Farmacocinetica Clinica Basica

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Farmacocinética Clínica Básica

Parte

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Princípios básicos Biodisponibilidade (F) Velocidade de administração (TA) Concentrações-alvo plasmática (C) Volume de distribuição (V) Depuração (Cl) Constante da taxa de eliminação (K) e meia-vida (t ½) Concentrações plasmáticas máximas e mínimas Selecionando a equação apropriada Interpretação das concentrações plasmáticas de fármacos Depuração de creatinina (ClCr) Diálise de fármacos


PARTE 1 - PRINCÍPIOS BÁSICOS

Farmacocinética Clínica Básica - Winter

BIODISPONIBILIDADE (F) Definição Biodisponibilidade é a percentagem ou fração da dose administrada que alcança a circulação sistêmica do paciente. Exemplos de fatores que podem alterar a biodisponibilidade incluem as características inerentes de dissolução e absorção da forma química administrada (por exemplo, sal, éster), da forma farmacêutica (por exemplo, comprimido, cápsula), da via de administração, da estabilidade do princípio ativo no trato gastrintestinal (GI) e da extensão da biotransformação do fármaco antes de alcançar a circulação sistêmica. Os fármacos podem ser biotransformados pelas bactérias gastrintestinais, pela mucosa do GI e pelo fígado antes de alcançarem a circulação sistêmica. Para calcular a quantidade de fármaco absorvido, a dose administrada deve ser multiplicada por um fator de biodisponibilidade, o qual é geralmente representado pela letra “F”. Por exemplo, a biodisponibilidade da digoxina (Lanoxin) é estimada em 0,7 para comprimidos administrados por via oral.1-3 Isto significa que se 250 μg (0,25 mg) de digoxina forem administrados por via oral, a dose efetiva ou absorvida pode ser calculada ao multiplicarmos a dose administrada por F: Quantidade de fármaco absorvido ou que = (F)(Dose) alcança a circulação sistêmica

Equação 1

Quantidade de fármaco absorvido ou que = (F)(Dose) alcança a circulação sistêmica = (0,7)(250 μg) = 175 μg

Deve ser enfatizado que o fator de biodisponibilidade não leva em consideração a taxa de absorção do fármaco; ele apenas estima a extensão da absorção. Apesar de a taxa de absorção ser relevante quando é necessário obter efeitos farmacológicos rápidos, ela geralmente não é importante quando o medicamento é administrado de forma contínua. A taxa de absorção só é relevante quando é lenta a ponto de limitar a biodisponibilidade absoluta do fármaco ou quando é rápida a ponto de ocorrer uma absorção aumentada. Pode ocorrer dose dumping* sob certas condições, com a utilização de preparações de liberação controlada. Além disso, a absorção incompleta de formas farmacêuticas de liberação controlada deve ser considerada em pacientes que apresentam um tempo curto de trânsito GI. Tempos de trânsito gastrintestinal de 24 a 48 horas são provavelmente a média, mas pacientes com doenças intestinais podem apresentar um tempo de trânsito de apenas algumas horas. Uma biodisponibilidade abaixo da média deve ser considerada nestes casos, especialmente quando a duração da absorção é estendida. * Nota: “Dose dumping”: liberação rápida de um fármaco a partir de uma forma farmacêutica sólida oral de liberação prolongada, que ocorre em função de um defeito no produto (Pezzini, BR; Silva, MAS; Ferraz, HG. Formas farmacêuticas sólidas orais de liberação prolongada: sistemas monolíticos e multiparticulados. Revista Brasileira de Ciências Farmacêuticas, v. 43, n. 4, p. 491-502, 2007).

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BIODISPONIBILIDADE (F)

Forma farmacêutica De acordo com a explicação anterior, a biodisponibilidade de um fármaco pode variar entre as diferentes formulações e formas farmacêuticas. Por exemplo, o elixir de digoxina apresenta biodisponibilidade de aproximadamente 80% (F = 0,8), enquanto as cápsulas gelatinosas apresentam biodisponibilidade de 100% (F = 1,0). Os comprimidos, por sua vez, apresentam biodisponibilidade de 70% (F = 0,7).2,6,7 Quando os fármacos são administrados por via parenteral*, a biodisponibilidade é geralmente considerada como sendo de 100% (F = 1,0). Ao rearranjarmos a Equação 1, este princípio pode ser utilizado para calcular doses equivalentes para pacientes que venham a utilizar diferentes apresentações do mesmo fármaco: Dose da nova = apresentação

