Ao vencedor, bons sonhos

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Ciência eTecnologia

Março 2007-N"!

JOSÉ SÉRGIO GABRIELLi O BIOCOMBUSTÍVEL É NOSSO

VENCEDOR r BONS SONHOS PARCERIAS RENTÁVEIS NA FABRICA A ADOLESCÊNCIA ENGOLE OS ADULTOS

no Brasil


A FOLHA E PLURALCOMO VOCÊ.ASSINE UMA, LEVE VÁRIAS. E LEIA A QUE VOCÊ QUISER. LÍGÜE

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IMAGEM DO MES

Futuros amantes "O amor não tem pressa. Ele pode esperar em silêncio, milênios, milênios no ar. Sábios em vão tentarão decifrar o eco de antigas palavras, fragmentos de cartas, poemas, mentiras, retratos, vestígios de antigas civilizações." Estas frases foram recortadas da letra da música Futuros amantes, de Chico Buarque, e serviriam à perfeição como epitáfio para a lápide de dois esqueletos encontrados na cidade de Mantova, Itália. Os dois são jovens, estão aparentemente abraçados e mortos há 5 mil anos. "Não existe precedente de um enterro duplo, datado na época do neolítico, e muito menos de duas pessoas se abraçando", atesta a arqueóloga Elena Menotti, responsável pelo achado. A descoberta científica traz à lembrança outra obra de ficção, o romance O cão de terracota (Record, 2000), do italiano Andréa Camilleri. A história gira em torno do mistério a ser desvendado pelo comissário Salvo Montalbano, ao encontrar os corpos entrelaçados de um casal de amantes mortos há 50 anos, guardados em uma gruta por um cão de terracota. No caso dos fósseis de Mantova, agora serão feitos testes para tentar definir a idade correta e época da morte. O amor não tem pressa...

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PESQUISA FAPESP133 ■ MARÇO DE 2007 ■ 3


> ENTREVISTA 10 O presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, prevê uma situação privilegiada do país na área de biocombustíveis, mas alerta que não faz sentido demonizar o petróleo > POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA 22 ENERGIA Governo avalia a retomada da obra de Angra 3 e do programa nuclear brasileiro

28 Bagaço e palha de cana são cotados para aumentar a produção de etanol 32 COOPERAÇÃO Academia Brasileira de Ciências promove encontro para estimular parcerias na América Latina 35 NEUROCIÊNCIA Ao inaugurar o IINN, Miguel Nicolelis acena com a criação de outros 11 centros de pesquisa em regiões carentes do Brasil

36 GOVERNO ESTADUAL Secretário de Desenvolvimento planeja criar agência de fomento para apoiar a inovação em São Paulo

> CIÊNCIA 42 CAPA Exercício físico protege o organismo de danos causados pela privação de sono

48 GENÉTICA Molécula de RNA assume o lugar do DNA como promessa para combater doenças 52 BIOQUÍMICA Perereca produz secreção rica em compostos capazes de eliminar bactérias e reduzir a pressão arterial 54 CLIMA Pesquisadores unem-se para esmiuçar os efeitos do aquecimento global no Brasil

> SEÇÕES 3 IMAGEM DO MÊS 6 CARTAS 7 CARTA DA EDITORA 8 MEMÓRIA 16 ESTRATÉGIAS 38 LABORATÓRIO 60 SCIELO NOTÍCIAS .


WWW.REVISTAPESOUISA.FAPESP.BR

58 FÍSICA Equipe brasileira identifica padrão dos sinais elétricos envolvidos na visão das moscas

> TECNOLOGIA 66 ENGENHARIA DE PRODUÇÃO Instituto Fábrica do Milênio aproxima instituições de pesquisa e indústrias de manufatura

72 PUBLICAÇÕES Papers de empresas colaboram para disseminar conhecimento científico e tecnológico 74 BIOTECNOLOGIA Mapa funcional de genes da cana-de- açúcar vai ajudar a formar variedades mais produtivas

76 FRUTICULTURA Machos estéreis combatem mosca-dasfrutas, que causa sérios prejuízos aos exportadores

> HUMANIDADES 78 SOCIOLOGIA Como o advento da adolescência "engoliu" os adultos do planeta

.62 LINHA DE PRODUÇÃO 92 RESENHA 94 FICÇÃO 96 CLASSIFICADOS

84 HISTÓRIA Onda nostálgica sobre Rio de Janeiro idealiza uma época e faz crer que o Brasil viveu sua melhor fase antes do golpe militar de 1964 88 PSICOLOGIA As terríveis conseqüências do colapso histérico sofrido por Hitier quando era cabo na Primeira Guerra Mundial

CAPA MAYUMI OKUYAMA ILUSTRAÇÃO NEGREIROS


CARTAS cartas@fapesp.br

Pesquisa ^^^

Lienciaeiecnoiogiaqp no Brasil

^

FAPESP

As reportagens de Pesquisa FAPESP retratam a construção do conhecimento que será fundamental para o desenvolvimento do país. Acompanhe essa evolução.

Ângelo Machado Parabéns pela excelente entrevista com Ângelo Machado (edição 132). O entrevistado foi uma excelente escolha de Pesquisa FAPESP.

cussão de outros voltados para áreas de interesse universal, como medicina, física quântica e outros, mas sem dúvida representam a base para o desenvolvimento do Brasil. JORGiNO PoMPEU

JúNIOR

LlI.IAN BUENO

CENTRO APTA CITROS SYLVIO MOREIRA

IPEN

Cordeirópolis, SP

São Paulo, SP Números atrasados Preço atual de capa da revista acrescido do valor de postagem. Tel. (11) 3038-1438 Assinaturas, renovação e mudança de endereço Ligue: (11) 3038-1434 Mande um fax: (11) 3038-1418 Ou envie um e-mail: fapesp@teletarget.com.br Opiniões ou sugestões Envie cartas para a redação de Pesquisa FAPESP Rua Pio XI, 1.500 São Paulo, SP 05468-901 pelo fax (11) 3838-4181 ou pelo e-mail: cartas@fapesp.br Site da revista No endereço eletrônico www.revistapesquisa.fapesp.br você encontra todos os textos de Pesquisa FAPESP na íntegra e um arquivo com todas as edições da revista, incluindo os suplementos especiais. No site também estão disponíveis as reportagens em inglês e espanhol. Para anunciar Ligue para: (11) 3838-4008

6 ■ MARÇO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 133

Magnetismo Sou aluna do Centro Federal de Parabéns à Pesquisa FAPESP pela Educação Tecnológica da Paraíba (Ceentrevista com um dos maiores neufet -PB). A reportagem de Pesquisa FAroanatomistas brasileiros, o professor PESP "Magnetismo contra a deÂngelo Machado. Fiquei muito conpressão" (edição 132) me ajudou bastente em ver um velho amigo e bom tante com um projeto de física sobre mestre dar uma entrevista tão bem-humorada, humilde e esclarecedora, camagnetismo aplicado à saúde. Gostei muito do enfoque e espero ver mais racterísticas pessoais sempre marcantextos sobre isso. tes de sua personalidade. Matei a saudades ao ver as suas foLAíLA PEREIRA EMPRESA QUE APOIA tos no artigo. A lemGOMES DA SII.VA A PESQUISA BRASILEIRA brança de um nome João Pessoa, PB desse porte da ciência brasileira (tanto Revista para a neurobiologia quanto para a entoTenho recebido mologia) é de muita todos os meses gravalia para servir de tuitamente Pesquiexemplo aos pesquisa FAPESP e não tesadores brasileiros. nho palavras para \ TropiNBtVDrg agradecer a vocês. JACKSON C. Sou um estudante BrrTENCOURT universitário de 47 INSTITUTO DE anos com carências socioeconômicas. CIêNCIAS BIOMéDICAS/USP Penso em sair deste estado e poder paSão Paulo, SP gar a assinatura da revista, como forma de gratidão. Sonho com um doutorado e penso em conseguir uma bolsa da Os melhores FAPESP, se possível para pesquisar em educação e contribuir com o social. FiCom relação ao artigo "Em que nalmente, sugiro uma reportagem sosomos bons" (edição 132), a pesquisa bre satélites, como são colocados no esagrícola "aplicada" é pontual porque paço, sua velocidade e altitude, o que os resolve problemas regionais, sendo de impede de cair, a ação da gravidade etc. pouco valor para outros países. Mas eu lembraria que foi a pesquisa citrícola desenvolvida principalmente nos SILVIO MACHADO DE BARROS JR. institutos Agronômico e Biológico de Campinas, SP São Paulo, os principais responsáveis pelo Brasil ser desde o final da décaCartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail cartasdifapesp.br, pelo fax (11) 3838-4181 da de 1980 o maior produtor e exporou para a rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP tador de suco de laranja do mundo. CEP 05468-901. As cartas poderão ser resumidas Nossos artigos podem não ter a reperpor motivo de espaço e clareza.

O N OVARTIS


CARTA DA EDITORA

FUNDAÇÃO DE AMPARO Á PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

De sono, sonhos e energia MARILUCE MOURA

- DIRETORA

DE REDAçãO

CONSELHO SUPERIOR CARLOS VOGT, CELSO LAFER, GIOVANNI GUIDO CERRI. HERMANN WEVER, HORÁCIO LAFER PIVA, JOSÉ ARANA VARELA, JOSÉ TADEU JORGE, MARCOS MACARí, SEDI HIRANO, SUELV VILELA SAMPAIO, VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO

Pesquisa CONSELHO EDITORIAL LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADOR CIENTÍFICO), CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, FRANCISCO ANTÔNIO BEZERRA COUTINHO, JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, MÁRIO JOSÉ ABDALLA SAAD, PAULA MONTERO, RICARDO RENZO 8RENTANI, WAGNER DO AMARAL, WALTERCOLLI

EDITORA SÊNIOR MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS EDITORES EXECUTIVOS CARLOS FIORAVANTI aiCENCIADO), CARLOS HAAG (HUMANIOABES). CLAUDIA IZIOUE (POLÍTICA), MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA), RICARDO ZORZETTO (CIÊNCIA - INTERINO} EDITORES ESPECIAIS FABRÍCIO MARQUES. MARCOS PIVETTA {EDIÇÃO ON-LINE) EDITORAS ASSISTENTES DINORAH ERENO. MARIA GUIMARÃES REVISÃO MÁRCIO GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGÔ NEGRO

DIAGRAMADORES ARTUR VOLTOLINI, MARIA CECÍLIA FELLI FOTÓGRAFOS EDUARDO CÉSAR, MIGUEL BOYAYAN SECRETARIA DA REDAÇÃO ANDRESSA MATIAS lEl 111) 3838-VOI COLABORADORES ABIURO, ANA LIMA, ANDRÉ SERRADAS (BANCO DE BADOSI, BRAZ, CÁRCAMO, DANIEL KON (ESTAGIÁRIO), DANIELLE MACIEL (ESTAGIÁRIA). FRANCISCO BICUDO, GREGORY ANCOSOUI lESTiGIARlOI, IRACEMA CORSO. GONÇALO JÚNIOR, HÉLIO DE ALMEIDA, LAURABEATRIZ, M2K, NEGREIROS. PEDRO BIONDI E YURI VASCONCELOS OS ARTIGOS ASSINADOS NÃO REFLETEM NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DA FAPESP É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

GERÊNCIA DE OPERAÇÕES PAULA ILIADIS TEL: (11) 3838-4008 e-rnail' puWicidade^fapespbr ASSINATURAS TELETARGET TEL, (II) 3038-1434 - FAX: (II) 3038-1418 e-mail: fapesp@teietarqet.com.br IMPRESSÃO PLURAL EDITORA E GRÁFICA TIRAGEM; 35.700 EXEMPLARES DISTRIBUIÇÃO DINAP CIRCULAÇÃO E ATENDIMENTO AO JORNALEIRO LM&X (11)3865-4949 GESTÃO ADMINISTRATIVA INSTITUTO UNIEMP FAPESP RUA PIO XI, N° 1-500, CEP 05468-901 ALTO DA LAPA - SÃO PAULO - SP

SECRETARIA DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA, DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E TURISMO GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Vamos imaginar, de um lado, uma dupla de pesquisadores ansiosos para descobrir o que acontece com o corpo e a mente de quem passa dias e dias sem dormir. E de outro, coincidentemente, não muito longe, um bando de homens e mulheres prontos a iniciar uma corrida de aventuras - que vem a ser nada menos que uma das mais extenuantes modalidades esportivas de que se tem notícia nesses tempos de esportes radicais. Parece loucura, sem dúvida, mas, dentro dessa competição, por muitos dias quase não se dorme. Pois bem: do encontro entre esses pesquisadores e esportistas, na bela Chapada Diamantina, para começar, surgiu um experimento científico que aos poucos foi revelando como o exercício físico pode até certo ponto, na verdade, proteger o organismo dos danos normalmente causados pela privação do sono. É intrigante, como se poderá constatar, a partir da página 42, na reportagem de capa desta edição de Pesquisa FAPESP, elaborada pelo editor interino de ciência, Ricardo Zorzetto, junto com nosso colaborador Francisco Bicudo. As informações publicadas em uma série de artigos científicos, relatam os autores da reportagem, são úteis não apenas para atletas acostumados a submeter-se a provas extremas, mas também para todos os que trabalham em jornadas muito longas, que obrigam à constante irregularidade nos hábitos de sono, como médicos, enfermeiros, pilotos, bombeiros e tantos outros profissionais. Vale destacar nesta edição também alguns textos referentes a esforços tecnocientíficos empreendidos no país, em diferentes/ronís, pela produção de energia limpa e, ao mesmo tempo, economicamente viável. Vai nessa direção a reportagem da editora de política científica e tecnológica, Claudia Izique, a partir da página 22, sobre a possibilidade de retomada da obra da usina de Angra 3 e as idéias que existem hoje no governo a respeito da ampliação da fonte nuclear na matriz elétrica brasi-

leira, dos atuais 2% para algo em torno de 5% - em 2030, bem entendido. No mesmo teto abriga-se o relato da editora assistente de tecnologia, Dinorah Ereno, entre as páginas 28 e 31, sobre estudos para viabilizar a produção de álcool a partir de bagaço e palha de cana-de-açúcar, um dos quais faz parte do chamado Projeto Bioetanol, cuja meta principal é o desenvolvimento da tecnologia de hidrólise enzimática para extrair etanol de celulose. Para completar, uma interessante e multifacetada visão de longo prazo sobre a questão energética, a par de uma interpretação muito singular sobre o modelo do poderoso centro de pesquisa da Petrobras e sobre sua interação com muitos outros centros de pesquisa, é apresentada pelo presidente da empresa, José Sérgio Gabrielli de Azevedo, na entrevista pingue-pongue desta edição, a partir da página 10. Na seção de tecnologia, merece destaque o trabalho do Instituto Fábrica do Milênio, uma grande rede virtual formada por 600 pesquisadores, ligados a 39 diferentes grupos de pesquisa, empenhados em desenvolver, entre outros, estudos sobre gestão e transformação organizacional e engenharia de ciclo de vida de produtos, que terminam por aproximar indústrias de manufatura e instituições de pesquisa. A reportagem, a partir da página 66, é de Yuri Vasconcelos. E quanto às humanidades, vale muito a pena empregar alguns minutos para ler a reportagem do editor Carlos Haag, a partir da página 78, sobre uma certa, digamos, "juvenilização" ou, pior, "adolescentização" do mundo contemporâneo. Trata-se aqui de estudos e análises que buscam compreender por que há em nossos dias uma pressão tão grande para que todos permaneçam ou pareçam jovens, simples adolescentes, até o envelhecimento irrecorrível. É como se uma cultura da adolescência tivesse terminado por engolir os adultos de nosso planeta Terra. PESQUISA FAPESP 133 ■ MARÇO DE 2007 ■ 7


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MEMÓRIA

Bandeirantes do século XX Há 121 anos região selvagem de São Paulo começava a ser explorada

NELDSON MARCOLIN

No final do século XIX, o estado de São Paulo tinha uma enorme área que não diferia de nenhuma outra região desconhecida do Brasil. Um mapa de 1868 mostra uma mancha cobrindo mais de 25% do território paulista com os seguintes dizeres: "Terrenos ocupados pelos indígenas ferozes". Quase 30 anos depois, em 1905, o engenheiro Gentil Moura reforçava essa informação no Relatório de exploração dos rios Feio e Aguapeí: "O índio coroado tem sido o empecilho para o povoamento dessa zona. Cioso da sua liberdade, zeloso das suas terras, da sua família, dos seus, defende-os com ardor, com toda a sinceridade, contra os brancos, cuja entrada no sertão não vê com outro fito senão de matá-los e tomar-lhes as terras". Moura havia assumido o lugar de Olavo Hummel, ferido por uma flechada. As expedições às terras selvagens começaram a ser organizadas em 1885, quando o presidente da então província de São Paulo, João Alfredo Corrêa de Oliveira, convidou o geólogo norte-americano que trabalhava no Museu Nacional, Orville Derby, para criar um plano de exploração. o objetivo era obter


informações geográficas, topográficas, itinerárias, geológicas e agrícolas da região desconhecida. Uma vez aprovada a criação da Comissão Geográfica e Geológica (CGG), em março de 1886, Derby foi nomeado chefe. No início, a equipe foi composta pelo engenheiro civil Theodoro Sampaio e pelos engenheiros de minas Francisco de Paula Oliveira e Luiz Felipe Gonzaga de Campos. Logo depois o botânico Alberto Lõfgren e o ajudante de primeira classe João Frederico Washington de Aguiar foram incorporados à comissão. Em abril, Sampaio, Oliveira e Aguiar, além de 11 práticos, foram a campo em direção a Itapetininga, centro das primeiras operações exploratórias. A partir de 1889 começaram a ser publicados boletins, mapas e relatórios com informações geológicas, meteorológicas, botânicas, arqueológicas, etnográficas e históricas, entre outras. Mas em 1905 Derby demitiu-se da CGG ao discordar da orientação do novo presidente do estado, Jorge Tibiriçá (1904-1908), que ordenou prioridade para a conquista dos territórios dominados pelos índios com o objetivo de colonizar a região e obter terras para a agricultura.

Acima, salto de Itapuna, no rio Tietê, em 1905, hoje coberto por represa; ao lado, salto de Marimbondo, no rio Grande, em 1910. Na outra página, volta do rio Feio, em 1905

"Derby era fantástico, considerado o pai da geologia no Brasil, mas publicava os resultados lentamente e resistia aos desejos de ocupação do governo e dos agricultores", explica Fernando Cilento Fittipaldi, pesquisador do Instituto Geológico e coordenador do livro Os 120 anos de criação da Commissão Geographica e Geológica 1886-2006 {Instituto Geológico).

As expedições desses novos bandeirantes dirigiram-se então ao "extremo sertão" pelos quatro principais rios da região: Feio, Peixe, Tietê e Paraná. Nessas ocasiões, os pesquisadores muitas vezes tinham a companhia de soldados para protegê-los dos índios. Posteriormente foram investigados o Ribeira de Iguape, o rio Juqueriquerê e o rio Grande, o litoral norte e sul e o Vale do Paraíba.

Como instituição, a CGG durou até 1931 e foi extinta após ter cumprido sua missão. Um de seus maiores méritos foi ter dado origem a vários centros de pesquisa científica em São Paulo, como os institutos Geológico, Florestal, de Botânica, Geográfico e Cartográfico, Astronômico e Geofísico, os museus Paulista, de Zoologia, de Arqueologia e Etnologia.

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ENTREVISTA

José Sérgio Gabnelii de Azevedo

'Não vamos agora demonízar o petróleo' MARILUCE MOURA

Quando o economista baiano José Sérgio Gabrielli de Azevedo, 57 anos, apareceu na cena política nacional no começo do primeiro mandato do presidente Lula, em razão de sua indicação para a diretoria financeira e de relações com investidores da Petrobras, houve quem indagasse com certa ironia, para não dizer sarcasmo, onde ele estivera escondido tanto tempo, já que com um currículo tão bom era um completo desconhecido. Quatro anos depois, dos quais os dois últimos - após a saída de José Eduardo Dutra - no cargo de presidente da Petrobras, dificilmente alguém questionará sua competência no comando da empresa que registrou em 2006 um lucro de R$ 25,9 bilhões e alcançou um valor de mercado de R$ 230 bilhões, numa valorização de 33% em relação ao ano anterior. E observe-se que, ao longo desse ano, essa que é a maior empresa brasileira e uma das maiores companhias de petróleo do mundo enfirentou algumas desagradáveis turbulências políticas, principalmente com a Bolívia. O presidente da Petrobras as enfrentou galhardamente. Aparentemente, até chegar à Petrobras, Gabrielli sempre fora um acadêmico. Aos 25, 26 anos, antes mesmo do doutorado na Universidade de Boston iniciado em 1976, já se tornara professor na Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) enquanto finalizava aí o mestrado. Depois da estada nos Estados Unidos, quando se debruçou, com sofisticados métodos de econometria, sobre o financiamento das estatais brasileiras, voltou à velha faculdade, da qual se tornaria diretor de 1996 a 2000, depois de percorrer na instituição todos os degraus da carreira docente. Sua trajetória na UFBA se completaria com o cargo de pró-reitor de Pesquisa e Pós10 ■ MARÇO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 133

Graduação, em 2002, logo depois de uma temporada em Londres para um pós-doc. Na verdade, em paralelo à bem-sucedida vida acadêmica, Gabrielli sempre exerceu seu lado político, por gosto, em certa medida, mas certamente imbuído também de uma noção da política enquanto missão, que marcou fortemente boa parte - talvez a melhor - da geração 1968. Militante daquele vibrante movimento estudantil do final dos anos 60, destacandose em posições legais, como a de presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) na Bahia, tanto quanto em articulações subterrâneas, dado seu vínculo com a Ação Popular (AP), partido clandestino então no trânsito entre a esquerda católica - seu lugar de origem - e os domínios marxistas, Gabrielli terminou enfrentando um período de prisão em 1970. Já no final da década, encontrou-se naturalmente entre os fiandadores do Partido dos Trabalhadores (PT) e, poucos anos depois, em 1990, como um disciplinado quadro do partido, aceitou a candidatura a governador do estado da Bahia, uma tarefa extremamente árdua e desgastante, tanto mais quando seu mais forte adversário era o todo-poderoso senador Antônio Carlos Magalhães - previsivelmente, o vencedor daquela campanha. Há facetas ainda menos conhecidas no passado do presidente da Petrobras. Por exemplo: ele teve, em 1970, uma curta passagem pelo jornalismo, como editor de internacional do recém-nascido jornal Tribuna da Bahia que, sob o comando editorial do carioca Quintino Carvalho, pretendia arejar a imprensa baiana. E nessa passagem há uma historinha, entre tantas outras, que deliciava os colegas do jornalista temporário: numa noite, o superintendente da Polícia Federal na Bahia por muitos anos, o temido coronel Luís Artur de Carvalho, fora por alguma razão à redação da Tri-

buna. E, ao avistar Gabrielli no fundo da grande sala de trabalho, gritou: "Seu Gabrielli, como vai a AP?" E ele, sem perder a calma: "Mandando muitas notícias, coronel". Claro, um editor de notícias internacionais lidava então todo o tempo com os telegramas da AP, a Associated Press. Mas é de futuro que José Sérgio Gabrielli fala nesta entrevista a Pesquisa FAPESP. Aborda os desafios que o problema das mudanças climáticas globais traz para uma empresa produtora de petróleo como a Petrobras, prevê a chance de uma situação privilegiada do país na área dos biocombustíveis, acha que não faz sentido demonizar-se o petróleo, que integra de maneira muito profunda a vida contemporânea tal qual ela é e estabelece uma singularíssima comparação entre o Centro de Pesquisas da Petrobras e a Escola de Sagres, do século XVI, ao mesmo tempo que fala cheio de entusiasmo sobre a rede de pesquisas da Petrobras com as universidades brasileiras e seu grande potencial de geração de conhecimento. ■ Não é um contra-senso que o presidente de uma empresa de derivados de combustíveis fósseis apresente um discurso pró-proteção do meio ambiente, como se verificou, por exemplo, em sua ida ao Fórum Econômico de Davos, em janeiro? — Participei no fórum de um evento chamado Energy Summit, que reúne as principais empresas de petróleo e as principais empresas de energia elétrica do mundo. São 30 pessoas, no máximo. E nesse fórum a discussão sobre mudanças climáticas, perspectivas de crescimento da demanda de petróleo e conservação energética são absolutamente fundamentais. Qual é a posição hoje da indústria de petróleo? Primeiro, a compreensão de que a era do petróleo não será substituída pela de um outro combustível em razão de seu esgotamen-


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to, mas porque vão aparecer combustíveis alternativos economicamente viáveis. ■ Quais? —Vários. Nesse momento apresentam-se os biocombustíveis, junto com toda uma perspectiva de maior eficiência dos automóveis e maior conservação de energia. Isso envolve uma política urbana que minimize o uso do veículo individual e que também tenha eficácia do ponto de vista do que é o principal problema no mundo em relação às emissões: a perda da energia nas edificações, o uso dos combustíveis para geração elétrica, base para aquecimento e resfi^iamento das habitações e outros edifícios. E aí temos carvão, gás natural, óleo combustível... O relatório mais novo da ONU coloca os veículos em segundo lugar entre as fontes mais importantes das emissões. E depois, com peso significativo, vêm o desmatamento e as queimadas. São várias as fontes, e sua identificação permite a adoção das políticas exigidas para cada uma e, portanto, uma visualização de possibilidades de efeitos e de acertos no combate ao aquecimento mais real, em vez de ficarmos com um culpado, demonizando esse culpado... ■ Ou alimentando a fantasia de que se conseguirá tirar todo o combustível fóssil do sistema de circulação de veículos no mundo... — É, isso é meio fantasia. Hoje é importante chamar atenção, sim, que água Umpa e ar limpo são fiindamentais para a vida. Agora, a vida humana moderna não existe sem o petróleo. ■ E, de uma certa maneira, isso configura hoje um paradoxo. Como enfrentá-lo? —Não existe simplesmente um como. Temos que minimizar os impactos da produção de petróleo sobre o meio ambiente e viabilizar o uso mais eficiente desse petróleo com a ampliação da utilização de fontes mais limpas de geração de energia. ■ Em sua afirmação de que a vida moderna não existe sem o petróleo, a referência é a quê? — Estou falando de transporte, de geração de energia e petroquímica. Olhe à sua volta, na vida moderna, em praticamente quáquer coisa que pensarmos vamos encontrar petróleo. ■ £ isso permanecerá assim, em sua visão, num horizonte de muitas décadas ou de séculos, talvez. — Séculos, penso que não. Acho que décadas. Hoje a situação de demanda de petróleo no mundo está mais ou menos equUibrada - 82 a 84 mühões de barris de petróleo por dia é a oferta e é a demanda. O crescimento previsto da demanda está em torno de 1,6%, 1,8% por ano, e o crescimento da oferta também é esse. Então não há por que dizer que vai se ter grande problema nessa área. As reservas 12 ■ MARÇO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP133

conhecidas hoje permitem um horizonte de 70,80 anos de produção. Por outro lado, é crescente a utilização de tecnologias novas para recuperar campos maduros e para produzir petróleo em situações impossíveis pouco tempo atrás. Estamos produzindo há mais de 1.800 metros de profundidade e estamos perfurando com um horizonte ultraprofundo de mais de 6 mü metros. Temos um poço no golfo do México com 11 quilômetros de profundidade em água rasa. E temos toda a expectativa de exploração aqui no Brasil no pré-sal, quer dizer, abaixo da camada de sal que tem 6 mil metros de rocha, sendo 2 quilômetros de sal...

mente para produzir petroquímica, com tecnologia nova no mundo. Ninguém faz isso, todo mundo usa gás natural ou nafta, mas nós vamos fazer. Dessa forma podemos diminuir a produção de óleo combustível e deixar também de ter problema com gasolina e diesel, gasolina e nafta. A previsão é começar a produção em 2012. A outra alternativa é encontrar caminhos para utilizar esse tipo de óleo e gasolina e diesel em outros mercados. O mundo vai continuar demandando isso para transporte. Produzimos 2 milhões de barris, o mundo consome 85 milhões. Nossa meta para 2011 é produzir 2,3 milhões de barris de petróleo.

■ Mas não lhe parece que, diante da equação que está se armando em termos ambientais, essa tecnologia ultra-sofisticada de exploração profunda tende a ser meio inútil? — Ela se viabiliza porque o preço do petróleo é alto. Mas dado esse mesmo fator alternativas vão aparecer: cresce a viabilidade da energia de biocombustíveis, da energia eólica, solar, energia das ondas do mar, nuclear. Se o preço do petróleo cair, muitas dessas tecnologias nascentes deixam de ter viabilidade.

■ E como a Petrobras projeta hoje a destinação dessa produção? — Até 2011 vamos construir essa petroquímica e uma nova refinaria no Nordeste para otimizar a produção de diesel, principalmente. Então vamos ter aí 350 mil barris adicionais de capacidade de processamento. Vamos aumentar a capacidade das atuais refinarias em mais de 200 mü barris e, de forma integrada, vamos aumentar a produção de biodiesel e a de álcool. De biodiesel temos comprado 800 mühões de metros cúbicos ou 800 bilhões de litros por ano. E, a partir de 2008, vamos produzir 150 milhões de metros cúbicos.

■ Quando se pensa na matriz energética do Brasil para 2030, diz -se que a energia hidrelétrica deve continuar representando 50% do total. —A energia hidrelétrica representa hoje 85% na matriz elétrica e uns 47% na matriz energética como um todo. Mas o Brasil é um caso excepcional, porque talvez seja dos países grandes do mundo o único com tanto combustível renovável na matriz energética, graças à energia hidrelétrica e ao álcool. Basta pensar que 40% da gasolina brasileira, ou seu equivalente em termos energéticos, é álcool. ■ Mesmo assim, quando se mensura a matriz energética brasileira futura, rifa-se nela um bom pedaço do uso do petróleo, não? — Sim. E isso cria dois grandes desafios em matéria de substituição de combustíveis. Um está ligado ao biocombustível, tanto etanol quanto biodiesel. Eles vão deslocar gasolina e diesel, que vão sobrar ou, caso do diesel, vamos deixar de importar. Portanto, a Petrobras tem que tratar disso. ■ Isso significa que a Petrobras terá que reduzir de alguma forma sua produção? — Não, reduzir, não! A Petrobras tem que encontrar destino para sua produção, porque, diferentemente de outras, a do petróleo não é uma indústria fordista que se ajusta pela velocidade da correia de transmissão. Ela é uma indústria em que se fazem investimentos para trabalhar 100%. Então, trata-se de encontrar novos destinos. Por exemplo: estamos fazendo aqui no Rio de laneiro um complexo petroquímico que vai usar petróleo pesado direta-

■ Em relação ao transporte, as projeções da Petrobras estabelecem que proporção de uso de cada um desses combustíveis? — Falar precisamente é dificü. Hoje, no mercado de gasolina, aproximadamente 40% são, como disse, álcool, porque são 25% de álcool anidro mais o álcool hidratado. Do diesel estaremos entre 2% e 5%. Temos uma crescente frota de gás natural veicular. O problema desse gás é que tem um preço relativo desequilibrado, quer dizer, não tem sentido estar com aquele combustível que menos tem no país, que é o gás natural, com o preço lá em cima. mEháas questões políticas em relação ao gás que não parecem muito simples. — Provavelmente o crescimento da demanda de gás natural veicular vai ter uma redução. Sua participação na matriz energética como um todo saiu de 4%, 5% para 8%, em três anos. A perspectiva é que essa matriz do gás cresça até atingir, talvez, 10% da matriz energética brasüeira total. E penso que teremos uma parcela de biocombustível bem maior aqui no país do que no resto do mundo, onde ele vai atingir em torno de 10% do mercado em 2015. As outras formas alternativas, energia eólica, solar etc, têm mesmo uma participação muito pequena. ■ Mas aí entra em cena de novo a energia nuclear. O ministro Sérgio Rezende voltou a falar enfaticamente no programa nuclear brasileiro. — Sem sombra de dúvida a energia nuclear


é a mais limpa que temos, porém é também a mais perigosa, porque não faz um aquecimento lento e gradual, mas brutal e explosivo, tanto do ponto de vista de acidentes como do ponto de vista de seu uso não pacífico. A regulação e o acompanhamento de qualquer programa são elementos-chave para o seu equilíbrio. Além disso, a energia nuclear tem um outro problema grave que é o resíduo, seu reúso, que ainda está para ser resolvido. ■ Enquanto isso, na indústria do petróleo... — Na indústria do petróleo, considerando as reservas provadas hoje no mundo, aquelas que têm 90% de probabilidade de serem desenvolvidas comercialmente, temos aí 60,70 anos de produção. Se olharmos também as reservas possíveis, aquelas com 50% de probabilidade de desenvolvimento com a tecnologia e as condições comerciais atuais, isso vai para mais de 150 anos. Se colocarmos ainda as prováveis, aí é um horizonte de produção enorme. uEsesomaraposábilidadedoscamposmaduros... — Sim, levando-se em conta o desenvolvimento tecnológico para recuperar campos maduros que vai ser induzido pelos preços altos do petróleo - a chamada recuperação secundária em que se injeta CO2 no poço para produzir mais petróleo -, considerando-se a tecnologia térmica para incrementar a recuperação de petróleo, enfim, tecnologias mais sofisticadas e caras, e se incluirmos no panorama da produção fiatura as areias betuminosas do Canadá, e o petróleo extrapesado da Venezuela, chegamos a um horizonte de tempo de 200 anos de produção de petróleo... Nenhum desafio tecnológico é muito grande nesse longo prazo e tudo vai depender em grande parte do comportamento do preço do petróleo. Lembremos que o nosso álcool se viabilizou 30 anos atrás por uma questão de preço e teve depois uma crise por uma questão de preço. Quando o preço do petróleo subiu, partimos para a política do Proálcool. E da produção de cana-de-açúcar partimos para uma política na indústria automobilística. Quando o preço do petróleo caiu e, simultaneamente, o preço do açúcar aumentou, o Proálcool se inviabilizou. ■ Ao descortinar esse largo horizonte, sua intenção é aludir a uma possibilidade da queima de petróleo menos agressiva ao ambiente? — Não, o que estou dizendo é essencialmente que o petróleo não vai sair de cena porque vai acabar, e sim que ele pode se tornar economicamente inviável por termos adiante outras fontes mais limpas e economicamente viáveis. ■ Mas que fontes e processos mais limpos podem ter efetivamente volume para substituir esse peso que o petróleo tem na matriz energética mundial?

