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FICHA TÉCNICA
Revista Colaborativa
Em Transição Piracicaba | Ano 0 | Edição nº 3
Editora:
Luciana Jacob Projeto gráfico:
Thiago D’Angelo Concepção:
Ricardo Zylbergeld Colaboradores desta edição:
Rafael Jó Girão Ricardo Zylbergeld Thiago D’Angelo Carlos Canedo Denise Bergamo da Rosa Sabrina Mac Fadden Luis Poleto Moradores do Pq. 1o de Maio Fotógrafo convidado:
Daniel Damasceno
Plataforma: www.piracicabaemtransicao.com.br Twitter: @piracicabaemtransição Facebook: facebook.com/PiracicabaEmTransicao e-mail: dialogue@piracicabaemtransicao.com.br
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SUMÁRIO
Editorial
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Oficina de Memória no Parque Primeiro de Maio
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Árvore: ar-condicionado + umidificador
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Nossa sociedade é nosso Carma
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A arte como ocupação
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Da Sul pra Sul
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Movimentos populares
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Entrevista: Antonio Martins
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Cerveja Artesanal
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Esta revista eletrônica é resultado de um esforço colaborativo de entidades, comunidades e indivíduos, engajados em criar canais diretos de comunicação, com intuito principal de tecer uma rede de fomento às mudanças locais. Portanto... Leia, comente, participe. Todos os textos desta edição podem ser encontrados no site www. PiracicabaEmTransicao.com.b/revista Nesta plataforma social, você poderá deixar seus comentários e conhecer a opinião de outros leitores. Se você deseja enviar textos e sugestões, ou colaborar com a revista, envie uma mensagem para dialogue@piracicabaemtransicao.com.br Baixe, divulgue e compartilhe. Sinta-se à vontade para fazer o download desta revista. Divulgue para seus conhecidos e nas suas redes sociais, compartilhe este arquivo livremente*. Imprima, afixe, empreste. Este documento foi estruturado para facilitar a sua impressão. Imprima uma cópia para ler, emprestar ou afixar no mural de sua comunidade. Se sua comunidade não tem condições de imprimir este material, entre em contato conosco. *Este trabalho está registrado com a licença de Creative Commons - Atribuição - NãoComercial - Sem Derivados. A reprodução deste material é permitida para uso NÃO comercial, perante a citação de seus autores e sem alterações em seu conteúdo.
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EDITORIAL
Em mudança
por Luciana Jacob
Não sei bem se ao fazer mídia livre passamos a olhar para os movimentos contra-hegemônicos com mais demora e atenção, ou se nos últimos tempos Piracicaba tem mesmo algo novo no ar. O fato é que iniciativas vêm (in)surgindo e ganhando força em nossa cidade, desenhadas por mãos hábeis, criativas e inovadoras demais pra se contentar em repetir as velhas fórmulas. Isso parece evidente nas artes, na mídia, nas posturas perante o consumo, na contestação política, na organização das comunidades, no movimento ambientalista. E, principalmente, no entendimento de que estes são múltiplos e interconectados aspectos de uma transição anunciada. Algumas ações têm oxigenado o cenário piracicabano, trazendo no vento possibilidades de transformação social. Mudanças gestadas nas bases, que têm como matéria prima a participação social, a indignação, a poesia ou a resistência. A Revista Em Transição encerra seu volume de três edições, trazendo algumas destas histórias – contadas por seus protagonistas - e refletindo sobre alguns destes temas.
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A equipe da Revista desenvolveu, no dia 02 de setembro de 2012, uma oficina de memória no Parque 1o de Maio, com o objetivo de resgatar coletivamente sua história. A narrativa coletiva, ressignificada a partir da atividade, se transformou em um artigo escrito por seus moradores e abre esta edição. A edição traz duas reportagens que abordam aspectos da questão ambiental. O artigo de Rafael Jó Girão sobre a arborização urbana em Piracicaba possui duplo papel: mostra a importância da árvore para o cotidiano da cidade e convida os cidadãos e cidadãs a participar de uma rede de denúncia contra seu corte ilegal. A reflexão acerca da complexa teia que se estabelece a partir das nossas ações sobre o ambiente é incentivada por Ricardo Zylbergeld; carma, reação em cadeia e re-localização são alguns assuntos que ele costura em seu artigo de opinião. A perspectiva sociocultural da ocupação do espaço público pela arte urbana é abordada por Thiago D’Angelo, que conduz nosso olhar para estas intervenções em Piracicaba. A expressão de resistência e valorização da identidade cultural das periferias através da realização de saraus é o foco
de mais uma reportagem. Denise Bergamo da Rosa e Carlos Canedo contam a história do Sarau LiteraRua (Campo Limpo-SP) e da parceria com o Serviço de Utilidade Pública (SUP) e a Casa do Hip Hop de Piracicaba, que culminará na realização do Sarau CulturuPira em nossa cidade. O que move as pessoas em direção à mudança? A partir deste questionamento, Sabrina MacFadden debate a importância histórica dos movimentos populares para a conquista da participação social e localiza o Reaja Piracicaba como um movimento em busca de transparência e controle social no âmbito municipal. Buscando aprofundar a reflexão sobre mídia, entrevistei para essa edição Antonio Martins, editor do site Outras Palavras (www.outraspalavras.net). Conversamos sobre o papel da mídia livre e compartilhada na construção de uma sociedade pós-capitalista, sobre a reinvenção do jornalismo para a transformação social e outras palavras mais. Quase como uma celebração, Luis Poleto nos conta um pouco sobre sua história e relação com a produção de cerveja artesanal, descrevendo os passos do processo cervejeiro e a arte de se fa-
zer cerveja em panelas. O grande objetivo da Revista Em Transição foi possibilitar que pessoas e grupos contassem suas histórias. Por um lado, para fortalecer a identidade destas pessoas e grupos; por outro, para ousar ser um espaço de resistência à mídia convencional, onde outros grupos e pessoas possam buscar inspiração para suas ações de transformação social. A Revista, em seus seis meses de existência, buscou genuinamente cumprir este papel. Esperamos que os frutos deste processo multipliquem-se e gerem outras iniciativas, de modo a existirem para além deste tempo. A equipe está em busca de novo formato que seja desenhado a muitas mãos, plural, dinâmico e participativo. Gostaríamos que o leitor encarasse isso como um desafio:
Vamos refletir sobre mídia compartilhada e contra-hegemônica em nosso município?
