TFG | Balneário de Águas da Prata: Memória

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O BALNEÁRIO DE ÁGUAS DA PRATA ARQUITETURA - CIDADE - MEMÓRIA

JúliaTampellini Biá Pimenta - São Paulo, 2019. Trabalho Final de Graduação (TFG) Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Orientação: Profª Drª Beatriz Mugayar Khül. Orientação metodológica: Profª Drª Klara Anna Maria Kaiser Mori.


SOBRE ESTE CADERNO Este caderno corresponde a um dos três volumes que analisam o Balneário de Águas da Prata (ou Balneário Teotônio Vilela), em três períodos distintos: as décadas de 1970, 2000 e 2010. Nele serão definidas as diretrizes que consideram a memória local e as apropriações do edifício ao longo do tempo para embasar a proposta final de restauração do complexo.

Leia os volumes na ordem desejada.


UMA POLÍTICA DE PRESERVAÇÃO PAUTADA EM NECESSIDADES REAIS

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Desde o momento do seu lançamento, o Balneário Teotônio Vilela sempre foi muito caro à população de Águas da Prata, seja pela sua imponência na paisagem do centro urbano, seja pelos reflexos ocasionados pela sua presença nesse local. De 1998 - momento que marca o abandono do edifício por parte do poder público - ao presente, os usos que esse edifício abrigou foram muito diversos. Por essa razão, é imprescindível que a intervenção no Balneário preserve a sua memória ao mesmo tempo que dê significado social ao espaço, considerando, por exemplo, os usos dados ao edifício e sua ressignificação no contexto pós 1998. Segundo a reflexão desenvolvida por Flavio Carsalade em sua produção “A pedra e o tempo”, “restaurar não é apenas renovar ou

O BALNEÁRIO DE ÁGUAS DA PRATA

MEMÓRIA


pensamento de Gadamer para elucidar aspectos do patrimônio que dependem “da interpretação que dele fazemos e sobre a qual pesa a distância do tempo e a força da tradição”(3). A partir dessa reflexão, duas ideias principais se impõem: não temos como separar a obra do contexto em que surgiu, mas também não podemos identificá-la unicamente com o passado, pois ela também tem um significado no presente. É nesse sentido que surge um dilema relacionado à conservação de edifícios históricos e bens patrimoniais - como intervir na obra, Ao tomar como método a fenomenologia preservando seu valor estético e histórico, existencial, principalmente no trabalho de mas dando a ela um sentido presente? Martin Heidegger, Carsalade investiga o modo como o homem habita o espaço. Es- As ideias exploradas por Carsalade ganham colhendo o referido caminho metodológico, considerável peso quando se trata de Águas defende que a estrutura do lugar mostra a da Prata, uma cidade com uma política de relação do homem com o mundo pela forma preservação frágil e pouco regulamentada. projetada e matéria utilizada. Esse fato fica evidente a partir da análise de processos de tombamento pertinentes Isso permite falar de uma arquitetura exis- aos bens patrimoniais locais(3), nos quais tencial proposta “como a ordem posta verifica-se a recorrência de procedimentos pelo homem no mundo de acontecimen- como a alteração dos raios de tombamento tos e ações, ordem esta derivada das rela- dos bens ou mesmo o destombamento, no ções vitais significativas que ele cria com caso do Balneário, por parte da gestão púo ambiente que o rodeia”(2). Assim, o autor blica municipal. enfrenta a questão filosófica da presença humana no mundo e a sua relação com o Essas alterações na legislação de proteção representado na produção arquitetônica, patrimonial de Águas da Prata podem ser como o patrimônio. explicadas pela pressão econômica exercida pelo mercado imobiliário privado, que anseia No terceiro capítulo do livro, denominado por maior liberdade de ação para intervir nos “A base hermenêutica”, Carsalade utiliza o bens em questão, e pela ausência de instânrefazer, reconstituir ou reconstruir, reproduzir ou fingir, mas reinserir o bem cultural edificado no contexto real da existência humana, restituindo-lhe efetiva função e significado(1)”, ou seja, é fundamental que, no desenvolvimento dos projetos de restauro, os projetistas considerem as relações estabelecidas pelos usuários com o objeto edificado. Trata-se, portanto, de compreender também os aspectos afetivos e de identidade que se relacionam com o edifício a ser submetido à intervenção.

Foto do cabeçalho: Fernando Restiffe, 2014. (1) CARSALADE, 2014. p. 13. (2) CARSALADE, 2014, p. 17. (2) CARSALADE, 2014, p. 123.

