História e Intelectualidade no Rio Grande do Sul

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Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) H67399

História e intelectualidade no Rio Grande do Sul / Júlia Silveira Matos, Derocina Alves Campos Sosa, Carmem G. Burgert Schiavon et al. Rio Grande: Pluscom, 2010. 112p. Vários autores. Bibliografia ISBN 978-85-62983-06-1 1. História do Rio Grande do Sul - 2. História da intelectualidade no Rio Grande do Sul. I Matos, Júlia Silveira. II Sosa, Derocina Alves Campos. III Schiavon, Carmem G. Burgert CDU:94(81)

CDD-981

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Sumário

Mário Quintana e Augusto Meyer: olhares intelectuais sobre a cidade Júlia Silveira Matos ......................................................................................................... 7 Antônio José Gonçalves Chaves e a obra “Memórias ecônomo-políticas sobre a administração pública no Brasil”: a questão do fim do tráfico e da escravidão no Brasil Carmem G. Burgert Schiavon......................................................................................13 Osvaldo Aranha e a política brasileira na primeira metade do século XX Derocina Alves Campos Sosa.......................................................................................21 Intelectuais na sala de aula: professores como profissão Alessandra R. Lobo.........................................................................................................29 Adélia Lazzarini Andrino: Intelectualidade e resistência ao projeto de implantação de uma autarquia no Balneário Cassino Alice Elias Ximendes.......................................................................................................37 Intelectuais na História colonial Brasileira: José de Anchieta, Antônio Vieira e Pombal Antonio Luis Correa Pereira Willan Alikuri Pereira Willian Alikuri Pereira...................................................................................................45 Os intelectuais por trás da programação da televisão brasileira Elisabete Zimmer Ferreira............................................................................................53 O jornal A Evolução enquanto canal de comunicação para os intelectuais da Sociedade União Operária e o caso das eleições de 1934 Felipe Godinho Lima......................................................................................................65 “Eu! Um intelectual?” As manifestações de intelectualidade em comunidades tradicionais Flávia Liziane Gonzales Bandeira...............................................................................75 Das armas à pena: intelectualidade e militância na formação do Rio Grande do Sul republicano Marcelo França de Oliveira..........................................................................................85 O Gaúcho de Apolinário Porto Alegre Rosangela Bacher Nunes...............................................................................................95 Movimento Operário e Intelectualidade em Rio Grande nos anos iniciais da República Velha Sabrina Meirelles Macedo.......................................................................................... 103



Mário Quintana e Augusto Meyer: olhares intelectuais sobre a cidade

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Mário Quintana e Augusto Meyer: olhares intelectuais sobre a cidade

Júlia Silveira Matos1

A construção da cidade começaria sempre pela chamada praça maior. Quando em costa de mar, essa praça ficaria no lugar de desembarque do porto; quando em zona mediterrânea, ao centro da povoação (...) A praça servia de base para o traçado das ruas: as quatro principais saíram do centro de cada face da praça. De cada ângulo saíram mais duas, havendo o cuidado de que os quatro ângulos olhassem para o quatro ventos. Nos lugares frios, as ruas deveriam ser largas; estreitas nos lugares quentes. No entanto, onde houvesse cavalos, o melhor seria que fossem largas (HOLANDA, 1973:63).

As interpretações do Brasil produzidas tanto dentro do consagrado Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – IHGB, como entre os literatos ainda no século XIX, foram responsáveis por grande parte do imaginário social sobre a nação. As mesmas serviram de base para a crítica historiográfica a respeito do pensamento brasileiro. Entretanto, mais do que imaginários, as interpretações do Brasil, propostas por diversos intelectuais, como: Vanhagen, Silvio Romero, Alexandre Mello Morais Filho, Paulo Prado, Alberto Torres, Gilberto Freire e também não poderíamos deixar de mencionar os representantes da área da literatura, como Machado de Assis e outros intelectuais do Rio Grande do Sul como Mário Quintana e Augusto Meyer, impulsionaram grandes transformações sociais na educação, na cultura literária, na política e principalmente no conhecimento que temos da História brasileira. De acordo com Pedro Calmon, as transformações sofridas no Brasil e no Mundo, com as Guerras do século XIX e posteriormente em 1914, com a Primeira Grande Guerra, atingiram todas as esferas da vida humana. Desta forma, a reformulação das artes, literatura e história brasileira deu-se a luz de várias correntes teóricas interpretativas, e esta parece ser a grande especificidade das ciências humanas neste país. Note-se, neste passo, que nem Caio Prado Júnior, José Honório Rodrigues e Sérgio Buarque de Holanda tiveram suas formações e carreiras definidas pela vivência Universitária. Vale lembrar que também Gilberto Freyre não é fruto de vivência universitária no Brasil, mas sim no Exterior. Só mais recentemente, e de maneira quase excepcional, a universidade produziu contribuição significativa, crítica, empenhada (MOTA, 1994:23).

Estes quatro nomes são referência para o estudo da história do Brasil. Na citação acima, vê-se uma das características predominantes na formação intelectual brasileira, das primeiras décadas do século XX, a ausência de formação acadêmica 1  Professora Adjunto I na Universidade Federal do Rio Grande – FURG, doutora em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, jul_matos@hotmail.com


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nas áreas de História, artes e letras. Isto porque, no Brasil, só existiam os cursos de direito, engenharia ou medicina.2 Por isso a Literatura3 e a arte nacional foram construídas sob, segundo Antônio Cândido, “inevitável dependência” em relação aos códigos europeus. ... a língua, os estilos, os esquemas ideológicos. Eles teriam dado, a partir das academias do século XVIII, a forma culta, transnacional, a que se teriam subordinado os conteúdos da paisagem e da sociedade colonial. A história brasileira teria sido uma história de integrações, mais ou menos felizes, da nossa realidade aos padrões europeus (MOTA, 1994: XV).

Contra este estigma os intelectuais modernistas rebelaram-se, o que culminou com a eclosão da Semana da Arte Moderna, em 1922. Uniram-se em torno de um objetivo comum, uma identidade nacional na literatura, nas artes e na história, em seus estilos e pensamentos. A jovem intelectualidade que florescia no início dos anos de 1920 clamava por originalidade, por algo brasileiro, por um referencial nacional, davam basta ao estrangeirismo. O grupo dos cinco4, explicitaram, segundo Regina Zilberman (1994:70), em sua arte poética a ânsia por romper os padrões conhecidos. Personagens como Mário Quintana e Augusto Meyer em momentos diferentes, como expoentes da poesia modernista no Sul do país, marcaram a interpretação da sociedade sul-riograndense em seus escritos. Muitos são os trabalhos de análise e estudo sobre a formação das cidades, mas ninguém melhor as explicou do que os poetas. Nas palavras de poetas como Mário Quintana e Augusto Meyer, encontramos as mais profundas, subjetivas e saudosistas representações da cidade. Sendo assim, no presente artigo analisaremos a interpretação de ambos os intelectuais sobre o espaço da cidade. Ambos os intelectuais são assim categorizados por nós no presente artigo, pois sua produção se projeta no campo da crítica e da proposta de transformação social. Para Norbert Elias, devemos destacar que o intelectual se expressa na sua coletividade de grupo, como intelectualidade. Essa se configuraria como, o que o autor chamou de, inteligentzia, responsável pelo estabelecimento das margens balizadoras dos comportamentos sociais. A inteligentzia seria formada por grupos de homens e mulheres que através dos séculos – dentro do conceito proposto pelo autor de “processo civilizador” – registrou em livro, jornais e tratados como os “espelhos de príncipe”,5 as normas aceitáveis de comportamento dentro de determinadas condições, como a hora de comer, de deitar, de participar de recitais e outras situações públicas. Tanto Quintana, quanto Meyer não buscaram construir manuais de comportamento ou práticas de sociabilidade, mas através de sua poesia, construíram representações da sociedade e da cidade, as quais nos auxiliam a compreender seus olhares sobre o momento em que viviam. 2  Ver mais: BARBOSA, Francisco de Assis. Verdes anos de Sérgio Buarque de Holanda: ensaio sobre sua formação intelectual até Raízes do Brasil. In: Sérgio Buarque de Holanda: Vida e Obra. São Paulo, Secretaria de Estado da Cultura: Arquivo do Estado, USP: Instituto de Estudos Brasileiros, 1988, p. 33. 3  Como literatura entende-se toda a produção intelectual do período. Isto porque a história e a literatura estiveram de alguma forma estritamente ligadas em suas trajetórias. 4  Era composto por Anita Malfati, Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Menotti del Picchia e Guilherme de Almeida, somente mais tarde por último Tarsila do Amaral. 5  Os espelhos de príncipes foi uma modalidade de escrita comum entre os intelectuais na Idade Moderna, pois se configurava em um código de conduta a ser seguida pelo Príncipe, o mais famoso foi o escrito por Maquiavel chamado “O Príncipe”.


Mário Quintana e Augusto Meyer: olhares intelectuais sobre a cidade

Quintana e Meyer intelectuais a moda antiga: diálogos sobre a cidade

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Mário Quintana, natural de Alegrete, chegou à cidade de Porto Alegre em 1929, para trabalhar como redator no jornal O Estado do Rio Grande. Até final da década de 1930, apenas viveu de seu jornalismo, chegou a participar como voluntário no Sétimo Batalhão de Caçadores, “... uma das milícias civis que marcharam até o Rio de Janeiro, levando Getúlio Vargas ao poder, na chamada ‘Revolução de 30” (QUINTANA & SAN MARTIN, 2001:27). A imprensa nas primeiras décadas do século XX no Brasil continuou como um espaço de veiculação do pensamento intelectual, assim como, um campo de diálogo com a sociedade e um instrumento de transformação social. De acordo com Norberto Bobbio, a intelectualidade pode ser compreendida como uma classe que se divide em dois grupos. O primeiro grupo poderia ser classificado como os intelectuais puros aqueles que pensariam a intervenção social através da elaboração de teorias e de “princípios guia”, enquanto que o segundo grupo seria formado pelos intelectuais revolucionários que pensariam primeiramente a revolução armada e depois seu programa e idealização. Os dois grupos apesar de se antagonizarem, teriam em comum a consciência da importância de seus papeis na sociedade como agentes transformadores, sempre em busca da justiça e da verdade que defenderiam. O autor acaba por definir os intelectuais como um grupo de homens que, sejam políticos ou não, são conhecidos por suas atividades no campo da literatura, do jornalismo, ambos os campos ocupados por Quintana, ou dos discursos, por se oporem a ordem vigente e proporem mudança no status quo. O olhar do poeta sobre a cidade projetou questionamentos e ao mesmo tempo crítica ao descaso das autoridades públicas com a preservação do patrimônio cultural e histórico da cidade. Somente em 1940, aos 34 anos, Mário Quintana lançou-se como escritor, com a obra A Rua dos Cataventos. Deste momento em diante, não parou de escrever, publicou mais de 20 livros individuais de poesia e prosa. Escreveu para adultos e crianças e marcou o cenário cultural brasileiro contemporâneo com sua excelência lingüística. Aos 87 anos produziu o último trabalho de sua vida, uma reunião de poemas sobre a água, “... suas últimas impressões de paisagens brasileiras, feito anotações de uma viagem pelas margens do rio Paraguai, o Pantanal, o Cerrado, Blumenau, Foz do Iguaçu, Itaipu, Porto de Suape, uma praia no nordeste e a Ilha de Santa Catarina”. (QUINTANA & SAN MARTIN, 2001:11). Perceber esses espaços revela o intérprete atento no qual Quintana se tornou, característica presente em sua obra. Assim, segundo Sirinelli o intelectual para ser entendido dentro dessa categorização conceitual precisaria ser reconhecido como tal por seus pares dentro de seu tempo, ou seja, sua sociedade deveria reconhecê-lo como um pensador e intérprete dos problemas sociais. O reconhecimento seria a base de atuação do intelectual. A longa produção e veiculação da obra de Quintana demonstra seu reconhecimento enquanto intelectual por seus pares ainda em vida. Aqui analisaremos, mesmo que superficialmente, seu poema intitulado A cidade às margens do rio. Que cidade poderemos encontrar neste poema? Seria uma entre as citadas por Helena Quintana? Ou seria a própria Porto Alegre, cidade a qual o poeta dedicou sua vida? Em A cidade às margens do rio, Mário Quintana retratou uma cidade que já foi pequena, na qual a luz é refletida pelas águas que lhe cercavam. Esta cidade é lugar de pouso, das “bem-amadas”, das “velhas carolas”, “dos executivos” e dos “catedráticos”,


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mas também é lugar de boêmios, que passam cantando por suas ruas, quietas e vivas. Nesta cidade somente o rio corre a noite, frente às inúmeras transformações da vida que continua pelo mundo. Lugar de solidão e vida, luz e água, esta é a cidade do poeta, e poderia ser a de todos nós. É o lugar da permanência, da meditação, do saudosismo e da proteção. Nela todos dormem tranqüilos, os boêmios passeiam seguros, não há barulho ou violência, é a cidade ideal, projetada no Espelho da capital que vivia o poeta. Mário Quintana não ofereceu neste conjunto nenhum poema para sua cidade por eleição, Porto Alegre. Em cada um dos doze poemas encontramos, como neste citado, imagens de seu saudosismo da velha cidade, boêmia e segura. No entanto, a Porto Alegre diluída de Quintana ganhou sob o olhar do crítico literário e poeta gaúcho Augusto Meyer ares de fábula, lugar de maravilhas. O poeta dedicou em sua obra autobiográfica Segredos da Infância um capítulo à descrição da cidade de Porto Alegre em seu tempo de infância. No início deste capítulo relatou “Conheci um Porto Alegre fabuloso, regado a sarjetas de água verde, coberto de clarabóias e beirais” (MEYER, 1966:64). Como vemos, sua Porto Alegre é fabulosa, geradora de sonhos, pois a fábula nada mais é do que a projeção da ilusão, do desejo. Mas, esta cidade também tem sarjetas, entretanto, elas têm cor, são verdes, vivas, cheias de clarabóias e beirais, ou seja, estão em movimento. Enquanto a cidade de Quintana é segura e silenciosa, a cidade de Augusto Meyer é viva, colorida e fabulosa. Augusto Meyer era nascido na cidade de Porto Alegre, no ano de 1902. Era bisneto de imigrantes alemães que chegaram a região de São Leopoldo em 1824. De acordo com Tânia Carvalhal “Augusto Meyer ainda perpetua, na construção, o sentimento forasteiros do olhar que inaugura o que vê”(CARVALHAL, 1987:11). Ainda segundo a autora, Meyer descreveu em suas obras a campanha sul-rio-grandense. Estreou na literatura estreou em 1919, com publicação na revista A Máscara, e no ano de 1923 editou seu primeiro livro de poesias intitulado A ilusão querida. Mas, essas obras não foram suas produções de mais sucesso, afinal, foi com os livros Coração verde (1926), Giraluz (1928) e Poemas de Bilu (1929) que conquistou seu reconhecimento enquanto intelectual nacionalmente. Entre suas obras de maior destaque encontramos ainda, Sorriso Interior (1930), Segredos de infância (1949), Prosa dos pagos (1960) e No tempo da flor (1966). O princípio de suas atividades literárias foram ligadas à linha verde-amarela do modernismo, que apresentava uma tendência regionalista. O poeta gaúcho também dirigiu a Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul, de 1930 a 1936, foi ativo participante na organização do Instituto Nacional do Livro no Rio de Janeiro em 1937, já dentro do Estado Novo6 e o dirigiu por cerca de trinta anos. Além de sua larga produção no campo da literatura – como intelectual almejou um espaço maior de atuação e veiculação de idéias – colaborou na Revista do Globo; no campo da imprensa ainda: fundou e dirigiu a revista Madrugada (Porto Alegre) em 1925, de cunho modernista; colaborou no Correio do Povo (Porto Alegre), juntamente com Teodomiro Tostes e Luís Vergara, pela página literária do Diário de Notícias (Porto Alegre), espaço no qual foram veiculadas as primeiras manifestações do pensamento modernista no Rio Grande do Sul. Inserido no movimento modernista Meyer participou da revista Província de São Pedro, publicada pela Livraria O Globo. Também foi responsável por inúmeros artigos e ensaios publicados no Correio da Manhã, a partir da fixação de sua residência no Rio de Janeiro, quando passou a colaborar com outros periódicos. Para o poeta a cidade de Porto Alegre é interprete de seus sentimentos, é lugar de memória, “Toda uma vertente da minha memória sentimental vai dar numa 6  O Estado Novo conseguiu reunir, em seu centro, intelectuais de diversas áreas, e o espaço de cooptação desses foi o Ministério da Educação, chefiado por Gustavo Capanema.


Mário Quintana e Augusto Meyer: olhares intelectuais sobre a cidade

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encruzilhada de ladeiras e becos, onde as vezes me aparece, como intérprete oportuno dos meus próprios sentimentos, o fantasma do guri que já fui”(MEYER, 1966:64). Esta Porto Alegre, sob os olhos do poeta, não é material, mas sim espiritual, é o fantasma saudoso dos tempos de infância. “O tempo e a memória dos homens impregnam quase sempre as coisas de uma névoa de passado e evocação que se transfigura com não sei que toques de magia” (MEYER, 1966:64). Não são os prédios e casas que eram vistos pelo poeta, mas a história de vida guardada em cada espaço, rua e construção da cidade. Entretanto, este olhar saudoso era consciente da deturpação emocional, a verdadeira cidade estaria eternamente encoberta de névoa do passado. Para o poeta sua cidade de Porto Alegre de infância era eterna e não podia ser abafada pela modernidade e transformação urbana da cidade. Qualquer mudança na estrutura da cidade, diante do saudosismo do poeta, Torna-se transparente qualquer paisagem, aos olhos de quem recorda ou tenta reconstituir os seus aspectos anteriores, e uma cidade, uma rua, começam a desandar para suas feições primitivas, a desmanchar-se, recompondo-se noutra ordem de planos, quando se projeta no seu passado a luz da fantasia evocativa (MEYER, 1966:64).

Como vemos, a cidade na visão desses poetas é eterna, não pode ser atingida pelas transformações da modernidade e da violência, é saudosa, bela e segura. Esse olhar saudosista e romanceado do poeta projeta preocupação com a preservação de um passado não muito distante, que lentamente é absorvido pela vida moderna. Portanto, seja na perspectiva coletivista de Elias, da categorização classista de Bobbio ou da limitação apontada por Sirinelli, todos os autores perpassam o mesmo espaço conceitual ao afirmarem que os intelectuais, sejam em grupo ou individualmente, sempre almejam a crítica, a mudança, a intervenção e principalmente se entendem como responsáveis pelas transformações propostas. Os intelectuais são diagnosticadores dos problemas vividos pela sociedade, apontam as deficiências da política vigente e propõe os prognósticos, ou seja, a solução. Assim, podemos afirmar que o conhecimento e percepção que temos sobre a sociedade Sul Rio-Grandense e de nós mesmos em muito é produto do pensamento intelectual tanto de Mário Quintana, quanto de Augusto Meyer. Eles são os responsáveis por registrar os tratados que analisam nossa cultura, habitus, práticas e representações de vida e da mesma forma, canonizam algumas crenças e imaginários sobre a cidade ainda no século XX.

Fontes

MEYER, Augusto. Segredos de Infância. 2 ed. Rio de Janeiro: Edições Cruzeiro, 1966. QUINTANA, Mário. Água. Ed. trilíngüe. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2001.

Referências bibliográficas

ALAMBERT, Francisco. A Semana de 22: A Aventura modernista no Brasil. São Paulo: Editora Scipione, 2004. ALBECHE, Daysi L. Imagem do Gaúcho: história e mitificação. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996.


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ARANHA, Graça. O Espírito Moderno. São Paulo: CIA. Graphico-Editora Monteiro Lobato, 1925. BARBOSA, Francisco A. (org.) Raízes de Sérgio Buarque de Holanda. 2 ed. Rio de Janeiro: Racco,1988. BOURDIEU, Pierre. Espaço social e poder simbólico. In: Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004, pp. 150-168. BERNARDI, Francisco. As bases da literatura rio-grandense. Porto Alegre: Editora Age, 1997. BOBBIO, Norberto. Os intelectuais. In: Os intelectuais e o poder: dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea. São Paulo: UNESP, 1997, pp. 109-139. BOSI, Alfredo. Literatura Brasileira. 2 ed. São Paulo: Editora Cultrix, 1983. CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. São Paulo: T.A Queiroz Editor, 2000. CARVALHAL, Tânia Franco. Augusto Meyer; poesia, prosa e ensaio. Porto Alegre: IEL, 1987. CHAVES, Flávio Loureiro. Matéria e invenção (ensaios de literatura). Porto Alegre: Ed. Universidade/ UFRGS, 1994. ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história dos costumes. Volume 1. 2 ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Jorge Zahar, 1994. HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 7 ed. Rio de Janeiro. Livraria José Olympio Editora, 1973. MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia da Cultura Brasileira: 1933-1974. 9 ed. São Paulo, Editora Ática 1994. NICOLA, José de, Literatura Brasileira: das origens aos nossos dias. 2 ed. São Paulo: Scipione, 1989. SIRINELLI, Jean-Francçois. Os intelectuais. In: REMOND, René (org.). Por uma história política. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003, pp. 231-262. ZILBERMAN, Regina et al. As pedras e o arco: fontes primárias, teoria e história da literatura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004.


Antônio José Gonçalves Chaves e a obra “Memórias ecônomo-políticas sobre a administração pública no Brasil”

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Antônio José Gonçalves Chaves e a obra “Memórias ecônomo-políticas sobre a administração pública no Brasil”: a questão do fim do tráfico e da escravidão no Brasil

Carmem G. Burgert Schiavon1

A presença do escravo negro na Província Rio-Grandense remonta ao século XVII, momento em que eles “integravam” a comitiva dos tropeiros e sesmeiros desenvolvendo atividades relacionadas à lide das estâncias, assim como à condução de tropas para as feiras, principalmente, de Sorocaba. No momento em que se estabelece uma comparação com o restante do país, constata-se que o início da presença escrava no solo gaúcho é relativamente tardio, a explicação para esta assertiva pode ser localizada no fato de que a Província Rio-Grandense permaneceu, durante quase dois séculos, como verdadeira “terra de ninguém”. Posteriormente, ou melhor, no período em que o Rio Grande do Sul irá se ligar ao restante do Brasil, na forma de economia subsidiária à monocultura de exportação, é que o escravo passará a integrar de modo efetivo o quadro populacional rio-grandense. Em 1737, no momento em que os primeiros colonizadores fundam o forte Jesus-Maria-José, na barra de Rio Grande, os escravos estavam presentes fazendo parte da comitiva do brigadeiro José da Silva Paes; após este momento, muitos deles permaneceram na cidade e outros, aos poucos, vieram a acrescer o contingente populacional de escravos no Rio Grande do Sul, passando a ser utilizados nos mais diferentes ramos da economia gaúcha. Não obstante, a escravidão negra no Rio Grande do Sul tomou corpo à medida que a agricultura extensiva – relacionada fundamentalmente à cultura do trigo – e as charqueadas assumiram uma significativa importância econômica na Província RioGrandense, notavelmente, a partir das últimas décadas do século XVIII. No Rio Grande do Sul a atividade das charqueadas teve origem com o português José Pinto Martins, por volta de 1780, momento em que ele funda sua charqueada às margens do arroio Pelotas. Após ele, muitos outros passaram a se dedicar a este ramo de atividade, principalmente, no solo pelotense, local considerado como o maior centro escravista da Província durante o século XIX. E foi, justamente nesse ambiente, a partir de um charqueador, que surgiu uma das primeiras manifestações contrárias à continuidade da escravidão no Brasil: a obra “Memórias ecônomo-políticas sobre a administração pública do Brasil”, de Antônio Gonçalves Chaves.

1  Doutora em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e Professora dos Cursos de História e Arquivologia do Instituto de Ciências Humanas e da Informação da Universidade Federal do Rio Grande (ICHI-FURG).


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A terceira memória de Gonçalves Chaves e a questão da escravidão no Brasil

Antônio José Gonçalves Chaves nasceu em Vila Verde do Ouro, na comarca de Chaves, em Portugal. Não há consenso quanto à data exata de seu nascimento, todavia, Abeillard Barreto indica que esta teria ocorrido por volta de 1790; todavia, o historiador Sérgio da Costa Franco acredita que “talvez seja necessário recuar ainda mais esse cálculo estimativo, pois sua formação cultural parece ter sido marcadamente européia” (CHAVES, 1978: 17). Por volta de 18052, Chaves radicou-se na cidade de Pelotas, na condição de caixeiro, local onde passou a se dedicar à industrialização do charque (ERICKSEN, 1977: 64). Em 1811, casou-se com Maria do Carmo Secco, em Pelotas, união esta que resultou em muitos filhos3. Além de charqueador, foi escritor e político, sendo membro do Conselho Administrativo da Província no ano de 1824 e, em duas ocasiões, Conselheiro Geral da Província: em 1828 e em 1832. Neste mesmo ano, tornou-se vereador na primeira legislatura da Câmara Municipal da cidade de Pelotas. Posteriormente, em 1835, com 136 votos foi eleito membro da Assembléia Legislativa da Província Rio-Grandense (RODRIGUES, 1899: 9). Faleceu em 29 de julho de 1837, em Montevidéu, vítima de um naufrágio. As “Memórias ecônomo-políticas sobre a administração pública do Brasil”, de Gonçalves Chaves indicam alguns aspectos relativos à sua formação e deixam transparecer leituras em francês, latim, economia, política e filosofia. De acordo com o viajante francês Auguste de Saint-Hilaire, que esteve hospedado em sua charqueada, em 1820, “o Sr. Chaves é um homem culto, que sabe latim, francês, com leitura de História Natural e conversa muito bem” (SAINT-HILAIRE, 1987: 79). Além desses aspectos, o texto de Chaves, ao advogar pela adoção de um liberalismo adaptado à realidade brasileira, igualmente deixa transparecer leituras nesta área. Nesta mesma direção, o relato de Nicolau Dreys, outro viajante francês que esteve no Rio Grande do Sul, durante o século XIX, também evidencia este posicionamento no momento em que ele tece as seguintes considerações acerca do desenvolvimento da região: (...) seu pronto adiantamento resulta de sua proximidade das charqueadas, e por consequência da coadjuvação dos charqueadores, homens abastados e geralmente dotados de disposições liberais; a vontade deles era, com efeito, suficiente para operar a transformação que se tem notado: eles quiseram que o lugar prosperasse, e o lugar prosperou (DREYS, 1990: 81, o grifo não consta no original).

2  De acordo com Abeillard Barreto, Gonçalves Chaves teria chegado ao Rio Grande do Sul “(...) muito depois, uma vez que nos parece ter estado antes na Bahia por alguns anos, em casa de um tio” (BARRETO, 1973: 338). 3  Entre seus filhos destaca-se a figura do primogênito – que tem o mesmo nome do pai –, o qual se tornou responsável pela continuidade dos negócios da família atuando, ainda, como deputado provincial em mais de uma legislatura; todavia “toda a sua descendência, por diversos ramos, assumiu destaque na vida política, social e econômica do Rio Grande do Sul” (FRANCO in: CHAVES, 1978: 18).


Antônio José Gonçalves Chaves e a obra “Memórias ecônomo-políticas sobre a administração pública no Brasil”

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Antônio José Gonçalves Chaves4 Seguindo esta orientação liberal, entre os anos de 1817 e 18235, Gonçalves Chaves publica, no Rio de Janeiro, as suas “Memórias ecônomo-políticas sobre a administração pública do Brasil”. Seu texto está dividido em 5 memórias. A primeira, escrita em 1821, apresenta uma crítica à administração da colônia brasileira, mais especificamente, à necessidade de extinção dos capitães-generais. A segunda memória, ao abordar a questão das municipalidades e a união do Brasil com Portugal, guarda relação direta com a primeira. A questão do fim do tráfico e da escravidão no Brasil constitui o ponto central da terceira memória. A quarta memória detém-se na análise da distribuição das terras incultas no Brasil. A quinta – e última – aborda, 4  Foto retirada do livro Almanak litterario e Estatístico do Rio Grande do Sul para 1899. Rio Grande: Carlos Pinto & Comp. Successores, 1899. 5  Em 1821, Gonçalves Chaves decide publicar as duas primeiras memórias. Para tanto, ele envia os textos a um amigo que reside na Bahia; contudo, não obtém êxito quanto ao seu intento. Após a independência do Brasil, em 1822, Chaves consegue publicar as três primeiras memórias no Rio de Janeiro. Posteriormente, no ano de 1823, ele publica as duas últimas memórias (a quarta e a quinta). Entretanto, ressalta-se que, já em 1817, Chaves havia buscado a publicação da sua terceira memória junto ao jornal português “O Investigador Português”. Sobre o assunto, ver: ERICKSEN, 1978: 64.


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especificamente, o caso da Província Rio-Grandense (com ressalvas ao caráter “benevolente” do gaúcho). Em linhas gerais, as memórias de Chaves apresentam uma crítica à administração colonial de Portugal, principalmente no tocante aos entraves econômicos, administrativos e políticos, os quais, segundo ele, inviabiliza o pleno crescimento da Província Rio-Grandense e do Brasil, haja vista que: Não podemos deixar de ponderar quanto são onerosos nossos impostos, particularmente sobre nossos gêneros de exportação. Os couros vacuns navegados para portos do Brasil pagam de cinco um: nada mais odioso, nada mais extraordinário neste gênero (...). Não há coisa mais digna de estranhar-se, nada mais abominável no respeita a impostos (CHAVES, 1978: 205).

Muito embora a sua importância quanto à questão da administração brasileira, neste trabalho, especificamente, será analisada a terceira memória, ocasião em que Gonçalves Chaves propõe algumas “soluções” para o problema da escravidão no Brasil. Seguindo esta orientação, já no início do texto, o autor desfere críticas à manutenção do tráfico escravista no país utilizando como argumentação “os terríveis inconvenientes do sistema de escravidão e a necessidade absoluta em que estamos de vedar a introdução de mais escravos no Brasil” (CHAVES, 1978: 58). Desse modo, o texto de Gonçalves Chaves, tido no Rio Grande do Sul como sendo “(...) o primeiro gesto em favor da extinção do cativeiro” (ERICKSEN, 1977: 64)6 critica a escravidão chegando, inclusive, a atribuir a esta a falta de “prosperidade do país”, assim como o motivo de impedimento do seu crescimento pois, “está privativamente o trabalho da agricultura do Brasil nas mãos da classe escrava e se esta é incapaz de bem o dirigir bem, como há de prosperar esta coluna do Estado?” (CHAVES, 1978: 61). Na sequência do texto, Chaves trata da necessidade de incentivos à indústria brasileira e, para tanto, defende uma Fonte: CHAVES, 1978: 53 6  O historiador Sérgio da Costa Franco, na introdução da re-edição do livro de Gonçalves Chaves, em 1978, também apresenta a terceira memória de Chaves (Sobre a Escravidão) como “uma das primeiras manifestações articuladas no Brasil contra o escravismo” (FRANCO in: CHAVES, 1977: 18).


Antônio José Gonçalves Chaves e a obra “Memórias ecônomo-políticas sobre a administração pública no Brasil”

aproximação do Brasil com os Estados Unidos, haja vista que:

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Nada convém mais ao Brasil do que a boa inteligência com os Estados Unidos da América, pois que esta nação, a quem não interessa monopolizar a indústria, nos poderá melhor servir de veículo para nossos primeiros passos em indústrias do que [a] Inglaterra, que em todos os ramos faz monopólio (CHAVES, 1978: 69).

Com base nas citações feitas até o momento, verifica-se que Gonçalves Chaves debita à escravidão a falta de avanços na agricultura, assim como vê nesta um empecilho ao surgimento do setor industrial no Brasil, tendo em vista que, o dinheiro investido na compra de escravos, poderá ser utilizado para o pagamento a trabalhadores livres e isso favorecerá a indústria na medida em que “fará forçosamente que os capitais procurem máquinas, a ação mais produtora e sábia [que] pode haver em um país como o Brasil” (CHAVES, 1978: 68). Pela leitura da sua memória também fica claro a preocupação de Chaves com o elevado número de escravos no país – se comparado com o contingente populacional branco –, pois isto poderia ocasionar a deflagração de um conflito social no país. A partir dessas preocupações e anseios, Gonçalves Chaves defende o fim do tráfico de escravos para o Brasil e, posteriormente, da escravidão no país, afinal, a manutenção do sistema escravista acaba impedindo a vinda de imigrantes europeus e o povoamento brasileiro. Desse modo, com uma população mais especializada – leiase de imigrantes – o Brasil se tornaria mais competitivo, porque: (...) viriam infalivelmente da Europa famílias inteiras para o Brasil: enriqueceriam bem depressa com os produtos do seu próprio trabalho; ramificariam por toda a parte e com as notícias que dessem aos seus patrícios de sua fortuna, atrairiam muitos povos; entrelaçar-se-iam com a parte da nação mais apurada e operariam [uma] população livre, briosa, industriosa, afoita e laboriosa (CHAVES, 1978: 62).

Assim, com base nesses preceitos e nas propostas liberais7, Chaves advoga pela extinção do tráfico negreiro (e, para isto, aponta um prazo máximo de 18 meses para os negociantes acabarem com seus fundos) e pelo gradual término da escravidão no Brasil. Em síntese, o pensamento liberal expresso pela terceira memória busca o livre desenvolvimento econômico – com diminuição de impostos e ampliação do mercado – com destaque ao direito de propriedade e à ideia de liberdade individual. Em linhas gerais, o projeto apresentado por Gonçalves Chaves advoga pelo fim da escravidão de modo lento e gradual, sendo sua proposta sintetizada em 7 itens, conforme indicação abaixo: 1º - Conceder-se 18 meses para a liquidação de seus fundos aos negociantes ou traficantes de escravos em África, sem exclusão de um só porto. 2º - No fim deste período fica absolutamente proibido o tráfico da escravatura fora do Brasil. 3º - As permutas dos escravos no Brasil não se podem proibir sem ofensa direta do direito de propriedade, mas podem fazer-se regulamentos para as vendas em público, em que se conciliará a permuta com os melhores termos de honestidade. 4º - A lei promoverá eficazmente a emancipação dos cativos por meio de associações filantrópicas, quando já estejamos certos de que nossa força física excede a da raça preta. 5º - A segunda e, o muito, a terceira geração em que consecutivamente tenha entrado mistura da cor branca será efetivamente livre. 6º - Todo o oriundo de cativos fica livre logo que atingir vinte e cinco anos; faltando a certidão autêntica da idade, terá sua emancipação aos vinte anos 7  Tal pensamento denota leituras em Rousseau, afinal “nulo é o direito de escravidão não só por ser ilegítimo, mas por ser absurdo e nada significar” (ROUSSEAU, 1983: 29).


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inclusive, louvando-se a idade por pessoas de bem ou por os juízes de facto. 7º - Nenhuma embarcação poderá despachar em qualquer porto do Brasil tendo a bordo mais de dois marinheiros cativos; aos dois que se matricularem se tirarão suas feições com toda a exatidão, porque devem ficar livres os que se acharem demais a bordo, provando-se que ali embarcaram efetivamente para o ofício de marinhagem (CHAVES, 1978: 66).

Pela análise do excerto acima, constata-se que Gonçalves Chaves tem em mente uma abolição lenta e gradual, sem prejuízo do direito de propriedade do senhor, com vistas ao desenvolvimento da indústria no país, alicerçada na utilização da mão-de-obra livre e assalariada, e não uma ação filantrópica, simplesmente voltada ao “destino dos pobres escravos”, como o escritor apregoava no início do seu texto. Em outras palavras, Chaves advoga em interesse próprio haja vista que “(...) se quisesse industrializar a mesma quantidade de animais que o seu concorrente rio-platense, o charqueador precisaria dispor o dobro de braços; o que significaria uma esterilização duas vezes maior do capital-dinheiro empregado na aquisição de escravos” (GORENDER, 1980: 32). Assim, verifica-se que a “solução” apontada por Chaves para o problema do elemento servil no país representa, certamente, mais uma preocupação com o desenvolvimento da atividade charqueadora no Rio Grande do Sul, face à concorrência que este produto tinha em relação ao charque platino – atividade esta baseada no trabalho livre e assalariado – do que um ato de reflexão acerca da pessoalidade do negro escravo, afinal, “a economia platina do charque levava vantagem por causa da melhor qualidade do gado, das taxas mais baixas a que estava sujeita a exportação, do mais fácil acesso aos portos, das relações que mantinha com os ingleses” (CARDOSO, 1962: 67). O historiador Ricardo Silveira também corrobora este pensamento ao evidenciar o fato de que Chaves defendia a abolição do cativeiro apenas porque “representava um entrave para a sua atividade econômica e para o restrito mercado de trabalhadores livres no Brasil” (SILVEIRA, 1997: 94). Em setembro de 1820 Gonçalves Chaves hospedou o naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire. Por meio do depoimento que o viajante deixou desse contato, percebe-se a rudeza do tratamento que Chaves destinava aos seus escravos pois, segundo suas palavras “ele e sua mulher só falavam a seus escravos com extrema severidade, e estes parecem tremer diante dos patrões” (SAINT-HILAIRE, 1987: 86). A partir desta afirmação solidifica-se o pressuposto de que a solução apontada por Chaves para o problema do elemento servil no país representava, certamente, uma preocupação voltada aos seus interesses particulares e/ou ao grupo que ele representava, afinal, não se pode ignorar a sua participação política no cenário RioGrandense. Ainda, com relação aos maus tratos sofridos pelos escravos na charqueada de Gonçalves Chaves, o viajante francês relata a história de: (...) um negrinho de dez a doze anos que permanece de pé, pronto a ir chamar os outros escravos, a oferecer um copo de água e a prestar pequenos serviços caseiros. Não conheço criatura mais infeliz do que esta criança. Não se assenta, nunca sorri, jamais se diverti, passa a vida tristemente apoiado à parede e é, freqüentemente, martirizado pelos filhos do patrão. Quando anoitece, o sono o domina, e quando não há ninguém na sala, põe-se de joelhos para poder dormir (SAINT-HILAIRE, 1987: 86-87).

Nesta direção, a obra de Gonçalves Chaves deve ser entendida como um projeto que visa seus próprios interesses e os da classe a qual representa, tendo em vista que o seu texto siginifica um projeto político voltado aos interesses destes, afinal de contas, baseando seu pensamento em autores como Montesquieu e Adam Smith, ele “atua enquanto representante do grupo de charqueadores pelotenses, pensa e age na condição de empresário de negócios e que suas memórias aparecem


Antônio José Gonçalves Chaves e a obra “Memórias ecônomo-políticas sobre a administração pública no Brasil”

como um projeto político que busca efetivação” (CHAVES, 1978: 12) .

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Referências bibliográficas

BARRETO, Abeillard. Bibliografia Sul-Riograndense: a contribuição portuguesa e estrangeira para o conhecimento e integração do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1973, v. 1. CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e escravidão no Brasil meridional: o negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul. 2. ed. Rio de Janeiro, 1977. CHAVES, Antônio José Gonçalves. Memórias ecônomo-políticas sobre a administração pública do Brasil. Porto Alegre: Companhia União de Seguros Gerais, 1978. DREYS, Nicolau. Notícia descritiva da Província de São Pedro do Sul. Porto Alegre: Nova Dimensão, 1990. ERICKSEN, Nestor. O sesquicentenário da Imprensa Rio-Grandense. Porto Alegre: Sulina, 1977. GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. São Paulo: Ática, 1980. RODRIGUES, Alfredo F. Dr. Antônio José Gonçalves Chaves. In: Almanak Litterario e Estatístico do Rio Grande do Sul para 1899. Rio Grande: Carlos Pinto & Comp. Successores, 1899. ROUSSEAU, Jean Jacques. Do Contrato Social; ensaio sobre a origem das línguas; discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens; discurso sobre as ciências e as artes. 3. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. SILVEIRA, Ricardo Antônio da. Antônio José Gonçalves Chaves: considerações acerca de um projeto econômico e político no Rio Grande do Sul de meados do século XIX. Dissertação de Mestrado – PUCRS. Porto Alegre: abril de 1997.



