A História do Porto de Setúbal

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Porto de Setúbal

Um actor de desenvolvimento História de um passado com futuro

Maria da Conceição Quintas


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Título Porto de Setúbal: Um actor de desenvolvimento Autora Maria da Conceição Quintas Fotógrafos João Silveira Ramos, Nuno Paulo e Pedro Narra Editora APSS - Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra, S.A. Praça da República 2904-508 SETÚBAL Telefone: 265 542 000 Fax 265 230 992 e-mail: geral@portodesetubal.pt www.portodesetubal.pt Concepção Gráfica N design_integrado Paginação Jorge Matias Impressão Fernandes e Terceiro Depósito Legal nº 201798/03 ISBN 972-98426-6-3 Capa O Porto de Setúbal, inauguração das obras, 1934


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• A Carta de Portugal e do Algarve, gravada em chapa de cobre e colorida à mão, no séc. XVII. Reprodução da 1ª Carta de Portugal, impressa em Roma no ano de 1560, desenhada pelo cartógrafo Fernando Álvares Seco. Era acompanhada de um texto, no qual Setúbal é considerado o primeiro porto nacional: “Le Royaume de Portugal a plusieurs ports de mer fort renommés; le prémier desquels est Setúbal(...)”


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Um actor de desenvolvimento História de um passado com futuro

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• “Cittá di Setuval, ó S. Ubes, Nel Portugallo”, Del P. Cosmógrafo Coronelli, finais do século XVII (1689?), colecção particular de Madureira Lopes


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• Nesta página e na seguinte: Consumada a elevação da vila de Setúbal a cidade em 1860, surgiram vários esboços para a elaboração do Brasão de Armas da cidade de Setúbal. Apresentamos dois exemplos apenas pela sua originalidade

Índice temático Prefácio

- pag. 15

Nótula Introdutória - pag. 17 Introdução - pag. 23 Do mar nasce a vida

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Capítulo I - pag. 39 Porto de Setúbal: génese e crescimento Um projecto portuário que vai tomando forma Inserção geográfica - pag. 47 A Arrábida Do litoral ao porto A enseada de Setúbal

Da barra ao porto e ao aglomerado urbano - pag. 50 O concelho de Setúbal Localização do Porto de Setúbal Os Trapiches de Setúbal Setúbal: o abraço entre o mar e a terra

Melhoramentos e ampliação do porto - pag. 62 Até finais do século XIX No dealbar do século XX Gestão de âmbito nacional Intervenção do poder central Efectivação das obras

Movimento do porto - pag. 76 Movimento de mercadorias e de navios

Canais artificiais: projectos não realizados - pag. 79 Autoridade Marítima - pag. 85 Capitania do Porto de Setúbal Polícia marítima Pilotos da Barra de Setúbal Alfândega de Setúbal

A defesa do Porto de Setúbal - pag. 91

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Capítulo II - pag. 103 Fases de desenvolvimento: de Porto Industrial a Porto Comercial Instalações portuárias e seu funcionamento a partir dos anos 30 do século XX Enquadramento político-administrativo - pag. 107 Criação e funcionamento da Junta Autónoma Direcção Técnica Tarifas Alfandegárias Relações com outras entidades Criação e funcionamento da APSS e da APSS, SA

Melhoramentos e ampliações do porto a partir de 1930 - pag. 131 As primeiras grandes obras do porto Estudos realizados depois de 1938 Obras novas Obras de conservação, de reparação e de reconversão Equipamento portuário Linhas-férreas

Movimento do porto a partir de 1934 - pag. 151 Movimento de mercadorias e de navios A pesca Ajudas à navegação

Envolvente económico-social - pag. 171 Agências de Navegação: Organização empresarial Mão-de-obra portuária

De Porto Industrial a Porto Comercial - pag. 179 Evolução e investimento na modernidade Cais de acostagem Terminal Multiusos e Plataforma Multimodal

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Capítulo III - pag. 189 A Terra e o Mar Importância do porto nas actividades da população A Agricultura - pag. 193 A laranja de Setúbal Os vinhos da região Outras actividades agro-pecuárias

O sal de Setúbal - pag. 198 Exploração do sal na região de Setúbal As técnicas usadas em Setúbal Comércio e indústria do sal

A Pesca - pag. 206 As condições do porto e a indústria da pesca A faina da pesca da sardinha Importância do “aparelho” de pesca Pesca fluvial Armações fixas “Aparelhos” de rede envolvente de “cerco volante” Importância da pesca na economia local Política de pescas em Setúbal

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Capítulo IV - pag. 227 A indústria e o comércio O Porto de Setúbal e o desenvolvimento do aglomerado urbano Indústria conserveira - pag. 231 Papel do núcleo setubalense O capital e a mão-de-obra franceses

Cimentos - pag. 237 SECIL

Construção Naval - pag. 240 Dos primórdios ao século XIX O século XX Setenave/Lisnave

Adubos - pag. 245 SAPEC Dinâmica constante de progresso e de evolução

A indústria da pasta e do papel - pag. 248 Grupo Portucel

Indústria automóvel - pag. 250 Actividade comercial - pag. 253 I Exposição Regional de Setúbal - pag. 256 Nova imagem económica da região Preparação da Exposição Regional de Setúbal O novo paradigma económico Inauguração da Exposição O pavilhão de Setúbal Projecção para o exterior Projecto económico para o distrito de Setúbal

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Capítulo V - pag. 271 Vivência e vivências do povo setubalense Ligação entre o mar e a terra através do porto, rumo ao futuro Turismo - pag. 275 Actividades religiosas e desportos no rio - pag. 285 Romarias, procissões e festas populares Obras do Apostolado do Mar: Stella Maris Clube Naval Setubalense

Defesa do ambiente - pag. 302 Parque Natural da Arrábida Sistema de Informação sobre o Património Natural Arquitectura existente neste espaço Acções desenvolvidas Turismo de Natureza no Parque Natural da Arrábida Modalidades de Turismo de Natureza no PNA Aspectos a potencializar no PNA Reserva Natural do Estuário do Sado Moinho de Marés (Mourisca) Actividades dinamizadas pelo Porto de Setúbal Actividades dinamizadas pelas empresas O sistema de gestão ambiental ISO14001

Conclusão - pag. 320 Cronologia - pag. 327 Siglas - pag. 338 Bibliografia - pag. 340

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• Doca de Setúbal, óleo sobre tela da autoria de João Vaz (1859 - 1931), Museu de Marinha


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Prefácio Congratula-se a Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra, com o facto de poder contribuir com esta obra que, para além de dar a conhecer a história do nosso Porto, vem enriquecer, em muito, o património cultural desta região. Era uma lacuna que se tornava imperativo preencher. Desde as épocas mais remotas, tem o Porto de Setúbal sido palco de intensa actividade comercial, onde, ao longo do rio Sado e no seu estuário, foram vistos nascer ancoradouros e cais, mostrando a sua história que existiram sempre e nas diferentes conjunturas do tempo as respostas a dar aos problemas concretos. As obras e os equipamentos, tecnologicamente avançados, com que foi sendo dotado, permitiram que o Porto de Setúbal fosse ganhando protagonismo crescente, estando hoje colocado nos primeiros lugares, a nível nacional, no movimento portuário em alguns segmentos de mercado. É um trabalho notável da Profª Doutora Maria da Conceição Quintas, autora de várias obras sobre Setúbal e a sua região, com crédito indiscutível nesta matéria e cujo excelente resultado foi baseado numa exaustiva investigação que, com o rigôr e o método que a caracterizam, tornaram este livro, para além de constituir um registo de informação sólido e coerente, numa obra de grande importância cultural. Sabendo-se que as raízes da cidade de Setúbal estão no seu rio, este livro evidencia também o importante papel que o Porto de Setúbal, desde sempre, desempenhou na afirmação da cidade e da região, bem como o seu contributo para melhorar as condições de vida das populações, tornando-se legítimo identificar o Porto de Setúbal como o principal actor e agente dinamizador do progresso. Esta obra é também um momento de reflexão, um olhar para trás, onde se pode mergulhar na beleza das suas imagens, cheias de luz e de cor, onde o azul do rio dá brilho e forma ao rigôr das palavras. Um olhar para trás mas que pode bem ser um regresso ao futuro, ou seja, um passado com futuro. Se há porto em Portugal que pelas suas condições naturais específicas, tem condições para sobreviver e para expandir-se através de uma plena integração logística e económica com a envolvente, o Porto de Setúbal é, de entre todos, o mais promissor. Ao finalizar desejo também agradecer a todos aqueles que contribuiram com o seu espólio e o seu saber para melhorar a qualidade desta obra, deixando ainda uma palavra de apreço a todos os trabalhadores do Porto de Setúbal. Temos consciência que estamos hoje a fruir daquilo que outros no passado construiram e que amanhã outros fruirão daquilo que nós formos agora capazes de construir. Duarte Silvestre Amândio Presidente do Conselho de Administração da APSS, SA

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• “Setúbal, St. Hubes”, do livro Scenery of Portugal et Spain, da autoria de G. Vivien Esq. Re on, Stone, 1839, Litografia colorida, colecção particular de Madureira Lopes • Na página seguinte: Fotografia aérea da feitoria fenícia e olaria romana de Abul (segundo F. Mayet e C. Tavares da Silva, 2000). Durante o século VII e a primeira metade do século VI a. C. existiu em Abul, na margem direita do peleo-estuário do Sado, entre Alcácer do Sal e Setúbal, um estabelecimento comercial de fundação fenícia, cujo palácio-feitoria foi posto a descoberto nos anos 90 do século XX por escavações dirigidas por Carlos Tavares da Silva (Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal) e Françoise Mayet (Missão Arqueológica Francesa em Portugal - C.N.R.S.). Após a ocupação humana do período fenício, o local ficou abandonado durante mais de cinco séculos, para voltar a ser ocupado durante a época romana, entre o século I e o século III d. C., como olaria onde se produziram ânforas destinadas à embalagem de preparados de peixe fabricados no complexo industrial de Setúbal -Tróia. Fotografia e texto cedidos pelo Dr. Carlos Tavares da Silva (Director do Centro de Estudos Arqueológicos do MAEDS)


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Nótula Introdutória Por estranho que pareça, esta nótula introdutória é, antes, uma nota conclusiva, um posfácio, uma vez que não é possível agradecer a quem quer que seja a colaboração para um escrito, sem, primeiramente, produzir o texto. Escrevemo-lo, logicamente, no final da conclusão. Pensámos e repensámos o assunto e concluímos que, assim, este momento tão importante do nosso sentimento para com o grupo, ou antes, os grupos e as pessoas que, tão pronta, desinteressada e amavelmente se disponibilizaram para nos ajudar a colher a informação tão necessária à produção científica e honesta do livro, ficaria, aos olhos do leitor, embora não aos nossos, inferiorizada. Cortámo-la e colocámo-la no final da introdução. Mas também não. Era como que um apêndice colocado um pouco “à pressão”, como que por obrigação. Nós não queríamos que tal acontecesse, porque experimentamos uma enorme gratidão para com todas as pessoas com quem contactámos durante a fase de pesquisa. É nosso hábito expressar este sentimento quando escrevemos o prefácio que, neste caso, muito merecidamente, pertence ao responsável máximo da APSS, SA no momento em que se processa a publicação. Optámos, portanto por “criar” uma nótula introdutória e explicar a causa da nossa decisão. Assim, embora esta manifestação pública do nosso sentimento anteceda o texto fundamental da obra, cuja responsabilidade científica assumimos na íntegra, não podemos deixar de agradecer, desde já, ao Conselho de Administração da APSS, SA pela disponibilidade manifestada para a realização do trabalho e aos funcionários desta empresa pela atenção e pela ajuda na recolha de documentos escritos, orais e de imagens, pelo trabalho de fotografia e de digitalização, nomeadamente do Paulo e do Nuno, enfim, pela colaboração em todas as áreas em que solicitámos apoio. Não quero, no entanto, deixar de salientar a cooperação da Dra. Fátima Évora, Chefe de Departamento de Imagem e Documentação da APSS, S.A., sempre disposta a acompanhar-nos na pesquisa de documentos e de imagens, que tão útil nos foi. Dada a extensão de uma hipotética lista de reconhecimentos nominais, decidimos agradecer apenas na generalidade a todas as pessoas que connosco colaboraram cedendo informações, imagens e documentos vários, nomeadamente os responsáveis pelas instituições por nós contactadas. Abrimos, no entanto, três excepções pela colaboração mais directa na produção deste trabalho: José Manuel Madureira Lopes que disponibilizou a sua biblioteca e o seu “museu” sobre Setúbal, Dr. Carlos Tavares da Silva que dispensou a fotografia aérea da feitoria fenícia e olaria romana de Abul e escreveu a legenda que a acompanha e Professor Doutor José Manuel D’Encarnação que cedeu a imagem e escreveu a respectiva legenda da lápide romana que ostenta uma ânfora e um pote, símbolo das actividades industrial e comercial que, já então, se exerciam no porto de Setúbal. Maria da Conceição Quintas

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• Não poderia o Porto de Setúbal estar dissociado, ao tempo dos Romanos, do que se passava na vizinha Tróia, do outro lado do rio. E, decerto, muita da actividade fabril e comercial tocava ambas as margens. O epitáfio que a figura mostra, mandado lavrar em memória de um homem com 60 anos, ostenta como decoração gravada dois objectos, passíveis de ser interpretados como símbolo da profissão exercida pelo defunto: fabricante ou utilizador. Numa ou noutra função, esses “contentores” implicam a intervenção portuária, nomeadamente na exportação, pois quer se pretenda referir o conteúdo quer o recipiente propriamente dito, ânforas, preparados de peixe, vinho, azeite terão sido mercadoria frequente no estuário do Sado durante a época romana. Foto de Guilherme Cardoso Texto do Prof. Doutor José D’Encarnação (Professor Catedrático da Universidade de Coimbra)


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Nas páginas seguintes: • Pormenor da cópia do globo terrestre de Martins Behaim’ Erdaptel (Martin da Boémia), 1492, Museu da Marinha. O original encontra-se num dos museus de Nuremberga, Alemanha • Ruínas de Tróia, postal ilustrado, s.d., colecção particular de Madureira Lopes • Excerto de folha de papel timbrado, Sociedade Archeologica Lusitana, finais do século XIX, Arquivo Distrital de Setúbal


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• Vista geral de Setúbal, Pierre Baldi, 1668, extraído do livro Viagens de Cosme de Médicis por España y Portugal, 1668-1669, editado e anotado por Angel Sanches Rivero, colecção particular de Madureira Lopes • “Vendedeira de Melancias”, Setúbal, 1814, extraído do livro de H. L’Evéque, Costume of Portugal, 1814, colecção particular de Madureira Lopes


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Introdução Le presunción - y para muchos certeza - de que América hallábase descubierta por los portugueses antes del viaje de Clón, es un hecho conocido por los americanistas, acerca del cual no hemos de insistir [...] porque sobre él tenemos un trabajo en preparación en donde sostendremos nuestra convicción de que, en efecto, Portugal tenia un conocimiento seguro de la existência de tierras occidentales al otro lado del Oceano Atlântico. Henrique de Gandía1

Do mar nasce a vida Quando, sobre o planeta Terra, surgiram seres dotados de inteligência, de imediato se manifestou o desejo de comunicar e de utilizar meios de transporte que facilitassem essa comunicação. Foram os animais, os paus que rolavam sob tábuas, as jangadas, as canoas, os veículos dotados de rodas, enfim, tudo aquilo que permitisse transportar os humanos e mover, de um lado para outro, os artigos de que eles necessitavam para melhor viverem no mundo em que haviam nascido. A água era, então, a maior atracção porque podia levar as pessoas a terras desconhecidas. Surgiram os barcos, os remos, as velas, as artes de marear e, finalmente, o motor que veio revolucionar todo o processo relativo aos transportes marítimos, terrestres e, mais tarde, aéreos. Esta evolução pode ser encarada sob dois ângulos fundamentais: o tecnológico, ou seja, o da descrição explicativa dos diferentes tipos ou processos usados para vencer as distâncias, e o económico, ou seja, o da influência da relação entre a distância e o meio de transporte, na compreensão da formação dos espaços geoeconómicos. Desde a Pré-história que se conhecem viagens terrestres, fluviais e marítimas realizadas pelos vários povos cuja história sabemos, através de relatos de guerras e de actividades comerciais que, então, desenvolviam. Mais tarde, muitos deles chegaram até nós e por aqui se estabeleceram, ou apenas aproveitaram as nossas riquezas, especialmente do subsolo ibérico. Foram muitos, nomeadamente

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Henrique de Gandía, “Antecedentes diplomáticos de la Expedicion de Juan Diaz de Solis”, Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, nos 9 e 10, 53ª série, Setembro e Outubro, Lisboa, 1935. p. 346.

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• Visitação da Vila de Setúbal, 1ª página, 1533. Visitadores: António Dias, Cavaleiro da Ordem de Santiago e Gomes Pires, Prior da Messejana, Escrivão: Fernão Viegas, Torre do Tombo.

os fenícios e os romanos, os que chegaram por via marítima. Os lugares então escolhidos para as actividades comerciais eram, normalmente, os estuários dos rios e as baías, não muito afectados pelas marés, aproveitando, assim, as condições naturais dos abrigos, denominados portos, cujo significado é, exactamente, local de abrigo e ancoradouro de navios. No século XV chegou a vez dos portugueses se lançarem em busca de novas terras e rumaram a Ceuta, que serviria de base de partida para a exploração da costa africana. O objectivo era a Índia com suas riquezas, mas muitos outros “mares nunca dantes navegados” foram sulcados pelas embarcações portuguesas que atravessaram o Oceano Atlântico e descobriram novas terras num novo continente que veio a chamar-se de continente americano. O Brasil foi “tocado” por portugueses, mesmo antes de ter sido reconhecido o seu descobrimento, tal como algumas terras da parte Norte deste continente. Henrique de Gandía confirmava-o no seu artigo “Antecedentes diplomáticos de la Expedicion de Juan Diaz de Solis”2, no qual afirmava que as expedições clandestinas ao Novo Mundo começaram em Portugal antes do descobrimento da América, de modo a não serem conhecidas dos monarcas espanhóis. De todas as partes do mundo vinham inúmeras riquezas, como referia, ainda em 1935, o Dr Armando Soeiro: “São especiarias capitosas, pérolas sem igual, maravilhas de oiro, despojos infinitos. A riqueza e o luxo enchem o mundo. Os diamantes de Bisnagar, as safiras de Pegú, as pérolas de Bornéo e de Ceilão, os leques da China, os tecidos da Pérsia, os damascos e sedas da China, as armas ricas, as porcelanas de nome, tudo isso a gente possui numa prodigalidade sem fim”3. O império português perde importância, outros se lhe seguem até que surge o século XIX e, com ele, a Revolução Industrial e consequente revolução dos transportes, com especial realce para a rede ferroviária e para a navegação fluvial e marítima. Procede-se ao reequacionamento dos espaços destinados a ancoradouros, face às novas dimensões das embarcações. Surge a necessidade de realização de obras nos portos que continuavam sem condições propícias às novas exigências da navegação. Setúbal pre-

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Idem, ibidem, p. 337 a 345. Dr Armando Soeiro, “Orgulho-me de ser português”, Idem, ibidem, p. 361 a 378.

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cisava apenas de obras, porque o local em que se instalara continuava a ser um dos melhores portos de abrigo e ancoradouro do nosso país. A atenção que sempre incidiu sobre o Porto de Setúbal deveu-se, fundamentalmente, a duas grandes razões, para além da sua situação privilegiada. A primeira refere-se à proximidade e à similaridade com Lisboa, enquanto que a segunda tem muito a ver com as condições que desencadearam, na região em que este se integra, um processo imparável de crescimento económico, a que não foram alheias as condições naturais que envolvem a povoação a que, D. Paio Peres Correia, Mestre da Ordem de Santiago, concedeu foral em 1249, data que sempre foi considerada como sendo o início legal do aglomerado urbano de Setúbal, nomeadamente da funcionalidade comercial do porto que sempre a serviu e esteve na base do seu nascimento e do seu desenvolvimento. No entanto, pesquisando na Torre do Tombo, em busca de documentos que ilustrassem a importância do pequeno burgo junto ao Sado, encontrámos, num livro de traslados, a informação de que nele se achava transcrito o foral concedido por D. Afonso Henriques à vila de Setúbal, assim como uma doação de D. Sancho à mesma povoação, entre outros, como, aliás, se pode ler no extracto do documento que apresentamos em fac-simile, na página seguinte. Será que algo de novo surgirá sobre a história desta cidade? É o que tentaremos saber logo que tenhamos disponibilidade de tempo. Assim, ao debruçarmo-nos sobre a História do Porto de Setúbal teremos que, de imediato, analisar a sua importância enquanto actor de desenvolvimento do aglomerado urbano que foi motor do seu crescimento, e, por seu turno, se desenvolveu por sua causa. Sem o porto, a cidade de Setúbal jamais existiria, pelo menos nos moldes em que nós a conhecemos. O mar e a terra amaram-se e desse amor brotou Setúbal, morena e robusta, alimentada pelo porto que com ela se formou e desenvolveu. Perante a sua beleza, as facilidades de comunicação que o porto fornecia, o mar e a serra, este local atraiu, desde sempre, os reis portugueses, dos quais salientaremos D. João II e, posteriormente, D. Manuel I que lhe conferiu Foral Novo no dia 27 de Junho de 1514. Mas, já em finais de 1457, D. Afonso V largara do Porto de Setúbal para o Algarve donde, no início do ano seguinte, partiu em demanda das terras de Alcácer Ceguer, quando o Porto de Lisboa se encontrava fechado por motivo de peste e, em 1505, a armada comandada por Tristão da Cunha saíra de Setúbal em direcção à Índia. A atestar a importância do Porto de Setúbal, encontramos no Livro de Regimentos da Caza da Tabola desta VilIa de Setubal, que contém também o texto do Foral de D. Manuel I, referência a isenção de imposto predial e de exploração da terra, uma vez que lhe seriam cobradas coimas específicas pelas actividades ali exercidas através do seu porto4. Poucos anos volvidos, D. João III atribuiu-lhe o título de “Notável Vila” (1525). Ao instalar-se em Portugal como seu monarca, D. Filipe II de Espanha sentiu necessidade de se proteger das investidas daqueles que tentavam recuperar a independência, nomeadamente por mar, e mandou construir, de imediato, a fortaleza de S. Filipe para protecção da barra e do Porto de Setúbal. O projecto foi entregue a Filipe Terzi, no ano de 1583. A Carta de Portugal e do Algarve, gravada em chapa de cobre e colorida à mão, no Século XVII, reprodução da 1ª Carta de Portugal, impres-

4

Livro dos Regimentos da Caza da Tabola desta Villa de Setubaal, que foram tresladados d’outro livro, que d’antes servia; e assy algumas Provizóes e Mandados do Conselho da Fazenda, e também tem o treslado do foral..., Núcleo Antigo da Torre do Tombo, nº 109.

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• Livro de Regimentos da Caza da Tabola desta villa de Setubal, que foram tresladados d’outro livro, que d’antes servia; a assy algumas Provizóes e Mandados do Conselho da Fazenda, e tambem tem o treslado do Foral, p. 1, 2, 3 e 12, Núcleo Antigo, 1781, Torre do Tombo.


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• Projecto da Fortaleza de S. Filipe, mandada edificar por D. Filipe II de Espanha, projectada por Filipe Terzi, 1583, Archivo General de Simancas, Espanha


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• Regras de Santiago com alguns capítulos dos cavaleiros da dita ordem, séculos XV e XVI, p. 1 e 25, Torre do Tombo.


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sa em Roma no ano de 1560, desenhada pelo cartógrafo Fernando Álvaro Seco, era acompanhada de um texto, no qual Setúbal é considerado o primeiro porto nacional: “Le Royaume de Portugal a plusieurs ports de mer fort renommez; le premier desquels est Setúbal[...]”5. Outros documentos do princípio do século XVII dizem que Setúbal é, ao lado de Tavira e depois de Lisboa, o maior porto do Sul. Aqui pescavam caravelas de nobres influentes a quem eram concedidas regalias a título de excepção e se encontram registadas em traslados de mandados do Conselho da Fazenda para se não tomarem caravelas durante o tempo da pescaria. Como exemplo citamos: “Conde de Miranda, do Conselho de Estado d’Elrey Nosso Senhor, Presidente da sua Fazenda e Governador do Porto da Villa, mando a vos Francisco Rebello Rodovalho Fidalgo da Casa de sua Magestade, Juiz da Tabolla Real da Villa de Setubal [...] que não consintais, que do porto da villa, nem de Cezimbra se lhe tomem as caravelas necessarias para as pescarias durante o tempo dellas [...], Mathias de Oliveira o fez em Lisboa a vinte e quatro de Maio de seiscentos e trinta e quatro anos, por assi se resolver no governo”6. No século XVIII, Frei Luiz de Sousa referia-se-lhe como “Huma das melhores, e mais ricas Villas do Reyno”7. Em 1807, aquando das invasões francesas, a vila sadina viu-se ocupada pelas tropas espanholas comandadas pelo General D. Francisco M. Solano Ortiz de Rosas, Marquês do Socorro que aqui estabeleceu a capital do reino atribuído a D. Manuel Godoy, pelo tratado de Fontainebleau. O “sonho” durou apenas três meses, pois, em Março de 1808, Setúbal foi ocupada pelos franceses8 que, numa perspectiva centralizadora, tentaram pôr em prática o projecto geognóstico dos arredores de Setúbal, que previa a abertura de um canal ligando o Tejo ao Sado9. Este projecto visava fomentar uma mais fácil ligação entre o Alentejo e Lisboa facilitando, assim, o transporte de mercadorias para a capital. Era um projecto centralizador mas, ao mesmo tempo, fomentador de desenvolvimento. Reconquistada a independência, este plano não foi abandonado. Ainda no século XIX técnicos e políticos tentaram pô-lo em prática, mas sem êxito. Situação idêntica voltou a verificar-se no século XX. Durante as lutas liberais, Setúbal esteve envolvida na guerra civil, havendo combates nos seus subúrbios em l833-l83410. Depois, acompanhando os vaivéns políticos, assistiu ao combate do Alto do Viso em 1847, ponto final das lutas civis começadas com a Maria da Fonte11. Após o sismo de 1858, que a destruiu parcialmente, a vila foi rapidamente reconstruída e entrou em franco progresso. Foi reactivada a exportação da laranja, do trigo e do arroz, embora a actividade salineira iniciasse um processo de decadência, lenta mas imparável. A indústria conserveira, que começara a laborar em Setúbal no ano de 185412, atraindo gentes do interior, ávidas de melhores salários, iniciou então uma curva ascendente. No ano seguinte processou-se a unificação dos concelhos de Azeitão, Palmela e Setúbal, sendo este o escolhido para sede da nova unidade administrativa13. Os políticos e os comerciantes mais influentes da vila começaram, desde logo, a pensar nos benefícios que conseguiriam se, depois da elevação de Setúbal a cidade, se viesse a criar 5

Carte de Portugal et de l’Algarbe, in Atlas de Janson e Hondius, de Amesterdão, cuja 1ª edição saiu em 1640-1641. Foi reproduzida no Atlas de Blaeu, 1660-1665, in p. 3 desta obra. 6 Treslado de hum mandado do Conselho da Fazenda para se não tomarem Caravelas durante o tempo da pescaria, p. 295 e 296, Torre do Tombo. 7 Frei Luiz de Sousa, História de S. Domingos, Lisboa, 1767, p. 395. 8 ADS (Arquivo Distrilal de Setúbal). FAC (Fundo Almeida Carvalho). 9 J. T. Michelotty, Defesa da Península ao Sul do Tejo - memória sobre a formação de um canal entre Setúbal e Lisboa..., Lisboa, A. P. de Azevedo, 1811, ADS, FAC, pasta 98. 10 ADS. FAC. 11 Epígrafe rememorativa do acontecimento existente no local. 12 Maria da Conceição Quintas, Setúbal, economia, sociedade e cultura operária, 1880-1930, Lisboa, Livros Horizonte, 1998, p. 87 e 88. 13 João Baptista de Casto, Annuario setubalense, commercial, industrial, burocratico e litterario para 1897, Setúbal, Tip. Mascarenhas, 1897, p. 5-7.

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um novo distrito ao Sul do Tejo, cuja capital ficaria instalada nesta povoação servida pelo precioso porto14. Em 14 de Abril de 1858, o presidente da Câmara, Dr. Aníbal Álvares da Silva, com o apoio de toda a vereação, dirigiu ao Rei, em nome dos setubalenses, uma petição a solicitar a elevação de Setúbal a cidade, face ao rápido crescimento económico da região, assim como à situação estratégica do seu porto, que prosperaria com a ligação à linha férrea do Sul. Assim, Setúbal poder-se-ia transformar no “empório da riqueza do Alentejo”15. D. Pedro V confirmou a “primazia de ser a povoação imediata em importância às primeiras cidades do reino” na Carta Patente que concedeu a categoria de cidade à vila de Setúbal, no dia 23 de Julho de 186016. Nesta mesma carta, o rei considerou justificado o pedido de urgência requerido pelo Município para a introdução de uma linha de vapores entre Lisboa e Setúbal, assim como a construção de uma via-férrea entre o Barreiro e esta cidade, inaugurada a 21 de Fevereiro de 1861. D. Pedro V, ao conceder a categoria de cidade à vila de Setúbal, possibilitava-lhe a fruição de “todas as prerrogativas, liberdades e franquezas que directamente lhe pertencerem”17. Neste contexto, “a jovem cidade renasce para o mundo despertando do seu antigo letargo ao sibilar das locomotivas e, como por encanto, abre os braços ao progresso”18, chegando a ser “terceira povoação do reino”19. Tal facto trouxe à cidade políticos que tentaram, ao longo dos anos, fazer valer os seus ideais e interesses, digladiando-se nos sucessivos actos eleitorais, em busca de cargos locais, regionais e mesmo nacionais. Os interesses dos grupos políticos que, sucessivamente, governaram o país, provocaram remodelações nos círculos eleitorais, e a região de Setúbal não ficou incólume, tal como o desenvolvimento dos seus portos. Desde o desmantelamento total do território eleitoral primitivo, à integração do concelho de Setúbal no círculo eleitoral de Lisboa, aqui se desenrolaram campanhas, se urdiram tramas políticas, se ganhou e se perdeu, mas sempre se viveu num clima de debate e de luta pelo progresso da cidade. Com a remodelação dos círculos eleitorais portugueses em 1895, Setúbal e os setubalenses sofreram rude golpe na sua identidade política e cultural. São sintomáticos os resultados das primeiras eleições para deputados neste mesmo ano, em que não apareceu uma personalidade que se identificasse com a região; a abstenção na cidade rondou os 90%, embora fosse menor nas zonas rurais. Mas o processo de crescimento iniciado em 1855, quando Palmela deixou de ser concelho e se integrou no município de Setúbal, e este aglomerado urbano foi elevado à categoria de cidade em 1860, continuou a ser uma realidade que culminou com a criação do distrito de Setúbal em 1926. A nova cidade, situada junto ao rio Sado, ostentava, nos arredores do interior, as suas quintas, donde emanava o perfume dos imensos laranjais aí plantados e que foram, conjuntamente com o sal e com a pesca, o principal motivo de desenvolvimento do aglomerado urbano e, consequentemente, do seu porto, tornando-os célebres no mundo. Para aproveitar ao máximo os benefícios da navegação, a vila, posteriormente cidade, desenvolveu-se ao longo da margem, alongada e pouco funda. As ruas principais desenhavam o contorno do litoral e as travessas eram estreitas, dividindo os quarteirões, de modo a poderem circu-

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Desejo que veio a concretizar-se em 1926. “14 de Abril de 1858, os setubalenses pedem a elevação da vila de Setúbal à categoria de cidade”, in Machado Pinto, Setúbal, cidade centenária, Setúbal, 1960, p. 32. 16 “Carta Patente dando classificação de cidade à vila de Setúbal”, in Machado Pinto, ob. cit., p. 38. 17 Idem, ibidem. 18 Correio de Setúbal, 1 de Julho de 1860, 1ª publicação. 19 Carlos Romeu Correia Mendes. Monografia do concelho de Setúbal, Lisboa, 1902, p. 6. 15

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• “O livro aberto” de que nos fala o Dr. Fernando Garcia. Perspectiva da vila de Setúbal vista da Casa do Trapiche do sítio de Tróia, dedicada à Sereníssima Senhora Infanta D. Isabel Maria, Regente de Portugal e Algarve, J. X. d’O. Banha, B. Comye, grav. Lisboa, 1827, Biblioteca Nacional

lar, no máximo duas pessoas lado a lado ou alguns animais que, com crianças e adultos, por elas vagueavam. As duas vias principais e mais extensas, as ruas da Praia (hoje Avenida Luísa Todi) e da Conceição (hoje Avenida 5 de Outubro) dispunham-se no sentido longitudinal, paralelamente ao Sado, como se de outros rios se tratasse. Desta cidade nos fala o Dr. Fernando Garcia, afamado clínico que se distinguiu também como escritor e jornalista, sob o pseudónimo de João Semana: “Imaginemos as folhas de um álbum, em que se inscrevesse na página esquerda, a planície pantanosa e assapalada povoada de juncos e de caniços, através da qual se escoavam em mil meandros as águas da bacia setubalense, e avançando sobre ela o promontório arenoso derivado das dunas de Este: uma espécie de Tróia desta margem; na página direita a cidade actual, recostando-se de um lado na veiga de laranjeiras, do outro na margem conquistada e vigorizada pelo aterro da Praia que, conjuntamente com o alargamento da Conceição e de S. Caetano cingem a casaria, como uma faixa dourada aos raios do sol. O observador que contemplasse estas duas páginas, abertas frente a frente, [poderia verificar que] aqui o homem criou um mundo novo, criou uma nova paisagem, criou mesmo uma nova geografia”20. Foi neste livro aberto, no estuário do Sado, que se viveram séculos e séculos de história, fruto da cumplicidade entre um ancoradouro e uma povoação, do enlace dos transportes marítimos com os terrestres, da força da natureza que criou neste lugar as condições necessárias para a existência de um porto que conseguiu ultrapassar a situação de simples zona de fundeadouro ou de atracadouro devidamente abrigada, de refúgio paradisíaco para as embarcações, para ser um pólo de desenvolvimento de um “hinterland” que abarca não apenas a península de Setúbal, mas toda a região Sul de Portugal. Criou-se, assim, uma estrutura portuária que evoluiu, que soube responder às exigências da denominada “revolução dos portos” que se verificou a partir do século XIX por todo o mundo. A maioria dos portos históricos foi adaptando-se às exigências da navegação que a eles acostava assim como à necessidade de conexão entre este tipo de transporte e o terrestre que para eles, ou deles, transportaria as mercadorias necessárias a todo o processo. O desen-

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• Extractos do Foral concedido a Setúbal por D. Manuel I em 1514. A capa é em couro e prata, Torre do Tombo.


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volvimento tecnológico e económico verificado na navegação, e nas sociedades, levou a que as estruturas portuárias necessitassem de actualização constante. Da descoberta da máquina a vapor à construção de navios de grande calado foi um passo. Urgia ter bons abrigos que os recebessem. Setúbal reunira, até então, todas as condições necessárias e requeridas. Mas, há sempre um mas, as águas da sua barra e do seu canal eram pouco profundas. Os assoreamentos e os deslastres dos navios que vinham carregar o sal levantavam imensos problemas à navegação. Suster ou contornar este problema e assegurar a ampliação das estruturas portuárias para responder às novas exigências náuticas foi, desde meados do século XIX, preocupação permanente dos governantes locais. Mas, só nos anos de 1920, com a criação da Junta Autónoma das Obras do Porto e Barra de Setúbal e do Rio Sado, o projecto foi implementado e, com ele, aconteceu o rápido desenvolvimento das actividades portuárias no estuário do Sado e da economia na cidade de Setúbal. O objectivo geral deste nosso trabalho é, portanto, estudar o Porto de Setúbal enquanto actor de desenvolvimento, tendo em conta o contexto geográfico e as estruturas, económica, social, política e cultural, então vigentes na região, em Portugal e mesmo na Europa. Para a sua consecução, forçoso se tornou definir a orientação metodológica a seguir na investigação, na organização temática e na produção final do texto, pelo que nos debruçaremos sobre os acontecimentos21, para “rever as periodizações globais tradicionais [...], aprofundar, no interior de um conjunto de dados de natureza diferente, quais os níveis em evolução rápida ou em transformação decisiva e quais os sectores de forte inércia, a médio ou longo prazos”22. Poder-se-á então perceber, analisar e tentar escrever a história daqueles que viveram em determinados espaço e tempo, dos agentes de desenvolvimento desses mesmos espaço e tempo, tendo em conta as diferenças existentes “entre eles e nós”23 sem esquecer a opinião dos que viveram os referidos acontecimentos24 e desenvolvimento. Os factos interpenetram-se; são, ao mesmo tempo, causa e consequência de si próprios, evidentemente moldados pelas condições naturais da região onde se exprimem e pela teia de ideias e de políticas que definem as estruturas vigentes25. Como seria possível estudar, por exemplo, o Porto de Setúbal sem, primeiramente, compreender as condições geográficas, o porquê do aparecimento deste aglomerado urbano, que mole humana aqui se instalou, como se organizou e como se exprimiu e ainda qual a sua importância para os governos local e central nos vários momentos que o sistema político-económico definiu? As condições geográficas e as características do Porto de Setúbal, semelhantes às do Porto de Lisboa, a proximidade da capital e o fácil acesso da região Sul a este aglomerado urbano, provocaram o seu rápido e pleno desenvolvimento. É toda esta dinâmica, esta inter-penetração entre civilizações e regiões, entre culturas e políticas, entre tecnologias e economias que se materializam num sistema de transportes marítimos e nas suas conexões nodais com as redes terrestres duma área económica bem definida, que nós tentaremos analisar neste trabalho de natureza historiográfica. O texto desenvolver-se-á em cinco capítulos que mostrarão as inserções geográfica, sócio-económica e política do Porto de Setúbal, assim

21

Acontecimento diferente dos preconizados pelos positivistas, como refere Pierre Nora em “O regresso do acontecimento”, Fazer história 1, Lisboa, Livraria Bertrand, 1977, p. 243 a 262. 22 François Furet, “O quantitativo em história”, Fazer História, ed. cit., p. 78. 23 Paul Veyne, “A história conceptualizante”, Fazer História 1, ob. cit., p. 107. 24 Leiamos, por exemplo, Jacques Ozouf, “A opinião pública: apologia das sondagens”, Fazer História 3, p. 237 a 253. 25 Sobre a importância das ideologias no evolver histórico de uma determinada região, leiamos, por exemplo, Georges Duby, “História social e ideologia das sociedades”, Fazer História 1, ob cit., p. 173 a 195.

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• Aguarela do Porto de Setúbal, S.A., s.d., APSS


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Na página seguinte: • Roazes corvineiros do Sado, também chamados golfinhos. Fotografados por Pedro Narra/Vertigem Azul

como a sua evolução no espaço e no tempo. No primeiro capítulo analisaremos o contexto geográfico, as condições climáticas e marítimas, a “baía” de Setúbal e a serra da Arrábida, a barra, o nascimento do porto, as várias etapas da sua história, os aterros sucessivos para a conquista de terrenos ao rio, as obras realizadas em várias épocas, até ao dealbar do século XX, e o desenrolar do seu movimento, sem esquecer as fases por que passou a sua defesa. Seguidamente, para o período de 1930 até à actualidade, focaremos o desenvolvimento do porto, nomeadamente o seu funcionamento e a sua evolução ao longo do século XX e no início do século XXI, o enquadramento político-administrativo, a envolvente económico-social, os melhoramentos e as ampliações do porto, o movimento de mercadorias e de navios, os principais produtos, as suas origens e os seus destinos, concluindo pela sua evolução de Porto Industrial a Porto Comercial. Numa terceira fase estudamos o sector primário que foi a base do crescimento da cidade e do porto, nomeadamente a agricultura, a extracção do sal e as actividades pesqueiras. As laranjas, o vinho, o sal e o peixe exportados através do Porto de Setúbal advinham do espaço ocupado pela povoação e pelos seus arredores, assim como do seu mar e do seu rio, e tiveram grande importância na economia nacional e na sua projecção na Europa e mesmo no mundo. No quarto capítulo debruçar-nos-emos sobre os sectores secundário e terciário, nomeadamente sobre a sua importância nas actividades portuárias. Analisaremos, embora sucintamente, conservas de peixe, cimentos, construção naval, produção de pasta e de papel, adubos, montagem de automóveis e actividade comercial, entre outras. Umas já desaparecidas, ou em decadência, como é o caso das conservas de peixe, outras em pleno florescimento. Por fim analisaremos a vida e as vivências da população, assim como as condições ambientais que lhe são proporcionadas, rumo ao futuro. As circunstâncias naturais, especialmente do porto, facilitaram a aquisição de matéria-prima com qualidade e com preços vantajosos. Esta situação provocou o nascimento e o crescimento da indústria de conservas de peixe, incrementada pela vinda de capital e de mão-de-obra franceses para o aglomerado urbano de Setúbal, abrindo novos mercados internacionais e provocando, consequentemente, o crescimento económico da região. Com o passar dos tempos, muitas outras indústrias aqui se instalaram, aproveitando as condições de excepção que este porto oferecia. Foi o caso dos cimentos, da construção naval, das fábricas de papel, do comércio das pirites e da produção de adubos, da montagem de automóveis, do desenvolvimento comercial e turístico, como já referimos. O Parque Natural da Arrábida e o Estuário do Sado deverão continuar a ser o pano de fundo para o desenvolvimento da região, que terá como principal actor o maravilhoso porto inserido no estuário cuja margem direita foi reconhecida internacionalmente como a mais bela baía do Mundo e que será sempre o abrigo dos pequenos barcos e dos navios que aqui continuarão a chegar para trazer e levar os produtos de que precisamos e que vendemos, para além da presença dos roazes corvineiros do Sado, mais conhecidos como golfinhos, que já começam, de novo, a visitar-nos.

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Capítulo I Porto de Setúbal, génese e crescimento


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Nas páginas anteriores: • Carta Ocidental de Portugal, Portos de Lisboa e Setúbal, Lucas Jans Waghenaer, 1583, 445cmx370cm, origem alemã, Gabinete do Chefe do Estado-Maior da Armada, Museu de Marinha • “Toun & Harbour of Setúbal”, G. Landmann, publicada em 1813, London, T. Caddi & W. Davies, Strand, colecção particular de Madureira Lopes


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Nas páginas seguintes: • Carta topográfica militar do terreno da península de Setúbal, José Maria das Neves Costa, 1816, Instituto Geográfico Português, licença de utilização nº 142/03

Um projecto portuário que vai tomando forma [Setúbal] [...] He húa das maiores & mais assinaladas villas de Portugal, por causa do seu porto formado do rio Cadão que alli entra no Oceano & de húa língua de terra que o Mar ha estreitado [...]. João Baptista Lavanha et. al., Viagem da Catholica Real Magestade delRey D. Filippe II. N.S. ao Reyno de Portugal e rellação do solene recebimento que nelle se lhe fez [...], Madrid, Thomaz Lunti, 1622, p. 73.

Tendo em conta que um porto deverá ser um local de abrigo e ancoradouro de navios1, percebemos porque é que as condições fisiográficas da margem Norte do estuário do Sado proporcionaram o aparecimento e o rápido desenvolvimento do Porto de Setúbal, importante empreendimento que foi foco das atenções locais e nacionais ao longo dos anos. No entanto, só no século XVII foi construída uma doca junto à foz do ribeiro do Livramento e, sucessivamente, o cais do baluarte da Conceição, uma estacada de madeira e alguns troços de empedrados marginais para protecção de terraplenos2, embora já no século XV, em 1492, Martin Behaim’ Erdaptol, mais conhecido por Martin da Boémia, tivesse elaborado um Globo Terrestre no qual, em Portugal, já constavam Setúbal e Algarve, como se pode verificar na imagem que apresentamos nas páginas 20 e 21. E quem analisar as Carte Stroziane do Arquivo de Estado, de Florença, encontra uma curiosa e interessante relação do movimento comercial dos portos portugueses nos finais do século XVII, escrita em 1674, pelo banqueiro Florentino Bonaccorsi, morador em Lisboa, e mandada ao Grã-Duque de Toscana, Cosimo III, que conhecia Portugal, porque o visitara durante uma das suas grandes viagens, quando ainda era príncipe herdeiro3. O Grã-Duque ficara impressionado com o comércio florescente dos portos de Lisboa, Setúbal e Porto4 e, como esperava obter da coroa portuguesa algumas vantagens para a sua Marinha Mercante, considerada então uma das melhores da Itália, pedira ao banqueiro notas minuciosas sobre as mercadorias que se carregavam e descarregavam nos portos portugueses, visando não apenas o comércio com a metrópole portuguesa mas também com as suas colónias. Bonaccorsi faz um relato minucioso das mercadorias que chegavam e partiam dos portos portugueses e, ao referir-se a Setúbal, diz: “Naviga la maggior parte delle navi per Setubal, dove levano i sali bellissimi che sono il nervo maggiore di questo negozio”5. A importância de Setúbal, que se devia, fundamentalmente, às excepcionais condições do seu porto, foi desde sempre reconhecida. Este porto, embora alvo de vários projectos e algumas obras de pouca monta, manteve-se com instalações deficientíssimas até finais dos anos de 1920 e esteve na origem de graves polémicas por causa do seu assoreamento devido aos deslastres realizados pelos barcos que aqui vinham buscar o precioso sal. Vincenzo Floridi em 1968, ao escrever sobre Setúbal, faz referência ao seu porto: “La città portoghese di Setúbal è situata sulla riva destra dell’amplissimo estuario del Sado, in prossimità della foce, in una posizione invidiabile che l’ha resa, per importanza, il terzo centro marittimo del paese, dopo Lisbona e Leixões”6. Apesar da sua extrema importância para a economia nacional, o núcleo populacional sofreu várias crises, a que não foram alheias a escassez do peixe e a proximidade do Porto de Lisboa. No entanto, as suas excepcionais capacidades sempre conseguiram ultrapassar rapidamente os momentos de perturbação que faziam perigar a economia setubalense, como confirma Vincenzo Floridi, “Setúbal, con l’impianto di numerosissime fabbriche di pesce conservato, si portò in una posizione di avanguardia e di aperta competizione con gli altri maggiori centri europei, tanto da coprire con la sua sola produzione, per i tre lustri che vanno dal 1901 al 1915, all’incirca il 50% del totale delle esportazioni portoghesi in quel settore7.

Grande dicionário da língua portuguesa, coordenado por José Pedro Machado, Sociedade da Língua Portuguesa, Lisboa, 1989, tomo IX, p. 321. Porto de Setúbal, Lisboa, MOP, 1966, p. 11. 3 A relação desta viagem, realizada nos anos de 1668 e 1669, está manuscrita na Biblioteca Laurenziana de Florença e foi publicada em 1934 pelo Dr. Angel Sánchez Rivero em Madrid (Viaje del Príncipe de Toscana Casimo III em España Y Portugal, Madrid, Hijos de Ribadeneyra, 1934) e pela Sociedade de Geografia de Lisboa no seu Boletim, nos 9 e 10, 53ª série, Set. e Outubro, Lisboa, 1935, p. 337 a 345. 4 É, exactamente, esta a ordem usada no documento. 5 Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, ob. cit., p. 342. 6 Vincenzo Floridi, “Setúbal: il porto, la pesca e le industrie”, Bollettino della Società Geografica Italiana, Roma, Società Geografica Italiana, 1968, nos 4-6, p. 173. 7 Idem, ibidem 1 2

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• Carte des Ports de Lisbonne, de Setuval et de leurs environs, Romain de Hooge, Le Neptune François, 1693, Biblioteca Nacional • Pormenor da Carta Topográfica da Península de Setúbal, finais do século XIX, papel Whatman aguarelado, Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar


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Em 1949 a Junta Autónoma das Obras do Porto e Barra de Setúbal e do Rio Sado, informava-nos que por este se movimentavam, em média por ano, 600 mil toneladas de mercadorias. O Porto de Setúbal era, então, essencialmente de exportação, sendo as conservas, os minérios, o cimento, os adubos e o sal os principais produtos transaccionados8. A situação geográfica e as maravilhosas condições naturais que o cercam fizeram dele um dos principais abrigos do país, onde embarcações nacionais e estrangeiras ancoravam.

Inserção geográfica A, vulgarmente denominada, península de Setúbal pertence a uma região com características muito específicas. Fica situada entre os estuários do rio Tejo e do rio Sado, na costa atlântica de Portugal, um dos mais antigos Estados da Europa, situado no extremo ocidental da Península Ibérica, entre as latitudes de 36º 58’ e 42º 09’ Norte e as longitudes de 6º 11’ e 9º 30’ Oeste de Greenwich. O Porto de Setúbal encontra-se situado no estuário do rio Sado, a cerca de 60 quilómetros para Sul de Lisboa, e é formado por uma grande baía interior, constituindo um vasto fundeadouro com profundidades que chegam a atingir, nalguns pontos, quarenta metros de profundidade em baixa-mar. Limitado do lado Norte por uma costa rochosa que se estende desde o mar em pequenas enseadas até ao morro de Albarquel, onde a margem começa a ser plana na parte ocupada pela cidade de Setúbal para voltar a ser mais ou menos acidentada para montante até às planuras contíguas aos esteiros de Marateca, o porto é fechado do lado Sul por uma língua de areia que separa as águas do Sado do mar, sendo a distância entre as duas margens, nalguns pontos, de 5 a 8 milhas. A meio do estuário, e ainda junto à foz, encontram-se vários bancos ou restingas de areia. Em 1934, Cid Perestrello dizia que o acesso se fazia através de um canal natural de pequena extensão, com catorze pés (4,20m) em preia-mares de águas vivas, aberto pelas correntes nos bancos da barra, situados a cerca de 5 quilómetros da foz do rio Sado, onde foi dragado um novo canal, com 1 300 metros de comprimento, 100 metros de largura e uma profundidade de 22 pés (6,6m) em baixa-mares de águas vivas9. A serra da Arrábida protege-o dos ventos que sopram de Norte e de Nordeste, enquanto que os temporais vindos de Sul e de Sueste encontram a restinga de Tróia que evita a sua propagação. As correntes de maré, tal como a fluvial, são de fraca intensidade, não havendo cheias nem afluxos de areias ou lodos, pelo facto de este canal se encontrar muito bem protegido10. As águas eram auspiciosas pois traziam a riqueza tão ambicionada. Deus abençoava o mar. A religião e as actividades económicas coabitavam. A igreja de S. Julião era banhada pelo rio Sado, enquanto que o largo do Sapal, junto à igreja, era local de desembarque de peixe, antes da construção das primeiras muralhas. O nome de Sapal, dado ao largo, hoje chamado de Bocage, prova também que este sítio era um pântano de água salgada, depois de ser abandonado pelo rio11.

A Arrábida A “Serra Mãe” de Sebastião da Gama encontra-se inserida na “[...] cordilheira da Arrábida, pequena região montanhosa situada na parte meridional da península de Setúbal. Limitada a Sul e a Oeste pelo oceano, confina a Norte e a Oriente com as terras baixas e arenosas que ocupam a maior parte dessa península”12. Esta cordilheira é constituída por várias montanhas dispostas, na generalidade, de ENE para OSO, com 35 quilómetros de comprimento e 6 quilómetros de largura média. Tem uma vegetação própria dos terrenos calcários e do clima mediterrâneo, conservando, em alguns pontos, uma antiquíssima floresta espontânea. A maior parte da zona montanhosa não é propícia ao estabelecimento de residências humanas, enquanto que alguns vales interiores favorecem várias culturas e a orla de contacto com a planície é marcada por uma linha de povoações. Estas são algumas das várias características específicas que possibilitam atribuir à Arrábida uma individualização geográfica tal que pode levar-nos a considerá-la como uma pequena sub-região natural.

O Porto de Setúbal, Setúbal, JAOPS, 1949, p. 3. Eng. A. de M. Cid Perestrello, O Porto de Setúbal, Setúbal, 1934, p. 3. 10 Idem, p. 3-4. 11 Pinho Leal, Portugal antigo e moderno, Lisboa, Livraria Editora de Matos Moreira & Companhia, 1880, p. 206. 12 Orlando Ribeiro, “A Arrábida - Esboço Geográfico” Revista da Faculdade de Letras, Lisboa, 1937, p. 52. 8 9

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• A Plan and Chart of Lisbon=Setuval, Capt. Joseph Smith Speer, London, 1773, Biblioteca Nacional • Setúbal, século XVII, Biblioteca Nacional


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Não poderemos, no entanto, nomeá-la como serra, em rigor, porque, no seu todo, engloba várias áreas de vale e de planalto. Neste contexto, quando se fala, normalmente, de serra da Arrábida, estamos a referir-nos apenas à principal das montanhas que formam a cordilheira e que culmina, com 499 metros, no alto do Formosinho. O seu conjunto de elevações agrupa-se em três linhas de relevo. A primeira é constituída por pequenos cerros dos arredores de Sesimbra, pelas serras do Risco e da Arrábida propriamente dita, e pelas colinas que se estendem do Outão a Setúbal; ao Norte da extremidade desta linha, encontramos uma outra constituída pelas serras de S. Luís e dos Barris ou dos Gaiteiros, donde se abre um espaçoso vale que, “junto a S. Luís, se bifurca para contornar aquela montanha e separá-la quer das colinas de Setúbal, quer de uma série de elevações que se estendem de Palmela para Ocidente e formam a terceira linha de relevos”13. A Ocidente e a Sul, a Arrábida é banhada pelo mar. Montanha bastante recente, “profundamente deslocada, cortada de falhas, cingida ao Sul e Oeste por duas fossas marinhas, limitadas ao Norte por um sinclinal, é uma zona que reúne muitas condições para que os sismos se façam sentir aí com intensidade”14. O “Golfo de Setúbal” é uma das duas principais zonas sísmicas da região. Como exemplo desta situação temos o caso do grande terramoto de 1858 que, segundo especialistas, teve o epicentro na zona sísmica de Setúbal; a cidade foi atingida por abalos do grau IX, tendo sofrido muitos estragos e conhecido numerosas vítimas. Os vales submarinos das proximidades do cabo de Espichel serão, talvez, os responsáveis pela ligação sísmica que, normalmente, se verifica entre Setúbal e Lisboa. A serra da Arrábida, limitada pelo mar a Sul, pelo vale do Picheleiro a Norte, pelo vale da Rasca a Nascente e pelas terras do Risco a Poente, é a zona mais típica e mais bela da região, tendo em conta a imponência do seu relevo: o Formosinho e o vale do Solitário projectam no céu um perfil de tanta beleza, que poderemos ver nele as Mãos hábeis do Criador. “A montanha do Formosinho tem uma direcção média de ENE para OSO e um comprimento de 10 quilómetros. A sua cumeada está dirigida por ONO num comprimento de 4 quilómetros, entre Outão (148 metros) e alto do Picoto (418 metros), depois inclina-se bruscamente para SO até ao marco geodésico do Formosinho (499 metros), dá um salto para o Sul num comprimento de 400 metros, depois retoma a direcção de SO”15. Os barrancos foram modelados pela acção das águas, mas o desnível não é muito grande e permite a comunicação entre as duas vertentes. Estas características favoráveis foram aproveitadas no traçado das veredas, que de Azeitão se dirigem ao Convento do Portinho.

Do litoral ao porto “A costa da Arrábida é a maior quebra de direcção do litoral ocidental português. De Setúbal ao cabo de Espichel segue o rumo geral de ENE-OSO, com acidentes de pouca importância; depois inflecte-se para NNE até à Lagoa de Albufeira. Entre o mencionado cabo e a ponta da Trafaria abre-se um arco de círculo que Silva Telles quis ver prolongado, para lá da garganta do Tejo, até ao cabo Raso. Além do Outão, entra-se no estuário do Sado e, ao Sul, abre-se outro grande arco - a Costa da Galé - até ao cabo de Sines”. A costa da Arrábida é alta, alcantilada, com arribas de mais de uma centena de metros”16. Ao aproximarmo-nos da barra do Sado, já sob a influência do rio, os fundos são alterados pelas aluviões, a costa é mais abrigada e as ondas menos impetuosas, facto que favoreceu a fundação e o crescimento de um aglomerado urbano.

A enseada de Setúbal Em 1887, a Direcção Geral da Marinha encarregou António Artur Baldaque da Silva, Primeiro-Tenente da Armada e Engenheiro Hidrógrafo, de elaborar, com urgência, uma planta hidrográfica da enseada de Setúbal, com posições das armações de pesca e de emitir parecer sobre este assunto, para que a referida Direcção Geral possuísse uma base oficial, científica e elucidativa para solucionar problemas existentes

Idem, ibidem, p. 54. Idem, ibidem. 15 Choffat, Essai sur la tectonique..., Citado por Orlando Ribeiro, ob. cit., p. 75. 16 Orlando Ribeiro, Idem, ibidem, p. 101. 13 14

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naquela área marítima. Para esta tarefa, Baldaque da Silva utilizou trabalhos geodésicos, corográficos e hidrográficos já realizados sobre este espaço e ainda a “excelente planta”17 da barra e Porto de Setúbal, levantada em 1884 por ordem da Direcção Geral dos Faróis, pelo Engenheiro Hidrógrafo José Joaquim Xavier de Brito. Baldaque da Silva diz-nos ter construído o plano hidrográfico da enseada, barra e Porto de Setúbal na escala de 1/40 000, fazendo notar a grande utilidade que resultaria para a navegação deste porto. A enseada de Setúbal tem por flanco meridional a escarpa Sul da serra da Arrábida e é limitada ao Norte por uma linha de costa sinuosa, com a orientação geral de ENE na extensão de pouco mais de 28 quilómetros desde o cabo de Espichel até à fortaleza do Outão, na embocadura do rio Sado. É formada a Este pelo areal, ou cabedelo, que começa no extremo da margem esquerda da foz do rio e que se desenvolve sucessivamente para SE, SSE e Sul, em praia de fraco declive. A disposição desta enseada, exposta apenas às tempestades de NW a Sul por Oeste, proporciona uma zona marítima em boas condições de abrigo para se exercer, com relativa segurança, a pesca por meio de aparelhos fixos. Os ventos dominantes de NE e Norte até NW são amparados pela serra da Arrábida, e os ventos fortes de Este e SE até Sul, que sopram por cima da terra, não chegam a levantar vaga, restando somente a travessia de NW a SSW, pouco frequente durante o ano, para prejudicar os trabalhos da pesca permanente. A orografia submarina presta-se também ao estabelecimento de aparelhos de pesca, porquanto na costa Norte, com forte declive por fora, ainda se encontra a regular distância da terra e a profundidade conveniente.

Da barra ao porto e ao aglomerado urbano Para esta reflexão, e fugindo aos estudos tradicionais, servir-nos-emos de alguns documentos existentes nos arquivos locais e nacionais, e ainda de alguns trabalhos realizados por estudiosos dos finais do século XIX, princípios do século XX. É o caso do Dr. Fernando Garcia, médico na cidade de Setúbal que, numa nota ao leitor, nos diz: “Quem em Setúbal, queira conhecer um pouco a maneira porque a cidade se formou e cresceu, a sua razão de ser, o seu feitio, a maneira porque se fixaram as suas feições de individualidade geográfica, encontra aqui em resumo a resposta sumária a todas as interrogações que o seu espírito possa formar sobre o assunto”18. Este estudo reveste-se de características muito especiais, pois a formação do autor, na área das ciências médicas, introduz novos elementos no projecto de investigação, no âmbito da Geografia Humana, que o Dr. Fernando Garcia se propôs desenvolver. Como homem de grande erudição, dedicou-se ao estudo dos métodos que então se experimentavam noutros países da Europa. E explica-nos a sua opção, ao reconhecer que “a resposta não será cabal, estará sujeita à discussão e à reforma”19, mas até ao momento em que realizava esta análise, não se conhecia mais nenhuma. “Acresce que uma coisa garante [a sua afirmação] até certo ponto: o método científico, que conduz à investigação, é o do professor Brunhes”, que foi professor da Universidade de Friburgo na Suiça e posteriormente transferido para o colégio de França. Foi o autor da Geografia Humana, obra de reputação universal20. Parte do princípio de que um aglomerado humano se comporta como um ser vivo, mas com limitações próprias da sua condição, pois o ser vivo influencia a dinâmica do grupo com a sua personalidade que, por seu turno, é influenciada por ele. Todo o estudo se desenvolve, portanto, sob “a disciplina severa das ciências naturais, a enveredar o seu caminho à luz apenas de dois grandes focos de conhecimento humano: a observação e a experiência”21. Para traçar o caminho a percorrer e atingir os objectivos definidos, Fernando Garcia considerava a necessidade de conhecimentos sobre a história e a economia locais, conjuntamente com noções gerais de antropologia, geologia e botânica, que reconhece não possuir. No entanto, a temática é demasiado aliciante para que o desafio não seja aceite: “o problema urbano setubalense é eminentemente interessante, pela complexa variedade, pelo disparatado mesmo dos elementos que conspiram para o aparecimento da cidade e para o seu crescimento”22. António Artur Baldaque da Silva, Planta hydrografica da Enseada, Barra e Porto de Setúbal e relatório sobre a pesca marítima e fluvial n’esta localidade, Lisboa, Imprensa Nacional, 1887, p. 3. Ver: p. 68 desta obra. 18 Fernando Garcia (João Semana) - A Fisionomia de Setúbal, Setúbal, Tip. Mascarenhas, 1916, p. 3. 19 Idem, ibidem 20 Idem, ibidem 21 Idem, ibidem 22 Idem, ibidem 17

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E, continuando a análise como se de um ser humano se tratasse, explica-nos que “o Organismo Setubalense é essencialmente novo, não tanto cronologicamente, como biologicamente, todas as suas partes estão flexíveis, protoplasmáticas, renovadoras, ainda não fundidas umas com as outras, nem cristalizadas em formas definitivas onde seja difícil espreitar a sua travação de casualidade ou de conexão. Se o leitor tiver o hábito de vista ao microscópio, há-de lembrar-se do aspecto dos tecidos da nova formação com as células muito redondas, os cristais livres nos espaços intercelulares, o protoplasma muito transparente, e os núcleos aqui e ali em activa kariokinese. Por toda a parte a Vida e por toda a parte a Liberdade, mas ao mesmo tempo uma relativa simplicidade em contraposição à imobilidade dos tecidos velhos, de células poliédricas, apertadas e deformadas, substituídas em certos pontos por aglomerados informes de células desfiguradas, com as membranas keratinisadas, os protoplasmas coagulados, inertes e obscuros, os núcleos ausentes [...]”23. A analogia entre a juventude do núcleo populacional que se instalou na margem direita do rio Sado e a vida humana, vida esta que para ser verdadeira deve ser acompanhada de plena liberdade, culmina com a confirmação de que em Setúbal existe “uma mocidade perene, um renovamento incessante da vida social, uma circulação activa de riqueza, que se não sedimenta e que é maior pelo movimento rápido com que passa apressada ante os nossos olhos, do que pela sua massa real”24. Considera as “massas citadinas” agrupadas em dois tipos: “o histórico” que predomina nas cidades da Europa e o económico que corresponde à “improvisação dos aglomerados americanos”. E conclui: “Setúbal é uma sociedade de tipo mais americano do que europeu, - si parva licet componere magnis...”25. Mas, desta Setúbal falarão de diversos modos outros autores. Quando, em 1826, Casado Giraldes fez a estatística das províncias e das comarcas portuguesas, referia-se a Setúbal, que albergava 15.000 habitantes, como “uma linda vila”, possuidora de “grande comércio em sal e fruta”26. “Situada em um vale ameno, na margem direita do Sado, com um belo porto, e campo esplêndido, que mais parece um jardim; com as suas ricas quintas, adornadas de odoríferos laranjais”, Setúbal seria uma cidade “encantadora, se, por vezes, a miséria não oprimisse os seus habitantes”27. São duas opiniões diferentes, embora coincidentes nalguns pontos, ambas emitidas no século XIX, mas separadas por cinquenta longos anos. A verdade foi provada pelo tempo, pelo rápido desenvolvimento do aglomerado populacional, que deu origem à cidade de Setúbal, graças às condições privilegiadas do seu porto. Em 1902, Carlos Romeu Correia Mendes dizia-nos que “no fundo extremo de um imenso e formoso vale que do morro de Palmela corre ao Sul, à distância aproximamente de 38 quilómetros para Sueste de Lisboa, graciosamente debruçado na margem direita do belo e amplo rio Sado, o antigo Kallyjurs, mesmo próximo à sua foz, com a soberba Arrábida a um lado, Palmela a devanear do seu castelo mourisco proezas guerreiras de outras idades; de outro lado a antiga Tróia Romana e o vasto oceano a cobrir-lhe o pedestal, demora Setúbal, esse admirável pedaço de terra perpetuamente vestido das suas laranjeiras sempre verdes e sempre risonhas”. Correia Mendes, em poucas linhas, mostra-nos a razão do surgimento desta povoação, num lugar paradisíaco que jamais poderia continuar virgem, impenetrado por seres humanos para nele construírem o seu próprio “habitat”. “Ferem logo à primeira vista os olhos do observador, os variados aspectos desta parte da península, cuja paisagem variada, sendo quase sempre mais ou menos formosa, é sempre cheia dos mais pitorescos aspectos”28. A Sul, desde a cidade de Setúbal até ao cabo Espichel, corre majestosamente uma cadeia de montanhas de variadas idades geológicas, mais conhecidas pelos nomes de serra da Rasca, serra de Arrábida e montes de S. Luís. Formam tratos mais ou menos acidentados que terminam abruptamente no mar. A Ocidente, entre a Arrábida e Sesimbra, elevam-se, junto ao mar, arribas escarpadas e abruptas que parecem precipitar-se no oceano, dando origem a paisagens abstractas e agrestes. Também o litoral nos apresenta características bem diferentes do resto da costa portuguesa. Desde o cabo Espichel até ao outeiro de Santa Idem, ibidem Idem, ibidem 25 Idem, ibidem 26 Em número de habitantes, ocupava o quinto lugar, conjuntamente com Elvas, imediatamente a seguir a Lisboa com 260.000 habitantes, Porto com 100.000, Braga e Coimbra com 20.000. In Giraldes, J.P.C. Casado - Compêndio de Geografia Histórica Antiga e Moderna, e Cronológica, para Uso da Mocidade Portuguesa, Paris, 1826, p. 14/15. 27 Dr. Francisco Ayres do Soveral, Os Tifos de Setúbal, Lisboa, Imp. Nacional, 1881, p. 9. 28 Carlos Romeu Correia Mendes - Monografia do Concelho de Setúbal, Lisboa, 1902. 23 24

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• Panorama da cidade de Setúbal, tirado do mirante de S. Francisco, Foto Fonseca, s.d., finais do século XIX, APSS • Plano Hidrográfico do Esteiro da Comporta, Aspirantes do 3º ano do Curso de Marinha, 1905, Instituto Hidrográfico


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Catarina, tomando como ponto de partida a torre do Outão que, pela sua protuberância, é considerada a primeira sentinela avançada da cidade de Setúbal, encontramos uma grande variedade de condições orográficas que imprimem aspectos discrepantes a esta parte da península. Este facto conferia-lhe uma beleza muito própria, aliada a uma enorme variedade de culturas, algumas muito afamadas. Do extremo que ostenta a torre do Outão, belo espécime de arquitectura militar mandado construir por D. João II mesmo junto à barra, até à foz da ribeira da Marateca, elevam-se escarpas argilosas, verdejantes, de compacto arvoredo e cortadas a fundo pelos vales das ribeiras da Rasca e da Ajuda, formando um verdadeiro labirinto de outros pequenos vales e planícies, onde vegetais de variadas espécies se associam na mais bela promiscuidade. Avançando em direcção à cidade de Setúbal, passamos junto à fortaleza de Albarquel, construída à beira do Sado, no sopé da serra encimada pela fortaleza de S. Filipe, aflorando uma formação cretácea que pode considerar-se quase isolada. Transposta a Praia da Saúde, onde reaparecem as primeiras formações geológicas, prolonga-se e desenrola-se o litoral baixo, desdobrando-se à nossa vista o extenso e pitoresco vale em que assenta a cidade, entre o rio de um azul fascinante e o extenso laranjal que lhe imprime um colorido variado e deslumbrante. Das Fontainhas a Santa Catarina sucedem-se novas elevações da costa e o trato do solo que o representa é coberto, na sua maior parte, por pinhais que imprimem a este recanto uma feição nova, totalmente diferente da paisagem que se vinha observando. Continuando a nossa digressão pela margem direita do rio Sado, pode encontrar-se uma “curiosíssima raridade geológica”, um rochedo, considerado “notável” por muitos dos que a ele se referem, cujo aspecto gigantesco e “algum tanto fantástico”, lembra uma sentinela perdida nos séculos. É a “Pedra Furada”, cuja base é parcialmente banhada pelo Sado e soterrada numa colina arenosa. “Desde a superfície da água até ao ponto mais elevado mede 17,98 m e de diâmetro uns 8 a 10 metros. A sua formação é granítica, com mistura de material ferruginoso, muito semelhante à do famoso rochedo de Leinigen, na Alemanha. A superfície está toda carcomida, crivada de buracos, fazendo lembrar uma enorme esponja de pedra”29. Continuando a análise da costa para Leste verificamos um recorte irregular mais ou menos ondulado, golpeado nalguns pontos por braços do Sado que favorecem grandemente a indústria do sal. Quem, de longe, observar este recanto da península de Setúbal, detecta as mudanças abruptas que nela se verificam. A vegetação, que cresce desde as Fontainhas até Santa Catarina, é monótona, salientando-se a Agave americana e o Cactus opuncia que se vislumbra em toda a encosta, contrastando singularmente com a vegetação dos terrenos que circundam a cidade. Não poderemos esquecer também que, a Norte da cidade de Setúbal, e sobre a colina que se prolonga com a serra da Arrábida, de Nascente para Poente, se encontra a vila de Azeitão, tão querida pela nobreza portuguesa, para ali passar as suas férias. Esta povoação, fragmentada em pequenos núcleos, assemelha-se a um pequeno arquipélago espalhado num oceano verde, no sopé da serra. Como centro do primeiro aglomerado encontramos Vila Nogueira (S. Lourenço), que contém as povoações de Aldeia da Quinta Velha, Aldeia Rica, Oleiros, Aldeia de Irmãos, Coina a Velha, Aldeia de S. Pedro e Portela. O segundo núcleo desenvolve-se em torno de Vila Fresca, que comporta Camarate, Pinheiros, Vendas de Azeitão e Castanhos. Em 1360, D. Pedro I confirmou os privilégios de que esta povoação gozava, e D. José elevou-a à categoria de vila, desfrutando de vida própria e independente até 1855, ano em que este concelho, que compreendia S. Simão e S. Lourenço, foi extinto, passando estas duas freguesias a pertencer ao concelho de Setúbal. Da opulência de outrora resta-lhe algumas residências ali construídas por nobres que, ávidos de bons ares e clima fresco, aproveitavam para ali passarem algumas férias compensadoras. Embora já bastante degradados, encontram-se ainda o palácio dos Duques de Aveiro; o palácio da Bacalhoa que pertencera a Brás de Albuquerque, filho de Afonso de Albuquerque, posteriormente propriedade da Casa de Bragança;

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José Maria da Rosa Albino, Roteiro da Cidade de Setúbal, Elvas, Tip. Elvense de Samuel F. Batista, 1892. p. 38.

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• Les ports de Lisbonne et Setubal, et leurs environs, Grave pour Charles Inselin, 1705, Biblioteca Nacional • Plano Hidrográfico da Margem Esquerda, entre a Califórnia e Ponta de Pêra, Missão Hidrográfica da Costa de Portugal, 1928, Instituto Hidrográfico


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o palácio da Quinta das Torres; o do Conde de Povolide; o do Alcube; o palácio do Salinas, que fora de D. Constança, mulher de D. Pedro I, e alguns que, pelo seu esplendor e sumptuosidade, contribuíam para realçar a já natural beleza desta pequena região. Nela abunda a cultura arbórea e arbustiva, mas salientaremos também a vinha que desfruta os melhores terrenos e, em tempos, abrangera quase todos os vales, colinas e planícies, com excepção dos que eram ocupados por pomares e alguns pequenos olivais. Seguindo ainda na direcção Norte da cidade de Setúbal encontramos, a cerca de cinco quilómetros de distância no declive setentrional de uma pitoresca montanha, a antiga vila de Palmela, coroada e protegida pelo seu castelo, cuja história remonta à passagem dos árabes por estas paragens. Tal como Azeitão, Palmela viu-se privada da sua autonomia administrativa no ano de 1855, passando então a pertencer também ao concelho de Setúbal. Recuperou a dignidade de concelho em 1926, quando foi criado o distrito de Setúbal, com capital nesta cidade.

O Concelho de Setúbal O espaço ocupado por esta região administrativa da península de Setúbal, fica situado à distância aproximada de uns 8 quilómetros para Sueste de Lisboa, na parte do país que se estende ao Sul do Tejo. Pouco acidentado, este concelho era, antes de ser criado o novo distrito, limitado a Norte pelo concelho de Aldeia Galega e Barreiro, a Sul pelo concelho de Alcácer do Sal, rio Sado e oceano Atlântico, a Oeste pelos concelhos do Barreiro e de Sesimbra, ligando-se, de novo, com os concelhos de Alcácer e de Aldeia Galega (Montijo). A superfície total do concelho, sem contar com a freguesia de Marateca que a ele estivera ligada, era de 48 781,60 hectares, na sua totalidade urbana e rural. Um dos mais vastos e dos mais importantes concelhos do distrito de Lisboa, a que esteve ligado até 1926, era constituído por sete freguesias, todas mais ou menos populosas, abarcando a cidade e o campo. Eram elas, Santa Maria da Graça, S. Julião, Nossa Senhora Anunciada, S. Sebastião, S. Pedro de Palmela, S. Lourenço de Azeitão e S. Simão de Azeitão30. Possuidor de extensos lençóis de água e de alguns ribeiros que correm em seu território em direcção ao Sado, o concelho de Setúbal debateu-se com inúmeros problemas de abastecimento do precioso líquido, pela ineficácia dos métodos que eram usados na sua extracção. Longe de usufruir das vantagens das máquinas de elevar água, continuava utilizando a força dos muares e das vacas taurinas, que se esgotavam, sem que o seu potencial produtivo fosse suficientemente aproveitado. A cidade sofreu, ao longo de centenas de anos, a falta da água que abundava no seu solo, sem que qualquer responsável local se esforçasse por ultrapassar tão grave e doloroso problema. No que se refere ao clima, é feita, ao longo dos tempos, alusão às excepcionais condições deste recanto junto ao rio Sado. A serra da Arrábida e o oceano Atlântico transmitem-lhe características excepcionais que não se encontram em mais nenhuma região de Portugal e que culminam com o aprazível estuário do Sado no qual se situa o maravilhoso porto. O facto de não existirem postos de observação meteorológica, torna difícil a exacta apreciação das condições climáticas, especialmente no que se refere às diferenças entre as condições meteorológicas dos vários pontos do concelho. No entanto, algumas características muito específicas são detectadas pelos especialistas. A zona montanhosa ao Sul do concelho, em consequência da sua altitude, contém temperaturas mais baixas, variações do grau de humidade e de intensidade luminosa e pluviométrica. Possuidora de um clima mais frio vê, no entanto, em alguns pontos do seu território, a temperatura regularizada pela proximidade do mar, que a torna mais constante, aumentando, em simultâneo, a humidade atmosférica e envolvendo-a temporariamente em neblinas mais ou menos condensadas. A zona Norte de concelho usufrui de um clima característico e variado cujas colinas, encostadas à serra e fronteiras ao oceano, gozam da influência temperante do mar, e a proximidade e orientação das serras explica a demorada maturação dos frutos que exigem sempre uma determinada quantidade de calor para amadurecerem completa-

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Actualmente, Setúbal possui mais duas freguesias, e já não contém a de S. Pedro de Palmela.

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• Margem direita do Sado, APSS

mente. Nos vales mais profundos, o calor é forte de dia; a humidade atmosférica é aí mais abundante, os nevoeiros espessos e os ventos menos fortes. Nas encostas, o calor e a humidade atmosférica diminuem, a luz é mais intensa e os ventos sopram regularmente. A escassez das chuvas estivais, aliada a uma maior elevação da temperatura e ao estado de secura da atmosfera, torna mais activa a evaporação e imprime ao processo de salinação das marinhas do Sado características muito peculiares. A flora deste concelho é bastante variada, abarcando espécies características de várias zonas do país, desde o Algarve até à região mais setentrional. Como genuínos representantes do Sul do Tejo, encontramos o sobreiro e a azinheira, embora esta última apareça em quantidade muito diminuta. O pinheiro bravo, que normalmente coabita com o pinheiro manso junto ao mar, aqui cede-lhe o lugar, imprimindo à paisagem características bem peculiares. Ao mesmo tempo que a variabilidade das condições do seu meio permitem a frescura necessária à vida do carvalho e do castanheiro do Norte, vemos a palmeira Phoenix dactilifera desfrutar o calor suficiente para frutificar e medrar sem saudades do seu torrão asiático. Também as plantas exóticas crescem neste território. De entre elas destacaremos algumas oriundas da Nova Holanda e outras do cabo da Boa Esperança, como é o caso da Araucaria excelsa, Grenillea robusta, Acacia falfata, Achania malvariscus, Abotilon striatum, Bignonia grandiflora, Lager-straenia-índica, Entelea-arborescens e da Tecoma australes. A vegetação do concelho revela-nos um esboço geológico, caracterizado por uma extrema variabilidade dos caracteres litográficos desta região. Nos seus traços mais gerais, esta área resume em si terrenos de diversos períodos de formação, representados desde a época secundária até à quaternária, incluindo as formações derivadas do fenómeno das aluviões modernas, isto é, os depósitos ou aterros determinados pelos rios e pelo mar desviados do seu curso, ou ainda suprimidos pelo efeito de sublevações localizadas e pelos aterros formados parcialmente pelos rios inundantes”31. A combinação geológica e mineralógica, que se verifica no território do concelho de Setúbal, origina terrenos onde as culturas medram com facilidade com um mínimo dos cuidados considerados indispensáveis. Não é por acaso que os imensos laranjais, as vinhas e até vários cereais, de que destacaremos o trigo, abundavam nesta região. A rede viária do concelho era regular, tendo em conta as graves limitações técnicas e financeiras que dominaram os finais do século XIX e

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Agrónomo Carlos Romeu Correia Mendes - Monografia do Concelho de Setúbal, Lisboa, Direcção dos Serviços de Carta Agrícola, 1902, p. 13.

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ainda o início do século XX. Havia comunicação entre as aldeias e as povoações e foram construídas estradas em diferentes sentidos. Uma das mais importantes para o desenvolvimento do concelho, e principalmente do Porto de Setúbal, era a estrada de Azeitão que, de Setúbal, se dirigia, por esta vila, em direcção ao Barreiro. Um outro troço de estrada saía de Azeitão e dirigia-se a Palmela, passando por Miraventos. Daquela povoação, bifurcava para o Pinhal Novo e para a Moita. A estrada de Aires, passando também por Azeitão, ainda se prolongava de um lado para Sesimbra e do outro para o Calhariz. Para o lado Ocidental da cidade, distinguimos a estrada distrital de Alcácer do Sal que, num percurso de cerca de oito léguas, punha este concelho em comunicação com o de Setúbal, passando por Águas de Moura. Muitas outras estradas ou ramais existiam, foram construídos, ou apenas projectados, ao longo do século XX no concelho de Setúbal, ou mesmo para fora dele, facilitando as comunicações, especialmente o transporte de mercadorias em direcção ao porto de onde saíam para outros países. O percurso inverso também era muito importante, pois conduzia as mercadorias importadas até ao seu destino.

Localização do Porto de Setúbal A cidade situa-se no melhor ponto do litoral onde, de Lisboa para baixo, pode colocar-se um porto de certa importância. Do cabo Espichel ao cabo de S. Vicente, a costa é ingrata: afora a baía de Sesimbra, só se encontra o “golfo” do Sado, a baía desabrigada de Sines e a pequeníssima calheta de Vila Nova de Milfontes. Em Sesimbra abunda o mar, mas escasseia a terra. A costa é arisca, alcantilada e inacessível. Apenas um caminho estreito e íngreme permite a descida do planalto de Santana até à praia, que se expande num leque semi-aberto. Foi ali que se instalou uma pequena povoação de pescadores, atraída pela abundância de bom e variado pescado, que fez dela um burgo rico. Mas o espaço era muito limitado para comportar o natural aumento da população, pelo que ficou apertado e fechado sobre si mesmo. Restava, pois, o “golfo” do Sado, acolhedor e espaçoso, para a instalação de um porto capaz de dar apoio ao já bastante sobrecarregado Porto de Lisboa. Aqui as condições eram as ideais. Uma baía de boas proporções propiciava um vasto fundeadouro com profundidades que atingiam, nalguns pontos, quarenta metros de altura de água em baixa-mar. Era limitado do lado Norte por uma costa rochosa que se

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estende desde o mar, em pequenas enseadas até ao morro de Albarquel, facto que proporcionava condições de segurança excepcionais. Ali, a margem começa a ser plana na parte ocupada por Setúbal, para voltar a ser mais ou menos acidentada para montante, até às planuras contíguas aos esteiros de Marateca. O porto é fechado do lado Sul por uma língua de areia que separa as águas do Sado do mar, sendo a distância entre as duas margens, nalguns pontos, de 3 a 4 quilómetros. No entanto, não abundavam lugares propícios para a instalação de uma povoação que deveria crescer e desenvolver-se, de acordo com as características preconizadas. Os montes alcantilados da Arrábida, do Outão e do Viso tornavam a costa inóspita. Toda a margem esquerda era desértica, facto que dificultava a localização da futura cidade. A montante de Albarquel, porém, a praia estende-se numa concha ampla até às Fontainhas. Para diante fica apenas uma orla estreita produzida pelo desmoronamento das falésias areentas, que baixam de novo para lá do promontório rochoso da Pedra Furada. Mais à frente encontra-se ainda um espaço plano, de aluvião, na Graça, mas com escassa margem e situado já muito longe, demasiado a montante. Restava, portanto, a concha de Albarquel às Fontainhas, que possuía todas as condições para que nela se instalasse o burgo. No entanto, com o desenvolvimento do aglomerado urbano, o solo tornou-se escasso, pois as quintas que o rodeavam a Sul eram imprescindíveis para a manutenção da população. Houve então que conquistar terrenos ao mar, à semelhança do que acontecera em terras holandesas. São pois de grande importâncias “as relações de Setúbal com o mar, deduzindo-se mesmo que a existência da cidade não é mais do que a realização local de um impulso geral do país, cuja vida é essencialmente marinha por necessidade geográfica, impulso que, com o correr das gerações, foi criando a mentalidade nacional. Apontamos também que sem a pesca, nunca o núcleo inicial poderia constituir-se, pois de nada serviria o abrigo pantanoso e dúnico, se a população havia de morrer de fome depois de salva das depredações dos donos do burgo roqueiro de Palmela”32. A sobrevivência da povoação, tal como o seu desenvolvimento, dependia, pois, do rio Sado, que imprimiu a Setúbal um cunho muito especial. Este rio, cujas águas possuem tonalidades variadas, desde o branco lácteo, ao azul celeste, em inúmeras transições, ora sucessivas, ora simultâneas, emprestava à cidade uma beleza deslumbrante. O Sado tem todas as características de um rio idoso, estável, definido, como velhos são os montes abatidos e arredondados, meras colinas por entre as quais correm as suas águas até ao vasto “golfão” de Setúbal. Verifica-se assim uma continuidade entre as margens e o fundo deste rio que, ao entrar no vasto estuário diminui de velocidade e espraia-se, depositando o seu aluvião, formando ilhas, que aumentam de volume, ao longo dos tempos.

Os Trapiches33 de Setúbal Ao analisarmos os documentos existentes no Arquivo Distrital de Setúbal (ADS), Fundo Almeida Carvalho (FAC), sob o título “Trapiches de Setúbal”, encontrámos preciosa informação sobre a problemática do assoreamento provocado no Porto de Setúbal pelo deslastre dos navios que aqui vinham carregar o sal e que provam a tese de António Sérgio quando dizia que o sal de Setúbal “fez abundar Portugal no mundo”34. Desde o século XVI que se publicavam posturas camarárias sobre o destino a dar à pedra proveniente do deslastre dos navios que vinham carregar o sal, proibição de alguns barcos lançarem lastro no porto, na barra e até no mar próximo. Em 1603 pode ler-se, em acta do Livro de Vereação35, a nomeação de “guardas de lastro” porque “era necessário acudir de pronto a tamanha ruína, porque com o entupimento da barra, viria a perda do porto, a desgraça de Setúbal e a cessação dos muitos rendimentos do Estado”36. Em 1619, Alexandre de Moura, tendo em conta a opinião emitida pelos marítimos, acrescida de exames feitos ao fundo do rio, concluiu, e Almeida Carvalho adaptou o texto conclusivo dizendo: “Lamentando que os estrangeiros nos deixassem tantas serras de areia Fernando Garcia, ob. cit., p. 10/11. Embora o Elucidário de Viterbo, ignore este termo, os dicionários da língua portuguesa dizem vir do latim trapiche, de trapetu e do grego trapeton de tarpein que significa “armazém de mercadorias exportadas ou para exportar, casa ou alpendre onde se guardam mercadorias, armazém junto do cais para guardar géneros de embarque, [e até] alfândega”. O dicionário de latim-português dá como sinónimo de trapetum, lagar de azeite. No caso de Setúbal, os trapiches eram paredões de pedra, do lado de Tróia, onde os navios, que vinham carregar sal a Setúbal, descarregavam o lastro para evitar o assoreamento do porto. 34 “Introdução geográfica”, p. 73, na publicação intitulada Em torno da designação de MONARQUIA AGRÁRIA dada à primeira época da nossa história, Lisboa, Livraria Portugália, 1941, p. 8. No seu livro Introdução geográfico-sociológica à História de Portugal, Lisboa, Livraria Sá da Costa, 1976, p. 143, Sérgio, prevenindo-nos de que se trata duma “alteração da versão B”, diz: “Apoiado sobretudo na pescaria e no sal e não na exportação de produtos agrícolas [...]”. 35 ADS, FAC, P. 50. 36 ADS, FAC. 32 33

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• Planta da barra de Setúbal, in Carta Geral da Costa de Portugal, Marinho Miguel Franzini, 1811, Instituto Geográfico Português, licença de utilização nº 142/03

quantas eram as de sal que nos levavam, estrangeiros inimigos e hereges cujo intento era danificarem as nossas barras com os entulhos que lhes lançavam as suas urcas [...] Alexandre de Moura opinava que os estrangeiros que demandassem o Porto de Setúbal fossem obrigados a trazer como lastro pipas cheias de água [...]”37. Esta obrigação, embora com várias excepções, manteve-se ao longo de anos, aparecendo ainda em posturas camarárias no início do século XVIII. Mas, em pleno século XIX, o problema permanecia. No Livro de Vereação de 1837 a 1840 pode ler-se que, no ano de 1839, “enquanto se concertava o trapiche na Tróia, foram os lastros lançados na praia de Troino, do lado Poente da doca [...]”38. Em 1857 Sir Rennie apresentou um relatório, que lhe fora pedido, sobre o Porto de Setúbal, no qual se pode verificar a calamitosa situação do mesmo, devido ao problema dos deslastres e à falta de obras tão necessárias e urgentes. No dia 19 de Julho de 1861, O Diário de Lisboa transcreve parte da acta de 17 de Julho, referente ao discurso do deputado Pereira de Carvalho e Abreu, confirmado por Garcia Peres, que denuncia um caso de feudalismo em pleno século XIX. Era o caso do monopólio dos Trapiches de Setúbal, na posse de um particular, que usufruía da cobrança dos direitos do deslastre, que por lei pertenciam exclusivamente ao Estado: “[...] O facto excepcional que se dá na Alfândega de Setúbal é um atentado a todos os princípios do direito público actual, segundo os quais só aos poderes legítimos, e não a um particular, compete o direito de lançar o imposto em proveito da causa pública, e jamais em utilidade de um indivíduo; é um ultraje à Carta Constitucional que acabou com todos os privilégios que não estivessem essencial e inteiramente ligados aos cargos de utilidade pública”39. Considera esta situação uma violação do Decreto de 31 de Agosto de 1832 e da lei de 22 de Junho de 1846, que aboliram todos os direitos banais. Garcia Peres falou para informar a Câmara de que tal contrato não existia, e que o Marquês de Loulé recebia esse rendimento ilegalmente. O Ministro da Fazenda comprometeu-se a analisar o assunto e a apresentar os documentos relativos à situação referente aos deslastres no Porto de Setúbal, que os deputados em causa consideravam gravosos para esta cidade, uma vez que portos como Cádis, Alicante, Cagliari e outros apresentavam sal mais barato, embora de qualidade inferior, devido ao facto de não possuírem obrigação de entrada de barcos “em lastro”40. Em 1875, o deputado Arrobas entregou à apreciação da Câmara dos Deputados a representação da Câmara Municipal, solicitando a “concessão dos lastros e produto do respectivo imposto para fazer o aterro da praia entre o cais [da Nossa Senhora da Conceição] e o baluarte do Livramento”41, obras que atenuariam as dificuldades que se verificavam no Porto de Setúbal, devidas especialmente ao assoreamento provocado pelos deslastres ao longo de séculos. Em 1893, O Districto de 26 de Fevereiro publica um artigo do advogado João Carlos Botelho Moniz, contrariando a impugnação da Hidráulica sobre a decisão da Câmara Municipal em conceder o espaço obtido pelo aterro a construções e, assim, conseguir mais verbas para a conclusão do projecto, dada a insuficiência das quantias atribuídas pelo

ADS, FAC,. ACMS, Liv. Reg. 5º Matoso, 1570-1632, p. 280-281. ADS, FAC, ACMS, Liv. Ver. 1837-38-39-40, p. 80 e 100. 39 Diário de Lisboa, Lisboa, nº 159 de 19 de Julho de 1861. 40 Idem, ibidem. 41 Gazeta Setubalense, Setúbal, 21 de Fevereiro de 1875. 37

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• Costa Oeste de Portugal, entre o Cabo da Roca e o Cabo de Sines, Missão Hidrográfica da Costa de Portugal, 1928, Instituto Hidrográfico. • Planta da Praça e Vila de Setúbal, levantada por Maximiano José da Serra, Coronel do Real Corpo de Engenheiros, desenhada por Caetano José Vaz Parreiras, 2º Tenente do mesmo Corpo, 1820, Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar.


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Estado, ou seja a concessão do imposto de deslastre cobrado no Porto de Setúbal, desde 175442. Era também frequente entrarem no porto “inúmeros navios importando para Setúbal diversos produtos de sua primeira necessidade e que, no seu retorno, iam carregados de sal, que assim era exportado para as costas da Bretanha, para Holanda, Suécia e Noruega, por um preço de frete extraordinariamente reduzido, o que de facto animava e favorecia muito a exportação”43. Mas, a venda do sal para o estrangeiro ficou reduzida quase exclusivamente ao frete directo, o que provocava o aumento de preço deste produto, situação que, aliada à concorrência do sal espanhol e italiano, causaram a “quebra dos excepcionais lucros que a indústria do sal produzia em tempos que não [iam] longe”44.

Setúbal: o abraço entre o mar e a terra “Diz-se que uma cidade é sempre primitivamente um mercado, e facilmente se concebe que um mercado se situe num cruzamento de estradas, por onde acorram os produtos de troca”45. Em Setúbal entrecruzam-se três grandes vias mercantes: a terrestre, a fluvial e a marítima. Foram estas últimas que determinaram, mais acentuadamente, a localização da cidade, propiciando o seu rápido desenvolvimento, fazendo dela o grande empório comercial que sempre foi por causa das condições excepcionais do seu porto. Aqui encontramos concretizada a célebre expressão de Iribarren Cavanilles, inserta na sua obra intitulada Obras marítimas oleaje y diques, publicada em Madrid em 1954, quando decide apresentar uma definição de porto: “[...] é [o] lugar de enlace das comunicações, dos transportes marítimos com os terrestres”. No nosso caso, poderemos juntar-lhe também os fluviais. O aspecto físico da cidade apresenta-se-nos de duplo carácter, pelas modificações que imprime à região ocupada e pelo seu volume geométrico. Vista de uma certa altura, a cidade apresenta-se como um sólido irregular, não homogéneo, em que se salientam duas partes fundamentalmente distintas: os grupos de casas e os seus intervalos, cultivados ou não. O feitio da cidade deriva das suas condições físicas, que definem a localização dos principais centros de desenvolvimento e de habitação. Tendo em conta as características do aglomerado populacional e do seu porto, é fácil entender a formação de pequenos núcleos, primitivamente separados, mas que se uniram com o desenrolar dos tempos. O burgo central, onde habitavam as classes mais abastadas, estava encerrado nas muralhas medievais. A Oeste, desenvolveu-se o bairro de Troino, onde viviam pescadores mais pobres, e a Este instalaram-se agrupamentos de diversa origem histórica e etnográfica, que formaram os bairros das Fontainhas, de Palhais, e da Aldeia do Chinelo, hoje Aranguês, entre outros. Fisicamente, Troino e a zona central da urbe seguem a mesma linha de desenvolvimento, enquanto que o agregado de Este, social e etnograficamente mais fundido com a vila, diferencia-se dela em termos geográficos. As linhas de água tiveram também grande importância no desenvolvimento da vila, posteriormente cidade. O núcleo primitivo, instalado no interior das muralhas medievais, era assim protegido dos ataques vindos do mar e da terra, quando as investidas de invasores ou meliantes se verificavam. Os corsários faziam imensas incursões pelo porto e, consequentemente, assaltos à cidade. Troino não foi abrangido pelas muralhas feitas com a contribuição dos moradores, pela sua incapacidade financeira e, como tal, os seus habitantes pouco ou nada tinham que interessasse aos assaltantes. Após 1640, D. João IV projectou novas fortificações, que vieram a ser construídas no século XVII, e protegiam quase toda a vila de Setúbal. Uma terceira etapa no desenvolvimento da cidade foi marcada pelos aterros sucessivos, espaço que foi ocupado por edificações industriais, na sua quase totalidade junto ao rio. Aliás, o desenvolvimento da cidade processou-se sempre em função da proximidade da margem; cresceu ao longo dela, ou entrou pelas águas quando necessário, a fim de evitar a delapidação das quintas, ricas em pomares e cereais46. Em Setúbal quase não havia travessas, porque o rio, com o seu porto, era o centro de toda a actividade da população. Mas o clima facilita-

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Este imposto era pago por todos os navios que vinham carregar sal a Setúbal, sendo aplicado de princípio só a navios que deslastrassem e, depois, a todos os que viessem ao porto, mesmo sem lastro.