— Por exemplo, celulose - a produção de celulose a partir de um processo enzimático utilizando resíduos vegetais. Essa tecnologia é muito embrionária no momento, seja na capacidade de produção de enzimas, na capacidade de captura desses resíduos, no processamento mesmo da celulose ou no processo de transporte de seus resultados. Mas ela pode se desenvolver. Outro exemplo: o hidrogênio, que envolve uma revolução tecnológica, não apenas do combustível. A principal limitação que vejo nessa tecnologia é que ela exige outro motor, exige uma transformação na frota de automóveis, com concepção nova. Para mim, então, ela é mais distante do que o biocombustível. Quanto aos avanços na conservação de energia, hoje temos tecnologias já disponíveis, mas ainda caras, de construção de edifícios inteligentes, vidros adaptados com nanotecnologia etc, que refletem, rebatem o calor e às vezes reduzem em até 60% do uso de energia em um edifício. ■ O problema diz respeito mais a aquecimento ou resfriamento? — Às duas coisas, porque tem edifícios que precisam ser aquecidos no inverno e resfriados no verão. Há hoje toda uma dinâmica urbana nas grandes metrópoles visando à minimização de uso de energia para transportes, toda uma política de expansão da rede de transporte de massa, em paralelo ao desenvolvimento de motores mais eficientes de uso doméstico para geladeiras, fogões mais eficientes, lâmpadas etc. Há, portanto, um movimento de conservação que vai diminuir o impacto dos combustíveis fósseis, junto com um movimento de expansão de produção de fontes mais limpas. ■ Eu insisto, contudo: como a Petrobras, a empresa que começou a construir no começo dos anos 1950 o sonho brasileiro da auto-suficiência em petróleo no país, agora atingido, e tem, além do imenso peso econômico, um extraordinário peso sociocultural nesta nação, ajusta seu plano estratégico ao discurso desses tempos de risco das mudanças climáticas? — No nosso plano estratégico anterior ao painel do IPCC, desde 2004,2005, já colocávamos a visão da Petrobras, em2011,comolíder mundial na área de biocombustível. Temos como meta estratégica nos posicionar nesse mercado, por razões pró-ativas e por razões defensivas. No primeiro caso, achamos que esse mercado vai crescer. E as razões defensivas dizem respeito ao seguinte: como vai haver deslocamentos, é melhor que sejamos quem desloca do que quem será deslocado pelos outros. É, aliás, absolutamente impressionante, quando vamos a um encontro como o de Davos, constatar a imagem que a Petrobras tem nesse nível. Ela é vista como uma empresa que está

No nosso plano estratégico anterior ao painel do IPCC, desde 2004, 2005, já colocávamos a visão da Petrobras, enn 2011, como um líder mundial na área de biocombustível. É uma meta se posicionar assim nesse mercado

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á A lógica do Cenpes é a da Escola de Sagres, gue combinou a operacionalidade do marinheiro como conhecimento dos sábios ecom os sonhos dos cartografes. Isso é um elementochave: combinar perspectivas de sonho com o interesse da indústria e o conhecimento científico

cuidando desse campo há muito tempo. Temos patente de transporte de álcool, alcoolduto, temos tecnologia de tratamento de acidez nas refinarias e nos tanques, temos com a indústria automobilística brasileira uma longa experiência em produção de automóveis com utilização de álcool, maior do que qualquer outro país do mundo, temos uma logística montada para a distribuição de álcool, e tudo isso coloca a Petrobras em uma posição de muito destaque. Portanto, do ponto de vista da Petrobras, esse é um setor que não vai ser o principal em investimento, mas será bem importante, inclusive em termos relativos de capital. No caso do biodiesel, há outra dimensão do programa para a qual eu queria chamar atenção aqui, que é a social. A emissão de carbono é predominantemente do hemisfério Norte, ainda que seu crescimento seja maior no hemisfério Sul. E veja: se entre as diversas coisas para diminuir essa emissão será preciso ampliar biocombustíveis, a menos que nessa busca se produza no hemisfério Norte uma revolução tecnológica, o que pode acontecer, montados na tecnologia atual a probabilidade maior de produção crescente de fontes de biocombustível está no hemisfério Sul. E com base em várias plantas, como mamona, oleaginosas, pinhão-manso, girassol etc. etc. Isso vai fazer com que a balança da geopolítica de combustível se altere um pouco. ■ Dá para acreditar firmemente nisso? —Eu acredito e, como disse, o biocombustível vai representar algo em torno de 10% do mercado mundial de combustíveis. Estamos falando, assim, de 8 milhões de barris por dia, isso eqüivale a quatro vezes a atual produção de petróleo da Petrobras. Então isso vai provocar uma mudança no papel da América do Sul na geopolítica do setor. ■ Mesmo com as conturbações no continente? — Isso faz parte da vida, não tem jeito. Mais conturbado do que o Irã, o Iraque, o Oriente Médio, não há. Mas há um outro componente para o qual eu queria chamar atenção aqui: a produção agrícola de uma commodity combustível não é a mesma coisa que a de uma commodity diimentur ou industrial. Primeiro, a estabilidade de suprimento tem que ser distinta, tem que ser maior do que para o alimento, porque há menos substitutos. ■ Isso significa que quem estiver nessa produção tem garantia total de venda. — Exatamente, já que é preciso ter fluxo contínuo de oferta. Segundo: tem que ter uma estrutura de contrato de longo prazo, o que não é comum nesse mercado. Portanto, teremos canais logísticos especiais, de distribuição. Vamos ter uma série de transformações nas relações Norte-Sul, e vamos ter que superar os

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mecanismos de proteção da Comunidade Européia e dos Estados Unidos a seus agricultores, que são menos eficientes do que os do Sul. Isso torna tal proteção ineficiente do ponto de vista da produção geral. Vamos ter que acelerar a Rodada de Doha etc, e aqui não vamos trabalhar com proteção, mas com eficiência da produtividade. Mas aí tem outro problema: dadas as escalas do combustível, isso tem um grande impacto sobre a área plantada. E os biocombustíveis vão competir com os alimentos em alguns lugares, como já aconteceu. É o caso da tortilha mexicana: o preço do milho subiu, o da tortilha sobe. Dessa forma, na expansão da área plantada há que cuidar para não inviabilizar a produção alimentar. Segundo problema: o desmatamento. Evidentemente que se deveria fazer isso nas áreas já desmatadas. ■ Mas se falamos aqui de soja, cana etc, temos uma fronteira já hem expandida. — Sim, no Brasil, mas há o resto do mundo. Em síntese, teremos que ser mais eficientes no uso da terra já desmatada para produzir mais. E tem um terceiro problema: água. A agricutura é largamente utilizadora de água e se ela aumenta, podemos chegar a um estrangulamento na oferta da água. Portanto é preciso uma visão global desse problema, porque não existe solução parcial. Há que se combinar política de Estado - e falo de Estado nacional e de relações internacionais - com mecanismos de mercado. Políticas claramente estatais, de planejamento, de repressão, de regulação, com política de preços, de penalidades. ■ Não se trata de uma equação dificil de fechar? — Muito difícil. No plano internacional, temos os Estados Unidos, de um lado se recusando a admitir que são causadores do problema e, de outro, os potenciais produtores de biocombustíveis preocupados com a visão de curto prazo, em apenas quebrar as barreiras comerciais, sem... ■ Os potenciais produtores são Brasil... — Brasil, índia e China. Há um crescimento da demanda energética não limpa crescente nesses países. Particularmente na China existe uma perspectiva de milhares de usinas termelétricas a partir de carvão. Esses são problemas que precisam ser colocados na mesa de discussão internacional e em cada nação. Além disso, o mecanismo de crédito de carbono é interessante, mas completamente insuficiente para enfrentar o problema. Em termos sintéticos ele significa comprar o direito de emitir CO2. Não dá para contar com isso a longo prazo. Medidas mais restritivas, de contenção, são necessárias. E a tecnologia tem papel absolutamente chave nessa questão, tanto para a conservação quanto para os biocombustíveis e até para o seqüestro de carbono


na produção de combustíveis fósseis. Há a reinjeção de CO2 e várias tecnologias em desenvolvimento que seqüestram o carbono na produção de petróleo. Em fase inicial. ■ Gostaria de abordar o programa de redes de pesquisa da Petrobras que usa as chamadas participações especiais, 1% da receita de produção da empresa, para investir R$ 1 bilhão em pesquisas nas universidades nos próximos anos. — São recursos de R$ 1,4 bilhão nos próximos três anos. O programa contempla 26 áreas temáticas relacionadas com petróleo, gás e biocombustível - não se referem somente à sua produção - e seis áreas regionais, voltadas para o tipo de problema que temos nas diferentes regiões do país. Isso envolve 72 instituições de pesquisa. Há pesquisas muito diversas, por exemplo, de bactérias, de reações químicas básicas, de materiais, de nanotecnologia. mDe qualquer sorte, não se está muito preso aos combustíveis tradicionais? — Não, temos pesquisas com biocombustíveis. E se voltamos ao Cenpes, estamos fazendo pesquisas com celulose, com bactérias anaeróbicas absorvedoras de enxofre etc. ■ Qual a visão do presidente da Petrobras sobre o Cenpes? — A Petrobras tem hoje, sem dúvida nenhuma, o maior centro de pesquisa e desenvolvimento tecnológico do país e da América do Sul. Temos 3 mil pessoas trabalhando ali. Qual é a lógica do Cenpes? É a lógica da Escola de Sagres... ■ Essa é uma idéia absolutamente espantosa! Por que uma referência do século XVI? — A Escola de Sagres combinou a operacionalidade do marinheiro com o conhecimento dos sábios acadêmicos e com os sonhos dos cartógrafos. E isso é um elemento-chave: combinar perspectivas de sonho com o interesse da indústria de ter resultados e ser focada, e com a pesquisa acadêmica, com o conhecimento científico em geral - isso é o Cenpes. E ele tem sucesso porque combina conhecimento básico com aplicação. Não é um centro de pesquisa universitário, é aplicado, mas tem a base científica. É um centro de pesquisa de empresa, e funciona bem. Isso faz com que tenha uma possibilidade muito grande de desenvolver conhecimento. Mas ele nunca foi - e isso é outro traço importante - isolado. Nem em relação a outros centros de pesquisa de empresas, nem em relação a centros acadêmicos do país. Criou uma rede de pesquisas muito intensa com todas as universidades importantes do Brasil. Assim, essa pesquisa aplicada da Petrobras se espalha pela universidade brasileira e internacional. Mas ela se tornou insuficiente a nosso ver, porque não era institucional, era

grupo a grupo, pesquisador a pesquisador. A idéia de montagem da rede institucional que começamos em 2005 visa aumentar a capacidade de geração de pesquisa e de conhecimento nesse sistema no país inteiro. E é rede porque cada pedaço tem no mínimo quatro instituições. Geralmente tem uma instituição-chave, porque é líder, e outras que ela vai puxar, do Amazonas ao Rio Grande do Sul. m Aproveitando suas associações, se o Cenpes traz a Escola de Sagres, qual o modelo da rede institucional? — A internet. O que a caracteriza a internet é a estrutura de rede em que o rompimento de um nó não quebra o outro. m Nosso próprio país já experimenta há algum tempo a estrutura de rede de pesquisa para produzir saltos na geração do conhecimento. As coisas se deram a partir do Programa Genoma da FAPESP lançado em 1997, há quase dez anos, portanto. — Exatamente, essa foi a base na genômica... ■ Então, chegamos, via Cenpes, a um casamento entre o referencial clássico da Escola de Sagres e o mais contemporâneo referencial da rede virtual. Se não funcionar, no mínimo é uma idéia cheia de humor. — Sim... A Escola de Sagres é concentrada num pólo, e a rede é diversificada, pulverizada e descentralizada. E nosso desafio é justamente articular de maneira produtiva um modelo com o outro. Não há dúvida de que vamos continuar com a pesquisa aplicada no Cenpes e vamos complementar esse avanço puxando o conjunto dessa rede. E esperamos irrigar de algum modo o sistema empresarial brasileiro com a idéia de inovação. ■ A rede de pesquisa foi pensada a partir da longa vivência de alguns atuais dirigentes da Petrobras na universidade? — Parcialmente. Foi uma combinação disso com a experiência do Cenpes e a experiência das áreas de negócio da Petrobras. Na discussão em nível de diretoria a experiência universitária foi importante - não só minha, mas também a do diretor lido Sauer, que é a da USP. O processo interativo existiu e, como acontece na Petrobras, as coisas foram resultado de um processo coletivo de definição. E a rede não é nada de novo ou original, internacionalmente. Há vários experimentos semelhantes das grandes empresas de petróleo. ■A rede deve se manter concentrada no Brasil? — Nesse momento estamos concentrados no Brasil, mas não somos fechados, porque essa rede tem e deve ter contatos e relações com todo o mundo, senão deixa de funcionar. Insisto que uma grande diferença entre mo-

delos do passado e essa rede de agora é que esta tem por base relações institucionais. Há contratos assinados com as instituições em que se prevê uma estrutura de gerenciamento específica desses contratos. uEa Petrobras pode cobrar resultados? — Sim, evidente que sim, não pagando no próximo período. A Petrobras funciona na base de boletim de medição, e o dinheiro é 100% da Petrobras. ■ A Petrobras é acusada, mesmo que deforma irônica e brincalhona, de ser mais forte na política cultural do país do que o Ministério da Cultura. Teria assim um know-howpara/azer algo semelhante em ciência e tecnologia... — Os programas culturais da Petrobras são alinhados com as políticas do Ministério da Cultura. No caso do CNPq, da Capes etc, o quadro é diferente, porque estamos fazendo um investimento num subconjunto das áreas em que essas instituições atuam. ■ Para encerrar, a discussão sobre as mudanças globais não colocam a Petrobras diante de um dilema fundamental de crescimento? —Não, não vejo assim. A indústria de petróleo no mundo, nos últimos 150 anos, é responsável pelas formas da vida moderna. Sem ela, o mundo não seria o que é hoje. Não teria os aviões que tem, os carros, seriam outros os meios de transporte, outros os tipos de energia, os meios de geração elétrica, tudo... Então, não dá para ser demonizada, tá certo? Sem petróleo, não teríamos indústria petroquímica. É bom colocar os pontos nos is. No caso brasileiro, a Petrobras tem, desde os seus primeiros momentos, uma ligação muito intensa com o desenvolvimento do país. Ela tem em sua essência uma relação com a indústria brasileira, com o enfrentamento dos problemas de desigualdade, com a nacionalidade, a afirmação nacional, a independência. Tudo isso são valores intrínsecos na estratégia e na vida da Petrobras. Ela resistiu e apoiou, teve uma relação de amor e ódio com o Proálcool - sem a Petrobras também o Proálcool provavelmente não se desenvolveria. Agora, com o biodiesel e a expansão da exportação de álcool, a Petrobras se posiciona ante eles como os segmentos importantes que são. É importante hospedá-los na Petrobras porque se trata de um problema nacional de eficiência energética. A Petrobras está fazendo hoje avaliação de crédito carbono de suas emissões. E dirige 40% dos investimentos em refino, que são de US$ 23 bilhões em quatro, cinco anos, para melhorar a qualidade do diesel e da gasolina. O investimento total da Petrobras é de US$ 87 bilhões até 2011. E tudo isso está perfeitamente integrado com a história da Petrobras e não vejo nenhum "ser ou não ser... oh!" à frente. Nenhuma crise existencial profianda. ■ PESQUISA FAPESP 133 ■ MARÇO DE 2007 ■ 15


> POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Uma mulher em Harvard V

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s

> Descendentes não entram Um programa voltado para atrair talentos internacionais para laboratórios da China é alvo de acusações de preconceito. Em setembro de 2006, a Academia Chinesa de Ciências lançou uma iniciativa que oferece bolsas de um ano para 50 pesquisadores estrangeiros. A remuneração é de 100 mil yuans, ou US$ 12,9 mil anuais. Em janeiro, um texto postado num fórum de pesquisadores na internet observou que as regras do programa restringem a participação aos fei huayi waiji (estrangeiros sem ascendência chinesa). A descoberta causou protestos. A distinção entre os huayi (descendentes de chineses) e os fei huayi seria uma forma

Pela primeira vez em 371 anos de história, a mais antiga e a n° 1 no ranking das universidades norte-americanas será comandada por uma mulher. A historiadora Drew Gilpln Faust, uma estudiosa da Guerra Civil dos Estados Unidos, foi anunciada como a 28^ presidente da instituição. A escolha de Drew, de 59 anos, não é simbólica apenas pelas razões óbvias. Não foi por coincidência que Harvard indicou uma mulher para suceder a polêmica gestão de Lawrence Summers, ex-secretário do Tesouro no governo Bill Clinton, que perdeu apoio político e foi obrigado a renunciar ao comando da instituição depois de declarar que a escassa participação das mulheres nas ciências e na matemática se explica por uma natural inaptídâo feminina para tais campos do conhecimento. Autora de cinco livros, Drew dirigia o Institu-

de discriminação, diz Stevan Harrell, estudioso da China da Universidade de Washington, Seattle. "Quem tem ascendência chinesa não é visto como estrangeiro, mesmo na segunda ou terceira geração", disse Harrell à revista Science.

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to Radcliffe de Estudos Avançados, a menor das unidades de Harvard e sucessora da Faculdade Radcliffe, onde só estudavam mulheres. Não foi uma decisão fácil para o comitê incumbido de escolher o novo presidente de Harvard. Drew teve de exorcizar seus pontos fracos, como a falta de experiência no comando de uma instituição de grande porte (Harvard tem um orçamento de US$ 3 bilhões anuais e

possui 24 mil funcionários) e o fato de não ser uma estrela de primeiríssima grandeza no mundo acadêmico (havia um Nobel de Química na disputa). "O importante é que foi uma escolha cautelosa, voltada para curar as feridas da gestão Summers e restabelecer a liderança de Harvard", disse à agência Associated Press Richard Bradiey, autor de um livro sobre a história da universidade.

Drew com Derek Bok, que presidia Harvard interinamente

Li Hefeng, representante da academia, defende o programa. "Trinta por cento dos pesquisadores atuando nos Estados Unidos são estrangeiros, mas aqui quase não há, pois havia dúvidas se os fei huayi poderiam adaptar-se ao nosso país."

> Conhecimento disseminacio Uma estratégia que dilui os custos de assinaturas vai dar aos pesquisadores chilenos acesso a uma variedade de publicações eletrônicas de ciência e tecpologia. Segundo


a agência de notícias SciDev.Net, os pagamentos de assinaturas de bases de dados, de bibliotecas e de periódicos serão rateados num sistema de pool. A iniciativa será custeada por uma dotação anual de US$ 2,9 milhões destinada pela Comissão Nacional Chilena para Pesquisa Científica e Tecnológica (Conicyt). As instituições contribuirão com a metade do preço das assinaturas. A biblioteca tem como inspiração uma experiência brasileira, o portal de periódicos da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), que oferece gratuitamente a 163 instituições acadêmicas acesso a mais de 11 mil periódicos.

> Vacina para quem precisa Um programa de US$ 1,5 bilhão promete desatar um nó que atrapalha o desenvolvimento e a oferta de vacinas nos países pobres. A idéia é garantir preços mínimos e encomendas de longo prazo que dêem aos fabricantes confiança para desenvolver novos imunizantes e para produzir doses capazes de satisfazer a demanda global. O primeiro alvo será a doença pneumocócica, que mata 1,6 milhão de pessoas

> De Los Angeles para Sumatra

por ano. Uma nova vacina contra a moléstia vem apresentando bons resultados, mas falta aos laboratórios capacidade de fornecê-la em grande escala. A meta é viabilizar a distribuição do imunizante até 2010, dez anos antes do previsto anteriormente. Se der certo, 5,4 milhões de vidas serão salvas até 2030. A iniciativa, que deve estender-se a outras doenças, é uma parceria entre a Fundação Bill e Melinda Gates e cinco países: o Canadá, a Itália, a Noruega, a Rússia e o Reino Unido. "É uma abordagem inovadora que combina intervenção pública com mecanismos de financiamento de mercado", disse à agência Bloomberg Tommaso Padoa-Schioppa, ministro das Finanças da Itália.

Um rinoceronte nascido e criado em cativeiro nos Estados Unidos fez uma longa viagem com destino à Indonésia, num esforço internacional para salvar sua espécie da extinção. Andalas nasceu em 2001 e vivia no Zoológico de Los Angeles. Agora está instalado num santuário ecológico na ilha de Sumatra, onde viverá na companhia de duas fêmeas. Ele pertence à espécie dos rinocerontes de Sumatra, conhecida pelo pequeno porte e a profusão de pêlos, que tem apenas 300 exemplares vivendo livremente. "A viagem de Andalas é crucial para o futuro de sua espécie e é um exemplo de como podemos ajudar a evitar a extinção de animais", disse à agência BBC John Lewis, diretor do Zôo de Los Angeles.

uma utilidade prosaica: tornar o público informado sobre o tema, uma vez que a maioria desconhece a capacidade de inovação da África. "É um começo importante, mas o processo exige forte apoio das lideranças políticas", disse Stephen Agong, diretor da Academia Africana de Ciências, à agência de notícias SciDev.Net. Os 53 países membros da UA assumiram o compromisso estabelecido de investir pelo menos

> Marco zero da inovação Uma reunião de cúpula dos países membros da União Africana (UA) realizada na Etiópia decidiu criar um marco para estimular a inovação no continente. A idéia é lançar no mês de julho o Ano das Inovações Africanas. Para os pesquisadores presentes no encontro, o lançamento tem

1% do PIB em pesquisa, desenvolvimento e inovação até 2010. Para Abdoulie Janneh, secretário da Comissão Econômica para a África das Nações Unidas, será necessário criar "fortes relações" entre indústrias, universidades e governos.

PESQUISA FAPESP133 ■ MARÇO DE 2007 " 17


ESTRATÉGIAS

MUNDO

CIÊNCIA NA WEB Envie sua sugestão de site científico para cienweb@trieste.fapesp.br

Coileen, Lisa e Wíllíam: ciúmes

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Veja os primeiros eífitaís do FP7 )2 editais lantMos em orasiTilKa. amm term os

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Anica do Sul butci paretiro

De olho nos astronautas A Nasa, agência espacial norte-americana, vai reavaliar os métodos de seleção e acompanhamento psicológico de seu corpo de astronautas, depois que Lisa Nowak, de 43 anos, atacou a capita da Força Aérea Coileen Shipman, de 30. O pivô do ataque seria outro astronauta, William Oefelein, que teria trocado Lisa, com quem tinha um antigo caso amoroso, por Coileen. Até então, os astronautas considerados aptos no rígido processo de seleção não voltavam a ser avaliados. Depois do que aconteceu com Lisa, a Nasa admite que esta rotina pode ser insuficiente. O controle emocional, como se sabe, é condição fundamental para enfrentar missões espaciais que podem durar vários meses e implicam uma situação de isolamento e tensão. O ex-astronauta Edwin Aldrin, segundo homem a caminhar na Lua, criticou a política da Nasa de evitar envolver-se nos problemas pessoais dos astronautas. "Se alguém tivesse supervisionado estas pessoas mais de perto, o problema talvez tivesse sido detectado", disse à rede de

televisão CNN. Os resultados da reavaliação devem ser apresentados em junho. Nowak, recém-separada e mãe de três filhos, dirigiu quase 1,6 mil quilômetros de Houston até o aeroporto de Orlando para agredir a rival.

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www.bbice.cgee.org.br/ O site do Bureau Brasileiro para Ampliação da Cooperação Internacional com a União Européia (Bbice) divulga informações para facilitar intercâmbios.

> Veredicto: inocente o físico indiano Rusi Taleyarkhan foi considerado inocente de acusações de má conduta acadêmica por um comitê da Universidade Purdue, em Indiana, nos Estados Unidos. Taleyarkhan era o líder de um grupo que anunciou em 2002 uma descoberta apelidada de "fusão de mesa", em que vibrações de ultra-som induziriam o colapso de bolhas em um solvente, alimentando o que seria uma reação de fusão nuclear. Taleyarkhan publicou em maio de 2006 uma errata que abalou sua credibilidade. Ele interpretou seus dados supondo um tipo de detector, quando na verdade usou outro. Para o comitê de Purdue, não há provas de que tenha agido de má fé.

18 • MARÇO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 133

www.photolib.noaa.gov/historic/nws/index.html O site do U.S. National Weather Service reúne fotos históricas e ilustrações de fenômenos climáticos colhidos nos séculos XIX e XX.

ses.sp.bvs.br Portal criado pela Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo reúne a produção do conhecimento técnico-científico de seus institutos de pesquisa.


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O temor da radicalização

> Como investir em Inovação A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) lançou o livro Brasil inovador, coletânea com a trajetória de 40 empresas brasileiras exemplares no campo da inovação. Em 162 páginas, a obra narra as estratégias de companhias de portes e setores diversos. Há desde as gigantes Petrobras, com destaque para a criação de técnicas de exploração de óleo em águas profundas, e Embraer, que desenvolveu uma inovadora família de jatos de tamanho intermediário, até as emergentes PCTel, empresa de software de Goiânia que fatura R$ 700 mil e inventou um gravador de telefônico para computador, e Biomm, companhia da área de biotecnologia de Belo Horizonte com faturamento de R$ 1 milhão. "A publicação pretende mostrar que o caminho da inovação é viável e deve ser seguido para gerar novos casos de sucesso", disse Odüon Mancuzo, o presidente da Finep, que é vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia. A íntegra do livro está disponível na

Algumas das principais entidades científicas do país condenaram o tratamento dado pelo Greenpeace em seu site na internet aos membros da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), cujas fotos foram estampadas num dos links do portal, com os d zeres "Eles podem decidir o que você vai comer". O site convidava os internautas a enviar mensagens de repúdio a eventuais aprovações de produtos transgênicos, remetidas para os e-mails dos representantes da comissão, que tem a incumbência de avaliar a segurança de organismos geneticamente modificados. O Greenpeace, como se sabe, é radicalmente contrário aos transgênicos. Os presidentes da Sociedade Brasileira para

internet, no endereço www.finep.gov.br/dcom/ brasiünovador.pdí Neste mês, a Finep deve lançar também a tradução do livro para o inglês.

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o Progresso da Ciência (SBPC), Ennio Candotti, e da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Eduardo Krieger, divulgaram notas defendendo o trabalho e a idoneidade dos pesquisadores com assento na CTNBio. A Sociedade Brasileira de Bioquímica e Biologia Molecular (SBBq) também manifestou contrariedade e saiu em defesa dos cientistas. "São pessoas idôneas, com um passado de dedicação à busca da verdade pela ciência, e que certamente usarão seus coniiecimentos e a sua cidadania para tomarem a decisão que lhes cabe", disse o presidente da entidade, Paulo Sérgio Lacerda Beirão. O temor das entidades científicas é de que a radicalização dos grupos ambientalistas possa colocar em risco a integridade física dos pesquisadores.

> Vagas nos Estados Unidos Estão abertas até o dia 13 de abril as inscrições para o Programa Professor Visitante Sênior nos Estados Unidos, uma iniciativa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) em parceria com a Comissão Fulbright. São oferecidas dez vagas para docentes de nacionalidade brasileira, fluentes em inglês, com título de doutor há pelo menos cinco anos, que estejam credenciados como orientadores em programas de pós-graduação reconhecidos pela Capes e tenham atuação acadêmica destacada em sua

área. O objetivo do programa é incentivar experiências acadêmicas de professores brasileiros de vários campos do conhecimento em instituições de ensino superior norte-americanas. Os selecionados irão ministrar aulas, fazer pesquisas e desenvolver atividades de orientação científica. Entre os benefícios oferecidos estão contemplados passagens aéreas, auxílio-hospedagem, seguro-saúde e bolsa mensal de US$ 4 mil. As atividades começarão em setembro de 2007, no início do calendário letivo americano. Outras informações podem ser obtidas no endereço www.capes.gov.br.

PESQUISA FAPESP133 • MARÇO DE 2007 ■ 19


ESTRATÉGIAS

BRASIL

> O fôlego do satélite Criado com a ambição de ter apenas um ano de vida útil, o SCD-1 (Satélite de Coleta de Dados) acaba de completar 14 anos em órbita, período em que deu mais de 73 mil voltas em torno da Terra. Primeiro satélite projetado, construído e operado no país pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), ele inaugurou a operação de uma rede de satélites que captam dados ambientais de plataformas espalhadas por todo o território nacional e os retransmitem para uma estação em Cuiabá. Depois os dados seguem para a unidade do Inpe em Cachoeira Paulista, onde ficam à disposição de empresas e instituições do Brasil e do exterior. As informações coletadas são utilizadas em aplicações como previsão de tempo, estudos sobre correntes oceânicas, mares, química da atmosfera, planejamento agrícola, monitoramento de bacias hidrográficas, entre outras. O sistema conta hoje também com os satélites SCD-2, lançado em 1998, e o sino-brasileiro Cbers-2, que entrou em órbita em 2003.

de março. O encontro será promovido em parceria com a Rede Ibero-americana de Indicadores de Ciência e Tecnologia (Ricyt). Serão debatidas propostas para diversas áreas, como indicadores de inovação, de produção científica, de percepção pública da ciência, entre outros. O prazo para inscrição de trabalhos é dia 15 de março, que devem ser enviados para o endereço eletrônico: congreso@ricyt.org.

> Os temas para 2007

> Infra-estrutura reforçada o Observatório Nacional, no Rio de Janeiro, órgão vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, iniciou o processo de compra de equipamentos no valor de R$ 14,1 milhões para ampliar sua infra-estrutura de apoio a pesquisas em geofísica. Serão adquiridos sismógrafos, gravímetros e aparelhos que utilizam variações do campo eletromagnético na superfície da Terra para investigar a estrutura da condutividade elétrica no interior do planeta. Os equipamentos deverão ser utilizados por outras entidades de pesquisa

20 ■ MARÇO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 133

que fazem parte da Rede Temática de Geotectònica, criada pela Petrobras. Os recursos provêm dos lucros obtidos com a exploração de poços gigantes de petróleo. Por lei, toda companhia petrolífera é obrigada a apUcar 1% desses lucros em pesquisas. A Petrobras investe 0,5% em seu centro de pesquisas, destinando o restante a outras instituições.

> Indicadores em debate A FAPESP vai sediar o VII Congresso Ibero-americano de Indicadores de Ciência e Tecnologia, nos dias 23 a 25

A agroenergia e o binômio antropologia/arqueologia serão as áreas contempladas pelo Prêmio Fundação Bunge 2007, antigo Prêmio Moinho Santista, que há 51 anos reconhece a produção intelectual de pesquisadores e personalidades que se destaquem no universo das ciências, letras ou artes. O tema muda a cada ano. Universidades e entidades científicas e culturais podem indicar candidatos até 30 de maio. Serão agraciados quatro profissionais, dois na categoria Vida e Obra (prêmio de R$ 100 mil) e dois na categoria Juventude, para mestres ou doutores de até 35 anos de idade (prêmio de R$ 40 mil). A entrega acontece em setembro.


> Reconhecimento em Portugal Marcelo Viana, pesquisador e diretor adjunto do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), do Rio de Janeiro, foi o ganhador da edição de 2007 do Prêmio Universidade de Coimbra, um dos mais importantes da ciência portuguesa. Viana é especialista em sistemas dinâmicos, área da matemática que estuda fenômenos que evoluem no tempo, como clima, reações químicas, sistemas planetários e ambientes ecológicos. Nascido no Rio de Janeiro, filho de pais portugueses, ele viveu a infância e a adolescência em Portugal, formando-se em matemática pela Universidade do Porto. De volta ao Brasil, fez doutorado no Impa e pós-doutorado sobre sistemas dinâmicos nas

universidades de Princeton e da Califórnia, ambas nos Estados Unidos. Nos quatro anos anteriores, o Prêmio Universidade de Coimbra distinguiu pesquisadores de outras áreas: neurociências, história, artes cênicas e estudos clássicos.

> As bases da rede amapaense o estado do Amapá começa a construir as bases de seu sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação. Uma reunião de dirigentes de instituições universitárias e de pesquisa do estado, realizada no dia 5 de fevereiro, aprovou o desenho da estrutura da Rede de Pesquisa do Amapá, que será oficializada por um decreto do governo estadual. Estão integrados ao projeto o Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (lepa),

a Universidade Federal do Amapá (Unifap) e a Embrapa Amapá, sob a coordenação da Secretaria de Estado da Ciência e Tecnologia (Setec). Cerca de R$ 1,8 milhão oriundos da Finep e do governo estadual serão usados já nos próximos meses na construção de laboratórios de apoio ao setor produtivo (cinco no lepa e dois na

Embrapa), de um centro avançado de pesquisa em sociobiodiversidade, na Unifap, e no treinamento de mão-de-obra técnica e laboratorial. No total, serão gastos R$ 3,1 milhões no projeto, intitulado "Estruturação da rede de pesquisa para o fortalecimento da ciência e tecnologia do estado do Amapá".

A hora da biotecnologia o governo federal lançou uma política para

ambiente. "O governo irá identificar a de-

Comitê Nacional de Biotecnologia. Com 17

o setor de biotecnologia gue prevê Inves-

manda e criar ferramentas para transfor-

membros de diversas esferas do gover-

timentos de R$ 10 bilhões nos próximos

mar o conhecimento acumulado nas uni-

no federal, o órgão vai definir a política pú-

dez anos. Desse total, 60% devem vir de

versidades em produção industrial", disse

blica para a área e definir recursos prio-

recursos públicos. Espera-se gue os 40%

Antônio Sérgio Martins Mello, secretário

ridades. O comitê será assessorado pelo

restantes provenham de parceiros priva-

de Desenvolvimento Industrial do Ministé-

Fórum de Competitividade, gue reúne go-

dos. Quatro setores receberão investimen-

rio do Desenvolvimento, Indústria e Co-

verno, setor privado, universidades, traba-

tos: saúde, agropecuária, indústria e meio

mércio Exterior. Também foi instituído o

lhadores e segmentos da sociedade civil.

PESQUISA FAPESP133 • MARÇO DE 2007 • 21


POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

ENERGIA

A retomada de Angra 3 Governo quer ampliar participação da fonte nuclear na matriz elétrica brasileira CLAUDIA IZIQUE

Depois de mais de 20 anos, a opção nuclear volta a integrar os planos de expansão energética do país. Nas próximas reuniões do Conselho Nacional de Política Energética, formado por sete ministros, representantes dos estados e das universidades, muito provavelmente entrará em pauta a proposta de retomada das obras de Angra 3. A nova usina, prevista no Plano Decenal de Energia Elétrica para o período 2006-2015, vai adicionar ao sistema elétrico nacional mais 1.350 megawatts (MW) a partir de 2013. "O governo já decidiu ampliar a participação da geração nuclear na matriz energética brasileira. Só falta anunciar", disse o ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Resende, durante a cerimônia de comemoração dos 50 anos da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), em novembro do ano passado. A aprovação de Angra 3 pelo conselho é uma decisão estratégica: sinalizará a disposição do governo de retomar o programa nuclear brasileiro - interrompido na década de 1980 - e dará respaldo ao Plano Nacional de Energia 2030, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), do Ministério do Planejamento, que prevê a construção de mais quatro usinas nas regiões Nordeste e Sudeste, nos próximos 23 anos, dependendo do ritmo de crescimento do país. Um outro estudo, coordenado pela CNEN a pedido da Presidência da República, propõe a construção de seis novas usinas, com capacidade de geração de 1.000 MW cada uma. 22 ■ MARÇO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP133

Diferentemente dos anos 1970 quando a opção nuclear se alinhava à política nacionalista e desenvolvimentista dos governos militares -, a proposta de ampliação da oferta de energia produzida por fonte nuclear representa uma espécie de salvaguarda para o desenvolvimento contra o risco de apagões: se, num cenário otimista, o Brasil crescer a uma taxa de 4,6% ao ano nas próximas duas décadas, será necessário quadruplicar a capacidade de geração atual, prevê a EPE. No cenário mais pessimista, de crescimento médio anual de 3,3%, a oferta de energia elétrica deverá ser maior que o dobro. Para suprir essa demanda futura algo em torno de 22 mil MW - o Plano Nacional de Energia 2030 prevê a construção de novas hidrelétricas - como as de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, por exemplo -, de pequenas centrais hidrelétricas (PCH), centrais eólicas, além de usinas térmicas a gás, a carvão e nucleares. De acordo com esse planejamento, a participação da fonte nuclear na matriz energética nacional saltaria dos atuais 2,1% computados os 2.007 MW gerados nas usinas de Angra 1 e Angra 2 - para até 5,6%. A fonte hídrica seguirá preponderante na matriz elétrica nacional, ainda que a sua participação possa cair dos atuais 75% para 70%, de acordo com a EPE, já que o potencial aproveitável se desloca para o Norte do país, ficando cada vez mais próximo de áreas indígenas e de unidades de conservação, isso sem falar no enorme impacto ambiental produzido pelas obras, rigidamente monitorado pelo Instituto


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Angra 2: rejeitos radioativos são mantidos em piscinas para resfriamento J».Sj^jg"-.- *.':

PESQUISA FAPESP 133 ■ MARÇO DE 2007 ■ 23


nologia, que atua nas áreas mais avançaAlém de matéria-prima, o Brasil redas da física nuclear, como a de alta energistra algum avanço na tecnologia de gia e materiais. construção de reatores e já domina a tecO "projeto sustentável" a que se refere nologia do ciclo do combustível. "Hoje Grid de largada - A proposta da EPE de Galvão exigirá investimentos em pesquio país é diferente daquele que construiu construção das quatro novas centrais nuAngra 1 e Angra 2", observa Cláudio Ro- ■^ sa e desenvolvimento que aproximem o cleares será submetida à consulta públipaís do estado-da-arte da tecnologia nudrigues, superintendente do Instituto de ca ao longo dos próximos meses, mas Anclear de países europeus, do Japão e dos Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen). gra 3 já está no "grid de largada", de acorEstados Unidos. O fiituro, de acordo com do com Leonam dos Santos Guimarães, / As máquinas ultracentríftigas para o enGalvão, está nos reatores de quarta gerariquecimento de urânio instaladas na Inassessor da presidência da Eletronuclear, ção, "intrinsecamente seguros", como ele dústrias Nucleares do Brasil (INB), em estatal que opera as usinas de Angra 1 e diz, refi-igerados a gás - e não a água coResende, no Rio de Janeiro, por exem2 e que será responsável pela conclusão de mo os PWR de Angra 1,2 e 3 -, e nos sisplo, foram desenvolvidas no Centro TecAngra 3.0 projeto, contratado em 1984, temas avançados de geração de calor que nológico da Marinha em São Paulo tem sido sistematicamente renovado. ]á utilizam feixes de altíssima energia para (CTMSP) em parceria com o Ipen. Têm consumiu US$ 750 milhões em equipaqueimar, além do urânio, também o pludesempenho competitivo semelhante a mentos - vaso do reator, gerador de vapor, tônio, reduzindo significativamente os reequipamentos similares utilizados na pressurizador, entre outros -, cuja manujeitos radioativos. Esse sistema, conheciUnião Européia e Rússia. tenção custa algo em torno de US$ 20 do como ADS (Accelerator Driven Sysmilhões por ano. O orçamento total tems), já é alvo de um "esforço intenso Auto-suficiência tecnológica - Mas há para a conclusão do projeto é de R$ 7,2 bide pesquisas" do CBPF e do Ipen. ainda um longo caminho a percorrer na lhões, com financiamento internacional. A fissão nuclear - processo de dividireção de auto-suficiência tecnológica. O reator e os sistemas de controle sesão controlada do urânio 235, utilizada "A retomada de um programa nuclear é rão fornecidos pela francesa Areva, as para a liberação de energia que aquece a essencial. Mas é preciso separar as quesobras de construção civil ficarão a cargo água e produz o vapor que dá potência tões imediatas de um projeto sustentável", da Andrade Gutierrez e as de contenaos geradores - também pode estar com ressalva Ricardo Galvão, diretor do Cenção e de fabricação de componentes sedécadas contadas: na previsão do diretro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), rão realizadas por outras empresas brator do CBPF, até meados deste século dará vinculado ao Ministério da Ciência e Tecsileiras. "O índice de nacionalização de Angra 3 será de 54%, semelhante ao de Angra 2", diz Guimarães. Na avaüação de Odair Gonçalves, pre- '^ sidente da CNEN, a aprovação de Angra 3 é o primeiro passo para a retomada de um programa nuclear amplo, que inclui desde a fabricação do combustível até a produção de radiofármacos. "Temos a sexta maior reserva de urânio do mundo e pode operação. Não houve vítimas Os principais alvos das críticas demos chegar a ser os segundos no ranking fatais naquele momento, mas ao uso nuclear para a geração de mundial, já que só 30% do território foi também não há informações oficiais energia são a segurança das usinas prospectado e apenas a 100 metros de prosobre o número de pessoas e a destinação dos rejeitos fundidade", afirma Gonçalves. O país concontaminadas pela radioatividade. radioativos. Ninguém se esquece ta hoje com uma disponibilidade de 310 O risco de acidentes levou a AIEA do pior acidente nuclear da história, mil toneladas, o suficiente para gerar 8 mil e todos os países que têm usinas em 1986, quando o reator 4 da MW pelas próximas oito décadas. O prenucleares a reverem as normas de usina de Chernobyl, na Ucrânia, sidente da CNEN calcula que há ainda 800 segurança e a incorporarem novos explodiu e espalhou uma nuvem de mil toneladas de urânio não aferidas. procedimentos e equipamentos, mas radioatividade por vastas regiões da A disponibilidade de combustível peradiou a construção de novas usinas então União Soviética e da Europa. mite que o estudo coordenado pela CNEN nucleares nos Estados Unidos e Estima-se que entre 15 mil e 30 projete lun cenário de auto-suficiência e em países da Europa. "O risco deve mil pessoas tenham morrido em contemple a possibilidade de exportação computar magnitude e probabilidade. decorrência do acidente e que cerca do yellow cake- um pó amarelo que conNo caso das usinas nucleares, de 16 milhões tenham seqüelas. centra o minério de urânio. "A exportação a probabilidade é baixa, mas a Ninguém se esquece do acidente não seria um mercado em si. As vendas exmagnitude é altíssima", argumenta no reator da unidade 2 da usina ternas seriam temporárias e em quantidaRuy Góes, diretor de Qualidade nuclear de Three Mile Island, nos de fixa, apenas para o financiamento do Ambiental do Ministério do Meio Estados Unidos, em 1976, provocado programa", ele ressalva. "Precisamos saber Ambiente (MMA). Para ele, e para por problema no equipamento e erro claramente qual será a nossa necessidade, o volume das reservas estratégicas para, a partir daí, pensar em exportar." Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

O problema dos rejeitos radioativos

24 ■ MARÇO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP133


lugar à fusão nuclear, que utiliza temperaturas altíssimas, superiores a 600 milhões de graus Celsius, para fundir dois átomos considerados leves - deutério e trítio, ambos isótopos do hidrogênio -, para gerar energia. "Quem não dominar essa tecnologia estará fora", alerta Galvão. A viabilidade científica dessa técnica foi comprovada na década de 1990, mas é muito difícil fazer a fusão nuclear em laboratório, ressalva Galvão. Um pool de pesquisadores da União Européia, Estados Unidos, Japão, Rússia, China, índia e Coréia do Sul estuda a construção de um reator termonuclear experimental internacional, que será instalado na França, país que tem 80% da energia elétrica produzida a partir de fonte nuclear. O Brasil já se credenciou para, no futuro, integrar esse seleto grupo, com a criação, em novembro do ano passado, da Rede Nacional de Fusão (RNF). A rede brasileira, coordenada pela CNEN, será formada por 15 instituições de pesquisa e 70 cientistas. Contará com aporte inicial de recursos da ordem de R$ 1 milhão para o financiamento de projetos. Será ativada tão logo forem indicados os mem-

a grande maioria dos ambientalistas, não existe o "risco zero". Há ainda o problema dos rejeitos radioativos que, a rigor, têm diferentes níveis de atividade. Os papéis, panos de limpeza, vestuários, entre outros, utilizados na usina são classificados como rejeitos de baixa atividade. São geralmente compactados para redução de volume ou incinerados antes da disposição final. As resinas iônicas, lamas químicas, revestimentos metálicos etc, de média atividade, são imobilizados e, na maioria das vezes, enterrados em baixa profundidade. No caso de Angra 1 e Angra 2, esses rejeitos estão guardados em área reservada, dentro da própria usina. "O destino dos rejeitos de baixa e média atividade é problema resolvido", diz o assessor da presidência da Eletronuclear. As sugestões do grupo coordenado pela CNEN para a retomada do programa

nuclear incluem a construção de um depósito nacional para rejeitos definitivo, próximo à área das duas usinas. Já os rejeitos de alta atividade, que resultam do tratamento químico do combustível já irradiado que é descarregado do reator após produzir energia, são altamente radioativos. Têm atividade de vida longa, geram quantidades consideráveis de calor e necessitam ser resfriados por 20 a 50 anos período que coincide com o tempo de vida útil da própria usina - antes da disposição final. No caso de Angra 1 e Angra 2, esses rejeitos são mantidos encapsulados dentro de piscinas com 15 metros de profundidade, no interior da própria usina. França, Alemanha e Suíça reprocessam esses resíduos para reduzir ao máximo a sua atividade. Outros países estão desenvolvendo

tecnologias para dispor esses resíduos em depósitos subterrâneos de 200 a mil metros de profundidade, em formações geológicas milenarmente estáveis, como as de Yuka Montain, em Nevada, nos Estados Unidos. "Já existem depósitos subterrâneos semelfiantes na Finlândia e na Suécia", conta o assessor da Eletronuclear. Mas o que parece ser uma solução tecnológica viável para a energia nuclear é o anúncio do final dos tempos para os ambientalistas. "A atividade desses resíduos pode resistir por milhões de anos. A meia-vida do plutõnio, por exemplo, é de 25 mil anos. Trata-se de uma ordem de tempo maior que a história da humanidade. Será que vale a pena?", indaga o diretor de Qualidade Ambiental do MMA.