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Osvaldo Aranha e a política brasileira na primeira metade do século XX

Derocina Alves Campos Sosa1

Considerações Iniciais

A História Política do Brasil Contemporâneo oferece exemplos significativos de pessoas que se sobressaíram com suas idéias e essas acabaram influenciando gerações inteiras. Particularmente o período que se estendeu de 1930 a 1984 foi palco de significativas mudanças em que a população pode conviver com períodos relativamente curtos de Democracia- 1930-1937;1945-1964 entrecortados por períodos de autoritarismo extremo -1937-1945 e Ditadura Militar 1964-1984. Nesse espaço de tempo o Brasil mudou as suas feições econômicas, o projeto da industrialização passou a ser definitivamente assumido pelo Estado, gerando uma modificação substancial na composição da sociedade. A urbanização foi acelerada ocasionando, o fluxo intenso de ondas migratórias que provocaram o inchaço das cidades e a formação em torno delas dos chamados cinturões de miséria. Contribuindo com esse cenário pró-industrialização, os governos desse período passaram a ser constantemente assediados pelo capital internacional que acabou aportando aqui com suas multinacionais. Essas transformações se refletiram também sobre as elites que passaram a adotar hábitos e padrões de comportamento exógenos, notadamente dos Estados Unidos. Reflexo dessas influências foram vistos principalmente no cinema norte-americano que exportou para muitos países- entre eles o Brasil- esses mesmos hábitos. As elites cultas impunham à sociedade brasileira esses padrões. No século XIX, o Brasil copiou os hábitos e costumes franceses e ingleses. No século XX, a tônica foi a importação dos padrões comportamentais estadunidenses que por aqui aportaram sobre vultosas somas de dólares. Quando nos reportamos às elites nacionais, estamos destacando grupos que por seu poder político-econômico assumiram posições cruciais na sua vida pública e essas decisões foram profundamente marcantes para o desenrolar dos acontecimentos históricos. Longe de fazer apologias biográficas, no entanto, não podemos desconsiderar que as posições políticas que ocupam certos personagens e as idéias que tem, quando as colocam em prática repercutem na direção da política tanto interna quanto externa. Dentre essas personagens que influenciaram a vida política do Brasil no período em tela estão Getúlio Vargas, Flores da Cunha, Osvaldo Aranha, Juscelino Kubitschek, João Goulart, Luiz Carlos Prestes, entre tantos outros. Independente da posição que tomaram, esses atores ocuparam o cenário político 1  Professora do ICHI da FURG. Doutora em História das Sociedades Ibéricas e Americanas pela PUCRS. Contato: derocinacampos@hotmail.com


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brasileiro de forma intensa e agiram guiados por idealismo, pragmatismo, ou ambos. Osvaldo Aranha, um desses personagens, marcou a História Política do Brasil, assumiu posições de alinhamento ao governo tanto estadual quanto federal como posições de confronto como no episódio da Revolta Assissista de 1923 e na Revolução de 1930. Nesses dois episódios, Osvaldo Aranha empunhou armas para defender seus ideais.

Osvaldo Aranha e a Revolução de 1930

Osvaldo Aranha nascido em 15/2/1894 no município de Alegrete, provinha de uma família de estancieiros.Percorreu uma trajetória política ainda no RS que o colocou diretamente envolvido com as zonas de fronteira entre elas, Itaqui e Uruguaina como advogado, defensor do Partido Republicano e intendente.Assumiu a defesa do Partido Republicano (PRR) fielmente,participando ativamente de combates contra os Libertadores de Assis Brasil. No entanto a presença mais marcante de Osvaldo Aranha nessa época,foi a preparação da Revolução de 1930. Nenhum político dentre os revoltosos foi mais atuante do que ele. Participou ativamente da campanha da Aliança Liberal, que lançou a candidatura de Getúlio Vargas às eleições de 1930. e conduziu pessoalmente a formação da Frente Única Gaúcha que congregou as forças oposicionistas do estado em momento precedente. No episódio revolucionário de 1930, Aranha agiu como um verdadeiro maestro que regia com extrema perspicácia o desenrolar dos acontecimentos. Diante de um Getúlio Vargas titubeante, contrapunha-se um Osvaldo Aranha convicto de que o Brasil deveria sepultar definitivamente a ordem estabelecida durante a República Velha, marcada pelas fraudes eleitorais, e as arbitrariedades dos governos federais. Acreditava na depuração do regime, lutou para isso. Empurrou Vargas para a tomada de decisão, não somente para fazer campanha eleitoral, quanto a assumir posição de comando no momento e que o movimento estourou. Em documento a Getúlio Vargas datada de 13/9/1930, dois meses antes do início do movimento, Aranha chama a atenção para a necessidade de radicalização contra o poder instituído. Assim se manifesta: Nada se pode esperar das leis, que não são praticadas, nem dos homens que são os seus violadores. Onde a lei não é cumprida, o governo assenta no arbítrio e na força. A desordem material é a resultante de uma maior anarquia moral. Não havendo ordem, é impossível o progresso. As soluções pacíficas, preconizadas como melhores e mais simpáticas, tornam-se inúteis e quiméricas. A continuidade, lei básica da vida política dos povos, faz-se em sentido inverso, violentada pelos abusos do poder. A evolução não é possível, como processo civilizador. Resta apenas, como recurso extremo, dominar esse arbítrio e vencer essa força. A este estado revolucionário de fato, criado pelo poder, devem as forças vivas da Nação opor a força ordenadora das massas populares, conjugadas com as suas elites. Esta é a situação real do país ( Arquivo Osvaldo Aranha código AO 30.9.13/1)

Mais adiante na mesma carta, Osvaldo Aranha é mais enfático na defesa do expediente da luta armada. Segundo ele: Não há duas situações para uma só realidade, como não há duas soluções verdadeiras para uma mesma hipótese. Assim, ou concordamos com a situação da anarquia moral e de miséria material, que dominam a República, ou, animados de espírito de sacrifício, de altruísmo cívico, dentro da nossa missão social resolvemos procurar os meios de corrigir essa situação. A primeira hipótese não constitui uma solução digna da nossa educação política, dos nobre exemplos


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dos nossos maiores, nem dos compromissos tácitos e expressos assumidos com a República: seria a rendição definitiva dos bons aos maus, a relegação de todas as possibilidades e esperanças de melhores dias para a República Brasileira. A segunda importando em graves conseqüências, ainda que adotada em consciência e individualmente por todos os homens dignos, constituindo mesmo um imperativo cívico para todos os brasileiros, só poderia ser adotada pela comunhão se esta incorporasse forças e possibilidades capazes de vencerem aquela sobre a qual ilegalmente assenta o atual regime (idem)

Osvaldo Aranha participou do movimento eleitoral. Quando o resultado da eleição apontou para a vitória do candidato do governo, Júlio Prestes, Aranha instigou os elementos da Aliança Liberal à luta armada. Conferenciou com líderes tenentistas entre eles Luiz Carlos Prestes, com vistas a organização do movimento armado, inclusive com o oferecimento de armas que seriam utilizadas no levante. Quando Getúlio e Borges resolveram, diante do resultado da eleição, aceitar o resultado dessa, temendo que o RS pudesse sofrer represálias, por assumir atitude de oposição, Aranha se retirou estrategicamente do primeiro plano da cena política, no entanto,no dia exato que era homenageado em um banquete em Porto Alegre, chegou a notícia da morte de João Pessoa, candidato a vice presidente na chapa da Aliança Liberal. Daí em diante o movimento ganhou forças, e a revolução explodiu. A conseqüência direta foi a tomada do poder por Getúlio Vargas que inaugurou uma era significativa na História do Brasil. Logo que chegou ao poder, Getúlio distribuiu cargos aos antigos aliados entre eles, Osvaldo Aranha que manteve atitude de fidelidade ao presidente. Mesmo nos momentos em que discordasse do governo instituído, como nos dois anos do governo Provisório de Vargas (1930-1932) e que provocou os paulistas a conjugarem forças em torno do levante de 1932, ou do Golpe de 1937 que instaurou o Estado Novo; Aranha, convencido da necessidade de defender os ideais da Revolução de 1930 acabou permanecendo ao lado do governo. Analisando essa dicotomia entre as idéias e as ações que marcam os homens e seu tempo, Flores, chama a atenção para as posições de Aranha, político cuja retórica foi marcante. Para ele: A herança do autoritarismo ainda é muito forte no Brasil e Osvaldo Aranha , criado nesse maio, filho de chefe político, não provocou rupturas, e seus gestos de continuidade num partido fanático, cartorial e elitista mostrou que a mentalidade autoritária predominava sobre a doutrina democrática(...) o surgimento da dicotomia entre a esquerda e a direita, com o tenentismo em busca de espaço político, contra as antigas oligarquias, defendendo o voto secreto e democrático, mas com um programa ambíguo, também, não desviou a trajetória política de aranha,que continuou fiel ao Partido republicano, pegando em armas contra os revolucionários. (Flores,1996:30)

Mesmo contrário à manutenção do governo provisório, Osvaldo Aranha que no período ocupou as pastas da Justiça e da Fazenda, ficou ao lado de Getúlio contra os paulistas.

Osvaldo Aranha e a trajetória política internacional

A atuação política de Osvaldo Aranha no cenário internacional marcou definitivamente a sua caminhada. Foi, em 1934, nomeado por Getúlio Vargas, embaixador do Brasil nos estados Unidos,. Notícias de época e análises posteriores dão conta da representatividade de Aranha no cenário político. Era inclusive tido como o candidato natural às eleições de 1934, por isso, segundo alguns autores, teria Vargas o afastado do Brasil nomeando-o embaixador. Questionamentos à parte, o fato é que Aranha como embaixador e posteriormente presidindo a Assembléia da ONU, teve participação destacada. Assinou o tratado comercial com os EUA em 1935.


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Como delegado à Conferência de Paz em 1936 em Buenos Aires influiu na solução do conflito do Chaco entre Paraguai e Bolívia. Em agosto de 1937 intermediou o arrendamento de seis contratorpedeiros norte-americanos, sofrendo com isso forte pressão da Argentina. Quando Vargas instituiu o Estado Novo (1937-1945), Osvaldo Aranha pediu exoneração do cargo de embaixador. Essa atitude devia-se à incoerência em continuar à frente de um cargo em um país contrário ao regime que Vargas acabava de adotar no Brasil.Entretanto, convencido pelo presidente, aceitou a nomeação para assumir a pasta de Ministro das Relações Exteriores. Mesmo participando de um governo com fortes tons fascistas, Aranha continua adotando postura de alinhamento com os Estados Unidos até o momento em que o Brasil declarou guerra aos países do Eixo em 1942. Dentre os seus escritos, destacamos um trecho extraído da Conferência Comemorativa do jubileu da república, traçando o histórico de nossas relações de fronteira e da orientação da diplomacia brasileira desde o Uti possidetis para a fixação de nossos limites fronteiriços. O texto foi publicado pela imprensa Nacional com o título de Fronteiras e Limites no ano de 1940 e, nele Aranha tece as seguintes considerações: A era colonial foi a era de limites. A noção de limites é universal. Temos limites em tudo e para tudo. Não há idéia ou ato que não implique a consideração de limite (...) a noção de limite é em si mesma artificial, é uma convenção, uma criação da humanidade. Eis porque, quanto mais civilizados e cultos nos tornamos, mais vamos adquirindo a noção certa do limite. Eis porque a lei é uma regra de limite: é a vida limitada pelos direitos do próximo, o que é verdadeiro para o indivíduo é verdadeiro para os povos( Osvaldo Aranha, Fronteiras e Limites, a política do Brasil. Rio de Janeiro, imprensa Nacional,1940),

Esse texto, aqui extraído apenas um fragmento, bastante denso em informações tece um histórico da delimitação das fronteiras do Brasil, justificando de forma apaixonada e fundamentada juridicamente o Uti possidetis . Retornando à questão das defesas explícitas de Osvaldo Aranha em favor dos estados Unidos e, por conseguinte da política pan-americanista, é importante que façamos uma brevíssima análise das posições varguistas durante o Estado Novo. Vargas ao impor através de golpe com apoio dos militares, o autoritarismo do Estado Novo, estabelece uma política de aproximação com a Alemanha. Essa aproximação rendeu apoio por parte de alguns e oposição por parte de outros. Como o regime imposto ao Brasil aproximava-se muito do Nazi-fascismo, Vargas teve que responder interna e externamente por sua opção. A Segunda Guerra Mundial foi então, decisiva para o alinhamento do Brasil com os países aliados, notadamente os EUA. Segundo Lopes: No começo da guerra, as vitórias alemãs incentivaram o grupo fascista interno a se manifestar simpaticamente em relação ao Eixo e o próprio Vargas sentiuse bastante respaldado para fazer um discurso discretamente favorável ao nazismo,quando das comemorações da Batalha do Riachuelo, em 1940,se bem que tal discurso não fosse tão discreto a ponto de não gerar mal-estar nos Estados Unidos, já então se inclinando para a Inglaterra(Lopes,1997:96)

O autor reafirma, no entanto, que Vargas longe de ser ingênuo nas suas manifestações públicas estava sim jogando com as rivalidades dos países imperialistas, visando obter recursos para a construção da Usina de Volta Redonda, o que de fato acabou acontecendo. Os EUA ajudaram financeiramente na construção da usina e, o país pressionado, acaba por assumir posição em favor dos Aliados. Internamente a tomada de posição tornou latentes as contradições políticas, já que externamente


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o Brasil defendia a Democracia e, internamente, adotava um regime autoritário.As oposições se fortaleceram e o regime sucumbiu tendo Vargas renunciado. Osvaldo Aranha participa de forma intensiva dessas démarches. No ano de 1941 realiza acordos econômicos com os EUA. Em janeiro de 1942 participa da III Reunião de Chanceleres que aprova o rompimento com as nações do Eixo. Recebe ainda em 1942 o título de cidadão da América. Pouco antes do término do Estado Novo, rompeu com Getúlio, reatando, entretanto, relações com este mais adiante. Em 1947, o presidente Dutra nomeou Osvaldo aranha representante do Brasil na ONU. Sobre a sua participação no organismo, retiramos partes de um discurso que proferiu no Clube do Comércio em agosto de 1947. Assim se manifesta: A civilização e a cultura aprofundam-se e estendem-se por toda a terra: não são armas: são máquinas e idéias. O bem- estar já não é impossível e nem é mais somente individual é uma aspiração coletiva(...) o problema, pois, é levar a todos os homens, a todos os povos e a todas as regiões os benefícios da nossa civilização e da nossa cultura, que desarmam os homens para a guerra e os aparelham para a cordialidade, para a felicidade e para a paz. Esta é a missão das Organizações das Nações unidas que, como um de vós que nunca deixei de ser, tive e ainda tenho a honra de presidir. A sua tarefa é a da paz. Nunca, na história humana, tantas forças materiais e espirituais as maiores já reunidas no mundo, consagram-se para uma obra igual. Ela não visa somente manter a paz, mas promover todos os meios capazes de afastar a guerra da vida dos homens. Não é uma organização meramente política. Não é um simples pacto de nações. È um compromisso do sentimento e do pensamento universais. É uma Escola, uma universidade, uma catedral. Nela se ensina, se doutrina, se crê e, mais que tudo, aprendem os homens e os povos, a conhecerem-se.

Percebemos por esse discurso, a posição de um defensor da Democracia, que acreditava fielmente no entendimento entre as nações. Para Flores: A atuação de Osvaldo Aranha na ONU insere-se no desenvolvimento da Guerra Fria entre a URSS e os USA, com conflitos relativos ao Irã, Líbano, Síria. Grécia e o surgimento de guerrilhas que conflitam com os interessas das potências sobre os domínios das jazidas petrolíferas do mundo árabe. A questão palestina, trazida pela Grã-Bretanha, em 1947 tinha o apoio da maiorias dos participantes da assembléia Geral da ONU para a criação de dois estados independentes, um judeu e outro árabe, enquanto a minoria pretendia uma federação. Graças à atuação inteligente de Osvaldo aranha, presidindo a assembléia Geral em 29 de novembro de 1947, foi posta em votação a criação de Israel (Flores,1996:32-33)

Como presidente da ONU, Osvaldo Aranha: “associou a magistratura do cargo e o se aos ideários pan-americanos” (Flores, idem:85) . Defendia a Democracia por princípio e os rompimentos com Getúlio em alguns momentos dessa trajetória, deixam claro isso. Mansueto Bernardi escreveu que Aranha: Conquistou na consciência pública uma tal posição, uma tal hierarquia moral, que se tornou, no consenso unânime dos seus concidadãos, um homem rigorosamente necessário ao desempenho das funções múltiplas que exercia e ao uso do poder pessoal que tinha nas mãos, dentro de sua esfera de trabalho e influência (Bernardi,1981:87)

Em junho de 1953, Vargas nomeia Aranha como Ministro da Fazenda onde permanece até o suicídio do presidente em 1954. Chefiando a pasta da Fazenda, esboçou o Plano Aranha que visava combater a inflação e o desequilíbrio da balança comercial. A medida mais importante que adotou foi a instrução 70 da Superintendência da Moeda e do Crédito(SUMOC) em que instituiu taxas de câmbio múltiplo, controlando a importação em que pretendia proteger a indústria nacional. O Plano Aranha, de contenção de gastos, atingiu a política populista do então ministro


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do trabalho de Getúlio, João Goulart que acabou pedindo exoneração do cargo. Para flores: A crise do governo Vargas evoluiu com a medida de controle da remessa de lucros para o estrangeiro, culminando com as denúncias de corrupção e morte de oficial da Aeronáutica. O manifesto dos 27 generais, exigindo a renúncia de Vargas, tirou do ministro da guerra Zenóbio da Costa, a capacidade de comando À zero hora de 24 de agosto de 1954, em reunião com o ministério, Osvaldo Aranha apresentou três soluções: resistir, contra-atacar ou renunciar. Getúlio se retirou, e os ministros decidiram pelo licenciamento de 90 dias. O ministro Tancredo Neves levou a Vargas a resolução, que deu sua anuência. Mas os generais exigiram a renúncia.Ao soar o estampido no Catete, Osvaldo Aranha e o general Caiado de Castro correram para os aposentos de Vargas. Era tarde, ele agonizava. Osvaldo Aranha em prantos, abraçava o cadáver do amigo (Flores,1996:15)

Em 1957, Juscelino nomeou Aranha para chefiar a delegação brasileira na 12ª Assembléia da ONU. Em 1960, Osvaldo Aranha veio a falecer.

Considerações Finais

A trajetória política de Osvaldo Aranha remete a um tempo na História do Brasil em que os homens defendiam suas idéias e partiam literalmente para o campo de batalha a fim de defendê-las. Partir como esses homens partiam do campo da retórica para a prática do enfrentamento corporal era comum. Osvaldo Aranha não foi diferente dos políticos da sua época. Como Getúlio Vargas, flores da Cunha, João Neves da Fontoura, Firmino Paim Filho e Lindolfo Color, apenas para citar alguns, foi criado dentro do regramento do PRR. No entanto, mantinha contatos políticos e vínculos de amizade com políticos da oposição, entre eles Raul Pilla, por exemplo. Essa capacidade de comunicação com a oposição favoreceu a formação da Frente Única do qual foi artífice em 1928, a formação da aliança Liberal em 1929 e da revolução de 1930. Seu pensamento democrático amplamente veiculado entrou em rota de colisão algumas vezes com posições autoritárias, principalmente de seu amigo pessoal, Getúlio Vargas. Apesar disso, respeitava muito a hierarquia, herança do PRR e nos momentos em que não conseguia conciliar suas idéias com os rumos que a política brasileira tomava, preferia afastar-se. Isso ocorreu depois da eleição de Júlio Prestes em 1930, quando da instituição do golpe do estado Novo em 1937 e no final deste mesmo período. Fundamentalmente era um defensor dos princípios democráticos, estes obviamente exercidos dentro do Estado Democrático. Não avançava, todavia, no sentido de considerar as manifestações populares, tanto que procurou uma aproximação com Luiz Carlos Prestes em 1930 com vistas à participação desse, no levante de 1930, mas afastou-se quando percebeu que o antigo líder tenentista assumia posição em favor do Socialismo, afastou-se, temendo sem dúvida que o movimento tomasse essa direção. Na biografia de Osvaldo Aranha sobressai principalmente sua participação na política internacional, notadamente à frente da ONU que culminou com a criação do Estado de Israel. Aranha foi homenageado por esse mesmo país. Sem adentrar nas discussões das conseqüências nefastas que a criação arbitrária do Estado de Israel, sem o contraponto necessário que seria a criação do estado Palestino, gerou para as populações ali residentes, o fato é que foi um marco na carreira diplomática do político gaúcho. Poderíamos resumir assim, dizendo que Osvaldo Aranha foi um político da sua época e que acabou também sendo um refém dessa mesma época.


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Referências Bibliográficas

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História e intelectualidade no Rio Grande do Sul

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Intelectuais na sala de aula: professores como profissão

Alessandra R. Lobo1

Considerações iniciais

Este artigo tem por objetivo analisar o papel do intelectual Paulo Freire nas mudanças de perspectiva educacional dos anos de 1960 a 1980 no Brasil. Essa proposta nos levou a buscar os conceitos de intelectual, como também examinar a educação atual e seus paradigmas. Além disso, busca desmitificar o intelectual e mostrar que este pode atuar em diversas áreas da sociedade, na qual abordo, em especial neste artigo, o papel do professor como intelectual. Para alcançar esse objetivo foi preciso primeiramente compreender quem são os intelectuais, assim como, os significados que compõe o termo. Dessa forma, passamos a seguir ao desenvolvimento, através do diálogo com alguns autores, de um breve histórico do conceito.

1.1 Breve Histórico

A palavra intelectual aparece com esta denominação no século XIX e representa em parte o ideário construído na Idade Moderna de erudição. Se consolida, portanto, com o Humanismo e a separação entre o espiritual e o racional. No entanto, seu apogeu se deu com a Revolução científica e a funcionalidade do pensamento cienficista para os avanços tecnológicos das sociedades. Neste momento a lógica perdeu espaço para a observação e a experimentação dos fenômenos, consolidando por sua vez o indivíduo superior, neste caso - o cientista ou o intelectual. Entretanto, foi na década de 1970 que os “intelectuais” alcançaram o status de objeto de pesquisa para os historiadores e outros campos do saber. Segundo Sirinelli, é neste período que “a história dos intelectuais começou a superar sua indignidade e que pesquisas em andamento ou já publicadas adquiriram legitimidade científica”(2003:237). O autor comenta que um dos motivos deste interesse pela história dos intelectuais foi o retorno do status da história política e da história recente entre os estudiosos. Cabe lembrar que, embora recente a discussão sobre intelectuais, seu papel foi uma constante na história desde a Antiguidade. Segundo Bobbio a função do intelectual é muito similar a do filósofo, visto que são também considerados “criadores, portadores, transmissores de idéias” (1997: 109), e ambos trazem os problemas 1  Graduada em História Bacharelado na Universidade Federal do Rio Grande (2008), Graduanda em História Licenciatura (FURG), Pós graduanda em História do Rio Grande do Sul na FURG e profª concursada pela prefeitura do Rio Grande (Séries Iniciais).


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derivados a esse sujeito específico ou a um conjunto de sujeitos específicos, ou seja, o problema entre a teoria e a prática. Para Bobbio, o problema da relação entre as obras do intelecto, da mente ou do espírito e o mundo das ações, ou seja, o problema da relação entre aqueles que são chamados para compreender ou interpretar o mundo e aqueles que são chamados para transformá-los, está no modo como a sociedade os reconhece, seja pela posição que concede, seja pelos privilégios que atribui aos próprios senhores das idéias. Dessa forma, o problema dos intelectuais é o problema de suas relações com o poder. Já na República de Platão os intelectuais, porém com outra roupagem, neste período denominado por filósofos, se questionaram sob “a influência que têm ou devem ter nas relações sociais para que essas relações não sejam abandonadas à cegueira do acaso ou ao arbítrio da vontade igualmente cega do mais forte”(BOBBIO, 1997: 109). Neste sentido, enquanto o intelectual pensa a sociedade e articula as idéias, ideologias, ou seja, teoriza esta mesma sociedade e por meio das idéias tenta transformá-la; o político, é quem executa, quem resolve ou não as necessidade desta sociedade. Entretanto, não devemos esquecer que o intelectual também exerce um poder, este por meio da persuasão, manipulando os fatos e utilizando-se dos meios de comunicação. Ainda nesta perspectiva, cabe dizer que o intelectual utiliza-se do poder da palavra. Entretanto, essa palavra muitas vezes é escrita para outros intelectuais, o que torna seus escritos demasiados pesados e por vezes difíceis de compreender para as demais pessoas. Em outras palavras, acredita-se que os intelectuais escrevem para eles mesmos com intuito de discutir e desenvolver suas idéias. No entanto, cabe lembrar que, embora o intelectual escreva para seus iguais a propagação destas idéias tornam-se as ideologias vigentes de uma sociedade. Portanto, o intelectual usa a palavra para influir no seu tempo. Assim como também o fazem outros profissionais, como escritores e professores segundo Schlesinger: Los que viven de la palavra tienem una obligación peculiar.[...] Los escritores y profesores están obligados a ser los custodios del lenguaje. [...] Están convocados a defender la palavra. Deben exponer los ataques al significado del lenguaje y su discriminación como ataques a la razón en el discurso. Este rechazo de la razón es el que favorece la indulgencia de la imprecisión, la apoteosis del modismo y el engreimiento de la retórica. En cuanto las palabras pierden una conexión estable con las cosas, empezamos a no saber lo que pensamos o comunicamos, lo que creemos. [...] Que los intelectuales no olviden nunca que quien a palabra mata, a palabra muere. (SCHLESINGER 74ª: 562 apud MIGUEL, 1978: 68-69).

Bobbio também analisa que “nas cidades gregas a força das idéias revelavase por meio da palavra, o intelectual era em verdade um orador, um retórico, um demagogo”. Com advento da imprensa, entretanto, a figura do mesmo passa a ser a do escritor, o autor de livros, de artigos. A isso se dá a característica principal da moderna camada dos intelectuais - a formação de uma vultosa opinião pública dada o advento da imprensa. Em consonância, se dá também a formação de um público mais amplo e em condições de exprimir e fazer valer a própria opinião (BOBBIO, 1997: 120-121) Desta forma, o que desde a Antiguidade surge como um problema é a forma como se caracteriza esse poder. Enquanto o político tem nas mãos o poder de mudar os fatos, o intelectual tem o poder de transmitir idéias que podem ou não surtir efeito. Daí sua importância na sociedade, mas junto a isso também sua falta de apoio da mesma, já que na sociedade, o intelectual não é visto como um transformador, neste aspecto pensa-se apenas no político.


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Sabe-se que há muito tempo existem pessoas e grupos cuja função é pensar e por em prática uma série de ações que iriam constituir os sistemas de idéias de uma determinada época, bem como elaborar teorias, ideologias ou mesmo concepções de mundo. Estes sujeitos, segundo Bobbio, receberam os seguintes nomes, diferindo pela época e pela sociedade: sábios, sapiens, doutos, philosophes, clerc, hommes de lettres, literatos, entre outros. Normalmente associado ao nome russo intelligentsia, a origem do nome intelectual, serve para designar o conjunto dos intelectuais como grupo, camada, categoria ou classe social. Ao que tudo indica segundo Bobbio, o termo foi usado pela primeira vez pelo romancista Boborykin e difundido nos últimos decênios do século XIX. Desta origem, o termo intelectuais derivou para o significado de antagonista do poder. Estes se propuseram a transformar a sociedade existente, considerada distante demais da sociedade tal qual deveria existir (Cf. BOBBIO, 1997:122). Em consonância ao tema, a história do termo adquiriu particular importância com o ensaio de Kautsky, também citado por Bobbio. Nele, o autor dá uma solução ao problema da relação entre os intelectuais e as classes subalternas. Visto que os primeiros estavam distantes demais das classes subalternas o autor encontra solução no âmbito do movimento operário. Discorre que, se os primeiros não têm interesse na exploração capitalista devem ser considerados aliados dos operários e dos camponeses. Neste sentido, modifica-se a figura do sujeito histórico, passa de príncipe a proletário. Em 1898 o novo termo é aceito e incorporado. O termo Intelectuais, portanto, não se aplica no singular já que a origem do nome serve para designar o conjunto dos intelectuais como grupo, também porque o trabalho intelectual é pensado para os demais pensadores. Neste sentido, o intelectual nunca pode ser só, pois desta maneira não tem sentido seu trabalho. A obra intelectual se legitima ou não a partir da impressão dada aos demais intelectuais daquele período. Somente depois desta análise é que o autor passa a ser o transmissor daqueles ideais previamente aceitos pela camada intelectual. Durante muito tempo intelectual era sinônimo de erudito. Quando se pensava a figura do intelectual, a erudição era o primeiro critério que se vinha em mente, logo vinha a graduação, a posição social, entre outras. Entretanto, temos de ter claro que a erudição é apenas uma das características que deve ter um intelectual. Aliás, em alguns casos a erudição é até mesmo descartada e deixada de lado. Como por exemplo, um analfabeto que desenvolva obra de propaganda política pode ser considerado um intelectual desde que ele esteja desenvolvendo ações que venham a complementar o que ele já teorizou e idealizou como verdade, pois o intelectual só se entende como tal se tiver desenvolvendo ações, o ato de pensar a sociedade somente não faz dele um intelectual.

1.2 O Intelectual professor/ Professor intelectual

Após esse breve trânsito pela história da formação do conceito de intelectual, pode-se dizer que o intelectual é o indivíduo que possui um olhar amplo sobre os acontecimentos sociais, que ele consegue ver o panorama e opinar sobre ele. Neste sentido não podemos confundi-los com um especialista ou um acadêmico. Podemos, porém, aproximá-lo ao professor. Este não só pensa a sociedade e opina sobre ela, mas também transmite suas idéias e seus conhecimentos de mundo para os alunos. Neste sentido, o professor não só pensa, mas também age na sociedade a transformando, a partir de novas formas de pensar e de ver o mundo. Nessa perspectiva, percebemos no discurso de Assmann, a centralidade do papel da educação atual, isto é, uma educação preocupada em formar competências


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nos alunos, ou como ele mesmo prefere se referir, no aprendente.2 O autor nos explica que a expressão sociedade aprendente “pretende inculcar que a sociedade inteira deve entrar em estado de aprendizagem e transformar-se numa imensa rede de ecologias cognitivas” (ASSMANN, 2007: 19). Além disso, aborda a questão das tecnologias da informação e da comunicação na sociedade aprendente e, os elos que se criam e se quebram dentro desta sociedade. Tem como preocupação a função da educação solidária, já que “os seres humanos não são “naturalmente” tão solidários quanto parecem supor nossos sonhos de uma sociedade justa e fraternal” (ASSMANN, 2007: 20). Acredita o autor que junto às novas tecnologias também “estariam chegando inéditas chances de ampliação efetiva da solidariedade universal entre os seres humanos” (ASSMANN, 2007: 20). O professor assim como o intelectual também precisa olhar os rumos sociais de forma abrangente e engajada. E de acordo com a teoria construtivista deve agir como um facilitador para a aprendizagem do aluno. Desta forma, ele deve instigar seu aluno a partir de um panorama amplo e bem atual, de modo que suas idéias sejam compreendidas e que a partir delas o aluno se sinta instigado à aprender. Neste sentido, o construtivismo assume a discussão e a necessidade de centrar o conhecimento no aluno, nas suas experiências de vida. Nele, a produção do conhecimento em aula ressalta uma nova relação entre professor, aluno e conhecimento, que se espera reinar no ambiente escolar. Rompe por sua vez, uma visão autoritária, meramente transmissora de informações, para uma relação democrática e construtora de representações. Moretto acredita que, “os novos rumos da educação brasileira apontam para a busca da formação de um novo profissional e de um novo cidadão”(...)um ensino com foco no desenvolvimento de habilidades intelectuais que levem à aquisição de competências profissionais” (MORETTO, 2003:13). Ao encontro dessas idéias cabe lembrar Perrenoud, para ele as competências são aquisições, aprendizados construídos. Neste sentido, podemos dizer que o professor competente em suas ações faz que seus alunos sejam competentes em suas aquisições. E mais, de acordo com Perrenoud, está inserida nas dez competências para ensinar a competência “Trabalhar a partir dos erros e dos obstáculos à aprendizagem”. Nela o autor considera importante que cada vez mais se veja o erro e o compreenda-o ao invés de combatê-lo, ou seja, para o professor também competente e engajado em formar competências, o erro não pode mais ser analisado como ponto de chegada e sim como ponto de partida, uma vez que trata-se de um mecanismo revelador do pensamento do aprendiz. Nesta perspectiva, esclarece que: “Para desenvolver esta competência, o professor deve evidentemente, ter conhecimentos em didática e em psicologia cognitiva. De início, deve interessarse pelos erros, aceitando-os como etapas estimáveis do esforço de compreender, esforçar-se, não corrigi-los (Não diga, mas diga), proporcionando ao aprendiz, porém os meios para tomar consciência deles, identificar sua origem e transpôlos.” (PERRENOUD,, 1999:.32)

Contudo, Morin aborda a questão da percepção como uma reconstrução que, dessa forma torna-se individual, pois varia de acordo com a vivência e os significados que cada indivíduo elabora. Além disso, dá ênfase a identidade terrena. O autor acredita que nossa missão diferentemente do que acreditavam Descartes, Bacon e Marx não é mais a de conquistar o mundo. Nossa missão se transformou em civilizar o pequeno planeta em que vivemos.Como educadores temos de ensinar a condição humana para nossos alunos, ensiná-los a progredir na sua autonomia, na sua participação comunitária e na preservação da espécie. Segundo Morin:

2  Aprendente significa aquele que se encontra em constante estado de aprendizagem.


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“A educação deve favorecer a aptidão natural da mente em formular e resolver problemas essenciais e, de forma correlata, estimular o uso total da inteligência geral. [...] Na missão de promover a inteligência geral dos indivíduos, a educação do futuro deve ao mesmo tempo utilizar os conhecimentos existentes, superar as antinomias decorrentes do progresso nos conhecimentos especializados e identificar a falsa racionalidade”.(MORIN, 2002:39-40).

Nesta mesma perspectiva, vemos o conceito de mediação de Vygotsky. Nele o autor acredita que a mediação seria um processo de intervenção de um elemento intermediário numa relação. Em outras palavras, o educador deixa de ser o transmissor do conhecimento e passa a ser o mediador do mesmo. Assim, o conhecimento deixa de ser apenas acumulado e decorado e, passa por um processo de interação entre o aluno e o professor (Cf. OLIVEIRA, 1993: 26). Pode-se afirmar também, que o intelectual assim como o professor é um indivíduo de seu tempo. Além disso, ambos pensam e disciplinam, numa instância maior, ambos só têm legitimação naquilo que acreditam depois de ver no seu público a resposta do que produziu. Se para os intelectuais se legitimarem enquanto classe, estes escrevem para eles mesmos, no caso do professor não é diferente. Aquele professor que pesquisa e publica também escreve para sua classe. Classe em ambos os casos no sentido de grupo social. Em outras palavras, intelectual e professor, esperam reconhecimento daquilo que taxam como verdades absolutas. Ambos, intelectual e professor, vão influenciar no seu tempo. Vão construir “redes” e “microclimas”. A primeira se define, em verdade, pela interação (professor e aluno, intelectual e leitor). A rede é atemporal, ela vai ao passado e pode tranquilamente se projetar no futuro. Já o microclima, caracteriza por sua vez o microcosmo, que é de forma simplifica o grupo a que pertence. Segundo Sirinelli: Do mesmo modo, mas em escala menor, o microcosmo dos alunos do filósofo Alain, professor da classe preparatória para École Normale no Liceu Henri-IV até 1933, constituiu no período entre as duas guerras um grupo ao mesmo tempo unido pela admiração comum por um homem, consolidado pela leitura de uma revista de tiragem quase confidencial, Les Libres Propos, e animado por uma profunda fé pacifista (SIRINELLI, 2003:237)

Tanto o professor quanto o intelectual são indivíduos que possuem capital simbólico e poder político de informação. O primeiro porque seja para lecionar, seja para escrever livros, ou artigos; professor e intelectual tiveram necessariamente que construir um bom currículo, calcado numa boa educação, enfim, em trabalhos e/ou obras. E o segundo porque ambos têm poder político, ou seja, o poder de impor uma visão que cause divisões sociais, dado a característica de conseguirem de forma nata fazer grupos e manipular a estrutura objetiva da sociedade. Um professor e pensador que produziu conhecimento teórico e prático de forma a influir nos rumos da nação e que podemos perceber facilmente o engajamento e atuação como intelectual da educação brasileira foi Paulo Freire.

1.3- Paulo Freire: Educador e Intelectual

Embora Paulo Freire em suas obras denomine professor por coordenador, podemos refletir atualmente sobre esse conceito já que vivemos e buscamos inovar a educação de forma que ela seja atrativa e criativa para nossos aprendentes, fazendo,


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portanto que os mesmos se sintam estimulados a aprender. O autor influenciou gerações e isso é fato, trouxe várias contribuições para a educação no contexto mundial e brasileiro, principalmente na década de 1960. Buscou com seu trabalho desenvolver uma educação consciente para adultos, em especial os analfabetos de baixa renda. Entretanto, Paulo Freire não denominava como professores aqueles profissionais que o ajudaram a dar vida a seu projeto de Alfabetização e Conscientização. Acredito que essa mudança na terminologia configurava-se em meio a uma mudança de perspectiva que emergia àquela época. Continuar a chamá-los por professores poderia caracterizá-los pelos mesmos transmissores de conteúdos sem sentido que certamente seriam esquecidos em um mês pós “aprendizagem”. O Projeto de Paulo Freire consistia em: Uma educação que procura desenvolver a tomada de consciência e a atitude crítica, graças à qual o homem escolhe e decide, liberta-o em lugar de submetêlo, de domesticá-lo, de adaptá-lo, como faz com muita frequencia a educação em vigor num grande número de países do mundo, educação que tende a ajustar o indivíduo à sociedade, em lugar de promovê-lo em sua própria linha (FREIRE, 1980:35)

Paulo Freire em seu projeto critica a educação tradicional, calcada na mera transmissão de conteúdos e na consequente memorização deles por parte dos alunos, que em verdade, não vêem na aprendizagem uma forma para mudar de vida. Este tipo de educação serve apenas para legitimar as idéias de uma classe dominante, cujo interesse, certamente, não é o de promover uma educação conscientizadora, que instigue uma maior preocupação com a realidade vigente, ou com a capacidade e possibilidade que cada um de nós tem de transformar essa realidade mediante um conhecimento que o leve a uma atitude crítica. Nesta mesma perspectiva o autor discorre que: (...)de acordo com a pedagogia da liberdade, preparar para a democracia não pode significar somente converter o analfabeto em eleitor, condicionando-o às alternativas de um esquema de poder já existente. Uma educação deve preparar, ao mesmo tempo, para um juízo crítico das alternativas propostas pela elite, e dar a possibilidade de escolher o próprio caminho (FREIRE, 1980:20).