Quantidade de fármaco absorvido da apresentação atual

Equação 2

F da nova apresentação

Por exemplo, se um paciente que vem recebendo 250 μg (0,25 mg) de digoxina na forma de comprimido com biodisponibilidade de 0,7 precisar receber elixir de digoxina, a dose equivalente do elixir deverá ser calculada conforme mostrado a seguir: Dose de elixir = =

(0,7)(250 μg) 0,8 175 μg 0,8

= 219 μg

Caso sejam administradas cápsulas gelatinosas de digoxina, a biodisponibilidade ou F da nova forma farmacêutica passa a ser 1,0 e a dose equivalente deve ser de 175 μg. A biodisponibilidade de fármacos administrados por via parenteral é geralmente considerada igual a 1,0. Fármacos administrados como precursores inativos e que devem ser convertidos à forma ativa são uma exceção a esta regra. Se uma parte do precursor inativo for eliminada do organismo, por excreção renal ou biotransformação a um composto inativo, antes de ser convertida ao fármaco ativo, a biodisponibilidade será <1,0. Por exemplo, cloranfenicol é administrado por via parenteral na forma de um éster de succinato e deve ser hidrolisado à forma ativa. A biodisponibilidade do succinato de cloranfenicol administrado por via parenteral varia de 55 % a 95 %, uma vez que 5 % a 45 % do éster de cloranfenicol são eliminados por via renal antes de serem convertidos em fármaco ativo.8 Geralmente, para fármacos com absorção quase completa (F > 0,8) a biodisponibilidade é consistente. Para fármacos com baixa absorção oral (F < 0,5) existe, frequentemente, uma grande variação na extensão da absorção. Esta não é, entretanto, uma regra rígida, já que qualquer fármaco, sob condições diferenciadas, pode apresentar biodisponibilidade alterada. * Nota: neste caso, via intravenosa.

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PARTE 1 - PRINCÍPIOS BÁSICOS

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Forma química (S) A forma química do fármaco também deve ser considerada quando se avalia a biodisponibilidade. Por exemplo, quando um sal ou éster de um fármaco é administrado, o fator de biodisponibilidade (F) deve ser multiplicado pela fração do peso molecular correspondente à forma ativa. Se “S” representa a fração da dose administrada que corresponde ao fármaco ativo, então a quantidade de fármaco absorvido de um sal ou éster pode ser calculado da forma a seguir: Quantidade de fármaco absorvido ou = (S)(F)(Dose) que alcança a circulação sistêmica

Equação 3

O fator “S” deve ser incluído em todas as equações de biodisponibilidade como uma constante lembrança de sua importância na avaliação da biodisponibilidade da forma ativa do fármaco. Quando um fármaco for administrado na sua forma ativa, o valor de “S” será 1,0. A Equação 2 pode ser agora expandida para considerar o fator do sal e a biodisponibilidade nos cálculos de dose de uma nova apresentação:

Dose da nova = apresentação

Quantidade de fármaco absorvido da apresentação atual (S)(F) da nova apresentação

Equação 4

A aminofilina e a fenitoína são exemplos deste princípio (Figura 1). Aminofilina é o sal de etilenodiamina do fármaco ativo, a teofilina. De 80 a 85 % por peso deste sal é teofilina, de forma que o valor de “S” para aminofilina é aproximadamente 0,8. Comprimidos de aminofilina não revestidos são considerados completamente (100%) biodisponíveis; o fator de biodisponibilidade (F) para esta apresentação é, desta forma, 1,0. É importante considerar a forma do sal na determinação da quantidade de teofilina absorvida a partir de um comprimido de aminofilina. Quando a Equação 3 é aplicada a esta situação, pode ser demonstrado que serão absorvidos 160 mg de teofilina de um comprimido de 200 mg de aminofilina: Quantidade de fármaco absorvido ou = (S)(F)(Dose) que alcança a circulação sistêmica = (0,8)(1)(200 mg de aminofilina) = 160 mg de teofilina

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BIODISPONIBILIDADE (F)

8 % de sódio (24 mg) 300 mg de fenitoína sódica (sal sódico de fenitoína)

200 mg de aminofilina (sal de etilenodiamina da teofilina)

92 % de fenitoína (276 mg de fenitoína)

20 % de etilenodiamina (40 mg) 80 % de teofilina (160 mg)

FIGURA 1. Efeito da forma química do fármaco na biodisponibilidade. Esses exemplos enfatizam a importância de se considerar a forma química no cálculo da quantidade de fármaco ativo efetivamente administrado. A quantidade do fármaco ativo administrado deve representar apenas uma fração (S) do sal, éster ou outra forma química do fármaco contido na formulação. A biodisponibilidade (F) da apresentação também deve ser considerada quando o medicamento for administrado pela via oral.

