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Ano 1, Nº 4 Produzida por Pastores da Igreja Evangélica Luterana do Brasil

- A Postura Ética do Pastor Luterano, p. 68 - Ciência e Ética, p. 72 - Ética e Moral, p. 74 - Oferta e Ética, p. 42 - Superstição e Ética, p. 36

- Fanatismo em nome da fé, p. 41 - Homofobia e Liberdade de Opinião, p. 35 - O casamento, o passarinho e o churrasco, p. 86

- IELB e Homossexualismo, p. 77 - Sermão: O preço de uma alma - Sermão, p. 66

- Estudo Bíblico: Ana, p. 78 - Liturgia, p. 84 - Música: Aquecendo Corações, p. 82 - Simbologia: O Lírio Pascal, p. 71


EXPEDIENTE

Publicação mensal de pastores da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB) não oficial. Tem como propósito divulgar textos teológicos/ pastorais, inéditos ou não, produzidos por pastores da IELB, recuperar textos teológicos escritos no passado e que não estão disponíveis na Internet, divulgar de forma mais abrangente a teologia evangélica luterana confessional e a reflexão teológica na IELB, e ser uma ferramenta prática para as atividades ministeriais em suas diferentes áreas. Os conteúdos são de responsabilidade dos seus autores.

Colaboradores desta edição:

Comissão de Culto da IELB; Cláudio Ramir Schreiber; Dieter J. Jagnow; Elieu Radins; Gelson Neri Bourckhardt; Ismar L. Pinz; Jarbas Hoffimann; Lindolfo Pieper (in memorian); Marcos Schmidt; Mario Rafael Yudi Fukue; Márlon Hüter Antunes; Martinho Rennecke; Rui Gilberto Staats; Valdo Weber ; Waldyr Hoffmann.

Imagens:

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Editores:

Rev. Dieter Joel Jagnow (editor chefe) Rev. David Karnopp Rev. Jarbas Hoffimann Rev. Mário Rafael Yudi Fukue Rev. Waldyr Hoffmann

Diagramador:

Rev. Jarbas Hoffimann diagramador.RT@gmail.com

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Colaborações:

Os textos a serem publicados na revista devem ser enviados ao editor

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Leitura na Internet: www.scribd/revistateologia

Apresentação da Revista Eletrônica Teologia & Prática A revista Teologia&Prática é uma iniciativa de pastores da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB). Ela não tem caráter oficial. Seu objetivo básico é coletar e compartilhar bimestralmente, de forma organizada, via Internet, textos teológicos/pastorais, inéditos ou não, produzidos por pastores da IELB e que regularmente circulam em listas da Igreja. Além disso, procura recuperar textos teológicos escritos no passado e que não estão disponíveis na Internet. Um objetivo subjacente é a intenção de divulgar de forma mais abrangente a teologia evangélica luterana confessional e a reflexão teológica na IELB. Além de possibilitar a reflexão teológica, a revista quer ser uma ferramenta prática para as atividades ministeriais em suas diferentes áreas.

Critérios 1. A produção da revista é coordenada por voluntários. Um (ou mais) editor é responsável para que exista um mínimo de organização na diferentes fases do processo. 2. A revista é fechada em PDF e carregada em um depósito da Internet, de onde poderá ser baixada livremente. 3. A revista tem circulação bimestral. Não há um número fixo de páginas. 4. Um blogue serve de apoio para as edições, a fim de possibilitar a sua divulgação pelos mecanismos de busca da Internet. 5. A revista é aberta a todos os pastores da IELB interessados em compartilhar seus textos (meditações, estudos homiléticos, sermões, resenhas, ensaios, etc.), inéditos ou não. Cada autor é responsável pelo seu texto (doutrinária, gramática e ortograficamente). Os textos devem ser enviados ao editor. Nota: O editor pode recusar — ou solicitar que seja revisado — algum texto, caso julgue que ele afronte a doutrina da IELB. Para tanto, se necessário, conta com voluntários para a avaliação. Não serão utilizados textos de conteúdo político-partidário, que promovam o ódio ou a discriminação ou que firam os princípios e valores da Igreja. 6. A publicação dos textos enviados não é imediata. Existe uma tentativa de se ter variação de conteúdos em uma edição e em edições subsequentes. O editor informa ao autor a situação de cada texto recebido. 7. Há uma pauta mínima, no sentido de se buscar conteúdos que de alguma forma abordem questões pontuais (exemplo: Reforma, eleições, Natal). A pauta completa é determinada de acordo com as colaborações recebidas, conforme a ordem de chegada. 8. O organograma de produção é este: a) Lançamento: até o dia 25 do segundo mês da edição b) Preparação / Diagramação: do dia 1 ao dia 20 do segundo mês da edição c) Recebimento dos textos: até o dia 20 do primeiro mês da edição e-mail: revistateologia@gmail.com blogue: http://revistateologia.blogspot.com tuíter: http://twitter.com/revistateologia


Ética - A Postura Ética do Pastor Luterano, p. 68 - Autoridade e Ética, p. 12 - Ciência e Ética, p. 72 - Ética e Moral, p. 74 - Felicidade Ética, p. 4 - Oferta e Ética, p. 42 - Psicanálise e Ética, p. 52 - Superstição e Ética, p. 36

Artigos - Direto ao Ponto, p. 87 - Fanatismo em nome da fé, p. 41 - Homofobia e Liberdade de Opinião, p. 35 - O casamento, o passarinho e o churrasco, p. 86 - Oxi-dantes, p. 51

Outros - Estudo Bíblico: Ana, p. 78 - IELB e Homossexualismo, p. 77 - Liturgia, p. 84 - Música: Aquecendo Corações, p. 82 - Sermão: O preço de uma alma - Sermão, p. 66 - Simbologia: O Lírio Pascal, p. 71


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Rev. Jarbas Hoffimann

Ética

Quando se trata de Ética pode parecer estranho falar de felicidade. Mas felicidade é, sem dúvida, um tema ético. Nós nos preocupamos com nossa felicidade cada dia de nossas vidas. Mesmo que não nos demos conta disto. Nos preocupamos com a felicidade própria. Com a felicidade dos parentes, amigos e filhos. Muitas vezes nos preocupamos se os outros são mais ou menos felizes do que nós. Daí surgem a inveja, o desamor, junto a inúmeras outras maldades que saem do coração humano. A felicidade humana é alvo de uma busca quase infinita. E aproveitando-se desta busca o mundo à nossa volta oferece opções às milhares para sermos felizes. O resumo destas ofertas da mídia é: felicidade consumista, sexual e religiosa. O tema felicidade é muito abrangente para ser abarcado por este breve ensaio. Mas queremos olha-lo por uma ótica talvez pouco vista. A ótica da ética. E no último capítulo veremos o que Deus tem a nos dizer sobre a felicidade. Será que é mais feliz o homem com Deus ou sem ele?

1. A Felicidade do Consumo

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parentemente ser feliz é uma questão econômica. Pelo menos isso pensa o mundo a nosso volta. E esse pensamento penetra nas nossas mentes também. Ser feliz é uma questão de o que tenho ou não tenho. E às vezes uma questão de ter mais do que aquelas pessoas que conheço têm. Nunca menos do que elas. Isso me deixaria infeliz. Parece que só seremos felizes se tivermos um carro (ou mais) do modelo mais novo. A casa mais bonita da vizinhança. Se formos mais bem sucedidos que os outros. Se tivermos mais dinheiro que nossos 4 | Teologia | Abril e Maio, 2011

amigos. Se nosso cargo na empresa for mais bem conceituado que os demais colegas. E muitas outras coisas que poderiam ser citadas. As pessoas e os meios de comunicação aproveitam-se dessa “necessidade de felicidade” para nos vender (ou pelo menos oferecer) de tudo. São condomínios que dizem: “venha ser feliz aqui”, oferecendo-se em cada esquina. Os carros se enchem de papéis de propaganda de bens de consumo que querem ser a solução para nossa felicidade. Sorteios anunciam: “ganhe a casa que vai fazer seus vizinhos morrerem de inveja”. Ser feliz é uma questão econômica. Será?

1.1. Consumo não traz felicidade Os bens são uma necessidade real. Portanto ligam-se à satisfação das necessidades básicas do ser humano. Nós necessitamos de comida, moradia, medicina e muitas outras coisas que dependem do dinheiro. Contudo nada disso nos dará felicidade se nós não estivermos felizes conosco mesmos. Ou melhor: felizes com nosso Deus. Da mesma maneira que os meios de comunicação alardeiam a “felicidade” de se ter dinheiro, eles anunciam a inquietude dos “ricos e famosos”. Pessoas que vão de um casamento para outro. De uma religião para outra. Talvez na incessante busca pela felicidade. Felicidade que no fim das contas eles se certificarão de que não está ligada à felicidade de consumo. Está ligada à felicidade com Deus. Uma felicidade que só é concedida pelo Deus todo poderoso. Ser feliz não é uma questão econômica. Realmente.

2. Felicidade Sexual “Nós temos um casamento aberto”. “É só sexo, na verdade ele ama é a mim. Nós concordamos com esta situação para que assim cada um seja plenamente feliz”. “Assaltantes roubam Viagra e vendem no mercado


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negro”. “Os homossexuais têm que assumir sua opção sexual. É melhor assumir do que viver infeliz”. Quem de nós nunca ouviu frases como as citadas acima? Se não todas pelo menos algumas delas certa-

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Em todas as situações acima, contudo, não se encontra felicidade. Pode ser um prazer intenso, mas também é um prazer que se acabará na hora de levantar da cama. Um prazer restrito ao contato físico de duas (ou mais) pessoas que egoisticamente procuram apenas o prazer e o bem individual. Mesmo quando um parceiro está preocupado com a satisfação do outro é simplesmente para saber se “eu agradei”. Que triste é uma união assim. Isso não é felicidade.

2.1. O sexo pelo sexo não traz felicidade

mente ouvimos. Para essas opiniões quase consensuais atualmente, a felicidade está ligada a uma forma hedonista de pensar. Ser feliz é sentir prazer. Não importa se vou contra a moral, contra a Bíblia ou contra as outras pessoas. O importante para a minha felicidade é o meu prazer. No Brasil que hoje vivemos essa é uma prerrogativa muito forte. Somos bombardeados por corpos lindíssimos de homens e mulheres nas nossas televisões, computadores, revistas, jornais e em muitas outras oportunidades. Fala-se de “casamento gay”. Fala-se de “juntar-se para testar se o casamento dará certo”. Se der, certamente as pessoas ficarão juntas para sempre. Será?

Martinho Lutero falou a respeito do casamento. Uma das coisas que disse foi que o casamento é abençoado por Deus. Essa união foi prevista por Deus para ser eterna e para trazer felicidade ao casal. Um casamento feliz depende de Deus: Since this is the case, we ought to encourage and urge people to get married. “Stop thinking about it and go to it right merrily. Your body demands it. God wills it and drives you to it.” Indeed, we ought to marry and stay married with joy because we know that God is well pleased with marriage and with married people. Marriage is “adorned and sanctified” by God’s word. Knowing this gives us joy in marriage in spite of all of its troubles, problems, and disappointments. This knowledge gives “peace in grief, joy in the midst of bitterness, happiness in the midst of tribulations.” “Seeing marriage in the light of God’s word is a great art, and it alone is able to make the estate of marriage and married people lovable.”1 1 Althaus (1982), p. 88. Trad.: Uma vez que este é o caso, devemos encorajar e exortar as pessoas a se casar. “Pare de pensar nisso e vá à isto alegremente. Seu corpo exige isso. A vontade de Deus e conduz a isso.” De fato, devemos casar e permanecer casados alegremente, porque sabemos que Deus está satisfeito com o casamento e com pessoas casadas. O casamento é “adornado e santificado” pela palavra de Deus. Saber disto nos dá alegria no casamento, apesar de todos as suas turbulências, problemas e decepções. Esse conhecimento dá a “paz no sofrimento, a alegria em meio à amargura, a felicidade em meio às tribulações.” “Ver o casamento à luz da Palavra de Deus é uma grande arte, e só ela é capaz de fazer o estado matrimonial e do casal amáveis​​.” Abril e Maio, 2011 | Teologia | 5


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O sexo foi criado por Deus e abençoado por este no casamento. Deus quer que nós sejamos felizes também sexualmente. Contudo a felicidade não se restringe ao sexo. Felicidade é mais do que isso. Mesmo em um casal normal (que parece estar fora de moda) o sexo não é sinônimo de felicidade. Mas ele pode ser essencial para o conjunto do casamento funcionar como Deus quer que funcione. O apóstolo Paulo disse: “A mulher não tem poder sobre o seu próprio corpo, e sim o marido; e também, semelhantemente, o marido não tem poder sobre o seu próprio corpo, e sim a mulher. Não vos priveis um ao outro, salvo talvez por mútuo consentimento, por algum tempo, para vos dedicardes à oração e, novamente, vos ajuntardes, para que Satanás não vos tente por causa da incontinência”. (1Co 7.4-5). Quando nos unimos à pessoa amada, não temos mais direito egoísta sobre nosso próprio corpo em detrimento à vontade do cônjuge. Somos “um só corpo” unidos pela vontade de Deus. Essa união, solidificada em Deus, com todos os direitos e deveres de um casal, é sinônimo de felicidade conjugal. O livro “The Ethics of Martin Luther” de Paul Althaus nos diz algo muito interessante sobre o casamento: First of all, husband and wife are created for each other, Marital happiness results when “husband and wife cherish each other, become one, and ser6 | Teologia | Abril e Maio, 2011

ve each other.” Sensual love and the physical relationship do not create this. “There must be harmony with respect to patterns of life and ways of thinking.” The spouses serve each other in every need, beginning with their physical relationship. The station of marriage is comprehended in the law of love.”2 Diz ainda: Marital love is characterized by faithfulness. It is “a covenant of fidelity. The whole basis and essence of marriage is that each gives himself or herself to the other, and they promise to remain faithful to each other and not give themselves to any other. By binding themselves to each other, and surrendering themselves to each other, the way is barred to the body of anyone else, and they content the2 Althaus (1982), p. 92.Trad.: Primeiro de tudo, marido e mulher foram criados um para o outro, felicidade Matrimonial acontece quando “marido e mulher cuidam um do outro, se tornam um, e servem um ao outro.” Amor sensual e relacionamento físico não criam isto. “Deve haver harmonia no que diz respeito a padrões de vida e maneiras de pensar.” Os cônjuges servem um ao outro em todas as necessidades, a começar pelo seu relacionamento físico. O estado de matrimônio é compreendido na lei do amor.


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mselves in the marriage bed with their one companion.” Within this covenant of fidelity, sexual desire and the physical relationship are different from what they are outside marriage. In a marriage properly lived under “the law of love” the sexual relationship is not — as in prostitution — determined by the selfish desire for pleasure but through the will to serve the other with one’s own body, as Paul says, 1 Corinthians 7.3. This law of love (together with one’s own capacity to abstain) also determines the periods of abstention. Luther refers to Paul’s authority in rejecting any other regulations of such abstention. The frequency of sexual intercourse therefore need not be limited to what is ne-

cessary for the conception of children. God permits married people to use intercourse as an expression and realization of marital love. “However, one must still discipline himself to moderation and not turn marriage into a filthy pigpen.” … Our natural selfish feeling is that a marriage which brings only disappointment is a disaster. However, the Christian looks at things differently through the eyes of faith. We may not measure our situation according to our selfish superficial desire for happiness but ought to be concerned with God’s will. Then we will be able to see, even in an unhappy marriage God intends to purify us and mature us for his

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kingdom. “Now, if one of the parties were endowed with Christian fortitude and could endure the other’s ill behavior, that would doubtless be a wonderfully blessed cross and a right way to heaven.”3 Essas palavras nos esclarecem que Deus quer que o casal seja feliz. Feliz em seu casamento. Que o casal seja abençoado por Deus através desse casamento e de uma vida — também sexual — boa e visando o bem estar do outro. Primando pelo amor ao próximo. Outro tema discutido hoje é o “casamento” entre homossexuais. Se nós concordamos que o casamento foi criado por Deus, sabemos que a união entre pessoas de mesmo sexo é qualquer coisa, menos casamento. Contudo quanto ao homossexualismo não há dúvida que desagrada a Deus. E se desagrada a Deus é sinônimo de infelicidade para o homem. Muitos “casais gays” dizem-se felizes por estarem vivendo “plenamente sua homossexualidade”. Mas até quando essa felicidade vazia durará? Felicidade é garantida por uma relação estável com 3 Althaus (1982), p. 92-3. Trad.: O amor conjugal é caracterizada pela fidelidade. É um “pacto de fidelidade. Toda a base e a essência do casamento é que cada um dá a si mesmo para o outro, e eles prometem permanecer fiéis um ao outro e não dar-se a nehum outro mais. Ao ligar-se uns aos outros, e entregando-se um ao outro, não há mais como entregar o corpo a outro, e eles se contentam no leito conjugal com seu companheiro.” Dentro desse pacto de fidelidade, o desejo sexual e o relacionamento físico são diferentes daquilo que está fora do casamento. Em um casamento devidamente vivido sob a “lei do amor” a relação sexual não é — como na prostituição — determinada pelo desejo egoísta de prazer, mas pela vontade de servir o outro com o próprio corpo, como diz Paulo, 1Co 7.3. Esta lei do amor (juntamente com a própria capacidade de se abster) também determina os períodos de abstinência. Lutero se refere à autoridade de Paulo ao rejeitar quaisquer outros regulamentos de tal abstinência. A frequência das relações sexuais, portanto, não precisa ser limitada ao estritamente necessário para a concepção de crianças. Deus permite às pessoas casadas usarem a relação como uma expressão e realização do amor conjugal. “No entanto, ainda é preciso de diciplina e moderação para não transformar o casamento em um chiqueiro imundo.” ... Nosso natual sentimento egoísta é que um casamento, que só traz desilusão é um desastre. No entanto, o cristão olha para as coisas de forma diferente, por meio dos olhos da fé. Nós não podemos medir a nossa situação de acordo com nosso desejo egoísta de felicidade superficial, mas deveríamos nos preocupar com a vontade de Deus. Então seremos capazes de ver, mesmo em um casamento infeliz, que Deus está nos purificando e amadurecendo para o seu reino. “Agora, se uma das partes foi dotada de fortaleza cristã e pode suportar o comportamento doente do outro, isto seria, sem dúvida, uma cruz abençoada e maravilhosa e um caminho certo para o céu.” Abril e Maio, 2011 | Teologia | 7


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Deus. Felicidade é dada por Deus, que quer que nós sejamos felizes. O sexo é importante. Ele foi criado por Deus. Que também criou o meio para que os casais possam viver plenamente sua vida sexual. Porém sexo pelo sexo não é sinônimo de felicidade. Por mais que o mundo queira nos fazer crer nisso. A felicidade vai além. Chega até a Deus. E mais: vem de Deus. Que feliz é uma união abençoada por Deus! Assim sexo é felicidade.

3. Felicidade “zen” Proliferam-se às milhares as religiões da felicidade imediatista. “Você será feliz se encontrar-se com o seu eu interior”. Porém será muito triste quando você alcançar esse “eu interior” perceber que ele (ou você) não é nada sem Deus. A busca religiosa pode ser resumida a uma busca pela felicidade. Alguns procuram religiões que os obrigam a viver quase como escravos. Outros buscam aquelas que praticamente não exigem nada. Hoje existe religião para todo o gosto. Religiões que proíbem jogar bola e outras que proclamam o sexo livre entre todos para uma maior comunhão. Todas dizem-se o caminho da felicidade. É como o caso daquele adivinho que diz adivinhar tudo: “Venha e conheça seu passado, presente e futuro. Conheça seus números de sorte. Conheça-os e fique rico”. Muitas pessoas buscam ajuda nesse adivinho. Muitas vezes sem se perguntar: “Se ele adivinha mesmo tudo, por quê não descobre os próprios números da

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sorte e fica rico?” A desilusão que sente uma pessoa que buscou felicidade em religiões falsas e não encontrou certamente é grade. Sabemos que na maioria das vezes a religião é um recurso quase último. Muitas vezes as pessoas já tentaram de tudo para serem felizes. Por fim tentam a felicidade prometida pelas religiões. Da mesma forma que tratamos no capítulo sobre a felicidade sexual, a busca por felicidade que recorre às religiões é movida pelo egoísmo. “Eu preciso ser feliz. Tenho tudo que o dinheiro poderia comprar, mas não sou feliz. Tenho uma bela família e amigos, mas não sou feliz. Meu casamento é ótimo, mas não sou feliz. Preciso buscar paz com Deus”. O objetivo é ótimo. A felicidade verdadeira vem de Deus. Mas no caso citado acima a busca visa o homem por si. Sua felicidade. A busca parte do homem e é antropocêntrica. Não visa aquela felicidade gratuita dada por Deus. Aquela felicidade que é dada mesmo nos momentos de aflição. A religião verdadeira traz felicidade. Mas ela não parte do homem para Deus. Parte de Deus para os homens. Diariamente.

3.1. Felicidade Gratuita As pessoas se perguntam: “O que é felicidade? Como eu faço para ser feliz? Por quê os outros são felizes enquanto eu não sou?” Elas esquecem que ser feliz é algo relativamente simples. Consiste em estar “de bem com Deus”. Estar amparado nas mãos protetoras do Pai. Desta felicidade nada pode nos derrubar. O dia-


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bo, o mundo e a nossa carne podem até tentar tirá-la de nós. Mas o Doador da felicidade já venceu o diabo, o mundo e a nossa carne. Deus nos dá diariamente a felicidade de podermos viver bem em toda e qualquer situação. “Quer na amargura, quer na aflição, Deus estende a sua mão”. Não há o que temer. Deus vela por nossa felicidade.

4. A Auto-Ajuda Existem milhões de livros de auto-ajuda. Existem aqueles que parecem ser cristãos, mas que a única ajuda que conseguem dar é fundamentada num pensamento antropocêntrico. Existem aqueles que pretendem ensinar a vencer na vida para ser feliz. Como se a felicidade humana se resumisse

a este mundo passageiro. Tomamos um livro de cunho cristão, que diz que Deus é a resposta para vida. Como muitos outros livros que tratam deste tema, algumas das principais respostas que ele pretende dar são para questões como essas: Como poderei deixar de preocupar-me com coisas pelas quais, provavelmente, nada poderei fazer?4 Sinto-me frequentemente como um prisioneiro e não vejo meios para libertar-me. Haverá qualquer coisa que eu possa fazer?5 Sou uma criatura melancólica, como poderei de4 Peale (1966), p. 11. 5 Peale (1966), p. 11.

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senvolver uma visão mais positiva e feliz da vida?6 Como podem esperar que eu faça coisas que sinto estarem acima de minhas limitações? Quem sabe se não sou tão inteligente ou talentoso como os outros?7 Como poderei livrar meu espírito de pensamentos depressivos?8 Contudo, a maioria dos livros de auto-ajuda não vê Deus. Vê o homem apenas. Analisamos o livro “A imagem de si mesmo – Conheça a força de seu poder pessoal” de Maxwell Maltz. Este livro diz de si mesmo na sua orelha anterior: Eis, afinal, o segredo de preencher o vazio entre o que voe tem agora e o que você deseja. Este livro apresenta os exercícios que você deve fazer para liberar as poderosas forças de sua mente e orienta-las no sentido de um melhor rendimento.9 O autor diz que seu objetivo é “ajudar cada um de vocês a desfrutar uma vida feliz”10. Já no prefácio se pode sentir a grande ênfase antropocêntrica: “Se você permitir que eu o ajude e se seu desejo de uma vida melhor for bastante forte, descobrirá que seus horizontes são bem mais brilhantes do que você jamais imaginou”11. Assim o autor segue incentivando seus leitores à autoconfiança. Um resumo do seu livro: Maltz trata a vida como um espetáculo teatral. Neste, nós temos o nosso papel. Para melhor interpretar nosso papel nós precisamos seguir alguns passos. Isto é, fazer alguns exercícios que o autor desenvolveu e nos propõe. Primeiro nós criaremos uma imagem de nós mesmos (auto-imagem). Como se fôssemos atores principais em uma peça. Veremos se a imagem que fazemos de nós é verdadeira ou idealizada. Consideraremos a realidade dos fatos. O aqui e o agora. Sem muitas preocupações futuras. Deste prisma construiremos uma nova auto-imagem. Depois de termos nossa auto-imagem bem ajustada e visível, nós começaremos as mudanças necessárias. Para tais mudanças devemos ir com alma. Aprendendo a conviver conosco mesmos. Se possível, ajudaremos outros a se ajudarem também. Não exigiremos demais 6 Peale (1966), p. 13. 7 Peale (1966), p. 13. 8 Peale (1966), p. 13. 9 Maltz (1967), orelha. 10 Maltz (1967), p. 5. 11 Maltz (1967), p. 5. Abril e Maio, 2011 | Teologia | 9


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de nós mesmos. Reconheceremos os nossos limites. Neste ponto necessitaremos relaxar e tranquilizar-nos. Neste ponto começa nosso crescimento.O autor pergunta: Por que não ser um vitorioso? Deste ponto em diante deveríamos ir melhorando nossa meta (o eu ideal) até ao ponto máximo. Derrubando cada barreira pessoal, ou de qualquer outra natureza. Em todos os momentos nós estaremos no comando do nosso desenvolvimento. Seja eliminando cicatrizes emocionais ou reconhecendo nossas capacidades sexuais, nós estamos no comando. Sempre. No fim receberemos os aplausos pelo espetáculo. Precisamos nos acostumar com a ovação, pois isso faz parte do sucesso que alcançamos. Pena que Deus não existe, pois até ele se curvaria a nós depois que terminarmos os exercícios propostos pelo autor deste livro. Ao menos esta é a sensação que o livro nos passa. Um livro de auto-ajuda excelente. Porém só para aqueles que não vêem Deus como condutor de suas vidas.

5. Felicidade na Bíblia 5.1. Os perversos são felizes por pouco tempo A Bíblia traz exemplos de felicidade e de suposta felicidade. Felicidade que dura eternamente e felicidade que se vai como a água entre os dedos. A Palavra de Deus não diz que o perverso é infeliz. Mas pontua que tal felicidade se restringe a esta vida (Sl 17.14; Lc 16.25). Sendo uma felicidade curta ( Jó 20.5), incerta (Lc 12.20), limitada à vaidade 10 | Teologia | Abril e Maio, 2011

(Ec 2.1; 7.6). É apegada às coisas materiais e deriva de suas posses ( Jó 21.13; Sl 52.7), de seu poder ( Jó 21.7; Sl 37.35), de sua gastronomia (Is 22.13; Hq 1.16), de seu vinho (Is 5.11; 56.12). É também apegada a prazeres vãos ( Jó 21.12; Is 5.12). Muitas vezes os maus, que acreditam ser felizes sem Deus, prosperam em seus intentos (Sl 73.3, 16; Jr 12.1; Hq 1.13). Mas a felicidade sem Deus é finita (Sl 73.17-20). Todo essa “felicidade” é derrubada pela inveja e ciúme (Es 5.13). É interrompida pelos julgamentos (Nm 11.33; Jó 15.21; Sl 73.18-20; Jr 25.10-11). Esta felicidade acabará pior do que se imagina (Pv 14.13; Am 6.1; Lc 6.25). Que triste felicidade.

5.2. A felicidade eterna do filho de Deus Ao contrário da felicidade conseguida por si mesmo que é uma felicidade pífia e passageira. Ou ao invés de uma felicidade que é procurada, mas nunca alcançada. A felicidade real depende de Deus (Dt 28.63). É dada por ele e é eterna para os seus filhos (Sl 36.8). Ainda enquanto estamos no mundo (Dt 30.9) podemos e seremos felizes porque Deus assim o quer. Deus nunca disse que o mundo seria “um mar de rosas” para os seus filhos. Mas disse que eles passariam por dificuldades. Contudo Deus está sempre com eles (Mt 28.20) e está velando para que sua felicidade seja maior que qualquer desgraça (Mt 5.3-12; 2Co 10.12). Os felizes filhos de Deus não precisam ter medo quando passam por tais dificuldades (1Pe 3.14; 4.12-13). Pois sua felicidade está garantida por

Deus (Dt 33.29; Sl 63.5; 128.1-2; 146.5; Pv 3.13-18). O justo, que crê em Jesus Cristo, sabe que algumas das situações difíceis, pelas quais passa, são demonstrações de amor que Deus lhe dá ( Jó 5.17-27). Parece contraditório, mas é o amor de Deus demonstrando-se aos seres amados. E confiando acima de todas as coisas em seu Pai, o justo tem sua felicidade em fazer a vontade de Deus (Sl 40.8; Pv 16.20). Em estar junto com seus irmãos na fé (Sl 133.1). Compartilhando dos bens materiais que são dados pelo próprio Deus (Ec 2.24-26; 3.12-13, 22; Jr 32.41). Mais do que tudo isso, Deus é responsável pela salvação e felicidade eterna do ser humano (Is 12.2-3; Rm 5.2; Fp 4.7). Felicidade maior não existe e jamais existirá.


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Conclusão Todas as pessoas querem ser felizes. Alguns mostram mais esse desejo, e outros ao contrário, vivem felizes suas vidas sem nunca se preocuparem em ser felizes. Podemos falar muita coisa sobre a felicidade. Já existem discursos aos milhares sobre o tema. Infelizmente a felicidade que o mundo procura não dá lugar a Deus. O mundo não vê que a felicidade depende de Deus. Pois que felicidade poderá ser maior do que ouvir de Deus: “Venham, vocês que são abençoados pelo meu Pai! Venham e recebam o Reino que o meu Pai preparou para vocês desde a criação do mundo”. (Mt 25.34). Sejam felizes eternamente. Sejamos felizes eternamente.

Rev. Jarbas Hoffimann — Nova Venécia-ES, pastor e membro da Comissão de Culto da Igreja Evangélica Luterana do Brasil — co-editor e diagramador desta Revista

Bibliografia MALTZ, Maxwell. A imagem de si mesmo – Conheça a força de seu poder pessoal. Rio de Janeiro: Record, 1967. PEALE, Norman Vincente. É fácil viver bem. 3ed. São Paulo: Cultrix, 1964. SHEDD, Russell P. A felicidade segundo Jesus – Reflexões sobre as vem-aventuranças. São Paulo:Vida Nova, 1998. ALTHAUS, Paul. The Ethics of Martin Luther. Philadelphia: Fortress Press, 1982. Abril e Maio, 2011 | Teologia | 11


Autoridade

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Rev. Rui Gilberto Staats

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Reflexões e Perspectivas para Gestão de Pessoas e Equipes A reflexão sobre o papel da autoridade é fundamental para a compreensão a respeito de um caminho ético que possa ser proposto para orientar as mais diversas questões que envolvem a gestão de pessoas, equipes e negócios: resultados, valores, pessoas, projetos, treinamentos, clientes etc. Compreender quais são os mecanismos, os papéis e os limites dos assuntos relacionados à autoridade, como poder, força, influência, responsabilidade, violência, submissão, obediência, respeito e tarefas, é de suma importância para definir os caminhos éticos de uma empresa e de uma pessoa a ela engajada. Diversas ciências se ocupam com este assunto (sociologia, psicologia, filosofia, teologia e teorias da administração) e trazem ricas colaborações para a compreensão do assunto. A não-compreensão da “autoridade” e de sua posição basilar para a ética gera uma série de conflitos entre os vários segmentos da sociedade e, naturalmente, as empresas, seus negócios e a gestão de pessoas. Esses conflitos são objeto de nossa investigação, bem como a apresentação de um caminho ético a ser seguido, baseado em princípios cristãos, seus valores, sua postura e práticas. Palavras-chave: ética, autoridade, responsabilidade, valores, poder, submissão fundamentos ético-filosóficos.

