Revista Engenho #1

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R$5,00

#1 / ago 2004

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P E r n a m b u c o

A MESA NACIONAL Como o Brasil inventou sua cozinha




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P E r n a m b u c o

ed i t o r i a l

Sirvam-se

Pernambuco ganha a Engenho

Comer é mais do que alimentar-se. Bem mais. Só ingênuos acreditariam que panelas contém apenas ingredientes e temperos. Longe disso. De barro ou aço, simplíssimas ou sofisticadas, elas encerram hábitos, costumes, valores. O gesto de ir à mesa traz tradições aparentemente insuspeitas. Comer é forte, é inadiável. Câmara Cascudo foi um dos primeiros a reconhecer a força e a riqueza da comensalidade. "O sexo pode ser adiado, transferido, sublimado com outras atividades absorventes e compensadoras. O estômago, não. É dominador, imperioso, inadiável", comparou. Num país de números sociais desconcertantes - para dizer o mínimo - é de se entender que as inteligências tenham pensado mais sobre a fome do que sobre a

xpediente

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Diretora Executiva Daniella Gouveia | Diretor Comercial Leo Barbosa | Editor Bruno Albertim | Jornalista Joli Campello Editora de arte Geovana Vieira | Editor de fotografia Sérgio Lobo | Publicidade (81)3074-0562 | Impressão Gráfica Santa Marta | Endereço comercial R. Waldemar Nery, 464/101 Setúbal Recife - PE CEP 51030-140 | Cartas ao editor: Rua da Aurora, 1071/706 Santo Amaro Recife-PE E-mail: revistaengenho@pop.com.br

A Revista Engenho é uma publicação bimestral. Tiragem 10 mil exemplares. Distribuição dirigida.

alimentação propriamente dita. Mas já passava da hora quando gente como o próprio Cascudo, além do Gilberto Freyre que mergulhou nas cozinhas da "sociedade do açúcar", conseguiu mostrar o evidente: comida não é assunto de "mulherzinha", como queriam fazer crer línguas duplamente preconceituosas. Comida é assunto para antes e depois das refeições. Diz que povo escolhemos ser. Recife é uma cidade que sabe cultivar contrastes. Seu paladar democrático faz conviver sem maiores conflitos uma cozinha tradicional, popular e enraizada com culinárias que vieram de longe e aqui fixaram residência. Na terra do sarapatel, um restaurante oriental existe, para citar um exemplo aparentemente díspar, em cada esquina. São fatos assim que fizeram da capital pernambucana a terceira maior praça gastronômica do Brasil. Essa cidade ganha agora sua primeira revista de reportagens especializadas. Recebe Engenho - Cozinhas em Pernambuco. E não "de"; Pernambuco, caro leitor. Não queremos apenas as receitas tradicionais, tão ligadas aos caminhos que o açúcar determinou no estado. Mas todas as receitas. Engenho - é verdade - é palavra que reverencia tradições. Mas sugere também dinamismo, engenhosidade, movimento. Como o povo, nossa mesa é híbrida, heterogênea, sensual. É como diz Tereza Costa Rêgo, maestrina de pincéis e panelas, nossa personagem de estréia numa seção em que personalidades falam de suas relações com a mesa: "Poucas coisas são tão sensuais como uma bela refeição". Ela sabe que uma casa pulsa na cozinha. No número de inauguração, Engenho traz uma reportagem sobre a breve história que fez de Pernambuco o terceiro pólo de alimentação do Brasil. Outra investigação conta o caminho percorrido por portugueses, africanos e índios para a construção da mesa nacional. No nosso cardápio, ainda seções fixas sobre vinhos e endereços gostosos pelo Brasil e fora do País. Nos damos também ao luxo de ter oito chefs da cidade cozinhando especialmente (e nos dando as receitas) para a estréia de Engenho. Não há como não lembrar de Flávia de Gusmão, cujo texto (sempre delicioso) é companhia daquele gourmet que sabe que alimentação não apenas se come; sobretudo se pensa. Viemos prolongar a conversa na mesa. Com perdão do lugar comum: Bom apetite! Engenho - Cozinhas em Pernambuco está servida.

Bruno Albertim, editor.



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banquete Carta de Agradecimentos

Após uma caminhada longa de pesquisa e estudo de gastronomia, fomos tomados por uma fome voraz de idealizar um banquete. Criamos o menu, embasados numa alquimia plural, que valorizasse os sabores da terra. Da entrada à sobremesa, ficamos atentos às influências mundiais, enaltecendo o amor à arte. O prato principal: informação e criatividade. Assim recrutamos nossa equipe para montar a grande ceia - para que os nossos convidados se deleitassem. Pernambuco mereceu este evento. Foi baseada neste mercado de bons profissionais e público famintos de informação que a Engenho - Cozinhas em Per-

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nambuco nasceu. Cheia de vontade e respaldada pela competência de todos que fazem este setor no estado, de empresários a chefs, de garçons a enófilos. A gastromia pernambucana movimenta fábulas e a cada ano ganha mais visibilidade e admiradores. E é isso que faz desta publicação um sinônimo de alimento para a alma de consumidores e leitores apaixonados pela boa cozinha.. Agradecemos a todos aqueles com quem sentamos à mesa. Saboreiem sem moderação.

A Engenho

Dani Gouveia

Leo Barbosa

Bruno Albertim

Sérgio Lobo

Geovana Vieira

Joli Campello

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c ardapio ENGENHO UM . AGOSTO DE 2004

geladeira ...08 TEREZA COSTA RÊGO FAZ MÁGICA NA COZINHA

entrada ...10

COMO RECIFE SE TORNOU A TERCEIRA PRAÇA GASTRONÔMICA DO BRASIL

pagina

de Baco...14

AS UVAS MAIS CONHECIDAS DO MUNDO

prato

principal...16 A SAGA DA CONSTRUÇÃO DO CARDÁPIO BRASILEIRO

porcao

extra...22

A AGENDA DE FESTIVAIS GASTRONÔMICOS

guarnicao...24

OITO CHEFS RECRIAM A COZINHA DOS ENGENHOS

mercado...32

DICAS PARA UM GOURMET INFORMADO

lista

de compras...33

OBJETOS PARA UMA COZINHA FELIZ

na

mesa...34

da

vovo...36

GENTE QUE ADORA COMER, BEBER E VIVER

RECEITAS QUE SÓ A VOVÓ FAZIA

digestivo...38 A BREVE HISTÓRIA DE UMA PAIXÃO NACIONAL: O CAFÉ

cozinhas

do MUNDO...40

EM BARCELONA, MAIS UM ENDEREÇO DA MODA

cozinhas

do EIXO...42

GASTRONOMIA CARIOCA DE SANGUE NOVO

cozinha

light...44

CHEGOU A VEZ DOS ALIMENTOS FUNCIONAIS

refogado...46

SEIS PERGUNTAS PARA SEIS PESSOAS

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BRUXA ASSUMIDA Tereza Costa Rego não esconde: “Cozinhar é uma bruxice”. • Por Bruno Albertim

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Quem chega à cozinha de Tereza Costa Rego pensa que a artista faz algum estudo para uma possível natureza morta. Sobre a mesa, verduras, peixes e temperos compõem um inesperado quadro. “Minha cozinha é um palco. Quando se vai para a cozinha, se dá o melhor de si”, diz. Que não se engane o desavisado. Ali se passa uma alquimia. “Cozinhar é uma forma de bruxice”, revela. Delicadamente, os ingredientes se transformam no calor das panelas.

Como uma testemunha ocular da história, ela viu a China sob a Revolução Cultural e, depois, sob o capitalismo de Estado. Comeu da comida do povo aos banquetes. "Eles têm uma cozinha elaboradíssima, diferente da comida chinesa feita no Brasil.” Ela lembra, por exemplo, de um prato servido num jantar oficial: A Luta do Tigre com o Dragão. “Parecia um carneiro com peixe frito.A única coisa que me recusei a comer foi macaco. Não admiti.”

Não por acaso, a cozinha da artista está decorada com objetos ligados às bruxas. Diante do balcão, estão vassouras de todo o mundo. Do Sertão de Pernambuco à Índia, do Marrocos ao interior da França. Rústicas, artesanais. Quando viaja ao exterior, Tereza não enche malas com roupas e bugingangas. Além de tintas e pincéis, traz temperos e utensílios de cozinha. “É uma obsessão”, diverte-se. “Quando estive na Alsácia, diante daqueles temperos, fiquei louca. Perdi a compostura”, ri.

Das panelas de Tereza sai radicalmente tudo. De pratos sofisticados, como uma musse salgada de abacate, a receitas de resistências, como feijoadas e moquecas. Sua cozinha só não poderá ser, apesar de culta, esnobe. “A minha cozinha pode ser cara ou não. Com um ovo e um copo de vinho, faço uma festa”, garante. “Tudo tem quer ser carinhoso, mas não suporto o cerimonial da empregada servindo pela esquerda. Você pode fazer uma mesa linda, sem a menor cerimônia”, avisa.