PESQUISA FAPESP133 ■ MARÇO DE 2007 ■ 25


O problema é que sem um programa nuclear que amplie o mercado a demanda pelos cursos de física e de engenharia nucleares caiu e os quadros não têm sido renovados. "A idade média do pessoal da área nuclear é de 50 anos. Se em dez anos não tivermos tido um programa de recomposição e de contratação, podemos desistir de qualquer projeto mais ambicioso", reconhece o presidente da CNEN. No Ipen a idade média é ainda maior, entre 56 e 57 anos. "Hoje, dos 400 alunos do nosso curso de pós-graduação, apenas 30% estão na área de energia nuclear", afirma o superintendente do Ipen. "É preciso ter demanda para recuperar a inteligência e participar de maneira crescente no programa nuclear." ^ Alejandro Szanto de Toledo, diretor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), também está seriamente preocupado com o futuro. "Como entrar de forma competitiva num programa como esse se não formarmos jovens?", indaga. As preocupações de Toledo são ainda mais amplas: ele já articula um grande encontro dos pesquisadores e especialistas brasileiros na área nuclear, téc-

bros de seu Conselho Técnico. "Se não tivéssemos abandonado o programa nuclear estaríamos numa situação muito melhor. A tecnologia nuclear brasileira não produziu efeito de arraste na indústria nacional e ainda houve dispersão de inteligência", lamenta Rodrigues, do Ipen. Massa crítica - Se, além de Angra 3, o Brasil decidir reativar o seu programa nuclear, vai ter que investir também na formação de pessoal. Nas décadas de 1970 e 1980, no auge do programa nuclear brasileiro, as universidades públicas e institutos de pesquisa formaram recursos humanos para dar suporte ao projeto. "Na época, chegamos a ter uma centena de pessoas fazendo doutorado no exterior", lembra o superintendente do Ipen. Esse contingente de especialistas substituiu com competência os técnicos da Westinghouse - empresa responsável pela construção de Angra 1 - e os da alemã KWU - subsidiária da Siemens, responsável por Angra 2. Muitos integram as equipes de pesquisa da CBPF, do Ipen, da CNEN, entre outros institutos, ou estão nas universidades.

Geração nuclear na matriz energética - 2003 78%

França

56%

Bélgica

50%

Suécia

45%

Ucrânia 37%

Coréia do Sul 28%

Alemanha Japão

23%

Reino Unido

22% 20%

Espanha Estados Unidos

19%

Rússia

16%

Canadá Argentina

13% 7%

Brasil « 2% FONTES: AIEA 2005 E CNEN

26 ■ MARÇO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 133

nicos franceses e até representantes da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) para, juntos, discutirem os rumos de um programa nacional que, além de um balanço de tecnologias e de disponibilidade de recursos humanos, leve em conta a questão do aquecimento global e das opções energéticas não poluentes: as usinas nucleares produzem 4 gramas de COj por quilowatt-hora (kWh), ante 446 gramas produzidos por usinas a gás; 800 gramas por usinas a óleo e 998 gramas emitidos por usinas a carvão. "O mundo vai para a energia nuclear", diz Toledo, citando o exemplo do Japão, China e a perspectiva de construção de novas usinas também nos Estados Unidos. O Brasil, que tem demonstrado eficiência no programa de etanol e na produção de combustível a partir da biomassa, corre o risco de ser "incompetente" na gestão nuclear. "Existem opções tecnológicas sendo desenvolvidas em todo o mundo e que estarão prontas em 10 a 20 anos. Vamos comprar mais uma caixapreta ou poderemos optar? Teremos competência para construir reatores de quarta e quinta geração?" A reunião ainda não tem data marcada, mas deverá acontecer ainda neste semestre. Radiofármacos - A interrupção dos investimentos e do interesse político no programa nuclear brasileiro nessas duas décadas não comprometeu o desenvolvimento da produção brasileira de radiofármacos, utilizados em diagnósticos e no tratamento de doenças como o câncer, por exemplo. "Nesse período o Brasil caminhou bem. Temos tecnologia para atender à demanda da sociedade", diz o superintendente do Ipen, instituto que produz radioisótopos para uso médico em todo o país. O domínio da tecnologia de produção, além de atender à população, gerou riquezas para o Estado. A receita da venda de radioisótopos é maior do que o orçamento de custeio e de investimentos do Ipen, descontada a folha de pagamentos do pessoal. Mas o monopólio cobra seu preço: essa receita vai para o Tesouro, enquanto o Ipen sobrevive com o orçamento. "Se esse monopólio tivesse um modelo de gestão semelhante ao da Petrobras, seria bem melhor", pondera Rodrigues. Permitiria, por exemplo, que o instituto investisse na modernização de seus produtos que começam a ficar desatualizados em relação aos paí-


ses desenvolvidos. "Há fortes investimentos em novas drogas que não conseguimos acompanhar", diz. Nos grandes centros já se trabalha com material radioativo em nível de proteína que gera drogas eficazes para um determinado tumor. "Trata-se de um antígeno que ataca apenas a célula doente, e não o órgão", explica Rodrigues. Se o país não investir no desenvolvimento dessa nova tecnologia, quem pagará o preço do atraso será o doente. Opções energéticas - Não há, no entanto, unanimidade quanto à retomada do programa nuclear nas universidades, institutos de pesquisa, nem no governo federal. Para José Goldemberg, do Instituto de Energia Elétrica da USP e ex-secretário do Meio Ambiente de São Paulo, a fonte nuclear pode ser uma alternativa para países como os Estados Unidos, França, Alemanha, China ou Japão, que utilizam intensamente o carvão e o petróleo para gerar energia. "Esse argumento não vale para o Brasil", afirma, defendendo a utilização mais intensa do potencial hídrico nacional. Luiz Pingueli Rosa, coordenador do Programa de Planejamento Energético Canteiro de obras de Angra 3: US$ 750 milhões já investidos da Coppe, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), não considera o debate sobre a retomada do programa nuclear um assunto prioritário. "A prioridade são as hidrelétricas, associadas a outras opções tecnológicas", diz. "Do ponto de vista do preço, a energia nuclear compete com a energia eóA retomada das obras de Angra de Angra é necessária para evitar lica e é mais cara que a hidrelétrica ou 3 será bem recebida pela grande apagões e é limpa." a térmica a gás", calcula Ruy Góes, dire- / maioria dos 140 mil habitantes de A prefeitura, com assessorla tor de Qualidade Ambiental do MinisAngra dos Reis, no litoral do Rio da CNEN, promove treinamentos tério do Meio Ambiente. "A opção nude Janeiro, garante José Carlos anuais de retirada da população clear é para os países que não têm ouLucas Costa, gerente de Respostas das áreas de risco em caso de tra alternativa." Lembra que a Alemanha à Emergência da Prefeitura acidentes. "Trabalhamos com três investiu na produção de energia eólica do município. "Convivemos com níveis de emergência estabelecidos que, hoje, já representa 10% de sua mao problema do desemprego e a nova pela AIEA", explica Costa. No triz energética." usina vai utilizar mão-de-obra local primeiro nível, o de Eventos NãoO Brasil, que nos seus cálculos tem na fase de construção e absorver Usuais, a população residente num potencial para gerar 143 gigawatts de trabalhadores qualificados raio de 3 quilômetros é deslocada energia eólica, utiliza apenas LI00 MW quando estiver em operação", diz. para o bairro do Frade. No segundo gerados em pequenos projetos do PrograA população convive com nível, de Emergência Geral, o raio ma de Incentivos às Fontes Alternativas o risco, mas não tem mais medo, de mobilização é de 5 quilômetros. (Proinfra). O valor proposto para a enerele afirma. A "confiabilidade" No terceiro nível, de Emergência gia nuclear, de R$ 138,14 por megawattcresceu depois de várias Geral com Agravante - "no caso hora (MWh) é atualmente menor do que campanhas educativas nas escolas de rompimento do núcleo do o das fontes renováveis. A tarifa média e comunidade que incluem reator", ele explica -, a área de para a fonte eólica é a mais cara, entre R$ visitas ao complexo nuclear. proteção se desloca do Frade para 180,18 e R$ 204,50 o MWh. "Estamos "Hoje todos sabem que a energia o centro da cidade. apenas começando. Se houver subsídio, o projeto decola", prevê Góes. ■

Mais emprego em Angra dos Reis

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ENERGIA

Álcool de celulose Bagaço e palha de cana são cotados para aumentar a produção de etanol DiNORAH ERENO FOTOS EDUARDO CéSAR

Com a palha de cana deixada no campo também é possível produzir álcool combustível

A palavra etanol entrou efetivamente na ordem do dia. Desde que o relatório sobre o clima do planeta foi divulgado no início de fevereiro mostrando que é preciso reduzir as emissões de gases oriundos da queima de combustíveis fósseis, intensificou-se a corrida para substituir parcialmente a gasolina, um combustível fóssil, pelo álcool, uma fonte renovável e menos poluente. Uma preocupação mundial que o Brasil leva em conta há mais de 30 anos. O país produz atualmente cerca de 16 bilhões de litros de etanol combustível, o que representa 35% do total mundial. Como hoje apenas um terço da biomassa contida na planta cana é aproveitado para a produção de açúcar e de etanol, o grande desafio é transformar a celulose, que está no bagaço e na palha descartada na colheita, em álcool combustível. "Há um estudo em andamento que aponta um aumento de etanol combustível dos cerca de 15 a 20 bilhões de litros por ano produzidos atualmente para 200 bilhões de litros em 20 anos", diz o engenheiro químico Carlos Eduardo Vaz Rossell, pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (Nipe) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "É possível fazer isso de forma sustentável, sem avançar sobre as florestas e culturas alimentares." Um dos estudos que pretende viabilizar a produção de álcool via bagaço e palha, a que o pesquisador se refere, faz parte do Projeto Bioetanol, que tem como objetivo desenvolver a hidrólise enzimátíca no Brasil, uma das vias para obtenção do etanol. Os pesquisadores envolvidos no projeto, com duração de dois anos e meio, do qual Rossell faz parte, coordenado pelo professor Rogério Cezar de Cerqueira Leite, do Nipe, e apoiado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Mi-

nistério da Ciência e Tecnologia, com o valor de R$ 3,7 milhões, esperam obter o etanol por via enzimática utilizando celulases, enzimas produzidas por microorganismos capazes de quebrar o açúcar da celulose, que será transformado em álcool combustível após o processo de fermentação. Em paralelo ao desenvolvimento da hidrólise enzimática, também são feitos estudos para avaliar os impactos do aumento da produção de etanol, com pesquisas sobre metas agrícolas, econômicas, sociais e ambientais, além dos processos industriais. O projeto reúne vima rede nacional de pesquisadores de 15 universidades e institutos de pesquisa, como Unicamp, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade de Brasília, Universidade de São Paulo, Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), uma associação mantida por produtores de cana-de-açúcar. Instituto de Pesquisas Tecnológicas, além da Universidade de Lund, na Suécia. Para atingir a meta de 200 bilhões de litros por ano, a produção de etanol combustível, que hoje está mais focada no Centro-Sul do Brasil, seria estendida para outras regiões, como Norte e Nordeste. Com isso, o país teria condições de suprir parte do mercado internacional de etanol, podendo substituir de 5% a 10% da gasolina utilizada atualmente no mundo. Em 2002, o mercado mundial desse combustível derivado do petróleo foi de cerca de 1,17 trUhão de litros. Se o Brasil produzir 150 bilhões de litros de etanol poderá suprir a demanda de 10% desse mercado. Além de substituir parte do petróleo, o etanol tem a seu favor o fato de que não contribui para o efeito estufa, porque o dióxido de carbono, principal gás desse fenômeno, liberado pela combustão do álcool em um ano, é reabsorvido pelas plantas na safi-a seguinte. PESQUISA FAPESP133 ■ MARÇO DE 2007 ■ 29


o aproveitamento da biomassa da cana vai contribuir para eliminar o problema das queimadas, porque hoje apenas algumas usinas aproveitam parte do bagaço para geração de energia em geradores específicos. A palha, na colheita mecanizada, é picada e jogada como cobertura no solo, mas o excesso tem causado sérios problemas de pragas que proliferam em ambientes úmidos e protegidos. Os estudos conduzidos no âmbito do Projeto Bioetanol apontam que uma destilaria que produz atualmente 1 milhão de litros de etanol por dia do caldo da cana poderia inicialmente, com a tecnologia de hidróUse, produzir um adicional de 150 mil litros de etanol do bagaço. Em 2025, com a técnica bem otimizada, a mesma produção teria um acréscimo de 400 mil litros provenientes do bagaço recuperado. Enzima na biomassa - A estimativa de produção futura poderá ser ampliada conforme novos avanços científicos e tecnológicos forem incorporados aos processos de hidrólise da celulose para obtenção do etanol. O desenvolvimento de enzimas eficientes para processar o bagaço e a palha de cana é uma das vias para sair do atual patamar de produção sem precisar aumentar a área plantada. É possível aproveitar de forma integral essas biomassas residuais para a produção de etanol, tanto da fração celulósica quanto da hemicelulósica, um composto do grupo químico dos açúcares presente entre as fibras de celulose. Esse foi o caminho esco-

lhido pelo professor Nei Pereira Jr., coordenador de pós-graduação em Tecnologia de Processos Químicos e Bioquímicos do Centro de Tecnologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenador de um projeto desenvolvido em parceria com a Petrobras para a transformação da celulose em açúcar. "Estamos produzindo 198 litros de etanol para cada tonelada de bagaço", diz Pereira Jr. A tecnologia em desenvolvimento adota o modelo das duas correntes, produzindo etanol tanto do hidrolisado ácido da fração hemicelulósica quanto do hidrolisado enzimático da firação celulósica. Os resultados foram obtidos no laboratório com reatores de até 10 litros. Uma planta piloto com capacidade de processamento de 2 mil toneladas por dia de bagaço está em construção na UFRJ para os testes em maior escala. "Esperamos chegar a 260 litros de etanol para cada tonelada de cana na planta piloto", diz o pesquisador. O mesmo processo pode ser aplicado a outras biomassas residuais, como sabugo e palha de müho, restos de madeira, de papel descartado e outros materiais. A produção em escala industrial depende dos resultados obtidos na planta püoto. Esse é o grande desafio, passar da escala de laboratório para a produção comercial. Até agora nenhum país chegou a uma escala industrial no emprego da tecnologia de transformação da celulose em etanol. Os Estados Unidos, por exemplo, estão apostando pesadamente na rota de

transformação da celulose em etanol. Lá, eles esperam extrair álcool do sabugo e da palha de milho, resíduos descartados do aproveitamento do grão usado para obtenção de etanol, além de outros produtos como palha de trigo, restos de madeira e de uma gramínea chamada de switchgrass. A mais recente cartada dos norteamericanos foi o anúncio, no final de fevereiro, de um investimento do Departamento de Energia de US$ 385 milhões, em quatro anos, para a construção de seis biorrefinarias para produção de etanol via celulose. Quando estiverem prontas, em 2012, ftincionando em grande parte com o método de hidrólise enzimática, devem produzir cerca de 492 milhões de litros de etanol. Os Estados Unidos querem reduzir em 20% o consumo de gasolina até 2017, quando o plano do governo prevê a produção de 132 bilhões de litros. Uma das diferenças entre a produção norte-americana e a brasileira é que aqui o etanol de celulose vai agregar mühões ou bilhões de litros ao álcool produzido da sacarose que já é distribuído hoje nos postos de combustível do país. Nos projetos existentes no mundo para aproveitamento da celulose não há esse acréscimo proporcionado pela cana-de-açúcar. Uma outra diferença a favor do Brasil está no custo de produção do etanol entre os dois países. Enquanto o do milho dos Estados Unidos fica em US$ 0,39 o litro, o do caldo de cana custa US$ 0,21. O aproveitamento do bagaço e da palha de cana ainda merece muitos estudos. Eles


são materiais constituídos por celulose, um polímero da glicose formado por seis carbonos, as hexoses; por hemicelulose, composta por açúcares de cinco carbonos, chamados de pentoses, não aproveitados ainda para a produção de açúcar; e pela lignina, um material estrutural da planta, associado à parede vegetal celular, responsável pela rigidez, impermeabOidade e resistência a ataques microbiológicos e mecânicos aos tecidos vegetais. Para que as biomassas possam ser utilizadas como matérias-primas para processos químicos e biológicos elas precisam ser submetidas a um pré-tratamento para desorganizar o complexo lignocelulósico. A lignina é o grande obstáculo nesse processo todo. A quebra desse componente libera fenóis e outros produtos químicos que inibem o processo fermentativo. Só após ser feito o pré-tratamento do material aplica-se uma das duas vias de transformação da celulose em açúcar para obtenção do etanol. O açúcar obtido serve como blocos de construção (substratos) para produção do álcool combustível e de várias substâncias químicas. "Com isso é possível substituir os hidrocarbonetos derivados de petróleo por carboidratos provenientes das biomassas em vários processos de transformação industrial", diz Pereira Jr., vencedor do Prêmio Abiquim de Tecnologia 2006 na categoria Pesquisador, concedido pela Associação Brasileira da Indústria Química, com o trabalho "Biotecnologia de materiais lignocelulósicos para a produção química".

No final do processo para obtenção do etanol de celulose ainda sobra a lignina, que pode ser usada para produzir energia. "O calor de combustão da lignina é 3,5 vezes maior que o do próprio bagaço da cana", diz o pesquisador, que desde o final da década de 1980 estuda o aproveitamento das biomassas de resíduos. Esse foi o tema de sua tese de doutorado defendida na Inglaterra em 1990. Desde então, o assunto esteve presente em 26 dos 63 trabalhos de mestrado e doutorado orientados por Pereira Jr. A tecnologia desenvolvida em parceria com a Petrobras resultou em dois pedidos de patente. Um é do prétratamento e a fermentação do hidrolisado hemicelulósico e o outro trata do processo de sacarifícação e fermentação simultâneas da firação celulósica. Planta piloto - A rota de hidrólise ácida também foi o caminho escolhido pelo grupo industrial Dedini, de Piracicaba, no projeto desenvolvido em parceria com o CTC, coordenado por Rossell (leia Pesquisa FAPESP n" 77, de julho de 2002) e financiado pela FAPESP. Batizado de Dedini Hidrólise Rápida (DHR), o processo está em funcionamento, em fase de testes, em uma planta piloto de demonstração, com capacidade para 2 rrul quilos por hora de bagaço, instalada na cidade de Pirassununga (SP). "Ainda há problemas operacionais e ajustes na concepção dos processos que estão sendo corrigidos. Mas os resultados são animadores, não apenas no referente à conversão eficiente do bagaço

em etanol, mas também pelo fato de se operar numa escala representativa de um processo comercial, que fornecerá experiência muito importante para o projeto de futuras unidades", diz Rossell. A Oxiteno, uma das maiores empresas brasileiras do setor químico, também está em busca de soluções tecnológicas para obtenção de etanol de celulose, mas não para uso como combustível. A empresa tem interesse em dominar o processo de hidrólise do bagaço e da palha para a fabricação de produtos químicos usados na indústria química e farmacêutica. São substâncias obtidas atualmente pela rota petroquímica, e um dos principais fabricantes desses produtos é a Oxiteno. Em parceria com a FAPESP, a empresa lançou em novembro de 2006 uma chamada pública de propostas em 16 áreas temáticas de pesquisa para projetos cooperativos na área de tecnologia para a produção de açúcares, álcool e derivados. No final de janeiro foram divulgados os 23 projetos aprovados na primeira fase. Os projetos em andamento para obter etanol da celulose somam-se a outros conduzidos nos últimos anos, por universidades, institutos de pesquisa e empresas, que resultaram em um grande avanço tecnológico para o setor, como a seleção de novas variedades de cana-de-açúcar e o Projeto Genoma da Cana {leia reportagem na página 74). "Pesquisas que pareciam abstratas hoje começam a ser compreendidas e podem ser utilizadas dentro de um outro contexto", diz Rossell. ■

Estudos indicam que uma destilaria que produz 1 milfião de litros de álcool por dia poderia gerar 150 mil litros do bagaço de cana


COOPERAÇÃO

Nova gec dd ciência Cientistas de sete países querem estimular parcerias na América Latina

32 ■ MARÇO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP133

ia

O Brasil ocupa posição de liderança no ranking àz produção científica latino-americana, com mais de 18 mil artigos publicados em revistas indexadas à base do Thomson - ISI (Instituto para a Informação Científica, na sigla em inglês). O México vem em segundo lugar, com pouco mais de 7 mil artigos, seguido pela Argentina, com 5 mil, e bem à ft^ente do Chile e Venezuela, com menos de 2.500 artigos indexados {vejagráfico àpágina 30). Essa discrepância poderia ser atenuada se fossem estreitadas as relações entre pesquisadores desses países. A colaboração entre brasileiros e pesquisadores de língua espanhola é rara, com exceção dos argentinos. O Brasil tem 30% dos artigos publicados em cooperação internacional, mas a grande maioria dos colaboradores está nos Estados Unidos e em países europeus brasileiros, apesar dos esforços do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) de estimular essas parcerias por meio do Programa Sul-Americano de Apoio às Atividades de Cooperação em Ciência e Tecnologia (Prosul), implantado em 2001. "Precisamos ampliar esse intercâmbio", afirma Eduardo Krieger, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Foi com esse objetivo que a ABC promoveu a Conferência Ciência Brasileira e Cooperação Científica com América Latina e Caribe, entre os dias 24 e 26 de janeiro, no Rio de Janeiro. O encontro, que reuniu uma centena de cientistas de sete países, descortinou o cenário atual das políticas científica e tecnológica, a estrutura das agências de fomento e o estado-daarte das pesquisas.


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Pesquisadores titulares da ciência brasileira, todos membros da ABC, apresentaram as principais linhas de investigação em curso no país. As perspectivas da ciência e tecnologia (C&T) foram traçadas pelo próprio ministro, Sérgio Resende. "Formamos cerca de 10 mil doutores por ano, mas há pouca pesquisa em empresa", afirmou. "O nosso maior desafio é fazer da C&T uma política de Estado." O quadro da C&T no Brasil é bem diferente do do México, que forma, anualmente, 1.500 doutores. "Temos um contingente de pesquisadores que não cresce porque não há emprego e faltam informações para estimular a adesão dos jovens à ciência e tecnologia", disse Sílvia Torres-Peimbert, do Instituto de Astronomia da Universidade Autônoma do México. O Sistema Nacional de Investigação de seu país - equivalente ao nosso CNPq - tem 10 mil membros e uma lista de 2.100 candidatos pleiteando ingresso. "O principal estímulo é o aumento de 30% do salário", ressalvou. Essa motivação compromete a qualidade da ciência e resulta na publicação de artigos "breves", em revistas não-indexadas. "A nossa publicação medida pelo ISI é menos que a metade da do Brasil", comparou.

A comunidade científica mexicana descrita por Sílvia é distinta da chilena, formada por cerca de 2.500 pesquisadores muito ativos, sobretudo nas áreas de medicina clínica, ciência de plantas e animais e ciências do espaço. "O número de publicações em revistas indexadas em 2003 foi de 2.550, o dobro do registrado em 1993", contou Rafael Vicunha, da Faculdade de Ciências Biológicas da Universidade CatóUca do Chile. Pesquisa vigorosa - No caso do Chile, a principal fonte de financiamento é o Fondecyt, que, no ano passado, destinou US$ 13 milhões para pesquisa nas várias áreas do conhecimento. "Nesse ano, esse valor deve chegar a US$ 16 milhões", ele previu. Os investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) em áreas consideradas estratégicas como biotecnologia, genômica e tecnologia da informação são apoiados pelo Fundo para a Promoção do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Fondef). No ano passado, esses recursos somaram US$ 250 milhões com contrapartida de empresas, afirmou. Com o apoio do Banco Mundial, o Chile está implementando um projeto ainda mais ambicioso: o Programa Bicentenário de Ciência e Tecnologia que

tem como objetivo aumentar a qualificação de recursos humanos, fortalecer a base científica nacional e estreitar os vínculos com empresas. O programa prevê, entre outras iniciativas, a formação de consórcios tecnológicos constituídos pela associação de pelo menos uma universidade e três empresas, que funcionam como sociedades anônimas. Os cinco consórcios já formalizados - nas áreas de biomineração, biomedicina, de desenvolvimento florestal, de fruticultura e vinícola - receberão dos apoiadores, durante cinco anos, US$ 18,7 milhões. No Peru, a ciência e tecnologia fizeram história. "Em 1930 o país já produzia aviões pequenos e, em 1952, construímos a primeira ferrovia alta em todo o mundo, a 4.980 metros de altura", afirmou Jorge Heraud, da Universidade Católica do Peru, atribuindo as habilidades para a engenharia no país à herança atávica incaica. "O problema é que perdemos essa qualidade por um período de tempo, em razão da falta da capacidade de investimento, da renda e da cultura. Isso imobilizou o país", lamentou. Há cinco anos, o Peru retomou o seu prumo. "Há uma sensação generalizada de crescimento: as exportações triplicaram e a inflação é de 1%", ele conta, citando PESQUISA FAPESP133 ■ MARÇO DE 2007 ■ 33


dois indicadores do crescimento do país. "Nesse ambiente, a ciência ressurge para apoiar o desenvolvimento." A expectativa de investimentos em C&T na Venezuela nos próximos anos também é grande. O governo anunciou, recentemente, o programa Missão Ciência e a intenção de destinar US$ 400 milhões para o Ministério da Ciência nos próximos seis anos. Esses recursos vão apoiar bolsas de pós-graduação em áreas como engenharia, soberania, segurança e defesa nacional. "O programa é polêmico e a reação da comunidade foi forte, já que os seus fundamentos não estão claros", diz Carlos di Prisco, membro do Instituto Venezuelano de Investigação Científica e da Academia de Ciências Físicas. O temor é que esses recursos não sejam distribuídos por meio das agências oficiais de fomento. "Não está claro se o Ministério da Ciência e Tecnologia terá poder de avaliação e controle do desempenho desses projetos", explica. Prisco lembra que, há anos, a Venezuela busca ampliar parceria com pesquisadores latino-americanos. "Até a Unesco já recomendou a consolidação de uma união

matemática na América Latina e Caribe, que poderia ser um exemplo para a cooperação entre países", sugeriu. O novo portfólio de pesquisa venezuelano, focado em áreas consideradas estratégicas para o governo, se assemelha ao modelo cubano. "Fizemos três grandes revoluções científicas: a da física, da química e da biotecnologia", contou Manoel Limonta. "As pesquisas começaram em 1981, por decisão do próprio presidente Fidel Castro que queria que desenvolvêssemos um fármaco para combater o câncer", lembra. O alvo era o interferon leucocitário, que não tinha mais proteção de patente. A tarefa foi conferida a dois especialistas, e Limonta era um deles. Os dois visitaram os Estados Unidos e a Finlândia antes de começar a estruturar o Centro de Engenharia Genética e Biotecnologia que começou num laboratório de 180 metros quadrados. "Fidel acompanhou nosso trabalho de perto, cobrando resultados. Numa ocasião, ele nos visitou por 42 dias consecutivos. Como ele poderia chegar a qualquer hora, ninguém ia para casa", contou.

Além do interferon - Heberon Alfa N -, o centro desenvolve uma série de medicamentos, entre eles uma vacina recombinante contra a hepatite B. É uma das 15 instituições cubanas de pesquisa em biotecnologia, área que já conta com mais de 7 mil pesquisadores. "Desde 2005 não temos mais registro de hepatite B entre pessoas com menos de 15 anos. Também acabamos com a meningite no nosso país", garante. As pesquisas agora se concentram no desenvolvimento de vacinas contra a dengue e Aids. "O que nos ajudou a desenvolver a biotecnologia foi a necessidade de exportar e nossos produtos, vendidos para mais de 50 países, já são o quarto item na pauta das exportações cubanas", afirmou. Jacob Palis, do Instituto de Matemática Pura e Aplicada e presidente da Academia de Ciências para o Mundo em Desenvolvimento (TWAS), conclamou todos os participantes a fazerem uso do Prosul para projetos colaborativos. "Se tivermos ótimos projetos, o orçamento vai aumentar." ■ CLAUDIA IZIQUE

Produção científica da América Latina e Caribe de países selecionados na base do ÍSI N- de artigos/ano 40.000 35.000

1990

1991

1992

1993

América Latina e Caribe

1994 Brasil

1995

1996 México

1997

1998

1999

Argentina

2000

2001

Chile

2003

2004

Venezuela

FONTE: CENTRO ARGENTINO DE INFORMAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

34 ■ MARÇO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP133


NEUROCIENCIA

Ciência comissão social Um plano para a implantação de 11 instituições em moldes similares segue-se à inauguração do instituto de Neurociência de Natal MARILUCE MOURA, DE NATAL

Alg^ns dos mais relevantes e avançados temas de pesquisa em neurociência em curso em diferentes partes do mundo foram apresentados dentro de uma programação intensa durante o II Simpósio Internacional de Neurociência de Natal, de 23 a 25 de fevereiro passado. As perspectivas de desenvolvimento de robôs de alto interesse na neurociência, por exemplo, com comportamento cada vez mais próximo do humano, foram mostradas pelo pesquisador japonês Gordon Cheng, diretor do Departamento de Robótica Humanóide e Neurociência Comportamental do Instituto Internacional de Pesquisa Avançada em Telecomunicações (ATR). A instituição com sede em Kyoto, Japão, integra uma rede internacional de centros de pesquisa em neurociência que, entre vários alvos, tem o de desenvolver próteses neurais baseadas na interface cérebro/máquina, capazes de devolver a pessoas mutiladas, ou com os movimentos comprometidos por graves doenças neurológicas, motilidade e sensibilidade. Dito de outra forma, Cheng, um dos 30 convidados estrangeiros para o simpósio de Natal, trabalha na busca de robôs ou membros robóticos mais perfeitos, finamente controlados pela atividade elétrica do cérebro, em colaboração a distância, mas estreita, com o laboratório do neurologista brasileiro Miguel Nicolelis na Universidade Duke, nos Estados Unidos, e agora também com o Instituto Internacional de Neurociência de Natal, projetado e implantado sob a liderança desse cientista {veja Pesquisa FAPESP, edição 132). Aliás, os atos festivos, musicais, relativos à inauguração do instituto, no primeiro dia e no encerramento do simpósio que conseguiu reunir num fim de semana, dentro de um auditório, cerca de 400

pessoas de todo o Brasil -, deram a dimensão política do que estava acontecendo ali, em paralelo ao denso conteúdo científico do evento. Assim, no começo da tarde da sex ta-feira, depois das cinco conferências da parte da manhã que haviam dado início aos trabalhos do simpósio, destacavamse à fi-ente da platéia o presidente do Banco Central do Brasil, Henrique Meirelles, o presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Odilon Macuzzo do Canto, e a presidente da Fundação Safra, Lily Saíra. Antes de chamá-los ao palco do auditório, Nicolelis leu trechos de uma carta do presidente da República, Luís Inácio da Süva, enviada especialmente para a ocasião. Lula destacava a vertente social do projeto do instituto, que a par do centro de pesquisas avançadas envolve um centro de educação para jovens e um instituto de saúde materno-infantU, e enfatizava que por várias razões, inclusive a capacidade de mobilizar recursos públicos e privados, nacionais e de fora, o empreendimento liderado por Nicolelis estava trazendo para este país "novas maneiras de fazer ciência". Dizia por fim de seu desejo de que o instituto de Natal fosse apenas um primeiro de muitos similares. Isso soou como uma espécie de bênção oficial para o ambicioso plano do cientista de implantar, em regiões carentes do país, mais 11 institutos nos moldes do de Natal, em dife-

rentes áreas do conhecimento, a começar por biotecnologia e energia. Recursos para isso? Não é um problema, será possível levantá-los, garante o autor da idéia. Foi um emocionado Nicolelis que se apresentou ao público durante a leitura da carta e que destacou, em seguida, o sentido especial que tem para pesquisadores brasüeiros que estão longe do país poder "retornar à casa" e devolver na forma de empreendimentos científicos boa parte do que lá fora aprenderam e conquistaram. Foi aí que ele anunciou também que a nova instituição passava a se chamar Instituto Internacional de Neurociência de Natal Edmond e Lily Safra. Responsável, via Fundação Safi^a, por uma significativa doação financeira privada para o instituto, que tudo indica não tem precedentes no ambiente de produção científica nacional, dona Lily, viúva do banqueiro Edmond Safi-a, afirmou em seu breve discurso que estava naquele evento celebrando duas de suas paixões. "Em primeiro lugar, apoiar a neurociência através de projetos no mundo inteiro tem sido uma de minhas prioridades há muito tempo", afirmou. Mais adiante disse que o projeto também a atraíra "por abraçar uma outra causa prioritária em minha vida - procurar meios inovadores de trazer os benefícios de uma educação e do aprendizado das ciências para a juventude carente". ■ PESQUISA FAPESP 133 ■ MARÇO DE 2007 ■ 35


-■«9,5

S^ GOVERNO ESTADUAL

Responsabilidade partilhada Secretário de Desenvolvimento planeja criar agência de fomento para apoiara inovação em São Paulo

36 • MARÇO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 133

O governador José Serra rebatizou a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico com o nome de Secretaria de Desenvolvimento e lhe conferiu novas atribuições. O órgão hoje tem "um foco diferenciado", explicou o vice-governador Alberto Goldman, que acumula o cargo de secretário. Mantém o objetivo de atrair investimentos, ampliar a produção e o emprego no estado, mas também acumula "a função de coordenação interna dentro do próprio governo - antes atribuída à Secretaria do Planejamento - e de fazer interface com o setor produtivo", afirmou o vice-governador em encontro com o Conselho Superior da FAPESP, no dia 14 de fevereiro. Essa mudança na estratégia de atuação da secretaria, de acordo com Goldman, exige que se defina claramente o papel das instituições vinculadas e o peso que a ciência e a tecnologia terão no plano de desenvolvimento do estado. "Esse papel não está predefinido. Temos que repensar a visão que a secretaria tem sobre pesquisa e inovação", afirmou Goldman. "Precisamos avaliar as referências institucionais necessárias", completou Carlos Américo Pacheco, secretário-adjunto. Goldman e Pacheco reafirmaram o valor da FAPESP, a excelência da Fundação e a importância do apoio à pesquisa em São Paulo. "Precisamos da FAPESP para discutir isso. Queremos trabalhar de forma integrada", enfatizou o vice-governador.