O autor demonstra que assim como o intelectual o professor/ educador percebe o contexto político em que está inserido e quer fazer parte dele, ou seja, tem interesse em modificá-lo, torná-lo justo para todos, transformando assim a sociedades, tornando o mundo um lugar melhor para se viver. Neste sentido, o autor faz uma crítica aos políticos: O educador, preocupado com o problema do analfabetismo, dirigiu-se sempre às massas que se supunham “fora da história”; a serviço da liberdade, sempre dirigiu-se às massas mais oprimidas, confiando em sua liberdade, em seu poder de criação de e crítica. Os políticos, ao contrário, não se interessam pelas massas, senão na possibilidade de estas serem manipuladas no jogo eleitoral (FREIRE, 1980:21).

Segundo Paulo Freire, a práxis humana é “a unidade indissolúvel entre minha ação e minha reflexão sobre o mundo” (FREIRE, 1980:26). O autor também discorre sobre o termo conscientização, e o caracteriza como “um teste de realidade”. Parte do pressuposto de que a conscientização se dá quando ultrapassamos “a esfera espontânea de apreensão da realidade, para chegarmos a uma esfera crítica na qual a realidade se


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dá como objeto cognoscível e na qual o homem assume uma posição epistemológica” (FREIRE, 1980:26). Neste sentido, pode-se afirmar que “a conscientização não pode existir fora da “práxis”, ou melhor, sem o ato ação-reflexão”(FREIRE, 1980:26). Percebese, portanto, intrínseco no discurso de Paulo Freire a figura do próprio intelectual, que não só pensa e problematiza os problemas da sociedade, mas que também busca alternativa através de suas ações para transformá-la.

Considerações finais

Este trabalho não tem a pretensão de se encerrar por aqui. Certamente há questões não debatidas ou/e outras pouco discutidas. Entretanto, se pretendeu fazer um breve estudo de caso acerca do intelectual professor/ professor intelectual. Ao passo que quando pensamos em intelectual o que a priori nos vem a mente é a erudição exacerbada, alguém com conhecimento intocável, impenetrável. Mitificamos tanto a figura do intelectual que não conseguimos ver a relação “ação-reflexão” que nos diz Paulo Freire a respeito do educador conscientizador. É imprescindível, pois, que não esqueçamos que outras teorias e metodologias da educação apareceram e trouxeram também grandes contribuições para analise educacional. Mas, também cabe lembrar que, embora diferentes, tudo que se tem preconizado em termos de uma educação competente está imbuído nos pressupostos teóricos e também metodológicos de Paulo Freire. Uma educação que vise criar competências nos alunos nada mais é que uma educação preocupada em conscientizar seu aluno da sua importância no todo. Dessa forma, pensar o intelectual e o educador como partes de um mesmo sujeito, é pensar, em síntese, numa revolução por meio da educação. Assunto que não é inédito, muito menos novo, mas que infelizmente ainda não se fez presente nos planos curriculares de nosso país. Paulo Freire já nos alertava a quase meio século que, “para ser válida, toda educação, toda ação educativa deve necessariamente estar precedida de uma reflexão sobre o homem e de uma análise do meio de vida concreto do homem a quem queremos educar (ou melhor dito: a quem queremos ajudar a educar-se) (FREIRE, 1980:33-34). Em suma, o trabalho dos intelectuais, dos professores, bem como dos professores intelectuais estão intimamente ligados, a partir do pressuposto de que um e/ou outro busca através da prática intelectual, da prática do pensamento, uma melhor estruturação de interferir na sociedade e transformá-la num lugar melhor para viver, ou seja, num lugar mais fraterno, justo e igualitário. Em síntese, ainda sonhamos com o ideário iluminista, mas ao contrário deste, ainda não valorizamos o papel do professor na educação como instrumento para a mudança desta estrutura que ainda vigora em nossa atual sociedade.

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Intelectualidade e resistência ao projeto de implantação de uma autarquia no Balneário Cassino

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Adélia Lazzarini Andrino: Intelectualidade e resistência ao projeto de implantação de uma autarquia no Balneário Cassino

Alice Elias Ximendes1

Introdução

A cidade de Rio Grande, na década de 1970, passou por uma transformação no seu tipo de industrialização. O município, que antes possuía indústrias voltadas para a produção de bens de consumo não-duráveis, passou a produzir bens intermediários. Estas alterações na economia agroindustrial ocorreram em grande parte do Rio Grande do Sul2. Com a implantação do Distrito Industrial e do Superporto, surgem os grandes terminais marítimos e indústrias químicas de grande porte, afastadas do centro urbano, causando, assim, uma grande modificação do perfil da cidade,3 e fazendo com que muitos trabalhadores de outras localidades dirigiram-se à Rio Grande, em busca de novas oportunidades de empregos. À medida que o município crescia, foram necessários a implantação de loteamentos para melhor acomodar seus novos moradores4. Em meio a estes loteamentos, a Prefeitura de Rio Grande, sob o governo do Prefeito Rubens Emil Corrêa, iniciou o processo de loteamento dos terrenos exacrescidos de Marinha localizados no Balneário Cassino. Estes estavam abandonados pela União e muitos posseiros já haviam se instalado. O Balneário Cassino5, ao final da década de 1970, carecia de estrutura física para melhor atender tantos os seus moradores anuais, quanto os veranistas. Reportagens do Jornal Agora6 relatam a falta de uma estação rodoviária, linhas de

1  Bacharel em História pela Universidade Federal do Rio Grande, Pedagoga pela Universidade Luterana do Brasil e pós-graduanda em História do Rio Grande do Sul pela Universidade Federal do Rio Grande. 2  MARTINS, Solismar Fraga. Cidade do Rio Grande: industrialização e urbanidade (1873/1990). Rio Grande: Editora da FURG, 2006. P. 194 3  SALVATORI, Elena; HABIAGA, Lydia A. G. de Perez & THORMANN, Maria do C.. “Crescimento Horizontal da Cidade do Rio Grande”. In Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro: Fundação IBGE, janeiro/março de 1989. P.50 4  MARTINS, Solismar Fraga. Cidade do Rio Grande: industrialização e urbanidade (1873/1990). Rio Grande: Editora da FURG, 2006. P. 207 5  Fundado em 1890, por um grupo de empresários do Rio Grande. Para saber mais ver: XIMENDES, Alice. Balneário Cassino: A história da sua primeira década. Rio Grande . Furg. 2008. (monografia) 6  Jornal diário, criado em 20/09/1975, com ampla circulação na cidade de Rio Grande e região.


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ônibus,7 viaturas para o posto dos bombeiros do balneário8, falta de água9. Eram destacadas a necessidade de uma maior atuação dos poderes públicos, para com a ausência de calçamentos, até mesmo a inexistência de banheiros públicos10 e o já tradicional lodo na beira da praia11. As construções clandestinas no balneário se alastravam e a prefeitura, através de seu departamento jurídico, era obrigada a mover ações para retirar os posseiros12. Diante da situação na qual se encontrava o balneário, muitos acreditavam que somente uma administração mais dedicada e com atuação mais local poderia resolver os problemas do Cassino. O então prefeito Rubens Emil Correa13, ao final do ano de 1977, propõe por meio de um projeto de lei na Câmara Municipal de Vereadores, que se crie uma Autarquia no Balneário Cassino, a qual ficaria responsável pela administração do novo bairro e pela venda dos terrenos do novo loteamento.14 Extinguindo-se assim a Coordenadoria Distrital do Cassino, que era responsável pela administração do balneário, mas com um poder menor de decisão15. Diante do projeto proposto pelo executivo, destacaremos a atuação intelectual de Adélia Lazarrini Andrino na resistência à implantação de uma autarquia no balneário. Apresentando os principais pontos do projeto e a visão de Adélia quanto ao melhor caminho a ser seguido na administração do Cassino, transparecendo assim a sua visão geral das necessidades do novo bairro.

O projeto ABC

O projeto de lei do Executivo Municipal de Rio Grande previa a criação de uma Autarquia no Balneário Cassino, com personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira, patrimônio próprio e atribuições estatais específicas. Seriam criados 90 novos cargos empregatícios, e a nova autarquia seria regida pela lei de sua criação e pela Lei Nº 3121 de 07 de fevereiro de 1977 de Rio Grande que dispõe sobre a os terrenos de marinha e ex-acrescidos.16 Criou-se uma grande discussão em torno do projeto do Executivo, dando a impressão de que o projeto gozava de simpatia de todos. E que talvez ele fosse simplesmente homologado na Câmara. No entanto, não foi bem assim. Acreditavase que se ele passasse, seria com um bombardeio de emendas, e que talvez nem passasse.17. O Jornal Agora apresentou uma entrevista com o advogado Álvaro Pereira, 7  Cassino pretende ser “o maior”. Muitas soluções para o verão-79. IN: Jornal Agora, 17/02/1978. 8  Cassino ressente-se da falta de segurança contra o fogo. IN: Jornal Agora, 26/01/1978 9  Água, Cerveja, Vento. Os três principais elementos deste veraneio, segundo os comerciantes. Dois faltam, um sobra... IN: Jornal Agora, 20/01/1978. 10  ABC. IN: Jornal Agora, 25/04/1978. 11  Fim do verão, lodo na praia. IN: Jornal Agora, 01/03/1978. 12  Construções clandestinas do Cassino sofrendo ação jurídica da prefeitura. IN: Jornal Agora, 22/12/1977. 13  Nomeado pelo Presidente da República, por se tratar do município de Rio Grande uma Área de Interesse da Segurança Nacional, conforme a lei 5449 de 04/06/1968. 14  Cassino e Barra passam a ser bairros de uma cidade que só poderia crescer para cima. IN: Jornal Agora, 17/12/1977. 15  Lei Nº 3254 de 25 de abril de 1978 de Rio Grande. 16  Lei Nº 3254 de 25 de abril de 1978 de Rio Grande. 17  Seis críticas à criação de uma autarquia no Cassino. Seria mesmo botar dinheiro fora? IN: Jornal Agora, 24/12/1977.


Intelectualidade e resistência ao projeto de implantação de uma autarquia no Balneário Cassino

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duas vezes prefeito e vice-presidente do MDB, na qual o Sr. Álvaro Pereira apresentava seis críticas à criação de uma autarquia no Cassino. Na opinião do Dr. Pereira,

o Cassino tão cedo não precisaria de uma autarquia para administrá-lo, mesmo considerando o seu recente crescimento. “Só depois de ampliar o plano habitacional do Bolacha e desenvolver o distrito industrial é que se deveria pensar em dar mais autonomia ao Cassino”. E completa: “Por enquanto, para vender os terrenos de Marinha, que é a preocupação imediata da prefeitura, não há nenhuma necessidade de criar um órgão”. O numeroso e especializado quadro técnico da Prefeitura poderia perfeitamente, segundo ele, cuidar da urbanização do Cassino. Folgado18.

O Dr. Pereira ainda segue dizendo que “dada a importância do projeto, ele deveria ter sido publicado para receber sugestões dos moradores do Cassino e também de rio Grande”19. Ação essa que não foi feita pela prefeitura, ficando os maiores interessados isentos de opiniões. Na Câmara dos vereadores as discussões em torno do projeto de lei que instituiria uma Autarquia no Balneário Cassino, deixaram claro que o projeto não era de agrado de todos os edis20, o que levou a uma grande protelação da sua aprovação e esta somente ocorreu após muitas discussões e emendas. De acordo com o vereador da época, Airton Lopes, em entrevista ao jornal Agora, somente os edis do MDB discutiram o projeto, os vereadores da ARENA ficaram na espreita, limitando-se a assistir as discussões, outro edil da época, Sergio Satt afirmou ao jornal que para a Arena, só interessava a aprovação do Projeto ABC, porque era uma determinação superior.21 As discussões na Câmara foram tão acaloradas que chegaram aos jornais da época, aumentando mais ainda a polêmica em torno da aprovação da lei que instituía a Autarquia do Balneário Cassino- ABC22. Em meio às discussões para a aprovação ou não do projeto do Executivo, uma vereadora destacou-se, pelo seu empenho em não aprovar a dita lei, que por ela era considerada, mais um meio de empreguismo a ser criado.23

Adélia Andrino

A vereadora em questão era Adélia Guidugli Lazzarini Andrino, nascida na cidade de Rio Grande em três de janeiro de 1923, Adélia assumiu o cargo de vereadora aos 46 anos em 1969, pelo MDB, permanecendo na Câmara dos Vereadores de Rio Grande até o ano de 1988. Ela foi a primeira mulher a ser eleita pelo MDB para vereadora no Rio Grande do Sul, seu pioneirismo lhe concedia credibilidade em meio a população do município e em meio aos edis de Rio Grande. Ao falecer no ano de 2005, Adélia então com 82 anos já estava afastada da política e a sua história se perdeu em meio aos anos. Grandes são as dificuldades de obter informações a respeito de sua vida pessoal e de sua trajetória política, tendo-se em vista que a Câmara de Vereadores de 18  Idem, ibidem. 19  Idem, ibidem. 20  Está bastante difícil o projeto da Autarquia do B. Cassino surgiu agora mais dificuldade IN: Jornal Agora, 21/01/78. 21  Autarquia do Cassino terá redação final da segunda-feira IN: Jornal Agora, 13/04/1978. 22  Autarquia do Cassino Adélia “virou a mesa” IN: Jornal Agora 04/03/1978; Adélia falou em “elementos” e não “documentos” IN: Jornal Agora, 07/03/1978; Adélia diz porque votou contra a ‘ABC’ IN: Jornal Agora, 20/04/1978. 23  Adélia diz porque votou contra a ‘ABC’ IN: Jornal Agora , 20/04/1978.


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Rio Grande não possui a sua ficha cadastral, e o partido pelo qual ela militou durante dezenove anos, MDB/PMDB, não disponibiliza informações sobre sua trajetória. Adélia foi uma das poucas edis que votaram contra o projeto da ABC, deixando claro, durante as seções da Câmara de Vereadores suas opiniões e seus descontentamentos pela forma com qual a política na cidade de Rio Grande estava rumando. As matérias do Jornal Agora, a respeito das discussões acerca do projeto, transparecem a personalidade forte e decidida de Adélia, aflorando frente a todos a sua intelectualidade. Não pretendemos entrar na discussão a respeito de “verdadeiros” e “falsos intelectuais”, sob auxílio dos escritos de Norberto Bobbio24, nem mesmo discutir a elaboração do tipo ideal de intelectual, acreditamos que os intelectuais podem, em casos raros, exercer o poder e dessa forma exercer além do poder político o seu capital simbólico. O capital simbólico é uma propriedade especial e rara, cuja mágica consiste em conferir fama e credibilidade ao seu proprietário, isto é, dotá-lo do poder legítimo de enunciação.25 Entendemos que, a partir do momento que Adélia exerceu o seu capital simbólico ela se firmou como uma intelectual de seu tempo. Acreditamos que por meio do habitus26, a edil tornou-se cada vez mais crítica o que reflete nas suas ações e discussões na Câmara dos Vereadores, e sua entrevistas ao Jornal Agora. Adélia era contraria ao projeto do ABC e protelou o máximo que pode a sua aprovação, de acordo com o jornal agora, a vereadora do MDB levantou suspeitas que provocaram certo mal estar no recinto do plenário, ao acusar veladamente a membros do seu próprio partido de estarem comprometidos, quando afirmou ser “literalmente” contra a proposta do prefeito Rubens Emil Corrêa.27 Para sustentar a sua opinião, a edil postou-se contra os colegas de bancada. Ao dirigir-se ao líder do MDB na Câmara, o SR. Antonio Barros, Adélia alegou, de acordo com reportagem do jornal Agora, que aquele não conseguiu reunir todos os vereadores componentes para discutir o projeto ABC a alegou que o líder do MDB tinha conhecimento de documentos que comprometiam toda a bancada emedebista28. As palavras da vereadora eclodiram como uma verdadeira bomba em plenário, promovendo a interferência dos vereadores arenistas, Luiz Artur Dornelles, líder do partido e Edes Cunha, que solicitaram de imediato que Adélia apresentasse na Câmara as provas de sua acusação, no que a vereadora rebateu, “este é um assunto para ser discutido a nível de MDB e será levado à Executiva”.29 As declarações da vereadora na Câmara tiveram uma grande repercussão na cidade de Rio Grande e percebendo a tempo no perigoso caminho em que se estava introduzindo, Adélia Andrino, resolveu retirar, na aprovação da Ata da sessão

24  BOBBIO, Norberto. Os intelectuais e o poder: dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea. Trad. Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Editora da Unesp, 1997, pp. 67-189. 25  PEREIRA, G. R. de M.; CATANI, A. M. Espaço social e espaço simbólico: introdução a uma topologia social. Revista Perspectiva. Florianópolis, v.20, n.Especial, jul./dez.2002. P. 118 Disponível em: http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/viewFile/10279/9551. 26  “O habitus é um princípio gerador porque é um sistema socialmente disponível de esquemas de pensamento, de percepção e apreciação. Esses esquemas são produto e condição da posição social ocupada pelo agente” Para saber mais consulte PEREIRA, G. R. de M.; CATANI, A. M. Espaço social e espaço simbólico: introdução à topologia social perspectiva. Florianópolis: Perspectiva, 2002. (v. 20) Disponível em: http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/viewFile/10279/9551 27  Autarquia do Cassino. Adélia “virou a mesa” IN: Jornal Agora 04/03/1978. 28  Idem, ibidem. 29  Idem, ibidem.


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legislativa, o termo “documentos comprometedores”.30 A emedebista alegou que não falara em documentos comprometedores e sim elementos comprometidos, de modo que a Ata da sessão somente foi aprovada após a mudança dos termos. Os membros da ARENA, na Câmara dos Vereadores, apesar de serem oposição a Adélia, a apoiaram em suas declarações31, tomando partido pela primeira vez nas discussões, já que estes se limitaram a assistir as discussões entre o MDB para a provação ou não do projeto ABC32. O projeto foi aprovado após muita discussão e polêmica em torno do assunto. Dos 14 vereadores presentes no plenário, quando o projeto foi aprovado em primeira discussão, quatro votaram contra o mesmo, Adélia Lazzarini, Airton Lopes, Walmir Ricca e Luiz Modernell.33 Após a aprovação do projeto Adélia, em entrevista ao jornal Agora, declarou não concordar com a medida por entende-la apenas, como mais um meio de empreguismo a ser criado. “Não vejo beneficio na criação dessa Autarquia, -disse a vereadora- a Prefeitura teria capacidade de criar um Departamento, mais ou menos com a mesma função. Vão ser criadas novas taxas, mais impostos. O povo vai ter que pagar mais água e mais luz; e quem vai ressarci-lo de tantas despesas?34

Adélia possuía uma visão ampla das necessidades do balneário. De acordo com a sua declaração, este poderia ser regido por um departamento da prefeitura, sem a necessidade da criação de uma autarquia para tal regimento. De fato, a autarquia do balneário cassino criada em 1978 foi extinta em 2003, por meio da Lei Nº 5830 de 25 de novembro de 2003 de Rio Grande. Tal lei criou a Secretária Especial do Cassino e extinguiu a autarquia, por entender que o balneário não necessitaria de uma autarquia para a sua administração, e que uma secretaria ligada á prefeitura exerceria perfeitamente as atribuições recorrentes a administração do balneário.

Conclusão

A atuação de Adélia Andrino na resistência a implantação de uma autarquia no Balneário Cassino é a prova de que o intelectual tem que ousar enfrentar certas questões. Sem provocação: não há intelectual que não faça um pouco de subversão — no sentido de que altera a ordem das coisas. 35 De acordo com Fernando Henrique Cardoso o intelectual na política corre o risco de pensar que é demiurgo, que ele substitui o real, ele sempre sabe o que deve ser feito — e não ouve nada. Por isso, o intelectual não pode pensar que ele comanda que vai dar a palavra de ordem; o que ele pode fazer é articular o debate, fazer aflorar o que está na sociedade. 36 Desta maneira a vereadora emedebista debateu o máximo que pode para que a melhor decisão fosse tomada. Acreditamos que o projeto ABC, como defendia 30  Adélia falou em “elementos” e não “documentos” IN: Jornal Agora, 07/03/1978. 31  Idem, ibidem. 32  Autarquia do Cassino terá redação final da segunda –feira IN: Jornal Agora , 13/04/1978. 33  Idem,ibidem. 34  Adélia diz porque votou contra a ‘ABC’ IN: Jornal Agora, 20/04/1978. 35  CARDOSO, Fernando Henrique. Democracia para mudar (30 horas de entrevista). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978, P.. 25-26, 28. IN: LAFER, Celso. FHC: o intelectual como político. Revista Novos Estudos.Nº 83. CEBRAP .Março 2009. P. 43 Disponível em: http://novosestudos.uol.com. br/acervo/acervo_artigo.asp?idMateria=1323. Consultado em 18 de junho de 2010. 36  Idem, ibdem.


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Adélia, era somente mais uma forma de criar empregos, mas não podemos deixar destacar a importância que a autarquia teve para o desenvolvimento do Balneário, tanto estruturalmente, como turisticamente. Ao longo dos 25 de anos de existência a ABC ajudou o Cassino a progredir. Mas acreditamos também que esse progresso viria de qualquer forma, sendo o Cassino administrado por uma Autarquia ou por um Departamento ligado a prefeitura.

Bibliografia

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Jornais

Adélia diz porque votou contra a ‘ABC’ IN: Jornal Agora 20/04/1978. Adélia falou em “elementos” e não “documentos” IN: Jornal Agora 07/03/1978. Água, Cerveja, Vento. Os três principais elementos deste veraneio, segundo os comerciantes. Dois faltam, um sobra... IN: Jornal Agora, 20/01/1978. Autarquia do Cassino Adélia “virou a mesa” IN: Jornal Agora 04/03/1978; Cassino e Barra passam a ser bairros de uma cidade que só poderia crescer para cima. IN: Jornal Agora – 17/12/1977. Cassino pretende ser “o maior”. Muitas soluções para o verão-79. IN: Jornal Agora, 17/02/1978. Cassino ressente-se da falta de segurança contra o fogo. Jornal Agora, 26/01/1978. Construções clandestinas do Cassino sofrendo ação jurídica da prefeitura. IN: Jornal


Intelectualidade e resistência ao projeto de implantação de uma autarquia no Balneário Cassino

Agora, 22/12/1977.

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Está bastante difícil o projeto da Autarquia do B. Cassino surgiu agora mais dificuldade IN: Jornal Agora, 21/01/1978 Fim do verão, lodo na praia. IN: Jornal Agora, 01/03/1978. Seis críticas à criação de uma autarquia no Cassino. Seria mesmo botar dinheiro fora? IN: Jornal Agora – 24/12/1977.

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Intelectuais na História colonial Brasileira: José de Anchieta, Antônio Vieira e Pombal

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Intelectuais na História colonial Brasileira: José de Anchieta, Antônio Vieira e Pombal

Antonio Luis Correa Pereira1 Willan Alikuri Pereira2 Willian Alikuri Pereira3

Ao se analisar o texto de Norberto Bobbio, Os intelectuais e o Poder: Dúvidas e Opções dos Homens de Cultura na Sociedade Contemporânea observa-se que são descritos diversos e diferentes aspectos sobre o tema intelectualidade e que o autor traça uma trajetória do assunto que principia na Antigüidade, chegando aos dias atuais, mas sempre voltado á política. Sendo que, na Antigüidade o termo para designar pensador era “filósofo” e somente na modernidade o termo intelectual entra em pauta. Então, a proposta desse ensaio é verificar se existem similaridades entre o que Bobbio refere em seu texto sobre intelectualidade e personagens da História colonial brasileira, ou seja, como José Anchieta, Antônio Vieira e o Marquês de Pombal se projetaram em suas atuações como intelectuais.

1 - Intelectuais: um conceito do presente

Para Bobbio, o problema da incidência das idéias sobre a conduta dos homens em sociedade em especial os governantes, é uma questão de atuação dos chamados intelectuais. Platão em República assinala que os filósofos se preocuparam com o que deveriam fazer na sociedade dada a sua influência nas relações sociais. Kant na contemporaneidade também realça o assunto. Isto posto considera-se que o problema se configura entre a teoria e a práxis daqueles que, a partir de um período histórico e em determinadas circunstâncias de tempo e espaço, são considerados os sujeitos a quem se atribui à função de elaborar e transmitir conhecimento e que acabam por constituir idéias de uma determinada época e sociedade. São os chamados “intelectuais”, sábios. Ao longo do tempo as escolas filosóficas buscaram dar solução ao problema da relação entre as obras do intelecto e o mundo das ações, Da relação entre aqueles que são chamados para interpretar o mundo e aqueles que são chamados para 1  Formado em História licenciatura pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG), onde atualmente cursa graduação em Enfermagem e pós-graduação em História do Rio Grande do Sul. E-mail: antonio.alikuri@gmail.com 2  Graduando de Direito pela Faculdade Anhanguera - 2º Semestre. E-mail: willan-92@hotmail. com 3  Graduando em Química Licenciatura pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG). E-mail: willian_pereira1@hotmail.com


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transformá-lo. A razão dirige e a vontade segue. Ambas se referem uma à outra em uma relação de interdependência. A relação entre intelectuais e poder pode ser configurada como relação entre duas diferentes formas de poder. Sobre a tarefa dos intelectuais na sociedade surge o discurso entre o trabalho manual e o intelectual. A característica do trabalho intelectual é a função. Por exemplo, no âmbito dos vários movimentos socialistas o termo intelectual foi usado com conotação negativa e pode assumir significado valorativo diversos. É oportuno acolher o termo no seu uso mais neutro, independente de valores. Os intelectuais não constituem uma classe homogênea e não são representados por um partido político. Segundo as idéias que defendem são progressistas ou conservadores, radicais ou reacionários; segundo as ideologias que defendem são libertários ou autoritários, liberais ou socialistas; segundo a atitude diante das próprias idéias são céticos ou dogmáticos, laicos ou clericais. Não pertencem a categorias, para uns podem ser maus e para outros bons, os problemas da incidência das batalhas de idéias no desenvolvimento de uma sociedade são comuns a uns e a outros. Segundo Norberto Bobbio, os chamados grandes intelectuais são: Fichte, Helgel, Marx, Nietzsche, Kant, Schopenhauer, Kierkguard, Lênin, Gramasci, Croce, Gentile, Bérgson, Husserl, Dewey, Russel, Lukács, Jaspers, Heidegger e Sartre. Quanto ao tipo de intelectuais recorre-se ao critério das “duas culturas” de um lado os humanistas, os literatos e os historiadores e de outro os cientistas. Porém, R. Aron, segundo Bobbio, sob a ótica comunista também os coloca como “ideólogos e expertos”. Toda a ação política enquanto uma ação racional necessita de princípios necessários para alcançar os fins desejados. Assim, ideólogos são os que elaboram os princípios, os expertos sugerem os conhecimentos adequados para alcançar um determinado fim. Toda a sociedade em qualquer época teve seus intelectuais, um grupo de indivíduos que exerceu o poder espiritual ou ideológico contraposto ao poder temporal ou político. Hoje, intelectual é um fenômeno do mundo moderno, no qual ocorreu a separação da ciência mundana da ciência divina. Ocorre que o exercício da razão pode ser substituído pelo culto da razão e os seus cultores a comportarem-se como sacerdotes. Então, o precedente dos intelectuais de hoje são os filósofos do século XVIII. A Reforma, as guerras religiosas, a revolução inglesa, desencadearam a produção e a difusão de escritos. Na Grécia antiga a força das idéias se revelava por meio da palavra: a figura típica de um intelectual era o orador. Após a invenção de escrita a figura típica do intelectual passa a ser a do escritor. De acordo com Bobbio, para Kant o Iluminismo entendido como a saída do homem da menoridade está conectada com o “uso público da própria razão” (BOBBIO, N. Os intelectuais e o poder: dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea. p). Tocqueville mostrou como em meados do século XVIII os escritores se tornaram homens políticos que acabaram por se converter no modelo ideal dos intelectuais e de sua relação com o poder. O nome intelectual está relacionado com o russo, intelligentsia, usada para designar o conjunto dos intelectuais como classe social que tem uma função específica na sociedade. O conjunto dos livres pensadores. O termo intelectual derivou para o significado de antagonista do poder em uma posição de separação crítica de toda a forma de domínio exercido pela coerção e que tendem a propor o domínio das idéias. Kautsky, citado por Bobbio, retomando o tema da função crítica dos intelectuais diante do poder dominante e da classe no poder afirmou que enquanto possuidores dos instrumentos da análise crítica da sociedade desenvolvem uma função insubstituível. Essa consciência social surge com base em profundos conhecimentos científicos.


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Em janeiro de 1898 no “Manifeste dês intellectuales”, assinado por Zola, Anatole France e Ernest Proust, o novo termo foi apresentado, incorporado e aceito na acepção corrente. De acordo com Norberto Bobbio, quanto ao intelectual revolucionário e o puro Existe uma diferença marcante no campo da atuação. O revolucionário age sobre o poder constituído em nome de uma nova classe e o intelectual puro luta contra o poder em nome da verdade e da justiça. Para o primeiro vale o princípio de que não se faz revolução sem uma teoria revolucionária, para o segundo vale o princípio oposto de que a razão de Estado não deve prevalecer sobre as razões da verdade e da justiça. Benda, grande conceituador e estudioso das questões intelectuais, também citado por Bobbio, denunciaram o desmoronamento dos intelectuais diante do poder. Em contrapartida, Mannheim confiava nos intelectuais para a solução da crise partindo da constatação de que em uma sociedade politeísta, as ideologias da classe dominante entram em choque com as utopias da classe oprimida que visa a transformação da sociedade presente. A contraposição entre o mundo das idéias e mundo das ações haviam estado até então presentes na batalha ideal dos clérigos que se professavam independente. Os intelectuais constituem não uma classe no sentido próprio da palavra, mas, uma camada em si mesma, na medida em que é formada de indivíduos provenientes das classes mais diversas, não ligado a nenhuma classe em particular. Diferentemente, Gramsci não ignora que os intelectuais tradicionais consideram-se “autônomos e independentes” (BOBBIO, N. Os intelectuais e o poder: dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea; p.130). Os intelectuais são os “comissários” do grupo dominante para o exercício das funções subalternas da hegemonia social e do governo político. O intelectual orgânico é a resposta crítica à tese do intelectual independente. O intelectual tradicional é o humanista, o novo intelectual será especialista e político. O problema dos intelectuais era um problema com o qual o movimento operário e os partidos socialistas haviam tido de ajustar as contas. Marx enunciou que a teoria torna-se força material assim que se difunde nas massas. A filosofia encontra no proletariado as suas armas materiais, assim como o proletariado encontra na filosofia as suas armas espirituais. A exigência de mudar o mundo vem da acusação de deserção perante os que se refugiam em estéreis profissões de fé. Trair significa escolher o lado errado, desertar significa não escolher o lado justo. Diante do flagelo da Guerra Fria há o direito de não aceitar os termos da luta tal como são postos de discuti-los, de submetêlos à crítica da razão. Tal atitude assinalava a passagem do intelectual engajado ao intelectual independente. Também os intelectuais fazem política, mas que a sua política é diversa daquela dos políticos puros. O intelectual político e o intelectual puro representam dois modelos positivos, ainda que um seja negativo ao outro. A tipologia do antiintelectual é Tema do conflito entre o homem prático e o idealista. O contraste não depende do arbítrio de uns ou de outros, mas da natureza dos fins perseguidos por ambos (intelectual e o antiintelectual) e da incompatibilidade dos meios que devem ser empregados para alcançá-los. Após discorremos sobre as reflexões de Norberto Bobbio sobre a constituição do conceito e da história dos intelectuais, se buscará alinhavar os conceitos emitidos pelo autor à vivência de personagens da História colonial do Brasil entre 1500 e 1900, assunto tratado em minha monografia de conclusão de curso de “História” sob título; Educação no Brasil Colônia.


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História e intelectualidade no Rio Grande do Sul

2 - O pensamento e o papel dos intelectuais na História do Brasil colonial

Dentre os intelectuais que atuaram na educação do Brasil colonial destaca-se a presença dos padres jesuítas e, nos primórdios da colonização um nome desperta a atenção, o Padre José de Anchieta. Ele chegou ao Brasil em 1553 e em seu fazer religioso/educativo ousou transformar a sociedade existente, a dos indígenas nativos. Segundo Antônio C. Villaça “Os jesuítas dominaram a paisagem intelectual do Brasil durante dois séculos desde a chegada no meio do século XVI até a expulsão no meio do século XVII” (VILLAÇA, Antônio C. O Pensamento Católico no Brasil. p.26). Ou seja, pensaram a formação da nova sociedade a constituir-se no Novo Mundo. E, Leonard Kaltner, afirma que “As obras escritas por José de Anchieta em latim são o maior patrimônio do Humanismo renascentista no Brasil, assim, o corpus novilatino anchietano, composto por notáveis textos poéticos e cartas em prosa (...)” (KATNER, Leonard.http://www.revista.brasil-europa.eu/121/Anchieta.html). Portanto, o pensamento intelectual de Anchieta ficou registrado com textos em latim. E mais, Johan Konings corrobora com o comentário “entre os primeiros jesuítas com destaque, sobressai-se no Brasil, Anchieta de méritos intelectuais, além de morais e espirituais reconhecidos por Silvio Romero como - o mais antigo vulto de nossa História intelectual é o padre José de Anchieta” (KONINGS, Johan. Anchieta e Vieira Paradigmas da evangelização no Brasil. p.09). Anchieta tinha relação com o poder estabelecido, porque os jesuítas vieram ao Brasil por ordem do rei português a fim de implantar na terra recém descoberta a ideologia e a religião portuguesa. Até porque nesse período de 1500, vivenciava-se na Europa a situação da Reforma religiosa de Lutero. Os jesuítas foram instrumentos das coroas ibéricas para combater o pensamento luterano, isto é, a contra-reforma religiosa. Anchieta como homem de seu tempo e religioso fez parte dessa luta de poder dos católicos. Chegou ao Brasil com a missão de catequizar o povo nativo sob a ótica lusa. Então, agiu de modo a inserir uma nova mentalidade na sociedade indígena e buscou meios para estabelecer os preceitos religiosos e culturais. Assim, pode-se referir que Anchieta através de suas cartas à Companhia de Jesus demonstrava acentuada intelectualidade nas reflexões do ambiente que o cercava. Além de que elaborou poemas, uma gramática na língua guarani, peças teatrais fatos que lograram, desde o início da colonização, com vistas a transformar a mentalidade da sociedade existente no Brasil no século XVI. Foi através de suas ações e do conhecimento de mundo que possuía que logrou êxito em seu empreendimento. Dessa forma, Anchieta foi um intelectual puro, mas ao mesmo tempo revolucionário porque enquanto sua formação o caracterizava como idealista por ser um jesuíta, ao mesmo tempo obteve o poder da transformação do pensamento dos indivíduos com os quais convivia no Brasil. A obra de doutrinação modificou a coletividade em que atuou. Apóstolo no Brasil, (...) Anchieta. Estuda em Coimbra a partir de 1548 e ali se torna jesuíta em 1551. Em Maio de 1553 é enviado para o Brasil, onde começa por ensinar Latim no Colégio de Piratininga. Este Colégio é mudado em Janeiro de 1554 para um novo local, com o nome de Colégio de S. Paulo, o qual vem a ser considerado o núcleo da actual cidade de S. Paulo. Os alunos do Colégio são os filhos dos portugueses e os jovens religiosos da sua ordem, mas também os índios. O Pe. Anchieta começa a estudar a língua indígena, compõe uma gramática e um vocabulário tupi, escreve também em tupi um opúsculo para os confessores e outro para assistir aos moribundos. Para além destas obras, dedica-se também a escrever cantos piedosos, diálogos e autos segundo o estilo de Gil Vicente, e, por isso, é considerado o iniciador do teatro (Mysterios da


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Fe, dispostos a modo de diálogo em benefício dos índios é um exemplo das 12 peças de que há testemunho) e da poesia (De Beata Virgine Dei Matre Maria) no Brasil. De destacar também as suas cartas para Portugal e Roma, importantes pelas informações que contêm sobre a fauna, a flora e a ictiologia brasileira. De novo no Rio, em 1567 vai para S. Vicente como superior das casas da capitania, a de S. Vicente e a de S. Paulo, onde permanece até 1577, data em que é nomeado provincial do Brasil. Em 1589 é já superior de Espírito Santo, onde fica até morrer. (In: www.avanielmarinho.com.br).

O trecho acima classifica Anchieta como um intelectual sábio, porque transmitiu conhecimento, “(...) os alunos do colégio/ (...) / compõe uma gramática e um vocabulário em tupi”. id. Ibid. Usa todo o conhecimento adquirido para propagar idéias e modificar a sociedade que o cerceia. No citado acima ainda se destaca que Anchieta foi um intelectual literato e humanista, “(...) dedica-se também a escrever cantos piedosos, diálogos e autos (...)”. id.Ibid Anchieta tinha um propósito maior, além da catequização indígena, ou seja, o mesmo da Companhia de Jesus e da Coroa portuguesa, porque como jesuíta fazia parte do movimento da contra-reforma religiosa. Assim, o objetivo dos inacianos era propagar a fé católica e os preceitos da igreja cristã. Mais uma vez a função do intelectual revolucionário a defender suas idéias. Anos mais tarde, surge padre Antônio Vieira, também jesuíta, que possuía o dom da oratória e escrevia sermões. Vieira não se conformava com o desempenho dos indivíduos na sociedade colonial e combatia os vícios e as atitudes desumanas. Nos seus sermões bramia palavras e reflexões contra o poder estabelecido na colônia e lutava pela igualdade de classes, assim como, defendia os oprimidos, escravos e índios. Vieira em seu tempo foi também um intelectual revolucionário que buscou esclarecer as mentes coloniais sobre a selvageria que dominava a sociedade da época. Conforme Antônio C. Villaça; “A fonte em que bebeu o insigne pregador são a Bíblia, os moralistas gregos e romanos, a patrística, em especial Agostinho, os místicos espanhóis (...) um Vieira que transcende os limites da escolástica pelo gênio da língua e pelo espírito especulativo que o induziu a assimilar as idéias filosóficas e mais adiantadas do seu tempo (...)” (VILLAÇA, Antonio C. O Pensamento Católico no Brasi.p.26). Os sermões muito bem elaborados exemplificavam a intelectualidade de Vieira e as idéias que desenvolvia sobre as atitudes humanas e governamentais. Planejava mudar a mentalidade social colonial e em seus sermões expunha maneiras de agir e de pensar para que os indivíduos refletissem nas atitudes sociais do momento. De certa forma Vieira era contra a ordem estabelecida pela cultura social e pelos governantes da colônia e a combatia nos textos dos sermões e no púlpito. Do mesmo modo que Anchieta, tinha formação religiosa e pertencia à Companhia de Jesus. Mas deferente de Anchieta, foi mais acirrado em suas atitudes contra a sociedade local. Lutava pelos oprimidos e desprezava o modo de vida existente na época. Entre as figuras maiores do pensamento português do século XVII conta-se António Vieira, com uma vasta obra que dele fez um moralista, um político e um filósofo da história, tudo coberto pelo manto onipresente da arte retórica. O defasamento entre o mundo dos filósofos e o mundo dos retóricos, o dos filósofos, por considerarem que uma contraditória não existe «no mundo dos possíveis», o dos retóricos, por saberem que ela existe no «mundo dos olhos». Assim, tal como fizera Gracián em Espanha, Vieira elabora um verdadeiro manual de sobrevivência no mundo das traições, das invejas, dos negócios, e dos interesses egoístas dos indivíduos e das nações, embora sem nunca esquecer a segurança e a serenidade dos princípios da moral cristã,(...). Ao considerar que o homem sábio fica livre da jurisdição da fortuna, mas não se livra das variedades do mundo, completando-o depois com a consciência da insuficiência do ideal


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apolítico da lógica aristotélica, Num cômputo global, o interesse de Vieira para a filosofia em Portugal desdobra-se por áreas que vão desde a ética, a filosofia política, a antropologia e a filosofia da história, sem esquecer as questões da estética da linguagem, a que deu base teórica no seu Sermão da Sexagésima. (In: Instituto Camões 1998-2000 http: //cvc. Instituto-camoes. Pt/filosofia/ren18. html).

