ENTREVISTA Emir Sader analisa o atual momento da América Latina
C L A S S I S T A Nº 1 - Março de 2010
Láldert Castello Branco
Revista da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil
DECISÃO HISTÓRICA Centrais se unem para a Conferência Nacional da Classe Trabalhadora
AGRICULTURA Os avanços do PADRSS e a ação sindical da Contag
REDUÇÃO DA JORNADA
Pressão pelas 40 horas se intensifica
ÍNDICE Visão Classista é uma revista trimestral, publicada pela CTB – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil. DIREÇÃO EXECUTIVA Presidente Wagner Gomes Vice-presidentes David Wylkerson de Souza Nivaldo Santana Vicente Selistre Márcia Almeida Machado Secretário-geral Pascoal Carneiro Secretário-geral adjunto Salaciel Fabrício Vilela Secretário de finanças Vilson Luiz da Silva Secretária de finanças adjunta Gilda Almeida Secretária de formação e cultura Celina Areas Secretário de política sindical e relações institucionais Joílson Antonio Cardoso Secretário de políticas sociais Carlos Rogério Nunes Secretário de relações internacionais Severino Almeida Secretário de relações internacionais adjunto João Batista Lemos Secretária da mulher trabalhadora Dilce Abigail Pereira Secretário da juventude trabalhadora Paulo Vinicius Santos da Silva Secretária de promoção da igualdade racial Valmira Luzia da Silva Secretária de meio ambiente Maria do Socorro Nascimento Barbosa Secretário de saúde e segurança do trabalho Elias Bernardino Secretária de política agrícola e agrária Sérgio Miranda Secretária de previdência e aposentados Hildinete Pinheiro Rocha Secretários de serviços públicos e do trabalhador público Fátima dos Reis e João Paulo Ribeiro REDAÇÃO Secretário de Imprensa e Comunicação Eduardo Navarro Equipe Ana Paula Carrion, Cinthia Ribas, Fábio Ramalho, Fernando Damasceno, Láldert Castello Branco e Umberto Martins. Diagramação e projeto gráfico Caco Bisol Ilustração Vicente Mendonça Impressão Editora Parma Tiragem 10.000 exemplares
NO RUMO DA NOVA CONCLAT Em decisão histórica, centrais sindicais apostam na unidade para realizar a Conferência Nacional da Classe Trabalhadora PÁGINA 4
AGRICULTURA
O PADRSS e do papel da Contag no fortalecimento da ação sindical no campo PÁGINA 12
ENTREVISTA EMIR SADER Sociólogo vê a integração regional como melhor caminho para a América Latina PÁGINA 16
INTERNACIONAL
Como os EUA transformaram a tragédia do Haiti em ação militar para ocupar o país PÁGINA 21
REFLEXOS DA CRISE
Falta de planejamento adequado impede grandes avanços na área de habitação PÁGINA 34
8 DE MARÇO
Os 100 anos do Dia Internacional da Mulher e a luta da CTB por mais avanços PÁGINA 36
AGENDA SINDICAL
As principais atividades do mundo sindical entre os meses de março e junho PÁGINA 40
ARTIGOS CONJUNTURA SINDICAL Wagner Gomes PÁGINA 11
Fracasso do neoliberalismo desperta necessidade de nova ordem mundial
MUNDO DO TRABALHO Marcio Pochmann
PÁGINA 25
DIREITO DO TRABALHADOR Mara Loguercio
PÁGINA 20
PÁGINA 24
COMUNICAÇÃO Altamiro Borges PÁGINA 29
SAÚDE DO TRABALHADOR José Barberino PÁGINA 33
REDUÇÃO DA JORNADA
Av. da Liberdade, 113 – 4º andar. Liberdade, São Paulo (SP) CEP 01503-000 Fone (11) 3106-0700 E-mail: imprensa@portalctb.org.br
URBANIZAÇÃO
MUNDO DA FORMAÇÃO Augusto Petta
Sindicalismo brasileiro se mobiliza para mudar as leis trabalhistas ainda em 2010
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CULTURA André Cintra
EDITORIAL EDUARDO NAVARRO |
Secretário de Imprensa e Comunicação da CTB
Um novo desafio movimento sindical nacional e internacional está passando por um processo de reorganização após o furacão neoliberal perpetrado por governos de centro ou de direita. Durante esse período, a maioria das centrais sindicais reorientou suas ações para uma postura defensiva ou passiva diante da avalanche demolidora dos marcos legais das relações trabalhistas. Direitos foram liquidados, outros foram flexibilizados, o trabalho precário se estabeleceu como rotina. Correntes mais consequentes mantiveram uma atitude de resistência e combatividade. Essa ação mais resoluta possibilitou a tais correntes buscarem construir alternativas no movimento sindical que elevassem o protagonismo da classe trabalhadora no que se refere à defesa de seus interesses. A constituição da CTB, no plano
nacional, e a reorganização da Federação Sindical Mundial (FSM), no plano internacional, respondem a essas exigências de renovação das forças populares no cenário sindical, já que no cenário político podemos comprovar uma profunda renovação nos governos da América Latina. Portanto, frente a esses desafios, a CTB abraça como sua principal tarefa colocar a centralidade dos trabalhadores e trabalhadoras na defesa dos interesses imediatos – a defesa dos direitos, conquistas e benefícios das diversas categorias que representam as condições necessárias para se viver – com os interesses futuros – as condições essenciais para se construir uma nova sociedade, sem a exploração de classes, o Socialismo. Para participar desta nova fase do sindicalismo brasileiro e internacional, a CTB aposta em um instrumento de divulgação das ideias classistas, contribuindo de forma decisiva com o debate. Esse instrumento é a revista Visão Classista. Neste órgão abordaremos a vida dos trabalhadores e trabalhadoras em sua integralidade. Essa diversidade de olhares se relaciona com os aspectos da moradia, da saúde, de sua formação, da comunicação, dos seus direitos legais, como também se posiciona com temas da atualidade nacional e internacional. Boa leitura. VISÃOClassista
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CAPA O movimento sindical brasileiro vive um momento ímpar em sua história, marcado por uma crescente unidade na ação concreta em defesa dos interesses e bandeiras da classe trabalhadora. A união, conforme sugere o adágio popular, potencializa a força do sindicalismo, eleva o seu protagonismo político e tende a ganhar uma nova dimensão ao longo deste ano
NO RUMO DA NOVA
Cinthia Ribas e Umberto Martins s seis centrais mais representativas do Brasil (CUT, Força Sindical, CTB, UGT, Nova Central e CGTB) prometem reunir 10 mil lideranças sindicais em São Paulo dia 1º de junho durante a Conferência Nacional da Classe Trabalhadora. Na agenda do evento, que vem sendo designado de nova Conclat pelos sindicalistas, sobressaem as eleições de 2010 e a elaboração de uma plataforma unificada da classe trabalhadora para as lutas vindouras. Será um acontecimento histórico na opinião do presidente da CTB, Wagner Gomes. “As centrais legalizadas darão uma excepcional 4
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UNIDADE Centrais sindicais empunham as mesmas bandeiras em prol dos trabalhadores demonstração de unidade e força ao elaborar uma plataforma unificada da classe trabalhadora para as eleições de 2010. É o coroamento do processo de unidade que vem se consolidando ao longo dos últimos anos através de várias iniciativas conjuntas, cabendo destacar as mobilizações pela redução da jornada de trabalho e as
marchas a Brasília. Com isto, estamos conseguindo elevar o protagonismo da classe trabalhadora na vida nacional”. Na mesma linha de Gomes, o presidente da CUT, Artur Henrique, realça a importância da unidade das centrais para arrancar novos espaços e direitos. “Com a unidade, conquistamos uma política de
CONCLAT Maurício Morais
O desafio na atual conjuntura é evitar a possibilidade de retrocesso e não só dar continuidade como também avançar no processo de mudanças
valorização permanente do salário mínimo, enfrentamos a crise de 2008 e estamos mobilizados pela redução da jornada de trabalho, reforma agrária, ratificação das Convenções 151 e 158 da OIT, piso nacional da educação, redução dos juros e outras reivindicações”. Para o presidente da Força Sindical e deputado federal do
PDT-SP, Paulo Pereira da Silva, a conferência “vai ser um dos momentos mais importantes para os trabalhadores. Tivemos oito anos do governo Lula, com dificuldades conseguimos garantir os direitos dos trabalhadores, os projetos de interesses dos trabalhadores e conseguimos até ampliar esses direitos. Os principais dirigentes sindicais do Brasil, hoje, percebem que quando as centrais se unem os trabalhadores ganham, quando elas se dividem os trabalhadores perdem.” O desafio na atual conjuntura, segundo os sindicalistas, é evitar a possibilidade de retrocesso e não só dar continuidade como também avançar no processo de mudanças. Demandas históricas como a redução da jornada de trabalho sem redução de salários, a reforma agrária e a coibição das demissões imotivadas (através da ratificação da Convenção 158 da OIT) estão na ordem do dia. Reina a expectativa de que a nova Conclat dê um novo e vigoroso impulso à luta por essas e outras reivindicações. Associadas às demandas classistas do movimento estão pleitos eminentemente políticos, cuja importância não é menor. A própria realização da conferência já sinaliza uma crescente politização do sindicalismo e a elevação das lutas sociais a um plano mais elevado. A experiência dos últimos anos revelou que a restrição da ação sindical às reivindicações puramente econômicas das categorias não conduz a bons resultados. Isto pode até resultar em ganhos no varejo, mas no atacado corre-se o risco de grandes prejuízos, como ocorreu ao longo das últimas décadas do século XX, com a hegemonia ideológica e política do neoliberalismo. O período compreendido entre 1980 e 2003, influenciado VISÃOClassista
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Entre 1980 e 2003, a realidade francamente hostil aos interesses da classe trabalhadora, à época condenada a um amargo defensismo, não foi produto da fatalidade histórica pela crise da dívida externa, foi caracterizado pela redução do crescimento econômico, estagnação da renda per capita, flexibilização e precarização das relações trabalhistas, principalmente nos anos 1990, aumento substancial das taxas de desemprego (que triplicaram) e arrocho dos salários. O resultado mais geral de tudo isto foi uma dramática diminuição da participação da renda do trabalho no PIB, de mais de 50% para cerca de 35%. Esta realidade francamente hostil aos interesses da classe trabalhadora, que à época foi condenada a um amargo defensismo, não foi produto da fatalidade histórica. Traduziu os resultados da luta de classes e da dolorosa ofensiva que o capital empreendeu contra o trabalho em todo o mundo, no rastro da derrocada do socialismo soviético. Decorreu das políticas econômicas que foram impostas no período, geralmente sob estrito monitoramento do FMI, apesar da oposição popular. Esses fatos despertaram entre as lideranças sindicais a consciência da necessidade de uma participação mais vigorosa e direta nas batalhas políticas que definem os rumos mais gerais da nação. A legalização das centrais também contribuiu para fortalecer esta visão. 6
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Láldert Castello Branco
C A PA
MOBILIZAÇÃO Trabalhadores terão voz ativa nas eleições de 2010 Daí se deduz a relevância das eleições convocadas para outubro deste ano. “Não achamos que o resultado dessas eleições será indiferente para nós”, enfatiza o presidente da CTB. “É uma das mais importantes batalhas que vamos enfrentar e a opinião dos trabalhadores, que participarão através das centrais, terá um peso importante. Queremos contribuir no debate sobre qual o desenvolvimento que queremos para o Brasil, qual o projeto que o Brasil precisa encapar e como devem ser nele contempladas as principais reivindicações dos trabalhadores brasileiros. O trabalhador não pode ser um expectador passivo do processo eleitoral, deve ser um agente ativo e consciente.” Por sua vez, o presidente da CUT argumenta que neste ano eleitoral “as centrais têm ainda mais responsabilidade. Temos de manter a nossa independência e autonomia frente aos partidos e aos governos, mas não podemos ser omissos. As centrais têm lado nessa disputa de projetos para o futuro do
Brasil, o lado da classe trabalhadora. Não queremos o retrocesso, a volta daqueles que implementaram as políticas de ´Estado mínimo´ e das privatizações e que foram os responsáveis por essa crise internacional. Queremos continuar aprofundando as mudanças que o Brasil já experimentou nesses últimos anos do governo Lula.” O presidente da Força Sindical também apontou a necessidade de unir forças para impedir o retrocesso. “Agora está acabando o governo Lula e estamos em um ano eleitoral, no qual podemos dar continuidade a essa política ou mudá-la. Essa política mais voltada para o social implantada pelo governo atual pode mudar e isso pode desencadear uma perda de direitos e conquistas. Por isso precisamos marcar posição”, afirmou. Na opinião dos dirigentes da CTB, central que foi pioneira na defesa de uma nova Conclat (bandeira que levantou já no seu congresso de fundação, no final de 2007), os objetivos da conferência não se esgotam no pleito de outubro, embora dependa da mensagem final
João Sinclair
Cinthia Ribas
LEGENDA ABCDEFG Abcdefg abcdefghij afsgsfagshsga abcdefg abcdefg abcdefghij 75t
PREPARAÇÃO Dirigentes debatem a agenda política e prioridades das centrais que emergirá das urnas. “Pensamos que o eixo da plataforma unificada deve ser a luta por um novo projeto de desenvolvimento nacional fundado na soberania e na valorização do trabalho”, destacou Wagner Gomes. “Isto não se resolve só em 2010, é uma batalha estratégica que requer a consolidação e ampliação da unidade alcançada até o momento pelas centrais e pressupõe a conquista das 40 horas semanais, ratificação da Convenção 158, direito de organização nos locais de trabalho, mudanças nas políticas monetária, fiscal e cambial, reforço do processo de integração regional, entre outras coisas que despertam polêmica e pressupõem mobilização e luta”. Segundo os sindicalistas, a realização da conferência será precedida de uma ampla mobilização e debates nos estados, envolvendo o conjunto dos militantes e trabalhadores e trabalhadoras que compõem as chamadas bases. A reunião também pode propor a instituição de comitês unitários nos estados e municípios para encaminhar as resoluções aprovadas.
