Revista Visão Classista Nº 08 - Dezembro de 2011

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ENTREVISTA  Atílio Boron defende que AL também precisa de uma Celac dos trabalhadores

N­° 08 - Dezembro de 2011

INTEGRAÇÃO LATINO-AMERICANA

Soberania e solidariedade

ESNA

A iniciativa da classe trabalhadora

LIÇÕES DA CRISE

A proteção ao mercado de trabalho


índice Visão Classista é uma revista trimestral, publicada pela CTB – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil. DIREÇÃO EXECUTIVA Presidente Wagner Gomes DIRETORIA Nivaldo Santana, David Wylkerson de Souza, Vicente Selistre, Márcia Almeida Machado, Pascoal Carneiro, Salaciel Fabrício Vilela, Vilson Luiz da Silva, Gilda Almeida, Celina Arêas, Joílson Antonio Cardoso, Carlos Rogério Nunes, Severino Almeida, João Batista Lemos, Eduardo Navarro, Raimunda Gomes (Doquinha), Paulo Vinicius Santos da Silva, Valmira Luzia da Silva, Maria do Socorro Nascimento Barbosa, Elias Bernardino, Sérgio de Miranda, Hildinete Pinheiro Rocha, Fátima dos Reis e João Paulo Ribeiro. CONSELHO EDITORIAL Altamiro Borges, André Cintra, Augusto Cesar Petta, Eduardo Navarro, Fernando Damasceno, Gilda Almeida, Madalena Guasco, Joilson Antonio Cardoso, Márcia Almeida Machado, Nivaldo Santana, Umberto Martins, Wagner Gomes. REDAÇÃO Secretário de Imprensa e Comunicação Eduardo Navarro Equipe Celso Jardim, Cinthia Ribas, Fernando Damasceno e Láldert Castello Branco Colaboradores desta edição J. Carlos Assis, Joanne Mota, José Carlos Ruy, Luana Bonone, Renata Mieli e Ricardo Alemão Abreu Diagramação e capa Márcio Lima Projeto gráfico Caco Bisol Impressão HR Gráfica Tiragem 10 mil exemplares

SOBERANIA E SOLIDARIEDADE Criação da Celac representa passo fundamental para aprofundar as mudanças na América Latina PÁGINA 4

PAUTA SINDICAL

A luta contra a terceirização e a precarização do trabalho

PÁGINA 28 HISTÓRIA ENTREVISTA - ATÍLIO BORON

América Latina também precisa de uma Celac dos dos trabalhadores

PÁGINA 8 INTEGRAÇÃO

Contra a atual crise, a necessidade de proteção ao mercado de trabalho

PÁGINA 16 INTERNACIONAL

Soberania na América Latina passa pelo protagonismo da classe trabalhadora

PÁGINA 20

Conheça a trajetória de aposentados que permanecem na luta sindical

PÁGINA 31 MOVIMENTOS SOCIAIS

Um teto para chamar de seu – a luta da União Nacional pela Moradia Popular

PÁGINA 34 CULTURA

Livro conta a história do Jornal “Movimento” e seu combate ao regime militar

PÁGINA 38 ACONTECEU

Encontro Mundial de Blogueiros e 1º Encontro Nacional da Educação da CTB

PÁGINAS 40 e 41 ARTIGOS EDITORIAL

Eduardo Navarro

PÁGINA 3 CONJUNTURA SINDICAL

ISSN 2179-829X Av. Liberdade, 113 – 4º andar - Liberdade São Paulo – SP CEP 01503-000 Fone: (11) 3106-0700 E-mail: imprensa@ctb.org.br

Wagner Gomes

PELO BRASIL

PÁGINA 13

Sociedade se mobiliza para a Conferência do Trabalho Decente

PARLASUL

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Inácio Arruda


EDITORIAL WAGNER GOMES

A estagnação da economia e os desafios do Ano Novo

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ezembro chegou anunciando o fim de ano e emitindo sinais preocupantes sobre a economia nacional. O PIB estagnou no terceiro trimestre e promete desempenho igualmente decepcionante nos últimos meses de 2011. Há ainda quem acredite que estamos indo bem, tendo em vista a situação dramática de alguns países europeus, mas isto revela uma visão conformista e conservadora da realidade. O mundo vive um cenário de crise geral do capitalismo, mas a interrupção do crescimento da economia nacional não é um mero reflexo da instabilidade global. Suas principais causas são internas, radicadas na política econômica conservadora, subordinada aos interesses da oligarquia financeira. O governo começou o ano anunciando um corte de R$ 50 bilhões nos gastos e investimentos públicos e o aumento subsequente do superávit primário, destinado ao pagamento dos juros. Entre janeiro e julho, o Banco Central realizou cinco rodadas consecutivas de alta da Selic e complementou o aperto monetário com medidas para conter o avanço do crédito. As autoridades não

esconderam o objetivo de tudo isto: conter o ritmo de crescimento. Era o que exigia o coro conservador liderado pela mídia neoliberal e a oposição demo-tucana, sob o pretexto de que a inflação estava saindo dos trilhos. As centrais sindicais condenaram o ajuste fiscal e a alta dos juros, alertando para o caráter recessivo de tais iniciativas. A estagnação econômica é a prova de que os representantes dos trabalhadores estavam certos. A crise na Europa e nos EUA contribuiu para o crescimento do PIB em um nível abaixo do esperado, mas a conjuntura atual ainda não é comparável à de 2008, quando o crédito internacional secou subitamente e o comércio exterior despencou. Desta vez não há como negar que a culpa maior é da política econômica. A partir de agosto, ao perceber o recrudescimento da crise internacional, o governo fez uma flexão tática. O Banco Central começou a reduzir as taxas de juros, ainda que lentamente, e o Ministério da Fazenda adotou um modesto pacote de estímulos à produção, com destaque para as desonerações fiscais e proteção contra a concorrência estrangeira em alguns ramos da indústria.

As medidas são positivas e traduzem o compromisso do governo Dilma com o desenvolvimento, mas ainda são tímidas e conservadoras. É preciso maior ousadia para avançar na direção de um novo projeto de desenvolvimento nacional, que pressupõe outra política no plano econômico, com taxas de juros civilizadas, redução do superávit primário e o fortalecimento do mercado interno por meio da valorização do trabalho. Não existe um caminho sem obstáculo nesta direção. A força do conservadorismo na política econômica não deriva de falsas virtudes científicas, mas do poder da oligarquia financeira, que centraliza capital e tem forte influência sobre os principais meios de comunicação do país. Não é possível mudar sem contrariar os interesses desta casta reacionária. E isto pressupõe o fortalecimento da unidade, da mobilização e das lutas da classe trabalhadora, em sintonia e aliança com amplos segmentos da sociedade, incluindo representantes do chamado setor produtivo. É esta a lição do ano que se vai e um dos principais desafios da CTB e das demais centrais no Ano Novo.

É preciso maior ousadia para avançar na direção de um novo projeto de desenvolvimento nacional, que pressupõe outra política no plano econômico

Wagner Gomes é presidente nacional da CTB. VISÃOClassista

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CAPA

Integração solidária Criação da Celac representa passo fundamental para aprofundar as mudanças na América Latina Ricardo Alemão Abreu*

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ideia emancipadora de união latino-americana surgida no século 19 manteve-se suspensa, porém em estado latente, e agora ressurge com mais força, no final do século 20 e no início do presente século. A proposta da Comunidade de Estados Latinoamericanos e Caribenhos, a Celac, traz incorporada toda a história e toda a tradição inovadora inaugurada há quase 200 anos. A proposta de constituir a Celac surge nas históricas cúpulas realizadas em dezembro de 2008,

na Costa do Sauípe, na Bahia, e depois em fevereiro de 2010 em Cancun, México. Como disse nosso ex-chanceler e atual ministro da Defesa, Celso Amorim, pela primeira vez a América Latina e o Caribe reuniram-se por autoconvocatória, com a participação de Cuba, e sem a participação dos Estados Unidos da América (EUA), do Canadá ou de qualquer país europeu, e deram um grande passo em direção à ruptura com a política do “panamericanismo” hegemonizado pelos EUA. A criação da Celac, fato de enorme dimensão histórica, deuse na Cúpula de chefes de Estado e Governo, realizado nos dias 2 e 3 de dezembro, em Caracas, na Venezuela. Na história latino-americana houve muitos projetos de integração, desde os primeiros impulsionados pelos líderes das bicentenárias campanhas

LIDERANÇA  Chávez e Dilma: figuras-chave para o desenvolvimento latino-americano

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independentistas no início do século 19, passando pelos organismos e processos de integração do século 20, até as mais recentes experiências do século 21. As iniciativas se distinguem basicamente entre aquelas voltadas aos interesses próprios, à soberania e à independência da América Latina e Caribe, e aquelas de inspiração imperialista e neocolonial, submetidas aos interesses dos EUA. Em 1994, George Bush pai lança a “Iniciativa para as Américas”, a proposta de uma área de “livre comércio” hemisférica que seria depois batizada de Área de Livre Comércio das Américas, a Alca. Após a ascensão de uma série de governos de esquerda e progressistas na América Latina e Caribe a partir de 1998, com a vitória de Hugo Chávez na Venezuela, e depois de muitas lutas populares por todo o continente, a


O povo brasileiro tem grande interesse no avanço desse processo, uma vez que a integração continental solidária é um dos pilares de nosso projeto nacional

Alca foi derrotada em 2005, na 4ª Cúpula das Américas em Mar del Plata, Argentina.

Integração e o novo ciclo político da região Com as mudanças na situação internacional e as sucessivas vitórias políticas e eleitorais das forças de esquerda e progressistas sul e latino-americanas, configurase uma situação política inédita que permite uma reorientação e uma retomada dos processos de integração. Em contraste com outras experiências fracassadas na América do Sul, ocorre o relançamento do Mercosul e a criação da União das Nações Sul-americanas. Em 2003, os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner firmaram o “Consenso de Buenos Aires” e comprometeram-se em reorientar e aprofundar o Mercosul. A partir de 2003 começa uma nova fase do Mercosul, que avança além da integração comercial, em aspectos como uma efetiva união aduaneira que combata as suas assimetrias, a união política com o reforço do Parlasul, a integração física e de cadeias produtivas, e a promoção de políticas sociais necessárias, entre outras. Com o sentido de se diferenciar e

resistir às políticas estadunidenses e com grande importância geopolítica e estratégica vai se fortalecendo a Unasul (União das Nações Sul-americanas), criada como comunidade de nações na 3ª reunião dos presidentes da América do Sul, em dezembro de 2004, na Declaração de Cuzco, Peru. A Unasul também avança em temas econômicos, inclusive em resposta ao agravamento da crise sistêmica do capitalismo. Recentemente criou o Conselho Sulamericano de Economia e Finanças e decidiu acelerar a constituição do Banco do Sul, a criação de um fundo de reservas sul-americano, a substituição do dólar nas transações econômicas regionais por moedas locais, e iniciar um processo de maior coordenação de políticas econômicas. O povo brasileiro tem grande interesse no avanço desse processo, uma vez que a integração continental solidária é um dos pilares de nosso projeto nacional. O governo Lula (2003-2010) e agora o governo Dilma retomam o melhor de nossa tradição internacionalista e latino-americanista e retomam também a tradição patriótica e progressista de uma política externa independente. Criada por Cuba e Venezuela em 2004, a Aliança Bolivariana

para os Povos de Nossa América, a Alba, formada ainda por Bolívia, Equador, Nicarágua e outros, é uma referência para a integração de orientação revolucionária e socialista.

A reação do imperialismo Avança, assim, a integração continental, através de mecanismos diferentes e complementares, cuja direção estratégica é a união de países soberanos com projetos nacionais compartilhados, em um contexto de crise sistêmica do capitalismo, e de um sistema de poder mundial em transição, com o declínio relativo da hegemonia estadunidense e o fortalecimento da China socialista e do grupo dos “BRICS”, formado além da China, pelo Brasil, pela Rússia, pela Índia e pela África do Sul. A integração solidária da América Latina e Caribe progride com a convergência crescente entre os processos da Alba, Mercosul, Unasul e outros; é decisiva para liberar-nos do imperialismo e para que realizemos nossos projetos nacionais com soberania, política externa autônoma, democracia, desenvolvimento econômico e desenvolvimento social. Impossibilitado de deter os processos de integração da América Latina, que agora são instrumento fundamental para o desenvolvimento da região, o imperialismo estadunidense VISÃOClassista

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CAPA aposta na divisão ou na cooptação de parte do bloco.

O passo histórico da criação da Celac Alcançamos grandes conquistas em um prazo curto, em termos históricos, desde a fundação do Foro de São Paulo. No final de 2008, no estado da Bahia, no Brasil, reuniram-se na Costa do Sauípe os países latino-americanos independentes na reunião conjunta da 1ª Cúpula da América Latina e Caribe sobre Integração e Desenvolvimento, a Calc, e do Grupo do Rio. A criação da Comunidade de Estados da América Latina e do Caribe, a Celac, é um grande acontecimento histórico, mais um passo fundamental para a unidade

latino-americana e caribenha. Trata-se da decisão tomada na Declaração de Cancun, tomada em 2010, no México, pelos chefes de Estado e de governo dos países da região, na 2ª Calc/Grupo do Rio. Enquanto iniciamos a comemoração do Bicentenário da Independência, nasce uma organização inspirada nos ideais de Simon Bolívar, da nossa Pátria Grande, de Nossa América, com o objetivo de “aprofundar a integração política, econômica, social e cultural” para a promoção do desenvolvimento sustentável com base na unidade, na democracia, e na “solidariedade, cooperação, complementaridade e coordenação política”. A participação de Cuba, de enorme significado, por um lado, e a não participação dos EUA, do Canadá e de países europeus, por

UNASUL  Com Lula, Brasil passou a priorizar as políticas “Sul-Sul”

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outro, indica que os povos e os países do continente querem tomar seus destinos em suas próprias mãos, de maneira soberana e sem a ingerência do imperialismo estadunidense. Este passo primordial em nossa luta pela segunda e verdadeira independência da América Latina e do Caribe não teria sido possível sem a atuação decidida dos governos progressistas, sem a vontade manifesta de nossos povos, e sem a atuação incansável dos partidos e organizações políticas que são membros do Foro de São Paulo, e das organizações sindicais e populares, com destaque para as centrais sindicais que criaram o Encontro Sindical Nossa América (ESNA). Depois da segunda reunião de presidentes no México, agora a Celac foi criada institucionalmente há


poucos dias na Venezuela bolivariana.