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cias de discussão acerca da necessidade da as edições do FESTimagem (Festival Inregulamentação do patrimônio local. ternacional da Imagem), idealizadas com o objetivo de estimular a produção cultural Portanto, no contexto em que está inserido e a artística local. Essas edições reuniram o Balneário são plurais as visões do que é ao todo mais de duzentos artistas, empepatrimônio, do que se deve recuperar ou do nhados na missão de democratizar o acesso que é necessário preservar. Em um momen- à cultura e às artes, a partir do resgate do to no qual a arquitetura se encontra cada importante espaço do Balneário Teotônio vez mais afastada da dimensão pública, é Vilela, palco desses eventos. possível diagnosticar uma dificuldade real por parte dos técnicos de alcançar a popu- O edifício também serviu como academia lação e de estabelecer diálogos efetivos com de ginástica, como espaço frequente para a os gestores responsáveis por implementar as prática do skate e de jogos de airsoft, além de políticas de preservação. cenário para a gravação de vídeos musicais e curtas-metragens, realização de ensaios e Ao longo do desenvolvimento deste traba- apresentações de peças de teatro, exibições lho, procurou-se romper algumas barreiras de sessões de cinema aberto e outras internormalmente estabelecidas na relação pro- venções artísticas, exemplificativamente um jetistas-usuários-gestores. Foram entre- “Concerto Didático”, realizado pela Orquesvistados muitos personagens que possuem tra Stravaganzza, de São João da Boa Vista, uma relação com a cidade e com o próprio cidade vizinha. edifício do Balneário, com o principal objetivo de obter insumos para propor um Além dessas ações, aconteceram também no projeto pautado nas necessidades coletivas edifício manifestações políticas, promovidas existentes atualmente. pela população interessada em reativar o complexo. Organizados no Movimento BalDesse modo, espera-se que a proposta de neário Vivo, esses cidadãos ocuparam o edirestauro ganhe um caráter coerente, agre- fício com atividades diversas, dentre as quais gador, democrático e colaborativo, servindo uma visita guiada ao prédio, a organização de como um instrumento real de sensibilização um mutirão de limpeza e a realização de reue mobilização da população pratense. niões de articulação. Sabe-se que, após o abandono do com- Foram muitas as camadas que se sobrepuplexo, aconteceram iniciativas diversas de seram aos diversos momentos pelos quais a ocupação e intervenção no local, tais como obra passou no tempo, evidenciando que o


abandono do Balneário não reduziu a sua não se dá só pela arquitetura, dentro da academia. Portanto, se todos habitam a cidade importância enquanto espaço público. e os seus espaços construídos, todos têm o Desde 2006, quando o projeto de reforma direito legítimo de discutir sobre eles. foi desenvolvido pelo escritório João Walter Toscano Arquitetos Associados e parcial- No processo de escuta e registro dos demente executado, foram apresentadas pro- poimentos de artistas, skatistas, fotógrafos, posições para o Balneário. Algumas, como esportistas, atores, musicistas e outros, aproa que envolveria a criação da Associação de funda-se a relação com o objeto de intervenAmigos do Balneário (ABA)(3), incluiam a ção. Assim, é inevitável que o projetista passe perspectiva de bem público ou comum. Atu- a considerar os múltiplos olhares no processo almente, as alternativas sugeridas pela Prefei- de idealização de sua proposta. tura Municipal apontam para a privatização do edifício, transformando-o em hotel ou Em função disso, as decisões pertinenresort, o que desprezaria o caráter público da tes à definição do programa e sobre o que arquitetura idealizada por Toscano e o anseio construir, demolir ou recuperar ganham, na percepção da autora deste projeto, um de parte expressiva da população pratense. novo grau de maturidade e, sobretudo, uma Procurou-se neste trabalho, como afirmado legitimidade conferida pelos arquitetos do anteriormente, investigar parte das perspec- cotidiano: os usuários do edifício. tivas sobre a memória do edifício. Durante a realização de entrevistas, com as bases do Considerando as ideias expostas até aqui, projeto em mãos, os usuários do Balneário este caderno apresenta informações a respeipuderam desenhar e fazer observações a to da dimensão da memória e das apropriapartir de suas próprias experiências no local. ções do Balneário. Contém, ainda, fotograIndicaram em seus desenhos quais as áreas fias, trechos de entrevistas, ensaios gráficos e mais utilizadas do Balneário e com maior desenhos realizados pela autora a partir das virtude e potencial para a realização de suas percepções dos usuários sobre o espaço. atividades específicas. Retomando Carsalade, atibuir um valor atual Considera-se de fundamental importância ao patrimônio significa integrá-lo à cultura, neste trabalho o esforço da criação de fer- definida como “visão de mundo que estabeleramentas que garantam um diálogo efetivo ce padrões públicos e que determina o destino sobre a arquitetura também entre os não das nações, uma consciência de grupo, uma arquitetos, pois sabe-se que a arquitetura forma de tratar de identidades coletivas”(4).