A descoberta da culinária veio, para Tereza, junto com a descoberta do mundo. Não há como não lembrar do tempo em que viveu ao lado do ex-marido, o comunista histórico Diógenes Arruda. Depois de 64, eles foram para São Paulo. Com as botas militares avançando, se mandaram para o Chile. Em 73, com a derrubada de Allende, foram para a Europa. Daí, os sabores do mundo se abriram: Portugal, França, Albânia, China, etc. Antes da geo-

Outra coisa que não pode faltar em seus preparos é umidade. “Não consigo fazer comida sem molho. O molho é como um esperma, um símbolo da vida”, conta. Tereza cozinha como pinta: maravilhosa e encantadoramente. “A cozinha é um grande mistério, não deixa de ser um grande mistério, tem um quê de religioso”, compara. Ao vê-la entre panelas e ingredientes, não há como não professar da fé de Tereza.

grafia oficial, uma incursão pelos mercados. “Você não conhece uma cidade se não conhecer seu mercado”, diz.

O QUE NÃO PODE FALTAR NA SUA GELADEIRA? Tereza Costa Rego: Muita verdura, muitas folhas e muita pimenta. Sou louca por pimentas. Coloco pimenta em tudo, até em chocolate. É, eu sou uma mulher meio louca. Minha geladeira é muito simples, adoraria ter uma linda geladeira, imensa. Vinho também não pode faltar na minha cozinha. QUENTE Pimentas e vassouras são comuns na cozinha da artista

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TRADIÇÃO, DIVERSIDADE E INOVAÇÃO

NA PONTA DA LÍNGUA A habilidade de misturar esses elementos na mesma panela faz do Recife o 3º pólo gastronômico brasileiro • Por Joli Campello

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O paladar, talvez até mais do que os outros sentidos, caracteriza os povos e identifica as culturas em que estes se desenvolvem. Com o passar dos séculos, a gastronomia pernambucana evoluiu e ganhou identidade, preservando a tradição e resistindo à invasão dos enlatados e dos sabores padronizados pela indústria. Como um bom gourmet, manteve espaço em sua mesa para iniciar-se em novos sabores. As cozinhas das casas continuam recheadas de temperos históricos e pratos típicos. Na panela, as receitas são conseqüências de conhecimentos seculares e hábitos alimentares de várias culturas. Diante de tamanha abundância, especialistas de todo o mundo aqui chegaram para desenvolver e aprimorar dotes culinários, trocando experiências com os mestres locais. Recife ganhou fama de capital da diversidade. Até o início dos anos 90, os restaurantes mais procurados da cidade se limitavam a churrascarias, aos rodízios e à cozinha internacional, pratos, na verdade,

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de nacionalidade nenhuma, mas que conquistaram um padrão mundial de paladar. Com a abertura da economia e o conseqüente acesso a produtos importados, outros sabores somaram-se à cena. “Várias empresas tiveram chance de inserir no mercado novos produtos, como, por exemplo, alguns peixes de água gelada e temperos”, aponta o presidente da Associação Brasileira de Bares & Restaurantes - Regional Pernambuco (AbraselPE), Leonardo Lamartine. “A Internet também influenciou a comunicação entre chefs de todo o mundo, com o intercâmbio de receitas e o surgimento de websites especializados”, completa. “De acordo com dados de fornecedores do mercado de Food & Service e Gastronomia, incluindo fornecedores de serviços como cartões de crédito e tickets, somos hoje o terceiro volume de mercado gastronômico do Brasil”, informa Lamartine. Uma pesquisa realizada pelo Sebrae-PE, em 2002, mostra, contudo, que muita coisa ainda precisa ser feita. O resultado do estudo mostrou que 76% dos estabelecimentos do


LEMBRANÇA Seis casas locais integram a prestigiosa Associação dos Restaurantes da Boa Lembrança. Mais de 1,5 mil casas especializadas estão na Região Metropolitana do Recife

setor, incluindo bares, nunca passaram por nenhum programa de capacitação ou de noções básicas de segurança alimentar. “Com o dado em mãos, estamos procurando conscientizar o mercado para a profissionalização, através da promoção de programas como o Qualidade na Mesa, que oferece certificado de gestão e manipulação de alimentos”, informa Lamartine. “O problema da profissionalização no setor passa por uma questão cultural, mas a Abrasel está buscando dar condições a seus associados de se qualificarem”, diz Atualmente, são mais de 1500 casas especializadas apenas na Região Metropolitana do Recife, das mais diversas categorias, preços e freqüências, o que torna mais fácil a tarefa de experimentar tamanha diversidade. De acordo com dados da Abrasel, a cidade

só não possui ainda um bom representante das gastronomias tailandesa e indiana. Comprovando os números, a Associação dos Restaurantes da Boa Lembrança, criada com o intuito de promover o prazer de viajar pela culinária no Brasil, já tem seis restaurantes associados em Pernambuco, de cozinha regional a internacional e, na sua maioria, comandados por chefs pernambucanos. O estado de São Paulo possui apenas dez casas participantes. Aqui, a tendência é mesclar a culinária de diferentes culturas, fazendo combinações simplesmente irresistíveis entre a gastronomia local e as demais cozinhas do mundo. Com bastante hospitalidade na panela, tem-se o prato perfeito para agradar qualquer paladar.


Abrasel e Sebrae lançam

Programa Qualidade na Mesa Uma equipe bem preparada, qualidade máxima no atendimento e pratos mais saborosos. Isso é o que a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) e o Sebrae estão oferecendo aos bares e restaurantes, através do Programa Qualidade na Mesa. O projeto constitui-se como uma rara oportunidade de qualificação profissional, com ênfase em segurança alimentar, subsidiada através do convênio Abrasel/Sebrae. Cerca de R$ 3,8 milhões foram aplicados no programa, que deverá beneficiar 1.000 estabelecimentos no país (100 apenas em Pernambuco).

mento da qualidade dos pratos e produtos servidos e a implementação de modernos processos administrativos, que vão gerar crescimento de mercado e fixação de conceito junto a clientes e fornecedores.

Os empresários que investirem no programa terão como resultado imediato a melhoria da atuação de sua equipe profissional, o aprimora-

Os treinamentos foram desenvolvidos pela National Restaurant Association - Educational Foundation (NRA) e adaptados à realidade

brasileira pelo Instituto de Hospitalidade (IH). O custo total estimado por estabelecimento participante do Programa Qualidade na Mesa será superior a R$ R$ 3 mil. No entanto, a maior parte deste valor será subsidiado pela Abrasel e pelo Sebrae, ficando para o empresário o investimento simbólico de R$ 150,00, dividido em três parcelas de R$ 50,00. O Programa Qualidade na Mesa prevê a realização de um curso de capacitação, que visa dotar empresários e gerentes de informações em técnicas e processos administrativos de ponta. Os novos conhecimentos vão proporcionar a melhoria da qualidade dos serviços e dos pratos servidos.

Contatos: Leonardo Lamartine Presidente ABRASEL-PE Associação Brasileira de Bares & Restaurantes Regional Pernambuco Tels.: (81) 3465.7570 / 9145.1010 Fax.: (81) 3465.8550 presidente@abrasel-pe.org.br www.abrasel-pe.org.br


Quina do Futuro

Chez Georges

Rua Xavier Marques, 134 - Aflitos Recife - Pernambuco • Tel: (81) 3241-9589

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AS RAINHAS DAS UVAS

CHARDONNAY &

CABERNET SAUVIGNON Elas estão em quase todo o mundo • Por Jorge Pinho*

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A uva chardonnay tem uma origem obscura. Por muito tempo, julgou-se ser uma mutação da pinot noir. Outros acreditavam haver sido trazida do Oriente durante as Cruzadas. Atual-

mente, é reconhecida como uma varietal original. Na Borgonha, a uva produz os melhores e mais finos vinhos brancos do mundo. Hoje, está disseminada por quase todas as regiões vinícolas do mundo: Áustria, Califórnia, Chile e Itália. É o vinho branco que melhor se beneficia do envelhecimento em carvalho e da fermentação em barrica. Além de ser macio, não apresenta acidez agressiva. Já a tinta cabernet sauvignon é originária de Bordeaux. Conhecida como a rainha das tintas, a cepa produz vinhos complexos e tanto é utilizada sozinha como em composição com outras uvas. O vinho cabernet sauvingnon se dá muito bem com a madeira e normalmente passa de 15 a 30 meses em barris de carvalho, franceses ou americanos, novos ou usados. Quando produzida dentro de suas melhores condições, produz vinhos intensos e de aromas bem pronunciados. Quando jovem, tem aromas e sabores como groselhas negras, cassis e ameixas pretas. Mais velhas, notas como couro, chocolate e azeitonas. Quando tratado em carvalho, revela aromas de cedro, tabaco e minerais. Quando pensar num vinho refinado, você certamente pensará num vinho com essa uva. * Jorge Pinho é enófilo e presidente da Sociedade Brasileira dos Amigos do Vinho - PE



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DIÁLOGOS ATLÂNTICOS Africanos, índios e portugueses deram início às conversas que resultaram na mesa nacional

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Não poderia ter sido diferente com o Brasil. Não somos a França, mas, desde o útero histórico, estamos destinados às panelas. Não fosse a necessidade inadiável de Portugal em estabelecer uma nova e eficiente rota para Calicute, encruzilhada para aquisição dos tesouros da época - as especiarias - e não teríamos surgido como País. Numa época em que as técnicas contemporâneas de conservação de alimentos eram ficção impensável, o cravo, a canela, o gengibre, a baunilha, a mostarda e, principalmente, a pimenta - sempre a pimenta, comercializada a peso de ouro-impulsionaram os portugueses ao mar. Cabral veio parar no Brasil. Uns dizem que pensava estar na Índia. Outros, que intuíra a Terra Brasilis. Era instalada a placenta para a civilização brasileira. E iniciado o caminho para a construção da mesa nacional. Somos filhos, de

