera de tipo oceânica no período Ediacarano ou Cambriano que possa estar associada à possível existência do Clymene”, afirma Cordani. De forma cordial, os dois grupos com visões distintas sobre o processo de formação do Gondwana têm publicado artigos e comentários questionando dados e interpretações feitas pelos colegas que não compartilham de sua posição. A descoberta dos fósseis marinhos no norte de Minas – para uns, prova de que o oceano Clymene transbordou sobre a América do Sul e África – é mais um ingrediente adicionado à polêmica. n
Projeto Tectônica e sedimentação do Grupo Itapucumi no contexto das plataformas carbonáticas ediacaranas: abordagem geoquímica, geocronológica, paleomagnética e bioestratigráfica (nº 2010/19584-4); Modalidade Bolsa no país - Regular - Pós-doutorado; Pesquisador responsável Claudio Riccomini (IGc-USP); Bolsista Lucas Verissimo Warren – IGc/USP; Investimento R$ 150.870,57 (FAPESP).
Artigo científico WARREN, L.V et al. The puzzle assembled: Ediacaran guide fossil Cloudina reveals an old proto-Gondwana seaway. Geology. v. 42, n. 5, p. 391-94. mai. 2014.
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entrevista Francis Sellers Collins
Agora, vamos entender o cérebro Carlos Fioravanti e Karina Toledo (Agência FAPESP)
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ma das atuais ocupações de Francis Collins, diretor dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH, na sigla em inglês), dos Estados Unidos, é gerenciar a Iniciativa de Pesquisa do Cérebro por meio de Neurotecnologias Inovadoras (Brain), anunciado em abril de 2013 pelo presidente Barack Obama. O Brain reúne neurocientistas, neurobiólogos, especialistas em imagens, enfim, “pesquisadores de diversas disciplinas que em geral não trabalham juntos”, resumiu Collins, com entusiasmo, ao descrever esse projeto em uma apresentação na FAPESP em 22 de maio. Apesar das dificuldades, ele sabe que a tarefa de entender como o cérebro funciona é irresistível. Para ele, qualquer cientista gostaria de participar desse ambicioso projeto de pesquisa em biologia. De 1990 a 2003, Collins foi um dos líderes do Projeto Genoma Humano. Nos dois anos seguintes, à frente do Instituto Nacional de Pesquisa do Genoma Humano (NHGRI, na sigla em inglês), ele coordenou uma série de projetos que ajudaram a identificar as bases genéticas de diversas doenças. Em 2009, em reconhecimento a sua competência científica, capacidade de comunicação e liderança, ele foi nomeado pelo presidente Obama como diretor dos NIH, o principal centro de pesquisa biomédica dos Estados Unidos, formado por 27 centros e institutos de pesquisa especializados, com um orçamento anual de US$ 30 bilhões. Em sua apresentação, Collins anunciou o único projeto selecionado por meio de uma chamada conjunta entre as duas instituições – coordenado por Monica Tallarico Pupo, da Universidade de São Paulo (USP), e por Jon Clardy, de Harvard –, disse que gostaria de receber mais propostas dos cientistas do Brasil e recomendou: “Não tenha medo de falhar. Se você não está fracassando é porque está precisando assumir mais riscos”. Leia a seguir a entrevista concedida à revista Pesquisa FAPESP e à Agência FAPESP.
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idade 64 anos especialidade Genética médica formação Universidade da Virgínia, Estados Unidos (graduação em química), Universidade Yale (doutorado em físico-química), Universidade da Carolina do Norte (doutorado em medicina) instituição Institutos Nacionais de Saúde (NIH) produção científica 512 artigos registrados no PubMed
lĂŠo ramos
Em junho será apresentado o relatório final do projeto Brain. Quais são as principais conclusões? Posso dizer, em termos genéricos, que é um plano de 10 anos. Queremos descobrir os tipos de células que formam o cérebro, como se conectam e como funcionam. Estou certo de que haverá muito debate sobre esse documento. Vamos manter a responsabilidade sobre ele e acompanhar se, de fato, o trabalho está sendo bem-sucedido ou não. Não quero que seja um projeto no qual cada um faz o que quer em seu canto. Precisamos ter objetivos reais e a capacidade de mostrar o que estamos atingindo. O relatório tem múltiplos componentes, cronogramas, muita tecnologia. De imediato precisamos desenvolver ferramentas para medir a atividade de 1 milhão de neurônios ao mesmo tempo, em tempo real. Ninguém conseguiu chegar perto disso, ainda. Que tipo de problemas estão enfrentando? Apenas os programas de computadores? Não é difícil reunir cientistas de diferentes especialidades? Precisamos pôr todos os especialistas em torno da mesma mesa. De certo modo fizemos isso no Projeto Genoma, em 1988-89. Na época, uma das dúvidas era se as pessoas que constroem instrumentos, e entendem de engenharia, conseguiriam conversar com os biólogos. Conseguimos. Agora temos a mesma necessidade de reunir pessoas dessas e de outras disciplinas. A diferença é que o Brain é bem mais ambicioso que o Genoma e muito mais difícil de definir quando estará finalmente concluído.
te. Há momentos em que as pessoas não se entendem e é preciso lembrá-las da importância do que estão fazendo. Para mim, é um território familiar, por causa do Projeto Genoma. Estou confiante de que pode ser feito. E é muito atraente. Que cientista vivo hoje não quer ser uma parte significativa do mais ambicioso projeto que já imaginamos em biologia para entender a estrutura mais complicada do Universo? Em sua apresentação, o senhor disse que o Brasil é o parceiro mais importante dos NIH na América do Sul. O que espera da parceria com o país e, mais especificamente, com a FAPESP? O Brasil está crescendo rapidamente e muitos recursos vêm sendo investidos
Um dos objetivos é conseguir uma vacina contra a dengue realmente eficaz
Como unir cientistas de especialidades diferentes? Como motivá-los? Como promover o diálogo? O que motiva os cientistas, em primeiro lugar, é a oportunidade de estarem envolvidos em uma aventura realmente emocionante que será histórica. As pessoas estarão dispostas a deixar outros assuntos de lado e a aprender a linguagem de novas disciplinas se realmente quiserem participar de um projeto como esse. Será necessário uma liderança for24 | junho DE 2014
em pesquisa e no treinamento de um número crescente de jovens cientistas. Não sou capaz de prever em que posição estará a ciência brasileira daqui a cinco anos, mas tenho certeza de que permaneceremos alinhados para aproveitar as oportunidades que surgirão. Fiquei muito feliz em anunciar o lançamento de um projeto conjunto realmente bom com a FAPESP que envolve um pesquisador de Harvard e outro da USP. Cada um deles conta com as habilidades apropriadas para esse incrível projeto que possibilitará descobrir novas drogas. Não estou certo de que poderíamos imaginar algo assim 10 ou 15 anos atrás. Uma das razões pelas quais estou feliz de estar aqui é a oportunidade de falar com a liderança
da FAPESP sobre formas de desenvolver oportunidades mais regularmente para esse tipo de proposta conjunta, em que um pesquisador é financiado pelos NIH e outro pela FAPESP. Qual a sua opinião sobre os projetos apresentados nessas chamadas conjuntas de propostas? O senhor está satisfeito com os projetos que foram submetidos? Sim, mas poderiam ser mais numerosos. É preciso ampliar a divulgação dessas oportunidades. Precisamos deixar mais claro que estamos muito interessados em projetos significativos. Tradicionalmente, muito do que temos feito em parceria com o Brasil tem relação com doenças infecciosas como a dengue. Ontem [21 de maio] estive no [Instituto] Butantan para ver o que está sendo feito em nossa colaboração com o instituto. Um dos objetivos é conseguir uma vacina realmente eficaz, algo desesperadamente necessário, porque a doença está se tornando cada vez mais comum. Há uma série de oportunidades nas chamadas doenças tropicais negligenciadas, que hoje, felizmente, estão sendo menos negligenciadas. Temos uma longa tradição de trabalho com colegas brasileiros no que se refere à doença de Chagas e, certamente, ainda há mais a ser feito. Existe também a leishmaniose, que parece estar se tornando mais frequente do que a doença de Chagas. E temos ainda a possibilidade crescente de desenvolver uma vacina eficaz contra HIV-Aids. Há um início de esforço colaborativo nesse campo. Em todos os lugares que visitei nesta semana no Brasil também encontrei muita empolgação na área de neurociência. Seria ótimo se conseguíssemos descobrir meios de fortalecer essa possibilidade [de cooperação]. Não podemos esquecer o câncer e os tumores raros que supostamente ocorrem com maior frequência em algumas partes do mundo. Não haverá um foco, mas um largo leque de oportunidades. Há áreas mais fortes, como a de vacinas, e outras que vêm se desenvolvendo rapidamente.
Qual é a importância da colaboração internacional no cenário atual da pesquisa em biomedicina? É fundamental. Se quisermos mesmo aproveitar os melhores talentos disponíveis no mundo para obter os resultados mais estimulantes, não devemos ficar presos às fronteiras dos países. Nenhum país possui todos os talentos. E os cientistas são muito bons em reconhecer esse fato, eles costumam trabalhar muito bem juntos. Outra questão é o limite de recursos. Se temos um problema realmente difícil, qual país será capaz de solucioná-lo sozinho? Por que não unir forças e dividir custos? Quais as lições aprendidas como coordenador de pesquisas em biomedicina nos Estados Unidos que poderiam ser úteis aos brasileiros? Acho que uma de nossas vantagens é ter um rigoroso sistema de análise por pares, pois nunca seremos capazes de financiar todas as propostas de pesquisa submetidas. Ter projetos revisados por outros especialistas na área, de fato, ajuda a decidir como investir os recursos. Também é necessário fazer escolhas e definir prioridades. Estamos aprendendo que isso não deve ser organizado de forma a esmagar as ideias inovadoras, que podem soar excêntricas, mas a ciência excêntrica também é importante. É preciso ter um portfólio separado para ideias altamente inovadoras, para que não tenham de concorrer com projetos bem descritos e que claramente serão bem-sucedidos. Caso contrário, estes últimos sempre terão prioridade. Temos programas em nosso portfólio destinados aos inovadores, como o Novo Inovador, o Pesquisa Transformadora e o Pioneiro. Outra lição aprendida é que a maior parte da pesquisa precisa ser organizada de baixo para cima, direcionada pelas ideias dos pesquisadores. Não é desejável controlar demais esse processo. Há momentos, no entanto, em que algo aparece e um único pesquisador não será capaz de fazer. Nesse caso, é preciso liderança e a comunidade científica precisa pensar em como organizar isso.
Não teríamos um projeto como o Brain se ficássemos esperando um pesquisador propor essa ideia. É necessário um equilíbrio entre o bottom up [de baixo para cima] e o top down [de cima para baixo]. E sempre correr riscos? Sim, e não ter medo de falhar. Se você não está fracassando é porque está precisando assumir mais riscos. Quais avanços podemos esperar em medicina nos próximos anos? A pesquisa sobre o câncer está avançando de forma rápida, em parte por causa da capacidade de identificar o que determina a malignidade [celular] de modo individualizado. E isso possibilita personalizar o atendimento em vez de usar
grandes atores em doenças como diabetes, obesidade e talvez autismo. É uma oportunidade única, não apenas de entender essa relação, mas de interferir. Você pode imaginar que, com uma mudança apropriada na dieta ou uso de um probiótico, poderia programar o microbioma para ajudar e não fazer mal ao organismo. Essa é uma grande oportunidade e foi a genômica que a tornou possível. Conhecemos o microbioma porque ele tem DNA e podemos descobrir o que há lá usando sequenciamento genético. Outra área que adoraria ver avançar nos próximos cinco anos e encontrar o caminho da aplicação clínica é a de células-tronco e terapias celulares. Me refiro às células retiradas do próprio indivíduo e transformadas para tratar problemas no fígado ou no rim ou a anemia falciforme, doença com a qual o Brasil se preocupa muito. Poderíamos curar essa doença fazendo uma biópsia de pele de um portador, transformando as células da pele em células-tronco e usando uma forma de editar o genoma chamado CRISPRs [repetições palindrômicas curtas intercaladas regularmente em grupos], isto é, consertar a mutação e pegar essas células, diferenciá-las em células do sangue e devolvê-las ao paciente. Acredito que seja algo em que devemos investir fortemente. Não vejo por que não funcionaria. A mesma abordagem poderia ser usada para outras doenças. Em Alzheimer, por exemplo, eu adoraria ver progressos nos próximos cinco anos. Estamos investindo muito nessa área e focando em pessoas que ainda não têm sintomas, mas que sabemos ser propensas à doença com base em seu risco genético ou em um exame que mostra a presença de placas amiloides. A ideia é intervir precocemente para evitar sua progressão, em vez de esperar até que a doença esteja instalada e muitos neurônios tenham sido perdidos. Precisamos fazer algo sobre o Alzheimer ou essa doença vai quebrar a economia de todos os países em razão do envelhecimento da população. Todas essas áreas têm muito potencial, mas não tenho uma bola de cristal para saber qual mostrará avanços primeiro. n
Mudanças na dieta poderiam programar o microbioma para não fazer mal ao organismo um tratamento padrão. Também oferece pistas para o desenvolvimento de novas drogas, mais eficazes do que a quimioterapia padrão. O número de medicamentos desenvolvidos nos últimos anos cresceu rapidamente, baseado nessas pistas. Se eu tiver câncer hoje, por exemplo, quero que o tumor seja sequenciado para ver quais são exatamente as mutações de DNA e quero olhar essa nova lista de drogas contra o câncer direcionadas a alvos específicos e avaliar qual delas funcionaria no meu caso. Outra área com a qual estou bem empolgado é a de microbioma, os estudos sobre os microrganismos que vivem em nosso corpo e o papel que eles desempenham nas doenças. Estamos percebendo que os microrganismos são
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política c&T Experimentação y
Rotas alternativas Esforço de pesquisa para substituir o uso de animais em testes começa a mostrar resultados
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anha musculatura no país uma articulação entre laboratórios públicos, grupos de pesquisa e órgãos governamentais para reduzir ou substituir o uso de animais em testes de segurança e eficácia de produtos. O esforço foi deflagrado em 2012, com a criação pelo governo federal da Rede Nacional de Métodos Alternativos (Renama) e o lançamento de uma chamada de projetos pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que contemplou 10 projetos de pesquisa no âmbito da Renama. Todos estão em andamento e têm focos diversos, como a produção de kits de pele artificial para testes de sensibilidade de cosméticos, estudos com larvas capazes de substituir mamíferos em exames de toxicidade ou a redução do número de roedores no controle de qualidade de vacinas. Três laboratórios fazem parte do núcleo central da Renama. Um deles é o Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), em Campinas. Os outros ficam no Rio de Janeiro: o Instituto Nacional de Controle de 26 z junho DE 2014
Qualidade em Saúde (INCQS), vinculado à Fundação Oswaldo Cruz, e o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). Em março, essa estrutura ainda em fase de consolidação foi desafiada a cumprir uma meta ambiciosa: dar suporte para a substituição progressiva, nos próximos cinco anos, do uso de animais em testes, sempre que existir uma alternativa validada. Para novos métodos ainda não validados, esse processo envolverá o Centro Brasileiro de Validação de Métodos Alternativos (Bracvam) e toda a estrutura da Renama. A substituição foi decidida pelo Conselho Nacional de Controle da Experimentação Animal (Concea), instituição colegiada vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), responsável desde 2009 por estabelecer normas para a experimentação animal no Brasil e substituir animais para propósitos científicos e didáticos quando existirem recursos alternativos. Em maio, o Concea recebeu do Bracvam a primeira recomendação de métodos alternativos já validados
foto eduardo cesar
Fabrício Marques
Pele cultivada artificialmente por pesquisadores da USP: objetivo é criar kit comercial para testes de cosméticos
e aceitos internacionalmente. São 17 técnicas, que envolvem sensibilidade cutânea, potencial de irritação e corrosão ocular e toxicidade. “A resolução permitirá que o país efetivamente adote métodos alternativos em testes de agrotóxicos, cosméticos e medicamentos”, diz o coordenador do Concea, José Mauro Granjeiro. O maior potencial para a substituição de animais por métodos alternativos não está nas pesquisas científicas de cunho acadêmico, mas sim nos testes exigidos pelas agências regulatórias para garantir a segurança e a eficácia de produtos. “Os experimentos com animais feitos para averiguar hipóteses científicas são idealizados de forma independente pelos pesquisadores: cada um tem a sua pergunta específica e idealiza um conjunto peculiar de experimentos para respondê-la. Portanto, é muito mais difícil padronizá-los”, explica Eduardo Pagani, pesquisador e gerente de desenvolvimento de fármacos do LNBio. “Já os testes exigidos por agências do mundo inteiro para cosméticos e outros produ-
tos são sempre feitos de acordo com métodos padronizados. Neles, há mais espaço para propor alternativas que não usem animais”, observa. A exigência dos testes in vivo para registro de medicamentos e cosméticos começou na década de 1960, após o conhecido acidente com a substância talidomida. O medicamento foi vendido no mundo todo com a indicação de combater o enjoo em grávidas. Milhares de mães que usaram o remédio tiveram filhos com deformações. Já o movimento para substituir os modelos animais por métodos alternativos ganhou força em 2003, quando a Europa propôs o banimento do uso em testes de cosméticos, e demorou duas décadas para ser implementado. Os projetos sobre métodos alternativos apoiados pelo MCTI em 2012 foram divididos em duas vertentes. Numa delas, a meta foi identificar grupos que já trabalhavam com métodos alternativos e apoiar estudos realizados por eles. Nove projetos de grupos de São Paulo, Bahia, Goiás, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Rio Grande do pESQUISA FAPESP 220 z 27
Sul foram selecionados. Uma segunda vertente tinha foco específico: desenvolver competência no Brasil para produzir em escala industrial kits de pele humana cultivada, utilizados pela indústria de cosméticos para testes de segurança de seus produtos, mas cuja importação se tornou um problema no Brasil. Acontece que os kits com células vivas deterioram em poucos dias e a demora nos trâmites alfandegários frequentemente inviabiliza sua aquisição – o que leva as indústrias a realizar tais testes no exterior.
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projeto contemplado foi o de um grupo da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, liderado por Silvya Stuchi-Maria Engler, que começou a produzir pele artificial em meados dos anos 2000, com apoio da FAPESP (ver Pesquisa FAPESP nº 166). Produzida a partir de células retiradas de doadores, a pele reproduz os mesmos tecidos biológicos da humana e pode ser utilizada para avaliar a toxicidade e a eficácia de novos compostos para fármacos e produtos cosméticos. Originalmente, a pesquisa sobre pele cultivada buscava dar suporte a outra linha de investigação em que Silvya está envolvida: o estudo de moléculas capazes de deter o melanoma, tumor de pele muito agressivo. “Logo percebemos que a pele poderia ajudar as empresas”, afirma. “Os kits são uma alternativa para testes de cosméticos, mas é bom lembrar que o uso de animais segue imprescindível, por exemplo, em testes para o desenvolvimento de medicamentos”, observa Silvya. O Instituto Butantan, com sua vocação para desenvolver e produzir soros e vacinas, vem diminuindo a quantidade de animais, como camundongos e cobaias, utilizados para o controle de qualidade. Esse esforço já levou, entre outros avan28 z junho DE 2014
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“Busca de modelos alternativos é importante para criar métodos mais eficientes”, diz Maria José Giannini
ços, à redução em mais de 60% do uso de camundongos em testes de qualidade da vacina recombinante contra a hepatite B, graças à criação de um teste imunoenzimático com funções equivalentes. O trabalho do instituto habilitou-o a apresentar um projeto no edital da Renama, envolvendo vários métodos alternativos para controle de qualidade de vacinas e soros. Numa das frentes de pesquisa, o objetivo é reduzir o número de animais nos testes em lotes da vacina de difteria e tétano, com a adoção de um ensaio in vitro para detectar a atividade imunogênica. Em outra, a meta é substituir ensaios em cobaias por ensaios em células no controle da anatoxina diftérica – toxina da difteria que mantém atividade imunogênica, embora não seja mais tóxica. Um terceiro foco é a adaptação para vacinas produzidas pelo instituto de um kit que substitui o uso de coelhos em testes de pirogênios, contaminantes que causam febre e podem ser oriundos de microrganismos ou aglomerados proteicos. Em quarto lugar, procura-se reduzir o uso de camundongos na sorologia para vacina de coqueluche – a ideia é utilizar para a doença os mesmos animais usados para dosar anticorpos contra difteria e tétano. A redução do número é sensível: de 170 animais por lote de vacina para apenas seis cobaias. Por fim, o Butantan já está obtendo êxito em uma técnica com potencial para substituir o uso de camundongos por um ensaio imunoenzimático numa etapa da produção da vacina contra a raiva. “A redução e a substituição de animais é um caminho sem volta”, diz o químico Wagner Quintilio, pesquisador do Butantan responsável pelo projeto. “Existe a pressão da sociedade e dos comitês de ética em pesquisa, que não permitem o
fotos 1 e 2 eduardo cesar 3 léo ramos 4 wikimedia commons
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bactérias e fungos patógenos. “Tem um sistema imune para o reconhecimento e a eliminação de patógenos com alta semelhança ao dos vertebrados. Além disso, seu genoma foi completamente sequenciado, o que ainda não é o caso do Galleria”, afirma Maria José. Os dois modelos estão sendo testados para avaliar a virulência de fungos Paracoccidioides, endêmicos na América Latina. Outros modelos, como o do peixe zebrafish, serão testados. Em 2010, a Pró-reitoria de Pesquisa da Unesp, cuja titular é a professora Maria José, organizou em São Paulo “O uso de animais é imprescindível no um fórum internacional desenvolvimento de medicamentos”, para discutir alternativas a testes de toxicidade diz Silvya Stuchi, da USP com animais, que trouxe autoridades como Thomas Hartung, diretor do Cena fim de criar e testar técnicas que reduzam o uso tro de Alternativas aos Testes em Animais, da de animais. Maria José é supervisora da pós-dou- Universidade Johns Hopkins. “A busca de modetoranda Liliana Scorzoni, responsável por uma los alternativos é importante também para desenpesquisa sobre modelos capazes de substituir volver métodos mais eficientes. Modelos animais mamíferos por outros organismos em testes de têm limitações e, às vezes, não são suficientes virulência de micróbios e a eficácia de drogas. O para garantir a segurança, como se pode ver com front mais adiantado é o do Galleria mellonella, es- medicamentos aprovados que acabam retirados pécie de inseto lepidóptero, cuja larva é útil para do mercado”, diz Maria José. A decisão do Concea de impulsionar o recoverificar a atividade de determinadas substâncias. “É de fácil manuseio e pode minimizar o uso de nhecimento de métodos alternativos validados animais”, diz Maria José, que também é membro foi uma resposta a uma petição da organização do Conselho Superior da FAPESP. “A larva tem não governamental Humane Society Internacélulas semelhantes às do sistema imunológico. tional, que reivindicava o banimento de ensaios Quando se injeta uma substância tóxica, ela rea- em animais para cosméticos. No estado de São ge e escurece”, afirma. A expectativa é de que o Paulo, ensaios em animais para cosméticos esGalleria substitua outros animais, como ratos e tão proibidos por uma lei estadual sancionada camundongos, em pelo menos alguma etapa dos em janeiro de 2014. O Concea, que não aceitou o pedido, entendeu que acelerar a implantação testes de toxicidade e virulência. Outro modelo alternativo na mira do grupo de técnicas alternativas promoverá maior reduda Unesp é o C. elegans, nematódeo de um milí- ção no uso de animais que apenas a proibição metro de comprimento sensível à infecção por exclusiva do uso de animais para análise de cosuso exagerado de animais. Há também a pressão econômica. Criar os animais em condições adequadas custa caro e ocupa muito espaço”, afirma. Já o projeto do grupo liderado pela micologista Maria José Giannini, professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), prevê a criação do Centro para o Desenvolvimento e Validação de Métodos Alternativos (Cedevam),
1 e 2 Produção de pele artificial pelo grupo da professora Silvya Stuchi-Maria Engler, da USP 3 e 4 Zebrafish e Galleria mellonella, cuja larva pode substituir animais em testes de toxicidade: modelos alternativos
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pESQUISA FAPESP 220 z 29
Cultura de células para o ensaio de citotoxicidade para anatoxina diftérica que substitui o uso de cobaias no controle de qualidade da vacina contra difteria
méticos, já que praticamente não se usam mais animais para este fim. “O banimento completo colocaria em xeque a segurança da população”, diz o médico e biofísico Marcelo Morales, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-coordenador do Concea. “Ele pode inviabilizar o desenvolvimento de cosméticos com ingredientes novos ou moléculas descobertas na nossa biodiversidade que contenham contaminantes desconhecidos”, afirma. Luiz Henrique do Canto Pereira, coordenador-geral de biotecnologia e saúde do MCTI, afirma que o banimento poderia prejudicar a estratégia definida pelo MCTI de substituir, reduzir e refinar o uso de animais em testes sempre que isso for possível. “A campanha pelo banimento atropela o esforço que estamos fazendo desde 2011, quando começamos a conceber essa iniciativa, para organizar no país uma rede estruturada, capaz de validar e disseminar de forma mais ampla os métodos alternativos, incluindo não apenas cosméticos mas também fármacos e agrotóxicos”, afirma. “Mesmo na Europa há salvaguardas que permitem a realização de testes se houver riscos à saúde da população.”