Goldman: "Repensar a visão sobre a pesquisa e a inovação"

As novas estratégias do governo para o desenvolvimento já consideram, por exemplo, a idéia de criação de uma agência de fomento à inovação. "Os planos da Secretaria de Desenvolvimento incluem uma reforma institucional que atualize e reforce os instrumentos disponíveis para o desenvolvimento de São Paulo. Por exemplo, a idéia de criação de uma agência de desenvolvimento estadual, nos moldes de instituições financeiras que existem em outros estados. Ao mesmo tempo, estamos pensando na criação de uma agência de inovação que atue de forma complementar à FAPESP. O apoio à pesquisa feito pela FAPESP tem sido excepcional. Precisamos de um corpo técnico preparado para a formulação de política industrial e tecnológica e de novos instrumentos, que possa potencializar as oportunidades de desenvolvimento associadas à capacidade para pesquisa existente em São Paulo", explicou o vice-governador. A proposta de criação da agência de fomento está sendo avaliada pela Secretaria da Fazenda, ele adiantou. Lembrou que, no final da gestão de Cláudio Lem-

bo, o governo paulista pensou em criar uma subsidiária da Nossa Caixa que funcionasse em moldes semelhantes. "Houve, no entanto, divergências em relação ao projeto e agora estamos estudando o melhor caminho." Carlos Vogt, presidente da FAPESP, lembrou que, há 15 anos, o governo do estado também fez planos de criar uma agência de amparo à tecnologia. "A comunidade se mobilizou e essa linha de financiamento foi incorporada na missão da FAPESP", disse Vogt. Hoje 16% do orçamento de R$ 560 milhões da Fundação é destinado aos programas de inovação em empresas. Apoio de mão dupla - "A FAPESP pode se beneficiar de maior articulação com a secretaria e do apoio oferecido pelo vice-governador", disse Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fundação, emendando que esse auxílio poderia ter mão dupla. Um exemplo disso é o Programa de Pesquisa sobre Etanol, que a FAPESP deverá lançar nos próximos meses para o qual se busca parceria com empresas e organizações

internacionais. "Outro exemplo é o Programa de Mudanças Climáticas, no qual parcerias internacionais podem ser muito interessantes." Brito observou ainda que a FAPESP poderia, em certos programas de apoio à pesquisa, ter uma atuação mais próxima à de um "investidor de capital empreendedor, trazendo benefícios e receitas à Fundação. Ocorre que os recursos oferecidos como apoio pela FAPESP não são reembolsáveis. Se a empresa cresce com o financiamento oferecido, a Fundação não pode ter participação. A nova versão da Lei de Inovação Estadual poderia considerar esta possibilidade de gerar receitas extra-orçamentárias para a Fundação", sugeriu o diretor científico. Ele solicitou também o apoio do governo do estado para reverter o quadro de redução de recursos federais para o financiamento da pesquisa paulista. "Há alguns anos, a participação das agências federais era de 60% e a da FAPESP, de 40%. O quadro agora se inverteu", observou Brito. Goldman se comprometeu em colaborar. ■ CLAUDIA IZIQUE PESQUISA FAPESP 133 ■ MARÇO DE 2007 ■ 37


Mesma origem: índios das Américas descendem de população asiática

> Da Sibéria à Amazônia Ao contrário do que muitos especialistas acham, os índios americanos têm uma origem comum. Kari Schroeder, da Universidade da Califórnia em Davis (EUA), mostrou que as populações indígenas das Américas do Norte, Central e do Sul têm genes em comum. Fora das Américas, Kari encontrou os mesmos trechos de DNA dos índios americanos apenas no extremo leste da Sibéria, na Rússia, segundo estudo realizado com 1.500 pessoas (455 nascidas nas Américas) de 53 populações asiáticas e 18 americanas - o trabalho incluiu três populações da Amazônia. As evidências dão força à idéia de que as populações que colonizaram as Américas descendem de um mesmo grupo étnico, que veio da Ásia quando ainda havia ligação entre os dois continentes - isto é, antes que o estreito de Bering se abrisse cerca de 10 mü anos atrás. Ainda não se sabe quantas vezes nossos ancestrais atravessaram essa ponte terrestre que unia a

Ásia à América do Norte. A colonização pode ter ocorrido em várias ondas de migração, espaçadas por milhares de anos (New Scientist).

> Laboratório sobre patas Lagartas da mariposa do tabaco podem revelar muito

sobre o sistema de defesa humano. O grupo de Nick Waterfield, da Universidade de Bath, Inglaterra, está usando essas lagartas como laboratório vivo para estudar a virulência de bactérias - uma técnica que batizaram de anotação rápida de virulência (RVA, na sigla em inglês). Em vez de estudar o genoma

completo das bactérias, os pesquisadores quebram o DNA e inserem apenas genes específicos nas lagartas. Em seguida avaliam a resposta imunológica, que lhes fornece informações detalhadas sobre como as bactérias atacam o organismo - gene por gene. Como muitas espécies de bactéria infectam tanto vertebrados como invertebrados, os resultados obtidos com as lagartas podem ser extrapolados para mamíferos e até mesmo seres humanos {London Press Service). O procedimento reduz o número de animais necessários para a realização de experimentos e é mais seguro para os pesquisadores, que trabalham com genes isolados, e não com as bactérias inteiras, que poderiam infectá-los por acidente.

> Chimpanzés da Idade da Pedra

Vitrine imunológica: lagarta reage a genes de bactérias

38 ■ MARÇO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP133

Há 4.300 anos chimpanzés na Costa do Marfim, na África, já usavam pedras


lascadas para quebrar frutos secos (PNAS). A descoberta, feita por Júlio Mercader, da Universidade de Calgary, no Canadá, acrescenta milhares de anos ao uso de ferramentas por primatas não-humanos. Comparáveis - em material e tamanho às usadas pelos chimpanzés modernos, as pedras foram encontradas ao lado de restos de alimentos consumidos pelos chimpanzés daquela época. Em conjimto, os dados não deixam dúvidas de que Mercader encontrou vestígios da Idade da Pedra dos chimpanzés e sugerem que esses primatas e os seres humanos podem descender de um antepassado que já usava ferramentas. As novidades não vêm só dos fósseis. Jül Pruetz, da Universidade Estadual do lowa. Estados Unidos, e Paço Bortolani, da Universidade Cambridge, Inglaterra, observaram um grupo de chimpanzés do Senegal fazendo lanças de madeira para caçar outros mamíferos {Current Biology). Outro achado que ajuda a desvendar o comportamento de nossos antepassados.

> Veneno roubado Quando atacada, a cobra japonesa Rhabdophis tigrinus arqueia o pescoço e mostra uma região amarela atrás da cabeça. Ali estão glândulas cheias de um veneno que torna a refeição pouco palatável. O grupo liderado por Deborah Hutchinson, da Old Dominion University, Inglaterra, descobriu que o veneno não é produzido pelas cobras, mas tomado emprestado de seu pitéu favorito: os sapos. Na ilha de Kinkazan, onde não há sapos, as glândulas da nuca das cobras não contém veneno, e por isso elas não têm o costume de enfrentar seus predadores {PNAS). Ao levá-las para o laboratório, os pesquisadores verificaram que ao comer sapos pela primeira vez as cobras de Kinkazan rapidamente enchem suas glândulas. E mais: filhotes de cobras que comem sapos já saem do ovo com veneno em suas glândulas. É o primeiro exemplo de vertebrado terrestre que acumula toxinas alheias em estruturas especializadas.

Ação a distância Até hoje só 12 pessoas caminharam pelo solo da Lua desde o pouso da Apollo 11 em 1969, e a construção de uma base lunar permanente não passa de projeto - com as primeiras viagens programadas para 2020. Mesmo assim, o satélite da Terra marca forte presença no cotidiano terrestre - e não só para poetas e namorados. Pesquisa recente mostra que sua influência sobre humanos é ainda mais ampla do que se pensava, com efeito sobre diversos aspectos de saúde e comportamento (The Independent). Os dados vêm de estudos feitos em várias instituições do mundo. Mostram, entre outras coisas, que durante a lua cheia o movimento em hospitais aumenta, há mais assaltos violentos e assassinatos. Nesse mesmo período, as pessoas comem 8% mais e consomem 26% menos bebidas alcoólicas, segundo estudo da Universidade Estadual da Geórgia, Estados Unidos. Em noite de lua cheia há menos acidentes de carro, que atingem seu máximo dois dias antes. Durante as luas nova e cheia, há mais ataques de asma e gota. As voltas da Lua afetam também a reprodução, com um pico de fertilidade durante o quarto minguante. Ainda não se sabe como isso tudo acontece. Provavelmente algum tipo de efeito da gravidade da Lua sobre os sistemas imune e hormonal. Por enquanto, os resultados sugerem que médicos e policiais deveriam levar o ciclo lunar em conta para planejar seu trabalho. Além de poetas e apaixonados, há também cientistas que contemplam a Lua para tentar entrever seus mistérios. Feitiço da Lua: não é preciso andar por lá para sentir os seus efeitos

Primeiras ferramentas: para quebrar frutos há 4.300 anos

PESQUISA FAPESP 133 ■ MARÇO DE 2007 ■ 39


LABORATÓRIO

BRASIL

Dieta tamanho família A psicóloga Carmen Benedetti pode ter ajudado a entender uma das causas que levam 30% dos obesos que passam pela cirurgia de redução do estômago a ganhar peso novamente: a alimentação inadequada não só deles, mas de toda a família. Durante seu doutorado com orientação de Carlos Alberto Malheiros e Rosane Mantilla de Souza (Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo), ela analisou 42 familiares de 16 candidatos a essa operação na Santa Casa de São Paulo e concluiu que a alimentação do obeso não difere da do resto da família. Metade dos entrevistados dizia incentivar o obeso em sua dieta, mas preço e praticidade pesa-

vam mais na escolha do alimento que seu valor calórico e nutricional. Esses familiares não estavam dispostos a mudar sua própria alimentação para ajudar o obeso, não abdicando nem dos doces e refrigerantes. Em casos de obesidade extrema, conhecida entre médicos como mórbida, a cirurgia de estômago ou gastroplastia é o método mais eficiente de tratamento. Mas sozinha não garante a perda de peso. Mesmo as fortes dores e vômitos

decorrentes dos abusos aos novos limites do estômago não impedem o paciente de achar alimentos calóricos bem tolerados e que o façam ganhar peso. "A família do obeso também come mal. No meu estudo, 50% dos membros apresentam algum tipo de sobrepeso. Não podemos creditar a obesidade só ao indivíduo obeso, políticas de saúde pública que compreendam toda a família seriam muito mais eficazes", diz Carmen.

> Dragão nos laranjais A bactéria Liberibacter asiaticus acaba de ser registrada pela primeira vez em três dimensões. Ela é uma das duas bactérias que no Brasil causam a doença huanglongbing (dragão amarelo, em chinês), antes conhecida como greeninge letal para laranjas, tangerinas e outros cítricos. O flagra é de EUiot Kitajima (Esalq/USP), integrante de uma equipe coordenada por Marcos Machado, do Instituto Agronômico de Campinas. Descoberta em 2004 no Brasil, a doença vem se alastrando de forma assustadora. Para tentar impedir uma epidemia. Machado e seus colegas buscam desvendar a biologia

da bactéria - inclusive suas relações com o hospedeiro e o meio ambiente e seu genoma. A intenção é detectar sua presença antes que sintomas apareçam. "Há cem anos o mundo

tenta, sem sucesso, encontrar a cura para a doença", diz Machado. Daí a importância de flagrá-la o mais rápido possível, para eliminar a planta doente antes que outras sejam contaminadas.

Flagra: bactérias infectam vaso que transporta seiva

40 ■ MARÇO DE 2007 • PESQUISA FAPESP 133

> Amazônia, passado e futuro A Amazônia não é brasileira por acaso. No período colonial, a Coroa portuguesa usou de muita diplomacia e ciência - os melhores cartógrafos da época ajudaram a redesenhar o mapa e incluir a Amazônia em território português. E marcou presença evocando o mapa de Portugal: lá estão Belém, Viseu, Óbidos, Aveiro, Santarém, entre outras. Essa história está na expedição pelo território amazônico que o ecólogo Evaristo Miranda proporciona em Quando o Amazonas corria para o Pacífico (Editora Vozes). Processos geológicos,


biológicos e históricos nos últimos 60 milhões de anos fizeram da Amazônia o que ela é hoje, com seus animais, plantas e gentes. Para preservar esse patrimônio, hoje com 25 milhões de habitantes e quase 20% da produção de grãos do país, Miranda defende que é essencial conhecer sua história. O trajeto, baseado em pesquisas recentes, é saboroso: o leitor se embrenha por lendas e relatos e chega ao fim surpreso por tanto tempo e tamanha extensão geográfica caberem em 253 páginas.

> Paçoca de risco Salgado ou doce, inteiro ou moldo, o amendoim se destaca entre os petiscos brasileiros. Mas aos olhos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ele não é tão inocente: pode conter aflatoxinas, que causam problemas como câncer no fígado. O grupo encabeçado por Eduardo da Gloria (Esalq/USP) comparou produtos contendo amendoins inteiros (amendoim-japonês)

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Mata de araucárias: formava mosaicos com campos na Serra Gaúcha originai

e triturados (paçoca). Encontrou aflatoxina em 25% das embalagens um quarto delas com teor da toxina acima do limite permitido pela Anvisa. O risco maior está na paçoca, que por ser feita de amendoim moído tem lotes mais homogêneos: se uma paçoca está contaminada, suas vizinhas de prateleira têm grandes chances de estar. Mas nem só no amendoim está a aflatoxina. Luciane Kawashima e Lúcia Maria Soares, da Unicamp, avisam que é raro, mas produtos de milho como farinha e canjica também podem ter aflatoxinas {Ciência e Tecnologia de Alimentos).

Aflatoxinas: amendoim nem sempre é petisco Inocente

> Pastar para preservar o mosaico de campos e matas de araucária da Serra Gaúcha tem sido substituído por lavouras e pinheiros. Para ajudar a preservar a vegetação original Valério Pillar, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e o alemão Hermann Behling, da GeorgAugust-Universitât, olharam para o passado. Eles usaram pólen e carvão fósseis para reconstruir as alterações pelas quais a vegetação gaúcha passou nos últimos 40 mil anos {Philosophical Transactions ofthe Royal Society B). Em épocas mais secas e com estações bem definidas, os campos predominavam. As florestas de araucária avançaram nos últimos 4.000 anos, quando o clima se tornou mais úmido e sem estação seca. Pólen e carvão contam também que ameríndios trouxeram o fogo à região e os europeus, o gado. E apontam erros nas estratégias atuais de conservação: os campos são uma vegetação única a ser preservada, não substituída por araucárias. Behling e

Pillar defendem que rebanhos bovinos são essenciais para manter a biodiversidade original dos campos gaúchos.

> Micose em anfíbios da Mata Atlântica o fungo Batrachochytrium dendrobatidis, que causou extinções de anfíbios em outras partes do mundo, está no Brasil. O grupo de Célio Haddad (Unesp-Rio Claro) encontrou o fungo, causador da quitridiomicose, em girinos de 18 espécies de rãs e pererecas do Rio Grande do Sul ao Rio de Janeiro {South American Journal of Herpetology e Amphibian and Reptile Conservation). "É preocupante", diz Luís Felipe Toledo, um dos autores dos artigos. "Como outro grupo de pesquisadores encontrou a doença também em Pernambuco, isso sugere que o quitrídio esteja em toda a Mata Atlântica", comenta. Os zoólogos ainda não sabem o efeito da doença nos animais brasileiros, mas alertam que é preciso verificar se o fungo existe em outras áreas, como o Cerrado e o Pantanal.

PESQUISA FAPESP133 ■ MARÇO DE 2007 ■ 41



MEDICINA

orpo no limite Exercício físico protege o organismo contra danos provocados pela privação de sono RICARDO ZOR/I I IO I: I-KANCMSCO BICUDO

Em 2003 um breve telefonema pôs fim a meses de busca dos pesquisadores Marco Túlio de Mello e Hanna Karen Antunes, do Instituto do Sono da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Estudiosos dos efeitos que o exercício físico produz sobre o organismo, Mello e Hanna Karen planejavam imi experimento para descobrir o que acontece com o corpo e a mente de quem passa dias sem dormir. E tinham quase todo o necessário para a pesquisa à disposição. Faltava apenas encontrar pessoas dispostas a passar algumas noites em claro nos laboratórios do Instituto do Sono - sem receber nada em troca, uma vez que a legislação brasileira impede a remuneração de voluntários de pesquisas. Do outro lado da linha, o jornalista C^elso Lobo, da Rede Globo, apresentou a solução. Uma equipe do Faiitáslico faria uma reportagem sobre a primeira edição brasileira de uma das mais longas e extenuantes competições do planeta - a Hcomotion-Pro, em que os participantes passam dias c|uase sem dormir - e convidou a equipe da Unifesp para acompanhar o desempenho dos atletas. Era a oportunidade que Mello e Hanna Karen tanto perseguiam. Após semanas de planejamento, Hanna Karen desembarcou com quase meia tonelada de equipamentos em Lençóis, no interior da Bahia, onde transformou uma ala inteira de um dos principais hotéis dessa cidade de apenas 10 mil habitantes em uma unidade de pesquisa. Ali, à entrada do Parque Nacional da Chapada Diamantina, ela submeteu 11 competidores de três equipes diferentes a baterias de testes físicos, psicológicos e de análise do sono antes e depois da prova. Os primeiros resultados desse experimento, repetido em mais duas

FOTOS AI.IíXANDRI; CAI'I>I

edições da Ecomotion-Pro e também na sede do Instituto do Sono em São Paulo, emergem agora em uma série de artigos científicos que revelam como o exercício lísico pode, até certo ponto, proteger o organismo dos efeitos nocivos causados pela falta de sono. São informações úteis não apenas para atletas acostumados a submeter corpo e mente a situações extremas, mas também e principalmente - para melhorar a qualidade de vida e o desempenho das pesto longas ou irregulares, como médicos, enfermeiros, pilotos de avião, motoristas de ônibus, policiais e bombeiros, entre outros, que somam 15 milhões de pessoas nos Estados Unidos. A conllrmação do efeito protetor da atividatie física tornou-se evidente quando 1 lanna Karen e o grupo coordenado por Mello compararam os dados sobre quase 300 variáveis relacionadas à saúde

física e mental dos atletas com o desgaste a que haviam se submetido durante a prova. Durante sele dias e seis noites os participantes da Ecomotion-Pro de 2003 percorreram 477 quilômetros no Parque Nacional da C^hapada Diamantina, uma das poucas áreas preservadas de Cerrado no país. (Correram, pedalaram, escalaram ou remaram para atravessar campos com vegetação rasteira e árvores esparsas, matas fechadas, serras, rios c cachoeiras. Ilido isso,sem tempo para descanso. Formadas por quatro participantes, geralmente três homens e uma mulher, as equipes só dormiam quando não agüentavam mais - em média, descansavam meia hora a cada dia. Além do desafio físico, acentuado pela variação de temperatura que oscilou de 20" a 36°C naquele mês de novembro, essa modalidade esportiva criada na década de 1980 na Nova Zelândia impõe aos competidores um intenso desgaste mental. PESQUISA FAPESP 133 ■ MARCO DE 2007 ■ 43


As equipes têm de permanecer alertas o tempo todo para encontrar o caminho a ser trilhado apenas com o auxílio de uma bússola, um altímetro e um mapa do relevo da região. "Nesse tipo de competição o menor erro do atleta responsável por guiar o deslocamento do grupo, o navegador, costuma resultar em um aumento de quilômetros no trajeto da equipe. E em muita energia desperdiçada", explica Hanna Karen. Só o esforço de cruzar uma distância semelhante à que separa São Paulo do Rio de Janeiro em uma semana seria suficiente para deixar qualquer pessoa fisicamente esgotada. Imagine-se, então, fazer tudo isso sem pregar os olhos. Estudos publicados nas últimas três décadas mais do que demonstraram que a privação de sono deixa as pessoas agressivas e agitadas, além de, claro, cansadas. Era precisamente assim, esgotados e com alterações no humor, que Hanna Karen esperava encontrar os atletas que atravessaram a linha de chegada das três edições da Ecomotion-Pro que acompanhou. E foi, em parte, o que constatou. Do ponto de vista fisiológico, o organismo dos competidores estava bastante debilitado ao final da prova. Eles chegavam com os pés bastante machucados, cãibras pelo corpo e de 7 a 10 quilos mais magros porque durante a prova consumiam 3.500 quilocalorias por dia e gastavam três vezes mais. Os níveis sangüíneos de uma proteína que indica lesões nos músculos e no coração eram cerca de 20 vezes mais elevados que o normal, semelhante ao de quem sofre um infarto, e as taxas das enzimas hepáticas sugeriam uma lesão grave no fígado. Entre os homens, a taxa do hormônio masculino testosterona, essencial para a restauração das células musculares, encontrava-se 70% abaixo do normal, um sinal de que o corpo havia usado os recursos disponíveis para se manter em funcionamento. Mas do ponto de vista cognitivo eles se encontravam bem, muito melhor do que se poderia esperar de quem estava quase sem dormir havia uma semana. Lembravam-se da dificuldade para escalar um paredão de pedras ou reencontrar o caminho por um trecho de mata fechada depois de se perder à noite. Também não estavam tristes nem irritados. "Foi surpreendente", diz Hanna Karen, "eles chegavam felizes por terem terminado 44 ■ MARÇO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 133


a prova e relatavam as aventuras por que passaram com uma riqueza de detalhes impressionante". Bastou uma longa noite de sono com duração de 16 a 19 horas para que se recuperassem quase por completo. Antes mesmo de retornar a São Paulo e analisar os dados, a pesquisadora já imaginava que o responsável por esse bem-estar era o exercício físico. Mas faltava descobrir como os sedentários responderiam à privação de sono por período tão prolongado. Também queria saber se o fato de apresentar bom condicionamento físico era suficiente para prevenir os danos associados à falta de sono ou se esse benefício só favorecia quem pratica exercícios durante o tempo que fica acordado. De olhos abertos - Nos laboratórios do Instituto do Sono, coordenado pelo médico Sérgio Tufik, um dos principais especialistas em distúrbios do sono no país, Mello e Hanna Karen decidiram reproduzir a prova da Chapada Diamantina. Dos 28 voluntários convidados para essa fase da pesquisa, oito eram sedentários e 20 realizavam exercícios físicos com freqüência e já haviam participado de competições como a Ecomotion-Pro. Quatorze atletas se exercitaram em aparelhos que simulavam as modalidades praticadas e as distâncias percorridas na Ecomotion 2003, carregando sempre os mesmos equipamentos que levaram na competição. Os atletas conseguiram cumprir as tarefas em aproximadamente quatro dias, tempo em que os outros voluntários tiveram de se manter acordados com leituras, filmes, jogos de tabuleiro ou videogame e navegando na internet. Quem não fez exercícios só podia dormir, na verdade tirar um cochilo que durava pouco mais de uma hora, quando o grupo da atividade física decidia parar para repousar - e pelo mesmo tempo. "Os sedentários tentavam o tempo todo convencer os atletas a repousarem por alguns minutos", conta Hanna Karen. Os voluntários que não fizeram exercícios passavam boa parte do experimento se divertindo com um videogame de corrida de carros em que conseguiam superar vários estágios da disputa e passar horas diante da tevê. "No final", diz a pesquisadora, "já não eram capazes de passar da primeira curva". Para avaliar a qualidade e o padrão do sono, Hanna Karen e Mello repetiram exames de polissonografia antes e depois

Sete dias e seis noites: atletas percorrem 477 quilômetros da Chapada Diamantina quase sem descanso

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do experimento e durante os cochilos. Na primeira noite em que puderam dormir à vontade, os voluntários que se exercitaram durante os quatro dias apresentaram um aumento do sono de ondas lentas, fase em que é maior a produção de hormônio do crescimento, essencial para a multiplicação celular e a restauração dos órgãos. Apenas na noite seguinte houve um acréscimo do sono associado à recuperação das funções cognitivas, o chamado sono REM (Rapid Eyes Movement), quando a maior parte dos músculos do corpo fica paralisada e ocorrem os sonhos. Os que permaneceram acordados sem fazer exercícios, no entanto, apresentaram aumento de sono REM já na primeira noite. "Essa alteração no padrão de sono parece bastante lógica", comenta Hanna Karen,"o organismo recupera primeiro o corpo e depois a mente, no caso em que o desgaste físico foi maior". Flutuações hormonais - Os benefícios do exercício se tornaram evidentes quando se analisou como variaram os níveis de dois hormônios: a testosterona, ligada à recuperação muscular, e o cortisol, liberado pelas glândulas supra-renais em situações de estresse como um assalto à mão armada ou uma competição. Tanto os que se exercitaram como aqueles que deixaram os músculos descansarem enquanto procuravam outra forma de se manter acordados apresentaram diminuição na taxa de testosterona, também associada ao desejo sexual e à ereção. Identificada anteriormente pela biomédica Monica Levy Andersen em estudos com roedores no Instituto do Sono, essa redução foi mais acentuada entre voluntários sedentários. Já o cortisol variou de modo mais complexo. Acreditava-se que o nível desse hormônio se encontraria mais elevado no grupo que se exercitou durante o experimento, uma vez que a privação de sono e o excesso de atividade física são fontes diferentes de estresse e cada um deles acarreta aumento importante na liberação de cortisol. Diferentemente do esperado, os voluntários ativos apresentaram um aumento inicial seguido de uma redução importante na taxa do hormônio do estresse, que permaneceu elevada entre os sedentários. "Possivelmente existe uma chave de segurança que impe-

de o aumento exacerbado no nível desse hormônio", comenta Hanna Karen. É como se o corpo soubesse a hora de baixar a produção de cortisol e, assim, evitar o esgotamento de suas reservas de colesterol, substrato para a produção do próprio cortisol e de outros hormônios essenciais ao funcionamento do organismo. Mais importante. Após a primeira noite de descanso, o nível de cortisol havia retornado ao normal entre os voluntários que fizeram exercício, enquanto entre os sedentários isso só ocorreu em média três dias após o experimento. "Apesar de mais cansado, quem se manteve fisicamente ativo se recuperou mais rápido", diz Hanna Karen. "Esses resultados sugerem que o exercício dispara respostas fisiológicas e neuroquímicas que ftincionam como um antídoto aos prejuízos causados pela privação do sono", diz Mello. Já se sabe que passar uma madrugada em claro ou trabalhar até um dia e meio seguido para concluir um projeto cujo prazo está estourando não causa grandes danos ao organismo, que se restabelece rapidamente. Os problemas surgem quando o que deveria ser exceção torna-se regra e passa a se repetir com freqüência anos a fio, caso de médicos e enfermeiros que costumam trabalhar em turnos de até 36 horas quando estão de plantão. A conseqüência desse padrão inadequado de descanso é o aumento de problemas cardiovasculares, como hipertensão e infarto. Para combater esses efeitos nocivos, calcula-se que bastariam três sessões de 50 minutos de exercício por semana. Mas há um limite. Os exercícios físicos parecem combater os danos nas situações em que se permanece entre

Centro de Estudos do Sono MODALIDADE

Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) COORDENADOR SéRGIO TUFIK

- Unifesp

INVESTIMENTO

R$ 16.403.545,87 (FAPESP)


menos de 96 horas e 120 horas (quatro a cinco dias) sem descansar de forma adequada. Depois de tanto tempo acordado, o melhor que há a fazer é dormir. É que a partir desse estágio os níveis de irritação e as falhas de memória e o desequilíbrio fisiológico se tornam tão intensos que a atividade física deixa de proteger e passa apenas a mascarar o problema. "Estamos tentando identificar esse limite tênue que separa a ação protetora do exercício do efeito mascarador", diz Hanna Karen. Ao mesmo tempo, Mello e outro pesquisador de sua equipe, Márcio Rossi, testam o efeito de exercícios aeróbicos (natação e corrida) e anaeróbicos (musculação) realizados em momentos distintos do dia sobre o padrão de sono de sedentários. O objetivo é descobrir qual o tipo de atividade física mais adequado para trabalhadores que precisam se manter acordados durante a noite ou por longos períodos, como médicos, policiais, motoristas de caminhão e de ônibus. Ainda este ano, a equipe do Instituto do Sono pretende pôr à prova diferentes programas de exercício em experimentos com trabalhadores da usina nuclear de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, e de plataformas de petróleo da Petrobras, que trabalham em turnos irregulares. Na opinião de Mello, a atividade física pode representar uma forma barata e eficiente de ajudar essas pessoas, sem os efeitos indesejados provocados por estimulantes (café, pó de guaraná e energéticos) ou medicamentos. Além de combater os efeitos da privação de sono, esses profissionais poderiam se beneficiar de outros efeitos já conhecidos, como o fortalecimento muscular, o equilíbrio hormonal e o aumento da capacidade cardíaca e respiratória. Antes que se saia por aí correndo pelos parques ou à procura de uma academia, Hanna Karen alerta que essa atividade física não pode ser aleatória e deve levar em consideração as características de cada pessoa - quantas horas dorme por dia, qual a qualidade do sono, quanto tempo e em que período do dia trabalha. Com base nessas informações, tenta-se em seguida encontrar os exercícios mais adequados para cada trabalhador, que deve ser acompanhado por um médico e receber a orientação de um profissional de educação física. ■

O sono e o sexo Apesar das evidências do efeito protetor dos exercícios, acumulam-se cada vez mais dados confirmando os efeitos nocivos da privação de sono. Experimentos recentes conduzidos pela equipe de Monica Levy Andersen, do Instituto do Sono da Unifesp, indicam que os prejuízos das noites passadas em claro afetam de modo diferente o sexo masculino e o feminino. Poucos anos atrás, Monica mostrou que em ratos machos a privação de sono afeta o funcionamento de uma área do sistema nervoso associada ao prazer e provoca um efeito chamado hipersexualidade, número anormal de ereções e ejaculações espontâneas, o que não necessariamente é bom (veja Pesquisa FAPESP n° 110). Agora Monica e a biomédica Isabela Beleza Antunes provaram que a privação do sono REM, quando o cérebro se encontra tão ativo quanto na vigília, altera o ciclo reprodutivo das ratas. Depois de retiradas de tanque com água no qual ficavam quatro dias quase sem dormir, se equilibrando sobre plataformas secas, as ratas passavam nove dias sem ovular nem menstruar, segundo artigo publicado no ano passado na Hormones and Behavior. Em seres humanos, esse tempo corresponderia a dois ciclos menstruais interrompidos aproximadamente dois meses. "Esses dados sugerem que a falta de sono adequado pode ser um dos fatores associados à dificuldade que algumas mulheres apresentam de engravidar", diz Isabela. As pesquisadoras observaram essa alteração sempre que a privação de sono ocorria em um momento específico do ciclo estrai das ratas (equivalente ao menstrual em mulheres), conhecido como diestro - quando o útero está se preparando para receber os óvulos liberados

pelos ovários. Sem descansar plenamente, as ratas produziam níveis do hormônio corticosterona, correspondente em roedores ao cortisol humano, duas vezes superiores ao normal. O excesso desse hormônio no sangue leva à maior produção do hormônio sexual progesterona, que controla o funcionamento dos ovários. E mais progesterona, por sua vez, significa menor produção de dois outros hormônios: o folículo estimulante (FSH) e o luteinizante (LH), responsáveis pelo amadurecimento dos óvulos. "A menstruação só volta depois que as taxas de LH e FSH retornam ao normal", explica Isabela. Os danos causados pela falta de sono podem ser ainda mais graves. Após a menopausa, período em que os ovários deixam de produzir os hormônios estroqênio e progesterona, a privação de sono aumenta o risco de problemas cardíacos. Ratas que passaram por uma cirurgia para a retirada de ovários, situação semelhante à da menopausa, apresentaram risco 20% maior de desenvolver problemas cardiovasculares do que aquelas que permaneceram com o aparelho reprodutor intacto e também não puderam dormir. Monica e Isabela já esperavam algum aumento no risco de doenças cardiovasculares, uma vez que o estrogênio funciona como protetor do sistema cardiovascular. Mas não imaginavam que seria tão elevado quanto o observado no estudo publicado em janeiro na Behavioural Brain Research. Segundo Monica, a probabilidade de as fêmeas sem ovários sofrerem problemas do coração tornou-se praticamente igual à dos machos, naturalmente mais elevada. "Acreditamos", diz Isabela, "que o estresse associado à falta de sono reduz ainda mais o nível de estrogênio, aumentando o risco cardiovascular". PESQUISA FAPESP 133 ■ MARÇO DE 2007 ■ 47


GENÉTICA

De servo

a senhor

Molécula de RNA assume o lugar do DNA como promessa para combater doenças MARIA GUIMARãES ILUSTRAçõES CáRCAMO

