2.0 Ano 2, Nº 9
Líder
Produzida por Teólogos da Igreja Evangélica Luterana do Brasil
- A pregação e o Pregador, p. 24 - A relação do livro de Jó com a riqueza e a pobreza, p. 114 - Dignidade e proveito da Santa Ceia, p. 86
- Fé ativa no amor, p. 6 - O Espírito Santo, a liderança cristã, p. 74 - O pastor equipando leigos como aconselhante de pessoas, p. 58 - Proselitismo, p. 46
- Santíssima Trindade, p. 130 - liturgia — Período de Pentecostes, p. 132 - Aborto de anencéfalos, p. 138 - Abuso Sexual, p. 45
- A Rainha do Reino Unido, p. 23 - Mãe responsável, filhos obedientes, p. 129 - Nudez exposta, p. 131 - Salvação do meio ambiente, p. 57
EXPEDIENTE
Publicação periódica de pastores da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB) não oficial. Tem como propósito divulgar textos teológicos/pastorais, inéditos ou não, produzidos por pastores e teólogos da IELB, recuperar textos teológicos escritos no passado e que não estão disponíveis na Internet, divulgar de forma mais abrangente a teologia evangélica luterana confessional e a reflexão teológica na IELB, e ser uma ferramenta prática para as atividades ministeriais em suas diferentes áreas. Os conteúdos são de responsabilidade dos seus autores.
Colaboradores desta edição:
Cláudio Ramir Schreiber, Dieter Joel Jagnow, Fernando Emílio Graffunder, Horst R. Kuchenbecker, Ismar Lambrecht Pinz, Jarbas Hoffimann, Leandro Daniel Hübner, Marcos Schmidt, Martinho Renneck, Mauro Sérgio Hoffmann e Otávio A. Schlender
Imagens:
As imagens usadas nesta publicação são de livre acesso na Internet, ou foram cedidas pelo proprietário. Caso contrário aparecerá, ao lado da imagem, a referência ao seu autor.
Coordenadores:
Rev. Dieter Joel Jagnow (editor) Rev. David Karnopp Rev. Jarbas Hoffimann (diagramador) Rev. Mário Rafael Yudi Fukue Rev. Tiago José Albrecht Rev. Waldyr Hoffmann
Diagramador: Rev. Jarbas Hoffimann — diagramador.rt@gmail.com
Blogue e Leitura On-line http://www.revistateologia.blogspot.com
www.facebook.com/pages/Revista-Teologia-Prática
@revistateologia
Colaborações:
Os textos a serem publicados na revista devem ser enviados ao editor
Contato/Editor:
revistateologia@gmail.com
Apresentação da Revista Eletrônica Teologia & Prática A revista Teologia & Prática é uma iniciativa de pastores da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB). Ela não tem caráter oficial. Seu objetivo básico é coletar e compartilhar periodicamente, de forma organizada, via Internet, textos teológicos/ pastorais, inéditos ou não, produzidos por pastores da IELB e que regularmente circulam em listas da Igreja. Além disso, procura recuperar textos teológicos escritos no passado e que não estão disponíveis na Internet. Um objetivo subjacente é a intenção de divulgar de forma mais abrangente a teologia evangélica luterana confessional e a reflexão teológica na IELB. Além de possibilitar a reflexão teológica, a revista quer ser uma ferramenta prática para as atividades ministeriais em suas diferentes áreas.
Critérios 1. A produção da revista Teologia & Prática é coordenada por um grupo de voluntários, teólogos da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB) e tem quatro edições anuais. 2. Após o fechamento, o arquivo da revista é colocado em uma (ou mais) plataforma na Internet, onde pode ser lido online ou baixado. 3. Um blogue (www.revistateologia.blogspot.com) serve de apoio para as edições, a fim de possibilitar a sua divulgação pelos mecanismos de busca da Internet. A revista também possui uma página no Facebook (www.facebook.com/pages/Revista-Teologia-Prática) para divulgação e interação. 4. A produção da revista é aberta aos teólogos da Ielb (ativos ou não) interessados em compartilhar seus textos (meditações, estudos homiléticos, sermões, resenhas, ensaios, palestras, composições musicais, monografias, etc.), inéditos ou não. Cada autor é responsável pelo seu texto (doutrinária, gramática e ortograficamente). As colaborações devem ser enviadas para revistateologia@gmail.com 5. Os responsáveis pela coordenação podem recusar algum texto — ou solicitar que seja revisado. Não são aceitos textos de conteúdo político-partidário, que promovam o ódio ou a discriminação, ou que firam as Escrituras e os princípios e valores da IELB. 6. A publicação das colaborações não é por ordem de chegada. Os organizadores tentam variar os conteúdos em uma edição e em edições subsequentes. Ademais, uma ou outra edição pode ser temática, razão porque determinado texto pode ser preservado para edição futura. Caso solicitado, os responsáveis informam ao autor a situação de cada texto recebido. Nota: a) A produção da revista Teologia & Prática é feita por voluntários. Nem sempre é possível cumprir os prazos. Por esta razão, precisamos de mais voluntários, tanto para a produção como a organização e a divulgação do material. (Se você quer colaborar, use o e-mail revistateologia@gmail.com) b) Para facilitar a leitura online, a partir desta edição a RT vem com uma diagramação diferente das edições anteriores, com menos imagens e mais texto. c) Também a partir desta edição vem num formato diferente do que as edições anteriores, já prevendo a leitura em mídias recentes, como os tablets.
Artigos
Aborto de anencéfalos — Ismar Lambrecht Pinz, p. 138 Abuso Sexual — Ismar Lambrfecht Pinz, p. 45 A Rainha do Reino Unido — Ismar Lambrecht Pinz, p. 23 Direto ao Ponto — Marcos Schmidt, p. 139 Mãe responsável, filhos obedientes — Fernando Emílio Graffunder, p. 129 Nudez exposta — Marcos Schmidt, p. 131 O perigo da ostentação — Fernando Emílio Graffunder, p. 113 Salvação do meio ambiente — Marcos Schmidt, p. 57 Trabalho sem avareza nem preguiça — Ismar Lambrecht Pinz, p. 137
Evangelismo
Proselitismo — Horst R. Kuchenbecker, p. 46
Homilética
A pregação e o Pregador — Dieter Joel Jagnow, p. 24
Liderança Cristã
O Espírito Santo, a liderança cristã — Leandro Daniel Hübner, p. 74 O pastor equipando leigos como aconselhante de pessoas — Martinho Rennecke, p. 58
Liturgia
Período de Pentecostes — Jarbas Hoffimann, p. 132
Livros Bíblicos
A relação do livro de Jó com a riqueza e a pobreza — Cláudio Ramir Schreiber e Mauro Sérgio Hoffmann, p. 114
Resumo de Obra
Fé ativa no amor — Leandro Daniel Hübner, p. 6
Santa Ceia
Dignidade e proveito da Santa Ceia — Otávio A. Schlender, p. 86
Simbologia
Santíssima Trindade — Jarbas Hoffimann, p. 130
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Rev. Leandro Daniel Hübner
Fé ativa no amor 1. Introdução
C
hamar a atenção do mundo culto para os abusos dos vendedores dominicanos (indulgências) de uma salvação forjada, foi uma tentativa por parte de Lutero de mostrar à sociedade os seus padrões éticos quanto ao certo e ao errado. Podemos, pois, afirmar que a Reforma teve início com uma ação que deve ser chamada “social”. Em Lutero a convicção pessoal criou um sentimento de responsabilidade social que se expressou na pu-
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blicação das 95 teses. Suas cartas na época indicam que eles estava preocupado com o bem-estar do povo. Ao contrário de um místico medieval ou de santo ermitão, que goza o seu relacionamento pessoal com Deus e pouco se preocupa se o mundo em seu redor se desintegra, a vida toda de Lutero é uma ação social, isto é, uma tentativa consciente de influenciar a sociedade de que era parte e de influenciar as ordens ou organismos que, em sua opinião, constituíam esta sociedade. Somente se Lutero acreditava
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que a ação social é um imperativo e que o cristão tem percepções que lhe proporcionam a oportunidade de ajudar outros a vier neste mundo, somente então a vida de Lutero pode ser explicada, pois do início ao fim ela foi uma vida de ação social. Para Lutero a ética era a expressão pratica do método teológico. A ética social de Lutero é uma parte integral de sua ética crista, e o princípio ético geral de Lutero é um fator essencial para a compreensão da sua ética social. Para compreender o princípio prático da ética social de Lutero é fundamental entender o seu ensino a respeito dos dois reinos da existência humana, o secular e o espiritual. Para Lutero o reino secular era igualmente o reino de Deus. O pano de fundo de todas as suas afirmações é constituído pela sua firme crença na iminência do dia de Jesus Cristo. É a escatologia de Lutero que fornece o princípio limitante para o seu pensamento sócio-ético. A ética social de Lutero deve ser compreendida em relação com seu método teológico, os seus padrões éticos básicos, a sua compreensão prática da estrutura do mundo e o pano de fundo escatológico de toda a vida.
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Obra
2. O Problema. A Alemanha, um país fortemente influenciado pelo pensamento de Lutero, tornou-se um baluarte do totalitarismo, e alguns liberais logo “descobriram” que Lutero era a causa deste desenvolvimento. Mas estes críticos jamais explicaram porque um semelhante desenvolvimento “fascista” não tomou lugar em países muito mais sólida e genuinamente luteranos como a Suécia, a Dinamarca, a Noruega e a Finlândia, e eles ignoram por completo a influência criativa da Áustria e da Bavária (solidamente católicos) na formação da ideologia nazista (sem mencionar a Itália, a Espanha e Portugal). A principal razão para uma investigação da ética social de Lutero não deve ser o estado atual da pesquisa de Lutero. Se considerarmos a ética social de Lutero em termos de motivação que ela eventualmente ofereceu a “luteranos”, então a investigação se tornará mais gratificante. O catolicismo romano cria um estado que na melhor das hipóteses é o instrumento secular da igreja como instituição hierárquica. Na prática ele cria estados como a Espanha, Portugal e Argentina atuais (= 1959) e como a Áustria de 1934Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 7
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1938. O calvinismo cria um estado onde Deus deveria governar através de magistrados, dos quais se espera que estabeleçam o culto puro a Deus de acordo com a sua lei. Isso cria a teocracia puritana de Genebra, da Escócia e da Nova Inglaterra, e atualmente é encontrada em algumas pequenas comunidades nos EUA. Dentro dos movimentos “entusiastas” (Schwärmer) em geral a política é considerada “suja” por natureza, e nenhum cristão respeitável deveria se envolver com ela. Isto se aplica mesmo a ordens religiosas dentro do catolicismo romano e à grande corrente do pietismo luterano e calvinista, voltados para o outro mundo. O luteranismo vê o estado como uma ordem divina incumbida por Deus com determinadas tarefas criativas e completamente independente da igreja como uma instituição eclesiástica. A influência da igreja sobre o estado pode ser exercida apenas pessoalmente através da “comunhão dos santos”, e não institucionalmente como no catolicismo romano ou legalmente como no calvinismo. Além disso, e em oposição à seita e ao pietismo, o estado não é simplesmente um mal necessário, mas uma dádiva divina em que 8 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
o cristão, juntamente com os outros cidadãos, deve assumir as suas responsabilidades.
3. As Dificuldades. Tem-se exagerado a influência de Lutero e da Reforma em geral sobre o desenvolvimento do capitalismo e do nacionalismo. Qualquer leitura atenta das fontes mostrará que o capitalismo existiu e floresceu antes que Lutero entrasse em cena. O capitalismo não teve o seu início em Wittemberg ou em Genebra, e se fosse necessário apontar o local do seu nascimento, Roma seria a escolha mais adequada. As exigências financeiras internacionais da Santa Sé fizeram necessária uma reforma da economia monetária. Sem demora o papado usou as casas bancárias como seus agentes e envolveu-se completamente com o sistema capitalista. Não pode haver dúvida de que o patrocínio do papado ajudou em muito estes banqueiros italianos no desenvolvimento da máquina capitalista. Já que os fatos mostram tão evidente e claramente que o capitalismo surgiu e floresceu com a sanção do papado bem antes da Reforma protestante (ou seja, a partir de 1200 d.C.), parece absurdo afirmar que a
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Reforma e Lutero causaram o aparecimento do capitalismo. O papa que entrou em conflito com Lutero era um banqueiro Médici e os vendedores de indulgências estavam sempre acompanhados por um representante da casa bancária dos Fugger. Encorajado pela prática do papado — que às vezes usava a ameaça da excomunhão para obrigar as pessoas a pagar os juros usuários exigidos pelos prestamistas italianos — e pelo espírito da época, o poder e a influência do capitalismo cresceu constantemente mesmo antes que a Reforma começasse. São Bernardo afirmava sobre a sua amada igreja: “A riqueza é içada com cordas ricas, e assim o dinheiro traz dinheiro. .... Vaidade das vaidades, mas não menos vaidoso do que insano! A igreja resplandece em suas paredes, e seus pobres mendigam. Ela reveste as usas pedras com ouro, e seus filhos ela deixa despido.” (Carta de S. Bernardo, c. de 1.125 d.C.) Tudo isto (usura e exploração comercial) revela a sincera repulsa de Lutero pelo capitalismo e todas as suas obras e uma quase patética nostalgia por uma época menos comercial. Também se atribui a Lutero e à Reforma a questão do nacionalismo. Na verdade, o estado nacional é o re-
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sultado do conflito entre dois poderes universais que dominam a Idade Média, o imperador e o papa. A Idade Média foi um período de intenso conflito entre ambiciosos imperadores (como Gregório VII, Alexandre III, Inocêncio III). O papado, por seu lado, reivindicava, desde Hildebrand (1073-1085), um direito absoluto de governar o mundo. Na luta contra o poder universal do império, os papas eram obrigados a recorrer aos poderes nacionais e paroquiais dos reis e príncipes. Em ordem de enfraquecer o imperador, eles tinham que fortalecer os príncipes nacionais, bem mais autocráticos e absolutos. O vitorioso na luta pelo poder entre o papa e o imperador foi o nacionalismo, e esta vitória, estabelecida bem antes da Reforma, tinha sua origem nas ambições políticas do papado. Uma tentativa de a Europa resolver seus problemas foi o Movimento Conciliar do Século XV, que falhou por causa da oposição do papado, e, por isso, o próprio papado contribuiu mais do que qualquer outro poder para a desintegração da cristandade ocidental em pequenos reinados absolutos, que caracterizaram o desenvolvimento moderno. Desde 1520 Lutero pediu um Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 9
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concílio no sentido de reformar a igreja e a sociedade, e até o fim da sua vida, ele esperava uma solução das dificuldades enfrentadas pela cristandade através de um concílio geral. Enquanto os luteranos continuamente faziam pressão no sentido da realização de um concílio geral livre, o papado usava todos os meios possíveis para impedir que o imperador o realizasse. Quando o Movimento Conciliar fracassou e os apelos por um concílio geral livre encontraram ouvidos surdos em Roma, havia se perdido a última chance para reunir a cristandade ocidental. A responsabilidade para esta catástrofe não está com os reformadores protestantes mas com os homens em Roma, cujo orgulho
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insaciável preferiu a desintegração da cristandade à reforma genuína, que eventualmente lhe limitaria o poder.
4. O Principio Metodológico. É da máxima importância descobrir o método que Lutero usou na discussão de problemas sócio-éticos e de padrões éticos aplicados à sociedade. Lutero, cujo objetivo teológico e ético era descrever e interpretar o relacionamento do homem com Deus e a criação de Deus, pouco se preocupava se o resultado era sistemático ou não, contanto que ele sentisse que sua descrição correspondia à situação humana real.
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Lutero afirmou que o cristão é simultaneamente um pecador e um justo. Ele não fez esta afirmação devido à sua utilidade sistemática, mas porque ela descrevia para ele o relacionamento do homem com Deus. Como Lutero descrevia esse relacionamento em termos de vida real, com todas as complexidades nela implícitas, os teólogos que insistem em usar apenas aquela parte do pensamento que se ajusta ao seu sistema, descartando o resto como inconsequente, foram forçados a suprimir uma grande parte de Lutero. Ao mesmo tempo não existia quase ninguém que não pudesse usar alguma parte do pensamento de Lutero para fortalecer a sua própria posição. A resultante confusão quanto à interpretação da teologia de Lutero não estava tanto no reformador como nos homens que o interpretaram. Não é de surpreender que haja um número de Luteros igual ao de professores alemães discutindo Lutero, e que cada um deles, mesmo o seu defensor mais leal, suprime aquela parte do pensamento de Lutero que conflita com o seu respectivo sistema. Para Lutero, ações, faculdades, seres e padrões são bons ou maus não em um sentido estático, de modo que, uma vez avaliados, per-
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manecerão com a mesma classificação sempre; mas eles o são em um sentido dinâmico, isto é, de acordo com a sua função de incrementar ou obstaculizar o mais importante dos relacionamentos, o relacionamento entre Deus e o homem. Assim como a razão é “boa” se usada no sentido de governar com justiça, e “má” se utilizada pelo homem como instrumento para conquistar a Deus, assim também “boas obras” são “boas” se elas são os frutos do Espírito, e “más” se elas são usadas para comprar a salvação. Todos os padrões éticos têm sentido apenas na vida. Eles são bons se ajudam a revelar Deus; são maus se escondem Deus dos homens. Por isso a preocupação de Lutero é a de avaliar todas as coisas em relação a Deus e à sua revelação em Jesus Cristo. E para Lutero o centro desta revelação de Deus em Cristo é o evangelho do perdão dos pecados. Para Lutero toda a ética está baseada sobre o perdão divino dos pecados. Isto vale tanto para a ética individual como para a social. Nem o Sermão do Monte nem o Decálogo são pontos de referência para a ética de Lutero, mas sempre o relacionamento que Deus estabelece em amor com o homem através do perdão dos pecados. Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 11
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Esta importância central do relacionamento de Deus com o homem, como estabelecido pelo evangelho do perdão dos pecados, é a chave para o método de Lutero. Para não se perder ao estudar Lutero, deve-se seguir esta regra: “Jamais acredite possuir uma correta compreensão de um pensamento de Lutero antes de conseguir reduzi-lo a um simples colorário do pensamento do perdão dos pecados.” (Einar Billing, Nossa Vocação). A teologia ou a ética não estabelecem o relacionamento entre o homem e Deus; para Lutero elas são meros resultados da confrontação do homem com Deus. O relacionamento com Deus molda a ética de um homem; a sua ética não molda o seu relacionamento com Deus. Este relacionamento do homem com Deus é simplesmente um fato da existência humana e não depende absolutamente da aprovação subjetiva do homem. A vontade de Deus é válida para o homem se ele gostar dela ou não, e, por isso, a igreja tem uma mensagem para todas as pessoas, independentemente das suas predileções religiosas. O princípio metodológico de Lutero como aplicado à ética social é funcional, avaliando todos os padrões éticos à luz do papel que de12 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
sempenham em relacionar o homem com Deus. Ele é dinâmico e é objetivo. Para Lutero a ética social não é a causa mas o resultado da confrontação do homem por Deus.
5. O Princípio Ético. Lutero não desenvolveu sua ética em um vácuo, mas teve como pano de fundo uma ética escolástica que dominou a sua época, e ele a desenvolveu em um claríssimo contraste com esta ética escolástica. Esta era o resultado da fusão e da amalgamação dos elementos bíblicos cristãos com a filosofia moral dos filósofos gregos. Ela era uma ética dominada por noções filosóficas gregas. De acordo com o escolasticismo, “o homem só pode atingir a beatitude através do mérito.” Desta maneira, o mérito se transformou no princípio ético que dominava a teologia escolástica. A ética cristã, a fim de novamente se tornar genuinamente cristã, tinha que ser liberta da ética filosófica. Para Lutero, apenas a fé poda garantir a ação ética. A ética filosófica jamais pode ser ética cristã, pois ela inicia com a pressuposição errada. Como resultado da influência de Aristóteles e da filosofia grega em geral, o sistema ético do escolasticismo
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era egocêntrico e antropocêntrico. A ética de Lutero era uma ética “teológica” ou “evangélica”, baseada no testemunho do evangelho. Lutero tomou este novo princípio diretamente da Bíblia, se bem que parecesse aos seus contemporâneos que ele havia descoberto uma coisa completamente nova. Lutero afirmou que justificação é a base para toda a ética cristã. Não há ética cristã sem o povo cristão; e apenas pessoas justificadas mediante a fé são cristãs. Fé jamais é fé a-ética. Aquele que tem fé será santificado e fará boas obras. Justificação e santificação são para Lutero dois aspectos do mesmo processo e, por isso, mutuamente interdependentes. Os cristãos deveriam ser libertados de boas obras na medida em que estas eram entendidas como produzindo “justificação pelas obras”. Por outro lado, Lutero insistia em que uma fé viva se expressa em obras de amor. E, se bem que a lei em si não mude, a atitude do cristão em relação à lei é alterada tão profundamente pela fé que ele se torna um amante da lei em vez de ser meramente o seu escravo. A fé “não pergunta se há boas obras a fazer, pois antes que a pergunta surja, ela já as fez, e ela constantemente as está fazendo”, diz Lutero. A fé sempre está
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ativa no amor. O amor é o instrumento da fé, o instrumento através do qual a fé lida com o próximo. Uma pessoa cuja fé é estéril e não produz boas obras de amor, não crê verdadeiramente. “Deus não te julgará de acordo com o teu título ‘cristão’ ou com o teu batismo, mas ele te perguntará: se és um cristão, conta-me onde estão os frutos que provam a tua fé” (Lutero). Fé é a atitude do cristão frente a Deus, e amor é a atitude do cristão frente ao seu próximo, que se segue à fé. A fé em Deus através de Cristo é a fonte de toda a ética. Logo, se o princípio da ética de Lutero pode ser definido em relação à sua fonte em Deus como “justificação mediante a fé”, ele pode ser descrito em relação ao seu “canal escoador” como “fé ativa no amor”. Lutero sabia que o cristão tem em si o novo e o velho homem. Ele diz que “o homem justo é semelhante a um instrumento enferrujado que Deus começou a polir, mas que, onde estiver enferrujado, não cortará até que estiver perfeitamente polido”. Este processo de polimento ocorre enquanto o homem viver. Mas é Deus quem realiza o polimento: esta é a importante diferença entre a ética de Lutero e a ética de Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 13
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Roma. Segundo Lutero, o amor cristão é diametricamente oposto a todo desejo aquisitivo humano. O amor, na medida em que for genuinamente cristão, é moldado segundo o amor de Cristo. Até então os teólogos, guiados pelos princípios da ética filosófica, haviam interpretado o amor em termos essencialmente egocêntricos e eudemonísticos — amor era amor aquisitivo. Lutero, porém, definiu o amor cristão como abnegado, espontâneo e abundante como o amor de Deus. Com base nesta definição de amor é que o princípio ético de Lutero deve ser entendido. Isto mostra claramente o que Lutero pretendia dizer com “fé ativa no amor”: em fé o homem recebe o amor de Deus e o passa adiante ao seu próximo. O cristão como filho de Deus é usado por Deus para
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mediar o amor divino aos outros homens. Lutero considerava o amor não um meio para um fim, mas um fim ético em si mesmo. Para Lutero a pergunta-chave feita a qualquer obra era “a quem beneficia?”. Ela precisa beneficiar o teu próximo e a sociedade, caso contrário ela não terá valor algum. Diz Lutero: “Uma obra verdadeiramente cristã e boa é aquela que pode e deve ser feita a qualquer tempo, em todos os lugares e a todas as pessoas.” Lutero, colocando a ênfase inteiramente sobre o interesse do próximo, estava mais interessado em abolir a causa da mendicância do que em medidas paliativas que visavam assistir o mendigo temporariamente sem tirá-lo do estado de mendicância. Sugeriu, por exemplo, que as instituições que abrigavam os mendigos eclesiásticos fossem transformadas em alojamentos para doentes e necessitados. Para Lutero o próximo não era mais um meio para um fim, mas era um fim muito real e importante em si mesmo. A aplicação do princípio ético de Lutero tornava todo o serviço a Deus realizado neste mundo em um serviço ao próximo. Lutero enfatizou repetidamente que Deus não precisa das nossas ações de misericórdia, mas que o próximo necessita
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delas. Olhando para a história da igreja cristã, Lutero observou que houvera tempos em que os líderes da igreja usavam todas as possessões de sua instituição para sustentar os pobres e necessitados. Agora, ele acrescentou, as coisas se inverteram e as possessões dos pobres sustentam o esbanjamento e o esplendor dos líderes da igreja. Mas aquele que ignora o seu próximo necessitado, ignora a Deus. O cristão age na sociedade porque sabe que é na comunidade viva que Deus quer ser servido. Amar a Deus é servi-lo através do próximo — isto é fé ativa no amor.
6. O Princípio Prático. Lutero afirmou que as ordens naturais eram parte do desígnio de Deus com o fim de preservar o mundo e conter as forças criativas no homem, que sob a influência do pecado poderiam levar à desordem e à destruição. Existe uma revelação geral de Deus na natureza e na história, mas ela é uma revelação de Deus que esconde Deus, assim como a resposta humana a esta revelação, ou seja, religião, é uma tentativa de reaproximação que afasta de Deus. Para Lu-
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tero não há dúvida de que o homem é religioso por natureza. Para Lutero a religião natural e racional também inclui o conceito de um ser divino, que é eterno e apresenta muitos outros atributos divinos. Ela também é a fonte de toda religião. Na verdade, o conhecimento natural da existência de Deus é a base para toda a idolatria, pois ele não nos aproxima um passo sequer da realidade de Deus como revelada em Jesus Cristo. Para Lutero Deus está em todos os lugares, em cada criatura, em cada pedra, no fogo, na água, mas Ele quer que O encontremos na Palavra; o homem não pode encontrá-lo em nenhum outro lugar. Lutero diz: “Dizer que Deus está presente não significa o mesmo que dizer que Deus está presente para ti; Deus está presente para ti apenas quando tiveres a Sua Palavra e quando Ele, através da Palavra, te prende a Si mesmo e diz: Aqui tu Me encontrarás.” Lutero é cético na sua avaliação dos resultados teológicos da razão. Mas não abandona o uso das “ordens naturais” porque crê que qualquer vida humana se desenrola em dois reinos, o secular e o espiritual. São dois reinos separados, mas ambos pertencentes em última análise a Deus. Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 15
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Lutero subdivide o reino secular em “ofícios”, “vocações” e “ordens”. As principais são a família (ou sociedade), o governo e a igreja empírica. Ele diz que “três tipos de vocações são ordenadas por Deus; no âmbito delas é possível viver com Deus e com uma consciência clara. O primeiro é a família, o segundo a autoridade secular e política, o terceiro a igreja ou o ministério, segundo o modelo das três pessoas da Trindade”. Todos possuem alguma comissão ou vocação, e todos têm oportunidades suficientes para trabalhar — se o desejam. Lutero enfatiza que “missas, legados rosários, orações e indulgências” não são substitutos para fidelidade dentro e através das ordens divinas. As vocações são boas, são parte das ordens naturais de Deus e são os instrumentos práticos da ética social de Lutero. Nós em realidade não criamos nada, mas Deus, usando as ordens naturais e as vocações, opera através de nós, criando e preservando todas as coisas. Lutero afirma que a autoridade secular, se realizar a tarefa preservadora, é, em verdade, uma “máscara de Deus” através da qual Ele próprio opera. Apenas Deus ordena, mantém e protege ou destrói a autorida16 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
de secular. A obediência às ordens naturais, para Lutero, não é obediência aos homens, mas a Deus. O reino secular, para ele, não é autônomo e não existe um reino que, em última análise, não pertença a Deus. Para Lutero o Decálogo é uma representação muito boa do cerne da lei natural geral que perpassa toda lei positiva, e como tal tem validade ilimitada. Se um padrão para todas as ordens naturais é a lei natural, o outro padrão é a razão. É preciso ter em mente que a crítica de Lutero à razão é dirigida àquele razão que se considera um substituto para a revelação. Para todas as questões do dia a dia, Lutero advoga o uso da razão para alcançar resultados racionais. As ordens naturais eram ordens racionais e deviam ser interpretadas pela razão. Lutero não era grande amigo de mudanças, pois sentia, baseado na sua perspectiva teológica, que não havia muita chance que as coisas mudassem para melhor. Mesmo assim, ele acreditava que a história é feita e alterada por grandes homens e heróis. Esses heróis podem ser recrutados por Deus em qualquer camada da sociedade — nascimento nobre não significa nada; orientação divina significa tudo. Esta divina
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inspiração que guia o herói e é a base para seu sucesso, não pode ser herdada e não passa de geração a geração como numa sucessão real. Resumindo, as ordens naturais de Lutero estavam baseadas para todos os propósitos práticos na lei natural e na razão. Elas ajudavam a explicar o mundo e as forças que o preservavam de uma forma ordenada, mas elas não revelam Deus e não têm valor soteriológico. Um cristão sempre é um membro das ordens naturais, se bem que estas ordens não possam ser outra coisa senão ordens pecaminosas, infectadas e envolvidas no pecado. Também a razão é sempre razão corrupta. Ela não é apenas incapaz de conhecer a Deus, mas também é incapaz de apreciar as obras de Deus. Como as ordens naturais estão completamente envolvidas no pecado, Deus lida com os cristãos através dos Seus meios da graça, da palavra e dos sacramentos, mas ele lida com a humanidade em geral através das ordens naturais com elas se expressam na natureza e na história. Assim, o princípio da ética social de Lutero é o seu conceito das ordens naturais. Ele as descreve como sendo divinamente ordenadas e como tendo a sua fonte na vontade preservadora de Deus. Naturalmen-
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te estas ordens são afetadas pelo pecado, o que as torna onerosas e difíceis. Por serem ordens divinas, elas sentirão sempre o ímpeto do ataque do diabo, mas de uma maneira ou outra elas permanecerão até o fim do mundo. Lutero explica que o ponto de contato entre o reino secular e o espiritual existe na pessoa do cristão individual. O evangelho em si não pode ser usado para governar o mundo, porque ele é o evangelho e exige uma resposta voluntária do homem. Ele deixaria de ser evangelho se se transformasse em uma nova lei. Mas através da pessoa do crente, que está conectado com Cristo através do evangelho e que é simultaneamente um membro das ordens naturais, a fé ativa no amor penetra na ordem social. Lutero afirma que o mundo é preservado por causa da ordem e dos mandamentos de Deus e das orações dos cristãos. Deus quer que o cristão assuma sua total responsabilidade no mundo. Ele pode se tornar um líder nos setores seculares e até mesmo portar a espada. O cristão no mundo vive com o propósito de ajudar e através de sua existência protege o próximo da destruição. Para transformar a sociedade, Cristo usa o cristão individual Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 17
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que vive uma vida de fé neste mundo de descrença. No crente os reinos secular e espiritual se encontram. Longe de tornar o cristão irrelevante para a ordem social, Lutero tornou possível que a verdade cristã absoluta estivesse sempre disponível à sociedade, e isto não através de uma organização hierárquica ou de uma interpretação legal do evangelho, mas através do santo cristão, isto é, do pecador salvo pela graça, ativo no mundo como um instrumento do propósito preservador e salvador de Deus.
7. O Princípio Limitante. Lutero sentiu frequentemente que a ordem social necessitava de uma reforma, mas era muito relutante em liderar uma radical reforma social. A chave para entender esta relutância era a firme convicção de Lutero de que não era bíblico
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esperar tal mudança em um estágio tão tardio da história humana, isto é, sua expectativa do fim iminente deste mundo. A convicção de que a história havia chegado ao fim e que a segunda vinda de Cristo era iminente fez com que Lutero visse todas as tentativas de reformar a sociedade como simples esforços de reparar uma ordem social que estava destinada a um colapso bem próximo. Lutero sentia que o trabalho de remendar e reparar a sociedade era importante, mas que em vista do fim próximo, não via necessidade de grandes reformas, pois os cristãos esperavam um lar novo e maravilhoso. Tudo o que Lutero ensinou e fez era em sua própria mente uma tentativa de preparar os homens para o vindouro reino de Deus. Tanto os cavaleiros como os camponeses esperavam que Lutero se tornasse seu líder social, mas ele estava totalmente disposto a melhorar a situação de-
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les através da sua palavra e ação. Lutero não estava disposto a sacrificar a reforma da igreja e a proclamação do evangelho a uma revolução social e política cujo resultado, na melhor das hipóteses, beneficiaria a humanidade apenas temporariamente. Além de ser a fonte da ética social de Lutero, a fé foi também o que impossibilitou Lutero de tomar qualquer reforma social com extrema seriedade. A fé era o fator “motivo” e o fator “quietivo” (acalmante) da sua ética social. Era a força impulsionadora de todas as suas tentativas de reorganizar a sociedade, e era, ao mesmo tempo, a razão pela qual todas estas tentativas ocupavam um segundo plano no seu pensamento teológico. O interesse relativamente exíguo em missões que contaminou a ortodoxia luterana durante os séculos seguintes foi outra consequência infeliz da reduzida escatologia de
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Lutero. Ele reconheceu a responsabilidade missionária da igreja. Ele disse que um cristão “é obrigado a pregar e a ensinar o evangelho aos pagãos e não cristãos errantes como um dever de amor fraternal, mesmo que nenhum homem o tenha chamado.” Para que os pagãos conheçam e creiam em Deus, é preciso que o ouçam. Para isso, diz Lutero, é preciso que missionários lhes sejam enviados e lhes proclamem a Palavra de Deus. Para entender a posição escatológica de Lutero precisamos lembrar que para ele cristãos são apenas “peregrinos” nesta terra, toda a sua vida é uma peregrinação, e eles deveriam viver como estrangeiros e hóspedes em uma terra estranha. O cristão participará nas atividades essenciais dos homens que mantêm a ordem e a vida, mesmo no país estranho, mas não ficará tão excitado com qualquer uma destas funções como
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a pessoa que considera este mundo o seu lar real. Mas quais eram as causas para as fortes expectativas escatológicas de Lutero? Examinando a história, ele achava que o governo do Anticristo havia iniciado neste mundo e que assim o fim era iminente. Dois fatores o fizeram concluir isto: o poder do papa e o poder dos turcos. Desde 1519 Lutero começou a pensar que o para poderia ser o Anticristo e em 1521 isto se tornou uma convicção para ele. Ele observara vários sinais bíblicos sobre o Anticristo que se aplicavam ao papado, mas o mais claro de todos era o fato do papa alegar que era o cabeça da igreja. Contra isto ele disse: “O papa não é o cabeça da igreja; se fosse assim, a igreja seria um mostro de duas cabeças, pois apenas Cristo é o cabeça da igreja, como diz São Paulo. Em verdade, o papa é o cabeça da falsa igreja do diabo”. À parte de sua animosidade pessoal, esta posição sobre o papado era uma sincera convicção teológica de Lutero. A convicção de Lutero de que o mundo estava próximo do fim era reforçada pelo surgimento do poderio militar do império turco. De certa maneira a ameaça turca ajudou a Reforma, pois Carlos V, necessitando dos príncipes evangélicos na luta 20 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
contra os turcos, não podia ofendê-los através da destruição da sua liberdade religiosa. Mesmo assim, para Lutero os turcos eram outra indicação do fim iminente do mundo. Também neles ele via o poder do Anticristo. Ele aconselhava que as defesas contra o papa e o turco devem andar juntas, pois ambos eram expressões do poder do diabo. Dizia que os cristãos deviam orar contra o diabo, o papa e o turco. Para ele, ambos se complementavam em seus esforços para destruir a igreja de Cristo: “O turco enche o céu com cristãos assassinando os seus corpos, mas o papa faz todo o possível para encher o inferno com cristãos através dos seus ensinamentos blasfemos.” Por seus estudos, Lutero concluiu que os turcos eram o mesmo que Gogue (Ez 38, Ap 20). Como olhava para o mundo com tal perspectiva escatológica, Lutero não podia esperar a solução dos problemas históricos do mundo através das atividades políticas normais dos participantes humanos deste drama. E qual então deveria ser a atitude do cristão em relação ao juízo final, ao fim do mundo? O cristão deve permanecer sempre pronto para este último dia. Toda a sua vida deve ser vivida em direção a este dia. Toda a história é,
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para Lutero, simplesmente a vida entre os tempos (da ascensão de Jesus até o dia do juízo final). Para Lutero, esquecer este dia ou recusar-se a orar por ele não seria nada menos do que rejeitar o reino de Deus. Não desejar o dia do juízo é o mesmo que não desejar o Reino de Deus. Assim, se bem que disposto a fazer o possível para ajudar no estabelecimento da melhor ordem social viável em um mundo moribundo, Lutero era incapaz de esperar que esta sociedade fosse algum dia o reino de Deus. Sua esperança na iminente solução de Deus para todos os problemas humanos é o princípio limitante da ética social de Lutero. Em um sermão sobre o tema, entre outras coisas, ele diz (sermão sobre 1Pe 2.11-20): “Cristãos deveriam estar conscientes da sua cidadania em um país melhor, para que se possam adaptar assim corretamente a este mundo. Não devem ocupar a vida presente como se pretendessem permanecer nela; nem agir como os monges, que fogem da responsabilidade, evitando o ofício civil e tentando escapar deste mundo. Pois Pedro diz que não devemos escapar dos nossos próximos e viver cada um para si, mas que devemos permanecer nas nossas diversas vocações,
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unidos com outros mortais como Deus nos aglomerou, servindo-nos reciprocamente.”