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ética tem sido um assunto amplamente discutido em todos os setores da sociedade e no mais diversos níveis. Se há esta discussão, seguramente, seu agente propulsor é a crise profunda de valores na qual toda a sociedade está embebida. E, já nesta afirmação, encontra-se um grande dilema, pois, ao mesmo tempo em que a sociedade clama por valores “mais nobres”, ela está envolta com atitudes, práticas, perspectivas, atos e ações que contrariam estes valores mais nobres em todos os seus segmentos, desde a família, às igrejas, aos administradores públicos,

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até às empresas (sejam de pequeno, médio ou grande porte). Neste trabalho dois focos, no entanto, serão enfatizados o do aspecto da ética do ponto de vista da “autoridade”; e o do ponto de vista da gestão de pessoas e equipes. A razão destas ênfases se dá em virtude da convicção que se pode obter de que os conflitos éticos decorrentes dos conflitos em relação à autoridade serem basilares para o surgimento de novos conflitos de interesse, e, também, a majoração da intensidade com que eles se dão. O intento nesta pesquisa é, pois,

compreender melhor os mecanismos pelos quais a ética se estabelece, os fundamentos nos quais as condutas individuais e coletivas na sociedade se baseiam. Igualmente, pretende-se apontar que a ética de “amanhã” se constrói hoje, e que os valores assumidos hoje são decorrentes de escolhas já cultivadas “ontem”. Como se pode, então, construir um universo ético menos conflituoso? De que forma o indivíduo pode colaborar ativamente no processo de conquista e construção de uma ética mais “universalmente aceitável?” Nesse sentido, a pesquisa se desenvolve em quatro capítulos. No primeiro capítulo, são analisados alguns conceito e definições de “ética” sob a perspectiva de fundamentos filosóficos e religiosos. No segundo capítulo, analisa-se a ideia de autoridade em diversos saberes das ciências humanas, como filosofia, teologia, psicologia e sociologia. No terceiro capítulo, quer-se fazer uma inter-relação entre a ética e a autoridade e apresentar reflexões e proposições a respeito da ética e de como o assunto autoridade torna-se um de seus temas basilares, com base no que já foi visto nos capítulos anteriores. Por fim, no último capítulo, serão apresentadas reflexões proposições para que se possa construir um universo ético com respeito à autoridade, sob o enfoque da pers-


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pectiva da ética cristã. A pesquisa é bibliográfica e busca em diversos saberes como filosofia, psicologia, teologia, administração de empresas e sociologia, as bases para a apresentação do tema e, naturalmente, quer apontar um caminho, dentro da perspectiva cristã, para servir de base para a apresentação de um indicativo para a construção deste universo ético com valores mais nobres.

1. A caracterização do problema A ética tem tomado a frente de grandes discussões, em todos os segmentos da sociedade, seja no contexto educacional, político, trabalhista, econômico, familiar e tem oferecido oportunidade de discussão nos mais diferentes meios de comunicação, sejam revistas, jornais,

livros, televisão, rádio, conversas informais, seminários. Inicialmente, faz-se importante trazer algumas definições e conceitos sobre a ética e sobre a autoridade. De modo mais genérico, muitas e diferentes formas de perceber ética e autoridade são apresentadas pela conceituação teórica e por sua aplicação prática. Algumas descrições da ética são feitas sob os seguintes termos: ética previdente, ética existencial, ética ideativa, ética ideológica (WEISS, p.46); ética prudencial e pré-ética, ética cristã, ética idealista e ética naturalista (FORREL, pp. 35-76); ética relativista, ética hedonista, ética estética (também chamada de ética utilitarista) (WARTH, p. 46), entre outras. O que há de comum em todas estas concepções é que todas, cada uma a seu modo, versa sobre valores e costumes, os quais são usa-

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dos para regular (orientar, corrigir, punir, recompensar) os comportamentos dos indivíduos, ou grupos de indivíduos, em uma determinada sociedade. Esses valores podem ser confundidos com o conceito de “moral”, de maneira que ao se falar de ética se estaria também falando em moral. Ética e moral, então, segundo Chauí (p. 340), “referem-se ao conjunto de costumes tradicionais em uma sociedade e que, como tais, são considerados valores e obrigações para a conduta de seus membros” ou, considerando a origem grega de ethos, “significa caráter, índole natural, temperamento, conjunto de disposições físicas e psíquicas de uma pessoa” (Idem, p. 340). Estes costumes ou valores estão enraizados em qualquer comunidade, e, evidentemente, cada comunidade com seus próprios valores e costumes, e têm

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sido objeto de estudo em diferentes áreas do saber. Esses valores podem ser vistos sob óticas distintas ou, melhor dizendo, sob ideologias, ou bases de valores maiores e dominantes, distintas. Algumas dessas bases de valores são descritas de modo muito pertinente por Forrel (p. 39-76) sob os seguintes nomes: ética estética, ética hedonista, ética relativista, ética cristã, ética naturalista e ética idealista. A ética estética foi apresentada em seus primórdios por Aristóteles em sua “Ética a Nicômaco”, e defende uma visão utilitarista para apontar quais seriam os valores que deveriam ser adotados e cultivados pelos cidadãos da pólis. A ética é definida, não por valores absolutos subjetivos, mas por valores que estão permeados nas relações entre os indivíduos, as instituições e o pensamento dominante de uma cultura em sua época. Aristóteles escreveu que tudo o que conduz ao “bem” é que deveria orientar as ações humanas e as suas decisões. Em seu conceito de “bem” estava a “pólis” e tudo o que de alguma forma beneficiasse os indivíduos e a coletividade dela. Hoje, no entanto, o que é o “bem”? Quantos “bens” e quantas “comunidades” existem? Forrel descreve com as seguintes palavras os valores dos que vivem sob os valores estéticos (utilitaristas): “Esqueça o passado e o futuro, é o que dizem. Viva agora! De que adianta trabalhar para prazeres futuros ou preocupar-se com dores futuras? E por que preocupar-se com a natureza? A natureza não se preocupa com você. Tente tornar a sua vida significativa, apesar de em última análise ela não 14 | Teologia | Abril e Maio, 2011

ter sentido. Tente desfrutar a vida, mesmo que a dor sobrepuje o prazer. e se é para existir a dor, talvez você possa aprender a desfrutar até mesmo a dor. Não tente dar ao universo um sentido que ele não tem. Não tente encontrar para a sua vida um propósito situado no futuro. Encare a desesperança de sua situação e então tente tirar o melhor partido dela possível.” (FORREL, p. 59-60). É uma perspectiva existencialista. E, embora a vida do homem seja breve e impotente, segundo Bertrand Russel1, ela pode permitir tirar dela o máximo possível de sentido. A ética utilitarista mudou de perspectiva no curso dos séculos. Em nossos dias, dominados por um materialismo extremo, a “Lei de Gérson” tem sua forte colaboração. 1 Citado por Forell, op. cit. p. 60.

Assim, as decisões e as ações dos indivíduos são impulsionadas pelos resultados para os quais elas podem conduzir. Seria então a velha máxima de que “os fins justificam os meios”. Se assim é, as decisões e as ações podem ser tão variadas quantos são os indivíduos e os grupos aos quais elas representam, e a seus interesses, ou seja, tem em vista os resultados que se espera que as decisões e as ações alcancem, a menos que haja um consenso coletivo a respeito deste “bem”. Um grande defensor da ética utilitarista é Peter Singer (SINGER, p. 16) que a descreve com as seguintes palavras: “A ética exige que extrapolemos o “eu” e o “você” e cheguemos à lei universal, ao juízo universável, ao ponto de vista


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do expectador imparcial, ao observador ideal, ou qualquer outro nome que lhe dermos.” Mas quem vai determinar isso? Quem vai estabelecer o que é o mais universal possível para os padrões éticos? Uma lei, o bom senso (de quem?), a razão, a intuição o livro de Singer? Posso obrigar os outros a adotarem minha maneira de perceber a vida e seus valores universais? Como tornar esses valores e princípios universalmente aceitos? Na verdade, cada época e cada nova situação trariam novos fins a serem alcançados, determinados pelas necessidades coletivas. Não é fácil a tarefa! Quem conseguirá dar à humanidade este consenso e quase unanimidade! Talvez tenhamos que aguardar o ser humano evoluir eticamente, como indivíduo e como coletividade. Talvez alguém afirme que essa evolução ética está acontecendo, talvez não. Ou, talvez seja tarde demais, quando, eventualmente, a humanidade estiver próxima de atingir tal maturidade. Outra forma de perceber um padrão ético é descrito por FORELL (pp. 48–54 ) como sendo o naturalismo. Seu modelo é encontrado, como sugere o nome, na natureza. Alguns o chamam de “o desenvolvimento máximo do processo evolucionário” (FORREL, p. 48). Logo, orientado pela Teoria da Evolução e pelo Darwinismo, sugere-se por esta perspectiva que “como é o propósito da natureza que o apto sobreviva, tudo o que contribui para a sobrevivência do mais apto é bom, e

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tudo o que dificulta sua sobre- decisões e ações e nos resultados que vivência e ajuda o inapto a so- almeja. breviver é mau.” O relativismo (FORELL, p. 54–58) oferece dificuldades muiEntão, que vença o melhor! A to grandes para estabelecer um luta é pela sobrevivência. Se seres conceito inteligível de ética. Um de espécies diferentes ou da mesma sofista grego chamado Protágoras espécie precisam ser sacrificadas, se (FORELL, p. 55) sugeriu que “o a natureza tiver de ser dilapidada, homem é a medida de todas as coise grandes massas humanas tive- sas”. Não existe certo e errado; exisrem de ser desconsideradas – que tem modos diferentes de se ver ou assim seja. Tudo pelo progresso, avaliar uma mesma situação. Então pela ciência, pelo desenvolvimento. o que é certo e errado torna-se tão Manda quem pode e obedece quem incerto e tão certo ao mesmo temtem juízo. Há um grupo de pessoas po, quanto alguém pode gostar de superiores, melhores, e que devem cores fortes e outros de cores suadominar, reinar, sobreviver. Esse ves. No relativismo não se discutem tipo de pensamento já levou a hu- valores como não se discutem gosmanidade a cometer os mais atrozes tos. Como conviver, então, quando crimes (humanitários, sociais, eco- duas ou mais pessoas disputam um lógicos, etc.). E talvez não estejamos mesmo interesse sob óticas diferenassim tão distantes desta realidade tes e contraditórias? Poderá dessa hoje, embora o discurso divulgado disputa acontece um consenso, um na grande mídia seja o do bem estar acordo moral? Por isso, bem coloca social da coletividade, em nome do Forrel em sua crítica ao relativismo progresso. ético, que embora pareça ser culto Há, no entanto, algo no natura- e sofisticado, ele não serve de base lismo que, se fosse observado como para se construir um universo ético é na natureza, no comportamento para a humanidade. animal, poderia ser usado como um “A contradição envolvida neste parâmetro razoável para a humaniensinamento é óbvia. Em dedade, pois, na natureza, o comporfesa da amplitude de idéias, tamento animal pela sobrevivência somos confrontados por pessoé legítimo, visto que não se trata de as de mentalidade totalmente uma luta por vaidades, invejas, ciúestreita, que dogmaticamente mes, interesses pela acumulação de defendem a verdade absoluta bens materiais ou pelo fascínio da que não existe verdade absoludominação sobre grandes grupos (o ta” (p. 57) que, na cultura humana, sempre resulta em benefício de alguns poucos Quando, então, o assunto é autodominadores e não da coletivida- ridade, que autoridade poderá exisde). O comportamento humano é tir um convívio no qual todos pocompletamente diferente do com- dem ter razão, todos estão corretos portamento “animal”. A diferença e no qual todos, a seu modo, procefundamental está nos valores que se derão de tal forma que a sua posição cultivam (aliás, afirmam que a cul- seja a válida? Serão as pessoas assim tura é exclusividade humana) como tão politizadas que ninguém se atresendo seu ponto de partida para as verá a infringir o espaço alheio, o Abril e Maio, 2011 | Teologia | 15


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interesse alheio, o poder e a responsabilidades dos outros? Parece que a possibilidade de uma tal relatividade nos remeta ao conceito primeiro de anarquia, que se mostrou absolutamente impraticável nos lugares em que se pretendeu adotá-la. A experiência humana tem mostrado que há um mínimo de valores que precisam ser absolutizados, para que a vida social humana seja possível. Entre estes valores, destacam-se o respeito à vida, à liberdade, à propriedade, liberdade de expressão, entre tantos outros. Ética hedonista é definida como aquela que tem por base e por resultado o prazer. Uma pessoa hedonista “acredita que a bondade de uma ação depende inteiramente da quantidade de prazer que ela venha lhe assegurar. O bem é identificado com aquilo que dá prazer, e o mal com aquilo que causa dor (FORELL, p. 41). Embora pareça, em um primeiro momento, algo um tanto quanto desqualificado para se falar em ética, este princípio, na prática, não o é. Quando se presta um pouco mais de atenção às propagandas mercadológicas, o seu grande trunfo ou enfoque é o prazer, ou a satisfação de necessidades supérfluas, que são desencadeadas nos possíveis consumidores pela força da emoção, da busca pela satisfação de sonhos, prazeres, ou pela fuga da vergonha, do medo, do ser “démodé”. Em outras palavras: busca de prazer e fuga da dor. E o que as pessoas são capazes de fazer ou deixar de fazer para transformar em realidade esta busca ou fuga? A dificuldade do sistema é evidente: prazer é o tipo de palavra que pode significar um milhão de coisas para um milhão de pessoas. O sistema democrático de administração da coisa pública parece to16 | Teologia | Abril e Maio, 2011

lerar um misto de utilitarismo com hedonismo universalista, que, do ponto de vista do primeiro conceito, admite a busca do bem comum, mas que do ponto de vista do segundo conceito, alguns serão prejudicados, visto que não se pode agradar a todos. Isso, aplicado ao princípio da autoridade, parece ser um “prato cheio” para o debate. Este ponto de vista tem sido amplamente aceito em todos os segmentos da sociedade, pois vem ao encontro de uma suposta liberdade e autonomia desejada por todas as pessoas. Poderá a busca pelo bem da maioria justificar o descaso com as minorias? Contudo, há um movimento oposto a este pensamento, que, sob o argumento da luta contra a desigualdade, está impondo às maiorias a aceitação do direito das minorias, sem o direito da contestação ou da livre manifestação do pensamento. A autoridade se impõe para estabelecer direitos que, pelo desejado caminho da conscientização, naturalmente não aconteceria, ou teria um longo caminho a percorrer até atingir o nível desejado. O idealismo ético foi apresentado por filósofos proeminentes (entre eles Immanuel Kant), que defendem que os conceitos de certo e de errado só serão encontrados fora do homem e fora do empirismo naturalista. Esse ideal pode ser intuitivo ou racionalista O primeiro seria baseado em um princípio também conhecido como “consciência” e que dá a todos um senso de dever. No entanto, a seguinte observação pode ser notada: “assim como os homens têm olhos e assim podem ver e têm ouvidos e assim podem ouvir, da mesma maneira todos têm

um sendo moral que lhes possibilita distinguir o certo e o errado. Esse senso moral é comumente localizado na consciência, mas até mesmo os defensores desta teoria discordam quando ao conteúdo exato da consciência. Existem alguns que acreditam que a consciência diz a todos que é errado matar, mentir, enganar, roubar ou cometer adultério, e que


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é certo ser honesto, cortês, corajoso e justo. Quem quer que negue um fato tão óbvio, dizem, é moralmente cego.” (FORELL, p. 38) Por outro lado, outros propõem uma visão puramente racional para o estabelecimento dos valores que levarão a uma conduta ética. O argumento será silogístico. Matar é errado, pois se isso for tolerado, po-

derá levar a raça humana à extinção. Roubar é errado, pois, se for permitido que em alguma ocasião isso seja justo, então, quando alguém se sentir prejudicado, perdendo bens por meios que não são aceitos, como poderá contestar ou reclamar? Assim, os argumentos a respeito do que é certo e do que é errado tem base apenas racional. Quais serão as normas que poderão orientar as decisões éticas? Em suma, os argumentos são ou teleológicos ou formalistas (FORELL, p 75). O formalista enfatiza a intenção, enquanto um teleológico enfatiza o resultado. As duas formas, contudo, são usadas de modo simultâneo por todas as pessoas em quase todas as situações (FORELL, p. 76). O que foi exposto até aqui, ao que parece, não é o suficiente para estabelecer uma perspectiva ética que dê sustentação e consistência para sua prática no dia a dia. Por isso, a fim de tentar suprir esta falta, ver-se-á a perspectiva da ética cristã. Nela pode-se perceber um caminho que é possível ser trilhado, na teoria e na prática. Na ética cristã, o motivo é o mais importante. Segundo Warth (p. 124), “para o cristão, a escala de valores começa com o reino e a sua liberdade. As demais “coisas” são acrescentadas (Mt 6.33). Essas coisas podem variar da escala de valores de pessoa para pessoa. Jovens têm escalas diferentes dos adultos. Pesquisa entre jovens colocaram como prioridades; equilíbrio interno, felicidade, igualdade, segurança da família e liberdade. Como menos importantes para o jovem: mun-

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do de beleza, vida confortável, segurança nacional, vida excitante, prazer. Adultos buscam: amor durável, fidelidade, valor espiritual, unidade do casal, filhos. Ricos e pobres terão escalas de valores variados. Políticos e líderes terão outra escalas que aquelas dos que estão ativos na economia e na agricultura.” Nas palavras de Warth, a ética é apresentada como um assunto diretamente relacionado a uma perspectiva espiritual, que ele aponta como sendo o “reino de Deus”, e a uma escala de valores. Isso faz com que o cristianismo tenha em suas raízes, em sua base de valores éticos, uma ideia muito distinta de todos os outros modelos já vistos anteriormente. As outras proposições éticas têm uma perspectiva puramente material, imanente (infelizmente, algumas correntes da ética cristã já estão se deixando tomar por essas visões “imanentista” da ética). Não se quer dizer com isso que a ética cristã trate apenas da dimensão espiritual ou transcendental e que nada tem a ver com a realidade corriqueira e concreta das questões humanas. Muito pelo contrário, a ética cristã acredita que somente quando uma pessoa (e a coletividade) tem a consciência de sua natureza espiritual é que poderá também se reportar eticamente e de maneira consistente nas relações concretas com seus pares, discutindo os interesses secundários, ou aqueles que Warth chama de “outras coisas”, respeitando os valores primários. Os valores que o cristianismo chama de valores primários, podem ser observados nos Dez Mandamentos. Não se trata de tentar relembrar Abril e Maio, 2011 | Teologia | 17


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aqueles valores que se aprendem na catequese, de forma engessada e simplista. Trata-se de poder perceber que nestas orientações do Reino estão os grandes valores para que a humanidade possa conduzir-se da maneira mais harmoniosa, mais justa e mais respeitadora entre seus semelhantes (embora, seguidamente, os seres humanos não se considerem iguais, nem se tratem como tais). Esses valores podem ser descritos como os grandes princípios ou valores éticos da sociedade: o princípio da autoridade, o princípio da vida, o princípio da fidelidade, o princípio da propriedade, princípio da probidade2. Naturalmente, não vamos agora nem sequer descrever cada um deles, senão somente aquele que é motivo de nossa pesquisa e reflexão. O que vale dizer a respeito deles, e isso tem um grande valor intrínseco, é que, na verdade, eles não podem ser dissociados e que nenhuma questão ética, deixará de ter suas implicações em todos os princípios acima mencionados. Por exemplo, se alguém furta, ele fere o princípio da propriedade, e também pode estará ferindo o princípio da fidelidade, se ele se aproveitou de alguma amizade ou condição profissional que lhe facilitasse a apropriação indevida; assim também pode estar ferindo o princípio da vida, visto que poderá estar tirando o alimento de uma criança ou os recursos financeiros para o tratamento de saúde de um 2 Estes termos são uma tentativa de sumarizar os temas que estão presentes em cada um dos mandamentos, do quarto ao oitavo, que tratam, respectivamente, da honra aos pais, de não matar, de não furtar, de não cometer adultério e de não dizer falso testemunho. 18 | Teologia | Abril e Maio, 2011

enfermo; o principio da probidade, da mesma forma, pois poderá usar de subterfúgios, de mentiras, de falsidade ideológica; enfim, quem fere um princípio, a rigor, fere todos. No entanto, é possível dizer-se que o princípio da autoridade, na perspectiva da ética cristã é basilar para todos os demais, conforme será visto a seguir.

2. A autoridade em diversas perspectivas O assunto da autoridade é relevante para muitas ciências. A psicologia, por entender que podem haver muitos desvios de conduta por parte dos indivíduos e de comunidades, tanto da parte dos que exercem a autoridade (poder) como da parte dos que são submetidos a ela (obediência); a sociologia também estuda esta relação de modo muito particular, por entender que da compreensão deste assunto podem ser estabelecidos ou compreendidos muitos comportamentos e mecanismos sociais; a filosofia também dela se ocupa, porque está diretamente relacionada a assuntos caros a ela, como moral, ética, poder, dominação e a eterna busca por respostas existenciais: De onde vim? Quem sou? Que faço aqui? Para onde vou?; para a teologia, sem dúvida alguma, também é assunto de grande interesse, pois o poder e a autoridade estão diretamente relacionados ao conceito e existência de Deus, da criatura e do Criador, da fé, da obediência, etc; e, por fim, também das ciências relacionadas à Administração de Empresas e à administração em geral. Como introdução, pode-se já afirmar que todas estas ciências têm uma perspectiva em comum quanto

à autoridade (psicologia, administração, filosofia, sociologia), que é diferente da visão da teologia. As primeiras lidam apenas com o humano, com o material, com o imanente e, mesmo quando admitem uma perspectiva espiritual, na verdade, apenas o fazem como sendo uma manifestação puramente humana; e, se for espiritual, será tratada do ponto de vista da psique, ou da literatura, ou do imaginário, e não da uma dimensão espiritual real, transcendente, que está além da realidade humana e seja independente dela. De toda forma, é da mais alta relevância abordar estas diversas compreensões, porque, apesar de acreditar-se que a perspectiva teológica é a que poderá dar uma resposta mais satisfatória a uma visão ética consistente, são as outras visões que têm dominado a prática da ética em todos os tempos. Em seu livro “Psicologia da relação de autoridade”, Roger Mucchielli faz considerações muito importantes a respeito deste assunto, destacando o que considera como


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manifestações doentias da autoridade e da submissão, e também, como seria uma relação de autoridade na qual poder e força, submissão e obediência seriam saudáveis. Entre as psicopatologias da relação da autoridade, Muchielli aponta qualidades importantes para as relações de autoridade, como a “vontade de poder e o desejo de dominar” (p. 21). Afirma que são manifestações naturais dos indivíduos e grandes fatores de motivação social. A “autocracia” ou a paixão pelo poder que, embora sejam necessários ao “chefe”, podem ser marcados pela impaciência e por outros detalhes, e tender ao comportamento doentio (p. 23), fazendo surgir o totalitarismo, o despotismo e outras manifestações de autoridade assinaladas como sendo prejudiciais à sociedade. Mas nem sempre é quem detém a autoridade que está doente. Segundo o mesmo autor, e isso é importante de se observar, muitas patologias de autoridade estão diretamente vinculadas a psicopatologias dos seguidores (pp. 28-34),

relatando que há pessoas que vêem em seus superiores a figura de pai e de mãe, e esperam deles proteção e afetividade; há subordinados que podem ver em seu superior um modelo a ser seguido e a realização de seus próprios sonhos; pode haver o subordinado masoquista, que gosta de alguém que lhe faça cobranças de forma agressiva, ruidosa e arbitrária. A relação da autoridade é, então, um caminho de duas vias, no qual, quando uma delas está desequilibrada, toda a relação sofre graves prejuízos e, em consequência, todo o universo ético. Desta forma, o que se faz necessário é uma relação saudável entre a autoridade e seus subordinados. Mas é importante que se perceba que até mesmo esta designação “autoridade X subordinado” já é carregada de significados que ideologicamente definem valores e padrões éticos. Em uma proposição de como seria uma autoridade saudável, Mucchielli assim escreve, relacionando-a com o poder de influenciar grupos e comunidades, bem como os valores

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e as decisões ali tomadas. Ele assim escreve: “Em tese, ela corresponde a uma posição social e não a uma pessoa. É dessa posição que emana o poder da influência. Esta influência é, em tese, garantida e protegida pelas posições hierárquicas superiores a ela e, além disso, atua com as normas da organização, isto é, com a possibilidade de recompensar e de sancionar segundo os próprios comportamentos nos papéis dos subordinados sejam conformes ou não-conformes às normas da organização”. (p. 51). Segundo seus estudos, a autoridade é vital para a sociedade humana, pois a relação de poder e submissão, que ele chama de “dominância” tem repercussões da mais alta significação para a sobrevivência da humanidade. Assim, pois, descreve estas repercussões: “A ‘dominância’ aparece como um princípio, cuja função é considerável: 1) estabilidade e ordens internas; 2) economia de agressões intragrupo, que seriam perda de energia e redução numérica do grupo; 3) melhor defesa da comunidade; 4) sobrevivência do grupo em relação a seus predadores e inimigos hereditários; 5) transmissão rápida de informações úteis e “educação” dos jovens que devem aprender o mais depressa possível os sinais de perigo” (p. 46). As lutas, nos grupos, pelo poder e autoridade, submissão e obediência se darão no nível de conformidade e não-conformidade. Esta relação vai Abril e Maio, 2011 | Teologia | 19


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interferir diretamente no desempenho do grupo para alcançar seus objetivos (ética teleológica) ou para portar-se fielmente aos seus valores pré-definidos (ética formalista). Davidoff (p. 641) diz que a conformidade com a autoridade pode dar-se em quatro padrões clássicos: “concordância e aceitação; concordância sem aceitação, aceitação sem concordância e ausência de aceitação e de concordância”. Em meio a tantos caminhos no comportamento da psique social humana, como pode alguém estabelecer uma autoridade saudável? Seria, conforme citamos acima (Mucchielli, p. 51), a compreensão de que a função é mais importante que a pessoa. Embora possa parecer, em um primeiro olhar, descabido, pois mesmo o primeiro sendo de uma perspectiva claramente naturalista, este entendimento tem uma afinação muito grande com a visão teológica, conforme será visto à frente, quando forem abordados alguns entendimentos da função social que a autoridade desempenha para a ética. A Sociologia também tem seus grandes representantes no estudo da questão da autoridade e dois de seus grandes representantes são Maquiavel e Max Weber3. A Administração de Empresas, por sua vez, tem se preocupado com a ética nos negócios e, naturalmente, com as questões éticas que envolvem a gestão de pessoas: as lideranças, os empreendedores, os gestores e administradores, os empregados, os proprietários e acionistas de negócios e empresas. São muitas as obras que versam sobre o assunto. Tom Chappel, dono de uma empresa familiar, que alcançou sucesso, escreve que queria 3 Confira mais adiante, p. 31s. 20 | Teologia | Abril e Maio, 2011

que a grande empresa que iniciou mantivesse os mesmos princípios que a fizeram chegar aonde chegou. Em sua obra “A alma do negócio: como administrar em função dos lucros, da ética e do bem comum”, demonstrou esta grande preocupação e o interesse direto no assunto que diz respeito ao assunto que hora é abordado, e assim o descreve: “Aqueles profissionais com os quais estávamos agora discordando nos ajudaram a alcançar nossos objetivos e, eu sentia, podiam nos ajudar a ir ainda mais longe. Mas como é que poderíamos continuar a recorrer às suas aptidões e ainda convencê-los, como meus executivos, a acreditar nos tipos de intuições e valores que geraram o nosso sucesso original? Como eu poderia afastá-los de suas tendências utilitárias? De que maneira eu poderia fazer com que a diretoria da Tom´s of Maine compreendesse a sabedoria -e a empolgação -de nosso estilo empresarial? Eu queria que todos eles soubessem que a Tom´s of Maine tinha a oferecer uma alternativa à abordagem desalmada, sinistra, voltada para os números, das empresas americanas de um modo geral.” Na verdade, Tom Chappel estava diante de um grande conflito de autoridade. Ao ter em sua empresa novas pessoas, novas cabeças, novas visões, novos valores e possibilidades foram apresentados e, com eles, conflitos. Ele queria que seus colaboradores mantivessem os mesmos princípios com os quais eles fizeram sua empresa crescer e tornar-se grande. Vejam os seguintes ques-

tionamentos que se pode fazer: “E se seus colaboradores não compreendessem a sua proposta? Teriam instrução até que compreendessem? Seriam demitidos? Substituídos? A empresa cessaria seus negócios? Talvez seu grande mentor devesse ceder aos caminhos éticos comuns a tantos outros concorrentes de mercado e seus valores mais pragmáticos ou materialistas? Conseguiria a empresa manter-se competitiva e sobreviver se não lutasse com as mesmas regras da concorrência? Deveria seu proprietário ceder aos interesses de todos os outros colaboradores, sendo que eles são extremamente importantes para o anda-


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mento da empresa? O que significa ter e manter autoridade?” Esses questionamentos eram significativos quando houve a proposição da gestão por resultados. Essa visão, que foi assumida pelo mercado, a partir do novo modelo de gestão apresentado por Peter Drucker4 em 1954 em seu livro The Practice of Management, levou o mercado e o mundo dos negócios a praticar uma nova tendência em valores, postura e ações éticas. Tudo parece ter-se tornado ainda mais materia4 In: http://pt.wikipedia.org/wiki/ Administra%C3%A7%C3%A3o_ por_objetivos, acessada em 24/08/2009 às 20’46”

lista, menos social, mais insensível, menos humano. E a tendência do neo-liberalismo: materialista, prático e calculista. Hoje há, novamente, uma preocupação com os resultados de uma prática desta natureza e fala-se em humanizar, harmonizar, integrar o mundo dos negócios e a gestão de pessoas e equipes. Por onde trilham as preocupações da ética no mundo da gestão de pessoas equipes e negócios? O que realmente tem predominância é a visão formalista ou a teleológica? Barbara Ley Toffler, em uma análise das questões que preocupam o mundo da ética nos negócios, escreve que há basicamente três grandes áreas em jogo, tendo consultado um grupo de gestores: 1) gerência de recursos humanos e administração de pessoal, com 66,10% das preocupações; 2) gerência de elementos externos, com 16,90%; 3) gerência de risco pessoal versus lealdade à empresa, com 11,90%. Os outros 5,1% dizem respeito a todos outros problemas éticos (TOFFLER, . 3). Os assuntos apresentados sob a caracterização de recursos humanos, administração de pessoal, fidelidade à empresa estão diretamente relacionados à questão da autoridade. É notório que, quando se fala de problemas éticos em quaisquer níveis, as questões levantadas são de ordem prática, concreta, como a luta por melhores salários, por maior produtividade, por menor carga de trabalho, pela participação nos lucros da empresa e poucos procuram por coisas que estão nas bases destas demais discussões. Marvin T. Brown, em sua obra “Ética nos negócios” argumentando sobre ética e poder, expõe que “Os sistemas humanos devem reconhecer os direitos de seus

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membros, devem ser justos e energéticos ou, para usar outro termo, devem gerar poder. Para desenvolver uma organização responsável, precisamos entender a geração e o uso do poder, o tipo de justiça que devemos praticar e os direitos individuais que devemos respeitar. Se um sistema é justo e os direitos são respeitados, os grupos terão o poder de fazer o que é certo”. Ou seja, por detrás da luta por determinadas questões está uma outra luta muito maior, da qual ninguém consegue se desvencilhar: a luta das relações de autoridade. Esta luta tem a ver com a gestão de pessoas, muito mais do que da gestão de negócios. Brown sugere que haverá o equilíbrio quando houver justiça e, havendo justiça, todos terão poder para fazer o que é certo. Contudo, a questão da autoridade, apesar de estar diretamente relacionada ao poder e de não se desvincular dele nunca, possui elementos outros que a fazem ser muito mais que uma questão de poder, de dominação e de força. Ao se falar de ética sob a perspectiva da filosofia, tem-se a oportunidade de buscar bases teóricas muito importantes para a questão da autoridade. Como a intenção não é fazer uma abordagem detalhada da ética em filosofia, serão lançados apontamentos muito pontuais feitos por Marilene Chauí em sua obra “Convite à filosofia”. Inicialmente pode-se falar dos juízos de valor e juízo de fato, sendo que “juízos de fato são aqueles que dizem o que as coisas são, como são e porque são.(...) diferenteAbril e Maio, 2011 | Teologia | 21


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mente deles, os juízos de valor, as avaliações sobre as coisas, pessoas situações e são proferidos na moral, nas artes, na política, na religião. Juízos de valor avaliam coisas, pessoas, ações, experiências, acontecimentos, sentimentos, estados de espírito, intenções e decisões, como bons ou maus, desejáveis ou indesejáveis.” A diferença é entre a objetividade e a subjetividade dos fatos. Fatos que independem da interferência humana não fazem parte de questões éticas, a menos que estes acontecimentos possam ser atribuídos às “divindades” ou às consequências de ações humanas anteriormente praticadas. Como resultado disso, pode-se afirmar que toda ação já é em si um juízo de valor, pois, via de regra, os atos humanos são pensados, intencionados, premeditados, já carregados de juízo de valor em si mesmos, sejam valores formais ou teleológicos. Segundo Chauí, um determinado assunto pode ser denominado de “questão ética” se preencher certos requisitos: agente consciente, responsabilidade, sujeito ético e a liberdade. Sobre o agente consciente afirma que “O sujeito ético ou moral, isto é, a pessoa, só pode existir se preencher as seguintes condições: • ser consciente de si e dos outros, isto é, ser capaz de reflexão e de reconhecer a existência dos outros como sujeitos éticos iguais a ele; • ser dotado de vontade, isto é, de capacidade de controlar e orientar desejos, impulsos, tendências, sentimentos 22 | Teologia | Abril e Maio, 2011

(para que estejam em conformidade com a consciência) e de capacidade de deliberar e decidir entre várias alternativas; • ser responsável, isto é, reconhecer-se como autor da ação, avaliar os efeitos e consequências dela sobre si e os outros e assumi-la bem como às suas consequências, respondendo por elas; • ser livre, isto é, ser capaz de oferecer-se como causa interna de seus sentimentos atitudes e ações, por não estar submetido a poderes externos que o forcem e o constranjam a sentir, a querer e a fazer alguma coisa" (CHAUÍ, p. 337). Estes são os elementos que levam este sujeito consciente a tomar decisões. Estas decisões vão transformar-se em ações (ou omissões) e estas, por sua vez, serão tomadas com base em valores. Podemos, então dizer, que a ética está nos valores que cultivamos. Mas de onde eles vêm? Segundo Chauí (p. 340), “Nossos sentimentos, nossas condutas, nossas ações e nossos comportamentos são modelados pelas condições em que vivemos (família, classe e grupo social, escola, religião, trabalho, circunstâncias políticas, etc.). Somos formados pelos costumes de nossa sociedade, que nos educa para respeitarmos e reproduzirmos os valores propostos por ela como bons e, portanto, como obrigações e deveres. Dessa forma, obrigações e deveres parecem existir por si e em si mesmos, parecem ser naturais e intemporais, fatos ou

dados com os quais nos relacionamos desde nosso nascimento: somos recompensados quando os seguimos e punidos quando os transgredimos" (CHAUÍ, p. 340). Uma das grandes forças que moldam os valores de uma sociedade está nos costumes que acabam se firmando em diferentes épocas. As duas palavras que muito comumente são usadas para descrever costume são, como já havíamos apontado acima, moral e ética. A primeira é de origem da língua latina (mores) e a segunda de origem grega (ethos) e representam ambas, “ao conjunto de costumes tradicionais de uma sociedade e que, como tais, são considerados valores e obrigações para a conduta de seus membros” (CHAUÍ, p. 340). Há, no entanto, para a palavra de origem grega, uma segunda interpretação para o termo “ethos”, escrita com vogal longa, e significa “caráter, índole natural, temperamento, conjunto de disposições físicas e psíquicas de uma pessoa” (CHAUÍ, p. 340) e pode-se disso argumentar que ética é um assunto subjetivo, individual. A perspectiva da teologia será abordada na sequência desta exposição.

