Pesquisa FAPESP 94

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Ciência e Tecnologia A no Brasil

Dezembro 2003 ■ N° 94

FAPESP

QUANDO 0 CINEMA VAI AO TEATRO PROJETOS PARA ENCHER O TANQUE COM BIODIESEL

POR QUE ELA PROVOCA HIPERTENSÃO E DIABETES


A tecnologia Itautec é como impressão digital: ninguém consegue copiar. Itautec, Unicamp e Griaule. Parceiras no novo sistema de identificação de digitais que conta com a tecnologia do InfoCluster.

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Pesquisa ■■ FAPESP

Ciência e Tecnologia no Brasil www.revistapesquisa.fapesp.br

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REPORTAGENS

SEÇÕES CARTAS

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OPINIÃO

7

Carlos Vogt CARTA DO EDITOR

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MEMÓRIA

12

Há 20 anos, surgiam as primeiras plantas geneticamente modificadas

CAPA Estudos demonstram que dieta e exercício não apenas emagrecem, mas também ajudam a reduzir a pressão alta e o diabetes que em geral acompanham a obesidade 32

ESTRATÉGIAS Oxigênio para a Universidade de Pequim ... 14 Divórcio depois das alfinetadas

14

Inovação liga o Brasil ao Canadá

14

Onde estão as mulheres?

15 CIÊNCIA

POLÍTICA CIENTIFICA ETECNOLÓGICA

MEDICINA

TRANSGENICOS

Peru investe em jornalismo científico

15

Pesquisa espanhola pede socorro

15

Ação contra a Aids em Moçambique

16

A cidade da biotecnologia

16

Ambições espaciais da Coréia do Sul

16

Ciência na web

16

Assentamentos ecologicamente corretos

17

Versão normal do príon é crucial na resposta ao tratamento da epilepsia

j OGMs desenvolvidos pela Embrapa serão avaliados por Rede de Biossegurança

BIOQUÍMICA Estrutura detalhada

20

A história nas bancas de jornais

de proteína facilita a busca de novos medicamentos

42

GENÔMICA

FINANCIAMENTO Pesquisa avalia potencial inovador de empresas e institutos de pesquisa ...

38

Técnica mostra quais genes

24

são ativados nas células sadias e nos tumores

44

17

Código de botânica agora em português

18

SOS museus de ciência

18

Para um público mais amplo

18

As FAPs que estavam faltando

19

INVESTIMENTO LIQUIDO Petrobras destina R$ 40 milhões para projetos de preservação da água ....

OCEANOGRAFIA

26

Duplica o total de espécies conhecidas de peixes marinhos brasileiros

48

PESQUISA FAPESP 94 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ 3


Pesquisa

Ciência e Tecnologia no Brasil

REPORTAGENS

SEÇÕES Saia justa em Houston

19

Um basta ao tráfico de animais

19

ASTROFÍSICA

ENGENHARIA QUÍMICA

Como a estrela Eta Carinae ganhou importância

Corante para uso em alimentos produzido pelo fungo Monascus ganha

LABORATÓRIO Cuidar dos netos nem sempre faz bem

30

Esqueceu, de novo?!

30

0 sutil coração das mulheres

30

E fez-se um vírus no laboratório

31

Um pó para revelar suspeitos de crimes

31

Uma tarefa extra do nariz

31

e atenção de físicos de todo o mundo

54

nova técnica de produção

.

..78

Modelo teórico determina

QUÍMICA Substância encontrada no corpo

Botos em alto-mar

32

o arranjo geométrico

humano é a base de biomateriais

Quarto cheio, criança com tosse

32

Inseticidas causam perda auditiva

32

que permitiria o uso de nanotubos

Refrigerantes com fungos

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SCIELO NOTÍCIAS

60

FÍSICA

LINHA DE PRODUÇÃO Novas luzes sobre Stonehenge

59

para tratar lesões na pele e hipertensão

80

HUMANIDADES

TECNOLOGIA ENERGIA

ENTREVISTA

Biodiesel produzido

0 professor e crítico sobre cinema e seu novo livro,

62

Material híbrido com propriedade isolante .. 62 Furos nanométricos armazenam dados

63

Laser em miniatura encolhe ainda mais

63

com etanol, álcool extraído da cana-de-açúcar, e óleos

Luz nos Estados Unidos

63

vegetais está pronto

Carros econômicos e futuristas

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Ismail Xavier fala 66

O olhar e a cena

ALIMENTOS Grau de adulteração de bebidas

FEMINISMO Revista Estudos Avançados

65

é determinado por meio da análise da quantidade

traz retrato complexo

94

de átomos de carbono

LANÇAMENTOS

95

VITICULTURA

CLASSIFICADOS

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Uvas brasileiras sem caroço, resultado

ARTE FINAL Claudius

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Teste aponta falhas em pulverizadores

64

Finep premia inovação nacional

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Patentes RESENHA Território de Epidauro, de Pedro Nava

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e multifacetado da condição da mulher no Brasil em 17 artigos

4 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ PESQUISA FAPESP '

de melhoramento genético, chegam ao mercado

Capa: Hélio de Almeida Foto: Miguel Boyayan Tratamento de imagem: José R. Medda

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CARTAS cartas@fapesp.br

Transgênicos Gostaria de parabenizar a revista pela reportagem "A batalha dos transgênicos" (edição n° 93). Em uma ótima reportagem, conseguiu enfocar todos aspectos envolvendo os organismos geneticamente modificados (OGMs), ressaltando os impactos econômicos, sociais e políticos envolvidos na questão; embasados por argumentos sólidos e objetivos, oferecendo uma visão ampla do assunto. Porém cabe ressaltar que o enfoque científico adotado pela revista deve sempre levar em conta aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais da época analisada, para que não gere conclusões errôneas. Apesar de todo o caloroso debate envolvendo os OGMs em nosso país, este não pode ser comparado com a Revolta da Vacina, como feito no final do texto. Embora a ocorrência desta envolvesse a ignorância da população da época sobre os avanços da ciência (a maioria ainda desconhecia e temia os efeitos que a injeção de líquidos desconhecidos poderia causar no corpo das pessoas), havia vários outros fatores envolvidos: culturais (a vacinação era um atentado contra o pudor das mulheres, porque elas teriam que desnudar os braços para os vacinadores da Saúde Pública), econômicos (a diminuição de turistas estrangeiros para o Rio de Janeiro devido às epidemias), políticos (o governo instituiu a vacinação através de uma medida autoritária) e principalmente sociais, pois o Rio estava sofrendo um processo de urbanização, nos moldes das cidades européias. Por causa desse último, muitas famílias tiveram seus cortiços desocupados no centro da cidade com uma conseqüente mudança para os morros (ajudando na formação das atuais favelas cariocas), o que gerou grande tensão social na cidade. Quando Oswaldo Cruz decretou a vacina obrigatória, a população pobre aproveitou a

No arbrasileiro um novo , avião

ocasião para realizar passeatas, comícios contra o governo, saques de lojas e depredações de bondes e carroças, sendo, portanto, uma manifestação popular contra várias atitudes do governo e não só a vacinação em si. Ocorre que a reportagem procurou, através de um enfoque positivista, concluir que a Revolta da Vacina foi uma manifestação popular contra os avanços da ciência, esquecendo de citar a situação de opressão social que os habitantes mais pobres da capital federal na época sofriam. ANDRé FILIPE JUNQUEIRA DOS SANTOS

Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP Ribeirão Preto, SP Cumprimento a revista pela iniciativa de publicar reportagem sobre transgênicos. No entanto, gostaria de levantar alguns pontos que, em minha opinião, não foram adequadamente abordados. Em primeiro lugar, o artigo privilegiou alguns aspectos do debate, sobretudo os relacionados à produção e economia, em detrimento de outros, igualmente importantes. Senti falta, sobretudo, da opinião de ecólogos e de cientistas sociais, que poderiam colocar em uma perspectiva mais abrangente o uso de transgênicos na agricultura. Em segundo lugar, a comparação que foi feita entre transgênicos usados na área médica e transgênicos na agricultura não pro-

cede. No primeiro caso, os organismos foram planejados especificamente para tratar ou prevenir certas condições de saúde, sendo seu uso muito mais controlado. No segundo caso, nem sempre o transgênico é planejado para suprir algo de que o organismo do consumidor necessite em sua dieta. Por meio da alimentação, uma população muito maior irá se expor a quantidades não controladas e durante um longo período aos produtos derivados de organismos transgênicos. E, mais importante talvez, esses organismos serão liberados no ambiente, o que não ocorre com os transgênicos da área médica. Esse ponto, em especial, merece um debate aprofundado, partindo das pesquisas já existentes e sublinhando o que ainda é necessário fazer. Em terceiro lugar, a questão alimentar é um assunto extremamente complexo, cujo equacionamento não se esgota em uma abordagem apenas tecnológica, ou na adoção de tecnologias mais produtivas. Aspectos sociais e econômicos têm grande peso para determinar quem vai e quem não vai passar fome. O modelo atual de produção de alimentos é caro e altamente deletério ao ambiente. Dar a entender que todas as soluções para aumentar a produção de alimentos restringem-se às opções desse modelo, ao qual os transgênicos se adequam tão bem, é negar a necessidade de se procurar soluções mais socialmente justas e ambientalmente sustentáveis. MARIA CHRISTINA DE MELLO AMOROZO

Depto. Ecologia - Instituto de Biociências/Unesp Rio Claro, SP A reportagem sobre organismos transgênicos pareceu bastante tendenciosa. A revista deveria ter tido o cuidado de consultar uma maior diversidade de fontes para poder dar um panorama mais claro das opiniões em debate. Há uma série de inverdades. As informações sobre dimiPESQUISA FAPESP 94 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ 5


nuição de uso de agrotóxicos nos Estados Unidos e eficácia de plantas resistentes a insetos são bastante questionáveis. Como profissional que acompanha a questão desde 1988, tenho centenas de publicações científicas que contradizem as afirmações feitas, justificando a necessidade do princípio de precaução aprovado pelo Protocolo de Cartagena, adendo à Convenção de Diversidade Biológica. A autora desconsidera todas estas questões e esquece de mencionar o marco legal de biossegurança existente no país que fundamentou a decisão judicial a que ela se refere. Sugiro aos editores que corrijam esse deslize publicando mais matérias sobre o tema, buscando aprofundar o debate. Sugiro entrevistas não apenas com cientistas que dão suporte às opiniões que a revista buscou divulgar, mas também de outros que têm outra visão sobre a questão e pessoas que possam incorporar uma análise socioeconômica.

visam primordialmente incrementar o turismo como fonte de divisa sem uma contrapartida de seus custos e benefícios. O outro artigo -"A cidade de 77 climas" - mostra a diversidade de clima e as variações de temperatura nas cinco zonas da capital paulista. O próprio crescimento urbano intenso e desorganizado vem eliminando há tempos a área verde da cidade, substituindo-a por construções verticais, indústrias, viadutos e áreas extensas asfaltadas que retêm o calor e aumentam a temperatura. Tudo isso decorre de políticas públicas inapropriadas de ocupação do solo, da prioridade do transporte individual em relação ao coletivo e da ganância da especulação imobiliária.

ANGELA CORDEIRO

Na edição n° 92, na seção Memória, vocês fazem menção aos 40 anos que o Cenpes completa este ano. A lembrança é merecida, pois este centro é uma referência internacional no que diz respeito à química do petróleo. No entanto, também este ano, mais precisamente em dezembro, uma instituição da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) também completa 40 anos: é o Núcleo de Pesquisa de Produtos Naturais (NPPN). Esse núcleo criado na década de 1960, inicialmente um centro de pesquisa, tornou-se rapidamente um Centro de Excelência na Pesquisa de Produtos Naturais pelo qual passaram grandes pesquisadores do nosso país. O NPPN não tem a mesma condição financeira apesar da grande produção intelectual e gostaria de pedir que fosse feita uma menção ao seu aniversário de 40 anos, já que esta revista dá um grande enfoque à produção científica nacional e o NPPN é a maior prova de que o amor à pesquisa pode superar todas as dificuldades.

Florianópolis, SC Nota da Redação: Pesquisa FAPESP não teve a pretensão de esgotar o tema dos transgênicos, sob todos os aspectos relevantes. Sua intenção foi contribuir para uma discussão ampla do problema, em que seja respeitada a particularidade de cada um desses aspectos.

Praias e cidade Pela leitura da edição n° 92 de Pesquisa FAPESP, duas reportagens chamaram-me atenção sob os títulos "As praias perdidas" e "A cidade de 77 climas", dos jornalistas Fabrício Marques e Ricardo Zorzetto. A propósito da primeira, em viagens ao nordeste, especialmente, no Ceará, venho observando ultimamente intenso avanço do mar em algumas praias perto de Fortaleza, provocando a destruição de casas de pescadores e moradias de praias. Uma análise mais profunda do artigo mostra que o problema é mais complexo. O que vem acontecendo é um desafio para o direcionamento e implementação de futuras políticas governamentais que 6 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ PESUUISA FAPESP 94

JOSé ROBERTO MEDINA LANDIM

Departamento de Economia Rural/Unesp Jaboticabal, SP

40 anos do NPPN

RODRIGO SOUZA

Presidente do Conselho de Alunos de Pós-graduação do NPPN Rio de Janeiro, RJ

Revista Todos os dias eu leio os artigos de Pesquisa FAPESP no meu trabalho, no site da revista. Não possuo curso superior, mas o que encontro nas reportagens ajuda muito em matemática, pois é o que quero fazer. Fiquei triste em saber que a matemática está em baixa no país. TIAGO VINTéM

Jundiaí/SP

Correções Na reportagem "A batalha dos transgênicos" (edição n° 93), a foto à página 19 - feijão transgênico - não corresponde à legenda, que menciona a soja IML O crédito da imagem também está equivocado: a foto é de Juan Pratginestós. Na nota "Patriotismo ou discriminação" (página 12 da edição 93), o nome e a sigla do Institute of Electrical and Electronics Engineers (Instituto de Engenheiros Eletrônicos e Eletricistas) estão errados. O nome correto é o acima e a sigla é IEEE. Na reportagem "A Embraer voa mais alto" (página 70, edição n° 93), a sigla UFSC significa Universidade Federal de Santa Catarina e não Faculdade Federal de Santa Catarina. O símbolo de quilowatt-hora é kWh e não kW/h como foi publicado na reportagem "A força da correnteza" (edição n° 93). Na reportagem "Farta colheita" (edição 92), ao contrário do que foi publicado, a planta Saccharum spontaneum é mais rústica e produz menos açúcar enquanto a Saccharum officinarum produz mais açúcar, mas é menos resistente a doenças. A muda que ilustra a reportagem não é de cana-de-açúcar, mas de bambu.

Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail cartas@fapesp.br, pelo fax (11) 3838-4181 ou para a Rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP, CEP 05468-901. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.


OPINIÃO CARLOS VOGT

Políticas de afirmação do negro no Brasil gentes fugido com êxito; terceiro, que Só no século 20 desenvolveramos escravos, como provinham de todas se os estudos e as atitudes inteas regiões da África, falavam diversas lectuais e políticas voltados pona Rodrigues línguas, vinham de culturas variadas e sitivamente à questão do negro irmanava-se com tinham sido dispersos pelo país, não no Brasil. Houve, no século 19, toda Sylvio Romero conseguiram estabelecer um "denomiuma literatura abolicionista que, no nador cultural" comum; quarto, que, entanto, tratou o negro como um prona visão embora negros da mesma origem triblema homogeneizado pela escravi'científica' da bal conseguissem, às vezes, manter-se dão, enquanto mácula. inferioridade juntos nos EUA, não conseguiam manÉ verdade que Nina Rodrigues, pioter a sua cultura porque esta era infeneiro dos estudos africanos no país, racial do negro rior à dos seus senhores; quinto, que "o trabalhava sobre o tema desde o final do negro é assim um homem sem um século 19 e já em 1900 havia publicado passado". no Jornal do Commércio o que viria a ser No prefácio da segunda edição de depois capítulo do livro póstumo Os afriseu livro, em 1958, Herskovits reconheceria que muitas canos no Brasil, de 1933. Nele aparece como epígrafe a coisas haviam mudado desde 1941.0 número de negros advertência que Sylvio Romero fizera em 1888 - ano da que rejeitavam seu passado diminuía paulatinamente, Abolição da Escravatura - sobre a urgência de se voltarem transformavam-se as atitudes dos brancos em relação os estudos no Brasil para a questão do negro:"[...] temos aos pontos de vista anteriores, o que lhe permitia arrea África em nossas cozinhas, como a América em nossas matar: "E o negro americano, ao descobrir que tem um selvas, e a Europa em nossos salões [...} Apressem-se os espassado, adquire uma segurança maior de que terá um pecialistas, visto que os pobres moçambiques, benguelas, futuro". monjolos, congos, cabindas, caçangas... vão morrendo..." A oposição entre o otimismo culturalista de HerskoA adoção dessa epígrafe resume bem as contradivits e o pessimismo cienticista de Nina Rodrigues explições de atitudes que marcaram a obra do médico e incam-se, entre outras coisas, pela própria mudança dos telectual maranhense na Bahia: defensor dos valores paradigmas teóricos no tratamento dos africanismos culturais dos africanos no Brasil e de seu direito à liberna América e pelo descrédito científico em que acabara dade de práticas religiosas, Nina Rodrigues irmanava-se caindo a frenologia lombrosiana, que tanto marcava a poscontudo com Sylvio Romero na visão "científica" da intura intelectual do médico e de muitos outros no Brasil, ferioridade racial do negro. inclusive de Euclides da Cunha em Os sertões. "O critério científico da inferioridade da Raça Negra De qualquer sorte, a simpatia de Nina Rodrigues pela nada tem de comum com a revoltante exploração que dele cultura dos povos africanos para cá trazidos como escravos, fizeram os interesses escravistas dos norte-americanos", os processos de suas adequações, transformações e influênafirmava ele no livro citado. "Para a ciência", prosseguia, cias pela interação com os outros elementos constitutivos "não é esta inferioridade mais do que um fenômeno de dessa nova realidade foi o que sobreviveu a seu modismo ordem perfeitamente natural, produto da marcha desipositivista. E fez do etnólogo que nele também convivia a gual do desenvolvimento filogenético da humanidade influência mais importante para o desenvolvimento dos nas suas diversas divisões ou secções (...)." estudos do negro no Brasil no início do século 20. Nessa linha, muitos foram os seus seguidores ou adContraposição aos mitos - Em 1941, M. Herskovits, aumiradores, caso em particular de Artur Ramos e de Editor de vários trabalhos sobre a cultura afro-americana, son Carneiro, mesmo quando se contrapunham em difepublicou The myth ofthe negro past. Declarava logo a inrenças teóricas e metodológicas, ou quando se alinhavam tenção de contribuir para "melhorar a situação inter-ranas disputas regionais pela primazia do autêntico das cial" nos EUA, realizando pesquisas sobre a cultura de manifestações culturais africanas no Brasil. origem africana nesse país. Construía, assim, livro para ajudar a compreender a história do negro, contrapondose a cinco "mitos" então vigentes. Primeiro, que os neCARLOS VOGT é poeta, lingüista, presidente da FAPESP, gros, como crianças, reagem pacificamente a "situações coordenador do Laboratório de Estudos Avançados em sociais não satisfatórias"; segundo, que apenas os africaJornalismo da Unicamp e vice-presidente da SBPC. nos mais fracos foram capturados, tendo os mais inteliPESQUISA FAPESP 94 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ 7


É o que acontece, por exemplo, no artigo "O Congresso Afro-Brasileiro da Bahia", publicado em 1940, em que Edison Carneiro tece elogios àquele encontro realizado em 1937 e o contrapõe ao Congresso do Recife, de 1934, pelo critério da maior ou menor pureza dos ritos e cerimônias apresentados: "Esta ligação imediata com o povo negro, que foi a glória maior do Congresso da Bahia, deu ao certame um colorido único", como já previra Gilberto Freyre. Artur Ramos, em carta que me escreveu sobre uma entrevista ao Diário de Pernambuco, dizia: "O material daí que [Gilberto Freyre] julga apenas pitoresco constituirá justamente a parte de maior interesse científico. O Congresso do Recife, levando os babalorixás, com sua música, para o palco do Santa Isabel, pôs em xeque a pureza dos ritos africanos. O Congresso da Bahia não caiu nesse erro. Todas as ocasiões em que os congressistas tomaram contato com as coisas do negro foi no seu próprio meio de origem, nos candomblés, nas rodas de samba e de capoeira". Uma visão sociológica - Edison Carneiro, no artigo "Nina Rodrigues", de 1956, reconheceu, apesar das críticas, seus méritos, em especial o de ter proposto um método comparativo para o estudo dos comportamentos do negro no Brasil e na África - do qual ele e Artur Ramos são herdeiros. "Línguas, religiões e folclore eram elementos dessa comparação a que a história dava a perspectiva final. Deste modo ganhou o negro a sua verdadeira importância em face da sociedade brasileira", diz. Compare-se o que vai dito nesse último período da citação de Edison Carneiro com a observação de Herskovits sobre o passado e o futuro do negro americano, e ter-se-á uma medida objetiva de quanto os propósitos político-intelectuais desses autores eram coincidentes, levando-se em conta, é claro, as diferenças entre a sociedade americana e a sociedade brasileira. Num caso e noutro, tratava-se de reencontrar a história do negro pela via da valorização de sua cultura, na África e no país de destino, comparando-a nas duas situações, fazendo-a, dessa vez chegar aos EUA, ao Brasil, onde quer que fosse, pela porta da dignidade e da distinção que o passaporte dos ritos, das línguas, da complexidade cultural de suas origens lhe conferia. Foi a fase heróica dos estudos do negro no Brasil. Por volta de 1950 ela se encerra, segundo Edison Carneiro, e tem início a chamada fase sociológica, como se pode ler no seu artigo programático "Os estudos brasileiros do negro", de 1953: "Se o negro com sua presença alterou certos traços do branco e do indígena, sabemos que estes, por sua vez, transformaram toda a vida material e espiritual do negro, que hoje representa apenas 11% da população (1950), utiliza a língua portuguesa e na prática esquece as suas antigas vinculações tribais para interessar-se pelos problemas nacionais como um brasileiro de quatro costados. Tudo isso significa que devemos analisar o particular sem perder de vista o geral (...), tendo sempre presente a velha constatação científica de que a modificação na parte implica em modificação no todo, como qualquer modificação no todo importa em modificações em suas partes". 8 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ PES0UISA FAPESP 94

Firmava-se agora, particularmente, com os trabalhos de Florestan Fernandes, Octavio Ianni e Fernando Henrique Cardoso na chamada Escola Sociológica de São Paulo, uma nova tendência de estudos voltados para a análise da estrutura de classes no país e, nela, para a história do negro, primeiro como escravo, depois como trabalhador livre marcado pelo estigma do preconceito de cor. Como escrevemos no livro Cafundó - A África no Brasil, em co-autoria com Peter Fry e com a colaboração de Robert Slenes, ao romantismo da fase teórica segue-se um realismo de inspiração sociológica, de fundo social e de aspiração socialista. Em resumo, o movimento desses estudos poderia ser caracterizado, em um primeiro passo, por sua ênfase cienticista; o culturalismo dominaria a segunda fase, e a visão sociológica, a terceira. Repercussões no movimento negro - Esses três momentos contribuem para a compreensão das diferentes fases por que passou o movimento negro no século 20, do ponto de vista de suas lutas, reivindicações, bandeiras, e das explicações científicas, culturais e sociológicas que fundamentam as ênfases de suas ações políticas. Assim, nos anos 1920, as próprias organizações negras refletiam a visão de que o principal problema da população negra no Brasil estava nela mesma, dadas as condições precárias de sua educação formal, a fraqueza das organizações e a conseqüente falta de habilidade para concorrer às disputas no mercado de trabalho, tudo isso acrescido do "preconceito de cor" que obstruía a integração social e discriminava o negro na sociedade. A democracia racial, como ideal político e social programático, concomitante à redemocratização do país em 1945, coincidente com o fim da Segunda Guerra Mundial e a vitória dos países aliados sobre o nazi-fascismo, propiciou o desenvolvimento de ações no campo educacional, cultural e mesmo psicanalítico - caso do Teatro Experimental do Negro, no Rio de Janeiro -, que, através de diferentes organizações, visavam reforçar, quando não despertar, o sentimento de orgulho por ser negro e, desse modo, contribuir para capacitá-lo a enfrentar o seu pior inimigo na sociedade, o preconceito racial, agente também perturbador do progresso integrado do país na comunhão das raças, dos credos, das diferenças. Esse movimento reflete, assim, características próprias da segunda fase dos estudos do negro no país. A transformação da democracia racial de ideário político em mito e em ideologia e, portanto, em expediente de ilusionismo social vai se dar a partir dos anos 1970 e, talvez, um dos fatos mais importantes dessa nova tendência e postura seja a fundação em 1978, em São Paulo, do Movimento Negro Unificado. Não será difícil identificar nesse momento aspectos coincidentes com os que se encontram na linha sociológica dos estudos do negro, porquanto a grande responsável pela situação de exclusão do negro está, na verdade, na estrutura de dominação da sociedade pelo establishmentbranco, consolidado no governo e difundido na sociedade civil. Passa-se, pois, da democracia racial, integradora e geradora de plenos direitos para a denúncia de uma dominação real assentada sobre a base de um racismo difuso e poderoso.


Ações afirmativas - O que se segue, até hoje, na história Quebrar resistências - O país caminhou bastante nos dos estudos e dos movimentos negros no Brasil tem a últimos anos em relação aos cenários para a mobilidaver, grosso modo, com as características das diferentes fade social, o desenvolvimento pessoal, a formação proses de sua evolução. Em 1988, no ano do centenário da fissional e as chances de competição do homem e da Abolição da Escravatura, foi promulgada a nova Constimulher negros no mercado de trabalho. tuição da República Federativa do Brasil. Nela, em deMas há ainda muito a avançar e muitas resistências corrência das lutas pelos direitos civis dos negros, ficou a quebrar entre os intelectuais e a sociedade civil se se consagrado, no Título II - Dos direitos e garantias funconsiderar, por exemplo, os dados de 2001 da pesquidamentais -, Capítulo I - Dos direitos e deveres indivisa do programa "A cor da Bahia/UFBA" e do I Censo duais e coletivos -, Artigo 5o - Todos Étnico Racial da USP e IBGE. são iguais perante a lei, sem distinção Segundo esses dados, na Unide qualquer natureza, garantindo-se versidade Federal do Rio de Janeiro aos brasileiros e aos estrangeiros resi(UFRJ), o número de alunos brancos dentes no País a inviolabilidade do dié de 76,8%, o de negros 20,3% para .s cotas nas reito à vida, à liberdade, à igualdade, à uma população negra no estado de universidades segurança e à propriedade, nos termos 44, 63%; na Universidade Federal do têm um papel seguintes: Artigo XLII - a prática do Paraná (UFPR) os brancos são 86,6%, racismo constitui crime inafiançável e estratégico os negros, 8,6%, para uma população imprescritível, sujeito à pena de reclunegra de 20,27%; na Universidade Fenessa luta por são, nos termos da lei. deral do Maranhão (UFMA), brancos igualdade de A regulamentação desse parágrafo são 47%, negros, 42,8% e a população oportunidad< veio em seguida pela Lei n° 7.716, de negra no estado, 73,36%; na Universi5 de janeiro de 1989, modificada pela dade Federal da Bahia (UFBA), 50,8% Lei 008.882, de 3 de junho de 1994, e são brancos, 42,6% negros e 74,95% a novamente modificada em 13 de população negra do estado; na Unimaio de 1997, pela Lei n° 9.459, que versidade de Brasília (UnB), são branacrescentou também ao Artigo 140 do Código Penal cos 63,74%, são negros 32,3%, tendo o Distrito Federal dispositivo relativo ao crime de injúria por utilização uma população negra de 47,98%; na Universidade de de "elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou São Paulo (USP), os alunos brancos somam 78,2%, os origem", estabelecendo pena de "reclusão de um a três negros, 8,3% e o percentual da população negra no esanos e multa". tado é de 27,4%. O passo seguinte seria o das ações afirmativas, cujo Vê-se, assim, que o déficit produzido por essas difemodelo podia ser buscado nos EUA dos anos 1960, e, renças é bastante desfavorável ao negro nos estados mais recentemente, no governo de Nelson Mandela, na onde se encontram essas universidades. Há, contudo, África do Sul. avanços, sobretudo por parte do governo, quanto à adoAqui, sim, numa quarta fase, opera-se uma mudanção de ações afirmativas, entre elas o abandono oficial ça importante no paradigma clássico dos estudos e dos da doutrina da "democracia racial" desde a Conferência movimentos negros no Brasil, embora ela própria seja Mundial Contra a DiscriminaçãoO Racial, realizada em decorrente também das grandes transformações que, na Durban, na África do Sul, acompanhada da instituição economia, na política e na cultura, o mundo contempode cotas de emprego em vários ministérios e serviços, râneo passa a conhecer, sobretudo a partir de 1989, com além da criação de programas voltados para os direitos a consolidação do fenômeno da globalização. Deixa-se humanos, a formação profissional e o reconhecimento de lado o ideal do Brasil mestiço para proceder às ações do direito à titulação de propriedade de terras remanespelo reconhecimento étnico-racial dos negros. centes de quilombos, entre outros. Nesse sentido, Antônio Sérgio Alfredo Guimarães, no As cotas nas universidades têm um papel estratéartigo "Acesso de negros às universidades públicas", de gico nessa luta por igualdade de oportunidades e são 2002, observa que "nos primeiros tempos, de 1995 até bem parte de um conjunto maior de ações afirmativas que recentemente, a reação da sociedade civil, representada tendem, felizmente, a crescer cada vez mais em nossa pelos seus intelectuais e meios de comunicação de massa, sociedade. Algumas páginas de romances e crônicas de foi largamente contrária à adoção de políticas de cunho Machado de Assis apresentam situações que desenham, racialista". Lembra que o movimento negro e os poucos em traços de atenta observação crítica, as relações sointelectuais brancos que as defendiam viram-se politicaciais entre brancos senhores e negros escravos ou limente isolados, sob a acusação de deixar-se colonizar pebertos, e mostram, com leveza de estilo e sensibilidade, los valores norte-americanos. "Assim, os que por ventura a natureza complexa e o peso dos problemas que essa tinham sólidos interesses na manutenção das desigualdasociedade escravocrata legaria para as gerações futuras des encontraram aliados cujos motivos eram puramente no Brasil. ideológicos, pessoas que viam nas políticas dirigidas preRetomo aqui uma crônica do livro Bons dias, de 26 ferencialmente aos negros a penetração no Brasil do 'mulde junho de 1888, que registrou, com a fina ironia que ticulturalismo' e do 'multirracionalismo' de extração ané própria do autor e com o cinismo oportunista caracglo-saxônica." terístico de muitos de seus personagens, uma situação PESQUISA FAPESP 94 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ 9


reveladora do ethos dos senhores no day after do ato legal da Abolição. Transcorrido mais de um mês da Abolição, o nosso cronista fictício arquiteta maneiras de tirar proveito econômico e não apenas político da nova situação. Como um Tchitchikof dos trópicos, trata de comprar, tal qual no romance de Gogol, Almas mortas, no caso, escravos libertos, com documentos datados de antes do 13 de maio e, assim, poder "vendê-los" ao poder público para recuperação das "perdas" sofridas com a Abolição. "Suponha o leitor que possuía duzentos escravos no dia 12 de maio, e que os perdeu com a lei de 13 de maio. Chegava eu ao seu estabelecimento, e perguntava-lhe: - Os seus libertos ficaram todos? - Metade só; ficaram cem. Os outros cem dispersaramse; consta-me que andam por Santo Antônio de Pádua. - Quer o senhor vender-mos? Espanto do leitor; eu, explicando: - Vender-mos todos, tanto os que ficaram, como os que fugiram. O leitor assombrado: - Mas, senhor, que interesse pode ter o senhor... - Não lhe importe isso. Vende-mos? - Libertos não se vendem. - É verdade, mas a escritura de venda terá a data de 29 de abril; nesse caso, não foi o senhor que perdeu os escravos, fui eu. Os preços marcados na escritura serão os da tabela da lei de 1885; mas eu realmente não dou mais de dez mil-réis por cada um." Machado de Assis, que o crítico norte-americano Harold Bloom considera o "maior literato negro surgido até o presente", deixou-nos um legado artístico ímpar no Brasil e na literatura universal de todos os tempos. Por ele pudemos conhecer melhor a sociedade imperial brasileira e com ele entrarmos no átrio dos conflitos da sociedade republicana que se anunciava, sem historicismo, sem sociologismo, sem programatismo panfletário. Com o legado estético, o legado ético. E é parte dele, com a mesma discreta perspicácia, o registro de situações de puro exercício de dominação senhorial de brancos em relação aos negros, ou de debochada esperteza negociai dos que se habituaram a procurar tirar vantagem em tudo, como acontece nas duas crônicas aqui referidas. É uma situação historicamente datada. Não deixa, contudo, de remeter-nos, pela própria historicidade, que lhe dá concretude, à força explicativa do paradigma social que apresenta. É contra a permanência desse modelo de relações sociais constituído na tradição patriarcal branca da sociedade brasileira que se fez o esforço intelectual e político, caracterizado nas diferentes fases de sua evolução e transformação, tal como as apresentamos, para com ele romper e para definitivamente superá-lo. As ações afirmativas do movimento negro e as políticas públicas de sua afirmação no Brasil são uma etapa contemporânea desse longo processo histórico. As cotas nas universidades públicas, uma parte estratégica desse movimento. 10 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ PES0.UISA FAPESP 94

Ciência e Tecnologia £ no Brasil

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Oquea ciência brasileira produz,você encontra aqui.

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Pesquisa FAPESP CARLOSVOGT PRESIDENTE

CARTA DO EDITOR

Uma epidemia diferente

PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO VICE-PRESIDENTE CONSELHO SUPERIOR ADILSON AVANSI DE ABREU, CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, CARLOS VOGT, CELSO LAFER, HERMANN WEVER, HORACIO LAFER PIVA, MARCOS MACARI, NILSON DIAS VIEIRA JÚNIOR, PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO, RICARDO RENZO BRENTANI.VAHANAGOPYAN.YOSHLAKINAKANO CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO FRANCISCO ROMEU LANDI DIRETOR PRESIDENTE JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER DIRETOR ADMINISTRATIVO JOSÉ FERNANDOPEREZ DIRETOR CIENTIFICO PESQUISA FAPESP CONSELHO EDITORIAL LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (CCCRDENADORCIENTÍFICO), EDGAR DUTRA ZANOTTO, FRANCISCO ANTÔNIO BEZERRA COUTINHO, FRANCISCO ROMEU LANDI, JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, JOSÉ FERNANDO PEREZ, LUIZ EUGÊNIO ARAÚJO DE MORAES MELLO, PAULA MONTERO.WALTER COLLI DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA EDITOR CHEFE NELDSON MARCOLIN EDITORA SÊNIOR MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS DIRETOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CIÊNCIA), CLAUDIA 1ZIQUE (POLÍTICACIO MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA), HEITOR SHIMIZU (VERSÃOON-LINE) REPÓRTER ESPECIAL MARCOS PIVETTA EDITORES-ASSISTENTES DINORAH ERENO, RICARDO ZORZETTO CHEFE DE ARTE TÂNIA MARIA DOS SANTOS DIAGRAMAÇÃO JOSÉ ROBERTO MEDDA, LUCIANA FACCHINI FOTÓGRAFOS EDUARDO CÉSAR, MIGUEL BOYAYAN COLABORADORES ALESSANDRO GRECO, BRAZ, CARLOS HAAG, CLAUDIUS, EDUARDO GERAQUE (ON-LINE), FABRlCIO MARQUES, FRANCISCO BICUDO, GIL PINHEIRO, LAURABEATRIZ, MARGÔ NEGRO, SAMUEL ANTENOR, THIAGO ROMERO (ON-LINE), YURI VASCONCELOS ASSINATORAS TELETARGET TEL. (11) 3038-1434 - FAX: (11) 3038-1418 e-mail: fapesp@teletarget.com.br APOIO DE MARKETING SINGULAR ARQUITETURA DE MlDIA singular@si119.com.br PUBLICIDADE TEL/FAX: (11) 5573-3095 e-mail: redacao@fapesp.br PRÉ-1MPRESSÃ0 GRAPHBOX-CARAN IMPRESSÃO PLURAL EDITORA E GRAFICA TIRAGEM: 44.000 EXEMPLARES DISTRIBUIÇÃO DINAP CIRCULAÇÃO E ATENDIMENTO AO JORNALEIRO LMX (ALESSANDRA MACHADO) TEL: (11) 3865-4949 atendimento@lmx.com.br FAPESP RUA PIO XI, N* 1.500, CEP 05468-901 ALTO DA LAPA - SÃO PAULO - SP TEL. (11) 3838-4000 - FAX: (11) 3838-4181

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Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da FAPESP É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

FUNDAÇÃO DE AMPARO A PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO SECRETARIA DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA, DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E TURISMO

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GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Nas duas últimas décadas, os médicos brasileiros têm sido postos frente a um daqueles paradoxos tão comuns no Brasil. Ao mesmo tempo que há uma legião de indigentes no país, a ponto de motivar o governo federal a criar um programa chamado Fome Zero, os especialistas vêem aumentar por aqui o número de pessoas obesas. Estudos epidemiológicos feitos a partir de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que há cerca de 17 milhões de obesos no país, o que representa 9,6% da população. É um número que dobrou em 20 anos, entre 1975 e 1997. O fenômeno na verdade é global, com maior gravidade nos países mais desenvolvidos - segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), há 300 milhões de obesos no mundo e, destes, um terço está nos países em desenvolvimento. A OMS, aliás, considera a obesidade um dos dez principais problemas de saúde pública do mundo, já classificada como epidemia. Obviamente, as conseqüências do excesso de peso são ruins para quem o carrega, porque ele aumenta a propensão ao desenvolvimento de hipertensão e diabetes. Pesquisa FAPESP decidiu aproveitar o fim do ano, época farta em festas e alimentos que levam todos a abusar da boa mesa, para colocar a questão na capa da revista. A obesidade, é certo, tem múltiplas causas: do excesso de comida à propensão genética. O que mostramos na reportagem de Ricardo Zorzetto e Francisco Bicudo (página 32) são pesquisas da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto do Coração (InCor) explicando quais são as alterações fisiológicas do organismo dos obesos que provocam esses problemas. E, mais importante, como reverter esse quadro com a prática combinada e contínua de dieta e exercícios. Se quisermos livrar a saúde pública de mais esse mal, a saída é tão simples quanto "incômoda": é preciso comer menos e encarar um sério programa de exercícios. Como falamos de alimentos, é conveniente citar a entrada em operação para valer da Rede de Biossegurança

da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que se prepara para testar no campo o mamão geneticamente modificado resistente ao vírus da mancha anelar (página 20). O trabalho em rede com outras instituições deverá permitir a revisão rápida de procedimentos e análises, incorporar novos dados à investigação e ampliar o contato com iniciativas científicas semelhantes do exterior. Ainda no mundo vegetal, uma notícia animadora para o setor de energia. O óleo diesel, que abastece caminhões, ônibus, tratores e locomotivas brasileiras, deverá receber, em mais dois anos, uma percentagem de biodiesel, combustível produzido com etanol e óleos vegetais. As vantagens econômicas são significativas: o biodiesel é totalmente renovável, polui menos que o diesel do petróleo e já há uma indústria de produção de álcool no país. As pesquisas são tocadas por dezenas de pesquisadores de várias instituições de todo o país. A partir da página 66, será possível conhecer os principais projetos em desenvolvimento. A seção de Humanidades está menor nesta edição, mas traz dois textos substanciosos. O primeiro é uma entrevista com Ismail Xavier, professor da USP, um dos mais importantes estudiosos do cinema brasileiro (página 84). Ao falar de seu novo livro, O Olhar e a Cena, Xavier nos leva a uma viagem pela história do cinema e conta como se deu, no Brasil, a migração de enredos do palco para a tela. O outro artigo é a apresentação do dossiê Mulher, mulheres, uma coletânea de 17 textos da revista Estudos Avançados que versam sobre questões como trabalho, violência, contam as lutas das mulheres brasileiras contra as várias discriminações que (ainda) sofrem e sua contribuição às ciências, educação, filosofia e artes. Vale a pena conhecer os novos dados que emergem desses artigos na edição n° 49 da revista, editada pelo Instituto de Estudos Avançados da USP. Boas festas e feliz 2004. MARILUCE MOURA

- DIRETORA DE REDAçãO

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EMÓRIA

Revolução no campo Há 20 anos, surgiam as primeiras plantas geneticamente modificadas

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Tabaco: dois grupos apresentaram trabalhos semelhantes sobre a mesma planta, em 1983

ano de 2003 , ainda não acabou, mas já está marcado pela grande polêmica sobre os organismos geneticamente modificados, os transgênicos. Este

Agrobacterium tumefaciens a uma espécie comum de tabaco (Nicotiana plumbaginifolia) com técnicas de biotecnologia e deixaram

se completaram 30 anos do início da engenharia genética e 20 anos da primeira experiência com planta utilizando técnicas de biotecnologia. Em 1972, os geneticistas norte-americanos Stanley Cohen e Herbert Boyer desenvolveram a tecnologia de DNA recombinante, uma metodologia para unir artificialmente partes de DNA (ácido desoxirribonucléico) que não se encontram juntos na natureza. Foi essa técnica que possibilitou transferir genes de uma espécie para outra. Um ano depois, pesquisadores das universidades da Califórnia e de Stanford isolaram um gene de um sapo do gênero Xenopus e o inseriram no DNA da bactéria Escherichia colli. O resultado foi o esperado: a bactéria passou a produzir uma proteína específica que existia no sapo. Em 1983,

antibiótico kanamicina. Curiosamente, outros dois grupos apresentaram trabalhos semelhantes na mesma conferência. Jeff Schell e Marc van Montagu, da Rijksuniversiteit en Ghente, instituição da Bélgica, também trabalharam com tabaco. Ernest Jaworski, Robert Fraley, Stephen Rogers e Robert Horsch, da empresa Monsanto, nos Estados Unidos, utilizaram a petúnia. As técnicas de manipulação e as norma de biossegurança se tornaram mais desenvolvidas e em 1994 começou a ser comercializado no mercado norte-americano o primeiro alimento geneticamente modificado, o tomate FlavrSavr, mais resistente ao transporte, maior e mais saboroso. Atualmente, há plantas resistentes a herbicidas, inseticidas e insetos. A estimativa em 2002, era de que 45% da soja, 11% do milho e 20% do algodão produzidos no mundo já fossem geneticamente

significativo para a ciência, que viria a causar uma revolução na agricultura. Uma equipe da Universidade de Washington em Saint Louis, Estados Unidos, liderada por Mary-Dell Chilton, apresentou em um congresso em Miami os resultados da primeira manipulação genética bem-sucedida em plantas. Os pesquisadores incorporaram um gene da bactéria

da biotecnologia no mundo - só nos Estados Unidos, em 2003, 38% do milho, 80% da soja e 70% do algodão plantados no pais são transgênicos.