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va também o tipo de urbanização desenvolvido nesta povoação ribeirinha. A aspiração deste povo era circular à sombra de Verão e ao abrigo da nortada, bastante agreste e desagradável, no Inverno. O comércio, seguindo o trânsito, concentrava-se nas ruas mais estreitas, especialmente na dos Ourives e na dos Sapateiros, e ainda na viela junto à Igreja de S. Julião. Mas, duas excepções se nos apresentam. A primeira refere-se ao desenvolvimento de uma linha de viação transversal completa, através das ruas de S. José e das Farinhas que se prolongam até Santa Maria ligando o Cais à porta da Vila. Posteriormente, ela manteve o movimento entre o Cais e a estação dos caminhos-de-ferro, uma vez que estes seguiam a mesma direcção da estrada. Verificamos assim que as causas geográficas conservam a mesma linha de circulação, apesar de terem variado completamente as causas económicas e os meios de transporte. O mesmo não acontece com os bairros localizados a Este, que para o rio apenas possuem íngremes “quelhos” como o da ladeira das Fontainhas e o do Quebra-Costas. Para terra, o espaço plano propicia um aglomerado urbano, cujas ruelas se dirigem a Palhais. A segunda excepção reporta-se à existência de uma rua oblíqua, Antão Girão, que se dirigia ao poço do concelho, inicialmente único posto abastecedor de água à vila. Os largos, ampliação dos adros das igrejas, serviam como ponto de encontro nos tempos de lazer, mas também como local de negócios nas horas de trabalho. O largo do Sapal, empório do comércio, especialmente do ambulante, estava ligado ao Largo da Misericórdia, centro de beneficência e de contratação de trabalhadores, através da rua dos Ourives. Mais à frente ergue-se a Igreja de Santa Maria, núcleo religioso do burgo. Da aglomeração comercial ao corpo religioso, com passagem pelo local onde se prestava assistência aos mais necessitados, completava-se a via sacra do cidadão setubalense, que subia em direcção ao sítio da purificação, imagem do céu que se perspectivava para além da morte.

Melhoramentos e ampliação do porto Até finais do século XIX Como verificámos, o “golfo” do Sado era a localização ideal para o nascimento de um aglomerado urbano capaz de servir de suporte a um porto com características excepcionais como era o caso do Porto de Setúbal. O território era pantanoso e inóspito, mas esta situação facilitava a defesa dos ataques vindos do mar. As águas dos ribeiros, do estuário do rio Sado e do mar forneciam o delicioso peixe mas faltava terra para o crescimento da urbe. Primitivamente as águas dos ribeiros corriam, praticamente sem leito definido, a céu aberto, para o estuário do Sado, formando um vasto pântano misto. A seco havia apenas a parte Oeste da cidade; todo o resto desta, até à Brasileira de S. Francisco, foi conquistado pelos setubalenses sobre o charco. Não podemos esquecer, como já foi referido, que a principal praça de Setúbal se chamava de o Sapal e que, a seu lado, estava o Sapalinho. Neste contexto, Setúbal lançou-se na conquista de terras, rumo ao rio. O “golfão” do Sado, um dos traços desta união entre o mar e a terra, torna-se, assim, um inevitável ponto de localização e de população. A cidade e o porto são construídos, crescem e desenvolvem-se, pois encontram-se num local privilegiado, num cruzamento de caminhos. Os afluentes são encaminhados e cobertos, dando um óptimo apoio no referente ao saneamento básico. Nem sequer há problemas com os níveis das águas uma vez que, em Setúbal, os aterros e os desaterros encontram terrenos planos, sem dificuldades para a sua consecução. Em torno da praça do Sapal, já recuperada, nascem palacetes e, junto ao porto, constroem-se as casas das pessoas que exercem o seu mester através dele. As casas dentro das muralhas, que haviam sido construídas pelos moradores mais abastados, começam a ser insuficientes e o velho porto, já seco, não serve as necessidades dos moradores. Urge resolver este problema. É preciso pensar novamente em aterros, não só para conseguir mais território como também para construir um novo porto, dotado de melhores condições para as embar-

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cações que o procuram. As primeiras obras executadas no Porto de Setúbal, com fins exclusivamente militares, foram anteriores ao terramoto de 1755 e nelas estavam integrados os baluartes da Conceição e do Livramento, para jusante do qual se prolongava um muro-cais, talvez assente em estacaria e destruído durante o terramoto. Destas obras apenas existem notas sem quaisquer pormenores explicativos da sua realização. O Engenheiro Adolfo Loureiro, que se dedicou à pesquisa sobre os portos marítimos do país, diz que o primeiro projecto de obras para Setúbal por ele encontrado data de 1793 e refere-se a uma doca ou caldeira, projectada pelo coronel Chermont, entre os baluartes do Livramento e da Conceição, destinada a dar abrigo a pequenas embarcações. Mas somente em 1836 foi autorizada, por concessão da Câmara Municipal de Setúbal, a construção de uma doca junto à foz do ribeiro do Livramento, feita por um particular47. A sociedade Torlades & Cª. aforou à Câmara de Setúbal, pela importância de 6$400 réis anuais, em escritura pública lavrada nas notas do tabelião da mesma cidade Álvaro Bernardino Cabral em 13 de Janeiro de 1836, um terreno baldio na praia do Cadoz, a Oeste do Cais Novo48. Na escritura declarava-se que aquela sociedade comercial aforava o referido terreno para nele estabelecer uma fábrica de “imprensar” sardinhas e mais pescarias, e bem assim, fazer uma doca, contígua à mesma fábrica, da qual se utilizaria, não só aquele estabelecimento, mas também quaisquer embarcações que pretendessem abrigar-se dos rigores das tempestades. A fábrica já não existia no final do século, mas a doca sobreviveu. Em 1841, a sociedade Torlades & Cª cedeu este aforamento ao proprietário e negociante João Montague Galloway pela renda anual de 120$000 réis, mas na qualidade de subenfiteuta49. Por escritura pública realizada no dia 16 de Setembro de 1850, a sociedade Torlades & Cª passou ao negociante João Esteves de Carvalho o domínio útil do terreno. E em 30 de Dezembro de 1863, este comerciante remiu o foro, que pagava à Câmara, por 213$100 réis50. O cais, se tal era possível chamar ao espaço entre o quartel de Caçadores até onde chegava a praia em frente de Setúbal, estava totalmente desempedrado, tendo apenas uma pequena extensão de cantaria no areal, onde as pessoas tomavam banho51. Esta doca, apesar das péssimas condições por falta de aterro de zonas difíceis, foi, durante muitos anos, o único abrigo de que o porto dispunha para as pequenas embarcações. A Alameda da Praia, hoje Avenida Luísa Todi, entre a ponte do Livramento e o quartel do Cais, foi mandada calcetar e terraplenar quando Jacomo Maria Ferro era presidente da Câmara, nos anos de 1848 e 1849. Posteriormente, foi arborizada desde as Fontainhas à Saboaria, por determinação das vereações presididas pelo Dr. António Rodrigues Manitto, que também dinamizaram o nivelamento e o embelezamento da rua da Praia, entre o forte do Livramento e o largo de Nossa Senhora Anunciada52. Em 1855 o Engenheiro inglês John Rennie, incumbido de fazer um estudo sobre as obras de que os portos portugueses estavam carenciados, referiu as excelentes condições naturais de que dispunha o Porto de Setúbal, mencionando no seu parecer, datado de Março de 1857, a necessidade de construção de uma ou de duas estacarias de madeira ou de ferro (jetëes) à entrada do porto, para que fosse possível canalizar as correntes de enchente e de vazante, para assim manter a profundidade da barra. Aconselhava ainda o estabelecimento de dois cais, no prolongamento da doca particular já existente, para maior facilidade de embarque e de desembarque de mercadorias. Estas obras, que propiciariam importantes melhoramentos no Porto de Setúbal, não se realizaram53. Só dezanove anos mais tarde, em 1876, a Câmara Municipal de Setúbal deu início às obras de aterros e de prolongamento do cais entre os dois baluartes, utilizando, para tal, o produto do imposto de deslastre, que lhe havia sido atribuído desde o ano transacto, com esta finalidade54. Em 1876, a Câmara Municipal, sob a presidência de Rodrigues Manitto, dera início ao aterro para prolongamento do Cais de Nossa Senhora da Conceição até ao baluarte do Livramento. Para a concretização destas obras, o Município solicitou e obteve a concessão do produto da taxa de deslas-

Eng. A. de M. Cid Perestrello, ob. cit., p. 6. ADS (Arquivo Distrital de Setúbal), FN (Fundo Notarial), 74/329, f. 34-39. 49 ADS, FAC, Aterro do cais, sem paginação. Esta informação encontra-se também nos Relatórios e contas dos exercícios de 1924-1925 e 1926, da Junta Autónoma das Obras do Porto e Barra de Setúbal e do Rio Sado, Setúbal, 1927, p. 16. 50 Idem, ibidem 51 Idem, ibidem 52 Idem, ibidem 53 Eng. A. de M. Cid Perestrello, ob. cit., p. 8. 54 Idem, p. 9. 47

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• Plano Hidrográfico da Sondagem da Barra do Rio Sado, 3ª Repartição da Majoria General da Armada, 1912, Instituto Hidrográfico • Sondagem da Barra do Rio Sado, 3ª Repartição da Majoria General da Armada, 1912, Instituto Hidrográfico


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tres paga pelas embarcações que chegavam a Setúbal, durante o prazo de três anos, assim como o produto do deslastre, concedido desde 1875. O aterro não só facilitava as cargas e descargas, como fomentava a salubridade daquela zona, evitando que, na baixa-mar, ficassem a descoberto os resíduos de peixe e outras matérias que, decompostas pela acção do sol, produziam cheiros nauseabundos e gases nocivos à saúde pública. A planta foi feita pelo Engenheiro Carlos Ernesto Freire de Aguiar Cardoso, e toda a obra orçada em 25 419$130 réis. Os trabalhos foram dirigidos pelo Engenheiro João Pedro Caldeira e fiscalizados por Severino António José da Rosa55. O imposto do deslastre, cobrado desde 1754 aos navios que vinham carregar sal a Setúbal, foi concedido, nesta data, à Câmara Municipal de Setúbal por um período de dez anos, sucessivamente prorrogados. Na última cedência foi exigido ao Município que construísse uma doca para abrigo de pequenas embarcações, a Nascente do cais da Conceição, e que o prolongasse desde o Baluarte do Livramento até Albarquel56. Os fundos concedidos eram, no entanto, insuficientes para a execução de obras desta envergadura. Em 1880 João Esteves Carvalho ainda era proprietário da doca, na qual entravam por ano de 180 a 190 embarcações. Destas, as que faziam o serviço das marinhas pagavam 120 réis anuais por cada moio de lotação, enquanto que para as de pesca não havia tabela fixa. Como se pode deduzir, ela apenas servia para abrigo de embarcações miúdas. Era quase toda construída de terra, sustentada por estacas de pinheiro, precisando de frequentes reparos57. Neste mesmo ano, Pinho Leal referia que o Porto de Setúbal era um dos mais concorridos do reino, frequentado anualmente por centenas de navios estrangeiros e nacionais. Na costa havia também numerosas embarcações, “armações” e “artes”, que se dedicavam à pesca, indústria que, em muitos anos, pagava de impostos importâncias iguais ou superiores a 11 000$000 de réis. Se a este valor juntarmos os direitos pagos pelos produtos importados e exportados, assim como as taxas pagas pelos barcos de cabotagem, verificamos a avultada soma que o tesouro público arrecadava no Porto de Setúbal58. Apesar de tão importante receita, as autoridades não se preocupavam em melhorar as condições deste abrigo, que não possuía um barco salva-vidas, um cabo ou uma âncora que prestasse auxílio, em caso de naufrágio. A autoridade marítima não dispunha sequer de um escaler para ir ao mar quando qualquer embarcação solicitava a sua presença59. Mas tudo o que se fizera era ainda insuficiente. Novos estudos conduziram a projectos para a construção de uma nova doca de abrigo e para uma ponte-cais na parte mais avançada do Baluarte da Conceição. Em 1892, o Engenheiro Vasco da Gama Braga fizera um projecto para a realização de um muro-cais entre a fábrica de M. J. Mendonça e Albarquel, que propiciaria a regularização da margem, facilitaria o tráfego comercial e conquistaria novas terras para terraplanagem. Mais tarde, a Câmara encarregou o Engenheiro Vasconcelos e Sá de elaborar um projecto definitivo para as obras do Porto de Setúbal. Este projecto foi executado parcialmente, tendo sido construído um talude empedrado, que abateu pouco depois por deficiência de construção.

No dealbar do século XX Aproximava-se o século XX e as obras necessárias para o desenvolvimento do porto continuavam entregues à Câmara Municipal, que não tinha capacidade para resolver esta questão. Em 1901 a Câmara foi autorizada a cobrar uma contribuição sobre todas as mercadorias exportadas pelo porto, excepto vinhos, substituindo-se o tributo de deslastre por uma taxa sobre os navios que saíssem pela barra de Setúbal. Além destes novos impostos, o Município contraiu um empréstimo, amortizável com o produto destes, para a construção de um muro-cais ao longo da margem do Sado em frente da cidade, uma doca de abrigo para pequenos barcos, uma ponte-cais acostável e o prolongamento do ramal do caminho-de-ferro até à ponte-cais60. Em 1903, o projecto para as obras foi entregue ao Engenheiro Vasconcelos e Sá e consistia na continuação do aterro avançado para o rio, do cais da Conceição ao baluarte do Livramento, terminando por um talude empedrado de 1,5:1. O Engenheiro Adolfo Loureiro era de opinião de ADS, FAC; Relatório da gerência da Câmara Municipal de Setúbal, desde 2 de Janeiro de 1870 até 2 de Janeiro de 1880, apresentado pelo presidente da respectiva vereação, António Rodrigues Manitto, Lisboa, 1880, p. 11-12; Alberto Pimentel, Memória sobre a história e administração do Município de Setúbal, Lisboa, 1877, p. 282. 56 Eng. A. de M. Cid Perestrello, ob. cit., p. 9. 57 ADS, FAC, Aterro do cais, sem paginação. 58 Pinho Leal, ob. cit., p. 290. 59 Idem, p. 291. 60 Relatórios e contas dos exercícios de 1924-1925 e 1926, da Junta Autónoma das obras do porto e barra de Setúbal e do rio Sado, Setúbal, 1927, p. 36. 55

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• Planta de um terreno que a Câmara Municipal de Setúbal aforou entre a estrada municipal de 2ª classe de Setúbal à Rasca, Joaquim Lúcio Lobo, Coronel de Engenharia, 1908, Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar. • Projecto das obras do Porto Comercial, da Pedra Furada ao Baluarte da Conceição, Alfredo Augusto Abreu, 1914, Arquivo Distrital de Setúbal


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que estas obras seriam prejudiciais para o leito do rio, acabando por ter influência no porto e na barra. Em 1904, o mesmo responsável pelo projecto elaborou novo plano das obras para montante do baluarte da Conceição até à Pedra Furada. O Engenheiro Loureiro considerava que este projecto era mais fiável e indispensável para a conquista de terrenos para a estação marítima do caminho-de-ferro de Setúbal e do Vale do Sado. Em 1906 as obras foram confiadas ao traço do Engenheiro Gonçalves Moreira, então Director da 4ª Direcção dos Serviços Fluviais e Marítimos. O novo projecto para melhoramentos no porto compreendia a regularização da margem numa extensão de 1 281 metros, uma pequena doca para barcos de pesca junto ao Baluarte do Livramento e uma grande doca com cerca de 3,80 hectares de superfície molhada, para montante do Cais da Conceição. Os trabalhos foram orçados em cerca de 170 contos de réis, tendo a Câmara Municipal contraído um empréstimo na Companhia de Crédito Predial. As obras iniciaram-se pela construção de um grande número de blocos artificiais e pela aquisição de um guindaste e de uma draga, que não chegou a funcionar61. Mas não tiveram continuação por falta de recursos devido aos problemas financeiros da Companhia do Crédito Predial, onde tinha sido contraído o empréstimo. Em Agosto de 1910, foi feito um contrato entre a Câmara Municipal de Setúbal e os Caminhos-de-Ferro do Sul, pelo qual esta companhia desistia do empréstimo de 40 000$000 réis, que a edilidade lhe faria nos termos da carta de Lei de 12 de Junho de 1901, em troca da realização das fundações para a estação de Setúbal-Mar e das suas dependências, entre outras obras que iriam também beneficiar o Porto de Setúbal. Com a chegada de 1911, as obras do porto, preocupação permanente havia longos anos, voltaram a ser alvo de estudos, embora a sua realização dependesse da construção do caminho-de-ferro do Vale do Sado e, principalmente, da sua passagem ou não pela cidade de Setúbal62. Estes e outros problemas, relacionados com o traçado definitivo da linha-férrea do Vale do Sado, obrigaram a nova paragem das obras do porto. Após ter sido definitivamente confirmado pela Portaria de 14 de Junho de 1912 que o caminho-de-ferro do Vale do Sado passaria pela cidade de Setúbal, a Comissão Administrativa deste Município iniciou o processo que viabilizaria o projecto da construção do novo porto. Assim, “tratou com a Caixa Geral de Depósitos um empréstimo de 303 200$000 réis, conforme a autorização dada pela Lei de 12 de Junho de 1901” e aprovada “pelo Conselho Superior de Obras Públicas e Minas em 1909”63. Tendo em conta o desenvolvimento futuro deste empório comercial, que o projecto existente não contemplava, a Comissão decidiu entregar a revisão do documento a Lopes Galvão que, por não se encontrar no continente, deixou o trabalho entregue ao Engenheiro Lisboa de Lima. Resolvida a questão, no ano de 1912 a edilidade negociou novo empréstimo com a Caixa Geral de Depósitos, viabilizado em 4 de Fevereiro de 1916, e contratou o Engenheiro Lisboa de Lima para desenvolver um novo projecto, apresentado em 191464. Compreendia, entre outras coisas, a regularização da margem do Sado numa extensão de 3 546 metros e a construção de uma grande doca, com cerca de 5,90 hectares de superfície molhada, entre as Fontainhas e o Baluarte do Livramento, sendo o seu orçamento de cerca de 1 500 000$00 e o projecto mais avançado de todos os que até então tinham sido apresentados. Mas o desenrolar da I Guerra Mundial bloqueou, mais uma vez, o projecto que, pela sua envergadura, se tornou megalómano para as capacidades da autarquia setubalense. Em Outubro de 1915, foi apresentada na Comissão Executiva da Câmara Municipal uma proposta do Engenheiro António Carlos Aguado Leotte Tavares para a construção e exploração do Porto de Setúbal na qual ele se comprometia a realizar, por sua conta e risco e no prazo de cinco anos, as obras segundo o projecto do Engenheiro Lisboa de Lima, desde a Pedra Furada até Albarquel, em troca de várias regalias, nomeadamente a exploração do porto, suas dependências, estaleiros e terrenos, cobrança de todos os impostos que pertenciam à Câmara, excepto os referentes à área destinada à estação do caminho-de-ferro e às ruas e praças, durante 60 anos65. A proposta foi analisada e entregue também, para estudo, à recém-criada Sociedade de Defesa e Propaganda de Setúbal que, em 17 de

Eng. A. de M. Cid Perestrello, ob. cit., p. 9-12. Relatório das gerências de Outubro de 1910 a Dezembro de 1911, apresentado em sessão de 28 de Fevereiro de 1912, Setúbal, Câmara Municipal de Setúbal, 1912, p. 35 e 36. 63 Relatório da Gerência de 1912, apresentado em sessão de 19 de Fevereiro de 1913, Setúbal, Câmara Municipal de Setúbal, 1913, p. 58. 64 Relatórios e contas dos exercícios de 1924-1925 e 1926, da Junta Autónoma..., ed. cit., p. 7. 65 O Elmano, Setúbal, 6 de Outubro de 1915, 1ª p. 61 62

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• Plano Hidrográfico da Enseada e Porto de Setúbal, António Artur Baldaque da Silva, 1887, Instituto Hidrográfico • Plano Hidrográfico da Enseada e Porto de Setúbal, levantada pelo Eng. J. I Xavier de Brito, da autoria de António Artur Baldaque da Silva, 1º Tenente da Armada, 1887, Arquivo Distrital de Setúbal, (reprodução da carta anterior)


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Novembro, criou uma comissão composta por 25 membros das várias áreas representativas da cidade66. Esta comissão informava, em 9 de Dezembro, que o projecto estava bem encaminhado67 mas, depois, nada mais aconteceu. Em 1919 a firma Ferdinand Garrec & Cª, então na posse dos terrenos anexos à doca, requereu licença para ali construir cinco armazéns, licença que lhe foi concedida com a condição de, em qualquer tempo, quando fosse necessário para a execução das obras do porto, os demolir à sua custa e sem direito a qualquer indemnização. Esta firma ficava também autorizada a construir um aterro para o lado do rio de modo a que entre os armazéns e a linha de água das maiores marés ficasse uma faixa de 10 metros de largura para a fiscalização. E, em 1920, esta empresa pediu nova licença para construir uma muralha para a doca numa extensão de 15 metros, para criar, junto ao ribeiro do Livramento, três pólos de descarga de peixe; e ainda autorização para edificar muros de vedação, dragar a doca e fazer vários aterros com o produto da dragagem. Desta solicitação não havia projecto algum, mas apenas uns esboços pouco precisos. Depois de analisada, a proposta foi recusada68, mas as obras foram iniciadas e embargadas posteriormente.

Gestão de âmbito nacional O tema, já de âmbito nacional, exigia mais cuidados, facto que sensibilizou os parlamentares portugueses. O deputado Joaquim Brandão envidou esforços e conseguiu que, em 1923, pela Lei nº 1517 de 18 de Dezembro, fosse criada a Junta Autónoma das Obras do Porto e Barra de Setúbal e do Rio Sado, que começou por fazer algumas reparações mais urgentes e encarregou o Engenheiro A. de M. Cid Perestrello de rever e actualizar as propostas existentes. Este técnico iniciou o trabalho, ao assumir a direcção das obras do porto em 192569. Ao longo dos anos de 1924-1925 foram concedidas pela Junta várias licenças para pequenas instalações relacionadas com os serviços marítimos, embora com carácter provisório, e duas grandes instalações: uma da Sociedade Portuguesa da Pesca dos Cetáceos, que no ano de 1925 exportou 632 toneladas de óleo de baleia além do adubo consequente, e outra da Sociedade dos Produtos e Adubos Químicos de Portugal, que aqui procedia ao tratamento e ao embarque dos minérios de Aljustrel e de Louzal. Somente em 1925 a Junta Autónoma funcionou com o seu presidente, Dr. Carlos Osório de Vasconcellos Botelho Moniz, também presidente da Comissão Executiva da Câmara Municipal, voluntariamente empossado apenas no dia 15 de Abril, pois a edilidade recusava a perda de poderes que a criação da Junta determinava. A sessão inaugural do novo Organismo, precedida de uma sessão de instalação em 27 de Fevereiro de 1924 efectuada na Câmara Municipal, foi realizada na Capitania do Porto, local que seria o ideal para que a Junta se instalasse, não fora o seu tamanho exíguo. Foram propostos outros espaços, nomeadamente o salão do teatro Luísa Todi, o baluarte da Conceição70, donde sairia o quartel de Infantaria 11, e muitos outros que, por várias razões, não se concretizaram. Finalmente, em Setembro de 1925, foi possível arrendar a parte térrea dum prédio na Avenida Luísa Todi, onde se despenderam 50 717$53 em obras de adaptação71. As primeiras sessões da Junta Autónoma das Obras do Porto e Barra de Setúbal e do Rio Sado foram dedicadas, principalmente, ao debate do seu Regulamento interno, que foi aprovado em 16 de Julho de 1924, confirmado pelo Decreto nº 10 187 de 16 de Outubro e publicado, juntamente com a sua Lei Orgânica, em Abril de 1925. Em cumprimento do disposto no artigo 3º desta Lei Orgânica, a Junta Autónoma deveria proceder ao levantamento topográfico e hidrográfico dos terrenos sob a sua jurisdição. Mas, em face da atitude hostil da Câmara Municipal, a operação tornava-se bastante mais difícil. Assim, no dia 19 de Novembro de 1924, foi nomeada uma comissão composta pelo Capitão de Mar e Guerra Salazar Moscoso, pelo Engenheiro Claro da Ricca e pelo Capitão-Tenente Álvaro Marta, cuja incumbência era “proceder à delimitação dos terrenos marginais do rio Sado”72. Em 1924, após ter sido elaborado o levantamento hidrográfico do espaço onde estavam previstos os trabalhos para início do novo Porto de Setúbal, desde o sítio da Graça a montante, até ao forte de Albarquel a jusante, o Engenheiro José Pais de Almeida Graça apresentou um anteproIdem, 17 de Novembro de 1915, 1ª p. Idem, 9 de Dezembro de 1915, 1ªp. 68 Relatórios e contas dos exercícios de 1924-1925 e 1926, da Junta Autónoma..., ed. cit., p. 17. 69 Eng. A. de M. Cid Perestrello, ob. cit., p. 13. 70 Ali poderiam ficar instalados também os serviços da Junta, da Capitania e da Alfândega, entre outros. 71 Relatórios e contas dos exercícios de 1924-1925 e 1926, da Junta Autónoma..., ed.. cit., p. 18 e 8. 72 Idem, ibidem. 66 67

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• Planta, Doca Delpent, Porto de Setúbal, 1920, APSS • Cobertura da Ribeira do Livramento, 1914, Arquivo Distrital • Tipo de muro, empedrado e corte transversal do cais da Doca Comercial, ao Baluarte da Conceição à Praça do Lago, 1914, Arquivo Distrital


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jecto para o desenvolvimento dos mesmos. O projecto definitivo foi concluído em 1925 e enviado às entidades superiores para estudo e aprovação. Entretanto, a Junta Autónoma procedia às obras necessárias para a manutenção do funcionamento do porto. Em Outubro do mesmo ano foi adquirida uma chalupa de vela com motor auxiliar Fiat de 36 HP pela quantia de 60 000$00, para serviço de pilotagem. Para facilitar a fiscalização do cais e do hangar, fora resolvido, em Junho de 1924, fazer-se a iluminação a gás, de ambos os espaços, projecto realizado pela Companhia de Gás de Setúbal e que custou 9 866$40. Neste mesmo ano começou a funcionar o primeiro guindaste a vapor que operou no Porto de Setúbal desde 1924 até 1970. Instalado na antiga Estacada do Carvão, desempenhou um papel importantíssimo no apoio ao transporte deste combustível para a indústria da região de Setúbal, durante as primeiras décadas do século XX73. Foi feito ainda um estudo económico da região e elaborado um novo anteprojecto para as construções em perspectiva. Em Janeiro de 1926, foi submetido à apreciação do Conselho Superior de Obras Públicas, e serviu de base à elaboração do plano definitivo, aprovado pelo mesmo Conselho em Novembro de 1927. Este previa o dispêndio de cerca de 26 000 000$00, com financiamento assegurado através das normas instituídas na Lei dos Portos que, perante a importância do Porto de Setúbal (veja-se, como exemplo, o gráfico apresentado), determinava uma comparticipação do Estado na ordem dos 60% do custo das obras. Além disso, a Junta providenciara um empréstimo no estrangeiro para obviar o problema financeiro.

Obs. Os valores representados significam milhares de contos de réis.

A concessão não se apresentava difícil se tivermos em conta o caudal de navios e de mercadorias74, o movimento da Alfândega, a venda de peixe, as magníficas condições naturais, a sua situação como porto de embarque e de abastecimento do distrito de Setúbal e de grande parte dos distritos de Beja e de Évora. Importa ainda salientar o aumento de tráfego que a instalação de um pólo de carregamento de minérios, previsto para 300 000 toneladas anuais e já inaugurado, representava e a existência de fábricas de adubos e de produtos químicos em adiantada construção, que mostravam aos hipotéticos financiadores destas obras o importante papel que Setúbal tinha na econo73

Lápide existente junto ao guindaste que foi identificado como elemento de Arqueologia Industrial da actividade portuária e recuperado em Dezembro de 2002.

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• Projecto para a instalação do Marégrafo, 1927, APSS • Marégrafo adquirido pela Junta Autónoma da Obras do Porto e Barra de Setúbal e do Rio Sado, 1927, APSS, restaurado em 2003


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mia do país como porto de pesca e de cabotagem. De entre as várias iniciativas para manutenção deste abrigo, salientamos a aquisição de um grupo electrogéneo de 1, 25 Kw. - 110 voltes com bateria de 56 elementos de 80 amperes-hora que importou em 19 800$00, e foi instalado junto à casa da balança da Alfândega, para suprir as deficiências de iluminação do cais.

Intervenção do poder central Através dos relatórios da Junta Autónoma verifica-se o interesse que o Governo português dedicava a este porto, que no ano de 1926 recebeu em Março o Ministro do Comércio, a quem a Comissão Executiva da Junta Autónoma ofereceu um jantar no Clube Setubalense, e em Agosto o Ministro da Marinha, a quem a Sociedade Portuguesa de Pesca de Cetáceos deu um almoço em Tróia75. Em 1927 o Presidente da República e os Ministros da Justiça, Instrução e Agricultura, deslocaram-se a Setúbal, na sequência de um convite feito pela Câmara Municipal e pela Junta Autónoma, para visitar o porto. A deslocação daquelas entidades à cidade sadina teve lugar no dia 10 de Abril, tendo-lhes sido proporcionado um passeio pelo rio desde o Outão à zona das praias, a bordo de um navio de guerra que se deslocou a Setúbal com esta finalidade. Então, a Junta Autónoma apresentou aos visitantes o projecto para a construção do porto, que, em Janeiro de 1926, fora submetido à apreciação do Conselho Superior de Obras Públicas. Após serem introduzidas as alterações aconselhadas por aquele organismo do Estado, o novo documento serviu de base ao concurso aberto em Agosto de 1927, que não teve seguimento e, como tal, foi enviado para a Administração Geral dos Serviços Hidráulicos para aguardar o anteprojecto da estação de Setúbal-Mar estudado, conforme o Parecer do Conselho Superior de Obras Públicas, pela Direcção Geral dos Caminhos-de-Ferro76. Nesta cidade estiveram presentes, de novo, o Presidente da República e algumas entidades ligadas ao Governo Central, que participaram nas cerimónias ligadas ao lançamento da 1ª pedra para as obras do porto, no dia 28 de Julho de 1930. Os membros do Governo presentes foram os Ministros do Interior, da Marinha, do Comércio e da Agricultura que, tal como o chefe supremo da nação, se haviam deslocado a Setúbal para presidirem ao acto inaugural da luz eléctrica na cidade e para visitarem a I Exposição Regional de Setúbal77.

Efectivação das obras Ao mesmo tempo que era estudado o projecto na sua componente técnica, a Junta Autónoma fez um estudo detalhado sobre a viabilidade da sua execução, de acordo com as exigências da Lei dos Portos publicada em Dezembro de 1926 e na qual se determinava a participação financeira do Estado neste empreendimento e se classificava o Porto de Setúbal como inserido na 2ª classe. O resultado deste estudo foi entregue ao Ministro do Comércio e Comunicações e nele se salientava a importância deste porto, das suas condições naturais, do seu movimento e das indústrias que o subsidiavam. Além do novo projecto para a construção do porto, elaborado em harmonia com as indicações do Conselho Superior de Obras Públicas e que serviu de base para o concurso aberto em 1927, completou-se o levantamento da planta topográfica e cadastral dos terrenos sob a jurisdição da Junta, que foi enviada para a Administração Geral dos Serviços Hidráulicos em 28 de Novembro, depois de efectivado o acordo com a Câmara Municipal de Setúbal78. Estes deram parecer favorável à comparticipação do Estado para a consecução do projecto. O Ministro do Comércio e Comunicações concordou e a Junta Autónoma avançou com o processo. Para uma maior precisão dos orçamentos desenvolvidos pelas empresas que se habilitassem ao concurso para estas obras, a Junta mandou fazer sondagens geológicas no Rio Sado, como complemento às já realizadas para o projecto do Engenheiro Lisboa de Lima em 1914, a fim de ser possível o reajuste ao novo plano. Ainda com a mesma finalidade, foi adquirido um Marégrafo, que custou 5 347$29 e acordada com a Câmara Municipal de Setúbal a delimitação dos terrenos 79.

O engenheiro Director das Obras do Porto, A. De Mello Cid Perestrello, intitula estas deslocações dos membros do Governo a Setúbal, de “visitas misteriosas”, Idem, p. 38. 76 Relatório e contas do exercício de 1927, da Junta Autónoma..., Setúbal, 1928, p. 11. 77 Relatórios e contas dos exercícios de 1928, 1929 e 1930, da Junta Autónoma..., Setúbal, 1931, p. 69. 78 Relatório e contas do exercício de 1927, da Junta Autónoma..., ed. cit., p. 33. 79 Idem, p. 33, 37, e 48. 75

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• Pedreiras da Figueirinha, 1930, APSS • Ponte da Pedreira da Figueirinha, 1923, APSS


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Apesar das diligências desenvolvidas pela Junta Autónoma para suprir as deficiências de que o porto enfermava, a direcção deste departamento marítimo continuava empenhada no projecto elaborado para a consecução das obras delineadas para a reestruturação do aproveitamento espacial do mesmo. Este trabalho, tal como os anteriores, definia como prioridades a regularização da margem numa extensão de cerca de 4 000 metros, visando a conquista de terrenos marginais, o saneamento da parte da cidade junto ao rio e o bom regime das correntes, de modo a evitar o assoreamento junto às obras projectadas. Foram previstas docas de abrigo para pequenas embarcações e para os barcos de pequena cabotagem, de pesca e de recreio, aproveitando-se para a sua construção as reentrâncias naturais da margem. A parte destinada aos serviços comerciais ficava separada da área dedicada à pesca, pela parte reservada ao recreio e ao desafogo da cidade80. Em 1928 foi autorizada a abertura de um concurso para a consecução das obras, com pagamento a longo prazo, mas os resultados não foram satisfatórios. O relatório da Comissão de Portos foi entregue em Dezembro de 1928 e nesse documento, o processo de Setúbal foi classificado como prioritário. Em Abril de 1929 foi aprovada a nova classificação dos portos, constando já no orçamento para 1929-1930 uma verba de 100 000 contos para as primeiras obras a efectuar nas principais zonas portuárias do país81. Em Setembro do mesmo ano foi autorizada a abertura dos concursos para as obras a realizar nos portos de Lisboa, Douro-Leixões, Setúbal, Viana do Castelo, Aveiro e Vila Real de Santo António e fixadas as respectivas dotações. O concurso para o empreendimento de Setúbal foi aberto no dia 26 de Maio de 1930. Fizeram propostas as seguintes onze empresas: Dycherhoff & Widmann, de Biebrich, Alemanha; Constructora “Fierro” de Madrid; Grun & Bilfinger, de Manheim, Alemanha; Nederlandsche Mastchapy Von Harmoerker, de Amsterdam; Walter Scott and Midleton, de Londres; Sociedade de Construções e Reparações Navais, de que era societária a firma Hersent, de Paris; Sociedade “Puertos y Pantanos”, de Bilbau; Sociedade Metropolitana de Construcciones, de Barcelona, societária da Siemens Baú, de Berlim; Hojgaard & Schultz, de Copenhagen; Mesquita Lda, de Lisboa; Julius Berger, de Berlim. À excepção de um, que se prontificava a apresentar, para os trabalhos de dragagens e para outros trabalhos especiais, elementos técnicos nacionais ou estrangeiros, todos os restantes concorrentes apresentaram certificados de trabalhos de construções em portos e alguns também de trabalhos de dragagens. Seis dos candidatos propuseram modificações ao projecto que lhes foi apresentado, como era permitido pelo artigo 4º do programa de concurso, e dos quais resultava redução dos custos da obra. Analisadas as 11 propostas e aplicando os preços unitários às quantidades de trabalhos calculadas no projecto elaborado pela Junta, foram obtidos os preços totais por cada um dos trabalhos e os preços globais para cada uma das propostas. Os preços globais, segundo o projecto aprovado e segundo as modificações apresentadas, foram, para as diferentes propostas, as seguintes:

A estimativa de custo da obra, feita pela Junta era de 1 267 930$0082, pelo que, depois de analisadas as várias propostas, em 27 de Junho de 1930 foi feita a adjudicação do mesmo à firma dinamarquesa Hojgaard & Schultz A/S, de Copenhaga, com a colaboração, para os trabalhos de drenagem, da firma holandesa Van den Bosch & De Vries, de Utrecht, cuja proposta fora julgada a mais vantajosa83.

Eng. A. de M. Cid Perestrello, ob. cit., p. 13-14. Idem, p. 17. 82 Relatório e contas do exercício de 1930, da Junta Autónoma, 25 de Março de 1931, p. 60 e 63. 83 Eng. A. de M. Cid Perestrello, ob. cit., p. 18. 80 81

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Assinado o contrato, imediatamente a seguir à cerimónia do lançamento da primeira pedra, os empreiteiros iniciaram os trabalhos preliminares. No dia 8 de Setembro começou a preparação da pedreira da Figueirinha, situada a cerca de 800 metros a Oeste da Torre do Outão, para possibilitar a extracção da pedra, necessária para as obras. Estas pedreiras forneceram a totalidade da pedra necessária para os enrocamentos assim como grande parte do material necessário para o revestimento da protecção dos taludes empedrados, num total de cerca de 300 000 metros cúbicos84. Em Outubro chegou a Setúbal o primeiro material flutuante destinado ao projecto, que necessitou de uma draga de baldes, duas de secção e repulsão e uma de colher, vários rebocadores, batelões e lanchões, uma cábrea flutuante de 30 toneladas, entre outro material utilizado. As drenagens de fundação tiveram início no dia 26 de Dezembro e, no dia 7 de Janeiro de 1931, foi lançado no fundo o primeiro batelão de enrocamentos, começando a construir-se os blocos de betão que assentavam sobre ele em 22 de Junho. Em 15 de Julho foi iniciada a construção dos taludes empedrados na parte de jusante do porto85. Em 18 de Dezembro foi, por Portaria do Ministério do Comércio e Comunicações, nomeado o Engenheiro Administrador-Geral dos Serviços Hidráulicos e Eléctricos para outorgar o contrato da empreitada, que foi assinado em 20 de Janeiro de 193186. As instalações portuárias que, em 1924, estavam reduzidas à ponte e Cais da Conceição, passaram a incluir, em 1931, as docas do Comércio, das Pescarias e de Recreio, e ainda três estacadas exteriores com 350 metros de comprimento total para navios até 6,50 metros de calado, uma extensão de 120 metros para navios até 3,50 metros de calado e duas interiores com 30 metros cada, para navios até 3,50 metros de calado, recentemente construídas87. O processo foi longo e moroso, face às dificuldades encontradas e aos problemas financeiros. A evolução dos trabalhos realizados no Porto de Setúbal até aos nossos dias será analisada, mais detalhadamente, no próximo capítulo.

Movimento do porto Movimento de mercadorias e de navios Tendo em conta as excelentes condições naturais do Porto de Setúbal, poderemos dizer que, desde longa data, este aglomerado urbano foi um importante centro comercial e marítimo. Segundo referências contidas nos documentos da Ordem de Santiago, existentes na Torre do Tombo, no começo do século XVI faziam-se, por este porto, exportações e importações de grande monta, com especial relevo para o sal, que se enviava para todo o mundo. Mas, já em finais do século XIV vinha referido numa lista de portos elaborada em Florença88 e, em 1492, aparecia, bem destacado, na carta de Martin da Boémia como já referimos. As laranjas de Setúbal, o produto da pesca, nomeadamente a sardinha e o célebre salmonete, para além do afamado sal, foram, desde sempre, os produtos que mais contribuíram para o desenvolvimento do Porto de Setúbal. No entanto, não podemos esquecer que este se encontrava situado na “encruzilhada de grandes vias de comunicação [terrestres e fluviais] que ligavam o Alentejo a Lisboa [...]. O intenso comércio provocou o crescimento do burgo, que depressa se tornou uma das várias réplicas da cidade do Porto, juntamente com Aveiro, Lagos, Tavira, Faro e outras”89. Nos finais do século XVI Setúbal contava já com 3 000 vizinhos e, em 1614 tinha uma população de 7 500 habitantes dos quais cerca de 6 000 eram marítimos que se ocupavam 3 000 na pesca e 3 000 na navegação. Então, perante a decisão de libertar de impostos os pescadores, o povo pediu à Câmara que não isentasse “do pagamento dos feitos as pessoas que faziam parte das companhas dos pescadores e mercantes [pois que, se assim fosse, estes tributos] só seriam pagos pela quinta parte da população”90. Nesta altura começava a verificar-se tendência para a organização da vida económica, social e administrativa de Setúbal. O povo da vila foi o mais sacrificado pelas características das actividades que exercia e pela A. de M. Cid Perestrello, Breve notícia sobre as obras do Porto de Setúbal, Setúbal, 1933, p. 4. Relatórios e contas dos exercícios de 1928, 1929 e 1930, da Junta Autónoma..., ed. cit., p. 69-70; Eng. A. de M. Cid Perestrello, O Porto de Setúbal, ed. cit., p. 19-20. 86 Relatórios e contas dos exercícios de 1931, da Junta Autónoma..., ed. cit., p. 70-71. 87 Documentação existente na Direcção de Pilotagem da Barra de Setúbal. 88 Paulo Drumond Braga, “Um percurso por Setúbal Medieval”, I Encontro sobre Estudos Histórico-Culturais e desenvolvimento de Setúbal, Universidade Moderna de Setúbal, 20 a 23 de Novembro de 2002. 89 Idem, ibidem. 90 Livro de Vereações, 1614, Arquivo da CMS, inserto nos Anais de Setúbal, II940, p. 82. 84 85

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• Carreiras de vapores com escala no Porto de Setúbal, 1888. Arquivo Distrital de Setúbal

posição estratégica da povoação. Quando D. Filipe I, em guerra com os holandeses, decidiu em 29 de Maio de 1585 proibi-los de comprarem o sal em Setúbal, os habitantes da vila sofreram e insurgiram-se contra tal medida, mas o rei só levantou a proibição em 1588, restabelecendo-a novamente, e por mais três anos, em 1589. Nos derradeiros anos da governação filipina, quando se retomou a venda normal do sal, foi instituída a Mesa do Sal, na Casa da Alfândega de Lisboa e, cerca de dois anos depois, foi tomada a mesma medida em Aveiro e em Setúbal. A comercialização de produtos teve, assim, lugar de destaque visto que, por volta de 1609, muitos comerciantes estrangeiros aportavam a Setúbal com o objectivo de trocarem as suas mercadorias por outras aqui produzidas, com especial destaque, mais uma vez, para o precioso sal. Então, um alqueire de sal custava, nas lojas de Setúbal, doze réis, enquanto que um pão de onça custava dez réis e uma joeira de palha custava sete a onze réis91. Em 1758, o Padre de S. Julião Guilherme Ignacio de Affonseca Lemos, referindo-se a Setúbal dizia: “He porto de mar, e na sua bahia em que se mete o rio Sadão cabem dozentos navios, os que frequentão são Suecos, Dinamarquezes, Irlandezes, e todas as naçoins do norte, que vem tomar carga de Sal”92. As embarcações de terra eram, então, os iates, que transportavam o sal e o peixe para a Galiza e para outros portos, nomeadamente portugueses. Havia também as lanchas do alto, as chinchas de pesca e os barcos para outros serviços, sobretudo para transporte do sal das marinhas para os navios. O sal de Setúbal constituiu, assim, até aos meados do século XIX, um dos mais poderosos factores do nosso comércio exterior, atingindo a sua exportação, ainda nessa época, cerca de 125 000 moios, que rendiam para cima de 600 contos de réis e carregavam mais de 550 embarcações nacionais e estrangeiras. A produção das marinhas do Sado, cujo número era computado em cerca de 380 nos fins do século XVIII, excedia 226 000 moios, empregando-se nelas cerca de 2 000 trabalhadores93. Esta situação provocava grande circulação de pessoas entre Setúbal e Alcácer do Sal. Assim, em 28 de Junho de 1839, por Carta de Lei, foi regulamentada a navegação no Sado por barcos a vapor que realizavam carreiras entre Setúbal e Alcácer do Sal. Através do artigo 2º do Diário do Governo de 11 de Dezembro de 1840, em nome de D. Maria e emanado do Ministério do Reino, o Governo prestava à Empresa da Navegação do Tejo e Sado todo o auxílio necessário para assegurar a navegação do Sado por barcos movidos a vapor94. Em 14 de Agosto de 1869, o Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, por ordem de D. Luís, determinava a aprovação do contrato celebrado entre o governo e Hugo Parry & Genro, em 20 de Fevereiro deste mesmo ano, para a continuação de “uma carreira regular de navegação a vapor no Rio Sado, entre Setúbal e Alcácer do Sal”, ficando revogada a legislação existente em contrário95. Também vapores de passageiros estrangeiros, especialmente ingleses, faziam escala em Setúbal. Além da importância do comércio do sal, como será referido em capítulo próprio, o Porto de Setúbal teve grande relevo na exportação de vinhos, cortiças e laranjas da região, que em 1875 atingiu cerca de 10 500 litros de vinho, 1 250 toneladas de cortiça e mais de 800 000 laranjas96. A grandeza deste porto deve-se, no entanto, à indústria da pesca, que sempre empregou uma parte significativa da sua população. O rendimento anual da pesca era, nos fins do século XVIII, avaliado, em média, em 40 000 cruzados, sendo o seu valor anual, nos meados do século XIX, perto de 100 000$000 réis. No princípio do século XX o valor do pescado rondava os 600 contos, empregando-se nesta indústria mais de 500 embarcações com cerca de 3 000 tripulantes. A Grande Guerra deu-lhe maior incremento, pois em 1917 havia mais de 800 barcos com aproximadamente 4 000 tripu-

Livro de Registos, 1594 a 1598, Arq. da CMS, Anais da cidade de Setúbal, 7822, p. 16 a 23. “As informações paroquiais de 1758”, R. Peres Claro, Setúbal no século XVIII, Setúbal, 1957, p. 25. 93 Eng. A. de M. Cid Perestrello, O Porto de Setúbal, ob. cit., p. 37. 94 Diário do Governo nº 294, 11 de Dezembro de 1840, p. 136. 95 Diário do Governo nº 189, 23 de Agosto de 1869, p. 381. 96 Eng. A. de M. Cid Perestrello, ob. cit., p. 37. 91 92

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lantes, sendo o valor do pescado superior a 2 000 contos. Em 1923 ocupava 5 253 homens que compunham a tripulação de 659 embarcações e venderam, em 1924, quase 50 000 contos de peixe. Em 1934 a pesca em Setúbal mantinha mais de 3 000 pessoas, laborando em 587 embarcações, das quais 78 possuíam motor mecânico97. Também a exportação de conservas, que chegou a atingir em 1925 perto de 25 000 toneladas no valor de mais de 65 000 contos, sofreu até aos anos de 1930 várias oscilações, baixando para cerca de metade em 1927. Posteriormente iniciou uma curva levemente ascendente, chegando em 1938 próximo de 12 000 toneladas. Apesar da diminuição da tonelagem exportada, os valores atingidos pela venda das conservas de peixe, de Setúbal para o estrangeiro, chegaram a representar 50% dos quantitativos nacionais. De entre os países importadores deste produto setubalense, salientaremos a França, seguida da Alemanha, da Bélgica, da Inglaterra, da Itália e dos Estados Unidos da América. Nos anos de 1923 a 1933 os produtos mais exportados pelo Porto de Setúbal foram o sal, as conservas de peixe, os minérios vindos do Alentejo e as cortiças. Importaram-se fundamentalmente as matérias-primas necessárias à conservação do peixe, nomeadamente da sardinha, como a folha-de-flandres, o estanho, o chumbo, o carvão e o azeite. Neste período, as exportações mantiveram sempre quantidades e valores muito superiores às importações.

O movimento do Porto de Setúbal, que continuava ocupando o terceiro lugar no Continente, conforme se depreende dos dados publicados pela Direcção Geral de Estatística nos seus boletins mensais, teve ainda, no ano de 1930, um acréscimo no volume exportado e no número e tonelagem de navios entrados no porto, devido ao desenvolvimento da exportação de minérios e da indústria das conservas98. O facto de se terem realizado as obras do porto não aumentou o número de embarcações que a ele se dirigiam, mas facilitou o acesso a barcos de maior “calado”, como se pode verificar através do relatório da Junta Autónoma, redigido no ano de 1931: “O número de navios que entraram no porto foi este ano um pouco inferior ao do ano anterior, sendo porém a sua tonelagem total um pouco mais elevada”99.

Eng. A. de M. Cid Perestrello, ob. cit., p. 37, p. 38. Relatórios e contas dos exercícios de 1928, 1929 e 1930 da Junta Autónoma..., Setúbal, 1931, p. 81. 99 Relatório e contas do exercício de 1931, da Junta Autónoma..., Setúbal, 1932, p. 19. 97

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• Projecto de abertura de um canal de ligação entre o rio Tejo e o rio Sado, Jose Theresio Michelotty, lente de Hidráulica Prática na Real Academia de Fortificações, Artilharia e Desenho e Sargento-Mor do Real Corpo de Engenheiros, 1812 (a 1ª imagem é uma reprodução, em tamanho reduzido do projecto existente no GEAEM), Arquivo Distrital de Setúbal.

O movimento de mercadorias importadas e exportadas através do Porto de Setúbal viu os seus valores diminuídos em 1931100 devido à redução da venda de minérios feita pela SAPEC. No entanto, o seu movimento total atingiu, neste ano, 193 443,6 toneladas, com o valor de 113 803 240$00, importância pouco inferior ao quantitativo atingido em 1930. Em 1934, o Director das Obras do Porto, Engenheiro Cid Perestrello, dizia que poucas vezes um conjunto de condições tão favoráveis se teriam reunido, como acontecia em Setúbal, para o estabelecimento de um grande porto que, depois do de Lisboa, era o que possuía melhores condições naturais de abrigo, de acesso e de fundeadouro.

Canais artificiais: projectos não realizados Os transportes fluviais foram, desde sempre, utilizados com óptimos resultados, tendo em conta as facilidades que proporcionavam. Neste contexto não admira que, desde tempos imemoriais, os humanos tenham tentado, sempre que os rios eram insuficientes, abrir canais artificiais que complementassem aqueles que a natureza lhes fornecia. À semelhança de outros povos, mesmo da antiguidade como foi o caso de fenícios, egípcios, gregos e romanos, os portugueses sentiram esta necessidade e tentaram obviá-la. Assim, em 1765, o Marquês de Pombal nomeou Luís Ferrari de Mordeau Intendente Geral da Agricultura, que implementou um projecto de

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193 443 toneladas com o valor de 113 803 contos.

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investigação sobre o desenvolvimento agrícola em Portugal e publicou o resultado dos seus estudos no ano de 1782. Neste relatório sugeria a abertura de um canal navegável que ligasse o rio Tejo ao rio Sado e comentava: “Figure-se, pois, que está feito este canal de Lisboa a Setúbal. Ora que conveniência e que regalo não seria vir de um rio para outro, pelo interior das terras, em uma ou duas horas, com embarcações de carga imensa de todos os frutos [...] a fábricas de Além Tejo e destas partes para a outra [...]”101. Como o governo não concretizava o projecto, em 1787, Jacome Ratton requereu a limpeza do rio das Enguias para que se escoassem as águas dos seus terrenos, dando assim início a um canal de navegação, quando tal se proporcionasse, entre o Tejo e o Sado, por Águas de Moura. Em 1788, juntaram-se-lhe os Corregedores da Comarca de Setúbal e os dirigentes do Corpo Santo que se deslocaram a Barroca de Alva para estudarem o prolongamento do canal entre o rio das Enguias e a ribeira de Marateca, proporcionando a ligação entre estes dois grandes rios portugueses - Tejo e Sado. Em Março de 1808, Setúbal foi ocupada pelos franceses102 que, numa perspectiva centralizadora, tentaram pôr em prática o projecto geognóstico dos arredores de Setúbal, que previa a abertura deste canal103. O projecto visava, mais uma vez, proporcionar uma mais fácil ligação entre o Alentejo e Lisboa facilitando, assim, o transporte de mercadorias para a capital. Em 1811 o assunto voltou a ser aflorado e retomado o projecto apresentado em 1800 pelo duque de Lafões. Os trabalhos ficaram a cargo do italiano, então ao serviço de Portugal, Major Engenheiro Jose Theresio Michelotty, lente de Hidráulica Prática na Real Academia de Fortificações, Artilharia e Desenho e Sargento-Mor do Real Corpo de Engenheiros, que procedeu ao nivelamento de terrenos e ao levantamento de plantas que apresentou em 22 de Fevereiro de 1812. O principal objectivo deste empreendimento era, agora, servir de fosso militar. No entanto, o seu mentor salientava ainda a necessidade de uma boa navegabilidade para maior facilidade de transporte de géneros e esgotamento das águas existentes em excesso naquelas paragens, propiciando o enriquecimento das terras de baldio por onde o canal passaria. Michelotty foi coadjuvado pelo Capitão de Engenheiros Luís Máximo e pelo 1º Tenente de Artilharia António José Pereira. O seu relatório era acompanhado por um corte longitudinal do terreno segundo o traçado do projectado canal e ainda de uma planta compreendendo todo o terreno entre o rio da Marateca e o rio Tejo, na foz do rio das Enguias. O autor defendia que não deveria recorrer-se a máquinas ou a engenhos para se fazer a navegação por meio de eclusas, mas apenas por escavação dos terrenos abaixo da baixa-mar para que o canal usasse as águas superficiais, nomeadamente dos pântanos e dos sítios demasiadamente húmidos. Assim, havia uma rentabilização do empreendimento, uma vez que se conseguia a água necessária para a navegação e se enxugava as terras tornando-as produtivas104. Em 14 de Agosto de 1812 D. Miguel Pereira Forjaz, Conde da Feira e Secretário do Conselho de Regência em Portugal, enviou o projecto ao Conde das Galveias, então no Rio de Janeiro junto da Corte Portuguesa que ainda ali se encontrava, para que o apresentasse ao Príncipe D. João, Regente do Reino. Esta realização foi dada como certa, uma vez que o próprio Jacome Ratton, quando entrevistado em Londres em 1813, se congratulava com o facto de ter visto nos periódicos portugueses o anúncio deste evento que ele próprio havia concebido em 1790 e que, outros técnicos o redefiniram em 1812. Jacome Ratton salientava, então, as diferenças entre este e o seu projecto que se baseava na manutenção dos acidentes naturais do terreno e na canalização das águas excedentes dos terrenos circunvizinhos e das águas da chuva, guardadas em albufeiras, para esses espaços secos. Em seu entender, o projecto que, em 1812, o governo viabilizara era muito mais dispendioso, pela intervenção necessária - cortes de comunicação - e pelas longas e profundas escavações que exigia. Mas, em 1818, o Conde das Galveias informava que o projecto ainda estava no gabinete de Sua Alteza Real e acabou por não ter despacho favorável.

Citado no Anteprojecto do canal Sado-Tejo, Memória, pelo Engenheiro Director do Porto de Setúbal..., Ministério das Comunicações, Outubro de 1956, p. 9. ADS (Arquivo Distrital de Setúbal), FAC (Fundo Almeida Carvalho). 103 J. T. Michelotty, Defesa da Peninsula ao sul do Tejo - memoria sobre a formação de um canal entre Setubal e Lisboa..., Lisboa, A. P. de Azevedo, 1811, p. 9, ADS, FAC, pasta 98. 104 Anteprojecto do canal Sado-Tejo, ob. cit. p. 13. 101 102

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• Plano Hidrográfico da Barra e Porto de Setúbal, Missão Hidrográfica da Costa de Portugal, 1928, Instituto Hidrográfico • Plano Hidrográfico da região circunjacente à fábrica da baleia, Missão Hidrográfica da Costa de Portugal, 1928, Instituto Hidrográfico


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Durante as lutas liberais, Setúbal esteve envolvida na guerra civil, havendo combates nos seus subúrbios em 1833-1834105. Nesta data, José Ferreira Borges, ao referir a necessidade que o país tinha de vias de comunicação, falava na importância que teria para o desenvolvimento do país, e mais concretamente das terras ao Sul, um canal que ligasse o Tejo ao Sado106. Este canal seria muito importante não apenas para o desenvolvimento económico das regiões por onde passasse como também para uma melhor estruturação da defesa desta zona. Nos anos de 1851 e 1852, o industrial Manuel Gomes da Costa S. Romão pensou subsidiar o projecto e organizar uma companhia para o explorar mas faleceu entretanto107. O deputado por Setúbal Domingos Garcia Peres fez inúmeras diligências no parlamento para que o governo providenciasse as obras, ao mesmo tempo que em 15 de Dezembro de 1853 a Junta Geral do Distrito de Beja solicitava também este empreendimento108. Face ao desinteresse mostrado pelas entidades governativas, em 1857 surgiu a proposta de uma companhia para realizar as obras e explorar o canal. O Setubalense de 7 de Junho de 1857 referia com simpatia a tentativa de viabilização do projecto. Mas, com a construção do Caminho-de-Ferro de Sueste esfriaram, de novo, as vozes que defendiam a construção do canal, uma vez que os transportes estavam mais facilitados, embora muitas outras pessoas influentes continuassem a defender as vantagens deste meio de comunicação. Em princípios de Novembro de 1887 foi publicado um projecto global para abertura e exploração de diversos canais incluindo, mais uma vez, o de Setúbal-Lisboa. Na imprensa de então podia ler-se que o Engenheiro Civil Cândido Xavier Cordeiro requerera ao governo a concessão da abertura e a exploração, por 99 anos, de um canal de navegação ligando os rios Tejo, Sado e Guadiana com garantia de juros de 5,5% do capital empregue na razão de 36 000$000 réis por quilómetro. O canal começaria no esteiro de Aldeia Gallega, hoje Montijo, transporia a divisória do Tejo e do Sado nas alturas do Pinhal Novo e seguiria em direcção ao braço do Sado que passava nas proximidades de Águas de Moura. Na Marinha Nova bifurcar-se-ia em dois sentidos, um em direcção a Nossa Senhora da Graça e o outro, o principal, entraria no esteiro do Carvão. A partir daqui a navegação far-se-ia pelo rio Sado até Porto do Rei onde seria aberto um outro canal até à foz do rio Odivelas donde derivaria para Ferreira do Alentejo, passando por “Albernóe” e Mértola onde entraria no rio Guadiana. A alimentação do canal entre o Tejo e o Sado seria feita com águas do Tejo elevadas por meio de máquinas potentes, enquanto que no restante percurso até ao Guadiana o fornecimento de águas seria feito por albufeiras a construir nas linhas de água próximas a “Albernóe”109. Os estudos sucedem-se e, em 1888, António Arthur Baldaque da Silva, Tenente da Armada e Engenheiro Hidrógrafo, publicou um artigo no Commercio de Portugal alertando para os perigos que este projecto traria, nomeadamente a redução da secção do rio Tejo para 1/8 da então existente, situação que provocaria imensos estragos no Porto de Lisboa. Aconselhava, portanto, a suspensão das obras até que estudos mais concretos fossem realizados, uma vez que a alternativa que ele pensava viável seria bastante mais económica110. O mesmo Engenheiro pedia, em 1891, a execução de um canal que ligasse o Tejo ao Mondego, ria de Aveiro e rio Douro sem falar, sequer, no projecto Tejo-Sado111. Em 1918 foi novamente falada a necessidade da construção do canal entre o Tejo e o Sado. O Coronel de Artilharia, Engenheiro Ramos da Costa, ao elaborar o “Estudo para a Organização do Sector Sul da Defesa Terrestre do Campo Entrincheirado de Lisboa”, publicado na Revista de Artilharia, verificou o alcance que esta via de comunicação navegável poderia ter. Iniciou os estudos necessários, nomeadamente a actualização da Carta Topográfica das Terras entre o Tejo e o Sado, numa escala de 1/20 000, do traçado em planta e do perfil longitudinal, numa escala de 1/200. O traçado era idêntico aos anteriores mas preconizava o atravessamento da linha-férrea do Sul e Sueste. O projecto foi apresentado na Sociedade de Geografia em 16 de Agosto de 1919, focando-se, então, a precariedade e o custo elevado dos transportes existentes e a necessidade deste canal para a defesa das cidades de Lisboa e de Setúbal. ADS, FAC. José Ferreira Borges, Instituições de Economia Política, Lisboa, 1834, ADS, FAC, 98/2. 107 ADS, FAC, pasta 98. 108 Câmara dos Senhores Deputados, sessão de 13 de Maio de 1853. 109 Gazeta Setubalense nº 963, 6 de Novembro de 1887, 1ª p. 110 De 14 790 contos de réis sem incluir os esgotos da cidade passaria para 7 000 com o custo dos esgotos incluído. In: Revolução de Setembro, nº 13 638, 10 de Fevereiro de 1888. ADS, FAC, 98/4. 111 Jornal Portugal, 23 de Janeiro de 1891. 105

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O Ministro do Comércio e Comunicações, Ernesto Júlio Navarro, presente na apresentação destes estudos, por Portaria de 14 de Novembro nomeou uma comissão para os analisar, tendo em conta a oportunidade destas obras não apenas pela melhoria nos transportes como pelo “aproveitamento dos valiosos terrenos da Península de Setúbal”112. A comissão fez os estudos necessários e elaborou um relatório no qual constavam as bases para o lançamento de um concurso público para adjudicação da obra. O relatório foi entregue ao Ministro pelo Engenheiro Justino Teixeira mas, mais uma vez, não teve andamento. Como o Porto de Lisboa era já insuficiente para escoar os produtos que por ele circulavam, nomeadamente os referentes às, então, Províncias Ultramarinas, por Portaria de 14 de Novembro de 1949, o Ministro das Comunicações nomeou uma comissão presidida pelo Administrador Geral do Porto de Lisboa, para estudar a possibilidade de criação de uma ou de mais zonas francas neste porto, situação que foi alargada ao Porto de Setúbal em 21 de Abril de 1950. Em Junho de 1952, a comissão concluiu pela conveniência do estabelecimento de zonas francas nos portos de Lisboa e de Setúbal, situação que foi viabilizada através da Portaria de 17 de Março de 1954 na qual se determinava também que os custos respectivos fossem repartidos pelos dois portos interessados. Na sequência destas medidas, voltou a ser aflorada a ideia da abertura do canal que ligasse as duas cidades, obviando o custo dos transportes e mantendo o mesmo regime franco, “principalmente da zona franca industrial de Setúbal para a zona franca comercial de Lisboa”113 que, conjuntamente, formariam “um bloco económico viável114”. São, assim, salientadas as vantagens deste empreendimento no que se refere ao transporte das matérias-primas, dos produtos industriais e agrícolas das bacias do estuário do Sado para o estuário do Tejo e, consequentemente, para Lisboa. Salienta-se o transporte dos cimentos oriundos da SECIL, do arroz, da cortiça e do sal115 que asseguravam, no mínimo, um tráfego anual de 320 000 toneladas, aumentadas ainda pelo transporte das pirites alentejanas para a CUF do Barreiro. Como se previa a instalação da Siderurgia Nacional na península de Mitrena, no estuário do Sado, esta faria aumentar o tráfego no canal de mais cerca de 220 000 toneladas ao ano, acrescidas de mais cerca de 20 000 provenientes dos produtos necessários para a construção naval que se instalaria na zona de Alcochete. Da cabotagem entre os portos de Lisboa e de Setúbal fariam ainda parte os transportes de gasóleo, super-fosfatos, juta, sacos de papel, além de muitos outros produtos que aproveitariam as vantagens em tempo dispendido, custos de fretes e facilidades no acesso aos locais de destino e que superariam, de longe, as 20 000 toneladas por ano. Este empreendimento que visava o desenvolvimento económico do país e, especialmente, da região de Setúbal, zona industrial por excelência, seria realizado em três fases distintas para obviar os custos que envolvia. Na “primeira fase o tráfego limitar-se-ia à utilização de batelões do tipo 300 toneladas, calando num máximo 1,8 metros”116. Na segunda fase “o canal seria alargado de modo a permitir a utilização por batelões de maior capacidade, tipo 600 toneladas” e permitindo a navegação em via dupla117. Na terceira fase realizar-se-ia o aprofundamento do canal de modo a propiciar a navegação aos navios de guerra portugueses e ainda o “material portuário”118. Neste projecto são apresentados dois traçados diferentes, embora com alguns pontos comuns. Um faz o percurso partindo da ribeira da Marateca, no esteiro do vale do Açude e alcança o estuário do rio Tejo na foz da ribeira das Enguias. O outro sai também do vale do Açude e chega ao estuário do Tejo pelo Montijo, mantendo em comum com o anterior o percurso do vale do Açude à ribeira das Enguias. Apesar de todas as vantagens apontadas, mais uma vez as obras não foram realizadas. Porquê? É difícil saber. Vários interesses se lhe opunham, embora muitos outros o desejassem. A verdade é que nada se realizou. Face a esta situação somos levados a fazer uma

Portaria de 14 de Novembro de 1919, Diário do Governo, II série, 17/11/1919 e Portaria de 27 de Dezembro de 1919, Diário do Governo, II série, 30/12/1919. 113 Anteprojecto do canal Sado-Tejo, ob. cit. p. 24 e 25. 114 Idem, ibidem, p. 25. 115 Principalmente para a fábrica da “Soda Póvoa”que consumia cerca de 20 000 toneladas de sal ao ano. 116 Anteprojecto do canal Sado-Tejo, ob. cit., p. 31. 117 Idem, ibidem. 118 Idem, ibidem, p. 32. 112

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• Planta, anteprojecto do canal entre o Tejo e o Sado, 1909, APSS • Em 1808, durante as invasões francesas, alguns revoltosos de Olhão e Faro foram ao Brasil levar a notícia da revolta dos algarvios e da constituição de uma Regência que governava o Algarve, em nome de D. João VI. Fizeram a viagem numa embarcação de tipo caíque (O Bom Sucesso), pilotado por Manuel de Oliveira Nobre, acompanhado de Manuel Viegas e noutra, tipo iate (Nossa Senhora do Monte do Carmo), na qual seguiam António da Cruz Charrão e Domingos do Ó. Azulejos existentes no jardim de Olhão, junto à doca.


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análise especulativa sobre os acontecimentos e interrogamo-nos, tentando, ao mesmo tempo, responder às nossas próprias questões. Afinal como seria hoje a península de Setúbal se o projecto em questão tivesse visto a luz do dia? Melhor, pior, não sabemos, mas muito diferente seria de certeza. E o Porto de Setúbal? Será que teria evoluído mais ou, antes pelo contrário, teria sido menosprezado dada a facilidade de acesso dos vários produtos, nomeadamente do Sul, ao Porto de Lisboa? E para terminar, talvez um desafio. Face às agressões que o ambiente tem sofrido, e tendo em conta a defesa que ultimamente se tem feito dos meios de comunicação marítimos e fluviais, será que este projecto não continua ainda viável?

Autoridade marítima Capitania do Porto de Setúbal Até princípios do século passado, a autoridade marítima nos portos portugueses era o Patrão-Mor ou, no caso dos mais pequenos, o Guarda-Mor de Lastro, cujas funções eram definidas em regimento real e diziam respeito, fundamentalmente, à segurança e à disciplina da navegação, sobretudo na utilização das áreas portuárias e na verificação das condições de navegabilidade dos navios119. O aparecimento dos primeiros cargos de Capitão do Porto remonta a 1808, em plena Guerra Peninsular, na sequência de uma revolta popular contra a dominação francesa, como recompensa dada por D. João VI, então no Brasil, aos três revoltosos de Olhão e Faro que foram, numa embarcação de tipo caíque (O Bom Sucesso), pilotado por Manuel de Oliveira Nobre e noutra, tipo iate (Nossa Senhora do Monte do Carmo), ao Brasil levar a notícia da revolta dos algarvios e da constituição de uma Regência que governava o Algarve, em nome de D. João VI. Os pilotos e mestres destas embarcações foram graduados pelo Rei em Segundo Tenente e nomeados Capitão do Porto de Olhão e Capitão do Porto de Faro, suas terras natais, respectivamente. Um terceiro elemento, natural de Olhão, foi nomeado Capitão do Porto de Setúbal no ano de 1810, embora na lei não estivessem definidas as funções atribuídas a esta entidade. Mas, em 1815, o Capitão do Porto de Setúbal ainda não tomara posse por não haver em Portugal, “nem em seus domínios, regimento algum que regulasse as suas obrigações, por serem ofícios criados de novo”120. Tais funções aparecem clarificadas, através da enumeração das atribuídas às repartições marítimas, na carta de Lei de 1882 que as criou. O artigo 6º deste documento refere como funções dos chefes de departamento, capitães de portos e delegados marítimos as seguintes: recrutamento marítimo; matrícula das guarnições de diversas embarcações, incluindo as de pesca; registos de propriedade das embarcações de comércio; levantamento dos autos de vistoria e presidência das mesmas; superintendência do serviço dos pilotos dos rios e barras, e sobre as pescas marítimas; presidência do tribunal marítimo e comercial; socorro aos navios em perigo nas águas sob a sua jurisdição; inspecção e direcção do serviço de polícia marítima, lastros e deslastros, construções em terrenos do domínio marítimo, de acordo com o Regulamento Geral das Capitanias e do Serviço e Policiamento dos Portos. Estas funções foram ampliadas e, em Maio de 1919, através do Decreto nº 5703, era publicada nova organização geral de funções das repartições marítimas, sendo-lhes atribuídos cargos de superintendência técnica e de disciplina do pessoal da construção naval; de consignação da liberdade das indústrias marítimas; de jurisdição sobre os estaleiros, “arraiais”, “tiradouros” e “tendais” das redes de pesca. Esta lei estava ainda em vigor em 1930, embora com ajustes pontuais.

119 120

João Pedro Rodrigues, Os primeiros cem anos da repartição marítima, Julho de 1882 a Julho de 1982, Peniche, exemplar dactilografado, 1982, p. 6-7. Idem, p. 7.

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Polícia Marítima Sob a jurisdição das capitanias dos portos, a Lei nº 876, de 13 de Setembro de 1919, criou o Corpo da Policia Marítima do Porto de Lisboa e, posteriormente, o Decreto nº 7 094, de 6 de Novembro de 1920, definiu-lhe as respectivas funções; sendo, também, criado o Corpo da Polícia Marítima para os portos do Douro e de Leixões, pelo Decreto nº 6 273, de 10 de Dezembro de 1919. Assim, atribuíram-se a esta Polícia inúmeras missões de fiscalização e de investigação. O próprio Código Penal e Disciplinar da Marinha Mercante, por Decreto-Lei nº 33 252, de 20 de Novembro de 1943, artigo 181º, determinava que nos lugares onde houvesse Polícia Marítima seria esta encarregada de proceder ao corpo de delito - conjunto de diligências destinadas à instrução do processo e que poderia fazer-se por qualquer meio de prova admitido em direito. Mais tarde, aquando da orgânica do Ministério da Marinha, o Corpo da Polícia Marítima passou a constar no artigo 14º do Decreto-Lei nº 49 078, de 25 de Junho de 1969; todavia, com a publicação do Decreto-Lei nº 265/72, de 31 de Julho, foi dada nova dinâmica ao Corpo da Polícia Marítima e tornado extensivo a todas as áreas de jurisdição marítima por intermédio de destacamentos atribuídos às respectivas repartições - Capitanias. O Decreto-Lei nº 190/75, de 12 de Abril, criou o Quadro do Pessoal dos Serviços de Polícia e Transportes da Marinha, vindo a ser alterado pelo Decreto-Lei nº 282/76, de 20 de Abril, para Quadro do Pessoal Militarizado da Marinha - QPMM - no qual se definiu o Grupo 1 - Corpo da Polícia Marítima. Através do Decreto-Lei nº 191/84 de 8 de Junho, o Corpo da Polícia Marítima passou a designar-se por Polícia Marítima; no entanto, meses depois, surgiu o Decreto-Lei nº 300/84, de 7 de Setembro, que criou o Sistema de Autoridade Marítima (SAM), no qual se designa o Serviço de Policiamento Marítimo e, consequentemente, a Polícia Marítima passa a fazer parte do mesmo. Publicado o Estatuto da Polícia Marítima - Decreto-Lei nº 248/95 de 21 de Setembro - esta passou a fazer parte, concretamente, da estrutura do Sistema da Autoridade Marítima e definiu-se como uma força policial armada e uniformizada, dotada de competência especializada nas áreas e matérias legalmente atribuídas ao SAM; esclarecendo-se, no nº 1 do artigo 2º do seu Estatuto que ao pessoal da Polícia Marítima compete garantir e fiscalizar o cumprimento da lei nas áreas de jurisdição do sistema de autoridade marítima, com vista a preservar a regularidade das actividades marítimas, a segurança e os direitos dos cidadãos. O nº 2 do mesmo artigo define que o seu pessoal é considerado órgão de Polícia Criminal para efeitos de aplicação da legislação processual penal, sendo os inspectores, sub-inspectores e chefes considerados, no âmbito das suas competências, autoridades de Polícia Criminal. Por último, o Decreto-Lei nº 43/2002, de 2 de Março, define a organização e as atribuições do actual sistema de autoridade marítima e cria a Autoridade Marítima Nacional, a que pertence a Polícia Marítima. Também, o Decreto-Lei nº 44/2002, de 2 de Março, estabelece, no âmbito do sistema da autoridade marítima, as atribuições, a estrutura e a organização da Autoridade Marítima Nacional (AMN) e cria a Direcção-Geral da Autoridade Marítima (DGAM), integrando a Polícia Marítima na estrutura operacional da AMN, nos termos previstos neste diploma; verificando-se, ainda, que compete a esta fiscalizar e determinar medidas cautelares de polícia necessárias à salvaguarda e protecção de todos os meios de prova relacionados com infracções detectadas, bem como a prática de actos de instrução dos processos contra-ordenacionais, de acordo com o disposto no Decreto-Lei nº 45/2002, de 2 de Março; assim como, no Decreto-Lei nº 46/2002, de 2 de Março, se aponta para o regime do exercício da competência especializada da Polícia Marítima, nas áreas de jurisdição portuária, em matéria de segurança marítima e portuária, a aprovar pelo Conselho Coordenador Nacional do Sistema da Autoridade Marítima. Verifica-se, assim, que a existência da Polícia Marítima, à qual estão atribuídas variadíssimas missões, não só em função da legislação apontada, como em relação a muita outra que, no seu quotidiano, tem de observar, começou a exercer funções no ano de 1919.

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Pilotos da Barra de Setúbal A documentação conhecida sobre esta matéria remonta ao século XVI, 1575, e refere-se aos incentivos que a Câmara dava aos marítimos que prestassem serviço como pilotos121. No Livro de Vereações de 1601122, a Câmara autorizava as embarcações de Atouguia a navegarem pelo rio Sado sem pilotos e, no Liv. Reg. 5º Matoso, 1570-1632123, mais concretamente em 1619, eram publicados os resultados da sondagem e medição que os pilotos do porto fizeram da barra mostrando, através dos estudos realizados que eram homens muito práticos e inteligentes124. Uma Portaria de 10 de Novembro de 1692 ordenava à Câmara de Setúbal que propusesse três pessoas hábeis para pilotos práticos da barra de Setúbal. Em 10 de Junho de 1703, inserida na “Legislação sobre aboletamento”, encontra-se a confirmação da nomeação dos práticos da barra de Setúbal e determinam-se as suas obrigações125. Mas só muito mais tarde, em 1773, apareciam regulamentados os emolumentos que eram usufruídos pelos pilotos. No dealbar do século XIX verifica-se uma tentativa de uniformização da legislação de modo a que esta não difira de porto para porto. Em 1805 o Governo Central manda que na barra de Setúbal se cumpra também o Regimento da barra do Porto, situação que as autoridades locais consideram despropositada, uma vez que há mais semelhança entre as barras de Lisboa e de Setúbal do que de Setúbal e do Porto. Em 26 de Setembro de 1831 foi, finalmente, aprovado o Regulamento para o serviço de pilotagem da barra de Setúbal. Por este documento, os pilotos eram obrigados a residir o mais próximo possível da barra e exerciam o seu mester subordinados ao oficial que exercesse as funções de Capitão do Porto. Os pilotos deviam ser portadores de uma carta comprovativa das suas aptidões. Em 20 de Outubro deste mesmo ano, nova legislação vem clarificar a situação dos pilotos da barra de Setúbal, obrigando os navios que entrassem na barra a tomar um piloto “examinado” e estabelecendo “os uniformes do piloto-mor e do sota-piloto, os vencimentos dos pilotos, em geral, regulava também os uniformes dos pilotos-chefes e dos outros pilotos, que gozariam das honras dos aspirantes de pilotos da Armada”126. A pilotagem era realizada por barcos de pesca, conforme estabelecido pelo Regulamento de 1831, mas em 17 de Maio de 1878, o piloto-mor de Setúbal António Pedro Gomes Cardoso fez um requerimento pedindo autorização para retirar 12% da receita total média da pilotagem para poder manter um iate, uma lancha e uma canoa grande para a realização dos serviços de pilotagem. Este era efectuado por duas esquadras, uma em Setúbal, outra fora da barra, no iate, em turnos semanais, sob a direcção do piloto-mor e do sota-piloto, de acordo com o estabelecido no Regulamento de 1878. Até 1931, este trabalho era realizado por um iate e uma canoa de bastardo. O “Cetóbriga”, com 21,50 metros de comprimento, 4, 20 metros de boca e 2,12 metros de pontal, começou a ser construído em finais de 1930 na firma DW Kremer Sohn, Schiff Swerft, Elmshorn, Alemanha e iniciou as vigias na barra de Setúbal em 1931. Mais tarde, com a construção da Estação do Portinho da Arrábida, o serviço passou a ser feito a partir de terra, sempre que as condições do tempo e do mar o permitiam. Com a desactivação desta estação e a melhoria das comunicações por rádio, a vigilância passou a ser realizada

Livro de Vereações, 1575, p. 69 v., ADS, FAC, 73/34. P. 113v. 123 P. 280 e 281 124 ADS, FAC, 73/34. 125 Secção 6ª, p. 11, Idem. 126 Emanado da Secretaria do Real Conselho da Marinha, documentação existente na Direcção de Pilotagem da Barra de Setúbal. 121 122

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• O “Cetóbriga”, com 21,50 metros de comprimento, 4, 20 metros de boca e 2,12 metros de pontal, começou a ser construído em finais de 1930 na firma DW Kremer Sohn, Schiff Swerft, Elmshorn, Alemanha e iniciou as vigias na barra de Setúbal em 1931, Fotografia realizada em 3 de Fevereiro de 1931, álbum fotográfico, Direcção de pilotagem. • Mala pertencente à delegação de Setúbal, da Alfândega de Lisboa. Servia para transportar os documentos e o produto dos impostos pagos pelas embarcações, fotografia de colecção particular de MCQ.


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com a ida do “Cetóbriga” e dos seus sucessores, “Comandante Laurindo dos Santos” e “Sétia”, fora da barra para as pilotagens de entrada e de saída. Foram 12 os pilotos-mor que exerceram o cargo em Setúbal, nos anos de 1879 a 1976, data em que este lugar foi extinto.

Alfândega de Setúbal No Foral de Setúbal, publicado em Março de 1249, o termo alfândega aparece, segundo se pensa, pela primeira vez em documentos oficiais, significando estalagem para pessoas e mercados. Eis as palavras então utilizadas: “[...] Et nos debemus habere omnes furnos et alfândegas [...] e lojas [...] e as lezirias e os banhos publicos em Setubal”127. Em 1269 o termo alfândega surge já com significado distinto de estalagem. A primeira destinava-se a descarga de mercadorias e cobrança dos direitos reais, enquanto que a segunda servia apenas para albergar pessoas e animais. Diz-se que o rei de Portugal poderia fazer: “[...] Feiras, açougues, [...] e alfândegas cum ssa stalagem e na almedina hu quiser [...]”128. Num documento passado no reinado de D. Fernando, em 2 de Agosto de 1383, concedendo de arrendamento todos os direitos e rendas cobradas nas portagens a favor de Juça Alfaquim, morador em Faro, a palavra “aduanas” aparece, ao que se pensa, pela 1ª vez num documento oficial. Este termo surge com o significado de casa fiscal para cobrança dos direitos de entrada e de saída de mercadorias129. No caso da Alfândega de Setúbal, embora já existisse no século XV, o seu funcionamento regular parece ter começado a partir de 1538, alvará de 28 de Setembro, data em que se mudou a Alfândega de Sesimbra para Setúbal. Continuou funcionando como Alfândega independente nos séculos XVII e XVIII e no século XIX até à reorganização das Alfândegas de 7 de Dezembro de 1864, pela qual ficou incorporada na Alfândega de Lisboa. Recordamos, por exemplo, em 1632, a informação de que os privilégios até então concedidos, pelos alvarás de 26 de Abril de 1494 e de 16 de Setembro de 1499, aos oficiais da Alfândega de Setúbal eram também extensivos aos guardas e fragateiros da mesma alfândega130. Um outro documento, emanado do Paço Real, em 11 de Abril de 1679, trata o Chefe da Alfândega João de Brito e Mello, por Provedor 131. A atestar a importância desta Alfândega veja-se, por exemplo, os cargos que em 1689 aqui existiam: Provedor, Escrivão da Mesa Grande, Feitor e Recebedor da Alfândega, Feitor dos Cinco, Procurador da Fazenda e Coroa, Guarda da Mesa Grande, Meirinho, Escrivão do Consulado, Guarda do Consulado, Guardas menores, Fragateiros, Guarda-Mor da Alfândega do Sal, Tesoureiro e Recebedor dos direitos do sal, Escrivão dos direitos do sal, Escrivão da repartição do sal, Escrivão dos quintos do sal, Guardas menores da mesa do sal132, Guarda do barco, Fragateiros das fragatas do sal, Meirinho do tabaco e Escrivão do Meirinho133. Os manuscritos pertencentes a Setúbal são os mais antigos de todos os que se encontram no Arquivo da Alfândega de Lisboa134. O registo geral (nº 28) compreende os anos de 1577 a 1851 e nele estão traslados de várias provisões, padrões de juros, mandados, alvarás e provimentos de ofícios, entre outros. No primeiro volume deste registo, referente aos anos de 1577 a 1608, encontramos, a páginas 309, o traslado do alvará de 18 de Fevereiro de 1594, instituindo a imposição dos três por cento do Consulado. Os restantes manuscritos contêm os registos de entregas ao Real Erário do rendimento do Consulado de 1811 a 1826 (nº 29), de entradas e saídas do cofre do rendimento do Consulado de 1811 a 1819 (nº 30), de ordens e mandados da Superintendência do Sal e Lastros de 1732 e 1738 (nº 31), de conhecimentos do Tesouro Público de 1821 a 1827 (nº 32), de ordens, provisões e alvarás do Sal e Lastros de 1763 a 1814 (nº 33) e, finalmente, o registo de ordens da Mesa do Consulado de 1761 a 1834 (nº 34)135.

Livro dos Copos da Ordem de Santiago. fls. 284 v. e e 285 v., ANTT. Chancelaria de D. Afonso III, 1248-1279, Liv. I, Fl. 96 v., d. 2, ANTT. 129 Chancelaria de D. Fernando, Liv. 5, fl. 30v.83, ANTT. Obs: Utilização da palavra espanhola em Portugal. 130 Liv. Reg., Foral da Tabola de Setúbal, p. 138, ADS, FAC, 73/34. 131 Livro de Notas 1682-1684, fl. 104, Idem. 132 A Mesa do Sal foi instituída em Lisboa nos últimos anos da governação Filipina. Dois anos depois foi tomada a mesma medida para as alfândegas de Setúbal e de Aveiro. 133 ADS, FAC, 73/74. 134 “Alfândega de Setúbal”, Francisco Belard da Fonseca, O Arquivo Geral da Alfândega de Lisboa, Lisboa, Inspecção Superior da Bibliotecas e Arquivos, 1950, p.11. 135 Idem, ibidem. 127 128

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Pela Reforma e Organização Geral das Alfandegas do Continente do Reino e Ilhas Adjacentes, ordenada por Decretos publicados em 7 de Dezembro de 1864, Setúbal perdeu o estatuto de alfândega independente para passar a ser uma delegação de primeira ordem da Alfândega de Lisboa que pertencia à 1ª Divisão das alfândegas portuguesas, constituída pelas alfândegas marítimas e suas delegações136. A Portaria de 5 de Abril de 1865 estabelecia as regras inerentes ao serviço de fiscalização externa das alfândegas marítimas e da raia. As primeiras tinham como incumbência o policiamento fiscal das costas e enseadas, dos portos e ancoradouros. O desempenho destas tarefas pertencia ao corpo de guardas das alfândegas composto por chefes fiscais, subchefes fiscais, fiscais, guardas a cavalo, guardas a pé de 1ª classe e guardas a pé de 2ª classe. O pessoal de esquadrilha de fiscalização era constituído pelos comandantes, subcomandantes, mestres, maquinistas, ajudantes de maquinistas, fogueiros e tripulantes. O serviço de escaleres estava atribuído aos patrões e aos remadores137. Com a implantação da República em 5 de Outubro de 1910, foi elaborada nova legislação, que no caso das alfândegas foi publicada em 27 de Maio de 1911. Depois desta reforma básica, muitos outros diplomas foram promulgados, estabelecendo novas e variadas disposições que foram sendo postas em vigor. A comissão incumbida de estudar a reorganização dos serviços alfandegários apresentou o seu relatório em 1918, no qual introduzia avultadas modificações, tendo em conta a prática dos serviços e a conveniência de ajustar a lei às necessidades do comércio e da indústria, assim como das suas relações com os serviços alfandegários e de repor justiça nos vencimentos e regalias dos seus funcionários, perdidos em 1911. A classificação das delegações alfandegárias mantém-se, embora se verifique uma reestruturação orgânica e funcional das mesmas138. Instituído o Estado Novo em 28 de Maio de 1926, surge nova legislação alfandegária da qual destacamos o Decreto nº 31 965, de 8 de Abril de 1942, em que se determina a atribuição de embarcações especiais para o serviço fluvial e marítimo destinado a assegurar a fiscalização aduaneira nos portos, rios, enseadas e ancoradouros (artigo 157º). No Capítulo XII, disposições diversas, artigo 159º, que define as competências das alfândegas, dentro das suas áreas, no que respeita à organização das construções sem necessidade de autorização da Direcção Geral das Alfândegas, b), § 2º, as administrações dos portos são dispensadas de autorização para as construções em espaço próprio. Estas ficam, no entanto, obrigadas a dar conhecimento das referidas obras à Direcção Geral das Alfândegas, tendo em conta os interesses da fiscalização aduaneira. No caso de divergências de opinião entre as alfândegas e as administrações dos portos, a decisão seria tomada pelos Ministérios das Finanças e das Obras Públicas e Comunicações139. Também no artigo 160º, § 3 se dedica especial atenção às praias, ali denominadas por zonas de banhos, proibindo que nestes espaços e numa faixa de 10 metros ficassem depositados materiais com carácter de permanência, podendo, no entanto, as autoridades marítimas autorizar a colocação de barracas de madeira para banhos ou pequenas construções, desde que fossem retiradas no final da época balnear, de acordo com os directores das alfândegas e não colidissem com os serviços de fiscalização140. O Decreto-Lei nº 324/93 de 25 de Setembro considera que, tendo sido dado um passo importante para a consolidação do Mercado Único, se tornava prioritária a criação de condições indispensáveis ao seu sucesso, nomeadamente “manter em funcionamento eficaz uma união aduaneira, enquanto estrutura fundamental à regulação do comércio entre a Comunidade Europeia e terceiros países”141. Neste contexto, algumas delegações voltam a ser independentes, como foi o caso da Alfândega de Setúbal que, no âmbito do artigo 40º, Hierarquização, passou a ter sob sua jurisdição os postos de Beja, Carrascas e Petrogal. De acordo com o artigo 41º, esta Alfândega abarca os distritos de Beja, Évora e Setúbal142. De acordo com o artigo 51º, Competências das alfândegas, estas passaram a ser dirigidas por um director de alfândega e a ter mais atribuições.

Reforma e Organização Geral das Alfandegas do Continente do Reino e Ilhas Adjacentes, ordenada por Decretos publicados em 7 de Dezembro de 1864, Lisboa, Imprensa Nacional, 1865, p. 18. 137 “Portaria de 5 de Abril de 1865”, Reforma e Organização Geral das Alfandegas do Continente do Reino e Ilhas Adjacentes, Idem, p. 1. 138 Reorganização dos serviços aduaneiros, Decreto nº 4 560, 8 de Julho de 1918, Secretaria de Estado das Finanças, Secretaria-Geral, Lisboa, Imprensa Nacional, 1918, p. 3, 4, 28 e tabela VI. 139 Reforma Aduaneira, Lisboa, Ministério das Finanças, Direcção Geral das Alfândegas, Imprensa Nacional, 1942, p. 77. 140 Idem, ibidem, p. 78. 141 “Dec.-Lei nº 324/93”, de 25 de Set., Ministério das Finanças, Diário da República, I série-A, p. 5336. 142 Idem, ibidem, p. 5345 e 5351 (anexos I e II). 136

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Pela Portaria nº 705-A/2000, de 31 de Agosto, definem-se as linhas de actuação dos serviços centrais, regionais e locais, ficando as alfândegas, as delegações e os postos com autonomia em relação à Direcção-Geral. Os directores das alfândegas ficam equiparados a directores de serviços143. Na secção III, sobre a Organização dos Serviços Periféricos, artigo 20º Natureza, é definido o espaço abrangido por cada alfândega, ficando a pertencer a Setúbal a Delegação de Sines e o posto de Petrogal. Englobava, assim, os distritos de Beja, Évora e Setúbal, à excepção de Almada, Barreiro, Montijo e Seixal144. As atribuições das alfândegas são, agora, mais alargadas e englobam várias áreas, nomeadamente procedimentos aduaneiros e fiscais, prevenção e repressão da fraude aduaneira e fiscal, assuntos jurídicos, recursos humanos e materiais. Para a prossecução das competências previstas, as alfândegas dispõem de quatro núcleos: Procedimentos Aduaneiros e Fiscais; Núcleo de Informações e Fiscalização; Núcleo Jurídico; e Núcleo de Gestão dos Recursos Humanos e Materiais.

A defesa do Porto de Setúbal Nos anos de 1147 a 1217, a região onde nasceu Setúbal, situada entre as praças-fortes de Alcácer do Sal e de Palmela, estava totalmente desprotegida. Foi alvo de combates, saques e ocupações sucessivas que jamais permitiriam a existência, neste local, de uma povoação estável, mas apenas estadias ocasionais de grupos variados que aqui se dedicavam à cultura das terras, à pesca e à extracção do sal, fugindo, talvez para a serra, sempre que se verificavam as sucessivas investidas de muçulmanos e de cristãos. Terminados os conflitos, estes povos instalaram-se junto ao estuário do Sado e desenvolveram actividades nos campos, no rio e no mar que lhes proporcionaram a obtenção de autonomia administrativa, municipal e religiosa, relativamente a Palmela, como já foi referido. D. Afonso IV concedeu-lhe “termo” em 1343, a pedido dos “homens-bons” e dos vizinhos deste concelho. Entretanto, em 1325, já se havia iniciado a construção da primeira ordem de muralhas, a expensas dos seus moradores. Esta construção, para além de símbolo de independência, de liberdade, de riqueza e de uma estrutura social bastante diversificada, tinha uma importância enorme para a defesa do aglomerado urbano que, por estar situado junto ao rio, era alvo de consecutivos ataques de piratas. Estes roubavam, matavam e destruíam sempre que aqui se deslocavam. Os “muros”, como então se chamavam, foram construídos com pedra da Arrábida o que lhe dava um brilho muito especial, um brilho de jaspe, como se lhe referem documentos coevos. Estas muralhas permitiam a entrada no burgo através de cerca de 20 portas e postigos o que nos mostra a necessidade permanente de acesso ao porto para exercício das actividades dos seus moradores. Estas muralhas delimitavam uma área de contorno geral rectangular, de eixo maior, na direcção Este - Oeste, paralelo à margem do estuário e com o dobro do comprimento do eixo transversal, de direcção Norte-Sul, situação que nos mostra a dependência da população em relação ao rio e, consequentemente, ao mar. Se transpusermos esta linha de muralhas para os nossos dias verificamos que o espaço, que ela então envolvia, é hoje limitado pelo miradouro e por Palhais a Este, pela Avenida 5 de Outubro a Norte, pela Avenida 22 de Dezembro a Oeste e pela Avenida Luísa Todi a Sul. Quando, em 1758, os párocos de Setúbal respondiam a um inquérito solicitado pelo Padre Luís Cardoso, para organização de um Dicionário Geográfico, o Padre Manuel Pereira de Carvalho, Prior da freguesia de S. Sebastião, faz uma descrição clara da situação defensiva do aglomerado urbano de Setúbal. Diz-nos que o burgo tinha três bairros: o da Vila ao centro, o de Troino a Poente e o de Palhais a Nascente. O bairro da vila era murado, com “muros antigos e fortes de Pedra Jaspe da Serra da Arrábida com dez torres dispersas pelo circuito da mencionada muralha, o qual bairro da Vila tem para os mencionados bairros de Troino e Palhais três portas principais [...]”145. Perante a exiguidade espacial de que dispunham no interior das muralhas, D. João IV decidiu apoiar a construção de novas fortificações, que passaram a proteger os três bairros da vila. O início dos trabalhos esteve a cargo do príncipe D. Teodósio, filho de D. João IV e possuía vários baluartes, ou redutos, dois para Nascente e dois para Poente, três a Norte e uma cortina de muralhas a Sul, que começava nas Fontaínhas e se estendia até ao bairro do Penedo.

“Portaria nº 705-A/2000, de 31 de Agosto, Diário da República, I série B, nº 201, 31 de Agosto de 2000, p. 4486 (2) e 4486 (9). Idem, ibidem, p. 4486 (9), (11) e (12). 145 “As informações paroquiais de 1758”, R. Peres Claro, Setúbal no século XVIII, Setúbal, 1957, p. 11. 143 144

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• Vala de Escoamento de águas, 1732, Arquivo Distrital deSetúbal • Planta do Baluarte de Santo António da Praça de Setúbal, Joaquim José de Abreu, Major de Engenharia, 1864, Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar


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• Forte de Albarquel, In Carta Topográfica de parte da Estremadura, feita por oficiais ingleses ao serviço de Portugal em finais do século XIX, 1887, Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar. • Planta do Forte de Albarquel, 1887, Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar.


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Ainda a Sul existiam duas Fortalezas: a do Cais e a do Livramento. A primeira estava bem guarnecida com peças de artilharia, muitos e vários quartéis para os soldados, armazéns para recolha de munições, “trastes” bélicos, oficinas de ferreiros, “um assento de casas nobres” para residência do Capitão Engenheiro e ainda dois imóveis destinados à Vedoria e ao Corpo da Guarda. O forte do Livramento estava guarnecido com peças de artilharia de bronze e de ferro sobre carros próprios e uma casa para o Corpo da Guarda. Além destes fortes havia ainda, para protecção do porto do lado Poente, a fortaleza de Albarquel, começada a construir em 1643 e concluída no reinado de D. Pedro II (1648-1706), também guarnecida de peças de Artilharia, com umas casas grandes e o seu Corpo da Guarda para habitação dos artilheiros da fortaleza. Mais afastado da vila, mesmo junto à entrada da barra, existia o forte do Outão também muito bem guarnecido com peças de artilharia, uma praça de armas, quartéis para os soldados e artilheiros, várias casas para residência dos oficiais superiores, uma cisterna, um armazém para a pólvora e outro para as munições e ainda uma capela. Perto existia a Casa da Saúde onde ancoravam todas as embarcações estrangeiras para que a tripulação fosse vista pelo Guarda-Mor da Saúde146. No século XIX esta fortaleza foi transformada em prisão e depois em residência de férias do Rei D. Carlos (1889 - 1908), embora fosse muito pouco utilizada. Em 1909 foi transformada e adaptada a hospital para tratamento de doenças ortopédicas, função que ainda mantém. No ponto mais alto, para facilitar a protecção da barra, encontrava-se a fortaleza de S. Filipe, mandada construir durante a governação espanhola. Iniciado por Filipe Terzi, Engenheiro militar italiano, foi concluído em 1600 por Leonardo Torreano por falecimento de Terzi. Este forte tinha governador próprio, ajudante, outros oficiais, sargentos e praças, necessários à consecução dos objectivos desta instituição militar, assim como as instalações do pessoal e uma ermida para a celebração da missa dominical147. No seu interior encontramos hoje uma maravilhosa estalagem. O mesmo prelado informava também que “No que toca ao governo Militar, [Setúbal] tem de presídio hum regimento de Infantaria pago, outro de Auxiliares, e um da Ordenança, e antigamente tinha duas companhias de Cavalo, e ao presente não tem nenhuma”148. Ainda em resposta ao inquérito de 1758, o Padre Hieronimo Affonso Botelho, Prior da freguesia de Nossa Senhora Anunciada, fala-nos da existência de mais dois fortes, já antigos, inacabados e sem guarnição: o forte da Estrela149, a Oriente e o forte de S. Luís Gonzaga, forte Velho ou castelo Velho150, a Ocidente. Um outro forte, de que estes párocos não falam, é o de Santa Maria da Arrábida, mandado construir em 1676, durante a regência do príncipe D. Pedro, mais tarde D. Pedro II, por ordem do Marquês da Fronteira, membro do Conselho de Guerra, e que se destinava à “defesa do Porto da Arrábida e seus mares”, assim como para defender os frades “arrábidos” e os pescadores dos ataques dos piratas. Esta fortaleza esteve activa até ao reinado de D. Luís. No início do século XX foi arrendada a um particular e, em 1932, foi adaptada pelo pai de Sebastião da Gama, célebre poeta setubalense a pousada que funcionou até 1976. Em 1978 foi entregue ao Parque Natural da Arrábida e, em 1991, passou a albergar o Museu Oceanográfico151. Em 5 de Março de 1910 o Capitão Adolpho César Lima elaborou uma memória descritiva e justificativa para a defesa exterior do Porto de Setúbal, contra a aproximação de navios de superior tonelagem e grande poder que, permanecendo fora da barra, procurassem apoiar os navios das suas esquadras que intentassem forçar a entrada no porto. Foi, assim, preparado o projecto de uma bateria de seis obuses de 28 centímetros a construir no Zambujal, nas proximidades do Outão de Cima. Depois de um melhor conhecimento da localidade foi considerado aconselhável o estabelecimento de uma linha funicular da base do escarpado152.

