Entrevista a Melchior Moreira, in Notícias de Penafiel

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NOTÍCIAS DE PENAFIEL | SEXTA-FEIRA, 9 JUNHO 2017

ENTREVISTA

Entrevista a Melchior Moreira Presidente do Turismo do Porto e Norte de Portugal

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sta semana o “Notícias de Penafiel” entrevistou o Presidente do Turismo do Porto e Norte de Portugal. Melchior Ribeiro Pereira Moreira, 53 anos, é licenciado em Educação Física e é detentor do curso do Magistério Público. Foi Deputado na X Legislatura e Membro Suplente do Conselho de Administração da Assembleia da República, Deputado à Assembleia da República na VI, VIII e IX Legislatura, Presidente da Comissão Instaladora da Entidade Regional de Turismo Porto e Norte de Portugal e Presidente da Região de Turismo Douro Sul. O Norte continua a ser o porto de abrigo, a ligação à montanha, ao campo e ao mar da qual não prescinde sempre que precisa de tomar grandes decisões. Apreciador e praticante nato de desportos tem gostos muito diversificados. Se o futebol e o ciclismo lhe preenchem as medidas a verdade é que também não resiste a uma boa partida de ténis ou mesmo de ping-pong. Não gosta de canela, nem é apreciador de orégãos. De resto, toda a tradicional gastronomia portuguesa, principalmente os pratos típicos do Norte, lhe pode ser colocada à mesa, sem excluir os vinhos e as sobremesas. Conciliador por natureza, irrita-se com a incompetência e a mesquinhez da mesma forma que valoriza a frontalidade e a honestidade. Pela natureza do cargo que ocupa faz milhares de quilómetros por mês o que o torna um ouvinte muito seletivo consoante os estados de espirito. Aprecia a boa música, sem ser eclético nos estilos, mas também uma boa conversa. Espetador atento e leitor diário dos principais títulos da imprensa nacional, não dispensa a consulta matinal, antes de começar o dia, da banca de jornais online. Reconhece que tem motivos para se sentir orgulho do desempenho da Região e do trabalho de formiga que a Entidade a que preside tem vindo

a fazer nos últimos anos numa estreita ligação, sempre, com os parceiros públicos e privados. Admite que a conjuntura global do turismo também tem soprado a favor mas defende que sem estratégia e sem planeamento não seria possível chegar até aqui sem deixar de alertar para a necessidade de sustentar este crescimento. Que balanço faz da última década no respeitante à evolução do turismo no Norte de Portugal? O comportamento do fenómeno turístico no Norte de Portugal na última década é retumbante, podendo mesmo comparar-se a uma revolução económica. Bastará observar que a procura de alojamento turístico aumentou cerca de 79% entre 2006 e 2016 e que, paralelamente, esta atividade sofreu uma valorização sem precedentes, espelhada no aumento exponencial dos proveitos de aposento que cresceram cerca de 198% no mesmo período. A alavancar esta transformação está o investimento e a modernização em infraestruturas essenciais de captação de trânsitos e mobilidade como o Aeroporto Francisco Sá Carneiro, que viu o número de passageiros desembarcados aumentar 183%

durante o mesmo intervalo de tempo. Mas o crescimento do fenómeno turístico expande-se para outras atividades que tiram partido de condições exclusivas e únicas de operação, designadamente do sistema de eclusagem montando no rio Douro que permite vencer um desnível de 125 metros e tornar esta via fluvial navegável ao longo de 108 km, desde a foz até à fronteira, com condições de operabilidade diurna e noturna. Estas condições são geradoras de oportunidades também no domínio turístico ao permitirem novas formas de mobilidade que se expandem para um interland de elevado valor patrimonial, como é o caso do Alto Douro Vinhateiro, permitindo a fusão de segmentos de mercado, os cruzeiros fluviais e o enoturismo, num cenário único que une o rio aos socalcos de vinha. Também esta atividade exterioriza o dinamismo do turismo na região ao revelar números impressivos de crescimento do número de passageiros (turistas) entre 2006 e 2016 na ordem dos 480%. Existe margem para crescer muito mais? Existe com certeza. O destino do Porto e Norte de Portugal

não é ainda um destino maduro. Atravessa um momento de grande crescimento e podemos apontar alguns indicadores que nos mostram que existe uma folga considerável para que esta evolução seja ainda crescente, designadamente através do indicador da taxa de ocupação quarto, que rondou em 2016, 61%, o que significa que, em média, na região existe uma oportunidade potencial de ocupação que ronda os 39% de oferta de quartos. Outro indicador é o da estada média que corresponde a cerca de 1.8 noites, quando nos destinos mais maduros, como Lisboa e o Algarve, é de 2.3 e 4.5 noites, respetivamente. O indicador da estada média mostra-nos que existe ainda uma margem de crescimento considerável da permanência média que pode ser alcançada através de novas formulações turísticas do lado da oferta que conjugam e articulam os diferentes subdestinos. Os dados revelam que, aproximadamente, 42% das dormidas estão concentradas no Porto, o que denota um elevado potencial de alastramento do fenómeno para zonas de maior opacidade turística. Mas a re-