Construir uma integração solidária Como definir um projeto de integração solidária para a América Latina e o Caribe no contexto atual? Em nossa opinião, o primeiro aspecto definidor de uma integração solidária é a soberania nacional conjugada à soberania continental e ao antiimperialismo. Nossa integração deve ser a união de países e projetos nacionais soberanos, na forma de uma confederação. Dialeticamente, a soberania continental deve reforçar a soberania nacional, e não o contrário, como ocorre na Europa. A experiência europeia e suas atuais dificuldades nos deixam lições. A União Europeia privou os países “periféricos” de instrumentos de soberania fundamentais para o desenvolvimento nacional e ampliou as desigualdades dentro do bloco, nos marcos de uma integração capitalista-imperialista de caráter federativo, e de uma política neoliberal e militarista. Nesse sentido, é melhor nos orientarmos pelos nossos próceres da primeira Independência, que defendiam a confederação, do que copiarmos modelos de integração extracontinentais que se guiaram pelos interesses dos monopólios dos países “centrais” e anteciparam a união monetária à união econômica, e hoje passam por uma grave crise, em especial os países “periféricos”. O segundo elemento que, em nossa opinião, caracteriza a integração solidária é o combate às assimetrias, e a promoção da solidariedade, da cooperação e da complementaridade dentro da região. É preciso planejar o desenvolvimento regional e guiálo pela primazia do interesse dos povos; equilibrar o desenvolvimento econômico com o desenvolvimento social e o meio ambiente; combater as desigualdades sociais e regionais para melhorar a qualidade de vida dos povos e evitar a polarização intra-

INDEPENDÊNCIA  Bolívar simboliza o pioneirismo da integração regional entre países “centrais” e países “periféricos”. E em terceiro lugar, o que define estrategicamente um projeto de integração solidária é o caminho socialista. O aprofundamento da integração solidária abre caminho para a transcrição ao socialismo nos países da região. O capitalismo vive uma crise sistêmica e estrutural que não terá uma solução virtuosa e favorável para as nações e para os trabalhadores e os povos nos marcos do próprio sistema capitalista. A estratégia socialista deve estar presente, na qualidade de rumo orientador, nos projetos nacionais e populares em curso na América Latina e Caribe. Nosso projeto de integração continental solidária só será alcançado plenamente se estiver inserido como parte fundamental da luta pelo socialismo en cada país e em escala continental. Nesta nova fase de luta pelo socialismo na América Latina, há alguns traços e características gerais comuns a todos os países. No entanto, cada país possui aspectos históricos, políticos,

culturais e sociais particulares, por isso não existe um modelo único de socialismo nem um caminho único para conquistá-lo. Assim, como países e povos todos latinoamericanos, mas com formações econômicas e sociais singulares, desenvolveremos caminhos originais e nacionais para alcançar a transição ao socialismo. Atualmente no Brasil e em toda a América Latina e Caribe, lutamos pelo êxito desses governos nacionais, que representam uma parcela de poder e inauguram o desafio de construir não somente mais democracia, mas também um novo poder popular. Mirando o futuro de nossos povos podemos dizer que, ainda que com matizes diferentes, cada país latino-americano está convergindo historicamente, e com ritmos diferentes, a um único processo que tem por objetivo, finalmente, fazer da América Latina um continente integrado, solidário e socialista. * Economista e diretor do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz – Cebrapaz VISÃOClassista

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entrevista

ATÍLIO BORON

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América Latina tamb precisa de uma Celac povos e dos trabalh

VISÃOClassista


ém A dos adores

Fernando Damasceno transição para o século 21 na América Latina tem sido caracterizada por uma série de transformações políticas e sociais, que exigem reflexões mais aprofundadas até mesmo daqueles que acompanham de perto esse processo. Atílio Boron é alguém que se propõe a esse tipo de contribuição intelectual. Cientista político e sociólogo, doutor em Ciência Política pela Universidade de Harvard, professor da Universidade de Buenos Aires (UBA) e diretor do Programa Latino-americano de Educação a Distância em Ciências Sociais (PLED), Boron é um argentino que costuma se definir como um latino-americano convicto e orgulhoso do continente onde nasceu. A conversa com Boron, feita por telefone, se deu poucos dias após a oficialização da Comunidade de Estados LatinoAmericanos e Caribenhos (Celac), iniciativa que tem no sociólogo um grande entusiasta. Ele, no entanto, vai além, ao defender a necessidade de uma entidade popular de caráter semelhante para acelerar a integração regional. “A América Latina também precisa de uma Celac dos povos e dos trabalhadores”, sustenta. Ao longo da entrevista, seu ponto de vista sobre o papel do Brasil para a aceleração da integração regional desperta a atenção. O estudioso argentino não poupa críticas è elite brasileira, por uma visão que Boron considera retrógrada e que, historicamente, evitou que o processo de integração no continente se aprofundasse. “Sua elite pensa que o Brasil sozinho pode emergir”, ataca. A conversa com o intelectual argentino também passou rapidamente pela publicação de “Aristóteles em Macondo”, livro

recém-lançado no Brasil, cujas páginas trazem mais uma de suas contribuições ao debate sobre a realidade política na América Latina. Boron ataca diretamente as teorias sobre “o fim da história” e reafirma a importância da luta de classes e do combate ao imperialismo. Atílio Boron também falou sobre quais alguns aspectos da integração ocorrida no entorno da União Europeia devem ser evitados, no intuito de que a população latinoamericana não tenha de lidar no futuro com problemas semelhantes ao da atual crise que assola o Velho Continente. “Precisamos manter nossa soberania”, sustenta, antes de fazer uma rápida análise do papel que vem sendo desempenhado por Cristina Kirchner em seu país e de sua expectativa para o segundo mandato da presidenta argentina. Confira a seguir: Visão Classista: Atílio, nossa conversa será sobre integração latino-americana, mas seria interessante também ouvi-lo um pouco a respeito de seu novo livro, “Aristóteles em Macondo”. Um de seus temas é a limitação do chamado “capitalismo democrático” em nosso continente. É possível dizer, depois de alguns avanços nos últimos anos, que estamos em uma fase de transição rumo a uma verdadeira democracia ou isso ainda é algo muito distante? Atílio Boron: Veja, a tese do livro é a de que existe uma transição que começou há muito tempo, há algumas décadas, desde que acabou o regime autoritário em países como Brasil, Uruguai e Argentina. Mesmo depois de quase 30 anos, é muito difícil poder dizer que completamos uma transição para um regime realmente democrático. Há um discurso triunfalista que assegura que a América Latina já completou a transição para a democracia, mas entendo que isso não é verdadeiro. VISÃOClassista

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entrevista Entendo que essa é uma transição que foi iniciada, mas ainda não se encerrou. Temos um regime pósditatorial, mas que não pode ser denominado como democrático. O que temos são regimes plutocráticos, nos quais os interesses de uma classe dominante são protegidos – basta ver os índices de desigualdade econômica e social que ainda perduram nos países da região. O que ocorre é que nessa viagem imaginária de Aristóteles a Macondo o grande filósofo se depara com o que se tornou a democracia – e não gosta nada do que vê. Visão Classista: Ao se referir aos atuais sistemas políticos de nosso continente como “plutocracias”, de que forma analisa as experiências recentes como a Alba, a Unasul e o próprio Mercosul? E quais suas expectativas para a constituição da Celac? Atílio Boron: O panorama sóciopolítico da América Latina nos permite ver ao menos quatro tipos de regimes políticos atualmente: um deles é o regime cubano, que foi submetido a todo tipo de agressão e sabotagem e mesmo assim resistiu, por mais de 50 anos, com um modelo político absolutamente revolucionário. Temos também um modelo que podemos chamar de “reformismo radical”, no qual podemos colocar a Bolívia, a Venezuela e o Equador. São países que fizeram grandes transformações nos últimos anos, como ampliar seu caráter democrático, permitindo uma soberania popular muito mais forte do que em qualquer outra nação da América, com uma série de instituições que melhoraram a qualidade da representação democrática, como as consultas populares e os referendos revogatórios. No plano social, podemos dizer – para citar apenas um exemplo – que a Venezuela e a Bolívia acabaram com o analfabetismo.

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O terceiro grupo é formado basicamente por Brasil, Argentina e Uruguai, nos quais tivemos experiências moderadas, com muitos elementos de mudança e reformas sociais, mas sem a profundidade do grupo anterior. Enquanto a Venezuela aposta em experiências como o socialismo do século 21, Argentina, Brasil e Uruguai entendem que é preciso encontrar alguma solução para seus problemas dentro do sistema capitalista. Já o quarto grupo é formado por governos extremamente conservadores, como México, Colômbia e Panamá, que não viam a integração latinoamericana como uma prioridade, mar passaram a vê-la como uma necessidade depois da recente crise econômica. De modo geral, sem dúvida vejo com bons olhos os avanços desses processos. A Unasul, por exemplo, se mostrou como algo positivo ao desativar projetos reacionários como a tentativa de golpe de Estado na Bolívia, com a divisão do país, em 2008, e também na crise ocorrida no Equador, em 2010. Quanto à Celac, ela terá uma tarefa mais complexa, de extrema importância para a ampliação da democracia latino-americana, mas certamente veremos os Estados Unidos fazendo o impossível para que ela não funcione. Visão Classista: Se analisarmos somente o papel que a classe trabalhadora pode vir a ter nesse processo de integração, qual deve ser sua postura? Atílio Boron: Ela é fundamental, pois esse é um processo que deve vir desde baixo, pois sem isso não há uma verdadeira integração. Se a classe trabalhadora não se mobiliza, não persegue os mecanismos de integração da região e seu caráter supranacional, mesmo tendo iniciativas importantes como a Unasul e agora a Celac, há o risco


de essas entidades caírem nas mãos de uma “democracia” internacional e perderem seu papel original. É preciso, portanto, lutar por mais democracia também nesse nível internacional. A classe trabalhadora tem que ter esse papel de avançar por mais conquistas. Tem que existir também uma Celac dos povos, dos trabalhadores. A única garantia que temos de que a Celac vai funcionar está na possibilidade de ela abrir espaço para os movimentos populares. As centrais sindicais da região precisam ter essa consciência e trabalhar de forma efetiva pelos seus direitos. Visão Classista: Assistimos atualmente a um cenário desolador nos países que fazem parte da União Europeia. Que exemplos do Velho Continente a América Latina deve evitar em seu processo de integração, para que não vejamos por aqui, no futuro, o que ocorre neste momento em nações como Grécia, Portugal e Espanha? Atílio Boron: Acredito que o primeiro exemplo que não devemos fazer tem a ver com a soberania nacional. Não devemos delegá-la a organismos internacionais, deixála ser controlada por burocratas. A Europa tem uma supremacia que hoje precisa ser subordinada à burocracia. E essa burocracia sem dúvida executa um programa econômico a serviço do capital. Em segundo lugar, é preciso evitar que a integração supranacional caia nas mãos de grandes empresas. Vimos isso na América Latina durante todo o auge do período neoliberal. A experiência da Unasul felizmente já demonstrou que podemos superar isso. O fracasso está dado quando o capital se coloca acima dos interesses sociais. É preciso dar a devida atenção para os salários e

os direitos dos trabalhadores, algo que não foi feito em Portugal, na Espanha, na Grécia. É necessário sempre pensar em como melhorar a situação de quem está na parte de baixo da sociedade, ao contrário do capital, que sempre os nivela ainda mais para baixo. Visão Classista: Nesse processo de integração latino-americano, qual sua opinião a respeito do papel do Brasil? Estamos prontos para ocupar a posição de líderes ou ainda temos que evoluir muito para chegarmos a esse ponto? Atílio Boron: O Brasil tem essa característica naturalmente, por ser nosso irmão maior, embora para nós isso seja um pouco VISÃOClassista

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entrevista difícil de admitir. Mas há um grande problema com sua classe dominante, que não tem nenhum interesse em ver seu país exercer esse papel de liderança. Vou lhe dar um exemplo concreto: já estive na maioria das grandes cidades brasileiras e posso lhe falar que em nenhum hotel no qual eu tenha me hospedado jamais vi alguma TV por assinatura que transmitisse qualquer emissora da América do Sul. E isso não me parece ser por acaso. É uma política planejada, que opta por permanecer completamente isolado em seu próprio continente. É uma maneira de dominar o povo de seu país, mesmo sabendo que ao seu redor estão diversos povos que falam um idioma que pode ser aprendido rapidamente pelos brasileiros – algo que é completamente impossível

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na Europa, onde para se comunicar com as elites é preciso falar inglês ou francês. Tenho a convicção de que a elite brasileira tem uma ideia absolutamente atrasada. Isso contribui negativamente para as dificuldades que temos de avançar na integração latinoamericana. Sua elite pensa que o Brasil sozinho pode emergir. Essa visão está longe de corresponder aos anseios de alguém que deseja alcançar um maior protagonismo internacional. Por outro lado, o Brasil tem totais condições de exercer esse protagonismo, mas essa característica certamente tem contribuído negativamente para nossa integração ainda permanecer tão atrasada. O Brasil, por exemplo, tem uma elite que sempre resistiu muito

a Chávez – e também à própria Celac. O próprio Itamaraty não queria ver o México na Celac, pelo receio de que o México, por também ser muito grande, pudesse diminuir o papel brasileiro no novo órgão. Isso é absurdo. A verdade é que a diplomacia do Brasil não esteve tão bem nos últimos anos, especialmente na última década, quando se preocupou mais com o assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Visão Classista: A respeito de seu país, a presidenta Cristina Kirchner teve há pouco tempo uma expressiva vitória nas eleições. O que esperar de seu segundo mandato? Atílio Boron: Ela sem dúvida conseguiu alguns avanços, tanto sociais como em direitos humanos. A Argentina é, sem dúvida, hoje um país com a desigualdade menor do que há oito anos, graças à inclusão de setores sociais que antes não recebiam qualquer ajuda e que muito sofreram com os anos de influência neoliberal. Houve uma iniciativa ousada, do Benefício Universal por Filho, algo na linha do Bolsa Família, que teve sua importância. Temos que destacar também a melhoria de questões básicas para o povo e a possibilidade de inserção de novos atores políticos. Por outro lado, apesar da retórica de que estamos avançando, a Argentina ainda sofre com o peso do neoliberalismo. A Carta Orgânica do Banco Central argentino ainda é herança de nosso ex-ministro ultraneoliberal, Domingos Cavallo. Houve também em alguns setores apenas medidas paliativas, mas agora a presidenta tem a tarefa de deixar mais para trás esse modelo neoliberal. Em resumo, a Argentina tem ainda que fazer uma mudança muito firme em sua política econômica e abrir mais espaços para os anseios populares.


