11 v. 6, n. 11, maio 2016
Revista do Programa de Pós-graduação em Artes da Escola de Belas Artes da UFMG
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11 v. 6, maio 2016
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Pós [recurso eletrônico] : Revista do Programa de Pós-graduação em Artes. – Vol. 1, n. 1 (maio 2008)- . – Belo Horizonte : Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Belas Artes, 2008A partir de 2011 também em meio eletrônico. Modo de acesso: Internet. Sistema requerido: Adobe Acrobat Reader. ISSN 1982-9507 ISSN ELETRÔNICO 2238-2046 1. Artes – Periódicos. I. Universidade Federal de Minas Gerais. Escola de Belas Artes. CDU : 7 CDD : 700
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Pós: Revista do Programa de Pós-graduação em Artes – EBA/UFMG Universidade Federal de Minas Gerais Reitor: Jaime Arturo Ramírez Pró-Reitora de Pós-Graduação: Denise Maria Trombert de Oliveira Pró-reitora de Pesquisa: Adelina Martha dos Reis Escola de Belas Artes Diretora: Maria Beatriz Braga Mendonça Coordenador do Programa de Pós-graduação em Artes: Maurício Silva Gino Revista Pós Editores: Maurilio Andrade Rocha e Mariana de Lima e Muniz Editores convidados n. 11: Mabe Bethônico e Eduardo de Jesus Conselho editorial Ana Mae Barbosa (Universidade de São Paulo – São Paulo, Brasil) Alexandre Figueirôa Ferreira (Universidade Católica de Pernambuco – Recife, Brasil) António José Estêvão Grande Candeias (Universidade de Évora – Évora, Portugal) Flávia Cesarino Costa (Universidade Federal de São Carlos – São Carlos, Brasil) Giselle Beiguelman (Universidade de São Paulo – São Paulo, Brasil) Íris Amâncio (Universidade Federal Fluminense – Niterói, Brasil) Jorge Dubatti (Universidad de Buenos Aires – Buenos Aires, Argentina) Tadeu Chiarelli (Universidade de São Paulo – São Paulo, Brasil) Yacy-Ara Froner Gonçalves (Universidade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte, Brasil) Comitê editorial por linha de Pesquisa do PPG Artes EBA/UFMG Artes da Cena: Antônio Barreto Hildebrando Artes e Experiência Interartes na Educação: Ana Cristina Carvalho Pereira Artes Plásticas, Visuais e Interartes: Rodrigo Vivas Andrade Cinema: Luiz Nazario Preservação do Patrimônio Cultural: Luiz Antônio Cruz Souza Poéticas Tecnológicas: Carlos Henrique Falci Ficha catalográfica: Luciana de Oliveira Matos Cunha Projeto gráfico: Núcleo de Produção em Artes Gráficas - EBA/UFMG Criação de Capa e Diagramação: Priscila Justina (Pi Laboratório Editorial) Fotografia Capa: Mabe Bethônico Versão eletrônica: Virgílio Carlo de Menezes Vasconcelos Revisão de Português, Inglês e Espanhol: Alan Castellano Valente Patrocínio: FAPEMIG – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais Realização Programa de Pós-graduação em Artes Escola de Belas Artes Universidade Federal de Minas Gerais. Base Indexada: Portal de Revistas SEER – IBICT Classificação Qualis Capes Periódico: A2
Apoio: FAPEMIG Agradecemos aos autores e pareceristas que contribuíram para a elaboração deste número.
Sumário EDITORIAL Ficções da verdade: histórias de si e do outro SEÇÃO TEMÁTICA O biográfico: imagens de si e do outro
Como se faz um marginal? O fingimento na lida biográfica: Mario Claudio e a vida de Amadeo de Souza Cardoso Um encontro entre poesia, análise do discurso e narrativa de vida
Montagem de biografias em Miranda July Rotas: procedimento comércio – emprestando a minha biografia Found archives of a lost artist: diário de processo ou um estudo por uma biografia anônima Autobiografia na cena contemporânea: tensionamentos entre o real e o ficcional O ser e o vestir: Oscar Wilde e a masculinidade eternizada na arte moderna
7 10 12 22 32 44 54 64 78 92
MABE BETHÔNICO EDUARDO DE JESUS
ANA PATO LAURA CASTRO
MOZAHIR SALOMÃO BRUCK
IDA LUCIA MACHADO
VIVIANE BASCHIROTTO
FABÍOLA SILVA TASCA
GABRIELA SÁ
GABRIELA LIRIO GURGEL MONTEIRO
ANGÉLICA OLIVEIRA ADVERSE
Entrevista com Carlos Nader
SEÇÃO ABERTA
O realismo crítico na arte russa: Vassíli Peróv Performance do encontro: a experiência de si, do outro e da cidade como busca poética
Introdução ao Grotesco nas Artes da Cena Mulheres que olham: o controle do ato de ver e ser visto Cor, abstração, música: Len Lye e o cinema sem câmera
Amor, morte, fotografia Prácticas teatrales y exilios. Problemas cartográficos
CADERNO DE IMAGENS
Antropocenter
Carlos Nader
110 118 120 136 148 160 172 188 200 212 214 224
EDUARDO DE JESUS MABE BETHÔNICO
LUDMILA MENEZES ZWICK
RENATA TEIXEIRA FERREIRA DA SILVA
ODILON JOSÉ ROBLE RAÍSSA GUIMARÃES DE SOUZA ARAÚJO
MARIELEN BALDISSERA
PAULO ROBERTO DE CARVALHO BARBOSA
CAROLINA JUNQUEIRA DOS SANTOS
ANDRÉS GALLINA
JAVIER PEÑAFIEL
CARLOS NADER
Editorial Ficções da verdade: histórias de si e do outro Gênero híbrido, a biografia se situa em tensão constante entre a vontade de reproduzir um vivido real passado, segundo as regras da mímesis, e o polo imaginativo do biógrafo que deve refazer um universo perdido segundo sua intuição e talento criador. François Dosse