• Por Bruno Albertim / Fotos: Sérgio Lobo

certa forma, da necessidade por pimentas. Era o começo da conversa. Um diálogo seria travado entre três vértices banhados pelo Atlântico. Portugueses e depois outros europeus, índios e africanos dariam início aos diálogos atlânticos que permitiriam a construção do povo e da culinária nacional. Uma gastronomia essencialmente híbrida, que o mundo começa a ver com mais entusiasmo. "A gastronomia brasileira é uma das grandes do mundo. Ela tem história, técnica, mas ainda não foi devidamente descoberta, como a francesa, a italiana e a chinesa", opina o chef franco-brasileiro Claude Troisgros, dono de um badalado bistrô no Rio de Janeiro. O sobrenome do chef torna ainda mais simbólica a opinião:sua família é responsável pela cristalização da Nouvelle Cuisine, a reinvenção da culinária francesa que selou de vez o país de Sartre


como pátria da excelência gastronômica. "Exótica e tropical, a gastronomia brasileira ainda terá seu momento como hit mundial", diz Claude. Ao longo desses últimos cinco séculos, pratos ganharam status de símbolos nacionais - ou pelo menos de embaixadores das muitas culinárias regionais brasileiras. O churrasco, as moquecas e vatapás e a peixada pernambucana que o digam. O cozido de carne de boi, de sotaque nitidamente português, o sarapatel e a galinha de cabidela, tão íntimos das mesas pernambucanas, idem. A nação pariu carnes secas, como a charque e a de sol. A busca pelas especiarias, é certo, teve menos a ver com requintes do que com necessidade. Eram elas que tornavam mais palatáveis e menos insalubres as carnes conservadas com sal dos portugueses. Eletricidade, menos ainda geladeiras, inexistiam no início da colonização. A carne de sol e a charque, por exemplo, são parentes brasileiros do bacalhau português. Ainda no século 14, os portugueses descobriram com os nórdicos a conservação de pescados por salgamento e desidratação. Aplicaram o método nas carnes trazidas nos porões das naus. No Nordeste, o clima árido tornou o processo mais eficiente. Não é preciso dizer que os bandeirantes não contavam com restaurantes de estrada ou fast-food na marcha para o interior do Brasil. Sobre seus burros, mantas de carne salgada foram encontrar o lugar ideal para protagonizar uma culinária logo associada ao sertão. Rústicos e sem maiores necessidades, bodes e carneiros se adaptaram à natureza e ao calor violentos. Guisado, assado ou com seus miúdos sob a forma de buchada - preparo secularmente adotado em Portugal - o bode virou assinatura da mesa sertaneja e agrestina. "Foram os portugueses que trouxeram horta, curral e quintal", sintetiza a pesquisadora Maria Letícia Cavalcanti. Cebola, coentro, laranja e limão vieram com o colonizador. Os portugueses, contudo, não iriam de imediato contribuir para a invenção do cardápio nacional. Mais preocupados em explorar do que em cultivar, eles não foram inventivos ao se deparar com a culinária indígena, construída ao redor da mandioca. "Os portugueses tinham a intenção de usar apenas seus ingredientes pátrios. Só com o tempo, adotariam itens brasileiros", lembra Maria Letícia.

ADAPTAÇÃO A tradicional peixada pernambucana é uma espécie de adaptação dos cozidos portugueses. Com o peixe e os legumes, está o sumo leitoso do coco. Apenas no final do século 16, os navios com escravos trouxeram as primeiras mudas de coqueiros. O fruto se espalhou pelo litoral e, pelas mãos africanas, entrou irreversivelmente na culinária brasileira

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ENGENHO

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Peixes e carnes salgadas eram comuns, mas a comida do dia-a-dia era pobre, sem gosto. Os senhores de engenho do Nordeste mandavam vir de Portugal o pão, o azeite, o vinagre e o vinho, azeitonas e carnes em conserva. O processo de importação era caro, trabalhoso e quase sempre resultava em alimentação estragada. Uma transformação irreversível, contudo, estava prestes a acontecer.

Tradução do idioma original: "pasta picante de pescados". Nela, o dendê sintetiza a mistura de camarões e peixes. Os fongbê, outra etnia escravizada, formularam uma variação do vatapá na qual se acrescenta macaxeira. O "bovô" africano virou o bobó brasileiro. "As africanas começaram a usar ingredientes locais, o milho e coco, já que não podiam usar as especiarias portuguesas", ressalta Maria Letícia

Gilberto Freyre foi uma das muitas vozes a reconhecer que as senzalas revolucionaram a culinária nacional. No século 16, mais de 100 mil escravos chegaram aos engenhos. Era quase o dobro da população branca. Com eles, desembarcava a sabedoria gastronômica da África. Com o dendê, o coco e a pimenta vermelha introduzidos pelos mesmos navios com mão-de-obra escrava, os africanos reinventaram pratos indígenas e portugueses. Jogaram leite-de-coco no bacalhau. Cozidos de carnes e legumes ganharam novos temperos. Adaptaram suas receitas de peixes. Com os negros, o prazer de comer se instalava na mesa nacional.

Os negros também seriam responsáveis por delícias que hoje habitam vitrines de padarias, delicatessens e tabuleiros Brasil afora. Precursoras da comida de rua, negras alforriadas começaram a vender comidas e bebidas em tabuleiros improvisados. Era o final do século 19. Em Pernambuco, o coco e a farinha de mandioca ganhavam a forma de tapioca. Coisa rápida, preparada com um fogareiro. Foi quando iguarias como o acarajé deixaram de ser servidas apenas para Iansã nos terreiros e fizeram a alegria dos mortais.

As moquecas já eram executadas na África. Apenas se aclimataram no Brasil. O vatapá e o bobó de camarão são resultado direto da regionalização de técnicas africanas do cozimento de pescados. Os iorubas capturados na Costa da Nigéria trouxeram o seu "Vata-Pa".

Nasciam os quindins de Iáiá. Esse doce, feito à base de ovos - numa evidente repaginação da doçaria portuguesa - e outras tentações, como as cocadas, ganharam as toalhas de renda, usadas para dar dignidade e beleza aos tabuleiros. "Na Bahia, a doçaria de rua se desenvolveu como em nenhuma cidade, estabelecendose verdadeira guerra civil entre o bolo de tabuleiro e

SABEDORIA Com os negros chegou a sabedoria culinária regional. Usaram pimentas e dendê, que adaptaram suas receitas originais em pratos como o bobó e o vatapá(foto). Um novo ingrediente chegara: o prazer nas refeições, e utensílios como pilões se integraram às cozinhas domésticas. 18 ENGENHO #UM


A PÁTRIA DA

FEIJOADA

"Demasiadamente nutritiva, indigesta, estarrecedora", como dizia o folclorista Luís da Câmara Cascudo, a feijoada virou cartão-postal da mesa brasileira. É o primeiro prato nacional. Mas como é que o cozido de feijões ganhou status de um Cristo Redentor dos fogões? A explicação corrente é a de que, nas senzalas, se uniram partes rejeitadas das carnes de porco e boi ao feijão, leguminosa de cultivo fácil, plantada em roças ao redor dos barracões de negros. "A feijoada surgiu da dificuldade de obter alimentos e da criatividade dos escravos. Cozinhando o que não era comido pelo senhor, o escravo a inventou", diz o professor Frederico Vasconcelos, coordenador do Curso de Gastronomia da Universo e diretor do Instituto de Gastronomia de Pernambuco. A origem do prato, contudo, está longe do consenso. Provoca polêmicas e satisfação na mesa. A pesquisadora Maria Letícia Cavalcanti, por exemplo, acredita que a feijoada surgiu na casa grande. "Rabos, pés e orelhas de porco nunca foram rejeitados pelo colonizador. Os europeus adoram essas partes. Na Alemanha, por exemplo, o joelho de porco é uma especiaria. O francês tem receitas com pé-de-porco", diz Maria Letícia. Segundo a especialista, não é hábito africano a mistura de carnes e feijões. "Os índios e africanos gostavam de cozinhar as coisas separadamente. Misturar, como nos cozidos, é tipicamente português. A feijoada surgiu no Brasil, é certo. Mas da união de ingredientes locais a técnicas portuguesas", continua. Câmara Cascudo, em História da Alimentação no Brasil, estabelece relações ainda mais íntimas entre a feijoada e o cozido. "O cozido veio da cozinha portuguesa para o Brasil (...) Esse simples cozido compreende carne de vaca, fresca e seca, paio, salsicha, presunto, toucinho, lombo de porco...Desse cozido veio a idéia de incluir o feijão, os mais populares, preto ou mulatinho", afirma. Cascudo dizia que a feijoada não é um prato qualquer. Exige "iniciação nacionalizante" (B.A.)