3. A autoridade e a ética Quando o assunto a ser tratado é a ética, a quase totalidade dos escritores, debatedores e pensadores fazem uma abordagem pragmática e pontual, ou seja, vão direto às questões de conflito tais como pena de morte, eutanásia, aborto, desmatamento, poluição do meio ambiente, sacrifício de animais, impostos,


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preços abusivos, direitos do consumidor, direitos humanos, questões morais relativas à sexualidade, biogenética, eugenia, transgênicos, etc. Alguns poucos tratam da ética levando em conta os pressupostos, os fundamentos e as bases que levam as pessoas e as comunidades a adotarem determinados comportamentos, posturas e condutas, que são chamados de “conduta ética” ou “postura ética” ou a falta delas. A intenção, a partir deste momento, é apresentar reflexões e proposições a respeito da ética e de como o assunto autoridade torna-se um de seus temas basilares. Muitos dos conflitos éticos são, na verdade, conflitos de autoridade. Devemos, portanto, primeiramente apresentar algumas considerações a respeito da ética e sua ambiguidade entre o real e o ideal; e, em segundo lugar, investigar os conceitos de autoridade e outros conceitos que estão intrinsecamente a ela ligados, como poder, força, violência, dominação, responsabilidade, direitos e deveres; e por fim, como esses dois conceito anteriores podem ser vistos em situações concretas no âmbito da gestão de pessoas e equipes e no mundo dos negócios, no dia-a-dia das autoridades e dos seus subordinados. Primeiramente, vale dizer que não existe povo ou pessoa sem ética. A ética é sempre um reflexo dos valores e pressupostos que a sociedade tem como sendo seus valores fun-

damentais. Tais valores podem ser conscientes ou mesmo inconscientes. Eles são, via de regra, os valores comuns de um meio que cerca o indivíduo e permeiam a sociedade. Esses valores são assumidos nas relações que os indivíduos têm entre si e que vão se firmando e modificando através dos tempos e dos acontecimentos. A ética humana é, então, um produto da cultura. Ela não é absoluta, nem pré-existente; mas existirá na medida em que houver relações humanas. Quando então alguém afirma: “Isso não é ético!” “Você não tem ética!”, na verdade ela está afirmando que o comportamento e os valores que levaram determinada pessoa ao comportamento demonstrado ferem os seus próprios valores e aqueles valores e comportamentos tidos como aceitáveis em uma determinada comunidade. E é por essa razão que a idéia de uma ética idealista, em uma perspectiva até simplista, é muitas vezes aceita como a ética que todos deveriam praticar, porque até uma mente com perspicácia inferior (se é que ela existe), pode perceber que determinados valores e práticas são irracionais e inaceitáveis, que ferem até o senso comum. Mas isso também leva a uma concepção de que uma coisa é “o que deveria ser” e outra é “o que de fato é”. O conflito fica, assim, estabelecido. As coisas são vistas de tal forma que, se as pessoas forem éti-

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cas da maneira como “devem ser”, elas não conseguirão sobreviver “na vida real”. Por esta razão, vale a idéia de que ética é aquilo que de fato é vivenciado, praticado e assumido como válido nas relações do dia-a-dia, contrariando aquela idéia de que ética é utópica. Por outro lado, aquilo que as pessoas fazem no dia a dia, pressionadas pelas circunstâncias, não pode ser aceito como sendo ético (ou como o valor e a prática que são reconhecidos como valores maiores e melhores), pois o ser humano e as comunidades humanas são capazes de perceber e buscar valores maiores e melhores do que os individuais e do que os que são praticados por sentimentos mais primitivos, como o instinto de sobrevivência e a mera repetição tradicionalista de certos costumes. Nesta perspectiva, por muito tempo e em quase todas as sociedades e culturas humanas, pai e mãe devem ser vistos como autoridade. Não é este o mesmo conceito que é estendido às demais instituições sociais, como a escola, o trabalho, o estado, os clubes? Segundo Mucchielli, sob o enfoque da psicologia,

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“A autoridade é um fato de re- o descreve Mucchielli: “Pode-se dizer, e é verdade, que lação. Não existe autoridade “em si”; ela só existe pelo fato de só há líderes quando há seguidores. Um líder sozinho não existir aquele, aquela ou aqueé líder e demonstra, pela aules sobre os quais se exerce, aos sência de seguidores, que não quais se dirige e pelo poder de tem nenhum poder de influêninfluenciar seu comportamento, suas opiniões, suas ações, cia e que, portanto, não é um chefe, mesmo que tenha o stasua maneira de ser, de fazê-los tus (e o boné). Inversamente, tomar determinada direção, há líderes que o são sem queindicada ou fixada pelo detenrer, impulsionados por seus setor da autoridade”. (p. 11). guidores, sobrecarregados pela Em suas colocações, Mucchielli própria popularidade ou pelas passa uma primeira impressão de esperanças que numerosos seque autoridade é um sinônimo de guidores voluntários colocam poder. Mas de fato não é, embora em seus ombros. Pois não se vá seja extremamente difícil, senão, querer pensar que todo munimpossível, corresponder às exigêndo procura ser chefe. A fuga às cias da autoridade sem ele. A estas responsabilidades é mais freexigências pode-se chamar de “resquente que a vontade de assuponsabilidade”. Aqui se tem uma mi-las.” (p. 11). tríade fundamental do conceito étiApesar destes aspectos naturais co da autoridade, juntamente com a noção de que onde há subordinado- da autoridade, pesa de maneira mais res, ali haverá subordinados. E assim forte no trabalho exposto por Mucchielli o conceito de autoridade vinculado ao de poder e dominação, especialmente porque é mais comum acontecer a manifestação doentia da autoridade do que a autoridade equilibrada. Estas manifestações doentias acontecem quando se evi-

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denciam valores que o autor assim relaciona: “o princípio da infalibilidade do chefe...; a exigência (sem explicações) de uma obediência imediata ao pé da letra; a decisão solitária sobre assuntos que envolvem o grupo...; a distância e o isolamento do chefe, inacessibilidade aliada ao menosprezo pelos subordinados (caso do grande chefe auto-satisfeito e cheio de suficiência, que considera seus subordinados como “robôs”, como cães, ou como gado)...; o absolutismo do poder sem possibilidade de recurso por parte dos subordinados, fazendo lembrar o princípio do “ao bel prazer” e o do “direito divino”, reunindo nas mãos do chefe a autoridade política, administrativa, religiosa e jurídica.” (p. 12). A visão que Weber tinha de autoridade é também uma grande contribuição para a compreensão do assunto, pois via três tipos dis-


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tintos de autoridade. Essas formas são repetidas em muitos pensadores na área de administração de empresas quando o assunto em questão é liderança. Vieira Marinho (MARINHO, p.1) descreveu de modo sucinto o pensamento de Weber: “Diz-se que a principal contribuição de Weber foi a teoria sobre as estruturas de autoridade, a qual categoriza as organizações em termos das relações de autoridade predominantes. Ele descreveu o “poder” como a habilidade de forçar alguém a obedecer a uma ordem a despeito de resistência e “autoridade” quando os comandos são voluntariamente obedecidos por aqueles que os recebem. Lógico que os subordinados legitimam o papel diretivo quando baseado em autoridade. Ele citou três tipos principais: a autoridade carismática, a autoridade tradicional e a racional-legal. A autoridade carismática baseia-se nas características individuais do líder, os comandos em sua inspiração, o que a torna instável. A autoridade tradicional baseia-se na precedência e no uso, os líderes adquirem a autoridade por herança e os procedimentos são justificados no costume e na repetição. A autoridade racional-legal baseia-se um sistema de regras e procedimentos estruturados em cargos e funções concebidos para se atingir determinados objetivos, que é livre dos do líder e dos procedimentos tradicionais. Essa forma de organização é justamente a “burocracia”.

Novamente podemos perceber que a autoridade é vista predominantemente como poder e como a habilidade de usá-lo enquanto instrumento de coação sobre os outros, com o fim de levá-los a fazer o que o líder deseja. Contudo, ao abordar a autoridade racional-legal, Weber acaba apresentando ideias a respeito da “Responsabilidade Social Empresarial” (MARINHO, p.2), falando da responsabilidade que os administradores devem ter em relação a “uma maneira de gerir uma empresa, estando voltados para questões não somente econômicas, mas também, sociais.” (IDEM, p. 2). Este é um oposto do que propôs Maquiavel, que via na autoridade e no poder uma maneira de se alcançar objetivos e decidir questões práticas, sob a perspectiva de seu resultado para o grupo e os interesses da coletividade, mesmo que isso trouxesse prejuízos a certas pessoas ou grupos de pessoas (ARANHA, p. 234), estabelecendo as bases de uma moral laica e tornando-se, atualmente, um pejorativo para quem exerce uma administração sem escrúpulos, visando resultados e valendo-se dos meios que forem necessários para realizá-lo. Notadamente, sua ética tem bases naturalistas. Aqui também autoridade é vista quase como um sinônimo de poder, ou como diz Aranha, “para que alguém exerça o poder, é preciso que tenha força, entendida como instrumento para o exercício do poder. (...) força não significa necessariamente a posse de meios violentos de coerção, mas de meios que me permitam influir no comportamento de outra pessoa. (...) Em suma, força é a

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canalização da potência, é sua determinação” (ARANHA, pp. 212-214) As formas como os líderes podem encontrar a força são muito diversificadas, e podem ser obtidas por meios convencionais (conhecimento, empatia, dinheiro...) e por meios não convencionais (opressão, chantagem, engodos...). Na filosofia, a autoridade é estudada também sob muitos aspectos ou perspectivas. Pascal expõe o modo pelo qual a força passou a ser justificada, conforme cita Ivonil Parraz5: “É justo que o que é justo seja seguido; é necessário que o que é o mais forte seja seguido. A justiça sem a força é impotente; a força sem a justiça é tirânica. A justiça sem força é contradita, porque sempreexistem pessoas más. A força sem a justiça é acusada. É preciso, pois, colocar juntas a justiça e a força e, para isso, fazer com que aquilo que é justo seja forte ou que o que é forte seja justo. A justiça está sujeita à discussão. A força é bem reconhecível e sem discussão. Assim, não se pôde dar força à justiça, porque a força contradisse a justiça e disse que ela era injusta, e disse que era ela, a força, que era justa. E assim, não podendo fazer com que o que é justo fosse forte, fez-se com que o que é forte fosse justo”. 5 Ivonil Parraz em seu artigo “O disfarce da força” publicado na revista “Kriterion: Revistade Filosofia”, vol.47 no.114 Belo Horizonte Dec. 2006, localizada em http://www. scielo.br/scielo.php?pid=S0100512X2006000200005&script=sci_ arttext, acessada em 16/09/2009 Abril e Maio, 2011 | Teologia | 25


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Neste texto, autoridade e tirania andam muito próximas. É uma visão de poderes totalitários e absolutistas. Na democracia, no entanto, não é assim que acontece, conforme argumenta Aranha (p.218), o que a torna muito frágil em alguns aspectos do exercício da autoridade, pois na democracia não há modelos a seguir; na democracia, o exercício do poder muitas vezes se perverte nas mãos de quem o detém; na democracia, aceitar a diversidade de opiniões, o desafio do conflito, a grandeza da tolerância, a visibilidade plena das decisões é exercício da maturidade. “A condição do fortalecimento da democracia encontra-se na politização das pessoas, que devem deixar o hábito (ou vício?) da cidadania passiva, do individualismo, para se tornarem mais participantes e conscientes da coisa pública” (ARANHA, p. 218). É, portanto, fundamental a educação da sociedade (criar consciência nas e entre as pessoas) para exercerem, de modo consistente, direitos e deveres. Estes exemplos são citados a fim de se poder verificar que o assunto autoridade é complexo e naturalmente, controvertido. Os aspectos que até agora se viu são de natureza mais teórica. Mas como é que os pragmáticos da administração de empresas e gestão de pessoas percebem e entendem

o exercício da autoridade? Eis, então, algumas considerações. Diane Tracy, em sua obra “10 passos para o empowerment”, em sua introdução, afirma que “Em nenhum lugar a busca pelo poder é mais evidente do que no ambiente de trabalho de hoje. Os administradores estão constantemente lutando para aumentar o seu arsenal de poder, o que está certo. Alguns poderão utilizar o poder visando vantagens pessoais; outros, o benefício da empresa. Independentemente da maneira como os administradores o utilizam, o fato é que sem poder eles são incapazes de atingir algo de significativo, outras pessoas ou a sociedade em geral”.

Figura 1 — a “Pirâmide do Poder”, (TRACY, p. 163).

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O poder, segundo ela, tem a mesma dinâmica do amor, pois “quanto mais a pessoa dá aos outros, mais recebe em troca” (TRACY, p. 163). Esse poder está calcado em uma pirâmide de valores, cujo escalonamento assim se observa na figura abaixo: Com base nas colocações de Tracy, pode-se perceber claramente, que há alguém que detém o poder e o administra, a fim de alcançar os objetivos ensejados pela


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empresa. Esse detentor do poder pode estar em qualquer patamar de liderança dentro da empresa, cada qual com seu nível de liderança, autoridade e influência. Em suma, todos devem seguir os padrões éticos de uma pessoa que personifica a empresa ou de uma equipe diretiva que a represente. Logo, os padrões éticos serão aqueles que corresponderem aos valores de seus administradores. E por mais que, neste quadro. apareçam as palavras

“respeito”, “confiança” e “permissão para errar”, ainda assim tem-se a figura de uma pessoa ou um grupo de pessoas que vai determinar o real significado destas palavras. Esse significado virá de sua base de valores essenciais, que pode ser comungada liberalmente pelos subordinados ou comungada por imposição de quem detém o poder. Na verdade, quando tais passos são propostos por Tracy, ela está apresentando uma perspectiva pragmática para que a liderança em uma empresa tenha vigor, dinamismo, segurança, eficácia e eficiência. As questões éticas ficam um pouco mais no universo da pressuposição. Quando, por exemplo, apresenta o passo “estabeleça padrões de excelência”, e diz que “um administrador confere “empowerment” aos outros estabelecendo padrões de excelência que lhes permitem alcançar seu potencial pleno” (TRACY, p. 35),

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quais seriam esses padrões de excelência? Quem vai estabelecê-los? Eles virão de um consenso entre todos os colaboradores da empresa? Sobre quais aspectos eles poderão tentar convencionar valores? Sobre salários? Sobre atendimento pós-venda? Sobre jornada de trabalho? Sobre a remuneração dos executivos? Sobre o tratamento que os pares, os subordinados e os superiores devem exercitar entre si? A partir de algumas poucas perguntas, podemos observar que o estabelecimento de valores éticos não é assim tão facilmente democrático. Por outro lado, também não se pode negar que tais procedimentos apontados por Tracy são do mais alto valor, pois qualquer pessoa que tenha sobre si responsabilidades e um grupo de pessoas para gerir, concordará que, sem um nível mínimo de organização, pouca coisa construtiva poderá ser feita, quer seja em termos de resultados como em termos da busca de um equilíbrio ou de uma convenção ética. Hoje há uma consciência muito mais aclarada de que a centralização do poder é maléfica e que a sua delegação se faz imperativa, pois o bom desempenho de uma atividade empresarial não se baseia na capacidade de seus “donos” ou de seus representantes nos altos escalões apenas. Antes, e muitas vezes muito mais, depende do bem desempenho de seus subordinados, colaboradores e que, portanto, eles devem e precisam ter,

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cada um na esfera de sua competência, a liberdade e poder de decisão. Assim o descreve Weiss a necessidade deste fluxo de autoridade e poder que se dá por meio de sua delegação: “Essa delegação de autoridade se dá quando a administração intermediária confere aos supervisores diretos um espectro de autoridade e designa responsabilidades no departamento; esses supervisores tratam de fazer o departamento cumprir as metas ­metas que contribuem para a obtenção das metas empresariais. Isso não quer dizer que os supervisores devem, eles mesmos, realizar o trabalho, a menos que a administração superior assim o designar” (WEISS, p. 19).

de mais um ano de escândalos empresariais”6 são apontados alguns elementos sob a perspectiva da ética e que são muito pontuais para compreendermos a resposta da pergunta que intitula o artigo. O autor assim argumenta que a ganância não explica tudo, embora ela explique muita coisa. “Realmente, parece que o dinheiro em si não compensa o risco envolvido nas ações dessas pessoas”, diz Dunfee. Na maioria desses casos, havia quantias relativamente pequenas “a ganhar e carreiras e reputações construídas ao longo de uma vida inteira a perder. Não há lógica dizer que eles foram movidos pelo dinheiro. Mas, então, quais seriam as outras justificativas possíveis? Uma explicação muito comum no campo da ética empresarial — e isso pode parecer chocante — é que eles simplesmente não tinham consciência da questão ética. (...) Outra explicação possível é que pessoas ricas e de boa posição social sentem-se com direito a tudo.”

Há na administração seguindo este modelo muito mais autonomia em vários segmentos da vida econômica em todo o mundo; há mais consciência de uma responsabilidade social; há muito mais clareza a respeito de tudo. Sem dúvida o mundo está muito mais politizado e, em muitos aspectos, melhor. Mas ainda temos seriíssimos problemas quanto ao estabelecimento de pa6 Ética Empresarial. Revista eletrônica drões éticos no mundo dos negóde propriedade da Wharton School da Universidade de Pennsylvania cios e para a gestão de pessoas. e Universia. In: htttp://wharton. Em um artigo intitulado “Por universia.net/index.cfm?fa= viewArti que pessoas bem-sucedidas abancle&id=713&language=portuguese& donam a ética: o que está por trás specialId=Acessada em 17/03/2009 às 20:38.

Área de conflito Gerência de recursos humanos e administração de pessoal Gerência de elementos externos Gerência de risco pessoal versus lealdade à empresa Outros Total 28 | Teologia | Abril e Maio, 2011

nº casos % total 39

66,10%

10

16,90%

7

11,90%

3 5,10% 59 100,00%

A ideia apresentada acima a respeito da falta de consciência da questão ética é muito pertinente. A falta de consciência não quer significar que as pessoas não têm conhecimento do que seja certo ou errado, mais acertado ou menos correto. A questão é que não têm ou não estão preocupadas em ter noção de o quanto alguns de seus atos, envolvendo assuntos ou mais ou menos relevantes em um determinado contexto, têm consequências também mais ou menos impactantes sobre as outras pessoas, sejam elas subalternas ou superiores dentro de um contexto sócio-político-econômico. Toffler (TOFFLER, p.3), em sua pesquisa sobre ética no trabalho, consultou vários empresários e gerentes de negócios, a fim de apontarem em que áreas os problemas éticos mais se manifestam. Os números são esclarecedores, pois revelam que a maior parte deles está no universo da gestão de pessoas e não propriamente no universo da gestão de negócios. Vejam os resultados na tabela ao lado. Apontamos tais números e as áreas de conflito, a fim de verificarmos que um problema ético fica caracterizado quando uma pessoa, seja ela quem for, é prejudicada (ou até mesmo, apenas sente-se prejudicada, desmerecida, desvalorizada). E muitas vezes, a razão de tal sensação ou realidade de prejuízo é decorrente de desconhecimento, de falta de consciência, como foi referido acima, de que todos os atos, decisões, posturas e valores têm consequências éticas. E, na verdade,


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isso é muito mais profundo do que cumprir ou não cumprir a determinação que prescreve a atribuição do cargo7. As questões éticas vão muito mais além, pois dizem respeito aos 7 Assim o coloca Toffler (1993, p. 22), dando a entender que a ética tem a ver com a responsabilidade funcional: “De forma simplificada, responsabilidade funcional é o conjunto de todas as atividades e obrigações especificadas pelo papel formal de alguém. Apesar da confusão sobre o que é um papel, responsabilidades funcionais incluem, geralmente, todas aquelas atividades constantes na descrição do cargo.”

relacionamentos, e estes, em sua totalidade, desde os envolvimentos afetivos aos “estritamente profissionais” (como alguns talvez gostem de referir). Como será possível, então, construir ou até mesmo ousar propor um caminho para uma conduta ética que seja tão abrangente e que satisfaça? Assim questiona Toffler a respeito de uma possível (ou impossível) responsabilidade ética dos gestores ou gerentes de negócios: “A questão ‘O gerente tem responsabilidade em uma situação ética?’ é crítica sob duas perspectivas: Ele deveria fazer alguma coisa? Ele não deveria fazer algo? Em primeiro lugar, se um gerente tem uma responsabilidade e deixa de agir, ele está deixando de cumprir uma obrigação sua. O gerente também pode estar permitindo o aparecimento de circunstâncias que poderão causar prejuízos ou outros resultados negativos para as pessoas e/ou para a organização.”

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de se valerem do mesmo “direito” para situações análogas. Como uma empresa pode (e penso que deveria) dar suporte a empregados em situação de risco, sem comprometer a saúde da empresa? Percebemos, nesta situação apresentada, que a ética transita nos dois pólos: do gestor e do colaborador. Na verdade, o resultado nunca será satisfatório se não houver uma postura adequada de ambas as partes envolvidas na solução de um determinado dilema ou conflito ético. O que se deve buscar é o bem-estar8 de todos. No entanto, isso só será possível na medida em que a sociedade9 envolvida for capaz de refletir, buscar e estabelecer os princípios e os valores que vão nortear sua postura e conduta ética. Ter-se-á que trabalhar a ética de uma perspectiva formal e não teleológica, ou seja, ética é uma questão de princípios, primeiro e, de resultados, depois; e não o oposto. Em outras palavras, “os fins não justificam os meios”, ou os resultados são “consequência” e não o “impulso”. Quando aqui, pois, falamos de autoridade, devemos compreender que sempre existirão princípios e valores que estarão balizando o comportamento ético das “sociedades” em que se vive.

Vejamos um exemplo que aparentemente poderia ser visto como um assunto que não pertence à responsabilidade do gestor de uma empresa. Certo empregado tem em casa um filho dependente de produ- 8 Aqui “bem-estar” pode significar muitas coisas, dependendo do tos narcotizantes e em razão disso, fundamento de valores que vai embasar e definir “bem-estar”. Será algumas vezes, para acudir seu filho, diferente o entendimento se o necessita ausentar-se do trabalho. fundamento for hedonista, relativista, Que responsabilidade tem o gestor naturalista, cristão, idealista ou da empresa a este respeito? A soluestético. 9 Chamamos aqui de sociedade toda ção que muitos encontram seria, dee qualquer relação que envolva pois de advertido o funcionário, deduas ou mais partes interessadas. miti-lo, porque suas ausências estão Quando as partes interessadas puderem chegar a um consenso prejudicando o andamento produa respeito dos valores e dos tivo da empresa. Se por outro lado resultados pretendidos, mas muito ele dá suporte a este colaborador, ele mais dos valores cridos, tanto mais se conseguirá obter uma sociedade também dá a outros a possibilidade ética de fato.

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4. Uma proposta para construção de uma prática ética. Quais são os princípios que podem nortear a conduta ética da uma sociedade? No início deste trabalho expusemos seis grandes princípios que a humanidade tem adotado para orientar sua conduta ética, principalmente no mundo ocidental: naturalismo, hedonismo, relativismo, esteticismo ético, idealismo e cristianismo. Forell (1983), expõe estes seis princípios e propõe que apenas a perspectiva do princípio do cristianismo poderia dar uma resposta mais consistente para este propósito. Há muitos escritores que apresentam suas idéias para construir um universo ético que, têm suas matrizes (reconhecendo ou não), muito aproximadas aos fundamentos do cristianismo e outros que os contestam veementemente. Um desses escritores que parece inspirar-se nos princípios cristãos é Laura L. Nash, que em sua obra “Ética na empresas: boas intenções à parte”, fala de uma ética, que denomina de “ética convencionada” (NASH, p.21). Nesta sua proposição de caminho ético ela afirma que “A ética convencionada fornece uma combinação coerente de motivação do lucro e valores altruístas que ajudam a confiança e a cooperação entre as pessoas. Ela tem três aspectos essenciais: 1) percebe, como objetivo primário, a criação de um valor em suas muitas formas; 2) percebe o lucro e outros retornos sociais não como objetivos dominantes, mas como resultado de outras metas; 3) 30 | Teologia | Abril e Maio, 2011

aborda os problemas empresariais mais em termos de relacionamentos do que de produtos tangíveis” (NASH, p. 20). Valores como justiça, confiabilidade, honestidade e pragmatismo (NASH, p. 33) fazem parte dela e sua proposta se caracteriza por dar ênfase ao serviço prestado aos outros e à idéia clara de que a vantagem ou ganho não precisa necessariamente ser imediato (NASH, p. 21). É justamente esta preocupação com o bem-estar do “outro” que caracteriza a ética cristã, e, de forma muito particular, caracteriza como o “outro” está relacionado quanto à questão da autoridade. Segundo o cristianismo, qual é a origem da autoridade e como ela se dá no seio da sociedade? Warth (WARTH, p. 103) diz que a autoridade vem de Deus e é estendida à humanidade como uma extensão de sua própria autoridade. Essa autoridade se manifesta através das ordens sociais10. Nestas ordens so10 “Para exercitar esta aplicação da autoridade, reconhecida pela fé, Deus providenciou várias ordens sociais. Lutero agrupou essas

ciais as pessoas não são todas iguais em razão das funções que exercem, embora sejam todas iguais diante de Deus e da Lei. Nesta relação de desigualdade devido às responsabilidades e ao poder que cada indivíduo tem em relação à função que desempenha, ele terá de tomar decisões. São justamente estas decisões que estarão carregadas de princípios ou valores éticos e morais. Como, pois, ele vai tomar estas decisões? Que princípios orientarão suas decisões? Que princípios têm quem recebe as decisões que serão tomadas? Se uma pessoa, incumbida de uma função de autoridade em uma empresa que tem por objetivo a maior lucratividade possível, e ela (a pessoa) tem a responsabilidade de gerenciar os recursos humanos, como agirá se tem por tarefa gerenciar um grupo de funcionários com o menor custo possível? Toda a sua ação poderá recair na tarefa de em três ordens básicas: a ordem econômica ou familiar a ordem política e a ordem eclesiástica. São formas concretas de autoridade delegada por Deus, pelas quais Deus reina sobre todo mundo através de nós e do próximo.” (WARTH. 2002, p. 104)


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ou reduzir salários e benefícios dos funcionários ou reduzir o número deles, sem afetar a produtividade e ainda, se possível, aumentá-la. Nash (NASH, pp. 40-44) fala de alguns desafios que um administrador deverá ter para bem administrar de acordo com a ética convencionada, cultivando qualidades que também podem ser estendidos a todos os que se preocupam em viver em um mundo com uma ética diferente da atual. São eles os seguintes: 1) habilidade para reconhecer e articular a ética de um problema; 2) coragem pessoal para não racionalizar a má ética; 3) um respeito inato pelos outros; 4) o valor pessoal derivado do comportamento ético. Todo conflito ético será, em re-

sumo, um conflito de perdas e ganhos (no mundo dos negócios). Essas perdas e ganhos quase sempre serão manifestos em seu aspecto material. No entanto, eles também podem ser afetivos, existenciais, morais, de imagem, de auto-estima, de reconhecimento, de valorização, de investimento no crescimento pessoal, de confiança, etc. Se uma empresa tem uma linha ética reconhecidamente de base “naturalista”, tudo será feito no sentido de primeiro, fazer a empresa sobreviver, e ainda muito mais, de torná-la mais apta, mais capaz para o mercado competitivo, no qual não basta ser bom; é necessário ser muito bom, senão o melhor! Essa luta pode ser externa, com a concorrência, e pode ser interna, entre os próprios funcionários, em uma disputa na qual, mesmo que todos possam agir em colaboração, ainda assim, se houver duas pessoas que podem galgar uma posição de maior relevância, elas rivalizarão entre si. As decisões que elas tomarão e os valores que terão prevalecimento dependerão do princípio que as pessoas adotarem em sua base de valores. Forell apresenta seus argumentos de como se dá o processo de