UMA CONFERÊNCIA HISTÓRICA A conferência convocada pelas centrais para 1º de junho está sendo apelidada de “nova Conclat” porque
AVANÇO Desde sua fundação, CTB defende uma nova Conclat
No mesmo período, tivemos uma dramática diminuição da participação da renda do trabalho no PIB, de mais de 50% para cerca de 35% não será a primeira do gênero na história do país. Nos dias 21 a 23 de agosto de 1981, quando o Brasil ainda vivia sob o tacão da ditadura militar, o movimento sindical brasileiro realizou uma Conferência Nacional da Classe Trabalhadora. O evento ocorreu em Praia Grande (SP). Reuniu 5036 delegados e delegadas, representando 1091 entidades sindicais, e coroou o processo de recomposição do sindicalismo nacional, ainda sufocado pela mordaça dos generais. A ideia surgiu antes. “Cogitamos a realização da conferência em 1977”, lembra Hugo Perez, que à época presidia a Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas de São Paulo e integrou a Comissão Executiva Nacional da Conclat. “Ela aconteceu quatro anos depois. Teve dois grandes motes, um eminentemente político, que foi a luta pela democracia e
outro econômico, pela reposição das perdas salariais impostas aos trabalhadores”, afirmou o sindicalista, que hoje assessora a Força Sindical. “Imaginamos que conseguiríamos reunir pouco mais de dois mil sindicalistas e vieram cinco mil”, destacou. Foi um ano de turbulência econômica, carestia e desemprego em massa. O país adentrava o pântano da chamada crise da dívida externa, que nos custou pelo menos duas décadas perdidas, de baixo crescimento e estagnação da renda per capita. Foi também um período de renascimento das lutas sociais, sufocadas pela ditadura, e emergência do chamado “novo sindicalismo”, um conceito controverso aplicado às lideranças identificadas com as concepções do Partido dos Trabalhadores, fundado um ano antes. Em 1980 ocorreu a histórica greve de 41 dias no ABC paulista, liderada pelo atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos da região. Iniciada no dia 1º de abril, a paralisação levantou a bandeira da redução da jornada sem redução de salários e enfrentou uma truculenta repressão, que incluiu o uso de helicópteros armados com metralhadoras pelo Exército para intimidar os operários durante assembleia na Vila Euclides. VISÃOClassista
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C A PA Arquivo CTB
CONSOLIDAÇÃO Após dois anos de fundação, CTB ratifica sua importância O sindicato foi submetido à intervenção da ditadura e seus líderes, começando por Lula, foram presos pelo DOPS no dia 17 de abril, numa operação coordenada pelo governo biônico de Paulo Maluf em São Paulo. Lula ficou mais de 30 dias encarcerado e soube, no xadrez, que a manifestação do 1º de Maio reuniu 120 mil pessoas em São Bernardo do Campo. A greve foi encerrada no dia 11 de maio sem grandes conquistas econômicas, mas com um grande saldo político. O calor da luta favoreceu a Conclat, cuja pauta continha itens que ainda hoje são atuais, como redução da jornada, estabilidade no emprego e combate ao desemprego. A unidade do movimento foi um dos objetivos propostos pelos sindicalistas, mais tarde frustrada por divergências ideológicas e pela criação da CUT por decisão unilateral das lideranças que compunham o auto-intitulado “novo sindicalismo” e sem o respaldo de uma parcela significativa do movimento, que incluía os comunistas do PCB e PCdoB. “Nosso propósito” – comenta o médico Jamil Murad, delegado ao 8
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Já não restam dúvidas de que a unidade eleva o protagonismo da classe trabalhadora na luta política nacional e fortalece a luta por um Brasil mais justo, democrático e progressista Conclat de 1981 e hoje vereador em São Paulo pelo PCdoB – “era unir o movimento sindical e os trabalhadores em torno de uma plataforma que traduzia a luta pelos nossos direitos, pelo fim da ditadura, pela democracia, pela participação efetiva dos trabalhadores na vida política nacional e em torno da palavra de ordem ‘Fora FMI’, cuja presença indesejável promovia recessão e desemprego”. Arnaldo Gonçalves, ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Santos que atualmente assessora a Força Sindical, foi um dos principais organizadores da Conclat em 1981. Ele lamenta o racha que se verificaria
dois anos depois, mas recorda que a unidade prevaleceu durante a conferência, apesar das tensões na hora de eleger a comissão que seria encarregada de formar uma central única (intitulada Comissão Pró-CUT). “Houve divergências de opiniões sobre como levar a luta dos sindicatos”, esclareceu Gonçalves em entrevista à Visão Clasista, “mas saímos da Conclat com uma Comissão unitária composta por todas as correntes. A divisão ocorreu mesmo algum tempo depois, com a saída da Comissão Pró-CUT dos companheiros que iriam criar, em 1983, a atual CUT.” Embora o objetivo da unidade não tenha sido alcançado, o que significou prejuízo para a luta da classe trabalhadora, a Conclat ajudou a impulsionar a luta contra a ditadura militar, derrotada no seu próprio Colégio Eleitoral em 1984 depois de uma vigorosa campanha popular pelas “Diretas Já”, e certamente influenciou positivamente os resultados da Constituinte instalada em 1986, que reduziu a jornada de trabalho para 44 horas semanais, ampliou os direitos sociais e criou o SUS (Sistema Único de Saúde). A nova Conclat será realizada em outro contexto histórico, enfrenta novos desafios e também promete alavancar a luta da classe trabalhadora por um projeto de desenvolvimento nacional com soberania e valorização do trabalho, pelas 40 horas semanais e outras. Sua realização é sinal de maturidade política e traduz um grande avanço do sindicalismo. Ao que parece, já não restam dúvidas de que a unidade eleva o protagonismo da classe trabalhadora na luta política nacional e fortalece a luta por um Brasil mais justo, democrático e progressista.
PERSPECTIVAS WAGNER GOMES PRESIDENTE DA CTB
Desde sua fundação a CTB defende a realização de uma nova Conferência Nacional da Classe Trabalhadora como forma de unificar a agenda dos trabalhadores. Como você vê a realização de uma nova Conclat neste momento pré-eleitoral? A nova Conclat vem em um momento importante no quadro político nacional. As centrais legalizadas, marchando unidas, darão uma excepcional demonstração de unidade e força ao apresentarem aos candidatos à Presidência da República uma plataforma unitária contendo as mais legítimas aspirações dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiras. A luta pela redução da jornada sem redução de salário e um projeto de desenvolvimento que atenda aos anseios da classe trabalhadora do Brasil. Um desenvolvimento que possa levar em conta a defesa do trabalho e da distribuição de renda. O Brasil já cresceu altos índices, e os trabalhadores não viam esse crescimento. Defendemos a participação dos trabalhadores nesse crescimento e essa será
a discussão central. Queremos que o Brasil cresça e se fortaleça, mas com distribuição de renda. Uma coisa que não aconteceu nos principais momentos de aquecimento da economia. Na primeira Conclat, o tema era a reposição salarial. Qual será o objetivo dessa nova Conferência? Achamos que a Conclat deveria ser novamente convocada em virtude das eleições que poderão tomar dois caminhos. E os trabalhadores não poderiam participar só com o voto. Dessa forma, as centrais decidiram fazer uma plataforma de governo na qual defendem o desenvolvimento do Brasil com defesa do trabalho e distribuição de renda. E apresentasse esse documento ao candidato à Presidência da República. Isso foi discutido por todas centrais e, no dia 21 de jneiro, na reunião do Fórum das centrais, selamos o acordo de realizar no dia 1º de junho, a Conferência Nacional da Classe Trabalhadora. A ideia é fazer os encontros estaduais para preparar o documento e depois o grande ato, no dia 1º de junho, com mais de 10 mil sindicalistas para aprovar o programa. Isso faz com que o trabalhador passe de expectador para agente atuante na eleição. Não achamos que será indiferente para nós o resultado dessas eleições. É uma das mais importantes que vamos enfrentar e a opinião dos trabalhadores, que participarão através das centrais, terá um peso importante, na discussão sobre qual o desenvolvimento que queremos para o Brasil, qual o projeto que o Brasil precisa e as principais reivindicações dos trabalhadores brasileiros.
Qual será a principal bandeira da nova Conclat? Hoje a principal bandeira do movimento sindical é a Redução da Jornada de Trabalho sem Redução de Salários. Atualmente as seis centrais sindicais têm mais pontos em comum do que divergentes. Toda vez que se chama uma reunião das centrais, a pauta é sempre concordância das seis. Temos uma grande unidade no movimento sindical.
HUGO PEREZ
ASSESSOR POLÍTICO DA FORÇA SINDICAL
A primeira Conclat foi realizada durante a ditadura militar. Qual foi sua importância para classe trabalhadora à época? Foi mais um passo no sentido de desafiar a ditadura, uma vez que as reuniões intersindicais eram proibidas por lei Alguns dos temas que fizeram parte da Conclat ainda compõem a agenda dos trabalhadores, como rotatividade de mão de obra, condições de trabalho, política salarial, liberdade sindical, dentre outros. O que avançou de lá pra cá? VISÃOClassista
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Houve muitos avanços. Ampliou-se a liberdade e autonomia sindicais, e com isso aperfeiçoouse as negociações direitas, entre outras. Outra grande conquista foi a legalização das centrais sindicais. O surgimento das centrais sindicais alguns anos depois foi então um dos resultados práticos da primeira Conclat? Certamente. A possibilidade do nascimento das centrais sindicais, por conta da afirmação de pontos de vista político, ideológicos e sindicais, cada um em seu campo ideológico, foi o principal resultado.
JAMIL MURAD
VEREADOR DE SÃO PAULO (PCdoB)
Realizada em um período ditatorial, qual sua importância para os trabalhadores à época? A classe dominante almejava evitar a participação política dos trabalhadores, procurando reservar o campo político para a classe empresarial. E a Conclat era exatamente o contrário. Significava abrir caminhos para os trabalhadores decidirem sobre o rumo do país. É didático que uma 10
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parte do sindicalismo ligada ao regime militar fez chegar a todos os sindicatos do Brasil um alerta que não era para participar da Conclat, porque os trabalhadores deviam ficar fora de assuntos políticos e defender somente seus salários, erguendo só a bandeira corporativa e econômica. Eles diziam que a Conclat era coisa de comunista. Felizmente, nosso apelo pela mobilização e participação do movimento sindical nessa Conferência foi um sucesso, tendo mais de cinco mil delegados e grandes lideranças políticas do campo democrático e popular, inclusive que vieram do exílio como João Amazonas, Brizola, Arraes e Prestes – todos prestigiaram o evento que aconteceu em Praia Grande. Este foi também o primeiro grande evento unificado do sindicalismo brasileiro, onde surgiu no cenário nacional o atual presidente do Brasil, o companheiro Lula, onde ele foi o principal destaque na Conclat. Considerada um marco no movimento sindical, a Conclat deu novo fôlego ao sindicalismo brasileiro? Que diferença você vê entre o sindicalismo da época e o de hoje? A Conclat mobilizou e unificou os trabalhadores em torno de uma plataforma comum, que centralmente colocava a luta pelo fim do regimento militar e pela democracia, fim da intervenção do FMI do país, por uma política de desenvolvimento. Em vez do arrocho salarial uma política de valorização do trabalho e distribuição de renda, além de defender uma educação e saúde de boa qualidade para o povo brasileiro.
Então, a Conclat foi um acontecimento histórico na vida dos trabalhadores brasileiros, que mobilizou e unificou os trabalhadores em torno de uma plataforma progressista, defendendo o Brasil, a democracia e os interesses dos trabalhadores. Nesse período foram fundadas novas centrais sindicais e hoje acompanhamos suas lideranças agindo juntos. O aumento de salário mínimo conquistado no governo Lula foi fruto da ação unificada; a legalização das centrais, bandeira histórica e secular também é resultado dessa luta conjunta. O sindicalismo de hoje aproveitou conhecimentos e conquistas do passado, mas soube absorver os benefícios conquistados nos últimos 30 anos. A conquista da democracia e ampla liberdade política, do valor da participação do trabalhador na vida política, até mesmo elegendo um sindicalista para presidente da republica. Naquele tempo era dito para o trabalhador não participar da política, e hoje elegemos um sindicalista por duas vezes. Falsos argumentos propagandeados pela elite conservadora convenciam enormes contingentes de trabalhadores. Em seu discurso diziam para os trabalhadores se atentarem somente aos seus salários e não se “meter” em reunião, nem partido político ou sindicato. Essas ideias hoje estão derrotadas. Sempre lutamos para que o trabalhador fosse um cidadão de primeira classe, dando a sua opinião sobre o Brasil e também acumulasse força para dirigir o Brasil. Foi uma vitória da Conclat. Eu participei em 1981 e estou acompanhando agora, sinto uma alegria profunda por nossas conquistas. Vejo que valeu a pena.
CONJUNTURA SINDICAL WAGNER GOMES
As eleições e o movimento sindical eza a ideologia dominante que o movimento sindical não deve meter o bico em assuntos políticos, contentando-se com a luta econômica em defesa de salários maiores, jornadas menores e melhores condições de trabalho. Quando se quer demonizar uma greve, envenenando a chamada opinião pública contra os sindicatos, diz-se que o movimento é político e que isso é intolerável. Trata-se de um ponto de vista autoritário, usado pelas elites reacionárias com o propósito de afastar a classe trabalhadora das batalhas políticas e, com isso, manter o Estado sob seu absoluto domínio. Foi em nome dessa ideologia que a ditadura militar, instalada em 1964 para servir os interesses dos EUA e da grande burguesia brasileira, amordaçou os sindicatos, cassou o mandato dos dirigentes mais combativos, impôs interventores, prendeu, torturou e matou. Ao contrário do que aconselha a direita, o sindicalismo deve participar – e ativamente – da vida política nacional. A experiência nos ensina que os grandes dilemas da classe trabalhadora não serão equacionados através das lutas econômicas ou campanhas isoladas das categorias.
Conquistas que beneficiam o conjunto da classe, como a redução da jornada de trabalho sem redução de salários, a valorização permanente do salário mínimo, a Convenção 158 da OIT, o fim do fator previdenciário, entre outras, pressupõem a luta na arena política, mobilização de massas e pressão sobre os três poderes da República – Executivo, Legislativo e Judiciário. Em geral, as demandas trabalhistas são antagônicas aos interesses do capital. É preciso quebrar a resistência do patronato. A vitória não é obtida sem luta, depende da mobilização e também da correlação de forças predominante no Congresso, no Executivo e na Justiça. Por esssas e outras razões, a participação da classe trabalhadora na vida política, em todos os cenários e momentos, revela-se fundamental. Devemos levar isso em conta especialmente neste ano, quando dezenas de milhões de brasileiros vão às urnas eleger um novo presidente, governadores, senadores, deputados federais e estaduais. São os destinos da nação e da classe trabalhadora que estão em jogo. O povo brasileiro derrotou o neoliberalismo em 2002 e o Brasil vive hoje num novo cenário político, a exemplo de outras nações latino-americanas.
Tal realidade favorece o avanço do sindicalismo e a valorização do trabalho. É marcada pelo aumento real do salário mínimo, a legalização das centrais, a consolidação e ampliação do Bolsa Família. O neoliberalismo, contudo, não morreu. Seus líderes, acoitados no PSDB e DEM, querem ampliar a influência política, que já não é pouca, e retomar o controle do governo. Não podemos permitir retrocessos. É nossa obrigação intervir com força no processo eleitoral, se possível com uma plataforma unificada da classe trabalhadora (que pode e deve ser definida pela nova Conclat), tendo por foco um novo projeto de desenvolvimento com soberania e valorização do trabalho e o apoio a uma candidatura à Presidência comprometida com as bandeiras populares, a continuidade e o aprofundamento das mudanças iniciadas em 2002. O apoio a candidatos progressistas à Câmara Federal e assembleias estaduais é igualmente essencial, visto que os projetos de Lei que interessam à nossa classe tramitam forçosamente no Legislativo. A CTB orienta as lideranças classistas em todo o país a participar ativamente, e desde já, da campanha e do pleito convocado para outubro.