o doce feito em casa (...) O legítimo doce ou quitute de tabuleiro foi o das negras forras. O das negras doceiras", escreveu Gilberto Freyre em Açúcar. - Uma Sociologia do Doce. O açúcar dos engenhos pernambucanos gestou a civilização brasileira, provocou cobiça mundial, atraiu os holandeses ao Nordeste (1630-1654) e, de quebra, fez surgir a grande doçaria pernambucana. Com o auxílio de suas mucamas, as sinhás formularam receitas clássicas. Patrimônios de família, como o Bolo Souza Leão, os preparos ganharam formas definitivas em bolos-de-rolo, pés-de-moleque e bolos-de-noiva, receitas que sempre recebem pequenas variações das mãos que as executam. "Como não tinham vida social, essas sinhás dominavam as cozinhas de engenho, que foram grandes laboratórios para novas receitas", pontua o antropólogo pernambucano Bartolomeu Tito Figueirôa. O milho foi processado em canjicas e pamonhas. Trabalhosa, essa culinária não prescindia da mão escrava. "Sem a escravidão, não se explica o desenvolvimento, no Brasil, de uma arte de doce, de uma técnica de confeitaria, de uma estética de mesa, de sobremesa e de tabuleiro tão cheia de complicações e até de sutilezas", escreveu Gilberto Freyre. Da união do coco com o açúcar, a cocada é um doce diretamente ligado à história da colonização. Na paisagem descoberta por Cabral em 1500 abundavam palmeiras onde cantavam sabiás, mas os coqueiros que são hoje são assinatura inconfundível do litoral só chegaram aqui pelas mãos dos portugueses no final do século 16. Justamente quando vieram as grandes levas de africanos. O ingrediente fincou tradições no Estado. "O hábito de acrescentar leite-de-coco às comidas é muito, muito pernambucano", comenta Maria Letícia. Equivalente que não se rendeu ao dendê da moqueca, a peixada é um cozido de peixes que tem na sua receita mais clássica o sumo leitoso do fruto como trunfo de sabor. "Das cozinhas regionais, a pernambucana é a mais equilibrada e refinada. No Norte, predomina o elemento indígena. Na Bahia, o africano. A nossa equilibrou as influências", reconhece Maria Letícia. Os pescados sempre foram amados pelos índios. Além de frutas e raízes, eles comiam peixes, lagostas, camarões e mariscos. Mas não os coziam. Quando não comidos crus, os peixes iam para uma grelha rústica - o moquém - constituída de gravetos sobre um buraco no chão. Portugueses trouxeram o hábito de cozinhar. E os africanos aprimoraram as receitas. Nenhuma peixada 20 ENGENHO #UM


pode prescindir da companhia de uma grande paixão indígena - a mandioca, aqui representada pelo pirão de farinha. A raiz era venerada a ponto de uma lenda tupi fazer crer que a raiz era enviada dos deuses. A rendição nacional por farinha não nos deixa esquecer a mais forte herança indígena no paladar brasileiro. Com a sociedade do açúcar em pleno vigor, não só a tradição doceira de Portugal abraçou as frutas nordestinas, como também receitas clássicas portuguesas se hospedaram na margem de cá do Atlântico. O sarrabulho deu origem ao sarapatel. A galinha de cabidela se enraizou nos hábitos pernambucanos. Há quem jure que ela nasceu por aqui. Mas um porco ao molho pardo, além dos coágulos presentes no sarrabulho, mostram que Portugal já estava bem acostumado a jogar sangue nas panelas. Estávamos a caminho do trivial. No seu clássico História da Alimentação no Brasil, Luís da Câmara Cascudo registra que os índios, à época do descobrimento, já comiam algumas favas e feijões. Mas a disseminação do feijão se daria no século 16, pelas mãos dos espanhóis que trouxeram várias sementes da América Central, durante a União Ibérica, quando a Espanha mandou em Portugal por sete décadas.

Por crescer com muita facilidade e ser largamente nutritivo, o feijão logo se tornou o alimento mais popular do Brasil na virada do século 16 para o 17. Em breve, seria o protagonista do maior amuleto da culinária pátria a feijoada (leia matéria vinculada a respeito). À leguminosa, se uniu a farinha dos índios. "Poderíamos dizer que o binômio feijão e farinha governou o cardápio brasileiro desde a primeira metade do século 17", escreveu Cascudo. "O feijão era a refeição, o sustento, a força promotora da energia humana. Para o povo, uma refeição sem feijão é simples ato de enganar a fome. Não de alimentar-se", analisou. Importado da Ásia, o arroz só faria dobradinha com o feijão em meados do século 18. Ao contrário do que ocorre na Itália dos risotos, o arroz aqui - salvo raríssimas exceções, como um arroz de polvo - nunca conseguiu se livrar da condição de coadjuvante. "O povo come arroz indiferentemente, como quem saúda amigo vulgar no mecanismo da obrigação diária", registrou Cascudo. "Os africanos nos ensinaram o hábito de comer arroz diariamente", lembra Maria Letícia Cavalcanti. Com o desenvolvimento da pecuária, bifes logo seriam passados na caçarola. E o brasileiro teria uma refeição simples, elementar. Conquistava, depois de muita história, o trivial.


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ENCONTROS DE

CHEFS Recife tem uma agenda de festivais gastronômicos: quem ganha é o gourmet

Intercâmbios entre chefs, fortalecimento do mercado, dinamização e aumento da oferta culinária do Estado. Essas são as vantagens mais óbvias de um festival gastronômico. Pernambuco já conta com uma saborosa agenda de eventos. Quem sai ganhando é o gourmet: novas receitas são criadas e até profissionais de outros lugares hospedam-se nas cozinhas locais.

I

FOGO Danio Braga em ação numa cozinha local

Neste dia 15 de agosto, um novo evento somase à grade de festivais. Sob o comando do chef César Santos, 22 restaurantes do Recife, de Olinda e de Porto de Galinhas participam, até o dia 2 de setembro seguinte, do festival O Melhor do Mar. Usando ingredientes da Netuno, patrocinadora do evento ao lado da Hipercard, profissionais criam novas fórmulas com frutos do mar. “Ações como essa são importantes para movimentar o setor e valorizar os chefs da região” , diz César Santos, que, em setembro, deve assumir a presidência da Associação Brasileira dos Restaurantes da Boa Lembrança. Entre outros, já estão confirmados no festival marinho casas como o Oficina do Sabor, Eki, Porto Ferreiro, Quina do Futuro, Goya, Wiella, Porto Ferreiro e Garrafeira. Outros festivais que merecem destaque são o Recife Sabor e o Festival de Sushi, que acontecem dentro da Fispal - NE, uma das maiores feiras do setor do País. “Esse festival consegue reunir grandes chefs numa competição saudável e muito interessante, apresentada na forma de gourmet show, com auditório, premiação e júri qualificado”, explica o presidente da seccional local da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), Leonardo Lamartine. Considerado a maior oficina de cozinha do País fora do eixo Rio-São Paulo, o Recife Sabor envolve os

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mais importantes restaurantes de Pernambuco. Organizado pela Abrasel-PE, com apoio da Abaga (Associação Brasileira da Alta Gastronomia), o evento não só promove a cozinha nordestina, como também conta com uma programação de workshops para profissionalizar o setor. Durante o concurso, cada candidato tem três horas para preparar as porções de cada categoria, avaliadas pelo sabor, apresentação e originalidade. “Os festivais gastronômicos estimulam o recifense a circular pelos restaurantes e saborear cada especialidade”, diz Lamartine. “Muitas vezes, o cliente muda de hábito e passa a freqüentar os restaurantes com mais constância”, lembra Lamartine. Em sua terceira edição, o Festival Gastronômico de Pernambuco acontece em outubro. Nada menos do

que 14 grandes chefs do País hospedam-se em restaurantes pernambucanos, oferecendo ao público a possibilidade de provar de seus talentos sem precisar viajar.. Já passaram pelo festival nomes como Danio Braga, Flávia Quaresma e Francesco de Carli, responsável pela cozinha do Copacabana Palace. “Os chefs convidados são sorteados entre os restaurantes participantes”, explica César Santos, também presente na organização desse festival. Do intercâmbio, os cardápios saem enriquecidos. “É vantajoso para quem vem e para em hospeda. Sempre há o que acrescentar”, comenta a chef Maria Tereza Mello, do Zaff, que tem uma salada verde com camarão no cardápio como herança deixada pelo chef Zeca d´Campom, de Florianópolis.

VISITAS Chefs de fora hospedam-se e cozinham no estado


g

uarnicao

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NOS FOGÕES

Oito chefes oferecem receitas especiais a partir do que pensam sobre a cozinha tradicional das fazendas de açúcar.

