POR
FALAR
Edição nº1 | Ano 1 novembro de 2015
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NISSO VOCE VÊ. NÓS EXPLICAMOS.
REFUGIADOS Saiba quais os prós e contras defendidos.
PORTUGAL
POR
FALAR
NISSO VOCE VÊ. NÓS EXPLICAMOS.
EDIÇÃO E REDAÇÃO: Ana Dias Daniela Silva Marlene Pinto Vera Fontes
A ABRIR
edição nº1 | novembro de 2015
REFUGIADOS SOMOS NÓS! por Rodrigo Viana de Freitas Neste verão, quem escol"certezas absolutas" de que não heu as praias do Mediterrâneo para podemos ajudar. De que a Europa não umas semanas de sol e mar poder-se-á pode receber todos. De que o probleter deparado com embarcações, perma, em última instância, não é nosso, tences ou cadáveres de migrantes clanrepetindo chavões dos movimentos destinos a dar à costa. "São refugiados", xenófobos que ganham espaço e explica-se sucessivamente, enquanto margem de ação. Mais: ganham votos. se bebe mais um copo de margarita, Somos refugiados! Nós e toda a acompanhado de espetadas de fruta. Europa, que num momento central Do lado de dentro do bote, e na como este não consegue sequer uma passagem por um iate ou por um qualposição de União, remetendo para cada quer hotel de praia, uma criança síria país, para cada umbigo, a sua própria fará a mesma pergunta aos pais, a um solução. Uma Europa que apenas sabe tio ou a si própria, já que são muitas as governar um crescimento e que treme em mares revoltos. O problema está que viajam sozinhas e tantas as que desaparecem, raptadas, já longe de estar depois de serem registaresolvido. E enquan“...fomos nós que elegedas em solo europeu. A to o muro da Hungria resposta poderia muito mos e aplaudimos os vai crescendo, num bem ser igual: “São refu- que ajudaram a instalar investimento que giados”. E somos! Refugiadaria para a gestão o caos total e irreversível dos na nossa própria de um grande centro no Médio Oriente.” existência e num total de refugiados alheamento face a probdurente 10 anos, lemas humanitários como cada um de nós deve este. Refugiados nos pequenos infortúassumir o que pensa sobre o assunto. nios que nos "devassam", sem sequer Neste momento há crianças a morrer no tentarmos imaginar o horror de quem é mar, há filhos que perdem os pais, há obrigado a partir com filhos pequenos, famílias inteiras fechadas, sem ar, em em condições imorais. Refugiados na camiões clandestinos na beira da estrasensação de inocência e desresponsda. abilização, quando fomos nós que elegemos e aplaudimos os que ajudaram a instalar o caos total e irreversível no Médio Oriente. E refugiamo-nos nas
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SUMÁRIO
edição nº1 | novembro de 2015
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14 PERGUNTAS & RESPOSTAS Mas afinal, quem pode ser considerado refugiado? Quais são os direitos de um refugiado? Quem decide quem pode ser considerado refugiado? Saiba, aqui, quais as respostas.
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A ABRIR
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Curiosidades e muitas mais informações para estar a par de tudo.
“Refugiados somos nós!” por Rodrigo Viana de Freitas.
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TROCADO POR MIÚDOS A crise dos refugiados explicada: causas e consequências da tragédia.
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PRÓS & CONTRAS Saiba quais os argumentos utilizados a favor e contra a entrada de refugiados na Europa.
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+INFO
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OPINIÃO PÚBLICA A visão da população portuguesa.
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ÚLTIMAS Notícias de todo o mundo.
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CRÓNICA “A Europa ajuda quem quer” por Sara Fernandes.
TROCADO POR MIÚDOS
TROCADO POR MIÚDOS
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É impossível de fazer juz à complicada situação da Síria numa explicação tão breve, por isso, tenha em mente que isto é apenas uma apresentação simples do problema.
No VERÃO de 2015, a Europa presenciou o maior fluxo de refugiados desde a 2ª Guerra Mundial.
PORQUÊ?
A Síria tornou-se a maior fonte de refugiados do mundo. Localizada no Médio Oriente, uma antiga terra fértil que existe há, pelo menos, 10 mil anos. SÍRIA família Desde os anos 60, que a Al-Assad
governava o país com um regime semi-ditatorial, até
2011
Surge uma onda revolucionária de protestos e conflitos no mundo árabe que derrubou vários regimes autoritários.