(3) (4)

Associação dos Amigos do Balneário, 2011. CARSALADE, 2014, p. 157.

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Foto: Andréia Del Rosal Rocha, 2001

Foto: Acervo João Walter e Odiléa Setti Toscano 08

1970

1974

1980

1990 PERÍODO DE ATIVIDADE

Show “Chamado das Águas” e em protesto contra a empresa Abengoa Bioenergia, no anfiteatro

Campeonato de skate no vão livre do Balneário

2001

[...]

2006 Projeto de Reforma de J. W. Toscano

[...]

2011 Proposta da Associação de Amigos do Balneário (ABA) para reativação do complexo

[...]


Foto: Fernando Restiffe, 2014

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1998

2000

2006

ARTICULAÇÕES COM VISTAS À REFORMA

Realização do I FESTimagem e apresentação de Orquestra Sinfônica, no vão livre

2013

2014

Usos espontâneos dos skatistas nos espaços do Balneário

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PERÍODO DE ABANDONO DO COMPLEXO

Realização do III FESTimagem, realização do Concerto Didático e oficina audiovisual, no anfiteatro

2015 Realização do II FESTimagem

2019

2010

2016

Realização do IV FESTimagem e gravação do curta “Tinta Seca”

2017 A Prefeitura firma parceria com os praticantes de airsoft

2018

2019 Projeto de TFG de J. T. B. Pimenta


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USOS E APROPRIAÇÕES | 1998 - 2019

PAVIMENTO 1 ESPORTE / ARTE E CULTURA

1. Treinos de airsoft 2. Utilização do espaço como academia 3. Aulas de judô 4. Ensaios de teatro

PAVIMENTO 0 ESPORTE / ARTE E CULTURA / EVENTOS

5. Práticas e campeonatos de skate 6. Exposições e intervenções artísticas 7. Marquise utilizada para apresentações musicais e abrigo para eventos 8. Espaço utilizado para gravação de vídeo musical e curta metragem

PAVIMENTO -1 ARTE E CULTURA / EVENTOS / INSTITUCIONAL

9. Salas utilizadas como depósitos de materiais da Prefeitura 10. Sala do Conselho Tutelar 11. Realização de feiras de artesanato e recitais 12. Shows, exibição de filmes, apresentações de teatro, workshops e formaturas

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Banhistas usufruem das piscinas do complexo. Foto: Antigo cartão postal da cidade

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Função e significado efetivos


Criança brincando na piscina do Balneário, quando ainda em funcionamento nos anos 80. Foto: Elaine G. Dos S. Silva, 1981(*)

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Instalação “Horizonte suspenso”, de Heloisa Mello, na edição de 2015 do Festival Internacional da Imagem. Foto: Organização FESTimagem(**)

Usuários do edifício em mirante do Balneário nos anos 80. Foto: Carvalho Campoy , 2016(*)

(*) (**)

Fotos hospedadas do grupo do Facebook “Águas da Prata, memórias...” Foto hospedada nas redes sociais oficiais do FESTimagem


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Skatista utilizando os espaรงos do Balneรกrio para a prรกtica do esporte. Foto: Renato Riani, 2019


Artistas em montagem de exposição durante o I FESTimagem. Foto: Alicia Peres, 2014

Concerto Didático para alunos de escola pública, no auditório. Foto: Vereda Cultural, 2016

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Apresentação da Orquestra Jazz Sinfônica Stravaganzza, de São João da Boa Vista, no vão livre do edifício. Foto: Leonardo Palhares Aversa, 2014 Gravação do curta metragem “Tinta Seca”, na marquise do edifício. Foto: Bruna Ribeiro, 2018


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O BALNEÁRIO PARA O PATRIMÔNIO

Nós mudamos muito com o tempo e assim também muda a visão do que é o patrimônio. O que é restaurar? O que é preservar? O que devemos fazer com o patrimônio?”. Paula Maria, docente da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atuou como arquiteta da Prefeitura Municipal de São João da Boa Vista e, desde 2006, contribui com o Conselho de Patrimônio Histórico da cidade. Durante a entrevista com Paula, o tema mais discutido foi a fragilidade e os desafios da preservação do patrimônio arquitetônico e paisagístico do centro urbano de Águas da Prata, que abrange o bosque municipal, a Praça Basílio Ceschin, o Balneário, a antiga estação ferroviária e hotéis de importância histórica. Essa frágil política de preservação é evidenciada, por exemplo, pelas alterações nos parâmetros de tombamento do Hotel São Paulo, edifício representativo dos tempos áureos da cidade. O Conselho de Patrimônio da Prata,