8. Conclusão. A maioria das discussões sobre a ética social de Lutero são caracterizadas por duas tendências divergentes. Elas procuram mostrar que Lutero nem tinha uma ética social, já que ele colocava a sociedade fora da influência do evangelho cristão; ou que a sua ética social era puramente pragmática, aceitando a ordem social dos seus dias e contribuindo assim para o crescimento do capitalismo e do nacionalismo. Vimos, no entanto, que o pensamento social de Lutero deve ser compreendido como uma parte integral do seu pensamento global e no contexto da sua visão completa da vida. Assim, pode-se obter as seguintes percepções sobre a ética social de Lutero: I. Sua abordagem aos problemas éticos é existencial, não legal. O valor de uma ação depende completamente do papel que ele desempenha em auxiliar ou obstaculizar a relação do indivíduo com Deus em Cristo. II. A força motivadora de toda ética cristã é o amor de Deus. A fé Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 21
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nos leva a Cristo e o torna nosso com tudo aquilo que Ele possui; o amor nos dá ao nosso próximo com tudo aquilo que temos. III. A ética social cristã não é um ensinamento esotérico para a elite, mas é a divina, ou seja, a melhor maneira prática para todos os homens com o intuito de preservar o mundo da autodestruição até o dia de Jesus Cristo. O mundo precisa seguir a lei natural de Deus. Tal obediência não salva o homem, mas leva ao bem-estar de todos. IV. O evangelho, como tal, não pode ser usado para governar, já que ele se aplica apenas àqueles que crêem. É através da pessoa do crente individual que a fé ativa no amor penetra a ordem social. Através do cristão individual, não importa qual sua função (vocação), os inesgotáveis recursos do evangelho se tornam disponíveis à ordem social. V. A ordem social é simplesmente uma ordem interina válida até o fim iminente deste mundo. Até este dia todos os esforços humanos serão meras tentativas de eliminar males imediatos. Os males últimos que confrontam a humanidade podem ser superados apenas pela parousia de Cristo, pelo vindouro Reino de Deus. Olhando para isto, vemos que 22 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
as respostas específicas a problemas específicos do tempo de Lutero possuem mais significado histórico do que teológico. Mas os princípios sócio-éticos derivados da compreensão existencial luterana da revelação de Deus são de considerável interesse para todos aqueles que desejam entender o plano de Deus para o cristão na sociedade. Para Lutero, os fins jamais justificam os meios. Isto joga luz sobre as escolhas que temos que fazer hoje na sociedade. E parece igualmente válida e urgente para o nosso tempo a objeção de Lutero a todas as tentativas que visam fazer do evangelho a lei do estado cristão. Lutero jamais se cansou de viver a sua ética social, mostrando na sua própria vida que através do cristão o evangelho penetra na ordem social. Teria sido bom para o cristianismo se aqueles que seguiram Lutero tivessem sido igualmente zelosos em mostrar a sua fé ativa no amor. Rev. Leandro Daniel Hübner — Rio Branco-AC, pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil.
Bibliografia Forell, George W. Porto Alegre: Concórdia e Sinodal. Trad.: Geraldo Korndörfer, 1985.
A Rainha de um Reino Unido
As belas imagens dos ingleses ao redor da rainha Elisabeth, celebrando os seus sessenta anos de reinado sobre Reino Unido, transpareceram fidelidade do povo para com aquela respeitosa senhora. A aparente fidelidade do povo à sua rainha destoou com o próximo assunto do jornal: a saída de Ronaldinho do Flamengo. Foi inevitável lembrar o quanto foi saudado por aquela torcida — quase como um rei. Agora é vaiado e declarado traidor. A família real britânica também tem múltiplas histórias de infidelidade e escândalos. Por isso podemos acompanhar todos os assuntos e dizer: gente como agente. Podem ter brilho! Podem ter coroa! Mas seu reino terá seu fim logo ali adiante. Assim como um ídolo dos esportes é exaltado em um momento e recebe vaias no outro. De fato, não importa o tamanho e a duração do reinado, a verdade se renova como diz a Bíblia em Isaías 40.6b e 8: “todos os seres humanos são como a erva do campo e toda a força e glória deles é como uma flor do mato. A erva seca, a flor cai, mas a palavra do nosso Deus dura para sempre.” Jesus é a Palavra viva, que se fez gente (Jo 1.14) e por isso Ele é o Rei dos Reis, pois seu reinado é eterno! Se Jesus é rei, quem é a nossa rainha? Jesus instituiu e adornou a Igreja como sua Rainha! Infelizmente, muitas vezes transparece a aparência de um reino desunido por placas e denominações. Mas na verdade a verdadeira rainha, que é a Igreja, não são as paredes de um templo, não é o sino que soa, não são os líderes, papas, padres e pastores... a Igreja são as pessoas ao redor da Palavra de Deus. Pessoas que são naturalmente infiéis, contraditórias, escandalosas, mas que são agraciadas com o perdão por meio da obra de Jesus, o único completamente fiel. Assim, toda vez que uma pessoa reparte o pão e, sobretudo, o perdão, a grande rainha, a Igreja de Jesus, desfila e celebra o seu reinado renovado pela Palavra Viva de Deus. Provavelmente as ações dessas pessoas simples não serão acompanhadas nos noticiários, nem mesmo comemoradas como um gol de um grande jogador. Também não serão parte de um reino de sessenta, setenta ou oitenta anos, mas de um Reino que dura para sempre. Nossa oração é que de fato, esse reino seja verdadeiramente Unido. Rev. Ismar Lambrecht Pinz — Pelotas-RS, pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 23
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Rev. Dieter Joel Jagnow
A pregação eo pregador Na exposição do Novo Testamento por Martinho Lutero Introdução
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uando alguém resolve estudar um determinando tópico na teologia de Lutero, ele logo vai descobrir que o Reformador raramente segue um método sistemático em sua exposição. Mas se ele é paciente para encarar este desafio reunir o material esparso, certamente será recompensado. Este é o caso do levantamento do que Lutero fala sobre a pregação e o pregador, objeto principal deste estudo. A sua compreensão sobre o assunto está diluída em diferentes textos que produziu. O objetivo básico
deste estudo é coletar estas informações esparsas, reuni-las e organizá-las de uma forma coerente. O pressuposto é que Lutero se preocupou com a pregação e o pregador, haja vista que se considera que a pregação da Palavra de Deus foi um poderoso veículo para o movimento da Reforma Protestante. A pesquisa foi limitada às exposições que Lutero fez de diferentes textos e livros do Novo Testamento.1 Como “exposição”, entende-se 1 O livro de Gálatas está excluído deste estudo, pois, na época, ele seria analisado em outro estudo, o que acabou não acontecendo. Todavia, mesmo com
Este estudo é uma tradução de “The Preaching and the Preacher in Luther´s Exposition on the New Testament.” Trata-se de uma pesquisa apresentada à disciplina Seminar in Practical Theology, do curso de Mestrado em Sagrada Teologia do Concordia Seminary, Saint Louis, EUA, em fevereiro de 1991, sob a coordenação do professor Wayne W. Schmidt. Alguns pequenos ajustes foram feitos na tradução. 24 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
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aqui sermões, comentários e aulas de Lutero. O resultado deste estudo surgiu da seguinte sistemática: a) Material relacionado aos focos foi pesquisado e selecionado de acordo com o propósito do tema. A fim de localizar o material, dois procedimentos foram realizados: leituras de textos e exame de índices tópicos; b) O material foi examinado e sistematizado de acordo com o seu conteúdo peculiar; c) O material foi distribuído em uma unidade com ênfases distintas, porém relacionadas. Como pode ser observado na Bibliografia, somente fontes primárias foram utilizadas neste estudo. Além disso, com notar que o material é apresentado sem abordagem crítica. Esta configuração foi escolhida para permitir que Lutero “falasse” sobre a pregação e o pregador.
ponto de vista de que a pregação é um ofício divino e que possui alguns propósitos específicos.
1.1. A pregação como um ofício divino Em sua exposição do NT, Lutero não fala muito sobre a pregação como um “ofício”. Todavia, quando isto acontece, é preciso ter em mente que a expressão “ofício da pregação”, normalmente usada por ele, não significa um ofício especial, separado que existe na Igreja Cristã. O que ele
Parte 1 A Pregação Nesta primeira parte do estudo, iremos ver o que Lutero tem a dizer sobre a pregação em sua exposição do Novo Testamento. Seus pensamentos podem ser considerados do a ausência deste livro, é perfeitamente possível abranger-se a essência de Lutero acerca do tema. Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 25
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deseja dizer, na verdade, é que este ofício é sempre sinônimo de “ofício do ministério pastoral” ou “ministério pastoral público”. Parece que Lutero segue esta linha por causa da importância que ele dá à pregação da Palavra de Deus no ministério pastoral. Em um sermão baseado em João 10.1-11, ele diz que o ofício da pregação é o mais importante na Cristandade. Ele exemplifica, dizendo que o apóstolo Paulo teve altíssima estima por este ofício, pois por meio dele a Palavra de Deus é proclamada.2 A mesma ideia pode ser encontrada em outro sermão (Mateus 7.22,23). Aqui, ele diz que a administração da Palavra e do Sacramento (que trazem pessoas à fé em Jesus, libertam da morte eterna e as levam para a vida eterna no céu) é o maior trabalho que acontece na terra; ela ultrapassa todos os sinais e maravilhas externas.3 2 Sermons of Martin Luther, vol. III, Sermons on Gospel Texts — Pentecost. Lenker, John, ed. Grand Rapids: Baker, 1983, pág. 373 — a partir daqui citado apenas como Sermões. Lutero pregou este sermão em 1522, em Wittenberg. 3 Luther´s Works, American Edition, vol. 21, The Sermon on the Mount and the Magnificat. Pelikan, Jaroslav, ed. Saint Louis: Concordia, 1956, págs. 276, 277. Esta coleção a partir daqui 26 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
A pregação, diz Lutero, é um ofício divino pelo fato de que é um serviço que provém de Cristo, é ordenado por ele, e não é algo de procedência humana em direção a Cristo.4 Foi Deus quem “estabeleceu o ministério da pregação oral, instituiu o Sacramento e ordenou a absolvição.”5 Assim, aqueles que querem ser pregadores de Cristo precisam ser enviados por ele, assim como ele foi enviado por Deus e pregou a sua Palavra. É por esta razão, afirma Lutero, que Paulo se autodenomina “ministro de Cristo” e chama o seu ofício como um “serviço ou ministro de Cristo”.6 Isto significa que Cristo enviou seus “oficiais” para servir as pessoas com a sua mensagem. Ele continua: Se eles são verdadeiros ministros (ou pregadores), eles não podem pregar os seus próprios inserá citada como AE. Este sermão pertence ao comentário de Lutero sobre o Sermão do Monte, baseado em uma série de sermões que ele pregou em Wittenberg e publicado em 1532. 4 Lutero, Sermons on Epistle Texts For Advent and Christmas, Sermões VI, pág. 66. 5 Lutero, Sermons on the Gospel of St. John, Chapters 1. Pelikan, Jaroslav, ed. AE, vol. 22. Saint Louis: Concordia, 1957, pág. 368. Em um sermão com base em João 3.17, pregado em setembro de 1538. 6 Lutero, Sermões,Vol.VI, pág. 66
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teresses ou doutrinas, mas a Palavra de Deus; e por meio do seu ofício da pregação não podem convocar pessoas para serem leais a eles, mas para seguir a Cristo, o único e grande Líder. Em um sermão com base em Atos 10, Lutero afirma que Deus ordenou que o Evangelho fosse pregado ao mundo, para a salvação de muitos. Esta é a razão porque o ofício da pregação também é chamado de “o ministério da reconciliação”, pois as bênçãos da Palavra são levadas às pessoas por meio deste ofício.7 Lutero deixa este ensino bíblico mais claro quando ele fala sobre o “sacerdócio de todos os cristãos”. Este ensino bíblico diz que todos os cristãos podem pregar — eles têm o direito de serem sacerdotes e pregaram a Palavra. O verdadeiro sacerdócio de todos os crentes abrange sacrifícios espirituais diante de Deus, ou seja, orar em favor da Igreja e proclamar a sua Palavra.8 Todavia, fica a questão: que tipo de situação pode 7 Lutero, Sermons on Epistle Texts for Epiphany, Easter, and Pentecost, Sermões, vol. VII, pág. 196. O texto deste sermão é Atos 10.34-43. 8 Lutero, The Catolic Epistles. Jaroslav Pelikan, ed. Saint Louis: Concordia, 1967, AE, págs. 30, 54. Este sermão está incluído em seu comentário “sermônico” sobre 1 Pedro e provavelmente foi pregado em 1522.
surgir se é verdade que todos os cristãos são sacerdotes e devem pregar? Lutero concorda que, caso isto seja assim, a anarquia vai reinar na Igreja. Por isto, ele explica que um cristão não tem mais autoridade do que outros cristãos. Por esta razão, ele não pode pregar na Igreja sem consentimento comum. Para Lutero, alguns dos termos básicos relacionados com o ofício da pregação são “chamado”, “comissão”, “indicação”. Em seu sermão com base em João 10.1-119, ele deixa claro que ninguém deveria entrar neste ofício por conta própria e sem uma “comissão” dos que detém a autoridade. Na Igreja é necessito existir ordem. Deus quer que, por meio de consentimento comum, uma seleção seja feita e um dos membros pregue aos demais. No rito da ordenação, os membros concedem uma “vocação” especial aos que escolhem, e os que são “chamados” desta forma proclamam a Palavra de Deus.10 Desta forma, em um sermão baseado em Mateus 5.1,2, ele diz que se alguém não quer ou não pode ir ao púlpito publicamente, ele deveria se manter calado.11 Na Igreja não exis9 Lutero, Sermões, III, pág. 373. 10 Lutero, AE, vol. 22, pág. 479. Em um sermão baseado em João 3.34 e pregado por Lutero em 1538. 11 Lutero, AE, vol. 21, pág., pág. 7. Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 27
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te alguma coisa que alguém possui ou faz por si mesmo; tudo pertence a todos. Assim, o ministro pastoral prega pela “comissão” dos membros, e quando ele faz isto, não é obra sua, mas em favor de toda a congregação. Considerando o fato do sacerdócio de todos os crentes, uma pergunta necessária é: uma mulher poderia ocupar este ofício, ser pregadora? Lutero lida com a questão em dois diferentes sermões: João 10.10 e 1 Pedro 2.1-5. O sermão baseado em João foi pregado por Lutero em 1522. É um dos seus sermões mais importantes acerca do ofício do ministério, particularmente do pastor como prega28 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
dor. A sua argumentação sobre mulheres como pregadoras aparece logo no começo do sermão. A passagem bíblica básica que ele utiliza é o primeiro versículo de João 10: “Jesus disse: Eu afirmo a você que isto é verdade: quem não entra no curral das ovelhas pela porta, mas pula o muro é um ladrão e bandido.” Todos os cristãos têm a ordem de pregar, ele diz. Isto está claro em 1 Pedro 2.9,10. Todavia, os que querem ser pregadores (ou ministros) precisam ser regularmente chamados e indicados. No segundo ponto de sua exposição, Lutero pergunta: Se todos os cristãos tem esta autoridade de pregar, o que dizer das mulheres? Isto deveria ser permitido a elas? Não, não assim, ele responde. De acordo com 1 Coríntios 14.34, Lutero continua, as mulheres não podem se postar à frente como pregadoras em uma congregação de homens. Ao contrário, elas deveriam estar sujeitar aos seus maridos, aprender em silêncio, com toda a submissão (cf. 1 Timóteo 2.11,12). Mas existe uma exceção, ele continua: “Se acontecesse... que ne-
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nhum homem pudesse ser escolhido para o ofício, então uma mulher poderia se levantar e pregar aos demais o melhor que pudesse...”12 O outro sermão, com base em 1 Pedro, foi provavelmente pregado por Lutero em 1522. Neste, ele expõe argumentos parecidos como no sermão citado acima. Ele diz que todos os cristãos são sacerdotes e que podem pregar; esta autoridade pertence ao verdadeiro sacerdócio da Igreja. Todavia, quem vai pregar precisa ser escolhido por todo o grupo. Na sequencia, Lutero argumenta não é possível fazer distinção entre os cristãos. Diante de Deus, homens e mulheres, servos e senhores, jovens e adultos são todos iguais como um povo espiritual; eles todos são sacerdotes e podem proclamar a Palavra de Deus. Todavia, a mulheres não deveriam “falar” na congregação. Isso é o que Paulo ensina em 1 Coríntios 1.34. Deus quer que elas sejam obedientes aos seus maridos e que deixem os homens pregarem. Esta é a ordenança geral estabelecida por Deus em relação a este assunto. Todavia, continua Lutero, em locais onde “somente mulheres estiverem presentes, como em conventos, então uma das mulheres pode 12 Lutero, Sermões, vol. III, pág. 374.
ser autorizada a pregar.”13
1.2. A pregação e o seu propósito Nesse segundo ponto da primeira parte do estudo, iremos lidar com a seguinte questão: por qual razão ou propósito Cristo estabeleceu o ofício do ministério pastoral ou da pregação? Lutero fornece algumas respostas em diferentes momentos da sua exposição do Novo Testamento. Em um sermão com base no Evangelho de João, Lutero diz que a pregação existe como um instrumento para a proclamação da Palavra de Deus, particularmente o seu amor redentor em Jesus Cristo.14 O Evangelho é eficaz para a salvação de qualquer pessoa que crê nele. A graça de Deus é oferecida aos seres humanos por meio do Evangelho e da pregação sobre Jesus Cristo.15 Entendimento semelhante é encontrado em um sermão com base em 1 Pedro 1.3-9. Aqui, Lutero afirma que “... chegamos à fé por meio da pregação do Evangelho...”16 13 Lutero, AE, vol. 30, pág. 374. 14 Lutero, AE, vol. 22, pág. 368. Em um sermão baseado em João 3.17, pregado em 1538. 15 Lutero, AE, vol. 30, pág. 32. 16 Lutero, AE, vol. 30, pág. 17. Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 29
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Pregando sobre Atos 9.1-22, Lutero diz: Pois nosso Senhor não tem a intenção de fazer alguma coisa especial por qualquer um, mas ele dá o seu Batismo e o seu Evangelho para o mundo todo, tanto para uma como para outra pessoa. Assim podemos aprender como devemos ser salvos; e não devemos esperar para ver se Deus vai fazer alguma coisa nova ou enviar um anjo do céu. Pois o que ele quer é que ouçamos o Evangelho daqueles que o pregam.17 Como fica evidente, para Lutero ofício do ministério tem a função de servir a todos os seres humanos. Este serviço pode ser realizado por meio de ensino, instrução e exortação usando a Palavra de Deus. E, diz Lutero, ele deve ser oferecido a todos livre e gratuitamente.18 Outro aspecto relacionado com o propósito da pregação também é mencionado por Lutero: que ela é instrumento para fortalecer a fé dos filhos de Deus. Respondendo a 17 What Luther Says, vol. II. Plass, Ewald, ed. Saint Louis: Concordia, 1959, pág. 951. 18 Ibid., pág 951. Em um sermão pregado por Lutero em 5 de dezembro de 1917, com base em Mateus 20.24-28. 30 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
pergunta “por que razão Cristo tem sido tão cuidadoso em ordenar a pregação da sua Palavra”? O Reformador responde em sua exposição de Hebreus 3.13: porque a Palavra de Deus é a única forma de fortalecer o coração de uma pessoa; é um pão celestial, que é dado por meio da pregação.19 Ideia semelhante Lutero expressa em sua exposição de 1 Pedro 2.1-5.20 A seguinte citação direta de Lutero pode servir um resumo do seu entendimento sobre a pregação e o pregador: Meu ofício, e o de cada pregador e ministro, não consiste em qualquer tipo de senhorio, mas de servir a vocês todos, para que aprendam a conhecer a Deus, sejam batizados, tenham a verdadeira Palavra de Deus, e finalmente sejam salvos... trazer vocês, junto comigo, sob um só Senhor, que é chamado de Cristo. Além deste serviço, não busco mais nada.21 19 Lutero, Lectures on Titus, Philemon, and Hebrews. Pelikan, Jaroslav, ed. Saint Louis: Concordia, 1967. AE, vol. 29, pág. 154. Lutero lecionou sobre Hebreus de abril de 1517 a março de 1518. 20 Lutero, AE, vol. 30, pág. 52 21 What Luther Says, op. cit., págs. 924, 925. Em um sermão baseado em Mateus 20.24-28 e pregado por Lutero em
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Parte 2 O Pregador Como pode ser observado na Parte I deste estudo, Martinho Lutero não faz uma distinção entre a pregação e o pregador. Normalmente um termo segue o outro ou ambos aparecem juntos no mesmo contexto. Mesmo assim, esta Parte II terá o seu foco centrado no pregador, sua vida e sua atuação.
2.1. O pregador e sua identidade Nesta seção iremos ver alguns aspectos relacionados com o pregador e sua identidade, de acordo com Lutero. O termo “identidade” é utilizado aqui em um sentido amplo, isto é, basicamente o que o pregador “é” e “deveria ser” diante de Deus.
2.1.1. O pregador precisa ser uma pessoa “chamada” Antes de qualquer coisa, diz Lutero, o pregador precisa ter um chamado para entrar no ofício da pregação ou do ministério pastoral. Pertence à sua natureza ou identidade ser uma “pessoa chamada”. 1537.
Em função disto, o pregador precisa ser certeza desta realidade.22 E mais: ele precisa estar certo de que ele é chamado para desempenhar o seu ofício em determinado local. Esta ideia foi desenvolvida por Lutero em um sermão baseado em João 7.1618. A certa altura, ele comenta: Eu não devo pregar sem um chamado. Eu não devo ir para Leipzig ou Magdeburgo com o propósito de pregar lá, pois eu não tenho o chamado e nem o ofício que me levem para estes locais. Sim, mesmo se eu ouvir que nada além de heresia exista no púlpito de Leipzig, eu teria de deixa-la continuar. Não é da minha conta... Eu não semeei lá. Consequentemente, não posso colher lá. Mas se Deus me ordenar, então eu iria, deveria ir... O primeiro requisito é o chamado.23 Se o pregador precisa ser chamado, que é que o chama? Lutero não tem dúvida de que o pregador é chamado diretamente pelo próprio Deus. Em seu sermão com base em 22 Lutero, Sermons on the Gospel of St. John, Chapters 6-8. Pelikan, Jaroslav, ed. Saint Louis: Concordia, AE vol. 23, pág. 227. Este sermão foi pregado em julho de 1531. 23 Lutero, AE, vol. 23, págs. 227, 228. Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 31
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João 3.34, ele diz que Deus tem duas formas de enviar: direta e indiretamente. Ele usou a primeira forma de envio quando chamou os profetas e apóstolos. A segunda é utilizada por Deus por meio de instrumentalidade humana.24 Isto significa que um chamado legítimo feito por uma congregação (veja Parte I, 1.) tem o mesmo valor como se tivesse feito pelo próprio Deus.25
2.1.2. O pregador como instrumento de Deus Se o pregador é chamado pelo próprio Deus, então ele é um instrumento, um veículo dele, diz Lutero. É claro que Deus pode fazer todas as coisas sem a instrumentalidade humana, mas ele não tem a intenção de fazer isto. Ele quer usar a Palavra externa e quer ... empregar pregadores como assistentes e colaboradores para executar o seu propósito por meio das palavras deles... Como, então, os pregadores têm o ofício, o nome, a honra de serem assistentes de Deus, nenhuma pessoa é tão letrada ou santa que possa negligenciar ou despreza a pior pregação; pois ela não sabe quando Deus 24 Lutero, AE, vol. 22, pág. 482. 25 Ibid., pág. 479. 32 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
irá operar a sua obra nela por meio de pregadores.26 Sendo27 instrumento de Deus, continua Lutero, o pregador é, naturalmente, um “anjo”. Claro, ele não é um “anjo” no sentido espiritual, mas um “mensageiro de Deus”. Isto significa que o pregador apenas é um canal por meio do qual Cristo transmite o seu Evangelho, do Pai para o povo. Por conseguinte, a “língua, a voz, as mãos, etc. são de um ser humano; mas a Palavra e o ministério são, de fato, da própria Divina Majestade.”28 Lutero expande esta argumentação em sua exposição de 1 Pedro 3.19-22,onde diz que o próprio Jesus vem e está espiritualmente presente sempre que o pregador proclama as suas Palavras. Cristo fala e prega aos corações das pessoas no mesmo momento em que o pregador entrega as suas palavras de forma oral e física às 26 What Luther Says, op. cit., vol. III, pág. 1118. Citado de um sermão pregado por Lutero com base em 2 Coríntios 6.1-10 27 Lutero, AE, vol. 30, pág. 177. No comentário de Lutero sobre 2 Pedro 2.6, em janeiro de 1523. 28 Lutero, Sermons on the Gospel of St. John, Chapters 14-16. Pelikan, Jaroslav, ed. Saint Louis: Concordia, 1961, AE, vol. 24, pág. 67. Em um sermão com base em João 14.10, provavelmente pregado por Lutero em 1537.
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pessoas.29 O pregador também é um “administrador” de Deus, diz Lutero em seu comentário de Tito 1.7. Ele é o “mordomo” a quem Deus confiou todas as coisas. Ele tem em suas mãos a propriedade de Cristo, ou seja, o Evangelho e os Sacramentos.30 Ele recebeu estas bênçãos a fim de distribuí-las para a sua família e irmãos. Isto significa que o pregador precisa considerar a pregação da Palavra e a administração dos Sacramentos como sendo parte vital do seu ministério. Fazendo assim, o pregador faz uso correto dos “talentos” do Senhor.31 Estas palavras de Lutero mos29 Lutero, AE, vol. 30, págs. 114, 115. 30 Isto é, o ministro o tem em suas mãos porque é chamado pela congregação para administrar a Palavra e os Sacramentos. 31 Lutero, AE, vol. 51, pág. 224. Em comentário sobre Tito 1.7, provavelmente apresentado em 1527.
tram que o pregador não é autossuficiente, mas que a sua suficiência é e precisa e ser Deus (cf. 2 Coríntios 3.5). Deus atua por meio do pregador e a sua obra é realizada por meio dele. Por esta razão, o pregador não pode se vangloriar de que “é a minha mente, a minha sabedoria, a minha habilidade”.32
2.1.3. O pregador precisa conhecer a Palavra de Deus Outro ponto lembrado por Lutero é que o pregador precisa conhecer a Palavra de Deus, já que toda a sua pregação está relacionada com ela. Em um sermão com base em 1 Timóteo 1.18-20, ele diz que pertence à identidade do pregador conhecer a Escritura e ser “poderoso” nela. O 32 Ibid., pág. 224. Sermão pregado por Lutero em 27 de agosto de 1531, com base em 2 Coríntios 4.1-5. Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 33
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que Cristo quer é que pessoas que conhecem a Palavra — que estejam equipadas com elas e sejam capazes que defender a causa de Deus.33 Todavia, admoesta o Reformador, o pregador precisa reconhecer que o dom de ser “letrado” vem apenas de Deus. É ele quem torna uma pessoa “letrada” e a escolher para o ofício. Sendo assim, o pregador jamais deveria depender de suas habilidades, pois é o Espírito Santo que o ensina na fé e na pregação.34
2.1.4. O pregador precisa ser fiel A fidelidade é uma característica requerida do pregador, afirma Lutero. Existem quatro marcas que deveriam ser encontrada em um verdadeiro pregador: se ele entrega aos seus seguidores a Palavra de Deus, se ele prega o Evangelho, se ele despensa os mistérios de Deus, e se ele é fiel.35 Ele precisa ser fiel aos seus ouvintes, ao seu trabalho e, acima de tudo, a Deus. Se fiel também significa que o pregador seja capaz de praticar o que ele prega; que pregue 33 What Luther Says, op. cit., vol. II, pág. 935. Sermão pregado por Lutero em março de 1525. 34 Ibid., pág. 935. 35 Lutero, Sermões, vol.VI, pág. 74. Em um sermão baseado em 1 Coríntios 4.1-5 e pregado pelo Reformador em 1522. 34 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
e viva como cristão. Somente onde “doutrina e obras concordam, fruto é produzido.”36 Se o pregador deseja ser fiel, então ele precisa ser capaz de enfrentar um vício muito comum: o orgulho. Pregadores talentosos, diz Lutero, são especialmente sujeitos à tentação de glorificar a si próprios. Quando alguém descobre que possui a habilidade de ensinar, tem uma voz habilidosa, e é um bom orador, facilmente ele se torna orgulhoso. Tão cedo ele é aplaudido e louvado pela sua habilidade, “ele não sabe se está caminhando na terra ou nas nuvens.”37 Pregadores orgulhosos, continua Lutero, estão mais preocupados com a sua própria honra e bem-estar do que com a glória de Deus e o benefício dos seus ouvintes. Com esta infidelidade, eles causam o maior dano aos seus ouvintes. O que “bons, piedosos e fieis professorem fizeram e plantaram e construíram durante um longo período de tempo, com grande esforço e trabalho, eles derrubam e desperdiçam em pouco tempo.”38 36 What Luther Says, op. cit., vol. II, pág. 934. Em um sermão com base em Mateus 8.1-13. 37 Ibid., vol. III, pág. 1123. Em um sermão com base em 1 Pedro 4.10. 38 Ibid., pág. 1123.
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2.1.5. O pregador e a natureza do seu trabalho. O pregador que é chamado por Deus, é seu mensageiro, prega a sua Palavra e é fiel, deveria saber e ter a confiança de que ele realiza o maior trabalho na terra e vai além de todas as maravilhas. Não existe trabalho maior e mais sublime do que pregar o amor de Deus em Jesus Cristo, enfatiza Lutero. Este é o melhor e maior serviço que pode ser tributado a Deus. Em um sermão com base em 2 Coríntios, ele revela a sua confiança nesta verdade: “E não posso me vangloriar de coisa alguma, a não ser o fato de que estou pregando por causa do comando e da vontade de Deus; é a vontade dele, e eu sei que não é em vão.”39 Todavia, acrescenta Lutero, nenhum trabalho é mais difícil do que tornar boas outras pessoas.40 O ofício da pregação é árduo. 41 Apesar disto, entretanto, existem palavras de Deus para os verdadeiros 39 Lutero, Sermons I. Dobberstein, JohnW., ed. Philadelphia: Muhlenbrg, 1959. AE, vol. 51, pág. 223. Sermão pregado por Lutero em 27 de agosto de 1531. 40 What Luther Says, op. cit., vol. II, pág. 951. Em um sermão baseado em Marcos 8.1-9 e pregado por Lutero em 1532. 41 Lutero, AE, vol. 51, pág. 222.
e fieis pregadores: “Como é bonito ver um mensageiro correndo pelas montanhas, trazendo notícias de paz, boas novas de salvação...” (Isaías 52.7, NTLH). A vinda de pregadores de coisas boas (isto é, o Evangelho) é algo desejável para aqueles que estão sendo torturados pelos seus pecados e oprimidos pela sua consciência. Os pés dos pregadores são chamados de “belos“ porque não pregam o Evangelho para vantagem própria ou glória vazia. Eles pregam porque são obedientes a Deus e querem a salvação de todos os seus ouvintes.42 Assim, pregar o Evangelho é conceder aos que o ouvem o maior benefício. Esta é a “glória” do pregador.43
2.2. O pregador e a Palavra de Deus O pregador da Palavra de Deus é um curso de água que sai do Paraíso, e é como o Nilo, que inunda o Egito, diz Lutero. Todavia, ele acrescenta, esta “inundação” precisa ter a sua fonte, que é o próprio Deus. Esta 42 Lutero, Lectures on Romans — Glosses and Scholia. Oswald, Hilton S. Saint Louis: Concordia, 1972. AE, vol.25, pág. 417. Exposição de Romanos 10.15. 43 Lutero, AE, vol. 25, pág. 523. Exposição de romanos 15.20. Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 35
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fonte precisa ser a fonte do pregador. Ele é chamado para conhecer esta fonte e pregá-la.44
2.2.1. O pregador precisa estudar a Palavra de Deus A Palavra de Deus é o guia da Igreja e de cada cristão. Assim, se o pregador quer ser um verdadeiro mensageiro de Deus, ele precisa conhecer a Palavra. Somente se estiver continuamente ligada a ela ele pode pregar os santos propósitos divinos. O Evangelho é um sermão sobre Cristo, sugere Lutero; e é isto que deve ser pregado e ouvido. Quando a Palavra não é proclamada com seriedade, os ouvintes não ouvem e o pregador fica preguiçoso; e abre-se o caminho para o colapso e a desola44 Lutero, op. cit., pág. 156. Exposição de Romanos 1.19. 36 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
ção dos ouvintes e da Igreja.45 Assim, estudar e reter a Palavra é vital para o pregador. Por isto, explica Lutero em sua exposição de Tito 1.9, o pregador deve lê-la e imergir-se constante e completamente em suas palavras e sentenças. E mesmo se ele conhecer toda a Escritura, jamais deve parar coloca-la de lado. “Você precisa lê-la sempre de novo, pois esta Palavra tem o poder se estimular você todas às vezes. Eu tenho pregado o Evangelho por cinco anos, mas eu sempre sinto uma nova chama.”46
2.2.2. O pregador precisa proclamar a Palavra de Deus Falando sobre 1 Pedro 1.16-18, Lutero diz que que neste texto é estabelecido que os apóstolos foram assegurados que a sua pregação era a Palavra de Deus. O Evangelho que proclamaram não foi inventado por eles ou tomado de outra fonte humana; era uma mensagem vinda do próprio Deus. Da mesma forma, ele continua, cada pregador deveria estar certo 45 Lutero, AE, vol. 51, pág. 265. Sermão baseado em 1 Timóteo 1.5-7, pregador por Lutero em 24 de novembro de 1532. 46 Lutero, AE, vol. 29, pág. 31.