Plataforma unificada das centrais deve levantar bandeira do desenvolvimento com valorização do trabalho
Wagner Gomes é presidente da CTB VISÃOClassista
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AGRICULTURA Contag vê avanços no campo e fortalecimento da ação sindical com o PADRSS, mas defende atualização constante para novas conquistas
UM PASSO ADIANTE
Fernando Damasceno esenvolvimento no campo. Crescimento econômico. Reforma agrária. Políticas sociais adequadas. Historicamente, tais temas sempre foram relegados a segundo plano no Brasil, seja individual ou coletivamente. O processo de modernização vivido pela agricultura do país nas últimas décadas deixou esse quadro ainda mais latente, mas, por outro lado, estimulou a criação de um projeto que aos poucos vem alterando a realidade dos trabalhadores rurais. Trata-se do Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário, o PADRSS. Sua origem data dos idos de 1995, quando foi realizado o 6º Congresso Nacional de Trabalhadores Rurais, organizado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, a Contag. A partir de então, diversos fóruns regionais e nacionais passaram a pensar num projeto que contemplasse a nova realidade do campo no Brasil. Ao longo de 1996, a Contag organizou diversos seminários regionais para a formulação do futuro PADRSS, cuja sistematização final e pontos centrais foram definidos em 1998, no 7º Congresso Nacional da entidade. 12
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RELAÇÕES OTIMIZADAS Agricultores ganham espaço e levam ao governo federal suas demandas Desde então, as reivindicações históricas do Movimento Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais ganharam amplitude nas linhas do PADRSS, que deixa bem claro em sua redação as principais mazelas do processo de modernização da agricultura brasileira: seu conservadorismo, sua exclusão social, seu comportamento ecologicamente insustentável e seu caráter concentrador de terra e renda. “Essas lutas históricas têm buscado a valorização do espaço rural como um local privilegiado
de transformação e implementação de políticas de inclusão social, com profundas repercussões sobre o conjunto da sociedade brasileira”, diz o texto introdutório ao PADRSS.
DEZ PONTOS FUNDAMENTAIS O projeto foi dividido em dez pontos centrais, que envolvem e norteiam as políticas consideradas fundamentais para a evolução no campo. 1. Concepção de desenvolvimento: esse ponto deve incluir o crescimento econômico, a justiça, a participação
César Ramos
“Essas lutas históricas têm buscado a valorização do espaço rural como um local privilegiado de transformação e implementação de políticas de inclusão social” social e a preservação ambiental. Tal desenvolvimento deve privilegiar o ser humano na sua integralidade, possibilitando a construção da
cidadania. Nesse caso, as questões econômicas têm que estar articuladas às questões sociais, culturais, políticas, ambientais e às relações sociais de gênero e raça, defende o PADRSS. 2. A luta pela reforma agrária: o projeto defende que a democratização da propriedade da terra impulsiona a própria democratização do poder político, econômico e social, além de promover a geração de empregos e ocupações produtivas para todo um segmento sem alternativas de inserção social e produtiva, a
equidade, sustentabilidade ambiental e o desenvolvimento das comunidades envolvidas. Para tanto, a proposta depende de uma política agrária abrangente, que permita o acesso à terra a todos os trabalhadores e trabalhadoras, sem terra ou com terra insuficiente para assegurar o seu desenvolvimento. 3. A agricultura familiar como impulsionador do desenvolvimento no campo: o PADRSS defende que a ação estatal não pode se esgotar apenas na disponibilização de recursos para crédito de custeio. “É fundamental agilizar os procedimentos das linhas de crédito de custeio e investimento, assim como a reformulação de toda a infraestrutura produtiva e social, para atender as necessidades da agricultura familiar. As políticas de apoio à agricultura familiar devem, inclusive, contemplar aquelas atividades nãoagrícolas, como por exemplo a industrialização, a produção artesanal e o turismo rural, atividades com grande potencial de geração de renda e ocupação”, diz o texto. 4. A questão dos assalariados rurais: os assalariados rurais constituem a parcela mais empobrecida da agricultura e, por decorrência, de toda população brasileira. Diante disso, o projeto defende que qualquer proposta alternativa de desenvolvimento deve pressupor a democratização nas relações de trabalho, renda digna e respeito aos direitos trabalhistas, como condições básicas para a qualidade de emprego e vida, independentemente de quem quer que seja o empregador. 5. A formulação de políticas sociais para o campo: o PADRSS deixa claro que educação, saúde, lazer, previdência e assistência social, a formação profissional, a pesquisa e a assistência técnica são elementos estruturais de qualquer proposta de desenvolvimento. VISÃOClassista
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A G R ICULTU RA
Planejamento estratégico define novas ações Tamires Kopp/MDA
Os participantes da III Oficina de Planejamento Estratégico realizada pela Contag aprovaram, durante o mês de fevereiro, a proposta para a nova missão da entidade. O texto estabelece que o papel da maior organização sindical camponesa da América Latina é “organizar, representar e defender os direitos e interesses dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, protagonizando a luta sindical classista, libertária e democrática, na perspectiva de construir o Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário (PADRSS), articulado a um projeto de sociedade”. O planejamento estratégico começou a ser definido em junho de 2009. De acordo com o secretário- geral da Contag e vicepresidente da CTB, David Wylkerson, essa tarefa é de suma importância para o Movimento Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais. “Será uma semana de muito debate porque vamos concluir o trabalho que começou no ano passado”, disse o dirigente, em entrevista ao site da entidade. Durante o mês de março, o Conselho Deliberativo da Contag se reuniria para analisar a formulação apresentada na Oficina de Planejamento Estratégico. Além disso, seriam definidos os preparativos e os eixos programáticos para o Grito da Terra de 2010, a ser realizado entre os dias 10 e 14 de maio.
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VISÃOClassista
6. A melhoria das relações de gênero no meio rural: “Todos os setores agrícolas, especialmente a agricultura familiar, incorporam massivamente o trabalho da mulher na esfera produtiva”, diz o texto. Nesse cenário, é preciso garantir a participação efetiva das mulheres na tomada de decisões e construção de políticas alternativas de desenvolvimento. 7. A formulação de um projeto amplo e a construção de alianças: o PADRSS defende que é preciso articular o acúmulo teórico e prático do movimento sindical e de seus parceiros e aliados, em suas diversas instâncias e organizações. A ação sindical deve combinar, ao mesmo tempo, a negociação, a mobilização social e a luta política, no âmbito de um movimento sindical propositivo e atuante. Destaca também que essa luta deve ser travada ao lado do movimento sindical urbano, de intelectuais e de toda a sociedade civil. 8. A elaboração de uma estratégia para consolidar o PADRSS: essa estratégia deve estar articulada com o enfrentamento às políticas neoliberais, suas conseqüências e seus gestores, e com a reorganização sindical, buscando maior organicidade, democracia e transparência às estruturas e ações. “Isso só será possível combinando um conjunto de iniciativas e ações, entre elas a
A Contag pretende apresentar, em 2010, uma relação de candidatos aos cargos de deputado federal e estadual comprometidos às causas do campo
necessidade de dar continuidade e visibilidade à elaboração do projeto, fazendo dele um instrumento de proposição clara para as novas diretrizes contra a miséria e a exclusão social”, diz o texto. 9. Otimizar a relação entre as reivindicações globais e as ações locais: o projeto defende que a combinação das mobilizações locais com as reivindicações de políticas globais permitirá a participação ampla e a criação de condições efetivas para um real desenvolvimento do setor rural. 10. Desenvolver a ação sindical local para construir alternativas de desenvolvimento: a elaboração do projeto e sua aplicação devem contar com uma participação popular constante, defende o PADRSS, pois somente isso assegurará a implementação, a efetivação e, principalmente, a continuidade das ações, independentemente de quem estiver no governo.
RELAÇÕES POLÍTICAS Um outro ponto incluído no texto do PADRSS diz respeito à necessidade de o trabalhador rural eleger, seja para sua cidade, estado ou país, políticos que se comprometam com as ideias expostas no projeto. A Contag pretende apresentar, em 2010, uma relação de candidatos aos cargos de deputado federal e estadual comprometidos às causas do campo. “E deveremos também nos envolver em nível nacional, orientando os trabalhadores a uma candidatura que dê continuidade ao atual projeto, para que não haja o risco de voltarmos para trás, independentemente de nossos partidos políticos”, diz o presidente da entidade, Alberto Broch (leia entrevista no box ao lado).
PONTO DE VISTA ALBERTO BROCH | PRESIDENTE DA CONTAG César Ramos
É possível dizer que o PADRSS tem sido o principal eixo de atuação da atual gestão da Contag? Desde que foi concluído, em nosso sétimo Congresso, o projeto tem tido o papel de questionar o atual modelo da agricultura brasileira, com suas características conservadoras e excludentes. Se formos analisar o que aconteceu no Brasil durante as décadas de 1950 e 1990, temos a maior expulsão de terras do campo no mundo. Portanto, não adiantaria qualquer conquista sem uma mudança nesse modelo. Dessa forma, o projeto, desde o sétimo Congresso, vem sendo confirmado e reavaliado, sempre a partir de nossa prática sindical, que nos leva a questionar o monoculturismo, a agricultura familiar, a reforma agrária. E
esclarecer que a questão do desenvolvimento rural é muito mais ampla do que simplesmente o desenvolvimento agrícola. Quando pensamos no rural, abordamos também o lazer, a educação e o desenvolvimento das pequenas cidades. E em quais aspectos o projeto precisa ser atualizado? O décimo Congresso da Contag, ponto de partida da nossa atual gestão, reafirmou a necessidade de implementar o PADRSS. O mundo é dinâmico e temos que nos atualizar sempre. Um exemplo disso é a intensificação de nossa relação com os trabalhadores urbanos. Durante o ano passado a Contag organizou sete seminários regionais, com mais de dois mil dirigentes, para
aprimorar o projeto. Que avaliação é possível fazer dessas discussões? A avaliação é positiva. Uma das questões levantadas é a necessidade de que dentro do PADRSS sejam respeitadas as dinâmicas regionais – é preciso que o desenvolvimento esteja ligado à cultura dos povos. A Amazônia, os pampas e o pantanal têm realidades diferentes. Temos também que estar em sintonia com a sustentabilidade. Há enormes desafios para construir um processo de agroindustrializção do campo, no qual possamos fazer com que haja um processo que se comunique com a segurança alimentar. Seguindo por essa linha, de que forma é possível fortalecer a ação sindical a partir do PADRSS? Esse é um processo de grande importância, pois quem vai proporcionar esse instrumento, esse debate, sua execução e sua articulação com vários atores é o sindicato, as federações. Seu fortalecimento e a articulação com as centrais é algo fundamental. Quem potencializa isso é o sindicato. Qual sua avaliação sobre o papel do PADRSS em relação às políticas públicas para o campo? Nossa luta por políticas públicas tem sido contemplada em alguns aspectos dentro do governo Lula. Posso citar a merenda escolar (30% dos alimentos servidos pelas escolas públicas são produzidos pela agricultura familiar), o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), a questão do seguro investimento, das políticas públicas para a juventude, da capacitação, da educação. Essa relação com o governo federal está sendo construída pela Contag nessa ótica, pensando em viabilizar o desenvolvimento do campo. VISÃOClassista
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E NTR E VI STA
EMIR SADER
João Zinclar
INTEGRAÇÃO REGIONAL
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VISÃOClassista
As forças antineoliberais avançaram nas linhas de mais fragilidade do neoliberalismo, de menos resistência
PARA UMA NOVA ERA América Latina da primeira década do século XXI se encontra em um patamar mais desenvolvido do que aquele que encerrou o século passado. A eleição de diversos governos que se negaram a seguir a cartilha neoliberal imposta pelos EUA trouxe um ar de renovação para a região, mas diversos fantasmas ainda sobrevivem na faixa entre o Atlântico e o Pacífico. Para o sociólogo e cientista político Emir Sader, o início de uma nova era na América Latina passa, fundamentalmente, por políticas de integração regional que fomentem projetos políticos próprios
CTB: Você poderia, inicialmente, contextualizar o atual cenário político da América Latina? Emir Sader: Vejo um cenário dominado pela maior quantidade de governos progressistas como nunca antes havia no continente. Acossados por contraofensivas da direita, mas continuam a dar a tônica no cenário político. A crise produziu efeitos diferenciados, afetando de maneira mais dura e prolongada os países que assinaram Tratados de Livre Comércio (TLC) com os EUA. O México, o primeiro a assinar um TLC com os EUA, passou a ter mais de 90% do seu comércio exterior com seu vizinho do norte. Sofre conseqüências da crise, diminuiu seu PIB em 7% no ano passado, a produção industrial em 16%. Elevou-se brutalmente o desemprego, não há prazo para recuperação da sua economia, pela profundidade e extensão da recessão nos EUA. Em contraste, um país como o Brasil, de dimensões mais ou menos similares, conseguiu recuperar-se de forma relativamente rápida, porque ao contrário do TLC, privilegiou os projetos de integração regional, diversificou o comércio internacional (a China passou a ser o primeiro parceiro comercial do Brasil, deslocando os EUA), elevou enormemente o comercio interegional e expandiu significativamente o mercado interno de consumo popular. Duas inserções internacionais distintas e duas políticas econômicas distintas, com resultados totalmente opostos. Da
ANA PAULA CARRION
mesma forma, países como Bolívia, Equador, Argentina, conseguiram contornar a crise em prazos relativamente rápidos, acentuando as diferenças entre os países do continente. O cenário político futuro dependerá de alguns processos eleitorais, dos quais o Brasil é o mais importante. Houve fortalecimento e continuidade na Bolívia e no Uruguai e retrocessos em Honduras e no Chile. CTB: Na sua avaliação, houve alguma falha na luta contra as forças políticas conservadoras? Emir Sader: As forças antineoliberais avançaram nas linhas de mais fragilidade do neoliberalismo, de menos resistência: integração regional no lugar dos Tratados de Livre Comércio e prioridade das políticas sociais no lugar da prioridade dos ajustes fiscais. Mas o neoliberalismo manteve elementos de força, principalmente a hegemonia do capital financeiro e o monopólio da mídia privada. É a partir desses dois elementos que buscam recuperar iniciativa. Deveria-se e se deverá avançar muito na construção de um novo bloco de força que conduza a nossos países, deslocando a hegemonia do capital financeiro em favor das forças produtivas na economia. Por outro lado, se avançou muito pouco em contribuir para processos de formação democrática da opinião publica, quebrando o monopólio da mídia privada. Em parte como conseqüência disso, mas também por debilidades VISÃOClassista
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EMIR SADER
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das forças do campo popular, se avançou pouco na organização das amplas camadas populares beneficiarias das políticas sociais dos governos progressistas. CTB: Você acredita que possa haver uma retomada do processo neoliberal? Emir Sader: Do modelo ortodoxo, não, apesar de que um país pequeno como o Panamá elegeu, no ano passado, um grande empresário, com uma proposta fortemente neoliberal. Mesmo Piñera, no Chile, não fará muitas mudanças no modelo econômico, até porque este não foi substancialmente alterado pelos governos da Concertação. Mas seu governo não deve retomar o modelo pinochetista tal e qual. A direita não tem projeto para o continente, com o esgotamento do modelo neoliberal, especialmente a partir da crise econômica internacional, que fortaleceu o peso do Estado na economia. Aqui mesmo, a candidatura do Serra é distinta, em termos ideológicos, da de Alckmin. CTB: Como intensificar o avanço progressista na América Latina? Emir Sader: Fortalecendo os processos de integração regional, 18
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A direita não tem projeto para o continente, com o esgotamento do modelo neoliberal, especialmente a partir da crise econômica internacional, que fortaleceu o peso do Estado na economia
consolidar a ruptura com o modelo e construir um Brasil pos-neoliberal. O retorno da direita representaria para eles a reapropriação do aparelho de Estado, a retomada de projetos de desregulamentação da economia, de reinserção conservadora do Brasil nos planos regional e internacional, de ofensiva contra os movimentos populares. A disputa é decisiva para o futuro do Brasil, mas também da América Latina.
avançando para a criação de uma moeda única regional, fortalecendo o Banco do Sul, ampliando o marco dos processos de integração para a educação, a tecnologia, a mídia, entre tantos outros. Em segundo lugar, avançando para a ruptura definitiva com os modelos neoliberais. Em terceiro, articulando os movimentos populares da região, para a criação de uma força popular que articule as lutas em todos os países e apoie os novos processos que podem surgir em outros países – como Peru, Colômbia, México. Em quarto, organizar a força do Sul do mundo, construindo projetos econômicos e políticos próprios.