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MAS
Os Assad recusaram-se a sair do poder e iniciaram uma guerra civil brutal. Diferentes etnias e grupos religiosos lutaram entre si em diversos conflitos temporários e, aproveitando esta situação, um grupo militar jihadista do Estado Islâmico juntou-se ao caos com o objetivo de formar um governo islâmico totalitário.
ESTE GRUPO tornou-se numa das mais violentas e bem sucedidas organizações extremistas do mundo. CRIMES DE GUERRA
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USO DE ARMAS QUÍMICAS
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EXECUÇÕES EM MASSA
+
TORTURA CIVIL
Confinaram a população Síria entre o regime, os grupos de rebeldes e os religiosos extremistas.
1/3 dos SÍRIOS
4 milhões de SÍRIOS
foram deslocados para outros locais da Síria.
fugiram do país.
Maioria reside em refúgios nos países vizinhos, como o Iraque, Egipto ou Turquia, que abrigam cerca de 95% dos refugiados.
A ONU e o PROGRAMA ALIMENTAR MUNDIAL não estavam preparados para uma crise de refugiados a esta escala e como consequência, muitos abrigos para refugiados estão lotados e sem suplementos, sujeitando pessoas ao frio, à fome e a doenças.
Os sírios perderam a esperança de que a sua situação melhorasse rapidamente, por isso vários decidiram procurar asilo na Europa.
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SEGUNDO A LEI EUROPEIA O refugiado tem que permanecer no país onde chegou primeiro, o que coloca uma enorme pressão nos países-fronteira, que já estão com problemas. COMO A GRÉCIA que está no meio de uma crise económica na escala da Grande Depressão e não teve a capacidade de abrigar tantas pessoas de uma vez, causando casos terríveis de pessoas em desespero e famintas nas ilhas, que geralmente são usadas e visitadas por turistas. O mundo precisa de se unir e agir como um só, mas, em vez disso, este tornou-se ainda mais dividido. Muitos países recusaram-se completamente a abrigar qualquer refugiado, deixando os países da fronteira sozinhos nesse sufoco. O Reino Unido sugeriu cancelar uma grande operação de busca chamada Mare Nostrum que tinha o objetivo de impedir que os imigrantes se afogassem no Mediterrâneo. A ideia disso seria que um maior número de baixas no mar significasse menos refugiados tentados a entrar no continente. Mas, obviamente, isso não foi o que aconteceu. A maneira como a crise era vista ao redor do mundo mudou, de repente, quando fotos do corpo de uma criança da Síria, encontrado numa praia da Turquia, começaram a circular.
ALEMANHA Anunciou que, sem exceção, aceitaria todos os refugiados sírios, e agora está a preparar-se para receber 800.000 pessoas até ao fim de 2015, mais do que a União Europeia inteira recebeu em 2014. Isto apenas para impor um controle temporário da fronteira alguns dias depois e requisitar uma solução ampla do bloco económico.
ALEMANHA 2015 EUROPA 2014
800 mil 10 | novembro de 2015
626 mil
DONATIVO
DONATIVO
DONATIVO
Ao longo de todo o Ocidente, cada vez mais pessoas começaram a tomar atitudes, apesar de o suporte aos imigrantes tenha sido feito, na maioria dos casos, por cidadãos e não por políticos.
MAS
HÁ RECEIOS QUE AMENDRONTAM O MUNDO OCIDENTAL.
ESTADO ISLÂMICO
TAXAS DE NATALIDADE
COLAPSO DOS SISTEMAS SOCIAIS
CRIMINALIDADE
ESTADO ISLÂMICO Mesmo que o continente europeu aceite todos os quatros milhões de sírios refugiados e 100% deles sejam muçulmanos, a percentagem de muçulmanos na Europa iria subir apenas 4% para 5%. Isso não é uma mudança drástica e com certeza não iria torná-la muçulmana. Uma minoria muçulmana não seria uma razão para temer.
TAXAS DE NATALIDADE As taxas de natalidade em muitas partes do Ocidente são baixas, então alguns temem que os imigrantes possam substituir população nativa em algumas décadas. Estudos demonstram que mesmo que as taxas de natalidade sejam mais elevadas entre os muçulmanos na Europa, elas caem e ajustam-se aos padrões de vida e crescimento nos níveis educacionais. A maioria dos imigrantes sírios já são educadas, as taxas de natalidade na Síria, antes da guerra civil, não eram muito altas e a população na realidade estava a reduzir, e não a crescer.