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que ter e pregar a Palavra de Deus, ao ponto de entregar a sua vida por dela, já que é uma questão de vida ou morte para os seus ouvintes.47 Em um sermão baseado em Efésios 5.15-21, Lutero faz a seguinte reflexão sobre o assunto: Aonde o ministério da Palavra de Deus é preservado, sempre haverá alguém entre as pessoas para ouvir a pregação da Palavra e conformar a sua vida a ela. Mas quando a Bíblia deixa o púlpito, pouca coisa boa será alcançada, mesmo que um ou outro seja capaz de ler a Escritura por conta própria e imaginar que não precisa da palavra pregada.48
ser provadas pela Palavra de Deus, afirma Lutero, como foi o caso dos apóstolos: “a convicção deles somente pode ser mantida porque podia ser provada da Bíblia.”50 Se o pregador não pode fazer isto, ele não está abrindo a sua boca como um mensageiro de Deus. E, acrescenta Lutero, não existe praga pior sobre a terra do que um pregador que não proclama o que Deus lhe ordenou que proclamasse.51 Mas se ele pode fazer isto, então as suas palavras são palavras de Deus, ditas por ele.52 E, neste caso, Deus e o pregador são tornam um em favor da causa.53
Certamente é verdade que, às vezes, as pessoas desprezam a Palavra e rejeitam os pregadores que fielmente proclamam a voz de Deus. Se isto não faz bem ao mundo, diz Lutero, pode fazer bem aos pregadores, pois isto os mantém distante de poder arrogante e da tentação de se tornar orgulhosos.49 As palavras do pregador precisam
Nas seções anteriores, vimos alguns argumentos de Lutero acerca do pregador e seu relacionamento com a Palavra de Deus. Nesta, veremos alguns detalhes desta pregação e alguns conselhos práticas que ele fornece sobre o assunto em sua exposição do Novo Testamento.
47 Lutero, AE, vol. 30, págs. 162, 163. 48 Lutero, Sermões, vol.VIII, pág. 320. 49 What Luther Says, vol. III, pág. 1121. Em um sermão baseado em Marcos 10.14-20 e pregado por Lutero em 1532.
2.3. O pregador e a sua pregação
2.3.1 O conteúdo da pregação 50 Lutero, AE, vol. 30, págs. 22-24 51 What Luther Says, op. cit., vol. III, pág. 1124. 52 Lutero, AE, vol. 22, pág. 528. 53 Lutero, AE, vol. 51, pág. 223. Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 37
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Para Lutero, está claro nas Escrituras que o pregador é chamado para pregar a Palavra de Deus. Mas o que exatamente ele deve pregar? Qual é ou deveria ser seu conteúdo básico? Toda a pregação tem o propósito de estabelecer testemunho acerca de Jesus Cristo nos corações das pessoas.54 Em um sermão com base em 2 Coríntios 3.4-6, Lutero afirma que o pregador deveria proclamar ... o Espírito do Novo Testamento, que é: Jesus veio por nossa causa e carregou os nossos pecados sobre si. Lá, você escuta não o que você deveria fazer, 54 Lutero, AE, vol. 30, pág. 318. Exposição de 1 João 5.9. Lutero fez a preleção deste livro bíblico em 1527.
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mas o que Deus está fazendo por intermédio de Cristo — o que significa, logicamente, que ele opera a fé e concede o Espírito Santo. É isto o que significa pregar.55 Assim, a proclamação de Jesus e sua obra redentora deveria ser sempre o principal foco da pregação. É o que também fica claro em um sermão sobre 1 Pedro de Lutero. Falando sobre a razão do ofício, ele diz que ele existe para que as pessoas possam chegar à fé em Cristo e serem salvas. “É isto que significa pregar o verdadeiro Evangelho. Pregação de outro 55 Lutero, AE, vol. 51, pág. 227.
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gênero é não é o Evangelho, e não importa quem faz a pregação.”56 Um pregador que não prega o que Deus determinou, não é fiel e as suas palavras derivam de ensino humano. Agora, se ele proclama a voz de Cristo, não há diferença entre ouvir esta pregação ou ouvir ao próprio Salvador.57
2.3.2 A correta distinção entre Lei e Evangelho A correta distinção entre a Lei e o Evangelho que emerge das Escrituras é outro aspecto vital que o pregador precisa observar, diz Lutero, já que cada um tem as suas características peculiares. A pregação denunciatória pertence à Lei. Ela deveria ser proclamada com “trovões aos que são tolos e teimosos.”58 A Lei mostra para estas pessoas o que elas são diante de Deus e o que Deus vai fazer se continuarem em seus pecados. Além disto, o pregador também precisa mostrar para elas que boas obras da Lei não ajudam a ninguém diante de Deus.59 Assim, a missão da Lei é revelar 56 Lutero, AE, vol. 30, pág. 9. 57 Lutero, AE, vol. 30, pág. 5. Em um sermão com base em 1 Pedro 1.1,2. 58 Lutero, AE, vol. 29, pág. 143 59 Lutero, Sermões, vol. III, págs. 375-377.
aos ouvintes seus pecados, até que se humilhem completamente. Contudo, os ouvintes que recebem apenas a Lei não podem chegar a ter verdadeira confiança em Deus; é preciso existir algo a mais: o Evangelho. O Evangelho é algo suave, sereno, afirma Lutero. Ele declara que Deus perdoa o pecado por causa de Jesus. Assim, deve ser pregado gentilmente aos que estão terrificados e humilhados com a pregação da Lei. Não se deve pregar a Cristo com palavras furiosas, mas com serenas.60 Quando isto ocorre, então Cristo vem e alimenta o ouvinte com o seu Evangelho e anima o coração atribulado e machucado.61 Em um sermão com base em Lucas 7.36-50, Lutero acrescenta que os pregadores precisam assistir a Cristo em seu ofício de conceder e reter o perdão dos pecados; ambas as mensagens precisam ser proclamadas. Se isto não acontece, a seguinte situação é criada: “Os pregadores que não denunciam o pecado, destrancam o inferno e trancam o céu... De modo semelhante, os pregadores que não perdoam o pecado destrancam o inferno e trancam o céu.”62
60 Lutero, AE, vol. 29, pág. 153. 61 Lutero, Sermões, vol. III, págs. 375-380. 62 What Luther Says, vol. II, pág. 952. Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 39
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Como um pregador deveria entregar a sua mensagem? Como deveria ser o seu relacionamento com os seus ouvintes? Nesta seção vamos verificar o que Lutero tem a dizer sobre estas e outras questões relacionadas. Um ponto importante, diz o Reformador, é que o pregador não deveria ser violento em sua pregação. Quando Paulo usa a expressão “não violento” (Tito 1.8), ele não se refere à violência física, mas aquele praticada contra a consciência de alguém — quando o pregador admoesta sem misericórdia. Esta pode ser chamada de “violência das palavras”, e é um grande vício de muitos pregadores. Quando eles estão no púlpito, por exemplo, atacam os magistrados e insinuam o povo comum não tem falhas. Ou atacam o povo comum e bajulam os magistrados. Em ambos os casos estes pregadores são sediciosos.63 Certamente todas as pessoas pecadoras devem ser admoestadas. O pregador precisa denunciar qualquer um que precisa ser — grande ou pequeno, rico ou pobre ou pode-
roso, amigo ou inimigo.64 Todavia, continua Lutero, uma admoestação não deveria ser feita de uma maneira pública tal que todos os olhos se voltem para a pessoa admoestada. Se alguém é culpado, seu caso preciso ser tratado da maneira bíblica, conforme Mateus 18.15-17. Assim, em vez de ser violento com as palavras, o pregador é chamado confortar o fraco, reanimar o contristado, admoestar com brandura (cf. Gálatas 6.1). Em uma aula sobre 1 Timóteo 3.3, Lutero fala sobre o mesmo assunto. Ele diz que o pregador precisa ir contra as faltas públicas, mas não as privadas. Se ele transforma questões particulares em problemas públicas, irá causar muitos problemas entre os seus ouvintes.65 De outro lado, diz Lutero, o pregador que está certo da sua doutrina precisa pegá-la com vigor e sem medo; ele precisa abrir a sua boca, pois isto faz parte da sua responsabilidade. Em um sermão com base em Mateus 5.1,2, ele diz que ... é um grande entrave para um pregador se ele olha ao seu redor e se preocupa com o que o povo gosta ou não de ouvir, ou que pode deixa-lo impopular ou trazer perigo para si.
63 Lutero, AE, vol. 29, págs. 26, 28.
64 Lutero, AE, vol. 29, pág. 28. 65 Lutero, AE, vol. 28, págs. 286, 287
2.3.3. O modo da pregação
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Enquanto está alto em uma montanha, em um local público, e olhar livremente ao seu redor, assim ele deveria falar com liberdade e não temer ninguém...66 Falando sobre as palavras de 1 Pedro 2.2 (“Sejam como criancinhas recém-nascidas, desejando sempre o puro leite espiritual...”), Lutero afirma que a pregação agradável é e suave como o leite acontece quando alguém prega o amor de Deus em Jesus Cristo. Entretanto, ele acrescenta, o mesmo pregador também precisa proclamar a cruz. O processo, então, seria idealmente este: o pregador precisa pregar gentilmente aos cristãos novos e fracos (isto é, não pregar doutrinas difíceis). Primeiro eles precisam crescer no conhecimento de Cristo e somente então eles podem ser “sacrificados na cruz”.67 Outro ponto destacado por Lutero é que o pregador precisa saber que ele não pode forçar alguém a crer em sua pregação. Os ouvintes devem ser permitidos a seguir a Cristo com o coração voluntário e a partir da sua própria vontade, e não por medo, força ou vergonha. Eles 66 Lutero, AE, vol. 21, pág. 9. Em um sermão baseado em Mateus 5.1,2. 67 Lutero, AE, vol. 30, pág. 49.
têm a liberdade de crer — ou não.68 Em sua pregação, o ministro da Palavra pode fazer uso de alegorias e ilustrações, diz Lutero em sua explanação de 1 Coríntios 15.34-38. Estes meios são utilizados que os ouvintes retenham melhor a doutrina e a tenham sempre em mente. Todavia, ele conclui, estes recursos somente são úteis aos que já creem em Cristo como seu Salvador.
2.4. O verdadeiro e o falso pregador Nesta última seção deste estudo veremos algumas coisas que Lutero tem a dizer sobre os verdadeiros e os falsos pregadores. Na seções anteriores, vimos algumas características de ambos os tipos de pregadores, especialmente do “verdadeiro”. Aqui, iremos adicionar alguns detalhes pertinentes ao tópico. Pregando com base em 2 Coríntios 3.4-6, Lutero observa que é possível encontrar dois tipos de pregadores. Primeiro, aqueles que se autoqualificam e pregam qualquer coisa que desejam pregar. O segundo tipo é totalmente diferente. Estes pregadores sabem que não são autossuficientes, mas que a sua habilidade e autoridade estão baseados em 68 Lutero, AE, vol. 28, pág. 175. Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 41
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Deus e em suas palavras. Estes são os “bons pregadores”, afirma o Reformador.69 Em um sermão sobre João 8.12, Lutero diz que o verdadeiro pregador precisa estar convencido de que a sua doutrina e mensagem é bíblica e que ele quer proclamar a Palavra de Deus. Se é assim, ele precisa se “vangloriar” e dizer que é um pastor genuíno, enviado por Deus. Se ele não pode se “vangloriar” disto, então ele é um traidor, um falso pregador.70 69 Lutero, AE, vol. 51, pág. 224. 70 Lutero, AE, vol. 23, pág. 321.
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Em outro sermão, ele coloca que o pregador que tentar estabelecer algo diferente ou separado do seu ofício não mais é um verdadeiro profeta.71 A verdadeira pregação somente ocorre quando o Espírito Santo está presente, articula e prega; e ele está presente se a Palavra é pregada em sua pureza. Sem a presença dele, ninguém pode pregador a Palavra adequadamente.72 A oposição que existe entre os 71 Lutero, AE, vol. 21, págs. 275-277. 72 Lutero, AE, vol. 51, pág. 111.
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falsos e verdadeiros pregador é muito clara, afirma Lutero. Os falsos proclamam algo parecido com isto: “Na verdade, vocês são cristãos, mas isto não é o suficiente. Em adição, vocês precisam realizar tais e tais obras.” Os verdadeiros proclamam algo totalmente diferente: “Vocês são já cristãos... Todos vocês têm um Cristo, um Batismo, uma fé, um Espírito, um Deus. Assim, nenhuma obra ajuda a tornar alguém um cristão.”73 Lutero também mostra que alguém pode ver as características distintivas entre os dois tipos de pregadores a partir da motivação que eles têm. O falso busca o seu próprio bem e a sua própria honra. Motivado pela autopromoção, ele apenas prega o que é agradável ao povo, e não o que Deus quer de seus mensageiros. Agindo assim, ele não apenas seduz as almas para satisfazer os seus próprios propósitos, mas especialmente 73 Lutero, AE, vol. 20, pág. 169-171.
desonra a Deus. O verdadeiro pregador, contudo, o que deseja fazer é procurar a promoção de Deus e a sua glória. A sua motivação é estar devotado a Deus, e não a si próprio. E por esta causa ele sobre até mesmo reprovação e vergonha.74 Assim, os falsos pregadores são um grande perigo para a fé dos cristãos. Eles tentam destruir a raiz, a origem da salvação. Se os seus ouvintes acreditam no que eles proclamam, então creem falsamente e seria melhor se não cressem.75 Por esta razão, diz Lutero, os cristãos precisam estar alertas. Estes falsos pregadores podem semear mais veneno do que os bons pregadores semear a semente sagrada. “Um falso pregador causa um mal maior com um sermão do que um verdadeiro pregador causa o bem com dez sermões.”76
Conclusão Os pensamentos de Martinho Lutero incluídos nesta pesquisa não 74 Lutero, Sermões, vol VII, pág.s 107, 108. 75 Lutero, AE, vol. 25, pág. 430. Na exposição de Lutero de Romanos 10.24. 76 What Luther Says, op.cit., vol. III, pág. 1124. Em um sermão baseado em Filemon 3.17-21 e pregador por Lutero em 1530. Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 43
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se constituem em todo o material é que possível encontrar sobre a pregação e o pregador em sua exposição do Novo Testamento. Eles foram selecionados como sendo alguns dos mais representativos e são o suficiente para dar ao menos uma ideia geral sobre a importância e amplitude do tema para o Reformador. A pregação da Palavra de Deus hoje é tão vital como foi na época da Reforma e em todos os tempos do Cristianismo. A necessidade de pregadores dedicados e fieis continua a mesma. E o que Lutero observou na sua época, a partir das Escrituras e incluído neste estudo, é útil para a liberação da voz de Deus em todos os tempos.
Rev. Dieter Joel Jagnow é jornalista e pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil em Ribeirão Preto-SP, além de participar da equipe editorial da Revista. Teologia.
Bibliografia LUTERO, Martinho. Luther’s Works, American Edition, vol. 21, The Sermon on the Mount and the Magnificat. Pelikan, Jaroslav, ed. Saint Louis: Concordia, 1956. _____. Luther’s Works, American Edition, vol. 22, Sermons on the Gospel of St. John, Chapters 1-4. Pelikan, Jaroslav, ed. Saint Louis: Concordia, 1957. _____. Luther’s Works, American Edition, vol. 23, Sermons on the Gospel of St. John, Chapters 6-8. Pelikan, Jaroslav, ed. Saint Louis: Concordia, 1959. 44 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
_____. Luther’s Works, American Edition, vol. 24, Sermons on the Gospel of St. John, Chapters 14-16. Pelikan, Jaroslav, ed. Saint Louis: Concordia, 1961. _____. Luther’s Works, American Edition, vol. 25, Lectures on Romans — Glosses and Scholia. Oswald, Hilton s, ed. Saint Louis: Concordia, 1972. _____. Luther’s Works, American Edition, vol. 28, Commentaries on 1 Corinthians 7, 1 Corinthians 15, Lectures on 1 Timothy. Oswald, Hilton s, ed. Saint Louis: Concordia, 1973. _____. Luther’s Works, American Edition, vol. 29, Lectures on Titus, Philemon, and Hebrews. Pelikan, Jaroslav, ed. Saint Louis: Concordia, 1967. _____. Luther’s Works, American Edition, vol. 30, The Catholic Epistles. Pelikan, Jaroslav, ed. Saint Louis: Concordia, 1967. _____. Luther’s Works, American Edition, vol. 51, Sermons I. Dobberstein, John W. Philadelphia: Muhlenberg, 1959. _____. Luther’s Works, American Edition, vol. 52, Sermons II. Hillerbrand, Hans, ed. Philadelphia: Muhlenberg, 1964. _____. Sermons of Martin Luther, vol. 3, Sermons on Gospel Texts — Pentecost. Lenker, John N., ed. Grand Rapids: Baker, 1983. _____. Sermons of Martin Luther, vol. 6, Sermons on Epistle Texts for Advent and Christmas. Lenker, John N., ed. Grand Rapids: Baker, 1983. _____. Sermons of Martin Luther, vol. 7, Sermons on Gospel Texts for Epiphany, Easter, and Pentecost. Lenker, John N., ed. Grand Rapids: Baker, 1983. _____. Sermons of Martin Luther, vol. 8, Sermons on Epistle Texts for Trinity Sunday to Advent. Lenker, John N., ed. Grand Rapids: Baker, 1983. WHAT LUTHER SAYS. 3 volumes. Plass, Ewald M, ed. Saint Louis: Concordia, 1959.
Abuso sexual
A declaração da Xuxa revelando ter sido vítima de abusos sexuais quando criança alimentou comentários e reflexões sobre o assunto, que efetivamente é uma triste e dura realidade. Convido a sociedade a repensar a maneira que lidamos com a sexualidade — e acuso, em especial, a pornografia como grande alimentadora dos abusos, pois a pornografia trata a sexualidade de maneira extremamente vulgar. Toda vez que um estuprador é preso, a polícia encontra em sua casa uma grande quantidade de material pornográfico, o que revela que minha acusação é fundamentada e não está apenas no mundo das ideias. O que quero denunciar aqui é que os abusos sexuais estão sendo alimentados pela maneira como estamos vivendo. A mesma sociedade que reclama é a que alimenta essa situação. Desde já deixo claro que a sexualidade é dom de Deus — não é pecado, mas sim a promiscuidade, tão comum em nossos dias. Sei que os abusos acontecem desde que o pecado entrou no mundo, mas nos últimos tempos, cada vez mais temos tratado a sexualidade como algo descartável. Os aliciadores à prostituição são mais diretos e criativos. A indústria pornográfica é uma das mais lucrativas! Propagandas recheadas de erotismo barato são veiculadas diante de crianças e adolescentes. Músicas praticamente incentivam o abuso! Não tenho dúvidas, que tudo isso alimenta mentes desequilibradas. O resultado é que mulheres e crianças são estupradas, casamentos são desfeitos, doenças sexualmente transmissíveis multiplicam-se, e o dilema social das mães carentes e solteiras aumenta consideravelmente. Enquanto a pornografia é aceita e difundida, a Palavra do Criador é considerada babaquice e até mesmo é proibida em instituições. Fidelidade? Amor e respeito? Isso são coisas para os caretas! Porém, ouso dizer que os chamados caretas vivem com mais intensidade e felicidade a sua vida sexual em seus casamentos, uma vez que ela não acaba no final de uma festinha, mas permanece estável em um relacionamento recheado de sentimentos nobres e constantes, sem aquele vazio de quem foi usado, sem aquele medo de ser descartado! O devaneio dos abusadores e os traumas dos abusados podem ser tratados a partir do rigoroso amor de Deus, que nos presenteia com a alegria do correto “uso” da sexualidade e com o amor de Jesus, que morreu na cruz, para pagar o preço pelos “abusos” da humanidade e dar uma esperança aos que desejam recomeçar suas vidas. Rev. Ismar Lambrecht Pinz — Pelotas-RS, pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 45
Evangelismo
Rev. Horst R. Kuchenbecker
Prosel Evangelismo X Proselitismo Introdução
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ala-se muitos em evangelização: Levar a boa nova da graça de Jesus aos corações. Jesus o ordenou à sua igreja. (Mt 28.18-20; Mc 16.1516) Não podemos, no entanto, esquecer que vivemos num país cristão. Isto nos coloca diante de uma série de perguntas quando falamos em evangelizar. Olhe para o seu bairro e conte quantas igrejas cristãs há em sua volta. Ligue o rádio e a televisão e veja quantos programas religiosos cristãos estão ali. Numa pesquisa missionária que fizemos em nosso bairro (Vila Esperança, São Leopoldo, RS), de aproximadamente 80 casas visitadas, só duas não tiveram a Bíblia. Daí a pergunta: Há ainda campo para a missão em nossa volta? A palavra de Deus está sendo largamente difundida: Bíblias, programas de rádio e televisão e o esforço de muitas igrejas que visitam casa 46 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
a casa, colocando seus folhetos. Só não crê, quem não quer. Ou vamos nós também nos precipitar numa ofensiva chamada de “evangelismo”, que, na verdade, é proselitismo?
1. Proselitismo Proselitismo! O que é isso? A palavra “prosélito” é aquele que se aproxima. Na Bíblia, “fazer prosélitos” (Mt 23.15) é convencer um gentio a abraçar a fé judaica. No dia de Pentecostes encontramos entre a multidão ali presente, muitos “prosélitos”, gentios convertidos ao judaísmo. (At 2.11; 13.43) O termo é usado hoje também de forma negativa, para alguém que se intromete em negócio de outrem, (1Pe 4.15) no sentido de tirar alguém de um grupo cristão para integrá-lo em outro grupo cristão. Daí a advertência de que evangelismo não é fazer proselitismo, atrair alguém, seduzir alguém de um grupo cristão para outro gru-
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litismo po cristão. Portanto, no evangelismo não podemos ignorar nossos limites. O próprio Salvador os estabeleceu neste trabalho ao exortar pelo apóstolo Pedro: Nenhum de vós ... se intrometa em negócio de outrem”, (1 Pe 4.15) na seara alheia. Definir claramente estes limites em nosso contexto não é fácil.
2. Definindo limites no evangelismo Os apóstolos tiveram a ordem: Ide fazei discípulos de todas as nações... (Mt 28.19) Sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samaria, e até aos confins da terra. (At 1.8) Na medida em que o evangelho foi sendo pregado, a situação foi mudando. Comunidades foram fundadas e organizadas. O apóstolo Paulo lembra os presbíteros: Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos. (At 20.28) Logo, há limites. Ninguém
deve intrometer-se no rebanho de outrem. O Dr. G. Stöckhardt, em seu comentário à carta do apóstolo Pedro, comenta esta passagem e escreve: “Alguns cristão estavam inclinados a se intrometerem em rebanhos alheios. E sem dúvida hoje existem muitos que gostam de se meter de forma insólita em ofício de outrem, como conselheiros, juízes, professores, julgando possuírem melhores conhecimentos, causando dissabores e consequências desastrosas, e trazendo sobre si muitos sofrimentos, que não podem ser incluídos nos sofrimentos honrosos.” Portanto, não devemos nos intrometer para onde não fomos chamados. Isto seria fazer proselitismo, o que causa aborrecimentos e pode perturbar os fracos na fé. O apóstolo Paulo nos ensina como esta regra deve ser aplicada na missão. Ele escreve: Nós, porém, não nos gloriaremos sem medida, mas respeitamos o limite da esfera de ação que Deus nos demarcou e que se estende até vós. Porque não ulFevereiro a Junho, 2012 | RT | 47
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trapassamos os nossos limites como se não devêssemos chagar até vós, posto que já chegamos até vos com o evangelho de Cristo. Não nos gloriando fora de medida nos trabalhos alheios, e tendo esperança de que, crescendo a vossa fé, seremos sobremaneira engrandecidos entre vós, dentro da nossa esfera de ação, a fim de anunciar o evangelho para além das vossas fronteiras, sem com isto nos gloriarmos de coisa já realizadas em campo alheio. (2Co 10.13-16) Na comunidade de Corinto surgiram falsos profetas, homens orgulhosos, que confundiam a comunidade com suas doutrinas e procuravam diminuir a honra de Paulo, caluniando-o. Esses falsos profetas não foram enviados por Deus, mas se infiltravam nas comunidades, causando confusão e escândalo. O apóstolo Paulo os repele e mostra que ele e seus companheiros andam nos caminhos de Deus, fazendo o trabalho que Deus lhes indicou pelo chamado. O apóstolo Paulo afirma ainda: Esforçando-me deste modo por pregar o evangelho, não onde Cristo já fora anunciado, para não edificar sobre fundamento alheiro. (Rm 15.20) O apóstolo Paulo foi incumbido de anunciar o evangelho onde o evangelho na fora anunciado. Onde 48 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
alguém já está colocando o fundamento da fé, ali não devemo-nos intrometer, mas pregar onde Cristo é desconhecido. Onde alguém, que recebeu a ordem de Deus para pregar o evangelho estiver atuando, ali não nos devemos intrometer. Com muita precisão Dr. C.F.W. Walther escreve em sua Teologia Pastoral: “Por isso, não devemos considerar o chamado algo de pouca importância. Não basta alguém ter a palavra pura e doutrina correta, mas precisa-se ter certeza da retidão do chamado. Pois, quem invade sem chamado, por si próprio, esse certamente vem para nenhuma outra coisa do que para estrangular e matar ( Jo 10.10)... Se notas em ti um trabalho que Deus não está operando em ti, pise-o com os pés, e peça a Deus que o destrua em ti o que ele não operou. E mesmo se tu, com uma pregação, poderias salvar o mundo todo, mas não tens ordem para tal, largue de mão; pois quebrarias o verdadeiro sábado e Deus não teria grado nisso.” (Exegese de Êxodo 20.8-11, de 1629) (Teologia Pastoral de Walther, 4ª Tese). Os que invadem igrejas de outros e roubam ovelhas, são ladrões, como Jesus afirma: Todos os que vieram antes de mim, são ladrões e salteadores. ( Jo 10.8) A respeito disso o Dr. Walther obser-
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va: “Isto se aplica especialmente aos pregadores sectários, que com suas campanhas evangelísticas cruzam terras e mares, ávidos em converter pessoas, fazendo de almas nas quais outros servos de Cristo trabalharam prosélitos para as suas corporações. Mesmo se aqui e acolá uma ou outra alma é despertada de sua sonolência espiritual, quão grande é a confusão que eles causam às almas e quão grandes são os escândalos que causam aos olhos do mundo cego, que julga todo o cristianismo por esses movimentos de entusiastas hipócritas. Na verdade, muitos pensam que por causa do bem que tais pregado-
res fazem, não devam ser chamados de servos de Satanás, esquecendo-se de que Satanás se regozija no muito mal que fazem.” (Teologia Pastoral de Walther, 4ª Tese) Firmado na palavra de Deus e dos pais, concluímos: Não devemos e nem queremos trabalhar com o evangelho junto às pessoas que têm um cura de almas, um ministro de Cristo, ou junto às quais um ministro de Cristo está trabalhando, pois neste caso estaríamos invadindo um rebanho, intrometendo-nos em ofício alheio. Isto também em relação àquelas comunidades que não têm toda a Palavra em sua verdade e pu-
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reza. Enquanto ali ainda for encontrada a base do evangelho, enquanto ali for anunciada a salvação em Cristo, queremos e devemos respeitá-las.
3. Aplicação destas verdades na prática Na aplicação prática desta verdade surgem as seguintes perguntas: Que pessoas, em nosso derredor, podem ser considerados objetos de missão e que pessoas, em nosso derredor, não são objetos de nossa missão? Onde estão os limites na prática?
3.1. Pessoas sem igreja Em primeiro lugar, as pessoas que não conhecem a Cristo. O apóstolo os designa como “os de fora” (Cl 4.5), as quais, em nosso meio, são poucas. A este grupo pertencem também as pessoas que se desliga-
ram da igreja ou foram abandonadas pela igreja. Os motivos podem ser vários: discórdias, desentendimentos, problemas administrativos, atrasos nas ofertas, discordância na doutrina, etc. Aqui estão incluídos também os próprios “distanciados de nossas congregações”. Todas estas pessoas são de momento, ovelhas sem pastor, que devem ser buscadas. Com que paciência Deus buscou as ovelhas perdidas da casa de Israel. Com que paciência Jesus trabalhou no povo de Israel que havia se desviado da verdade. Com que paciência Mônica, a mãe de Agostinho, orou durante 15 anos por seu filho, até que, aos 32 anos ele voltou à fé. Buscar estas pessoas não é um dever e obrigação nossa para reconduzi-las ao rebanho de Cristo. Surge, no entanto, a pergunta: Como vamos descobrir que uma pessoa está “nesta situação”? Responderemos no próximo capítulo sob o título: O Diálogo.
3.2. Seitas que negam a Trindade e o Evangelho Em segundo lugar, temos as pessoas que pertencem a seitas que negam a Trindade, que negam ser Jesus o Filho de Deus, mesmo que falem muito de Jesus, como por exemplo: 50 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
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Testemunhas de Jeová, Espíritas, Mórmons, Seicho-no-ie, e outras religiões filosóficas orientais. Membros destas religiões são nosso objeto de missão, pois não conhecem o verdadeiro Deus. Mas, precisamos alertar que, anunciar a eles o evangelho requer um bom preparo, para não sermos enredados por eles. É um trabalho para cristãos experimentados e firmes no conhecimento e na fé.
3.3. Pregadores errôneos O que dizer de membros da igreja Católica ou dos diversos grupos evangélicos, pentecostais ou neo-pentecostais, que são religiões cristãs, cujos ministros conduzem seus fiéis para dentro da Bíblia e anunciam Cristo, mesmo que com impurezas de doutrina. A igreja Católica prega a graça infusa (Deus infunde um pouco de graça, com a qual devemos trabalhar nossa salvação, por obras) e a maioria dos evangélicos são sinergistas, eles ensinam: graças mais obras, com suas diferentes nuances. Estas igrejas, no entanto, têm ainda o suficiente da palavra de Deus, que possibilita ao Espírito Santo gerar a fé. Nelas uma pessoa pode encontrar o caminho da salvação. Eles não são nosso objeto de missão. Isto seria proselitismo.
4. Diálogo entre irmãos na fé Para introduzir este capítulo quero citar um pequeno fato. Certa feita, eu fui de carro de Moreira para Gramado, RS. Tive uma pane no pneu. Era verão. Troquei o pneu. Após uns quilômetros, estourou outro pneu. É demais. Eu tinha importante compromisso em Gramado. Iria chegar tarde e todo suado. Lá veio o ônibus. Que bom. Entrei e sentei — como se diz: bufando de raiva. Um senhor ao meu lado me olhou, e perguntou: O que houve! Eu não estava a fim de conversa, respondi seco: Dois pneus furados! Ele respondeu: É isto quando não se tem a bênção de Deus. Então dá tudo errado na vida. E me deu um longo sermão, durante o qual permaneci calado, pois achei interessante. Chegado a Gramado, levantei e lhe disse: Obrigado. Foi bom ouvi-lo. Eu sou pastor luterano. — Acho que ele compreendeu que havia chovido no molhado. Sem dúvida, se admito que alguém (católico ou evangélico) é um cristão, temos algo em comum, e gostamos de conversar sobre o que nos é precioso. Isto nos leva ao diálogo. Mesmo havendo linhas em coFevereiro a Junho, 2012 | RT | 51
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mum entre o evangelizar e o dialogar, há também diferenças. Por exemplo: no início da conversa e quanto aos objetivos a serem alcançados. No evangelismo quero levar a pessoa ao arrependimento e a confiar na graça de Cristo; no diálogo, eu admito a pessoa como cristão, e meu objetivo em conversar com a pessoa é compartilhar com ela nossa alegria em Cristo, bem como aprofundá-la neste conhecimento. Vejamos alguns passos:
1° Explorando o terreno O primeiro passo no diálogo é descobrir o que a pessoa, com a qual queremos dialogo, conhece e crê. Neste sentido desenvolvo minhas perguntas. Por exemplo: Havíamos mudado para uma rua em São Leopoldo, na qual residiam só católicos 52 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
fervorosos. Quando souberam que eu era pastor luterano, demonstraram visivelmente sua rejeição. Comecei com meu vizinho. Após o culto o vi sentado na área tomando chimarrão. Eu o cumprimentei e lhe perguntei: Foste à missa. — Fui! respondeu ele, como se quisesse dizer: E tu com isso. Eu continuei: O padre pregou sobre o quê? — Nem sei! — Sendo as leituras da Série Trienal iguais, acrescentei: Nosso pastor falou sobre a ovelha perdida, o padre deve ter falado sobre isso também. Não é? — Há sim, disse ele. Assim fomos quebrando o gelo. Em resumo, eu preciso, por meio de perguntas, explorar (num bom sentido) o que a pessoa conhece e pensa sobre sua religião. — Em certa altura, tive que dizer ao meu vizinho: O que o teu padre disse não está na Bíblia. Veja o que a Bíblia diz. Vai lá e diga
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isso ao teu padre. Para resumir, após dois anos, todos na rua nos receberam bem. Tivemos até estudos bíblicos em nossa casa com alguns deles. Isto nos leva ao segundo passo.
2° Aprofundando conhecimentos Na medida em que o diálogo avança, procuraremos firmar a pessoa na Bíblia. Sem dúvida a pessoa procurará esclarecimentos. Nós os daremos. Se nesta caminhada do diálogo alguém chegar a um conhecimento melhor da Bíblia e perguntar por nossa igreja, ele será bem-vindo aos nossos cultos. Mas não o convidamos de saída. Não fazemos proselitismo, se ele, porém, perguntar, estamos de portas abertas.