O

Os estabelecimentos agrícolas destinados ao cultivo da cana e ao fabrico do açúcar marcaram irreversivelmente a cozinha brasileira, sobretudo a pernambucana. Substituídos pelas usinas, os antigos engenhos tornaram-se assunto para a literatura, herança cultural, memória histórica e fonte sempre fértil para invenções na cozinha. Convidados especialmente para o número de estréia de Engenho - Cozinhas em Pernambuco, oito chefs falam sobre o que pensam a respeito do assunto. Mais: oferecem receitas que dialogam com o tema. “Quando penso em engenho, penso logo em coisa doce, açúcar, rapadura, mel, a casa grande, a mesa farta, muita variedade”, discorre o chef César Santos, que comparece nesta edição com uma receita de jeri-

mum com camarão ao molho de manga, uma de suas assinaturas inconfundíveis. Além do jerimum, tão comum nos engenhos, o molho da receita traz, claro, um pouco de açúcar. “Lembro muito de José Lins do Rêgo, por causa de sua literatura que consegue retratar a infância num engenho”, diz o chef Leandro Ricardo. “Gostaria de ter sido criado num lugar assim... tirar leite de vaca, a coisa dos tachos e panelas, galinha de capoeira”, continua ele, que surpreende com um carpaccio de cordeiro servido com purê de macaxeira. “A cultura dos engenhos é ainda muito presente em nossas cozinhas”, diz Vicente Fernandes, um cearense que começa a mostrar seu talento nas cozinhas do Recife - é hoje o homem do Restaurante Garrafeira, reconhecida manjedoura de bons pro-

fissionais da cidade. “Engenho é o fogão de lenha, é comer bem, beber bem”, arremata o niteroiense Renato Justo, já tão íntimo dos ingredientes locais que, se modulasse o sotaque, logo seria tratado como pernambucano. Além deles, gente como Sílvio Romeiro (Chez Georges), Adriana Didier, Alexandre Faeirstein e Ronald Menezes comparem à edição. “Seria impossível pensar em cozinhas em Pernambuco, sejam elas quais forem, sem lembrar das tradições gastronômicas dos engenhos”, sintetiza Ronald. As receitas tanto reproduzem composições clássicas, como são recriações aparentemente inimagináveis. Confira no editorial gastronômico a seguir.

SASHIMI DE CORDEIRO COM SHITAKE DO KOJIMA

INGREDIENTES •100 g de contra-filé de cordeiro •100 g de shitake fresco •50 ml de azeite de oliva •pimenta-do-reino a gosto

PREPARO Tempere o cordeiro com sal e pimenta. Grelhe o cordeiro, apenas a capa de fora. Corte o shitake em tiras e puxe na manteiga com sal a gosto. Corte o cordeiro em lâminas finas. Disponha ao redor do prato. No meio, ponha o shitake. 24

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CAMARÃO AO CREME DE MANGA INGREDIENTES 8 camarões Vila Franca descascados 1 copo de suco concentrado de manga 2 colheres (mesa) de azeite de oliva 1 colher (mesa) de hortelã 1 colher (chá) de erva-doce Sal a gosto

PREPARO Leve o suco de manga ao fogo na panela, quando estiver fervendo tempere com azeite, erva doce e hortelã. Adicione os camarões e deixe cozinhar por alguns minutos.

ACOMPANHAMENTO Arroz com Curry Ingredientes: •100g de arroz parbolizado •Folha de louro •1 colher (sobremesa) de curry •2 dentes de alho

•1 cebola pequena •2 colheres (mesa) de manteiga •2 colheres (mesa) de óleo vegetal •água para cozimento

Preparo: Junte no liquidificador a cebola com um pouco de água e bata. Leve ao fogo numa panela e deixe esquentar. Acrescente o azeite e a manteiga e, em seguida, o tempero que bateu no liquidificador. Deixe refogar bem. Acrescente o arroz, as folhas de louro e água quente. Deixe cozinhar.

César Santos César Santos reúne qualidades aparentemente incompatíveis: virou uma grife da cozinha local e mantém a simplicidade de um iniciante. Suas morangas recheadas do Oficina do Sabor têm praticamente a mesma força no roteiro dos turistas de uma incursão pelo litoral. Atual presidente da Associação dos Restaurantes da Boa Lembrança, chef oficial da última comitiva presidencial aos Emirados Árabes, ele nos ensina a fazer um Jerimum com Camarões ao Molho de Manga

Montagem do Prato Em uma travessa, arrume o arroz de um lado e os camarões de outro. Decore com ervas frescas.

Alexandre Faeirstein Alexandre tornou-se conhecido ao regionalizar a cozinha japonesa. Do convívio com o sushiman Kanano San, vieram técnicas aplicadas em receitas como esse Sashimi de Cordeiro com Shitake, premiado pela crítica especializada e sucesso no seu Kojima, endereço pernambucano da contemporânea culinária oriental.

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CARPACCIO DE CORDEIRO DE SOL sobre um purê de macaxeira ao camembert, crocante de macaxeira e alho-poró e manteiga de garrafa ao perfume de coentro (4 pessoas)

INGREDIENTES Para o cordeiro : •200 g de lombo de cordeiro •sal o quanto baste para cobri-lo Purê de macaxeira ao camembert: •400 g de macaxeira cozida e limpa •200 g de camenbert picado •200 ml de creme de leite fresco •sal e pimenta do reino moída à gosto Crocante de macaxeira e alho poró: •200 g de macaxeira ralada crua •200 g de alho poró •óleo de milho, o quanto baste para fritar Manteiga perfumada: •100 ml de manteiga de garrafa •1 colher de sopa de coentro em folha picado •1 colher de café de coentro em pó

PREPARO Leandro Ricardo Leandro é inventivo. Gosta de cozinhas tradicionais, como a afro-brasileira, e passeia com naturalidade pela alta gastronomia. Cozinhou profissionalmente em casas como o Navegador e o Garrafeira. E nos ensina uma receita que une o francês camembert à macaxeira e à carne-de-sol de cordeiro.

Cordeiro: Limpar o lombo de cordeiro retirando toda as peles e cobrir com sal por uma noite. No dia seguinte dessalgar em água corrente até ficar o sal no ponto desejado. Assar em frigideira super aquecida com óleo de milho até dourar por fora e ficar cor de rosa por dentro. Reserve. Purê de macaxeira:Liquidificar todos os ingredientes e levar ao fogo mexendo sempre até desgrudar da panela.Reserve. Crocante: Fritar a macaxeira ralada no óleo de milho aquecido até dourar, em seguida o alho poró e tirá-lo um ponto antes para não amargar. Deitar todos os dois em papel absorvente e reservar. Manteiga: Aquecer a manteiga e colocar os ingredientes e retirar do fogo logo em seguida. Reservar. Montagem: Arrumar o purê reaqucido no centro dos 4 pratos ,fatiar o cordeiro o mais fino que puder e arrumar por cima , despejar o pouco dos dois crocantes , reaquecer a manteiga e jogar um pouco sobre o cordeiro,arrematar com umas folhas de coentro.

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INGREDIENTES Para o lombo:

Para o molho:

•800 g de lombo de porco •400 g de folha de couve •100 ml de azeite •50 g de alho •sal e pimenta a gosto

•100 ml de água •50 g de gengibre ralado •100 ml de shoyu •100 ml de mel de engenho

Para a tapioca

Para decoração:

•200 g de massa de mandioca •300 g de ricota •150 g de manga •150 g de acerola •150 g de tamarindo •150 g de açúcar

•4 acerolas •4 cubos de manga •4 tamarindo

Sílvio Romero O porco é o principal ingrediente da receita preparada pelo chef Sílvio Romero, hoje no comando da cozinha do Chez Georges. O animal é simbólico:foi introduzido

PREPARO

no Brasil durante o primeiro ciclo

1.Tempere o lombo com sal e pimenta-do-reino. Coloque um pouco de azeite numa assadeira e leve ao forno. Asse o lombo durante uns 50 minutos. 2. Faça sucos concentrados separadamente com a manga, as acerolas e os tamarindos. 3. Em três panelas separadas coloque o suco de cada fruta, junte 50g de açúcar, e reduza em fogo baixo durante 15 minutos. Deixe resfriar. 4. Separe a ricota em três tigelas e misture com parte do coulis de cada fruta. 5. Numa frigideira de teflon, espalhe a massa de mandioca de forma circular de 10 cm de diâmetro e asse as tapiocas. 6. Recheie as tapiocas com a ricota e enrole-as. 7. Numa panela, coloque todos os ingrediente do molho e leve em fogo baixo até engrossar. 8. Numa frigideira, refogue com azeite o alho e as folhas de couve.

da cana-de-açúcar. No molho,

MONTAGEM 1. Corte o lombo em fatias finas e monte no centro dos pratos, intercalando as fatias com as folhas de couve. 2. Nas laterais, faça três espelhos com cada coulis de fruta e ponha as tapiocas com o recheio correspondente, cortadas em diagonal, em pé nos coulis. 3. Derrame um pouco do molho escuro por cima do lombo. 4. Decore com as frutas

frutas como tamarindo e acerola. “Tudo o que eu usei se encontra nas nossas hortas”, diz.

LOMBO AO SABOR DO TERCEIRO JARDIM (4 pessoas)

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FILÉ AO

MOCORONÓ

INGREDIENTES •250 g de filé alto •2 cajus •30 gramas de funghi ou shitake •20 ml de vinho branco •3 colheres de creme de leite fresco •azeite de oliva •¼ de cebola picada •10 ml de conhaque

Vicente Fernandes Vicente é um cearense que promete movimentar as mesas do Recife. Vive em cozinhas desde os 12 anos. Aos 23, é chef do Garrafeira. De raciocínio rápido, de imediato

PREPARO Grelhar o filé, mal passado, e reservar. Para o molho: Cortar o caju em cubos, picar as cebolas e refogar as mesmas no azeite. Flambar com conhaque e jogar vinho branco. Depois, o creme de leite. Outro caju, cozido, deve ser cortado em quatro. Jogue o molho sobre o prato. O caju cozido será o leito para o filé. Os cogumelos, fritos à parte, devem ser jogados por cima.