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tomada de decisão e assim escreve, primeiramente o conflito: “Mas e as decisões que temos de tomar a cada minuto de nossa vida? Existe algum padrão pelo qual possam ser medidas com precisão? Por exemplo, você pode apresentar razões para a sua decisão de ler estas páginas? Por que é que você está lendo uma introdução à ética ao invés de um romance policial? (...) Como foi que você chegou a tomar esta decisão. houve algum critério importante que você usou para o orientar? Igualmente, quando você escolhe uma pessoa como amiga, em vez de outra, sua decisão é guiada por algum critério de atratividade?” (p. 20). Este é um conflito que na maioria dos casos passa desapercebido, ou é realizado de modo “automático”, “irrefletido”. Todas as pessoas, todos os grupos, todas as instituições, todas as comunidades, todas as culturas, constroem para si uma base de valores. É nesta base de valores que as decisões são tomadas. Esse processo irrefletido é também conhecido como “senso comum”. Poderia alguém, mais tarde, depois de ver o desfecho de uma determinada situação, argumentar que não possuía base para tomada de decisão, ou que tomou sua decisão por acaso. Mas sua justificativa poderá ser aceita? Creio que não! Sua condição pode ser amenizada diante do maior ou menor grau de instrução, talvez. Como então tomar uma decisão de maneira mais consciente e mais acertada? Assim descreve Forell: “Devemos sempre ter em menAbril e Maio, 2011 | Teologia | 31


Autoridade

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Ética

te que os critérios ou padrões usados para avaliar decisões estão baseadas num compromisso com alguma fonte básica de valor. Veremos que há muita discordância quanto à natureza desta fonte básica. Alguns a veem no ser humano, outros na natureza, outros no processo dialético, outros no princípio da sobrevivência dos mais aptos, outros ainda na verdade. Alguns a chamam de Deus” (p. 22). Sobre este Deus é que será feita uma abordagem da ética daqui para frente. Lutero11, o reformador luterano, disse que se alguém quiser servir a Deus, que sirva o seu semelhante, pois Deus está no semelhante. Assim sendo, pode-se ter uma pers11 “Depois disso, cuida apenas para proceder com o próximo, como Cristo procedeu contigo, e deixa todas as tuas obras com toda a sua vida visar o teu próximo. Procura onde há pobres, doentes e débeis; ajuda-os; exercita neles a tua vida, para que tenham apoio, por tua parte, todos aqueles que precisam de ti; ajuda-os na medida de tuas capacidades com teu corpo, teus bens e tua honra... Saiba que servir a Deus não é outra coisa, senão servir ao teu próximo, fazendo-lhe bem com amor, seja ele uma criança, uma mulher, um criado, um inimigo ou um amigo. Não faças distinções quaisquer. O teu próximo é aquele que necessita de ti em assuntos de corpo e alma. Onde podes ajudar corporal e espiritualmente, lá há serviço a Deus e boas obras... Olha para a tua vida. Se não te encontrares, como Cristo no Evangelho, em meio aos pobres e necessitados, então saiba que a tua fé ainda não é verdadeira e que certamente ainda não experimentaste em ti o favor e a obra de Cristo” (Sermonário de 1522; prédica sobre Mt 11.2-10; WA 10/I, 2, p. 168, linha 17 até p. 169, linha10). 32 | Teologia | Abril e Maio, 2011

pectiva ímpar para a prática da ética. Naturalmente, essa perspectiva não é teleológica e, sim, formalista. Contudo, é facilmente perceptível que muitas práticas cristãs, cristalizadas durante décadas e décadas, centenas e até milhares de anos, em muitos movimentos distintos na “Há um fator extremamente história do cristianismo, o levaram a delicado que é o pressuposto da ter uma ética que não corresponde á 12 sociedade: a autoridade. Para ética proposta por Cristo . poder haver convívio social, é A lei de Deus e a lei dos homens necessário que um exerça ausão semelhantes em muitos aspectoridade sobre o outro. Assim tos. Elas também são semelhantes não somos todos iguais na sona forma de serem interpretadas. E ciedade humana, mas preciembora ambas possam ser interpresamos aprender ou a ser autotadas de forma teleológica, a ética ridade ou a estar submissos à cristã quer ver na lei muito mais autoridade. A ausência de audo que as prescrições proibitivas toridade cria o caos com que o ao comportamento humano. A étiser humano não pode conviver ca Cristã vê na lei uma perspectiva como pessoa responsável” (p. positiva e, portanto, uma orientação 103). positiva de que as coisas devem ser feitas pelos indivíduos nas comuniComo cada um pode ser ou audades. O mandamento cristão que toridade ou estar submisso a ela? versa sobre a “autoridade” assim diz: “Honrará a teu pai e a tua mãe, para Exatamente! Assim descreve o teóque te vás bem e vivas muito tempo logo: “A autoridade, na realidade, sobre a terra que o Senhor teu Deus é uma só: é a autoridade de de dá” (Êxodo 20.12). Deus. Diante dessa autoridaWarth (WARTH, p. 102-103), de somos todos iguais: avaliadeclara que a autoridade precisa ser dos, julgados, amados e, quanvista a partir da relação do indivíduo do na fé, perdoados. Mas Deus com Deus e depois, por extensão, de delega autoridade ao ser huum indivíduo para outro indivíduo. mano para que, em seu nome, Esta visão, evidentemente, é formaa pessoa realize a vontade de lista, ou seja, tem uma premissa de Deus no mundo. Assim Jesus valor a priori, e dela constrói toda a relacionou a questão da autorelação de autoridade. Mas isso não ridade com a terceira petição que dizer que isso será fácil de ser do pai-Nosso: “Seja feita a tua exercido e mesmo exercitado. Sevontade assim na terra como gundo suas palavras: no céu” (WARTH, p.103). 12 É evidente que este assunto é bastante controvertido no mundo acadêmico teológico. Para uma compreensão mais detalhada podese ler diversos comentários sobre o Sermão da Montanha registrado no Evangelho segundo São Mateus.

O grande desafio desta maneira de ver e compreender a ética tem duas vertentes. A primeira será a de sempre ver no semelhante em suas necessidades a autoridade sobre o


Autoridade

indivíduo. Mas não simplesmente o outro, mas o outro em sua necessidade. O “outro” torna-se autoridade para alguém na medida em que este alguém pode e quer colaborar para que esta necessidade seja suprida; a segunda será a de aceitar o semelhante como autoridade sobre si. A ética, ou as práticas éticas, nesta perspectiva, não serão vistas como uma obrigação ou imposição movida pela força da lei, mas como uma oportunidade de servir a quem tem uma necessidade, a qual qualquer um, estando diante dela, se mobilizará ou mobilizará quantos forem necessários mobilizar para resolver o problema. No entanto, onde houverem pessoas, que movidos por outros valores, por outros fundamentos éticos, seja naturalista, hedonista, relativista, utilitarista ou outro qualquer, que tenha uma perspectiva individualista, egoísta ou que desprestigie a autoridade como sendo de origem divina e que está muito além de toda e qualquer origem humana (social, psicológica, antropológica...) acabará por estabelecer valores e práticas que, por mais bem elaboradas que sejam do ponto de vista da justiça, ainda pecarão por não atender a um princípio que torne a ética algo “universável” (SINGER: p. 9).

Conclusão A ética que se pratica em nossa sociedade atual é, em muitos aspectos, repleta de tantas contradições e caminhos que não é incomum as pessoas afirmarem que “não há mais ética”. Como, no entanto, a ética é uma realidade das relações e inter-relações humanas (e muitos já a expandem para as inter-relações com a natureza), onde elas existirem e da

forma como existirem, então haverá ética, mesmo que esta ética seja vista como “boa” ou “má”. Ética em relação à autoridade também será praticada sempre, pois sempre haverá relações sociais na qual pessoas desempenharão funções diversas, que requererão delas poderes específicos e responsabilidades determinadas: assim, pois surge a autoridade. Quando esta autoridade (poder, responsabilidade e função) não tiver apoio das pessoas que elas representam, acontecerá o conflito ético. Quando, por outro lado, a autoridade se esquivar de um só dos elementos da tríade acima citada, também se estabelecerão conflitos éticos. Estes conflitos vão se estender a todos os outros temas de preocupação da ética (vida, propriedade, idoneidade, fidelidade, natureza, ecologia, etc.). Os valores predominantes, compreendidos os mecanismos que dão suporte às decisões humanas em sua grande maioria, no atual contexto

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Ética

de gestão de pessoas e negócios, são de natureza naturalista, marcados pela sobrevivência, pela aptidão, pela melhor qualificação dos que concorrem em um mundo marcado pelo consumismo hedonista. Temos então um contexto naturalista e hedonista, cujos valores são acentuados ainda mais com a grande ilusão do relativismo. O mundo gira em torno de um sistema consumista, marcado pela ilusão que cada um tem de ser o senhor de suas próprias decisões, dando-lhe a sensação de autonomia e poder, mas que, no entanto, serve ao sistema que o induz e impulsiona a responder aos interesses de um grupo economicamente dominante. Aqui, outra vez, encontramos o conceito ético da “autoridade”, com seus valores e fundamentos, que têm pouco ou nenhum interesse na autonomia real do outro. O outro lhe interessa apenas na medida em que traz o resultado ou o benefício esperado por quem articula tais valores em seus propósitos. A ética cristã que aqui foi proposta (embora os diversos ramos do cristianismo também não tenham consenso a respeito de muitas coisas) tem em vista “o outro e sua necessidade” como sendo sempre a “autoridade” para qualquer pessoa, seja qual for a função que ela exerça. Em palavras de grande simplicidade para compreensão, mas de profundidade inigualável, Jesus Cristo disAbril e Maio, 2011 | Teologia | 33


Autoridade

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Ética

se isso nos seguinte termos: “Se eu, toridade” que cada um e todos poo Senhor e Mestre, lavei is pés de vo- derão praticar a boa ética. Rev. Rui Gilberto Staats — São Gerônimo-RS, cês, então vocês devem lavar os pés pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil uns dos outros. Pois eu dei o exemplo para que vocês façam o que eu fiz. Eu afirmo isso a vocês e é verdade: o empregado não é mais importante que seu patrão, e o mensageiro não é mais importante que aquele que o enviou” ( João 13.14–16). Igualmente pode-se perceber que a tão buscada ética, no sentido de “prática de valores nobres e bons” só será alcançada quando a sociedade a buscar por meio da educação, do cultivo de valores básicos que respeitem profundamente o outro, sempre. O Cristianismo propõe esta educação, e procura ensinar que o indivíduo e todos os grupos sociais procurem perceber no outro a sua autoridade, pois é no serviço à “au-

Bibliografia ARANHA, Maria Lúcia Arruda & MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosfia. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2003. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. Edison Bini. São Paulo: Edipro, 2002. BROWN, Marvin T. Ética nos Negócios. Tradução: Flávio Denny Steffen. São Paulo: Makron Books, 1993. CHAPPEL, Tom. A alma do negócio: como administrar em função dos lucros, da ética e do bem comum. trad. Luiz Euclydes Trindade Frazão Filho. Rio de Janeiro: Campus, 1994. CHAUÍ, Marilena. Ética e Política. In: http://www.geocities.com/sociedadecultura/ eticapolitica.html -acessada em 17/03/2009 às 20h. 43min. CHAUÍ, Marilene. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2002. COMER, michael J.; ARDIS, Partrick M. & PRICE, David H. Fraude, corrupção e desonestidade nos negócios. Trad. Antonio Carlos Rodrigues Serrano. São Paulo: McGraw-Hill, 1990. DAVIDOFF, Linda L. Introdução à psicologia. Trad. Lemke Peres. 3a. ed. São Paulo: Pearson Makron Books, 2001. DINSMORE, Tom Campbell. Poder e influência gerencial: além da autoridade formal. Rio de Janeiro: COP, 1989. FORELL, George W. Ética da Decisão: Introdução à ética cristã. Trad. Walter Müller e Luís M. Sander. 8 ed. São Leopoldo: Sinodal, 1983. KORTE, Gustavo. Ética, poder e autoridade. In: http://www.gustavokorte.com/m publicacoes/gustavo_korte/autoridade/etica_poder.doc -em 23/10/2009. LUTERO, Martinho. Catecismo Maior. In: Livro de Concórdia. Trad. Arnaldo Schüller. Porto Alegre: Concórdia Editora, 1985. ________________. Sermonário de 1522. Prédica sobre Mt 11.2-10; WA 10/I, 2, p. 168, linha 17 até p. 169, linha10. MARINHO, Liana Márcia Costa Vieira. Autoridade, burocracia e ética segundo Weber. In: http://www.recantodasletras.net/ resenhas/1053851 -acessada em 17/03/2009 às 20h17min. MUCCHIELLI, Roger. Psicologia da relação de autoridade.Trad. Jeanne_Marie Claire Pucheu. São Paulo: Marntins Fontes, 1979. NASH, Laura L. Ética na empresas: boas intenções à parte. Traad. Kátia Aparecida Roque. São Paulo: Makron Books, 1993. PARRAZ, Ivonil. O disfarce da força. In: Kriterion: Revista de Filosofia (Kriterion vol.47 no.114 Belo Horizonte Dec. 2006), localizada em http://www. scielo.br/scielo.php?pid=S0100-512X2006000200005&script=sci_arttext, acessada em 16/09/2009. SINGER, Peter. Ética prática. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Marins Fontes, 2006 TOFFLER, Barbara Ley. Ética no trabalho. Trad. Márcia Castilho Costa Saliola. São Paulo: Makron Books, 1993 TRACY, Diane . 10 passos para o empowerment:um guia sensato para gestão de pessoas. Trad. Luiz Euclides Trindade Frazão Filho. Rio de Janeiro: Campus, 1994 WARTH, Martin Carlos. A ética de cada dia. Canoas: Ed ULBRA, 2002. 2 ed. WEISS, Donald . Aprenda a delegar com eficiência. Trad. Ibraíma Dafonte. São Paulo: Nobel, 1991 34 | Teologia | Abril e Maio, 2011


Rev. Ismar L. Pinz

Artigo

Homofobia e a Liberdade de Opinião Não sou contra as leis criadas para proteger homossexuais contra a violência de fundamentalistas. Ainda que não entenda porque não se enquadram em leis já existentes contrárias a violência contra toda e qualquer pessoa. Vejo com temor a maneira como projetos de leis têm sido apresentados. Pois na ânsia de proteger um comportamento, acabam roubando a liberdade de expressão. Que a liberdade seja para todos! Que cada um escolha a cor que quer pintar a sua casa, o time que quer torcer, o alimento que deseja comer. Contudo, cada um também deve ser livre para dizer que não gosta da cor marrom, ou que não gosta desta ou daquela equipe. Que cada um tenha o direito de ser e agir como homossexual ou como heterossexual, bissexual e outras definições existentes nesse sentido. Contudo, cada um também deve ser livre para dizer que não gosta ou não aprova tal comportamento por

princípios políticos, filosóficos ou religiosos. Ninguém tem o direito de machucar, violentar ou discriminar uma pessoa. Não pode um torcedor agredir o outro - só porque torce pelo time rival. Não pode pichar a casa que foi pintada da cor que eu não gosto. Porém eu posso me manifestar. Posso torcer pelo meu time, posso recomendar outra cor. Uma coisa é discriminar e violentar. Outra é manifestar opinião. Precisamos respeitar todas as “pessoas”, heteros ou homossexuais, mas podemos, por liberdade, expressar nossa opinião e convicção religiosa, de que Deus criou homem e mulher e que julgamos a prática homossexual não recomendável, contrária a ordem do Criador. Essa manifestação não é homofobia! Confundir uma coisa com outra é um atentado a liberdade de expressão! Rev. Ismar L. Pinz — Pelotas-RS — pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil

Abril e Maio, 2011 | Teologia | 35


Superstição

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Rev. Cláudio Ramir Schreiber

Ética

É engraçado como este problema da superstição não tem fim, já estamos no ano 2011 e ele persiste, as pessoas não abandonam isso em hipótese alguma. Podemos dizer que superstição não é apenas brincadeira ou passatempo, eu diria até que podemos chamar de religião, por causa da fé que as pessoas dirigem a coisas, objetos, a pessoas, e porque não dizer ao demônio, também chamamos de idolatria. Certa vez escutei um pastor em um sermão dizendo o

seguinte: “Quem liga o rádio pela manhã, e escuta o horóscopo, está deixando que o Diabo entre dentro de sua casa...”, por isso digo que superstição é idolatria, “coisa que o Diabo gosta”. Enquanto a verdadeira fé em Deus consiste em confiança em Deus, conhecimento de Deus, obediência a Deus, amor, dedicação, esperança, adoração a Deus; a superstição coloca o homem diante do poder das trevas, do Diabo, e quem se entrega a este tipo de coisa, certamente está caminhando para a perdição eterna. Podemos tirar a seguinte conclusão disso tudo: superstição é pecado, e tira a salvação do cristão, se ele não reconhece e se arrepende. A superstição está se tornando uma nova ciência, uma nova crença com os seus muitos adeptos. O significado original da palavra superstição é “ pôr cima ”, que vem da palavra latina “supertitio”, representa aquilo que está acima da possibilidade humana, o reconhecimento de uma força superior2. Muitos tem esta crença acima de fé em Deus. Uma “crença” que quer saber mais do que as verdades que Deus revelou na Bíblia. Superstição, podemos afirmar que é uma repetição contínua do

Aurélio – Mini Dicionário da Língua Portuguesa. 3ª ed. Nova Fronteira. Rio de Janeiro, 1993. Pág. 520

2 Horsch, Hans. Superstição – poucos falam, muitos praticam. In Mensageiro Luterano. Agosto de 1985, Pg. 8.

Um grande problema que toda humanidade sofre, e que possivelmente vem de longa data, é a questão da superstição. Este certamente é um sério problema que os cristãos, de maneira geral, enfrentam. Por isso neste trabalho queremos abordar este tema, olhando para as consequências que as superstições trazem para o mundo em geral. E sabendo que o pastor é o seelsorger (cura d’almas), e por isso tem por obrigação combater estas coisas. Queremos aqui, de maneira breve, mostrar como o pastor guia o povo de Deus para longe destas coisas, que na verdade levam para a condenação. O pastor precisa saber lidar com as superstições que o povo tem, pois estas podem estar incutidas na cultura, e muitas vezes, sem perceber, as pessoas já estão sendo supersticiosas, de uma ou de outra forma. Em primeiro lugar queremos falar sobre o que realmente vem a ser esta tal de superstição, depois vamos ver porque nós cristãos somos contra e abominamos esta prática, a partir daí, podemos perceber como o pastor pode lidar com situações deste tipo, ensinando o que a Palavra de Deus diz, aplicando lei e evangelho.

1. A Superstição 1.1. Definição

Nós

podemos encontrar várias definições para superstição: o dicionário Aurélio nos traz assim: “superstição: 1- Sentimento religioso baseado no temor ou na ignorância, e que induz ao conhecimento de falsos deveres, ao receio das coisas fantásticas, e à confiança em coisas ineficazes; crendice; 2- Crenças em presságio tirados de fatos puramente fortuitos; 3Apego exagerado e/ou infundado a qualquer coisa.”1 1 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. 36 | Teologia | Abril e Maio, 2011

1.2. O que é superstição


Superstição

pecado, ou seja, a vontade de ser como Deus para manejar as forças encobertas e misteriosas. Ou também, uma nova “ciência” para aqueles que não aceitam Deus como o Senhor da sua vida, daqueles que querem ser o próprio senhor da sua vida, que querem ser como Deus (Gn 3.4,5). Vemos o surto da superstição no cumprimento das palavras do apóstolo Paulo em 2 Timóteo 4.3,4. Onde Paulo exorta para que a pregação da Palavra seja mantida sempre, com perseverança, pois os homens, por causa da cobiça e ignorância, deixarão surgir

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Ética

resolver qualquer problema da vida. Na verdade, hoje vemos que pomal para a alma do ser humano, pois de-se ganhar muito dinheiro com a leva certamente a condenação, e o superstição dos outros, é um negóque o ser humano, convertido pelo cio muito lucrativo, pois os superstiEspírito Santo, quer, é a salvação ciosos não tem medo de gastar com mediante Cristo, e não a condena- as coisas que “dão sorte”. Assim como para os supersticioção e sofrimento. Por isso a pregasos existem as coisas que dão sorção da Palavra de Deus nunca deve deixar de ser pregada, pois Deus te, tem também as coisas que “dão nos dá assistência para isso, e os que azar” e que, ao ver deles, devem ser estão fora da Igreja cristã, precisam evitadas. É o caso de: • passar por baixo de uma escaser trazidos para dentro dela, para da; que sejam salvas também. • sair da cama com o pé esquerdo; 2. Exemplos de • o número 13; Superstição

Quanto mais o homem avança em descobertas e técnicas, mais se mete em feitiçarias e superstições. Assim sendo, cada jornal que se abre traz um horóscopo e, muitas vezes, as mais variadas receitas e simpatias para os mais variados problemas. Muitos se apegam a objetos, novas amuletos, como: figas, trevo doutrinas, de quatro folhas, meias luas, e “deixarão pata de coelho, cavalos maride dar ouvidos à nhos, ferraduras e tantas outras verdade, entregando-se às fábulas.”3 coisas. E não é isso que acontece hoje, as Existem também os servipessoas estão se deixando levar por ços de baralho e leituras das estas “fábulas”, que apenas fazem mãos, para prever o futuro e o despacho, o passe e a reza para 3 versículo 4 Abril e Maio, 2011 | Teologia | 37


Superstição

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Ética

• entrar por uma porta e sair por outra; • gato preto; • varrer o lixo para fora de casa, e tantas outras coisas que a “sabedoria” popular tão bem conhece. É incrível como muitas pessoas não fazem certas coisas por medo do azar. Temos um exemplo disso dado pelo pastor Herberto Hoerlle, quando ia realizar o seu ano de prática no norte do Paraná, teve que pernoitar em Curitiba, e chegando a um hotel, só tinha o quarto treze disponível, o hoteleiro disse com todas as palavras que era um quarto que dava azar pelo número.4

3. Causas da Superstição A ação do diabo é a primeira e a mais forte. O homem é essencialmente religioso, ele precisa crer em alguma coisa. Daí as diversas crenças. Todos crêem. O diabo, aproveitando essa necessidade do homem de crer em alguma coisa, apresenta-lhe uma vasta gama de recursos para todos os fins.5 As várias causas vemos a seguir: • A insatisfação do sentimento religioso. Pessoas que estão insatisfeitas com a sua religião, buscam outros meios para os seus problemas.6 • A doença. A doença é o mal que mais aflige o homem: por isso, no combate à doença, a superstição encontra o terreno mais propício e fértil, todos querem Ter esperança de cura.. • O fantástico. A inclinação do homem para o fantástico, para o maravilhoso, para o inesperado, para as intervenções do além são um grande apoio na difusão da superstição. • A curiosidade. O grande desejo de tudo saber, tudo experimentar, é outra fonte que apóia o crescimento da superstição. No caso da curiosidade, desempenha papel importante a cartomancia (leitura do futuro pelas cartas), a quiromancia (leitura do futuro pelas mãos), o horóscopo... • A literatura supersticiosa, que invadiu o mercado livreiro. Livros como: O Manual das Cartomantes, O Livro dos Sonhos, Guia Astrológico, Planeta, etc. isso faz aguçar a curiosidade do povo. Estas são algumas causas da superstições, é por tudo 4 HOERLLE, Herberto. Superstição na forma em que mais se manifesta. In Mensageiro Luterano, Agosto de 1963. Pg 88 5 I Pe 5.8 – “Sede sóbrios e vigilantes. O diabo, vosso adversário, anda em derredor como leão que ruge procurando alguém para devorar.” 6 HOERLLE, Herberto. Superstição na forma em que mais se manifesta. In Mensageiro Luterano, Agosto de 1963. Pg 88 38 | Teologia | Abril e Maio, 2011

isso, e certamente por muito mais, que a superstição existe.

4. Consequências da Superstição A primeira consequência da superstição é o castigo de Deus. Dt 18.9 nos diz: “... não aprenderás a fazer conforme as abominações (os costumes nojentos) daqueles povos.” E ainda o versículo 12, diz: “... todo aquele que faz tal coisa é abominação ao Senhor”, e o versículo 14 encerra dizendo: “... a ti o Senhor teu Deus não permitiu tal coisa. A Palavra de Deus é clara, é pecado, Deus não aprova, e quem não abandona a superstição vai para o inferno.


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persticioso não quer saber da Palavra de Deus, não quer saber da Igreja, pode ser que até vá, mas na verdade, a fé verdadeira está na superstição. Estas são as consequências para quem é supersticioso, consequências graves que ninguém quer para si, por isso, a seguir veremos o que o pastor, como o conselheiro, o que guia o povo de Deus pela Palavra e sacramentos, deve fazer para que a superstição seja esquecida, e os membros tenham nova vida.

5. A Superstição sob o Ponto de Vista Cristão

Outra consequência é a perda da fé cristã. O supersticioso deixou a fé baseada na Bíblia, porque a superstição é a fé que anda no caminho proibido, é a fé desviada de Deus (Sl 73.27), tudo que contradiz a Cristo, é superstição.7 O pecado está em colocar a fé em coisas e práticas supersticiosas e delas esperar proteção, pois, ao agir assim, está se aceitando essas coisas como salvador e Deus e, é adorar a criatura em lugar do Criador. Na superstição, já não se espera de Jesus Cristo a paz de espírito e toda a proteção, mas, sim, destas determinadas coisas e práticas, isso porque o supersticioso está vivendo sob o dominio de Satanás, e como diz Leopoldo Heimann, “os supersticiosos estão com as suas almas envenenadas pelo cheiro do fogo do Inferno”.8 Desta forma, o supersticioso peca contra o 1º Mandamento, que diz: “Eu sou o Senhor, teu Deus. Não terás outros deuses diante de mim.” (Êx 20.2,3). O su7 KOCH, Kurt E. Fé e superstição. In Mensageiro Luterano. Junho de 1968, p. 11 8 HEIMANN, L. Superstição – obra de Satanás. In Mensageiro Luterano. Fevereiro de 1967. Pg. 9

O pastor deve ter em mente justamente o que já foi dito antes, o que é, quais as causas, as consequências que a superstição traz para quem acredita nela. A partir daí ele pode trabalhar melhor esta questão. Ao meu modo de ver o pastor não deve tentar pegar casos separados dentro de uma paróquia, a não ser que o caso seja muito grave, mas o pastor deve ser convincente a toda uma congregação, pela Palavra de Deus, pois assim o Espírito Santo pode agir. Talvez alguns passos deveriam ser seguidos ao “ensinar” a respeito da superstição: O primeiro deles seria mostrar ao povo o que a Palavra de Deus diz sobre isso, textos não faltam para mostrar o que Deus pensa disso, e o que acontece com quem confia em superstição. A partir daí vem os outros passos, que são simples, e mostram como o cristão deve reagir com respeito a este e algum outro pecado. A partir daí, o que o cristão deve fazer é o seguinte: 1° Reconhecer o pecado da superstição, assim como reconhece qualquer outro pecado 2º Confessar este pecado, dizer a Deus que cometeu pecado contra Ele, que esteve longe da fé, e pedir o perdão, que certamente Deus dá. 3° Abandonar o pecado da superstição, não mais procurar nada que tem a ver com superstição. 4º Odiar o pecado da superstição, destruir tudo o que tem a ver com a superstição, e abominar isso, a fim de mostrar aos outros qual é o caminho certo. 5° Crer em Cristo, este é o passo mais decisivo que precisa ser dado. Isso porque nós somos propriedades de Deus, e nem o Diabo pode vir nos tocar e nos levar para o lado dele, para isso Deus nos dá oportunidades para que possamos segui-lo de todo o coração. A Palavra de Deus deve ser o alicerce de nossa vida em tempo integral, e principalmente confiar nas promessas que a Abril e Maio, 2011 | Teologia | 39


Superstição

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Palavra de Deus nos dá. Deus nos protege e nos guarda, e se estamos firmados nele, resistimos qualquer tentação, qualquer dificuldade, qualquer provação, pois ele estará conosco dando-nos força e capacidade para isso. 6º Resistir ao pecado, assim como diz em Efésios 6.10-18. Assim podemos ver que a armadura de Deus é a seguinte: A verdade – Jesus é a verdade A justiça – A justiça de Cristo (Rm 8.33) O Evangelho – é o poder de Deus para salvar a humanidade (Rm 1.16) A salvação – a esperança da salvação nos anima a lutar contra estas coisas que não pertencem a Deus. A Palavra de Deus – É a arma

ofensiva do Cristão para se defender, bem como atacar ao diabo, e os seus seguidores. O pastor precisa estar consciente que o problema da superstição existe, principalmente no Brasil, e que isto tem que ser abolido, pois o cristão de verdade não suporta isso. Por isso, se o pastor usar a Palavra de Deus, certamente as pessoas se convencem, e se arrependem, pois o Espírito Santo vai agir, mostrando que quer a salvação de todas as pessoas que crêem.

força mesmo, e isso precisa ser trabalhado pelo pastor. Nós vimos que o pastor tem que saber lidar com esta situação, pois a superstição pode até estar incutida na cultura de determinado lugar, por isso complica. O que o pastor deve fazer, é justamente aplicar a Palavra de Deus, usar lei e evangelho, o resto Deus faz com seu Espírito Santo, como pastores, nós não somos deuses, mas instrumentos do Deus verdadeiro para que as pessoas cheguem a verdade, e possam ser salvas pela verdadeira fé em Cristo, dada pelo Espírito Santo, e fazer também com Conclusão que as pessoas se neguem a praticar Este trabalho foi apenas para a superstição, pois ela não salva, mas mostrar com este problema é com- condena eternamente. plicado, pois envolve religiosidade. Rev. Cláudio Ramir Schreiber — Medianeira-PR, Muitos acreditam que isso tenha pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil

Bibliografia FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Aurélio – Mini Dicionário da Língua Portuguesa. 3ª ed. Nova Fronteira. Rio de Janeiro, 1993. JUCKSCH, Alcides. O pecado da superstição. 3ª ed. Sinodal. São Leopoldo, 1969. (Evangelizando o Brasil – Caderno 01). Mensageiro Luterano – Editora Concórdia. HATTEN, Willem C.Van. Superstição é abominação ao Senhor. In Mensageiro Luterano, março de 1980. HEIMANN, L. Superstição – obra de Satanás. In Mensageiro Luterano. Fevereiro de 1967. HOERLLE, Herberto. Superstição na forma em que mais se manifesta. In Mensageiro Luterano, Agosto de 1963. HORSCH, Hans. Superstição – poucos falam, muitos praticam. In Mensageiro Luterano. Agosto de 1985. KOCH, Kurt E. Fé e superstição. In Mensageiro Luterano. Junho de 1968. 40 | Teologia | Abril e Maio, 2011


Rev. Márlon Hüther Antunes

Artigo

Fanatismo em nome da fé As notícias da morte de Bin Laden reavivaram as cenas de terrorismo ocorridas na última década. É fato que o desejo de vingança nestes anos, nunca as esqueceram, uma questão de tempo para se “fazer justiça”. Mas com quem está a razão? Ou o direito de em nome da fé ou honra, se trucidem dezenas de milhares de pessoas, como tem sido? Quem são os verdadeiros mártires? O fanatismo em nome da fé, seja num Deus, propósito, ou ideologia, tem em todos os tempos passado por cima do que é o bem mais sagrado em qualquer tipo de crença: a vida. A história revela tantas atrocidades em nome de uma pseudo-religião, carregada de ideologias e interesses humanos. Começou no Éden e tem colocado todos em risco. Loucos por guerra santa distorcem valores, manipulam pessoas como fantoches para atrair a honra para si a qualquer custo, privando-as da vida plena. Ignorância e distorção da verdade motivaram as Cruzadas, a Guerra dos camponeses, a perseguição de Hitler - que tentou reescrever a Bíblia com o intuito de eliminar as citações à cultura judaica. Ou do próprio Bin Laden que usou o alcorão para incitar ao terrorismo. Uma regra simples, mas contraditória: tentar pela violência e força da lei, promover a paz. Um grande exemplo de intolerância que nos cerca todos os tempos. O apóstolo Paulo obcecado pelo farisaísmo judaico confessou: “Eu era tão fanático que persegui a Igreja” (Filipenses 3.6). O próprio Jesus alertou contra o falso cristianismo: “Tomem cuidado para

que ninguém engane vocês. Porque muitos vão aparecer em meu nome” (Mateus 24.4). “O meu reino não é deste mundo” ( João 18.36). Nestes tempos que vão e que vem de guerra e aparente paz, onde todos são injustos e injustiçados e o desejo de vingança está à flor da pele, todos precisam de um “Conselheiro Maravilhoso, Príncipe da Paz" (Isaías 9.6). Justiça já foi feita, afinal: “Cristo nos libertou para que sejamos de fato livres. Por isso, continuem firmes nessa liberdade e não se tornem novamente escravos" (Gálatas 5.1). Enquanto as armas e interesses forem deste mundo, formando todo tipo de mártir, continuaremos neste caos. O desejo de justiça e a busca pela paz serão mais um capítulo sangrento. A morte de Bin Laden foi mais uma batalha. Ignoro este tipo de mártir, vivo noutra certeza entre vida e morte: “em todo o Universo não há nada que possa nos separar do amor de Deus, que é nosso por meio de Cristo Jesus, nosso Senhor” (Romanos 8.39). Nele estou e vivo em paz!