desmontado no início da atual gestão municipal, havia definido como raio de tombamento do Hotel a distância de 300 metros. O atual prefeito reduziu esse raio para 30 metros, desprotegendo uma série de outros bens patrimoniais, antes cobertos pelo raio inicial. Essa medida beneficiou um mercado interessado na reforma dos bens públicos deste entorno e acabou resultando, por exemplo, na demolição da histórica fachada de pedra de outro edifício nas proximidades do Hotel São Paulo, o grande Hotel Prata. Para Paula, é urgente a realização de um trabalho para a conscientização da população local sobre esse patrimônio e a sua importância, inclusive dos pontos de vista turístico e econômico. Nesse quadro, é claro, insere-se o Balneário Teotônio Vilela e a necessidade de reativar as suas dependências, ressignificando os seus usos para um estado atual que faça sentido para toda a comunidade.

Texto e ensaio gráfico desenvolvidos a partir de entrevista com

PAULA MARIA MAGALHÃES TEIXEIRA Arquiteta e professora universitária São João da Boa Vista

O que é restaurar? O que é preservar? O que devemos fazer com o patrimônio?

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Imagem dos quiosques comerciais existentes no Bosque Municipal de Águas da Prata. Foto: Acervo Raphaela Pereira

Imagem da Estação Ferroviária, edifício histórico tombado pelo CONDEPHAAT em 2018. Foto: Ana Lúcia Tampellini

Hotel São Paulo ainda em funcionamento. Foto: Reginaldo Lima

Estado atual de conservação da fachada do Hotel São Paulo. Foto: Acervo da autora

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Varanda original do Grande Hotel Prata, construída em pedra para integrar-se à Gruta de Nossa Senhora de Vista de Águas da Prata com Grande Hotel Prata, em 1960. Lourdes, em 1960. Foto: Acervo Antonio Carlos R. Lorette Foto: Acervo Antonio Carlos R. Lorette

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Alpendre da fachada histórica do Grande Hotel Prata, Nova fachada do Grande Hotel Prata em construção. em processo de demolição. Foto: Acervo da autora Foto: Angela Bonfante



O BALNEÁRIO PARA AS ARTES

A minha percepção em relação ao Balneário é que, enquanto não tivermos uma gestão pública com um projeto, engajada, precisaremos trabalhar dessa maneira, a partir da motivação da própria população”. Desde 2014, Angela Bonfante gere o espaço Boca do Leão, equipamento social comunitário que possui a missão de oportunizar o desenvolvimento humano por meio da arte, instalado no bairro Fonte Platina, em Águas da Prata. Devido à sua trajetória pessoal e profissional, Angela se constituiu como uma figura representativa dentro dos movimentos artísticos, culturais e patrimoniais da cidade de Águas da Prata. Durante a entrevista, explanou sobre a importância do Balneário Teotônio Vilela, em seus anos de atividade, e defendeu a preservação da memória local como estratégia para alavancar a autoestima social da população. “É necessário estimular a população para que ela seja cidadã. Essa sociedade não segura essas

políticas destrutivas que estão sendo implementadas porque, de certa maneira, não tem autoestima”, afirmou. Para Angela, o Balneário possui uma forte vocação como espaço para a congregação de iniciativas artístico-culturais. As antigas salas destinadas aos banhos individuais poderiam ser, no seu entendimento, espaços de intervenção e produção artística. “Em algum momento eu fiz um levantamento de todos os artistas atuantes em Águas da Prata e região. Imagino que cada um deles poderia ser responsável pela intervenção em uma dessas pequenas salas e esse espaço se tornaria um museu vivo, no qual a memória tem papel fundamental”, disse. No seu imaginário, a equipe do espaço Boca do Leão poderia colaborar na curadoria de toda essa produção, de modo a torná-la acessível a toda a comunidade.

Texto e ensaio gráfico desenvolvidos a partir de entrevista com

ANGELA BONFANTE Artista plástica e diretora do Boca do Leão Águas da Prata/São João da Boa Vista

Precisaremos trabalhar dessa maneira, a partir da motivação da própria população.

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ESPAÇO BOCA DO LEÃO

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O equipamento Boca do Leão disponibiliza em seu espaço atividades diversas e projetos nas dimensões formativa, lúdico-cultural, lazer e sustentabilidade. Foto: Geraldo D.