PESQUISA FAPESP 94 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ 13


POLíTICA CIENTIFICA E TECNOLóGICA

ESTRATÉGIAS

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MUNDO

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'vJí Oxigênio para a Universidade de Pequim Do alto dos seus 205 anos e da enorme influência que exerce sobre a vida intelectual chinesa, a Universidade de Pequim, conhecida como Beida, quer mudar. Para se tornar mais inovadora e criativa, a instituição está implantando um conjunto de medidas pouco populares, que incluem o combate ao apadrinhamento acadêmico e a introdução de critérios de mérito para contratar e promover inspirados nas grandes universidades oci-

■ Divórcio depois das alfinetadas Os Estados Unidos encerraram um polêmico programa de ajuda à Rússia que durou cinco anos. Chamava-se Iniciativa pelas Cidades Nucleares (ICN) e tinha como meta criar negócios e oportunidades de caráter civil nas antigas cidades secretas soviéticas - Sarov, Snezhinsk e Zhelenznogorsk - usadas pela extinta ditadura comunista como parques de fabricação de ar-

dentais {Science, 3 de outubro). Providências como o fim do aproveitamento imediato dos graduados no corpo docente, a abertura de vagas para talentos de fora da instituição e a avaliação de produtividade dos pesquisadores são os destaques do pacote de mudanças. Mas não está fácil superar velhos costumes. O plano, apresentado em maio, já sofreu algumas revisões, pressionado pela choradeira generalizada. Foram mantidas, porém, as

mamentos nucleares {Science, 10 de outubro). O Departamento de Energia dos EUA empenhou US$ 87 milhões no programa. Em setembro, ele foi suspenso devido a um nó burocrático. Os russos recusaram-se a aceitar uma cláusula que isentava os norte-americanos de responsabilidade caso algo desse errado em algum projeto da ICN. Programas assinados com países europeus aceitam dividir as responsabilidades. "Temos um desentendimen-

14 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ PESQUISA FAPESP 94

cláusulas mais indigestas como os prazos mais longos para as promoções e o advento de um novo estatuto, segundo o qual um terço dos principais cargos na universidade será preenchido por cientistas de renome trazidos do exterior. Mesmo entre os que apoiam as mudanças, há quem pondere que elas deveriam ser implantadas a longo prazo, mesmo porque a contratação de profissionais no exterior irá esbarrar na brutal diferença entre os

to", diz Paul Langsworth, diretor da ICN. "E o governo americano resolveu traçar uma linha na areia." Segundo analistas, o desfecho se deve à estratégia do governo Bush de aumentar exigências para inviabilizar o acordo. Durante os cinco anos de vida, a ICN foi marcada pelo estranhamento entre norteamericanos e russos. Os 69 projetos já em andamento como um centro para diagnóstico do câncer em Snezhinsk - serão mantidos. •

salários chineses e ocidentais e poderá desestimular jovens talentos. Em defesa da urgência, os dirigentes da Beida exibem uma estatística: 20% dos membros ativos da instituição são responsáveis por 80% do total de suas realizações acadêmicas - e isso inclui publicações, prêmios e conquista de verbas. "É importante fazermos contratações de qualidade", diz Zhang Weiyng, articulador da reforma. "Mas não podemos esperar mais tempo." •

■ Inovação liga o Brasil ao Canadá Brasil e Canadá planejam acordos de cooperação nas áreas de tecnologia espacial, biotecnologia e energias sustentáveis. A idéia é abrir canais entre universidades, centros de pesquisa e agências de fomento. As conversas tiveram início num workshop em São Paulo promovido pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e a embaixada do Canadá, em 5 de novembro. •


Onde estão as mulheres?

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Num relatório intitulado She Figures 2003, a Comissão Européia cruzou estatísticas para descobrir se as mulheres estão progredindo no cenário científico do continente. Encontrou resultados ambíguos (Nature, 6 de novembro). O documento mostra que, na União Européia (UE), a taxa de crescimento da participação feminina em pesquisa pública é hoje de 8% ao ano contra ínfimos 3,1% dos homens. Mas a porcentagem de mulheres empregadas nas universidades cresceu apenas 2 pontos percentuais - de 33% para 35% - entre 1999 e 2001. O número de mulheres que participam dos principais congressos científicos na Europa - bom índice para avaliar como anda a partilha entre os sexos nos cargos de maior prestígio - vari; enormemente de país para país. "Normalmente", diz Rossella Palomba, demógrafa do Instituto Nacional sobre Pesquisa Populacional, de Roma, e uma das autoras do relatório, "quanto mais alto é o cargo, menor é o número de mulheres que o exercem." Mesmo em Portugal, único país em que a presença feminina ultrapassou a barreira de 50% no alto escalão científico, são tão escassos os bons postos que, no total, não dão lugar a mais do que 15 mulheres. "Precisamos rever as estratégias de recrutamento", diz Phillipe Busquin, comissário europeu para pesquisa científica. •

■ Peru investe em jornalismo científico O Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia do Peru (Concytec) está criando uma rede para ajudar jornalistas a divulgar informações científicas. O fórum, que contará com 200 cientistas, funcionários do governo e jornalistas, busca impulsionar a troca de conhecimentos entre universidades, institutos de pesquisa e meios de comunicação. No manifesto de criação da rede, o Concytec destaca as dificuldades de difundir os avanços

científicos por falta de gente qualificada na imprensa. Um dos objetivos primordiais do conselho é investir na formação de jornalistas científicos, reforçando o currículo das faculdades e promovendo workshops. Para Teresa Salinas, coordenadora do Concytec, o jornalismo científico no Peru sobrevive graças a iniciativas isoladas e desarticuladas. "Não existem disciplinas específicas que abordem o assunto, tampouco cursos de extensão", disse Salinas ao serviço de informações SciDev.Net (29/10/2003). A criação da rede foi definida em julho com a assinatura de um documento pelo presidente peruano Alejandro Toledo e organiza-

ções da sociedade civil - sobre a importância de estimular o gosto pela ciência, sobretudo entre os jovens. •

■ Pesquisa espanhola pede socorro Ou a Espanha revê prioridades ou levará um século para atingir níveis de investimentos desejáveis para promover o desenvolvimento científico, segundo um estudo assinado por 3 mil pesquisadores espanhóis (Science, 10 de outubro). As autoridades científicas da União EuroDéia recomendam aue

as nações do bloco invistam 3% do PIB em ciência básica. O documento, no entanto, sustenta que o orçamento para a pesquisa básica é 33% menor do que esse patamar desde 1990, ao passo que os gastos militares e com tecnologia aplicada a negócios só fizeram crescer. "Para piorar", diz Pedro Serena, do Instituto de Ciência de Materiais de Madri, "o governo não consegue sequer gastar todos os recursos que tinha para a pesquisa por conta da burocracia e do mau planejamento." O governo acusa os pesquisadores de distorcer os fatos. Avisa, por exemplo, que os gastos com pesquisa básica cresceram 60% desde 2000. •

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ESTRATÉGIAS

MUNDO

Ciência na web Envie sua sugestão de site científico para cienweb@trieste.fapesp.br

a quick guide to...

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■ Ação contra a Aids em Moçambique O Brasil vai transferir tecnologia de produção de remédios contra a Aids para Moçambique. Um protocolo assinado entre os dois países, na visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à África, prevê ainda investimentos nas áreas de educação, capacitação técnica e valorização dos direitos das vítimas da doença. Moçambique já encomendou ao Instituto Farmaguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz, o projeto de um laboratório para a produção de genéricos. O governo brasileiro será responsável pelo assessoramento técnico e pela supervisão da implantação da fábrica. Moçambique tem 2 milhões de portadores do HIV, num universo de 19 milhões de habitantes. •

■ A cidade da biotecnologia Foi inaugurado em Cingapura um complexo de pesquisas biológicas que deverá abrigar mais de 1.500 pesquisadores (Nature, 6 de novembro). A Biópolis, como está sendo chamada, custou US$ 290 milhões ao país, que

também anunciou a criação de um Centro de Medicina Molecular, com início de operações previsto para janeiro. O novo centro será administrado por uma instituição governamental e terá a missão de converter as pesquisas em práticas de saúde. O primeiro projeto, na área de medicina regenerativa, envolve a manipulação de células-tronco. •

www.genomenewsnetwork.org/sequenced_.genomes/

genome_guide_pl.shtml Um guia com a maior parte dos genomas dos organismos já seqüenciados, incluindo os brasileiros.

32 má

■ Ambições espaciais da Coréia do Sul Em 2015, a Coréia do Sul quer estar entre os dez países mais desenvolvidos em tecnologia espacial. O primeiro satélite coreano foi lançado em 1999 a bordo de um foguete norte-americano. Levava a bordo uma câmera de observação da Terra e um sensor para estudos oceanográficos. No mesmo ano, foram lançados cinco satélites de comunicação. Agora, a Coréia se dedica aos projetos do foguete KSLV-1, programado para voar em 2006, e dos satélites Kompsat-2 (que será lançado em 2005), Stsat-2 (2006) e do Coms-1 (2008). Entre 2010 e 2015, mais cinco satélites coreanos devem entrar em órbita. •

16 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ PESQUISA FAPESP 94

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www.bioline.org.br/ Interessante serviço com revistas científicas de pafses em desenvolvimento, quase todas gratuitas.


ESTRATÉGIAS

BRASIL

Assentamentos ecologicamente corretos Uma parceria entre a Embrapa Meio Ambiente e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) de São Paulo pretende transformar o Pontal do Paranapanema, a conflagrada região do interior paulista, num oásis de recuperação ambiental. Hoje, as 5 mil famílias assentadas na região lutam contra a degradação do solo arenoso, empobrecido por décadas de exploração baseada na pecuária, e apelam a culturas de subsistência, como o milho e a pecuária leiteira. Na proposta de cooperação técnica, a Embrapa acalenta um modelo alternativo. A âncora seria a produção de leite, que a maioria dos assentados conhece bem e poderia tornar-se mais ren-

■ A história nas bancas de jornais O interesse dos brasileiros pela história do país, evidenciado no sucesso de livros sobre os 500 anos do Descobrimento, passará agora pelo teste das bancas de jornais, com o lançamento de duas revistas dedicadas a esse ramo do conhecimento. Uma delas é a Nossa História, projeto conjunto da Biblioteca Nacional e da Editora Vera Cruz, de análises e ensaios. A capa do primeiro número é um texto do historiador Ronaldo Vainfas sobre o comportamento sexual e a religiosidade dos brasileiros nos tempos da Inquisição colo-

tável com o manejo de pastagens e o melhoramento genético do rebanho. O passo seguinte seria a exploração racional dos 20% das propriedades agrícolas reservados à preservação. Nos assentamentos, esses quinhões de terra costumam ser áreas coletivas. A Embrapa propõe que eles se-

nial. Entre os colaboradores estão o professor de História da Arte Jorge Coli, que faz uma análise do quadro A Primeira Missa no Brasil, de Vítor Meirelles, o jornalista e escritor Eduardo Bueno, com

jam transformados em sistemas agroflorestais - nos quais a recuperação da mata se associa à exploração racional. A princípio, seriam cultivados milho e feijão em meio às mudas de reflorestamento. E, quando a mata fechasse, os colonos passariam a extrair óleos essenciais e produtos fitoterápi-

um ensaio sobre as raízes históricas da corrupção e do nepotismo na burocracia brasileira, e a historiadora Mary Del Priore, que descreve um dia na vida do vice-rei d. Luís de Almeida Portugal. O outro

Carregadores de água no Rio de Janeiro, em Nossa História

cos, retirados de forma adequada. "Seria uma forma de garantir o desenvolvimento sustentável dos assentamentos", diz o pesquisador da Embrapa Meio Ambiente Luiz Octávio Ramos Filho. Paralelamente, a viabilidade de outras culturas seria avaliada. Uma idéia é estimular os colonos a investir na agricultura orgânica. Entre os assentados, o uso de agrotóxicos ainda não está arraigado - o que facilitaria a experiência. Mas há um grande empecilho: a distância entre o Pontal e os centros consumidores de hortaliças. A Embrapa não tem quadros para atender a todos os produtores - e está em busca de verbas e parcerias para formar agentes multiplicadores. •

lançamento é a revista História Viva, da Duetto Editorial, que mescla reportagens e artigos sobre história do Brasil com matérias traduzidas da revista francesa Historia, criada em 1909. A estrutura da publicação reúne dossiês, com temas explorados em profundidade, e seções fixas sobre patrimônio, história de Portugal, grandes personagens e roteiros de lugares que preservam a memória histórica. Os textos são assinados por historiadores, escritores e jornalistas. A revista também estará disponível no endereço eletrônico www.historiaviva. com.br. Ambas as publicações têm tiragem de 50 mil exemplares. •

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ESTRATÉGIAS

BRASIL

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SOS museus de ciência

■ Código de botânica agora em português O esforço conjunto dos pesquisadores Carlos Bicudo e Jefferson Prado, apoiados pelo Instituto de Botânica (IBt) de São Paulo e pela International Association for Plant Taxonomy (IAPT) e a Sociedade Botânica de São Paulo (SBSP), resultou na tradução, inédita na língua portuguesa, do Código Internacional de Nomenclatura Botânica (Código de St. Louis). "Nosso objetivo é popularizar as regras de nomenclatura botânica entre estudantes brasileiros e pesquisadores que não têm acesso ao original, em inglês", diz Jefferson Prado, do IBt. O código foi lançado em 1999 no 16° Congresso Internacional de Botânica. O português é a 10a língua para a qual o livro foi traduzido, com autorização da IAPT. Para adquirir um exemplar, pode-se enviar um e-mail para sbsp@ig.com.br, ligar para (11) 50736300, r. 200 ou comprar no Instituto de Botânica (www. ibot.sp.gov.br). •

Um edital lançado em outubro pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) destinou R$ 4 milhões para socorrer museus e centros de ciência em dificuldades financeiras. "A idéia é dar alívio aos museus que entraram em pane", diz o vice-presidente do CNPq, Manoel Domingos Neto. "Não é muito dinheiro, mas pode ter grande impacto no funcionamento dessas instituições." Alguns museus estão quase parados por falta de dinheiro para comprar materiais de expediente, outros têm computadores tão velhos que só conseguem rodar softwares obsoletos. O edital faz parte do programa de popularização da ciência e está vinculado também à Secretaria de Inclusão Social do Ministério da Ciência e Tecnologia. O

18 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ PESHUISA FAPESP 94

CNPq vai usar essa iniciativa para avaliar a demanda reprimida de recursos para os museus. Já planeja, no início de 2004, lançar um novo edital, que incluirá a criação de novos museus e centros de ciência em estados onde eles são escassos. A estratégia repete a de outro programa, o de amparo à memória das instituições científicas. Um primeiro edital destinou R$ 1 milhão para recuperação de acervos históricos. Cerca de 280 centros se candidataram. Só haverá dinheiro para um em cada oito projetos. "O que é uma pena, porque há muitas propostas de qualidade", diz Domingos Neto. O edital dos acervos serviu para sondar as necessidades nessa área. Uma nova linha de recursos para o resgate da memória da ciência virá em 2004, promete o CNPq. •

■ Para um público ainda mais amplo Pesquisa FAPESP selou em novembro mais uma parceria. O portal de educação Universia Brasil agora reproduz parte das reportagens exclusivas da revista no endereço www.universiabrasil. net. O conteúdo é composto de serviços, ferramentas e projetos para o público universitário - professores, estudantes e gestores - e préuniversitário. O usuário encontra informações sobre carreira, bolsa de estudos, publicações, cultura, agenda de eventos, esportes e entretenimento. A Rede Universia está presente em dez países: Espanha, Portugal, Brasil, México, Colômbia, Argentina, Peru, Chile, Porto Rico e Venezuela. No Brasil, reúne 150 instituições de ensino e alcança cerca de 1,6 milhão de universitários. "A parceria com a Pesquisa FAPESP é importante para o portal Universia Brasil porque também incentivamos a produção científica nacional e colaboramos para divulgação


dos trabalhos elaborados no país, tanto para o público local quanto para os demais países que fazem parte da Rede Universia, presente na América Latina e Península Ibérica", diz a diretora-geral do portal, Maria Voivodic. A parceria com Pesquisa FAPESP disponibilizará as reportagens da revista (www.revista pesquisa.fapesp.br) para um público ainda mais amplo que o alcançado hoje pela publicação. A iniciativa junta-se a outras, como a parceria com o Internet Group (IG) e a Agência Estado Setorial (AE), que já reproduzem textos da revista e os tornam mais acessíveis a leitores de todas as partes do país. •

■ As FAPs que estavam faltando O Rio Grande do Norte era o único estado nordestino sem uma fundação de amparo à pesquisa. Deixou de ser exceção no dia 14 de novembro, quando a governadora potiguar Wilma Maia sancionou a lei que cria a - Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Norte (Fapern). A lei entrou em vigor, simbolicamente, na mesma cerimônia em que a governadora e o Ministério da Ciência e Tecnologia assinaram convênio para a instalação no estado do Instituto Internacional de Neurociências. O modelo das FAP consagrou-se no país, ainda que poucos governadores garantam um fluxo regular de recursos para as instituições. Outra FAP que promete sair do papel é a de Goiás. No dia 17, o governador Marconi Perillo apresentou uma mensagem à Assembléia Legislativa goiana propondo a criação da Fapego. O projeto de lei foi enviado no mesmo dia

■ Um basta ao tráfico de animais

Saia justa em Houston O candidato brasileiro a astronauta Marcos Pontes amargou uma saia justa em Houston, onde há cinco anos vive e participa de treinamentos para passar uma temporada em órbita na Estação Espacial Internacional. No final de outubro, o Ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, anunciou que está pleiteando junto à China, potência espacial emergente, a participação de um astronauta brasileiro nas futuras missões tripuladas do país. Pontes, por dever de ofício, deu declarações saudando a idéia do ministro. Acabou interpelado pela

em que a capital Goiânia sediava uma reunião do Fórum Nacional das Fundações de Amparo à Pesquisa. Desse encontro, saiu a relação dos coordenadores regionais do fórum. Na região Norte, o escolhido foi José Aldemir de Oliveira, da Fundação do Amazonas. No Nordeste, o coordenador é Acácio Veras e

Nasa, que acaba de concluir uma longa negociação para manter o Brasil no consórcio da estação, apesar de o país não ter fornecido os equipamentos prometidos. Para os amigos da Nasa, Pontes disse que, de sua parte, os planos não haviam mudado. Dias antes, o presidente da Agência Espacial Brasileira, Luiz Bevilacqua, participou com Pontes nos Estados Unidos de uma reunião com o grupo de planejamento científico da estação. Se os vôos dos ônibus espaciais da Nasa forem retomados em 2004, o brasileiro poderá ir ao espaço em 2006.

Silva, do Piauí. Houve empate na escolha do representante do Centro-Oeste, entre Rafael de Oliveira Alves, do Mato Grosso do Sul, e Kazuyoshi Ofugi, de Brasília. Na região Sudeste, o eleito foi José Geraldo Drummond, presidente da Fapemig, e, na região Sul, Jorge Bounassar Filho, do Paraná. •

Há um personagem emergente na militância ecológica do Brasil. Dener Giovanini, de 35 anos, foi agraciado com o Prêmio Sasakawa concedido pelas Nações Unidas a defensores do meio ambiente. Esse mesmo prêmio projetou internacionalmente o seringueiro Chico Mendes em 1988, pouco antes de sua morte. Há três anos, Giovanini criou a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), uma ONG com 900 voluntários que coleta e denuncia histórias de crueldade relacionadas ao transporte e à venda de animais. Giovanini é militante há mais de uma década, mas combate o tráfico de animais desde 1998, quando assumiu a Secretaria do Meio Ambiente da cidade fluminense de Três Rios, próxima à divisa com Minas Gerais. Surpreendeu-se com a quantidade de animais apreendidos nas estradas que dão acesso à cidade. Foi buscar orientação, não encontrou e aí decidiu montar a rede. Estima-se que cem traficantes de animais já tenham sido presos graças ao trabalho da Renctas. Crítico da política ambiental do governo, que considera "imobilista e desorientada", Giovanini elogia a polícia florestal. "É incrível como eles conseguem fazer tanto com tão pouco." Aposta na informação e na lógica do mercado para conter o tráfico: as histórias de bichos transportados em condições degradantes terão o dom de convencer as pessoas a boicotar a compra de animais silvestres. No combate à biopirataria, sua receita é outra. "O jeito é investir em pesquisa aqui no Brasil. E, é claro, acompanhar de perto as atividades dos estrangeiros", afirma. •

PESQUISA FAPESP 94 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ 19


POLíTICA CIENTIFICA E TECNOLóGICA TRANSGENICOS

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Segurança _

reforçada OGMs desenvolvidos pela Embrapa serão avaliados por Rede de Biossegurança CLAUDIA IZIQUE

AEmpresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) se prepara para iniciar o plantio de um mamão geneticamenL_ te modificado resistente ao vírus da mancha anelar {Papaya ringspot vírus, PRS), doença que reduz a qualidade e a quantidade das frutas do mamoeiro. É o primeiro organismo geneticamente modificado (OGM) desenvolvido pela Embrapa com autorização para ser testado em campo: a Licença de Operação para Área de Pesquisa (Loape), documento emitido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que autoriza o plantio controlado, foi obtida em outubro. Será também um dos primeiros produtos a ser analisado e testado pela Rede de Biossegurança de OGM, criada pela Embrapa em meados do ano passado, com o objetivo de capacitar recursos humanos, e a própria instituição, nas pesquisas com transgênicos. No caso do mamão, diversas estratégias de controle dessa virose já foram utilizadas sem nenhum sucesso. Ainda assim, o Brasil é líder no mercado mundial com uma produção de algo em torno de 1,70 milhão de toneladas de mamão, em 2000, o que corresponde a pouco mais de um terço das plantas cultivadas nos demais países. Com o mamoeiro imune ao vírus, a produtividade da planta e a renda dos produtores poderão ser ainda maiores. A Embrapa desenvolveu em ambiente de laboratório e casa de vegetação pequenas mudas de mamoeiro nas quais foram introduzidos genes resistentes ao vírus. Os testes preliminares revelaram que as plantas têm imunidade à mancha anelar. Agora, com a autorização do Ibama, o mamão transgênico terá seu desempenho avaliado em cam20 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ PESQUISA FAPESP 94

po, mais precisamente em Cruz das Almas, na Bahia, numa área vigiada 24 horas por dia, protegida por cerca eletrificada, e acompanhado de rígido protocolo de biossegurança. "Se houver algum problema, teremos como controlar", diz Deise Maria Fontana Capalbo, pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente. Cultivo em campo - Em Cruz das Almas, os pesquisadores vão avaliar a influência do mamão transgênico sobre o conjunto de organismos do solo, assim como a qualidade e as propriedades da folha e da fruta. "No primeiro ano, testaremos a resistência da planta às condições do solo e, no segundo, as condições de campo propriamente ditas", explica Deise Capalbo. Os riscos de que o OGM contamine cultivos do mamão convencional em áreas próximas são baixos, já que o mamão não tem pólen e, por isso, não há possibilidade de escape gênico para outros cultivares, ela argumenta. "É como se a planta tivesse sido vacinada, e a capa do vírus não se expressa na parte reprodutiva", detalha. No entanto, é fundamental avaliar seu impacto em outros organismos e no ecossistema. Quando se utiliza um inseticida para matar o pulgão, transmissor do vírus da mancha anelar, por exemplo, há o risco de o produto matar também alguns insetos que rondam o mamoeiro, denominados pelos especialistas como organismos não-alvo. "Vamos avaliar, no caso do mamão, se o inseto que ronda o mamoeiro será ou não afetado. É preciso levar em conta a relação custo/benefício e verificar se o risco de afetar o inseto compensa", pondera Deise Capalbo. "Se não houver comprometimento da função - e não apenas do número de indivíduos naquele ecossistema -, talvez seja possível conviver com uma situação de al-


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*f

Mamão resistente à mancha anelar: o primeiro transgênico da Embrapa plantado em campo


da soja Roundup Ready, da Monsanto. gumas perdas dos organismos não-alA Embrapa, na época, acelerava o devo", justifica. senvolvimento de pesquisa em laboraOs pesquisadores também investitórios com plantas resistentes a insetos garão a segurança alimentar da fruta e herbicidas químicos, e a decisão da geneticamente modificada. Será realiCTNBio abria perspectivas para futura zada uma série de testes e ensaios comercialização. como o de equivalência substancial (ES), A rede foi aprovada e começou a características moleculares e agronôfuncionar em meados do ano passado. micas do produto, entre outros - para O primeiro passo foi avaliar as qualidades selecionar os produtos nutricionais da planta e que seriam avaliados, compará-las com as do começando por aqueles mamão convencional. que estivessem mais "Se as duas plantas não Rede integra próximos da comerciativerem propriedades universidades lização. Foram escolhie características idêntidos, além do mamão, cas, é preciso reavaliar o e centros também o feijão resisprojeto", afirma Deise de pesquisa tente ao vírus do moCapalbo. A avaliação do saico dourado, a batata impacto sobre o meio da Embrapa resistente ao vírus Y e o ambiente e a segurança algodão Bt resistente a alimentar do OGM seinsetos. Numa segunguirão regras da Lei de da etapa, foram identiBiossegurança, orientaficados os laboratórios ções do Comissão Técque deveriam integrar a rede. nica Nacional de Biossegurança (CTNBio), padrões internacionais e protocolos Não existe no país nenhudesenvolvidos pela própria Embrapa. ma variedade de feijão Todo esse trabalho será acompanhado com imunidade ao moe analisado pela Rede de Biossegurança saico dourado (BGMV da Embrapa. O trabalho em rede tem a em Phaseolus sp.), o que vantagem de padronizar a comunicacoloca para os pesquisadores o desafio ção entre os pesquisadores, permitir de buscar alternativas para o produtor. a revisão rápida de procedimentos e Estudos iniciais em condições controanálises, incorporar novos dados à inladas indicaram que a modificação gevestigação, além de ampliar signifinética desenvolvida por pesquisadores cativamente o contato com iniciativas da Embrapa tem potencial para resolcientíficas internacionais semelhantes. ver o problema. "A nossa preocupação é dar respostas a No caso da batata, e por meio da questões de fundo sobre OGMs", diz. tecnologia do DNA recombinante, os Integram a rede 120 pesquisadores pesquisadores obtiveram um clone da vinculados a 12 dos 40 centros de pescultivar Achat transformada com o gene quisa da empresa, além de cinco uniCP-PVY (capa protéica do Potato vírus versidades: as federais de Minas Gerais, Y), com alta resistência à doença que Rio de Janeiro, Fluminense, Viçosa e a degenera o tubérculo. Como a Achat já da Bahia, além das universidades de apresenta alta tolerância ao Potato Leaf Brasília, de Feira de Santana, Estadual Roll Virus (PLRV), a combinação com a de Campinas (Unicamp) e Estadual resistência ao PVY permitirá aos proJúlio de Mesquita Filho (Unesp), em dutores manter alta a produtividade, suJaboticabal. põem os pesquisadores. Eles não espePara financiar a Rede de Biosseguram impactos ambientais negativos por rança, a Embrapa buscou recursos junfluxo gênico (transferência de genes de to à Financiadora de Estudos e Projetos uma planta para outra), uma vez que a (Finep). O projeto está orçado em R$ 9 batata geneticamente modificada não milhões, que serão investidos ao longo floresce. Como o gene inserido codifica de quatro anos, afirma Deise Capalbo, uma proteína que já é largamente conuma das coordenadoras do projeto. sumida em tubérculos naturalmente O projeto da rede foi concebido há infectados por vírus, é muito provável quatro anos, na mesma época em que a que também não ocorram problemas CTNBio autorizou a comercialização 22 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ PESQUISA FAPESP 94

derivados de seu consumo por seres humanos ou animais. As pesquisas com o algodão estão em estágio inicial. A Embrapa ainda não tem pronta a planta modificada com o gene do Bacillus thuringiensis (Bt) que, espera-se, a tornará resistente ao ataque da lagarta ou bicudo. "Já conhecemos o gene, mas temos que introduzi-lo na planta para obter pequenas mudas, antes de confirmar se o algodão é resistente", diz Deise Capalbo. Mas, no caso do algodão, existe grande preocupação em relação à segurança deste transgênico para os seres humanos e organismos não-alvo, no jargão dos pesquisadores. "O algodão poliniza e, por isso, há a possibilidade de escape gênico e fluxo gênico via solo ou pólen", ressalva Deise Capaldo. Este problema pode ser particularmente grave no Brasil, país onde existem plantas de algodão nativas. Por isso, antes de levar o plantio a campo, é preciso definir a área em que se pode plantar sem riscos para as variedades autóctones da planta. "Temos que fazer mapeamento de áreas onde há plantas não transgênicas ou variedades representativas, que têm que ser preservadas", ela afirma. Mais que isso: é preciso estudar o hábito dos insetos, a distância que eles são capazes de percorrer e até as condições de manejo agrícola. "Já iniciamos estudos com a abelha, inseto polinizador do algodão", ela adianta. Banco de dados do feijão - Os 120 pesquisadores da Rede vão acompanhar a evolução e a análise do cultivo do mamão em Cruz das Almas e o desenvolvimento das pesquisas com a batata, o feijão e o algodão geneticamente modificados. No caso da segurança alimentar, a primeira iniciativa é criar um banco de dados com informações detalhadas sobre variedades convencionais das plantas modificadas, de acordo com Edson Watanabe, pesquisador da Embrapa Agroindústria de Alimentos. A verificação da equivalência substancial do produto geneticamente modificado em relação ao seu análogo convencional constitui um dos primeiros passos da avaliação de segurança alimentar de um OGM. "A expectativa é de que o OGM seja equivalente e tão seguro quanto seu análogo convencional", explica Watanabe. Inicialmente, estuda-se a composição centesimal do transgênico - proteínas, lipídios, carbohidratos


etc. - e os componentes-chave dos alimentos. No caso da soja, esse componente é, pelo menos até o momento, a isoflavona. "Mas com o mamão é diferente", ressalva Watanabe, lembrando que não existe um modelo único de análise que deva ser determinado caso a caso. Nas comparações entre os dois produtos, é possível recorrer a bancos de dados internacionais, mas, para a análise de plantas brasileiras, é preciso desenvolver protocolos nacionais. A Embrapa Agroindústria de Alimentos, por exemplo, já começou a criar um banco de dados com informações sobre as diversas variedades de feijão convencional cultivadas em território nacional. Os testes de segurança incluem, ainda, os exames de toxicidade. No caso da soja e do milho - dois tipos de grãos normalmente utilizados como base para a ração animal -, a metodologia utilizada para a avaliação de segurança alimentar de produtos transgênicos, já aprovada nos Estados Unidos, é gavagem (alimentação via oral) aguda em camundongos, realizada por meio da injeção da proteína expressa pelo novo gene diretamente no estômago de ratos. Noutro tipo de exame, os ratos são alimentados durante 90 dias com rações produzidas a partir de grãos transgênicos e avaliados pela equipe de pesquisadores. "Existem outras propostas que, entretanto, não são validadas", observa Watanabe.