CTB: E qual sua opinião sobre experiências como o Mercosul, a Alba e a Unasul? Emir Sader: São experiências distintas, embora haja uma convergência nas suas lógicas, priorizando a integração regional e não os Tratados de Livre Comércio com os EUA. O Mercosul é um espaço de integração econômica regional que, espera-se, com a integração da Venezuela, possa ampliar suas esferas.
CTB: E as eleições em 2010, no Brasil? Emir Sader: Elas definirão se o governo Lula foi um importante parênteses na continuidade secular dos governos das elites brasileiras ou se consolidará um projeto de ampla democratização econômica, social, política e cultural do país, definindo a nova fisionomia do Brasil para toda a primeira metade do século. Representará o enfrentamento entre um projeto que parte de uma herança incomparavelmente superior a que o Lula recebeu, podendo
A Unasul é um espaço de integração política de todos os países da America do Sul, portanto as coincidências que unem os países que dele participam são menores – incluem países que assinaram TLCs com os EUA, como o Chile e o Peru, e outro que está nessa lógica, a Colômbia. Porém, representa um avanço importante, a tal ponto que
foi criado o Conselho Sul-americano de Defesa, que representa um projeto de resolução dos conflitos regionais pelos próprios países do continente, sem participação dos EUA. A Alba é uma iniciativa mais avançada, de criação de espaços de intercâmbio e apoio entre os países que a integram, fora dos marcos da OMC e do “livre comércio”, isto é, dos preços de mercado. Significa que cada país dá o que possui e recebe o que necessita, em base à solidariedade e à complementaridade. A Operação Milagre, que já permitiu que mais de dois milhões de latino-americanos pobres recuperassem a visão, assim como o fim do analfabetismo na Venezuela, na Bolívia e no Equador, bem como a formação de várias gerações de médicos pobres nas Escolas Latino-americanas de Medicina, em Cuba e na Venezuela, são bons exemplos desse tipo solidário de intercâmbio.
As eleições de 2010 definirão se o governo Lula foi um importante parêntesis na continuidade secular dos governos das elites brasileiras ou se consolidará um projeto de ampla democratização economia, social, política e cultural do país João Zinclar
CTB: Você acredita que atualmente os Estados Unidos tenham outro conceito sobre os países da América Latina? Emir Sader: Não. Apenas abandonou o discurso das “guerras preventivas”, mas sua política, até aqui – como se vê no caso das bases militares instaladas na Colômbia, no caso do golpe de Honduras, na manutenção da base de Guantánamo e no não restabelecimento de relações com Cuba –, não mudou. CTB: De que forma você, como sociólogo e analista político, vê essa tomada de resistência? Emir Sader: É um sinal de esgotamento, mas um modelo não desaparece se não é substituído por outro. Os neoliberalismos existentes têm sido recauchutados, em função
Emir Sader De origem libanesa, Emir Simão Sader nasceu em São Paulo, em 1943, e é um dos mais respeitados sociólogos e cientistas políticos da esquerda brasileira. Pensador de orientação marxista, colabora com publicações nacionais e estrangeiras e é membro do conselho editorial do periódico inglês New Left Review. Presidiu a Associação Latino-Americana de Sociologia (ALAS 1977-1999) e é um dos organizadores do Fórum Social Mundial. Bibliografia: - A Nova Toupeira: Os Caminhos da Esquerda Latino-Americana. Ed. Boitempo, São Paulo, 2009. - Latinoamericana (com Ivana Jinkings, Rodrigo Nobile e Carlos Eduardo Martins, org.). Boitempo Editorial, 2006. - A vingança da história. Boitempo Editorial, 2003. - Século XX - Uma biografia não-autorizada. Ed. Fundação Perseu Abramo, 2000. - Contraversões (com Frei Betto). Ed. Boitempo, São Paulo,1999.
da defesa das economias diante da crise, mas passada esta, se verá que dose de regulação e de presença de Estado sobreviverá. Provavelmente já não reinará soberanamente, mas de forma mitigada, com nuances, até que surja e consolide um modelo pos-neoliberal consistente. VISÃOClassista
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Nova trajetória laboral
De certa forma, a transição entre as sociedades urbano-industrial e pós-industrial tende a não mais separar nítida e rigidamente o tempo do trabalho do não trabalho
Márcio Pochman é professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas. Presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
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a transição atual da sociedade urbano-industrial para a pós-industrial, percebe-se o acúmulo de novas e importantes perspectivas para as classes trabalhadoras. Inicialmente, o sentido da ampliação da expectativa média de vida, para cada vez mais próximo dos 100 anos de idade. Simultaneamente, percebese a forte concentração do trabalho no setor terciário das economias. Assim, o terciário tende não apenas a assumir uma posição predominante, tal como representou a alocação do trabalho no setor agropecuária até o século 19 e na indústria no século 20, como passar a exigir, por conseqüência, novas formas de organização e de representação. Embora heterogêneo, o setor de serviços responde fundamentalmente pela dinâmica do trabalho imaterial, não mais vinculado à produção de bens tangíveis. As novas tecnologias em contato com as inovações na gestão da mão-de-obra não intensificam profundamente o exercício da atividade laboral no próprio local de trabalho. Ademais, constatase também a extensão do trabalho exercido cada vez mais para além do local de trabalho, sem contrapartida remuneratória e protetiva,
posto que o sistema de regulação pública do trabalho encontra-se fundamentalmente focado na empresa. No curso da nova sociedade pós-industrial, a inserção no mercado de trabalho precisa ser gradualmente postergada, possivelmente para o ingresso na atividade laboral para somente após a conclusão do ensino superior, com idade acima dos 24 anos de idade, e saída sincronizada do mercado de trabalho para o avanço da inatividade. Tudo isso acompanhado por jornada de trabalho reduzida, o que permite observar que o trabalho heterônomo deva corresponder a não mais do que 25% do tempo da vida humana. Na sociedade industrial, o ingresso no mercado laboral foi postergado para 16 anos de idade, garantindo aos ocupados, a partir daí, o acesso ao descanso semanal, férias, pensões e aposentadorias provenientes da regulação pública do trabalho. Com isso, alguém que ingressasse no mercado de trabalho depois dos 15 anos de idade e permanecesse ativo por mais 50 anos, teria, possivelmente, mais alguns anos de inatividade remunerada (aposentadoria e pensão). Assim, cerca de
50% do tempo de toda a vida estaria comprometida com o exercício do trabalho heterônomo. A parte restante do ciclo da vida, não comprometida com o trabalhão pela sobrevivência, deveria estar associada à reconstrução da sociabilidade, estudo e formação cada vez mais exigidos pela nova organização da produção e distribuição internacionalizada. Isso porque, frente aos elevados e constantes ganhos de produtividade, torna-se possível a redução do tempo semanal de trabalho de algo ao redor das 40 para não mais de 20 horas. De certa forma, a transição entre as sociedades urbanoindustrial e pós-industrial tende a não mais separar nítida e rigidamente o tempo do trabalho do não trabalho, podendo gerar maior mescla entre os dois tempos de trabalho e não trabalho, com maior intensidade e o risco da longevidade ampliada da jornada laboral para além do tradicional local de exercício efetivo do trabalho. Frente a isso, constata-se que o melhor entendimento acerca do novo mundo do trabalho possibilita a reinvenção da pauta sindical comprometida com a construção de uma sociedade superior.
MUNDO DO TRABALHO
MARCIO POCHMANN
MUNDO DO TRABALHO
INTERNACIONAL
“E não importa se os olhos do mundo inteiro Possam estar por um momento voltados para o largo Onde os escravos eram castigados” Haiti – Gilberto Gil e Caetano Veloso
Fernando Damasceno
Fotos: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
SOLIDARIEDADE TRAVESTIDA Sob o disfarce de ajuda humanitária, Estados Unidos transformam tragédia no Haiti em ação militar para ocupar novamente o país
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Eduardo Munoz/Reuters
INTE R N A C I O N A L
Governo de ONGs Em 2004, depois de ajudar a depor o presidente Aristide novamente e integrar uma força de ocupação em conjunto com a França, os Estados Unidos aceitaram a proposta da ONU de criar uma Missão sob o comando do Brasil e composta principalmente por países latino-americanos para pacificar o país, dilacerado por uma guerra civil, e estabilizá-lo por meio da cooperação econômica internacional. Em 2006, a população elegeu René Préval, um velho aliado de Aristide, como novo presidente. A partir de então, os Estados Unidos e outras nações passaram a praticamente ignorar seu governo e bancar financeiramente inúmeras Organizações Não Governamentais (ONGs) no país. “O Haiti tem agora a maior presença per capita de ONGs no mundo. O governo Préval se tornou uma ficção, atrás da qual as decisões reais são tomadas pelos poderes imperiais e implementadas através das ONGs escolhidas”, diz Yves Engler. Após o terremoto, a ação das inúmeras ONGs se tornou ainda mais evidente. “Enquanto várias ONGs estão tentando enfrentar a crise, os Estados Unidos e outros governos dão dinheiro a elas como forma de enfraquecer o direito do Haiti à autodeterminação. As ONGs internacionais não prestam contas ao estado do Haiti ou à população do Haiti. Assim, o dinheiro da ajuda enviado por meio delas enfraquece o controle que os haitianos têm sobre sua própria sociedade”, denuncia o ativista canadense.
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ssim como na famosa canção dos dois músicos baianos, por algumas semanas os olhos de todo o mundo se voltaram para o desastre ocorrido em Porto Príncipe, capital do Haiti. Passados três meses e com boa parte da poeira assentada, torna-se necessário que esses mesmos olhos permaneçam no país caribenho por muito mais que “um momento”, a fim de evitar que a catástrofe natural resulte em novas tragédias. Uma dessas possíveis tragédias já está em curso, tem sua origem em Washington D.C., capital dos Estados Unidos, e traz conseqüências para todo o continente americano. Ato contínuo ao terremoto, o governo de Barack Obama tomou a frente dos trabalhos de “ajuda humanitária” ao Haiti, ignorando a liderança do Brasil e a presença da missão da Organização das Nações Unidas no país, a Minustah. Sob o ponto de vista estadunidense, nunca um desastre natural veio tão a calhar: o Tio Sam pôde aparecer bem na foto prestando ajuda às vítimas de Porto Príncipe, enquanto ocupava militarmente a cidade.
CONTINGENTE DE GUERRA Alguns números explicitam a importância da movimentação yankee: em questão de dias, os Estados Unidos enviaram 20 mil soldados para um país com cerca de nove milhões de habitantes – quantidade proporcionalmente semelhante ao contingente de 70 mil militares que se encontra no Afeganistão, país de 28 milhões de cidadãos. “Historicamente, a faixa do mar caribenho onde o Haiti se situa sempre foi considerada como estratégica pelos Estados Unidos, já que a região é vista geopoliticamente
como uma primeira linha de defesa ao sul de seu território”, explica Rubens Diniz, diretor do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz). Outro dado: apesar da pequena relevância do Haiti na geopolítica mundial, sua capital já mantinha três mil funcionários na Embaixada estadunidense – a quarta maior em todo o planeta, atrás apenas das representações no Iraque, China e Alemanha. Os 20 mil soldados que se encontram no Haiti seguem os passos de outras recentes incursões do país-símbolo do imperialismo, como a reativação da IV Frota, a instalação de novas bases militares espalhadas pela América Latina e o apoio do governo Obama ao golpe de Estado sofrido por Manuel Zelaya em Honduras.
OS INTERESSES REAIS “A ajuda ao Haiti sempre foi usada para avançar os interesses imperiais. Isso é óbvio quando você vê como os Estados Unidos e o Canadá trataram o governo de Aristide (leia mais no box na página ao lado) em contraste com o regime golpista. Os Estados Unidos e o Canadá tiraram quase toda a ajuda de Aristide. Mas depois do golpe eles abriram a torneira de dinheiro para algumas das forças mais reacionárias da sociedade do Haiti”, afirmou o ativista canadense Yves Engler, em entrevista a diversas agências de notícias na semana do terremoto. Os estrategistas militares estadunidenses sempre trabalharam para que a região do Mar do Caribe fosse considerada uma extensão de suas próprias águas, especialmente depois da Revolução Cubana, em 1959. Ao ocupar o Haiti mais uma vez em 2010, tendo como reais
A DÍVIDA HISTÓRICA E A INGERÊNCIA DAS GRANDES POTÊNCIAS “A ocupação militar do Haiti não pode ser vista fora do contexto da política intervencionista para a região da América Latina e Caribe, cuja prioridade é o cerco a Cuba e à Revolução Bolivariana Venezuelana” intenções sua estratégia geopolítica, novamente os Estados Unidos optaram por ignorar a autoridade da ONU e as leis que regem o direito internacional. “A ocupação militar do Haiti não pode ser vista fora do contexto da política intervencionista para a região da América Latina e Caribe, cuja prioridade é o cerco a Cuba e à Revolução Bolivariana Venezuelana. Nesse mesmo contexto se inscrevem a criação da Quarta Frota, das bases militares na Colômbia, o acordo militar com o Panamá e a existência de mais de uma dezena de outras bases militares em países caribenhos e latino-americanos”, afirma Socorro Gomes, presidente do Cebrapaz. A ONU já assistiu passivamente o apoio dos Estados Unidos ao golpe em Honduras e agora repete o comportamento omisso em relação ao Haiti, um país atualmente sem Exército, com um presidente enfraquecido e incapaz de fazer uso de sua soberania. Barack Obama falava, tanto em sua campanha eleitoral quanto após ser empossado na Casa Branca, que haveria uma era de multilateralismo com sua chegada ao poder. O mundo – e a América Latina, em particular, – ainda está à espera.
ilustração
O Haiti foi por muito tempo a colônia mais lucrativa para a França, graças a suas fartas plantações de açúcar, mantidas sob o chicote escravo. No entanto, em 1803 – a data oficial é 1º de janeiro de 1804 –, os negros haitianos foram à luta e derrotaram as tropas de Napoleão Bonaparte, tornando-se o primeiro povo livre da América Latina. A Europa nunca perdoou tal ato de bravura . Os Estados Unidos, na mesma toada, jamais viram com bons olhos tamanha “desfaçatez” – principalmente por passarem a ter prejuízos a partir do momento em que a escravidão foi abolida no Haiti. O resultado: a invasão yankee de 1915, só encerrada 19 anos depois, quando suas dívidas foram devidamente “cobradas” e o governo local desistiu de restringir o controle de suas plantações a empresas estrangeiras. Para Socorro Gomes, a própria história do Haiti demonstra os problemas que as diversas ocupações trouxeram ao país. “O Haiti é uma nação que já era destruída antes da tragédia de 12 de janeiro, um país que vem sendo castigado desde sua independência, sobretudo pelo imperialismo, que o deixou à míngua, pois seu povo teve a ‘ousadia’ de libertar os escravos e ser a primeira nação da região a se tornar independente”.