Exposição “Diversos”, do coletivo Confraria da Cola, Instalação “Espelho meu” no Balneário abandonado de exposta nos espaços principais do Balneário em 2015. Águas da Prata. Foto: Página oficial do FESTimagem no Facebook Foto: Carlos Alexandre Dadoorian

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“Ambrósia”, de Julia Braga, exposição nas paredes do piso intermediário do Balneário Tetotônio Vilela. Foto: Página oficial do FESTimagem no Facebook

“Nascimento”, de Bi Castro, na rampa principal de acesso, área externa do edifício. Foto: Página oficial do FESTimagem no Facebook



O BALNEÁRIO PARA O TEATRO, DANÇA, CINEMA E FOTOGRAFIA

Em um determinado momento, nenhuma das alternativas para o Balneário incluia a perspectiva de bem público ou comum. É muito necessário começar um trabalho de conscientização sobre memória e patrimônio em Águas da Prata. Precisamos reunir pessoas interessadas em pesquisar a história da cidade”. Mariana Mayor é uma atriz que reside entre São Paulo e Águas da Prata há alguns anos. Esteve fortemente envolvida no Movimento Balneário Vivo, o qual propôs uma série de reuniões, objetivando realizar um trabalho de conscientização, visando reativar o importante edifício. Também é uma das administradoras do grupo do Facebook “Memória viva Águas da Prata”, dedicado a ampliar o debate sobre a história e o patrimônio da cidade.

Além de atuar como professora do Teatro Comunitário da Boca do Leão, Mariana já se apresentou nos espaços do Balneário Teotônio Vilela. Nesse sentido, a atriz pôde apontar os locais mais interessantes para a atividade teatral, com possibilidade de seu compartilhamento com atividades de dança, cinema e fotografia. Mariana lembrou que o anfiteatro existente no edifício não possui uma infraestrutura básica para o ensaio e a apresentação de peças teatrais, pois faltam, por exemplo, elementos de iluminação, coxias, camarins e depósito. Ainda, pontuou a importância da previsão de pontos de elétrica e hidráulica, para possibilitar a instalação de recursos audiovisuais, sanitários e bebedouros adjacentes ao local.

Texto e ensaio gráfico desenvolvidos a partir de entrevista com

MARIANA MAYOR Atriz e professora de teatro São Paulo/Águas da Prata

É necessário começar um trabalho de conscientização sobre memória e patrimônio.

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TEATRO

DANÇA

Apresentação do monólogo “Emil Cioran: palestra sobre nada”, de Euler Santi, durante o I Festival Internacional da Imagem, realizado no ano de 2014(1).

Registro do espetáculo de dança “Fotografia de sentimentos, apresentado pela Cia. Teatral Artes Insanes, no auditório do Balneário Teotônio Vilela, em 2014(1).

Foto: Festival Internacional da Imagem, 2014.

Foto: Festival Internacional da Imagem, 2014.


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CINEMA

FOTOGRAFIA

“Curta Prata”, concurso cultural de videos autorais realizado em Águas da Prata. Coordenado por Carolina Araújo e Márcio de Lima, tem como proposta inserir os jovens da cidade no mundo dos vídeos autorais. Em 2016, o projeto ofereceu uma oficina gratuita de audiovisual no auditório do Balneário.

Demonstração do processo criativo da artista Tina Gomes, incluindo a produção, a captação e o tratamento de fotografias, durante o III Festival Internacional da Imagem, realizado em 2016(2).

Foto: Página oficial do Curta Prata no Facebook

Foto: Portal G1, 2016.



O BALNEÁRIO PARA O SKATE

Quando começamos a andar de skate, havia um preconceito muito grande com os skatistas. A gente andava na rua. A gente praticava um esporte e precisava de uma pista. Queríamos um chão liso e uma escada para pular... e o Balneário estava ali.”

Balneário e, desde então, o local passou a ser frequentemente utilizado como alternativa para os skatistas.

Os entrevistados foram convidados a propor o planejamento de um espaço para a prática do skate nas estruturas do Balneário e conDesde a adolescência, Alexandre, Hélio, Már- cluíram que o grande hall, local de acontecicio e Rodrigo praticam skate em Águas da mento do campeonato já mencionado, tem Prata. A partir de 2000, a prática era realizada a vocação e as características ideais para tal. na pista de skate existente na praça de esportes, complexo público que incluía, além dessa Dessa maneira, propuseram que a escadaria, os estrutura, um bar (denominado “Bar do Cam- bancos em concreto e o amplo espaço de cirpo”), uma piscina e um campo de futebol. culação fossem complementados por um conjunto de pistas de madeira, composto por uma Em 2001, a Prefeitura Municipal decidiu parte móvel e uma fixa. Além disso, apontaram interditar essa pista e a comunidade de ska- a possibilidade de implementação de um bank, tistas buscou novos espaços para a prática estrutura própria para o skate normalmente redo esporte. No mesmo ano, organizaram alizada pela adaptação de uma piscina rasa, a um campeonato de skate sob a marquise do qual já existe no projeto original do Balneário. Texto e ensaio gráfico desenvolvidos a partir de entrevista com

ALEXANDRE JUNQUEIRA HÉLIO OLIVEIRA MÁRCIO VINÍCIUS G. GIMENEZ RODRIGO HOFFMANN Skatistas Águas da Prata

Queríamos um chão liso e uma escada para pular, e o Balneário estava ali.