Epreciso ainda verificar a possibilidade de o produto transgênico provocar alergia. A bioinformática permite obter informações sobre a seqüência de aminoácidos da proteína expressa, comparando-a com as de bancos de dados internacionais de proteínas, inclusive as alergênicas. "Mede-se, ainda, a digestão pela pepsina (enzima digestiva produzida pelo estômogo), já que as proteínas alergênicas são mais resistentes à digestão", diz. Quando se tratar de alimentos processados - como o óleo e a farinha de soja, por exemplo -, é necessário avaliar o desempenho do produto ao longo de todo o processo de industrialização. E, no caso de ração, é avaliado o desempenho do animal alimentado com o produto. A verificação da equivalência substancial também inclui estudos como a caracterização molecular e a caracterização agronômica do produto, para se observar tamanho e rendimento das plantas. "É preciso conhecer quantas cópias de plasmídeo foram inseridas na planta, onde essas cópias foram inseridas e se a modificação genética é estável, entre outros fatores", exemplifica Watanabe. Boas práticas - Além da Rede de Biossegurança, a Embrapa investe no cre-

denciamento de seus laboratórios de pesquisa com transgênicos. Até o final do ano, a Embrapa Agroindústria de Alimentos, no Rio de Janeiro, deverá apresentar ao Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro) os documentos necessários para o credenciamento ISO 17025 de qualidade em análises laboratoriais. No próximo ano, "se os transgênicos chegarem à Embrapa Agroindústria de Alimentos, será solicitado também ao Inmetro o credenciamento em Boas Práticas de Laboratórios (BPL)", de acordo com Rosemar Antoniassi, supervisora do Sistema de Qualidade da Embrapa. A partir de 1998, foram realizadas reformas de infra-estrutura e adquiridos equipamentos para ampliar a capacidade de análise dentro dos padrões de BPL. "Estamos investindo no armazenamento e descarte. O importante em BPL é adotar procedimentos para documentação e para registros da pesquisa em segurança alimentar e ambiental", sublinha. "Todos os passos da pesquisa devem ser relatados", observa Rosemar Antoniassi. Para isso, foram realizados treinamentos envolvendo pesquisadores das várias áreas de pesquisa. O credenciamento é solicitado caso a caso, para cada um dos OGMs a serem avaliados pela Embrapa, e é conferido depois de cuidadosa auditoria do Inmetro. • PESOUISA FAPESP 94 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ 23


I POLíTICA CIENTIFICA E TECNOLóGICA

FINANCIAMENTO

Radiografia da inovação Potencial inovador de empresas, universidades e institutos de pesquisa começa a ser avaliado A partir de 2004, a FinanciadoI^L ra de Estudos e Projetos (FiLJ^ nep) começará a pautar sua i ^L política de financiamen^L -^- to utilizando, entre outros critérios, o potencial inovador dos diversos setores de produção no Brasil. Terá como referência os parâmetros da política industrial que estão sendo definidos pelo atual governo e os resultados de uma ampla pesquisa, iniciada no final de 2001, que analisa detalhadamente o desempenho e o grau de compromisso com a inovação de 150 empresas de distintas cadeias produtivas, cem empresas de base tecnológica (EBTs) e outras cem organizações não-governamentais (ONGs). O projeto envolve 50 pesquisadores de 12 universidades e institutos de pesquisa em todo o país, reunidos numa grande rede virtual, inicialmente batizada de Diretório da Pesquisa Privada (DPP), acessável por meio do site 24 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ PESQUISA FAPESP 94

www.finep. gov.br/portaldpp. Até o final deste ano, a Finep vai estender essa radiografia da inovação também para os institutos e centros de pesquisa. "Queremos compreender a forma de atuação e a estratégia destes institutos", explica Antônio Cândido Daguer Moreira, diretor de Inovação para o Desenvolvimento Econômico e Social da Finep. Com a ampliação do mapeamento, o DPP passará a se chamar Observatório de Estratégias para a Inovação. A intenção é identificar sinergias e complementaridades na oferta de tecnologia no país de forma a estimular o trabalho em rede. "Queremos apoiar a recuperação da competitividade e contribuir para a expansão da exportação, sem esquecer o desenvolvimento do amplo mercado brasileiro", diz Daguer Moreira. Adesão à inovação - A pesquisa com as empresas privadas e ONGs encerrou a

sua primeira fase, com um grande seminário de Economia Industrial, realizado na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara, que contou com o apoio da FAPESP. "Os primeiros resultados são impressionantes", resume João Furtado, da Unesp de Araraquara, coordenador do projeto. Os dados preliminares revelam que as empresas brasileiras aderiram à inovação num volume superior àquele identificado pela Pesquisa de Inovação Tecnológica (Pintec), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada em 2002, que identificou 31,5% de empresas inovadoras entre 12 mil consultadas. A pesquisa coordenada por Furtado indica que esta adesão não está restrita aos setores especializados, como o de aeronáutica ou de microeletrônica. Ao contrário: segmentos tradicionais, como a cafeicultura, investem em inovação. Ele dá o exemplo da Cooperativa de Cafei-


cultores de Guaxupé (Cooxupé), que descobriu como colocar o equivalente a 360 sacas de café em um contêiner quando o normal são 320 sacas - sem danificar os grãos. Mais que isso: a cooperativa combinou grãos brasileiros de diversas procedências para fazer um blend, atualmente exportado para 180 clientes, na sua maioria pequenos torrefadores europeus. "As necessidades do país, nos últimos 20 anos, obrigaram as empresas a apostar na inovação", ele justifica. No caso específico do café, inova-se para garantir competitividade, atender padrões internacionais que garantam a expansão da exportação e porque o consumidor demanda por qualidade, segundo consta no relatório setorial preliminar. Na cadeia de carnes, o desempenho dos vários setores é distinto. O setor avícola é o que apresenta maior nível de inovação, em razão de tecnologias utilizadas no planejamento da produção. Na agropecuária, muitas empresas utilizam técnicas de melhoramento genético dos rebanhos. Mas algumas ainda não dominam tecnologias de processamento, de comercialização e de geração do insumo, conforme relatório do setor. A pesquisa revelou ainda que, do ponto de vista da pesquisa e desenvolvimento, a indústria farmacêutica no Brasil está muito aquém do esperado para um setor de intensa atividade tecnológica. O relatório setorial prelimiar, assinado por Mara Pinto, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unesp de

Araraquara, registra que as transnacionais não investem em pesquisa no Brasil e, quando o fazem, ficam restritas às pesquisas clínicas. Assim, quando uma empresa menciona o item pesquisa como uma de suas estratégias, pode estar indicando que realiza testes, já padronizados, para avaliar os efeitos de novas drogas em animais e seres humanos. No caso das nacionais, poucas são as que têm projetos de sucesso que, na maioria das vezes, partiram da iniciativa de professores universitários ou foram desenvolvidas com instituições de pesquisa. A inda não existem informações ã^k disponíveis sobre a atuação Z__m das ONGs, mas Furtado ã ^L adianta que "elas usam, di^L «B^ fundem e mesclam o que existe de tecnologia por aí". Exemplo disso é a atuação de 800 ONGs no semiárido nordestino: elas atuam nas áreas de fitoterápicos, de reflorestamento, de repovoamento da fauna nativa, utilizando métodos que permitem o abate e a venda de carnes até em supermercado, gerando emprego e renda. Estratégia competitiva - Furtado considera que essa diferença de resultados em relação aos dados divulgados pelo IBGE está na metodologia de coleta. Ele integra o grupo de monitoramento e avaliação da Pintec e explica que, no caso de seu projeto, as informações são obtidas em longas e detalhadas entrevistas, realizadas pelos próprios pesquisadores,

em que, além de informações sobre tecnologia, são observados procedimentos considerados inovadores. "Nós escolhemos as cadeias produtivas e identificamos os setores mais representativos, o que nos permite constatar o papel da tecnologia na sua estratégia competitiva", sublinha. A proximidade com os setores e empresas permite chegar a um nível de detalhamento com freqüência impossível de ser obtido por meio de questionário. "Muitas vezes perguntamos para um empresário se ele investe em inovação e ele diz que não. Ao longo da conversa, percebemos que a empresa adota, sim, procedimentos inovadores. Foi esse o caso na Cooxupé", ele lembra. Para Furtado, os resultados da pesquisa permitirão identificar os setores já "inoculados com o vírus da inovação", como ele diz, e os setores onde o "contágio" deve ser estimulado. "A pesquisa procura identificar as estruturas de mercado nas quais a tecnologia já desempenha papel ativo e essas informações têm que estar por trás das políticas de incentivo", justifica. A segunda fase do diagnóstico dos diversos setores já começou. Os pesquisadores vão ampliar o número de setores e de empresas e tentarão identificar, nas universidades e institutos de pesquisa, potenciais parceiros para os projetos de inovação. "Na terceira fase, serão discutidos os resultados para a delimitação dos recursos de financiamento", conta Furtado. • PESQUISA FAPESP 94 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ 25


■ POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Empresa vai patrocinar iniciativas com duração máxima de dois anos

ECOLOGIA

Investimento líquido Petrobras destina R$ 40 milhões para projetos de preservação ambiental sobre o tema água MARCOS PIVETTA*

A Petrobras decidiu concentrar /^ sua verba de patrocínio ecoL^L lógico para os próximos È ^ dois anos em projetos que ^L -A^ tenham como tema a água, doce ou do mar. No mês passado, a empresa lançou, no Rio de Janeiro, o seu programa ambiental e previu um orçamento de R$ 40 milhões para iniciativas, com duração máxima de 24 meses, que estimulem a conservação e o uso racional desse recurso natural. A escolha do tema foi motivada pelo fato de 2003 ter sido eleito pelas Nações Unidas como o ano internacional da água doce, da qual o Brasil dispõe de 12% das reservas mundiais. Podem concorrer ao patrocínio projetos que visem à promoção de um dos seguintes tipos de ação: recuperação de rios ou das matas em torno de corpos d'água; preservação de espécies de im26 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ PESQUISA FAPESP 94

portância para a manutenção da biodiversidade; disseminação de boas práticas para redução do desperdício de água (doce) ou diminuição de impactos e melhoria da gestão dos ambientes marinhos; capacitação dos atores sociais envolvidos na gestão dos corpos d'água (prefeituras, associações, setor produtivo); e campanhas de mobilização social. Inscrições abertas - "Não se trata de financiamento para projetos de pesquisa sobre o tema água", esclarece Thais Murce Mendes da Silva, coordenadora do Programa Tecnológico de Meio Ambiente do Centro de Pesquisas da Petrobras. "Mas, sim, de iniciativas de preservação ambiental." Nada impede, porém, que cientistas formulem propostas de cunho conservacionista, ligadas ou não à sua área de pesquisa, e as submetam à empresa. Não serão aceitos

projetos concebidos por pessoas físicas. Apenas ações pleiteadas por pessoas jurídicas do Terceiro Setor, como as organizações não governamentais, podem concorrer ao patrocínio. Projetos já iniciados ou ainda em fase de gestação podem igualmente participar do processo de seleção. Cada proposta pode pleitear um patrocínio máximo de R$ 3 milhões para suas ações. Os formulários de inscrição, assim como outros detalhes sobre o programa ambiental da Petrobras, já estão disponíveis no endereço eletrônico www.petrobras.com.br/patrocinioambiental. Todas as propostas terão de ser feitas via Internet e o prazo de inscrição se iniciou em 28 de novembro e vai até 27 de janeiro de 2004. • * O jornalista MARCOS PIVETTA viajou ao Rio de Janeiro a convite da Petrobras


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Ciência e Tecnologia

no Brasil

I FAPESP


CIÊNCIA

LABORATÓRIO

MUNDO

■ Cuidar dos netos nem sempre faz bem

■ 0 sutil coração das mulheres

Um estudo da Universidade Harvard, Estados Unidos, concluiu que as avós que pajeiam seus netos têm 55% mais risco de desenvolver problemas cardíacos (The Wall Street Journal, 31 de outubro). Embora não tenham encontrado razões explícitas para esse fenômeno, os pesquisadores sugerem que corpos cansados podem ser vulneráveis à exposição ao excesso de energia infantil. E o perigo aumenta quando essa exposição ultrapassa o delicado limite de nove horas semanais. Publicado em outubro no American Journal of Public Health, esse trabalho baseia-se no Estudo de Saúde das Enfermeiras, no qual foram acompanhadas 120 mil mulheres, a partir de 1976, nos Estados Unidos. Os pesquisadores de Harvard concentraram-se em um subgrupo de 54.412 enfermeiras na faixa dos 50 aos 75 anos. Durante os quatro anos em que foram acompanhadas, 42 - o equivalente a 1,1% das 3.808 mulheres que cuidavam de seus netos por um período semanal de nove horas ou mais - apresentaram doenças cardíacas. Parece pouco, mas essa taxa foi de 0,7% entre as avósbabás por menos de nove horas e ainda menor, de 0,5%, entre as que não cuidavam dos netos. É a primeira vez que se liga essa prática a problemas cardíacos, apesar de pesquisas anteriores terem detectado uma incidência maior de depressão e a tendência de avós que tomam conta dos netos de não se cuidarem. •

Em vez de formigamento no braço, suores frios e dores no peito como os homens, as mulheres têm sinais diferentes prenunciando um ataque cardíaco. Uma equipe da Universidade de Arkansas, Estados Unidos, entrevistou 515 mulheres de 29 a 97 anos que haviam sofrido ataque cardíaco nos seis meses anteriores e descobriu em quase todas (95%) sintomas vagos e sutis que haviam surgido ao menos um mês antes do infarto. As mulheres lembravam-se de ter sentido fadiga incomum e inexplicável (71% dos casos), distúrbios do sono (48%), respiração curta (42%), indigestão (39%) e ansiedade (35%), que desapareceram após o ataque cardíaco. Em alguns casos, o cansaço era tão intenso que não conseguiam fazer tarefas simples como arrumar a cama sem antes parar para descansar um pouco. Somente 30% delas apresentaram desconforto no peito, que descreveram como pressão ou aperto, mas não como dor, que freqüentemente precede o infarto nos homens. Os sintomas agudos mais comuns que aparecem junto com o ataque cardíaco - são respiração curta (58%), fraqueza (55%), cansaço (43%), suores frios (39%) e tontura (39%). Publicado na Circulation de 3 de novembro, o estudo pode ajudar na prevenção de ataques cardíacos em mulheres, que são mais propensas à morte súbita causada por problemas no coração que os homens. •

Indisciplina: medo dos efeitos colaterais

Esqueceu, de novo?! A Organização Mundial da Saúde denunciou a negligência no uso de medicamentos como um dos mais graves problemas atuais de saúde. Segundo o estudo, pouco mais de 50% das pessoas seguem à risca as prescrições de seus médicos. A taxa pode ser ainda menor em casos específicos: apenas 43% dos asmáticos tomam regularmente seus remédios, só 51% dos hipertensos observam rigorosamente suas doses diárias e até 70% dos pacientes com depressão ignoram o tratamento. O fenômeno vem sendo responsabilizado por problemas que vão desde o aumento dos casos de emergência nos ambulatórios até o crescimento dos índices de mortalidade por Aids. É também uma das razões pelas quais as estatísticas sobre

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uso de medicamentos são mais alentadoras nos hospitais do que fora deles. Mas por que abandonam os remédios que podem prolongar suas vidas? Pelo menos nos países ricos, a resposta não é a falta de dinheiro para comprar medicamentos. Às vezes o preço dos medicamentos conta, mas fatores como rebeldia à autoridade do médico, dificuldade de entender as prescrições ou o simples esquecimento (principalmente quando se tomam vários remédios) estão entre os mais cotados. A principal razão, porém, parece ser o medo dos efeitos colaterais. Como as pessoas temem as conseqüências dos remédios que estão tomando, simplesmente os abandonam. Eis um indício de que o melhor remédio talvez seja a informação. •


■ E fez-se um vírus no laboratório Consta que Deus teria criado o mundo em seis dias. Craig Venter, presidente do Instituto de Energia Alternativa Biológica (Ibea), Estados Unidos, ainda não conseguiu ser tão rápido. Precisou de 14 dias para criar o genoma de um vírus sintético, idêntico ao encontrado na natureza e inofensivo ao ser humano, reunindo pedaços de DNA produzidos por uma empresa de biotecnologia. Chamado de bacteriófago phi-X174, é intensamente estudado em laboratório desde os anos 1950, devido à sua capacidade de infectar bactérias, e foi o primeiro vírus seqüenciado, em 1978. Venter, que havia participado do seqüenciamento do genoma humano, pretende agora montar um genoma sintético que seja de cem a mil vezes maior que o do phi-X, de apenas 20 nucleotídeos (unidades do DNA), feito em colaboração com a Universidade da Carolina do Norte, Estados Unidos. Tais organismos poderiam ser úteis para produzir energia para carros movidos a hidrogênio ou na redução da poluição ambiental. No ano passado, outro grupo de pesquisadores sintetizou um vírus da pólio, pouco maior que o phi-X, usando compostos químicos comprados pela Internet. •

■ Um pó para revelar suspeitos de crimes Durante uma conferência sobre o uso da nanotecnologia na prevenção e no combate ao crime, em Londres, Fred Rowell, da Universidade de Sunderland, na Inglaterra, espera ter atraído a atenção das

Nanopartículas: alternativa para identificar digitais

autoridades para sua invenção: um pó de nanopartículas que aperfeiçoa a coleta de impressões digitais (NevvScientist.com, 3 de novembro). Hoje esse trabalho é feito com a ajuda de um pó fluorescente que adere às manchas oleosas encontradas nos objetos tocados pelo suposto criminoso. Os sulcos e estrias formados revelam as impressões digitais, mas nem sempre com a clareza necessária para identificar o portador. Já o método desenvolvido pela equipe de Rowell - embora ainda em fase de experimentação - parece mais eficaz. Enquanto o pó tradicional não faz mais que reproduzir o desenho, nítido ou não, das linhas digitais nas manchas de óleo, o de nanopartículas persegue o caminho traçado por elas. Borrifadas com uma tinta fluorescente e revestidas com uma camada de moléculas hidrófobas (com aversão à água), as nanopartículas - minúsculas esferas de vidro com diâmetro de 200 a 600 nanômetros - são repelidas pela água e atraídas pelo óleo. Desse modo, seriam capazes de agarrar-se aos menores resíduos de óleo, refazendo, de ponta a ponta, as linhas e ramificações das impressões deixadas mesmo pelos mais leves dedos. •

■ Uma tarefa extra do nariz Formigas - os insetos em geral - e outros animais liberam sinais químicos, os chamados feromônios, para se comunicar ou para informar uns aos outros de sua disposição para uma aventura reprodutiva. Sabe-se também que esses sinais são decodificados por um sistema sensorial especializado - denominado órgão vomeronasal (ou VMO, na sigla em inglês) - que ativa no receptor determinados comportamentos {NewScientist, 10 novem-

Sem os feromônios, ela não encontraria o caminho de volta para casa

bro). O que não se conseguiu ainda é identificar o VMO humano, embora não haja dúvidas de que ele exista. Se não, como explicar, por exemplo, que o suor de uma mulher durante a ovulação possa alterar a duração do ciclo menstrual de outra? Em um estudo recente, uma equipe do neurologista Larry Katz, da Universidade Duke, nos Estados Unidos, constatou que os feromônios podem ativar o principal sistema olfativo dos camundongos. Os pesquisadores descobriram no bulbo olfativo desses animais neurônios que respondem a um feromônio encontrado na urina dos machos. É a primeira prova de que um sistema olfativo pode captar essas dicas químicas, e quem sabe um indício de que, também no homem, os feromônios poderiam ser transmitidos pelo mesmo sistema que lhe traz os cheiros. "Só que, geralmente, não usamos a urina como símbolo social", assegura Katz, que agora investiga até que ponto a descoberta se aplica à espécie humana. •


LABORATÓRIO

BRASIL

Botos em alto-mar Os botos-cinza (Sotalia fluviatilis guianensis) - o menor dos golfinhos, com peso médio de 60 kg e quase 2 metros de comprimento - não vivem apenas em manguezais, estuários e baías do litoral da América Central e do Sul, de Honduras a Florianópolis, Santa Catarina. Uma equipe do Instituto Baleia Jubarte (IBJ), de Caravelas, sul da Bahia, identificou um grupo de botos que freqüentam o arquipélago de Abrolhos, a 70 quilômetros do continente. "Abrolhos era visto apenas como uma ponto de passagem dos botos, mas provavelmente exista lá uma população residente, que se beneficia das baixas profundidades, da água relativamente quente e da abundân-

■ Quarto cheio, criança com tosse Após examinar as condições de moradia de 775 crianças de até 6 anos de idade, o pediatra Silvio Prietsch, da Fundação Universidade Federal de Rio Grande (FURG), constatou uma forte associação entre as condições inadequadas de moradia e o tabagismo e a chamada doença respiratória aguda das vias aéreas inferiores, definida pela ocorrência de tosse e dificuldade de respiração. Na metade dos domicílios estudados, havia pelo menos duas pessoas dividindo um mesmo quarto; com três ou mais por dormitório, 66%. Metade

cia de alimentos como peixes, lulas e crustáceos, associados ao ambiente de recifes de corais", comenta Marcos RossiSantos, pesquisador do IBJ que ajudou a identificar os animais individualmente, com base nas marcas da nadadeira dorsal de cada um. "Nossa área de estudo é o único lugar que se conhece onde podemos observar o boto-cinza vivendo em ambiente de recifes de corais", diz ele. Outra constatação recente é que os botos entram no estuário do rio Caravelas, também no sul da Bahia, com mais freqüência quando a maré está subindo e é maior a entrada de peixes no rio. Como a variação da maré está diretamente relacionada com as fases da Lua, foi observado que o

das famílias era formada por cinco ou mais membros, e em um terço havia pelo menos duas crianças com menos de 5 anos. Nesse estudo, publicado no Jornal de Pediatria, o tabagismo tem um peso considerável: 40% dos pais e 37% das mães eram fumantes - índices elevados quando comparados à média internacional, de 29%. Entre as mães, 224 (ou 29%) fumaram em média 12,5 cigarros durante a gravidez. Também se observou que o risco de doença respiratória foi 65% maior para crianças com mães com menor nível de escolaridade e 50% maior no caso de famílias com renda mensal inferior a R$ 600. Prietsch

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número de integrantes dos grupos aumenta sob as luas minguante e crescente, com menor variação de maré e de correntes - os animais evitam as correntezas que surgem com a lua cheia e a maré alta. No sul da Bahia, entre os municípios de Nova Vi-

examinou dez variáveis - do tipo de piso e fogão à eventual ocorrência de cães ou gatos no quarto das crianças. As doenças respiratórias agudas são uma importante causa de mortalidade em crianças menores de 5 anos no Terceiro Mundo, com 4 milhões de mortes por ano. •

■ Inseticidas causam danos à audição Trabalhadores que manipulam inseticidas organofosforados e piretróides, usados nas campanhas de combate aos vetores da doença de Chagas, dengue e febre amarela, estão sujeitos a perder a capacidade auditiva, de acor-

A equipe do IBJ observa os botos: a 70 km do litoral cosa e Caraíva, os botos formam grupos de até 22 indivíduos, de acordo com um estudo coordenado por Rossi-Santos, que se baseou em

Barbeiro: produtos químicos afetam seres humanos

do com um estudo realizado em Vitória de Santo Antão, Pernambuco. O levantamento foi feito com 98 homens submetidos à exposição a venenos por sete anos, em média. Deles, 63,8% apresentaram perda auditiva. A ex-


450 horas de observação. Já no litoral do Rio Grande do Norte, o tamanho do grupo variou de dois a seis animais - e, quanto maior, maior a interação social e as brincadeiras, como saltos, mergulhos e batidas de cauda, de acordo com um estudo realizado por

posição simultânea aos produtos químicos e aos ruídos ampliou a perda auditiva para 66,7% dos homens. Os autores desse trabalho - Cleide Teixeira, da Faculdade Integrada do Recife, Lia Augusto, da Fundação Oswaldo Cruz, e Thais Morata, do Instituto Nacional de Saúde e Segurança Ocupacional, dos Estados Unidos - sugerem que as exposições a produtos químicos sejam monitoradas e controladas. Alguns hábitos de higiene, a princípio, poderiam amenizar o problema: 93,4% dos trabalhadores voltavam para casa com a mesma roupa de trabalho e a usavam mais de uma vez sem lavar (73,2%). •

Rodrigo Sartório e Maria Emilia Yamamoto, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Durante 13 meses, eles seguiram uma fêmea adulta, Lunara, com o propósito de acompanhar a mobilidade de grupos de botos que vivem

■ Refrigerantes com fungos Uma equipe do Laboratório de Micologia da Fundação Ezequiel Dias, de Minas Gerais, analisou cem amostras

ao longo do litoral brasileiro. Descobriram que Lunara assim chamada por causa de marca em forma de meia-lua na nadadeira dorsal - passa a maior parte do tempo na companhia de um macho adulto e um filhote. Sartório e Maria Emilia verificaram

de diferentes marcas de refrigerantes dos sabores frutas, guaraná e cola vendidos no estado. Resultado: 13% das amostras foram condenadas por apresentarem condições higiênicas insatisfatórias: bo-

Sabores cola, guaraná ou frutas: higiene escassa

que Lunara se desloca 20 quilômetros entre os pontos mais distantes, as enseadas de Tabatinga, município de Nísia Floresta, e do Curral, em Tibaú do Sul, no litoral potiguar, em busca de alimento e de lugares calmos para cuidar dos filhotes. •

lores e leveduras em quantidade acima da permitida por lei. Dessas amostras, 92,3% provinham de indústrias com instalações consideradas ruins ou precárias. Quase metade das amostras condenadas (46,2%) continha leveduras, 30,8% traziam leveduras e fungos filamentosos e outros 23% apresentavam fungos filamentosos. Coordenado por Vanessa Morais e Jovita Gazzinelli e publicado na Revista do Instituto Adolfo Lutz, o estudo alerta: bolores e leveduras podem causar infecções oportunistas em pessoas com o sistema imunológico debilitado ou mesmo alergias em indivíduos saudáveis. •

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CIÊNCIA CAPA

O sacrifício

pensa Estudos demonstram que dieta e exercício - juntos - fazem emagrecer, ajudam a reduzir a pressão alta e o diabetes

RICARDO ZORZETTO E FRANCISCO BICUDO

eitada em uma maça, a psicóloga Eliana Sales das Dores aguarda ansiosa enquanto o fisiologista Carlos Eduardo Negrão espeta em sua perna direita, perto do joelho, uma agulha mais fina que um fio de cabelo, de uns 4 centímetros de comprimento. A agulha é um microeletrodo que vai detectar os impulsos nervosos que trafegam por um dos nervos responsáveis pela contração muscular e pelo controle do diâmetro dos vasos sangüíneos. Paulistana de 42 anos, 1,60 metro e então com 78 quilos (hoje com 58), Eliana mal percebe a picada da agulha - dizem que é menos incômoda que a de um pernilongo - em meio à movimentação dos outros pesquisadores, que colocam em seu braço esquerdo duas bolsas infláveis, uma logo acima do cotovelo e outra no punho. Entre o cotovelo e o punho, uma faixa elástica registra o volume de sangue que passa pelo antebraço. Em seguida, pedem para ela aproximar, com a mão direita, as hastes de um dinamômetro, uma mola em forma de V que mede a força aplicada ao movimento.


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Por meio de exames como esses realizados ao longo dos últimos três anos, uma equipe da Universidade de São Paulo (USP), coordenada por Negrão e pela endocrinologista Sandra Villares, descobriu algumas alterações fisiológicas do organismo dos obesos que explicam por que as pessoas com excesso de peso são mais propensas a desenvolver pressão alta - hipertensão - do que as que estão em paz com a balança. Nos obesos, os comandos nervosos que levam à redução do diâmetro dos vasos sangüíneos dos braços e das pernas estão mais ativos. Por essa razão, as artérias permanecem mais fechadas, sem se dilatarem, e o sangue não se espalha pelos músculos como seria desejado durante uma atividade mental ou física de

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intensidade moderada - uma corridinha até o carro num dia de chuva, por exemplo -, ou mesmo em repouso. E, como nessas horas o coração bate mais rápido, a resistência dos vasos sangüíneos contraídos faz a pressão subir acima do esperado. Como se não bastasse, as pessoas com o peso acima do recomendado vivem outro problema: o organismo delas não consegue utilizar, com a eficiência desejada, o hormônio insulina, que extrai o açúcar (glicose) do sangue e o leva até as células dos músculos e dos outros tecidos, onde é convertido em energia. Essa é a razão pela qual quem é gordo está mais sujeito que os magros ao diabetes tipo 2, que amplia o risco de problemas na circulação capazes de afe-

tar o coração ou o cérebro. Analisados em conjunto, esses estudos trazem uma notícia animadora: a perspectiva de prevenir e mesmo tratar tanto a hipertensão como a resistência à insulina. Esses dois problemas afligem cada vez mais pessoas em conseqüência do aumento do número de obesos no país, que cresceu mais de duas vezes nas duas últimas décadas - hoje, 17 milhões de brasileiros estão com o peso bem acima do considerado saudável. Mas a saída talvez faça torcer o nariz quem não troca uma feijoada por uma caminhada. De acordo com artigo publicado em setembro no American Journal ofPhysiology - Heart and Circulation Physiology e assinado por Ivani Trombetta, Negrão, Sandra Villares e


outros pesquisadores da USP, não há outro jeito realmente eficiente de reverter as conseqüências do excesso de peso a não ser associar dieta com exercícios físicos. Só diminuir o tamanho das porções ajuda a emagrecer, sem dúvida, mas não reduz tanto os riscos de hipertensão e diabetes como quando o regime se soma aos exercícios. E não basta fazer uma atividade física qualquer, como caminhar até o supermercado ou subir as escadas em vez de tomar o elevador. "O exercício físico deve ser programado e feito com regularidade, respeitando a capacidade física e cardíaca de cada pessoa", afirma Negrão, responsável pela Unidade de Reabilitação Cardiovascular e de Fisiologia do Exercício do Instituto do Coração (InCor). Não é pouco o que se tem de suar. Outros estudos já haviam indicado que é necessário consumir pelo menos 1.500 quilocalorias (kcal) por semana para reduzir o risco de doenças que afetam o coração e a circulação - o equivalente a um sedentário pedalar uma bicicleta durante uma hora, de três a cinco vezes por semana. "Mas ninguém deve se aventurar a fazer exercício sem antes passar pelo teste de esforço cardiorrespiratório, que avalia a capacidade física e de funcionamento do coração e da circulação durante o exercício", alerta o pesquisador. Os estudos conduzidos por Negrão e Sandra Villares indicam que comer menos e fazer mais exercício, desde que com a intensidade adequada e as devidas orientações, não apenas ajuda a eliminar os pneuzinhos da cintura e as gordurinhas dos quadris sem perder os músculos. O duplo sacrifício compensa por uma razão mais importante: o exercício físico modifica o funcionamento das células dos músculos e faz com que o organismo aproveite melhor a insulina. Essas alterações revertem a resistência à insulina e evitam o diabetes tipo 2, uma das conseqüências mais nocivas do excesso de peso. Para definir quem era obeso, os pesquisadores se valeram do chamado índice de massa corporal, o IMC, que corresponde ao peso dividido pelo quadrado da altura. Uma mulher com 66 quilos e 1,68 metro tem IMC de 23,4. Está dentro da faixa considerada saudável, que vai até 25. Mas estaria com sobrepeso se pesasse entre 70,5 e 84,6 quilos, e seria uma obesa, com IMC acima de 30, se tivesse mais que 84,6 quilos.

A equipe da USP acompanhou 59 mulheres com idade entre 20 e 40 anos e peso entre 70 e 106 quilos - um grau médio de obesidade -, separadas em dois grupos. O primeiro, de 24 mulheres, fez apenas dieta: durante quatro meses, ingeriram 600 kcal por dia a menos que o consumo mínimo recomendado para um brasileiro, 2.300 kcal. As outras 25, além de comer menos, fizeram exercícios físicos moderados, o equivalente a caminhar a passos rápidos ou a andar de bicicleta, três vezes por semana, durante 60 minutos. Em ambos os grupos houve diminuição da resistência à insulina, mas os exercícios multiplicaram esse benefício por dois: a sensibilidade à insulina cresceu 50% entre as mulheres que caminharam e comeram menos, enquanto o aumento foi de 22% entre as que apenas fizeram dieta. "Ainda não sabemos explicar os detalhes desses processos, mas os resultados são animadores", reconhece Negrão. fl|B pós o treinamento, o vo^M^^ lume de sangue que che^Ê ^A gava aos braços e às per^Ê ^A nas de quem caminhou U mm^^k ou pedalou era 50% ^^^^^^^^ maior. Essas alteraÊÊÊ ^A ções se devem em parte à diminuição da atividade do sistema nervoso simpático que controla a dilatação dos vasos sangüíneos, permitindo que aumentem de diâmetro. Com o tempo, o coração também se adapta aos exercícios e passa a responder de forma mais eficiente: bombeia mais sangue a cada batida e, assim, trabalha menos. Em conseqüência, melhora a irrigação dos músculos e diminui a pressão arterial. Um dado, porém, intrigava. Em ambos os grupos as mulheres emagreceram de maneira significativa - dez quilos, em média. Os pesquisadores só notaram uma diferença crucial quando analisaram os dados em detalhe. Quem fez apenas dieta perdeu gordura, claro, mas também consumiu uma parcela dos músculos do corpo um efeito nada desejável, porque diminui o consumo de energia e, com o tempo, pode facilitar o ganho de parte do peso perdido. Já as mulheres que fizeram exercício e dieta queimaram apenas o tecido adiposo. Chefe do Ambulatório de Obesidade Infantil da Faculdade de Medicina da USP, Sandra decidiu verificar se

essas alterações fisiológicas também ocorreriam nas crianças. Com o professor de educação física Maurício Maltez Ribeiro e a médica Érika Parente, Sandra avaliou 163 meninos e meninas obesos com idades entre 7 e 11 anos - em crianças e adolescentes, o grau de obesidade é determinado pelo índice de massa corporal ajustado com relação à idade. Os dados dessas crianças foram comparados com os de outras dez classificadas como magras, que integravam o grupo de controle. Os pesquisadores constataram que já na infância a obesidade afeta o funcionamento do sistema nervoso simpático: o fluxo de sangue para os braços e as pernas das crianças obesas aumentava apenas 14%, enquanto nas magras essa elevação atingia 43% durante o teste de estresse mental, em que as crianças tinham de dizer em qual cor o nome de uma outra cor estava escrito: por exemplo, a palavra vermelho escrita com tinta azul. Os gordinhos também apresentavam uma elevação da pressão sangüínea superior ao normal para a idade e já sofriam de resistência à insulina. Esses valores retornaram aos níveis normais entre as crianças obesas após quatro meses de treinamento em que fizeram uma hora de atividade física - exercícios e brincadeiras três vezes por semana. "Essas descobertas poderão auxiliar na prevenção e no tratamento do diabetes e da hipertensão também em crianças", comenta Sandra. Epidemia mundial - A necessidade de somar dieta e exercício é reiterada, de um modo ou de outro, na edição da revista Science, de 7 de fevereiro deste ano, dedicada à obesidade, cujo alcance é ali tratado do ponto de vista epidemiológico, sociológico e bioquímico. A obesidade é hoje um dos dez principais problemas de saúde pública do mundo, na avaliação da Organização Mundial da Saúde (OMS). Estima-se que existam 700 milhões de pessoas com sobrepeso - peso um pouco além do considerado saudável - e outros 300 milhões de obesos, dos quais pelo menos um terço está nos países em desenvolvimento. O excesso de peso é mais visível nos países mais ricos e industrializados, como os Estados Unidos, a Inglaterra e a Alemanha, onde o número de obesos PESOUISA FAPESP 94 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ 35


triplicou nos últimos 20 anos. Somente nos Estados Unidos - onde a disponibilidade diária per capita é de 3.800 kcal, 50% acima do recomendado pela OMS -, um terço da população adulta está com sobrepeso e outros 30% são obesos. O governo norte-americano, além de gastar US$ 55 bilhões ao ano para tratar problemas decorrentes da obesidade, vê esse problema como uma epidemia, enfrentada com campanhas nacionais que, por exemplo, incentivam os pais a levarem os filhos à escola a pé em vez de usarem o carro. Mas a obesidade se expande também em nações da Europa e em países em desenvolvimento que aderem ao estilo de vida norte-americano, marcado pelo sedentarismo, refeições fartas e biscoitos em abundância, a qualquer hora enfim, pelo consumo excessivo de alimentos ricos em açúcares e gorduras. Em conseqüência do fenômeno apelidado de globesidade, nem os franceses, que sempre apreciaram seus corpos esbeltos, conseguem se manter na linha: por lá, 11,3% da população já é obesa. No Brasil, em pouco mais de 20 anos, de 1975 a 1997, o número de obesos pelo menos dobrou - são hoje quase 17 milhões de pessoas (9,6% da população) com IMC acima de 30. Os estudos do epidemiologista Carlos Augusto Monteiro, da Faculdade de Saúde Pública da USP, que orientam o governo nesse campo, deixam claro: também aqui a obesidade é um problema de saúde pública. Monteiro valeu-se de três levantamentos populacionais feitos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O primeiro é de 1975, o segundo de 1989, ambos nacionais, e o terceiro de 1997, limitado a duas regiões contrastantes, Nordeste, a mais pobre, e Sudeste, a mais rica, representativas também por reunirem 70% dos quase 180 milhões de brasileiros. Com base nesses dados, Monteiro constatou que o número de homens obesos aumentou três vezes nesse período, chegando a 6,4% da população adulta masculina, enquanto o total de mulheres obesas dobrou e atingiu 12,4% do conjunto de mulheres adultas em 1997, data do último levantamento que avaliou a altura e o peso dos moradores do Brasil. Entre 1989 e 1997, o número de pessoas com peso excessivo só diminuiu entre as mulhe36 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ PESQUISA FAPESP 94

0 PROJETO Aspectos Genéticos e Ambientais da Obesidade MODALIDADE Projeto Temático COORDENADOR CARLOS EDUARDO NEGRãO

- USP

INVESTIMENTO

R$ 511.545,25 res das classes mais abastadas da região Sudeste, segundo um artigo que o pesquisador da USP publicou na Public Health Nutrition em fevereiro de 2002, escrito em parceria com Wolney Conde, da USP, e Barry Popkin, da Universidade da Carolina do Norte, Estados Unidos. Um dos dados que mais assustam é o aumento da obesidade entre crianças e adolescentes. Estima-se que nas últimas duas décadas esse número tenha crescido de modo bastante acelerado e aumentado cinco vezes, saltando de 3% para 15% do total de crianças. Em termos mais concretos, existem quase 6,5 milhões de crianças obesas no Brasil. Açúcar a toda hora - De 1975 a 1997, a quantidade de calorias disponíveis para cada brasileiro - mas não necessariamente consumidas por todos - aumentou de 2.494 kcal por dia para 2.967 kcal, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). É um crescimento de 20% que não ocorreu de modo homogêneo: a disponibilidade de proteínas cresceu quase um terço e a de gorduras, 55%. "Os brasileiros consomem hoje quase duas vezes mais açúcar do que deveriam", diz o epidemiologista. Em um estudo publicado em julho no Cadernos de Saúde Pública, Monteiro e Conde, da USP, e Inês Rugani de Castro, do Instituto de Nutrição Annes Dias, do Rio de Janeiro, avaliaram o avanço da obesidade em relação à escolaridade. E, conclusão: de 1975 a 1989, o número de casos de obesidade dobrou entre homens e mulheres que freqüentaram a escola por mais tempo. Já no período seguinte, de 1989 a 1997, o crescimento foi maior entre a parcela com menos estudo e di-

minuiu entre as mulheres de formação mais elevada, com pelo menos 12 anos de estudo. Hoje, a obesidade supera os índices de desnutrição e o perfil nutricional do brasileiro encontra-se numa fase de transição, em que a desnutrição diminuiu e a obesidade aumentou, aproximando-se do quadro norte-americano. Nas duas últimas décadas, a desnutrição caiu de 8,3% para 3,5% entre os homens adultos e de 13,4% para 6,5% entre as mulheres, mas ainda continua elevada (9,6%) entre as mulheres mais pobres do Nordeste. "Caso essa tendência se mantenha", diz Monteiro, "em breve os casos de obesidade e as doenças a ela relacionadas se concentrarão nos setores menos favorecidos da sociedade." O Ministério da Saúde criou uma política nacional de alimentação e nutrição, que, entre outras medidas, tornou obrigatória a discriminação das calorias nos rótulos de alimentos industrializados e obrigou as prefeituras a empregarem 70% do orçamento destinado à alimentação de alunos do ensino público na compra de alimentos frescos como frutas e legumes. Delineia-se assim uma situação que Marion Nestle, do Departamento de Nutrição e Estudos Alimentares da Universidade de Nova York, chama de a grande ironia do século 21 no editorial da Science dedicada à obesidade: embora milhões de pessoas ainda passem fome, nunca foi tão fácil conseguir comida. Ao menos em alguns países, come-se mais e gasta-se menos energia para conseguir comida. Ninguém precisa mais sacar o arco e a flecha e sair à caça de um antílope para comer carne - basta pegar o telefone e fazer o pedido ao restaurante da esquina. Em 1962, o geneticista norte-americano James Neel, um dos pioneiros da genética humana, apresentou a idéia de que a capacidade de acumular gordura era essencial num ambiente em que a alimentação era mais escassa e não era possível comer a qualquer hora. Mas o que era uma vantagem que permitiu a sobrevivência de algumas populações ao longo da história da espécie humana se torna uma desvantagem, agravada pelo conforto da poltrona que convida ao dolcefare niente enquanto chega o jantar. Mas não é só o fato de haver mais comida por perto e a tendência atávica de comer que tornam complexa a


batalha contra a obesidade. Existem pelo menos 300 genes que, direta ou indiretamente, regulam os modos pelos quais o organismo armazena e consome gordura, matéria-prima para a produção de energia. Na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, a farmacêutica Rosário Hirata identificou recentemente em brasileiros duas variações no gene responsável pela produção do hormônio leptina que favorecem o desenvolvimento da obesidade e podem servir como indicadores da propensão de cada indivíduo de ganhar peso. Ainda não se sabe ao certo o quanto todos os genes contribuem para a obesidade, mas já é clara a importância de alguns deles. "Dos genes ligados à obesidade, o que mais fre-

qüentemente aparece alterado é o MC4R ligado a complexos processos bioquímicos que adiam a vontade de comer", diz Sandra Villares. "Mesmo assim, essa modificação ocorre em apenas 6% dos obesos." Hoje se sabe também que, além de fatores emocionais e ambientais, ao menos dois mecanismos bioquímicos regulam o peso. Um deles, mais imediato, regula a ingestão diária de alimentos e seu controle está essencialmente ligado a dois hormônios produzidos no sistema digestivo, a grelina e o PYY. Já a manutenção do peso por meses ou anos parece depender da leptina, produzida pelas células de gordura, e da insulina, que regula o consumo de açúcar das células. Até os cientistas concor-

dam que não é mesmo fácil resistir à vontade de dar só mais uma mordida no sanduíche: os mecanismos biológicos que induzem a comer parecem ser mais fortes que os que levam a parar. Está também mais claro por que é difícil manter o peso após emagrecer. Num artigo publicado na Science de fevereiro, o norte-americano Jeffrey Friedman, da Universidade Rockefeller, Estados Unidos, conta que a redução de peso faz cair a taxa do hormônio leptina - vem daí o estímulo para comer mais. "A sensação de fome é tão intensa", relata Friedman, "que, se não é tão poderosa quanto a necessidade de respirar, provavelmente não é menos potente que a necessidade de beber quando se tem sede." •

PESQUISA FAPESP 94 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ 37


■ CIÊNCIA MEDICINA

Versão normal do príon é crucial na formação da memória e na resposta ao tratamento da epilepsia

Ados,,liga.