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COMUNIDADE
Oficina de Memória do Parque Primeiro de Maio por Luciana Jacob
A narrativa de um grupo social sobre sua própria história - construída coletivamente - é um percurso extremamente rico. Um grupo reunido em torno do resgate de sua memória ressignifica sua trajetória: os indivíduos, ao tornarem-se ao mesmo tempo narradores e ouvintes de suas lembranças, histórias e subjetividades, transcendem sua individualidade e criam uma identidade coletiva. Ao mesmo tempo em que olham juntos para o passado, têm condição de projetarem juntos seus sonhos e, assim, potencializar sua realização. Foi com essa perspectiva que a equipe da Revista Em Transição conduziu uma oficina de memória no Parque 1o de Maio no dia 02 de setembro de 2012. Um dos objetivos da Revista é possibilitar que as pessoas e grupos contem suas histórias. Por um lado, para fortalecer a identidade destas pessoas e grupos; por outro, para ousar ser um espaço de resistência à mídia convencional, onde outros grupos e pessoas possam buscar inspiração para suas ações de transformação social. A oficina no 1º de Maio aconteceu em uma agradável manhã de domingo, numa área verde do bairro, e contou com a participação de aproximadamente 30 6
moradores de diversas idades. A atuação do Serviço de Utilidade Pública, parceiro da Revista, foi importante não somente por registrar em vídeo e fotografia a atividade, mas por fortalecer o movimento de construção de formas inovadoras de comunicação (link para o vídeo). Contamos também com o apoio do Ponto de Cultura Educomunicamos!, que disponibilizou os materiais usados na oficina. Utilizamos diversas ferramentas para delinear a história do bairro, como a localização das casas dos participantes em um grande mapa interativo, a construção da linha do tempo e a confecção de um mapa mental sobre os aprendizados, as dificuldades e os desafios dos moradores que vivenciaram essa história. Os olhares dos “filhos e filhas do 1º de Maio” sobre sua história se transformaram neste belo conto, também escrito a várias mãos. Naquela manhã, o 1º de Maio não apenas contou sua história, mas sim vivenciou mais um de seus capítulos. A beleza das palavras ditas e sentidas durante a oficina certamente estão agora impressas na memória de todos nós que tivemos a oportunidade de compartilhar daquele precioso momento.
Moradores do Bairro Parque Primeiro de Maio
Alguns disseram que leram no jornal, outros que ouviram alguém falar nas fábricas existentes na época, mas todos fecharam nessa data: lá pelos idos de 1980, viram e ouviram que estavam “abertas as inscrições do INOCOOP BANDEIRANTES para aquisição de casa própria”. Pelo jeito todos moravam de aluguel, porque correram atrás para se inscrever! Alguns passaram no crivo da seleção, outros não, cujo critério era nada menos que “renda”. Junta de um, junto de outro. Conseguimos! Todos são chamados para comparecer no Ginásio Municipal de Esportes Waldemar Blatekauskas, e aí já estávamos em 1981. As casas estavam construídas, mas teria que se sortear entre os presentes, cada um colocar o dedo e dizer “Quero esta daqui”, porque estava escrito Lote Tal, nº Tal; e assim foi até o último sorteado. Enfim, era a nossa Terra Prometida ou casa prometida, expressão que Tavinho usou para descrever esse momento da entrega das chaves em 1982. As casas pareciam com as casas americanas, eram todas abertas. Só tínhamos luz dentro da casa e asfalto na rua. Ao redor do bairro era só canavial e arrozal. O Centro Comunitário foi construído junto com a entrega das moradias. Foi nesse mesmo ano que se constituiu a primeira diretoria da Associação, exigência da Cooperativa, bem como a eleição da escolha do nome do bairro, cuja denominação e inauguração se efetivaram no dia 1º de Maio. Era lá que todos compareciam para discutir sobre a luz, ônibus e asfalto. O Centro Comunitário funcionou desde esse ano com várias funções: ora para reuniões, ora como escola durante a semana, e onde, aos finais de semana, se realizava a missa dominical. Não nos esquecemos do primeiro estabelecimento comercial do bairro, o Bar do Abílio, uma mistura de bar e mercearia onde durante a semana as donas de casa iam comprar algo que faltava e nos fins de semana servia de lazer, com bate-papo, sorteio de frangos, leitoas etc. Ah, alguém lembrou que comprávamos leite e pão de uma Kombi que passava entregando bem cedinho e que não podíamos perdê-la. Outra pérola lembrada foi que, em frente ao Bar do Abílio, depois de muitas discussões com a Agência do Correio, foi colocada uma caixa com as nossas correspondências. O bairro não existia para eles, não tínhamos carteiro como hoje, tampouco constávamos do mapa da cidade, e nos primeiros meses pagamos nossas contas todas com multas. Ônibus não tinha. Caminhava-se até perto do Jardim Elite na altura da Baronesa Dona Rita para pegar o Circular Moraes Barros e chegar ao Centro da Cidade, ou pegávamos carona com aqueles que possuíam carro, que eram poucos. Nesse ano começou a aumentar a composição familiar, lembramos até que o primeiro bebê que iniciou essa composição foi a Tatiane Scudeler, hoje profissional da Fisioterapia. Só em 1983 que se fez a luz! Após um ano de espera, a Associação dos Moradores comprou “bicos de luz” e fez doação para a CPFL. Era essa a exigência, pois só tínhamos luz dentro das casas. Com a luz, vieram também as linhas telefônicas, o que facilitou a comunicação com amigos e parentes do centro da cidade. Porém, nem tudo é perfeito. A natureza dá com uma mão e tira com a outra. Um marco bem lembrado foi o dia 13 de maio de 1983, quando tivemos um vendaval com chuvas; não sabíamos de onde vinha tanta água! Casas destelhadas, alagadas e ruas intransitáveis. Ficamos ilhados. Acionamos o seguro das casas e a situação foi restabelecida. As lutas continuaram. 7
Uma lembrança bem vinda foi a do asfalto; seu Chico soube precisar a data: em 1984 a Associação dos Moradores foi falar com o Prefeito Municipal de então, que aqui compareceu, viu a situação do bairro e logo na semana seguinte o acesso ao bairro estava asfaltado. Junto com o asfalto vieram os ônibus. O acesso às informações foi um passo. Surgiram em finais de 1984 e início de 1985 o mercadinho da Dona Cema e a Padaria Flor de Maio do Sr. Oscar (ele já fornecia nosso pão com a Kombi). Mas a “beleza” também foi uma das preocupações do bairro. Descobrimos talentos como o Ignácio Salum e a Neuza Sampaio, os primeiros cabeleireiros do bairro, e a Carmo no trato das unhas das mãos e dos pés. Nessa ocasião surgiu o primeiro time de futebol e pensam que era futebol masculino? Qual nada, era um time feminino que dava show de bola no campinho de terra que havia entre os finais das ruas Salvador Ramos Correia e Antônio Ferraz de Arruda. O bairro sempre foi festeiro. Nas festas juninas, se dispunham mesas no meio das ruas para que cada um colocasse um prato feito pelo próprio morador: bolo, quentão, pipoca para todos. Os moradores de uma rua visitavam os moradores de outra. Havia nessa época a malhação do Judas, com o pau de sebo onde lá em cima era colocado o Judas, cheio de guloseimas para a criançada. Como tudo é motivo de comemoração, fizemos um baile em comemoração aos cinco anos de existência do bairro, com a Banda Opus; o Glenn Miller e o Souza tocaram para todos os moradores, com a presença de autoridades da cidade. Essa foi uma das boas lembranças do ano de 1987, o aniversário de cinco anos do bairro. Contudo, pairava sobre o país todo o fantasma da inflação alta e os moradores não ficaram alheios a isso. Como as prestações das casas subiram 219% e esse foi um fato marcante na vida de todos, não era possível sobreviver com a prestação de uma moradia onde 70% do salário era destinado a pagamento de parcela. Fizemos um boicote, com a proposta de passar esses anos do boicote para o final do financiamento e os reajustes pelo aumento salarial. No final da década de 80 foi construída a Ponte do Ipanema e com isso surgiram bairros vizinhos. A cidade começou a crescer do lado de cá. Junto com isso, também cresceram as lutas por mais escola, transporte e saúde. Foi também nesse final de década que se fizeram eventos para arrecadar fundos para construção da Capela de São José e para a construção da primeira quadra de esporte do bairro. No início da década de 1990, começou o Loteamento do Bairro Astúrias através da abertura da Avenida Santa Catarina e com isso vieram mais moradores. Nessa ocasião a ACIPI – Associação Comercial e Industrial de Piracicaba instituiu na cidade um concurso “Luzes da Cidade”, tendo o Ignácio Sallum coordenando essa ação no bairro. Ganhamos o prêmio de casa mais iluminada da rua; Ignácio, o vencedor, recebeu uma TV de maior polegada na época.