Os modos de acionar o passado sempre partem do tempo presente, já que são as formulações do presente que promovem a (re)construção do passado, e a biografia se coloca justamente nesse potente campo de tensão, por manejar trajetos entre essas dimensões do tempo. Ao construirmos um gesto biográfico acionamos imaginativos processos de (re)criação e ficcionalização, que abrem inúmeras questões e desdobramentos em torno do campo da biografia. Trata-se da vida de um outro que, em muitas tramas, se abre para o tempo e para nossas fabulações; sempre como invenção. A edição deste volume da Revista Pós: nasceu do interesse de investigar a biografia e suas múltiplas configurações contemporâneas. Transversal a diversas áreas do conhecimento, o universo conceitual ligado ao domínio da biografia nos interessa como um campo transdisciplinar, híbrido em sua natureza, que desafia fronteiras na literatura, na arte contemporânea e na produção audiovisual. A motivação para o estudo desse assunto partiu, de um lado, do projeto de Mabe Bethônico de construção de uma biografia do geógrafo suíço Edgar Aubert de la Rüe (1901-1991), que visitou a caatinga brasileira nos anos 1950.1 Uma pesquisa nos arquivos de viagem e estudo do autor formaram as referências para uma construção biográfica. De outro lado, estavam os interesses de Eduardo de Jesus de cruzar as teorias do campo da biografia com o audiovisual, especialmente o cinema experimental, o documentário e a videoarte. Como parte dos questionamentos com os quais trabalhamos, está a tensão entre o que se espera de verdade ou realidade numa biografia e o campo ficcional inevitável em que esta se inscreve. Ao mesmo tempo, o que pode ser tomado como um vestígio, digno de ser adotado para se contar um fato de vida? Seriam os resíduos documentais, somados a fotografias e amalgamados a narrativas suficientes para conduzir uma história de vida? E quem tem autoridade para narrar
sobre um outro? Qual grau de aproximação e conhecimento sobre um sujeito / objeto configuraria essa credencial? Que tipo de vida, ou quais feitos, justificariam o interesse ou a relevância de um relato biográfico? Em torno dessas questões, criamos uma plataforma de investigação que teve inicio com uma disciplina oferecida a alunos dos Programas de Pós-graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da UFMG e de Comunicação Social da Faculdade de Comunicação e Artes da PUC – Minas. Posteriormente, tivemos um seminário aberto ao público – “Circunstâncias do Biográfico”–, realizado em novembro de 2015, e agora a edição deste volume da Revista Pós:. Recebemos como convidados na disciplina o curador de fotografia Joerg Bader, que discutiu a obra de Nicholas Nixon sobre as irmãs Brown, o professor Mozahir Salomão Bruck, que tratou das teorias em torno da biografia, assim como Bruna Santos e Graziela Cruz, pesquisadoras que, tomando essas teorias, as relacionaram com abordagens de histórias de vida no cinema e na literatura. Como parte dos trabalhos, tivemos ainda a experiência de visitas ao Museu do Cotidiano (Belo Horizonte), onde o colecionador Antônio Carlos Figueiredo narra os ‘achamentos’ das peças de seu acervo como importantes passagens de sua vida pessoal, atrelando aos objetos suas próprias histórias. Logo após a disciplina, viabilizamos o seminário “Circunstâncias do Biográfico”, que reuniu investigadores de diversas áreas. Tivemos a presença de Eneida Maria de Souza, professora Titular da Faculdade de Letras da UFMG, que nos mostrou em “Retratos pintados – bonequeiros do Ceará”, uma delicada abordagem a partir dos bonequeiros do nordeste, que produzem retratos nos quais fabulam vidas. Esteve presente ainda a professora Ida Lúcia Machado que, tomando questões ligadas à análise do discurso, apresentou o texto “Estudos sobre narrativas de vida de excluídos”, que em versão ampliada publicamos na Revista. Novamente contamos com o professor Mozahir Salomão Bruck, que apresentou sua pesquisa pós-doutoral, sobre a obra biográfica, intensamente inventiva, poética e literária, do escritor português Mário Cláudio, com sua desconstrução dos formatos biográficos tradicionais. Contamos ainda com a professora Marília Andrés, que discutiu o trabalho desenvolvido na editora C/Arte, dedicado a livros em torno da vida e obra de artistas, o Circuito Ateliê. Em paralelo, uma mostra de vídeos e filmes de Carlos Nader integrou o seminário. Com vasta trajetória, primeiramente no campo da videoarte e depois no documentário, Nader esteve presente e conversou com a audiência sobre as suas obras, que trazem um forte viés biográfico. Na revista, publicamos uma entrevista com Nader, que expõe seu método de trabalho, sua trajetória e suas inquietações em torno do documentário. A convocatória de textos para a edição da Revista Pós: fecha esse ciclo de trabalho com diversos textos que ora apresentamos, evidenciando a potência das relações entre arte e histórias de vida, com abordagens que exploram uma ampla gama de aspectos do fazer artístico. Os artigos investigam, sob distintas lentes, o campo do biográfico, denotando seus interstícios, contaminações e passagens por outros domínios. Artistas que investigam histórias de vida, formulações teóricas ligadas as narrativas de vida que reafirmam a porosidade das fronteiras entre as disciplinas, ensaios sobre processos de criação que tangenciam o biográfico e especulações em torno de novas formulações teóricas em abordagens transversais das potências da biografia povoam essa edição da revista.