Rev. Márlon Hüther Antunes — Maceió-AL, pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil

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Rev. Elieu Radins

Oferta Oferta

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Ética

Nesse breve trabalho pretendemos estudar um pouco mais a questão da oferta. No campo da ética poderíamos dizer que procuramos a maneira correta de ofertar, ou o que é certo e o que é errado no ofertar. No entanto, na vida cristã a ética funciona de forma diferente. Não podemos partir do ponto certo e errado. Partimos do ponto estar em Cristo ou não. E para os que estão em Cristo a oferta não é caso de certo ou errado, mas de gratidão a Deus. Procuramos dar uma breve visão bíblica de oferta no Antigo e no Novo Testamento. Também abordaremos diferentes maneiras de ofertar. E, por fim, daremos uma atenção especial ao dízimo.

1. Oferta 1.1. Oferta na Bíblia

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oferta é uma parte da vida cristã que desde muito tempo vem causando grande discussão entre as igrejas. Modelos de ofertas são criados sempre se buscando a maneira “correta”, ou a “melhor” maneira de se ofertas. Essa preocupação tem conseguido muitas coisas. Um fator positivo é que as pessoas dão mais atenção às suas ofertas. Mas, em contra partida, muitos ficam atormentados. Não sabem muito bem como Deus espera que eles ofertem. E as discussões levantadas portanto, tem o seu lado negativo.

Muitas pessoas, com uma fé 2 Enciclopédia Histórico Teológica da sincera, estão buscando a maneira Igreja Cristã, p. 44. correta de ofertar motivados pelo medo que defensores de certas maneiras de ofertar defendem. Entre oferta voluntária e dízimo muitos ficam perdidos nesse meio. A Bíblia é a única fonte e norma de doutrina. A oferta sendo uma parte do nosso culto a Deus é natural que encontremos na Bíblia orientações quanto ao ofertar.

1.2. Antigo Testamento Quando nos dirigimos ao Antigo Testamento para refletirmos sobre a oferta é necessário fazermos uma distinção. Precisamos diferenciar oferta e sacrifício1. No Antigo Testamento essas duas partes do culto estão muito ligadas. Essa ligação se dá pelo fato de muitas ofertas serem usadas justamente para o sacrifício. No entanto, nem todas as ofertas se destinavam ao sacrifício. Sacrifício 1 Enciclopédia Histórico Teológica da Igreja Cristã, p. 44.

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está mais relacionado com “abater”. Portanto, temos três categorias de ofertas no Antigo Testamento que eram destinadas ao sacrifício: a oferta pelo pecado, a oferta pela culpa e o holocausto. Assim é possível dizer que todos os sacrifícios são ofertas, mas nem todas as ofertas são sacrifícios2. Existiam tipos diferentes de ofertas no antigo Testamento. Essas eram: oferta compulsória a ser total


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ou parcialmente queimada no altar, oferta voluntária a ser queimada parcialmente no altar e a ser consumida pelos sacerdotes e pelos israelitas como uma refeição comunitária e o dízimo do produto da terra e da multiplicação dos rebanhos3. Quanto a sua categoria as ofertas eram classificadas em propiciatórias: era uma expiação pelo pecado e pela culpa; dedicatórias: eram ofertas de consagração, nessa categoria temos os holocaustos, as ofertas de manjares e as libações; também temos as ofertas comunitárias, que eram de comunhão, nessa categoria temos a oferta pacífica, oferta movida, oferta de ação de graças, voto e oferta voluntária4.

A primeira oferta que temos conhecimento na bíblia é a oferta de Caim e Abel em Gênesis 4.3-4. Por Deus ter se agradado da oferta de Abel e não da de Caim, este matou o seu irmão movido pela inveja. Como podemos observar temos diferentes tipos de ofertas no Antigo Testamento. Nos dias atuais o meio mais lembrado é o dízimo. Muitos levantam a bandeira do dízimo como sendo a única forma correta e abençoada de ofertar. No Antigo Testamento existia uma forma de ofertar para cada ocasião. A oferta pelo pecado, por exemplo, era obrigatória para todo israelita. O que era variável era o que se oferecia como oferta. Um pobre poderia oferecer dois pombinhos 3 Enciclopédia Histórico Teológica da (Lv 5.7). O remediado ofereceria Igreja Cristã, p. 44. uma cabra (Lv 4.28). Os líderes das 4 Enciclopédia Histórico Teológica da comunidades ofereciam um bode Igreja Cristã, p. 45. Abril e Maio, 2011 | Teologia | 43


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o seu sangue em oferta pelo homem. Isso falando das ofertas que eram de reconciliação onde o pecado era perdoado. Falando em oferta de gratidão o Novo Testamento não tem um sistema de ofertas bem definido como o Antigo, mas nos coloca sob a liberdade que o próprio Cristo nos conquistou. É sob esta liberdade que está a Igreja nos dias atuais.

2. Maneiras de Ofertar

(Lv 4.23). O sumo sacerdote trazia junto com toda a comunidade e oferecia um novilho (Lv 4.3,14). Deus não estabeleceu uma forma de oferta definitiva e única. Eram diferentes de acordo com as ocasiões. Dessa forma nos nossos dias as ofertas também tem uma amplitude muito maior do que simplesmente aquele pouco de dinheiro que separamos por mês para a igreja.

1.3. Novo Testamento O sistema de ofertas e sacrifícios do Antigo Testamento não aparece mais com tanta clareza no Novo Testamento. De acordo com algumas passagens podemos ver que Jesus não desprezou o modo de oferta do Antigo Testamento. Em Mt 8.4 Jesus,depois de curar um leproso, pede que vá até o sacerdote e ofereça a oferta de acordo com que Moisés havia ordenado. Também em Mt 5.23-24 Jesus diz: Portanto, se você estiver oferecendo no altar a sua oferta a Deus e lembrar que o seu irmão tem alguma queixa contra 44 | Teologia | Abril e Maio, 2011

Ao longo da história da Igreja as maneiras de ofertar sempre foram muito variadas. A oferta regular que você, deixe a sua oferta ali, na frente é recolhida no culto praticamente do altar, e vá logo fazer as pazes com nunca foi colocada em questão. Os o seu irmão. Depois volte e ofereça a sua oferta a Deus. Jesus mostra nessa passagem que a oferta não é um simples ato em si, mas é um conjunto. O Novo Testamento não nos mostra que o sistema adotado no Antigo Testamento não era válido. Para o povo daquele tempo as ofertas foram agradáveis a Deus. Os sacrifícios hoje não precisam mais ser usados por que Cristo fez o sacrifício de uma vez por todas. Hb 9.1110,18, mostra exatamente que Jesus é a maior oferta de Deus em favor dos homens. O sacrifício de Cristo é eficaz e único ternamente. Os sacrifícios do Antigo Testamento apontavam exatamente para a obra de Cristo. O sangue derramado nos sacrifícios era o antítipo do sangue derramado por Cristo na cruz do Calvário. Depois de Cristo esse sacrifício não precisa mais ser repetido. Nenhum animal precisa ser sacrificado. Isso não faz mais sentido. O próprio Deus veio ao mundo para derramar


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questionamentos sempre foram em torno da chamada oferta mensal. De uma forma geral a igreja acompanha o momento financeiro que o país atravessa. Isso é inseparável. A igreja está inserida em uma realidade financeira e os membros dela fazem parte das pessoas que estão no mercado de trabalho. Ora esse mercado esta em alta hora em baixa. Os membros são afetados por essas oscilações e fatalmente a igreja também o será. Deus nos diz quanto a maneira de ofertar: ofertemos com boa vontade (2Co 8.12), com alegria (2Co 9.7), conforme nossa decisão (2Co 9.7), com honestidade (Ml 3.8),

com amor (1Jo 4.19), buscando em primeiro lugar o Reino de Deus (Mt 6.33)5. A igreja, buscando formas de ofertar mais convenientes, passou por alguns que vamos ver como segue:

2.1. Voto Um exemplo de voto feito a Deus é o de Jacó, relatado em Gn 28.10-22. Esse também é um dos mais conhecidos votos feitos na bíblia. No versículo 22 Jacó diz que de tudo quanto Deus o conceder ele daria o dízimo. Quanto a esse modo de ofertar a Igreja Evangélica Luterana do Brasil diz o seguinte: 5 Primeiro ao Senhor, p. 46.

Se falarmos em voto para a oferta, devemos entende-lo como algo pessoal entre o cristão e Deus. Por isso mesmo não pode ser exigido. Fica a critério da liberdade e da responsabilidade do ofertante. Voto, quando relacionado com a oferta, deverá ser entendido como promessa, intenção, propósito, objetivo, vontade e compromisso de ofertar6. Portanto sempre precisamos deixar na liberdade de cada um. O voto não pode se tornar uma lei. Dessa forma já deixaria de ser liberdade. Nas escrituras encontramos também outros tipos de votos. Alguns 6 Primeiro ao Senhor, p. 49. Abril e Maio, 2011 | Teologia | 45


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2.3. O Recolhimento das Ofertas Aqui falamos especificamente da oferta recolhida nos pratos de oferta nos cultos regulares. Essa forma é usada quase que unanimemente. Sobre essa forma de recolher ofertas não pairam muitas questões.

2.4. Taxas Essa forma de oferta é usada a muito tempo. em tempos passados ela ainda mais interessante. Muitas vezes era imposto às famílias, de acordo com os bens que possuía, uma taxa. Ou ainda, pedia-se que as famílias levantassem uma certa quantia de dinheiro independente dos seus rendimentos8. 8 Warning, p. 10.

não se relacionavam com a oferta em bens materiais. Sansão dedicou a sua vida a Deus através do voto nazireu. E em Dt 23.21-25, Moisés deixa bem claro que o voto pode ser feito, mas o fato de não se fazer votos também não é pecado. Portanto, o voto não é lei. No caso da oferta aqueles que querem de livre e espontânea vontade, devidamente bem instruídos, fazer um voto que assim o faça mas isso não pode ser colocado como lei para toda a congregação.

ta7.

Dentro da liberdade que temos na hora de ofertar, essa é sem dúvida uma maneira válida. Nela encontramos alguns benefícios como: a congregação pode fazer uma previsão orçamentária para o ano todo. Orçamento também é muito importante para o bom andamento da congregação. Essa foram tem um perigo. Pode-se fazer uma expectativa diante da intenção dos membros e em determinado momento, por algum motivo de força maior, a oferta não atinge o que foi proposto. Então começa a cobrança. Novamente 2.2. Cartão de Ofertas precisamos deixar bem claro que se Consiste, como o nome já o inpode usar, mas não pode ser lei. dica, de um pequeno cartão onde o ofertante coloca o seu nome e sua intenção de percentual para a ofer- 7 Primeiro ao Senhor, p. 49. 46 | Teologia | Abril e Maio, 2011


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Essa forma de oferta traz consigo uma falta de compreensão muito grande sobre o que na verdade é a oferta do cristão. Nessa forma de oferta transforma-se a oferta numa obrigação mensal, sem a qual, se perde o direito de receber os benefícios de pertencer à congregação. Muitos acham que precisam pagar uma taxa para terem direito ao batismo, instrução, casamento e sepultamento. A igreja é transformada em uma prestadora de serviços, pelos quais os membros pagam. A taxa dá uma imagem de “igreja plano de saúde”. A taxa também da impressão que pertencer a uma congregação é o mesmo que pertencer a um clube. Os membros pagam e tem o direito de usufruir de suas dependências e

de serem servidas. Quando se olha a oferta do ponto de vista da taxa, o pastor pode se tornar esse prestador de serviços. Os membros pagam para que ele trabalhe. Através da taxa eles delegam a sua vida cristã para que o pastor a viva em lugar deles. Isso é muito perigoso. É principalmente prejudicial para a evangelização que se dá muito frequentemente pelo testemunho pessoal dos membros.

2.5. Outras Formas de Levantar Ofertas Quanto a rifas, bingos e outros jogos a IELB não recomenda que sejam usados para arrecadar dinheiro. Essa decisão baseia-se no que Paulo escreve em 1Co 10.23: “Todas as coisas são lícitas, mas nem todas convêm; todas são lícitas, mas nem todas edificam”9. Quanto a bazares, trabalhos manuais, chás ou almoços, a recomendação é que isso não seja o fim da congregação. Entende-se como tempo e dons ofertados pelos membros. O dinheiro arrecado é empregado no trabalho do Reino de Deus10. Podemos dizer ainda que muitas igrejas na IELB foram construídas, em grande parte, com dinheiro arrecadado em bazares, chás, almoços e com trabalhos manuais. O perigo que se corre quando se deixa essa prática livremente estabelecida em uma congregação, e de os membros acharem que não precisam ofertar regularmente. Isso ocorre sempre que quando uma congregação passa por momentos de dificuldades. Quando se promove algo desse tipo e se consegue arrecadar o suficiente para sanar a dificuldade os membros 9 Primeiro ao Senhor, p.51. 10 Primeiro ao Senhor, p.51.

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podem pensar que sempre que uma dificuldade surgir ela poderá ser superada simplesmente se fazendo uma festa. Essa prática é muito comum em congregações da IELB e também da IECLB. Em alguns casos esses eventos estão impregnados de forma tão profunda que não se consegue facialmente mudar a tradição. Em alguns locais essas festas se tornam eventos reconhecidos e aguardados por toda uma região.

3. Dizimo 3.1. Retrospectiva Histórica Os debates recentes dentro da igreja cristã sobre oferta, são motivados pelas dificuldades financeiras e não pela vivencia da vida cristã. Provavelmente se as dificuldades não tivessem aparecido a oferta não estaria em primeiro lugar nas pautas de reuniões. O movimento pentecostal coloca ainda mais dúvida na cabaça dos membros de igrejas protestante históricas. Nesse realidade está a IELB. As igrejas pentecostais conseguem levantar verdadeiras fortunas em ofertas. Diante desse quadro surgem muitas dúvidas. Por exemplo: “será que estou ofertando de maneira correta? Será que a quantia que oferto é realmente a quantia que Deus quer?” O discurso pentecostal que a quantia de dinheiro dada é a proporção da fé coloca muitos em desespero. Quer queria quer não essas leis vão penetrando dentro das congregações. E cabe ao pastor uma orientação sobre o rela sentido da oferta. Abrimos um capítulo especial para o dízimo por entendermos que é a modalidade de oferta que hoje Abril e Maio, 2011 | Teologia | 47


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davam no estudo das contribuições e sua teologia bíblica. Como consequência, pastores e líderes de congregações adotavam os melhores métodos de contribuição que conheciam; aceitavam as práticas que lhes pareciam ser as melhores quando as exigências surgiam. A necessidade evidente de contribuições era salientada pelos salários que tinham de ser pagos, as igrejas que tinham de ser construídas, as contas para calefação, reparos e outras coisas indispensáveis. Faziam-se apelos a todos os membros para cada um arcar com sua quota das despesas. Antes de adotarem orçamentos regulares, em algumas igrejas os membros contribuíam aos vários fundos da denominação (administração geral, missões na Índia, na China, Seminários, etc.). As necessidades eram expostas aos membros na media em que surgiam. As pessoas então davam ou prometiam certa quantia para ajudar a cobrir as despesas. E sempre se faziam presentes os “benefícios”, as rifas e as festas das paróquias para ajudar a manter as igrejas12.

está mais em debate principalmente dentro da IELB. O dízimo é a forma usada pelas igrejas pentecostais para que os seus fiéis ofertem. Essa é mais uma tentativa de sanar os problemas financeiros que apareceram. Diante do quadro de déficit procura-se motivar os membros a ofertarem afirmando que o dízimo é o único modo bíblico de ofertar. É interessante observarmos de onde surgem essas dificuldades no ofertar. Waldo Werning em seu livro “O chamado a Mordomia”, traz uma análise retrospectiva de critérios da mordomia das ofertas. Werning diz que o passado europeu contribui nos hábitos de contribuição dos americanos durante muito tempo11. O Brasil sofreu essa influência principalmente pelo fato de grande parte dos membros da IELB ser de origem européia. A IELB principalmente sofre com esse fato. Não queremos agora colocar toda a culpa dos problemas na mordomia cristã nos nossos queridos antepassados que muito contribuíram também para a propagação do evangelho. No entanto, é importante analisarmos os modos de vida das congregações de onde eles vieram para termos uma compreensão melhor do que ocorre hoje em dia. Werning expõe a seguinte situação: Muitos protestantes, em particular luteranos, vieram de igrejas estatais sustentadas por impostos, nas quais não havia contribuições regulares. Com tal precedente, as igrejas na América por muitos anos não se preocuparam com o estudo bíblicos das contribuições cristãs. Nem teólogos europeus, nem americanos se aprofun-

No dias atuais já se denominou esse tipo de discurso de “teologia da necessidade”. Podemos ver que no Brasil a influência desse tipo de pensamento tem reflexos ainda nos dias de hoje. Analisando isso nos deparamos com outra questão: precisamos ser educados na oferta. Sem dúvida. A oferta é parte da vida cristã. Assim como aprendemos a cantar, a orar, também aprendemos a ofertar.

11 Werning. p. 9.

12 Werning. p.10.

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Não podemos colocar como aprender o ato mecânico de se dar dinheiro para a igreja. Assim como cremos que tudo em nossa vida é fruto da fé em Cristo, também o aprender ofertar livremente é consequência da fé. Recebemos a fé no batismo mas durante toda a nossa vida cristã estamos fortalecendo a nossa fé e crescendo no conhecimento da palavra de Deus. Muitas coisas não podem ser aprendidas. O modelo de oferta que temos na bíblia é a oferta da viúva pobre (Mc 12.44). Esse sentimento que moveu aquela oferta não pode ser aprendido. Mas podemos mostrar que a oferta que Deus fez por nós, enviando Cristo é verdadeira motivação para se ofertar.


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3.2. Dízimo: A Maneira Correta de Ofertar Certamente essa é a conclusão a que muitos cristãos chegaram. No entanto existe uma maneira que podemos chamar de “100% correta” na hora de ofertar? Afirmar que o dízimo é a única forma de oferta que Deus aprova, é incorreto. Como já dissemos esse é o discurso pentecostal. Um discurso que oprime. Muitos membros da IELB estão sendo influenciados por pessoas que tem justamente a mesma idéia e visão dos pentecostais. Muitos dizem que essa é a forma bíblica de se ofertar. O dízimo era uma das formas e um dos mo-

mentos em que o povo do Antigo Testamento traziam as suas ofertas. Se queremos ser realmente bíblicos quanto ao dízimos, então precisamos recolhe-lo somente uma vez por ano, pois era assim que acontecia. Não se recolhia de tudo, mas sim, dos produtos e animais indicados por Deus (Lv 27.30-32; Nm 18.21-32 e Dt 14.22-29)13. Muitos tentam relacionar Jesus com o dízimo de forma que possam encontrar apoio par as suas doutrinas. De acordo com J. E. Dillard não temos na Bíblia que nos mostre claramente que Jesus tenha sido dizimista. Mas de acordo com seu ponto de vista podemos concluir que sim. Ele aponta dez fatores que nos levam a essa conclusão. Dentre esses podemos citar o fato de Jesus ter sido educado em um piedoso lar judeu; e os judeus piedosos eram dizimistas. O Velho Testamento era a bíblia daqueles dias, e sabemos que Jesus amava a Bíblia14. Para o apóstolo Paulo os argumentos são praticamente os mesmos. Paulo pro sua vez parece ter tido uma compreensão mais clara da mordomia da oferta após a sua conversão. Provavelmente Paulo não se limitou ao dízimo após a sua conversão.Segundo Dillard a vida cristã de Paulo atingiu o ideal, já que tudo o que ele possuía estava consagrado a Cristo15. Como podemos observar o dízimo tem os defensores ferrenhos. Ignoram todas as outras maneiras de ofertar para apoiar o dízimo como forma ideal. A forma ideal é colocar todas os bens materiais a serviço do reino de Deus.

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Tudo o que temos e somos vem de Deus. Nós recebemos tudo de presente. Portanto não podemos nos apossar da maioria e dar somente uma pequena parte para Deus. Tudo é de Deus. O dinheiro que recebemos pelo trabalho que Deus concedeu que tivéssemos nós o empregamos no nosso sustento, na nossa educação, na saúde. Quando isso é feito com responsabilidade e de forma agradável a Deus também estamos sendo fiéis mordomos dos bens que ele nos concedeu. Ofertamos em dinheiro pelo fato da igreja precisar de dinheiro para a propagação do evangelho, arcar com as despesas que tem uma congregação. No entanto a forma de ofertarmos esse dinheiro e a quantia não podemos bater o martelo e definir de acordo com o nosso entendimento. Precisamos ter sempre em mente

13 Primeiro ao Senhor, p.57. 14 Dillard, p. 32 e 33. 15 Dillard, p. 49. Abril e Maio, 2011 | Teologia | 49


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que a oferta é livre e nessa liberdade o cristão observará o modo que deseja ofertar. A Comissão de Teologia e Relações Eclesiais da IELB tem um parecer muito bonito sobre essa questão da oferta. Diz assim: O povo de Deus tem liberdade para decidir sua maneira de ofertar para a obra do Reino de Deus16. Dentro dessa liberdade o cristão pode dar o dízimo. Como também pode ter outra maneira de ofertar. Não podemos estipular uma lei e dizer que o dízimo é a única maneira de ofertar que Deus abençoa.

as voltas com diferentes maneiras de interpretar a verdadeira motivação para a oferta. O tema da oferta, especialmente no últimos anos, tem sido muito debatido. A Igreja Evangélica Luterana do Brasil, especialmente, viu-se as voltas com diferentes maneiras de interpretar a verdadeira motivação para a oferta. Depois do trabalho pronto podemos observar, como está colocado no próprio trabalho, que a oferta acima de tudo é livre. Esse é o pressuposto primeiro para a oferta. Não podemos criar leis que Deus não admite. A oferta é culto de louvor 4. Conclusão a Deus pelas bênçãos recebidas diaO tema da oferta, especialmen- riamente em nossas vidas. te no últimos anos, tem sido muito debatido. A Igreja Evangélica Luterana do Brasil, especialmente, viu-se

A influência pentecostal atormenta muita gente. A pergunta que se faz é: por que eles tem dinheiro e nós não temos? É preferível continuar da maneira que estamos do que adotarmos o sistema de oferta deles. Que é motivado pela coação e pela barganha com Deus. A maneira bíblica de ofertar é maravilhosa. É maravilhosa porque é livre. O cristão dentro da liberdade que Cristo lhe conquistou oferta com o coração transbordando de alegria.

Rev. Elieu Radins — Vila Pavão-ES, pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil

16 Comissão de Teologia e Relações Eclesiais da IELB in Mensageiro Luterano, Set. 94, p.9.

Bibliografia CAMPELO, Zacarias. Luz Sobre Mordomia. Rio de Janeiro, Casa Publicadora Batista, 1959. COMISSÃO DE TEOLOGIA E RELAÇÕES ECLESIAIS DA IGREJA EVANGÉLICA LUTERANA DO BRASIL, Sistema de Ofertas in Mensageiro Luterano, 1994, Setembro, p.8. Concórdia. DILLARD, J. E. Mordomia Bíblica. Trad. Lauro Bretones. Rio de Janeiro, Casa Publicadora Batista, 2º ed., 1957. ENCICLOPÉDIA HISTÓRICO-TEOLÓGICO DA IGREJA CRISTÃ. Ed. Walter Elwell. Trad. Gordon Chown. São Paulo, Vida Nova, 1998,Vol. III. O NOVO DICIONÁRIO DA BÍBLIA. Ed. J. D. Douglas. Ed. da edição em Português: R. P. Shedd. Trad. João Bentes. São Paulo, Vida Nova, 2º ed., 1995. PRIMEIR AO SENHOR, Manual de Mordomia Cristã da Igreja Evangélica Luterana do Brasil. Ed. Diretoria Nacional da Igreja Evangélica Luterana do Brasil, Porto Alegre, Concórdia, 3º ed., 1996. WERNING, Waldo J. O Chamado a Mordomia. Trad. Mário L. Rehfeldt. Porto Alegre, Concórdia, 1969. 50 | Teologia | Abril e Maio, 2011


Rev. Márlon Hüther Antunes

Oxi-dantes

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sensação surreal causada pelas drogas parece a cada dia tomar mais conta de nossa sociedade, demonstrando de forma devastadora como a mente pode ser oxidada, como uma fuga oferecida pelas esquinas e desertos da vida. Se a sensação é surreal, a guerra é real. A falsa euforia há muito não faz acepção de classe social, idade ou ocasião. É uma luta diária em muitos lares, conviver e tentar tratar os estragos causados pela dependência química. E se a bebida, maconha, cocaína, crack, remédio e outras drogas lícitas ou ilícitas já eram os grandes fantasmas, agora se revela um inimigo ainda pior: o Oxi! Mais letal que o crack (segundo estimativas entre 600 mil a 1,2 milhões brasileiros já são vítimas); Com um poder de vício ainda maior; Uma composição ainda mais devastadora – pasta base de coca oxidada com querosene ou gasolina e cal – o oxi, mais acessível – cerca de ¼ do valor de uma Pedra de crack – é a nova e perigosa moda nas bocas de fumo. Pelo corpo vai destruindo órgãos, da boca aos rins, trazendo a morte rápida ao usuário e, cada vez mais perto de todos. Mentes “oxidadas”, vidas “oxidadas” – um rastro de pavor e morte democratizada. A séculos o Apóstolo Paulo tratava do assunto que assim como o oxi, vicia, destrói e leva a morte:

Artigo

“todos pecaram” (Romanos 3.23), “porque o salário do pecado é a morte” (Romanos 6.23). A droga do pecado não destrói só o corpo, mas a alma também – acabando com vidas, famílias, esperanças. Se antes o oxi não era considerado o grande vilão das drogas, era porque dele não se tinha conhecimento ou não se dava atenção, pois era velho conhecido só nas periferias da região norte. Hoje os olhos se abrem para este inimigo. Admitir o inimigo é o primeiro passo para se buscar ajuda, cura ou salvação. Ações paliativas são apenas maneiras hipócritas de fechar os olhos para um problema e achar que tudo está bem, desde que as consequências não recaiam sobre mim, é o estrago da falsa euforia! Assim, multidões andam com a mente oxi-dadas, pelo grande vilão, velho conhecido, devastador e viciante – para este “hábito” há uma única saída, um único antídoto, remédio e salvação. “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (João 14.6). Este é a solução para a droga do pecado. Este é a solução para a Salvação. Este é a solução para o perdão. Para os demais, “há caminhos que parecem certos, mas podem acabar levando para a morte” (Provérbios 14.12).

Rev. Márlon Hüther Antunes — Maceió-AL, pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil

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Ética

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Gelson Neri Bourckhardt

Psicanálise Freudiana

O presente estudo aborda a temática Ética e Psicanálise Freudiana. Considerando-se a amplidão das correntes psicanalíticas surgidas após Freud, o trabalho ater-se-á à psicanálise freudiana. O objetivo é desvelar caminhos que possam conduzir a um entendimento do conceito Ethos no universo psicanalítico de Sigmund Freud. E, a partir disso, fazer uma comparação entre a Ética cristã e a Psicanálise na área das atitudes e da liberdade do homem. A tentativa é redirecionar a abordagem de modo a colher instrumentos que possam orientar o estudo do tema no campo da fé cristã, superando dificuldades e preconceitos presentes tanto no meio eclesiástico quanto no reduto psicanalítico.

1. Sigmund Freud (1856-1939): Uma Nota Biográfica

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se. “Freud foi um excelente aluno. Aos dezessete anos, já pôde entrar na universidade, tendo-se submetido aos exames da Matura (provas muito difíceis para a conclusão do secundário). Um dos examinadores elogiou seu estilo, preciso e elegante, notando nesse jovem o que agrada aos leitores de suas obras e que o levará a receber o Prêmio Goethe de Literatura de 1929, pelas qualidades estilísticas de seus escritos.”1 Nessa época foi atraído

reud nasceu em 6 de maio de 1856, em Freiberg, hoje Pribor, Morávia. Originário de uma família judia da pequena burguesia comerciante, viveu desde os 4 anos em Viena, que deixou por Londres, em 1938, quando perseguido pelo Nazismo. Enquanto estudante no Gymnasium era o primeiro em rendimento escolar de sua clas- 1 PICCINI, Amina Maggi. Freud. São Paulo: Editora Moderna, 1986. Pg. 14.

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pelas teorias de Darwin. Em 1873, entrou na Universidade de Viena. Ali experienciou os efeitos do preconceito anti-semítico. “Várias são as alusões de Freud às dificuldades encontradas ao longo de sua formação pelo fato de ser judeu. Ao ingressar na universidade, por exemplo, ‘esperava-se que eu me sentisse inferior e estranho por ser judeu.’ Após comentar ter suportado ‘sem grande pesar minha não-aceitação na comunidade,’ conclui ter sido, afinal, uma experiência de importantes consequências, pois, ‘numa idade prematura, familiarizei-me com o destino de estar na oposição sob o anátema da maioria compacta’... Por outro lado, Freud apesar de não ser praticante nem ter orgulho nacional que o ligasse ao judaísmo, confessaria sentir irresistível atração pelos judeus e pelo judaísmo.”2 Em 1881, recebeu o grau de médico. A partir disso, iniciou sua especialização no ramo da neurologia. Sob 2 Idem, Ibid. Pgs. 8, 9.