gião tem do lado da procura também enormes oportunidades. Desde logo porque pode ainda expandir a sua procura nos mercados internacionais, que representam atualmente cerca 55% da procura total. Quando comparada esta relação com Lisboa, que capta 75% das suas dormidas nos mercados internacionais, podemos antecipar uma evolução muito positiva. Adicionalmente, se levarmos em linha de conta que cerca de 61% da procura externa é proveniente de 7 países emissores europeus, o que denota alguma concentração de mercados, fruto do fator mobilidade que é garantido pela proximidade territorial mas também porque 93% das ligações aéreas diretas ao Aeroporto Francisco Sá Carneiro estão no espaço europeu, podemos concluir que existe uma margem elevada de expansão de mercados, designadamente a partir do continente americano, asiático e da Oceânia. Os concelhos do Norte de País apresentam um crescimento homogéneo ou esse crescimento faz-se a diferentes velocidades? O fenómeno turístico tem, em qualquer parte do mundo um impacto territorial assimétrico, e para isso concorrem vários fatores como o estádio de desenvolvimento das economias regionais e locais, as oportunidades de acessibilidade e mobilidade, a profusão e as caraterísticas de determinado tipo de recursos (e.g. praias), entre vários outros determinantes. Por isso, a região Norte não está imune ao impacto dos fatores enunciados. De resto, se olharmos para o país, ele tende a apresentar uma assimetria marcada entre o litoral e o interior e entre zonas de elevada concentração demográfica e económica e zonas de baixa densidade. Isso não significa que as zonas mais periféricas em termos de desenvolvimento turístico tenham menor potencial ou que a TPNP esteja


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a privilegiar as zonas que têm maior notoriedade turística. Pelo contrário. Temos vindo a implementar medidas que visam aumentar as simetrias e a articulação e complementaridade de ofertas em toda a região. Os resultados provam-no. O consumo turístico no Porto cresce exponencialmente, mas reparte com toda a restante região em percentagem cada vez maior. A variação mais recente da procura turística revela-nos taxas de crescimento dos sub-destinos Minho, Trás-os-Montes e Douro acima do sub-destino Porto. A marca Rota do Românico é uma das marcas mais fortes no turismo do Norte de Portugal. Concorda com esta afirmação? A Rota do Românico é, sem dúvida, um ativo valioso da oferta patrimonial do destino Porto e Norte de Portugal, mas também de Portugal. Esta rota congrega um espólio patrimonial disperso por 12 municípios do Norte de Portugal (supramunicipal) e conecta-os, conferindo inteligibilidade e contextualização histórica e artística ao estilo românico e assegurando a espessura económica necessária para transformar esta oferta patrimonial em produto turístico. Refiro-me em particular à oferta de alojamento, à restauração, entre outras atividades que suportam o fenómeno turístico e que geram valor acrescentado para a região. Por outro lado, a Rota do Românico tem sabido integrar-se num contexto europeu, em particular através da rede Transomanica, que congrega as rotas europeias do românico, potenciando assim a internacionalização destes espaços mais periféricos e de todo o destino Porto e Norte Portugal, e contribui para alavancar práticas turísticas em contraciclo sazonal. Seria possível e desejável promover os concelhos da região do Tâmega e Sousa diretamente no Porto, no aeroporto, hotéis p.e.? Com certeza que sim. Faz todo o sentido promover no principal polo captor de mercado turístico do Norte de Portugal, onde existe um potencial de

disseminação da procura muito elevado não apenas pelas condições de mobilidade e ligações que o Porto apresenta, mas também pela dimensão das estruturas produtivas que alimentam o turismo nesta cidade e que necessitam de encontrar fórmulas de sustentabilidade e acrescentar valor à experiência turística a partir de ativos turísticos que estão na região mas fora do Porto. Esta possibilidade de articulação de ofertas com o Porto permite ambicionar o alargamento da permanência média e atenuar a amplitude sazonal que ainda é elevada nos polos mais periféricos. Há já um grande trabalho de promoção que a CIM do Tâmega e Sousa tem vindo a desenvolver na Loja Interativa de Turismo do Aeroporto assim como no Porto Welcome Center que tem valorizado muito os municípios que a integram. Tenho a sensação que a promoção turística, atualmente, passa muito pela natureza, gastronomia. Pensa que chegou a fase de se avançar para outras áreas como, p.e. a história, “turismo militar”, com a criação de rotas que abarquem a história militar das regiões? Não concordo. É verdade que a gastronomia e a natureza são dois agregados da oferta essenciais que distinguem