EDUARDO NAVARRO

CONJUNTURA SINDICAL

Nossa América

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ivemos, nos dias atuais, momentos de incertezas sobre o futuro. Os países capitalistas centrais – Estados Unidos, Espanha, Portugal, Grécia, e outros – amargam profunda crise econômica. Essa crise, que já perdura por mais de três anos, tem sua origem na especulação financeira e na aplicação do receituário neoliberal – enxugamento dos Estados Nacionais, desregulamentação dos mercados financeiros, privatização de empresas estratégicas, são algumas delas. Essas mesmas medidas foram largamente utilizadas nos países latinoamericanos, na década de 90 do século passado, e deixaram uma profunda “herança maldita” para os povos deste continente. Precarização das relações de trabalho, empobrecimento generalizado, ampliação das assimetrias e recrudescimento da violência são as mais drásticas consequências dessa política. Depois de muito embate, o movimento social foi à luta protestar e exigir mudanças. Os trabalhadores e seus sindicatos se fizeram presentes nas marchas

brasileiras, nos piquetes argentinos, nos debates altermundistas dos fóruns sociais. Em outros momentos, beberam da experiência zapatista de Chiapas, dos Caracazos, das ocupações dos sem-terras e tantas outras experiências contestatórias ocorridas na região. Como resultado desse clamor popular, novos governos foram eleitos e reconfiguraram politicamente Nossa América. Hoje temos Chávez na Venezuela, Dilma no Brasil, Cristina Kirchner na Argentina, Morales na Bolívia, Correa no Equador, Lugo no Paraguai, Mujica no Uruguai, Ortega na Nicarágua e Humala no Peru. Essa forma nova de se fazer política, tendo como centro os interesses nacionais e de seus povos, aponta como agenda prioritária a reconstrução soberana das nações e de seus instrumentos de planejamento, financiamento e desenvolvimento, bem como a qualificação de políticas públicas visando incluir o maior número de cidadãos aos benefícios. Ao lado desses esforços, se soma a necessidade de se constituir um bloco regional de interesses mútuos entre as nações

sul-americanas, centroamericanas e caribenhas, conformando uma comunidade de estados soberanos e solidários. 
A construção dessa integração produtiva, econômica, cultural, política, aduaneira e social exige esforços concretos de nossos governantes e do movimento sindical. Reconstruir os mecanismos de proteção ao trabalho, elevar a distribuição de rendas, melhor as condições para a aposentadoria, coibir a terceirização, dentre tantas demandas trabalhistas, são temas que devem constar de uma Carta Social Continental levantada e exigida pelas centrais sindicais latinoamericanas. Experiência bem sucedida neste sentido tem sido o Encontro Sindical Nossa América – ESNA, que este ano chegou a sua quarta edição e tem fomentado essa troca de experiência e solidariedade, ao reafirmar um sindicalismo classista e comprometido com os interesses da classe trabalhadora. Vamos construir a grande nação latinoamericana dos sonhos de Simón Bolívar, de San Martín, de Sandino, de José Martí e de tantos outros libertadores de nossos povos.

Essa forma nova de se fazer política, tendo como centro os interesses nacionais e de seus povos, aponta como agenda prioritária a reconstrução soberana das nações

Eduardo Navarro é secretário de Imprensa e Comunicação da CTB VISÃOClassista

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Inácio Arruda

PARLASUL

O Mercosul fez muitos progressos e seu principal desafio no momento é fazer avançar o processo de integração física, econômica e cultural, mantendo o compromisso da região com os princípios democráticos

Inácio Arruda é senador (PCdoB-CE) e membro do Parlasul

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VISÃOClassista

A busca da inte latino-america D e há muito os trabalhadores latino-americanos interagem em suas lutas e desenvolvem atividades conjuntas. Encontros interpartidários, intersindicais e culturais são frequentes desde o século passado. Mas os governos dos vários países da América Latina só avançaram mais efetivamente na busca de ações conjuntas institucionais a partir da assinatura, há 20 anos, pelo Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai, do Tratado de Assunção. Assim teve início a maior integração econômica, política, social e cultural já tentada na América do Sul: o Mercado Comum do Sul (Mercosul). Desde então, outros estados da América do Sul estabeleceram várias formas de relação com o bloco e, para ficar somente neste aspecto inicial, a corrente de comércio entre as nações que o integram aumentou em mais de sete vezes desde 1991. Concretizando o ingresso da

Venezuela, o Mercosul passará a ter 250 milhões de habitantes, uma área de 12,7 milhões de quilômetros quadrados e um produto interno bruto de US$ 1 trilhão, o que equivale a 76% do total da América do Sul. Mas a iniciativa envolve uma integração para além da economia. A Secretaria Geral do Bloco, sediada em Montevidéu, discute a implantação da TV digital no Paraguai, Uruguai e Argentina. A tendência é de que todos adotem o padrão japonês, usado pelo Brasil, e essa tecnologia pode servir para promover uma integração regional maior. Um passo a mais para construir a sempre necessária e desafiante solidariedade das nações latino-americanas, pela qual ao longo dos tempos tantos trabalhadores, intelectuais, líderes políticos e visionários nativos se bateram. Nos anos 1990, os Estados Unidos lideraram a criação do Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta, na sigla em

PROGRESSO  Parlamentares da região incentivam o desenvolvimento


gração na inglês). Interessados em formar a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), organizaram a Primeira Cúpula das Américas, em 1994, excluindo Cuba. A Alca, na prática, tornaria as economias do continente um mero apêndice da economia estadunidense. Mas o presidente Itamar Franco, que assumiu em 1992, priorizou a associação econômico-comercial sub-regional e deu mais atenção ao Mercosul e às negociações multilaterais. Mesmo o governo Fernando Henrique Cardoso, que adotou a liberalização e que tinha setores que simpatizavam com a proposta da Alca, manteve negociações com o Mercosul. O tema da integração física regional adquiriu importância na política externa de FHC, mas não chegou a firmar-se como uma prioridade. Foi a partir do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que a ênfase da política externa brasileira passou a ser a construção de uma Comunidade Sulamericana de Nações. A América do Sul foi uma das prioridades da atuação externa do país. Em 2004, foi criada a Comunidade Sul-americana de Nações (Casa), resultado da aproximação entre o Mercosul e a Comunidade Andina de Nações (CAN), iniciada ainda no governo FHC. Os 12 presidentes do subcontinente reforçaram a importância da integração da infraestrutura física. Fruto de acordos de atuação conjunta, em 2006 foi inaugurada a ponte sobre o Rio Acre, entre Brasil e Peru. Também em 2006 foi criado o Parlamento do Mercosul (Parlasul) em Montevidéu, um instrumento fundamental para construir a

UNIDADE   Mercosul acelera processo de integração regional unidade ainda mais ampla de todos os povos e países da América do Sul e para a afirmação da identidade do Bloco. Aproxima o Mercosul das populações, possibilita a consolidação de uma cidadania regional e reforça a identidade comum dos latino-americanos, respeitando sua diversidade cultural. No aspecto econômico, os parlamentares incentivam o desenvolvimento sustentável, com justiça social e respeito à diversidade cultural das populações. Como função específica, o Parlasul busca a harmonização das legislações dos Estados-parte, para que as medidas que venham a ser aprovadas tenham efeito para o conjunto dos países. É notável que uma das grandes debilidades atuais do Bloco é a ausência de estabilidade institucional e de segurança jurídica que garantam aos povos, às instituições, trabalhadores e investidores, tranquilidade para conviver, transitar e empreender na região. Várias ações conjuntas podem virar ordenamento legal comum, abordando, por exemplo, o desarmamento, a migração interna, o combate ao trabalho escravo, ao trabalho infantil e à exploração do turismo sexual. Através de atividades como audiências públicas, informes de

direitos humanos, acolhimento de denúncias e reclamações de cidadãos e da possibilidade de adotar mecanismos de democracia direta, como a consulta popular, os latino-americanos poderão exercer um controle efetivo do processo de integração. A eleição direta dos parlamentares, prevista na sua criação, certamente garantirá a legitimidade e o amparo social para suas decisões. O Mercosul fez muitos progressos e seu principal desafio no momento é fazer avançar o processo de integração física, econômica e cultural, mantendo o compromisso da região com os princípios democráticos. A propósito, apresentei Projeto de Lei do Senado estabelecendo o 26 de março, data da assinatura do Tratado de Assunção, como o Dia Nacional da Integração Latino-Americana. A busca de união mais ampla continua. Em 9 de dezembro de 2007, os presidentes da Argentina, Bolívia, Brasil, Equador, Paraguai e Venezuela assinaram a criação do Banco do Sul e, em 23 de maio de 2008, os 12 países sul-americanos assinaram o Tratado Constitutivo da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), órgão que formou um Conselho de Defesa Sul-Americano e que fomenta o intercâmbio no campo da segurança. São novos passos, novos desafios. VISÃOClassista

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INTEGRAÇÃO

Proteção contra a crise Diante da atual conjuntura, sociedade latino-americana deve priorizar a defesa de seu mercado de trabalho J. Carlos de Assis*

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stamos vivemos uma crise financeira de proporções gigantescas, e a maioria dos comentaristas já admite que se trata da maior crise desde a Grande Depressão dos anos 30. Infelizmente, estão enganados. Esta crise é a maior da história do capitalismo. Ela assinala uma mudança de paradigma no processo civilizatório mundial a partir do colapso do neoliberalismo. E isso já podia ser detectado ainda em 2008, apenas alguns meses depois da quebra do Lehman Brothers nos Estados Unidos. De fato, ao contrário da Grande Depressão, quando não quebrou nenhum grande banco norteamericano e nenhuma grande empresa manufatureira – quebraram, sim, milhares de pequenos e médios bancos sem implicações sistêmicas –, desta vez virtualmente quebraram os 19 maiores conglomerados bancários dos Estados Unidos, a começar do Bank of America e Citigroup, a maior seguradora do mundo, AIG, as duas maiores empresas de crédito imobiliário do planeta, a Fred e a Fannie. No setor manufatureiro,

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TRAGÉDIA  Desigualdade ainda afeta milhões na América Latina quebraram efetivamente, tendo de ser salvas pelo governo, as duas maiores empresas produtivas, a GM e a Crysler. Na área financeira, não fosse o socorro governamental, todo o sistema capitalista mundial teria entrado em colapso. Assim como o Bank of America e o Citigroup tiveram de ser parcialmente estatizados para não quebrarem, na Inglaterra tiveram de ser estatizados o Royal Scotland Bank e o Barclays, mesmo destino que teve o Commenzbank, segundo maior banco alemão. Bastava isso para caracterizar a crise como a maior da história do capitalismo. Contudo, por baixo dessas quebras virtuais havia muito mais. A origem da crise foi o

descolamento da esfera financeira da esfera produtiva numa escala jamais vista de especulação no mercado desregulado a partir do governo Reagan nos anos 80. Assim, no ano de 2008, enquanto o PIB mundial não chegava a US$ 60 trilhões, os ativos financeiros alcançavam US$ 157 trilhões e o valor nocional dos derivativos elevava-se a nada menos que quase US$ 700 trilhões. Isso significa que, para cada dólar de bem e serviço produzido na economia, havia pelo menos US$ 3 de papel, e mais de US$ 10 de pura especulação. Essa bolha, cedo ou tarde, explodiria. Explodiu no mercado imobiliário, onde a especulação era mais extravagante,


pois o valor dos imóveis se descolou da capacidade de pagamento dos mutuários. Os empréstimos, transformados em títulos negociados nos mercados interno e externo, tornaram-se impagáveis, envenenando com crédito podre não só os bancos norte-americanos, mas seus associados na Europa.

Crise fiscal A situação resultante, na Europa, é de uma efetiva crise fiscal sem cobertura pelo BCE em razão da oposição alemã (até o momento). Nos Estados Unidos, foi o Partido Republicano, vitorioso nas eleições intermediárias de 2010 e detentor de maioria na Câmara, que transformou, por razões políticas, a crise financeira em crise fiscal. Diante disso, quais são as perspectivas para os Estados Unidos, a União Europeia e o mundo diante dessa crise financeira sem precedentes, e quais são suas consequências para a América Latina e, especificamente, para a América do Sul? A recuperação dos Estados Unidos é vital para a recuperação europeia e do Japão, e a recuperação conjunta dessas regiões é a única forma de evitar que, a curto prazo, também a Ásia mergulhe na crise, ameaçando arrastar com ela o resto do mundo e a América Latina. Contudo, a recuperação norteamericana esbarra em obstáculos econômicos e políticos. No primeiro caso, o maior obstáculo é o fato de que, já antes da crise, e por força das práticas neoliberais, o sistema bancário norte-americano (e ocidental) tornou-se disfuncional do desenvolvimento. É que, tradicionalmente, bancos tomavam emprestado a curto prazo, usando inclusive depósitos à vista, para emprestar a longo prazo. A partir dos anos 80, mediante várias inovações operacionais possibilitadas ou

... para cada dólar de bem e serviço produzido na economia, havia pelo menos US$ 3 de papel, e mais de US$ 10 de pura especulação estimuladas pela desregulação bancária, eles passaram a tomar a curto e emprestar também a curto prazo. Isso funcionou ao longo do ciclo especulativo dos anos 90 e 2000, numa espécie de esquema Ponzi institucionalizado (pelo qual você paga um poupador com o dinheiro do poupador seguinte, sem investir), mas se tornou totalmente disfuncional agora. Com efeito, como rescaldo da especulação imobiliária, circulam hoje no mercado bancário norteamericano cerca de US$ 6 trilhões de hipotecas, dos quais US$ 3,5

trilhões de recebimento duvidoso e algo entre US$ 1,5 a US$ 2 trilhões, dependendo do mercado de imóveis futuro, de perda certa. Por uma concessão dos reguladores, os bancos não precisam contabilizar esses títulos a preços de mercado, pois a maioria não vale nada e eles quebrariam se reconhecessem a perda, mas podem mantê-los em carteira até o vencimento. Isso adia a quebra, mas não a evita, pois em algum momento o título vencerá e, se não for pago, a perda terá de ser contabilizada. Para evitar a quebra, os bancos devem gerar lucros a curto prazo, já que não há real possibilidade de tomada de capital num mercado. E é aí que o sistema bancário se torna disfuncional. Para fazer lucro a curto prazo, não pode emprestar a médio e longo prazo, sobretudo para pequenas e médias empresas. Tem que atuar no mercado de serviços de curtíssimo prazo. Uma consequência direta disso é o estreitamento do crédito para pequenas e médias empresas.