H
á quem veja certo açodamento no prazo de cinco anos para a substituição estipulado pelo Concea. “Começamos recentemente a investir no desenvolvimento de métodos alternativos aqui no Brasil e agora corremos o risco de morrer na praia se não tivermos resultados imediatos”, diz Maria José Giannini, da Unesp. “As empresas, pressionadas pelo prazo, poderão importar técnicas em vez de usar a expertise nacional. Isso já acontece hoje. Empresas de cosméticos afirmam que não fazem testes com animais no Brasil. Mas fazem em outros países, para garantir a segurança dos produtos”, explica. 30 z junho DE 2014
A expectativa de Octavio Presgrave, coordenador do Bracvam, é de que práticas aceitas internacionalmente tenham aprovação rápida. “Para a validação interna será necessário demonstrar que os registros já obtidos no exterior se reproduzem em testes feitos nos nossos laboratórios”, afirma Presgrave, que é pesquisador do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS). Segundo ele, o prazo de cinco anos é factível. “É tempo suficiente para que as empresas e laboratórios se adaptem”, diz. Em outros casos, o trabalho do Bracvam será mais demorado. É o caso, por exemplo, do protocolo “Banimento Het-Cam, que busca substituir o uso completo de de coelhos por uma membrana do ovo de galinha na identificação de testes de compostos corrosivos ou muito irritantes. O método, criado na Eucosméticos ropa em 1985, é aceito apenas como pré-teste na França e na Alemanha. põe em xeque O processo do Het-Cam será o prisegurança da meiro estudo de validação no Brasil seguindo preceitos internacionais, população”, afirma Presgrave. “Quando deixamos de usar animal num teste, há diz Marcelo um ganho ético importante. Mas um novo método também significa criar Morales conhecimento. Desenvolvemos inovações na busca de métodos mais fidedignos e sensíveis”, afirma. Em outra frente para reduzir o uso de animais em testes de laboratório, o LNBio recebeu recursos do MCTI para criar um núcleo de testes in silico, para reduzir o uso de animais na pesquisa de medicamentos. In silico refere-se ao silício utilizado em circuitos integrados e significa “em computador”. Essa expressão foi criada em analogia às expressões in vivo e in vitro, utilizadas há
fotos 1 eduardo cesar 2 miguel boyayan
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uso injustificável de animal em projetos previsivelmente destinados ao fracasso.” O LNBio divulgou no mês passado os resultados de um edital que franqueou a empresas, institutos de pesquisa e universidades a possibilidade de realizar testes in silico no laboratório. Foram recebidas 19 propostas de sete empresas. “Todas foram aprovadas e, nos próximos meses, vamos iniciar os testes”, diz Tiago Sobreira, pesquisador de bioinformática do LNBio responsável pela parte operacional dos testes in silico. As empresas “Testes in silico evitam desperdício de manifestaram o interesse de participar da chamatempo e dinheiro e o uso injustificável da e agora negociarão os termos dessa participação, de animais”, afirma Pagani, do LNBio que inclui a proteção de segredos industriais. Entre os contemplados estão também podem ajudar a avaliar se uma determi- laboratórios, como Farmanguinhos, Cristália e nada molécula, mesmo com potencial, tem mes- Eurofarma, e indústrias de cosméticos, como mo chances de ser absorvida pelo organismo se Boticário e Natura. “Quem desenvolve fármaadministrada, por via oral. Estimativas clássicas cos diz que demora 15 anos e custa R$ 1 bilhão dão conta de que de 5 mil a 10 mil moléculas são para colocar um produto no mercado. O Brasil inicialmente avaliadas para potencial atividade tem um déficit comercial farmacêutico de R$ 6 em um alvo; 250 são sintetizadas e iniciam testes bilhões por ano. Precisamos gerar um esforço em animais; cinco iniciam os testes clínicos em público para os brasileiros desenvolverem rehumanos e apenas uma chega ao mercado como médios aqui”, diz Pagani. medicamento. “A ideia dos testes in silico é diminuir ainda mais o número de substâncias que implementação de métodos alternativos são submetidas a testes em animais pela eliminadepende da existência de laboratórios reção rápida daquelas que se mostrarem inviáveis. conhecidos nas chamadas boas práticas Trata-se de um filtro que evita o desperdício de de laboratório (BPL), mas eles ainda são poucos tempo, recursos financeiros e principalmente o no Brasil. “As boas práticas contribuem para a rastreabilidade e, portanto, para a confiança no estudo realizado. A confiabilidade dos métodos alternativos também será garantida pela realização de comparações entre os laboratórios da Renama”, diz o coordenador do Concea, José Mauro Granjeiro, responsável por essa área no Inmetro. Recentemente, o Inmetro coordenou uma comparação entre cinco laboratórios da rede, com apoio de uma consultoria internacional com experiência – Centro Europeu para Validação de Métodos Alternativos (Ecvam, na sigla em inglês) –, cujos resultados estão sendo analisados. A ampliação dos estudos sobre métodos alternativos dependerá de um reforço no financiamento aos grupos de pesquisa envolvidos, observa Luiz Henrique Canto, do MCTI. “Conseguimos desenhar uma estrutura e começamos a avançar e o MCTI vem envidando todos os esforços, inclusive buscando apoio no Congresso por meio de emendas parlamentares, para o fortalecimento da Renama. Acreditamos que essa iniciativa poderá beneficiar em muito o desenvolvimento científico e tecnológico do país na área das ciên2 cias da vida”, afirma. n bastante tempo. Testes in silico envolvem simulações em computador para avaliar, por exemplo, se moléculas candidatas a novos medicamentos têm realmente essa vocação. “O computador pode comparar a estrutura da molécula candidata com a de outras já testadas e cujas características estão armazenadas em bancos de dados para definir se vale a pena prosseguir com seu desenvolvimento”, diz Eduardo Pagani, do LNBio. Estes testes
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Rato de laboratório: pesquisas buscam substituí-lo por testes in vitro ou reduzir seu uso no controle de qualidade de vacinas
pESQUISA FAPESP 220 z 31
ciência Física y
Tempestades no
vácuo e até revelar a natureza da matéria escura Igor Zolnerkevic
V
ácuo não é sinônimo de nada, ao menos para os físicos. Eles afirmam que mesmo o espaço aparentemente vazio ainda contém alguma forma de energia que flutua constantemente, como as pequenas ondas que tornam enrugada a superfície de um lago soprado pelo vento. Embora a energia do vácuo e suas oscilações em geral sejam sutis demais para serem percebidas, a não ser em escalas microscópicas, uma equipe de físicos teóricos de São Paulo acredita que elas podem ser amplificadas até atingirem a escala astronômica e destruir estrelas inteiras. Isso é consequência do efeito descoberto há quatro anos
32 z junho DE 2014
pelo físico Daniel Vanzella e seu então estudante de doutorado William Lima, que atualmente realizam uma série de cálculos complicados para tentar conhecer em detalhes como essa energia do vácuo pode influenciar o destino das estrelas mais densas do Universo, as estrelas de nêutrons. Em 2010 Vanzella, Lima e o físico George Matsas perceberam que, sob certas condições, a imensa força gravitacional das estrelas de nêutrons seria capaz de agitar as flutuações da energia do vácuo. E concluíram que essa espécie de tempestade de energia não duraria mais que um segundo, mas sua violência seria suficiente para destruir a estrela que a gerou. Os cálculos mais
imagens 1 NASA / ESA / J. Hester, A. Loll (ASU) e NASA/CXC/SAO infográficO ana paula campos ilustraçãO fabio otubo
A energia do espaço vazio pode destruir estrelas
Vazio inquieto Força gravitacional das estrelas de nêutrons pode agitar as flutuações da energia do vácuo
nebulosa do caranguejo A 6,5 mil anos-luz da Terra, essa nebulosa é formada por restos de uma supernova, explosão que gera uma estrela de nêutrons (ao lado), um dos objetos mais densos do Universo
Estrela Curvatura de nêutrons do espaço
Fonte Daniel vanzelLa / ifscusp) e george matsas / ift-unesp
Espaço curvo
campo quântico
A teoria da relatividade descreve
A mecânica quântica afirma que o espaço
a gravidade como resultado da
vazio possui uma forma de energia vinda
curvatura do espaço pela concentração
de entidades chamadas campos
de massa e energia. Perto de uma
quânticos. Essa energia oscila o tempo
estrela de nêutrons, o espaço
todo, mas não curva tanto o espaço como
é muito curvo e a gravidade, elevada
a massa e a energia de uma estrela pESQUISA FAPESP 220 z 33
recentes, entretanto, sugerem que, se o efeito que batizaram de despertar do vácuo realmente existe, suas consequências para as estrelas de nêuRegiões de gravidade extrema podem trons podem variar bem mais do que gerar e amplificar flutuações na energia os físicos imaginavam. Pode ser que as do espaço vazio e destruir estrelas estrelas realmente explodam, deixando um buraco negro ou mesmo nada Fonte Daniel vanzella (ifsc-usp) e george matsas (ift-unesp) no lugar. Mas também pode acontecer que sobrevivam, apesar de sofrerem uma redução drástica de massa e enerSe a implosão segue infinitamente, gia. No artigo mais recente, publicado origina um buraco negro... na revista Physical Review D, os pesquisadores esclarecem quais análises e testes ainda precisam ser feitos para determinar as consequências finais do despertar do vácuo. “Queremos saber Suas camadas Estrelas com massa todos os fins possíveis para essas estreexternas são elevada, mais de las”, afirma Vanzella, pesquisador do ejetadas e as 10 vezes superior Instituto de Física da Universidade de internas implodem, à do Sol, explodem São Paulo em São Carlos (IFSC-USP). ... se é interrompida, forma gerando um com o fim de seu Pode parecer mera curiosidade teóriuma estrela de nêutrons objeto mais denso combustível nuclear ca, mas determinar a existência e a intensidade do despertar do vácuo deve ajudar a entender melhor a natureza da matéria escura, uma forma de matéria invisível que permeia todo o espaço e é perceptível somente pelo efeito de sua "Queremos saber todos os fins possíveis para força gravitacional sobre o movimento as estrelas de nêutrons”, afirma o físico Daniel das galáxias. Ninguém sabe do que a matéria escura é feita, apenas que deve Vanzella, pesquisador da USP em São Carlos ser constituída de partículas subatômicas que ainda não foram descobertas. Matsas e seus colegas já sabem que o despertar do vácuo só pode ocorrer se ao menos parte da matéria escura apresentar contra as outras. No LHC, o maior acelerador algumas propriedades especiais. “Dependendo de partículas já construído, por exemplo, dois das propriedades da matéria escura, estrelas de feixes de prótons viajando a uma velocidade prónêutrons de uma determinada faixa de massa e xima à da luz colidem entre si. Após o choque, de raio não devem existir”, explica Matsas, pesos prótons desaparecem e, no lugar deles, novas quisador do Instituto de Física Teórica da Unipartículas surgem, aparentemente do nada. Isso versidade Estadual Paulista (IFT-Unesp). não acontece só porque os prótons se desfazem em partículas subatômicas mais fundamentais. Ocorre também porque partículas que existiam Partículas e ondas são aniquiladas e, a partir de sua energia, novas Até os físicos concordam que a expressão “enerpartículas são criadas. A destruição e a criação de gia do vácuo” soa incomum. Mas sua existência partículas são possíveis porque, segundo a teoria já foi comprovada direta e indiretamente no úlda relatividade especial formulada por Albert timo século. Pesquisadores de nanotecnologia, Einstein em 1905, a massa das partículas pode por exemplo, precisam levar em conta o chamado ser convertida em energia e vice-versa. efeito Casimir, uma força que pode atrair ou reMas a relatividade não explica toda a história. pelir as peças metálicas microscópicas que eles Ao longo do século passado também ficou claro manipulam em ambientes dos quais foi retirado que as partículas elementares seguem as leis da o ar. Essas forças, eles acreditam, surgem de dimecânica quântica: elas não se comportam coferenças na energia do vácuo no espaço entre as mo pontos sólidos e bem definidos. Elas estão peças e ao redor delas. mais para objetos híbridos que ora se comporA teoria que explica a origem dessa energia tam como pontos, ora se propagam pelo espaço é a mesma que descreve o que acontece em excomo se fossem ondas. A principal lei que essas perimentos nos aceleradores de partículas, em partículas-ondas obedecem é o princípio da inque partículas subatômicas são lançadas umas
O despertar do vácuo
34 z junho DE 2014
Fim quase sempre aniquilador
4. Quando um dos
Físicos de São Paulo descobriram que o encolhimento de uma estrela de
termos da equação
nêutrons causa perturbações no espaço que selam o destino do astro
que determina como o campo situação a
quântico interage com a curvatura do espaço-tempo tem valor positivo, a estrela pode ser
infográfico ana paula campos ilustraçãO fabio otubo
situação b
destruída por
1. A curvatura do
2. A patir de certa
3. Em frações de segundo,
completo e gerar
espaço começa a
densidade da estrela, a
a energia das flutuações
um buraco negro (a)
aumentar com a
curvatura cresce muito
pode superar a da própria
ou desaparecer (b).
contração do núcleo
e dispara uma
estrela, curvar ainda
Se o valor é
remanescente
elevação violenta das
mais o espaço e
da supernova
flutuações do vácuo
desestabilizar a estrela
negativo, a estrela situação c
sobrevive (c)
As flutuações positivas e negativas
Em todos os casos, parte da energia da
crescem, embora na média a energia do
estrela é transformada em partículas
vácuo continue quase igual a zero
invisíveis, cuja influência pode ser detectada
certeza, segundo o qual quanto mais certamente se conhece a posição de uma partícula, menos se sabe sobre a sua velocidade – o contrário também é verdadeiro. “É isso o que torna a mecânica quântica tão extraordinária”, diz Matsas. “Não dá mais para explicar as partículas de maneira tão simples.” “Da relatividade especial e da mecânica quântica entendemos hoje que as partículas elementares surgem de entidades mais fundamentais, os campos quânticos”, explica o físico. Uma maneira de visualizar o que são esses campos é pensar em ondulações em uma lagoa. Assim como cada ponto da superfície da lagoa pode oscilar para cima e para baixo, cada ponto do Universo está associado a um campo quântico cuja energia flutua constantemente. Segundo essa forma de entender o Cosmo, as partículas elementares são na verdade um tipo especial de ondulação desses
campos – vibrações de energia registradas pelos detectores dos físicos como partículas. “Se serve de consolo”, diz Matsas, “para mim também é difícil visualizar esses campos”. Matsas conta ainda que o princípio da incerteza impede de saber, ao mesmo tempo e com infinita precisão, as propriedades do campo em cada ponto do Universo e o quão rápido essas propriedades mudam. Uma consequência dessa incerteza quântica é que mesmo uma porção do espaço vazia de partículas possui uma energia que flutua em torno de um valor próximo de zero. Há vários tipos de campos quânticos preenchendo o Universo e cada partícula elementar conhecida – como os elétrons, os quarks, os fótons e os neutrinos – surge de um campo específico. A maneira como uma partícula influencia outra depende de como os campos que as originam estão ligados. pESQUISA FAPESP 220 z 35
A energia do espaço vazio Flutuações no nível de energia do vácuo geram forças capazes de atrair ou repelir objetos microscópicos Esse efeito, previsto pelo físico holandês Hendrik Casimir em 1948, só foi observado em 1997 com este aparato
Espaços curvos
A força da gravidade é a única interação fundamental que os físicos não conseguem explicar por meio de campos quânticos. “Ela é melhor descrita como um dos resultados da deformação da geometria do espaço e do passar do tempo em torno de uma porção de matéria ou energia, como ao redor de uma estrela”, explica Vanzella, do IFSC-USP. Quanto mais concentrada a energia de uma estrela, por exemplo, mais intensa é a deformação espaço-temporal que ela provoca. No caso extremo, a deformação pode fazer a própria estrela entrar em colapso, criando uma região de espaço vazio altamente distorcida em seu lugar – são os famosos buracos negros. Matsas e Vanzella são especialistas em calcular como os campos quânticos que dão origem a partículas elementares são afetados pelas deformações espaço-temporais de uma estrela ou de um buraco negro. Em seus estudos, eles aplicam a mesma combinação de relatividade geral e teoria quântica de campos que o físico Stephen Hawking usou para descobrir em 1974 que buracos negros emitem partículas elementares. Em 2010, Vanzella e seu então aluno de doutorado William Lima, atualmente trabalhando como pós-doc no IFT, assinaram dois artigos na revista Physical Review Letters, o segundo com participação de Matsas, demonstrando como a curvatura do espaço e do tempo poderia, em certas circunstâncias, amplificar as flutuações da energia de vácuo dos campos quânticos. Uma dessas circunstâncias poderia acontecer durante a contração de uma estrela de nêutrons. Com massas comparáveis à do Sol, mas feitas de nêutrons espremidos em uma esfera com mais ou menos 20 quilômetros de diâmetro (a distância entre o centro de São Paulo e o bairro de Itaquera), as estrelas de nêutrons nascem da morte de 36 z junho DE 2014
uma estrela maior em um evento explosivo chamado de supernova. Quando uma estrela com massa cerca de 10 vezes superior à massa do Sol esgota seu combustível nuclear, suas camadas externas explodem ao mesmo tempo que seu núcleo sofre uma implosão. O resultado desse evento é o surgimento de um buraco negro ou uma estrela de nêutrons na região mais central. Por serem muito pequenas, as estrelas de nêutrons são difíceis de observar – elas são estudadas com frequência por suas emissões de ondas de rádio e raios X. Lima, Vanzella e Matsas descobriram que, se uma estrela de nêutrons encolher até determinado diâmetro, sua gravidade passa a causar perturbações no espaço que alimentariam um crescimento exponencial nas flutuações de energia do vácuo de um campo quântico. Isso significa que, mesmo que a energia total do campo permaneça o tempo todo quase igual a zero, alguns pontos do espaço concentrariam momentaneamente quantidades enormes de energia positiva, enquanto outros concentrariam quantidades similares de energia negativa. A situação é quase inimaginável. É como se pequenas ondulações sobre um lago, de repente, começassem a subir e a descer freneticamente a alturas e profundidades cada vez maiores. “Em milissegundos, a densidade de energia dessas flutuações seria grande o suficiente para curvar o espaço-tempo mais do que a própria estrela”, conta Vanzella. “Esse crescimento,
imagem Umar Mohideen / Universidade da Califórnia em Riverside
Na tentativa de explicar a matéria escura, muitas hipóteses assumem a existência de campos quânticos livres. Assim chamados porque não estariam conectados a outros campos, os campos livres dariam origem a partículas elementares que praticamente não interagem com as demais. Uma consequência dessa propriedade é que as partículas geradas pelos campos livres podem estar aqui e agora, atravessando a Terra ou mesmo nossos corpos, sem que se possa detectá-las diretamente. Como os campos livres só se ligariam ao restante do Universo pela força gravitacional, as estrelas de nêutrons tornam-se o laboratório natural para testar essas ideias. É que elas são os objetos mais densos que se conhece, com exceção dos buracos negros. “Ao tentar observar o efeito do despertar do vácuo em estrelas poderíamos verificar se campos livres existem ou não”, diz Matsas.
teoricamente”, explica Vanzella. “Se observamos, por exemplo, estrelas com uma certa razão massa-raio que deveriam ter sido destruídas pelo despertar do vácuo de um certo campo, é porque esse campo não existe.” O trabalho mais recente da equipe, conduzido Depois da tempestade Para saber exatamente o que pode acontecer às pela física Raíssa Mendes, que está concluindo estrelas e aos campos quânticos, os pesquisado- sua tese de doutorado sob supervisão de Matsas, res precisam lidar com equações da relatividade também foi publicado na Physical Review D. Negeral combinadas às da teoria quântica de cam- le, o grupo determinou que é possível aproveitar pos, quase impossíveis de resolver diretamente. os resultados de estudos sobre a instabilidade de Os teóricos encaram o desafio aos poucos e por estrelas e buracos negros feitos por outros pespartes, usando princípios gerais da física e cál- quisadores desde os anos 1970 para descobrir o culos aproximados que revelam pouco a pouco que o despertar do vácuo quântico provocaria nas estrelas de nêutrons. detalhes sobre o problema. Foi a partir desses cálculos feitos por outros pesquisadores que a equipe determinou que a estrela de nêutrons pode, em O encolhimento de uma estrela de nêutrons alguns casos, sobreviver aumenta a gravidade e perturba o espaço, ao despertar do vácuo. Segundo Vanzella, esse efeito causando flutuações na energia do vácuo só ocorre quando são adotados certos valores para um dos termos da equação que determina como o Em 2012, o físico André Landulfo, atualmen- campo livre interage com a curvatura do espaçote na Universidade Federal do ABC, juntou-se à -tempo. “O efeito ocorre para certos intervalos equipe para demonstrar que, não importa o que de valores desse termo, alguns positivos e outros aconteça à estrela de nêutrons no final do proces- negativos”, diz o físico. “Cálculos de outros pesso, uma boa parte da sua energia será transferida quisadores sugerem que, para valores negativos, para o campo quântico, criando novas partículas. a criação de partículas seria suficiente para in“A flutuação que cresceu muito na fase instável terromper o crescimento da energia do vácuo e fará com que o campo não volte a uma configura- a estrela sobrevive.” No momento, Vanzella e o físico Raphael Sanção de vácuo quando o sistema se reestabilizar”, tarelli, que faz pós-doc com Vanzella em São explica Vanzella. “O campo produzirá um monte Carlos, estão analisando o caso de esse termo de partículas no final.” Essas novas partículas elementares seriam assumir valores positivos. Os resultados prelimiinvisíveis aos telescópios, mas extrairiam uma nares sugerem que a estrela seria destruída. “O quantidade imensa da energia da estrela de nêu- que já sabemos é que a criação de partículas não trons – ou do que sobrou dela. E essa perda de será o suficiente para reestabilizar o sistema”, energia poderia ter consequências observáveis. conta Vanzella. “Alguma outra coisa precisará “É uma possibilidade interessante”, comenta acontecer, talvez a formação de um buraco neo físico italiano Paolo Pani, da Universidade Téc- gro.” Em 2010, Matsas apostou uma caixa de garnica de Lisboa, em Portugal, que trabalha com rafas de vinho na hipótese de que uma estrela de a relação entre teorias físicas alternativas e ob- nêutrons sempre seria destruída pelo despertar servações astrofísicas. Pani gostaria que algum do vácuo. “Agora”, ele diz, “parece que ganharia pesquisador incluísse o efeito do despertar do metade da caixa e perderia a outra metade”. n vácuo nas simulações de explosões de supernovas. “Essas simulações seriam importantes para entender se o efeito pode explicar explosões de Projeto raios gama”, diz Pani. Física em espaços-tempos curvos (nº 2007/55449-1); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável George Emanuel Avraam Matsas e Vanzella, entretanto, ressaltam que, Matsas (IFT-Unesp); Investimento R$ 181.501,15 (FAPESP). mesmo sem a realização de simulações astrofísiArtigos científicos cas sofisticadas, os resultados de seus cálculos já MENDES, R.F.P. et al. Quantum versus classical instability of scalar fields in poderiam ser comparados com as observações. curved backgrounds. Physical Review D. v. 89, p. 047503. 24 fev. 2014. “Podemos descartar de uma vez a existência de LANDULFO, A.G.S. et al. Particle creation due to tachyonic instability in relativistic stars. Physical Review D. v. 86, p. 104025. 2012. certos campos livres que ainda são considerados porém, não poderia continuar para sempre e alguma coisa precisaria acontecer com a estrela e o campo para reestabilizar a curvatura do espaço-tempo.”
pESQUISA FAPESP 220 z 37
Matéria condensada y
Como flagrar uma partícula esquiva Equipe brasileira propõe nova estratégia para verificar a existência de férmions previstos teoricamente Reinaldo José Lopes
U
m grupo de pesquisadores brasileiros acaba de planejar e propor alguns experimentos que, segundo eles, permitiriam confirmar de uma vez por todas a existência de uma das partículas mais esquivas previstas pelos físicos teóricos: os chamados férmions de Majorana, ou simplesmente majoranas, que já driblaram todas as tentativas de detecção experimental. Resultados publicados com alarde na revista Science em 2012 pareciam enfim ter mostrado a existência dessas partículas, mas os achados passaram a ser questionados. Agora uma equipe brasileira de físicos teóricos que estudam a matéria condensada criou uma nova “receita” para romper esse impasse e flagrar de vez os majoranas, o que pode ter implicações interessantes para o futuro da chamada computação quântica. Essa área de pesquisa, que busca utilizar as propriedades do mundo subatômico para realizar operações computacionais avançadas, pode se beneficiar do uso dessas partículas para o processamento de informações e a realização de cálculos, uma vez que os majoranas permitiriam criar sistemas mais estáveis do que os
38 z junho DE 2014
que usam partículas eletricamente carregadas, como os elétrons. As estratégias, publicadas neste ano no periódico Physical Review B, são de autoria de José Carlos Egues, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos, e sua equipe, formada por Edson Vernek, físico da Universidade Federal de Uberlândia atualmente em estágio de pós-doutorado com Egues, Poliana Penteado, da USP em São Carlos, e Antonio Carlos Seridonio, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Ilha Solteira. “Fizemos uma proposta detalhada, com três formas diferentes de fazer esse sistema, nas quais se poderia verificar a presença desse chamado modo de Majorana”, afirma Egues, coordenador do trabalho, apresentado com destaque em uma seção da Physical Review B chamada Sugestão do editor, em que são recomendados os artigos mais interessantes de cada edição. Egues ressalta, no entanto, que seria preciso extrema habilidade técnica para colocar as propostas em prática. De certa maneira, parece adequado que essas partículas tenham uma aura de mistério, já que levam o nome do cientista que
propôs sua existência, o siciliano Ettore Majorana. Nascido em 1906 e com uma carreira meteórica, ele desapareceu sem deixar vestígios em 1938, durante uma viagem marítima entre Palermo e Nápoles. Mensagens deixadas pelo físico insinuam que ele teria decidido cometer suicídio, mas seu corpo nunca foi encontrado, o que estimulou o surgimento de hipóteses rocambolescas, como uma fuga para a Argentina ou seu ingresso num monastério. Seja como for, cerca de um ano antes de sua última viagem de barco, Majorana encontrou uma solução inovadora para a equação de Dirac, a qual, originalmente, descrevia o comportamento de partículas como os elétrons, com carga elétrica e spin (propriedade vagamente análoga à rotação de um planeta) equivalente a 1/2. No caso dos elétrons, esse comportamento é descrito por uma função de onda dita complexa, que representa partículas eletricamente carregadas. Ao trabalhar em variações da equação de Dirac – formulação matemática proposta pelo físico britânico Paul Dirac para descrever os elétrons –, Majorana descobriu que outra classe de partículas poderia ser descrita por uma função de onda dita
real. Seriam partículas sem carga elétrica, hoje chamadas de majoranas. “Há quem defenda que um dos tipos de neutrino poderia ser o majorana, mas as pesquisas física de partículas nunca chegaram a uma conclusão definitiva”, diz Egues. Diante disso, os físicos passaram a procurar a partícula na matéria condensada – por exemplo, circuitos eletrônicos ou outros materiais produzidos em laboratório –, e não nas colisões de alta energia dos aceleradores. Na realidade eles investigam se, na matéria condensada, um grupo de elétrons poderia se comportar como se fossem uma única partícula majorana.
léo ramos
Fio quântico
Um dos principais caminhos para essa busca envolve a criação dos chamados fios quânticos, sistemas sobre os quais Egues e seus colegas publicaram outro artigo neste ano na Physical Review B, também destacado como Sugestão do editor. Do ponto de vista intuitivo, talvez a palavra “fio” não seja o melhor termo para descrever o aparato, porque o mais comum é que se trate de uma espécie de canal, com milésimos ou milionésimos de milímetro de calibre. Ele é criado a par-
tir de uma chapa metálica, sobre a qual os pesquisadores aplicam um conjunto delicado de campos elétricos, de maneira a “varrer” para os dois lados os elétrons que estão circulando pelo material. “Na região central surge um canal, que pode ser estreitado”, diz Egues. A partir daí, é possível injetar elétrons no fio. O passo seguinte é acoplar ao fio quântico um supercondutor, ou seja, um material pelo qual elétrons podem fluir de maneira desimpedida, sem a resistência elétrica que caracteriza os metais comuns. No contexto fisicamente exótico dos supercondutores, esse movimento não se dá por meio de elétrons individuais, mas pelos chamados pares de Cooper – grosso modo, pares de elétrons que se “fundiram” a ponto de formar o que parece ser uma única entidade. “A ideia é que, uma vez que se tenha um supercondutor muito próximo do material do fio quântico, os elétrons do material normal passam a ser ‘contaminados’ pelos pares de Cooper”, explica Egues. Foi com um desenho experimental semelhante que Leo Kouwenhoven e seus colegas da Universidade Delft de Tecnologia, na Holanda, afirmaram ter observado majoranas localizados nas extremidades do sistema – no começo e no fim do fio quântico. O “flagra” foi possível por meio da detecção de um pico de condutividade elétrica num nível de energia no qual isso não deveria acontecer. “Mas outras interpretações foram propostas, e o assunto nunca ficou resolvido”, conta o físico da USP. No novo design experimental proposto por Egues e seus colegas, a dúvida poderia ser dissipada adicionando ao sistema um quantum dot, ou ponto quântico, que poderia ser descrito como o equivalente esférico do fio quântico, produzido pelo mesmo confinamento de elétrons. Os cálculos da equipe brasileira indicam que, com esse esquema, o majorana deixaria o fio, vazando para o ponto quântico. Dessa maneira, um novo nível de energia “que não estava presente no ponto quântico
passa a existir”, permanecendo sempre presente no sistema e, assim, excluindo, em princípio, todas as possibilidades de explicação – exceto a presença dos majoranas. “É importante ressaltar que os majoranas que aparecem nos experimentos de matéria condensada não são partículas elementares”, lembra Egues. “Nesses testes eles se manifestam como partículas confinadas que se comportam segundo equações semelhantes às deduzidas por Majorana e produzem efeitos mensuráveis.” “Não acho que, ao menos por ora, seja possível fazer esse experimento no Brasil. Não é questão de dinheiro, mas de know-how e engenharia quântica”, afirma Egues. Segundo o físico, é preciso ter uma especialização muito grande em cada um dos componentes do sistema. “A própria equipe do Kouwenhoven, que faz isso desde os anos 1980, não entende direito como a coisa funciona”, ressalta. Se a existência dessas partículas for confirmada, pode-se abrir um campo fértil de mais pesquisa básica e aplicações tecnológicas, segundo o físico. Por não terem carga, diferentemente dos elétrons, os majoranas ficariam mais protegidos de influências externas e poderiam, em tese, funcionar como plataformas mais estáveis para a manipulação de seus estados quânticos. Além disso, permitiriam certas operações computacionais complexas que não podem ser feitas com elétrons. “Mas é claro que, antes de tudo, é preciso achá-los”, brinca ele. n
Projeto Férmions de Majorana em fios e poços quânticos de supercondutores topológicos (nº 2012/20199-3); Modalidade Bolsa no País - Regular - Pós-doutorado; Pesquisador responsável José Carlos Egues (IFSC-USP); Bolsista Edson Vernek; Investimento R$ 170.950,58 (FAPESP).
Artigos científicos VERNEK, E. et al. Subtle leakage of a Majorana mode into a quantum dot. Physical Review B. v. 89, 165.340. 30 abr. 2014. HACHIYA, M. O.; USAJ, G.; e EGUES, J.C. Ballistic spin resonance in multisubband quantum wires. Physical Review B. v. 89, 125.510. 25 mar. 2014.