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COLAPSO DOS SISTEMAS SOCIAIS Quando os permitem trabalhar, eles tendem a iniciar negócios e integrarem-se no mercado de trabalho o mais rápido possível, contribuindo mais para o sistema do que o que ele consegue extrair deles. Sírios vindos para o Ocidente são profissionais em potencial, o que é urgentemente necessário para sustentar a população idosa do continente.
CRIMINALIDADE O medo dos refugiados levarem as maiores taxas de criminalidade também é equivocado. É menos provável que os refugiados que se tornam imigrantes cometam crimes do que a própria população.
PARA ALÉM DISSO refugiados que viajam com smartphones provocam o equívoco de que eles não estão, realmente, a necessitar de ajuda. Os media e a internet tornaram-se um parte vital de ser um refugiado. O GPS é usado para navegar por toda a Europa; Grupos do Facebook dão dicas e informações sobre obstáculos em tempo real. Isso apenas prova que eles são pessoas como nós. SE VOCÊ TIVESSE UMA JORNADA PERIGOSA PARA REALIZAR, DEIXARIA O SEU TELEFONE PARA TRÁS? A UNIÃO EUROPEIA
é o conjunto de economias mais abastado da terra. ESTADOS BEM ORGANIZADOS COM SISTEMAS FUNCIONAIS
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+ INFRAESTRUTURAS
DEMOCRACIAS
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GRANDES INDÚSTRIAS
A UE PODE SUPORTAR O DESAFIO DE UMA CRISE DE REFUGIDOS, SE QUISER. O MESMO PODE SER DITO DO MUNDO OCIDENTAL INTEIRO.
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NO GERAL
AS COISAS ESTÃO A MELHORAR LENTAMENTE, MAS NÃO TÃO RÁPIDO O SUFICIENTE.
Nós estamos a escrever a história deste momento. Como queremos ser lembrados mais tarde? Como fracos xenofóbicos ricos atrás de cercas?
NÓS TEMOS QUE PERCEBER QUE ESTAS PESSOAS ESTÃO A FUGIR DA MORTE E DA DESTRUIÇÃO E QUE NÃO SÃO DIFERENTES DE NÓS.
Ao aceitarmos que eles entrem nos nossos países e se integrem nas nossas sociedades nós temos muito a ganhar. Existe apenas uma coisa que será perdida se ignorarmos esta crise – mais crianças irão aparecer mortas nas praias se não agirmos com humanidade e razão. Vamos fazer o melhor e tentar o melhor que podemos ser.
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PERGUNTAS & RESPOSTAS
PERGUNTAS & RESPOSTAS
edição nº1 | novembro de 2015
QUEM PODE SER CONSIDERADO REFUGIADO? De acordo com a Convenção de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados (de 1951), são refugiados as pessoas que se encontram fora do seu país por causa de fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, opinião política ou participação em grupos sociais, e que não possa (ou não queira) voltar para casa. Posteriormente, definições mais amplas passaram a considerar como refugiados as pessoas obrigadas a deixar seu país devido a conflitos armados, violência generalizada e violação massiva dos direitos humanos.
QUAIS SÃO OS DIREITOS DE UM REFUGIADO? Um refugiado tem direito a um asilo seguro. Contudo, a proteção internacional abrange mais do que a segurança física. Os refugiados devem usufruir, pelo menos, dos mesmos direitos e da mesma assistência básica que qualquer outro estrangeiro residindo legalmente no país, incluindo direitos fundamentais que são inerentes a todos os indivíduos. Portanto, os refugiados gozam dos direitos civis básicos, incluindo a liberdade de pensamento, a liberdade de deslocamento e a não sujeição à tortura e a tratamentos degradantes. De igual modo, os direitos econômicos e sociais que se aplicam aos refugiados são os mesmos que se aplicam a outros indivíduos. Todos os refugiados devem ter acesso à assistência médica. Todos os refugiados adultos devem ter direito a trabalhar. Nenhuma criança refugiada deve ser privada de escolaridade.
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OS SOLICITANTES DE REFÚGIO PODEM SER DETIDOS? Em princípio, solicitantes de refúgio não devem ser detidos. Entretanto, qualquer estrangeiro que entre de maneira irregular (ou com documentos falsos) em outro país poderá ser detido.