3º Na busca do verdadeiro ecumenismo Creio na santa Igreja Cristã — a comunhão dos santos. Esta verdade não pode ser esquecida em nosso Diálogo com irmãos na fé, quer sejam de nossa própria igreja ou de outras denominações, buscaremos sempre a expressão da verdadeira unidade da igreja. Nós reconhecemos e nos regozijamos pelo fato de que todos os
verdadeiros cristãos estão unidos na “una sancta ecclesiae apostólica católica”, cujos membros só o Senhor conhece (2 Tm 2.19). Isto nos leva a lutarmos continuamente pela união da cristandade. Tal união na verdade, não é conseguida por arranjos, cedendo aqui e ali, mas pela clara confissão das verdades bíblicas. A união que desejamos e procuramos, conforme a ordem de Deus, (Ef 4.16) é a união confessional em todos os artigos da fé das Escrituras, conforme os encontramos resumido em nossas Confissões, como o confessamos no Prefácio ao Livro de Concórdia, § 22: “Visto, pois, que assim é, e já que estamos certos de nossa confissão e fé cristã, com base na Escritura divina, profética e apostólica, disso havendo sido suficientemente certificados em nossos corações e consciências cristãs pela graça do Espírito Santo, a mais aguda e extrema necessidade exige que em presença de tantos erros irrompidos, escândalos, dissensões e prolongadas divisões haja uma explanação e reconciliação cristã de todas as discussões surgidas que esteja bem fundamentada na palavra de Deus, e à luz da qual se reconheça qual a doutrina pura e qual a adulterada.” Sabemos que não é a simples concordância nas verdades bíblicas que salva, mas Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 53
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a confiança nestas verdades do evangelho e a confissão desassombrada das mesmas”. (Rm 10.9; Lc 12.8; At 19.18)
A busca do verdadeiro ecumenismo na prática Nesta área, cabe-nos testemunhar continuamente, visando à edificação do corpo de Cristo e o verdadeiro ecumenismo. Vejamos alguns exemplos:
1. Em relação a nossos vizinhos e amigos Ouve-se com frequência: Todas as religiões são boas. Podemos silenciar diante desta afirmação? Não. Cabe-nos mostrar, com amor, o que é a igreja e quem são os verdadeiros discípulos de Cristo. Se vós permanecerdes na minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos: e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará. ( Jo 8.31-32) Nunca nos daremos por satisfeitos com a separação das igrejas, encarando-a como um fato histórico definitivo. Devemos deixar claro para as pessoas que nos rodeiam, porque estamos separados, não por tradições, mas por causa da Palavra e da sua interpretação. Esta tarefa deve ser realizada não somente em nível de cúpula 54 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
das igrejas, mas também no diálogo individual entre os familiares, vizinhos e amigos. Cumpre-nos confessar a verdade em amor. Por exemplo: Se tu tens conhecimento da doutrina pura, mas segues doutrina falsa ou até te filias a uma comunidade que professa doutrinas falas, então estás pecando contra a doutrina, contra a verdade para a qual Deus abriu teus olhos e teu coração. Por outro, não devemos esquecer que há milhares de sinceros cristãos que não só pertencem a igrejas errôneas, mas também as seguem e defendem fervorosamente as falsas doutrinas, porque foram enganados, como por exemplo doutrinas erradas com respeito ao batismo, à Santa Ceia, ao ministério, etc. Eles o fazem por falta de um conhecimento melhor, por fraqueza, por não possuírem o verdadeiro conhecimento. Eles estão em pecado, mas por fraqueza e falta de conhecimento. Se seus olhos fossem abertos, eles largariam e condenariam seus falsos mestres. A nós, que conhecemos a verdade, cabe confessá-la aberta e publicamente em amor. Não devemos condenar precipitadamente uma pessoa por causa da doutrina falsa ou por pertencer uma igreja cristã que ainda tem muitos erros de doutrina, pois eles são errantes. Talvez
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esta pessoa, aos olhos de Deus, seja mais conceituada do que nós. Lembremos o centurião de Cafarnaum. (Mt 8.5-13) Ele não pertencia ao povo de Israel e não tinha ainda o claro conhecimento das doutrinas. Ele procurou a Jesus. E Jesus disse à multidão: Em verdade vos afirmo que nem mesmo em Israel achei fé como esta. Digo-vos que muitos virão do oriente e do ocidente e tomarão lugares à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos céus. Ao passo que os filhos do reino serão lançados para fora, nas trevas; ali haverá choro e ranger de dentes. (Mt 8.11-12) Da mesma forma o Centurião Cornélio, homem piedoso e temente a Deus com toda a sua casa, que tinham um conhecimento de Deus do Antigo Testamento, mas buscava conhecê-lo melhor. Deus lhe enviou o apóstolo Pedro. (At 10)
2. Sal e luz da terra Vós sois o sal da terra. (Mc 5.13) Vós sois a luz do mundo. (Mt 5.14) Pois outrora éreis trevas, porém, agora sois luz no Senhor; andai como filhos da luz porque o fruto da luz consiste em toda a bondade, e justiça, e verdade, provando sempre o que é agradável ao Senhor. E não sejais cúmplices nas obras infrutíferas das trevas; antes, porém,
reprovai-as. (Ef 5.8-11) Estas passagens tratam do testemunho cristão através da vida. Nos primeiros séculos, quando os cristãos foram cruelmente perseguidos, a divisa entre cristãos e incrédulos estava claramente traçadas. Os “filhos da luz” resplandeciam por seus frutos da fé. Eles não se tornavam cúmplices das “obras infrutíferas” dos pagãos. Cristãos resplandeciam por sua vida santificada. A fé se comprovou na vida diária e não se abalava, nem diante das ameaças do martírio. Em nosso meio, a divisa entre cristãos e pagãos está praticamente apagada. A pregação do evangelho, sem a confirmação da vida santificada dos fiéis é perturbada e desacreditada. Não que as obras sejam a causa eficiente da fé, esta é somente o evangelho, mas a vida não santificada ofusca a Palavra. Como “sal da terra” cabe-nos mostrar ao mundo o que é e o que não é da vontade de Deus. Vejam, num país como o Brasil, onde 90% da população se denomina cristã, como foi possível, nossos juízes aprovarem a lei dando aos casais gays o direito de adotar crianças; quando as leis de adoção eram bem rígidas. E os cristãos não levantaram sua voz unânimes contra tal aberração, que vem em prejuízo das crianças. Lutero em seu tempo, ao ver aberrações Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 55
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quer praticadas pelas autoridades ou pelo povo, levantou sua voz. Suas cartas às autoridades, a príncipes, a pastores e seus sermões, tanto pobres como ricos, com respeito à justiça social, dão testemunho disso.
3. Presente nas tribulações. Outro ponto é fazer-nos presentes junto aos atribulados, angustiados e atingidos por catástrofes. Permitam citar um exemplo: O pastor Herbert Hörlle de Brasília voltou cansado para casa após um dia de muito trabalho. Já era escuro. Tirou a gravata, sentou na sala e ligou a televisão. Ouviu então a notícia, do falecimento trágico do filho de um militar, que foi enterrado à tardinha. Ele indagou a si mesmo: Será que esta pessoa ouviu hoje uma palavra de consolo? Levantou e disse para a esposa: Vou dar nossos pesamos a ele, ele reside aqui perto, e foi. A pessoa que o atendeu na porta lhe disse: Não é um bom 56 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
momento. Ele está muito cansado. — Mas só quero dizer uma palavrinha para ele. O militar veio. Começaram a falar. O pastor foi convidado para entrar e no fim da conversa o militar lhe disse: Muito obrigado. Foi muito confortador. Nos próximo cultos ele se fez presente. — Precisamos estar ao lado dos que sofrem, pois temos palavras de consolo, podemos ser luz para eles.
Conclusão Muito poderia ser dito ainda a este respeito. A diferença entre abordagem numa ação evangelística e num diálogo. Importa pedir a Deus que nos conceda sabedoria, coragem e as palavras apropriadas para nossa ação, como o apóstolo Paulo o fez. (Cl 4.2-6).
Rev. Horst R. Kuchenbecker é pastor emérito da Igreja Evangélica Luterana do Brasil em São Leopoldo-RS.
Salvação do meio ambiente
Doeu demais o coração ao caminhar pelas águas poluídas do rio Areia, minguadas pela seca. Elas deságuam no rio Rolante bem nos fundos da casa de minha mãe — que ainda mantém-se razoavelmente preservado graças à consistência do leito pedregoso. Enquanto a cidade asfalta ruas, pavimenta calçadas, cobre avenidas, enfeita jardins, esquece o mais importante. Cedo ou tarde terá um acidente vascular por este colesterol jogado de forma irresponsável no sagrado leito onde corre o sangue do planeta. O que acontece na minha terra natal é mais que um descaso político e social. É um problema espiritual, um pecado que afronta o dono de tudo. Uma desgraça planetária. Vejo aqui a oportunidade de juntar duas datas, o Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho) e o Domingo da Trindade (3 de junho) para ao menos mexer com a consciência cristã. Sobretudo quando o Salmo 29 da liturgia diz que “a voz do Senhor é ouvida sobre as águas; o glorioso Deus troveja”. Se a humanidade tapou os ouvidos e escuta apenas o que vem do seu coração — a voz da soberba, da ganância, da destruição, da ignorância — surge a voz de Jesus no Evangelho deste Domingo (João 3.117): “Eu afirmo que isto é verdade: ninguém pode entrar no Reino de Deus se não nascer da água e do Espírito”. Mais adiante, as célebres palavras que apontam para a fonte desta água pura: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu único Filho, para que todo aquele que nele crer não morra, mas tenha a vida eterna”. A crença no Deus Pai, Filho e Espírito Santo não tira o compromisso com a vida da natureza, sobretudo das águas. Mesmo na esperança de “um dia o Universo ficar livre do poder destruidor que o mantém escravo e tomar parte na gloriosa liberdade dos filhos de Deus” (Romanos 8.21), ou seja, a completa despoluição e regeneração, ainda assim permanece a lei ambiental do jardim onde corria um rio de águas cristalinas: cuide com carinho deste lugar (Gênesis 2.15). Rev. Marcos Schmidt — Novo Hamburgo, é pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil
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Aconselhamento
Rev. Martinho Rennecke
O Pastor Equipando leigos como aconselhantes de pessoas
U
ma breve análise histórica nas igrejas tradicionais pode demonstrar que ainda não se alcançou um equilíbrio sólido e sadio entre o papel do pastor e dos leigos na função de aconselhamento. Analisando o assunto sob alguns pontos de vista eclesiológicos e epistemológicos, pode-se iluminar o papel dos leigos no exercício legítimo de sua fé, através do amor ao próximo; também se deverá dignificar o papel do pastor, como um dom de Deus à Igreja para capacitá-la a viver sua missão no mundo, não como concorrentes ou excludentes, mas como complementares. O pastor tem grande responsabilidade diante do sacerdócio cristão e pode estimular como também prejudicar o desempenho do sacerdócio geral dos crentes. Em vista disso, se faz necessário refletir brevemente sobre o assunto. É muito, por fim, importante abordar a questão das crises pessoais sob a ótica psicológica e ter-se em 58 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
mãos alguma forma breve de aconselhamento disponível para que leigos possam exercê-la.
A função do pastor na consolação entre leigos Aos pastores que poderiam se alarmar com uma ênfase no sacerdócio de todos os crentes, o pietista Philipp Jakob Spener (1635-1705), em seu livro Pia Desideria, publicado em 1675, na parte final lembra: Nenhum pastor será prejudicado se os membros de sua comunidade exercitarem esse sacerdócio universal. Uma das razões pelas quais o pastor não pode fazer tudo é porque se sente muito fraco e sem apoio. É incapaz de fazer tudo o que deve ser feito para a edificação de muitas pessoas, confiadas ao seu cuidado pastoral. Todavia, se os sacerdotes leigos fazem a sua parte, o pastor, (...) sente-se apoiado e fortalecido para rea-
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lizar suas obrigações e seus atos pastorais. Assim, o fardo não será tão pesado.1 O pastor tem grande responsabilidade diante do sacerdócio cristão. Pode estimular como também pode prejudicar o desempenho dos sacerdotes. O pastor pode prejudicar o sacerdócio real quando cede à tentação de assumir todas as tarefas pessoalmente. Essa tentação é intensificada pela pressão exercida pelo que se poderia denominar de culto à eficiência. Tudo precisa ser bem organizado e bem dirigido. Espera-se que o mesmo aconteça na igreja. Como o pastor foi treinado para isto, as tarefas acabam ficando com ele. Muito pastor fica absorvido pela burocracia, esquecendo-se de que a igreja é regida pela pregação do evangelho, que é coisa bem diferente de burocracia paroquial ou sinodal. Juan J. Muller, ex-missionário luterano no Chile, chama a atenção para este perigo: A obra, lamentavelmente, vai ficando para trás, porque os responsáveis têm-se envolvido em outros negócios, por vezes até na simples defesa do ministério pastoral, como se isso
fosse o mais importante dentro da igreja, e não o mobilizar de toda a igreja para realizar a missão do povo de Deus. (...) Como seus pastores indiretamente colaboram para que os crentes enterrem seus talentos, seja não lhes dando a oportunidade ou não os despertando de sua sonolência.2 Outro problema, num tempo de acentuado materialismo, é o surgimento do conceito de pastorado como profissão. Os pastores — assim se pensa — são contratados para fazer o serviço. Os leigos entendem que sua responsabilidade se esgota em pagar o pastor. Trabalho da igreja passa a ser, então, aquilo que os pastores fazem, pagos pelos leigos. Com isto o sacerdócio fica atrofiado. Na sua época Lutero já criticava os 2 Juan J. MÜLLER, Missão e contato com outras denominações cristãs, p. 88.
1 Apud Vilson SCHOLZ, A Igreja como Sacerdócio Real, p. 13. Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 59
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pastores por sua omissão: Temo, porém, e acredito que tudo isso é, em grande parte, culpa nossa, dos que somos pregadores, pastores, bispos e cura d’alma, uma vez que deixamos as pessoas sem que se emendem, não os exortamos, não incitamos, não admoestamos, como o exige nosso ministério. E ficamos roncando e dormindo tão seguros como eles, e não pensamos mais longe do que: quem vem, vem; quem não vem, que fique de fora.3 A ênfase extrema na importância do conhecimento em detrimento da prática, da teoria sobre a práxis, teve reflexos profundos na estrutura educacional teológica, tanto nos conteúdos como na forma. Howard J. Clinebell, conselheiro pastoral, no capítulo sobre treinamento de leigos para seus ministérios de assistência ressalta este ponto: “Além disso, à maioria dos pastores não se mostrou no seminário a importância crucial de treinar (...) leigos, nem tampouco aprenderem eles as habilidades de supervisão necessárias para tal”.4 3 Martinho LUTERO, Exortação ao Sacramento do Corpo e Sangue do Nosso Senhor, p.256. 4 Howard J. CLINEBELL, Aconselhamento Pastoral: modelo centrado em libertação 60 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
Da mesma forma Lothar Carlos Hoch, renomado teólogo luterano da área da Prática, na sua obra O Ministério dos Leigos: Genealogia de um Atrofiamento, fazendo uma análise da prática educacional em sua Igreja, a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, IECLB, e que se pode estender a outras denominações evangélicas, critica o pastorcentrismo por trás desta prática: “o modelo de formação acadêmica que está por trás das mesmas até hoje não privilegiou a perspectiva da comunidade no seu fazer teológico”.5 A influência da filosofia grega presente no pastorcentrismo é tão forte que mesmo quando se repassa a responsabilidade aos leigos, há uma tendência de repetir neles o mesmo processo, como alerta David J. Bosch, professor de missiologia na África do Sul, em sua magistral obra Missão Transformadora: Mudanças de Paradigma na Teologia da Missão: “É necessário dizer, portanto, enfaticamente que a teologia do laicato não significa que os leigos devam ser treinados para tornar-se ‘minipastores’”.6 e crescimento, p. 385. 5 Lothar C. HOCH, O Ministério dos Leigos: Genealogia de um Atrofiamento, p. 266. 6 David J. BOSCH, Missão Transformadora: Mudanças de Paradigma na Teologia
Aconselhamento
Hoch, em seu artigo Psicologia a serviço da libertação: possibilidades e limites da psicologia na pastoral de aconselhamento, avança nos critérios e entende que “nem se deveria falar de um aconselhamento pastoral e, sim, de um aconselhamento comunitário”;7 e no outro artigo é mais contundente e afirma: “os que exercem o ministério da pregação devem estar sujeitos com sua doutrina ao parecer dos ouvintes”.8 A função dos clérigos não deve ser remover ou concentrar o trabalho do povo de Deus na suas mãos, mas, ao contrário, espalhá-los através do método mais natural que se conhece, ou seja, capacitando a cada um e multiplicando tarefas. Clinebell também entende que “agentes leigos de poimênica podem e deveriam partilhar com a pastora a responsabilidade por esse importante e exigente ministério”.9 David K. Switzer, capelão conselheiro da Southern Methodist University, Dallas, Texas, em sua obra The Minister as Crisis Counselor, vê mais eficiência neste método: da Missão, p. 564. 7 Lothar C. HOCH, Psicologia a Serviço da Libertação: possibilidades e limites da psicologia na pastoral de aconselhamento, p.264. 8 Id., O Ministério dos Leigos..., p. 263. 9 Howard J. CLINEBELL, op. cit., p. 179.
“Se tivermos competência na área do cuidado pastoral, nosso tempo e energias serão mais bem usados na seleção, treinamento e supervisão de leigos para compartilhar o ministério”.10 Hoch ressalta com propriedade, em diversos artigos seus publicados pela IECLB, sua preocupação crescente com a prática do sacerdócio geral quando direciona bem o papel do pastor: “Poimênica é uma função eclesiológica. É o cuidado mútuo dos membros do corpo de Cristo”;11 ressalta no seu artigo sobre Comunidade Terapêutica que “a ideia do corpo de Cristo em I Co 12 dispõe a comunidade de tal forma que todos os seus membros se enriqueçam e se complementem reciprocamente. Esta é a base teológica da comunidade terapêutica. (...) o aconselhamento pastoral, (...) é uma função genuína da comunidade toda” e, a tarefa da pastora é “primordialmente contribuir para que o próprio povo de Deus assuma em suas mãos a causa que é dele mesmo”.12 10 David K. SWITZER, The Minister as Crisis Counselor, p. 272. “If we have competence in the pastoral care area (or any other, for that matter) our time and energies will be better spent in the selection, training, and supervision of lay persons to share this ministry”. 11 Lothar C. HOCH, Psicologia a Serviço..., p. 264. 12 Id., Comunidade Terapêutica: Em busca duma fundamentação eclesiológica do aconselhamento pastoral, p. 30. Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 61
Aconselhamento
Citando Paulo Freire, afirma: “ninguém se salva sozinho (...) só nos salvamos em conjunto”13 ou, como diz Walter Altmann, renomado pastor luterano com atuação marcante especialmente na América Latina, em sua obra Lutero e Libertação: “A rigor, todos são sacerdotes e todos, também os sacerdotes, são ‘leigos’, no sentido de pertencerem ao povo (laós, em grego) de Deus”.14 Neste sentido, o ministério do pastor depende em grande parte do ministério dos membros, especialmente da disposição dos mesmos em se colocarem a serviço. A igreja, por sua vez, para seu aperfeiçoamento, depende do ministério do pastor, carece do ministério pastoral, cuja função é pregar o evangelho e ser o guia, presidir o trabalho ou ministério da igreja. Scholz em seu artigo O Ministro, define com clareza e simplicidade esta relação: Isto significa que a igreja como um todo está encarregada da diakonia. Desde que foi ungido servo de Deus no batismo, cada cristão individualmente está comprometido com a diakonia. Não há cristão (“leigo”) sem ministério na igreja. Este 13 Id., Aconselhamento Pastoral e Libertação, p. 34. 14 Walter ALTMANN, Lutero e Libertação, p. 196. 62 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
é, na verdade o sentido amplo da doutrina do sacerdócio de todos os crentes: livre acesso a Deus (privilégio, “Gabe”), mas também compromisso de servir (responsabilidade, “Aufgabe”). A diakonia é essencialmente o ministério da reconciliação (2Co 5.1ss.), que não pode ser pura e simplesmente delegado a outrem. Os membros da congregação não ficam aliviados desta tarefa no momento em que chamam um pastor. A presença do pastor não priva a congregação de exercer seu ministério. Ao contrário, deve concorrer para que este ministério seja mais intenso e eficaz.15 É preciso deixar claro que o sacerdócio real não é uma simples informação que se guarda na memória, mas uma forma de vida que tem a ver com a realidade do cristão. Aperfeiçoar os santos para o desempenho de seu serviço é a função primordial do pastor e mestre ou, como diz Switzer: “A vida total da congregação será erguida pelo exemplo constante de um alto nível de ministério e pela presença em sua vida conjunta de pessoas que são crescentemente sensíveis a 15 Vilson SCHOLZ, O Ministro, p.41.
Aconselhamento
entre o testemunho missionário de cada cristão e o trabalho do missionário profissional precisa ser esclarecida. Cada pastor local torna-se, em algum sentido, um motivador e equipador para a missão na Igreja local, em suas iniciativas missionárias em casa e em sua participação na missão global da Igreja.17 outros seres humanos”.16 James A. Scherer, teólogo luterano, ao levantar suas quinze teses de reflexão missiológica na nova era missionária, é enfático neste sentido quando responde com uma de suas teses a pergunta “Quem é um missionário”: Nossa prática efetiva está suspensa em algum lugar entre o antigo conceito de profissionalismo e carreirismo missionários, por um lado, e, por outro, o ideal teológico do sacerdócio leigo, segundo o qual cada crente batizado é um ministro com Cristo e uma testemunha do Reino. (...) a relação funcional 16 David K. SWITZER, op. cit., p. 280. “The total congregational life will be lifted by the constant example of a high level lay ministry and by the presence in its whole life together of people who are increasingly sensitive to other human beings”.
Equipando leigos como aconselhantes de pessoas em crise No passado, Igreja e mundo se revezaram no comando das ações e, na maioria das vezes, como concorrentes. Recentemente tem se procurado entender que a igreja foi chamada a servir este mundo onde Deus se faz presente. O reino de Deus se move no mundo e a Igreja caminha por ele, procurando os seus sinais e manifestações; quando o encontra, no rosto do seu próximo, O serve, enaltecendo o outro e modificando a si mesmo, neste projeto de unidade e complementaridade. A Igreja e cada um são chamados a participar deste sofrimento de 17 James A. SCHERER, Evangelho, Igreja e Reino, p. 181. Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 63
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Cristo no próximo, carregando as cargas uns dos outros e as suas crises. Quanto mais se conhecer as crises mais se conhecerá o outro e suas aspirações, e mais se conhecerá a si mesmo. Esta foi provavelmente uma das razões porque Lutero trocou a fórmula da espiritualidade medieval que era: oratio, meditatio e contemplatio, por: oratio, tentatio e meditatio. Nestas ocasiões pode-se descobrir o significado da graça de Deus e o verdadeiro sentido das relações com o outro e consigo. Para tanto se fazem necessários alguns passos terapêuticos, certa postura no trato com as crises para que a poimênica possa cumprir sua função de práxis do evangelho, aconselhando e curando para a vida, libertando o homem da necessidade concreta de suas respectivas condições de vida. O Reino de Deus vem muito antes e se faz presente no mundo, cuja missão é encarnar o Seu amor às pessoas em suas necessidades. Neste contexto a Igreja é chamada a participar e se expor aos povos com suas culturas e religiões, criticando os aspectos de alienação, mas caminhando com solidariedade, se esvaziando e compartilhando dores e crises. Com isso a Igreja se modifica, cresce, se transforma. Este é o chamado 64 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
de cada um que participa da Igreja e que é convidado a participar dela. Hoch, em sua palestra A crise pessoal e sua dinâmica: Uma abordagem a partir da Psicologia Pastoral, fazendo uma análise das chances do pastor no aconselhamento de pessoas em crise, lembra que no ocidente durante muito tempo a Igreja detinha quase o monopólio ao acompanhamento de pessoas em crise. Algumas causas porque isto não acontece mais hoje, talvez seja a falta de qualificação adequada para o exercício de cura d’almas diante das novas necessidades vividas pelas pessoas hoje; também a não valorização do aconselhamento como aconselhamento espiritual, segundo a tese de que todas as crises no seu cerne são crises religiosas.18 Quanto mais se conhecer as crises, mais se conhecerá o outro e suas necessidades e aspirações. Como estas crises se manifestam e quando, ajuda a identificar pessoas que estão urgentemente necessitando da encarnação do amor de Deus em suas vidas. Nestes momentos pode-se descobrir o significado da graça de Deus e o verdadeiro sentido das relações com o outro e consigo. Como 18 Lothar C. HOCH, A crise pessoal e sua dinâmica: Uma abordagem a partir da Psicologia Pastoral, p. 5.
Aconselhamento
diz Hoch, na sua obra A cura como tarefa do aconselhamento pastoral: “muitas vezes o verdadeiro milagre não consiste tanto no fato de acontecer uma cura sensacional, mas no fato da pessoa aflita receber força para carregar a sua cruz com dignidade e esperança. (...) Prefiro, por isso mesmo, caracterizar a presença pastoral junto aos que sofrem como ministério de solidariedade na fraqueza”.19 Os passos terapêuticos, certa postura do aconselhador, têm como objetivos a integração e a potencialização do indivíduo, recentralizando sua imagem de valor e poder, na nova comunidade de interpretação e ação. Nesta caminhada, não sem crítica á tradição herdada, vai assumir a responsabilidade de cidadão em melhorar a vida do povo.
Conhecendo as crises A informação é extremamente importante para se ter a perspectiva certa da situação e para ordenar um plano aceitável de ação; o processo onde cada um conta seu caso é um procedimento sensível para restaurar a correta perspectiva e ajudar o indivíduo a recolocar sua experiência dentro do contexto. Clinebell 19 Id., A cura como tarefa do aconselhamento pastoral, p. 20.
localiza a crise dentro das pessoas, quando suas usuais atividades destinadas a solucionar problemas são ineficazes, permitindo que o estresse de necessidades não satisfeitas aumente sem parar.20 Switzer entende assim também, que a crise não é necessariamente inerente à situação externa em si, “a própria crise é a reação interna ao evento externo, e eventos que podem ser muito ameaçadores para alguns podem não ser para outros”.21 Falando sobre as origens das crises ele as caracteriza como ansiedade, recriminação e um frequente senso de fracasso pessoal e culpa; uma combinação de um tremendo impacto emocional junto com a diminuição da habilidade de ver os problemas claramente e lidar com eles. Aqui começa frequentemente a falência do seu próprio mundo pessoal, perda de identidade, onde a mesma é muitas vezes baseada nas relações comunitárias: “A pessoa em crise é alguém que começou a perder a perspectiva, sente-se ansioso e desamparado, frequentemente deprimido e inútil, sem esperança, cujo futuro 20 Howard J. CLINEBELL, op. cit., p. 180. 21 David K. Switzer, op. cit., p.46. “the crisis itself is the internal reaction to the external event, and events that may be very threatening for some may not be for others”. Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 65
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parece ser impedido, que perdeu a visão até mesmo de algo do próprio passado”.22 Hoch ao citar os dois tipos fundamentais de crises, de desenvolvimento e as emergenciais ou acidentais, salienta que estas últimas não se caracterizam por um estado prolongado e crônico de sofrimento pessoal, mas de uma crise reativa a uma circunstância súbita.23 Em crises e perdas, as pessoas muitas vezes se defrontam com sua fome espiritual, com o vazio de suas vidas e com a pobreza de seus valores e relacionamentos. Neste sentido uma crise pode se tornar um momento decisivo, uma oportunidade de crescimento, em que as pessoas se afastam ou se aproximam de uma maior força e integralidade da personalidade. Este momento deve ser valorizado e tratado com o devido respeito e consideração que envolve uma oportunidade desta. Isto não significa que se deva dar início a uma terapia extensa; antes, classificar e tentar identificar a confusa situação dando andamento ao processo 22 Ibid., p. 268. “The person in crisis is one who has begun to lose perspective, feel anxious and helpless, often depressed and worthless, frequently without hope, whose future seems to be blocked out, who even has lost sight of some of his own past.” 23 Lothar C. HOCH, A crise pessoal..., p. 2. 66 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
de vida que foi afetado por alguma condição adversa. A leitura de livros sobre temas de crises se torna muito importante neste assunto de conhecer melhor as crises e seus aspectos. A entidade luterana “Hora Luterana” produz pequenos livretos que analisam brevemente algumas crises mais frequentes na sociedade brasileira e dão alguns encaminhamentos. Alguns dos livretos mais importantes são: Estresse, Como Superar a Depressão, Como Vencer a Solidão, Vencendo as Drogas, Bebida, alegria ou problema, Mães Sozinhas, Estamos Separados, e Agora? Combatendo o Abuso Sexual, A Família e a Aids, Procurando Emprego, A Violência Familiar, O Luto, Ser feliz no Casamento, Crises e Conflitos, O Privilégio de Envelhecer. Hoch, citando a obra Crisis Counseling de Howard W. Stone, identifica os quatro momentos
Aconselhamento
duma crise. O primeiro é o evento precipitador ou o estímulo externo que desencadeia o processo. O segundo momento resulta da percepção do evento como ameaça. Na terceira fase a pessoa faz um levantamento de recursos disponíveis para enfrentar a crise. Por último, se dá o desencadeamento da crise, que poderá ser de maior intensidade ou menor, dependendo das fases anteriores. Destaca uma afirmação importante de que a crise emergencial é uma reação normal, mas que existem pessoas que perdem completamente a noção dos fatos, agem como se as coisas não estivessem acontecendo com elas. Algumas pessoas se tornam dependentes, tornando-se inclusive, mais influenciáveis. Por outro lado, existem pessoas calejadas no manejo das crises, tornando-se esteios para outras pessoas em situação semelhante.24 Concordando que na maioria dos casos as crises ajudam as pessoas a crescerem, Hoch concluiu com um alerta de que se use cautela em afirmações como: “Sua crise vai passar logo e depois você estará melhor do que está hoje”.25 Clinebell chama atenção que 24 Apud Ibid., p.2,3. 25 Lothar C. HOCH, A crise pessoal, p.5.
“como aconselhadores pastorais, nós precisamos pôr os óculos do crescimento, que nos tornam capazes de ver e de afirmar as potencialidades dadas por Deus às pessoas”.26 Hoch também salienta que “o papel do conselheiro consiste em ajudar a pessoa a recuperar os fragmentos de esperança que ainda existem no recôndito de sua alma e dos quais ela talvez não tenha consciência, visando juntá-los como brasas dispersas em meio às cinzas e, assim, reacender a chama da vida”.27 Carl Ferdinand Wilhelm Walther, teólogo luterano, em sua obra Lei e Evangelho, em sua oitava tese orienta neste sentido, que “a palavra de Deus não é aplicada corretamente quando a lei é pregada aos que já estão atemorizados em relação a seus pecados, ou quando o evangelho é pregado aos que vivem tranquilamente em seus pecados”.28 Falando da pessoa do conselheiro, é importante salientar o que Switzer diz sobre o poder da palavra falada; ele a vê como um ato da pessoa toda, um reflexo do que se é, uma unidade de linguagem e personalidade: “aconselhar é este tipo de relacionamento presente, passado-presente, e futuro-presente, estabele26 Howard J. CLINEBELL, op. cit., p. 53. 27 Lothar C. HOCH, op. cit., p. 6. 28 C. F. W. WALTHER, Lei e Evangelho, p. 26. Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 67
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cido e repassado pelo uso de palavras faladas”.29 Isto torna importante a pessoa do aconselhante no processo de crise de uma pessoa e não apenas as palavras ou orientações com passos a seguir. Switzer aponta quatro considerações importantes para que o aconselhante possa utilizar mais efetivamente as técnicas de intervenção. Ele deve estar situado e envolvido com uma comunidade específica, onde possa ser facilmente achado; precisa estar disponível, pois a importância do imediato acesso à pessoa necessitada no tempo da crise é enfatizada por vários profissionais da área em atuação. Outro fator importante é a mobilidade do aconselhante; um ministro consciencioso e dedicado tem um modelo: visita as casas, conhece novas pessoas e abre portas para o aconselhamento. Por último ressalta a flexibilidade, não necessitando aplicar automaticamente as formas, os símbolos, ritos e sacramentos; o direito de intervir na vida de outro não pode ser baseado nas normas tradicionais, mas na habilidade de ajudar. Envolve também responsabilidade inicial29 David. K. SWITZER, op. cit., p. 63. “counseling is this kind of present, past-present, and future-present relationship, established and expedited by the use of spoken words.” 68 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
mente consigo próprio, olhando para seu próprio crescimento, cura e relacionamentos significativos, para depois então, poder oferecer a outros. Por fim conclui dizendo que: “nós precisamos poder utilizar o poder simbólico de nosso papel, mas sem (...) explorar as pessoas com isto”.30 Conhecer o outro e suas limitações também é ver-se a si mesmo nestas condições. Portanto, é preciso conhecer os aspectos das crises e como se manifestam, para, com alguma orientação, poder ajudar o próximo nestas condições; assim ele terá um momento de superação, de potencialização de si mesmo tornando-o mais capaz de viver esta vida e, por sua vez, ajudar o outro.
Uma forma breve de ajuda a pessoas em crise Entendendo como um dos objetivos do aconselhamento à pessoas em crise, o alívio dos sintomas e a continuidade do aconselhamento, visando a sua integração a uma comunidade terapêutica de solidariedade, é importante a análise de uma 30 Ibid., p. 66-71. “we need to be able to utilize the symbolic power of our role, but without (...) exploiting people with it”.
Aconselhamento
forma breve de ajuda que seja disponível para conselheiros não profissionais como leigos de comunidades religiosas. Hoch ressalta que a miséria de muitas pessoas, no contexto latino-americano, não permite que se opere com uma proposta terapêutica de longo prazo e centrada no indivíduo, mas um aconselhamento com objetivos em curto prazo, sensível e levando em conta a dimensão comunitária presente no povo.31 A convivência, além do diálogo, pode trazer à tona os verdadeiros motivos da crise. Nem sempre as palavras que levam a certa racionalização podem traduzir os sentimentos e motivações profundas pelas quais uma pessoa está passando. Um relacionamento terapêutico cresce na medida em que o aconselhante se aplica no sentido de estar com a pessoa aflita. Isso significa concentrar-se em ouvir, e responder com uma empatia solícita. Walther, em sua última tese, fecha com chave de ouro seus conselhos sobre o uso da Palavra: “A palavra de Deus não é aplicada corretamente quando aquele que ensina a palavra de Deus não permite que o evangelho tenha predomínio geral neste seu 31 Lothar C. HOCH, A cura..., p. 23.
ensino”.32 Clinebell salienta esta mesma preocupação de evitar procedimentos precipitados: “aconselhadores inexperientes deveriam evitar pensar em soluções para os problemas dos aconselhandos, concentrar-se em vez disso, em compreendê-los e estar com eles solicitamente em seu mundo interior”.33 Neste sentido já encaminha alguns passos que podem ajudar a evitar esta precipitação. Deve-se evitar fazer perguntas de informação além do necessário, fazendo perguntas sobre os sentimentos e respondendo a eles, observando a emoção da voz, do rosto e da postura. Observando não apenas ao conteúdo intelectual pode-se evitar interpretações e conselhos prematuros.34 Switzer coloca sete itens como condições básicas para um efetivo aconselhamento. Em primeiro ressalta a necessidade de uma empatia acurada, do início ao fim. O conselheiro precisa perceber e sentir o que a outra pessoa está sentindo, e comunicar de forma verbal ou não, de que ele está emocionalmente onde o outro está. O fator seguinte é o respeito pelo aconselhando, como alguém que 32 C. F.W.WALTHER, op. cit., p.90. 33 Howard J. CLINEBELL, op. cit., p. 74. 34 Ibid., p. 81. Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 69
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está vivendo um momento decisivo que pode lhe trazer crescimento de suas potencialidades. O terceiro aspecto importante é a concretude, ou seja, definir bem com exemplos, qual exatamente é o sentimento sobre o qual está falando, para evitar mal-entendidos. Os dois pontos seguintes são a genuinidade e a transparência de si mesmo ao cliente. Isto envolve uma habilidade de utilizar sentimentos negativos para ajudar a explorar mais o relacionamento; ele entende que um alto índice de defensividade é uma característica de baixo nível de genuinidade. O aspecto do desclausuramento ou transparência de si mesmo envolve o conselheiro em revelar sua personalidade como ele é, tornando-se mais humano ao aconselhando, repartindo importantes aspectos de sua vida. A confrontação é o outro aspecto ressaltado onde a discrepância pode ocorrer entre a intuição e a ação do 70 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
cliente, ou entre o seu próprio conceito e o seu ideal, ou ainda entre a sua experiência e a do conselheiro. Estas questões podem ser trabalhadas de forma clara e sem agressões, através de questionamentos diretos e indiretos. Por último, ele ressalta o aspecto da imediaticidade experimentada entre o aconselhante e o aconselhando, nesta experiência presente de relações mútuas com impactos em ambos.35 Com respeito a modelos de ajuda breve, Clinebell sugere alguns passos para a sua efetivação. A empatia e a catarse emocional são os primeiros passos; depois a mobilização de recursos latentes e uso de métodos alternativos; em seguida as ideias e sugestões seguidas de estímulo à autoconfiança. Por fim a possibilidade de retorno e o encaminhamento ao profissional especializado.36 35 David K. SWITZER, op. cit., p. 74-76. 36 Howard J. CLINEBELL, op. cit., p. 190, 191.
Aconselhamento
Switzer amplia e aprofunda este caminho através do método A-B-C conforme resumido a seguir. Ele entende que três áreas de necessidades na crise definem a intervenção: a percepção distorcida do paciente, as fortes emoções envolvidas que precisam ser redirecionadas e a distinção entre os modelos terapêuticos do mais adequado ao cliente dentro de suas circunstâncias. O modelo ABC consiste em: Ativar o contato, Buscar o essencial do problema e Conduzir o enfrentamento do problema através de recursos do cliente.