Idem, ibidem, p. 12 e 13. Idem, ibidem, p. 12 e 13. Ver p. 27 e 96 desta obra. 148 Idem, ibidem, p. 8. 149 A atestar a existência deste forte encontramos ainda o seu nome na toponímia setubalense: Ladeira do Forte da Estrela, situada entre a Rua António José Baptista e a Rua Camilo Castelo Branco (perto dos Quatro Caminhos). 150 “As informações paroquiais de 1758”, R. Peres Claro, Setúbal no século XVIII, Setúbal, 1957, p. 43. Ver p. 96 desta obra. 151 Informação inserta na pedra de armas lá existente: “Governando estes reinos e senhorios de Portugal o muito alto e poderoso príncipe D. Pedro, Nosso Senhor, pelo Marquês de Fronteira, do Conselho de Guerra, seu Gentil-Homem da Câmara, Vedor da sua Fazenda, Mestre do Campo General da Corte, Estremadura, Cascais e Setúbal, [mandou] fazer esta fortaleza para defender este porto e [barra] da Arrábida e seus mares no ano de 1676. Por ordem de S. M. Foi tudo reedificado desde os alicerces, feitas as estradas de novo e se acabou em MDCCXLIX”. Ver p. 96 desta obra. 152 Adolpho César Lima, Memoria descriptiva e justificativa, para a defesa exterior do Porto de Setúbal, Lisboa, 5 de Março de 1910, 20 p. 146 147

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• Planta da Torre do Outão, Maximiano José da Serra, Sargento-Mor Engenheiro, 1806, Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar. • “Bataria” do Outão, Joaquim Rodrigues de Oliveira Júnior, Capitão de Engenharia, Jorge Alberto Câncio Tarracha e Lúcio de Carvalho Costa, desenhadores, 1950, Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar.


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• Terrenos e esplanada do Forte de S. Filipe, Setúbal, José de Ascensão Guimarães, Capitão de Engenharia, 1902, Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar • Fortaleza de S. Filipe, Maximiano José da Serra, Major de Engenharia, finais do século XIX, Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar


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Como se pode verificar pelas fortificações que o cercam, o Porto de Setúbal foi, ao longo dos séculos, um pólo de extraordinária importância no que se refere à defesa, não apenas do seu aglomerado urbano como também de todo o país, nomeadamente da sua capital, a cidade de Lisboa, pelo que, como nos dizia Almeida Carvalho, “[...] continuava a ser um dos lugares destinados ao depósito de soldados, que depois haviam de marchar para a campanha [...] [e ainda] um dos centros de administração do fornecimento do exército superintendida pelo desembargador Ribeiro de Macedo, e dirigida pelo juiz de fora da vila. [...] Em Setúbal estabeleceu-se também uma caudelaria, porque em 11 de Outubro de 1647 [foi enviada] ao Conselho de Guerra uma consulta da Junta de Criação de Cavalos [...]”153. Foi então que, em Portugal, se desenvolveu a arma de Cavalaria, após ter sido ordenado, em 31 de Agosto de 1646, que em todas as comarcas do país se procedesse à organização de corpos de cavalaria da ordenança. Em 1647, Setúbal, à semelhança do que se passava nas vilas e cidades mais importantes, foi alvo de alistamento de soldados para serviço de defesa. Cada soldado recebia 1 500 réis de soldo mas os homens marítimos que se oferecessem para servir na Armada tinham muitas outras vantagens154. Em 30 de Julho de 1703 surgiu o Regimento de Infantaria nº 7, com a criação de três companhias para guarnecer a praça de Setúbal. Pela organização do Exército de 15 de Novembro de 1707, as três companhias constituíram o núcleo para a formação do Regimento de Infantaria de Setúbal, que veio a denominar-se de Regimento de Infantaria nº 7 aquando da organização de 19 de Maio de 1806, ao qual pertenceu, como cadete, Manuel Maria Barbosa du Bocage155. Em virtude da organização de 18 de Julho de 1834 foi integrado no Regimento de Infantaria nº 13, voltando a denominar-se de Batalhão por Decreto de 4 de Janeiro de 1837 e novamente Regimento, por Decreto de 28 de Novembro de 1842. Por Portaria de 7 de Julho de 1847, voltou a existir como Regimento de Infantaria 7. Por Decreto de 7 de Setembro de 1899 foi determinada a sua dissolução, então já sedeado na Cova da Moura. O Regimento de Infantaria 11 que, tendo nascido em Penamacor no ano de 1806, participou nos combates do Alto do Viso em 1847, já depois de aqui estar aquartelado, desde 1846. Entretanto estava instalado em Setúbal o Regimento de Caçadores nº 1 que, em 1871, seguira para a então Índia Portuguesa a fim de dominar uma rebelião contra o governador português, e que, por Decreto de 14 de Setembro de 1899, passou a constituir o Regimento de Infantaria 11 que depois se manteve em Setúbal até finais do século XX, quando foi desactivado156. Já em 1879, Xavier Machado se interrogava sobre a necessidade de ser elaborada uma nova carta militar das penínsulas de Torres Vedras e de Setúbal, face às graves deficiências encontradas na que ainda estava em vigor. Oficiais como Freire de Andrade, Pelet, Osório de Vasconcelos, Chelmicki, Sousa Teles, Cunha Vianna e outros já o haviam aconselhado insistentemente. Este importantíssimo documento deveria ser elaborado numa escala de 1/25 000, ideal para uma clara identificação da região, nomeadamente das condições corográficas e orográficas, assim como as condições militares e reconhecimentos topográficos. Para que fosse possível organizar a defesa da região, a carta a elaborar deveria ter como limites espaciais a Norte uma linha curva que passasse por Peniche, Caldas da Rainha, Santarém, Tancos e Constança e a Sul pela foz do Sado e por Vendas Novas. Xavier Machado conclui as suas observações sobre este importante evento com uma forte exclamação: “[...] É precisa! É urgente! É mister que se faça”157! Nos finais do século XIX, quando as actividades bélicas acalmaram, foi iniciado o projecto para a administração militar, organizada em 36 distritos da reserva do Exército - correspondendo aos Regimentos de Infantaria e de Caçadores do Exército activo -, ficando Setúbal a pertencer ao Distrito Administrativo de Lisboa, por Decreto de 9 de Março de 1887158. Por Portaria de 6 de Dezembro de 1888, o território do continente e ilhas ficou dividido em 36 distritos de recrutamento de Infantaria, e, no caso de Setúbal, os concelhos e o número correspondente continuaram a ser os já anteriormente fixados. Em 1895, quando se verificou a reorganização militar do país, mais concretamente a composição dos distritos de recrutamento e reserva, Setúbal continuou a pertencer ao Distrito Administrativo de Lisboa - Distrito de

Almeida Carvalho, Acontecimentos, Lendas e Tradições da Região Setubalense, vol. VI, Setúbal, Junta Distrital, 1972, passim. Distrito de Recrutamento e Mobilização de Setúbal, da fundação à actualidade, 1887 - 1980, Setúbal, DRM, 1981, p. 23 e 24. 155 Resenha histórica do antigo Regimento de Infantaria nº 7, Lisboa, Tip. da Coop. Militar, 1899, p. 3. 156 Resumo histórico do Regimento de Infantaria nº 11 e Regimento de Setúbal, Setúbal, 1935, p. 7 a 12. 157 Joaquim Emygdio Xavier Machado, Será precisa uma nova carta militar, de Torres Vedras e de Setúbal?, Lisboa, Tip. De Coelho e Irmão, 1879, 8p. 158 Distrito de Recrutamento e Mobilização de Setúbal, da fundação à actualidade, 1887 - 1980, Setúbal, DRM, 1981, p.33. 153 154

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• Planta do Forte Velho e propriedades vizinhas, José Francisco Correia Leal, Capitão de Engenharia, 1906, Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar. • Forte da Arrábida, Adriano Travassos Valdez, Tenente de Engenharia, 1882, Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar.


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• Planta Topográfica da “Bataria” de Albarquel, Albino Gabriel da Costa Jana, Capitão do QAE, 1949, Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar.


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• Convento de Brancanes, postal ilustrado, s.d., colecção particular de Madureira Lopes.

Recrutamento e Reserva nº 4 - e o Regimento aqui aquartelado era, ainda, o de Caçadores nº 1. Em 1899, a “Ordem do Exército nº 10” de 18 de Setembro, segundo o disposto no artigo 5º do Decreto de 7 de Setembro, publicou alterações às Unidades já existentes. O Regimento de Caçadores nº 1 foi transferido para Lisboa, o Regimento de Infantaria nº 11 passou a ser constituído pelo então, Regimento de Caçadores nº 1 e foi transferido para Évora. Em 1901 foram profundas as alterações verificadas no Distrito de Reserva e Recrutamento de Setúbal que passou a denominar-se Distrito de Reserva e Recrutamento nº 21 e a pertencer à 4ª Divisão Militar. A sede do DRR ficou em Setúbal tal como o quartel do Regimento Activo que era o de Infantaria nº 11. Ao longo dos anos de 1902 a 1975, o espaço abrangido pelo Distrito de Administração Militar nº 11 sofreu algumas alterações, acabando por ser confirmado pela “Ordem do Exército” nº 5 (1ª série), de 31 de Maio de 1977, que publicava o Decreto-Lei nº 181/77 de 4 de Maio, pelo qual o Distrito de Recrutamento e Mobilização nº 11 (DRM 11) passava, a partir de 31 de Agosto de 1975, a ser designado por Distrito de Recrutamento e Mobilização de Setúbal (DRMSE), então instalado em dois edifícios, um na Praça de Bocage e outro na Rua Dr. Paula Borba. Este, posteriormente, passou para a Rua Garcia Peres. Havia 5 secções a saber: Milicianos e Amparos; Territoriais e Reserva Territorial; Emigrantes, Incapazes e Isentos; Licenciados em Cavalaria e em Artilharia; Licenciados em Artilharia, Engenharia, Transmissões e Serviços. Em 23 de Março de 1976, o Chefe do DRM de Setúbal solicitou que a área abrangida por esta instituição militar correspondesse à área ocupada pelo distrito de Setúbal, para maior facilidade de gestão do tempo e do espaço nos aspectos burocráticos e práticos. Em 5 de Novembro de 1980 foi criado o Batalhão do Serviço de Saúde pelo Despacho 100/REO, do Chefe do Estado-Maior do Exército, General Pedro Alexandre Gomes Cardoso, ficando a sua sede no convento de Brancanes em Setúbal. Terminava assim a deficiência do exército que datava de 31 de Agosto de 1975, altura em que fora extinto o Regimento de Serviço de Saúde159.

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Carlos Alberto Ferreira Ribeiro, “O Batalhão do serviço de saúde e o seu quartel de Brancanes”, Revista Portuguesa de Medicina Militar, vol. 29, nº 1, Lisboa, 1981, 7 p..

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• Baluarte de S. João, António de Sousa de Meneses, Tenente-Coronel de Engenharia, 1856, Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar. • Esboço que acompanha a informação de 16 de Março de 1871, relativa à porção de terreno pertencente às esplanadas das extintas fortificações de Setúbal, que Diogo Tomás de Mesquita pretendia comprar, Tomás de Aquino de Sousa, Capitão do Estado-Maior de Engenharia, 1871, Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar.


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CapĂ­tulo II Fases de desenvolvimento: de Porto Industrial a Porto Comercial


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Nas páginas anteriores: • Planta das Fortificações da Vila de Setúbal, Caetano Alberto Maia, 2º Tenente do Real Corpo de Engenheiros, 1834, Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar • A Barra e o Porto de Setúbal nos finais do século XIX, colecção particular de Madureira Lopes.


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Instalações portuárias e seu funcionamento a partir dos anos 30 do século XX Enquadramento político-administrativo A situação económico-financeira era, nos primeiros anos do século XX, catastrófica. Anselmo de Andrade dizia, em 1926, que “Portugal entrou mal na guerra e saiu dela pior”1, acusando a má gestão do poder central que sobrecarregava de impostos os trabalhadores, permitindo a fuga ao fisco e consequente enriquecimento dos detentores do capital. Vários caricaturistas representaram este status quo nas várias publicações periódicas de então. Como exemplo citamos duas imagens bastante elucidativas desta condição, publicadas respectivamente em 1912 e em 1913. São elas “Sidónio Pais, Ministro das Finanças, sangra o Zé”, 16 de Abril de 1912, na qual se pode ver, a cores, o “Zé-Povinho” pendurado no talho, desventrado e o carniceiro a dizer-lhe: “Ah! Zé! Desta vez é que ficas esfolado como um cabrito!...”. A outra, em tons de cinza, tem como título “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” sobre uma imagem dupla. De um lado gente gorda e anafada, frente a um lauto banquete a festejar a Páscoa. Do outro lado uma mesa vazia junto à qual três famintos chupam os ossos nos quais se pode ler: “Falta de trabalho”, “Contribuição predial” e “Perseguições”. Sob as imagens, a legenda “Felizes Páscoas”2. E tudo em nome da recuperação económica do país, da melhoria de vida dos cidadãos portugueses, da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade!... Mas, afinal tudo continuou na mesma. Apenas com uma diferença: os capitalistas fortaleceram a sua situação quer nacional, quer internacionalmente, enquanto que a mole imensa de trabalhadores sofreram com o desemprego, o não pagamento de salários a sobrecarga fiscal e a miséria. Mas o “Zé besta de carga”3 continuava a pagar mais e mais impostos tal como “imposto de selo, “imposto de consumo”, “contribuições diversas”, “material naval”, “contribuição de trabalho”, “aumento das rendas de casa” entre outros, tudo isto por causa da diminuição do deficit orçamental4 que, afinal, não diminuiu mas, pelo contrário, continuou a aumentar. Neste contexto, que se agrava com o conflito bélico dos anos de 1914-1918, a degradação político-social vai facilitar o golpe de Estado totalitário que se verificou em 28 de Maio de 1926. Mas, do panorama cultural da I República fez também parte a preocupação que o poder político manifestou relativamente à educação e à cultura, nomeadamente em relação aos estratos sociais mais desfavorecidos. Não podemos esquecer, ainda, a tentativa de fortalecimento do poder local. Foi neste ambiente político, social, económico e cultural que surgiu, pela incapacidade da autarquia de realizar as tão necessárias obras do Porto de Setúbal, a iniciativa de um grupo de deputados, sob proposta de Joaquim Brandão, de criar, em 1923, a Junta Autónoma das Obras do Porto e Barra de Setúbal e do Rio Sado.

Criação e funcionamento da Junta Autónoma A instalação da Junta Autónoma das Obras do Porto e Barra de Setúbal e do Rio Sado, criada pela Lei nº 1517 de 18 de Dezembro de 1923, teve lugar no dia 27 de Fevereiro de 1924, na presença de Presidente da Comissão Executiva da Câmara Municipal, Carlos de Oliveira Trigo e decorreu no Liceu Bocage onde se encontravam instalados os Paços do Concelho. Seguidamente foram eleitos os corpos gerentes e a Comissão Executiva da Junta Autónoma. Estiveram presentes os membros da Junta, segundo a Lei:

Anselmo de Andrade, Política, Economia e Finanças, Coimbra, 1926, p. 119 a 137. Os políticos e o povo, 22 de Março de 1913, In António Sousa Franco, “As Finanças Públicas na I República: a continuidade das finanças débeis, História Contemporânea de Portugal, sob a direcção de João Medina, vol. II, Lisboa, 1985, p. 168. 3 Z., 17 de Dezembro de 1912, In António Sousa Franco, Idem, p. 170. 4 “As dificuldades do Orçamento”, enorme tronco de papel enrolado que os ministros, comandados por José Estêvão (estátua a trás do grupo) que os incita a derrubarem a porta do Parlamento, pretendem obrigar os representantes da Nação a aprovarem aquele documento, In António Sousa Franco, Idem, p. 171. 1 2

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• Portos de Lisboa e de Setúbal, Península de Setúbal, s. d., António de Mariz Carneiro, (15?? - 1642), Biblioteca Nacional • Plano hidrográfico de Sesimbra a Setúbal, Missão Hidrográfica da Costa de Portugal, 1935, Instituto Hidrográfico.


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O Presidente era, por inerência, o Presidente da Comissão Executiva da Câmara Municipal de Setúbal e, como tal, presidiu à sessão de eleição dos restantes Corpos Gerentes e da Comissão Executiva. Para os Corpos Gerentes foram eleitos: Joaquim Brandão como Vice-Presidente, Mariano Augusto Coelho como 1º Secretário, Emílio Fernandes Otero, para 2º Secretário e Raul Perfeito dos Santos para o cargo de Tesoureiro. Para vogais da Comissão Executiva foram eleitos José Vicente Lopes, Capitão do Porto e Adriano Gonçalves Morais, Delegado dos Importadores de Setúbal5. Os membros da nova Comissão Administrativa da Câmara Municipal discordavam da transferência da gestão do porto para a Junta Autónoma recém-criada e, em 13 de Março de 1924, convocaram uma reunião na qual estavam presentes Henrique Augusto Pereira, Francisco Fernandes, José Maria da Silva, Manuel Joaquim de Oliveira e Silva, Manuel Luís dos Santos e Serafim dos Santos. Os dois primeiros insurgiram-se contra a criação da Junta e desligaram-se dos actos assumidos pela Comissão Executiva anterior, decisão que foi aprovada por unanimidade. Foi, assim, reposto o pelouro das obras do porto que ficou a cargo de Henrique Pereira. Então, a Junta Autónoma, representada por Joaquim Brandão, Vice-Presidente em exercício, e legalmente eleito, requereu ao Juiz de Direito a notificação da Câmara Municipal de Setúbal, na pessoa do Presidente do seu Senado e da Presidência da Comissão Executiva, para que a mesma procedesse à entrega dos bens a que estava obrigada nos termos da Lei nº 1517, de 8 de Dezembro de 1923. A notificação teve lugar a 11 de Dezembro de 1924, repondo-se a legalidade. Esta “corporação local, delegada do Governo”, tinha como atribuições6: Artigo 1º: É criada na cidade de Setúbal uma corporação local, delegada do Governo, com a denominação de Junta Autónoma das Obras do Porto e Barra de Setúbal e do Rio Sado, com os fins seguintes: a) Dirigir, administrar e executar os estudos, obras necessária, serviços, fundos, receitas, subsídios e tributos especiais destinados à construção, melhoramento e exploração do porto e barra de Setúbal e do rio Sado, e bem assim cuidar da reparação e conservação das que já existem; b) Rectificar e corrigir as margens do rio Sado e o seu regime até à sua foz, defendendo e melhorando os campos abrangidos na sua bacia; c) Promover pelos meios que julgar mais eficazes, dentro das leis vigentes, o desenvolvimento do tráfego comercial, fluvial e marítimo do rio Sado e Porto de Setúbal, assim como da indústria e agricultura em toda a região limítrofe e beneficiada pelo rio Sado, e a cujos produtos este e o Porto de Setúbal possam dar saída. § único: São conferidas à Junta Autónoma as autorizações concedidas à Câmara Municipal de Setúbal pela lei de 12 de Junho de 1901, artigo 19º, alínea b) do seu § único, passando para a mesma Junta e sendo-lhe entregues todos os estudos, trabalhos, contratos e receitas provenientes das mesmas autorizações. A lei concedeu à Junta Autónoma a liberdade de adoptar ou não os projectos para as obras do porto, já aprovados pelas Portarias de 11 de Dezembro de 1914 e de 8 de Março de 1916, entregou-lhe todas as instalações, máquinas, ferramentas, utensílios e materiais destinados às obras do porto e atribuiu-lhe as verbas provenientes da taxa designada na carta de lei de 12 de Junho de 1901, pelo Decreto de Julho do mesmo ano e pelo Decreto de 24 de Julho de 1902, assim como o produto da venda ou do arrendamento dos terrenos provenientes dos aterros e 1/2 por cento ad valorem sobre todas as mercadorias importadas pela barra de Setúbal, entre muitos outros. A Junta ficou na dependência do Ministério do Comércio e Comunicações, subordinada à sua inspecção e vigilância e em comunicação directa com a Administração Geral dos Serviços Hidráulicos. Tinha como vogais permanentes o Presidente da Comissão Executiva da Câmara Municipal de Setúbal, o Capitão do Porto, o Engenheiro Director dos Caminhos-de-Ferro do Sul e Sueste, o Engenheiro-Chefe da Repartição de Obras da Câmara Municipal de Setúbal, o Delegado do Ministério Público na comarca e o Presidente, ou um seu delegado, da Associação Industrial e Comercial de Setúbal. Havia ainda o grupo de vogais electivos composto por dois delegados dos importadores e exportadores, um delegado das firmas consignatárias de navios, um delegado das sociedades de pesca com sede em Setúbal, um delegado das associações de Socorros a Náufragos, um delegado das associações de classe e um delegado das associações marítimas. Os delegados eleitos eram obrigados a residir em Setúbal, situação que foi revogada pela Lei 1 643 de 2 de Agosto de 19247. A Junta reunia ordinariamente nos meses de Janeiro, Abril, Julho e Outubro e tinha a sua Comissão Executiva composta pelo Presidente, pelo Primeiro Secretário,

Actas de Instalação e de eleição dos Corpos Gerentes e da Comissão Executiva da Junta Autónoma..., 27 de Fevereiro de 1924, APSS. “Lei orgânica e regulamento interno”, Junta Autónoma das Obras do Porto e Barra de Setúbal e do Rio Sado, Lisboa, Ministério do Comércio e Comunicações, 1924, p. 5. 7 Idem, ibidem, p. 7 e 8. 5 6

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pelo Tesoureiro e por mais dois membros eleitos. O Engenheiro Director das obras assistia a todas as sessões da Comissão Executiva. A inspecção, técnica e administrativa dos serviços, ficou a cargo do Administrador-Geral dos Serviços Hidráulicos. O Regulamento Interno da Junta Autónoma das Obras do Porto e Barra de Setúbal e do Rio Sado foi aprovado pelo Decreto-Lei nº 10 187, de 16 de Outubro de 1924, depois de ouvida a Administração-Geral dos Serviços Hidráulicos. Uma salvaguarda muito importante é feita no artigo 4º deste regulamento: “Não pode fazer parte da Junta quem nem por si nem por interposta pessoa tenha qualquer participação ou interesse, directo ou indirecto, manifesto ou oculto, nas obras, serviços, funcionamento ou contratos que sejam realizados com os dinheiros administrados pela Junta”8. O golpe militar de 28 de Maio de 1926 alterou as estruturas do poder regional, local e das instituições sob a alçada governamental. A dissolução das vereações municipais e a consequente nomeação de comissões administrativas teve repercussões imediatas na composição das juntas autónomas dos portos, fundamentalmente por parte das inerências administrativas. Com as mudanças efectuadas, a partir de 30 de Julho de 1926, a Junta Autónoma passou a ser presidida pelo Dr. Carlos Osório de Vasconcellos Botelho Moniz, Presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Setúbal. Em 31 de Dezembro de 1926, a constituição da Junta Autónoma das Obras do Porto e Barra de Setúbal e do Rio Sado era a seguinte:

A Lei dos portos, promulgada por Decreto nº 12 757 de 2 de Dezembro de 1926, determinou que a legislação das juntas autónomas que tinham a seu cargo a construção e a exploração de alguns dos portos nacionais fossem investidas de maior autonomia, acompanhada de uma fiscalização mais intensiva. Assim, pelo Decreto-Lei nº 14 718 de 8 de Dezembro de 1927 - Lei Orgânica das Juntas Autónomas dos Portos, estas passaram a gozar de uma maior autonomia administrativa dentro dos orçamentos superiormente aprovados, dando contas ao Governo, em relatórios anuais circunstanciados, devidamente acompanhados pelas contas da gerência respectiva e pelas estatísticas do porto. Os relatórios passaram a ser assinados pelos presidentes e remetidos à Administração Geral dos Serviços Hidráulicos. A Comissão Executiva era encarregada de dar cumprimento a todas as deliberações e de administrar o porto e as suas obras, dentro da orientação por ela fixada e era composta por três vogais eleitos e dois natos sendo estes últimos o Administrador-Delegado da Junta e o Chefe do Departamento Marítimo ou o Capitão do Porto. O Presidente da Junta podia ser eleito Presidente da Comissão Executiva9. Os relatórios da Junta eram feitos nos termos da alínea n) do artigo 9º e do artigo 20º do Decreto nº 14 782 de 19 de Dezembro de 1927 e, a partir de 1 de Janeiro de 1936, os anos económicos passaram a coincidir com os anos civis. Em 1931 ainda continuava pendente de aprovação superior o novo Estatuto da Junta Autónoma, elaborado de acordo com o determinado nos Decretos nº 14 718 de 8 de Dezembro de 1927 e nº 14 782 de 19 do mesmo mês e ano e enviado à Administração-Geral dos Serviços Hidráulicos e Eléctricos em 24 de Fevereiro de 1928, pelo que a constituição da Junta Autónoma continuava inalterada10.

Idem, ibidem, p. 22. Lei Orgânica das Juntas Autónomas dos Portos, Decreto nº 14 718 de 8 de Dezembro de 1927. 10 Relatórios e contas dos exercícios de 1931, da Junta Autónoma..., Setúbal, 1932, p. 12. 8 9

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Em 31 de Dezembro de 1933, a constituição da Junta Autónoma das Obras do Porto e Barra de Setúbal e do Rio Sado era a seguinte:

Em Dezembro de 1946, foi criado, pelo Decreto-Lei nº 36 061, o Ministério das Comunicações, no qual ficaram integradas as Juntas Autónomas dos Portos. Este documento estabelecia também que a legislação que regulava a orgânica, o funcionamento e as atribuições destas juntas deveria ser revista11. O Estatuto das Juntas Autónomas dos Portos, publicado no Decreto-Lei nº 37 754, de 18 de Fevereiro de 1950, definia a composição e o funcionamento dos seus órgãos e o quadro do seu pessoal, mantendo e ampliando os princípios de autonomia das Juntas, já concedida no anterior diploma, e reforçando a fiscalização da gestão portuária. Este documento mantinha, de um modo geral, a composição e as atribuições dos órgãos das Juntas Autónomas. A alteração mais significativa refere-se à administração que era exercida pelas Comissões Executivas que não possuíam a total responsabilidade da administração porque a Lei lhes não concedia os poderes necessários ao cumprimento dessa missão. Assim, a Comissão Executiva, cuja constituição não sofreu grandes alterações, passou a designar-se de Comissão Administrativa e a ter, a par da responsabilidade da administração anteriormente repartida com a Junta, os poderes necessários à função que lhe cabia exercer, sendo para ela transferidos poderes que, até então, pertenciam à Junta Autónoma. A Comissão Administrativa era constituída por um presidente e dois vogais que eram, respectivamente, o Presidente da Junta, O Engenheiro Director e o Capitão do Porto tendo também, como secretário, o Chefe da Secretaria que não tinha direito a voto12. Neste documento as Juntas Autónomas dos Portos são definidas como organismos regionais com autonomia administrativa e financeira e com personalidade jurídica que, por delegação do Governo e sob a orientação e a fiscalização da Junta Central dos Portos (JCP), exerciam a administração das instalações portuárias do continente e das ilhas adjacentes dependentes do Ministério das Comunicações, com excepção dos portos de Lisboa, do Douro e de Leixões. Eram, então, órgãos de administração e de direcção das Juntas Autónomas dos Portos a Junta, a Comissão Administrativa e o Director do Porto. Neste contexto, a partir de 1950, a Junta Autónoma das Obras do Porto e Barra de Setúbal e do Rio Sado passou a denominar-se de Junta Autónoma do Porto de Setúbal. O orçamento de 1951 já foi elaborado nos termos do § único do artigo 43º do Estatuto aprovado por Decreto-Lei nº 37 754 de 18 de Fevereiro de 1950 - Estatuto das Juntas Autónomas - e os relatórios justificativos passaram a ser desenvolvidos nos termos definidos no § 3º do artigo 20º do mesmo Estatuto13. De acordo com o artigo 13º do Estatuto da Junta Autónoma foi eleita, em sessão plenária ordinária, a lista tríplice,

“Relatório do ano económico de 1946”, Idem, Maio de 1947, p. 2. Estatuto da Junta Autónoma dos Portos, Decreto-Lei nº 37 754, 18 de Fevereiro de 1950. 13 “Orçamento para o ano económico de 1951”, Junta Autónoma do Porto de Setúbal, 5 de Dezembro de 1950, p. 1 e 8. 11 12

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• Setúbal nos finais do século XIX, colecção particular de Madureira Lopes • Vistas panorâmicas do Porto de Setúbal, antes e durante as obras realizadas nos anos de 1930 no Porto de Setúbal, obtidas a partir do Forte de S. Filipe, APSS


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de entre os membros da Junta, enviada posteriormente ao Ministro das Comunicações que, por Portaria de 28 de Dezembro de 1950, nomeou Miguel Rodrigues Bastos como Presidente da Junta e António Ahrens Novais como Vice-Presidente, tendo estes assumido funções em 19 de Fevereiro de 1951 e passado a desempenhar também os cargos de presidente e de vice-presidente, respectivamente, da Comissão Administrativa14. O Decreto-Lei nº 40 763, de 7 de Setembro de 1956, agregou à Junta Autónoma do Porto de Setúbal o Porto de Pesca de Sesimbra. Foram, então, inseridas disposições pertinentes à sua exploração e incluídos, entre os vogais eleitos desta Junta, um representante da Câmara Municipal de Sesimbra e um representante da Casa dos Pescadores daquela localidade, designado de entre os membros da respectiva direcção pela Junta Central das Casas dos Pescadores15. Com a intenção de fundar um Centro de Alegria no Trabalho em 1968, sob a égide da FNAT, o pessoal da Junta formou uma Comissão Organizadora que se propunha fundar o CAT. A Comissão Administrativa da Junta saudou a ideia e enviou a petição para as instâncias superiores. A proposta recebeu o aplauso de todas as entidades mas não obteve de alguma delas qualquer incentivo financeiro, embora a Comissão Administrativa da Junta considerasse que, num futuro próximo, o assunto seria estudado. Permitiu, no entanto, que a Comissão Organizadora fundasse uma cantina para o pessoal, com o objectivo de facultar, nas melhores condições, a aquisição de géneros alimentícios, artigos de vestuário e outros que pudessem interessar aos servidores que quisessem inscrever-se como beneficiários da cantina16. Em 1970 foi iniciada a publicação de um Boletim Informativo, com expedição trimestral, no qual era registado o movimento portuário, dados estatísticos dos navios e das mercadorias, do pescado e de outros assuntos relativos aos portos de Setúbal e de Sesimbra17. Consumada a Revolução de 25 de Abril de 1974, assistiu-se a alterações na constituição da Junta Autónoma do Porto de Setúbal. O Presidente da Comissão Administrativa Dr. Manuel José Constantino de Goes deixou de exercer funções em 13 de Julho de 1974 e o Capitão do Porto, Capitão-de-Fragata Francisco Viriato de Castro Guise, foi substituído, como Vogal da Comissão Administrativa pelo Tenente Manuel António Carneiro, substituto legal do Capitão do Porto de Setúbal. Neste ano o relatório foi assinado pelo Vice-Presidente Jorge Alberto Carvalho Salgado18, que deixou de exercer funções em 13 de Fevereiro de 1976. Foram nomeados respectivamente Presidente e Vice-Presidente da Junta Autónoma, por despacho de 10 de Dezembro de 1974, o Engenheiro Joaquim da Silva Mendes Bragança e Engenheiro-técnico Alberto Manuel de Sousa Pereira que tomaram posse em 27 de Fevereiro de 1975. Entrou em funções como Vogal da Comissão Administrativa, em 24 de Fevereiro de 1975, o Capitão-de-Fragata Telmo Rego Hasse de Oliveira, Capitão do Porto de Setúbal. Em 1 de Outubro de 1975 tomou posse das funções de Engenheiro Director do Porto de Setúbal o Engenheiro Civil de 1ª classe António da Silva Trigo19. Em 1983 iniciaram-se na Direcção-Geral dos Portos, com a colaboração da Junta Autónoma do Porto de Setúbal, os estudos essenciais à consecução do Plano Geral do Porto de Setúbal tão necessário para a efectivação das obras de que este porto carecia20. O incremento que o sistema portuário nacional registou nas décadas de 70 e de 80 do século XX, a adesão de Portugal às Comunidades Europeias, entre outros acontecimentos, vieram reforçar a necessidade de se implementar nos portos nacionais sistemas mais modernos de gestão, de modo a permitir suportar a crescente competitividade dos restantes portos do continente europeu. Assim, publicado o Decreto-Lei nº 348/86, de 16 de Outubro, foi extinta a Direcção-Geral de Portos e criado o Instituto Nacional de Portos e Costas Marítimas (INPCM) que tinha como finalidades essenciais a assessoria do Ministro da Tutela, nomeadamente em matéria de planeamento integrado, de coordenação e função normativa do sector, além de funções executivas na preservação e valorização das costas marítimas. Neste documento previam-se também as medidas necessárias à preservação do ambiente. A estrutura e o funcionamento das administrações portuárias sofreram uma grande transformação com a publicação deste documento, que constituía a Lei Base do sector portuário, e com a aprovação do Estatuto do Pessoal das Administrações dos Portos (EPAP) pelo Decreto-Lei nº 101/88,

“Relatório do ano económico de 1951”, Idem, Maio de 1952, p. 1. “Relatório do ano económico de 1956”, Idem, Maio de 1957, p. 1. 16 “Relatório do ano económico de 1968”, Idem, Maio de 1969, p. 2 e 3. 17 “Relatório do ano económico de 1970”, Idem, Abril de 1971, p. 2. 18 “Relatório do ano económico de 1974”, Idem, Abril de 1975, p. 1 e 17. 19 “Relatório do ano económico de 1975”, Idem, Abril de 1976, p. 1. 20 “Relatório do ano económico de 1983”, Idem, Abril de 1984, p. 1. 14 15

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• Porto de Setúbal, Corte transversal do Molhe da Doca do Comércio, Cid de Perestrelo, 1925, APSS • Inauguração do porto de Setúbal após a conclusão das obras realizadas nos anos de 1930 a 1934, s.d., Museu de Marinha


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de 26 de Março que previa a passagem das Juntas Autónomas a Administrações dos Portos. Em relação a Setúbal e a Sesimbra foi, pelo Decreto-Lei nº 376/89, de 25 de Outubro, extinta a Junta Autónoma do Porto de Setúbal e criada, em sua substituição, a Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra, com a designação de APSS e aprovado o Estatuto Orgânico desta Administração, com entrada em vigor a partir de 1 de Novembro de 198921. Os relatórios da Junta Autónoma foram assinados pelo Director das Obras do Porto, Engenheiro Cid Perestrello, desde o início das actividades desta instituição portuária até final do ano de 1933. A partir desta data, o Director das Obras do Porto assina apenas os orçamentos. Desde 1934 até 1939 os relatórios passaram a ser assinados pelo Presidente da Junta Autónoma e, em 1940, transitaram para a responsabilidade do Presidente da Comissão Executiva Emílio Fernandes Otero, situação que se manteve até 1950, data em que a legislação portuária foi alterada e os presidentes da Junta passaram a ser nomeados pelo Ministro das Comunicações que escolhia entre três nomes propostos pela Comissão Administrativa da Junta (lista tríplice), eleitos de entre os membros da mesma. Voltou a ser eleito o Dr. Miguel Rodrigues Bastos. Em 1955 o relatório foi assinado pelo Vice-Presidente em exercício António Ahrens Novais porque o Dr. Miguel Rodrigues Bastos fora nomeado Governador Civil por Portaria de 29 de Janeiro deste mesmo ano. O relatório relativo ao ano de 1974 está assinado pelo Vice-Presidente Jorge Alberto Carvalho Salgado. Foram nomeados, respectivamente, Presidente e Vice-Presidente da Junta Autónoma, por despacho de 10 de Dezembro de 1974, o Engenheiro Joaquim da Silva Mendes Bragança e o Engenheiro-técnico Alberto Manuel de Sousa Pereira, que tomaram posse no dia 27 de Fevereiro de 1975. Os relatórios referentes aos anos de 1980, 1981 e 1982 são assinados pelo Vice-Presidente Manuel José Tavares, embora o Presidente também tivesse sido reconduzido no cargo, por mais três anos, por despacho do Ministro dos Transportes e Comunicações de 17 de Janeiro de 1980. O relatório do ano económico de 1989, publicado em Abril de 1990, foi assinado pela Comissão Administrativa, de acordo com o nº 2 do artigo 2º do Decreto-Lei 376/89 de 25 de Outubro: Manuel José Tavares, Capitão-de-Fragata José Luís Bessa Pacheco e José Norberto Catela das Neves.

Direcção Técnica A Junta Autónoma pensou criar o cargo de Director das Obras e convidou para o ocupar o Engenheiro Costa Serrão que, tendo sido anteriormente convidado para exercer as funções de Secretário-Geral do Fomento em Moçambique, acabou por declinar o convite que lhe fora dirigido pela Junta Autónoma e, em 25 de Janeiro de 1925, indicou para o lugar o Engenheiro Afonso de Mello Cid Perestrello, Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico. A Junta dirigiu-lhe o convite em Março. Ele aceitou e, seguidamente, foram elaboradas as bases do contrato22, aprovadas em Conselho de Ministros em Maio. Cid Perestrello foi nomeado por Decreto de 28 do mesmo mês e tomou posse em 3 de Junho23. O quadro técnico da Junta Autónoma das Obras do Porto e Barra de Setúbal e do Rio Sado foi aprovado por despacho do Ministro do Comércio e Comunicações em 22 de Junho de 1925 e era composto por um chefe de repartição de obras, um desenhador, um fiscal de obras e um apontador.

“Relatório da Gerência de 1989”, Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra, Abril de 1990, p. 1. Contrato do Engenheiro Director das Obras do Junta Autónoma das Obras do Porto e Barra de Setúbal e do Rio Sado, 14 de Abril de 1925, APSS. 23 Relatórios e contas dos exercícios de 1924, 1925 e 1926, da Junta Autónoma..., Setúbal, 1927, p. 8 e 9. 21 22

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• Talude empedrado e estacada no interior da Doca dos Pescadores, Cid de Peretrelo, 1925, APSS. • Plano Geral do aproveitamento dos terraplenos do Porto de Setúbal, anos de 1930, APSS.


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Para superintender nos primeiros trabalhos de que a Junta teve que se ocupar, nomeadamente a reparação do velho cais e da ponte e a construção de um hangar, entre outras obras de premente necessidade, foi convidado o Engenheiro auxiliar, com prática nestes trabalhos, José Carlos Girão Calheiros que, depois de organizado o quadro técnico em Julho de 1925, foi contratado para o lugar de Chefe de Repartição de Obras. Por Decreto nº 14 782, de 23 de Dezembro de 1927, os serviços internos dos portos distribuíam-se por três repartições: a Repartição Técnica, a Secretaria da Administração e a Secretaria da Contabilidade, todas sob a superintendência do Engenheiro Director que era nomeado por Decreto, sob proposta fundamentada das Juntas e escolhido entre os Engenheiros Civis especializados em trabalhos marítimos e de portos24. Pelo Estatuto das Juntas Autónomas dos Portos, publicado no Decreto-Lei nº 37 754, de 18 de Fevereiro de 1950, o cargo de Engenheiro Director passou a ser de livre nomeação do Ministro das Comunicações de entre os Engenheiros Civis de 1ª e de 2ª classes do quadro das Juntas Autónomas dos Portos ou mesmo estranhos a este quadro desde que lhes fosse reconhecida competência, passando também a exercer o cargo de Administrador-Delegado. Dentro da área de jurisdição de cada porto o Engenheiro Director passou a ter a competência conferida aos Engenheiros Directores das Direcções Hidráulicas pelos Regulamentos dos Serviços Hidráulicos, de 1892, e mais legislação aplicável. Eram suas competências: 1º Organizar, coordenar o dirigir todos os serviços, internos ou externos, administrativos, técnicos e de exploração; 2º Fazer cumprir as leis, decretos, regulamentos o instruções em vigor e as deliberações da comissão administrativa, orientando, fiscalizando e mantendo em todos os serviços ordem e disciplina; 3º Organizar e dirigir, nomeadamente, os estudos e trabalhos topográficos, hidrográficos, de medições de correntes, de observação de marés, vagas, ventos e quaisquer outros que se tornem necessários; 4º Manter actualizados os planos hidrográficos dos portos e barras; 5º Organizar e manter actualizadas as plantas topográficas e cadastrais das áreas sujeitas à jurisdição de cada porto; 6º Propor superiormente todas as medidas que julgue convenientes para a eficaz exploração dos portos; 7º Submeter à comissão administrativa ou à Junta Central de Portos, devidamente informados, os assuntos cuja resolução seja da competência daqueles organismos; 8º Adjudicar empreitadas ou tarefas de obras e fornecimentos de materiais até à importância de 50 000$;

24

Regulamento Geral das Juntas Autónomas dos Portos, Decreto nº 14 782, 23 de Dezembro de 1927.

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9º Autorizar despesas e pagamento de material ou de salários até à importância de 50 000$, dentro dos orçamentos aprovados; 10º Proceder à recepção de empreitadas, tarefas e fornecimentos até à importância de 50 000$, submetendo à aprovação da comissão administrativa os respectivos autos no caso de importâncias não excedentes a 50 000$ e à Junta Central de Portos nos outros casos; 11º Elaborar o plano anual dos trabalhos a realizar, a submeter ao parecer da comissão administrativa; 12º Elaborar o relatório anual sobre as obras realizadas, a submeter à apreciação da Junta Central de Portos juntamente com as contas de gerência; 13º Superintender na elaboração dos orçamentos, que assinará, submetendo-os à apreciação da comissão administrativa acompanhados do respectivo relatório; 14º Orientar a organização das contas de gerência; 15º Conceder licenças para execução de obras provisórias ou de conservação ou reparação nas zonas dos portos e para a execução de quaisquer obras nos leitos ou margens dos cursos de água não navegáveis dentro das áreas de jurisdição das juntas; 16º Conceder licenças para a execução de serviços ou trabalhos relacionados com a conservação das obras marginais, dos fundos e do regime das águas (v. g. querenar, extrair areia, burgau ou lamas, etc.) nas zonas dos portos; 17º Admitir ou despedir o pessoal assalariado eventual, fixar os seus salários e os seus horários de trabalho. O artigo 27º referia que, na falta ou impedimento do respectivo Engenheiro Director, poderia o Ministro determinar que a direcção de um porto fosse exercida pelo director de outro porto ou por um engenheiro da Junta Central de Portos, sendo de conta da junta interessada o abono da gratificação a que se referia o artigo 65º e das despesas resultantes das deslocações necessárias. Com a extinção da Junta Autónoma do Porto de Setúbal, por Decreto-Lei nº 376/89, de 25 de Outubro, e a criação, em sua substituição, da Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra, deixou de existir o cargo de Director do Porto. Na direcção técnica não podemos, também, deixar de referir o 1º oficial Guilherme da Silva Faria, aposentado em 30 de Julho de 1968, que foi Chefe de Secretaria na Junta Autónoma durante 43 anos25, cargo em que tinha sido provido por concurso aberto em Maio de 1925.

Tarifas Alfandegárias O Regulamento de Tarifas, datado de 1926, foi alterado pela Portaria nº 13 688, de 2 de Outubro de 1951 e entrou em vigor no dia 1 de Novembro do mesmo ano. Este documento fez uma correcção nas taxas de utilização do porto, irrisórias na anterior lei, que passaram a incidir tanto sobre as operações feitas de terra para embarcações ou vice-versa, como sobre as de transbordo de embarcação para embarcação e ainda sobre as actividades exercidas nas instalações marítimas construídas por entidades particulares para seu próprio uso; neste caso com um desconto de 50% para despesas de manutenção. A Société Anonyme Belge des Mines d’Aljustrel e a Société Anonyme Belge Mines et Industries “deduziram recursos para o Supremo Tribunal Administrativo, com base na legislação mineira vigente, contra a Portaria que aprovou o Regulamento de Tarifas [...]”, recurso que, na opinião do redactor do relatório, deveria ser improcedente por falta de consistência jurídica e por ter o desacordo do Ministro das Comunicações26. Em 1952, embora ainda não houvesse qualquer decisão sobre o recurso imposto pelas companhias referidas, o Regulamento de Tarifas continuou em vigor por mais um ano, a pedido da Junta Autónoma do Porto de Setúbal que solicitou também o aumento da taxa de utilização do porto prevista no artigo 37º do mesmo regulamento. O Ministro das Comunicações atendeu o pedido e a taxa passou de 2$00 para 4$0027. Em sessão de 18 de Junho de 1953, o Supremo Tribunal negou provimento aos referidos recursos, confirmando assim o direito de a Junta cobrar a taxa de utilização do

“Relatório do ano económico de 1968”, Junta Autónoma do Porto de Setúbal, Maio de 1969, p. 3. “Relatório do ano económico de 1951”, idem, Dezembro de 1951, p. 15 a 17. 27 “Relatório do ano económico de 1952”, idem, Maio de 1953, p. 16 e 17. 25 26

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porto sobre aqueles minérios, como vinha a acontecer desde 195128. Por Portaria nº 15 039, de 15 de Setembro de 1954, foi mantido em vigor o Regulamento de Tarifas do porto, com as alterações constantes da Portaria nº 14 102, de 25 de Setembro de 1952, e ainda com as alterações, propostas pela Junta, aos artigos 51º e 52º, pelas quais as taxas de ocupação temporária dos armazéns baixaram para 2$50 e 1$50, respectivamente, sendo o período de armazenagem aumentado de oito para quinze dias29. A Portaria nº 15 594, de 3 de Novembro de 1955, introduziu, depois de revisto o Regulamento da Junta, alterações a este documento, que a sua aplicação mostrou serem convenientes. Foi também revista e adaptada a sua redacção e eliminadas algumas disposições consideradas desnecessárias30. A Portaria nº 16 037, de 8 de Novembro de 1956, conservou o Regulamento da Junta, com as alterações propostas no ano transacto31, tal como a Portaria nº 16 494, de 3 de Dezembro de 195732. Também a Portaria nº 16 956, de 12 de Dezembro de 1958, confirmou a redacção do Regulamento da Junta33, reafirmado pela Portaria nº 17 486, de 21 de Dezembro de 195934. Em 1960 foi solicitado superiormente que o Regulamento de Tarifas da Junta fosse mantido com pequenas alterações no referente a taxas de armazenamento, o que foi concedido pela Portaria nº 18 233, já de Janeiro de 1961 . O regulamento manteve-se em vigor no ano de 1960 através da Portaria nº 19 034, de 16 de Fevereiro de 1962. 35

Em 17 de Julho a Junta Autónoma foi notificada da sentença que reconheceu à Sociedade Agrícola de Tróia, Lda., o direito de propriedade da Herdade de Tróia até à linha do máximo preia-mar de águas vivas. Face a esta nova situação a Comissão Administrativa deliberou no sentido de proceder à delimitação dos terrenos, proibir a ocupação destes por terceiros naquela área e de deixarem de ser cobradas taxas relativas a licenças e concedidas autorizações a particulares, situações que passaram para os novos proprietários36. Com a publicação do Decreto-Lei nº 405/70, de 24 de Agosto, foi abolida a taxa de 1% ad valorem que onerava as mercadorias exportadas pelo Porto de Setúbal assim como o adicional de 0,5% a favor do Hospital da Misericórdia de Setúbal, situação que acabou com os entraves que se verificavam no movimento do porto. Pela Portaria nº 460/70, de 16 de Setembro, foi a taxa de utilização do porto, constante do artigo 36º do Regulamento de Tarifas, aumentada para 12$00, medida que tendia a equilibrar a situação financeira da Junta, em virtude da perda de receita proveniente da abolição do imposto ad valorem37. Pelo Decreto-Lei nº 126/73, de 24 de Março foi eliminada a taxa de 0,5% ad valorem sobre todas as mercadorias importadas pela barra de Setúbal38. Por Portaria nº 161/76, de 23 de Março, foram introduzidas alterações ao Regulamento de Tarifas com o objectivo de actualizar algumas taxas cujos valores já se encontravam ultrapassados, nomeadamente as de “armazenagem” e as de “utilização de guindastes e de outros aparelhos de carga e de descarga”. Com a aplicação das novas taxas foi cobrada em relação ao ano de 1975 uma importância acrescida de 5 495 323$80, em relação ao ano anterior no qual apenas havia sido cobrado o valor de 21 002 966$6039. Pelo Decreto-Lei nº 376/89, de 25 de Outubro, no qual se extinguiu a Junta Autónoma de Setúbal e se criou a Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra, o Regulamento de Tarifas das Juntas Autónomas “Relatório do ano económico de 1953”, idem, Maio de 1954, p. 21. “Relatório do ano económico de 1954”, idem, Maio de 1955, p. 23. 30 “Relatório do ano económico de 1955”, idem, Maio de 1956, p. 19. 31 “Relatório do ano económico de 1956”, idem, Maio de 1957, p. 14. 32 “Relatório do ano económico de 1957”, idem, Maio de 1958, p. 23. 33 “Relatório do ano económico de 1958”, idem, Abril de 1959, p. 25. 34 “Relatório do ano económico de 1959”, idem, Maio de 1960, p. 24. 35 “Relatório do ano económico de 1960”, idem, Maio de 1961, p. 15. 36 “Relatório do ano económico de 1962”, idem, Maio de 1963, p. 8 e 19. 37 “Relatório do ano económico de 1970”, idem, Abril de 1971, p. 1 e 2. 38 “Relatório do ano económico de 1973”, idem, Abril de 1974, p. 1. 39 “Relatório do ano económico de 1976”, idem, Abril de 1977, p. 3. 28 29

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• Plano geral do aproveitamento dos terraplenos do Porto de Setúbal com indicação das instalações existentes e projectadas, 1933, APSS. • Projecto do Porto de Setúbal, com jardins, Junta Autónoma do Porto de Setúbal, 1938, APSS.


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dos Portos, aprovado pelo Decreto-Lei nº 291/79, de 16 de Agosto, deixou de ser aplicado a estas instituições portuárias a partir da entrada em vigor do Regulamento de Tarifas da Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra. Em 1997 foi decidida a participação do Porto de Setúbal na definição de uma política tarifária dos portos com capacidade para atrair tráfego e para libertar fundos para financiar o desenvolvimento das infra-estruturas e a melhoria da coordenação das várias entidades intervenientes na movimentação de mercadorias40. Em 2001 foram realizadas uma simplificação e uma facilitação do uso do tarifário da APSS, SA no sentido da redução do número de taxas, mantendo a receita total da autoridade portuária actualizada a 3,8%41.

Relações com outras entidades A Junta Autónoma do Porto de Setúbal manteve, desde o seu nascimento em 1923, como orientação fundamental, a dispensa da melhor colabo42

ração com os vários serviços públicos que necessitavam da sua ajuda. Neste contexto, após serem sanados os conflitos com a segunda Comissão Administrativa da Câmara Municipal, no ano de 1925, as relações com a edilidade foram sempre cordiais. Em 23 de Outubro de 1935, a Junta fez um acordo com a Câmara Municipal de Setúbal para actualização das delimitações dos terrenos pertencentes a esta Junta Autónoma, que foi aprovado por despacho ministerial em 21 de Janeiro de 193643. Em 28 de Maio de 1952 o Ministro das Comunicações visitou o Porto de Setúbal para tomar conhecimento dos problemas mais prementes que preocupavam os responsáveis por este estabelecimento portuário e voltou a Setúbal em 9 de Julho em visita de estudo de carácter particular, demonstrando o especial interesse que nutria por esta instituição44. Em 1953, a Comissão Administrativa da Junta Autónoma congratulava-se com “os termos muito amáveis [com que no ano anterior] a Superintendência dos Serviços da Armada e o Comodoro da Força Naval da Metrópole lhe manifestaram agradecimento pelas facilidades sempre concedidas aos navios da Marinha de Guerra nas suas frequentes visitas ao [Porto de Setúbal], e o Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa mais uma vez [ter testemunhado] o seu reconhecimento pelo valioso concurso dado às suas secções náuticas desta cidade. Também a Legião Portuguesa assinalou, pelo seu agradecimento, a utilidade da colaboração prestada pelos serviços da Junta aos exercícios de Defesa Civil do Território, levados a efeito em Setúbal”45. Embora a título particular, a Rainha Isabel II de Inglaterra e seu marido, o Príncipe de Edimburgo, visitaram Setúbal em 16 e 17 de Fevereiro de 1957. Então, o Capitão do Porto de Setúbal, director responsável por todos os serviços relacionados com a estadia do Iate Real “Britannia” no Porto de Setúbal, reconheceu que o êxito de que se revestiu a visita se deveu, fundamentalmente, à Junta Autónoma do Porto que não se poupou a esforços para que tudo decorresse de acordo com as exigências de “alta hierarquia dos régios visitantes”. O Porto de Lisboa colaborou cedendo material de apetrechamento indispensável à acostagem do “Britannia”, que estava prevista embora não tivesse chegado a efectuar-se, nomeadamente a presença no Porto de Setúbal do rebocador de alto mar “D. Luís”, que se conservou no Sado durante a estadia do Iate Real a fim de prestar os seus serviços, em caso de emergência, situação que suscitou os agradecimentos à Direcção-Geral do Porto de Lisboa46. Em 26 de Setembro de 1962 entraram no rio Sado, em visita operacional, os submarinos da Armada Britânica “Finwhale”, de 2 030 toneladas de deslocação, comandado pelo Capitão-Tenente K.H.Mills e “Artmis”, de 1 385 toneladas, sob o comando do Capitão-Tenente A. D. C. Lund. O primeiro acostou directamente à Estacada nº 3 e o segundo “ficou ao mar, prolongado com ele”. A equipagem dos dois navios comportava 13 oficiais e 130 praças. Os navios conservaram-se em Setúbal até às 8 horas de 1 de Outubro, tendo os oficiais e demais tripulantes sido acolhidos com afabilidade,

“Relatório e contas de 1997”, idem, Março de 1998, p. 11. “Relatório e contas de 2001”, idem, Março de 2002, p. 30. 42 Que desde a sua criação em 1923 até 1950 se denominou Junta Autónoma das Obras do Porto e Barra de Setúbal e do Rio Sado. 43 “Relatório do ano económico de 1934-1935”, Junta Autónoma do Porto de Setúbal, Maio de 1936, p. 6 e 7. 44 “Relatório do ano económico de 1952”, idem, Maio de 1953, p. 15 e 16. 45 “Relatório do ano económico de 1953”, idem, Maio de 1954, p. 22 e 23. 46 “Relatório do ano económico de 1957”, idem, Maio de 1958, p. 4. 40 41

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• Visita do Presidente António Óscar de Fragoso Carmona ao Porto de Setúbal, depois de realizadas as grandes obras dos anos 30 do século XX, Foto Américo, colecção particular de Madureira Lopes • Iate “Britannia” pertencente à Rainha Isabel II de Inglaterra, fotografia de Américo Ribeiro, 1957, colecção particular de Madureira Lopes • Cerimónia dos funerais de seis oficiais da 5ª Flotilha Home Flett, da Armada Britânica que faleceram durante a sua estadia no Porto de Setúbal. Iam para um almoço em sua homenagem quando o carro se precipitou no rio Sado, morrendo, afogados, todos os ocupantes da viatura, fotografia de Américo Ribeiro, 1950, colecção particular de Madureira Lopes


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tanto pelas entidades oficiais como pela população de Setúbal em geral47. Em 28 de Julho de 1967 o Presidente da Junta Central de Portos, Dr. Manuel Henriques Gonçalves, visitou oficialmente, embora já se tivesse deslocado a esta cidade para se inteirar das dificuldades existentes, a Junta Autónoma e os seus serviços centrais e portuários e realizou uma reunião de trabalho na sede da Junta. Em ambas as deslocações fez-se acompanhar pelo Engenheiro Luís da Fonseca, Chefe da Repartição de Exploração e pelo Dr. Dulcídio Marques Ferreira Alegria, Chefe da Repartição Administrativa da Junta Central dos Portos48. Por sugestão do Dr. Manuel José Constantino Goes, Presidente da Comissão Administrativa da Junta Autónoma do Porto de Setúbal, a reunião para aprovação do Orçamento Ordinário de 1969, da Junta Central dos Portos, realizou-se em Setúbal no dia 19 de Dezembro de 1968, para que os Vogais que compunham o plenário daquela Junta pudessem visitar as instalações portuárias da cidade de Setúbal. O Engenheiro Director do Porto proferiu uma palestra sobre as instalações portuárias, os planos de actividade e a expansão do porto. Estiveram presentes não apenas os presidentes das juntas autónomas do país como também os seus engenheiros directores. Terminada a conferência foi realizada uma visita guiada às instalações e às obras marítimas e terrestres do Porto de Setúbal, seguindo-se um almoço presidido pelo Governador Civil do distrito Dr. José Maria Cardoso Ferreira que, no final da refeição, se congratulou com o facto de Setúbal ter sido o primeiro porto a ser alvo da distinção da escolha para esta reunião, salientou a sua importância e prometeu interceder junto das entidades superiores para que o imposto ad valorem, que onerava as mercadorias que por aqui circulavam, fosse anulado49. No ano de 1970 o Porto de Setúbal foi visitado pelo Engenheiro D. Gerardo Alvarez de Miranda, da Direcção-Geral dos Portos de Espanha, acompanhado pelo Presidente da Junta Central dos Portos, Dr. Manuel Henriques Gonçalves. Estas entidades percorreram a zona portuária, observando as suas instalações e apetrechamento. Neste mesmo ano foi recebida a visita dos Deputados pelo Ultramar que, acompanhados pelas entidades oficiais de Setúbal, realizaram uma visita às instalações do porto e observaram, num passeio fluvial, todas as instalações e zonas de expansão industrial e de turismo50. No dia 31 de Março de 1971 deslocou-se em visita de trabalho ao Porto de Setúbal o Ministro das Obras Públicas e das Comunicações Engenheiro Rui Sanches, acompanhado do Secretário de Estado das Comunicações e Transportes Engenheiro Oliveira Martins e de diversas individualidades ligadas aos Ministérios das Obras Públicas e das Comunicações. Com a presenças das autoridades locais realizou-se uma sessão de trabalhos na sede da Junta, seguindo-se uma visita a todas as instalações portuárias, tendo o Ministro e os seus acompanhantes observado os vários aspectos das obras em execução e as realizações que se projectavam para o futuro, no âmbito do III Plano de Fomento. No dia 7 de Julho deslocou-se ao Porto de Setúbal o Presidente da República Almirante Américo Tomás, acompanhado por diversos membros do Governo que, a convite da Sociedade Turística Ponta do Adoxe, SARL, exploradora dos transportes e da Torralta - Clube Internacional de Férias SARL, inaugurou as carreiras fluviais do rio Sado com embarcações do tipo “hovercraft”, destinadas a servir o complexo turístico em construção na península de Tróia51. No dia 8 de Abril de 1972 deslocou-se em visita de trabalho ao Porto de Setúbal o Secretário de Estado da Indústria Engenheiro Rogério Martins que viu os locais e o andamento das obras respeitantes à unidade industrial da firma PROPAM - Consórcio Português de Panificação SARL, na Cachofarra e a zona de construção dos estaleiros navais da SETENAVE, na Mitrena52. No dia 8 de Maio de 1973 o Presidente da República, Almirante Américo Tomás visitou também as futuras instalações da SETENAVE e, em 26 de Maio, voltou a deslocar-se ao Porto de Setúbal para inaugurar o “Conjunto da Costa da Galé”, na península de Tróia, empreendimento inserido no complexo turístico da TORRALTA - Clube Internacional de Férias, SARL53. Foi comemorado em Setúbal sob a temática “A cidade e o rio”, no dia 7 de Julho de 1984, o “Dia da Marinha” a que a Junta Autónoma se associou com a instalação, na Feira de Santiago, de um pavilhão demonstrativo por painéis e fotografias das zonas portuárias e da barra, maquete do “Plano “Relatório do ano económico de 1962”, idem, Maio de 1963, p. 19. “Relatório do ano económico de 1967”, idem, Maio de 1968, p. 25. 49 “Relatório do ano económico de 1968”, idem, Maio de 1969, p. 1 e 2. 50 “Relatório do ano económico de 1970”, idem, Abril de 1971, p. 2. 51 “Relatório do ano económico de 1971”, idem, Abril de 1972, p. 1 e 2. 52 “Relatório do ano económico de 1972”, idem, Abril de 1973, p. 1. 53 “Relatório do ano económico de 1973”, idem, Abril de 1974, p. 1. 47

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• Planta geral do Porto de Setúbal, anos de 1920-30, APSS • O Porto de Setúbal, 1934, APSS • Panorâmica do Porto de Setúbal, actual


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Geral” e projectos das obras que pretendia realizar no futuro, nomeadamente a construção de diversos cais acostáveis54. Na sua visita oficial a Portugal a Rainha de Inglaterra embarcou no Iate Real “Britannia”, acostado no Cais nº 3 do Porto de Setúbal, no dia 25 de Março de 1985, acontecimento que muito honrou os membros da Comissão Administrativa da Junta Autónoma não apenas pelo reconhecimento mundial da importância deste porto como também pela maneira como decorreu a estadia desse Iate e do “escoltador oceânico HMS Boxer”. Este Organismo esteve também presente na FIL-REGIÕES em Lisboa com um Stand inserido no sector destinado ao distrito de Setúbal, integrando documentação elucidativa sobre as instalações e as actividades portuárias assim como os projectos em curso55. Em 22 de Maio de 1987 os Secretários de Estado das Vias de Comunicação e das Pescas visitaram demoradamente os portos de Sesimbra e de Setúbal. De Sesimbra, onde analisaram as obras em curso, seguiram para Setúbal, por via fluvial, onde tomaram contacto com os empreendimentos e as obras que aqui estavam a realizar-se, nomeadamente as do cais Roll-On Roll-Off. Em 19 de Dezembro, o Primeiro-Ministro Professor Doutor Aníbal Cavaco Silva, acompanhado do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, visitou também este cais cujas obras se encontravam ainda na primeira fase56.

Criação e Funcionamento da APSS e da APSS, SA Após a criação, pelo Decreto-Lei nº 376/89, de 25 de Outubro, da Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra, foram definidos, no mesmo documento, a sua natureza jurídica e a sede, o direito aplicável e a tutela, a área de jurisdição, o domínio público do Estado afecto à APSS, as suas atribuições, os seus órgão e respectivas competências e funcionamento, receitas, intervenção do Governo e gestão do pessoal. Em 10 de Julho de 1990 tomou posse o primeiro Conselho de Administração da APSS. Foi assim, no início do 2º semestre de 1990, que começou o processo de autonomização da gestão dos portos de Setúbal e de Sesimbra e se introduziu uma dinâmica mais consentânea com as necessidades e com as potencialidades da actividade portuária. De acordo com a nova filosofia, foi retomado o projecto inicial de ampliação e reequipamento do Cais das Fontainhas, cujo investimento apontava para cerca de 2,5 milhões de contos e a antecipação da sua conclusão para o primeiro trimestre de 1992 de forma a criar rapidamente condições para o crescimento da actividade. Foi também iniciado um Estudo de Ordenamento e Expansão que permitisse comportar, o mais rapidamente possível, os vários agentes económicos com uma estratégia de desenvolvimento e com grandes linhas orientadoras da política de exploração portuária nos anos subsequentes. A actividade desenvolvida pela APSS ao longo de 1990 foi influenciada por uma conjuntura económica favorável, embora ensombrada por alguns problemas laborais que chegaram a paralisar as actividades do porto durante cerca de 60 dias. Apesar de fortes insuficiências financeiras face às necessidades de investimento, foi possível, através do recurso aos fundos comunitários geridos no âmbito da OID para a península de Setúbal, fazer com que este ascendesse a mais de 545 mil contos, valor que equivalia a 111% das receitas de exploração57. Embora a conjuntura económica fosse menos favorável em 1991, ficou concluída a 1ª fase dos trabalhos de estudo do Ordenamento e Expansão e iniciada a apreciação, por parte do Conselho de Administração, do início da 2ª fase dos trabalhos. Principiaram-se os estudos conducentes à revalidação do programa de trabalhos do “Modelo Físico e Matemático do Estuário do Sado”, projecto que passou da jurisdição do LNEC e da DGP para a da APSS e visava a avaliação do impacto de realizações de futuros projectos na estabilidade do estuário58. 1992 apresentou-se com uma conjuntura económica mais favorável, situação que deu mais vida à actividade portuária em Setúbal. Além de outros projectos que abordaremos em sub-capítulo próprio, prosseguiram os estudos do “Modelo Físico e Matemático do Estuário do Sado” e iniciou-se o processo de lançamento da empreitada para a concretização do projecto relativo à “Modernização da Doca de Pesca59. O ordenamento, a modernização e a expansão dos portos de Setúbal e de Sesimbra, o rigor na execução orçamental e a criteriosa gestão

“Relatório do ano económico de 1984”, idem, Abril de 1985, p. 1 e 2. “Relatório do ano económico de 1985”, idem, Abril de 1986, p. 1. 56 “Relatório do ano económico de 1987”, idem, Abril de 1988, p. 1. 57 “Relatório e contas de 1990”, APSS, Abril de 1991, p. II e III. 58 “Relatório e contas de 1991”, idem, Maio de 1992, p. 3 e 4. 59 “Relatório e contas de 1992”, idem, Março de 1993, p. 6. 54 55

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• Praia das Fontainhas, Setúbal, estampa de Emílio Biel e Cª (editores), A arte e a Natureza em Portugal, colecção publicada nos anos de 1902 a 1908, colecção particular de Madureira Lopes • O Porto de Setúbal, 1934, APSS • Barco no Porto de Setúbal, fotografia Cabecinha, 1933, APSS • Panorâmica do Porto de Setúbal, actual


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dos recursos humanos, financeiros e patrimoniais e ainda a reestruturação e a modernização administrativa, foram os objectivos globais da APSS no ano de 1993, propondo-se, para o triénio seguinte, investir em novas estruturas e modelos funcionais, na valorização dos recursos humanos na utilização progressiva das novas tecnologias da informação, no reforço e na diversificação da actividade económica, na redução do impacte ambiental da actividade portuária, na revitalização da frente ribeirinha e no aumento da segurança60. Em 1997 a APSS propôs-se, além de colaborar na dinâmica portuária nacional, promover o desenvolvimento das actividades da pesca através da melhoria das infra-estruturas e das condições de funcionamento dos portos de Setúbal e de Sesimbra, aprofundar as ligações das zonas ribeirinhas com a cidade e a vila em que se inserem, orientar o desenvolvimento dos portos numa óptica de complementaridade no contexto do sistema portuário nacional, accionar os mecanismos com vista ao desempenho por parte da APSS do papel de Autoridade Portuária, criar uma Comunidade Portuária e contribuir para a implementação de medidas que visassem a protecção do ambiente61. Os órgãos da APSS eram: o Conselho de Administração (CA), a Comissão de Fiscalização (CF) e o Conselho Consultivo (CC). O Conselho de Administração era composto por um presidente e dois vogais, nomeados por despacho conjunto do Primeiro-Ministro e dos Ministros das Finanças e da Tutela e exerciam o mandato por três anos renováveis. A Comissão Fiscalizadora era também formada por um presidente e dois vogais, nomeados por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Tutela, sendo um indicado pelos trabalhadores da APSS. O Conselho Consultivo era constituído pelo Presidente da APSS e por representantes designados pelas várias entidades com interesses afins, a solicitação desta administração portuária. Mil novecentos e noventa e oito foi o ano da reforma do sector marítimo-portuário, com a entrada em vigor de um conjunto de diplomas legais, preconizados no “Livro Branco”, que permitiam reformular os instrumentos e os modelos de gestão existentes, com particular ênfase nas Administrações Portuárias cujo estatuto orgânico de Instituto Público foi transformado em Sociedade Anónima, através do Decreto-Lei nº 338/98, de 3 de Novembro. Assim, foi criada a APSS, SA, sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos que sucedeu, “automaticamente e globalmente” à APSS, dando continuidade “à personalidade jurídica desta, conservando a universalidade dos bens, direitos e obrigações integrantes da sua esfera jurídica no momento da transformação”62. Mantiveram-se “integrados, no domínio público do Estado afecto à APSS, SA os terrenos situados dentro da área de jurisdição da Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra, que não [fossem] propriedade municipal ou de outras entidades públicas ou privadas, bem como as obras marítimas nela existentes e ainda os bens afectos à actividade da pesca, serviços de primeira venda do pescado e actividades conexas”. Foram “desafectados do domínio público do Estado e integrados no património da APSS, SA todos os equipamentos e edifícios, ainda que implantados sobre terrenos dominiais, afectos à APSS pelo Decreto-Lei nº 376/89, de 25 de Outubro”. A APSS, SA sucedeu também “na titularidade de todos os bens, direitos e obrigações do Departamento de Pilotagem de Setúbal do Instituto Nacional de Pilotagem dos Portos (INPP)”. Passaram também a “constituir património da APSS, SA os imóveis do INPP, afectos ao Departamento de Pilotagem de Setúbal”63. Os órgãos sociais da APSS, SA são: a Assembleia-Geral (AG), o Conselho de Administração (CA) e o Fiscal Único, com as competências fixadas na Lei e nos Estatutos. Como órgão consultivo do CA, a APSS, SA tem uma Comissão de Coordenação Portuária (CCP), à qual compete a formulação de pareceres e recomendações em matéria relacionada com a segurança da navegação e com a garantia de um integrado desempenho do serviço de pilotagem. A CCP é composta por três membros, um dos quais representante do CA, que preside, outro em representação da Capitania do Porto da área de jurisdição da APSS, SA e um terceiro a designar pelo Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território64. A descrição física e financeira dos projectos de investimento desenvolvidos em 1998 materializava, em cada domínio de actuação, a política de desen-

“Relatório e contas de 1993”, idem, Março de 1994, p. 2 a 5. “Relatório e contas de 1997”, idem, Março de 1998, p. 7 e 8. 62 “Decreto-Lei nº 338/98”, Diário da República, 1ª série A, 3 de Novembro de 1998, p. 5 753. 63 Idem, ibidem. 64 Idem, p. 5 755 e 5 756. 60 61

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volvimento portuário seguida pela APSS, SA. Com o objectivo de dotar a actividade portuária de infra-estruturas propiciadoras de desenvolvimento, foram adquiridos equipamentos de cais no âmbito da modernização do Terminal das Fontainhas, concluído o projecto de modernização da Doca do Comércio, iniciada a recuperação da antiga Lota, implementada a monitorização do estuário do Sado e finalizadas as dragagens de manutenção do canal da barra e do canal Norte, entre outros projectos e estudos viabilizados65. A principal estratégia adoptada pela APSS, SA no ano 2000 centrou-se, fundamentalmente, no reforço da posição competitiva do Porto Comercial e na adaptação às tendências de evolução da procura, em assegurar a plena integração do porto nas cadeias logísticas de transporte, na potenciação do desenvolvimento da actividade piscatória, na revalorização e na requalificação da frente ribeirinha, no reforço do desenvolvimento sustentado do porto e na alteração do modelo de gestão, de que salientamos a conclusão da implementação de um sistema de informações global no porto com ligação à Comunidade Portuária, permitindo um tratamento electrónico integral dos procedimentos necessários ao despacho de navios e de mercadorias. De salientar ainda a conclusão do Plano de Ordenamento e de Expansão dos Portos de Setúbal e de Sesimbra, constituindo um instrumento estratégico interno de orientação e de desenvolvimento dos espaços e dos usos sob jurisdição da APSS, SA, a obtenção da posse do Terminal Eurominas, a aquisição da gestão do Terminal da Autoeuropa, os estudos de mercado, de localização e de viabilidade técnico-económica e financeira das valências do Ro-Ro e dos granéis e a conclusão do caderno de encargos para a concessão do Terminal Multiusos e das Fontainhas66. O ano de 2001 foi marcado, além de muitos outros empreendimentos, pelo lançamento da nova imagem da APSS, SA e dos portos de Setúbal e de Sesimbra e pela criação da Agência Portuguesa do Transporte Marítimo de Curta Distância, com sede em Setúbal. A APSS, SA aderiu ao Programa Pró-Sado, liderado pela Associação Empresarial da Região de Setúbal (AERSET), assinou a concessão de um cais na Tanquisado à empresa Eco-Oil para a recuperação de resíduos líquidos dos navios petroleiros, definiu procedimentos ambientais no âmbito da utilização temporária do Terminal Eurominas para movimentar granéis de carvão, clinquer e petcoke e criou um Departamento de Ambiente na APSS, SA. Foram ainda assinadas ou negociadas várias concessões nomeadamente de um estaleiro à empresa Tecnogomes, de uso privado do Cais 3 à Imoareia, relativa à Marina de Tróia, ao Núcleo de Recreio do Soltroia, de uma área de restauração à Portugália e de um terminal de granéis líquidos à Sapec Agro SA. Foram aprovadas as propostas para a atribuição do estatuto de duas linhas regulares no Porto de Setúbal, no segmento Roll-On Roll-Off, foi lançado o concurso de concessões da travessia fluvial do Sado e prosseguiu a negociação com o IEP para a construção do troço rodoviário de ligação de Praias do Sado-EN 10-4. De registar também a participação do Porto de Setúbal em algumas conferências sobre acessibilidades a este porto, transporte marítimo de curta distância, sobre concessões e licenças portuárias, sobre ambiente e desenvolvimento, sobre obras portuárias e sobre o Plano de Desenvolvimento da Península de Setúbal67. Devido à especificidade da actividade marítimo-portuária, vários diplomas legais e regulamentos, tanto de âmbito nacional como de âmbito comunitário, condicionaram e regulamentaram a actuação dos vários intervenientes no sector. De entre inúmeros documentos salientam-se, a nível nacional, o Decreto-Lei nº 273/00 relativo ao Sistema Tarifário praticado; os Decretos-Lei nos 298/93, 324/94 e 65/95, relativos ao enquadramento das Concessões e da Operação Portuária; o Decreto-Lei nº 280/93, relativo ao Trabalho Portuário; o Decreto-Lei nº 421/99 e a Portaria nº 1098/99 relativos às relações contratuais com o pessoal. Finalmente, em 2002, com a publicação dos Decretos-Lei nos 43 44, 45 e 46/2002, pretendeu-se criar mecanismos que conduzissem a uma efectiva simplificação de procedimentos na entrada, na permanência e na saída dos navios nos portos, eliminando os factores de perda de tempo ligados à não actuação conjugada e simplificada das várias entidades intervenientes. O “Livro Branco” sobre a Política Comum de Transportes da Comissão Europeia introduziu o conceito de “Auto-Estrada do Mar”, no âmbito de uma estratégia de desenvolvimento sustentável, tendo em vista o descongestionamento das rotas terrestres e procurou promover a sustentabilidade e a eficiência dos transportes na União Europeia. Tendo como objectivo transpor para a ordem jurídica nacional a Directiva 2000/59, de 27 de Novembro,

“Relatório e contas de 1998”, idem, Março de 1999, p. 2 e 4. “Relatório e contas de 2000”, idem, Março de 2001, p. 21 a 25, passim. 67 “Relatório e contas de 2001”, idem, Fevereiro de 2002, p. 3, 23, 31 e 32. 65

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relativa aos meios portuários de recepção de resíduos gerados e de resíduos de carga, deu-se início, em 2002, à preparação de um projecto de decreto, que pretendia estabelecer regras que visassem reduzir as descargas no mar de resíduos de carga e de outros, gerados em navios que escalassem portos nacionais, através da criação de condições para a recepção dos mesmos e aplicação de sanções por incumprimento, situação que a APSS, SA acolheu com satisfação. Face à conjuntura nacional, receou-se que, em 2002 a actividade no Porto de Setúbal decrescesse. No entanto, houve um crescimento até ao terceiro trimestre que não foi suficiente em relação ao cômputo final uma vez que Setúbal acusou uma redução de 296 000 toneladas, apresentando apenas 6,4 milhões de toneladas de mercadorias movimentadas. De salientar, então, o crescimento das trocas comerciais com a União Europeia efectuadas através do Porto de Setúbal: 12,3% nas importações e 8,4% nas exportações. Neste ano foi concluída a construção do Terminal Multiusos, desenvolveu-se o processo de concessão da movimentação pública de mercadorias nos terminais sob gestão da APSS, SA - zonas 1 e 2, foi consolidado o processo de concessão dos principais terminais sob gestão da APSS, SA, permitindo obter ganhos de eficiência, operacionalidade e qualidade. Numa lógica de adaptação da gestão aos desafios e às transformações que se colocavam ao sector, revelou-se fundamental proceder a uma alteração da macro-estrutura funcional da APSS, SA, que possibilitasse a progressiva transferência de “tool port” para “landlord port”, a simplificação de procedimentos e de desburocratização interna, a transferência de responsabilidades da autoridade marítima para a autoridade portuária e uma adequação estratégica dos sistemas de informação/tecnologias de informação, entre outras. Visando uma estratégia assente no reforço das vantagens competitivas dos portos de Setúbal e de Sesimbra, embora tendo em conta as restrições financeiras, os investimentos realizados em 2002 centraram-se, essencialmente, no desenvolvimento de acções, projectos e obras nas diversas áreas de intervenção, nomeadamente comercial, pesca, frente ribeirinha, recreio, segurança, sistemas e tecnologias de informação e de ambiente, merecendo especial destaque, além da conclusão do Terminal Multiusos, a ampliação da Doca de Pesca, e a elaboração de um Plano de Dragagens e de um Plano de Gestão de Resíduos, bem como a criação de uma Comissão Permanente de Segurança, Qualidade e Ambiente, que consagrava uma visão integradora deste tripé estratégico68. Neste contexto foram definidas as seguintes estratégias de desenvolvimento para o futuro: No âmbito das orientações da política comum de transportes e da política nacional marítimo-portuária, e tendo presente os princípios da lógica de mercado - competitividade, eficiência económica, eficácia, capacidade estratégica e produtividade - a estratégia de desenvolvimento dos portos de Setúbal e Sesimbra, para os próximos anos, assentará nos seguintes objectivos: Reforçar a posição competitiva do Porto de Setúbal, no contexto do sistema portuário nacional, de concorrência internacional e dos respectivos sistemas logísticos, através da realização de investimentos em infra-estruturas e equipamentos modernos e eficientes e reequacionamento estratégico do tarifário, que permitam a melhoria da operacionalidade e produtividade, atraindo novos clientes, investidores e aumentando o volume de tráfego nos diversos segmentos de mercado; Melhorar as acessibilidades terrestres ao Porto de Setúbal, através do empenhamento e planeamento de outros intervenientes, nomeadamente, da REFER. IEP e BRISA, em articulação com a Câmara Municipal de Setúbal e a RNES; Elaborar um plano de dragagens para o Porto de Setúbal, tendo em conta a protecção ambiental do estuário do Sado e as acessibilidades marítimas, fluviais e a operacionalidade do navio; Adaptar o desenvolvimento dos terminais portuários, equipamentos e recursos humanos às tendências de evolução da procura internacional, satisfazendo as necessidades de eficiência e rapidez no serviço prestado e incentivando o envolvimento da iniciativa privada na actividade e investimentos portuários, de modo a reforçar as vantagens competitivas do porto:

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“Relatório e contas de 2002”, idem, Março de 2003, p. 1 a 8, passim.

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Investir na segurança, em toda a sua dimensão, como um indispensável factor qualitativo da fiabilidade e da competitividade portuária, desde o rigoroso cumprimento dos regulamentos e formação de quadros, com responsabilidade acrescida com a transferência de competências do Ministério da Defesa para as Administrações Portuárias, na garantia da supervisão no controle ao contrabando, tráfico ilegal, imigração clandestina e terrorismo e na segurança de pessoas e bens, considerando também que são cada vez mais as substâncias perigosas manuseadas nos portos, com riscos acrescidos para os operadores e instalações portuárias; Assegurar a plena integração do porto nos sistemas logísticos e respectivas cadeiras de valor, apostando na formação de bipolaridades com plataformas logísticas tanto de produção como de distribuição, evitando a descontinuidade nas ligações intermodais, através de acessos directos e descongestionados aos terminais comerciais e da prestação de um serviço de qualidade aos clientes: Apoiar o desenvolvimento da actividade piscatória através da melhoria das infra-estruturas e condições de segurança e de funcionamento dos portos de pesca de Sesimbra e de Setúbal e minimizando os impactos negativos desta actividade na gestão da APSS, SA; Investir na implementação de uma prática de “benchmarking” através de comparações sistemáticas dentro de grupos de portos formados por entidades comparáveis (portos homogéneos) e a definição de padrões do serviço comparáveis, com valores equivalentes de outros portos, considerados como os melhores; Estabelecer políticas tarifárias competitivas e atraentes, que potenciem não só a saúde económica e financeira da APSS, SA, dos seus concessionários, dos clientes do porto, como também da própria economia nacional; Revalorizar e requalificar a frente ribeirinha, potenciando espaços públicos e de contacto com o rio através de um conjunto de intervenções associadas às actividades de turismo, recreio náutico e lazer, coordenadas com as diversas entidades envolvidas; Assumir uma posição activa na Comunidade Portuária, propondo intervenções conjuntas sustentadas no aumento da competitividade global do porto, quer a nível da definição da estratégia e planos a desenvolver, quer a nível da política comercial e finalmente ao nível das diversas Associações Empresariais locais e regionais; Implementar um adequado modelo de Contabilidade Analítica, com definição clara dos centros de responsabilidade, de modo a melhor analisar as respectivas áreas, bem como a sua rentabilidade; Promover urna maior identificação e espírito de equipa dos trabalhadores com a empresa, elementos essenciais na transformação da APSS, SA numa estrutura portuária cada vez mais dinâmica e potenciadora de sinergias; Adequar a macroestrutura da APSS, SA, apostando cada vez mais numa gestão mais dinâmica, flexível e estratégica, centrada no papel de Autoridade Portuária e assente numa política comercial mais agressiva com enfoque nos Clientes, tanto nos da APSS, SA como nos do porto, operadores, carregadores e armadores, na simplificação de procedimentos, na melhoria da produtividade e na adopção de uma estrutura de tarifário cada vez mais simples e adequada aos reais custos de utilização; Accionar os processos de concessão ao sector privado das operações e infra-estruturas portuárias, no seguimento das orientações do governo, marcando o afastamento da APSS, SA da área operacional (cada vez mais “Landlord Port” e menos “Tool Port” e acentuando as funções de supervisão no controlo e fiscalização e de Autoridade Portuária, garantindo a liberdade de concorrência intraportuária e elevados níveis de prestação de serviço; Estabelecer parcerias empresariais, contratos ou protocolos, com entidades que potenciem a intervenção do porto na vida económica do seu “hinterland”; Investir na modernização e desenvolvimento tecnológico do porto, em todas as vertentes, nomeadamente nas tecnologias de infor-

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mação, como o “e-commerce” e a telemática, a favor da sua operacionalidade, quer em mar, quer em terra, no seu ordenamento físico e patrimonial e na preservação do ambiente; Assegurar o desenvolvimento sustentado do porto, através de iniciativas de monitorização ambiental das obras, melhoria das condições de exploração dos terminais e estudo e recuperação de zonas estuarinas ambientalmente degradadas, como forma de compensação. In Relatório e Contas, 2002, APSS, p.40 a 42

Melhoramentos e ampliações do porto a partir de 1930 As primeiras grandes obras do porto Com o lançamento da primeira pedra para as obras do porto, inserido na grande exposição regional de 1930, iniciou-se para Setúbal e para a região do Sado, que o porto serve, uma nova fase de desenvolvimento, cujos benefícios se materializaram na transformação verificada na parte marginal da cidade, no estabelecimento de novas indústrias e no aumento do tráfego marítimo realizado através do porto. Não podemos esquecer, também, o incremento da exportação, nomeadamente dos produtos agrícolas e dos minérios do Alentejo, e da importação das matérias-primas necessárias ao desenvolvimento dos pólos industriais localizados na região. A pesca foi também beneficiada com as novas condições que o Porto de Pesca passou a oferecer-lhe69. De acordo com o regulamento interno da Junta Autónoma das Obras do Porto e Barra de Setúbal e do Rio Sado, as obras foram efectuadas em dois grupos: Obras de engenharia hidráulica, pontes, cais, planos inclinados, dragagens, aterros e terraplenos, por um lado, e construção de armazéns, de edifícios, linhas-férreas e material fixo e circulante de carga e de descarga, por outro70. Os trabalhos desenrolaram-se ao longo de 1932, para ficarem concluídos no princípio de 1934 - cerca de seis meses antes do prazo contratual tendo demorado a sua execução apenas cerca de três anos71. O custo total das obras, sem inclusão da drenagem do canal da barra orçada em 1 000 contos, foi de cerca de 27 000$00072. Estas obras mantiveram o porto operacional até à actualidade. Foram apenas realizadas obras de manutenção e actualização e construído um novo cais acostável a -9m (ZH), iniciado na vigência do II Plano de Fomento, ao longo dos anos de 1959 a 196473. O alargamento do porto implicava, para uma maior rentabilização do mesmo, o desenvolvimento de obras na barra, de modo a criar um canal regular, convenientemente aprofundado, natural ou artificialmente por meio de dragagens, e a fixação da ponta Sul do cabedelo por meio de um simples molhe de pedra solta, em direcção convenientemente estudada74. Em terra, outras obras se impunham como complemento das realizadas no porto. Foi, portanto, estudada a utilização dos terraplenos, grande parte deles destinados às instalações do abrigo de pesca, casas da lota, embalagem e expedição de peixe, depósitos de carvão e óleos combustíveis, fábricas de gelo, armazéns de redes e utensílios de pesca, sem esquecer, porém, a área atribuída ao Porto de Comércio, estação de passageiros e mercadorias de Setúbal-Mar, “gare” de triagem, depósitos de cortiça, madeiras, armazéns e telheiros para produtos importados e exportados, além de outras instalações necessárias ao bom funcionamento dos serviços portuários. Foi estudado também o aproveitamento de parte dos terrenos conquistados ao rio para construções urbanas e industriais, sendo cerca de 1/4 dos aterros

Relatórios e contas dos exercícios de 1930, da Junta Autónoma..., Setúbal, 1931, p. 57. “Lei orgânica e regulamento interno”, ob. cit., p. 40. 71 Eng. A. de M. Cid Perestrello, O Porto de Setúbal, ob. cit., p. 32. 72 A. De M. Cid Perestrello, Breve notícia sobre as obras do Porto de Setúbal, Setúbal, 1933, p. 7 e 8. 73 Porto de Setúbal, ob. cit., p. 12. 74 Relatório e contas do exercício de 1927, da Junta Autónoma..., ed. cit., p. 16. 69 70

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• Planta da ponta do Adoucho com o projecto de uma batª e toda a costa da parte Norte, feita por ordem do Marechal de Campo João Mac Intire e do Coronel Engenheiro João Gabriel de Chermont, Diogo Correia da Mota e António Marcelino Soares Serrão que o copiaram em 1793, Instituto Geográfico Português, licença de utilização nº 142/03. • Perfil longitudinal das obras do porto, 1934, APSS.


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• “Desenho em perspectiva do futuro Porto de Pesca de Setúbal”, anos de 1930, APSS. • Estaleiro das obras do porto, Setúbal, anos 1930, colecção particular de Madureira Lopes. • Obras do Porto de Setúbal, anos de 1930, APSS.


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necessários para o cais, ruas, praças e jardins previstos nesta área75. Conforme a autorização concedida por despacho ministerial de 22 de Outubro de 1931, foi preparado o processo de expropriação dos cais e terraplenos da Doca Delpeut, necessários à concretização das obras do porto. Houve também necessidade de remodelar a instalação eléctrica do Cais da Conceição e de fazer a ligação desta à rede montada, no ano anterior, na cidade76. As obras do porto tiveram um notável incremento em 1932, tendo ficado quase concluída a construção do espaço destinado ao Porto de Pesca e em fase bastante adiantada a parte referente ao Porto Comercial. A jusante do Porto de Pesca foi construída uma rampa para construções e reparações navais com 200 metros de comprimento, constituída por um empedrado inclinado a 10/1 e duas cortinas laterais, inclinadas a 1/1 e com cerca de 2 metros de comprimento. Na Doca dos Pescadores foram feitas, além dos empedrados interiores, as linguetas destinadas à descarga do peixe, na face leste da doca e uma rampa de descarga, inclinada a 3/1 na face Oeste. A montante, na área destinada ao Porto de Comércio, foram iniciados em Abril os trabalhos de dragagem da respectiva doca, tendo já sido feitos 3 400 metros quadrados de taludes empedrados a montante da Doca do Comércio e iniciada a construção dos taludes empedrados no interior da mesma. Perante a insuficiência em quantidade e em qualidade do material extraído da pedreira da Figueirinha, em Abril de 1932 foi iniciada a extracção de pedra perto do Outão e das pedreiras do Zambujal, próximo de Sesimbra. A argila passou a ser extraída, a partir de Setembro, no morro de Albarquel77. Neste mesmo ano foi também estudado o plano geral do aproveitamento dos terraplenos do porto, tendo em vista a instalação quer dos diversos serviços privativos do porto, quer dos particulares e ainda as ligações com os arruamentos actuais da cidade e com o caminho-de-ferro. Para a consecução deste objectivo foi necessário proceder à demolição das numerosas barracas existentes no local, algumas servindo de habitação78. No decurso das obras do porto, a Junta Autónoma teve necessidade de conservar as instalações existentes para poder mantê-lo em funcionamento. Assim, ainda em 1932, a fim de permitir a construção do Muro-cais e da Estacada no local onde se encontrava o batelão que servia, provisoriamente, de Lota Industrial, foi este deslocado para o interior da Doca dos Pescadores. Para facilitar a descarga do peixe nos taludes empedrados do interior desta Doca, foi estudado um sistema de pranchas fixas para facilitar a descarga do peixe79. Terminadas as primeiras grandes obras do Porto de Setúbal em Maio de 1934, foram feitas, pelos empreiteiros, várias reparações nos empedrados exteriores e no interior das docas de pesca e do comércio. A Junta Autónoma continuou o estudo do plano de aproveitamento dos terraplenos da parte central do porto, que foi primeiramente submetido a apreciação superior em 29 de Setembro de 1934 e enviado à Administração Geral dos Serviços Hidráulicos e Eléctricos em 26 de Junho de 1935. Estudado pelos arquitectos Rebelo de Andrade, o projecto foi aprovado pelo Ministro em 16 de Janeiro de 1936. Prosseguiram também os trabalhos de calcetamento dos terraplenos do porto, tanto na zona atribuída à pesca como na destinada ao comércio. Foram adquiridos os mecanismos para o plano inclinado transversal do porto, que foram entregues em 16 de Maio de 1936, foi feita a ligação eléctrica para o funcionamento destes mecanismos e construída a respectiva central. Foi também construída uma vedação em ferro para o recinto do plano inclinado80. Terminados os trabalhos de instalação de água e de electricidade nos portos de pesca e de comércio, a iluminação do porto foi inaugurada em 24 de Outubro de 1934. Os responsáveis procederam também à montagem de farolins de sinalização da entrada dos portos de pesca e do comércio. Em Abril de 1935 submeteu-se à apreciação superior o projecto definitivo para o edifício destinado à venda, à preparação, à embalagem e à expedição do peixe (lota), que foi aprovado e, em 15 de Julho, realizou-se o concurso público para a sua construção. Este foi anulado e realizado novo concurso em 23 de Agosto. As obras foram adjudicadas em Outubro e os trabalhos tiveram início em 27 de Janeiro de 1936. Em Março de 1935 começou a construção do novo edifício para a Fiscalização do Porto de Comércio, que ficou concluído no final do ano. Foi ainda submetido a apreciação superior um projecto para os armazéns destinados à recolha das matérias-primas e dos produtos da indústria das conservas - entreposto das conservas81.