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Projeções de neurônios detectam odores no fundo do nariz
40 z junho DE 2014
Biologia celular y
Dimensões do olfato
STEVE GSCHMEISSNER/SCIENCE PHOTO LIBRARY
E
xuberantes tons de Estruturas dentro do núcleo explicam muito específicos (ver Pesquifrutas e flores, espesa FAPESP nº 155). São moléfuncionamento genético dos neurônios cialmente violetas; culas com várias pontas, cada caráter vegetal e leveuma delas com um encaixe especializados em detectar odores mente apimentado com aroma diferente. Por se conectarem de bosque; levemente frutado, a mais de um neurônio, cada com notas minerais terrosas, molécula de cheiro é capaz de Maria Guimarães associadas a nuances aromáativar mais de uma área no céticas de couro e chocolate. rebro. Esse código complexo Algumas descrições especializadas de de reconhecer moléculas em seu entorno. é o que permite que se detecte um amvinhos parecem um exercício mirabo- Entre os mil genes, aproximadamente, plo repertório aromático, por meio da lante de imaginação, mas são também que em camundongos abrigam o código combinação da ação de vários receptores. testemunho de um faro apurado. E a para receptores de odorantes (são cerca Para os seres humanos, que não são recomaneira como o olfato consegue de- de 400 nos seres humanos), apenas um nhecidos por seu faro apurado, acreditavatectar essas sutilezas não fica atrás em está ativo num determinado neurônio. E -se que esse repertório fosse da ordem de extravagância. A organização tridimen- mais do que isso: apenas uma das duas 10 mil odores. Recentemente, porém, um sional do material genético parece ser cópias do gene, ou alelos, está ativa. Essa estudo de pesquisadores da Universidade responsável pela capacidade singular especialização é essencial para o mapea- Rockefeller, nos Estados Unidos, aumentou de cada neurônio olfatório de produzir mento dos cheiros no cérebro – todos os em muito essa estimativa. Os pesquisadoapenas um tipo de receptor para molé- neurônios que têm sua superfície salpica- res norte-americanos fizeram uma série de culas odorantes, segundo estudo recente da por um determinado tipo de receptor misturas com 10, 20 ou 30 componentes a da bioquímica Bettina Malnic, do Insti- mandam projeções para uma mesma re- partir de um repertório de 128 moléculas tuto de Química da Universidade de São gião do cérebro, que reconhecerá o aroma odorantes, e testaram a capacidade de voPaulo (IQ-USP). “O DNA genômico não correspondente. Por essa razão, o buquê luntários de nariz bem treinado distinguiestá espalhado ao acaso dentro da célula complexo de uma taça de vinho ativa rem entre elas, segundo artigo publicado como uma porção de espaguete em um uma série de receptores diferentes que, em março na Science. A partir desses resulprato de sopa”, compara a pesquisadora. por sua vez, atingem diversas áreas espe- tados, uma série de cálculos levou à cifra de Assim como outros estudos feitos nas cializadas no cérebro. Esse mapeamento 1 trilhão de estímulos olfativos. Bettina não últimas décadas, a novidade deixa claro do olfato em termos de receptores e de acredita que esse número deva ser tomado que o funcionamento do olfato é ainda como a recepção se organiza no cérebro de forma muito literal, mas é importante mais complexo do que as descrições dos rendeu o Prêmio Nobel de Fisiologia ou por ser várias ordens de grandeza superior sommeliers, e para entendê-lo também é Medicina aos norte-americanos Linda à estimativa anterior. “Contraria a noção necessário pensar fora da norma. Buck e Richard Axel em 2004, e vem ocu- de que o olfato não é importante para seres Os neurônios olfatórios têm uma par- pando Bettina ao longo de sua carreira. humanos”, reflete a brasileira. O que até agora não se conhecia era o ticularidade em relação às outras céluHá alguns anos, ela descobriu que as las do corpo, que têm na superfície uma moléculas odorantes se encaixam em mecanismo de silenciamento dos genes que grande diversidade de receptores capazes mais de um receptor, embora estes sejam ficam inativos em cada um dos neurônios pESQUISA FAPESP 220 z 41
que lançam projeções para a superfície do epitélio no fundo do nariz. “Procuramos entender como o neurônio olfatório realiza a façanha de só ter a expressão de uma das duas cópias de um único gene, dessa maneira tão eficiente.” Para entender a regulação dos genes responsáveis pela construção dos receptores para moléculas de odor, Bettina analisa o núcleo dos neurônios como uma estrutura em que o material genético tem uma organização espacial precisa. “O núcleo não é uma sopa com todas as coisas jogadas ali, ele tem compartimentos, como se em cada sala uma função diferente fosse desempenhada”, explica. Arquitetura
Em células de camundongos, o grupo da USP usou uma técnica conhecida como imuno-DNA Fish tridimensional, que permite localizar dentro do núcleo os genes de receptores olfativos. “É como se dividíssemos o núcleo em fatias, que podemos juntar e obter uma imagem tridimensional”, explica Bettina. O trabalho, publicado em fevereiro deste ano na PNAS, foi feito em grande parte pela bióloga Lucia Armelin-Correa, durante o pós-doutorado no laboratório de Bettina. Ela usou um microscópio de alta resolução para visualizar as estruturas do núcleo dos neurônios. O que viu foi uma organização inesperada de regiões em que o DNA é enovelado de maneira mais compacta – a heterocromatina –, em que o funcionamento dos genes é inibido, e de áreas ativas – a eucromatina –, em que o material genético tem fisicamente mais espaço para suas reações bioquímicas. Lucia, Bettina e outros integrantes do la42 z junho DE 2014
quatro genes, vimos que em grande parte dos núcleos havia um alelo junto à heterocromatina e outro não”, conta Bettina. Como controle, os pesquisadores monitoraram também o gene de uma proteína olfatória que está sempre ativo: este estava associado à heterocromatina apenas em 20% dos núcleos examinados. A bioquímica da USP ainda fala com cautela, mas acredita que os resultados podem explicar a inativação sistemática de um dos alelos dos genes para receptores de odores. Um resultado inboratório detectaram trigante foi que ceruma particularidade ca de 45% das marnos neurônios olfatócas fluorescentes rios: a heterocromapara um dos genes “O núcleo não é tina está condensada estavam associadas uma sopa, ele tem à heterocromatina, numa esfera junto ao centro do núcleo, e e apenas outros 17% compartimentos não em vários pontos à eucromatina, onmenores e periféride deveriam estar os como se cos, como em outros alelos ativos. Era uma tipos de células. indicação de que uma em cada sala parte deles deveria O resultado é comuma função estar associada a alpatível com o que foi guma outra estrutura. observado pelo grudiferente fosse po do grego Stavros Investigando mais Lomvardas, da Unia fundo, a equipe de desempenhada” versidade da CalifórBettina viu que é nenia em São Francisco cessário analisar dois (UCSF), em artigo tipos de heterocromapublicado no final de tina para localizar as 2012 na Cell. Segundo o grupo norte- duas cópias de cada gene. A heterocroma-americano, que Bettina considera um tina constitutiva, concentrada no miolo do bom competidor, essa paisagem tridi- núcleo, abriga pelo menos um dos alelos mensional em que genes e sequências de em grande parte das células. O outro cosregulação estão ora escondidos, ora ex- tuma estar localizado junto à heterocropostos de acordo com o tipo de célula matina facultativa, que nos neurônios do pode ser essencial para determinar as olfato também se concentra numa área características específicas de cada tecido. central do núcleo, formando como que Com uma sonda fluorescente que re- um chapéu em torno da constitutiva. Conconhece todos os genes que codificam os forme o gene estudado, em 60% ou 73% receptores olfatórios, a equipe de Lomvar- dos núcleos examinados pelo menos um das mostrou de maneira global que esses dos alelos estava associado à heterocroconjuntos moleculares estão agregados no matina facultativa. Como o nome indica, compartimento que reprime a atividade, a essa estrutura pode se descondensar e alheterocromatina. O grupo de Bettina fez terar suas propriedades, de maneira que uma análise mais detalhada e investigou os alelos localizados nela teriam a possia qual estrutura nuclear estão associadas bilidade de ser liberados para a ação. “O quatro regiões do DNA com genes para mecanismo dessa repressão mais plástica receptores olfatórios, localizadas em três ainda é pouco estudado”, explica Bettina, cromossomos diferentes. “Para todos os que acredita que os dois tipos de hetero-
fotos Bettina malnic / usp infográfico Ana Paula campos ilustração priscila menegasso
No epitélio nasal de camundongo transgênico, neurônios em que o gene P2 está ativo aparecem em verde fluorescente
Um mapa mais apurado do faro A regulação da atividade do DNA determina receptores que caracterizam cada neurônio olfatório
Alelo ativo
as Rotas dos odores
Alelo inativo
Cada um dos neurônios no fundo do nariz é especializado em um tipo
neurônio olfatório
de receptor onde se
núcleo
encaixam moléculas odorantes. Um exame
Eucromatina
minucioso mostra
Heterocromatina facultativa
que a organização tridimensional do DNA
Heterocromatina constitutiva
no núcleo é responsável por essa organização
Genes inativos
Dupla hélice DNA
Fonte Bettina malnic / iq-usp
cromatina trabalhem em conjunto para regular a expressão gênica de receptores de odores. “O padrão de distribuição dos dois tipos de heterocromatina indica que algo importante está acontecendo ali.” Até agora, o trabalho respondeu a algumas perguntas e gerou muitas outras, com a possibilidade de ampliar o olhar para o genoma inteiro. Por enquanto, o estudo mostrou que a organização das heterocromatinas e da eucromatina pode ser diferente para cada tipo de célula, com um impacto importante na atividade genética. “As vizinhanças entre genes podem variar conforme o tecido”, diz Bettina.
Com ajuda dessas estruturas nucleares, o DNA pode se enovelar de maneira que genes que ficam muito distantes, quando se considera o fio esticado, acabem por estar juntos e possam funcionar em conjunto e influenciar um ao outro por meio das moléculas que produzem. “O olfato é um modelo”, alerta a bioquímica. Para ela, os neurônios olfatórios são convenientes para esse tipo de estudo devido ao seu sistema de inativação dos genes. O que eles revelarem pode, ela espera, ajudar a entender a regulação do material genético nos outros tipos de células. n
Eucromatina
Heterocromatina
A maior parte
Em sua forma mais
dos genes ativos
condensada na
costuma estar
heterocromatina
nesta forma de
constitutiva, o DNA
empacotamento
com frequência tem
mais frouxo, em
uma função mais
que alterações
estrutural, com genes
bioquímicas
inativados. Na forma
permitem
facultativa, a
a transcrição
expressão gênica
dos genes
pode ser ativada
Projetos 1. Os mecanismos moleculares do olfato (nº 2011/516048); Modalidade Projeto Temático; Pesquisadora responsável Bettina Malnic (IQ-USP); Investimento R$ 809.219,21 (FAPESP). 2. Regulação da expressão de genes de receptores olfatórios: estudo da arquitetura nuclear de neurônios olfatórios e do posicionamento relativo de alelos ativos e inativos (nº 2007/57734-5); Modalidade Bolsa no país – Regular – Pós-doutorado; Pesquisadora responsável Bettina Malnic (IQ-USP); Bolsista Lucia Maria Armelin-Correa; Investimento R$ 222.662,28 (FAPESP).
Artigo científico ARMELIN-CORREA, L.M. et al. Nuclear compartmentalization of odorant receptor genes. PNAS. v. 111, n. 7, p. 2782-87. 18 fev. 2014.
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neurociência y
Ponte entre hemisférios Caminhos alternativos conectam áreas distantes em lados opostos do cérebro Rodrigo de Oliveira Andrade
U
m mistério que há quase meio século persiste sem explicação na neurociência pode ter sido esclarecido agora por um grupo de pesquisadores brasileiros e ingleses. Pessoas que nascem sem um importante feixe de fibras nervosas que conecta os dois hemisférios cerebrais, o corpo caloso, em princípio teriam dificuldade em associar o aprendizado e a memória armazenados em lados opostos do cérebro. Acontece que o cérebro de algumas delas parece preservar essa habilidade, um paradoxo bastante conhecido dos neurocientistas, mas nunca devidamente esclarecido. Em um artigo publicado em maio na revista PNAS, da Academia de Ciências dos Estados Unidos, os pesquisadores relatam uma possível explicação para esse antigo quebra-cabeça. Eles verificaram que o cérebro de pessoas que nascem sem o corpo caloso parece ser capaz de criar rotas alternativas e garantir a comunicação entre os dois hemisférios cerebrais. No estudo, coordenado pelos médicos Fernanda Tovar-Moll e Roberto Lent, ambos do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOr) e do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o grupo identificou e descreveu
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morfologicamente esses novos caminhos, que parecem compensar a ausência dessa importante estrutura cerebral. Situado na região central do cérebro, o corpo caloso funciona como uma ponte conectando os hemisférios direito e esquerdo por meio de 200 milhões de fibras nervosas. Ainda nos anos 1960, pesquisadores verificaram que a remoção cirúrgica do corpo caloso — procedimento conhecido como calosotomia — prejudicava a capacidade das pessoas de perceber e interpretar o mundo. Eles constataram que a comunicação entre os dois hemisférios era seriamente comprometida nas pessoas em que essa estrutura havia sido retirada cirurgicamente para tratamento de distúrbios neurológicos, como a epilepsia. Por ser considerada um procedimento paliativo, e não curativo, além de bastante agressivo e invasivo, a calosotomia era e ainda é usada apenas em casos muito específicos. “Acreditava-se que a remoção do corpo caloso impediria, no caso da epilepsia, que as conexões neuronais que não funcionam adequadamente e desencadeiam as convulsões se espalhassem para neurônios do hemisfério vizinho”, explica Fernanda. Nos casos cirúrgicos, a remoção desse conjunto de fibras pode ser completa.
O procedimento interrompe a troca de informações entre os dois hemisférios cerebrais, desencadeando a síndrome de desconexão inter-hemisférica. A pessoa cujo corpo caloso é completamente retirado por meio de cirurgia pode se tornar incapaz de dizer o nome de um objeto caso, vendada, o apanhe com a mão esquerda. Isso porque o reconhecimento tátil dessa mão é processado pelo hemisfério direito do cérebro, enquanto a fala é controlada pelo hemisfério esquerdo. E, para perceber um objeto e dizer seu nome, é preciso que os dois hemisférios troquem informações entre si. Segundo Fernanda, o que explica essa incapacidade no caso dessas pessoas é o fato de o sinal não conseguir passar do lado direito para o esquerdo por conta da ausência dessa ponte. Mas há tempos também se sabe que o mesmo não acontece com quem nasce sem essa estrutura cerebral. Em 1968, o neurocientista Roger Sperry, prêmio Nobel de Medicina ou Fisiologia em 1981, verificou que pessoas que nascem sem o corpo caloso são capazes de reconhecer e dizer o nome de qualquer objeto, independentemente da mão com a qual o seguram. Essa constatação, também conhecida como paradoxo de Sperry, deixava os neurocien-
tistas intrigados, porque não se sabia ao certo como um hemisfério se comunicava com o outro na ausência do corpo caloso.
imagens ivanei bramati / instituto d'or
problemas de formação
No estudo da PNAS, Fernanda e seus colaboradores avaliaram seis pessoas de ambos os sexos com idade entre seis e 33 anos e problemas na formação do corpo caloso que variavam de sua ausência completa (agenesia) até o desenvolvimento de um corpo caloso atrofiado. Dos voluntários que participaram do estudo, dois não tinham o corpo caloso; dois o tinham em tamanho menor que o normal (hipoplasia); e outros dois apresentavam apenas partes da estrutura formada (disgenesia parcial). Ao realizarem testes de reconhecimento tátil e visual, os pesquisadores verificaram que a comunicação entre os dois hemisférios do cérebro das pessoas que nasceram sem o corpo caloso ou com apenas parte dele era praticamente igual à observada em um grupo de controle, composto por pessoas com cérebros saudáveis. Na tentativa de entender melhor como o cérebro dos dois grupos funcionava de modo semelhante, os pesquisadores mapearam seus cérebros por meio de técnicas de ressonância magnética estrutural
conexão ampla
conexão restrita
No cérebro normal, milhões de fibras nervosas (em vermelho) conectam os dois hemisférios cerebrais
No cérebro de quem nasce sem o corpo caloso, feixes compactos (em amarelo) ligam áreas dos dois hemisférios
(RM) que permitem visualizar as conexões neurais e técnicas de ressonância magnética funcional (RMf ), que mede a atividade cerebral a partir de variações no fluxo sanguíneo regional. O grupo observou que, diferentemente do cérebro das pessoas saudáveis e de pacientes que tiveram o corpo caloso retirado em cirurgia, os cérebros das pessoas que não tinham o corpo caloso ou que o tinham malformado apresentavam vias nervosas alternativas ligando os dois hemisférios, possivelmente desde o nascimento. “Identificamos em pessoas que haviam nascido sem o corpo caloso, e também nas que o tinham parcialmente formado, um conjunto de fibras nervosas formando feixes compactos que conectam regiões responsáveis pela transferência de informações táteis entre os dois hemisférios”, relata Fernanda. Seriam duas as rotas alternativas de comunicação entre os hemisférios cerebrais. Segundo a médica, elas ligam, bilateralmente, a região do córtex parietal posterior, área relacionada ao reconhecimento tátil. O grupo acredita que esses circuitos cerebrais alternativos, no caso das pessoas que nascem sem o corpo caloso, são gerados durante o desenvolvimento embrionário – entre a 12ª e a 20ª semana de gestação –, quando a plasticidade anatô-
mica do cérebro é alta e capaz de desviar o crescimento dos axônios, a parte do neurônio responsável pela condução de impulsos elétricos de uma célula para outra. A essa capacidade do cérebro de reconectar áreas distantes, os neurocientistas se referem como plasticidade de longa distância. Os pesquisadores ainda não sabem se o cérebro de todos aqueles que nascem sem o corpo caloso desenvolve essas rotas alternativas. Mas o fato de as terem observado em alguns casos já indica que é possível. Por enquanto, os resultados obtidos pelo grupo de Fernanda e Lent não só esclarecem esse antigo paradoxo como também sugerem que mesmo as longas ligações formadas no cérebro durante seu desenvolvimento podem ser modificadas, provavelmente em resposta a fatores ambientais ou genéticos, abrindo caminho para uma melhor compreensão de uma série de doenças humanas resultantes de conexões neuronais anormais formadas durante o desenvolvimento intrauterino. n
Artigo científico TOVAR-MOLL, F. et al. Structural and functional brain rewiring clarifies preserved inter-hemispheric transfer in humans born without the corpus callosum. PNAS. mai. 2014.
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Biodiversidade y
Alianças com os micróbios Diversidade microbiana facilita a resolução de problemas ambientais e a busca de medicamentos Carlos Fioravanti
E
m amostras de terra preta da Amazônia, uma equipe do Centro de Energia Nuclear da Agricultura (Cena) da Universidade de São Paulo (USP) isolou três linhagens de bactérias – dos gêneros Burkholderia, Pseudomonas e Arthrobacter – que, em testes em laboratório, se mostraram capazes de decompor hidrocarbonetos aromáticos como o diesel, abrindo a perspectiva de uso para despoluição ambiental ou industrial. No fim de maio, Fernanda Mancini Nakamura identificava as bactérias que vivem nas cavidades do carvão (blocos de carbono) das amostras de terra preta recolhidas de uma profundidade de 30 centímetros no município de Iranduba, próximo a Manaus. Fernanda já havia identificado sete espécies de bactérias capazes de viver dentro dos blocos de carvão, das quais duas,
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Bactérias do gênero Pseudomonas: algumas espécies causam doenças, outras ajudam a despoluir ambientes
Science Photo
pESQUISA FAPESP 220 z 47
ela acreditava, devem ser capazes de decompor celulose, por apresentarem genes próprios para essa finalidade. Essa descoberta acena com a possibilidade de uso industrial – a quebra da celulose A diversidade ainda é um desafio na produção de álcool microbiana mal combustível a partir da cana-de-açúcar –, se os testes a serem feitos confirmarem é conhecida essa possibilidade. Curiosamente, ela observou, as bactérias que vivem dentro das e já é perdida, partículas de carvão são de espécies diferentes das que vivem em outras partes por causa do da terra preta. Por sua vez, os microrgadesmatamento, nismos das manchas de terra preta – resultantes do acúmulo de alimentos e oudas queimadas tros materiais de origem orgânica pelas populações indígenas pré-colombianas e do avanço – são diferentes dos do solo amarelo, do tipo argissolo ou latossolo, mais comum da agropecuária na Amazônia. A diversidade microbiana tem se mostrado um campo fértil em descobertas de novas espécies ou de mecanismos de adaptação a ambientes inóspitos. Os microrganismos, principalmente as bactérias, se mostraram capazes de viver todos os estados criaram o Projeto Miem ambientes extremos como as águas crobioma Brasileiro (BMP, na sigla em hipersalinas do mar Morto, as terras su- inglês), apresentado em fevereiro na reperáridas do deserto do Atacama, a An- vista Microbial Ecology. A meta é ambitártida ou os corais do fundo do mar. O ciosa, porque a diversidade de bactérias, reconhecimento de novos ambientes e vírus e fungos poderia ser até mesmo de novas espécies está facilitando a apli- maior que a chamada micro ou mesofauna (animais maiores). O cação de microrganismos para Brasil detém 20% da diversiresolver problemas ambiendade biológica conhecida do tais ou identificar potenciais O vírus gigante Samba (em mundo, considerando prinmedicamentos novos. diferentes estágios cipalmente invertebrados e Para dimensionar a diverde formação e vertebrados. As primeiras essidade de microrganismos do isolado à direita): das timativas sobre a diversidade país, pesquisadores de quase águas do rio Negro
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microbiana sugerem que apenas um grama de terra poderia conter um milhão de espécies de bactérias, e as camadas superficiais do solo abrigam espécies de microrganismos diferentes das que vivem nas camadas mais profundas. Um exemplo mais à mão: em um trabalho divulgado no mês passado, pesquisadores da Universidade de Nova York relataram ter encontrado DNA de 3 mil tipos de bactérias em notas de um dólar. Siu Mui Tsai, uma das pesquisadoras principais do BMP, diretora e pesquisadora do Cena-USP (e coordenadora do laboratório em que Fernanda trabalha), recomenda cuidado com as extrapolações sobre a diversidade microbiana e alerta para a importância dos trabalhos de campo em todas as regiões do país. “A diversidade microbiana depende da interação dos microrganismos com as plantas e com o ambiente”, diz ela. Um dos estudos de seu grupo no Cena, realizado em uma fazenda em Rondônia, indicou que a diversidade – medida pela riqueza e abundância de espécies – pode variar em um mesmo ambiente, nesse caso uma área de floresta amazônica, enquanto se mostrava homogênea em uma área de pastagem, avaliada também por meio de vários pontos de coleta. A diversidade microbiana mal é conhecida e já é intensamente reduzida, em consequência do desmatamento, das queimadas e da transformação de matas nativas em pastagens e monocultura como a de soja. “Há um reequilíbrio da diversidade microbiana nas áreas agrícolas, mas isto pode demorar 25 anos no caso
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fotos 1 e 2 Laboratório de Vírus da UFMG 3 Eduardo Cesar
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tro, podem ser cinco vezes das pastagens”, comenta Siu. O Achados da terra preta: Citricoccus, maiores que os vírus da griaumento da temperatura global um dos grupos pe e maiores que bactérias – poderia agravar essa situação de bactérias aptas e 938 genes, dos quais nove em alguns ambientes. Experia degradar desconhecidos. Há variedamentos realizados na Univerhidrocarbonetos como o diesel des maiores, como o Pandora sidade Federal do Rio de Jadulcis, apresentado em 2013, neiro (UFRJ) indicaram que o aumento de dois a quatro graus Celsius com um genoma duas vezes maior que reduz proporcionalmente a diversidade o dos vírus comuns, 1.500 genes e quase micobiana em recifes de corais, que co- um micrômetro de tamanho. “Já isolamos dezenas de vírus giganbrem menos de 1% do fundo dos mares, mas respondem por 25% da diversidade tes”, diz Abrahão. Na lagoa da Pampulha sua equipe encontrou uma variedade que de microrganismos marinhos. A região Norte, uma das que mais so- ganhou o nome de Niemeyer, e na serfrem com a perda de ambientes natu- ra do Cipó, em Minas, a Cipó. Um vírus rais, tem se mostrado pródiga em boas gigante que Abrahão encontrou em uma surpresas para os microbiologistas. De lagoa da cidade de Lagoa Santa, também uma amostra de água recolhida em 2011 em Minas, e deu o nome de Kroon – em do rio Negro próximo a Manaus a equi- homenagem à sua ex-orientadora Erna pe de Jônatas Abrahão, da Universidade Kroon, “a melhor virologista que conheFederal de Minas Gerais (UFMG), isolou ço no país”, ele argumenta –, tem uma um vírus gigante que ganhou o nome de camada externa quadruplicada, que lhe Samba. No dia 29 de abril, em uma das confere mais resistência à radiação ultraapresentações de um encontro sobre violeta e temperatura. O trabalho agora microrganismos organizado pelo progra- anda rápido, depois de meses de frustrama Biota-FAPESP, Jônatas apresentou ção, quando não conseguiam cultivar os o Samba como o primeiro vírus gigante vírus, fazendo-os reproduzir para faciidentificado no Brasil. Descrito em maio litar a identificação, até encontrarem em um artigo na Virology Journal, o Sam- um meio de cultura favorável, com 40 ba tem 600 nanômetros – os maiores gramas de arroz para cada litro de água, vírus gigantes, com até um micrôme- mantido em uma sala escura.