Agradecemos a todos os autores que nos enviaram contribuições e desejamos um mergulho profícuo nas singularidades das reflexões em torno das histórias de vida. Boa leitura!
Mabe Bethônico e Eduardo de Jesus (Org.)
NOTA 1
O trabalho gerou a tradução do livro deste autor: BETHÔNICO, Mabe. De como Mabe Bethônico percorreu a caatinga na Suíça, nos arquivos do autor viajante Edgar Aubert de la Rüe, e aprendeu francês, o idioma da obra Brésil Aride (La vie dans la caatinga), no processo de tradução deste relato geológico sobre o Nordeste do Brasil, visitado em missão da Unesco para a localização de riquezas minerais em 1953-4, que constitui um mapa das minas, com interesses pela geografia humana e por fotografia, revelando a paisagem, suas ocupações e modos de viver no Polígono das Secas. Editora Capacete, Rio de Janeiro, 2014.
Seção temática:
O biográfico: imagens de si e do outro
Como se faz um marginal? RESUMO Este ensaio narra o cruzamento entre a biografia de Lampião, o acervo do Museu Antropológico e Etnográfico Estácio de Lima e a experiência de Paulo Nazareth durante a 3ª Bienal da Bahia (2014). Assim, reflete sobre como se faz um marginal, a partir das narrativas que vêm à tona nesse encontro entre um artista andarilho que escava sua ancestralidade e um cangaceiro que queria ser enterrado. Palavras-chave: Ficção. Arte contemporânea. Paulo Nazareth. Lampião.
ABSTRACT This essay points out the intersection between a biography of Lampião, the collection of the Estácio de Lima Anthropological and Ethnographical Museum, and Paulo Nazareth’s experience during the 3rd Bahia Bienal (2014). Thus it reflects on how to make a marginal, considering the narratives that emerge from the encounter between a wandering artist – who digs out his ancestry – with a “cangaceiro” – who wanted to be buried.
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Pós: Belo Horizonte, v. 6, n. 11, p. 10-21, maio 2016.
Keywords: Fiction. Contemporary art. Paulo Nazareth. Lampião.
Ana Pato
Curadora. Mestre em Artes Visuais pela Faculdade Santa Marcelina. Doutoranda na Universidade de São Paulo. Bolsista Fapesp. pato.ana@gmail.com
Laura Castro
Escritora. Doutora em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia. Docente da do BI/ LI em Artes na Universidade Federal do Sul da Bahia. lauracastro.ar@gmail.com
Morri duas vezes e nasci outras duas, morri em 1938, emboscado pela polícia. Depois de minha morte e dos companheiros que me seguiam, não nos foi permitido continuar viagem, fomos novamente levados pelo sertão, dessa vez, não mais montados em nossos cavalos, com nossas roupas de vaqueiro, nossos chapéus de couro e nossas facas e armas. Seguimos pelo sertão, numa caravana fúnebre, nossas cabeças cortadas expostas para o povo ver, como num zoológico humano. Como João Batista, fomos oferecidos sobre caixotes de madeira, nas feiras públicas das pequenas cidades, expostos como prêmio, tamanho o medo que eles tinham de nós.
Artigo recebido em: 02/12/2015. Aceito para publicação em: 31/03/2016.
Mal sabiam eles, os médicos legistas, que as constantes medições e os anos que passamos entre bisturis, balanças, vidros e líquidos ácidos, não foram capazes de nos levar a morte. Ali permaneci por quase 30 anos. Todas as manhãs, Estácio de Lima vinha até minha cabeça e como Salomé repetia: “Tu estás morto e tua cabeça me pertence.” Tolo homem das ciências, sua presunção e seu fascínio me faziam rir, até livro sobre nós ele escreveu. Eu ali fiquei calado, de olhos fechados esperando ser enterrado junto ao meu corpo, os anos se passaram e os grupos que vinham nos ver aumentavam a cada dia, agora eram jovens e crianças com uniformes escolares, vinham ver a mim, o rei, o rei do cangaço, aquele que não foi enterrado.
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PATO, Ana; CASTRO, Laura. Como se faz um marginal?