Idem, ibidem. Relatórios e contas dos exercícios de 1931, da Junta Autónoma..., Setúbal, 1932, p. 12. 77 Relatório e contas da gerência de 1932, da Junta Autónoma..., Setúbal, 1933, p. 1 a 11. 78 Idem, ibidem, p. 16 e 17. 79 Idem, ibidem, p. 20 e 21. 80 “Relatório do ano económico de 1934-1935”, Idem, Maio de 1936, p. 3 e 4. 81 Idem, ibidem, p. 4 e 5. 75 76

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Estudos realizados depois de 1938 Depois de concluídas as primeiras grandes obras do Porto de Setúbal, realizaram-se diversos estudos para alargamento e melhoramento das instalações portuárias e de todo o espaço envolvente quer marítimo e fluvial quer terrestre. Em 1939 foram alvo de estudo as fundações dos edifícios da parte central do porto, o calcetamento do pátio do edifício da lota, a instalação dos serviços da nova lota de consumo, os levantamentos do Vale do Sado e as referências para o estudo dos assentamentos das obras do porto. De salientar a importância deste último trabalho porque a criação das marcas de referência em todas as obras marítimas do porto, numeradas e executadas para facilitar a preparação dos assentamentos e das deformações, principalmente dos muros-cais, permitiam localizar rigorosamente cada troço das obras marítimas. Com apoio nestas marcas de referência, foi determinado para cada troço do muro-cais o respectivo jorramento. Ainda em 1939 foi feita uma determinação idêntica, de modo a obter elementos de comparação para estudar os assentamentos, e elaborado o ante-projecto do edifício para a sede da Junta82. Em 1940 foram realizados estudos topográficos e para a instalação dos serviços de uma nova lota de consumo; mantiveram-se também as observações meteorológicas. Foram também elaborados o projecto do edifício para a sede da Junta e o projecto de um embarcadoiro a construir na parte central do porto83. Em 1941, em colaboração com a Direcção Geral dos Serviços Hidráulicos e Eléctricos, foi analisada a propagação da onda e da maré no rio Sado84. O projecto do edifício destinado à instalação dos serviços da Junta Autónoma ficou concluído em 1942. Efectuaram-se também pequenos levantamentos topográficos e hidrográficos, recolheram-se as observações meteorológicas correntes e prosseguiu-se o estudo do jorramento dos muros-cais85. Em 1943 efectuaram-se levantamentos topográficos e hidrográficos necessários à elaboração do Plano de Arranjo e Expansão previsto pelo Decreto-Lei nº 32 842, de 11 de Junho, além dos estudos iniciados no ano anterior86. Em 1944 foi remodelado o projecto do edifício para sede da Junta Autónoma e submetido a apreciação superior. Foram realizados estudos relativos ao esboço de um armazém para as conservas e continuaram as observações meteorológicas e de jorramento dos muros-cais87. Em 1945, além da continuação dos estudos iniciados no ano anterior, foi elaborado o ante-projecto do edifício para a instalação do posto de fiscalização no Porto de Pesca. A parte central do porto foi alvo de vários estudos de melhoramento, nomeadamente para a instalação de um mastro de sinais, para a montagem da instalação eléctrica no jardim e ainda submetido a apreciação superior o projecto de um abrigo para passageiros que recebeu aprovação por despacho ministerial de 27 de Novembro deste mesmo ano88. Em 1946 foram aprovados os ante-projectos e iniciados os projectos definitivos do armazém destinado às mercadorias relacionadas com as conservas de peixe e do posto de fiscalização no Porto de Pesca. Foi também feito um projecto da iluminação da Estacada nº 3 e um estudo da remodelação da rede eléctrica da parte de Nascente do porto89. Em 1948 o projecto definitivo do posto de fiscalização no Porto de Pesca ficou concluído90. Em 1949, além dos estudos habituais, foi elaborado um projecto da instalação eléctrica da parte de Nascente do porto e foram feitos estudos de urbanização da parte central para a colocação de duas colunas para iluminação91. Em 1952 foi preparado um estudo da rede de distribuição de energia eléctrica da zona abastecida pelo posto transformador a instalar nos novos armazéns da parte central, feito um levantamento hidrográfico da barra, elaborada uma carta sextante abrangendo a mesma zona, um estudo de consolidação de enrocamentos, e um outro de localização da imagem de Nossa Senhora do Cais no jardim da parte central do porto92. Em 1953 foram feitos estudos para a urbanização e para a vedação da zona dos armazéns, para abrigos a construir junto à Estacada nº 3 e junto da face Oeste da Doca do Comércio e ainda para o abastecimento de energia e iluminação eléctrica à Estacada nº 4. Procedeu-se à elaboração da carta hidrográfica da zona do passe da barra e realizaram-se trabalhos de levanta-

“Relatório do ano económico de 1939”, idem, Maio de 1940, p. 5. “Relatório do ano económico de 1940”, idem, Maio de 1941, p. 5. 84 “Relatório do ano económico de 1941”, idem, Maio de 1942, p. 5. 85 “Relatório do ano económico de 1942”, idem, Maio de 1943, p. 5. 86 “Relatório do ano económico de 1943”, idem, Maio de 1944, p. 6. 87 “Relatório do ano económico de 1944”, idem, Maio de 1945, p. 6. 88 “Relatório do ano económico de 1945”, idem, Maio de 1946, p. 5. 89 “Relatório do ano económico de 1946”, idem, Maio de 1947, p. 7. 90 “Relatório do ano económico de 1948”, idem, Maio de 1949, p. 6. 91 “Relatório do ano económico de 1949”, idem, Maio de 1950, p. 6. 92 “Relatório do ano económico de 1952”, idem, Maio de 1953, p. 6 e 7. 82 83

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• Projecto do edifício destinado à Lota, preparação, embalagem e expedição de peixe, 1933, APSS • Projecto para o Edifício da Lota, anos de 1930, APSS • Plano inclinado, rampas e linguetas, Junta Autónoma da Obras do Porto e Barra de Setúbal e do Rio Sado, Engº Cid de Perestrelo, APSS • O Porto de Setúbal visto da barroca, s.d., Museu da Marinha


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mento topográfico e hidrográfico da praia de Tróia93. Executaram-se, em 1954, estudos para a montagem da cabine de seccionamento da rede eléctrica da zona central do porto e da Estacada nº 394. Procedeu-se, em 1955, ao levantamento topográfico da estrada da Mitrena - Moinho Novo, visando o aproveitamento da margem direita do rio Sado, a montante das instalações da SAPEC, para estabelecimento de novas indústrias95. Na sequência da aprovação do projecto de instalação da indústria siderúrgica em Portugal, por despacho do Ministro da Economia, em Setembro de 1956, os membros da Junta Autónoma esperavam que a sua localização fosse em Setúbal. Assim, realizaram-se vários estudos, projectos e levantamentos topográficos, hidrográficos e geológicos na margem direita do rio Sado, mais especificamente, na península da Mitrena96. Em 1959 elaboraram-se projectos de remodelação da instalação eléctrica do Edifício da Lota, para a construção de um posto de transformação neste mesmo edifício, e para a iluminação dos arruamentos junto da Doca do Comércio e da Estacada nº 4. Continuaram também os trabalhos de levantamento hidrográfico na barra do rio Sado e as habituais observações meteorológicas97. Reconhecida a necessidade de renovação das principais obras acostáveis do Porto de Setúbal, foram as mesmas consideradas no Plano de Fomento em vigor e iniciados os estudos necessários. Foi elaborado o projecto da obra acostável destinada a substituir a Estacada nº 4 constituída por um muro-cais com 175 metros de comprimento a fundos de -9.00 metros. Elaboraram-se também estudos para a remodelação da instalação eléctrica dos armazéns da Doca de Recreio e para o novo projecto de distribuição de energia eléctrica junto à Doca dos Pescadores, levantamento hidrográfico na margem direita do rio Sado, frente à península da Mitrena e de sondagens na barra, e ainda a habitual recolha de observações meteorológicas98. O concurso público para “construção do cais comercial a -9.00, no Porto de Setúbal” foi lançado em 1962 e a adjudicação pertenceu à firma SOMEC - Sociedade Metropolitana e Colonial de Construções, Lda - pela importância de 12 279 527$0099. Em 1963 foi elaborado o estudo para fornecimento de energia eléctrica em BT a um guindaste a instalar na Estacada nº 1 e feita uma vistoria geral às instalações da força motriz e PT do edifício da Lota. Foram ainda realizados pequenos levantamentos topográficos e hidrográficos assim como sondagens junto das pontes de montante do Porto de Setúbal, sem esquecer, claro, as habituais recolhas de observações meteorológicas100. Em 1964 foram elaborados vários estudos, nomeadamente do prolongamento do muro-cais em construção no Porto de Comércio, da transformação de um guindaste a vapor para accionamento por energia eléctrica, de remodelação da instalação eléctrica do plano inclinado do Porto de Setúbal e do quadro a instalar, do estabelecimento de um PTS na Estacada nº 1 e da montagem de iluminação pública e particular na mesma Estacada101. Em 1968 foi elaborado o projecto de construção e de fornecimento de uma lancha-reboque, estudado o processo de licenciamento do posto de transformação do Cais nº 4, executado o projecto da “Via Rápida de Cintura do Porto de Setúbal - Troço das Fontainhas - Cachofarra”, feito o projecto de medição das terras dos PT da Junta e estudo do seu melhoramento, análise do contrato e da fiscalização dos trabalhos de execução e de montagem da empreitada de fornecimento de três guindastes eléctricos e respectivos sobresselentes para o porto. Foi feita a inscrição no curso de “Transportes sólidos em problemas de hidráulica” no Laboratório Nacional de Engenharias Civil e realizados levantamentos topográficos e hidrográficos entre o Cais nº 4 e a UEP e na margem esquerda do rio Sado na zona dos postos de atracação de “ferry-boats” em Tróia e ainda um levantamento na escala de 1/2500 para o plano de dragagens da barra de Setúbal102. Há estudos que se realizam normalmente pois têm a ver com a manutenção e com o desenvolvimento das actividades portuárias como modificações nos edifícios, pavimentos, instalações marítimas e dragagens. Mas em 1970 verificou-se uma actividade projectiva mais importante como foi o caso

“Relatório do ano económico de 1953”, idem, Maio de 1954, p. 9. Idem, ibidem. 95 “Relatório do ano económico de 1955”, idem, Maio de 1956, p. 7. 96 “Relatório do ano económico de 1957”, idem, Maio de 1958, p. 4 e 5. 97 “Relatório do ano económico de 1959”, idem, Maio de 1960, p. 5. 98 “Relatório do ano económico de 1960”, idem, Maio de 1961, p. 18 e 19. 99 “Relatório do ano económico de 1961”, idem, Maio de 1962, p. 23. 100 “Relatório do ano económico de 1963”, idem, Maio de 1964, p. 2 do relatório do Engenheiro Director. 101 ”Relatório do ano económico de 1964”, idem, Maio de 1965, p. 2, idem. 102 “Relatório do ano económico de 1968”, idem, Maio de 1969, p. 1 e 2, idem. 93 94

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• Setúbal, Fontainhas, Fotografia Huchembuch de Figueiredo, s.d., APSS. • Edifício da Fiscalização, anos de 1930, APSS. • Fonte decorativa para o jardim da zona central do Porto de Setúbal, arquitecto Paulo de Carvalho Cunha, APSS.


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da rede de água na zona central do porto e do Cais nº 5, da via-férrea e caminho de rolamento deste mesmo cais e dos pontões metálicos destinados ao embarque nos postos de atracção para “ferry-boats” Setúbal-Tróia, entre outros103. Em 1972 procedeu-se à habitual recolha dos necessários elementos sobre as observações meteorológicas e executou-se o levantamento hidrográfico da barra do Porto de Setúbal, além de outros estudos de menor monta104. Em 1981, além dos habituais estudos meteorológicos e dos trabalhos de actualização dos quadros de movimento anual da navegação, de mercadorias do porto e de mergulho, iniciaram-se estudos preliminares para a realização do “projecto da sede da Junta”, a implantar na zona central do Porto de Setúbal105, sendo realizado o projecto-base no ano seguinte106 e concluído em 1983107. De acordo com a nova filosofia de desenvolvimento portuário, em 1990 foram iniciados os estudos conducentes a um mais adequado e racional aproveitamento das zonas com capacidades portuárias. Deram-se ainda os primeiros passos para a concretização de um Estudo de Ordenamento e Expansão que permitisse comportar os vários agentes económicos com uma estratégia de desenvolvimento e com as grandes linhas orientadoras da política de exploração portuária para o Porto de Setúbal nos anos subsequentes108. Em 1993 foram concluídos os trabalhos do estudo de ordenamento e de expansão do Porto de Setúbal que contribuíram para a fixação das linhas orientadoras do ordenamento e da expansão, pressuposto de um crescimento sustentado em sintonia com uma política de investimentos direccionada para objectivos estratégicos nos domínios da rentabilidade, da produtividade e da competitividade. Realizou-se o planeamento e a avaliação das capacidades dos acessos rodoviários na frente portuária e as ligações às redes nacionais, cujo início de execução, em 1993, permitiu articular o desenvolvimento das acessibilidades físicas das áreas portuárias relacionadas com os vários sistemas de transporte. Neste mesmo ano deu-se início aos estudos sobre a zona ribeirinha com vista a potenciar a sua integração no espaço urbano pela reconversão e pelo reordenamento das infra-estruturas de suporte às actividades náuticas de recreio e de lazer109. Em 1994 foram iniciados os estudos e os trabalhos para a modernização e para o ordenamento do Terminal das Fontainhas110. Face aos resultados da Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) efectuada em 1997, foi necessário iniciar um processo de reformulação dos estudos existentes, entre outros projectos em curso. Assim, foi concluído o estudo de reavaliação técnico-económica e o projecto técnico de execução e iniciada a reformulação do estudo de impacte ambiental e do modelo hidromorfológico referentes ao Terminal de Contentores/Plataforma Multimodal do Porto de Setúbal. Este projecto foi alvo de candidatura no âmbito do Fundo de Coesão, incluindo apenas 700 metros de cais e terrapleno, sem recurso a dragagens no estuário do rio Sado111. Mereceram especial atenção, em 1998, os estudos de realização económica do projecto Terminal de Contentores/Plataforma Multimodal, os estudos do projecto de ampliação da Doca de Pesca do Porto de Setúbal, os estudos realizados no âmbito do Plano de Pormenor da Zona Ribeirinha de Setúbal e os estudos realizados no âmbito do Plano Director dos Portos de Setúbal e de Sesimbra, que incluíram a elaboração dos Planos de Ordenamento e Expansão destes portos, o estudo das dragagens do canal Sul e a implementação do Sistema de Informação Geográfica (SIG)112. No âmbito do Plano de Ordenamento Ribeirinho, em 2000, foram elaborados diversos estudos de pormenor, de viabilidade técnico-económica e financeira, de incidências ambientais, projectos técnicos com vista à requalificação e à revitalização da frente ribeirinha de Setúbal, promovendo a melhoria das condições de integração urbana através de acções de reconversão de áreas do domínio público portuário vocacionadas para a implementação de novas actividades e serviços associados ao turismo, ao lazer e ao recreio náutico. No âmbito das intervenções de reordenamento da via urbano-portuária de acesso à zona comercial do porto, incluiu-se, igualmente, a recuperação paisagística e ambiental das áreas adjacentes, através da criação de áreas arborizadas, pavimentação e criação de áreas de estacionamento113.

“Relatório do ano económico de 1970”, idem, Abril de 1971, p. 1, idem. “Relatório do ano económico de 1972”, idem, Abril de 1973, p. 1, idem. 105 “Relatório do ano económico de 1981”, idem, Abril de 1982, p. 2, idem. 106 “Relatório do ano económico de 1982”, idem, Abril de 1983, p. 1, idem. 107 “Relatório do ano económico de 1983”, idem, Abril de 1984, p. 1, idem. 108 “Relatório e contas de 1990”, APSS, Abril de 1991, p. I. 109 “Relatório e contas de 1993”, idem, Março de 1994, p. 2 e 3. 110 “Relatório e contas de 1994”, idem, Março de 1995, p. 3. 111 “Relatório e contas de 1997”, idem, Março de 1998, p. 14. 112 “Relatório e contas de 1998”, idem, Março de 1999, p. 4. 113 “Relatório e contas de 2000”, idem, Março de 2001, p. 31 e 32. 103

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• Croquis do farol do Regufe em Nova Sintra, Setúbal, 1933. • Projecto do terminal RO-RO, Setúbal, APSS


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Em 2001 foram desenvolvidos os estudos de viabilidade técnico-económica e financeira dos projectos de expansão do Terminal Ro-Ro e de recuperação funcional e ambiental do Terminal da Eurominas. No âmbito do Plano Director deu-se início ao estudo logístico do Porto de Setúbal e ao estudo de reordenamento da área de Santa Catarina, e encontram-se concluídos os estudos relativos aos Planos Estratégicos de Ordenamento e Expansão dos Portos de Setúbal e Sesimbra, a auditoria externa que visou a análise SWOT do organograma da administração portuária com vista à alteração orgânica da mesma, os estudos de apoio à preparação do processo de concessão do Terminal Multiusos, incluindo o Terminal das Fontainhas, a implementação de um Sistema de Informação Geográfica e os estudos da dragagem do canal Sul114. No seguimento da conclusão do estudo de viabilidade técnico-económico e financeiro, em 2002 foi apresentada uma candidatura ao Fundo de Coesão do projecto para a 1ª fase de “Extensão do cais do Terminal Roll-On Roll-Off do Porto de Setúbal” para montante, foram desenvolvidos um estudo sobre a adequabilidade do novo pavimento da Zona 1 do Terminal Multiusos e os projecto e processo de concurso da obra de reformulação do Posto de Inspecção Fronteiriço do Porto de Setúbal. Neste ano foram ainda concluídos o estudo de viabilidade técnico-económica e financeira do projecto de recuperação ambiental e funcional do Terminal Eurominas e sobre a criação de acessos terrestres que permitiriam a formalização da respectiva candidatura ao Fundo de Coesão em 2003. Inserido no projecto de requalificação da frente ribeirinha foi concluído um estudo de reordenamento da zona de Santa Catarina, tendo em vista a transferência dos estaleiros, a criação de instalações de apoio ao trem naval e de uma infra-estrutura de apoio ao recreio náutico; foi também desenvolvido outro estudo sobre a qualidade da imagem dos espaços na área da jurisdição da APSS, SA e um projecto de sinalética exterior115.

Obras novas A construção do edifício da lota terminou em Dezembro de 1938 e, durante 1939, foi alvo de pequenas reparações por conta da firma empreiteira por a Junta achar necessário fazê-las durante o período de garantia da obra. A recepção definitiva da empreitada foi feita em 15 de Dezembro de 1939. Neste mesmo edifício foi iniciado o calcetamento do pátio interior, que se prolongou por 1940. Ainda em 1939 foram realizados, em colaboração com os serviços de farolagem do Ministério da Marinha, os trabalhos de sinalização, em terra, no novo canal da barra. A nova barra ficou sinalizada pelo enfiamento de dois faróis: um, o da Junta, localizou-se no molhe Poente da Doca dos Pescadores e o outro, construído pelo Ministério da Marinha, foi colocado na encosta, no sítio da Azeda. O antigo farol da Doca dos Pescadores foi elevado três metros116. Neste mesmo ano, de acordo com o respectivo plano de urbanização, foi iniciada a construção do edifício para a Capitania do Porto de Setúbal nos terraplenos da parte central, tendo sido cedido pelo Ministério da Marinha, para esta iniciativa, um talhão com 750 metros quadrados de área117. Em 1942 foram assentes as manilhas do colector da 1ª transversal dos arruamentos da parte central do porto entre as ruas Silvestre Serrão e Barão do Vale e feita a instalação eléctrica num dos armazéns do edifício da lota, entre outras obras de menor porte118. Em 1943 realizou-se a construção do pavimento em macadame da rua de serviço da Estacada nº 6, construiu-se uma cabine eléctrica no Porto de Comércio e procedeu-se à colocação de cabeços de amarração em betão, nas muralhas e nos empedrados do porto - 24 na Doca dos Pescadores, 8 na Doca de Recreio e 21 na Doca de Comércio119. Em 1944 foi instalada a luz eléctrica na Estacada nº 3 e prosseguiram os trabalhos de embelezamento do jardim, com a colaboração do Engenheiro Agrónomo Arnaut Pombeiro120. Em 1945 foi completada a instalação da luz eléctrica na Estacada nº 3 e a colocação de bancos no jardim central, num total de 26, que embelezaram imenso a cidade e permitiram momentos agradáveis de lazer aos seus habitantes. No terrapleno do Porto de Pesca foi construída a instalação para a colocação de uma báscula121. Em 1946 iniciou-se a construção do Centro de Instrução Náutica da Mocidade Portuguesa, ao lado das instalações utilizadas pelo Clube Naval “Relatório e contas de 2001”, idem, Março de 2002, p. 27. “Relatório e contas de 2002”, idem, Março de 2003, p. 19 e 21. 116 “Relatório do ano económico de 1939”, idem, Maio de 1940, p. 6 e 7. 117 Idem, ibidem, p. 9. 118 “Relatório do ano económico de 1942”, idem, Maio de 1943, p. 6. 119 “Relatório do ano económico de 1943”, idem, Maio de 1944, p. 7. 120 “Relatório do ano económico de 1944”, idem, Maio de 1945, p. 6. 121 “Relatório do ano económico de 1945”, idem, Maio de 1946, p. 6. 114 115

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• Barraca do antigo Cais da Conceição, desenho de João Ferreira dos Santos Freire, APSS • Primeiro guindaste a vapor que operou no Porto de Setúbal desde 1924 até 1970. Instalado na antiga Estacada do Carvão, desempenhou um papel importantíssimo no apoio ao transporte deste combustível para a indústria da região de Setúbal, durante as primeiras décadas do século XX • Esquema de uma grua, APSS


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Setubalense, depois de autorizado pelo Subsecretário de Estado das Comunicações, por despacho de 8 de Abril, a expensas da Junta e do Fundo de Desemprego e, nos termos da Lei, a cargo da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais. Aprovado, por despacho de 27 de Novembro de 1945, o abrigo para passageiros na zona central do porto começou a ser construído. Foram calcetadas as ruas ao longo da Estacada nº 3 e a Norte da Estacada nº 4, assim como a placa onde ficou instalado o mastro de sinalização. Foi instalada a luz eléctrica no jardim da parte central do porto e colocados dois candeeiros junto à face Norte da Doca de Recreio122. Em Janeiro de 1947 foi aprovado pelo Subsecretário de Estado das Obras Públicas o projecto do edifício destinado à instalação dos serviços da Junta Autónoma, foi feito o calcetamento do passeio junto ao novo edifício da Alfândega que começara a funcionar em 21 de Julho, foi realizada a ligação das instalações de água e de electricidade do abrigo para passageiros e a instalação da luz eléctrica num dos armazéns do edifício da lota123. Em 2 de Março de 1948 foi aberto concurso público e em 16 de Agosto feito o contrato para a construção dos armazéns para o porto, cuja conclusão se previa para finais de 1950. Neste mesmo ano foram feitos melhoramentos no edifício destinado ao Centro de Instrução Náutica da Mocidade Portuguesa, na instalação eléctrica do edifício da Lota e dos armazéns da Doca de Recreio na parte ocupada pelo Clube Naval Setubalense. Ainda neste ano foi calcetada a placa do Abrigo para passageiros, melhorada a rede de águas com a ligação das malhas de Nascente e de Poente da mesma rede, foi colocado um marco fontanário no jardim da parte central do porto e realizados outros melhoramentos nas instalações eléctricas e na rede de esgotos124. Em 1952 construíram-se e colocaram-se ao longo do porto quatro postos de socorros a náufragos, dotados dos respectivos materiais de salvação125. Em 10 de Maio foi oficialmente inaugurada a nova Casa dos Pilotos, dotada de instalações modelares, à qual presidiu o Ministro da Marinha. Prosseguiram os trabalhos de construção do edifício da FNAT, tendo terminado a execução dos “toscos”126. No primeiro dia do mês de Maio de 1953, com a presença das autoridades civis e militares, acompanhadas de grande parte da população setubalense, procedeu-se à transferência, a pedido dos pescadores, da imagem de Nossa Senhora da Conceição, que permanecera no nicho do quartel de Infantaria 11 desde o reinado de D. João V, para o monumento, construído para esse fim, no centro dos jardins dos terraplenos do Porto de Setúbal127. A imagem é conhecida como Nossa Senhora do Cais. Dado o grande desenvolvimento que teve o tráfego de passageiros entre Setúbal e as praias situadas na península de Tróia - cerca de 80 000 pessoas em 1960 - foi sentida a necessidade de melhorar as condições de acostagem, embarque e desembarque na ponte de Tróia, em 1961. Dentro do plano de trabalhos elaborado destacaram-se também a construção do Armazém da Fiscalização da Doca dos Pescadores, com características idênticas ao já existente na Doca do Comércio, a pavimentação dos terraplenos na parte central do porto, para permitir a sua utilização como depósito de toros de madeira para exportação, o início da modificação dos arruamentos junto da Doca dos Pescadores, separando a zona de trabalho da circulação de veículos, a remodelação da rede eléctrica junto do jardim da parte central do porto e a iluminação dos arruamentos junto da Doca dos Pescadores128. Foram feitos, em 1963, pequenos trabalhos complementares na instalação para embarque e desembarque de passageiros das carreiras fluviais e completada a sinalização dos respectivos “Duques d’Alba”. Realizaram-se também melhoramentos nos armazéns da Doca de Recreio e no respectivo telhado e na iluminação dos armazéns nos 1 e 2. Foram pavimentados os terraplenos na zona da Doca do Comércio, melhorada a rede eléctrica junto ao jardim da parte central do porto até ao edifício da Lota, iluminado o exterior deste edifício, junto à Estacada nº 2, feita a distribuição de energia eléctrica às oficinas e instalada uma forja com ventoinha eléctrica129. No orçamento elaborado em 1964, foram consignados no plano de trabalhos para 1965, na área do projecto de “Construção de um cais comercial a -9.00 no Porto de Setúbal”, 5 400 contos, tendo em vista a aquisição de guindastes de pórtico eléctricos e respectivo caminho de rolamento.

“Relatório do ano económico de 1946”, idem, Maio de 1947, p. 9. “Relatório do ano económico de 1947”, idem, Maio de 1948, p. 5. 124 “Relatório do ano económico de 1948”, idem, Maio de 1949, p. 7 e 8. 125 “Relatório do ano económico de 1952”, idem, Maio de 1953, p. 9. 126 Idem, ibidem, p. 18. 127 Processo de Nossa Senhora do Cais, sua colocação no jardim da parte central do porto e respectivos estudos, 1952, APSS. 128 “Relatório do ano económico de 1961”, Junta Autónoma do Porto de Setúbal, Maio de 1962, p. 23. 129 “Relatório do ano económico de 1963”, idem, Maio de 1964, p. 3 do relatório do Engenheiro Director. 122 123

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Realizaram-se melhoramentos no edifício da Lota, na rede de águas, na rede eléctrica e na ponte de Tróia130. A Junta inscreveu no seu Orçamento para 1967 uma despesa extraordinária para, em regime de autofinanciamento e em função do Plano Intercalar do Fomento, fazer face ao pagamento do apetrechamento do novo Cais nº 4, constituído por três guindastes eléctricos de pórtico131. Em 1968 foram realizados melhoramentos nas instalações marítimas e terrestres, nos arruamentos e nas vias-férreas132. Inserido no projecto de execução do “Plano anual de obras e aquisições de equipamento”, em 1974 foi levada a efeito a construção do armazém do Cais nº 4, o arranjo da zona de atracção de “ferry-boats”, os melhoramentos nos pavimentos anexos ao Cais nº 5 e a construção da via-férrea de acesso aos Cais nº 4 e nº 5133. Em 1975 salientamos a colocação de “Duques d’Alba” de guiamento para os postos de atracção de “ferry-boats” para Setúbal e para Tróia134. Por verbas consignadas à Direcção-Geral de Portos através do OGE de 1980 foram realizados três empreendimentos portuários, nomeadamente a construção do prolongamento do Cais Comercial nº 5 a -10,00 metros (ZH), obras de renovação dos terminais das carreiras fluviais do rio Sado e fornecimento de um guindaste eléctrico tipo “MAGUE”, de 3/6 toneladas. Foi também aberto concurso para adjudicação da empreitada de construção de um Cais na Doca dos Pescadores135. Também com verbas integradas no OGE de 1983 foi terminada a empreitada das obras de renovação dos terminais das carreiras fluviais do rio Sado, foi adjudicada a obra de construção de um cais na Doca dos Pescadores e iniciou-se a montagem de um guindaste eléctrico de pórtico tipo “MAGUE” de 6/12 toneladas no Cais das Fontainhas136. Incluído no Plano Geral do Porto de Setúbal foi finalizado, pela Direcção-Geral de Portos, o Cais da Doca de Pesca e foram efectuadas dragagens nas zonas adjacentes. O Projecto da Sede da Junta foi entregue para aprovação superior, através da Direcção-Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais137 que efectuou dois concursos públicos para a construção deste edifício tendo, em 1985, sido executada a empreitada de “construção das fundações indirectas” e iniciada a “construção do edifício para a instalação da sede - superstrutura”. Em Novembro realizou-se o último concurso público para a 1ª fase da construção de um terminal Roll-On Roll-Off e feita a adjudicação da obra. Esta iniciativa era considerada fundamental para o desenvolvimento do porto dado o incremento de mercadorias movimentadas por este tipo de navegação138. Em 1987, além da continuação das obras para o edifício da Sede da Junta, foram realizados outros empreendimentos, nomeadamente a construção de um armazém de aprestos marítimos na zona do Cais nº 1, a dragagem de conservação de fundos do porto, melhoramentos na iluminação, um posto transformador, a vedação dos terraplenos anexos ao Cais das Fontainhas e a ligação da rede telefónica ao edifício da sede da Junta, entre outros de menor envergadura139. Em 1988 foi lançado o concurso para a 2ª fase da construção do Terminal Roll-On Roll-Off, cuja construção teve início no ano seguinte. O edifício da Sede da JAPS foi concluído no ano de 1989, quando esta já fora extinta. O imóvel custou 92 400 contos e o seu mobiliário importou em 12 000 contos140. Já sob a orientação da APSS, em 1990 foi retomado o projecto inicial, que entretanto fora reduzido parcialmente, de ampliação e reequipamento do Cais das Fontaínhas, cujo investimento apontava para cerce de 2,5 milhões de contos, e a antecipação da sua conclusão para o 1º trimestre de 1992, de forma a criar, o mais rapidamente possível, as condições necessárias ao crescimento da actividade portuária em Setúbal141. Em 1991 foi concluída a área de terrapleno destinada ao tráfego Ro-Ro e prosseguiram as obras dos edifícios dos cacifos e aprestos, de apoio à actividade de pesca, em substituição das “barracas” que ali estavam implantadas142. No prosseguimento de uma política de investimentos direccionada para a modernização e para a expansão das facilidades portuárias foram concluí“Relatório do ano económico de 1964”, idem, Maio de 1965, p. 3, idem. “Relatório do ano económico de 1967”, idem, Maio de 1968, p. 9. 132 “Relatório do ano económico de 1968”, idem, Maio de 1969, p. 2 e 3 do relatório do Engenheiro Director. 133 “Relatório do ano económico de 1974”, idem, Abril de 1975, p. 5, idem. 134 “Relatório do ano económico de 1975”, idem, Abril de 1976, p. 4, idem. 135 “Relatório do ano económico de 1980”, idem, Abril de 1981, p. 1, idem. 136 “Relatório do ano económico de 1983”, idem, Abril de 1984, p. 1, idem. 137 “Relatório do ano económico de 1984”, idem, Abril de 1985, p. 1. 138 “Relatório do ano económico de 1985”, idem, Abril de 1986, p. 1. 139 “Relatório do ano económico de 1987”, idem, Abril de 1988, p. 5 do relatório do Engenheiro Director. 140 “Relatório do ano económico de 1989”, idem, Abril de 1990, p. 1. 141 “Relatório e contas de 1990”, APSS, Abril de 1991, p. I. 142 “Relatório e contas de 1991”, idem, Maio de 1992, p. 4. 130 131

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das, em 1992, as obras da 1ª fase do Terminal de Contentores, de modo a permitir a utilização por quaisquer utentes até que o processo de concessão ficasse ultimado. Previa-se que o equipamento de movimentação vertical - Pórtico de Cais - em fase de construção ficasse operacional no último trimestre de 1993. Iniciaram-se as obras do Terminal Roll-On Roll-Off Ford/VW, ultimou-se o processo de lançamento da empreitada relativa ao projecto de “Acessos à via urbano-portuária do Terminal-Ferry”, com a assinatura do contracto em Dezembro de 1992 e concluiu-se o Edifício de Cacifos143. Em 1994 desenvolveu-se o projecto de execução das infra-estruturas do Terminal de Contentores/Plataforma Multimodal, a execução das dragagens no Canal da Barra a -12m (ZH) e do Canal Norte a - 11m (ZH), a conclusão do Terminal Ford/VW e a construção do Centro de Despacho Rápido de Navios144. Em 1996 procedeu-se à recuperação das Estacadas 1 e 2, à modernização do Terminal das Fontaínhas e à ampliação da Doca de Pesca145. Com o objectivo de dotar a actividade portuária das infra-estruturas necessárias ao respectivo desenvolvimento e expansão, em 1998 deu-se continuidade aos projectos de investimento anteriormente iniciados, assumindo particular destaque o processo de aquisição de equipamentos de cais no âmbito da modernização do Terminal das Fontainhas, a fase final da modernização da Doca do Comércio, os arruamentos e os jardins, a continuação da implementação do projecto SIPSet, a continuação das obras nas infra-estruturas marítimas do Porto de Sesimbra, o início da recuperação da antiga Lota do Porto e Setúbal, a monitorização do estuário do Sado e a finalização das dragagens de manutenção do canal de Barra e do canal Norte146. No ano 2000 foi dada continuidade à empreitada de construção do Terminal Multiusos que permitiria responder às exigências do tráfego de carga geral nos 20 anos seguintes, iniciou-se a negociação para a criação de um novo terminal para a movimentação de granéis líquidos, a concessionar à Sapec, e foram concluídas as obras de melhoria da operacionalidade e da eficiência do Terminal de carga geral das Fontainhas. Ainda em 2000 foi concluído o projecto SIPSet, iniciado em 1997 e financiado em 85% através do Fundo de Coesão. Incluiu a implementação de soluções inovadoras no domínio da automatização de procedimentos administrativos e portuários, a instalação de um serviço de intranet portuária, a implementação de novas metodologias de tratamento de informação com recurso a ambientes que asseguram rapidez e eficácia na transferência de soluções no âmbito da multimédia, e a integração na rede de dados e sinal VTS garantindo a compatibilidade de sistemas informáticos, de modo a fundamentar, com qualidade, o processo de decisão. Tendo como objectivo acompanhar a evolução do estado ambiente nas áreas mais susceptíveis de serem afectadas pelas actividades portuárias e outras intervenções, neste mesmo ano procedeu-se à monitorização ambiental das condições físicas e químicas do estuário do Sado, através da realização de análises toxicológicas e de sedimentos e do estudo de medidas de minimização do impacte e da compensação ambiental no âmbito da construção do Terminal Multiusos147. Em 2002 o Terminal Multiusos/Plataforma Multimodal ficou concluído, a obra de ampliação da Doca de Pesca apresentou um bom ritmo de execução física, foram desenvolvidos o projecto de execução e o processo de concurso da extensão da Doca de Recreio das Fontainhas para Nascente, realizaram-se dragagens de emergência nas zonas dos cais Eurominas, Fontainhas e Pirites/EDP/Somincor e, no 1º trimestre, foi concluído e apresentado o relatório final dos estudos do Plano Director do Porto de Setúbal, financiados através da Linha Orçamental B5/700, que constituiu um instrumento de planeamento no desenvolvimento portuário148.

Obras de conservação, de reparação e de reconversão As despesas deste item dividiam-se pela conservação e reparação de obras marítimas e fluviais, de obras terrestres e de máquinas, de aparelhos, de material flutuante e de outro material semelhante para a execução das obras e para apetrechamento do porto. Na conservação e reparação das obras marítimas estão incluídos os trabalhos de dragagem, para conservação, efectuados na barra. A abertura da barra nova do rio Sado, realizada nos anos

“Relatório e contas de 1992”, idem, Março de 1993, p. 6. “Relatório e contas de 1994”, idem, Março de 1995, p. 2 e 3. 145 “Relatório e contas de 1996”, idem, Março de 1997, p. 10. 146 “Relatório e contas de 1998”, idem, Março de 1999, p. 4. 147 “Relatório e contas de 2000”, idem, Março de 2001, p. 21, 30 e 31. 148 “Relatório e contas de 2002”, idem, Março de 2003, p. 29 e 30. 143 144

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• Plano Hidrográfico do Rio Sado, Brigada Hidrográfica Independente do Continente, 1961, Instituto Hidrográfico • Efeitos do ciclone que devastou a região, 1941, APSS • Hangar das Conservas depois de danificado pelo ciclone de 1941 e reparado posteriormente, 1941, APSS


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de 1933 e 1934 durante e depois das obras marítimas do porto, deixou um canal de aproximadamente 100 metros de largura e 1 300 metros de comprimento, dragado à cota de sensivelmente - 6.00 metros (ZN). A barra manteve o seu alinhamento, e os assoreamentos verificados posteriormente foram apenas os que resultaram das condições naturais de uma barra de areia como é o caso de Setúbal. A partir de 1939 começou a sentir-se a necessidade de dragagens de conservação, para que a barra mantivesse a profundidade requerida. Mas, as condições económicas, resultantes do conflito bélico, só permitiram a sua realização em 1945 e, posteriormente, em 1947149. A reparação mais importante efectuada no ano de 1939 foi a da rampa de construções navais, cujo pavimento foi reconstruído com terra argilosa e enrocamento miúdo. Nos “perrés” efectuaram-se reparações de “refechamento” de juntas, em profundidade, tal como nos “perrés” interiores dos molhes da Doca do Comércio e no exterior compreendido entre a Estacada nº 1 e a rampa de construções navais. Foram consertadas fugas de areias dos pavimentos junto às obras marítimas, refazendo-se os aterros, refechando as juntas dos blocos dos muros verticais e injectando cimento nas areias a baixa pressão. Repararam-se, também, os calcetamentos e os colectores avariados150. Em 1942, além das correntes obras de conservação, como manutenção, e guarda das instalações, foram desenvolvidos trabalhos de reparação de avarias provocadas pelos temporais, nomeadamente pelo ciclone de 15 de Fevereiro de 1941. A reparação dos enrocamentos no sopé das obras marítimas foi lenta por falta de pedra, tal como a reparação das defensas de madeira das pontes-cais e das escadas, pela subida do custo deste material151. Em 1943 foram continuadas as reparações dos estragos feitos pelos temporais, já iniciadas no ano transacto. Em 1953 foi aprovado, por despacho ministerial, o projecto da obra de pavimentação de arruamentos na zona central do porto, junto dos armazéns nos 1 e 2, que foi adjudicada para execução em 1954152. Nos anos de 1940 e de 1950 foram realizadas dragagens de conservação de fundos - que, por serem arenosos, exigiam mais cuidados - de modo a serem mantidas as profundidades necessárias à boa navegação no canal da barra, junto às pontes-cais e dentro das docas. Em 1955 foi concedida autorização, por Decreto nº 40 132 de 19 de Abril, para trabalhos de dragagem de aprofundamento do canal da barra, num total de 500 000 metros cúbicos medidos em batelão. Este trabalho realizou-se ao longo de dois anos153. O edifício da Lota foi, em 1955, alvo de reparações sugeridas pela Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, aquando das vistorias realizadas. Numa primeira fase foi reparada a sala da Lota Comercial, mais concretamente a impermeabilização do seu terraço. Seguiram-se os trabalhos de beneficiação no edifício da Lota do Peixe, nomeadamente a reparação das coberturas do imóvel e a renovação da instalação eléctrica154. Em 1956 estas reparações continuaram, tendo sido beneficiada a ala Sul do edifício, principalmente as dependências ocupadas pela Alfândega, pela Câmara Municipal, pela Capitania do Porto e pela Direcção dos Serviços das Lotas155. Em 1963 foram realizadas dragagens para conservação dos fundos, reparados os empedrados e os muros-cais, reforçados os enrocamentos na base das obras marítimas, colocadas defensas nas estacadas e nas escadas e reparadas as pontes e as escadas, sem esquecer a conservação e a manutenção das instalações terrestres156. Além da manutenção das instalações marítimas e terrestres que se faziam anualmente, em 1970 foram também realizadas dragagens de conservação de fundos no canal da barra, na entrada e no interior da Doca de Recreio, nos fundos dos Cais nº 1 e nº 5, reparações nos empedrados, nos muros-cais, nos enrocamentos na base das obras marítimas, nas defensas dos cais e nas escadas, sem esquecer outras reparações em obras acostáveis157. Os trabalhos correntes de conservação continuaram a realizar-se normalmente e, em 1991, ficaram concluídos os trabalhos de arranjo da Praça da República e respectiva envolvente portuária158. Em 1996 foi substituída a cobertura da antiga Lota de Pesca159.

“Relatório do ano económico de 1961”, idem, Maio de 1962, p. 8 a 10. “Relatório do ano económico de 1939”, idem, Maio de 1940, p. 7. 151 “Relatório do ano económico de 1942”, idem, Maio de 1943, p. 7. 152 “Relatório do ano económico de 1953”, idem, Maio de 1954, p. 19 e 20. 153 “Relatório do ano económico de 1955”, idem, Maio de 1956, p. 15. 154 Idem, ibidem, p. 16 e 17. 155 “Relatório do ano económico de 1956”, idem, Maio de 1957, p. 13. 156 “Relatório do ano económico de 1963”, idem, Maio de 1964, p. 6 a 8 do relatório do Engenheiro Director. 157 “Relatório do ano económico de 1970”, idem, Abril de 1971, p. 3 e 4 , idem. 158 “Relatório e contas de 1991”, APSS, Maio de 1992, p. 4. 159 “Relatório e contas de 1996”, idem, Março de 1997, p. 11. 149 150

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• Acção da Companhia Nacional de Caminhos-de-Ferro, 1858, colecção particular de Madureira Lopes • Companhia de Seguros Marítimos Ultramarina, 1914, colecção particular de Madureira Lopes • Projecto para as obras do Porto de Setúbal, no qual está inserida a “Planta de parte da villa de Setúbal vista do lado do mar, levantada em Outubro de 1793. Pode ver-se ainda estudos para as obras do porto, APSS


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Na sequência dos estudos realizados na área do Ordenamento Ribeirinho foram, em 2000, executadas diversas intervenções das quais destacamos a reconversão da zona Poente da Doca do Comércio, o arranjo da zona envolvente e do jardim Engenheiro Luís da Fonseca, o estacionamento junto ao edifício das Finanças e ao Cais 3, o estacionamento e envolvente junto ao Clube Naval, a recuperação da via urbano-portuária contígua à Doca de Pesca e aos jardins envolventes, a demolição de edifícios devolutos e a concessão do Cais 3 para apoio ao empreendimento de Tróia, além de outras obras previstas e iniciadas. Tendo como objectivo o reordenamento e a reconversão das áreas degradadas na frente ribeirinha, as intervenções executadas em 2000 centraram-se, essencialmente, na descontaminação de solos, na demolição de instalações fabris, na criação e na reparação de áreas de estacionamento na via urbano-portuária, na respectiva sinalização horizontal e na reabilitação de pavimento160.

Equipamento portuário No capítulo referente a equipamento portuário foi, em 1945, adquirido um bote necessário aos serviços do rebocador e do plano inclinado e uma báscula de 20 toneladas para serviço de veículos e das cargas pesadas161. Em 1947 foi proposta a reparação do rebocador “Setúbal”, adquirido em 1934. Considerava-se urgente a substituição do motor e, aproveitando a paragem desta unidade flutuante, a instalação de uma bomba de esgoto e de incêndio e de um grupo electrogéneo. Esta remodelação do “Setúbal” foi aprovada por despacho do Ministro das Comunicações em 20 de Dezembro de 1947 e adjudicada à firma G. Vieira, Limitada, do Porto162. Em 1955 a Junta adquiriu material de apetrechamento que se tornava necessário à boa eficiência dos serviços. Foram também comprados um guindaste-automóvel, um empilhador-tractor, dez zorras metálicas para o transporte de cargas e um tractor-automóvel163. Em 1958 foi adquirido um segundo guindaste automóvel164. Ao longo dos vários anos foi comprado material necessário ao funcionamento das actividades portuárias como mobiliário, guindastes, material flutuante, máquinas, aparelhos e ferramentas, entre outros. Em 1981 foi instalado no Cais das Fontainhas um guindaste eléctrico tipo “MAGUE” de carga máxima de 25 toneladas, adaptado com uma colher para manuseamento de cereais, entrou em serviço no porto um guindaste automóvel de marca “GROVE” de 7 toneladas a 8 metros, adaptado de colher com comando hidráulico e, para movimentação de contentores de 20”, foi comprada uma máquina empilhadora da marca “BELOTTI”165. Com o objectivo de dotar a actividade portuária de infra-estruturas necessárias ao respectivo desenvolvimento e expansão, foi dado, em 1999, início à empreitada do Terminal Multiusos e foram adquiridos e montados dois novos guindastes de 12,5 toneladas no Terminal das Fontainhas e iniciadas as respectivas obras de melhoria da operacionalidade, da eficiência, da capacidade e da flexibilização das operações166.

Linhas-férreas Em Agosto de 1910 foi feito um contrato entre a Câmara Municipal de Setúbal e os Caminhos-de-Ferro do Sul, pelo qual esta companhia desistia do empréstimo de 40 000$000 réis, que a edilidade lhe faria, nos termos da carta de lei de 12 de Junho de 1901, em troca da realização das fundações para a estação de Setúbal-Mar e suas dependências, entre outras obras que iriam, também, beneficiar o Porto de Setúbal. Após serem introduzidas as alterações aconselhadas pelo Conselho Superior de Obras Públicas, o novo documento serviu de base ao concurso aberto em Agosto de 1927 - que não teve seguimento - e foi enviado para a Administração Geral dos Serviços Hidráulicos, por aguardar o anteprojecto da estação de Setúbal-Mar estudado, conforme o Parecer do Conselho Superior de Obras Públicas, pela Direcção Geral dos Caminhos-de-Ferro.

“Relatório e contas de 2000”, idem, Março de 2001, p. 31 e 32. “Relatório do ano económico de 1945”, idem, Maio de 1946, p. 7. 162 “Relatório do ano económico de 1947”, idem, Maio de 1948, p. 10 e 11. 163 “Relatório do ano económico de 1955”, idem, Maio de 1956, p. 17. 164 “Relatório do ano económico de 1958”, idem, Maio de 1959, p. 8. 165 “Relatório do ano económico de 1981”, idem, Abril de 1982, p. 1 do relatório do Engenheiro Director. 166 “Relatório e contas de 1999”, APSS, Junho de 2000, p. 3. 160 161

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Em 1930, tendo a Junta Autónoma insistido, por intermédio da Administração Geral dos Serviços Hidráulicos e Eléctricos, com a Direcção-Geral dos Caminhos-de-Ferro para que fosse feito o estudo definitivo da estação fluvial de Setúbal, foi, em Setembro, pela referida Direcção-Geral resolvido encarregar desse estudo a Companhia dos Caminhos-de-Ferro Portugueses, arrendatária das linhas que serviam o Porto de Setúbal. A ligação do porto com o caminho-de-ferro, que não existia, seria de grande importância para ambas as partes e o seu estudo definitivo foi pedido às entidades competentes desde a criação da Junta Autónoma, figurando apenas como ante-projecto nos planos de obras aprovados. Com o desenvolvimento do tráfego da nova estação de Setúbal-Praias, que servia a SAPEC e que, segundo o analista, deveria servir quaisquer outras instalações de minérios, a estabelecer a montante da zona de obras, urgia construir também uma estação para além da Setúbal-Mar, talvez a ampliação da já existente Setúbal-Praias167. Em 1931 a Junta Autónoma solicitou à Companhia dos Caminhos-de-Ferro Portugueses a realização dos estudos necessários para a edificação da estação de Setúbal-Mar, a construir logo que fossem concluídas as respectivas terraplanagens168. Para uma utilização mais profícua do porto, além desta grande estação de mercadorias, tornava-se necessária a construção da transversal das linhas-férreas do Sul e do Sado, destinada não só a levar para o Porto de Setúbal o tráfego do distrito de Évora como também ligá-lo com uma parte do distrito de Portalegre, servido pela transversal de Estremoz. O projecto ferroviário preconizado no Decreto nº 18 190, de 28 de Março de 1930, era favorável ao Porto de Setúbal mas, perante as várias propostas de alteração, a Junta Autónoma, em Julho de 1932, dirigiu ao Ministro das Obras Públicas e Comunicações uma representação solicitando que fosse feito um estudo da nova transversal, que se dirigia para os lados de Alcácer do Sal de forma a dar saída aos carvões e aos minérios da região pelo rio Sado, e se desse seguimento à sua construção169. Em Dezembro de 1934 teve início o assentamento das linhas-férreas de ligação da estação de Setúbal-Mar com os cais do porto, executado pela Companhia dos Caminhos-de-Ferro Portugueses, mas por conta da Junta. O trabalho ficou concluído no primeiro trimestre de

Relatórios e contas dos exercícios de 1930, da Junta Autónoma..., Setúbal, 1931, p. 99-100. Relatórios e contas dos exercícios de 1931, da Junta Autónoma..., Setúbal, 1932, p. 12. 169 Relatório e contas da gerência de 1932, da Junta Autónoma..., Setúbal, 1933, p. 18 e 19. 167

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1935. Procedeu-se também, ainda em finais de 1934, ao assentamento de via “Decuville” para permitir o acesso das mercadorias à Estacada nº 3, onde muitos dos vapores que serviam o porto atracavam para carga e para descarga170. O Engenheiro Ramos Coelho, Chefe de Divisão adjunto à Direcção-Geral, escreveu, em Dezembro de 1935, um artigo sobre o porto de Setúbal, enquanto gare marítima de mercadorias, e afirmava que este porto era “dotado de uma magnífica baía, abrigada, dispondo de excelentes fundos - que [chegavam] a mais de 40 metros - e de fácil acesso, como uma barra em que a altura de água [era, então,] de 6,5 metros nas maiores baixa-mares, [pelo que deveria] ser considerado [...] como o segundo de Portugal”171, classificação que lhe atribuía também como Porto de Pesca. Para além da sua grande importância em termos de importação e de exportação de mercadorias de toda a região a Sul do Tejo e como Porto de Pesca, salientava ainda a relevância deste porto nos movimentos de cabotagem e fluvial, pelo que a sua ligação aos Caminhos-de-Ferro era de extrema utilidade172.

Movimento do porto a partir de 1934 O Porto de Setúbal era a saída natural dos produtos minerais e agrícolas da maior e mais rica província portuguesa, o Alentejo, “tendo, numa e noutra margem do Sado, importantes tratos de terrenos ainda desaproveitados e onde se [podiam] estabelecer algumas das grandes indústrias que nos [faltavam]. A proximidade de uma costa riquíssima em espécies piscícolas e as tradições da pesca, praticada desde longa data pela sua população, fazem ainda de Setúbal um centro piscatório de primeira ordem”173. Os caminhos-de-ferro, as estradas em condições aceitáveis e o extraordinário porto, que estamos a estudar, transformaram a cidade de Setúbal num dos mais importantes centros industriais do país, atracção contínua de industriais, comerciantes e trabalhadores. Em 1935, no texto introdutório da Tabela de Marés, publicada pela Junta Autónoma das Obras do Porto e Barra de Setúbal e do Rio Sado, pode ler-se que “pelas suas condições naturais Setúbal [ocupava] o segundo lugar de entre os portos do Continente, sendo o nosso primeiro Porto de Pesca de sardinha [e que] pelo seu movimento [ocupava] o terceiro lugar de entre os portos do País. Os principais produtos exportados pelo porto [eram] os minérios, as conservas, o sal, os toros de pinho e as cortiças. Os principais produtos importados [eram] o carvão, as fosforites e as matérias-primas para as suas indústrias. As principais indústrias do porto [eram]: as conservas, os adubos, os cimentos e os produtos químicos”174. Para carga e para descarga dos seus produtos e matérias-primas existiam, então, no porto três grandes instalações pertencentes à Société Anonyme de Produits et Engrais Chimiques du Portugal (SAPEC), para carga de minérios e descarga de fosforites e carvão, entre outros; à Sociedade de Electrificação Urbana e Rural (SEUR), para descarga de carvão e carga de carbureto de cálcio; e à Sociedade de Empreendimentos Comerciais e Industriais, Lda (SECIL) para carga de cimentos e descarga de carvão175. No referente aos meios de restauro de navios, guindastes, etc., o porto possuía dois planos inclinados para reparações, um para navios até 200 toneladas e outro para navios mais pequenos - até 50 toneladas - sendo o último de uma empresa particular. Na cidade havia, então, algumas oficinas para consertos. Nas instalações do porto estavam três guindastes: um a vapor, de 10 toneladas, e dois manuais de uma tonelada. Nas instalações pertencentes às empresas SAPEC, SEUR e SECIL, existiam aparelhos mecânicos para carga e para descarga, guindastes, transportadores, correias e mono-rails, entre outros. O porto possuía um rebocador de 60 H.P176. Tanto as Estacadas exteriores, como os molhes da Doca dos Pescadores estavam providas de tomas de água, onde os navios se podiam abastecer. Junto à Estacada nº 1 encontravam-se depósitos de carvão, para serviços dos navios, pertencentes às firmas A.C. Gameiro, Belmiro Frias Monteiro, Manuel Francisco da Silva, Pestana & Cª e Pinto Pereira & Frade177. Além da regularização da margem em frente da cidade, numa extensão de 3 950 metros e de três docas de abrigo destinadas, respectivamente, às embarcações de comércio e ao tráfego local, de pesca e de recreio, o porto possuía ainda 26 070 metros quadrados de taludes empedrados; 2010 metros lineares de muros-cais, fundados à cota de -0, 20 metros (ZN); 430 metros de Estacadas, fundadas à cota de -3,50 metros (ZN) e -7,50 me“Relatório do ano económico de 1934-1935”, idem, Maio de 1936, p. 5 e 6. Engenheiro Ramos Coelho, “O Porto de Setúbal - Gare marítima de mercadorias”, Boletim da CP, 7º ano, nº 78, Dezembro de 1935, p. 244 a 249. 172 Relatórios dos anos económicos respectivos, da Junta Autónoma do Porto de Setúbal. 173 Eng. A. de M. Cid Perestrello, O Porto de Setúbal, ob. cit., p. 49. 174 Tabela das marés para o Porto de Setúbal, Junta Autónoma das Obras do Porto e Barra de Setúbal e do Rio Sado, Setúbal, 1935, p. 15 e 16. 175 Idem, ibidem p. 17. 176 Idem, ibidem p. 17. 177 Idem, ibidem p. 20. 170

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Fonte: Relatórios de gerência da Junta Autónoma.

tros (ZN); 88 metros de rampas de descarga e de varadouro; 200 metros de rampas para construções navais e cinco linguetas para descarga de peixe, numa superfície total de 600 000 metros quadrados178. Em Setúbal havia agências das principais companhias de navegação que frequentavam o porto, das quais salientamos, em 1935, as referidas no quadro seguinte179:

Ao longo da década de 1930, o Porto de Setúbal manteve sempre lugar cimeiro (nesta segunda metade da década o 2º lugar, embora por uma pequena diferença em relação a Matosinhos que, então, ocupava o 1º lugar) no referente à exportação de sardinha, neste caso em conserva, como se pode verificar no gráfico seguinte: Em 1949 já se movimentavam por este porto, em média por ano, 600 mil toneladas de mercadorias. O Porto de Setúbal era, então, essencialmente de exportação, sendo as conservas, os minérios, o cimento, os adubos e o sal os principais produtos transaccionados181. A situação

Idem, ibidem, p. 18 e 19. O melhoramento dos portos continentais e insulares de Portugal, Direcção Geral dos Serviços Hidráulicos, Ministério das Obras Públicas e Comunicações, Lisboa, 1945, gráfico nº 7. 181 O Porto de Setúbal, Setúbal, JAOPS, 1949, p. 3. 179

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geográfica e as maravilhosas condições naturais que o cercam fizeram dele um dos principais abrigos do país, onde embarcações nacionais e estrangeiras ancoravam, movimentando não apenas mercadorias mas também passageiros, quer em trânsito quer com, e de, destinos vários. De salientar também o movimento de passageiros locais que se deslocavam, como já foi referido, desde séculos passados, entre Setúbal e Alcácer do Sal, Sesimbra, Comporta e Tróia. Em relação ao trânsito fluvial só em 1962 é referido nos relatórios da Junta Autónoma do Porto de Setúbal o número de passageiros para a Herdade da Comporta, cerca de 5 000 passageiros embarcados e desembarcados e 100 000 veraneantes, ida e volta, para Tróia. Em 1971, além dos passageiros movimentados pela navegação através da barra (47 em navios nacionais e 89 em navios estrangeiros), somos informados de que 887 318 pessoas utilizaram as carreiras fluviais do rio Sado, distribuídas pelas carreiras colectivas entre Setúbal e Tróia, entre Setúbal e Sesimbra e entre Tróia e Sesimbra. No primeiro caso é feita a distinção entre os passageiros que utilizaram as embarcações de tipo convencional e aqueles que preferiram o “hovercraft”. Nas outras duas situações apenas este último tipo de embarcação fazia carreiras. Segundo o relator, o substancial aumento do número de passageiros verificado deveu-se, fundamentalmente, às condições proporcionadas aos veraneantes e aos excursionistas nas praias de Tróia, assim como à utilização destes transportes, durante todo ano, pelos operários e demais pessoal, empregados no complexo turístico ali em construção. Com informação idêntica encontramos o relatório de 1972 (1 231 879 passageiros) e de 1973 (1 697 201). No dia 18 de Maio de 1974 iniciaram-se, a título provisório, as carreiras fluviais colectivas com embarcações do tipo “Ferry-boat”. Neste ano surge a informação discriminada entre embarcações do tipo convencional, com 897 272 passageiros transportados, “Hovercraft” com 1 000 850 e “Ferry-boat” com 294 397. Em 1975 o movimento de passageiros em embarcações de tipo convencional aparece associado ao do “Ferry-boat” (1 042 106), embora passem a ser fornecidos elementos referentes ao número de veículos transportados neste tipo de transporte, num total, entre automóveis, motocicletas, bicicletas, “fourgunetas” ou carros mistos e camiões, de 168 514182.

Movimento de mercadorias e de navios Apesar da crise económica verificada ao longo dos anos de 1920 e de 1930, o movimento do porto não foi, em 1932 (220 314 toneladas), inferior em tonelagem ao do ano de 1931 (193 442 toneladas), sendo-o apenas no valor das mercadorias importadas e exportadas e no número e tonelagem dos navios que vieram ao porto, à semelhança do que se passou nos restantes portos do país183. Embora houvesse um notável incremento, em comparação com o de outros portos portugueses, o número de navios que entraram no Porto de Setúbal em 1932 foi inferior ao do ano anterior, assim como a tonelagem das mercadorias que por aqui circularam, devido às menores exportações de minérios que traziam ao porto, a partir de 1927, um enorme número de navios184.

Relatórios da JAPS, anos de 1970 a 1975. Relatório e contas da gerência de 1932, ob. cit., p. 26 e 27. 184 Idem, ibidem, p. 28 e 29. 182 183

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As grandes obras do Porto de Setúbal e, posteriormente, a 2ª Guerra Mundial, tiveram forte influência no seu movimento. Embora houvesse o cuidado de tentar obviar os inconvenientes que esta situação proporcionava, o tráfego teve novo decréscimo em 1933 devido à diminuição da importação de 65 093 toneladas para 62 368 e da exportação que, de 155 220 toneladas passou para 150 624. O número de navios entrados no porto, porém, aumentou de 593 com uma tonelagem de 496,128 para 600 com a tonelagem de 515,947. O movimento fluvial e de cabotagem teve uma quebra significativa no referente a mercadorias carregadas nos anos de 1930 a 1933, assim como no tocante a mercadorias descarregadas que, em 1933, tiveram uma subida vertiginosa185. Nos anos de 1934 a 1939 houve uma diminuição no número de navios entrados no porto, enquanto que a importação e a exportação registaram um ligeiro aumento na quantidade de mercadorias envolvidas, mas uma pequena baixa no seu valor total. Na importação, em comparação com o ano de 1938, registou-se uma leve subida nas mercadorias de menor valor, das quais grande parte não transitou pelas instalações da Junta. Relativamente às exportações verificou-se também um ligeiro acréscimo nas mercadorias mais pobres. No caso das conservas de peixe a baixa foi bem visível186. Em 1941 verificamos que a importação vem registando uma diminuição significativa, nomeadamente no referente ao carvão mineral e à folha-de-flandres que começava a perder significado no movimento médio do Porto de Setúbal. Mas, apesar desta tendência, nota-se um reequilíbrio nos valores totais das mercadorias importadas devido, fundamentalmente, aos fosfatos. Em relação à exportação, registou-se uma diminuição bastante considerável nos minérios, no cimento, no óleo de peixe e no sal. Esta situação, exceptuando o caso do sal, deveu-se, fundamentalmente aos embaraços colocados pela situação de guerra à livre circulação de mercadorias. A diminuição da exportação de sal foi causada pela destruição das existências nas marinhas, ocasionada pelo ciclone de 15 de Fevereiro de 1941, situação que provocou a importação de sal em 1942187. Neste ano, embora se registasse uma entrada maior em número de navios, a tonelagem dos que frequentaram o porto foi nitidamente inferior188. Em 1944 encontramos uma total ausência de produtos que não sejam o carvão mineral, a folha-de-flandres e as fosforites. Os produtos exportados foram sensivelmente os mesmos, nomeadamente as conservas de peixe, o cimento, com ligeira subida, o minério que duplicou o seu valor e o sal que apareceu novamente com significado nas exportações189. Em 1945, depois dos altos e baixos verificados no número de navios entrados no Porto de Setúbal depois de 1939 - 612 navios que transportaram 552 011 toneladas de mercadorias, registaram-se 637 entradas mas carregando apenas 167 705 toneladas de mercadorias transaccionadas. A importação de carvão mineral teve pouca relevância e diminuiu a entrada de fosforite. Voltaram a ter importância o óleo comestível, destinado à indústria de conservas de peixe, os sacos de papel para o cimento e a importação da folha-de-flandres, que passou para o dobro. Na exportação verificou-se uma subida considerável de volume, em tendência de regresso ao período de antes da guerra, embora não acompanhada de grande aumento de valor por se tratar de maior saída de produtos pobres como o minério e o sal. Neste ano iniciou-se a exportação de super-fosfatos190. A importação em 1946 diminuiu fundamentalmente no que se refere à folha-de-flandres mas aumentou em relação às fosforites o que revela um acréscimo em tonelagem e uma diminuição em valor. Por seu turno, a exportação aumentou, tanto em tonelagem como em valor, em relação ao ano anterior. Salientam-se o minério, as conservas de peixe, o óleo de peixe e o sal. Baixaram os valores das exportações de cimento e de super-fosfatos191. Então, passaram pelo porto 834 navios mas apenas transportando 342 550 toneladas de carga192. A guerra terminara mas o movimento do Porto de Setúbal não registou qualquer alteração positiva. Em 1947 acostaram ao Porto de Setúbal 1 163 navios que carregaram na totalidade 504 936 toneladas de mercadorias, quantidade que ainda não conseguiu atingir os valores de 1939193. Nas importações notou-se a redução para cerca de metade do asfalto, aliás produto de importação acidental, e para cerca de um terço da folha-de-flandres. Voltou a figurar novamente o carvão de pedra e subiram os valores de fosforite. Aumentou a tonelagem de mercadorias importadas mas, como o aumento era referente a materiais mais pobres, o valor total diminuiu. Relatórios e contas dos exercícios de 1933, da Junta Autónoma..., Setúbal, 1934, p. 18, 25 e 26. Relatórios e contas dos exercícios de 1939, da Junta Autónoma..., Setúbal, 1940, p. 10 a 12. 187 “Relatório do ano económico de 1941”, idem, Maio de 1942, p. 9 a 11. 188 “Relatório do ano económico de 1942”, idem, Maio de 1943, p. 9. 189 “Relatório do ano económico de 1944”, idem, Maio de 1945, p. 12 a 14. 190 “Relatório do ano económico de 1946”, idem, Maio de 1947, p. 20. 191 “Relatório do ano económico de 1945”, idem, Maio de 1946, p. 13. 192 “Relatório do ano económico de 1946”, idem, Maio de 1947, p. 14. 193 “Relatório do ano económico de 1947”, idem, Maio de 1948, p. 15. 185

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Movimento de Mercadorias — 1936-1989 ANOS 1936 1937 1938 1939 1940 1941 1942 1943 1944 1945 1946 1947 1948 1949 1950 1951 1952 1953 1954 1955 1956 1957 1958 1959 1960 1961 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989

TOTAL Média Máximo Mínimo

Toneladas 71176 97785 71374 83698 59825 58067 21578 24709 47461 35936 39538 55019 65436 89423 95705 116632 118081 128962 151178 154477 148501 146831 143717 152193 170351 187867 163491 161072 206660 213667 249654 267565 275516 251542 275199 240966 333672 396196 468541 410009 580720 784472 802803 680667 775265 457716 678592 740164 795464 1270637 1179640 1065078 1089448 2446840

IMPORTAÇÃO Contos 36206 39275 22956 21853 26025 22269 21298 26393 28706 40224 38299 33769 49602 53218 59674 86367 92696 87621 131643 138678 101972 145733 142900 132158 134811 142916 116945 128481 492511 750880 858156 717738 853515 713338 737294 772594 1251162 1450075 2394964 2995040 5289547 4979505 6291117 5498408 10439164 10083868 12475237 20310699 19477997 37220824 72117156 65998893 95078140 148473800

366607 2446840 21578

9811561 148473800 21298

cts/ton 0.51 0.40 0.32 0.26 0.44 0.38 0.99 1.07 0.60 1.12 0.97 0.61 0.76 0.60 0.62 0.74 0.79 0.68 0.87 0.90 0.69 0.99 0.99 0.87 0.79 0.76 0.72 0.80 2.38 3.51 3.44 2.68 3.10 2.84 2.68 3.21 3.75 3.66 5.11 7.30 9.11 6.35 7.84 8.08 13.47 22.03 18.38 27.44 24.49 29.29 61.13 61.97 87.27 60.68

Toneladas 261083 447595 364851 369034 144934 37624 21298 20916 264097 108554 283214 302251 365389 334817 504375 591328 512637 370367 458098 512107 556202 473436 511307 471513 470592 377367 447367 426408 515603 488421 541113 512628 507652 421894 489206 419130 373279 364202 326423 456580 465322 412312 305672 451906 464006 435561 391647 542336 654610 692327 942758 623613 533567 812572

9.29 87.27 0.26

428761 942758 20916

EXPORTAÇÃO Contos 53130 61606 46472 41102 34344 43426 18512 73646 91025 113691 193216 83454 129203 128319 135051 192689 213938 195078 223231 243377 256460 199781 217207 183525 161641 158782 171842 213158 273415 435620 534716 556819 543695 389575 483839 436156 474163 527037 613160 1181599 2187422 1957595 2549715 4695171 6821781 9734336 14424547 26138454 34517313 38957739 40415847 37382616 34715866 74727683

6288015 74727683 18512

cts/ton 0.20 0.14 0.13 0.11 0.24 1.15 0.87 3.52 0.34 1.05 0.68 0.28 0.35 0.38 0.27 0.33 0.42 0.53 0.49 0.48 0.46 0.42 0.42 0.39 0.34 0.42 0.38 0.50 0.53 0.89 0.99 1.09 1.07 0.92 0.99 1.04 1.27 1.45 1.88 2.59 4.70 4.75 8.34 10.39 14.70 22.35 36.83 48.20 52.73 56.27 42.87 59.95 65.06 91.96

Toneladas 332259 545380 436225 452732 204759 95691 42876 45625 311558 144490 322752 357270 430825 424240 600080 707960 630718 499329 609276 666584 704703 620267 655024 623706 640943 565234 610858 587480 722263 702088 790767 780193 783168 673436 764405 660096 706951 760398 794964 866589 1046042 1196784 1108475 1132573 1239271 893277 1070239 1282500 1450074 1962964 2122398 1688691 1623015 3259412

TOTAL Contos 89336 100881 69428 62955 60369 65695 39810 100039 119731 153915 231515 117223 178805 181537 194725 279056 306634 282699 354874 382055 358432 345514 360107 315683 296452 301698 288787 341639 765926 1186500 1392872 1274557 1397210 1102913 1221133 1208750 1725325 1977112 3008124 4176639 7476969 6937100 8840832 10193579 17260945 19818204 26899784 46449153 53995310 76178563 112533003 103381509 129794006 223201483

cts/ton 0.27 0.18 0.16 0.14 0.29 0.69 0.93 2.19 0.38 1.07 0.72 0.33 0.42 0.43 0.32 0.39 0.49 0.57 0.58 0.57 0.51 0.56 0.55 0.51 0.46 0.53 0.47 0.58 1.06 1.69 1.76 1.63 1.78 1.64 1.60 1.83 2.44 2.60 3.78 4.82 7.15 5.80 7.98 9.00 13.93 22.19 25.13 36.22 37.24 38.81 53.02 61.22 79.97 68.48

10.17 91.96 0.11

795368 3259412 42873

16099576 223201483 39810

9.41 79.97 0.14

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Movimento de Mercadorias — 1989-2002 ANOS 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Toneladas 2446840 2190900 2236000 2714000 2144000 2270000 3570000 2949000 3269000 4045000 4084000 4290000 4508000 4021000

IMPORTAÇÃO CEE

Outros

72.8% 74.6% 75.7% 75.1% 66.1% 52.3% 51.3% 41.3% 50.1% 48.6% 59.9% 62.0% 77.3%

27.2% 25.4% 24.3% 24.9% 33.9% 47.7% 48.6% 58.7% 49.9% 51.4% 58.2% 54.5% 42.8%

Toneladas 809357 1183292 1112000 1231000 1094000 1090000 1050000 1213000 1133000 1206000 1126000 1001000 985000 1079000

EXPORTAÇÃO CEE 45.6% 46.2% 59.1% 44.9% 47.6% 65.9% 72.1% 81.6% 75.9% 73.0% 77.4% 75.4% 74.6%

Outros 55.6% 53.8% 40.9% 55.1% 52.4% 34.0% 27.8% 18.4% 24.1% 27.0% 22.6% 24.6% 25.4%

CABOTAGEM Toneladas 189577 313813 388000 599000 524000 445000 663000 449000 740000 1247000 1369000 1544207 1551199 1470840

TOTAL Toneladas 3445774 3688005 3736000 4544000 3762000 3805000 5283000 4611000 5142000 6498000 6579000 6835207 7044199 6570840

Comércio Externo — 1936-2002 ANO 1936 1937 1938 1939 1940 1941 1942 1943 1944 1945 1946 1947 1948 1949 1950 1951 1952 1953 1954 1955 1956 1957 1958 1959 1960 1961 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971

I MPORTAÇÃO Toneladas % total 71176 21.4% 97785 17.9% 71374 16.4% 83698 18.5% 59825 29.2% 58067 60.7% 21578 50.3% 24709 54.2% 47461 15.2% 35936 24.9% 39538 12.3% 55019 15.4% 65436 15.2% 89423 21.1% 95705 15.9% 116632 16.5% 118081 18.7% 128962 25.8% 151178 24.8% 154477 23.2% 148501 21.1% 146831 23.7% 143717 21.9% 152193 24.4% 170351 26.6% 187867 33.2% 163491 26.8% 161072 27.4% 206660 28.6% 213667 30.4% 249654 31.6% 267565 34.3% 275516 35.2% 251542 37.4% 275199 36.0% 240966 36.5%

EXPORTAÇÃO Toneladas % total 261083 78.6% 447595 82.1% 364851 83.6% 369034 81.5% 144934 70.8% 37624 39.3% 21298 49.7% 20916 45.8% 264097 84.8% 108554 75.1% 283214 87.7% 302251 84.6% 365389 84.8% 334817 78.9% 504375 84.1% 591328 83.5% 512637 81.3% 370367 74.2% 458098 75.2% 512107 76.8% 556202 78.9% 473436 76.3% 511307 78.1% 471513 75.6% 470592 73.4% 377367 66.8% 447367 73.2% 426408 72.6% 515603 71.4% 488421 69.6% 541113 68.4% 512628 65.7% 507652 64.8% 421894 62.6% 489206 64.0% 419130 63.5%

TOTAL Toneladas 332259 545380 436225 452732 204759 95691 42876 45625 311558 144490 322752 357270 430825 424240 600080 707960 630718 499329 609276 666584 704703 620267 655024 623706 640943 565234 610858 587480 722263 702088 790767 780193 783168 673436 764405 660096

ANO 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

I MPORTAÇÃO Toneladas % total 333672 47.2% 396196 52.1% 468541 58.9% 410009 47.3% 580720 55.5% 784472 65.5% 802803 72.4% 680667 60.1% 775265 62.6% 457716 51.2% 678592 63.4% 740164 57.7% 795464 54.9% 1270637 64.7% 1179640 55.6% 1065078 63.1% 1089448 67.1% 2446840 75.1% 2190900 64.9% 2236000 66.8% 2714000 68.8% 2144000 66.2% 2270000 67.6% 3570000 97.1% 2949000 70.9% 3269000 74.3% 4045000 77.0% 4084000 78.4% 4290000 81.1% 4508000 82.1% 4021000 78.8%

TOTAIS Média 926682 Máximo 4508000 Mínimo 21578

A História do Porto de Setúbal

45.1% 97.1% 12.3%

EXPORTAÇÃO Toneladas % total 373279 52.8% 364202 47.9% 326423 41.1% 456580 52.7% 465322 44.5% 412312 34.5% 305672 27.6% 451906 39.9% 464006 37.4% 435561 48.8% 391647 36.6% 542336 42.3% 654610 45.1% 692327 35.3% 942758 44.4% 623613 36.9% 533567 32.9% 812572 24.9% 1183292 35.1% 1112000 33.2% 1231000 31.2% 1094000 33.8% 1090000 32.4% 105000 2.9% 1213000 29.1% 1133000 25.7% 1206000 23.0% 1126000 21.6% 1001000 18.9% 985000 17.9% 1079000 21.2%

547931 1231000 20916

54.9% 87.8% 2.9%

TOTAL Toneladas 706951 760398 794964 866589 1046042 1196784 1108475 1132573 1239271 893277 1070239 1282500 1450074 1962964 2122398 1688691 1623015 3259412 3374192 3348000 3945000 3238000 3360000 3675000 4162000 4402000 5251000 5210000 5291000 5493000 5100000

1474613 5493000 42876


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Em relação às exportações registou-se também uma maior tonelagem mas menor valor. Aumentaram as exportações de pirites, de minério de manganés e de cimento. Diminuiu a tonelagem das conservas saídas, do óleo de peixe e do sal194. O número de navios entrados no porto, assim como o total de mercadorias movimentadas em 1948, mantiveram valores aproximados aos do ano anterior. Dos 1 130 navios, com um total de 515 742 toneladas de registo, 817, transportando 193 010 toneladas de carga, eram portugueses, 87, com 194 797 toneladas, eram franceses e os restantes pertenciam à Suécia, à Inglaterra, à Itália, à Holanda entre mais oito outros países com um número de navios inferior a 10195. O movimento de importação e de exportação vai manter um ritmo idêntico ao dos anos anteriores com mudanças naturais e pouco significativas no que se refere ao cômputo total do movimento do Porto de Setúbal. De realçar apenas o aparecimento das farinhas de peixe entre os produtos exportados em 1948. Em 1951 verificaram-se diferenças de valores nos elementos fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística e nos registos do porto. De acordo com o disposto pelo Decreto-Lei nº 36 545, de 16 de Outubro de 1947, entraram no porto 1 100 navios com um total de 403 705 toneladas brutas de registo, sendo 554 de propulsão mecânica, com 335 917 TB e 546 navios de propulsão mecânica, com 67 788 TB. Por seu turno, nos serviços do porto constam 1 394 navios com 702 445 TB, sendo 1 226 de propulsão mecânica com 661 396 TB e 168 de propulsão não mecânica - incluindo batelões e outros rebocadores - com 41 049 TB. O maior navio entrado no porto, neste ano, foi o vapor petroleiro inglês “Labiosa”, de 6 473 TB196. O movimento total do porto, de 954 176 toneladas, foi superior ao de 1950, que totalizara 860 543 toneladas. A diferença resultou do aumento verificado no movimento total da importação e da exportação - 707 960 toneladas em 1951, contra 600 076 toneladas em 1950, da diminuição registada no movimento de cabotagem - 242 196 toneladas em 1951, contra 255 807 toneladas em 1950, embora se verificasse uma diminuição significativa no movimento fluvial - 4 020 toneladas em 1951, contra 4 660 toneladas em 1950197. Em 1952 voltou a acontecer a mesma situação do ano anterior. O INE informava terem entrado no Porto de Setúbal 1 140 navios com um total de 652 414 toneladas brutas de registo, sendo 947 navios de propulsão mecânica mista, com 606 265 TB e 193 navios de propulsão não mecânica, com 46 149 TB, dos quais 932 com 314 097 TB eram nacionais e 208 com 338 317 TB eram estrangeiros. Os serviços do porto registaram 1 607 navios entrados com 699 476,581 TB, sendo 1 352 de propulsão mecânica - vapor e motor, incluindo os munidos de motor auxiliar - com 639 558,761 TB e 255 de propulsão não mecânica - batelões e outros rebocados, com 59 917,820 TB. Os maiores navios entrados no porto foram, naquele ano, os petroleiros ingleses “Lembulas” e “Liparus”, respectivamente de 8 502, 54 e 6 473,25 T.B; este último foi o que demandou da barra com maior calado. O navio que saiu da barra, carregado, com maior calado foi o vapor francês “Formigny”, de 2 77553 TB (21’ 7”)198. A disparidade entre a informação fornecida pelo INE e os registos feitos pelos serviços do porto mantém-se pelo que, sempre que se verifiquem alterações significativas no movimento do porto, reportar-nos-emos à informação fornecida pelos registos alfandegários e ignoraremos a informação do INE. Em 1953 verificou-se uma diferença de 663 navios (961 para 1 624)199. Em 1955 o movimento total do porto, de 924 577 toneladas, foi superior ao dos últimos dois anos200 e, em 1956 foi, pela primeira vez, superior a um milhão de toneladas (1 006 965)201. Em 1957 o movimento global representou menos 84 436 toneladas do que no ano transacto202 mas em 1958 apresentou uma subida de 34 757 toneladas203. Em 1959 o moviIdem, ibidem, p. 19 e 20. “Relatório do ano económico de 1948”, idem, Maio de 1949, p. 22. 196 “Relatório do ano económico de 1951”, idem, Maio de 1952, p. 30. 197 “Relatório do ano económico de 1951”, idem, Maio de 1952, p. 26. 198 “Relatório do ano económico de 1952”, idem, Maio de 1953, p. 18 e 19. 199 “Relatório do ano económico de 1953”, idem, Maio de 1954, p. 23. 200 “Relatório do ano económico de 1955”, idem, Maio de 1956, p. 27. 201 “Relatório do ano económico de 1956”, idem, Maio de 1957, p. 21 e 22. 202 “Relatório do ano económico de 1957”, idem, Maio de 1958, p. 14. 203 “Relatório do ano económico de 1958”, idem, Maio de 1959, p. 15. 194 195

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Movimento de Navios e Passageiros — 1948-2002 ANOS 1948 1949 1950 1951 1952 1953 1954 1955 1956 1957 1958 1959 1960 1961 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973

ANOS

1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

NAVIOS ENTRADOS Nº TAB 1130 515742 1180 485058 1440 657924 1394 702445 1607 699476 1624 705112 1321 743084 1327 835814 1359 864734 1030 779891 1058 892445 1039 877465 942 852061 989 889563 939 916510 991 938578 999 1062285 1069 1130061 1221 1136783 1250 1377101 1271 1389018 1195 1243224 1225 1334292 1285 1216125 1404 1523160 1402 1674869

NAVIOS ENTRADOS Nº TAB

1130 1192 1236 1238 950 1256 1310 1219 978 943 901 959 991 1026 901 1004 1014 1100 1325 1189 1237 1498 1586 1540 1664 1706 1901 2019 2098

1485899 2002758 5304465 6294923 7334160 7013231 5426232 4964989 3677529 4121680 5686156 5712446 6631374 6741983 6464038 6902399 7907725 7999511 8930913 8087913 9724000 14418000 15935000 14443000 15730000 17310000 20930000 29517000 30909000

Nº 959 1019

NACIONAIS TAB 213866 180991

ESTRANGEIROS Nº TAB 171 301876 161 304067

1122 1391 1426 1113 1077 1137 736 742 777 731 774 701 758 659 651 686 674 740 711 730 757 861 888

310950 360281 374582 419236 418081 458305 349544 427465 484827 449284 508028 514624 515007 474132 487951 562984 531644 608920 552503 555727 603466 713285 786665

272 216 198 208 250 222 294 316 262 211 215 238 233 340 418 535 576 531 484 495 528 543 514

NACIONAIS TAB

597 502 597 602 319 528 596 563 392 294 202 189 190 249 122 117 141 159 202 163 172 265 284 307 338 345 310 264 231

506908 648647 753343 701700 613711 794390 925794 1063063 1038550 532125 830436 392830 393744 754998 666265 447571 709923 921276 844988 777988 291000 635000 467000 791000 1267000 1348000 1160000 1028000 1004000

ESTRANGEIROS Nº TAB

533 690 639 636 631 728 714 656 586 649 699 770 801 777 779 887 873 941 1123 1026 1065 1233 1302 1233 1326 1361 1591 1755 1867

978991 1354111 4551122 5593223 6720449 6218841 4500438 3901926 2638979 3589555 4855720 5319616 6237630 5986985 5797773 6454828 7197802 7078235 8085925 7309925 9433000 13783000 15468000 13652000 14463000 15962000 19770000 28489000 29905000

A História do Porto de Setúbal

TRANSPORTE FLUVIAL Passageiros e Veraneantes

391495 339195 330530 323848 417733 406429 430347 464980 392638 402777 381535 401886 423571 588153 642110 573799 845457 780098 690721 778565 612659 809875 888204

210293 280351 327971 328785 378162 396084 345667 357495 423629 887318 1231879 1697201

TRANSPORTE FLUVIAL Passageiros Veículos Velocípedes e Veraneantes c/ ou s/ motor 2192519 1985606 2366596 2538841 2038549 1728586 2339511 2525484 2467668 2519325 2218954 2129627 1982125 2040188 2539227 2416099 2522100 2611026 2176435 1897530 2659431 2451905 2508620 1631197 1615456 1261173 1544207 1551199 1470840

52845 139586 257669 359836 314475 266267 341177 383241 367359 367529 368921 410693 427786 419420 572550 597900 689150 747410 757580 762599 735143 745345 757481 753347 661326 569847 669430 653399 620051

14805 28928 38623 46829 43063 37768 40035 49414 50119 50240 45425 42454 32044 33730 39650 41850 44950 38522 34264 34669 37473 36892 32283 30631 25872 22238 19394 19013 16901


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Movimento de Navios e de Mercadorias — 1936-1989 Navios Entrados MERCADORIAS Nº TAB IMPORTAÇÃO EXPORTAÇÃO ton ton contos cts/ton ton contos cts/ton 513 571862 71176 36206 0.51 261083 53130 0.20 591 670996 97785 39275 0.40 447595 61606 0.14 601 582588 71374 22956 0.32 364851 46472 0.13 612 552011 83698 21853 0.26 369034 41102 0.11 536 295204 59825 26025 0.44 144934 34344 0.24 470 166156 58067 22269 0.38 37624 43426 1.15 545 126457 21578 21298 0.99 21298 18512 0.87 386 117108 24709 26393 1.07 20916 73646 3.52 544 111488 47461 28706 0.60 264097 91025 0.34 637 167705 35936 40224 1.12 108554 113691 1.05 834 342550 39538 38299 0.97 283214 193216 0.68 1163 504936 55019 33769 0.61 302251 83454 0.28 1130 515742 65436 49602 0.76 365389 129203 0.35 1180 486058 89423 53218 0.60 334817 128319 0.38 1440 657924 95705 59674 0.62 504375 135051 0.27 1394 702445 116632 86367 0.74 591328 192689 0.33 1607 699476 118081 92696 0.79 512637 213938 0.42 1624 705112 128962 87621 0.68 370367 195078 0.53 1321 743084 151178 131643 0.87 458098 223231 0.49 1327 835814 154477 138678 0.90 512107 243377 0.48 1359 864734 148501 101972 0.69 556202 256460 0.46 1030 779891 146831 145733 0.99 473436 199781 0.42 1058 892445 143717 142900 0.99 511307 217207 0.42 1039 877465 152193 132158 0.87 471513 183525 0.39 942 852061 170351 134811 0.79 470592 161641 0.34 989 889563 187867 142916 0.76 377367 158782 0.42 939 916510 163491 116945 0.72 447367 171842 0.38 991 938578 161072 128481 0.80 426408 213158 0.50 999 1062285 206660 492511 2.38 515603 273415 0.53 1069 1130060 213667 750880 3.51 488421 435620 0.89 1221 1136783 249654 858156 3.44 541113 534716 0.99 1250 1377101 267565 717738 2.68 512628 556819 1.09 1271 1389018 275516 853515 3.10 507652 543695 1.07 1195 1243225 251542 713338 2.84 421894 389575 0.92 1225 1334292 275199 737294 2.68 489206 483839 0.99 1285 1216126 240966 772594 3.21 419130 436156 1.04 1404 1523160 333672 1251162 3.75 373279 474163 1.27 1402 1674869 396196 1450075 3.66 364202 527037 1.45 1130 1485899 468541 2394964 5.11 326423 613160 1.88 1192 2002757 410009 2995040 7.30 456580 1181599 2.59 1236 5304465 580720 5289547 9.11 465322 2187422 4.70 1238 6294924 784472 4979505 6.35 412312 1957595 4.75 950 7334160 802803 6291117 7.84 305672 2549715 8.34 1256 7013231 680667 5498408 8.08 451906 4695171 10.39 1310 5426232 775265 10439164 13.47 464006 6821781 14.70 1219 4964989 457716 10083868 22.03 435561 9734336 22.35 978 3677529 678592 12475237 18.38 391647 14424547 36.83 943 4121681 740164 20310699 27.44 542336 26138454 48.20 901 5686156 795464 19477997 24.49 654610 34517313 52.73 959 5712446 1270637 37220824 29.29 692327 38957739 56.27 991 6631374 1179640 72117156 61.13 942758 40415847 42.87 1026 6741983 1065078 65998893 61.97 623613 37382616 59.95 901 6464038 1089448 95078140 87.27 533567 34715866 65.06 1004 6902399 2446840 148473800 60.68 812572 74727683 91.96

ANOS 1936 1937 1938 1939 1940 1941 1942 1943 1944 1945 1946 1947 1948 1949 1950 1951 1952 1953 1954 1955 1956 1957 1958 1959 1960 1961 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989

TOTAL Cabotagem Fluvial GERAL contos ton ton TONELADAS 89336 98345 10457 441061 100881 100745 10118 656243 69428 101027 8851 546103 62955 95325 12659 560716 60369 90161 15940 310860 65695 90387 18045 204123 39810 107531 28237 178644 100039 117440 27672 190737 119731 133164 26204 470926 153915 146093 22017 312600 231515 160032 19886 502670 117223 172831 14147 544248 178805 161735 10938 603498 181537 197029 9667 630936 194725 255807 4660 860547 279056 242196 4020 954176 306634 271402 27608 929728 282699 259204 30917 789450 354874 247175 30295 886746 382055 230494 27499 924577 358432 264554 34708 1003965 345514 283349 21739 925355 360107 270189 25764 950977 315683 267970 15387 907063 296452 278826 14598 934367 301698 322063 26519 913816 288787 361108 43470 1015436 341639 347506 51399 986385 765926 316654 64950 1103867 1186500 284076 67160 1053324 1392872 328144 83442 1202353 1274557 320035 82971 1183199 1397210 352924 77423 1213515 1102913 359923 79322 1112681 1221133 368745 80604 1213754 1208750 423488 62597 1146181 1725325 503311 44463 1254725 1977112 519918 80309 1360625 3008124 316965 92184 1204113 4176639 263034 97735 1227358 7476969 217492 104925 1368459 6937100 299886 119316 1615986 8840832 231551 41932 1381958 10193579 536582 21557 1690712 17260945 649753 35679 1924703 19818204 776873 17177 1687327 26899784 914730 14983 1999952 46449153 401671 10856 1695027 53995310 249896 26020 1725990 76178563 214745 14480 2192189 112533003 263783 4328 2390509 103381509 325349 3939 2017979 129794006 354728 3347 1981090 223201483 189867 2132 34514113

Total ton 332259 545380 436225 452732 204759 95691 42876 45625 311558 144490 322752 357270 430825 424240 600080 707960 630718 499329 609276 666584 704703 620267 655024 623706 640943 565234 610858 587480 722263 702088 790767 780193 783168 673436 764405 660096 706951 760398 794964 866589 1046042 1196784 1108475 1132573 1239271 893277 1070239 1282500 1450074 1962964 2122398 1688691 1623015 3259412

A História do Porto de Setúbal


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Médias de Navios Entrados - Mercadorias — 1936-1989 ANOS 1936/40 1941/45 1946/50 1951/55 1956/60 1961/65 1966/70 1971/75 1976/80 1981/85 1986/89

Nº 571 516 1149 1455 1086 997 1232 1283 1198 1000 981

1936/89 Média 1044 Máximo 1455 Mínimo 516

TAB 1000ton 535 138 522 737 853 987 1296 1581 6275 4833 6685

2222 6685 138

IMPORTAÇÃO 1000ton 1000cts cts/ton 77 29 0.39 38 28 0.83 69 47 0.71 134 107 0.79 152 132 0.87 187 326 1.63 264 776 2.95 370 1773 4.61 725 6500 8.97 789 19914 24.33 1445 95417 67.76

386 1445 38

11368 95417 28

10.35 67.76 0.39

EXPORTAÇÃO 1000ton 1000cts cts/ton 317 47 0.16 90 68 1.39 358 134 0.39 489 214 0.45 497 204 0.41 451 251 0.55 494 502 1.01 388 646 1.64 420 3642 8.58 543 24754 43.28 728 46811 64.96

434 728 90

7025 46811 47

11.16 64.96 0.16

TOTAL 1000ton 1000cts 394 77 128 96 427 181 623 321 649 335 638 577 758 1278 758 2419 1145 10142 1332 44668 2173 142228

820 2173 128

18393 142228 77

Cabotag Fluv1al 1000ton 1000ton 97 12 119 24 189 12 250 24 273 22 326 51 346 81 405 75 387 65 512 17 283 4

290 512 97

35 81 4

TOTAL 1000ton 503 271 628 897 944 1015 1185 1239 1596 1860 2460

1145 2460 271

mento total registou menos 31 318 toneladas do que em 1958, embora a importação fosse superior em 8 476 toneladas204. O ano de 1960 registou uma descida considerável no número de navios que demandaram o Porto de Setúbal pois foram apenas 942 com 852 061 TB. Neste ano foram importadas 170 351 toneladas de mercadorias e exportadas 470 592 toneladas. Em trânsito entraram e saíram 658 toneladas205. Em 1962 o movimento geral do porto ultrapassou novamente um milhão de toneladas206. Em 1963 o movimento global foi inferior em 23 378 toneladas, tendo a importação sido de menos 2 419 toneladas e a exportação de menos 20 959 toneladas207. O movimento geral no ano de 1964, de um total de 1 104 078 toneladas foi superior em 117 617 toneladas ao do movimento do ano anterior sendo, até então, o movimento global mais alto de mercadoria movimentada208. O ano de 1965 trouxe mais animação ao Porto de Setúbal. Entraram 1 069 navios com 1 130 060,94 TB, sendo 1 057 de propulsão mecânica com 1 126 928,20 TB e 12 de propulsão não mecânica - batelões rebocados - com 3 132,72 TB. Os maiores navios entrados foram o vapor “Marko Marulic”, de nacionalidade jugoslava, de 9 050,12 TB e o navio-motor tanque “Patella”, inglês, de 8 276,66 TB. Os maiores navios portugueses que frequentaram o Porto de Setúbal neste ano foram o vapor “Lima”, de 4 067,28 TB e o navio-motor “Alfredo da Silva”, de 3 374,14 TB. O navio que entrou a barra com maior calado (23’06”) foi o vapor português “Lima”, de 4 067,28 TB e o navio que saiu, carregado, com maior calado (25’06”), foi o navio-motor “Griesheim”, alemão, de 4 471,78 TB. O movimento global de mercadorias foi ligeiramente inferior, em 18 379 toneladas, ao do ano anterior, tendo sido o de importação de mais 7 000 toneladas e o de exportação de menos 25 426 toneladas. O movimento geral, de um total de 1 055 454 toneladas, foi inferior em 48 624 toneladas, à circulação do ano transacto209. Em 1966 entraram no Porto de Setúbal 1 221 navios com 1 336 783 TB, valores superiores a 1965. O movimento global de importação e de exportação foi superior, em 88 679 toneladas, tendo sido o de importação de mais 35 987 toneladas e o de exportação de mais 52 692 toneladas. O movimento geral, de um total de 1 204 355 toneladas, foi superior em 148 901 toneladas ao movimento de 1965210. Nos anos de 1967 a 1970 não se registaram grandes alterações no movimento do Porto de Setúbal. Apenas se verificaram alguns altos e baixos, mas, um crescendo geral ao longo destes quatro anos. 1970 apresentou 1 225 navios entrados com 1 334 292 TB e um movimento geral de mercadorias de um total de 1 214 876 toneladas, que foi superior ao do ano de 1969 em 100 384 toneladas211.

“Relatório do ano económico de 1959”, idem, Maio de 1960, p. 14. “Relatório do ano económico de 1960”, idem, Maio de 1961, p. 5 a 9. 206 “Relatório do ano económico de 1962”, idem, Maio de 1963, p. 6 a 11 207 “Relatório do ano económico de 1963”, idem, Maio de 1964, p. 10 e 11. 208 “Relatório do ano económico de 1964”, idem, Maio de 1965, p. 10. 209 “Relatório do ano económico de 1965”, idem, Abril de 1966, p. 8 a 12. 210 “Relatório do ano económico de 1966”, idem, Abril de 1967, p. 7 a 11. 211 “Relatório do ano económico de 1970”, idem, Abril de 1971, p. 7 a 11. 204 205

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Nos anos de 1971 a 1974 também não se verificaram alterações substanciais no movimento do Porto de Setúbal, embora o número de navios entrados se apresentasse sempre superior ao ano anterior, excepção feita apenas a 1974 que teve uma diminuição da ordem dos 272 navios, em relação a 1973. No entanto, no que se refere ao movimento de mercadorias - importação e exportação - registou-se uma subida de 34 566 toneladas. O ano de 1975 trouxe um ligeiro aumento de movimento ao porto. Embora não fosse ainda atingido o número de navios entrados em 1973 (1 402) registou-se uma diferença de mais 62 navios do que em 1974. No movimento de importação e de exportação de mercadorias assistiu-se a um aumento de 71 625 toneladas (866 589 toneladas) em relação ao ano anterior212. De 1976 a 1979 continua uma leve subida no número de navios ingressados no porto, à excepção de 1978 com apenas 950 navios entrados, acontecendo algo de semelhante com o movimento de mercadorias. Segundo elementos registados pelos Serviços de Estatística213, o número de navios entrados no Porto de Setúbal, no ano de 1980, foi de 1 310 com o total de 5 426 231, 78 TAB. Os dois maiores navios entrados foram o n/m tanque espanhol “Santillana” de 138 821,60 TAB, e o n/m tanque inglês “Lotorium” de 138 037,29 TAB. O navio que entrou a barra com maior calado foi o n/m filipino “Valor” de 13 230,00 TAB, de 31’02”, tendo saído carregado com 31’06”. O movimento total de mercadorias foi de 1 239 271 toneladas no valor de 17 260 945 contos e o movimento geral de mercadorias no porto foi de 1 938 933 toneladas no valor de 25 475 446 contos. Registaram-se, assim, os valores mais altos dos últimos cinco anos214. O período de 1981 a 1989 foi um pouco instável. No ano de 1982 ultrapassou-se, pela primeira vez, o total de dois milhões de toneladas (2 022 033 t) de mercadorias movimentadas através do Porto de Setúbal que ultrapassou o movimento de 1981 em 298 185 toneladas, embora tivessem entrado no porto menos 241 navios (apenas 978) do que no ano transacto. No último trimestre de 1982 passou a haver no Porto de Setúbal o estacionamento de embarcações em regime de “lay-up”. Dada a existência de excelentes fundeadouros e de óptimas condições de abrigo no estuário do rio Sado, mesmo em condições de muito mau tempo, passou este porto a ser solicitado por armadores nacionais e estrangeiros a fim de aqui deixarem os seus barcos em situação bastante favorável. Até finais de 1983 foram feitos 90 pedidos de estacionamento de embarcações em “lay-up”, verificando-se uma média diária de 17 unidades215. O número de navios que frequentaram o Porto de Setúbal nos anos de 1984 a 1989 manteve-se entre os 959 e os 1004, número apenas atingido neste último ano. A receita em regime de “lay-up” desceu, tal como o número de embarcações que permaneceram no porto sob este estatuto. Em relação ao movimento total de mercadorias registou-se, em 1989, um aumento bastante significativo (3 473 387 toneladas) em relação ao ano anterior (2 009 151 toneladas)216. A via marítima no comércio externo manteve, em 1990, a sua importância relativa, face aos outros meios de transporte que, de acordo com os valores disponíveis, transportou, neste ano, 38 536 mil toneladas, cerca de 85,8% das mercadorias importadas e exportadas, continuando o tráfego de importação a gerar os maiores volumes movimentados no conjunto dos portos do continente, cerca de 77%, contra os 23% do tráfego de exportação. De entre estes portos, o de Sines assumiu posição de destaque, quer como porto especializado, quer como preferencialmente vocacionado para o tráfego de importação. Os restantes portos autónomos, Lisboa, Leixões e Setúbal, embora com intervenção ao nível da importação, asseguravam 64% do total exportado por via marítima, ocupando Setúbal uma quota de 13,6%.