ENTREVISTA o Norte de Portugal e um exemplar dessa oferta única, não apenas no Norte, mas em Portugal, é justamente o Parque Nacional da Peneda Gerês. Mas, é importante que avalie o espólio de publicações que a TPNP tem vindo a publicar para perceber que temos vindo a ter uma ação decisiva no combate às assimetrias. Devo salientar que esta decisão não visa uma segregação positiva do território e dos recursos mais periféricos face ao Porto. Não de todo. Promovemos esta oferta porque tem um valor intrínseco muito elevado, e ela surge precisamente em grande abundância em franjas do território e zonas de baixa densidade. Posso dar-lhe alguns exemplos como as brochuras “Aldeias a Norte de Portugal”, “Monumentos Norte de Portugal”, “Castelos Norte de Portugal”, “Festas e Romarias” e “Minas e Geologia”, apenas para citar alguns dos documentos que promovem a região. A área do Tâmega e Sousa, e concretamente Penafiel, estão a aproveitar bem o seu potencial turístico? É possível fazer mais e melhor? Citou o exemplo da Rota do Românico, que consideramos um exemplo de valorização inteligente do nosso legado, mas também uma fórmula de estruturação da oferta que nos

permite estabelecer elos de conectividade com o mundo e espaços de integração de identidades comuns. Este esforço, permite sobrepor à identidade comum que é o estilo românico as diferenças de cada espaço, fator que é essencial para nos afirmamos nos mercados e podermos concorrer e competir. Adicionalmente, o aproveitamento do potencial de Penafiel num plano supramunicipal permite-lhe beneficiar de um nível de compromisso dos diferentes agentes económicos que operam fora do município de Penafiel, mas que são essenciais para o complementar. Mais uma vez, o exemplo da Rota do Românico é um bom exemplo, mas poderia citar o Porto, novamente, com o aeroporto, ou outros exemplos. Outro domínio onde Penafiel tem vindo a afirmar-se é, justamente, no enoturismo. Neste caso, a internacionalização das marcas produtoras de vinho, como a Quinta da Aveleda, carreia oportunidades no plano turístico tremendas. De resto, a afirmação de uma identidade “Douro Verde”, que é um silogismo muito interessante que incorpora a ideia do rio, do vinho verde e ainda do Douro como um espaço de produção de vinho, ganha, na nossa opinião, uma oportunidade crescente, porque ao contrário do que se poderá pensar não gera ruturas, mas estabelece pontes e simultaneamente estimula a cooperação entre os setores económicos mais dinâmicos. Penafiel, concretamente, viu crescer o número de dormidas entre 2006 e 2015 (último ano disponível), 378%, uma evolução exponencial. Entre 2013 e 2015, as dormidas de Penafiel cresceram a uma média anual de 46%, o que nos faz supor que esta tendência não é conjuntural, mas sim estrutural. Penafiel está, gradualmente, a afirmar-se turisticamente. Quanto à segunda pergunta, se é possível fazer melhor, devo responder que sim. Bastará observar a quota de mercado de Penafiel em termos de dormidas no total do destino Porto e Norte, apenas 0.75%, e que é possível melhorar substancialmente a notoriedade externa, tendo em conta que os mercados internacionais geram

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apenas 24% das dormidas do concelho. Estou em crer que as diferentes regiões do país tinham a ganhar em juntar sinergias, o turista que visita o Norte deve receber, aqui, informações sobre o produto turístico do Centro e Sul e vice-versa. Concorda com esta visão? Isso está a ser feito? A gestão das marcas territoriais e o complexo institucional instalado não deve confundir-se com uma ideia de enclave, reduto ou bolha. O turismo é um fenómeno migratório e de mobilidade humana que deve estar regulado por razões de segurança, saúde e outras, mas não amarrado às delimitações regionais que têm como função valorizar e promover os territórios. O nosso papel não é o de servir de garrote ao desenvolvimento ou inibidor à circulação de pessoas. Antes pelo contrário. Um bom exemplo é o das acessibilidades e infraestruturas que facilitam a mobilidade dos turistas. As infraestruturas aeroportuárias do Porto, de Lisboa, e do Algarve, apenas para citar as que estão no continente servem toda e qualquer região do país. Um bom exemplo são os programas de cruzeiros no rio Douro. Sabia que uma parte relevante dos programas de cruzeiros para este rio têm como porta de entrada Lisboa e que os pacotes de cruzeiros, que assumem como nuclear e central a navegabilidade no rio Douro, acrescentam valor à sua programação interconectando elos da oferta estratégicos desde Lisboa até ao Porto e Vila Nova de Gaia. Sabia que um dos mercados que está a crescer mais no Norte de Portugal é o brasileiro, que como porta de entrada Lisboa, um hub aeroportuário estratégico para Portugal nas relações com os países da lusofonia. Também não existem fronteiras para a cooperação interinstitucional. Os territórios não são espaços amorfos. Há identidades que se intersetam. Um bom exemplo é o Rota das Judiarias onde estão representadas as cinco áreas regionais de turismo do país, desde o Porto e Norte de Portugal até ao Algarve


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