Eles também sabem agora onde procurar. “Onde há amebas, provavelmente há vírus gigantes”, disse Abrahão. As amebas, um tipo de protozoário, poderiam funcionar como bunkers, protegendo os vírus da luz ultravioleta, do calor e de substâncias químicas mortais, de acordo com um artigo de 2013. Neste ano, o grupo de Minas Gerais identificou vírus gigantes em macacos e bois da Amazônia e, em estudos paralelos, concluiu que os vírus taludões poderiam ser incorporados à microbiota do organismo humano e ativar a produção de moléculas de defesa, como os interferons, que ajudam a combater organismos causadores de doenças. Pelo menos um tipo de vírus gigante, o Acanthamoeba polyphaga mimivirus, poderia causar pneumonia em seres humanos. MANGUEZAIS
Desde o final do século XIX, com Robert Kock, Louis Pasteur e outros que identificaram a causa de doenças avassaladoras como a tuberculose, os microrganismos foram associados a doenças. No entanto, “apenas uma pequena parte causa doenças, e geralmente em circunstâncias de desequilíbrio do organismo”, diz Alexandre Soares Rosado, diretor e pesquisador pESQUISA FAPESP 220 z 49
fotos UFRJ
Do laboratório para o campo: bactérias selecionadas em laboratório da UFRJ…
do Instituto de Microbiologia da UFRJ. “A maior parte das vezes podem ser benéficas para a saúde humana e para o ambiente.” As colônias de bactérias do intestino humano fabricam vitaminas importantes para o funcionamento do organismo e estimulam a produção de moléculas de comunicação do sistema imune conhecidas como citocinas. Nos pulmões, de acordo com um estudo em camundongos publicado na Nature Medicine em maio, os microrganismos favorecem a produção de células de defesa e proteção contra asma em adultos. Evidentemente, certos microrganismos continuam a causar preocupação. Um levantamento da Organização Mundial da Saúde em 114 países indicou que a resistência de bactérias a antibióticos é atualmente um fenômeno global. De acordo com o relato, várias espécies, incluindo Escherichia coli, que causa diarreias, Streptococcus pneumonia e Neisseria gonorrhea, adquiriram resistência a antibióticos. “Precisamos desenvolver novas armas para enfrentar as bactérias, que estão se tornando resistentes a todos os antibióticos”, disse o microbiologista Karl Klose, da Universidade do Texas em San Antonio, Estados Unidos, em uma conferência do TED em abril. “Precisamos evitar a volta à era pré-antibióticos.” 50 z junho DE 2014
Variedades de bactérias antes inócuas adquirem resistência a antibióticos, hoje um problema mundial
Rosado tem explorado o lado amigável das bactérias. Em colaboração com a equipe do Centro de Pesquisa (Cenpes) da Petrobras, o grupo da UFRJ elaborou uma combinação de mais de 10 espécies de bactérias – do gênero Pseudomonas, Actinobacteria e outras – que tem servido para restaurar a vegetação de manguezais. A combinação, inicialmente na forma líquida e depois encapsulada em alginato, foi testada durante um ano e meio em laboratório. Como apresentou os resultados esperados, foi empregada para despoluir uma área de quatro quilômetros quadrados de manguezal da baía de Todos os Santos, litoral da Bahia, na qual houvera sucessivos derramamentos de petróleo. A primeira surpresa foi a eficácia da estratégia: “As cápsulas incham e liberam as bactérias lentamente, durante seis meses, protegendo das marés”, contou Rosado. Os pesquisadores observaram que as pílulas de bactérias, provavelmente por aumentar a fixação de nitrogênio, nutriente essencial às plantas, aumentaram em 35% a sobrevivência das plântulas usadas para recompor o
… são encapsuladas (ampliação ao lado), nutrem plantas em viveiro (acima) e ajudam a recuperar manguezais
ambiente, em comparação com as áreas não tratadas. “As bactérias protegem as plantas e, em vez de 30 anos, conseguimos restaurar a vegetação em menos de três anos, com essa técnica”, diz ele. “Os microrganismos conduzem os ciclos biológicos e geológicos, como produtores e decompositores de material orgânico.” A equipe da UFRJ distribuiu 300 tubos com óleo no manguezal de Marambaia, no litoral do Rio de Janeiro – cada tubo contém três barreiras de contenção para evitar vazamento –, para avaliar a ação de microrganismos sobre a degradação de poluentes e testar a viabilidade de técnicas de menor custo que as empregadas na Bahia. Ao mesmo tempo, a equipe de Rosado trabalha na descrição de cinco prováveis espécies novas de bactérias, identificadas entre 350 isoladas nos últimos anos em manguezais e no litoral e no interior da Antártida, onde também estão sendo feitos levantamentos. MEDICAMENTOS
Desde a década de 1940, com a penicilina, produzida a partir de fungos do gênero Penicillium, os microrganismos têm sido úteis para produzir medicamentos. A estreptomicina, isolada da cultura de uma bactéria de solo, a Streptomyces griseus, foi um dos destaques de uma reunião
científica sobre novos antibióticos realizada na Academia de Ciências de Nova York em janeiro de 1946. A estreptomicina era uma possibilidade atraente para o tratamento de tuberculose, sobre a qual a penicilina não atuava, embora apresentasse uma toxicidade alta. Outra espécie, a Strepmyces aerofaciens, forneceu a aeromicina, de menor toxicidade, que um grupo de médicos de Nova York testou em 35 pessoas com linfogranuloma venéreo, uma doença sexualmente transmissível de origem bacteriana, com resultados que consideraram excelentes. Alan Bull e sua equipe da Universidade de Kent, Inglaterra, também consideraram excelentes os resultados dos testes in vitro da ação antibiótica e antitumoral de substâncias produzidas por bactérias do gênero Streptomyces isoladas de regiões hiperáridas do deserto do Atacama, no Chile. No dia 28 de abril na FAPESP, Bull comemorou a possibilidade de se poder trabalhar atualmente de modo integrado na taxonomia (classificação), ecologia e genoma dos microrganismos e, ao mesmo tempo, na identificação das substâncias com efeitos antibíóticos, cujas estruturas químicas poderiam fundamentar novos medicamentos. Ele apresentou vários exemplos de fármacos naturais, como uma substância produzida por uma bacté-
ria encontrada no fundo de um fiorde da Noruega que mostrou ação in vitro contra vários tipos de tumores, e ressaltou que é importante também avaliar a eventual ação tóxica sobre as células saudáveis dos organismos. “As descobertas de novas substâncias com ação antibiótica ou antitumoral não lembram necessariamente novos medicamentos”, ele ressaltou, após sucessivas decepções. “As empresas farmacêuticas não estão interessadas em antibióticos. A prioridade são medicamentos que possam ser usados pela vida inteira.” Bull afirmou que não sabe por que os microrganismos que vivem no deserto, no gelo ou no fundo do mar produzem substâncias que eliminam bactérias ou células anormais que se juntam para formar tumores. n
Projeto The microbiome of Amazonian dark earth: structure and function of the microbial communities from rhizosphere and biochar associated to the biogeochemical cycles (nº 11/50914-3); Modalidade: Auxílio à Pesquisa – Regular/ Biota/FAPESP; Pesquisadora responsável Siu Mui Tsai (Cena-USP); Investimento: R$ 477.191,18 (FAPESP).
Artigos científicos SANTOS, H.F. et al. Mangrove bacterial diversity and the impact of oil contamination revealed by pyrosequencing: Bacterial proxies for oil pollution. PLoS ONE. v. 6, n. 3, p. e16943. 2011. PYLRO, V.S. et al. Brazilian Microbiome Project: Revealing the unexplored microbial diversity – Challenges and prospects. Microbial Ecologyv. 67, n. 2, p. 237-41. 2014. RODRIGUES, J.L.M. et al. Conversion of the Amazon rainforest to agriculture results in biotic homogenization of soil bacterial communities. PNAS. v. 110, n. 3, p. 988-93. 2013. CAMPO, R.K. et al. Samba virus: a novel mimivirus from a giant rain forest, the Brazilian Amazon. Virology Journal. v. 11, n. 95. 2014.
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Zoologia y
O inimigo ao lado Comum em regiões tropicais do planeta, fungo letal para anfíbios pode ser nativo da mata atlântica
O
fungo que dizimou populações de anfíbios em vários países pode ter origem brasileira, mais especificamente na mata atlântica. A conclusão vem do trabalho que o biólogo norte-americano David Rodriguez realizou durante um período de pós-doutorado no laboratório de Kelly Zamudio na Universidade Cornell, nos Estados Unidos, e contraria a noção anterior de que a doença teria sido introduzida no Brasil por meio da importação de rãs para a produção de carne (ver Pesquisa FAPESP nº 196). Mas não foi surpresa para o biólogo brasileiro Célio Haddad, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, que participou do estudo. “Quando eu estava na graduação, no início dos anos 1980, já via muitos girinos com a boca toda deformada”, conta. “Como os bichos não morriam disso, eu não considerava que fosse um problema.” Na época, não se sabia que as lesões na boca eram consequência da infecção pelo fungo Batrachochytrium dendrobatidis, o quitrídio. Apesar de relatos de mortandade em massa de anfíbios nas Américas e na Austrália desde os anos
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1970, sobretudo em áreas de maior altitude, só no final dos anos 1990 o culpado foi identificado. Tentando entender em que região do mundo surgiu a doença, o grupo de Cornell e da Unesp examinou 2.799 sapos, rãs e pererecas de 13 famílias diferentes, coletados entre 1894 e 2010 nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. Depois de esfregar um cotonete em áreas determinadas do corpo de cada um dos espécimes armazenados em museus brasileiros e fazer análises genéticas em Cornell, o grupo encontrou material genético do fungo em todas as famílias, de acordo com artigo publicado em fevereiro deste ano na Molecular Ecology. O fungo já infectava inclusive o exemplar de 1894, que se tornou o registro mais antigo encontrado até hoje. Esse resultado significa, é claro, que ainda não se sabe desde quando a doença existe na mata atlântica: apenas que nos últimos 120 anos ela já estava disseminada. Os recordes anteriores tinham sido localizados na África, nos anos 1930, além de uma suspeita não confirmada em 1902 no Japão. Examinando amostras de pele ao microscópio, um estudo anterior do grupo de Haddad
também tinha detectado o fungo em animais coletados no Brasil nos anos 1960. Além de verificar que o quitrídio existe há muito tempo em toda a região amostrada e numa ampla diversidade de espécies, o estudo também corrobora outra suspeita antiga de Haddad: a de que nesse período não houve picos de infestação, caracterizando epidemias. Parece que a doença, letal em outros países a ponto de causar pânico entre especialistas diante de florestas forradas de animais mortos, praticamente não mata os anfíbios brasileiros. “Muitos dos animais infectados que capturamos estavam se reproduzindo, o que significa que estavam bem”, explica o biólogo, que é um dos maiores especialistas em sapos brasileiros. Durante o período sabático que passou em Cornell em 2013, Haddad discutiu os resultados com Rodriguez e confirmou com sua experiência o que o colega mais jovem via nos dados de análises genéticas: B. dendrobatidis faz parte do ecossistema da mata atlântica. A prevalência do fungo se manteve constante desde 1894, atingindo por volta de 20% dos sapos, rãs e pererecas do Sul e do Sudeste do Brasil,
fotos célio haddad / unesp
Apesar da presença constante no ambiente, a doença não atinge as espécies igualmente: infecta 75% de Bokermannohyla luctuosa (abaixo) e é ausente em Hypsiboas polytaenius (à direita)
seguindo um padrão de doença endêmica. O estudo identificou também duas linhagens do fungo, que aparentemente chegam a formar híbridos. Uma delas é tipicamente brasileira e menos agressiva. A outra é a forma mais virulenta, disseminada em várias regiões do mundo. Os indícios apresentados por Rodriguez levam a crer que o quitrídio é nativo da mata atlântica, e não uma espécie invasora, que teria sido introduzida pelo comércio de rã-touro para criadouros de produção de carne, que começou nos
anos 1930. Talvez, ao contrário, tenha chegado a outros países por meio da exportação dessas rãs e de outros anfíbios. Mas ainda não é possível chegar a uma conclusão definitiva. “O movimento pode ter acontecido nos dois sentidos”, alerta Haddad. Também é possível que a linhagem global tenha chegado ao Brasil antes do final do século XIX, mas sem causar grande mortalidade porque os sapos da mata atlântica já estariam “vacinados” pela convivência com a versão brasileira, menos virulenta, imagina o biólogo.
Segundo comentário de Karen Lips, da Universidade de Maryland, na mesma edição da Molecular Ecology, os resultados apresentados pelo grupo de Cornell e da Unesp mudam a forma de pensar a origem, a evolução e a disseminação do quitrídio pelo mundo. É uma opinião que conta: Karen esteve entre os primeiros pesquisadores a estudar populações dizimadas pelo fungo, e num congresso há cerca de 15 anos duvidou do relato de Haddad de que a doença não causava danos graves por aqui e nem estava listada entre os problemas enfrentados pelos sapos e afins nativos do Brasil. Para ela, o novo conhecimento significa também que controlar o comércio internacional de anfíbios não é a melhor forma de conter a doença. Afinal, ela parece ter circulado pelo mundo por conta própria, antes de ter essa ajuda para viajar entre continentes. n Maria Guimarães
Projeto Diversidade de anfíbios anuros na mata atlântica: origem, manutenção e conservação (nº 2012/17220-0); Modalidade Bolsa no exterior - Regular - Pós-doutorado; Pesquisador responsável Célio Haddad (Unesp Rio Claro); Investimento R$ 59.204,10 (FAPESP).
Artigo científico RODRIGUEZ, D. et al. Long-term endemism of two highly divergent lineages of the amphibian-killing fungus in the Atlantic Forest of Brazil. Molecular Ecology, v. 23, n. 4, p. 774-87. fev. 2014.
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especial biota educação XIiI
Seriguela e sucupira pela agricultura Genes de plantas do cerrado e do semiárido podem contribuir para o melhoramento de cultivares
Noêmia Lopes (Agência FAPESP) e Ricardo Zorzetto
A
seriguela e o umbuzeiro, árvores comuns no semiárido nordestino, e a sucupira-preta, do cerrado, integram um grupo de plantas brasileiras que podem ajudar a agricultura a enfrentar duas das consequências das mudanças climáticas: o aumento da temperatura e a escassez de água em certas regiões. É que essas três espécies apresentam grande capacidade adaptativa por serem tolerantes ao calor e à seca. A identificação e o isolamento dos genes que conferem resistência a essas plantas podem ajudar a tornar culturas agrícolas como a soja, o milho, o arroz e o feijão mais tolerantes aos extremos climáticos, afirmou o engenheiro agrícola Eduardo Assad, do Centro Nacional de Pesquisa Tecnológica em Informática para a Agricultura (CNPTIA) da Embrapa, em palestra apresentada no quarto encontro do Ciclo de Conferências 2014 do programa Biota-FAPESP Educação, realizado em 22 de maio em São Paulo.
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“O cerrado já foi muito mais quente e seco do que hoje e árvores como pau-terra, pequi e faveiro, além da sucupira-preta, sobreviveram”, disse Assad. “Precisamos estudar o genoma dessas espécies para identificar e isolar os genes que as tornam tão adaptáveis.” Uma vez feito isso, o passo seguinte é tentar inseri-los em plantas como a soja ou o milho para aumentar a tolerância à falta de água e ao calor. “Não é fácil, mas precisamos começar”, afirmou. O Brasil abriga, segundo Assad, a maior variedade conhecida de plantas resistentes ao calor e à seca. E aumentar a capacidade de suportar escassez de água e temperaturas elevadas é um dos grandes desafios da agricultura nacional. Afinal, as simulações de cenários futuros feitas pela Embrapa indicam que a produtividade de culturas como milho, soja e arroz deve cair ainda mais nas próximas décadas em consequência das alterações no clima do planeta. “Esses cenários valem para as variedades genéticas atuais”, explicou Assad.
fabio colombini
Tolerância elevada: flor de pequizeiro, árvore nativa do cerrado, adaptada ao calor e à seca
“Uma das soluções é buscar genes alternativos para trabalhar com melhoramento [dessas culturas].” Como exemplo de contribuição do Centro Nacional de Pesquisa de Soja da Embrapa para enfrentar um cenário de aumento de temperatura e redução de chuvas, Assad apresentou uma variedade de soja geneticamente alterada a ser lançada em 2015. Essa variedade contém um gene chamado Dreb (sigla em inglês de proteína de resposta à desidratação celular), que codifica uma proteína responsável por acionar as defesas naturais da planta contra a perda de água. Patenteado pelo Centro de Pesquisa Internacional do Japão para Ciências Agrícolas (Jircas), esse gene foi extraído de uma planta da família da mostarda, a Arabidopsis thaliana, o primeiro vegetal a ter o genoma sequenciado. Na soja, esse gene parece aumentar a resistência à escassez de água. “Nós a testamos neste ano, no Paraná, durante um terrível período sem chuvas”, contou. “Ainda há estudos a serem feitos, mas ela está se saindo muito bem.”
Ele também mencionou avanços obtidos pelo Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), que já lançou quatro cultivares de feijão tolerante a temperaturas elevadas, e pesquisas feitas no município de Varginha, em Minas Gerais, em busca de variedades de café mais tolerantes ao calor e à falta de água. Prejuízos
Cálculos da Embrapa feitos com base na produtividade média da soja mostram que somente esse grão acumulou no Brasil perdas de mais de US$ 8,4 bilhões em consequência de mudanças climáticas entre 2003 e 2013. Já a produção de milho perdeu mais de US$ 5,2 bilhões no mesmo período. Pesquisas feitas pela Embrapa e pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) indicam ainda que nos próximos anos deve ocorrer uma redução na área favorável ao plantio de algumas culturas. Essas análises preveem um encolhimento de 9,45% na área considerada de baixo risco para o cultivo do café arábica até 2020, o pESQUISA FAPESP 220 z 55
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Pequizeiro: o sequenciamento de seu genoma pode revelar genes que favorecem a tolerância a altas temperaturas e à escassez de água
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que pode causar prejuízos de R$ 882 milhões. A perda de área boa para o café pode chegar a 17,15% até 2050, elevando as perdas para R$ 1,6 bilhão. Diante do risco de prejuízos, outra solução proposta por Assad é a revisão do modelo produtivo agrícola. “A concentração de gases de efeito estufa na atmosfera aumentou mais de 20% nos últimos 30 anos, tornando indispensável a implantação de sistemas produtivos mais limpos”, disse à Agência FAPESP. “O Brasil é muito respeitado nessa área, em especial porque reduziu o desmatamento na Amazônia e, ao mesmo tempo, ampliou a produtividade na região.” Esse resultado, segundo Assad, cria a oportunidade de se discutir a adoção de práticas agrícolas mais sustentáveis, como a integração da lavoura com a pecuária e a floresta, o plantio direto na palha, o uso de bactérias fixadoras de nitrogênio no solo, a rochagem (uso de micro e macronutrientes para melhorar a fertilidade dos solos),
Eduardo Assad, Leonardo Meireles e Alexandre Colombo: necessidade de adaptação
a aplicação de adubos organominerais, além do melhoramento genético. “O confinamento do gado é outro ponto que está em discussão por pesquisadores e criadores em diversas partes do mundo”, lembrou Assad. Para diminuir o risco de contaminação dos rebanhos confinados, a saída é a recuperação de pastos degradados. Estudos da Embrapa Agrobiologia mostra que a produção de carne em pastagens recuperadas pode reduzir em até 10 vezes a emissão de gases de efeito estufa. “Ambientalistas, ruralistas, o governo e o setor privado precisam sentar e decidir o que fazer daqui em diante”, afirmou Assad. “Qual sistema de produção adotar? Com ou sem pasto? Com ou sem árvores? Rotacionado ou não? São mudanças difíceis, de longo prazo, mas muitos agricultores já estão preocupados com essas questões e com os prejuízos que o aquecimento global pode trazer, e começam a buscar soluções”, disse.
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As consequências das alterações no clima do planeta não deverão se restringir à agricultura. Em ecossistemas bastante degradados, como a mata atlântica, muitas das espécies de árvores também podem perder espaço com o aumento da temperatura média da superfície do planeta prevista para as próximas décadas. Em sua apresentação, o biólogo Alexandre Colombo mostrou o que deve acontecer com 38 espécies de árvores nativas da mata atlântica até a metade deste século. Colombo usou informações sobre a distribuição dessas 38 espécies, coletadas em 2.837 localidades do país, para alimentar um modelo matemático que levou em consideração as alterações na temperatura previstas para as próximas décadas. No cenário otimista, em que se espera um aumento de dois graus
fotos 1 a 3 eduardo cesar 4 e 5 fabio colombini
biodiversidade
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Palmito-juçara: palmeira que pode perder espaço na mata atlântica com o aquecimento global
na temperatura média da superfície do planeta, 32 espécies poderiam sofrer uma redução significativa em sua área de distribuição até 2050 – na média, a área de ocorrência dessas espécies pode sofrer uma redução de 25%. Já no cenário pessimista, em que a temperatura pode subir quatro graus, a área de ocorrência de 19 espécies pode encolher em mais de 50%. A redução do ambiente adequado para sobreviver deve afetar principalmente árvores como o palmito-juçara (Euterpe edulis) e a pimenteira (Mollinedia schottiana), segundo o estudo de Colombo, realizado sob a coordenação de Carlos Alfredo Joly, professor da Unicamp e coordenador do Biota-FAPESP. Das 38 espécies analisadas nesse trabalho, publicado em 2010 no Brazilian Journal of Biology, a que mais pode perder espaço é a guaricica (Vochysia magnifica), uma árvore que pode alcançar quase 25 metros de altura cuja distribuição pode sofrer uma redução brutal (73%). Hoje encontrada no Sudeste e no Sul do país, a guaricica pode passar a existir apenas no oeste de Santa Catarina e no norte do Rio Grande do Sul se a temperatura subir quatro graus até 2050. Atualmente os pesquisadores trabalham em colaboração também com equipes da Universidade de São Paulo (USP), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), com apoio da Petrobras, para investigar o que deve ocorrer com a distribuição de 81 espécies de árvores dos diferentes biomas brasileiros até 2100. Como estratégia para reduzir o possível impacto causado pelas alterações no clima do planeta,
Colombo propõe que se invista na preservação dos remanescentes florestais e no reflorestamento de áreas em que a vegetação natural foi degradada. Também sugere que sejam criados corredores conectando os fragmentos de vegetação nativa. O biólogo Leonardo Dias Meireles, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, explicou em sua palestra como são construídos os modelos de distribuição geográfica potencial de uma espécie. Por levarem em consideração variáveis ambientais e climáticas dos locais onde as espécies já foram encontradas, esses modelos permitem, por exemplo, identificar novas áreas com condições similares às habitadas hoje pelas espécies. Assim, é possível a área de ocupação potencial de uma espécie orientar coletas ou mesmo sua reintrodução consciente no ambiente. Como exemplo, ele citou o caso da árvore casca-d’anta (Drimys brasiliensis), que recentemente foi encontrada em uma região do sudeste de Goiás, como apontado por modelos desenvolvidos por Meireles durante seu doutorado, sob orientação de George Shepherd, na Unicamp. Segundo Meireles, esses modelos são importantes para estimar o ganho ou redução na área de ocorrência de uma espécie e como elas podem responder às alterações climáticas. Também auxiliam na identificação de áreas climaticamente favoráveis ao estabelecimento de novas populações no futuro, permitindo ajudar na concepção de estratégias de preservação da flora e da fauna. O ciclo de conferências organizado em 2014 pelo Programa de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade do Estado de São Paulo tem como foco os serviços ecossistêmicos. O último encontro da série tem como tema “Biodiversidade e ciclagem de nutrientes” e deve ser realizado no dia 25 de junho. n
Programação
Ciclo de Conferências Biota-FAPESP Educação 2014 Para mais informações: www.biota.org.br www.biotaneotropica.org.br www.agencia.fapesp.br
25 DE JUNHO (14h00-16h00) BIODIVERSIDADE E CICLAGEM DE NUTRIENTES Conferencistas Luiz A. Martinelli (a confirmar) Simone A. Vieira (Nepam-Unicamp) Plínio Barbosa de Camargo (Cena-USP)
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ilustrações mauricio pierro
tecnologia saúde y
Dengue
no alvo Entre novas armas de combate à doença está um biossensor que faz diagnóstico da infecção por vírus em 20 minutos
Dinorah Ereno
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acinas, insetos geneticamente modificados e armadilhas que funcionam como coletores de dados, além de um teste rápido de diagnóstico, são as estratégias que já estão sendo utilizadas ou estudadas para combater a dengue no Brasil e no mundo. Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês), hoje cerca de 2,5 bilhões de pessoas, ou 40% da população mundial, vivem em áreas onde há risco de transmissão de dengue. As estimativas apontam que a doença atinge entre 50 milhões e 100 milhões de pessoas todos os anos, incluindo 500 mil casos de dengue hemorrágica e 22 mil mortes, principalmente entre crianças. O Brasil é apontado como um dos 30 países mais endêmicos, entre os mais de 100 que registram a doença. Até abril deste ano, segundo o Ministério da Saúde, foram registrados 215 mil casos de dengue, uma redução de 70% em relação aos quatro primeiros meses do ano passado. “Como todas as doenças transmitidas por vetores, a incidência de dengue é espacialmente localizada, assim há aumento em algumas localidades e em outras há queda. Tudo depende do local onde se olha”, diz o infectologista Marcelo Burattini, professor de informática médica na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e de infectologia na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Os vetores são os mosquitos do gênero Aedes. Nas Américas, a espécie Aedes pESQUISA FAPESP 220 z 59
Monitoramento inteligente O que é Plataforma usa armadilhas chamadas Mosquitrap que funcionam como coletor de dados de infestação.
Como funciona Mosquitrap imita criadouro para as fêmeas adultas do Aedes. Quando elas entram nos cilindros pretos de plástico, atraídas por um composto químico, ficam presas a um cartão adesivo. Os dados coletados por agentes de campo são enviados por telefone celular para a plataforma central do MI-Dengue.
Estágio atual Utilizada atualmente por 10 cidades brasileiras, entre elas Santos, Vitória, Porto Alegre e Uberaba.
aegypti é a responsável pela transmissão da dengue. A circulação dos quatro sorotipos do vírus (1, 2, 3 e 4) transmitidos pelos mosquitos sofre constantes mudanças pelo mundo. Como os sintomas da infecção pelo vírus são muito semelhantes aos de outras doenças, a detecção precoce faz toda a diferença para o paciente. Pensando nisso, pesquisadores do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP), coordenados pelo professor Francisco Eduardo Gontijo Guimarães, desenvolveram um teste diagnóstico que demora apenas 20 minutos para dar o resultado e pode ser acessado em tempo real pelo celular ou notebook. Para tentar reduzir o preço do produto final e concorrer com o teste importado, utilizado apenas em casos que demandam confirmação, como dengue grave ou complicada e para fins de vigilância epidemiológica, eles recorreram à interação antígeno-anticorpo para detectar o vírus da dengue. Esse vírus secreta na corrente sanguínea uma proteína estrutural, chamada de NS1, logo nos primeiros dias de infecção. Já o corpo humano produz anticorpos específicos que combatem a NS1 após o quinto dia de infecção. “A grande novidade do projeto foi a produção dos anticorpos em grande concentração em ovos de galinha”, diz Guimarães. Esses anticorpos são posteriormente imobilizados 60 z junho DE 2014
sobre uma membrana metálica (biossensor) que, em contato com o sangue infectado, reage com a proteína NS1, produzindo um sinal elétrico. “Apesar de o corpo ter milhões de proteínas, só aquela gerada pelo vírus da dengue se liga ao anticorpo.” Atualmente, o exame mais utilizado em postos de saúde para detectar a doença só pode ser feito a partir do sexto dia, o que faz ela ser confundida com outras infecções e nem sempre ser tratada da forma adequada. “O teste convencional não pode ser feito nos primeiros dias porque ele mede a concentração de anticorpos, presentes a partir do sexto dia”, ressalta. Já o biossensor em testes avalia uma pequena concentração da proteína NS1, que é produzida pelo vírus assim que ele entra na corrente sanguínea da pessoa infectada. Em setembro do ano passado, a USP fez um depósito de patente da inovação.
O
projeto foi desenvolvido no âmbito do Instituto Nacional de Eletrônica Orgânica, um dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) com sede no Instituto de Física de São Carlos da USP, financiado pela FAPESP e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “Nós já trabalhávamos com biossensores quando, há três anos, tivemos a ideia de desenvolver um aparelho portátil e de baixo custo para detecção da dengue”, diz Guimarães. A ideia é que todo posto de saúde, mesmo em lugares remotos, possa fazer o teste sem que o sangue tenha de ser levado para grandes centros. O projeto está em fase final de execução. Uma outra linha de pesquisa trabalha com uma tática inovadora, cujo objetivo é bloquear o vírus da dengue em Aedes aegypti utilizando a bactéria Wolbachia. Essa bactéria simbiótica encontra-se presente nas células de cerca de 70% de todas as espécies de insetos, como moscas-das-frutas, pernilongos e borboletas. O projeto, iniciado em 2006 e coordenado pelo professor Scott O’Neill, da Universidade Monash em Melbourne, na Austrália, envolve ainda pesquisadores de outros seis países, entre os quais o Brasil. Aqui os estudos são conduzidos na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Rio de Janeiro, sob a coordenação de Luciano Moreira e a participação de 15 pesquisadores. A bactéria é retirada de moscas-das-frutas e introduzida em ovos do Aedes. Após a criação de colônias de mosquitos em laboratório, elas são liberadas na natureza. Além de bloquear a transmissão do vírus da dengue pelo mosquito, a bactéria atua na sua reprodução. Estudo publicado em 25 de agosto de 2011 na revista Nature divulgou os resultados de um teste experimental em campo feito em duas localidades da cidade de Cairns, em Queensland, durante 10 semanas. Foram liberados 300 mil Aedes adultos com a Wolbachia e, após cinco semanas, em uma das localidades 100% dos
mosquitos selvagens carregavam a bactéria e na fêmeas selvagens, são gerados descendentes que outra 90%, portanto eles eram incapazes de trans- morrem ainda nos primeiros estágios de desenmitir o vírus. Testes de campo estão sendo feitos volvimento (ver mais sobre o assunto na edição no Vietnã e na Indonésia e a previsão é que ainda nº 180 de Pesquisa FAPESP). No Brasil, os pareste ano eles comecem também no Brasil, após a ceiros da Oxitec têm sido o Instituto de Ciências Biomédicas da USP, responsável pelos testes em aprovação das instâncias regulatórias. Na mesma linha, mas com outra abordagem, laboratório com a linhagem transgênica, e a orestão os mosquitos geneticamente modificados ganização social Moscamed, que cuida dos testes criados em 2002 pela empresa britânica Oxford em campo e tem uma biofábrica para a produção Insect Tecnologies (Oxitec), que foram libera- dos mosquitos em Juazeiro, na Bahia. “Desde dos em abril deste ano pela Comissão Técnica 2002 estamos fazendo testes e ensaios com essas Nacional de Biossegurança (CTNBio) para uso linhagens, inclusive no Brasil”, diz Glen Slade, diretor global de desenvolvicomercial. No entanto, sua mento de negócios da Oxitec. produção depende ainda de registro comercial no MinisAs prefeituras serão os prin tério da Saúde com base na cipais clientes para a compra análise técnica da Agência dos mosquitos transgênicos. Nacional de Vigilância Sani“Ainda não temos informação Tática inovadora tária (Anvisa). Os mosquitos fechada sobre custos, mas bloqueia vírus carregam um gene letal para temos estudos para uma área a prole, que morre antes de com 50 mil pessoas”, relata da dengue em chegar à fase adulta. O méSlade. O primeiro ano, que é todo consiste em liberar um considerado de soltura intenAedes aegypti grande número de machos siva para que haja uma redugeneticamente modificados ção na quantidade de Aedes com a bactéria em áreas onde há infestação adultos selvagens, custará enWolbachia – os machos não picam e, tre R$ 2 milhões e R$ 5 miportanto, não transmitem a lhões. O segundo ano, chamadengue. Ao copularem com as do de manutenção, ficará em até R$ 1 milhão. “Existe ainda a opção de fazer parcerias com os municípios para treinar pessoas para o programa de manutenção, o que irá reduzir o valor da solução”, diz. Durante quatro a seis meses da fase intensiva é preciso soltar entre 100 e 200 mosquitos por semana por pessoa. A Oxitec está começando a produzir os primeiros mosquitos em gaiolas em uma fábrica própria instalada em Campinas, com capacidade para produção de 2 milhões de mosquitos transgênicos por semana. É uma produção pequena, que dá para tratar uma área com 10 mil pessoas. A intenção é criar outras fábricas mais próximas dos projetos futuros.