Em 1969, finalmente, a filha de Corisco, uma Antígona do sertão, com Dadá, a viúva, levou adiante seu plano de enterrar nossas cabeças. A disputa foi longa, mas finalmente elas conseguiram o apoio da opinião pública que percebia o constrangimento de expor nossos restos mortais, anos a fio, no museu do crime. Crime? Nosso? Nunca deixei meus mortos sem sepultura. Somos ao todo sete, nosso bando de cabeças cortadas, fomos enterrados, eu, Maria Bonita, Corisco, Azulão, Canjica, Maria Dora e Zabelê, no Cemitério Quinta dos Lázaros,
onde nossos corpos já estavam. Logo depois um outro guerreiro também seria enterrado ali perto.
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Fotografia 1 - Máscaras Mortuárias Obra dos artistas Paulo Nazareth e Ícaro Lira, Máscaras Mortuárias, 2014. 3ª Bienal da Bahia, Departamento: Arquivo e Ficção.
Achei que minha história terminaria aí, mas, mais quarenta anos se passaram até que num revirar de ossos, objetos e fotografias, no mesmo museu do crime, voltei à vida. Não à vida no sentido presente, mas como uma assombração, dessas que voltam porque não podem ainda ser esquecidas. Voltei à exposição, minhas roupas, minhas fotografias, minha máscara mortuária, minha história, a história de um marginal que era herói. Virei artista, numa reza brava dessas que investigam e reviram a vida do cabra. Um andarilho desses que faz longas caminhadas pelo sertão e vive se perguntando: eu sou um marginal? foi atrás do meu antigo alfaiate e mandou fazer para si uma roupa de cangaceiro. Ele levou uma facada na perna para provar sua coragem e mandou rezar para nosso bando uma missa na Igreja Nossa Senhora dos Pretos. Virei memória contada em roda de artista, mas, então, será que vão fazer jus ao meu nome? Eu, o rei sem sepultura.
A história de uma cabeça como prova Encontramos no Museu Estácio de Lima (M.E.L.) os restos materiais e mortais do bando de Lampião, morto pela polícia, em 1938. Uma dezena de armas de vários tipos, balas, cordas, colheres, cantis, calças e casacos de couro, as bolsas feitas por Dadá e as máscaras mortuárias feitas depois que as cabeças cortadas e conservadas em formol foram, finalmente enterradas, em 1969.
A medição dos crânios feita pelos médicos legistas dedicados à antropologia criminal e aos estudos da Frenologia tinha por finalidade incluir no léxico das definições taxonômicas o termo marginal. Como se fosse possível definir
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PATO, Ana; CASTRO, Laura. Como se faz um marginal?
As cabeças do bando de Lampião permaneceram embalsamadas por trinta anos. Primeiro circularam por todo o sertão, numa exposição bizarra, como prova do sucesso da polícia no enfrentamento e morte dos meliantes. Depois, as cabeças seguiram para a Faculdade de Medicina da Bahia, mesmo destino de outra cabeça marginal, a de Antônio Conselheiro, o líder da Guerra de Canudos, cinquenta anos antes. As cabeças decepadas e os sobreviventes presos foram mandados para Salvador sob responsabilidade do, então, diretor do Instituto Médico Legal, o Professor Estácio de Lima.
Fotografia 2 – Cabeça de Lampião exposta em praça pública (1938) Fonte: Acervo do Museu Estácio de Lima.
a etimologia, o substantivo, o adjetivo, o gênero do dito fora da lei. Esses estudos deveriam dar subsídios (e provas) à polícia, para que ela pudesse prender um sujeito culpado, de antemão, por sua aparência. O termo marginal, segundo a acepção [9] do dicionário da Houaiss, por extensão, significa: “[indivíduo] Marginal: p.ext. que vive à margem do meio social em que deveria estar integrado, desconsiderando os costumes, valores, leis e normas predominantes nesse meio; delinquente, vagabundo; mendigo (HOUAISS, 2004, p. 1852)1. De como se cria uma ficção Paulo Nazareth foi um dos artistas convidados a visitar o acervo do Museu Estácio de Lima, durante a 3ª Bienal da Bahia, em 2014. O museu, que funcionava nas dependências do Instituto Médico Legal (IML), estava fechado há alguns anos.
Fotografia 3 – Sepultamento das cabeças do bando de Lampião, no Cemitério Quinta dos Lázaros (1969)* * Mesmo ano e local onde foi enterrado o político e guerrilheiro Carlos Marighella. Fonte: Acervo do Museu Estácio de Lima.
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Pós: Belo Horizonte, v. 6, n. 11, p. 10-21, maio 2016.