Ativar o contato (1) estabelecer um relacionamento de confiança pela demonstração ativa do interesse do conselheiro, encorajando as pessoas a contarem sua história. (2) identificar o problema atual e o evento que o precipitou, através de perguntas como: porque está aqui? O que espera de mim? O que aconteceu nas últimas duas semanas? O que é novo na sua situação de vida? (3) Catarse, que pode ser iniciada com certas afirmações como ‘você está prestes a chorar’, ‘você me parece muito mal’, ‘o que você está sentindo quando fala sobre isto’. Se na catarse sentimentos negativos forem dirigidos contra o conselheiro ou atitudes negativas
formarem uma barreira, precisam ser reconhecidas, conversadas e resolvidas antes de continuar. Certas emoções são projetadas como um filme na tela, parecendo ser direcionadas contra o conselheiro, porém são na verdade lembranças de relacionamentos passados com outras pessoas. Sabendo disso podemos usar estes sentimentos como uma ponte para um novo passo.
Buscar o essencial do problema Focalizar a crise atual, auxiliar a pessoa a ser honesta consigo mesma; procurar mover a conversa sempre de volta ao presente, ressaltando emoções atuais, relacionamentos, frustrações e conflitos presentes.
Conduzir o enfrentamento do problema Decisão e ação é o objetivo de todo o procedimento. Para tanto se faz necessário: (1) Um inventário das soluções para o problema como auxílios comunitários, agências especializadas, AA, etc... Além disto é necessário explorar possibilidades de cura usadas no passado pelo cliente (pela primeira vez enfatizar o passado), estimulando a busca de forças interiores. (2) Decisão por Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 71
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alguma ajuda ou método, sendo que a sugestão do conselheiro sempre vem por último; o conselheiro é um mero estimulador, “a regra de ouro para o terapeuta em intervenção de crise é fazer para os outros o que eles não podem fazer para si de nenhuma forma”.37 (3) O valor do relacionamento pessoal é enfatizado neste ponto, além de reconstruir relações desfeitas. (4) Por último, articular os novos aprendizados, o que se aprendeu de tudo isto, bem como utilizar estas novas forças para resolver outros problemas no futuro.38 Hoch falando sobre a dinâmica das crises também ressalta bem esta ênfase: por maior que seja a crise que uma pessoa esteja enfrentando, é necessário que ela assuma a sua parcela de responsabilidade na solução do problema. Cabe a nós a arte de motivá-la para isso, de ganhar a sua adesão. Isso fará bem para ela, pois se sentirá orgulhosa e valorizada por ter participado do processo e fará bem para nós terapeutas e curadores para evitar que ali37 Davi K. SWITZER, op. cit., p.95. “the golden rule for the therapist in crisis intervention is to do for others that which they cannot do for themselves and no more”. 38 Ibid., p. 78-100. 72 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
mentemos nossa vaidade e nossas fantasias de onipotência.39 Como identificar pessoas em crise usando, por exemplo, os meios de comunicação, passos práticos que possibilitem a não profissionais como os leigos de comunidades religiosas, visitarem pessoas em crise, poderia ajudar em muito atender a crises. O aconselhamento pode se constituir numa ponte entre a Igreja e uma considerável parcela de pessoas que está afastada dela ou decepcionada com a mesma. Muitas igrejas hoje estão paradas ou estão até perdendo seus membros porque elas não encontram formas eficazes de se fazerem presente na vida de seu povo em momentos de sofrimento, de dor, de conflitos e de perdas. Pessoas que não experimentam a solidariedade da Igreja em situações cruciais de sua vida acabarão duvidando da capacidade desta mesma Igreja de ser solidária com elas. Participar da mesa do Senhor implica partilhar também do sofrimento daqueles com quem se comunga. Cuidar bem do outro faz bem a todos os membros. Igreja verdadeira é aquela igreja que é solidária, onde um consola o outro, caso contrário, 39 Lothar C. HOCH, A crise..., p. 8.
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não passa de farisaísmo, tão condenado pelo Senhor. A Igreja vai onde o povo está! É fundamental sermos uma igreja confessional, sim, mas que vai ao encontro das necessidades das pessoas. Rev. Ms. Martinho Rennecke — Caxias do Sul-RS — é pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil e coordenador do Projeto Macedônia — CxP 195, 95.001-970 (projetomacedonia@terra.com.br).
Bibliografia ALTMANN, Walter. Lutero e Libertação. São Leopoldo: Sinodal, São Paulo: Ática, 1994. 352 p. BOSCH, David J. Missão Transformadora: Mudanças de Paradigma na Teologia da Missão. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2002.690 p. CLINEBELL, Howard. Aconselhamento Pastoral: modelo centrado em libertação e crescimento. 2. ed. São Leopoldo: Sinodal; São Paulo: Paulinas, 1987. 427 p. HOCH, Lothar C. A crise pessoal e sua dinâmica. Uma abordagem a partir da Psicologia Pastoral. Palestra proferida em São Leopoldo, RS, 2000. 8 p. _______A cura como tarefa do aconselhamento pastoral. In: Prática Cristã — Novos Rumos, São Leopoldo: Sinodal/IEPG, p.17-28. Aconselhamento pastoral e libertação. Estudos Teológicos. São Leopoldo: Escola Superior de Teologia, v. 29, n. 1, 1989, p. 17-40. _______Algumas considerações teológicas e práticas sobre a pastoral de aconselhamento. Estudos Teológi-
cos. São Leopoldo: Escola Superior de Teologia, v. 20, n. 2, 1980, p. 88-99. _______Comunidade Solidária (Visitação). Série Visitação, n. 04, São, Leopoldo, EST. Ano 1991. 12 p. _______Comunidade Terapêutica: Em busca duma fundamentação eclesiológica do Aconselhamento Pastoral. In: ABAC (Ed.) Fundamentos Teológicos do Aconselhamento. São Leopoldo: Sinodal, 1988. p. 21-33. _______O ministério dos leigos: genealogia de um atrofiamento. Estudos Teológicos, São Leopoldo: Escola Superior de Teologia, v.30, n.3, 1990. p.256-272, _______Psicologia a serviço da libertação: possibilidades e limites da psicologia pastoral de aconselhamento. Estudos Teológicos. São Leopoldo: Escola Superior de Teologia, n. 25, v. 3, 1985, p. 249-270. MÜLLER, Juan J. Missão e contato com outras denominações cristãs. In: A Missão de Deus diante de um Novo Milênio, Porto Alegre: Concórdia, 2000. p. 76-89 LUTERO, Martinho. Exortação ao Sacramento do Corpo e Sangue do Nosso Senhor. In: Pelo Evangelho de Cristo. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 1984. p.253-285 SCHERER, James A. Evangelho, Igreja e Reino. Estudos Comparativos de Teologia da Missão. São Leopoldo: Editora Sinodal/EST IEPG, 1991. 204 p. SCHOLZ, Vilson. A igreja como Sacerdócio Real. Igreja Luterana, ano 47, n. 2, São Leopoldo, Seminário Concórdia, p. 5-17, 1988. O Ministro. Igreja Luterana, ano 45, n. 1, São Leopoldo, Seminário Concórdia, 1985, p.17-52. SWITZER, David K. The Minister as Crisis Counselor. Nashville: Abingdon Press, 1974. 288 p. WALTHER, Carl F.W. Lei e Evangelho. Porto Alegre: Concórdia S.A., 1977. 92 p.
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Liderança Leiga
Rev. Leandro D. Hübner
O Espírito Santo, a Liderança Cristã e o sacerdócio universal de todos os crentes
N
este pequeno ensaio queremos refletir um pouco sobre o papel do Espírito Santo na liderança cristã e no sacerdócio universal de todos os crentes, aplicando isto ao nosso contexto de Igreja Evangélica Luterana do Brasil. Para tanto, veremos o que dizem alguns autores sobre os temas principais (liderança e sacerdócio universal), bem como alguns textos bíblicos relacionados ao Espírito Santo e sua relação com o tema proposto.
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1. Sacerdócio Universal de Todos os Crentes O sacerdócio real de todos os crentes, doutrina bíblica que nos diz que cada cristão batizado é um sacerdote real de Cristo, está firmada especialmente no texto de 1 Pedro 2.9: Mas vocês são a raça escolhida, os sacerdotes do Rei, a nação completamente dedicada a Deus, o povo que pertence a ele. Vocês foram escolhidos para anunciar os atos poderosos de Deus, que os chamou da escuridão para a sua maravilhosa luz (NTLH), além de Apocalipse 1.5-6. Porém, como muitas outras, esta também foi uma doutrina que acabou obscurecida pelo desvio da Igreja Cristã da Palavra de Deus durante a chamada Idade Média. E, assim como Martinho Lutero redescobriu o Evangelho e a salvação pela fé em Cristo, na Reforma do século XVI, ele trouxe à luz também esta preciosa verdade descrita em 1 Pedro 2.9.
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Sobre isto lemos no volume 7 das Obras Selecionadas de Lutero: É notória a redescoberta do sacerdócio dos crentes por Lutero. Já na sua preleção sobre a Carta aos Romanos (1515/16), ele faz alusão a ele. Quatro anos depois, em “Um Sermão a respeito do Novo Testamento, isto é, a respeito da Santa Missa” (1520), refere-se literalmente ao sacerdócio dos crentes! Em seguida, em “À Nobreza Cristã da Nação Alemã, acerca da Melhoria do Estamento Cristão” (1520), aprofunda a questão. Perante a postura anti-Reforma de Roma, Lutero assevera o sacerdócio dos crentes como veículo da Reforma da Igreja. A vivência do Batismo desencadeia a renovação da Igreja em doutrina e prática.1
como diz Cristo em Jo 61.45: “Sereis todos instruídos por Deus”, e Salmo 44 [sc. 45.71]: “Deus te ungiu com o óleo da alegria como a nenhum dos teus semelhantes”. Esses companheiros são os cristãos, irmãos de Cristo, que com ele estão ordenados sacerdotes, como também diz Pedro, em 1Pe 2[.9]: “Vós sois sacerdócio real, para que proclameis os benefícios daquele que vos chamou das trevas para sua maravilhosa luz.”2
Além das referências de Lutero ao assunto citadas acima, neste mesmo volume 7 das obras de Lutero temos uma palavra dele sobre o sacerdócio real: Por isso ninguém pode negar, que cada cristão tem a Palavra de Deus e foi instruído e ungido por Deus para ser sacerdote,
É interessante também ver o que nos diz Johannes Rottmann sobre o sacerdócio real e a origem deste termo: “O Novo Testamento claramente classifica todos os servos de Cristo como sacerdotes reais. ... A fim de que já no início haja entendimento mútuo do sentido deste termos, preciso constatar que na língua grega a palavra “sacerdote” — “hieréus” significa “administrador de coisas sagradas”. É o mesmo sentido que a palavra “sacerdote” tem em nossa língua. A palavra “real” é no grego “ba-
1 Obras Selecionadas de Martinho Lutero, v.7, p. 75.
2 Obras Selecionadas de Martinho Lutero, v. 7, p. 31. Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 75
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síleion”, derivado de “basiléus”, rei, monarca, alguém que possui autoridade de um rei. Ser “sacerdote real” significa, portanto, possuir autoridade régia de administrar as coisas sagradas de Deus. ... Os servos redimidos de Cristo são sacerdotes reais.”3 (26) Desde o momento em que recebemos a fé em Cristo, pelo batismo ou pelo ouvir a Palavra de Deus, nos tornamos sacerdotes reais de Deus, pois naquele momento o Espírito Santo nos uniu a Cristo e nos fez sacerdotes de Cristo, tanto homens como mulheres, sem distinções (Mt 23.8, Gl 3.26-28). Sendo sacerdotes reais, recebemos pela graça de Deus o perdão pleno, a vida e a salvação em Cristo e podemos com confiança chegar diante de Deus (Hb 10.1922), como diz Rottmann: Ser sacerdote significa que o servo redimido de Cristo, na sua totalidade, também é sacerdote e pode entrar, sem medo, no Santo dos Santos, isto é, pode e deve diariamente estar face a face com Deus, em diálogo com ele e em oração.4 3 Servos de Cristo, p. 26. 4 Servos de Cristo, p. 35. 76 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
Como sacerdotes chamados e capacitados pelo próprio Deus (1Pe 2.5), somos incumbidos de grandes privilégios e responsabilidades, tais como: oferecer-nos completamente ao Senhor (Rm 12.1ss.), ouvir a Palavra sempre (Cl 3.16), proclamar o Evangelho e batizar (1Pe 2.9, 3.15, Mt 28.18-20), ofertar ao Senhor para o trabalho do Reino (2Co 8 e 9, Fp 4.18), orar pelo mundo (1Tm 2.1-2), louvar a Deus (Cl 3.16, Hb 13.15-16), chamar pastores (At 14.23), admoestar-nos mutuamente (Gl 6.1-3), servir a Deus no casamento e na criação dos filhos (1Pe 3.1,7, Ef 6.4), entre outras. Concluímos esta breve reflexão sobre o sacerdócio real dos crentes citando o pastor Leopoldo Heimann, que resume bem o tema: Além de Pedras Vivas e Raça Eleita, os leigos também são e recebem o terceiro título: Sacerdotes do Rei Jesus. E como Sacerdotes do Rei Jesus, sacerdotes santos ou sacerdotes dedicados a Deus, os cristãos leigos oferecerem sacrifícios espirituais agradáveis a Deus (1 Pedro 2.5). Como sacerdotes espirituais — não como um cargo ou função hierárquica
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na Igreja — os leigos também reinam com Deus no Reino de Deus, e triunfam sobre o pecado, a morte e Satanás. Podem, agora, dirigir-se diretamente a Deus, o Senhor, o Salvador e Rei, sem mediadores ou sacerdotes, como no Antigo Testamento. Podem dirigir-se ao Pai, tendo um só Mediador; Jesus Cristo, o Sumo Sacerdote! O livro de Apocalipse (capítulo 16) confirma este conceito e aponta para sua finalidade: Jesus Cristo fez de nós um reino de sacerdotes a fim de servirmos ao seu Deus e Pai. 5
2. Liderança Cristã Há várias definições sobre liderança e o que é um líder. Podemos dizer, tentando uma definição derivada delas, que liderança é uma posição de responsabilidade, visando levar um grupo a alcançar uma meta proposta, e que liderar é ter a habilidade de influenciar pessoas para trabalharem entusiasticamente visando atingir os objetivos identificados como sendo para o bem comum. Não é nosso propósito neste ensaio detalhar os tipos de liderança e 5 Os Leigos da Minha Igreja, p. 69.
as qualidades esperadas de um líder, mas podemos dizer que os modelos bíblicos de liderança, como Moisés, Neemias, Paulo, e é claro, Jesus, são as fontes principais para buscarmos essas qualidades desejáveis em um líder cristão. Podemos resumir a liderança bíblica, especialmente no caso de Paulo e Cristo, como “liderança de serviço”. Quando falamos de liderança cristã, pensamos principalmente de líderes cristãos atuando em suas congregações e igrejas, mas também de sua influência na comunidade e sociedade em que vivem. Para J. Oswald Sanders, liderança espiritual é uma mistura de qualidades naturais e espirituais. Até mesmo as qualidades naturais não são oriundas do indivíduo, mas de Deus e, portanto, Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 77
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alcançam maior efetividade quando empregadas no serviço de Deus, e para sua glória.6 O líder cristão tem muitas qualidades e habilidades comuns aos líderes não cristãos. O diferencial é justamente a fé cristã e a orientação do Espírito Santo. Aqui citamos novamente Sanders:
A liderança natural e a espiritual têm muitos pontos em comum, mas, há alguns aspectos em que elas podem diferenciar-se totalmente. Vê-se isto melhor quando suas características dominantes são comparadas entre si, como no quadro abaixo:
6 Liderança Espiritual, p. 21.
Líder natural Autoconfiante Conhece aos homens Faz suas próprias decisões Ambicioso Origina seus próprios métodos Gosta de comandar os outros Motivado por considerações pessoais Independente
Líder espiritual Confia em Deus Conhece também a Deus Procura a vontade de Deus Humilde Encontra e segue os métodos de Deus Delicia-se em obedecer a Deus Motivado pelo amor a Deus e aos homens Dependente de Deus Liderança Espiritual, p. 22.
Concordamos com Sanders também quando ele diz que outras qualificações para a liderança espiritual são desejáveis, mas ser cheio do Espírito Santo é indispensável7, conforme lemos em Atos 6.3. E o que é estar cheio do Espírito? Novamente Sanders diz: Estar cheio do Espírito, então, é ser controlado pelo Espíri7 Liderança Espiritual, p. 69. 78 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
to. O intelecto, as emoções, a vontade, as forças físicas, tudo fica em disponibilidade para o Espírito, para que se atinjam os propósitos de Deus. Sob seu controle, os dons naturais de liderança ficam santificados e elevados à sua maior potência. ... A obra toda, realmente, não é outra coisa senão o fluir do Espírito Santo através de vidas
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entregues e cheias (Jo 7.3739).8 Para nós luteranos está muito claro como o Espírito Santo vem a nós e controla nosso viver e também o líder cristão: através da Palavra e dos Sacramentos. Isto não quer dizer que seremos cristãos e líderes perfeitos, pois ainda somos pecadores e o próprio Espirito de Deus precisa nos ajudar na luta diária para afogar o velho homem em nós e deixar o novo homem, criado e guiado pelo Espírito, dominar todo nosso ser. Em vista disso, o líder cristão pre8 Liderança Espiritual, p. 72.
cisa ter mais um grande diferencial em relação a outros líderes: saber e crer que o centro da Palavra de Deus, da doutrina cristã e de sua fé pessoal é Jesus Cristo e sua salvação e, junto com isso, saber e crer que Deus fala e age em sua Palavra e em nossa vida com Lei e Evangelho. É através de Cristo que o Espírito Santo vem a nós, na Palavra e Sacramentos, e é através da Lei e Evangelho que o Espírito opera em nossos corações, produzindo arrependimento e fé, guiando, corrigindo e orientando nosso viver, fortalecendo em nós a nova vida que temos em união com Cristo. O líder cristão, seja ele pastor ou leigo, guiado e fortalecido pelo Espírito Santo na Palavra e Sacramentos, vai então servindo a Deus na sua vocação, posição social e lugar onde Deus o colocou e, ao mesmo tempo, procura também aperfeiçoar-se em sua liderança, com todos os recursos e formas possíveis e agradáveis a Deus. Pensando nisto, concluímos esta seção com as palavras do pastor Leopoldo Heimann: O leigo e o pastor, no exercício de seus ministérios na Igreja, precisam se aperfeiçoar e capacitar ao longo da vida para serem reconhecidos como líderes verdadeiros, consagrados e Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 79
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responsáveis para guiar o povo de Deus de minha Igreja. Além do significado dos diversos termos empregados nas traduções bíblicas tradicionais, o líder, na linguagem de nossa sociedade, é uma pessoa que governa, comanda, chefia, guia, orienta e capacita os liderados na profissão em que ele estiver atuando. O líder é de fato um guia, um condutor, um chefe, um governador, um orientador e um professor que prepara e conduz um grupo na sociedade e na profissão em que vive. Também na minha Igreja.9
O sacerdócio universal de todos os crentes, como vimos, constitui-se de todos os cristãos batizados e integrados à família da fé, a família do Deus triúno. Entre esses sacerdotes alguns tornam-se líderes ou recebem funções de liderança no Reino de Deus, tanto líderes chamados de pastores como os chamados líderes leigos. Heimann nos mostra que
tanto os líderes pastores como os líderes leigos servem ao ministério da Palavra: Numa visão teológica mais profunda, porém, é possível afirmar que, na realidade, existe apenas um ministério na Igreja. É o Ministério da Pregação da Igreja (Predigtamt). Engloba todas as finalidades e atividades da Igreja — o anúncio da Palavra de Deus e administração dos Santos Sacramentos do Batismo e da Santa Ceia. O Ministério Pastoral (Pfarramt) é uma subordem dentro da ordem maior da Igreja, e é uma função especial exercida pelos cristãos pastores da Igreja. O Ministério Sacerdotal (Priesteramt) é uma subordem dentro da ordem maior, a Igreja, e é uma função geral exercida por todos os cristãos leigos da Igreja. Os dois ministérios, dentro da mesma Igreja, são inseparáveis. E os dois são absolutamente necessários para cumprir o ministério maior: O Ministério da Pregação da Igreja. Pastor e leigo em conjunto, realizam a missão da Igreja.10
9 Os Leigos da Minha Igreja, p. 144.
10 Os Leigos da Minha Igreja, p. 51.
3. O Sacerdócio Universal, a Liderança e o Espírito Santo
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Leigos e pastores servem juntos a Deus para levar a Palavra ao mundo, realizando a missão deixada a nós por Jesus (Mt 28.18-20, At 1.8, et alli). Nesta obra é necessário haver liderança e organização, mas sem que isto signifique uma hierarquia que leva à opressão ou à omissão de qualquer cristão, como nos diz Rottmann: Como podemos exercitar o sacerdócio real hoje? ... Somos sacerdotes; individualmente sacerdotes! Sacerdócio real coloca cada um, leigo, pastor, homem e mulher, jovem e velho em uma posição de responsabilidade direta e pessoal perante Deus. Ser sacerdote real também hoje significa ser servo do Santo dos Santos, ser servo do Deus vivo. E isto diretamente: não numa hierarquia, em que se pode colocar a responsabilidade sobre o que nós é hierarquicamente superior, em que um pode esconder-se atrás das costas do outro. Cada um, tu e eu, homem e mulher, esposo e esposa, pastor e leigo, somos chamados a entrar no Santo dos Santos e dialogar com Deus e servir a Cristo.11
Para esta obra, seja como líderes ou liderados, pastores ou leigos, somos capacitados e guiados pelo Espírito Santo de Cristo. E o pastor, por causa de seu ofício, preparo e função, tem um papel fundamental em nutrir e guiar o povo de Deus na vida do Espírito, como nos diz Caemmerer: A igreja é uma comunhão em que cada membro busca edificar o irmão com os recursos interiores do Espírito de Deus. Mas a carne também busca a comunhão; ela também intercomunica a falsificação da vida e o desejo do diabo. Na igreja, por isso, uns devem lembrar aos outros de Cristo: 1Pe 4.1-2. O ministério do pastor leva os cristãos a cultivar a vida do Espírito em vez da vida da carne, a fim de produzir esta distinção do mundo que é primária no testemunho cristão aos de fora; este ministério age capacitando homens para capacitar homens.12
11 Servos de Cristo, p. 39.
12 Feeding and Leading, P. 93.
Somos nutridos, fortalecidos e guiados no Espírito de Cristo para melhor testemunhar nossa fé em Cristo ao mundo. Como dissemos antes, isso acontece através da
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vocação própria de cada cristão e dos dons que cada um recebe de Deus, sendo o pastor o servo encarregado por Deus para ajudar os cristãos a descobrir, desenvolver e usar seus dons na Igreja e em suas vocações, como afirma Caemmerer, Há duas grandes estruturas para o crescimento que trabalham simultaneamente na igreja cristã: os dons do Espírito, e as vocações cristãs. O pastor deve ser principal dirigente e implementador desses dons do Espírito; ele deve ser um treinador para levar a efeito o propósito do cristão ao trabalhar em sua vocação 13 Todos os dons do Espírito e o seu uso tem a ver com o nutrir da fé cristã 13 Feeding and Leading, p. 39-40.
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e com a edificação da fé e da vida do povo de Deus, como também diz Caemmerer14. E, assim como a fé salvífica, também esses dons são dados unicamente por Deus, de graça e segundo o seu querer: Aos assim libertados, aos remidos do Senhor, concedeu então estes dons gratuitos. Porém é mister notar: assim como nada podiam fazer para serem libertados , assim também nada podiam fazer para obter os dons da graça. São dádivas inteira e livremente dadas. Esta verdade deve ser dita àqueles que de uma ou de outra maneira, com maquinações entusiásticas, querem, por assim dizer, forçar o Espírito Santo a lhes dar um 14 Feeding and Leading, p. 40.
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determinado dom com o qual querem então fazer alarde e gloriar-se a si mesmos. Não nos enganemos: o Espirito Santo não pode ser forçado; se ele o dá, fá-lo livremente.15 É o Espírito de Cristo que dá e distribui a fé e os dons, como nos ensina Paulo em 1 Coríntios 12. Não se pode força-lo nem condicionar sua obra a caprichos ou desejos humanos, mas simplesmente devemos aceitar com alegria os dons que Ele nos concede, usando-os da melhor maneira para o crescimento do Reino, o benefício do próximo e a salvação de muitos. Novamente, para essa doação e uso dos dons do Espírito, necessitam as pessoas ouvir o Evangelho e receber os Sacramentos. Por isso, como diz Caemmerer, falando de 1Co 12, Neste grande capítulo sobre os dons do pneuma celestial, nós achamos irresistível crer que o apóstolo está pensando no diretor do trabalho da igreja como uma pessoa que serve a seu propósito somente enquanto mantém o vento de Deus, o Espirito Santo, soprando dentro da vida espiritual e do coração do povo a fim de que eles cheguem 15 Servos de Cristo, p. 51.
ao seu destino e cumpram o propósito para o qual Deus os coloca juntos na igreja. O Espírito de Deus, entretanto, age somente quando Ele fala aos corações dos homens de Jesus, e continua repetindo lá o que o próprio Jesus afirmou diante deles a respeito de Sua obra redentora; o pastor leva seu povo a ouvir e falar esta Palavra.16 É o Espírito Santo que vai despertar líderes, como despertou Paulo e Lutero, por exemplo, e vai, através da Palavra e Sacramentos, capacitá-los, guia-los e usá-los na obra da Igreja de Cristo. Assim, podemos concordar que Aquele que foi chamado por Deus para a liderança pode, confiantemente, ter certeza de que o Espírito Santo o dotou com os dons espirituais exigidos, porque o propósito destes dons é qualificar seu possuidor para aquele ministério específico ao Corpo de Cristo, que lhe foi atribuído pelo próprio Espírito. É digno de nota que nenhum dos dons espirituais relaciona-se diretamente ao caráter; visam, principalmente, o 16 Feeding and Leading, p. 43. Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 83
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serviço.17 Nem sempre os líderes chamados por Deus queriam ser lideres, como Moisés e Jeremias, que pediram que Deus escolhesse outro para a tarefa, ou como Jonas, que chegou a fugir para não assumir a missão confiada a ele pelo Senhor. Mas, como diz Sanders acima, a quem Deus chama Ele também capacita e guia na missão ou tarefa designada. Em nossa IELB — Igreja Evangélica Luterana do Brasil — não é diferente. Vemos Deus chamando e capacitando lideranças em todos os níveis — congregações, distritos, entidades, escolas, comissões, conselho diretor e diretoria nacional. Estes líderes, pastores e leigos, são treinados e aperfeiçoados pelo Espírito Santo, tanto formalmente, em cursos, concílios, congressos, treinamentos, simpósios, pós-graduação e aperfeiçoamento para pastores e outras formas, como informalmente, no trabalho nas congregações, nas vocações de cada um e na experiência adquirida através dos anos. Nossa liderança, além de atuar dentro das estruturas da IELB, também é usada por Deus em outros setores, sejam ligados à igreja, como a Sociedade Bíblica do Brasil, onde te17 Liderança Espiritual, p. 73. 84 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
mos os pastores Rudi Zimmer, Erní Seibert, Mário Rost, Vilson Scholz, Paulo Teixeira e outros, que se destacam em suas funções e cargos, como em outros não ligados diretamente à igreja, como o senhor Gilcler Regina, na área de palestras e treinamento de equipes, o senhor Decio Dalke, na literatura, o senhor Ônix Lorenzoni e vários outros, Brasil afora, na área política, bem como capelães militares e em muitas outras áreas e setores. Em tudo isso, creio que é muito claro qual o desejo de Deus, através do seu Espírito: aperfeiçoar e guiar todos esses líderes, onde quer que estejam, para leva-los a cada vez mais e melhor servir a Cristo e testemunhar do Evangelho, com voz e vida, para influenciar pessoas e conduzi-las também ao Salvador Jesus. Em meio a tantas “lideranças” evangélicas em nosso país, que se dedicam a promover a si mesmas e às suas denominações, visando muitas vezes o aumento dos números financeiros acima de tudo, e dizendo-se portadores (às vezes até “comandantes”!) do Espírito Santo de Deus, é válido e necessário refletir sobre qual é a verdadeira obra e desejo do Espírito. Sem dúvida, fazendo boa hermenêutica bíblica, podemos afir-
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mar que através de líderes e cristãos consagrados, o Espírito de Deus tem um grande e principal desejo e objetivo: que as pessoas sejam levadas a conhecer, confiar e crer em Jesus Cristo como seu único e perfeito Salvador, para receber dele perdão, vida e salvação eterna. Em outras palavras, o Espirito Santo quer sempre apontar para Cristo e não para si mesmo, e muito menos para pessoas, por mais brilhantes ou carismáticas que pareçam ser.
Conclusão Queremos concluir essa reflexão tentando sintetizar e reafirmar tudo o que acima foi dito, dizendo que: o Espírito Santo chama, ilumina e congrega os cristãos através do Evangelho, reunindo-os como Igreja Cristã. Esta recebe de Deus o Ministério da Palavra, realizado por todos os cristãos como sacerdotes reais de Cristo, que������������������������ são�������������������� guiados e alimentados na Palavra e Sacramentos pelos ministros da Palavra (pastores), e liderados também por pessoas chamadas e capacitadas pelo Espírito Santo para serem líderes dentro e fora da Igreja. Tudo isso visando um fim grandioso — levar Cristo para todos que pudermos alcançar e trazer todos que tivermos alcançado a
Cristo e à família de Deus, para que sejam iluminados pelo Evangelho e integrados ao Corpo de Cristo, recomeçando assim o ciclo: O Espírito Santo chama, ilumina e, etc., para que muitos sejam salvos. É para isto que o Espírito Santo chama sacerdotes reais de Cristo, vocaciona pastores e mestres e desperta líderes leigos em nossa IELB: para comunicar a Vida e assim acolher e integrar cada vez mais gente ao povo salvo de Deus. Assim, que Deus nos conceda ser instrumentos úteis, em qualquer função ou posição que estivermos dentro e fora da Igreja, guiados, capacitados e fortalecidos sempre pelo seu Espírito Santo, para levar Cristo a todos! Amém.
Rev. Leandro Daniel Hübner — Rio Branco-AC, pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil.
Bibliografia CAEMMERER, Richard R. Feeding and Leading. St. Louis, Concordia Publishing House, s.d. HEIMANN, Leopoldo. Os leigos da minha igreja. Porto Alegre, Concórdia, Canoas, Ed. ULBRA, 2009. LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas, v.7. Darci Drehmer, ed. Porto Alegre, Concórdia, São Leopoldo, Sinodal, 2000. ROTTMANN, Johannes H. Servos de Cristo. Porto Alegre, Concórdia, 1982. SANDERS, J. Oswald. Liderança Espiritual. São Paulo, Mundo Cristão, 5.ed., 1995. Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 85
Rev. Otávio A. Schlender
Santa Ceia
Dignidade e proveito da
Santa Ceia uma análise de 1Co 11.23-29
Resumo
Introdução
A presente pesquisa faz uma análise do texto de 1 Coríntios 11.2329, que narra a instituição da Santa Ceia em um contexto prático. Tendo o seu fundamento em autores luteranos, a mesma pretende ressaltar que as bênçãos que a Ceia concede provêm das palavras de Cristo que garantem a Sua presença real no pão e no vinho e que os mesmos são dados e derramados em favor do crente para perdão dos seus pecados, vida e salvação. A pesquisa também contemplará a questão sobre dignidade e indignidade por parte de quem recebe o Sacramento, com vistas, acima de tudo, a deixar claro a todos os cristãos que a dignidade encontra-se fora deles, unicamente em Cristo Jesus, que instituiu tal Sacramento e quer que seja celebrado em sua memória.
m meu estágio, realizado em São Luís do Maranhão, fui surpreendido por uma situação pastoral bastante intrigante. Na ocasião, fui enviado para uma visita à casa de uma senhora que vinha esporadicamente aos cultos. No começo ela demonstrava bastante resistência e certo incômodo com a minha presença ali. Felizmente, aos poucos, ela foi adquirindo confiança e as minhas visitas pastorais se tornaram mais frequentes. Contou-me que há cinco anos deixara de ir aos cultos — salvo em dias especiais — e também à Santa Ceia, devido a uma briga com a sogra. A igreja interpretou que a grande culpada era a nora, taxando-a de rebelde, e a sogra ficou com todo apoio da mesma. Inevitavelmente, o sentimento de rejeição sobreveio a ela, e muito pouco foi
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E
Santa Ceia
feito para tratar o caso. À medida que a sua história era contada a mim, aparentemente ela demonstrava arrependimento pelas suas atitudes. No entanto, os ressentimentos com relação à sogra continuavam em seu coração. Esse caso me levou a rever e estudar as visões teológica e pastoral da Igreja Evangélica Luterana do Brasil pertinentes à Santa Ceia. Essa mulher estava correta em não participar da Ceia? Qual o valor da Ceia do Senhor e seu proveito? Quem é digno e bem preparado para participar dela? De que maneira o cuidado pastoral para com os fracos e os que estão em pecado é desempenhado? O objetivo da presente pesquisa é
apontar para o valor do Sacramento do Altar, em sua instituição e prática, bem como ressaltar o proveito que o cristão apreende ao participar do mesmo, a partir de uma análise de 1 Coríntios 11.23-29. A escolha da perícope se baseia no fato de ela estar inserida em um contexto prático, onde os problemas com relação à Ceia, no que se refere a sua forma, teologia e prática foram trabalhados pastoralmente por Paulo. O trabalho é dividido em dois capítulos, onde se buscam contemplar os principais aspectos e dar as devidas ênfases teóricas e práticas do tema. No primeiro capítulo é feito uma análise do relato da instituição da Santa Ceia, conforme 1 Coríntios
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Sacramento. A pesquisa não tem a pretensão de esgotar o tema, mas ressaltar os benefícios que advêm da participação da Ceia do Senhor. O trabalho tem por base uma pesquisa bibliográfica fundamentada no texto original e em uma literatura secundária pertinente ao assunto.
1. Os benefícios da Santa Ceia: uma análise de 1Co 11.23-26
11.23-26. As expressões “Isto é o meu corpo; o meu sangue”, bem como “dado por vós” são expressões-chave que dão todo o fundamento para a compreensão dos benefícios oferecidos ao cristão no Sacramento do Altar. No segundo capítulo se analisa a segunda parte da perícope, 1 Coríntios 11.27-29, onde se trata da dignidade e indignidade quando se participa da Ceia do Senhor. Depois de destacar as questões exegéticas pertinentes, se procura dar as diferentes ênfases no trabalho pastoral, no que se refere ao estímulo a que o cristão faça uso sempre frequente do 88 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
Das principais passagens neotestamentárias sobre a Ceia do Senhor ( Jo 6, 1Co 10.16-21, Mt 26.26-29, Mc 14.22-25, Lc 22.19-20), no que se refere à sua natureza, conforme a prática da Igreja Cristã, a presente passagem é considerada a mais informativa e também a mais antiga.1
1.1. Uma Leitura do Contexto A mente humana, como chama atenção Lutero, extrapola nas formas e jeitos quando busca cultuar a Deus, passando a estabelecer leis que geram seitas e dissidências. Quanto 1 ������������� CARSON, D. A;��������������� MOO, Douglas J;������ MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. Traduzido por Márcio Loureiro Redondo. São Paulo:Vida Nova, 1997. p. 315.