“Relatório do ano económico de 1975”, idem, Abril de 1976, p. 4 a 7. A partir de 1979 os relatórios de gerência do Porto de Setúbal deixa de citar elementos fornecidos pelos serviços da Junta Autónoma para passar a referir a informação dada pelos Serviços de Estatística. 214 “Relatório do ano económico de 1980”, Junta Autónoma do Porto de Setúbal, Abril de 1981, p. 5 a 8. 215 “Relatório do ano económico de 1983”, idem, Abril de 1984, p. 5 a 7. 216 “Relatório do ano económico de 1989”, APSS, Abril de 1990, p. 3 a 7. 212 213

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A análise por origem/destino dos fluxos movimentados através do Porto de Setúbal permite concluir que, em termos de grandes zonas, as trocas comerciais com os países da CEE tinham um peso significativo, 66%, com a Espanha e com a Itália como principais centros de importação e com a Alemanha e a Espanha enquanto principais destinatários. Em 1990 o movimento total de mercadorias registado no Porto de Setúbal foi de 3 718 995 toneladas, mais 7,1% do que em 1989, sendo de salientar o crescimento observado no tráfego de exportação, que atingiu as 1 199 mil toneladas, equivalente a 13,6% do total exportado por via marítima. O tráfego de cabotagem teve uma recuperação significativa em 1990, devido ao transporte de cimento e de clinquer com destino às ilhas adjacentes. Neste mesmo ano, o Porto de Setúbal movimentou 3,7 milhões de toneladas de mercadorias, das quais 19% através dos cais da APSS e 81% pelos cais licenciados. Entre estes, os de maior importância relativa foram o Cais da Sécil, o Cais das Pirites Alentejanas e o Cais da Sapec com, respectivamente, 16,3%, 51,2% e 10,1% do total movimentado. O Cais das Fontainhas assegurava então a quase totalidade da movimentação de carga geral no Porto de Setúbal, com 574,5 mil toneladas. O tráfego Ro-Ro, incluído naquele valor de carga geral, apresentou um movimento de 74 mil unidades de veículos e de máquinas, com origem e com destino nos países da CEE. Das restantes mercadorias movimentadas por este cais destacam-se a pasta de papel, os aços, os granéis sólidos e as madeiras exóticas. O movimento de navios entrados em Setúbal foi de 1014, representando uma ligeira subida em relação a 1989 que resultou de um aumento do número de navios de bandeira nacional, embora fosse expressiva a quebra do número de navios de bandeira estrangeira entrados no porto217. O movimento de mercadorias em 1991 praticamente estabilizou, embora a oscilação observada no conjunto do comércio externo do Porto de Setúbal fosse compensada pelo aumento do tráfego de cabotagem, cifrando-se em 3,7 milhões de toneladas, o que veio a traduzir-se num aumento de 0,9%, em relação ao ano anterior. Ao nível do comércio externo do país, o peso do Porto de Setúbal manteve-se, uma vez que, de entre os portos portugueses, foi dos menos atingidos pelos efeitos do ambiente económico internacional. Neste ano entraram 1100 navios no Porto de Setúbal218. Os efeitos de convergência da economia portuguesa no mercado único europeu reflectiram-se, em 1992, nos fluxos do tráfego internacional do Porto de Setúbal através de acentuada dispersão geográfica nas origens e nos destinos, do aparecimento de novos tráfegos e da substituição de outros, sobretudo nos relacionamentos com o desenvolvimento do transporte em sistema de cabotagem europeia. Globalmente, a actividade portuária em Setúbal foi favorecida por esta conjuntura, a que correspondeu um crescimento de 20,4% no total das mercadorias movimentadas. No conjunto das importações e das exportações, as 3 898 mil toneladas movimentadas em Setúbal traduziram-se por um crescimento de 16,4% relativamente ao ano anterior. Também a cabotagem, continente e ilhas, contribuiu significativamente para o aumento do movimento global - 599 mil toneladas. Aliás, o crescimento de 54,2% confirmava a tendência do ano anterior. A nível da carga geral merece especial referência o elevado ritmo de crescimento do tráfego Ro-Ro, uma vez que das 158 mil viaturas movimentadas, 134 mil constituíram tráfego de importação, valor equivalente a cerca de metade das vendas registadas em Portugal. O aumento da capacidade de instalações especializadas e a melhoria da oferta de serviços constituíram também factores explicativos da fixação deste tipo de tráfego em Setúbal, situação que lhe conferia o primeiro lugar entre os portos nacionais. O número de navios que demandaram o Porto de Setúbal em 1992 foi de 1326, mais 20,5% do que no ano anterior, aumento este que resultou do acréscimo do número de navios de bandeira nacional e dos de bandeira estrangeira. A tonelagem de arqueação bruta foi de 8 933 264 toneladas, que representou um crescimento de 11,7%. A análise por tipo de navios evidencia a importância dos navios tipo Ro-Ro que registaram uma subida de 97%219. Em 1993 entraram no Porto de Setúbal 1 189 navios, menos 10,3% do que no ano anterior, resultantes da diminuição de 97 navios com bandeira estrangeira e de 39 com bandeira nacional. No que se refere à tonelagem de arqueação bruta (TAB) dos navios entrados no porto assistimos tam-

“Relatório e contas de 1990”, APSS, Maio de 1991, p. 1 a 7 e 15. “Relatório e contas de 1991”, APSS, Maio de 1992, p. 3. 219 “Relatório e contas de 1992”, APSS, Março de 1993, p. 5, 21 e 22. 217 218

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bém a um decréscimo de 9,4% em relação a 1992, explicado pela diminuição total de 67 mil TAB nos navios de bandeira nacional e de 776 mil TAB nos navios de bandeira estrangeira. Por seu turno assistiu-se a um incremento na quantidade de graneleiros e de navios Roll-On Roll-Off entrados neste porto. Neste ano foram movimentadas no Porto de Setúbal 3 762 mil toneladas de mercadorias, das quais 3 238 mil toneladas em tráfego de cabotagem nacional. Assistiu-se, assim, a um decréscimo de 17,2% do total de mercadorias movimentadas220. Considerado o conjunto de portos do continente português, Setúbal teve, em 1994, uma participação de 6,9% no movimento total de mercadorias, com 3 804 088 toneladas, o que correspondeu a um crescimento anual de 1,1%. Entraram, então, no Porto de Setúbal 1 237 navios, 176 de bandeira nacional e 1 061 de bandeira estrangeira, o que significou um aumento de 48 navios entrados correspondendo a um acréscimo de 4%. A TAB dos navios entrados teve um crescimento de 20,3% em relação a 1993. Movimentaram-se pelo Porto de Setúbal, neste ano, 3 804 mil toneladas de mercadorias, das quais 3 360 mil em tráfego de comércio externo e 444 mil toneladas em tráfego de cabotagem nacional221. A APSS apostava, então, na Carga Contentorizada como um dos principais potenciais segmentos base do movimento portuário em Setúbal, prevendo-se o seu crescimento nos anos subsequentes. Em 1995, considerando o conjunto dos portos do continente, Setúbal teve uma participação de 9% no movimento total de mercadorias, com 5 282 toneladas, o que correspondeu a um crescimento anual de 37,4%. Neste ano entraram no porto 1 456 navios, sendo 227 de bandeira nacional e os restantes 1 229 de bandeira estrangeira. Em relação à TAB/AB dos navios entrados, verificou-se também um crescimento de 43,4% em relação a 1994. Foram, então, movimentadas 5 282 mil toneladas de mercadorias, das quais 4 630 mil toneladas em tráfego de comércio externo e 663 mil toneladas em tráfego de cabotagem nacional222. Em 1996 escalaram o Porto de Setúbal 1 586 navios, sendo 284 de bandeira nacional e 1 302 de bandeira estrangeira, registando-se, comparativamente ao ano anterior, um aumento de 88% no número de navios entrados, que correspondeu a uma taxa de crescimento de 5,9%. Do movimento total de navios no Porto de Setúbal, 93 entraram para reparação nos estaleiros navais da Lisnave na Mitrena e 18 eram navios de guerra nacionais em visita ao porto. No que se refere à Arqueação Bruta (GT) dos navios entrados, verificou-se também um crescimento de 10,5% em relação a 1995, devido ao aumento de AB dos navios estrangeiros. Tendo em conta a distribuição por tipo de navio, verifica-se que o crescimento resultou, principalmente, do aumento no número de entradas de navios Ro-Ro, provocado pelo crescimento verificado neste tráfego, seguindo-se os de carga geral e os graneleiros. Houve um decréscimo na afluência de petroleiros, devido à diminuição verificada na movimentação dos produtos petrolíferos. Foram, neste ano, movimentadas no Porto de Setúbal 4 611 mil toneladas de mercadorias, das quais 4 162 mil toneladas em tráfego de comércio externo e 449 mil em tráfego de cabotagem nacional. Comparativamente a 1995 assistiu-se a um decréscimo de 12,7% do total de mercadorias movimentadas, destacando-se, no entanto, o crescimento de 26,3% das exportações com destino aos países da UE, embora a quebra nas exportações tivesse sido mais substancial223. Em 1997 escalaram o Porto de Setúbal 1 540 navios registando-se, comparativamente ao ano anterior, uma ligeira diminuição nos navios entrados, menos 55, o que correspondeu a uma taxa de crescimento de -3,4%. Dos navios entrados 1 430 estavam em actividade comercial, 48 para reparação no estaleiro naval da Lisnave na Mitrena, 32 pertenciam à armada portuguesa, 7 à armada estrangeira e 23 estiveram no Porto de Setúbal por outros motivos. Os navios nacionais representaram 20% dos entrados no porto, dos quais 61% dedicados à cabotagem nacional. Em relação à AB verificou-se também uma baixa de 9,2%, nomeadamente nos navios de bandeira estrangeira. A diminuição do número de navios entrados deveu-se à quebra na movimentação de produtos petrolíferos, de cereais e de produtos agro-alimentares, além de uma redução de 10 navios Roll-On Roll-Off. De salientar ainda o aumento verificado na carga fraccionada - madeiras e produtos metalúrgicos - que se repercutiu no número de navios de carga geral entrados (+20). Neste ano foram movimentadas pelo Porto de Setúbal 5 141 mil toneladas de mercadorias, representando mais 527 mil toneladas do que no ano transacto. Do total, 4 401 mil estavam integradas no tráfego de comércio externo e 740 mil em tráfego de cabotagem nacional224.

“Relatório e contas de 1993”, APSS, Março de 1994, p. 12 a 15. “Relatório e contas de 1994”, APSS, Março de 1995, p. 6 a 11. 222 “Relatório e contas de 1995”, APSS, Março de 1996, p. 6, 9 e 12. 223 “Relatório e contas de 1996”, APSS, Março de 1997, p. 12 a 15. 224 “Relatório e contas de 1997”, APSS, Março de 1998, p. 17 a 19. 220 221

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O número de navios que fizeram escala no Porto de Setúbal em 1998 sofreu um aumento de 8,1%, mais significativo nos navios de contentores, de granéis líquidos e de carga geral. Foram, então, movimentadas 6 498 mil toneladas de mercadorias, que representaram um crescimento de 26,4% em relação a 1997, reflexo da ascensão do tráfego de cabotagem nacional (68,6%) e do comércio externo (19,3%). Em relação ao acondicionamento, a subida é explicada pelo aumento de 100,3% na movimentação de granéis líquidos e pela ascensão de 12,1% na movimentação de granéis sólidos e de carga geral. O crescimento registado na movimentação de carga geral resulta do aumento de 8,6% na carga fraccionada, 16,3% na carga Ro-Ro e 237,1% na carga contentorizada. De entre as principais mercadorias movimentadas destacam-se, pelo seu crescimento, o fuelóleo, o cimento, os adubos, o clinquer, o gasóleo, a gasolina e a pasta de madeira225. Em 1999 o movimento de navios sofreu um acréscimo de 2,5% em relação ao ano anterior, sobretudo nos navios de granéis sólidos e especializados. Foram movimentadas 6 578 mil toneladas de mercadorias, como resultado do aumento de 9,8% do tráfego de cabotagem nacional e da estabilização no comércio externo. Por modo de acondicionamento, os crescimentos mais significativos aconteceram nos granéis líquidos e na carga Roll-On Roll-Off. De entre as principais mercadorias movimentadas, os acréscimos mais substanciais verificaram-se nos produtos metalúrgicos, no clinquer, no gasóleo, na gasolina, no cimento, na pasta de madeira, no carvão e no coque226. O número total de navios entrados no Porto de Setúbal em 2000 foi de 1 901, estando 1 701 em actividade comercial e 200 por outros motivos, como visita, reparação e dragagens, entre outros. Neste ano houve um aumento de 195 navios entrados, o que correspondeu a um acréscimo de 230 de bandeira estrangeira e a uma redução de 35 de bandeira nacional. O aumento de navios entrados correspondeu a um crescimento da AB (GT) em cerca de 20,9%. Das 6 459 mil toneladas de mercadorias movimentadas no ano de 2000, 5 291 mil toneladas foram provenientes do tráfego de comércio externo e 1 169 mil toneladas do tráfego de cabotagem nacional. A cabotagem nacional dedica-se, fundamentalmente, a dois produtos: o cimento, carregado no Terminal da Secil com destino às “Regiões Autónomas e Continente”, que atingiu as 522 mil toneladas, registando um decréscimo de 77 742 toneladas e os produtos petrolíferos - gasóleo, gasolina e fuelóleo - provenientes de Sines e descarregados nos terminais das Praias do Sado e “TanquiSado”, com uma movimentação de 641 mil toneladas, situação que representa uma diminuição de 124 mil toneladas. O comércio externo comunitário representa cerca de 39,8% do total geral movimentado no porto, detendo um peso de 69,8% e, em 2000 foram movimentadas 2 568 mil toneladas, verificando-se que, comparativamente ao ano transacto, houve uma redução de 238 mil toneladas, 8,5%227. Analisando a actividade portuária de Setúbal verifica-se que, em 2001, houve um aumento de 6,2% no número de navios entrados no porto - 2 019, sendo 1 624 em actividade comercial e 395, por outros motivos - e de 4,4% no total de mercadorias movimentadas, tendo sido atingidos os 6,7 milhões de toneladas. Tendo em conta o modo de acondicionamento, os crescimentos mais significativos verificaram-se na movimentação de granéis líquidos, sobretudo de produtos petrolíferos, de carga fraccionada, essencialmente de produtos metalúrgicos e de frutas, assim como da carga contentorizada. Das 6 741 mil toneladas de mercadorias movimentadas neste ano, 5 493 mil foram provenientes do tráfego de comércio externo e 1 248 mil do tráfego de cabotagem nacional228. Tendo em conta a evolução da conjuntura económica nacional e internacional e a sua interligação com o processo relativo ao transporte marítimo, em 2002 esperava-se um abrandamento da actividade comercial no Porto de Setúbal, embora, na realidade, este só se verificasse no último trimestre do ano. Não obstante o crescimento verificado até ao terceiro trimestre, a redução da movimentação de mercadorias nos últimos três meses do ano foi bastante acentuada, pelo que, no total, o Porto de Setúbal sofreu uma redução de 296 mil toneladas, com apenas 6,4 milhões de toneladas movimentadas. Por segmento de mercadorias, continuou a assegurar a liderança do tráfego Roll-On Roll-Off e da carga geral fraccionada. Devemos ainda salientar o crescimento das trocas comerciais com os outros países da União Europeia efectuadas através do Porto de Setúbal: 12,3% nas importações e 8,4% nas exportações. Entraram no porto 2 098 navios, estando 1 605 em actividade comercial e 493 em visita, reparação e dragagens, entre outros motivos229.

“Relatório e contas de 1998”, APSS, Março de 1999, p. 3. “Relatório e contas de 1999”, APSS, Junho de 2000, p. 3. 227 “Relatório e contas de 2000”, APSS, Março de 2001, p. 8 a 10. 228 “Relatório e contas de 2001”, APSS, Fevereiro de 2002, p. 2, e 10. 229 “Relatório e contas de 2002”, APSS, Março de 2003, p. 1 e 10. 225 226

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• “Navio a vapor” acostado no Porto de Setúbal, APSS. • Canoas grandes e pequenas, fundeadas em Setúbal. Pescavam com aparelhos de anzóis e ocupavam-se também no transporte de peixe recolhido por outras embarcações, s.d., Museu de Marinha. • “Alzirinha”, um barco de pesca setubalense, fotografia de Américo Ribeiro, s.d., colecção particular de Madureira Lopes.


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A pesca A pesca, que sempre constituiu, conjuntamente com a indústria da extracção do sal e das conservas de peixe, a mais importante das actividades deste porto, teve uma leve subida para voltar a decair, principalmente em ralação à captação da sardinha230. Esta actividade ressentiu-se com a grande baixa de preços do peixe nos anos de 1930 e 1931 e, embora a pesca aumentasse em quantidade, acabou por diminuir em valor real. O valor médio da canastra de sardinha que, em 1929, regulava entre 60$00 e 90$00, chegando a atingir 100$00 no início de 1930, desceu extraordinariamente, chegando a vender-se por apenas 20$00, valor que se manteve no ano de 1930. Em 1931 a média não foi superior aos 20$00. Como Porto de Pesca da sardinha, Setúbal continuava a ocupar o primeiro lugar de entre os portos do continente, ocupando no valor da pesca total o segundo lugar depois de Lisboa, situação que se previa melhorar bastante depois de terminadas as obras do porto231. Mas tal não aconteceu. Embora se verificasse subida nos anos de 1934 e de 1936, o decréscimo continuou paulatinamente e, em 1939, registaram-se valores muito baixos. Em 1941 a pesca aumentou muito em quantidade e muito mais ainda em valor, principalmente a da sardinha232, em 1942 voltou a diminuir e, em 1943, subiu de novo. Mas, em 1944 a pesca decaiu, nomeadamente a da sardinha que baixou em quantidade pescada e em qualidade, provocando um grande abaixamento de preço (cerca de 50%) pois, face à sua inferior categoria era muitas vezes vendida para adubo. Pela primeira vez, no mês de Novembro, vieram barcos de Matosinhos vender sardinha a Setúbal, situação que favoreceu os vendedores e também a população de Setúbal pois evitou a crise na indústria conserveira233. Em 1945, embora a situação da pesca melhorasse, alguns barcos de Matosinhos continuaram a vir vender o seu peixe a Setúbal234. Em 1946 a pesca quebrou, tanto a da sardinha como a de outras espécies. Foi uma diminuição importante em relação às quantidades vendidas no ano anterior, pois atingiu quase 50% tanto no peso calculado para a sardinha como no calculado para as outras espécies. A baixa de valores não se deu na mesma proporção, pois bastou a diminuição da quantidade para que o preço aumentasse. Esta situação fez-se sentir em toda a costa Sul do país e Setúbal, que chegou a deter 50% das vendas nacionais, não atingiu em 1945 os 10% e em 1946 os 5% 235. Por se encontrar dependente da pesca, e com ela intimamente relacionada, pareceu-nos importante referir a análise feita no relatório do Grémio dos Industriais de Conservas de Peixe de Setúbal que equacionava o problema do seguinte modo em 1946: Anos bons - 1934 e 1935, com produções superiores a 1000 000 de caixas. Anos médios - 1936 e 1941, com produções entre 700 000 e 1000 000 de caixas. Anos medíocres - 1933, 1943 e 1945, com produções entre 600 000 e 700 000 caixas. Anos maus - 1937, 1939, 1940, 1942 e 1944, com produções inferiores a 600 000 caixas. Anos de miséria - 1938 e 1946 com 391 565 e 409 080 caixas, respectivamente236. A pesca da sardinha continuava a apresentar uma situação bastante irregular tendo, em 1947, aumentado ligeiramente, mas a qualidade das espécies recolhidas manteve-se relativamente deficiente, afectando assim as conservas de peixe, aliada à falta de molhos e de folha-de-flandres e ainda Relatórios e contas dos exercícios de 1933, da Junta Autónoma..., Setúbal, 1934, p. 18. Relatórios e contas dos exercícios de 1932, da Junta Autónoma..., Setúbal, 1933, p. 41 a 45. 232 “Relatório do ano económico de 1941”, idem, Maio de 1942, p. 8 e 9. 233 “Relatório do ano económico de 1944”, idem, Maio de 1945, p. 11. 234 “Relatório do ano económico de 1945”, idem, Maio de 1946, p. 11. 235 “Relatório do ano económico de 1946”, idem, Maio de 1947, p. 14 e 15. 236 Idem, ibidem, p. 18. 230 231

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do retraimento dos compradores face a esta falta de consistência na qualidade do produto237. Em 1948 os valores da pesca em Setúbal voltaram a descer. Era notória a falta de espécies nas águas setubalenses238. Na pesca da sardinha, tal como nas conservas, Setúbal acompanhou o ritmo geral da descida, pois esta pesca na costa portuguesa baixou a menos de 50% dos valores atingidos no ano transacto. Neste ano estavam registadas apenas 44 “artes” de pesca, sendo 16 cercos, uma grande e 27 pequenas traineiras, das quais apenas 7 cercos e 26 traineiras exerceram a pesca. Segundo os elementos fornecidos pela Alfândega no ano de 1952, a pesca registada nas lotas de Setúbal foi, tanto em sardinha como em outras espécies superior à de 1951. Venderam-se mais 1 822 301 quilos de sardinha que representaram mais 9 310 contos em valor e mais 682 239 quilos de outras espécies com um acréscimo de 4 770 contos, ultrapassando, assim, os valores de 1948. A indústria de conservas tirou vantagem desta situação. O preço e a qualidade permitiram a satisfação das solicitações dos clientes nacionais e estrangeiros239. O ano de 1954 foi, para o centro conserveiro de Setúbal, depois de um prolongado período de crise, um ano de razoável actividade, pela sensível melhoria verificada na abundância de sardinha. 1955 veio, de novo, lançar a incerteza no futuro das conservas em Setúbal, uma vez que a pesca voltou a baixar. Mas 1956 voltou a esboçar um “leve sorriso” face ao maior volume de pesca verificado. A actividade deste ano foi também muito boa em relação à pesca da cavala. Segundo o relatório do Grémio dos Armadores da Pesca da Sardinha, Setúbal situou-se, relativamente ao rendimento total de “artes” inscritas no mesmo Grémio, nas principais lotas, em 4º lugar240. Em 1957 houve um leve decréscimo pois a pesca registada nas lotas de Setúbal foi, no total, de 16 316 019 quilos, no valor de 45 194 754$00, sendo 7 427 618 quilos de sardinha, no valor de 21 866 377$00 e 8 888 401 quilos de outras espécies que foram vendidos por 23 328 377$00241. A pesca da sardinha melhorou consideravelmente no ano de 1958, à semelhança do que se passou em toda a costa portuguesa. O relatório do Grémio dos Armadores da Pesca da Sardinha referia que, em Setúbal, se recolheram 139 360 toneladas deste peixe, no valor de 317 795 contos. O excesso sobre a pesca de 1957 foi de 29 979 toneladas, tendo, assim, sido ultrapassado o melhor ano deste mester - 1944 - registado anteriormente e excedida em 53 000 toneladas a média dos últimos dezassete anos - 1941 a 1957. No quadro geral Setúbal situou-se em terceiro lugar. As conservas de peixe registaram também uma considerável subida242. Mas, em 1959 verificou-se nova quebra na recolha da sardinha, não apenas em Setúbal mas em toda a costa de Portugal. A nível nacional o Porto de Setúbal manteve o terceiro lugar, tendo Matosinhos e Peniche ocupado os lugares cimeiros243. Segundo o Relatório de 1960 do Grémio dos Armadores da Pesca da Sardinha, as “artes” inscritas naquela agremiação pescaram, em Setúbal, das várias espécies industriáveis, um total de 183 837 toneladas, no valor de 588 800 contos, total superior ao do ano transacto em 14 445 toneladas e 156 341 contos no respectivo valor. No plano nacional Setúbal ocupou o 5º lugar. A produção de conservas foi de cerca de 435 821 caixas na base do formato de 1/4 de clube (8 280 600 quilos) e 366 294 caixas - 6 959 600 quilos - de espécies em azeite ou molhos244. Segundo a mesma fonte, o ano de 1961 mostrou um volume de pescado superior em 16 016 toneladas em relação ao ano anterior e Setúbal ocupou o 4º lugar no cômputo nacional. Em 1962 Setúbal manteve o 4º lugar no total de peixe recolhido com mais 5 659 toneladas do que no ano transacto. De assinalar também a presença, no Porto de Setúbal, dos arrastões “Madalena Sobral” e “Mestre Manuel Mónica” que, posteriormente, passaram a pescar na costa do Norte, onde este último se afundou em 1962. Neste mesmo ano vieram vender peixe a Setúbal alguns pequenos arrastões, nomeadamente o “Gamba” e o “Cigala”245. De acordo com a informação fornecida no Relatório de 1963 do Grémio dos Armadores da Pesca da Sardinha, a pesca em Setúbal passou para o 3º lugar nacional com 17 894 toneladas de pescado, mas a produção de conservas baixou246. Em 1964 voltou a aumentar em cerca de

“Relatório do ano económico de 1947”, idem, Maio de 1948, p. 15 e 16. “Relatório do ano económico de 1948”, idem, Maio de 1949, p. 23. 239 “Relatório do ano económico de 1952”, idem, Maio de 1953, p. 21 e 22. 240 “Relatório do ano económico de 1956”, idem, Maio de 1957, p. 17 e 18. 241 “Relatório do ano económico de 1957”, idem, Maio de 1958, p. 15 e 16. 242 “Relatório do ano económico de 1958”, idem, Maio de 1959, p. 18. 243 “Relatório do ano económico de 1959”, idem, Maio de 1960, p. 17. 244 “Relatório do ano económico de 1960”, idem, Maio de 1961, p. 10 e 11. 245 “Relatório do ano económico de 1962”, idem, Maio de 1963, p. 11 a 13. 246 “Relatório do ano económico de 1963”, idem, Maio de 1964, p. 11 a 13. 237

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• “Doca dos Pescadores”, postal ilustrado, s.d., colecção particular de Madureira Lopes.


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Pescas — 1928-1989 ANOS 1928 1929 1930 1931 1932 1933 1934 1935 1936 1937 1938 1939 1940 1941 1942 1943 1944 1945 1946 1947 1948 1949 1950 1951 1952 1953 1954 1955 1956 1957 1958 1959 1960 1961 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989

Pesca da Sardinha Outras Espécies Ton cts cts/ton ton cts cts/ton

20531 19887 16268 16062 14876 15901 20122 12493 27640 9391 8099 6383 8886 15367 9968 11808 10015 11901 5717 9719 5310 3062 5586 3971 5793 5187 8834 2313 8883 7428 9102 5759 6306 5380 4849 6432 6344 13746 9294 9265 5187 3877 2463 2755 5052 6021 193 246 146 141 175 512 701 323 418 2873 3842 4526 —3115 1510 1409

33817 38828 19112 11814 15638 15580 20585 16961 13093 11008 8733 8614 18068 82971 60082 65798 32554 37996 25091 24279 18221 17931 28469 17929 27240 18559 28166 12365 28690 21866 25610 22709 29766 21973 22189 21999 25999 31973 34090 35420 25561 24525 15229 12730 19995 15606 1868 1825 1439 1811 3189 11044 13457 6938 9521 53090 82344 83281 —58206 55597 45807

1.65 1.95 1.17 0.74 1.05 0.98 1.02 1.36 0.47 1.17 1.08 1.35 2.03 5.40 6.03 5.57 3.25 3.19 4.39 2.50 3.43 5.86 5.10 4.51 4.70 3.58 3.19 5.35 3.23 2.94 2.81 3.94 4.72 4.08 4.58 3.42 4.10 2.33 3.67 3.82 4.93 6.33 6.18 4.62 3.96 2.59 9.68 7.42 9.86 12.84 18.22 21.57 19.20 21.48 22.78 18.48 21.43 18.40 —18.69 36.82 32.51

1023 4311 1629 1817 1686 1780 1746 1812 1581 1670 1627 1000 1126 2584 2342 2981 2456 4398 2178 1710 1651 2180 1629 1738 2421 2666 1874 2320 5318 8888 4089 3083 3124 5932 11028 11655 8125 11239 7338 8487 7023 9727 23149 19536 14798 21160 16263 18171 10260 8324 8897 7959 9398 9374 10246 5066 6258 6466 —5630 4753 4160

2996 6901 10756 1922 2423 2538 2843 2658 2688 2537 2220 1582 1664 4782 7215 6179 6467 15130 12181 9133 9709 11566 9333 8709 13480 13921 10223 13283 18854 23328 20056 19961 21638 29822 31349 31410 33921 38487 43954 54345 52219 58918 97706 96920 93717 127071 128468 151821 234943 172713 299199 373046 523104 566458 734344 744269 1079617 1219259 —1386149 1282955 1299272

2.93 1.60 6.60 1.06 1.44 1.43 1.63 1.47 1.70 1.52 1.36 1.58 1.48 1.85 3.08 2.07 2.63 3.44 5.59 5.34 5.88 5.31 5.73 5.01 5.57 5.22 5.46 5.73 3.55 2.62 4.90 6.47 6.93 5.03 2.84 2.69 4.17 3.42 5.99 6.40 7.44 6.06 4.22 4.96 6.33 6.01 7.90 8.36 22.90 20.75 33.63 46.87 55.66 60.43 71.67 146.91 172.52 188.56 —246.21 269.93 312.33

ton

TOTAL cts

c/t

21554 36813 1.71 24198 45729 1.89 17897 29868 1.67 17879 13736 0.77 16562 18061 1.09 17681 18118 1.02 21868 23428 1.07 14305 19619 1.37 29221 15781 0.54 11061 13545 1.22 9726 10953 1.13 7383 10196 1.38 10012 19732 1.97 17951 87753 4.89 12310 67297 5.47 14789 71977 4.87 12471 39021 3.13 16299 53126 3.26 7895 37272 4.72 11429 33412 2.92 6961 27930 4.01 5242 29497 5.63 7215 37802 5.24 5709 26638 4.67 8214 40720 4.96 7853 32480 4.14 10708 38389 3.59 4633 25648 5.54 14201 47544 3.35 16316 45194 2.77 13191 45666 3.46 8842 42670 4.83 9430 51404 5.45 11312 51795 4.58 15877 53538 3.37 18087 53409 2.95 14469 59920 4.14 24985 70460 2.82 16632 78044 4.69 17752 89765 5.06 12210 77780 6.37 13604 83443 6.13 25612 112935 4.41 22291 109650 4.92 19850 113712 5.73 27181 142677 5.25 16456 130336 7.92 18417 153646 8.34 10406 236382 22.72 8465 174524 20.62 9072 302388 33.33 8471 384090 45.34 10099 536561 53.13 9697 573396 59.13 10664 743865 69.75 7939 797359 100.44 10100 1161961 115.05 10992 1302540 118.50 8745 1444355 165.16 6263 1338552 213.72 5569 1345079 241.53

36 900 toneladas e 120 000 contos, tendo Setúbal ocupado o 5º lugar de entre os portos de pesca portugueses247. 1965 foi um ano privilegiado pois assinalaram-se valores bastante mais elevados do que nos anteriores. Nas lotas de Setúbal registou-se um total de 24 985 168 quilos de peixe no valor de 70 460 031$00. Em relação à produção de conservas de peixe notou-se, neste ano, um aumento substancial. Se considerarmos as produções anuais de 1929 a 1965, verifica-se que a deste último apenas fora excedida pelas dos anos de 1929 a 1937 e pela de 1941, sendo, portanto, a mais elevada dos 24 anos precedentes. O centro de Setúbal ocupou o 4º lugar nacional com um total de 8 417 514 quilos248. Em 1966 registou-se uma diminuição na tonelagem obtida - 16 632 - mas um aumento no valor total que foi de 78 044 000$00. Depois de uma ligeira melhoria na produção de conservas de peixe, em 1965, a indústria conserveira, embora mantivesse o 3º lugar a nível nacional, voltou, por falta de matéria-prima, a uma modesta produção que ficou muito aquém das suas possibilidades fabris249. Os anos subsequentes apresentaram valores afins, embora com as oscilações provenientes da maior ou menor captação de espécies nas águas locais. Mas, em 1970 registaram-se valores bem mais consideráveis. Segundo os elementos fornecidos pelo Grémio dos Armadores da Pesca da Sardinha e pela Delegação de Setúbal da Junta Central das Casas de Pescadores, a pesca registada nas lotas desta cidade foi de

Pescas — 1990-2002 ANOS 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

“Relatório do ano económico de 1964”, idem, Maio de 1965, p. 12 “Relatório do ano económico de 1965”, idem, Abril de 1966, p. 13 e 14. 249 “Relatório do ano económico de 1966”, idem, Abril de 1967, p. 12 e 13. 247

248

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ton 6208 5420 6053 4020 3433 4085 3236 2564 2474 2971 3466 3126 2360

TOTAL cts 1131260 1469000 1728000 1322000 1305000 1292002 1286797 1126086 1122347 1200213 1268431 1362169 1218329

c/t 182.23 271.03 285.48 328.86 380.13 316.28 397.65 439.19 453.66 403.98 365.96 435.75 516.24


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25 612 318 quilos - em 1969 foi de 13 604 000 quilos - com um valor de 112 934 476$00 - em 1969 foi de 83 443 000$00. Foram também descarregados em Setúbal 642 260 quilos de bacalhau e seus derivados, no valor de 5 304 500$00. Neste mesmo ano a produção de conservas de peixe foi de 7 845 750 quilos, ocupando Setúbal o 4º lugar no cômputo nacional250. A pesca registada em 1975 nas lotas de Setúbal foi, no total, 18 417 456 quilos, com o valor de 153 646 118$00. O Instituto Português de Conservas de Peixe informou que, neste mesmo ano, Setúbal ocupou o 4º lugar na produção de conservas de peixe com 4 068 451 quilos correspondentes a 214 129 caixas de formato 1/4 de clube 30 mm, número inferior ao do ano anterior251. As mesmas fontes informam-nos a tonelagem de pescado nos anos de 1976 a 1979 que registaram um decréscimo progressivo em relação à tonelagem obtida em 1975, excepção feita ao ano de 1978 com 9 072 toneladas - que, mesmo assim, ficou muito aquém daquele ano. Algo de idêntico aconteceu com a produção de conservas de peixe que, depois de descer em 1976, subiu em 1977 para voltar a descer nos anos subsequentes. Em 1980 pescaram-se 10 099 toneladas de pescado, no valor de 536 561 000$00 e produziu-se 4 618 toneladas de conservas de peixe, tendo 2 184 sido destinadas à exportação252. A partir de 1981 a informação passa a ser fornecida pela Secção de Setúbal do Serviço de Lotas e Vendagem, verificando-se, ao longo dos anos oitenta do século XX, um decréscimo, embora lento, indiciador de regressão nas pescas realizadas pelas embarcações que vendiam o produto do seu labor no Porto de Setúbal. 1989 foi mesmo o ano com menor volume de pesca; apenas se registaram 5 569 toneladas de espécies recolhidas. Algo de mais grave ainda se passava com a produção de conservas de peixe que diminuíram em 1981 e 1982. Em 1983 a sua produção aparece associada a Lisboa e apenas se exportaram 36 toneladas pelo Porto de Setúbal. Em 1985 não houve exportação e, em 1986 apenas 9 toneladas por aqui saíram. A partir de então, até 1989, não temos qualquer informação sobre este tipo de movimento253. Em 1990 a tonelagem e o valor do pescado, transaccionado nos serviços da Lota e de Vendagens, atingiram, respectivamente, 13 328 toneladas e 3 862,3 mil contos254. Em 1991 estes valores subiram para 19 783 toneladas e 5 810, 4 mil contos255. Em 1992 os valores foram idênticos aos do ano de 1990. Em 1993 o pescado transaccionado no Porto de Setúbal não conseguiu ultrapassar as 3 767 toneladas256. O peso do pescado transaccionado em 1994 foi de 3 433 toneladas, sendo o seu valor de transacção de 1 305 mil contos257. Em 1995 a tendência decrescente, que vinha a acontecer, inverteu-se e assistiu-se a um crescimento de 22,2%, uma vez que foram transaccionadas 4 085 toneladas de pescado no valor de 1 292 mil contos258. O volume de pescado vendido em 1996 foi de 3 236 toneladas, sendo o seu valor de transacção de 1 287 mil contos, o que traduz decréscimos de, respectivamente, 20,8% e 2,7%259. A APSS empenhou-se, a partir de 1997, na promoção do desenvolvimento das actividades da pesca através da melhoria das infra-estruturas e das condições de funcionamento dos portos de Setúbal e de Sesimbra mas, neste primeiro ano, continuou a verificar-se um declínio significativo no pescado comercializado nas instalações da Doca de Pesca do Portos de Setúbal, devido à redução da frota de pesca artesanal e de arrasto. Assim, em 1997, o peso do pescado comercializado foi de 2 564 toneladas, num valor de 1 126 mil contos, com um decréscimo de 20,8% e 12,5%, respectivamente260. Em 1998 foram transaccionadas 2 474 toneladas de pescado, no valor de 1 122 mil contos, registando um decréscimo de 3,3% e 0,3%, respectivamente261. Em 1999 registou-se um crescimento significativo no volume e no valor do pescado vendido na Lota de Setúbal, designadamente 2 971 toneladas (+20,1%) e 1200 mil contos262.

“Relatório do ano económico de 1970”, idem, Abril de 1971, p. 11 e 12. “Relatório do ano económico de 1975”, idem, Abril de 1976, p. 9 e 10. 252 “Relatório do ano económico de 1980”, idem, Abril de 1981, p. 9 e 10. 253 Relatórios dos anos económicos de 1981 a 1989, idem. 254 “Relatório e contas de 1990”, APSS, Maio de 1991, p. 11. 255 “Relatório e contas de 1991”, APSS, Maio de 1992, p. 17. 256 “Relatório e contas de 1993”, APSS, Março de 1994, p. 25. 257 “Relatório e contas de 1994”, APSS, Março de 1995, p. 19. 258 “Relatório e contas de 1995”, APSS, Março de 1996, p. 21. 259 “Relatório e contas de 1996”, APSS, Março de 1997, p. 22. 260 “Relatório e contas de 1997”, APSS, Março de 1998, p. 28. 261 “Relatório e contas de 1998”, APSS, Março de 1999, p. 22. 262 “Relatório e contas de 1999”, APSS, Junho de 2000, p. 3 e 25. 250 251

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Em 2000 verificou-se um aumento de 20,1% no pescado - 3 466,33 toneladas e 1 264 431$00 de valor - transaccionado no porto263. Em 2001 a tonelagem voltou a baixar - 3 125,70 toneladas, mas o valor foi superior - 362 169$00, devido ao aumento de preço por quilograma264. O peixe comercializado nas instalações da Doca de Pesca de Setúbal continuou, em 2002, a registar algumas variações. Venderam-se 2 360 toneladas no valor de 6 077 mil Euros. A frota de pesca do Porto de Setúbal, vocacionada, fundamentalmente, para a pesca artesanal e de arrasto, registou, ao longo dos últimos anos, um decréscimo gradual nas capturas das espécies em Setúbal, conduzindo à diminuição da rentabilidade desta actividade, onerando os recursos considerados fundamentais para o bom funcionamento da APSS, configurando-se como um serviço público deficitário praticado por uma Sociedade Anónima, sem qualquer tipo de compensação para a empresa265.

Ajudas à navegação Em 1932, a Junta Autónoma colocou a concurso público a obra necessária à colocação de seis balizas luminosas nas entradas das três docas já construídas. Várias empresas enviaram catálogos e propostas para o empreendimento. Foi estudada a localização dos faróis e feitos alguns croquis dos mesmos266. Em 3 de Novembro de 1970, o Ministério da Marinha, através do Instituto Hidrográfico de Lisboa, fez publicar uma Lista de Ajudas à Navegação, com o intuito de prevenir hipotéticos acidentes, provocados pela deficiente sinalização da barra e do porto. Em Setúbal estavam registadas as seguintes indicações267: Nome

Posição

Características

Altitude

Alcance

Descrição

Bóia de Espera Outão Doca Azeda “Algarve Expt.” Anunciada Bóia Parvoíce Bóia nº 2 Baleia Socel Bóia nº 5 Balizas: Anterior Posterior

Barra nova doSado Forte do Outão Molhe E doca pesca Quinta da Azeda Terraço do edifício Face Sul Torre Igreja Baixo mesmo nome 400m, S da SAPEC Ponte fabrica baleia Cais da Socel Frente ao Cais Socel 1500m farolim Socel 2000m farolim Socel

Vermelha, IS Vermelha, Oc Agr Vermelha, F Vermelha, F Vermelha, F Vermelha, F Vermelha, RI Vermelha, RI Vermelha, F Vermelha, F Verde, RI Vermelha, RI Branca, RI

__ 34 13 72 15 23 __ __ __ __ __ __ __

5 15 12 22 6 6 3 3 6 6 3 3 5

Cil,, alvo cil. Verm. Torre Hexag. branca Torre quad. cinzenta Cabana, verm. Mont. Lanterna Lanterna Cilíndrica vermelha Cilíndrica vermelha ____________ ____________ Cilíndrica preta Coluna em 3 estacas Coluna em 3 estacas

Envolvente económico-social Agências de Navegação: Organização empresarial Em Setúbal operam várias agências de navegação que, ao longo dos tempos, se associaram para inter-penetração de esforços visando a organização empresarial no sector. Em Fevereiro de 1980 foi criada a ANESUL, então designada por Associação dos Agentes de Navegação e Empresas de Tráfego e Estiva do Sul, hoje denominada por Associação dos Agentes de Navegação e Empresas Operadoras Portuárias - ANESUL. O seu objectivo principal era “defender a ética e os princípios estatutários, bem como os superiores interesses dos portos por ela abrangidos”268. Desde a sua criação, a ANESUL teve a preocupação de manter boas relações com as outras entidades ligadas ao sector e fomentou contactos com associações congéneres, administração por-

“Relatório e contas de 2000”, APSS, Março de 2001, p. 17. “Relatório e contas de 2001”, APSS, Fevereiro de 2002, p. 16. 265 “Relatório e contas de 2002”, APSS, Março de 2003, p. 17 e 18. 266 Estudos do porto; farolins; processo nº 519, 1932 a 1935. 267 Aníbal Barros de Almeida Graça, Contra-Almirante, Director-Geral do Instituto Hidrográfico, Lista de Ajudas à navegação, Lisboa, 3 de Novembro de 1970, p. 32 a 34. 268 Margarida Curto, Estuário do Sado - Tesouro da Região de Setúbal, Setúbal, Navigomes, 1996, p. 110. 263 264

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• Parte Meridional do Reyno de Portugal, Saunsun D’A Breville e P. Do-Val, 1653, Atlas, livro 31, Biblioteca Nacional


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• Portugaliae Meridionalis Plagaé (documento não datado), Carolo Allard, 1648-1709, Biblioteca Nacional,


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tuária, Instituto de Trabalho Portuário, Centro Coordenador do Trabalho Portuário de Setúbal, sem esquecer a Associação dos Agentes de Navegação do Centro de Portugal a que todas as empresas de Setúbal estiveram ligadas até finais de Fevereiro de 1980. Foi, então, seu Presidente Luís Filipe Gomes, que já exercia funções de dirigente associativo na Associação do Centro desde 1975 e actualmente reconduzido no cargo. Em 1982, no âmbito da contratação colectiva, foram realizadas a nível nacional diversas reuniões com a FNSTP (Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores Portuários) e as associações sindicais do Porto de Setúbal. A actividade da ANESUL foi particularmente importante no ano de 1984 pois participou em acontecimentos de grande relevância para o sector portuário. Foram concluídas as negociações do Contrato Colectivo de Trabalho, procedeu-se à criação da Fundação EPCR (Esquema Portuário Complementar de Reformas) em 14 de Setembro e foram publicados, em 29 de Agosto, os Decretos-Lei e Regulamentos de 20 do mesmo mês, que definiram novas linhas de orientação a nível do trabalho portuário e novos moldes de funcionamento para as estruturas ligadas ao sector - operadores, ITP e CCTPS. Em 1987 houve grandes paralisações nas actividades do porto que acabaram por se solucionar no ano seguinte com a conclusão das negociações salariais a nível nacional, após negociações entre a ANESUL e os sindicatos portuários que culminaram com a assinatura do Acordo Social em 26 de Fevereiro269. Na sequência deste acordo foi constituída, em 1988, a PORTGEST - Gestão Portuária (Setúbal), organismo de índole privada que substituiu o CCTPS270 na gestão da mão-de-obra portuária. No dia 12 de Abril de 1991 foi celebrado, com os sindicatos locais, um Acordo Social Intercalar, que foi a base de sustentação do edifício legislativo e contratual que se concretizou em 1993. Outra das incumbências da ANESUL foi a organização, de forma intercalar e rotativa, dos Encontros Nacionais dos Agentes de Navegação. Em 23 de Abril de 1991, com a sua congénere espanhola ANESCO, criou a FIMOP (Federação Ibérica de Empresas Estivadoras e Agentes Marítimas)271. Fruto de uma cisão havida no seio da ANESUL surgiu também “a AOPS - Associação Marítima e Portuária do Sul [que] é uma pessoa colectiva de direito privado, tem sede em Setúbal, foi constituída no dia 24 de Fevereiro de 1993 ao abrigo das disposições legais sobre direito de Associação e Associações Patronais, e representa, entre outras, Empresas de Estiva, Empresas de Trabalho Portuário, Concessionárias de Serviço Público de Movimentação de Cargas e Agentes de Navegação. Tem como objectivos a representação e a defesa de interesses de carácter Empresarial, Técnico e Financeiro dos seus Associados e a promoção das actividades que representa. Para a prossecução destes objectivos a AOPS tem efectuado intervenções junto de Entidades Públicas e Privadas, concorrendo para uma adequada estruturação e dimensionamento do sector em termos compatíveis com as exigências de mercado e competitividade dos seus Associados nos portos que representa - Setúbal e Sines - contribuindo também, através de uma atitude aberta, frontal e de diálogo para a coexistência pacifica entre os direitos dos trabalhadores e os interesses das Empresas, desempenhando deste modo, um papel preponderante na manutenção da Paz Social que se vive nos Portos de Setúbal e de Sines desde 1993. A AOPS é subscritora de vários Contratos Colectivos de Trabalho em vigor, e aposta claramente numa estrutura integrada de serviços e numa representação da Comunidade Portuária cada vez mais abrangente.”272. Uma outra associação dos agentes de navegação de Portugal, a AGEPOR, estabeleceu a sua delegação em Setúbal, no ano de 2000, fruto da vontade dos associados de duas associações existentes no país, AGENOR e APAN, que se uniram para garantir uma maior capacidade de intervenção junto das instituições que dirigem e estão interligadas com o sector marítimo-portuário. “Teve como preocupação, desde a sua génese, garantir que, embora se posicionasse e actuasse como uma Associação Nacional, jamais descuraria as estruturas regionais, presentes em cada porto, que tão bem souberam sempre defender os legítimos interesses das Comunidades Portuárias e das suas gentes. A AGEPOR está consciente de que o progresso do país assenta essencialmente na pujança e no querer das comunidades locais, que com a sua labuta diária contribuem e são responsáveis por níveis de êxito dificilmente igualáveis num quadro de excessivo centralismo. Desta forma, no caso vertente no porto de Setúbal, fiel aos princípios em que acredita e que são trave mestre na sua estratégia, A AGEPOR tem vindo a dar continuidade ao trabalho já desenvolvido no passado pela APAN, no sentido de aproximar e envolver cada vez mais os interesses dos agentes económicos com as populações locais.

Idem, ibidem, p. 111. Era uma organização tripartida, um centro coordenador do trabalho portuário que resultou de um acordo entre as entidades patronais e os sindicatos. O centro recebia as verbas resultantes do pagamento de uma percentagem por tonelada vendida pelas entidades patronais e que se destinava ao pagamento dos salários dos trabalhadores mesmo na inactividade. 271 Margarida Curto, ob. cit., p. 112. 272 Ana Gonilho, AOPS. 269 270

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Acreditando que a união faz a força, tem sido preocupação e vontade da AGEPOR em Setúbal, disponibilizar-se junto das autoridades e das instituições locais, para ajudar na construção do bem comum e da riqueza da região, substanciada no aproveitamento de todas as potencialidades presentes tanto no “hinterland” como no Porto de Setúbal, numa troca constante de vantagens de ilimitado valor, com ganhos para toda a Região. Ao representar os Agentes de Navegação licenciados e presentes no Porto de Setúbal a AGEPOR assume também, com responsabilidade, o papel de dinamizadora da economia da Região e perfila-se ao lado de todos os que trabalham para tornar as indústrias, o comércio e o porto de Setúbal, como uma mais valia nacional que importa tornar cada vez mais forte para prosperidade do País”273. As agências de navegação que exercem a sua actividade em Setúbal foram actores da movimentação de 1 782 navios no ano 2000, de 1 785 em 2001 e de 1774 em 2002.

Mão-de-obra portuária A Associação da Classe Marítima, criada em 1897, pode considerar-se a primeira associação sindical portuária de Setúbal que albergava, no seu seio, os condutores de sal e os estivadores do rio Sado. Estes exerciam vários mesteres para sobreviverem, nomeadamente o piscatório e o marisqueiro, além dos já citados. A profissão de estivador ou carregador de navios foi, desde longa data, considerada como uma ocupação inferior. Os homens iam para a estiva quando não tinham outro trabalho. Era um serviço mal remunerado e bastante incerto, situação que levou a que, desde muito cedo, estes homens se organizassem em associações de classe e mais tarde em sindicatos nacionais para se protegerem e conseguirem melhores condições de vida.

273 274

António Belmar da Costa, Secretário Nacional da AGEPOR. APSS, SA (DCPD), Relatório Estatístico Anual, APSS - Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra, SA, 2002, p. 7

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A notícia mais antiga que encontrámos sobre estes trabalhadores remonta a 3 de Dezembro de 1910, no Germinal, porta-voz do movimento anarco-sindicalista em Setúbal que anunciava a organização sindical do pessoal de carga e descarga do cais275 e, em 26 de Agosto de 1911, os estivadores declararam greve por solidariedade com os fragateiros276. Os homens que trabalhavam no porto estavam distribuídos por várias associações de classe. Para além da Associação dos Estivadores havia também a Associação dos Condutores de Sal. Esta colectividade declarou greve em 4 de Julho de 1910, por desejar aumento de salário e, em 26 de Novembro do mesmo ano, exigiu um aumento de 20 réis em moio de sal, tendo conseguido o seu desejo277. A Associação dos Carregadores de Peixe teve alguma actividade nos anos de 1911 e 1912 e a Associação dos Apanhadores de Peixe foi criada em 21 de Abril de 1912278. Em 5 de Dezembro de 1910, havia já sido fundado o Grémio Associativo dos Descarregadores de Peixe que laboravam no Porto de Setúbal279. E, em 1914, foram alterados os estatutos da classe dos Estivadores e Condutores de Sal no Rio Sado. A actividade sindical da Associação dos Estivadores foi quase nula ao longo dos dezasseis anos de vigência da 1ª República Portuguesa. Depois de 28 de Maio de 1926 o Estado Novo instituiu o sistema corporativo em Portugal e, por alvará de 15 de Junho de 1934, foi legalmente constituído o Sindicato Nacional dos Estivadores do Porto e Distrito de Setúbal280. Os estivadores exerciam também as funções de barqueiros, transportando o sal pelo rio Sado, para abastecimento dos navios de pesca longínqua, os chamados bacalhoeiros. Por esta razão, por alvará de 15 de Novembro de 1938, passou a denominar-se Sindicato Nacional dos Estivadores e Barqueiros do Distrito de Setúbal281. O desenvolvimento industrial da região, resultante da instalação de várias empresas, veio alterar substancialmente o movimento de mercadorias no Porto de Setúbal. Assim, verificaram-se carências de mão-de-obra para cargas e descargas. Os sócios efectivos dos sindicatos dos estivadores e dos descarregadores de mar e terra, cerca de 50, eram insuficientes para as tarefas requeridas. Então, a profissão só podia ser exercida pelos sócios efectivos do sindicato, chamados de estivadores profissionais, e a sua inscrição, embora os estatutos referissem que era livre, apenas era facultada aos filhos dos sócios que possuíssem cédula marítima. Esta situação ainda existia nos anos de 1960282. Os trabalhadores que não estavam associados no sindicato, mas que trabalhavam na estiva para superar as carências de mão-de-obra especializada, eram denominados de “homens de rua”. Então não havia empresas operadoras portuárias especializadas. O sector e o trabalho era dominado pelas empresas consignatárias de navios e pelos despachantes oficiais, sendo notória a falta de preparação para tais tarefas, pois muitas vezes não havia sequer equipamentos e ferramentas adequadas à boa execução do serviço, nem sequer pessoal com formação suficiente para a sua realização. O elo de ligação entre a “programação” e a execução do trabalho era assegurado pelo “encarregado da casa”, também ele pago à tarefa283. O nível de escolaridade dos estivadores e dos próprios encarregados era praticamente inexistente, predominando o analfabetismo. Esta situação só foi alterada depois da reforma portuária de 1993, com o licenciamento massivo dos trabalhadores portuários. Os postos de trabalho eram muito disputados, os encarregados de estiva tinham uma formação baixíssima e os estivadores acabaram por se unir para salvaguarda das suas regalias e consecutiva dignificação do trabalho portuário. Os “homens de rua” sindicalizaram-se como estivadores auxiliares e passaram a designar-se por “homens do cartão branco” porque os efectivos possuíam um cartão com capa preta que lhes atribuía a designação de estivador profissional e barqueiro. No entanto, a contratação dos trabalhadores continuava a fazer-se aleatoriamente, sobre o cais e nas tabernas, de acordo com os critérios pessoais e autocráticos dos encarregados284. Os operários mais novos, portanto também mais instruídos, decidiram organizar-se para combater as arbitrariedades dos encarregados e criar um esquema de contratação mais justa. Pensaram construir um espaço único para contratação do pessoal. Esse local chamar-se-ia “casa do conto”. Conseguiram a publicação de um artigo no Distrito de Setúbal, em defesa dos seus direitos. O Subdelegado do Instituto Nacional do Trabalho, resiMaria da Conceição Quintas e outras, Greves e sindicalismo, Setúbal, 1910-1913, Lisboa, Assembleia Distrital de Setúbal, 1981, p. 148. Idem, ibidem, p. 136. 277 Idem, ibidem., p. 134. 278 O Trabalho, porta-vos do partido socialista em Setúbal, idem, ibidem, p. 138 e 140. 279 Germinal, 11 de Dezembro de 1911. 280 Margarida Curto, ob. cit., p. 98. 281 Idem, p. 98. 282 Idem, p. 97. 283 Idem, p. 99. 284 Idem, ibidem. 275 276

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dente perto do local de reunião dos estivadores, dialogou com eles, reuniu as entidades patronais e os representantes dos operários, aproximando as duas partes na tentativa de se encontrar uma solução que acabou por surgir em 1969, com a criação da “casa do conto”, local onde, conjuntamente com a “praça de jorna”, passou a realizar-se a contratação dos estivadores, sem que as injustiças desaparecessem das contratações285. O trabalho portuário continuou a “ser encarado como um trabalho de rufiões, daqueles que não tendo nenhuma especialização profissional, nem trabalho certo, se sujeitavam a trabalhar na estiva, apesar das condições que lhe estavam inerentes [...]. Assim se tornou conhecida a expressão vai trabalhar para estiva, malandro” 286. A mão-de-obra portuária era oriunda dos bairros mais pobres da cidade, nomeadamente Troino, Pescadores, Casal das Figueiras, Viso, Fontainhas e Santos Nicolau. A primeira reforma do trabalho portuário surgiu apenas em 1978, com a publicação do Decreto-Lei nº 145-A/78 que estabelecia as suas bases gerais. Simultaneamente, pelo Decreto-Lei nº 145-B/78, foi criado o Instituto do Trabalho Portuário com o objectivo de ordenar, disciplinar e fiscalizar as condições de prestação do trabalho portuário a nível nacional. Então, os trabalhadores portuários portadores de carteira profissional passavam a ter a exclusividade na realização das operações de carga e de descarga de navios e no cais287. Procurou-se também acabar com as contratações na “casa do conto”, substituindo-as pelos Centros Coordenadores do Trabalho Portuário. Os primeiros CCTP’s surgiram em Lisboa, Setúbal e Leixões, pelos decretos regulamentares nos 17/78, de 17 de Junho e 2/80, de 1 de Março, respectivamente. Eram órgãos públicos de gestão tripartida, dotados de personalidade jurídica e de autonomia administrativa e financeira, a quem incumbia essencialmente fazer a cobrança das receitas dos trabalhadores fornecidos e pagar os respectivos salários, bem como os das empresas operadoras portuárias licenciadas para actuarem num determinado porto288. O contingente comum de cada porto, directamente gerido e mantido em funcionamento por cada CCTP, era constituído por trabalhadores indiferenciados, que já nada tinham a ver com o trabalhador de rua que se refugiava nas “casas de conto”. Neste grupo existiam apenas os trabalhadores de base e os chefes dos grupos de trabalho ou encarregados. Havia também os contingentes privativos de cada operadora que, a partir da entrada em vigor do Decreto Regulamentar nº 23/83, de 16 de Março, deviam corresponder a 30% dos trabalhadores de cada categoria e de cada classe profissional utilizados, em média, no ano anterior ou estimados. Esta resolução não chegou a ser praticada por oposição dos sindicatos. Em 1984, por determinação do então Ministério do Mar, aconteceu uma nova reforma no sector portuário através dos Decretos-Lei nos 282-A/84 e 282-C/84 e ainda pelo Decreto Regulamentar nº 63-B/84, nos quais se estabeleciam o âmbito e a organização administrativa do trabalho portuário, a forma de recrutamento dos trabalhadores portuários, os respectivos contingentes e o seu regime jurídico. Ficavam também definidos a natureza, o âmbito, as atribuições e as competências do ITP, assim como dos CCTP que continuassem a funcionar sob a tutela administrativa, controlo e fiscalização daquele instituto. O Decreto-Lei nº 282-A/84 previa ainda a possibilidade de trabalhadores e operadores constituírem os seus próprios órgãos de gestão de mão-de-obra com uma direcção bipartida, ou outra forma organizativa de gestão, através de acordo associativo que substituiria os CCTP. Este documento facilitava a retirada gradual do governo da gestão destes organismos, situação que veio a concretizar-se em 1988, com a criação da PORTGEST. Em 1990 ocorreu nova reforma da legislação portuária, através da publicação do Decreto-Lei nº 151/90, de 15 de Maio, diploma que não reuniu o consenso das associações patronais, sindicais e de carregadores. Em 1993, a conjuntura política existente acabou por ceder na realização da maior reforma portuária nacional de sempre. Foram publicados os Decretos-Lei nos 280/93, de 13 de Agosto, que estabelecia o regime jurídico do trabalho portuário e 298/93, de Agosto, que definia o regime jurídico da operação portuária, ambos com entrada em vigor no dia 1 de Novembro de 1993. O ITP foi reformulado através do Decreto-Lei nº 356/93, de 9 de Outubro, que modificou o estatuto jurídico deste organismo, na versão que recebera do Decreto-Lei nº 151/90. Com o Decreto-Lei nº 280/93 e com a Portaria 178/94 foram criadas as Empresas de Trabalho Portuário e, consequentemente, totalmente eliminadas as outras formas de gestão da mão-de-obra portuária que ainda subsistiam: PORTGEST em Setúbal, CCTP em Lisboa e OGB em Sines, Leixões e restantes portos nacionais289.

Idem, p. 100. Idem, p. 101. 287 Idem, p. 102. 288 Idem, p. 103. 289 Idem, p. 104 e 105. 285

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• Portos de Lisboa e de Setúbal, Lucas Jans Waghenaer, 1583, Biblioteca Nacional • Planta de Setúbal, Sociedade Industrial Setubalense, 1943, Biblioteca Nacional


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De Porto Industrial a Porto Comercial Evolução e investimento na modernidade Servindo um vasto “hinterland”, constituído pelas regiões ao Sul do Tejo, que vão desde a costa até ao rio Guadiana, compreendendo os distritos de Setúbal, Évora e Beja e uma parte de Portalegre, com uma superfície de mais de 25 000 quilómetros quadrados, e podendo servir as zonas espanholas, ricas em minérios, da região de Zafra, e que não têm outra saída fácil para o mar, com as melhores condições naturais que é possível encontrarem-se, não estava porém este porto apetrechado para a importantíssima função que sempre lhe competiu. Faltava-lhe os meios de comunicação para o interior, que a abertura à exploração, em 1916, da linha do Vale do Sado lhe trouxe e que a projectada ligação Casa Branca - Alcácer do Sal acabou por lhe assegurar. Havia ainda necessidade de obras e instalações que lhe permitissem exercer, com vantagem, a sua função de Porto de Pesca, de Porto Industrial e de Porto Comercial290. Analisada a situação nos anos de 1930, verificava-se, então, que, como Porto de Pesca, Setúbal possuiu sempre, não só uma costa rica em espécies e uma classe piscatória numerosa e afeita ao mar, mas também um conjunto de condições, facilidades de acesso e de abrigo, grandes fundeadouros, boas ligações com o “hinterland”, terrenos disponíveis, água doce e outras características que eram indispensáveis para o estabelecimento dum Porto de Pesca. Apetrechado quase exclusivamente para a recolha da sardinha, a única que aqui encontrava mercado remunerador pela sua utilização nas fábricas de conservas e cuja valia representava cerca de 85 % do valor da pesca total realizada, podia este porto ter, como Porto de Pesca do alto, quando dotado com as instalações e com o material convenientes, uma grande importância no abastecimento das povoações interiores do país, onde havia uma grande propaganda a fazer, para o consumo do peixe fresco, que, sob todos os aspectos e principalmente pela saída de ouro que representava, devia substituir o bacalhau, tão usado no interior português. Como Porto Industrial, possuía, e possui, também este porto, talvez como nenhum outro do país, condições excepcionalmente favoráveis. Facilidades de comunicação e de transportes terrestres e marítimos, proximidade do maior centro consumidor do país, vastos terrenos planos junto ao porto, uma população operária numerosa e, finalmente, a possibilidade de obter energia em boas condições, com a nova central eléctrica da Sociedade das Minas da Borralha, e com o aproveitamento das quedas de água do Zézere. Tudo se conjugava, portanto, para que novas indústrias viessem estabelecer-se aqui e para que Setúbal pudesse ser, em poucas dezenas de anos, um grande centro industrial. Tudo isto sem esquecer, claro, a enorme importância da indústria das conservas, que ocupava, então, não contando com o pessoal empregue na pesca, cerca de 5 000 homens e mulheres, e cujo valor da importação das matérias-primas e da exportação dos produtos fabricados atingiu, em 1929, 124 300 contos. Fabricavam-se anualmente em Setúbal cerca de um milhão de caixas de conserva, com o peso aproximado de 20 000 toneladas, representando um valor de quase 100 000 contos, ou seja cerca de 50% do total das conservas de peixe exportadas em todo o país. Uma outra indústria importantíssima, que aqui se achava estabelecida desde 1928, era a dos adubos químicos, montada para aproveitamento das pirites de Aljustrel e do Lousal, com uma capacidade anual de produção de 60 000 toneladas de super-fosfatos. Possuía grandes instalações industriais, fábricas, depósitos, oficinas, habitações e outras, necessárias ao bom funcionamento da empresa e das instalações junto ao porto, para trituração, ensilagem e carregamento de minérios e ainda uma extensão de terrenos com cerca de 200 hectares, destinados a futuros empreendimentos. Juntamente com a central eléctrica da Sociedade das Minas da Borralha foi montado um forno eléctrico, tipo “Miguet”, destinado ao fabrico de carboneto de cálcio e de outros produtos, que se achava em laboração desde o princípio de 1931, estando também a proceder-se à transformação, com a montagem de um forno rotativo, da importante e antiga fábrica de cimentos, existente perto do porto e cuja capacidade de produção anual atingiu as 50 000 toneladas. Finalmente, como Porto Comercial, Setúbal estava destinada a ter não só o comércio, que já nos anos de 1930 possuía, dos produtos da região,

290

Relatórios e contas dos exercícios de 1931, da Junta Autónoma..., Setúbal, 1932, p. 35 e 36.

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• Projecto para a Zona Franca Industrial, Península de Tróia e Península de Mitrena, anos de 1950, APSS • Barra e Porto de Setúbal, 1977, APSS.


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vinhos, cortiças, sal, madeiras e cimento, entre outras, mas ainda o comércio dos cereais e dos legumes produzidos na vasta zona do seu “hinterland” e que por este porto podiam ter uma saída mais fácil, quando se destinassem ao consumo interno. O seu transporte fluvial e marítimo podia também concorrer mais facilmente com os transportes por estrada ou por caminho-de-ferro. O Porto de Setúbal sempre teve uma situação privilegiada para escoamento dos minérios oriundos dos grandes centros alentejanos, embora exceptuemos aqueles que eram exportados através do rio Guadiana ou das linhas-férreas projectadas, do Oeste e do Leste algarvio. Para tal fim foram, nos anos de 1920 e de 1930, construídas as instalações necessárias para o carregamento das pirites extraídas nas minas de Aljustrel e do Lousal, previstas para uma capacidade anual de 300 000 toneladas e por onde, nos anos de 1929 e de 1930, se fez uma exportação de 273 480 toneladas. Uma outra sociedade, a das minas da Ourada, adquiriu também, nessa época, vastos terrenos junto ao porto, para depósito e embarque de minerais. Previa-se, então, a regularização do rio Sado, de modo a melhorar as suas condições de navegabilidade, o que facilitaria a exportação de outros produtos como os carvões de Santa Susana e os cereais de Alcácer, que poderiam facilmente vir pelo rio até Setúbal, concedendo-lhe, assim, uma marcada importância. como porto de tráfego fluvial. Por tudo isto, concluía, em 1931, o Major António Joaquim de Melo, presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Setúbal e também presidente da Junta Autónoma das Obras do Porto e Barra de Setúbal e do Rio Sado: “Dotado assim o Porto de Setúbal com as obras e instalações indispensáveis para o seu tráfego, completadas as ligações ferroviárias do seu “hinterland”, construída a linha-férrea de via reduzida da Tejo-Oceano-Sado, ligando-o, por um lado, com Sesimbra e por outro com Cacilhas, e melhoradas as condições de navegabilidade do Sado, bastará uma política económica bem orientada, o incitamento ao aumento da produção agrícola e mineira, as facilidades concedidas ao estabelecimento de indústrias, a protecção dispensada por um lado à pesca e por outro, a todos os produtos nacionais e finalmente o desenvolvimento das nossas relações comerciais com as colónias, para se tornar este porto um poderoso instrumento de fomento e de riqueza nacional”291. Nesta perspectiva, nos anos de 1950, ao surgir a ideia de criação de algumas zonas francas no nosso país, Setúbal foi escolhida como uma das mais importantes pelas suas características naturais e pela situação estratégica em que se encontrava. Assim, em reunião, realizada em 27 de Fevereiro de 1951, da Comissão nomeada para estudar a possibilidade e a conveniência do estabelecimento de uma ou mais zonas francas, foi resolvido que os dois representantes da Junta Autónoma do Porto de Setúbal - o Presidente e o Engenheiro Director do Porto - apresentariam um estudo relativo ao Porto de Setúbal. O Presidente da Comissão Administrativa Miguel Rodrigues Bastos apresentou um relatório sobre o Porto de Setúbal, baseado nos estudos realizados pelo Engenheiro Luís da Fonseca, Director do Porto, e que teve como objectivo principal demonstrar os pontos essenciais para a concretização do projecto relativo a Setúbal, nomeadamente da possibilidade e da conveniência da instalação de uma zona franca industrial neste porto292. Em Junho de 1951, depois de serem analisadas as propostas, os responsáveis concluíram ser de grande utilidade para o país a instalação de uma zona franca comercial em Lisboa e de uma zona franca industrial em Setúbal, situada na península de Tróia, assim como a abertura do canal Tejo-Sado293, cuja construção se associaria à realização das obras da zona franca e do estaleiro naval e à conquista de terrenos na área marítima de Alcochete e do lado do Sado, com a grande obra do enxugo no esteiro da Marateca, para a conquista de 4 000 hectares de sapais para cultura. Em 8 de Janeiro de 1954 o gabinete do Ministro das Comunicações publicou uma Portaria nomeando uma comissão para proceder aos estudos técnicos respeitantes ao estabelecimento das zonas francas de Lisboa e de Setúbal. O presidente era o Engenheiro Salvador de Sá Nogueira, Presidente do Conselho de Administração do Porto de Lisboa e os vogais Engenheiro Fernando César dos Santos Silva, Director-Geral do Porto de Lisboa, Engenheiro Henrique de Figueiredo O’Donnell, Director dos Serviços Técnicos da Administração-Geral do mesmo porto e Engenheiro Luís da Fonseca, Director do Porto de Setúbal294.

Idem, ibidem, p. 36 a 40. “Relatório do ano económico de 1951”, idem, Maio de 1952, p. 17 e 18. 293 “Relatório do ano económico de 1952”, idem, Maio de 1953, p. 17. 294 “Relatório do ano económico de 1953”, idem, Maio de 1954, p. 21 e 22. 291 292

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O Engenheiro Luís da Fonseca, que desempenhava as funções de vogal da Comissão Técnica de estudo das zonas francas dos portos de Lisboa e de Setúbal, conjuntamente com outros profissionais da Junta Autónoma do Porto desta cidade, nomeadamente, o Engenheiro Adjunto Humberto Ferreira da Cunha, o Agente Técnico e chefe de trabalhos Paulo António da Gama Abranches de Sousa, o Engenheiro Civil, contratado pela Junta para o estudo das zonas francas, Jorge Carlos Rodrigues Júlio Mestre e vários elementos do pessoal técnico e administrativo, dedicou-se à análise da situação setubalense. Concluídos os estudos, os intervenientes salientaram a importância da península de Setúbal no desenvolvimento do país, por ser uma região industrial privilegiada, com características ímpares no contexto nacional295. O Decreto-Lei nº 39 569, de 17 de Março de 1954, estabeleceu que os encargos com os mencionados estudos técnicos seriam custeados pelos fundos de melhoramentos de cada um dos portos, devendo ser repartidos pelos respectivos fundos, na proporção que fosse fixada em despacho ministerial, quando se referissem a estudos de interesse para ambos os portos. A Junta Autónoma do Porto de Setúbal decidiu dar maior desenvolvimento aos estudos respeitantes à instalação, no porto e na península de Tróia, da já referida zona franca industrial. Para tal tornava-se necessário o aprofundamento do canal da barra, assim como a influência que este teria na sua configuração marginal e mesmo as alterações que se verificariam no chamado Cabedelo da Ponta de Tróia. O estudo destes elementos, o levantamento hidrográfico pormenorizado da zona de grandes fundos no interior do estuário e a recolha de pormenores topográficos, geológicos e hidrológicos daquela península exigiam a contratação de um técnico permanente. A Comissão Administrativa propôs, em Dezembro de 1954 a contratação de um engenheiro para se encarregar destes trabalhos. A proposta foi aceite e confirmada por Despacho de 16 do mesmo mês e ano, emanado do Ministério das Comunicações296. Os estudos foram realizados por conta da verba de “Fundo de Melhoramentos”, em harmonia com o disposto no Decreto-Lei nº 39 569, de 17 de Março de 1955. O dispêndio total foi de 62 506$90. O Engenheiro Civil Jorge Carlos Rodrigues Júlio Mestre foi contratado por Despacho do Ministro das Comunicações, de 16 de Dezembro de 1954, e iniciou o exercício de funções no dia 1 de Junho297. Em 1956 foi reafirmada a importância deste empreendimento e iniciado o estudo para a abertura do canal ligando o rio Tejo ao rio Sado, mais concretamente de Alcochete à Mitrena, no Porto de Setúbal298. Também estes “sonhos” se esvaíram no tempo. Nesta perspectiva de desenvolvimento, os responsáveis pelo Porto de Setúbal consideravam muito importante que a Siderurgia Nacional, ainda em projecto, ficasse situada em Setúbal pois proporcionar-lhe-ia um maior movimento de mercadorias. Então, o Director do Porto Engenheiro Luís da Fonseca fez uma palestra, integrada nas Jornadas de Metalurgia, sobre a localização da Siderurgia Nacional, na qual tentou provar que a península da Mitrena, na margem direita do rio Sado e a montante da SAPEC, era o local ideal para a localização da indústria siderúrgica em Portugal299. Mas, como se sabe, o projecto não se concretizou. Mesmo assim, a zona industrial do Porto de Setúbal não parou de crescer e, em 1976, o Presidente da Comissão Administrativa da Junta Autónoma do Porto de Setúbal Joaquim da Silva Mendes Bragança confirmava-o no Relatório da Gerência de 1976 ao afirmar que vinha a assumir particular importância no movimento portuário a implantação de várias unidades fabris na “Zona Industrial do Porto de Setúbal”, junto à península da Mitrena, na margem direita do rio Sado. Referia-se às instalações marítimas da SETENAVE e da EUROMINAS e ao início da laboração da Unidade 2 da MAGUE300. Em 1977 o estaleiro de desmantelamento de navios da firma João Luís Russo & Filhos Lda iniciou a sua actividade em Santa Catarina e na Zona Industrial do Porto de Setúbal, começando por desmanchar o navio “Cercal” de que era proprietária a SOPONATA - Sociedade Portuguesa de Navios Tanques, SARL301. Setúbal afirmava-se como Porto Industrial e afirmar-se-ia também como Porto Comercial, nomeadamente no sector automóvel. Pela Direcção-Geral dos Portos foi levado a efeito, em Novembro de 1984, o concurso público para a construção de uma primeira fase do Terminal Roll-On Roll-Off, empreitada adjudicada nesse mesmo ano. Esta obra era de grande importância para o Porto de Setúbal pois permitia que a carga Anteprojecto do canal Sado-Tejo, Memória, pelo Engenheiro Director do Porto de Setúbal..., Ministério das Comunicações, Outubro de 1956, p. 6, 7 e 28. “Relatório do ano económico de 1954”, Junta Autónoma do Porto de Setúbal, Maio de 1955, p. 21 a 23. 297 “Relatório do ano económico de 1955”, idem, Maio de 1956, p. 17 e 18. 298 “Relatório do ano económico de 1956”, idem, Maio de 1957, p. 13. 299 “Relatório do ano económico de 1955”, idem, Maio de 1956, p. 18. 300 “Relatório do ano económico de 1976”, idem, Abril de 1977, p. 3. 301 “Relatório do ano económico de 1977”, idem, Abril de 1978, p. 4. 295

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automóvel, transportada pelos navios, fosse movimentada pelos seus próprios meios, dispensando, assim, os meios de “handling” disponíveis nos portos de origem e de destino, tornando os transportes mais rápidos e menos dispendiosos. “Em Portugal este tráfego “Ro-Ro”, superior a 400 000 unidades, era movimentado, fundamentalmente, pelo Porto de Setúbal, tanto de importação como de exportação de veículos, e um pouco pelos portos de Lisboa e de Leixões”302. Em 1988 foi realizado, também pela Direcção-Geral dos Portos, concurso público para a construção da 2ª fase do Terminal Roll-On Roll-Off, empreitada adjudicada à firma Etermar-Empresas de Obras Terrestres e Marítimas SA, em 1989303. O ano de 1991 viu a sua actividade centrada em torno da consolidação do processo de autonomização de gestão dos portos de Setúbal e de Sesimbra, conforme as metas fixadas pelo Conselho de Administração da APSS, no início do seu mandato. A actividade desenvolvida ao longo deste ano foi, entre outros factores, condicionada por uma conjuntura económica menos favorável. O movimento de mercadorias, relativamente ao ano anterior, praticamente estabilizou, pois a oscilação observada no conjunto do comércio externo do Porto de Setúbal foi compensada pelo aumento de tráfego de cabotagem. Ao nível do comércio externo do país, o peso do Porto de Setúbal manteve-se, já que, de entre os portos portugueses, foi dos menos atingidos pelos efeitos do ambiente económico internacional. Neste contexto, foi inevitável reavaliar os pressupostos e os objectivos inicialmente estabelecidos, designadamente, quanto à política de investimentos. Assim, foi atribuída prioridade aos investimentos em curso, caso das obras do Terminal “Ro-Ro” e Contentores, cujo custo apontava para os dois milhões de contos, mas que significava um enorme acréscimo de tráfego em quantidade e em qualidade de serviços prestados nesta área comercial. Foram também concluídas as actividades relacionadas com o lançamento da empreitada de construção do Terminal Ford/VW, cujo acto público de concurso internacional aconteceu em 17 de Março de 1992304. A nível da carga geral, em 1992 mereceu especial referência o elevado ritmo de crescimento do tráfego “Ro-Ro”. Das 158 000 viaturas movimentadas, 134 000 constituíram tráfego de importação, valor correspondente a cerca de metade das vendas registadas no país, conferindo-lhe o primeiro lugar entre os portos nacionais305. Entre os objectivos da APSS para o ano de 1994, salientamos a consolidação e o desenvolvimento da actividade portuária comercial. Merecem referência o projecto de execução das infra-estruturas do Terminal de Contentores/Plataforma Multimodal, a execução das dragagens no canal da barra a -12m (ZH), o início dos estudos e dos trabalhos para a modernização e ordenamento do Terminal das Fontaínhas, a conclusão do Terminal Ford/VW e a construção do Centro de Despacho Rápido de Navios306. Em 1997 a APSS considera importante a criação de um serviço comercial com o objectivo de promoção da política de marketing e de divulgação comercial e institucional do porto que veio a realizar-se posteriormente307. Em 1999 foram iniciados os processos de preparação das concessões dos terminais sob a gestão da APSS. Com o objectivo de recuperação, ampliação e melhoria de acessibilidades rodoviárias de acesso ao Porto Comercial, situadas no interior da zona portuária, tiveram também início as obras da via marginal de ligação entre as zonas a jusante e a montante do Porto de Setúbal, assim como melhorada a antiga Lota308. Os investimentos na zona comercial tiveram, no ano 2000, uma maior incidência nos trabalhos conducentes à concretização do Terminal Multiusos/Plataforma Multimodal cujo projecto era co-financiado através do Fundo de Coesão e obteve a aprovação pela Comissão Europeia, no âmbito do 3º Quadro Comunitário de Apoio. Na sequência do desenvolvimento do projecto foram celebrados dois protocolos de cooperação de serviços arqueológicos e monitorização de sedimentos, com os Institutos Português de Arqueologia e Hidrográfico, respectivamente. Foi também nomeada uma Comissão de Acompanhamento Ambiental das Obras do Terminal Multiusos, por Despacho do Secretário de Estado do Ambiente, de 17 de Janeiro de 2000, constituída por representantes da DGA, DRALVT e ICN e acompanhada pelo MES. Visando o reforço da posição competitiva do Porto Comercial de Setúbal, em 2002 a APSS registou as seguintes actividades: Construção do Terminal

João Carlos Quaresma Dias, A integração dos portos nacionais e do “Ro-Ro” nos sistemas logísticos globais do automóvel. A formação de bipolaridades, tese de doutoramento em Gestão, Universidade Aberta, 2001, vol. I, p. 219. 303 “Relatório do ano económico de 1989”, Junta Autónoma do Porto de Setúbal, Abril de 1990, p. 2. 304 “Relatório e contas de 1991”, APSS, Maio de 1992, p. 3 e 4. 305 “Relatório e contas de 1992”, idem, Março de 1993, p. 5. 306 “Relatório e contas de 1994”, idem, Março de 1995, p. 2 e 3. 307 “Relatório e contas de 1997”, idem, Março de 1998, p. 11. 308 “Relatório e contas de 1999”, idem, Junho de 2000, p. 4. 302

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Multiusos/Plataforma Multimodal do Porto de Setúbal que foi concluída e incluiu a extensão de 724 metros de cais acostável, com 23 hectares de terrapleno adjacente, totalmente pavimentado e infraestruturado. O relatório final foi enviado à Comissão Europeia, tendo a Inspecção-Geral das Finanças realizado uma auditoria ao projecto. No seguimento da conclusão do estudo de viabilidade técnico-económica e financeira, foi apresentada uma candidatura ao Fundo de Coesão do projecto de “Extensão do Cais do Terminal Roll-On Roll-Off do Porto de Setúbal para montante - 1ª fase. Deu-se continuidade às negociações relativas à concessão do serviço público de movimentação de cargas no Terminal Multiusos - zonas 1 e 2. Foram iniciadas as dragagens de manutenção do canal de acesso, bacia de manobra e bacia de estacionamento do Terminal Praias do Sado, do Terminal Eurominas e da Zona 1 do Terminal Multiusos. Deu-se início a um processo de consulta para a renovação da frota de lanchas da pilotagem, que contribuiu para a prestação de um serviço com maior qualidade, eficiência e segurança. Foi desenvolvido um estudo sobre a adequabilidade do novo pavimento da Zona 1 do Terminal Multiusos e foram desenvolvidos o projecto e o processo de concurso da obra de reformulação do Posto de Inspecção Fronteiriço do Porto de Setúbal. Foi concluído o estudo de viabilidade técnico-económica e financeira do projecto de recuperação ambiental e funcional do Terminal Eurominas e criados acessos terrestres, que permitiram a formalização da respectiva candidatura ao Fundo de Coesão em 2003 e estabeleceram-se negociações com a Auto-Europa com vista à celebração de uma segunda Adenda ao contrato assinado em 1995. Foi negociada a concessão de um terminal para a movimentação de granéis líquidos à Sapec Agro, SA, prevendo-se que a assinatura do contrato ocorresse no 1º trimestre de 2003 e iniciado um processo negocial de concessão de uso privativo do Terminal Secil, de modo a regularizar a situação de licenciamento transitório, que se mantinha desde há décadas, com desvantagem para ambas as partes. Foi também iniciado um processo negocial de concessão de uso privativo, do terreno da zona dominial ocupada pela Mauri-Fermentos.

Cais de acostagem O Porto de Setúbal possui terminais de Serviço Público e terminais para Uso Privativo. Até 2002 os terminais de Serviço Público eram os seguintes: Fontainhas, SAPEC, Roll-On Roll-Off, Multiusos, Cais nº 10, Cais nº 11 e Eurominas. Os terminais de Uso Privativo eram: Praias do Sado, Tanquisado, Secil, Eurominas, Alstom, Uralada, Mauri-Fermentos, Lisnave, Ao Largo e Autoeuropa. As mercadorias movimentadas pelos terminais de Serviço Público foram nos anos de 2000 muito superiores, em toneladas, às que circularam pelos terminais de Uso Privativo. Em 2001 a diferença reduziu-se e, em 2002, a situação inverteu-se, ainda que muito ao de leve.

Terminal Multiusos e Plataforma Multimodal A obra de construção e de concessão de um novo Terminal Multiusos e de uma Plataforma Multimodal no Porto de Setúbal inseriu-se nos objectivos de melhoria da oferta portuária definidos no Plano de Ordenamento e Expansão do Porto de Setúbal. A obra veio corporizar os objectivos comerciais relativos ao segmento da carga geral, adequando a oferta às previsões de tráfego para os próximos anos e permitindo o desenvolvimento da actividade do porto nesta área.

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Com este investimento, o Porto de Setúbal passou a dispor de uma quota de cerca de 31% do volume da carga geral fraccionada, movimentada no sistema portuário nacional, posicionando-se como líder nesta secção. No entanto, no final dos anos de 1990, verificou-se que as infra-estruturas para a movimentação deste género de carga estavam próximo do ponto de saturação, não respondendo ao tráfego potencial previsto para os anos seguintes, sendo necessário o aumento da capacidade de oferta do porto. Urgia, portanto, fazer algo e a ideia surgiu. Os objectivos eram, portanto, orientar o desenvolvimento do Porto de Setúbal numa óptica de complementaridade no âmbito do sistema portuário nacional e numa óptica de mercado concorrencial internacional, adequar a oferta portuária à evolução da procura, tendo em conta as tendências de evolução do comércio e aumentar a competitividade do porto através da disponibilização de serviços eficientes, reduzindo tempos de espera e custos de passagem da carga. O projecto envolveu a construção de um Terminal no Porto de Setúbal para a movimentação de carga geral de elevado valor, incluindo a construção de 724 metros de cais acostável, em caixotões de betão armado e o avanço do cais existente num troço de 185 metros, com cotas de serviço a 12 metros (ZH), a implantação de um terrapleno adjacente com 23 ha, totalmente pavimentado e infraestruturado, a construção das instalações da portaria e da vedação e a construção de vigas para suporte dos caminhos de rolamento para pórticos de cais. Terminado o empreendimento, a Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra procedeu à sua inauguração pelas 16 horas do dia 17 de Março de 2003. Esta infra-estrutura é considerada pelo presidente da APSS, Dr. Duarte Amândio, como um “marco” na história desta administração pois “é um forte contributo para o desenvolvimento do Porto de Setúbal, para a região e para a economia nacional”309. A obra, que inclui 724 metros de cais acostável, vai contribuir para um “aumento da capacidade do porto e, consequentemente, para a sua potencialidade operacional económica”310. Opinião idêntica emitiu o Ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação, Engenheiro Valente de Oliveira referindo que o Porto de Setúbal, ao dinamizar estes investimentos, “é um bom exemplo de como podem ser criadas novas oportunidades de negócio e conquistados novos segmentos de mercados”311. O Terminal inaugurado vai, de acordo com as palavras do Ministro Valente de Oliveira, “ser complementado” com algumas obras para melhorar as acessibilidades. Para tal prevê-se a construção de “um troço viário que irá ligar as Praias do Sado e a Mitrena” e que será “uma mais valia para o porto pois irá permitir uma melhor circulação de mercadorias e o mais rápido acesso e escoamento das mesmas”312. “Há que apostar na criação deste tipo de condições que potenciem o ritmo de desenvolvimento do país face aos parceiros europeus”, afirmava, então, o Ministro das Obras Públicas. O Terminal Multiusos e a Plataforma Multimodal vai “permitir aumentar a competitividade” do porto através de “serviços eficientes, reduzindo tempos de espera e custos de passagem de carga”313. O Presidente da APSS espera que este venha a ser “constituído como um factor inequívoco de vantagem competitiva de Portugal, para o futuro que se está a construir”314. O porto com as suas valências comerciais e industriais, de pesca e de recreio, “reúne condições fulcrais no desenvolvimento da península de Setúbal” pois “os impactos desta nova obra irão fazer-se sentir em toda a região contribuindo para a sua sustentação económica e social”315. Neste momento o Porto de Setúbal “assegura 12% do movimento nacional” de mercadoria por via marítima e “40% do tráfego para a região e para Lisboa e Vale do Tejo”316. As “excelentes condições naturais” permitem que o porto esteja “aberto durante todo o ano” e tem “uma posição geográfica que garante as condições de interligação com as principais infra-estruturas rodoviárias e ferroviárias de ligação ao resto do país e a Espanha”317. Os futuros investimentos que irão ser feitos nos Portos de Setúbal e de Sesimbra irão ser decididos tendo em conta, “apoios comunitários

Duarte Amândio, Presidente da APSS, Discurso proferido durante a cerimónia de inauguração do terminal multiusos, 17 de Março de 2003. Idem, ibidem. 311 Valente de Oliveira, Ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação, Discurso proferido durante a cerimónia de inauguração do terminal multiusos, 17 de Março de 2003. 312 Duarte Amândio, discurso citado. 313 Idem, ibidem. 314 Idem, ibidem. 315 Idem, ibidem. 316 Idem, ibidem. 317 Idem, ibidem. 309 310

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• Inauguração do terminal Multiusos, pelas 16 horas do dia 17 de Março de 2003: (Da esquerda para a direita) Teodoro Gomes Alho, Presidente da Mesa da Assembleia da APSS; Dra. Maria das Mercês, Governadora Civil do Distrito de Setúbal; Dr. Duarte Silvestre Amândio, Presidenta da APSS, SA, de Setúbal; Eng. Valente Oliveira, Ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação; Carlos Sousa, Presidente da Câmara Municipal de Setúbal; Amadeu Penim, Presidente da Câmara Municipal de Sesimbra.

complementados com o apoio do PIDDAC, projectos que tenham efeitos comprovados na empresa e projectos que venham permitir maiores índices de produtividade”318. Para além desta obra, que teve um investimento total de quase 30 milhões de euros, a APSS vai fazer também a apresentação da candidatura ao Fundo de Coesão no âmbito do 3º Quadro Comunitário de Apoio, para a realização de um “projecto de estudo para a extensão do cais, de modo a possibilitar a construção de mais um terminal de acostagem”319. O Ministro Valente de Oliveira falou da oportunidade de Portugal poder vir a fazer parte, como parceiro, na constituição da Auto-Estrada Marítima do Atlântico, o que leva a APSS a “reflectir e a actuar” de modo a que o Porto de Setúbal “reúna todas as condições para garantir essa integração com sucesso”320. O Governo está empenhado na participação deste projecto, incentivando “a criação de mecanismos que favoreçam a aproximação de Portugal ao centro do espaço europeu”321.

Idem, ibidem. Idem, ibidem. 320 Valente de Oliveira, discurso citado. 321 Idem, ibidem. 318

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• Nas páginas anteriores: • Vista parcial do Porto de Setúbal, aguarela de E. Casanova, 1866, colecção particular de Madureira Lopes • Planta dos terrenos pertencentes à Comenda da Arrábida, anos de 1790, Instituto Geográfico Português, licença de utilização nº 142/03. • “Laranjas de Setúbal”, Conselho Nacional de Turismo de Portugal, colecção particular de Madureira Lopes.


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Importância do porto nas actividades da população “O caminho-de-ferro faz um desvio para leste, sobre uma extensão arenosa com milheirais e vinhas [...] em nossa frente Setúbal, [...]. Limoeiros e laranjeiras exibiam aí a sua floração branca de forte perfume. As romãzeiras ostentavam a sua gala de flores vermelhas de fogo [...] No cais havia barcos de pesca [...]. Navios exibiam no porto os pavilhões russos, franceses e espanhóis [...]”. (Hans Christian Andersen, Uma visita em Portugal em 1866, Lisboa, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1984, p. 49 a 67.)

A agricultura A riqueza dos terrenos da Península de Setúbal foi desde sempre reconhecida e referida quando se falava da importância do porto que servia esta região - o Porto de Setúbal. Citamos, como exemplo, a Portaria de 14 de Novembro de 1919, que nomeava uma comissão para estudar o projecto de abertura de um canal ligando os rios Tejo e Sado. Uma das justificações para este empreendimento era, além de facilitar o tráfego entre as terras do Sul e Lisboa, fomentar o “aproveitamento dos valiosos terrenos da península de Setúbal”1. Nestes terrenos, pela riqueza do seu solo e pelas excepcionais condições climáticas, abundavam todas as espécies arbóreas e herbáceas que forneciam os frutos, os legumes e os vegetais tão necessários à alimentação humana, e as pastagens riquíssimas para a alimentação do gado que também aqui se criava e fornecia o leite para a produção do saborosíssimo queijo. A laranja e o vinho foram, além de muitas outras espécies agrícolas, as que mais se destacaram na exportação de produtos oriundos da terra, como referia Hans Christian Andersen, célebre poeta dinamarquês quando visitou Setúbal: “Os pomares no vale destacam-se com as suas filas de limoeiros e laranjeiras, contrastando com as áleas de vinhas, cujas cepas se suspendem em arcos de pedra”2. Também a palmeira aqui foi cultivada. No início do século XX, o conde de Armand, oficial do exército francês e descendente do ministro com o mesmo nome, em missão de França junto da corte portuguesa, construiu um palácio, sobranceiro ao rio Sado a que denominou “Casa da Comenda”, erigida sob a orientação de J. Lino. Na propriedade envolvente instalou um viveiro de palmeiras ornamentais (Phoenix Canariensis) que exportava em caixotes, acondicionadas entre palha de centeio a fim de evitar que o transporte e as intempéries por que iam passar as afectasse.