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neurônios ALESSANDRO GRECO

Há dois anos, durante um intervalo entre uma conferência e outra de um congresso sobre genômica realizado em Angra dos Reis, no litoral do Rio de Janeiro, o químico suíço Kurt Wüthrich fez um comentário desafiador sobre uma proteína chamada príon, cuja versão anormal tinha sido associada ao mal da vaca louca e forçado o governo inglês a sacrificar 150 mil bois e vacas entre 1985 e 1996. Segundo Wüthrich, uma autoridade mundial no estudo da estrutura de proteínas, que no ano passado ganhou o Prêmio Nobel de Química, não seria possível pensar em tratar ou curar as doenças causadas pelo príon enquanto não se conhecessem a estrutura e a função da versão normal dessa proteína, então quase inteiramente desconhecida. Homem de poucas palavras, o representante do Instituto Federal Suíço de Tecnologia sabia que uma das pesquisadoras que já trabalhava nessa área estava no Brasil, mas provavelmente não esperava que ela fosse tão longe. 38 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ PESQUISA FAPESP 94


■ Jr . Tk

Vilma Regina Martins, do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, em conjunto com especialistas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), descobriu que a forma normal do príon - abreviação de partícula infecciosa proteinácea - participa de uma série de processos essenciais à vida. Está ligada à formação e à manutenção da memória, ao crescimento de células nervosas (neurônios) e até mesmo à capacidade de superar problemas neurológicos como a epilepsia, marcada por tremores e convulsões de maior ou menor intensidade - e quase sempre inesperados. O trabalho dessa farmacêutica-bioquímica ganha relevo não só por responder ao desafio do suíço, mas tam-

* '

bém por causa do alcance das epilepsias humanas, que atingem cerca de 50 milhões de pessoas no mundo e cerca de 1,5 milhão somente no Brasil. Em um artigo recém-publicado na revista Neurology, a equipe de Vilma e o grupo do Centro de Cirurgia de Epilepsia (Cirep) do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto demonstraram que uma variante do gene que codifica a versão normal ou celular do príon, chamada príon celular, ou PrPc, é um fator de risco para o tipo mais comum de epilepsia que não responde a medicamentos - a epilepsia de lobo temporal mesial. Esse problema surge em decorrência de uma lesão numa região do cérebro chamada hipocampo, que participa de processos biológicos importantes como o aprendizado e a formação de memória.

Fermento celular: as extensões dos neurônios crescem mais rapidamente com a versão normal do príon, ausente à esquerda

Os portadores desse tipo de epilepsia são tratados cirurgicamente para a retirada do tecido lesado, procedimento que quase sempre leva à cura da doença. Em um grupo de cem pacientes com esse problema tratados no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, Vilma e os neurologistas Roger Walz e Américo Sakamoto, do Cirep de Ribeirão Preto, observaram que uma pequena alteração no gene que produz o príon normal diminuiu as chances de cura dos pacientes após a operação de 92% para 68%. Essa alteração consiste na troca de apenas um aminoácido, unidade formadora das proteínas: sai uma asparagina, entra uma serina, e lá se vão as esperanças de uma boa recuperação após a cirurgia. Vilma e Walz já haviam mostrado em camundongos que a falta de príons PESQUISA FAPESP 94 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ 39


normais diminui a capacidade de reCom esses achados, Vilma comprosistir a convulsões, um dos sintomas va a relação entre o príon normal típicos e indesejados da epilepsia. No uma proteína abundante na superfície experimento, eles aplicaram a mesma dos neurônios de um amplo grupo de quantidade de três compostos quíanimais, dos répteis aos mamíferos - e micos capazes de induzir convulsões o funcionamento do cérebro. Desco(ácido caínico, pentilenetetrazol ou berta no final da década de 1970 pelo pilocarpina) em dois grupos de dez pesquisador norte-americano Stanley camundongos - metade deles fabricaPrusiner, essa proteína quebrou um pava os príons normais e a outra metade radigma da ciência, segundo o qual soapresentava, desativado, o gene que mente organismos com material genéproduz essa proteína. tico (DNA ou RNA), Os resultados moscomo vírus, bactérias, traram que camunfungos ou vermes, dongos sem o príon poderiam causar donormal são muito enças - a descoberta 0 príon normal mais sensíveis as cridessa proteína lhe vapode estar ses epilépticas inleu o Prêmio Nobel duzidas: 90% deles de Medicina de 1997. envolvido morrem devido às Foi também Prusitambém no convulsões, em comner que identificou processo paração com apenas as duas versões dessa 10% dos normais, de proteína: uma anorde formação acordo com artigo mal e outra normal, do feto publicado na revista diferenciadas apenas Epilepsia, em 1999. pelo formato: o príon Os camundongos celular apresenta uma apresentaram uma forma helicoidal, com acentuada diferença três espirais esticatambém em outra área, a memória, de das, semelhantes às espirais de caderacordo com um experimento realizado no, unidas por estruturas flexíveis, sem em parceria com o neurobiologista Ivan forma definida, enquanto no príon inIzquierdo, da UFRGS, e publicado em feccioso uma das espirais e as estrumarço na Neuroreport. Primeiro, os turas flexíveis formam um plano coanimais são colocados numa plataforma mo um leque. dentro de uma gaiola. Por serem bastanEm conseqüência do formato que te exploradores, eles descem da plataforassumem, as funções de uma e de outra ma e colocam as quatro patas na grade mudam bastante. Enquanto a versão de metal do fundo da gaiola: é quando normal dessa proteína é essencial palevam um pequeno choque elétrico. No ra o bom funcionamento do cérebro, a dia seguinte, os mesmos animais volanormal causa a doença da vaca louca tam à gaiola, mas ficam na plataforma ou encefalopatia espongiforme bovina um tempo aproximadamente dez vezes -, a scrapie nas ovelhas e a doença de maior depois de aprenderem que receCreutzfeldt-Jakob em seres humanos. berão um choque se descerem para a grade. De fato, o tempo de permanên/ \ 0 PROJETO cia na plataforma nessa segunda etapa é usado para medir a capacidade de Papel a a Proteína Príon C elular em aprendizado do animal. E, resultado: Process os Fisiológicos e P atológicos houve uma diferença no aprendizado entre os dois grupos - um que fabricava MODALIDADE príons normais e outro com o gene que Projeto Temático produz essa proteína desativado. Mas essa disparidade só apareceu entre os aniCOORDENADORA mais adultos, com nove meses de vida, VILMA REGINA MARTINS - Instituto equivalente a 50 anos do ser humano. Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer Quando ainda jovens, com apenas três meses, o correspondente a quase 20 anos INVESTIMENTO das pessoas, não houve diferenças no R$ 2.728.466,87 aprendizado entre os dois grupos. 40 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ PESQ.UISA FAPESP

(

São doenças raras e até agora incuráveis, que deixam o cérebro cheio de buracos, com a aparência de uma esponja. E não é apenas no cérebro que os príons alterados se acumulam. Em um artigo publicado no New England Journal of Medicine, de 6 de novembro, a equipe de Adriano Aguzzi, do Hospital Universitário de Zurique, na Suíça, constatou que a forma alterada dos príons aparece também no baço e nos músculos do corpo - um achado que pode levar a técnicas mais simples e seguras de identificar a doença de Creutzfeldt-Jakob. Atualmente, o diagnóstico se baseia apenas nos sintomas e na análise de imagens de ressonância magnética nuclear do cérebro, o que não exclui outras doenças do sistema nervoso, como o mal de Alzheimer. Hoje a confirmação do diagnóstico só é possível após a morte do paciente e a avaliação do tecido cerebral. Também foi apenas recentemente que se chegou a uma possibilidade de tratamento. Pesquisadores ingleses injetaram um composto químico chamado polissulfato de pentosan diretamente no cérebro de um garoto de 19 anos em Belfast, Irlanda do Norte, e conseguiram brecar a evolução da doença de Creutzfeldt-Jakob. Por sorte, algumas dessas doenças podem ser contidas à medida que se controla sua propagação, que se dá principalmente por meio da ingestão de derivados de carne bovina contaminada e por intervenções cirúrgicas como transplantes de córnea de indivíduos com a doença de Creutzfeldt-Iakob e o uso de eletrodos infectados, que transmitem a proteína anormal. A observação de Wüthrich em Angra dos Reis ganha consistência à medida que se fortalecem as hipóteses sobre a origem do mal da vaca louca e das outras doenças similares que atacam o cérebro: acredita-se atualmente que o príon infeccioso seja capaz de converter o príon celular em príon anormal. Essa possibilidade ganhou força no ano passado quando a bióloga Susan Lindquist, diretora do Whitehead Institute, em Cambridge, Estados Unidos, publicou um artigo na revista Science demonstrando que esse contágio realmente ocorre, ao menos em ca-


mundongos. Outro estudo, publicado na Nature de 16 de outubro pela equipe de Surachai Supattapone, da Dartmouth Medicai School, também nos Estados Unidos, esclarece um pouco mais esse mecanismo de conversão do príon ao sugerir que uma molécula de RNA possa acelerar a transformação do príon normal em infeccioso. Se o príon anormal destrói as células nervosas, o normal tem o efeito inverso: impede a morte de neurônios. Foi o que Vilma descobriu, desta vez em parceria com o neurologista Rafael Linden, da UFRJ. No ano passado, conforme dois artigos publicados na revista da European Molecular Biology Organization, o Embo Journal, as duas equipes verificaram que príons normais protegem as células nervosas da retina de camundongos da chamada morte celular programada, também conhecida como apoptose. "O príon normal pode estar envolvido também

no processo de desenvolvimento do feto e na correta formação dos tecidos", comenta Vilma. Os príons normais mostraram-se igualmente essenciais no processo de crescimento de células nervosas, em especial quando cercadas por uma proteína chamada laminina, que ajuda a unir uma célula a outra. Com essa proteína por perto, os axônios e dendritos - extensões das células nervosas - produzidos por neurônios de embriões de camundongo cresceram em 24 horas cerca de três vezes seu tamanho original em metade das células. Observouse o mesmo resultado em apenas 20% das células de embriões nos quais o gene do príon celular foi desativado. Os resultados foram publicados em 2000 e, segundo Vilma, mostram que "os príons normais podem estar relacionados à capacidade dos neurônios de fazer novas conexões entre si ou de restabelecer ligações".

A própria laminina parece ter um papel importante na formação da memória. Em um experimento semelhante, os pesquisadores do Instituto Ludwig e da UFRGS injetaram drogas que bloqueiam a ação do príon normal e da laminina diretamente no hipocampo de 200 ratos (outros 200 serviram de grupo de controle, sem receber nada). Resultado: os animais do primeiro grupo ficaram completamente desmemoriados, incapazes tanto de recordar de algo que haviam aprendido duas horas antes, a chamada memória de curto prazo, quanto do que havia sido ensinado 24 horas atrás, a memória de longo prazo. "Os resultados (encontrados pelo grupo de Vilma) são de interesse considerável", comentou Wüthrich à Pesquisa FAPESP. A equipe brasileira, que nos últimos quatro anos publicou 20 artigos científicos com resultados parciais em revistas de alto impacto, começa agora a estudar a função dos príons normais no câncer. De acordo com os resultados preliminares, parece haver uma quantidade maior desse tipo de molécula em tecidos tumorais de pessoas com certos tipos de câncer de mama. Caso a análise dos dados confirme a primeira impressão, a medição da quantidade de príons celulares poderia no futuro ser utilizada no diagnóstico de alguns tipos de câncer e para avaliar a evolução da doença. Conduzidos em laboratórios sob rigor científico, os estudos sobre o príon remetem, curiosamente, a um hábito antigo dos habitantes da ilha de PapuaNova Guiné, no Oceano Pacífico: o canibalismo. Os Fore, como é chamado o povo de lá, foram os últimos a desistir do costume de comer pernas e cérebros humanos. Só pararam, 40 anos atrás, por causa de uma conseqüência indigesta: a kuru, um mal que começava com calafrios, depois imobilizava os músculos de todo o corpo e finalmente matava as pessoas com a garganta endurecida. As mulheres achavam que era um feitiço dos homens da tribo. Não era feitiço, mas o príon anormal em ação. • PESQUISA FAPESP 94 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ 41


CIÊNCIA BIOQUÍMICA

Imagem cristalina Estrutura detalhada de proteína facilita a busca de novos medicamentos contra doenças auto-imunes

ncontrar a chave que abre uma fechadura conhecida, como a da . porta de casa, é relativamente fácil. Com o tempo, suas características j principais - a marca, o tamanho, o formato e a cor - tornam-se familiares. Ao procurar a chave de casa, é simples descartar, apenas com uma rápida comparação mental, os artefatos cujos contornos diferem radicalmente do jeitão do buraco da fechadura. Essa estratégia encurta a busca às chaves que apresentam alguma chance de abrir a porta. Porém, sem nunca ter visto a fechadura da porta, identificar a chave ideal no meio de outras chaves pode ser um suplício, sobretudo se o número de opções a serem testadas for elevado. Uma coisa é certa: as chances de encontrar a chave certa aumentam à medida que as características fundamentais da fechadura forem desvendadas. Foi mais ou menos isso - desvendar os contornos de uma fechadura química - o que fez uma equipe de pesquisadores gaúchos e paulistas. Eles produziram a mais detalhada imagem da estrutura tridimensional do cristal de uma proteína, a enzima PNP, sigla de purina nucleosídeo fosforilase, cuja ação, quando descontrolada, parece levar ao surgimento de algumas 42 ■ DEZEMBRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 94

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milionésimos do milímetro). Quanto menor for o valor da resolução em angstrõm, mais nítidos os detalhes da estrutura flagrada. A imagem capturada pelos brasileiros joga luz sobre ínfimas porções da PNP que podem ser fundamentais para se encontrar as chaves moleculares - os medicamentos - capazes de se ligar e atuar sobre essa enzima. PNP mutantes - Estudos anteriores sugerem que o controle da ação da PNP pode ser vital para o tratamcn-

doenças de origem imunológica e à rejeição de órgãos transplantados. "É como se tivéssemos dado um zoom numa foto", compara Diógenes Santiago Santos, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/ RS), coordenador dos trabalhos sobre a enzima. Tais estudos são feitos no âmbito do Instituto do Milênio para Estratégias Integradas para Estudo e Controle da Tuberculose no Brasil, projeto financiado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). "Agora podemos ver pormenores da estrutura da PNP que antes não eram claros." A nova imagem da PNP apresenta uma

pus, a artrite reumatóide, a psoríase e alguns tipos de câncer como os linfomas. Acredita-se nisso porque formas anômalas dessa enzima, decorrentes provavelmente de mutações no gene que carrega a receita de produção da PNP, alteram o padrão de ativação de um dos pilares do sistema imunológico, um tipo de célula de defesa conhecido como linfócitos T. Tais células reconhecem e combatem substâncias estranhas e potencialmente perigosas ao organismo, os antígenos. A ameaça, real ou potencial, pode ser representada pela entrada no or-

versão anterior. Sua resolução é de 2,3 angstrons, ao passo que a da antiga representação da molécula é de 2,8 angstrons (1 angstrõm corresponde a 10

qualquer proteína de origem externa. Em condições normais, a atuação dos linfócitos T é benéfica e imprescindível para a produção de anticorpos con-


no;m

Anomalias na enzima PNP (á esq.) podem fazer os linfócitos T (à dir.) atacar o próprio organismo

tra os antígenos. No entanto, disfunções na produção dessas células guardiãs do bem-estar do organismo, ocasionadas provavelmente por um excesso de estímulos enviados pela PNP, podem causar as doenças auto-imunes. Nesse tipo de distúrbio, ocorre uma espécie de rebelião do sistema imunológico, de motim das células de defesa, que, em vez de se voltarem contra inimigos externos, passam a atacar seus próprios tecidos. Diante das evidências de que a PNP influencia diretamente o comportamento dos linfócitos T, a ciência passou a procurar inibidores dessa enzima - drogas que poderiam tratar ou ao menos reduzir os efeitos das doenças de fundo imunológico. Obter uma ótima representação da estrutura da PNP, na qual esses inibidores têm de se encaixar para produzir algum efeito, passou a ser uma prioridade nessa linha de pesquisa. Para produzir uma representação em alta resolução da PNP, os pesquisadores tiveram de contornar dificuldades inerentes à produção de imagens em três dimensões da estrutura de proteínas (enzimas são um tipo de proteína). O primeiro desafio foi obter a proteína em quantidades suficientes e com pureza cie quase 100%. "Essa enzima é muito difícil de ser clonada", comenta o bioquímico Mário Sérgio Palma, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Rio Claro, co-autor do trabalho com

a PNP. Em vez de trabalhar com a enzima em sua forma natural, extraída do sangue humano, como fizeram sem muito sucesso outros grupos, a equipe nacional optou por uma versão recombinante: fizeram a bactéria Eschirichia to/// produzir a PNP humana em grande quantidade. A estratégia deu tão certo que os brasileiros hoje vendem a PNP para empresas do estrangeiro. O passo seguinte foi gerar uma versão estável da enzima. Como uma criança que nunca pára na hora de ser fotografada, a estrutura da PNP em seu estado físico original, a forma líquida, é muito instável e complicada de ser flagrada, a saída foi misturar a enzima a uma solução e resfriá-la até formar um cristal da proteína. A enzima solidificada foi então exposta a um feixe de radiação de alta 0 PROJETO Enzimas de Vias Metabólicas Definidas como Alvos para o Desenvolvimento de Drogas contra Doenças Negligenciadas (Malária e Tuberculose) e Doenças Crônico-degenerativas COORDENADOR DIóGENES SANTIAGO SANTOS-

PUC/RS INVESTIMENTO

R$ 2.140.000,00 (MCT)

intensidade - no Laboratório Nacional de Luz Síncroton, em Campinas - que revelou sua estrutura. Assim surgiu a imagem com 2,3 angstróns de resolução da PNP. Inibidores naturais - Os pesquisadotrutura da enzima interagindo com as duas principais drogas candidatas a inibidores da PNP, o aciclovir e a imucilicontra doenças auto-imunes. "Tenta-

a enzima , explica o tísico Walter Hlgueira de Azevedo Jr., da Unesp de São José do Rio Preto, que participou intensamente dessa parte dos estudos. A maior ou menor afinidade entre a PNP e seus potenciais inibidores depende de uma série de parâmetros técnicos, como interações entre seus átomos e a complementaridade de suas respectivas superbrasileiros - que neste ano publicaram nove artigos científicos sobre a PNP em revistas internacionais - será procurar inibidores naturais da enzima. Em colaboração com João Batista Calixto, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), especialista em fitoterápicos, a equipe de Diógenes Santos tenta isolar moléculas de extratos de plantas com potencial para atuar sobre a PNP. . PESQUISA FAPESP 94 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ 43


CIÊNCIA GENOMICA

Em 28 de março de 2000, um grupo de pesquisadores paulistas publicou um artigo na revista científica norte-americana Proceedings of the National Acaáemy of Sciences {PNAS) informando a seus pares do exterior que haviam desenvolvido uma metodologia capaz de identificar fragmentos de genes expressos (ou ativos). Era uma forma alternativa e complementar à técnica convencional de obtenção de ESTs - pedaços de genes ativos que, em inglês, são denominados expressed sequence tags -, que tinha sido criada em 1991 nos Estados Unidos. Concebida por dois cientistas que então trabalhavam na filial paulista do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, Andrew Simpson e Emmanuel Dias Neto, a metodologia brasileira recebeu o nome de Orestes (Open Reading Expressed Sequence Tags), que, em português, significa algo como etiquetas da fase aberta de leitura de seqüências expressas. Desde então, por desvendar a região central dos genes, o Orestes tornouse uma ferramenta útil, sobretudo na busca por genes que se mostram ativos apenas em poucos tipos de tecidos, em projetos brasileiros e internacionais que estudam o genoma de organismos ou a expressão de genes envolvidos em diversas enfermidades. Foi usado também no estudo do genoma do verme Schistosoma mansoni, causador da esquistossomose, recentemente concluído. Na edição impressa de 11 de novembro passado, o mesmo PNAS estampou em suas páginas um artigo que faz um balanço do uso conjunto do Orestes e da técnica mais tradicional de geração de ESTs no estudo de genes ligados a uma das mais desafiadoras doenças humanas, o câncer. O

trabalho foi escrito por cerca de 140 pesquisadores do Brasil, dos Estados Unidos, da Europa e da África do Sul que participaram de duas grandes iniciativas que analisam seqüências expressas em tumores: o Programa Genoma Humano do Câncer, financiado pela FAPESP e pelo Instituto Ludwig, e o Câncer Genome Anatomy Project (CGAP), bancado pelo Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos. No artigo de seis páginas, a equipe multinacional de cientistas faz um apanhado dos resultados alcançados pelos projetos brasileiro e norte-americano, que, a partir de amostras de células sadias e com tumores, produziram informações detalhadas sobre o conjunto de genes que são ativados em tecidos extraídos de sete partes do corpo humano: pulmão, mama, cérebro, cabeça e pescoço, cólon, útero e rim. Com as amostras de células de cada uma dessas regiões, foram geradas pelo menos 100 mil seqüências expressas. "Mostramos que, nesse conjunto de tecidos, há uma variabilidade surpreendente no uso de genes, o que levou à descoberta de genes raros (de expressão restrita) que podem ser importantes do ponto de vista terapêutico para o tratamento de algumas formas de câncer", comenta Simpson, um dos autores do estudo, que foi coordenador do Genoma Humano do Câncer, encerrado em junho deste ano, e hoje trabalha na sede internacional do Instituto Ludwig, em Nova York. Em menor escala, também foram obtidas seqüências expressas de outros tipos de tecidos, sobretudo da próstata e do ovário. Para entender o papel dos genes no desenvolvimento dos principais tipos de câncer e em seus respectivos tecidos normais, ambas as iniciativas geraram muitas ESTs. Para ser mais preciso, o

No coração dos

Técnica brasileira mostra quais trechos de DNA são ativados nas células sadias e nos tumores


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Genoma Humano do Câncer produziu 823 mil seqüências expressas e o CGAP, 1,2 milhão de fragmentos de genes. Juntos, os dois projetos, que firmaram uma parceria há alguns anos, geraram mais de 2 milhões de ESTs. "Esse número eqüivale a mais ou menos 40% de todas as seqüências expressas derivadas de tecidos humanos depositadas nos bancos públicos de dados", diz Simpson. Estima-se que os 2 milhões de seqüências expressas extraídas de tumores e as respectivas células sadias estejam relacionados a 23.500 genes humanos, cerca de três quartos de todos os genes conhecidos do Homo sapiens. Entre os tecidos estudados, as células do pulmão foram as que apresentaram o maior número de genes ativos, 13.390. "Isoladamente, nenhum tipo de tecido expressou mais do que 57% dos genes que estavam representados em nossas ESTs", afirma Dias Neto. As células de mama se utilizaram do menor número de genes, 10.380. Nos demais tecidos, a quantidade de genes expressos foi de 10 mil a 13 mil. Para que o leitor não fique perdido em meio a tantos números, são necessárias algumas explicações sobre genes expressos (ativos) e as metodologias utilizadas para obtenção de ESTs. A molécula de DNA de uma pessoa é idêntica em qualquer uma das células com núcleo. Portanto, qualquer tecido tem o mesmo genoma, o mesmo conjunto de genes. De acordo com as projeções mais recentes, a espécie humana apresenta cerca de 29 mil genes. Mas o fato de todos os tipos de tecidos humanos terem os mesmos genes não significa que todas as células usam esses genes de forma igual. Quando acionado, um gene despacha, com o auxílio de uma outra molécula (o RNA mensageiro), uma receita química para produzir a proteína especificamente associada a ele. Se o gene não está ativo, a proteína não é sintetizada. 46 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ PES0.UISA FAPESP 94

Como mostra o artigo do PNAS, em alguns tipos de tecidos, e esse é o caso do pulmão, um número maior de genes entra em funcionamento. Em outros, como nas células da mama, uma quantidade menor de genes é utilizada. Ou, em outras palavras, é expressa ou ativada. Portanto, todos os tecidos têm os mesmos genes, na mesma quantidade. Mas cada tipo de célula expressa ou ativa um subconjunto particular do número total de genes. Esse subconjunto particular de genes ativos é chamado transcriptoma de um tecido. A quantidade de genes acionada numa célula também varia em função do tempo. Um tecido pode expressar menos genes num determinado estágio de desenvolvimento e mais genes em outro momento. "Quanto mais expres0 PROJETO Programa Genoma Humano do Câncer COORDENADOR ANDREW SIMPSON

- Instituto Ludwig

INVESTIMENTO US$ 10 milhões (FAPESP) e US$ 10 milhões (Instituto Ludwig)

so for um gene, mais fácil será encontrar seus fragmentos (ESTs)", compara Marco Antônio Zago, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, coordenador do Programa Genoma Clínico do Câncer, financiado pela FAPESP. Um dos principais desafios dos pesquisadores que estudam a base genética dos tumores é entender a mudança no perfil de expressão de genes em tecidos sadios e em células com câncer. Mas qual é a diferença entre o método Orestes e a técnica convencional de geração de ESTs? A técnica brasileira possibilita a obtenção de informações da parte central dos genes, onde tendem a se concentrar as suas regiões codificadoras: os trechos do gene que fornecem a receita química necessária à produção de proteínas. Num gene humano típico, estima-se que pouco mais de 50% de sua seqüência de nucleotídeos (unidades químicas primordiais) façam parte da região codificadora. O resto da seqüência, embora importante, seria secundário. Já a técnica tradicional de obtenção de ESTs, adotada pelo CGAP, prioriza a busca de dados nas extremidades dos genes. Por focarem pontos distintos do DNA, um no meio e outro nas pontas dos genes, as duas metodologias se tornaram complementares e acabaram estimulando a parceria entre brasileiros e norte-americanos na área de câncer. "Com o Orestes, conseguimos pegar mais genes de expressão rara (que são pouco utilizados por um tecido) do que com a metodologia tradicional", afirma Dias Neto. Além de servirem para mapear genes ativos nos tecidos, as técnicas que trabalham com seqüências expressas se prestam a outras finalidades. No artigo do PNAS, os pesquisadores mostram que as ESTs também podem ser uma ferramenta útil na descoberta de mutações em genes aparentemente relacionados ao desenvolvimento de tumores. Depois de empregarem apenas a técnica Orestes para analisar as seqüências que formam 1.127 genes suspeitos de esta-


rem implicados na gênese de alguns tipos de câncer, eles foram capazes de, por exemplo, identificar 30 prováveis novos SNPs, um tipo específico de mutação. "O Orestes não é um método excelente na busca desse objetivo, mas, sem dúvida, também pode ser usado para procurar SNPs", comenta Zago. A sigla SNP - do inglês single nucleotide polymorphism, ou polimorfismo de um único nucleotídeo - designa as várias formas que um nucleotídeo pode assumir. Na verdade, essas possibilidades restringem-se às quatro bases nitrogenadas que formam o DNA: adenina (A), citosina (C), guanina (G) ou timina (T). Portanto, quando anunciam que descobriram um SNP relacionado a uma determinada doença, como o câncer, os cientistas estão dizendo que encontraram uma variação de apenas uma base num trecho de um gene que pode aumentar a chance de ocorrência dessa enfermidade. Um outro ponto explorado no artigo do PATAS o quarto decorrente do Programa Genoma Humano do Câncer publicado nessa revista - focaliza a utilização de seqüências expressas para determinar a ocorrência de um fenômeno conhecido como splicing alternativo. Quando usa de forma não tradicional as suas informações, um gene envia para a célula uma receita química ligeiramente diferente da normal. Resultado: a célula produz uma proteína distinta da que seria originalmente sintetizada. A exemplo de algumas mutações, certas formas de splicing alternativo podem estar relacionadas ao surgimento de doenças. No estudo do PNAS, os cientistas lançaram mão de duas metodologias distintas de análise e estimaram a taxa desse fenômeno no grupo de 1.200 genes suspeitos de estarem implicados na gênese de tumores. As contas sugerem que entre 21% e 47,5% desses genes apresentam splicing alternativo. Agora, o desafio é saber quais dessas alterações podem ser patogênicas e quais são inócuas. "O Genoma Humano do Câncer e o CGAP tornaram públicos muitos dados sobre genes expressos em câncer", afirma Simpson. "Cabe agora aos pesquisadores dessa áreas trabalhar em profundidade os dados gerados por esses projetos." •

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■ CIÊNCIA

Levantamento amplia conhecimento sobre peixes que vivem bem abaixo da superfície e duplica o total de espécies conhecidas ão adianta procurar um Myctophydae na peixaria do mercado. Mesmo que peça pelo nome popular - peixe-lanterna -, não vai dar certo. Com 5 a 10 centímetros de comprimento e uma coisa em comum com os vaga-lumes - o corpo coberto por órgãos que produzem luz -, os representantes dessa família de peixes vivem durante o dia em águas profundas, de até 1.500 metros, ao longo da costa brasileira. À noite, migram para a superfície, em cardumes. É quando são devorados por peixes grandes como os atuns, estes sim uma alternativa para o almoço, com 2 a 3 metros de comprimento. Hoje se sabe muito mais sobre os peixes-lanterna como resultado de dois empreendimentos complementares, ambos financiados pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT): um ligado ao Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex), que começou há cinco anos para avaliar a diversidade da fauna de peixes do Brasil, e o Programa de Avaliação do Potencial Sustentável de Recursos Vivos na Zona Econômica Exclusiva (Revizee), iniciado em 1997 com a meta de propor formas de exploração que não ameacem a sobrevivência das espécies mais exploradas comercialmente (ver Pesquisa FAPESP 43). O livro Peixes da Zona Econômica Exclusiva da Região Sudeste-Sul do Brasil, publicado pela Editora da USP (Edusp) com os achados da equipe do Revizee, trouxe dados inéditos sobre 185 espécies de peixes de profundidade que foram incorporados ao Catálogo das Espécies de Peixes Marinhos


Chauliodus sloani (acima), quase no tamanho real, e o Argyropelecus aculeatus (7 centĂ­metros): peixes bioluminescentes, a mais de 500 metros de profundidade

***^ ^*%


A raia Dasyatis marianae: em águas rasas, somente na costa brasileira

do Brasil, editado pelo Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP). Com esses dois trabalhos, o número de espécies conhecidas cie peixes marinhos brasileiros mais que dobrou. Se eram 578 em 1941, data do levantamento anterior, hoje são 1.297 espécies, listadas uma a uma no catálogo. À primeira vista, os peixes da costa brasileira chamam a atenção pelo contraste de portes - dos minúsculos e coloridos gobiídeos, com menos de 1 centímetro de comprimento, encontrados em recifes de corais, ao tubarão-baleia {Rhincodon typus), com até 10 metros. Vivem ao longo dos 8 mil quilômetros cio morai masneiro em costões rochosos, recifes de corais, nas regiões de alto-mar mais próximas á superfície ou nas profundezas sem luz, como os peixes-lanterna, estudados minuciosamente por Andressa Pinter dos Santos, aluna de pós-graduação do Instituto Oceanográfico da USP e uma das autoras do livro Peixes da Zona Econômica Exclusiva, coordenado por José Lima de Figueiredo, do Museu de Zoologia da USP. "Os peixes-lanterna são os vertebrados mais abundantes dos oceanos", diz ela, após estudar 37 das 77 espécies encontradas no litoral brasileiro. Representantes da família Myctophydae são hoje reconhecidos como de alto valor ecológico por estarem na base da teia alimentar - em outras palavras, por servirem de alimento a espécies de valor comercial, a exemplo do atum (família Scombridae) e da lula (Illex argentinas), ou mesmo para as baleias. 50 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ PESQUISA FAPESP 94

Há outras regiões do planeta com menores dimensões territoriais c uma diversidade de espécies ainda maior, como os arquipélagos do Havaí, mas é respeitável a quantidade de espécies endêmicas - exclusivas - do litoral brasileiro: são 123, o equivalente a 10% do total de espécies. Esse conjunto inclui até mesmo peixes de grande porte descobertos recentemente, como a raia Dasyatis marianae. Com 1 metro de diâmetro, essa espécie vive sobre fundos de recifes ou cascalho, em águas rasas,

oi também há três anos que -, biólogos do Museu de Zoologia e do Instituto Smithsonian, dos Estados Unidos, rela-^L. taram a descoberta de uma nova espécie, Clepticus brasiliensis, um peixe bastante peculiar, também endêmico do Brasil. A nadadeira caudal dos machos, mais comprida que o próprio corpo, de cerca de 30 centímetros, apre-

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Conhecimento, Conservação e Utilização Racional da Diversidade da Fauna de Peixes do Brasil COORDENADOR NAéRCIO AQUINO MENEZES

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de Zoologia/USP INVESTIMENTO

R$ 1.051.000,00 - Pronex (CNPq)

senta longos filamentos de função desconhecida. O Clepticus brasiliensis é um catador seletivo de plâncton, conjunto de minúsculos organismos que flutuam na superfície do mar e se encontram na base da cadeia alimentar marinha - outras espécies de peixes que também se alimentam de plâncton nadam com a boca aberta e filtram a comida. O mais intrigante é que esse Clepticus é hermafrodita seqüencial: nascem fêmeas e uma parte delas - não se sabe ainda qual a proporção - se transforma em macho depois de adultas. Se morre um dos machos dominantes do grupo, apenas uma fêmea vira macho, assume o posto, pára de produzir óvulos e começa a produzir espermatozóides. Entre os achados ainda mais recentes estão os novos representantes do gênero Apionichthys, guardados sem identificação há cerca de 30 anos no acervo do Museu de Zoologia e de outros museus até serem estudados por Robson Tamar da Costa Ramos, aluno de doutorado de Naércio Aquino Menezes, coordenador do catálogo. Ramos descobriu três espécies novas, descritas e A. scripierriae, que vivem hoje em rios da Bacia Amazônica, mas descendem de antepassados marinhos. São peixes que, como os linguados, dos quais são aparentados, têm os dois olhos e o colorido do corpo de um lado só - e assim conseguem se camuflar: "Vivem enterrados ou semi-enterrados na areia e os predadores não os enxergam", ree cima, mesmo


Corcoroca (Haemulon chrysargyreum): apenas em Fernando de Noronha e no Atol das Rocas

quando estão nadando, os Apionichthys confundem-se com o fundo tios rios, por causa da cor escura do lado superior do corpo. Paradigma desfeito - Antes, por falta de informações detalhadas sobre a diversidade de peixes marinhos, pensavase que a fauna brasileira de peixes de mar do Caribe, por serem ambas áreas tropicais e vizinhas. Essa tese naufra-

0 Clepticus brasillensis: fêmeas se transformam em machos depois de adultas

Fogueira (Myripristis jacobus): cardume repousa durante o dia antes de se alimentar, à noite

gou de vez no ano passado, quando Rodrigo Moura terminou seu doutorado no Instituto de Biociéncias da USP, com apoio da FAPESP, mostrando as diferenças entre os peixes que vivem em recifes de corais no litoral do Brasil e os do Caribe, antes vistos como idênticos, principalmente por causa do padrão de cores do corpo. "Os níveis de endemismo nos recifes brasileiros são quatro vezes maiores que os do Caribe, onde estão 95% dos recifes do Atlânti-

co", afirma Moura, co-autor do catálogo, que hoje trabalha em Caravelas, liservation International Brasil. Se uma idéia morreu, outra ganhou força: está mais claro que o rio Amazonas separa as populações de peixes marinhos por jogar água doce a mais de 100 quilômetros além da foz. "O Amazonas funciona como uma barreira efetiva para a dispersão de peixes", comenta Moura. Segundo ele, não é impossível atravessar esse obstáculo, mas muitas espécies devem vencê-lo num ritmo espécies ao sul c ao norte da foz. Os resultados do Revizee deixam claro: é impossível aumentar de forma significativa - c não-predatória - a quantidade de pescado marinho. "A costa do Brasil é pobre em espécies comerciais, diferentemente do Peru, que conta com amplos estoques de anchoveta, devido às correntes marítimas frias que se aproximam do continente", diz Menezes. "E o pior é que os estoques das espécies mais exploradas estão exauridos." Segundo ele, hoje são raros os cardumes de sardinha (Sardinella brasilicnsis), que antes se constituíam num dos principais recursos pesqueiros do país, em decorrência da pesca predatória somada às variações ambientais locais. O peixe-sapo (Lophius gastwphysys), antes desprezado na pesca comercial, começou a ser pescado intensamente há poucos anos devido à carne considerada deliciosa, e hoje as populações dessa espécie estão em franco declínio. • PESQUISA FAPESP 94 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ 51


MOÁCIR SANTOS O maestro, compositor e saxofonista pernambucano é uma lenda viva da MPB e influência permanente sobre diferentes gerações (e estilos) de músicos. Fundiu características do jazz e do erudito a uma brasilidade que nunca o abandonou.

Á

EDUARDO COUTINHO Considerado o maior documentarista brasileiro, concorre pela segunda vez por seu cinema, que dá voz aos que vivem à margem. De Cabra Marcado para Morrer, dos anos 80, ate Edifício Master, de 2002, sua obra é uma afirmação da força do humanismo.

LYDIA HORTÉLIO Pesquisadora baiana que se dedica à abordagem do universo infantil brasileiro: vem construindo uma obra que revaloriza canções, jogos e danças tradicionais, adotando a brincadeira para estimular a inteligência e favorecer o crescimento da

LENORA LOBO Coreógrafa e bailarina, desenvolveu um método próprio de formação e desenvolvimento de atoresbailarinos, que chamou de Teatro do Movimento, no qual realiza uma configuração metafórica da realidade brasileira, com amplo recurso às fontes da cultura popular.

Uns fazem arte. Outros fazem ciência. E juntos eles fazem um País. %H&. RIVANE NEUENSCHWANDER Artista plástica que vem construindo uma estética lírica e intensamente pessoal, em trabalhos que se utilizam dos mais variados suportes para expor o inobservavel", surpreendendo o espectador com uma arte feita de materiais inusitados e precários.

OI NÓIS AQUI TRAVEIZ O grupo gaúcho se caracteriza por pesquisas radicais, que englobam intervenções urbanas, teatro de rua, teatro infantil, teatro de sombras e manifestações em espaços náo convencionais, cujo objetivo e a renovação da linguagem cênica.

CANAL BRASIL Criado ha cinco anos. poe no ar, 24 horas por dia, a produção audiovisual brasileira, desempenhando função de cinemateca para os mais antigos e abrindo um importante espaço de exibição para as produções mais recentes.


FRANCISCO DANTAS Autor de livros como Os Desvalidos, Coivara da Memória e Cartilhas do Silêncio, o escritor sergipano prova a perenidade do regionalismo literário, transformando variações dos registros de linguagem em procedimentos na linha de Guimarães Rosa.

MUNIZ SODRE Uma referência nacional e até internacional por seus estudos multidisciplinares, que vào do enfoque antropológico sobre as raízes da cultura brasileira, até a discussão teórica sobre a comunicação em meios e ciências como a televisão e a semiótica.

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CENTRO UNIVERSITÁRIO MARIA ANTONIA/LORENZO MAMMI A instituição firmou nos últimos anos um perfil de atuação ligado à investigação artística e adquiriu respeitabilidade e reconhecimento na área pela excelência do olhar curatorial de seu diretor, que é professor de História da Música da USP e crítico de arte e música.

articultura COMUNICAÇÃO POR ATITUDE

ís LINA DO CARMO PRÓ-ARTE FUMDHAM A coreógrafa desenvolve na Fumdham um trabalho comunitário de ensino de dança contemporânea para crianças e adolescentes, que levou ao surgimento de um festival de arte interdisciplinar na Serra da Capivara, no mais importante sítio arqueológico da América Latina.