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pensou num inédito filé com caju para homenagear as tradições. “Caju é a mais brasileira das frutas”, diz.


CARTOLA DE ENGENHO INGREDIENTES •1 banana comprida madura •100 g de queijo manteiga •100 g de açúcar refinado •80 g de canela em pó •1 bola de sorvete Della Santa de mel de engenho

Ronald Menezes Formado na Escola de Hotelaria de Namur, na Bélgica, Ronald cativou o paladar pernambucano ao regionalizar pratos internacionais - e vice-versa. O homem que, no seu Yolanda, mescla culinárias em

PREPARO Coloque a banana comprida, bem madura, para cozinhar. Depois de cozida, corte pela metade e coloque no meio do prato. Frite o queijo manteiga, sem virá-lo demais para que forme uma leve casca queimada. Coloque o pedaço do queijo em cima da banana e, por cima de tudo, uma bola de sorvete de mel de engenho. O queijo deve estar ainda quente para derreter um pouco o sorvete. Depois, polvilhe todo o prato com a mistura do açúcar com a canela, sirva bem rápido.

pratos como o Fondue de Charque e Queijo Manteiga, nos ensina, nesta edição, a reiventar a cartola. Nas mãos do chef, a tradicionalíssima sobremesa é feita com banana comprida, queijo e sorvete de mel de engenho, outra de suas criações.

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SINHOZINHO INGREDIENTES Adriana Didier Adriana tornou-se chef assim, por acaso. Queria sair do Recife e resolveu se alojar no (então)

•1 lata de leite condensado •2 col. sopa de manteiga •2 ½ col. de mel de engenho •1 pitada de canela em pó •castanha de caju granulada

tranqüilo balneário de Porto de Galinhas. O resultado compro-

PREPARO

va sua vocação para a cozinha:

Numa panela média, misture todos os ingredientes,

o Beijupirá, seu restaurante, é

menos a castanha granulada. Leve ao fogo,mexendo

tão obrigatório quanto as pisci-

sempre, até se soltar do fundo da panela.Espalhe a mis-

nas naturais da praia. Aqui, ela

tura numa travessa untada com manteiga e deixe esfri-

revela um pouco de um cardá-

ar. Faça bolinhas e passe na castanha granulada.

pio que, na alta estação, só pode ser constatado após uma bela fila de espera.

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Renato Justo Formado pela tradicional escola francesa Cordon Bleu,

Renato Justo é um fluminense que tem Pernambuco como pátria de adoção. “As frutas nordestinas são as mais saborosas do mundo”, costuma dizer ele, que adotou vários molhos à base desses frutos em sua cozinha. Para flertar com a culinária dos engenhos, ele nos dá a fórmula para um petit-gateau de queijo de cabra.

PETIT-GATEAU DE QUEIJO DE CABRA INGREDIENTES •150 g de queijo de cabra frescal •50 g de queijo boursin de cabra •100 g de farinha de trigo •150 g de açúcar •3 ovos •1 colher de café de fermento •suco e raspas de limão

PREPARO Bater tudo na batedeira e levar à geladeira por, no mínimo, uma hora. Depois, assar em forma untada e enfarinhada, numa temperatura média de 200°. Servir com mel de engenho.

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ercado

CABRA

m

CACHAÇA:

Primeira bebida brasileira, cuja denominação de origem já é oficialmente nacional, o aguardente será alvo de um seminário temático na Fundação Joaquim Nabuco. Além do relançamento do Dicionário da Cachaça, do folclorista Mauro Souto Maior, o evento contará com o acervo do Museu da Cachaça, de Lagoa do Carro. Acontece em setembro. Os interessados podem se informar pelo 3441.5900

POR TERRA, MAR OU AR Num complexo náutico próximo à Coroa do Avião, dentro da área do Hotel Gavoa, o restaurante Ancoradouro surpreende pela localização e beleza do entorno. Fica numa península diante do rio, do mar e da coroa. Especializado em frutos-do-mar, o destaque é o Camarão Fest Náutica, com ervas finas e bechamel, com uvas e nhoque, (R$ 22,90, para duas pessoas). Nos fins de semana, música ao vivo. O acesso é por terra, mar ou até por um heliporto. No Sítio Boa Vista, S/N. Com acesso pelo Hotel Gavôa. Informações: 3543.7777.

DE

PARA ESTUDAR E BEBER

Leve, pouco calórico e saboroso, o queijo de cabra virou mania. O mesmo queijo caprino que se encontra nas saladas de casas como o Anjo Solto, Yolanda ou Oficina do Sabor já pode ser comprado para uso doméstico. Feito em Pedra de Buíque, o queijo de Antônio Tenório pode ser encomendado em três versões: picodon, de casca mofada e sabor levemente picante; tomme, mais picante; e o boursin, condimentado com ervas, alho ou orégano. Informações: 9966.8057.

DO ORIENTE AO

ARMÁRIO

Precisa de cogumelo shitake numa receita? Ou quer fazer um sushi em casa, num jantarzinho íntimo. Há sete anos, Recife conta com sua única mercearia oriental. No lugar, pode-se comprar utensílios, facas, cortes de peixes para sashimi, saquê, arroz e outras especiarias. Não é a Liberdade, de São Paulo, mas dá para fazer a feirinha oriental. Na Av. Herculano Bandeira, 692, loja 8, Pina. Informações: 3326.8100.


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ista de compras

Presente nas

OBJETOS PARA UMA COZINHA FELIZ

melhores casas de Pernambuco.

Saca-rolhasScrewpul de alavanca com corta-cápsulas 10 anos de garantia. R$ 587, Club du Vin

Cozinha PVC aluminizado e lâmina de madeira importada Rovere Caffé R$ 13.500,00, Florense

Pedra elétrica para grelhados R$ 182, Empório da Cozinha

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n

a

mesa

GENTE COMER, BEBER, VIVER

José Luiz Spencer e Lula Sampaio

Chef César Santos,

Carlos Trevi

Fábio Catão e Marisa Orth, no Papacapim

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Ivo Gomes e Valter Nilo Kuae

Marco Antônio Freitas e Luiz Figueiredo

Paulo Gurgel, João Alberto e Celso Coli

Eduardo Lobo e Cátia Bensoussan

O cônsul da França, Geraldine e o chef

Nomes: Credicard

Leonardo Lamartine

Isabel Dias,

Xuruca Pacheco

José Belarmino, Douglas Van Der Ley, Rodrigo Lima e Alberto Dias

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Murilo Cavalcanti, Álvaro Jucá e Marta Kilmer

Sophia Maranhão

Fernando Castilho e José Otávio Meira Lins

Ronald Menezes e Jorge Pinho

Adalberto Feitosa


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vovo

DOCE

TRADIÇÃO PORTUGUESA

O pastel de nata atravessou o oceano para virar iguaria de festa • Por Joli Campello

Q

Quitute farto em festas infantis, o pastel de nata é prato certo nos bufês e cardápios comemorativos pernambucanos. Mas quem aprecia esse doce não imagina que ele guar-

de uma história tão antiga e um passado religioso. Criado na primeira metade do século 19 por freiras nos conventos de Portugal, o pastel de nata era conhecido como ´pastel de Belém', por ter sido produzido numa instituição religiosa no bairro de Belém, em Lisboa. De lá pra cá, mais de 100 variações da receita original foram concebidas e degustadas mundo afora. No Recife, o genuíno pastel de Belém pode ser encontrado em diversos restaurantes da cidade. Há cinco anos, o português Fernando Maia começou a produzi-los na capital pernambucana, de maneira bastante despretensiosa. “Estava precisando fazer algo produtivo, buscava uma maneira de incrementar a renda da família”, conta Fernando. “Após uma viagem a Portugal, encontrei nos pastéis uma alternativa viável, já que não requereria muitos investimentos”, completa.

A receita parece simples - farinha, manteiga, ovos, leite, limão, canela e água - mas o preparo guarda um segredo que não pode ser revelado. “Quando quero fazer alguma coisa, tem que ficar bem feito.” Com esse compromisso na cabeça, Fernando começou a produção dos pastéis em casa e em pouco tempo já tinha atingido um padrão de qualidade que conquistou o mercado de sobremesas do Recife. Mesmo com um processo totalmente artesanal, Fernando atende, atualmente, mais de 20 restaurantes, enriquecendo ainda mais o padrão da gastronomia local com seus sofisticados pastéis de nata.

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d

igestivo

a

A pergunta ao lado é hoje a mais freqüente

depois de qualquer refeição no Brasil. A

questão começou com um caso de amor.