A laranja de Setúbal “Lá no fundo, os laranjais ao redor de Setúbal, o oceano, toda a baía e o rio Sado serpeando3”. Eram os terrenos adjacentes à cidade, vistos pelo poeta, cuja análise foi confirmada pelo geógrafo: “Nos arredores de Setúbal, para Leste na planura arenosa, para Oeste nos vales e cerros do Viso, para Norte até ao sopé da serra dos Barris e Baixa de Palmela, disseminam-se casais e quintas ligadas a pequenas instalações agrícolas, hortejos e pomares, culturas delicadas que exigem a presença de trabalhadores rurais”4, homens e mulheres que sentiam como missão alimentar a população da cidade. E, citando Vilanova Portugal, no seu artigo “Observações sobre o mapa da povoação do termo da vila de Azeitão”, Orlando Ribeiro confirma que entre Azeitão e Setúbal se situam “muitas quintas e fazendas excelentes, cheias de pomares, vinhas e arvoredos, que fazem um sítio muito agradável”5. Estas eram as famosas “quintas de Setúbal” a que Joaquim Rasteiro se refere de modo bastante elogioso. Oiçamo-lo: “Fui nado e criado no campo, numa região fruteira, em que as laranjas são afamadas e as oliveiras são milenárias [...]”6. E ao referir a produção de laranjas portuguesas afirma:

Anteprojecto do Canal Sado-Tejo, Memória, Engenheiro Director do Porto de Setúbal, Junta Autónoma do Porto de Setúbal, Ministério das Comunicações, 1956, p. 20. Hans Christian Andersen, Uma visita em Portugal em 1866, Lisboa, ICLP, Ministério da Educação, 1984, p. 53. 3 Idem, ibidem. 4 Orlando Ribeiro, “A Arrábida”, Revista da Faculdade de Letras de Lisboa, Tomo IV, nos 1 e 2, 1937, p. 119. 5 Idem, p. 108. 6 Joaquim Rasteiro, “O que é e o que deveria ser, em Portugal, a exploração das frutas e a da vinha”, Boletim do Ministério da Agricultura, nos 1 a 12, Lisboa, Imprensa Nacional, 1927, p. 70. Recordo que Joaquim Rasteiro era natural de Azeitão. 1 2

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“Quanto a laranja, a mais cotada é a de Setúbal, na península da Arrábida, cujas qualidades são favorecidas pelo clima especial e abrigadíssimo da baixa de Palmela e pelo solo ligeiro do plioceno”7. Os pomares bordavam, a Norte, a cidade que se estendia até junto daquela composição cromática, numa tentativa de aspirar o perfume que ela exalava. A este respeito falava Manuel Envia, ao referir os encantos do vale que se estende de Setúbal a Palmela. Diz-nos tratar-se de um extenso pomar que recreava o olhar, desde a entrada de Setúbal pela estação do caminho-de-ferro, e logo se sentia “um desejo irresistível de percorrer aquele enorme trecho de paisagem, qual tapete imenso de comas verdes e perfumadas”8. A esta realidade não é alheio Manuel Maria Portela que considera a laranja como um dos elementos mais importantes do comércio de Setúbal, a par do sal, da pesca e da cortiça. E conclui que nos subúrbios de Setúbal existe uma “formosura tão suave, que bem se lhe pode chamar jardim formado pela natureza”9. Era uma extensão de terra plana, situada na periferia do concelho, onde as riquíssimas quintas de Setúbal e baixa de Palmela se organizaram em função das três linhas de água - ribeiros do Paraíso, Quadrado e Livramento - que drenam as serras dos Gaiteiros e de S. Luís, e que desaguam, já reunidas, no rio Sado. Os terrenos, muito férteis, de origem calcária ou solos aluvionares, albergavam pequenas e médias propriedades, exploradas em regime de policultura, constituídas por uma área de produção agrícola, uma zona residencial, com a moradia do proprietário, habitação de caseiros, estábulos e outros anexos de apoio às actividades agro-pecuárias, e ainda por espaços de lazer enriquecidos por elementos de carácter estético10. Em 1900, as quintas contactavam a Norte com a segunda linha de muralhas e penetravam mesmo no seu interior, como acontecia com a Horta dos Macacos. Mas esta situação tornava-se insustentável porque a cidade, embutida entre o rio e as quintas, não tinha espaço para crescer. A Sul não era possível construir as casas tão necessárias à expansão demográfica que se verificou ao longo do século XIX. O Bairro Salgado, zona residencial das elites locais e o Bairro Santos Nicolau, onde viviam pescadores, foram construídos no início do século XX e começaram a ocupar os espaços que, até então, eram dominados pelas quintas. Era o princípio do processo de destruição das “quintas de Setúbal” que culminaria no desaparecimento das famosas laranjas, que se haviam tornado célebres além fronteiras, exportadas através do seu tão afamado porto. Em 1926, Joaquim Rasteiro refere o desenvolvimento da cultura das laranjeiras na vizinha Espanha, cujo fruto rendia 195 000 contos, enquanto que a Califórnia enriquecia à custa dos extensos pomares que lhe rendiam 217 milhões de dólares (então, 4 340 000 contos). E continua: “Cá o quadro não tem esta grandeza nem este movimento: o cenário da almoinha e do pomar da nossa terra, conquanto tenha a iluminá-lo o mesmo sol e a mesma policromia, e por vezes rescenda o desvelo delicado do pomareiro, reflecte a sua insciência e a pobreza na exploração. A árvore aqui debate-se com as doenças, com a fome, com a ignorância e até com a malvadez! E, apesar de tudo, a natureza dá-nos o delicioso alperce, a “Rainha-Cláudia”, o pêssego Rosa, a Pêra Pérola, a laranja de Setúbal!”11. Em 1949, o Engenheiro Agrónomo, Henrique Costa Neves, adjunto do director da estação de fruticultura, ao falar sobre os laranjais de Setúbal, num ciclo de conferências promovido pelo Grémio do Comércio de Setúbal, fez um apelo à consciência dos citricultores da região para que envidassem todos os esforços na defesa dos laranjais que foram os mais famosos de todo o país, para evitar que se desvalorizasse ainda mais, ou se perdesse por completo, “uma das maiores riquezas das terras de Setúbal”12. No entanto, a situação degradara-se, com a agravante da expectativa do lucro imediato que representava a venda dos terrenos para construção. Então, os pomares ainda chegavam perto da Avenida Luísa Todi, como se de um enorme jardim se tratasse. Eram as quintas de S. Pedro de Alcântara (constituída pelos antigos Pomar de S. Pedro e Horta do Vigário, transformada em 1919 por Mariano Augusto Coelho, que as adquirira), Bom Retiro, Montalvão, entre muitas outras13, situadas a Noroeste. A Norte estendiam-se as quintas de Sto António, Vanicelos, S. José, Amoreiras, Paraíso, Quadrado e Hilário, enquanto que para Nordeste se destacavam, entre outras, a quinta da Azeda e a quinta dos Ciprestes. Idem, A agricultura, Lisboa, Imprensa Nacional, 1929, p. 42. Manuel Envia, Coisas de Setúbal, Setúbal, ed. do autor, 1947, p. 353. As referências, feitas pelo autor, dizem respeito aos finais do século XIX. 9 Manuel Maria Portela, Diário histórico setubalense, Setúbal, C.M.S., 1915, p. XII. 10 Joaquina Soares e Carlos T. da Silva, Quintas de Setúbal, Setúbal, Depa, 1984, p. 3. 11 Joaquim Rasteiro, “O que é e o que deveria ser, em Portugal, a exploração das frutas e a da vinha”, ob. cit., p. 71. 12 Costa Neves, “Os laranjais de Setúbal”, Setúbal e os problemas da sua economia, Setúbal, Grémio do Comércio de Setúbal, 1949, p.107-108. 13 Neste espaço, encontramos hoje o Bairro de Montalvão, cuja construção se desenvolveu nos anos de 1960, ocupando as quintas de S. Pedro de Alcântara, Bom Retiro, Montalvão, A. de Freitas, horta da Nogueira e quinta de Teodoro Amante. 7 8

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Carlos Manitto Torres, em conferência pronunciada nos Paços do Concelho de Setúbal em 28 de Dezembro de 1949 referia-se à menor produtividade dos laranjais pela degradação dos terrenos, ao envelhecimento dos pomares e à excessiva proximidade de outras árvores que sugam o alimento nos terrenos adjacentes. Salienta também o absentismo e a carência de fundos por parte do senhorio e a falta de capital e de técnica por parte dos rendeiros14. Na impossibilidade financeira de renovação total dos velhos laranjais, aconselha um estudo de âmbito técnico e comercial, cursos de formação para senhoris e rendeiros, combate às pragas infestantes, melhoria das técnicas nos viveiros, introdução dos sistemas de parceria nos arrendamentos, concessão de créditos exclusivamente para a exploração dos laranjais15 e investimento nas indústrias, já existentes mas débeis, da conserva e do doce de laranja16. Para Este e Oeste muitas quintas existiam, conseguindo, algumas delas, escapar à voragem do betão armado. As poucas que sobrevivem, ostentam a residência do proprietário, outras habitações e alguns pomares, sem o colorido de outrora mas, qual resquício de um passado bem próximo ainda, insistem na sua permanência como elo de ligação ao futuro que se vislumbra.

Os vinhos da região Pela intensidade dos raios solares, as vinhas da região de Setúbal produziam e produzem uvas de um doce muito acentuado e, como tal, eram e continuam a ser usadas na fabricação dos famosos “vinhos moscatéis” que se exportam, desde longa data, pelo nosso porto. Por Oriente, em cultura intensa, pois aproveitavam-se todos os solos desta região, encontrava-se também a vinha, abrigada dos ventos. Nesta zona dedicavam-se mais aos vinhos de mesa pois aqui os licorosos não obtinham as características necessárias. As altas temperaturas, que ali se atingiam no Verão, enriqueciam os mostos, facilitando maior concentração de açúcar. As vindimas exigiam o trabalho de gente de fora, dada a rapidez necessária para a sua consumação. As uvas eram recolhidas nas adegas de Azeitão, onde a arte de fabricar bons vinhos tem velhas tradições. Esta é uma região vinhateira relativamente pequena, mas cujos vinhos são excelentes, quer sejam tintos ou brancos. Os tintos são ricos, equilibrados e duma composição tal que os torna aptos, conforme o grau de maturação das uvas e o processo de fabrico, a obter tipos de variada índole. Vão desde o pasto ligeiro até ao generoso. Envelhecem e “madeirizam-se” facilmente, perdendo a cor, fazendo lembrar um bom “Borgonha”. As vinhas são assentes nos mais variados solos, desde as areias pliocénicas até aos barros jurássicos e cretáceos dos montes e vale do Picheleiro, sendo principalmente constituídas pelas castas tintas “Periquita, Tinta miúda, Jerusano, Bastardo, Monvedro, Espadeiro, Pascoal Gomes, e brancas Boal de Natura, Arinto, Fernão Pires e Tália, entre outras”17. A plantação era feita depois da terra desbravada. Abriam-se vários “covatos” que distavam uns dos outros cerca de 1,5m, nos quais eram colocados pés de videiras americanas apropriadas aos vários solos. As vinhas necessitavam de ser podadas e cavadas para que a qualidade da uva se mantivesse. O transporte para o lagar era feito, normalmente, em dornas ou tinas, à excepção do moscatel que era levado em cestos ou em canastras, para evitar a maceração dos bagos. Dado que poucos viticultores tinham talhões de castas separadas, misturavam-se algumas ao longo do processo de vinificação, facto que dava origem a vinhos de sabores diversos e coloridos variados, tão apreciados por nacionais e por estrangeiros. Os vinhos tintos são fabricados pelo processo de “meia curtimenta” e os brancos de “bica aberta”18. Não podemos, no entanto, ignorar o excepcional vinho licoroso a que se chama “Moscatel de Setúbal”. É produzido nos concelhos de Setúbal e de Palmela, sobretudo nas freguesias de Azeitão, onde é fabricado em adegas bem instaladas19. As vinhas que produzem a uva desta casta são plantadas nas encostas dos montes, das quais, as orientadas a Sul e Poente reflectem o calor, proporcionando bagos muito maduros, dourados e com alto teor de sacarina que originam um vinho extremamente suave, sobretudo depois de envelhecer. A principal casta utilizada para a produção deste vinho é a “Moscatel de Jesus”, embora o “Moscatel redondo” entre em doses pequenas na produção desta especialidade vinífera. Fabricava-se ainda, embora em quantidades reduzidas, o “Moscatel roxo”, “a quinta-essência dos vinhos licorosos; quan-

Engº Carlos Manitto Torres, O futuro de Setúbal e os pontos cardeais da sua prosperidade, Setúbal, Tip. Simões, 1950, p. 14 e 15. Idem, ibidem, p. 33 e 34. 16 Idem, ibidem, p. 36. 17 Joaquim Rasteiro, A agricultura, ed. cit., p. 32. 18 Idem, p. 33. 19 Idem, p. 35. 14 15

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• Rótulo de “Doce de Laranja”, especialidade de Setúbal, 1ª metade do século XX, colecção particular de Madureira Lopes. • Alvará concedido aos produtores de vinhos na região de Setúbal, 1792, colecção particular de Madureira Lopes. • Da ementa do jantar oferecido aos laureados Nobel de 2002 na Câmara Municipal de Estocolmo constava um vinho português à sobremesa. Mais precisamente um Moscatel de Setúbal, colheita de 1994, da J. P. Vinhos, SA. Trata-se de um vinho licoroso, distinguido com a Medalha de Ouro no II Concurso de Vinhos da Península de Setúbal. • Rótulo de Aguardente “Moscatel de Setúbal”, João Cândido Belo, colecção particular de Madureira Lopes.


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do velho era meduloso sem ser doce, perfume complexo, etéreo e agradabilíssimo, e uma grossura que não impede a lágrima no copo e a deglutição fácil”20. Os produtores deste vinho dedicam-lhe cuidados especiais, desde a escolha da uva, à graduação alcoólica própria para a maturação, à rectificação para a obtenção de uma pureza absoluta, à conservação e envelhecimento em vasilhas pequenas, onde a penetração é calculada para conseguir as reacções precisas. O engarrafamento só se faz após oito anos de permanência em pipos de madeira, no mínimo, sendo o “roxo” submetido a mais tempo de espera. Não faremos referência a qualquer produtor da região, uma vez que existiam várias adegas bem instaladas e afamadas, embora algumas fossem de pequenas dimensões, como referia Joaquim Rasteiro21. A confirmar a sua projecção internacional encontrámos, sob o título “Vinho português à sobremesa dos Nobel”, um artigo que, pela sua importância, passamos a transcrever: “Da ementa do jantar oferecido ontem aos laureados Nobel de 2002 na Câmara Municipal de Estocolmo constava um vinho português à sobremesa. Mais precisamente um Moscatel de Setúbal, colheita de 1994, da J. P. Vinhos, SA. Trata-se de um vinho licoroso, distinguido com a Medalha de Ouro no II Concurso de Vinhos da Península de Setúbal. Vinho feito exclusivamente da Casta Moscatel, uma das mais cultivadas em todo o mundo, desenvolve-se em Portugal, particularmente bem nesta região das terras do Sado. Tal como o Porto, é um vinho generoso que também ganha com o envelhecimento”22.

Outras actividades agro-pecuárias No território ocupado pelo concelho de Setúbal cultivava-se ainda o arroz e outros cereais, com especial relevo para o trigo que crescia nas quintas dos arredores da cidade, em Azeitão e no Sul, prolongando-se pelas terras alentejanas, algumas delas inseridas no actual distrito de Setúbal. A atestar a cultura dos vários cereais, necessários para o consumo local, encontramos os célebres moinhos de vento espalhados pelas elevações de Azeitão, pelo cerro do Anjo, pelos cabeços de Palmela e pelas colinas de Setúbal, sítios altos e ventosos, embora acessíveis por caminhos que os burros trilhavam, transportando o cereal ou a farinha que se destinava ao precioso pão e que Hans Christian Andersen referia no relato da sua visita a Portugal. Segundo informações de velhos moleiros houve, perto de Setúbal, 17 moinhos para Nascente e 33 para Poente e todos moíam trigo, milho e centeio, de que se fazia pão23. A oliveira crescia em grande quantidade, especialmente em Azeitão, como o seu nome de origem árabe quer significar, abrigada do oceano pela Serra da Arrábida, vivendo mesmo no sopé da vertente Sul da serra, a uns 200 metros do mar, onde frutificava e amadurecia quinze dias mais cedo do que em Azeitão24. Aqui abundava ainda o gado lanígero que fornecia o leite destinado ao fabrico do célebre queijo mole de ovelha que, ao contrário do da serra da Estrela e do Alentejo, em geral de formato grande, era de forma pequena, com 250 gramas de peso, apresentando-se para venda envolvido em papel impermeável, com o carimbo do fabricante de origem25. Estas e outras aptidões agro-pecuárias, o traçado das vias de comunicação e a excelência do clima propiciaram a valorização das localidades26 que compunham o espaço geográfico a que se chamou Azeitão, que, em tempos, foi concelho, tendo atraído para o seu território muitos nobres e ricos burgueses que, ali, passavam o Verão, desfrutando das suas maravilhosas condições climáticas. Mas estas actividades esmoreceram ao longo dos anos e, em 28 de Dezembro de 1949, Carlos Manitto Torres, na Conferência pronunciada nos Paços do Concelho de Setúbal, inserida no ciclo de Conferências organizado pelo Grémio do Comércio de Setúbal, defendia que neste território agrícola se deviam desenvolver novas explorações com novas técnicas, nomeadamente “grandes plantações hortícolas, frutícolas e silvícolas”27.

Idem, p. 37. Idem, p. 35 e 37. 22 Diário de Notícias, Lisboa, 11 de Dezembro de 2002, p. 14. 23 Orlando Ribeiro, ob. cit, p. 109. 24 Joaquim Rasteiro, A agricultura, ed. cit., p. 38-39. 25 Sobre o seu fabrico consulte-se: Relatório lido por Joaquim Rasteiro no Congresso de “Leitaria, Olivicultura e Indústria do Azeite”, realizado em 1905, sob a orientação da Real Associação Central da Agricultura Portuguesa, Lisboa, 1905, p. 165 a 242. 26 Azeitão é o nome dado a um grupo de 12 aldeias e lugares situados entre as Necessidades e a ribeira da Azenha da Ordem, quase todas à beira da estrada: Camarate, Pinheiros, Vendas, Vila Fresca, Castanhos, Vila Nogueira, Aldeia Rica, Aldeia de Oleiros, Aldeia de Irmãos, Coina-a-Velha (de Cima e de Baixo), Porto de Cambas e Porto da Vila. 27 Carlos Manitto Torres, O futuro de Setúbal e os pontos cardeais da sua prosperidade, Setúbal, Tip. Simões, 1950, p. 38. Para uma análise mais pormenorizada destes temas veja-se Maria da Conceição Quintas, Setúbal, economia, sociedade e cultura operária, 1880-1930, Lisboa, Livros Horizonte, 1998, p. 45 a 53. 20 21

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O sal de Setúbal O sal, tal como a pesca, foi, ao longo de vários séculos, motivo de desenvolvimento do Porto de Setúbal, ao qual atracavam navios de países que necessitavam de bom sal para a conservação do peixe, nomeadamente do famoso arenque que abundava no Norte da Europa. Sem ignorar os trabalhos, fruto de aprofundada investigação, que a Professora Virgínia Rau realizou sobre o sal de Setúbal e Alcácer do Sal28, analisámos outros estudos elaborados por especialistas nacionais e estrangeiros, assim como documentos inéditos que hoje se encontram no Arquivo Distrital de Setúbal e, através deles, verificámos a importância deste produto na economia setubalense, no crescimento do Porto de Setúbal e no processo nacional. Já em 1840, perante a hipótese de liberalização do comércio do sal, que levaria ao domínio do mesmo pelos proprietários de embarcações oriundos do Norte do país com mais capacidade financeira que se deslocavam para Setúbal para arrendar marinhas e fazer compra por grosso, alguns comerciantes setubalenses defendiam o monopólio do tráfico do sal, para salvaguarda dos interesses dos produtores e mercadores locais. Sem o monopólio, o aglomerado urbano de Setúbal não poderia sobreviver pois que a navegação, a pesca e o sal eram os únicos fornecedores de postos de trabalho para os seus habitantes29. Assim, graças à situação geográfica e às condições climáticas que a caracterizam, Setúbal e seus arredores produziram, desde longa data, um sal com características ímpares, tornando-se célebre na Europa, como confirmam os estudiosos que, ao longo dos tempos, se dedicaram a este tema: “É no salgado de Lisboa e sobretudo no de Setúbal e Alcácer que se colhe o melhor sal de todo o Mundo”30; “Gozou de suma importância a indústria do sal neste concelho, e esse produto sendo, de facto, considerado como de superior qualidade, teve os seus créditos garantidos em todos os mercados consumidores, tanto nacionais como estrangeiros, para onde eram exportadas avultadas quantidades de sal, quase sempre bem [...] pago”31.

Exploração do sal na região de Setúbal Embora haja outras referências à extracção do sal na época romana nas margens do Sado, nomeadamente Alcácer e Setúbal, sob a égide da Ordem de Santiago, estas não são referidas nos documentos de doação real de salinas, nos vários pontos do país. Tal facto deve-se, cremos, à transferência dos direitos, regalias e proeminências, sobre aquelas povoações, feita pelo Rei a esta comunidade religiosa. Assim, nem os forais de 1218 nem os de 1249 contêm elementos que nos permitam deduzir uma possível actividade salineira nas margens do Sado embora, em 1255, a Doação Perpétua de D. Afonso III, refira os direitos sobre as pescarias de Sesimbra, Almada, Setúbal e Alcácer32, que seriam salgadas. Também a carta de confirmação de D. Afonso IV, datada de 7 de Setembro de 1339, nos mostra que a produção de sal em Alcácer e Setúbal excedia já o consumo local33. Entretanto, Setúbal crescera com rapidez, devido ao tráfego marítimo e piscatório que se desenvolvia no seu porto, de óptimas condições. Nas cortes de Elvas, de 1361, em que foi dado relevo ao comércio do sal, encontram-se referências ao sal de Aveiro, que usufruía de regalias especiais e às reclamações de Silves e do Porto, contra a referida discriminação, sem que se verifique qualquer alusão a intervenções dos representantes de Setúbal e de Alcácer do Sal. No entanto, a produção salineira do Sado, não obstante o laconismo dos documentos, foi crescendo, embora lentamente. No início do século XV, encontramos referências a salinas situadas na Motrena, perto de Setúbal, referidas na carta de coutada da mata de Motrena, datada de 18 de Setembro de 1414, mencionadas como “as marinhas que forom uelhas”34, e com as quais confinava a dita mata35. No reinado de D. Afonso V, são referidas marinhas no sapal de Troino (21 de Maio de 1444). No dealbar do século XVI, o desenvolvimento do comércio e da pesca no estuário do Sado proporcionou o incremento da actividade salineira, situação que era fomentada pela autoridade real. Assim, em 24 de Outubro de 1511, foi promulgado um despacho ordenando que os “navios que viessem carregar sardinha e pescados a Setúbal não pudessem trazer sal de fora Virgínia Rau, A exploração e o comércio do sal de Setúbal, Lisboa, 1951. Um cidadão português, Memoria sobre os motivos que persuadem se conserve no estado em que se acha a carregação do sal da Villa de Setubal, exportado pela Bandeira Portugueza, Lisboa, 1840, p. 7-8. 30 Mário Vieira de Sá, “O sal na conservação do peixe e de outros produtos alimentares, vários processos de conservação”, Separata do Boletim da Pesca, nº 36, Lisboa, 1952, p. 5. 31 Carlos Romeu Correia Mendes, Monografia do concelho de Setúbal, Lisboa, 1902, p. 47. 32 “[...] vendam et Comparam et aquam et ligna, et axidam proad salgandum et siccandum suum piscatum. [...]”. Virgínia Rau, ob. cit., p. 45. 33 Virgínia Rau, ob. cit., p. 45. 34 ANTT, Chancelaria de D. João I, Liv 3, fl 173. 35 Idem, ibidem. 28

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• Alvará sobre o sal, 1762, colecção particular de Madureira Lopes • Livro de Regimentos da Caza da Tabola desta villa de Setubal, que foram tresladados d’outro livro, que d’antes servia; a assy algumas Provizóes e Mandados do Conselho da Fazenda, e tambem tem o treslado do Foral, 1781, p. 51, Torre do Tombo • Marinhas de Setúbal, Tábua sobre as marinhas em Portugal observadas nos anos de 1790 e 1791, elaborada por Lacerda Lobo, 1815, Arquivo Distrital de Setúbal


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para a salga, pois a el-rei prazia que se gastasse o da vila e o de Alcácer”36. O foral Manuelino, de 27 de Junho de 151437, refere a importância do sal e da sardinha salgada e de fumo, na economia setubalense. Sabemos ainda que, por alvará de 10 de Junho de 1524, D. Manuel I ordenou a André Gago, seu almoxarife em Setúbal, que não obrigasse os rendeiros do ramo da imposição do sal da vila de Alcácer e do Ribatejo ao pagamento dos 12 500 reais que deviam, atendendo às perdas de rendas deste ramo, ao longo do triénio de 1521 a 152338. Esta atitude mostra-nos claramente a intenção de D. Manuel I, de proteger a exploração do sal na península de Setúbal e no Ribatejo. Sucessivamente, e no ano de 1525, Estêvão Neto pediu de sesmaria uma praia desaproveitada na Mourisca, confinando ao Sul com o esteiro de Gomes Dourado e ao Poente com salinas de outros foreiros, para a aproveitar em marinhas e outras benfeitorias; enquanto o Dr. Francisco Tavares, ouvidor da Casa do Mestre D. Jorge, obteve confirmação das Sesmarias de uns juncais e sapais na ribeira de Palma. Também D. João de Lima decidiu construir marinhas no referido local, funcionando as mesmas já no ano de 1534. No início de Quinhentos, foi intensificada a construção de salinas em Gâmbia (1530), Motrena (1535), Bombarralha, Enxarroqueira (1530), Musgos (1530), Batalha (1531), Monte Vil (termo de Alcácer, 1531), Telhada (1531), Zambujeiro (1531), Faralhões (1535), Alberge (1531), Palma e Fonte Santa (1532), Espim (1532) e Abul (1540)39. A partir de 1525, documentos vários elucidam-nos sobre o início de uma série de aforamentos ou de Sesmarias e sua localização, pelo que podemos afirmar, sem receio de graves erros, que a partir da última década do século XV, o número de marinhas no Sado atingiu um incremento tal que ultrapassou, ao longo da época de Quinhentos, a concorrência e talvez a produção total dos outros salgados nacionais, como se poderá comprovar através dos documentos existentes não apenas no acervo documental da Torre do Tombo, como, ainda, no espólio de João Carlos de Almeida Carvalho, depositado no Arquivo Distrital de Setúbal.

As técnicas usadas em Setúbal As marinhas de Setúbal e Alcácer utilizavam um método de tratamento, exclusivamente português, que consistia na manutenção de um tapete vegetal consistente e compacto de 2 a 10 mm de espessura, através da plantação da “Microcoleus corium” (alga marinha), que purifica o sal, evitando que nele sejam incorporadas as impurezas em suspensão, uma vez que as retém, isolando o sal que se deposita no fundo argilo-silicioso pouco consistente. Tendo em conta as condições do local onde a exploração se efectuava, os professores Virgílio e Achilles Machado dividiam as marinhas de Portugal em quatro grupos distintos: Setúbal compreendia cerca de 380 marinhas, situadas nas margens do rio Sado, desde Setúbal até Alcácer do Sal; Lisboa, englobava cerca de 300 marinhas localizadas em ambas as margens do Tejo, até Vila Franca a Norte e Alcochete a Sul; Aveiro agrupava cerca de 350 marinhas junto ao Vouga, e ainda os grupos secundários da Figueira da Foz, de Matosinhos e de Viana do Castelo, entre outros menos significativos; Algarve, de menor importância, compreendia as marinhas de Faro, Tavira e Vila Nova de Portimão, especialmente40. A superioridade dos salgados do Sado, em relação aos existentes noutras regiões portuguesas, é provada pelas estatísticas existentes e por documentos nos quais se ordenava que o sal consumido fosse oriundo desta região. A título de exemplo referimos: “D. António da Costa diz que o almirantado inglês exige em alguns dos seus contratos que os seus fornecimentos sejam preparados com sal de Setúbal”41. Tal facto deve-se, como é óbvio, às excepcionais condições naturais que envolvem esta exploração. Os terrenos que formam, de início, as marinhas de Setúbal-Alcácer são compostos por uma mistura de areia, argila e humo e produzem espontaneamente junco e junça. O nível da futura marinha é quase sempre superior ao

ANTT, Chancelaria de D. Manuel, liv. 41, fl. 66. v. ADS, FAC, Foral Manuelino. 38 ADS, FAC. 39 Virgínia Rau, ob. cit., p. 49. 40 Virgílio Machado e Achiles Machado, Chimica geral. Analyse chimica, vol. II, Lisboa, 1892, p. 206. 41 Moses Bensabat Amzalak, “A salicultura em Portugal, materiais para a sua história”, separata do Boletim da Associação Central da Agricultura Portuguesa, Lisboa, 1920, vol. XXII, p. 12, nos 4, 5, 6, 10, 11 e 12. 36 37

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nível das marés vivas, daí a necessidade de cavar primeiro um leito de 50 a 60 centímetros de profundidade42. A terra resultante desta operação serve para construir os “muros de defesa” e as divisões dos “tabuleiros” das marinhas. Os “muros de defesa atingem uns 6 metros de largura e 5 metros de altura e, do lado dos ventos dominantes, são revestidos de pedra ou de tijolo, para maior segurança contra o embate do mar. Por vezes a água destrói a defesa que desaba. Segundo Alcoforado a estes desabamentos, que têm de ser consertados, os “marnoteiros”43 dão o nome de “cambaias”44. Sobre os compartimentos, Botelho Lacerda Lobo observa na monografia sobre este tema, que as marinhas de Setúbal excedem a todas as de Portugal e Algarve na disposição dos reservatórios, reduzindo-se estes a quatro ordens, chamados vulgarmente “Peijos”, “Caldeiroens”, “Caldeiras” e “Peças”. Acrescenta o mesmo autor que nestas marinhas se faz também a cristalização do sal nas “caldeiras”, situação que não se observa noutras zonas salícolas, excepto nalgumas marinhas de Alcochete. No que se refere a Alcácer do Sal, Lacerda Lobo indica também quatro compartimentos, como em Setúbal, mas com nomes diferentes: “Praias” (em vez de “Peijos”), “Caldeirões”, “Caldeiras” e “Peças”. No referente à nomenclatura dos compartimentos, Alcoforado não faz distinção entre Setúbal e Alcácer: “pejos”, “caldeiros”, “caldeiras”, “peças grandes”, “peças pequenas”. O “pejo” corresponde ao “viveiro”; as “peças” correspondem aos “meios” de Aveiro, aos “talhos” de Figueira, às “praias” de Arelho. Ao conjunto dos “pejos”, “caldeiros” e “caldeiras” dá-se o nome de “loiças” e às “peças”, grandes e pequenas, o nome de “marinha propriamente dita”. Uma marinha é formada por um “pejo”, dois “caldeiros”, quatro “caldeiras”, quatro “peças grandes” e um número variável de “peças pequenas”. Se observarmos a Tábua sobre as marinhas em Portugal observadas nos anos de 1790 e 1791, elaborada por Lacerda Lobo, verificamos que, nesse lapso de tempo, Setúbal, com apenas 352 marinhas cultivadas, nas quais trabalhavam 1 760 operários, produziu 226 000 moios de sal, enquanto que na totalidade das restantes do país, com 2 069 unidades em funcionamento, ocupando 3 650 trabalhadores, se fabricou apenas 155 431 moios do precioso produto45. Esta situação deve-se ao facto de a maior superfície dos cristalizadores setubalenses ser obtida à custa dos reservatórios intermediários, que seguem o “viveiro”; reservatórios “exageradamente numerosos em Aveiro”, pois correspondem a mais de metade da totalidade da marinha, ao passo que no Sado atinge apenas a quinta parte. Verifica-se também, facto notável, “que em Setúbal-Alcácer 1m2 de superfície cristalizadora precisa apenas de 1,5 m2 a 1,6 m2 de superfície preparatória, ao passo que em Aveiro, 1m2 de superfície cristalizadora precisa de 8 a 10 m2 de superfície preparatória”46. Os trabalhos de A. Girard fizeram convergir as atenções sobre a influência do tapete de feltro na salicultura nacional. A opinião do Prof. Charles Lepierre, em 1936, leva-nos a aceitar que a existência do feltro “nas marinhas de fundo lodoso, como são quase todas em Portugal e lá fora, ainda que não melhorasse quimicamente a qualidade do sal, permitiria, sem contesto, obter sal mais limpo de impurezas insolúveis e mais branco”47, visto que a maior ou menor impureza química dos cristais obtidos depende exclusivamente da natureza das “águas-mães”48. O sal produzido distribui-se por 5 níveis qualitativos: sal “fino”, sal “cortado” (um pouco mais grosso), sal “grosso”, sal “traçado” (mistura de sal grosso com sal fino) e o sal de “embate”, que cristaliza nas águas “móveis”, isto é “remexidas” pelo vento e que é sempre sal fino, embora diferente do primeiro, tal como o sal fino obtido por pulverização do sal grosso, através de processos artificiais49. “Quando os “talhos” ficarem limpos de todo, virão os cavões “esquadrejar” o fundo dos reservatórios, aos “chãos”, tirando a terra que alteou, limpando, que o trabalho e os cuidados nunca têm fim nas salinas”50. Perto das “serras” ficava a “casa da marinha”, que servia para guardar os instrumentos destinados aos trabalhos da “safra”. Entre os elementos decorativos destas casas encontramos casas desenhadas a traço simples, barcos de duas velas, duas letras (talvez um monograma), figuras do signo-saimão. Enfiadas em “cambulhada”, penduradas perto da mesa do mestre, estão tabuinhas de azinho, cheias de desenhos.

D. A. Pereira Forjaz, “Étude spectrochimique du sel portugais”, extrait des comptes rendus du Dixième Congrès de Chimie Industrielle (7-13 Septembre 1930), Paris, 1931, p. 91. 43 Ao longo deste estudo, a palavra marnoteiro surgirá apenas em citações pois, como se trata de um trabalho sobre o processo salícola na região de Setúbal, ao referirmo-nos ao homem que dirige os trabalhos nas salinas, utilizaremos sempre o termo usado nesta região, ou seja marroteiro. 44 D. A. Pereira Forjaz, ob cit., p. 91. 45 Moses Bensabat Amzalak, ob. cit., p. 18. 46 D. A. Pereira Forjaz, ob. cit., p. 94. 47 C. Lepierre, Inquérito à indústria do sal em Portugal, Lisboa, 1936, p. 101. 48 Virgínia Rau, ob. cit., p. 22. 49 D. A. Pereira Forjaz, ob. cit., p. 118. 50 MTS, Carlos Roque, 16 de Julho de 1910, Marroteiros, documentos avulsos, dactilografados, p. 452. 42

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São as “formas do sal fino”, em que se manifesta uma arte popular especial, exercida pelos “marroteiros”51. Era um velho costume, o “mestre” aproveitar o primeiro sal fino que recolhia para fazer uns “pãezinhos” em forma de paralelepípedo, para oferecer aos patrões ou a outras pessoas amigas. Esse sal fino colhe-se nas cabeças dos “caldeirões de moirar” e dos “talhos”. A “cabeça” é o topo. Picada pelo vento norte, a água agitada vai largar o sal na cabeça contrária, ao Sul, sob uma espuma leve, a “flor”, que indica a deposição52. O sal obtido por este processo é submetido a tratamento especial para ficar homogéneo e permitir a moldação. Fica dentro de um cesto para escorrer a água, misturam-lhe água doce, o que permite torná-lo manuseável. Para conseguir realizar a operação, o sal é colocado dentro de uma caixa sem fundo, assente sobre uma tábua, de modo a permitir o escoamento do líquido excedente53.

Comércio e indústria do sal O Professor Moses Bensabat Amzlak elaborou uma “sinopse da antiga legislação portuguesa sobre o comércio e indústria do sal”, que inseriu na obra intitulada A salicultura em Portugal, materiais para a sua história (Lisboa, 1920). Precedida de um capítulo sobre os “Monopólios e impostos sobre o sal, em Portugal, na Índia e em Macau, a pretendida tributação de sal português em Espanha”, completíssima inventariação da legislação que visava o processo salícola, permite-nos perceber a evolução da exploração do sal, de grande importância para a economia portuguesa e ainda a comparticipação de Setúbal, nomeadamente do seu porto, em todo este processo. José Caeiro da Mata54 refere o alvará de 14 de Agosto de 1632, “vestígio de um monopólio sobre o sal”55, pois ordenava que o sal lavrado e criado fosse comprado anualmente aos proprietários pelos preços das tarifas, e que a Fazenda, por intermédio de agentes nacionais e estrangeiros, só pudesse proceder à venda deste produto a retalho para consumo ou por grosso para exportação56. Vária legislação se publicou sobre este assunto, até ao século XIX quando Fontes Pereira de Melo propunha, no Relatório sobre a fazenda pública, de 3 de Fevereiro de 1872, apresentado às Cortes, um imposto sobre o sal de 10 réis em litro, fiscalizado e cobrado nas salinas. Com este imposto, calculava uma receita líquida para o Tesouro de 490 000$000 réis, tendo calculado 6% para despesas de fiscalização. A proposta não vingou, mas em 188257 o mesmo ministro renovou-a 58. Justificava a nova proposta com o facto de em Espanha ter sido estabelecido o imposto sobre o sal. No entanto, embora aprovada pela Associação Comercial de Lisboa, cujo parecer foi enviado à Câmara dos Deputados em Março de 1880, a determinação ministerial foi novamente rejeitada. Mas, decorridos apenas dois anos, a lei de 1 de Julho de 1882, modificada pelas de 6 de Junho de 1884 e 21 de Julho de 1885, criava o imposto do sal, isentando apenas o destinado ao consumo das indústrias de salgação, ao fabrico dos produtos químicos e à exportação. “Mas tão insignificante era o seu produto, tão dispendiosa a sua fiscalização e tantos os vexames por ela motivados que, por Decreto de 24 de Julho de 1886, foi abolida”59, com a argumentação de que a solução do problema deveria passar pela reestruturação do regime fiscal português e pela fiscalização do cumprimento dos impostos definidos por lei. As tentativas, ostensivamente justificadas, da realização de um tratado de comércio luso-espanhol, suporte primeiro das leis que tentaram estabelecer o imposto sobre o sal, “não por causa do sal que fez surgir estes justificados reparos, mas por outros poderosos e fortes motivos ainda [1920], não se [concretizara]”60. Embora a conservação dos alimentos pelo método Appert61 fosse introduzida em França no início de Oitocentos, só na segunda metade do século atinge proporções capazes de forçar a descida do consumo de sal para preservação de produtos destinados à alimentação dos seres humanos. Então, a proIdem, p. 453. Idem, ibidem. 53 Idem, ibidem. 54 In Monopólios fiscais (teoria e legislação), Coimbra, 1906, p. 118. 55 Moses Bensabat Amzalak, ob. cit., p. 27. 56 Rebelo da Silva, História de Portugal nos séculos XVII e XVIII, tomo III, p. 410, apud Moses Bensabat Amzalak, ob. cit., p. 27. 57 Relatório e propostas de lei e documentos apresentados na Câmara dos Senhores Deputados da Nação Portuguesa, de 23 de Fevereiro de 1882, p. 18 58 Moses Bensabat Amzalak, ob. cit., p. 27. 59 Idem, p. 29. 60 Idem, p. 33. 61 Anulação dos elementos destruidores ou a sua neutralização, concedendo aos alimentos a qualidade de incorruptibilidade, através do calor, em autoclave, onde se elimina o oxigénio existente nos recipientes. 51 52

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dução do sal encontrava-se em franco declínio, tal como a sua comercialização, iniciando-se a ascensão da indústria de conservas de peixe, especialmente da sardinha. A redução das condições vantajosas oferecidas pelos produtores da região, associada à entrada no mercado internacional de novos centros que aí colocavam sal conceituado a preços reduzidos, como era o caso da Itália, ajudaram ao declínio da produção de sal no estuário do Sado. Em 1902 afirmava-se: “[...] Pode-se asseverar que em nenhum tempo a indústria do sal tem manifestado tamanha decadência neste concelho como no de Alcácer, acentuando-se de ano a ano cada vez mais as dificuldades de sua venda, cujos escassos lucros estão muito longe de atingir o grau de remuneração que em outros tempos era normal em toda a parte. [...] As progressivas dificuldades da sua venda, porém, quase sempre motivadas por agentes externos e por causas estranhas à boa vontade dos seus produtores, têm-se acentuado ultimamente de tal modo que a sua escassa exportação, deixando, pelo menos há uns três anos para cá [1902], um importante remanescente, levará certamente os seus desenganados proprietários a baixar gradualmente a sua produção, encontrando-se mesmo alguns já mais ou menos dispostos a não explorar senão uma parte das suas marinhas”62. Idêntica informação nos é cedida pela imprensa local e mesmo nacional, que mostra a precariedade desta indústria a partir dos finais do século XIX. A instabilidade dos preços era, então, o maior óbice que se colocava aos produtores de sal. Como exemplo referimos a situação verificada em Agosto de 1890, em que o preço do moio de sal vendido na marinha variava entre os 1 200 e os 1 300 réis, quando em Julho de 1889 rondara os 2 500, réis em idênticas circunstâncias. Em 1897 a conjuntura era bastante mais grave, pois o preço de um moio de sal desceu para 900 réis63. Perante a inconstância dos resultados de cada “safra”, os produtores de sal resolveram nomear uma comissão, incumbida de apreciar o projecto de fundação de um sindicato de proprietários de marinhas nos concelhos de Setúbal, Alcácer do Sal e outros. Dela faziam parte Maurício de Fonte: Imprensa Setubalense, nomeadamente O Districto, Setúbal, 3 de Agosto de 1890, Gazeta Setubalense, Setúbal, 7 de Julho de 1889 e O Elmano, Setúbal, 13 de Outubro de 1897.

Oliveira, Campos Rodrigues e Henrique Pereira64 que iniciaram os estudos conducentes à organização desta associação, que não

chegou a ter intervenção palpável, pois os problemas continuaram a afectar a exploração salícola que entrara em decadência nos finais do século XIX, como se pode verificar através das várias notícias. Em 1905 foram exportadas pela barra de Setúbal apenas 63 000 toneladas de sal, que representavam cerca de 25% da produção média anual, situação que se mantinha em 1912. O sal, indústria tão importante para Setúbal, reduziu a quantidade produzida e até a própria qualidade65. Alvo de acesa polémica entre historiadores portugueses, o sal foi elemento vital para a economia nacional, desde tempos longínquos. E Setúbal teve sempre, neste processo, um lugar cimeiro, como refere Orlando Ribeiro: “Setúbal era o grande salgado do país, produzindo cerca de dez vezes mais do que Lisboa e de duzentas do que Aveiro [...] Se não prevalecia, tinha lugar de grande relevo no Porto de Setúbal; cento e cinquenta barcos estrangeiros por ano demandavam-no para carregar o sal”66. No início do século XX (1902), o concelho de Setúbal possuía cerca de 220 marinhas, situadas na sua esmagadora maioria na freguesia de S. Sebastião. De grande parte destas salinas era obtida verba destinada à manutenção do hospital da Santa Casa da Misericórdia de Setúbal, cujo funcionamento esteve várias vezes em perigo, sempre que a venda de sal era afectada, problema que foi amplamente tratado em sessões da

Carlos Romeu Correia Mendes, ob. cit., p. 48. O Districto, Setúbal, 3 de Agosto de 1890; Gazeta Setubalense, Setúbal, 7 de Julho de 1889 e O Elmano, Setúbal, 13 de Outubro de 1897. 64 “Sal”, O Elmano, Setúbal, 13 de Outubro de 1900. 65 Idem, 24 de Março de 1906 e 10 de Agosto de 1912. 66 Orlando Ribeiro, Introduções geográficas à História de Portugal, estudo crítico, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1977, p. 134. 62 63

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Mesa e mesmo da Assembleia-Geral daquela Irmandade67. A produção total do sal destas marinhas, no ano de 1902, foi calculada, em média, entre 70 e 75 mil moios (792 litros cada), vendido a cerca de 600 réis por moio, quando a média era, normalmente, de 1$000, 1$200 e mesmo 1$500 réis. Cada marinha produzia uma média de 340 moios, sendo a despesa de produção aproximadamente 400 réis o moio. Assim, em 1902, o valor da produção total do sal no concelho era de 45 000$000 réis, enquanto que as despesas da produção rondavam os 30 000$000 réis. Restavam, pois, apenas 15 000$000 réis, como rendimento líquido, mas sujeitos ainda aos encargos que as contribuições implicavam68. “As marinhas que produzem o excelente sal de Setúbal ocupam um espaço de oito léguas nas margens do Sado, começando a pouca distância daquela Vila (Setúbal), e acabando nas proximidades de Alcácer do Sal [António Alves da Silva, Memória àcerca da Roda do Sal das Marinhas do Sado, 1852] [...] Ainda hoje [1949] naquele local a leste da cidade e, sensivelmente, com a mesma extensão, estão as marinhas de Setúbal; mas outrora, havia-as mais perto da povoação, em locais hoje ocupados por construções urbanas: a cidade fez recuar a marinha; e assim, como a maior extensão de laranjais está, não em Setúbal, mas em Palmela, a maior extensão de salinas corre o risco de pertencer a Alcácer do Sal, e não a Setúbal”69. A abolição da Roda do Sal, em Agosto de 1852, provocou o descalabro total numa exploração já tão abalada. “Não será mau citar alguns números que indiquem como tem sido progressiva a decadência e ruína da salicultura setubalense [...]”70. Até 1851-52, Setúbal produziu 170 000 toneladas anuais de sal, cerca de metade da produção nacional. Em 1864, a produção setubalense tinha descido para 90 000 toneladas, isto é, em 12 anos, a produção foi reduzida quase a metade. Setúbal, a pouco e pouco, vai sendo batida. Em 1923 e 1924 acusam-se apenas 30 000 toneladas71. A decadência da exportação do sal foi notória ao longo da segunda metade do século XIX e das primeiras décadas do século XX. Conforme referia Fernando Falcão Machado, essa regressão no processo salícola pode dividir-se em sete períodos distintos: Um FONTE: Fernando Falcão Machado, ob. cit., p. 89 a 99.

período de três anos (1873-75), com a exportação total de 263 000 toneladas e a média anual de 87 666. O ano de 1874

acusa 117 milhares de toneladas exportadas, enquanto que nos anos restantes se venderam apenas 70 milhares em cada um. Segue-se um hiato de 21 anos, sem informações. Durante este período a indústria conserveira desenvolveu-se bastante em Setúbal, diminuindo assim a conservação do peixe em sal. Um longo período de 40 anos, com um total de 1 246 614 toneladas e a média anual de 31 165, poderá subdividir-se em três outros períodos: 1897 a 1911, em que a exportação foi sempre superior à média anual, mesmo nas épocas de crise (1900, 1905, 1909); de 1912 a 1920 a exportação anual oscilou em torno da exportação média, acusando duas épocas de crise (1912-14 e 1917-18), muito mais acentuadas do que as anteriores. É um período influenciado pelo contexto bélico que então se viveu; no período que medeia entre 1921 e 1936 verificamos que a exportação anual foi sempre inferior à exportação média, mostrando, de 1925 a 1931, uma profunda depressão, que poderá ser relacionada com a situação conjuntural da crise de 1929 e ainda com os obstáculos ao tráfego, causados pelas obras do Porto de Setúbal72. O quarto período é de um ano apenas, 1937, porque as suas características não se enquadram em qualquer outro. O quinto, de 1938-1941, teve uma exportação máxima de 20 028 toneladas e a média anual de 5 007. O sexto, de 1942 e 1943, sem exportação nem

Maria da Conceição Quintas, Setúbal nos finais do século XIX, Lisboa, Caminho, 1993, p. 62 a 71. Carlos Romeu Correia Mendes, ob. cit., p. 48. 69 Fernando Falcão Machado, “O nosso sal de Setúbal”, Setúbal e os problemas da sua economia, Setúbal, Grémio do Comércio de Setúbal, 1949, p. 89. 70 Idem, ibidem. 71 Idem, p. 97. 72 Idem, p. 99. 67

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• Aspecto das Marinhas de Sal, Setúbal, edição de Américo Ribeiro, postal ilustrado, s.d., colecção particular de Madureira Lopes • “Velas ao Sol”, Setúbal, edição Studio Cinema, s.d., colecção particular de Madureira Lopes • Um recanto da “comporta”, Salvação Barreto, finais do século XX, colecção particular de Madureira Lopes


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produção, facto que levou a um caso insólito: a importação de sal73. E, finalmente, um período de 4 anos (1944-47) com a exportação total de 70 903 toneladas e a média anual de 17 725, acusando, em 1946, 47 078 toneladas, cifra que não era atingida desde 1903. De 1924 a 1945 a exportação anual nunca atingira esta média. São, pois, 12 anos de absoluta decadência, de depressão74. Ainda em 1949, Fernando Falcão Machado apelava à reorganização da exploração do sal na região de Setúbal e sugeria a aplicação do projecto corporativo à salicultura. À semelhança do Grémio do Comércio de Setúbal, “é um Grémio assim que devem organizar os produtores do sal de Setúbal - Alcácer do Sal, a fim de que, eles próprios, aproveitem as riquezas e possibilidades das marinhas. Será essa a base do ressurgimento desta maravilhosa riqueza que é o sal, que, outrora, foi uma das grandes causas da prosperidade e abundância de Setúbal, quando, por todo o mundo, era conhecido com o nome de Sal de Saintes Ubes”75. Também Carlos Manitto Torres afirmava esta necessidade, no mesmo ciclo de conferências: “[...] Estou convencido de que os actuais e desencontrados interesses colectivos emergentes do sal de Setúbal - prediais, técnicos, industriais, comerciais e sociais - só podem encontrar a necessária defesa, protecção e remédio na criação - bem compreendida e interpretada [...] - dum organismo corporativo, de coordenação económica ou similar, reflexo espiritual e prático daquele seu antepassado [Roda do Sal]”76, embora com inovações próprias da época em causa. Manitto Torres salientava ainda a importância do Porto de Setúbal nesta actividade, assim como a função do sal e do arroz no desenvolvimento da instituição portuária77.

A Pesca As condições do porto e a indústria da pesca O estudo das pescas, enquanto elemento activo do desenvolvimento de um porto, pode e deve abarcar áreas definidas, que se complementam, culminando numa análise global que comporte os vários campos: científico, geográfico, industrial, comercial, legislativo, social e técnico. Ao definirmos como alvo da nossa investigação o Porto de Setúbal, não poderíamos, sob pena de cometermos erros graves, ignorar a evolução do processo pesqueiro na região e ao longo da costa portuguesa, tal como a relação da indústria da pesca no nosso país com o desenrolar dos acontecimentos no resto da Europa, uma vez que esta dinâmica promoveu o crescimento deste porto, comparativamente com os outros portos nacionais, nomeadamente o de Lisboa. “Plus qu’Aveiro et Figueira-da-Foz le port de Setúbal a des éléments pour réussir au point de vue économique”78. A pesca e o sal, aliados às excepcionais condições do seu porto, foram, de início, a base do crescimento económico da vila de Setúbal que, em 1860, se fez cidade. Os pescadores que exploravam as águas do rio Sado, da costa marítima adjacente e do alto, residiam quase todos em Setúbal, e alguns viviam a bordo das embarcações, como acontecia com os pescadores “ílhavos” que haviam emigrado para esta cidade em grande número. A situação do aglomerado urbano, junto à foz do rio Sado, proporciona-lhe uma feição muito peculiar, mencionada no foral, que lhe fora atribuído, como parte nova. Neste documento régio estabelecia-se que os pescadores, que pescavam pelos esteiros (scanis) com redes a pé, pagassem um tributo (foro) dos peixes que “encontrassem mortos”, isentando de tal imposto os mariscos (pinas) que trouxessem para a sua alimentação. Estas determinações são exclusivas do foral concedido a Setúbal, não se verificando referências deste tipo em alguns outros forais concedidos a outras povoações do litoral como, por exemplo, Sesimbra. Verificamos, pois, que a par da sua feição económica agro-mercantil, Setúbal possuiu, desde longa data, hábitos piscatórios, dirigidos não apenas ao peixe, na sua generalidade, mas também a mariscos de vária espécie. No entanto, segundo os documentos acessíveis, apenas a amêijoa branca e a lagosta seriam o alvo principal nos tempos mais remotos.

Por incrível que pareça, o mesmo se passa em nossos dias. Fernando Falcão Machado, ob. cit., p. 99. 75 Idem, p. 104. 76 Carlos Manitto Torres, ob. cit., p. 32 e 33. 77 Para uma análise mais pormenorizada destes temas veja-se Maria da Conceição Quintas, Setúbal, economia, sociedade e cultura operária, 1880-1930, Lisboa, Livros Horizonte, 1998, p. 54 a 65. 78 Armando Gonçalves Pereira, L’Économie maritime du Portugal, Lisbonne, Université Technique, 1934, p. 11. 73 74

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• Palhabote Contra-Almirante “José Alemão”, construído em Setúbal no estaleiro de António Manuel Vagueiro, lançado ao mar no dia 27 de Janeiro de 1893, na presença de D. Carlos I, colecção particular de Madureira Lopes • Canoa da Picada de Setúbal, miniatura existente no Museu de Marinha • Canoa da picada, s.d., Museu de Marinha


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Quanto à utilização da rede, esta reduzir-se-ia a peças volantes, manuseável por dois ou mais homens. A imposição dos impostos prova claramente a importância da pesca, em detrimento da recolha de marisco. Podemos assim concluir que, à data da concessão do primeiro foral de Setúbal, o factor geográfico exercia influência social através do trabalho e da vida económica, determinando a constituição duma classe piscatória, de feição fluvial, com duas actividades de importância desigual: a recolha do peixe e a apanha do marisco. A exploração marítima era quase nula. O local onde a povoação se desenvolveu era apaludado, pantanoso, impróprio para a fixação humana, se esta pretendesse dedicar-se a actividades agrícolas ou mercantis. No entanto, o aglomerado populacional foi uma realidade, facto que comprova que o factor marítimo, atribuindo-lhe a feição de porto de mar e de núcleo piscatório, motivou a constituição deste burgo. Oportunidades não faltavam para que a população recolhesse vários tipos de peixe, nomeadamente a sardinha cuja localização parece estar subordinada às seguintes condições: abrigo do Norte e do Levante, planalto de pesca, corrente marítima de água quente, planalto marítimo de pascigo e proximidade de barra fluvial. É pois de presumir que cedo se tenha manifestado a actividade piscatória, tendo como objectivo principal a pesca da preciosa sardinha, embora muitas outras espécies fossem recolhidas. Para este mester os utensílios usados eram redes de diversos tipos: “acedares” (1482), “rede pé” (1514), “avargas” (1590-1620), “chinchorros” (1590-1607-1620-1802), “redes sardinheiras” (1592), “tartaranhas” (1615-1802), “chinchas” (1620), “tarrafas” (1802), “bugigangas” (1802), “murgeira” (1802) e redes que arrastem (1802), algumas de fabrico local (1514). Falcão Machado refere que os pescadores utilizavam “como oficina” o mar e o rio e usavam as seguintes embarcações: “batel” (1514), “catão” (1514), “batel de muleta” (séc. XVIII), “lanchas” (1514-1783), embarcações e barcos indiscriminados, alguns de fabrico local (1514). As operações não são referidas com exactidão, mas deduz-se que consistissem em armar redes fixas onde o peixe entrava, colhendo-o então, e redes volantes, que iam por vezes ao encontro do cardume, quando o arrasto, destruindo as criações dos fundos (1590), os afugentava. Para que o peixe entrasse nas redes fixas os pescadores atiravam-lhes pedras que, assustando-os, os faziam correr. Este tipo de pesca provocava a obstrução da barra, causando problemas à circulação das embarcações e às actividades relacionadas com a própria pesca. Na praia de Setúbal, propriedade colectiva extra-muralhas, era proibido edificar casas para que os pescadores não perdessem o seu logradouro (1486). Ali se realizavam a arrematação do pescado pelos regatões e pelos almocreves (1509) e a contagem das cargas (1596-1609-1713). O pessoal dividia-se em diversas categorias, consoante a sua função técnica: arrais e mareantes (1369), pescadores, galeotes (1426), mestres e marinheiros (1776). As pescarias de Setúbal pertenciam à “corporação monástico-militar que era a Ordem de Santiago, à qual fora doada pelo rei (1255). Mais tarde, a Ordem foi incorporada na Coroa. O donatário (Ordem de Santiago e, depois Coroa) dava aos moradores de Setúbal autorização para pescarem mediante o pagamento de diversos encargos (1514)”79. Embora não haja referência a salários, verifica-se a possibilidade de aquisição de bens e ainda de um certo estatuto social. O pescador que possuísse “quantia”, ou certos bens, podia passar da classe de galeote para a de cavaleiro (1329). Por diversas vezes a classe contribuiu para as obras de fortificação de Setúbal (1653), despesas com o municionamento do exército em luta (1810), reconstrução dos cais (1812) e, pelo menos no século XVII, os pescadores de sardinha eram os mais ricos, tendo fundado, em 1630, a capela de Nossa Senhora do Livramento. Em caso de doença recebiam assistência em hospital privativo e foram vítimas, ao longo dos séculos, de vários cataclismos, para além de sofrerem crises de desemprego por falta de peixe nas águas de Setúbal. No entanto, era esta povoação que abastecia de pescado a região, povoações circundantes e algumas mais afastadas, embora com restrições várias, que se diluíram no tempo. Estas águas e este porto foram, desde longa data, cobiçados por pescadores de toda a península, facto que originou limitações tendentes a defender os autóctones, que, à semelhança do que se passava no resto do país, se organizaram ao longo dos tempos. Desde a extinção das cor-

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Fernando Falcão Machado, A pesca marítima em Setúbal, Lisbonne, 1951, p. 182.

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porações (1834) até ao Neo-Corporativismo Português (1934), verificamos que a localização dos centros de pesca se mantém, embora dentro de áreas mais alargadas. A partir do século XIX houve medidas tendentes a evitar a degradação das condições da pesca, do porto e da própria barra. Uma das normas mais importantes foi a proibição de pescar na pancada do mar, ou seja, na barra, obstruindo-a com pedras e areias. Também a fauna se manteve a mesma, ao longo destes 100 anos, encontrando-se apenas referências ao defeso da lagosta no ano de 188280 À semelhança do que acontecia em toda a costa portuguesa, também a faina da pesca se desenvolveu em Setúbal ao longo de Oitocentos. Nos finais do século XIX, a cidade era já um centro de pesca em grande actividade, e a indústria da preparação do peixe em conserva teve aqui considerável desenvolvimento, a ponto de, em 1886, haver na cidade onze fábricas de conservas, especialmente de sardinha. “É por assim dizer uma cidade de pescadores, por isso, os que não exercem propriamente a arte são em grande número proprietários ou interessados nas fábricas, “armações” e embarcações de pesca”81. Entretanto, o valor do pescado variava imenso, facto que provocava instabilidade entre os que o colhiam. Em 1891, Baldaque da Silva referia que, em Setúbal, uma barcada de sardinha se vendera no mercado por 50$000, 70$000 e até 100$000 réis, dando excelente resultado a indústria da pesca nesta localidade, situação que já se não verificava nos finais do século, pois as fábricas passaram a ditar o preço, combinando-se para o manter baixo, regulando por 5$000, 6$000 até 10$000 réis. As “armações” de pesca, pertencentes ao Porto de Setúbal, lançavam, então, as suas redes ao longo da costa que, desde a foz do Sado se estende para Sueste, mais conhecida por “Costa da Galé”. Ainda segundo Baldaque da Silva, nos finais do século XIX, Setúbal possuía cinco “galeões” de pesca que desenvolviam as suas actividades na enseada, deslocando-se a outros pontos da costa, de acordo com a afluência de sardinha. Quando este precioso peixe escasseava, deslocavam-se para a costa meridional do Algarve e para a enseada de Entre Cabos da Roca e Espichel, em busca do ambicionado produto. A par da faina dos “galeões” desenvolvia-se a pesca por arrasto para terra, possuindo Setúbal nove “artes” que actuavam em toda a costa da Galé. Não podemos menosprezar ainda um grande número de embarcações que pescavam nas águas setubalenses, saídas deste Porto de Pesca. É o caso dos “caíques”, das “canoas”, das “barcas”, das “lanchas”, dos “batéis” e dos “botes” que se dedicavam à pesca com anzol no alto, ou à pesca costeira com redes de emalhar ou com “aparelhos de anzol”, ou ainda, algumas delas, ao transporte do pescado para o porto e para diferentes mercados. Também os pequenos “varinos”, tripulados por “ílhavos”, actuavam junto à costa próxima dos bancos da barra e em todo o rio Sado, onde pescavam as espécies características da região. Em 1886, as 15 “armações” de pesca comportavam 90 barcos e 375 “companhas”; os 5 “galeões”, compostos de 35 barcos, empregavam 350 “companhas”; as 9 “artes” de arrastar, possuíam 18 barcos, em que laboravam 162 “companhas”; nas 300 embarcações de diversos tipos ocupavam-se 1 500 “tripulantes”; nos 107 “varinos” pescavam 214 “tripulantes”. O Porto de Setúbal abrigava, no total, 550 embarcações, que empregavam 2 601 pessoas82. O produto do pescado variava, de acordo com as condições climáticas e a abundância das espécies. Os valores que encontramos são provenientes da venda das espécies transaccionadas no Porto de Setúbal e não têm relação alguma com o quantitativo resultante do peixe recolhido pelas embarcações pertencentes a este porto, pois que muitos destes pescadores iam vender directamente a Lisboa o produto da sua “faina”. No entanto, a imagem que se tinha da cidade estava bem longe destas realidades. Era a terra das laranjas e dos salmonetes e pouco mais, esquecendo-se que, nela, “tudo vive da sardinha”83. Foi na realidade a sardinha que, depois de submetida a conserva, dinamizou o comércio setubalense ao longo de cerca de um século. As fábricas de conservas de peixe eram profusas. Em 1912 estavam em laboração quarenta e duas unidades84. Com a deflagração da Primeira Grande Guerra (1914), a procura de produtos enlatados, especialmente de conservas de peixe, modificou a situação. Os postos de trabalho aumentaram desmesuradamente. As fábricas nasciam de forma absolutamente anárquica. Até nos barcos se fazia conserva de peixe, sem um mínimo de condições. Mas a sardinha tinha que ser pescada. A tarefa competia às sociedades de armadores que empregavam numerosas “companhas” na pesca por

Idem, p. 182 a 187. A. A. Baldaque da Silva, Estado actual das pescas em Portugal, Lisboa, Imprensa Nacional, 1891, p. 139. 82 Idem, p. 139 a 141. 83 “Indústrias portuguesas - A sardinha de conserva de Setúbal”, Ilustração Portuguesa, nº 229 de 11 de Julho de 1910, p. 55. 84 Guilherme Faria, Setúbal e a indústria de conservas, Setúbal, 1950, p. 21. 80 81

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• Croquis do rio Sado, indicativo dos locais onde existiam bancos de ostras, Capitão-de-Fragata Francisco Aníbal Oliver, coadjuvado pelo Segundo-Tenente Hidrógrafo Ferreira da Silva, 1914, APSS • “Viveiro” de ostras, fotografia de Américo Ribeiro, colecção particular de Madureira Lopes.


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“armações” e por “cercos”, além do pequeno pescador com todas as suas “lanchas”, “saveiros”, “canoas” e “bateiras” que se faziam ao mar em busca do precioso peixe. “Por isso quando a crise surge, ameaçante, quando a sardinha se nega, rogada e esquiva à conquista das redes, Setúbal tem um calafrio, paira nos ares a asa negra da fome. [...] Mas, ao largo, dobra a torre do Outão, um rebocador trazendo na esteira uma enfiada de buques a abarrotar de sardinha [...]”85 e a felicidade reaparece no rosto das gentes setubalenses. A ostra foi, também, um elemento importante no processo de recolha de espécies destinadas à alimentação humana. De 6 a 12 de Julho de 1914, a Comissão de Ostreicultura visitou a região de Setúbal, na sequência da qual o Capitão-de-Fragata Francisco Aníbal Oliver, coadjuvado pelo Segundo-Tenente Hidrógrafo Ferreira da Silva, elaborou um croquis do rio Sado, indicativo dos locais onde existiam bancos de ostras. Esta exploração manteve-se até finais do século XX, quando a poluição tornou perigoso o consumo de ostras da região.

A faina da pesca da sardinha A faina da pesca da sardinha não se baseia, como a generalidade das outras indústrias, num tipo de produção planeado, com infra-estruturas definidas, cálculos de produção elaborados, mercados fixos e publicidade a funcionar em pleno. Ela difere mesmo, em certos aspectos, das outras modalidades de pesca, embora todas tenham uma produção incerta e irregular, dependente do estado do tempo e da abundância ou da crise no aparecimento das espécies. Mesmo quando o tempo e o mar são propícios à “faina”, os “aparelhos” que se dedicam à recolha da sardinha correm o risco de voltar sem o produto desejado, porque os cardumes não apareceram nas águas onde foram procurados, situação que pode arrastar-se ao longo de vários dias, semanas até. Esta irregularidade pesa duramente sobre as condições em que se exerce a actividade, pois torna a oferta nas lotas muito variável e impossibilita a distribuição e a colocação da sardinha, deixando sempre uma dúvida sobre o produto da pesca, quando os barco se fazem ao mar. Os vários cálculos, nomeadamente os de lucro e de mais-valia, são, portanto, impossíveis de realizar. Apenas recorrendo à estatística, será possível determinar a produtividade média mensal de um barco e compará-la com a despesa média no mesmo período. Dada a sua complexidade, os armadores não recorriam a qualquer espécie de operações auxiliares no processo de recolha da sardinha. O êxito ou o inêxito desta indústria estava, em grande medida, dependente da sorte que acompanhava os barcos. Mas, mesmo que a pesca fosse abundante, os lucros da “faina” podiam ser exíguos. Por obrigação legal e porque o produto se deteriorava rapidamente, o peixe colhido tinha que ser vendido imediatamente na lota, quando as embarcações chegavam ao porto, fosse qual fosse o preço oferecido. Esta circunstância colocava os armadores na dependência dos que lhe compravam o produto da pesca, faziam o preço e aviltavam-no, por vezes, excessivamente, quando a sardinha abundava. A título de exemplo, ouçamos o Independente86, de 13 de Dezembro de 1906: “Por causa do mau tempo tem aparecido pouco peixe e o que tem podido vir à lota foi vendido de 1$600 a 1$800 réis a canastra”. No dia 20, decorridos apenas sete dias, o mesmo jornal anunciava abundante pesca de sardinha, tendo-se vendido cada canastra ao preço médio de mil réis, chegando mesmo a mais miúda da Caparica a ser vendida a 400 réis. Desta instabilidade resulta que, geralmente, em épocas normais, a indústria da pesca da sardinha sofre de insuficiência de preço de venda, situação que só é alterada por causas exteriores, duradouras e intensas, como são os períodos anormais de guerra. A procura do produto excita a pesca, produzindo-se então o fenómeno inverso. O preço da venda torna-se, neste caso, muito remunerador. Foi o que aconteceu em Setúbal, e não só, durante a primeira Guerra Mundial, com a procura de conservas de sardinha para abastecimento dos países beligerantes. Assim, a indústria oscilava entre largos períodos de crise latente, e por vezes aguda, resultante da insuficiência do preço de venda, em épocas normais e lapsos de tempo mais curtos, anormais, em que os preços da sardinha atingiam valores altíssimos. Estas alterações dificultavam o retorno à normalidade, pois a inflação verificada provocava um ritmo incomportável em épocas de menor venda. A instabilidade

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”Indústrias portuguesas -A sardinha de conserva de Setúbal”, Ilustração Portuguesa, nº. cit., p. 60. Periódico que, então, se publicava em Setúbal.

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• Iate de Setúbal, s.d., Museu de Marinha. • Iate de Setúbal navegando no rio Tejo com carregamento de cortiça vindo de Setúbal, s.d., Museu de Marinha. • Iate de Setúbal, s.d., Museu de Marinha. • Frota de iates de Setúbal no rio Sado, s.d., Museu de Marinha.


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desta actividade, tão necessária ao país, atraiu a atenção dos governantes, quer locais, quer nacionais, facto que provocou a produção de legislação dirigida especificamente a este tipo de pesca. Através do regulamento geral da pesca da sardinha nas costas de Portugal, a que se refere o Decreto de 14/5/190387, podemos tomar conhecimento da classificação dos “aparelhos” que a esta tarefa se dedicavam: “aparelhos fixos” - “armações à valenciana” e “armações redondas” - e “aparelhos móveis” de cercar para terra - “artes”, “chávegas” e semelhantes - e para bordo - “cercos americanos” e idênticos e de emalhar que são as “sardinheiras” e afins. Entende-se por “aparelhos fixos” as “armações” estabelecidas no mar, com permanência mais ou menos contínua, e dispostas de modo a encaminhar o peixe para um espaço limitado em condições de aí ser recolhido (Art. 2º). No processo da pesca com “aparelhos fixos”, a que se refere o artigo anterior, há especialmente a considerar: o “aparelho” (conjunto de redes, cordoalha, ferros e barcos de uso próprio), o “local” (posição do mar, concedida pelo Governo para lançamento do “aparelho”), o “arraial”, (conjunto dos terrenos, armazéns, barracas ou cabanas destinados à arrecadação do material, sua conservação e alojamento da “companha”), o “concessionário” (indivíduo ou sociedade constituída nos termos da lei, a quem é dada licença para explorar o local), o “mandador” (indivíduo da “companha”, com atribuições iguais às de “mestre” ou “arrais de barco” de pesca, encarregado da conservação do “aparelho”, seu lançamento e levantamento, e de dirigir a respectiva pesca) e a “companha” (pessoal matriculado ou contratado para serviço do “aparelho”). Os artigos 4º, 5º e 6º, do referido Decreto, referem-se especificamente às “armações à valenciana” que são “aparelhos” fixos, compostos de um sistema de redes denominadas “câmara”, “bucho”, “copo” e “rabeira”, constituindo as três primeiras redes o “copo” da “armação”, em que o peixe é colhido suspendendo o “chão do copo”. As “armações à valenciana” podem ser simples e duplas. As primeiras são constituídas por um só corpo, enquanto que as segundas possuem dois corpos distintos, mas intimamente ligados. O “corpo principal” é lançado mais para o mar; o “segundo corpo”, “entralhado na rabeira”, não pode nunca exceder as dimensões do primeiro. Quanto à duração, estas “armações” classificam-se em “permanentes” e “temporárias”, conforme a autorização que possuem para lançamento e, consequentemente, para o exercício da pesca. As “armações redondas”, mencionadas nos artigos 7º e 8º, são “aparelhos fixos”, compostos por um sistema de redes denominadas “encoadura”, “boca” e “caça”, em que a “apanha” do peixe, no espaço limitado pelas redes principais, é feita por meio de redes auxiliares volantes. Podem funcionar isoladamente (“isoladas ou simples”) ou em cadeia (“em correnteza”). Os “aparelhos móveis de cercar para terra”, de que nos falam os artigos 9º e 10º, são vulgarmente denominados “artes” e “chávegas”, embora existam outros semelhantes. O lançamento das redes é feito em cerco de maior ou menor alcance, frente à costa, para posteriormente serem alados para terra. Os “aparelhos móveis de cercar para bordo”, mais conhecidos por “cercos americanos” e seus semelhantes, são referidos no artigo 110º e comportam redes, cordas e barcos de manobra. O lançamento das redes efectua-se em cerco, a distância variável da costa, limitando um determinado espaço onde o peixe fica retido, sendo em seguida as redes “aladas” para bordo até que a pescaria possa ser retirada para os barcos. O artigo 12º diz-nos que os “aparelhos móveis de emalhar”, mais vulgarmente denominados “sardinheiras” e semelhantes, são compostos por redes que flutuam verticalmente dentro de água, podendo descair com a corrente, ser dispostas em cerco ou fundeadas, prendendo, em qualquer dos casos, o peixe nas suas malhas. Através do regulamento das pescas, inserido do Decreto nº 04, de 14/5/1903, verificamos que a preservação das espécies também já constituía uma preocupação clara, indo a legislação, muitas vezes, a pormenores muito explícitos. O artigo 13º deste documento definia as dimensões da malha das redes dos “aparelhos” de pescar sardinha nas costas de Portugal. Assim, nas “sardinheiras” e similares o limite máximo era de 15 milímetros, nas “armações à valenciana”, nas “armações redondas” e nos “cercos americanos” e análogas, era de 12 milímetros, nas “artes”, “chávegas” e afins, era de 10 milímetros. O regulamento esclarecia que estas medidas deviam ser tomadas no lado da malha, de meio nó a meio nó, depois da rede molhada, situação em que a pesca se realizava.

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In Ordens da Armada, ano de 1903, série A, disposições legais e regulamentares, Lisboa, Imprensa Nacional, 1903, p. 377-421.

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• Iate de Setúbal subindo o rio Tejo, s.d., Museu de Marinha. • Laitau, limpando o fundo no rio Sado, s.d., Museu de Marinha. • Portinho da Arrábida, postal ilustrado, 1956, colecção particular de Madureira Lopes.


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Ao analisarmos a legislação existente no início do século XX, verificamos que a indústria da pesca se encontrava já em franco desenvolvimento. Perante o aumento repentino de “aparelhos” de todas as espécies, para a recolha da sardinha nas costas portuguesas, os responsáveis nacionais aperceberam-se da necessidade de produzir legislação capaz de evitar o caos nas nossas águas. Provam-no os pormenores legislativos referentes à utilização de “aparelhos” com características diferentes das previstas na lei, as determinações referentes a novas matrículas, a demarcação das distâncias de terra e, quando no mar, o espaço que devia existir entre os “cercos”, os impostos e as penalizações a aplicar quando fosse desrespeitada a lei vigente, as responsabilidades imputadas aos proprietários dos “aparelhos”, “mandadores” e “arrais”, os direitos dos membros da “companha” e as concessões locais. O exercício da pesca, por meio de “aparelho fixo”, carecia de concessão local, feita nas condições e nos termos indicados neste regulamento, em Portaria publicada no Diário de Governo e na Ordem da Armada88, visando o cumprimento das determinações legais para a exploração, assim como a segurança da navegação, mantendo o porto totalmente desobstruído. Era à Capitania do Porto que pertencia fazer a vistoria do local onde se pretendia implantar uma nova “armação fixa”. A equipa, presidida pelo Capitão do Porto, tinha como finalidade reconhecer a profundidade das águas, a natureza do fundo e verificar se o local era ou não apto para nele ser lançado o “aparelho” cuja instalação era requerida. Este acto de reconhecimento das condições prévias ao estabelecimento de novas unidades de pesca visava ainda, no caso das “armações” de sardinha à “valenciana” simples, determinar a posição do corpo da “armação”, referente ao ponto de cruzamento dos “endiches”, por meio de enfiamentos e de três distâncias angulares contíguas, medidas entre quatro pontos consignados na carta da costa, e o comprimento total da “rabeira”, que jamais poderia exceder 800 metros. O ponto assim determinado servia de referência tanto para a posição como para a marcação da distância das “armações” entre si. No caso das “armações à valenciana” duplas, ficava também determinada qual a distância entre o corpo principal e o segundo corpo deste “aparelho fixo”. Para as “armações” de sardinha “redondas” isoladas, os peritos indicavam também a posição da “encoadura” do “aparelho”, referida ao ponto de cruzamento das “línguas”, empregando o processo utilizado para as “armações à valenciana”. Deveria ainda ficar determinado o comprimento da “caça” que, em caso algum, excederia 500 metros. Quando estas “armações” eram instaladas em “correnteza”, não podiam ultrapassar os 1 000 metros, salvo em situações especiais, devidamente estudadas pelas autoridades competentes. Para além destas determinações, definidas por Lei e pela Capitania, o requerente devia dirigir um requerimento ao Governo, por intermédio desta repartição, fazendo-o acompanhar de documento comprovativo da posse de nacionalidade portuguesa, certidão de depósito na Caixa Geral de Depósitos, à ordem da 6ª Repartição da Direcção Geral da Contabilidade Pública, de 500$000 réis para as “armações à valenciana”, ou de 200$000 réis caso se tratasse de “armações redondas”. Também era exigido um parecer da comissão local de pescarias, para evitar a destabilização do mercado de peixe na região onde era pedida a instalação de novos “aparelhos” de pesca. Concedida a autorização, os requerentes dispunham de trinta dias para assinarem o termo de concessão. O mencionado documento obrigava ao lançamento do “aparelho” por tempo mínimo determinado. Nele eram ainda regulamentados: as concessões, a transferência e renovação das mesmas, o desvio, a caducidade e a arrematação dos locais, a sinalização dos “aparelhos”, o levantamento de “armações”, as vistorias, a constituição de sociedades e os salários a pagar no caso de qualquer membro da “companha” se inutilizar. Para além das determinações de carácter geral, os “aparelhos móveis de cercar para terra” (“artes” ou “chávegas” e semelhantes), assim como os “aparelhos móveis de cercar para bordo” (“cercos americanos” e afins) e os “aparelhos móveis de emalhar” ficavam sujeitos a legislação especial, referente ao respeito pelas águas ocupadas pelos “aparelhos fixos”, à sinalização, à consideração mútua nos lançamentos e ocupação de espaço para pesca momentânea e ainda a penalizações quando fossem desrespeitadas as normas estabelecidas. O regulamento geral da pesca da sardinha nas costas de Portugal, publicado na sequência do Decreto nº 04, de 14/5/1903, contemplava também

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“Regulamento geral da pesca da sardinha nas costas de Portugal”, a que se refere o Decreto nº 04, de 14/5/1903, publicado em Ordens da Armada, ano de 1903, série A, disposições legais e regulamentares, ed. cit., p. 383.

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• Edital autorizando a pesca nas áreas de Lisboa e de Setúbal, 23 de Agosto de 1803, colecção particular de Madureira Lopes • Servilha ou Savilha de Setúbal, desenho de D. Carlos I, 1886, Museu de Marinha • Armação de Pesca, usada na Enseada de Setúbal, António Artur Baldaque da Silva, 1º Tenente da Armada, 1887, Arquivo Distrital de Setúbal. • Sardinheira, usada na Enseada de Setúbal, António Artur Baldaque da Silva, 1º Tenente da Armada, 1887, Arquivo Distrital de Setúbal.


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as disposições legais emitidas pelas Capitanias dos vários portos nacionais. A Capitania do Porto de Setúbal fez constar, naquele documento nacional, as suas disposições relativas a “armações” e “aparelhos móveis de cercar para bordo”: a distância mínima que deviam guardar entre si as “armações” de sardinha, quer “valencianas”, quer “redondas”, na zona de costa compreendida entre o Cabo de Espichel e as pedras denominadas Três Irmãs (650 m); a não permissão de lançamento de “armações” na baía de Sesimbra, entre o meridiano verdadeiro do Forte do Cavalo e o enfiamento da pirâmide geodésica do Castelo de Sesimbra pela extremidade mais a Leste do Forte da praia de Sesimbra; na barra de Setúbal, entre o enfiamento da igreja do Bom Jesus da Arrábida pelas pedras denominadas Três Irmãs e o enfiamento do moinho da Alfarrobeira pelo moinho dos Pinheirinhos; para o Sul da costa da Galé, entre o paralelo geográfico que passa 1 600 metros ao Sul da pirâmide geodésica de Cova e o da lagoa de Melides e na enseada de Sines, para Oeste do meridiano verdadeiro da ermida de Santa Catarina; o impedimento do lançamento de “armações” em duas linhas que apenas se mantinha para as que então se achavam nessas condições. Estas, tal como outras medidas tomadas ao longo de séculos, visavam proteger as povoações, especialmente no que se refere a Setúbal, em que a área protegida abarca a zona da barra e a enseada, onde a cidade, com o seu porto, está instalada. Ao ler este documento pareceu-nos, portanto, que estavam salvaguardados os direitos e deveres de todos aqueles que retiravam do mar o seu sustento. No entanto, tal não acontecera. Ainda em 1903, era publicada uma “Representação dos Armadores da Pesca da Sardinha”89, solicitando alterações ao regulamento de 14 de Maio de 1903 e a supressão da Portaria de 10 de Julho do mesmo ano, que introduzira alterações demasiado gravosas para a indústria. Entre outras alterações, sugere que não haja diferença na malhagem exigida às “armações à valenciana” e às “redondas” e a que se determina para as “artes”, “chávegas” e semelhantes. Tal sugestão deve-se ao facto de a existência de diferença entre as dimensões da malha dos vários “aparelhos” acarretar prejuízos graves para os implicados no processo da pesca da sardinha, uma vez que as redes eram vendidas de acordo com as necessidades e as exigências de cada unidade. Propunham, então, uma malhagem de 10 centímetros para as “armações à valenciana”, que consideravam mais adequada à preservação das espécies90. Era também considerada a necessidade de se fazer investigação sobre o mar e sobre as espécies, uma vez que a própria Portaria de 10 de Julho declarava expressamente a “máxima conveniência dos estudos da biologia da sardinha”91, mas, incoerentemente, autorizava o lançamento de novas “armações”, sem que fossem previamente analisadas as condições dos locais cedidos e os prejuízos que adviriam de tão precipitada medida. Assim, solicitavam a anulação da referida Portaria de 10 de Julho e o restabelecimento do artigo 30º do mencionado regulamento de 14 de Maio que definia como obrigatória uma distância mínima de 1 000 metros, para o caso da costa Oeste, entre as “armações”. Estas determinações protegeriam as “artes de chávega”, onde pescavam centenas de velhos e de crianças. Os “armadores” tentavam assim minorar os gravíssimos problemas que afectavam a classe piscatória, tal como os prejuízos causados por uma lei feita por técnicos que ignoravam totalmente as realidades da indústria da pesca. Algumas alterações se fizeram ao longo dos anos, de que salientaremos o Decreto de 19 de Março de 1909, que, face a distorções cometidas pelos proprietários dos “cercos americanos”, foi clarificado através do Decreto de 28/12/191292, que estabelecia o valor líquido da pescaria, referida no artigo 5º do Decreto de 19 de Março de 1909 e definia as penalizações a aplicar aos “mandadores de cerco” que infringissem o artigo 4º do Decreto em causa. O produto destas multas revertia a favor de uma caixa de protecção a pescadores que se invalidassem durante o trabalho. O Elmano de 11 de Janeiro de 1913 considerava que este documento continha, no seu preâmbulo, afirmações gravosas que denotavam a ignorância da situação dos pescadores setubalenses, sem esquecer o que se passava no resto do país. O Decreto nº 10631, de 19/3/192593 veio revogá-lo, de acordo com as realidades piscatórias de então. E mais uma vez se desenrolaram ondas de protesto contra as novas leis aprovadas. Nos anos seguintes verifica-se, tal como já referimos, uma produção de legislação em catadupa, facto que demonstra a complexidade da problemática das pescas em Portugal, principalmente no que se refere à indústria da pesca da sardinha.

Publicada em Lisboa, Imprensa de Libânio da Silva, 1903. “[...] A prática ensina que a sardinha se prende mais facilmente nas malhas de maior dimensão, em grande quantidade, embaraçando a fuga das criações. A sardinha emalhada morre por estrangulamento: daí resulta uma dificuldade para o levantamento da rede” e desvalorização do peixe vivo (Representação dos armadores de pesca de sardinha sobre o regulamento de 14 de Maio e Portaria de 10 de Julho, Lisboa, Imprensa de Libânio da Silva, 1903, p. 4). 91 Representação dos armadores de pesca de sardinha sobre o regulamento de 14 de Maio e Portaria de 10 de Julho, ed. cit., p. 6. 92 Publicado no DG de 2 de Janeiro de 1913, divulgado no periódico setubalense O Elmano, de 11 de Janeiro de 1913, p. 1. 93 DG nº 60-I série, de 19/3/1925, p. 304 v. 89 90

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• “Tratando as redes”, Setúbal, postal ilustrado, s.d., colecção particular de Madureira Lopes • “Fabrico das redes de pesca”, Pesca e Conservas, director Guilherme Faria, Junho de 1929, APSS


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Importância do “aparelho” de pesca Ao analisarmos os documentos referentes a embarcações de pesca, encontramos alusões aos “caíques” e às “canoas” que exerciam o seu mester nas águas de Lisboa, Setúbal, Sesimbra e Algarve. Estas embarcações eram apenas os exemplos mais comuns, de uma plêiade imensa e diversificada de barcos que exerciam esta indústria nas costas de Portugal, em geral e na península de Setúbal, em especial. O barco poveiro, por exemplo, característico da região de Viana do Castelo, encontrava-se em Setúbal e noutros portos da costa portuguesa. Ia ao mar pescar a sardinha, com redes de emalhar, denominadas “sardinheiras”. Também o “catraio” ou “bote” era um dos tipos de embarcação mais usados na costa ocidental e nas águas algarvias. Não podemos, no entanto, esquecer que o Porto de Setúbal nos oferecia e oferece uma situação pesqueira paradigmática, com as suas componentes marítima e fluvial, implantadas e radicadas nas suas águas territoriais.

Pesca fluvial Não encontramos em Setúbal embarcações de pesca fluvial com características exclusivas desta zona pesqueira, como acontece nos rios do Norte de Portugal, pois as existentes foram trazidas pelos pescadores do Norte e do Sul do país que se estabeleceram junto ao estuário do Sado. Entre muitas outras, salientaremos o “varino” ou “batis-batis” de Aveiro, que apresentava uma forma muito semelhante à do “esgueirão”. Este barco era original e muito interessante porque, apesar da sua pequenez, servia de atelier industrial e ao mesmo tempo moradia e abrigo dos homens que o tripulavam. Quando o barco estava fundeado, os tripulantes colocavam um toldo de encerado na proa, sobre a borda e descansavam a sotavento, resguardados das intempéries. Ali preparavam as refeições, concertavam os “aparelhos” de exploração e dormiam. Estas pequenas embarcações eram rasteiras pelo que os tripulantes se viam obrigados a encalhá-las logo que o tempo se apresentava mais instável94. Os “saveiros” e as “bateiras”, tal como as “Meias-Luas” da Caparica, eram embarcações de duas proas, originárias da ria de Aveiro, mas também existentes em Setúbal. Estas embarcações tinham proa e popa alongadas, muito curvas e altas com extremidades em bico a três metros do fundo que era “chato”. Eram movidas por três a quatro remos por borda armados em “toletes” e com “estrovos”. Eram governadas com um “leme de esparrela”, isto é, um remo maior pela popa. Pescavam pela “arte” da “chávega”, uma “arte” de arrastar para terra, na costa da Galé ou na Figueirinha. O “saveiro” que naquela “arte” substituiu progressivamente a “meia-lua”, tinha as extremidades menos alongadas, menos curvas e mais baixas. Quando o vento era propício, armavam uma “vela de pendão” amurada ao “mastro” ou à “vante”95.

Armações fixas Este sistema de pesca foi iniciado na costa algarvia e destinava-se à recolha de atum, sardinha e carapau. Apareceu na sequência das antigas “almadravas” e “almadrabilhas” utilizadas pelos árabes, que foram sofrendo alterações ao longo dos tempos. Posteriormente, estes “aparelhos” começaram a ser instalados na baía de Setúbal, sofrendo alterações, de acordo com as características da zona, tal como viria a acontecer no resto da costa nacional, sempre que esta técnica piscatória se implantava. Uma “armação” de sardinha à “valenciana” era constituída por quatro partes, a saber: “copo”, “bucho”, “rabo” e “boca”. A “faina” destas “armações” requeria a utilização de embarcações maiores e abertas, de modo a facilitar o transporte e lançamento das redes e a carga e descarga do peixe recolhido. Nas “armações” da baía de Setúbal eram utilizadas as “barcas”, que se não encontravam em mais nenhuma região do país. Estas embarcações tinham características próprias, de acordo com as tarefas a que se destinavam96.

“Aparelhos” de rede envolvente de “cerco volante” Estes “aparelhos” eram feitos de um único pano, possuindo pesos na “tralha” inferior e cortiças na superior. Lançavam-se verticalmente dentro de água, começando por uma das extremidades, cercando uma determinada área marítima, até ligar toda a rede e unindo o outro extremo ao primeiro. O peixe

A. A. Baldaque da Silva, ob. cit, p. 410. Henrique Cabeçadas, Joaquina Soares e António Joaquim Guerra, Embarcações tradicionais do Sado, Setúbal, Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal, 1986, p. 57-58. 96 A. A. Baldaque da Silva, ob. cit., p. 390-391. 94 95

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existente no espaço cercado ficava envolvido, sendo depois levado para as embarcações destinadas ao efeito. Os “aparelhos” deste género, usados em Portugal nos finais do século XIX, eram o “Galeão”, a “Barca-volante”, a “Tarrafa”, o “Atalho” e o “Coador”97. Em Setúbal apenas actuava o “Galeão”, que mais tarde se aperfeiçoou, franzindo a “tralha” inferior para uma melhor captação do peixe cercado. Estes “aparelhos” eram denominados “cercos americanos” que, no princípio do século XX, dominaram a indústria da pesca no Porto de Setúbal. A “companha” que trabalhava numa destas “artes” era composta por um total de sessenta a oitenta homens. Um “aparelho” deste tipo, completo, custava, em 1891, 5 000$000 réis. A despesa com a conservação e renovação do material era de cerca de 2 250$000 réis por ano. O pagamento dos salários rondava os 2 700$000 réis anuais98. Nos finais da década de 1920, os motores a gasóleo provocaram a última revolução nestas “artes” de pesca. As “traineiras”, mais leves e mais velozes, acabaram por substituir as antigas embarcações com menores potencialidades. Nos finais de 1926, inícios de 1927, Setúbal viu aparecer as suas primeiras “traineiras”. A Primeira de Setúbal, oriunda da parte oriental e a Manuel Machado, da zona ocidental da cidade, disputaram entre si a primazia das águas setubalenses, sem se saber ao certo qual foi a primeira a sulcar os mares e a vender as primeiras sardinhas, pescadas por estas novas embarcações, na lota desta cidade. Mas as dificuldades na aquisição de gasóleo, com as perspectivas de uma nova guerra e agravadas durante esta (1939-45), fizeram com que os “vapores” a lenha e a carvão se mantivessem ao longo de mais vinte anos, desaparecendo somente após terminadas as operações bélicas, em 1945.

Importância da pesca na economia local No estuário do Sado sempre abundaram espécies várias de peixes saborosos, desejados por nacionais e por estrangeiros, de que salientaremos o célebre salmonete, como já referimos, cujo sabor se destaca de entre muitos exemplares pescados noutras águas. A esta actividade dedicavam-se homens e mulheres, vindos do Norte do país, que se instalavam nos bairros a Oriente da cidade, especialmente nas Fontainhas, perto da praia onde os seus barcos acostavam. Utilizavam pequenas embarcações, especialmente os “varinos”, com diversas redes e “aparelhos” que, no ano de 1912, empregavam mais de uma centena de homens neste trabalho, enquanto que o valor de peixe pescado atingia cifras importantes. No entanto, era a sardinha que dominava a economia local e, aqui, muitos dos “cercos a remos” eram propriedade dos próprios pescadores da “companha”. Na sequência de um inquérito à vida comercial e industrial da cidade, realizado no ano de 191299, verificamos que, então, se encontravam matriculados na Capitania do Porto de Setúbal 26 “cercos”. Cada “cerco” era constituído por 10 barcos (5 buques, 1 barco de água, 1 barco de redes e três “botes” de vigias), o que perfazia, em Setúbal, um total de 260 embarcações, que comportavam uma tripulação de 1 725 homens100. Estas “artes” custaram cerca de trezentos contos de réis e pescavam durante onze meses em cada ano101. A “receita bruta” da venda do peixe pescado por cada “cerco”, durante a “temporada”, orçava entre os dezoito e os vinte e cinco contos, o que representava uma importância total de quinhentos a quinhentos e cinquenta contos de réis. Os ordenados fixos de cada “companha” eram de quatrocentos e trinta a quatrocentos e sessenta mil réis por quinzena, perfazendo um total aproximado de duzen-

Idem, p. 235. Idem, ibidem. 99 Boletim da Associação Comercial e Industrial de Setúbal, nos 4 a 8, Setúbal, 1912. 100 Idem, nº 5, p. 3. 101 Idem, nº 6, p. 1. 97

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tos e cinquenta contos de réis “que, com os 15% de percentagem sobre o produto bruto da pesca, o peixe das proas por cada buque que [vinha] à lota e os caixotes para as caldeiradas, [elevava] a trezentos e cinquenta contos a participação dos pescadores no produto geral da pesca dos cercos americanos”102. A indústria da pesca desenvolveu-se no início da segunda década do século, uma vez que em 1907 existiam em Setúbal apenas 16 “cercos” que venderam 265 449$000 réis, enquanto que em 1912, os 26 “cercos” matriculados perfizeram a importância de 550 000$000 de réis103. Como em 1903 os 15 “cercos”, então existentes, venderam peixe no valor de 133 849$480 réis, verificamos que, em 9 anos, o valor da pesca destas “artes” quadruplicou neste porto. Embora em decadência, no ano de 1912 existiam ainda em Setúbal 12 “armações à valenciana”, com 6 barcos cada, que ocupavam 434 pescadores. Uma destas “armações” era propriedade da sociedade Manteiga, que também era dona de um “cerco”, enquanto que a Soares & Pólvora possuía três “armações” (Greta, Norte e Sul) e a Viúva Assis & Filhos duas (Sorte de Cima e Cavalo Branco)104. As “armações” então existentes em Setúbal custaram cerca de cento e vinte contos de réis, e pagaram de salários ao seu pessoal entre 30 e 40 contos de réis, além da percentagem de 15% que estes tinham sobre o produto bruto da pesca e respectivos caixotes de sardinha para as caldeiradas105. Com estas “artes” o processo evolutivo é inverso ao dos “cercos americanos”, pois o seu declínio era manifesto. Enquanto que em 1903, havia 23 “armações” matriculadas na Capitania de Setúbal que recolheram peixe no valor de 233 998$560 réis, em 1907 existiam 21 que venderam peixe no valor de 116 080$000 réis. No ano de 1912 já não pescavam sequer a quarta parte daquela importância106. Eram os “cercos americanos” que dominavam a indústria da pesca setubalense. A arrematação do peixe realizava-se no cais de Nossa Senhora da Conceição e, no caso do mais miúdo (a sardinha, por exemplo), fazia-se por barco inteiro107. Segundo a estatística organizada por H. Rew, secretário adjunto do Ministério da Agricultura do Reino Unido, o valor dos diversos produtos da pesca marítima e do número dos homens do mar que viviam da venda do peixe, nos 18 países estudados para os quais esta indústria constituía um recurso importante da actividade da população, Portugal ocupava o décimo lugar, à frente da Holanda, da Alemanha, da Dinamarca, da Irlanda, da Áustria, da Bélgica, da Rússia e da Suécia. Portugal possuía 38 000 pescadores e atingia anualmente valores entre 24 e 31 milhões de francos na venda do pescado. Em primeiro lugar encontravam-se a França e a Argélia com 140 000 pescadores que vendiam anualmente peixe no valor de 130 a 153 milhões de francos, seguida da Itália com 110 000 pescadores, com um valor anual de pescas rondando entre 16 e 22 milhões de francos, dos Estados Unidos, do Reino Unido, do Japão, da Noruega, do Canadá, da Inglaterra e da Escócia. Para a situação de Portugal, Setúbal contribuía com a sexta parte da população de pescadores e da importância anual das vendas do peixe108. Na década de 1920, o aparecimento do “Galeão a vapor”, com deslocação mais rápida e independente do vento, causa problemas de competição, deixando os pescadores setubalenses em situação de inferioridade em relação aos “vapores” vindos de fora. Foi então que apareceu o primeiro “galeão a vapor” registado em Setúbal, o Vitória. Os restantes armadores reagiram negativamente a esta inovação, mas foram forçados a acompanhar o progresso, embora houvesse legislação que definia zonas de pesca interditas a estas embarcações. A acumulação de capitais durante a I Guerra Mundial e a abundância de peixe nessa época vão permitir a reconversão do equipamento por volta de 1925. As próprias cooperativas de “cercos a remos” aderiram maciçamente ao “vapor”, embora em Setúbal apenas se tenha construído uma destas embarcações - o Cristina. Mas os velhos “galeões” a remos, com modificação no velame, reconvertidos em “Galeões do Sal” para transportes no estuário, sobreviveram como embarcações de carga, devido às suas características de condução e de velocidade. Vemo-los, hoje, transportando turis-

Idem, p. 1-2. Idem, p. 2. 104 Idem, ibidem. 105 Idem, ibidem. 106 Idem, ibidem. 107 Boletim do trabalho industrial, nº 1, Lisboa, Imprensa Nacional, 1906, p. 94. 108 Idem, p. 2-3. 102 103

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tas que se deliciam com as maravilhosas paisagens do estuário do Sado. Os “vapores” contribuíram, não só para o aumento do volume de pesca, e necessariamente para o desenvolvimento das oficinas mecânicas da cidade, mas também para importantes alterações nas condições de trabalho dos pescadores, tornando desnecessárias longas estadias no mar, por vezes duas semanas, de “companhas” de quase 40 homens, apertados em embarcações com menos de 20 metros. Mas, no final da década de 1920, tal como já foi referido, as “traineiras”, substituíram os “vapores” porque estes gastavam quantias incomportáveis em combustíveis. Devido a endividamento dos seus proprietários, os “vapores” foram passando das cooperativas para os fornecedores de redes e de carvão109, que, posteriormente, formaram as sociedades de pesca com sedes nos portos mais importantes de Portugal. A política de pescas modificou-se em todo o país, mas Setúbal passou a ser um pólo aglutinador dos interesses económicos desta indústria.