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Foi em 1994 que teve início o torneio de Futebol Masculino entre os moradores e entre as ruas. No 1º de Maio as mulheres jogaram futebol bem antes que os homens e, por isso, no dia 1º de Maio há sempre um campeonato de futebol. Com o passar dos anos, nessa década, tornou-se realidade a Capela de São José Operário (lá pelos idos de 1995-1996). Na década de 2000 foi a vez das parcerias com a Caixa Econômica Federal. Aqueles que estavam com a casa “em dia” tiveram as dívidas perdoadas. Recebemos a escritura das casas antes do término do financiamento, lembrou o Sr. Cobra. A partir de 2002, devido à crescente construção de moradias e com elas as famílias que aqui chegavam para ocupar os Astúrias I, II e III , Serra Verde e Oriente, foram construídas a nova Escola Municipal Mário Chorilli e a sede da Base da Polícia Militar, iniciativas de doações dos moradores juntamente com a Associação dos Moradores. Em 2005, com a Secretaria da Agricultura do Município, o Varejão se instalou no bairro. Já em 2006, com a Secretaria de Ação Cultural, o primeiro Centro Cultural de Piracicaba foi inaugurado e levou o nome de Nhô Serra, cantador de cururu, onde há até hoje oficinas de artesanato, dança, teatro e música. Aos trinta anos de bairro nos voltamos ao meio ambiente; iniciou-se um movimento para a preservação do meio ambiente através da preservação das suas áreas verdes, com plantio de árvores frutíferas e cultivo de jardins no final de cada rua existente. Lembramos que uma oficina realizada na Associação dos Moradores resultou em um mural, cujo trabalho foi registrado pelo Observatório da Diversidade Cultural e pela Secretaria da Ação Cultural, e encaminhado à Revista Eletrônica da ONU. Assim se deu a descoberta de talentos existentes no bairro. O que mais tem são muralistas como o Chiquinho, Jô, Duzinho, Felipe e artesões, músicos e “arteiros”. Os moradores criaram o Comitê do Meio Ambiente, estudando as crescentes enchentes com o fim de propor ações para minimizá-las, assim como a ocupação de condomínios em margens do Ribeirão Piracicamirim. Realizamos a I Caminhada em Preservação ao Ribeirão Piracicamirim e participamos do Desfile da Independência, sempre com o objetivo tornar visível a luta pela preservação da natureza. Então, no aniversário de 30 anos de bairro (1982-2012) vimos outro bebê nascer, o Enzo (filho da Kelly e do Flávio), primeiro bebê a inaugurar essa nova década. Além desse fato, houve manifestações de artes, música, dança, teatro, abraço ciclístico, jantar dançante, exposição de fotos do bairro. Isso reuniu todos e foi tudo muito simples, como é para ser quando se tem um sonho que se fortaleceu no viver, no trabalho, na humildade e espiritualidade. Queremos colocar nossa história nos muros e paredes existentes, vamos pintar os muros? Vem com a gente, te convidamos a fazer o mesmo! Vem contar a sua história! 9
Fotografia de Daniel Damasceno
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MEIO-AMBIENTE
Árvore: ar-condicionado + umidificador por Rafael Jó Girão
Em Piracicaba, na época quente e seca do ano, podemos ver muitas residências e comércios utilizando ar condicionado e umidificadores. Um dos motivos desta intensificação do uso destes aparelhos tem sido a constante diminuição da quantidade de árvores adultas e com copas largas. Um estudo do Laboratório de Silvicultura Urbana da USP/ESALQ demonstrou que a área urbana do município possuía 12% de seu solo recoberto por copas de árvores em 2005, sendo que esta cobertura caiu para 9%, em 2009. E então você deve estar se perguntando... mas, o que as árvores urbanas têm a ver com a temperatura e a umidade do ar de Piracicaba? Já percebeu como é refrescante ficar embaixo ou próximo de uma árvore ou de um pequeno bosque? Esta sensação é gerada pela capacidade de suas folhas bloquearem radiação solar, proporcionando uma bela sombra sobre a rua, calçada e nossa casa ou comércio. Além disso, assim como nós, as árvores transpiram e liberam umidade para o ar. Em alguns casos, uma única árvore adulta com copa larga pode liberar cerca de 380 litros de água por dia, resultando num resfriamento equivalente ao de 5 aparelhos de ar condicionado médios (2500 Kcal/h) em funcionamento durante 20 horas por dia.
Vale lembrar também que, além de liberar umidade, as árvores funcionam como um tipo de armadilha potencial para os poluentes atmosféricos, ao filtrar e reter os particulados do ar em suas folhas, ramos e troncos. Alguns estudos demonstram que uma rua com muitas árvores pode ter até 80% menos partículas de pó e poluentes em suspensão que uma rua similar sem árvores. Entendeu agora? E que belo ar condicionado e umidificador natural, hein! Com árvores por perto, você não precisa comprar estes aparelhos e nem gastar mais com a conta de energia! Agora que você sabe de todos estes desafios, gostaríamos de lançar um desafio para você! Vamos deixar Piracicaba cada vez com mais árvores? Para isso, precisamos muito da sua ajuda para plantarmos e cuidarmos bem das nossas árvores. Com o objetivo de cuidar das nossas árvores, a ONG Florespi criou o Blog Árvores Piracicaba e o seu Disquedenúncia “Salve uma árvore”. Então, em caso de maus-tratos, podas e cortes de árvores não autorizados, faça sua denúncia e ajude a salvar uma árvore! Em seguida, a equipe da ONG Florespi irá averiguar e buscar as melhores alternativas de resolução. E sua denúncia será publicada de forma anônima em nosso blog: ar vorespiracic aba.wordpress.com
SALVE UMA ÁRVORE! Para oficializar a sua denúncia, precisamos somente de duas informações: 1. ENDEREçO 2. FOTOS (Sim! Podem ser tiradas pelo seu celular).