Em nossa primeira visita ao antigo Museu, as peças do acervo já tinham sido todas desembaladas e organizadas para o inventário, realizado pela equipe de Museologia do Museu de Arte Moderna da Bahia. O documento faria parte da solicitação de transferência das peças para o Arquivo Público, onde seria feita uma exposição de arte. Nesse dia, fizemos uma visita guiada com os artistas, o contato com a história da instituição e com personagens da história do Brasil – como Lampião, Corisco, Maria Bonita, Antônio Conselheiro–, marcou o início das pesquisas do acervo. Como parte de uma das estruturas temáticas da 3ª Bienal da Bahia, dedicada à psicologia do testemunho e ao desenvolvimento de ações e pesquisas em torno de arquivos, o núcleo curatorial Arquivo e Ficção, a frente deste processo, pretendia aproximar os artistas da documentação do M.E.L., para que, a partir disso, fossem geradas as pesquisas, que comporiam a ação expositiva no Arquivo Público do Estado da Bahia. Isso guiou os trabalhos de parte dos artistas que participaram do projeto, como Eustáquio Neves, Ícaro Lira, Paulo Nazareth, Maria Magdalena CamposPons. No caso de Nazareth, vimos claramente ali o artista que escava sua ancestralidade.2 As peças encontradas representavam um campo rico para a pesquisa em andamento desse artista, que problematiza temas como a exclusão e o racismo, a partir de uma escritura que mistura fatos biográficos,
sua descendência indígena, negra e europeia e fatos históricos, como a escravidão e a ditadura. O que chama a atenção na prática artística de Nazareth é a capacidade de se misturar com a paisagem, de virar um personagem, de fazer parte do lugar. Deve-se esse comentário sobre o artista a Hélio Nunes;3 ele diz que Nazareth, em suas viagens, parece mais como um nativo do que como um etnógrafo, fazendo referência a Hal Foster e observando que o artista se torna um etnógrafo no circuito da arte, ao transformar os espaços da arte em sítios antropológicos, e nós em objetos de sua projeção. Assim, Nazareth desbravou o universo não apenas daquele acervo mas também daquele prédio do IML, que, descobrimos depois, havia sido um terreiro de candomblé antes de ter sido ocupado pela polícia. Em uma das visitas de Nazareth ao Museu, o artista descobriu uma casa de Exu, rastro do terreiro de outrora, que havia sido mantida no terreno e recebia cultos. É curioso que Exu tenha entrado nesta história. Tido no senso comum, erroneamente, por muitos, como o correspondente sincrético do Diabo na cultura cristã, Exu é marginalizado em certo imaginário, assim como muitas figuras foram ali demonizadas na fabricação de biografias que o acervo do Museu Estácio de Lima fazia. Notório que Lampião talvez fosse a principal delas.
Fotografia 4 – Casinha de Exu* * Instituto Médico Legal Nina Rodrigues, Departamento de Polícia Técnica do Estado da Bahia, 2014. Foto: Alfredo Mascarenhas.3ª Bienal da Bahia.
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PATO, Ana; CASTRO, Laura. Como se faz um marginal?
Nazareth, então, sagaz, cria um enunciado que rearranja e atualiza o acervo daquele Museu. Diz ele: “empilhar sobre minha cabeça as cabeças do cangaço, empilhar sobre a minha cabeça as cabeças dos negros de África y Bahia”4. Feita a ação que propõe o enunciado acima, havia se (re)criado ali o marginal pelo gesto do artista. Entrevista com Paulo Nazareth5: das invenções – Você encontrou o alfaiate de Lampião? – Eu o encontrei e fiz a encomenda de uma roupa como a de Lampião; a gente fez as medidas todas. Ele se chama Expedito Celeiro; o pai dele que fazia isso e ele herdou essa profissão do pai. Ele mora em Nova Olinda, no Crato. Nesse dia que fui lá, eu estava ainda com a perna machucada, fiz a encomenda, mas nem paguei o serviço. Tinha que dar um sinal, mas ele falou que não precisava, porque eu era andarilho e andarilho não tinha como fazer isso. Ele falou que era para eu voltar depois de um ou dois meses e aí eu não voltei até então, já faz mais de ano. – É uma roupa de couro?
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– É, é uma roupa própria pra andar na caatinga, pra proteger dos espinhos, um gibão, as perneiras por cima da calça, as galochas, um chapéu, as capangas e a sandália, que é quadrada, para você não saber se ele foi pra frente ou pra trás. Eu ainda penso de ir lá pegar e com ela atravessar a caatinga. – E a missa para os cangaceiros? – A missa, eu ainda não fiz. – Eu tenho a lista com 71 nomes e o projeto. Vou ler pra você: “Encomendar missa às almas do cangaço, na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, as