CIÊNCIA ASTROFÍSICA

Como a estrela Eta Carinae ganhou importância e atenção de físicos de todo o mundo

inalmente terminou a jornada solitária de um homem que durante quase 15 anos carregou suas próprias idéias e desafiou reputações científicas sólidas para provar que suas conclusões i poderiam estar certas. O astrofísico paranaense Augusto Damineli, professor da Universidade de São Paulo (USP), havia começado em 1989 a observar a Eta Carinae, a maior e mais luminosa estrela de nossa galáxia, a Via Láctea, e nos anos seguintes encontrou um fenômeno que ainda não havia sido descrito: uma brutal redução de brilho dessa estrela, que a cada dia perde uma quantidade de luz equivalente à emitida por centenas de sóis. No início, os especialistas dos Estados Unidos e da Itália que trabalhavam havia décadas com essa estrela não o levaram a sério. Pareciam indignados com a possibilidade de um brasileiro, com o que chamavam de um telescópio da selva, ter observado o que eles próprios nunca viram, com equipamentos bem mais poderosos. Damineli observou pela primeira vez em junho de 1992 o apagão - a perda de luminosidade - em algumas faixas de radiação e concluiu no ano seguinte que o fenômeno deveria se repetir a cada cinco anos e meio. No final de 1997, quando o apagão se repetiu, atestando suas previsões, contou com o apoio de uns poucos físicos norte-americanos e brasileiros, mas só este ano é que conseguiu mesmo inverter o jogo. No final de junho, pelo menos 50 astrofísicos do Brasil, dos Estados Unidos e da Argentina, com base nos resultados apurados por oito telescópios de superfície e cinco espaciais, confirmaram a brutal perda de brilho da Eta Carinae e fortaleceram o modelo que o pesquisador brasilei-

ro havia formulado para explicar o apagão: situada a 7.500 anos-luz da Terra, o equivalente a 68 quatrilhões de quilômetros, a Eta Carinae não seria uma, mas duas estrelas uma menor e mais quente, com temperatura de cerca de 30 mil graus, e outra três vezes maior, mais fria (15 mil graus) e pelo menos dez vezes mais brilhante. As duas vivem envoltas por ventos que colidem e geram temperaturas de 60 milhões de graus e por uma densa nuvem de gases e poeira - uma nebulosa - com uma extensão de 4 trilhões de quilômetros, equivalente a 400 vezes o diâmetro do sistema solar. Sol à Terra, essa estrela pode ser vista normalmente por meio de binóculos, à direita do Cruzeiro do Sul, embora o apagão só possa ser registrado com equipamentos mais refinados, por ocorrer em canais específicos de luz - as linhas espectrais -, nas faixas de rádio, raios X e infravermelho. Cogita-se agora que a perda de luminosidade seja uma conseqüência da aproximação máxima entre as duas estrelas, o chamado periastro, que ocorreria a cada cinco anos e meio: é quando a estrela menor encobre quase metade da outra. Os físicos pensaram durante anos que se tratava de um eclipse, mas, em vez de todas as faixas de luz emitidas por diferentes elementos químicos desaparecerem ao mesmo tempo, como acontece num eclipse, somem apenas algumas, e umas antes das outras, como se só alguns canais de televisão saíssem do ar. Mergulho nos ventos - Pensando com base no modelo binário, a estrela menor, cercada por uma atmosfera rarefeita, mergulha nos densos ventos que formam uma espécie de atmosfera estendida em torno da estrela maior.


LNA: o "telesc贸pio da selva", que este ano mobilizou outros 13


À medida que a estrela menor entra nos ventos da estrela maior, desaparecem os sinais de alta energia, emitidos por átomos da própria estrela menor, mas permanecem inalterados os canais de baixa energia, vindos da estrela principal. Seus cálculos indicam que a estrela menor, normalmente distante 4 bilhões de quilômetros da maior, chega a 300 milhões de quilômetros no momento de maior aproximação. "Aparentemente", diz ele, "nesse momento de máxima aproximação, a atração da gravidade entre as duas estrelas é tão forte que surgem ondas e erupções gasosas na superfície das duas, em conseqüência de um efeito de maré de uma sobre a outra." Todo esse movimento de entrar na atmosfera da estrela maior e sair dela demora cerca de dois meses. O apagão deste ano, por exemplo, começou vagarosamente em março, atingiu o ápice em 25 de junho e terminou em setembro, após o brilho da estrela ter diminuído o equivalente a 20 mil sóis - algo impressionante, mas que não é lá grande coisa diante de sua luminosidade, de 5 milhões de sóis. Mas os canais de alta energia se reacenderam de modo lento, como uma pessoa que desmaia e recupera a consciência aos poucos. Para Damineli, o fato de a estrela não voltar a brilhar como antes indica que ela arrasta consigo pedaços da outra. A megaoperação de acompag^L nhamento do apagão deste ^^A ano trouxe um pouco de È ^ tranqüilidade, além do re^L -A- conhecimento científico internacional, a esse paranaense turrão, acostumado a desafiar a própria sorte. Quando criança, morou numa tapera de tábuas e chão batido, num sítio à beira de um rio e de uma mata no município de Ibiporã, no norte do Paraná hoje com 20 mil habitantes. Aprendeu a trabalhar na roça aos 7 anos, mas não se conformou com a perspectiva de passar a vida com a mão na enxada e lutou até entrar na escola de freiras da cidade: aprendeu a ler só aos 9 anos. Damineli chegou a São Paulo em 1968, aos 21 anos, para terminar o então colegial. Trabalhou em obras, anotando a produção dos operários e a chegada de material, batalhou uma bolsa de estudos num cursinho e mudou de emprego: foi para um escritório e pôde estudar mais. 56 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ PESQUISA FAPESP 94

Solidariedade - Damineli tropeçou com os primeiros sinais intrigantes da Eta Carinae ao estudar estrelas de grande massa, em 1989. Em 1992 detectou o apagão, ainda sem saber o que era, ao notar que desaparecia um dos canais de alta energia, o de hélio, e dois meses depois voltava ao normal. Contou o episódio a um físico italiano, Roberto Viotti, que já havia estudado essas oscilações, e lhe propôs publicarem juntos essas observações. A reação não foi lá muito amistosa. "Ele disse que não poderia correr o risco de passar vergonha apresentando dados que dificilmente se repetiriam", conta o físico paranaense. Para ele, as observações e outros estudos que demonstravam o apagão em diferentes faixas de ondas desde 1981 levaram à conclusão de que o fenômeno deveria se repetir a cada 2.014 dias. "Nos congressos, todos diziam que os resultados eram interessantes apenas para serem gentis", recorda-se Damineli, que contou com o apoio da FAPESP desde 1992, por meio de projetos que somam R$ 60 mil. As conversas não avançavam porque a Eta Carinae transgredia um dos modelos que rege o comportamento das estrelas, o Limite de Eddington, se-

gundo o qual estrelas tão grandes não teriam outro destino a não ser evaporarem - por isso é que não existem estrelas mais luminosas. Eta Carinae não saía da chamada zona proibida do Limite de Eddington, onde as estrelas entram eventualmente, quando expulsam matéria, depois voltando à situação normal, mas em ciclos irregulares e imprevisíveis. "Mostrar que havia uma periodicidade na variação da luminosidade era como se um meteorologista dissesse que vai chover todos os domingos", compara Damineli. O tempo só melhorou em 1996, com a publicação de um artigo com essas idéias no Astrophysical Journal Letters. "Ninguém quis assinar esse artigo comigo", diz, aparentemente sem ressentimentos. "A partir desse momento, eu não tinha por que acreditar mais nos dados dos cientistas renomados do que nos meus próprios dados." No ano seguinte, o pesquisador brasileiro aliou-se a Peter Conti, da Universidade do Colorado, e a Dalton Lopes, do Observatório Nacional, do Rio de Janeiro, e, juntos, apresentaram o modelo de estrela binaria numa revista eletrônica, a New Astronomy. Duas edições depois, Kris David-


que o chamado telescópio da selva registrou o apagão.

son, astrofísico da Universidade de Minnesota, Estados Unidos, que acompanha a Eta Carinae desde os anos 60, levantou argumentos contrários a essa idéia. Logo após, Mario Livio, do Space Telescope Science Institute, Estados Unidos, pôs no ar outra hipótese: Eta Carinae não seria um sistema de duas estrelas, mas de três. Como é que Damineli conseguiu ver o que os outros não viam? Ele diz que apenas usou a técnica mais adequada: ao telescópio com espelho de 1,6 metro de diâmetro do Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), em Brasópolis, sul de Minas Gerais - o tal telescópio da selva -, adaptou uma câmera que capta o infravermelho, comprimento de onda próximo à luz visível, e mostra a estrela através da poeira da nebulosa. Este ano, durante quase 30 noites seguidas em junho e julho, Damineli, aos 56 anos, sentou-se à frente desse mesmo telescópio para observar sua estrela predileta, que passava no começo da noite, radiante num céu sem nuvens. Nessas mesmas noites, apegados a um pequeno obser-

vatório construído em Mairinque, a 120 quilômetros de São Paulo, igualmente fascinados pela estranha estrela, estavam dois astrônomos amadores: o engenheiro químico Tasso Napoleão, de 54 anos, e um físico de 30, Rogério Marcon, técnico em óptica na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Em conjunto com Damineli, haviam planejado como acompanhar a estrela por meio de um equipamento capaz de diferenciar a luz emitida por cada elemento químico - um espectrógrafo que eles próprios haviam construído. Até mesmo um equipamento menor

0 PROJETO Equipamentos Computacionais para Projeto em Astronomia Infravermelha MODALIDADE

Linha Regular de Auxílio a Projeto de Pesquisa COORDENADOR AUGUSTO DAMINELI NETO

INVESTIMENTO

R$ 9.856,00

- IAG/USP

Mais surpresas - Durante o dia, a astrofísica Zulema Abraham e a pós-doutoranda Tânia Dominici, da USP, seguiam a Eta Carinae em outra faixa, a de rádio, por meio do radiotelescópio de Itapetinga, em Atibaia, a 60 quilômetros da capital paulista. Analisando os dados, Zulema descobriu algo incomum: a emissão em rádio resultante do choque dos ventos das estrelas, que se tornou visível devido ao apagão do gigantesco disco de gás ionizado (eletricamente carregado) que circunda a estrela, com uma extensão da ordem de cem vezes a órbita de Plutão. "Outras estrelas também têm regiões ionizadas, mas não tão intensas", comenta Zulema, que colabora com Damineli desde o apagão de 1998. Em outra linha de pesquisa do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG), Vera Jatenco-Pereira e seu aluno de doutorado Diego Falceta Gonçalves simularam a colisão dos ventos para explicar a produção de poeira. De acordo com o que descobriram, a poeira pode se formar mais perto das estrelas e em muito menos tempo do que se acreditava: a colisão faz com que a temperatura dos gases dos ventos passe de 60 milhões de graus e os grãos de poeira se solidifiquem, a 1 mil graus, em menos de um dia. Cogita-se que esse processo de formação de poeira possa ser uma das razões do apagão da Eta Carinae. As informações que chegam abastecem também os estudos sobre a densa nuvem de gás e poeira - a nebulosa que ganhou o nome de Homúnculo por lembrar um boneco primitivo. Na verdade - será que nada é simples com essa estrela? -, existem dois homúnculos: o maior, formado a partir de uma gigantesca erupção de matéria ocorrida em 1843, e o menor, com um quarto desse tamanho, criado em outra erupção, bem mais discreta, em 1890. Também no IAG, Elisabete Gouveia Dal Pino, um de seus pós-doutorandos, Ricardo GonzaPESQ.UISA FAPESP 94 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ 57


lez, e um colega da Universidade do México, Alex Raga, concluíram por meio de simulações numéricas como o homúnculo menor se formou, ao redor da região central da estrela, aproveitando os espaços deixados pelo homúnculo maior, que parece ter resultado da colisão dos gases da grande erupção de 1843 com o gás que já envolvia a estrela. O que ninguém consegue explicar é como a Eta Carinae sobrevive a erupções tão intensas sem se virar do avesso. Em 1843, a estrela liberou uma quantidade de matéria equivalente a pelo menos três sóis e brilhou tanto que ficou visível à luz do dia, rivalizando com Sirius, a estrela mais brilhante do céu, a apenas 10 anos-luz da Terra. De acordo com a teoria, seria preciso explodir o núcleo para liberar tanta energia. No entanto, a estrela continuou a brilhar. Eta Carinae está morrendo. Formada há cerca de 2,5 milhões de anos, deve apagar-se no máximo em 500 mil anos. Estima-se que a estrela maior de Eta Carinae tenha nascido com 120 massas solares e hoje, após tantas erupções, tenha cerca de 70, com uma margem de erro de 20 massas para mais ou para menos. Os astrofísicos querem descobrir sua massa com a maior precisão possível porque, a partir 58 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ PESQUISA FAPESP 94

daí, pode-se estimar quanto tempo ainda tem de vida. Se morrer logo - daqui a 10 mil anos, talvez -, ainda com muita massa, poderá emitir uma brutal carga de raios gama, capaz de acabar com a vida no Hemisfério Sul da Terra. Relógios e corações - É provável que mais astrofísicos se interessem pela estrela e decidam estudar o próximo apagão, cujo data de início Damineli já cravou: 15 de janeiro de 2009, com um dia para mais ou para menos. O estudo da maior estrela da Via Láctea agora faz parte de um projeto prioritário - um Tresaury, ou Tesouro - da Nasa, a agência espacial norte-americana, integrado por Damineli e por outros 12 astrofísicos norte-americanos, com um orçamento de US$ 10 milhões que cobre os custos das 72 órbitas do telescópio espacial Hubble ao longo do ano 2003. O que chegou do Hubble forma uma base de dados com 240 gibabytes de informações, equivalente a 340 CDs lotados de números, sobre o comportamento da

luz, em todos os seus comprimentos de onda emitida por cada tipo de elemento químico da estrela - uma base de dados que aos poucos se torna pública e deverá alimentar os estudos sobre essa estrela. Damineli chamou a atenção para essa estrela, mas o fato de suas idéias terem sido reconhecidas em outros países, ironicamente, pode gerar um efeito inverso ao que ele esperava. O pesquisador principal do projeto da Nasa é Kris Davidson, que quer provar justamente o contrário: os apagões não seriam periódicos e exatos como um relógio, mas apenas cíclicos e repetitivos como os batimentos cardíacos - uma diferença sutil no enfoque adotado até agora, mas capaz de derrubar a hipótese de estrela dupla. Para ele, só estrelas menores e mais jovens que a Eta Carinae poderiam apresentar oscilações tão rítmicas de luminosidade. Uma estrela de massa muito grande perderia o passo facilmente - como ele teria dito a Damineli em 1997, seria como um elefante tentar dançar samba. •


■ CIÊNCIA FÍSICA

Entre topos e vales Modelo teórico determina o arranjo geométrico que permitiria o uso de nanotubos Em 1991 o físico japonês Sumio Iijima descobriu os cilindros microscópicos compostos por algumas dezenas de átomos de carbono, o mesmo elemento químico da grafite dos lápis. De lá para cá, não parou de crescer o interesse por esses tubos cuja espessura é milhares de vezes menor que a de um fio de cabelo: têm alguns bilionésimos de metro ou nanômetros, daí o nome nanotubo. Devido à rigidez e à condutibilidade elétrica, os nanotubos são vistos como um material alternativo de uma nova geração de chips (circuitos integrados) e conectores - fios capazes de unir componentes eletrônicos que tendem a encolher mais de cem vezes, inviabilizando assim o uso dos dispositivos atuais, feitos de ouro com silício. Mas na prática ainda não se conseguiu que os nanofios preservem a capacidade de transportar eletricidade quando depositados sobre uma superfície, propriedade fundamental para tornar seu uso possível. A solução para esse problema parece mais próxima. Adalberto Fazzio e Walter Orellana, da Universidade de São Paulo (USP), e Roberto Hiroki Miwa, da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), identificaram os fatores fundamentais para um nanofio fazer um bom contato elétrico: a orientação do nanotubo em relação ao arranjo geométrico dos átomos da superfície de silício (e a distância entre o tubo e a superfície). Em simulações de computador, eles aproximaram pouco a pouco um nanotubo de 72 átomos de carbono de uma lâmina de algumas centenas de átomos de silício, que ao microscópio eletrônico lembra uma sucessão de

átomos de silício. Nessa região em que o tubo quase toca a placa de silício - na realidade, os átomos de carbono e silício permanecem a 0,211 nanômetro um do outro -, acumulam-se elétrons. Como a água de um rio, esses elétrons podem fluir livremente ao longo de toda a extensão do nanotubo. Esse canal permite a passagem de corrente elétrica, como mostram os físicos brasileiros em um estudo publicado na Physical Review Letters, de 17 de outubro. "O canal de elétrons aumentou a propriedade de conduzir eletriciElétrons circulam entre o carbono (lilás) e o silício dade dos nanotubos que já apresentam essa característilongas cadeias paralelas de montanhas ca", diz Fazzio. "São resultados que inintercaladas por vales ou trincheiras. dicam a possibilidade de usar nanotuEstudando a interação entre os átobos de carbono como fios." mos do nanotubo e os da superfície, os Um pouco antes, Peter Albrecht e físicos notaram que ocorre uma ligaJoseph Lyding, da Universidade de Illição química entre o silício e o carbono nois, Estados Unidos, com o auxílio de quando o cilindro de carbono se encaium microscópio de força atômica, xa em um desses vales, paralelo a duas conseguiram colocar um nanotubo socadeias de montanhas formadas pelos bre uma placa de silício extremamente pura, sem a presença de indesejados átomos de hidrogênio. Falta agora su0 PROJETO perar outro desafio: separar os nanotubos condutores elétricos dos que se Simulação Computacional de portam como semicondutores, caracteMateriais Nanocomputacionais rísticas determinadas aleatoriamente pela forma como os átomos de carboMODALIDADE Projeto Temático no se associam quando se aplica uma descarga elétrica em vapor de carbono. COORDENADOR "Caso se consiga uma forma eficaz de ADALBERTO FAZZIO - IF/USP diferenciar esses dois tipos de nanotubos", diz Orellana, "será possível inteINVESTIMENTO grá-los a uma placa de silício e construir R$ 913.029,43 chips e nanofios." • PESQUISA FAPESP 94 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ 59


Biblioteca de Revistas Científicas disponível na Internet www.scielo.org

■ História

Parasitas persistentes A professora do Departamento de Parasitologia do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu, Luciene Maura Mascarini relata no artigo Uma Abordagem Histórica da Trajetória da Parasitologia os caminhos trilhados pela ciência que emergiu no século 19 com o surgimento e o estabelecimento de várias áreas da medicina. "Por volta de 1860, os fundamentos da ciência foram estabelecidos e os parasitas se tornaram então os responsáveis por importantes doenças do homem e dos seus animais domésticos", diz a pesquisadora. Luciene conta que, no Brasil, o histórico da parasitologia segue o trajeto da medicina tropical, com o constante embate entre os médicos da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro e da Escola Tropicalista Baiana. Segundo o artigo, a partir do século 19, parasitologistas, não só brasileiros, mas de outros países, começaram a descrever, além dos agentes patogênicos, os vetores e os mecanismos de transmissão das diversas doenças causadas pelos parasitas. CIêNCIA

& SAüDE COLETIVA - VOL. 8 - N° 3 - SãO PAULO

-2003 www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141381232003000300015&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

a Medicina tropical

Perigo nas águas O Brasil apresenta extenso litoral e a maior rede fluvial do mundo. Porém os envenenamentos e traumas causados por animais aquáticos são atualmente objeto de poucos estudos clínicos no país. Essa foi a justificativa para o estudo de Vidal Haddad Júnior, da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Botucatu, que resultou no artigo Animais Aquáticos de Importância Médica no Brasil. O pesquisador lista os principais animais aquáticos que causam acidentes no país, além de apresentar aspectos clínicos dos envenenamentos e discutir medidas terapêuticas para o controle dos acidentes causados por peixes venenosos, como bagres, arraias e peixes-escorpião. O estudo mostra que, em 236 ocorrências de acidentes causados por animais marinhos observados pelo autor, os ouriços-do-mar foram responsáveis por

60 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ PESGWISA FAPESP 94

cerca de 50% dos casos, os cnidários (cubomedusas e caravelas) por 25% e os peixes venenosos também por 25% dos acidentes. "Em um país de elevada produção científica na área dos acidentes por animais peçonhentos, é de lamentar que envenenamentos de graves conseqüências, como os provocados por algumas espécies de peixes, sejam passíveis de terapias nem sempre baseadas em dados cientificamente comprovados, mesmo em ambientes hospitalares", diz Vidal. REVISTA DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE MEDICINA TROPICAL - VOL. 36 - N° 5 - UBERABA - SET./OUT. 2003

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S003786822003000500009&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Meio ambiente

Organoclorados no rio Piracicaba Estudar os níveis de pentaclorofenol, hexaclorobenzeno e quatro congêneres de bifenilas policloradas em águas e sedimentos da bacia do rio Piracicaba, interior de São Paulo, foi o objetivo do estudo de Marcelo Del Grande e Maria Olímpia Oliveira Rezende, do Instituto de Química de São Carlos, da Universidade de São Paulo, e de Odete Rocha, do Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva da Universidade Federal de São Carlos. No artigo Distribuição de Compostos Organoclorados nas Águas e Sedimentos da Bacia do Rio Piracicaba/SP Brasil, os pesquisadores verificam o uso indiscriminado de compostos sintéticos persistentes e acumulativos que, "juntamente com as cargas de contaminantes, são os principais meios de degradação dos ecossistemas aquáticos tropicais e da biota neles presente", segundo os pesquisadores. "Muitos desses produtos químicos não afetam e não produzem efeitos colaterais aos seres vivos e ao ecossistema. Outros, devido principalmente às suas propriedades físico-químicas, podem afetar ou serem afetados pelo ecossistema, produzindo um grave desequilíbrio ambiental." As amostras de água e sedimento foram coletadas em seis pontos da bacia do


rio Piracicaba, correspondentes aos locais de captação de água para o abastecimento público das cidades de Limeira, Americana, Piracicaba, Santa Bárbara d'Oeste, Campinas e Sumaré, todas no Estado de São Paulo. Segundo a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), ligada à Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo, a bacia abastece 42 municípios, sendo que seus rios recebem efluentes de 194 indústrias, além de efluentes domésticos de 40 munícipios, dos quais somente 13 possuem sistema de tratamento de esgotos. Os resultados observados no trabalho mostram que os níveis de concentração dos organoclorados nas amostras de sedimentos foram detectados em diferentes proporções e concentrações. Segundo os autores, os dados obtidos "fornecem indícios de contaminação na bacia, especialmente em alguns pontos, como em Piracicaba, Santa Bárbara d'Oeste, Sumaré e Campinas". QUíMICA NOVA - VOL.

26 - N° 5 - SãO PAULO - SET./OUT.

2003 www.scielo.bi7scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010040422003000500011 &lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Pediatria

Por trás do choro do bebê O Que os Pediatras Conhecem sobre Avaliação e Tratamento da Dor no Recém-nascido? Esta dúvida serviu como ponto de partida, e depois como título, do estudo realizado por Ruth Guinsburg, Rita Balda e Benjamin Kopelman, da Escola Paulista de Medicina/Universidade Federal de São Paulo, e Aurimery Chermont, do Departamento Materno-Infantil II da Universidade Federal do Pará. O artigo resultante analisa os conhecimentos dos pediatras que atuam com pacientes neonatais em relação à identificação da presença de dor em bebês recém-nascidos. Os autores procuraram também verificar se existem diferenças entre os médicos que trabalham com bebês saudáveis e aqueles que atuam com neonatos criticamente doentes. Foi realizado um estudo com médicos pediatras de sete unidades de terapia intensiva e nos 14 berçários das maternidades existentes em Belém, no Pará. O questionário aplicado possuía 36 perguntas relativas aos dados pessoais, profissionais, socioeconômicos e informações relativas à dor "Cem por cento dos médicos referiram acreditar que o recém-nascido sente dor, mas apenas um terço deles conhecia alguma escala para avaliar os tipos de dor presente nessa faixa etária", apontou o artigo. A maioria dos entrevistados disse que a dor era identificada por meio de parâmetros comportamentais como o choro, a mímica facial e a freqüência cardíaca. Entretanto, o estudo detectou que os pediatras demonstraram pouco conhecimento a respeito dos métodos de avaliação da dor no período neonatal, apontando que de fato há necessidade de atualização no tema. Os pesquisadores perceberam que os médicos estudados sabem que neonatos sentem dor

e que é necessário tratar essa dor, mas há ainda uma lacuna enorme de conhecimentos para a aplicação prática desses conceitos. "Os médicos não incorporaram em sua prática clínica os métodos de avaliação da dor para essa faixa etária, nem as alternativas terapêuticas mais efetivas para o alívio dessa dor", conclui o artigo. JORNAL DE PEDIATRIA (RIO DE JANEIRO) - PORTO ALEGRE - MAI./JUN. 2003

■ VOL. 79 - N° 3

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S002175572003000300014&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Vacinas

Público e privado O estudo O Mercado Privado de Vacinas no Brasil: a Mercantilização no Espaço da Prevenção, de José Gomes Temporão, professor da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, tem como objetivo analisar o mercado de vacinas no Brasil sob dois enfoques: o público e o privado. Segundo o autor, o mercado se divide em dois segmentos com práticas e lógicas distintas. O público seria voltado para a oferta do Sistema Ünico de Saúde (SUS) e o privado se organiza em torno de espaços como clínicas e consultórios. "As relações entre os dois e o volume de recursos envolvidos demonstram a penetração de práticas comerciais em um espaço até então de total hegemonia do poder público", diz o estudo. O privado é analisado no artigo em relação à estrutura da oferta e da demanda. "Sua dimensão econômica revelou-se muito superior ao segmento público. Os números obtidos permitem considerá-lo como um dos principais segmentos de mercado da indústria farmacêutica no país, em termos de volume de vendas", diz Temporão. Porém, pelo fato de ser um espaço desconhecido por gestores de políticas públicas e por especialistas, o estudo do segmento privado do mercado de vacinas buscou não apenas dimensionar o seu real peso econômico, mas também caracterizá-lo como um espaço de transformações importantes por causar grande impacto na organização das práticas assistenciais de prevenção no setor de saúde. CADERNOS DE SAúDE PúBLICA JANEIRO - SET./OUT. 2003

- VOL. 19-N° 5-RIO DE

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102311X2003000500011 &lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

PESQUISA FAPESP 94 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ 61


ITECNOLOGIA

LINHA DE PRODUÇÃO

MUNDO

Novas luzes sobre Stonehenge Com a ajuda dos mais avançados equipamentos de laser, uma equipe formada por especialistas em computação e arqueólogos conseguiu desvendar alguns dos mistérios que envolvem Stonehenge - impressionante conjunto megalítico das Ilhas Britânicas e um dos principais sítios arqueológicos europeus. Pela primeira vez foi utilizado laser para examinar as pedras, o que levou à descoberta de duas pontas entalhadas de machado de bronze. As explorações foram feitas entre 2002 e 2003 por duas empresas britânicas: a Wessex Archaeology, de Salisbury, e a escocesa Archaeoptics, de Glasgow. Os machados estão entalhados em uma única pedra, sofreram erosão e não podem ser vistos a olho nu. Um dos entalhes mede cerca de 15 centímetros quadrados e pode esconder, na verdade, duas pontas de machado, uma em cima da outra; o outro tem menos de 10 centímetros quadrados. Para conseguir encontrá-los, a Archaeoptics

■ Material híbrido com propriedade isolante Um novo tipo de material híbrido - que combina elementos orgânicos e inorgânicos -, capaz de representar um importante avanço em microeletrônica, foi desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Toronto, no Canadá. Um dos principais dilemas enfren-

Conjunto megalítico vasculhado com a ajuda do laser

Dois machados de bronze entalhados na mesma pedra

tados pela informática atualmente é que o dióxido de silício que isola os componentes individuais torna-se menos eficiente à medida que os componentes do chip vão ficando menores. O novo material promete resolver esse problema e deixar os computadores mais rápidos. Unido por junções moleculares, ele possui propriedades isolantes

62 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ PESQUISA FAPESP 94

superiores à do silício. É classificado como um nanocomposto porque os poros de sua estrutura em forma de colméia estão em nanoescala, medindo bilionésimos de metro de diâmetro, e as suas partes orgânicas e inorgânicas se integram na estrutura. Os pesquisadores relatam que chegaram ao novo material por meio da combinação de

utilizou um scanner capaz de capturar 300 mil pontos em 3 segundos. Com isso, conseguiu reproduzir 9 milhões de pontos tridimensionais das pedras em 30 minutos. Levou então dois dias para criar modelos de alta precisão para esses pontos. Para serem visualizados, eles foram convertidos em superfícies formadas por milhões de triângulos e trabalhados por um software desenvolvido pela empresa. Os pesquisadores só examinaram três dos megalitos e acreditam que, se as outras 83 pedras forem escrutinadas, encontrarão mais objetos entalhados. Machados e adagas trabalhados na pedra já haviam sido encontrados no sítio 50 anos atrás, mas não foram minuciosamente estudados. Agora, comparando uma foto de um machado descoberto em 1953 com os registros visuais de seus achados, os pesquisadores concluem que a erosão avançou provavelmente pelo fato de os visitantes tocarem as pedras. •

silício (elemento inorgânico) com um metileno orgânico, na proporção de combinação de um para um (Science, 10 de outubro). O híbrido resultante - denominado organossílica mesoporosa periódica (PMO, na sigla em inglês) incorpora um nível inédito de constituição orgânica estrutural em comparação com outros nanocompostos. •


■ Furos nanométricos armazenam dados Quem sabe se daqui a alguns anos o sistema de armazenamento de dados Millipede, da IBM, não será considerado um marco da era da nanotecnologia como os computadores pessoais, os chips de silício e a fibra óptica foram para a era da informação? A especulação vem da revista IndustryWeek Magazine (12 de novembro), que indicou o produto como candidato ao título de Tecnologia do Ano. Faz sentido. Um sistema que armazene dados fazendo perfurações pode parecer ultrapassado, só que, em vez de papel, ele perfura finíssimos filmes de plástico com furos de dimensões nanométricas. Além disso, segundo a IBM, o Millipede tem maior capacidade de armazenamento que a memória flash (utilizada em celulares e outros aparelhos portáteis) e custa menos.

cada vez mais de quantidade maior de memória do que os cartões flash são capazes de garantir a preço razoável. É por isso que muitos deles usam fitas ou discos ópticos de armazenamento. "Se fossem equipados com cartões Millipede, poderiam ser menores e armazenar mais informação", diz Andrews. •

Luz nos Estados Unidos

■ Laser em miniatura encolhe ainda mais A criação de um laser cujo diâmetro não ultrapassa a metade de um fio de cabelo humano foi anunciada pelos Laboratórios Bell, da Lucent Technologies, na Califórnia (Science on Une, 31 de outubro). Segundo os pesquisadores, as aplicações para o minúsculo aparelho vão desde a indústria automotiva, passando pelas comunicações, até a área de saúde. "O desenvolvimento desse laser se deve em grande parte aos avanços em

Memória ampliada com novo sistema de perfuração E também propicia dispositivos menores e mais fáceis de usar. "Imagine uma câmera de vídeo em que cada seção gravada pode ser posta em um diretório com um único nome de arquivo e depois acessada ou apagada a um apertar de botão", diz Christopher Andrews, gerente de programas de comunicação da empresa. Aparelhos portáteis que gravam e exibem vídeos ou música necessitam

BRASIL

diferentes áreas da física", diz Cherry Murray, vice-presidente de Ciências Físicas dos Laboratórios Bell. Entre esses avanços está o laser quântico em cascata, também inventado pela Bell, há dez anos, e incrementado com um novo material chamado cristal fotônico, que altera a maneira como o mecanismo projeta a luz, permitindo aumentar a carga de finos feixes de laser em um só semicondutor. •

Um equipamento desenvolvido em São Carlos que emite uma fonte de luz e serve para uso na terapia fotodinâmica (TFD), avançada técnica usada principalmente no tratamento de câncer de pele, está em testes na Brody School of Medicine, da Universidade do Leste da Carolina do Norte, nos Estados Unidos. A fonte é candidata a substituir os aparelhos de laser usados na TFD, que são caros e de difícil manutenção. Formado por um conjunto de diodos emissores de luz, conhecidos na sigla em inglês como LEDs, o equipamento emite 8 watts de potência num comprimento de onda próximo a 630 nanômetros. Essa freqüência reage com as drogas sensibilizadoras aplicadas no paciente que ficam concentradas nas células tumorais. A reação provoca a morte do tumor [veja Pesquisa FAPESP n° 74). "O aparelho vai ser usado nos Estados Unidos em câncer de pele

e também no tratamento de recorrência de câncer de mama", informa o professor Vanderlei Bagnato, coordenador do Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (Cepof) - um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) financiados pela FAPESP - em São Carlos. O equipamento, desenvolvido em parceria com a empresa MM Optics, permite tratar grandes áreas do corpo e também câncer de boca. Essas características aliadas ao baixo custo chamaram a atenção. "Ter um aparelho desenvolvido no Cepof sendo testado nos Estados Unidos demonstra o valor da inovação feita aqui. Começamos a fazer o caminho tecnológico inverso em relação ao que vem ocorrendo nas últimas décadas", comenta Bagnato. •

PESQUISA FAPESP 94 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ 63


LINHA DE PRODUÇÃO

BRASIL

Carros econômicos e futuristas Rodar o maior número de quilômetros com 1 litro de gasolina (km/l) é o objetivo de todas as montadoras de veículos e também, de forma avançada, de grupos de estudantes e professores em todo o mundo. No Brasil, dois desses grupos têm se destacado na produção de carros especiais, com concepções futuristas, capazes de rodar até 700 km/l. Sob a coordenação do professor Ricardo Bock, do Departamento de Engenharia Mecânica da Faculdade de Engenharia Industrial (FEI), de São Bernardo do Campo (SP), alunos da graduação lançam, neste mês, o quarto veículo da série supereconômicos. É o X-13, equipado com motor de gerador de eletricidade, com 5,5 cavalos de potência e capacidade volumétrica de 0,16 1, medidas equivalentes a 16% de um motor 1.0 usado nos carros populares. Sem acelerador, o veículo deverá rodar até 45 km por hora (km/h), com um sistema elétrico que corta a ignição nessa velocidade, religando a 15 km/h para aproveitar a inércia e percorrer mais quilômetros sem gastar ga-

■Teste aponta falhas em pulverizadores Uma pesquisa feita com pulverizadores agrícolas, máquinas utilizadas para aplicar herbicidas e inseticidas nas plantações, mostra que, dos 200 avaliados, todos apresen-

X-13, da FEI, e o projeto de design do Sabiá 5, da UEMG

solina. As rodas dianteiras seguem a tendência do X12, do tipo orbital, em que o apoio não é feito por um eixo, mas por pequenas roldanas dentro da roda, diminuindo assim a força lateral dos sistemas convencionais. "Nossa intenção é que o X-

taram algum tipo de falha. Os estudos de campo, feitos com grupos de produtores, cooperativas e fabricantes, apontaram vazamentos em 54,9% dos equipamentos e em cerca de 80% dos casos foram constatados erros na taxa de aplicação ou dosa-

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13 atinja os 1.000 km/l, superando o X-ll, que percorreu 760 km com 1 litro", diz Bock. O X-12 não passou por medição completa. O professor pretende levar, pela primeira vez, um carro da FEI para a mais importante competição desse gê-

gem dos produtos. O projeto Inspeção Periódica de Pulverizadores Agrícolas, coordenado pelo professor Ulisses Antuniassi, do Departamento de Engenharia Rural da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu, recebeu este ano o Prêmio

nero, a Eco-marathon,, patrocinada pela Shell, que em 2004 chega à 20a edição. Realizada na cidade de Nogaro, na França, a disputa contou, em quatro edições, com equipes das mineiras Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG) e Universidade Federal de Ita juba (Unifei). "O nosso pro tótipo chamado Sabiá 3 ganhou o prêmio especial de design em 2000", conta o professor Róber Botelho, da Escola de Design da UEMG. Em 2002, o Sabiá 4 teve problemas técnicos e não competiu. "Mas ele foi escolhido para ilustrar o cartaz da competição neste ano", diz Botelho. Até fevereiro, a UEMG deverá estar com o Sabiá 5 pronto para participar da disputa em maio. Bock, da FEI, está conversando com outros grupos para preparar uma competição no Brasil em 2004. "Queremos ganhar experiência para vencer na França dentro de quatro ou cinco anos." O desafio é grande. O ganhador deste ano uma equipe francesa do Liceu Privado Técnico Industrial Saint Joseph - atingiu a incrível marca de 3.103 km com 1 litro de gasolina. •

Gerdau Melhores da Terra como melhor trabalho científico na categoria Pesquisa e Desenvolvimento. O projeto, financiado pela FAPESP, disputou o prêmio, o principal do setor de máquinas agrícolas do Brasil, com outros 29 trabalhos científicos. •


■ Finep premia inovação nacional Uma empresa do Rio Grande do Sul, duas de São Paulo, uma do Ceará e um instituto de pesquisa do Paraná receberam o Prêmio Finep de Inovação Tecnológica 2003, depois de concorrer com 335 inscritos de todo o país. Na categoria Produto, a gaúcha Eberle ficou com o primeiro lugar pelo desenvolvimento de uma motobomba silenciosa, com apenas 5 decibéis de ruído acima do som ambiente. Por ser refrigerada a água, e não a ar, como as convencionais, pode ser instalada em ambientes sem ventilação. O Grupo Sabó, de São Paulo, recebeu o prêmio na categoria Processo com uma tecnologia de tratamento superficial de discos de PTFE, espécie de polietileno, por meio de plasma, que é um gás ionizado. Essas peças são usadas em sistemas de vedação na indústria automobilística. A cearense Polymar, que atua no setor de alimentos funcionais e suplementos alimentares, foi a vencedora na categoria Pequena Empresa por ter investido, no ano passado, 12% de seu faturamento em pesquisa e desenvolvimento. A empresa tem nove patentes registradas no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). A Smar, de São Paulo, fabricante de instrumentos para controle de processos da indústria açucareira e de outros setores, foi a escolhida na categoria Grande Empresa. Já o primeiro posto entre as instituições de pesquisa coube ao Lactec - Instituto de Tecnologia para o Desenvolvimento, do Paraná, cujas atividades estão direcionadas para a área de energia e indústria, com foco nos setores eletroeletrônico e automobilístico. •

Patentes Inovações financiadas pelo Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP. Contato: nuplitec@fapesp.br

Nanopartículas de níquel e de dióxido de silício

■ Catalisador em uma única etapa Novo método de síntese prepara catalisador nanocompósito em uma única etapa, sem precisar da redução em hidrogênio. Pela técnica convencional, são necessárias duas etapas para executar a mesma tarefa. Depois de preparar as partículas metálicas e o material que vai dar suporte a elas, é preciso misturá-los. Nessa fase geralmente é preciso utilizar hidrogênio. Outra vantagem desse processo desenvolvido na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) é que, como ficam incrustadas dentro dos poros de uma matriz, no caso de dióxido de silício (Si02), as partículas metálicas (de níquel, ferro, cobalto e prata) ficam protegidas de contaminação. O catalisador mostrouse muito eficiente para reforma do gás natural e oxidação do metanol (neste processo o metanol é oxidado em temperaturas su-

periores a 200°C, dando origem a hidrogênio e monóxido de carbono), técnicas usadas para a geração de hidrogênio e que se destinam a várias aplicações, como tratamentos térmicos de metais, hidrogenação de alimentos e geração de energia elétrica em células a combustível. Os nanocompósitos devem revolucionar os materiais para catalise, possibilitando avanços, principalmente na geração de energia limpa, controle de poluição e do ambiente natural. Título: Catalisador Nanocompósito e seu Processamento Inventores: Edson Roberto Leite, Neftalí Carreno, José Arana Varela, Elson Longo da Silva, Carlos Alberto Paskocimas Titularidade: UFSCar/ FAPESP

■ Método localiza genes inseridos Técnica permite determinar com rapidez em qual

trecho do DNA de um organismo geneticamente modificado se encontra o fragmento de gene (ou o gene inteiro) que ali foi inserido de forma aleatória. O método, que é pelo menos sete vezes mais rápido do que outras técnicas similares, serve para confirmar a eficácia de um procedimento básico da engenharia genética e da terapia gênica. Isso porque, ao introduzir um pedaço de DNA no genoma de um ser vivo, os pesquisadores não sabem, de antemão, qual será o paradeiro do gene inserido no interior desse genoma. Se o gene introduzido, por exemplo, se alojar no meio de uma seqüência importante para o funcionamento de outros genes do organismo, o procedimento pode provocar alterações indesejadas. O ideal é que o gene inserido se situe no espaço existente entre outros dois genes para não acarretar efeitos colaterais. A técnica também serve para determinar o conteúdo de uma seqüência genômica desconhecida que seja vizinha de outra seqüência já conhecida. Título: Método de Identificação do Local de Inserção de Transposon ou Retrovírus no Genoma Inventores: Sérgio Verjovski-Almeida e Ana Claudia Rasera da Silva Titularidade: USP/FAPESP

PESQUISA FAPESP 94 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ 65


Reservatórios da planta-piloto, em Ribeirão Preto, estocam biodiesel à base de etanol


TECNOLOGIA ENERGIA

Biodiesel no tanque

Combustível produzido com etanol e óleos vegetais está pronto para abastecer ônibus e caminhões

Se tudo correr bem, dentro de dois anos os veículos brasileiros movidos a óleo diesel - caminhões, ônibus, tratores e locomotivas - estarão rodando com um percentual de biodiesel no tanque. Um dos candidatos a esse novo combustível foi desenvolvido por meio da reação química de óleos vegetais com etanol, o álcool extraído da cana-de-açúcar, nos laboratórios da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto. A equipe coordenada pelo professor Miguel Dabdoub - coordenador do Laboratório de Desenvolvimento de Tecnologias Limpas (Ladetel) - faz parte de um grupo maior, composto por dezenas de pesquisadores espalhados por todo o país que estudam e desenvolvem alternativas para o diesel de petróleo. Em Ribeirão Preto, eles chegaram a um processo inovador para a obtenção de biodiesel com a descoberta de eficientes catalisadores, substâncias que aceleram a reação química e transformam óleos de soja, dendê, milho ou mamona, por exemplo, mais o álcool, em um novo produto. Com as características de ser totalmente renovável, produzir menos poluentes que o diesel do petróleo e por já existir uma indústria de produção de álcool no país, a adoção do biodiesel à base de etanol facilita a incorporação desse tipo de combustível à matriz energética brasileira. Além disso, os resultados das pesquisas demonstram que o biodiesel é mais eficiente do que o óleo vegetal in natura porque não causa corrosão no motor, não carboniza os bicos injetores de combustível e melhora a partida do veículo por ser menos denso e fluir melhor nas mangueiras e dutos.