A citação acima apresenta a observação sobre as atividades de Vieira que podem ser consideradas como de um intelectual, “(...) obra que dele fez um moralista, um político e um filósofo”. id. Ibid. Conforme Bobbio discorre em seu texto, o trecho acima coloca Antônio Vieira como um intelectual conservador, reacionário e clerical, (...) Vieira elabora um verdadeiro manual de sobrevivência no mundo das traições, das invejas, dos negócios, e dos interesses egoístas dos indivíduos e das nações, embora sem nunca esquecer a segurança e a serenidade dos princípios da moral cristã (...)”.id. Ibid. O Marquês de Pombal foi outro personagem que atuou na história colonial brasileira e que pode servir de exemplo de intelectual dada às posturas assumidas em seu tempo como ministro do governo português. Lançou em Portugal e nas colônias portuguesas um novo pensamento, o Iluminismo. Reverteu toda uma ordem estabelecida em prol da melhoria e da modernidade do Estado luso e como conseqüência da colônia brasileira. Revolucionou com pensamentos e ações toda uma ordem social e influenciou o seu tempo através de suas idéias. Pombal pretendia transformar a sociedade portuguesa que estava distanciada dos pensamentos cientificistas e não mediu esforços para realizar seu intento. O marasmo cultural e social estava deixando Portugal e suas colônias muito além da modernidade de outros países europeus. Urgia que algo se fizesse para equiparar a nação lusa a, por exemplo, Inglaterra, França. Novos pensadores surgiram no século XVIII, com idéias avançadas na ciência, na política e em todas as áreas sociais e os portugueses ainda se mantinham nos pensamentos renascentistas. Então, Pombal ao assumir o cargo de ministro começou a mudar a situação. Então, Pombal participou da administração no governo português, influindo nos rumos da sociedade que se formava no futuro Brasil. Foi um intelectual com idéias engajadas a uma situação política e, portanto, relacionado com o poder do Estado. Sebastião José de Carvalho e Melo o Marquês de Pombal (primeiro ministro de Portugal de 1750-1777). Para além do mito, ficou o debate que a sua atuação suscitou ao longo de décadas: o lastro ideológico, reformador e autoritário, voluntarista e despótico e de tirano esclarecido. Deste modo, a análise das transformações da sociedade portuguesa em meados do século XVIII, consubstanciadas nas Reformas Pombalinas, que abarcaram os âmbitos econômico, administrativo e educacional, tanto em Portugal como nas suas colônias. O iluminismo estava presente na Europa do século XVIII, Pombal não pode ser considerado um defensor do mesmo. Não obstante, sentia a necessidade de colocar Portugal a altura das demais nações esclarecidas da época. Esse esclarecimento sobre as ações do Marquês de Pombal, por quem se introduziu o iluminismo no império português, é importante para compreender que diferentemente da maior parte dos governantes Iluministas, mais preocupados com a teoria do que com a prática. E não menos pela reforma educacional, por meio da qual abriu as portas a um florescimento da ciência e da filosofia portuguesas em fins do século XVIII, mas pelas relações entre o Iluminismo e o exercício do poder do Estado. Não foi por espírito libertador e igualitário que Pombal empreendeu a reforma educacional por meio de mestres e professores seculares, mas pela necessidade, além de preencher o extenso vazio deixado pela expulsão dos jesuítas, preparar homens suficientemente capazes para assumir postos de comando no Estado absolutista. A política educacional como outra qualquer de Pombal era lógica, prática e centrada nas relações econômicas anglo-portuguesa..(Ana Paula Seco Tânia Conceição Iglesias do Amaral in:http://www.histedbr.fae.unicamp.br/ navegando/periodo_pombalino_intro.html).


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Por todas as atitudes desenvolvidas pelo Marquês de Pombal, citadas acima pode ser considerado como um intelectual que desenvolveu os pensamentos iluministas e os aplicou na sociedade em que atuou. “O trecho acima ainda situa Pombal como um intelectual experto, dadas as posturas assumidas pelo Marquês para implantar em Portugal as idéias propagadas por outros intelectuais em toda a Europa do século XVIII:” (...) abriu as portas a um florescimento da ciência e da filosofia (...)”.id. Ibid. Pombal foi um intelectual especialista e político, pois (...) pelas relações entre o Iluminismo e o exercício do poder do Estado (...)”. id.Ibid Segundo Bobbio, Os intelectuais são os “comissários” do grupo dominante para o exercício das funções subalternas da hegemonia social e do governo político. O intelectual orgânico é a resposta crítica à tese do intelectual independente. “O intelectual tradicional é o humanista, o novo intelectual será especialista e político” (BOBBIO, N. Os intelectuais e o poder: dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea. p.131.). Diante do citado, os intelectuais tradicionais seriam Anchieta e Vieira - humanistas e o novo intelectual seria Pombal – especialista político. Mais uma vez segundo Bobio: “O intelectual político e o intelectual puro representam dois modelos positivos, ainda que um seja negativo ao outro” (BOBBIO, N. Os intelectuais e o poder: dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea. P.124). Ainda conforme Theodore Geiger, citado por Bobbio,: “resumiu as diversas atitudes dos intelectuais com respeito ao poder em quatro tipos: primado do espírito sobre o poder, subordinação do espírito ao poder, mediação entre espírito e poder, crítica do poder” (BOBBIO, N. Os intelectuais e o poder: dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea.p.112). Os intelectuais da História da Educação jesuítica no Brasil, já referenciados, se inserem como Anchieta e Pombal como subordinados ao poder porque realizaram o que a Coroa portuguesa determinava e Vieira se insere em crítica ao poder porque seus sermões combatiam o poder vigente na colônia. Bobbio cita que, “Também os intelectuais fazem política, mas que a sua política é diversa daquela dos políticos puros” (BOBBIO, N. Os intelectuais e o poder: dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea.p.136). Assim, os personagens históricos aqui apresentados fizeram política de modos diversos no campo da intelectualidade. Ressalta-se que a exemplo dos intelectuais que escreveram a respeito de suas reflexões, a seu modo José de Anchieta e Antônio Viera também legaram registros escritos. O primeiro em cartas à Companhia de Jesus sobre suas impressões da sociedade indígena e do Brasil com reflexões sobre os acontecimentos e as vivências que presenciava. O segundo, Vieira, colocou em seus sermões seus pensamentos sobre a sociedade colonial e os caminhos que deveriam seguir os indivíduos dentro da moral e da ética. Quanto ao Marquês de Pombal foi um intelectual que fez da teoria sua pratica política, foi um intelectual engajado no movimento das “luzes” e nele se alicerçou para lançar a modernidade na mentalidade portuguesa.

Considerações finais

Assim, apesar do termo “intelectual” ter surgido depois da História da educação jesuítica no Brasil colonial e de ter assumido diversas conotações ao longo do tempo, ocorre à possibilidade de se observar que personagens desta mesma História colonial nacional possam ser comparados aos intelectuais modernos tais como Kant, Marx, Lênin que a seu tempo também transformaram a sociedade em que viviam e estavam engajados com política.


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Mesmo que seja entre 1500 e 1900, as similaridades entre intelectuais modernos e personagens da História colonial brasileira se estabelecem nas suas posturas frente à sociedade em que atuaram, nas idéias e atitudes em relação ao poder político estabelecido. Então, é possível se observar pontos convergentes entre uns e outros. Contudo, a seu modo modernos e/ou coloniais, modificou a sociedade em que atuaram com suas idéias e atitudes, modificando as mentalidades sociais. Segundo Bobbio, “Toda a sociedade em qualquer época teve seus intelectuais, um grupo de indivíduos que exerce o poder espiritual ou ideológico contraposto ao poder temporal ou político” (BOBBIO, N. Os intelectuais e o poder: dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea. p.119). Então, assim comprova-se a veracidade entre o que Bobbio cita e a observação das similaridades analisadas nesse ensaio, isto é, Anchieta, Vieira e Pombal foram intelectuais em seu tempo da mesma forma que os citados no parágrafo anterior. Mesmo que fossem homens atuantes na história política de sua época, de um modo ou de outro estavam submetidos ao governo da Coroa portuguesa, ou seja, ao poder.

Bibliografia

BOBBIO, Norberto. Intelectuais e o poder: dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista. 1997. PEREIRA, Antonio Luis Correa. Contribuição Jesuítica para educação através do método Ratio Studiorum. FURG, 2009, 40 fl (texto digitado) KININGS, Johan. Anchieta e Vieira - Paradigmas da evangelização no Brasil. São Paulo: Ed, Loyola, 2001. VILLAÇA, Antonio C. O Pensamento Católico no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.

Fontes Internet

ENSINO_DE_LINGUAS/pdf/Elaine_Maria_Santos.pdf.http://www.sehel2009.com.br/ app/Comunicacoes_Orais/Eixo_I%20.08/05/2010, 10h45m. http://www.histedbr.fae.unicamp.br/acer_histedbr/seminario/seminario8/_files/ G2yNoOaL.pdf.09/05/2010. 13h05m. www.avanielmarinho.com.br09/08/2010, 16h53m, Instituto Camões 1998-2000 http: //cvc. Instituto-camoes. Pt/filosofia/ren18.html. 11/06/2010, 10h00 http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/periodo_pombalino_intro.html. 10/062010, 24h03m http://docentes.fam.ulusiada.pt/~d1207/docs/mestrado/EscritaArtigoPerspectiva 1. pdf. 08/06/20010, 12h56m http://www.portalsaofrancisco.com.br/ 12/06/2010, 20h 02m. http://www.revista.brasil-europa.eu/121/Anchieta.html.12/06/2010, 00h30m


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Elisabete Zimmer Ferreira1

“O diálogo se dá entre iguais e diferentes, nunca entre antagônicos.” (Moacir Gadoti)

Na atualidade vivemos a dinâmica da informação, a era da tecnologia, a qual facilita a propagação de noticia. Este fato veio a possibilitar o diálogo, as discussões de idéias entre os homens, numa velocidade antes jamais imaginada, sem discriminar quaisquer grupos, excetuando apenas os grupos que não desejam esta permuta de conhecimentos por incompatibilidade de interesses. No entanto, devemos lembrar que até algum tempo a comunicação e a difusão do conhecimento não fluía com tanta rapidez, visto que os meios de comunicação eram arcaicos se comparados a tecnologia de mídia que temos hoje. Para a expressão mídia, em foco neste texto, facilmente encontraremos uma significação no dicionário brasileiro, onde a palavra é descrita como: 1. Designação genérica dos meios, veículos e canais de comunicação como, por exemplo, jornal, revista, rádio, televisão, outdoor, etc. 2. Agência de propaganda responsável pela veiculação de anúncios na mídia (FERREIRA, 2008: 553). Diante desta significação objetiva da expressão mídia, é necessário que façamos um breve resgate de sua história, pois nosso objetivo é analisar como o pensamento intelectual é veiculado na mídia televisiva, visto que ela se constitui por pensadores que se colocam atrás do vídeo. Deste modo, a partir do estudo dos intelectuais: Benedito Rui Barbosa, Érico Veríssimo e Gilberto Perin pretendemos reconhecê-los como parte de um grupo social dedicado a fomentações no campo das idéias, que conquistaram espaço no meio televisivo para a divulgação de seus apontamentos.

Mídia: uma trajetória

De acordo com Burke (2004), o termo mídia surgiu por volta de 1920 e sua história remonta o período antigo e clássico, pois até mesmo as estradas que ligavam uma determinada região a outra eram entendidas como meios de comunicação entre os povos. Sabe-se que após a invenção do papel na china houve uma revolução no que tange a informação, a impressão gráfica foi usada desde o século VIII tanto no oriente 1  Graduada em Enfermagem e Obstetrícia pela Universidade Federal de Rio Grande em 1999, Graduada em História Licenciatura pela Universidade Federal de Rio Grande em 2009, atualmente aluna do curso de Pós-graduação/ Especialização em História do Rio Grande do sul pela FURG. elisabetezimmer@yahoo.com.br .


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– China e Japão –. Mas, na Europa, isso foi mais tardio, pois somente por volta de 1450, teve-se a invenção da prensa gráfica por Gutenberg gerando uma grande reviravolta nas comunicações, visto que todo o conhecimento antes armazenado e reproduzido manualmente por monges copistas, carecendo de trabalho e tempo, agora passa ser substituído, mesmo que de forma gradual, pela prensas, possibilitando, ainda, que em pequena escala a divulgação da informação. É necessário frisar que ao mesmo passo que houve maior divulgação de conhecimento, paralelamente a censura entrou em cena a fim de gerenciar o que devia ser conhecido e o que deveria ser mantido sob sigilo. Deste processo resultou a proibição de muitas obras, principalmente pela Igreja, através do Index, com o intuito de manter sob seu domínio os povos. Foram empregadas ainda outras formas de comunicação, primeiro terrestres, através de mensageiros montados em seus cavalos, depois, com o advento das grandes navegações a comunicação teve que transpor os mares a partir da transição entre a consolidação da última sociedade viu florescer o medievo e a modernidade as máquinas a vapor, as grandes ferrovias, a eletricidade, o correio, o telégrafo, o telefone encurtando distâncias e aproximando os povos através dos meios de comunicação. Mais tarde surgiu o rádio transmitindo a informação às massas, gerando debates e formando opiniões, abrindo horizontes ou ainda circunscrevendo-as a preconceitos, idolatrias e ideologias. Em 1941, momento em que os Estados Unidos entram na Segunda Guerra Mundial, as emissoras NBC e CBS, ambas norte-americanas, fizeram suas primeiras transmissões com um novo invento da comunicação surgido ainda em 1931, a televisão. Apesar de ser precoce na Segunda Guerra a televisão fora vista apenas como uma experiência e não recebeu investimentos devido ao agravamento financeiro vivido pelo país na década de 1930-1940. Após o fim da Segunda Guerra, a televisão levou um curto intervalo de tempo para deslanchar como meio de comunicação, contrariando as expectativas que acreditavam ser a nova descoberta um produto que apenas atrairia as classes mais abastadas. No entanto, esta crença mostrou-se infundada visto que, entre 1947 e 1952, a produção de aparelhos cresceu consideravelmente, rendendo-lhe a descrição de bem mais valorizado e de luxo no mercado, da mesma forma lucraram seus investidores, pois as ações na bolsa referente ao aparelho elevaram-se em 134%. A televisão começou a se tornar popular, vindo a concorrer com o cinema. Com o crescimento da audiência televisiva, ela passou a ser utilizada como formadora de opinião. Fato que a fez um agente anticomunista usado por Mccarthy, mas que também o derrubou. É neste sentido que sua história nos interessa, como agente formador de opinião, capaz de transmitir programas capazes de gerar reflexão, ou até mesmo de inibi-las. A televisão não ficou restrita aos Estados Unidos, ao contrário expandiu-se para os países de todos os continentes chegando ao Brasil em 1949, como o novo grande empreendimento dos Diários e Associados de Assis Chateaubriand. Mas, se a mídia é uma produção humana tão recente, ela pode ser entendida como fonte? De acordo com os ensaios de Boudieu (2004), a mídia impõe de forma gradual um sistema integrado de referências e padrões de identidade, complementando os valores culturais que são repassados através de ditados populares, de músicas, de programas de televisão, os quais vão estabelecer o consenso a respeito da sociedade. Para Bourdieu (2004), a mídia é uma fonte de poder e sua força não é oriunda essencialmente de recursos materiais e culturais, mas, sim, da capacidade que tem de convertê-lo em capital simbólico. Então, ao explorarmos a mídia, é importante lembrar que Thompson (1995), ao estudar a comunicação de massa, evidenciou que a própria comunicação pode comprometer o significado da mensagem, uma vez que esta transmissão esta submetida a três diferentes aspectos. Dentre esses


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aspectos podemos citar os seguintes: 1) os padrões de posse e de controle, ou seja, as relações que se processam entre os meios de comunicação e outras esferas a que os primeiros estão submetidos, como o Estado; 2) a forma com que a informação é construída, onde devemos atentar para o enredo, as imagens, os ângulos, as cores, os sons... e finalmente 3) a recepção e apropriação do conteúdo da mensagem, a qual envolve o contexto do ouvinte, o grau de atenção que dispensou a mensagem, suas leituras prévias do assunto presente na mensagem, o gênero, a idade, o lugar social do ouvinte. Ao interpretarmos esses aspectos perceberemos a conexão entre mensagens produzidas em uma situação, sua construção e as relações sociais em que são recebidas e interpretadas pelo ouvinte em seu próprio contexto. Ainda no que diz respeito à mensagem veiculada pela mídia, Thompson nos esclarece que a compreensão da mensagem é um processo que está sujeito ao nível de engajamento das massas, portanto, depende de conhecimento prévio, da discussão e da sua visão sobre si mesmo e do mundo que o cerca. Dentre os programas midiáticos podemos dizer que a novela em si é um documento pouco convencional, ou seja, muito diferente dos que os historiadores propõem-se a focar suas pesquisas. Segundo Marc Ferro (1976), o cinema ainda não havia sido criado quando a ciência História elegeu seus métodos e passou da narrativa para a explicação. Assim, o filme foi considerado como uma atração de feira, sem que fossem conferidos direitos autorais a quem captou as imagens, somente as companhias produtoras, deste modo não seria possível aos historiadores referiremse a eles. Outro fator que colocou em cheque a legitimidade da análise dos filmes como documentos históricos é a possibilidade da seleção de cenas constituindo-o como um truque, portanto, um documento passível de falsificação. Deste modo, o historiador viu-se impossibilitado de usar a cinematografia como documento, por que não poderia apresentar suas provas, referências, hipóteses, seu método, os quais avalizariam o trabalho do pesquisador. Contudo, o que o historiador não percebeu, ou não quis perceber é que seu próprio método pode construir-se de forma igualmente parcial, visto que ele está inserido na história e se compõe como objeto da mesma, estando, portanto sujeito a ela. Assim sendo, nos filmes podemos ter um capítulo da história, o qual está inserido no seu enredo de uma forma implícita ou explícita, compondo outra história, numa contra análise da sociedade, dependendo da interação estabelecida com o mundo que o rodeia. Quanto à produção midiática eleita como documento para análise, ou seja, a novela, podemos afirmar que, de acordo com os estudos de Tonon (s/d), é o programa de maior audiência na América Latina e um dos principais veículos de cultura popular e de massa produzidos na televisão brasileira. Tonon (s/d), nos revelou ainda que as novelas passaram por uma mudança postural, indo da diversão para o debate cultural e político, afirmando-se hoje, como introdutoras de hábitos e de valores na sociedade. Sua importância cultural e política residem no fato de resgatar fatos sociais presentes no cotidiano do telespectador e apresentá-los diluídos na história do personagem, com isso fazendo uma crítica velada ou gerando a discussão dos mesmos entre a multidão de telespectadores. No transcorrer da trama os personagens revelam seu caráter e nesse caráter estão implícitos valores morais que regem a sociedade. Nas tramas apresentadas, o mocinho ou a mocinha são sempre bons, éticos e sofredores, enquanto, os vilões são perversos e antiéticos. Os primeiros passam todo enredo sofrendo por pobreza, injustiças sociais, perseguições e os últimos, fazem maldades, mentem, roubam, matam, tudo em nome de sua ganância e inveja. Mas, ao final da novela, em geral no penúltimo e último capítulos tudo se resolve em favor do bem, em favor do mocinho. Os assassinos são descobertos, os vilões presos ou mortos, encerrando a trama com um final feliz e uma mensagem subentendida que fica piscando, como uma fluorescente: seja bom, ser mau não compensa.


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Portanto, a análise deste tipo de documento nos permite entender as relações entre cultura, comunicação e poder, visto que quem possui o poder midiático, dita as regras para o comportamento social, enquanto quem assiste em geral as assimila. Outro fator discutido por Tonon, é que a novela é extraordinariamente abrangente, pois não há distinção entre as classes sociais de seu público, devido ao fato de proporcionar a identificação dos telespectadores com os personagens representados e abordar temáticas presentes no cotidiano, construindo identidade cultural que promove a integração social. Este tipo de produção midiática, além de promover a identidade cultural, adquire uma simbologia, a qual supera os limites sociais, sendo usadas de modo a satisfazer as necessidades psicológicas, ideológicas ou das gerações dos diferentes grupos. Nas tramas são abordados assuntos que geram o debate e a postura dos personagens ditam os padrões de comportamento, do mesmo modo que a imagem deste personagem dita sua aceitação ou sua rejeição pelo público. Ainda de acordo com Tonon, cada sujeito que assiste à novela e recebe sua mensagem reelabora um significado para seu conteúdo e este significado está vinculado as suas próprias experiências cotidianas. Finalmente, é possível dizer que a novela se construiu numa forma da sociedade perceber o universo em que está inserida, uma forma de conhecer valores e estipular padrões de comportamento social. Diante destas conclusões, mais uma vez é pertinente afirmar que a novela cabocla, alvo deste estudo, deve ser vista como um documento histórico, pois oferece um determinado conteúdo, por meio de uma representação do passado, para o qual seria elaborado um significado que estará vinculado as experiências e aos conhecimentos individuais dos telespectadores, e estes vão promover a análise do presente através da representação do passado, vindo ao encontro dos propostos de Marc Ferro em relação ao filme. Posto isso, a forma como as produções midiáticas são apreendidas pelos telespectadores, e o fato de sabermos que existem homens que coordenam as produções presentes na TV, nas rádios, ou nos jornais é importante que entendamos quem são estes pensadores. Desde o início dos tempos existiram homens que se dedicaram ao campo das idéias. Todavia, inicialmente o único instrumento de divulgação de suas opiniões era a palavra, no entanto, com o avanço no desenvolvimento dos meios de comunicação: invenção do papel, o surgimento dos livros, a invenção da prensa gráfica, do telégrafo, do rádio e da televisão, os intelectuais puderam veicular seus debates das mais variadas formas. Neste ponto, então, podemos dizer que na atualidade parte deste debate este sendo veiculado pelas redes de televisão, as quais possuem atrás de seus vídeos, intelectuais lançando para a apropriação e discussão do grande público, pautas pertinentes a reflexão no momento. Assim, agora passaremos a revisar algumas abordagens do que seria um intelectual.

Percepções sobre a palavra intelectual:

Para GRAMSCI (1982), é válido lembrar que ao analisarmos a questão dos intelectuais, consideramos em primeiramente as relações sociais, ou seja, a classe social a que o individuo pertence em detrimento do trabalho que realiza. Para exemplificar esta questão tomamos um operário como referência, então, automaticamente o associamos ao trabalho manual e nos esquecemos que todos somos dotados de intelecto e para realizar qualquer forma de trabalho temos que usar o pensamento, pois não existe trabalho puramente físico, logo o que o autor nos propõe é que se analisamos o que seria o intelectual por este ângulo preconceituoso, corremos o risco de não perceber a verdadeiro trabalho que possa, ou que esteja, sendo realizado por


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ele. Norberto Bobbio, por sua vez vem a completar este pensamento, pois para este autor:

“o que caracteriza o intelectual não é tanto o tipo d trabalho, mas a função: um operário que também desenvolva obra de propaganda sindical ou política pode ser considerado um intelectual, ou pelo menos os problemas éticos e cognoscitivos da sua obra de agitador são os mesmos que caracterizam o papel do intelectual” (BOBBIO, 1997: 114-115)

Diante disto, entendemos que o operário que além de seu trabalho manual realiza a conscientização de seus colegas por meio de propaganda sindical e promove neste grupo uma reflexão, está atuando no campo das idéias, logo esta desempenhando também uma função intelectual. Mas quem melhor nos definiu o conceito de intelectual foi José Luís Beired (1998), pois ao estudar a obra de Antônio Gramsci ele nos expôs o seguinte: Para Gramsci, o conceito de intelectual é amplo, podendo englobar diversos setores da sociedade (professores, médicos, religiosos, militantes políticos, sindicalistas...) sendo estes detentores de instrução formal ou não, mas que atuem no campo das idéias, os quais se classificariam em tradicionais2 ou orgânicos3 conforme a natureza de seu trabalho, podendo agir como transformares da sociedade ou mantenedores do status quo. Ainda, Amando de Miguel nos propõe: “los intelectuales son los profesionales de la palabra” (MIGUEL, 1978: 67). Para o autor, os intelectuais são os homens que atuam no campo das palavras e por meio destas expressam suas idéias. Ainda de acordo com o autor os intelectuais são homens que escrevem para outros grupos de intelectuais, momento em que a discussão surge gerando a reflexão. Assim nós os imaginamos como detentores de uma inteligência superior, todavia Armado de Miguel nos revela que não é a inteligência em si o grande trunfo dos intelectuais, mas sim o cultivo de seu intelecto, ou seja, o conhecimento armazenado e disposto na forma de signos e símbolos plenos de sentido. Este conhecimento armazenado, por sua vez, foi melhor explicado por JeanFrançóis Sirinelli. Para Sirinelli (2003), o conhecimento humano esta organizado como um ecossistema. Primeiramente o homem através de sua vivência forma seu microcosmo, ou seja, o seu conhecimento inicial. No entanto, o homem é um ser sociável, e, através de sua sociabilidade fica exposto a redes interativas, as quais secretam os microclimas, ou seja, os novos conhecimentos que virão a integrar o seu universo fechando a cadeia do seu ecossistema, o seu novo eu. Assim entendemos que o intelectual é forjado por sua vivência, primeiramente por sua bagagem inicial de conhecimento em associação as novas informações que adquire ao longo de sua vida, as quais são atemporais. Portanto, o pensamento de um intelectual não é fruto apenas de seu tempo, mas de toda a bagagem de informação com que interagiu. Armando de Miguel nos coloca ainda que alguns intelectuais do momento lançam mão dos veículos de comunicação como rádio e televisão e jornais para influir, através de suas idéias, nos assuntos públicos e culturais, estabelecendo ou não por meio da mídia crítica a ordem estabelecida. Nestes termos, podemos considerar que a comunicação midiática é organizada por intelectuais, os quais ficam nos bastidores, elegendo os as idéias a serem 2  Seriam aqueles que encontram sua definição no intelectual italiano, tem como exemplo os filósofos, jornalistas, literários. Em geral emprestam seus serviços em favor de a outra classe, da qual são dependentes, logo agem de forma cosmopolita. 3  São os ditos intelectuais modernos. Eles se diferenciam dos intelectuais tradicionais por possuírem qualificação técnica, sendo então capazes de articular sua especialidade (profissão) com uma ação política ou cultural, logo desempenham uma atitude hegemônica, promovendo então o encontro entre as elites e o povo.


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veiculadas pela telinha, neste artigo, foco de nosso estudo. Diariamente vemos expostos na mídia romances, os quais chegam ao público em formato de novelas, de filmes, ou de minisséries. Nestes romances estão presentes vários personagens com diferentes graus de importância para a trama, mas que apresentam características próprias, com as quais a grande massa irá se identificar. Além das características dos personagens (pobre, abastado, ingênuo, sádico, malvado, corrupto...) desenrola-se uma trama, sendo que esta, em conformidade com o comportamento do personagem o levará a um desfecho, glorioso e feliz, ou punitivo. Deste modo, através do enredo do filme ou da telenovela tem-se a discussão de temas relevantes para o momento, bem como uma espécie de educação a respeito da sociedade e do é esperado de seus partícipes. Do ponto de vista histórico, segundo Marc Ferro (1976), a própria produção midiática se constituí como documento importante para análise, pois têm em sua produção, temas que são argumentos para reflexão histórica através de seus signos e símbolos, numa análise do presente pela representação do passado. De acordo com Maria da Graça Jacintho Sander “ para pensar o social é preciso ser um pouco artista, um pouco ousado e, sobretudo, muito subversor. Afinal a sociologia é um esporte de combate. É uma arma a favor do conhecimento, da tomada de consciência e da transformação da ordem” (BOURDIEU, 2004: 10-11). Para a socióloga o social é um terreno perigoso e requer aos que se propõe a discutilo astúcia e habilidade, pois ao debatermos questões sociais estaremos buscando a reflexão e em resposta a esta ponderação haverá mudanças ou não, fator este que poderá ir de encontro aos interesses das classes dominantes. A partir deste momento nos é possível destacar alguns intelectuais que se propuseram a refletir sobre a sociedade e tiveram sua obra veiculada pela mídia.4 Assim destacamos a as figuras de Benedito Rui Barbosa e Érico Veríssimo, dos quais tomamos emprestadas respectivamente: a novela “Cabocla” e a minissérie “O tempo e o vento” como documento para análise de conteúdo de idéias.

Os autores

Ambos os autores são brasileiros, com um histórico de vida condizente as percepções de Gramsci a respeito do que seria a definição de um intelectual, e mais, todos os dois apresentam uma incrível habilidade ao articular as palavras, promovendo a reflexão, em nosso caso no telespectador. Benedito Rui Barbosa nasceu em 1931 na cidade de Gália no estado de São Paulo. Exerceu varias atividades, sendo a primeira de vendedor de jornais - ainda quando criança- depois foi guarda-livros, bancário e jornalista5. Tinha como habito ir ao teatro, então ao assistir a peça “Shapetuba Futebol Clube”, acabou fazendo amizade com Oduvaldo Viana Filho, autor da referida peça, o qual o estimulou a escrever roteiros para o teatro. Desde então, Benedito escreve tendo especial apreço por temas rurais. Hoje é um escritor de novelas muito conhecido em rede nacional, o qual vem apresentando temas pertinentes ao interesse do público, daí o grande alcance de sua obra. Ele presenciou vários períodos de nossa política, e abriu espaço em suas novelas para discussão. Erico Veríssimo. Veríssimo nasceu em Cruz Alta no ano de 1905 no estado do Rio grande do Sul, onde passou a infância dividindo seu tempo livre entre o cinema 4  Neste momento é importante mencionar que alguns destes intelectuais são nossos contemporâneos, mas outros tiveram exposição póstuma de sua ao grande público televisivo. 5  Atuou nos jornais: O Estado de São Paulo, a Última Hora, no Correio Paulistano e nos Diários Associados, pertencente de comunicação de Assis Chateaubriand.


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e os livros. Foi comerciário, boticário, professor de inglês, tradutor, redator e diretor da Revista do Globo, mas consagrou-se como escritor, tendo muitas de suas obras traduzidas para outros idiomas, fato que lhe conferiu grande destaque também âmbito internacional. Veríssimo teve algumas de suas obras adaptadas para o cinema e a TV onde deixou clara sua postura política. Infelizmente, somente Bendito Rui Barbosa continua em plena atividade intelectual nos dias de hoje, pois Erico Veríssimo faleceu em 1975 em Porto Alegre.

Sobre as obras selecionadas:

A novela “Cabocla” é baseada no romance homônimo de ribeiro Couto de mesmo título, datado de 1931. Foi escrita por Benedito em 1979, ano de sua primeira edição na TV Globo. Já, em 2004, Barbosa supervisionou o roteiro de Cabocla, a qual foi escrito por suas filhas Edmara e Edilene Barbosa. Basicamente a história consiste no romance entre o Dr. Luís Gerônimo, moço rico da capital, que aconselhado por seu médico vai para Vila da Mata para tratar de uma lesão pulmonar (tuberculose) e se apaixona pela cabocla Zuca. Neste cenário verse-á o desenrolar de uma campanha política para a eleição do novo prefeito da cidade. A disputa inicialmente será entre os coroneis Justino e Boanerges, ambos inimigos. Paralelamente ocorerá o namoro entre Neco6, filho do coronel Justino, e, Belinha, filha do coronel Boanerges. Certamente este romance enfrentará muitas dificuldades, pois Neco além de filho do rival do pai da moça, irá candidatar-se a prefeito da cidade. Isso será devido ao fato do coronel Justino abdicar de sua candidatura em favor do filho por saber que a população da região admira muito a postura de Neco e que ele próprio não teria chances contra o coronel Boanerges7. A partir daí a trama nos oferecerá uma amostra do que eram as artimanhas políticas daquele período. Em contrapartida, a minissérie “O tempo eo vento” de Erico Veríssimo teve seu roteiro baseado na primeira parte da triologia “O tempo e o vento” do mesmo autor, mas compreende somente os livros: “O continente I e II” publicados em Porto Alegre em 1949. Sua primeira versão na TV Globo foi em8 1985, período em que a emissora comemorava 20 anos contou com a adaptação do roteiro por Doc Comparato. O enredo da minissérie global “O tempo e o vento” narra a história da família Terra Cambará tendo por cenário o estado do Rio Grande do sul em seu período de formação territorial e colonização. Inicia-se com a historia de Ana Terra, a qual vai se apaixonar pelo índio Pedro Missioneiro, orindo das Missoes Jesuíticas, com quem terá um filho, Pedro terra. Após um ataque dos castelhanos e dizimação de sua família, Ana parte parte para Santa Fé com o filho Pedro. Cinquenta anos se passam e inicia história do Capitão Rodrigo e de Bibiana, ele um soldado valente e indomável, ela neta de ana Terra de quem herdou a resignação e a perseverança. Juntos, o capitão e Bibiana vão viver o período da Revolução Farroupilha. De seu amor nascerá Bolívar. Bolivar e Luzia 9vão ser os pais do Coronel Licurgo, senhor do sobrado, adepto do 6  Moço de caráter com ideais bem diferentes dos de seu pai. Realmente quer melhorar as condições de vida do povo. 7  É o líder político da região. Bom pai e bom marido, não tem mau caráter, porém não percebe a penúria em que o povo vive, acredita que os favores que presta são suficientes e espera a gratidão do povo. 8  “ O tempo e o vento” foi exibido na antiga TV Excelsior em 1967 sob a forma de novela, contou com a direção de Dionísio de Azevedo, adaptação de roteiro de Teixeira Filho e colaboração de Benedito Rui Barbosa. 9  Em 2005 a minissérie “O tempo e o vento” foi lançada em DVD, porém na versão em DVD foram abolidas as cenas que se referem ao capítulo “A Teiniaguá”, a qual conta a história de Bolívar e Luzia, e que estiveram presentes na versão de 1985.


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Partido Republicano Rio-grandense, o qual vai viverciar a Revolução Federalista. Rui Carlos Barbosa e Érico Veríssimo trazem a baila vários temas referentes ao período, os quais destacamos na tabela 1.

Cabocla  autor: Rui Carlos Barbosa Violência: Tocaia, manutenção do poder

Tabela: 1

O Tempo e o vento autor: Erico Veríssimo Violência: Guerras, barbarie dos Castelhanos, manutenção do poder

Posse da Terra: usucapião, latifundiários x sitiantes; falsificação de documentos

Posse da Terra: formação dos limites territorias do RS, latifundioos

Eleições: cooptação de votos

Não menciona

Escolas/ Ensino: forma de cooptar votos

Alguns moradores cobram a falta delas.

Hábitos / Cotidiano: Eventos, Festas, Bebidas

Hábitos / Cotidiano: Festas, Bebidas, Comidas

Casamento: alianças políticas

Casamento: infidelidade

Igreja conciliadora

Igreja: 1) conciliadora; 2) Partidária

Coronel da clientelismo

República:

relações

de

discriminação,

submissão,

Coronel do Império + Coronel da República

Da acordo com a tabela os autores tocaram em assuntos que se fazema atuais ainda hoje. Em ambas as produções midiáticas a questão da terra é uma constante. Em “cabocla” a posse da terra representa o poder, no entanto este assunto não pode ser abordado por Rui Carlos Barbosa em 1979, pois o país passava pelo período da ditadura militar, logo alguns temas eram abolidos em função da censura. Por outro lado, em 2004, a terra vem como a temática forte, representada pelas cenas da expulsão do sitiante Feliciano Rosa de seu sítio pelos capangas do coronel Justino. Da mesma forma a terra continua sendo o centro, fato evidenciado pela falsificação da escritura do imóvel e pelo empreendimento de uma ação de usucapião. De outro modo, em “O tempo e o vento”, a terra também se constiui como um grande problema por que os limites do estado do Rio Grande do Sul ainda não tinham sido estabelecidos, logo o estado era um lugar inóspito devido as grandes dificuldades e também a ameaça constante das invasões castelhanas. Em semelhança a novela Veríssimo ainda nos coloca questão das sesmarias e dos grandes latifúndios. Conforme Nozóe, foram doadas sesmarias aos militares com patentes elevadas, o caso da família Amaral, como forma de pagamento por seus serviços ao defender as linhas de fronteira. No entanto, isso os fez grandes latifundiarios, os quais trabalham em sistema de parceria com os os colonos, que em casos de não conseguir cumprir os contratos automaticamente perdiam suas terras e posses. Érico ainda aborda a questão da reforma agrária , através dos pensamentos do capitão Rodrigo, pois este em uma conversa com o padre Lara faz menção a redistribuição de terras, incluindo como bemeficiários os ,


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negros e os índios, já que o capitão é mostrado como abolicionista. As figuras dominantes são os coronéis, os quais para manter seu poder empregavam variadas práticas. Em cabocla nós veremos o coronel da República Velha, lançando mão de violencia, retratada nas cenas de expulsão do sitiante e também de tocaia. Seu poder está em suas posses e na subjugação da população aos seus mandos e desmandos. Este poder é mantido também por cargos políticos, daí tanto empenho nas campanhas eleitorais,o que vem a desempenhar o processo de cooptação de votos mediante favores prestados como os préstimos de um primo advogado empenhado em uma ação de usucapião, a qual beneficiará ao sititiante, seu compadre, que lhe será eternamente grato. Também veremos como ação dos coronéis republicanos a criação de escolas , a fim de que estes tenham intrução para votar , e logicamente no candidato escolhido pelo coronel mandante da região.