Teste de diagnóstico rápido foto eduardo cesar ilustraçãO mauricio pierro
O que é Biossensor detecta vírus da dengue em apenas 20 minutos.
Como funciona Anticorpos imobilizados sobre uma membrana metálica entram em contato com o sangue infectado pelo vírus e reagem com uma proteína chamada NS1, produzindo um sinal elétrico.
Estágio atual Projeto está em fase final de execução.
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s vacinas são outra frente bastante promissora de combate à doença, mas ainda não há nenhuma delas no mercado. A mais adiantada entre todas as que estão em desenvolvimento é a do laboratório Sanofi Pasteur, que está na fase 3 de desenvolvimento clínico, com testes em larga escala para avaliar a sua eficácia. Resultados preliminares divulgados em abril deste ano pelo laboratório demonstraram 56% de redução de casos de dengue em um estudo feito entre 2011 e 2013 com mais de 10 mil voluntários na Ásia. Participaram crianças com idades entre dois e 14 anos em áreas endêmicas para dengue da Indonésia, Malásia, Filipinas, Tailândia e Vietnã. Os participantes receberam três injeções da vacina pESQUISA FAPESP 220 z 61
tudo divulgado recentemente foi feito em diferentes ambientes epidemiológicos da Ásia, assim como na América Latina.” A divulgação dos 56% de eficácia da vacina também foi questionada por alguns especialistas. A hipótese aventada pelos críticos é que, se não inda não foram fechados os estudos que houver proteção total contra todos os sorotipos irão mostrar se a imunização é eficaz con- e se a pessoa vacinada for infectada novamente, tra os quatro sorotipos do vírus. “Os re- aumentaria o risco de contrair a dengue hemorsultados preliminares da Ásia serão complemen- rágica. “Esse risco é teórico e não foi observado tados no segundo semestre deste ano com os da- nos ensaios feitos até agora”, diz Sheila. “Temos pacientes vacinados desde o inídos de um segundo estudo que cio do estudo e o bom perfil de está sendo realizado na Amésegurança da vacina se manterica Latina e conta com mais de 20 mil voluntários, de nove Além da Sanofi, ve conforme estudos prévios.” a 16 anos, do Brasil, Colômbia, A vacina é feita com o vígrupos de Honduras, México e Porto Rirus atenuado e recombinante. co”, diz a médica. A análise da “Parte do envelope dos quapesquisa eficácia será feita por sorotipo. tro sorotipos do vírus da denEm relação às críticas feitas por gue é atenuado e por dentro é brasileiros infectologistas e imunologistas recheado com o vírus vacinal da ao estudo feito na Tailândia em febre amarela, que é estável em trabalham em 2012, em que foi relatado que termos de eficácia e segurança”, vacinas contra a vacina não protegia contra o explica a médica. As pesquisas sorotipo 2, Sheila diz que ainque resultaram na vacina tivea dengue da era um estágio precoce de ram início há 20 anos. A previdesenvolvimento. “Foram avasão é que até o final de 2015 ela liadas apenas 4 mil pessoas e esteja disponível no Brasil. numa única região”, diz. “O esAlém da Sanofi, outros grupos de pesquisa brasileiros, como o Instituto Butantan, em São Paulo, e o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos da Fundação Oswaldo Cruz (Bio-Manguinhos/Fiocruz), do Rio de Janeiro, estão trabalhando no desenvolvimento de vacinas tetravalentes para a dengue. A do Butantan, cujas pesquisas começaram em 2005, tem como parceiro os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos. A tecnologia é a de vírus vivo atenuado através de modificação genética de vírus selvagens. O agente infeccioso permanece capaz de estimular a produção de resposta de defesa do organismo, mas não de causar a doença. Diversos estudos de fase 1 com seres humanos foram realizados nos Estados Unidos para selecionar os quatro vírus atenuados que compõem a vacina e provar a segurança e a resposta imune gerada pela combiO que é nação dos quatro vírus. A fase 2 do estudo, primeira Insetos geneticamente modificados dos testes clínicos em humanos no Brasil que têm produzidos pela empresa britânica Oxitec. como finalidade avaliar a segurança e a imunogeComo funciona nicidade (capacidade de induzir resposta imunoMachos transgênicos carregam um gene lógica) da vacina tetravalente, começou em outuletal. Quando cruzam com fêmeas selvagens bro do ano passado. Até o início de junho haviam são gerados descendentes que morrem nos sido vacinados 50 voluntários, com idade entre 18 primeiros estágios de desenvolvimento. e 59 anos, que nunca tiveram dengue. A vacina deEstágio atual monstrou ser segura nesse grupo. Em uma segunda Após aprovação de uso comercial pela etapa serão recrutados mais 250 voluntários com CTNBio, empresa depende de registro ou sem infecção prévia pelo vírus. Os resultados comercial no Ministério da Saúde para desse estudo devem ser conhecidos em meados produção em larga escala. de 2015 e, se forem favoráveis, um estudo de fase 2 ou um placebo com intervalos de seis meses entre cada dose. “As crianças foram escolhidas porque são elas que apresentam os casos mais graves da doença”, relata a médica Sheila Homsani, gerente do departamento médico da Sanofi Pasteur.
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Mosquitos transgênicos
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Vacinas O que é Vacina tetravalente contra os quatro sorotipos do vírus. A mais avançada, já em fase 3 de desenvolvimento clínico em humanos, com testes em larga escala para avaliação de eficácia, é a da Sanofi Pasteur.
Como funciona Ela é feita com o vírus atenuado e recombinante, a partir do vírus vacinal da febre amarela.
Estágio atual A previsão é que até o final de 2015 esteja disponível no Brasil.
com milhares de participantes deverá avaliar a eficácia da vacina. A de Bio-Manguinhos é feita em colaboração com o laboratório britânico GlaxoSmithKline (GSK) desde 2009, quando firmaram um acordo de pesquisa e desenvolvimento para a obtenção de uma vacina inativada tetravalente para a dengue. Após testes em camundongos, em 2013 foram feitos testes em macacos, como parte dos estudos pré-clínicos. A próxima etapa será o início dos testes clínicos em humanos, prevista para ocorrer no ano que vem. Estudos epidemiológicos para a definição de locais para a avaliação da vacina já foram feitos em Fortaleza, Rio de Janeiro, Salvador e Manaus. Paralelamente, outra parceria da Fiocruz com a GSK – esta envolvendo também o Walter Reed Army Institute of Research, do exército dos Estados Unidos – já está testando uma vacina de dengue em adultos no Caribe e Estados Unidos. Para o infectologista Burattini, as vacinas são, em uma perspectiva futura, o método mais eficaz de combate às epidemias de dengue. Ele, no entanto, ressalva que nenhuma das vacinas desenvolvidas até agora é 100% eficaz. “Como elas demandam um esquema posológico de duas a três doses, o que limita muito a eficácia real da vacina, e há um intervalo grande de tempo para a repetição das doses, é difícil saber se elas vão funcionar na prática”, diz Burattini, coordenador
de uma pesquisa encomendada pelo Ministério da Saúde, prevista para terminar no final do ano, que tem como objetivo estabelecer a melhor estratégia de vacinação para a dengue. Na sua avaliação é importante estudar e diferenciar a eficácia da vacina de sua efetividade em condições de uso na saúde pública. “A eficácia depende da sua capacidade de suscitar uma resposta imune protetora e duradoura contra os quatro sorotipos do vírus, já a efetividade real depende também de uma série de fatores relacionados às condições operacionais e às características das populações onde as vacinas forem utilizadas”, ressalta. Outro aspecto abordado é que, na sua avaliação, a vacina ideal deveria ser aplicada em uma única dose ou com o menor intervalo de tempo entre uma dose e a próxima. E o terceiro é que ela deve ser isenta de efeitos adversos duradouros. “A vacina precisa mostrar, em ensaios clínicos, que os antígenos que ela usa não estarão relacionados a efeitos adversos, como a propensão a formas graves da doença se houver reinfecção com outro sorotipo, devido a uma exacerbada resposta inflamatória.”
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ma das formas de controle de insetos adultos em uso atualmente por 10 cidades brasileiras, entre elas Santos, Vitória, Porto Alegre e Uberaba, todas com mais de 300 mil habitantes, é um sistema de informação chamado monitoramento inteligente da dengue (MI- Dengue), desenvolvido em parceria entre a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a empresa Ecovec, de Belo Horizonte. “É uma plataforma que utiliza armadilhas para a captura de Aedes adultos como coletor de dados, que tem como grande vantagem a possibilidade de se ter fotografias semanais da população do vetor por cada quarteirão da cidade”, explica Gustavo Mamão, diretor da empresa. Criada pelo professor Álvaro Eiras, da UFMG, a armadilha Mosquitrap imita um criadouro para as fêmeas adultas do Aedes. No momento em que elas entram nos cilindros pretos de plástico para depositar seus ovos, atraídas por um composto químico, acabam presas a um cartão adesivo (ver mais na edição nº 142 de Pesquisa FAPESP). Os dados coletados são enviados pelo agente de campo da prefeitura através de um telefone celular para a plataforma central do MI-Dengue, que tem dentre as suas funcionalidades a geração de mapas do município com manchas coloridas que trazem indicativos de infestação do vetor. Santos, no litoral de São Paulo, utiliza o MI-Dengue desde 2012. “Estão espalhadas pela cidade 461 armadilhas vistoriadas por seis agentes e um supervisor”, diz Mamão. A partir de julho, o projeto será aplicado, experimentalmente, em um condado da Flórida, nos Estados Unidos, durante seis meses. Desde que o sistema foi criado, 50 cidades brasileiras já testaram a plataforma, além de países como Austrália, Cingapura e Colômbia. n pESQUISA FAPESP 220 z 63
Prêmio y
Jovens inovadores Revista do MIT seleciona pela primeira vez no Brasil sua lista dos 10 empreendedores de destaque com menos de 35 anos Fabrício Marques
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m recorte pouco conhecido da inovação e do empreendedorismo no Brasil foi apresentado no mês passado pela revista MIT Technology Review, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). A publicação lançou pela primeira vez uma versão brasileira de seu tradicional prêmio internacional que reconhece iniciativas de inovadores com menos de 35 anos de idade. A lista reúne 10 jovens brasileiros que se destacaram em áreas e iniciativas variadas, de um pesquisador que desenvolveu técnicas para baratear exames de análises clínicas a cientistas que criaram start-ups ou atuam em centros de pesquisa e desenvolvimento de empresas, incluindo também empreendedores que lançaram novas tecnologias como um software para diagnóstico de doenças genéticas e uma plataforma de educação adaptável às necessidades de cada aluno. “O talento e a qualidade do trabalho destes 10 ganhadores demonstram o potencial de inovação no Brasil”, afirma Pedro Moneo, diretor da edição em português da MIT Technology Review. “Eles desempenham um papel importante no desenvolvimento econômico e social e seus projetos desenham o futuro de nossa sociedade.” “Chamou atenção a qualidade de bons trabalhos concorrentes”, diz Marcelo Knobel, professor do Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas, um
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Vanessa Testoni: sempre próxima de temas de interesse de empresas, hoje trabalha no instituto de tecnologia da Samsung
léo ramos
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dos jurados que analisaram as 240 candidaturas ao prêmio. “É sempre importante premiar o esforço e a dedicação das pessoas e é mais interessante ainda por se tratar de jovens empreeendedores, que estão começando a vida no campo da ciência, da tecnologia e da inovação”, diz o professor, que é coordenador adjunto de colaborações internacionais da FAPESP. A lista internacional dos premiados da Technology Review é divulgada anualmente desde 1999 e anteviu o êxito de pesquisadores e empresários hoje consagrados, como Sergey Brin, criador do Google, Mark Zuckerberg, do Facebook, e Konstantin Novoselov, Nobel de Física de 2010 pela contribuição no estudo do grafeno. análises clínicas
O pesquisador Wendell Coltro, 34 anos, professor do Instituto de Química da Universidade Federal de Goiás (UFG), foi reconhecido por propor técnicas de baixíssimo custo para análises clínicas de amostras biológicas, como sangue e urina. Ele desenvolveu duas plataformas. Uma delas, para o diagnóstico de dengue, é composta por uma transparência plástica, sobre a qual são desenhados pequenos círculos com tinta de impressora. Nas áreas transparentes no centro dos círculos são colocados antígenos para a dengue e a amostra de sangue, obtendo-se o diagnóstico. “É muito rápido e exige pouco material”, diz Coltro. A segunda plataforma é composta por uma folha de papel coberta por parafina e um pequeno carimbo metálico, alvo de três patentes obtidas pelo pesquisador, que imprime
O prêmio da Technology Review anteviu o sucesso dos criadores do Google e do Facebook, e do especialista em grafeno que ganhou o Prêmio Nobel
1 O químico Wendell Coltro: testes mais baratos 2 David Schlesinger, criador da Mendelics 2 Lorrana Scarpioni: rede social para compartilhar tempo
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na parafina os microcaminhos por onde o material analisado vai passar. Nas extremidades da folha, colocam-se os reagentes necessários para cada tipo de diagnóstico. A técnica já foi testada para exames de glicose, ácido úrico, albumina e nitrito. Coltro é graduado em química pela Universidade Estadual de Maringá. Foi bolsista da FAPESP de doutorado, realizado entre 2004 e 2008 no Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP sob orientação do professor Emanuel Carrilho, especialista em química bioanalítica e microfluídica (ver Pesquisa FAPESP nº 174). Também foi contemplado com uma bolsa de pós-doutorado da FAPESP no IQSC. “Mas tive de encerrá-lo depois de três meses, porque passei no concurso da UFG”, afirma. A lista da Technology Review também é reveladora de trajetórias que, embora fortemente ancoradas na universidade, ganharam destaque no mundo empreendedor ou então em laboratórios de empresas, como a paranaense Vanessa Testoni, 34 anos. Com mestrado e doutorado em engenharia elétrica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ela sempre esteve próxima de temas de pesquisa de interesse das empresas. No doutorado, foi bolsista da Microsoft Research, braço de pesquisa da Microsoft, onde cumpriu dois períodos de estágio, trabalhando com codificação de imagens e vídeos. Entre 2012 e 2013, fez um pós-doutorado na Universidade da Califórnia, San Diego, com estágio de pesquisa numa empresa, a InterDigital, especializada em tecnologias sem fio para redes e dispositivos móveis. “Essa combinação é comum nos Estados Unidos. O doutorado é vinculado a uma universidade, mas boa parte da pesquisa é feita dentro de uma empresa”, diz. Em outubro de 2013, quando ainda estava nos Estados Unidos, foi chamada a uma entrevista para trabalhar no instituto de pesquisa que a Samsung estabeleceu em Campinas. Hoje trabalha com processamento de sinais, codificação e segurança. Vanessa busca usar sua trajetória para inspirar alunas de engenharia elétrica e ciências da computação. Ela fundou na Faculdade de Engenharia Elétrica da Unicamp um grupo do Women in Engineering (WIE), ramo do Instituto dos Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE), associação mundial de profissionais de tecnologia. O grupo organiza encontros com alu-
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A Mendelics criou um software para diagnóstico de doenças genéticas raras mais eficiente que os existentes no mercado
fotos 1 carlos siqueira / UFG 2 léo ramos 3 r. junior
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nas de graduação, mestrado e doutorado para discutir dificuldades enfrentadas por mulheres engenheiras (ver Pesquisa FAPESP nº 185). “Sempre falamos para as meninas que o caminho não pode resumir-se, como se vê muito no Brasil, a assumir tarefas administrativas e seguir carreira de gerência conforme se avança na profissão. Fora do país, é bastante comum ver engenheiros muito bons trabalhando com pesquisa de fato nas empresas, identificando tendências, gerando patentes e contribuindo para gerar conhecimento novo”, afirma. Outro nome da lista, o médico David Schlesinger, 34 anos, criou uma empresa, a Mendelics, um laboratório de análises genômicas que trabalha com diagnóstico de doenças raras. Graduado na Faculdade de Medicina da USP, fez doutorado em genética no Centro de Estudos do Genoma Humano, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão da FAPESP. Quando obteve o Ph.D., foi convidado a trabalhar com pesquisa em genética no Hospital Albert Einstein – e se desgarrou da carreira acadêmica. Em 2011, ele e um grupo de colegas com formação em genética e bioinformática tiveram a ideia de criar um serviço de diagnóstico de doenças hereditárias. Conversas com
Fernando Reinach, do Fundo Pitanga, que investe em empresas inovadoras, incentivaram o grupo a seguir adiante. “O Fernando nos convenceu a criar um plano de negócios. Acabamos não fechando com o Pitanga, mas as conversas foram decisivas.” No grupo estavam João Paulo Kitajima, especialista em bioinformática que havia deixado a empresa de biotecnologia Allelyx, e o neurologista Fernando Kok, egresso dos Laboratórios Fleury. Com investimento do empresário Laércio Cosentino, nasceu a Mendelics, hoje com 20 funcionários, que já atendeu mais de mil pacientes. “Há mais de 5 mil doenças genéticas conhecidas e cada paciente precisa de um teste específico para detectar o seu problema, o que pode demorar, se a hipótese clínica estiver errada. Nossa proposta foi sequenciar todos os genes. Isso transfere o gargalo para a etapa seguinte, que é o excesso de informação. Então montamos uma estrutura de bioinformática para processar dados e analisar mutações genéticas”, afirma. A empresa desenvolveu uma ferramenta de diagnóstico mais eficiente do que as disponíveis no mercado. Um software batizado de Abracadabra detecta mutações relevantes e entrega os resultados. “O benefício para o paciente é grande, pois
representa a diferença entre se tratar no claro ou no escuro. Os pacientes param de fazer exames invasivos e, se a doença for tratável, podem se curar”, afirma. urgências médicas
No caso de Mario Sérgio Adolfi Júnior, 27 anos, o mergulho no mundo empreendedor aconteceu ainda na graduação. Em 2009, faltando um ano para formar-se em informática biomédica na USP, pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Adolfi criou um programa-piloto de coordenação de urgências médicas feita por computador que deu origem à Kidopi, empresa incubada no parque tecnológico Supera, de Ribeirão Preto. A Kidopi comercializa um sistema on-line de gestão de urgências e emergências que permite a administradores hospitalares tomar decisões em tempo real com base numa série de indicadores. Para dar suporte científico ao crescimento da empresa, Adolfi iniciou um doutorado em 2011 na USP de Ribeirão Preto, ainda não concluído, para criar indicadores gerenciais para atendimento médico. Em 2012, sua empresa recebeu apoio da FAPESP, no âmbito do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), para pESQUISA FAPESP 220 z 67
desenvolver aplicativos para telefones celulares vinculados ao sistema de urgências médicas. “O apoio da FAPESP foi importante no momento em que a empresa decidiu investir em tecnologias móveis”, diz Adolfi. A empresa oferece sistemas de gestão de clínicas e consultórios médicos através da web, por meio de tablets ou computadores. E tem se dedicado a desenvolver um sistema chamado Clever Care, ferramenta de gestão que funciona por meio de troca de mensagens entre o programa e o paciente. “O sistema usa algoritmos e recursos de inteligência artificial para manter um canal direto com o paciente. Tudo é feito por SMS. O sistema programa o envio de perguntas sobre a evolução dos sintomas, abastece uma base de dados e prevê como o paciente vai evoluir. Caso alguma resposta saia do esperado, o gestor de saúde é avisado sobre a possibilidade de intercorrência e pode intervir”, afirma. A intenção de Adolfi é vender a tecnologia da Clever Care para hospitais e planos de saúde interessados em monitorar de forma remota a saúde de pacientes. projetos criativos
Um dos objetivos do prêmio da MIT Technology Review é reconhecer projetos criativos que tragam soluções tecnológicas práticas para problemas reais. As ferramentas criadas por Adolfi são um exemplo, mas há outros na lista dos inovadores. O economista Guilherme Lichand, da consultoria Mgov Brasil, criou um sistema que fornece dados coletados por meio de chamadas de voz e mensagens de SMS para gestão de políticas públicas. A plataforma é utilizada, por
“Conectar o mundo real com plataformas digitais é uma experiência educacional”, afirma o engenheiro Martin Restrepo
exemplo, por agricultores de 53 cidades do Ceará que compartilham informações locais sobre a meteorologia. A MGov os consulta através de sistemas de resposta automática por voz. Quem consegue prever melhor a quantidade de chuvas recebe créditos para celular. Já Lucas Strasburg Ferreira, 22 anos, estudante de engenharia mecânica da Universidade Feevale, na cidade gaúcha de Novo Hamburgo, criou uma prótese inovadora para perna, a Revo Foot, feita com plástico reciclado. Ela consegue substituir, com custo baixo e grande funcionalidade, o membro protético de fibra de carbono que não custa menos de US$ 1,5 mil. Inovações tecnológicas no campo da educação deram lastro à escolha de dois
nomes da lista. Eduardo Bontempo, 30 anos, ajudou a criar uma plataforma de ensino, o Geekie Lab, que identifica os pontos fortes e os vulneráveis de cada aluno e propõe um plano de estudo adaptado a suas necessidades. Bontempo e o sócio Claudio Sassaki fundaram em 2011 a empresa Geekie e lançaram um produto chamado Geekie Teste, ferramenta de avaliação para estudantes dos ensinos fundamental e médio e também para ensino de línguas, desenvolvido com a ajuda de algoritmos baseados em inteligência artificial e modelos matemáticos. O Geekie Teste é usado na preparação de estudantes para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Utilizando o modelo de provas do Enem, oferece questões nas áreas de conhecimento da prova e um plano de estudos semanal para que o estudante supere suas dificuldades. “O método propõe que a tecnologia seja utilizada como apoio para o ensino em sala de aula, criando uma experiência de ensino integrada e personalizada para o aluno”, diz Bontempo, que é graduado em administração de empresas pela Fundação Getulio Vargas e fez MBA no MIT. Martin Restrepo, 32 anos, engenheiro eletrônico colombiano radicado em São Paulo, desenvolveu um método de aprendizagem que usa tecnologias móveis. Ele fundou uma editora transmídia, a Editacuja, que produz conteúdos acessados por meio de telefones móveis ou tablets, além de formar criadores de conteúdo, aplicativos e soluções digitais. Numa visita de campo, estudantes podem consultar no celular informações sobre o espaço ao redor – as espécies exibidas de um Jardim Botânico, por exemplo – produzidas com a ajuda de tecnologias de mapeamento ou GPS. Ou1 Mario Adolfi, criador de sistema de gestão de urgências médicas 2 Eduardo Bontempo: plataforma de ensino que se adapta ao aluno
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3 Gustavo Caetano: 1 Ed eum no quia mercado de vídeos accus derum inum on-line quamus, quam ad 4 2 Martin Ed eumRestrepo, quia criação de verum quatatur conteúdos porinum accus derum meio de telefones Cum aut prerum móveis sinusci pietur?
fotos 1 hugo pessoti 2 geekie 3 Guilherme ferraz 4 editacuja editora
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tro exemplo: numa visita a um cemitério é possível consultar, via celular, informações sobre personalidades enterradas ali e participar de um jogo mediado por tecnologias e o ambiente. O cenário, observa Restrepo, pode se transformar numa sala de aula virtual. Os estudantes também podem tornar-se criadores de informação. A Editacuja montou um programa de formação que ensina a produzir conteúdos, experiências educacionais e aplicativos por meio de ferramentas de autoria. Uma das frentes de trabalho de Restrepo são os chamados “appiarios”, espaços em que jovens recebem treinamento em programação, design, gestão de conteúdo e gerenciamento de negócios digitais. O primeiro deles, aberto em uma comunidade de pescadores em Santa Cruz Cabrália, na Bahia, estimula estudantes a desenhar projetos sobre turismo e pesca, vocação da região. “Conectar o mundo real com plataformas digitais é a experiência educacional em que nós acreditamos”, diz Restrepo. Em outros casos, o mérito dos premiados consiste em criar paradigmas inovadores para soluções que já haviam sido propostas. O mineiro Gustavo Caetano fundou há cinco anos a Samba Tech, quando estudava na Escola Superior de Propaganda e Marketing do Rio de Janeiro. Sua empresa oferece uma plataforma on-line para a transmissão de vídeos especializada em ambientes corporativos. A empresa começou como uma distribuidora de jogos para celular, mas Caetano, percebendo o movimento do mercado, resolveu mudar o foco da empresa para
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Em alguns casos, o mérito dos premiados foi criar paradigmas inovadores para soluções já propostas anteriormente
o mercado de vídeos on-line. Construiu uma plataforma neutra que poderia ser usada por empresas que não podem ou não querem usar o canal do Google. Tempo compartilhado
Outro exemplo é o da baiana radicada em Curitiba, Lorrana Scarpioni, 23 anos. Ela criou a rede social Bliive, em que mais de 24 mil pessoas de 70 países trocam tempo e compartilham talentos, habilidades ou conhecimentos. Um participante da rede pode oferecer, por exemplo, uma hora de aula de culinária e ganha um bônus para trocar por um serviço de seu interesse: uma hora de aula de inglês, por exemplo. A ideia, contudo, vai além dos programas que existem desde os anos 1980 – e se baseiam na troca de serviços profissionais. Como o Bliive funciona como uma rede social, é possível, diz Lorrana, “compartilhar experiências e enriquecer a vida social das pessoas”. Um dos produtos é o Bliive para organizações, em que a rede social é implantada dentro de empresas e instituições para troca de tempo e experiências entre funcionários. Outro é voltado para cafés,
museus e bares, que remuneram o Bliive em troca de recomendação como um lugar seguro onde os participantes da rede podem encontrar-se e compartilhar seu tempo. Lorrana, que coordena uma equipe de sete pessoas e conta com dois sócios na empreitada, agora vai passar uma temporada na Inglaterra, pois sua rede foi selecionada entre milhares de competidores pelo programa de aceleração Sirius, que apoia 30 empresas de diversos países. Lá, ela e sua equipe receberão apoio financeiro para consolidar o modelo de negócios. Graduada em direito e em relações públicas, ela conta como a formação a ajudou a montar o Bliive. “Os conhecimentos em relações públicas me ajudaram a criar o modelo de negócios. Já o direito ajudou a criar os princípios da empresa.” Os 10 jovens inovadores brasileiros estão indicados para participar da próxima competição internacional da MIT Technology Review, que vai premiar os 35 inovadores mais talentosos do mundo, entre os ganhadores de outros prêmios regionais em países como Índia, Espanha, Itália, México, Turquia e Colômbia. n pESQUISA FAPESP 220 z 69
pesquisa empresarial y
A conquista do mundo CI&T aposta na internacionalização para crescer e ser referência global em desenvolvimento de softwares Yuri Vasconcelos
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eceber prêmios e certificações nacionais e internacionais já virou rotina na CI&T, uma multinacional brasileira de tecnologia da informação com sede em Campinas, especializada no desenvolvimento de softwares e na manutenção de sistemas computacionais. Desde que foi criada em 1995 por um grupo de jovens recém-formados da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a empresa, dona de uma estrutura global de prestação de serviços que inclui quatro unidades no Brasil, cinco nos Estados Unidos, uma na Europa e duas na Ásia, já amealhou por volta de 20 honrarias. Nos últimos seis anos, por exemplo, ela teve lugar cativo na lista das 100 Melhores Empresas de Outsourcing do Mundo, elaborada pela revista de negócios norte-americana Fortune. Outra premiação de destaque foi dada em 2012 pela consultoria A. T. Kearney e pela publicação Época Negócios, organizadoras do ranking Best Innovator. A CI&T foi identificada por elas como um dos negócios mais inovadores do país, ao lado de grandes corporações como IBM, Siemens e Basf. O prêmio mais recente foi recebido em março último, quando a gigante de informação Google concedeu à companhia paulista o título de Partner of the Year 2013 for Cloud Plataform, um reconhecimento conferido aos principais parceiros globais na área em tecnologia de nuvem.