É O ACNUR (ALTO COMISSÁRIO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA REFUGIADOS) QUE EFETIVAMENTE DECIDE QUEM É UM REFUGIADO? OU ESTA É UMA DECISÃO DOS PAÍSES? Uma pessoa é um refugiado independentemente de já lhe ter sido ou não reconhecido esse estatuto por meio de um processo legal de elegibilidade. Os governos estabelecem procedimentos de determinação do estatuto, com o propósito de estabelecer a situação jurídica daquela pessoa e/ou os seus direitos e benefícios, de acordo com o seu sistema legal. O ACNUR presta consultoria, como parte do seu mandato, no desenvolvimento do direito relativo aos refugiados, na proteção aos refugiados e na supervisão da implementação da Convenção de 1951. O ACNUR defende a adoção, pelos governos, de um processo justo e eficiente de acesso a esses direitos.
TODOS OS REFUGIADOS DEVEM SER SUBMETIDOS A UMA DETERMINAÇÃO INDIVIDUAL DO ESTATUTO DE REFUGIADO? Em termos gerais, a pessoa que solicita o estatuto de refugiado têm de estabelecer individualmente que seu temor de perseguição está bem fundado. Contudo, houve vários casos de êxodos repentinos e em massa, resultantes de campanhas de limpeza étnica ou de outros ataques abrangendo grupos inteiros. A necessidade de proporcionar assistência é, por vezes, extremamente urgente e, por razões puramente práticas, pode não ser possível efetuar determinações individuais do estatuto. Poderá ser conveniente declarar "uma determinação coletiva do estatuto", nomeadamente quando grande parte dos membros de um mesmo grupo fogem por razões similares. Dessa forma, cada membro do grupo é, na falta de prova em contrário, considerado refugiado.
UM CRIMINOSO PODE SER CONSIDERADO REFUGIADO? Qualquer pessoa que, após um julgamento justo, é condenada devido a um crime de direito comum e foge do seu país para escapar da prisão não será reconhecida como refugiada. Mas pessoas condenadas por qualquer crime devido ao seu ativismo político – ou por razões éticas, raciais ou religiosas – podem ser consideradas refugiadas.
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SOCIEDADE
SOCIEDADE
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RAZÕES PARA NÃO ACOLHERMOS REFUGIADOS
DO BLOGUE “POR FALAR NOUTRA COISA” DE GUILHERME DUARTE “O debate sobre se Portugal deve ou não acolher refugiados sírios tem incendiado as redes sociais. Como eu gosto de ser um bom comburente também vou dar a minha opinião sobre o assunto. Vamos lá então ver os dez motivos que devem levar Portugal a recusar-se a receber refugiados sírios, esses patifes!”
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“ELES VÊM PARA CÁ E NÃO RESPEITAM AS NOSSAS REGRAS!”
Este argumento é colocado nos comentários do Facebook por alguém que o escreveu no seu smartphone enquanto conduzia. Depois, toldado pela raiva, passou dois vermelhos, atropelou uma velha e fez um manguito ao ultrapassar uma criança paraplégica. De repente, o português começou a dar muitíssimo valor às regras do seu país. Os portugueses adoram regras, toda a gente sabe disso e ai de quem venha para cá quebrá-las! O crime e a falta de civismo é propriedade intelectual dos portugueses e até temos patentes e tudo. Basta ver as estatísticas e perceber que a grande maioria dos muçulmanos, especialmente os que vivem no ocidente, é cumpridora e contribui para a boa cidadania.
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Basta ver os países com uma comunidade muçulmana enorme e que não é por causa deles que as coisas correm mal ou que estão piores do que Portugal. Têm as pancadas deles, claro, como nós também temos pessoas que escrevem livros com as conversas que tiveram com Jesus Cristo. Há malucos em todo o lado. A única coisa em que concordo é que entrar num banco ou bomba de gasolina, mascarado de ninja com uma burka, não devia ser permitido. Quero igualdade para todos e se eu não posso andar nu a passear o São Bernardo no metro, não quero cá mulheres tapadas da cabeça aos pés no meu pais. Já nos basta o falso puritanismo tão tipicamente lusitano.
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“ELES ESTÃO A RECUSAR COMIDA!”
Argumentam muitas pessoas que acreditam nas publicações do Correio da Manhã e nas partilhas feitas no Facebook daqueles sites "www.somosbuecrediveis.todaaverdade.a.serio.com.br". São pessoas que após lerem as gordas de uma notícia não se dão ao trabalho de pesquisar um pouco e tentar perceber se é verdade, ou qual a razão que levou a isso. Estou a falar de várias notícias falsas que circulam nas redes sociais como aquela que mostra um vídeo onde os refugiados parecem estar a rejeitar comida. Os conspiracionistas do Facebook apressaram-se a concluir que era porque vinham em pacotes da Cruz Vermelha e que, por isso, os fazia lembrar Deus Nosso Senhor dos Católicos.