Fatores econômicos e estratégicos também tornam o biodiesel bem-vindo. Hoje, a frota nacional consome cerca de 37 bilhões de litros de óleo diesel por ano. Em 2005, esse volume subirá para 40 bilhões de litros, conforme projeção da Agência Nacional do Petróleo (ANP). A meta do Programa Brasileiro de Desenvolvimento Tecnológico de Biodiesel (Probiodiesel), do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), e mais recentemente do Grupo de Trabalho Interministerial coordenado pela Casa Civil da Presidência da República é montar um amplo plano de produção desse novo combustível, com o incentivo ao plantio de espécies oleaginosas. Esse combustível servirá como complemento ao óleo diesel comum e, futuramente, poderá ser usado de forma integral nos motores diesel se houver oferta suficiente. A idéia inicial é acrescentar 5% de biodiesel ao óleo originário do petróleo - fórmula conhecida como B5 -, em uma iniciativa similar à que ocorre com a gasolina, que recebe cerca de 25% de etanol. Com essa medida, estima-se que o Brasil reduza em 33%, de um total de 6 bilhões de litros, suas importações de diesel, gerando uma economia anual de US$ 350 milhões, além de um grande número de empregos diretos e indiretos. Mesmo que o país alcance a auto-suficiência em petróleo nos próximos anos, será preciso continuar importando diesel. O problema é que o óleo extraído das profundezas marítimas da costa brasileira tem qualidade inadequada para a produção do diesel. Na maior parte das jazidas, principalmente aquelas da Bacia de Campos, o petróleo é do tipo pesado, caracterizado por ainda não ter com pletaPESQUISA FAPESP 94 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ 67


do seu ciclo de maturação e por sofrer um processo de biodegradação natural. A produção de um composto de óleo vegetal e etanol já é conhecida há alguns anos, mas mostrava-se economicamente inviável devido às limitações de ordem técnica, como a baixa taxa de conversão da mistura em biodiesel. "A síntese que emprega o metanol com óleos vegetais - usado na Europa e nos Estados Unidos - resulta numa transformação da ordem de 98%, enquanto com o etanol chegava a 80%", explica Dabdoub. Outro problema a ser solucionado era a separação da glicerina, um subproduto da reação química. "O nosso grande desafio foi desenvolver uma metodologia que superasse esses dois obstáculos. Tivemos êxito, no início deste ano, na obtenção de um processo que permite uma transformação acima de 98% e possibilita a separação espontânea da glicerina, além de diminuir bastante o tempo da reação", diz o pesquisador. No biodiesel de metanol, o catalisador empregado é o hidróxido de sódio ou de potássio, também conhecido como soda ou potassa cáustica. Para sintetizar o biodiesel de etanol, o pesquisador adicionou, além do catalisador tradicional, uma outra substância catalisadora, cujo nome é mantido em segredo porque o processo de obtenção da patente não está concluído. "Podemos dizer que 0 novo catalisador é um hidróxido metálico misto, chamado vulgarmente de argila", diz Dabdoub. Segundo ele, o processo de transformação de óleos vegetais e álcool em biodiesel, conhecido como transesterificação, é relativamente simples. O óleo vegetal é misturado ao álcool e aos catalisadores em um reator e sofre agitação por meia hora. Para cada 1 mil litros de óleo são utilizados 200 litros de etanol e de 0,8% a 1% dos agentes catalisadores. Em seguida, a mistura vai para um decantador onde ocorre a separação da glicerina, substância de alto valor agregado, usada por indústrias farmacêuticas, de cosméticos e de explosivos. Uma tonelada de glicerina chega a custar US$ 1,3 mil.

No laboratório, transformação de óleos vegetais, álcool e catalisadores em biodiesel 68 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ PES0UISA FAPESP 94


Uma das vantagens do novo combustível é a possibilidade de produzi-lo a partir do óleo de várias plantas. São oleaginosas com diferentes índices de produtividade e adaptação ao mosaico regional do país. Assim, a soja produz 400 litros (1) de óleo por hectare (ha), o girassol, 800 l/ha, mamona, 1.200 l/ha, babaçu, 1.600 l/ha, dendê, 5.950 l/ha, pequi, 3.100 l/ha, milho, 160 l/ha, algodão 280 l/ha e macaúba 4 mil l/ha. "Segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o amendoim forrageiro dos cultivares BR-1 e BRS151 L-7 é resistente à seca e adequado para plantio no semi-árido, rendendo, sem irrigação, 750 l/ha de óleo ou quase 2.100 l/ha no plantio irrigado", informa o professor. "Utilizamos nos nossos experimentos 11 variedades de óleos vegetais, além de óleos de fritura já usados. Porém preferimos o óleo de soja porque é o mais abundante e o Brasil é o segundo maior produtor mundial desse produto, com um total anual de 54 milhões de toneladas." Mas o plantio de outras oleaginosas pode ser incentivado, elevando a demanda por essas plantas e promovendo o desenvolvimento em vários pontos do país. "Em duas regiões no Estado de São Paulo, no Vale do Ribeira e no Pontal do Paranapanema, a macaúba poderia ser empregada, enquanto no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, por exemplo, o biodiesel poderia ser produzido a partir do pequi. Para as regiões Norte e Nordeste, isso poderá ser feito com óleo de babaçu, amendoim e dendê." Hoje existe uma grande discussão no âmbito federal sobre a produção de biodiesel com óleo de mamona. Principalmente para a região do semi-árido nordestino. Para Dabdoub isso é possível, mas é preciso também uma boa dose de precaução e muitos testes. "A reação de transesterificação acontece muito bem com o óleo de mamona. Dessa forma, a produção do biodiesel não é problema. Porém precisamos de pesquisas conclusivas sobre os efeitos causados pelo uso prolongado do biodiesel de mamona nos motores", diz. Isso é necessário porque existe um grupamento químico equivalente a um álcool na molécula do óleo de mamona que torna as características físico-químicas do biodiesel produzido com esse vegetal bastante diferentes daquelas observadas para os ésteres

(compostos de carbono, hidrogênio e oxigênio que caracterizam o biodiesel), metílicos ou etílicos, derivados de qualquer outro óleo. Esse grupamento pode se tornar uma séria restrição técnica que somente os resultados práticos e concretos das pesquisas poderão eliminar. Independentemente do óleo a ser usado, o processo de produção do biodiesel desenvolvido pelo Ladetel possui outras vantagens que o tornam superior também na fabricação de biodiesel de metanol. "Conseguimos fazer a reação em 30 minutos, enquanto o processo tradicional leva seis horas. Com isso, somos 12 vezes mais produtivos", diz Dabdoub. Essas novas características aliadas à transformação química que acontece a frio, na temperatura ambiente, tornaram o processo de produção do biodiesel tecnicamente viável, reduzindo o consumo energético e os custos operacionais. Apesar da eficiência do processo de conversão e do aproveitamento da glicerina, o biodiesel brasileiro ainda é mais caro do que o diesel comum. O percentual depende do preço do óleo empregado na produção. Mas a diferença, diz Dabdoub, poderá ser facilmente anulada se o governo desonerar o produto de impostos na fase inicial do programa, antes de atingir a produção em grande escala. O pesquisador acrescenta que o novo combustível não exige modificações no motor para que ele funcione normalmente, mesmo que se adote o uso do biodiesel etíüco sem a presença do diesel de petróleo. O uso exclusivo traz inúmeras vantagens, a começar pelo fato de ser um combustível totalmente nacional e 100% renovável. Há também ganhos ambientais, como a redução da emissão de gases poluentes. O uso do biodiesel na sua forma pura diminui a emissão de dióxido de carbono em 46% e de material particulado em 68%. Se for usada a mistura B5, a redução de fumaça preta chega a 13%. Segundo Dabdoub, o biodiesel puro é isento de enxofre, componente do óleo diesel e gerador de chuva ácida. "A grande vantagem do biodiesel etílico é que ele proporciona uma combustão muito mais limpa", diz José Domingos Fontana, coordenador do Centro Brasileiro de Referência em Biocombustíveis (Cerbio) e diretor técnico do Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar).

OS PROJETOS Biodiesel Brasil COORDENADOR MIGUEL DABDOUB

(USP)

INVESTIMENTO

R$ 1.087.000,00 - parcerias com empresas Teste de Trator Agrícola com Biodiesel MODALIDADE

Linha Regular de Auxílio a Pesquisa da FAPESP COORDENADOR AFONSO LOPES

(Unesp)

INVESTIMENTO

R$43.331,93 6 US$4.117,59 Ônibus Movido a Biodiesel COORDENADOR (Instituto Alberto Luiz de Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro - Coppe/UFRJ) LUCIANO BASTOS

INVESTIMENTO

R$ 700.000,00 - divididos entre Coppe, Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e Petrobras Biodiesel de Óleo de Mamona COORDENADOR CARLOS NAGIB KHALIL

(Petrobras)

INVESTIMENTO

R$ 5.000.000,00 - empresa Óleo Diesel Vegetal COORDENADOR JOSé ROBERTO RODRIGUES PERES

(Embrapa) INVESTIMENTO

R$ 50.000,00 - Embrapa Biodiesel de Mamona para Ônibus COORDENADOR (Tecnologias Bioenergéticas -Tecbio) EXPEDITO PARENTE

INVESTIMENTO

R$ 1,2 milhão - R$ 775 mil da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap) e Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), R$ 300 mil da Fundação Núcleo de Tecnologia Industrial (Nutec) e R$125 mil da Tecbio

PES0.UISA FAPESP 94 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ 69


Para provar a eficácia do biodiesel de etanol, Dabdoub fechou acordo com empresas, entidades e instituições de pesquisa para a realização de testes de desempenho, consumo e potência. Essas parcerias, que incluem também usinas de álcool da região de Ribeirão Preto, foram a fonte de grande parte dos recursos financeiros que o Ladetel utilizou nos estudos. Um dos principais testes foi feito pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Jaboticabal, que ficou responsável por verificar a eficiência do produto em tratores agrícolas. Os ensaios ficaram a cargo do engenheiro agrícola Afonso Lopes, professor do Departamento de Engenharia Rural da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV). Além do apoio financeiro da FAPESP, o pesquisador recebeu um trator como resultado de uma parceria com a Valtra do Brasil e a Cooperativa dos Cafeicultores e Citricultores de São Paulo (Coopercitrus). Lopes testou o combustível no trator, modelo BM100, com 100 cavalos de potência no motor, equipado com um sistema de medição de combustível desenvolvido na Unesp. O veículo foi avaliado em condição de preparo de solo com uma grade aradora sob cinco tipos de mistura biodiesel-diesel de petróleo: BI00 (apenas biodiesel), B25 (25% de biodiesel e 75% de diesel), B50 (metade biodiesel e metade óleo), B75 (75% de biodiesel e 25% de óleo) e B0 (somente diesel). "O funcionamento do trator foi normal com todas as misturas. Constatamos que até o limite de 50% de biodiesel não foram notadas alterações significativas no consumo. Quando o trator funcionou com 100% de biodiesel, o consumo aumentou, em média, 11%", conta Lopes. Segundo o pesquisador, isso aconteceu porque, em relação ao diesel, o biodiesel tem menor poder calorífico - de 3% a 4% - e por isso consome mais quando a mistura é superior a 50%. A próxima etapa do estudo será avaliar a emissão de poluentes. O produto desenvolvido no Ladetel também foi testado em carros, locomotivas, motores e geradores elétricos. Nesse último caso, a parceria foi estabelecida com a empresa Branco, do Paraná, em abril deste ano. "Os resultados têm sido 70 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ PESQUISA FAPESP 94

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; Amostras de biodiesel com diferentes óleos vegetais. À direita, trator em testes com o novo combustível

altamente satisfatórios", diz Dabdoub. "Observamos redução na emissão de poluentes e agora estamos realizando testes de durabilidade empregando o biodiesel puro (B100)." Os ensaios com locomotivas estão sendo executados pela América Latina Logística (ALL), concessionária ferroviária com atuação no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Argentina. No primeiro momento, foram realizados com sucesso testes laboratoriais para medir consumo, potência e emissões. A segunda fase envolverá o uso do combustível na forma B25 em locomotivas que rodarão nos trechos Ourinhos-Apucarana e Curitiba-Apucarana durante um ano. "Em função dos resultados, a ALL avaliará a possibilidade de usar biodiesel em toda a frota", afirma Dabdoub.

Por fim, o biodiesel também está sendo testado nas misturas B20, B30 e BI00 em veículos de passeio com motores diesel produzidos para exportação, como no caso dos automóveis das montadoras francesas Peugeot e Citroen. Os estudos da USP concentram-se na análise de consumo de combustível, durabilidade e emissão de poluentes (monóxido e dióxido de carbono, dióxido de enxofre, hidrocarbonetos não queimados, gases de nitrogênio e material particulado). Os testes de durabilidade são realizados com o carro percorrendo, no mínimo, 80 mil km, e a análise da variação das emissões de gases poluentes é feita a cada 20 mil km. "Também fazemos testes com os motores cedidos por essas montadoras em colaboração com os professores Antônio Moreira e Jos-

Diesel usou óleo vegetal Foi a partir da invenção do motor diesel, pelo engenheiro francês de origem alemã Rudolph Christian Carl Diesel (1858-1913) no final do século 19, que se vislumbrou, pela primeira vez, a possibilidade de se usar óleos vegetais como combustível. Foi apenas na primeira década do século passado que o óleo diesel passou a ser produzido a partir do petróleo. A primeira patente de biodiesel feito com óleo de amendoim e metanol foi depositada no Japão na década de 1940, seguida de outras três patentes nor-

te-americanas na década de 1950. No Brasil, as pesquisas tiveram início nos anos de 1980 com a criação do Programa de Óleos Vegetais (Oveg). O pioneirismo coube, entre outros, à Universidade Federal do Ceará (UFC), responsável pela primeira patente brasileira de um processo de biodiesel. Pesquisadores cearenses produziram o combustível com uma mistura de vários óleos vegetais com metanol e etanol. "O programa brasileiro não vingou nessa época por motivos econômicos. Faltou uma visão estratégica de


do Norte, e terá produção inicial estimada em 5 mil litros de biodiesel por dia. O combustível será testado em veículos da própria companhia. O programa tem um forte viés social, porque prevê a compra do óleo de pequenos produtores, que poderão usar a água dos poços perfurados pela Petrobras, onde não foi encontrado petróleo, para irrigar as plantações.

mar Pagliuso, da Escola de Engenharia Mecânica da USP de São Carlos. Esses mesmos ensaios são feitos de forma paralela na sede da PSA Peugeot-Citroen na França", conta Dabdoub. Além da USP de Ribeirão Preto, existe no Brasil uma extensa rede que envolve universidades, institutos de pesquisa, associações empresariais, agências reguladoras e de fomento, empresas, cooperativas e organizações não governamentais (ONGs) interessadas no desenvolvimento e na implementação do biodiesel. Um trabalho importante é feito pelo Tecpar, um dos pioneiros na pesquisa da mistura álcool etílico e diesel de petróleo como combustível. Desde 1998, vários ônibus de empresas associadas à Urbanização de Curitiba (Urbs) circulam na cidade com uma

longo prazo que permitisse a superação das deficiências tecnológicas como foi feito com o programa do álcool (Proálcool)", conta o professor Miguel Dabdoub. Nos anos de 1990, países da Europa começaram a implantar programas de uso do biodiesel. Atualmente, 2 milhões de veículos rodam no continente com esse combustível. Na Alemanha e na Áustria, emprega-se o biodiesel puro, enquanto nos demais países ele é misturado ao diesel na proporção de 5% a 20%. Em 2005, 2% de todo o combustível consumido na Europa deverá vir de fontes renováveis. Em 2010, esse percentual sobe para 5,75%.

mistura de óleo diesel (89,4%), etanol (8%) e um aditivo à base de soja (2,6%), batizada de Mistura de Álcool no Diesel (MAD-8), combustível que algumas vezes é erroneamente chamado de biodiesel. Ocorre que, segundo normas internacionais, a simples mistura não caracteriza o produto. O aditivo utilizado foi fabricado e fornecido pela empresa Ecomat de Mato Grosso. Em outra pesquisa do Tecpar, ônibus circularam em Curitiba com biodiesel metílico importado dos Estados Unidos e diesel fóssil numa proporção de 20-80. No Rio de Janeiro, uma experiência realizada pelo Instituto Alberto Luiz de Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em parceria com o governo do estado, testou com sucesso um ônibus movido a biodiesel feito com óleo reciclado doado pela rede de lanchonetes McDonald's. Esse tipo de óleo residual usado no Rio também é objeto de estudo no Ladetel, que mantém um subprojeto que faz parte do Projeto Biodiesel Brasil, nome do estudo coordenado por Dabdoub. O grupo utiliza material doado pelos refeitórios universitários da USP na capital e no interior e também pelo McDonakTs. Entre as empresas, a Petrobras desenvolve seu programa de biodiesel, iniciado há dois anos. A estatal pretende colocar em funcionamento, no final de 2004, uma usina-piloto para produção de biodiesel feito com óleo de mamona e álcool etílico. A unidade será instalada em Mossoró, no Rio Grande

No campo e na cidade - O óleo de mamona também é o principal ingrediente de estudos realizados na Embrapa. A instituição, em parceria com o Instituto de Química da Universidade de Brasília (UnB), desenvolveu um equipamento capaz de transformar óleo vegetal em óleo diesel vegetal, com características físico-químicas diferentes do biodiesel. "É um processo muito simples. Não usamos a transesterificação, mas uma técnica por craqueamento (quebra das cadeias de moléculas de carbono) térmico-catalítico. O óleo vegetal é colocado em um craqueador de aço inoxidável e é submetido a uma temperatura de 360°C. De cada 100 litros de óleo vegetal, são produzidos 60 litros de óleo diesel vegetal, 20 litros de gasolina e querosene, 10 litros de gás e 10 litros de água", afirma o pesquisador da Embrapa José Roberto Rodrigues Peres, um dos responsáveis pela inovação. Segundo Peres, a técnica será direcionada para comunidades rurais isoladas, permitindo que pequenos produtores tenham capacidade para gerar seu próprio combustível. No Ceará, um projeto de desenvolvimento de biodiesel é liderado pela empresa Tecnologias Bioenergéticas (Tecbio), incubada no Parque Tecnológico da Fundação Núcleo de Tecnologia Industrial (Nutec). A partir de 2004, a frota de ônibus da empresa Guanabara, de Fortaleza, deverá começar a ser abastecida com biodiesel à base de mamona produzido pela Tecbio. Para isso, estão sendo semeados 10 mil hectares da planta no estado. A expectativa dos pesquisadores envolvidos no projeto é que seja criado um emprego para cada 2 hectares plantados, gerando um rendimento de R$ 500,00 por hectare. Com todas essas experiências, fica fácil imaginar um futuro promissor para o biosiesel no país, em bem pouco tempo, trazendo grandes benefícios sociais, econômicos e ambientais. • PESQUISA FAPESP 94 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ 71


■ TECNOLOGIA ALIMENTOS

Análises de átomos de carbono flagram adulterações no processo de fabricação de bebidas alcoólicas MARCOS PIVETTA

Com exceção dos abstêmios fervorosos, pouca gente consegue atravessar as festas de fim de ano sem provar ao menos um copo de bebida alcoólica. Nos próximos dias, é quase certo que alguém lhe estenderá uma taça de espumante - ou de champanhe, a original francesa, se as finanças familiares estiverem no azul e o dólar, bem comportado - para um brinde. Num almoço ou jantar com ares de comemoração, aparecerá um cálice de vinho para lhe fazer companhia. E, num encontro informal com os amigos, vai se materializar sobre a mesa uma cervejinha, o fermentado preferido pelos brasileiros. Beber moderadamente não faz mal à saúde. Mas é preciso ficar atento: tão ruim quanto exagerar na dose é consumir produtos de qualidade ou autenticidade duvidosa. Comprar gato por lebre. O problema é que, no mundo das bebidas (e dos alimentos), nem sempre é fácil distinguir um produto fraudado - a não ser que você seja um especialista no assunto. Ou conte com a ajuda dos átomos de carbono, o elemento químico mais abundante na Terra. Nos últimos cinco anos, pesquisadores brasileiros passaram a estudar o grau de adulteração em produtos nacionais e estrangeiros a partir da análise da quantidade existente, em seu conteúdo, da forma estável mais pesada do átomo de carbono, o isótopo denominado carbono 13 (13C), muito mais raro do que o leve carbono 12 (12C). A relação entre o número de átomos desses dois tipos de carbono pode denunciar a adoção de alguns procedimentos ilegais, ou no mínimo não muito divulgados, durante a fabricação de bebidas. De acordo com os ingredientes usados em sua formulação, cada tipo de produto deve apresentar uma assinatura isotópica padrão, que reflete a 72 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ PESQUISA FAPESP 94

proporção de átomos do escasso carbono 13 em relação aos do abundante carbono 12. Se, numa amostra de bebida, esse índice, denominado ô13C (delta carbono 13), se distancia de sua assinatura isotópica padrão, é sinal de que o produto foi alvo de alguma intervenção heterodoxa. De traquinagens etílicas, como o uso excessivo de açúcar de cana para incrementar o teor alcoólico de vinhos ou o farto emprego de milho para substituir o malte de cevada nas cervejas. "Os isótopos não mentem jamais", afirma o engenheiro agrônomo Luiz Martinelli, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (Cena/USP), em Piracicaba, interior paulista. "Com eles, ficou mais fácil pegar adulterações." Autenticidade arranhada - Recentemente, Martinelli coordenou ou participou de quatro estudos que se utilizaram dos isótopos estáveis de carbono para aferir possíveis adulterações em vinhos, cervejas e brandies (conhaques finos). Os resultados desses trabalhos são razoavelmente preocupantes, embora não alarmantes. Não é preciso banir o álcool da ceia da Natal ou da passagem do Ano-Novo. As alterações flagradas nos estudos não aumentam (nem diminuem) os riscos à saúde inerentes ao consumo excessivo de álcool. Elas suscitam questões de outra ordem. Algumas manipulações simplesmente ferem a legislação brasileira. Outras arranham a autenticidade e as características naturais dos produtos. E outras ainda apenas explicitam métodos de produção que raramente são divulgados de forma clara para o consumidor. Alguns exemplos das artimanhas documentadas pelas análises com os isótopos estáveis de carbono, um método reconhecido oficialmente pelo Ministério da Agricultura na análise de vinhos


brasileiros e bebidas derivadas de uvas desde fevereiro de 2001:

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■ Cerca de três quartos do gás carbônico ou dióxido de carbono (C02) presente em três espumantes brasileiros, do tipo meio doce, cujas borbulhas deveriam ser fruto da fermentação natural de seus açúcares, foram provavelmente injetados de forma industrial nas garrafas. Um procedimento perfeitamente legal - desde que o fabricante rebaixe o produto à categoria inferior de bebida gaseificada em vez de espumante. Um produtor português foi ainda mais longe. As bolinhas de seu espumante, do tipo brut (não doce), continham, em parte, gás carbônico proveniente do ar, uma evidência de falhas em seu processo de elaboração. O estudo analisou 75 espumantes de dez países, dos quais 33 foram elaborados no Brasil, e foi publicado em março deste ano no Journal of Agricultura! and Food Chemistry. ■ Pelo menos um quarto de 228 garrafas analisadas de marcas comerciais de vinho nacional exibia quantidade acima da permitida pela legislação de álcool não derivado da fermentação do açúcar naturalmente presente no mosto (suco) de uva. Nesses casos, constatou-se que mais de 3 graus Gay-Lussac (G. L.) - medida do teor alcoólico - de todo o etanol presente nessas bebidas derivavam de uma quantidade generosa demais - e, por isso, ilegal - de açúcar de cana adicionada ao mosto de uva durante a fermentação. Chama a atenção o fato de que apenas pouco mais de um quarto das bebidas que estavam fora das especificações - 17 de 64 - pertencia à categoria mais popular dos chamados vinhos de mesa. A maioria das amostras com excesso de álcool de canade-açúcar veio de alguns renomados produtores de vinhos finos do Rio Grande do Sul. Nessa categoria legal, os produtos têm de ser feitos exclusivamente com variedades de uva da espécie Vitis vinifera, ideais para fabricar vinho. A adulteração se mostrou mais comum nos vinhos brancos do que nos tintos. De positivo, resta a constatação de que quase 75% dos vinhos analisados estavam dentro da lei, o que é mais uma obrigação do que propriamente um mérito. "Não sei se a situação melhorou ou piorou em termos de adulterações", diz Danilo Cavagni, presidente da União PESQUISA FAPESP 94 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ 73


Brasileira dos Vitivinicultores (Uvibra). "Mas os testes com isótopos são um avanço. Para dar o exemplo e separar os bons dos maus produtores, talvez seja o caso de se fechar alguma indústria quando forem constadas irregularidades." O estudo do Cena ainda está sendo redigido e será submetido em breve para publicação em alguma revista.

canos e com a participação do Cena/USP, saiu em setembro do ano passado no Journal of Agricultural and Food Chemistry.

■ Entre as amostras de cinco marcas brasileiras de brandy ou conhaque fino analisadas, nenhuma delas era um produto feito exclu^^^^^^^^ sivamente a partir da destilação de vinho ■ Sabe aquela históou de suco de uva ferOs isótopos ria de cerveja feita mentado. As mais cade carbono com puro malte de ras tinham menos cevada, o ingrediente álcool derivado de não mentem mais nobre (e caro) cana-de-açúcar, mas jamais. Com das loiras geladas? Ela ainda assim não eram eles, ficou mais até existe, mas é uma puras. Na popular cararidade por aqui. Nutegoria definida pela fácil pegar ma comparação com legislação brasileira adulterações produtos da Europa, como conhaque de América do Norte, gengibre, na qual a lei Japão e Austrália, as permite usar qualnacionais foram as campeãs no uso de quer planta para gerar álcool, todo o cereais não malteados - provavelmente etanol das bebidas veio da cana-de-açúmilho - em sua composição, em seu excar. Esse trabalho foi publicado no trato primitivo. De 31 marcas nacionais final de 1999 na revista Food Research analisadas, 28 continham o cereal em International. sua composição. Em média, o milho representava 48,7% da matéria-prima Esses truques, que os vinicultores e seca das cervejas feitas no país. As cermestres-cervejeiros comentam apenas vejas com malte mais próximo do puro à boca pequena, sem fazer alarde, são foram as da Europa. No Brasil, desde hoje inequivocamente desvendados com novembro de 2001, até 45% do malte a ajuda de um espectômetro de massa, pode ser substituído por diversos tiaparelho capaz de medir a massa e a conpos de adjuntos cervejeiros, o nome centração relativa de átomos e molécutécnico dado a amidos, açúcares e oulas, e a análise dos isótopos de carbono tros cereais (geralmente não maltea(e de outros elementos químicos). A medos) que podem entrar na composição todologia é usada no mundo todo, inda cerveja. Antes dessa data, o limite clusive no âmbito da União Européia, máximo do emprego desses adjuntos para controlar a autenticidade de bebiera ainda maior, de 49%. Como o esdas, sobretudo do vinho. "Dificilmentudo trabalhou com amostras de certe, algum produtor brasileiro contesta veja brasileira recolhidas antes do fim de 2001, quando a lei era mais benevo0 PROJETO lente com os produtores aqui instalados, pode-se dizer que, aparentemenAdição de Sacarose te, a maioria delas estava de acordo de Cana-de-açúcar em Vinhos com a legislação quando o estudo foi Brasileiros: Uma Abordagem feito. Aparentemente, porque a anáIsotópica e Cromatográfica lise do carbono 13 não flagra o empreMODALIDADE go de outro adjunto cervejeiro muito Linha Regular de Auxílio a Pesquisa usado no Brasil, o arroz. "Produzir cer(FAPESP) veja fora das especificações legais é fraude", diz Marcos Mesquista, supeCOORDENADOR Luiz ANTôNIO MARTINELLI rintendente do Sindicato Nacional da Cena/USP Indústria da Cerveja. "Quando isso ocorre, as autoridades podem apreender INVESTIMENTO a mercadoria e até fechar a fábrica." O R$ 18.008,75 estudo, coordenado por norte-ameri-

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esse tipo de análise hoje", comenta o pesquisador Luiz Rizzon, da Embrapa Uva e Vinho, em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, que participou dos estudos com vinhos. Obviamente, a técnica não é perfeita e algumas formas de fraude não são detectadas apenas com o uso dos isótopos estáveis do carbono. Às vezes, para pegar certas formas de adulteração, como a falsificação da origem geográfica de um produto, é necessário recorrer a testes com uma cesta de isótopos de vários elementos químicos, como o oxigênio e o hidrogênio. De qualquer forma, o emprego dos exames com isótopos de carbono em bebidas e alimentos, como o mel, já é um avanço na fiscalização de adulterações. A lógica dessa técnica parte de I^L peculiaridades dos átomos L^^ de carbono e do processo Ê m de fotossíntese das plan~JL. .JJJW tas. Existem três tipos de átomos de carbono, os tais de isótopos: o carbono 12, o carbono 13 e o carbono 14 (14C). Eles têm características químicas praticamente idênticas e seu número de prótons no núcleo atômico é rigorosamente o mesmo (no caso, 6). Mas exibem diferenças visíveis em suas propriedades físicas. Isso porque a massa atômica de cada isótopo é ligeiramente distinta. Uns são mais leves e outros, mais pesados. Para as análises feitas com bebidas e alimentos, só interessa aos pesquisadores determinar a proporção do raro e mais pesado 13C em relação ao abundante e mais leve 12 C, justamente os dois isótopos de carbono que são estáveis e não se alteram de forma espontânea (o 14C, muito usado para datações de fósseis, é radioativo e instável). O que a fotossíntese, as plantas e as bebidas têm a ver com tudo isso? Deixemos a físico-química momentaneamente de lado para penetrar um pouco na fisiologia vegetal. Sob a ação da luz solar, os vegetais fazem fotossíntese. Transformam água e dióxido de carbono em compostos orgânicos (açúcares, carboidratos etc.) que lhes fornecem energia para a sobrevivência. De acordo com o seu tipo de fotossíntese, as plantas são divididas em dois grupos, as C3 e as C4. É aí que entra a história dos isótopos de carbono. Durante a fotossíntese, tanto os vegetais C3 como os C4 absorvem muito mais carbono 12


do que carbono 13. Mas, nas plantas C3, como a uva do vinho e a cevada da cerveja, essa característica é ainda mais exacerbada do que nas C4, entre as quais se incluem a cana e o milho, tradicionais fontes de açúcar, álcool e carboidratos para muitas bebidas alcoólicas. Portanto, nos vegetais C3, o raro isótopo 13C é ainda mais escasso do que nos C4. Dito de outra forma: do ponto de vista dos isótopos de carbono, os produtos derivados de culturas agrícolas C3 são mais leves do que os oriundos de vegetais C4. Vários estudos internacionais mostram que as plantas C3 e seus derivados possu em um ô13C (o índice delta carbono 13) entre -26 e -32%o. Nos vegetais C4, os valores variam de -lie -14%o. O índice é expresso dessa forma, com valores negativos e por mil (%o), em razão da fórmula usada para calculá-lo. "Quando encontramos números intermediários entre essas duas faixas, concluímos que o produto apresenta componentes tanto de plantas C3 como de C4", comenta Martinelli. É possível ainda calcular quanto da bebida deriva de vegetais C3 e quanto de C4. Exemplificando. Num vinho totalmente feito a partir da fermentação de mosto de uva (planta C3) ou numa cerveja com puro malte de cevada (também C3), o ô13C deve ser entre -26 e -28%o. No caso do vinho brasileiro, esse requisito tem força legal. O Ministério da Agricultura definiu, há quase três anos, que o ô13C do vinho nacional puro, padrão, é 27,86%o. Se o teor alcóolico da bebida tiver sido reforçado no limite máximo previsto pela lei (3 graus G.L.), esse índice deve ficar entre -22 e -24%o. "Nessa faixa, considero os vinhos suspeitos de adulteração", afirma o pesquisador do Cena/USP. "Acima dela, houve, com cer-

também. Embora vedada ou limitada em muitas zonas vinícolas, geralmente nas de clima quente, em que a uva tem mais facilidade para amadurecer (e, portanto, gerar mais açúcar), a chaptalização sempre foi de difícil controle efetivo para as autoridades antes da adoção das análises isotópicas. A razão é simples: do ponto de vista químico e gustativo, etanol é etanol, independentemente de sua origem ter sido o açúcar de cana, de beterraba (muito empregado na Europa na chaptalização) ou de uvas. "Provando um vinho, não dá para saber quanto de seu álcool deriva da fermentação de açúcar de cana e quanto vem do açúcar da própria uva", afirma Mauro Zanus, da Embrapa Uva e Vinho. "A questão central é que a chaptalização indica que as uvas usadas no vinho não tinham alcançado um grau ideal de maturação."

Exame revela uso de milho na cerveja e de álcool de cana no vinho

teza, exagero na chaptalização." A elevação do teor alcoólico de um vinho pela adição de açúcar não originário da videira durante o processo de fermentação do mosto de uva é um procedimento conhecido como chaptalização. Alguns vinhos analisados no estudo da equipe de Martinelli tinham um ô13C de -17%o. Isso permite dizer que mais da metade de seu álcool originou-se de açúcar de cana. A chaptalização é uma prática de séculos que não deve escandalizar ninguém. Usada com muita parcimônia, pode até melhorar a qualidade dos vinhos, na medida em que o álcool confere maciez e viscosidade a uma bebida. É proibida em alguns países, como a Itália, mas adotada e regulamentada em outros, inclusive em partes da França, a pátria que faz os melhores tintos, brancos e espumantes (o champanhe, é claro) do mundo. E alguns dos piores

Segundo Carlos Ducatti, coordenador do Centro de Isótopos Estáveis Ambientais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu, que começou a trabalhar com análises de carbono 13 para monitorar adulterações em vinagres há cerca de quatro anos, não era raro esse tipo de análise flagrar vinhos brasileiros com mais de 50% de álcool derivado da cana-de-açúcar no passado recente. "Hoje, a situação melhorou", diz Ducatti. "Os produtores sabem que temos como demonstrar a origem botânica do álcool." O pesquisador da Unesp auxiliou o Ministério da Agricultura a preparar a legislação que instituiu o emprego das análises de isótopos de carbono para monitorar o grau de chaptalização no vinho nacional. Seu centro é um dos dois que pode fornecer esse tipo de laudo para o ministério. O outro é o laboratório de enologia do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), em Caxias do Sul, entidade mantida com recursos do Secretaria de Agricultura do Rio Grande do Sul. "Depois de 2002, quando começamos a funcionar, praticamente só detectamos excesso de chaptalização em vinhos de mesa", afirma Regina Vanderlinde, chefe do laboratório do Ibravin. "Nossa meta agora é fiscalizar mais formas de adulteração por meio de testes com isótopos de outros elementos químicos." • PESQUISA FAPESP 94 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ 75


ITECNOLOGIA

VITICULTURA

Muita polpa

nenhum caroço

Três variedades de uva de mesa sem sementes adaptadas ao clima tropical são lançadas no mercado

o da casta tinta e o interior da baga: gosto agridoce e resquícios imperceptíveis de sementes

E

Ias podem ser definidas em poucas palavras: suculentas e sem aqueles incômodos carocinhos no meio da polpa. São três variedades de uva de mesa sem sementes, uma tinta e duas brancas, que serão lançadas em Jales, município do noroeste paulista, no dia 19 deste mês, na Estação Experimental de Viticultura Tropical da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). A presença desse tipo de fruta não é novidade nas quitandas e supermercados. Mas as novas variedades de uvas apirênicas - esse é o nome técnico do produto - são diferentes das raras cepas sem sementes plantadas no país, como a Thompson, a Festival e a Centennial. Resultado de um trabalho de melhoramento genético por método tradicional iniciado há sete anos, as três cepas foram desenvolvidas para florescer nas condições climáticas brasileiras, mais quentes que a maioria dos vinhedos do mundo. "Seu manejo é mais simples e a produtividade maior do que as variedades originárias de regiões tem76 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ PESQUISA FAPESP 94

peradas", diz o pesquisador Umberto Almeida Camargo, da Embrapa Uva e Vinho, sediada na cidade gaúcha de Bento Gonçalves, que coordena os trabalhos com as uvas apirênicas. A rigor, as novas variedades não são totalmente desprovidas de sementes. Elas possuem resquícios dessas estruturas germinativas. Nas uvas tintas, são como traços na forma de uma ou duas pequenas pintas róseas no interior da polpa. Nas cepas brancas, é mais difícil ver essas manchinhas. "Mas esses traços são macios como a polpa da fruta e não sentimos a sua presença na boca", assegura Camargo. É interessante notar que os cultivares da Embrapa descendem de variedades que naturalmente já não apresentavam sementes. Depois de fecundadas, as plantas apirênicas geram embriões, como acontece em qualquer outro vegetal. Mas, passadas cerca de oito semanas da fertilização, ocorre um aborto espontâneo. Tal evento inviabiliza a formação de sementes, porque o embrião (que é a fusão do material genético paterno e

materno) fica alojado dentro dessa estrutura germinativa. No tubo de ensaio - Mas, então, se o embrião resultante do cruzamento de duas variedades sem sementes não consegue se desenvolver, como é possível criar novos cultivares a partir de plantas apirênicas? A solução é a chamada técnica de resgate e cultivo in vitro de embriões. Seis semanas após a fecundação da videira, pouco antes do aborto natural do embrião, as uvas, ainda verdes, são colhidas. Os embriões são retirados das bagas e colocados em tubos de ensaio com meio nutritivo adequado para que completem seu desenvolvimento e germinem no laboratório, para depois serem transferidos para o campo. Dessa forma, nasce a geração de uma possível nova variedade de uva derivada de pais apirênicos. Além de viabilizar o cruzamento entre plantas sem sementes, a técnica possibilita incorporar à nova variedade, já na primeira geração, outros predicados desejáveis, como sabor, textura e tamanho das bagas. O proces-


diet e deve agradar ao consumidor europeu. Essa uva recebeu o nome comercial de BRS Linda. A branca doce é a BRS Clara e a preta, BRS Morena.