A constituição brasileira de 1891outorgou o direito de voto a todo cidadão brasileiro ou naturalizado que fosse alfabetizado; assim pareciam extintas as antigas barreiras econômicas e políticas, e um amplo eleitorado poderia teoricamente exprimir seu direito de livre escolha. Todavia verificou-se desde logo que a extensão de direito de voto a todo cidadão alfabetizado não fez mais que aumentar o número de eleitores citadinos ou rurais que continuaram obedecendo aos mandões políticos já existentes. (QUEIROZ, 1876: 155)

Ao conceder-se o direito de voto de voto pela constituição de 1891 aos cidadãos alfabetizados brasileiros, ou que fossem naturalizados como tal propunhase um alargamento na camada eleitoral do país. Este fato sugere que o modo antigo de praticar a política havia sido abandonado e aspectos antes tão relevantes como a condição econômica do votante, ou do votado estivesse, a partir deste momento, fora de questão. Contudo, o que se viu foi uma mudança na situação, aumentou o número de eleitores, porém manteve-se o sistema, com algumas adequações do sistema a situação, ou seja, mantiveram-se os mandões e os novos eleitores votavam de acordo a determinação destes, sem questionar sua determinação. Devemos ainda fazer menção que Veríssimo não é muito enfático neste argumento, pois somente temos menção a descontentamento da população no que tange a educação e aos governantes na minissérie o tempo e o vento na administração do coronel Ricardo Amaral, mas este era imperial, portanto qualquer manifestação seria tratada como afronta a seu poder e o agitador devidamente punido, visto que não ainda não havia uma preocupação com eleições neste período. Em Veríssimo temos representados os dois coronéis: imperial e republicano, Ricardo Amaral e Licurgo Cambará respectivamente. O coronel imperial é o fundador do povoado de Santa Fé, é o homem mais rico da região, acumula todos os cargos de chefia do local sendo a autoridade máxima, logo não precisa prestar conta de seus atos a ninguém. Já Licurgo é republicano, fruto de um ideal por muito tempo perseguido. É o prefeito de Santa Fé e fiel ao governador do estado assemelhando-se – no cargo que desempenha – a Boanerges, prefeito de Vila da Mata, cidade fictícia onde se ambienta a novela “Cabocla”. Assim ele desenvolve com seus homens e os habitantes de Santa Fé relações de clientelismo, e de troca de favores com o governador. Os habitantes do local que lhe servem são sua gente, portanto o tem como exemplo. De acordo com Bourdieu, em seu estudo sobre o poder simbólico, uma obra produzida tem um determinado valor para seu produtor, mas se uma pessoa influente, em nosso caso o coronel da república- representados por Licurgo ou por Boanerges – lhe atribuem um valor maior automaticamente elas passam e ter este valor. Neste caso se Boanerges ou Licurgo atribuem um valor as suas idéias, automaticamente elas se sobrepõe as de sua gente, pois o coronel é a pessoa influente, o marchand que


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Bourdieu descreve em seu estudo. Logo se devemos lutar na revolução federalistarepresentada no cerco ao sobrado em “O tempo e o vento”, lutaremos sob a bandeira do coronel, sem nem sequer questionar o porquê desta guerra. Outro ponto ainda abordado em ambas as obras é a questão dos casamentos. Em cabocla, eles se mostraram como forma de realizar alianças políticas, prática explicada por Maria Isaura de Queiroz (1976), pois para a autora o s casamentos eram acertados como forma de ampliar as parentelas, o que garantiria maior apoio político, deste modo, constituindo a mulher apenas como moeda de troca. Já em o tempo e o vento os casamentos parecem levar em conta a condição da família da noiva, no entanto a questão das alianças políticas não ficou tão evidente. Mas há que se lembrar que havia grande preconceito sobre que poderia ser aceito como genro, pois em Ana terra a união de Ana com Pedro não é nem mesmo cogitada, visto que índio não é considerado gente, fato presente nas falas dos próprios personagens, sendo então, preferível assassinar o índio e considerar Ana como viúva. Finalmente é importante mencionar que a construção que o redator do jornal televisivo, o autor da novela ou da minissérie dá a sua obra mostra o que vai ser exposto à grande massa, e, segundo Tompson (1995), o conteúdo apropriado por esta massa, mediante sua identificação com o personagem em associação ao contexto histórico em que vive, proporcionará, através de seu reconhecimento identitário o agente gerador de reflexão, quiçá doutrinador e desencadeador de mudança comportamental. Outro fato importante a ser lembrado é que grande parte de nós conhece lugares, histórias, culturas pela s representação que a mídia faz destes temas, assim em relação ao nosso objeto de estudo, devemos entender que a grande massa vai se apropriar do conteúdo representado na tela e tomar como fonte de verdade e entender que relações coronelísticas e colonização e construção do rio grande do sul foram somente o que foi representado na novela ou na minissérie. Logo, o imaginário que se tem sobre o rio grande do sul é fruto da minissérie o tempo e o vento, da mesma forma ocorrendo com a novela cabocla representa um período da república velha. Finalmente, é relevante fazer referência aos novos pensadores sul riograndenses que vem abrindo espaço para a construção de um novo imaginário da região sul. Entre eles destacamos Gilberto Perin, o Coordenador dos Especiais Histórias Curtas da RBS TV. Gilberto Perin é graduou-se em comunicação social pela PUCRS em 1976; desde então, atuou como jornalista, roteirista, fotógrafo e diretor de cena. Neste espaço, dos especiais da RBS, tem-se abertura para novos escritores esporem suas idéias sob a forma de curtas-metragens, e discutirem temas que sejam pertinentes a época de sua produção. Perin é o responsável pela coordenação dos referidos concursos – Especiais / Histórias Curtas - desde o momento em que foram criados. Os critérios para a seleção dos roteiros estão a cargo exclusivo de pessoas determinadas pelo grupo RBS TV. São analisados os projetos inscritos através: 1) do seu cronograma de realização; 2) dos roteiros, que devem ser voltados para a dramaturgia, animação, ficção e/ou documentário; 3) do número de integrantes no projeto; 4) do currículo dos participantes encarregados da direção de cena. Após a referida análise são selecionados oito projetos a cada edição e estes apresentados na Rede RBS. Dos Especiais/ Histórias Curtas se apurou que nomes como os de Lisiane Cohen, Gisele Jacques, Cristina Jacques e Drégus Ferreira vem se destacando, visto que seus roteiros foram selecionados com certa freqüência desde que o especial foi criado, fato nos fez acreditar que os temas abordados em seus scripts são pertinentes ao ideário dos intelectuais encarregados da seleção dos projetos inscritos para


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avaliação. Logo, podemos entender que os novos roteiristas e diretores vêm sendo reconhecidos por seus pares. Após a consideração dos nomes destes pensadores podemos retomar os ditos neste texto sobre o que seria um intelectual e aplicá-los sobre os nomes citados. Como foi mencionado anteriormente, os intelectuais são profissionais que operam no campo das idéias e tem como instrumento de trabalho a palavra. Eles podem ter ou não formação acadêmica, atuar em sua área de formação ou não, mas devem em especial devem ter visão de mundo e procurar promover a reflexão nos demais por meio das palavras. Desta forma, entendemos a conexão estabelecida entre história e atualidade, no que tange o poder a política, por Benedito Rui Barbosa, em Érico Veríssimo e em Gilberto Perin e na sua abertura a novos pensadores tem grande relevância em dias atuais. Mas o que há em comum entre eles? Como Gramsci nos colocou existem os intelectuais tradicionais, voltados a uma ação mais cosmopolita, sustentados pelo poder de uma esfera superior, portanto sem possibilidade de lançar uma crítica aberta ao sistema. Mas, também há os intelectuais modernos, detentores de habilidades especiais, portanto, livres para expressar o seu pensar, pois não estão vinculados a um grupo com interesses distintos dos seus e que venha lhes impor limites. É neste último grupo de intelectuais que se colocam os nomes citados, modernos. Assim, o que há em comum entre os intelectuais é a capacidade de articular as suas idéias, ao apropriar-se dos signos e símbolos sociais de seu tempo e escolher como organizar o teatro de suas palavras, se para uma ação transformadora, ou para a manutenção dos status quo, ideologia esta que será veiculada pela telinha e se fará presente, quase como uma doutrina, na grande maioria dos lares brasileiros.

Fontes:

Cabocla. Telenovela. Produção Rede Globo de televisão. Autoria: Benedito Ruy Barbosa, adaptação: Edmara Barbosa e Edilene Barbosa, direção: José Luiz Villamarim e Rogério Gomes, 2004. O tempo e o vento. Minissérie. Produção Rede Globo de televisão. Autoria: Érico Veríssimo, adaptação: Doc Comparato, direção: Paulo José, 1985. Histórias Curtas. Especiais. Produção RBS TV. Coordenação: Gilberto Perin, 2001.

Referências:

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O jornal A Evolução enquanto canal de comunicação para os intelectuais da Sociedade União Operária

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O jornal A Evolução enquanto canal de comunicação para os intelectuais da Sociedade União Operária e o caso das eleições de 1934.

Felipe Godinho Lima1

Introdução

O presente trabalho busca contribuir para o conhecimento histórico acerca do movimento operário na cidade do Rio Grande, localizada ao sul do Rio Grande do Sul, principalmente no que tange a história da Sociedade União Operária (SUO), uma entidade rio-grandina que reunia proletários e que teve uma longeva participação nas lutas reivindicatórias dos trabalhadores da localidade, compreendida entre os anos de 1893 e 1964. Este estudo tem como foco de análise a questão da importância que a associação dava à atuação dos intelectuais, sobretudo, aos que estavam inseridos no seu meio, vistos como essenciais dentro das propostas desenvolvidas na entidade. Partindo desse pressuposto, centraliza-se as reflexões sobre o jornal A Evolução, um periódico ligado a SUO lançado em maio de 1934 e mantido até fevereiro de 1937 (tendo algumas pequenas interrupções), do qual se caracterizou como sendo mais um canal de comunicação da intelectualidade envolvida com a entidade, realizando, a partir desse objeto, um estudo de caso referente às eleições ocorridas em outubro de 1934 e a postura da associação rio-grandina para tal pleito, materializada através dos discursos publicados naquela folha operária e que foram formulados pelos intelectuais. Para chegar nesse ponto principal, será feito, anteriormente, um breve intróito sobre a trajetória da SUO, além de algumas considerações sobre a sua relação com a atuação dos sujeitos que tinham função intelectual no mundo operário riograndino da época.

1. A Sociedade União Operária como canal de comunicação para os operários intelectuais rio-grandinos.

A Sociedade União Operária apresentou em sua história algumas peculiaridades, sendo uma delas, ter passado por diferentes fases. Isso se explica tanto pela sua longa duração – acompanhando as diferentes conjunturas nacional e internacional – como pela forma como era administrada internamente, com grupos 1  Graduado em História Licenciatura pela Universidade Federal do Rio Grande. Atualmente faz parte do grupo discente do curso de Especialização em História do Rio Grande do Sul da mesma instituição.


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que por vezes se apresentavam diametralmente opostos em disputas eleitorais pelo comando da entidade em determinado período, causando conflitos internos e, em certos momentos, dificultando o avanço da associação. Esse ocorrido fez com que muitas vezes se seguisse as divisões tradicionais do movimento operário2, mas, em outras, fez com que se apresentasse características que destoavam daqueles marcos generalistas. Apesar disso, ela foi “ (...) uma das mais estáveis entidades de trabalhadores do estado (...)” (JARDIM, 1996, p.34) do Rio Grande do Sul. Pode-se dizer que esta associação apresentou períodos em que esteve plenamente envolvida com as lutas reivindicatórias dos operários rio-grandinos, mas também apresentou momentos mais apáticos, afastada dos interesses dos trabalhadores da localidade, deixando, assim, de ser representativa para uma parcela dos mesmos. Estes, então, passavam a procurar em outras entidades o auxílio que antes encontravam na SUO. Em relação à sua história durante a Primeira República, podem-se fazer duas divisões: o primeiro período, que se entendeu da sua gênese em 1893, quando iniciou como entidade de auxílio mútuo (LONER, 1999, p.208) até os anos iniciais da década de 19103, sendo a principal entidade operária do Rio Grande, em que teve uma “(...) participação expressiva, apoiando movimentos grevistas e representando o conjunto da população em alguns momentos, como no encaminhamento de lutas contra a carestia de vida (...)” (LONER, 1996, p.76). Desta forma, tornou-se a vanguarda das lutas desenvolvidas pelos trabalhadores rio-grandinos naquele início de República, o que lhe configurou uma posição de destaque dentro do mundo operário da cidade. O segundo período se inicia na década de 1910, embora tenha se intensificado na segunda metade do mesmo momento, quando o grupo que dirigia a entidade “distanciou-se (...) do conjunto operário, isolando-se com posições extremamente moderadas e atitudes que cheiravam a colaboração de classes (...)” (LONER, 2001, p.25), configurando-se, então, em uma fase de refluxo que se manteve em parte dos anos de 1920, quando as intensas disputas internas entre anarquistas e “amarelos” dificultavam o avanço das lutas da SUO, fazendo com que não conseguisse retomar aquela sua posição de destaque no movimento operário rio-grandino. Apesar das diferenças entre as duas etapas relatadas, uma característica da SUO se manteve perene nas distintas fases: a importância dada à atuação dos intelectuais. Partimos da concepção de que o conceito de intelectualidade não está baseado em um tipo de trabalho, mas em uma função (BOBBIO, 1999, p.114), ou seja, eram aqueles indivíduos que exerciam o papel de elaboradores de um pensamento reflexivo e crítico frente à própria realidade, que possuíam a “(...) tarefa específica de elaborar e transmitir conhecimentos, teorias, doutrinas, ideologias, concepções de mundo ou simples opiniões (...)” (BOBBIO, 1999, p.110), e que para desenvolver tal função utilizavam alguma forma de comunicação. No movimento operário da Primeira República brasileira, esta noção era de extrema importância, visto a percepção que os elementos daquela época tinham dos avanços rumo às melhorias, que dependeriam da atuação de sujeitos superiores à camada geral dos operários, pois viam “(...) o proletariado como incapaz, devido à sua ignorância, de organizar-se e lutar por seus direitos sem a condução dos companheiros mais educados (...)” (SCHMIDT, 1999b, p.167). Para a SUO, a função que os intelectuais deveriam exercer era de duas naturezas: a primeira, servindo como instrumentos de elevação cultural do proletariado, 2  São elas: auxílio mútuo, socialismo, anarquismo, comunismo e trabalhismo. 3  O ano de 1911 foi possivelmente um dos marcos da mudança de orientação da Sociedade União Operária. Nessa data temos a participação da entidade na luta pela conquista das oito horas de trabalho para os empregados da construção civil da cidade, conquistada através da ação direta. Porém, observa-se também que foi nesse período que um dos mais importantes militantes, desde a fundação da associação, Antônio Guedes Coutinho, se retirou, provavelmente, por desavenças com a nova diretoria (SCHMIDT, 1999b, p.152).


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visando a sua emancipação; a segunda, servindo como meio de comunicação entre as idéias que a Diretoria da entidade tinha e os trabalhadores, já que ela se via como a orientadora do movimento operário do Rio Grande (SCHMIDT, 1999b). Para essas duas funções foram criados canais de expressão para a intelectualidade, todos eles iniciados na primeira fase da entidade, mas que não deixaram de funcionar no período seguinte, por vezes servindo mais para o primeiro dos aspectos e em outras situações relacionadas principalmente com o segundo. Nesse sentido, foi criada logo em 1895, no decorrer do segundo ano da associação, uma escola, que apesar das práticas pedagógicas tradicionais, naturais para o período, foi de extrema importância, devido ao seu pioneirismo no estado, quando os operários não tinham oportunidades num contexto educacional elitista. Além desse canal de comunicação, os intelectuais também atuavam no grupo teatral “Grêmio Lírico Dramático Germinal”, fundado em 1902, que buscava através das suas peças uma “(...) conscientização dos espectadores para a necessidade de transformação social (...)” (SCHMIDT, 1999b, p.162). Acrescenta-se a esses, a manutenção de uma biblioteca com uma sala de leitura, conferências e espetáculos que ficavam a cargo de sua banda musical. Assim sendo, foram vários os meios de comunicação criados pela SUO para que seus intelectuais desenvolvessem aquelas tarefas citadas anteriormente, além da atuação dos mesmos nas atividades sindicais e nos próprios locais de trabalho nas suas atuações cotidianas. O jornal foi outro dos instrumentos criados pela entidade rio-grandina como meio de expressão da sua intelectualidade, a fim de atingir aqueles dois intuitos expostos anteriormente. Essa postura já estava expressa no primeiro estatuto da SUO, no qual estava manifestada a seguinte sentença citada por Jorge Jardim (1996, p.34): “fundar um jornal para a defesa dos interesses sociais e do operariado em geral” (JARDIM, 1996, p.34), salientando ainda que sempre que possível deveria ser distribuído de forma gratuita aos seus associados. O Echo Operária, iniciado em 1886, prolongando-se até 1889, e depois no ano de 1901, foi um desses casos, tendo como mentor Antônio Guedes Coutinho, um dos principais militantes da associação nos seus primeiros anos. Esta folha operária foi um dos importantes jornais do Brasil na virada do século entre aqueles que eram ligados aos grupos de trabalhadores. Ele “(...) divulgava notícias do movimento operário local, nacional e internacional, denunciava as péssimas condições de vida do operariado e a exploração a que era submetido nas fábricas (...)” (SCHMIDT, 1999a, p.204). Do seio da SUO, ainda há outros periódicos, destacandose um jornal de volume único, lançado em 1926, intitulado Cultura Proletária, obra produzida por um grupo anarquista que chegara ao poder na associação depois de penosas lutas internas (Cultura Proletária, 01/05/1926). Já na década de 1930, a entidade iniciava a publicação do jornal A Evolução. Como nos exemplos anteriores, ele era um canal de comunicação para a intelectualidade da SUO, estando, portanto, de acordo com os preceitos da elevação cultural dos operários - dos quais eram feitas por indivíduos mais capacitados -, e de ser um meio de comunicação entre a Direção da associação e os trabalhadores que deveriam ser orientados. Além disso, esse periódico foi lançado em um momento que a SUO tinha dois objetivos: primeiro, se reafirmar enquanto entidade principal dos operários rio-grandinos, posição que inicialmente detinha e deixou escapar (LIMA, 2010); segundo, se fortalecer frente aos novos grupos políticos que surgiram naquela década. Feita esse breve introdução, serão realizadas, a seguir, análises que mostram o jornal A Evolução como canal de expressão da intelectualidade, especificamente, em relação ao seu objetivo de visar ser um canal de comunicação para as orientações que deveriam ser dadas aos trabalhadores. Para isso se fará um estudo de caso a partir do contexto das eleições que seriam realizadas em outubro de 1934.


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2. Orientações da Sociedade União Operária para as eleições de 1934.

O segundo semestre do ano de 1934 no Brasil foi marcado pelas expectativas geradas a partir da promulgação da Constituição Federal em julho. Este clima ficava ainda mais saliente devido às eleições que ocorreriam em outubro do mesmo ano para o legislativo federal e para as assembléias constituintes estaduais. A relativa abertura política que esses fatos proporcionaram, fez com que as entidades ligadas aos grupos operários passassem a fazer campanha para que seus líderes fossem eleitos nos pleitos que viriam (PETERSEN; LUCAS, 1992, p.401). Dessa forma, tanto as entidades operárias, como outros grupos, se organizavam para as eleições. Com aqueles intuitos, ocorreu, no Rio Grande do Sul, a formação da Liga Eleitoral Proletária (LEP), uma “(...) agremiação política criada e sustentada pela FORGS e filiada à linha revolucionária do Partido Comunista do Brasil (...)” (PETERSEN; LUCAS, 1992, p.401). A Federação Operária do Rio Grande do Sul - que foi uma entidade porto-alegrense fundada em 1906 com duração até 1935 - era a grande associação dos trabalhadores nesse período, tanto que a maioria das entidades do Estado estavam ligadas a ela. Incluída entre essas, estava a Sociedade União Operária de Rio Grande, que atribuía ao órgão da capital o título de “(...) entidade máxima do operariado do Rio Grande do Sul (...)” (A Evolução, 12/08/1934, p.4). Tendo interesse nas eleições de 1934 e mantendo bom relacionamento com a FORGS, a SUO apoiou a LEP para o pleito de outubro, fazendo das páginas do jornal A Evolução um meio de comunicação entre o posicionamento da Direção e os eleitores/ operários, orientando os mesmos para os acontecimentos que ocorreriam através de discursos formulados pelos intelectuais que estavam coadunados com essa perspectiva. Essas argumentações começaram na primeira edição do mês de agosto e não cessaram até o dia 13 de outubro, data que antecedeu as votações. O texto da primeira página do dia 5 de agosto foi intitulado de “Caravana Proletária”, no qual narrava a chegada no dia 25 de julho, à cidade do Rio Grande, de um grupo de operários da FORGS, que vinham percorrendo o Estado a fim de explanarem algumas lutas da entidade porto-alegrense, entre elas estando a recém criada LEP. A “caravana” era composta por Polycarpo Machado, Angelo Plastina e Leopoldo Machado - membros diretores da agremiação política da capital, além de Lucio Netto e Agostinho Carvalho, esse vindo de Pelotas. Com eles, foi marcada uma Sessão Pública para o dia 26, às 20:30, na sede da SUO, “(...) a fim de que os trabalhadores desta cidade tivessem conhecimento do objetivo que obrigara a Caravana a percorrer o Estado (...)” (A Evolução, 05/08/1934, p.1). O intuito principal: a LEP. Nesse evento, realizou-se uma série de discursos a partir de uma mesa diretora, onde se encontravam os caravaneiros, alguns dirigentes da SUO e representantes do jornal A Evolução. Podemos ver na própria disposição da mesa a função que foi dada aos intelectuais da folha rio-grandina: órgão de comunicação da FORGS, da LEP e da SUO com os operários do Rio Grande. Após as falas dos participantes: (...) Polycarpo H. Machado, consulta o plenário se estava de acordo com a organização imediata do Comitê Local da ‘Liga Eleitoral Proletária’, explicando o processo de escolha. Respondido afirmativamente, foi pelo mesmo companheiro pedido que a assembléia aclamasse a sua primeira diretoria, o que foi feito, ficando assim todos empossados da direção do Comitê Local (A Evolução, 05/08/1934, p.4).


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Dos membros empossados nessa ocasião, três pediram, em outro momento, para sair. A diretoria definitiva ficou composta pelos seguintes componentes: Luiz de Almeida, Benamar Baptista, José Pinho, Albino Pereira Nunes, Heleodoro Martins, Martins Duarte e João Carneiro. Ainda, na edição do dia 5 de agosto, houve a publicação de parte do “Programa” daquela agremiação política, completando, dessa forma, a iniciativa assumida publicamente pela SUO, a qual visava fortalecer a luta eleitoral defendida pela LEP. Dando continuidade a esses atos, os diretores do Comitê local realizaram no dia 10 de agosto, em sua sede (SUO), uma assembléia, para a qual convocaram a classe trabalhadora através de panfletos. Nesse evento, os componentes falaram sobre as disputas eleitorais que aconteceriam, apresentaram a LEP e realizaram a leitura do seu “Programa”. O evento encerrou-se, mas os oradores deixaram um recado através do jornal: “A direção do Comitê continua em sua atividade no sentido de que a arregimentação da massa trabalhadora continue a ser feita com toda a regularidade” (A Evolução, 19/08/1934, p.1). Esses dois eventos narrados mostram as sessões públicas realizadas no sentido de vincularem a SUO com a LEP, além de também apresentarem o programa eleitoral da última para o pleito de outubro. Somando-se a isso, eles serviam para que houvesse indicações aos trabalhadores, alertando os mesmos sobre quem eles deveriam apoiar. Corroborando com esses esforços, foi utilizada a atuação dos intelectuais do jornal A Evolução como um caminho entre as idéias da Direção da SUO e os proletários que deveriam ser orientados. Dessa forma, textos foram formulados para servirem como indicativos para os trabalhadores. A seguir, serão abordadas três características dos discursos elaborados pela intelectualidade do periódico: o primeiro trata de um processo de polarização entre adversários. Uma das orientações mais significativas desse aspecto pode ser vista na seguinte argumentação endereçada4 “aos operários, onde estiverem”: Companheiros! A Liga Eleitoral Proletária está fundada nessa cidade. É necessário que cumpras com o teu dever. Em lugar de dares o teu voto aos políticos, aos burgueses, aos exploradores, que tudo vos prometem e nada fazem, dá ao trabalhador como vos, que sente o que é necessidade. Companheiros, o Comitê está funcionando, cheio de boa vontade. Mas é preciso que tu compreendas que a luta de classes está travada de um lado o burguês comprando os inconscientes, e os traidores dos trabalhadores de outro, os políticos exploradores da ignorância dos nossos companheiros, prometendo mundos e fundos e depois de galgar a posição almejada, quando se lembra de nós é para tirar ou por outra roubar a nossa mais sagrada conquista, como o direito de greve, etc. Assim, companheiros, não te deixeis iludir: és operário, vota com a tua classe, classe que tudo fez, que tudo produz e nada tem, a não ser miséria e fome. Trabalhador, não sejas covarde nem traidor. Honra teu nome de operário, votando com os operários. Vamos companheiros, o momento não comporta mais vacilações: ou votas com os teus irmãos que pedem pão para a coletividade, ou então, deixas de ser um operário honrado e consciente para seres um traidor, um inconsciente. Avante companheiros: tudo pela Liga Eleitoral Proletária, votando com os candidatos trabalhistas de verdade. (A Evolução, 05/08/1934, p.3).

Logo no título, se vê demonstrado que as argumentações contidas no texto não se restringiam à localidade do Rio Grande, pois eram relacionadas a uma luta que envolvia todo um grupo de operários no Rio Grande do Sul, aqueles que representavam a consciência, aqueles que estavam alheios às greis da burguesia exploradora, 4  Utilizamos a expressão “endereçada” porque essa transcrição foi retirada da seção “Bilhete”, na qual simulava um formato de correspondência a ser entregue a determinada pessoa ou grupo social.


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aqueles que eram verdadeiramente proletários, aqueles que representavam a luta pela coletividade e passavam pelas mesmas penúrias que o leitor possivelmente sofria. Entre enaltecimentos aos trabalhadores vinculados LEP e a negativização para os adversários, o intelectual orienta o eleitorado rio-grandino a ser “tudo pela Liga Eleitoral Proletária”, sob pena de receber a pecha de traidor e inconsciente, além de covarde, como eram tachados os que caiam nas armadilhas formuladas pelos inimigos da agremiação defendida. Dessa forma, indicou-se o caminho correto para o pleito de outubro entre as possibilidades que existiam para a ocasião. Na maioria dos textos em que eram tratados os grupos que disputariam as eleições, aparece a LEP de um lado e um grupo homogêneo de inimigos de outro. Contudo, pela leitura mais aprofundada do jornal, pode ser visto que como adversários estavam incluídos os Integralistas, os Círculos Operários e os nomes que já figuravam na política nacional e local, e segundo o periódico, eles tinham a ajuda das forças policiais que representavam um Estado que era contrário ao partido proletário5, além de alguns elementos sindicalizados mas não vinculados a FORGS ou a SUO. A defesa da agremiação foi muitas vezes realizada a partir daquele processo de dicotomizar os “domínios do político”, conforme visto na transcrição anterior, que fica comprovada a partir do artigo que será citado a seguir, com autoria de José Pinho, que recebeu o título da expressão destacada acima: Todos os partidos na ânsia de fazerem prosélitos para suas causas, promovem pela boca ou pela pena de seus propagandistas, uma vida paradisíaca para o povo brasileiro, isso quando o basbaque do povo os guindar ao poder, já se vê esquecendo-se que este já constatou que cada partido que ascende ao poder, é mais um degrau que o pobre povo desce na escala da escravidão econômica e na compreensão da liberdade. E enquanto os partidos da política profissional arregimentam suas forças para a conquista dos ossos ainda disponíveis para serem roídos durante o quadriênio governamental, o proletariado (...) organiza-se em partido de classe, para conquistar pelas urnas o direito de interferir diretamente na administração do país. Criando a sua “Liga Eleitoral Proletária”, pedra angular do grande Partido Proletário Nacional (A Evolução, 12/08/1934, p.1).

Novamente ocorre uma separação entre a LEP e os outros grupos políticos, o primeiro como partido de classe e portador da consciência; os demais como aglomerações formadas por profissionais da política, não agindo, portanto, pelo bem da coletividade, tanto que levam o povo para uma situação de penúria maior do que a existente. Esse tipo de formulação discursiva, baseada na polarização, foi recorrente até a edição que antecedeu às eleições. Além do mais, esse fragmento permite avançar nas análises, como, por exemplo, no aspecto relacionado à propaganda realizada pelos diferentes grupos, quando o autor não deixa claro se nesse quesito encontram-se também a LEP – e por conseqüência a SUO e A Evolução -, mas, apesar da expressão “todos”, provavelmente não os incluíam, pois trata de forma pejorativa aquelas práticas, além de adiante ser salientado que o operariado havia se unido através de um partido político em função de uma tomada de consciência, e não a partir dos tons propagandísticos. Com esse estudo, busca-se demonstrar, que essa argumentação de José Pinho não se verifica tanto pelas páginas da folha proletário rio-grandina, quanto pelos atos públicos realizados pelo Comitê local, que vinham se esforçando na publicidade da LEP, tanto que em outra edição foi publicado a seguinte explanação: “A campanha 5  O jornal apresentou o seguinte texto em um rodapé: “Última hora: a polícia de Cachoeira tentou impedir, violentamente, a propaganda da ‘Liga Eleitoral Proletária’, prendendo os membros da Caravana (...) Isso só acontece com os trabalhadores, pois a caravana do Inspetor Regional e a Frente Única tem Plena Liberdade” (A Evolução, 09/09/1934, p.4).


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eleitoral proletária está ligada à luta cotidiana das massas trabalhadoras para a conquista de suas reivindicações imediatas!” (A Evolução, 13/10/1934, p.3). O que se observa, então, foi que houve outro tipo de polarização, baseada na diferenciação entre os tipos de propagandas, atribuindo-se aos proletários uma campanha digna das lutas dos trabalhadores, pois estava inserida nas batalhas cotidianas - e por isso legítimas - e não apenas em palavras, escritas ou faladas, sem fundo verdadeiramente operário. Portanto, apresentaram aos operários os caminhos possíveis de serem seguidos nas eleições de outubro, a partir de polarizações entre consciente e inconsciente, entre partido classista e partidos profissionais, entre campanha legítima e campanha ilegítima, tendo o jornal A Evolução dando as orientações corretas aos trabalhadores. Com isso, aos proletários rio-grandinos, ficou um “dever” a ser seguido, pois foram orientados pela superioridade intelectual do periódico. Essa foi a segunda característica discursiva apresentada pelo hebdomadário e que será examinada a seguir. Nesse sentido, temos como exemplo o texto chamado “Proletário alerta!...”: Proletários, és consciente e tendes amor à vossa causa? Pois bem, não olvides que, existe uma “Liga Eleitoral Proletária”, e que esta representa a pedra basilar em que deve apoiar-se as aspirações de reivindicações dos proletários em geral. Ler, difundir e apoiar o programa da “Liga”, é dever de todo proletário cioso e consciente de seus deveres e direitos, é dar de público uma demonstração sadia de inteligência e consciência (...) É dizer aos políticos profissionais que estamos cansados das demagogias (...). Proletários, desta vez ou cumpres com teus deveres ingressando na verdadeira política da tua classe, ou arrancas a máscara de proletário dando teu apoio aos inimigos do teu progresso. Defini-te, pois, na qualidade que és de homem do trabalho (A Evolução, 16/09/1934, p.3).

Portanto, observa-se que há uma junção entre as características discursivas, devido a ser imposto, como dever aos operários, de serem conscientes - e não traidores dos trabalhadores -, de apoiarem o partido verdadeiramente da classe, além de aderirem a campanha legítima, sendo considerada aquela feita em prol da LEP. É importante salientar que esse dever foi estendido às mulheres, conforme visto a seguir: “Mulher proletária: Alista-se na falange trabalhista. Acompanha teu esposo, teu irmão, teu pai, teus filhos e honra teu nome na luta das urnas, votando em proletários como tu” (A Evolução, 12/08/1934, p.4), ou ainda em: “Trabalhadores do Rio Grande: homens e mulheres, sem cor política ou crença religiosa – a ti lançamos o nosso apelo – é chegada a hora de prestar teu decisivo apoio aos teus companheiros da vanguarda proletária (...)” (A Evolução, 07/10/1934, p.4). Assim, se foi orientado como uma obrigação para os trabalhadores locais o alistamento no Comitê local e a futura votação nos candidatos da LEP, tornou-se importante para o jornal dar publicidade a esses objetivos quando alcançados, para, desta forma, incluir os trabalhadores que aderiam no quadro dos “conscientes”, dos que honraram sua posição de proletários, contrários aos traidores, o que acabava também por reforçar a defesa da LEP como caminho correto a ser seguido. Isso pode ser visto, por exemplo, na seguinte construção: “O ‘Comitê’ local da L.E.P. prossegue animadamente no serviço de propaganda proletária (...) Cresce diariamente o entusiasmo pelo pleito que se aproxima (...)” (A Evolução, 09/09/1934, p.3). A última característica que será examinada trata da escolha pela campanha a favor de Angelo Plastina, líder operário oriundo da Sociedade União Operária de Dom Pedrito, que freqüentemente colaborava com o jornal A Evolução, e que era um dos nomes da LEP para a disputa a nível federal no dia 14 de outubro de 19346. A 6  Os outros nomes ligados a LEP eram: Fernando Souza de Ó, Theodoro Joahonson, Moacyr Varbieri, Álvaro Nascimento Campos, Arnaldo Teixeira, Eralito Coco, José Lopes de Carvalho,


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escolha da SUO de Rio Grande pelo nome do militante citado já era antiga, tanto que quando foi marcada uma assembléia no Comitê local para que o mesmo fizesse suas indicações ao diretório central da LEP, sobre quem deveriam ser os candidatos nas eleições, Plastina estava presente, situação onde, segundo o periódico, “(...) debateu todos os pontos que dizem respeito às classes trabalhadoras. Como sempre acontece (...) o entusiasmo da assistência foi formidável” (A Evolução, 07/10/1934, p.1). Em relação às duas edições que antecederam a data marcada para a votação, optou-se por observar dois textos que servem como parâmetros para perceber a forma de campanha realizada a favor de Plastina. No dia 7 de outubro publicou-se um artigo intitulado “Contrastes”, que tratava das diferenças entre as campanhas dos “amarelos” e do militante da LEP, que argumentava o seguinte: (...) Enquanto que os amarelos regressam desiludidos pelo fracasso que sofreram, Angelo Plastina volta satisfeito com a sua consciência e vitorioso com as idéias que pregou. É que os amarelos carregam consigo o estigma da traição e Angelo Plastina carrega o estopo lealdade. Os caravaneiros amarelos desfraldam um trapo roto do monturo e Angelo Plastina o lábaro sagrado das reivindicações proletárias. Aqueles mercadejam as idéias, esse não corrompe o ideal. Contrastes, em tudo! (A Evolução, 07/10/1934, p.4).

E no dia 13 de outubro, véspera do pleito, encontra-se na primeira página esse fragmento chamado “Dever de honra”: É dever de cada explorado prestar incondicional apoio material, moral e intelectual, para que sua classe possa libertar-se da infamante escravidão econômica e social que impõe o julgo maldito da burguesia. Angelo Plastina, o maior pioneiro da causa operária, não só pelo seu talento como pelo seu destemor, merece bem que todos os descrentes da emancipação proletária, cultivem em suas almas um raio de esperança e venham para as organizações constituir ao lado dos companheiros já organizados blocos de resistência capazes de sofrerem heroicamente o embate das investidas da reação. Companheiros: todos às organizações porque seremos invencíveis (A Evolução, 13/10/1934, p.1).

Com esses dois textos, percebe-se que na campanha política em prol de Angelo Plastina foram repetidas as características anteriormente analisadas, ou seja, os discursos formulados a favor da candidatura do militante lidado a FORGS tiveram elaborações a partir dos mesmos pressupostos, com a idéia de polarização, cabendo ao operariado seguir a orientação dada pela SUO, o que se caracterizava como um “dever” a ajuda prestada nessa empreitada, a fim de que os proletários fossem “conscientes” e fizessem obra “verdadeiramente proletária”.

Considerações Finais

Enfim, buscou-se neste trabalho fazer um breve levantamento da história da Sociedade União Operária de Rio Grande, mormente, a partir da sua relação com a noção de intelectualidade, analisando a importância que a entidade rio-grandina dava para a atuação deste grupo de operários. Viu-se que a associação creditou aos intelectuais duas tarefas expressivas: a elevação cultural do proletariado e ser um Abílio Fernandes e Oclydes Pereira Pontes (BATISTELA, 2009, p.76).


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meio de fazer com que as idéias da Direção chegassem aos trabalhadores como forma de orientações a serem seguidas. Para isso, foram examinados alguns instrumentos criados pela associação para que estes intuitos pudessem ter êxito. Entre estes elementos, estavam os jornais. Então, se optou em fazer um estudo de caso, a partir de A Evolução, mostrando através das formulações discursivas, as eleições de outubro de 1934, em que a idéia de orientação do operariado se deu através de um canal impresso valorizado pela entidade. Assim, foram analisadas as elaborações realizadas pela intelectualidade a fim de arregimentar eleitores para a Liga Eleitoral Proletária, agremiação ligada a Federação Operária do Rio Grande do Sul.

Referências Bibliográficas

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“Eu! Um intelectual?” As manifestações de intelectualidade em comunidades tradicionais.

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“Eu! Um intelectual?” As manifestações de intelectualidade em comunidades tradicionais.

Flávia Liziane Gonzales Bandeira1

A temática deste trabalho surgiu após os questionamentos, incitados na disciplina História e intelectualidade no Rio Grande do Sul, do curso de especialização em História do Rio Grande do Sul da Universidade Federal do Rio Grande, a respeito das características definidoras de um intelectual e do seu papel na sociedade. O aqui escrito resulta de leituras e discussões com colegas do curso e com os próprios intelectuais anônimos presentes no cotidiano. Desta forma é proposto o estabelecimento de um diálogo, entre os teóricos da sociologia e da história política que buscam definir as características da intelectualidade e as manifestações desta em uma comunidade pesqueira. De forma específica é proposta a identificação de um intelectual e de suas ações no seu contexto diário, Louredi Vinagre Borges, da comunidade de pescadores do Bairro São Miguel. Para dar início a reflexão do texto, são pedidas emprestadas as palavras de uma autora a qual dedica seu trabalho a estabelecer uma análise dos pescadores membros da Associação de Pescadores Artesanais da Vila São Miguel (APESMI), localizada no bairro de mesmo nome. A colega faz em sua dissertação uma atinente abordagem a respeito desses sujeitos históricos e dos “... sonhos e das imagens de esperança e felicidade que estão sendo construídas e vivenciadas ...” (OLIVEIRA, 2008, p.6) por esses pescadores a partir da fundação da Associação. O trabalho da autora deve ser fortemente reconhecido pela voz dada aos pescadores e pela evidenciação da fundação da cooperativa como uma denúncia à crise socioambiental que envolve estes trabalhadores e pelo anúncio de uma possibilidade de mudança e melhoria de vida. Entretanto, a autora peca ao criticar “..a visão idílica da profissão da pesca artesanal presente em muitas pesquisas acadêmicas, as quais criticam o posicionamento destes trabalhadores quando negam o sonho da continuidade desta profissão em sua família.” Pois embora parte da critica inicial seja fundamentada, ela prossegue e afirma que “O senso comum acadêmico pode nos conduzir à defesa desta perspectiva, isso revela um desconhecimento dos intelectuais sobre a realidade da pesca e da labuta diária dos pescadores.” (OLIVEIRA, 2008, p. 120) Esta afirmação causa desconforto por incitar a duas conclusões, a primeira de que intelectual é sinônimo de indivíduo acadêmico; a segunda ao dizer que este ser acadêmico desconhece e/ou não compreende a realidade da pesca e do trabalho diário dos pescadores. Essa afirmação conduz a reflexão a cerca de sua existência e legitimidade. 1  Licenciada em História pela Universidade Federal do Rio Grande em 2009 e aluna do Curso de Pós Graduação Lato Sensu em História do Rio Grande do Sul, na mesma instituição de ensino. Contato: serenissimafb@yahoo.com.br


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Criou-se um imaginário sobre a incipiente organização política existente no meio dos trabalhadores da pesca artesanal. Seus trabalhos tipicamente manuais, baseados em conhecimentos empíricos e força bruta colocou-os erroneamente em uma posição frente a sociedade e a si, de trabalhadores desarticulados politicamente, afastados dos centros de discussões e por isso carentes de representantes no mundo político/social. Na falta dessas representações, muitas vezes agentes externos à comunidade assumem o papel de “porta-vozes” dessas. As observações feitas, no entanto, são frutos de um olhar pautado em valores exógenos aos da vivência diária das comunidades pesqueiras e por vezes até preconceituosos. Terminam por assumir discursos desconectados dos reais interesses dos pescadores, chegando a defesa de ações que vão de encontro aos interesses da comunidade. Em muitos momentos essas pessoas fazem parte do universo acadêmico. Embora este comportamento não configure uma regra e seja crescente o número de grupos dentro das universidades que se dedicam a ações de interação/suporte com as comunidades tradicionais, ainda é grande o número de profissionais universitários que assumem essa representatividade ilegítima. Esses profissionais são popularmente conhecidos como intelectuais. A partir da desconstrução das afirmações da autora anteriormente citada, é possível identificar-se a existência de relações de colaboração entre academia e comunidade e acima de tudo da existência de indivíduos representantes, oriundos da própria comunidade de pesca artesanal. A antiga intervenção “desinformada” transforma-se em colaboração, mediante a possível apropriação desse espaço de representatividade pelos membros comunidade.