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Se pesquisarem um bocadinho vão descobrir o que realmente aconteceu: ao que parece, os refugiados estavam na fronteira entre a Macedónia e a Grécia, há três dias, no meio do nada e à chuva. Queriam passar, foram mal recebidos e maltratados, e decidiram fazer greve de fome para tentar acelerar o processo. Simples, não é? Mas mesmo que tivessem recusado por causa disso, era só uma minoria de palermas ali no meio de tanta gente desesperada. Se eu estivesse lá e me trouxessem uma caixinha com sushi, eu também os mandava ir dar uma volta e recusava.
“ELES SÓ QUEREM IR PARA OS PAÍSES RICOS!”
Comenta um símio com acesso à Internet enquanto recusa um convite para ir a um restaurante de sushi abaixo da qualidade a que ele está habituado. Os portugueses já tiveram várias vagas de emigração em busca de uma vida melhor, de mais trabalho e melhores condições para os seus filhos. Embora seja diferente, já que estes estão a fugir da guerra, acho que é fácil de perceber que eles, já que tiveram de desertar do seu país, queiram ir para onde lhes seja garantida uma melhor qualidade de vida e oportunidades. Quando se é recebido com gás pimenta e lacrimogéneo e com balas de borracha na Macedónia,
por exemplo, e se é tratado como gado idoso na Hungria, se calhar fica-se desconfiado e prefere-se continuar a jornada até um país que sabem que não lhes fará isso. Quem usa este argumento são aquelas pessoas que fizeram birra quando os pais alugaram uma casa de férias sem piscina. São pessoas que acampam à espera do novo iPhone, para poderem continuar a debitar palermices no Facebook, mas com uma resolução melhor.
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“PRIMEIRO ESTÃO OS NOSSOS SEM-ABRIGO!”
Fico muito contente em ver a preocupação com uma causa que me é muito querida. Os portugueses, afinal, preocupam-se imenso com quem tem o céu como tecto. Há esperança para Portugal! Com esta onda de solidariedade, espero que para a semana que vem nunca mais ver pessoas a dormir na rua. É bonito ver o PNR a fazer campanha com isso e a querer ajudar quem tanto precisa. Desde que não sejam "pretos", nem "maricas", claro. Nesse caso nem são dignos das pedras da calçada! Só se lhes forem atiradas à cabeça, obvia-
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mente. Sim, devemos ajudar os nosso sem-abrigo e quem passa dificuldades em Portugal, mas isso não implica que não se abram as portas a quem vem a fugir de uma guerra. Se metade das vozes que surgem com este argumento fizesse alguma coisa para ajudar, garanto-vos que não havia um único sem-abrigo nas ruas portuguesas. Esta alegação é como dizer «As andorinhas que migram para Portugal e fazem ninho na altura da Primavera estão a roubar os telhados que deviam ser dos nossos pintassilgos! Além disso cagam-me o carro todo! PS: Nada contra as andorinhas. Não sou racista!».
“SE SÃO REFUGIADOS, PORQUE É QUE A MAIORIA SÃO HOMENS?”
Onde estão as mulheres e as crianças, para além daquela que deu à costa? Onde andam eles? Qualquer pessoa inteligente perceberá que em todas as vagas de migração primeiro vão os homens e, só depois, as mulheres e as crianças. Os homens vão em busca de um local melhor e de condições para depois poderem trazer a família sem a ter de a sujeitar a uma viagem que poderá
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ter como destino a morte. Eu percebo que fosse muito mais interessante ver desembarcar nas praias portuguesas botes cheios de ginastas suecas e contorcionistas búlgaras, mas é o que há meus amigos. Não sejam esquisitos quanto à raça, género e religião de quem precisa de auxílio. Vejam o lado bom, para crianças ranhosas cujos pais não as souberam educar, já bastam as nossas.
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"EU NÃO SOU RACISTA, MAS... OS MUÇULMANOS SÃO TODOS TERRORISTAS É SÃO BICHOS NOS QUAIS NÃO PODEMOS CONFIAR!"
Concordo. Os muçulmanos são pessoas de merda. Mas os católicos também. E os ateus idem. No geral, as pessoas são uma merda. Aliás, é por isso que os migrantes em vez de se juntarem à jihad, ao lado do Estado Islâmico, preferem arriscar a vida para chegar a um país seguro e ainda livre da guerra santa. Sim, hoje há mais ataques terroristas perpetrados por alguém em nome de Alá do que em nome de Cristo. Cometem-se atrocidades em nome da religião, seja ela qual for, e sim, há muitos países que são estados religiosos islâmicos que cometem crimes contra a humanidade.