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2532-3093
facebook.com/arvorespiracicaba arvorespiracicaba@gmail.com florespi@florespi.org.br
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ATITUDE
Nossa sociedade é nosso Carma por Ricardo Zylbergeld
O conceito de Carma, fundamental para muitas religiões e filosofias orientais, já foi adotado pelo ocidente e está presente em nosso dia-a-dia. Não tenho a pretensão de analisar, neste texto, o ponto de vista religioso do conceito de Carma, porém gostaria de propor uma abordagem pragmática desta ideia que parece ser muito útil para nossa sociedade. Muitos de nós utilizamos a interpretação, emprestada da física, de “Ação e Reação” ou “Causa e Efeito”, para explicar este conceito, da seguinte forma: “Para toda ação existe uma reação de força equivalente em sentido contrário”. Para muita gente, entretanto, Carma é algo ou alguém que temos que suportar por termos feito algo de ruim, no passado. “Esse é meu Carma”, muitos dizem… Eu gosto muito da interpretação que diz que “Carma é uma semente que plantamos e que vai nos render frutos (positivos ou negativos), no futuro”. A palavra Carma tem origem na língua sânscrita e significa “AÇÃO“. Partindo do princípio de que as palavras ancestrais sempre carregavam um significado mais amplo e sistêmico (holístico), podemos intuir que ela inclua tanto o ato de agir, como todo o desdobramento desta ação e, inclusive, a rede de eventos que a possibilitaram ou nos conduziram a ela. Enxergando por este prisma, podemos entender que cada atitude que tomamos produz uma reação em cadeia, criando ou fortalecendo relações entre diversos elementos do sistema. Por exemplo, quando consumimos determinado produto, fortalecemos as relações que possibilitaram que este produto chegasse às nossas mãos. Dentro destas relações, podemos citar a forma como os recursos foram extraídos da natureza, o modelo de trabalho ao qual 12
são submetidas as pessoas que produzem este bem, a forma que este produto foi trazido até nós, as possibilidades de reaproveitamento dos recursos utilizados em sua fabricação, entre muitas outras relações socioambientais que fazem parte desta rede. O conceito de Carma não se restringe às nossas ações de consumo. Quando damos aquele dinheirinho para que o guarda nos libere de uma blitz na estrada (o chamado “cafezinho”) ou quando queremos “agilizar” um processo normalmente lento, também estimulamos a construção de estruturas, nesta rede, que perpetuam este comportamento. Este conceito vale, igualmente, para ações positivas. Quando optamos por consumir produtos agrícolas orgânicos, familiares e locais, incentivamos este tipo de produção, geramos renda no campo evitando o êxodo rural, desestimulamos a existência dos atravessadores, ficamos menos doentes e, assim, seguimos por uma explosão de eventos positivos iniciados por nossa ação. Portanto, analisando este cenário de forma mais ampla, compreendemos que o sistema como um todo se configura como um reflexo de nossas ações (Carma). Nossa sociedade, portanto, é resultado do carma produzido por todos nós. Podemos, então, dizer que nossa sociedade é “nosso Carma”. Somos responsáveis por ela e, portanto, podemos remodelá-la a partir da constante produção de Carma positivo. Mas, como vimos anteriormente, para produzir Carma positivo não basta ter uma ação positiva. Temos que nos preocupar com os eventos que a seguirão. Muitas vezes optamos por uma atitude que consideramos benéfica, mas ela acaba produzindo conexões indesejadas, por não conseguirmos enxergar o processo claramente, seja pela sutileza destas conexões, seja pela distância que
estamos de onde elas acontecem. Nestes casos o “positivo” se torna “negativo” durante o processo. Mas como posso me responsabilizar por algo tão complexo? Optando pelos processos mais simples. Na minha cidade, tenho a opção de comprar alimentos orgânicos em uma grande rede de supermercados ou em uma rede de produtores e consumidores locais. Sem me armar de pré-julgamentos, eu diria que a maior diferença entre estas duas opções é a complexidade inerente aos seus processos. A cadeia de eventos gerada pela opção local é muito mais palpável, enquanto o longo processo da grande rede de supermercados é quase intangível (produção, comercialização, transporte, distribuição, atendimento etc). Analisando desta forma, prefiro escolher os produtos orgânicos da rede local, pois me permite acompanhar todas as fases do processo. Portanto, manter a cadeia de eventos de suas ações dentro de um raio possível de “enxergar” é uma forma viável de nos responsabilizarmos pelo Carma produzido. Na verdade, este é só um dos aspectos positivos da chamada re-localização de ações, pois estes processos mais simples e localizados criam relações muito mais íntimas entre as pessoas, e entre as pessoas e a natureza. São relações ricas em experiências, que são a matéria prima fundamental na construção de estruturas ainda mais positivas.
Você já parou para pensar no Carma que está produzindo?