almas dos negros de África e Bahia, as almas do cangaço: Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião; Macilon Benevides Leite; Antônio Inácio, vulgo Moreno; Ezequiel Ferreira da Silva, vulgo Beija-flor; Domingos dos Anjos, vulgo Serra do mar; Luis Pedro do Retiro, Hermínio Xavier, vulgo Chumbinho; José de Souza, vulgo Tenente; Laurindo Soares, vulgo Fiapo; João Mariano, vulgo Andorinha; Joaquim Mariano Antônio de Severia, vulgo Nevoeiro; Antônio Romeiro, Sabino Gomes, Isaias Vieira, vulgo Zabelê; Inácio de Medeiros, vulgo Jurema; Félix da Mata Redonda, vulgo Félix Caboji; Heleno Caetano da Silva, vulgo Moreno; João Donato, vulgo Gavião; Pedro Gomes, João Henrique, Antônio Rosa, Cornélio de Tal, vulgo Trovão; José Lopes da Silva, vulgo Mormaço; José Delfina, João Cesário, vulgo Coqueiro, Emiliano Novaes, Manoel Antônio de França, vulgo Recruta; Francisco Antônio da Silva, vulgo Cocada; José e André de Sá, conhecidos por Marinheiros; Genésio de Souza, vulgo Genésio Vaqueiro; Vicente Feliciano, vulgo Vicente Preto; José Benedito, Pedro de Quelé, José de Generosa, José de Angélica, Ricardo da Silva, vulgo Pontaria; Josias Vieira, vulgo Gato; José Antônio de Oliveira, vulgo Menino; José Luz, vulgo José de Souza ou José Procópio; Cipriano de Tal, vulgo Cipriano da Pedra; José Alexandre, vulgo José Preto; João Ângelo de Oliveira, vulgo Vereda; Firmino de Oliveira, Pedro Ramos de Oliveira, vulgo Carrapeta; Antônio dos Santos, vulgo Cobra Verde; Damião de Tal, vulgo Chá Preto, Virgíneo Fortunato, Manoel Vieira da Silva, vulgo Lasca Bomba; Antônio Juvenal, vulgo Mergulhão; José Pretinho, João Basílio, vulgo Joca Basílio; José Rangel, vulgo Papagaio; Anísio Marcolino, vulgo Gasolina; Sebastião Valério da Silva, vulgo Canção; Antônio Constância; Camilo Domingo, vulgo Pirulito; Laurindo Virgolino,
vulgo Mangueira; Miguel Gonçalves, Horácio Novaes, José Cipauba, José Cariri, vulgo Fortaleza; Francelino Jaqueira, João Canafitula, Urbano Pinto, Raimundo da Silva, vulgo Aragão; Jesuíno de Alves, vulgo Jesuíno; Pirão de Araújo, vulgo Virote; Rosemerelyn Silveirinha, vulgo a Segunda Cangaceira; Gilceclino da Rocha, Virgílio de Itanhassu, vulgo Bahia; José Alves de Matos, vulgo Vinte e Cinco. Vinte e Cinco foi o último cangaceiro a morrer, faleceu em Maceió, em 2014, aos 97 anos. – Como você chegou nessa lista de nomes? – Eu fui à Igreja do Rosário pra encomendar a missa e, conversando com um moço que trabalha lá, ele me deu essa lista de nomes de cangaceiros. – Que loucura essa história e como ele tinha essa lista? – Não sei (risos). Esse homem apareceu não sei de onde, nem porquê. Mas acho que foi naquele clima de tudo que estava acontecendo ali. (Nazareth refere-se ao contato com o Acervo do M.E.L. durante a Bienal da Bahia) Na verdade, eu nem sei por que eu estou com essa lista agora aqui comigo; eu não sabia que você ia me perguntar disso.
Fotografia 5 – Casinha de Exu Obra do artista Paulo Nazareth, Casinha de Exu, 2015. Parque Lage, Exposição Encruzilhada. Foto: ©Pedro Agilson.OcaLage.
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PATO, Ana; CASTRO, Laura. Como se faz um marginal?
– Vi que você fez uma Casa de Exu para a exposição “Encruzilhada no Parque Lage”, lembrei da casa de Exu no IML. – Antes de começar minhas viagens à África,6 um pai de santo me disse que eu devia fazer um “ebó”. No Rio, foi o meu “ebó” para essa viagem. Eu já andei por doze países africanos, mas tenho ainda que passar por todos os 54 países do continente para concluir esse projeto. Uma biografia de vulgos
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Pós: Belo Horizonte, v. 6, n. 11, p. 10-21, maio 2016.
Volto ao texto e examino a biografia. Já se passaram alguns dias que estou trancafiado aqui, no museu do crime, e agora, particularmente, além do calor tropical, me incomoda a primeira pessoa no singular. Falo em nome deles; ninguém fala meu nome. Eu, o autor, quem vos escreve essa biografia de vulgos. Mas que importa quem fala, disse alguém, que importa quem fala? 7 No centro do holofote narrativo figura o cangaceiro mais famoso do país. Veste agora um novo remix de narrativas e se diz ressuscitado. Ora veja, ressuscitado por outra voz, pelo gesto de outrem. Quem foi que disse, eu ou Lampião? Quantas vezes morre um nome? Quantas histórias se pode contar em nome dele? Levo a mão à fronte e paro longamente, cheio de dúvidas. Estou ali, condenado a ser parcial. Por isso me agarro à possibilidade da invenção. Ou seria melhor pensar que não há possibilidade neste caso e só posso contar com a ficção? Que nada me resta além de assumi-la? Aflito, abro mais uma vez a ata com os nomes dos marginais. Um livro antigo, perdido na documentação, com números de identificação, nomes completos e seus respectivos vulgos. Uma grande lista carcerária, um inventário de marginais sem rostos. Me afeiçoo aos vulgos, aos apelidos, aos nomes de guerra, que