FRACASSO  Receituário europeu serve de antiexemplo VISÃOClassista

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INTEGRAÇÃO Como esse segmento é responsável por 65% do emprego na economia norte-americana, com a escassez de financiamento pra o investimento a taxa de desemprego, muito naturalmente, não baixa da faixa de 9%, extremamente alta para os padrões dos Estados Unidos. Sem a retomada do emprego, não cresce a renda; sem renda, não cresce o consumo; sem consumo, não há investimento; sem investimento, a economia não se recupera de forma sustentável.

Além da economia Por cima desse obstáculo estrutural à retomada vem o problema político. O presidente Obama, que propôs e conseguiu implementar um forte programa de estímulo no início de seu mandato, evitando a queda continuada da economia, não conseguiu renoválo este ano diante da forte oposição do Partido Republicano a novos estímulos fiscais. Na verdade, o Partido Republicano quer o oposto, ou seja, cortar gastos públicos. É uma lógica perversa, totalmente desmoralizada desde Keynes: a ideia de que, cortando o gasto público, o emprego cresce. Entretanto, o partido tem condições de bloquear qualquer novo estímulo, como o projeto proposto pelo presidente. Isso significa que não se deve esperar dos Estados Unidos nenhuma iniciativa vigorosa contra a crise antes das eleições de 2012 e, portanto, antes da posse dos eleitos em 2013. Assim mesmo, o tipo e a eficácia das medidas a serem tomadas dependerão da composição do Congresso e do partido presidente eleito ou reeleito. Até lá, a crise europeia estará em seu auge, com a provável implosão do euro. Em essência, estamos diante do velho projeto neoliberal de destruir o estado social democrata europeu e o que existe dele na América do Norte e em outros países

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industrializados avançados. Os neoliberais estão se aproveitando da crise que eles próprios produziram para liquidar, em escala planetária, não só com as bases desse Estado de bem-estar social como com as aspirações de construí-lo por parte dos países em desenvolvimento que estão conquistando a democracia de cidadania ampliada.

Ameaça imediata Objetivamente, a América Latina, e em especial a América do Sul, estão diante de uma ameaça imediata. É que o tipo de política macroeconômica que está sendo adotada nos países desenvolvidos para supostamente saírem de sua crise sinaliza diretamente para um aumento de exportações, já que seus mercados internos estão estagnados. De fato, em seu discurso sobre o estado da União no ano passado, o presidente Obama colocou como prioridade a duplicação das exportações em cinco anos; no Japão, o ministro da Fazenda recomendou às corporações do país reorientarem suas exportações para os países emergentes, citando o Brasil, já que os países desenvolvidos estão estagnados; já a Europa do euro, em regime de corte de gastos públicos, só pode recuperar sua economia pela via das exportações. Assim, os principais países desenvolvidos, aos quais se deve acrescentar a China, orientam suas economias para o aumento das exportações. Pergunta-se: exportações para quem? Para eles próprios não pode ser, porque estão com seu consumo interno contido

Com essa proteção, defenderemos nosso mercado de trabalho

pelo corte nos gastos públicos e nos salários. Isso significa que seremos nós, os países emergentes ou em desenvolvimento, que ainda estamos crescendo, os mercados preferenciais dos ricos. Na prática, isso significará um risco jamais visto para nosso parque manufatureiro. No passado, as doutrinas dos países ricos nos impunham políticas de livre comércio que inibiam nosso desenvolvimento industrial. Agora, quando a duras penas construímos um parque industrial, ele está sob ameaça de destruição pela estratégia exportadora que estão adotando. Trata-se de uma política insana para todo o planeta. As primeiras vítimas das políticas de austeridade europeias, impostas principalmente pela Alemanha, são os trabalhadores e as classes baixas da própria Europa. Em segundo lugar, seremos nós, na medida em que nossa estrutura produtiva seja sucateada pelas importações que nos empurrarão. Depois será a vez da Ásia, inclusive da China, que terá seu mercado de exportação para a Europa e os Estados Unidos estreitado. Enfim, nós sofreremos duplamente, porque com a queda provável do crescimento da China e da Ásia veremos reduzidas nossas exportações não só de manufaturados, mas também de commodities. Esse desastre pode ser evitado na Europa e nos Estados Unidos por uma política de expansão do gasto público, independentemente do fato de que os déficits e as dívidas públicas em relação ao PIB já pareçam muito elevados. Acontece que a única forma de reduzi-los de forma sustentável é pela retomada do crescimento da economia, e não há como fazer a economia crescer, numa situação de crise generalizada, a não ser pelo aumento do gasto e do déficit público. Foi o que ensinou Keynes há 70 anos!


MOMENTO-CHAVE  América Latina precisa priorizar a defesa de seus empregos

Defesa do mercado de trabalho Contudo, como já mencionado, esse caminho não será trilhado por razões políticas. Diante disso, temos que cuidar de nosso jardim. A única forma de os países sul-americanos enfrentarem a ameaça contra seu sistema produtivo manufatureiro – ou contra sua aspiração a ter um – é pelo aprofundamento do projeto de integração produtiva. Como bloco econômico, podemos construir barreiras protecionistas temporárias sem ferir as regras da Organização Mundial do Comércio. Com essa proteção, defenderemos nosso mercado

de trabalho, que é a prioridade absoluta para contornar a crise mundial. Um mercado integrado possibilitará a expansão dos investimentos produtivos regionais para transformação de recursos naturais, formação de cadeias produtivas, especialização industrial, ampliação da cadeia de serviços comuns. Isso levaria à ampliação do mercado de trabalho regional e estabeleceria uma base econômica sólida para a eliminação da fome e da miséria, para o aumento das rendas básicas e melhoria dos salários reais. Uma orientação sábia de política econômica no sentido da

integração permitirá transformar a crise mundial numa real oportunidade de desenvolvimento regional. Isso exige uma firme vontade política, que felizmente temos, hoje, nos principais líderes da América do Sul. Contudo, o projeto de integração não pode ser apenas dos líderes políticos. Tem que ter suas raízes na sociedade. Para isso, é fundamental a tomada de consciência de sua importância por parte dos líderes trabalhistas. Afinal, o que está em jogo, fundamentalmente, é o mercado de trabalho. * Economista, doutor em Engenharia da Produção, professor de Economia Internacional da UEPB.

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INTERNACIONAL

Por uma América sobe Verdadeira integração E regional passa pelo protagonismo da classe trabalhadora no continente Fernando Damasceno “Eu desejo, mais do que qualquer outro, ver formar-se na América a maior nação do mundo, menos por sua extensão e riquezas do que pela liberdade e glória”. Simón Bolívar

ntre a publicação da “Carta da Jamaica” (documento de 1815 no qual está inserida a frase ao lado) e os dias atuais, passaramse quase dois séculos. Apesar da extensão desse período, nunca o desejo do grande libertador latino-americano esteve tão ao alcance daqueles que lutam por um continente livre e glorioso. Pela primeira vez, os povos da região se veem diante da real possibilidade de alcançar um feito inviabilizado por mais de 500 anos. Apesar desse novo cenário, a distância entre o projeto imaginado por Bolívar e sua prática é gigantesca – e, no contexto globalizado da atualidade, qualquer avanço dessa natureza resulta em importantes alterações das peças do xadrez geopolítico mundial. O pensador inglês Eric Hobsbawm já apontava, no começo de 2010, o papel da América Latina e da China na ordem mundial do século 21, listando quatro pontos

AUTODETERMINAÇÃO  Na Venezuela, o lema que contagia toda uma geração

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fundamentais para a compreensão da contemporaneidade: o deslocamento do centro econômico do Atlântico Norte para o Atlântico Sul e o leste da Ásia; o papel desses novos atores em meio à crise sistêmica do capitalismo; a perda da hegemonia global, após 2001, por parte dos Estados Unidos; e a emergência de um novo bloco de países em desenvolvimento, reunidos em torno dos chamados “BRICS” (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Em meio a essa análise, Hobsbawm também faz um alerta, com os olhos de um nonagenário, a respeito do papel da classe trabalhadora na Europa e no restante do planeta. “O declínio da classe operária manual na indústria parece, de fato, ter atingido seu estágio terminal. Ainda restam ou vão restar muitas pessoas fazendo trabalhos manuais, e a defesa das condições de trabalho delas continua a ser uma tarefa importante de todos os governos


rana de esquerda. Mas essa defesa não pode mais ser o alicerce principal das esperanças dessas pessoas: elas não possuem mais potencial político, nem mesmo teoricamente, porque não possuem o potencial de organização da classe operária antiga”, afirmou o historiador, em entrevista à publicação inglesa “New Left Review”. Até que ponto Hobsbawm tem razão, quando traça um cenário tão crítico em relação ao papel da classe operária do século 21? Não seria precipitado ignorar as particularidades dos trabalhadores de continentes diferentes? A questão da integração latino-americana sonhada por Bolívar pode ser um contraponto a uma análise tão pessimista?

Olhos para a América Latina É indiscutível a análise de que a eleição de Hugo Chávez para a Presidência da Venezuela, em 1998, tornou-se um marco para a América Latina, por seu caráter de rompimento com a estrutura de poder que se manteve (e ainda se mantém, em grande medida) no controle das estruturas de poder do continente. Desde então, Brasil, Bolívia, Equador, Uruguai, Chile, Nicarágua e Argentina se somaram à histórica luta de Cuba por uma América soberana e sem as amarras do imperialismo. Nesses 13 anos, a necessidade de se criar uma real integração, de caráter solidário, se tornou latente. As recentes conquistas demonstram que esse é o caminho a ser perseguido. “O mapa geoestratégico regional começa a refletir um novo eixo de equilíbrio, distante da subordinação humilhante apreciado pelos governos europeus e ditado pelo império estadunidense”, avalia o cubano Ramón Cardona, secretário para

FUTURO   Integração precisa garantir oportunidade a todos as Américas da Federação Sindical Mundial (FSM), destacando o papel decisivo da recém-criada (leia mais na página 4) Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac). “Com ela, teremos voz própria e nos incorporaremos ao processo de integração regional que cada vez toma maior corpo, acima das diferenças e sistemas políticos de cada nação”, afirma. A Celac sem dúvida é uma conquista histórica, mas o caminho entre a eleição de Chávez e sua criação foi longo – assim como ainda levará muito tempo para que o continente tenha uma integração real. Durante essa trajetória, os governos progressistas da região tiveram papel preponderante, mas esse processo não teria sido vitorioso sem uma base social forte, composta principalmente pela classe trabalhadora da região e seus movimentos políticos e sociais.

“Os trabalhadores e trabalhadoras foram fundamentais para cada uma das vitórias eleitorais que as forças progressistas conquistaram desde a década de 1990”, avalia o presidente da CTB, Wagner Gomes. “Isso precisa ser destacado, até porque antes da vitória de Chávez, Lula e outros líderes, o que tivemos foi uma avalanche de governos neoliberais em todo o continente, que tiraram nossos direitos, promoveram desemprego e tiveram uma atitude de subserviência aos Estados Unidos. E mesmo assim conseguimos ter força para reverter um quadro completamente desfavorável”, analisa o dirigente. João Batista Lemos, vicepresidente da FSM e dirigente nacional da CTB, cita a luta dos trabalhadores e dos movimentos sociais latino-americanos contra a Área de Livre Comércio das VISÃOClassista

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INTERNACIONAL Américas (Alca) como exemplo de combatividade que precedeu as primeiras vitórias eleitorais no continente. “Fomos capazes de nos contrapor a um projeto que só atendia aos interesses do imperialismo norte-americano. Mostramos que com unidade era possível apostar em um outro modelo comercial para nossa região, preservando nossa soberania e apostando no desenvolvimento de cada uma das nações latinoamericanas”, recorda.

Tripé progressista Para Batista, a integração que a América Latina precisa e tem totais condições de colocar em prática é formada por um tripé, composto por governos progressistas, participação efetiva dos movimentos sociais e protagonismo da classe trabalhadora. “A integração que precisamos, para que tenha o êxito que esperamos, não pode ser apenas comercial e aduaneira. Tem que ser também dos povos envolvidos, de modo que cada nação complemente as necessidades

das outras, para que todas possam se desenvolver”, sustenta. Ramón Cardona destaca que a situação vista atualmente na Europa serve como exemplo do que não deve ser seguido pelos povos latino-americanos em termos de integração. “A criação da Celac parte do reconhecimento de igualdade dos Estados, do respeito à soberania e à autodeterminação de cada povo, do rechaço a qualquer ameaça e do uso da força, do acatamento das normas e princípios do direito internacional”, sustenta o dirigente da FSM, que também vê outro ponto antagônico em relação à integração latino-americana e a do Velho Continente: “Iremos avançar contra a corrente do cenário mundial marcado pela crise do sistema econômico, de orientação capitalista, que gera crescentes tensões nas democracias representativas de nações desenvolvidas e desperta o surgimento do nacionalismo chauvinista e a expansão imperialista no Oriente Médio e na África”. Batista cita a experiência da Aliança Bolivariana para as

EQUILÍBRIO  Cardona (ao microfone) vê na Celac uma nova ordem

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Américas (Alba) como exemplo de integração solidária em parte do continente e um contraponto à tentativa de implantação da Alca. Trata-se de uma tentativa de integração econômica regional que não se baseia essencialmente na liberalização comercial, mas sim em uma visão de bem-estar social, troca e auxílio econômico mútuo. “Esperamos que a Celac consiga expandir por toda a América Latina esse mesmo viés”.

A iniciativa do ESNA A partir de um cenário político mais favorável, foi possível ao movimento sindical organizado (e comprometido com a integração regional) da América Latina discutir de que maneira contribuir efetivamente para o desenvolvimento do continente. Em 2008, na cidade equatoriana de Quito, vinha à tona a primeira edição do Encontro Sindical Nossa América (ESNA), experiência pioneira e baseada em três eixos fundamentais: • A luta pelo trabalho e pelo pleno emprego, contra a desregulamentação e a herança neoliberal, pela redução da jornada de trabalho e pelos direitos sociais; • A luta política, de apoio às mudanças político-sociais no continente, ligando a luta sindical a uma maior perspectiva de poder, a partir de uma integração soberana e solidária; • A luta pela soberania nacional, alimentar, energética e da biodiversidade do continente. “O movimento sindical sem sombra de dúvidas precisa se engajar mais nessa luta. Temos ainda uma necessidade muito grande de implementar mudanças para obtermos mais avanços econômicos e, consequentemente, nos fortalecer e desenvolver”, defende Batista, na condição de uma das principais lideranças do ESNA, presente em todas as suas


OUSADIA   Para Batista, integração regional precisa ir além do comércio quatro edições (no Equador, Brasil, Venezuela e Nicarágua). Juan Castillo, representante do Plenário Intersindical de Trabalhadores e Convenção Nacional dos Trabalhadores (PIT-CNT) do Uruguai e coordenador do ESNA, entende que o evento, cuja próxima edição será realizada no México, em 2012, já se tornou um ponto de encontro inevitável para qualquer entidade que queira debater a

realidade do continente. “Isso para nós é importante, ainda mais diante dos últimos acontecimentos da crise econômica nos Estados Unidos, com consequências sociais importantes, como vemos agora na Europa – em alguns países onde era impensável ver algo dessa natureza até pouco tempo atrás, como na Inglaterra”, afirma. Batista destaca que o protagonismo dos trabalhadores

é importante não-somente para servir de contraponto aos interesses imperialistas, mas também para fazer frente ao poderio exercido pelos empresários latino-americanos. “Temos que defender nossos interesses, a partir da valorização do trabalho, mas deixando claro ao empresariado que estamos dispostos a defender o mercado da região”, afirmou.