Variedade branca BRS Linda lançada pela Embrapa: sabor neutro, ao gosto dos europeus

so de gerar um novo cultivar de videira inclui ainda um paciente trabalho de aclimatação e reprodução vegetativa (propagação assexuada), por mudas, nas condições do campo brasileiro. A Embrapa de Bento Gonçalves, que possui um banco de germoplasma (material reprodutivo) de 1.231 variedades de videiras para uso em projetos de melhoramento genético, desenvolveu oito seleções de uvas apirênicas. Essas seleções são cultivadas de forma experimental por produtores de seis regiões brasileiras: Pirapora, em Minas Gerais, Petrolina, em Pernambuco, no Vale do São Francisco, Marialva, no norte do Paraná, Limoeiro do Norte, no Ceará, além de Jales e Bento Gonçalves. Por enquanto, três dessas seleções animaram a Embrapa a lançá-las como novos cultivares. O interessante é que cada uma apresenta características particulares. A cepa tinta, por exemplo, é bastante aromática, possui gosto agridoce e acidez alta. Uma das cepas brancas possui bagas de cor amarelo-dourado e tem como marca registrada a extrema

doçura, bem ao gosto do consumidor brasileiro. "Quem é diabético não pode comer essa uva", diz, em tom de brincadeira, o agrônomo Sérgio da Costa Dias, da Cooperativa Agrícola de Pirapora, que plantou, de forma experimental, 1,5 hectare de vinhedo com as novas cepas. A terceira variedade possui uma casca de tom bem esverdeado e é o oposto da casta branca anterior: seu sabor é neutro, com níveis baixos de açúcar e acidez média. É quase uma uva light ou

0 PROJETO Criação de Cultivares de Uvas Sem Sementes para a Viticultura Brasileira de Mesa COORDENADOR UMBERTO ALMEIDA CAMARGO

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Embrapa Uva e Vinho INVESTIMENTO

US$ 2.150.000,00 (Embrapa), US$ 430.112 (CNPq) e R$ 240.000,00 (iniciativa privada)

Adaptadas ao ambiente - Em termos de rendimento por área plantada, a produção das novas uvas é, no mínimo, 20% superior ao das castas de origem importada. Outro ponto positivo é o menor custo de seu manejo. "Preciso de quatro empregados por hectare quando trabalho com as variedades da Embrapa", diz Tarcísio Bezerra, gerente da Fazenda SantAna, de Petrolina. "Com a Festival (uma casta importada), são necessários seis funcionários." Desde seu início, o projeto de melhoramento genético de uvas apirênicas recebeu investimentos da ordem de US$ 2,8 milhões. Três quartos de seus recursos saíram do caixa da própria Embrapa, pouco menos de 20% vieram do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e o restante, de cooperativas de produtores e empresas agrícolas. Apostar na pesquisa (e cultivo) de uvas de mesa sem sementes é um bom caminho para engordar as exportações do país. Na Europa, o preço do quilo da uva sem sementes chega a US$ 3,50. Hoje, estima-se que apenas 3% das 600 mil toneladas anuais de uvas de mesa produzidas no país sejam de castas sem sementes. Desse total, apenas 26 mil toneladas foram exportadas em 2002, rendendo US$ 34 milhões. A produção de uvas sem semente durante quase todo o ano pode aumentar a presença da uva nacional na Europa e em outros mercados. Isso é possível porque no Vale do São Francisco, região semi-árida onde a fruticultura irrigada se desenvolve a passos largos, colhem-se até duas safras e meia de uva por ano. Tal peculiaridade garante o fornecimento quase ininterrupto da fruta. No sul do país, assim como nos tradicionais países exportadores de uvas de mesa, só ocorre uma colheita por ano, em geral nos meses de verão. "Outra vantagem é que as uvas sem sementes são ideais para fazer passas", comenta Camargo. Hoje, as uvas passas, muito apreciadas nas festas de fim ano, vêm todas do exterior. • PESQUISA FAPESP 94 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ 77


■ TECNOLOGIA ENGENHARIA QUÍMICA

Corante para uso em alimentos produzido pelo fungo Monascus ganha nova técnica de produção

A cor da carne B

eleza é fundamental, dizia o poeta Vinícius de Moraes a respeito das mulheres. A frase é também seguida à risca pela indústria de alimentos que recorre a vários aditivos sintéticos e naturais para melhorar a aparência dos produtos e atrair o consumidor. Um deles, usado para intensificar a cor vermelha de carnes, salsichas e embutidos à base de aves e ainda como condimento, é obtido de algumas espécies do fungo do gênero Monascus. A produção desse corante, velho conhecido dos povos asiáticos, concentrase hoje nas mãos dos chineses, que o exportam para países europeus, incumbidos de padronizar e higienizar o produto, agregando-lhe valor. No Brasil, o desenvolvimento do processo de produção do pigmento de Monascus é realizado desde 1999, em um projeto de parceria entre a empresa Germinal e o Departamento de Engenharia Química da Escola Politécnica (Poli) da Universidade de São Paulo (USP), financiado pela FAPESP dentro do Programa de Inovação Tecnológica

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em Pequenas Empresas (PIPE). Os resultados já renderam um registro de patente no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Carmim e hemoglobina - "A idéia de produzir o corante no Brasil surgiu porque a empresa viu no desenvolvimento do processo de obtenção do produto uma boa oportunidade de mercado", relata Roberto Ricardo Taube, diretor industrial da Germinal. Na época, a empresa fornecia ingredientes usados na produção de requeijão e queijos e vendia aos frigoríficos corantes provenientes do carmim, princípio ativo obtido do corpo da fêmea de um inseto chamado cochonilha, e da hemoglobina, retirada do sangue de animais abatidos. Mas essas duas fontes de pigmentos vermelhos apresentavam limitações. O preço do carmim, importado do Peru, oscilava muito. Hoje o preço está estável, na faixa de US$ 6 o quilo, mas já chegou a US$ 34 no final da década de 1990. E a hemoglobina apresentava problemas microbiológicos em alguns lotes.

Foi nesse contexto que a Germinal procurou a professora Beatriz Vahan Kilikian, do Laboratório de Engenharia Química da Poli-USP, com a proposta de cultivar o fungo em substrato à base de mandioca, matéria-prima encontrada em larga escala no país, em substituição ao arroz, usado nos países asiáticos. Os pesquisadores aceitaram o desafio e também cultivaram o fungo em meio à base de arroz, para comparar os resultados. Nas duas situações, a síntese dos pigmentos pelo fungo é iniciada pela liberação de moléculas de cor amarela e laranja, que depois se transformam no pigmento de cor vermelha. "Embora o processo seja conhecido de longa data no Oriente, as condições de higiene para obtenção do produto não seguem normas estritas", diz Beatriz. O primeiro passo para começar a tocar o projeto foi selecionar espécies de Monascus eficientes quanto ao crescimento celular e à produção da cor vermelha. Quando a equipe de pesquisadores, composta ainda pelo professor Aldo Tonso e pelos alunos de mestrado Harm Daenekas Petrola Jorge, Rogério


Arroz impregnado com pigmento produzido pelo fungo e o reator construído especialmente para a finalização do processo

Rodrigues e Gisele Yurie Miyashira, decidiu produzir o fungo em escala piloto, percebeu que não existia no mercado nenhum equipamento para o cultivo em meio semi-sólido com a base de mandioca ou mesmo de arroz. Testes comparativos - Para obtenção de dados e ampliação de escala do processo, foi necessário projetar e construir um reator para fermentação, dotado de um sistema de agitação e refrigeração que permite a remoção de calor e a homogeneização do meio de cultivo e, ainda, o fornecimento de oxigênio em quantidade suficiente para propiciar o crescimento do fungo e a produção de pigmentos. O corante é extraído depois de um processo de secagem e moagem. Em um dos últimos testes, realizados no mês de outubro no laboratório da Germinal, na cidade de Cabreúva (SP), os corantes de mandioca e de arroz foram comparados com o comercial, vendido com o nome de Biored. Para isso, Taube, acompanhado dos pesquisadores, utilizou uma receita industrial para fabricar mortadela. Dividida

em três, a receita recebeu os aditivos nas mesmas quantidades, para avaliar a fixação do corante no produto final. O pigmento de arroz cultivado no laboratório da USP ficou com uma cor bem próxima à do produto comercial. Já o de mandioca apresentou uma cor um pouco mais clara, por isso novos ensaios serão feitos até os pesquisadores atingirem o pigmento ideal. Na avaliação do grupo de pesquisa, os melhores resultados foram obtidos com o uso consorciado de mandioca e de arroz. 0 PROJETO Produção de Pigmentos por Monascus sp em Fermentação Semi-Sólida MODALIDADE Projeto de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE)

COORDENADORA BEATRIZ VAHAN KILIKIAN

- USP

INVESTIMENTO R$ 207.806,00 e US$ 43.565,00

Taube diz que a empresa pretende produzir o corante do Monascus como forma de substituir o similar importado. Antes disso, deverá ser feito um estudo de viabilidade econômica, sugerido pela USP, com o apoio do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), para implementar o projeto em escala comercial. A decisão final, no entanto, depende do aval da matriz norte-americana, já que em maio deste ano a Germinal foi comprada pela ISF - Food Ingredients, empresa norte-americana com sede na cidade de San Diego, na Califórnia. A Germinal iniciou suas atividades em 1993 em Diadema (SP). Ela comercializa cerca de 2.500 formulações de aditivos alimentares para empresas de vários segmentos espalhadas pelo Brasil, Argentina, Uruguai e Chile. Dados da Associação Brasileira da Indústria de Alimentação (Abia) apontam que o consumo brasileiro de corantes alimentícios é da ordem de 500 toneladas por ano, com um movimento de cerca de R$ 5 milhões. A Germinal detém cerca de 15% desse mercado, o que corresponde a 75 toneladas. • PESOUISA FAPESP 94 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ 79


I TECNOLOGIA QUÍMICA

Molécula

poderosa

Substância encontrada no corpo humano é a base de biomateriais para tratar lesões na pele e hipertensão DlNORAH ERENO

Uma das menores e mais versáteis moléculas produzidas pelo organismo, o oxido nítrico (NO), é a matéria-prima de novos materiais destinados a tratar hipertensão arterial, aterosclerose, queimaduras e lesões de pele. A síntese e a formulação de biomateriais que liberam de forma controlada essa molécula de apenas dois átomos, um de oxigênio e um de nitrogênio, renderam à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) o pedido de registro de seis patentes no Brasil. As pesquisas, iniciadas em 1995 no Instituto de Química da universidade paulista e coordenadas pelo professor Marcelo Ganzarolli de Oliveira, resultaram na preparação de três compostos atóxicos, com propriedades antitrombóticas, antiinflamatórias e antiproliferativas (atividade que impede o crescimento celular), que foram adicionados a um gel aquoso e a polímeros sólidos e líquidos. Os produtos têm potencial para substituir com vantagem os medicamentos à base de nitroglicerina e nitroprussiato de sódio, utilizados para controlar crises de hipertensão e de angina do peito. E também para uso em angioplastia, técnica que consiste em desobstruir as artérias coronárias em processo de aterosclerose. O polímero contendo oxido nítrico, em forma de uma película muito fina, reveste o stent, uma pequena malha metálica de cerca de 2 centímetros de comprimento utilizada como sustentação mecânica para impedir que a artéria volte a se fechar. A função da substância, nesse caso, é evitar a proliferação das células musculares da parede da artéria que, mesmo com a presença do stent, podem levar a uma reobstrução do vaso. Outra aplicação muito promissora é o uso do gel para o tratamento de feridas provocadas por queimaduras e doenças na pele, como a psoríase (enfermidade não contagiosa que provoca lesões avermelhadas e descamativas) e a leishmaniose cutânea, moléstia endêmica em países tropicais. 80 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ PESQUISA FAPESP 94

Essa linha de pesquisa com oxido nítrico começou a ser desenvolvida pelo professor Ganzarolli quando ele retornou ao Brasil, após terminar seu pós-doutorado na Universidade de Southampton, na Inglaterra. Lá, ele estudava o aspecto fotoquímico do nitroprussiato de sódio, um complexo doador de NO empregado no controle da pressão sangüínea durante cirurgias e tratamentos de hipertensão. Mas não se sabia exatamente como o medicamento atuava no organismo, até que em 1987 se descobriu que o oxido nítrico era produzido em uma camada de células da parede dos vasos, o endotélio, e era o responsável pelo controle da pressão sangüínea nos humanos e demais mamíferos. Depois que em 1998 os cientistas norte-americanos Robert Furchgott, Ferid Murad e Louis Ignarro receberam o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia pela descoberta do papel do oxido nítrico no organismo, as pesquisas relacionadas à molécula multiplicaram-se. Assim, além do controle da pressão arterial, descobriu-se que ela possui várias outras funções fisiológicas importantes. O oxido nítrico é produzido nas células do cérebro e atua como um neurotransmissor especial, em conseqüência da sua difusão muito rápida através das membranas celulares. Além disso, ele é peça-chave no sistema de defesa do organismo contra infecções. "Os agentes invasores são bombardeados pelas células de defesa com uma mistura letal de NO e superóxido, um poderoso agente oxidante, formando outros produtos que possuem forte ação bactericida e de combate a tumores", diz Ganzarolli. O mais popular uso decorrente da pesquisa com o oxido nítrico são os medicamentos que combatem a impotência sexual. Eles inibem uma enzima (a fosfodiesterase tipo 5), o que leva ao aumento da produção de NO no tecido muscular do corpo cavernoso do pênis. O oxido nítrico causa o relaxamento desse tecido, permitindo a passagem de sangue, condição essencial para que haja a ereção.


•:

Gel liberador de oxido nítrico serve para acelerar a cicatrização


Nos seus estudos sobre o nitroprussiato de sódio, Ganzarolli constatou que o medicamento liberava oxido nítrico, mas que apresentava também um risco de intoxicação por cianeto (ou cianureto). Quando voltou ao Brasil, já veio com a idéia de criar uma maneira de liberar o NO de forma controlada no organismo, mas sem os cianetos. Nessa ocasião, ele solicitou à FAPESP um auxílio a pesquisa, que lhe permitiu montar a infra-estrutura para começar os estudos. Transportador natural - Outras descobertas, feitas à época em que o pesquisador ainda estava na Inglaterra, mostraram que, em nosso organismo, o oxido nítrico é transportado por uma classe de moléculas chamadas de nitrosotióis. Essas substâncias carregam e preservam o NO no seu transporte entre as células, porque sozinho ele não sobrevive durante muito tempo na corrente sangüínea. Ele reage rapidamente com o oxigênio e pode interagir com outros radicais e se transformar em outros produtos nitrogenados. Trabalhos da época também apontavam que os nitrosotióis tinham ação vasodilatadora. "Voltei disposto a sintetizar essas substâncias, encontradas dentro do corpo humano, como alternativa aos medicamentos em uso corrente", conta Ganzarolli. "Conseguimos montar um sistema inovador de síntese que funcionou e passamos a produzir esses nitrosotióis. Como eles são instáveis em solução aquosa, busquei outra estratégia, que é incorporar essas substâncias em uma matriz polimérica líquida para permitir sua liberação controlada e estabilizá-las." Para ganhar tempo, a escolha da matriz recaiu sobre polímeros atóxicos que já eram usados em outros medicamentos. Formulações desse polímero, um líquido viscoso com consistência semelhante à da glicerina, foram preparadas com a droga incorporada. "Constatamos que estava muito estável dentro dessa matriz, permitindo que fosse guardada na geladeira por tempo muito longo sem se decompor", relata o pesquisador. "Esse foi um efeito que descobrimos. As matrizes proporcionam uma estabilidade muito maior à droga." As descobertas renderam também três pedidos de patente, referentes ao método de síntese e às formulações, que receberam men82 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ PESQUISA FAPESP 94

Stent: malha metálica mantém artéria aberta

çoes honrosas nos prêmios Governador do Estado de 2001 e 2002. A atividade vasodilatora dos compostos sintetizados foi confirmada em testes in vivo com ratos, realizados por um grupo de pesquisa do Instituto de Biologia da Unicamp, que trabalha em parceria com o professor Ganzarolli. "Constatamos, além disso, que a ação vasodilatora era mais potente que a do nitroprussiato de sódio e durava mais, tinha efeito mais prolongado, sem o inconveniente da toxicidade", relata. Os resultados renderam um artigo, capa da revista Nitric Oxide em agosto de 2002, publicação que é referência para os estudiosos do tema. Além do polímero líquido, os pesquisadores começaram a explorar outros tipos de materiais. "Conseguimos incorporar esses biomateriais em géis aquosos (hidrogéis) e em filmes poliméricos sólidos, uma película plástica flexível que pode ser usada tanto para aplicações na pele como para recobrir dispositivos de implante intracoronário", descreve Ganzarolli. Os hidrogéis foram testados em março e abril de 2003 pela doutoranda Amedea Barozzi Seabra, bolsista da FAPESP, em colaboração com Richard Weller, médico dermatologista da Universidade de Edimburgo, na Escócia. Durante dois meses em território escocês, Amedea testou o gel na pele de voluntários sadios para avaliar a ação va-

sodilatora medida pela circulação sangüínea. Para isso foi usada uma técnica baseada no laser. A luz passa através da pele e é refletida pelas hemácias (células vermelhas do sangue responsáveis pelo transporte de oxigênio), que estão fluindo dentro dos vasos sangüíneos abaixo da pele. Quanto maior a velocidade das hemácias, maior é o fluxo sangüíneo. Isso pode ser medido pela variação do comprimento de onda da luz refletida. "O efeito é o mesmo que o radar usa para detectar os carros que estão em alta velocidade", compara o pesquisador. Quando o gel foi passado no braço dos voluntários, imediatamente apareceu uma vermelhidão, conseqüência de um aumento de circulação. "Isso mostra que ele libera oxido nítrico através da pele e tem potencial para ser aplicado nas lesões de leishmaniose, psoríase e para tratar queimaduras." Liberação controlada - Outros materiais estão sendo desenvolvidos no Instituto de Química com as mesmas potencialidades do hidrogel. Segundo o coordenador da pesquisa, esse gel tem uma propriedade muito interessante, chamada de geleificação térmica reversa. Na geladeira fica líquido, e na faixa de temperatura entre 30° e 40°C transforma-se em gel. Isso permite injetar a solução de forma subcutânea. Ao entrar em contato com a pele, ela geleifica e forma um depósito, de onde será libe-


Filme plástico flexível para recobrir stents

rado o oxido nítrico que vai penetrar na circulação sistêmica (do corpo todo). Dependendo do comportamento da formulação, a liberação ocorre de forma mais lenta ou rápida e pode servir para funções diferentes, como controlar a pressão arterial ou ter ação citotóxica para matar o protozoário que causa a leishmaniose. Os biomateriais doadores de oxido nítrico também têm boa perspectiva de aplicação para a aterosclerose, processo imunoinflamatório originado no espaço logo abaixo do endotélio, a primeira camada de células que reveste o interior dos vasos sangüíneos. É nesse local que as placas de aterosclerose (ateromas) se desenvolvem. Quando a placa se rompe, dispara a formação de um coágulo que bloqueia o fluxo sangüíneo. Se isso ocorre em uma das artérias coronárias, uma região do músculo cardíaco deixa de ser irrigada e as complicações resultantes podem levar à morte. Uma das formas de desobstruir as artérias coronárias é a angioplastia, técnica que consiste na dilatação do vaso pela insuflação de um balão, envolto pelo stent, que é introduzido por um cateter no local da oclusão. O balão é retirado, mas o stent fica. No entanto, como esse procedimento causa uma lesão na artéria, o organismo reage tentando cicatrizá-la e isso pode levar à formação de um trombo que bloqueia a artéria (reoclusão aguda), o que ocor-

re em 5 a 9% dos casos. Outra possível conseqüência é que, nessa resposta ao trauma, o tecido muscular da artéria começa a se proliferar, por divisão celular, levando a um espessamento da parede no local da lesão. Como resultado dessa nova camada de células que se forma, o vaso sofre um remodelamento e as células passam através da malha metálica do stent, voltando a fechar o vaso. Essa reoclusão, chamada de reestenose, é um dos principais problemas da angioplastia e ocorre em cerca de 30 a 50% dos casos. Como são implantados cerca de 2 milhões de stents por ano no mundo, há grande demanda por tecnologias que reduzam o problema. Os estudos com o stent revestido com os biomateriais contam com a colaboração de um grupo de pesquisa do Instituto do Coração (InCor) do Hos0 PROJETO Fotoquímica de Complexos Metálicos em Matrizes Poliméricas e Sistemas Organizados MODALIDADE

Linha Regular de Auxílio a Pesquisa COORDENADOR MARCELO GANZAROLLI DE OLIVEIRA

Unicamp INVESTIMENTO

R$ 2.200,00 e US$ 20.342,00

-

pitai das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP). "Estamos fazendo a parte química de recobrimento e de caracterização da liberação de oxido nítrico in vitro", conta Ganzarolli. "Assim que selecionarmos o melhor sistema, vamos entregar os stents ao InCor para que eles possam ser testados em modelos animais." Os ensaios preliminares foram feitos no Instituto de Química com um filme polimérico bem fino, ideal para recobrir irregularidades da malha metálica. "Verificamos que o polímero libera oxido nítrico e tem potencial de uso pelas propriedades antiproliferativas e antitrombóticas do NO", relata o coordenador da pesquisa. Os primeiros testes de incorporação de outros fármacos nos stents começaram a ser feitos há cerca de oito anos por vários grupos de pesquisa espalhados pelo mundo. Desses estudos, o que apresentou melhores resultados foi o recobrimento dos stents com a rapamicina, que tem ação antiproliferativa e foi usada como imunossupressor no tratamento contra a rejeição em transplante renal. Em abril deste ano, a empresa Johnson & Johnson colocou no mercado um stent revestido com o fármaco, o único que existe em uso clínico atualmente. Até o final de outubro, já haviam sido vendidas mais de 450 mil unidades do produto. No entanto, nessa mesma época, a agência norte-americana de controle de medicamentos Food and Drug Administration (FDA) divulgou um alerta de que havia recebido cerca de 300 relatórios informando a ocorrência de trombose e reações de hipersensibilidade associadas com o uso do stent recoberto com a rapamicina, com mais de 60 mortes associadas. Embora esses números sejam pequenos diante do sucesso do produto, para Ganzarolli isso mostra que há espaço para colocar no mercado stents revestidos com outras drogas. Além de reduzir os riscos de toxicidade, os biomateriais doadores de oxido nítrico permitem uma aplicação localizada, com tempos prolongados de liberação, como mostram os resultados obtidos até agora. O pesquisador pretende avançar em seus estudos e ressalta que as tecnologias já desenvolvidas podem ser transferidas pela universidade a empresas interessadas em produzir industrialmente os novos materiais. • PESQUISA FAPESP 94 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ 83


HUMANIDADES

Visões em cena O crítico e professor analisa o diálogo do cinema brasileiro com o teatro rodriguiano CE Mot.RA E

I

iderot, D.W. GriffitheAlfred Hitchcock, Nelson Rodrigues, < Ilauber Rocha

aos, o proráfico Ismail 56 anos, cxnhca as coes e a imp< para o cinema em sen novo livro, O Olharea Cena (Cosac & Naify, 382 páginas;, laceis de atravessar, os textos escritos entre 1988 e 2003 foram costurados para contar a passagem do teatro e tia literatura para o cinema "num sentido 10 amplo amplo, que ultrapassa o caso da adaptação", como t ssor tio i;ena na, Rádio e lele\ isão da Escola de Comunicações e Artes cia universidade de São Paulo (ECA/USP), no início de sua carreira Ismail Xavier ficou em dúvida necanica e o cineentre a enucnl ma. Fez os dois cursos simultaneamente na USP, o primeiro na Escola Politécnica e o segundo na ECA. Formado em 1970, decidiu cursar o mestrado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas orientado por Paulo Emílio Salles Comes, um ícone na defesa do cinema nacional. No doutorado, recebeu a orientação de Antônio (bandido, outro ícone, desta vez das letras e da cultura brasileira em geral. Em 1982 tornou-se PhD em estudos de cinema pela Universidade de Nova York, onde também fez pós-doutoramento. Autor de vários livros e coor84 • DEZEMBRO DE 2003 ■ PESQUISA FAPESP 94

SON MARCO

denador da coleção Cinema, Teatro e Modernidade, da Cosac e Naify, Ismail Xavier parece ter tomado a decisão certa ao optar pelo estudo do cinema, há 30 anos: hoje é um dos mais respeitados pensadores do cinema brasileiro.

aparenta ignorar. Então ele se exibe, mas ao mesmo tempo tem que aparentar absoluta auto-absorção. Isso é um princípio básico daquilo que a gente chama cie representação burguesa criada a partir do século 18.

Vamos eomeçar falando de seu livro: liá nele uma primeira parte teórica que aborda o desenvolvimento do cinema ao longo do século 20, a entrada no melodrama, as relações com as buscas de reo social aaqut

É aí que entra o Diderot (1713-1784). — Diderot é figura-chave porque, em primeiro lugar, fez a crítica do tipo de encenação que o teatro francês fazia da tradição clássica. Ele dizia: "Isso não é cena, isso aí é declamação, ninguém está preocupado em criar emoção, ninguém está preocupado em usar visualmente os recursos do teatro". Havia uma excessiva primazia do texto. É curioso, porque eu mesmo estive uma vez na

Como se desenvolveu essa concepção? — Há dois lados da moeda que acabaram se combinando bem. Esse livro é uma coleção de artigos e ensaios, produzidos num longo período, de 1988 até seja no caso de análise de filmes específicos, seja no caso de textos mais teóricos, houvesse uma discussão sobre o problema da representação, entendido como aquela noção do olhar e da cena um momento na história do teatro em que surge a idéia de buscar maior vigor na questão da quarta parede - aquela parede imaginária, invisível, entre o público e o palco - e maior vigor na relação entre a cena bloqueada, demarcada, e a platéia. O que é fundamental nessa noção é a idéia de estabelecer um jogo no qual o ator faz tudo para um determinado olhar que ele sabe que está lá, mas que ao mesmo tempo ele

çaise, que e um teatro bem tradicional, e até hoje a encenação é extremamente tímida. Mesmo depois de dois séculos e meio, e de todo o enorme elenco de inovações do teatro moderno, você vai à Comédie Française e nota que os atores são muito discretos. É interessante o fato de que Diderot faz a crítica disso e pede ilusionismo, pede para que se tenha esse jogo que eu chamei da astúcia da representação, que é fingir com o corpo, com os gestos, com as palavras, aparentar uma situação natural, aparentar que se está vivendo aquelas emoções todas da personagem. E, nisso, Diderot formulou o famoso paradoxo do comediante, dirigido explicitamente ao ator. Isto é, ele tem que trabalhar com


este logo no quai aparenta estar a per» m . quando n simplesmente simulando, Hot íve uma mda das platéias que se acostumaram com a idéia de que. se você tem uma cena no escritório de uma personagem, tem que tei ito todo, o espaço duzindo o que seria o ambienta sonagem, e esse é um dado qu ceu a partir dali. O cinema seria a eoroarnet

(Juancio o carece, tem as mais variadas opções para o uso da cámera, para produzir imagens. E ha um período muito interessante, no final do século 19 e início do século 20, que até os historiadores chamam de cinema de atrações, porque tudo é possível. Podiase - inclusive porque os filmes eram curtinhos — filmar uma corrida de cavalos, um passeio na cidade, viagens, uma luta de boxe, uma dançarina...

Até 1920 tem-se essa experimentação? — Até antes. O drama ganhou espaço e se transformou no que havia de principal num espetáculo cinematográfico a partir de 1910. Houve um ponto de inflexão, digamos, em 1908 mais ou menos, em que aquela variedade toda começa a desaparecer e esse filão ligado ao drama se consolidou como o grande gênero do espetáculo.

0 drama se transformou no que havia de principal em um filme a partir de 1910


■ Isso já com oD.W. Griffith (1875-1948)? — Sempre me refiro ao Griffith porque é uma figura simbólica, mas não foi o único. Ele era o principal cineasta dos Estados Unidos, mas havia também, paralelamente, o mesmo tipo de desenvolvimento na França, na Itália. ■ E temos uma história que vai nessa direção até 1950. — É, praticamente. Isso permaneceu como uma conquista que está presente até hoje. O cinema industrial, o cinema que é a experiência do grande público, é o mesmo. Há pequenas mudanças de estilo, pequenas alterações no conteúdo das coisas, mas, em termos de princípio básico, isto que se consolidou entre 1908 e 1917 compôs um sistema de representação, vamos dizer assim, porque há determinadas regras e cuidados que têm que ser tomados. Há maneiras de estabelecer certas relações que se você não fizer desse jeito pode confundir o público em termos de construção de espaço, construção de tempo e de caracterização de personagens. E o gênero que mais fez avançar esse processo foi o melodrama. ■ Como o senhor recorta o melodrama dentro da experiência da narrativa dramática no cinema? — Dentro daquele princípio do Diderot, "é preciso ser ilusionista, é preciso dar importância à encenação", há uma relação muito forte entre o gênero melodrama e essa idéia de que a visualidade do espetáculo, aquilo que é dado para o olhar, é o arcabouço maior dos efeitos procurados. Um melodrama em geral se caracteriza por dar muita importância à ação, ao enredo, às peripécias. Ao mesmo tempo dá importância à representação das emoções, tem uma marca toda de intensidade. O melodrama, gênero criado em torno de 1800, foi um tipo de peça escrita para ser falada normalmente como qualquer outra peça. Quando há essa idéia de que o que deve se expressar no teatro são as emoções, os sentimentos, e as lutas entre o bem e o mal, o corpo ganha muito mais importância do que antes. E os olhares também, porque a partir daí fica muito conveniente passar a construir o próprio enredo através de situações nas quais alguém vê alguma coisa, e essa visão traz novas revelações a respeito da situação das personagens. Então, o olhar não apenas passa a ter maior im86 ■ DEZEMBRO DE 2003 • PES0UISA FAPESP 94

portância na relação entre a cena e o público, mas também na própria maneira como se desenham os conflitos entre as personagens. O olhar passa a ter um papel muito importante, que é o que acontece com o cinema. ■ Mas no cinema isso não se tornou ainda mais importante? — Obviamente, no cinema mudo essa questão do olhar foi potencializada e a busca do rosto na tela e aquilo que ele é capaz de expressar têm duas dimensões. Uma é a dimensão de expressar a interioridade, a emoção. Mas existe o outro lado, que é o de expressar uma intenção e um interesse da personagem. Nós todos, até hoje, quando vamos ao cinema, acompanhamos o desenvolvimento das ações, e olhar é um dos grandes indicadores que se oferecem para o espectador: as referências espaciais e aquilo que uma personagem investe numa relação ou deixa de investir, aquilo que demonstra os interesses etc. Quer dizer, a coisa mais normal até hoje no cinema é um dispositivo que desde aquela época foi criado, que é esse de você ter uma personagem que faz uma expressão qualquer e olha para alguma coisa, olha em off, e em seguida vem a resposta à idealização do espectador, porque, quando você tem uma imagem como essa, a primeira pergunta é: "O que é que ele está vendo?" Aí o cinema responde, o cinema clássico faz muito isso, esse jogo de pergunta e resposta o tempo todo. ■ Por que a escolha, em seu livro, particularmente deAlfred Hitchcock (18991980) como um dos pilares do cinema? — São dois pólos. O primeiro pólo é o fato de que, do ponto de vista teórico, o livro reúne uma série de textos nos quais o meu interesse é discutir essa passagem do teatro para o cinema. O pessoal que defendia o cinema como uma arte, que procurava convencer os intelectuais e o público de elite de que valia a pena assistir aos filmes e que aquilo era uma nova forma de expressão muito rica, partia da hipótese de que sua tarefa maior era separar o cinema do teatro. Era dizer: cinema não é teatro filmado. O eixo mais importante dessa passagem é o melodrama. Porque o cinema é a arte popular do século 20, tal como o melodrama era a arte popular do século 19. E hoje o melodrama continua sendo a arte popular, porque a novela de televi-

são, um grande espetáculo de grande audiência, é uma nova versão do melodrama. Eu faço uma discussão teórica na qual, em primeiro lugar, está lá Griffith como uma figura-chave da formação do cinema clássico, e está lá Hitchcock, porque é o apogeu. Se pegarmos a primeira metade do século, principalmente, o grande mestre capaz de se movimentar à vontade nesse sistema clássico e ao mesmo tempo comentá-lo dentro dos seus próprios filmes é o Hitchcock. Assistindo a seus filmes, temos um primeiro nível de experiência que é acompanhar a história normalmente. O segundo nível de experiência é observar de que modo aquela história é um grande comentário sobre o cinema. ■ E por quê? — No cinema de Hitchcock a questão do olhar vem ao centro. Muito do que acontece com as próprias personagens está vinculado à forma com que elas exercem o olhar, e de que modo, dentro do próprio filme, se dá essa relação entre o olhar e a cena. A questão toda de Hitchcock é a seguinte: olha, vocês estão aqui no cinema por quê? Não vamos ser moralistas, vocês estão aqui porque querem ver o crime. Se não virem, vão ficar frustrados. Vocês estão aqui porque querem, de uma certa forma, ter uma experiência na qual, identificados com as personagens, ou com as aflições das personagens, estarão cometendo um crime por procuração. O cinema não existe para dar lição de moral em ninguém, mas para oferecer a todos a oportunidade de canalizar a agressividade que todos têm para um momento que seria algo parecido com uma catarse. A teoria de Hitchcock é a seguinte: olha, é bobagem esse moralismo de ficar criticando a violência no cinema, porque o espectador não vai ao cinema para aprender a usar aquilo. O que nós temos de mais importante é que o espectador vai ao cinema para ter, entre aspas, aquela experiência viçaria de viver a transgressão encarnada nas personagens e na violência que está lá na tela, é exatamente como forma de ter uma válvula de regulagem. ■ O Billy Wilder (1906-2002) não fazia a mesma coisa? — Quando o Billy Wilder trabalha a questão do cinema, a forma como ele era irônico em relação à indústria cinema-


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" tográfica foi na direção de trabalhar as mitologias: como as pessoas, os próprios atores e atrizes etc. vivem um determinado tipo de experiência enquanto figuras centrais do star system, e o que isso pode causar de caricatural. Posso citar como exemplo, Crespúsculo dos Deuses, ou quando ele faz a comédia O Pecado Mora ao Lado, com Marilyn Monroe, ■ Hitchcock teria um trabalho mais universal no olhar sobre o que é o cinema? — Hitchcock fala da linguagem e faz um negócio que é interessante porque identifica o cineasta com aquele que comete o crime perfeito. Isso é interessante: o que é cometer o crime perfeito? É criar, no lugar do que aconteceu, simular uma ficção capaz de convencer as pessoas de que a verdade foi outra. Um Corpo Que Cai é isso: o crime é perfeito. Na época, isso foi um pouco estranho porque, realmente, o criminoso sai no meio do filme. Conseguiu o que queria e vai embora. ■ Como se o filme terminasse ali. — Em dois terços do filme, o criminoso desaparece de cena. E o que é que Hitchcock fez o tempo todo? Ele criou um filme. O genial é que não basta criar um filme, tem que criar o olhar adequado para assistir àquele filme. Então, o que o criminoso tem que fazer para esconder o seu gesto e colocar no lugar dele uma outra ordem de acontecimentos? Tem que simular, e a simulação tem que ser eficaz, porque ela é feita para um determinado olhar. A indústria do cinema faz exatamente igual ao criminoso, ou seja, ela cria a história e ao mesmo tempo supõe uma platéia que tem uma certa constituição. O cinema eficaz, em termos de mercado, é o cinema capaz

™ Para Hitchcock, ninguém vai ao cinema interessado em tomar lições de moral 1

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A A de fazer exatamente isso: criar a cena, mas não só a cena, saber que tipo de olhar tem que ser endereçado à cena, e saber que a platéia, que é o alvo, terá aquele olhar, e terá aquela constituição que você supõe que ela tenha. Então aí o jogo se fecha. Como a história de Um Corpo Que Cai: é a relação entre o cinema e o seu público. Bom, esse é um lado da história, é uma discussão minha do melodrama e desse percurso do cinema clássico desde a sua formação até esse momento que eu chamo de a ironia de Hitchcock e que revela todas as regras do jogo. E o outro lado é aquela parte, que é a segunda metade do meu livro, que é a relação entre teatro e cinema no Brasil, e eu tomei aí como centro a figura de Nelson Rodrigues por vários motivos. O primeiro é porque ele representa uma exceção. ■ Exceção pela quantidade de produções cinematográficas baseada na obra dele? — Sim. Nós não temos no Brasil uma forte relação entre teatro e cinema. Claro que sempre houve filmes que adaptaram peças. Mas, embora tivéssemos um teatro que durante muito tempo encenou melodramas, a nossa força maior sempre esteve na comédia, com uma enorme tradição que inclui o teatro de revista de um lado e a chanchada de outro. E é curioso ver as exceções: O Ébrio, de Gilda de Abreu, um filme de 1946, é um dos poucos melodramas de grande sucesso na história do cinema brasileiro. Nos anos 1950 a coisa se dá no mesmo tom. Quer dizer, a Vera Cruz, que teve um projeto industrial forte, conseguiu ganhar ressonância com dramas, como O Cangaceiro. Mas em termos de um diálogo do cinema com autores teatrais o primeiro diálogo efetivo, que hoje soma

20 filmes e dura 50 anos - e já está sendo anunciado um novo filme, Vestido de Noiva -, se dá com Nelson Rodrigues. ■ Quando estrutura seus ensaios sobre esse diálogo entre o teatro e o cinema, Nelson Rodrigues e os cineastas, o senhor analisa vários momentos diferentes. — São vários momentos. Tem um filme, isolado lá atrás, que é Meu Destino É Pecar, de 1952, que não parte do teatro, é a adaptação de um folhetim de grande sucesso nos jornais que ele escreveu com o pseudônimo de Suzana Flag, no final dos anos 1940. Foi o primeiro e único nos anos 50. Apesar de Nelson ter começado a escrever as ditas tragédias cariocas em 1951, já havia peças como A falecida e outras. Com exceção desse primeiro filme, houve um silêncio do cinema em relação a Nelson Rodrigues nessa década. ■ Quais as razões desse silêncio? — Tinha a censura. Mas também o fato de que, por exemplo, no cinema do Rio de Janeiro, o filão era a chanchada. E em São Paulo, a Vera Cruz e suas sucessoras tinham os seus dramaturgos de plantão. Por exemplo: Abílio Pereira de Almeida, autor teatral, que era sócio e roteirista da Vera Cruz. Agora, há outro aspecto que eu abordo no livro que é a virada dos anos 1950 para os 1960. Existe um fenômeno, que é internacional, que é a potencialização do erotismo e uma certa liberação geral da sexualidade no cinema, que tem certos ícones. O maior deles era Brigitte Bardot. ■ E, no Brasil, Norma Bengell. — É. Que curiosamente, numa chanchada, imitou Brigitte. E depois temos no cinema europeu uma alteração dos padrões de representação da sexualidade, as cenas de cama começam a ser mais trabalhadas, a nudez etc. No Brasil, nós tivemos uma virada semelhante, porque nesse início dos anos 1960 ocorre a adaptação do Boca de Ouro, de Nelson Pereira dos Santos, em que tínhamos o famoso concurso dos seios das mulheres, e o filme do Ruy Guerra, Os Cafajestes, em que Norma Bengell tinha uma longa seqüência de nu frontal na praia. Nesse momento, foram feitos seis filmes a partir de Nelson Rodrigues: Boca de Ouro, A falecida, O beijo, Bonitinha mas ordinária, Asfalto selvagem e Engraçadinha depois dos 30. PESQUISA FAPESP 94 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ 87