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ARTE URBANA
A arte como ocupação por Thiago D’Angelo
Nas pinturas rupestres, nos grafitos do Império Romano ou na mais alta das pixações de um edifício, fica impregnado um betume insolúvel de memória de seres que ali inscrevem e ilustram, e quase fazem existir. Em registros com cor, forma e movimento, brilham dentro de um mapa estes rompimentos da paisagem, pincelados com novos significados sociais para o espaço público. Nessas rugas de concreto pode-se ler o texto da vida destes seres construtores de pedras e linguagens, capazes de arquitetar formas de controle e poder. Eis que alguns artistas resolvem brincar com a grade deste layout coercitivo e introduzem novos elementos: por alguns momentos, para o artista, a rua não mais existe e transforma-se em um trânsito de imagens e reações - um novo texto. A arte urbana traz consigo um agente de ocupação do espaço público de cunho sócio-cultural riquíssimo. São exposições de arte ao relento dispensando convites, trajes ou hora marcada e que são
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vivenciadas de maneira totalmente diferente de outros ambientes cuja entrada é privativa. As intervenções influenciam nossas percepções e, é claro, nossos relacionamentos com outros indivíduos. Se por todas as manhãs o urbanismo proclama seus anseios de controle social previamente arquitetados, a arte de rua utiliza os mesmos suportes para enviar sua resposta a este discurso. É comum perceber que anúncios e placas muito bem alinhados contribuem para a padronização de opções, ou ainda, para a manutenção da coerção enquadrada no modelo social atual, o que fatalmente faz que nos sintamos hóspedes dentro de nossa própria comunidade. Frente a este desconforto, a arte urbana traz o artista para uma posição manifestante de co-autor do espaço e da paisagem. O espaço urbano, esse sistema enrugado de vias carregadas de transeuntes, motocicletas e carros, é onde eclodem as manifestações mais exaltadoras da
cultura local e da democracia. Em especial, artistas de rua são privilegiados pela abrangência de público ao expor seus trabalhos, justamente por fazer saltar abruptamente aos nossos olhos aquilo que subverte certos acordos e normas sociais através da criatividade. Longe de linhas e colunas pré-estabelecidas lá estão eles inscrevendo estórias proibidas em tinta spray, esculpindo guardiões para sua comunidade, adicionando placas para seus ciclistas, fixando seu rosto para afirmar sua existência. A rua cedeu sua tela para que grafiteiros não só extrapolassem a escrita como também criassem obras plásticas gigantescas. Atores, atrizes, dançarinos e outros grupos entusiastas movimentam outras ideias em calçadas já cansadas dos mesmos passos. Em casos particulares, além de fazer uma ressignificação do espaço, a tipologia presente na pixação constitui também um sistema extra-oficial de comunicação, tão hermético que somente outros pixadores farão sua cognição técnica. São interesses mantidos até então longe de nossa percepção, mas que
ao ganharem o contorno público, ou até mesmo a tão delimitada propriedade privada, nos instigam a decifrar esta guerra de símbolos e imaginar outros enredos da vida cotidiana, merecedores de uma maior atenção. Ao acompanharmos a expansão acelerada de grandes centros urbanos como Londres, Berlim, Nova York ou São Paulo, perceberemos a saturação da linguagem visual na arte urbana, afinal, ali estão impregnado marcos, memórias e discursos de milhares de vozes. Reestruturações políticas, econômicas e sociais refletem no potencial artístico das comunidades e sua busca de uma vida melhor. Transições nos despertam para o compartilhamento de histórias e perspectivas, a fim de fortalecer a comunidade para que não somente aguarde resoluções de seus governantes, mas sim encontre outras maneiras de se organizar. Espera-se então que nossos artistas ocupem seu espaço e tempo para ganhar as ruas, para desenhar novos caminhos e para que o gênio coletivo da comunidade sinta-se em casa. 15
CULTURA
Da Sul pra Sul por Denise Bergamo da Rosa e Carlos Canedo
Durante os onze anos de Cooperifa e quatorze de sarau do Binho na Zona Sul da capital, ocorreu uma grande disseminação dos saraus nas periferias paulistanas. A poesia começava a ganhar espaço maior nas quebradas, esfarelando estereótipos e paradigmas equivocados. A periferia, “carente de cultura própria” pelas péssimas referências midiáticas, descobre que é possível produzir sua própria literatura, construir sua história e viver sua própria cultura, agora escrita pelas próprias mãos de seus moradores e conviventes, e não mais por terceiros de “primeiro escalão” ou da televisão. Compreende que a cultura hegemônica ofertada a ela distorce sua própria realidade, confunde seus irmãos e incita a guerra pelo sangue uns dos outros, sendo que jamais supriu suas necessidades reais, de um povo que deseja formar um pensamento coletivo e não comprar a prazo uma ideia consumista de poder pelo dinheiro. Percebe que o que lhes era dado em seguida era tomado de suas mãos, em um jogo ludibriante de alienação mental daqueles que já nascem condicionados à carência. Visando o olhar crítico do mundo e a autocrítica da comunidade, os saraus começam invadindo os botecos, já que na biblioteca não era lugar de poesia como já disse Criolo. Assim, começam a ser moldados de acordo com suas comunidades e suas expectativas, há pouco mais de uma década. Voltados para a raiz da cultura negra, dramaturgia, música, cinema, artes plásticas, dança, ou ainda todas as artes juntas, e principalmente os elementos que compõem a cultura Hip Hop, valorizam a identidade cultural da periferia, fortalecem suas referências históricas e cultivam seus próprios heróis. Os saraus são vários e hoje estão em todas as partes da Capital: Zonas Sul, Norte, Leste e Oeste. Criam um levante cultural que nasce de baixo para cima, da base, contrariando a cultura hegemônica que vem de cima para baixo, sobreviven16
do como uma imposição condicionada. Nesse contexto surge o Sarau LiteraRua, idealizado e realizado no distrito de Campo Limpo, bairro localizado na Zona Sul da cidade de São Paulo, comunidade de São Januário. É mais um Sarau que nasceu da vontade de desenvolver na comunidade um projeto com identidade cultural própria, que valorize os artistas regionais e suas artes, e a literatura marginal. É mais um Sarau que invadiu o boteco para inverter valores culturais e resistir culturalmente ao massacre hegemônico da globalização. O LiteraRua funciona com um DJ e um microfone aberto, onde todos que estiverem presentes podem se manifestar, seja com uma poesia, uma música, uma mensagem, um salve; basta se inscrever com o mestre cerimonial do Sarau e apropriar-se da fala no microfone. Durante e entre os intervalos das apresentações, os artistas do grafite desenham numa tela uma arte que será doada no final do evento. O LiteraRua, assim como a maioria dos Saraus na capital, acontece num boteco da quebrada que apóia a ideia revolucionária. Entre o balcão e os banheiros, de frente com os troféus do time de futebol local, uma pequena biblioteca, uma enorme intervenção: uma prateleira inteira cheia de diversos livros que são folheados pelos presentes durante toda a noite. Se alguém tiver interesse pode emprestar um livro no boteco. Nesse contexto de mudança de paradigma, percebe-se a maioria dos elementos do Hip Hop presentes no Sarau, à exceção do Break. O Sarau LiteraRua completou um ano de vivência em setembro último; muitos encontros com várias pessoas aconteceram durante esse ano, pessoas da comunidade local e de outras comunidades, num verdadeiro intercâmbio cultural de periferias, que recentemente chegou até o interior do estado de São Paulo, especificamente aqui, na cidade de Piracicaba.