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PONTO DE ENCONTRO

CAMPEONATO EM 2001

O Balneário ficou conhecido pela comunidade do skate e sobretudo pela população mais jovem da cidade como um ponto de encontro de referência na cidade.

Em 2001, aconteceu um campeonato de skate no espaço da marquise do edifício. Os organizadores do evento previram a montagem de uma pista de madeira para viabilizar a realização da competição.

Foto: Alexandre Junqueira

Foto: Andréia Del Rosal Rocha


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DOMUS OU PISTA?

GRANDE MARQUISE

Ao utilizar a cobertura do edifício e os domus como suportes e obstáculos para a prática do skate, o skatista Renato Riani demonstrou a diversidade de possibilidades espaciais existentes no edifício que poderiam comportar esse tipo de uso.

Indubitavelmente, o espaço mais utilizado pelos skatistas é o pavimento intermediário, que abriga um grande hall com pé direito duplo e uma escadaria.

Foto: Renato Riani

Foto: Acervo da autora



O BALNEÁRIO PARA O AIRSOFT

Os treinos no Balneário ajudaram muito a fortalecer a prática esportiva do airsoft. As pessoas, de alguma maneira, enxergaram que ele não existe só para diversão. Ao contrário, fortalece muitos valores importantes, principalmente a honestidade.”

Os esportistas tinham particular interesse pelo espaço devido às suas características arquitetônicas internas: simetria do edifício (garantia de igualdade de campo para as duas equipes envolvidas na competição), espaços compartimentados (viabilização de esconderijos) e bom espaço de circulação (estabeleNelson Gomes gerencia o Black Warriors cimento de rotas de fuga durante o combate, Kamikases, time dedicado ao airsoft, prática essenciais à competição). esportiva que simula combates de guerra, em Águas da Prata e região. Em 2017, a Prefei- Nelson enfatizou a diferença central entre o tura firmou uma parceria com os praticantes airsoft, um esporte que usa esferas de PVC de airsoft. Nessa parceria, a Prefeitura con- como munição, e o paintball, uma atividade cedia o direito de utilização do piso superior recreativa que usa esferas de tinta como muaos praticantes e esses assumiam o compro- nição. Assim, ao contrário do paintball, o airmisso de manter o espaço limpo e protegido soft não causa danos às estruturas do edifício. da ação de vândalos. Texto e ensaio gráfico desenvolvidos a partir de entrevista com

NELSON GOMES PEREIRA Praticante de airsoft Águas da Prata

Os treinos no Balneário ajudaram muito a fortalecer a prática esportiva do airsoft.

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MUTIRÃO DE LIMPEZA Em meados de 2017, a Prefeitura Municipal de Águas da Prata firmou uma parceria com praticantes de airsoft e a parte superior do prédio foi usada para o esporte. Em troca, os esportistas mantiveram o local limpo e a sua presença evitou a entrada de vândalos(*).

Fotos hospedadas no Facebook oficial do Black Warriors Kamikases, time esportivo dedicado à prática do airsoft em Águas da Prata e região.

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TRABALHO COLABORATIVO A limpeza do pavimento durou cerca de quatro semanas, segundo o depoimento de um dos jogadores. Foi um demonstrativo da possibilidade de diálogo com o poder público, no sentido da permissão de uso do edifício a um grupo organizado e interessado na preservação do patrimônio para o desenvolvimento de uma atividade específica.