atiçam em minha imaginação uma biografia inventada. Cavalo de aço, Jacaré, Telefone, Pontaria, Café com Língua, Saravá, Barriga Furada, Culhão de Boi. Nomes – como as cabeças – embalsamados no papel, congelados no tempo. Apalpo demoradamente sua capa esfacelada, gasta, como se quisesse completar aqueles rasgos. Leio, repetidas vezes, a longa lista de nomes aos quais ninguém tem absolutamente nenhum interesse. Se fosse um nome de artista, vá lá, mas são nomes que não importam. É apenas uma lista de nomes de prisioneiros, de marginais e seus respectivos apelidos. Algo para ser jogado em um arquivo e não se lembrar nunca mais. Nomes que não fazem sombra, nomes que não atormentam ninguém. Como mortos sem sepultura, nomes sem história, empilhados nas linhas de um caderno pautado. Mas por que a minha pulsão é justamente essa de eu mesmo completar essas histórias? Seria minha a missão de lhes atribuir uma ficção? Mas com que direito? Por que não me contento em ler esses nomes: “João Coragem, Índio, Tico, Cosminho, Negão, Cavalo de Aço, Sidney Magal, Tarzan, Jesus, Popó”, sem lhes rabiscar uma biografia, sem lhes meter um valor? Será que é assim que tento atenuar o abismo que nos separa? Com imagens roubadas? O artista me aparece como uma espécie de miragem na meia luz do museu do crime. Ri do meu gesto biográfico desesperado e suado. Com aquela roupa rearticulada do tempo do sertão, do cangaço ri da minha aflição em nomear o invisível. Pois é ele quem parte daquilo que existe, e não o contrário, como eu. É ele que se atravessa de vida para criar, ou sou só eu que chafurdo na morte e no crime para contar histórias? O artista percorre com o dedo a lista de vulgos. São tantos Santos, tantos Silvas, mas escolhe
alguns para ler em voz alta. Ele começa: “Nego Sonso, Negão, Paulista Rebelde, Baiano, Vicente Preto, Caboclinho, Índio, Moreno, Marinheiro, José Pretinho, Azulão”. “Presos são quase todos pretos ou quase pretos ou quase brancos quase pretos de tão pobres.” 8 Outra voz ecoa e some a aparição. – Como se faz um marginal, doutor?, acende e apaga, rápido feito um tiro, o grão da voz de Lampião.
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REFERÊNCIAS
Catálogo 3ª Bienal da Bahia: Jornal dos 100 dias. Edição Única, Salvador, 29 de maio a 7 de setembro, 2014. Disponível em: <https://issuu.com/ bienaldabahia>. Acesso em: 10 Out. 2015. FOUCAULT, Michel. O que é um autor? Lisboa: Passagens, 1992.
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NUNES, Hélio Alvarenga. Sem essa de Outro, Paulo Nazareth é nós. Ibid. NAZARETH, Paulo. Da série Panfletos para a Bahia, off-set/papel jornal, maio 2014. Realizada em 09.10.2015, por Ana Pato. Paulo Nazareth realiza uma série de viagens em seus trabalhos, cruzou o América em Notícias de América (viagem a pé da América do Sul à América do Norte, entre 2011-2012) e agora tem percorrido a África,(Cadernos de África). FOUCAULT, Michel. O que é um autor? Lisboa: Passagens, 1992. VELOSO, Caetano, “Haiti”. In: Tropicália 2. Philips: 1993.
HOUAISS, A. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2004. MELENDI, Maria Angélica. Aqui é arte: Paulo Nazareth. In: NAZARETH, Paulo. Paulo Nazareth: arte contemporânea/LTDA. Rio de Janeiro: Cobogó, 2012. NUNES, Hélio Alvarenga. Sem essa de Outro, Paulo Nazareth é nós. Paulo Nazareth: arte contemporânea/LTDA. Rio de Janeiro: Cobogó, 2012.
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MARGINAL. In: HOUAISS, A. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2004. p. 1852. MELENDI, Maria Angélica. Aqui é arte: Paulo Nazareth. In: NAZARETH, Paulo. Paulo Nazareth: arte contemporânea/LTDA. Rio de Janeiro: Cobogó, 2012.
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PATO, Ana; CASTRO, Laura. Como se faz um marginal?
NOTAS
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Caderno de imagens
Antropocenter
Javier Peñafiel
Artista Visual. Espanha. javierpnfl@gmail.com
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Ensaio de imagens recebido em: 10/12/2015. Aprovado para publicação em: 06/04/2016.
The mouth has split itself laughing; the fact is that the mouth is broken. Laughter in artistic activities is a game to be taken very seriously. And we can classify it into stylistic categories: the intelligent joke, the cynical comment and an armature that we might call the nervous paraphernalia of the ‘cultural’ position. The proliferating, multiple, and repeated ironies of the visual artists have the form of a remade mouth, always verbal, ill-fated. They cannot be happy like animals, they are deliberately anthropocentric. Something that is not funny. Within the community of art institutions and their subordinates, the laugh —compassionate or criminal: decide for yourself — orders the images according to criteria of classification and exclusion; the exercise of taste, the whim of the market or museological pedagogy, according to the degree of ideological illusion that is practiced and the formalist ethics exercised.
Surprising and impossible as this may seems, it is not so within the authoritarian nominal discourse that is now hegemonic. It is the persistence of what has not found a solution. The illusionistic need to return to the exercise of criticism as biographical illusion and ideological hypnosis. In the artistic activities related to autobiography, one’s own and others’ spectacles are commented on as fatalistic jokes and stories peopled with ghosts, one’s own and others’. An autobiographical function would be something very different from a biography. It might be the attempt to make visible the perimeter of the excess of life – that liberating moment in which you can change my name to yours.