■ Esse também não é o momento de começo do Cinema Novo? — Isso é interessante: o Cinema Novo, muito mobilizado pelo debate político, um cinema que tinha como uma de suas dimensões centrais a tematização da vida social brasileira, não adaptou os dramaturgos que poderiam ser considerados afinados com ele. Note a inversão que há: Dias Gomes, que era um dramaturgo de esquerda, tem uma peça chamada O pagador de promessas e quem a adapta é Anselmo Duarte, que não tem nada a ver com o Cinema Novo em termos ideológicos. ■ Por que o Cinema Novo não estabeleceu relações com os dramaturgos identificados com ele? — Nos longas metragens isso de fato não ocorreu. Vamos pegar o caso do Arena, onde estavam Gianfrancesco Guarnieri e Roque Veiga Filho. Guarnieri tinha a peça Eles não usam blacktie escrita em 1958 e encenada com sucesso, portanto indicadora de uma possível adaptação. Não foi. A peça adaptada foi Gimba, por Flávio Rangel, que também não era do Cinema Novo. Tínhamos o Roque, que viria a ser ator do Cinema Novo, e não teve peça dele adaptada. O próprio Jorge Andrade, quem adaptou, de novo, foi Anselmo Duarte em Vereda da salvação. E Eles não usam black- tie viria de Leon Hirszman em 1980. Nelson Rodrigues, visto como um dramaturgo de grande monta, mas ao mesmo tempo um homem conservador, é quem vai ser adaptado por dois cineastas muito comprometidos com o realismo, Nelson Pereira, a seu modo, e Leon Hirszman. ■ Havia uma opção pela não adaptação de peças no Cinema Novo? — Uma das características do Cinema Novo era não ter essa tônica. As adaptações que aconteceram foram um pouco por circunstâncias. Glauber Rocha, por exemplo, jamais iria adaptar peças dos outros. Na verdade, o Cinema Novo estava preocupado em dialogar com a literatura. ■ A falta de diálogo entre os dramaturgos de esquerda e o Cinema Novo teve razões políticas ou meramente estéticas? — O Cinema Novo reivindicou para si o direito à liberdade de expressão do au88 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ PESHUISA FAPESP 94

tor e o direito a uma subjetivação bem marcada dos seus filmes, coisa que do ponto de vista do Centro Popular de Cultura (CPC) - onde os dramaturgos de esquerda faziam parte de seus trabalhos — não era propriamente o programa. O Cinema Novo polemizou muito com o CPC e houve um afastamento. Quando vemos o diálogo com o dramaturgo, ele se deu com Nelson Rodrigues. E esse diálogo vai ser retomado nos anos 70, aí numa outra chave, por Arnaldo Jabor. Como ele conhecia até pessoalmente Nelson Rodrigues e tinha uma experiência teatral mais marcada, conseguiu sintetizar nos seus dois filmes, Toda nudez será castigada e O casamento, o melhor diálogo com o dramaturgo. Toda nudez... é a mais bem-sucedida adaptação da obra de Nelson porque Jabor soube explorar os tons da tragicomédia que melhor expressam as conexões entre o que acontece no mundo privado, nesses dramas de família, e o contexto mais amplo da história do Brasil num determinado momento. Então, Jabor, e aí seguindo a tradição do Cinema Novo que sempre estava querendo representar o país, estava sempre querendo discutir as coisas numa escala muito ampla. ■ Depois da fase dos seis filmes sobre peças de Nelson Rodrigues, de 1962 a 1966, o que aconteceu? — Houve um período de silêncio, rompida em 1972 com o Toda nudez... Mas no meio houve uma coisa fundamental, que é o Tropicalismo. Aí, várias coisas acontecem. A primeira delas é o uso de estratégias que a gente chama de antropofágicas, inspiradas na obra e idéias de Oswald de Andrade, no sentido de apropriação do discurso do outro, a paródia, a ironia, a idéia de que fazer a crítica de um certo estado de coisas no Brasil podia acontecer não apenas através dos dramas do Cinema Novo. ■ Esse é o momento também do lançamento de Macunaíma. — É o momento de um diálogo grande com a literatura. Tem também Os deuses e os mortos, de Ruy Guerra, que dialoga um pouco com Jorge Amado. Há um tipo de transformação no cinema brasileiro em que se dá e prepara, digamos assim, o clima para o qual Jabor faz a sua intervenção. No final dos anos 1970, aí sim tem um lado fortíssimo de

uso de Nelson Rodrigues como chamariz, porque já havia esse clichê das peças que tinham muito sexo, muito erotismo em Bonitinha mas ordinária, Os setegatinhos, Álbum de família, Perdoa-me por me traíres, Beijo no asfalto. São todos filmes naturalistas, nesse sentido de serem bastante convencionais como cinema. É quando se vulgariza a relação do cinema com Nelson Rodrigues. ■ Isso não ocorreu também pela situação política da época? — Em parte. Mas teve muita coisa boa feita no cinema brasileiro entre 1972 e 1980, embora estivéssemos sob o regime militar. Joaquim Pedro de Andrade fez grandes filmes, Os inconfidentes, Guerra conjugai, o Leon Hirszman fez São Bernardo, depois fez ...black-tie, Nelson Pereira dos Santos fez O amuleto de Ogum, Tenda dos milagres. Jabor fez os dois de Nelson e ainda o Tudo bem, que não tem adaptação, mas é rodriguiano. ■ Quando Jabor tentou fazer Jabor, ele na verdade fez Nelson Rodrigues. — É, porque a afinidade é muito grande, e vai ser a mesma afinidade do cronista. Quando Jabor vai para os jornais ele vai trazer esse imaginário todo que é uma mistura. Ele junta Glauber de um lado, Cinema Novo, e Nelson Rodrigues de outro. Jabor é alegorista como Glauber, gosta de fazer grandes diagnósticos. O momento para mim mais denso e mais interessante do diálogo com Nelson é o que Jabor nos ofereceu. E aí as relações com o conjunto da representação, não por acaso, são as mais bem resolvidas. No momento em que eu falo de Jabor, no meu livro, a questão que eu levanto no início, que é a tradição do melodrama e a tradição da representação clássica burguesa, reaparece com força, porque a gente poderia fazer uma analogia, assim como eu vou de Griffíth a Hitchcock, eu vou, no mundo da adaptação de Nelson Rodrigues, do filme gótico, melodramático, bem chapado, que é Meu destino é pecar, a Jabor. O Jabor é o momento da consciência e da ironia. ■ E quanto ao cinema contemporâneo? — O cinema hoje já está vivendo realidades novas que em parte dialogam com esses outros momentos que eu analiso. Hoje temos um cinema brasileiro


que, em parte, na sua dramaturgia, está colecionando uma galeria de figuras masculinas frustradas, que não conseguem dar conta das coisas. Um problema central no cinema brasileiro e, em parte, do cinema mundial é usar crianças como protagonistas. Elas são os personagens recorrentes e de maior sucesso no cinema mundial hoje. Isso ocorre, primeiro, porque há a questão de uma geração que perdeu a referência paterna e, de outro lado, tem o desencanto total com a história. Hoje é muito difícil assistir a um filme e aceitar a figura de um adulto herói. As personagens positivas hoje são muito difíceis de serem verossímeis, há uma certa desconfiança do mundo. Percebemos que nos dramas sérios há uma situação na qual é muito difícil trabalhar personagens positivas, que se coloquem como heróis potentes e com capacidade de decisão. Acabamos tendo um sentimento de que realmente a personagem que pode ser tratada com seriedade e simpatia, positivamente representada, portadora de valores com os quais as pessoas se identificam, é a criança. Vários filmes ganharam festivais internacionais com criança como protagonista, nos últimos anos. O próprio Walter Salles, com Central do Brasil. Essa também é a força de Cidade de Deus: primeiro, porque são personagens crianças e segundo, porque os garotos são atores extraordinários. ■ Como o senhor vê a relação entre o teatro e o cinema hoje no Brasil? — Se pegarmos o núcleo de Guel Arraes na TV Globo, vemos que ele trabalha com peças de Ariano Suassuna, Auto da Compadecida, e de Osman Lins, Lisbela e o prisioneiro. Guel está com um projeto nítido de incorporar uma tradição de um teatro voltado para a cultura popular e jogá-lo tanto na TV quanto no cinema. É um projeto que está aproximando a televisão comercial do cinema, coisa inédita no Brasil.

corporação que é economicamente forte, que tem uma capacidade publicitária enorme. Se as coisas continuarem como estão, daqui a pouco nós vamos ter um divisor de águas. A minha visão é otimista, do ponto de vista estrito da produção. O cinema brasileiro mais criativo e autoral sempre teve dificuldades no mercado, já que disputa espaço com o cinema hollywoodiano. O fato de surgir dentro da própria produção brasileira um grupo forte que, associado a determinados cineastas competentes, vai gerar um filão de grande sucesso, e que pode criar problemas de espaço no mercado para outros cineastas brasileiros, provocará um deslocamento dos diabos. Isso internaliza o conflito, o que já é bom. Prefiro que o cinema brasileiro reclame da Globo do que de quem não nos ouve. ■ A tecnologia melhorou o cinema brasileiro nos últimos anos? — No passado, tínhamos salas de exibição muito ruins e isso melhorou. Hoje, há uma alteração substancial na forma como se faz o que se chama de pós-produção, tudo aquilo que acontece depois do que se filma. De um lado, o equipamento e a infra-estrutura para isso baratearam, por outro, hoje se faz muito isso fora do Brasil, coisa que não se fazia antes. O cinema de um modo geral agora tem um som melhor. Então seria injusto dizer que não houve melhoria técnica. Mas, além de tudo, há o seguinte: o cinema dos anos 1990 criou uma espécie de ponto de honra. Temos um cinema que quer se legitimar diante da sociedade. ■ Diante da sociedade brasileira e também para exportar. — Tudo bem, mas acho que o primei-

ro problema que o cineasta tem hoje é a vontade de ter uma boa imagem diante do grande público, o mesmo público que assiste à televisão. É diferente de outras épocas em que tínhamos o filme de arte ou um filme comercial bastante insatisfatório. ■ A partir de quando surgiu essa preocupação dos cineastas brasileiros? — Foi nos anos 1990. E veja bem como a coisa é deliberada, porque não era necessário que assim fosse. Os filmes estão sendo produzidos pelas leis de incentivo fiscal, ou seja, há renúncia do governo que, em vez de receber o imposto, faculta a uma empresa canalizar o dinheiro, que é público, para a produção. Quando o cineasta recebe o dinheiro, quem lhe deu esse dinheiro já não está mais cobrando dele o retorno. Então ele podia fazer o filme que bem entendesse sem se preocupar com o público. Mas o que está acontecendo é o contrário: os cineastas acham, hoje, que a melhor maneira de aplicar esse dinheiro é em filmes comerciais mesmo, para o mercado. Porque acreditam que, se não houver essa alteração de imagem da sua própria profissão, não terão cacife político para cobrar do governo a continuidade das leis. A maneira de o cinema brasileiro se legitimar e continuar a ter apoio no plano legislativo é ele ter apoio da sociedade. Conseguir esse apoio significa que as pessoas, quando você fala em cinema brasileiro, vão dizer: "Legal, assisti a tal filme, é bom, o cinema brasileiro melhorou". Isto é importante para cada vez que os cineastas forem falar com o Ministério da Cultura, com o presidente, seja lá com quem for. Ou com o Congresso. •

■ Mas não é também um risco? — Pode ser perigoso. Isso está se consolidando, com esses sucessos atuais todos, Cidade de Deus, Deus é brasileiro, Carandiru, Lisbela e o prisioneiro, O auto da Compadecida, Os normais. O cinema brasileiro vai ficar dividido entre os que estão no esquema da Globo e os que não estão. Para os independentes, é um problema, porque vão competir com uma PESQUISA FAPESP 94 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ 89


I HUMANIDADES FEMINISMO

Re corpo :

nteiro

Textos da revista Estudos Avançados oferecem um rico panorama da situação das mulheres no Brasil hoje MARILUCE MOURA

Um retrato complexo, multifacetado e extremamente revelador da condição feminina no Brasil emerge das quase 300 páginas do dossiê Mulher, mulheres, parte substancial da edição 49 de Estudos Avançados, revista quadrimestral do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), publicada neste mês de dezembro. No conjunto dos 17 textos que o compõem, há lugar para a apresentação de duros resultados de pesquisa científica sobre, por exemplo, o trabalho e as diferentes faces da violência que se abate (ainda) sobre a mulher na sociedade brasileira. Mas há espaço também para reflexões mais filosóficas, para olhares inspirados e muito pessoais sobre as grandes construções míticas da idéia do feminino e até para a pura poesia. E há páginas disponíveis ainda para novos relatos sobre conhecidas personagens que têm lugar garantido em qualquer galeria de mulheres extraordinárias que marcaram a cena nacional no século 20. Do percurso por essa diversidade de textos, por essa fragmentação de pro90 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ PESQUISA FAPESP 94

pósitos, sai-se com a surpreendente sensação de que raras vezes uma revista, sem a pretensão de dar tratamento exaustivo ao tema, ofereceu uma visão tão clara e abrangente sobre a experiência de ser mulher no Brasil hoje. Como se, à maneira de certas propostas plásticas com a fotografia, um corpo inteiro se insinuasse pela colagem de pedaços que não necessariamente se encaixam. Para dar uma idéia desse dossiê, vale começar por aquilo que se tenta espelhar por meio da palavra na forma singular de seu título: mulher. É do coletivo, da condição feminina em geral, que aqui se trata, nos vários artigos voltados para a "realidade concreta da sexualidade, da fecundidade, da cidadania, do trabalho, da cultura humanística, científica e artística", como explica o editorial da publicação. Trabalho subvalorizado - Lancemos um olhar ao campo do trabalho: encontramos em 2001 as mulheres representando 41,9% da População Economicamente Ativa (PEA) do país, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), realizada pelo Instituto Nacio-

nal de Geografia e Estatística (IBGE). Em números absolutos, isso significa que pouco mais de 38,8 milhões de brasileiras estavam no mercado de trabalho como ocupadas ou desempregadas. Quase metade das ocupadas naquele momento trabalhava como assalariada, mas era alto "o percentual de mulheres que se ocupava na condição de empregadas domésticas (18,3%), de autônomas (16,3%) ou mesmo que exercia trabalho sem remuneração (9,6%), o que evidencia a vulnerabilidade do trabalho feminino", observam, no artigo "O trabalho da mulher e as negociações coletivas", as sociólogas Solange Sanches e Vera Lúcia Mattar Gebrim, ambas do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a primeira, coordenadora de pesquisas e a segunda, supervisora do Banco de Dados Sindicais. A partir da análise dos dados disponíveis da PNAD, elas comentam que um grande contingente de mulheres reproduz, no mercado de trabalho, atividades semelhantes às que realizam no âmbito doméstico, "educando crianças ou cuidando de idosos e doentes, trabalhando, sobretudo, em setores ligados à edu-


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cação e à saúde". Assim, a prestação de serviço nesses campos empregava 48,7% das mulheres ocupadas em 2001. Se o caráter vulnerável da inserção feminina no mercado é demonstrado por esse perfil de ocupação, pelos arranjos precários de contratação e pela desigualdade na remumeração - as mulheres obtinham para funções comparáveis, no ano da pesquisa, 66% do rendimento dos homens, na média, e 85%, no caso dos contratos de trabalho com carteira assinada -, ele torna-se ainda mais evidente com os dados de desemprego. Suas taxas entre as mulheres mostramse sistematicamente superiores às masculinas, segundo a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, São Paulo e Distrito Federal. É certo que a ampliação do desemprego foi generalizada e atingiu todos os segmentos nos últimos anos. Mas "pelo menos a partir da década de 1990, na Região Metropolitana de São Paulo, esse fenômeno passou a ser sobre-representado pelas mulheres, quando começaram a corresponder a mais da metade

desse contingente, a despeito de sua taxa de participação ser consideravelmente menor que a dos homens", dizem no artigo "O sobre-desemprego e a inatividade das mulheres na metrópole paulista" as economistas Guiomar de Haro Aquilini, da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) e Patrícia Lino Costa, do Dieese. O desemprego total em 2002 nessa região foi de 16,4% entre os homens e de 22,2% entre as mulheres, contra, respectivamente, 7,5% e 10,7%, em 1989, segundo pesquisa do convênio Seade-Dieese. "As mulheres negras de até 24 anos foram as maiores vítimas da seletividade do mercado de trabalho, apresentando uma taxa de desemprego de 43,1% em 2002, muito superior ao observado em 1989 (19,6%)", dizem as autoras. Mudanças no front científico - Há notícias um tanto animadoras, entretanto, no vasto campo do trabalho. Por exemplo: a participação das mulheres em ciência e tecnologia no Brasil está crescendo, "apesar de as chances de sucesso e reconhecimento na carreira serem ainda reduzidas", segundo Jacqueline Leta,

professora-adjunta do Departamento de Bioquímica Médica do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no artigo "As mulheres na ciência brasileira: crescimento, contrastes e um perfil de sucesso". Explique-se já que a última parte do título do trabalho refere-se a uma grande cientista brasileira, nascida em 1922 na Tchecoslováquia: Johanna Dõbereiner, microbiologista reconhecida principalmente por sua descoberta de bactérias fixadoras de nitrogênio em plantas tropicais - que permitiu, entre outras coisas, uma economia gigantesca com adubos nitrogenados na cultura de soja no Brasil. Johanna, falecida em 2000, aos 78 anos, chegou a ser indicada para o prêmio Nobel de Química em 1997, mas não foi contemplada. Jacqueline Leta queixa-se em seu artigo da escassez de dados sistemáticos sobre a formação e o perfil dos recursos humanos na educação superior e na ciência no país. Mas manejando os números disponíveis constata que em 2001 as mulheres representavam 56,3% do total de matrículas na graduação das universidades brasileiras (pouco mais PESQUISA FAPESP 94 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ 91


de 3 milhões) e 62,4% do total de concluintes dos cursos universitários. A maior presença de mulheres na academia certamente facilitou, segundo ela, sua incorporação aos quadros das universidades brasileiras, "mas é importante destacar que as mulheres ainda são minoria no sistema universitário público e representam hoje, em 2003,34% do total dos docentes ativos da Universidade de São Paulo (USP)". A pesquisadora toma também dados do Diretório de Grupos de Pesquisa no Brasil, elaborado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), para afirmar que "é possível identificar uma tendência de crescimento na fração de mulheres" que atuam como pesquisadores e pesquisadores-líderes (coordenadores) nesses grupos, o que indica sua maior inserção no sistema, não só como estudantes, "mas como atores de maior reconhecimento e maior qualificação hierárquica". De fato, se em 1997 as mulheres representavam 42% dos 33.675 pesquisadores computados, e 37,3% dos 10.474 que dentro do total assumiam a função de líderes, em 2002 elas já representavam 45,7% dos 56.891 pesquisadores registrados e 40,7% dos 21.062 líderes. Assim, "é razoável prever que, no próximo senso, as frações de pesquisadores homens e mulheres se aproximem ainda mais e, mais à frente, também se aproximem as frações referentes aos pesquisadores-líderes", diz Leta. Por outro lado, contudo, observando as tabelas de concessão de bolsas pelo CNPq, que registram o crescimento da proporção de mulheres bolsistas, mas indicam também uma redução dessa evolução à medida que cresce o nível hierárquico da bolsa, ela comenta que há aí a sugestão da existência de "algum tipo de discriminação no sistema, especificamente na questão das bolsas de produtividade, as de maior nível hierárquico". A tabela que ela apresenta mostra que a participação das mulheres nas bolsas de iniciação científica passou de 54,87% em 2001 para 55,10% em 2002; nas de mestrado, passou de 50,93% para 52,87% no mesmo período; nas de doutorado, de 48,60% para 48,38%; nas de recém-doutor, de 47,74% para 49,73% e nas de produtividade em pesquisa, passou de 32,07% para 32,25% no mesmo período. Jacqueline Leta toma outros dados, relativos à UFRJ, para questionar as chan92 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ PESQUISA FAPESP 94

ces de sucesso das mulheres brasileiras em ciência e tecnologia. "As mulheres representam hoje, em 2003,43,7% do total de docentes na universidade. No entanto, elas ocupam somente 24% dos cargos administrativos da instituição", diz. Dados da eleição de membros da Academia Brasileira de Ciências também lhe servem para demonstrar o quanto as mulheres ainda têm que batalhar para afirmar sua presença num universo até poucas décadas quase exclusivamente masculino. Por exemplo: entre os 356 acadêmicos titulares ativos em 2003, as mulheres são apenas 26, ou seja, 7,36%. Já entre os acadêmicos associados, "uma posição certamente de menor prestígio", elas são 25 num total de 88, ou seja, 28,4%. Por fim, para relativizar a situação brasileira, Leta lembra que a segregação hierárquica em ciência e tecnologia não é exclusividade de países em que a atividade acadêmica e científica é recente. Nas universidades dos Estados Unidos, por exemplo, em 1995 as mulheres representavam cerca de 46% entre os instrutores, 35% entre os professores assistentes, 25% entre os professores associados e 11% entre os titulares. De dependentes a provedoras - Conclusão surpreendente sobre as mulheres brasileiras aparece no artigo "Mulher Idosa: suporte familiar ou agente de mudança?", de Ana Amélia Camarano, coordenadora da área de Estudos Populacionais e Cidadania e professora do

mestrado em Estudos Populacionais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence), vinculada ao IBGE. "O que parece estar acontecendo é que as mulheres, quando envelhecem, passam do seu papel tradicional de dependentes para o de provedoras. Esta, dentre outras mudanças, tais como o aumento das famílias de três gerações, tem levado a que os idosos, de uma maneira geral, estejam liderando uma mudança social de grande porte." Trata-se de conclusão extraída de um trabalho que analisa cuidadosamente as mudanças nas condições de vida das idosas brasileiras (com mais de 60 anos) entre 1980 e 2000, levando em conta diferenciais por cor e considerando quatro dimensões de sua vida: saúde, renda, participação na atividade econômica e arranjos familiares. E um dos principais dados que sustentam essa conclusão é que, nas famílias de idosas - ou seja, aquelas chefiadas por idosas ou nas quais elas são cônjuges -, sua renda contribuiu, em 2000, com 46,4% do orçamento familiar, enquanto nas famílias com idosas - aquelas em que elas vivem na condição de mães, sogras ou têm outro grau de parentesco com o chefe -, sua renda contribuiu com 26,4% desse orçamento. A contribuição específica do benefício previdenciário chegou a 34,3% do orçamento na primeira situação e a 15,8%, na segunda. E, "em muitos


casos, o benefício social constituiu-se na única fonte de renda das famílias que, como já se viu, não são compostas apenas por idosos", ressalta Ana Amélia. O que mais chama a atenção nesse flagrante das entranhas da sociedade brasileira é que, dos 8 milhões de idosas brasileiras em 2000 (4,7% da população total do país, enquanto os homens idosos representavam 3,8%), apenas um quarto trabalhara na faixa etária de 40 a 59 anos - eram, portanto, economicamente dependentes. Seria impossível supor que em 2000, graças em grande parte à generalização dos benefícios previdenciários, inclusive na área rural, metade delas se encontraria na condição de chefes de família. Vale observar também que 17% das famílias brasileiras, em 2000, tinham idosas, e nesse conjunto nada menos que 84% se caracterizavam como famílias de idosas, o que indica redução acentuada da dependência dos mais velhos a outros membros da família. De violência e liberdade - A violência contra a mulher aparece no dossiê Mulher, mulheres no artigo "Violência contra a mulher e políticas públicas", de Eva Alterman Blay. A professora titular de sociologia da USP e coordenadora científica do Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero (Nemge) relata alguns resultados da pesquisa que conduziu a partir de 1995 sobre homicídio de mulheres em São Paulo, para

verificar como esse crime era tratado pela mídia, pelos boletins de ocorrência e nos processos judiciais. Entre esses resultados chama a atenção, por exemplo, o fato de a maior parte das vítimas desses crimes estar na faixa etária de 22 a 30 anos. A partir do levantamento de 623 ocorrências nas delegacias da capital paulista, com 964 vítimas, das quais 669 mulheres e 294 homens (e uma vítima sem identificação do sexo no boletim), a pesquisadora também observou que "cinco em cada dez homicídios são cometidos pelo esposo, namorado, noivo, companheiro, 'amante' (sic). Se incluirmos exparceiros, este número cresce: em sete de cada dez casos as mulheres são vítimas de homens com os quais tiveram algum tipo de relacionamento afetivo". Eva Blay comenta que "é marcante a dificuldade" de os homens aceitarem que a mulher rompa um relacionamento, tanto que "cerca de dois em cada dez crimes são cometidos por ex-parceiros". De qualquer sorte, vale registrar, como ela o faz, que há mudanças na maneira como os jornais hoje enfocam a violência contra a mulher. "O conteúdo do noticiário mostra uma clara tendência de mudança de linguagem. Se até a década de 1980 as vítimas eram apresentadas como causadoras de sua própria morte e havia um visível apoio aos assassinos, na última década do século 20 o noticiário se tornou mais investigativo, relativamente neutro e com certa tendência a questionar julgamentos que facilita-

vam a fuga dos réus", diz. No entanto, no âmbito da Justiça, permanece altíssima a impunidade aos crimes. Numa amostra representativa de 81 processos, 50% dos casos foram arquivados, basicamente porque os criminosos não foram identificados, e 24% estão suspensos, porque os réus estão foragidos. O universo feminino, de qualquer sorte, não pode ser percebido somente por essas zonas melancólicas de sua experiência contemporânea. Por isso é importante destacar que merece leitura atenta no dossiê Mulher, mulheres a reprodução das palavras de agradecimento da filósofa Marilena Chauí pela homenagem da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, a propósito do título de Doutor Honoris Causa que ela recebera da Universidade de Paris VIII, em junho de 2003. Explicando ali por que aceitara a honraria, ela diz: "Num mundo acadêmico hegemonicamente masculino, considero intolerável a solidão das mulheres e por isso, ao ser chamada ao palco de honra, nele subi para que nele estejam também as mulheres". Merece leitura atenta o belíssimo texto "O Tao da teia - sobre textos e têxteis", literário no mais alto nível, da escritora Ana Maria Machado, assim como as reflexões da filósofa Sueli Carneiro, diretora do Geledés Instituto da Mulher Negra, sobre a dupla luta das mulheres negras por seu espaço na sociedade brasileira, entre vários outros. • PESQUISA FAPESP 94 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ 93


RESENHA

Lições de história do dr. Pedro Nava Memorialista aborda os meandros da formação dos médicos no Brasil MARIA LUIZA

M. PEREIRA Pedro Nava

TERRITÓRIO _ Dentro das co1 DE f EPIDAURO memorações do centenário de nascimento do médico e memorialista Pedro Nava (1903-1984), a boa nova é a reedição de Território de Epidauro há muito tempo esgotado. Publicado em 1947, circulou entre médicos e público restrito. Apesar de os ensaios abordarem temas relativos à história da medicina brasileira, não podemos ler este livro hoje sem compará-lo com suas Memórias (19721983). Traçando as origens de nossa medicina, com sua prosa envolvente, Nava busca compreender quais os meandros da formação dos médicos no país e o comportamento peculiar dos doentes. Para avaliar a eficácia de uma medicina, ensina, devem ser conhecidas as crendices da população para a qual ela se propõe. Ambas são, portanto, manifestações da mesma cultura e, deste modo, mantêm entre si nexos mesmo que a princípio pareçam incongruentes. Se a medicina começou a se impor entre nós como "atividade científica" a partir do século 19, sob a influência da França, não significa que não tenha existido antes. Ao contrário, houve várias artes de cura e o crédito de tal florescimento seria, segundo Nava, do colonizador que trouxe de Portugal os saberes ditos populares e eruditos. A questão é que por muito tempo as duas instâncias compartilharam os mesmos segredos e formulações. Uma medicina preocupada em curar os males físicos, mas encarando-os como obra da ira divina ou da astúcia demoníaca. Portanto, ao lado de receitas úteis, testadas e aprovadas, encontram-se prescrições ditadas pela superstição e por concepções sobrenaturais das doenças. Daí os diversos rituais de purificação associados à ingestão do medicamento, alguns envoltos até em "laivo sacrificial", como a 24a receita do manuscrito do final do século 18 e início do 19 do português que viveu em Paracatu e de quem Nava traz a transcrição ao final do volume. Crenças entranhadas em nós em decor-

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rência da escassez crônica de médicos acadêmicos, Pedro Nava da grande extensão territorial, da dificuldade em importar medicamentos, Ateliê Editorial da longa viagem que os inutilizava, abrindo o ter248 páginas reno para a penetração de R$ 25,00 uma medicina "fabulosa, irreal e absurda". Em contrapartida, no século 19 a medicina moderna era introduzida no país seguindo os moldes da escola médica francesa com o ensino sistemático de fisiologia, patologia e clínica geral. Ensino baseado num "espírito de escola" que, entretanto, a medicina contemporânea tem perdido em nome da especialização. Se o médico não deve esquecer que a medicina é oriunda da experiência "dos primeiros que se fizeram médicos através do raciocínio: 'já vi moléstia igual, curada com tal remédio'" não há sentido, segundo Nava, em adotar o exame do "detalhe organicista e local" em detrimento de uma "concepção do organismo como um conjunto funcional sinérgico e global". A especialização é frutífera apenas quando concentra uma base teórica por meio do aprendizado constante e integral, num conjunto de áreas afins tendo em vista sempre o indivíduo como um todo. Observações pertinentes ainda hoje, quando os avanços da informação genética e digital tendem a levar à obsolescência do corpo humano. O que os doentes desejam quando procuram o médico? Segundo Nava: atenção, conforto, confiança e, evidentemente, a cura de seus males. Não são, portanto, muito diferentes daqueles gregos antigos que se dirigiam a Epidauro, buscando a intercessão de Esculápio. Território de Epidauro tem muito a ensinar aos médicos, mas também aos historiadores e a quem se dedica aos estudos literários pela sua dimensão humana nesta nossa época prenhe de tragédias.

Território de Epidauro

é doutora em Teoria e História Literária pelo Instituto de Estudos Literários da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

MARIA LUIZA MEDEIROS PEREIRA


LIVROS A Reforma da Previdência Social na América Latina

Pioneiros & Empreendedores: A Saga do Desenvolvimento no Brasil

Vera Schattan P. Coelho (organizadora) FGV Editora 256 páginas / R$ 26,25

Jacques Marcovitch Edusp/FAPESP 320 páginas / R$ 38,00

Obra reúne oito textos que analisam a onda de reformas previdenciárias nos países latino-americanos, especialmente nos anos 1990. O objetivo é entender por que algumas dessas reformas estruturais como, por exemplo, a do Chile, da Bolívia e do México foram tão radicais, enquanto em outros países, como Uruguai, Argentina e Costa Rica, elas foram moderadas.

Jacques Marcovitch escreve sobre como algumas figuras emblemáticas dos séculos 19 e 20 tiveram papel fundamental no desenvolvimento do Brasil. Ele escolheu figuras como Nami Jafet, Francisco Matarazzo, Ramos de Azevedo, Jorge Street, Roberto Simonsen, Júlio de Mesquita e Leon Feffer para contar a história socioeconômica do país.

Editora FGV: (21) 2559-5543 www.editora.fgv.br

Edusp: (11) 3091-4008 / 4150 www.usp.br/edusp ou edusp@edu.usp.br

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dívida externa brasileira nos anos 90 ei \m perspectiva rristõrlca:

Dívida Externa Brasileira nos Anos 90 em uma Perspectiva Histórica: Créditos Internacionais de Curto Prazo e "Estatização" da Dívida Luiz M. de Niemeyer Neto Educ/FAPESP 246 páginas / R$ 34,00

O autor faz um estudo aprofundado do papel da dívida externa brasileira sobre o desempenho da economia brasileira durante o século 20. Como o Brasil enfrentou diversas crises de endividamento no exterior, o livro é uma boa opção para quem desejar entender melhor essa questão.

Introdução à Geografia Cultural Roberto Lobato Corrêa e Zeny Rosendahl (organizadores) Bertrand Brasil 224 páginas / R$ 35,00

Coletânea de artigos clássicos e recentes de geógrafos estrangeiros e brasileiros. O foco do livro é a geografia cultural, subcampo da geografia que analisa a dimensão espacial da cultura. O objetivo do lançamento é contribuir para a difusão da geografia cultural, ainda longe de desfrutar, no Brasil, do mesmo prestígio que tem na Europa e nos Estados Unidos. Editora Bertrand Brasil Ltda.: (21) 2585-2070 Fax: (21) 2585-2087

EDUC:(11) 3873-3359 www.pi' ^p.br/educ

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ESCALADA DA;

A Escalada da Ciência

Entre o Jardim e a Horta: As Flores Que Vão para a Mesa

Brian L. Silver Editora da UFSC 772 páginas / R$ 60,00

Gil Felippe Editora Senac São Paulo 286 páginas / R$ 40,00

O inglês Brian Silver procura dar uma visão da melhor ciência produzida no mundo ocidental CIífCIA em linguagem acessível e agradável, ao estilo de Isaac Asimov, Carl Sagan ou Stephen Jay Gould ao contar a história das várias ciências, enfatizando o significado social e político das grandes descobertas. Sem ufanismo, o autor acredita que a ciência pode ter resultados desastrosos e insiste num diálogo mais constante com a ética.

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Editora da UFSC: (48) 331-9408 www.editora.ufsc.br

Um belo livro que descreve as flores comestíveis - algo que vai muito além das conhecidas couve-flor, brócolis e alcachofra. Fruto de pesquisa do botânico e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Gil Felippe, a obra reúne grande número de flores desse tipo e traz receitas até de séculos passados de pratos compostos com essas plantas. No final, há um lindo caderno com aquarelas da artista plástica Maria Cecília Tomasi, ilustradora botânica. Editora Senac São Paulo www.editorasenacsp.com.br PESQUISA FAPESP 94 ■ DEZEMBRO DE 2003 ■ 95


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CLASSIFICADOS

Pesquisa G

E

O

FISICA

IAG

UNICAMP

Vagas para professor titular

Pós-Graduação em Geofísica

I - Área

Estão abertas as inscrições para os cursos de Mestrado e Doutorado em Geofísica no IAG, com os seguintes prazos:

Projeto Mecânico e Mecânica dos Sólidos Faculdade de Engenharia Mecânica Departamento de Projeto Mecânico

Inscrições

USP

Mestrado: até 10/12/2003 (início março/04) Doutorado: a qualquer tempo.

Até 29/12/2003, publicação D.O.E., 27/9/2003, pág. 87

Mais informações: Tel.: (Oxxll) 3091-4755/4760 http://www.iag.usp.br

Disciplinas

Controle de Sistemas Mecânicos, Introdução à Engenharia de Controle e Automação, Laboratório de Circuitos Lógicos Mais informações

Margarida Seixas Maia Supervisora da Seção de Pessoal margarid@fem.unicamp.br (19) 3788-3209 UNICAMP

Vaga para professor titular

II - Área

Física da Matéria Condensada: Estrutura Eletrônica e Propriedades Elétricas, Magnéticas e Ópticas Instituto de Física Inscrições

Até 22/12/2003, publicação D.O.E., 22/9/2003, pág. 69 Disciplinas

Estrutura da Matéria, Estrutura da Matéria II, Física do Estado Sólido, Física Estatística, Física Geral I, Física Geral II, Física Geral III, Física Geral IV, Mecânica Quântica

Mais informações Jandira Aparecida Paula Campos - ATU secgeral@ifi.unicamp.br (19)3788-5301

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Área As Inter-Relações do Lazer na Sociedade Faculdade de Educação Física Departamento de Estudos do Lazer

Inscrições Até 15/12/2003, publicação D.O.E., 12/9/2003, pág. 54

Disciplinas Tópicos Especiais em Recreação e Lazer I

Mais informações Laisez Jael Cabral Puya - ATU laisez@fef.unicamp.br (19)3788-6603


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ESP

EXCELÊNCIA EM PESQUISA

VAGA PARA DOCENTE Estarão abertas, no período de 17/9 a 15/12/2003, as inscrições ao processo seletivo de provas para a contratação de um docente, na categoria de Professor Doutor, Referência MS-3, em Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP), na área de Planejamento e Modelagem de Recursos Hídricos, junto ao Departamento de Hidráulica e Saneamento da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) - Universidade de São Paulo (USP). ••• Maiores informações podem ser obtidas na Assistência Técnica para Assuntos Acadêmicos da EESC-USP, pelo telefone (Oxxlò) 273-9154. 0 Edital do processo seletivo pode ser acessado pelo link: http://www.shs.eesc.usp.br

o MUSEU DE ZOOLOGIA DA USP

Há mais de 115 anos o Instituto Agronômico ;ão da Agencia Paulista de Tecnologia dos Agronegócios, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, desenvolve pesquisas na área agronômica. A preocupação com o meio ambiente, o resultado das pesquisas em melhoramento genético e as novas técnicas de plantio são divulgados ao produtor por meio de boletins técnicos, dias de campo e revistas científicas. Essas informações viabilizam o cultivo de produtos mais saudáveis. Com a melhoria na qualidade e na quantidade dos alimentos, agrega-se maior valor de venda, gerando ganho de capital para o produtor, que passa a investir mais. fortalecendo o agronegôcio. Investir em pesquisa é almejar um mundo melhor no futuro.

VAGA PARA DOCENTE Estão abertas pelo prazo de 90 dias, a contar de 07/10/2003 a 4/01/2004, as inscrições ao Processo Seletivo de Provas para Contratação de 01 Docente na categoria de Professor Doutor, Referência MS-3, junto à Divisão de Difusão Cultural do MZUSP. Mais informações www.mz.usp.br e-mail mz@edu.usp.br

www.iac.sp.gov.br

I MM ICIMINTO

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ARTE FINAL

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Nosso papel ambiental.

Os três papeis mais importantes da Suzano.

Todo papel ou papelcartão Suzano é produzido com recursos renováveis: árvores de eucalipto de florestas plantadas especialmente para a produção de celulose. A tecnologia pioneira que tornou possível a utilização do eucalipto foi desenvolvida pela Suzano em 1955. Essa filosofia de inovação e desenvolvimento sustentável gerou mais um fruto: Reciclato, o primeiro papel off-set brasileiro 100% reciclado, produzido em escala industrial. A coleta das aparas pré e pós-consumo para a produção do Reciclato foi viabilizada por uma parceria inovadora com cooperativas de catadores de papel. Nosso papel social. A Suzano criou uma ONG que atua junto às comunidades em que a empresa trabalha. O papel do Instituto Ecofuturo é ajudar as pessoas carentes a descobrirem o caminho do desenvolvimento econômico em suas vidas pessoais, com preservação ambiental e justiça social. Nosso papel industrial. A Suzano produz aqui, com a mesma qualidade dos principais centros mundiais, papelcartão e papel para copiar, imprimir, escrever, desenhar e embalar. Nosso sistema de produção é certificado com a ISO 9000, o passaporte internacional da qualidade.

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Uma empresa que assume seu papel. ..


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