Cada uma de nossas células guarda a receita para o seu funcionamento na molécula de DNA, a dupla fita de ácido desoxirribonucléico em forma de escada em espiral. Para funcionar, porém, as células dependem da ação de uma família de moléculas mais simples e versáteis, em geral formadas por uma fita única de ácido ribonucléico: o RNA. A todo momento um tipo específico de RNA chamado mensageiro copia as instruções contidas nos genes e as envia ao local em que serão lidas para originar proteínas, os componentes fundamentais dos seres vivos. É uma tarefa mais complicada do que parece, pois o caminho percorrido pelo mensageiro é repleto de obstáculos e armadilhas. Como o capitão GuUiver, subjugado pelos minúsculos habitantes de Liliput no romance de Jonathan Swift, os mensageiros são freqüentemente interceptados e amordaçados, por vezes até desmembrados, por outra variedade de moléculas de RNA ainda menores: os micro-RNAs, que agem associados a um complexo de proteínas. A receita para produzir micro-RNAs está em trechos do DNA que até recentemente se pensava não terem função - por isso conhecidos como DNAlixo. "Um lixo que é luxo", afirma o biólogo molecular Carlos Menck, da Universidade de São Paulo (USP), que estima que entre 30% e 40% do genoma humano se dedique exclusiva-


mente a produzir RNA com a função essencial de regular quase tudo o que acontece nas células. Em experimentos com o verme Caenorhabditis elegans, usado como modelo biológico de seres vivos mais complexos, os pesquisadores norte-americanos Andrew Fire e Craig Mello demonstraram em 1998 que pequenas moléculas de RNA injetadas bloqueavam com eficiência a interpretação de certos comandos celulares - processo que batizaram de interferência por RNA. Dito de maneira simples, o RNA silenciava os genes, impedindo a produção de proteínas. O trabalho de Fire e Mello valeu à dupla o Nobel de Medicina de 2006 e revelou a geneticistas e biólogos moleculares uma nova estratégia de assumir o comando celular e assim tentar combater de modo eficaz e definitivo problemas de origem genética como o câncer. Usando micro-RNAs como molde, pesquisadores da Europa e dos Estados Unidos recentemente passaram a produzir em laboratório moléculas de RNA dese-

nhadas especificamente para interferir no funcionamento de certos genes. Essas moléculas criadas artificialmente são os chamados RNAs de interferência, ou simplesmente RNAi, que à semelhança do DNA são formados por uma fita dupla em vez de simples. Assim como os micro-RNAs, os RNAi interceptam e destroem as informações celulares antes que sejam processadas e originem proteínas. Com o auxílio dessa ferramenta, equipes da USP e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) começam a compreender melhor como surgem determinadas formas de epilepsia, câncer e enfermidades cardiovasculares. Também dão os primeiros passos para verificar o potencial dessas moléculas para controlar esses problemas de saúde, além de outros provocados por vírus, bactérias, protozoários e vermes. "O RNAi tem um grande potencial terapêutico", afirma a geneticista Iscia Lopes-Cendes, da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. Testes concluídos

recentemente em seu laboratório indicam que o RNAi pode ajudar a combater a infestação pelo verme Schistosoma mansoni, causador da esquistossomose, problema que atinge cerca de 200 milhões de pessoas no mundo. A equipe de Iscia preparou cópias de RNA para inativar um gene essencial para o metabolismo do S. mansoni eap]icou em camundongos infestados com o verme. Em seis dias, o número de parasitas nos camundongos era 27% menor, uma redução que os pesquisadores consideraram promissora como ponto de partida. Apesar do resultado esperançoso, a geneticista mostra-se cautelosa. "Ainda é preciso comprovar que os vermes realmente morreram como conseqüência direta da inibição por RNAi", explica. Por essa razão, ela investiga agora o efeito do RNAi aplicado diretamente sobre os parasitas isolados, mantidos em placas de vidro. Além de eficaz, essa técnica promete menos efeitos indesejados nos casos em que se pretende combater microorganismos invasores como vírus, bactérias, pro-


tozoários ou vermes porque é possível desenhar uma molécula de RNA exclusiva para genes do parasita, sem correspondente nos seres humanos. Antes dos experimentos, porém, foi preciso aprender a fabricar as cópias de RNAi. Durante o doutorado concluído em 2005 no grupo de Iscia, o bioquímico Tiago Pereira desenvolveu um programa de computador capaz de desenhar moléculas de RNAi sob medida. Foi um avanço e tanto não apenas para o grupo da Unicamp. Disponível gratuitamente no site do laboratório na internet, o programa criado por Pereira permite agora que os pesquisadores brasileiros interessados em usar o RNAi não dependam mais exclusivamente de empresas estrangeiras. Quem pretende silenciar um gene específico pode usar o programa da Unicamp para projetar o RNAi desejado e enviar a seqüência específica dessa molécula para empresas internacionais especializadas em produzi-la em grande quantidade. Controlar doenças - Alguns dos RNAs desenhados pela equipe de Iscia já chegaram ao laboratório do cardiologista Kleber Franchini, em outro prédio da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. Intrigado com o aumento do coração causado por hipertensão arterial, Franchini encomendou moléculas de RNA para interferir em processos celulares que levam ao crescimento e deterioração do coração em pacientes com hipertensão arterial, além de outras doenças cardíacas. Logo no primeiro dia após injetar RNAi nos camundongos com hipertensão, ele observou uma queda de 70% nos níveis de algumas proteínas que regulam a divisão celular, o que impediu os problemas funcionais que decorrem do aumento do coração. Melhor: esse efeito durou 15 dias, sugerindo que o RNAi pode, no futuro, se tornar uma forma de impedir o crescimento exagerado do músculo cardíaco, que em casos extremos prejudica o bombeamento de sangue para o organismo e pode levar à morte. Em São Paulo, no Instituto do Coração (InCor), a bióloga Luciana Vasques usa essa técnica com o objetivo de resolver um problema decorrente de uma cirurgia que é parte da rotina dos cardiologistas: a ponte de safena, substituição de artérias obstruídas do coração por trechos da veia safena, retirada da coxa. 50 ■ MARÇO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 133

Se o RNA de interferência se confirmar como ferramenta para uma revolução da medicina, o liomem terá maior controle sobre seu próprio material genético

Transplantada para o coração, a veia pode reagir ao novo ambiente promovendo a multiplicação de células musculares em suas paredes, que se tornam mais espessas, podendo prejudicar a passagem do sangue. Para inibir esse espessamento, Luciana testou moléculas de RNAi capazes de desativar um gene envolvido na proliferação celular em vasos sangüíneos. O tratamento reduziu em 70% a multiplicação de células de ratos in vitro. Agora Luciana tenta descobrir os efeitos dessa terapia nos ratos vivos. Do problema à solução - Ao impedir o funcionamento dos genes, o RNAi faz mais do que tratar um problema. Também pode revelar sua origem. Na Unicamp, Iscia vem utilizando o RNAi para entender como surge a epilepsia. Ela silenciou genes ativados em estágios distintos do desenvolvimento cerebral de camundongos e constatou que formas diferentes de epilepsia originam-se em estágios específicos da vida. Wilson Araújo da Silva, biólogo da USP em Ribeirão Preto, tenta identificar como o mecanismo de regulação por RNA aciona ou desliga genes em momentos inadequados e, assim, levam ao surgimento de diferentes tipos de câncer. Atualmente no Ludwig Institute at Memorial Sloan-Kettering Câncer Center, em Nova York, Silva projeta moléculas de RNAi para silenciar genes associados a tumores como de mama, pulmão e pele. "Provavelmente o silenciamento de genes não substituirá os procedimentos cirúrgicos, mas permitirá retardar o desenvolvimento de certos tipos de câncer", comenta Silva. Embora sejam necessários anos de pesquisa antes que o silenciamento esteja disponível para as pessoas, os resultados obtidos já permitem classificar o RNAi como a grande promessa da genética para curar doenças. É uma posição que já foi ocupada anos atrás pela terapia gênica, que tentava substituir genes defeituosos por outros saudáveis, mas ainda não funcionou como se esperava. Biólogos e geneticistas apostam no RNAi por duas razões: é uma técnica mais barata que a terapia gênica e, nos experimentos já realizados, chega a si-

lenciar 90% dos genes escolhidos como alvo. Se de fato der certo, o silenciamento de genes pode significar uma injeção de prestígio no Projeto Genoma Humano. Considerado um dos grandes investimentos da ciência no final do século passado, o seqüenciamento dos genes humanos gerou certa decepção por não produzir um impacto imediato na área médica. Hoje é possível vasculhar o genoma de uma pessoa e identificar genes que indicam propensão a doenças. Mas, exceto em raros casos, essa informação não ajuda no tratamento ou na prevenção do problema. O otimismo que rodeia o potencial terapêutico do RNAi pode ser medido pelo investimento da indústria, que financia entre 30% e 40% do trabalho de Franchini na Unicamp. Mais de 30 empresas farmacêuticas e de biotecnologia já buscam usar essas moléculas em medicina. Um exemplo é a Sirna Therapeutics, criada para desenvolver tratamentos à base de RNAi e em dezembro de 2006 comprada pela Merck, uma das gigantes mundiais da indústria farmacêutica. Nas palavras do presidente da Sirna, a empresa pretende estar "prestes a mudar a medicina moderna, potencialmente parar doenças antes que possam progredir e, em alguns casos, reverter o próprio processo da doença". A Sirna pretende tratar assim qualquer doença humana - talvez um exagero de otimismo, mas para algumas doenças o RNAi tem se mostrado de fato eficaz em testes clínicos. Nós a desatar - Antes que essa promessa se concretize, porém, restam vários nós a desatar. O mais importante é determinar se o RNAi é realmente seguro para seres humanos. Assim como pode interromper o funcionamento de genes associados a doenças, o silenciamento também é capaz de afetar outros responsáveis por funções importantes das células, como controlar a sua proliferação desarranjo que pode dar origem a câncer. Outra dificuldade é fazer as moléculas de RNAi atingirem o alvo correto, uma vez que injetadas na corrente sangüínea elas geralmente se dispersam pe-


Io organismo antes de se concentrarem nos rins, de onde são excretadas sem terem atingido o objetivo. Tenta-se contornar esse problema indicando o uso do RNA terapêutico para enfermidades que podem ser tratadas por meio de aplicações localizadas, como injeções feitas diretamente no olho para combater a degeneração macular da retina, o uso de sprays contra a asma ou aplicações de cremes vaginais contra infecções. No mundo todo ainda se buscam formas de aumentar a estabilidade e a durabilidade do RNAi no organismo. Muitas vezes os efeitos que produz ainda são efêmeros - essas moléculas não se multiplicam dentro das células e podem ser degradadas por enzimas específicas para RNA. Uma estratégia adotada por alguns pesquisadores como Luciana, do InCor, é inseri-las no material genético de um vírus inócuo para seres humanos. Esses vírus invadem as células que atingem e inserem seu material genético no genoma do hospedeiro. Essas células passam então a fazer cópias do RNA terapêutico junto com as cópias de seus próprios genes, com um possível efeito permanente. Outros, como Iscia, da Unicamp, preferem fazer aplicações localizadas de moléculas "nuas" de RNAi, com pequenas alterações que aumentem a sua estabilidade. "Uma de nossas preocupações é saber o que acontece no organismo no médio e no longo prazo", diz Iscia. Apesar desses nós, comuns a qualquer área da ciência em fase inicial de desenvolvimento, os geneticistas se mostram otimistas e acreditam que em breve se conhecerá o suficiente sobre o funcionamento do RNAi para superar essas dificuldades. "A ciência do RNAi está apenas começando; por isso os projetos de pesquisa na área devem ser induzidos", afirma Carlos Menck, que coordena um dos quatro laboratórios que integram o Centro de Terapia Cênica e Vacinas da USP, fiandado há cerca de três anos. Enquanto isso não ocorre, ele age por conta própria e tenta arrebanhar seus colegas, que ainda trabalham sobre o mesmo tema, mas de forma isolada. "O silenciamento de genes com o RNAi pode dar unidade real ao centro, pois se presta às indagações de todos os seus pesquisadores", diz. Atitudes como essa talvez consigam fazer Gulliver se erguer e assumir o controle sobre os liliputianos. ■ PESQUISA FAPESP 133 ■ MARÇO DE 2007 ■ 51


BIOQUíMICA

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Perereca produz secreção rica em compostos capazes de eliminar bactérias e reduzir a pressão arterial

IRACEMA CORSO

52 ■ MARÇO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP133

Uma perereca verde com listras negras e alaranjadas ao lado do corpo produz uma secreção cutânea que mantém sua pele úmida mesmo sob o sol intenso da Caatinga do Rio Grande do Norte, onde vive a maior população dessa espécie na América Latina. É uma gelatina viscosa e transparente que protege a Phyllomedusa hipocondrialis da desidratação e a torna uma refeição indigesta para seus predadores por conter uma mistura de proteínas tóxicas. Analisando sua composição, biólogos de São Paulo e Minas Gerais descobriram que ela pode ser útil também para os seres humanos. Eles identificaram na secreção da Phyllomedusa hipocondria/íspeptídeos (fragmentos de proteína) capazes de eliminar bactérias causadoras de diarréias ou infecções hospitalares e até mesmo de reduzir a pressão arterial. A equipe coordenada por Daniel Pimenta, do Instituto Butantan, em São Paulo, coletou amostras de secreção de 12 exemplares da Phyllomedusa capturados em Angicos, no Rio Grande do Norte. Ao düuí-la em diferentes solventes, os pesquisadores conseguiram separar três peptídeos que ainda não haviam sido identificados. Testes em laboratório mostraram que dois deles — a filosseptina-7 e a dermasseptina-1- são potentes bactericidas, capazes de eliminar quatro espécies de bactérias ligadas a problemas de saúde que afetam os seres humanos: a Micrococcus lu-


.< Influência ambiental: veneno de uma perereca que

^^ teus, que provoca lesões de pele conhecidas como impetigo; a Staphylococcus aureus, causadora de infecção hospitalar; a Escherichia coli, associada à diarréia; e a Pseudomonas aeruginosa, comum nas infecções respiratórias. Tanto a filosseptina-7 como a dermasseptina-1 atuam da mesma forma. Abrem pequenos poros na parede celular das bactérias, matando-as, como descreveu a equipe de Pimenta, formada por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Fundação Ezequiel Dias, em Minas Gerais, em um artigo na Peptides de dezembro de 2006. Outra descoberta amplia o interesse sobre o potencial farmacológico dessas moléculas. Misturadas ao sangue humano, a filosseptina-7 e a dermasseptina1 não danificam as hemácias, responsáveis pelo transporte de oxigênio. "Essa é uma indicação de que provavelmente essas moléculas não sejam tóxicas para os seres humanos", explica Pimenta, que há cinco anos investiga as propriedades medicinais de compostos encontrados na secreção de anfíbios. Mas o que mais chamou a atenção do grupo do Butantan foi o terceiro peptídeo: o Phypo Xa, abreviação do nome da perereca somada à indicação do tama-

O PROJETO Centro de Toxinologia Aplicada MODALIDADE

Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) COORDENADOR ANTôNIO CARLOS MARTINS DE CAMARGO

Instituto Butantan INVESTIMENTO

R$ 16.674.509,82 (FAPESP)

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nho desse peptídeo, formado por dez aminoácidos. Pimenta e a bióloga Kátia Conceição descobriram que o Phypo Xa prolonga a ação de outro peptídeo: a bradicinina, que relaxa a musculatura dos vasos sangüíneos e diminui a pressão arterial. "É a primeira vez que se identifica no veneno de um anfíbio uma molécula com essa função", diz Kátia. Antes só se conheciam peptídeos com efeito semelhante no veneno de serpentes. O primeiro deles, descoberto em 1965 no veneno da jararaca pelo farmacologista Sérgio Henrique Ferreira, da USP em Ribeirão Preto, inspirou a criação do captoprU, um dos medicamentos anti-hipertensivos mais vendidos no mundo. Em um artigo na edição de março da Peptides, Pimenta e Kátia relatam que nos testes com ratos o Phypo Xa mostrou efeitos apenas um pouco menos intensos que o captopril. Sopa de peptídeos - Apesar dos resultados promissores com os peptídeos da Phyllomedusa, a equipe do Butantan mostra-se cautelosa. Afinal, ainda serão necessários anos de pesquisa até que se consiga produzir algum medicamento a partir deles. Isso, claro, se alguma indústria farmacêutica se interessar pela produção de uma forma sintética dessas moléculas ou se até lá se descobrir uma forma mais eficiente de separá-las dessa sopa de peptídeos que é o veneno.

"Há uma grande variedade de moléculas na secreção cutânea da Phyllomedusa, razão por que se estuda tanto essa perereca", diz Pimenta. "Os anfíbios, muitas vezes, são quase como boticários, pois entre os compostos que produzem há até medicamentos", conta o biólogo Carlos Jared, que participou da pesquisa de Kátia e Pimenta. Além da variedade, outro fator complica a extração dos componentes do veneno. "O veneno de uma perereca que vive debaixo de pedras pode conter substâncias diferentes do produzido por outra que se esconde sob folhas, ainda que ambas sejam da mesma espécie e vivam em um ambiente semelhante", explica Jared, do Butantan, que há mais de 20 anos investiga a relação entre as peculiaridades da pele dos anfíbios e a capacidade de adaptação a ambientes hostis. E não é só o ambiente que influencia essa variedade de componentes do veneno, descobriu recentemente o biólogo Daniel Nadaleto, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Botucatu. Ele criou em laboratório, em ambientes idênticos, duas espécies de sapo {Bufo ictericuse Bufo schneideri) e constatou que os animais de uma mesma desova - ou seja, sapos-irmãos, não necessariamente eram idênticos do ponto de vista genético produziam venenos com composições diferentes. "Provavelmente há uma influência genética", diz Nadaleto. ■ PESQUISA FAPESP 133 ■ MARÇO DE 2007 ■ 53


CLIMA

O dia depois de amanhã Pesquisadores unem-se para esmiuçar os efeitos do aquecimento qlobal no Brasil FABRICIO MARQUES

Há uma articulação para ampliar o conhecimento sobre os efeitos das mudanças climáticas no Brasil. Um grupo de pesquisadores de várias disciplinas prepara um livro, que deverá ser lançado ainda neste ano com o apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), cujo objetivo é estimar as conseqüências do aquecimento global no Brasil e propor alternativas para enfrentá-las. "A idéia é criar um fórum de discussão como se fosse uma espécie de IPCC nacional", diz Marcos Buckeridge, pesquisador do Departamento de Botânica do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), idealizador e coordenador da iniciativa. A saúde dos brasileiros deverá ser golpeada em vários flancos, observa Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Medicina da USP, autor de um capítulo do livro sobre o tema. Os extremos de temperaturas, com a eclosão de epidemias e as secas e enchentes, são fenômenos previsíveis, mas têm efeito limitado no tempo. Saldiva revela-se especialmente preocupado com os efeitos de longo prazo da exposição aos poluentes atmosféricos - não há evidência no Brasil de que a poluição provocada pelos carros nas grandes cidades vá diminuir. "As conseqüências à saúde das mudanças climáticas vão manifestar-se mais em termos de aumento ou no número ou na severidade de problemas já conhecidos, como moléstias cardíacas, asma, câncer e infecções respiratórias", escreveu. "Poucos 54 ■ MARÇO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 133

morrerão de hipertermia ou hipotermia durante os eventos extremos do clima, mas milhares morrerão de ataques cardíacos e doenças respiratórias", afirma. Estima-se que, a cada ano, a poluição seja responsável pela morte de 3.500 moradores da cidade de São Paulo. O efeito do aumento das temperaturas sobre a biodiversidade será desigual. Os mamíferos, que são capazes de regular sua temperatura corporal, sofrerão menos com o ambiente mais quente. Mas as mudanças climáticas podem promover alterações na paisagem com fôlego para definir o destino de várias espécies. Mario de Vivo, pesquisador do Museu de Zoologia da USP, lembra que um cenário provável é o avanço do Cerrado em regiões de transição com a Floresta Amazônica. "Se o clima ficar mais seco, isso poderá desencadear a extinção de espécies da floresta e beneficiar animais típicos do Cerrado, como o lobo-guará, o tamanduá-bandeira e o tatu-canastra", afirma o pesquisador, autor do capítulo do livro sobre os mamíferos. A situação dos anfíbios é mais complexa. Sapos, rãs, pererecas, cobras-cegas e salamandras normalmente repousam durante o dia, evitando o sol e as altas temperaturas e entrando em atividade após o crepúsculo. Parte significativa de sua respiração é feita pela pele, que precisa estar sempre úmida. "Os anfíbios têm alta sensibilidade a alterações ambientais", diz o biólogo Célio Haddad, do Laboratório de Herpetologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, que escreveu o capítulo sobre anfíbios. Ou-

tra desvantagem é que os anfíbios tendem a ser endêmicos. Muitas espécies são circunscritas a determinadas regiões, o que as torna mais vulneráveis a processos de extinção. Haddad diz, contudo, que outras espécies podem sair ganhando. "A biodiversidade vai empobrecer, mas espécies com maior capacidade de adaptação terão a chance de crescer no terreno deixado por outras", afirma. Manguezais afogados - A elevação do nível do mar projeta cenários temíveis para as espécies costeiras: espera-se que os deltas dos grandes rios recuem, empurrados pela água do mar. "O ecossistema predominante na Ilha de Marajó, na foz do Amazonas, poderá ser transplantado para o interior. Já os manguezais poderão simplesmente ser afogados, colocando em risco toda a cadeia de espécies que depende deles", diz Mario de Vivo. Avalia-se que o avanço das águas será lento, permitindo que as espécies tenham tempo de buscar um local mais alto para viver. "Mas em alguns trechos da costa com declividade mais baixa o avanço pode ser repentino. Para os anfíbios, pode ser um grande problema, porque eles não toleram a salinidade da água do mar", diz Célio Haddad, que antevê cenários de desequilíbrio ecológico, com efeitos danosos inclusive para o homem. "Na ausência dos anfíbios, insetos como os pernilongos e o mosquito da dengue que lhes servem de alimento podem proliferar mais rapidamente", diz o pesquisador. Num rio como o Amazonas,


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Elevação do níveldo mar pode destruir manguezais


rão de um somatório de medidas. "Cada país terá de discutir opções condizentes com o impacto e as conseqüências econômicas e sociais regionais. Isso precisa envolver a comunidade científica e as autoridades e inspirar políticas de Estado", diz Paulo Artaxo, pesquisador do Instituto de Física da USP e coordenador do Instituto do Milênio do experimento Large Scale Biosphere - Atmosphere Experiment in Amazônia (LBA). O Brasil, diz Artaxo, tem um grande papel a cumprir no combate global aos efeitos do aquecimento. "Podemos nos tornar uma potência energética em algumas décadas. Seremos grandes produtores de combustíveis renováveis, como o álcool. Essa é uma perspectiva tangível", diz. "Se o país não descuidar da Amazônia, terá um grande cacife nas negociações internacionais sobre o clima."

Mudança do clima pode fazer com que as florestas cedam espaço para o Cerrado

que tem declividade pequena e corre lentamente rumo ao mar, a invasão das correntes marinhas na profundeza dos cursos d'água pode eventualmente contaminar aqüíferos. "Talvez não haja um grande problema de abastecimento na Amazônia porque a área não é densamente povoada, mas, em outros países, esse fenômeno pode levar à falta de água potável para parte da população", diz Carlos Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Cafezais - O aumento da temperatura deverá ter implicações na geografia das culturas agrícolas do Brasil. Café, arroz, feijão, milho e soja poderão ter suas áreas reduzidas à metade se a temperatura da Terra subir 5,8°C em relação à mé56 • MARÇO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 133

dia atual. Com base nos atuais modelos climáticos, pesquisas do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri), da Unicamp, e da Embrapa Informática sugerem que o Brasil poderá perder cerca de 25% da área com potencial para plantio de cafezais em Goiás, Minas Gerais e São Paulo, com perdas de até US$ 500 milhões por ano, caso a temperatura suba 1°C. Com três graus a mais, a área para plantio de café cairia para um terço da atual. Com mais seis graus, os cafezais seriam extintos das terras paulistas. A tendência seria a transferência para a Região Sul. Já as plantações de trigo e de girassol do Sul poderiam tornar-se inviáveis. Há um consenso de que a redução dos efeitos e a adaptação a eles depende-

Dívidas - O livro editado por Marcos Buckeridge sobre as conseqüências do aquecimento do Brasil pretende arriscar soluções. Um caminho natural é aproveitar cada vez mais as oportunidades criadas pelo chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), artifício criado pelo Protocolo de Kyoto que autorizou os países desenvolvidos a compensar suas dívidas ambientais investindo em projetos de tecnologia limpa, implantado por países em desenvolvimento. O Brasil só perde para a índia no ranking áos beneficiários desse mercado, que deverá movimentar mais de US$ 40 bilhões até 2010. Para o pesquisador Carlos Clemente Cerri, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da USP, é enorme o potencial para implantação de projetos de reflorestamento no âmbito do MDL. "Uma alternativa viável seria o desenvolvimento de mais programas de incentivo à recuperação de áreas degradadas em matas ciliares, promovendo a mudança de uso da terra em extensas áreas, gerando os chamados créditos de carbono", escreveu Cerri, que também defende outras iniciativas para reduzir as emissões de carbono resultantes da agricultura, como o uso de técnicas de plantio direto e a mecanização da colheita de cana, que cada vez mais substitui as queimadas nos canaviais. Em outra frente, Buckeridge sugere que as técnicas de reflorestamento devem contemplar o plantio de diferentes tipos de espécies: as árvores de cresci-


mento mais rápido, classificadas como pioneiras e secundárias iniciais, são importantes para deflagrar o processo de recuperação das áreas degradadas, mas também é necessário apostar em outras espécies, como as secundárias tardias, mais resistentes à sombra, que parecem acumular mais CO2 ao longo da vida. Essa sucessão é a observada na natureza: primeiro proliferam as árvores de crescimento rápido e ciclo de vida mais curto. Quando elas morrem, tomam o lugar árvores de ciclo de vida mais longo, como perobas e jequitibás. Um doutorando de seu grupo, João Godoy, aluno do Programa de Biodiversidade e Meio Ambiente do Instituto de Botânica, acaba de defender sua tese, demonstrando por meio de experimentos em laboratório que o seqüestro de carbono é maior por um sistema em sucessão ecológica em comparação ao plantio isolado de espécies de árvores nativas. Outro dado importante obtido pelo grupo de Buckeridge diz respeito à resposta da cana-de-açúcar ao excesso de

carbono na atmosfera. Amanda Pereira de Souza, aluna do Departamento de Biologia Celular da Unicamp, acompanhou o desenvolvimento de mudas de cana que cresceram num ambiente com excesso de carbono (720 partes por milhão, cerca de duas vezes mais do que a média atual, que já chega a 384). Constatou-se que a produção de biomassa aumentou 60%, com incremento equivalente da produtividade de álcool e uma produção maior ainda de sacarose. Tamanho desempenho não se repete em outras culturas, como a da soja, que dispersa parte da energia que acumula nos processos de florescimento e de produção de sementes. As descobertas sugerem que o aquecimento global produziria efeitos benéficos na cultura da cana, que já é uma grande vocação do agronegócio brasileiro. Buckeridge acha possível articular os dois achados e propõe uma estratégia: seguir com o plantio de cana, mas também usar uma parte das áreas hoje ocupadas com plantações para regenerar corredores de florestas. "Ganharíamos em várias frentes: continua-

ríamos produzindo álcool como a principal fonte de energia renovável, ajudaríamos a regenerar a biodiversidade formando os corredores para que plantas, animais e microorganismos pudessem transitar entre os fi-agmentos de florestas restantes e esperamos crescentes", afirma. "Além disso, como provavelmente vários países irão desenvolver tipos diferentes de tecnologia de produção de energia limpa, o álcool brasileiro produzido dessa forma teria um selo de preservação ambiental que possivelmente seria de grande valor para comercialização no futuro" (Veja Pesquisa FAPESP, n" 82). A comunidade científica brasileira, como se vê, está promovendo um esforço conjunto para auxiliar na questão das mudanças globais. "Devido ao nível de complexidade sem precedentes, o problema das mudanças climáticas globais só pode ser atacado de forma efetiva por um conjunto de cérebros trabalhando em rede em diversos lugares do mundo", diz Buckeridge. "Não será uma tarefa para um cientista só." ■

Os próximos relatórios As perspectivas sombrias sobre as mudanças climáticas alardeadas no mês passado pelo IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) ganharão contornos mais definidos em abril e maio. O órgão, que é um fórum de cientistas vinculado à Organização das Nações Unidas, prepara o lançamento de dois novos capítulos de seu relatório, nos quais vai esmiuçar as conseqüências práticas do aquecimento e as propostas de como enfrentá-las. Um dos documentos será divulgado em Bruxelas no dia 6 de abril e tratará dos impactos das mudanças climáticas e as formas possíveis de adaptação. O outro deve ser divulgado no dia 4 de maio em Bangcoc, Tailândia, e irá abordar as opções e os cursos do combate ao aquecimento. Depois de prever um aumento médio de temperatura entre 1,8 e 4°C e uma elevação de 18 a 59 centímetros no nível do mar até o final do século, o IPCC dirá agora como isso afetará as pessoas e a economia dos países - e sugerirá estratégias para adaptar-se às mudanças ou, quando possível, amenizá-las. Ambos os documentos deverão reeditar o chocante debate sobre a irreversibilidade de alguns efeitos do aquecimento. A versão final dos sumários dos relatórios ainda não está definida. Como os participantes do IPCC vão se basear na força da literatura científica publicada nos

últimos anos, esperam-se novas afirmações contundentes, como a paulatina transformação do mapa da agricultura no planeta: certas culturas podem ser varridas de suas atuais latitudes, com impacto no abastecimento de comida no mundo. O impacto da elevação do nível do mar deverá projetar cenários igualmente desconfortáveis. Na melhor das hipóteses, 1% da população do planeta sofrerá algum efeito com o encolhimento das faixas litorâneas. Na pior, 2% da população mundial terá de procurar outro lugar para morar, o que poderá tornar tangível a figura dos refugiados do clima. É bastante provável que o relatório afirme que a biodiversidade do planeta já começou a empobrecer em virtude das mudanças climáticas. Segundo artigo publicado no ano passado na revista Nature, dois terços das espécies de sapos Atelopus, encontrados na América Central, foram extintos nos últimos anos, sugerindo-se que um tipo de fungo que se espalha favorecido por temperaturas elevadas seria a causa do desaparecimento. O ataque, dizem os pesquisadores, é resultado do aumento da temperatura, que deixou os sapos mais suscetíveis ao micróbio. Os documentos de Bruxelas e Bangcoc também poderão avançar na sugestão de estratégias capazes, por exemplo, de mudar o perfil da produção e do consumo de energia nas próximas décadas, tornando o planeta menos dependente do petróleo.

PESQUISA FAPESP 133 • MARÇO DE 2007 ■ 57


FíSICA

o alfabeto da vísâo Equipe brasileira identifica padrão dos sinais elétricos que conduzem a informação dos olhos para o cérebro das moscas


Quem já tentou esmagar uma daquelas moscas esverdeadas que insistem em incomodar nos churrascos sabe que não é fácil. É que o tempo de reação desses insetos é muito menor que o dos seres humanos: a mosca se prepara para desviar de um tapa em 30 milésimos de segundo, enquanto demoramos ao menos quatro vezes mais para redirecionar a mão e tentar acertá-la. Medindo a transmissão de impulsos elétricos emitidos por um neurônio associado à visão de moscas-varejeiras, um trio de físicos começa a desvendar como as informações captadas pelos olhos do inseto conseguem chegar tão rapidamente - e preservadas a ponto de conservar os dados essenciais sobre o ambiente - ao sistema nervoso central, responsável pelo comando para mudar a inclinação das asas e alterar a direção de vôo, escapando do mata-moscas. Na Universidade de São Paulo em São Carlos, interior do estado, o físico Roland Kõberle submeteu moscas-varejeiras da espécie Chrysomya megacephala a sessões de 40 minutos de vôo simulado. Em um trabalho quase de artesão, ele prende a mosca em um tubo de plástico pela parte do corpo que corresponderia aos ombros e insere eletrodos microscópicos em um par especial de neurônios localizados na cabeça do inseto: os neurônios Hl, sensíveis a movimentos que ocorrem na direção horizontal e permitem à mosca saber se está fazendo uma curva para a direita ou para a esquerda. Se a mosca voa em linha reta, esses neurônios disparam sinais elétricos (pulsos nervosos) com a mesma freqüência. Quando desvia o vôo para o lado direito, por exemplo, aumenta a freqüência de pulsos emitidos pelo neurônio do lado direito. O mesmo ocorre com o neurônio da esquerda se ela se movimenta para o lado contrário. Em cada sessão a mosca assiste a uma espécie de videoclipe ultra-rápido em um monitor especial, no qual barras verticais que aparecem em posições variadas à direita ou à esquerda a cada 2 milésimos de segundo recriam para o inseto a sensação de se encontrar em pleno vôo. Ao mesmo tempo, um computador registra os sinais elétricos que os neurônios Hl disparam como reação a mais de Imi-

■I. Ihão de estímulos visuais que a mosca recebe durante o experimento. A análise desses pulsos elétricos mostrou que todos têm características semelhantes. O que muda é o intervalo que separa um pulso de outro, uma espécie de silêncio neural, que variou de 2 a 200 milissegundos. "Os intervalos curtos sugerem a necessidade de resposta rápida aos estímulos visuais, já os longos aparecem quando o neurônio não está sendo estimulado", diz Kõberle. A comparação desses dados brutos, porém, não trazia muita informação para o pesquisador porque a variação desses intervalos era muito grande: o silêncio neural mais longo durava cem vezes mais que o mais curto. Letras e números - Kõberle decidiu então reagrupar esses intervalos não mais pela unidade de duração (milissegundo), mas por faixas de duração, que geralmente compreendiam vários milissegundos. Para simplificar, atribuiu uma letra do alfabeto a cada uma dessas faixas e passou, por exemplo, a chamar de a os intervalos com até 4 milissegundos de duração, de b aqueles entre 5 e 20 milissegundos, e assim sucessivamente. Por meio de cálculos feitos em parceria com outros dois físicos brasileiros - Murilo Baptista, atualmente na Universidade de Potsdam, Alemanha, e Celso Grebogi, professor da Universidade de Aberdeen, na Escócia -, Kõberle constatou que 15 letras ou menos já representariam toda aquela varie-

O PROJETO Explorando o código neural de mosca MODALIDADE

Projeto Temático COORDENADOR ROLAND KõBERLE - Instituto de Física de São Carlos/USP INVESTIMENTO

dade de silêncios neurais. Melhor ainda: quatro letras diferentes (a, b, c, d) bastavam, desde que associadas a palavras com até dez letras, compreensíveis apenas pelos neurônios. Ao traduzir as seqüências de pulsos elétricos e silêncios emitidos pelos neurônios Hl da varejeira para esse alfabeto neural, Baptista, Grebogi e Kõberle encontraram por fim alguma ordem por trás da aparente confusão. Os pulsos e intervalos se repetiam segundo padrões que voltavam a aparecer em escalas cada vez menores - por exemplo, aaabbbccc, aabbcc, abe. Conhecido como multifractal, esse padrão é semelhante ao que se obsei'va no desenho formado pela espuma de um café cremoso perturbada por uma colher em movimento e pode ser descrito pelas fórmulas matemáticas da Teoria de Sistemas Dinâmicos, mais conhecida como Teoria do Caos. Os físicos avaliaram ainda a probabilidade de as diferentes seqüências possíveis se agruparem em palavras reconhecidas apenas pelos neurônios e confirmaram que, por razões ainda desconhecidas, conjuntos específicos de letras aparecem mais do que outros. "Começamos a identificar uma linguagem que, no futuro, pode permitir compreender como essas seqüências de sinais elétricos e pausas são interpretadas pelo cérebro da mosca", afirma Kõberle, coordenador do estudo que apresentou esses resultados na Physical Review Letters de outubro de 2006. Em resumo, é o primeiro passo para entender como a mosca enxerga. Mas não apenas ela, também os animais com sistema nervoso mais complexo. Além da visão, essa linguagem que começa a ser decodificada pode explicar como chegam e são interpretados pelo sistema nervoso central os estímulos captados pelos órgãos do sentido que necessitam de resposta rápida e confiável, a exemplo da sensação de dor ao pisar num prego, que em menos de um segimdo percorre 2 metros de células nervosas até o cérebro, onde é interpretada. "Acreditamos que essas propriedades sejam universais", explica Kõberle. "Se uma rede funciona bem em um determinado nível, a natureza em geral a reproduz em níveis superiores, às vezes, com adaptações." ■

R$ 179.742,12 FRANCISCO BICUDO PESQUISA FAPESP 133 ■ MARÇO DE 2007 • 59


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Sn T?/ ouih/ r/f A coleção SciELO Social Sciences Engllsh Edition, lançada no segundo semestre de 2005, tem por objetivo publicar no idioma inglês uma seleção anual de artigos saídos nas melhores revistas de ciências sociais da América Latina e Caribe. 0 projeto representa um esforço inovador e coletivo para promover em escala global a visibilidade e acessibilidade da produção latino-americana em ciências sociais gue, em sua maioria, é publicada em revistas científicas nos idiomas espanhol e português. Isso representa uma barreira para a inserção internacional das ciências sociais latino-americanas. A SciELO Social Sciences está ainda em formação com 28 revistas e com 125 artigos publicados no idioma inglês.

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Biblioteca de Revistas Científicas /^ disponível na internet j 1 1 www.scielo.org

Notícias ■ Meio Ambiente

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Agua e saneamento A falta de uniformidade e de definição na regulamentação do setor de saneamento foi o resultado da análise comparativa dos contratos de concessão dos serviços de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), da Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar), da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) e da Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte (Caern), realizada por Alceu de Castro Galvão Júnior, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), e de Mario Augusto Parente Monteiro, da Universidade de Fortaleza (Unifor). Segundo a pesquisa "Análise de contratos de concessão para a prestação de serviços de água e esgoto no Brasil", que trata dos documentos assinados no período de 2001 a 2003, as lacunas contratuais sobre as condições da prestação dos serviços comprometeram a transparência e eficiência do trabalho. O estudo indica que a implementação de questões como metas de expansão da prestação dos serviços, orçamento, definição de direitos e deveres do poder concedente e da empresa concessionária, regras tarifárias transparentes e consistentes são fundamentais para o estabelecimento de um marco legal de unificação dos contratos. "As indefinições aqui mencionadas permitiram a negociação, no âmbito de cada contrato de concessão", enfatizam os pesquisadores. ENGENHARIA SANITáRIA E AMBIENTAL-VOL. N° 4 - RIO DE JANEIRO - OUT./DEZ. 2006

11 -

www.revistapesquisa.fapesp.br/scielol33/meioambiente.htm

■ Literatura

Machado de Assis No artigo "Leituras em competição", o crítico literário e professor aposentado da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Roberto Schwarz faz uma revisão do estudo sobre

60 ■ MARÇO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP133

a obra de Machado de Assis. No território nacional a recepção do escritor foi se modificando com 0 passar do tempo: de corpo estranho na literatura brasileira, passou a ser visto como crítico sagaz, capaz de retratar com precisão um país inconfundível, seja pela cultura herdada do trabalho escravo, o clientelismo, seja pelas caricaturas do imperador e os "anseios europeizantes" da elite brasUeira. Após considerar a importância da leitura estrangeira, capaz de encontrar na obra machadiana influência de Shakespeare, e de derrubar as crenças no narrador memorialista do clássico Dom Casmurro, Schwarz problematiza a interpretação "universalista" que ignoo <-^ 1 ra as críticas de o Machado ao con^^ « texto político do Brasil, "terreno de tensões sociais" que permitiu a construção do seu texto. Para se aprofundar na discussão sobre a dicoi .í tomia entre local í" e universal na obra do escritor, o crítico literário analisa um conto, "O punhal de Martinha", no qual, através de uma voz impostada e caricatural, o narrador tenta comparar a notícia de um homicídio numa pequena cidade no interior da Bahia com um capítulo da História romana, de Tito Lívio. A ênfase de Machado de Assis, escritor "avesso à unilateralidade", é mostrar o despropósito e a aleatoriedade desse tipo de comparação. "Para ele o dilema não comportava solução imediata, mas tinha possibilidades cômicas e representatividade nacional, além de funcionar como caricatura do presente do mundo, em que as experiências locais deixam mal a cultura autorizada e viceversa, num amesquinhamento recíproco de grande envergadura, que é um verdadeiro 'universal moderno"', conclui Schwarz.