O resultado prático da ousadia haitiana pôde ser visto pelo mundo todo logo após o terremoto. Ao longo dos pouco mais de dois séculos de “independência”, a dominação imperialista estadunidense e a corrupção da elite local fizeram com que o país estivesse totalmente despreparado para lidar com tragédias naturais como a do começo deste ano. No decorrer do século XX, tanto o governo dos Estados Unidos quanto a ONU e diversas nações europeias sustentaram planos econômicos desastrosos, que culminaram no empobrecimento de mais de 80% da população, no desflorestamento do país e na falta completa de infraestrutura. Durante a Guerra Fria, os Estados Unidos deram todo o apoio às ditaduras de Papa Doc Duvalier e Baby Doc Duvalier. Durante esse período, a economia haitiana passou a depender quase que exclusivamente do capital estadunidense. Nos anos 80, a população se levantou para pôr fim ao regime de exceção e levou JeanBertrand Aristide ao poder. Na década seguinte, o presidente sofreu um golpe com a participação dos EUA e só pôde voltar ao cargo, em 1994, ao aceitar submeter o país a um plano econômico neoliberal – política até hoje conhecida como “plano da morte” pelos haitianos. VISÃOClassista
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MARA LOGUERCIO
DIREITO DO TRABALHADOR
O legislado sobre o negociado
Fala-se que os acordos coletivos têm saído com mais facilidade e com ganhos reais maiores. Mas isso esconde alguns truques que os patrões utilizam para não pagar ao empregado os tais “ganhos maiores”
Mara Loguercio é juíza aposentada do Trabalho e é autora de “Questões polêmicas sobre a Jornada de Trabalho”, com Altamiro Borges 1. BORGES, Altamiro e LOGUERCIO, Antônia Mara. Questões Polêmicas sobre a Jornada de Trabalho. NOTADEZ- HS Editora, Porto Alegre, 2009
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ão é casual o patronato apresentar resistência à redução de jornada e ao aumento do adicional de horas extras. Fala-se que os acordos coletivos têm saído com mais facilidade e com ganhos reais maiores. Mas isso esconde alguns truques que os patrões utilizam para não pagar ao empregado os tais “ganhos maiores”. Como o salário de qualquer trabalhador, ainda que mensalista, é calculado pelo número de horas efetivamente trabalhadas, as “mágicas” são: 1. Não registrar corretamente as horas: os cartõesponto dificilmente anotam o horário certo. Os trabalhadores batem o cartão como se tivessem saído e retornam ao trabalho, deixando de ganhar a hora laborada e o adicional. Com o ponto eletrônico, tudo piorou. Por falta de regulamentação e fiscalização, as empresas adotavam programas de computador que permitiam adulterar os cartões após o registro. Principalmente porque não eram obrigadas a fornecer o comprovante ao empregado. Essa era uma grave forma de sonegação de salários e foi agora corrigida pela Portaria 1.510 de 25/08/2009 do M.T.E, com entrada imediata em vigor, exceto quanto à obrigatoriedade de adoção do Registro Eletrônico de Ponto que vige a contar de 25/08/2010. Cabe aos sindicatos divulgar amplamente, nas bases, o teor desta Portaria, fiscalizar sua aplicação e contrapor-se ao movimento patronal que busca alterá-la ou revogá-la;
2. Outro estelionato praticado contra os trabalhadores é a utilização de Leis inconstitucionais, como a que permite o desconto de dez minutos diários (cinco na entrada e cinco na saída), a que institui o Banco de Horas e a que exclui alguns trabalhadores (os que exercem atividade externa e os gerentes e similares) do direito à jornada máxima, ao argumento de que não há como controlar seus horários. A Constituição de 1988 estabelece jornada máxima de oito horas diárias e 44 semanais, e não admite ressalva. Todas as Constituições anteriores (34, 37, 46, 67/69) previam jornada diária de oito horas, “salvo casos expressamente previstos em lei”. Agora, nenhuma categoria pode ser excluída do direito à jornada de trabalho. A compensação de horários e a redução de jornada, permitidas pelo inciso XIII do art. 7o só podem ser admitidas se: a) forem celebradas por negociação coletiva; b) observarem o limite máximo de 44 (ou 40) horas semanais, o que afasta o Banco de Horas; c) nunca aumentar a jornada, somente reduzi-la. O corte de dez minutos diários implica três horas mensais e os cortes de 20 ou 30 minutos diários previstos em algumas normas coletivas, somam seis e 12 horas mensais respectivamente; d) compensar cada hora extra, mesmo se mantido o ridículo adicional de 50%, por uma hora e meia de não trabalho1. Quanto ao adicional de horas extras, a nova Lei Trabalhista da República
Popular da China (final de 2008) aumentou de 100%, da Lei de 1994, para 150% nos dias de semana, mantendo os adicionais de 200% nos repousos e 300% nos feriados. Isso desmente a alegação empresarial de graves dificuldades financeiras se for aumentado o adicional para 75% porque ele representa a metade do mesmo adicional praticado na economia que mais cresce no mundo! Tais manobras são sustentadas nas negociações coletivas e muitas vezes as entidades sindicais cedem nessas matérias para garantir o “ganho real”, esquecendo que os salários são pagos conforme as horas laboradas. O movimento sindical deve ficar atento a teses que pretendem fazer prevalecer o negociado sobre o legislado. É mais segura a proteção da Lei e a prevalência sobre ela dos preceitos constitucionais. E num momento de fragilidade em que decisões judiciais equivocadas como a que reduz a sete o número de dirigentes sindicais estáveis, são tomadas pela mais alta Corte. A luta sindical deve-se dar em todos os níveis, desde a mobilização das bases, passando pela pressão no nascedouro das leis, Poder Legislativo ou, quando o caso, de Portarias do Poder Executivo, até a batalha sem tréguas para fazer valer os interesses dos trabalhadores junto a cada instância do Poder Judiciário. Só assim o Direito do Trabalho que é o conjunto de direitos dos trabalhadores se firmará como realidade entre nós.
CRISE GLOBAL Dekasseguis lutam pela manutenção de seus direitos nas ruas do Japão
O FRACASSO DO NEOLIBERALISMO
A crise é do capitalismo, mas quem paga a conta é a classe trabalhadora
Umberto Martins s crises econômicas são fenômenos intermitentes na história do capitalismo. Têm um caráter cíclico e ocorrem com certa regularidade pelo menos desde 1825 (na Inglaterra), tendo quase sempre por pano de fundo a superprodução de mercadorias. O que distingue a recessão que
começou no final de 2007 nos EUA e de lá se alastrou pelo globo, transformando-se numa crise mundial, é sua dimensão, intensidade e duração. Conforme diagnóstico consensual dos economistas e outros observadores, esta é a maior crise do capitalismo desde a Grande Depressão dos anos 1930, que desembocou na
2ª Guerra Mundial. É também a mais global de toda a história. Cabe ressaltar que seus impactos entre as nações são diferenciados e, pelo andar da carruagem, devem reforçar a marcha do desenvolvimento desigual que impulsiona o deslocamento do poder econômico internacional do Ocidente para o Oriente. VISÃOClassista
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REFLEXOS DA CRISE Láldert Castello Branco
BANDEIRA NA MÃO Em todo Brasil, CTB protestou contra a crise neoliberal
EFEITOS DESIGUAIS A China foi fortemente afetada pela contração do mercado norteamericano, amargando a falência de milhares de indústrias e a demissão de 20 milhões de operários, segundo estimativas divulgadas pelo governo. Mas o país reagiu bem e não tardou a sair da crise. Cresceu 8,7% no ano passado, superando as expectativas. A Índia (com expansão de 5,8%) e outros países asiáticos acompanharam de perto o desempenho chinês. O Brasil não foi tão bem assim. Fechou o ano com uma taxa de crescimento do PIB próxima de zero, sendo que o impacto na indústria foi particularmente severo, em função da contração do mercado externo. Mas o país também se recuperou em prazo relativamente curto, ancorado no mercado interno (fortalecido pela valorização do salário mínimo), nas medidas anticíclicas adotadas pelo governo Lula, na diversificação das exportações e no crescimento da China, que em 2009 assumiu o primeiro lugar no ranking dos 26
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parceiros comerciais do Brasil, superando os EUA. O desemprego recua e a produção cresce em todos os setores de atividades desde meados do ano passado, com destaque para a indústria. Espera-se uma expansão maior que 5% para o PIB neste ano.
AL SOFREU MENOS No conjunto da América Latina, a crise exportada pelo capitalismo americano “afetou a maioria dos países da região, mas em menor medida que as crises anteriores”, conforme avaliação da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe) em seu “Panorama Social da AL 2009”, que mencionou os efeitos das crises “mexicana” de 1995 e “asiática” (1997-99) e da recessão de 2001 nos EUA. “Prevê-se uma queda do PIB por habitante na maioria das economias e não se espera que nenhuma delas tenha um crescimento significativo. Além disso, o desemprego cresceu em vários países e se espera que alcance 8,5% em média no fim de 2009”, complementa a Cepal.
A crise exportada pelo capitalismo americano afetou a maioria dos países da América Latina, mas em menor medida que as crises anteriores O MÉXICO SE DEU MAL O comportamento da economia na região também foi desigual. Os países que privilegiaram as relações comerciais e financeiras com os EUA sofreram bem mais. O México é um caso exemplar: em 2009 o PIB do país que hoje destina 80% de suas exportações ao desequilibrado vizinho do norte despencou 6,5%. Os fatos dão razão ao Brasil, Venezuela, Argentina, Bolívia,
Mike Groll
S.O.S. No primeiro mundo, cidadãos ironizam socorro dos governos aos bancos ilusões com a restauração capitalista cederam lugar à amargura.
A importância comercial e financeira do império norteamericano caiu bem mais com a crise
COISAS DO CAPITALISMO
Equador e outros países latinoamericanos que, em defesa da soberania e do desenvolvimento, rejeitaram a ALCA, apostaram na diversificação do destino de suas exportações, na parceria com a China e no fortalecimento dos laços de integração regional.
EUA, EUROPA E JAPÃO A produção mundial recuou 2,2% em 2009 refletindo os estragos da recessão no chamado 1º Mundo. Nos EUA, o PIB caiu 2,4%; no Japão e no Reino Unido a queda superou 5%; a zona do euro registrou declínio de 4%. O leste europeu foi duramente atingido. A produção na Lituânia e Estônia caiu em torno de 18%. Na Estônia e Ucrânia o recuo ficou por volta de 14%. O resultado na Romênia foi de -8,5%; na Rússia, - 7,5%; na Eslovênia, -5%. As
Nas crises, segundo o pensador inglês Friedrich Engels, o que se vê é a explosão violenta da contradição inerente ao capitalismo entre a produção social e a apropriação privada (capitalista), que se desdobra na ruptura da unidade entre produção e consumo e entre compra e venda. “A circulação de mercadorias é momentaneamente paralisada”, conforme notou Engels no livro Anti Duhring. Esse fenômeno, que perturba o processo de valorização e reprodução do capital, foi traduzido na forte retração do mercado norte-americano, que provocou um efeito dominó no resto do planeta. O comércio mundial teve uma queda recorde de 12% em 2009, no maior retrocesso desde 1945, de acordo com a Organização Mundial do Comércio.
PARASITISMO E DECLÍNIO DOS EUA Também estourou na crise atual o dilema dos desequilíbrios comerciais e financeiros da economia estadunidense. O consumismo exagerado cultivado pelo estilo de vida americano, turbinado pelo déficit comercial e o endividamento externo, foi a contrapartida da superprodução mundial e, em boa medida, o motor da acumulação capitalista em todo o globo ao longo dos últimos anos. Embora encarados como “virtuosos” por alguns economistas sem imaginação,
esses desequilíbrios patenteiam um parasitismo insustentável. O consumo despencou e o déficit comercial dos EUA, que alimenta o processo de valorização do capital em escala internacional, recuou 45% no ano passado. A depressão do consumo teve correspondência no aumento da poupança interna, configurando uma correção violenta dos desequilíbrios.
ASCENSÃO DA CHINA Embora os números de dezembro sinalizem uma recuperação das suas importações, é muito pouco provável que os EUA continuem mantendo a posição de “consumidor de última instância” e principal sorvedouro da produção mundial. A importância comercial e financeira do império caiu bem mais com a crise. A recuperação desigual das economias em âmbito mundial, incerta e frágil nas potências capitalistas, já não está sendo liderada pelos EUA, mas pela China. Foi o crescimento chinês que impediu uma depressão maior da demanda e está estimulando a expansão da produção em muitos países, incluindo o Brasil.
A MÃO FORTE DO ESTADO Naufragou nas águas da crise a concepção neoliberal de que se deve deixar a economia ao sabor das leis do mercado. Os governos VISÃOClassista
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REFLEXOS DA CRISE CIG
torraram trilhões de dólares na tentativa, nem sempre bem sucedida, de contornar a recessão. Os efeitos desta intervenção, que ainda não se esgotaram, são controversos. O grosso dos recursos públicos foi destinado ao resgate do sistema financeiro e não restam dúvidas de que do ponto de vista dos banqueiros o socorro foi providencial. A classe trabalhadora não pode dizer o mesmo. O desemprego e os despejos nos EUA continuaram avançando após a edição de dois pacotes econômicos, dos governos Bush e Obama, que subtraíram US$ 1,45 trilhão do orçamento público. Na Europa não foi diferente. O resultado para a economia também foi magro e ambíguo. Ao lado do estímulo imediato à demanda, a gastança exacerbou os déficits públicos, despertando o fantasma da crise fiscal e a possibilidade de inflação quando o crescimento voltar. O combalido padrão dólar não ficará imune e a agência Moody’s levantou a possibilidade de futuro rebaixamento da classificação do crédito do Tio Sam, atitude inimaginável em passado recente. A repercussão do descontrole das finanças públicas parece mais trágica na Europa, onde projetou uma sombra de dúvidas sobre o futuro do euro. A Grécia, berço da civilização ocidental e hoje um elo frágil da União Europeia, vive dias tensos. Acossado pela crise da dívida externa (estimada em 300 bilhões de dólares), o governo do país impôs um pacote econômico que descarrega sobre as costas largas da classe trabalhadora o ônus do ajuste, reduzindo salários e direitos, elevando a idade de aposentadorias e aumentando impostos. 28
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INDIGNAÇÃO Trabalhadores europeus não aceitam pagar a conta da crise
A crise evidenciou o fracasso do neoliberalismo, despertou a necessidade de uma nova ordem mundial e revelou os limites do capitalismo LUTA DE CLASSES Os trabalhadores gregos reagiram com manifestações de rua e uma greve geral que parou o país no dia 24 de fevereiro. Assim como na Grécia, em todo o mundo capitalista as classes dominantes manobram para transferir os prejuízos à classe trabalhadora. E é isto que tem prevalecido. Embora estejamos diante de uma crise do capitalismo, fabricada pelos capitalistas, com destaque para os banqueiros, é a classe trabalhadora quem está pagando o pato, com o aumento das taxas de desemprego, redução de salários, flexibilização e supressão de direitos. O exemplo grego não é único. O desemprego mundial bateu o recorde histórico em 2009. Segundo a Organização Internacional do Trabalho, mais de 20 milhões de
postos de trabalho foram destruídos, elevando o exército de desocupados a 212 milhões. Imigrantes e trabalhadores de baixa qualificação são as principais vítimas. Nos EUA, a taxa de desemprego saltou de 4,6% em 2007 para cerca de 10% no final do ano passado. Mais de sete milhões de vagas foram eliminadas desde o início da recessão, em dezembro de 2007. Na zona do euro a taxa de desemprego atingiu 9,8%, a mais alta desde dezembro de 1998, e deve chegar a 10,7% neste ano. A crise mundial acirrou a luta de classes entre capital e trabalho. As mobilizações em curso na Europa contra políticas econômicas que socializam os prejuízos das grandes empresas capitalistas e transferem à classe trabalhadora o ônus da recessão são sinais inequívocos disto, entre muitos outros. A crise evidenciou o fracasso do neoliberalismo, despertou a necessidade de uma nova ordem mundial e revelou os limites do capitalismo. É uma oportunidade para a luta da classe trabalhadora, do movimento sindical e das forças progressistas por novos projetos de desenvolvimento nacional e pelo socialismo.