O intelectual “in loco”

Em experiências anteriores como extensionista trabalhando junto as comunidades pesqueiras, foi possível conviver com um universo o qual desconhecia, povoado por trabalhadores conscientes, em busca de maior organização e representatividade política para sua classe. Esses momentos propiciaram o convívio com um trabalhador em particular, o qual seu nome vem primeiro a mente quando pensa-se em uma representatividade intelectual no meio da pesca artesanal, seu nome é Louredi Vinagre Borges. Ele não se enquadra no conceito tradicional de intelectual como apresentado Gramsci, o qual afirmou que “O tipo tradicional e vulgarizado do intelectual é fornecido pelo literato, pelo filósofo, pelo artista. Por isso, os jornalistas – que creem ser literatos, filósofos, artistas – creem ser também os ‘verdadeiros intelectuais’.”(GRAMSCI, 1982, p.8) Atualmente podemos dizer que este espaço de “verdadeiro intelectual” é muito atribuído aos profissionais do universo acadêmico – e por vezes até requerido por eles –. Entretanto, este tipo tradicional de intelectual, não é o único aceito entre os estudiosos, pois não existem definições unânimes sobre quem são os intelectuais na sociologia e na história política. São grandes as tensões quando o assunto é referido e estas são geradas pela própria natureza simbólica do poder de las palabras (MIGUEL, 1978, p.73). Louredi acabou assumindo o papel e a função de um intelectual como representante da APESMI pela reflexão e participação de forma contestadora dentro do movimento da pesca artesanal liderado por outros parceiros e também por ele. Segundo Gramisci, todos os homens são intelectuais, embora nem todos desempenhem essa função na sociedade, pois “não existe atividade humana da qual se possa excluir toda intervenção intelectual...”, o que varia são os níveis “entre o


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esforço de elaboração intelectual-cerebral e o esforço muscular-nervoso [...] por isso existem graus diversos de atividade específica intelectual”. (GRAMSCI, 1982, p.7). Nessa perspectiva Louredi não apenas pode ser visto enquanto um intelectual reflexivo, como também orgânico, conforme demonstra o autor ao afirmar que existem graus de atividade intelectual. Esses graus de atividade intelectual estão diretamente ligados ao que Gramsci chama de “função social” do intelectual. Em síntese, a análise de Gramsci detém-se na demonstração do papel – conservador ou transformador – do intelectual como figura que organiza a cultura e os homens; que articula o centro do aparelho estatal de poder com o restante do corpo social; e que ao produzir ideologia fornece consciência e homogeneidade às classes que representa. (BEIRED, 1998, p. 127)

Essa função social transformadora ou legitimadora, mas capaz de organizar “a cultura e os homens”, definiria o intelectual orgânico de Gramsci, tipo escolhido diante da variedade de definições existentes para o campo dos intelectuais. Nessa perspectiva, é possível dizer que indivíduos com pouca ou nenhuma instrução formal, também são intelectuais (BEIRED, 1998, p. 125). A ele é necessária a visão geral de sua sociedade, a capacidade e o interesse de nela influir posicionandose politicamente, o que de fato o nosso entrevistado tem realizado há bastante tempo. No entanto esse posicionamento político não significa, necessariamente, a atividade direta na disputa político-partidária (MIGUEL,1978, p. 75), o que percebemos na participação de Louredi como líder da comunidade sem atuação institucional nos meios políticos. Louredi enquanto intelectual não se legitima por sua produção escrita ou oratória, mas, em concordância com a definição gramisciniana, por sua função social. Nessa lógica existem uma série de ações sociais que são desenvolvidas por ele sendo as principais a de organização da sociedade, nesse caso a APESMI, por meio da representação e estruturação para debates e interações com percepções diferenciadas; representação da classe social a que pertence principalmente no âmbito político, com reuniões junto as autoridades municipais, estaduais e federais, como da própria Universidade Federal do Rio Grande que possui um projeto junto a associação; utilização das palavras para a divulgação de ideias e o desempenho de papel fundamental para a legitimação ou contestação do poder instituído. Devido ao fato de Louredi ser oriundo e representante de uma comunidade carente e enquadrado temporalmente em uma história presente, faltam fontes bibliográficas a seu respeito. Por isso, e por crer na gama de opções oferecidas pela História Oral, foi utilizada a metodologia da história Oral Temática2. O local para realização da entrevista foi definido pelo colaborador3. Ocorreu em uma manhã chuvosa de sábado, na cozinha de sua casa, no Bairro São Miguel. À volta acontecia o transito normal da casa: as tarefas domésticas, o entra e sai suave de um gato, a corrida de cães filhotes, o toque do telefone... Situações de interação com a sua fonte as quais apenas o profissional que trabalha com a historia oral pode vivenciar. 2  A História Oral Temática é entendida aqui como um recurso cuja finalidade é, utilizando-se de questões geradoras diretas ou indutivas, analisar um tema ou situação específica a partir de entrevista consedida pelo colaborador. Para maiores compreensões do conceito de História Oral Temática ler: MEIHY, Jose Carlos Sebe Bom. Manual de Historia oral. 2°ed. São Paulo: Edições Loyola, 1996. 3  Em História Oral o nome colaborador é atribuído ao entrevistado, a partir do momento que este é visto não mais como um agente passivo no processo de construção do documento. . Ele sugere, interage, e assim torna-se um agente participativo e também construtor no processo da entrevista e, como dito, do documento. Para maiores compreensões do conceito de colaborador ler: MEIHY,1996.


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Louredi nasceu na Ilha da Torotama na cidade de Rio Grande, é casado, pai de um filho e um dos sócios fundadores da APESMI. A associação, reconhecida pelo símbolo ao lado, foi constituída em maio de 2001, com o incentivo de programas do governo do Estado do Rio Grande do Sul, da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) através do Núcleo de Desenvolvimento Social e Econômico (NUDESE/FURG), da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER/RS) e da Pastoral do Pescador; a partir da iniciativa de pescadores moradores do Bairro São Miguel que buscavam, por meio do trabalho coletivo, uma alternativa as grandes dificuldades enfrentadas na linha de trabalho e renda. O empreendimento teve inicio com o número 7 associados, chegou a contar com 21 e atualmente conta com 13 associados4. A associação acabou se constituindo enquanto campo social, na perspectiva de Bourdie, para veiculação e reflexão sobre a realidade da pesca artesanal. Local aonde suas lideranças alcançam espaço para veiculação de suas idéias e reivindicações sobre as possíveis mudanças da realidade dos pescadores e seus familiares. Para Amando de Miguel a utilização das palavras no debate intelectual é fundamental para a propagação de sua influência no meio, pois elas possuem um poder significativo e típico dos intelectuais. Estes devem conseguir adapta-las de forma clara ao seu público alvo, para assim alcançar seus objetivos e a divulgação de suas ideias. O autor complementa afirmando que foco dos intelectuais é a polêmica. Ela deve ser criada para então causar a reflexão, a posterior legitimação ou contestação das ideologias e assim do poder constituído. Miguel discorre ainda a respeito dos grupos formados pelos intelectuais. Espaços que não são constituídos enquanto partidos ou organizações coesas, mas que são necessários para a interação entre estes indivíduos e contribuem para as suas formações. Como é visto, a APESMI se constitui enquanto essa organização coesa, referida por Miguel, na qual Louredi encontrou campo para diálogo com sua comunidade, dentro de uma linguagem própria da localidade que propicia reflexão e contestação das ideologias vigentes e assim, amplia seus instrumentos de transformação. Na práxis5 de Louredi é possível identificar seu papel e atuação como intelectual no meio de sua comunidade, percebidos por meio de citações de sua entrevista. Nas suas estruturas sociais é encontrada uma grande variedade de indivíduos. Essa variedade é representada pelo contato com pescadores membros de outras associações da cidade e região, com representantes políticos atuais, membros do universo acadêmico, autoridades do poder público, familiares, representantes de organizações da sociedade civil e colegas de bairro e Associação. Interage com cada segmento de forma a obter de cada relação o melhor para o andamento da 4  É interessante destacar que o número de pescadores associados não corresponde a totalidade de pescadores beneficiados pelos programas e projetos conquistados pela Associação. Estes números são muito maiores, compreendendo pescadores da comunidade pesqueira e não apenas associados. 5  A práxis é compreendida aqui como a teorização da prática ao mesmo tempo que a praticabilidade da teoria. É entendida a partir da relação dialética entre ação e teoria, pautada no médoto da ação-reflexão-ação. Para maiores compreensões do conceito de práxis ler: FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 19.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.


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Associação. Em sua fala e atitudes era facilmente percebida a importância dada ao seu “microclima”, conforme conceituado por Sirinneli. Salienta que suas ações são amparadas pelos companheiros de associação e movimento de pescadores. Faz seguidamente referência a conversas e experiências compartilhadas entre eles. A vontade de agir na comunidade, o gosto pelas questões sociais e a disponibilidade para o enfrentamento político é igualmente compartilhado por sua família, principalmente sua esposa, também atuante em movimentos sociais. É enfática a afirmação de que suas ideias e ações não partem de iniciativas particulares. Referencia a participação desses agentes na sua formação e a importância do apoio que recebe para a continuação do desempenho de sua função social. Dessa forma, a associação, como já citado, se constitui enquanto espaço de sociabilidade entre os pescadores e suas lideranças, assim como, meio de expressão da comunidade da pesca artesanal. Segundo Sirinelli, todos os intelectuais estão inseridos nessas estruturas de sociabilidade formadoras de seus pensamentos. Essas estruturas estariam divididas em duas instancias, uma definida temporalmente e fisicamente, chamada de “microclima” e a outra, as “redes” a qual se constitui enquanto estrutura atemporal e não fixa. A primeira seria composta pelas relações mais diretas estabelecidas entre o intelectual e as pessoas mais próximas de seu convívio, espaço circunscrito de estabelecimento de pequenas relações. A segunda adquire uma visão mais ampla, seria formada pelas influências mais diversas: como livros, influências culturais, intelectuais de outros locais, pessoas que lhe legaram uma herança de conhecimentos. Redes de pensamentos as quais percorreriam séculos até contribuir de alguma maneira para a formação ideológica do intelectual. Na constituição de suas “redes” aponta sua base familiar e os conhecimentos específicos tradicionais da atividade pesqueira. Conta: minha família toda... quase toda, ainda continua na pesca, grande parte. É muito pouco os que hoje não pescam [...] eu acho que é aquela ligação direta à pesca. [...] a gente diz que é um vício e não consegue largar... [...] as vezes aparecem até algumas oportunidades e a pessoa não consegue largar...

Além da influência dos conhecimentos tradicionais, existe a influência de elementos constitutivos do universo acadêmico, político (militante e governativo), poder público e movimentos sociais. Relata a participação constante, tanto sua quanto de outros membros do grupo, em reuniões com grupos de apoio da Universidade Federal do Rio Grande, principalmente por meio do (NUDESE-FURG); encontros com representantes políticos contemporâneos; encontros entre membros de outras organizações sociais, não se restringindo a pesca, e com setores do governo. É frequente também a participação, sua e de colegas associados, em eventos de discussão dos rumos dados a pesca artesanal e aos empreendimentos de Economia Popular e Solidária em geral. Estes encontros ocorrem com frequência em outras cidades e estados. Sempre que possível contam com a participação de representantes da Associação incumbidos de repassar aos colegas as informações obtidas. A formação de Louredi como um intelectual no meio grupo de pescadores é evidenciada quando relata que seu trabalho como associado tem sido facilitado pelos conhecimentos adquiridos através dos grupos de apoio a Associação. Destaca que não teve uma formação institucional, sendo seu conhecimento todo obtido por meio das experiências com os meios em que interage. Como exemplo é destacado a parte de sua fala na qual relata que seu trabalho como associado tem sido facilitado pelos conhecimentos adquiridos na universidade através dos grupos de apoio. Como principal cita o apoio dado pelo NUDESE, presente


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desde a fundação da Associação. Conta que no cumprimento de determinada atividade na qual era necessário o estabelecimento de uma listagem com o número de pescadores existentes na cidade para receber determinado benefício. Os membros da Associação teriam sido incumbidos de auxiliar a outra entidade que dividiria a responsabilidade da distribuição e relata: Pra tu tirar uma base eles tiveram que acompanhar [...] todas as nossas planilhas pra eles conseguir entregar, porque eles não estavam conseguindo [...] quando eles olharam as nossas planilhas eles disseram: “Ah não, mas ta louco, a maneira que vocês trabalham é muito melhor que a nossa”. [...] E eles usaram toda a nossa estrutura, [...]digo estrutura assim planilhas, modo de trabalho que a gente ta fazendo. E esse modo de trabalho a gente trouxe da universidade, e claro as planilhas que a gente usava no NUDESE pra fazer as nossas prestações de contas nós usamos também [aqui] [...], claro [...] algumas coisas a gente mudou, mas o sistema é o mesmo né

É explicitada nesta fala a apropriação feita pelos membros da APESMI dos conhecimentos obtidos nas relações estabelecidas com a universidade. É demonstrada também a obviedade da adaptação dos recursos às necessidades apresentadas e da possibilidade de buscar fora da comunidade meios que facilitem o trabalho e sirvam à comunidade. Louredi complementa fazendo uma crítica aos demais pescadores e grupos que não tem por habitual esse comportamento e diz que “Ai que a gente vê porque que o pescador tá assim, começa a enxergar, né tu começa a enxergar porque que o pescador tá tão afastado de tudo né, e a maneira de trabalho já é errada né, a divulgação do trabalho é errado.” Atribui a esse comportamento não só maior dificuldade para o desempenho das funções de trabalho como também o isolamento frente à sociedade. Após criticar a forma de trabalho isolada da maioria dos pescadores, o colaborador aponta a forma que a Associação encontrou de solucionar parte destes erros: “... Então a gente fez assim ó [...] toda coisa que tem acontecido dentro da comunidade a Associação tem feito parte.” Ele faz compreender este “fazer parte” em formato abrangente, incluindo as negociações entre os órgãos públicos e a comunidade. O colaborador continua destacando as relações que a APESMI estabelece com os órgãos públicos, dizendo que muitas vezes outras entidades de representação de classe não recebem a valorização e a abertura para o diálogo que é dado a associação. Diz que a Associação “...Tem feito parte mesmo sabe, e até a gente tem uma relação muito boa com a promotoria pública, eles nos chamam pra discutir. [...]A gente tem uma relação tão, tão forte [...] dentro dos órgãos públicos mesmo, [...]que a gente é convidado pra participar de tudo”. Na continuação das falas explicita que vê essa participação também como uma forma de representação da comunidade e justifica que em todas as situações em que são chamados, estão na condição de representantes dos interesses do grupo e dos demais pescadores que representam. Em outros momentos esclarece que esta “boa relação” não os condiciona a um comportamento reacionário frente aos órgãos públicos. Ao contrário, destaca que essa relação de diálogo estabelecida, auxilia na obtenção de respostas positivas frente às demandas apresentadas pela APESMI em defesa da comunidade de pescadores. Complementa dizendo que é assumida uma postura crítica e por vezes até agressiva por ele e pelo grupo, sempre que se fazem necessárias para a manutenção ou obtenção de benéficos para a comunidade. Além das vantagens advindas da representatividade adquirida pela APESMI, Louredi destaca também os benefícios no que tange ao poder de organização dado de pela Associação a comunidade:


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porque eu digo assim: um grupo, a formação do grupo não é só pra comercialização. Eu valorizo muito mais ela pra organização das comunidades. [...] O pescador começa a criar sua própria identidade e começa a fazer esse trabalho e começa a ser reconhecido [...] ai que tu vê o que o pescador é usado, muito usado. [...] quando tu começa a ter relação com as políticas públicas ai tu vê que tem muita gente querendo se aproveitar do pescador. E tu tenta pelo menos passar todo dia, diariamente isso, cada vez que tu ta conversando [...]é uma realidade né, tem muita gente que se aproveita do pescador para [...] beneficiar a si mesmo

Nessa fala reconhece a importância do diálogo e da divulgação das ideias desempenhado pelas lideranças através da Associação. Em outros momentos da entrevista também explicita a importância da apropriação do pescador dos conhecimentos referentes a organização da sociedade e que esses podem servir para a solução dos problemas enfrentados na comunidade. Valoriza o trabalho coletivo para a obtenção desse espaço de ação e reconhecimento. A respeito das relações com os poderes públicos cita ainda que a Associação tem uma relação muito boa com quase todas as instancias governativas e que são reconhecidos enquanto organização e respeitados por suas ações pelo governo federal, pelo governo do estado e por prefeituras de outras cidades. Diz que estas são organizações “...te procuram não só assim quando eles precisam, e sim pra criar uma política pública pra pesca, pra criar um projeto...”. Cita também que não obtiveram problemas significativos com os setores das instâncias citadas, e os poucos existentes foram facilmente resolvidos através de diálogo. Atribui isso ao fato desses setores reconhecerem a seriedade do trabalho da Associação enquanto organização social e não partidária. Além do reconhecimento obtido pelos poderes públicos aponta o reconhecimento também da comunidade ao dizer: “eu enxergo pelas pessoas que nos procuram, eu acho que uma liderança forte eu acho que eu sou, e acredito que seja porque assim pras pessoas procurarem tanto e a gente ta participando de tanta coisa.” Entretanto, complementa afirmando não trabalhar sozinho e enfatiza que ele e os colegas associados só alcançam êxito no trabalho porque o fazem em coletivo. A procura por auxílio não se restringe a associados ou moradores do bairro, mas também pescadores a procura de conselhos para a formação de novas Associações e pescadores de outras localidades até mesmo distantes geograficamente da Associação e justifica: “Porque queira ou não a gente é como identidade aqui dentro. Não é atoa que agente não tem dia não tem hora que as pessoas não vêm na casa da gente, vem de noite, vem meio dia. É, não tem hora, não tem dia, não tem sábado não, tem domingo”. Explicita em outro momento que esta representação por vezes alcança níveis que ultrapassam os limites da Associação e justifica: “eles enxergam tanto na gente que no fim tem coisa que agente não pode fazer e que eles acham que agente pode”. Comenta que essa representatividade atingida deve-se muito ao não cumprimento das funções cabíveis a outros órgãos de representatividade de classe. Esclarece que em momento algum incentivam esse comportamento ou têm a intenção de disputar espaço de representação com tais entidades, mas apenas indicam as pessoas que os procuram os meios legais de resolverem seus problemas, o que as vezes causa desentendimentos entre eles e estas entidades. Apesar de evidenciar o crescimento do trabalho da Associação, fica bastante apreensivo ao abordar os assuntos ligados a intensiva crise pela qual tem passado a pesca artesanal. Atribui grande parte aos efeitos do crescimento urbano industrial desestruturado e sem um planejamento ambiental efetivo. O que que nós estamos esperando disso? Então a gente, eu vejo assim ó, se o filho quiser sair pra outro... ele tem que sair, eu cheguei a esse ponto, eu até a uns anos, uns tempos atrás eu achava que os filhos deveriam de seguir, mas


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hoje eu não vejo mais isso. Não vejo porque o peixe ta terminando, [...] eu vejo que a saída agora é não aumentar mais o número de pescadores na pesca, eu enxergo isso. No lugar de aumentar tem que tentar tirar alguns da pesca, tentar tirar pelo menos essa juventude ai que ta vindo. Eu digo assim, graças a Deus, eu te digo assim não minto, eu vou viver, vou morrer ai, eu vou morrer ai na pesca, mas o meu filho [...] tomara que ele continue se formando. E que ele se forme, procure o rumo dele ai, vai estudar e que se faça por outro lado porque pela pesca é difícil,

Apesar do tamanho extenso da citação, ela é necessária para que se compreenda parte da inquietação vivida pelo intelectual. A intensa alegria ao relatar sobre as vitórias e até as “confusões” obtidas através da Associação, o abandona e da espaço a uma grande tristeza ao falar da necessidade de lutarem para que seus filhos não mais dependam da pesca artesanal. Ele complementa e diz acreditar que a maioria das pessoas não poderia imaginar uma situação tão crítica para a pesca artesanal em tão pouco tempo. Ele compara a crise atual com outros momentos e constata o forte agravamento: [...] Porque o ponto que ta chegando, nós não temos o que pescar hoje. Deu água doce, mas tudo bem, a gente já passou, em 98 deu água doce, nós não tínhamos seguro desemprego, naquela época vivemos, comemos e pagamos as contas da pesca. Hoje nós estamos dependendo do seguro desemprego [...]pra que a maioria consiga pagar suas contas de água, luz e comprar comida [...] se hoje não tem o seguro desemprego e todo mundo ta pescando a maioria não ia ter o que comer

Transpassa um descrédito referente ao futuro da pesca. Levanta uma estimativa de aproximadamente cinco anos para que o setor pesqueiro artesanal esteja completamente arruinado por falta de matéria prima. Nessas exclamações evidencia o caos social causado pelo crescimento urbano industrial desmedido como responsável pela crise ambiental, a qual acarreta uma nova crise social que atinge diretamente as camadas sociais mais baixas, assim como os pescadores artesanais. Louredi ainda reclama a falta de investimentos para tentar remediar a situação das cidades atingidas pelos impactos desse crescimento acelerado, assim como Rio Grande. Denuncia a falta de diálogo entre os representantes da sociedade e os grandes empresários e autoridades locais responsáveis pela aprovação de projetos tão danosos ao ambiente da cidade e sugere em um tom de “última alternativa” a efetivação de um fundo proposto por ele e por outras representações comunitárias que garanta investimentos nas áreas mais atingidas da sociedade e que promova aos pescadores e seus filhos cursos profissionalizantes, condições de continuarem seus estudos de forma qualificada e vagas nas empresas que aqui se instalarem. Estende sua visão crítica também sobre suas expectativas de futuro para a APESMI. Teme que na continuação ela se torne uma organização, maior, consequentemente mais visada e que suas futuras coordenações exerçam um trabalho diferenciado do que vem sendo desenvolvido por seus colegas e por ele. Teme que o rumo tomado seja diferente do da ação coletiva, representativa e apartidária. Demonstra mesmo em falas como esta, com uma visão pessimista de futuro, uma crença intrínseca de continuação e prosperidade do trabalho e por consequência da profissão de pescador artesanal. Destaca em vários pontos da entrevista a necessidade da continuação do trabalho, o reconhecimento dos moradores e a importância da inserção de membros da comunidade na organização e desenvolvimento dos projetos para que eles se efetivem. Quando questionado no final da entrevista, do porquê de não abandonar o trabalho frente aos inúmeros problemas existentes que chegam a interferir na sua vida pessoal, responde: “Não saio porque não deixam sair, eu não consigo mais, eu


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não consigo sabe a coisa dominou...”. Afirma que somente deixa o trabalho junto a Associação quando percebe que está prejudicando sua família, então deixa o trabalho de associado e sai para o mar em busca de renda para o sustento da casa, tarefa a qual divide com sua esposa e companheira de luta diária, Sirlei. Após obter “um dinheirinho”, como se refere, retorna para o trabalho na APESMI, pois afirma não mais conseguir ficar longe. Se emociona ao falar das dificuldades enfrentadas por pescadores moradores do bairro, e ao justificar mais para si, do que para a entrevistadora, constata:“parece que essa comunidade precisa da gente cara”. É interrompido por um telefone que tocava e ao retornar, completa com a frase a seguir encerrada por risos: “mas é isso Flávia, é um trabalho difícil, lento, mas é bom!”

Considerações Finais:

Este texto apresentou dificuldades particulares durante seu processo de elaboração. Não faltaram expressões, aportes teóricos, fontes ou vontade de fazê-lo. Entretanto, são pesados o ineditismo da temática e principalmente a responsabilidade assumida ao discorrer a respeito de um “objeto” de pesquisa vivo, atuante, crítico e que certamente exercerá sua crítica, assim como a comunidade representa por ele, ao texto aqui produzido. No entanto, é sobreposto a dificuldade da escrita, as percepções obtidas ao final da pesquisa. Apesar da dificuldade persistente de se compreender o intelectual também como um indivíduo de vida simples e oriundo de comunidades tradicionais, é evidente a existência desses indivíduos. Estas pessoas são procedentes de comunidades tradicionais e por isso preservam os conhecimentos, hábitos e visões de mundo típicos do local, mas não se fecham as visões do mundo a sua volta. Interagem, criticam, buscam e defendem os interesses de suas comunidades a partir da mescla de conhecimentos tradicionais com técnicos, científicos e empíricos. Esse grupo de pessoas é cada vez mais percebido dentro das comunidades e seu surgimento cresce concomitante ao aumento das crises socioambientais. A situação de crise enfrentada pela pesca artesanal, e agravada na última década, acelerou o processo de apoderamento dos pescadores artesanais de seus espaços nos locais de discussão e representação de classe. Atualmente os intelectuais endógenos das próprias comunidades pesqueiras artesanais são os responsáveis por organizar as ações da comunidade, em difundir ideologias e intermediar as ações entre Estado e sociedade. A representação feita por agentes externos não é mais aceita. Quando suas falas vêm nesse sentido não são legitimadas pela comunidade que os reconhece como seres exógenos. Entretanto isso não caracteriza uma ojeriza completa à figura dos cientistas, acadêmicos, pensadores políticos... As comunidades e suas lideranças alcançaram, em sua maioria, o estabelecimento de uma relação harmoniosa com esses agentes externos. A partir do respeito aos conhecimentos tradicionais do grupo e da espera da aceitação, são desenvolvidos grande número de projetos que interrelacionam os conhecimentos científicos com os tradicionais, assim como ocorre entre a APESMI e a Universidade Federal do Rio Grande, através do NUDESE. A interação entre estes grupos não permite que seja afirmado o desconhecimento total por parte dos acadêmicos do trabalho e do dia-dia dos pescadores. Se aceita como verdade esta afirmação, seria negado o trabalho em parceria estabelecido entre comunidade e universidade, no qual ocorre a troca de experiências e saberes. Seria negado também o crescente número de pescadores e seus filhos que ingressam anualmente no diferentes cursos universitários. Estes indivíduos carregam para suas graduações suas percepções de mundo e quase que na totalidade, fazem interagir


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com os novos conhecimentos obtidos. As transformações ocorridas na sociedade e especificamente nas comunidades tradicionais exigem adaptações não só dos próprios grupos como da forma de vêlos. É um erro continuar negando a existência de indivíduos intelectuais oriundos de grupos sociais marginalizados dos grandes centros “eruditos”. Esses indivíduos existem e sua presença, como dito, é cada vez mais sentida. É esperado que este trabalho tenha contribuído para essa reconstrução da imagem existente dos grupos pesqueiros tradicionais e dos intelectuais existentes neles

Referências:

Bibliografia:

BOURDIEU, Pierre. Espaço social e espaço simbólico. In: _____. Razões Práticas. Sobre a teoria da ação. Campinas, SP: Papirus, 1996. BEIRED, José Luís Bendicho. A função social dos intelectuais. In: Aggio, Alberto (Org.). Gramsci: a vitalidade de um pensamento. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998. p. 121-132. GRAMSCI, Antonio. A formação dos intelectuais. In: _______. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. 4ª ed. Trad. COUTINHO, Carlos Nelson.Coleção Perspectivas do Homem. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,1982. p. 1-23. MEIHY, Jose Carlos Sebe Bom. Manual de Historia oral. 2°ed. São Paulo: Edições Loyola, 1996. MIGUEL, Amando de. El Teatro de las ideas. In: ______.El poder de la palabra: lectura sociológica de los intelectuales em Estados Unidos. Madrid: Editorial Tecnos, 1978. p. 67-80. OLIVEIRA, Caroline Terra de. Pescadores de sonhos e esperanças: experiências em educação ambiental com trabalhadores da Associação de Pescadores Artesanais da Vila São Miguel – Rio Grande/RS. Dissertação de Mestrado. PPGEA/ FURG, 2008. Disponível em: <http://bdtd.furg.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=114> Acesso última vez em: 10/06/2010. SIRINELLI, Jean-Fraçois. Os Intelectuais. In: RÉMOND, René (Dir.). Por uma história política. Trad. ROCHA, Dora. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003. p. 231-263.

Fontes primárias:

BORGES, Loredi Vinagre. 40 anos. Entrevista concedida à Flávia Liziane Gonzales Bandeira, sobre a existência e a ação de intelectuais em comunidades pesqueiras artesanais, Rio Grande, 29/05/2010.

Sites:

<http://www.nudese.furg.br/apesmi.htm>


Das armas à pena: intelectualidade e militância na formação do Rio Grande do Sul republicano

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Das armas à pena: intelectualidade e militância na formação do Rio Grande do Sul republicano

Marcelo França de Oliveira1

No período compreendido entre o fim do século XIX e princípio do século XX, o Brasil vivia momentos de grandes transformações político-sociais. O desgaste das instituições monárquicas durante o II Reinado, agravado pela questão escravista, levou o regime progressivamente ao colapso. Desta forma, os republicanos, com o decisivo apoio dos militares, não tiveram grandes dificuldades em instalar a República no Brasil, em novembro de 1889. Ainda que Monarquia ora destronada não tenha, efetivamente, imposto maiores resistências, os novos governantes encontraram forte oposição daqueles membros da elite que estavam sendo desalojados do poder, sobretudo nas ex-províncias. Com exceção do Rio de Janeiro e a Revolta da Armada, o mais relevante caso de resistência à perda do poder e disputa pelo domínio político local ocorreu no Rio Grande do Sul, estado onde os embates pelo controle do aparelho estatal tomaram as proporções de um confronto armado. O caso sul-riograndense chama a atenção especificamente, por ter esta disputa ocasionado uma das maiores guerras civis da história da America Latina, a Revolução Federalista. Esta revolução opôs os jovens e combativos republicanos do Partido Republicano RioGrandense (PRR), e suas oposições, centradas nas elites rurais alijadas do poder local ligadas, principalmente, ao Partido Liberal, mas que congregavam também as mais diferentes bandeiras, tais como membros do antigo Partido Conservador, dissidentes republicanos e até mesmo uma minoria de monarquistas, todos organizados sob a égide do novo Partido Federalista. Para além da luta armada, estabelecia-se a luta de ideias. De um lado, a intelectualidade sul-rio-grandense ligada ao PRR seguia a linha positivista-cientificista inspirada em Auguste Comte, como o líder máximo do partido no período, Julio de Castilhos. Do outro lado, a elite intelectual contrária ao governo defendia o ideal liberal-federalista, que, ainda que não se constituísse em teoria uniforme de todos os quadros oposicionistas, destacava-se como contraponto e meio de enfrentamento ao positivismo castilhista. Dentre os intelectuais federalistas que atingiram considerável grau de destaque pela sua atuação na Revolução encontra-se Angelo Cardoso Dourado. Neste texto, apresentamos Dourado identificando características e situando-o no meio da intelectualidade típica de seu tempo, enquanto apresentamos sua ação intelectual na gênese da formação republicana no Rio Grande do Sul, através de seus registros escritos, mormente os relacionados aos seus artigos publicados na imprensa e também por meio de seus livros. Baiano de nascimento, Dourado formou-se médico pela Faculdade de Medicina

1  Bacharel em História pela Universidade Federal do Rio Grande e Pós-graduando no Curso de Especialização em História do Rio Grande do Sul pela Universidade Federal do Rio Grande. contato@marcelodeoliveira.net


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da Bahia no ano de 1880 e era o que se pode considerar de um típico intelectual2 de fins do século XIX: erudito, costumava citar em seus escritos passagens célebres de autores clássicos da literatura universal como Dante Alighieri, Camões, Miguel de Cervantes e Shakespeare, Lord Byron, Milton, Rousseau, além dos brasileiros José de Alencar e Visconde de Taunay (BOUCINHA, 1989: 29-31). Possuía um gosto externado por óperas e concertos musicais, o que não se furtava de apreciar mesmo em pleno período revolucionário em que, estando de passagem por Buenos Aires, foi presenciar diversos espetáculos no teatro lírico local, tais como Lucia, Sonâmbula, Rigoletto, Cavalaria Rusticana, Dinorah, Gioconda e Aida, além de ter visto e afirmado sua admiração pela soprano ligeira italiana Luisa Tetrazzini (DOURADO, 1977: 336), (que viria a se tornar uma das mais famosas cantoras líricas de fins do século XIX e início do século XX). Além de sua grande inclinação à atividade da escrita, campo em que atuava nos mais variados segmentos, desde os trabalhos específicos concernentes à sua atividade profissional, os diversos artigos publicados na imprensa, e até mesmo obras literárias, passando por aquela que é a sua mais famosa e citada obra, o livro Voluntários do Martírio, um relato-testemunho sobre sua participação na Revolução Federalista. Meio de formação de Dourado, as faculdades de Medicina, assim como as de Engenharia do período, baseavam seu ensino quase que exclusivamente nos livros, inexistindo, em quase todas, a prática de laboratório e investigação (CARVALHO S/D: 145). Deste modo, Produziram engenheiros, médicos, militares, que sabiam filosofar sobre a ciência e o mundo, sem saber fazer ciência. E filosofavam no melhor estilo retórico, em que o brilho da frase, sua qualidade literária, a variedade dos tropos, eram mais importantes que sua veracidade. Naturalmente, brilho era o que deles se esperava, mesmo quando falavam contra o vício da retórica. (CARVALHO:145)

Na inexistência da prática, sobravam elucidações teóricas. O médico formado nestes moldes privilegiava a busca pelo conhecimento através do estudo de outros autores, notadamente do centro irradiador de cultura e ciência – a Europa – em detrimento da experimentação. Isto explica, em parte, a inclinação dos médicos deste período à erudição, à valorização do saber através do livro, caracterizando aquilo que Certeau define como “progresso do tipo escriturístico”,3 enquanto prática “legítima” (científica, política, escolar, etc) das sociedades ocidentais do período. Em Dourado, encontramos um dos exemplos característicos, cuja prática escriturística foi uma constante ao longo de sua vida, pois desde muito cedo demonstrou inclinação às letras: em 1876, então com vinte anos, publicou o livro O Médico dos Pobres. Antes disso, aos 14 anos e enquanto se convalescia do tifo, teria escrito seu primeiro drama (DOURADO, 1977: 99). Após o fim de sua participação na Revolução Federalista e além de O Médico dos Pobres e Voluntários do Martírio (1896), publicou, na sequência, As Minas de Ouro, Dramas Sertanejos (1897) e Reforma Constitucional (póstumo 1912) (OLIVEIRA, 2009: 40). Em decorrência do modelo estabelecido, a figura do médico e do cientista social, nas faculdades de Medicina do século XIX, se confundem, dando origem a 2  Para este texto, adotamos a definição de intelectual conforme a descrita por Bobbio, como sendo aquele “sujeito específico, ou mais precisamente a um conjunto de sujeitos específicos, considerados como criadores, portadores (transmissores de ideias) que desde há um século são chamados de ‘intelectuais’.” (BOBBIO, Norberto. Os intelectuais e o poder: dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1997, p. 109) 3  Para saber mais sobre a “prática de escrever” nas sociedades modernas e o papel da escrita no cotidiano, ver CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2007, pp. 224-230.


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um tipo de intelectual com intervenção política e social. Surge então o que Schwarcz (1994: 144) chama de “médico político”, o sujeito que buscava afirmar-se em campos maiores de atuação: Trata-se, portanto, da emergência de um saber médico no país, pautado por novas ambições e projetos, que fazem desses profissionais concorrentes a altura na disputa pela hegemonia intelectual no país. Os alvos, porém, são específicos: enquanto no interior da faculdade de medicina da Bahia percebe-se uma atenção especial aos temas da medicina criminal e toda uma batalha (...) nesse sentido; no Rio de Janeiro já será a pesquisa e atuação na área da higiene pública e da epidemiologia que congregarão o grosso dos esforços.

Dourado, formado neste meio acadêmico baiano, foi influenciado ao longo de sua graduação e reproduziu muito deste conhecimento adquirido e deste sentido de “papel social” que deveria desempenhar. Fazia parte de sua ação preocupar-se tanto com a realidade política e social à sua volta quanto com sua profissão, o que, seguindo a lógica do “progresso escriturário”, a legitimação de suas atividades passava, necessariamente, pela publicação daquilo que produzia. Entre os trabalhos publicados por Dourado relacionados à área médica estão o artigo intitulado A Pilocarpina no Tratamento das Adenites4 publicado na Gazeta Medica da Bahia5 (1885) e os livretos Ophtalmia Virulenta (1899)6 e O Impaludismo no Rio Grande do Sul (1900) (OLIVEIRA, 2009: 40) Outra característica apontada como constituinte da intelectualidade – estabelecida ou pretendida – está na correspondência. Como Malatian (2009: 208) afirma: “intelectuais escrevem cartas”, e através delas se pode detectar as redes de relações sociais, opiniões, posicionamentos, sentimentos diversos e movimentações entre os correspondentes. Há pelo menos um registro de envio de carta por Dourado destinada a um contemporâneo ilustre, e foi para o escritor Euclides da Cunha, com elogios a Os Sertões e considerações sobre a Guerra de Canudos.7 Também foi escrevendo cartas que teve início seu famoso relato-testemunho Voluntários do Martírio. Ainda que não tivesse um caráter de troca intelectual, (o interlocutor neste caso específico era sua esposa, que ficara no Uruguai) Dourado expressava muito de suas opiniões e ideias através destas, ciente da importância de seu testemunho para a reconstrução dos episódios da revolução e manifestado em conversa relatada pelo próprio com Gumercindo Saraiva, na qual afirmava que, se não morresse, haveria de escrever a história daqueles dias fratricidas em que viviam, (DOURADO. 1977: 244) reproduzindo o que definimos como seu “papel social” de intelectual.8 Voluntários do Martírio é fruto da compilação das cartas enviadas à esposa, no começo da participação de Angelo Dourado na Revolução Federalista, acrescidas 4  GAZETA MEDICA DA BAHIA. Anno XVII, nº 3, setembro de 1885 p. 105. 5  A respeito do papel e da importância da Gazeta Medica da Bahia no âmbito do conhecimento e disseminação científica no Brasil imperial ver SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil - 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993, pp. 198-215. 6  Uma análise da obra Ophtalmia virulenta e suas características históricas, políticas e sociais é feita por Alves no artigo Sociedade e doença no Rio Grande do Sul da virada do século XIX: o estudo de um médico revolucionário in ALVES, Francisco das Neves. Sociedade e saúde pública no Rio Grande do Sul: ensaios históricos. Rio Grande: Fundação Universidade Federal do Rio Grande, 2005, p. 49-61. 7  Consta no arquivo pessoal de Euclides da Cunha a correspondência recebida, datada de 25 de outubro de 1903. Disponível no sítio http://www.euclides.site.br.com/cartas.htm (cartas recebidas de), acessado em 17 de junho de 2010. 8  Para aprofundar a análise do texto produzido por Dourado em Voluntários do Martírio, bem como as características e especificidades da obra enquanto relato-testemunho, ver OLIVEIRA, 2009: 36-68.