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Novos ESTUDOS - CEBRAP - N" 75 - SãO PAULO - JUL. 2006 www.revistapesquisa.fapesp.br/scielol33/literatura.htm


■ Geologia

Biojóia da Amazônia Por sua semelhança com o marfim e as possibilidades de uso para a confecção de biojóias, a semente jarina, que dá origem à palmeira de igual nome, foi escolhida como objeto de investigação de uma equipe de geólogos da Universidade Federal do Pará. De acordo com o estudo "Jarina: o marfim das biojóias da Amazônia", de Marcondes Lima da Costa, Suyanne Flávia Santos Rodrigues e Helmut Hohn, a semente que também é conhecida como marfim vegetal cujo nome científico é Phytelephas macrocarpa está entre as gemas orgânicas raras da região amazônica. Apesar do seu brilho, maleabilidade para acabamentos, mudança de cor, aceitação comercial e uso na produção de bijuterias e miniesculturas, confeccionadas no Equador e países vizinhos da América Central, a pesquisa também aponta para a importância de assegurar a preservação da espécie e de proteger a semente do ataque de microorganismos que pode ocorrer entre cinco e dez anos. "Se houver uma política adequada para cadeia produtiva das sementes de jarina, a mesma poderá se tornar de grande importância para o desenvolvimento da região amazônica ao criar novas oportunidades de trabalho e agregação de valor aos produtos", avaliam os geólogos. REM: REVISTA ESCOLA DE MINAS - voi. 59 - N" 4 - OURO - OUT./DEZ. 2006

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www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo133/geologia.htnn

■ Saúde

Marcas da droga Após o histórico do surgimento e do uso das drogas üícitas conhecidas como cocaína, heroína, ecstósye maconha, o estudo "Manifestações cutâneas decorrentes do uso de drogas ilícitas" de Bernardo Gontijo, Flávia Vasques Bittencourt e Lívia Flávia Sebe Lourenço, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, explica como o consumo de cada uma delas é capaz de marcar a pele do usuário. O consumo de maconha como de cigarros convencionais aumenta o risco de envelhecimento cutâneo precoce, provocando acentuada lividez e o aparecimento de rugas. A perda da sensação térmica, decorrente do uso de crack, causa queimaduras com freqüência nos dedos e a alta temperatura da fumaça provoca a rarefação dos supercílios. No entanto os problemas mais graves são decorrentes do uso de drogas injetáveis, que podem provocar manifestações cutâneas agudas ou crônicas. "Algumas delas são provocadas pela

própria droga, mas a maioria é desencadeada pelos adulterantes. Tanto à cocaína como à heroína são acrescidas substâncias totalmente incompatíveis com o uso injetável, tais com o talco, quinino, amido, açúcar e farinha, entre outras, com o objetivo de aumentar os lucros dos traficantes", esclarecem os pesquisadores. As infecções na pele decorrentes deste uso oscilam desde abscessos superficiais até a morte do tecido. ANAIS BIíASILEIROS DE DERMATOLOGIA RIO DE JANEIRO

- voi. 81 ~ N" 4 -

- IUL./AGO. 2006

www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo133/saude.htm

■ Sociedade

Catadores de lixo A reciclagem do lixo urbano traz indiscutíveis vantagens ambientais e econômicas à sociedade. No entanto, ao entrevistar dez catadores de lixo reciclável do município de Goiânia, o estudo "Catador de material reciclável: uma profissão para além da sobrevivência?", de Luiza Ferreira Rezende de Medeiros e Kátia Barbosa Macedo, da Universidade Católica de Goiás, revelou que, além do preconceito e da exclusão de ambientes sociais, existe uma enorme precariedade nas relações de trabalho desses profissionais. Estima-se que no Brasil o número de catadores seja de aproximadamente 500 mil - dois terços deles no estado de São Paulo. Eles percorrem em média mais de 20 quilômetros por dia, puxando carrinhos com mais de 200 quilos de lixo, numa jornada cotidiana que muitas vezes ultrapassa 12 horas ininterruptas e lhes rende um ganho diário de R$ 2 a R$ 5. Os trabalhadores entrevistados eram predominantemente analfabetos ou com o ensino flindamental completo, com idades entre 30 e 60 anos. De acordo com eles, a baixa escolaridade e a idade são fatores de exclusão do mercado de trabalho formal. Outra característica comum às demais ocupações informais é a ausência de direitos trabalhistas que implica falta de proteção quando ocorrem problemas de saúde ou acidentes de trabalho. Devido ao trato com o lixo e a carga física, as doenças associadas à atividade foram dores corporais, problemas osteoarticulares e hipertensão. Apesar de considerar a importância do surgimento de cooperativas e associações de catadores, do reconhecimento oficial da atividade como profissão e da criação do Movimento Nacional de Catadores, o estudo questiona a qualidade da inclusão social conquistada e a possibilidade de ela representar apenas mais uma forma transmutada de exclusão. O trabalho aponta para a necessidade de políticas públicas que garantam a inclusão social com qualidade de vida. "Os trabalhadores são a base de um processo produtivo lucrativo, mas não obtêm ganho que lhes assegure uma sobrevivência digna", concluem os pesquisadores. & SOCIEDADE - MAI./AGO. 2006

PSICOLOGIA ALEGRE

voL. 18 - N° 2 - PORTO

www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo133/sociedade.htm

PESQUISA FAPESP133 ■ MARÇO DE 2007 ■ 61


> TECNOLOGIA

Chip da Intel com novos transistores e a nova memória da IBM

Transistor mais rápido > Fibra baseada nas aranhas Criar um material artificial que ao mesmo tempo seja resistente e tenha grande elasticidade é a meta de vários grupos de pesquisa ao redor do mundo. O mais avançado até agora foi alcançado por pesquisadores do Instituto de Tecnologia Massachusetts (MIT na sigla em inglês), conforme divulgou a revista Nature Materials em sua edição de janeiro. Eles conseguiram criar um nanocompósito jxylimérico, com medidas de nanômetros, feito de elastômero de poliuretano, que conjuga muito bem essas duas propriedades. A fibra, dizem os pesquisadores, poderá ser usada no desenvolvimento de embalagens mais robustas, tecidos mais elásticos e resistentes e até instrumentos médicos. Para chegar à nova substância, os pesquisadores do MIT inspiraram-se nos fios das teias de aranha. Sabendo que o segredo da elasticidade e da resistência dos fios está no arranjo do reforço nanocristalino da

tal de mesmo nome, de elevado valor dielétrico, caracterís-

do pela IBM, que também já di-

tores para computadores de-

Uma nova geração de transisverá ser lançada no próximo

tica em que a carga elétrica

bricar transistores de 45 nm.

ano e trazer novidades para

é deslocada para outro nível

A empresa anunciou, em feve-

a tecnologia computacional. A

dentro dos chips (materiais se-

reiro, o desenvolvimento da

Intel, maior fabricante mundial

micondutores e condutores in-

memória mais rápida do mun-

de microprocessadores, anun-

tercalados por camadas de fil-

do, batizada de eDRAM (Em-

vulgou ter tecnologia para fa-

ciou que vai produzir transis-

mes dielétricos). Com isso, os

bedded Dynamic Random Ac-

tores (blocos básicos de cons-

transistores de 45 nanôme-

cess Memory). Ela é baseada

trução dos chips) com eletro-

tros (nm) da próxima geração

na tecnologia SOI (Silicon-on-

dos de metal - e não de silício.

de microprocessadores serão

Insulator), ou silício sobre iso-

Ela pretende começar a fabri-

mais rápidos, menores e mais eficientes em consumo de

lante, e permitirá triplicar a ca-

car os novos dispositivos no final deste ano. O componente

energia do que os atuais de 65

pacidade de armazenamento dos computadores. A previsão

tem paredes isolantes de oxi-

nm. Outro avanço no mundo

da IBM é que ela entre no mer-

do de háfnio, baseado no me-

da informática foi conquista-

cado no próximo ano.

seda enquanto ela é produzida, eles desenvolveram um complexo processo utilizando discos de argila em escala nanométrica para reforçar o polímero e atribuir-lhe as características desejadas. i^

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62 • MARÇO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 133

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para dengue A detecção precoce de novos casos de dengue pode tornar-se mais fácil e ágil graças a um novo kit de —

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diagnóstico desenvolvido por pesquisadores indianos pertencentes ao Defense Research and Development Establishment, ou Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento da Defesa. Segundo a equipe responsável pela novidade, o teste apresenta algumas vantagens em comparação aos atualmente empregados, como baixo custo de produção, alta sensibilidade e facilidade de uso. Para fazer o diagnóstico, basta colocar uma amostra de sangue da pessoa em contato com uma tira reagente que contém


uma proteína usada pelo vírus da dengue. Caso o paciente tenha contraído a doença, um ponto marrom surge na tira. Os pesquisadores estão finalizando uma versão comercial do kit e já anunciaram que estão aperfeiçoando a tira reagente para que ela consiga diferenciar se o paciente sofre de outra infecção viral, como febre tifóide ou malária. A dengue, uma doença típica de países tropicais e subtropicais, afeta cerca de 100 milhões de pessoas por ano e é um grave problema de saúde pública no Sudeste Asiático.

> Computador quântico em ação Orion. Esse é o nome do primeiro computador quântico viável da história, em operação desde meados de fevereiro. Seu desenvolvimento coube à empresa canadense D-Wave Systems. Na verdade, a máquina é baseada em apenas um chip quântico de 16 qubits (bits quânticos). Cada um deles é formado por uma porção de átomos de nióbio envolta por uma bobina. Ao ser estimulada eletricamente, ela gera um campo magnético que provoca alterações de estado nos átomos de nióbio. Essas mudanças são captadas pelos circuitos e transformadas em dados. Segundo a D-Wave, a computação quântica poderá ser uma alternativa para soluções de problemas que excedem a capacidade da computação baseada no silício. Os pesquisadores da empresa acreditam que inicialmente os sistemas

quânticos devem usar parte da infira-estrutura da indústria de semicondutores. Numa linha de pesquisa semelhante, físicos da Universidade Yale, nos Estados Unidos, conseguiram aprisionar átomos artificiais

no interior de um chip, uma etapa importante para construção de computadores quânticos. Eles criaram um circuito que armazena fótons individuais de microondas e, utilizando os átomos artificiais, conseguiram

detectar a natureza da partícula de cada fóton disparado contra ele. O próximo passo será conectar vários átomos artificiais usando os fótons de microondas para transferir informações entre eles.

Motocicleta hidrogenada A empresa japonesa Suzuki anunciou que irá utilizar o sistema de célula a combustível Core produzido por outra empresa, a inglesa Intelligent Energy, no desenvolvimento de motocicletas movidas a hidrogênio. Esse gás, em conjunto com o oxigênio do ar, gera energia elétrica na célula a combustível, equipamento que funciona de forma semelhante a uma bateria. A Intelligent Energy, empresa focada em combustíveis alternativos, lançou seu primeiro protótipo de moto movida pelo Core, capaz de produzir 1 quilowatt (kW) de energia elé-

trica. Além de o combustível ser ambientalmente limpo, por não poluir o ar, a motocicleta é virtualmente silenciosa, e quase todos os seus componentes são feitos de materiais recicláveis. Ela possui também um motor elétrico de 6 kW abastecido por quatro pequenas baterias de chumbo de 12 volts cada uma que funcionam de forma híbrida quando o desempenho da moto está no pico, no momento da aceleração. A moto atinge a velocidade de 80 quilômetros por hora em 12 segundos, alcança 160 km e pesa apenas 80 quilos.

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f Core: célula recebe hidrogênio e produz energia para a moto

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LINHA DE PRODUÇÃO i BRASIL

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intra-uterina

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Dois novos pequenos instrumentos c^^BX^^^^^^^^p rúrgicos, semelhantes a agulhas, vão 3^^^B\ ^^^^^^Hc xiliar as operações fetais >ntra-uterina^^H|V ^^HP' realizadas em situações raras em que o VA bebê corre risco de vida. Para obedecer «A à anatomia do corpo humano, o medi^\ CO Rodrigo Ruano, pesquisador da Fa%^\ VM^ culdade de Medicina da Universidade de ;Mmii™A\ ^^^B São Paulo (USP), decidiu desenvolver '^^HA\ vIB agulhas com formato curvo que são as .íWM\ mais finas já inventadas nessa área: uma »\ possui 2,2 milímetros (mm) de diâmetro , \\ e outra, 2,7 mm, enquanto as que estão !^|HBVJ|B

> Satélite universitário Um satélite-escola, assim é possível chamar o veículo espacial que está sendo construído por cinco instituições: Agência Espacial Brasileira (AEB), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade de São Paulo (USP). O satélite será usado para experimentos na área espacial e para a capacitação de mão-de-obra especializada. O satélitelaboratório se chamará

Itasat, em homenagem ao ITA, que foi responsável pelos estudos para a viabilidade técnica do projeto. A USP contribuiu com a pesquisa nas áreas de engenharia elétrica e de telecomunicações e a Unicamp com estudos na área de computação.

64 ■ MARÇO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 133

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no mercado têm 3,0 mm e 3,2 mm. A ferramenta é formada por canais de trabalho para pinças, instrumentos de corte, uma fibra para laser e um irrigador para limpar a lente. A ferramenta entra pelo orifício amniótico até chegar ao feto, por isso é importante que seja bem fina para reduzir as chances de hemorragia. Ela é usada em cirurgias para corrigir problemas como a hérnia

As características do satélite serão semelhantes às dos satélites de coletas de dados SCD-1, que completou 14 anos em órbita da Terra em fevereiro, e SCD-2, lançado em 1998. Assim como eles, o Itasat terá uma massa de 70 quilos. Ele também

Inovações a bordo: satélite concebido para ser laboratório

^iafragmátíca, um defeito do diafragma que faz alguns dos órgãos abdominais se prolongarem para o interior do tórax, dificultando a respiração do bebê. Também serve para cuidar da obstrução das vias urinárias. "Por enquanto só fizemos três operações e estamos buscando uma empresa que se interesse na fabricação e comercialização do produto", diz Ruano.

realizará funções de recolhimento de informações meteorológicas. Entre suas funções está a de servir de laboratório para experimentos de inovação tecnológica. Os recursos financeiros para o Itasat são da AEB, que, em 2006, liberou R$ 1,6 milhão. O lançamento do satélite deverá acontecer após 2008. O coordenador-geral, Osamu Saotome, professor do ITA, explica que o objetivo do programa é dar origem a vários outros projetos. "Estamos trabalhando com inovações em computadores de bordo, em tecnologias que podem ser aproveitadas por indústrias do setor", diz Saotome.


> Sistemas híbridos Controlar os vários detalhes do funcionamento de equipamentos industriais, automáticos ou acionados pelo homem é o tema do livro recémlançado na Europa pela editora multinacional Springer com o título Modelling and analysis of hybrid supervisory systems A petri net approach ou Modelagem e análise

Modelling and Analysis of Hybrid Supervisory Systems

Análise de casos reais vira livro

de sistemas híbridos supervisionados - Uma abordagem por rede Petri. A obra tem como autores os brasileiros Paulo Eigi Miyagi, professor do Departamento de Engenharia Mecatrônica e de Sistemas Mecânicos da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), a professora Emília Villani, do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e o pesquisador Robert Valette, do Laboratório de Análise e de Arquitetura de Sistemas (Laas) do governo francês. "O livro é um trabalho de pesquisa sobre sistemas híbridos na interação de homens e máquinas que resultou

em novas soluções", diz Miyagi. Eles formularam métodos para melhorar os sistemas de três situações reais: o sistema de ar-condicionado do Hospital das Clínicas, em São Paulo, uma usina de açúcar em Olímpia, no interior paulista, e um sistema de trem de pouso para aviões fabricados em Toulouse, na França.

> Químico do ano está no Brasil o título de Químico Analítico do Ano da Alemanha foi concedido a Bernhard Welz, um alemão que está desde 1999 radicado no Brasil. Ele atua no país como professor visitante da Universidade Federal da Bahia (UFBA), associado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e recebe o título, neste mês de março, da Sociedade de Química Alemã por toda a sua obra. Autor de dois livros de referência e mais de 170 artigos científicos na área de espectrometria atômica, Welz veio para o Brasil depois de se aposentar na Perkin Elmer, empresa que fabrica equipamentos científicos. "Ele tem colaborado com vários grupe no Brasil e na América Latina e é um dos responsáveis pela organizaçã( do Rio Symposium, evento internacional e bianual dedicado a essa área", diz a professora Denise Bohrer do Nascimento, do Departamento de Química da Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, que também tem estudos em parceria com o professor Welz.

> Doze caixas em uma A sonorização de salões de festa, salas de teatro, praças públicas e demais espaços abertos ficou mais fácil com a criação de um novo equipamento: a caixa acústica omnidirecional. O produto desenvolvido pelo Laboratório de Acústica Aplicada, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), é formado por 12 alto-falantes que compõem um dodecaedro. O aparelho é conectado a um amplificador e pode propagar o som num ângulo de 360° de maneira uniforme, tanto no sentido vertical como no horizontal. Além de alcançar a mesma potência sonora que a obtida com a instalação de 12 caixas de som, o equipamento garante melhor qualidade e distribuição do som. A invenção, resultado de um trabalho coordenado pelo professor Sylvio Bistafa, foi patenteada pela Agência USP de Inovação e ainda está à espera de uma empresa interessada em produzir o equipamento em larga escala. Som de qualidade em 360°

Nobel colaborou com a Embrapa

> O parceiro Alan MacDiarmid Alan MacDiarmid, Prêmio Nobel de Química em 2000, junto com os cientistas Alan Heeger e Hideki Shirakawa, pela descoberta e desenvolvimento dos polímeros condutores ou "metais sintéticos" (plásticos que conduzem eletricidade), materiais que criam inúmeras possibilidades para indústria, morreu no dia 7 de fevereiro aos 79 anos. O cientista neozelandês, da Universidade da Pensilvânia, manteve relações intensas com o Brasil, promoveu a formação de quadros, projetos de pesquisa e desenvolvimento na unidade Instrumentação Agropecuária da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em São Carlos, e ajudou a criar nessa o Instituto Alan MacDiarmid de Inovações e Negócios na mesma cidade. Dentre as relações com a Embrapa, o Nobel colaborou com o desenvolvimento da língua eletrônica, equipamento dotado de sensores para diferenciar sabores de café e de vinho.

PESQUISA FAPESP133 ■ MARÇO DE 2007 ■ 65


>

TECNOLOGIA

ENGENHARIA DE PRODUÇÃO

Cooperação inovadora Instituto Fábrica do IVIilênio aproxima instituições de pesquisa e indústrias de manufatura | YURI VASCONCELOS

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Apesar dos avanços nos últimos anos, o Brasil ainda não ocupa, no cenário mundial, posição de destaque no campo da inovação tecnológica. Os investimentos em pesquisa e desenvolvimento do setor privado são tímidos e as parcerias entre centros de pesquisa e empresas transformaram-se em uma saída importante para superar obstáculos tecnológicos existentes principalmente no ambiente industrial. Uma das mais importantes e produtivas formas desse tipo de aproximação está no Instituto Fábrica do Milênio (IFM), uma organização de âmbito nacional apoiada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) criada em 2002. Com foco na pesquisa e no desenvolvimento de tecnologias aplicadas no desenvolvimento de produtos, no gerenciamento da produção e em soluções técnicas no chão de fábrica, a finalidade do IFM é estrei-

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tar o vínculo entre instituições acadêmicas e indiístrias do setor de manufatura. "Queremos empregar novas tecnologias de produtos, processos ou gestão para resolver problemas específicos das indústrias e aumentar sua competitividade nos cenários nacional e mundial", explica João Fernando Gomes de Oliveira, coordenador-geral do IFM e professor do Departamento de Engenharia de Produção da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP). Na prática, o IFM é uma grande rede virtual formada por 600 pesquisadores distribuídos em 39 grupos de pesquisa e alocados em 32 instituições de ensino superior do Brasil e do exterior. Essas instituições formam os chamados nós da rede, que são articulados para desenvolver estudos sobre gestão e transformação organizacional, engenharia de ciclo de vida de produtos, processos de fabricação


Parcerias entre indústrias e universidades resolvem problemas específicos e apontam soluções para o chão de fábrica

e automação industrial e gestão do desenvolvimento de produtos e de cadeias de suprimentos. Por meio de um portal na internet (www.ifrn.org.br), o IFM coloca à disposição do mercado um banco de dados abastecido por cada um dos nós da rede com uma extensa lista de pesquisadores, informações sobre resultados de pesquisas e mapeamento das demandas das indústrias. Desde o início de seu funcionamento, a rede de pesquisas já interagiu com mais de 400 empresas do setor de manufatura, como Embraer, Fiat, Rhodia, Embraco e TRW, resultando em cerca de 50 projetos de pesquisa de mestrado ou doutorado que se transformaram efetivamente em soluções para o setor produtivo. Com a TRW, por exemplo, em um dos projetos que o IFM colaborou, o objetivo foi melhorar o desempenho das atividades de fabricação de válvulas para motores automotivos. Novos processos e novas condições de trabalho foram desenvolvidos. Tais tecnologias são hoje utilizadas por diversas fábricas da empresa na Ásia, nos Estados Unidos e na Europa. 68 ■ MARÇO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 133

Uma das soluções propostas por pesquisadores do IFM e encampadas pela indústria foi um projeto voltado à mecanização do processamento de moluscos por produtores de Santa Catarina. Coordenado pelo professor Fernando Antônio Forcellini, do Grupo de Pesquisa da Gestão do Desenvolvimento de Produto, o projeto desenvolveu uma linha de quatro equipamentos para auxiliar nas atividades da maricultura catarinense. O primeiro deles é um módulo para processos de seleção e limpeza dos mexilhões e o segundo destina-se à lavagem de equipamentos utilizados para o cultivo de ostras. O terceiro dispositivo serve para lavagem e classificação de ostras e o quarto faz o manejo e o deslocamento de estruturas de cultivo de moluscos marinhos. Os quatro aparelhos suprem problemas enfrentados pelos maricultores na expansão e na manutenção de suas atividades e, ao mesmo tempo, trazem mais segurança e qualidade ao ambiente de trabalho. Os protótipos dos equipamentos, apresentados em meados do ano passado, foram bem recebidos e começam a


"Nossos pesquisadores conseguem entender o sistema empresarial de forma mais pragmática e, atuando como 'clínicos gerais', são capazes de diagnosticar problemas e propor soluções", diz João de Oliveira, do IFM

ser incorporados pelos produtores de ostras e mexilhões de Santa Catarina. Os trabalhos realizados pelos pesquisadores vinculados ao IFM já resultaram em 17 patentes de tecnologia industrial, numa prova do potencial inovador da rede e da capacidade de melhorar a produtividade das empresas nacionais. Entre as patentes se destaca a de um novo óleo de corte, um fluido indispensável para processos de usinagem e retificação de peças em indústrias de manufatura. A novidade do produto criado por pesquisadores associados ao IFM é que ele é biodegradável e, por isso, não causa danos ao ambiente. Segundo João Oliveira, apesar de essenciais ao processo produtivo, há uma tendência mundial de redução do uso desses fluidos em razão de seu elevado custo de produção e dos riscos que trazem à saúde humana e ao ambiente. Patentes industriais - Para ter uma idéia do potencial contaminador dos óleos de corte comerciais que utilizam cloro em sua composição, basta saber que o despejo inadequado de 1 quilo de agente clorado pode envenenar até 40 milhões de litros de água. O grande diferencial químico do novo fluido de corte é a sua elevada concentração de óleo de mamona, por volta de quatro vezes superior à dos produtos atualmente disponíveis no mercado. Além disso, uma variedade menor de aditivos, apenas três, é empregada na sua produção, enquanto na maioria dos

óleos tradicionais são utilizados pelo menos dez tipos diferentes. "Os problemas industriais nos ajudam a formar recursos humanos com uma visão muito mais realista do mercado, com um claro entendimento do negócio em si, com domínio de tecnologia de informação e de manufatura e maior poder de criar inovações", diz Oliveira. "Com isso, nossos pesquisadores conseguem entender o sistema empresarial de forma mais pragmática e, atuando como verdadeiros clínicos gerais', são capazes de diagnosticar problemas e propor soluções." A visão de mercado está intimamente ligada ao conhecimento acadêmico. Nos últimos cinco anos, os 30 coordenadores dos nós da rede do IFM publicaram mais de 280 artigos em revistas científicas. Embora tenha poucos anos de existência, o IFM acumula uma experiência nada desprezível que tem origem em um dos embriões da organização: o Núcleo de Manufatura Avançada (Numa) da USP de São Carlos, uma organização virtual criada em 1996 no âmbito do Programa de Núcleos de Excelência (Pronex) do MCT, também com as participações da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) e a Universidade de Aachen, na Alemanha. O Numa, atual sede do IFM, era um projeto que agregava pesquisadores de várias áreas do conhecimento e instituições em torno da ma-

( OS PROJETOS

1

Pes quisa e desenvolvimento de equ ipamento de videolaparascopia

Instituto Fábrica do Milênio (IFM) MODALIDADE

Programa Institutos do Milênio do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) COORDENADOR JOãO FERNANDO GOMES DE OLIVEIRA

USP INVESTIMENTO

R$ 1,5 milhão (CNPq)

MODALIDADE

Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe) -

COORDENADOR CARLOS MAGNO DE OLIVEIRA VALENTE

Sensoft INVESTIMENTO

R$ 381.642,96 (FAPESP)

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nufatura, inclusive as indústrias desse setor. A diferença entre ele o IFM é que o Numa tinha uma atuação regional, limitada ao estado de São Paulo, enquanto o instituto está presente em todo o país. Celeiro de empresas - Além de trabalhar em parceria com as indústrias, outra potencialidade do Numa e do IFM é a criação de novas empresas de base tecnológica. Em seus quase 11 anos de atuação, o Numa acompanhou a criação de pelo menos uma dezena de empresas formadas por seus pesquisadores. "A visão integrada dos negócios e da tecnologia é o principal fator para que tenhamos tantas empresas de sucesso fiandadas por nossos ex-alunos", afirma João de Oliveira. Um exemplo disso é a KSR, empresa de software criada em São Carlos que desenvolveu um produto inovador para a geração de documentação de processos em indústrias para atender a demandas das normas ISO 9000 e QS 9000, referentes ao controle de qualidade empresarial, além da elaboração de análises de falhas. O sistema desenvolvido pelos exalunos do Numa venceu concorrentes poderosos no Brasil, como a multinacional IBM. Após o sucesso brasileiro, a KSR iniciou o fornecimento de sistemas ao exterior e recebeu uma proposta de compra da T-Systems, da Alemanha, pertencente ao conglomerado da Deutsche Telekom. "A empresa foi vendida para o grupo alemão e hoje o produto da KSR é empregado por indústrias de todo o mundo", destaca Oliveira. No início de suas atividades, em 1997, a KSR contou com financiamento do Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe) e teve o seu projeto cancelado com a venda da empresa. O aumento da participação de soluções em tecnologia da informação nas empresas abriu as portas para o sucesso de outra empresa ligada ao Numa e ao IFM: a Spring Wireless, criada em 2001. A empresa é líder em soluções para mobile business no Brasil e na América Latina, com mais de 100 mU usuários e 200 clientes em 20 países, incluindo empresas do porte da Ambev, Souza Cruz, Nestlé, Procter & Gamble, Unilever, Citibank PESQUISA FAPESP 133 ■ MARÇO DE 2007 ■ 69


e AES Eletropaulo. A companhia, que tem entre seus investidores dois gigantes dos setores de telecomunicação e tecnologia da informação, a Ericsson e a Intel, desenvolve, implanta e gerencia soluções de negócio baseadas em computação móvel e comunicação sem fio. Essas soluções permitem que os clientes da Spring automatizem e gerenciem seus processos de negócio em campo (vendas, marketing, serviços, logística etc), aumentando a produtividade e a eficácia desses sistemas, além de reduzir custos operacionais e tempos de resposta.

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Pequena empresa desenvolve software para monitorar fábrica da Embraer 70 ■ MARÇO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 133

Vanguarda essencial - "O meu principal desafio como empreendedor é não apenas desenvolver tecnologias inovadoras, mas também transformá-las em negócios rentáveis e duradouros", destaca Cristiano Bevitori de Oliveira, um dos criadores e diretor de Tecnologia da Spring Wireless. Para ele, os cinco anos em que atuou como pesquisador no Numa foram essenciais para o desenvolvimento dessas habilidades. "O NumaIFM é um dos raros centros acadêmicos no Brasil que combinam pesquisa científica de vanguarda com aplicações práticas de negócio. Esse ambiente desafiador estimula os pesquisadores a selecionar problemas de fato que são relevantes para o mercado, abordá-los de forma estruturada e consistente, e desenvolver soluções aplicáveis e de impacto." Entre os postos-chave da empresa, que possui 400 funcionários, dez vieram do grupo Numa-IFM. Opinião semelhante tem o pesquisador e empresário Carlos Bremer, ex-professor da Escola de Engenharia de São Carlos da USP e atual diretor da Axia Consulting, empresa com sede em São Paulo que oferece serviços de consultoria em transformação organizacional com foco no aperfeiçoamento da cadeia de valor, que abrange desde o suprimento de matéria-prima ao atendimento ao cliente. Entre os clientes da empresa estão a Perdigão, Schincariol e o grupo Amanco, além das subsidiárias da Embraco, na China e na Itália, e a Gerdau, na Argentina. "O Numa e o IFM têm um rigor científico e uma cultura de excelência e de padrões internacionais. É essa filosofia que aplicamos na Axia", diz Bremer, ele mesmo um ex-coordenador do Numa {veja Pesquisa FAPESP n° 48). "Além disso, essas instituições são for-


"Da relação còm os projetos de pesquisa e com as soluções que são padrões na indústria é que buscamos nosso caráter de inovação", diz Carlos Magno Valente, da empresa Sensoft

tes formadoras de profissionais, algo que valorizamos na Axia. Investimos com seriedade em treinamento conceituai e técnico e muito coaching, uma forma de desenvolvimento e retenção de talentos." Boa parte do time de 40 consultores atuais da Axia foi formada no âmbito do Numa e do IFM. Desse total, 12 (30%) vieram de lá, mas na curta história da empresa já foram 25 os profissionais formados no mesmo grupo em São Carlos. Bremer, que largou a academia quando vislumbrou a oportunidade de criar junto com dois colegas a Axia, em 2003, diz que a metodologia de transformação da lógica de gestão integrada proposta e aplicada pela empresa nasceu nas pesquisas feitas no Numa. "O embrião de nossa empresa foi um convênio firmado em 1998 entre o Numa e a SAP, multinacional alemã líder mundial em softwares de negócios. Esse acordo visava ao uso em pesquisa e ensino dos softwares de gestão empresarial da SAP", recorda o pesquisador. Outro acontecimento-chave para a criação da empresa ocorreu em 2000, quando o seu projeto de pesquisa foi agraciado pelo SAP University Alliance Grant Awards, prêmio na categoria de melhor projeto aplicado nas Américas, concorrendo com 64 instituições de ensino dos Estados Unidos, Canadá e América Latina. "A conclusão da pesquisa foi que um projeto de implementação de softwares do tipo ERP (Enterprise Resource Planning ou Sistemas Integrados de Gestão) depende de uma grande transformação organizacional. Sentimos a necessidade de aplicar esse conhecimento e foi então que resolvemos investir na Axia", conta Bremer. Controle da fábrica - O senso de oportunidade empresarial também foi o motivo que levou o engenheiro Carlos Magno de Oliveira Valente a criar, há três anos, a Sensoft Indústria e Automação, com sede em São Carlos. Ex-alimo de pós-graduação do Numa, Valente percebeu que os conhecimentos adquiridos durante o doutorado poderiam transformar-se em soluções valiosas para o setor produtivo e juntou-se a dois colegas para montar a empresa. "Atuamos com o estado-da-arte

das ferramentas computacionais na área de automação industrial, oferecendo soluções para atender aos requisitos de instrumentação e controle dos processos desse setor", destaca Valente. Um dos maiores clientes da empresa é a fabricante de aviões Embraer, para quem a Sensoft desenvolveu um sistema para monitoramento da linha de produção. "Criamos softwares para a coleta de dados durante o processo de manufatura com uma visão completa de toda a fábrica. Essa ferramenta computacional permite análises e tomadas de decisão baseadas na realidade da empresa", explica o pesquisador. No lugar de um operador fazer apontamentos manuais sobre o tempo de produção de determinada peça ou sobre a quantidade de peças produzidas em certo período, o sistema elaborado pela Sensoft se comunica com a máquina e fornece, em tempo real, essas informações. "A visão de mercado para nosso software foi desenvolvida durante o meu doutorado e de outro sócio da Sensoft. Fomos incentivados pelo ambiente de pesquisas e inovação do Numa e das empresas que o suportam", destaca Valente. Batizado de sistema de coleta automático de dados de máquina, o software será instalado em 20 a 25 equipamentos industriais da linha de montagem da Embraer. Outro projeto da Sensoft, que desde 2005 está incubado na Fundação Parque de Alta Tecnologia de São Carlos (ParqTec), é o desenvolvimento de um sistema para uso em cirurgias de laparoscopia. O projeto conta com auxílio financeiro da FAPESP por meio do Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe). Trata-se de um insuflador, que é o equipamento usado em operações laparoscópicas (em que sondas são inseridas no abdômen do paciente por meio de pequenos orifícios produzidos pelo cirurgião) para controlar o fluxo de dióxido de carbono (COj) injetado nas cavidades abdominais. O software embarcado dentro do equipamento será responsável pela leitura de vários sensores - pressão, vazão, temperatura - além de permitir o controle de fluxo de CO2. "O grande diferencial da Sensoft é o conhecimento dos processos de fabricação e o contato contínuo

com o desenvolvimento das técnicas de automação e de otimização. Da relação com os projetos de pesquisa e com as soluções que são padrões na indústria é que buscamos nosso caráter de inovação. Esse conhecimento integrado só foi possível graças aos anos de aprendizado no Numa e no IFM", destaca Valente. Busca de recursos - O IFM faz parte do Programa Institutos do Milênio, que são projetos de excelência em pesquisa e desenvolvimento tecnológico criados com incentivo do Ministério da Ciência e Tecnologia. No primeiro edital do programa, de 2002, o IFM recebeu R$ 5 milhões, sendo R$ 1 milhão em bolsas, para financiamento de seus pesquisadores. No ano passado, a parceria foi renovada por mais um triênio, mas a rede de pesquisas contou, dessa vez, com uma verba menor, de R$ 1,5 milhão. A redução, explica Oliveira, se deveu ao fato de os recursos, oriundos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), serem distribuídos para um número maior de projetos vinculados aos Institutos do Milênio. "Estamos buscando com outros parceiros mais R$ 1,5 milhão para investir em nossos projetos e já temos um acordo quase fechado com a Confederação Nacional da Indústria (CNI)", diz o coordenador do IFM. O objetivo da parceria será intensificar a aproximação do setor produtivo com instituições acadêmicas associadas ao instituto, como a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a Embrapa Instrumentação Agropecuária, a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), entre outras. "O IFM atua na melhoria das plantas industriais, o que gera maior riqueza para as empresas e, conseqüentemente, para o país", declarou Maurício Mendonça Jorge, coordenador de competitividade industrial da CNI, a uma newsletter do IFM. Para ele, o setor produtivo só tem a ganhar com esse intercâmbio. "Será um trabalho de divulgação e de aproximação, para criar uma espécie de agência de casamento entre as empresas e as instituições de pesquisa." ■ PESQUISA FAPESP 133 ■ MARÇO DE 2007 ■ 71


PUBLICAÇÕES

Ciência de empresas Papers de companhias privadas colaboram para disseminar coniiecimento científico e tecnológico MARCOS DE OLIVEIRA

A seqüência de fotos publicada no artigo da empresa Fonte Medicina mostra parte do novo método de diagnóstico usado em biópsias 72 ■ MARÇO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 133