Impulsionados pela quebra de barreiras do espaço e tempo que a internet proporciona, em julho de 2012 o Sarau LiteraRua e o Coletivo piracicabano de mídia livre Serviço de Utilidade Pública -SUP, tiveram seus primeiro contato. No dia 28 de julho de 2012 fizeram uma reunião para se conhecer e difundir idéias, enquanto coletivos. Então, o coletivo SUP, em parceria com a Casa do Hip Hop de Piracicaba e fechando junto com o Sarau LiteraRua, propôs uma parceria para a apresentação de um dos educadores de Break da Casa do Hip Hop, completando assim todos os elementos do Hip Hop no Sarau LiteraRua. No dia 10 de agosto de 2012 o educador de Break Kabal e o presidente da Casa do Hip Hop de Piracicaba Bira foram até a comunidade de São Januário no Bairro Campo Limpo conhecer o sarau de periferia de São Paulo e disseminar o Break naquela localidade. Um grande encontro entre as periferias do interior e da capital. Em 14 setembro o SUP e a Casa do Hip Hop retornaram ao sarau LiteraRua para a festa de um ano de luta. O SUP produziu e colocou na rede dois vídeos sobre o LiteraRua e um terceiro estará pronto em breve. Tanta poesia, cultura e Rap só podia acabar em mais um Sarau, e assim será. Com a participação de muitos parceiros, amigos, coletivos e artistas piracicabanos e paulistanos, idealizado pelo Serviço de Utilidade Pública em parceria com a Casa do Hip Hop de Piracicaba,
instigados pelo Sarau LiteraRua e apoiados pelo Coletivo Piracema e Ponto de Cultura Educomunicamos!, nasce um novo Sarau na periferia paulista, agora no interior, o bem vindo CulturuPira, o Sarau Que a Casa Cai. O Sarau CulturuPira acontecerá no dia 26 de outubro de 2012 na Casa do Hip Hop, Zona Sul de Piracicaba, a partir das 19 horas. Muita música, dança, poesia, grafite e fé no ser humano serão consagrados em mais um Sarau Literário, criado para difundir a cultura do povo para o povo, por mais autonomia social e inclusão cultural. De Campo Limpo, São Paulo: Sarau LiteraRua para Piracicaba, São Paulo: Sarau CulturuPira. No dia 26 de outubro um novo passo será dado nesta cidade rumo à quebra paradigmática da sociedade, diretamente da Sul pra Sul.
Dia 26 de Outubro Casa do Hip Hop 19 horas
video 1: http://youtu.be/7F9iw9FbtyM
video 2: http://youtu.be/22LSOASu3YM
A Casa do Hip Hop de Piracicaba é voltada aos jovens e possui mais de 14 atividades esportivas e culturais, tais como skate, dança, futebol, teatro, ginástica, capoeira, percussão, break, MC, DJ, grafitti, entre outras. Está localizada no Bairro Paulicéia, na Rua Jaçanã Pereira Guerrini, 200. O Serviço de Utilidade Pública é um coletivo com uma proposta de mídia livrecomunitária que acompanha e fomenta as lutas de base na cidade de Piracicaba, documentando os processos e articulando eventos e oficinas diversos. Sempre focado em uma mudança de paradigma social, por uma cultura contrahegemônica e a favor da sustentabilidade - não do sistema capital de consumo, mas sim dos recursos naturais e dos coletivos comunitários. 17
ATIVISMO
Movimentos populares por Sabrina Mac Fadden Fotografia de Daniel Damasceno
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O que lhe faz mover? O que desperta em você reações capazes de promover novas repercussões? Por certo cada um terá suas próprias razões a apresentar, se não aqueles por amor, aqueles que as movem pela dor. Se os fatos dos quais tomamos conhecimento nos promovem a consciência dos seus contornos, a influência que sofrem e geram, ao mesmo tempo, no interior de cada indivíduo promovem a inconsciência contida nos sentimentos. Ao unirem-se consciência e inconsciência coletivamente, provocam-se forças motrizes capazes de se comporem como movimentos populares. Parece-me difícil definir quem viria primeiro, o ovo ou a galinha? A consciência ou a inconsciência? Certo é que em dado momento se encontram e é nesse exato momento que se torna possível vislumbrar a formação do Movimento Popular, revelando a importância da manutenção daquelas forças que o geraram: o conhecimento e o sentimento, unidos em um mesmo ponto e representados por princípios delineados no caminhar de sua construção coletiva. Como já dizia Aristóteles: “o homem é um animal social” e aqui acrescento que sua fragilidade enquanto indivíduo o conduz a buscar sua superação coletivamente, ambiente em que cria os direitos voltados a todos os membros da sociedade, o ambiente público. Em tempos modernos, os padrões sociais alcançados permitem a identificação de necessidades comuns a todos indistintamente, ainda que de forma relativa, estabelecidos a partir da estrutura de Estado em que se inserem, como é o caso da prestação de serviços de assistência à saúde, educação, moradia, infra-estrutura básica, políticas públicas, dentre outras de interesses difusos ou coletivos. As estruturas de poder que compõem o Estado, no entanto, são comprometidas com a corrupção de suas finalidades, demandando controle da sociedade, na medida em que se afasta de seus princípios e subjuga seus cidadãos a condições sub-humanas. No Brasil, nosso histórico de ocupação e formas de colonização e povoamento explicam muito da democracia
pouca madura que vivemos. Por quase 400 anos vivemos como colônia e eram justamente os filhos de fidalgos, cujas oportunidades de educação se concentravam na Europa, que acabavam por importar as ideias de transformação social, não só como um reflexo dos anseios de liberdade, dignidade e igualdade entre os homens, mas também como parte de sustentação da própria estrutura de poder. O poder não se sustenta sem sua base e daí a necessidade de mantê-la em condições de servi-lo. Pela dependência do poder em relação à base, nada mais natural do que, com a Revolução Industrial, responsável pela produção de excedentes, viesse a reboque a Revolução Francesa, representada pelo ideário de liberdade, igualdade e fraternidade. Não por benevolência, mas porque todos queriam ter acesso ao consumo o que ia ao encontro da oferta de excedentes. O desenvolvimento econômico sempre precisou do desenvolvimento social para se sustentar, e isto não é novo. No entanto, enquanto o desenvolvimento econômico deriva das próprias estruturas do poder, o desenvolvimento social busca seu avanço a partir de suas migalhas, luta por ampliar seu acesso a essa estrutura que a própria sociedade mantém. Em nações de maior maturidade democrática, tais espaços são exigidos como direitos; no Brasil, no entanto, essas exigências são vistas, por vezes, como desordem. E de fato o pretende ser. A desordem de uma situação que não é nem ordem, nem progresso genuíno, ainda, para que crie a oportunidade de uma verdadeira organização onde o mínimo seja garantido e seus avanços sejam persistentemente perseguidos. A organização da sociedade, entendida como base de sustentação da nação, em torno de interesses difusos e coletivos, permitem a formação de Movimentos Populares capazes de promover desenvolvimento social e consolidação de uma democracia mais madura. É assim que diversos movimentos são observados no Brasil desde a formação do Quilombo dos Palmares, em 1600 - a partir da consciência do conhecimento e da inconsciência do sentimento construídos coletivamente em busca do ob19
jetivo comum de liberdade, dignidade e igualdade entre os seres humanos. Revoluções clamadas por pacifistas, abolicionistas, anarquistas, comunistas, feministas, opositores da ditadura, sindicalistas, ambientalistas e ativistas de toda sorte podem ser observadas em todos os cantos do país por toda a sua história, desde a colonização portuguesa, em busca de melhores condições de vida e autonomia, e quanto mais ativa a sociedade, melhor o desenvolvimento econômico da região que ocupa. Nesse cenário, Piracicaba teve seus tempos de região melhor desenvolvida de suas redondezas e contou com atores políticos de grande importância como Prudente de Moraes, vereador e primeiro presidente civil da República, e atores sociais como Luiz Vicente de Souza Queiroz, fundador da ESALQ e respon-
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sável por trazer pioneiramente a energia elétrica ao município e Martha Hite Watts, responsável por fundar o Colégio Piracicabano como primeira escola metodista do país, para moças, com mais de 60 alunas. Pela organização da sociedade, Piracicaba superou tempos difíceis de crise e participou ativamente do desenvolvimento de seu parque industrial, criou políticas públicas de habitação, de referência à criança e adolescentes infratores, de referência à mulher vítima de violência, aos trabalhadores, participou de mobilizações nacionais contra a corrupção, de mobilizações pelo meio ambiente em defesa do Rio que leva seu nome, viu formarem-se suas associações de bairro - a própria União de Moradias - e conseguiu, por diversas vezes, orgulhar-se de sua atuação.