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empresa CI&T Campinas, SP
Nº de funcionários 1.450 no Brasil 150 no exterior
Principais produtos Desenvolvimento de softwares corporativos e manutenção de sistemas computacionais
léo ramos
Em pé, Paulo Camara, Rubens Barreto e Flávio Pimentel. Sentados, Daniel Viveiros e Leonardo Mattiazzi
Todos esses reconhecimentos, segundo Leonardo Mattiazzi, vice-presidente de Inovação da CI&T, são resultado do forte compromisso da empresa com a qualidade de seus serviços, a busca pelas melhores soluções e a satisfação de seus clientes. “A inovação faz parte do nosso DNA. Sempre estivemos envolvidos com as mais inovadoras tecnologias e também na liderança em relação aos processos e às práticas de engenharia de software”, diz o executivo, que foi responsável pela criação e expansão da CI&T nos Estados Unidos, onde viveu entre 2006 e 2013. Formado em engenharia elétrica pela Unicamp e com MBA pela Foz Business School da Temple University, na Filadél-
fia, Mattiazzi, de 40 anos, destaca que a CI&T, há tempos, é reconhecida como líder em processos e metodologias. A empresa foi uma das primeiras do país a explorar a linguagem Java e aplicações web em 1996, quando ela havia acabado de ser criada, e foi pioneira na certificação CMMI (sigla de capability maturity model integration), o mais respeitado padrão de qualidade de software no mundo. “Fomos a primeira companhia nacional a conquistar o CMMI níveis 3, 4 e 5, e hoje todos os nossos processos são fundamentados nos princípios Lean, inspirados na transformação industrial pela qual a Toyota passou na década de 1980”, explica o executivo. O Lean Ma-
nagement é uma filosofia de gestão focada na produtividade e que tem como objetivo principal criar valor para a empresa através da redução de desperdício. Com uma previsão de faturamento de R$ 250 milhões neste ano – aumento de 25% em relação a 2013 –, a CI&T planeja destinar 2% desse valor, ou R$ 4 milhões, às atividades de pesquisa e desenvolvimento ligadas à inovação que contam com cerca de 100 pesquisadores, boa parte deles formada em ciência ou engenharia da computação. A empresa dividiu essas atividades em quatro setores. O Digital Studio é responsável por criar soluções digitais diferenciadas empregando componentes de mobile (ou pESQUISA FAPESP 220 z 71
tecnologias móveis), redes sociais, cloud computing (computação em nuvem) e digital analytics, que é a capacidade de analisar uma grande quantidade de dados e transformá-los em informação relevante. Já o Analytics Studio concentra-se no desenvolvimento de produtos que usam ferramentas e conceitos conhecidos como big data. O setor chamado internamente de D-Products responde pelas inovações baseadas em smart computing (computação inteligente) e machine learning (aprendizado de máquina), e tem como principal solução o software Smart Canvas. Por fim, há também uma área dedicada à Gestão da Inovação, focada em criar e gerir os relacionamentos e as parcerias com universidades, instituições de pesquisa e órgãos de fomento. O modelo de gestão de inovação adotado pela CI&T difere daquele que se costuma ver no mercado, em que empresas montam departamentos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) para execução de ideias e projetos. “Na nossa visão, empresas de serviços como a nossa, que possuem uma conexão direta e intensa com o mercado, têm em suas áreas de desenvolvimento o melhor ambiente para florescer inovações. Assim, quando surge uma ideia ou proposta, ao contrário de mover sua criação para outro setor – como o de P&D ou inovação –, acreditamos que tal proposta encontra na sua área de origem as condições para florescer. É assim que fazemos aqui”, explica o engenheiro Flávio Leal Pimentel, de 43 anos, coordenador da área de Inovação Corporativa da CI&T. Antes de ser contratado pela empresa, Pimentel, que é formado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), atuou no Centro de Estudos e Sistemas Avançados (Cesar) de Recife, especializado em soluções de tecnologia da informação.
1 Gestão da Inovação: setor que gere o relacionamento e as parcerias com universidades e institutos de pesquisa 2 Recepção da empresa: café, bate-papo, descontração e insights 3 Provas de conceito das pílulas da informação com o Google Glass
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Outro jovem executivo da CI&T é o cientista da computação Paulo Roberto Vasconcelos Camara, de 35 anos, líder da equipe do Digital Studio. “Estou envolvido em todos os projetos que façam uso intensivo de pelo menos uma das quatro tecnologias digitais da atualidade: computação em nuvem, redes sociais, dispositivos móveis e analytics”, diz ele. “Minha equipe é formada por profissionais em design, propaganda e interface homem-máquina, além de técnicos e estrategistas que pensam em soluções digitais olhando para o negócio e a tecnologia.” Com 19 anos dedicados ao desenvolvimento de softwares, Camara trabalhou no setor de TI de corporações da área financeira e de telecomunicações antes de entrar na CI&T em 2002. Com cerca de 100 clientes, a CI&T – que, não por acaso, adota como lema a tríade “colabore, inove e transforme”
INSTITUIÇÕES QUE FORMARAM PESQUISADORES DA EMPRESA Leonardo Mattiazzi, engenheiro eletricista, vice-presidente de Inovação
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp): graduação Temple University (Filadélfia/EUA): MBA
Rubens Paes Barreto, engenheiro eletricista, Universidade de São Paulo (USP): graduação líder da área de Analytics & Big Data Fundação Getulio Vargas (FGV): MBA Flávio Leal Pimentel, engenheiro civil, líder da área de Gestão Corporativa
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE): graduação UFPE: mestrado FGV: MBA
Daniel Viveiros, engenheiro da computação, Unicamp: graduação gerente de tecnologia Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM): MBA Paulo Roberto Vasconcelos Camara, cientista Unicamp: graduação da computação, líder do Digital Studio FGV: MBA
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– tem em seu portfólio uma vasta lista de produtos de elevado conteúdo tecnológico. Um deles é o CI&T Insurance Business Services (IBS), voltado para a indústria de seguros com a finalidade de reduzir os custos com atendimento a incidentes. A ferramenta é baseada em dois pilares, o primeiro é um aplicativo que analisa informações da seguradora e do mercado (boletins de ocorrência, multas, meteorologia etc.) e disponibiliza uma ampla base de dados para o cliente tomar decisões mais ágeis e assertivas. O outro é um processo de governança, feito pela própria equipe da CI&T junto com o cliente, que define e propõe ações de melhoria dos indicadores das áreas de vendas e operações da empresa. “Essa solução, nascida em parceria com a Mitsui Sumitomo Seguros, é um exemplo de que não fazemos inovação pela inovação. Ela foi criada para atender a problemas reais das seguradoras”, afirma Rubens Barreto, líder da área de Analytics & Big Data. Graduado em engenharia elétrica pela Universidade de São Paulo (USP), Barreto criou em 2003 com três colegas a start-up BI One, que acabou comprada pela CI&T seis anos depois. “Tínhamos uma competência diferenciada que atraiu a atenção da CI&T: a entrega de serviços de analytics, big data e inteligência de informação. Fomos a primeira empresa de business intelligence focada no ambiente SAP, a maior ferramenta para organizar informações em corporações de grande porte”, explica Barreto.
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Outro item relevante do portfólio é o Smart Canvas, um aplicativo para curadoria inteligente de conteúdo lançado neste ano. “É um produto de vanguarda, que usa conceitos de inteligência artificial, aprendizado de máquina e computação em nuvem”, afirma o gerente de tecnologia Daniel Viveiros, de 35 anos. A solução funciona em três passos: conecta-se às fontes de informação internas e externas do cliente, transforma o conteúdo em cards – ou pílulas de informação – e distribui os mais relevantes para seus visitantes. No futuro, essas pílulas de informação poderão ser acessadas até em dispositivos avançados, como o Google Glass – a CI&T já tem feito provas de conceito envolvendo o aparelho. Multinacional brasileira
A aposta no mercado externo tem sido nos últimos anos uma das estratégias da CI&T para crescer e firmar-se como uma das líderes mundiais em seu segmento de atuação. A receita com exportação de produtos e serviços já responde por 30% do faturamento e a empresa apareceu muito bem no mais recente ranking das multinacionais brasileiras elaborado pelo Núcleo de Negócios Internacionais da Fundação Dom Cabral, de Minas Gerais. Na listagem de 2013, a companhia ocupou o quarto lugar no grupo que reúne apenas empresas com faturamento de até R$ 1 bilhão e foi a 18ª no ranking global, apenas um posto atrás da Embraer e à frente de grandes grupos como Marcopolo, Natura
“O mercado internacional sempre fez parte da estratégia de crescimento da CI&T”, diz Mattiazzi
e Votorantim. Os organizadores do estudo destacaram que “a forte competição do mercado internacional tem levado a CI&T a inovar cada vez mais no seu portfólio de serviços, buscando alternativas e lançando ofertas que impulsionam o crescimento no mercado nacional”. “O mercado internacional sempre fez parte da estratégia de crescimento da CI&T. Mantemos foco em mercados globais de alto crescimento, sem deixar de priorizar setores específicos da indústria brasileira”, ressalta Mattiazzi. “O mercado americano, em particular, oferece condições ideais para nossos investimentos em inovação, dado o ciclo rápido de adoção de novas tecnologias que acontece no país.” Para atender os clientes nos Estados Unidos, a empresa conta com uma equipe de 70 profissionais, sendo mais de 40 relocados do Bra-
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sil e 30 contratados por lá. O Japão é o segundo maior mercado internacional e a Europa o terceiro – a empresa já entregou projetos na maioria das nações do oeste europeu. Entre os clientes estrangeiros figuram companhias globais como Coca-Cola, Johnson & Johnson, Monsanto e Pfizer. Entre os cerca de 1.600 empregados da CI&T, constam muitos expatriados que acabaram voltando para o Brasil, trazendo na bagagem a experiência de trabalhar em mercados com elevado nível de competição e disputado por grandes competidores mundiais. O processo de internacionalização teve início em 2004 e contou com apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que executou uma operação estruturada de financiamento e participação no capital da empresa. Esse apoio foi usado para instalação do escritório nos Estados Unidos. “Encerramos 2005 com o reconhecimento de duas importantes premiações: o Exporta São Paulo, que destacou o perfil exportador da CI&T, e o de Melhor Infraestrutura para Componentes Tecnológicos do Prêmio B2B Padrão de Qualidade”, conta Mattiazzi. Ao longo de sua história, a empresa campineira também recebeu recursos da Finep por meio de seu programa de subvenção econômica e participou com a agência em investimentos para projetos de fundos setoriais, realizados conjuntamente com universidades brasileiras, entre elas a Unicamp. n pESQUISA FAPESP 220 z 73
Computação y
Digitais em larga escala Servidor de autenticação biométrica do TSE terá software nacional da Griaule Júlio César Barros
A
escolha de um software 100% nacional para certificar e gerenciar o banco de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) servirá de alicerce para aquele que será o maior sistema de identificação biométrica por impressões digitais do mundo. O contrato para o fornecimento de sistemas de verificação de impressão digital em larga escala com validade de dois anos e no valor de R$ 82 milhões foi firmado no mês passado entre o órgão eleitoral federal e a Griaule, pequena empresa brasileira de Campinas, interior paulista. O acordo dá continuidade ao plano do TSE de evitar fraudes eleitorais e agilizar ainda mais os resultados dos pleitos. A Griaule é um dos exemplos mais bem-sucedidos de start-up nascida na incubadora de empresas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Enquanto estava instalada ali, de 2002 a 2005, a empresa recebeu o apoio financeiro do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), da FAPESP. O reconhecimento veio em 2005 com a escolha da companhia para o Prêmio Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), na categoria de pequena empresa em inovação tecnológica. No ano seguinte, o sistema biométrico que a Griaule desenvolveu ficou em primeiro lugar na Fingerprint Verifica-
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tion Competition – FVC2006 – como a tecnologia mais precisa do mundo para verificação de digitais. A competição mundial é organizada em uma parceria entre a Universidade de Michigan e a Universidade de San Jose, ambas dos Estados Unidos, a Universidade de Bolonha, na Itália, e a Universidade Autônoma de Madri, na Espanha. Depois de ser premiada, a empresa abriu, em fevereiro de 2007, um escritório comercial em Mountain View, na Califórnia, nos Estados Unidos, e passou a exportar seus serviços. Os clientes já estão espalhados por mais de 50 países. Ao deixar o campus da instituição e tentar andar com as próprias pernas, a Griaule do empresário Iron Daher registrou em 2005 faturamento de R$ 100 mil. O valor saltou para R$ 12 milhões apenas nos cinco meses de 2014, ainda sem contabilizar o contrato firmado com o TSE. “Considero que o crescimento da empresa foi muito lento, não aconteceu da noite para o dia. O nosso faturamento chegou a crescer e a cair algumas vezes ao longo da última década. Porém, no ano passado, nós conseguimos dobrar de faturamento e passamos de R$ 3 milhões em 2012 para R$ 6 milhões em 2013”, explica Daher, que é presidente e cientista-chefe da empresa. O leque de produtos da Griaule passa por softwares de reconhecimento de impressões digitais, de voz e de face. Mas o sistema de reconhecimento de
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impressões digitais é quase a totalidade dos serviços oferecidos pela empresa. A implantação do sistema de reconhecimento de autenticação de impressões digitais da empresa brasileira ocorrerá em duas etapas. O software terá primeiro de processar 23 milhões de registros biométricos de eleitores já armazenado pelo TSE. Isso deve ocorrer até um mês antes das eleições de outubro, segundo descreve o contrato. Em um segundo momento, o sistema irá garantir os 52,8 milhões de cadastros biométricos que o TSE pretende coletar até as eleições de 2016. O acordo com o órgão eleitoral federal é um consórcio entre a Griaule e a Oracle, multinacional norte-americana do ramo de banco de dados e hardware. A Griaule, cuja responsabilidade é a de fornecer o software, tem 44% deste projeto e a Oracle, que vai fornecer os equipamentos, 56%. Quanto maior a base de dados, maior a exigência de processamento para a inclusão de novos eleitores. Isso porque os computadores envolvidos na operação terão de fazer a varredura completa dos registros para evitar a duplicação de cadastros. “Para se ter uma ideia da complexidade da tarefa, é importante ressaltar que são coletadas as digitais dos 10 dedos de cada pessoa. Assim, o software de reconhecimento terá de processar um volume de dados da ordem de quintilhões”, diz Felipe Bergo, pesquisador da Griaule. pESQUISA FAPESP 220 z 75
O servidor, um supercomputador com quase 1.500 núcleos de processamento, vem montado dos Estados Unidos para o Brasil. São quatro torres capazes de realizar a comparação de 3 milhões de digitais por segundo. As máquinas serão instaladas em uma sala-cofre localizada no centro de processamento de dados do TSE, em Brasília. “Nossa função será a de sanear a base de dados do TSE, que tem 23 milhões de pessoas já cadastradas, e nos certificarmos de que não há eleitores duplicados. Depois iremos certificar os cadastros”, afirma Daher. “Podem existir pessoas que se cadastram duas vezes por engano, até pessoas que se cadastram com identidades e títulos diferentes para poder votar mais de uma vez”, acrescenta.
A empresa deve dobrar o número de funcionários até o fim do ano principalmente na área de pesquisa e desenvolvimento
fim de 2017
Embora as eleições no Brasil estejam informatizadas desde 2010, com a implantação das urnas eletrônicas em 100% das seções eleitorais, o TSE cadastrou as impressões digitais de apenas 15% dos 142,4 milhões de eleitores brasileiros. A maioria das seções eleitorais ainda faz o reconhecimento por meio do título de eleitor e da assinatura. Com seu Programa de Identificação Biométrica do Eleitor, iniciado em 2012, o TSE planeja obter o cadastro biométrico de todo o eleitorado brasileiro até o fim de 2017, quando o número total deverá ser de 160 milhões. Esses cadastros contêm informações sigilosas de milhões de brasileiros, por isso são considerados de alto valor estratégico. “Há muitos valores imateriais envolvidos nessa operação”, conta Daher. “Se não fosse a Griaule, o Brasil iria comprar essa tecnologia de um outro país e as identidades dos eleitores estariam fora de nossos domínios”, comenta o presidente da empresa, ao recordar-se dos casos de espionagem envolvendo o 76 z junho DE 2014
governo dos Estados Unidos em que foram monitoradas informações sigilosas de vários países, empresas e governantes estrangeiros, incluindo a presidente Dilma Rousseff e a Petrobras. O crescimento expressivo da Griaule tem participação fundamental de agências de fomento à inovação nas esferas estadual e federal, por meio de financiamento de pesquisa. “Tudo isso só foi possível porque lá atrás, em 2002, a Unicamp nos deu oportunidade, isso trouxe muita credibilidade. Naquela época ainda não havia agência de incubação na universidade. Também não podemos esquecer dos apoios que recebemos tanto da FAPESP quanto da Finep”, relembra Daher. “Se não fossem os dois Pipes da FAPESP, um para o reconhecimento de digitais e outro para o reconhecimento de voz, nós não teríamos conseguido chegar a este ponto.” O sucesso da Griaule nos negócios não para por aqui. A ideia dos executivos é
alçar a empresa ao mercado mundial, com chances reais de se projetar como uma das primeiras multinacionais brasileiras no setor de computação. A empresa tem uma estrutura enxuta, que inclui 20 funcionários atuando em uma sede administrativa e outra de desenvolvimento de softwares em Campinas, ambas bem próximas do campus da Unicamp, além do escritório comercial nos Estados Unidos. Agora que os negócios crescem existe a necessidade de contratar pessoal para vagas de emprego dentro e fora do Brasil. Há oportunidades em países como Colômbia, Equador, México, Argentina etc. “A gente deve vender um projeto do tamanho do TSE por ano daqui em diante”, afirma o pesquisador. “Por isso planejamos dobrar o número de funcionários até o final deste ano e dobrá-lo novamente até dezembro de 2015.” O profissional que a Griaule foca, segundo seu próprio presidente, é diferenciado. A empresa busca profissionais com gosto por pesquisa e desenvolvimento. “Essa pessoa tem de sobressair na área, porque lidamos com tecnologia de ponta e teremos de ter gente tão boa quanto os que trabalham para empresas dos Estados Unidos ou da Europa”, diz Daher. “Agora não faltam tecnologia nem infraestrutura. O nosso problema mesmo é a necessidade de cérebros”, completa. De acordo com projeções da Griaule, o setor de certificação biométrica sofreu um boom nos últimos dois anos no Brasil, mesmo assim é quase impossível saber exatamente o seu tamanho. Como é muito recente e precisa se consolidar, não existem levantamentos que permitam aos empresários dimensionar esse setor. “Acredito que o setor movimente quase R$ 1 bilhão só aqui no Brasil”, estima Daher.
Iron Daher: desejo de projetar a Griaule como uma empresa multinacional brasileira do setor de computação
Manter-se apenas como fornecedor de software ou explorar também o setor de venda de hardware, com a fabricação de um leitor de impressões digitais próprio, fez parte dos primeiros dilemas dos dirigentes da Griaule. Para Daher, a ideia sempre foi muito presente, mas foi descartada por representar um grande risco. “Se fôssemos para esse ramo teríamos de nos preocupar em contratar pessoal de eletrônica, logística e ter um espaço físico para a fábrica”, relembra ele. Em vez de criar seu próprio hardware, a empresa optou por desenvolver um programa que tivesse interface com mais de 50 tipos de leitores de impressões digitais existentes no mercado, além de investir pesado no sentido de atender às novas demandas que vivem surgindo. “Recentemente integramos ao nosso software detecção de dedo falso para qualquer leitor. Qual é o grande problema que o fabricante de leitores tinha? Era o dedo falso. Graças aos tutoriais disponíveis na internet, ficou muito fácil fazer um dedo de silicone ou látex”, explica Daher, que decidiu encarar o problema como um desafio pessoal. “Nem fabricantes de hardware perceberam essa necessidade do mercado, nem os gigantes de software viram como uma responsabilidade a solução dessa questão. Foi aí que a Griaule resolveu o problema via software. Hoje, os fabricantes de hardware não precisam mais se preocupar com isso.”
fotos léo ramos
outros documentos
Os serviços da Griaule estão em alta devido à opção do governo brasileiro de digitalizar a emissão de passaporte, título eleitoral e carteira de identidade, mas os bancos também estão bem envolvidos neste mercado. Em dezembro de 2013, por exemplo, a Griaule fechou um contrato global para fornecer seu software
para o banco espanhol Santander, além de oferecer soluções de biometria para a Caixa Econômica Federal, que abrange 30 mil ATMs (unidades de autoatendimento) e outros 25 mil pontos de atendimento em lotéricas. Outros clientes atendidos pela empresa brasileira são bancos da África do Sul e da Índia. Mas as instituições bancárias têm grande parcela de participação no mercado de identificação biométrica em todo o mundo. “Com tecnologia Griaule ou não, vemos que os bancos estão adotando biometria, porque é uma forma de oferecer conveniência ao cliente que não precisa de senha, muito mais do que segurança”, diz Daher. Isso acontece com o sistema de repasse de pagamentos do Bolsa Família com tecnologia Griaule adotado pela Caixa Econômica Federal. “São pessoas que sacam o dinheiro uma vez por mês e acabam por esquecer a senha. Agora elas não precisam mais de cartão nem de senha de acesso, é só se cadastrar e retirar o dinheiro usando apenas a impressão digital como identificação”, conta Daher. Tanto no mercado internacional quanto no local, a certificação de identidade biométrica é disputada por quatro grandes multinacionais, sediadas nos Estados
Unidos, no Japão e na Europa. A menor delas fatura em torno de US$ 1 bilhão por ano. “Elas são multibilionárias, mas não especializadas nesse mercado. E talvez este seja o grande diferencial entre elas e a Griaule, que é uma empresa pequena mas altamente especializada no assunto”, afirma Daher. Com a ideia de que o cenário mundial está em processo de mudança, a Griaule acredita que o fluxo das inovações tecnológicas não é mais apenas no sentido do exterior para o Brasil. “Quando se fala de sistema de identificação biométrica de grande escala, a Griaule acaba se tornando reconhecida do ponto de vista técnico. E isso tem um valor agregado tecnológico altíssimo”, analisa o pesquisador. n
Projetos 1. Melhoramento da qualidade do reconhecimento e da disponibilidade (speedcluster) do griaule afis (nº 2003/07972-6); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Iron Calil Daher (Griaule); Investimento R$ 263.008,79 (FAPESP). 2. Detecção e reconhecimento digital da face humana (nº 2005/59952-4); Modalidade Auxílio à Pesquisa - Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Luís Mariano del Val Cura (Griaule); Investimento R$ 229.877,79 (FAPESP).
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Mineração y
Pelotas para exportação Empresa inova no sistema produtivo de aglomerados de minério de ferro Evanildo da Silveira
U
ma nova tecnologia, mais eficiente e econômica, para verificar o percentual de recobrimento de pelotas de ferro usadas na fabricação de aço, foi desenvolvida pela Samarco, empresa brasileira de mineração. As pelotas são aglomerados de minério de ferro (óxido de ferro ou hematita - Fe2O3), com diâmetro que varia de 6,3 a 16 milímetros. Elas são produzidas a partir da transformação de minerais de baixo teor em um produto nobre, de alto valor agregado. O desafio é minimizar a tendência de colagem desse tipo de produto nos reatores dos clientes da Samarco durante o processo de redução, quando as pelotas precisam ser transformadas em ferro metálico (Fe), com a retirada do oxigênio, num processo químico chamado redução – o contrário da oxidação. As pelotas são o principal produto da empresa que as exporta para mais de 20 países como matéria-prima no processo de obtenção do aço. O processo de redução é feito em reatores que operam a elevadas temperaturas, podendo chegar a 950°C em algumas regiões do forno. A técnica de processo da Samarco, Heidy de Oliveira Simões, explica que a temperatura e a pressão têm uma relação direta com a produtividade dos reatores.