Contra a crise, empresários se rendem e passam a defender integração latino-americana A cidade de São Paulo recebeu, no final de outubro, representantes de indústrias de toda a América Latina para discutir que medidas poderiam ser tomadas para aumentar a integração econômica da região. Ante o cenário de crise mundial, os empresários defenderam o crescimento do comércio como uma alternativa para manutenção do crescimento. O encontro foi promovido pela Associação dos Industriais LatinoAmericanos (Alia) e fez parte de uma série de reuniões preparatórias para o congresso da entidade programado para 2012. Um dos representantes

brasileiros na reunião, o presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento da Indústria (Iedi), Pedro Luiz Passos, ratificou a importância da indústria para o desenvolvimento dos países latino-americanos. Ele também chamou a atenção dos empresários para um processo de perda da participação do setor industrial no Produto Interno Bruto (PIB) desses países. “A indústria está perdendo espaço na nossa região”, declarou à Agência Brasil. “Nossos países estão se tornando cada vez mais exportadores de produtos primários.” Segundo Passos, a balança comercial de

manufaturados de alta e média complexidade do Brasil, por exemplo, já acumula déficit de US$ 38 bilhões este ano (cerca de R$ 66 bilhões). Já o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade, demonstrou preocupação com os rumos da indústria da América Latina. Segundo ele, a integração entre os países pode ser uma boa saída para o setor. “[A integração] é uma parte da solução”, disse. “A América Latina tem uma população enorme, um PIB interessante, temos um grande mercado”, completou. Os trabalhadores agradecem. VISÃOClassista

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PELO BRASIL

Trabalho decente: long Sociedade se mobiliza em todo o país para a 1ª Conferência Nacional sobre o tema Celso Jardim

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odas as 26 capitais de estados brasileiros e o Distrito Federal, além de diversas cidades, realizaram no segundo semestre de 2011 conferências sobre o Trabalho Decente, promovendo um amplo debate em todo o território nacional, envolvendo a temática das políticas públicas de trabalho, emprego e proteção social, na perspectiva da construção e promoção de uma Política Nacional a partir das prioridades estabelecidas. O Brasil é pioneiro no estabelecimento de agendas regionais e estaduais de Trabalho Decente, com o objetivo de proporcionar a construção de diagnósticos estaduais, territoriais e municipais sobre o tema. O estado da Bahia lançou sua agenda em dezembro de 2007, enquanto Mato Grosso realizou em abril de 2009 sua Conferência Estadual pelo Trabalho Decente, com o mesmo objetivo. As Marchas da Classe Trabalhadora, realizadas por várias vezes em Brasília, potencializaram as demandas do movimento sindical

REPRESENTATIVIDADE   Delegados da CTB-GO defendem o fortalecimento da base sindical para a negociação de propostas unitárias dos trabalhadores e trabalhadoras sobre os temas ligados ao mundo do trabalho: salário mínimo, redução da jornada de trabalho, terceirização, entre outros. A defesa do trabalho deve ser central para que esse desenvolvimento seja sustentado. Essa centralidade deve estar embasada na garantia e ampliação de direitos com o combate à precarização. Ou seja, o trabalho não pode ser tratado como um elemento a mais neste processo e sim como um determinante para o desenvolvimento com distribuição de renda e justiça social.

A Conferência A 1ª Conferência Nacional do Emprego e Trabalho Decente

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(CNETD) está marcada para maio de 2012. Seu objetivo geral é a promoção de um amplo debate no território nacional, a partir da temática das políticas públicas de trabalho, emprego e proteção social, na perspectiva da construção e promoção de uma Política Nacional de Emprego e Trabalho. A proteção ao trabalhador é o maior desafio do perfil do trabalho decente. No país, segundo o último Censo realizado em 2010, as mulheres cada vez mais se tornam chefes de família, mas recebem, em média, 42% menos que os homens com a mesma atividade. A pesquisa confirma a discriminação de gênero no mercado de trabalho. No campo, um novo personagem apareceu nesses últimos tempos, ao vir à tona o perfil dos atores envolvidos na escravidão


o caminho a percorrer

contemporânea: “os gatos”, ou aliciadores de trabalhadores contratados em condições precárias para trabalho rural. Encontramse também nas atividades urbanas empresas que empregam em condições subumanas trabalhadores, principalmente na construção civil. A CTB e as demais centrais sindicais participaram ativamente das conferências estaduais, mantendo a posição de seguir as decisões aprovadas durante a Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), realizada em 2010.

oportunidades e de tratamento e o combate a todas as formas de discriminação — de gênero, raça/ cor, etnia, idade, orientação sexual, contra pessoas com deficiência, vivendo com HIV, entre outras doenças. Outro grande foco das conferências estaduais é a erradicação do trabalho infantil e a proteção ao adolescente, já que ainda existem mais de três milhões de crianças e adolescentes entre cinco e 15 anos que não estudam porque trabalham em diversas atividades. As conferências estaduais e regionais realizadas em todos os estados brasileiros começaram no dia 22 de setembro, em Salvador (BA), e terminaram em Aracaju (SE), na primeira semana de dezembro, e serviram de base para a construção de um documento final que irá nortear a Conferência Nacional. Sob o lema “Gerar Emprego e Trabalho Decente para Combater a Pobreza e as Desigualdades

Sociais”, os debates realizados em âmbito municipal/intermunicipal, estadual e nacional, assim como as resoluções e conclusões da CNETD, serão um passo decisivo na formulação de uma Política Nacional de Emprego e Trabalho Decente.

Riqueza de discussões Em Campo Grande (MS), os trabalhos realizados na conferência estadual reivindicaram em documento a igualdade de remuneração entre a mão de obra masculina e feminina, além do estabelecimento de uma política de valorização e recuperação dos benefícios dos aposentados e pensionistas. Os debates entre as centrais e outros organismos que representam os trabalhadores de Mato Grosso do Sul foram muito úteis para levantar importantes questões que há muito a classe trabalhadora vem reivindicando. “Essa questão da igualdade salarial entre homens e

As conferências estaduais Um dos grandes desafios das conferências estaduais é atingir o elemento central do conceito de trabalho decente: a igualdade de

AVANÇO   Em São Paulo, Conferência terá caráter permanente VISÃOClassista

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PELO BRASIL mulheres é uma delas. É preciso valorizar o trabalho das mulheres que não deixam nada a desejar em relação aos dos homens. Até quando vamos continuar com esse tipo de injustiça trabalhista em nosso país?”, questionou o presidente da CTB-MS, Ricardo Martinez Froes. Em Belém do Pará, mesmo com as dificuldades de assegurar a presença dos delegados das regiões mais distantes do estado, que prejudicou o debate na plenária geral, ainda assim a Conferência teve saldo positivo. O conjunto das propostas aprovadas, nos quatro

eixos temáticos, foi apresentado pela bancada dos trabalhadores, que contou com apoio das bancadas da sociedade civil e de parcelas da bancada do governo do estado. Na abertura dos debates, Marcão Fonteles, presidente da CTBPA, falando em nome das demais centrais sindicais, destacou a realização de 13 plenárias regionais, nas quais foi realizado o debate do tema e escolhidos os delegados para a etapa estadual e falou sobre a necessidade de aprovar propostas que apontem para mais direitos, melhores condições de trabalho e avanços na política macroeconômica. “Falamos da mudança da atual política econômica, da diminuição do superávit primário, da redução das 40 horas semanais, do fim do fator previdenciário, da construção de um projeto nacional de desenvolvimento com valorização do trabalho, entre outros temas”, destacou o dirigente.

Busca por avanços

PARÁ   Valorização do trabalho em pauta

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Para o presidente da CTB-BA, Adilson Araújo, a Conferência é um importante espaço para a classe trabalhadora fazer seu diagnóstico sobre os programas e ações necessários para a implantação de políticas públicas de trabalho, emprego e renda. “Esse debate precisa ser feito, sobretudo, na afirmação do que preconiza o trabalho decente: um trabalho produtivo, com remuneração adequada, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança”, destacou. Entre as propostas aprovadas na Conferência Estadual da Bahia relativas ao serviço público, destaca-se a deficiência na garantia dos direitos trabalhistas por parte do poder público. Os trabalhadores apontaram como desafio a garantia da execução dos direitos trabalhistas da Constituição aos

trabalhadores contratados na esfera pública e promoção de concursos públicos para a continuidade dos serviços prestados. Quanto às negociações coletivas e a política de valorização do salário mínimo, a Conferência baiana propôs estabelecer um piso específico para o estado – no valor de R$ 650 – e estabelecer um aumento real do salario mínimo regional, tomando como base de referência os dados do Dieese.

Dedo na ferida Em Goiás, vários temas de grande relevância foram abordados no edital de convocação da Conferência. Ailma de Oliveira, presidenta da CTB-GO, destacou, no entanto, que a CUT tentou impor outra pauta. “Única voz dissonante, a CUT tentava aproveitar a Conferência para impor o debate sobre o fim do imposto sindical, que acabou sendo derrotado por mais de 70% dos delegados na plenária final”, denunciou a dirigente. “Precisamos de sindicatos fortes, enraizados na base, financiados pelo próprio trabalhador e não pelo patrão”. Ao final da Conferência goiana, foram eleitos os delegados e delegadas para a etapa Nacional, sendo 12 representantes do governo, 12 do setor patronal, 12 dos trabalhadores e quatro dos movimentos sociais (com a representação de todas as centrais e oito ligados à CTB).

Conferência permanente A Conferência Estadual do Trabalho Decente em São Paulo teve seus debates divididos em quatro grupos de discussão: promoção dos direitos no trabalho, geração de oportunidades de emprego, extensão da proteção social e fortalecimento do diálogo social. O evento, realizado pela Secretaria Estadual de Emprego e


Apesar de avanços, OIT ainda vê graves problemas no Brasil

DESAFIO   Adilson Araújo defende debate amplo Relações do Trabalho (Sert), teve o apoio técnico da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do governo federal e contou com a participação das secretarias estaduais da Saúde; Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia; Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência; Justiça e Cidadania; e Meio Ambiente; da CTB, UGT, CGTB, CUT, Força Sindical e NCST, da Fiesp, Fecomercio, Fenaban, Fesesp, Faesp e Fetecesp. No dia dos debates e aprovação das propostas dos 518 delegados, o comando dos trabalhos contou com a participação tripartite, do representante dos empregadores, diretor da Fiesp, Ivo Rosset , do governo estadual o secretário estadual de Emprego e Relação do Trabalho, Davi Zaia, e dos trabalhadores, Xavier Lemos, dirigente da CTB e membro da comissão organizadora da conferência. Xavier Lemos declarou que a unidade das centrais sindicais durante os debates propiciaram ações que foram acatadas durante as aprovações em plenário. No entanto, sobre os resultados da conferência estadual paulista, o dirigente se mostrou decepcionado. “Por imposição da bancada patronal e por assimilação dessa imposição

por parte dos representantes do governo estadual, a organização dos trabalhos deixou a desejar, pois os trabalhadores tinham a expectativa de que o encontro durasse três dias e só tivemos um período de debates e outro de votação em plenário”, destacou. A inclusão de pontos que não se enquadravam nas discussões foram os destaques negativos da conferência em São Paulo, por não ser o fórum destes temas. “São Paulo poderia ter aproveitado mais a oportunidade desse evento, e não discutir temas que não competem à Conferência. Acredito que São Paulo teria que colocar temas mais complexos em discussão e não abordar propostas não inerentes, como consolidação das leis trabalhistas, reforma sindical, desoneração da folha de pagamento como solução para empregabilidade. A conferência do Trabalho Decente não é o fórum para esses temas”, completou Xavier. Por outro lado, o dirigente paulista destacou uma decisão da conferência: “O fato positivo foi a institucionalização da comissão preparatória estadual, que será permanente, e poderemos então buscar novas discussões para aprimorar as condições de trabalho que foram atropeladas pelo pouco tempo da Conferência”.