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de uma espécie de diário que era escrito na medida em que o conflito se prolongava e a coluna guerrilheira ia se deslocando pelo sul do Brasil e espaço platino. Foi escrito durante, é verdade, mas enquanto instrumento de reflexão intelectual e propaganda ideológica só teve sentido após sua publicação, terminada a guerra. É por meio deste livro, em que o autor alega não estar fazendo a história da revolução, pois para isso seria preciso “estudar cada fato nas suas origens, cada homem nos seus desejos” (DOURADO, 1977: 1), mas apresentando, de todo modo, sua versão dos fatos, que o autor engaja-se na oposição sistemática dos governos estadual e federal, principalmente denunciando as condições em que se encontrava o Rio Grande do Sul além de ferrenhas críticas ao positivismo-castilhista. Sua participação no conflito armado, como coronel-médico da Coluna de Gumercindo Saraiva, encontrou novas trincheiras a partir de sua publicação, dando início a militância tanto nos livros, quanto na imprensa local. Fiel às suas convicções, afirmava não seguir homens, mas ideias (DOURADO, 1997: 116), ao passo que sempre afirmava, ao longo de seus escritos, valores como honra, dignidade, honestidade, que serviam de contraponto aquilo que criticava. Isto, ao lado de suas opiniões e percepções acerca do seu tempo e realidade histórica apresentados, contém a mensagem de Dourado ao mundo, aquilo que ele quer comunicar – e influenciar. A narrativa assume contornos de convencimento da realidade pretendida ao convencimento do federalismo enquanto legítimo movimento revolucionário. Aliás, para Dourado, os federalistas eram chamados de “revolucionários” (DOURADO, 1977: 146). Durante toda a narrativa de Voluntários do Martírio, é com este termo que o autor define os seus companheiros. Por sua vez, os opositores eram geralmente chamados de “legalistas”, sendo que este termo aparece invariavelmente destacado (em itálico, no livro), acentuando a diferença e propósitos entre ambas as forças antagônicas. Desta feita, já na conceituação estabelece a força motriz de cada uma, e legitima a atitude do levante federalista contra o governo: enquanto o primeiro age de forma a salvar a pátria (DOURADO, 1977: 7-30), o segundo age somente para manter a legalidade, mas a legalidade a que se refere é a instaurada pela figura de Julio de Castilhos, exemplificado na sua fala na qual os federalistas “matavam para não morrer” e os legalistas, “por ordem do chefe Julio de Castilhos” (DOURADO, 1977: 248) Segundo o autor, os revolucionários eram heróis abnegados que lutavam movidos pelos mais elevados sentimentos patrióticos, sob condições totalmente precárias e adversas onde retrata os federalistas como um “[...] punhado de abnegados quasi nus, desarmados, trazendo as bandeirolas presas em madeira para fingirem lanças [...]”(DOURADO, 1977: 5) num cenário em que, sem armas, contavam apenas com a coragem e determinação para empreender a luta contra a legalidade, percebido no trecho: “dêem-nos cavallos, porque armas tomaremos delles” escreve Dourado, referindo-se aos legalistas (DOURADO, 1977: 344). Temos aí uma característica marcante de seus relatos: a luta, do lado federalista, era totalmente justificável. Os criminosos, do seu ponto de vista, eram os legalistas, e não os federalistas, apesar de estes estarem à margem da lei. Contudo, do ponto de vista legal, ou, como preferia Dourado, do ponto de vista da “legalidade”, os federalistas é que eram os criminosos. Explica-se, pois, o fato de Dourado evocar a defesa da pátria e, ao mesmo tempo, atacar tanto Castilhos quanto Floriano: tornava justificada e legítima a luta federalista, como percebemos no trecho: “quando lhes mentem, quando lhes poe tropeço a vontade, quando lhes roubam o direito, que hão de fazer senão lutar?” (DOURADO, 1977: 41). É possível afirmar que, ao buscar justificativa e legitimidade para a ação dos revolucionários, Dourado estava preocupado em demonstrar também uma racionalidade nesta mesma ação. A idéia de racionalidade, neste momento, traz consigo de maneira implícita, mas também


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intrínseca, a idéia de imparcialidade e objetividade, elementos tão caros a quem pretendesse produzir conhecimento nesta época. Antes de engrossar as fileiras revolucionárias, Dourado teve uma efêmera participação político-governamental, quando foi nomeado presidente da Junta Administrativa Municipal de Bagé, na Campanha gaúcha, no período de fevereiro a julho de 1890 (REIS, 1911: 97). Como tal, possuía uma visão crítica com relação à prática política, e causava desconforto a falta de reflexão crítica frente ao tema:

Fala-se em política, todo mundo é político, e predomina sobre elles o que leu em um artigo de jornal, e repete uma phrase picante de qualquer orador inútil e chato, mas que faz chegar ao gosto do populacho, segundo o que na ocasião lhe agradava. (DOURADO, 1977: 102)

Porém, ao passo que lhe causava irritação os influenciáveis, reprodutores de ideias e argumentos políticos de outros, tentava ele próprio, de igual forma, influenciar seus contemporâneos através da palavra escrita. Para isso, teve a imprensa, como veículo para disseminação de suas proposições intelectuais no período pósrevolucionário, mas também durante o conflito, sempre que possível fosse. Fazendo isso, acreditava no alcance e poder da persuasão dos jornais em sua época, pois não desperdiçava chance de publicar artigos por onde passasse. Em Santa Catarina, por força dos deslocamentos que fizera acompanhando a Coluna de Gumercindo Saraiva, Dourado registra: “Fonseca pediu-me em nome do redactor do jornalzinho da terra, algumas linhas para publicar...” (DOURADO, 1977: 78) e, em outra ocasião, desta vez em Corrientes, República Argentina: “[...] e depois [recebeu a visita] dos dois redactores dos jornais da terra, que pediram-me para escrever alguma coisa sobre nossa marcha, o que fiz e foi publicado em português” (DOURADO, 1977: 319). Além disso, o jornal uruguaio El Deber Cívico, do município de Melo, publicava regularmente uma coluna de Dourado, em português, sobre o cotidiano das trincheiras (CHASTEEN, 2003: 139-141). Em fins do século XIX a imprensa escrita era o meio mais rápido e eficaz de comunicação com a coletividade, naquilo que define Chartier (2002: 127) quando afirma não existir “nenhum texto fora do suporte que o dá a ler, que não há compreensão de um escrito, qualquer que ele seja, que não dependa das formas através das quais ele chega ao seu leitor”. Nessa perspectiva, insere-se o texto jornalístico como veículo de propagação e cooptação do ideal revolucionário. Uma vez mais, percebemos a influência da formação médica como elemento de configuração intelectual em Dourado. Nos jornais do século XIX, afirma Grosso (2006: 62), ganhava força no meio jornalístico uma campanha moralizante contra os hábitos culturais dos populares. A utilização de expressões como “saneamento moral” e “doença social” revelam a preocupação por parte dos jornalistas com a “saúde” da sociedade. Segundo o autor: Os médico-intelectuais começaram a chamar de “doença” qualquer coisa que pudesse detectar sinal de mau funcionamento na sociedade. Percebe-se, então, – através da revisão de literatura –, pelo menos, dois tipos de acusações dirigidas aos grupos populares: moral e higienista (GROSSO, 2006: 62).

Desta forma, o médico-intelectual era a pessoa que, dotada de conhecimentos sobre as moléstias que afetariam a saúde (ou seja, o bom funcionamento do organismo humano), usava de analogia para diagnosticar, de igual forma, aquilo que consideraria a moléstia que impediria o bom funcionamento do organismo, neste caso, social. Dourado, ao menos em uma ocasião, utiliza do mesmo expediente para se referir aos acontecimentos de sua terra como uma doença:


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História e intelectualidade no Rio Grande do Sul A revolução é um protesto do povo contra seu governo. Sou medico e medico de pobres, portanto tenho visto mais enfermos do que os de meu tempo e comparo a nossa terra a um enfermo. Qual a moléstia? A revolução! Qual a causa? O governo! Pois bem, se a revolução é um conjunto de simptomas, p medico que quer combatel-o deixará morrer o seu doente por inanição. A lucta do medico é com a origem da moléstia, lucta da vida contra a morte da qual elle é apenas mediador. Se a causa triumpha o doente morre. Assim é a nação onde o governo que irrita só tem direito de viver dos restos da destruição (DOURADO, 1977: 13).

A partir desta analogia, Dourado afirmava que a luta do médico deveria ser não contra os sintomas, mas com o que ocasiona a moléstia. Ele reconhecia ser a revolução uma “doença social”, mas sugeria que aquilo a ser combatido era sua causa, ou seja, o governo. Combatendo a causa, cessaria o efeito, ou a “doença revolucionária”. Após o término da revolução, Dourado seguiu conciliando sua atividade profissional com a militância intelectual nos jornais. É importante destacar que era através da imprensa, em fins do século XIX, que o intelectual ocupava seu espaço; era o lugar onde a intelectualidade se dirigia a sociedade leitora e intentava influenciála em níveis tanto de padrão de linguagem quanto de consciência sócio-política (CARVALHO, 1996) A panfletagem de Dourado se dava neste sentido justamente na metade sul do estado, zona de grande influência federalista. Dentre os jornais nos quais publicava seus artigos estavam O Maragato (Rivera, Uruguai) Tribuna do Povo (Rio Grande) Diário de Jaguarão (Jaguarão) e Echo do Sul (Rio Grande). Nestes dois últimos alguns dos artigos de sua autoria foram reunidos em mais um livro, intitulado A Situação Politica do Brasil. Adverte o leitor no começo da obra: Do nosso batalhar sem descanso, na imprensa, e por toda a parte onde o acaso ou o propósito nos leva, na esperança de podermos concorrer para o ressurgimento moral da Patria, julgamos oportuno publicar em folhetos essa série de artigos entre os muito que temos escrito; pois, tendo sido como outros impressos no “Diário de Jaguarão” e outros do Estado, sobre todos o “Echo do Sul”, de curso limitado ao Estado do Rio Grande do Sul, não podem ir além das fronteiras largamente (DOURADO, 1905)

Através destes artigos, disparava críticas, por exemplo, à organização do exército, ao nepotismo, à tirania governamental e, - crítica recorrente em seus escritos – a forma como o Exército Brasileiro implantou a República: A 15 de novembro, o exército brasileiro, num descuido fatal, arrancou a nação do caminho de um progresso lento, porém eficaz [...] para entregá-la a um grupo de politicantes que desde então se julgam senhores, ou donos da fazenda, que outra coisa não tem sido o Brasil, desde aquela época (DOURADO, 1905: 1).

Segundo seus artigos, esta República Presidencialista, nascida de um golpe, seria nociva e levaria o país fatalmente à ruína (DOURADO, 1905: 3) Teorizava, em sentido contrário, de que a nação necessitava de “um governo superior de longa permanência” que se colocaria “acima das contingências dos partidos” (DOURADO, 1905: 45). Aliás, sugerir soluções fazia parte dos artigos publicados na imprensa. Como intelectual, mais do que a crítica, esperava-se que apontasse caminhos a serem seguidos pela sociedade, como forma de se contrapor ao sistema estabelecido. Neste sentido, entre outras coisas, sugeria a adoção do serviço militar obrigatório, que segundo ele faria desaparecer “as distinções de raça e nascer a distinção da inteligência, da aplicação, do comportamento [...] e do caráter” (DOURADO, 1905: 48); sugeria também o parlamentarismo como forma única de se corrigir os vícios do presidencialismo vigente no Brasil (DOURADO, 1905:60).


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Liberalismo x Positivismo

Sua postura de defesa dos princípios Liberais e contra o Positivismo pode ser percebida em diferentes passagens de Voluntários do Martírio, e também em A Situação Política do Brasil. Como membro do maior grupo – os Liberais – dentro do Partido Federalista (o qual ajudou a fundar, estando presente e sendo signatário da ata de fundação no Congresso de Bagé) (FRANCO, 2007: 135), seus discursos eram fundamentados nas concepções do Direito Natural e das Gentes e no IluminismoLiberalismo, teorias que já circulavam pela região platina e colonial lusitana desde o final do século XIX (COSTA, 2009: 17). Os federalistas se apropriaram dessas concepções em escolas e universidades ou, de maneira informal, pela leitura de livros e jornais e participação em reuniões de discussão política. O Liberalismo era manifestado desde a divisa revolucionária ostentada (Tudo pela Liberdade) (DOURADO, 1977: 77), até os princípios expostos nos artigos e livros publicados. Em Voluntários do Martírio, é justificada a revolução: O que ahi vai não é a história do esforço popular rio-grandense contra o poder esmagador que tentou asphixial-o. [...] Quem escrever essa história, indagando a gênese de todos estes descalabros, se não conseguir accordar o paiz indicando mo declive rapido que o leva á destruição, conseguirá muito no futuro da humanidade escrevendo a Biblia exacta de um povo que desappareceu no interesse dos que se apregoavam de Messias da liberdade, da igualdade, da fraternidade, da ordem e do progresso (DOURADO, 1977: 1).

O “poder esmagador”, “asfixiante”, seria aquele exercido por Floriano Peixoto em nível federal e Julio de Castilhos e o PRR em nível estadual. A revolução, nestes termos, seria uma forma de resistência ao poder opressor, exercido pelos que se “se apregoavam de Messias” (Peixoto e Castilhos). Em uma visão Liberal, o Estado existe para garantir a segurança, a propriedade e a liberdade dos cidadãos, neste caso, a resistência contra a opressão era legítima: A nação comprehenderá que precisa de repouso para poder progredir, indagando qual o motivo d´aquelle mau estar, qual a causa d´aquella enfermidade. Reconhecerá que a causa é a oppressão, é a violação dos direitos, é o anniquillamento de uma parte de sua população; que o oppressor é o governo, que o anniquillador, o violador, é aquelle a quem ella confiara a execução e distribuição da justiça. Que esses crimes só têm por móvel o interesse individual e toda ella se levantará contra elle e os seus, que terão de ceder. As tropas cançadas, maltratadas, começarão a comprehender que se devem obediência ás leis, os governos que opprimem, que auctorizam o latrocinio e o assassinato estão fóra da lei; que devem antes ser punidos a exigir d´elles que sirvam de carrasco para os que reclamam contra taes crimes (DOURADO, 1977: 39).

Sendo tirânico e opressor, o governo estaria, desta forma, fora da lei, o que legitimava o processo revolucionário na visão Liberal. Para Dourado, o país que seguisse o Liberalismo, ou seja, que “tem leis, que se rege por ellas, que respeita o direito de cada qual, que tem por norma a justiça, que garante o producto do esforço individual, nunca terá revoluções” (DOURADO, 1977: 393). Sobre os boatos de que os governistas, já nas negociações de paz, estariam dispostos a garantir somente o direito à vida e a propriedade, Dourado desdenha como algo não negociável, pois faria parte dos direitos básicos entre os países onde não há escravizados (ou seja, países Liberais) sendo nada mais do que a lei (DOURADO, 1977: 413).


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Em contrapartida, o Positivismo recebia críticas contumazes deste intelectual. Considerava a “ditadura científica” francesa e paraguaia como exemplos fracassados (DOURADO, 1977: 105) e ironizava o lema “ordem e progresso”, que no caso brasileiro significaria “guerra civil, aniquilamento da maior nação sul-americana” (DOURADO, 1977: 103). Também criticava um dos lemas do Positivismo, o “viver às claras”: [...] então o povo julga-se com direito de protestar e protesta pelo modo como qual desperdiçam o seu trabalho mas em vez de moderarem ou modificarem esse modo de viver ás claras [grifo nosso], mandam matal-o e para isso é ainda o seu trabalho do passado e todo o trabalho de sua geração [...] É d´ahi que vem a guerra civil; é d´ahi que vem a queda das instituições, é d´ahi que vem o anniquilamento dos povos, a extincção das nacionalidades (DOURADO, 1977: 393).

Este pressuposto Positivista seria um dos elementos absurdos a que o regime castilhista estaria submetendo as gentes do Rio Grande do Sul, e, como tal, acabaria culminando na revolta dos submetidos, o que acometeriam as mortes por repressão. Por fim, Dourado acreditava que a política não era uma “ciência positiva” e sim, “um mixto de ideas e observação” (DOURADO, 1905: 60), e nisto estabelecia a diferença entre o ideal liberal-federalista, enquanto parte de uma oposição plural que, sob a bandeira de um único partido congregava as mais diferentes correntes do pensamento; e do ideal positivista-castilhista, altamente centralizador, dogmático, rígido na disciplina e nas convicções, que subjugou as oposições durante toda a República Velha.

Conclusão

A intelectualidade militante de Dourado, formada a partir das experiências ainda na sua iniciação acadêmica na Faculdade de Medicina da Bahia, veio a desenvolver-se justamente durante os episódios da Revolução Federalista, da qual teve lugar como coronel-médico. Os registros efetuados enquanto estava participando guerra viriam a servir de instrumento de difusão de ideias, críticas à república que se instalava e proposições acerca desta, sob o pano de fundo das suas vivências no campo de batalha, com todos os horrores de uma guerra. Legitimava, desta forma, seu discurso revolucionário. Como um típico intelectual do período, teve formação erudita e fizeram parte de sua produção ativa intelectual não só os livros editados, mas também os artigos publicados na imprensa, o papel engajado que desempenhava na sociedade, servindo de elemento-chave na propaganda dos ideais liberalfederalistas, constituindo-se num porta-voz do movimento. O prestígio alcançado pelo intelectual federalista foi tal que, por ocasião da sua morte, o jornal Echo do Sul noticiou que mais de mil pessoas participaram de seus cortejos fúnebres, entre políticos e autoridades civis e militares da cidade, incluindo correligionários, aliados e também adversários políticos do médico baiano,9 além de artigos publicados no mesmo jornal, nas edições dos dias subsequentes, que consistiam em homenagens póstumas ao seu legado e reconhecimento da luta empreendida pelos seus ideais.

9  ECHO DO SUL, ed. 24 de outubro de 1905, p. 2


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Bibliografia

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Periódicos

ECHO DO SUL, (Jornal, Rio Grande - RS) ed. 24 de outubro de 1905 GAZETA MEDICA DA BAHIA. (Jornal, Salvador - BA) Anno XVII, nº 3, setembro de 1885

Fontes eletrônicas

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do Rio Grande do Sul

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O Gaúcho de Apolinário Porto Alegre

Rosangela Bacher Nunes1

O Movimento Tradicionalista Gaúcho enquanto objeto de pesquisa tem encontrado no meio acadêmico, ainda, algumas resistências. No entanto, temos observado que ele enquanto fenômeno social e cultural tem um papel importante na constituição identitária dos sujeitos que aderem ao movimento. Propõe um conjunto de regras e normativas que não apenas organizam os comportamentos internamente como interferem na própria cultura dos espaços em que se localizam. Esse Movimento nasceu dentro da proposta de reunir ícones da cultura gaúcha, de forma adaptada a contemporaneidade, com o intuito de estimular e cultivar uma identidade puramente sul rio-grandense. Seu surgimento e organização ocorreram imersos num imaginário sobre o ser gaúcho veiculado desde o século XIX, através da literatura sul-riograndense, em especial produzida dentro dos círculos do Partenon Literário. Depois também o “mito” do gaúcho foi amplamente veiculado no século XX a partir da literatura de cunho regionalista propagada por modernistas riograndenses como Augusto Meyer. De acordo com Francisco Bernard, o regionalismo gaúcho se dividiu em dois momentos chaves, o primeiro com o Partenon Literário que apresentava uma linguagem de coloração regionalista e influência do espanhol e o segundo com os modernistas que retratavam “o homem da campanha em sua labuta nas estâncias” (BERNARDI, 1997:39). Dentro do movimento regionalista sul rio-grandense, especialmente na prosa, destacaram-se dois escritores nas décadas de 1930 e 1940, Érico Veríssimo e Cyro Martins. De acordo com Bernardi, “um praticamente completa a obra do outro, uma vez que nos apresentam as duas visões do homem da estância. Enquanto Érico focaliza o herói, o caudilho dos pampas, Cyro apresenta o peão, o trabalhador agregado, o gaúcho descapitalizado a caminho da cidade” (1997:39-40). Conforme podemos perceber, os dois ícones centrais do Movimento Tradicionalista Gaúcho, o homem da estância e o peão, também foram a polpa da poesia regionalista. Então apesar do regionalismo no Rio Grande do Sul não ter se constituído como uma escola ou uma agremiação já trabalhava com uma espécie de ideologia gaúcha. Essa ideologia seria a defesa de um ser gaúcho atrelado a figura da Estância, do campo e das heranças tropeiras, que mais tarde foram incorporadas ao discurso do MTG. O Partenon Literário foi fundado em 1868, por um grupo de intelectuais e escritores, que segundo Ruben Oliven, através da exaltação da temática regional, tentou juntar os modelos culturais vigentes na Europa e a visão positivista da oligarquia sul rio-grandense. Sedimenta-se ali o início da apologia de figuras heróicas, alçadas à condição de símbolos da grandeza do povo rio-grandense. Encontra-se na sedição farroupilha os paradigmas de honra, liberdade e igualdade que se tornariam inerentes ao futuro mito do gaúcho, dissolvendo-se os motivos econômicos e as diferenças 1  Licenciada em História pela Universidade Federal do Rio Grande, Pós-Graduanda em História do Rio Grande do Sul pela Universidade Federal do Rio Grande.


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entre as classes, existentes no conflito. A configuração dos heróis não era ainda a do gaúcho estilizado e ‘glamourizado’, mas o vetor encomiástico já se fazia presente. (GONZAGA, 1996:125-126)

A construção de uma louvação aos tipos ideais, somada a apologia aos “heróis” até a organização de símbolos e finalmente a constituição de um mito do “gaúcho”, como citou o autor, são momentos importantes de um processo que substanciou a fundação do Movimento Tradicionalista Gaúcho. Afinal, sem uma tradição mínima do “ser Gaúcho”, um pequeno conjunto de símbolos organizados que diferenciassem o sujeito do “sul”, o MTG não teria no que se amparar para dar início a sua “invenção das tradições”. O Movimento Tradicionalista Gaúcho organizado nasceu no ano de 1947, com uma proposta de reunir ícones da cultura gaúcha, de forma adaptada a contemporaneidade, com o intuito de estimular e cultivar uma identidade puramente sul rio-grandense. Para tanto os pioneiros do tradicionalismo gaúcho foram buscar subsídios no regionalismo da segunda metade do século XIX como o Partenon Literário e nos trabalhos dos modernistas sul rio-grandenses dos anos de 1920. A partir dessa perspectiva, nosso objetivo nesse trabalho é analisar e comparar a relação entre as características do gaúcho defendidas pelo MTG e a imagem construída na obra o Vaqueano do intelectual Apolinário Porto Alegre, de forma a percebermos como o MTG no processo de invenção das tradições regionais deitou raízes de seu ideário na literatura do século XIX. Apolinário Porto alegre, enquanto um intelectual se apresenta nesse trabalho como um estudo de caso, pois seria demasiado para nós nesse momento nos atermos a toda a literatura do século XIX, dessa forma, apenas dos deteremos na obra O Vaqueano de Porto Alegre.

A formação do ideário do MTG

De acordo com Savaris, esses primeiros idealizadores do “ser gaúcho” como João Cezimbra Jacques, que fundou em 1898, em Porto Alegre, o Grêmio Gaúcho, tinham o objetivo de congregar pessoas que se dispunham a reviver, nas cidades, os usos, costumes e as lides tradicionais sul rio-grandenses. O autor afirma ainda que esse foi o primeiro passo para o que se chamou mais tarde de tradicionalismo gaúcho. Para Ruben Oliven, existiam dois aspectos comuns entre o Partenon Literário e o Grêmio Gaúcho de Cezimbra Jacques: (...) primeiro: ambos eram formados por pessoas de origens modestas, não detentoras de terras ou de capital. Como ocorreu em outras partes do Brasil e do mundo, a atividade intelectual era, ao lado das carreiras militar e política, uma das poucas formas de ascensão disponíveis a pessoas oriundas das camadas despossuídas e desejosas de ingressar na esfera do poder. As condições econômicas, sociais e políticas ainda não permitiam que se formasse uma camada de intelectuais dotada de relativa autonomia. O segundo aspecto era a preocupação com a questão da tradição e da modernidade, presente em ambas as entidades, embora sob formas diferentes. Ao mesmo tempo em que tinha como modelo o que considerava mais avançado da Europa culta, o Partenon evocava a figura tradicional do gaúcho e louvava seus abalados valores. O Grêmio Gaúcho, nas palavras de seu fundador, procurava manter as tradições, mas sem excluir os costumes do presente. Nos dois casos, um mesmo pano de fundo: um estado em transformação, no qual a tensão entre passado e presente começava a se fazer sentir (OLIVEN, data: s/p)

O contexto de um Estado em transformação, citado pelo autor, que teria influenciado a preocupação com a preservação das tradições, ainda no século


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XIX, assim como a valorização da figura tradicional do gaúcho, seus valores, foi paralelamente semelhante ao momento de conjuntura a que o MTG foi formado, pois o Brasil também vivia a transformação proposta não apenas pelo fim do Estado Novo e a recente re-democratização, mas principalmente a transição entre a extinção da República Velha e uma Nova República que insistia em não abrir mão de seus velhos hábitos políticos. Dessa forma, a tensão entre passado e presente, como afirmou o autor, sentida no em fins do XIX, responsável por essa busca pela manutenção dos hábitos e costumes “gaúchos” contribuiu para a idealização romântica do “ser gaúcho”, que em muito serviu como base de um ideário formado e defendido pelo MTG, atualmente. Outro fator importante referido pelo autor é a constatação de que as pessoas envolvidas no movimento não eram pertencentes à elite, ao contrário, eram simples, de origem modesta. Essa observação nos demonstra que a busca pela formação das tradições gaúchas, não apenas dialogava com um conjunto de símbolos outrora constituídos, como com o apego e o desejo de preservação de uma identidade sonhada e idealizada. Podemos perceber que ainda no século XIX, de acordo com Ruben Oliven, a fundação do Grêmio Gaúcho foi seguida pela criação de cinco entidades consideradas pioneiras pelos tradicionalistas: União Gaúcha de Pelotas (fundada em 1899, por Simões Lopes Neto, grande escritor regionalista), Centro Gaúcho de Bagé (1899), Grêmio Gaúcho de Santa Maria (1901), Sociedade Gaúcha Lombagrandense (fundada em 1938 em área de colonização alemã) e Clube Farroupilha de Ijuí (fundado em 1943 em área de colonização alemã e italiana). Barbosa Lessa e Paixão Côrtes podem ser considerados os intelectuais – para Jean-François Sirinelli, existem duas acepções sobre os intelectuais uma ampla e sociocultural que englobaria os criadores e os mediadores culturais e outra mais estreita que se baseia no engajamento desses indivíduos como ator, testemunha ou consciência. Lessa e Côrtes, em nossa concepção, podem ser enquadrados nas duas acepções de intelectuais apresentadas por Sirinelli uma vez que se apropriaram de uma representação difundida pela literatura, a adaptaram para realidade social que estavam inseridos e foi pela atuação dos dois, como atores e consciência, que o Rio Grande do Sul e o Brasil passaram a entender e a ver o habitante do espaço sulino como gaúcho. Foram esses dois intelectuais que – com auxilio de outros pioneiros pensaram e deram forma ao tradicionalismo gaúcho, durante suas primeiras décadas de existência, eles foram buscar pelo Rio Grande do Sul através de pesquisa de campo os ritmos, religiosidade, lides campeiras e outros aspectos do folclore dos sul riograndenses. Porém temos de ter em mente que muitos aspectos foram modificados e adaptados para realidade urbana de Porto Alegre do início dos anos de 1950. Conforme já afirmamos Cezimbra Jacques, os modernistas da década de 1920, Paixão Côrtes, Barbosa Lessa e o Partenon Literário muito contribuíram para cristalização de um tipo ideal que passou a representar o homem e a gente do Rio Grande do Sul. Mas além dessas matrizes existem outras pouco ou não mencionadas como o escritor rio-grandino Apolinário Porto Alegre e sua obra O Vaqueano.

Apolinário Porto Alegre e o MTG: a construção da imagem do gaúcho

De acordo com Moacyr Flores, Apolinário Porto Alegre nasceu no município de Rio Grande, atual estado do Rio Grande do Sul, em 29/08/1844, filho de Antônio José Gomes, que tendo um homônimo na cidade acrescentou Porto Alegre ao nome com objetivo de evitar grandes confusões, e de Delfina Joaquina da Costa.


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Ainda utilizando a definição de Sirinelli acerca dos intelectuais podemos entender Apolinário Porto Alegre como intelectual, uma vez que o autor de O Vaqueano criador, ator, testemunha e consciência. Porto Alegre era um intelectual engajado, fez parte do movimento republicano e abolicionista, além de promover um tipo diferente de educação nas escolas que fundou. Em outubro de 1859, a família de Apolinário mudou-se para Porto Alegre uma vez que seu pai, funcionário da Fazenda no cargo de inspetor teve o cargo transferido para a Alfandega de Porto Alegre. Foi na capital do Rio Grande do Sul que Apolinário concluiu seus estudos tendo em 1861 se matriculado na Faculdade de Direito de São Paulo. Com a morte de Antônio Gomes, Porto Alegre abandonou o curso de direito sem ter concluído o primeiro ano e retornou ao Rio Grande do Sul, onde segundo Moacyr Flores, se empregou como professor no Colégio José Pedrosa, para poder sustentar a mãe, a tia e os três irmãos. Apolinário se revelou um professor de qualidade e fundou em 1867, junto ao irmão Aquiles, o colégio Porto Alegre. Para Carlos Baumgarten, Apolinário foi integrante de uma das gerações mais significativas da história cultural sul rio-grandense, conhecida como a geração do Partenon Literário, como professor o intelectual foi responsável pela formação de várias gerações de estudantes que passaram pelos estabelecimentos de ensino onde Apolinário atuou. Ainda de acordo com o autor, o intelectual foi um dos jornalistas mais atuantes de seu tempo, e por esse motivo frequentou com assiduidade as páginas de diversos periódicos como: Atualidade, Murmúrios do Guaíba, O Mosquito, A Reforma, O Mercantil, todos da cidade de Porto Alegre, e também teve significativa participação junto à Arcádia, do município de Rio Grande. Foi membro fundador da Sociedade Partenon Literário, onde também atuou como mentor intelectual, Porto Alegre foi um dos idealizadores da Revista Mensal da Sociedade Partenon Literário que, no período de 1869 à 1879 se constituiu no principal veículo de divulgação da literatura no Rio Grande do Sul, foi através das páginas da Revista Mensal que Apolinário divulgou grande parte de sua produção literária. No ano de 1876, de acordo com Moacyr Flores, o escritor sul rio-grandense criou o Instituto Brasileiro, no beco da Marcela, junto à estrada do meio em Porto Alegre. Com essa atitude Apolinário atacava a educação tradicional reformando os programas de estudo, abolindo os castigos físicos. Ainda segundo Flores, para Porto Alegre a educação se dava sob tríplice aspecto: físico, intelectual e moral. O Instituto Brasileiro introduziu a educação física com carreiras, saltos, passeios aos morros da capital e natação. No dia 20 de setembro, data da Revolução Farroupilha e no 14 de julho, que marcava a Revolução Francesa, a banda do Instituto Brasileiro desfilava pelas ruas de Porto Alegre tocando o hino da República Rio-grandense e a Marselhesa, soltando fogos de artifício para uma cidade atônita em plena monarquia decadente. Os alunos eram republicanizados e enfrentavam os da Escola Militar, tidos como participantes de uma monarquia caruncha. (FLORES, 1994:139)

Apolinário procurou por meio de atos pouco convencionais atingir a sociedade a sua volta com seus ideais para de alguma forma modificar a realidade vivida pelo Rio Grande do Sul e pelo Brasil naquela época, Porto Alegre não fiou somente no campo das idéias, como podemos perceber na citação ele e os alunos do Instituto Brasileiro “deram a cara a tapa” questionando abertamente o sistema, não só político, mas também educacional, de seu tempo. Baumgarten afirma que, Apolinário Porto Alegre era abolicionista e republicano e que como tal participou ativamente de movimentos a favor da abolição da escravatura e do modelo republicano de governo. Durante o ano de 1880, junto


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de seu irmão Apeles Porto Alegre, fez circular o primeiro diário republicano do Rio Grande do Sul: A Imprensa. Nos anos posteriores atuou como organizador do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) e também em seu primeiro congresso realizado em março de 1883, onde segundo Flores defendeu o fim imediato do sistema escravocrata brasileiro, porém Júlio de Castilhos impôs sua idéia de abolição gradual e com indenização para os senhores de escravos. A partir de 1892, com a instalação do terror castilhista, que tinha por objetivo consolidar a ditadura positivista, Apolinário por ser redator do jornal A Reforma foi preso e teve suas propriedades depredadas pelas autoridades, mesmo assim publicou artigo desafiando o mandonismo que se instaurara no Rio Grande do Sul. Devido as constantes perseguições fugiu para Florianópolis e depois para Mondevidéu retornou a Porto Alegre em 1896, quando publicou no Jornal do Comércio sua Viagem a Laguna. O intelectual que criou o Partenon Literário, colaborou com diversos jornais literários, que deixou obras de filologia, história, contos regionalistas, romance, poesia e teatro, que revolucionou o ensino, que fundou clubes republicanos enquanto o Brasil ainda vivenciava uma monarquia, que sofreu com a perseguição dos republicanos castilhistas por não ser a favor das idéias positivistas faleceu na Santa Casa de Misericórdia, em vinte e três de março de mil novecentos e quatro. De acordo com Carla Renata Gomes, se José de Alencar é referência nacional no que tange a literatura brasileira Apolinário Porto Alegre teria a mesma significação em termos regionais. Para a autora ambos, cada qual em seu ambiente cultural, estavam encarregados de propagar o ideal nacionalista através da literatura. Enquanto Alencar encarava o projeto nacional como uma missão particular Porto Alegre empregava seu vigor na construção de uma identidade regional que revelasse a brasilidade específica dos sul rio-grandenses. A influência do literato cearense e sua obra, na construção do percurso intelectual do escritor rio-grandense, é tão marcante, que aquela formulação sobre o quão inadequada era a linguagem e, além dela, o pensamento, sobre o nativo brasileiro, pode ter inspirado Apolinário a escrever um conto sobre o trabalho a as superstições da gente comum, dos arredores de Porto Alegre, pois, mais tarde, ao justificá-lo, parte dos mesmos pressupostos que fizeram Alencar desejar despir-se das “idéias de homem civilizado” a fim de alcançar a tradução mais perfeita da vida nacional primeva. Para tanto não bastava “estar em contato com a natureza”, ou estudar-lhe a composição, ou descrever os hábitos de sua gente, mas antes de tudo, para poder cantá-la ou narrá-la, era necessário, “desenvolver uma atitude adequada”, e para ambos, essa atitude, deveria ser adotada a partir do conhecimento da linguagem local, da fala dos homens comuns. (Dissertação- 2006)

A partir da citação, podemos perceber que o pensamento e a obra de José de Alencar fizeram parte do microcosmos intelectual particular de Apolinário Porto Alegre. O escritor sul rio-grandense reverenciava o trabalho intelectual de Alencar e procurava fixá-lo, para Carla Regina Gomes, como parâmetro oficial de uma escrita brasileira. Ainda segundo a autora, mesmo sendo contemporâneo ao literato cearense, Porto Alegre percebia a importância futura desse escritor, e assim atribui ao estilo alencarino um status de autêntica escola literária a ser seguida. A obra de Porto Alegre O Vaqueano nos leva de volta aos tempos do Decênio Heróico, mais precisamente ao ano de 1838 quando os Farrapos tomaram a decisão de tomar Santa Catarina. O personagem principal do livro é conhecido por todos como Vaqueano por sua profissão e por não haver espaço no Rio Grande do Sul desconhecido para ele. Algumas das diretrizes e regulamentos do MTG fazem alusão de que o tradicionalista deve conhecer cada rincão do Rio Grande do Sul e suas particularidades, cabe ao peão e a prenda – pretendem concorrer e que no futuro


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podem virem a se tornarem lideranças do movimento – estudar a geografia do estado, saber que regiões se destacam na produção de determinados produtos, minerais, além da localização de determinados empreendimentos, ou seja, prenda e o peão de hoje deve como Avençal ser o vaqueano, aquele que conhece cada parte do Rio Grande do Sul como se esse fosse a si mesmo. Todavia os alamares eram de prata. E a razão é óbvia: este metal na província não é a insígnia distintiva de certas classes, tanto se o depara na cabeçada do lombilho do estancieiro como na do último da peonada. Ricos e proletários ostentam-no com garridice. As pratarias constituem o ponto de contato entre uns e outros, o laço de irmandade das diferentes hierarquias. (Porto Alegre, e-book 8-9)

No trecho acima vemos que o autor já buscava difundir entre seus leitores a idéia de uma democracia social, a idéia de que no Rio Grande do Sul patrão e empregado conviviam em perfeita harmonia e que havia distribuição da riqueza produzida no estado. Podemos vislumbrar assim um dos traços, que mais tarde seria apropriado pelo Movimento Tradicionalista Gaúcho, como forma de caracterizar o ideal de vida que mais tarde seria cultuado como verdade histórica e lembrado com saudosismo por grande parte dos sul rio-grandenses. Nos misteres campeiros ninguém o excedia. Iguais os encontrava, melhores nunca.O homem que nas brenhas brincava com o guará, o tigre e o tapir e os subjugava ao braço como tenra criciúma sob a pressão do vento, que receio teria do potro indômito e bravio e do boi xucro e de pontas aguçadas? Nos manejos de guerra não ficava somenos. A lança de duas braças de longura vibrava o bote tremendo, o pistolão atravessado na guaiaca poucas vezes errava o tiro na andorinha que cortava os ares. Mas quando expandia o rosto era ao ver a rodilha do lago revolutear no espaço e logo como uma jibóia aérea se distender, se enristar, cingir o corpo da vítima, retê-la no ímpeto da carreira, sofreá-la nas contrações da sanha, envencilhá-la em estreito amplexo e estrangulá-la quase, abatendo-a, vendo-a humilde render-lhe homenagem; ou quando, as bolas em punho, rodeado de adversários, ia derrubando um por um, a golpes terríveis. Essa arma de nossos camponeses realiza para o homem o que realizavam as batistas e catapultas antigas para as muralhas. (Porto Alegre, e-book)

O linguajar, a valorização de certas características como bravura e a excelência para o manejo de armas utilizados por Apolinário Porto Alegre e outros autores mais tarde foram apropriados pelos pioneiros do tradicionalismo gaúcho. Esses elementos foram utilizados, de certa forma, para que as camadas mais baixas da sociedade acostumadas com as lutas diárias pudessem se identificar com o personagem do livro. Porém, o Vaqueano, como era conhecido Avençal, possuía alguns defeitos quase imperdoáveis como falar somente o necessário, não beber, não fumar e não jogar, uma vez que para os homens de Canabarro assim como para a maioria dos homens do espaço sulino beber, fumar, jogar e falar eram atividades corriqueiras do divertimento. Ao longo da obra o culto aos “grandes” heróis aparecem nitidamente nomes como Bento Gonçalves, David Canabarro e Garibaldi surgem em O Vaqueano exaltando suas atuações de liderança durante a Revolução Farroupilha. Quantas façanhas, quantos atos de bravura e heroismo não ficaram sepultos nesse dia em nuvens de fumo, no fundo das águas e no estrupido da peleja? Como Canabarro e Garibaldi sorriam jubilosos, sob um céu de metralha e fogo! Leões da guerra, colunas avançadas da liberdade, cederam; mas, quando o exército dizimado por forças superiores constituiu num pugilo de bravos, quando da flotilha se viam apenas fragmentos boiantes sobre as ondas, cederam, é certo, ao número de recursos poderosos, não ao esforço e bizarria. Grandes


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na vitória e no infortúnio. Grandes na derrota, porque tinham no coração as lágrimas do desespero! Derrota?! Não... Retirada grotiosa, ressaca de vagalhões que imprimiram o selo de sua pujança onde bateram, fracassando. (Porto Alegre, e-book)

Grandes na vitória e na derrota, o mito dos heróis regionais, do gaúcho que vive e morre por seu ideal, que acima de tudo é livre, o centauro da coxilha tudo pode ser percebido ao longo do livro de Porto Alegre que como já afirmamos anteriormente, procurava na apologia a figuras heróicas elevá-las ao patamar de símbolos da grandeza dos sul rio-grandenses. Quando falamos ou ouvimos alguém falar em gaúcho logo nos vem a mente a figura de um homem de botas, bombacha, camisa, lenço colorado no pescoço, chapéu e faca na cintura. Esse homem tem por características a coragem, a hombridade, respeito a hierarquia, gentil, honrado, um perfeito cavalheiro e cavaleiro, no imaginário social essa imagem esta cristalizada. O gaúcho difundido e cultuado pelo Movimento Tradicionalista Gaúcho trás em si todas essas características e mais o tipo ideal sul rio-grandense pensado por Barbosa Lessa, Paixão Côrtes e outros mentores do tradicionalismo gaúcho ainda deve participar ativamente e influir nas decisões tomadas pelo Estado. Precisa procurar promover ações de valorização do homem rural como meio de amenizar o êxodo rural, tudo com a finalidade de evitar a segregação da cultura sul rio-grandense esse é o ideal almejado pelos tradicionalistas da atualidade e a inspiração para se chegar nesse ideal vem do mito do gaúcho, construído na literatura e na própria história, que tem sua gênese na Revolução Farroupilha e na figura de Sepé Tiaraju.