As units of the mediocracy of consumption, we are the ‘one more’ of the homologous, therefore incompatible to an emancipatory community. A narcissist – always impossible to complete – that aestheticizes disaster. The damage makes itself visible as an object of desire-importance, but not as a pain. It is thus easy to identify this time of the visual as that in which meta-narcissisms are made visible.
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Artistic activity defines itself an affair capable of the real designed to escape both the hypnotic content of the ideological subject and the spectral impulse reserved for the private.
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Carlos Nader Carlos Nader ao longo de sua trajetória desenvolveu diversas obras que tangenciam as fronteiras entre documentário e ficção, ativando passagens muito complexas tanto pela carga poética das imagens, quanto pela relação com os personagens. Sobre essa relação com os personagens, Nader costuma caracteriza-la citando o poeta Derek Walcott: “I myself am a nation”. “Os (filmes) que fiz sobre Waly, Nilson, Leonilson. O que eles documentam não é uma pessoa. É um encontro. O meu encontro com essa pessoa. (…) todos os filmes retratam o compartilhamento de uma experiência. Esses filmes não são sobre alguém. São com alguém”.
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“O beijoqueiro – portrait of a serial kisser” (1992) O serial kisser, que beijou mais de 100 mil pessoas, entre elas Frank Sinatra, João Paulo II e Pelé, é visto como herdeiro inconsciente da tradição antropofágica brasileira. Na impossibilidade de comer as pessoas que admira, ele as beija.
A complexidade das obras – no tensionamento entre ficção e documentário – levaram Nader para as fronteiras com a biografia, como em “Pan Cinema Permanente” (2008). No filme Nader nos mostra o poeta tropicalista Waly Salomão (1943 – 2006) em toda sua múltipla performance. Documentoencenação e verdadeiro-falso se misturam para permitir que daí emerja Waly em sua brilhante presença e também a invisível força do fora de campo e da montagem, com Nader.
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A questão do eu e do outro ganhou ainda mais complexidade em “Homem comum” (2009). Nilson, personagem de “O fim da viagem” (1996), anos depois quando sua esposa falece, reencontra Nader. Os encontros em quase vinte anos abrem espaço para as reflexões de Nader sobre os sentidos e mistérios da vida. Essas questões tornam-se mais nítidas no filme ao mesclar a história de Nilson e sua família com fragmentos do filme “A palavra” (1955, Carl Theodor Dreyer). Em suas duas versões “Homem comum” aciona mais uma camada de sentido ao confrontar as formas de encenação na ficção e no documentário. Em uma das versões vemos a reencenação, em outro tom, das cenas do filme de Dreyer. Todo esse tensionamento, inclusive pelas duas versões, serve a uma potente narrativa lacunar, altamente poética, que nos coloca a pensar sobre a própria vida.
A pacata vida de Nilson, aparentemente sem maiores mistérios ou atrativos torna-se o ponto de partida para aproximar tempos, revelar passagens entre vida e morte pelas imagens e narrativas. O filme de Dreyer, em seus fragmentos ou na reencenação, ativa as potências da imagem como forma de restituir a vida. A primeira e a segunda mostram “O fim da viagem” (1996) e a segunda, a imagem do filme restituída em “Homem comum”, quase vinte anos depois.
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FESTIVAL INTERNACIONAL DO NOVO CINEMA LATINO-AMERICANO DE HAVANA PRÊMIO CORAL ESPECIAL DO JÚRI
FESTIVAL MIX BRASIL DE CULTURA DA DIVERSIDADE MELHOR DOCUMENTÁRIO BRASILEIRO DE LONGA-METRAGEM
FESTIVAL É TUDO VERDADE MELHOR DOCUMENTÁRIO BRASILEIRO DE LONGA-METRAGEM
PRÊMIO DE ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CRÍTICOS DE CINEMA (ABRACCINE) MELHOR DOCUMENTÁRIO BRASILEIRO DE LONGA-METRAGEM DO FESTIVAL É TUDO VERDADE
A PA I X Ã O D E J L Direção e roteiro: Carlos Nader | Montagem: Carlos Nader, Yuri Amaral | Fotografia: Fernando Laszlo, Marcos Villas Boas, Renata Ursaia | Editor de som: Daniel Zimmerman | Produção executiva: Kátia Nascimento e Flávio Botelho imagem: O Louco (1992) | aquarela e tinta preta sobre papel | 31,8 x 24 cm | foto: Edouard Fraipont
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Produção
Apoio
Realização
Nader empreendeu novo gesto documental e mais uma vez dialogando com a biografia. Desta vez trabalha sobre mais um amigo, o artista pernambucano, radicado em São Paulo, José Leonilson. Vítima da AIDS, Leonilson faleceu no início da década de 1990. O filme de Nader parte das gravações de áudio do artista em fitas cassetes, como uma espécie de diário. Associando as delicadas e potentes obras de Leonilson, embaladas por sua própria voz, com imagens da época – tanto de acontecimentos políticos quanto da produção artística e cultural do período – “A paixão de JL” (2015) é um afetivo e singular retrato daquele período misturando as dimensões pessoais e subjetivas com outras coletivas.