Durante encontro do G-20 realizado em Washington (EUA), em 2010, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) fez uma observação a todos os integrantes e em especial ao Brasil. Segundo a entidade, 25% da massa trabalhadora brasileira ainda recebe menos de US$ 75 – aproximadamente R$ 138 por mês. Diante de cenários como o que ainda é visto no Brasil, o Trabalho Decente é o ponto de convergência de quatro objetivos estratégicos da OIT em todo o mundo, definindo as metas para as condições em que os trabalhadores possam ter um trabalho adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna. No Brasil, o Plano Nacional de Emprego e Trabalho Decente, elaborado pelo governo federal, destaca o projeto interregional da OIT na América Latina, cuja finalidade é apoiar o esforço dos países em lidar com o tema, ao mesmo tempo em que busca responder às necessidades de medição da evolução do trabalho decente em cada país. Para o presidente da CTB, Wagner Gomes, a mobilização da sociedade e das centrais sindicais durante 2011 foi fundamental para que a pauta da classe trabalhadora tivesse destaque ao longo das discussões em âmbito estadual. “Agora, para a etapa nacional, certamente a CTB, com todos os seus delegados, estarão preparados para evitar quaisquer retrocessos e certamente garantir novos avanços para a população como um todo”, afirmou. VISÃOClassista

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PAUTA SINDICAL

No combate à precarização do trabalho Centrais se mobilizam em prol da regulamentação da terceirização no país Joanne Mota

“R

egulamentar a terceirização e reforçar o combate à precarização do trabalho”. Esse foi o compromisso assumido pela CTB e pela CUT após audiência pública realizada no Tribunal Superior do Trabalho

MOBILIZAÇÃO  Por todo o país, trabalhadores tentam ampliar (TST), nos dias 4 e 5 de outubro. Segundo nota divulgada pelas duas centrais, a convocação do TST para realizar uma audiência pública para debater terceirização se configura como uma ação inédita do órgão, mas esse é apenas um

Valcir Rosa

DIREITOS  Joílson e Artur no combate ao retrocesso

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passo diante de toda a jornada que os trabalhadores deverão enfrentar daqui para frente. Segundo os dirigentes, é preciso refletir mais sobre os atuais debates referentes à terceirização, especialmente sobre as discussões levantadas pela Câmara dos Deputados. As centrais ainda reforçaram que estas discussões devem ultrapassar os muros oficiais e atingir o principal interessado: o trabalhador. Para Wagner Gomes, presidente da CTB, discutir regulamentação da terceirização significa fazer valer os direitos trabalhistas. Segundo ele, qualquer que seja o caminho escolhido para a regulamentação do trabalho tercerizável, precisa levar em consideração a complexidade e o funcionamento nos diversos regimes de contratação praticados hoje no país. Além disso, as centrais sindicais enfatizam que é preciso ficar claro que o processo de terceirização exercida no país, além de aumentar sua ação até as chamadas atividades-fim, precarizando o trabalho, também incidiu negativamente na organização das instâncias representativas dos trabalhadores e trabalhadoras. ”A CTB é contrária a qualquer


seus direitos ação que precarize o trabalho, desse modo, e com o apoio das outras centrais, mobilizaremos os trabalhadores para barrar esta prática. A criação de um marco regulatório para a terceirização é um direito não só do trabalhador, mas também de toda sociedade. Esse movimento esclarece quais os reais objetivos com a terceirização, que é uma estratégia empresarial para aumentar a produtividade, diminuir custos e aumentar lucros”, enfatiza Wagner Gomes. O sociólogo e professor da Unicamp, Ricardo Antunes, que também participou da audiência pública realizada pelo TST, disse na oportunidade que a terceirização tem incitado perdas de garantias trabalhistas conquistadas com a luta dos trabalhadores ao longo da história. Para o sociólogo, “a adoção do modelo neoliberal e as mudanças ocorridas nos anos de 1970, se por um lado garantiram a sociedade desenvolver um sistema de economia mais flexível, por outro abriram caminho para flexibilização dos direitos trabalhistas”.

Substitutivo contraditório Em junho de 2011, a Comissão

A criação de um marco regulatório para a terceirização é um direito não só do trabalhador de Trabalho, de Administração e Serviço Público, da Câmara Federal, aprovou o Projeto de Lei 4330/04, de autoria do deputado federal Sandro Mabel (PR-GO), o qual permite a terceirização de todas as áreas, seja ela de regime privado ou público. Essa movimentação recebeu diversas críticas do movimento sindical e de parlamentares contrários à proposta. Para o deputado federal Vicente Paulo da Silva (PT-SP), que também possui projeto para regulamentar a terceirização, a proposta do deputado Sandro Mabel (PMDB-GO) caminha na contramão dos interesses dos trabalhadores, pois intensifica o processo de terceirização. Segundo Vicentinho, “estudos do Dieese demonstram que os trabalhadores da terceira recebem apenas 1/3 do salário dos trabalhadores da primeira. O projeto do deputado

Mabel permite terceirizar tudo, e isso irá inviabilizar a luta pela regulamentação deste setor e por melhores condições de trabalho. Além disso, esta discussão deve passar por todas as partes interessadas no processo, de forma a garantir um consenso entre elas”. Assis Melo, dirigente da CTB e deputado federal pelo PCdoB-RS, lembra que as centrais sindicais reconhecem a importância de regulamentar a matéria, por isso solicitaram ao presidente da Câmara, o deputado federal Marco Maia, a criação de uma Comissão Especial. Porém, ele frisa que “qualquer proposta de regulamentação deve observar premissas que permitam construir um marco legal que incorpore as mudanças já consolidadas no mercado de trabalho e revertam a precarização resultante do processo de terceirização. Caso contrário, corremos o risco de a legislação se transformar num mecanismo para aumentar o lucro e precarizar o trabalho”. Para Manuel Messias de Melo, secretário Nacional de Relações de Trabalho da CUT, essa situação constrói o ambiente favorável para o avanço do número de trabalhadores terceirizados no Brasil. A discussão sobre terceirização no Brasil apresenta duas vertentes: uma das centrais sindicais, representada pelo PL 1621/07, de autoria do deputado federal Vicente Paulo da Silva (PTSP), e outra das entidades patronais, representada pelo PL 4330/04, de autoria do deputado federal Sandro Mabel. “É importante esclarecer que o PL 4330/04 tem como objetivo central garantir a terceirização em larga escala, ou seja, terceirizaçãoquarterização, fragmentando o direito do trabalhador. Já o PL 1621/07, que tem o apoio da CUT, CTB e Nova Central, visa regulamentar a terceirização, impedindo que ela aconteça nas VISÃOClassista

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PAUTA SINDICAL

SANTIAGO  Projeto retrógrado atividades-fim”, explica Messias. Em outubro, a CTB e a CUT barraram a votação do substitutivo ao PL 4330/04, do deputado Roberto Santiago (PSD-SP). Para os dirigentes das duas centrais, a proposta de Santiago mantem a precarização do trabalho, além de não observar itens fundamentais para regulamentação da mão de obra e garantir a segurança jurídica para os prestadores de serviços terceirizados. Em entrevista ao programa Palavra Aberta, da TV Câmara, o deputado Roberto Santiago reconheceu a complexidade do sistema de contratação terceirizada, e destacou que da forma como se apresenta hoje estabelece uma relação muito intricada entre contratante e contratada. “Hoje no Brasil são aproximadamente 8,2 milhões de trabalhadores na área de prestação de serviços terceirizados, diante disso fica clara a necessidade de se pensar em um marco legal para este setor. Porém, este não é um processo fácil de construir, é preciso gerenciar

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os posicionamentos das entidades patronais com os das entidades dos trabalhadores. De forma a garantir uma responsabilidade compartilhada entre os setores interessados”, explica Santiago. Joílson Cardoso, secretário de Relações Institucionais da CTB, explica que o problema da terceirização ultrapassa a questão da responsabilidade compartilhada colocada pelo deputado Roberto Santiago. Segundo ele, a proposta de responsabilidade compartilhada não elimina os problemas causados pela terceirização. “Nós da CTB, bem como a CUT, a Nova Central e agora a CGTB, discordamos frontalmente da proposta de Roberto Santiago porque ele reforça as piores questões que estão colocadas no PL de Sandro Mabel. Mesmo que a proposta de Santiago regule as empresas de prestação de serviços e obrigue a fiscalização pelas contratantes, o que ele chama de responsabilidade compartilhada, ela não ataca o problema de frente, pois continua permitindo a terceirização nas atividades-fim, institucionaliza a possibilidade de terceirização na administração pública e permite a quarteirização no setor”, alerta Joílson Cardoso.

Os números da terceirização Pesquisa setorial divulgada pelo Sindeprestem (Sindicato das Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros, Colocação e Administração de Mão de obra e de Trabalho Temporário no Estado de São Paulo) informa que, no Brasil, o número de empresas de prestação de serviços terceirizados e trabalho temporário passou de 31.029, no biênio 2009/2010, para 32.580, no biênio 2010/2011. Além disso, a pesquisa apresentou que o número de trabalhadores terceirizados empregados formalmente no Brasil é de a 10,5

milhões, o que representa 23,9% do total de empregados com carteira assinada, 11,4% da População Economicamente Ativa (PEA) e 2,6% do total mundial do setor. De acordo com informações divulgadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o setor de prestação de serviços terceirizáveis emprega aproximadamente 1,5 milhão de pessoas ao mês, deste total, 14,5% são ocupadas por pessoas idosas e 11,5% por jovens que buscam o primeiro emprego. Segundo o MTE, os setores que mais se destacam são os de trabalho temporário, com 72,5%, consultoria em RH, com 65% e Serviços Auxiliares, com 55%.

PONTOS MÍNIMOS PARA UMA NEGOCIAÇÃO • Defesa do conceito de atividade-meio e atividade-fim, sendo proibida a terceirização nas atividadesfim; • Responsabilidade solidária da empresa contratante pelas obrigações trabalhistas; • Isonomia e igualdade de direitos entre todos trabalhadores e trabalhadoras; • Direito à informação prévia e negociação coletiva por ramo preponderante; • Proibição de terceirização das atividades que são tipicamente de responsabilidade do Setor Público.


HISTÓRIA

Aposentados, mas com uma luta bem ativa Conheça um pouco das batalhas ainda travadas por trabalhadores cuja trajetória está longe de se encerrar

STU

Luana Bonone

“S

everino Lavrador”. Assim é identificado o personagem de João Cabral de Melo Neto em Morte e vida Severina, um auto de Natal que é também a obra mais conhecida deste autor. Mesmo após a morte do personagem, aqueles que carregam seu corpo o descrevem desta maneira: “Severino Lavrador, mas já não lavra”. A profissão de Severino é incorporada como se fosse o sobrenome do personagem. Entre diversas outras riquezas contidas no texto, o poeta pernambucano traduziu nesse poema dramático um aspecto muito importante da cultura brasileira: a profissão exercida faz parte da identidade do trabalhador. Assim ocorre também com os aposentados brasileiros: identificam-se como ferroviários, petroleiros, juristas, assistentes sociais, professores, ainda que não exerçam mais a profissão. Equiparação do reajuste anual de todas as aposentadorias do INSS, fim do fator previdenciário, recuperação das perdas acumuladas nos valores das aposentadorias e pensões na última década, reajuste das aposentadorias e pensões. Essas eram algumas das bandeiras defendidas pelo

EXEMPLO  Marchese (à dir.) batalhou até o último dia de vida torcedor e conselheiro vitalício da Ponte Preta, Osmar Marchese. O economista e professor da Unicamp exerceu a Secretaria de Previdência e Aposentados da CTB até o último dia 12 de agosto, quando veio a falecer. Marchese cruzou o país diversas vezes, ministrando palestras e participando de debates sobre sindicalismo e Seguridade Social. Em Brasília, tinha uma atuação importante na negociação com os deputados e senadores para aprovar projetos de

interesse da classe trabalhadora. “Não tinha um gabinete onde ele não fosse bem recebido. A capacidade que ele tinha para se fazer entender e impor um ponto de vista era impressionante. Foi um grande amigo, um companheiro e uma referência para os alunos”, disse o advogado José Salomão Fernandes, amigo de Marchese há quase 40 anos. O professor foi o primeiro prefeito da cidade universitária da Unicamp e, até falecer, era diretor do sindicato dos funcionários VISÃOClassista

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HISTÓRIA da universidade. Na luta pelos direitos dos aposentados, Marchese tinha uma posição importante como conselheiro da Federação dos Aposentados e Pensionistas do Estado de São Paulo (Fapesp). Foi um dos maiores defensores da tese de que não existe déficit na Previdência, mas sim o uso dos recursos da Seguridade Social para outros fins. Um câncer ceifou a vida deste lutador, que tinha esposa e dois filhos. Sua luta, entretanto, continua, tocada por outras mãos.

A advogada e os ferroviários Antônia Mara Vieira Loguércio é juíza federal aposentada. Presa política no período da ditadura militar no Brasil, Mara tem uma identidade forte com os ferroviários, categoria à qual pertenceu o seu pai. Além disso, durante muitos anos Mara foi advogada da Rede Ferroviária Nacional, embora tenha participado de praticamente todas as mobilizações do sindicato dos ferroviários do Rio Grande do Sul nesse mesmo período. “Sindicato não é lugar de prestação de serviço e sim de luta”, argumenta. A juíza federal recorda que o primeiro salário-família foi uma conquista dos ferroviários, que realizaram uma greve por 40 dias no ano de 1947. “A gente continua vivendo sob esse clima”, afirma Mara Loguércio, referindo-se à pressão necessária para que as pautas sejam atendidas. Firme, declara que, para ela, o sindicato não pode ser ligado a qualquer governo nem a patrão, e sim à luta dos trabalhadores. Mara atuou também no sindicato dos advogados, mas suas memórias mais importantes são da luta contra a privatização da rede ferroviária já no início da década de 1990, durante o governo Collor. O expresidente Fernando Collor de Melo, avalia Mara Loguércio, foi

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VISÃOClassista

o responsável pelo fechamento da Rede Ferroviária Nacional. Bem humorada, a aposentada diz que Collor foi também o responsável por ela se tornar juíza federal, pois com o fechamento da estatal para a qual advogava, Mara viu-se obrigada a conseguir uma nova profissão e então prestou o concurso para juíza. Para a aposentada, entre os momentos mais importantes do sindicalismo brasileiro estão as mobilizações do final da década de 1980 e o movimento dos anos 1960 até o golpe militar, em 1964. Ela lembra que neste período não se discutia juridicamente o teor de uma greve. Comemorando a conquista, na Constituinte de 1988, da Lei da Greve Livre, destaca que a legislação não é aplicada garantindo de forma plena o direito à mobilização, visto que muitas greves ainda são consideradas ilegais pela Justiça. Antônia Mara Vieira Loguércio continua participando da luta social no país, principalmente por meio de palestras sobre assédio moral e sexual, sobre direito coletivo, além de ter publicado um livro em conjunto com o jornalista Altamiro Borges intitulado Questões polêmicas sobre a jornada de trabalho. O texto trata da redução da jornada de trabalho sem redução de salário, entre outros debates.

Sindicato dos aposentados Ao falar sobre a luta dos aposentados no país, Mara é enfática: “Sindicato de aposentados não existe. Aposentado não é categoria”. Para ela, os trabalhadores aposentados devem se organizar no sindicato da sua categoria, visto que “podem votar e ser votados” nesta instância. A juíza federal acredita que as lutas que abrangem todos os aposentados e todas as aposentadas devem ser travadas por todos os sindicatos e centrais sindicais. Ela

FIRMEZA  Para Mara Loguércio, aposentados devem se orga explica que a legislação brasileira não prevê sindicatos de aposentados e considera que este formato de organização prejudicaria a organização do movimento sindical. Tal opinião não é compartilhada por Marise Costa Assunção. Ela preside a Federação de Associações dos Aposentados, Pensionistas


memória de militância do tempo em que estava na ativa também valoriza as décadas de 1980 e 1990 como um período importante, destacando as greves dos petroleiros da estatal no período. Lembra também da atuação do expresidente Lula no ABC paulista nessa mesma fase. Para Marise, os aposentados no país têm uma pauta própria: a recuperação da perda de benefícios ocorrida ao longo dos anos e dois Projetos de Lei do Senador Paulo Paim (PT/RS) são as principais bandeiras levantadas pela assistente social aposentada. O primeiro é o PL 1/2007 que estabelece diretrizes para a política de valorização do Salário Mínimo de 2008 a 2023 e equipara o reajuste dos aposentados a esse índice. O outro é o PL 4434/2008, que recupera o poder de compra dos aposentados e pensionistas, atualizando os benefícios pela época da concessão. Além disso, ela argumenta que ter um plano de saúde é um “sonho para o aposentado”, especialmente pela necessidade de medicamentos de uso contínuo. Ela destaca que é preciso ter receita médica para comprar medicamentos e que a dificuldade de atendimento pelo SUS dificulta o acesso dos idosos aos medicamentos.