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maiores e múltiplas forem essas formas, mais e mais o ser humano tende a se afastar do sentido real da verdadeira adoração a Deus. Essas leis, infelizmente, chegaram até à Eucaristia já na época dos Coríntios e puderam ser percebidas ao longo da história da igreja por meio da forma como ela foi entendida e praticada.2 No entanto, o Sacramento segue o caminho inverso, pois provém de Deus. É o próprio Senhor Jesus quem estabelece e determina a forma como quer dar o seu presente amoroso e, por conseguinte, ser adorado e louvado pelos cristãos. Com isso ele acaba com todas as formas de leis que distorcem o culto e a Santa Comunhão. A imatura igreja de Corinto se perdeu nesse engano. Estava distante do sentido e forma como a Santa Ceia havia sido celebrada pela primeira vez por Jesus e seus discípulos. Elementos e formas pagãos do culto grego foram introduzidos na hora do partir do pão e a simplicidade característica da primeira ceia ganhou formas características dos grandes banquetes helênicos, onde 2 ��������������������������������� LUTERO, Martinho. Um Sermão a respeito do Novo Testamento, Isto é, a respeito da Santa Missa. In: Obras Selecionadas.Volume 2. Comissão Interluterana de Literatura. São Leopoldo/Porto Alegre: Sinodal/Concórdia, 2000. p. 256.
imperavam as diferenças entre ricos e pobres, sem contar os excessos com respeito ao vinho e o pão. Morris comenta sobre isso: Além disso, parece claro que era uma refeição à qual cada um dos participantes levava comida. Refeições comuns desse tipo, em que os ricos compartilham com os pobres, às vezes ocorriam nas religiões pagãs, onde eram chamadas eranoi. Por algum tempo, houve na igreja primitiva, em associação com a Santa Comunhão, uma refeição denominada ágape, ou “festa de amor” (2Pe 2.13; Jd 12). Mas, em Corinto, o que se fazia era um arremedo do amor. Os coríntios não chegavam sequer aos padrões dos pagãos. Cada qual colocava diante de si as suas provisões, e se punha a comê-las. Na verdade, comia antes do seu vizinho, o que dá descrição de uma contenda indigna, ou talvez de alguns que, tendo levado comida, começavam impacientemente a comer antes da chegada de outros (muitas vezes os escravos não podiam chegar cedo).3 3 MORRIS, Leon C. I Coríntios: Introdução e Comentário. São Paulo: Vida Nova, 1983. (Cultura Bíblica, v. 7). p. 126. Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 89
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Diante da crise em Corinto, o apóstolo Paulo é movido a esclarecer o que realmente significava a Santa Ceia. Tais atitudes equivocadas na hora da comunhão culminavam em vergonha e desdenho para com a casa de Deus (1Co 11.17-22). Tão logo Paulo situa o problema, ele retorna ao principal, à base de tudo, à forma original que havia sido estabelecida pelo próprio Senhor, transmitida ao apóstolo e que agora se fazia necessário pregar: as palavras literais de Cristo.
1.2. Diferenças e semelhanças com outros relatos A narrativa sobre a Instituição da Ceia também está presente nos Evangelhos Sinóticos. O relato na primeira epístola aos Coríntios é considerado pelos comentaristas o mais antigo. Alguns estudiosos colocam esta carta entre os anos 51 e 55 d. C.4 Para Lockwood, os quatro relatos são muito semelhantes quanto a sua essência. Enquanto Mateus e Marcos representariam uma distinta forma da tradição, Paulo e Lucas representariam outra. As duas principais diferenças são: primeira, com respeito ao cálice, Mateus (26.28) e 4 CARSON, op.cit., p. 315. 90 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
Marcos (14.24) trazem “isto é o meu sangue, o sangue da nova aliança”, enquanto Paulo (1Co 11.25) e Lucas (Lc 22.20) trazem “este é o cálice da nova aliança no meu sangue”; segunda, Paulo (1Co 11.24,25) e Lucas (Lc 22.19) têm o imperativo “fazei isso em memória de mim”. Em Lucas (Lc 22.19) esse imperativo vem logo após o momento que Jesus oferece o pão, enquanto que em Paulo (1Co 11-26) logo após o vinho.5 Lockwood entende que o imperativo não está apenas em conexão com o pão, mas também com o cálice. Além disso, Paulo (1Co 11.26) acrescenta que os comungantes lembram o Senhor através da proclamação de sua morte até o dia bem-aventurado quando Cristo voltará. Dessa forma, Paulo estabelece uma ênfase especial sobre o tema da Santa Ceia como lembrança (avna,mnhsij, “memória”, 11.24-25) de Cristo, que será desenvolvido ao longo do trabalho.6
1.3. O Senhor toma o pão (11.23) O enfático Egw., “Eu” (1Co 11.23), é usado por Paulo para intro5 L OCKWOOD, Gregory J. Concordia Commentary — A Theological Exposition of Sacred Scripture: 1Corinthians. Saint Louis: Concordia, 2000. p. 388. 6 Idem, ibidem.
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duzir as Palavras da Instituição. Em contraste com o mau entendimento e abusos dos Coríntios, seu pai na fé (1Co 4.15) quer tirar fora todo engano que fazia com que recebessem de forma errada o corpo e sangue do próprio Senhor. Lenski trabalha esse ponto da seguinte forma: Com o enfático evgw: “Eu recebi... Eu vos entreguei”, Paulo contrasta a si mesmo com os Coríntios. O que eles receberam dele é diferente daquilo que agora estão praticando em Corinto.7
O que fica evidente é que o real sentido do Sacramento, o qual o apóstolo havia recebido da parte do Senhor, não estava compreendido na festa do amor, celebrada pelos Coríntios.10 Isso mostra que não está no ser humano, ou em qualquer lugar, como denominações religiosas, por exemplo, o poder e a autoridade de reivindicar como sua a Santa Ceia, que pertence exclusivamente ao Senhor. Ela não é fruto de sentimentos, pensamentos, opiniões, visões e teologias dos cristãos que decidem como o Sacramento deve ser.11
Duas vezes em 11.23 Paulo relembra os Coríntios usando ku,rioj, “Senhor”, mostrando que o banquete não era deles próprios, mas sim pertencia ao Senhor (contraste 11.20-21).8 Essa ênfase mostrava que as direções sobre a Santa Ceia deveriam ser aceitas sem questionamento.9
1.3.1. Isto é o meu corpo (11.24)
7 LENSKI, R. C. H. The Interpretation of St. Paul’s First and Second Epistles to the Corinthians. Minneapolis, Minnesota: Augsburg Publishing House, 1963. p. 461. “With the emphatic evgw: “I did receive… I did deliver to you,” Paul contrasts himself with the Corinthians. What they had received from him is different from what they are now practicing in Corinth”. 8 LOCKWOOD, op. cit., p. 388. 9 Idem, ibidem (ku,rioj, o Senhor, aparece ainda duas vezes em 11.27, e uma em
Ao longo da história do cristianismo o verbo evsti.n, compreendido no presente versículo, tem sido entendido de diversas maneiras através de fórmulas filosóficas como simbolismo, transubstanciação e consubstanciação, criadas pelos estudiosos a fim de explicar tamanho mistério.12 No entanto, para Lockwood: 32). 10 LENSKI, op. cit., p. 462. “The Agape is not a divine institution”. 11 LOCKWOOD, op. cit., p. 388. 12 CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado: versículo por versículo. Vol. IV. 1Coríntios, 2 Coríntios, Gálatas, Efésios. Guaratinguetá: A Voz Bíblica, [19..?].p. 180. Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 91
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Todas as tentativas a fim de evitar uma compreensão real pela reinterpretação do verbo evsti.n, “é”, para o sentido de “significa” ou “representa”, como se a comunhão dos elementos meramente simbolizasse uma realidade ausente, está longe do pleno sentido.13 Longe de tantas confusões e reflexões filosóficas, Lutero preferiu se ater às palavras de Jesus ditas sobre o pão de forma simples e literal. “Isto é o meu corpo, que é dado por vós” e também “este cálice é nova aliança no meu sangue” (1Co 11.24-25), não são palavras ambíguas, antes compreendem tamanho poder que o pão já não é mais simples pão nem o vinho simples vinho. No entanto, “é o verdadeiro corpo e sangue de nosso Senhor Jesus Cristo, em e sob o pão e o vinho”.14 Desse modo, tais palavras não podem ser trocadas ou tornadas como insignificantes. Cristo está identificando o pão como sendo o seu próprio corpo e o 13 LOCKWOOD, op. cit., 390: “All attempts to avoid a realistic understanding by reinterpreting the verb evsti.n, “is”, to mean “signify” represent,” as if the Communion elements merely symbolized Christ’s absent realities, flay in the face of the plains meaning”. 14 Catecismo Maior In: Livro de Concórdia, p. 487. 92 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
vinho como seu próprio sangue. Na verdade, o que ocorre é que Jesus está empregando a sinédoque, figura de linguagem que compreende a troca da parte pelo todo. Por isso o cálice que Jesus abençoa e oferece aos seus discípulos (Mt 26.27; Mc 14.23) não se refere apenas ao próprio cálice, mas especialmente ao vinho que está contido nele, que Ele identifica como sendo o seu sangue.15 Lockwood esclarece essa questão exemplificando: Um exemplo parecido de sinédoque é quando uma pessoa apresenta uma bolsa ou carteira e diz ‘isso é dinheiro’. Embora você veja apenas uma bolsa ou carteira, certamente elas contêm o dinheiro da pessoa. Mais importante que a bolsa é o dinheiro que ela contém. Da mesma forma com a Ceia do Senhor, o corpo do Senhor, que está ‘em e sob’ o pão, é a parte mais importante do todo (o pão é o seu corpo). O mesmo acontece com relação ao cálice que contém o vinho que é o sangue de Cristo, seu sangue é a parte mais importante.16 15 SASSE, Hermann. Isto é o meu Corpo. 2 ed. Traduzido por Mário Rehfeldt. Porto Alegre: Concórdia, 2003. p. 128. 16 �������������������������������� LOCKWOOD, p. 390. “A similar example of synecdoche is when a person
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Diante de palavras tão claras e simples, “isto é”, não é preciso adotar teorias absurdas que, inutilmente, tentam explicar tamanho mistério.17 Antes, no entanto, para concordar com as palavras do Senhor, é necessário somente tomá-las exatamente como elas estão colocadas, em fé. Isso significa crer que com o pão e o vinho o cristão também recebe o corpo e o sangue de Jesus. Obviamente que isso é um milagre que foge à razão humana. Lutero não entra em questionamento e apenas diz que se trata de uma “União Sacramental” que “pressupõe que o pão e o corpo, o vinho e o sangue podem existir juntos”.18 Pão e vinho já não são duas substâncias distintas, separadas do corpo e sangue, como na teoria da consubstanciação, mas, segundo a visão de Lutero, corpo e sangue são vistos de modo incompreensível, compreendidos no pão e no vinho, sustentado apenas pela shows a purse or wallet and says, ‘This is money’. Although you only see a wallet or purse, it actually contains the person money. More important than the purse is the money it contains. So with the Lord’s Supper, the Lord’s body, which is “in e under” the bread, is the more important part of the whole (the bread is his body). Likewise with the cup that contains the wine that is Christ’s blood, his blood is the most important part.” 17 SASSE, op. cit., p. 53. 18 Idem, p. 127.
fé.19 O pão sacramental comunica o corpo do Senhor dado em sacrifício “por vós” (11.24). A preposição u`pe.r, “por”, é geralmente usada em contextos que falam da compensação vicária de Cristo (Is 53.12; Rm 5.6,8; 1Co 15.3; 2Co 5.21; Gl 3.13; Jo 10.11; 11.51).20 Daí se conclui que o Sacramento é uma grande, visível e tangível forma do Evangelho. Ele confere aos crentes os benefícios dos sofrimentos e morte vicários de Cristo. Mueller explica da seguinte forma: O que o Senhor oferece na Santa Ceia é o seu corpo e o seu sangue sob o pão e o vinho e, com estes elementos santos, as bênçãos do Novo Testamento, estabelecidas pelo derramamento do sangue de Cristo. Na Santa Ceia, Cristo oferece, comunica, e sela ao homem, não bênçãos secundárias, mas a maior das bênçãos divinas, perdão dos pecados, vida, e salvação.21 19 Idem, ibidem. “Para Lutero, o pão é o corpo de modo incompreensível. A união entre o corpo e o pão não pode ser expressa em termos de qualquer teoria filosófica ou explicação racional. É questão de fé baseada unicamente nas palavras de Cristo”. 20 LOCKWOOD, op. cit. p. 391. 21 MUELLER. John Th. The Church at Corinth — A Picture of the True Church Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 93
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1.4. Em memória de mim (11.24-25) Jesus manda que os discípulos continuem celebrando o Sacramento: “Façam isso” (11.24-25). Dessa forma, a igreja tem um memorial (avna,mnhsij) perpétuo de seu Salvador. A antiga celebração da Páscoa, com o sacrifício de cordeiros nos rituais pertinentes, serviu como uma poderosa lembrança para o povo de Israel, com respeito ao livramento feito pelo Senhor quando ainda era escravo no Egito (Êx 12.14). Pelo que, participando da ceia pascal, as pessoas se tornavam os beneficiários daquele evento de redenção, que era estendido até mesmo às gerações futuras, que celebravam a páscoa na certeza de que “o Senhor nos tirou da casa da servidão; com mão forte nos tirou do Egito” (Êx 13.14, 16). O pano de fundo para a frase “evmh.n avna,mnhsin” (em memória de mim, 1Co 11.24-25) é sem dúvida a of To-Day. St. Louis: Concordia, 1928. p. 116. “What the Lord offers in Holy Communion is His body and His blood under to bread and wine, and with these holy elements the blessings of the New Testament, established by the shedding of Christ’s blood. In Holy Communion, Christ offers, conveys, and seals to man, not minor blessings, but the greatest of divine blessings, forgiveness of sins, life, and salvation”. 94 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
palavra hebraica “!ArêK’zIl.”, fundamentado no tradicional relato da Páscoa conforme Êx 12.14: “Este dia vos será por memorial [!ArêK’zIl.]... nas vossas gerações o celebrareis por estatuto perpétuo”. Encontramos a mesma palavra em Êx 13.9, em passagem semelhante: “E será como sinal na tua mão e por memorial entre teus olhos; para que a lei do Senhor esteja na tua boca; pois com mão forte o Senhor te tirou do Egito”.22 Para o povo de Israel, esta lembrança do êxodo e da páscoa era muito mais real e vívida do que simplesmente um recordar mental de 22 LOCKWOOD, op. cit. p. 392.
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eventos provenientes de um passado remoto. A primeira Páscoa pode ter acontecido há muito tempo, mas para cada nova geração ela acontece novamente como se fosse hoje. Sasse traz essa informação da seguinte forma: Apesar de a festa não poder mais ser celebrada de modo adequado, depois da destruição de Jerusalém, por ser a imolação dos cordeiros pascais um sacrifício, ainda é hoje, como o era para os judeus na diáspora do mundo antigo, o maior exemplo do que lembrança podia significar para o povo de Deus de outrora. Conservou viva a lembrança da grande atividade salvadora de Deus, a libertação de Israel da escravatura no Egito, o milagre que fez de Israel um povo.23 Essa ideia fica clara especialmente em Dt 5.2-3: “O SENHOR, nosso Deus, fez aliança conosco em Horebe. Não foi com nossos pais que fez o SENHOR esta aliança, e sim conosco, todos os que, hoje, aqui estamos vivos”. Lockwood, citando Von Rad, comenta: “A divina revelação no Sinai não é algo no passado, um assunto da história tão longe 23 SASSE, op. cit. p. 279-80.
como a presente geração a quem ela é endereçada tem compreendido. Ela é uma realidade presente, determinando a forma de vida do verdadeiro povo que a recebe... Dentro de uma forma de culto... atos de Deus do passado, presente e futuro se fundem numa tremenda realidade de fé”.24 É possível, à luz do contexto do Antigo Testamento, demonstrar que a celebração da Santa Comunhão é uma lembrança (avna,mnhsij), isto é, uma efetiva “re-apresentação” do evento de salvação ocorrido em Jerusalém. Assim como no Antigo Testamento, o que era indicado no sinal profético era efetivamente realizado no seu cumprimento ( Jr 19; Ez 4 e 5; e a própria Páscoa), a Santa Comunhão é um sinal comemorativo, que guarda em si o passado vívido no presente. Isso ocorre em virtude das poderosas palavras da instituição que torna o corpo e sangue de Cristo 24 ������������������������������������ LOCKWOOD, op., cit. p. 393. “The divine revelation on Sinai is not something in the past, a matter of history so far as the present generation to whom it is addressed is concerned. It is a present reality, determining the way of life of the very same people who receive it … Within the framework of the cultus... past, present, and future acts of God coalesce in the one tremendous actuality of the faith” (Von Rad: The Problem of the Hexateuch and Other Essays, 29). Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 95
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reais e efetivos para o crente. 25 A forma de lembrança e sinal ganha novas proporções. Nas palavras de Martin, esse assunto é bem compreendido: Em memória de mim, portanto, não é mera reflexão histórica sobre a Cruz, mas um relembrar do Cristo crucificado e vivo de tal maneira que Ele está pessoalmente presente em toda plenitude e realidade do Seu poder salvífico, e é apropriado pela fé dos crentes.26 E esse sinal, em Lutero, ganha grande relevância para incentivar o cristão a participar da Ceia. Para o reformador, é como se Jesus quisesse dizer: “Olha ser humano, eu te prometo e te lego com essas palavras perdão de todo o teu pecado e a vida eterna e, para que tenhas certeza e saibas que tal promessa te é irrevogável, vou morrer e entregar para tanto o meu corpo e sangue, deixando-te ambos como sinal e penhor, nos quais te lembrarás de mim”27 como ele mesmo diz “fazei isto em memória de mim” (1Co 11. 24). A Confissão de Augsburgo em 25 Idem, p. 393-94. 26 MARTIN, Ralph P. Adoração na Igreja Primitiva. São Paulo:Vida Nova, 1982. p. 147. 27 LUTERO, OSel, v.2. op. cit., p. 259. 96 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
seu artigo XIII, que define o uso dos sacramentos, expressa: Com respeito ao uso dos sacramentos se ensina que foram instituídos não somente para serem sinais por que se possam conhecer exteriormente os cristãos, mas para serem sinais e testemunhos da vontade divina para conosco, com o fim de que por eles se desperte e fortaleça a nossa fé.28 A Apologia da Confissão, no artigo XXIV, tratando do uso do sacramento e do sacrifício, esclarece essa questão apontando para o fato de que a Santa Ceia não é apenas sinal entre os homens, mas signo da vontade de Deus, como algo que representa a vontade divina: Os sacramentos são signos da vontade de Deus para conosco, não apenas sinais dos homens entre si, e definem corretamente os que dizem serem os sacramentos no Novo Testamento sinais da graça. E porque no sacramento há duas coisas, o sinal e a palavra, no Novo Testamento a palavra é a adicionada promessa da graça. A promessa do Novo Testamento 28 Confissão de Augsburgo In: Livro de Concórdia, p. 34,1.
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é a promessa da remissão dos pecados [...] E a cerimônia é, por assim dizer, pintura da palavra, ou selo, como lhe chama Paulo, pintura ou selo que mostra a promessa.29 O rito e a Palavra, sem dúvida, são usados por Deus a fim de mover os corações das pessoas para que creiam e concebam a fé. Assim como a palavra entra pelos ouvidos, o rito entra pelos olhos para mover os corações.30 Existe uma pedagogia divina por trás de tal ato. Assim Deus deu a Noé31 o arco-íris como sinal, a Abraão32 deu a circuncisão, a Gideão33 deu a chuva sobre a terra e a pele de cordeiro. Assim também fez Cristo colocando sobre o Novo Testamento um selo e sinal muito poderoso, seu próprio corpo e sangue sob o pão e o vinho. Lutero é um pastor que consegue perceber o carinho de Deus pelos seus filhos. Para o reformador, Deus, como criador dos homens, sabe que, “por vivermos nos cinco sentidos, necessitamos, ao lado das palavras, pelo menos um sinal exterior, ao 29 ��������������������������������������� Apologia da Confissão In: Livro de Concórdia, p. 280,69. 30 Idem, p. 223,5. 31 Gn 9.12-14. 32 Gn 17.10. 33 Jz 6.37ss.
qual nos possamos ater e em torno do qual possamos nos reunir”.34 Deus sabe disso e coloca o verdadeiro corpo e sangue de Jesus como palavra visível, que se pode tocar e sentir, para ser selo da Nova Aliança.35 “Com isso somos fortalecidos na fé, fortificados na esperança e aquecidos no amor”.36 É por isso que sempre que a Ceia do Senhor é celebrada acontece a avna,mnhsij dos santos do novo e grande êxodo, a saber, que o seu Salvador foi executado em Jerusalém (Lc 9.31), no entanto, venceu a morte e lhes livrou da escravidão do pecado. Essa lembrança do Senhor crucificado e vivo, que está real e fisicamente presente e cujo corpo e sangue verdadeiramente são recebidos oralmente na Eucaristia, não é meramente uma atividade mental assim como empregamos quando consideramos outras figuras históricas. É muito mais: o Cristo crucificado e vivo verdadeiramente vem ao encontro do crente, presente — com seu corpo e sangue — no pão e no vinho.37 Para lembrar dessa história sagrada, então, não se requer primei34 LUTERO, OSel. v. 2. op. cit., p. 259. 35 �������������������������������������� Declaração Sólida In: Livro de Concórdia, p. 667,37. 36 LUTERO, OSel. v.2. op. cit., p. 259. 37 LOCKWOOD, op. cit. p. 391. Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 97
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ramente esforço mental, antes Deus concede “sabedoria”, “temor do Senhor” e “fé”. Essa sabedoria e fé provêm das próprias palavras de Jesus.38 E essa fé apenas pode ser criada e inspirada por Deus, que, como afirma o salmista, “fez memoráveis as suas maravilhas” (Sl 111.4). É preciso admitir que essa simplicidade e fé que Jesus espera que o ser humano deposite nas suas palavras não são facilmente entendidas pela razão humana. Paulo inicia sua epístola dizendo que o Evangelho é loucura de acordo com a forma de pensar do mundo. No entanto, a loucura de Deus é mais sábia que a sabedoria deste mundo (1Co 1.18-25). Assim, também, a doutrina de que o corpo e sangue de Cristo estão realmente presentes no pão e no vinho para muitos parece tolice e loucura. Entretanto, as palavras de Cristo têm o poder para realizar o que elas dizem. 38 SASSE, op. cit. 279. 98 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
Ainda que “a palavra da cruz”, bem como as palavras da instituição ditas por Cristo, seja loucura para os que se perdem, para nós que somos salvos elas são o poder de Deus (1Co 1.18). Nesse sentido, as palavras de Lutero são consoladoras e verdadeiras: “Ele (Cristo) não te mentirá; os teus pensamentos hão te enganar”.39
1.5. O cálice da Nova Aliança (11.25) Tomar, abençoar e distribuir o cálice foi a segunda atitude de Jesus ao instituir a sua Ceia (1Co 11.25). Enquanto os discípulos estavam comendo o pão sacramental foi completado o curso restante da refeição Pascal. Agora, da mesma forma como ele tomou o pão e deu graças, Jesus toma o cálice e presumivelmente dá graças sobre ele. Este era provavelmente o terceiro cálice da refeição Pascal, o “cálice da bênção”.40 Como já abordado anteriormente, as palavras da instituição nos relatos de Paulo e Lucas (“este cálice é 39 LUTERO, OSel, vol. 2. op. cit., p. 261. 40 LOCKWOOD, op. cit. p. 394.
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o novo testamento no meu sangue” 1Co 11.25 e Lc 22.20) variam de Mateus e Marcos que trazem “isto é o meu sangue do testamento que é derramado por muitos” (Mt 26.28; Mc 14.24; Mateus adiciona “para o perdão dos pecados”). No entanto, não existe diferença no significado. Enquanto as versões de Mateus e Marcos mostram um claro paralelo com o que é dito sobre o pão, as versões de Paulo e Lucas dão uma ligeira proeminência ao tema do novo testamento que é selado e ratificado pelo sangue de Cristo.41 Aqui o sentido de “aliança” (como na ARA) está relacionado à “nova aliança”, profetizada em Jr 31.31 ss. A ideia de aliança obviamente domina o Antigo Testamento. O SENHOR entrou em aliança com Israel (como vem narrado em Êx 24), confirmando-o como po vo de Deus. A profecia de Jeremias mostra que, no devido tempo, a antiga aliança seria completada com uma nova, baseada no perdão de pecados, e com a lei de Deus escrita no coração das pessoas. Jesus está dizendo, pois, que o derramamento do Seu sangue é o meio de estabelecer a nova aliança. O sangue vertido na cruz propicia perdão de pecados e abre o caminho para a atividade do 41 Ibidem.
Espírito Santo no coração do crente. Todo o sistema do Antigo Testamente é substituído pelo do Novo Testamento, ou seja, tudo se centraliza na morte do Senhor, que estabelece a nova aliança. Se constata que o “meu” é o enfático evmo,j. O lugar do Senhor é absolutamente central.42
1.6. Proclamação da morte do Senhor até a sua volta (11.26) Em virtude das solenes circunstâncias sob as quais o Senhor instituiu sua Ceia, e os preciosos presentes conferidos por meio dela, as farras e bebedeiras dos Coríntios estavam totalmente fora do contexto e sentido apropriados que eram esperados da Ceia do Senhor (1Co 11.21). A forma independente e abusiva com que os Coríntios se reunião para celebrar a Ceia, não contemplava de forma sóbria o motivo real e original daquela noite quando Jesus foi entregue para verter seu sangue sobre a cruz e redimir a humanidade.43 O sacramento proclama “a morte do Senhor” (11.26). Lockwood, citando Robertson e Plummer diz: “a 42 ������������������������������� KRETZMANN, Paul E. Popular Commentary of the Bible — New Testament. Vol. II. St. Louis: Concordia, 1922. p. 143. 43 MORRIS, op. cit, p. 127. Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 99
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Eucaristia é um sermão teatralizado, um ato de proclamação da morte que é comemorada”.44 Quando os membros da comunidade cristã se reúnem e participam do Sacramento, comendo e bebendo os elementos sacramentais, eles proclamam a “Jesus Cristo que foi crucificado pelos seus pecados (1Co 2.2; 1.18; 15.3). Nesse sentido, C.F.W Walter declara que o Sacramento é realmente “o púlpito do leigo”.45 E a Apologia acrescenta: Assim foi instituída a ceia do Senhor na igreja, a fim de que, pela recordação das promessas de Cristo, das quais somos lembrados neste sinal, seja confirmada em nós a fé, e para que confessemos publicamente nossa fé e proclamemos os benefícios de Cristo, como diz Paulo: ‘Todas as vezes que fizerdes isso, anunciareis a morte do Senhor, etc.’46 Lutero vê na recordação da obra 44 LOCKWOOD apud A. Robertson and A. Plummer. “The Eucharist is an acted sermon, an act proclamation of the death which it commemorates”. p. 395 45 LOCKWOOD apud C.F.W. Walter. op. cit. p. 395. “The Sacrament is truly “the pulpit of the laity” (“die Kanzel der Laien”). 46 ��������������������������������������� Apologia da Confissão In: Livro de Concórdia, p. 140-41. 100 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
de Cristo um dos primeiros benefícios que se recebe ao participar da Ceia do Senhor: Este é, pois, o primeiro fruto e proveito que te advém do uso do Sacramento: que sejas lembrado desse benefício e graça, e tua fé e teu amor sejam estimulados, renovados e fortalecidos, para que não acabes esquecendo ou desprezando teu querido Salvador e seu amargo sofrimento, bem como a tua grande, múltipla, eterna aflição e morte, de onde ele te ajudou a sair.47 A Apologia mostra que o cristão que come e bebe da Ceia do Senhor encontra um futuro para a sua vida. É possível perceber nesse momento o passado, isto é, o evento da cruz, bem como contemplar o futuro, isto é, o retorno de nosso Senhor Jesus em glória.48 Sem contar o caráter tridimensional da Ceia, que é, antes de tudo, uma celebração no presente. “Cada vez que vocês comem do pão e bebem do cálice”, refere-se ao mo47 LUTERO, OSel. .v 2, op. cit., p. 245. 48 STARENKO, Ronald C. Eat, Drink, and Be Merry! St. Louis: Concordia, 1971. p. 48. “We who eat and drink together find in that moment of our lives a future. As we look back upon the event of the cross, as we look ahead to our Lord’s return in glory, we have hope”.
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mento presente; “estão anunciando a morte de Senhor”, faz menção a um evento do passado; e “até que ele venha”, diz respeito ao que acontecerá no futuro.49 A caminhada do cristão é cheia de altos e baixos. Por isso, na sua caminhada rumo ao lar celestial, ele precisa de força e nutrimento para sua fé, que só os Sacramentos podem dar. Aí se encontra um caráter escatológico presente na Ceia, que Rudi Zimmer comenta da seguinte forma: Jesus instituiu a Ceia num momento escatológico. Nas próprias palavras da instituição encontramos temas escatológicos. Assim, a participação contínua da Ceia, sem dúvida, levará os fiéis a uma alegre expectativa pelo encontro escatológico com Cristo. Na realidade, em cada celebração da Ceia os fiéis já estarão antecipadamente experimentando as delícias daquilo que será o banquete escatológico final.50 A caminhada rumo ao encontro
com Salvador glorioso, pode ser feita sem os fardos pesados do pecado. Jesus convida os cansados e sobrecarregados (Mt 11.28) e encontrarem alívio nele. Por isso o perdão dos pecados não deveria ser tomado como algo simples ou de pouco valor. O sacrifício que Jesus efetuou sobre a cruz não dá apenas uma paz momentânea, mas concede promessa e segurança de vida eterna. De acordo com Starenko: “Participar na Ceia do Senhor é antecipar nossa própria ressurreição, pois no comer e beber o Senhor mantém o seu povo íntegro, sinalizando o dia do seu retorno e a consumação de todas as coisas”.51 Os Coríntios parecem ter esquecido esse aspecto escatológico da Ceia. Pensando já terem chegado à plenitude (1Co 4.8), eles consideravam a Santa Comunhão um mero festejo no banquete escatológico do Messias. Ao longo da epístola, Paulo muito lhes lembra do interino caráter da vida cristã, que será sempre marcada entre a tensão do agora e o ainda não. De fato, a epístola é moldada por esta perspectiva escatológica. Já na introdução se percebe
49 1Co 11.26 e STARENKO, op. cit., p. 5051. 50 ����������������������������������� ZIMMER, Rudi. A Centralidade da Eucaristia no Culto. In: Culto Protestante no Brasil. Estudos de Religião. Ano I, número 2. São Bernardo do Campo, SP: Imprensa Metodista, 1985. p. 138.
51 STARENKO, op. cit., p. 53.“To participate in the Lord’s Supper is to anticipate our own resurrection, for in the eating and drinking the Lord keeps His people intact, signaling the day of His return and the consummation of all things”. Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 101
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inclusa a lembrança de que nós ainda esperamos a “revelação de nosso Senhor Jesus Cristo” (1.7). Por fim, a conclusão inclui a oração “mara.n avqa”, “vem, nosso Senhor” (16.22; Mt 26.29; Ap 22.20).52
2. Recepção digna e indigna do Sacramento (1Co 11.27-29) A grande pergunta do trabalho sem dúvida é: quem é ou pode ser considerado digno de participar da Santa Ceia? Será que Paulo se cala diante de tal questão, de forma que não estaria fazendo definição direta acerca do que ele entende aqui por “indignidade”? Ou será que essa “indignidade” estaria relacionada apenas com indecências comuns, tais como glutonaria, embriaguez, egoísmo, degradação e contendas com o próximo, etc?53
2.1. Comer e beber indignamente (11.27) Fee, ao comentar avnaxi,wj, diz que essa atribuição não está de acordo com as compreensões enganosas pietistas, que focalizam na maneira de a pessoa comer e não na indig52 LOCKWOOD, op. cit., p. 395. 53 CHAMPLIM, op. cit., p. 183. 102 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
nidade da pessoa.54 Lockwood vai na mesma direção e diz que um importante passo exegético é deixar o contexto, especialmente 11.20-22, 28-31, definir o que significa receber a Ceia de forma digna ou indigna.55 No início no versículo 27, a forte conjunção w[ste (“De sorte que” ARA, 1Co 11.27) passa a indicar um sentido mais teológico dessa questão. Essa conjunção está ligando estreitamente o presente parágrafo ao anterior, que é o relato da Instituição da Ceia (11.23-26). Tudo que Paulo está para dizer sobre indignidade e/ ou culpa dos Coríntios, e também sobre todos os cristãos que participam da Ceia hoje, provém das Palavras da Instituição: “Isto é meu corpo... Este é o cálice é a nova aliança em meu sangue” (11.24-25).56 Certamente que a advertência solene de Paulo compreende as terríveis consequências que sofrem aqueles que comem e bebem o Sacramento indignamente. Certamente Paulo tinha em mente como “indignidade” o tipo de comportamento dos cristãos de Corinto, descrito em 54 FEE, Gordon D. The First Epistle to the Corinthians. The New International Commentary on the New Testament. Grand Rapids: W. B. Eerdmans, 19571997, p. 560-10. 55 LOCKWOOD, op. cit., p. 396. 56 Idem, p. 397.
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11.20-22 e 11.29-30. Lutero comenta sobre esse trecho: Meu caro, não vês contra quem Paulo está falando? Contra aqueles que se atiravam sobre o Sacramento feitos porcos e que faziam dele uma comilança para o corpo; contra os que lidavam com o Sacramento como se fosse seu pão e vinho diários, além de se desprezarem mutuamente e cada um fazer sua refeição para si.57 Os abusos e pecados que tornavam os coríntios indignos, estavam baseados na falta de fé e amor. Eles pecavam contra a fé na medida em que falhavam ao discernir que no Sacramento estavam recebendo o corpo e sangue de Cristo (11.29-30). Não obstante, eles pecavam contra o amor quando não demonstravam consideração pelo pobre e necessitado (11.20-22). 58 Essa discriminação horizontal, onde alguns são melhores e mais evidentes que outros, é condenada fortemente na epístola por Paulo (1Co 8.2) e também por Lutero, que diz: É por isso que difamadores, ju57 ����������������������������������� LUTERO, Martinho. Exortação ao Sacramento do Corpo e Sangue de Nosso Senhor, In: Obras Selecionadas, Vol 7, 2005, p. 250. 58 LOCKWOOD, op. cit., p. 399.