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A Arábia Saudita é um deles, mas como é aliado e tem petróleo do bom, ninguém faz nada. Também se mutilam mulheres, genitalmente, em países maioritariamente cristãos. Aliás, o Islão só está atrasado em relação às cruzadas e à Inquisição, não são piores, chegaram foi mais tarde à festa. É óbvio que a esmagadora maioria dos muçulmanos é pacífica. Infelizmente, há radicais que lhes dão mau nome. Radicais esses tão perigosos como quaisquer outros, seja qual for o credo ou clube de futebol.
"É UM CAVALO DE TRÓIA DO ESTADO ISLÂMICO!"
Diz alguém, utilizando a expressão «cavalo de Tróia» que aprendeu apenas ao ver o filme com o Brad Pitt. Os jihadistas que enfaixaram aviões contras as torres gémeas não precisaram de uma estratégia tão elaborada, nem de vir num bote mata-vidas a arriscar a sua, para fazer estragos contra os infiéis ocidentais. Nem os do Charlie Hebdo. Nem os do metro de Londres. Nem os do metro de Madrid. Nem os da Dinamarca. Acho que é fácil perceber que eles, se quiserem muito, arranjam maneira de chegar cá, até porque é fácil entrar na Europa pela Turquia e depois passar para o
espaço Schengen. Claro que é possível que lá no meio das centenas de milhares de refugiados venha um ou outro mais avariado da cabeça, mas isso há em todo o lado. Por esse prisma não se ajuda ninguém, já que há sempre um sem-abrigo que vai gastar tudo em vinho em vez de endireitar a vida. A Síria está como está porque está a combater o Estado Islâmico, em vez de lhes dar via verde para que passem e cheguem mais perto de nós.
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“OS PAÍSES ÁRABES QUE FIQUEM COM ELES!”
Sim, porque o Médio Oriente é a zona mais estável do mundo para onde toda a gente quer ir morar. Não há nenhum risco de a guerra se espalhar para os países vizinhos, que parvoíce. Nem há países árabes cujos governos financiam o Estado Islâmico e outros movimentos jihadistas... que ideia parva! Eu nem sei se os países árabes e civilizados (Que choque! Há disso?), estão a disponibilizar algum tipo de ajuda, mas mesmo que não, a obrigação de ajudar não é de ninguém, é de todos. Se os outros não ajudam, mais uma razão para sermos nós. Se vamos por essa ordem de ideias, quem os devia acolher eram
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os Estados Unidos da América, o maior causador da instabilidade naquela zona e que fecharam os olhos aos crimes horrendos que se iam fazendo na Síria. Fosse uma posição geográfica estratégica ou estivesse apinhada de petróleo, que tinham ido logo lá espalhar a democracia com os seus tanques e F-16s. «Portugal é o país que melhor sabe receber. É o país mais hospitaleiro.» ouve-se amiúde. Sim, mas desde que sejam estrangeiros brancos e com dinheiro e boas gorjetas para dar.
“QUEM QUER AJUDAR QUE LHES DÊ UMA CASA!”
Eu cá não quero sírios em minha casa. Nem pretos. Nem ciganos. Nem brancos, portugueses ou estrangeiros. Não quero ninguém na minha casa porque sou um homem que não gosta de pessoas no geral nem de ter estranhos a invadir-me a privacidade. Não quero ninguém em minha casa mas posso ser a favor que se criem locais e estruturas para ajudar quem precisa, ou não? Não me importo que os meus impostos (e as ajudas externas) sejam utilizados para garantir a segurança e o bem-estar de quem foge da guerra. Quem usa este
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argumento é quem diz «Acho muito bem que mandem aquilo abaixo e os realojem, desde que não seja num raio de 20km da minha casa.» Ainda assim, mais depressa tinha uma família de sírios com dez crianças a morar na minha dispensa e a comer-me as latas de atum, do que alguém que acha que se devem fechar fronteiras e deixar as pessoas à mercê do destino de que não tiveram culpa. Não sei se é por morar onde moro, mas até acho que uns sírios iam melhorar a minha vizinhança.
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“PORQUE NÃO ME IMPORTO COM O SOFRIMENTO DELES!”