Fator previdenciário

anizar em sua categoria e Idosos do Estado da Bahia (Seasapeb), entidade que já acumula 26 anos de atividade. Com uma vinculação similar à de Mara, Marise é assistente social aposentada, mas tem forte identidade com a categoria dos petroleiros, visto que era contratada da Petrobrás. Sua

Marise destaca ainda a luta pelo fim do fator previdenciário, embora faça questão de lembrar que tal pauta interessa mais aos trabalhadores da ativa que aos aposentados. “Mas não queremos que eles passem pelo que estamos passando”, solidariza-se. A aposentada alerta para a baixa qualidade de vida dos aposentados no Brasil. “Falta-nos dignidade, somos humilhados. O Brasil não é de todos os brasileiros, nós somos excluídos”, protesta, finalizando confiante: “Mas a luta está na nossa

Na luta pelos direitos dos aposentados, Marchese tinha uma posição importante como conselheiro da Federação dos Aposentados e Pensionistas do Estado de São Paulo (Fapesp) veia!”, afirmando a importância do apoio da CTB à atividade da Federação. A presidente da Seasapeb reconhece que a luta dos aposentados é a mesma que a dos trabalhadores da ativa, que “hoje lutam muito pelo reajuste, e nós também”, mas considera que é a mesma luta, porém “com características diferentes de necessidades e direitos”, especialmente pelas “perdas e injustiças brutais” que os aposentados sofreram ao longo do tempo, argumenta. Osmar Marchese no estado de São Paulo, Antônia Mara Vieira Loguércio no Rio Grande do Sul e Marise Costa Assunção na Bahia, com trajetórias, profissões e opiniões diferentes, são exemplos de perseverança. Sindicalistas desde os tempos da ativa e lutadores incansáveis em defesa dos trabalhadores e trabalhadoras, as três histórias de vida ilustram o valor de um povo que luta e conquista, influenciando os rumos da história do país. A Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil presta sua homenagem ao professor Osmar Marchese, que esteve em nossas fileiras até o último suspiro. Ao mesmo tempo, a CTB seu compromisso com a luta pelo fim do fator previdenciário e do veto do aumento para aposentados. VISÃOClassista

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MOVIMENTOS SOCIAIS

Um teto para chamar de se Eles são milhares e travam uma luta diária pela tão sonhada casa própria Cinthia Ribas

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Arquivo UNMP

s rugas no rosto são de preocupação pela dúvida do amanhã. Os pés com calçados já gastos, do trabalho e cansados de andar de cá para lá na busca por um teto para chamar de seu, fazem par com a cabeça cheia de incertezas, diante do rumo que suas vidas podem tomar. É assim a rotina de milhares de trabalhadores sem-teto que habitam a cidade de São Paulo em busca da tão sonhada casa própria. Eles participam de mutirões, ocupações de prédios públicos e integrações de imóveis privados abandonados

pelos seus donos. Mas se engana quem pensa que eles são moradores de rua, desocupados ou desorganizados. São famílias de trabalhadores e trabalhadoras que moram de favor na casa de amigos, arcam com seus pequenos salários com aluguéis que quase não conseguem pagar ou residem em cortiços ou favelas sem as mínimas condições de habitação. Como é o caso de Manuel Abel de Sá, participante ativo de uma associação de moradores sem-teto do bairro da Mooca. Morador do bairro do Jabaquara, seu Manoel conta que com o salário de R$ 810,00 arca com um aluguel de R$ 440,00 – que em breve será reajustado para R$ 500,00 – mais as despesas da casa de fundos que divide com a esposa (diarista) e a filha de 12 anos. Faxineiro de um condomínio na Vila Mariana, seu Manoel tem orgulho de revelar que desde que iniciou sua participação no

ARTICULAÇÃO  Sem-teto presentes ao Fórum Social Mundial

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movimento de moradia, há três anos, nunca faltou a uma reunião sequer. Para esse pernambucano, que veio para São Paulo em 1993 para auxiliar o irmão comerciante, deixando para trás a esposa e uma filhinha de três meses, a conquista da casa própria é um sonho que espera realizar logo. “Acredito que em breve eu vou conseguir ter minha casinha. Por isso que eu faço tudo que puder para isso. Participo, ajudo e contribuo”.

Espalhados pelo Brasil Esse é apenas um dos milhares de trabalhadores em busca de uma habitação ou de condições mínimas para uma moradia digna. No Brasil, dados oficiais indicam o déficit de aproximadamente 6,3 milhões de moradias, contestado por muitos pesquisadores por não abarcar um quadro de degradação que é maior e mais amplo. Diante dessa situação, famílias sem-teto descobrem que só um processo coletivo e organizado possibilita a mudança desse cenário. Com isso, passam a atuar como movimentos sociais, organizados politicamente. É aí que entra a União Nacional pela Moradia Popular (UNMP). São famílias assim, que sofrem com os impactos do aumento populacional e falta de moradia, que a entidade defende, há quase duas décadas. Fundada em 1989 e espalhada por 19 estados brasileiros, a UNMP pode ser considerada atualmente uma das maiores organizações nacionais de defesa de moradia e moradores sem-teto. Concebida dentro de um contexto de intensa luta de moradores de cortiços contra taxas de aluguéis abusivas e cobranças muito além das suas possibilidades econômicas,


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Fotos Laldert Castello Branco

TETO  Imóvel ocupado no Brás por 300 famílias a União é vista dentro dos movimentos populares como uma importante articuladora em suas diversas atuações – movimentos de sem-teto, cortiços, favelas, loteamentos, mutirões, ocupações – no Brasil.

Com suor e luta A iniciativa de criar a UNMP surgiu a partir do processo de coletas de assinaturas para o primeiro Projeto de Lei de Iniciativa Popular que criou o Sistema, o Fundo e o Conselho Nacional por Moradia Popular no Brasil (Lei 11.124/05). Sua forma de organização tem uma forte influência da metodologia das Comunidades Eclesiais de Base, de onde se originam grande parte de suas lideranças. Antonio Luiz Marchioni, o padre Ticão, de São Miguel, zona Leste de São Paulo, foi um dos que fizeram e ainda fazem parte desta história. “O movimento foi decisivo na formulação de políticas públicas de moradia e do Fundo Nacional de Moradia, que foi o primeiro projeto de iniciativa

popular”, revela. Ainda atuante dentro do movimento de moradia, padre Ticão se lembra do trabalho árduo à época da coleta de assinaturas para o abaixoassinado que fortaleceu o movimento. “Sem internet, nos reuníamos com cerca de 30 pessoas para fazer oito, dez mil envelopes para todas as paróquias do Brasil para coletar assinaturas para abaixo-assinado entregue no dia 19 de novembro de 1991, em Brasília, com um milhão de assinaturas. Foi um sucesso e um marco para o movimento de moradia”, orgulha-se o religioso. No entanto, a criação da entidade nacional veio a partir da consolidação da estadual em São Paulo, que à época já contava com mais de 50 associações filiadas. Primeira a ser fundada, a União dos Movimentos de Moradia da Grande São Paulo, em 1987, fomentou a organização das entidades nos demais estados – em seguida vieram Minas Gerais, Paraná e Rio de Janeiro. Na opinião do coordenador-geral da UNMP, Sidney Antônio Eusébio Pita, a atuação da entidade tem sido fundamental para a articulação de

ASSIDUIDADE  Seu Manoel não falta a nenhuma reunião propostas habitacional no âmbito do governo federal, tendo participado da mobilização e conquista da inclusão do direito à moradia na VISÃOClassista

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MOVIMENTOS SOCIAIS minha mãe me convenceu e eu acabei gostando de participar das reuniões, do pessoal, do ambiente. A primeira reunião a que eu fui se realizou na Igreja São João, no bairro do Brás”, revela. A princípio, Sidney atuou na Unificação da Luta de Cortiços (ULC) e de lá partiu para a União SP, na qual já completa seis gestões na direção da entidade. Agora ele acumula os cargos de coordenadorgeral da União São Paulo, da Nacional e da ULC. Mas ao falar de sua militância, Sidney revela uma mágoa: o fato de sua mãe ter falecido antes que conquistasse a casa própria. “Ela não presenciou esse momento tão importante, infelizmente”. Contudo para chegar a tão sonhada casa própria, Sidney ultrapassou muitas barreiras e enfrentou vários obstáculos. Sidney lembra que as condições de habitação eram terríveis e, atreladas às ameaças do dono do Cortiço, tornavam o dia a dia das famílias ainda mais insuportável. “O cortiço não tinha água, não tinha luz. Pedíamos água num posto de gasolina para fazermos a comida aos finais de semana”. Outro fato que marcou a vida do

Sentindo na pele O coordenador-geral da União reconhece que a luta é árdua e difícil, mas compensadora. Ele mesmo já fez parte das estatísticas que abarcam as famílias sem um lar. Nascido em um cortiço do bairro do Glicério, Sidney entrou no movimento através da militância de sua mãe que sonhava em poder dar aos quatro filhos um teto, sem sofrer dia a dia a ameaça de despejo do cortiço que habitavam na região central da cidade. Foi dona Iracema Eusébio quem estimulou Sidney a participar das reuniões da entidade. “No começo fui contra minha vontade. Mas

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líder foi o despejo sofrido em 1997, ocasião em que seus pertences e os de sua mãe foram jogados na calçada. “O governo mandou a gente para uma escola. Naquela época não havia nenhum projeto nesse sentido, nem programa. Se eu não tivesse conseguido uma sala de aula, eu e minha mãe teríamos ido morar na rua”. Ambos residiram por dois anos na escola, onde passaram por muita coisa. “Existia o tráfico de drogas e os traficantes queriam ‘tomar conta’ do local. Eu sofri muita violência. Até que minha mãe veio a falecer em junho de 1999, com a saúde debilitada diante de tantos sofrimentos”.

Ocupações políticas Na segunda metade da década de 1990, revela Sidney, os movimentos de moradia começaram a ocupar imóveis vazios, especialmente edifícios públicos, no centro de São Paulo como estratégia de luta e de organização urbana de trabalhadores empregados e desempregados. Reivindicava-se o direito à moradia nas áreas centrais, com todos os atributos que esta localização territorial oferece, como oferta de empregos, acessibilidade Arquivo UNMP

Constituição, da aprovação do Estatuto das Cidades e da realização da Conferência das Cidades. “Desde a nossa fundação houve uma preocupação de obtermos parcerias em prol do fortalecimento e da capacitação dos atores que lutam para aquisição da moradia digna. Esta reivindicação é legitima e, para isso, realizamos várias caravanas a Brasília, várias ocupações e propostas de políticas habitacionais tanto no Parlamento e no Executivo do nosso país”, destaca Sidney. Em 2004 e 2005, a UNMP participou do processo de construção, junto ao governo federal, de um novo Sistema Nacional de Habitação, com a incorporação das propostas desenvolvidas no projeto de lei do Fundo Nacional de Moradia Popular. Em 2004, a UNMP conquistou o financiamento junto ao Ministério das Cidades, para construção de moradias através da autogestão através do Programa Crédito Solidário. Em 2007, a luta foi pelo acesso direto aos recursos do fundo nacional de habitação de interesse social (FNHIS), por meio do Programa Produção Social da Moradia. Agora na gestão da presidenta Dilma Rousseff o projeto é o Minha Casa Minha Vida, lançado em 2009 pelo governo Lula.

Durante o governo Maluf, em SP, UNMP foi às ruas


Laldert Castello Branco

EXEMPLO  Dona Conceição é referência na UNMP urbana, serviços de educação e saúde, entre outros. Em 13 de julho de 1997, realizouse a primeira ocupação no centro de São Paulo, quando mais de 1.500 famílias ocuparam por 51 dias um casarão na Rua do Carmo, que atualmente abriga uma Escola Fazendária do governo do estado. Inicialmente, a intenção era ocupar imóveis vazios para morar. Entretanto, muitas ocupações eram moradias provisórias e precárias, sempre ameaçadas por ações de despejo, com constantes casos de violência e de controle pelo tráfico de drogas; em outras palavras, não havia nada de “moradia digna” no dia a dia da vida nas ocupações. Daí a reavaliação da estratégia de luta a partir da década de 1990, quando os movimentos decidiram então fazer ocupações breves, com duração de poucos dias, para dar visibilidade à questão da moradia e pressionar o poder público. De lá para cá vários empreendimentos foram construídos, entre terrenos comprados e prédios ocupados. Só do trabalho da UNMP e suas associações filiadas, resultam cerca de 30 mil moradias construídas em mutirão ao longo

dessa caminhada, diversas favelas urbanizadas e prédios reciclados para fins habitacionais. Atualmente uma das maiores ocupações da UNMP é a do prédio do INSS da Rua Maria Domitila, no bairro do Brás, em São Paulo, que envolve mais de 300 famílias. Em 2000, a partir de um levantamento para o CDHU (Companhia de Desenvolvimento Urbano) os dirigentes descobriram que o imóvel pertencia ao INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social). Ocupado por nove vezes, a última foi em 19 de maio. Nessas ocupações, os moradores sem-teto arcam com despesas de água e luz à espera de uma solução para seus problemas. A partir de uma ocupação, deve ser feito um projeto de reconstrução para habitação do local ocupado. A União se orgulha da forma organizada como atua – fato reconhecido e elogiado até pelas autoridades e representantes do governo. Dona Maria Conceição dos Santos é um exemplo dessa organização dentro da ocupação. Militante do movimento há mais de dez anos, dona Conceição é considerada a coordenadora do