Esse sangue guerreiro que clama por transformação ainda pulsa; vemos consolidar-se em torno do objetivo comum da população de transparência pública e controle social o Reaja Piracicaba, um movimento popular pacífico e apartidário, que tem como objetivos a revogação do aumento de 66% dos subsídios dos vereadores, aprovados em 2011, e a implantação das propostas aprovadas na 1ª Conferência Municipal de Transparência Pública e Controle Social, a CONSOCIAL, realizada em outubro de 2011. O Movimento Popular Reaja Piracicaba tornou-se um fato político, uma realidade que já não pode ser negada. Pelos objetivos que contempla e princípios que o permeiam, atinge a todos os cidadãos e cidadãs piracicabanos indistintamente, à medida que busca melhorias na governança do município e maior participa-
ção social. E é justamente essa natureza que nos permite fazer crer no papel indispensável que desempenha no processo de amadurecimento da democracia no município e sua construção mais sadia. Ao unir-se, a sociedade é mais forte do que o cenário em que se encontra. Ao se unir, é ela própria quem constrói seu cenário e isso renova a esperança nos Movimentos Populares como instrumentos capazes de libertar o homem e garantir a ele sua dignidade. Mova-se! E ninguém poderá lhe subjugar a situações que não admita! Empodere-se! Porque na democracia o poder emana do povo que aprende a se reconhecer como parte e protagonista do lugar onde vive.
Sejam bem-vindos ao palco da vida! Aqui somos todos atores principais!
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ENTREVISTA
Antonio Martins A Revista Em Transição entrevistou, para essa edição, Antonio Martins, editor do site Outras Palavras (http:// www.outraspalavras.net). Conversamos sobre o papel da mídia livre e compartilhada na construção de uma sociedade pós-capitalista, sobre a reinvenção do jornalismo para a transformação social e outras palavras mais. 22
[revista]: Em tempos de transição paradigmática, qual o papel da mídia, e especialmente da mídia livre, no empoderamento de pessoas engajadas na construção de um mundo pós-capitalista? O que é esse mundo pós-capitalista e quais as possibilidades de construção de uma nova sociedade? [Antonio Martins]: Há duas grandes transições em curso, no âmbito do que chamamos de “nova cultura política”. Uma tem a ver com a busca de alternativas ao capitalismo. Busca-se alternativas muito distintas às que foram propostas e praticadas pelo “socialismo real”. Não se trata de decidir quem vai comandar o tipo de desenvolvimento que caracterizou a modernidade, mas de pensar e praticar outras formas de desenvolvimento. Implica uma nova relação com a natureza e um controle dos meios de produção muito mais profundo que os do século passado. Significa que a sociedade deve decidir, por exemplo, como vai empregar os recursos que a natureza oferece, que tipos de energia vai produzir, para movimentar que espécie de consumo. Não se trata simplesmente de dizer que há um Estado socialista e, por isso, mudaram as relações de produção. Procura-se, por exemplo, estabelecer novas formas de organizar o trabalho -- menos hierárquicas e massivas -- mais processuais e participativas. Ao mesmo tempo, há um esforço para reinventar a democracia porque a representação, que marcou os processos democráticos por três séculos, foi capturada pelo capital. Surgiu uma forte e consistente crítica aos parlamentos, aos partidos, à ideia de que basta votar uma vez a cada dois ou quatro anos para assegurar que as vontades, desejos e projetos da maioria se transformem em realidade. As novas tecnologias, se apropriadas pela sociedade, poderão abrir caminho para formas diretas de participação. Por que não seria possível, por exemplo, convocar a sociedade para decidir diretamente sobre grandes temas nacionais ou mesmo internacionais? Por que, em cada cidade, as sociedades não poderiam mapear as emissões de CO2 e fazer planos para reduzi-las?
[revista]: Nesse cenário, como a mídia pode ser instrumento efetivo de empoderamento da sociedade? Quais os desafios da comunicação digital e compartilhada como ferramenta que se insere nesse contexto? [Antonio Martins]: Uma cultura política de autonomia exige um jornalismo de altíssima qualidade, porque não se trata mais de construir jornais que “orientem a militância”. Não existe mais militância, no sentido de grupos de pessoas que, segundo a lógica de representação, apoiavam certos partidos e posições políticas; a política está fragmentada. O envolvimento não se faz por militância, mas por sedução. Como a realidade é cada vez mais complexa, é preciso compreender os processos sociais em profundidade e no momento em que estão acontecendo. Além disso, é preciso narrá-los de forma clara, criativa, instigante. Neste sentido, gosto de dizer que o jornalismo alerta a sociedade enquanto “a Inês ainda está viva”. Veja o caso do Código Florestal: a Academia, daqui a dez anos, contará nos mínimos detalhes como se deu a batalha. Será ótimo, porque nos preparará para batalhas futuras, mas não resolverá a questão da lei, que terá sido aprovada – “a Inês estará morta”, neste sentido. [revista]: E o que cabe a nós, que estamos buscando um caminho alternativo através da mídia? [Antonio Martins]: Cabe a nós não apenas criticar a mídia ou buscar teoricamente caminhos alternativos, cabe fazer uma mídia nova, profunda, capaz de resgatar o jornalismo, no tempo em que os jornais o abandonaram. E, além de tudo, capaz de empregar de modo inteligente e criativo as ferramentas da comunicação compartilhada. Significa que ninguém precisa ter diploma para ser jornalista, mas que devemos criar maneiras de aproveitar o que cada cidadão ou cidadão tem a dizer, na narrativa do presente.