COMUNICAÇÃO ALTAMIRO BORGES
Confecom: vitórias e próximos passos té os mais pessimistas ficaram surpresos com os resultados positivos da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, realizada em dezembro. Com firmeza de princípios e extrema habilidade, os setores sociais que há muito lutam contra a ditadura midiática emplacaram várias vitórias. O processo em si já tinha sido surpreendente, envolvendo quase 30 mil pessoas em suas etapas preparatórias, num esforço pedagógico sem precedentes na história. Mas a Confecom foi bem além do saldo político. Ela aprovou 672 propostas, na maioria bastante avançadas. Agora, elas servirão de baliza para iniciativas do Executivo e do Legislativo.
CONSELHO E RÁDIOS COMUNITÁRIAS Uma das propostas mais marcantes da Confecom é a que indica a criação do Conselho Nacional de Comunicação Social, vinculado ao Poder Executivo e composto de forma tripartite. Ele teria a finalidade de contribuir na regulamentação e regulação do setor e contaria, pela primeira vez na história do país, com a participação de representantes dos movimentos sociais. O governo Lula já sinalizou que deverá instituir o órgão ainda em 2010. Outro avanço se deu com a assinatura de uma “carta de intenções” entre representantes do governo e a Associação Brasileira de
Rádios Comunitárias (Abraço), que sinaliza para o fim da odiosa criminalização do setor. Entre outros pontos, ela indica “a criação da subsecretaria de radiodifusão comunitária”, “agilização na tramitação dos processos” de outorga, “revogação da legislação que considera crime a operação de emissoras sem autorização”. A Confecom ainda aprovou a criação de um programa nacional de banda larga, visando enfrentar a “exclusão digital”; a destinação de recursos da publicidade oficial para veículos “comunitários e alternativos”; maior rigor nas outorgas e concessões para redes privadas de rádio e TV; redução do capital estrangeiro nos meios de comunicação de 30% para 10%; proibição do controle por determinado grupo de mais de 25% da grade de programação em qualquer plataforma; criação de um “observatório de mídia e direitos humanos”, entre outras dezenas de propostas avançadas.
A GRITARIA DOS BARÕES DA MÍDIA O caráter progressista da Confecom é evidente. Tanto que ela gerou violenta gritaria dos barões da mídia que se acovardaram e não participaram da conferência, revelando toda a hipocrisia do seu discurso em defesa da “liberdade de expressão e da democracia”. A prepotente Associação Brasileira de Emissoras de Rádio de
Televisão (Abert), teleguiada pela TV Globo, considerou o resultado da conferência “preocupante”, “um retrocesso”. Até o Jornal Nacional foi acionado para questionar a legitimidade do evento e para atacar suas resoluções. A reação raivosa prova que os barões da mídia farão de tudo para impedir que as resoluções da Confecom sejam aplicadas. Será necessário reforçar a organicidade e a pressão dos movimentos sociais para garantir que as propostas não virem letra morta. As comissões estaduais criadas no processo da Confecom demonstraram capacidade para aglutinar vários setores sociais, tornando-se um espaço de unidade na diversidade e garantindo amplitude ao movimento. O ideal é que elas sejam mantidas e tenham uma agenda permanente de ação. A pressão unitária terá papel decisivo na nova realidade criada pela Confecom. Muitas propostas não dependem de votações no Legislativo, o que seria difícil num ano eleitoral. O governo Lula pode, de imediato, instituir o Conselho Nacional de Comunicação e descriminalizar as rádios comunitárias. A batalha sucessória também pode incluir o tema estratégico da democratização dos meios de comunicação. Ou seja: há muito que fazer no próximo período! Organicidade e pressão social são as palavras-chaves para a nova fase que se abre.
O caráter progressista da Confecom é evidente. Tanto que ela gerou violenta gritaria dos barões da mídia que se acovardaram e não participaram da conferência
Altamiro Borges é jornalista, autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo”, entre outros. VISÃOClassista
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JORNADA
Aspiração histórica da classe trabalhadora, a redução da jornada de trabalho (RJT) sem redução de salários é uma bandeira que unifica o sindicalismo brasileiro
Arquivo CTB
MAIS EMPREGO E QUALIDADE
Cinthia Ribas luta pela redução do tempo de trabalho de 44 para 40 horas semanais compõe a agenda comum das seis maiores centrais sindicais (CTB, CUT, FS, NCST, CGTB e UGT), que já realizaram várias manifestações em Brasília pela aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 231/95. A proposta dos senadores Paulo Paim (PT-RS) e Inácio Arruda (PCdoB-CE) que institui a jornada de 40 horas semanais despertou uma forte oposição do empresariado brasileiro. Em sua maioria contrários ao projeto, eles não querem abrir mão dos lucros altos e resistem à repartição dos ganhos de produtividades verificados na economia nacional ao longo dos últimos anos. Contestam os benefícios da medida e apelam ao argumento do aumento dos custos e perda de competitividade. A PEC também eleva o adicional da hora extra de 50% para 75%.
PRETEXTO RECHAÇADO A alegação dos capitalistas, exposta em nota da FIESP (Federação das Indústrias de São Paulo), é rebatida pelos estudos 30
VISÃOClassista
NA LINHA DE FRENTE CTB se destaca na campanha pelas 40 horas do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), que revelam que a redução para 40 horas semanais terá um impacto de apenas 1,99% no custo da produção das empresas. A introdução de novas tecnologias e a implantação da reestruturação produtiva, a partir da década de 90, fizeram com que as empresas dobrassem sua produtividade. Entre 2000 e 2009 a produção cresceu
27%, com impacto positivo nos lucros. Reduzir a jornada é um meio de distribuir de forma mais justa não só o tempo de trabalho, de modo a elevar o nível de emprego, mas também os ganhos de produtividade, que não devem ser apropriados exclusivamente pelo capital, que transforma novas tecnologias em sinônimo de desemprego. Segundo o IPEA (Instituto de Pesquisa Aplicada e Estatística), a
Valcir Rosa
DE VIDA jornada de trabalho no Brasil pode ser reduzida a 37 horas semanas sem comprometer a produção.
JORNADAS EXTENUANTES Desde a Revolução Industrial na Inglaterra, ocorrida no final do século XVIII e início do século XIX, quando não existia legislação trabalhista e o tempo de trabalho chegava a 16 ou mesmo 18 horas diárias, a redução da jornada sem prejuízo para os salários passou a ser uma reivindicação da classe trabalhadora. A bandeira das oito horas diárias deu origem ao 1º de Maio, Dia Internacional do Trabalho. As atuais 44 horas semanais de trabalho, uma conquista consagrada na Constituição promulgada em 1988, ainda é uma das mais extenuantes jornadas laborais das Américas e do mundo. Segundo dados do Dieese, a jornada brasileira é maior que a de países desenvolvidos e até de outros latino-americanos. Na Alemanha, a jornada semanal é de 39 horas; nos Estados Unidos, 40; na França, 38; no Japão, 43; e no Canadá, 31 horas. No Chile, a jornada semanal é de 43 horas e na Argentina, de 39. Em todos esses países, a jornada foi reduzida nos últimos 20 anos. A RJT, além de ser uma bandeira histórica, tem um sentido estratégico para a classe trabalhadora. São muitos os benefícios sociais que podem suceder a medida, cabendo destacar prioritariamente seus efeitos no mercado de trabalho.
SITUAÇÃO ALARMANTE No Brasil, o atual nível de desemprego tem levado à discussão
PRESSÃO Centrais levam a Michel Temer a proposta da redução da jornada
O Brasil atravessa um momento propício para a adoção a redução da jornada máxima de trabalho de 44 para 40 horas semanais sobre a RJT, sem redução de salários, como um dos meios para preservar e criar empregos de qualidade. Os reflexos da crise econômica levaram o mundo a atingir um número recorde de desempregados em 2009, de 212 milhões de trabalhadores segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho). No Brasil, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2009 a taxa de desemprego ficou em 8,1%. Em flagrante contradição com os milhões de desempregados, são muitos os trabalhadores e trabalhadoras forçadas a realizar longas e extenuantes jornadas, superiores inclusive aos limites sugeridos pela Constituição em função das horas extras. Tal
situação foi agravada pela crise do capitalismo, que assolou o mundo e castigou duramente a classe trabalhadora. A RJT e o aumento do valor da hora extra dos atuais 50% para 75% proporcionarão para a classe trabalhadora melhor qualidade de vida, expansão da formalização, redução dos acidentes de trabalho e das doenças ocupacionais, tempo livre para a educação e o convívio familiar e social, entre outros benefícios. O argumento utilizado pelas centrais sindicais de que a jornada de trabalho no Brasil não se resume às 44 horas oficiais é também baseado no fato de que o trabalhador gasta em média mais de duas horas no deslocamento da casa para o trabalho e viceversa, além das horas extras a que habitualmente é compelido a realizar.
MOBILIZAÇÃO Os dirigentes das principais centrais sindicais do país são unânimes ao afirmar que o Brasil atravessa um momento propício para VISÃOClassista
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JORNADA
ENTREVISTA | JOÍLSON CARDOSO SECRETÁRIO DE POLÍTICA SINDICAL E RELAÇÕES INSTITUCIONAIS DA CTB
a adoção a redução da jornada máxima de trabalho de 44 para 40 horas semanais. A economia está em franca recuperação e dá sinais de que deve crescer mais de 5% neste ano. “Esta é a terceira vez, em cem anos, que a jornada de trabalho no Brasil é reduzida. A primeira foi em 1943, depois em 1988 e, agora, em 2010”, destacou Wagner Gomes presidente da CTB. Em função do avanço da produtividade é possível ousar bem mais. “Além dos mais de dois milhões de postos de trabalho que a redução da jornada pode criar, temos também a qualidade de vida”, acentuou o presidente da CTB. O trabalhador brasileiro necessita de mais renda, mais emprego, saúde, educação, lazer e cultura. Tudo isso fortalece o mercado interno e potencializa o desenvolvimento nacional. Já a utilização excessiva do trabalho extraordinário, além de causar evidentes prejuízos à sociedade, ante o aumento do desemprego, causa também graves danos à saúde do trabalhador, elevando as despesas da sociedade com saúde.” Wagner Gomes cita o estudo realizado pelo Dieese que estima em 2,5 milhões o total de novos postos de trabalho que podem ser gerados através da redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais e a coibição das horas extras. Estudos aprofundados dos fisiologistas, ergonomistas, psicólogos, médicos do trabalho e outros também respaldam os fundamentos científicos dos benefícios da redução da jornada de trabalho para a saúde, mas é também necessário “controlar, com rigor, o trabalho extraordinário”, salienta Wagner Gomes. 32
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A CTB, desde sua fundação, definiu como prioridade a luta pela Redução da Jornada de Trabalho sem Redução de Salários (RJT), uma luta unitária das centrais. Qual o papel da CTB na promoção dessa unidade? Quando fundamos a CTB, a pauta das Centrais, expressa nas Marchas anteriores, sempre tratou de temas importantes, como combate aos juros altos, salário mínimo, previdência pública, entre outros temas relevantes. E a partir da participação da CTB que o tema da Redução da Jornada de Trabalho ganhou a ordem do dia. Temos convicção de que a Redução da Jornada sem Redução de Salários (de 44 para 40 horas) está dentro do que chamamos de mudanças estruturais para um Projeto Nacional, com desenvolvimento e valorização do trabalho. Unir as Centrais em torno de uma plataforma comum e aumentar o protagonismo da classe trabalhadora tem sido o trabalho intenso da CTB junto às demais Centrais e à sociedade brasileira. O Dieese alerta que tão importante quanto implantar a Redução da Jornada é coibir a utilização das horas extras e do
banco de horas. Quais medidas precisarão ser tomadas? Os números do DIEESE são incontestáveis: mais de um milhão de empregos são consumidos pela utilização indiscriminada das horas extras no Brasil. Diferente de outros países que limitam a utilização de horas extras, como Argentina, Uruguaí, Alemanha, França, no máximo a quatro horas semanais. O fato de estarmos lutando pela Redução da Jornada de 44 para 40 horas e aumento do valor da hora extra de 50% para 75% nos remete, em seguida, a lutarmos pela restrição das horas extras e o fim do banco de horas, completando o ciclo da redução da jornada de trabalho no Brasil na atual conjuntura. Os sindicatos devem inserir essa discussão na pauta de reivindicações, como também as Centrais devem iniciar, imediatamente, campanha com o mesmo objetivo, forçando o Congresso Nacional a regulamentar, restringindo a utilização destes dispositivos perversos. Uma luta ferrenha tem sido travada no Congresso Nacional. A PEC tem enfrentado a feroz resistência do empresariado, que não quer abrir mão de seus lucros. Qual será o próximo passo das centrais se a questão não avançar? As Centrais devem aumentar a pressão sobre os parlamentares, os líderes de bancadas e os presidentes da Câmara e Senado. Podemos realizar campanha nacional com a lista dos parlamentares e partidos que apoiam e os que são contra, expondo para a opinião pública, inclusive durante o processo eleitoral 2010. Outra medida seria a realização de greves em setores econômicos de forte organização sindical. E por que não uma greve geral?