Considerações Finais

Ao longo dos seus mais de sessenta anos o Movimento Tradicionalista Gaúcho vem difundindo e cultuando um tipo ideal do habitante do Rio Grande do Sul, que não tem raça, profissão ou classe social definida, cada habitante do espaço sulino e mesmo fora dele pode se sentir identificado com esse tipo ideal o gaúcho. Os pioneiros, que no ano de 1947 deram inicio à um movimento de culto a identidade regional como forma de reafirmar a identidade nacional, foram buscar na literatura e na história um conjunto de símbolos que diferenciassem o habitante sul rio-grandense de forma a justificar sua invenção das tradições. Porém, quando pensamos naqueles que serviram de base, que fundamentaram o ser gaúcho muitos nomes nos vem a mente como Simões Lopes Neto, Érico Veríssimo, Manoelito de Ornellas, as obras do Partenon Literário, mas poucos associam o nome de Apolinário Porto Alegre e sua obra a esse processo. Procuramos ao longo desse artigo analisar o gaúcho da obra O Vaqueano de Apolinário Porto Alegre e identificar o quanto sua obra e sua visão do ser gaúcho estão próximas da figura que até nossos dias é reverenciada como sendo o autentico habitante do Rio Grande do Sul e que é visto e lembrado pelos sul rio-grandenses com o saudosismo de um passado ideal que no imaginário social realmente existiu. Encontramos muito do vaqueano José de Avençal nos peões e prendas que participam das entidades tradicionalistas atuais, bem como, nos documentos que servem de base para aqueles que se dedicam ao culto as tradições do Rio Grande, segundo o próprio Movimento Tradicionalista Gaúcho. Um homem campeiro, excelente no manejo das armas, honrado, gentílico e conhecedor das coisas do Rio Grande como ninguém, assim era o vaqueano e é assim, atualmente, que muitos tradicionalistas buscam ser, o verdadeiro gaúcho.


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Fonte:

http://www.nead.unama.br/site/bibdigital/pdf/oliteraria/293.pdf (O Vaqueano de Apolinário Porto Alegre e-book acessado ao longo do mês de junho de 2010)

Bibliografia:

FLORES, Moacyr. Apolinário Porto Alegre o professor e o político. IN Vidas e costumes – Estudos biográficos contextualizados. Porto Alegre: Nova Dimensão 1994. PORTO ALEGRE, Apolinário. O teatro de Apolinário Porto Alegre; organizador Carlos Alexandre Baumgarten – Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, CORAG, 2001. SAVARIS, Manoelito Carlos. Rio Grande do Sul – História e Identidade. Porto Alegre: Fundação Cultural Gaúcha – MTG, 2008. SIRINRLLI, Jean-François. Os intelectuais. IN Por uma história política/Direção de Rená Rémond; tradução Dora Rocha. - 2ª ed. - Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003. De rio-grandense a gaúcho:o triunfo do avesso o processo de representação regional na literatura do século XIX (1847-1877). Carla Renata Antunes de Souza Gomes – dissertação de mestrado 2006. link: http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/ handle/10183/11154/000604511.pdf?sequence=1


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Movimento Operário e Intelectualidade em Rio Grande nos anos iniciais da República Velha

Sabrina Meirelles Macedo1

Quando se pensa o tema intelectualidade a primeira imagem que vem a mente é de um grupo de pessoas ligadas aos grandes centros educacionais e de pesquisa, ou destacadas figuras do cenário político, ou ainda pessoas que desenvolvem atividades voltadas à escrita ou a educação formal. Quase nunca se pensa em trabalhadores braçais ou manuais, em indivíduos com pouca ou nenhuma instrução escolar ou acadêmica. No entanto, ao analisar o tema pode-se perceber que o termo intelectual comporta um número maior de agentes e sujeitos históricos, e que este ocupa um determinado lugar na sociedade, que tem mais proximidade com sua influência nessa sociedade do que com sua atividade profissional. Segundo Antonio Gramsci, toda a atividade humana, por mais simples e mecânica que seja, requer um mínimo de atividade intelectual. Criticando a definição de intelectual levando-se em conta apenas a exercício de atividades tidas como tais, em oposição ao trabalho físico, Gramsci escreveu: “não existe atividade humana da qual se possa excluir toda intervenção intelectual, não se pode separar o homo faber do homo sapiens” (GRAMSCI, 1982:6), ou seja, todos os homens utilizam, embora em diferentes graus e para diferentes fins, o seu intelecto. Por este viés, não há não- intelectuais, mas sim àqueles que não desempenham na sociedade a função de intelectuais. (GRAMSCI:1982:7). Entretanto pode-se questionar, afinal, o que é um intelectual? Conforme Norberto Bobbio, a questão da intelectualidade e seus problemas inquietam os pensadores deste a Antiguidade, já com os filósofos, mas a palavra intelectual é recente. ( BOBBIO, 1997:109). Segundo José Luís Beired a origem e o desenvolvimento da palavra intelectual está vinculada à tomada de posições políticas, principalmente na França no século XIX (BEIRED, 1998:123). Vários são os estudiosos que se ocuparam em conceituar o termo e o papel do intelectual. Segundo Bobbio, os intelectuais caracterizam-se por comporem um grupo ou indivíduos que criam e transmitem idéias, propagam visões de mundo, refletem sobre a sociedade com o intuito de transformação da realidade social. Pode estar atrelado ao sistema vigente, atuar para justificá-lo ou manter o status quo, ou ser contrário, propondo um novo sistema, mas está sempre ligado ao poder e aos meios de difusão de idéias. Concomitante ao conceito gramsciniano Bobbio defende que o que caracteriza um intelectual não é o necessariamente o tipo de trabalho que ele exerce, mas sim sua função social, como porta-voz de uma idéia, ou como liderança de um grupo. Alguém que pensa as ações e as articula (BOBBIO, 1997:115). Amando de Miguel define o intelectual como “los profisionales de la palabra” (MIGUEL, 1978:68), cujo trabalho não se explica fora da esfera do poder. Para Miguel 1  ∗ Professora de História, graduada em História licenciatura pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG; atualmente cursa a especialização em História do Rio Grande do Sul,pela mesma instituição.


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cabe ao intelectual orientar as opções ideológicas de uma sociedade ou de parte dela, dar-lhes sentido e conteúdo. O intelectual usa como arma a palavra, seja proferida, escrita ou traduzida em imagens (mídia). Através das palavras os intelectuais criam códigos e muitas vezes são compreendidos apenas entre seus pares. Sua tarefa de interpretar a sociedade e pensar soluções para os seus desafios é, segundo Miguel, um trabalho “bastante pesado y poço agradecido” (MIGUEL, 1978:72) Há ainda a classificação gramsciniana de intelectuais orgânicos- aqueles que pensam e agem -, e intelectuais tradicionais – aqueles que teorizam e exercem sua influências apenas através dos meios de comunicação e não chegam a pegar em armas ou a exercerem cargos políticos. (Cf. BOBBIO, 1997: 131). Conforme Beired o conceito gramsciniano de intelectual é ampliado, visto que abarca até mesmo indivíduos sem nenhuma instrução formal, visto que Para Gramsci o intelectual se define pela capacidade de organizar os homens e o mundo em redor de si. Assim, o sindicalista, o militante político, o padre ou o líder camponês também podem ser tratados como intelectuais, pois organizam o tecido social, refletem sobre si mesmos e sobre sua relação com a sociedade (BEIRED, 1998: 125).

O conceito apresentado por Beired amplia a conceituação de intelectual e demonstra que o termo está carregado de funcionalidade e não de característica, afinal, os sujeitos devem ser entendidos enquanto intelectuais por sua atuação dentro de determinadas sociedades e não por sua aparência. Segundo Bobbio toda a ação política necessita de idéias que a norteie e a justifique, de visões de mundo (BOBBIO, 1997: 118). Desta forma, a atuação do intelectual sempre se fez presente em todas as atividades humanas que visassem pensar e sociedade e agir sobre ela, transformando-a. Partindo destas leituras e do viés apresentado através das conceituações de Bobbio, Beired e Gramsci, o presente artigo aborda brevemente a formação do operariado e tomada de sua consciência enquanto classe em Rio Grande, assim como, atuação da Sociedade União Operária nessa cidade nos primórdios da República Velha e sua influência no movimento operário da cidade. Essa análise permitirá, perceber como se deu a atuação de dois de seus sócios em particular, Antônio Guedes Coutinho e Agostina Guizzardi e de como tais indivíduos caracterizaram-se como intelectuais do movimento, a maneira em que agiam em seu meio, que confere a entidade uma posição de centro da intelectualidade do movimento operário rio-grandino.

A formação da classe operária em Rio Grande

A cidade de Rio Grande desempenhou um importante papel no processo de industrialização do estado sul-rio-grandense na transição do século XIX para o XX. Foi sede da primeira grande indústria do Rio Grande do Sul, a Rheingantz, instalada nos anos de 1870, mantendo uma produção industrial bastante ativa. Segundo Heloísa Jochims Reichel, a tecelagem foi o principal ramo da indústria rio-grandense durante a República Velha.2 A cidade vivenciou uma industrialização precoce nas décadas de oitenta e noventa do século XIX, contando já em 1902 com 51 fábricas, 105 oficinas, entre refinarias e curtumes (Cf. LONER, 2001:22). Juntamente com Pelotas, Rio Grande formava um pólo industrial de respeitáveis proporções, que rivalizava com Porto Alegre. De acordo com Benito Bisso Schmidt, 2  “A industrialização no Rio Grande do Sul na República Velha”. In: José Hildebrando DACANAL e Sergius GONZAGA (orgs.). RS: economia & política. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1979.


Movimento Operário e Intelectualidade em Rio Grande nos anos iniciais da República Velha 105 Rio Grande foi uma das primeiras cidades gaúchas a apresentar as marcas da sociedade urbano-industrial. Sobretudo nos primeiros anos, após a proclamação da República, desenvolveram-se no município indústrias de tecidos, charutos e conservas alimentícias, com consideráveis índices de capital investido e mãode-obra empregada. Sendo o principal porto do estado, procurava alcançar o mercado nacional com poucos produtos, em torno dos quais concentrava o poder competitivo (SCHMIDT, 1999:149).

Como relatou Schmidt, juntamente à industrialização Rio Grande presenciou a formação de um operariado urbano, bastante significativo em número e representatividade de classe. Segundo Schimidt, o jornal Echo Operário estimava em 1897 que houvesse entre 8 a 10 mil operários e operárias na cidade. Ainda o mesmo jornal referindo-se a uma paralisação neste mesmo ano, informava que 105 empregados da fábrica Ítalo-Brasileira haviam aderido ao movimento. Segundo Schmidt, a fábrica Rheingantz contava no final do século XIX com cerca de 900 trabalhadores (as). (SCHMIDT, 199:150). Embora os dados sejam incompletos é possível perceber o número expressivo de trabalhadores na cidade. Segundo José Antônio Segatto, o surgimento do operariado brasileiro foi parte de um processo de transformações por qual passava a sociedade brasileira, da mesma forma vivenciada por Rio Grande. A implantação do sistema econômico do capitalismo industrial, a substituição da mão-de-obra escrava pelo uso do trabalho livre, o desenvolvimento das cidades e da vida urbana, todas estas condições possibilitaram a construção de novas categorias e classes socais, como a burguesia industrial e o proletariado. (SEGATTO, 1997:12). Neste contexto a cidade de Rio Grande teve um forte movimento operário, sendo um dos principais núcleos do movimento operário do estado, recebendo a alcunha de “cidade vermelha”, pela forte presença de operários (as) e suas manifestações por melhores condições de trabalho e vida (LONER, 2004:127). Segundo Schmidt suas manifestações se fizeram sentir desde as últimas décadas do século XIX: jornais, associações, greves, meetings, comemorações de 1º de maio, entre outras atividades ao longo da República Velha. O operariado era composto por elementos nacionais e muitos estrangeiros. Segundo Beatriz Loner, em 1888 havia na cidade de Rio Grande 3.710 estrangeiros, entre eles quase metade eram portugueses, seguidos de italianos, alemães, franceses e ingleses, correspondendo a 18,3% da população total. O número de negros ou pardos era de 5.573.3 O processo de urbanização empreendido pela implantação da República e resultante também do acelerado processo industrial trouxe consigo transformações sociais, culturais, políticas e econômicas, em muitos aspectos e para a camada menos favorecida da população, de caráter negativo. Os trabalhadores (as) viviam em péssimas condições de trabalho e moradia. Longas jornadas de trabalho, que chegavam, segundo Segatto, até 15 horas por dia, sem descanso semanal remunerado, nem mesmo descanso aos domingos e feriados, e sem férias anuais. Inexistiam direitos trabalhistas, e muitas vezes nem mesmo contratos de trabalho. Não havia seguridade nenhuma ao trabalhador, nenhum tipo de proteção social. Não havia aposentadoria, pensão ou auxílio em caso de acidentes ou doenças causadas pelo trabalho. Os operários eram demitidos sem qualquer aviso prévio, nem indenização, muitas vezes aconteciam atrasos de salários e descontos abusivos por multas aplicadas pelo patrão. Muitas vezes, um atraso de cinco minutos do operário ou um erro na linha de produção, resultavam em descontos nos salários que já eram baixíssimos. Até mesmo uma ida ao sanitário que o capataz considerasse demorada já era motivo de repressão e multas. 3  LONER, Beatriz Ana. Operários e participação no início da República: o caso de Pelotas e Rio Grande. Estudos Ibero-Americanos, v.22, n.2, dez.1996.


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Outro aspecto bastante comum no cotidiano das fábricas eram os acidentes de trabalho. Pesquisando no jornal riograndino O Tempo, do ano de 1919, é possível verificar a freqüência de pequenas notas publicadas no referido jornal sobre acidentes nas fábricas. Como exemplo: Vítimas do trabalho Aristides Aragon eto, ao trabalhar a sua machina, esmagou o dedo médio da mão direita. Hontem, na fábrica Leal Santos, o operário português José dos Santos Gomes, maior de 68 annos, teve a infelicidade de esmagar dois dedos da mão direita em uma das machinas do estabelecimento. João Soares de Lima, pintor, quando trabalhava abordo de um navio surto no porto, homem sofreu uma queda, ferindo-se na perna e braço direito. Também hontem no exercício de sua profissão o estivador Augusto Silveira esmagou dois dedos da mão direita. Ambos os feridos foram medicados na assistência pública.4 Mariano Fernandes, operário da fábrica Leal & C. trabalhando a uma das machinas do estabelecimento, teve a infelicidade de esmagar os de dos indicadores direito e esquerdo. O ferido foi medicado na assistência pública.5

Percebe-se assim a constância dos acidentes dentro das fábricas e também em outros locais, como no porto,nas ruas e tubulações, retratando em parte as condições em que trabalhavam os operários. Além das questões de trabalho e habitação, outros problemas se faziam sentir na questão do transporte público, insalubridade da água, falta de esgoto e saneamento básico, que agravavam a saúde pública, aumentando os casos de tuberculose, o aumento da mortalidade e da criminalidade; aspectos que atingiam principalmente a classe trabalhadora, mas acabavam por refletir em toda a sociedade. Sendo assim, desde cedo à urbanidade impôs para os dirigentes do estado e para os empresários a chamada questão social – conjunto de problemas políticos, sociais e econômicos advindos das relações de patrões e operários. (PESAVENTO, 1988:150). Esta ocupou durante a República Velha os governantes e o empresariado sul-rio-grandense, que unidos teceram práticas e discursos a fim de cooptar e mais tarde frear o operariado gaúcho. Segundo Sandra Pesavento, durante toda a República Velha o governo do Rio Grande do Sul, de cunho autoritário e seguindo a orientação do ideário positivista castilhista, representado pelo Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), defendia a não-intervenção do Estado nas questões de trabalho, embora fosse um governo anti-liberal. O governo gaúcho defendia a liberdade de mercado de trabalho, onde as normas e acordos deveriam ser tratados na esfera privada, entre o empresário e os operários. Esta intervenção só era tolerada quando se fazia necessária o uso da repressão policial, ou quando os conflitos atingiam um volume além do poder privado. Nestes momentos o empresariado solicitava a intervenção do governo, a fim de manter a “ordem e o progresso” da sociedade. Embora aparentemente contraditória, já que o PRR distanciava-se da ideologia liberal, o empresariado adotara a postura de não-intervenção nas relações operariadopatronato, conforme Pesavento, “(...) pressupõem a solidez de práticas autoritárias na vida privada, na fábrica e na esfera governamental, que permitiam a manutenção da ordem sem o recurso a uma legislação social” (PESAVENTO, 1988: 133). Desta forma, o Estado contribuía para com o empresariado gaúcho, no almejo de seu “progresso” dentro da “ordem”, buscando assim apresentar-se como uma instituição acima das classes, assegurando a realização do bem comum. De outro lado, o patronato agia sobre o operariado disciplinando e conformando os novos 4  O Tempo, 29/01/1919,p.2. 5  O Tempo, 28/08/1919,p.2.


Movimento Operário e Intelectualidade em Rio Grande nos anos iniciais da República Velha 107 “cidadãos” do estado rio-grandense. Neste cenário social, começou a germinar entre estes trabalhadores uma incipiente, mas forte consciência de classe. A categoria classe é usada aqui segundo a definição de Edward Palmer Thompson. A classe é concebida por Thompson como uma relação em constante transformação, onde

As classes acontecem ao viverem os homens e as mulheres suas relações de produção, e ao experimentarem suas situações determinantes, dentro do conjunto de relações sociais com uma cultura e uma perspectiva herdadas, e ao modelarem estas experiências em formas culturais”6

Desta forma, a classe se faz a si mesma, enquanto vive sua própria história. Para Thompson é através da experiência que a classe se forma e desenvolve sua consciência, podendo esta experiência ser vivida ou herdada, advinda do cotidiano e inteiramente ligada aos conflitos e lutas na sua trajetória, sendo expressa culturalmente em símbolos, práticas e costumes. Nessa mesma direção, segundo Pesavento, a formação de uma consciência de classe operária se deu ao lado do desenvolvimento industrial. Ou seja, na medida em que as indústrias vão se desenvolvendo e aprimorando o trabalho, o proletariado vai solidificando sua consciência enquanto classe distinta do empresariado, com interesses e reivindicações a sua maioria antagônicas (PESAVENTO, 1988:237). Inicialmente algumas das associações operárias congregavam em seu meio operários e patrões, demonstrando assim uma consciência de classe não tão distinta entre estes dois grupos sociais. Foi neste contexto de exploração, conflitos sociais e insatisfação que homens e mulheres, partindo de suas experiências e vivências reconheceram entre si laços de pertencimento a um mesmo grupo ou categoria social, e desta forma passaram a se articular em busca de interesses afins, formando ligas e associações mutualistas e recreativas. Conforme Cláudio Batalha o que dá a classe operária uma maior consistência é a sua atuação organizada, “(...) a associação operária é a materialização da experiência comum no decorrer do qual se constrói a identidade coletiva; mas é ela própria um fator de reprodução desta identidade”.7 Para Batalha, ao se criar uma associação se evidencia a vontade de estabelecer uma identidade coletiva, em um sentimento de pertencimento. Inicialmente tais entidades tinham por objetivo atender as necessidades imediatas dos trabalhadores, que não contavam com nenhuma garantia legal, pois não havia na época legislação trabalhista. Necessidades estas tais, como: sustento em caso de acidentes de trabalho, desemprego, amparo para doença ou cobrir gastos com funerais, instrução escolar para os filhos, atividades de integração e recreativas. Tais associações possibilitavam ao trabalhador (a) e a sua família um espaço social, onde eram criados e reforçados laços de identidade e solidariedade. Mesmo que no início tais entidades não explicitassem questões de participação política e de uma postura mais crítica frente às condições de vida enfrentadas elas podem ser consideradas como ponto de partida das associações que logo surgiram com este espírito reivindicatório, e com o intuito de organizar o proletariado para a ação. Foram importantes no processo de construção da consciência da classe operária de Rio Grande.

6  Apud, Beatriz Ana Loner. Construção de classe: Operários de Pelotas e Rio Grande(1888-1930). Universidade Federal de Pelotas; Pelotas - Ed. Universitária: Unitrabalho, 2001, p. 30. 7  Apud, Silvia Regina Ferraz PETERSEN. “Que a União Operária seja nossa pátria.” História das lutas dos operários gaúcho para construir suas organizações.Santa Maria: editora UFSM; Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2001:17.


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Sociedade União Operária e a intelectualidade do Movimento Operário rio-grandino

Logo no início da República Velha surgiram em Rio Grande algumas tentativas de organização de entidades classistas com o intuito de mobilização dos trabalhadores, mas foram efêmeras. Mas, foi apenas em 1893 que surgiu uma entidade que a partir de então exerceria uma decisiva influência no movimento operário local, orientando e mobilizando o operariado. Em dezembro deste ano, um grupo de operários, buscando combater a aparente apatia do operariado local, convocou uma reunião de “operários artistas” com o intuito de organizar uma sociedade operária. Na ocasião elegeu-se uma diretoria provisória e foi escolhido em assembléia, do dia 24 do mesmo mês, o nome de União Operária, sendo instalada oficialmente em 1º de maio de 1894, ocasião em que se comemorou pela primeira vez a data na cidade. A Sociedade União Operária foi uma das principais entidades sindicais, a primeira em Rio Grande, em termos de organização do operariado na cidade, e exerceu um destacado papel no movimento operário rio-grandino, até seu fechamento após o golpe militar de 1964. Pode ser considerada uma das sedes da intelectualidade do operariado na cidade, devido a influência das idéias geradas em seu seio e pela atividade de militância exercida pelos seus dirigentes e muitos de seus sócios e sócias. Segundo Loner a entidade foi fundada por um grupo de operários e artesãos, contribuindo para a unificação do movimento operário em Rio Grande, que se encontrava, desde as tentativas frustradas, desarticulado.(LONER, 2001:23). Constituía uma entidade operária com objetivos educacionais, beneficentes e de representação de classes. Sua presença física e organizacional foi, por décadas, marcante na cidade. Segundo Silvia Petersen, a entidade tinha como perfil político-ideológico o socialismo, orientação confirmada pelas palavras de um dos seus fundadores, publicadas no jornal Echo Operário, de janeiro de 1898:“(...) esta associação é socialista em toda a sua lei, tem bandeira socialista e ninguém como ela tem no Brasil festejado o 1º de maio.” 8 No entanto, a sociedade abrigava ainda pensadores e correntes de outras orientações, conforme Schmidt, como anarquistas, mutualistas, e ainda outras pessoas que não eram propriamente militantes, mas apenas queriam usufruir os benefícios da associação, como escola, atividades recreativas e artísticas, montepios e outros. (SCHMIDT, 1999, p:153). Sua sede foi palco de conferências, palestras, comícios, assembléias e representações teatrais, espaços por onde os intelectuais, aqueles que pensavam o movimento operário, buscavam mobilizar seus companheiros, educá-los para a luta, conscientiza-los, chamar-lhes á ação. Houve no seio da Sociedade um constante embate ideológico, rico em diferentes pensamentos, o que demonstra a variedade de idéias que circulavam na cidade de Rio Grande durante a Primeira República. O conflito de idéias conflito no interior da União Operária era travado principalmente entre dois grupos: os socialistas, que eram a favor de uma ação política organizada, com a criação de um partido dos trabalhadores, e os que eram contra a “política” na organização. Tais conflitos demonstram a dificuldade de definição do perfil político ideológico da Sociedade, e segundo Schmidt, “talvez seja mais proveitoso considerá-la como um lócus de embates e alianças entre tendências variadas” (SCHMIDT, 1999:156). A política da Sociedade era congregar os operários pertencentes a todas as categorias da época, desde industriários, agricultores, artesãos, organizando as diversas classes profissionais. De acordo com Daniel Prado, a política central 8  Ibidem, p.152.


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da entidade era organizar a classe trabalhadora rio-grandina em sindicatos por categorias, atuando como uma central sindical local, apoiando tais sindicatos, sem, contudo intervir na sua administração. ( Cf. PRADO, 2001:88). A Sociedade esteve presente em greves, mobilizações de trabalhadores, bem como, em manifestações de cunho popular, como contra a carestia, o que a projetou como representante do conjunto da população. Loner destacou sua atuação nas campanhas contra o aumento do preço do pão, em 1897, e contra o aumento da carne verde, em 1898. Houve ainda outras lutas, como a construção dos molhes da barra de Rio Grande, na qual vários setores da sociedade rio-grandina se uniram, e os trabalhadores através da União Operária tiveram participação, liderando o processo que levou a abertura da barra de Rio Grande (Cf. LONER, 2004:128). Outro aspecto no qual a União Operária esboçava sua preocupação era quanto a formação cultural dos operários. Sendo assim, a União mantinha um jornal, uma biblioteca, 9 onde havia eleição para o cargo de bibliotecário, e ainda um Grêmio Lírico Dramático, onde os próprios trabalhadores encenavam peças teatrais. A entidade também mantinha desde 1895 uma escola para os filhos (as) dos operários, sendo que em 1903 haviam matriculados 100 alunos e 95 alunas (Cf. SCHMIDT, 1999:159). Segundo Schmidt, os Estatutos da Sociedade previam a fundação de “escolas industriais”, mas a única iniciativa de ensino profissionalizante encontrada foi um ateliê de costura para esposas e filhas de operários, ainda no final do século XIX. Ainda conforme discorreu o autor, apesar da iniciativa pioneira no estado de instrução dos trabalhadores promovida pelo movimento operário, as escolas da União mantinham em seu cotidiano práticas pedagógicas tradicionais, como o controle do tempo e a movimentação de alunos, além da separação entre meninos e meninas, prática que refletia a divisão social entre os sexos na época. Evidenciando mais uma vez que os homens são filhos de seu tempo. Apesar, disto, não se pode desconsiderar a importância desta iniciativa, que via na educação formal um caminho para a conscientização do operariado. Segundo Schmidt (...) é importante salientar a importância desta iniciativa, pioneira no estado, de instrução dos trabalhadores promovida pelo movimento operário, em um contexto no qual a educação era basicamente privada, religiosa e extremamente elitizada. (SCHMIDT, 1999:160).

Dessa forma, como espaço e campo de desenvolvimento intelectual, a União Operária atuou intensamente entre os operários, fornecendo educação e local de reflexão e questionamento da realidade na qual viviam. Dentro os seus dirigentes e sócios encontramos indivíduos que produziram reflexão intelectual e atuaram como guias do movimento. Entre esses vários intelectuais, sujeitos e agentes históricos, que atuaram e fizeram parte da trajetória desta entidade, serão aqui abordados brevemente a atuação de dois intelectuais que exerciam suas atividades no seio da União. Um dos mais destacados militante e intelectuais do movimento operário rio-grandino foi o português Antônio Guedes Coutinho. 10 Veio para o Brasil com 18 anos de idade desembarcou em Pelotas, iniciou sua formação doutrinária de cunho social-democrata, quando trabalhou como alfaiate e participou da criação do jornal O Operário, em 1892. Atuou ainda como professor das aulas proferidas na Liga Operária, onde também foi bibliotecário e secretário. Em 1893 mudou-se 9  O que restou do acervo da Biblioteca da Sociedade União Operária encontra-se hoje disponível no Centro de Documentação Histórica (CDH) da Universidade Federal do Rio Grande. 10  Para maiores informações sobre o personagem ver: Benito Bisso SCHMIDT. Uma reflexão sobre o gênero biográfico: a trajetória do militante socialista Antônio Guedes Coutinho na perspectiva de sua vida cotidiana (1868-1945). Porto Alegre, PPG em História da UFRGS, 1996 (dissertação de mestrado).


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para Rio Grande, onde inicialmente trabalhou como tecelão na Fábrica Rheingantz, exercendo mais tarde novamente o magistério e também o jornalismo. Dirigiu e escreveu por muitos anos o jornal Echo Operário, participou ainda de outros jornais, produziu contos e peças teatrais de cunho social. Foi um dos fundadores da União Operária, inclusive apresentando o projeto e o desenho da bandeira da entidade, a criação de uma cooperativa. Segundo Schmidt, a partir de sua inserção na União “sua trajetória pessoal confundiu-se com a da organização” (SCHMIDT, 1999:152). Coutinho empenhou-se pela divulgação do socialismo entre os operários, sendo sua obra Catecismo Socialista11, segundo Petersen, talvez a primeira obra socialista escrita no Rio Grande do Sul (PETERSEN, 2001:82). Lecionou também na escola da União Operária, onde ocupou diversos cargos, inclusive a presidência entre julho de 1909 e outubro de 1910. Defendia a criação de um partido político dos trabalhadores e a eleição de representantes socialistas para o parlamento, a fim de garantir os interesses da classe trabalhadora. Coutinho via a educação dos operários como uma missão política, que deveria ser usada como uma arma contra a exploração do capitalismo. Em sua já citada obra, Catecismo Socialista, recomendava a criação de escolas para os operários, “(...) onde possam educar-se livres dos preconceitos estúpidos e absurdos do respeito ao capital, preconizados tão habilmente nos livros adotados nas escolas públicas por ordem dos governos burgueses.” (Cf. SCHMIDT, 1996:159). Percebe-se a crítica do intelectual à sociedade burguesa, ainda em outras ocasiões, como quando escreveu no Echo Operário criticando a atitude de uma fábrica na cidade que proibira o ensino superior das quatros operações, leitura e escrita aos filhos dos operários. Para a classe dominante era interessante, que às classes trabalhadoras se fornecesse apenas o grau de instrução suficiente para executar o trabalho. Coutinho atuou de várias maneiras dentro do movimento operário, colaborando mesmo após sua vinda para Rio Grande com os periódicos operários de Pelotas, Democracia Social e O Rebate. Em Rio Grande colaborou com O Operário, e mais tarde além de redigir o Echo Operário (1896-1901), de sua propriedade, redigiu também O Proletário, da União Operária. Ainda colaborou com vários órgãos da imprensa local. Após um logo período de militância em Rio Grande, Coutinho transferiu-se para a cidade de Jaguarão(RS), em 1911, onde continuou sua atividade intelectual, sendo em 1915 eleito presidente da Sociedade União Operária de Jaguarão. Em 1940 retornou a Rio Grande, falecendo em 1945. Segundo Petersen, Coutinho professou um socialismo heterogêneo e difuso, mais tarde afirmando o fim do socialismo e encaminhando-se para o trabalhismo de Getúlio Vargas. (PETERSEN, 2001: 83). Como um ser humano em constante devir, Coutinho influenciou e foi influenciado pela sociedade de seu tempo. O segundo intelectual destacado neste artigo é uma mulher, Agostina Guizzardi. As mulheres foram presenças marcantes nas indústrias na República Velha, principalmente nas têxteis, onde chegavam a ser maioria. Segundo Isabel Aparecida Bilhão, o surgimento e a expansão de novas fábricas, principalmente têxteis e alimentícias, onde se concentrava maior mão-de-obra feminina, proporcionou às mulheres uma maior notoriedade nos espaços públicos e nos locais de trabalho, lugares ditos de homens. De acordo com Luiz Henrique Torres, a presença feminina no operariado rio-grandino é um fator relevante, por se tratar de uma época em que o espaço da mulher é a casa, e não a rua. Segundo o historiador “o espaço aberto ás mulheres nas atividades industriais antecipou em quase um século o quadro atual em que as mulheres dividem o mercado de trabalho com os homens” (Jornal Agora, 28 de abril de 2009). Ao analisarmos as atas e relatórios da Sociedade União Operária podemos 11  Segundo Schmidt a obra foi publicada como folhetim no Echo Operário em 1898.


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perceber um grande número de operárias e outras trabalhadoras que eram associadas á entidade, e algumas delas até mesmo atuavam no teatro, ou escreviam nos jornais, embora ainda encontrassem resistência por parte de alguns companheiros. Ao observar os jornais durante a República Velha pode-se perceber a atuação destas trabalhadoras também na militância e nos movimentos paredistas e de reivindicação. Percebe-se assim que as mulheres não estavam apenas nas fábricas e em outras atividades de trabalho,mas também atuantes dentro do movimento operário. Agostina Guizzardi foi uma intelectual militante e anarquista. Pouco se sabe sobre ela. No início do século XIX Agostina lecionava, proferia discursos, escrevia artigos, peças teatrais e poesias, e, segundo Loner, editou o jornal O Proletário de 1906. Era sócia da Sociedade União Operária e não excitava em criticar seus dirigentes quando não concordava com suas idéias e ações. Em uma ocasião em que fora comemorada uma solenidade em homenagem a um marinheiro português que estava na cidade, em janeiro de 1906, Agostina escreveu sob o título Na União Operária, uma crítica aos discursos proferidos por seus colegas na ocasião, pois segundo ela os dirigentes da entidade foram incoerentes, dando uma conotação patriótica ao evento, o que afrontaria a idéia de internacionalismo da luta operária. (SILVA, 1996: 169). As idéias de Agostina eram veicula das através do teatro operário. Escreveu a peça A Honra Proletária encenada no palco da União Operária na véspera do Natal de 1905, e em 1906 publicou Amor e Ouro, que teria sido encenado pela primeira vez em 1903 no Teatro Politheama Riograndense. No seu elenco encontrava-se o já citado intelectual, Antônio Guedes Coutinho. Embora peças que tenham como panos de fundo, amores impossíveis, moçoilas apaixonadas, o teor era de cunho social. A luta de classes era retratada a partir dos conflitos cotidianos vividos pelos operários. Segundo Maria Amélia da Silva, apesar da posição crítica e independente que adotava e das conseqüentes pressões que provavelmente sentia em um meio marcado pelo preconceito de seus pares do sexo masculino, a militante gozava de prestígio no movimento operário em Rio Grande. O jornal O Proletário noticiou a homenagem recebida por Agostina na União Operária após a encenação de um drama de sua autoria. No entanto, Agostina tinha consciência de sua situação limitante, em um espaço ainda pouco aberto ao trânsito livre e a voz ativa feminina: Sabemos perfeitamente que falamos no deserto, mas mesmo assim gritaremos cada vez mais, na esperança que no meio da aridez da consciência, ligada à mais imperdoável apatia, existe ainda algum oásis, verdejantes de dignidade no pleno sentido da palavra. Ás vezes, tanto se grita, até que alguém se acorda (O Proletário,Rio Grande, 28/01/1906). 12

A sua escrita sugere que Agostina não era uma exceção dentro do movimento operário, mas que outras mulheres também ousavam se posicionar, demonstrando, assim, que muitas eram as que não se conformavam com o papel socialmente estabelecido para elas, de vítimas do sistema, criaturas indefesas que precisavam que seus companheiros homens falassem por elas. Elas “gritavam”, falavam por si e militavam, atuando de maneira significante no movimento operário, embora as fontes documentais, e a própria historiografia por muito tempo, não lhes conferiram o lugar que merecem. No entanto, a partir dos silêncios também se reconstrói a História. Pouco se sabe sobre Agostina Guizzardi, não sendo possível fazer um relato maior de sua atuação intelectual na Sociedade União Operária. Segundo Loner, mais tarde ela imigrou para a Argentina, não havendo maiores informações. Após esta breve análise da atuação de dois intelectuais ligados a Sociedade União Operária nos primórdios da Primeira República, pode-se perceber a importante 12  Apud, Maria Amélia Gonçalves da SILVA. Rompendo o silêncio: a participação feminina no movimento operário de Rio Grande-Pelotas (1890-1930). In: Estudos Ibero-Americanos, XXII,dez. 1996,p. 170.


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participação da entidade enquanto articuladora do operariado rio-grandino, que por décadas organizou o movimento de trabalhadores em seu interior. Partindo dos exemplos citados aqui nota-se que a entidade sediou as mais variadas correntes ideológicas e lideranças, o que ocasionou até mesmo em seu interior muitos conflitos e cisões. A Sociedade União Operária pode, assim, ser considerada a sede da intelectualidade do movimento operário rio-grandino, sendo um local que propiciou a troca de idéias, de difusão e propagação destas, fomentando críticas ao sistema vigente e propostas de uma nova sociedade. Seus intelectuais atuaram dentro ou fora de seu espaço físico, fazendo como meios de difusão o teatro, o jornal, as palestras, as escolas. Veículos interligados ao poder político e social. Poder político este não necessariamente exercido pelas instituições governamentais, mas também, no sentido da capacidade de impor uma visão de mundo, persuadir, influenciar grupos, causando divisões sociais. Foi um espaço por onde circularam militantes que objetivavam instruir a classe operária, levá-la a mobilização e ação, orientar e direcionar o operariado na sua luta contra a exploração e a alienação por parte das classes dominantes, fossem estes militantes socialistas, como Coutinho, ou anarquistas, como Agostina, buscando a transformação da realidade social.

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