Política de pescas em Setúbal Falar de política de pescas ao longo do século XIX e mesmo nas duas primeiras décadas do século XX torna-se difícil e pouco realista, uma vez que não existia um projecto viável que servisse de base ao desenrolar das actividades pesqueiras, que se desenvolviam subordinadas a regras estabelecidas pelos documentos legais emanados do Governo Central. Esta legislação servia apenas para colmatar deficiências ou irregularidades, estabelecer penalizações e impostos, definir regras básicas de convivência no mar ou mesmo em terra, entre os pescadores, “armadores” ou proprietários dos “aparelhos” de pesca existentes nos portos. Consciente da gravidade desta situação, o Governo saído do 28 de Maio de 1926 decidiu integrar as pescas no projecto corporativo que defendia e, assim, promoveu acções de sensibilização dos interessados, para estabelecimento de normas que fossem válidas para o futuro, onde os sindicatos dos trabalhadores e os grémios das entidades patronais, devidamente organizados, culminariam na “Corporação, cúpula da organização corporativa; fase final do corporativismo”110. Neste contexto, em Dezembro de 1927, realizou-se, na cidade de Setúbal, o I Congresso Nacional de Pescas e Conservas. Ao longo dos trabalhos, foram analisadas temáticas de interesse geral nomeadamente a organização e as necessidades da indústria da pesca, que implicavam estudos profundos na área da oceanografia, das causas das crises na indústria e do modo de as atenuar, assim como da fiscalização, entre outras. Perante as contingências a que esta indústria estava sujeita, o Estado propunha-se reduzir as causas da instabilidade financeira a que as empresas de pesca eram constrangidas. Melhorar as condições em que este mester se exercia e procurar que ele trouxesse o máximo de utilidade e de vantagens para a colectividade devia constituir outra preocupação do Estado111, afirmava naquele encontro Marcelino Carlos, que previa uma organização da indústria da pesca sob a orientação estatal, que promoveria os estudos necessários ao seu bom desenvolvimento. As estatísticas teriam um papel relevante para a rentabilização de uma das maiores riquezas de Portugal, sem esquecer a necessidade de pesquisas oceanográficas e biológicas, contributo de grande importância para a conservação das espécies. As actividades atribuídas à fiscalização da pesca deveriam ser revistas, conferindo-se a este sector tarefas relativas aos estudos dos mares, da meteorologia e da defesa nacional. Para tal, urgia investir na área da “Oceanografia Económica”112, criando um grupo de técnicos especializados em países onde esta ciência se encontrava já desenvolvida, rever as leis existentes e alargar as águas territoriais para efeitos de pesca, de modo a possibilitar um trabalho profícuo de protecção às espécies e a obtenção de maior rendimento. A propulsão à vela e a remos devia ser substituída pela propulsão mecânica. Os motores a vapor teriam que dar lugar aos motores de combustão interna que, ocupando menores espaços, eram menos pesados e mais económicos e precisavam de menos pessoal por serem de mais fácil manejo. Dever-se-ia também estudar o tipo ou tipos de motores que mais convinham às lides da pesca e facilitar a sua aquisição, isen-

Henrique Cabeçadas, “Pesca, aspectos navais”, Setúbal anos 20, Setúbal, Câmara Municipal de Setúbal, 1986, p. 5. Henrique Soares, Corporativismo, antecedentes e princípios, Lisboa, Edições Ultramar, 1946, p. 161 e 162. 111 Marcelino Carlos, “Organização e Necessidade da Indústria da Pesca”, tese apresentada ao I Congresso Nacional de Pesca e Conservas, a realizar em Setúbal, em Dezembro de 1927, Setúbal, Papelaria e Tipografia Reis & Correia, 1927, p. 1. 112 Idem, p. 3 109 110

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tando-os de direitos alfandegários, e encorajar a sua adopção, estabelecendo prémios à construção em Portugal de navios e de embarcações de pesca com propulsão mecânica. Desenhavam-se, assim, os princípios do corporativismo, em que, sendo o pescador “o agente principal da indústria da pesca”, para ele deviam convergir as melhores atenções do estado. “Educá-lo, protegê-lo, rodeá-lo de todas as comodidades e confortos, ampará-lo na invalidez e na velhice e garantir aos que lhe são queridos, uma assistência eficaz”113, deveriam ser as preocupações mais prementes das pessoas que se interessavam por aquela indústria. Como meio principal para a obtenção destes objectivos estava a escola, veículo da ideologia que se pretendia inculcar nos cidadãos, visando a obtenção de mais rendimentos para o Estado e para os capitalistas ligados à indústria da pesca. Através dela se combateria o alcoolismo entre os pescadores e, no caso específico das escolas de pesca, seria habilitado e seleccionado o pessoal dirigente como capitães, mestres e maquinistas, entre outros ofícios inerentes a estas actividades. A alegria no trabalho começava também a ser um dos objectivos definidos neste congresso pois, quando se fala do pescador considera-se importante “proporcionar-lhe habitações alegres, cómodas e higiénicas, embaratecer-lhe a vida [...], proporcionar-lhe distracções salutares e baratas, de maneira a compensá-lo das contrariedades e sofrimentos da vida do mar e a fazê-lo viver com alegria [...]”114. Estas atribuições pertenciam ao Estado, aos Municípios, aos industriais e aos próprios pescadores. Restaurar as corporações, há muito desaparecidas era, pois, o objectivo principal da política de pescas apresentada ao congresso que, em 1927, se realizou na cidade de Setúbal: “Fazer reviver estas corporações, actualizando a sua acção, harmonizando os seus estudos com as necessidades de hoje, e construir sobre elas as bases do nosso Crédito Marítimo, afigura-se-me da maior conveniência”115. O Crédito Marítimo era a base de desenvolvimento da indústria da pesca, provendo os pescadores de tudo quanto necessitavam para o exercício do seu mester. Os empréstimos conseguidos através daquele crédito destinavam-se à aquisição, concerto e melhoramentos de navios e embarcações, à compra de engenhos de pesca, à construção, reparo e melhoria de câmaras e armazéns frigoríficos, de fumarias, salgarias e outras feitorias para conservação dos produtos pescados. Esboçavam-se também os serviços de previdência e de assistência que viriam a ser implementados posteriormente, evitando o degradante espectáculo da mendicidade, a que os homens do mar acabavam por se dedicar, quando as forças já não lhes permitiam trabalhar. Sugeria-se ainda que, junto da Caixa de Previdência, se criassem os Orfanatos e as Casas dos Pescadores. Nestas últimas, abrigar-se-iam as viúvas e os pescadores inválidos, sem recursos e sem família, mas “tudo com inteira separação de sexos”116. Uma das sugestões para a construção de estabelecimentos deste tipo era o aproveitamento dos terrenos que o Estado possuía na ria de Aveiro, na Trafaria e nas margens do Sado. Setúbal seria uma das primeiras cidades onde a nova política de assistência seria activada. Assim, desenvolvia-se a ideia do estabelecimento do Crédito Industrial, junto do Crédito Marítimo, destinado aos industriais da pesca; eram renovados os portos mais carenciados; eram construídas estradas e caminhos-de-ferro que os servissem; eram criadas redes de frio; desenvolvia-se a aviação comercial e propiciava-se o fomento da exportação do peixe extraído das nossas águas, tão querido pelos povos estrangeiros. A nova política de pescas, inserida no contexto internacional, implicava a necessidade de conhecimentos oceanográficos propiciadores do fomento desta indústria, como referia Augusto Ramos da Costa na sua comunicação ao Congresso, na qual salientava a necessidade de estudos sobre os peixes mais importantes para a indústria da pesca a que os portugueses se dedicavam: bacalhau, atum e sardinha. Augusto Ramos da Costa, presidente do Conselho de Estudo de Oceanografia e Pesca, defendia a criação de um Instituto Oceanográfico onde a investigação científica fosse possível, e o estabelecimento de escolas de pesca em vários pontos do litoral do país, para formação dos homens do mar. O pescador deveria estar “cônscio de que ia capturar o peixe não ao acaso mas racionalmente, visto ter conhecimentos da arte haliêutica”117. Para uma pesca com bases científicas foi construído na “oficina de instrumentos náuticos” um aparelho “indicador de plâncton”, para ser utilizado na pesca da sardinha, como acontecia em Inglaterra para a pesca do arenque.

Idem, ibidem. Idem, ibidem. 115 Idem, ibidem. 116 Idem, p. 6. 117 Augusto Ramos da Costa, “A necessidade de conhecimentos oceanográficos para o fomento da indústria da pesca”, tese apresentada ao I Congresso Nacional de Pesca e Conservas, a realizar em Setúbal, em Dezembro de 1927, ed. cit., p. 8. 113 114

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• “Descarregador de Peixe”, Setúbal, postal ilustrado, s.d., colecção particular de Madureira Lopes • Descarregadores de peixe, imagem actual, APSS


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• “Casa da Lota”, postal ilustrado, s.d., colecção particular de Madureira Lopes.

À semelhança do que dissera Baldaque da Silva em 1891 (influências cósmicas e físicas no movimento dos “bancos de sardinha”), Augusto Ramos da Costa diz que a sardinha vem à superfície todas as vezes que se estabelece um “regime de potências positivas e crescentes, profundando, ao contrário, durante os períodos em que o equilíbrio eléctrico tende a restabelecer-se, quer de uma maneira brusca e violenta (tempestades, relâmpagos, chuva), quer duma maneira mais silenciosa, isto é, quando se dá um regime de ventos mais fortes, aparição de chuvas, etc.”118. Esclarecidas a importância das pescas, a necessidade de estudos conducentes à preservação das espécies e ao desenvolvimento da indústria, assim como a urgência no que se reporta à formação de profissionais competentes e felizes, foram ainda analisados temas relativos aos portos de pesca, ao transporte e à conservação do peixe, à necessidade de “defeso”, especialmente para as “artes de cerco”, à defesa das águas nacionais, à definição da política de acordos de pesca com a vizinha Espanha, à protecção da indústria no país, e à fiscalização da pesca119, entre outros. A conservação do peixe pelo gelo, a transformação da assistência tradicional pela caixa de previdência, o estabelecimento do crédito industrial para os industriais da pesca e do crédito marítimo para os pescadores por conta própria, o desenvolvimento da aviação comercial, a introdução de novas tecnologias e a formação de técnicos, revolucionaram a clássica indústria da pesca portuguesa. E, nesta óptica, Marcelino Carlos conclui: “A melhor organização da indústria da pesca será a que resulte da íntima união do Estado e de todos os interessados e da sua constante e leal colaboração”120. Carlos Manitto Torres, na conferência realizada no encerramento do ciclo de conferências organizado pelo Grémio do Comércio de Setúbal, em 28 de Dezembro de 1949, analisava a situação das pescas em Setúbal e concluía pela sua modernização tendo em conta as possibilidades de conservação do produto pescado, nomeadamente através da instalação de redes de frio. Considerava ainda a necessidade de formação dos armadores e dos pescadores, o estudo das condições das águas tendo em conta o estado de destruição do plâncton e consequente degradação das espécies. Urgia, pois, punir os infractores, regulamentar os arrastos, procurar reconstituir o plâcton, estabelecer períodos e áreas de defeso e incentivar a “pesca colaborante” e o empenho dos industriais conserveiros na aquisição das suas próprias unidades pesqueiras121. Era uma nova política de pescas que se afirmava, em substituição daquela que se defendera ao longo do século XIX e início do século XX, baseada na livre iniciativa, na aventura, na ignorância, na incerteza do futuro. Foram construídas escolas e bairros de pescadores, foram criadas condições de assistência e crédito mais favoráveis, mas a vida dos pescadores continuou a ser dura, tendo como base de subsistência a mais árdua e incerta tarefa que visa a manutenção da espécie humana: a pesca. Esta política de pescas manteve-se até ao dia 25 de Abril de 1974122. O sistema democrático trouxe novas regras, novas leis e nova dinâmica nas pescas portuguesas. A entrada na Comunidade Económica Europeia fez com que Portugal se submetesse às regras impostas para todos os países inseridos na CEE. E Setúbal, como é óbvio, deu novo rumo ao seu ritmo pesqueiro e sofreu as consequências da integração.

Idem, p. 6. José Ferreira Canelas, Fiscalização da pesca, Setúbal, p. 1 e 4. 120 Marcelino Carlos, ob. cit., p. 12. 121 Carlos Manitto Torres, ob. cit.,p. 27 a 30, passim. 122 Para uma informação mais pormenorizada sobre a pesca em Setúbal e sobre a terminologia nela utilizada, consulte-se: Maria da Conceição Quintas, Setúbal, economia, sociedade e cultura operária, 1880, 1930, ob. cit., p. 65 a 84 e o glossário, p. 495 a 500. 118 119

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Nas páginas anteriores: • Planta da Vila de Setúbal, Maximiano José da Serra, Sargento-Mor do Real Corpo de Engenheiros, 1805, Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar. As quintas, a urbe com o seu maravilhoso porto, o rio e o mar fizeram deste ”golfo” paradisíaco um entreposto industrial e comercial por excelência • Capa da Revista Conservas de Peixe, 1959. colecção particular de MCQ


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O Porto de Setúbal e o desenvolvimento do aglomerado urbano Indústria conserveira O Porto de Setúbal, enquanto mola impulsionadora da criação e do desenvolvimento do respectivo aglomerado urbano, foi, por seu turno, alimentado pela mole imensa que se instalou perto de si, na esperança de uma vida mais próspera, fruto das condições que o estuário do rio Sado lhe oferecia. Para além da extracção do sal e da pesca, já analisadas, a população setubalense lançou-se na aventura que o sector secundário, e mesmo o terciário, lhe proporcionavam. Com a descoberta do método Appert, a indústria das conservas de peixe, nomeadamente da sardinha, que abundava, era, em seu pensamento, a possibilidade de consecução do sonho, daquele maravilhoso sonho que os trouxera das mais longínquas e díspares paragens, para perto de um “golfo” paradisíaco, situado no estuário de um rio tão azul, que mais perecia o reflexo do céu, junto a uma serra que os levava até junto de Deus. De início, pouco mais havia do que a força e a inteligência das pessoas. Mas, com o decorrer dos anos, a máquina começou a invadir o pequeno “paraíso humano” que aqui se construíra. E, com ela, longe de vir mais descanso e felicidade para os que trabalhavam nas fábricas de conservas, veio o desemprego, a desgraça e a infelicidade. Em Setúbal, de acordo com as pesquisas realizadas, a mecanização foi uma realidade, embora lenta e tardia, enquanto que a racionalização não chegou a vingar, pela falta de preparação dos industriais e dos trabalhadores, mesmo especializados. A reforçar esta nossa ideia, encontrámos, também, em obras de especialistas nacionais e estrangeiros, uma definição, em nosso entender, mais correcta do conceito de desenvolvimento “[...] pois engloba não só o económico - logo, o próprio crescimento -, como o mental e o institucional. Pode dizer-se, até, que todas as transformações registadas nas diversas estruturas económicas, sociais, culturais e mentais, no sentido da modernização, caem sob a alçada do conceito de desenvolvimento”1. Esta situação não se verificou em Setúbal, uma vez que os industriais desta cidade, talvez pela diversidade da sua formação básica, seguiram, normalmente, uma política mais ou menos individualista, que se assemelha bastante ao pensamento de Adam Smith quando refere a capacidade de criar riqueza e prosperidade em qualquer sociedade: “The natural effort of every individual to better his own condition, when suffered to exert itself with freedom and security, is so powerful a principle that is alone, and without any assistance, not only capable of corrying on the society to wealth and prosperity, but of surmountig a hundred impertinent obstructions with which the folly of human laws too often incumbers its operations; [...]”2. O individualismo e a competição acabaram por destruir a indústria e, consequentemente, os próprios empresários, cuja ambição impediu que vissem a importância da unidade, tão necessária em situações de crise. O início desta actividade em Setúbal deu origem a acesa polémica ao longo do século XX, uma vez que alguns historiadores consideravam que apenas os franceses, em 1880, a dinamizaram, enquanto que outros, mais perspicazes, indicam Manuel José Neto, em 1854, como o primeiro industrial de conservas de peixe em Setúbal. Eram, no entanto, unidades que funcionavam de modo ainda bastante artesanal, utilizando, fundamentalmente, a mão-de-obra e outros meios já existentes, como, por exemplo, o forno de padaria. Apesar do primitivismo dos meios, estas empresas levaram a certames internacionais as conservas de peixe, especialmente de sardinhas, produzidas em Portugal3, mais concretamente em Setúbal e obtiveram prémios bastante significativos. Mas estas técnicas evoluíram rapidamente, como se pode verificar quando se fala do desenvolvimento do fabrico das conservas de peixe em Setúbal.

José M. Amado Mendes, A área económica de Coimbra, estrutura e desenvolvimento industrial, 1867-1927, Coimbra, 1984, p. 28. Adam Smith, An Inquiry into the nature and causes of the wealth of nations, London, Adam and Charles Black, 1839, book IV, chap. V, p. 241. 3 Para uma análise mais pormenorizada deste tema e da evolução da indústria conserveira em Portugal, veja-se Maria da Conceição Quintas, Setúbal, economia, sociedade e cultura operária, 1880-1930, Lisboa, Livros Horizonte, 1998, p. 89 a 117. 1 2

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Papel do núcleo setubalense “Favorecidos pela Natureza, pela abundância e continuidade da pesca, estava-nos destinado o lugar de maior centro de produção, e hoje [1912], que uma fábrica de França não ultrapassa na produção de um ano 9 000 caixas de 100 latas, em Setúbal temos muitas fábricas que atingem 30 000, 40 000 e até 50 000, sendo para notar que existem actualmente nesta cidade 42 fábricas de conservas de sardinha em azeite, e todas têm uma produção entre 15 e 30 000 caixas, destacando-se algumas com cifras muito superiores”4. A falta de pesca em França, conjuntamente com a aversão que os pescadores na Bretanha tinham a novos aparelhos já há muito usados em Portugal e Espanha, fez diminuir consideravelmente a produção francesa, situação que, aliada ao declínio das empresas espanholas (Vigo), em virtude das grandes crises naquela região e ao aumento considerável da sardinha nas águas portuguesas, fez proliferar a indústria de conservas de peixe em Portugal5 e especialmente em Setúbal, onde se encontrava o maior número de empresas deste sector económico. No Inquérito Industrial referente ao ano de 1890, estão mencionados 13 estabelecimentos produtores de conservas alimentícias, dos quais 11 são especificados como “conserva de sardinha” e dois como “conserva de peixe”. Produziram, na totalidade, mais de 106 000 caixas (cerca de 1 272 000 kg) que ultrapassavam muitíssimo os 2 610 900$000 réis. Os principais consumidores foram a França, a Inglaterra, a Holanda, o Brasil, a Alemanha, a América do Norte e as colónias6. A proliferação de fábricas, assim como o aumento sistemático da quantidade de produto exportado para vários países, fez com que os fabricantes nacionais reclamassem do Governo legislação que os protegesse, à semelhança do que se passara em França, como mencionava a Associação Comercial e Industrial de Setúbal no seu primeiro boletim, datado de 31 de Janeiro de 1912: “Depois de dois anos de diligências, os fabricantes franceses conseguiram do seu Governo a promulgação do Decreto de 11 de Julho de 1906, proibindo a entrada em França e suas colónias, a todas as latas de conservas de sardinhas, que não tivessem em uma das partes brancas do fundo ou tampo, gravado em caracteres de pelo menos 4 milímetros, o nome do país de origem”7. O articulista comentava a legislação francesa e concluía que aquela medida favorecia a indústria setubalense uma vez que a boa conserva era exportada como se tivesse sido fabricada em França enquanto que a de menor qualidade levava a indicação de Setúbal - Portugal. Deste descrédito se queixavam todos os nossos entrevistados, cujo passado esteve ligado à indústria conserveira que, segundo Manuel Veiga, atingira o ponto máximo de degradação na segunda década de Novecentos, quando “fabriquetas”, sem quaisquer condições ou credibilidade, “metiam pedras nas latas, em vez de sardinhas”8, provocando a depreciação do produto proveniente das fábricas setubalenses. A lei francesa, ao obrigar a colocação da nacionalidade de origem no fundo da lata, fazia com que, tanto os produtos de qualidade inferior, como os mais apreciados ficassem conotados com os industriais que os produziam. A importância da indústria de conservas de peixe em Setúbal revelava-se pelo volume da produção e pelo seu valor alfandegário. Em 1911 este foi de 10 880 832 quilos no valor de 979 274$880 réis, o que equivalia a 90 réis o quilo. A produção desta indústria rondava os 2 000 contos de réis anuais na segunda década do século9. Então, as fábricas de Setúbal empregavam mais de 4 000 trabalhadores, dos quais destacamos 900 soldadores, 400 moços, 2 500 mulheres e 250 rapazes, cujo salário total ultrapassava 500 000$000 réis anuais, numa média, per capita, de 800 réis para os soldadores, 550 para os moços, 160 para as mulheres e 240 para os rapazes10. Em 1912 os portugueses eram os maiores produtores de conserva de sardinha, possuindo, com a França, o regime de pauta mínima, de 50 a 25 francos de direitos por cada 100 quilos. Mas os industriais franceses e alemães tentavam alterar a posição, até então de privilégio para os portugueses, propondo aos seus Governos a alteração das leis que tal permitiam, criando novos projectos de trabalho e de publicidade, facto que levou a Associação Comercial e Industrial de Setúbal a alertar o Governo português, numa tentativa de salvaguardar o mercado das conservas de peixe Boletim da Associação Comercial e Industrial de Setúbal, nº 1, 31 de Janeiro de 1912, p. 3-4. Idem, ibidem.. 6 “Conservas alimentícias”, in “Produção no ano de 1889 e mercados de consumo”, Inquérito Industrial de 1890, Indústrias fabris e manufactureiras, Lisboa, Imprensa Nacional, 1891, Vol. IV, p. 298 e 299. 7 Boletim da Associação Comercial e Industrial de Setúbal, nº 1, ex. cit., p. 4. 8 Manuel Veiga, nascido no ano de 1893, foi por nós entrevistado em 1979. 9 Boletim da Associação Comercial e Industrial de Setúbal, nº 2, 29 de Fevereiro de 1912, p. 7. 10 Idem, p. 7-8. 4 5

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portuguesas. Para tal, considerava urgente a entrada num novo ciclo de transformação fabril, capaz de garantir maior êxito na concorrência comercial e maior bem-estar para os trabalhadores11. A iniciá-lo, deveria o Governo português fazer publicar uma lei que obrigasse o industrial fabricante de conservas a gravar em todas as latas a origem da conserva e o nome do fabricante. Assim, saber-se-ia internacionalmente que a maior parte das sardinhas que até então eram compradas com rótulos de outras proveniências, onde este peixe existia em pouca quantidade e de menor qualidade, eram de origem portuguesa, facto que elevaria Portugal ao seu real lugar de primeiro produtor de sardinhas em conserva das melhores qualidades, produzidas essencialmente em Setúbal. Esta lei, a ser publicada, evitaria que os fabricantes portugueses continuassem a estar à mercê de comerciantes ou industriais menos escrupulosos, que exportavam as sardinhas produzidas em Portugal em latas das suas melhores marcas com rótulos estrangeiros, deixando as de menor qualidade reservadas às marcas portuguesas12. Esta determinação seria o melhor incentivo para o aperfeiçoamento técnico das indústrias nacionais, tanto no processo de fabricação da conserva como ainda no embelezamento da embalagem, através da criação na área da litografia e do vazio. A Associação Comercial e Industrial de Setúbal considerava, também, de extrema importância que, em Portugal, se seguissem as determinações saídas do Congresso de Nantes, realizado no dia 9 de Fevereiro de 1912 na Union des Syndicats. Além da identificação da nacionalidade de origem das conservas, estas deliberações exigiam a indicação da espécie (sardinha), pois havia países que utilizavam o nome deste peixe em latas de “sprat”, arenque, boqueirão, chicharro, etc.”13. Portugal, nomeadamente Setúbal, lucraria muito se o Governo português decidisse secundar os fabricantes franceses na campanha de identificação dos produtos exportados. Em Maio de 1912, Setúbal exportou para os vários países, seus clientes, um total de 56 305 caixas de sardinha em conserva, que pesavam 1 036 118 quilos. O principal importador foi Hamburgo, que consumiu 264 175 quilos desta mercadoria14. Em Julho de 1912, a Associação Comercial de Lisboa, consciente dos prejuízos que adviriam para a indústria de conservas de peixe, pelo facto de não ter sido ainda exigida, por lei, a identificação da nacionalidade de origem dos produtos conservados, tal como o conteúdo das latas, contactou a sua congénere setubalense para, em conjunto, tentarem resolver o problema que estava a afectar o mercado externo português. Os fabricantes setubalenses responderam prontamente à solicitação feita, reunindo-se para decidir sobre a sua actuação no processo nacional. Por deliberação da Assembleia-Geral, foi pedida opinião por escrito a todos os fabricantes de Setúbal. A resposta foi positiva na sua quase totalidade15. Mas, ao que parece, o problema não foi resolvido, pois num texto produzido em 1935, após realização de análises ao óleo utilizado nas conservas de sardinha, encontramos referência aos valores obtidos para os índices de iodo na “sardinha Clupea Pilchardus”, na “sardinha Clupea Spratus” e na “sardinha Clupea harengus”16. Em 1912 Setúbal possuía 42 fábricas de conserva (número igual ao que se verificava em 1949). Então, no país havia, ao todo, 106 empresas. Os proprietários das 42 fábricas eram em número de 110, empregando-se todos na direcção das respectivas casas17. Em 1913 existiam 44 fábricas e, em 1914, 4618. A Primeira Grande Guerra criou novas necessidades de produtos enlatados, facto que fez com que proliferassem em Setúbal as empresas produtoras de conservas de sardinha. Assim, em 1916 havia 55 estabelecimentos19 reconhecidos, para além de pólos de fabricação acidental, instalados até em barcos, de que apenas encontramos notícia em alguns jornais ou, muito especialmente, através de testemunhos orais. Em 1920 Setúbal atingiu o número máximo de fábricas - 130. O país tinha, em 1922, 289 estabelecimentos deste tipo. Em 1924 Portugal contava com 400, o número mais alto que em qualquer tempo se verificou. Em 1934 existiam apenas 203 empresas a nível nacional, tendo Setúbal descido para 68. Mas, segundo Guilherme Faria, a indústria de conservas estava a ser reorganizada e a capacidade teórica de produção do país era, nessa altura, de 5 886 257 Idem, p. 8. Boletim da Associação Comercial e Industrial de Setúbal, nº 3, 31 de Março de 1912, p. 2. 13 Idem, nº 4, 30 de Abril de 1912, p. 3. 14 Idem, nº 5, 31 de Maio de 1912, p. 4 15 Idem, nº 11, 30 de Novembro de 1912, p. 3. 16 Charles Lepierre e Abel de Carvalho, Conservas de sardinha, resposta ao Exmo. Sr. Engenheiro de Minas Daniel Wagner, Lisboa, Instituto Superior Técnico, 1935, p. 15-16. 17 Guilherme Faria, Setúbal e a indústria de conservas, Setúbal, 1950, p. 21. 18 Idem, p. 22. 19 Idem, ibidem. 11 12

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• Cheque emitido em Beirute à ordem de Gomes da Costa, exportador de sardinhas, frente e verso, Setúbal, 1909, colecção particular de Madureira Lopes.


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caixas, enquanto que a de Setúbal era de 2 032 765 caixas20. No que se refere à exportação, verificamos que em 1900 Setúbal vendera 5000 toneladas, valor que correspondia a 47,6% do produto nacional exportado. No primeiro quinquénio do século esta soma passou a 6 500 toneladas (47,9% do total nacional) e nos anos de 1906 a 1920, Setúbal manteve uma exportação média anual de, aproximadamente, 10 000 toneladas. Entre 1921 e 1935 a média anual da exportação foi de 13 000 toneladas no primeiro quinquénio e de 16 000 toneladas no segundo e no terceiro. Se tivermos em conta a média geral das exportações realizadas nos primeiros 48 anos do século, verificamos que a média anual em Setúbal foi de 11 356 toneladas, o que corresponde a cerca de 570 000 caixas, sendo a média da exportação total do país de 32 200 toneladas, correspondendo sensivelmente a 1 600 000 caixas. Neste contexto, a mercadoria vendida pelos industriais setubalenses representa 35,2% do total nacional21. A necessidade de alimentos em conserva, que a Guerra provocara, favoreceu o aumento da produção no aglomerado urbano de Setúbal, situação que proporcionou emprego a um maior número de pessoas, de ambos os sexos e de vários níveis etários, na indústria conserveira. Quando em 1920 as fábricas eram 130, o pessoal que nelas trabalhava rondava os 10 000 indivíduos, entre homens, mulheres e rapazes. Na pesca, só da sardinha, empregavam-se, por essa época, umas 2 500 pessoas, quando o número total de pescadores rondava os 3 80022. E, em 1925, Setúbal atingiu o maior volume de exportação de todos os tempos - 19 500 toneladas, correspondentes a cerca de um milhão de caixas23. Mas, nesta mesma década, a indústria de conservas de Setúbal começou a mostrar os primeiros sinais de cansaço, resultantes da hipertrofia que atingira. O número de fábricas decresceu, enquanto que no país ainda aumentou, atingindo o seu máximo (400 fábricas) em 1924. Neste ano iniciou-se a crise das conservas em Portugal, independentemente da grande exportação realizada em 1923 e 1924, ou talvez melhor dizendo, em íntima relação com essa exportação, dada a concorrência indisciplinada que se assinalava neste ramo de trabalho nacional. Os clamores das dificuldades haviam de concretizar-se no I Congresso Nacional da Pesca e das Conservas, realizado em Setúbal em 1927, do qual saíram as principais sugestões que de algum modo constituíram a base da indústria, em 193224. Setúbal, em 1928, possuía apenas 63 fábricas de conservas de peixe. A actividade piscatória continuava, no entanto, em pleno desenvolvimento. Em 1924 tinham desaparecido os últimos cercos à vela e a remos (os 3 primeiros cercos a vapor haviam sido registados no ano de 1920), dando lugar aos de propulsão mecânica, que chegaram a ser 48 em 1925, mas apenas 34 no último ano do decénio - 1930. O número total dos pescadores, entre 1921 e 1930, rondava os 4 600. As estatísticas oficiais começaram a registar o peso aproximado do pescado, sabendo-se que nos últimos quatro anos deste período (1927/1930) a média anual da sardinha colhida foi de 18 116 toneladas. Em 1930 a população de Setúbal tinha subido para 46 342 indivíduos25. Pesca e conservas de peixe - sardinha - foram, ao longo de meio século, o suporte económico, social e populacional da cidade, como é possível verificar através dos documentos coevos. O seu declínio teve, pois, graves repercussões, não apenas na economia setubalense como também no processo demográfico da cidade. Em 10 anos a população do aglomerado urbano desceu para 45 345 habitantes (menos 1 000 do que em 1930). Nos primeiros cinco anos deste período (1930-1940), Setúbal manteve ainda uma exportação de conservas de peixe que representava 41,6% das vendas externas portuguesas, mas nos anos que mediaram entre 1935 e 1940, os industriais da cidade apenas venderam 21,9% do montante nacional 26. Em Setúbal fazia-se conserva dos mais variados peixes, principalmente no século XIX em que o próprio salmonete, o robalo e o linguado eram enlatados e vendidos no país e no estrangeiro, como podemos verificar através de uma tabela de preços de “Conservas alimentícias”, publicada em 1855, pelo conserveiro Manuel José Neto. Mas a espécie mais consumida nesta indústria, e mais desejada pelos consumidores, era a sardinha. No século XX, com o desenvolvimento do mercado internacional e a introdução de novas técnicas, os industriais setubalenses dedicaram-se à conservação de outras espécies, além da sardinha, conserva por excelência. Desenvolveu-se a fabricação de carapau, chaputa (brama-rai), atum, embora em menor quantidade, e biqueirão, conserva na qual era usado um método misto de salga e Appert27. Idem, ibidem. Idem, p. 24-25. 22 Idem, p. 29. 23 Idem, p. 26. 24 Idem, p. 40. 25 Idem, p 41. 26 Idem, p. 41-42. 27 Descrito em: Maria da Conceição Quintas, Setúbal, economia, sociedade e cultura operária, 1880-1930, ob. cit., p. 97. 20 21

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• Conservas Nataline de J. Antunes Fragoso, Setúbal, Portugal, colecção particular de Madureira Lopes. • Litografia de publicidade da Sociedade Industrial Setubalense, início do século XX, colecção particular de Madureira Lopes. • Conservas Siledo, APSS.


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O capital e a mão-de-obra franceses Embora, como já foi referido, desde 1854 os setubalenses se dedicassem à indústria de conservas de peixe, especialmente de sardinha, só com a chegada dos franceses em 1880, se verificou o grande impulso na dinâmica conserveira na cidade de Setúbal. Os proprietários da sociedade Établissements F. Delory, com sede em rue de Brest, Lorient, França, ao defrontarem-se com a escassez de sardinha na costa francesa, decidiram instalar em Portugal empresas para produção de conservas daquela espécie, segundo o método Appert. Assim, as suas fábricas iniciaram a laboração junto a dois dos principais portos de pesca de sardinha de então: Olhão e Setúbal. Tendo em conta os documentos da empresa 28, a primeira fábrica foi instalada em Setúbal, embora os documentos da sociedade indiquem a sucursal de Olhão como nº 1 e a de Setúbal como nº 2. O facto não parece muito relevante, uma vez que a fundação destas unidades foi, praticamente, simultânea. Para maior facilidade no transporte do peixe, os imóveis, onde se instalavam as explorações deste ramo industrial, eram sempre construídos junto ao cais. Assim, a Société Anonyme Établissements F. Delory instalou-se na Rua dos Trabalhadores do Mar, junto ao rio Sado, num edifício construído para o efeito, segundo as normas exigidas para este tipo de estabelecimentos29. A administração estava sedeada em França. Portugal e os portugueses apenas lhes forneciam matéria-prima e mão-de-obra barata. Em “notas”, P. Dassé (gerente) esclarecia: “Somos unicamente um estabelecimento fabril. Todos os negócios e assuntos comerciais são tratados pela sede, em Lorient (França)”30. Sobre combustíveis utilizados declarava não consumir energia eléctrica produzida pelo próprio ou comprada31, não gastar carvão nacional, mas ter consumido 75 toneladas de carvão estrangeiro. Através dos documentos existentes verifica-se uma total separação entre a empresa e a população em que estava inserida, pois importava de França todos os materiais necessários à laboração, incluindo o próprio combustível, e utilizava apenas a matéria-prima que não podia importar do país de origem - a sardinha - e a mão-de-obra não qualificada, salvo raras excepções. A convivência com os industriais locais também não era muito cordial, pois estes queixavam-se de que esta firma absorvia os mercados franceses, bloqueando-lhes o acesso aos mesmos, situação que levou alguns conserveiros qualificados a ter atitudes consideradas menos honestas para poderem vender o seu produto em França. Era o caso das tentativas de falsificação ou imitação de marcas conhecidas internacionalmente mas, sobretudo, acreditadas no mercado francês32. Como simples sucursal que era, este estabelecimento fabril regia-se pelos estatutos da empresa com sede em Lorient (França), subordinada à lei geral daquele país. O gerente, pessoal administrativo e técnico eram de origem francesa. Toda a escrita do estabelecimento se fazia em francês, tal como os comunicados internos, apenas traduzidos quando dirigidos aos trabalhadores33. Acidentalmente, houve delegação de poderes a empregados de nacionalidade portuguesa para resolução de problemas no país. Na parte do espólio que nos foi possível observar, encontramos procurações para facilitar o funcionamento da filial portuguesa.

Cimentos O fabrico do cimento andou, normalmente, associado à produção de cal e de cerâmica para a construção civil. Foi no século XVIII que químicos, engenheiros e construtores começaram a interessar-se por este material, embora algo de parecido já fosse utilizado por civilizações antigas, nomeadamente por egípcios e por árabes. Mas, em 1824, J. Aspdin registou um processo de fabrico de um ligante hidráulico, à base de uma mistura de calcário e de argila. Este produto tinha uma cor semelhante à das pedras naturais da ilha de Portland, também elas com propriedades hidráulicas. Assim, o nome desta ilha ficou para sempre ligado ao fabrico do cimento34. Setúbal foi, desde muito cedo, alvo das atenções daqueles que queriam produzir cimento em Portugal, conjuntamente com Alhandra e Leiria, pelas condições excepcionais do terreno situado na encosta da serra da Arrábida, mais concretamente os que ficam junto a Albarquel para o lado da foz MTS, ASD. Plantas existentes no MTS, ASD. 30 Verbete de Sociedade, Direcção Geral de Estatística, 1929 - verbete nº 11 115, conhecimento nº 783, série 6, p.1-3. MTS, ASD. 31 Em Setúbal a energia eléctrica só foi inaugurada em 1930, embora algumas empresas possuíssem geradores próprios. 32 Mais pormenorização sobre falsificações e mão-de-obra em: Maria da Conceição Quintas, Setúbal, economia, sociedade e cultura operária, 1880-1930, ob. cit., p. 109 e 110. 33 Informação obtida através da análise de documentos existentes no espólio depositado no MTS, ASD. 34 Ainda hoje existe um tipo de cimento denominado “Portland”. Apud: SECIL, qualidade, tradição, Inovação, Lisboa, 2001, p. 5. 28 29

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• Fábrica de Cimento “Secil”, construção de transportador ao longo do cais e guindaste para cargas e descargas, APSS • Sécil, Américo Ribeiro, postal ilustrado, s.d., colecção particular de Madureira Lopes • Diploma de sócio da Associação Comercial e Industrial, fundada em Janeiro de 1912, colecção particular de Madureira Lopes


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do rio Sado, anexos da Quinta da Comenda, propriedade do conde de Armand35. O local era considerado por António Jorge Freire, nos finais do século XIX, como o ideal, não apenas pelas extraordinárias características dos terrenos anexos, possuidores de argila, calcário e areia (elementos necessários para a produção de tijolos, de cal e de cimento), como também pela proximidade do Porto de Setúbal com excepcionais condições facilitadoras da importação de matérias primas, necessárias para a produção, e de exportação do material produzido. O momento escolhido para a instalação era o ideal, uma vez que o início das obras do Porto de Lisboa exigiriam imensos tijolos, cal e cimento, que a produção nacional, até então existente, jamais poderia comportar. Por outro lado, dada a proximidade de Lisboa e a facilidade de transporte fluvial e marítimo, tornaria o produto bastante mais barato e, portanto, mais apetecível. António Jorge Freire apresentava também uma relação exaustiva de materiais, máquinas e mão-de-obra necessária para a produção dos tijolos, da cal, do gesso e do cimento, assim como cálculos pormenorizados dos custos e dos preços de venda, que mostravam claramente a viabilidade do empreendimento36, que propiciaria “uma revolução na arte de construir habitações” facilitando a descida das rendas37.

SECIL A Companhia de Cimentos de Portugal, fundada em 1904, instalou uma fábrica de cimentos no Outão, junto à foz do rio Sado, mais ou menos no local sugerido por António Jorge Freire. As instalações e os terrenos anexos foram adquiridos em 1918 pela Companhia Geral de Cal e Cimento que, em 1925, veio a arrendá-los à Sociedade de Empreendimentos Comerciais e Industriais Lda, que deu origem à SECIL38. À fusão destas duas sociedades, em 1930, seguiu-se a comparticipação das firmas dinamarquesas F. L. Smidth & Cª e Hojgaard & Schultz A/S. Surgiu, assim, a designação actual da empresa: SECIL Companhia Geral de Cal e Cimento, S.A. Os accionistas da SECIL são, actualmente, as empresas SEMAPA, S.A., que detém a maioria do capital e FLSHH SGPS, Lda., holding que agrupa as participações dos accionistas dinamarqueses39. “Mantendo o núcleo central da sua actividade na produção de cimento, a SECIL integra, hoje [2001], um conjunto de 30 empresas - O Universo Secil - que operam em áreas complementares, desde as pedreiras aos produtos para bricolage, passando pelo betão e prefabricados dele derivados, cal hidráulica, rebocos e revestimentos vários, fibrocimento, madeira-cimento, etc.”40. Os objectivos que a SECIL se propõe atingir levaram-na a dotar-se de equipamentos sofisticados e tecnologicamente avançados em todas as fases do processo, desde a extracção das matérias-primas até à embalagem final dos produtos. O seu desenvolvimento sinergético tem sido constante, mantendo a fabricação e a comercialização do betão pronto como actividade autónoma, através da holding Secil-Betões e Inertes, controla várias empresas, nomeadamente a Betopal, a Unibetão e a Secil-Betão, mantendo também participação directa na empresa Betão-Liz. Coopera em empresas que se dedicam à fabricação e à comercialização de novos produtos para a indústria da construção civil, em várias áreas e comparticipa em empresas que desenvolvem actividades complementares da sua actividade principal, como a exploração de pedreiras, a concepção e implementação de projectos industriais e o desenvolvimento de soluções no domínio da preservação do ambiente. Relevante também é a actividade exercida na área “uma cultura de empresa”, de que salientamos a dinâmica de formação profissional, cultural de segurança, lazer e bem-estar dos seus trabalhadores e das comunidades em que se insere. Mantém aberto ao público o Museu da fábrica Maceira-Liz, contribuindo, assim, para a preservação do património português na área da arquitectura e da arqueologia industrial, nomeadamente, da indústria dos cimentos41. A importância dos prémios SECIL, lançados pela primeira vez em 1992, foi reconhecida pela presidência da República, pelo governo, pelas autarquias e por entidades de prestígio no meio artístico como foi o caso da Associação Internacional de Críticos de Arte, pela competência, independência e representatividade dos respectivos júris, pela participação activa dos mais altos órgãos nacionais de representação das profissões envolvidas e pelo seu significativo valor pecuniário42. De relevo tem sido também o desenvolvimento e a preservação ecológica, de que falaremos mais pormenorizadamente em capítulo próprio. António Jorge Freire, Cavaleiro da Ordem de Santiago e condutor de 1ª classe de obras públicas, Memória sobre o estabelecimento de uma tijolaria, fornos de cal e cimento, em Setúbal, documento manuscrito, sem data mas que remonta a finais do século XIX, folha 1. 36 Idem, ibidem, folhas 3 a 9. 37 Idem, ibidem, folha 10 v. 38 SECIL, qualidade, tradição, Inovação, Lisboa, 2001, p. 7. 39 Idem, ibidem. 40 Idem, ibidem. 41 Idem, ibidem, p. 25. 42 Idem, ibidem, p. 26 e 27. 35

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Construção Naval A construção e reparação naval no território continental português confundem-se com a existência de populações ribeirinhas. Mas entre o pequeno e o primitivo barco de pesca pré-histórico e os super-petroleiros de hoje, fez-se a história de um povo43.

Dos primórdios ao século XIX As características da foz do rio Sado e o volume de actividade comercial realizada por Setúbal e Alcácer do Sal mostram que, desde tempos bastante remotos, estas localidades foram importantíssimos centros de construção naval. Os testemunhos materiais podem ser, ainda hoje, encontrados nos cais, portos e estaleiros tradicionais ou em instrumentos de pesca, trajos, ex-votos, mapas, gravuras antigas, e outra documentação. Alcácer do Sal foi, durante a ocupação árabe, um centro importantíssimo de construção naval. Os seus estaleiros atingiram, então, a maior amplitude de sempre. Para o assalto a Santiago de Compostela em 997, foram fornecidos numerosos barcos e equipagem pela então capital da província de Al-Kssr. Os textos produzidos por historiadores árabes referem a abundância de pinheiros ao redor de Alcácer do Sal, que facilitavam a construção de muitos navios. Depois da reconquista cristã44, o Porto de Setúbal desenvolveu-se. Face aos ataques dos piratas, a população do aglomerado urbano cotizou-se e mandou construir as primeiras muralhas que ficaram concluídas na segunda metade do século XIV, durante o reinado de D. Pedro I. Durante o reinado de D. João I Setúbal já era um importante centro de construção de embarcações, uma vez que os artesãos ligados a estas actividades gozavam de alguns privilégios, nomeadamente da isenção de terem cavalos e armas, bestas, lanças, dardos e outros45. Estas regalias foram, posteriormente, confirmadas por outros monarcas, designadamente D. Pedro (Regente) por carta de 24 de Dezembro de 1444, D. Afonso V por cartas de 30 de Junho de 144946, de 25 de Julho de 1449 e de 25 de Julho de 145047 e D. João II por carta de 20 de Julho de 1489 na qual amplia os benefícios concedidos aos pescadores e aos calafates de Setúbal. Enquanto que D. Afonso V se refere apenas aos “carpenteyros e pitintaaes das nossas galees moradores em Setuval [...]”48, D. João II alarga a sua atenção a todos os carpinteiros navais desta ribeira ao dizer que “[...] os carpimteiros da Ribeira, moradores em esta villa de Setuvell nos disseram que elles som muyto mall trautados açerqua dos seus oficios per os nossos comtadores, almuxarifes e per outras pessoas que na dita villa teem poder e mamdo, porquamto amdamdo elles per muytas vezes em obras dos navios dos moradores della [...]”49. A confirmar o peso imenso que a construção naval de Setúbal tinha a nível nacional temos ainda mais uma referência feita por D. João II aos industriais deste ramo: “[...] fazemos saber que querendo fazer graça e merçe aos senhorios e mestres de caravellas e navyos d’alto bordo que ora som feitos e ao diante se fizerem na villa de Setuvall [...]”50. Estávamos no auge dos descobrimentos marítimos e Setúbal era, para além da Ribeira das Naus, o local por excelência para a construção dos navios necessários para o empreendimento. Foi nos estaleiros deste aglomerado urbano que a caravela foi adaptada a navio de guerra no reinado de D. João II. Garcia de Resende referia-se muito elogiosamente à arte naval dos setubalenses dizendo que, “[...] como era engenhoso em todos os ofícios e sabia muito de artilharia, cuidando muito disso, por melhor guardar sua costa com mais seguridade e menos despesas, aqui em Setuvel com muitos esperimentos que fez achou e ordenou em pequenas caravellas andarem muito grandes bombardas e tirarem tão rasteiras que iam tocando na agoa [...]”51. D. Manuel I por carta de 14 de Março de 149652 reafirma todas as isenções concedidas pelos anteriores monarEsteves Pereira, “Oito séculos de construção naval”, Diário de Notícias, suplemento, Lisboa, s.d. [1978], p. 4. Em Maio de 1179, quando outorgou a carta de lei à cidade de Lisboa, D. Afonso Henriques determinou o seguinte: “Dos navios verdadeiramente mando que o alcaide e dois espadelários e dois proeiros e um petintal [calafate] tenham foro de cavaleiro”. É o documento mais antigo que se conhece com referências relevantes às actividades marítimas no reino de Portugal. 45 ADS, FAC, pasta 77/53. 46 Chancelaria de D. Afonso V, livro 18, fl. 57, ANTT. 47 Livro 1º Odiana, p. 134, ANTT. 48 Chancelaria de D. Afonso V, livro 18, fl. 57, ANTT. 49 Chancelaria de D. João II, livro 14, fl. 15. 50 15 de Janeiro de 1490, Idem, livro 26, fl. 100. 51 Garcia de Resende, Chonica de El-Rei D. João II, Lisboa, Biblioteca de clássicos portugueses, 1902, vol. III, cap. 180. Apud António Joaquim Guerra, “Construção Naval em Setúbal nos séculos XV-XVI”, Henrique Cabeçadas et. al., Embarcações tradicionais do Sado, Setúbal, MAEDS, 1986, p. 28. 52 Livro Odiana, p. 143 e Livro 52, p. 96, Chancelaria de D. João III, ANTT. 43 44

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cas e, em 19 de Dezembro de 1500, concede prerrogativas ao mestre construtor de navios grandes em Setúbal53 e, em documento datado de 29 de Agosto de 1512, confirma uma carta de D. João II que proibia as autoridades e demais oficiais do rei de constrangerem os carpinteiros da ribeira de Setúbal a irem trabalhar em quaisquer obras contra sua vontade, exceptuando apenas o caso das obras urgentes do soberano54. Nos documentos coevos pode ler-se que nos grandes arsenais da ribeira de Setúbal não cessavam os trabalhos de construção de diferentes embarcações de guerra e mercantes, continuando a marinha e a navegação a florescer neste porto55. Na carta de quitação de 19 de Dezembro de 1497, dada por D. Manuel ao recebedor do Almoxarifado de Setúbal, refere-se o recebimento de uma grande quantidade de material para os aparelhos de caravelas56, o que previa que nesse ano se construíssem ou reparassem e aparelhassem diversos vasos de guerra57. D. João III, que reinou nos anos de 1521 a 1557, manteve os privilégios que os seus antecessores haviam concedido aos artesãos da construção naval de Setúbal. Com o domínio filipino o ritmo da construção abranda mas não acaba pois as embarcações necessárias para as actividades relativas à pesca e ao comércio fluvial e marítimo continuam a ser aqui construídas. Nos séculos XVII e XVIII esta situação mantém-se. Almeida Carvalho anotou as embarcações construídas em Setúbal nos anos de 1850 a 1865 dando-nos a noção não apenas do número de barcos mas também das suas lotações em toneladas ou em metros de comprimento: Anos 1850 1851 1852 1854 1855 1856

1857

1858 1859 1860 1861 1862 1863 1864 1865

Qualidades das embarcações Hiate Batel Escuna - barca Batel Lancha Cahique Hiate Hiate Hiate Hiate Hiate Hiate Hiate Hiate Hiate Hiate Canoa Hiate Hiate Brigue Palhabote Canoa Cahique Canoa Hiate Hiate Lugre Hiate Cahique Canoa Palhabote Hiate Cahique Lugre Hiate Barca

Denominações Novo sem segundo Philomena Emma Contente Oliveira Feliz O que Deus quizer Providência Oliveira São Vicente 2º Dois Amigos Oliveira Brilhante Segredo Amizade Vasco da Gama Estrella 3º Carolina Parada do moinho novo Lanceiro Preciozo Feliz Ventura Freitas 1º Oliveira Bomfim e Almas Vencedora Nova Piedade Viriato Dextro Açorianno Aguilito S. João Baptista Ermelinda União Pensamento Carlota Adelina Patti Ramalhete 1º Nova Marianna

*Não estão indicadas as toneladas mas os metros que a embarcação tinha de comprimento.

Dantas, Secc. 1ª, p. 33, Legislação, ADS, FAC, pasta 77/53. Livro 7º Odiana, p. 158, ANTT. 55 Almeida Carvalho, século XIX, ADS, FAC, pasta 77/52. 56 Livro 5º Odiana, p. 196 v., ANTT. 57 Almeida Carvalho, século XIX, ADS, FAC, pasta 77/52. 53 54

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Lotações (toneladas) 41 13 201 12 4 14 23 126 54 31 68 20 75 48 69 147 9 72 89 235 85 12 29 16 59 75 224 71 21 23 148 13,8 m* 22 m* 24,5 m* 44 m* 27,2 m*


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• Fábrica Portucel, fotografia actual, APSS. • Lisnave, antiga Setenave, Hidrolift, APSS. • Cais da empresa Auto Europa, fotografia actual, APSS.


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Em 1892 O Diário Popular publicava um artigo de primeira página, no qual protestava contra “o horroroso e inaudito atentado que se premeditava desaforadamente praticar, invadindo-se as regalias dos privilegiados operários navais da capital, afrontando os princípios exclusivistas sempre nutridos nos corações lisbonenses [...]”58. Em causa estava o facto de, tendo “ido à praça” o fabrico da canhoneira Mandovi, o construtor que ganhou a encomenda ter decidido construí-la em Setúbal, pelo que os carpinteiros navais de Lisboa se sentiam lesados nos seus direitos adquiridos desde há muito tempo. Os ânimos estavam bastante exaltados mas o construtor argumentava que só assim poderia cumprir o caderno de encargos que aceitou ao ganhar o concurso público, argumentação suficiente para que a Mandovi acabasse por ser construída em Setúbal.

O século XX O século XX trouxe outras perspectivas na área da construção naval. Em 1931, o relatório de actividades do Porto de Setúbal informava-nos de que “a indústria das construções navais que neste porto tem tido sempre um certo incremento, construindo nos anos de 1919 a 1929, 362 embarcações com 1 206 toneladas e fazendo sobretudo muitas e importantes reparações, especialmente de barcos de madeira, construiu durante o ano de 1930, 39 embarcações, com 220 toneladas, sendo uma, o vapor de pesca “Cristina II”, de 60 toneladas com metros 22,30 de comprimento, 5,50 de boca e 2, 75 de pontal”59. Em 1953 existiam em Setúbal sete estaleiros navais: Actualmente, em laboração plena, subsistem apenas dois estaleiros de construção de embarcações de madeira. São eles: Luís de Oliveira Rafael, antigo Armando Ramos e Joaquim Rendeiro, antigo Guilherme Lopes. Chaves & Chaves, hoje Menaval, continua activo em construção de ferro61. O distrito de Setúbal, além de manter a actividade de construção de pequenas e médias embarcações em estaleiros próprios, foi um dos escolhidos para a fabricação e reparação de navios de grande calado. Aqui foram instalados dois grandes pólos: A Lisnave, famoso estaleiro de reparações de Lisboa, situado em Cacilhas e a Setenave, estaleiros navais de Setúbal, situado na Mitrena, nos arredores desta cidade.

Setenave/Lisnave A Setenave foi fundada em 27 de Maio de 1971, no estuário do rio Sado, para a construção de grandes unidades62. Em 1972 começaram os trabalhos de dragagem no estuário do Sado, a leste de Setúbal, em finais de 1973 desenvolveram-se os trabalhos de construção das docas secas e ficaram concluídas as infra-estruturas não operativas: instalações para a Guarda-Fiscal, Centro de Medicina no Trabalho, refeitórios, armazéns, balneários e o Repair Management Centre63. Em Janeiro de 1974 começou a funcionar a Caldeiraria Ligeira, integrada no sector de reparação naval e, em Abril deste mesmo ano, a oficina de processamento de aço, ou Caldeiraria Pesada, iniciou as suas actividades na área das novas construções. Iniciou-se também a construção de um casco de 316 mil toneladas, encomendado pela Soponata à Eriksberg, que, por seu turno, contratou a sua construção com a Setenave64. Particularmente notável foi também o esforço desenvolvido no âmbito da organização do trabalho e da formação profissional. Em 1975 as docas secas entraram em funcionamento e a Setenave foi nacionalizada. Em 1978, “o estaleiro - preparado para 80% de construção e 20% de reparações - [tinha já] uma plataforma seca para construção até 700 000 toneladas; duas docas secas para reparação, para 700 000 e 300 000 toneladas; quatro cais acostáveis para reparações e armamento; várias ofi-

Diário Popular, nº 8 992, 18 de Março de 1892, p. 1. Relatórios e contas dos exercícios de 1931, da Junta Autónoma..., ed. cit., p. 99. 60 Roteiro de Setúbal, Setúbal, Tipografia Simões, 1953, p. 114. 61 Informação fornecida por Luís de Oliveira Rafael, proprietário do estaleiro com o seu nome. 62 Setenave, estaleiros navais de Setúbal, álbum fotográfico bilingue, com fotografias de Augusto Cabrita e desenhos de Lino Neves, Setúbal, s.d., sem paginação. 63 Relatório do Conselho de Administração, Almada, 22 de Abril de 1975. 64 Idem, ibidem. 58 59

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cinas, entre as quais [avultavam] as caldeirarias pesada e ligeira; onze guindastes e gruas de capacidade vária e um gigantesco pórtico capaz de transportar até 500 toneladas”65. Para o empreendimento fora construída uma “península”com a área de um milhão de metros quadrados e o rio Sado ficou afecto ao estaleiro numa superfície de 3 milhões. Existia ainda um complexo sistema auxiliar hidráulico, mecânico, eléctrico e electrónico necessário à rapidez dos trabalhos. Desde a entrada em actividade até ao ano de 1978 a Setenave reparou nos seus estaleiros “uma tonelagem total da ordem das dezenas de milhões de toneladas e construiu vários cascos ou parte de cascos de petroleiros até 400 000 toneladas. Agora [1978], depois de se ter lançado na construção total de um petroleiro - o «Nogueira» para a Soponata - prepara-se para iniciar três graneleiros de 38 000 toneladas cada e um petroleiro de mais de 300 000”66. Mas, a crise internacional sofrida desde 1973 pelos estaleiros do Hemisfério Norte, a concorrência do Extremo Oriente e as dificuldades nacionais de renovação da frota mercante, tornaram as perspectivas pouco atraentes. A reconversão do estaleiro parecia pouco viável para o Dr. Costa Leal, presidente do Conselho de Administração da Setenave. Pensava, no entanto, que a renovação da frota pesqueira portuguesa, já obsoleta, e da marinha mercante também bastante necessitada de renovação, poderia voltar a animar a actividade nos estaleiros da Setenave. Perante a crise verificada, a Setenave, embora vocacionada, inicialmente, para a construção de navios, transformou-se num estaleiro misto de construção e reparação naval. E, mesmo em plena escassez de trabalho no mercado das reparações, esta empresa atingiu um índice de frequência invejável em estaleiros de grandes tradições em muitos outros países. Só no ano de 1978 foram reparados 102 navios, dos quais 90% eram estrangeiros das mais diversas origens67. Para comemorar o aniversário da Setenave, os dias 6 a 9 de Abril de 1979 foram, para além de dias de festa, a preparação do programa para o futuro que se avizinhava. O baptismo do navio tanque «Nogueira» da Soponata, no dia 6, foi o auge da euforia. Era a concretização do grande “sonho”: um navio totalmente construído nos estaleiros da empresa. O Padre Manuel Vieira celebrou a cerimónia litúrgica da Bênção do Navio e fez a oração de louvor e súplica a Deus para que a obra humana fosse de Libertação para a Humanidade. O «Nogueira» é um petroleiro de 320 000 toneladas de porte com 346,24 metros de comprimento total, 57,3 metros de largura e 28,5 metros de altura (excluindo a superstrutura). Destinava-se ao “abastecimento de ramas do futuro empreendimento de Sines”68. Foi o primeiro navio a ser totalmente construído nos estaleiros da Setenave e o maior, até então, construído em Portugal. Pertencia à mesma classe do «Neiva», cujo casco fora também construído nesta empresa. O resto do navio foi completado nos estaleiros suecos de Eriksberg. O segundo petroleiro, já em construção em 1979, destinava-se a uma empresa liberiana, Settebello, Lta e foi entregue em 1980. No dia 10 de Outubro de 1983 realizou-se a Cerimónia de Bênção e Baptismo do Navio «Nisa» destinado também à frota da Soponata. Foi uma cerimónia simples, realizada apenas na presença dos principais responsáveis das empresas, construtora e armadora, membros dos respectivos ORTs e o Capitão do Porto de Setúbal. A cerimónia da Bênção esteve a cargo do Padre Francisco Ferreira, Director Nacional do Apostolado do Mar. Usaram da palavra o Engenheiro Fernandes Marques, presidente do Conselho de Administração da Setenave e o Engenheiro Gonçalves Viana, presidente do Conselho de Gerência da Soponata69. Os primeiros acordos de cooperação entre a Setenave e os países de língua oficial portuguesa tiveram início em 1978 com a República da Guiné-Bissau, seguindo-se a República Popular de Moçambique, tendo participado na FACIM, Feira Internacional de Maputo, em 1984, quando este certame celebrava os seus 20 anos70. A crise, que grassava na indústria naval em todo o mundo, afectou de forma drástica a Setenave. Embora vocacionada, fundamentalmente, para a construção e reparação de navios de grande porte, nomeadamente de petroleiros, a empresa promoveu a diversificação dos seus produtos, através do desenvolvimento de projectos de navios e outras construções de porte mais reduzido e que iam dos graneleiros tipo Panamax até às docas flu-

Costa Leal, presidente do Conselho de Administração da Setenave “Setenave «atravessa o deserto» preparando o futuro”, Diário de Notícias, suplemento, Lisboa, s.d. [1978], p. 11. 66 Idem, ibidem, p. 13. 67 ”Depois da tempestade virá a bonança?”, Informação Setenave, suplemento 4, nº 166, 6 de Abril de 1979, p. 3. 68 “6 de Abril, 7º aniversário da Setenave, baptismo do N/T «Nogueira»”, idem, ibidem, p. 4. 69 “Bênção e Baptismo do «Nisa»”, idem, nº 286, 24 de Outubro de 1983, p. 4. 70 Informação Setenave, edição especial FACIM 84, 23 de Agosto de 1984, capa v. 65

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tuantes e pontões de vários tipos, alguns já viabilizados. A empresa desenvolveu ainda outros projectos como o referente a um standard de porta-contendores - graneleiro de 33 000 toneladas de porte bruto (tdw) que representava uma versão modernizada do graneleiro handy-sise de 38 000 tdw, de que já estavam três unidades em estado avançado de construção. Também a conversão de navios não foi descurada pois já haviam sido realizadas nos estaleiros da Setenave, nomeadamente a execução do «Jumboizing» e conversão parcial para contentores de três navios de carga geral e a alteração de um navio de transporte de automóveis para graneleiro. Outro tipo de conversão estudada foi também a de petroleiro-transporte de carvão e petroleiro-batelão semi-submersível71. Em 1989 foi assinado o contrato de concessão do estaleiro da Setenave à Solisnor, sociedade na qual participavam a Soponata, a Lisnave e a empresa norueguesa Barber International, Wilhelmsem e Platou, que começou a explorar o estaleiro em 1990. O seu principal objectivo era a construção de quatro navios, com destino à Soponata. Em 1992 a Lisnave adquiriu o remanescente do capital da Solisnor, na posse da Soponata. Esta aquisição foi efectuada por direito de opção, junto do IPE, único subscritor no concurso público para a venda do referido capital e deu à empresa a coordenação comercial dos dois grandes estaleiros da costa atlântica portuguesa: Margueira e Mitrena. No último trimestre deste ano foi desenvolvido o projecto de remodelação da Estação de Tancagem da Lis Sado, na Mitrena, em colaboração com o Departamento de Projecto da Lisnave72. No âmbito da VII Directiva Comunitária, que impôs aos estados membros uma diminuição drástica da capacidade dos seus estaleiros navais em 1993, foi criado o Plano de Reestruturação e Reconversão da Lisnave, por despacho conjunto dos Ministérios das Finanças, da Indústria e Energia e do Emprego e Segurança Social, de 21 de Janeiro de 1994, no qual se previa a extinção dos estaleiros da Margueira (Almada) e a concentração de todas as actividades de reparação e construção navais nas instalações da Setenave no estaleiro da Mitrena, em Setúbal73. O Plano de Reestruturação da Lisnave passou, em 1997, a Protocolo de Reestruturação da Lisnave, dando origem a um acordo governamental para reorganização desta indústria a nível nacional. Surgiu assim uma outra Lisnave, depois de construir três novas docas (Drydocks) para navios de tipo Panamax, das quais surgiu o Hydrolift concluído em finais de 2000, conjuntamente com as infra-estruturas subjacentes. Em finais de 2000 concretizou-se a extinção dos estaleiros da Margueira e a instalação definitiva da Lisnave nos estaleiros da Mitrena em Setúbal, depois da sua reestruturação, apresentando no ano de 2001 resultados já bastante positivos. Neste mesmo ano a Lisnave alterou a sua estrutura accionista, permitindo a entrada de capital de duas empresas alemãs (Ferrostaal, Thyssen e HDW) num total de 40%. Estas empresas pertencem ao consórcio que concorreu ao projecto dos submarinos que a Marinha Portuguesa pretendia adquirir. É de salientar a entrada em funcionamento do Hydrolift, equipamento de docagem de navios único no mundo e totalmente idealizado, concebido e projectado, para o estaleiro da Mitrena, por engenheiros portugueses. A primeira doca do Hydrolift iniciou a sua actividade em 31 de Dezembro de 2000 com a docagem do navio «Goviken». As outras duas docas começaram a funcionar em 1 e 6 de Fevereiro de 2001, respectivamente, com a entrada dos navios «Taman» e «Cape Recife». Foi inaugurado em 20 de Fevereiro de 2001, ano em que ali foram reparados 48 navios74.

Adubos Nos finais do século XIX, já existia em Setúbal uma fábrica de adubo químico de peixe75 que se manteve ao longo dos tempos e abastecia a região. Nos anos de 1925 a 1928 funcionou em Tróia uma instalação norueguesa para a extracção de óleo de baleia e para o fabrico de adubos, tendo sido pescadas nas nossas costas centenas de baleias, exportadas cerca de 2 400 toneladas do seu óleo e fabricadas imensas toneladas de adubo de peixe76.

Idem, ibidem. Relatório de Gestão e Contas da Solisnor, estaleiros navais, S.A., 1992, p. 7 a 9. 73 O despacho diz: “O plano de reestruturação e reconversão da Lisnave prevê um plano social de racionalização de efectivos, associado à concentração de toda a actividade de reparação naval nos estaleiros da Mitrena, propriedade da Setenave”. DR, 2ª série, nº 27, 2 de Fevereiro de 1994, p. 968. A Portaria nº 173/94, de 28 de Março, explicita os pormenores do acordo. 74 Informação fornecida pelo Eng. Humberto Bandeira, Direcção Comercial, Lisnave, Mitrena, Setúbal. 75 1882, ADS, FAC, pasta 47/32. 76 Margarida Curto, Estuário do Sado, tesouro da região de Setúbal, apontamentos históricos sobre Setúbal e o seu porto, Setúbal, Navigomes, 1996, p. 62. 71 72

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• Stand Publicitário da Sapec, Exposição Regional de Setúbal, postal ilustrado, 1930, colecção particular de Madureira Lopes


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SAPEC Nos finais do ano de 1924, Frederic Jacobs, banqueiro em Antuérpia e seu genro Antoine Velge, durante uma visita a Setúbal, descobriram a 7 quilómetros da cidade, na margem direita do Sado, a herdade de Praias, com 400 hectares, cujas condições geográficas consideraram ideais para a localização de uma fábrica de super-fosfatos que já haviam pensado fundar em Portugal. A propriedade pertencia a Henrique Augusto Pereira, rico proprietário setubalense, e era servida pela estrada da Graça que fora construída durante os anos de 1921 e 192277. “A herdade de Praias fora adquirida a Henrique Augusto Pereira pela Société Anonyme Belge dês Mines d’Aljustrel por escritura que só foi firmada em 23 de Julho de 1930, embora esta empresa mineira já usufruísse da posse plena do terreno a partir de 1925”78. Construíra ali um cais, a estacada BEER, para a acostagem de barcos que transportavam a pirite exportada e uma oficina de fragmentação de minério, triturado à granulometria de 0/12 milímetros, exigida pelos clientes. A estacada BEER foi-se deteriorando e acabou por cair durante o ciclone de 1941, sendo substituída pela estacada SACI, já construída pela SAPEC, que adquirira uma parcela de 60 hectares da herdade de Praias, por escritura firmada em 8 de Junho de 1927, por 136 000$00. Entretanto, já se havia constituído como sociedade em 21 de Janeiro de 1926, com a vocação inicial já determinada de fabricar super-fosfatos em Portugal. Os seus estatutos foram aprovados com o nome de Produits et Engrais Chimiques du Portugal (SAPEC), no cartório de Me. André Taymans, notário em Bruxelas79. A empresa dispunha de um porto privativo no estuário do Sado, protegido das intempéries e com capacidade para receber os navios que ali iam carregar e descarregar materiais. Também a proximidade do Alentejo, a maior província consumidora de adubos em Portugal, e a ligação, por um ramal de caminho-de-ferro e por troço de estrada, às redes ferroviárias e rodoviárias nacionais, fizeram do local escolhido pelos seus fundadores, o ideal para o empreendimento que projectavam. Antoine Velge, presidente do Conselho de Administração da SAPEC, após falecimento de Frederic Jacobs, apaixonou-se por Portugal, nomeadamente por Setúbal, tornando-se um mecenas na região. Em dada altura afirmou: “La moitié de mon coeur est portugaise”80. A fábrica foi inaugurada em finais de 1927, com a presença do Presidente da República António Óscar de Fragoso Carmona. O primeiro aparelho da fábrica de ácido sulfúrico começou a funcionar em 21 de Dezembro de 1927 (o segundo em 16 de Março de 1928), a fábrica de super-fosfatos a 2 de Janeiro de 1928 e a fábrica de sacos a 21 destes mesmos mês e ano. A SAPEC iniciou as suas actividades com as seguintes instalações: fábrica de ácido sulfúrico, fábrica de super-fosfatos, fábrica de sacos de juta, instalações portuárias, expedição de adubos, laboratório, central eléctrica81, tracção, fábrica de Estarreja e amoníaco português82. O mercado nacional de adubos era dominado pela Companhia União Fabril (CUF) que fabricava super-fosfatos desde 1906 e importava adubos azotados, pelo que a penetração da SAPEC neste âmbito foi bastante difícil mas profícuo. Como o nome da firma Société Anonyme de Produits et Engrais Chimiques não era apelativo, foi procurado um símbolo genuinamente português. A Cruz de Cristo era o ideal pois pretendia-se que aquele sinal pintado nos sacos de adubo conquistasse rapidamente o mercado nacional assim como a Cruz de Cristo pintada nas velas das naus quinhentistas havia conquistado o comércio das especiarias83. Em 1948 foram realizadas obras nas instalações referentes à produção de super-fosfatos, que já se encontravam obsoletas. Nos anos de 1950 a 1980 foram efectuadas obras de reconstrução e de ampliação nas instalações de produção de ácido sulfúrico, na fábrica dos sacos, na granulação de super-fosfatos, na fábrica de ácido fosfórico, na secção de adubos compostos ou complexos, nos produtos azotados, na fábrica de pesticidas, no automatismo de processos, nas instalações portuárias, na oficina mecânica, eléctrica e carpintaria, na área dos adubos líquidos e no campo de aviação - tratamentos aéreos84. O senhor de Barci, um dos administradores e accionistas da SAPEC vendera, em 1965, 45% das suas acções ao António Barroso, História da Sapec, Setúbal, 1996, p. 11. Idem, ibidem. 79 Idem, ibidem, p. 13. 80 Idem, ibidem, p. 17. 81 Não podemos esquecer que só a partir de 1930 é que Setúbal teve luz eléctrica. 82 António Barroso, ob. cit., p. 23 a 51. 83 Idem, ibidem, p. 57. 84 Idem, ibidem, p. 59 a 102. 77 78

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Estado Português e outros 45% à CUF, reservando para si 10% que transmitiu a seu filho que os manteve mesmo depois da nacionalização da empresa que ocorreu em 1975. Na última década do século XX o percurso da SAPEC sofreu algumas alterações. Desapareceram actividades tradicionais que constituíam o fulcro da sua existência e surgiram novas actividades impostas pelos condicionalismos da época.

Dinâmica constante de progresso e de evolução De uma carteira de produtos e de actividades dominada pelos produtos banais e destinada exclusivamente ao mercado português, esta carteira tem hoje um carácter de especialidade de alta tecnologia à vocação Ibérica e para certos produtos mesmo de vocação mundial. A Sapec Agro tornou-se líder no mercado português de produtos fitossanitários e, por aquisição, pelo desenvolvimento de novos produtos e pelo desenvolvimento da sua rede comercial, tornou-se um actor importante, tendo duplicado a sua quota de mercado em três anos em Espanha, ao nível Ibérico. A gama completa de produtos de elevada qualidade, regularmente renovada e actualizada, compõe-se por um lado de representações de multinacionais, como a BASF, DuPont e Maktheshim Agan entre outras e, por outro, de produtos desenvolvidos internamente pelos seus próprios técnicos e adaptados às necessidades específicas de certas culturas e mercados. Para poder acompanhar a evolução qualitativa e tecnológica desta actividade, a Sapec Agro modernizou as suas unidades de produção e os seus laboratórios em Portugal e em Espanha, possuindo actualmente em Portugal uma das instalações de formulação, de embalamento e de controlo mais modernas e flexíveis da Europa, que corresponde aos critérios mais exigentes em matéria de segurança e higiene e estão certificados conforme as normas ISO. No ano 2000, a Sapec Agro adquiriu a sociedade espanhola Tradecorp, especializada na produção e comercialização de oligoelementos quelatados e outros produtos especializados destinados à fertirrigação consumidos em geral pela agricultura intensiva de ponta. A sociedade Tradecorp sintetiza o agente quelatante e possui duas unidades de produção e de mistura em Espanha, que foram também objecto de importantes investimentos que visaram aumentar as produtividades e responder às normas de segurança, de qualidade e do ambiente. A Tradecorp é líder na Península Ibérica neste sector do mercado e exporta os seus produtos para mais de cinquenta países, desenvolvendo a sua rede internacional pela implantação de estruturas comerciais próprias nos mercados com elevados potenciais, como a Califórnia, o México, o Brasil o Médio Oriente, a Europa do Norte e a Europa Central. O dinamismo e o profissionalismo das suas equipas comerciais, técnicas e de marketing, aliadas a um forte know-how, consolidam as perspectivas de desenvolvimento e de alargamento da Sapec Agro, que já se tornou actualmente numa referência na península Ibérica no que diz respeito à «saúde da planta»85. Transformado hoje numa holding industrial e de serviço Ibérico, o Grupo Sapec gere 5 negócios de base, factores de produção para a agricultura, distribuição de produtos químicos e tratamento de resíduos industriais banais, logística, distribuição e trading de agro-alimentares e a produção de energia renovável86.

A indústria da pasta e do papel Grupo Portucel Os registos sobre a indústria do papel em Portugal remontam ao início do século XV, mais concretamente a autorização concedida por D. João I, em 29 de Abril de 1411, a Gonçalo Gomido para a criação de engenhos de papel junto ao rio Liz. Trinta anos depois, em carta de 27 de Fevereiro de 1441, D. Pedro, regente, concedeu privilégios a Fernão Rodrigues como transportador de trapo para os moinhos de papel de uns “moços” de quem era tutor87. Depois de Leiria, aparecem referências na zona da Batalha, em anotações de 1514 e depois Fervença, Alcobaça, em 1 de Outubro de 1537, onde dois moinhos são aprazados “ao mosteiro de Alcobaça por Manuel de Góis que, pouco depois (10 de Outubro) arranca um privilé-

www.sapecagro.pt. www.sapecagro.pt. 87 Jorge Fernandes Alves, Indústria da pasta e do papel em Portugal - O grupo Portucel, Lisboa, PORTUCEL SGPS, S.A., 2001, p. 31. 85

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gio real de exclusivo para a produção de papel no qual se argumentava serem tais engenhos a construir no prazo de dois anos e os primeiros que se erguiam em Portugal, argumento não verdadeiro”88, como já verificámos. Outros documentos informam a proliferação desta indústria, fundamentalmente nas regiões Centro e Norte do país. Setúbal só se encontra ligada à produção de celulose a partir de 1957, data em que “foi apresentado um requerimento à Direcção-Geral dos Serviços Industriais, assinado por Eduardo Rabaça da Mota Veiga, D. José de Melo Breyner, José Manuel Capelo de Morais e Abílio da Silva Pires, solicitando autorização para montagem de uma fábrica de celulose, aproveitando como matéria-prima o eucalipto, a qual seria explorada por uma sociedade anónima a constituir”89, sem indicação do local onde seria instalada, embora se refira ao Ribatejo. A sociedade propunha-se começar com um capital de 30 000 contos, verba que seria aumentada até 70 000 contos e obter os meios técnicos mais modernos. Tinha como objectivos produzir celulose branqueada de eucalipto, por processo alcalino, método ainda não praticado em Portugal. A celulose produzida destinar-se-ia ao fabrico de papel para impressão de livros, mata-borrão e papéis sulfurizados assim como para dissolução e aplicação no fabrico de “seda artificial à viscose para vernizes (acetatos, etc.) para nitrar (nitrocelulose para explosivos, etc.)”90. A celulose produzida destinar-se-ia ao consumo nacional e à exportação, possuindo já mercados garantidos como o dos Estados Unidos e dos países do Continente Europeu. O despacho de licenciamento está datado de 19 de Junho de 1957 e, além de outras exigências, determinava que, em caso de participação estrangeira, a empresa mantivesse sempre 75% de capital português, dispositivo previsto na lei nº 1994, de 13 de Abril de 1943. Exigia ainda que a produção de pasta para papel se iniciasse num prazo máximo de três anos e de cinco para a celulose destinada ao fabrico de fibras artificiais. A instalação da fábrica foi alvo de novo requerimento, em 21 de Novembro de 1957, no qual o grupo solicitava autorização para que a fábrica fosse instalada no sítio da Mitrena em Setúbal91, uma vez que os pareceres técnicos apontavam para inúmeras facilidades, nomeadamente transportes, boa água, fácil abastecimento de madeiras e outras matérias-primas necessárias e existência de mão-de-obra. Esta autorização foi concedida em 28 de Agosto de 1958 e a nova empresa passou a chamar-se: SOCEL - Sociedade Industrial de Celuloses, SARL. Em 1959 o grupo considerava que a viabilização da empresa passava pela existência de um contrato de colaboração técnica com a Companhia Portuguesa de Celulose, que se concretizou. Em 1960 já decorriam as terraplanagens e o sistema de captação de água e fora adquirido o equipamento necessário para o funcionamento da fábrica. Em finais de 1963 o equipamento estava montado, começando a funcionar em 14 de Janeiro de 1964, dando emprego a cerca de 600 trabalhadores. Em 1965 alargou-se a participação de capital à INAPA, Indústria Nacional de Papéis, cuja laboração em Setúbal se iniciou nos princípios de 1969, com instalações contíguas às da SOCEL. O início da bombagem de pasta branca em suspensão para a INAPA ocorreu em 13 de Janeiro de 1970. Em 1971 já esta empresa consumia cerca de 15 000 toneladas de pasta por ano92. Com 110 000 toneladas de pasta produzidas em 1971, a SOCEL programou a ampliação da fábrica, obtendo a respectiva autorização em 12 de Julho de 1972. Esta ampliação consistia na instalação de uma nova linha de produção de pasta, paralela à existente, mas com um digestor contínuo e um branqueamento acoplado na sua parte inferior com lavadores por difusão93. “No que se refere à colaboração com a Companhia Portuguesa de Celulose, os serviços de venda de pastas, de cartões canelados e de papéis, bem como os de fretamento de navios relativos às duas empresas estavam praticamente fundidos, como se reconhecia no relatório de 1972. De igual modo se constituiu, em 1973, um único departamento florestal, comum às duas empresas, para tarefas de fomento florestal, exploração de matas e ensaios de novas técnicas de plantação. Houve representações conjuntas em exposições e feiras. E ambas participaram no apoio técnico e de preparação de pessoal no arranque da celulose das Astúrias, Ceasa, em Navia”94. Neste contexto, em 26 de Março de 1973 foi planeada a fusão das duas empresas mas, com a Revolução de 25 de Abril de 1974, este projecto ficou adiado, separaram-se todas as actividades conjuntas nos vários sectores, inclusivamente na central de vendas. A SOCEL iniciou, Idem, ibidem. Idem, ibidem, p. 97. 90 Idem, ibidem. 91 Segundo informação fornecida num folheto editado pela SOCEL em 1965, o governo também pressionara o grupo para que a fábrica ficasse situada no concelho de Setúbal, pois estava empenhado no desenvolvimento industrial nesta região. 92 Jorge Fernandes Alves, ob. cit., p. 101. 93 Idem, ibidem, p. 103. 94 Idem, ibidem. 88 89

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assim, as suas próprias vendas em 1975. Neste ano, por Decreto-Lei nº 221-B/75, D.G. de 9 de Maio de 1975, as celuloses foram nacionalizadas e os conselhos de administração foram substituídos por comissões administrativas nomeadas pelo Governo. Voltou a colocar-se a necessidade de colaboração entre as empresas e, ainda em 1975, foi criada uma comissão coordenadora de vendas, constituída pela SOCEL, CPR e CELTEJO, com o objectivo de estabilizar os fornecimentos aos mercados tradicionais. A nível governamental surgiu a CRICEL - Comissão de Reestruturação da Indústria de Celulose, que criou vários grupos de trabalho para análise e reestruturação do sector. Daqui resultou a criação da Portucel - Empresa de Celulose e papel de Portugal, EP por Decreto-Lei nº 554-A/76, de 14 de Julho, que englobava todas as empresas nacionalizadas: CPC, SOCEL, CELTEJO, CELNORTE e Celuloses do Guadiana, SARL95. A segunda linha de produção foi finalmente instalada na SOCEL em 1978 ampliando a capacidade de produção da fábrica de 100 000 para cerca de 250 000 toneladas por ano. Em 1979 começou a construção de uma estação de tratamento primário do efluente alcalino, cujo funcionamento se iniciou em 1981. Numa tentativa de desactivação da produção de papel de embalagem e de cartão canelado, em Maio de 1985 desactivou-se a máquina caneladora, em 1987 encerrou-se a actividade “embalagem”, no final de 1990 desactivou-se a máquina do papel. O Centro Fabril de Setúbal centrou, exclusivamente, a sua actividade na pasta branqueada de eucalipto96. No início de 2000, a Portucel Industrial adquiriu, através do Centro Fabril de Setúbal, a maioria do capital da Papéis INAPA SA, que já consumia cerca de 33% da produção de pasta ali produzida97. Com esta aquisição, a Portucel Industrial, para além do seu redimensionamento, assumiu-se como uma empresa integrada, concretizando o ciclo “da floresta ao papel”98. Vem desenvolvendo uma política ambiental de que falaremos em capítulo próprio.

Indústria automóvel Do conjunto dos portos que compõem o sistema portuário nacional só Leixões, Lisboa e Setúbal movimentam mercadoria automóvel, tendo o Porto de Setúbal mantido, ao longo dos anos, a primazia neste trânsito. Com efeito, quando medido em toneladas a percentagem do total nacional, Setúbal movimentou 87,5% em 1996, 85% em 1997, 86, 7% em 1998 e 85,8% em 1999. No ano de 1998, no referente aos movimentos de importação e de exportação (ainda em toneladas), o Porto de Setúbal constituiu um pólo equilibrado entre as cargas e as descargas da mercadoria automóvel, contrariamente a Lisboa e a Leixões, portos fundamentalmente importadores desta mercadoria. Quanto à análise do movimento real de unidades automóveis movimentadas, verifica-se que, em média, cada veículo movimentado em Setúbal, em 1996 pesou 1303 Kg, em 1997 1362 Kg e, em 1998 1596 Kg, tendo o rácio aumentado em 1999 para 1642 Kg. Este crescente aumento de peso por unidade movimentada teve, por certo, a ver com o aumento de volume das exportações de carros provenientes da AUTO EUROPA, cujos carros monovolume são maiores e

Idem, ibidem, p. 71. Idem, ibidem, p. 105. 97 Idem, ibidem, p. 109. 98 Idem, ibidem, p. 140. 95

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mais pesados do que os veículos ligeiros correntes. Em todo este processo, assiste-se a uma dominância clara do Porto de Setúbal neste sector, uma vez que movimentou cerca de 81% do total das importações nacionais em unidades automóveis e cerca de 98% das exportações nacionais99. “De entre todas as viaturas transportadas por via marítima pode dizer-se que cerca de 95%, aproximadamente, são movimentadas pelo Porto de Setúbal e os restantes em movimentos esporádicos através do Porto de Lisboa”100. Nota-se, entretanto, a existência de um campo de atracção entre a plataforma de logística automóvel em Setúbal e a plataforma portuária mais próxima: o Porto de Setúbal101. Desde a década de sessenta do século XX que existe em Setúbal mão-de-obra especializada, do tipo industrial, que permitia trabalhar em linhas de montagem de automóveis com qualidade bastante apreciável para as exigências do mercado de então102. Efectivamente, nessa altura, instalaram-se na região várias linhas de montagem de automóveis. A primeira empresa que se instalou em Setúbal foi a Barreiros, que montava as marcas Barreiros, Wolkswagen, Dodge e Fargo e se situava nos arredores da cidade. Nos anos de 1960 a 1962 montou 49 veículos, em 1963 produziu 120, em 1964 montou 1 942, em 1965 produziu 5 161, 12,57% do total nacional103. Em 1963 a Proval, que se dedicava à montagem de veículos pesados da marca Daf, inaugurou também a sua empresa. Terminou a sua actividade em 1987. A produção mensal era reduzida, nomeadamente 145 unidades no primeiro ano e 22 no último, salientando-se apenas os anos de 1974 com 430 e 1984 com 493. Em 1964 iniciaram as suas actividades de montagem de automóveis em Setúbal as marcas Austin e Morris (sem esquecer, ainda que em pequena quantidade, o M.G., o Princess e o Triumph Dolomite) na IMA e a Peugeot, a Mercedes e a NSU na Movauto104, entre outras, nomeadamente a Império da Beira, Automóveis, SARL (Hanomag) que, tal como a Proval teve uma produção mensal pouco significativa. No primeiro ano montou 95 veículos e no último, 1971, 684. Na IMA foram montados 1 869 unidade em 1964, 7 189 em 1965, 8 897 em 1966, 6 718 em 1967, 9 558 em 1968, 11 774 em 1969, 10 251 em 1970, 14 445 em 1971, 13 766 em 1972, 9 598 em 1973, 10 920 em 1974, 10 233 em 1975, 11 603 em 1976, 11 825 em 1977, 7 623 em 1978, 6 713 em 1979, 8 910 em 1980, 6030 em 1981, 3 922 em 1982, 1 727 em 1983, 1006 em 1984, ano em que cessou a sua actividade105. A Movauto, que no primeiro ano da sua laboração apenas montou 951 unidades, produziu 3 342 em 1965, 3 195 em 1966, 3 550 em 1967, 3 542 em 1968, 8 191 em 1969, 11 102 em 1970, 12 960 em 1971, 16 920 em 1972, 18 305 em 1973, 10 612 em 1974, 6 769 em 1975, 6 346 em 1976, 8 983 em 1977, 6 968, em 1978, 5 393 em 1979, 10 581 em 1980, 13 723 em 1981, 13, 613 em 1982, 7 323 em 1983, 5 969 em 1984, 6 969 em 1985, 8 377 em 1986, 11 493 em 1987, 11 499 em 1988, 10 249 em 1989, 9 753 em 1990, 7 395 em 1991, 7 819 em 1992, 4 521 em 1993, terminando, assim, a sua laboração106. Em 1965 a Companhia Portuguesa de Motores e Camiões SARL iniciou a sua actividade em Setúbal registando-se sempre uma substancial produção que rondou entre 5 161 unidades no primeiro ano e 5 445 no antepenúltimo (1977). Em 1978 apenas produziu 2 390 e, no último ano, 1979, apenas lançou no mercado 76 veículos. A Imperex, Indústrias Metálicas e Montagem de Veículos Automóveis, Lda, substituiu a Império da Beira, Automóveis, SARL e iniciou a laboração em Setúbal, no ano de 1972 com uma produção de 489 unidades, com subida gradual até 1978, com 1 382 unidades. Seguiu-se um lento decrésciJoão Carlos Quaresma Dias, A integração dos portos nacionais e do “Ro-Ro” nos sistemas logísticos globais do automóvel. A formação de bipolaridades, tese de doutoramento em Gestão, Universidade Aberta, 2001, vol. I, p. 162 a 164. 100 Idem, ibidem, vol. II, p. 476. 101 Idem, ibidem, vol. II, p. 482. 102 Idem, ibidem, vol. II, p. 409. 103 Produção de automóveis em Portugal (por fábricas), ligeiros de passageiros e mistos-comerciais ligeiros e pesados, Informação fornecida pela AIMA. 104 A Movauto montou também, ainda que uma pequena quantidade, jipes da marca Willys. 105 Produção de automóveis em Portugal (por fábricas), ligeiros de passageiros e mistos-comerciais ligeiros e pesados, Informação fornecida pela AIMA. 106 Idem, ibidem. 99

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mo de produção até 1983 (apenas 132 unidades), ano em que abandonou a montagem107. Além da Hanomag, já referida, montou também a Mitsubishi108. Em 1974 a Entreposto Industrial de Automóveis SARL surge também na montagem de veículos automóveis Datsun e Nissan em Setúbal, com um lançamento de 7 324 unidades, produção média que manterá até 1977, iniciando então uma linha decrescente até 1980 (2 482 unidades), ano em que abandona esta actividade. Em 1982 aparece o Entreposto Comercial de Automóveis SARL, com um registo de 70 unidades montadas, que desaparece das estatísticas em 1983 com apenas 50 veículos montados109. A Renault Portuguesa, SIC, SARL manteve também em Setúbal uma linha de montagem desde 1980 (com 13 272 unidades) até 1996, ano em que montou 15 626 unidades, depois de, em 1992 ter produzido 72 807, que representaram 44, 61% do total nacional110. Neste ano é substituída pela SODIA (Sociedade Des. Ind. Automóveis, SA) que, ainda neste ano produziu 8 791 veículos, em 1997 lançou no mercado 25 015 e, em 1998 13 978, encerrando, assim, a laboração no aglomerado urbano de Setúbal. De salientar também a actividade da Auto Europa que iniciou a sua actividade em Setúbal em 1995, com as marcas Ford, Wolkswagen e Seat. Neste ano produziram 41 201 unidades, em 1996, 119 042, em 1997, 131 400, em 1998, 138 890, em 1999, 137 225, em 2000, 125 740, em 2001, 136 758, em 2002, 130 005 e, em 16 de Junho de 2003, atingiram o milhão de veículos montados, mantendo a laboração normal. Em Julho de 1991 a Ford e a Wolkswagen assinaram um contrato que visava a construção da fábrica, para a montagem de automóveis, na região de Setúbal, mais concretamente, no concelho de Palmela. Quatro anos foram suficientes para concluir “uma das mais modernas unidades de produção de automóveis da Europa, com uma área total de implantação que ronda os 2 milhões de metros quadrados, incluindo o Parque Industrial”111. A construção e o equipamento das diversas secções da fábrica foram planeados e construídos com total respeito pelos padrões europeus no que se refere a segurança e a protecção do ambiente. Para estabelecer o lay-out da fábrica, os conceitos, os métodos e os procedimentos foram contratadas equipas de especialistas que estudaram algumas das mais produtivas unidades industriais do mundo. O Centro de Formação integrado no complexo industrial da Autoeuropa pertence a uma outra empresa, a FORMAUTO, em cujo capital participam a Autoeuropa e o Instituto do Emprego e Formação Profissional. Em 1998, a Autoeuropa estabeleceu um sistema de gestão ambiental de acordo com os requesitos do ISO14001. O sistema foi auditado pela VCA - Vehicle Certification Agency, e o certificado foi emitido em Dezembro de 1998, tendo sido renovado em Novembro de 2001.

Idem, ibidem. Informação fornecida por Amílcar Albino, da AIMA, que esteve sempre disponível e nos cedeu também as estatísticas utilizadas. 109 Produção de automóveis em Portugal (por fábricas), ligeiros de passageiros e mistos-comerciais ligeiros e pesados, Informação fornecida pela AIMA. 110 Idem, ibidem. 111 Informação fornecida pela Autoeuropa. 107

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Actividade comercial Um porto foi, desde sempre, o ponto de união entre a terra e o mar, o local onde as embarcações, desde as mais rudimentares às mais sofisticadas, encontravam o abrigo necessário contra as intempéries. Mas, para além desta função, de importância extrema, os portos serviram como elo de ligação entre territórios, nomeadamente como pólos importantes para a realização de transacções comerciais. O conceito de comércio sofreu, ao longo dos séculos, alterações significativas, passando por fases que vão desde a simples troca directa, ao envio dos excedentes da produção para serem trocados por “dinheiro”112 nos mercados e nas feiras onde, em prazos e termos determinados, se reuniam produtores, consumidores e distribuidores para realizarem transacções comerciais, suprindo assim a falta de transportes fáceis e rápidos113. Claro está que os rios e o mar facilitavam bastante este tráfego. Por terra, os “almocreves” ou “almoqueires” realizavam esta tarefa, como no resto da Europa, ao serviço das “classes sociais que não podiam exercer o comércio”114. No entanto, tornavam o transporte muito lento e colocavam, futuramente, essas pessoas na dependência de uma “classe de capitalistas que procuravam sempre novas oportunidades de investimento para o seu excesso de riqueza”115. Era a burguesia que, no século XIX, ainda estava conotada com o povo, embora pertencendo a um estrato mais elevado que tendia a diferençar-se pela prática de actividades mercantis e pela consciência de classe que daí resultaria. Esta situação bloqueou o desenvolvimento da burguesia nacional que se manteve “dividida, fraca, e indecisa, [...] incapaz de se libertar das atitudes e comportamentos anacrónicos adquiridos junto da aristocracia tradicional, sua mentora”116. Era, pois, a expressão social da fragilidade da economia portuguesa, da sua dependência do exterior, da falibilidade dos empreendimentos comerciais, da instabilidade política e da insegurança que advinha de “um Portugal compartimentado, de uma economia de mercados locais, de um comércio que se circunscreve à curta distância [e de] uma procura pulverizada incentivando o pequeno trato”117. Assim, até finais do século XIX verificou-se o desenvolvimento e a consolidação do modo de produção capitalista, embora numa fase atrasada, com agravamento da dependência financeira do estrangeiro, situação que se prolongou até meados do século XX. No entanto, a dificuldade de transportes obviou esta subordinação, defendendo as produções das regiões menos acessíveis, situação que se manteve até finais de Oitocentos. Em contrapartida, facilitou o desenvolvimento da indústria e do comércio nas localidades perto dos rios e dos portos de mar. Era o caso de Setúbal, junto ao rio Sado cuja navegabilidade se estendia até Porto do Rei, onde chegavam barcos que podiam atingir 20 toneladas de carga, embora as embarcações de tonelagem superior pouco ultrapassassem Alcácer do Sal. Setúbal nasceu por causa do seu porto, cujas características eram únicas em toda a costa europeia. Aliás, a configuração geográfica de Portugal, grande costa junto ao Oceano Atlântico, ligada ao interior por rios navegáveis, mostra-nos que os problemas fundamentais da economia portuguesa não resultaram apenas da carência de meios de transporte, como referia João Ignacio Ferreira Lapa: “levantámos o aqueduto e esqueceu-nos a água que devia correr por ele”118. A Revolução Liberal mudara radicalmente as funções do Estado em relação ao sistema económico português, impedindo-o de tomar medidas que significassem intervenção directa, mas não obstruíra a possibilidade de emissão de documentos legais, capazes de regular e organizar o comércio quer interno quer externo, assim como de facilitar a livre circulação e distribuição dos produtos nacionais e estrangeiros. Em 1833 foi publicado o primeiro Código Comercial, da autoria de Ferreira Borges, que exprimia as características burguesas do novo Governo. Face às necessidades do mercado, este documento foi considerado insuficiente, pelo que Veiga Beirão, então Ministro do Reino, apresentou ao Parlamento, em 1887, um novo projecto de Código Comercial que passou a vigorar, em substituição do primeiro, no ano seguinte119, embora sujeito a alterações a propor por uma “comissão de jurisconsultos e comerciantes [...] encarregada pelo Governo, durante os primeiros cinco anos de exeA. H. de Oliveira Marques, “Mercados”, Dicionário de História de Portugal, dirigido por Joel Serrão, vol. III, Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1968, p. 33. Ruy d’Abreu Torres, “Feiras”, Idem, 1965, vol. II, p. 195 114 Jorge Borges de Macedo, “Almocreve”, Idem, 1963, vol. I, p. 119 e 120. 115 Edward McNall Burns, História da Civilização Ocidental, Lisboa, Círculo dos Leitores, 1981, vol. III, p. 6. 116 Jaime Reis, O atraso económico português, 1850-1930, Lisboa, Imprensa Nacional da Casa da Moeda, 1993, p. 13. 117 David Justino, A formação do espaço económico nacional, Portugal, 1810-1913, vol. I, Lisboa, Vega, 1988, p. 170. 118 Relatório da Missão Agrícola da Província do Minho, Lisboa, 1871, p. 68. Apud David Justino, ob. cit., vol. II, p. 244. 119 J. Pires Cardoso, Elementos de Direito Comercial, Lisboa, ENP, 1955, p. 22. 112 113

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• Factura de João Guilherme Pereira, 1919, colecção particular de Madureira Lopes. • Factura da Casa Havanesa, 1905, colecção particular de Madureira Lopes. • Factura da Chapelaria Mendes, 1915, colecção particular de Madureira Lopes.