SAÚDE DO TRABALHADOR MUNDO DO TRABALHO JOSÉ BARBERINO
Doenças ocupacionais e acidentes do trabalho no Brasil abidamente o adoecimento ocupacional e os acidentes do trabalho têm um longo histórico epidemiológico no Brasil. Esses registros colocam o nosso país numa posição bastante constrangedora e incômoda, um dos campeões mundiais. Urgem do movimento sindical medidas eficazes para fazer frente a esse enorme problema, que afeta a milhões de brasileiros. As discussões sobre a prevenção, condições de trabalho e elevado número de horas extras realizadas, remuneradas ou não, são extremamente necessárias. Há um sentimento, por parte do segmento patronal e do movimento sindical, que a solução para esses problemas passam somente pela ergonomia e pela ginástica laboral. Atualmente já se sabe que as fontes causadoras de doenças e acidentes do trabalho são abrangentes e multifacetadas. Por isso as abordagens devem ser feitas de forma multiprofissional. Apesar da implantação do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP), no INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), o descaso para investigar e
combater esses infortúnios é enorme e se caracteriza quando o instituto não concede uma parcela dos benefícios ao trabalhador. Afastado por mais de 15 dias, ao tentar agendar a perícia, ele só consegue marcá-la para aproximadamente 90 dias. Assim, quando o benefício não é concedido, quem termina arcando com o prejuízo, além de estar doente, é o trabalhador.
PROBLEMA AGRAVADO Aqueles que retornam ao trabalho após o período de afastamento formam um grupo propenso ao assédio moral. Isso ocorre, principalmente, porque esses trabalhadores adquirem estabilidade no emprego – fato que revolta os colegas desinformados e desagrada aos empregadores. É o caso de quem sofre de LER (Lesão por Esforços Repetitivos). A legislação trabalhista garante que todo empregado afastado por mais de 15 dias por LER tem direito à estabilidade por um ano a partir do dia de seu retorno ao trabalho. Ao voltar, esse funcionário deve ser realocado em uma função que não ofereça risco à sua saúde.
E é justamente durante esse tempo que ele fica mais exposto ao assédio. Muitos dos que estão acometidos pela doença escondem essa condição, não notificando corretamente aos órgãos competentes com receio de perderem o emprego por perseguição, serem marginalizados pelos colegas ou terem perdas pecuniárias. Outro grupo que merece a devida atenção do movimento sindical são as jovens trabalhadoras que estão sendo vítimas de assédio sexual em seus empregos. Por serem novas e sem experiências profissionais, são vítimas de propostas com interesses de consecução sexual por seus superiores hierárquicos. Pior, além do assédio sexual também são vítimas de assédio moral, pois se tornam alvos quando resistem às investidas. Para as pessoas que são vítimas orientamos a gravarem em MP3, celular ou similar os momentos de assédio e procurarem o sindicato nos Departamentos de Gênero, Jurídico ou Departamento de Saúde, para conhecerem os seus direitos e a maneira de buscar punir aqueles que cometem tal crime.
Muitos dos que estão acometidos pela doença escondem essa condição, não notificando corretamente aos órgãos competentes com receio de perderem o emprego por perseguição
José Barberino é bancário e membro da Direção Plena da CTB VISÃOClassista
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URBANIZAÇÃO
Planejamento de urbanização para população de baixa renda é insuficiente no Brasil. Plano Nacional de Habitação precisa ter regulação fundiária e respeitar o déficit de cada estado do país
Marco Ribech
PLANEJAMENTO INSUFICIENTE
Ana Paula Carrion lhe a sua volta e perceba que mesmo na maior cidade do Brasil é fácil perceber a falta de investimentos na urbanização para a população de baixa renda. Enquanto vários são prédios de luxo construídos em tempo recorde nos bairros da zona sul, outros perdem o pouco que têm quando a natureza não dá trégua e manda chuva”. Esse desabafo é da presidente da Conam (Confederação Nacional da Associação dos Moradores), Bartíria Lima da Costa, de 54 anos. A discussão do impacto da falta de infraestrutura na moradia popular é uma discussão antiga e que veio à tona nos últimos meses devido às cotidianas chuvas que alagaram bairros em várias regiões de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, entre outros. Na maior cidade do Brasil, centenas de famílias passaram várias semanas com as casas alagadas sem qualquer previsão de retorno à normalidade. Para a presidente da Conam, a calamidade anunciada é fruto 34
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TRAGÉDIA População sofre pela falta de políticas habitacionais adequadas da moradia desordenada e sem planejamento. Grande parte dessas pessoas não tem renda, e se têm não ultrapassam o teto de três salários mínimos, que hoje é de R$ 510,00. No ano passado, o governo Lula lançou o Plano Nacional de Habitação “Minha Casa, Minha Vida” com o objetivo de facilitar o acesso à casa própria para famílias de baixa renda. ”O programa não priorizou as pessoas de fato carentes com salários baixos. Este projeto veio como forma de enfrentamento à crise econômica e, neste sentido foi positivo. O lado negativo é o não atendimento da faixa de renda muito baixa de zero a três salários”. Para Bartíria, o projeto nacional de moradia hoje se resume ao “Minha Casa Minha Vida”, que nada mais é do que um grande
chapéu que agrega todos os projetos em uma única proposta. “Nossa expectativa é que o recurso previsto realmente seja aplicado em famílias de baixa renda, que está previsto na sequência do projeto de atendimento”, disse. “O problema foi que com a liberação deste recurso a especulação imobiliária aumentou e os preços dos terrenos foram elevados dificultando a compra destes, cabendo a prefeitura doar ou não”, completou a presidente da Conam.
DESALOJAMENTO DE POBRES É QUESTÃO INTERNACIONAL De acordo com a organização Aliança Internacional de Habitantes, no mundo todo existem 1 bilhão de
Marco Ribech
este conjunto era bem maior. Existia a favela “Buraco quente”, que desapareceu e se dividiu em outras favelas menores. Nessa área foi construída a Avenida Roberto Marinho (local da rede Globo em SP) e uma área cheia de escritórios comerciais e bairros chiques. Nos últimos 25 anos sempre se falou de tirar os moradores das casas e de ampliar o conjunto de avenidas. O projeto está sendo realizado agora em vista da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos, e a obra vai ser enorme. Algumas barracas já foram destruídas e os moradores receberam indenização de 5 mil reais, ou moradias populares.
SANEAMENTO CÉU ABERTO Falta de saneamento ainda é praga que afeta a milhões no país pessoas ameaçadas de desalojamento ou em más condições de moradia, devido à diminuição da renda, guerras e ocupações estrangeiras e desastres ambientais. No Brasil, ela cita como exemplo o bairro de Brasilândia, em São Paulo. Mais especificamente a comunidade do Jardim Vista Alegre, que desde 2004 vive ameaçada de desalojamento – o número estimado de vítimas chega a dez mil pessoas. Segundo o diagnóstico da organização, a situação é complexa. A prefeitura alega que o dono da propriedade quer a reintegração de posse. Além disso, tem uma área da prefeitura definida como de risco e outra definida como patrimônio ecológico-ambiental. Mas a verdadeira causa do despejo é a construção do Rodoanel, que justamente vai passar
nas três áreas. O dono do terreno particular pediu a reintegração de posse só pra usufruir da indenização devida para a desapropriação. Os movimentos populares pedem para fazer uma intervenção que resgate a dignidade dos moradores do bairro (600 mil pessoas). Eles querem serviços básicos e também valorizar a área. Querem que a construção do Rodoanel seja planificada de outra forma. Pedem moradias sociais para os habitantes. Em Diadema, zona sul de São Paulo, cerca de 1500 pessoas também sofrem com o problema. A favela da Beira Rio fica em uma área na qual há um conjunto de várias favelas que hospeda estimativamente 16 mil famílias. As famílias ocupam esse território há 30 anos e, até dez anos atrás,
Este pode ser chamado de o “buraco negro” da questão. O grande problema das moradias populares é a falta de infraestrutura e, principalmente, de saneamento básico. Parece discurso antigo, mas não é. O tema é bem atual e precisa de medidas emergenciais para que uma calamidade pública não sufoque as cidades brasileiras. Há anos atrás, época em que a Caixa Econômica promovia o BNH (Banco Nacional da Habitação), o trabalhador comprava um imóvel e ao tomar posse descobria estava afastado do mundo, os imóveis eram construídos em áreas isoladas sem acesso a praticamente nada. Por conhecer esta realidade a Conam defende a tese de que nenhuma moradia seja construída em local sem estrutura e sem acessibilidade a serviços de atendimentos sociais. VISÃOClassista
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URBANIZAÇÃO Christophe Van Laere
DESCASO HISTÓRICO Na Rocinha, a síntese do abandono público por décadas “Nós temos várias ações, como a questão da moradia com organização proporcional, ou seja, urbanizações adequadas. A moradia não ocupa mais um espaço segmentar, ela precisa ter condições de mobilidade. As pessoas geralmente acham que saneamento é asfalto. Nisso vem a prefeitura e faz sem saber como andam as coisas lá embaixo. A maioria das cidades não possui saneamento – as cidades crescem sem infra-estrutura e de uma forma totalmente inadequada que dificulta a resolução. Temos que enfrentar o problema”, salientou Bartíria. Os movimentos sociais e populares também abraçaram a campanha nacional “Moradia Digna – Uma Prioridade Social – pela garantia permanente para a habitação social”. A campanha propõe a aprovação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que destine, no mínimo, 2% da arrecadação da União e 1% da arrecadação dos estados e Municípios à moradia social. Quem quiser participar pode enviar e-mail para o parlamentar de sua região. 36
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O “buraco negro” da questão é a falta de infraestrutura e, principalmente, de saneamento básico das moradias populares MORADIA DIGNA, UMA PRIORIDADE SOCIAL A campanha nacional pela garantia de recursos permanentes para a habitação social, organizada pelos movimentos sociais e populares em favor da moradia, conta também com representantes do poder público, parlamentares (Frente Parlamentar Mista de Habitação, Frente Parlamentar Pela Reforma Urbana, Fórum Nacional de Reforma Urbana), entidades de trabalhadores, de empresários e outros segmentos. A iniciativa pretende garantir moradia aos menos favorecidos. Segundo dados da campanha, oito milhões de famílias vivem em
péssimas condições de moradia. A situação afronta o Artigo 6º da Constituição Federal, onde o Artigo 23º estabelece que “é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”. Diante deste cenário, as entidades apóiam a aprovação no Congresso Nacional de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), que prevê que nos próximos 30 anos, ou até a eliminação do déficit habitacional, no mínimo 2% da arrecadação federal e 1% da arrecadação dos estados, do Distrito Federal e dos Municípios sejam destinados, respectivamente, aos Fundos Nacional, Estaduais e Municipais de habitação de Interesse Social. De acordo com recentes estudos, 90% do déficit habitacional brasileiro, estimado em mais de sete milhões de unidades, atinge essencialmente famílias com renda mensal de até cinco salários mínimos. Essa constatação deixa claro que o sucesso de qualquer medida visando o enfrentamento deste déficit exige mais do que o simples aumento da produção de novas moradias: exige o equacionamento das intervenções, de forma que as unidades produzidas estejam compatíveis com o perfil da demanda. Para tanto, além dos instrumentos de política nacional de habitação já existentes, é preciso avançar na ampliação dos subsídios governamentais para as famílias sem capacidade de pagamento. Isso implica a priorização da política habitacional, como medida macroeconômica, fundamental para o crescimento do país.
MUNDO DA FORMAÇÃO AUGUSTO PETTA
Formação, necessidade crescente processo de formação política e sindical acontece para os trabalhadores e trabalhadoras de duas formas: a primeira refere-se à prática, como, por exemplo, numa greve em que a contradição capital-trabalho fica muito explícita, ou nas lutas em que os trabalhadores e as trabalhadoras buscam pressionar e interferir na definição das políticas públicas e na gestão do Estado; a segunda, através do estudo, da pesquisa, da elaboração de textos, dos cursos, palestras, debates sobre várias temas sempre situados na conjuntura política e econômica. Esse processo é mais avançado quando se consegue articular dialeticamente teoria e prática. Lenin, o grande líder da Revolução Russa, ao mesmo tempo em que participava intensamente do movimento político, estudava e escrevia, refletindo sobre acontecimentos da conjuntura, indicando qual a tática mais correta a ser aplicada. É dele a famosa frase: “sem teoria” revolucionária não há prática revolucionária”. Desde as origens do movimento sindical no Brasil, os historiadores constatam que foram desenvolvidas inúmeras atividades teóricas de formação. A ascensão do sindicalismo classista – constatada sobretudo a partir da segunda década do século XX – permitiu que as atividades de formação
classista proliferassem nas conjunturas democráticas e tivessem sérios retrocessos nas conjunturas ditatoriais. Os governos autoritários tudo fazem para que o proletariado não se conscientize a respeito da exploração a que está submetido. A partir do final de 2008 – quando a CTB estava completando seu primeiro aniversário – o processo de formação classista intensificou-se. Fruto de um convênio firmado entre a CTB, presidida por Wagner Gomes – e que tem como secretária de Formação e Cultura Celina Areas – e o Centro de Estudos Sindicais (CES), considerando-se o período de novembro de 2008 a fevereiro de 2010, foram realizados 18 cursos básicos atingindo 24 estados, dois cursos nacionais de formação de formadores, dois cursos de formação de facilitadores de planejamento estratégico situacional, seminário nacional, diversos cursos, seminários, palestras em entidades filiadas a CTB, chegando-se a atingir 1958 participantes. Nas atividades de formação promovidas pelo CES para outras entidades, chegou-se ao total de 1041 participantes. Esse número significativo de participantes é uma resposta à necessidade concreta de se ter que enfrentar desafios, que levam ao debate questões como estas: Como aumentar o número de participantes nas ativida-
des que a entidade sindical promove, tais como assembléias e congressos? Como aumentar o número de sindicalizados? Como se situar diante da aplicação de novas técnicas gerenciais que colocam os trabalhadores e trabalhadoras como se fossem colaboradores? Como se situar diante de um governo cujo presidente é metalúrgico e oriundo do movimento sindical? Como compreender melhor a evolução histórica do movimento sindical? Como analisar a conjuntura em que vivemos? Como planejar estrategicamente as atividades sindicais? Por fim, gostaria de apresentar duas sugestões básicas aos sindicalistas: a primeira refere-se à necessidade de que as entidades tenham uma secretaria de formação, que deverá promover atividades que propiciem aos diretores e diretoras, aos funcionários e funcionárias e à categoria a possibilidade de terem uma formação contínua; a segunda refere-se à necessidade de planejar as atividades sindicais, inclusive as de formação. Em geral, as entidades sindicais procuram dar respostas às demandas imediatas das categorias, sem ter um plano estratégico com objetivos e metas claras a serem atingidas. É fundamental que todas entidades realizem seus respectivos planejamentos estratégicos.
Desde as origens do movimento sindical no Brasil, os historiadores constatam que foram desenvolvidas inúmeras atividades teóricas de formação
Augusto César Petta é professor e coordenador-técnico do Centro de Estudos Sindicais VISÃOClassista
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8 DE MARÇO
Láldert Castello Branco
100 ANOS PELA EMANCIPAÇÃO
NA LUTA Mulheres se mobilizam e ganham cada vez mais espaço na sociedade
Celebrado no dia 8 de março, neste ano o Dia Internacional da Mulher teve um significado especial: na data foram comemorados os 100 anos de muita luta com uma imensa lista de conquistas e vitórias das mulheres. Mas muito mais ainda há para se conquistar 38
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Cinthia Ribas tualmente, em todo mundo, as mulheres continuam na luta pela igualdade de direitos e contra toda e qualquer forma de opressão, enfrentando a discriminação e a repressão do capital que explora e tenta submeter as mulheres a baixos salários e jornadas extenuantes. No Brasil, foram muitas as batalhas travadas: o direito ao voto, o espaço no mercado de trabalho, a luta pela democracia ao longo dos anos da ditadura militar,
o combate à violência de gênero, o desemprego e a precarização ocasionada pelo neoliberalismo.