Ora aqui está um excelente argumento e talvez o único que faz real sentido. A única razão para não se querer acolher refugiados é a falta de empatia pelo sofrimento alheio. É não estar disposto ao risco mínimo que é ter por cá uns poucos milhares de pessoas a fugir da guerra, por se valorizar muito mais a comodidade e a segurança pessoal. Eu percebo este argumento, eu também não como uma feijoada com a lágrima no olho por saber que há crianças a morrer à fome todos os dias.
Admitam. Não vos interessa se eles morrem ou não, mesmo que tenham partilhado a foto da criança morta na praia, acompanhada de uma citação de um site brasileiro. Admitam que são um bocadinho racistas, xenófobos e que não gostam de muçulmanos. Admitam e deixem de ser hipócritas.
Até consigo perceber a razão de alguns destes argumentos e acho que se deve debater o assunto com inteligência e acautelar o futuro. Não acho que quem está contra que se acolham refugiados sejam tudo más pessoas. Algumas são só burras e desinformadas. Mesmo acreditando que alguns destes argumentos são válidos, é fácil colocá-los no prato de uma balança e ver que ela pende para o outro lado. Não está em causa ajudar refugiados sírios. Está em causa ajudar seres humanos. A maioria sem culpa nenhuma pelo que está a passar e que só teve o azar de nascer no lugar errado à hora errada. Não é Portugal, Espanha ou a Micronésia que devem ajudar. É o mundo que se tem que ajudar a ele próprio para que ainda haja alguma esperança desta merda não ir toda ao ar. Se calhar, mas só se calhar, talvez se evite violência a longo prazo ajudando quem precisa e não ostracizando e recusando-lhes condições para terem uma vida decente. Talvez haja mais terrorismo no futuro contra quem não os quis acolher, do que contra quem lhes deu a mão na hora de maior aperto. Digo eu. Não sei. As pessoas são um bocado mal agradecidas, é um facto. Por fim, queria só descansar-vos e dizer-vos para se preocuparem muito, já que os sírios que acolhermos vão-se embora mal percebam a quantidade e gente hipócrita, sem compaixão e falsa moralista que há neste país
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+INFO
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edição nº1 | novembro de 2015
COMO AJUDAR FAZER DOAÇÕES E VOLUNTARIADO Pode fazer a sua doação online na página do Fundo das Nações Unidas para a Infância. Pode ainda doar através de Multibanco: NIB: 0033 0000 0000 3196 2082 8 IBAN: PT50 0033 0000 0000 3196 2082 8 Pode também enviar o donativo por cheque para a morada: Comité Português para a UNICEF Av. António Augusto Aguiar, 21-3E 1069-115 Lisboa
A ACNUR, ou Agência das Nações Unidas para os Refugiados, dispõe de uma aplicação online para donativos monetários. São valores fixes de 5, 10 e 20 dólares. Contudo pode doar mais ou menos consoante entender. Esta acção tem também o apoio do CPR – Conselho Português para os Refugiados.
Esta instituição dispõe de 2 diferentes formas para fazer donativos: Transferência Bancária: NIB – 0036 0071 99100093831 32 Serviço Jesuíta aos Refugiados
Cheque por CTT ou entrega pessoalmente: Rua Rogério de Moura, Lote 59 Alto do Lumiar, 1750-342 Lisboa
A Amazon dispõe de uma lista de produtos que pode adquirir online para os refugiados. Após as compras, os produtos serão enviados, a 17 de Setembro, para Calais e para a Grécia. Da lista constam produtos como enlatados, kits de primeiros socorros, dicionários de inglês, tendas, lanternas, etc.
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ACOMPANHE A JORNADA SITE MOSTRA FLUXO DE REFUGIADOS EM TEMPO REAL
No site é possível perceber a origem dos vários migrantes e refugiados, assim como o número de mortos ou desaparecidos na travessia do mediterrâneo.
missingmigrants.iom.int/en/europe-migration-emergency
NO INSTAGRAM Acompanhe fotógrafos que registam os refugiados a caminho da Europa e em campos de refúgio.