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“Mas isso tem limite, porque o aumento de temperatura favorece a formação de um fenômeno em que as pelotas colam umas nas outras, denominado clustering, prejudicando a permeabilidade do leito e impactando na produtividade.” O caminho do minério para chegar até essa fase é longo. O processo começa com a extração no complexo de minas a céu aberto de Germano e Alegria, nos municípios de Mariana e Ouro Preto (MG), onde a Samarco possui reservas de cerca de 3 bilhões de toneladas do produto. Toda a produção de minério e a remoção de material estéril são realizadas com equipamentos móveis de grande porte. “Em seguida, o minério é transportado aos concentradores por sistemas de correias que dispensam o uso de caminhões, reduzindo a geração de poeira e ruído.” Nesses concentradores, localizados em duas plantas industriais na unidade de Germano, o minério proveniente da mina é britado, moído e separado de suas impurezas por meio de flotação reversa, processo utilizado de forma pioneira pela Samarco no qual o contaminante é flotado – e não o produto. Depois desse beneficiamento, o material, que tinha um teor de ferro de 46%, passa a ter 67,5%, além das especificações químicas e físicas neces-
Em Ubu (ES), pelotas são embarcadas para o exterior
samarco
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fotos samarco infográfico ana paula campos ilustraçãO alexandre affonso
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sárias para as fases subsequentes. A esse minério fino e concentrado é acrescentada água, transformando-o numa polpa com consistência semelhante à da lama. Composta por 70% de minério de ferro e 30% de água, essa polpa é então transferida a tanques de estocagem para, em seguida, ser transportada até as usinas de pelotização em Ubu, no Espírito Santo. Três minerodutos, com cerca de 400 quilômetros cada um, permitem esse transporte. Na prática, eles são grandes canos enterrados a cerca de 1,5 metro de profundidade, por onde a polpa de minério é transportada. Impulso na montanha
O primeiro mineroduto, com trechos de tubos com 18, 20 e 22 polegadas de diâmetro, foi instalado em 1977 e tem capacidade para transportar 15,3 milhões de toneladas por ano. O segundo, com diâmetro variando entre 14 e 16 polegadas, começou a funcionar em 2008 e pode carregar até 8,5 milhões de toneladas anualmente. O mais novo opera desde abril deste ano, com diâmetros de 20 e 22 polegadas e capacidade de transporte de 20 milhões de toneladas anuais. Os minerodutos funcionam por meio de bombeamento realizado em estações de bombas localizadas de Mariana até Matipó (MG). “Nesta última cidade, a Samarco conta com estações de bombas que impulsionam a polpa de minério na subida da serra do Caparaó”, explica Vitor Quites, gerente do mineroduto da empresa. “Nas cidades de Guaçuí e Alegre (ES) temos estações de válvulas, que controlam o fluxo na descida da serra, 80 z junho DE 2014
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Novos processos de produção fazem a empresa se destacar como fornecedora de matéria-prima para a indústria do aço pelo lado capixaba. Após essas cidades, a polpa segue até a unidade de Ubu.” Em sua viagem de três dias pelos dutos, o minério passa por 25 cidades, de Minas Gerais ao Espírito Santo. Os minerodutos são feitos de aço de alta resistência para evitar a abrasão que o minério poderia causar em sua passagem, segundo Quites. Além de ser um método mais econômico de transporte, eles não causam impactos relevantes ao meio ambiente ou nas comunidades por onde passam. “Os dutos consomem pouca energia, não geram ruídos, não emitem dióxido de carbono (CO2) nem dispersam material particulado (poeira ou pó de minério)”, garante Quites. “Além disso, por serem enterrados, eles não causam interferên-
À esquerda, pelotas esbranquiçadas com substâncias anticolagem e sem recobrimento, mais escura. Acima, esteira com as pelotas
cias em rodovias, ferrovias ou pontes nem nas áreas urbanas dos municípios. Outro ponto importante é a segurança associada a este tipo de transporte, dado ainda mais relevante se comparado aos transportes rodoviários e ferroviários.” Depois que chega à unidade de Ubu, a polpa passa por um processo de filtragem, para remoção de parte da água e produção de pellets. Em seguida, tem-se a adição de insumos (carvão, calcário e agente aglomerante) e inicia-se o processo de aglomeração, responsável pela produção das pelotas cruas. Por fim, elas passam por uma etapa de endurecimento (queima) e depois são peneiradas, para remoção do material com granulometria inadequada. Após essa etapa, as pelotas recebem um spray de um óxido refratário, na forma de solução aquosa (ou seja, o produto misturado com a água). Essa adição ocorre mais especificamente nas torres de transferência, antes de as pelotas serem empilhadas nos pátios de estocagem ou enviadas às empresas compradoras. O spray forma uma camada de óxido refratário na superfície das pelotas (resistente a altas temperaturas), denominado de agente de recobrimento (coating) ou agente anticolagem. Esta aplicação objetiva minimizar a tendência das pelotas de colarem durante o processo de redução, atuando como uma barreira física entre
O longo caminho da polpa de minério de ferro Mineral fino, concentrado e misturado com água percorre 400 km no subsolo de 25 municípios
Spray
Pelotas
400 km
Amostra Mina
usina Germano
minerodutos
usina Ubu
cobertura
análise
A Samarco tem reservas de 3 bilhões de toneladas de minério de ferro nos municípios de Mariana e Ouro Preto, em Minas Gerais
Por meio de moagem e acréscimo de água é feita a transformação do minério em polpa com consistência de lama
A polpa segue pelos três minerodutos. Na subida da serra do Caparaó o material é impulsionado por bombas
Ao chegar a Ubu, em Anchieta (ES), a polpa é transformada em pelotas cruas. Depois elas passam por um processo de queima para endurecer
Depois recebem um spray de óxido refratário que tem a função de recobrimento para que não colem umas nas outras
Novo processo de análise das pelotas diminuiu em 88% o tempo de resposta do teste de eficiência do spray feito antes do embarque
Fonte samarco
elas. “Para aumentar a competitividade do nosso produto, é preciso quantificar o recobrimento, ou seja, saber quanto da superfície de cada pelota está recoberta com o óxido refratário”, explica Heidy. “A diminuição da ocorrência do clustering é essencial para a estratégia da Samarco no mercado de redução direta.” Tempo do recobrimento
Segundo Heidy, antes da inovação da Samarco, o teste para verificar o recobrimento das pelotas só era possível com base em uma análise padronizada (ISO 11256), teste realizado à temperatura de 850ºC simulando o processo de redução. “O problema era o elevado tempo de duração do teste: 12 horas para concluir um único resultado”, conta. “Com isso, um navio de 45 mil toneladas era carregado antes mesmo de uma análise de determinação do índice de colagem ter sido liberada.” A nova tecnologia analisa o recobrimento das pelotas por meio de um equipamento, composto basicamente por uma câmera, que captura a imagem das pelotas, e um algoritmo (programa de computador), que calcula o índice de recobrimento da pelota. O resultado mostra o porcentual da superfície da pelota recoberta com este produto à base de óxido refratário (coating). A grande vantagem é que o teste de cada amostra não
demora mais do que uma hora e meia. Em números, a nova metodologia diminuiu em 88% o tempo de resposta para se determinar a tendência de colagem durante o processo de redução. Isso gerou uma economia anual para a Samarco na realização dos testes de R$ 193,3 mil referente à não realização dos testes das parciais de embarque (os resultados declarados no certificado de embarque, relativo ao composto representativo de toda carga, continuam sendo realizados com base na norma ISO 11256 por questões contratuais). Por esse mesmo motivo, a inovação da empresa também trouxe ganhos ambientais: 300 quilos de dióxido de carbono (CO2) deixam de ser emitidos por ano pela redução do número de testes realizados com base na ISO 11256. “Os resultados fornecidos pela metodologia desenvolvida tornam possível a tomada de decisões estratégicas durante o carregamento do navio, garantindo a alta performance do produto nos reatores dos clientes”, diz Heidy. Segundo o chefe de Departamento da Engenharia de Processos da Samarco, Thiago Marchezi Doellinger, o equipamento é pioneiro e estuda-se o depósito de uma patente no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). “Essa é uma ferramenta que nos ajudará a trabalhar de forma proativa num mercado cada vez mais competitivo e exigente”,
diz. “A relevância do mercado de redução direta para a Samarco já está mais do que evidenciada e são ferramentas como essas que possibilitarão nos destacarmos no mercado de commodity como fornecedor preferencial para os nossos clientes. Para a empresa, a resposta rápida é essencial. O novo método, além de mais eficiente, é econômico e amigável em termos de segurança e meio ambiente. Por isso, sua adoção na rotina é de grande ganho para a empresa e toda a cadeia produtiva.” Fundada em 1977, a Samarco é uma empresa brasileira de capital fechado, controlada em partes iguais por duas acionistas, a Vale e a BHP Billiton Brasil, de origem inglesa e australiana. É uma das principais companhias nacionais de mineração e a segunda maior no mercado mundial de pelotas de minério de ferro, além der ser uma das maiores exportadoras do Brasil. “Com clientes em mais de 20 países, a empresa tem, atualmente, capacidade nominal de produção de 30,5 milhões de toneladas anuais de pelotas, gerando cerca de 3 mil empregos diretos e cerca 3,4 mil empregos indiretos”, diz Quites. “Com sede em Belo Horizonte, a empresa possui duas unidades industriais, em Minas Gerais e no Espírito Santo, um terminal marítimo próprio em Ubu (ES) e três escritórios de vendas em Amsterdã, na Holanda, Hong Kong, na China, e Vitória (ES). n pESQUISA FAPESP 220 z 81
humanidades Comunicação y
Rumos do jornalismo Estudo mostra a urgência de um modelo de negócio midiático adaptado à realidade digital Juliana Sayuri
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om o avanço tecnológico acelerado e o triunfo das mídias sociais, as empresas de comunicação, principalmente os jornais, enfrentam reveses como a perda de leitores, seguida da redução de páginas e de publicidade com o consequente corte de custos. Um dos casos mais emblemáticos é o do diário norte-americano The New York Times, que teve uma queda de faturamento de US$ 3,5 bilhões, em 2000, para US$ 1,9 bilhão, em 2012 – a derrocada das receitas publicitárias foi de 64%. Para entender a situação pela qual passa o jornalismo atual, o jornalista Caio Túlio Costa fez um diagnóstico do setor e, a partir daí, propôs um modelo de negócio rentável para as publicações sobreviverem em tempos digitais. Costa é professor do MBA Jornalismo e Mídia na Era Digital, da Escola Superior e Propaganda e Marketing (ESPM), e passou uma temporada como pesquisador visitante na Columbia University Graduate School of Journalism, em Nova York, em 2013. Em seu estudo, ele identificou os impasses com os gigantes digitais (Google, Facebook, Twitter) e concluiu que as empresas tradicionais de comunicação devem aprender a jogar com – e não contra – eles. A partir de exemplos e informações de mercado, o pesquisador propõe uma trinca de soluções para enfrentar a crise do jornalismo na transição para o digital, diversificando os fluxos
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ilustraçãO negreiros
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Sinal dos tempos Como diferentes gerações lidam com a tecnologia Nativos analógicos • Eram adultos na década de 1990 e conheceram dispositivos como celular e e-mail já na idade adulta • Sua formação é livresca, predominantemente voltada para o formato impresso, com contribuições menores de mídias como cinema, música e até videogames • São experientes e críticos, preferindo fontes conhecidas que conquistaram credibilidade no mundo analógico (como os jornais) • Não dominam o universo digital, apesar de muitos tentarem interagir nesse universo, reconhecendo sua importância Nativos digitais • Nasceram ou deram os primeiros passos na década de 1990 e foram conhecendo tecnologias intuitivamente • Sua formação é diferente: aprendem com a internet e os apps, com séries, música, quadrinhos, games, documentários e cinema (além dos livros) • São altamente atualizados sobre o que ocorre no mundo digital, adaptando-se rapidamente às inovações tecnológicas • Dominam e se consideram protagonistas na internet, onde interagem e transitam facilmente nas diversas ferramentas (Twitter, Instagram, Facebook, Google etc.) Analógicos digitais • Estão na transição entre os nativos analógicos e os nativos digitais • Nasceram “analógicos”, mas com olhos, ouvidos e mente voltados para o mundo digital, fazendo o possível para se adaptar ao novo mundo • Um exemplo é Steve Jobs, visionário que revolucionou o negócio digital na música (iTunes), além do domínio nos tablets (iPad) e smartphones (iPhone)
Fonte caio túlio costa
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e as fontes de receita: o sistema paywall (cobrança de assinatura dos conteúdos), a publicidade e a produção de serviços de valor adicionado. Esse último item é uma expressão da indústria de telecomunicações que define produtos que não são a principal fonte de recursos. No caso dos jornais, refere-se a subprodutos como conteúdos patrocinados, dossiês, newsletters e publicações de livros e serviços segmentados, ligados a roteiros culturais, por exemplo. “Há empresas que combinam esse tripé muito bem, como a America Online, o Google e o Facebook, usando conteúdo de terceiros. Mas as publicações tradicionais, em geral, ainda estão amarradas à ideia de que podem resolver a questão apenas com publicidade e assinaturas”, critica o jornalista. Para garantir, portanto, a possibilidade de um bom jornalismo, crítico e independente, a atividade deverá se adaptar aos novos tempos. “É preciso rever o modelo de negócio do jornalismo praticado no ambiente digital. Até o momento essa velha indústria tenta transpor para o digital as práticas de negociação que desenvolve no ambiente tradicional. O mundo mudou, mas as empresas jornalísticas não”, analisa Costa. “Todos trafegam em velocidade supersônica, enquanto a velha imprensa se mantém na bitola estreita com suas marias-fumaças. Não dá mais. O jornalismo precisa encarar o ambiente disruptivo, enfrentar a questão geracional, trazendo os jovens para o comando das redações. Recomeçar tudo, do zero.”
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le lembra que a sociedade precisa de mediadores, investigadores, analistas dos fatos. “Se o jornalista compreender que não é mais o protagonista da informação e que qualquer um pode criá-la e distribuí-la atualmente, poderá se dar melhor nessa nova esfera. O jornalista tem a técnica. Basta saber como fazê-la trafegar num ambiente que virou de cabeça para baixo o negócio do jornalismo.” Em seu estudo, ele analisou o descompasso entre a “cadeia de valor clássica” e a “nova cadeia de valor” na indústria jornalística. Na clássica, a estrutura é composta de redação (repórteres, fotógrafos, editores etc.), departamentos (administração, finanças, gráfica, recursos humanos), área comercial (responsável por vender espaço para publicidade nas páginas impressas) e setor de distribuição (que comanda a entrega dos exemplares para assinantes e pontos de venda). A nova realidade, trazida pela internet, é radicalmente diferente da imprensa tradicional. Desde o fim do século XX, outros atores surgiram: novas empresas de telecomunicações, poderosos buscadores (como o Google), grande número de portais e arrojados gadgets (smartphones, tablets), além das onipresentes redes sociais (Facebook, Foursquare, Instagram, Twitter, YouTube).
como os gigantes Facebook, Google e Twitter. O Facebook é um nó. Ao abrir uma página nessa rede, com 1,15 bilhão de usuários ativos em 2013, a empresa jornalística perde a exclusividade de seu conteúdo e transfere imediatamente seus leitores para a rede social. Entre outros desdobramentos, isso leva a uma situação séria com a publicidade, cujo alvo também eram esses leitores, podendo também migrar para a rede social por um preço muito mais baixo. O problema é: como ficar de fora da maior rede social do mundo? internet virou um território disputado. De Já a questão sobre o Google diz respeito ao acordo com Costa, estudo do Boston Conuso dos conteúdos jornalísticos nos resultados sulting Group mostra que a maior fatia da da busca a fim de comercializar publicidade neseconomia digital (mais de 50%) fica com as opesas mesmas páginas. Por um lado, o conradoras de telecomunicações, seguidas teúdo dos jornais ainda é prestigiado por por companhias como Google e Facebook sua credibilidade e relevância. Por outro, (22%) e por fabricantes de gadgets (14%). os jornais não ganham um centavo com As empresas jornalísticas estão na rabeira a publicidade nas páginas de resultados da cadeia, com apenas 7% do faturamendo Google. Nesse caso, se repete o dilema to do negócio digital no mundo inteiro. “Não basta sobre como ficar de fora da marca mais O jornalismo, para o pesquisador, mantranspor o conhecida e visitada da internet. tém seu papel de moderador e a relevânA questão sobre Twitter, por sua vez, é cia editorial. No entanto, o jornalista tem produto jornal relativamente simples. Apesar de sua popuagora um papel coadjuvante – o que não laridade, os usuários não precisam obrigalhe retira totalmente a importância, mas para a internet. toriamente confinar a interação dentro dos pede uma mudança na sua forma de atua140 caracteres. Ao contrário, as conversas ção. “A questão é se a empresa jornalísÉ preciso frequentemente abrigam remissões para tica digital continuará obtendo receitas revolucioná-lo no outros lugares – abre-se aí uma brecha para capazes de sustentar uma redação com os links das páginas próprias dos jornais. poder investigativo. Se não reestruturar espectro digital”, Costa destaca ainda a questão tecnolóseu negócio, certamente não terá dinheiro gica para a reinvenção do jornalismo. Para para pagar bons profissionais. É preciso diz Costa ilustrar a situação: enquanto The Washingter um modelo de negócio rentável para ton Post (fundado em 1877) foi adquirido manter a relevância”, considera. por US$ 250 milhões pela Amazon, o InsNessa nova realidade pode-se pensar tagram (fundado em 2010) foi arrematado num “jornalismo pós-industrial”, ideia por US$ 1 bilhão pelo Facebook. “Por que expressa por Christopher William Anderjornais, cujas marcas são sinônimos de credibison, da City University of New York, Clay Shirky, lidade, não valem tanto quanto valem empreda New York University, e Emily Bell, da Columsas digitais que ainda não saíram das fraldas?”, bia University, pesquisadores reunidos no Tow pergunta. A resposta de seu estudo: os jornais Center for Digital Journalism, uma das principais não investem suficientemente em tecnologia, referências do estudo de Costa. “O jornalismo uma das premissas para buscar caminhos para pós-industrial descreve um ecossistema de mío jornalismo digital. Investir em conteúdo muldia digital em que foram rompidos os processos timídia capaz de rodar, além da web, em smartrotineiros e racionais pelos quais as notícias são phones, tablets e múltiplas mídias sociais. “Não produzidas por grandes empresas. Num mundo de basta transpor o produto jornal para a internet. jornalismo pós-industrial, a produção e o consumo É preciso revolucioná-lo no espectro digital. E o de notícias mudaram, passaram das instituições caminho natural deve ser pavimentado pela base aos indivíduos”, define Anderson em entrevista tecnológica”, conclui. n à Pesquisa FAPESP. “O bom jornalismo ainda é o que era desde meados do século XX: informação produzida por organizações e indivíduos independentes de governos, informações conferidas, Projeto Sobre as mudanças na cadeia de valor no negócio da comunicação honestas e justas. Isso a internet não mudou”, (nº 2013/04486-5); Modalidade Bolsa no Exterior – Regular – Pósacrescenta. O que mudou foram as condições para -doutorado; Pesquisador responsável Caio Túlio Vieira Costa - ESPM; se praticar o tal bom jornalismo. Investimento R$ 33.025,40 (FAPESP). Segundo Costa, a discussão sobre redirecioArtigo científico nar os rumos do jornalismo no universo digital COSTA, C. T. Um modelo de negócio para o jornalismo digital. Revista implica confrontar – ou contornar – obstáculos de Jornalismo ESPM. abr/mai/jun. 2014.
O público consumidor assumiu ares de protagonista, principalmente os nativos digitais (ver quadro ao lado), e se tornou produtor e distribuidor de informação. “Com a emergência da interação em tempo real em rede, o jornalista – e, portanto, o próprio jornalismo – perdeu completamente o papel que ele se atribuía de ‘quarto poder’. Hoje qualquer indivíduo ou instituição tem poder de mídia no ecossistema digital”, diz o pesquisador.
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Saúde Pública y
Onde os dados são escassos Método identifica áreas de risco de esquistossomose mesmo em regiões sem informação sobre a doença Rodrigo de Oliveira Andrade
U
m contingente de até 7 milhões de pessoas pode estar vivendo com esquistossomose no Brasil, a maioria em áreas isoladas, sem diagnóstico e tratamento, segundo o biólogo Ronaldo Scholte, pesquisador do Ministério da Saúde e um dos autores de dois levantamentos das áreas de maior ocorrência de doenças causadas por vermes no país — a estimativa oficial do Ministério da Saúde é de 1 milhão de infectados entre 2003 e 2012. Scholte calculou o número de pessoas com verminose no Brasil, inclusive em áreas onde os dados sobre a transmissão das doenças são escassos, em 2010, quando fazia seu pós-doutorado no Instituto Tropical e de Saúde Pública da Suíça. A contribuição de seu grupo, descrita em artigos publicados em 2013 e 2014 nas revistas Geospatial Health e Acta Tropica, consistiu em desenvolver uma abordagem mais ampla que a usada atualmente para estimar o risco de contaminação dessas doenças. Ele e outros pesquisadores da Suíça combinaram variáveis climáticas, geográficas e socioeconômicas, além de dados sobre a distribuição espacial dos caramujos transmissores do verme Schistosoma mansoni, causador da esquistossomose, e sobre a prevalência da doença no Brasil.
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Para interpretar essas variáveis, o grupo usou um modelo mais adequado para estudos geoestatísticos, conhecido como método bayesiano, que permite uma melhor definição e caracterização da incerteza em experimentos que envolvem a produção de mapas temáticos. Em estudos geoestatísticos, a lógica do método bayesiano é chegar à conclusão pela associação da incerteza às variáveis envolvidas no modelo. Com base neste modelo, Scholte identificou fatores de risco relacionados à transmissão do S. mansoni e confirmou que variáveis climáticas e indicadores de pobreza se associam à disseminação da doença. O mapa desenvolvido por ele identificou ainda áreas de risco em regiões onde até então faltavam dados concretos sobre o risco de contaminação. A faixa litorânea do Maranhão ao Rio Grande do Norte é um exemplo disso (ver mapa). Segundo Scholte, o risco de contaminação é maior nas regiões Nordeste e Sudeste, em parte devido às condições favoráveis para a proliferação dos caramujos hospedeiros. Na região Sudeste, o estado em situação mais preocupante é Minas Gerais. No norte do estado o risco de contaminação está acima dos 10%, de acordo com o método usado por Scholte, que considera uma quantidade maior de dados e variáveis em relação
a outros métodos estatísticos. Hoje, no Brasil, esses dados são obtidos por meio de buscas de casos em áreas endêmicas, como as feitas pelo Ministério da Saúde, que em 2009 realizou um levantamento em 1.004 municípios brasileiros, verificando uma prevalência média de esquistossomose de 5,3%. “Nossa abordagem nos permitiu identificar fatores de risco associados à transmissão do parasita, o que poderia auxiliar no desenvolvimento de ações de prevenção e tratamento em regiões onde a prevalência é maior”, afirma. Com a mesma metodologia, Scholte e seus colegas da Suíça estimaram também o número de pessoas infectadas por outros vermes no Brasil. Desse modo, mais de 50 milhões de pessoas, principalmente no Nordeste e Norte, estariam contaminadas — 29,7 milhões com Ascaris lumbricoides, mais conhecido como lombriga; 19,2 milhões com Trichuris trichiura; e 4,7 milhões com Ancylostoma duodenale e Necator americanos, transmitidos pelo solo contaminado. “Em algumas regiões do Pará e da Amazônia o risco de contaminação por A. lumbricoides pode chegar a 30%”, afirma. Scholte explica que para se conhecer a real prevalência da esquistossomose e outras verminoses no Brasil a realização
O Brasil que não está no mapa Modelo estatístico estima risco de contaminação por S. mansoni em áreas onde faltavam dados Fonte Scholte, r. et al.
Estimativa atual n < 2,5 n 2,5 - 5 n 5 - 10 n 10 - 15 n > 15
Distribuição da prevalência média de risco de contaminação por esquistossomose no Brasil obtida por Scholte
Dados oficiais n < 2,5 n 2,5 - 5 n 5 - 10 n 10 - 15 n > 15 n Sem dados
foto miguel boyayan mapas Scholte, r. et al.
Prevalência média de esquistossomose no Brasil entre 2005 e 2009, segundo o Ministério da Saúde
Caramujo Biomphalaria glabrata, hospedeiro intermediário do verme responsável pela esquistossomose
de inquéritos ainda é necessária. O último o caramujo. Depois de se reproduzirem, inquérito nacional de prevalência de es- elas voltam à água, onde ficam até pequistossomose e geo-helmintos realiza- netrar na pele, disseminando-se pelo do pelo Ministério da Saúde — que deve sangue até atingirem o fígado. Causam ser concluído ainda este ano — investi- dor abdominal, vômito e, em casos mais gou mais de 200 mil crianças entre sete graves, aumento do tamanho do fígado. e 14 anos. “Esses estudos são trabalhoOs primeiros focos de esquistossosos, requerem articumose em São Paulo lação a nível nacional surgiram nas primeie grande aporte firas décadas do sécunanceiro, impedindo lo XX e aumentaram que esses inquéritos nos anos 1970, com a Mais de sejam realizados freintensa migração de 50 milhões de quentemente”, diz. moradores de outros “É importante deestados que se fixavam pessoas no país senvolver e aperfeiem áreas periféricas çoar ferramentas que das grandes cidades estariam auxiliem a estimativa do estado. Segundo o das prevalências desMinistério da Saúde, contaminadas sas doenças”, afirma. em 2012 foram noticom vermes, ficados 1.106 casos de esquistossomose em EM SÃO PAULO segundo Scholte São Paulo. No Brasil, Associada à pobreza e mais de 100 mil casos à falta de saneamensão diagnosticados toto básico, a esquistosdos os anos. Fernanda somose é facilmente explica que os vermítratável, com medifugos usados no tratacamentos usados em dose única, alguns de baixa toxicidade e mento da doença são distribuídos gratuipoucos efeitos colaterais. Mas não é só em tamente à população pelo Sistema Único regiões distantes que a moléstia resiste. de Saúde (SUS), mas muitas pessoas que Em São Paulo, pesquisadores da Superin- fazem o tratamento se reinfectam porque tendência de Controle de Endemias (Su- voltam a entrar em contato com a água cen) da Secretaria da Saúde de São Pau- contaminada com as larvas do S. mansoni. lo encontraram caramujos Biomphalaria “É preciso melhorar a infraestrutura das tenagophila, uma das espécies que podem áreas onde essas pessoas vivem”, afirma. transmitir o verme S. mansoni, em 27 dos A esquistossomose responde por 1,1% 39 municípios da Grande São Paulo. Os das mortes por doenças infeciosas no dados são de um levantamento da Divisão Brasil. Entre 1994 e 2008 causou em méde Programas Especiais (DPE) da Sucen dia 500 mortes por ano, segundo o Misobre a distribuição geográfica dos cara- nistério da Saúde. Em 2010 foram 527 mujos hospedeiros do verme na Região mortes causadas pela doença. Em todo Metropolitana de São Paulo. Segundo Fer- o mundo, 200 milhões de pessoas devem nanda Pires Ohlweiler, pesquisadora da estar infectadas, de acordo com a OrgaDPE-Sucen, também foram encontrados nização Mundial da Saúde. n potenciais focos de contaminação em 248 dos 645 municípios do estado, sobretudo Projeto em áreas de periferia, urbanas ou rurais, Diversidade da malacofauna de importância epidemiolósem saneamento básico. gica na Grande São Paulo (nº 08/57792-8); Modalidade Em 2009 pesquisadores do InstituAuxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisadora responsável to Butantan e da Universidade de São Fernanda Pires Ohlweiler (Sucen/SES); Investimento R$ 114.295,56 (FAPESP). Paulo (USP) já haviam encontrado caramujos B. tenagophila em córregos de Artigos científicos Guarulhos, cidade vizinha a São Paulo, SCHOLTE, R. et al. Predictive risk mapping of schistoao lado da rodovia Presidente Dutra, a somiasis in Brazil using Bayesian geostatistical models. de maior circulação de veículos do Brasil Acta Tropica. v. 132, p. 57-63. 2014. SCHOLTE, R. et al. Spatial analysis and risk mapping (ver Pesquisa FAPESP nº 160). Ao entraof soil-transmitted helminth infections in Brazil, using rem em contato com a água, os ovos do Bayesian geostatistical models. Geospatial Health. S. mansoni liberam larvas que invadem v. 8, n. 1, p. 97-110. 2013. pESQUISA FAPESP 220 z 87
memória
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Esquadrilha na fábrica Produção de aviões em série no Brasil começou em 1935 para treinar pilotos e equipar aeroclubes
Neldson Marcolin
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té 1935 o Brasil não fabricava aviões. Na terra de Alberto Santos-Dumont, um dos pioneiros da aviação, quando se precisava de aeronaves de qualquer tipo, a solução era importar. É verdade que vários aparelhos foram projetados e construídos no país desde 1910, mas quase sempre como um desafio pessoal de indivíduos apaixonados pelo assunto. Em maio deste ano, porém, a situação era inversa. A Embraer inaugurou em Gavião Peixoto, interior de São Paulo, um hangar para instalar a linha de montagem do supercargueiro KC-390, o maior avião fabricado no Brasil. A decisão de fabricar aeronaves em série ocorreu em 1934, com o apoio do governo de Getúlio Vargas e muito pelo empenho do tenente-coronel do Exército Antônio Guedes Muniz e do industrial carioca Henrique Lage. Um ano depois o primeiro deles, o M7, voou no Campo dos Afonsos, no Rio. A Companhia Nacional de Navegação Aérea (CNNA), de Lage, produziu 26 exemplares do M7 e 40 do M9, ambos projetados e supervisionados por Guedes Muniz. O governo brasileiro e os militares perceberam a importância da aviação durante a Primeira Guerra Mundial, quando as aeronaves foram utilizadas como arma pela primeira vez. O conflito motivou o Exército e a Marinha a criarem sua arma de aviação – a instituição do Ministério da Aeronáutica só ocorreu em 1941. Além das questões bélicas, o Brasil tinha poucas estradas e ferrovias e o transporte aéreo
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1 Linha de produção do M7, em setembro de 1936 2 Entrega de um lote de M9, em janeiro de 1940, no Rio de Janeiro
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fotos Arquivo Guedes Muniz / reproduções do livro Vencendo o azul
era importante para se chegar ao interior do país. “Foi quando se pensou em comprar aviões para treinamento básico, formar pilotos e doar para aeroclubes”, conta o historiador João Alexandre Viégas, que defendeu tese de doutorado sobre o tema em 1988, na USP, e lançou o livro Vencendo o azul – História da indústria e tecnologia aeronáuticas no Brasil (Livraria Duas Cidades, esgotado). “Foi nesse contexto que o alagoano Guedes Muniz propôs durante o 1º Congresso Nacional de Aeronáutica, em 1934,
a fabricação de aviões no Brasil”, diz Viégas. O militar listou três opções: criar uma fábrica estatal, convidar uma empresa estrangeira para montar seus aviões aqui ou desenvolver uma indústria nacional, com capital e gerência privada. Muniz defendia a última opção e recebeu apoio do governo federal, importante para conseguir um mercado interno compensador. Ao mesmo tempo, Henrique Lage já planejava entrar no ramo da aviação. O primeiro aparelho de Guedes Muniz – então um dos raros engenheiros aeronáuticos do país –
Guedes Muniz (esq.) antes do voo oficial do protótipo do M7
foi o Muniz M5, projetado por ele e fabricado na França com verba do governo federal. A aeronave foi enviada ao Rio e apresentada publicamente em 1931. O sucesso do M5 abriu caminho para outro projeto de Muniz, o M7, o primeiro a ser fabricado em série pela CNNA. Tratava-se de um biplano monomotor com estrutura de madeira. O motor era o inglês Gipsy Major, de 130 cavalos de força. As peças do avião foram construídas por empresas nacionais e uma oficina de precisão carioca copiou um controlador de curvas norte-americano. A aeronave era robusta, com grande resistência nas aterrissagens e destinada a treinamento primário de pilotos. Das 26 fabricadas entre 1936 e 1941, oito serviram à aviação militar e 18 aos aeroclubes. Muniz projetou em seguida o M9. Era praticamente o mesmo aparelho, com motor diferente, o De Haviland Gipsy, com 200 cavalos e o nariz mais longo. Homologado em 1938, 40 foram fabricados até 1943.