Não é frase de efeito: paixão nacional, o café

só chegou aqui depois de um gesto de contrabando esti-

QUER UM

CAFEZINHO?

mulado por um romance secreto. Francisco Palheta, um oficial português, recebeu as primeiras mudas da mulher do então governador da Guiana Francesa. Por razões não exatamente militares, a senhora Orvilliers não hesitou em contrariar as leis de seu país em 1727 - que proibiam a disseminação dos valiosos grãos - e presenteou o sargento. O fato é controverso. O certo é que, depois da bebida, o Brasil não seria o mesmo. Temos licores. Mas nenhum digestivo é tão popular quanto o café. Só para ilustrar sua importância histórica: foi o

Personagem da história do Brasil, o café é preferência nacional, gera algumas gastrites e muita energia.

café que incluiu São Paulo, hoje a maior cidade da América Latina, no mapa econômico brasileiro. Depois dos engenhos pernambucanos e do ouro de Minas Gerais, Sampa colocava água na chaleira com os cafezais que logo


de suas terras roxas. A aristocracia cafeeira seria protagonista

digestão”, responde a nutricionista

de um dos ciclos da história nacional. Um dos corações finan-

Cristiane Rats. Profissional de saúde,

ceiros do Brasil, a Avenida Paulista, por exemplo, surgiu com o

ela mantém ressalvas à bebida. “Ao

dinheiro obtido na exportação do chamado ouro verde. Nem

estimular o sistema nervoso, o café

Pernambuco, tão acostumado à cana-de-açúcar, escapou. No

pode provocar insônia. E a gastrina pro-

Agreste do Estado, cidades como Garanhuns têm fama de pro-

voca gastrites e úlceras no estômago. O

duzir um dos melhores cafés nacionais. O cafezinho, enfim, virou sinal de boas-vindas, seja nas casas ou ante-salas dos escritórios. É símbolo de gentileza preparar um café novinho, cheiroso e estimulante para uma visita. É ele também o combustível do trabalho. Até hoje, não se ouviu falar de uma empresa ou repartição pública onde a sala do café não seja o ponto de bate-papo e descanso para dar continuação à jornada. O mais é história. Fica a pergunta: é ou não o café um bom aliado da digestão? “A cafeína presente no café estimula o hormônio gastrina, que, por sua vez, estimula o sistema nervoso central a produzir ácido clorídrico. Ele ajuda na

café também inibe o apetite”, continua. Temos que cortá-lo de nossas dietas? “ O ideal é não ingerir. Mas, para quem gosta, pode-se consumir apenas depois das refeições, em pouca quantidade. Nunca de estômago vazio”, recomenda. Além de gerar riquezas, algumas gastrites e mudar os hábitos nacionais, o café também ajudou a construir uma gastronomia ao seu redor. No século 19, começaram a aparecer bolos e biscoitos para acompanhar a bebida. Mas isso é outra história. Assunto para acompanhar um cafezinho qualquer dia desses.


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ozinhas

do

MUNDO

EM BARCELONA, MARGARITA

BLUE

• Por Bruno Albertim

Um restaurante da moda numa cidade que não sai de moda. Assim, de maneira simplista, pode ser chamado o Margarita Blue, endereço certo para os neófitos em Barcelona. Há sete anos, o lugar é ponto de encontro de um público cativo e de gente que acaba de desembarcar na festejada capital da Catalunha.

cervejas em copos pequenos ou em vasos de um litro, paquera-se, escuta-se a música dos DJs de lounge, assiste-se a shows de performáticas drag queens, mágicos e trapezistas. E até se come. Sim, nesse ambiente entre obras moderninhas e kitsch, dignas da extinta Soparia do Roger, a comida é um acessório. Muito apreciado, mas não o principal.

Localizado na Calle Josep Anselm Clavé (nº 6), a última à esquerda a partir da badalada Ramblas, a avenida mais turística da cidade, o Margarita é um lugar onde se faz de tudo. Toma-se vinhos, bebe-se

Com uma cozinha que sua proprietária, Teresa Reyes, chama de “Mex-Med-Bangla, una cocina mestiza, como nosotros mismos” - as mesas do Margarita servem pratos de forte acento mexicano.

U


AZUL O famoso drinque azul criado

A

por Antoni Miralda no nova-iorquino Internacional batiza o lugar

Além de um carpaccio de atum que justifica a tradição mediterrânea dos pescados, a casa tem nos Tomates Verdes Fritos um de seus sucessos. Mais pop, impossível. Tacos variados se engarregam de justificar o sotaque do México. No balcão do bar, ponto nevrálgico da casa, um batalhão de barmen e barwomen, tudo gente jovem e descoladinha, como a designer pernambucana Renata Faccenda, prepara um outro batalhão de coquetéis, servido quase industrialmente. Mojitos e até caipirinhas brasileiras (certamente a aguardente mais cara que você terá provado, com o preço do drinque a cerca de R$ 20), exaltam ânimos e catalizam conversas em vários idiomas. “Tenho a impressão de que todo mundo que vem a Barcelona estréia na noite da cidade no Margarita, diz Renata. “Tenho, por exemplo, caixas de cigarro com advertências sobre a saúde de todo o mundo”, brinca. Se quiser a bebida-emblema, não deixe de provar o drinque que inspira o nome da casa. Personalizado por doses reluzentes de Curaçao Blue, o Margarita Blue é aquele famoso coquetel de genética mexicana que fez grande sucesso nos 80 e nunca mais saiu de cena. Ele batizou o bar também por motivos sentimentais. Antoni Miralda, artista conceitual que criou o drinque no mítico restaurante nova-iorquino Internacional, de onde ele se espalhou pelo mundo, foi amigo de longas datas dos donos do restaurante barceloneta. Serviço: Margarita Blue. Calle: Josep Anselm Clavé, nº6, 08002, Barcelona. Tel: 934125489 35

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ozinhas

do

EIXO

• Por Luiza Sampaio(RJ)

A gastronomia brasileira vem passando por reformulações. A abertura de novos estabelecimentos e a descoberta de jovens talentos, sintonizados com a moda, estilo vanguardistas e variadas tendências contribuem, e muito, para isso. A gastronomia do Rio continua um capítulo à parte. Além de seus já reconhecidos chefs e restaurantes, o estado conta com jovens chefs de cuisine, que trazem inovações especiais para as mesas e paladares dos que moram (no) ou visitam o Rio. Bronze: duas vezes chef revelação Felipe Bronze, 26 anos, tem seu talento reconhecido tanto pela clientela quanto pela crítica. Foi escolhido duas vezes o chef-revelação do ano. Já André Magon, 27, começa a mostrar seu trabalho no Brasil, baseado num conceito de gastronomia contemporânea, comandando o restaurante Lounge, inaugurado no design hotel The Pearl, em Búzios. Ambos têm relação com a CIA (Culinary Institute of America), tida como a melhor escola de gastronomia do mundo.

A

JOVENS TALENTOS DA

Felipe Bronze se consagrou aos 24 anos, à frente da cozinha do restaurante carioca Zuka, especializado em alta gastronomia na grelha. O jovem chef carioca chama atenção com sua culinária ousada e criativa. Acumula passagens pelo resta-

GASTRONOMIA CARIOCA


Le Bernadin, pelo Nobu e pelo 57, todos em Nova Iorque. Atualmente, comanda a cozinha de seu próprio restaurante, o Z Contemporâneo, almejando revolucionar o conceito atual de asian cuisine. O restaurante possui o maior sushi bar da cidade, com 30 lugares, e conta com um grill e com uma "cozinha show", equipada com uma grande wok, onde o chef Felipe Bronze cozinha de frente para o salão. André Magon começou como fotógrafo de gastronomia e partiu para as panelas, por curiosidade, aos 17 anos. Estudou no Senac de Águas de São Pedro, interior de São Paulo, escola conveniada com a CIA, de onde partiu para o exterior. A grande

experiência foi no Avalon Theath e r Pe n í n s u l a Weastershare, no Estado de Maryland, EUA, onde ficou por três anos e meio, como sous-chef.

Magon: da fotografia para as panelas

Magon teve sua formação na culinária francesa, mas preza a cozinha contemporânea moderna, com influências tailandesa, japonesa, chinesa, valorizando muito os ingredientes nacionais. De volta ao Brasil, está no comando do Lounge, point cheio de bossa no coração do famoso balneário brasileiro. Suas referências são contemporâneas e sofistica-

das, com um despojamento que consegue deixar todos à vontade. Vale a pena visitar o Rio e provar as novidades. Serviço:

Felipe Bronze, Restaurante Z. Rua Paul Redfern, 37, Ipanema. F:21.2529.6323. André Magon, Restaurante Lounge. Avenida José Bento Ribeiro Dantas, 222, Centro,

Armação dos Búzios. F: 22.2623.2856


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ozinha

light

A HORA E A VEZ DOS FUNCIONAIS Chegam ao mercado nordestino os alimentos funcionais. Além de nutrir, eles exercem funções específicas no organismo humano • Por Joli Campello

Depois do boom de produtos diet e light, a moda são os alimentos funcionais ou nutracêuticos. Se você ainda não ouviu falar, atenção. Eles ocuparão seções inteiras nos supermercados. Muitos já os consideram alimentos do futuro: além de alimentar, estimulam funções específicas no organismo.