ízes arbitrários e violentos e os que desprezam as outras pessoas têm que receber a morte no sacramento, conforme escreve S. Paulo em 1Co 11.29. Pois não procedem com seu próximo em conformidade com aquilo que buscam junto a Cristo e com o que mostra o sacramento; nada de bom desejam ao próximo, não se solidarizam com ele, não lhe dão a mesma assistência que pretendem receber de Cristo.59 É interessante ressaltar — e isso fica claro na cláusula final de 1Co 11.27 — que no momento em que a pessoa come e bebe o pão e o vinho na Ceia do Senhor, ela recebe oralmente o corpo e sangue de Cristo. O corpo e sangue de Cristo são conectados com os elementos em virtude da união sacramental.60 Por isso a Declaração Sólida, no artigo VII, corretamente declara que a eficácia do sacramento provém da ordenação divina: Pois as palavras verdadeiras e onipotentes de Jesus Cristo, e 59 LUTERO, Martinho. Um Sermão sobre o Venerabilíssimo Sacramento do Santo e Verdadeiro Corpo de Cristo e sobre as Irmandades, in: Obras Selecionadas, vol. 1. Porto Alegre: Concórdia, 2005, p. 436. 60 SASSE, op. cit., p. 127. Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 103
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que ele falou na primeira instituição, não foram eficazes apenas na primeira ceia, senão que perduram, valem, operam e ainda são eficazes, de modo que em todo lugar onde a ceia é celebrada segundo a instituição de Cristo e suas palavras são usadas, o corpo e o sangue de Cristo verdadeiramente estão presentes, são distribuídos e recebidos, por virtude e potência daquelas palavras que Cristo pronunciou por ocasião da primeira ceia.61
gante digno quanto o indigno recebem o mesmo corpo e sangue de Cristo. A carência pessoal de fé não pode alterar o fato de que o presente do corpo e sangue de Cristo são oferecidos e recebidos no Sacramento.62 Porém, a ausência de fé ou a falta de conhecimento que o corpo de sangue de Cristo estão presentes impedem uma recepção digna e o colocam debaixo da condenação de Deus (11.29-30).63 Pieper, citando Lutero, demonstra que o valor e poder não está em quem recebe o Sacramento, mas sim em quem o instituiu: Da mesma forma eu também falo e confesso com respeito ao Sacramento do Altar que aí o corpo e sangue de Cristo são verdadeiramente comidos e bebidos no pão e no vinho, ainda que os sacerdotes [ministros] que o administram, ou aqueles que o recebem, sejam descrentes ou caso contrário o abusem. Porque ele não está baseado na fé ou descrença do homem, mas sim na Palavra e ordem de Cristo, a menos que eles primeiro mudem a Palavra e mandamento de Deus e o interpretem
Isso implica que tanto o comun61 �������������������������������������� Declaração Sólida In: Livro de Concórdia, p. 624,75. 104 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
62 SASSE, op. cit., p.127. 63 LOCKWOOD, op. cit., p. 400.
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de outra forma [...].64
2.2. A necessidade de discernir o corpo (11.27,29) Paulo coloca bastante ênfase na palavra avnaxi,wj (“de forma indigna”, 11.27). Muitos cristãos, ao olharem esse texto, devem se perguntar se algum dia não participaram indignamente, ou, então, estejam participando ainda, e com isso chamando para si julgamento de Deus, que pode resultar em várias aflições (11.29-30). Como é possível tornar-me bem preparado, já que em minha vida constato grandes e temíveis pecados? Lutero vê a necessidade de que todos admitam para si próprios a sua indignidade de participar de tamanho banquete. Ninguém jamais poderá ser digno da bon dade de 64 �������������������������������� PIEPER, Franz. Christian Dogmatics. St. Louis: Concordia, 1950-1970. v. 2., p.371. “In the same manner I also speak and confess concerning the Sacrament of the Altar that there the body and blood of Christ are in truth orally eaten and drunk in the bread and wine, even though the priests [ministers] who administer it [the Lord’s Supper], or those who receive it, should not believe misuse it. For it does not depend upon the faith or unbelief of men, but upon God’s Word and ordinance, unless they first change God’s Word and ordinance and interpret it otherwise […]”.
Cristo para com ele. Por outro lado, o Reformador demonstra a profundidade da dignidade que está fora do homem, isto é, no próprio Cristo. Assim ele coloca: Nós, entretanto, estamos falando daqueles que acreditam não se tratar de uma refeição de porcos, mas do autêntico corpo e sangue de Cristo; que sabem que Cristo instituiu para sua memória e nosso consolo; que também gostariam de ser cristãos, louvar seu Senhor, agradecer-lhe e glorificá-lo; e ainda gostariam também de ter sua graça e seu amor; que se atemorizam por causa da própria pessoa e indignidade; e que, por isso, se mantêm distantes, impedidos e intimidados por falso temor.65 Lutero é muito consolador para com todos aqueles que talvez estejam há anos sem participar desse banquete, e/ou sentem falta do Sacramento. Ele mesmo fala de si quando, certa vez, deixou de ir à Santa Ceia por um bom tempo por se sentir despreparado, indigno, etc. Certa altura, ele, literalmente, manda tudo às favas e, baseado nas promessas de Cristo, vai à mesa do 65 LUTERO, OSel, vol. 7. op. cit., p. 250. Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 105
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Senhor. O diabo quer fazer com que nos fiemos em nossa própria vida e não na de Cristo. Dessa forma ele faz com que comecemos a abandonar o Salvador e, consequentemente, todas as bênçãos que decorrem do seu corpo e sangue.66 Lutero diz mais: Foi por isso que afirmei que tudo depende das palavras desse sacramento, proferidas por Cristo, as quais se deveriam incrustar em ouro e diamante e ter constantemente ante os olhos do coração para nelas exercitar a fé. Deixa que um outro ore, jejue, se confesse, se prepare para missa e o sacramento, como quiser. Faze tu o mesmo, desde que saibas que tudo é mera tolice e engano, caso não tenhas ante ti as palavras do testamento e não despertas a fé e o desejo por elas.67 O conceito de dignidade em Lutero, portanto, é justamente o oposto de uma disposição humana baseada em princípios de disciplina externa. Ele mesmo diz: Teu coração deve pensar da seguinte maneira: “Tudo bem, se sou indigno de receber o Sa66 LUTERO, OSel, vol. 7. op. cit., 246. 67 Idem, p. 250. 106 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
cramento, meu Senhor Cristo é tanto mais digno de que com isso eu lhe agradeça, o louve e honre a sua instituição, conforme lhe devo e prometi em meu Batismo”. E por outro lado: “Se sou indigno, tenho necessidade. Quem quer mendigar, não deve ter vergonha disso. Na casa do pobre mendigo, a vergonha é um criado inútil. Assim, Cristo também elogia até um importuno que não se acanha, Lucas 11[8]”.68 O próprio Paulo não está exigindo perfeição ante os crentes de Corinto para virem à Ceia do Senhor. Em 1Co 11.28-32 o “examinar-se a si próprio” não pode ser entendido como se fossem esforços humanos para alcançar um nível de santificação mais elevado e assim se tornar digno para Ceia. Pelo contrário, a dignidade do recipiente está justamente quando reconhece a sua indignidade, isto é, sua grande deficiência na fé e no amor, e, assim, faminto e sedento por perdão, confia na promessa de Cristo (Mt 26.28) de que o perdão dos pecados vem com o recebimento do corpo e sangue de Cristo no Sacramento. Os arrogantes e céticos Coríntios, por ou68 Idem, p. 261.
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tro lado, eram indignos justamente porque estavam cheios de si mesmos e de seus méritos espirituais. 69 A necessidade de crer que as palavras de Cristo sobre o pão e o vinho são reais, isto é, de que no pão e no vinho o cristão come e bebe verdadeiramente o corpo e sangue de Cristo, é um ponto chave para a comunhão digna. O contexto mostra claramente que a palavra “corpo” (sw/ma), na frase “discernir o corpo” (11.29), refere-se ao corpo sacramental de Cristo, que está presente com o pão que é comido na Santa Ceia. Sérios fatores suportam essa tradicional interpretação. A primeira ocorrência no contexto está nas Palavras da Instituição em 11.24, “isto é meu corpo” (tou/ to, mou, evstin to. sw/ma). A segunda e única vez que a palavra “corpo” ocorre no capítulo (além dessa ocorrência em 11.29) está na descrição de Paulo sobre os que se tornam culpados de pecado contra o “corpo e sangue” do Senhor (11.27). Aqui Lockwood chama atenção e mostra que a inclusão do “sangue” do Senhor ao lado de seu “corpo”, em 11.27, requer que “corpo” em 11.27 (como também 11.24 e 11.29) se refira ao corpo de Cristo dado e comido junto com o pão no Sacramento. 69 LOCKWOOD, op. cit., p. 406,
Se “corpo”, em 11.27, é interpretado metaforicamente para se referir apenas à igreja, a que mais pode se referir o “sangue”? A igreja nunca é chamada de “Sangue de Cristo”.70 Constata-se, na verdade, uma estreita relação entre os três versículos 11.27, 28 e 29. O problema está descrito em 11.27, que diz que a pessoa pode comer o pão ou beber o cálice do Senhor de forma indigna. A solução para o mesmo se encontra na exortação em 11.28: Examine-se, pois, o homem a si mesmo; por fim, em 11.29, Paulo estabelece a razão porque os cristãos devem muito atentar para a exortação em 11.27: pois quem come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si. A coesão do argumento de Paulo em 11.27-29, sem dúvida, requer que o “corpo” se refira ao corpo sacramental de Cristo em 11.29 bem como em 11.27.71 A presença do adjetivo e;nocoj, “culpado”, deve ser tomada com muita seriedade. Esse é um termo legal, que pode denotar uma punição (Mt 26.66), um crime (Mc 3.29), ou uma pessoa ou coisa contra quem tem sido cometido pecado. Aqui ele é usado no terceiro sentido: “pecado contra o corpo e sangue”, que tem 70 Idem, p. 402. 71 Idem,p. 402-3. Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 107
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a construção semelhante a Tg 2.10: “ge,gonen pa,ntwn e; [nocoj]” “se tornou de todos (os mandamentos) culpado”.72 Devido a essa constatação exegética, a igreja tem tradicionalmente reconhecido a necessidade de pastores e congregações não admitirem pessoas indiscriminadamente à Santa Comunhão. Obviamente, a Ceia do Senhor precisa ser administrada de acordo com sua instituição e instruções. Já que Paulo mostra que a pessoa que come sem discernir o corpo, bem como aquela que peca contra o amor ao próximo, participam indignamente da Ceia, tornando-se culpados do corpo e sangue de Cristo para o seu dano (1Co 11.2730), se faz necessário o cuidado pastoral.73
2.2.1. Supervisão Pastoral Na verdade, Paulo aqui não dá um mandamento explícito aos pastores da congregação de Corinto para determinar quem deve ou não participar da comunhão. No entanto, o que fica claro é que o próprio apóstolo está desempenhando a tarefa de não ser omisso diante da situação problemática com respeito à Ceia do Senhor. 72 Idem, p. 396. 73 Idem, p. 400. 108 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
Lockwood, escreve: Ele é seu único “pai” em Cristo (1Co 4.15-16), e ambas as epístolas canônicas refletem a urgente necessidade do apóstolo em chamar os coríntios de volta ao jubiloso reconhecimento da submissão ao próprio ensinamento e autoridade apostólicos de Paulo. O exemplo apostólico de Paulo está para servir como um modelo para todos os pastores, que são “mordomos dos mistérios de Deus”.74 Qual a atitude pastoral devida com relação às pessoas que frequentam a Santa Ceia ou àquelas que não frequentam? Lutero tinha essa preocupação e fala sobre ela assim: Temo, porém, e acredito que tudo isso é, em grande parte, culpa nossa, dos que somos pregadores, pastores, bispos e curas d’almas, uma vez que deixamos as pessoas sem que se emendem, não os exortamos, 74 LOCKWOOD, op. cit., p. 403. “He is their one ‘father’ in Christ (1Cor. 4:1516), and both of the canonical Corinthian epistles reflect the apostle’s urgent need to call the Corinthians back to a joyful acknowledgment of the submission to Paul’s own apostolic teaching and authority. Paul’s apostolic example is to serve as a model for all pastors, who are “stewards of the mysteries of God’”.
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não incitamos, não admoestamos, como o exige nosso ministério. E ficamos roncando e dormindo tão seguros como eles, e não pensamos mais longe do que: quem vem, vem; que não vem, que fique de fora, e de ambos os lados procedemos de uma forma que bem poderia ser melhor. Pois enquanto isso estamos sabendo que o satã infernal e príncipe desde mundo não descansa. Ele anda em derredor dia e noite com seus anjos, tentando tanto a nós mesmos como as pessoas..75 Lutero tem em mente a preocupação de que o Diabo não mede esforços para tentar, enfraquecer e tornar preguiçosos aqueles que, antes, deveriam ser zelosos para com o povo de Deus, cuidando e incentivando que recebam o alimento celestial constantemente a fim de que sejam fortalecidos na sua fé.76 O trabalho pastoral precisa ir ao encontro de todas as pessoas, sem distinção alguma.77 O pastor não trabalha conforme a cara do freguês, antes, sabe que foi enviado por Deus e que no final deverá prestar contas a Ele. Os pastores são os anjos e vigias 75 LUTERO, OSel, vol. 7, op. cit., p. 225. 76 Ibidem. 77 Idem, p. 257.
do Senhor Jesus. Dia e noite estão guardando o seu rebanho contra os anjos do diabo, incitando, exortando, estimulando e atraindo a que seja participante das insondáveis bênçãos de Deus que provêm do Sacramento, não de forma legalista, por meio de coação e força, mas de forma livre e confiante.78 Prunzel, ao analisar retoricamente a forma de Lutero exortar os cristãos de seu tempo a participarem da Santa Ceia, mostra o quão grande era a preocupação do Reformador para com aqueles que tinham dúvidas e dificuldades para se aproximarem do Altar.79 A preocupação de Lutero ia mais longe, ela abrangia os pastores, na medida em que não estavam plenamente preparados para suprirem as dificuldades dos cristãos. As Confissões trazem as pala78 Idem, p. 258. 79 PRUNZEL, Clóvis Jair. A Exortação de Lutero à Santa Ceia: retórica a serviço da ética Cristã. Canoas: Ed. ULBRA, 2004. p. 38. Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 109
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vras do Reformador: Meu Deus, quanta miséria não vi! O homem comum simplesmente não sabe nada da doutrina cristã, especialmente nas aldeias. E, infelizmente, muitos pastores são de todo incompetentes e incapazes para o ensino.80 O pastor deve cumprir seu ofício de despenseiro dos mistérios de Deus (1Co 4.1) buscando sempre crescer no conhecimento da Palavra de Deus, para que a exortação e o ensino tenham o fundamento correto (1Tm 4.13). É extremamente importante que a leitura de contexto que o pastor tiver respeite a realidade e limitação do povo que ele pastoreia. Nesse sentido, a perícope de 1 Coríntios 11.23-29 oferece todos os argumentos evangélicos necessários para que o pastor instrua, convença e motive os cristãos a fazerem uso pleno e sempre frequente desse Sacramento. As palavras de Cristo sempre serão o ponto de partida que farão com que o Cristão sinta o desejo de participar do banquete celestial. Jesus mesmo é quem diz “isto é o meu corpo e sangue”. É ele quem diz para que o façam em memória dele, até a 80 Livro de Concórdia, op. cit., p.363. 110 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
sua volta. Foi Cristo quem ordenou tal sacramento e não um ser humano qualquer. “Esta autoridade da palavra de Deus sobre pão e vinho é o argumento mais importante em toda a teologia do Sacramento do Altar em Lutero”.81 Nessa certeza, o cristão certamente encontrará paz e consolo na Santa Ceia, porque a sua origem é divina.82
Conclusão A análise do texto de 1 Coríntios 11.23-26, sobre a instituição da Santa Ceia, ganha na teologia luterana um profundo significado evangélico. As Confissões ressaltam e colocam em elevadíssimo grau esse Sacramento, e vêem nas Palavras “isto é o meu corpo; sangue” uma manifestação visível do amor de Jesus, que verteu seu sangue sobre a cruz. Em cada versículo é possível encontrar motivos claros e reais para incentivar o cristão a fazer uso constante desse presente celestial. Sem dúvida, dos grandiosos e insondáveis benefícios que emanam da Ceia do Senhor, o principal é o perdão dos pecados. É do perdão que procedem todas as demais dádivas de Cristo no Sacramento do Altar. O perdão é o 81 PRUNZEL, op. cit., p. 39. 82 Ibidem.
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ponto de partida para a comunhão com Deus e com os irmãos na fé. Através do Sacramento, que é a Palavra de Deus visível, o próprio Deus concede a sua graça e o seu Espírito Santo, fortalecendo a fé. No capítulo dois, a partir da análise da segunda parte da perícope, 1 Coríntios 11.27-29, se constatou que “dignidade” não é algo próprio no e do ser humano, mas ela se encontra fora dele, em Cristo Jesus. A fé que se apega nas Palavras de Cristo é o meio que Deus proporciona ao crente para torná-lo digno de
participar desse banquete. Por outro lado, a indignidade existe quando não se crê nas palavras de Cristo, que claramente diz que o pão e o vinho são, de fato, o seu corpo e sangue, e também quando o ser humano peca no amor ao próximo. O corpo e sangue de Jesus verdadeiramente são ativos na vida do cristão. A Ceia promove a comunhão entre os crentes, fortalecendo a fé do comungante contra o diabo, mundo e a carne. Com relação ao tempo, a Ceia estabelece um caráter tridimensional: quando o crente comunga, ele olha para o passado, recordando a obra de Cristo em sua vida e morte de cruz; contempla esse fato no presente, comendo e bebendo o corpo e sangue do Senhor de forma real; e aponta para o futuro, para o verdadeiro banquete celestial que Deus preparou para os seus. Deus, como criador do ser humano, sabe de sua limitação e, por isso, oportuniza formas de reforçar o seu grande amor por meio dos cinco sentidos. Na Santa Ceia Deus está visivelmente presente no pão e no vinho. O cristão pode ouvir, ver, tocar, cheirar e degustar o mais puro Evangelho. Por isso se faz importante e necessário o cuidado pastoral para que as pessoas conheçam corretamente o valor de tal SacramenFevereiro a Junho, 2012 | RT | 111
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to e sejam encorajadas a participar frequentemente dele. Assim elas receberão o mais completo alimento para fé e perdão dos seus pecados, bem como desfrutarão de todas as bênçãos concedidas na relação com Deus e o próximo. Rev. Otávio Augusto Schlender — Eunápolis-BA, pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil.
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O perigo da ostentação
A palavra “ostentação” tem como significado a ação ou o efeito de ostentar. Ostentar é o mesmo que exibir, colocar em destaque, tornar visível e notório. Esta ação, normalmente, acontece em detrimento de alguma coisa, ou até mesmo, de outra pessoa. Nós gostamos de exibir as nossas aquisições e conquistas. Não raras vezes mostramos nossos pertences para demonstrar maior capacidade ou poder aquisitivo. Recentemente, no Japão, foi inaugurada a maior torre do mundo. É uma obra fascinante levando em consideração a frequência de terremotos neste país. Qual é a real necessidade de tamanha construção? Assim como em outros países, é possível perceber um sentimento de orgulho nesta obra. A pobreza neste país que ostenta a construção da maior torre do mundo é uma realidade escondida. Os pobres japoneses se esforçam para que a desigualdade social não apareça. Não é de hoje que o orgulho e a ostentação fazem parte do nosso dia-a-dia. Nos tempos bíblicos, mais precisamente após o dilúvio, alguns povos se reuniram e decidiram: “Vamos construir uma cidade que tenha uma torre que chegue até o céu. Assim ficaremos famosos e não seremos espalhados pelo mundo inteiro.” (Gênesis 11.4). Os babilônios também tinham o costume de construir enormes templos em forma de torres para poderem chegar onde moravam os deuses. A chamada torre de Babel foi uma obra iniciada que levou Deus a agir. Era preciso colocar limites no ser humano. O desejo de ficarem famosos e unidos não aconteceu. Deus interveio “atrapalhando a língua falada por todos os moradores da terra e dali os espalhou pelo mundo inteiro.” (Gn 11.9). Qual é o perigo da ostentação? É colocar-se acima das pessoas e, especialmente, de Deus. O objeto colocado em evidência motiva o orgulho e a fama. Em contrapartida, acontece o menosprezo aos outros. Facilmente deixamos de ajudar alguém porque este pode ficar em melhores condições. Muitas vezes, sem nos darmos de conta, estamos construindo grandes torres enquanto milhares de pessoas estão cada vez mais pobres e necessitadas. A propósito, a Igreja Cristã está celebrando a festa de Pentecostes. É o cumprimento da promessa de Jesus, enviando o Espírito Santo para chamar e reunir (congregar) o povo de Deus. Os cristãos reunidos não devem construir torres que separam ou ostentam poder. Mas, proclamar o Evangelho (o perdão dos pecados e a salvação eterna mediante a fé em Cristo), amar e servir uns aos outros. É desta forma que perigo da ostentação é vencido e deixado de lado. Rev. Fernando Emílio Graffunder é pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil em Pelotas-RS
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Antigo Testamento
Rev. Cláudio R. Schreiber Rev. Mauro Sérgio Hoffmann
A relação do livr com a riqueza e a Introdução
N
este trabalho pretendemos abordar o seguinte tema: Jó com relação a riqueza e pobreza, sendo que para compreendermos melhor este tema, também observaremos alguns aspectos isagógicos bem como o contexto deste livro, levando mais em conta os aspectos que têm a ver com a riqueza e pobreza. Com relação a estes aspectos, de riqueza e de pobreza, destacaremos o primeiro capítulo do Livro, em especial o versículo 21, e também o último Capítulo (42), que tem mais relação como tema a ser desenvolvido.
Título O livro de Jó é escrito na Tradição Massorética, bAYai na Septuaginta VIw/b; e na Vulgata Iob. O título do livro está vinculado ao nome do personagem principal do livro. Quanto ao significado do nome ”Jó”(bAYai) provavelmente é 114 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
derivado duma raiz que significa “voltar” ou “ arrepender-se”, e pode então significar “quem volta para Deus”. Esta interpretação é baseada no árabe ‘aba “arrepender-se”, ou “voltar para traz” (frequentemente seguido pela frase ‘ilã ‘llãhi “para Deus”). Nas cartas de Amarna o nome aparece com Ayab (um príncipe de Pela)1. O nome também aparece nos Textos de Execração de Berlim (escritas no hierático egípcio) com pertencente a um príncipe da região de Damasco durante o século XIX. Outro significado possível de bAYai é “o perseguido byEa; odiar, estar em inimizade2. Pelo que nós podemos observar no decorrer desta primeira parte a etimologia árabe ao nosso entender é mais interessante, isso porque Jó morava no norte da Arábia e toda a narrativa do livro se passa tendo um pano de fundo mais relacionado 1 ARCHER, Gleason L. Jr. Merece Confiança o Antigo Testamento? P 407 2 Lexicon de Browm-Driver-Briggs.
Antigo Testamento
ro de Jó a pobreza com a história Árabe do que Hebreia.
Autoria No texto do livro de Jó não nos é apresentado o seu autor. Esta é uma questão bastante complicada por causa da diversidade de opiniões que os autores nos apresentam. Um fato que merece consideração é que não devemos assumir que Jó foi escrito durante a época em que os fatos relatados aconteceram, por isso podemos crer que este livro pode ter sido escrito alguns séculos depois. Também não se tem evidências contundentes que assinalem a data e a identidade do autor. Nós, tradicionais, como pessoas que aceitam a Bíblia como a Palavra de Deus, acreditamos que Jó, e os outros que aparecem no texto, disseram as palavras que estão registradas no livro, e que Deus inspirou alguém para que as escrevesse. Isto pode ter acontecido pouco antes de terem sido faladas ou, também é possível, ter passado muitos séculos antes que as palavras
fossem escritas. Como ocorre com muitos dos livros do Antigo Testamento, nem o próprio livro, nem o resto da Bíblia nos dizem quem realmente o escreveu. Alguns tem sugerido que foi Jó mesmo; outros dizem que foi Moisés ou algum outro indivíduo dessa época. Os estudiosos bíblicos contemporâneos são da opinião de que o livro foi escrito depois do tempo de Salomão. Um comentarista chamado Jacques Bolduc (1637) sugere que pode ter sido indiretamente uma obra de Moisés, que talvez o achasse em Aramaico e o considerasse digno de ser traduzido para o Hebraico. “Dificilmente pode-se dizer que haja qualquer indício de o estilo ser mosaico,
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Antigo Testamento
pelo menos a teoria explicaria: 1) a possessão deste livro pelos hebreus, 2) a sua posição no Cânon, 3) seu tom e pano de fundo patriarcal, 4) o estilo aramaico de uma parte da sua terminologia e modo de expressão conforme se vê no texto.”3 Martinho Lutero, como muitos outros eruditos bíblicos conservadores, sugeriu que Salomão foi o autor do livro de Jó, Existem certas semelhanças entre o livro de Jó e dois dos livros bíblicos que cremos foram escritos por Salomão: Provérbios e Eclesiastes. Os três: Jó, Provérbios e Eclesiastes são catalogados como “literatura de sabedoria”. Especialmente Jó 28 tem uma notável semelhança com os capítulos 1, 8 e 9 de Provérbios, tanto no vocabulário como no conteúdo. Esta teoria é a que parece ser mais razoável. É a opinião mais antiga. Alguns teólogos a defendem, como Gregório Nazianzeno (falecido cerca de 390.A.D, junto com alguns doutores Judeus. Já no século XIX foi seguida por Haevernick, Keil e Delitzsch. Delitzsch diz que: É um cunho daquele próprio criador e incipiente da Chokma (sabedoria), daquela época Salamônica da ciência e da 3 Id., Ibid. p.409 116 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
arte, do mais profundo pensamento em matéria de religião revelada e de cultura inteligente e progressiva das formas tradicionais da arte, duma época sem precedentes, em que a literatura corresponde ao Zênite da magnificência gloriosa para que o reino da promissão tendia.4 O estilo do livro nos mostra que seu autor é um mestre da palavra raramente superado, um mestre dotado de poder de criatividade barroca e possuidor de elevada cultura, que são indicadas nas numerosas e multiformes imagens que exprimem os sentimentos mais variados em um só e mesmo discurso, como também as expressões raras, ou que já nem mesmo eram usadas. Também se diz que era uma época de paz em que atividades literárias se desenvolveram e que esse fator propiciava a composição de um livro como o de Jó. Although most of the book consists of the words of Job and his counselors, Job himself was not the author. We may be sure that the author was an Israelite, since he (not Job or his friends) frequently uses the Is4 EDWARD, J. Young. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Ed. Vida Nova, 1964. p.335.
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raelite covenant name for God (Yahweh; NIV “the LORD”). In the prologue (chs. 1-2), divine discourses (38:1-42:6) and epilogue (42:7-17) “LORD” occurs a total of 25 times (31 times in the Hebrew text), while in the rest of the book (chs. 3-37) it appears only once (12:9). The unknown author probably had access to oral and/or written sources from which, under divine inspiration, he composed the book that we now have. Of course the subject matter of the prologue had to be divinely revealed to him, since it contains information only God could know. While the author preserves much of the archaic and non-Israelite flavor in the language of Job and his friends, he also reveals his own style as a writer of wisdom literature. The literary structures and the quality of the rhetoric used display the author’s literary genius5 Estes são os principais argumentos que localizam a obra no tempo 5 Concórdia Self-Study Bible. International Bible Society. St. Louis: Concórdia Publishing House, 1984.p. 1073.
de Salomão. O Talmud no comentário Baba Bathra 14b sustenta que foi Moisés o autor do livro de Jó. Para isso usam como argumento o fato de que no texto de Jó aparecem várias palavras que também aparecem no Pentateuco, tais como: ulam, netz, tnu’ah, pelilim, qshitah, yeret. Contra esse argumento basta dizer que aquela parte de Jó se encontra escrita no mesmo estilo do livro de Provérbios. Portanto, é impossível que uma obra escrita para meditação e reflexão como Jó tenha sido escrita antes da concepção da Lei e por alguém cuja ocupação principal, supõe-se, era a legislatura. Todavia, entre alguns dos Pais da Igreja era corrente essa teoria. Para nós, seria de suma importância saber quem foi o autor humano de Jó, mas acima de tudo, sabemos que foi Deus quem inspirou a alguém para escreve-lo, não importando quem seja.
A Data dos Eventos No versículo inicial do livro de Jó encontramos dois indícios do lugar dos acontecimentos e discursos descritos no livro. O versículo 1 nos diz: “Havia um homem na terra de Uz, cujo nome era Jó...”. Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 117
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O nome Uz é mencionado poucas vezes na Bíblia. Existem várias referências de pessoas que chamavam Uz. A terra de Uz é mencionada em Jeremias 25.20, junto com outras terras do Oriente Médio. A passagem que possui mais dados a respeito da localização dos acontecimentos deste livro é Lamentações 4.21, em que o autor exclama “Regozija-te alegra-te, ó filha de Edom, que habitas na terra de Uz...” A estrutura paralela destas duas linhas identifica Uz com Edom, uma terra localizada à sudeste de Israel que fica na orla sul do Mar Morto. A localização oriental de Israel concorda com Jó 1.3, no qual Jó é descrito como o maior entre todos os do Oriente. A Septuaginta a chama de terra de Aisitai, povo que, segundo o geógrafo Ptolomeu, localiza-se no deserto da
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Arábia, perto dos edomitas do monte Seir. O amigo de Jó, Elifaz, era de Temã, localidade bem conhecida de Edom: pertencia aos buzitas, que provavelmente viviam perto dos caldeus na Arábia do nordeste. Esta localidade estrangeira explicaria também a raridade do nome Yahweh na maior parte dos capítulos do livro, isso porque Jó mostra uma clara preferência ao nome Elõhim. Outra característica interessante é que o nome Shaddai, “o Onipotente” ocorre nada menos do que 31 vezes em Jó, comparado com as outras 16 ocorrências no restante do Antigo Testamento. Esta evidência tirada do uso dos nomes divinos tende a confirmar a teoria do pano de fundo não israelita, e sim arábico. J. H. Raven se inclina a uma data pré-mosaica porque: 1) o livro indica um tipo de organização patriarcal de fa-
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mílias e clãs que faz lembrar a época de Abraão muito mais do que as condições após o Êxodo; 2) o chefe da família que oferece sacrifícios, ao invés de um sacerdócio oficial, indicaria uma época pré-mosaica; 3) a citação de qesitah como um valor em dinheiro (Jó 42.11) sugere uma data que remonta até Josué no mínimo (cf Js 24.32), ou talvez o período dos Patriarcas (cf. Gn 33.29) mas deve-se buscar no norte da Arábia perto de Edom o cenário da história.6 O fundo histórico aponta para uma época no início do segundo milênio. No comentário de Alleman e Flack, W. F. Albright, no capítulo sobre o Antigo Testamento e Arqueologia indica que Jó talvez tenha sido contemporâneo dos Patriarcas. Para tanto se baseia sua conclusão em Ez 14.14 que vincula os nomes de Jó e Daniel, sendo que esse Daniel seria um antigo herói cananita, que surge como figura proeminente numa das épocas ugaríticas, como pai idólatra de Aquat. Com isso rejeita que Ezequiel esteja se referindo ao seu contemporâneo Daniel da 6 ARCHER, Gleason L. Jr. Merece Confiança o A. Testamento? p.410
Babilônia. Cita também uma série de outros episódios que certamente se passaram numa época anterior a entrega das Tábuas da Lei a Moisés.
A Data da Composição Quanto a data da composição de Jó existem várias divergências:
Antes do tempo de Moisés, na época dos Patriarcas. Esta argumentação está baseada no ambiente do livro, na sua terminologia , na época histórica em que Jó viveu, etc. Especialmente o Talmude e estudiosos cristãos até recentemente eram os maiores defensores dessa proposta. Não existem fatos concretos para provar tal posição, mas também não existe o contrário.
Durante o Reinado de Salomão. Esta posição é defendida por um bom número de conservadores, por alguns doutores judaicos, por Gregório de Nazianzeno, por Lutero, Haevernick, Keil e Delitzsch, Young, Hummel. Os argumentos usados resumem-se no seguinte: a) este era um período muito propício Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 119
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para produções literárias. O reino estava em paz e havia prosperidade suficiente para promoção de artes literárias. b) O livro de Jó tem caráter sapiencial, e a era salomônica foi a época mais propícia para tais produções. Havia interesse na “sabedoria”. c) À semelhança de Pv 8, o livro de Jó apresenta uma exaltação à sabedoria ( Jó 28). d) o conhecimento de terras estrangeiras apresentado em Jó é perfeitamente possível no reinado de Salomão.
social. Estavam em questão a justiça e a providência divina; a proeminência do assunto “sofrimento dos inocentes”e a prevalência do infortúnio e da calamidade. Jó 9.24 diz que: “a terra está entregue nas mãos dos perversos...” o que situa o livro nesta época ou período. A semelhança entre o conteúdo e a linguagem de Jó e Jeremias servem como base para se afirmar que o livro é do período do profeta Jeremias (final do século VII a.C.).
Durante o reinado de Manassés no VII Século a. C.
O Exílio na Babilônia, VI Século a. C.
O reinado de Manassés (686642 a.C.) foi um período de degeneração moral e muita injustiça 120 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
Nesta hipótese o livro de Jó é considerado por Genung como sendo uma lenda, senão pura ficção. Interpreta-o como sendo uma reflexão,
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pelo menos indireta, da longa prisão e libertação final do rei Joaquim (fato que tem pouco a ver com Jó). Driver, Budde e Cheyne apoiam a hipótese exílica ou pós-exílica ao indicar uma semelhança entre Jó e Dêutero-Isaías (cuja data queriam fixar como sendo 550-540 a.C.). As semelhanças são: a) a forma desenvolvida da moralidade e da doutrina de Deus que se descobre em Jó; b) a analogia básica entre o sofrimento do inocente Jó e o do Servo do Senhor em Isaías II; c) os pontos de contato entre Jó e Jeremias já descritos no ponto 3. Esta proposta, salvo alguns poucos defensores, não tem força no mundo acadêmico Em nossa opinião a data de composição mais aceitável é a da época do rei Salomão, pois nos parece ser a que tem argumentos mais aceitáveis, embasamento melhor, e boa fundamentação histórica.
Tema Há uma pergunta que muitos fazem mas poucos conseguem respondê-la. Esta pergunta é: Qual é realmente o tema do livro de Jó? Existem muitas sugestões. A mais comum é “A Paciência no sofrimento”, outra é: “Porque um Deus justo
permite que um homem bom passe por sofrimentos tão intensos? Gleason L. Archer sugere um tema composto de três partes: “1) Deus merece ser amado independente das bênçãos que concede; 2) Deus pode permitir o sofrimento como meio de purificar e fortalecer a alma na piedade; 3) Os pensamentos e os caminhos de Deus se manifestam por meios e maneiras que a mente pequena do homem não pode entender7. Estes temas sugeridos expõem claramente o livro de Jó. É certo que Jó sofreu muito, e os problemas que lhe apareceram devem ter esgotado sua paciência até o limite. Mas, não devemos esquecer a conversa entre Deus e Satanás logo no começo do livro. Lá, Deus elogiou Jó chamando-o de “integro, reto, temente a Deus e que se desvia do mal” ( Jó 1.8). Satanás desafiou Deus e pediu-lhe permissão para provar a resistência de Jó até o limite ao atribulá-lo com severas aflições. Deus permitiu que Satanás causasse sofrimentos a Jó, mas ordenou que lhe conservasse a vida. Deus tinha plena confiança de que Jó não perderia sua fé nEle, mesmo que fosse severamente castigado. 7
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A fé de Jó em Deus tropeçaria e/ ou vacilaria com frequência, mas no fim se manteria firme contra os mais fortes ataques de Satanás. Não devemos esquecer que no versículo inicial, Jó é descrito como um “varão, íntegro e reto” e que era “temente a Deus e se apartava do mal”. Nos tempos de grande dor e sofrimento, Jó
disse coisas que em outras circunstâncias talvez nunca tivesse dito. Sua condição espiritual tinha altos e baixos. No final, Jó se humilhou e se submeteu à vontade de Deus. Jó era verdadeiramente um homem de fé, e Deus o abençoou ainda mais ricamente do que o havia abençoado no princípio.