A empresa Fonte Medicina Diagnostica, de Niterói, no estado do Rio de Janeiro, publicou em 2006 na revista científica Diagnostic Pathology um artigo sobre um novo método para controle de qualidade em exames imunoistoquímicos para diagnóstico de câncer. A nova técnica elimina possíveis erros de análise do material coletado na biópsia, confirmando tanto resultados positivos como negativos. "A nova técnica, que usa um faí construído por nós por R$ 100,00, substitui um equipamento importado que custa US$ 23 mil nos Estados Unidos", diz a médica patologista Andréa Rodrigues Cordovil Pires, sócia da empresa e professora assistente da Universidade Federal Fluminense (UFF). A iniciativa de publicar uma nova descoberta seria trivial se não fossem raras as empresas que publicam artigos científicos no Brasil. "Publicamos porque queríamos disseminar essa nova técnica, permitindo que outros possam usá-la. Não nos interessam os royalties, inclusive nem patenteamos", diz Andréa, que já transferiu, em forma de curso, a novidade para a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)e a UFF "Toda a pesquisa foi desenvolvida na empresa. Escolhemos uma revista importante, gratuita, indexada nos principais bancos de dados mundiais, como o Pubmed, que pudesse ser acessada por qualquer pessoa da área sem necessidade de assinatura. A publicação de trabalhos e estudos em revistas científicas, em que a aceitação de um artigo segue critérios rigorosos de aprovação, é referência para a comunidade científica e tecnológica de um país e de todo o planeta. "Embora eu

tenha vínculo acadêmico, acredito, junto com minha sócia, Simone Rabello de Souza, que é bibliotecária, na importância social da produção e na divulgação de informação de qualidade", diz Andréa. A raridade de artigos científicos, também chamados de papers, de empresas está expressa no trabalho publicado em 2006 na revista Scientometrics pela professora Jacqueline Leta, da Universidade Católica de Leuven, na Bélgica, e pesquisadora do Programa de Educação, Gestão e Difusão da UFRJ. Na conclusão do artigo Science in Brazil. Parti: Sectoral and Institutional Research Profiles, assinado também pelos pesquisadores Wolfgang Glânzel e Bart Thus, ambos da mesma universidade belga, Jacqueline aponta a ausência de contribuições das empresas para a ciência brasileira. Outros experientes analistas de publicações acadêmicas, como o professor Rogério Meneghini, do Centro LatinoAmericano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme), também sentem a falta de publicações científicas de empresas brasileiras. "O pessoal da indústria que nunca atuou na área acadêmica tem muita dificuldade em elaborar um paper. É preciso ter experiência. Muitas vezes, os interessados em publicar são apenas os funcionários pósgraduandos que trabalham na empresa", diz Meneghini. Grande parte da produção empresarial, segundo a professora Lea Maria Leme Velho, do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o faz em revistas não indexadas, de comunicação técnica. Ela lembra que a National Science Foundation (NSF), a principal agência de fomento dos Estados Unidos, edita a


cada dois anos indicadores das publicações naquele país e não define quais são oriundos do mundo empresarial, apenas destaca as co-autorias. A porcentagem entre todos os artigos acadêmicos, segundo a NSF, com co-autoria cresceu regularmente entre 1993 e 2001, mas declinou em 2002 e em 2003, ano que registrou 200.727 artigos, sendo 12.114 de coautoria, volume que corresponde a 6%. Em 1993 esse número foi de 5,1% e o máximo foi atingido em 2001, com 6,2%. No Brasil, a empresa que mais publica ou está entre as maiores, porque não há dados estatísticos sobre o tema, é a Petrobras. Em 2006 foram 24 publicações em periódicos nacionais e 57 em internacionais, somente do Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes). No total, a empresa publicou 67 papers no exterior. Nos últimos cinco anos, o Cenpes publicou 118 artigos no país e 242 em revistas internacionais. Segundo Sônia Tavares, bibliotecária da gerência de informação técnica e propriedade intelectual da gestão tecnológica do Cenpes, a empresa adota um trâmite rigoroso para a aprovação de artigos a serem publicados em revistas científicas. "É feita uma revisão técnica interna de avaliação do conteúdo para saber se o artigo traz inovação, se é inédito, além de verificar as referências, se estão corretas e bem documentadas", diz Sônia. Outros pontos importantes são a verificação do conteúdo na perspectiva da adequação ou não da companhia em divulgar aquele resultado, além de averiguar se a inovação envolvida é patenteável. Outra grande empresa com sede no país, a Embraer, segundo o portal Web of Science, o mais importante e procurado portal científico, teve 26 papers publicados entre 1978 e 2006, sendo dois no último ano. No exterior, a prática de publicar artigos científicos por parte das empresas é mais comum, principalmente entre aquelas que possuem seus próprios pesquisadores em centros de pesquisa instalados dentro do ambiente empresarial. Assim, a coreana Samsung, por exemplo, elaborou 1.338 artigos em 2006. Entre as norte-americanas, a IBM publicou 942 papers em todo o mundo, en; quanto a Intel concluiu 453, a Lucent, I 318, a Motorola, 117, e a Boeing, 111. No ; Japão, outros exemplos, a Hitachi publi; cou 681 e a Toshiba, 295. A francesa Rho: dia publicou 72 artigos e as alemãs,

Siemens com 481 e o grupo Bayer, com 439, completam os bons exemplos de produção científico-tecnológica empresarial realizada no ano passado em vários pontos do planeta. As pequenas empresas de base tecnológica brasileira estão entre as que mais publicam. A maioria esmagadora dessas firmas é formada por sócios ou fancionários vindos diretamente da academia. É o caso da Alellyx, empresa de biotecnologia criada com pesquisadores que participaram dos primeiros projetos Genoma desenvolvidos no Brasil. De 2003 a 2006, seus pesquisadores publicaram dez artigos em revistas internacionais, sendo dois em 2006. Desses apenas dois foram exclusivamente feitos por pesquisadores da empresa. Os outros estudos foram em parceria com universidades. Estratégia da empresa - "Pesquisar na empresa é bem diferente do ambiente acadêmico. Na academia, o produto final é o paper, de preferência, publicado na melhor revista científica possível. Na empresa, o produto final é um processo ou produto que chega ao mercado", comenta Paulo Arruda, sócio da empresa e professor da Unicamp. "A publicação não pode ser feita da forma como é na academia, primeiro é preciso ter em mente a estratégia da empresa. Precisamos saber se devemos ou não ter a propriedade intelectual do produto desenvolvido. A medida que temos o depósito de uma patente, poderemos publicar se isso estiver também na estratégia da empresa, não prejudicando os investimentos." Para ele.

a propriedade intelectual é o mais importante ativo de uma empresa porque garante que o produto pode ser comercializado sem riscos. "Publicamos aquüo que pode ser publicado, protegendo a nossa idéia", diz Spero Morato, sócio da Lasertools, empresa criada em 1999 por pesquisadores do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen). Ele também concorda que, para escrever papers, é preciso ter experiência acadêmica. A empresa já publicou cerca de dez artigos, sendo três em revistas internacionais. Morato e os outros sócios iniciaram a empresa dentro do Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec), instalado no prédio do Ipen, na Cidade Universitária, em São Paulo. Lá, a cultura de publicar começa a tomar uma importância maior. "Estou incentivando os nossos empresários a se acostumarem a escrever e a publicar papers dentro das melhores práticas", diz Sérgio Risola, gerente gestor do Cietec. "A maioria dos empresários ainda tem dificuldade em escrever de forma tecnocientífica. Precisamos mostrar que publicar em revistas científicas dá mais credibilidade a um trabalho e a empresa passa a ser mais bem vista pelo mercado." Paulo Arruda concorda. "A publicação de artigos em revistas importantes dá à empresa uma exposição ao mercado e a investidores porque mostra quem está produzindo inovações. Cada vez mais os portais que reúnem as publicações estão sendo usados por empresários na obtenção de informações, principalmente no mercado externo." ■


BIOTECNOLOGIA

Genética doce Mapa funcional de genes da cana-de-açúcar vai ajudar a formar variedades mais produtivas

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Uma nova ferramenta genética para a formação de novas variedades de cana-de-açúcar, mais produtivas e menos suscetíveis à seca e a doenças, foi construída por uma equipe de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É o mapa funcional da cana que mostra marcadores moleculares relacionados às características agronômicas da planta, como, por exemplo, os genes ligados à biossíntese da sacarose, o nome científico do açúcar. A importância desse achado é que, além de servir como adoçante no dia-a-dia, a sacarose é fundamental no processo de produção do etanol, o álcool automotivo. As variedades de cana que produzem mais sacarose são as mais desejadas pelos produtores de álcool. "Elaboramos um mapa com genes que funcionam como marcadores moleculares", diz a engenheira agrônoma Anete Pereira de Souza, coordenadora do estudo e professora do Departamento de Genética e Evolução do Instituto de Biologia e pesquisadora do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG), ambos da Unicamp. "Esses marcadores são pequenas variações nas seqüências das bases nitrogenadas que compõem um gene (guanina, citosina, timina e adenina) e podem estar associados a características de interesse comercial." A identificação desses genes partiu do resultado do Sucest, sigla para Sugar Cane EST (Etiquetas de seqüência expressa, correspondentes ao genoma expresso ou ativo de um organismo), mais conhecido como Genoma Cana, realizado entre 1999 e 2003 por cerca de 240 pesquisadores de universidades paulistas, pernambucanas e fluminenses. O trabalho resultou no conhecimento de cerca de 90% dos genes da 74 ■ MARÇO DE 2007 • PESQUISA FAPESP 133

cana, representados por 43 mU seqüências expressas de genes. A técnica usada foi o desenvolvimento de marcadores do tipo microssatélites a partir das seqüências expressas de cana, para posterior construção do mapa fijncional e localização dos genes no genoma da espécie. Os genes de um indivíduo de uma mesma espécie são os mesmos, o que muda são as pequenas variações nesses genes, chamadas de alelos, que podem identificar diferenças como a cor dos olhos, de uma flor ou mesmo a paternidade nos chamados testes de DNA. Um gene pode ter vários alelos, que são variações desse gene. "A diferença entre alelos pode determinar, por exemplo, um metabolismo mais eficiente para a produção de açúcar ou na resistência a doenças e também à seca, por exemplo", explica Anete, que recebeu, em janeiro, o parecer favorável para publicar o mapa funcional da cana na revista científica Molecular Breeding.

O PROJETO Desenvolvimento de marcadores moleculares a partir de ESTs de cana-de-açúcar para seleção de características economicamente importantes MODALIDADE

Programa Parceria para Inovação Tecnológica (Pite) COORDENADORA ANETE PEREIRA DE SOUZA

- Unicamp

INVESTIMENTO

R$ 172.403,00 e US$ 45.495,22 (FAPESP) R$103.675,30 (CTC)

Com os dados dos marcadores moleculares nas mãos é possível analisar uma população de plantas produtivas e verificar quais indivíduos possuem os alelos associados à produção de açúcar, por exemplo. É possível encontrar alelos que codificam proteínas de maior interesse comercial. "O nosso trabalho é identificar os alelos favoráveis no genoma." Entre os cerca de 400 genes analisados, a partir de 2 mü seqüências que possuíam microssatélites, muitos puderam ser transformados em marcadores moleculares possibilitando seu mapeamento no genoma da cana. Prole ideal - O mapa funcional permite identificar a planta mais produtiva pela sua constituição molecular. A diferenciação genética identifica, por exemplo, plantas de cana que, embora muito produtivas em açúcar, possuem pouca resistência a doenças ou ao contrário. A identificação do gene permite o cruzamento de duas plantas que tenham os melhores alelos, garantindo uma prole com as melhores características agrícolas desejáveis. A pesquisa molecular com a cana e uma futura sistematização dos testes genéticos serão um avanço tecnológico para os melhoristas, profissionais que fazem os cruzamentos entre plantas (a troca manual de pólen entre duas plantas de variedades diferentes), sempre buscando as melhores características externas, chamadas de fenotípicas, em determinada população de planta para formar novas variedades mais produtivas. "Eles poderão usar também os dados moleculares na escolha das melhores plantas para a realização dos cruzamentos", diz Anete. Os estudos do grupo da Unicamp contaram também com pesquisadores do departamento de genética da Escola Su-


É possível identificar a cana mais produtiva pela sua constituição molecular

perior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) e do Centro de Energia Nuclear na Agricultura, ambos da Universidade de São Paulo (USP), e tiveram financiamento do programa Parceria para Inovação Tecnológica (Pite) da FAPESP e do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), uma associação mantida por mais de cem usinas independentes e 15 associações de produtores. "Os estudos foram realizados utilizando uma população composta por cem plantas, obtida a partir do cruzamento controlado entre plantas de duas variedades pré-comerciais do programa de melhoramento genético do CTC." O CTC já está usando os marcadores moleculares específicos encontrados no estudo para identificar se uma planta é uma variedade produzida por eles. Isso tem implicações na cobrança de royalties dos agricultores por parte do centro. Outro resultado do grupo foi o desenvolvimento de uma nova metodologia de construção de mapas genéticos estatísticos. O grupo do professor Antônio Augusto Franco Garcia, da Esalq, criou um software especialmente para o trabalho. "Em vez de dois mapas (um do pai e outro da mãe da planta), sobrepostos para verificação dos filhos, eles construíram um mapa só." O próximo passo do grupo é trabalhar em conjunto com o CTC e o grupo da professora Gláucia Mendes Souza, do Instituto de Química da USP. Em projeto semelhante, ela identificou outros genes de interesse comercial que não possuem microssatélites. O método usado por ela é a análise por mkroarrays ou chips de DNA em que o gene é localizado entre milhares de outros e precisa ser testado em campo. m MARCOS DE OLIVEIRA PESQUISA FAPESP 133 ■ MARÇO DE 2007 ■ 75


FRUTICULTURA

Bíofábríca no sertão Machos estéreis combatem mosca-das-frutas, que causa sérios prejuízos aos exportadores

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Moscas produzidas no Vale do São Francisco: solução otecnológica

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Uma das principais pragas dos pomares, a mosca-das-frutas {Ceratitis capitata), que causa prejuízos da ordem de US$ 120 milhões aos fruticultores brasileiros, está sendo combatida com machos estéreis produzidos em uma biofábrica instalada em Juazeiro, no sertão da Bahia. O local escolhido para abrigar a Moscamed Brasil, nome oficial do empreendimento, encontra-se no centro da maior região produtora e exportadora de frutas tropicais do país, no Vale do São Francisco. Os prejuízos são causados pelas fêmeas das moscas, que depositam os seus ovos dentro dos frutos. As larvas se desenvolvem e alimentam-se da polpa, inviabilizando a comercialização. Para combatê-las, machos estéreis criados em laboratório são soltos nas plantações para cruzar com fêmeas selvagens. O controle biológico da população de moscas ocorre porque essas fêmeas ao cruzarem com machos estéreis não deixam descendentes. Elas cruzam apenas com um macho ou poucos machos durante o seu ciclo reprodutivo. A produção das moscas em laboratório tem início com uma linhagem de fêmeas modificadas geneticamente em que a população feminina desses insetos possui um gene desativado, responsável pela síntese de uma proteína de resistência ao calor. Os ovos dessa linhagem são tratados termicamente com água aquecida a uma temperatura de 34°C por 12 horas. Os embriões das fêmeas não resistem ao tratamento térmico e morrem, sobrando apenas os machos. "No processo de criação só temos interesse nos machos, que são importantes para transferir os espermatozóides inviáveis", diz o diretorpresidente da Moscamed, Aldo Malavasi, professor aposentado do Departamento de Genética do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP). Os machos sobrevivem e são irradiados com uma fonte de cobalto para se

tornar estéreis. A irradiação, inicialmente feita no Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), da Universidade de São Paulo, em Piracicaba, atualmente é realizada na Universidade Federal de Pernambuco. Daqui a pouco tempo começará a ser feita na Moscamed, que receberá um equipamento doado pela Agência Internacional de Energia Atômica, organização das Nações Unidas. Insetos no avião - A liberação dos machos estéreis é feita com aeromodelos monitorados por controle remoto, desenvolvidos por alunos da Universidade Federal do Vale do São Francisco. Cada avião tem 3 metros de envergadura e consegue levar 1,5 milhão de moscas. Os insetos também podem ser liberados manualmente, mas esse é um processo mais demorado e caro. Antes da liberação, é feito um monitoramento da população de moscas selvagens. Com base na quantidade monitorada, é liberado um número maior ou menor de machos estéreis. "Temos um sistema de armadilhas para machos e fêmeas que permite um cálculo mais preciso do número a ser liberado em uma área", diz Malavasi. Para ter certeza de que os machos estéreis realmente cumprem sua função no semi-árido, foi feito um estudo de validação em duas regiões bem distintas: em Livramento, na Chapada Diamantina, na Bahia, e em outra área dentro do Vale do São Francisco. "Esse estudo foi necessário porque trabalhamos com temperaturas de 35 a 40 graus todos os dias", explica o pesquisador. Em outros locais onde os insetos estéreis são liberados, como a Califórnia, nos Estados Unidos, e o sul da Argentina, as temperaturas são bem mais amenas. A Moscamed é a primeira fábrica do gênero no Brasü. Ela começou a funcionar em março do ano passado e produz atualmente cerca de 5 milhões de insetos estéreis por semana, número que deve-

rá chegar a 120 milhões até o final do ano. A maior fábrica do mundo pertence ao Departamento de Agricultura dos Estados Unidos e está instalada na Guatemala, na América Central. Lá são produzidos cerca de 2,3 bilhões de insetos por semana. Uma produção tão gigantesca tem razão de ser: a mosca-das-frutas é responsável por prejuízos da ordem de US$ 2 bilhões no mundo inteiro. No Brasil, a praga impediu aos agricultores o acesso a mercados competitivos, como o dos Estados Unidos, do Japão e de algims países da Europa. "Na USP desenvolvemos vários processos que permitiram abrir o mercado externo para frutas como manga, papaia e melão", diz Malavasi. Mas são processos que encarecem a produção porque envolvem tratamentos pós-colheita aplicados diretamente sobre o produto sem causar nenhum problema aos consumidores, mas alterando a qualidade final da fruta. Quando se aposentou, o professor foi convidado a implantar a biofábrica, que recebeu aportes de R$ 12 milhões dos ministérios da Agricultura, da Ciência e Tecnologia e da Integração Nacional, além da doação do terreno de 60 mil metros e 5 mil metros de área construída, no valor de R$ 7 milhões, pelo governo do estado da Bahia. Como a Moscamed é uma organização social ligada ao Ministério da Agricultura, ela pode vender produtos e serviços e ter lucro, mas tem de reinvestir tudo o que ganha no próprio negócio. "Após vender a mosca estéril para os governos da Bahia, de Pernambuco e do Ceará, estamos agora em negociação com o Marrocos, para que possamos lucrar e diminuir o custo para o produtor brasileiro", diz Malavasi. Para o ft^uticultor nacional a liberação de insetos estéreis fica em tomo de US$ 180 por milhão. Para o exterior, os insetos serão vendidos a US$ 230 por milhão. ■ DiNORAH

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PESQUISA FAPESP133 ■ MARÇO DE 2007 ■ 77


HUMANIDADES

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W0 A pedra no meio do caminho Ou de como a adolescência "engoliu" os adultos do planeta

Quando, num programa de entrevistas, perguntaram a Nelson Rodrigues ^ gue consellio ele daria aos jovens, o escritor, encarando a câmera, disse, guase implorando: "Envelheçam. O mais rapidamente possível". Afinal, ele cresce'

ra, palavras suas, num "Brasil gue era uma paisagem de velhos" em gue "os

; moços não tinham função, nem destino, uma época gue não suportava a mocidade". Hoje parece haver lugar de sobra para eles e são os adultos gue "sumiram". "A juventude tornou-se um ícone moral do espetáculo, ou seja, de condição de mudança passou a ser um objetivo de mudança. A cultura somática é marcada pelo empenho encarniçado da maioria das PESQUISA FAPESP 133 • MARCO DE 2007 • 79


pessoas em permanecer jovem para continuar sendo e permanecendo jovem", afirma o psicanalista Jurandir Freire Costa em Adolescentes, estudo recém-Iançado, organizado por Marta Rezende Cardoso. Ao mesmo tempo, consternados pela morte do garoto carioca João Hélio, sociedade, mídia e parlamento tentam ressuscitar a antecipação da maioridade penal, ainda que, entre os cinco envolvidos no caso, apenas um era adolescente. Como entender essa relação de amor e ódio que a sociedade mantém com a adolescência, curiosamente uma invenção moderna, um mito do século XX (tão jovem, aliás, como o ideal da infância sagrada), que se consolidou apenas no pós-Segunda Guerra Mundial? "O adolescente é uma criação da cultura ocidental contemporânea, em que prevalece um culto da infância, que se acompanha de um movimento de postergação da entrada na fase adulta, seja porque vigora a idéia de aproveitar ao máximo um período supostamente isento de preocupações, seja porque se tem em vista favorecer um desenvolvimento que possibilite um preparo para a assunção de tarefas adultas da vida", observa Jacqueline Barus-Michel, da Universidade de Paris VII, em seu artigo Entre sofrimento e violência. "Os adolescentes estão cada vez mais no imaginário dos adultos. O problema é que, quando eles olham para nós, essa nossa idealização fica manifesta, fica evidente que os adultos gostariam de ser adolescentes", afirma o psiquiatra Contardo CaUigaris no III Dossiê universo jovem, apresentado no ano passado pela MTV. Nele descobrimos que 55% dos jovens manifestam desconforto com a ausência da porção pais e o excesso do lado amigo que eles assumiram na relação familiar. "A juventude virou valor máximo, obsessivamente preservado por quem naturalmente a tem e arduamente perseguido por quem está biologicamente se distanciando dela", afirma a pesquisa. "A vaga de adulto na nossa cultura está desocupada. Ninguém quer estar do lado 'de lá', o lado careta do conflito de gerações, de modo que o conflito bem ou mal se dissipou. Podemos entender o aumento da delinqüência juvenil em nosso tempo como efeito da 80 ■ MARÇO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 133

'teenagização' da cultura ocidental", afirma a psicanalista Maria Rita Kehl. "O adolescente 'sem lei', ou à margem da lei, é efeito de uma sociedade em que ninguém quer ocupar o lugar do adulto, cuja principal função é ser representante da lei diante das novas gerações. Quando os adultos se espelham em ideais teen, os adolescentes ficam sem parâmetros para pensar o futuro. Como e por que ingressar no mundo adulto, onde nenhum adulto quer viver? O que os espera, então?" O culto ao adolescente (e, ao mesmo tempo, a preocupação com eles, o medo e a raiva deles, chamados de "aborrescentes") surgiu da divinização da infância, observada por Freud em Sobre o narcisismo{\9\A), em que o pai da psicanálise fala do amor extremado dos pais pelas crianças como uma forma de alimentar o narcisismo paterno. Já que a morte seria o fim de tudo, as crianças são a esperança de continuidade e até mesmo de imortalidade. Na corrida da vida, os adultos vêem nos filhos uma extensão que faria a triste existência moderna suportável, já que haveria para quem "se passar o bastão". Por meio de "sua majestade, o bebê", como escreveu Freud, se tentaria burlar as leis da natureza, o envelhecimento, a doença, a morte, ao se recuperar, por procuração dada ao filho, o período de felicidade irresponsável perdida. Nessa linha, se a criança, assexuada, seria o anjo, o adolescente, para usar a expressão feliz do psicanalista francês Bernard Nominé, encarnaria o papel do "anjo caído", invejado e temido. Impossível não concordar com CaUigaris em sua separação de adolescência e puberdade, em que esta última seria uma fase de maturação sexual, enquanto a primeira teria que ser analisada como fenômeno cultural, uma fase não natural do desenvolvimento humano. "A adolescência na modernidade tem o sentido de uma moratória, período dilatado de espera pelos que já não são mais crianças, mas ainda não se incorporaram à vida adulta", analisa Maria Rita. O "anjo caído" se olha no espelho e nota que perdeu a graça infantil que cativava os adultos. "Essa segurança perdida deveria ser compensada por um novo olhar dos adultos, que reconhecessem

a imagem púbere como a de outro adulto, seu par iminente. Mas esse olhar falha e o adolescente vive a falta do olhar apaixonado que merecia quando criança e a falta de palavras que o admitam como par na sociedade adulta. A insegurança se torna, assim, o traço próprio da adolescência", escreve CaUigaris em Adolescência. "Como reconquistar o espaço perdido? O que eles esperam de mim?", são as perguntas que fazem. Para piorar, desenvolvem-se numa sociedade, nota o psiquiatra, em que "o imperativo cultural dominante é o individualismo, é 'desobedecer', 'provar sua autonomia'. Então, desobedecer pode ser, na cabeça do adolescente, uma maneira de obedecer. E obedecer, quem sabe, talvez seja o jeito certo de não se conformar". Como nota CaUigaris, querem que o adolescente seja autônomo e lhe recusam essa autonomia. Querem que persiga o sucesso social e amoroso e pedem que postergue esses esforços para "se preparar melhor". "É justo que o adolescente se pergunte: 'Querem que eu aceite essa moratória, ou preferem, na verdade, que eu desobedeça e afirme minha independência, realizando assim os ideais deles?". Se o "anjo" recebe toda a carga de perfeição e feUcidade que não conseguimos cumprir e projetamos sobre nossas crianças, então os adolescentes recebem o fardo de levar adiante os ideais adultos de liberdade, transgressão e gozo sem limites. "Se a adolescência é uma patologia, então ela é a patologia dos desejos de rebeldia reprimidos pelos adultos", expUca CaUigaris. Assim, se os adultos idolatram e estetizam suas fantasias do que seja uma infância feliz, eles temem e rejeitam os obscuros desejos projetados sobre os jovens. Essa relação delicada se expressa na própria etimologia das palavras: "adolescente" vem do particípio presente do verbo em latim adolescere, crescer. Já o particípio passado adultus deu origem à palavra "adulto". Em português, as palavras seriam equivalentes a "crescente" e "crescido". Aumentar de tamanho implica desequilíbrio, mudança do status quo, que sempre vem acompanhada pela dor. "Que desgraça! Perdi toda a energia, vejo-me caído numa inquieta indolência; não posso fazer coisa alguma. Já não tenho



imaginação nem sensibilidade; a natureza já não me impressiona e os livros me entediam", lamenta o patrono dos adolescentes, o Werther, de Goethe, ao se deparar com as perdas inerentes à adolescência, como a da liberdade e a tranqüilidade da infância. "A adolescência provoca uma fragilização identitária. A imagem do corpo no espelho é um teatro de mudanças incontroláveis e o jovem vive, do mesmo modo, pulsões desordenadas. O olhar dos demais se modifica, o outro deixa de ser continente e apoio, como foi o pai da infância, para se tornar rival e predador, em meio a relações conflitivas de poder", avalia Barus-Michel. "O adolescente se atira em condutas de risco, brinca com a morte para se sentir viver, para provar que é alguém, que vale algo, para driblar um mal-estar aparentado à infelicidade de viver num universo em que já não vê sentido. Atacar o corpo, com piercings e tatuagens, dá ao jovem a sensação de existência e de valor pessoal, provado por meio de tais provas." Mais: como nota Calligaris, recusado pela comunidade dos adultos, indignado pela moratória imposta, ele se afasta dos adultos e inventa microssociedades que vão de grupos de amigos a gangues, sempre buscando a ausência da moratória ou, ao menos, uma integração mais rápida e com critérios de admissão mais claros e precisos. Anthony Burgess recriou genialmente esse gregarismo em Laranja mecânica. "O adulto demoniza o grupo adolescente temido, como uma espécie de tribo na tribo. A própria constituição de grupos adolescentes é, do ponto de vista adulto, uma transgressão", observa Calligaris. A contradição é cada vez maior entre discurso e prática dos adultos. Já no Brasil do século XIX surge, oculta sob o discurso higienista, a relação entre adolescência e delinqüência juvenil, já que as famílias pobres não teriam, era o pensamento da época, condições de criar cidadãos decentes. "No século XX, com o discurso científico, a adolescência apresentou-se como uma fase do desenvolvimento humano em que o risco de transgressão e, logo, de delinqüência era um dado da natureza, rondando os jovens. A vigilância era a arma de combate e a segregação 82 ■ MARÇO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 133

foi tomada como solução", revela Maria Rita César, psicóloga da Universidade Federal do Paraná, em Da adolescência em perigo à adolescência perigosa. Nas-

ce a "juventude transviada", de início ligada aos "lambretistas" e "playboys", "autênticos desamparados da família", segundo o pedagogo Imídeo Nérici, e, mais tarde, associada à idéia de subversão política, passando ainda pelo estigma das drogas, dos "estupefacientes" usados na "busca insaciável do gozo". Para a marginalização urbana atual foi um pulo. "Um jovem pobre e negro é ser socialmente invisível nas ruas brasileiras. Saltando para fora do escuro em que o esquecemos, o jovem, armado, adquire densidade antropológica, vira um homem de verdade. O mundo vira de ponta-cabeça: quem passava sem o ver obedece a ele. Celebra-se um pacto fáustico: o jovem troca seu futuro, sua alma, sua vida, por um momento de glória fugaz; seu destino pelo acesso à superfície do planeta, onde se é visível", observa o antropólogo Luiz Eduardo Soares em Juventude e violência. "Não parece lógico que jovens invisíveis, carentes de tudo o que a participação em um grupo pode oferecer, procurem aderir a grupos cuja identidade se forja na e para a guerra?" Junte-se a isso a transformação do jovem, de angustiado perdido, em "nova fatia de mercado" e a reação é explosiva. "O jovem passou a ser considerado cidadão porque virou consumidor em potencial. A associação entre jovem e consumo criou uma cultura adolescente altamente hedonista, em que o jovem desfruta as liberdades da vida adulta sem responsabilidades", analisa Maria Rita. "Do universitário ao traficante, todos se identificam com o ideal publicitário do jovem livre, belo e sensual. O que favorece, é claro, um aumento exponencial da violência entre os que se sentem incluídos pela via da imagem, mas excluídos das possibilidades de consumo." E não nos esqueçamos: a cultura jovem convoca pessoas de todas as idades. O adolescente também não resiste ao apelo do look da periferia. "Seu filho me imita/ Ele ginga e fala gíria/ Esse não é mais seu, tomei, cê nem viu/ Entrei pelo seu rádio, fiuuu... subiu!" canta o rapper Mano Brown. "Os jovens estão


se identificando com os marginalizados, os meninos e meninas da periferia e das favelas. O preocupante é quando a curiosidade e a ousadia em romper com o círculo estreito da vida burguesa desembocam na identificação com a estética da criminalidade", adverte a psicanalista. Mas os pais talvez devessem se preocupar não apenas com o exemplo dos traficantes, mas dos criminosos da elite. "A transmissão de valores pela família esbarra cada vez mais na fragilidade dos valores culturais a serem transmitidos. Como sair da adolescência numa cultura que desvaloriza a própria posição do adulto como aquele que pode renunciar ao gozo da imediatez em nome de um ideal a ser atingido?", pergunta-se a psicóloga da Universidade Federal do Rio de Janeiro Luciana Coutinho em O adolescente e os ideais. "Os adultos ensinam os jovens a julgálos como pessoas desprovidas de mérito social ou moral. Ao criar filhos arrivistas atiram no próprio pé. Começam por desvalorizar e ridicularizar os honestos, mostrados como 'patos', e acabam por serem vistos como 'patos' pelos filhos", avisa Freire Costa. "Paradoxo da relação entre gerações: os adolescentes transgridem, até gravemente, não para burlar a lei, não na esperança de escapar da conseqüência de seus atos, mas, ao contrário, para excitá-la, para que a repressão corra atrás deles e assim os reconheça como pares dos adultos, ou melhor, como a parte escura e esquecida dos adultos", nota Calligaris. "Daí o perigo de deixar a porta aberta para que o tribunal decida se jovens devem ser julgados como menores ou adultos. Se for julgado e condenado como adulto, será a demonstração do fato de que os adultos só ouvem a linguagem do crime e de que essa linguagem funciona." A questão da antecipação da maioridade penal é, logo, polêmica, ainda que muitos psicólogos advirtam para o fato de que existam psicopatas em qualquer idade e o artigo 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente (que estabelece o período máximo de internação de adolescentes em três anos) não dá tempo para que instituições psiquiátricas possam resolver problemas mentais graves. Seja como for, a mais recente pesquisa Crime Trends, feita pela ONU,

revela que são minoria (apenas 17% das 57 nações analisadas) os países que definem o adulto como pessoa menor de 18 anos e que a maior parte deles é composta por países que não asseguram os direitos básicos de cidadania aos jovens. Nos países pesquisados, os jovens representam 11,6% do total de infratores, enquanto no Brasil a participação adolescente na crimininalidade está em torno de 10% (surpreendentemente, no Japão ela chega a 42% e a idade penal é de 20 anos). "Nos países desenvolvidos pode fazer algum sentido argumentar que a sociedade deu aos jovens o mínimo necessário e, com base nesse pressuposto, responsabilizar individualmente os que transgridem a lei. Mas em países como índia e Brasil isso é falso. É imoral equiparar a legislação penal juvenil brasileira à inglesa ou norte-americana, esquecendo-se da qualidade de vida dos jovens desses países", diz o cientista político da Universidade de São Paulo Túlio Kahn. Em artigo recente para a Folha de S. Paulo {Maioridade penal e hipocrisia: nossa alma "generosa" dorme melhor com a idéia de que a prisão é reeducativa), Calligaris faz uma importante ponderação sobre o tema, sem paixões exaltadas: "Em suma, a maioridade penal poderia ser reduzida para 16 ou 14 anos, mas não é isso que realmente importa. A hipocrisia está no artigo 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Caso ele seja reconhecido como menor ou como portador de um transtorno da personalidade, o jovem só deveria ser devolvido à sociedade uma vez 'completado' seu desenvolvimento ou sua cura, que isso leve três anos, ou dez, ou 50". Deixando polêmicas de lado, qual é afinal a moral da história? O dever dos jovens, como já dizia Nelson Rodrigues, é envelhecer. "Suma sabedoria. Mas o que acontece quando a aspiração dos adultos é manifestamente a de rejuvenescer?", pergunta Calligaris. "É tão difícil ficar velho sem um motivo/ Eu não quero perecer como um cavalo moribundo/ A juventude é como diamantes ao sol/ E diamantes são para sempre", diz a música, de gosto duvidoso, cujo refrão, no entanto, é um primor: "I want to be forever young". Quero ser jovem para sempre. ü PESQUISA FAPESP133 ■ MARÇO DE 2007 ■ 83


HISTÓRIA

O banzo bossa nova Onda nostálgica sobre Rio de Janeiro, que deve aumentar com o Pan 2007, Idealiza uma época

GoNÇALO

JúNIOR

ILUSTRAçõES NEGREIROS

Algo de inusitado chamou a atenção dos telespectadores mais atentos na última novela das 8, Páginas da vida, da Rede Globo, exibida até a primeira semana de março. Na contramão dos filmes e programas de TV focados na miséria e no mundo da criminalidade do Rio de Janeiro, o autor Manoel Carlos preferiu centrar sua história no universo da classe média de bairros como Leblon e Ipanema. Ao som de Wave, clássico de Tom Jobim, gravado por ele próprio pela primeira vez em 1967 em disco de mesmo nome, o teledrama deixou de lado as favelas cariocas para, ao que parece, resgatar um pouco da magia de um Rio que remonta a quase cinco décadas, ao período do prégolpe militar de 1964, quando a bossa nova se tornou a trilha histórica de uma era de desenvolvimento, desencadeada por Juscelino Kubitschek (1902-1976). Entre as múltiplas possibilidades de interpretação do propósito da novela pode-se fazer uma constatação: o desejo de resgatar um passado que parece glorioso, em contraposição a uma cidade acuada pela violência generalizada e pela incapacidade do Estado de combater o tráfico de drogas. Um modismo que deve ganhar reforço no segundo semestre deste ano, com a realização dos Jogos Pan-americanos do Rio de Janeiro. O fenômeno tem se inten84 ■ MARÇO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 133

sificado nos dois últimos anos, com lançamentos de livros, CDs e DVDs. Se antes a bossa nova era vista como um gênero típico da classe média carioca, com penetração em algumas outras capitais, invadiu a música eletrônica e ganhou até inusitadas roupagens. Nas lojas da internet existem perto de duas centenas desses produtos à venda relacionados ao gênero. Tem de tudo, para todos os gostos, principalmente coletâneas e "releituras": Zélia Duncan - Prépós-tudo-bossa-band; Momento jazz: bossa nova; Clara Moreno—Morena bossa nova; Quincy Jones - Big band bossa nova; Bossa nova — Sua história sua gente; Bossa nova for lovers; MPB bossa nova e canções; Ouça, toque e cante bossa nova e as séries Bossa nova lounge (cinco volumes). Purê bossa nova (doze volumes) e MPBaby bossa nova (cinco CDs). Entre as extravagâncias, Koi - Sushi e bossa, descrito como um "delicioso mix de culturas distintas em forma de música"; e o roqueiro Supla, com Bossa furiosa - entre as faixas, "Monkey Copacabana Beach Banana". Nas livrarias, a última novidade foi Rio Bossa Nova (Casa da Palavra), de Ruy Castro, autor da "biografia" do movimento, Chega de saudade, de 1990, que acumula 40 mil exemplares vendidos; e de outros dois títulos sobre o Rio: A onda que se ergueu no mar e Ela é carioca - os três da Companhia das Letras. Mas tem sido a mídia televisiva o principal

veículo difusor da onda de saudade que se ergue dos tempos da bossa nova. Em janeiro do ano passado, a Globo exibiu a série ]K, em que o ex-presidente foi mostrado como misto de herói predeterminado e estadista visionário. Um pouco antes, a Editora Globo lançou o livro ]K: O presidente bossa-nova, de Marleine Cohen. De olho nas tendências do mercado, a Cônsul apostou no Fogão Bossa Nova: "É bonito, moderno, resistente e fácil de limpar. Tudo o que você precisava!" Este ano, os 80 anos de nascimento de Tom Jobim foram celebrados com especial da Globo e uma luxuosa caixa com três DVDs. Já em abril de 2005 a revista Veja identificava essa tendência com a reportagem de capa "Saudades do Rio..." na qual procurava ressaltar a importância vital da cidade para a construção de uma identidade brasileira e a melhor tradução da alma nacional - dentro e fora do país. O texto trazia "cinco soluções viáveis para o Rio de Janeiro renascer" e "as fotos e as histórias do passado glorioso". "O leitor não encontrará nas próximas páginas ruas fechadas por tiroteios ou imagens do caos nos hospitais cariocas. Principalmente não lera que o Rio de Janeiro é um caso sem solução", escreveu a repórter Lucila Soares. Acadêmicos fazem diferentes leituras desse fenômeno a partir de suas observações pessoais e de ângulos de suas


especialidades. "Independentemente de motivações políticas, conta-se e reconta-se a história do Brasil dos anos 1950 como talvez o único período em que tivemos a chance de superar de vez nossa condição de país periférico, miserável e dependente", observa José Estevam Gava, autor de A linguagem harmônica da bossa nova (Unesp) e que lança no final de março Momento bossa nova (Annablume) - em que conta a história do movimento a partir da análise da revista semanal O Cruzeiro, que circulou regularmente entre 1928 e 1975. Tragédia - Gava afirma que caiu a ditadura, sucedem-se governos "democráticos" e a situação não mudou. "Pelo contrário, a economia tende a permanecer estagnada e cresce a tragédia social, esta bem representada pelos piores índices de desenvolvimento humano, criminalidade fora de controle e depredação do meio ambiente." Nesse contexto pouco animador, acrescenta, fica fácil entender o recente encantamento por um tempo em que se parecia ter em mãos as condições para encaminhar mudanças de fato nessa realidade tão sombria. "JK e a bossa nova foram dois pivôs essenciais desse sonho. Foi-se a ditadura e foramse também os grandes ideais políticos, mas permanecem essas construções nostálgicas de um passado em que tudo parecia estar indo bem."