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orientação de Charcot, em Sorbonria de boas donas-de-casa que ne, determinou-se a pesquisar a sabem conservar indefinidahisteria sob o ponto de vista psicomente seus empregados.’ Ela, lógico. De Charcot, Freud reteve a que passou a ser chamada pemetodologia que muitas vezes conlos conhecidos de Frau Profestradizia pressupostos tidos como insor, nunca foi uma intelectual, falíveis na ciência. “Charcot nunca preferindo dedicar-se, com emse cansava de defender o direito de penho, às tarefas domésticas e observações contradizendo teorias aos filhos.4 estabelecidas. Para ele, os fatos deJá casado, estabeleceu-se como viam ter a primazia. Consideramos, sobretudo nesse sentido, ser Freud especialista em sistema nervoso em continuador da mensagem de Char- Viena. Tratava os nervosos pela elecot, imprimindo na Psicanálise a necessidade metodológica de que- 4 Idem, Ibid. Pg. 43. rer aprender dos fenômenos sem se deixar cegar por teorias prévias.”3 Em 1886, retornou a Viena. Antes disso, porém, trabalhou alguns meses numa clínica de crianças em Berlim. Ali fez observações sobre as desordens nervosas presentes em certas crianças. Após o seu retorno a Viena, Freud casou-se com Martha. O que se tem dela é que era uma excelente pessoa, uma verdadeira dona-de-casa: Martha, esposa sempre dedicada, não somente jamais perturbou a atividade do marido, mas deve ter assumido, dentro de casa, tudo o que pôde para amenizar o andamento daquela. As inúmeras obras escritas por Freud durante o casamento, que durou até o final de sua vida, atestam a indireta colaboração da esposa em saber fazer com que, apesar dos tantos filhos e da situação econômica por vezes precária, fosse possível prosseguir, sem interrupção, um trabalho científico tão vultoso. Ernest Jones refere-se a Martha dizendo que ela ‘pertencia à rara catego-

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troterapia e pela hipnose. Depois abandonou a hipnose, passando a adotar, como instrumento terapêutico, um simples estado de relaxamento do paciente. O terapeuta analisava o paciente através das associações livres. Nesse período, conheceu o neurologista Breuer. “Os dois trabalharam juntos durante alguns anos, e no curso deste período ‘catartizaram’ dezenas de pacientes histéricos, publicando em 1893 o fruto de seus estudos, reunidos num opúsculo intitulado Studien über

3 Idem, Ibid. Pg. 22. Abril e Maio, 2011 | Teologia | 53


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Hysterie.”5 Nesta obra já estão expostos certos conceitos fundamentais da psicanálise: inconsciente, deslocamento, ab-reação e recalcamento. Em 1896, afastou-se de Breuer, pois este não reconheceu a etiologia sexual das neuroses, prosseguindo seu caminho sozinho. Em outubro de 1897 descobriu o Complexo de Édipo e, em seguida, lançou duas obras fundamentais: A Interpretação dos Sonhos, publicada em 1900 e, Zur Psychopathlogie des Alltagslebens, publicada em 1904. Nesse mesmo ano decidiu sintetizar suas técnicas e os resultados de seus estudos, constituindo um método que denominou Die Freudische Psychoanalytische Methode. Daí provém o termo psicanálise. A partir de 1905, a atividade científica de Freud entrou em um

período febril e seus numerosos trabalhos foram publicados em diversas revistas científicas, monografias e revistas especializadas. Sua obra começou a receber mérito internacional. Reagrupou em torno de si alguns discípulos: Adler, Stekel, Jung, Rank, e, em 1908, fundou a Sociedade Psicanalítica de Viena. Está claro que o estilo literário de Freud contribuiu em muito para a divulgação das suas idéias. Suas obras científicas são acessíveis até ao leitor simples. Junte-se a isso seus carisma pessoal para com o público. O aspecto essencialmente dinâmico e empírico da psicologia freudiana, o atrevimento de suas afirmações, o estilo cativante do autor — brilhante expositor e formidável polemista — e também o interesse crescente que se sentia 5 MIRA Y LOPEZ, Emílio. Os pelos estudos referentes ao inFundamentos da Psicanálise. consciente – domínio vasto e Trad.: Joubert T. Barbosa. Rio de Janeiro: Editora Científica, 1958. Pg. 25. inexplorado da alma humana — fizeram que a Psicanáli-

se abrisse caminho através dos protestos e espavento dos clássicos psicólogos intelectualistas, da indignação dos moralistas e da indiferença inicial dos psiquiatras. Áustria, Alemanha e Suíça, inicialmente; Inglaterra, América, Rússia e Polônia, depois; Itália e França, ultimamente, proporcionaram a Freud, em todos os campos da cultura humana, numerosos discípulos e continuadores que traduziram suas obras e as divulgaram em seus respectivos países.6 Em 1909, foi convidado a fazer uma série de conferências sobre a psicanálise nos EUA. Em 1910, era realizado o primeiro Congresso Internacional de Psicanálise, em Salzburg. Nesse mesmo ano é fundada a Associação Internacional de Psicanálise. A partir de 1910, concentra os seus esforços na multiplicação do movimento psicanalítico. Entretanto, na medida em que a instituição analítica se expandia e se organizava, rupturas e cisões aconteciam entre Freud e seus discípulos mais próximos: ele se separou sucessivamente de Adler (1911), de Jung (1913) e mais tarde de Rank (1924) e de Ferenczi (1929). A partir de 1920, aconteceu uma reviravolta importante na teoria freudiana, com a introdução da pulsão de morte. Freud propôs igualmente um novo modelo para o aparelho psíquico, compreendendo o ego, o id e o superego.7 6 Idem, Ibid. Pg. 28. 7 Grande Enciclopédia Larousse Cultural. São Paulo: Nova Cultural, 1998.Vol. 11. Pg. 2577.

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A partir dos anos 20, Freud dedicou-se aos grandes problemas da civilização, dentro de uma perspectiva psicanalítica. Vítima de um câncer no maxilar, desde 1924, morreu em 23 de setembro de 1939, em Hamstead, Londres.

2. A Teoria Psicanalítica 2.1. Psicanálise: Uma Definição Basicamente a psicanálise é uma teoria psicológica e método terapêutico que trata de desordens mentais conhecidas como neuroses; mais amplamente, é uma teoria geral do desenvolvimento emocional e da personalidade, construída quase integralmente por Freud. A terapia psicanalítica é individual e se estende por um período relativamente longo; através da livre associação de idéias do paciente, investiga-se a interação entre o consciente e o inconsciente, trazendo à tona medos e conflitos reprimidos e, assim, as origens e mecanismos profundos dos sintomas neuróticos.8

2.2. Id, Ego e Superego ou Princípio da Divisão Tripartida da Personalidade Adulta A teoria psicanalítica explica o funcionamento da personalidade como a interação de forças. Tipicamente, três grupos de forças estão em conflito — embora na perso8 Nova Enciclopédia Ilustrada Folha. São Paulo: Publifolha, 1996. Vol. 2. Pg. 802.

nalidade saudável elas devam trabalhar em harmonia — o id, o ego e o superego. A energia destas três forças é vista como energia mental. O id é constituído pelos instintos. Há duas classes de instintos: os denominados instintos tânicos, destruidores, ou instintos de Morte, de natureza sadomasoquista, e os instintos criadores, ou vitais, que se agrupam sob o qualificativo de Eros platônicos ou Libido. Essas forças, inicialmente amorfas e multívocas constituem o extrato mais profundo da atividade pessoal, e seu conjunto, fundamentalmente inconsciente, integra a parte desta.9 Visto que os instintos tem uma fonte biológica, o id é de natureza orgânica. O principal objetivo de um instinto é reduzir a tensão associada através da estimulação desta fonte. O objeto de um instinto é o instrumento que realiza o objetivo. Por exemplo, matar a fome é o desejo — objetivo — do homem. Seu instrumento — objeto — para eliminar a fome é a comida. Há também as forças derivadas paulatinamente da ação corretora e modeladora da experiência e da educação, que atuam criando por reflexos resultantes da observação, a bipolaridade consciente e permitem separar o Eu (realidade subjetiva) do não-Eu (realidade objetiva), delimitando assim a noção de auto-existência e autodeterminação. Em suas intenções e propósitos, este 9 MIRA Y LOPEZ, Emílio. Os Fundamentos da Psicanálise. Trad.: Joubert T. Barbosa. Rio de Janeiro: Editora Científica, 1958. Pg. 59.

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setor da personalidade orienta-se por uma fria moral utilitária, apoiada na razão lógica. Freud o distingue como núcleo energético e intermediário ou ‘Ego.’”10 O ego é o principal atuante da personalidade, uma misteriosa mistura de consciente e inconsciente, representando sensações e ações. É também o principal receptor das percepções do além corpo. Pensar e arrazoar são também funções do ego. Parte do ego da criança torna-se diferenciada , pois incorpora as ordens e proibições que seus pais lhe dão. “O progenitor odiado é incorporado à personalidade, em virtude deste processo de introjeção e se converte em seu mais implacável juiz ou censor.”11 Freud chamou esta parte da estrutura da personalidade de superego. O superego é basicamente inconsciente e tem importância na formação das neuroses. Ele é responsável pelo sentido inconsciente de culpa que predomina em muitas desordens psicológicas. Por exemplo, a pessoa que sofre de uma desordem obssessiva-compulsiva está obcecada com idéias de sua própria impureza, feiura e pecado. Algumas vezes ela é compelida a lavar suas mãos, inconscientemente ela está “lavando” sua culpa. “É ele também chamado ‘ideal do Ego’, pois as impressões que recebemos na nossa mais recuada infância, tanto as da educação direta como as da indireta, permanecem, em grande parte, indeléveis durante toda a nossa vida e, por isso mesmo, influem decisivamente na feitura do ideal com que pautamos nossa conduta 10 Idem, Ibid. Pg. 59, 60. 11 Idem, Ibid. Pg. 60. Abril e Maio, 2011 | Teologia | 55


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na idade adulta.”12 Em resumo, a tarefa do ego é obter satisfação para os impulsos do id de modo que não somente esteja dentro das limitações da realidade social e física, mas não viole os requerimentos do superego. Freud disse que o ego poderia ser comparado a uma pessoa andando de cavalo: Na maior parte a pessoa está no controle e guia o cavalo, mas algumas vezes o cavalo está determinado a seguir seu próprio caminho. Aí há uma luta. Diante disso, o ego exerce algum controle através da ansiedade e da culpa.

2.3. Ansiedade e Culpa Freud descreveu a ansiedade como tendo três características principais: (1) um sentimento específico de incômodo; (2) respostas autonômicas como o aumento na média de batidas do coração; (3) a percepção desses sentimentos e respostas. A primeira reação de ansiedade ocorre no nascimento. Comparado com o conforto do útero, agora o bebê está em meio ao perigo. Ele utiliza a ansiedade como resposta. O bebê também experiencia estimulação quando sente fome. A estimulação é acalmada pela mãe. Quando sente fome e percebe a ausência da mãe, o bebê interpreta o fato como sinal de perigo. O ego prontamente chama à memória respostas de ansiedade para acalmar a estimulação. Agora é possível ao ego chamar a ansiedade simplesmente quando antecipa o perigo. É a chamada ansiedade realística. De modo contrário, a ansiedade neurótica é uma resposta a um 12 SAMPAIO, A. Leme. A Psicanálise e o Autoconhecimento. São Paulo: Ensaios, 1952. Pg. 6. 56 | Teologia | Abril e Maio, 2011

perigo interno. Geralmente, estas respostas começam quando a mãe pune seu filho ou está tensa e nervosa. Por exemplo, quando a criança faz algo ofensivo a mãe, como morder o mamilo dela. A criança responde com a ansiedade quando sente o impulso para morder o mamilo. Ao mesmo tempo, o impulso em si torna-se uma fonte de perigo interno. E porque é instintivo, a criança não pode fugir dele. Isto produz um inescapável conflito entre impulso e ansiedade. A ansiedade realística e a ansiedade neurótica estão associadas ao ego. Um terceiro tipo de ansiedade está associado ao superego. Depois de a criança estar identificada com seus pais e ter incorporado suas proibições na forma de consciência, ele experiencia esta forma de ansiedade como culpa. A principal função do superego é manter uma postura crítica das falhas pessoais. Portanto, ao estilo do superego, as pessoas envergonham-se por causa de variadas ofensas reais e imaginárias. O sentimento de culpa pode ser sentido consciente ou inconscientemente. Na melancolia, o sentido de culpa é esmagadoramente consciente. Na histeria, o paciente está completamente desinformado sobre o sentimento de culpa. Diante da exposição acima, já se adivinha quanto é difícil manter em equilíbrio, na individualidade, estes três núcleos energéticos; cada um dos quais corresponde a um período diferente da evolução psíquica e procura dirigir a vida do indivíduo de um modo absoluto. Por isto, é muito frequente que se originem conflitos mentais, que perturbam a paz interior e levam as pessoas às fronteiras

da enfermidade psíquica.13

2.4. Mecanismos de Defesa Segundo a psicanálise, o ego opõe-se ao poder do id com a ansiedade e a culpa. Este poder é exercido e colocado em prática através de mecanismos de defesa — sublimação, catatimia, projeção, racionalização e holotimia. Resumidamente, podemos defini-los do seguinte modo: A) Sublimação — a energia de uma tendência reacional é transferida para outras vias motoras. Por exemplo, o soco que visava o diretor da empresa é descarregado sobre a mesa. B) Catatimia — “designa a ação que as tendências afetivas exercem sobre a percepção da realidade.”14 Por exemplo, o medo que deforma a realidade exterior e cria ou aumenta seus perigos. C) Projeção — efetua-se a extroversão das tendências afetivas do indivíduo, que são projetadas fora dele. Por exemplo, o menino que está com o seu avô no zoológico e se espanta com o rugido do leão. Ele puxa o velho pela manga e diz: vamos avô, pois o senhor está com medo. D) Racionalização — cria-se “uma falsa motivação subjetiva que permita justificar aparentemente a satisfação da tendência a qual se opõe 13 MIRA Y LOPEZ, Emílio. Os Fundamentos da Psicanálise. Trad.: Joubert T. Barbosa. Rio de Janeiro: Editora Científica, 1958. Pg. 61. 14 Idem, Ibid. Pg. 62.


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a censura.”15 Por exemplo, o 2.5. Teoria da Libido16 caso da raposa na fábula de Trata da Esopo: Quando vê que não alnatureza e o desenvolvimencança o cacho de uvas, afastato da força propulsora da ati-se com desdém e diz: Estão vidade psíquica. Freud afirverdes. ma que esta força ou energia é E) Holotimia — o indivíduo transmitida ao Ser no ato da renuncia totalmente aos seus fecundação e é, por assim didesejos e promete para si um zer, consubstancial. Sob o ponbem maior e ulterior, uma to de vista teleológico, devemos vida melhor a que agora renuncia. Por exemplo, a espe- 16 “Libido é a energia psíquica básica. Popularmente, a libido é definida rança na vida eterna ensinada como de natureza sexual. No entanto, pelas grandes religiões. na teoria freudiana, refere-se a todos

15 Idem, Ibid. Pg. 64.

os impulsos de busca do prazer.” In SOUZA, Sonia M. R. de. Um Outro Olhar: Filosofia. São Paulo: FTD, 1995. Pg.186.

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considerá-la como um obscuro ‘impulso criador’, cujo fim é assegurar a expansão e perpetuação do Ser, no espaço e no tempo. Sua natureza fundamental parece ser, de acordo com certas passagens da obra freudiana, hormonal e instintiva. É preciso advertir, no entanto, que acerca dessa força seu revelador se limita a postular que engloba, isto sim, as energias sexuais, motivo pelo qual a denomina Libido sexual. Isto, porém, não significa que seja exclusivamente sexual, pois contém elementos não Abril e Maio, 2011 | Teologia | 57


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diferenciados e comuns a outras funções vitais.17 As fases evolutivas da Libido: A) Período Terminutritivo — o bebê sente uma vaga impressão de prazer, como quando satisfazem suas necessidades nutritivas e térmicas. “O seio materno (ou o seu substituto) é considerado como parte do sujeito infantil, tudo está para ser engolido ou, eventualmente, rejeitado.”18 B) Fase Oral — com o aparecimento da dentição, o prazer da criança se concentra na boca. Por isso chupa os dedos e leva tudo à boca. “O seio nutriente é experimentado, pelas fantasias infantis, como o eixo de todas as bondades possíveis: é alvo de uma paixão que não encontra paralelo na vida afetiva posterior. O seio bom tanto representa o modelo de toda boa relação subsequente, como é também o núcleo do desenvolvimento do ego infantil... Por outro lado, a experiência de sentir fome, sem que o seio materno acorra para aplacá-la, é ódio puro, um inferno sem atenuantes.”19 C) Fase Anal — reter os excrementos é agora a nova forma de prazer. “O prazer libidinoso é despertado principalmente pela lenta e intermitente fricção de excrementos contra a referida mucosa. As crianças acostumam-se, então, a reter seus excrementos, visando um prazer maior no momento de sua expulsão... Pode ainda a zona erógena se estender até a região glútea, muitas vezes, devido ao hábito que tem as empregadas de dar ‘palmadinhas’ nas crianças, para que se calem e adormeçam mais depressa.”20 D) Fase Uretral — período em que a criança retém urina a todo instante. Fase relativamente curta ou muitas vezes conjugada com a fase anal. E) Fase da Vista — compreende a idade dos 2 ao 5 ou 6 anos. Já próxima à segunda infância, o auto-erotismo se expande por toda a superfície cutânea. A criança gosta de contemplar seu corpo. Por exemplo, exibe-se nua diante dos outros. F) Período de Latência ou Recolhimento — Freud 17 MIRAY LOPEZ, Emílio. Os Fundamentos da Psicanálise. Trad.: Joubert T. Barbosa. Rio de Janeiro: Editora Científica, 1958. Pg. 66. 18 HERRMANN, Fábio. O que é Psicanálise. São Paulo: Abril Cultural, Brasiliense, 1984. Pg. 59. 19 Idem, Ibid. Pg. 59. 20 MIRAY LOPEZ, Emílio. Os Fundamentos da Psicanálise. Trad.: Joubert T. Barbosa. Rio de Janeiro: Editora Científica, 1958. Pg. 67. 58 | Teologia | Abril e Maio, 2011

observou que há um breve lapso de tempo no qual não se observa aparentemente nenhuma manifestação objetiva de sexualidade infantil. G) Período da Projeção Sexual — a criança projeta seu afeto sexual primeiramente na pessoa de seu genitor de sexo contrário.21 Os filhos se encontram ligados aos pais por uma dupla reação erótica — amor e ódio. Nessa época, as crianças começam a preocupar-se com a sua procedência. H) Período de Retorno — na puberdade observa-se uma volta à fase do auto-erotismo, junto com a satisfação onanista e masturbadora. A evolução da Libido persiste e a criança projeta pela segunda vez a Libido no exterior — geralmente se estende ao curriculum familiar. I) Último Período — é a obtenção periódica do prazer sexual mediante a coabitação com pessoa do sexo oposto. O que sobra da energia libidinosa é transformada em trabalho. A libido, durante a sua evolução, “desde o lactente ao adulto, passa por fases várias, e quando ocorre de haver uma parada mais prolongada, em cada uma delas, dá-se o que ele chamou de fixação.”22 Assim, para Freud haverá problemas psíquicos quando o desenvolvimento da libido pára em algum período acima descrito. “Estes conflitos resultantes de uma detenção da evolução da libido, que não correspondem ao desenvolvimento geral da per21 “Quando Freud diz que a criança sente atração pelo genitor do sexo oposto, não pretende insinuar com isso que ela deseja manter relação sexual com o mesmo, como alguns mal informados supõem. Não há, nem pode haver, nessa atração, desejo de posse. Absolutamente. Seria isso absurdo.Verdadeira blasfêmia contra a pureza e inocência da criança. Mas revela, desde logo, de certo modo – e não se pode negar —, a atração dos dois sexos. É a maneira pela qual as pessoas se procuram, simpatizam e finalmente se amam para obedecerem à divina lei da natureza – crescite et multiplicamini.” In SILVA,Valmir A. Da. Revelações da Psicanálise. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1964. Pg. 51. 22 SILVA, Valmir A. Da. Psicanálise Surpreendente e Maravilhosa. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1964. Pg. 87.


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sonalidade psíquica, são a causa de todas as perturbações psiconeuróticas.”23 Ou seja, o período libidinoso em que o desenvolvimento estaciona caracterizará um determinado tipo de problema. Uma perturbação psiconeurótica pode surgir, por exemplo, se o desenvolvimento parar na fase oral. Quando adulta, a pessoa se caracterizará pela passividade e pelo sentimento de que o mundo lhe deve as primeiras satisfações. Se o desenvolvimento libidinoso for paralisado na fase anal, teremos um sujeito violento, desprezador e intolerante. Em termos gerais, esta é a Teoria Psicanalítica criada por Sigmund Freud.

3. Paradigmas Éticos na Psicanálise Primeiramente é preciso esclarecer que a psicanálise não se interessa profissionalmente pela Ética. Ela jamais foi tratada como um tema específico no universo psicanalítico. Pessoalmente, Freud reconhecia valores como a verdade, a honestidade, a integridade, o trabalho, a humilde, a auto-aceitação e o amor que se sacrifica. Ele mesmo procurava seguir estes valores. É conhecida sua honestidade a respeito dos problemas científicos levantados pela psicanálise que desenvolveu. Quando não conseguia responder, prontamente dizia: não sei. Diante disso, surge-nos um desafio: Descrever um assunto relativamente esquecido na abordagem psicanalítica. O caminho é seguir alguns pressupostos filosóficos que orientam o pensamento da Psicanálise. Entre eles podemos citar o determinismo e sua relação com a idéia de liberdade. A partir disso, podemos comparar a noção teológica de livre arbítrio com o conceito psicanalítico dos instintos. 23 MIRAY LOPEZ, Emílio. Os Fundamentos da Psicanálise. Trad.: Joubert T. Barbosa. Rio de Janeiro: Editora Científica, 1958. Pg. 72.

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3.1. Liberdade e Determinismo24 Falar de ética na psicanálise freudiana requer falar sobre como ela entende a questão da liberdade. Aparentemente, a liberdade humana essencial está em contraste com o determinismo da psicanálise. Ela “diz efetivamente que, quando um homem exerce a sua liberdade de escolha, quando resolve continuar ou interromper o curso de uma ação, quando escolhe um objeto de preferência a outra, tal escolha é predeterminada, é a resultante de certas forças inconscientes determinantes na sua personalidade.”25 No entanto, não podemos afirmar categoricamente que o determinismo na teoria psicanalítica seja contrário à liberdade humana. Muitos reflexos dos nossos sentidos são deterministas. Reagimos à luz forte ou ao susto sem utilizar a razão ou emoção; apenas reagimos em questão de segundos. Ao ataque de um animal nos encolhemos como um bebê no feto ou saímos em disparada. Quando fazemos algo errado colocamos nossa mão direita na testa e lamentamos. São reações que não requerem pensamento ou reflexão. Na verdade, são reflexos condicionados que adquirimos na infância. Podemos denominá-lo determinismo dos sentidos. O desenvolvimento humano desde o nascimento até à idade adulta produzirá hábitos e tendências que estarão presentes no modo de pensar e agir da pessoa adulta. Dempsey nos clarifica: Sem o automatismo virtual de numerosos hábitos provenientes da educação na primeira infância, acharíamos quase impossível a tarefa da escolha e da deliberação. Se por exemplo um adulto fosse obrigado a deliberar a respeito de inumeráveis ações associadas com o comer, beber, vestir-se, a higiene e assim por diante, a sua energia psíquica, limitada como é, estaria dificilmente disponível para as tarefas essenciais superiores da deliberação espiritual e da escolha relativas aos fins principais da sua vida cotidiana.26 Podemos falar em uma necessidade de se criar certos hábitos relativos ao comer e beber quando se está 24 Entenda-se determinismo aqui aquele difundido por William James e os filósofos anglo-saxões – o denominado determinismo duro. Este é diferente do determinismo brando teorizado por Hume e Mill que acreditavam em determinismo e em liberdade humana. 25 DEMPSEY, Peter J. R. Freud, Psicanálise e Catolicismo. Trad.: José Derntl. São Paulo: Paulinas, 1966. Pg 123. 26 Idem, Ibid. Pg 127. Abril e Maio, 2011 | Teologia | 59


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na infância, senão quando adulta, a pessoa não conseguirá abrir-se às questões mais essenciais da vida humana, como o diálogo e o desenvolvimento de uma visão de mundo — Weltanschauung. Diante disso, não se pode negar certos automatismos ou hábitos determinados que adquirimos desde a tenra infância e o levamos até nossa morte. Todavia, aceitar tal fato não significa render-se à idéia do determinismo absoluto. Pelo contrário, significa admiti-los para que o homem possa conhecer-se — nosce te ipsum — e assim abrir-se aos estímulos criadores, aos ensinamentos e às virtudes que possibilitam a construção de uma vida mais equilibrada e, consequentemente, de uma sociedade mais justa; evitando, desse modo, uma carreira louca para a morte — si vis vitem para mortem — do homem e da sociedade. Nas palavras de Dempsey: Aceitar a parte instintiva da nossa natureza, aceitar a desordem dos instintos erótico e agressivo, aceitar as sombras, significa na realidade ver através delas... Como um indivíduo que aprende a guiar se torna capaz de decisões criadoras fulmíneas só quando é tão senhor do funcionamento dos controles que a sua reação é automática, como um pianista é capaz de nova beleza de interpretação só quando a técnica perfeita se lhe tornou uma segunda natureza... um homem é capaz de nova liberdade criadora na decisão e na ação.27

mente não prejudica a liberdade. Sobre a posição de Freud, entende-se que ele cria na possibilidade da marcha já iniciada poder ser alterada. É possível ao homem tomar consciência das forças que o impelem por trás e assim habilitar-se a reconquistar sua liberdade. Cabe ao homem obter um máximo de liberdade e desembaraçar-se dos grilhões da necessidade. Para Freud, a consciência do inconsciente é a condição para uma liberdade da vontade ativa.28

3.2. Livre Arbítrio e Impulsos Inconscientes

A vontade humana é livre na escolha de obras e coisas que a razão por si mesmo compreende. Pode, de algum modo, realizar a justiça civil ou das obras, pode falar de Deus, oferecer a Deus certo culto através de obra exterior, obedecer aos magistrados, aos pais. Pode, na escolha de obra exterior, impedir as mãos de cometerem assassínio, adultério, furto. Como ficou em a natureza humana razão e juízo com respeito a coisas sujeitas aos sentidos, ficou também a escolha dessas coisas, bem como a liberdade e faculdade de praticar a justiça civil.30

A Confissão de Augsburgo, Artigo XVIII, afirma o seguinte sobre o livre arbítrio: No que tange à área espiritual Quanto ao livre arbítrio se en- não temos opção; estamos naturalsina que o homem tem até cer- mente inclinados para a concupisto ponto livre arbítrio para vi- cência e más ações: ver exteriormente de maneira Por isso, ainda que concedemos honesta e escolher entre aqueao livre arbítrio a liberdade e las coisas que a razão a comfaculdade de produzir as obras preende. Todavia, sem a graça, exteriores da lei, não lhe atrio auxílio e a operação do Espíbuímos, contudo, aquelas coirito Santo o homem é incapaz sas espirituais, a saber: temer de ser agradável a Deus, temêa Deus verdadeiramente, crer -lo de coração, ou crer, ou exverdadeiramente a ele, estar pulsar do coração as más converdadeiramente seguro e bem 29 cupiscências inatas. saber que Deus nos considera, ouve, perdoa, etc.31 Conforme a Confissão de Augsburgo, a doutrina cristã do livre No universo psicanalítico, o hoarbítrio ensina que até certo ponto mem é mais regido por impulsos intemos liberdade para escolher as conscientes do que pela motivação coisas. Melanchthon nos esclarece racional. Nas palavras de Jostein mais na Apologia da Confissão de Gaarder: Augsburgo: Freud achava que sempre havia uma tensão entre o homem 28 FROMM, Erich. O Coração do e o seu meio. Para ser mais exaHomem. Seu Gênio para o Bem to, uma tensão, ou um conflie para o Mal. Trad.: Octavio Alves Visto nesta perspectiva é possíVelho. Rio de Janeiro: Zahar Editores, to, entre o próprio homem e vel falar em determinismo de certas 1981. 6a edição. Pg. 141. ações humanas; o que necessaria- 29 Livro de Concórdia. Trad.: Arnaldo

27 Idem, Ibid. Pg 127. 60 | Teologia | Abril e Maio, 2011

Schuller. São Leopoldo: Sinodal, Porto Alegre: Concórdia, 1993. Pg. 36.

30 Idem, Ibid. Pg. 238, 239. 31 Idem, Ibid. Pg. 239.


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aquilo que seu meio exigia por outro modo... A síntese não dele. Não seria exagerado dié, pois, tão satisfatória como a zer que Freud descobriu o unianálise. A razão deste estado verso dos impulsos que regem a de coisas, segundo Freud, está vida do homem. E isto faz dele no fato que conhecemos os faum legítimo representante das tores etiológicos só qualitativacorrentes naturalistas, tão immente e não na sua força relaportantes em fins do século pastiva. Não sabemos nunca qual sado... Nem sempre é a razão das forças determinantes resulque governa nossas ações. Contará o mais fraco ou mais forsequentemente, o homem não te.33 é apenas o ser racional tão defendido pelos racionalistas do 33 DEMPSEY, Peter J. R. F r e u d , Psicanálise e Catolicismo. Trad.: século XVIII. Com frequência, José Derntl. São Paulo: Paulinas, 1966. Pg 123, 124. impulsos irracionais determinam nossos pensamentos, nossos sonhos e nossas ações. Tais impulsos irracionais são capazes de trazer à luz, instintos e necessidades que estão profundamente enraizados dentro de nós... Freud mostrou que essas necessidades básicas podiam vir à tona disfarçadas e tão modificadas que não seríamos capazes de reconhecer sua origem.32

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Freud reconhece que pela síntese não lhe é permitido afirmar com certeza a não existência do livre arbítrio. A sua resposta é demasiadamente vaga e, portanto, não nos permite emitir um juízo definitivo. Didaticamente, podemos afirmar que o livre arbítrio concede liberdade ao homem no que tange às coisas sujeitas aos sentidos. Já no conceito psicanalítico, a liberdade é muitas vezes delimitada pela força do inconsciente. Num certo sentido, ambos admitem que a liberdade é limitada e jamais completa.

Diante disso, podemos dizer que a psicanálise nega o livre arbítrio? Esta pergunta foi feita a Freud. Eis aí sua resposta: Com sua habitual honestidade admitiu que, enquanto era possível reconhecer com certeza a causalidade, era incerto predizê-la por síntese. Se partirmos, diz Freud, das hipóteses deduzidas pela análise e procurarmos segui-las até o resultado final, não teremos mais a impressão de uma sequência inevitável de fenômenos, que não poderia ser determinada 32 GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da história da filosofia. Trad.: João Azenha Jr.. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. Pg. 459. Abril e Maio, 2011 | Teologia | 61


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Psicanálise Freudiana

do trabalho clínico e agarrando-se às interpretações e especulações que, se o levaram a concepções mais Não nos é possível fugir de um amplas e universais, afastaram-no questionamento ético para a Psica- um pouco da realidade imediata.”35 nálise. O conceito de instintos regidos pelo inconsciente, superando 3.4. “Suspensão do Ético” a força racional do indivíduo, gera A expressão não é minha, como questões éticas importantíssimas. a denunciam as aspas. Ela aparece Como o bem coloca a professora na tese do pastor luterano Victor Sonia Souza: Linn, tese esta com o título: <<TeO inconsciente coloca em xeque ologia e Psicanálise na obra de Eua possibilidade do domínio do gen Drewermann>>.36 A expressão homem sobre sua própria voné “a tese fundamental que Drewertade. Ou seja, o homem se vê, mann defende em sua abordagem de um lado, arrastado pela fordas questões éticas... que no campo ça cega dos impulsos instintivos do religioso deve haver uma suspendo id e, de outro, reprimido e são do ético. Elabora essa posição controlado pela força, às vezes, a partir da perspectiva do processo castradora de um superego seterapêutico, no qual, para que haja vero, proibitivo e punitivo.34 cura, se impõe a necessidade da susDiante disso, o questionamento pensão de exigências morais. Antes ético é inevitável: Como conciliar de poder corresponder à exigências a idéia do homem livre e autônomo morais, o ser humano precisa expecom o conceito de determinismo rimentar a possibilidade de poder inconsciente das ações, segundo a ser, existir. Para Drewermann isso Psicanálise? Disso, como um ho- significa que o ser humano precisa mem pode responder pelos seus saber que é absolutamente desejado atos, se parte de suas ações são in- e reconhecido por Deus... Influenciado por Kierkegaard, Drewerconscientes? O presente estudo não tem a pre- mann reivindica a primazia da fé 37 tensão de responder às perguntas sobre a ética.” Segundo Victor Linn, certamenacima. Mas o questionamento ético te não significa negar a ética. O inque a Psicanálise faz surgir mostra que às vezes ela foi além dos seus divíduo precisa entender-se amado atributos originais: De uma terapia por Deus, superando suas neuroses. para ajudar pessoas, acabou tornan- A exigência ética seria um elemento do-se uma filosofia de entendimen- acrescido ao processo contínuo de to e leitura do mundo. Bem o obser- cura.