ESBOÇO1 I. Prologue (chs. 1-2) A. Job’s Happiness (1:1-5) B. Job’s Testing (1:6-2:13) 1. Satan’s first accusation (1:6-12) 2. Job’s falth despite loss of family and property (1:13-22) 3. Satan’s second accusation (2:1-6) 4. Job’s faith during personal suffering (2:7-1 0) 5. The coming of the three friends (2:11-13) II. Dialogue-Dispute (chs. 3-27) A. Job’s Opening Lament (ch. 3) B. First cycle of speeches (chs.4-14) 1.Eilphaz (chs. 4-5) 2. Job’s reply (chs. 6-7) 3. Bildad (ch. 8) 4. Job’s reply (chs. 9-10) 5. Zophar (ch. 11) 6. Job’s reply (chs. 12-14) C. Second Cycle of Speeches (chs. 15-21) 1. Eliphaz (ch. 15) 2. Job’s reply (chs. 16-17) 3. Bildad (ch. 18) 1 Concórdia Self-Study Bible. International Bible Society. St. Louis: Concórdia Publishing House, 122 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
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4. Job’s reply (ch. 19) 5. Zophar (ch. 20) 6. Job’s reply (ch. 21) D. Third Cycle of Speeches (cns. 22-26) 1. Eliphaz (ch. 22) 2. Job’s reply (chs. 23-24) 3. Bildad (ch. 25) 4. Job’s reply (ch. 26) E. Job’s Closing Discourse (ch. 27) III. Interlude on Wisdom (ch. 28) IV. Monologues (29:1-42:6) A. Job’s Call for Vindication (chs. 29-31) 1. His past honor and blessing (ch. 29) 2. His present dishonor and suffering (ch. 30) 3. His protestations of innocence and final oath (ch. 31) B. Elinu’s Speeches (chs. 32-37) 1. Introduction (32:1-5) 2. The speeches themselves (32:6-37:24) a. First speech (32:6-33:33) b. Second speech (ch. 34) c. Third speech (ch. 35) d. Fourth speech (chs. 3&37) C. Divine Discourses (38:142:6) 1. God’s first discourse (38:1-40:2) 2. Job’s response (40:3-5) 3. God’s second discourse (40:641:34) 4.Job’s repentance (42:1-6) V. Epilogue (42:7-17) A. God’s Verdict (42:7-0) B. Job’s Restoration (42:10-1 7) Optamos por este esboço por acha-lo mais completo, pois demostra todos os fatos e acontecimentos que se passam ao longo de todo o livro. As indicações dos versículos facilitam ao se achar mais rápido os acontecimentos
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Teologia O livro provê uma declaração profunda no assunto da Teodicéia (a justiça de Deus levando em conta sofrimento humano). A maneira na qual o problema é apresentado e a solução oferecida (pode ser chamado de solução) é exclusivamente de Israel. O que mais se questiona a respeito do livro de Jó é: Como a justiça de um Deus Todo-Poderoso pode ser defendida face ao mal, especialmente sofrimento humano, mais particularmente, o sofrimento de um inocente?
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Esta pergunta deixa três possíveis suposições que permanecem em aberto: 1) este Deus não é Todo-Poderoso, 2) não é um Deus (que existe um “ elemento demoníaco “ no ser dele) 3) aquele homem pode ser inocente. Em Israel porém, era indiscutível que Deus é Todo-Poderoso, que ele é perfeitamente justo e que nenhum humano é completamente inocente na sua visão. Estas três suposições também eram fundamentais à teologia de Jó e de seus amigos. Uma simples lógica ditou a conclusão então: O sofrimento de toda pessoa é indicativo da medida da sua culpa aos olhos de Deus. Em teoria, esta conclusão parecia inevitável, logicamente imperativo e teologicamente satisfatória. Consequentemente, no contexto de tal teologia, a Teodicéia não era um problema, porque sua solução era patente. Mas o que era assim, em teoria teologicamente patente e inexpugnável, era frequente, como no caso de Jó, em tensão radical com experiência humana atual. Havia aquele cuja vida era realmente dedicada a Deus, que tinha vida exemplar, en-
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tretanto não sem pecado, e mesmo assim era acometido de grande sofrimento. Para este, a teologia patente não trouxe nenhuma consolação e não ofereceu nenhuma direção. Só deu lugar a um grande enigma. É o Deus para quem o sofredor foi acostumado buscar em momentos de necessidade e angústia se tornou o enigma opressivo. Nas falas dos caps. 3-37, nós ouvimos a lógica sem defeito, por um lado ferindo à punhaladas os que insistiram na “teologia ortodoxa”, por outro lado o sofrer da alma do homem íntegro que luta com o grande enigma. A “solução” oferecida também é exclusivamente Israelita, ou melhor dizendo, Bíblica. A relação entre Deus e o homem não é exclusiva nem restrita. Deus atua sobre o mundo e sobre as pessoas da maneira que ele quer. Ele não tem que dar satisfações sobre os atos que comete. Deus deixou que Satanás fizesse o que fez com Jó porque Ele tinha plena certeza que Jó continuaria firme na sua fé. O teólogo liberal Jorge Pixley diz que: Não creio que seja preciosismo dizer que o livro de Jó é uma crítica fundamental do método da teologia. Não é por suposto, um tratado de teologia mas
uma obra dramática, porém um drama intelectual e teológico, onde as ações principais são argumentos. È um drama teológico que critica o método teológico dominante em Israel8 A teologia dos interlocutores de Jó se restringe à convicção de que Jó era inocente, que ante essa segurança se desmorona a teologia axiomática que ele também cria. Como Jó não podia oferecer alternativas a essa teologia , quando Deus lhe pediu decidiu calar-se. Archer e Young dizem também que o livro de Jó questiona a doutrina da “Providência Divina” e junto com ela o problema do mal. “Se Deus é justo, porque sofre o justo? Como se explica o mal neste mundo? Em suma , os três autores dizem que a teologia tem que ser feita de cima para baixo e não o contrário. Para eles, Jó não é um tratado de teologia, não oferece soluções a este nível e para eles também não é este a perspectiva do livro. A resposta para esta pergunta é um enigma que só Deus poderá responder (se Ele quiser). 8 PIXLEY, Jorge. El Libro de Job. San José: SEBILA, 1982, p. 14. Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 125
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Jó com relação a riqueza e pobreza Tendo em vista que este trabalho visa colocar os aspectos que relacionam o livro de Jó com a riqueza e a pobreza, nós resolvemos destacar o versículo 21 do 1º capítulo do livro de Jó, onde diz: “e disse: nú saí do ventre de minha mãe, e nú voltarei; o Senhor o deu, e o Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor!”9 Antes de entrar na exegese do versículo propriamente dita, temos que observar o contexto de todo o livro de Jó, isso com relação a riqueza que ele possuía antes de ser provado por Deus, quando Ele permitiu que Satanás tirasse tudo o que possuía, ficando Jó desta forma sem nenhuma riqueza material. No entanto Deus recuperou para Jó tudo em dobro. Jó era o homem mais rico (maior) de todos os do Oriente10. Jó também era um homem integro, reto, temente a Deus, e que se desviava do mal11. Satanás lançou um desafio a Deus, Deus sabia da integridade de seu servo, e de como ele era temente a Ele. No entanto o Diabo duvidava desta fidelidade de Jó para com Deus e 9 A tradução deste versículo é a da Bíblia Almeida Revista e Atualizada (RA) 10 Jó 1.3 11 Jó 1.1 126 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
propôs que Deus tirasse tudo o que Jó tinha, para que assim se provasse que Jó blasfemaria contra Deus. O Senhor deixou que Satanás tirasse tudo quanto Jó possuía, menos a sua vida. As riquezas de Jó eram muitas, no Cap. 1 nós vemos tudo o que ele possuía: * Jó tinha sete filhos e três filhas. * 7000 ovelhas. * 3000 camelos. * 500 juntas de bois. * 500 jumentas. * muitos empregados a sua disposição. * muitas terras.
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E assim Deus permitiu que Satanás tirasse todos estes bens de Jó, inclusive os filhos, que para Jó eram a maior bênção que ele possuía. Mas mesmo diante de toda esta calamidade que sobreveio a ele, ele foi fiel a Deus, e continuou temente a Deus. Por causa desta fidelidade Deus restituiu para Jó tudo o que possuía, sendo que os bens materiais foram em dobro. Passou a possuir: * sete filhos e três filhas. * 14000 ovelhas * 6000 camelos * 1000 juntas de bois * 1000 jumentas * o dobro de empregados * o dobro de terras12 Tendo o contexto do Livro, agora partiremos para a exegese do versículo 21 do Capítulo 1º: “e disse: “e disse: nú saí do ventre de minha mãe, 12 Tendo em vista que a Escritura nos diz que ele recebeu os bens em dobro, chegamos a conclusão de que Jó precisaria do dobro de empregados e também de terras para manter os outros bens.
e nú voltarei; o Senhor o deu, e o Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor!” O que Jó diz aqui vem logo depois de ele ter perdido todos os seus bens. No versículo anterior (20), Jó em sinal de luto e tristeza, rasgou as roupas, rapou a cabeça, e se ajoelhou com o rosto no chão e adorou a Deus. Neste versículo observamos como Jó realmente era fiel a Deus, mesmo quando estava triste, e sem nada, ao invés de reclamar e blasfemar contra Deus, ele rendeu louvores a Deus. E no versículo em questão, que é o 21, vemos a continuação do versículo 20, onde Jó diz o que nós já sabemos, isto é: quando nascemos, estamos nus, ou seja, não trazemos nada conosco para este mundo, e quando morrermos nada levaremos também, e Jó tinha consciência disso. Aqui podemos ver um paralelo com 1 Tm 6.713. Jó tinha a consciência de que tudo o que uma pode pessoa pode ter pertence a Deus, porque foi ele que deu. Assim também com a salvação que nós temos, pois esta é unicamente graça de Deus, através de Jesus Cristo. 13 “porque nada temos trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele”. Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 127
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Conclusão
Bibliografia
Concluímos este trabalho observando que nós, hoje, podemos ver em Jó um exemplo para nossa vida, isso porque, nós apesar de termos o que vestir, o que comer, e mesmo a oportunidade que temos, que estudar a Palavra de Deus a cada dia, não somos agradecidos a Deus como deveria ser. Mesmo confessando tudo isto no credo Apostólico, quando dizemos: “Creio em Deus, o Pai Todo-Poderoso, criador do céu e da terra”, e na explicação deste 1º artigo Lutero nos diz que Deus nos criou e nos sustenta com todo o necessário para o corpo e alma em toda nossa vida. Cabe a nós orar por aqueles que não tem muito o que comer, o que vestir, ou seja, que não tem muita condição de vida, já que o nosso mundo é cheio disso. Pois nós sabemos que Deus tem planos para todo o seu povo. Também precisamos pedir a Deus, para que em nossa fé sejamos perseverantes como Jó, que no momento de fraqueza e de desespero em sua vida, permaneceu firme e fiel a Deus.
A Bíblia Sagrada. Trad. João Ferreira de Almeida — Revista e Atualizada 2ª edição letra grande. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil. 1996. ANDERSEN, Francis I. Jó introdução e Comentário. São Paulo: Ed. Vida Nova e Mundo Cristão,1976. ARCHER, Gleason L. Resenã crítica de una introduccion al Antiguo Testamento. Grand. Rapids:T E L L, 1977. BULLOCK, C. Hassell. An Introduction to the Old Testament, Poetic Books. Chicago, Moody Press, 1988. Concórdia Self-Study Bible. International Bible Society. St. Louis: Concórdia Publishing House, 1984. EDWARDS, J.Young. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Ed.Vida Nova,1964 HANSON, Antony and Miriam. Job. London: S C M Press Ltd. 1953. HARTLEY, John E. The New International Commentary on the Old Testament. Book of Job. Grand Rapids: Eerdmans Publishing Company, 1988. HARRISON, R. K. Introduction to the Old Testament. ������������������ Grand Rapids: Erdmans Publishing Company, 1969. HONSEY, Rudolph E. Job. Milwaukee (USA): Editorial Northwestern, 1996. HUMMEL, Horace D. TheWord Becoming Flesh. St. Louis: Concordia Pulbishing House, 1979. MESQUITA, Antônio Neves de. Estudo no Livro de Jó. 2ª ed. São Paulo, Juerp, 1972. PIXLEY, Jorge. El Libro de Job. Costa Rica: Seminário Bíblico Latino-americano, 1982. SELLIN,Ernst. Introdução ao Antigo Testamento. Trad. D. Mateus Rosa São Paulo :Ed. Paulinas, 1977. SCHULTZ, Samuel J. A História de Israel no Antigo Testamento. São Paulo, Ed.Vida Nova, 1992.
Rev. Cláudio Ramir Schreiber — Medianeira-PR e Rev. Mauro Sérgio Hoffmann — Ji-Paraná-RO, são pastores da Igreja Evangélica Luterana do Brasil.
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Mãe responsável, filhos obedientes
Ana tinha o grande desejo de ser mãe. Personagem da Bíblia, no Antigo Testamento, ela não tinha filhos porque Deus, até então, não permitia. Certo dia ela orou a Deus e disse: “Ó Senhor Todo-Poderoso, olha para mim, tua serva! Vê a minha aflição e lembra de mim! Não esqueças a tua serva! Se tu me deres um filho, prometo que o dedicarei a ti por toda a vida...” 1 Samuel 1.11. Deus atendeu ao pedido de Ana. Ela ficou grávida e deu à luz um filho. Colocou nele o nome de Samuel. No devido tempo, Ana cumpriu com a sua promessa. “Samuel era muito novo quando a sua mãe o levou à casa do Senhor.” A responsabilidade da mãe Ana foi recompensada com a chegada do filho. Esta responsabilidade culminou com a educação do menino conforme a vontade de Deus. Samuel não teve dificuldade em compreender os planos de Deus para a sua vida. Toda a dedicação da mãe foi um ótimo exemplo para ele. A boa vontade e disposição dela em adorar ao Senhor serviram de inspiração para o filho. Existem mães que são gratas a Deus pela felicidade de verem seus filhos bem encaminhados. Muitas gostariam que seus filhos fossem mais consagrados a Deus, responsáveis e obedientes. Mas, amargam grandes decepções. Algumas, pelo fato de não serem bom exemplo. Outras, apesar da boa educação, perderam seus filhos para péssimas companhias e as atrações mundanas. Nunca é tarde para uma mãe assumir a sua responsabilidade e encaminhar os filhos a Deus. Até porque, os filhos obedientes serão a verdadeira alegria dela. Filhos obedientes também são bons alunos; bons pais, motoristas cuidadosos. Filhos obedientes são profissionais honestos e dedicados; são agentes da paz e tornam a vivência em sociedade mais agradável. Que Deus abençoe as mães com sabedoria, paciência e amor. Não esquecendo que temer a Deus é o princípio da verdadeira sabedoria. “Para ser sábio, é preciso primeiro temer a Deus, o Senhor.” Provérbios 9.10. Sabedoria e responsabilidade geram obediência. Rev. Fernando Emílio Graffunder é pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil em Pelotas-RS
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Simbologia
Rev. Jarbas Hoffimann
Santíssima Trindade Já
no primeiro século falsos mestres, incluindo Ário, atacaram a doutrina do Deus Triúno. O Credo Niceno, é como uma bandeira confessional contra o Arianismo e heresias similares, e declara que Jesus Cristo é igual ao Pai. O Credo Atanasiano enfatiza com grande clareza que as três pessoas de Deus são iguais: “E nesta Trindade nada é anterior ou posterior, nada maior ou menor, mas todas as três Pessoas são juntamente eternas e iguais entre si. ... em tudo deve ser honrada a Trindade na unidade e a unidade na Trindade. ”. Um dos símbolos mais antigos da Trindade é o triângulo equilátero. Os lados e ângulos são iguais. Juntos formam uma nova figura. Este símbolo é um auxílio visual para afirmar a verdade que existem três pessoas distintas: Pai, Filho e Espírito Santo, e estas são iguais. O triângulo mostra além disso que as três Pessoas constituem uma unidade — uma essência divina. O triângulo cercado de um círculo mostra não só a unidade divina, mas també a eternidade divina. As130 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
Pesquisa e Adaptação
sim como as três Pessoas são iguais em honra e poder, também são coeternas, nenhuma antes ou depois da outra. Qualquer ilustrações da Trindade, verbal ou visual, é melhor par anos aproximar do verdadeiro ser de Deus. Nós não podemos alcançar a natureza de Deus com as nossas mentes. Mas nós podemos crer que Deus revelou a si mesmo em sua Palavra, e nós podemos adorar ao Deus Triúno com nossos corações juntamente com São Paulo: “Como são grandes as riquezas de Deus! Como são profundos o seu conhecimento e a sua sabedoria! Quem pode explicar as suas decisões? Quem pode entender os seus planos?” (Romanos 11.33).
Nudez exposta
O caso das fotos íntimas da atriz me fez pensar em outro tipo de cuidado, além dos riscos do exibicionismo físico. Se a facilidade de copiar e transmitir imagens nos faz pensar duas vezes sobre a necessidade de registrar fotos e vídeos comprometedores, preocupação semelhante deveria acontecer em âmbito espiritual. Porque, cedo ou tarde, virão chantagens e extorsões. Aliás, quem faz o alerta é o apóstolo Paulo num tempo sem internet. Ele compara a imagem da igreja com o corpo humano, e diz: “O fato é que as partes do corpo que parecem ser as mais fracas são as mais necessárias, e aquelas que achamos menos honrosas são as que tratamos com mais honra. E as partes que parecem ser feias recebem um cuidado especial” (1 Coríntios 12.22-23). Mais adiante ele explica que os cristãos são o corpo de Cristo. O problema é que a igreja de Corinto estava se expondo em intrigas por exibicionismo espiritual, e imagens íntimas vazaram e criaram escândalo. O que também virou caso de polícia (1 Co 6.1), e literalmente a nudez do corpo transformou-se em imoralidade sexual (1 Co 6.18). Toda a epístola é um interessante manual para proteger a privacidade do corpo de Cristo. Gênesis registra que após a primeira desobediência humana, Adão e Eva perceberam que estavam nus, ficaram envergonhados e esconderam as suas intimidades. Logo após a promessa para encobrir a corrupção explícita do ser humano (Gn 3.15 e Ap 12.17), o texto observa que foi o próprio Criador quem confeccionou roupas para o casal. Isto oferece dois recados: Desde que mundo é mundo, ficar pelado por aí é vergonhoso. E o único jeito para ocultar o pecado é vestir o que Deus costura. Sobre esta roupa divina Paulo escreveu: “Porque vocês foram batizados para ficarem unidos com Cristo e assim se revestiram com as qualidades do próprio Cristo” (Gálatas 3.27). Sem dúvida é preciso todo o cuidado quando o assunto é nudez. Rev. Marcos Schmidt — Novo Hamburgo, é pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 131
Rev. Jarbas Hoffimann
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Liturgia para o Dia de Pentecostes Veja uma sugestão de liturgia para culto do Dia de Pentecostes. Mas a mesma pode ser usada como opção para o período de Pentecostes.
Legenda: P Pastor
de pé
C Congregação
sentados
T Todos
ajoelhados
|: Repetir o canto entre :|
cantar
1. Saudação O pastor prepara adequadamente a saudação para cada culto, podendo ressaltar o tema do sermão
P.: ...
2. Hino de Invocação 3. Invocação P.: Começamos este culto, invocando a presença de nosso Deus Pai, Filho e Espírito Santo. C.: Que o Espírito da Verdade se faça presente em nosso meio e nos oriente pelas santas Palavras do Senhor. Amém.
4. Exortação P.: Irmãos, pecamos muito e diariamente. Mas há salvação para nós. Todo aquele que se arrepende de seus pecados e busca o perdão no Senhor, encontra conforto e consolo. 132 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
C.: Que o Espírito Santo nos conduza na confissão de nossos pecados, para que tenhamos o verdadeiro arrependimento e sejamos guiados no caminho do Senhor.
5. Confissão dos Pecados P.: Amados no Senhor. De coração sincero nos acheguemos a Deus nosso Pai e lhe confessemos os nossos pecados, suplicando-lhe em nome de nosso Senhor Jesus Cristo nos conceda o perdão. O nosso socorro está em o nome do Senhor. C.: Que fez o céu e a terra. P.: Dizia eu: confessarei ao Senhor as minhas transgressões. C.: E tu perdoaste a maldade do meu pecado. P.: Onipotente Deus e misericordioso Pai, eu, pobre e
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miserável pecador, te confesso todos os meus pecados e iniquidades com que provoquei a tua ira, merecendo mui justamente o teu castigo temporal e eterno. Deploro de todo coração estas minhas culpas e arrependo-me sinceramente. Suplico-te, mediante a tua profunda misericórdia e a santa, inocente e amarga paixão e morte de teu amado Filho Jesus Cristo, que tenhas piedade e misericórdia de mim, pobre pecador. Amém.
6. Absolvição P.: Diante de Deus pergunto a vocês: é esta a sincera confissão de vocês, que vocês se arrependem verdadeiramente dos pecados de vocês, que creem em Jesus Cristo, e que têm o sincero e firme propósito de corrigir a vida pecaminosa de vocês, pelo auxílio de Deus Espírito Santo? Se é, afirmem isto dizendo: Sim. C.: Sim P.: Em virtude desta confissão de vocês, na qualidade de ministro da Palavra, chamado e ordenado, anuncio a vocês a graça de Deus, e da parte e por ordem de Jesus Cristo, meu Senhor, perdoo todos os pecados de vocês, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. C.: Amém.
7. Salmo do Dia 7.1. Gloria Patri (Glória ao Pai)
C.: Glória ao Pai e ao Filho e ao Santo Espírito, como era no princípio, agora é e por todo o sempre há de ser! Amém.
7.2. Kyrie (Tem piedade Senhor)
C.: Senhor, tem piedade de nós. Cristo, tem piedade de nós. Senhor, tem piedade de nós.
8. Gloria in Excelsis (Glória a Deus nas alturas) P.: Glória a Deus nas alturas. C.: E na terra paz, boa vontade para com os homens. Nós te louvamos, bendizemos, adoramos; nós te glorificamos e te damos graças por tua grande glória. Ó Senhor Deus, Rei dos céus, Deus Pai onipotente. Ó Senhor, unigênito Filho, Jesus Cristo; ó Senhor Deus, Cordeiro de Deus, Filho do Pai, que tiras os pecados do mundo, tem compaixão de nós. Tu, que tiras os pecados do mundo, recebe a nossa deprecação. Tu, que estás sentado à mão direita de Deus Pai, tem compaixão de nós, porque só tu és Santo, só tu és o Senhor. Só tu, ó Cristo, juntamente com o Espírito Santo, Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 133
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és o Altíssimo na glória de Deus Pai. Amém.
9. Saudação P.: O Senhor seja convosco. C.: E com o teu espírito.
10. Coleta (Oração do Dia) P.: ... por Jesus Cristo, teu Filho, nosso Senhor, que vive e reina contigo e o Espírito Santo, um só Deus pelos séculos sem fim. C.: Amém.
11. Hino 12. Leituras Bíblicas 12.1. Primeira Leitura 12.2. Segunda Leitura
P.: Assim termina a leitura. C.: Aleluia! Aleluia! Aleluia!
13. Leitura do Evangelho Pastor anuncia o Evangelho do dia
P.: Evangelho de .... C.: Glórias a ti Senhor! Depois da Leitura do Evangelho:
P.: Assim termina o Evangelho. C.: Glórias a ti, ó Cristo!
14. Confissão de fé Credo Niceno
T.: Creio em um só Deus, Pai Todo-Poderoso, Criador do céu e da terra, tanto das 134 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
coisas visíveis como das invisíveis. E em um só Senhor Jesus Cristo, Filho unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os mundos, Deus de Deus, Luz de Luz, verdadeiro Deus do verdadeiro Deus, gerado, não criado, de uma só substância com o Pai, por quem todas as coisas foram feitas; o qual por nós homens e pela nossa salvação desceu do céu e se encarnou pelo Espírito Santo na virgem Maria e foi feito homem; foi também crucificado por nós sob Pôncio Pilatos, padeceu e foi sepultado; e ao terceiro dia ressuscitou segundo as Escrituras, e subiu aos céus, e está sentado à direita do Pai, e virá novamente em glória a julgar os vivos e os mortos, cujo Reino não terá fim. E no Espírito Santo, Senhor e Doador da vida, o qual procede do Pai e do Filho, que juntamente com o Pai e o Filho é adorado e glorificado; que falou pelos profetas. E numa única santa Igreja Cristã e Apostólica. Confesso um só Batismo para a remissão dos pecados, e espero a ressurreição dos mortos e a vida do mundo vindouro. Amém.
15. Hino 16. Mensagem
Liturgia
18. Hino
Que a Santa Ceia nos faça praticar as palavras que hoje ouvimos e que o teu Espírito Santo, que habita em nós, nos guie no testemunho. Faze de cada um de nós, um importante instrumento na missão. ... em nome do Senhor Jesus e guiado por teu Espírito Santo. C.: Amém.
Entrega das Ofertas
23. Pai Nosso
17. Ofertório C.: Cria em mim, ó Deus, um puro coração e renova em mim espírito reto. Não me lances fora da tua presença e não retires de mim o teu Espírito Santo. Torna a dar-me a alegria da tua salvação e sustém-me com um voluntário espírito. Amém.
19. Avisos da Oração Geral 20. Oração Geral da Igreja P.: ... por Jesus Cristo, teu Filho, nosso Senhor, que vive e reina contigo e o Espírito Santo. Um só Deus pelos séculos sem fim. C.: Amém.
21. Hino 22. Oração Eucarística P.: Senhor. Somos indignos de nos apresentar diante da tua mesa. Mas não confiamos em nós mesmos, nem em nossos méritos. Confiamos em teu Filho Jesus Cristo. Confiamos também na promessa do Espírito Santo, enviado por Jesus sobre nós. Aumenta em nós a fé e o amor a ti e ao próximo.
T: Pai nosso que estás no céu, santificado seja o teu nome. Venha o teu reino. Seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu. O pão nosso de cada dia nos dá hoje. E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós também perdoamos aos nossos devedores. E não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal. Pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Amém.
24. Palavras da instituição P.: Nosso Senhor Jesus Cristo, na noite em que foi traído, pegou o pão e, tendo dado graças, o partiu e deu aos seus discípulos dizendo: Peguem, comam, isto é o meu (†) corpo que é dado por vocês, façam isto em memória minha. P.: E, semelhantemente, também, depois da ceia, pegou o Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 135
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cálice e, tendo dado graças, o entregou, dizendo: Bebam todos deste; este cálice é o Novo Testamento no meu (†) sangue, que é derramado por vocês para perdão dos pecados; façam isto, quantas vezes o beberem, em memória minha.
25. Pax Domini (A Paz do Senhor) P.: Que o Espírito Santo lhes dê a Paz do Senhor Jesus Cristo. C.: Que a Paz do Salvador repouse sobre ti também. P.: Nos saudamos desejando a “Paz do Senhor”.
26. Agnus Dei (Cordeiro de Deus) C.: Cordeiro divino, morto pelo pecador, sê compassivo. Cordeiro divino, morto pelo pecador, sê compassivo. Cordeiro divino, morto pelo pecador, a paz concede. Amém.
27. Distribuição da Ceia Pode-se cantar vários hinos.
28. Bênção de póscomunhão Para congregações onde as pessoas recebem a Ceia em uma fila contínua, em que o pastor não problama a bênção, sugere-se, ao final de toda a distribuição, que a congregação se coloque de pé e o pastor pronuncie a seguinte bênção:
P.: Que o comer, do corpo e 136 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
sangue do Senhor Jesus, que vocês receberam, os fortaleça e preserve na fé verdadeira para a vida eterna. Podem ficar em paz, pois o Senhor está com vocês hoje e sempre. Amém.
29. Ação de Graças P.: Todas as vezes que participamos da Santa Ceia, testemunhamos a morte do Senhor até o seu regresso. Por isso, damos graças e oramos: T.: Senhor Deus, graças Te damos, porque nos reconfortaste por meio da Santa Ceia. Pedimos-te que concedas, por tua graça, que a mesma Ceia nos fortaleça na certeza da ressurreição e na vitória em Cristo e nos dê maior amor para com o nosso próximo. Mediante Jesus Cristo, teu Filho, nosso Senhor, que vive e pelo qual também viveremos eternamente. Amém.
30. Bênção Final P.: O Senhor te abençoe e te guarde. O Senhor faça resplandecer o seu rosto sobre ti e tenha misericórdia de ti. O Senhor sobre ti levante o seu rosto e te dê a paz. C.: Amém. Amém. Amém.
31. Comunicações, convites e despedidas
Trabalho sem avareza nem preguiça
Como é bom quando somos bem atendidos! Quando alguém resolve o nosso problema com habilidades na construção, na contabilidade, nos conselhos, na saúde, educação, etc. Mas como é lamentável quando alguém que deveria executar uma tarefa e cumprir o seu dever age com displicência e irresponsabilidade. O mandamento que proíbe furtar relaciona-se com o trabalho. Há aqueles que roubam dos empregados sendo avarentos e pagando menos do que deveriam! Há outros que roubam seus patrões, sendo preguiçosos e rendendo menos do esperado. Em toda profissão há aquele que se torna uma bênção e outros que são como uma maldição. Um político eleito pode fazer muito pela sociedade, por outro lado é alarmante os prejuízos que podem causar aos cofres públicos. Um bom profissional da saúde pode fazer a diferença na vida de muita gente! Porém, maus profissionais podem causar a morte, trocando soro por veneno ou simplesmente deixando de atender! Um jornalista pode fazer a sociedade pensar, agir e reagir. Mas pode usar sua profissão apenas para defender uma ou outra classe, espalhando inverdades, omitindo algo aqui ou enfatizando outro algo lá. E os pastores, padres e outros “profissionais” da religião? Podem ser tão úteis anunciando o Amor de Deus e proclamando sua Vontade, porém, quando se preocupam apenas em elevar e defender sua própria imagem, ou até mesmo encher o bolso explorando a fé do povo, quantos desastres, dores de consciência e inverdades podem espalhar! Depois de termos desfrutado de mais um feriado do dia do trabalho, é importante refletirmos sobre o exercício das profissões, sabendo, no entanto, que devemos primeiro olhar para nossa própria vida. Pensar em tirar o cisco no olho do outro somente depois de tirar a trave diante dos nossos olhos. Afinal, é sempre mais fácil criticar o trabalho do outro e ser muito piedoso conosco. É fácil criticar os subordinados e assumir uma postura defensiva quando somos avaliados. A Palavra de Deus aconselha: “Trabalhem com prazer, como se vocês estivessem trabalhando para o Senhor e não para pessoas” (Efésios 6.7). Se atentarmos para esse simples conselho, a vida vai melhorar muito, pois seremos servidos de competentes profissionais em toda parte. Diz o ditado que quem trabalha ora duas vezes, mas convém destacar que continuemos a orar, pedindo o pão de cada dia para todos. Para que isso aconteça, faz-se necessário vencer a avareza e a preguiça, começando por aquela que vive no coração de cada um de nós. Essa vitória só nos é possível com o perfeito trabalho do perfeito trabalhador — Jesus. Rev. Ismar Lambrecht Pinz — Pelotas-RS, pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 137
Aborto de Anencéfalos
Foi aprovado pelo Supremo Tribunal Federal o aborto de anencéfalos. Oito votos favoráveis e dois votos contrários. A partir da publicação dessa decisão as mulheres que descobrirem que seu nenê não tem o cérebro completo, poderão interromper a gravidez, tirando a vida do feto. O que mais pesou para se chegar a essa decisão foi a análise do sofrimento da mãe. Tanto que a Lei prevê que justamente a gestante e tão somente ela, poderá e deverá decidir se a vida do feto será interrompida ou não. Sinto que há grande proximidade dos argumentos pró-aborto de anencéfalos com os utilizados a favor da eutanásia. Os favoráveis apontam para o sofrimento de quem acompanha e da própria pessoa. Mas insisto em um argumento brutal, onde afirmo que não se acaba com o sofrimento matando os sofredores. Entendo que justamente ali está a oportunidade de aumentar o amor e o cuidado. A decisão do STF relativiza a Vida. Por isso pergunto: Como medir essa situação do sofrimento? Quando o sofrimento permite acabar com a vida? Quantos sofrem dores emocionais e pedem pelo fim de sua vida — aprovaríamos isso? No caso dos anencéfalos argumenta-se ainda que a possibilidade de vida é pequena. Mas será que não há dignidade em viverem apenas alguns minutos? O dom da vida não está ligado ao tempo de vida! Por isso todos têm o direito e o dever de cuidar durante os poucos dias, semanas, meses ou anos que estamos com nossos filhos e depois sepultá-los dignamente. Em outras épocas algumas civilizações descartavam crianças com outras deficiências. Desejo que essa decisão não abra precedentes para que o egoísmo floresça e frutifique em extermínio de crianças por motivos banais! Quero deixar claro que não consigo mensurar a dor dos pais que descobrem que seu filhinho(a) não tem cérebro. Compreendo que não é uma situação banal. Porém a Vida pertence a Deus. Ninguém tem o direito de interrompê-la. Não somos autônomos nem mesmo com a nossa própria existência — muito menos com a de outrem, menos ainda com a de um feto que não pode defender-se de nada. Independente das leis aprovadas, precisamos continuar zelando e cuidando a vida. Pois antes importa obedecer a Deus do que aos homens (At 5.29). Sabemos que nosso Deus, Criador, nos acompanha desde a concepção, nos viu desde quando estávamos sendo formandos na barriga de nossa mãe (Salmo 139); e que a Verdadeira Páscoa, onde Jesus ressuscitou, nos ensina que nosso salvador não deseja interromper a vida, mas garanti-la eternamente. Concluo convidando os leitores a pesquisarem e conferirem no youtube o depoimento de pais de uma menina anencéfala que recebeu o nome de Vitória de Jesus — o título é “Pais testemunham a sua fé”. Também é possível acompanhar o discurso e o voto de cada um dos ministros. Rev. Ismar Lambrecht Pinz — Pelotas-RS, pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil 138 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
Direto ao Ponto
Vida sustentável P
articipei do 2º Fórum ADCE para Sustentabilidade e voltei mais determinado em fazer a minha parte na preservação dos recursos naturais e do meio ambiente. Neste encontro em Porto Alegre, promovido pela Associação de Dirigentes Cristãos de Empresa, sob o tema “educar pelo exemplo e agir”, empresários, economistas, teólogos, políticos, engenheiros, professores e outros, expuseram ideias e experiências sobre formas sustentáveis de vida. Para mim foi um enorme aprendizado nesta matéria que sempre me interessou. Lembro-me que em 1982, ao optar pelo tema “ecologia” para a minha dissertação do bacharelado, desaconselharam-me por ser um assunto “sem interesse” no aspecto teológico. No entanto, quando hoje o termo “sustentabilidade” é definido como a capacidade de integrar as questões sociais, energéticas, econômicas e ambientais, de imediato os cristãos têm a tarefa de lembrar uma quinta questão, a espiritual. Segundo a fé bíblica, a sustentação, a rocha firme, a pedra angular é Cristo, e sem ela a casa cai. Entre tantas palestras interessantes, fiquei impressionado com a abordagem do ex-ministro da Casa Civil, Luis Roberto Ponte. Com voz embargada, disse que “a doutrina social da igreja ajuda a esclarecer a verdade sobre os sofismas que levam a injustiça, e demonstrar através do exemplo de vida que é somente pela prática do bem que se alcança a sociedade sustentável”. Percebi certa decepção dele com a vida pública, homem experiente que é nos seus 78 anos de idade. Penso que a maioria dos que chegam a este tempo de existência terrena, deve se sentir assim, frustrada com os “sofismas”, ou seja, as argumentações falsas com aparência de verdadeiras. É a insustentabilidade da palavra com a verdade o pior desastre ambiental deste planeta que sofre os efeitos do pecado. Mas foi por isto mesmo que “a Palavra se tornou um ser humano e morou entre nós, cheia de amor e de verdade” (João 1.14). Rev. Marcos Schmidt — Novo Hamburgo, é pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil