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Alberi Neumann, Paulo Sérgio Macedo dos Santos
from Proclamar Libertação 45 - 2020-2021
by Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
PRÉDICA: JOÃO 6.56-69
JOSUÉ 24.1-2a,14-18 EFÉSIOS 6.10-20
13º DOMINGO APÓS PENTECOSTES
22 AGO 2021
1 Introdução
Alberi Neumann Paulo Sérgio Macedo dos Santos
O conhecimento liberta a pessoa
Recomendamos a leitura das excelentes contribuições feitas por Guilherme Lieven, no PL 36, e por André Martin, no PL 42, previstas para este 13º Domingo após Pentecostes. Os autores apontam para a confissão de fé, para o reconhecimento necessário de que Jesus é o Messias esperado que se torna alimento para nossas vidas. O texto do evangelho dialoga de maneira absolutamente eficaz com o texto de Josué previsto para o dia de hoje, no sentido de sugerir que seguir e reconhecer Cristo é servir o Senhor com sinceridade. Tanto no texto de Josué como no Evangelho de João se faz urgente e necessária a tomada de decisão, se faz imperioso compreender e aprender tanto com os erros anteriores (Josué) como com as palavras duras do Mestre (evangelho). Por esse motivo, abordaremos neste auxílio o caráter pedagógico existente no texto previsto para a prédica.
2 Exegese
O Evangelho de João difere dos outros evangelhos em vários pontos. Vamos destacar dois: primeiro, o fato de João narrar “apenas” sete milagres efetuados por Cristo, apesar de no final do texto o evangelista afirmar que há, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus fez. Se todas elas fossem relatadas uma por uma, creio eu que nem no mundo inteiro caberiam os livros que seriam escritos (Jo 21.25). Um segundo ponto refere-se à intensa profusão de diálogos existentes no evangelho. O Cristo joanino utiliza-se de discursos e diálogos como forma de conduzir o ouvinte ao aprendizado e ao discipulado. Suas perguntas nem sempre são compreendidas e suas respostas não esgotam todas as dúvidas. Tanto nas perguntas como nas respostas, o Cristo de João exige de seus interlocutores a reflexão apurada, o exercício constante de pensar sobre sua própria existência e, principalmente, reconhecer em Cristo o Messias, o Mestre enviado. Helmut Koester aponta aproximadamente o ano de 125 EC como provável datação do Evangelho de João. Como um fragmento do evangelho mais ou menos dessa época foi encontrado no Egito (Papiro 52), outros exegetas sugerem uma data próxima ao ano 100. Temos aí, de qualquer forma, uma boa distância cronológica dos outros evangelhos sinóticos. Koester faz a divisão do evangelho
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em quatro blocos: do capítulo 1.1 a 1.51: introdução, incluindo o prólogo, João Batista e a escolha dos 12 discípulos; do capítulo 2.1 a 11.54: Cristo se revela ao mundo; do capítulo 11.55 a 19.42: Cristo se revela aos discípulos e, finalmente, o epílogo do capítulo 20 ao 21, ressaltando o túmulo vazio, a aparição aos discípulos e a aparição a Tomé. Koester afirma ainda que João possui uma herança gnóstica considerável, para a qual a busca pelo verdadeiro conhecimento é essencial para a salvação. Essa “herança” a que Koester se refere pode ser percebida na estrutura do texto. Nos versículos 56 a 59, Cristo nos confronta com palavras que soam assaltadoras aos judeus: comer a carne e beber o sangue de um ser humano. Para os judeus, isso era inconcebível e dificultava ainda mais a compreensão do que Jesus havia dito, principalmente porque isso era o que ele “ensinava na sinagoga”. Em decorrência disso, o bloco dos versículos 60 a 69 mostra todo o estranhamento que essa lição produz. “Quem pode aceitar esses ensinamentos?” E o mestre avisa que era necessário apurar o olhar para compreender a lição. Que o Espírito Santo desvelaria o encoberto e apuraria o foco para o entendimento. Muitos não quiseram fazer a lição, abandonaram Cristo, mas Pedro sentencia ao final do texto: E nós cremos e sabemos que o Senhor é o Santo que Deus enviou. Pedro entendeu a lição.