UM POUCO DE HISTÓRIA Foi em 1910, durante a realização da Conferência Internacional sobre a Mulher, em Copenhague (Dinamarca), que a revolucionária socialista alemã Clara Zetkin propôs a criação de um Dia Internacional da Mulher. A data escolhida foi em homenagem às mulheres que lutaram nas fábricas por dignidade do trabalho, pela redução da
DA MULHER jornada, que alcançava 16 horas diárias, sem regras e sem proteção social no início da industrialização. Havia alguns anos que as manifestações “pipocavam” mundo afora tendo como mote o direito ao voto feminino, o acesso da mulher ao mercado de trabalho e a denúncia contra a exploração e opressão de gênero. A partir daquele ano, as comemorações começaram a ter um caráter internacional. Hoje, após um século, o dia 8 de março, passou a ser uma data de celebração e afirmação da luta das mulheres por igualdade, autonomia e liberdade, sendo comemorado mundialmente.
MAIS ESTUDO E MENOS ESPAÇO NO MERCADO DE TRABALHO
Mesmo após 100 anos de comemorações, as discriminações e a exploração de gênero ainda continuam. Alvo de um sistema que discrimina negros, jovens e pobres, as mulheres se mantêm firmes na luta pela igualdade de direitos na lei e na vida, o que ainda está longe de acontecer. Um bom exemplo é a questão da isonomia salarial entre homens e mulheres brasileiras, que vem sendo reduzida, mas ainda evidencia uma discriminação concreta contra as trabalhadoras, atingindo em maior grau a mulher negra. Foi o que revelou a Síntese de Indicadores Sociais, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em outubro de 2009: apesar de possuir um nível maior de escolaridade que os homens, elas ganham menos em todas as
posições que ocupam no mercado de trabalho nacional. Em todas as posições na ocupação o rendimento médio dos homens é maior que o das mulheres. A maior diferença é na posição de empregador, na qual os homens recebem, em média, R$ 3.161, enquanto as mulheres recebem apenas R$ 2.497 – ou seja, R$ 664 a mais para os homens. Isso corresponde a dizer que as mulheres empregadoras recebem 22% a menos que os homens, segundo a pesquisa.
UMA QUESTÃO DE GÊNERO E LUTA CONSTANTE
Sendo assim, podemos concluir que a elevação do nível de escolaridade e do crescimento da inserção no mercado de trabalho não anularam a gritante desigualdade salarial, a dupla jornada, o assédio moral e sexual e a violência e opressão a que as mulheres são submetidas diariamente. Todos esses dados demonstram a necessidade de intensificar a organização e mobilização para continuar a luta contra a discriminação de gênero e a exploração de classe. Por entender que os desafios enfrentados pelas mulheres no mercado de trabalho não serão superados sem a intervenção firme e unitária do movimento sindical, a secretaria da Mulher da CTB lança em 2010, em comemoração aos 100 anos do Dia Intencional das Mulheres, uma campanha que contempla as principais reivindicações das trabalhadoras: Igualdade Salarial e de
Alvo de um sistema que discrimina negros, jovens e pobres, as mulheres se mantêm firmes na luta pela igualdade de direitos na lei e na vida, o que ainda está longe de acontecer Oportunidades, Creches Públicas, Licença Maternidade de 180 dias para todas as trabalhadoras, obrigatória e não facultativa, bem como a aplicação imediata da Lei Maria da Penha e do Plano Nacional de Direitos Humanos como instrumentos de combate à violência contra a mulher.
GARANTIA DE CONQUISTAS Foram muitas as conquistas das mulheres nesses anos, como a ampliação da licença-maternidade, a proibição da discriminação sexual no trabalho, o direito à posse da terra em nome da mulher rural, a lei Maria da Penha para fazer frente à violência doméstica e a reforma no Código Civil. O que torna necessário e prioritário, durante o processo eleitoral 2010, o posicionamento firme das mulheres em defesa da continuidade das mudanças e avanços das conquistas. Para a CTB, a luta pela igualdade entre homens e mulheres só poderá avançar ante o enfrentando com unidade a discriminação e opressão, que estão diretamente ligadas à batalha pela superação do capitalismo e conquista de uma sociedade mais humana, justa e igualitária. VISÃOClassista
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AGENDA SINDICAL IV JORNADA NACIONAL DE DEBATES
MARÇO IV Jornada Nacional de Debates ABRIL Jornada da Reforma Agrária MAIO 1º de Maio unitário Grito da Terra Brasil Assembléia Nacional dos Movimentos Sociais JUNHO Conferência Nacional da Classe Trabalhadora
Em parceria com as centrais sin sindicais (CTB, CUT, FS, UGT, NCST e CGTB), o Dieese est está organizando para o período per de 23 de mar março a 08 de abril de 2010 a IV Jornada Nacional de Debates. Realizados em todas as capitais brasileiras, os debates deste ano terão como tema central “As negociações coletivas no primeiro semestre de 2010: redução da jornada de trabalho e recuperação salarial”. A IV Jornada de Debates do Dieese vem aprofundar a orientação do Fórum das Centrais, que tem como uma das suas prioridades a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais sem redução dos salários. Entre os pontos de pauta também foram incluídas questões relacionadas à terceirização,
previdência, jornada de trabalho, negociação coletiva e geração de emprego. É destacada a participação dos sindicalistas da CTB nos debates, que contribuem para elevar o nível de intervenção dos dirigentes nas negociações salariais e nas lutas.
JORNADA DA REFORMA AGRÁRIA Fique atento! Cumprindo resolução da última Assembleia Nacional dos Movimentos Sociais, realizada durante o 10º Fórum Social Mundial em Porto Alegre, durante todo o mês de abril será promovida a Jornada de Mobilizações em Defesa da Reforma Agrária e Contra a Criminalização dos Movimentos Sociais. A atividade integra o calendário de atividades e lutas unificado dos movimentos sociais e inclui
CONFERÊNCIA NACIONAL DA CLASSE TRABALHADORA A tão esperada Conferência Nacional da Classe Trabalhadora está confirmada para o dia 1º de junho. Resolução do Fórum das Centrais Sindicais (CTB, CUT, FS, UGT, NCST e CGTB), a nova Conclat, como está sendo popularmente chamada, pretende reunir mais de 10 mil lideranças sindicais de todo Brasil para debater e aprovar a Carta Programa dos Trabalhadores, documento unitário das centrais, e definir o apoio a um candidato ou candidata à presidência da república que dê continuidade ao projeto político iniciado por Lula e aprofunde este processo de mudanças. Como preparação para a etapa nacional, estão sendo convocados, em todos os estados, Conferências Estaduais que debaterão a Carta Programa e definirão seus representantes na grande Conferência Nacional. O tema é a matéria de capa desta revista.
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VISÃOClassista
diversos atos e manifestações nas capitais brasileiras em protesto aos constantes ataques desferidos contra os movimentos sociais, incluindo os militantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, que sofrem violenta perseguição da grande mídia e dos latifundiários. No sentido de defender e apoiar essa luta, diversas entidades do movimento negro, de juventude, sindical, estudantil, de mulheres, ambientalista, de luta pela moradia, de luta pela terra, entre outras, já estão se mobilizando para contribuir, reforçar e mais uma vez denunciar à sociedade brasileira a tática dos setores mais conservadores e truculentos da sociedade brasileira, que procuram criminalizar a luta pela Assembleia Nacional dos Movimentos Sociais. Uma grande Assembleia Nacional dos Movimentos Sociais ocorrerá no dia 31 de maio em São Paulo. A expectativa dos organizadores é reunir milhares de representantes das mais diversas entidades dos movimentos sociais, de todos os Estados brasileiros, a fim de debater o Projeto Brasil – plataforma de luta unificada dos movimentos sociais brasileiros que será atualizada com vista ao processo eleitoral deste ano. Entre as bandeiras de luta estão questões ligadas à moradia, ao transporte, ao saneamento, à educação, à saúde, além de questões relacionadas com a participação popular, a utilização de 100% dos recursos do Pré-sal, a retirada das bases estrangeiras da América Latina e Caribe e a defesa da Amazônia como patrimônio nacional. Os movimentos sociais também estão apoiando a Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat) convocada para 1º de junho pelas centrais sindicais.
1º DE MAIO UNITÁRIO O Dia Internacional do Trabalhador – 1º de Maio – costuma arrastar multidões para as manifestações políticas e festivas. São shows de personalidades reconhecidas e populares, atividades culturais e de lazer regionais, que alegram, distraem e levam entretenimento e informação acerca do mundo do trabalho ao conjunto da sociedade. Neste ano, o 1º de Maio será comemorado em um sábado e a CTB, como nos anos anteriores, está preparando em conjunto com outras centrais sindicais grandes atividades que incluem apresentações culturais, shows e comícios. Sempre com uma grande homenagem aos trabalhadores e lutadores brasileiros.
GRITO DA TERRA BRASIL Durante os dias 10 a 14 de maio acontece o Grito da Terra Brasil, principal mobilização dos trabalhadores e trabalhadoras rurais. Organizado pela Confederação Nacional de Trabalhadores em
Ilustra
Agricultura (Contag), com apoio dos sindicatos e federações, o grito da terra promete levar milhares de trabalhadores e trabalhadoras do campo ao Distrito Federal. O encontro, a maior atividade de massa promovida pela Contag, é realizado anualmente desde 1995. Durante sua realização, em Brasília, é apresentado aos governos federal, estaduais e municipais, um conjunto de reflexões, reivindicações e anseios que são gerados a partir das necessidades dos trabalhadores e trabalhadoras do campo. Entre as diversas reivindicações destacam-se a aceleração da reforma agrária, o fortalecimento da agricultura familiar, a reavaliação dos índices de produtividade da terra, o limite de propriedade da terra, o combate ao trabalho escravo, a ampliação dos recursos do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) e a melhoria da assistência técnica para a agricultura familiar. VISÃOClassista
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ANDRÉ CINTRA
CULTURA
O dia em que Metrópolis ofuscou Avatar Numa tarde memorável de fevereiro, em pleno Portão de Brandeburgo, Metrópolis se deu ao luxo de pôr Avatar em segundo plano
André Cintra é jornalista, escritor e membro da equipe do portal Vermelho
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VISÃOClassista
primeiro trimestre ainda não terminou, mas 2010 já é um ano histórico para o cinema. Tudo por causa de Avatar, filme-fenômeno que se tornou a maior bilheteria de todos os tempos – com U$$ 2,6 bilhões arrecadados até o começo de março. O longametragem de James Cameron pode ser considerado, ainda, o marco inaugural da “geração do cinema 3D” (em três dimensões). A explosão da pirataria, sobretudo na internet, esvaziou as salas de exibição – que agora precisam se modernizar para atender a espectadores mais e mais exigentes. Mas cinema, convenhamos, não pode – e nunca vai – se limitar apenas a uma projeção de qualidade. Tanto que as virtudes narrativas, somadas ao pertinente posicionamento político, foram decisivas para o êxito de Avatar. Essa combinação também nos ajuda a entender outro fenômeno cinematográfico de 2010. Em 12 de fevereiro, milhares de alemães foram até o Portão de Brandemburgo para curtir um programa nada comum: ver um antigo filme mudo de ficção científica, em preto e branco, de nada menos que 153 minutos. É verdade que a sessão tinha o atrativo de integrar a programação do 60º Festival de Berlim. Mas nem mesmo os organizadores do evento
esperavam que Metrópolis, 83 anos depois de lançado, ainda pudesse provocar tamanha comoção. Filho pródigo do expressionismo alemão e mais que um dos 939 filmes rodados nos estúdios da UFA (Universum Film Aktiengesellschaft), Metrópolis foi uma espécie de Avatar para a Alemanha dos anos 20. Depois da 1a Guerra Mundial (1914-1918), os alemães resistiram à ofensiva de Hollywood pela Europa. Ofensiva é pouco. Em 1925, produções americanas ocupavam 68% dos cinemas na Itália, 70% na França e incríveis 95% na Inglaterra. Eram emblemáticas, na época, as palavras do poeta russo Vladimir Maiakovski: “O cinema está doente. O capitalismo atirou pó dourado em seus olhos. Hábeis empresários o conduzem pela mão nas ruas. (...) Isso precisa acabar.” Foi o que fez a UFA – e sem poupar verbas. Só de figurantes, Metrópolis mobilizou quase 27 mil pessoas, em mais de 300 dias de filmagens. A luta de classes, “motor da História”, foi também o motor desse filme futurista, dirigido pelo austríaco Fritz Lang e ambientado em 2026. A cidade retratada no filme se divide em duas classes sociais. Os pensadores detêm os meios de produção e planejam o trabalho. Vivem prazerosamente na parte su-
perior da cidade, em prédios que, de tão altos e imponentes, chegam mesmo a “arranhar” o céu. Já no subsolo de Metrópolis estão os trabalhadores braçais, escravizados nas máquinas em jornadas extenuantes. Quem inspira os trabalhadores a reagirem de forma coletiva e unitária é Maria (Brigitte Helm), ao tomar consciência dos mecanismos de exploração. Lançado em 20 de janeiro de 1927, Metrópolis foi desdenhado pelo público e quase levou a UFA à falência. Para promover o filme nos Estados Unidos, a produtora cortou várias cenas e passou a exibir uma versão enxuta – que se consagrou. O sucesso não impediu Fritz Lang de admitir, e com toda razão, que o final conciliador do filme era um erro primário, quase uma ingenuidade. “Já não se pode dizer hoje que o coração é o mediador entre a mão e o cérebro. É falso, a conclusão é falsa, eu já não concordava com ela quando estava realizando o filme.” É uma ressalva que não pode ser ignorada, bem como não diminui o brilho da homenagem prestada agora pelo Festival de Berlim, com a exibição da versão integral de Metrópolis, tal como foi concebida por seu diretor. Numa tarde memorável de fevereiro, em pleno Portão de Brandeburgo, Metrópolis se deu ao luxo de pôr Avatar em segundo plano.
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Roupa de criança é assim: hoje cabe, amanhã não cabe mais
O Portal CTB acaba de completar dois anos de existência. Nesse curto período de vida, mostrou-se uma importante ferramenta de comunicação, organização e divulgação das lutas e ideias classistas.
Com o crescimento e maior visibilidade da CTB, novas demandas surgem. Para acompanhar essa evolução e nos adequarmos aos novos tempos, nosso Portal vai mudar de roupa.
Dentre as novidades, um sistema de gestão de documentos, agenda, sistema de compartilhamento de conteúdos para sites e blogs, comentários de visitantes, organização em editorias, site específico para a TV Classista com funcionalidades similares ao YouTube, maior utilização de conteúdos multimídias , como fotos, vídeos, áudios e muito mais.
Estamos implantando um novo projeto de Portal web. Um projeto moderno e totalmente baseado em softwares livres, hospedado em servidor Linux.
Venha conferir, a partir de abril, nosso novo visual. Comente. Critique. Espalhe nosso endereço por aí!
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