3.3. Um Questionamento Ético

vou Mira Y Lopez: “Esta enorme MIRA Y LOPEZ, Emílio. Os difusão foi, não obstante, prejudi- 35 fundamentos da Psicanálise. cial ao autêntico valor científico da Trad.: Joubert T. Barbosa. Rio de Janeiro: obra em si, uma vez que seu criador Editora Científica, 1958. Pg. 28. Revista Estudos de Religião. — observador sagaz dos fatos — foi 36 Psicologia, Saúde e Religião paulatinamente desinteressando-se 34 SOUZA, Sonia M. R. de. Um outro olhar: filosofia. São Paulo: FTD, 1995. Pg. 186. 62 | Teologia | Abril e Maio, 2011

em diálogo com o pensamento de Paul Tillich. São Bernardo do Campo: Umesp, 2001.Vol. 16. Pg. 161. 37 Idem, Ibid. Pgs. 170, 171.

A presente proposta levanta uma questão: Até aonde vai o limite de suspensão do ético? Quando posso ter certeza que o indivíduo entende-se amado por Deus? No caso de um drogado, a questão ética é valorização da sua própria vida. Suspender a ética no tratamento com o viciado se estenderia dentro de quais limites?

3.5. Possibilidades de Encontro entre a Ética e o Ethos freudiano De fato, são poucas as contribuições da Psicanálise para a Ética. A Psicanálise teve uma função importante na desconstrução da ética


Ética

tradicional, onde o imanente predominava. Depois de Freud, essas éticas desmoronaram. No entanto, a Psicanálise não substituiu a ética tradicional por uma melhor. Mira y Lopez declara: “Evidentemente, se por um lado o freudismo abalou as bases da moral tradicional, por outro não se pode afirmar que as tenha substituído por outras mais sólidas. Nesse aspecto pode-se comparar o ocorrido com o freudismo ao sucedido com o auge da teoria intersexual de Hirschfeld: ao dar uma base científica e ‘natural’ ao homossexualismo, contribuiu mais para a sua expansão que para seu

e

Psicanálise Freudiana

tratamento.”38 cuja matéria é a personalidaMira y Lopez entende o ethos de total do homem e não apefreudiano39 como contraditório em nas aspectos isolados deste. Ao sua essência: invés do método da Psicologia a) a vida pessoal é luta entre dois convencional, que tinha de resinstintos de origem hormonal tringir-se ao estudo daqueles que dominam toda atitude fenômenos que podiam ser sue ato do homem; (elemento ficientemente isolados para sematerialista) rem observados em uma expeb) muitas enfermidades são de riência, Freud descobriu um natureza psíquica. (elemento método novo que o habilitou a psíquico não observável por estudar a personalidade total experiências) e a compreender por que o hoJá Erich Fromm cria que a Psicamem age da maneira pela qual nálise tem muito a dizer para a Étio faz. Esse método, a análise de ca, mas reconhece a falta de esforços associações livres, sonhos, erros nesse sentido: “Poucas tem sido as e transferência, permite transtentativas efetuadas, quer do lado formar dados até então privafilosófico, quer do psicológico, para dos, franqueados apenas ao coaplicar as descobertas da Psicanálise nhecimento da própria pessoa à evolução da teoria ética, fato que e à sua introspecção, em públié tão mais surpreendente por ter a cos e demonstráveis pela comuteoria psicanalítica feito contribuinicação entre paciente e anações particularmente valiosas para a lista. O método psicanalítico, da Ética.”40 destarte, conseguiu acesso a fenômenos que de outra maneiA base para afirmação de Fromm ra não se prestam à observação. é que a psicanálise foi o primeiro Ao mesmo tempo, desvendou método terapêutico que abordou muitas experiências emocioa pessoa humana na sua totalidade. nais que não podiam ser idenTambém possibilitou o estudo de tificadas nem mesmo pela incasos não acessíveis pelo método extrospecção porque se achavam perimental da ciência. Por sua vez, a reprimidas, divorciadas da “psicologia convencional”, no dizer consciência.41 dele, particulariza o problema a um departamento científico, não traA dificuldade está no fato de que tando o ser humano holisticamente. Quiçá a contribuição mais seu fundador, Sigmund Freud, fosse importante seja o fato da teo- relativista e pessimista a respeito dos ria psicanalítica ser o primei- valores éticos: A despeito das grandes possiro sistema psicológico moderno bilidades proporcionadas pela 38 MIRA Y LOPEZ, Emílio. Avaliação Psicanálise para o estudo ciencrítica das doutrinas tífico dos valores, Freud e sua psicanalítcas. Trad.: Maria Abramo. escola não fizeram uso muito Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1964. Pg. 98. produtivo de seu método para 39 Idem, Ibid. Pgs. 188, 189. investigar problemas éticos; de 40 FROMM, Erich. Análise do fato, muito fizeram para conHomem. Trad.: Octavio Alves Filho. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1983. 13a edição. Pg. 36.

41 Idem, Ibid. Pg. 37. Abril e Maio, 2011 | Teologia | 63


Ética

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Psicanálise Freudiana

fundir as questões éticas. A confusão deriva-se da posição relativista de Freud, que presume que a Psicologia pode auxiliar-nos a entender a motivação dos julgamentos dos valores, mas não a estabelecer a validade desses mesmos julgamentos. 42 A despeito de sua compreensão relativista, Freud é um apaixonado pela verdade. “Ele exige uma fé apaixonada na verdade, como a meta por cuja consecução o homem deve esforçar-se, e acredita na capacidade do homem para assim esforçar-se, visto ser dotado de razão pela Natureza... A Psicanálise é a tentativa para desvendar a verdade sobre a própria pessoa.”43 42 Idem, Ibid. Pg. 39. 43 Idem, Ibid. Pg. 40. 64 | Teologia | Abril e Maio, 2011

À busca por um ideal ou verdade que concentra todos os esforços e desejos do homem, Freud chama Weltanschauung. Ele mesmo nos explica: By Weltanschauung, then, I mean na intellectual construction, which gives a unified solution of all the problems of our existence in virtue of a comprehensive hypothesis, a construction, therefore, in which no question is left open and in which everything in which we are interested finds a place. It is easy to see that the possession of such a Weltanschauung is one of the ideal wishes of mankind. When one believes in such a thing, one feels secure in life, one knows what one ought to strive after, and how one ought to organize

one’s emotions and interests to the best purpose.44 Para Freud, a virtude é a meta natural do desenvolvimento do homem. Este desenvolvimento pode ser bloqueado por circunstâncias específicas e assim ter como resultado a formação do caráter neurótico. No entanto, o crescimento normal produzirá o caráter amadurecido, produtivo, capaz de amar e de trabalhar.45 Consequentemente, a Psicanálise nega que somos vítimas indefesas das circunstâncias; somos capazes, 44 FREUD, Sigmund. The Major Works of Sigmund Freud. Editor: William Benton. Chicago: Encyclopaedia Britannica, 1952. In New Introductory Lectures on Psycho-Analysis. Pg. 874. 45 FROMM, Erich. Análise do Homem. Trad.: Octavio Alves Filho. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1983. 13a edição. Pg. 41.


Ética

e

Psicanálise Freudiana

de fato, de modificar e influenciar forças dentro e fora de nós mesmos e de controlar, pelo menos em certa medida, as condições que atuam sobre nós.46 Podemos denominá-la, na Psicanálise, de ética humanista. Mas é preciso lembrar que esta já é uma construção mais elaborada a partir de Freud, mas seu teórico é Erich Fromm. Fromm procura mais uma filosofia da cultura centrada em paradigmas da Psicanálise freudiana. É possível que futuramente haja maiores confrontamentos entre a Psicanálise e a Ética. Mais frutífero ainda seria se a abordagem ética estivisse construída a partir da compreensão cristã do mundo. Obviamente, exiger-se-ia diálogo e humildade por parte dos psicanalistas e religiosos.

preensão e leitura do mundo. Como pensador, deixou mais dúvidas do que respostas. Por seu turno, o tema Ética é, atualmente, o tema que mais está sendo tratado e pensado nas obras de filósofos, sociólogos e teólogos. Vivemos o momento de decisões éticas fundamentais para um re-direcionamento do mundo. A igreja cristã precisa estar presente nestas discussões. Geralmente, sua participação é amorfa e tímida. Como outras instituições, ela está perdida nesta época sem referenciais filosóficos e políticos. O abordagem Ética por parte da igreja pode colocá-la no devido lugar e tempo, situando-a no presente mundo. O mundo está aí, prenhe de uma interpretação realmente significativa para a sociedade. A igreja tem a possibilidade de adiantar-se no tempo e dar a devida resposta. 4. Conclusão Para tal intento, os conceitos da PsiA Teoria Psicanalítica é real- canálise podem ajudá-la nesta dura, mente cativante e desafiadora. Seu mas necessária tarefa. principal criador, Sigmund Freud, lançou as bases de uma nova com- Gelson Neri Bourckhardt — Uberlândia-MG, foi for46 Idem, Ibid. Pgs. 197, 198.

mado pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil e atua como professor em Uberlândia.

Bibliografia DEMPSEY, Peter J. R. Freud, Psicanálise e Catolicismo. Trad.: José Derntl. São Paulo: Paulinas, 1966. FREUD, Sigmund.The Major Works of Sigmund Freud. Editor:William Benton. Chicago: Encyclopaedia Britannica, 1952. In New Introductory Lectures on Psycho-Analysis. FROMM, Erich. Análise do Homem. Trad.: Octavio Alves Filho. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1983. 13a edição. FROMM, Erich. O Coração do Homem. Seu Gênio para o Bem e para o Mal. Trad.: Octavio Alves Velho. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981. 6a edição. GAARDER, Jostein. O Mundo de Sofia: romance da história da filosofia. Trad.: João Azenha Jr.. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. Grande Enciclopédia Larousse Cultural. São Paulo: Nova Cultural, 1998.Vol. 11. HERRMANN, Fábio. O Que é Psicanálise. São Paulo: Abril Cultural, Brasiliense, 1984. Livro de Concórdia. Trad.: Arnaldo Schüller. São Leopoldo: Sinodal, Porto Alegre: Concórdia, 1993. MIRA Y LOPEZ, Emílio. Avaliação Crítica das Doutrinas Psicanalítcas. Trad.: Maria Abramo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1964. MIRA Y LOPEZ, Emílio. Os fundamentos da Psicanálise. Trad.: Joubert T. Barbosa. Rio de Janeiro: Editora Científica, 1958. Nova Enciclopédia Ilustrada Folha. São Paulo: Publifolha, 1996.Vol. 2. PICCINI, Amina Maggi. Freud. São Paulo: Editora Moderna, 1986. Pgs. 8, 9. Revista Estudos de Religião. Psicologia, Saúde e Religião em diálogo com o pensamento de Paul Tillich. São Bernardo do Campo: Umesp, 2001.Vol. 16. SAMPAIO, A. Leme. A Psicanálise e o Autoconhecimento. São Paulo: Ensaios, 1952. SILVA,Valmir A. Da. Revelações da Psicanálise. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1964. SILVA,Valmir A. Da. Psicanálise Surpreendente e Maravilhosa. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1964. SOUZA, Sonia M. R. de. Um Outro Olhar: Filosofia. São Paulo: FTD, 1995. Abril e Maio, 2011 | Teologia | 65


Rev. Lindolfo Pieper

Homolética: Sermão

U

m cientista inglês fez um estudo sobre o valor químico do ser humano e chegou à conclusão que o ser humano não vale quase nada. Com a gordura de um corpo adulto podem-se fabricar sete sabonetes. Nosso organismo tem açúcar suficiente para adoçar uma xícara de café e ferro para fabricar um prego de tamanho médio. O fósforo existente no organismo daria para mil e duzentos palitos. Os cabelos dariam para confeccionar cinco pincéis. Os ossos, depois de triturados, dariam para fazer quatro quilos de adubo orgânico. E as unhas, devidamente derretidas, dariam para fabricar um frasco pequeno de cola. Além de ou-

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tras matérias sem importância, mais de quarenta por cento do corpo humano é água. Se tudo isso fosse vendido como matéria-prima, daria em torno de cinqüenta dólares. Temos que reconhecer que não valemos grandes coisas. Com cinqüenta dólares não se compra uma cesta básica. Claro, poderia argumentar que é possível ganhar um bom dinheiro se prostituindo, ou negociando um órgão como o rim, o coração ou os olhos. É verdade. Mas é um comércio baseado em critérios questionáveis, desumanos e passageiros. O real valor do ser humano não está no palpável, nem num valor relativo do

mercado. O valor do ser humano está no que ele tem de mais precioso, que é a sua alma. Todo ser humano possui uma alma. Ninguém quer perdê-la. Por isso devia ser normal a preocupação quanto ao preço de uma alma. Nem os ministros da área econômica de um país sabem informar o valor de uma alma. Nem os mais capacitados cientistas. O único que pode dar informação segura é aquele que nos colocou no mundo, dando-nos um corpo e uma alma: Deus. E Deus, através de Jesus, não deixa dúvidas. Diz ele na sua palavra: “O que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e


Homilética: Sermão

perder a sua alma? O que dará o homem em troca de sua alma?” (Mateus 16.26). Jesus considera a nossa alma um tesouro imenso e extraordinário. Ele se humilhou, morreu e ressuscitou com o objetivo de salvar a nossa alma. O preço da alma, portanto, é o sangue de Cristo derramado na cruz. Diz o apóstolo Pedro: “Não foi mediante coisas corruptíveis, como ouro ou prata, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento, mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem mácula, o sangue de Cristo” (1 Pedro 1.18,19). Temos nós a mesma consideração? Damos nós o devido valor à nossa alma? Judas vendeu a sua alma por dinheiro. Esaú trocou a sua alma por um prato de comida. O jovem rico considerou os seus bens mais valiosos do que a sua alma. Jesus chorou sobre Jerusalém porque os seus habitantes não se preocupavam com a sua alma. Milhares de pessoas trocam a sua alma pelos tóxicos, pelo alcoolismo, pela luxúria, pela prostituição, pela ganância – ou por qualquer coisa que satisfaz o corpo, porém mata a alma. O cristão é responsável pela sua alma. Para não perdê-la ele estuda a Palavra de Deus, participa dos cultos e da Santa Ceia. Ele pratica a sua fé e não leva a sua alma onde Deus não pode estar. O diabo é o maior inimigo das almas. Enquanto Deus quer conduzi-las ao céu, ele quer levá-las ao inferno. Por isso o conselho bíblico: “Sede sóbrios e vigilantes: o diabo, vosso adversário, anda em derredor como leão que ruge, procurando alguém para devorar. Resisti-lhe firmes na fé” (1 Pedro 5.8). Tenhamos, pois, muito cuidado

Natural de Minas Gerais. Pastor, escritor, professor e locutor evangélico. Formado em teologia pelo Seminário Concórdia. Cursou letras na Universidade Federal do Espírito Santo. Trabalhou como pastor nos Estados da Bahia, Espírito Santo e Rondônia. Professor de línguas bíblicas (grego e hebraico) e História Eclesiástica no Seminário Teológico Beréia de Jaru-RO. Foi, durante muitos anos, apresentador do programa Cinco Minutos com Jesus em São Mateus-ES e Jaru-RO. Foi, por duas vezes, conselheiro distrital do Distrito Alto Rio Madeira, sócio

fundador da Rádio Comunitária e Educativa Interativa FM de Jaru, da qual sempre fez parte da diretoria. Idealizador da Fundação Luterana de Apoio ao Menor. Responsável no Brasil pela postagem de sermões em português no site da Universidade de Göttinger, Alemanha. Escreveu para vários jornais e revistas, tanto impressos como eletrônicos. Cidadão Honorário de São Mateus-ES, Jaru-RO e do Estado do Espírito Santo; Pastor Emérito da Igreja Evangélica Luterana do Brasil. A mensagem publicada aqui, foi a última postada por ele em seu blog pessoal.

com a nossa alma. Façamos aqui- tome a tua coroa” (Apocalipse lo que Deus nos recomenda na sua 3.11). palavra: “Venho sem demora. Con- Lindolfo Pieper - falecido pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (in memorian) serva o que tens para que ninguém

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Rev. Waldyr Hoffmann

Ética Pastoral

A postura ética do

G

randes problemas relacionados à falta de ética pastoral têm surgido nas congregações. Comunidades inteiras desmoronam-se e perdem a sua razão de ser quando pastores e congregados constróem uma relação duvidosa, recheada de princípios antiéticos e que não contribuem para o bom andamento da igreja. Além disso, seguidamente o pastor tem, diante de si, questões as quais necessitam de uma postura ética coerente; isto se deve à universidade de novos fatos que aparecem

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todos os dias. Sendo ele, como líder espiritual, um dos responsáveis pelo bom andamento da comunidade, é de se esperar uma postura ética adequada, com o fim de unidade entre todos. A ética tem como finalidade o bem estar do ser humano. Segundo Moacyr Scliar, “Somos éticos quando fazemos, pelos outros, tudo o que podemos fazer, tudo o que está ao nosso alcance fazer. Ética é isso, é a prática do bem até o limite de nossas forças. Quando atingimos esse

limite, temos a satisfação do dever cumprido. Que é a primeira condição para chegarmos à felicidade”. Ao propormos este assunto, queremos que o estudo da ética ilumine a consciência humana, sustente e dirija as ações do homem, norteando sua conduta individual e social. A ética é, portanto, um produto histórico-cultural e, como tal, define o que é virtude, o que é bom ou mal, certo ou errado, permitido ou proibido, para cada cultura e sociedade. Falar de Ética é falar de convivência humana. São os problemas da convivência humana que geram o problema da ética. Há necessidade de ética porque os seres humanos não vivem isolados. Os vários códigos de ética, estabelecidos entre os as pessoas, visam diminuir as tensões nas relações humanas. Os pastores também têm o seu código de ética. Como seriam diferentes muitas posturas, se fosse observado o código! Todos precisam de regras claras e bem definidas para os seus procedimentos. Também os pastores. Por isso, sem dúvida alguma, se recomenda a leitura e reflexão sobre o referido código. Além disso, a Bíblia toda também é um verdadeiro tesouro ético, porque foi usada como orientação geral para a conduta certa durante muitos séculos, não só nas igrejas cristãs, mas também na sociedade política. Ex.:


Ética Pastoral

os 10 mandamentos; o sermão do monte. Apesar disso, inúmeras situações aparecem e o ministério pastoral fica “balanceado”. Posturas negativas acabam tomando conta do servo de Deus e a comunidade sofre, passando por momentos delicados. São muitos exemplos que poderíamos expor aqui. Vou me deter em alguns mais comuns e que têm trazido enormes prejuízos para os pastores e congregações. Estes exemplos carecem de uma análise profunda e séria por parte dos pastores visando um fim proveitoso para a igreja. Mesmo que não estejamos imunes ao erro, todo cuidado é necessário para o bem da igreja. Vejamos alguns casos: Um exemplo de má postura ética se dá quando ex-pastores telefonam ou escrevem para os membros das suas Ex congregações, interferindo num trabalho que não é mais de sua responsabilidade. Esta atitude, sem dúvida alguma, irá dificultar o trabalho do colega que o substitui e que, respeitando as suas qualidades, está tentando se ambientar no novo desafio. Outro exemplo se dá no lidar com diferentes classes sociais que existem dentro das igrejas. Quer queiramos ou não, nem todos os membros têm o mesmo poder aquisitivo; uns vão à igreja de carro e ou-

tros, de ônibus, ou a pé. Aliás, digno de nota é registrar que a igreja é um dos poucos lugares no mundo onde ricos e pobres se unem com o mesmo objetivo: louvar a Deus. Mesmo assim, se o pastor dá preferência aos mais afortunados em detrimento dos outros, faltou com uma postura ética adequada. Além do mais, o ciúme por parte alguns pode causar grandes problemas na comunidade. O mesmo fato ocorre quando se dá o inverso, ou seja, quando o pastor dá mais atenção ao pobre, em detrimento aos mais afortunados. Enfim, se espera por um tratamento igual, independentemente se este ou aquele tem muito ou pouco dinheiro. Não se mede o valor de uma pessoa pela sua riqueza ou pobreza, e sim, pelo seu caráter. O pastor jamais deveria ficar constrangido em chamar a atenção de um ou de outro por terem ou não posses.

Outro fato que tem trazido problemas sem precedentes numa comunidade é a falta de decoro no lidar com as mulheres. Coisa triste é ver tantos pastores se divorciando

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Ética Pastoral

ou tendo que mudar de congregação por não terem tido cuidado diante das mulheres. Muitos acabam se envolvendo de tal forma e não têm mais condições, no aconselhamento pastoral, manter o limite de suas responsabilidades como pastor. Os escândalos destroem as congregações e a família pastoral. Um outro problema a ser colocado e não menos importante refere-se às posturas dos pastores entre si. Criam-se muitas situações constrangedoras quando colegas pastores falam mal ou do outro. É preciso compreender que todos estão no mesmo barco; os contextos em que cada um trabalha são diferentes; os membros são diferentes; os estilos de trabalho são diferentes. É importante alertamos a este fato, especialmente nesta época em que está crescendo o número de congregações que têm dois ou mais pastores trabalhando em seu meio. É preciso lembrar, também, que o pastor seguidamente será abordado e deverá tomar uma postura sobre assuntos polêmicos da atualidade. Naturalmente respeitar-se-á os princípios bíblicos cristãos. Se não estiver em condições, melhor abster-se do que emitir um parecer que possa lhe causar constrangimento,

por não ter base bíblica sólida para tal. Tem crescido o número de casos em nossa sociedade que merecem uma reflexão especial. Entre eles destacamos a Fertilização in vitro (FIV), doação de órgãos, clonagem, desvios da sexualidade (homossexualismo), casamentos/ajuntamentos, divórcio e 2a ou 3a. núpcias, planejamento familiar (controle de natalidade e anticoncepcionais), direitos humanos (pena de morte, eutanásia, suicídio, morte), etc. Todos estes casos são muito importantes. A grande questão que se faz é: Como analisar estes casos eticamente / biblicamente uma vez que também estamos sujeitos às leis do país (autoridades)? Se houver falhas, qual o papel do pastor? Em hipótese alguma, a soberba, a arrogância leva a algum lugar. Pode, sim, criar maiores problemas na comunidade, mal estar entre os membros e pastor. Portanto, em espírito de humildade, o pastor deve buscar a sabedoria lá do alto para contornar a situação. Não estamos imunes à tentação; o próprio Lutero já dizia isto. Da mesma forma, se espera da congregação, compreensão das faltas de seu pastor. Ele não é um “super homem”. Precisamos ajudar a carregar os seus fardos também.

A ética cristã, intrinsecamente ligada às relações humanas, é desenvolvida no ser humano a partir do momento em que ele se dá conta da necessidade de externar a sua fé, em amor a Deus e ao próximo. Parte do pressuposto básico que é a sua confiança no altíssimo que irá nortear todas as suas ações. Agindo com cuidado, sem dúvida alguma, estaremos nos aproximando dos princípios éticos cristãos. O que não está ao nosso alcance, temos o próprio Senhor Deus para nos ajudar e redirecionar nos caminhos e ações mais coerentes com a nossa fé cristã. Assim, estaremos crescendo adquirindo a maturidade espiritual. Rev. Waldyr Hoffmann é pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil em Joinville-SC

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Rev. Jarbas Hoffimann

Pesquisa e Adaptação

O Lírio Pascal Com a ressurreição de Cristo na manhã de Páscoa a fé cristã tomou um grande impulso, para “Agora, depois de melancolia e tristeza, saiu o Sol da Glória”, como Paul Gerhardt nos ensinou a cantar. Após o inverno frio e triste dos nossos pecados lá agora surge a primavera da nossa salvação, o Salvador Ressuscitou. Entre os muitos símbolos da ressurreição de Cristo, o Lírio da Páscoa é, sem dúvida o preferido e mais familiar. Podem ser citadas duas razões para isso: primeiro, o lírio de Páscoa está prontamente disponível. É uma flor da primavera que floresce durante a época da Páscoa. Em segundo lugar, o lírio da Páscoa é uma flor de extraordinária beleza, sua cor branca simboliza a pureza. As plantas tornam-se excelentes símbolos da ressurreição, tanto de Cristo como da nossa. O Salvador disse: “Se um grão de trigo não for jogado na terra e não morrer, ele continuará a ser apenas um grão. Mas, se morrer, dará muito trigo.” ( João 12.24). O corpo morto de Cristo estava sepultado na terra, mas na manhã de Páscoa ele voltou à vida. Agora, Ele nos concede o privilégio de participar na sua vida que foi retomada, não só naquela que nós, por arrependimento e fé, diariamente ressuscitamos em virtude de nosso batismo, mas também naquela ressurreição do Último Dia para a vida em nossos corpos glorificados. São Paulo escreveu sobre o corpo: “Quando ele é sepultado, é feio e fraco; mas, quando for ressuscitado, será bonito e forte.” (1º

Coríntios 15.43) — e foi criado em pureza, como somos lembrados pelo Lírio branco da Páscoa. Temos esta palavra do Apóstolo: “Mas agora ela foi revelada a nós por meio do glorioso aparecimento de Cristo Jesus, o nosso Salvador.

Ele acabou com o poder da morte e, por meio do evangelho, revelou a vida que dura para sempre.” (2º Timóteo 1.10). Isso foi feito por Ele, que declara: “Eu sou a rosa dos campos de Sarom; sou o lírio dos vales.” (Cantares 2.1). Abril e Maio, 2011 | Teologia | 71


Ética

e

Rev. Martinho Rennecke

Ciência

Ética humana e o progresso

Um dos problemas que enfrentamos hoje é a separação entre ciência e ética. Primeiro se faz a descoberta científica e depois se pergunta pela ética que envolve o processo. Ano após ano estamos tecnicamente mais equipados para alcançar o que queremos. A primeira questão ética que surge é: o que realmente queremos? Quanto mais futuros possíveis podemos ter, menos se pensa em qual futuro desejamos ter. Normalmente os valores que determinam os resultados científicos, são de interesses sociais, econômicos e políticos que já existem ou então que agradam a gostos pessoais. Assim surgem inúmeras ‘éticas’ para justificar os resultados alcançados. Como podemos inverter isto? Deveríamos começar perguntando qual a influencia do homem e da sociedade sobre a ciência, e depois, perguntar sobre a influencia da ciência no homem e na sociedade. Assim poderemos conhecer os interesses da ciência e suas técnicas. Por um lado, foi necessária esta separação de ciência e sociedade, para que ela pudesse se libertar das delimitações de sistemas morais e de ideologias sociais. Basta lembrar dos conflitos entre Igreja e Galileu ou entre o marxismo e a ciência. Porém hoje novamente é necessária a integração entre ciência e sociedade para libertar as ciências de seu isolamento da sociedade e de seus interesses. O saber da ciência está nas mãos de especialistas e deixa os leigos a margem dos cenários científicos. Sendo assim, a socialização das ciências só pode acontecer com a cientificização da sociedade. 72 | Teologia | Abril e Maio, 2011

Influência dos Interesses na Ciência

A

ciência, tanto na pesquisa como na sua aplicação, é trabalho de encomenda, os interesses humanos a precedem. Podemos perguntar em nome de que interesses o chamado progresso é impelido? Alguns dizem que o primeiro interesse está na luta contra a doença e pela saúde, na luta contra a morte e pelo prolongamento da vida, ou seja, a luta pela existência. Lutar pela existência poderia ser definido como o interesse do homem por sua autolibertação da dependência da natureza, no meio ambiente e no seu corpo. Cada vez mais lhe é possível hoje determinar não apenas sua existência privada, mas também sua existência física e social. Mas o que vem, depois da luta pela existência? Poderia ser o esforço pela realização, ou seja, pela realização das possibilidades humanas. Mas, quais possibilidades devem ser realizadas e quais não? Neste sentido de buscar a libertação e a evolução do homem, surgiu a visão de um mundo asséptico, com a superação de doenças infecciosas virais e bacterianas. O desenvolvimento da psicofarmacologia vincula-se à utopia de uma vida sem dor. A técnica de transplante de órgãos traz a idéia de partes substituíveis do corpo, ou seja, uma possível vida sem fim. A nova eugenia inspira um futuro onde as pessoas criarão melhores gerações de pessoas. Com base nestes interesses, esperanças e visões humanas, o progresso da ciência é um magnífico empreendimento ético da humanidade.


Ética

da

Influência da Ciência nos Interesses Toda ação humana que soluciona problemas, também pode causar novos problemas. O homem pode fazer mau uso do que cria, e a ciência será ambígua enquanto o homem for inconfiável. O exemplo pode ser uma guerra bioquímica. Outrossim, todo avanço da ciência desequilibra o sistema vital do todo. Sempre será preciso reconstituir o equilíbrio gradativamente. Quando o poder de uma descoberta vai além do necessário, pode se tornar prejudicial à vida e produzir nova necessidade. Por exemplo, a diminuição da taxa de mortalidade trouxe a explosão demográfica. O combate às dores trouxe o problema das drogas. Poderíamos dizer que nenhuma garantia de felicidade está vinculada ao progresso cientifico. Os progressos da humanidade são sempre desiguais, não simultâneos e descoordenados. Abalam o equilíbrio natural e social da ordem corrente, provocando tensões e conflitos.

e

Ciência

princípio de autorealização com o outro. Sistemas de agressão podem ser suplantados por sistemas de cooperação. O egoísmo grupal (cada qual com seu igual) , que causa a segregação, pode ser superado por um novo interesse numa vida de tensões e conflitos, ou seja, no reconhecimento do outro, do diferente. Não podemos esquecer que na vida com Deus a doença pode ser um processo de aprendizado tão importante quanto a vida saudável e ativa. A velhice pode ter sua própria dignidade, sem ser medida por sua produtividade ou rendimento. E por fim, o morrer pode ser um processo humano tão importante quanto o nascimento e a vida. A cura de feridas humanas tem seu sentido em tornar o homem capaz de se abrir para as dores do amor e da criatividade. Se a vida não é mais sobrevivência, então podemos entender a vida humana como vida aceita, amada e vivenciada. A vida não-aceita e não mais vivenciável não é mais vida digna do homem. Esta visão de ética e ciência é uma resenha de partes da obra de Jürgen Moltmann, “Wissenschaft und Weisheit – Zum Gespräch zwischen Naturwwissenschaft und Theologie”, 2002.

Rev. Ms. Martinho Rennecke — Caxias do Sul-RS — é pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil e coordenador do Projeto Macedônia.