De olho nas tendências do mercado, a Cônsul apostou no Fogão Bossa Nova: "É bonito, moderno, resistente e fácil de limpar"

Para Gava, a imagem que a mídia e certos autores criam, mesmo sem muita preocupação com o rigor da pesquisa histórica, é uma das maneiras de se recriar o passado. "É o passado transformado em espetáculo, um tanto romanceado, mas que não deixa de ter sua função como forma de conhecimento. Choques entre versões, neste aspecto, são inevitáveis e prejudicam, evidentemente, a disseminação de visões históricas mais corretas', mas não vejo como mudar isso, nem sei se é necessário mudar." Em seu novo hvro, ocupou-se justamente desse "momento bossa nova" e a maneira como a canção participou e dialogou com essas movimentações que aconteciam, todas ocupadas com uma severa atualização das formas artísticas. Duas questões parecem bastante relevantes para Marcos Corrêa, mestre e doutorando em Multimeios pela Unicamp com a tese O discurso golpista nos documentários de Jean Manzon para o Ipês (1962/1963). Primeiro, quanto ao Brasil daquele período, quando o país alterava sua estrutura econômica com a participação de grandes indústrias multinacionais. Grosso modo, explica ele, tratava-se de um processo de inserção no comércio mundial enquanto economia periférica. Entretanto, mesmo à margem das grandes potências econômicas, o processo acabou por causar certo deslumbramento das potencialidades de crescimento - quando as dificuldades políticas e econômicas habituais estavam já estabelecidas: inflação, greves, questionamento dos poderes instituídos, inchamento das cidades, novos atores políticos etc. "Apesar disso, foi nesse período que tivemos o primeiro momento na história republicana em que a democracia se estruturava de modo mais efetivo." Por outro lado, tem a ver com o fato de que todos esses movimentos assombravam - sem ameaçar significativamente - as estruturas pohticas do período, uma vez que novos interesses econômicos como a presença de capitais internacionais exigiam que o Estado tomasse para si a ordenação do crescimento do 86 ■ MARÇO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP133

país em benefício dos seus interesses. Foi com essa percepção que surgiu um movimento de oposição à política econômica e social adotada por Jango e que vaticinou seu afastamento da Presidência já em 1961. "A ditadura, que se opôs à'democratização' do período anterior, foi um marco significativo em nossa história. Acho que esse certo 'banzo' que se observa pode ter origem nessa profianda marca em nossa sociedade que interrompeu um processo democratizante cujas conseqüências jamais poderão ser avaliadas." Válvula - Nesse sentido, diz o pesquisador, ao tratar de modo "escapista" o período, a mídia tenta realizar um certo "acerto" de contas com o passado, uma vez que nessa fase sua participação foi significativa para ratificar os interesses sociais e políticos que estavam em jogo. "Gosto de pensar as telenovelas da Globo como parte dos 'bons' produtos em termos de produção na nossa televisão aberta. Entretanto, é importante entendê-la como parte do grande espetáculo que é a mídia no Brasil que ainda hoje é uma grande válvula de escape para uma população com pouco acesso à cultura e ao entretenimento." Autora da tese de mestrado The Wonder Years: a identidade americana na mídia televisiva, Mírlei Valenzi concorda que existe uma certa tendência nostálgica da TV em relação à bossa nova. "A televisão acaba por camuflar diferenças e conflitos para (re)construir uma narrativa histórica que justifique a realidade vivenciada e reforce valores considerados essenciais na constituição e na preservação da identidade cultural de um país." Assim, fatos históricos importantes ou gloriosos são exaltados porque funcionam como símbolos que marcam uma tradição cultural e criam condições de identificação e pertencimento para e entre os sujeitos que vivem em uma determinada sociedade. Na mesma medida, ressalta Mírlei, acontecimentos que culminam em derrotas ou fracassos tendem a ser apagados, silenciados. Em geral, "fenômenos" como este ocorrem quando a socieda-

de passa por momentos politicamente turbulentos. Um exemplo é o caso do impeachment de Fernando Collor de Mello e o resgate das lutas estudantis dos anos 1960-70 promovido pela minissérie Anos rebeldes. Ela não considera esse "olhar para o passado" como uma forma de escapismo. "Penso que esta nostalgia demonstra uma busca por valores importantes, porém abalados na sociedade (pós-moderna) atual. 'Olhar para o passado' não é algo negativo nem positivo. É uma tentativa de se resgatar tradições para se compreender (melhor?) o presente e o futuro." Gisele Almeida - mestre em sociologia pela Unicamp, defendeu a tese de mestrado As esperanças do passado - prefere o termo "nostalgia" à expressão "escapismo". Nostalgia, na sua avaliação, adapta-se melhor a esse campo de reflexão que se liga ao estudo das representações sociais, em particular à memória coletiva. "A não ser que entendamos o escapismo como aquilo que escapa - nos quadros socialmente demarcados - ou se perde através do processo que 'seleciona' eventos e situações a serem lembrados ou esquecidos." Na sua opinião, pode-se apressadamente dizer que há, sim, um certo movimento a partir do que se observa da minissérie ]K e do resgate da bossa nova, que tem destacado aspectos típicos da realidade social brasileira dos anos 1950-60, até o período anterior ao golpe militar. No entanto, diz ela, essa conclusão parece apressada se não se observar mais elementos para a discussão. "Assistimos na década de 1990 a um movimento semelhante, mas que exaltava os anos 1960-70, através da minissérie, também global. Anos rebeldes, bem como outros produtos culturais (livros, filmes e músicas), as dimensões 'revolucionárias' do período em questão." O movimento de recorte e seleção do passado, portanto, é muito mais circular e subjetivo do que a linha do tempo histórica, uma vez que a questão invade o campo de representação e imaginação simbólicas. Na avaliação de Gisele, a novela Páginas da vida, como outras novelas de


Manoel Carlos, apresenta uma realidade brasileira bastante particular: a das classes média e alta, residentes na Zona Sul do Rio de Janeiro. Ou seja, não são apenas as imagens iconográficas que são alteradas, colorindo-se artificialmente o céu, o mar e a lagoa, retirando as favelas da paisagem. As idéias-imagens também são mexidas: os conflitos sociais e de classe somem. Eventualmente, acrescenta ela, as questões sociais surgem como denúncia da "indignação dos cidadãos de bem" ou como reflexo da "luta" por status daqueles que desejam "fazer parte desta elite social", mas que de alguma forma foram ou são impedidos. Nesse último caso, a busca da ascensão social torna-se loucura/doença ou distúrbio de caráter/ganância exagerada. Os chamados anos JK foram glamourizados desde sempre, pois foi um momento construído com essa mentalidade, a partir de uma postura do próprio presidente Juscelino, de acordo com Sheila Schvartzman, professora doutora em história social da Unicamp e autora do livro Humberto Mauro e as imagens do Brasil (Unesp). Busca-se esse período porque foi culturalmente bom, de modernização, paz e prosperidade - apesar das tentativas de golpe. "Nosso tempo seleciona os fatos pela sua própria necessidade, o que vai fazer sentido, para esquecer o real e recuperar valores." Como historiadora, Sheila acompanha as novelas de época e concorda com o cineasta Jean-Luc Godard, quando disse que, pelo ponto de vista da mídia, a história é um imenso parque de diversões. "A gente nota que cada período leva à própria interpretação do presente, o que incorre numa artificialização dos fatos. Se formos rigorosos, veremos que toda geração teve seu escapismo. A história tem um movimento: ao trazer algo de uma forma, faz com que a que a antecedeu seja esquecida." A historiadora não vê com preocupação as adaptações históricas para TV. "A televisão e o cinema precisam de chavões por necessidade da ficção. A exatidão tem seus percalços e a mídia precisa de um gostinho espetacular para funcionar." ■


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> PSICOLOGIA

O século XX teve ditadores para todos os gostos: Stalin, Mao, Mussolini, Pol Pot, Franco, Pinochet. Mas, no inferno, todos devem se roer de inveja do colega que, cada vez mais, "conquista" os corações do público: Adolf Hitler. Quanto mais o tempo passa, mais cresce o fascínio da Alemanha nazista, que se transformou num negócio milionário. Vá a uma livraria, banca de jornais ou locadora de filmes e, para o seu lazer, em capas de livros, revistas e DVDs estão o Führer, tropas marchando e, um best-seller, a suástica. Acabam mesmo de descobrir Adolf escondidinho atrás de Ringo Starr na célebre capa do álbum dos Beatles, Sgt. Peppers. Ainda que fascínio e repulsa possam andar juntos, o que ajudaria a entender a admiração macabra pela estética do poder e do mal absolutos, é um fenômeno digno de psiquiatras. Como, aliás, foi o ícone dessa estranha obsessão, o próprio Hitler. "Tal como Joana d'Arc, ele foi um produto de suas próprias fantasias e levado por elas na multidão sequiosa de revanche. Se anjo ou diabo, é o juízo da história que decide", explica o bioquímico e psiquiatra da UFRJ Fernando Portela Câmara, em seu artigo O psiquiatra do Führer, em que relata a estada do então soldado Adolf num hospital müitar, acometido de cegueira histérica. Atendido pelo dr. Edmund Forster, que estimulou seu nacionalismo fanático para fazê-lo recuperar a autoconfiança, "o homem tímido, com receio de falar em público, que nutria ódio pelos derrotistas, jesuítas e comunistas, teria saído deste hospital inteiramente mudado: olhar penetrante, ges-

tos firmes, gosto de falar em público, carismático, enfim, com os traços de personalidade que iriam caracterizar o futuro Führer". O caso, pouco conhecido, colocou em questão se a cura não teria criado a doença. "Tal como o haxixe ou o álcool nada provoca que já não seja do próprio caráter e disposição do indivíduo, nenhuma hipnose ou sugestão muda ninguém. A psicoterapia pode reestruturar comportamentos, esclarecer motivações, atualizar tendências, mas não pode criar um novo ser", avalia Portela. Interessado em entender meüior a terapia de Hitler, Wagner Gattaz, professor titular do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), encomendou para a Revista de Psiquiatria Clínica (do Departamento e Instituto de Psiquiatria da USP) artigos do psiquiatra britânico David Lewis, autor do livro The man who invented Hitler, e do psicanalista alemão Gerhard Kopf sobre o tema. O resultado é uma história recheada de suspense, que será contada a seguir, tendo como base os dois artigos. Em outubro de 1918 o cabo Hitler, então com 29 anos, e um grupo de soldados foram atingidos, de surpresa, por uma nuvem de gás mostarda. Cegos, voltaram ao acampamento e, à exceção de Adolf, todos foram encaminhados a um hospital militar próximo para tratamento dos olhos. Hitler, porém, foi levado a Pasewalk, a 800 quilômetros do acontecido, pois os médicos acreditavam que sua cegueira era menos um trauma físico do que um colapso psicológico. "Não era o caso de que o cabo não pudesse ver, mas sim do que ele não queria ver. Estava sofi-endo o que, na época, os médicos chamavam

de transtorno histérico e, desde 1917, estabeleceu-se que tais casos deveriam ser tratados não em hospitais gerais, mas em clínicas afastadas para evitar o contágio psíquico'", observa Lewis. O ditador que tanto admiraria o rigor viu-se diante de médicos que tratavam esses distúrbios de guerra como "falta de vontade de sistemas nervosos inferiores, com cérebros degenerados". Dentre o sfaj^psiquiátrico, um deles se destacava por abraçar esse credo: Edmund Forster. "Sempre deixei claro para os pacientes com reações histéricas que aquilo se tratava de um mau hábito, um comportamento antipatriótico e degradante, indigno do soldado alemão", escreveu. Seu método se resumia a fortalecer a vontade do combatente em retornar ao campo de batalha. De início curado, ao saber da rendição alemã em novembro o cabo Adolf voltou a ficar cego. Forster foi ainda mais incisivo e o soldado, enfim, se viu recuperado. "Em Minha luta Hitler omite o nome deste médico e muito menos que foi tratado por um psiquiatra, ele diz ter sido ajudado por uma enfermeira de espírito maternal que lhe transmitiu palavras de incentivo que o curaram. Não podemos deixar de notar que esse ocultamento da figura do psiquiatra por uma figura materna é muito significativo aqui. Não podemos deixar de notar também que ele se refere especificamente a uma cura pela palavra", nota Portela. Foram 24 dias de tratamento, que, acreditam os psicanalistas, teria transmutado o artista vagabundo no futuro ditador da Alemanha. Como foram essas sessões é um total mistério, pois. PESQUISA FAPESP 133 ■ MARÇO DE 2007 ■ 89


após ascender ao poder em 1933, todos os arquivos clínicos do caso desapareceram. Naquele ano Forster, antinazista, com a ajuda do irmão, encontrou-se em Paris com um grupo de intelectuais exilados, entre os quais Alfred Dõblin (o autor de Berlin Alexanderplatz) e Ernst Weiss, um novelista checo amigo de Kafka, ambos com formação médica. O psiquiatra entregou a Weiss todo o dossiê sobre a cegueira do Führer. Vigiado pelo governo francês, o escritor apenas em 1938 colocou o caso em

Ainda nas palavras de Weiss, numa sessão à noite, tendo apenas uma vela acesa, o psiquiatra, após examinar os olhos do paciente, lhe afirma que sua cegueira não tem cura dentro da medicina e em seguida a A.H. que ele poderá curar a si mesmo, despertando em seu interior forças espirituais curativas poderosas. Pede então ao paciente que se concentre na luz da vela enquanto o psiquiatra sussurra: "A Alemanha precisa de homens como você... A Áustria acabou... mas a Alemanha ainda persiste... para

secar o psicopata e, com o retorno da justiça, fazer com que os alemães voltem a enxergar". Um outro psiquiatra alemão, que não se arrependia de curar psicopatas, veio parar no Brasil e, sem querer, trouxe consigo o "ovo da serpente". Um admirador das leis eugênicas da Alemanha nazista, Werner Kemper, diretor do Instituto Gõring, fazia exceção ao tratamento de psicoses em caso de "uma personalidade genial excepcional que valeria a pena ser curada se houvesse a expectativa de que com isso seu talento extraordinário pudesse ser retri-

palavras, ainda assim num romance à clef chamado A testemunha ocular, que fala do soldado A.H. tratado por um médico judeu no hospital militar de R, acometido de histeria. No livro, o paciente mais tarde se tornava o líder supremo da Alemanha. Na falta do prontuário original, Lewis acredita que várias passagens da obra descrevem como teria sido a terapia de Forster com Hitler. "Eu fui destinado a desempenhar um papel significativo na vida de um homem estranho, o qual, depois da Primeira Guerra Mundial, viria a provocar imenso sofrimento e mudanças radicais na Europa. Muitas vezes perguntei-me o que me teria levado, naquela época, no outono de 1918, a intervir daquela forma: se era curiosidade - a qualidade principal de um cientista trabalhando na área médica - ou o desejo de ser como um deus e mudar o destino de uma pessoa", fala o narrador de Weiss, o médico judeu. "Ele não consegue libertar o paciente de suas ideologias políticas e do seu ódio, mas é bemsucedido em restabelecer e inflar a sua autoconfiança, o que - do ponto de vista do médico - o faz co-responsável pela terrível carreira e ascensão de A.H.; esta é a interpretação do médico e o motivo para o seu desespero profundo", observa Gerhard Kõpf.

você tudo é possível! Deus irá ajudá-lo em sua missão se você ajudar a si mesmo agora", e conclui com a sugestão: "Se você confiar cegamente nesta missão, sua cegueira desaparecerá!" Quando os alemães entraram em Paris, o escritor se matou, não sem antes avisar os amigos de que isso iria acontecer, deixando no ar a suspeita de um provável homicídio. Na Alemanha, Forster foi expulso da Universidade de Greifswald, por conta de denúncias de "imoralidade e amor pelos judeus" feitas por um ex-aluno nazista. Dias depois o psiquiatra do Führer também se matou com um revólver que a família desconhecia que ele possuísse. Mais mistério. Outro médico, Karl Kroner, que endossara o diagnóstico de histeria do cabo Hitler, foi enviado a um campo de concentração, mas graças a um embaixador amigo de sua mulher fiigiu para a Islândia. Lá, em 1943, deu um longo depoimento ao serviço secreto americano sobre Hitler, que acaba de ser liberado para o público pelos arquivos da CIA. Acusando Adolf de simular a cegueira, Kroner disse frases proféticas sobre os tempos: "Em eras conturbadas, os psicopatas nos governam; nos tempos calmos, nós os investigamos. A cura de Hitler foi alcançada, mas a Alemanha cegou-se. Só espero que isso passe logo e possamos dis-

buído em proveito da totalidade", escreveu em 1942.0 que diria Forster se pudesse ler isso? Seja como for, após a guerra, Kemper veio ao Brasil indicado por ninguém menos do que Ernest Jones, o biógrafo e amigo de Freud. Aqui fundou a Sociedade Psicanalítica Brasileira. "A análise que vocês fazem no Rio de Janeiro foi feita por um homem da Gestapo", afirmou o presidente da Associação Psicanalítica Internacional (IPA) a uma psiquiatra brasileira num congresso nos anos 1980.

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Como a confirmar que o "ventre da besta continua fecundo", palavras de Brecht, em 1973 descobriu-se que o psicanalista Amílcar Lobo Moreira da Silva era um torturador. Antes havia sido formado por Leão Cabernite, um analisando e discípulo de Kemper. "Kemper ao chegar ao Rio trazia a marca do regime nazista e as características de 'homem único no poder', como Hitler, e teria marcado como um Führer a psicanálise carioca. Como nunca falou sobre seu passado nazista, o não-dito foi passado inconscientemente aos seus analisandos e destes para os posteriores analisandos. Nesta terceira geração, a culpa teria ressurgido em forma de ação e se revelado na tortura", escreveu a falecida psiquiatra Helena Besserman Vianna em seu li-


vro Não conte. Curiosamente, Kemper teria participado, na Alemanha, por meio do seu instituto, como consultor das diretrizes da Wehrmacht sobre como tratar neuroses de guerra. "O objetivo dessas diretrizes era evitar reações psíquicas anormais, como as verificadas na Primeira Guerra Mundial, por causa do seu efeito contaminador que teria afetado a força de combate das tropas", observa o brasilianista alemão, da Universidade de Kassel, Hans Füchtner em seu artigo O caso Kemper. Segundo relata Füchtener, para os médicos do instituto, estados de medo geravam perda da fala, da audição, cegueira, paralisia, entre outros, que podiam afetar soldados sadios e capazes em dadas circunstâncias, o que tornava inviável uma "desvalorização moral e a difamação dos doentes de reações anormais". Havia, observa Füchtener, um "racha" entre os membros do instituto de Kemper e outros neuropsiquiatras que defendiam os velhos métodos brutais da Primeira Guerra Mundial, como aos que Hitler fora submetido. Em consonância com instruções da chancelaria do Reich (lembranças amargas do Führer?), o instituto pedia métodos brandos para tratar os doentes. Mais tarde, as fileiras de chumbo ganharam a batalha e muitos doentes foram parar em campos de concentração, vistos como fracassados traidores. Kemper e seus colegas se mantiveram fiéis ao seu trabalho mais humanizado e, embora defensor das Leis de Nuremberg, que defendiam a criação de uma "raça superior", escreve Füchtener, o psiquiatra nunca se manifestou a favor da eutanásia e sempre preconizou que havia possibilidades de cura em várias etapas da psicose. O regime hitlerista preferiu outras correntes, ainda que, se tivessem sido aplicadas ao então cabo Hitler, teriam levado o futuro Führer à câmara de gás ou à injeção letal. "O médico deve limitar sua escolha às pessoas, cujas personalidades merecem um esforço. Justamente nisso surgem graves decisões humanas para o médico consciente de sua responsabilidade. Se para o biólogo especialista em genética é fácil decidir na maioria dos casos de doenças genéticas, para nós os limites são flutuantes", escreveu Kemper em 1942. ■ CARLOS HAAG PESQUISA FAPESP 133 ■ MARÇO DE 2007 ■ 91


RESENHA

Retrato de mulher Fotos recuperam a conquista feminina do século CARLOS HAAG

Elas mudam o mundo com seus atos, por menores que sejam: dando uma maçã para o marido ou abrindo uma caixa. Por séculos, muitos preferiram ver nessas mudanças não uma corajosa separação entre humano e divino, mas fontes do Mal entre nós, seja com o nome de Eva ou Pandora. O importante é que tinham que ser mulheres. "Atraídas e traídas, atraímos e traímos/ Nossa tarefa: fecundar, atraindo e ultrapassar, traindo/ Nosso crime: a palavra/ Nossa função: seduzir mundos", resume a poeta Orides Ponteia, citada por Marilena Chaui nessa deliciosa homenagem à natureza feminina e seu poder de mudar a vida. Século XX: a mulher conquista o Brasil, um belo livro de fotos, do início do século até a atualidade, revelando as várias imagens da figura feminina, cuja "multiplicidade exprime um acontecimento extraordinário: a força da cultura para manter a mulher no reino da natureza", escreve Marilena, que, ao lado da pedagoga Schuma Schumaher e da escritora Nélida Pinon, é responsável pelos ensaios que dão sentido ao nosso prazer visual. "Os grandes vultos, os grandes heróis, assim são feitos os livros de história. Há outra história a ser contada, das personalidades invisíveis que ajudaram a construir a cultura de nosso país. Este livro conta a história da mulher brasileira do século XX, as anônimas e as visíveis", explica Leonel Kaz, editor da obra. Para nossa felicidade, as "invisíveis" foram clicadas por grandes nomes da fotografia: Augusto Malta, Peter Scheier, Jean Manzon, entre muitos outros, em quase 170 fotos que revelam mulheres trabalhando, se divertindo, posando, fazendo política, enfim, mudando o mundo. "Se observarmos a multiplicidade de imagens da mulher, diremos que, obviamente, ela exprime as diferentes interpretações culturais da figura feminina. O curioso é notar uma constante que subjaz à variação das imagens. Todas elas têm como referência o corpo feminino como imaginado pelo discurso masculino", nota Chaui. O toque notável do livro é justamente revelar como, apesar de suas imagens nascerem do imaginário do homem, ainda assim, elas conseguem, nas fotos, expressar a sua capacidade de 92 ■ MARÇO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP133

luta e suas conquistas, feitas quietamente como as de Eva e Pandora. Assim, por exemLeonel Kaz (org.) plo, retratos de Alzira Vargas ao lado do pai, Getúlio, em Edições Aprazível meio a uma reunião de polí204 páginas ticos dos mais graúdos. Ou, R$ 150,00 ainda, um belo instantâneo da líder feminista Bertha Lutz em plena campanha política e a ex-prefeita Luíza Erundina, numa imagem chocante, enfrentando policiais militares ainda como deputada estadual. Há um quê de razão para a palavra luta ser feminina, ao menos no Brasil. As primeiras organizações de mulheres do país tinham na causa abolicionista o seu tema principal e há mesmo o caso das Cearenses Libertadoras que, já em 1884, aboliram a escravatura no estado. Outra conquista, exibida em várias fotos, foi o direito de estudar, obtido em 1827. Elas, porém, precisaram esperar até 1875 para ingressar nas universidades. A próxima batalha foi pelo direito ao voto, em que teve papel notável a bióloga Bertha Lutz. Apenas sob o governo Vargas, após a Revolução de 30, é que as mulheres venceram mais essa luta. Mas é preciso também lembrar das mais "invisíveis entre as invisíveis", mulheres negras, índias, que romperam tabus, como Maria José de Castro Mendes, a primeira mulher a ingressar no Itamaraty, não sem antes ver seu pedido várias vezes recusado. O livro é preciso na recuperação dessas mulheres, seja por meio de imagem de esportistas, como Maria Lenk, a primeira sul-americana a competir numa olimpíada, em 1932, seja por meio de nossas artistas, como Carmen Costa, Ivone Lara, Carolina de Jesus, entre outras. Importante, a raça não é fator limitante das conquistas femininas. Na obra há igualmente fotos de Clarice Lispector, Cora Coralina, Nise da Silveira, Rachel de Queiroz na sua posse pioneira na Academia Brasileira de Letras. Há também mulheres menos célebres, mas nem por isso menos fortes: é tocante ver a negra favelada Marli Pereira, firme e forte, passando uma tropa de PMs em revista, em busca dos assassinos de seu irmão. Ou a solidão de Alzira Soriano, a primeira prefeita eleita, em Lages, no centro de uma multidão de rostos masculinos. Evas ou Pandoras, elas souberam tomar o século de assalto. Século XX: a mulher conquista o Brasil


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FICÇÃO

Cheiro de Leoa / 'Toyota Listrado" (música acidental)

PEDRO BIONDI

Esta manhã as zebras do meu quintal me pareceram outras. Maiores? As mesmas, sem sombra ou listra de dúvida; ainda que a mais nova - digo, a que se afigura de mais nova - risse um riso um pouco diverso. A um bom conhecedor de zebras não seria preciso narrar que elas se deixaram vir ao dia no ritual de sempre: (depois de desgrudar cabeça-e-corpo) abriram os olhos de burros riram entre si uns zurros de asno, com muitos dentes amarelos; consertaram-se, as patas fincando paliçadas, soerguendo os restos da noite que elas não deixaram terminar de dormir e os raios do dia que não deixaram terminar de acordar, no seu afã de ruminantes - e herbívoras, e pastadoras. A mais atirada, como em outras oportunidades, correu um meio-trote próprio seu e veio rir um riso de gengivas no retrovisor do automóvel submisso (ou conformado?) à poeira. Zebras riem muito, desculpem a repetição do termo; mas é riso mesmo riso, e não gargalho ou ascensão inteligente dos cantos da boca, como a dos ingleses; e riem com diferentes intensidades e por diferentes motivos, mas creio que não com gosto como pode o homem, ou um grande felino, ou um símio que se diverte à custa de outros entes. Simplesmente riem quando a boca o manda, ai, cartesianamente coloridas de zeros e uns. Código de barras - diferentiguais. O ver-se no espelho faz os possíveis rodamoinhos na cuca dela, que recua a cara, depois volta uma posição e encara de novo, tentando morder o espelho, numa mordida meio boquitorta. Talvez lhe incomode a idéia de estar duas, ou duas vezes, no mesmo mundo; possivelmente lhe azucrina enxergar-se assim tão - tão só boca e dentes, desproporcionados. Talvez lhe encasquete que deve triturar, com seus molares duros e fortes, treinados e pacientes, aquela boca rival. Enfim: zebras! Talvez lhe confunda o bafo que bota neblina naquela nova paisagem, particular sua; talvez o orvalho do bafo em si lhe irrite, tirando-lhe o direito ao prazer de se flagrar e medir, ou botando névoas no seu exercício de inteligência; talvez a 94 ■ MARÇO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 133

ponha para jantar com a fi-ustração, em talheres e pratos por esta escolhidos, pois não devemos nos aproximar demais de nossos sonhos: na melhor e mais improvável das hipóteses eles deixam de ser sonhos. No mais próximo que conseguir chegar do espelho, mais frustrada ela deve ficar ao ser vencida por um borrifo; mais rápido vai reinvestir, e mais raiva verá fotografada no reflexo. E assim e assim. Prenderam o mundo lá fora? Em nossa volta, invariavelmente, aquele cheiro - fétido, almiscarado, roto, ácido e um tanto doce, palpável, pegajoso, progressivamente cheiro: cheiro de leoa. Cheiro que eu já conhecia há tempos e que imaginava ser somente de leoa triste, daquelas majestades prostradas de jardim zoológico, decadesdentadas, aleijadas de mundo e que tudo o que lhes restou é zanzar entre quatro nãos e imaginar como seria papar aqueles ricardinhos chatos que lhes jogam balas e lhes chamam de leão. Leoa vinda, leoa ida: planos presidiários! Estátuas de predadora espreitam. Estátuas de predadora se movem. Leoa na natureza é maldade bem rida, diferente daquela brabeza seca, aquela raiva com mandíbula pendida que se vê em jaula. Falam de tudo, sentadas; são sérias só da fome pra frente, seja fome sua ou de seus bezerros leõezinhos. Ixe, leoas - o senso de humor, senso de desamor, faísca em seus olhos tão amarelos, e a gente sabe que humor bonzinho é humor de paróquia: humor de zebra. Precisa ver quando a brisa traz notícia de predadoras. Zebras e sarbez se levantam e (arbez e zebra, oposto e avesso, mútuos negativos, ninguém sabe dizer o certo e o inverso, e são indissociáveis mas imiscíveis, branco-e-preto e nunca cinza;


mas quando acreditam em leoas por perto, entram em um colapsismo tal que se desinvertem, se confundem, chega se trançam e se tropeçam). Destino de zebra é esse, e acredito não ser diferente com as gazelas ou até com aqueles bichinhos, os da pág. 286, que anotei roendo arbustos perto do carro ontem. Sempre terão como leitmotiv uns grandes olhos por perto, quase sempre virtuais mas vez ou outra palpáveis, e sua vida não foge disso. Aliás, sua vida é fugir disso. (já que é disso que o povo gosta, a câmera vai:) Estátuas de predadora espreitam/Estátuas de predadora ganham vida (tambores). O trote das leoas é outra história. No fundo, no fundo, aliás, o termo "trote" não cabe, porque o meio-correr delas é desprovido de consoantes. O chão é lançado para trás numa semicorrida cheia de ombros de almofada, em que a flindista engana o barulho, caça o erro alheio e cerca o seu. Algumas dezenas de metros e a leoa Joga um novo parágrafo E outro E outro, caso mal-inventado aquele. Daí, conseqüência natural, uma disparada sem vírgulas em que cada vez mais perto aqueles irritantes seres assustadiços e parrudos vestidos de sim e não e recheados de vermelho-vida brilham numa nuvem de pontos de exclamação mergulham num galope sem vogais estufado de poeira e tudo termina no ponto final do süêncio. Eu? Não sei, sinceramente, há quanto estou aqui, trancafiado carrafado - o automóvel listrado como uma zebra quadrada preso incorporado ao chão por falta de combustível e de ajuda. Sei que fico por aqui assim, sem sair, mascando as horas. Ouço um pouco de rádio, costuro um pouco de tempo, crio a Família Camundongo no cabelo, quando não durmo estou acordado. Leio um pouco e um pouco mais do "Fauna", por sorte que quando me lancei nesta empreitada uma

lampadinha me brilhou de escolher justo o volume que serve de baú ao Velho Continente. O sol se deposita como moeda, desce como o biscoito mais brilhante no café com leite mais seco e amplo possível. E enquanto ele abre o chão, sedento por afofar sua cama de magma, os cansaços em volta começam a acordar. Dentro das zebras, o contraste vai desaparecer até não restar listra, provando que no fim da tarde todos somos um vulto de nós mesmos. À noite, ditado corrigido, todos os gatos são gravetos quebrando cada vez mais perto. E todos os estalidos de graveto são gatos-monstros, em negaça. O olhar... Me olham de uma maneira ao mesmo tempo lasciva e ridicularizadora - umas esfinges. Existem coisas que não existem até que nos deparemos com elas... Poderia escolhê-las noite após noite, um harém de beges calores? Ainda não descobri se o prazer de morder a nuca de uma destas minhas gárgulas compensaria o possível ridículo posterior. Leoas e seus outros cheiros, perfume bom de leoa... Aqueles que já perceberam nos leões falsos reis sabem que zebras não são tão más assim. Uma manhã a mais, uma zebra a menos na manada...? Também não é de todo mau prosseguir mais um tempo aqui no Toyota quebrado, transformado numa banheira já quase transbordante pelos olhares ourados e sons crepusculares que pingam do em-redor. A savana é um crepúsculo. E, como já assinalou um mestre da escrita, a savana é o mundo...

PEDRO BIONDI, 31 anos, é jornalista e escritor. Tem textos literários publicados em antologias, sites e revistas. É autor do livro inédito de contos Cheiro de leoa. Trabalha como editor de primeira página da Agência Brasil. PESQUISA FAPESP 133 ■ MARÇO DE 2007 ■ 95


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Veja aiqul alguns destaqüeâ dòs programas que foram ao ar entre os dias 3 e 17 de fevereiro

PESQUISA RESPONDE 17.02.07 i Rubem Diadema: Podemos afirmar que a água existente em nosso planeta é a mesma que Sócrates, Jesus, Platão e tantos outros beberam? Ricardo Hirata, geólogo do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo De uma forma muito simples, a resposta é sim. Jesus Cristo e Platão beberam e se banharam praticamente das mesmas águas que ainda circulam no

quando tratados com medicamentos. Porém existem pacientes depressivos que, mesmo com o tratamento, não melhoram. Para essas pessoas, uma opção é a aplicação de descargas elétricas no cérebro, sob anestesia geral. A eletroconvulsoterapia - ou eletrochoque, como é mais conhecido - é um dos tratamentos mais eficazes para os casos mais graves, apesar do estigma de ter sido usado de modo cruel e até como tortura contra presos. Mas há casos tão graves em que nem o eietrochoque funciona. Aíé hora de

para o tratamento da depressão em outubro de 2006, após a equipe do psiquiatra Marco Antônio Marcolin testála por quase seis anos. O dr. Marcolin conta como funciona a técnica.

PROFISSÃO PESQUISA 03.02.07 3 Arqueóloga Niéde Guidon, diretora presidente da Fundação Museu do Homem Americano, em São Raimundo Nonato, Piauí

da para trabalhar aqui no Parque Nacional Serra da Capivara. Minha missão era definir um programa para a proteção do parque e a conservação dos seus sítios arqueológicos e do meio ambiente. Portanto, desde 1991, mantemos a Fundação Museu do Homem Americano, instituição criada pelos cientistas que trabalham aqui na região. Ao mesmo tempo em que trabalhamos na conservação e na defesa do parque, também temos programas de pesquisa. Atualmente, com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec-

ecnoiogia nas ondas do radio nosso ciclo hidrológico. Esse ciclo é um sistema praticamente fechado, em que ocorre a conservação de massa, ou seja, a conservação do total de água no planeta, que é finito. Isso acontece desde a formação da água até agora. Dessa forma, é possível dizer que a água em que Jesus Cristo foi batizado é provavelmente a que hoje está no oceano. Se esperarmos mais uns 2 mil anos, essa água vai voltar para a atmosfera e cair sobre nós em forma de chuva. Isso porque o tempo de permanência das águas nos oceanos é de cerca de 4 mil anos. Passado esse período, essas águas podem ir para outro reservatório.

17.02.07 m Apresentadora - Habitualmente, os casos de depressão costumam ceder

Pintura encontrada no sítio Toca da Entrada do Baixão da Vaca, no Parque Nacional Serra da Capivara, Piauí: ritual de figuras liumanas e mascarados tentar uma terapia contra a depressão que nos últimos anos vem despertando o interesse de psiquiatras e neurologistas do mundo todo: a estimulação magnética transcraniana repetitiva, a EMTr. O Instituto de Psiquiatria da USP liberou o uso da EMTr

Fiz licenciatura em História Natural na Universidade de São Paulo e, depois, estudei arqueologia em Paris, onde também fiz o meu doutoramento e a livredocência para ter o título de professora. Fiquei em Paris até 1991, quando, a pedido do governo brasileiro, fui empresta-

nológico (CNPq), nosso programa visa estudar os sítios arqueológicos gue se encontram ao redor do parque, dentro do qual temos um sítio com a datação mais antiga em todas as Américas da presença do homem pré-histórico, de cerca de 60 mil anos.


Um Sistema Excepcionalmente Simples. Resultados Simplesmente Excepcionais.

o novo Sistema StepOne™ facilita a obtenção de resultados de PCR em Tempo Real com alta qualidade. Seja para novos usuários ou experts em PCR em tempo real, o StepOne fornece resultados com altíssima qualidade a partir de ensaiosTaqMan® Gene Expression e SNP Genotyping. O Sistema StepOne" combina a conveniência plug-and-play com a alta performance que fez da Applied Biosystems líder em PCR em tempo real. A interface do software orienta novos usuários através das etapas de set up, operação e análises e ainda oferece controles e flexibilidade para atender às expectativas do mais exigentes usuários. O StepOne é parte de uma solução integrada para PCR em Tempo Real que inclui software, reagentes e instrumentação - tudo isso com um preço excepcionalmente baixo. Software intuitivo dispensa a necessidade de tutoriais ou manuais

Pré-contigurado e calibrado para Módulo Fast

Configurado para conexão com qualquer PC ou rede

Pequeno, pode ser usado em qualquer espaço.

Módulo Fast (40 minutos) e convencional (-2 horas) com um bloco

Para saber mais sobre o StepOne Real Time PCR System ou para ver a demonstração de nosso software, visite info.appliedbiosystems.com/stepone Informações: 0800 704 90 04 Grande SP: (li) 5070-9662 vendas@appliedbiosystems.com

^j^ Applied Biosystems

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