FESTIMAGEM, CATALISADOR DE UM BALNEÁRIO ARTÍSTICO-CULTURAL

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Fico muito feliz que você tenha escolhido pública, nem por parte de uma organização externa a ela. Ele caiu no desuso, porque o Balneário para fazer esse trabalho. acabou ficando esquecido. Junto desse proEu nasci em São João da Boa Vista, mas jeto, eu e a minha equipe angariamos mais construí minha casa entre 1991 e 1996 em de mil assinaturas. Ou seja, esse projeto foi Águas da Prata e decidi morar lá desde então. apresentado com um abaixo assinado, com a Sou formado em administração de empresas “autorização” de muitas pessoas, pratenses ou e comércio exterior e pós-graduado em artes são joaneses que ocupavam, conheciam ou visuais e multimeios. Sempre fui industrial e usavam o Balneário no passado. mudei completamente depois que fiz a pós, que é hoje o escopo do meu novo trabalho: Depois que eu voltei para a universidade, fiz sou artista, curador, trabalho com gerencia- pós-graduação e construí um instituto cultumento cultural e também sou coordenador ral na minha casa, uma ONG montada junto geral do FESTimagem, esse festival que é com um grupo grande de pessoas. Chama-se GLOC, Instituto Global de Cultura. Desde realizado em Águas da Prata. 2013 existe a ONG, que é focada em atividaEu conheci e frequentei o Balneário em fun- des culturais e artísticas, com destaque para cionamento, mas já com sinais de decadência fotografia e cinema. das instalações, pois ele está parado há mais de 20 anos. Depois, Águas da Prata foi uma Desde então, eu tive várias experiências como cidade muito presente na minha infância, artista. Fiz muitas exposições no Brasil e fora juventude e fase adulta. Para além do uso e fui convidado para uma residência artística que eu fiz do espaço, portanto, o Balneário em Portugal, na qual eu produzi uma série sempre foi uma paisagem muito presente na que foi exposta em quatro cidades portugueminha memória. Assim como foi na memó- sas, no norte de Portugal. Consistia em um ria de muita gente que frequentou Águas da projeto de ocupação de espaços públicos, que Prata nos últimos 30, 40 anos, já que o edifí- me inspirou e influenciou muito. Foi logo depois da experiência dessa residência que cio foi feito na década de 70. quis chamar a atenção do público para esse Então, antes de pensar na ocupação do importante prédio do Balneário, que tem inBalneário com atividades artísticas e cultu- clusive uma menção sobre a sua importância rais, fui convidado por um grupo grande de arquitetônica no Centro Georges Pompidou, pessoas, quando eu era industrial, para de- em Paris. senvolver um projeto de uso desse edifício. Isso foi feito em uma audiência pública, que A criação do Festival Internacional da Imaaconteceu aproximadamente há 7 anos atrás. gem (FESTimagem) foi sobretudo uma posEsse projeto, apesar de ter sido aprovado por sibilidade de formação cultural e artística da unanimidade na ocasião, nunca teve um an- comunidade pratense e das pessoas que ali damento, nem por parte da administração passavam, inclusive os turistas.


No primeiro FESTimagem, nós tivemos essa ideia de ocupar espaços públicos de praças, ruas, o bosque e, obviamente o espaço do Balneário, que era exatamente para chamar a atenção sobre o descaso e o desuso de um prédio com tamanha expressão e importância arquitetônica. E, não só isso, como o símbolo das atividades de Águas da Prata, que é basicamente a água, o turismo de saúde, que também poderia ser do entretenimento, da cultura e das artes. Foi então que nós criamos o Festival que, em várias edições, teve muita gente participando. Durante das edições, nós consideramos os artistas da fotografia, do cinema, da música, do teatro... Tivemos várias atividades e shows nos quais nós ocupamos o Balneário. Não só o anfiteatro, mas áreas que nós achávamos importantes. Tivemos mais de 200 artistas em todo o período, inclusive uma orquestra sinfônica que foi levada para debaixo da marquise do Balneário. Nós ocupamos as colunas, as marquises, a piscina grande, a piscina pequena, os banheiros vazios. Nós ocupamos tudo

com arte. A ideia era que tudo que ficasse lá fosse iluminado pela Prefeitura, que cuidaria do espaço como se fosse um museu. Assim as pessoas poderiam visitar as exposições ao longo do ano, até que acontecesse o Festival seguinte. Isso aconteceu no primeiro ano de uma maneira não tão responsável pela Prefeitura, no sentido de manter um funcionário, deixar tudo iluminado, tudo limpo... [De qualquer modo] aconteceram várias e importantes exposições, inclusive com artistas de renome internacional, que vieram da Trienal de Hamburgo direto para ocupar a piscina, que foi a sua última ocupação. Vieram curadores importantes, como Eder Chiodetto, do Museu de Arte Moderna de São Paulo e outros tantos... Tivemos muitas atividades.” Transcrição do depoimento de

GIL SIBIN Fotógrafo, artista visual, diretor do Instituto GLOC e idealizador do FESTimagem Águas da Prata/São João da Boa Vista

Nós ocupamos tudo com arte. As colunas, as marquises, as piscinas, os banheiros vazios...