www.instagram.com/mmuheisen/
www.instagram.com/ivorprickett/
SABIA QUE... Três jovens holandeses decidiram criar uma plataforma online onde é possível colocar anúncios e oferecer espaços que as pessoas tenham disponíveis para alojar refugiados. www.refugeehero.com
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OPINIÃO PÚBLICA
edição nº1 | novembro de 2015
30 | novembro de 2015
ÚLTIMAS
edição nº1 | novembro de 2015
2/11/2015
PORTUGAL RECEBE ESTA SEMANA 45 REFUGIADOS Chegam a Portugal com o estatuto de refugiados reinstalados. Vão viver em Penela e na área de Lisboa. Os 45 refugiados que estão no Egipto chegam a Portugal na próxima semana no âmbito da quota anual entre Portugal e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), não fazendo parte dos 4.500 definidos pela Comissão Europeia. Numa nota enviada à agência Lusa, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) explica que a chegada dos "refugiados vindos do Egito decorre no âmbito de um processo diferente, denominado de reinstalação e constitui a quota que o ACNUR atribuiu a Portugal em 2014, não tendo qualquer relação com o processo de recolocação dos 4.500 requerentes de proteção internacional, conforme decisão da União Europeia". O SEF adianta que os 45 refugiados deviam ter chegado a Portugal em Setembro, mas "uma situação burocrática no Egipto" impediu a saída do grupo do campo de refugiados do Cairo, tendo aquele serviço de segurança recebido indicação do ACNUR que "a situação está ultrapassada e será expectável" que cheguem ao país do início de Novembro. 3/11/2015
VILA SEM INFRAESTRUTURAS TORNA-SE CASA PARA 750 REFUGIADOS Sumte é uma pequena vila agrícola alemã, com 102 habitantes, sem escolas, polícia, bombeiros ou transportes públicos. Contudo, esta segunda-feira, viu a sua população a crescer 700%. Para tentar alojar os milhares de refugiados que chegam à Alemanha, o governo está a tomar algumas decisões controversas. Entre elas, a de alojar 750 refugiados numa pequena vila, sem quaisquer infraestruturas. Mas, ao que tudo indica, podem ainda chegar mais pessoas nas próximas semanas. O número de refugiados pode vir a ser 10 vez maior do que o de habitantes naturais de Sumte. De acordo com o New York Times, Christian Fabel, o presidente da vila, afirmou que recebeu um e-mail, que viu como uma “piada”, a confirmar a chegada de 1.000 refugiados a Sumte: “Certamente não pode ser verdade. Temos zero infraestruturas aqui. Os transportes públicos mal existem”.
novembro de 2015 | 29
CRÓNICA
edição nº1 | novembro de 2015
A EUROPA AJUDA QUEM QUER por Sara Fernandes
O drama dos refugiados não é de ontem nem deste século. Mesmo assim, é de bradar aos céus a inércia europeia, a inércia global, face a uma situação extrema onde o desespero faz com que mães e pais se façam ao mar com os seus filhos. Apenas uma situação de morte certa faria mães e pais arriscar um trajeto de morte iminente pela salvação dos seus filhos. Multiplicam-se as notícias de vidas perdidas no Mediterrâneo, mas ainda que o trajeto seja bem-sucedido, as garantias de chegada à “terra de leite e de mel” dos tempos modernos não está garantida, pois os governos não facilitam nem a vida aos seus cidadãos, quanto mais aos refugiados. Diariamente, nascem leis e decretos em tudo iguais a cercados de arame farpado que fecham as portas a quem já passou por muito para ali chegar. Revolta-me que a tragédia fora da Europa ainda seja tão irrelevante para um continente que se comove com atentados em capitais europeias e que todos os dias deita confortavelmente a sua cabeça num travesseiro burocrático que impede que quem pede a nossa ajuda consiga ser ajudado. A Europa não ajuda quem pode, mas quem quer. Neste momento existe a ausência de respostas que dariam à Europa a hipótese perfeita de se redimir das suas vergonhas passadas. Apesar de tudo, todos os dias surgem almas nobres (ou serão apenas seres humanos conscientes?) que juntam esforços e honram o ideal europeu (ou humano?), para que se consiga, ao mesmo tempo, o acolhimento dos refugiados e a resolução definitiva do conflito.
30 | novembro de 2015
Agora, a questão é: como se resolve um conflito em que uma das partes não está minimamente interessada em resolvê-lo? E a nós, a Europa da cultura, da História, da Paz, quem nos salvou? Quem acolheu os nossos refugiados de guerra? Quem interveio no nosso conflito que rapidamente se tornou mundial? Poderão não ter sido os Sírios mas, na altura, soube bem, não soube? À luz da tragédia que todos os dias nos entra pelos olhos, apenas queria que a minha Europa voltasse a ser um exemplo de boa governação, convergência de ideais e união do todo pelo singular e não apenas uma imensa jangada de pedra, cada vez mais à deriva, refugiando-se dos refugiados.
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