3 Montagem do trem de aterrissagem do primeiro avião em série
A empresa de Lage foi a primeira, mas não a única, a fabricar aviões a partir dos anos 1930. Em 1945, existiram outras com o mesmo fim. Mas, segundo Viégas, depois da Segunda Guerra os Estados Unidos começaram a exportar aviões muito baratos sem nenhum tipo de proteção alfandegária. A medida apressou o fim da jovem indústria brasileira de aviões. “As primeiras companhias de construção aeronáutica dependiam fortemente do Estado, que, embora não fosse único comprador, sem dúvida era o principal”, afirma a historiadora Nilda Oliveira, professora e pesquisadora do Departamento de Humanidades do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). “A interrupção das encomendas depois da guerra foi determinante para o fim das empresas.” O país só se recuperou do revés no setor com a criação da Embraer em 1968, consequência direta da formação dos engenheiros do ITA, fundado em 1950 em São José dos Campos. PESQUISA FAPESP 220 | 89
Arte
Na ponta da agulha A busca obsessiva de um guitarrista mineiro por sonoridades e climas esquecidos após a revolução digital na música Gustavo Fioratti
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á cinco anos o guitarrista Anderson Guerra, um veterano no circuito artístico de Minas, decidiu lançar um disco com músicas engavetadas. Ele reitera que não é avesso ao modo de produção digital, hoje amplamente utilizado pelo mercado por sua rapidez e eficiência, mas escolheu um caminho mais antigo e trabalhoso. Ao optar pelas metodologias do processo analógico, velho responsável pela produção de vinil e de fitas cassetes, Anderson abriu mão de uma série de benefícios, portanto. As vantagens dos novos sistemas digitais incluem eliminar erros, dar afinação a todas as vozes e sincopar gravações realizadas em lugares distantes. O registro de uma canção hoje pode, com auxílio de softwares, juntar o som de uma guitarra dedilhada na Rússia a um teclado tocado nos EUA. O processo digital transforma tudo em gráficos, a música vira desenho na tela do computador, e isso permite recortar, juntar, aparar qualquer aresta. “Tudo o que dá errado é apagado. Não tenho nada contra esse processo, mas há um excesso de resultados esterilizados”, critica Guerra. “Era isso que eu queria evitar, queria humanizar o processo e apresentar uma sonoridade que derivasse disto.” Havia um preço a pagar, e ele sabia que era tempo e dedicação. Uma nota errada, nos anos que antecedem a revolução digital, muitas vezes significava ver a banda retomar a sessão desde o início. E, se um erro grave se repetisse na edição, todo mundo tinha que voltar para o estúdio mais uma vez. Guerra partiu em busca justamente desse clima que se perdera na revolução tecnológica. No meio do caminho, no entanto, se deu conta de outra dificuldade: esse tipo de produção havia sumido do mapa no Brasil. “Encontrei muitos
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Abaixo, equalizadores, reverberadores e outros equipamentos antigos; à direita, dependências do estúdio Bunker, focado em gravações de vinil
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estúdios híbridos [que dão opção de gravar pelo processo analógico e digital], mas mesmo neles acho que a gente pode ficar tentada a utilizar uma ou outra ferramenta digital para resolver um problema específico. É muito difícil evitar.” Para garantir uma experiência pura, o músico decidiu então montar seu próprio estúdio. Neste outono ainda, mais de cinco anos depois, o disco Mercúrio758 está enfim sendo lançado por ele com a participação de outros sete músicos. Também estão oficialmente abertas as dependências do Bunker, que é possivelmente o
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À esquerda, o disco Mercúrio758, que está sendo lançado com músicas compostas pelo guitarrista Anderson Guerra (acima, à dir.)
fotos 1, 3 e 4 João Marcos Rosa 2 Anderson Guerra
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único modelo de estúdio totalmente analógico do país. O Bunker é dedicado à gravação de discos em vinil e fica nos arredores de Belo Horizonte, em uma área cercada por matas, no mesmo terreno onde Guerra reside. Houve, no meio de sua pesquisa, uma caça ao tesouro. Montar um estúdio nos mesmos modelos de meados do século XX obrigou o músico a procurar pelas peças exatas, e muitas delas não são mais fabricadas. “Garimpei, comprei muita coisa sucateada. Consegui equipamentos que as pessoas não queriam mais.” Boa parte do conjunto, ele prossegue, veio do extinto estúdio da Philips, que ficava no Rio de Janeiro. “Chico Buarque, Elis Regina, Raul Seixas gravaram lá, a MPB quase inteira passou por lá”, conta. “Quando a Polygram comprou a Philips, eles sucatearam esse equipamento. Eu encontrei
isso com um amigo meu. Fiz três viagens de caminhonete para transportar tudo para Minas.” Algumas peças foram encontradas com facilidade, outras não. “O microfone da Telefunken (fabricante alemã) é super-raro, o último lote foi fabricado no fim da Segunda Guerra Mundial. Encontrei um e mandei para os Estados Unidos, para uma restauração. A discografia inteira dos Beatles foi gravada com esse modelo, e Frank Sinatra vivia dizendo ‘cadê meu tele’. É uma peça com características live-like, que capta um som detalhado. Arrisco dizer que soa melhor do que o real.” O disco Mercúrio758 foi gravado no meio dessa busca, em 2011, e foi prensado em vinil pela Polysom, a única fábrica de disco de vinil da América Latina, diz o músico. Para ele, o álbum Chet Baker sings, gravado pelo cantor e trompetista norte-americano nos anos 1950, “é onde o analógico chegou ao apogeu”. Esse disco, diz Guerra, “se tivesse sido gravado hoje, dentro da possibilidade do universo digital, não poderia ter algumas das características que o tornam especial”, defende. O resgate das sonoridades do mundo analógico, prossegue, tem sedimentado um novo mercado nos EUA e na Europa. “De uns anos para cá houve um boom”, diz. No Brasil, o retorno ainda engatinha. “As pessoas que faziam manutenção do equipamento que eu comprei não trabalham mais com isso. Elas agora vendem seguros”, ironiza o músico. “Percebi que vou ter que encarar a bronca. Comecei a pesquisar. Tenho conseguido com esforço fazer manutenção do equipamento.” Pode soar um pouco romântico, Guerra consente. Mas sua busca, de fato, é pelo resgate de uma sonoridade. n PESQUISA FAPESP 220 | 91
conto
6.373 O mundo independe da minha vontade Antônio Xerxenesky
“O
mundo é a totalidade dos fatos, não das coisas”, é a frase na cabeça do senhor L. ao se apresentar a Hans, o homem que anunciava no periódico local a venda de sua residência, um casebre tristonho em um terreno pedregoso coberto de nada no interior da Noruega. Hans o cumprimentou efusivamente. É um dia alegre para Hans, cujas dívidas se acumulavam como pratos sujos na pia da cozinha. Hans o aguardava do lado de fora da casa, que naquele dia cinzento parece uma construção prestes a desabar, e após o aperto de mãos logo pergunta ao senhor L. se ele estaria disposto a pagar o valor anunciado, aquele número abusivo de coroas norueguesas. O senhor L. responde que sim, embora não diga que é proveniente de uma família abastada. Hans desconfia. “O que o senhor faz, senhor L.?” “Sou professor”, ele responde. “De quê?” “De lógica.” Hans olha ao redor e o senhor L. acompanha a sua visão. O rio, a ruptura azul-celeste entre duas montanhas, aquilo que batizaram de fjord. O silêncio interrompido apenas por algumas aves intransigentes que insistiam em existir naquele vazio. “Por favor, entre”, Hans abre a porta de madeira e a segura para L., que apenas enfia o rosto pela abertura e olha ao redor. “Sim, como eu imaginava.” Uma cama, uma escrivaninha, uma cadeira, uma janela empoeirada que provavelmente não abre. “O senhor não quer entrar?” “Não é necessário. É como eu imaginava. Vamos acertar o pagamento?”
92 | junho DE 2014
Hans fecha a porta assim que L. tira o seu rosto anguloso de dentro. Ele parece tenso, mas L. nunca perguntaria o que foi, se está tudo bem. Hans fica mais inquieto com o desinteresse de L. pela sua inquietude. “Você não quer saber por que estou vendendo a casa?” “Cada um tem seu motivo. O que interessa é que podemos fazer negócio.” “Vivi uma história de amor nesta casa”, Hans fala, sua voz mudando de tom no meio da frase. , anotou algum dia o senhor L., tentando resolver a questão inescapável da tautologia. O senhor L. sentia – embora admitir isso em público causasse problemas e constrangimentos – que estava destinado a um grande futuro, a deixar um legado que alteraria para sempre o pensamento filosófico ocidental. “Entendo”, o senhor L. responde automaticamente a Hans. “É difícil para mim olhar para essa cama, onde passei tantos momentos amorosos.” O rosto de Hans é rosado, e suas orelhas ficam coradas como as bochechas ao falar isso. O senhor L. encontra-se perante um dilema: se ele disser um “Certo, ótimo motivo para não falarmos mais disso e fecharmos logo o negócio”, pode atrair a ira do ex-morador e arruinar tudo. Se perguntar detalhes, terá que se submeter ao inferno. Ele fica em silêncio. “Uma história realmente trágica!” “Imagino.” “O senhor é professor do que, mesmo?” “Lógica.”
visca
“Um ramo da filosofia, se não me engano”, diz Hans, balbuciando. Na sua obra, a única que publicaria em vida, o senhor L., tentando resolver os problemas essenciais da filosofia, buscando criar uma base para todo o pensamento, desenhou um diagrama que dialoga diretamente com o raciocínio algébrico e que é fundamental para entender como funcionam as proposições:
“Você acha que a filosofia pode trazer consolo?”, Hans subitamente pergunta. Entre as vinte e sete coisas que o senhor L. gostaria de fazer hoje, discutir filosofia com o vendedor da residência não era uma. “Não”, ele responde em um volume quase inaudível. “Mas como a filosofia lida com a questão do amor?” “Se tentar lidar com isso, será calcada em mentiras. Será psicologia, metafísica. Outra coisa.” O rosto de Hans se contorce como se o senhor L. tivesse ofendido a sua mãe. A tensão contamina L. Precisa desviar do assunto. Só assim sobreviverá até o fechamento do negócio. “Vamos olhar a casa”, ele diz, e Hans abre a porta instintivamente. Entram. O primeiro passo denunciou uma madeira frouxa, talvez carcomida por cupins. O segundo passo revelou que a casa não valia o preço anunciado. O rangido da madeira era audível até para um pássaro distante. Raios de sol atravessavam as frestas da parede. “É um ambiente ideal para viver em paz, longe dos incômodos das grandes cidades”, alardeou Hans. “O senhor é de Viena?”, perguntou. “Esta casa está em um estado lamentável, Hans”, murmura. Hans finge que não o escuta. “A posição solar das janelas é leste!”, exclama, como quem anuncia uma casa com piscina. “Excelente para secar roupa no horário da manhã.” Hans observa o rosto inabalável do senhor L. “Você acorda cedo?” “Meu interesse aqui é um lugar para trabalhar”, responde secamente. “Sim, sim, trabalho. Mas um homem não vive só de trabalho. É um lugar isolado, bom para trazer uma garota...”
Algo dentro do senhor L. parece entrar em fusão. Ele controla uma tosse engasgada. Hans nota o desconforto do interlocutor e emenda: “Ou talvez um garoto, se isso for a sua preferência.” Os olhos do senhor L. incham como um balão. “Ou dois garotos, ou quinze galinhas, cada um com seu gosto!”, exclama Hans, encaixando uma gargalhada para descontrair o ambiente. 6.13 A lógica não é uma teoria, mas uma reflexão do mundo. Lógica é transcendental. “A solidão não é para todos”, fala Hans, enfiando as mãos no bolso. “Você sabe lidar com a solidão, senhor L.?” A resposta não é um sim, nem um murmúrio, mas um grunhido incompreensível. 6.2 A matemática é um método lógico. 6.21 Proposições matemáticas não expressam pensamentos. “Eu queria saber por onde ela anda”, choraminga Hans. “Quem? O quê?”, L. pergunta, um pouco confuso, pensando que ele se refere a algo da casa, à chaleira que não está sobre o fogão. “Ingrid!”, exclama Hans, como quem declama poesia após beber um tonel de vinho. 6.3 A pesquisa lógica representa a investigação de toda regularidade. Fora da lógica, tudo é acidente. Os olhos de Hans estão úmidos. L. sabe o que vai acontecer. Hans o abraça. “Será possível viver sem ela?”, ele diz, sua voz abafada por causa do rosto colado contra o casaco de L. O senhor L. não sabe o que falar, então se cala. 6.5 Para uma resposta que não pode ser expressa, a pergunta também não pode ser expressa. Logo abaixo dessa proposição, o senhor L. escreveria: “O enigma não existe”. “Por que não deu certo entre nós?”, Hans urra, suas lágrimas agora escorrendo e misturando-se com o muco esverdeado do nariz. Ainda está abraçado contra o casaco de lã do senhor L. Abaixo da consideração sobre o enigma, o senhor L. escreveria: “Se uma pergunta pode ser feita, então ela também pode ser respondida”. Mas tudo que ele queria naquele momento era comprar uma casa. Antonio Xerxenesky é um escritor e tradutor nascido em 1984, em Porto Alegre, e radicado em São Paulo. Autor dos romances F (2014) e Areia nos dentes (2008), Xerxenesky é mestre em literatura comparada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e traduziu para o português diversos autores contemporâneos de língua espanhola, como Enrique Vila-Matas, Rodrigo Fresán e Juan Villoro.
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resenhas
O mapa de toda a América Latina Gilberto de Mello Kujawski
T
O labirinto da solidão Octavio Paz Cosac Naify Tradução de Ari Roitman e Paulina Wacht 384 páginas, R$ 69,00
94 | junho DE 2014
oda e qualquer resenha de O labirinto estas mesmas palavras, El arco y la lira (Fondo da solidão resultará insuficiente. Ficará de Cultura Económica, 1956). No texto octaviasempre abaixo do nível de pensamento no acompanhamos a inteligência do autor em atingido neste livro. O nível de Octavio Paz é o movimento, identificada com a essência mesma do pensamento paradoxal, aquele que desafia do mundo, na qual os contrários se conjugam as ideias feitas, a convenção estabelecida que no fluxo daquele rio no qual ninguém se banha separa irreversivelmente os opostos, tais como duas vezes. Fluxo musical como o que se derrahistória e mito, o sagrado e o profano, razão ma do conúbio entre o arco e a lira. Segundo Ortega y Gasset, o Universo está e sentimento, indivíduo e sociedade, solidão e comunhão, civilização e barbárie, criação constituído com metáforas, começando pela e destruição, festa e luto, direita e esquerda, comparação, que deu origem a quase todas as palavras, até os grandes mie outros tantos lugares-cotos cósmicos que sustentam muns abrigados na inércia a civilização. Tomando ao pé das ideias. da letra a proposta de OrteNão se pode compreender ga, Octavio pensa metafoo México sem reconhecer ricamente, aplicando a meque os contrários coexistem táfora como a matriz de sua entre si, conjugam-se uns A vida e a obra ideação conceptual. A força com os outros, abraçam-se desse diversificado ensaística de Octavio Paz reamorosamente e com freside toda ela no uso brilhanquência se matam teatralpoeta e ensaísta te do pensamento simbólico. mente. O mexicano, que se estão dominadas Não há exagero em afirfecha e preserva (palavras mar que a vida e a obra desde Octavio), mascara o rosto por um tema único: se diversificado poeta e ene o sorriso, “ama as festas e o México, seu destino saísta estão dominadas por as reuniões públicas”, tudo um tema único: o México, sem esquecer que ele é um e sua paixão, sua seu destino e sua paixão, sua “povo ritual”. Na festa o mehistória e sua história e sua mitologia. A xicano se abre, parte para busca do México associaa embriaguez e a loucura, mitologia -se à busca dele mesmo, em “assobia, grita, canta, solta carne e osso. O indivíduo é fogos, descarrega sua pistola tanto mais produtivo espino ar”. Recupera a festa como orgia coletiva. “Na Festa, a sociedade co- ritualmente quanto mais imerso na vida da comunga consigo mesma”, mas “a noite de festa munidade. A base, o húmus desse patriotismo é essa imersão profunda na comunidade. Na também é uma noite de luto”. Se há um filósofo com o qual Octavio guarda vida cotidiana e na vida heroica da comunidade. Paz ama sua pátria para entendê-la. Sua penea maior afinidade, é Heráclito de Éfeso (século VI a.C.): “Tudo flui”, o princípio do mundo tração intelectual consuma-se num tipo sapiené o devir, que está sempre correndo entre os cial e videncial de inteligibilidade. Paz pertence contrários. O devir de Heráclito é a comunhão à raça dos videntes. Seu patriotismo começa no vital dos contrários: “Não entendem como a dis- subsolo arqueológico do México, repousa nas córdia pode pôr-se de acordo consigo mesma. praças, na arquitetura e na literatura da Nova É uma mútua adaptação, como a do arco e da Espanha, inflama-se na Revolução Mexicana, lira” (Heráclito, fragmento 51). Por coincidên- demora-se na indagação do presente do seu país cia, Octavio Paz nomeou um de seus livros com e projeta-se com ele na direção do futuro. O que
Telescópio das ciências sociais
fotos eduardo cesar
Monika Dowbor
ele diz de sua compatriota do século XVII, Sor Juana Inés de la Cruz – “fue la conciencia intelectual de su sociedad” –, aplica-se sob medida a ele mesmo, que é a consciência da sociedade mexicana alargada em consciência de toda a América Latina. O texto de O labirinto da solidão, examinado à contraluz, entremostra o mapa de toda a América Latina e, inscrito nele, o contorno do nosso país. Pelo seu perfil trágico e hierático de matriz asteca, o México é único na América espanhola e portuguesa. Mas estamos todos unidos na AL por vícios atávicos de formação, a indistinção entre o público e o privado, entre direitos e privilégios, a tradição de autoritarismo, caudilhismo e populismo; e a sombra da ilegitimidade nos persegue. Mantemos viva a tradição antidemocrática, antiliberal e anticapitalista, apesar de fingirmos o contrário. A mentira política é nossa bandeira. Mas alguma coisa positiva nos aproxima na AL. A primeira é a cultura daquilo que Gilberto Freyre chama “o tempo ibérico” , o oposto do time is money dos ianques, o tempo que vale por si mesmo (da festa, da música e da arte popular, do “jogar conversa fora” etc.). A outra é o papel da Igreja Católica como formadora dos corações e mentes ao tempo da colonização. O Brasil e outros países hispânicos, mais do que possessões da Espanha e de Portugal, eram províncias eclesiásticas. Segundo Octavio Paz, “sem a Igreja, o destino dos índios teria sido muito diverso. ... Pela fé católica, os índios, em situação de orfandade, rompidos os laços com suas antigas culturas, mortos tanto os seus deuses quanto as suas cidades, encontraram um lugar no mundo. Esta possibilidade de pertencer a uma ordem viva, ainda que na base da pirâmide social, foi desapiedadamente negada aos nativos pelos protestantes da Nova Inglaterra. Esquecemos com frequência que pertencer à fé católica significava encontrar um lugar no cosmos” (O labirinto da solidão). Gilberto de Mello Kujawski é escritor e jornalista, autor do ensaio O sentido da vida (2ª. edição, no prelo).
N
Dicionário temático desenvolvimento e questão social: 81 problemáticas contemporâneas Anete Brito Leal Ivo, Elsa S. Kraychete, Ângela Borges, Cristiana Mercuri, Denise Vitale e Stella Sennes (coordenadoras) Annablume / CNPq / Fabesp 564 páginas, R$ 85,00
o deserto de Atacama, no Chile, encontram-se dois conjuntos de telescópios que mudaram a capacidade e forma de observar e analisar o Universo. A associação do Dicionário temático desenvolvimento e questão social, com seus 81 verbetes, à potência desses novos telescópios decorre da sua capacidade de nomear, mapear e sistematizar os debates acadêmicos e políticos sobre os dois temas contidos no título, relacionando-os e conjugando-os com uma diversidade de conceitos, dinâmicas e instituições, como, por exemplo, tecnologia, cooperação internacional, direitos, trabalho, participação, Cepal e ONU, entre outros Logo na apresentação há a pergunta: “Qual a capacidade das ciências e dos saberes na recriação de condições efetivas de inovação e formulação de novos paradigmas de desenvolvimento e proteção social?”. O dicionário em si já é uma resposta. Apesar do claro posicionamento da maioria dos autores a favor do desenvolvimento sustentável com centralidade na igualdade e equidade sociais, o fio metodológico que perpassa os verbetes busca, sistematicamente, as mais importantes vozes que fizeram diferença nos debates e situa o leitor na diversidade de posições que, não raramente, conflituam entre si. Vários autores introduzem instituições não apenas como objetos de estudo, mas como produtores do conhecimento e consensos, disseminados por meio de diretrizes, políticas e eventos. Por fim, os debates acadêmicos e políticos apresentados são permeados pela presença dos atores sociais. Se a polissemia das vozes, neste caso, impede sua agregação, o recurso às suas expressões institucionais, às suas representações e às dinâmicas sociais enriquece a discussão. O telescópio de ciências sociais mirado para os desafios do desenvolvimento pelo prisma da questão social se baseia na alta especialização dos seus 84 autores. O livro é uma leitura útil e norteadora para todos aqueles que buscam fazer diferença no mundo que nos coloca questionamentos nada triviais. Monika Dowbor é pós-doutoranda do Centro de Estudos da Metrópole (CEM) e do Núcleo de Democracia e Ação Coletiva do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).
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carreiras
Inovação multidisciplinar A trajetória de Carlos Calmanovici, do IPT para as estratégias tecnológicas de grandes empresas O engenheiro químico e cientista social Carlos Eduardo Calmanovici assumiu há seis meses o desafio de criar a diretoria de Melhoria e Desenvolvimento de Processo na Odebrecht Agroindustrial, empresa que iniciou suas atividades em 2007 para produzir etanol, açúcar e bioeletricidade com processos tecnológicos avançados. Antes ele ocupava a direção de tecnologia, onde, desde 2010, coordenava o mapeamento e a estratégia das atividades de inovação da empresa de Piracicaba, no interior paulista. A recente mudança é apenas uma das várias que Calmanovici experimentou ao longo de sua carreira. Depois de formado em engenharia química e ciências sociais na Universidade de São Paulo (USP), na capital, ele optou pela engenharia. Durante a graduação, foi estagiário e, depois de formado, pesquisador do 96 | junho DE 2014
Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Durante quase 10 anos no instituto, ele fez mestrado na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e doutorado no Instituto Nacional Politécnico de Toulouse, na França. “A minha experiência no IPT foi muito importante porque tive oportunidade de trabalhar em vários projetos e interagir com pessoas de diferentes áreas, desde química até economia e sistemas. Com isso adquiri conhecimento em temas como prospecção tecnológica e conceitos de planejamento e estratégias”, diz Calmanovici. Com o título de doutor obtido na França e de volta ao Brasil, ele aceitou um convite para trabalhar na Rhodia, em Paulínia, no interior de São Paulo. Ele conta que naquela época, no início década de 1990, a presenca de doutores em empresas era pouco frequente, quase
inexistente. “Entrei na Rhodia dentro de uma lógica considerada ousada na época, mas que começava a se disseminar no Brasil, que era a transferência de conhecimento da academia para as empresas”, diz. Ele assumiu várias posições na área de inovação e tecnologia da Rhodia. “Trabalhávamos o conceito de aplicabilidade nos mais variados negócios da empresa.” Calmanovici chegou ao posto de principal cientista da empresa no país. No final de 2001, ainda na Rhodia, ele aceitou um convite para dar aulas na Universidade Metodista de Piracicaba. Mas a experiência durou pouco porque no ano seguinte veio a proposta da empresa para ele assumir a plataforma de inovação da Rhodia Iberia, na Espanha. “Mas no final de 2004 eu já pensava em voltar para o Brasil, que sinalizava um crescimento consistente e
foto Odebrecht Agroindustrial ilustraçãO daniel bueno
assumia cada vez mais relevância no cenário mundial”, diz Calmanovici. Veio direto para a Oxiteno. “A empresa passava por um momento de consolidação e crescimento ao mesmo tempo e vivia um processo de internacionalização. Fui trabalhar na estratégia de renovação e estruturação da área de inovação. O dinamismo da Oxiteno me deu outra dimensão do potencial impacto da inovação nos negócios.” Novas mudanças viriam em 2007 com o desafio de trabalhar na gestão de pesquisa e desenvolvimento da Braskem, empresa do grupo Odebrecht. Teve várias responsabilidades na área de inovação tecnológica da Braskem, chegando a ser o responsável pelo desenvolvimento de tecnologia de polímeros, quando em 2010 transferiu-se para a Odebrecht Agroindustrial. Nos últimos anos teve, como ele mesmo diz, uma “vida paralela” na Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei), onde encerrou, em abril, o segundo mandato de presidente. “Comecei nos tempos da Oxiteno a participar de grupos de trabalho e de estudos, e depois assumi a vice-presidência em 2007 e tive dois mandatos como presidente, de 2010 a 2014. É um trabalho voluntário que demanda muita dedicação e compromisso, mantendo também as responsabilidades na empresa. Tive a feliz coincidência de estar na frente da Anpei num momento em que a inovação ganhou forte relevância e foi colocada na agenda econômica do país”, diz. Após tantas mudanças e desafios, ele confessa que nunca teve um plano traçado. “As coisas foram acontecendo, mas sempre tive muita disposição para buscar novos desafios e transformá-las em oportunidades concretas”, diz Calmanovici.
Oportunidade
Aprendizado nas empresas Programa pretende qualificar gestores para trabalhar com inovação
Calmanovici: academia, mercado e “vida paralela”
Uma oportunidade para quem está no último ano ou concluiu a graduação até no máximo há três anos, estando ou não no mestrado, e quer ingressar nas áreas de pesquisa, desenvolvimento e inovação de uma empresa é o Programa Inova Talentos, elaborado em parceria com o Instituto Euvaldo Lodi (IEL), da Confederação Nacional da Indústria (CNI), e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Como trainee, o profissional terá bolsa de um ano para desenvolver um projeto de pesquisa na empresa, que foi previamente submetido e avaliado pelo CNPq. Depois de aprovado, o IEL divulga os resultados e ajuda na escolha do bolsista, principalmente em buscas nas universidades e bancos de currículos. “Buscamos um profissional que tenha o conhecimento da área do projeto. Queremos que esse trainee possa entender a dinâmica e a lógica empresarial e ganhe qualificação na nas funções de gestor e líder de inovação”, diz Rodrigo Teixeira, gerente executivo de Desenvolvimento Empresarial do IEL. Para isso, é elaborado na empresa um ambiente em que um tutor, um profissional com mais tempo na empresa, vai acompanhar o trabalho do trainee e passar
conhecimentos sobre as especificidades do segmento tecnológico e as características do mercado. Depois o tutor fará uma avaliação do trabalho do trainee para o IEL. “Com o Inova Talentos queremos capacitar o profissional para entender a inovação na prática”, diz Teixeira. Os trainees também são instruídos em como se comportar em uma reunião de trabalho e como vender ideias. Cada um recebe bolsa mensal de R$ 1,5 mil, quando tem a graduação, e R$ 3 mil, com mestrado, por meio do Programa Recursos Humanos em Áreas Estratégicas (Rhae) do CNPq. O Inova Talentos também permite que um candidato a trainee escolha o projeto em que quer trabalhar. No site do programa em www. inovatalentos.com.br o profissional pode verificar no tópico vagas o resumo de todos os projetos aprovados por estado que ainda não tiveram escolha. Na primeira chamada de projetos realizada em 2013 foram inscritos 232 projetos, sendo aprovados 179 e contratados 228 trainees. Cada projeto pode ter até três profissionais. A segunda chamada para as empresas submeterem os projetos para avaliação termina no dia 13 de junho. PESQUISA FAPESP 220 | 97
classificados
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