“pedaço”. Técnica em enfermagem aposentada e sem filhos, é ela quem administra os mantimentos, cozinha e põe ordem na “casa”. Oriunda de Ouro Preto (MG), dona Conceição já participou de quatro ocupações e espera que dessa vez tenha seu lugar reservado no projeto para o prédio da Maria Domitila para partir para a conquista do seu maior sonho: cursar pediatria. Sonho já realizado pelo também ocupante do prédio do INSS, Ademir José dos Santos, de 36 anos. Natural de Santo Antão (PE) e atualmente repositor de supermercado, ele é formado em Logística, através de uma parceria de faculdades particulares com entidades de moradores sem-terra. Morador de um barraco na Favela do Grajaú há dez anos, Ademir almeja uma vida melhor, com um teto próprio e a atuação na sua área de formação. Daí sua participação assídua na UNMP. “Quando cheguei aqui tinha uma visão totalmente deturpada dos moradores sem-teto. Achei que teria que invadir prédios, enfrentar a polícia... E não é nada disso. É tudo muito bem organizado e transparente”. O objetivo de Ademir é conquistar um lugar no prédio da Avenida Ipiranga, também ocupado pelas associações filiadas à União. “Mas independente de eu conseguir minha vaga lá, ou não, vou continuar lutando, porque sei que, assim como eu, tem muita gente precisando e esperando por sua casa própria”, declara o rapaz solidário ao sofrimento alheio. Agora o maior desafio da UNMP é continuar levantando a bandeira da autogestão como ferramenta de construção de cidadania. “Pensar na comunidade, num modelo de inclusão, para nós é essencial. Não só no quesito da moradia, mas sim na estrutura que vamos oferecer a esses moradores. Não queremos apenas um teto para as pessoas. Queremos que elas morem perto do emprego, de comércios, escolas. Por que tem que ser apenas nas periferias?”. VISÃOClassista

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CULTURA

SAGA CONTRA A CENSURA Livro conta a história do jornal Movimento e seu combate ao regime militar José Carlos Ruy *

H

á 30 anos, em 15 de novembro de 1981, ocorreu em São Paulo a assembleia geral dos editores, redatores, repórteres, funcionários e cotistas do jornal Movimento, onde foi decidido o fim daquela experiência que foi uma das mais marcantes – se não a mais – da resistência jornalística contra a ditadura militar de 1964. A saga do jornal está relatada no livro Jornal Movimento: uma reportagem, de Carlos Azevedo, Marina Amaral e Natália Viana, recém-lançado pela Editora Manifesto. Foi uma história intensa que teve início, na verdade, em 1972 quando surgiu, no Rio de Janeiro, o jornal Opinião, criado pelo decano dos jornalistas populares brasileiros, Raimundo Rodrigues Pereira. Era para ser um jornal de jornalistas, mas tinha um dono, o

empresário democrático Fernando Gasparian, e o objetivo era reunir intelectuais, jornalistas e políticos da oposição à ditadura militar. A experiência, com Raimundo à frente, durou dois anos e três meses, e 121 edições, até que a contradição entre um jornal de jornalistas com um dono à frente explodiu com a demissão de Raimundo Pereira, no início de 1975. O motivo político da demissão foram as divergências políticas que se acentuaram após a indicação do general Ernesto Geisel para ser o ditador de plantão, fato que despertou em alguns setores da oposição a esperança de uma abertura política do regime. Movimento surgiu nessa conjuntura e nasceu da radicalização de setores da oposição popular que não partilhavam aquelas esperanças. Boa parte dos editores e redatores de Opinião se demitiu em solidariedade a Raimundo, partindo para a organização de um novo jornal e consumindo nessa tarefa praticamente todo o primeiro semestre de 1975. Foi uma verdadeira mobilização nacional que envolveu trabalhadores, militantes da oposição popular, parlamentares

Fotos Divulgação

RESISTÊNCIA  Votação em assembleia de reorganização do jornal

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VISÃOClassista

do MDB, intelectuais democráticos e avançados, além – claro – de jornalistas avançados que não se conformavam com o arbítrio, com as perseguições policiais, a tortura e assassinatos políticos, a censura, e exigiam o fim da ditadura. O objetivo da mobilização do primeiro semestre de 1975 foi estruturar nacionalmente o jornal e recolher recursos para torná-lo possível e viável sob uma forma inovadora de organização empresarial: uma cooperativa sob controle de seus jornalistas e formada pela venda de cotas para formar o capital do jornal (estimado, durante a campanha, em um milhão de cruzeiros – cerca de R$ 1,8 milhão, em valores atuais). Isso permitiu o lançamento do jornal em 7 de julho de 1975, que teve também outro ineditismo: o periódico já nasceu sob uma censura feroz, desde o número zero (aquele que é feito para divulgar a publicação entre anunciantes, apoiadores etc.) e que tinha o objetivo, desde o primeiro momento, de inviabilizar editorial e economicamente sua existência. A batalha contra a censura foi constante na vida do jornal até a suspensão da tesoura, pela ditadura, em junho de 1978. Movimento foi uma frente jornalística, intelectual e política contra a ditadura. Foi o mais aguçado instrumento de comunicação na luta pela democracia e para organizar a luta contra o regime dos generais. Estava todo mundo lá, as mais diversas correntes políticas desde a oposição legal representada pela ala mais avançada do MDB (o partido da oposição legal à ditadura) até militantes e jornalistas ligados aos partidos mantidos na ilegalidade pelo arbítrio. Estavam ali, em botão, as forças


políticas que formariam o Brasil pós-ditadura e hoje polarizam o cenário nacional – desde os setores mais democráticos e avançados representados pelo PCdoB, PT, PSB e PDT, até o conservadorismo tucano do PSDB (Sérgio Motta teve participação decisiva no jornal e Fernando Henrique Cardoso, então um democrata, foi membro do Conselho Editorial). Aquela frente teve forte presença de militantes do Partido Comunista do Brasil, ao lado de membros de outras correntes, numa convivência que, quase sempre, se traduzia em debates acentuados sobre a linha editorial do jornal. Na medida em que o espaço democrático brasileiro foi se alargando, as correntes foram se afastando e construindo suas próprias publicações. Foi um processo natural traduzido, ao longo do tempo, no esgotamento

do papel histórico original do jornal. Situação agravada em 1980 quando, sem dispor do instrumento da censura, terroristas de direita começaram a atacar com bombas e a incendiar bancas de jornal que

vendiam jornais da imprensa de oposição à ditadura. O declínio vertical das vendas em banca inviabilizou a existência do jornal e o fecho da experiência foi a histórica assembleia ocorrida num auditório do Cursinho da Poli, em 15 de novembro de 1981, que decidiu pelo seu fechamento. O fim de Movimento não significou, entretanto, um ponto final na disposição de construção de uma imprensa popular avançada e democrática. Nos anos seguintes, os jornalistas de Movimento, Raimundo Pereira à frente, continuaram insistindo na busca desta alternativa. Publicaram a série Retrato do Brasil (1984/1985), um balanço crítico da ditadura e da República, para acumular recursos que permitissem a publicação de um novo jornal. Resultou no aparecimento, em 1986, do diário do mesmo nome – Retrato do Brasil – de curta, mas valorosa duração. Ele se transformou, em seguida, num semanário e, alguns anos depois – em 1995 – na criação da Oficina da Informação, que criou as revistas Reportagem e Retrato do Brasil. Mas esta já é outra história! * Editor da Classe Operária e da equipe do Portal Vermelho, foi jornalista da equipe de Movimento entre 1977 e 1981

PARTICIPAÇÃO   Funcionários discutem futuro da publicação, em 1980 VISÃOClassista

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ACONTECEU

Blogosfera e novas mídias também são espaços de integração Renata Mielli

O

1º Encontro Mundial de Blogueiros foi um espaço pioneiro, que reuniu ativistas digitais de vários países, para refletir e trocar experiências sobre o potencial de mobilização e de construção de um pólo contrahegemônico de comunicação. Realizado na tríplice fronteira ao sul do Brasil, na cidade de Foz do Iguaçu, participantes de países da América Latina, da Europa e dos Estados Unidos trouxeram seu olhar sobre os acontecimentos mundiais que têm tido impulso pela rede mundial de computadores. Entre visões mais futuristas e outras mais cautelosas, o papel de ferramentas como os blogs e as dezenas de redes sociais é visto como uma renovação nas relações sociais e na formação de um espaço público. A qualificação dos debates e a repercussão do encontro mostraram a pertinência de manter ativo um espaço de articulação de blogueiros e ativistas digitais. Tanto que surgiu durante o evento a ideia de realizar uma edição latino-americana do encontro em julho de 2012, em Lima, no Peru.

AVANÇO  Lima, no Peru, deve receber 2ª edição do Encontro Um dos aspectos negativos que os participantes apontam quando analisam a blogosfera e as redes sociais é a sua fragmentação e fluidez. Para ter uma influência de fato no debate político, cultural e social, é preciso construir pautas comuns que arregimentem um grande número de ativistas sociais. Cada um por si não leva, a priori, a lugar nenhum. A busca de afirmar um caminho

WWW  Blogosfera reforça luta contra o monopólio midiático

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soberano e democrático a partir de políticas de desenvolvimento econômico e social tem sido um traço comum de boa parte dos governos latino-americanos nos últimos anos. Essa opção política, que conta com o apoio popular, encontra um opositor que tem muita força e influência – a mídia. Não é à toa que em boa parte destes países um dos desafios que precisa ser enfrentado é a democratização dos meios de comunicação. A luta tem passado pela renovação do marco regulatório que rege o setor, pela adoção de políticas públicas de fomento à pluralidade, através do incentivo à comunicação comunitária, pública e alternativa. Para os debatedores, apesar de a blogosfera ter muitos desafios, a sua atuação na luta contra o monopólio da informação e a concentração dos meios de comunicação marca o fim da hegemonia desses veículos. Além disso, na América Latina, essa luta vive um momento de efervescência, muito devido à atuação da mídia alternativa e às mudanças políticas que vêm acontecendo na região.


PRIORIDADE Marilene Betros destaca a necessidade dos 10% do PIB

1º Encontro Nacional da Educação da CTB debate o PNE que sociedade quer Cinthia Ribas

D

iscutir um projeto de educação democrático e amplo foi o principal objetivo do 1º Encontro Nacional de Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação da CTB, realizado entre os dias 2 e 3 de dezembro, em São Paulo. O encontro contou com a presença de cerca de 80 participantes do setor da educação, interessados em discutir a importância da educação no projeto de desenvolvimento para o país, investimentos na educação, a valorização dos educadores e os desafios para a aprovação do novo Plano Nacional de Educação (PNE) que a sociedade quer e precisa. O debate foi aberto com uma esclarecedora palestra do professor da Unicamp, Demerval Saviani, sobre “A importância da educação no projeto de desenvolvimento para o país”, que demonstrou que apesar dos avanços obtidos ao longo dos anos, o Brasil não coloca a educação

como prioridade. Para o docente e estudioso, que dedicou seus aproximadamente 40 anos de carreira à pesquisa educacional, com ênfase nos campos da filosofia e da história da educação brasileira, o novo PNE tem planos ambiciosos, mas ainda precisa avançar. “O grande ponto positivo do plano é justamente ele se dispor a combater o ensino ruim que a Educação Básica oferece. A partir da década de 1990, tivemos avanços na questão quantitativa. Porém não basta garantir o ingresso. É preciso também assegurar a conclusão”. Marilene Betros, diretora da CTB e do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia (APLB) alertou que os desafios para a construção de um PNE que a sociedade necessita são muitos, mas serão vencidos. ”Só com muita mobilização popular e pressão sobre nossos parlamentares conseguiremos implementar o projeto de educação referendado no que queremos para o nosso país. Chamamos os trabalhadores para

mais essa”, disse. Além do debate sobre a educação, mereceu destaque no segundo dia do encontro a urgência da aprovação de 10% do PIB (produto interno bruto) para o setor e a preocupação com a valorização dos educadores. Aprovada há mais de três anos, a lei nacional do piso do magistério não é cumprida em pelo menos 17 das 27 unidades da Federação. Para Raimunda Gomes, secretária da Mulher Trabalhadora da CTB e dirigente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do estado do Amazonas (Sinteam), é lamentável que em alguns estados brasileiros nem o piso seja cumprido. “Esse cenário traduz concretamente nas condições materiais em que homens e mulheres que vêm dedicando a sua vida à educação pública, anos após anos, são submetidos cotidianamente com baixa remuneração, situação precária dos espaços físicos, violência, doenças profissionais, entre outros fatores”. VISÃOClassista

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AGENDA SINDICAL 1ª Plenária Nacional de Juventude CTB

DEZEMBRO 2ª Conferência Nacional de Juventude

JANEIRO Fórum Social Mundial

Dezembro 2ª Conferência Nacional de Juventude

A 2ª Conferência Nacional de Juventude será no Pavilhão de Exposições do Parque da Cidade de 09 a 12 de dezembro. Os programas da Secretaria Nacional de Juventude (Estação da Juventude, Observatório da Juventude) e a própria reestruturação do CONJUVE. Debaterá também o Plano de Enfrentamento à Mortalidade da Juventude Negra estão em pauta. 42

VISÃOClassista

Nos dias 12 e 13 de dezembro na sede da Contag, no Núcleo Bandeirante, em Brasília. Com objetivo à defesa do Trabalho Decente, a luta contra a discriminação e instituir o Sistema Nacional de Juventude, cuja implantação demandará investimentos do governo federal, de Estados e municípios, além de fortalecer o CONJUVE.

3ª Conferência Nacional de Políticas para Mulheres

A 3ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres acontecerá entre os dias 12 a 15 de dezembro. A ideia é criar uma articulação com as entidades do movimento de mulheres e social e aprovar propostas de interesse da classe trabalhadora, conforme a realidade local e o documento aprovado em junho de2010 durante a Conclat.

Janeiro 4º Curso Nacional de Formação de Formadores

O 4º Curso Nacional destina-se aos trabalhadores e trabalhadoras que se disponham a ministrar aulas para sindicalistas e ativistas sindicais. Com início previsto para o dia 16 de janeiro e encerramento em 20 de janeiro.

1º Curso Nacional de Gestão Sindical

O curso é dirigido a sindicalistas e ativistas sindicais que pretendem aprofundar a compreensão sobre o funcionamento e organização das entidades sindicais. Com palestras e aulas sobre planejamento estratégico, direitos trabalhistas e a importância da oratória, entre outros temas. A duração do curso será entre os dias 16 e 20 de janeiro.

Fórum Social Mundial 2012

Em Porto Alegre (RS) acontece o Fórum Social Mundial, de 24 a 29 de janeiro, com a participação da CTB, do Centro de Estudos Sindicais (CES), de representantes do Encontro Sindical Nossa América (ESNA) e da Federação Sindical Mundial (FSM). Dois painéis devem ser apresentados durante o FSM, com a participação da CTB, em conjunto com FSM, ESNA e CES: Integração latino-americana, razões macroeconômicas e políticas e Alternativa Concreta para a Classe Trabalhadora diante da Crise Capitalista.

12º Congresso da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses

Nos dias 27 e 28 de janeiro de 2012, a CTB participa do 12º Congresso da CGTP, em Lisboa. O evento será marcado pela conferência Internacional sobre a crise internacional: “Impactos no Emprego e nos Direitos Laborais e Sociais - Resposta Sindical”




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