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Eu recebi um convite muito especial na do a entrar nessa piscina, o que para mim é primeira edição do FESTimagem, festival muito importante. O corpo não passa inerte. novo que fala de documentário. A piscina em Águas da Prata é o objeto que O Gil Sibin, que é o coordenador, diretor a cidade me deu. desse festival, me apresentou os espaços disponíveis para ocupação em Águas da Prata, Eu quero voltar nessa exposição (...) para entender como a comunidade vai agir sobre cidade paulista. essas peças que ficaram lá. A comunidade vai Quando eu cheguei, fui apresentada a um agir de alguma forma. A chuva, as intempébalneário abandonado, fechado há 18 anos. ries... A peça vai ser influenciada. Eu me deparei com uma piscina e, no momento que eu vi essa piscina, entendi que era Mas eu não mapeio muito como é que elas ficam. Elas ficam. E da mesma forma, elas lá que tinha que ser exposto o trabalho. se vão. De certa forma, essa piscina que eu escolhi Trecho de depoimento, registrado em vídeo no ano de para intervir representa uma escavação ar2014 para o Espaço Humus, de queológica. Em primeiro lugar, ela é uma intervenção urbana em um lugar absolutaALICIA PERES mente especial da cidade. Fotógrafa e professora da Panamericana E, também, esse espectador que vai visitar a Escola de Arte e Design exposição tem seu corpo acionado e convidaSão Paulo


Eu me deparei com uma piscina e (...) entendi que era lรก que tinha que ser exposto o trabalho. 041


Na primeira edição do FESTimagem, em maio de 2014, o premiado artista André Penteado expôs, num projeto expográfico inédito, a obra “O suicídio do meu pai”. Foto: Fernando Restiffe

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“Migração”, de Claudia Tavares, artista do Rio de Janeiro, no I FESTimagem, em 2014. Montagem por Roberto Pitella e Janilson, do coletivo Confraria da Cola. Foto: Instituto Global de Cultura (GLOC)

Montagem da instalação performática “Fui ver se estava lá na esquina”, de Roberto Pitella. Foto: Marina Valle


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Em 2015, o FESTimagem recebeu Virgilio Ferreira, artista vindo da Quadrienal de Hamburgo, Alemanha. Foto: Adriana Vichi


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Foto: Claudio Ferro, 2014.


DIRETRIZES DE INTERVENÇÃO

MEMÓRIA

I. II.

Propor uma nova utilização para o Balneário, que dialogue diretamente com a memória local e com as apropriações do complexo na situação de pós-abandono, ressignificando o seu uso; Estabelecer um modo de trabalho colaborativo e coletivo dos cidadãos, com vistas à reativação do edifício.

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REFERÊNCIAS Foram analisadas diversas fontes, dentre elas originais dos projetos de arquitetura, elétrica e hidráulica, periódicos, documentações, fotografias, artigos e livros, possibilitando a realização deste trabalho. Gratidão especial às instituições da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (Arquigrafia, Biblioteca e Seção de Materiais Iconográficos) e à Prefeitura Municipal de Águas da Prata por concederem as autorizações necessárias, viabilizando a consulta a materiais pertinentes ao edifício do Balnéario.

Associação dos Amigos do Balneário. Projeto: Revitalização do Balneário Teotônio Vilela de Águas da Prata. Águas da Prata, 2011. CARSALADE, Flavio L. A pedra e o tempo: arquitetura como patrimônio cultural. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2014 Festival Internacional da Imagem. Apresentação III FESTimagem. Águas da Prata, 2016. 046

Festival Internacional da Imagem. Convocatória III FESTimagem. Águas da Prata, 2016. Festival Internacional da Imagem. Relatório de atividades I FESTimagem: fotografia, cinema e vídeo. Águas da Prata, 2014. Município de Águas da Prata. Decreto nº 2601. Águas da Prata, 2016. Espaço Humus. Perfil: Alicia Peres. Direção: Ana Luiza Gomes, Anita Giansante, Cecília Garcia. Produção: Ana Luiza Gomes, Cecília Garcia. 2014. Disponível em: <https://vimeo.com/118996623>. Acesso em setembro de 2018. Portal G1. Fechado há 20 anos, balneário de Águas da Prata, SP, será usado para prática de airsoft. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/fechado-ha-20-anos-balneario-de-aguas-da-prata-sp-sera-usado-para-pratica-de-airsoft.ghtml>. Acesso em junho de 2019. Portal G1. 3º FESTimagem leva cultura a Águas da Prata; veja a programação. 2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/ noticia/2016/10/3-festimagem-leva-cultura-aguas-da-prata-e-sao-joao-da-boa-vista-sp.html>. Acesso em junho de 2019. Prefeitura da Estância Hidromineral de Águas da Prata. Guia das águas: suas análises, aplicações e indicações terapêuticas. Águas da Prata, 1992. TEIXEIRA, Paula M. Magalhães. Inventário Arquitetônico São Paulo Hotel. Prefeitura Municipal de Águas da Prata. Águas da Prata, 2016.



O BALNEÁRIO DE ÁGUAS DA PRATA

MEMÓRIA


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