3 Meditação
Cristo se apresenta como um professor neste texto. O Jesus apresentado por João não é um milagreiro, não é um mágico, é um mestre. Ensina o caminho para a vida eterna, mesmo que para isso tenha que se utilizar de palavras duras, ou até mesmo incompreensíveis. Talvez por isso os exegetas atribuam ao último evangelho características gnósticas. Cristo aqui ensina numa sinagoga. Seus seguidores ainda não compreenderam verdadeiramente seu maior ensinamento, o amor. São prisioneiros de toda uma estrutura religiosa punitiva e legalista. Não se deixam entender sentidos diversos da palavra. Cristo anuncia nas entrelinhas que seu corpo morrerá e seu sangue será derramado por amor aos seus “alunos”. No campo da pedagogia, esse sentimento cristão pode ser visto no grande educador, por vezes incompreendido e atacado, Paulo Freire. Freire defende uma educação construída pelo diálogo, assim como Cristo o faz neste texto. Freire afirma que o diálogo franco, aberto e solidário é uma forma profunda de mostrar o amor, pois o amor é um ato de coragem (FREIRE, 2011). Existe ato de coragem maior que se colocar pronto a morrer pela humanidade? Na concepção dos seguidores/alunos de Cristo, isso era inconcebível. Freire afirma que “se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens, não me é possível o diálogo” (FREIRE, 2011, p. 111). O próprio evangelista João afirma: Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna (Jo 3.16). Aqui Cristo aparece ensinando esse amor de maneira integral, plena. Uma lição que, se não compreendida pelo amor, se torna ainda mais dura, menos
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deglutível. Assim como um bom professor, Cristo, o bom Mestre, quer conduzir seus discípulos ao verdadeiro amor. Por mais dura que pareça a lição, Cristo insiste em ensinar. Ensinar aquilo que é o que importa de verdade: ele é o Messias, ele é o pão vivo que desceu dos céus. Ele se oferece humildemente em sacrifício por amor, por considerar que há muito para aprender, mesmo que as palavras sejam duras. Quando se apresenta como o pão vivo, o alimento que dá vida e produz sentido real para a existência, Cristo mostra que ele é o alimento necessário para as nossas vidas. Assim como o pão de trigo nos dá forças físicas para a caminhada, o Pão da Vida nos anima na mesma, reconhecendo a cada partilha a presença real do Cristo em nosso meio. Por mais duras que pareçam as lições, por mais incompreensível que o Mestre se mostre, o ensinamento será libertador. Paulo Freire calca toda a sua “Pedagogia do Oprimido” em caminho semelhante ao do Evangelho de João: o conhecimento liberta o ser humano. Em João, reconhecer Cristo como verdadeiro Messias é igualmente libertador. Em ambas as proposições, o conhecimento só é possível no amor.
4 Imagens para a prédica
Sugerimos que a prédica comece abordando a dificuldade “do compreender”. Talvez um parágrafo ou frase de algum texto de um teólogo, uma teóloga, um filósofo ou uma filósofa que tenha uma mensagem importante, mas que, se não for compreendida, perde toda a sua validade. Perguntar para as pessoas quem se lembra de seu professor ou de sua professora no primário, com aqueles rabiscos, que depois se tornaram letras e ganharam sentido, como, por exemplo, foram parar em bilhetes e cartas de amor. Seria interessante não colocar a pregação como uma aula, mas sim mostrar como, à medida que compreendemos os significados, as palavras ganham mais sentido. Leia no Catecismo Menor de Lutero a 6ª parte, que trata do Sacramento do Altar ou Ceia do Senhor. Que tal assar pão dentro do templo durante a celebração? No ano passado, usamos uma máquina de pão e assamos pão durante o culto. Foi muito bom sentir o cheiro e, ao final, usá-lo na mesa da comunhão. Sugerimos ainda, se possível, ao término da prédica, ler o poema de Paulo Freire.
Canção Óbvia Escolhi a sombra desta árvore para repousar do muito que farei, enquanto esperarei por ti. Quem espera na pura espera vive um tempo de espera vã. Por isto, enquanto te espero trabalharei os campos e conversarei com os homens.
Suarei meu corpo, que o sol queimará, minhas mãos ficarão calejadas, meus pés aprenderão o mistério dos caminhos, meus ouvidos ouvirão mais, meus olhos verão o que antes não viam, enquanto esperarei por ti. Não te esperarei na pura espera porque o meu tempo de espera é um tempo de quefazer. Desconfiarei daqueles que virão dizer-me, em voz baixa e precavidos: É perigoso agir É perigoso falar É perigoso andar É perigoso, esperar, na forma em que esperas, porque esses recusam a alegria de tua chegada. Desconfiarei também daqueles que virão dizer-me, com palavras fáceis, que já chegaste, porque esses, ao anunciar-te ingenuamente, antes te denunciam. Estarei preparando a tua chegada como o jardineiro prepara o jardim para a rosa que se abrirá na primavera.
5 Subsídios litúrgicos
Será interessante se o culto for com a Ceia do Senhor, para que a ponte pão/ palavra seja trabalhada como duas formas de alimento cristão. Oração do dia Santo Deus, nós nos colocamos no dia de hoje com fome e sede de aprender teus ensinamentos. Nossa ignorância se transforma em arrogância pelo não saber. Ensina-nos o caminho da vida. Ensina-nos o caminho da verdadeira liberdade. Ensina-nos o caminho do amor. Transforma nossa arrogância em humildade ao escutarmos a tua palavra libertadora. E que por meio desse aprendizado possamos chegar mais perto daquela pessoa que sofre e daquela que ainda não compreende o teu amor. Por teu filho, Jesus Cristo, que contigo e com o Espírito Santo vive e reina eternamente. Amém.
Oração pós-Comunhão Santo Deus, agradecemos-te pelo verdadeiro corpo e sangue de nosso Senhor Jesus Cristo dado a nós para ser comido e bebido, sob o pão e o suco da videira. Dá que creiamos nas palavras de Jesus “dado e derramado em favor de vocês, para remissão dos pecados” e com isso saibamos e vivamos da alegria que brota pelo perdão dos pecados, vida e salvação presenteados por ele. Amém.
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Bibliografia
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 50. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011. KOESTER, Helmut. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulus, 2005. v. 2.