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[revista]: A comunicação digital e compartilhada é uma ferramenta que se insere nesse contexto. Em sua opinião, quais são os desafios para sua consolidação? [Antonio Martins]: Primeiro, manter a internet como espaço livre e neutro, sem censura e com igualdade nas condições para que trafegue qualquer conteúdo -- independente do poder econômico de seu produtor. Não significa que teremos a mesma audiência da Globo, num primeiro momento -- mas, sim, que não haverá uma banda privilegiada pela qual passarão os conteúdos da Globo (a chamada “neutralidade da rede”). Em segundo lugar, do nosso lado, superar a tentação fácil do panfleto. Não adianta a gente ficar fazendo discursos contra o pig, dizer que a mídia não cobre os grandes assuntos nacionais e/ ou os manipula. Temos de encontrar formas para *ser* a nova mídia, para tratar estes problemas. Nisso, estamos apenas começando. Nossa capacidade de acompanhar e narrar fatos como as ameaças à Amazônia, o perfil da geração de energia no Brasil, a evolução da mobilidade urbana nas metrópoles, a reciclagem do lixo, o estado do direito ao trabalho, as modalidades de desenvolvimento econômico no país -- tudo isso é ainda muito limitado. E tudo isso precisa ser conhecido em profundidade e em detalhes. Precisamos de uma mídia alternativa que se proponha a este papel, não (apenas) a denunciar o pig. [revista]: O conhecimento livre, para além da tecnologia digital, emerge hoje de coletivos movidos por outras lógicas sociais, que ameaçam a hegemonia das narrativas e da comunicação e pautam movimentos cada vez mais transformadores. Entretanto, corre-se o risco de que o fascínio pela tecnologia sobrepuje a consistência destes movimentos. Como não cair nessa armadilha? [Antonio Martins]: É preciso que a gente se aproprie de fato da internet. Isso está se dando, em muitas áreas; por exemplo, a wikipedia. Pela primeira vez 24
na história da humanidade, há conhecimento vasto e grátis sobre temas de relevância social. A informação é produzida coletivamente, de uma forma que assegura profundidade crescente e corrige equívocos. Mas o jornalismo é muito mais difícil, porque trata de realidades móveis. Escrever um verbete na wikipedia sobre a Teoria da Relatividade, ou o HIV, exige muito menos rapidez e administração de pontos de vista distintos, que escrever sobre o Código Florestal, por exemplo. Daqui a dez anos, é provável que a Teoria esteja de pé e as controvérsias que há a respeito dela são relativamente limitadas; sobre o Código Florestal, o Mensalão, o governo Dilma, as atitudes da Marina Silva, há muito mais controvérsia, mesmo em nosso campo. Ou seja, há um desafio muito maior pela frente. É dificílimo, mas não é impossível! [revista]: Quando nós falamos de mídia compartilhada, falamos também da pluralidade das narrativas. Em uma cidade como Piracicaba, o desafio para a mídia livre tem duas faces. Por um lado, estamos em uma cidade onde a hegemonia da mídia tradicional é praticamente inquestionável. Em outra perspectiva, mais animadora, a tarefa de construir caminhos alternativos pode ser mais factível, pela proximidade das pessoas, dada a própria dimensão da cidade. A partir da sua experiência, quais são nossos caminhos possíveis para a construção de outras mídias em nosso município? [Antonio Martins]: Eu acho que o mais difícil, vocês já fizeram. O mais difícil é constituir um grupo com coesão e respeito à diversidade, antenado com os problemas da cidade, capaz de identificar os principais obstáculos à sua resolução, disposto a mobilizar a sociedade em favor de superar estes obstáculos. Um grupo, além disso, muito antenado com a nova cultura política e consciente, ao mesmo tempo, de que nossa estrada é longa. Ou seja, é preciso questionar o princípio da representação -- mas é necessário perceber que ela vai persistir por bastante tempo. Enquanto
“(...) é preciso questionar o princípio da representação (...)”
isso, devemos pressionar os representantes de forma cada vez mais criativa e ousada. Além de tudo, vocês criaram até uma revista! Ou seja, estão antenados também na ideia de que é preciso produzir informação, construir novas narrativas, mobilizar. Eu acho que a tarefa, agora, é manter e aprofundar a revista: é só o começo. Não devem desistir dela, apesar das dificuldades que certamente surgirão, e devem, ao mesmo tempo, torná-la cada vez mais profunda, atual, sedutora. Façam um site, mas não desistam da ideia de uma publicação permanente. Um site pode ser muito mais eficaz, inclusive porque é muito mais participativo. [revista]: Fale um pouco sobre a experiência do Outras Palavras pra gente se inspirar! [Antonio Martins]: O Outras Palavras é parte desta busca, desta necessidade de inventar uma nova comunicação; tem um foco mais claro na globalização, suas conseqüências, seus reflexos no Brasil e, principalmente, as alternativas. Não são temas fáceis, o Brasil tem sido durante muito tempo um país muito voltado para si mesmo, com pouca vontade de influir nos temas internacionais (embora muito aberto a modismos externos). Mas achamos que é preciso criar uma cultura, e que suscitar uma comunicação que contribua para superar o capitalismo é um problema global. Acredito que temos conseguido chamar atenção para alguns temas. Existe há menos de dois anos, mas já tem algumas conquistas importantes. Atualmente, tem aproximadamente 7 mil textos lidos por dia e, principalmente, uma identificação muito forte com leitores que procuram a qualidade. 25
TECNOLOGIAS APROPRIADAS
Cerveja artesanal
por Luis Poleto
Em uma das disciplinas de mestrado da ESALQ tive meu primeiro contato com a produção de uma cerveja na panela; isso foi em 2005. Desde então me fascinei por este processo que envolve a chamada “fermentação alcoólica”. Quando acabei o mestrado em meados de 2007, tive a oportunidade de morar na Inglaterra, o que viria a ser um prato cheio para aperfeiçoar minhas habilidades sensoriais cervejeiras. O que ajudou bastante foi ter arrumado trabalho em um pub Inglês que fazia sua própria cerveja - aí foi o ápice! - acabei como Brewer Assistent (assistente cervejeiro). No final de 2010, visitando
a família no Brasil, fiz alguns contatos e mais uma vez fui contemplado para voltar ao meu país e trabalhar como cervejeiro de uma micro-cervejaria em Piracicaba. Até hoje faço cerveja em casa, aliás, grandes receitas são descobertas a partir de pequenas produções de cerveja nas panelas. No cenário atual, a produção de cervejas artesanais vem aumentando a cada ano, pelo apelo de um produto que não leva compostos químicos, pelo volume de produção ser pequeno e, conseqüentemente, se ter maior controle do processo, aumentando muito a qualidade da bebida.
O processo cervejeiro O processo cervejeiro consiste numa série de etapas, onde cada uma tem suas especificidades e algumas variáveis para cada tipo de cerveja a ser produzida. Basicamente, o processo pode ser dividido da seguinte forma: 1) Moagem dos grãos 2) Preparo da água cervejeira 3) Brassagem, mostura ou cozimento dos grãos moídos 4) Clarificação, filtração e lavagem 5) Medição do extrato do mosto 6) Fervura e lupulagem 7) Decantação e resfriamento do mosto 8) Transferência para o fermentador 9) Ativação do fermento e inoculação 10) Fermentação 11) Maturação 12) Engarrafamento ou embarrilhamento (barril) Para saber mais detalhes, entre em contato com luis.poleto@gmail.com
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Fotografia de Daniel Damasceno
A cerveja artesanal Ê destinada a adultos. Aprecie com moderação.
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www.piracicabaemtransicao.com.br/revista