O

No Brasil, empresas começam a investir no conceito. A nutrição é vista como estratégia para evitar doenças crônicas ligadas a costumes alimentares, como obesidade, diabetes, câncer e hipertensão. Estudos já comprovam a atuação de certos alimentos na prevenção de doenças. As propriedades funcionais podem ser provenientes de elementos naturais dos próprios alimentos, como no caso das fibras e dos antioxidantes (vitaminas E, C, betacaroteno), presentes nas frutas, verduras, legumes e cereais integrais; ou de elementos adicionados artificialmente aos alimentos: leite fermentado, biscoitos vitaminados ou iogurtes enriquecidos. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, (Anvisa), alimentos funcionais são os que produzem efeitos metabólicos ou fisiológicos através da


atuação de um nutriente ou não nutriente no crescimento, desenvolvimento, manutenção e em outras funções do organismo. O fabricante deve comprovar cientificamente que as propriedades são verdadeiras. Os produtos não podem fazer alusão à cura de doenças. No Nordeste, já começam a ser produzidos os primeiros produtos nutracêuticos. O pioneirismo é da Fazenda Boa Sorte, em Alagoas, especialista na produção de leite, coalhada e creme de leite frescos e naturais. A empresa acaba de lançar a Coalhada com Frutas Nude, feita com leite tipo A, - considerado o melhor dos leites e 100% natural - polpa com mais pedaços de frutas e sem espessante. "É uma marca voltada para quem associa uma alimentação saudável e prática à melhor qualidade de vida", explica a professora do Departamento de Tecnologia de Ali-

mentos, da Universidade Federal de Viçosa (MG), Célia Lúcia Fortes Ferreira, que ajudou a desenvolver o produto. A empresa lançará mais dois itens na linha, um leite fresco e um queijo cottage com probiótico. "A indústria de produtos funcionais é peculiar e a colocação desses produtos no mercado implica não só em domínio de tecnologia, mas de ciência", ressalta a pesquisadora.rcado, devidamente rotulados, implica não só em domínio de tecnologia, mas de ciência", ressalta a pesquisadora. Uma alimentação equilibrada e variada, que inclua diariamente alimentos de todos os grupos nas proporções corretas, é o suficiente para manter uma nutrição funcional completa, sendo desnecessária a aquisição de nutracêuticos industrializados que, normalmente, têm um custo mais elevado.


r

efogado

6 PERGUNTAS

PARA 6

1

4

O QUE TIRA SEU APETITE?

2

"COMIDA, DIVERSÃO E ARTE" OU "SEXO, DROGAS E ROCK N'ROLL"?

5

O QUE VOCÊ COME COM OS OLHOS?

3

O QUE VOCÊ COME ESCONDIDO?

6

UMA BOA REFEIÇÃO É CAPAZ DE...

Flávia de Gusmão

Humberto Zírpoli

Alexandre Miolo

ARQUITETO

EMPRESÁRIO

A perspectiva de uma conversa estimulante durante a refeição.

Uma bela apresentação, com o "clima" ideal.

Uma taça de espumante brut e nas horas normais.

Diversão, sexo e comida.

Boa comida, muita diversão e arte exagerada .

Viver bem, com qualidade de vida, procurando sempre unir diversão, arte, cultura, um bom vinho, curtir meu casamento, minha vida profissional e estar com meus amigos.

Feijão com banana, farinha e carne moída.

Nada, gosto de comer sempre em boa companhia e gosto de tudo.

Não como nada escondido.

Comida feita com má vontade.

Calor ou uma catástrofe culinária.

Nunca tive esse problema.

Chocolate. Mais bacana de ver do que de comer.

Pratos italianos, na casa da minha tia Filomena.

Culinária japonesa.

Substituir uma transa, mais ou menos.

Um bom dia. Uma boa tarde e uma noite melhor ainda!!

Transmitir uma sensação de leveza e bem estar com corpo e mente. Degustar uma boa refeição é, sem dúvidas, um dos prazeres da vida, sempre acompanhado de uma taça de vinho.

3

5 6 46

O QUE ABRE O SEU APETITE?

JORNALISTA E CRÍTICA DE GASTRONOMIA

2

4

1

ENGENHO

#UM


Felicidade.

Comida bem feita, com ingredientes de qualidade.

A finalização de algum projeto.

Não dá pra misturar a primeira com alguns ítens da segunda?

Música, sexo, comida e bebida.

Comida, diversão e arte e sexo. Drogas e rock n'roll, estou fora.

Fritura.

Minhas unhas.

Chocolates. Muitos. Colocando vários pedaços na boca e esperando derreter.

Preocupações.

Qualquer coisa do McDonalds.

Restaurantes feios, beira de estrada, mesa de ferro e aquelas cadeiras de dobrar. Prato cheio também.

Sobremesas.

Gente bonita.

Gente bonita.

Mudar meu humor.

Dar sentido à vida.

Tudo. Revitaliza a alma e o espírito. O corpo e a carne também.

Samira Pavesi

Hélder Aragão

Carlos Trevi

DIRETORA DO RECIFE CONVENTION BUREAU

DJ (DOLORES)

DIRETOR DO INSTITUTO CULTURAL BANDEPE

1 2 3 4 5 6

Tapioca com arte. Cozinha experimental Mais de 40 tapiocas doces e salgadas Macaxeiras cozidas, fritas ou gratinadas Pizza light - com massa de macaxeira Conheça a Embolada.

R. do Atlântico, 242 Pina (Esquina c/ Domingos Ferreira) Tel: (81)3466-5886


Chefs: Adriana Didier - Beijupirá: R. Beijupirá, Quadra 09 Lote A Porto de Galinhas Ipojuca F: 813552-2334 Alexandre Faeirstein: Kojima - R. Ondina, 141 Pina F: 81 3328-3585 César Santos - Oficina do Sabor: Rua Do Amparo, 335 Olinda F: 81 3429-3331 Leandro Ricardo: Rua Santo Elias, 350 Espinheiro F: 81 3241-1470 Renato Justo: Restaurante Vilamoura - Rua Capitão Rebelinho, 512 Pina F: 3327-7191 Ronald Menezes: Yolanda - Rua Francisco da Cunha, 881 Boa Viagem F: 81 3325-5395 Sílvio Romero: Chez Georges - Av. Boa Viagem, 1906 Térreo Beach Class Boa Viagem F: 81 3326-1879 Vicente - Garrafeira - Rua Francisco da Cunha, 165 Boa Viagem F: 81 3465-1088

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Abrasel-PE: Rua Ernesto de Paula Santos, 1368 / Sl 902 Boa Viagem - F: 81 3465-8550 Adroaldo Tapetes do Mundo: Av. Eng. Domingos Ferreira, 2343 Boa Viagem F: 81 3326-2737 Ancoradouro Restaurante: Sítio da Boa Vista, s/n Hotel Gavôa Igarassu F: 81 3224-3353 Bar 75: Bargaço: Av. Boa Viagem, Beijupirá: R. Beijupirá, Quadra 09 Lote A Porto de galinhas Ipojuca F: 813552-2334 Boa Lembrança: Boi Preto: Av. Boa Viagem, 97 Pina F: 3466-6334 Bonaparte: Rua Pe. Carapuceiro, 777 / Pc 191 Shopping Recife B. Viagem F: 813301-4186 Chef Leandro Ricardo: Rua Santo Elias, 350 Espinheiro F: 81 3241-1470 Chez Georges: Av. Boa Viagem, 1906 Térreo Beach Class Boa Viagem F: 81 3326-1879 Chinatown: Rua Pe. Carapuceiro, 777 / Lj 119 Shopping Recife B. Viagem F: 81 3467-5260 Cia do Chopp: Av. Conselheiro Aguiar, 2775 / Lj 10 Boa Viagem F: 81 3465-9066 Club du Vin: Rua Solidônio Leite, 26 Boa Viagem F: 81 3326-5719 Dandá Tapiocas y Macaxeiras: R. do Atlântico, 242 Pina F: 81 3466-5886 Entre Amigos - O Bode: Empório Cozinha: Rua Pe. Carapuceiro, 777 / Pc 078 - Shop. Recife - B. Viagem F: 81 3464-6413 Empetur: Florense: Av. Eng. Domingos Ferreira, 4264 Boa Viagem F: 3301-3253 Garrafeira: Rua Francisco da Cunha, 165 Boa Viagem 3465-1088 Gráfica Santa Marta: Rua Pe. Roma, 601- Espinheiro F: 81 2122-9733 Kojima: R. Ondina, 141 Pina F: 81 3328-3585 Komida Kaseira: R. Claudino dos Santos, 11 Vila dos Remédios Afogados F: 813428-3597 La Capannina: Av. Conselheiro Aguiar, 538 Pina F: 81 3465-9420 La Capannina: R. Dr. Malaquias, 130 Graças F: 813426Lavazza: Av. Eng. Domingos Ferreira, 890 / 906 Boa Viagem F: 81 3461-1414 Manihot: F: 81 Mercearia Oriental: Av. Herculano Bandeira, 692 / Lj 08 Pina F: 81 3326-8100 Miolo: F: 81 Museu da Cachaça: Informações F: 3441-5900 Netuno: Av. Comendador Moraes, 373 Pina F: 81 3465-3108 / 3467-1045 Oficina do Sabor: Rua Do Amparo, 335 Olinda F: 81 3429-3331 Ponte Nova: Rua Bruno Veloso, 528 / Lj 01 Boa Viagem F: 3327-7226. Papa Capim: Av Rui Barbosa, 1397 Graças F: 81 3427-2509 Pra Vocês: Av. Herculano Bandeira, Queijo de Cabra: F: 81 99668057 Cláudio Recife Mercantil: Wiella Bistrô: Av. Domingos Ferreira, 1274 Boa Viagem F: 81 3463-3108 Yolanda: Rua Francisco da Cunha, 881 Boa Viagem F: 81 3325-5395 Ultra Express:

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#UM



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