Influência da Religião Cristã nos Interesses da Ciência Se a principal motivação da ciência era a luta pela existência, agora a motivação poderia ser pela paz na existência. O princípio da autoconservação contra os outros, pode se converter em um Abril e Maio, 2011 | Teologia | 73


Ética

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Moral

Rev. Mario Rafael Yudi Fukue

e

uma breve reflexão cientes de que corremos o risco de desagradar àqueles que gostariam de ler, nessas páginas, um posicioivemos numa época de namento definitivo em qualquer fascinantes desafios éticos para matéria. a Igreja. Contardo Calligaris, por exemplo, festeja o fim do “moralis- Ética, moral e graça mo de origem”, aquele que ensinaria Antes de tudo, há uma imporque “tudo é assim porque Deus e/ tante distinção entre ética e moral. ou os antigos disseram”. Ele escreA moral é “o conjunto de códigos ve que a modernidade é uma époou juízos que pretendem regular as ca profundamente moral, “de uma ações concretas das pessoas.” maneira inédita pela forma e pela Ela tenta responder à questão intensidade.” Em um estado laico “o que devo fazer”. A ética, por sua como o Brazil, a Igreja precisa se vez, constitui um “segundo nível de posicionar em inúmeras questões reflexão sobre os códigos, juízos e - do aborto aos direitos de homoaações morais” (SCHAPER, 2009, fetivos. Por isso, neste breve artigo p.2). A ética procura refletir sobre procuramos colaborar com o pensar o mundo moral. Nela a pergunta sobre ética e moral na Igreja Luterelevante é “por que devo fazer”. De rana (e, por conseguinte, em toda a forma simplificada, pode-se dizer Igreja). Não pretendemos fornecer que “ética é universal e permanennenhum “menu pronto” ou “tábua te, enquanto que moral é cultural e dos deveres” em qualquer assunto, temporal”. mas apenas participar do fervilhar Partindo dos pressupostos acide pensamentos sobre ética e moral ma relacionados, pode-se definir na Igreja contemporânea. Estamos “moralismo” como “toda tentativa

O desafio da ética para a Igreja

V

74 | Teologia | Abril e Maio, 2011

filosófica que se consagra exclusivamente à moral como um princípio fundamental e absoluto do agir”. (2009, p.2) Entretanto, o uso lingüístico cotidiano designa moralismo como “um pensamento moralmente rigoroso que reduz juízos morais à mera norma (hábitos, tradições, etc.), transformando a diversidade da vida moral num apanhado de proibições”. (2009, p.2) Em um sentido cotidianesco, moralismo converte-se num instrumento de controle e exclusão de sistemas hegemônicos, oprimindo pela simples imposição irrefletida de áridas regras legalistas. Dessa forma, o moralismo transforma-se em patologia, que também atinge a religião, “levando-a muitas vezes a confundir o antigo com o eterno” (2009, p.3). vamos citar dois exemplos de moralismo patológico: 1. O regimentalismo pode ser uma patologia quando incapacita o povo de Deus em julgar com bom senso. Muitas vezes, para ser ético é preciso


Ética

contrariar o regimentum quo. O samaritano contrariou o regimento cultural da época ao ajudar o judeu, mas seu agir foi ético; 2. nas congregações, o moralismo pode resultar em aridez espiritual e no controle da membresia pela adesão irrestrita e formal à determinada lista de normas. Num moralismo patológico, perde-se assim a noção de “graça” divina, pois o moralismo exalta e exige o esforço humano como tentativa de obter bênçãos e salvação. Deixa-se de focar o amor de Deus em Cristo para centralizar a atenção no agir humano. Essa mudança de foco oprime o povo e impossibilita a reflexão e aplicação de princípios éticos em “contextos culturalmente distintos e historicamente cambiantes” (2009, p.5). Contardo define esse moralista árido como “imoral” porque, ao selecionar as regras de seu decálogo e ao julgar o próximo segundo seu sistema de regras, ele procura esconder seus erros e falhas.

Numa sociedade plural, o moralismo patológico não deveria ter espaço nas igrejas. Adotar princípios gerais só pode ser decidido examinando sua complexidade efetiva. Dessa forma, não cairíamos no erro de julgar os outros sem aceitar que eles são meus semelhantes. Ao reconhecer em mim os desejos do outro, sou capaz de avaliar a conduta daqueles que o “reprimem menos do que eu”. Nesse sentido, “é moral quem passa constantemente pelos impasses insolúveis de questões morais concretas” (2009, p.5). Somente a manutenção do “kérigma” e da “graça” pode dinamizar a reflexão-ação na aplicação da ética e moral sem cair na tentação do árido legalismo (p.5). É nessa perspectiva que precisamos agir e reagir a todos os desafios que se colocam à nossa frente.

O astrônomo e o jardineiro Há de se resgatar a metáfora do astrônomo e do jardineiro. O astrônomo observa as imutáveis estrelas.

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Moral

O jardineiro lida com a terra e as particularidades de cada pedaço do jardim. O moralismo árido e seletivo será do tipo astrônomo, onde se procurará aplicar regras selecionadas de antemão, sem refletir sobre o contexto. O moralismo moderno é do tipo jardineiro, onde cada particularidade do contexto exigirá reflexão madura para justificar o “porquê se deve fazer” (moral) aquilo “que se deve fazer” (ética) em determinado local (ethos). Creio que essa é uma das vias possíveis para reduzir a tentação do árido legalismo e do moralismo patológico.

Rev. Mário Rafael Yudi Fukue,, é pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil em São Paulo-SP.

Bibliografia CALLIGARIS, Contardo. Moralistas imorais. In: Folha de São Paulo. 24/02/2005. Caderno Ilustrada. SCHAPER, Valério Guilherme. Ética, Moral e Moralismo: definições e distinções. São Leopoldo: EST, 2009.

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União Homossexual

Posição da IELB sobre

A Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB) está estabelecida num país onde há liberdade de viver, se expressar e agir conforme a decisão ou vontade de cada um. Assim, a opção sexual faz parte dessa liberdade. Por outro lado, a IELB também entende que a liberdade de discordar e não aceitar em seu meio uma união homossexual, por esta ferir os princípios da Bíblia Sagrada, faz parte da sua liberdade e não lhe pode ser cerceada, pois fere a Constituição Nacional. A Constituição Brasileira, no seu Artigo V, incisos IV, VI, VIII e IX, diz: IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de cul76 | Teologia | Abril e Maio, 2011

to e a suas liturgias; VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; Assim, precisamos diferenciar homossexualismo de homofobia. A Igreja Luterana não concorda com a conduta homossexual, mas não discrimina o ser humano homossexual. Por isso declaramos: 1 – A IGREJA EVANGÉLICA LUTERANA DO BRASIL crê e confessa que a sexualidade é um dom de Deus, destinado por Deus para ser vivido entre um homem e uma mulher dentro do casamento. 2 - A IELB crê e confessa que o homossexual é amado por Deus como são amadas por Deus todas as suas criaturas. 3 - Em amando todas as pessoas e também o homossexual, Deus não anula o propósito da sua criação. 4 - Por esta razão, a igreja, em acordo com a Sagrada Escritura, denuncia na homossexualidade um desvio do propósito criador de Deus, fruto da corrupção humana que degrada a pessoa e transgride a vontade de Deus expressa na Bíblia. “Com homem não te deitarás, como se fosse mulher: é abominação. Nem te deitarás com animal, para te contaminares com ele, nem a mulher se porá perante um animal, para ajuntar-se com ele: é confusão. Portanto guardareis a


União Homossexual

a união homossexual obrigação que tendes para comigo, não praticando nenhum dos costumes abomináveis que praticaram antes de vós, e não vos contamineis com eles: Eu sou o Senhor vosso Deus” (Levítico 18.22,23,30); “Por isso Deus entregou tais homens à imundícia, pelas concupiscências de seus próprios corações, para desonrarem os seus corpos entre si; semelhantemente, os homens também, deixando o contato natural da mulher, se inflamaram mutuamente em sua sensualidade, cometendo torpeza, homens com homens, e recebendo em si mesmos a merecida punição do seu erro” Romanos 1.24,27); “Ou não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis: nem impuros, nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados, nem sodomitas, nem ladrões, nem avarentos, nem bêbados, nem maldizentes, nem roubadores herdarão o reino de Deus” (1 Coríntios 6.9-10). 5 - Porque a homossexualidade transgride a vontade de Deus e porque Deus enviou a igreja a levar Cristo Para Todos, a igreja se compromete a encaminhar o homossexual dentro do que preceitua o amor cristão e na sua competência de igreja, visando a que as pessoas vivam vida feliz e agradável a Deus; Mateus 19.5: “... Por esta causa deixará o homem pai e mãe, e se unirá a sua mulher, tornando-se os dois uma só carne.” 6 - A IELB, repudiando qualquer forma de discriminação, deve estar ao lado também das pessoas de comportamento homossexual, para lhes dar o apoio necessário e possam vir a ter a força para viver vida agradável a Deus. 7 - Diante disto repudiamos a idéia de se conceder à união entre homossexuais o caráter de matrimônio legítimo porque contra-

ria a vontade expressa de Deus e dificulta, se não impossibilita, a oportunidade de tais pessoas revisarem suas opções e comportamento. 8 - Repudiamos também, por consequência, a hipótese de ser dado a um casal homossexual a adoção e guarda de crianças como filhos porque entre outros prejuízos de formação, formará na criança uma visão distorcida da sua própria natureza. Fiéis ao nosso lema CRISTO PARA TODOS ensinamos que a igreja renova também o seu compromisso de receber pessoas homossexuais no amor de Cristo visando que a fé em Jesus as transforme para a nova vida da qual Deus se agrada. Em nome da Igreja Evangélica Luterana do Brasil, Rev. Egon Kopereck — Presidente IELB

*(A posição da IELB atende ao disposto em parecer da Comissão de Teologia e Relações Eclesiais, da 57ª Convenção Nacional)

Abril e Maio, 2011 | Teologia | 77


Rev. Dieter Joel Jagnow

Estudo Bíblico

uma mulher de fé 1 Samuel 1.1-2.21 Objetivo do estudo: Verificar características da vida de Ana, conceituá-las e aplicá-las a vida cristã.

1. Notas sobre o texto bíblico a) Elcana, marido de Ana, provavelmente era um homem importante em Israel, já que era um descendente de Lei, o “pai” dos levitas (1Cr 6.33-38). Os levitas foram escolhidos para cuidar do santuário de Deus. b) O fato de Elcana ter duas mulheres (Ana e Penina) era uma afronta a Deus, pois a poligamia era proibida — embora tolerada — entre o povo de Israel (Dt 24.1-4; cf. Mt 19.8). c) Ana (cujo nome significa “graça”, “compaixão”) era estéril (v. 2), o que significa uma vergonha, pois, segundo o consenso popular da época, estava sob a ira de Deus. A esterilidade era vista como um castigo divino. Penina, ao contrário, tinha filhos e filhas (vv 2,4). d) Conforme a orientação de Deus, Elcana anualmente oferecia sacrifícios. Após, todos se alimentavam das partes permitidas do carneiro ou bezerro (vv 4,9). e) “Belial” (v. 16) originalmente significava “indigno”, 78 | Teologia | Abril e Maio, 2011

“perverso”. Com o tempo, a palavra evoluiu para o nome próprio “Maligno” (cf. 2Co 6.15).

2. Estudo dirigido do texto 1) Ana e Penina eram as duas mulheres de Elcana. a) Como elas conviviam? Em rivalidade. b) Por que Elcana dava “porção dupla” para Ana? (v. 5) Talvez porque tivesse pena dela, pelo fato de ser estéril. Porque a amava mais. 2) O sofrimento de Ana está claramente caracterizado no texto. a) Por que ela sofria? Porque era estéril. b) De que forma ela mostrava o seu sofrimento? Ela chorava e não comia. c) Explique o argumento de Elcana: “Não te sou melhor do que dez filhos?” (v. 8) Talvez ele se sentisse um tanto frustrado ao ver que o seu cuidado por Ana não tivesse o efeito que desejava que tivesse. 3) Entre lágrimas e sofrimento, Ana orou a Deus (vv. 10, 11). a) Qual o conteúdo básico da sua oração? Pediu um filho. b) De que forma ela orou? Chorando e demoradamente.


Estudo Bíblico

c) O que Elcana pensou sobre Ana? Que estava bêbada. d) Como procedeu Eli, o sacerdote, diante da oração de Ana? (17) Disse: Vai-te em paz. Que Deus te ajude. e) Qual o resultado imediato que Ana experimentou depois de orar? Comeu e já não era mais tão triste. 4) Ao orar, Ana fez um voto a Deus. Qual foi? Entregar o seu filho ao serviço de Deus. 5) Elcana teve relação sexual com Ana. Que três coisas aconteceram então? a) V. 19: Deus se lembrou da oração de Ana. b) V. 20: Ela engravidou. c) V. 20: Ela teve um filho. 6. Deus atendeu a oração de Ana. Ela teve três filhos e duas filhas (v.21). Qual foi a atitude de Elcana e Ana ante a resposta positiva de Deus a) Quanto ao nome “Samuel”? Dado por Deus: “Do Senhor o pedi”. b) Quanto ao voto feito? “Devolveu” o filho ao Senhor (v. 28). 7) O que o “cântico” de Ana (2.1-10) mostra a) Sobre a confiança dela em Deus? Se alegra em Deus. Atribui a sua força a Deus. Deus é salvador. b) Quanto ao poder de Deus sobre a vida e a morte? Ele dá e ele tira. c) Quanto á providência de Deus? Deus cuida dos seus filhos.

3. Conceitos e aplicações O texto bíblico contém uma série de ensinos. Eles podem ser agrupados em cinco enfoques: A. A fé (confiança) em Deus. B. A oração a Deus. C. A providência de Deus. D. O louvor a Deus. E. O serviço a Deus.

A. A fé (confiança) em Deus, 1) A definição bíblica clássica para a fé está em He-

breus 11.1. Qual é?

Fé é a certeza de coisas que se espera e a convicção de fatos que não podem ser visto.

2) Temos fé em Deus porque ela é operada em nós pelo Espírito Santo (1Co 12.9). Pela fé, vemos o futuro (Hb 11.1), o invisível (Hb 11.27), o impossível (1 o 2.5). a) Como isso se aplica à Ana? Ana creu de coração que Deus poderia resolver seu problema, o que seria impossível para um ser humano. b) Como isso se aplica na vida de um cristão? Ela crê no Deus que não vê. Ela entrega o seu presente e o seu futuro a Deus. 3) A confiança em Deus também é uma demonstração da fraqueza humana e da sua necessidade de depender dele. Isso significa, de outro lado, o reconhecimento da onipotência de Deus. Mas ser dependente dele não é algo vergonhoso, pois a relação com ele é de amor. O cristão se entrega a Deus em amor. E Deus o aceita em amor. a) Como Ana demonstrou essa relação? Ela se entregou totalmente nas mãos de Deus. b) Qual a exortação que se encontra o salmo 37.5? Entregar os caminhos a Deus e confiar nele. c) Você confiar plenamente em Deus? O que você acha que precisa mudar em relação a isso?

Para reflexão adicional 4) Saber que existe um Deus que está pronto para ouvir, atender, participar de nossa vida é confortador, é maravilhoso. Em Deus está a nossa suficiência e para ele nada é impossível. Esta verdade deve sempre ser uma fonte de consolo e alegria. Veja no v. 18 do capítulo 1 a profunda alteração que Ana sentiu depois de depositar o seu sofrimento em Deus.

B. A oração a Deus. 1) Ana estava sofrendo por causa da sua infertilidade. Sabendo-se impotente para resolver o seu problema, confiou em Deus. Essa confiança foi caracteriza também através de uma ação concreta: a sua oração (v. 10). A oração é inseparável da vida do cristão. Quem é filho de Deus deseja falar com o seu Pai. Abril e Maio, 2011 | Teologia | 79


Estudo Bíblico

2. A oração é uma conversa com Deus. Canta ou falada. Em voz alta ou em silêncio. Pensando ou meditando (Sl 19.14; Mt 9.20-22). E tudo está fundamentado na graça de Deus. Como Ana orou? a) Chorando. b) Em silêncio. 3) Como orar? O valor da oração não está ligado à extensão, linguagem, formulação, mas a nossa postura diante de Deus: se oramos ou não com fé, de coração, seriamente. Devemos orar crendo firmemente que Deus irá nos ouvir (1 Tm 2.8; Mc 11.24), mas a seu tempo e modo. 4) Devemos orar a Deus por diversas razões: a) Para louvar e agradecer pelas suas bênçãos. b) Para que nos conceda bênçãos materiais e espirituais. c) Em tempos de paz e alegria. d) Em tempos de sofrimento e dor. 5) Devemos orar em favor de nós próprios. E por quem mais? a) Mt 5.44: nossos inimigos. b) 1Tm 2.1: todas as pessoas.

Para reflexão adicional. 6. Quando orar? Sem cessar (1Ts 5.17). a) O que esse “sem cessar” deve significar para a sua vida? b) Com base nesta orientação bíblica, como você julga que está a sua vida de oração? Existe alguma coisa que você precisa mudar?

C. A Providência de Deus 1. Deus ouviu a oração de Ana, porque ela confiou nele e lhe entregou o seu sofrimento e o seu pedido. A Bíblia está repleta de promessa de que Deus ouve, atende, cuida; que ele providencia para os seus filhos o que for necessário para a sua salvação espiritual e a sua subsistência material. 2. A providência de Deus prometida: a) Deus tem cuidado de nós: 1 Pe 5.7; Mt 6.32; Lc 12.7. b) Deus nos fortalece, nos ajuda e cuida de nós: Is 41.10; 46.4. c) Deus é nosso refúgio e nossa fortaleza: Is 25.4. d) Deus nos faz seus filhos por meio de Jesus: Jo 3.16. 80 | Teologia | Abril e Maio, 2011

3) O governo de Deus é total. Ele se ocupa com os grandes eventos da história e com os detalhes da nossa vida. Nele vivemos, nos movemos, existimos. Ele dirige os passos (Pv 16.9). A providência de Deus deve ser reconhecida por nós: a) Na prosperidade e na glória: 1 Cr 29.12; Dt 8.18. b) Na adversidade: Jó 1.21; Sl 119.75. c) Em toda a nossa vida: Pv 3.6. 4) Por causa disto, os cristãos são orientados para que confiem totalmente na providência de Deus (Mt 6.32,33).

Para reflexão adicional 5) Como está a sua confiança na providência de Deus? Você está ciente de que ele quer estar ao seu lado, em toda a sua vida? Você tributa suas vitórias apenas à sua própria capacidade? Você busca a Deus em todos os seus projetos de vida? O que a postura de Ana pode lhe ensinar sobre o assunto?

D. Louvor a Deus 1) A palavra “louvor” tem sentidos como: exaltar, enaltecer, glorificar, aprovar, aplaudir. Em sentido cristão, pode-se dizer que é o culto a Deus através do qual o cristão tributa a ele as bênçãos recebidas e lhe agradece por elas. Ele pode ser manifestado de diversas formas: oração, meditação silenciosas, canto, celebrações. Toda a vida do cristão deve ser uma permanente atitude de louvar a Deus. 2) Analisando a vida de Ana, vemos que ela louvou a Deus. a) Que motivos ela tinha para louvar? A rigor, nenhum — ou todos. b) Como ela louvou? Cantando. c) O que isso revela do caráter dela? Que reconhece a bênção recebida de Deus e agradecer. 3) Vamos ampliar esse tema. Leia os versículos abaixo e resposta às perguntas. a) Por que o cristão deve louvar a Deus? Ele tem motivos? Porque Deus é: Sl 117.2; 118.1 (bondade, misericórdia). Louvar pelas bênçãos: Ef 1.3; Sl 136.1 com 25 (espirituais e físicas). Louvar a Deus: Ef 5.20 (sempre, por tudo, em


Estudo Bíblico

nome de Cristo). b) O cristão é convocado a louvar a Deus com tudo o que tem: Sl 103.1 (alma), Sl 9.1; 111.1 (com o coração), Sl 51.15; 63.3 (com a boca). c) Que orientação o salmista dá quanto Ao tempo do nosso louvor (Sl 146.2)? Toda a vida. Quem deve louvar a Deus (Sl 145.21) Todos.

E. O Serviço a Deus 1. Por “serviço” entende-se genericamente todo o trabalho espiritual ou material que o cristão investe no reino de Deus, visando o seu crescimento. Este serviço não deve brotar de motivações errôneas, como: querer aparecer, buscar honra e poder, “negociar” a salvação ou a bênção de Deus. O único motivo bíblico válido é aquele que se baseia em uma reposta criativa e atuante a Deus pelo seu amor em Jesus. O cristão “trabalha” em gratidão, movido por amor que nasce da fé. Pelo seu serviço ele também mostra que é um salvo.

a) É resultado do quê (Tg 2.17, 18)? Da fé. b) É operado na pessoa por quem (Fp 2.13)? Deus. c) Somente quem pode realizá-lo (Jo 15.5)? Quem permanece em Cristo. d) Deve ser realizado com que postura (Mc 10.43, 44)? Humildade, amor. e) Que promessa ele carrega (Mt 25.34-40)? A posse da vida eterna. 4) Anote uma série de atividades por meio das quais você pode servir a Deus e ao semelhante com os seu tempo e as suas capacidades. O que você vai fazer para colocá-las em prática?

Para reflexão adicional 5) Você está servindo a Deus? Pode fazer mais? Você vai?

Rev. Dieter Joel Jagnow é jornalista e pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil em Ribeirão Preto-SP, além de participar da equipe editorial da Revista. Teologia.

2) Observando a vida de Ana, vemos que ela colocou a serviço de Deus o que tanto buscara em sua vida: seu próprio filho. Paradoxo — tanto buscar e depois dar? Jamais perde que oferta como gratidão e em fé. Samuel se tornou um herói da fé (Hb 11.32). E Deus abençoou a Ana com mais cinco filhos. 3) O serviço cristão é dirigido a Deus e aos seres humanos. Veja mais alguns aspectos dele:

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de

Comissão de Culto da IELB

Páscoa

Sugestão Litúrgica para Período de Páscoa Veja uma sugestão de liturgia para o cultos do Período de Páscoa. Aqui aparece sem a formatação adequada para uso prático no culto. Caso queira formatar à vontade, este texto pode ser usado. Caso queira o material finalizado, verifique no blog da Comissão de Culto da IELB (www.liturgialuterana.blogspot. com). Lá você vai encontrar o material para imprimir, bem como para projetor multimídia.

Legenda: P Pastor

de pé

C Congregação

sentados

T Todos

ajoelhados

|: Repetir o canto.

cantar

1. Processional de Entrada 2. Acolhida: P.: Queridos irmãos em Jesus Cristo. O Salvador ressuscitou. Ele vive eternamente. Esta é a notícia mais importante de toda a história da humanidade, pois com sua ressurreição, nosso Salvador nos garantiu a vida eterna. Sejam bem-vindos a este culto que comemora o período da Ressurreição do Salvador Jesus Cristo. Que Deus nos abençoe neste culto, em todo o período da Páscoa e sempre. Amém.

6. Confissão e Absolvição: [HL 347] C.: Tal como estou, tão pecador, confiando em teu divino amor, a teu convite chego aqui – Cordeiro santo, venho a ti. P.: É confiando em ti, ó Jesus Cristo ressuscitado, que estamos aqui. C.: Tal como estou, me inclino ao mal, no meu estado natural. A pura imagem eu perdi – Cordeiro santo, venho a ti. P.: Viemos sabendo dos nossos pecados. Sabemos que por nós mesmos, nunca conseguiremos nos salvar. Não conseguimos nem mesmo reconhecer todos os nossos pecados. C.: Tal como estou, eu busco a paz. Desgraça e medo o mal me traz. Em árduas lutas me afligi – Cordeiro santo, venho a ti. P.: Nós nos envolvemos e praticamos todas as espécies de pecado. Esses pecados nos deixam aflitos, de corações pesados e separados de ti. Por isso viemos recorrer a ti, ó Cordeiro Santo. C.: Tal como estou, me acolherás e a remissão concederás, pois ao teu sangue recorri – Cordeiro santo, venho a ti. P.: Sabemos que tu queres que nós nos aproximemos de ti. Pela tua promessa, sabemos que nos acolherás e darás a remissão de todos os nossos pecados. Por isso, recorremos unicamente a ti, ó Cordeiro Santo. Amém. Levanta-se o pastor e se dirige à congregação:

P.: O Senhor ressuscitado recebe vocês. Aleluia! C.: Ele vive para Sempre e conosco está. Aleluia!

P.: Queridos irmãos, pela graça de nosso Senhor Jesus Cristo, o Cordeiro Santo. Nosso Pai Celestial, perdoa todos os nossos pecados. Em virtude desta confissão de pecados que vocês fizeram, eu anuncio a graça de Deus. E da parte e por ordem de Jesus Cristo, meu Senhor, perdôo todos os pecados de vocês em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém. C.: Tal como estou, me salvarei, na tua graça esperarei. A tua bênção recebi – Cordeiro santo, venho a ti.

5. Invocação a Deus: [HL 239]

7. Salmo:

P.: Ao trino Deus onipotente, Pai, Filho, nosso Redentor, Rendamos glória eternamente, bem como ao Santo Ensinador. C.: No seu temor convém viver e sempre aqui comparecer. T.: Amém!

8. Leituras:

3. Hino: 4. Saudação:

84 | Teologia | Abril e Maio, 2011

8.1. Primeira Leitura: 8.2. Segunda Leitura:


Litúrgica: Período

9. Leitura do Santo Evangelho:

de

Páscoa

15.5. Oração de Pós Comunhão:

11. Hino:

P.: Bondoso Deus e amado Pai celestial, o sangue de Jesus foi derramado para nossa Salvação. O mesmo sangue foi recebido por nós na Santa Ceia, junto com o corpo de Cristo. Fortalece a fé e perdoa os pecados de todos que participamos da Santa Ceia. Que o sacrifício de Cristo possa estar vivo em nós, para lembrarmos sempre do teu grande amor. Em nome de nosso Salvador, o Cristo, único Caminho para a vida eterna. C.: Ó Deus, cria em mim, um coração puro e me dá uma vontade nova e reta. Não me afastes de tua presença nem retires de mim o teu Espírito Santo. Torna a dar-me a alegria da tua salvação e me sustém com um espírito voluntário. Amém.

12. Sermão/Mensagem:

16. Bênção Final:

10. Confissão de fé: T.: Creio em Deus Pai todo-poderoso, Criador do céu e da terra. E em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, o qual foi concebido pelo Espírito Santo, nasceu da virgem Maria, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; desceu ao inferno, no terceiro dia ressuscitou dos mortos, subiu ao céu e está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso, donde há de vir a julgar os vivos e os mortos. Creio no Espírito Santo, na santa Igreja Cristã — a comunhão dos santos, na remissão dos pecados, na ressurreição da carne e na vida eterna. Amém.

13. Entrega das ofertas (Hino durante as ofertas): 14. Oração Geral da Igreja: 15. Liturgia para a Santa Ceia: 15.1. Pai Nosso: T.: Pai nosso, que estás no céu. Santificado seja o teu nome. Venha o teu reino. Seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu. O pão nosso de cada dia nos da hoje. E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós também perdoamos aos nossos devedores. E não nos deixes cair em tentação, Mas livra-nos do mal. Pois teu é o reino, e o poder, e a glória, Para sempre. Amém.

15.2. Consagração dos Elementos para a Ceia: P.: Nosso Senhor Jesus Cristo, na noite em que foi traído, tomou o pão, e, tendo dado graças, o partiu e o deu aos seus discípulos, dizendo: Tomai, comei, isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória minha. E, semelhantemente, também, depois da ceia, tomou o cálice e, tendo dado graças, lho entregou, dizendo: Bebei todos deste; este cálice é o Novo Testamento no meu sangue, que é derramado por vós para remissão dos pecados; fazei isto, quantas vezes o beberdes, em memória minha.

15.3. A Paz: P.: Nos cumprimentamos mutuamente desejando a Paz do Senhor.

15.4. Distribuição da Santa Ceia:

P.: O Senhor esteja diante de você para mostrar o caminho certo! O Senhor esteja ao lado de você para lhe amparar! O Senhor esteja atrás de você para lhe guardar da armadilha! O Senhor esteja dentro de você para dar-lhe esperança nas tristezas! O Senhor esteja em torno de você, para lhe defender dos ataques! O Senhor esteja sobre você, para abençoar você e fazer de você uma bênção a todos à sua volta! Assim te abençoe o nosso Deus! T.: Amém.

17. Despedida: P.: Agora saímos, comemorando a ressurreição de nosso Salvador. Continuaremos a viver tão grande momento em nossa vida. Lembrados e reanimados pela fé na ressurreição de Jesus Cristo, sabemos que ele triunfou sobre a morte e vive eternamente. Ele vive e nós também viveremos. Aleluia! Amém.

18. Avisos: 19. Hino Final e Processional de Saída:

Liturgia completa e em diversos formatos no blogue Liturgia Luterana. Inclusive as melodias para as partes cantadas, sugeridas nesta liturgia. www.liturgialuterana.blogspot.com Abril e Maio, 2011 | Teologia | 85


Rev. Ismar L. Pinz

Artigo

O casamento, o passarinho e o churrasco

A mídia centraliza o casamento real do príncipe William e da plebeia Kate. No entanto, há outro casal extremamente nobre que pode ser observado em diferentes locais. Refiro-me a um casal de passarinhos. João e a Joana de Barro. Conta-se que este animal se acasala com uma só fêmea. Constrói sua casinha com todo o cuidado e esforço, levando em conta o local e a direção do vento dominante. Na exclusividade do relacionamento do João de Barro temos um grande aprendizado. Aprendemos que a grande arte do homem não é conquistar todos dias uma nova mulher, mas sim conquistar a mesma mulher todos os dias. Conta-se que um menino capturou um João de barro com um alçapão (arapuca). Colocou-o em um viveiro. O Passarinho logo começou a debater-se na tela procurando voltar para o ninho. A fêmea logo apareceu e também voava contra grade para aproximar-se do seu amor. No outro dia os dois passarinhos estavam mortos, um de cada lado da tela. Morreram tentando aproximar-se um do outro. Deixando o lado mórbido de lado, aprendemos sobre o aproximar-se, sobre o “procurar” e sobre o encontrar-se no outro. Relacionamentos são destruídos quando cada um procura os seus interesses. Foi Deus quem instituiu o casamento. Certamente nele está uma escola de ternura, um convívio para alegria. Pois tudo o que Deus faz é bom! Conta-se que um nordestino foi experimentar o famoso churrasco gaúcho. Porém os assadores se esqueceram de salgar a carne. O nordestino experimentou e achou terrível! Voltou para sua terra afirmando que o churrasco gaúcho não 86 | Teologia | Abril e Maio, 2011

presta! O churrasco levou a culpa, os assadores sairam ilesos. Enganamo-nos quando desprezamos o casamento, quando o julgamos e condenamos a partir de pessoas que desprezam o tempero do verdadeiro amor. O Amor procura, compreende, defende, exorta, consola e serve de suporte e constante fundamento. Jesus é a revelação perfeita do amor. Na Bíblia, Cristo é descrito como o Noivo da sua amada Igreja. Pela sua noiva, Jesus deu sua vida! Fez isso para derrubar a grade do egoísmo e revelar o tempero que deixa toda refeição saborosa. Que esse tempero acompanhe o famoso casal britânico e todos os anônimos decidem sempre voar em direção ao seu cônjuge. Rev. Ismar L. Pinz — Pelotas-RS, pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil


Direto ao Ponto

Homoafeição e o cristão

E

xiste um conflito óbvio e permanente da nova lei da união civil homoafetiva com a fé cristã. Mas, num país onde estado e religião não se misturam, a Constituição Brasileira carrega a sabedoria divina ao dizer que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença”. Enquanto esta regra permanecer, devemos procurar a paz social e o respeito às diferenças, mesmo que elas sejam tão opostas. O problema é a conduta extremista de cada lado: paradas gays, incitações fundamentalistas, agressões, propaganda da mídia contra os valores cristãos, ideologias. Enfim, esta guerra moral e imoral praticada por dois extremos. O cristão tem a tarefa de viver e pregar o Evangelho. Não precisa fazer novas leis, nem julgar. Elas estão nos Dez Mandamentos e nas orientações da Bíblia, e quem julga é Deus. Assim, o seguidor de Cristo não é juiz nem advogado, mas testemunha. Com respeito ao casamento e à família, a regra divina é uma só desde o princípio (Gênesis 2), confirmada

pelo Senhor Jesus: “No começo o Criador os fez homem e mulher. E Deus disse: Por isso o homem deixa o seu pai e a sua mãe para se unir com a sua mulher, e os dois se tornam uma só pessoa.” (Mateus 19). Por isto, mesmo quando a deputada Manuela D’Ávila prega que “qualquer maneira de amar vale a pena” ao defender a relação homoafetiva, para os cristãos só existe um amor conjugal que vale a pena: “Marido, ame a sua esposa assim como Cristo amou a Igreja e deu a sua vida por ela” (Efésios 5.25). E se o ministro Ayres Britto lembrou que “nas coisas ditas humanas, não há o que crucificar, não há o que idealizar, há só o que compreender”, cabe lembrar que nas coisas divinas Cristo foi crucificado para idealizar um amor impossível de compreender. Aqueles que seguem esta afeição divina fazem de tudo para viver o amor ideal no matrimônio e nas outras relações. Um desafio cada vez maior nesta sociedade carente de afeição que vale a pena.

Rev. Marcos Schmidt é pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil em Novo Hamburgo-RS



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