De forma análoga, 300 mg de fenitoína sódica com um “S” de 0,92 representam apenas 276 mg de fenitoína que alcançam a circulação sistêmica, assumindo-se absorção completa (F = 1). Quantidade de fármaco absorvido ou = (S)(F)(Dose) que alcança a circulação sistêmica = (0,92)(1)(300 mg de fenitoína sódica) = 276 mg de fenitoína

Em alguns casos, a quantidade de fármaco descrita no rótulo do medicamento já leva em consideração a quantidade de fármaco ativo. O valproato de sódio, o sal sódico do ácido valproico, é fabricado e rotulado com base na quantidade de ácido valproico e, desta forma, um valor de 1 deve ser apropriado para “S”. Fosfenitoína sódica é o sal sódico do éster de fosfato da fenitoína. Apesar de a fosfenitoína sódica corresponder a apenas 61 % de fenitoína, os fabricantes a rotulam como equivalentes de fenitoína sódica ou P.E. Desta forma, para calcular a quantidade de fenitoína em 100 mg de fosfenitoína P.E. deve ser utilizado o valor de 0,92. 5


PARTE 1 - PRINCÍPIOS BÁSICOS

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É importante entender e ser capaz de calcular a quantidade de fármaco que estará disponível para o paciente na forma ativa. Para isto, tanto a fração da dose que corresponde ao fármaco ativo (S) quanto a biodisponibilidade ou fração do fármaco que alcança a circulação sistêmica (F) precisam ser consideradas no cálculo de doses e regimes terapêuticos.

Efeito de primeira passagem Uma vez que os fármacos administrados por via oral são absorvidos a partir do trato GI para a circulação portal, alguns deles podem ser extensivamente biotransformados pelo fígado antes de alcançarem a circulação sistêmica. O termo “primeira passagem” refere-se ao metabolismo que ocorre no fígado à medida que o fármaco passa por este órgão, via veia porta, após a absorção*. Este “efeito de primeira passagem” pode diminuir substancialmente a quantidade de fármaco ativo que alcança a circulação sistêmica e, desta forma, a biodisponibilidade (Figura 2). O propranolol é um exemplo de fármaco do qual uma quantidade significativa da dose administrada não alcança a circulação sistêmica por sofrer metabolismo à medida que passa pelo fígado, após a absorção pelo trato GI. Devido a este “efeito de primeira passagem” a biodisponibilidade oral é baixa e as doses administradas por esta via são muito superiores às doses administradas pela via intravenosa. Contudo, a questão do propranolol fica ainda mais complicada porque de um dos seus metabólitos, 4-hidroxi-propranolol, é farmacologicamente ativo.9 A lidocaína é um exemplo de fármaco com um efeito de primeira passagem tão intenso, que a administração por via oral não é adequada quando são desejados efeitos sistêmicos.10 Além disso, alguns fármacos são extensivamente metabolizados pelas enzimas do complexo citocromo P450, principalmente CYP 3A4, localizada na parede do intestino. Como exemplo, a biodisponibilidade baixa e variável da ciclosporina deve-se, em parte, ao metabolismo pela CYP 3A4 na parede do intestino.11

* Nota: também faz parte do efeito de primeira passagem a biotransformação de fármacos que ocorre no intestino.

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BIODISPONIBILIDADE (F)

40 mg Fármaco administrado por via oral

Portal

Órgão alvo

Circulação

Fígado

2 mg Administração intravenosa FIGURA 2. Efeito de primeira passagem. Quando os fármacos com elevado efeito de primeira passagem são administrados por via oral, uma grande quantidade do fármaco absorvido é biotransformada antes de alcançar a circulação sistêmica. Se o fármaco é administrado por via intravenosa, a passagem pelo fígado é evitada e a fração da dose administrada que alcança a circulação é aumentada. Doses parenterais de fármacos com um grande efeito de primeira passagem são muito menores do que as doses orais necessárias para a produção do efeito farmacológico equivalente.

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