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cução do Código Comercial, de receber todas as representações, relatórios dos tribunais e quaisquer observações relativamente ao melhoramento do mesmo Código, e à solução das dificuldades que possam dar-se na execução dele”120. De toda esta legislação e do surto económico que se verificava no país resultou um movimento associativo no âmbito do comércio. Em 1834 foram fundadas as Associações Mercantil Lisbonense e Comercial do Porto, seguidas das suas congéneres da Figueira da Foz e de Setúbal121. Para promover a organização da Associação Comercial de Setúbal foi criada, no dia 13 de Agosto de 1835 por Portaria Régia, a Comissão Comercial da Praça de Setúbal que elaborou os estatutos aprovados no dia 9 de Outubro do mesmo ano122. A importância do movimento do Porto de Setúbal e, consequentemente, do aglomerado urbano adstrito, era reconhecida ainda antes do incremento da indústria de conservas de peixe, como se pode verificar através da “Matriz [...] do movimento marítimo por cabotagem nos diferentes portos de Portugal Continental em 1851”, especialmente no que se refere à exportação (25 434 toneladas), chegando a atingir valores superiores aos do Porto (20 700 toneladas), representando 16,2% da soma (157 414 toneladas)123 nacional. Por este porto se exportaram mercadorias num total de (em toneladas): 1904 cerca de 47 000, 1910 perto de 57 000124, 1924 aproximadamente 48 800, 1928 cerca de 109 783 e 1930 perto de 208 091125. Contrariamente ao que acontecia nos outros portos do país, a importação era muito menor do que a exportação. Como exemplo mencionamos os anos de 1851 com 18 169 toneladas de mercadorias importadas (Porto 39 434), 1924 com 16 700, 1928 com 60 618 e 1930 com 71 739126, situação que se verificava pelas características deste aglomerado urbano, fundamentalmente ligado à extracção de sal, pesca e indústria de conservas de peixe, produtos que eram vendidos para o estrangeiro. O comércio interno era também bastante importante, pois a população adquiria em Setúbal todos os artigos de que necessitava para a sua subsistência.

Apesar da relevância do pequeno comércio no evolver económico da cidade, não iremos aprofundá-lo embora exista uma grande influência destes estabelecimentos no desenvolvimento do Porto de Setúbal, assim como da ascendência deste no seu aparecimento. Esta atitude deve-se apenas à necessidade de se fazer opções, para que o livro fique mais “leve” e facilmente consultável127.

J. Alberto dos Reis e Conselheiro António do Amaral Cabral, Código Comercial Português, Coimbra, Coimbra Editora, 1951, p. 2. A. H. de Oliveira Marques, História de Portugal, ed. cit., p. 18. 122 Manuel Maria Portela, Diário Histórico Setubalense, Setúbal, CECMS, 1914, p. 37. 123 David Justino, ob. cit., vol I, quadro entre as p. 198 e 199. 124 Relatório e contas dos exercícios de 1924-1925 e 1926 da Junta Autónoma ... ob. cit., p. 47. 125 Cid Perestrello, ob. cit., p. 41. 126 Fontes já citadas para a exportação. 127 Esta análise pode ser encontrada em: Maria da Conceição Quintas, Setúbal, economia, sociedade e cultura operária, ob. cit., p. 155 a 177. 120 121

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I Exposição Regional de Setúbal O ano de 1930 foi pródigo em actividades propiciadoras de desenvolvimento no aglomerado urbano de Setúbal. Salazar decidira instalar o Corporativismo nesta cidade, operária por natureza. Havia 20 anos que se esperava pelas obras do porto, a energia eléctrica tardava. Pescadores, marroteiros, industriais e comerciantes desesperavam. Não havia condições propiciadoras de desenvolvimento. Setúbal era a cidade ideal para nela testar o novo sistema e transformá-la num espaço subsidiário da grande capital: Lisboa. Urgia conquistar os habitantes desta região, levá-los a acreditar nos benefícios que conseguiriam com a nova organização socioeconómica e política. O plano para o fornecimento de luz eléctrica à cidade de Setúbal foi aprovado, assim como decidida a realização das obras no porto. A grande encenação do projecto corporativo teve o seu clímax na Exposição Regional de Setúbal com a qual se fez coincidir a inauguração da luz eléctrica e o lançamento da primeira pedra para as obras a realizar no Porto de Setúbal. Nascidas em 1797 na França (pátio do Louvre), as exposições de produtos, embora de âmbito puramente nacional, dinamizaram a produção e a troca destes que provocaram um mais rápido desenvolvimento técnico e facilitaram a industrialização. A França, embora as opiniões dos responsáveis se dividissem, não avançou, de imediato, no caminho da internacionalização. Foi o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda, com a Exposição realizada no famoso Palácio de Cristal, construído para o efeito, que, em 1851, resolveu mostrar ao mundo o seu poder, ao abrir as portas da que foi considerada oficialmente a I Exposição Internacional. E isto porque, segundo os organizadores, possuíam “a confiança amiga que as outras nações [depositavam] nas [suas] instituições, a perfeita segurança dos bens, a liberdade de comércio e facilidade de transportes [...]” 128. A atestar a sua imponência ficou o majestoso Palácio de Cristal de Londres. Nos finais do século XIX os vários países sentiram a necessidade de abrir as suas portas ao comércio internacional, situação que propicia a proliferação de exposições universais, sem prejuízo de certames especializados e pontuais que haviam mobilizado industriais e comerciantes em vários pontos e, especialmente, na França. “Entre 1839 e 1855 realizaram-se exposições exclusivamente dedicadas ao universo industrial, nos Champs Élysées [...]” 129. Portugal nunca esteve afastado destas realidades. No nº 1181 do Catálogo dos produtos da agricultura e indústria portuguesa mandados à exposição universal de Paris em 1855130, consta que Feliciano António da Rocha obteve uma menção honrosa pelas suas conservas 131. Oficialmente, a I Exposição Internacional Francesa veio a realizar-se em 1889 e a marcar este empreendimento ficou a Torre Eiffel, tão famosa, quanto polémica, na altura da sua construção. O processo era já imparável. As exposições ultrapassaram as fronteiras físicas e, simultaneamente, todas as outras foram eliminadas. Começaram então a ser envolvidas outras componentes como: “económicas, sociais, científicas, tecnológicas e culturais, para já não falar na comunicação, na publicidade e no espectáculo, geralmente presentes em grandes manifestações de massas”132. Neste contexto, surgiu a regulamentação de grande número deste tipo de exposições, pela Convenção Internacional de Exposições de Berlim de 1912 e pelo acordo de Paris, de 1928133. O êxito destas exposições manteve-se ao longo do século XX, tanto no âmbito internacional, como nacional e mesmo regional. Para além de fomentarem a indústria e o comércio, quer interno, quer externo, contribuíam também para atenuar as tensões criadas, em várias épocas. “Sob a perspectiva científico-pedagógica, as exposições eram frequentemente indicadas como oportunidades excelentes para educar a população e para divulgar as últimas novidades científicas”134. Foi o que aconteceu em 1930, com a instauração do Corporativismo na região de Setúbal, os governantes locais, apoiados pelo Poder Central, iniciaram a dinamização de actividades conducentes à mudança dos parâmetros socioeconómicos e políticos previstos para o país, pois pretendia-se fomentar o desenvolvimento industrial desta área privilegiada pelas condições naturais, de que se

Official..., 1851, p. 1; Apud Nicolau Andresen Leitão, Exposições universais, Londres, 1851, Lisboa, Expo 98, 1994, p. 9. Patrícia Reis, Exposições Universais, Paris, 1889, Lisboa, Expo 98, 1994, p.10. 130 Lisboa, Imprensa Nacional, 1855. p. 23. Embora oficialmente apenas se considera como I Exposição Internacional Francesa a realizada no ano de 1889, em 1855 já houve expositores estrangeiros que até foram premiados. 131 Setubalense, Setúbal, de 2 de Dezembro de 1855, p. 3. 132 José M. Amado Mendes, “Exposições Universais na Europa (1851-1900): dinâmica de uma cultura científica e material”, Munda, nº 25, Coimbra, GAAC, Maio de 1993, p. 6. 133 Idem, ibidem.. 134 Idem, p. 7. 128 129

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salientava o porto que a servia. Não foi, pois, por acaso que se realizou a I Exposição Regional de Setúbal, nos dias 27 de Julho a 15 de Setembro de 1930. Havia que definir a área onde se desenvolveria um projecto já elaborado para a região a sul do Tejo. Assim, foi escolhida para centro do empreendimento a cidade de Setúbal, vulnerável pelas suas carências. Era a altura ideal para a realização da I Exposição Regional de Setúbal, ao mesmo tempo que se inaugurava a luz eléctrica e se procedia ao lançamento da primeira pedra para as obras do porto. A população de Setúbal encontrava-se delirante com o empreendimento, uma vez que, além de ver valorizados os seus produtos, usufruía dos lucros que a vinda de forasteiros provocava, previa o desenvolvimento da região, a que as obras do porto e a luz eléctrica não eram alheias. O novo regime político foi, assim, aceite facilmente pelos setubalenses, com alegria e esperança no futuro. A exposição ocupou território das freguesias de S. Julião e de Nossa Senhora Anunciada, mais concretamente o Parque das Escolas e a Avenida Luísa Todi, até junto ao largo de Bocage. A iniciativa foi um êxito, ultrapassando os limites puramente regionais. O recinto devia ter de superfície 22 000 metros quadrados que, com a inscrição de novos expositores, foi elevada para 52 500. O Pavilhão de Setúbal, cuja área fora calculada em 160 metros quadrados, ficou com 611, faltando ainda terreno para novos apresentadores. No espaço reservado à pecuária apenas foi exposto o gado oriundo do distrito. Segundo Able Pascoal, a área desta exposição “era igual à da II Exposição Internacional de Paris”135, realizada em 1867. Saliente-se que a área ocupada pela Exposição Internacional de Paris, realizada em 1889, era já de 96 hectares 136.

Nova imagem económica da região De como surgiu a ideia falou o Capitão Gomes Pereira, então Governador Civil de Setúbal, numa entrevista concedida à Revista ABC, número dedicado à Exposição de Setúbal, no dia 24 de Julho de 1930. Após ter realizado uma visita pelos vários concelhos do distrito de Setúbal verificara a actividade deste distrito nos campos Artístico, Industrial, Comercial e Agrícola, que também precisava de apoio. Portanto, o objectivo da Exposição era “tornar esta magnífica região conhecida dos portugueses; e, [...] como único objectivo político - fora de todas as camarilhas partidárias - aproximar, reunindo na mesma ideia de fomento todos os concelhos, para que daqui resulte o engrandecimento e expansão regional [...]. De resto, [...], é também um caso nacional! As obras do porto, e a montagem da energia eléctrica são já resultantes deste esforço que se acentua dia a dia”137. Aliada à ideia de uma união política nacional, aparece-nos neste discurso a intencionalidade de institucionalização do regime corporativista, numa região plena de potencialidades para receber no seu seio a grande indústria que se conjecturava para Portugal, além da dinâmica já existente na área das conservas de peixe: “O distrito de Setúbal não é já, tão-somente, uma região conserveira. É uma região que trabalha, que progride, que se manifesta portentoso braço da nação, graças ao seu esforço decidido, à tenacidade digamos mesmo heróica, de todos os que nela e por ela trabalham, longe das políticas pessoais e mesquinhas, mas unidos no mesmo abraço daquela legítima fraternidade que só assim se consegue conquistar dando-lhe verdadeira e consciente realização”138. Neste processo inserira-se a criação do distrito de Setúbal, já concretizada, divisão administrativa mais conveniente à execução das estratégias político-económicas definidas a nível nacional pelos governantes saídos do 28 de Maio de 1926, como se infere do texto escrito por Luís Silveira, correspondente do jornal O Século em Setúbal, no álbum que organizou sobre o certame. Neste contexto, o então Presidente da Associação Comercial e Industrial de Setúbal, na entrevista que concedeu à Revista ABC, já citada, declara: “Graças à posição geográfica, ao rio e às ligações terrestres com o resto do país, Setúbal reúne todas as condições para adquirir um desenvolvimento comercial, verdadeiramente invulgar. Com o estabelecimento de novas indústrias - para o que decerto muito contribuirá a instalação da energia eléctrica, cuja inauguração vai ter lugar agora; com a [ampliação] do porto, cujas obras se iniciarão ainda este ano. Será o cais natural de todo o baixo Alentejo [...]”139. A aparente descentralização do poder, através da criação de novos distritos era, na realidade, uma estratégia utilizada pelo Governo Central para a consecução dos ideais de União

Able Pascoal, arquitecto, “A propósito das grandes festas de Setúbal...”, O Volante, revista semanal de automobilismo e turismo, Lisboa, 3 de Agosto de 1930, p. 10-11. 136 Patrícia Reis, ob. cit., p. 40. 137 “A Exposição Regional de Setúbal”, ABC, Revista Portuguesa, número destinado à Exposição de Setúbal, Lisboa, 24 de Julho de 1930, p. 19. 138 Idem, ibidem.. 139 “Setúbal Comercial e Industrial”, Idem, p. 24. 135

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• “A Ribeira”, gravura, 1853, Panorama, colecção particular de Madureira Lopes. • “O Porto de Comércio”, APSS.


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Nacional, centralistas e corporativistas que caracterizaram a dinâmica político-económica do Estado Novo, uma vez que os Governadores Civis não passavam de puros mandatários governamentais. A própria imprensa, sujeita a censura, pouco mais fazia além da apologia das iniciativas tomadas pela classe política dominante. A imprensa local e a nacional, através dos seus colaboradores, ao fazer a reportagem da Exposição Regional de Setúbal, mostrava claramente a sua parcialidade ao relatar os acontecimentos. Em O Século de 31 de Julho, o “enviado especial” daquele jornal escrevia: “A Exposição Regional de Setúbal não é uma feira de amostras banal, confusa, irregular - características estas que se topam dezenas de vezes em certames do mesmo género. É uma grande afirmação económica. É um índice precioso de riqueza de uma região. Mas é, principalmente, uma obra organizada com método, ordem e disciplina [...]”140. A grandiosidade da Exposição não está em causa mas sim a forma como a imprensa transmitia a informação, sempre laudatória, sobrevalorizando a política governamental. No Catálogo Oficial da I Exposição Regional do Distrito de Setúbal, a Exposição é considerada como o “acontecimento capaz de rasgar decisivamente o futuro de Setúbal”, que “marca [...] o início de uma era nova” porque “expoente claro e insofismável do caminho andado durante os 4 anos que decorreram após a criação do distrito”141. Salientando a obra desenvolvida pelo Presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal, Dr. Carlos Botelho Moniz, o autor do texto (não identificado) afirma: “Realmente, desde 26 de Julho de 1926 [data da tomada de posse da Comissão Administrativa] Setúbal colheu benefícios extraordinários que lhe operaram uma transformação radical. A tal ponto que a cidade do Sado conquistou indiscutivelmente o lugar ambicionado de terceira cidade portuguesa”142. A par da obra desenvolvida pelo Município, de que se salienta a assinatura do contrato para fornecimento de energia eléctrica à cidade de Setúbal, realizado entre a Câmara Municipal e a Sociedade de Minas da Borralha, o autor refere os benefícios concedidos pelo Governo Central ao novo distrito como o melhoramento da rede de estradas, especialmente a que liga Cacilhas a Setúbal (a chamada estrada de Azeitão), considerada como uma das melhores do país. O desenvolvimento das comunicações telefónicas e a ampliação das redes rodoviária e ferroviária vieram beneficiar Setúbal, especialmente com a viabilização do ramal que passou a fazer a ligação entre Sines e a linha do Vale do Sado, que também serviria Santiago do Cacém. “Obra primordial não só para Setúbal mas para todo o vasto hinterland da região ao sul do Tejo é, sem dúvida nenhuma, a construção do porto, o primeiro classificado de 2ª classe, no amplo estuário do Sado. E coincidiu com a abertura da Exposição, o lançamento da primeira pedra [...]”143.

Preparação da Exposição Regional de Setúbal Tomada a decisão de realizar o certame em Setúbal, os governantes convidaram entidades capazes de levarem a bom termo o empreendimento. “Assente, pois, em princípio, que a Exposição seria um facto, o Presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal, Senhor Dr. Carlos Botelho Moniz, depois de se assegurar dos elementos de cooperação, resolveu lançar definitivamente o princípio assente, e dentro desta ordem de ideias se elaboraram as bases e os regulamentos da futura Exposição Regional”144. Em 15 de Setembro de 1929 ficou resolvida a realização da Exposição a abrir, possivelmente, em 15 de Maio de 1930. A esta sessão assistiram, além das autoridades civis e militares, os representantes das juntas de freguesia e Junta Geral do Distrito, funcionalismo, associações de beneficência e de recreio, representantes da imprensa de Lisboa e de Setúbal e outras entidades em destaque no meio setubalense. A ideia, que foi recebida com entusiasmo, tornou-se conhecida logo no dia seguinte nos meios comerciais, industriais e agrícolas de todo o distrito de Setúbal, por meio da imprensa de Lisboa, dando maior relevo ao facto O Século e o Diário de Notícias145. Sob o título “A inauguração do stand de informação e amostras da Comissão de Iniciativa”, o redactor da notícia informava que esta abrira oficialmente o stand de informações sobre turismo e de amostras dos produtos industriais da região abrangendo todos os concelhos do distrito146. ”O Pavilhão do concelho de S. Tiago do Cacém...”, O Século, Lisboa, 31 de Julho de 1930, p. 1. Catálogo Oficial da Exposição Regional do Distrito de Setúbal, Lisboa, 1930, p. 3. 142 Idem, p. 4. 143 Idem, p. 5. 144 Luis Silveira, Documentário da Primeira Exposição Regional de Setúbal, 1930, Setúbal, 30 de Abril de 1931, manuscrito ilustrado, I volume, p. 9. 145 Idem, p. 9 e 10. 146 “A inauguração do stand de informações e amostras da Comissão de Iniciativa”, O Século, Lisboa, 16 de Setembro de 1929, In Luis Silveira, doc. cit., p. 10. 140 141

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• Vista geral das fábricas das minas da Borralha, APSS • “Obrigação por empréstimo”, Associação dos Lojistas e Industriais de Setúbal, 1897, colecção particular de Madureira Lopes • Autocolante do Restaurante Naval Setubalense, desenhado por João Santana, colecção particular de Madureira Lopes


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Por solicitação do Dr. Carlos Botelho Moniz, foi realizada nova reunião com a presença do Governador Civil, representantes da Câmara Municipal, da Junta Geral do Distrito, Comissão de Iniciativa, Juntas de Freguesia, delegados dos clubes desportivos e de recreio, imprensa local e elementos representantes do Comércio, da Indústria e da Agricultura, na qual foi eleita a Comissão Central das festas que presidiu a todos os trabalhos da Exposição. Esta Comissão elaborou e fez publicar, através da Câmara Municipal de Setúbal, o Regulamento e o Programa da Exposição. Nele eram indicados como principais objectivos mostrar a situação económica do distrito e as suas possibilidades nas áreas industrial e agrícola, estabelecer contacto entre produtores e compradores e promover a expansão do emprego da moderna maquinaria, utensílios e ferramentas e dos produtos necessários à intensificação da produção industrial, agrícola, pecuária e artística147. Os organismos directivos eram: a Comissão Central, incumbida das áreas administrativa e económica da Exposição, a Comissão Executiva, encarregue da direcção e fiscalização do certame, assim como da nomeação dos júris de apreciação. Havia quatro secções: Industrial, Agrícola, Pecuária e Artística. Os expositores solicitavam a sua admissão através do preenchimento de um boletim, no qual deviam indicar os produtos a expor e o espaço (gratuito) de que necessitavam. Era permitida a venda de artigos sobre os quais a Comissão Executiva cobrava 5%. Ao longo da Exposição eram promovidos ensaios e demonstrações que evidenciassem a utilidade do material exposto, havendo prémios para os expositores: 1º- Diploma de prémio de honra, 2º- Diploma de medalha de ouro, 3º- Diploma de medalha de prata, 4º- Diploma de medalha de cobre, 5º- Diploma de menção honrosa. Na secção industrial havia 17 grupos: pesca; conservas de peixe; outras conservas e indústrias alimentares e de consumo; indústrias de cortiça; sal; produtos químicos em geral; indústrias mineiras, de cantarias etc.; produtos e materiais para construção; indústrias de madeira; indústrias têxteis; indústrias metalúrgicas e metalomecânicas; engenharia; indústrias de confecção e vestuário; artes industriais; utilidades domésticas; indústrias de mobiliário e indústrias diversas. A secção agrícola compunha-se de 9 grupos: hortícola; jardinagem; pomícola arvícola (plantas e sementeiras, produtos tecnológicos e material de cultura); adubos ou correctivos; insecticidas e fungicidas; vitivinícola; oleícola e florestal. Na secção de pecuária os expositores podiam inscrever-se nos seguintes grupos: Gados; material; lacticínios, outros produtos; avícola; cuniculícola; apícola; sericícola e cães. A secção artística possuía apenas um grupo, intitulado arte que comportava esculturas e relevos decorativos em mármore, bronze, gesso, madeira e outros materiais; arquitectura; pintura e gravura; cerâmica, porcelanas, “biscuit”, faianças, trabalhos em esmalte, entre outros; serralharia artística em ferro, bronze e outros metais; desenho e caricatura; rendas e bordados148.

O novo paradigma económico Fixada a data exacta para início das actividades e ainda o tempo que a Exposição permaneceria patente ao público, de 27 de Julho a 15 de Setembro de 1930, foi elaborado o Catálogo Oficial da mesma, no qual se explicava pormenorizadamente o desenrolar dos acontecimentos no tempo e no espaço, para o efeito definidos. Neste documento eram mantidas as secções preconizadas nos Regulamento e Programa da Exposição, elaborados no ano anterior, assim como o local determinado para o efeito, ocupando uma área de 52 000 metros quadrados, como já foi referido. O pórtico de “proporções monumentais”, que se erguia na entrada principal, foi concebido pelo arquitecto da Câmara Municipal Able da Silva Pascoal, assim como os pavilhões de Setúbal, Palmela, Alcácer do Sal, Grândola, Santiago do Cacém e Sines tal como os colectivos. Almada, Seixal e Sesimbra participaram conjuntamente num único pavilhão, o mesmo acontecendo com Alcochete, Moita, Barreiro e Montijo149. Da imprensa estiveram representados com pavilhões próprios, os jornais Diário de Notícias, O Século e Voz, fazendo diariamente exaustivas reportagens dos acontecimentos. A secção de pecuária, com todos os condicionalismos que a envolviam, esteve patente ao público durante os três primeiros dias “com larga repre-

I Exposição Regional do Distrito (Industrial - Agrícola - Pecuária - Artística) na Cidade de Setúbal em Maio - Junho, 1930, Regulamento e Programa da Exposição, Setúbal, CMS, s.d., p. 3. 148 Idem, p. 4 a 27. 149 Catálogo Oficial da Exposição Regional do Distrito de Setúbal, doc. cit., p. 8. 147

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• Factura de uma empresa de carruagens, 1914, colecção particular de Madureira Lopes • Factura de António da Costa Frescata, aluguer de trens, charretes, charabanes e carroças, 1918, colecção particular de Madureira Lopes • Uma factura de Gomes da Costa, exportador de sardinhas a quem foi dirigido o cheque publicado na p. 234, 1919, colecção particular de Madureira Lopes • Factura de Armazém Naval, Francisco B. Revez, 1919, colecção particular de Madureira Lopes


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sentação de magníficos exemplares”, tendo-lhe sido “destinada a parte da Avenida Todi que segue para além do Parque”150. A exposição biblio-iconográfica teve lugar no salão nobre dos Paços do Concelho e visava a formação do Museu Regional. Assim, além de trabalhos realizados por artistas contemporâneos estiveram expostas peças antigas de enorme valor para o património cultural do distrito recentemente criado. O recinto da Exposição comportava também restaurantes, quiosques de refrescos e tabacos, barracas de tiro, tômbolas, “carrocel” e circo, à semelhança das feiras tradicionais. Apenas uma diferença: os objectivos políticos e económicos. Enquanto que as feiras tradicionais visavam o encontro de comerciantes e destes com a população para a realização de simples transacções comerciais, a Exposição pretendia transformar a região de Setúbal num complexo industrial, paradigma da política socioeconómica definida para o país pelo novo regime.

Inauguração da Exposição O Século de 28 de Julho de 1930 fez um exaustivo relato da abertura da Exposição, que tivera lugar no dia anterior, iniciando o tema com um texto de Adelino Mendes que nos descreve as belezas e potencialidades de Setúbal, tal como os diferentes pavilhões que este certame comportava. Valorizava o empreendimento, o desenvolvimento da cidade e do porto, salientando as belezas da baía, da serra e do rio e concluía com a afirmação de que as “laranjas e os moscatéis eram os mais doces do universo”. Adelino Mendes pretendia, assim, mostrar, não apenas a magnificência do projecto, mas alertar também para as potencialidades do aglomerado urbano, do seu porto e mesmo da região que o envolve, até então pouco aproveitadas. Segundo o enviado especial de O Século, estiveram na inauguração da Exposição cerca de 30 000 forasteiros que, com os 50 000 habitantes da cidade, perfaziam um número bastante alto de assistentes151. Na inauguração da I Exposição Internacional, Londres, 1851, estiveram no recinto 25 000 pessoas, portadoras de “bilhetes de livre-trânsito” 152. O Presidente da República Portuguesa, que esteve presente na inauguração do certame, embarcara no Arsenal da Marinha, acompanhado por alguns membros do Governo de que se salienta o Presidente do Ministério, os Ministros do Interior e da Marinha e ainda o Engenheiro Vaz Pinto, em representação do Ministro do Comércio; Almirante D. Bernardo Mesquitela, chefe do Estado-Maior Naval; Brigadeiro Daniel de Sousa, governador militar, interino de Lisboa; Machado Pinto, Director-Geral da Assistência; Major Ribeiro Ferreira, director da polícia de informações e oficiais em serviço do Arsenal153. O Chefe do Estado e os representantes do Governo Central chegaram à estação de Setúbal pelas onze horas, onde eram esperados pelas autoridades locais e outras entidades importantes da região. A guarda de honra foi feita por uma força de Infantaria 11, sob o comando do Capitão Luís Vilaverde, com banda de música, bandeira e terno de cornetas e tambor que, conjuntamente com as bandas de duas sociedades filarmónicas, executaram o Hino Nacional. Seguidamente, o Chefe de Estado seguiu em cortejo para os Paços do Concelho, onde o Presidente da Câmara Municipal o recebeu e discursou sobre o progresso de Setúbal, salientando o trabalho realizado pela Comissão Administrativa ao longo dos quatro anos de mandato, com o precioso apoio do Governo Central. O Presidente da edilidade aproveitou a ocasião para incitar os seus munícipes a trabalhar pelo progresso de Setúbal, tarefa iniciada pelo grupo de trabalho nomeado em 1926 para gerir os destinos da cidade de Setúbal154. O Dr. Carlos Botelho Moniz, utilizando no seu discurso o esquema definido por Salazar, depois de criar um clima de imolação, lembrando os sacrifícios já feitos pelos setubalenses, especialmente os “pobres mas honrados”, culmina em apoteose, com a frase de Nuno Álvares Pereira aos seus soldados em Atoleiros, momentos antes da peleja: “Amigos lembrai-vos em vossos corações quatro coisas - a primeira encomendar-vos a Deus e à Virgem sua mãe; a segunda, que estamos aqui para servir o Mestre e ganhar a honra; a terceira, que nos defendemos a nós, as nossas casas, a terra que possuímos, buscando livrar-nos da sujeição que nos querem impor; a quarta, finalmente, paciência, coragem e ter na ideia a porfia em pelejar, não uma hora, mas um dia, o que for necessário”155. A frase foi remetida para os setubalenses, terminando com os “vivas” habituais à Pátria, à

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• Inauguração da Luz Eléctrica, Exposição Regional do Distrito, Setúbal, 1930, APSS. • Diploma de provas desportivas, Exposição Regional de Setúbal, 1930, ano em que foi lançada a 1ª pedra para as obras do porto e foi inaugurada a luz eléctrica, colecção particular de Madureira Lopes. • Relatório e Contas, I Exposição Regional do Distrito de Setúbal, 1930, APSS.


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República e ao Chefe do Estado. Seguiu-se um “almoço íntimo” em casa do Engenheiro Manitto Torres. Após breve descanso, o Presidente da República dirigiu-se para a sede do Clube Setubalense, na Avenida Luísa Todi, de cujas varandas assistiu à “parada desportiva”, na qual tomaram parte 1 200 atletas de todo o distrito. O cortejo saiu do campo dos Arcos e seguiu pela Avenida 22 de Dezembro, subindo a Avenida Luísa Todi pelo lado Sul e descendo pela faixa oposta. Ao passarem frente ao Clube Setubalense os atletas cumprimentaram o Chefe do Estado com a saudação olímpica. Terminada a cerimónia, aquelas entidades dirigiram-se ao outro extremo da avenida para assistir à “Festa do Trabalho”, patrocinada por O Século. Ali, o Presidente da República condecorou oito trabalhadores, especialmente ligados à pesca e à indústria de conservas de peixe. Assistiram à cerimónia representantes de todas as associações de classe e de outras instituições da cidade e do distrito, além de cerca de 5 000 pessoas. Pelas 16 horas, a comitiva do Chefe do Estado dirigiu-se para o recinto da Exposição para proceder à inauguração da mesma. Depois do Governador Civil ter usado da palavra, o Presidente da República falou da importância destes certames regionais para a consolidação da economia nacional, terminando com um “viva Setúbal”, seguido dos “vivas” habituais “gritados” pelo povo inebriado. Seguiu-se a abertura das portas da Exposição e a população acorreu para ver os vários núcleos regionais. O pavilhão de Setúbal estava “lindamente ornamentado, vendo-se tudo disposto com gosto. É o maior de todos, como é natural, sendo um verdadeiro expoente da actividade industrial da cidade”156. O General Carmona visitou o pavilhão do jornal O Século, ao qual teceu palavras elogiosas pela feição moderna que os responsáveis estavam imprimindo a este grande órgão de opinião pública157. Pelas 17 horas e 50 minutos realizou-se a corrida de touros, ainda com a presença das personalidades nacionais, tal como aconteceu na cerimónia de inauguração da central geradora, que passou a fornecer energia eléctrica à cidade. O edifício da geradora estava situado na Graça, do lado Nascente, sendo propriedade da Société de Mines da Borralha158. Na noite realizou-se “a récita de gala” a que assistiram o Chefe do Estado, os ministros e os representantes das várias instituições presentes. Pelas 10 horas do dia 28, fundeou no Sado uma flotilha da Marinha de Guerra, composta pelos torpedeiros Sado, Ave e Mondego e contra-torpedeiro Tâmega. Pelas 10 horas e 30 minutos realizou-se o concurso de tiro civil, às 11 horas foram inaugurados a sala de operações e quartos particulares do hospital da Santa Casa da Misericórdia, a que se seguiu a visita à fábrica de conservas de F. M. Lino da Silva (12h). Depois de um “almoço íntimo”, pelas 14 horas assistiu-se à cerimónia do lançamento da primeira pedra para as obras do porto, bênção e procissão da Senhora do Cais, “Te-Deum” na Igreja de Santa Maria e “jantar de gala” no Clube Setubalense que culminou com “concertos e iluminações no recinto da Exposição”159.

O pavilhão de Setúbal A cidade de Setúbal possuía um pavilhão próprio que ocupava a área de 611 metros quadrados. O elevado número de expositores e a grande diversidade de produtos que apresentaram impediram uma catalogação pormenorizada. Esta falha fez-se sentir principalmente na secção de pesca, cujo mostruário compreendia cerca de 150 objectos que davam uma ideia completíssima desta actividade setubalense em todos os seus aspectos160, situação que merecia melhor apresentação. Havia de tudo. “Trabalhos de serralharia e de fundição, orgulho das oficinas que os exibem. Miniaturas das diversas artes de pescar desde o cerco americano ao ‘covo’ e à ‘fisga’, passando pela ‘cecada’ que não é mais do que um minúsculo cerco, em que o vapor se substitui por canoas, duma fragilidade que põe calafrios na espinha, se imaginarmos tudo aquilo numa noite tenebrosa e num mar revolto a perseguir um cardume de prateado peixe. Instalações de conserveiros. A policromia da lata estampada. Marcas com o seu quê de extravagante a torná-las notadas [...]”161. Em quase todas as secções que expuseram neste pavilhão, foram elaborados resumos elucidativos do processo ali desenvolvido. No pavilhão era

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• Lançamento da 1ª pedra para as obras do porto, com a presença do Cardeal Patriarca de Lisboa, 1930, APSS. • Programa das festas da Inauguração das obras do Porto de Setúbal, 20 de Maio de 1934, APSS.


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também possível a consulta de quadros estatísticos sobre a população, a indústria, as comunicações, e o movimento marítimo, entre outros elementos de menor importância. Os quadros elaborados pela Câmara Municipal e pela Capitania do Porto subordinavam-se aos seguintes títulos: “O que Setúbal paga ao Estado”, “Setúbal 3º porto do país”, “Setúbal 1º centro exportador de conservas”, “Mapa das principais produções do distrito”, “Setúbal, terceira cidade do país em população”, “Mapa das comunicações do distrito”, “Setúbal 1º porto de pesca da sardinha” e “O movimento marítimo do porto”162. Estes quadros foram executados pelo pintor José Roberto dos Santos.

Projecção para o exterior O porto, pela projecção que sempre teve no exterior e pela sua importância para a população setubalense, foi alvo preferencial na organização socioeconómica não apenas da cidade e da sua a região mas de todo o território a Sul do Tejo. Assim, o lançamento da primeira pedra para as tão ambicionadas obras, em projecto desde 1880, revestiu-se de uma solenidade especial, tornando-se o cerne de todo o processo. Por outro lado, a cerimónia que se realizou teve, também ela, um significado claro como transmissão de uma ideologia autocrática que pretendia cativar as populações. Assim, para a Exposição Regional do Distrito de Setúbal foi elaborado um plano para as obras do porto, entre outras, e uma série de gráficos referentes ao movimento deste163, conforme informava o relator das actividades da Junta Autónoma das Obras do Porto e Barra de Setúbal e do Rio Sado, nos anos de 1924 a 1926. Para a formalização do projecto das obras, e integrado na dinâmica provocada pela grande Exposição Regional, procedeu-se, no dia 28 de Julho de 1930, ao lançamento da primeira pedra. De manhã, homens e mulheres, de flor na lapela, entraram nos barcos engalanados e, secundados pela flotilha de guerra, encheram o rio de um colorido exuberante, a que as embarcações estrangeiras que se encontravam no porto não ficaram alheias e içaram as bandeiras, solidarizando-se com a alegria dos setubalenses. Pelas 13 horas, o reverendo Nunes, vigário da vara de Setúbal e seus acólitos, rodeados de crianças de ambos os sexos, filhos de pescadores, vestidos para a primeira comunhão, e das Irmandades da cidade, chegaram ao cais onde se rezou missa a que assistiram milhares de marítimos. Seguiu-se a procissão de Nossa Senhora da Conceição do Cais, padroeira dos pescadores de Setúbal. “O cortejo seguiu rio abaixo, até à foz, em frente do Outão, para que a Senhora do Cais lançasse o seu olhar misericordioso às águas bravias e marcasse, com a sua protecção uma era de abundância e de prosperidade para os pescadores”164. De tarde todo o comércio encerrou e o cais encheu-se de gente, desejosa de assistir ao lançamento da primeira pedra das tão desejadas obras do porto. Segundo o enviado especial de O Século foi o ponto mais alto das festas, pelo seu significado para a economia do distrito de Setúbal e da região alentejana. À chegada do Chefe do Estado, pelas 15 horas, ouviu-se “A Portuguesa” e a guarda de honra apresentou armas, seguindo então a comitiva presidencial para o batelão onde a cerimónia do lançamento da primeira pedra (coberta com a bandeira nacional) se realizaria. Pouco depois chegou o Arcebispo de Évora. Depois do discurso do Dr. Botelho Moniz, Presidente da Câmara Municipal e da Comissão Executiva da Junta Autónoma do Porto de Setúbal, o chefe da secretaria deste departamento do Estado, Guilherme Faria, leu o auto de lançamento, escrito em pergaminho que, depois de assinado, foi encerrado na pedra inaugural. Seguiu-se a bênção da “pedra inaugural”. “O enorme bloco tinha inscritas nas faces laterais legendas explicativas do acontecimento e o nome da casa construtora do porto. O barco afastou-se cerca de cinquenta metros, ficando uma espia ligada à ponte. O senhor Comandante Vicente Lopes, Capitão do Porto de Setúbal, entregou a ponta da espia ao senhor Presidente da República que puxou com força. A pedra caiu, subindo a grande altura um enorme repuxo de água [...]”165. Era o primeiro passo para uma nova era económica na região de Setúbal, tendo como um dos alvos principais a indústria de conservas de peixe. Em 1932 foi acontecimento marcante a visita de Oliveira Salazar a Setúbal, visando a instauração do Corporativismo na indústria de conservas de peixe e o consequente desenvolvimento da mesma. Em simultâneo, assistimos ao incremento do projecto turístico para o distrito de Setúbal, publicitado através dos documentos referentes à Exposição.

Catálogo Oficial da Exposição Regional do Distrito de Setúbal, doc. cit., p. 11. Relatórios e contas dos exercícios de 1924-1925 e 1926, da Junta Autónoma...,ed. cit. p.100. 164 ”O lançamento da primeira pedra para a construção do Porto de Setúbal foi uma cerimónia grandiosa”, O Século, Lisboa, 29 de Julho de 1930, p. 1. 165 Idem, p. 6. 162 163

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Projecto económico para o distrito de Setúbal “A região de Setúbal, circunscrita no distrito administrativo que o Governo criou em 1926, constitui uma unidade física e política, valorizada pelas suas tradições históricas, pelo seu escol cultural, pelos tesouros do solo e do subsolo, como pelo esforço hercúleo da sua população obreira, que a riqueza comercial e industrial revelam iniludivelmente”166. Assim, neste certame houve uma clara afirmação das áreas vocacionadas para a agricultura e para a pecuária - Alcácer do Sal, Alcochete, Grândola, Moita, Palmela e S. Tiago de Cacém -, tal como dos concelhos onde a indústria se encontrava em plena ascensão - Almada, Barreiro, Montijo, Seixal, Setúbal, Sesimbra e Sines. Claramente intencional, encontramos a definição das afinidades de interesses entre os concelhos da beira-mar e os concelhos do interior do distrito onde, segundo os governantes locais, regionais e nacionais, podiam crescer as castas de uva, nomeadamente o “moscatel”, que produziam os valiosíssimos vinhos licorosos desta região, assim como a cortiça, o arroz, os frutos, o azeite, as carnes, os lacticínios, o sal e outros. Estes distritos, embora com características diferentes e estruturas económicas autónomas, viviam interdependentes e atraídos pela força irresistível do Porto de Setúbal. “Todos estes concelhos contribuem, com prodigalidade, para o contínuo aumento das fortunas pública e privada. Nalguns existem indústrias que constituem os primeiros valores nacionais: as conservas de peixe e de carne, os carvões minerais, o minério de cobre e de ferro, os vinhos, os cimentos, os adubos, as cortiças e, numa esperança ridente, os ricos mananciais de hulha branca da bacia do Sado”167. A riqueza era imensa, mas as indústrias, na opinião do autor do relatório, desenvolviam-se anarquicamente, facto que provocava dispersão de energias prejudicial às empresas e ao país. Esta exposição foi, pois, o primeiro passo para o desenvolvimento coordenado, visando atingir outros certames, não apenas em Portugal, mas especialmente no estrangeiro. No relatório que estamos a analisar pode ler-se a seguinte conclusão que sintetiza claramente as estratégias previstas para a concretização dos objectivos do novo sistema económico que o Estado Novo decidiu implementar: “Não se conhecem outros processos de vencer na luta económica senão estes: aperfeiçoar ao máximo, e dentro dos limites rígidos dos preços de venda, a produção; cuidar carinhosamente da apresentação dos produtos; levá-los até junto dos prováveis consumidores, expondo-os de forma a prenderem a sua atenção e merecerem o seu favor; e rodeá-los de protecções legais, que se conquistam numa acção continuada, cientificamente dirigida”168. O Corporativismo era, como sabemos, a direcção científica que se preconizava, aliada a um liberalismo selectivo, como comprova a seguinte afirmação: “Uma exposição, como a que levámos a efeito, é uma competição em que triunfam, sem sombra de dúvida, - os melhores”169. Ao analisar o álbum da Exposição elaborado por Luís Silveira, encontramos um curioso registo das entradas no certame, que nos fornece informação sobre as verbas recolhidas por este processo: “[...] deixo assinado neste trabalho o movimento de entradas pagas, no recinto da Exposição, durante o período que vai de 27 de Julho a 28 de Setembro, à razão de um escudo por cada pessoa. Esse movimento foi o seguinte: 27 a 31 de Julho - 30 843 entradas, mês de Agosto - 78 680 entradas e no mês de Setembro - 31 352 entradas, num total geral [...] de 140 875 escudos” 170. Depois de pormenorizada análise das despesas e das receitas, verificamos que houve um deficit de 372 782$82, importância absolutamente irrisória, segundo a opinião do autor do relatório de contas, se for considerado o enorme benefício que adveio deste empreendimento, para o povo de todo o país em geral e, especialmente, para os setubalenses que tornaram conhecidos os produtos da sua região conseguindo novos mercados. Também, nesta altura, foi inaugurada a luz eléctrica, principal melhoramento proporcionado pela Ditadura, segundo a opinião do autor do relatório de contas apresentado pela Comissão Central171. Tendo em conta que acorreram à cidade centenas de milhar de forasteiros, o comércio da cidade obteve lucros muito superiores à verba despendida pela Câmara Municipal. “Camionetas, autos, restaurantes, pensões, cafés, divertimentos, [...] não é exagero computar que a cidade arrecadou neste período cerca de 1 500 a 2 000 contos, de receitas extraordinárias. Isto é, o Município gastou Esc. 372 782$82, mas a cidade ganhou 1 500 a 2 000 contos que vieram beneficiar muitíssimo a sua economia”. No entanto, “a Associação Comercial e Industrial concorreu com mil escudos para uma taça! A Associação Comercial não concorreu com um centavo”172! para a Exposição que tanto beneficiara os seus associados, enquanto que Relatório e contas apresentados pela Comissão Central das Festas da I Exposição Regional do Distrito de Setúbal, 1930, Setúbal, 1931, p. 3. Idem, p. 3 e 4. 168 Idem, p. 4. 169 Idem, ibidem. 170 Luis Silveira, ob. cit., I volume, p. 53. 171 Relatório e contas apresentados pela Comissão Central..., ed. cit., p. 5. 172 Idem, p. 5 e 6. 166 167

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• Projecto das obras do Porto de Setúbal, anos de 1920-30, APSS • Aproveitamento dos terraplenos do Porto de Setúbal, 1938, APSS

a imprensa, quer local, quer nacional, fez a cobertura do evento gratuitamente, tecendo os maiores elogios ao empreendimento: “A I Exposição Regional de Setúbal deu a justa medida das extraordinárias possibilidades de um povo que ainda não conseguiu encontrar-se a si próprio. Acontecimento de grande vulto e do mais alto interesse para a vida social do país é este da I Exposição Regional de Setúbal, que vale a definição completa e perfeita do valor económico e mental da região a que respeita”173. Estavam, pois, “criadas as três sínteses fundamentais da humanidade: a activa, a afectiva e a especulativa, como manifestações completas da nossa vida orgânica, moral e intelectual”174, devidamente harmonizadas. Como síntese activa, a exposição; como síntese afectiva o lançamento da primeira pedra para as obras do porto e a inauguração da luz eléctrica, ambos há tantos anos esperados; e ainda como síntese especulativa o I Congresso Nacional de Pesca e Conservas, realizado em Setúbal, no mês de Dezembro de 1927, no qual se preparava já a exposição e se tentava resolver os problemas mais importantes destas duas áreas básicas da economia setubalense.

173 174

Idem, p. 8, citação do periódico, sem indicação de data. Apud José M. Amado Mendes, “Exposições Universais na Europa (1851-1900): dinâmica de uma cultura científica e material”, Munda, ed. cit., p. 8-9.

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Capítulo V Vivência e vivências do povo setubalense


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Nas páginas anteriores: • Porto e Barra de Setúbal nos anos de 1930-1940, painel pintado na parede do gabinete de 1ª Secção de Expediente Geral, antiga repartição de Turismo, Câmara Municipal de Setúbal, fotografado por Nuno Paulo • Descrição do Reino de Portugal, Portos de Lisboa e Setúbal, 1705, Biblioteca Nacional • “Setúbal” Revista Turismo, Lisboa, 1944, Capa

Ligação entre o mar e a terra através do porto, rumo ao futuro Turismo Em finais do século XIX, o rei D. Carlos, depois de visitar várias vezes Setúbal, aceitou a proposta que a burguesia comercial da cidade fizera à Corte para que aqui se instalasse a residência de férias da família real. Era notória a intenção de desenvolver um projecto turístico na região, facilitado pela presença da nobreza nacional e também de estrangeiros influentes a nível internacional. Inebriado pelas belezas, bom clima, óptimas praias, afabilidade da população e potencialidades económicas da região, o rei decidiu passar a época balnear na fortaleza do Outão, reparada e mobilada de modo a assemelhar-se, interiormente, a um palácio. No dia 29 de Julho de 1891, José António Januário da Silva, Vice-presidente da Câmara Municipal de Setúbal, tornou público o seu Roteiro de Setúbal, que oferecera à edilidade. Nele encontramos a intencionalidade de desenvolver um projecto turístico não apenas na cidade como em toda a região. Dá algumas indicações para os visitantes que desconhecessem Setúbal, salienta as belezas da Arrábida e das praias que a bordam, com especial realce para a fortaleza do Outão, então transformada em “Paço Real”1. No ano seguinte, José Maria da Rosa Albino publicou em Elvas um outro roteiro de Setúbal, no qual desenvolve os temas apresentados na obra anteriormente referida salientando também o facto da fortaleza do Outão ter sido adaptada a “palácio real” 2. O grande empreendimento turístico vislumbrado por uma nova classe dirigente, impregnada de uma ambição focalizada no comércio, não se apagava da sua mente. Os monarcas sentiam-se atraídos pelos prazeres que esta região lhes proporcionava mas, em 1892, D. Carlos acabou por ceder à pressão feita por Jaime Artur da Costa Pinto, Presidente da Câmara Municipal de Cascais. Abandonou a fortaleza do Outão e instalou a sua residência de férias nesta vila. Vários políticos setubalenses expressaram o seu descontentamento com a decisão real chegando a dizer que a transferência do local de férias dos monarcas era “um desastre e até um erro político”3. Foi a queda do primeiro grande projecto turístico para Setúbal, com todas as consequências que daí advieram. Em 1913 o projecto volta a criar corpo, tendo em conta a existência da Liga de Propaganda de Portugal, e, nos dias 2, 9, 16 e 23 de Agosto, O Elmano, em artigos de primeira página, fala na necessidade de união entre os setubalenses para que se formasse uma sociedade capaz de publicitar as belezas da cidade e seus arredores e criar condições para que os turistas voltassem a frequentar as praias e campos pertencentes ao concelho.

José António Januário da Silva, Roteiro de Setúbal, Setúbal, 1891, p. 14 e 15. José Maria da Rosa Albino, Roteiro da cidade de Setúbal, Elvas, 1892. p. 35. 3 Almeida Carvalho, ADS, FAC. 1 2

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• Gravura da vila de Setúbal em finais do século XVII, colecção particular de Madureira Lopes • Setúbal nos finais do século XIX, colecção particular de Madureira Lopes


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Segundo o autor, Leonardo Duarte Junior, redactor e proprietário do semanário, a Sociedade de Defesa e Propaganda de Setúbal deveria conseguir 500 sócios a recrutar entre os indivíduos residentes em todo o concelho e ainda entre aqueles que, embora habitando fora, não esqueciam a sua terra, ou mesmo entre os que com Setúbal mantinham relações comerciais ou simplesmente de amizade, uma vez que todos lucrariam com o desenvolvimento da região. Estabeleceram uma quota de 200 réis mensais que, multiplicados pelos 500 sócios, permitiriam manter a sociedade e, juntamente com o produto de festas que a sociedade promoveria nos momentos oportunos, seriam suficientes para publicitar as belezas de Setúbal, fazendo publicar monografias, álbuns de fotografias, cartazes publicitários, entre outros, para lembrar “aos turistas, aos banhistas e aos veraneantes, os encantos da [...] terra e fazer de tudo isto a mais larga distribuição pelo país e pelo estrangeiro [...]”4. Era muito importante, para o desenvolvimento da região, tirar partido das belezas naturais por que Setúbal estava envolvida, facto de que pouca gente se apercebera ainda. Assim, o articulista afirmava: “Toda aquela zona que começa em S. Filipe, logo ali a uma ponta da Avenida, e vai por aí fora até às belezas da Arrábida, e mais a região encantadora em que assentam Palmela, a grande baixa de laranjais contínuos quase, Azeitão e Brancanes, com a sua estrada das Necessidades e mais a estrada Nova de Palmela, são uma mina fertilíssima que se deveria explorar convenientemente porque grandes seriam os lucros advindos, tão inexaurível é o filão que ela encerra”5. Refere um desabafo feito por um suíço ao Dr. Silva Telles: “Ah! que se nós a tivéssemos lá, a esta beleza, ganharíamos com ela muitos milhões por ano!”6, concluindo que seria possível desenvolver-se uma “magnífica estância de banhos onde abundariam os chalets, onde não faltariam casinos nem hotéis, nem nenhum desses encantos com que se atraem e cativam os homens de dinheiro que, a pretexto de banhos ou de cura de ares, costumam ir divertir-se ou descansar para as praias. Poucos lugares terão em seu favor um conjunto tão completo como o que se reúne na Arrábida. É só saber aproveitá-lo[...]”7. Seguem-se as sugestões de aproveitamento do espaço disponível: “A faixa de terrenos que se estende de S. Filipe ao Outão está naturalmente indicada para se povoar de chalets, onde seria delicioso passar uma boa temporada do ano. O forte de Albarquel espera, sem dúvida, que o transformem num bom hotel, pondo-lhe ao lado uma pequena praia a que, com toda a certeza, a concorrência não faltaria”8. Tudo isto, aliado ao embelezamento da cidade e à riqueza do porto, fomentaria a prosperidade da “família setubalense”, na perspectiva do autor. No dia 16 de Agosto de 1913, O Elmano anunciava o apoio recebido do semanário República9 e do Notícias de Évora. Finalmente, no dia 23, publica a lista dos primeiros 30 sócios da sociedade, refere o apoio do Dr. Henrique da Rocha Pinto, oficial do registo civil, e de um setubalense que, embora vivendo longe, se regozija com a iniciativa10. Prometia publicar a carta deste apoiante no número seguinte mas o assunto, até 1915, não torna a ser aflorado nas páginas deste semanário (nem de qualquer outro órgão de comunicação local). Em finais de Setembro daquele ano, instalou-se em Setúbal a comissão nomeada pelo Conselho Executivo da Liga de Propaganda e Defesa de Setúbal, para dar parecer sobre a proposta apresentada pelo Engº Tavares Leote para a execução e exploração das obras do porto, “segundo o projecto Lisboa de Lima”11. A comissão escolheu Henrique Augusto Pereira para presidente e Joaquim Ferreira de Sousa Junior para secretário e marcou a sua primeira reunião para o dia 24 pelas 21 horas na Câmara Municipal. No número publicado em 20 de Outubro de 1913, O Elmano publicava o ofício enviado pela Sociedade de Propaganda de Portugal, comunicando que nos dias 28 e 29 visitaria Setúbal, a Arrábida, o Outão e o Forte Velho. A nova associação setubalense ofereceu um lunch na esplanada da Torre do Outão, fornecido pelo restaurante Esperança12. “Propaganda de Setúbal” O Elmano, Setúbal, 9 de Agosto de 1913, p. 1. ”Sociedade de Defesa e Propaganda de Setúbal” idem, 2 de Agosto de 1913, p. 1. 6 Idem, ibidem. 7 Idem, ibidem. 8 Idem, ibidem. 9 “Orgão dos republicanos de Setúbal e de propaganda da região sul do Tejo”, propriedade do Grupo Democrático República, nascido no dia 16 de Abril de 1910, sob a direcção de Luiz Silva, com sede na Rua das Esteiras, 35, Setúbal. 10 Em pequeno artigo refere uma excursão promovida pela Sociedade de Propaganda de Portugal, cujo exemplo poderia ser seguido em Setúbal. 11 ”Propaganda de Setúbal”, O Elmano, Setúbal, 24 de Setembro de 1915. 12 “Propaganda de Portugal”, idem, 20 de Outubro de 1915. 4 5

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• Praia de Maria Esguelha, postal ilustrado, s.d., colecção particular de Madureira Lopes. • Porto de Setúbal onde pode ver-se o edifício do Cais 3 e da Capitania, entre outros, Américo Ribeiro, 1956, colecção particular de Madureira Lopes.


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No dia 20 de Outubro de 1915, o novo director, Affonso de Macedo e Castro, considerando oportuno retomar a ideia de formar a Sociedade de Defesa e Propaganda de Setúbal, publicava novamente (nos dias 20 e 27 de Outubro de 1915) os dois artigos que haviam saído a público neste semanário, nos dias 2 e 9 de Agosto de 1913, reafirmando que Setúbal não deveria perder a oportunidade de se preparar para a dinamização de um projecto de desenvolvimento e propaganda das suas belezas naturais e rentabilizá-las turisticamente13. Nesta nova lista encontramos já figuras conhecidas como as mais importantes da cidade, muitas pertencentes aos antigos partidos monárquicos (Regenerador e Progressista), como Henrique O`Neill de Groot Pombo e Venâncio Olympio Ferreira Torres, conjuntamente com republicanos assumidos mesmo antes do 5 de Outubro como era o caso de Affonso de Castro, entre outros. Este di-lo claramente para mostrar que neste grupo não existe qualquer razão política mas apenas a vontade de ver Setúbal engrandecida. No dia 20 de Outubro de 1915, pelas 21 horas, realizou-se no teatro Avenida (antigo D. Amélia, hoje forum Luísa Todi) uma reunião aberta por Martins dos Santos que convidou para a presidência da Mesa o Dr. Paula Borba, que aceitou. Raúl Perfeito dos Santos leu o relatório onde constavam os motivos que levaram àquele encontro, José Rocha, presidente da comissão executiva da Câmara Municipal apresentou o projecto para as obras do porto, da autoria do Engenheiro Tavares Leote. Ramos da Costa, deputado pelo círculo, defendeu a criação da sociedade e Gastão Rodrigues, representante de Setúbal na Câmara dos Deputados referiu a necessidade de serem feitos rapidamente os melhoramentos na rede ferroviária que servia a cidade. Com o apoio de todos os presentes foi eleita uma comissão, composta por 32 elementos, representando as forças vivas do concelho, para elaborar o plano dos estatutos por que se havia de reger a nova sociedade 14. No dia 9 de Novembro de 1915 realizou-se nova reunião, na qual foi apresentado e aprovado o projecto de estatutos da Liga de Propaganda e Defesa de Setúbal e eleitos os seus corpos gerentes para o ano de 1916. Seguidamente foram nomeadas duas comissões. A primeira para organizar o regulamento interno do Conselho Consultivo e a segunda para dar parecer sobre o requerimento de Leote Tavares sobre as obras do Porto de Setúbal. Esta comissão, presidida pelo Engenheiro Carlos Manitto Ferreira Torres, era composta por 25 membros e ficou com plenos poderes para decidir sobre aquelas obras, quer o requerimento fosse atendido ou não. A Liga ficou instalada, provisoriamente, em duas salas que o Asilo Bocage disponibilizou para o efeito15. A comissão incumbida de estudar a maneira de acelerar o projecto referente às obras do porto reunia três vezes por semana, considerando-se que rapidamente este seria realizável16. No dia 13 de Janeiro de 1916 a Liga de Defesa e Propaganda de Setúbal publicou o primeiro número do semanário intitulado A Propaganda, em cujo artigo de fundo explicava a razão do seu aparecimento que visava a publicitação dos empreendimentos da Liga e das belezas da região. No dia 16 de Março de 1916, os sócios são prevenidos, através da imprensa local, de que a sede desta colectividade era na Travessa de S. Julião, nº 21, 1º, e que o custo do jornal, enviado aos sócios, era incluído no preço da quota17. Em Fevereiro de 1918, o semanário A Propaganda deixa de se publicar, dando lugar ao boletim da Liga, com o mesmo nome. O “sonho” de conseguir 500 sócios para a Liga não era ainda uma realidade, pois as dificuldades avolumavam-se. Em Maio anuncia que a Liga de Defesa e Propaganda de Setúbal vai ser dissolvida, uma vez que os consecutivos apelos à união dos setubalenses em torno desta associação não tiveram eco. Em Junho o Boletim continua a publicar-se mas sobre a Liga apenas refere obras que estão a ser estudadas e que eram pólos de atenção daquela associação como, por exemplo, a “restauração dos Paços do Concelho”18. Em Julho o Boletim foi substituído pela publicação de um trabalho da autoria do Dr. Fernando Garcia, intitulado “Physionomia de Setúbal” e em Agosto saiu o último número do Boletim sem qualquer referência ao seu terminus. Nele encontramos ainda alusão à Liga mas absolutamente desactivada. Apesar da aparente indiferença dos industriais e dos comerciantes setubalenses, a imprensa continuava a fazer a apologia das condições excepcionais que a região de Setúbal possuía para que nela fosse dinamizado um projecto turístico de grande envergadura. Este plano

“Propaganda de Setúbal” idem, 20 de Outubro de 1915, p. 1. Idem, ibidem. 15 “Propaganda de Setúbal”, idem, 17 de Novembro de 1915, p. 1. 16 Idem, 9 de Dezembro de 1915, p. 1. 17 A Propaganda, Setúbal, 16 de Março de 1916. 18 “Antigo Terreiro”, Idem, Junho de 1918, p. 1. 13 14

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• Praia da Comenda, postal ilustrado, 1914, colecção particular de Madureira Lopes • Capa da Revista Volante, colecção particular de MCQ


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beneficiaria imenso a economia do distrito, principalmente da cidade enquanto ponto de encontro entre a terra e o mar que tão bem a servem. As maravilhas da serra da Arrábida, associadas aos encantos das praias que a cercam, trariam a Setúbal não apenas os turistas mas também imensos investidores, provocando o desenvolvimento económico da cidade assim como o crescimento do seu porto. Tal como acontecera com o projecto para a realização das obras no porto, também os “sonhos” turísticos não conseguiram vingar até 1926. Com a dinamização do projecto da Exposição Regional começou a tomar forma o movimento cultural que seria o principal suporte ideológico da política salazarista no distrito de Setúbal, corporizado através de exposições e conferências, além de outras expressões artísticas populares e eruditas. Assim, em O Século de 24 de Fevereiro de 1930, era anunciada a exposição de pintura de Leal da Câmara, no “hall” do Asilo Bocage, acompanhada de uma conferência realizada pelo artista, no teatro Luísa Todi, subordinada ao tema “A propaganda de Setúbal”19, entre muitas outras iniciativas que visavam também o desenvolvimento do turismo nesta região. No dia 23 de Junho foram iniciadas as filmagens de um documentário sobre Setúbal, que abrangia todas as áreas ligadas à vida comercial e industrial da cidade e ao projecto turístico previsto para os arredores da cidade20. As crianças das escolas do distrito expuseram na escola “Bocage”, ao bairro Salgado21, os seus “trabalhos manuais educativos”22. No interior do Pavilhão de Setúbal os visitantes podiam observar alguns quadros informativos sobre a população, actividades económicas, impostos e contribuições, entre outros temas sobre o concelho, da autoria do pintor José Roberto dos Santos23. O ciclo de conferências, integrado no contexto da Exposição, continuou e, no dia 29 de Maio, o Dr. Fidelino de Figueiredo falou no clube Setubalense sobre o tema: “Brancanes, último reduto de Oliveira Martins”, seguindo-se, no dia 16 de Julho, a comunicação do Professor Moisés Amzalak no salão nobre do Liceu Bocage, sobre “a figura do célebre economista setubalense José Joaquim Soares de Barros e Vasconcelos”24. O expoente máximo das actividades culturais inseridas neste certame esteve na dinamização da secção bibliográfica e artística, inaugurada pelo Ministro da Instrução, no dia 30 de Julho, nas salas do Liceu Bocage e dinamizada pelo Dr. Eloy do Amaral, pintor Fernando Santos e Cardoso Mata, com o apoio de Arronches Junqueiro, bibliotecário municipal, também setubalense, já célebre nas ciências, nas artes e nas letras. A parte bibliográfica comportava muitas raridades, como o célebre nobiliário de Jorge Cabedo, que havia sido adquirido pela Câmara Municipal, e outros livros preciosos. Ali estiveram representados todos os escritores e poetas da região setubalense, avultando como é natural, a obra de Manuel Maria Barbosa du Bocage. Na parte artística foram expostos: bordados e rendas, fotografias, pintura a óleo e pastel, desenho, arte aplicada, flores artificiais, mármores, bordados à máquina e relevos decorativos. Na secção de pintura estiveram representados: Pereira Cão, com cerca de 100 quadros; João Vaz; Rui Vaz; Fernando Santos e outros velhos e novos artistas setubalenses, sem esquecer nomes nacionais, como os mestres Veloso Salgado, Carlos Reis e Malhoa25. A exposição artística, junto à exposição biblio-iconográfica, foi inaugurada no início de Agosto e nela se deu especial realce ao artista - considerado como setubalense, embora nascido em Alcáçovas e então falecido - Agripino Maia, cuja obra, pela primeira vez exposta, estava dispersa. Alguns amigos seus conseguiram recolher os exemplares mais significativos e, com eles, organizar a exposição do conhecido “camilialista”. “Ainda que outro valor esta exposição não tivesse - e toda ela constitui um museu de arte antiga e moderna, do distrito de Setúbal - a colecção dos trabalhos de Agripino Maia bastaria para a impor”26. E a confirmar a intenção de afirmação regional, visando uma dinâmica cultural, base essencial do projecto turístico que se pretendia viabilizar, um articulista de O Século concluía: “A Exposição bibliográfico-artística, que revestirá uma extraordinária importância, vem provar que

O Século, Lisboa, 24 de Fevereiro de 1930, p. 1. O Século, Lisboa, 21 de Junho de 1930, p. 1. A reprodução, em video, deste filme existe na Biblioteca Municipal de Setúbal. 21 Folha volante de divulgação da Exposição Regional Escolar, In Luis Silveira, ob. cit., I volume, p. 21. 22 Convite para a inauguração da Exposição Regional de Setúbal, assinado pelo Inspector-Chefe (João Antunes), da Inspecção da Região Escolar de Setúbal, da Direcção Geral do Ensino Primário e Normal, do Ministério da Educação Pública, In Luis Silveira, ob. cit., I volume, p. 19. 23 Luis Silveira, ob. cit., I volume, p. 20, 27, 35. 24 ”Exposição Regional de Setúbal”, O Século, Lisboa, 10 de Julho de 1930, p. 1. 25 O Século, Lisboa, 22 de Julho de 1930, p. 1. 26 Diário de Notícias, Lisboa, 4 de Agosto de 1939, p. 1. 19 20

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Setúbal não é uma terra apenas rica em valores económicos, mas foi e é, ainda hoje, um grande centro de cultura artística e literária27. Uma das grandes atracções inseridas no projecto da Exposição Regional de Setúbal, pela novidade que representava e pelo seu significado para a concretização do já bem sólido projecto turístico para o distrito, foi o Quilómetro de Arranque. Na revista O Volante, de 3 de Agosto de 1930, número dedicado à I Exposição Regional de Setúbal, encontramos textos sobre o percurso da competição28, sobre os “prémios das corridas” e as provas a que os concorrentes se candidatavam: em automóveis, “sport” e “corrida”, em motocicletas e ainda o “concurso de elegância e conforto”29. No mesmo número desta revista semanal de automobilismo e turismo, podemos ler um extenso artigo sobre o automobilismo em Setúbal, em que nos são fornecidos preciosos elementos sobre os mais antigos “chauffeurs” desta praça: Josué Augusto dos Santos que conduzia automóveis desde 1904 e Joaquim António Pereira de Aguiar que começou a pilotar automóveis em 191030. Também as condições em que se encontrava a rede viária no distrito são alvo de análise pormenorizada, na qual o Engenheiro Alberto Humberto Meneses de Spínola, director das estradas do distrito de Setúbal, refere as obras já realizadas e os projectos para o futuro, dos quais se salienta a reparação da estrada entre Alcácer do Sal e Grândola, para assegurar a ligação entre o sul do distrito e Cacilhas e ainda a construção da “estrada de turismo pela serra da Arrábida”31. No dia 18 de Agosto, realizou-se uma gincana de automóveis, pelas 21 horas, no recinto da Exposição, com números inéditos e, no dia 21, “imponentes cavalhadas” a que concorreram “equipes de cavaleiros dos vários concelhos do distrito, em disputa brilhante e animada”32. Lado a lado, o progresso e a tradição mantiveram o espectáculo nos dias e noites passadas no ambiente eufórico, proporcionado pela Exposição Regional de Setúbal, onde não faltaram as provas de vela, remo, motor, natação, aviação (corrida de hidroaviões do Centro de Aviação Naval de Lisboa), a Grande Regata Oceânica (Taça Wintermantel), ciclismo e a imponente batalha de flores33. Em 1930, em O Distrito de Setúbal, boletim da indústria e do comércio das conservas, encontramos a apologia das belezas da região como atracção turística, assim como a importância das indústrias e das actividades comerciais aqui desenvolvidas. Dá especial realce ao movimento do porto, cujo montante de exportações e de importações atingiu, em 1929, 230 432 toneladas no valor de 144 190 798$00, sem inclusão do importantíssimo tráfego de cabotagem que Setúbal mantinha com quase todos os portos do país. Neste mesmo ano, o porto foi frequentado por 687 navios, de vapor e de vela, a que correspondeu uma tonelagem de registo de 532 799 toneladas34. Volvidos 14 anos, a situação mantinha-se. Não se vislumbra qualquer projecto turístico para a região; a imprensa continua a fazer a apologia das belezas, das riquezas e dos vultos setubalenses como modo de atrair turistas para o seu seio. A Revista Turismo, sob o título “Turistas: visitai Setúbal”, conclui apenas: “Setúbal, além do seu lindo porto, dos seus monumentos, progressos e confortos de cidade moderna, é um dos maiores centros fabris da Península, produzindo as mais famosas e saborosas conservas de peixe, apreciadíssimas em todo o mundo”35. Em 1949 foi publicado o Guia de Setúbal (Turismo, indústria e comércio), no qual já se vislumbra um pré-projecto turístico para a região, definindo percursos turísticos, nomeadamente para ocupação de fins-de-semana, pondo frente-a-frente a cidade industrial e os seus arredores de uma beleza rural soberba. Inserido nas actividades locais surge-nos com especial realce, mais uma vez, a grande importância do porto enquanto agente de desenvolvimento não apenas da região mas de todo o país36. Salienta-se ainda a importância do Museu Oceanográfico de Luís Gonzaga do Nascimento, coleccionador de espécies muito relevantes quer em quantidade quer em qualidade cien-

O Século, Lisboa, 22 de Julho de 1930, p. 1. ”O automobilismo em Setúbal”, O Volante, nº 169, Lisboa, 3 de Agosto de 1930, p. 16 a 18. 29 ”As provas automobilistas de amanhã”, Idem, p. 23. 30 ”O automobilismo em Setúbal”, Idem, p. 16 a 17. 31 “Estradas e viação no distrito de Setúbal”, Idem, p. 18. 32 Folha volante, anunciando as actividades extra-exposição, p. única. 33 Idem. 34 “ O Distrito de Setúbal, comércio, indústria, agricultura e turismo”, boletim da indústria e do comércio das conservas, dirigido por Guilherme de Faria, Setúbal, 1930, p. 5 a 22. 35 Revista Turismo, Setúbal, dirigida por António Pardal, Agosto e Setembro de 1944, 26ª p. (sem paginação). 36 Guia de Setúbal (Turismo, indústria e comércio), Setúbal, 1949, p. 3 a 16. 27 28

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• Água da Bela Vista, uma panorâmica da quinta das águas da Bela Vista, anos de 1960, postal ilustrado, colecção particular de Madureira Lopes.


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tífica. Este coleccionador possuía ainda uma riquíssima biblioteca da especialidade, que facultava aos estudantes, tal como as espécies da sua colecção, para estudos inseridos nestas temáticas37. Este museu, posteriormente cedido à Câmara Municipal, encontra-se desde 1991 instalado no edifício do forte de Santa Maria da Arrábida, como, aliás, já referimos. No que se refere às actividades, além da exploração salícola, das pescas e das conservas de peixe, destacam-se também as indústrias de cimento, adubos químicos, refinação de azeite e aproveitamento de baleias38. Como especialidades citam-se as “afamadas laranjas de Setúbal, o tradicional doce de laranja, os famosos salmonetes, as conservas de sardinhas e de outros peixes em fabrico especial e o vinho Moscatel”39. Neste Guia é dado especial realce à água da Bela Vista que, segundo especialistas, nasce sob a famosa Pedra Furada, “notável raridade geológica”40 muito semelhante ao “famoso rochedo de Leininguen, na Alemanha e que é um exemplar curioso de concreções ferruginosas em rochas arenáceas, devidas a nascentes repuchantes carregadas de sais de ferro. É um rochedo enorme (17x8x18m), de cor escura, muito carcomido, crivado de buracos, fazendo lembrar uma grande esponja de pedra”41. Esta água foi alvo de observação por parte de vários especialistas que reconheceram não apenas a sua pureza como também os seus atributos curativos. Salientamos os “estudos químico, comparativo e experimental”, para aplicação clínica das águas da Bela Vista, realizados pelo Dr. Amaro de Almeida, médico hidrologista, interno de clínica médica do Hospital Escolar, que, em 1947 publicou as suas conclusões num livro de 144 páginas no qual confirma as qualidades terapêuticas desta água, nomeadamente a sua “acção eupéptica e digestiva” e cita alguns testemunhos de pessoas curadas por causa da ingestão deste precioso líquido42. Conclui que “BELA VISTA é uma Hipossalina Nitratada”43 e, como tal, é uma água “Eupéptica, diurética e digestiva”44. Importantes são também as análises feitas pelo professor catedrático de Medicina da Universidade de Coimbra, Doutor Augusto Pais da Silva Vaz Serra que considerou a “água bacteriologicamente puríssima, hipossalina, silicatada e férrea [...]” muito digestiva e diurética pelo que se torna aconselhável para o combate a inúmeras doenças, principalmente cardíacas, de tipo reumatismal e do foro urinário45. No seu livro O futuro de Setúbal e os pontos cardeais da sua prosperidade, Carlos Manitto Torres dá especial realce ao turismo que considera crucial para o desenvolvimento da região tendo em conta, além de todas as belezas e recursos morais e materiais que possui, “o magnífico instrumento de trânsito que é o nosso porto, com as suas realidades virtuais (se assim posso dizer) ou, melhor, com as suas notáveis possibilidades de área, abrigo, equipamento e melhoria de fundos e determinados dispositivos, o seu, embora restrito, prolongamento fluvial, as suas estacadas acostáveis, linhas férreas, área comercial coberta, docas industriais e comercial, de recreio, rampas de varadouro e construção, etc. [...]”46. O conferencista lamentava que as conclusões saídas do I Congresso Nacional de Turismo, realizado em 1936, e de que também foi relator geral, tivessem acabado goradas, uma vez que o órgão superior, então previsto, jamais fora criado. Continua a defender as conclusões saídas deste encontro, já aclamadas no I Congresso da União Nacional em 1934. Manitto Torres, quando Presidente da Comissão de Turismo, já defendera a definição das bases do desenvolvimento e a organização do Turismo Nacional, assim como a redacção dos respectivos estatutos47. No caso de Setúbal dever-se-ia projectar o desenvolvimento turístico através de estudos turísticos na serra da Arrábida, da criação de uma estrutura turística regional, da expansão viária, da reorganização da indústria hoteleira, da exploração das praias e dos desportos, nomeadamente dos náuticos48. Idem, p. 56 e 57. Idem, p. 16. 39 Idem, ibidem. 40 A. Marques da Costa, A Pedra Furada de Setúbal, Setúbal, 1916. 41 Guia de Setúbal (Turismo, indústria e comércio), Setúbal, 1949, p. 62. 42 Dr. Armando de Almeida, Água da Bela Vista, Setúbal (Estudos químico, comparativo e experimental, aplicação clínica), Lisboa, 1947, p. 39. 43 Idem, p. 17. 44 Idem, p. 140. 45 Guia de Setúbal (Turismo, indústria e comércio), Setúbal, 1949, p. 129. 46 Engº Carlos Manitto Torres, ob. cit., p. 21. 47 Idem, ibidem, p. 43. 48 Idem, ibidem, p. 43 e 45. 37

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No “número especial do distrito de Setúbal” da Revista Turismo, de Janeiro de 1950, reconhece-se também a necessidade de serem elaborados projectos regionais, uma vez que as iniciativas isoladas já não produzem os efeitos necessários ao desenvolvimento turístico das regiões. E para Setúbal as sugestões são idênticas às já produzidas por Manitto Torres. Salienta, no entanto, a importância de infra-estruturas que sirvam as classes mais desfavorecidas como, por exemplo, a criação de um parque de campismo49. Os primeiros serviços de turismo em Setúbal nasceram então (anos de 1940 e 1950) sob a denominação de Sindicato de Iniciativa, simples tradução da terminologia usada pelos franceses. Posteriormente surgiu a Comissão Regional de Turismo da Serra da Arrábida que, de 1969 a 1974, foi presidida por Correia Figueira. Englobava apenas as autarquias de Setúbal, Sesimbra e Palmela. Com a revolução democrática do 25 de Abril, abriram-se novas perspectivas para o turismo em Portugal e, consequentemente, para a região de Setúbal. No 1º Congresso de Turismo Local e Regional, levado a efeito pela Câmara Municipal de Lisboa, em Março de 1978 concluiu-se pela necessidade de serem criadas regiões turísticas que, mais do que a simples demarcação territorial, deveriam ter em conta as potencialidades e as capacidades gestoras da região50. O 1º Encontro de Turismo Distrital de Setúbal realizou-se um ano depois e dele saíram algumas conclusões, nomeadamente a necessidade de serem “criados órgãos regionais por associação voluntária de municípios, a par do órgão a nível nacional”51, que teria como missão promover na região “um turismo ecologicamente são e economicamente rentável”52. Pela Portaria 246/83 de 17 de Março foi criada a Região de Turismo da Costa Azul, por vontade de todos os municípios do distrito de Setúbal. Foram, desde então, seus presidentes Josefino Ferreira, Manuel Tavares, Edgar Costa e Eufrásio Filipe Garcês José, actualmente em exercício.

Actividades religiosas e desportos no rio Romarias, procissões e festas populares A vila de Setúbal que, em 1757, possuía 13 750 habitantes, distribuídos por 4 freguesias que rivalizavam entre si pelas festas que dedicavam aos seus santos padroeiros, era uma povoação prenhe de festas religiosas e não só, que permaneceram, na sua quase totalidade, ao longo do século XIX e mesmo do século XX. Assim, os lugares consagrados ao Além pela gesta da história sacra, o enraizamento cosmogónico, a existência humana do ser divino, a aparição ou a mensagem, conduziam à adoração do objecto sagrado, num lugar santo: cultos de lugares sagrados diversamente inscritos no cósmico e na história, latria de imagens ou de outros objectos, oratórios e cruzes à beira dos caminhos ou nas encruzilhadas, confundindo religião com superstição que culminava, normalmente, em cultos terápicos. A festa, procissão ou romaria foram, e continuam a ser, o extravasar das emoções, dos recalcamentos, do elevar a Deus o ser que na Terra é humano mas que se pretende, no futuro, se aproxime do divino. Setúbal, pelas características da sua população, foi uma vila, depois cidade, em cujo espaço se realizaram e/ou prepararam inúmeras festas, de feição religiosa. Nos finais do século XVIII, as suas freguesias organizavam independentemente as festas aos seus santos. S. Sebastião, com 5 806 habitantes, possuía “seis ermidas onde se realizavam actividades religiosas; a festa mais importante era a de Nossa Senhora de Tróia53, que se cumpria duas vezes por ano (uma feita por agricultores, outra pelas gentes do mar), em procissão por terra e por mar, pedindo a bênção da Virgem para as respectivas actividades, no campo e no mar. A freguesia de Nossa Senhora Anunciada, com 3 306 habitantes, tinha como principal festividade a da santa que lhe deu o nome e que era sempre passeada pelas ruas do aglomerado urbano e pelo rio, em barcos engalanados. A freguesia de Santa Maria, com apenas 718 habitantes, possuía quatro ermidas, salientando-se as festas ao Senhor do Bonfim que disputava com S. Julião, por serem as mais importantes da região de Setúbal, para onde acorriam

Armando Vieira Santos, “Valor Turístico”, Revista Turismo, Número especial do distrito de Setúbal, nº 88, Lisboa, Janeiro de 1950, sem paginação. Francisco Lobo, “Regionalização Turística - Estruturas locais e regionais”, Encontro de Turismo distrital de Setúbal, Setúbal, s. d., p. 7. 51 “Conclusões finais”, idem, p. 45. 52 Idem, ibidem, p. 49. 53 Que persistiu até aos nossos dias. 49 50

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• “Registo do Senhor Jesus do Bonfim”, colecção particular de Madureira Lopes. • S. Francisco Xavier, Padroeiro de Setúbal. Este santo, co-fundador da Companhia de Jesus, nasceu em Espanha, no dia 7 de Abril de 1506, no castelo de Xavier em Navarra, junto a Pamplona e ficou célebre em Setúbal pelos milagres concedidos aos habitantes deste burgo, colecção particular de Madureira Lopes.


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• Gravura de Nossa Senhora da Arrábida, início do século XX, colecção particular de Madureira Lopes. • “Portinho da Arrábida: desembarque do Círio”, Ilustração Portuguesa, Lisboa, 18 de Janeiro de 1909, p. 91.


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gentes de todo o país, especialmente de Lisboa, tendo em conta a mentalidade peregrina que sempre dominou entre o povo cristão. A freguesia de S. Julião, com 3 857 moradores, e tendo por orago o santo do mesmo nome, possuía seis capelas, nas quais se realizavam missas, procissões e outras manifestações de fé. Numa das suas capelas encontrava-se a imagem do Senhor do Bonfim54 que era visitada por círios de várias terras, “desde o Espírito Santo até ao mês de Outubro, anualmente”55. Os peregrinos acorriam a Setúbal, vindos de “Aldea-Gallega (Montijo), Paiopires, Seixal, Arrentela, Alcochete, Samouco e dos saloios. Concorria também o círio dos lancheiros de Alfama [...]”56. Coincidindo com as celebrações religiosas e o arraial, a população e os visitantes podiam divertir-se e fazer os seus negócios na feira de Santiago, fundada em 9 de Julho de 1582, que era franca57 e assistir, à noite ao fogo de artifício no cais. Ao longo do século XIX, com o desenvolvimento dos caminhos-de-ferro, dilatou-se o espaço sagrado, enfraquecendo ou transformando a busca peregrina nos seus aspectos intrínsecos, esperanças e valores penitenciais, atingindo-a também na sua energética. O extraordinário incremento do culto mariano que se verificou neste século fora, no entanto, precedido e preparado em profundidade pelo aparecimento de numerosos santuários, a partir do início do século XVII, que visavam a exaltação da intercessão da Virgem, combatida pelo cristianismo da Reforma, denunciador da latria. O aglomerado urbano de Setúbal não fugiu a esta regra, esmorecendo as festas ao Senhor do Bonfim e transferindo-as para a Nossa Senhora da Arrábida, na segunda metade do século XIX, desde há muito visitada por peregrinos. A serra da Arrábida e, nomeadamente, o lugar do convento dos arrabidinos, pelas suas características mediadoras entre o Céu, a Terra e o Mar, era também um lugar sagrado para os romeiros. Pelo seu isolamento do mundo e a ausência de bens terrenos, foi escolhida para ser local de purificação e louvor (veja-se o exemplo poético de Frei Agostinho da Cruz e de Sebastião da Gama). Este espaço é um santuário onde todos os anos, desde longa data e intermitentemente por vezes, o povo de Setúbal e de Azeitão, e anteriormente o de Lisboa, se deslocava em oração e louvor a Nossa Senhora da Arrábida, seguida de expressões conotadas com as tradicionais festividades pagãs. O sinal que veio sacralizar este local de romaria na Arrábida foi, segundo a tradição popular, descrita por Frei António da Piedade no seu livro Chronica da Provincia de Santa Maria da Arrábida (Lisboa, 1737), atribuído a Hildebrant, mercador inglês que, salvando-se de um naufrágio nas imediações de Alportuche, imputou o milagre a uma imagem de Nossa Senhora, talhada em pedra, que trazia na sua embarcação e da qual era muito devoto. A água translúcida de uma fonte, pântano ou mesmo mar, era, tal como a árvore, local por excelência para a descoberta miraculosa do objecto sagrado a venerar posteriormente58. Assim, Hildebrant viu nesse acontecimento um sinal sagrado e logo por ali ficou, transformando-se em eremita e mandando construir uma pequena ermida em honra da Virgem. Todos os anos os seus companheiros o visitavam em romaria, vindos de Lisboa (Alcântara). Foi com estes visitantes que se iniciou o Círio de Alcântara, por volta de 1215, a uma ermida que chegou até ao século XVI59. Para os frades arrabidinos a solidão da serra era o local ideal para fixarem a congregação. A veneração a Nossa Senhora da Arrábida continuou, pois a sacralidade do lugar foi renovada e mantida pela comunidade franciscana que reconstruiu o seu espaço de vivência no meio das ruínas de outras celas já existentes, com o apoio de D. João de Lencastre - duque de Aveiro. O espaço de residência dos religiosos era constituído pelo convento velho e pelo convento novo, embora ao longo da serra existissem espaços de meditação, dos quais destacamos as capelas que compõem a Via Sacra. Estes pólos de piedade apresentam constante avanço para o cume, pois elas estão enfileiradas na serra, e o acesso ainda hoje se faz através de uma longa escada de degraus escavados.

Sobre a fundação da capela, das festas e actividades subsidiárias das mesmas, consulte-se António Manuel Carreira da Cunha Bento, “Ermida do Senhor do Bonfim”, in Maria da Conceição Quintas (coord.) Monografia, S. Julião, Setúbal, ed. cit., p. 221-227. 55 “As informações paroquiais de 1758”, R. Peres Claro, Setúbal no século XVIII, Setúbal 1957, p. 23. 56 O prior Hieronimo Affonso Botelho, freguesia de Santa Maria da Graça, idem, p. 39-40. 57 Augusto Soares de Azevedo Barbosa de Pinho Leal, Portugal Antigo e Moderno, Diccionario geographico, estatistico, chorographico, heraldico, archeologico, historico, biographico e etymologico, de todas as cidades, villas e freguezias de Portugal, Lisboa, Mattos Moreira & Companhia, 1880, p. 289; Manuel Envia, “A feira em 1882”, Prosas regionais, coisas de Setúbal, factos populares e descritivos de homens e episódios da segunda metade do século XIX, Setúbal, e. a., 1947, p. 227 a 231. 58 Consulte-se, p. ex. Alphonse Dupront, “A religião - antropologia religiosas”, in: Fazer História, 1ª edição portuguesa, Lisboa, Livraria Bertrand, 1981, p. 130-131, passim. 59 Dulce Perestrello, A Serra da Arrábida e o seu convento, Lisboa, 1952. 54

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• Um aspecto do porto com a fortaleza de S. Filipe ao fundo, Ilustração Portuguesa, Lisboa, 18 de Janeiro de 1909, p. 95 • Passeio da Arrábida, postal ilustrado, 1910, colecção particular de Madureira Lopes.


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Verificava-se que a maioria dos cultos e romarias se materializavam através de um percurso que culminava numa pequena ermida, capela ou mosteiro onde se encontrava a imagem venerada, normalmente num ponto elevado, se possível no cimo duma montanha onde as pessoas se sentissem mais perto de Deus. Mircea Elíade considera que a montanha representa o centro do mundo. Com efeito, numerosas culturas falam-nos de tais montanhas - míticas ou reais - situadas no centro do mundo. É a Montanha Cósmica, um espaço sagrado onde é possível fazer-se a comunicação entre a Terra e o mundo superior, o Céu60. No caso setubalense, o lugar do convento velho, conjuntamente com o convento novo, formavam um Cosmos - território habitado, consagrado previamente por Hildebrant, beatificado pelo despojamento, sacrifício e oração dos frades arrabidinos e, de certo modo, o território cujos habitantes estavam em contacto com o mundo divino. O universo do convento tentava ser uma réplica do universo habitado por Deus. E quanto mais alto e isolado, mais próximo Dele. A romaria até ao cimo do monte tinha como função a penitência de subir, sacrificando o corpo para a sua purificação, à semelhança do que se passava e ainda se passa em inúmeros santuários portugueses, e não só. Tal como o espaço, o tempo tinha muita importância para as festas e romarias, especialmente para as de expressão religiosa. Elas representavam a paragem de um ritmo material, puramente profano, para viver momentos simplesmente espirituais, de união com Deus. O ser humano, nestas manifestações religiosas, sentia-se possuído de uma luz divina que o purificava, queimando todo o seu passado de pecado e de afastamento de Deus. Mircea Elíade considera que a festa não é a comemoração de um acontecimento mítico, logo religioso, mas sim a sua reactualização61. É como se o humano voltasse à sua forma espiritual que antecedeu a carnal, como se fosse, de novo, parte integrante de Deus, mais sentida quanto mais longe da Terra e mais perto do Céu, no cume mais alto da montanha. A Arrábida, pelo seu conteúdo místico, era pólo de atracção e, como tal, o seu convento foi o local de encontro das pessoas que queriam venerar a Virgem da Arrábida e ali acorriam em romarias, mais conhecidas por círios: Círio de Lisboa, nascido em 1258; Círio de Vila Nogueira de Azeitão, que começou a realizar-se no dia 22 de Maio de 1845; e Antigo Círio de Setúbal que fora instituído em 20 de Maio de 1839 por António Aveleiro da Silva e José Romão Peres; embora não se realizasse nos anos de 1884 a 1891, foi reconstituído em 29 de Maio de 189262. Além destes, existiu o Novo Círio de Setúbal, fundado em 1892 por António de Jesus Canoa, Manuel Pereira da Costa, Manuel José Ramos e Francisco Joaquim63 e que se manteve até aos nossos dias, à semelhança do que se passa com o Círio de Azeitão. Estes círios, especialmente o Antigo Círio, chegaram a ser as principais festas do concelho e nomeadas entre as melhores do Sul do país. Quando isso aconteceu, elas escaparam à escala do modelo de romaria e tornaram-se as festas oficiais da cidade. O desenvolvimento desta atraiu, nos finais do século XIX e princípio do século XX, forasteiros de grande importância nos contextos económico, social, político e cultural do país. O próprio Rei D. Carlos participou nos festejos do Antigo Círio, no ano de 1905, à semelhança do que fizera D. João V, quando em 1711 decidiu vir em peregrinação à ermida do Senhor do Bonfim, pagar uma promessa64. Então estávamos no século XVIII, impunha-se a consecução do organigrama político e social de Antigo Regime: um Rei, um local e um motivo para o relacionamento do Rei com o seu povo, aproveitando assim o momento de catarse para difundir a sua ideologia de poder, a nova mensagem política. Em 1905 a projecção do Partido Republicano na cidade de Setúbal era já muito importante, à semelhança do que se passava noutras cidades portuguesas, situação que os monárquicos setubalenses tentavam travar. A conjuntura política era, portanto, idêntica. A presença do Rei impunha-se para que a religiosidade do povo provocasse a associação do monarca às suas crenças e momentos festivos, tentando-se assim a manutenção da mensagem política dos conservadores e a travagem da evolução dos ideais republicanos e socialistas. A Comissão Directiva das festas a Nossa Senhora da Arrábida, realizadas em 1905, era composta por abastados comerciantes

Mircea Eliade, O sagrado e o profano. A essência das religiões, Lisboa, Livros do Brasil, s. d., p. 51. Idem. p. 81. 62 Artur Alberto da Conceição Pereira, Subsídio para a história dos círios da Arrábida provenientes de Setúbal, Setúbal, 1982, p. 9; José Maria da Rosa Albino, Arrábida, publicação comemorativa do centenário da fundação do Antigo Círio da Arrábida de Setúbal, Setúbal, Tip. Sado, 1939, p. 79. 63 Idem, p. 12. 64 António Manuel Carreira da Cunha Bento, art. cit., ob. cit., p. 223. 60 61

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• Praia e Forte de Albarquel, postal ilustrado, s.d., colecção particular de Madureira Lopes • Gruta de Santa Margarida, postal ilustrado, s.d., colecção particular de Madureira Lopes


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e proprietários da cidade, que organizaram um vasto programa durante uma semana, apresentando actividades que iam desde a procissão e partida do Círio por mar para a serra da Arrábida, até aos arraiais, peças de teatro, regatas, serenatas em honra de Sua Majestade, iluminações, corridas de touros, concertos e outras muito variadas65. O transporte do Círio fazia-se pelo rio até ao Portinho, subindo depois de burro ou a pé até ao convento. O baile popular, as fogaças, o fogo preso e as cavalhadas, tudo obedecia a um ritual repetido ciclicamente. Após a missa, os dinamizadores da festa promoviam uma procissão em honra da Senhora da Arrábida e do Senhor dos Aflitos, na Lapa de Santa Margarida, seguida de piquenique. Do Céu - cimo da montanha - voltava-se de novo à terra, mas especialmente ao mar; na Lapa de Santa Margarida, onde se encontrava uma imagem da Virgem, penetravam as ondas em dias de tempestade, chegavam junto de Nossa Senhora e Ela abençoava o mar e os pescadores que lutavam, no seu seio, para angariar o sustento da família. No regresso do Círio, o cortejo fluvial terminava no cais de Nossa Senhora da Conceição, onde se organizava uma procissão, por terra, até à igreja de Nossa Senhora Anunciada, onde a imagem permanecia até à realização das festividades do ano seguinte. A imprensa noticiava largamente os festejos e apelava aos comerciantes que ajudassem financeiramente pois eles seriam os principais beneficiados, uma vez que os inúmeros forasteiros que acorriam a Setúbal nestes dias fariam crescer imenso os lucros dos vários estabelecimentos do aglomerado urbano e de seus arredores. As várias notícias apologéticas destes festejos são, também elas, escritas por elementos de um determinado grupo social, que também se encontra representado na direcção e coordenação das festas e é utente privilegiado da exploração comercial dos pavilhões e dos bazares. Da singela romaria dos primórdios às festas oficiais do início do século XX, há um longo caminho que passa ao lado do povo humilde. Assim uma interrogação se nos coloca: esta festa poder-se-ia considerar uma festa popular? Pierre Sanchis analisa situações idênticas e questiona-se também sobre o assunto, designadamente acerca da essência desse mesmo povo, sobre as suas capacidades organizativas: “[...] Em que medida dispõe o povo dos órgãos de comando de manifestações existenciais ao mesmo tempo expressivas e constitutivas dele próprio; e em que condições, no decurso de uma dialéctica jamais interrompida de alienação e de libertação, poderá - a este nível - apropriar-se (re-apropriar-se) da iniciativa, sempre de novo perdida, do seu destino colectivo?”66. Era o caso do Antigo Círio a Nossa Senhora da Arrábida, em Setúbal. Os seus festejos terminavam e recomeçavam pela vontade de uma elite67, não pela espontaneidade popular que existia e permanece no Novo Círio, que coexistiu, de forma mais modesta com o Antigo ou Velho Círio, dinamizado pela burguesia setubalense. Na realidade, estas festas haviam já perdido muito do sentido sagrado original. Por isso, quando em Setúbal se deu o surto de anti-clericalismo, a imagem da Monarquia entrou em decadência e a pequena burguesia assumiu as ideias republicanas e anti-clericais, terminaram os festejos do Antigo Círio, em 1906 (o Novo Círio manteve, anualmente, a sua peregrinação à serra, pelo rio e pelos caminhos turtuosos que os conduzia ao cume, em honra de Nossa Senhora da Arrábida). Em 1911, já sob a égide dos republicanos, o santo deu lugar ao herói, passando a realizar-se as chamadas festas bocageanas, em honra do grande vate setubalense. À semelhança do que acontecia com o círio a Nossa Senhora da Arrábida, manteve-se a festa no rio, com barcos engalanados e fogo de artifício lançado das embarcações. Mas a entrada de Portugal na Guerra, o prenúncio do Sidonismo e da Ditadura Militar, acrescidos do intitulado milagre de Fátima em 1917, fizeram reiniciar a recuperação dos valores piedosos e cristãos tradicionais, que o surto anti-clerical pretendeu fazer calar na população portuguesa, procurando substitui-los pelas ideias republicanas e socialistas fortalecidas pela revolução de Outubro e pelas reivindicações dos sindicalistas. O Antigo Círio voltou a organizar-se, pretendendo retomar o seu lugar como “Festa da cidade”, destronando Bocage, modelo cívico imposto pela República. Foram, principalmente os monárquicos, que anteriormente organizavam esta festa que, de novo, a trouxeram

Album de Setúbal, homenagem de respeito à briosa comissão dos festejos em honra de Nossa Senhora da Arrábida, Setúbal, editado por Frederico Gouveia, Junho de 1905, todo o número, especialmente p. 5, 6 e 7; Programa das Grandes Festas a Nossa Senhora da Arrábida, Setúbal, 1905 (programa), 4 p. 66 Pierre Sanchis, ob. cit., p. 22. 67 Como exemplo citamos uma referência à interrupção dos festejos do Antigo Círio, escrita pelo próprio organizador: “[...] brilhando até 1904, data em que José Albino, devido a dissabores, pediu a demissão [...]”. In José Maria da Rosa Albino, ob. cit., p. 79. 65

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ao de cima. Preparado o povo desde 1918, realizaram-se, com grande pompa, nos dia 20 a 30 de Maio de 191968, “a que assistiu nesta cidade, o Chefe do Estado”69. Neste contexto temos que concordar com Pierre Sanchis quando afirma que “é na meditação das ideologias que ambas as classes, dominante e popular, convertem o modelo cultural em valores, elaboram, em torno destes, visões do mundo coerentes, segregam a partir da sua acção um invólucro de imaginário que lhe dá sentido, a projecta e a justifica, cristalizam este imaginário em gestos sociais simbólicos (entre eles as festas) que condensam e dão energia a uma reflexão ideológica sobre a identidade do grupo ou à sua projecção utópica para um futuro diferente”70. Não podemos é esquecer que as capacidades financeiras das classes dominantes lhes forneciam armas que os tornavam capazes de se imporem às consciências dos economicamente e mesmo psicologicamente mais frágeis. Era o caso das festas que mantinham uma dinâmica de massas, facilitadora da manutenção de uma mentalidade castradora propícia à discriminação social defendida pelos conservadores. Quando o povo conseguia manter o seu lugar como dinamizador das manifestações religiosas, elas continuavam puras e permanentes, ao longo de séculos. Foi o caso do Novo Círio a Nossa Senhora da Arrábida, promovido pelos populares de Troino, bairro habitado quase exclusivamente por pescadores e operários das indústrias de conserva de peixe existentes em Setúbal. Este círio ainda hoje realiza a sua romaria em honra de Nossa Senhora da Arrábida e não esquece a viagem pelo rio. A fé dos setubalenses, especialmente dos pescadores era, como sempre foi, profunda por causa do perigo que diariamente enfrentavam. No entanto, concordamos com Jacques Heers, quando nos diz que em qualquer das festas, a própria noção de sagrado era adulterada pela componente profana que todas elas, por muito simples que fossem, continham; embora a maior parte das grandes festas do ano se situassem num quadro processional, normalmente de expressão religiosa, mas muitas vezes com fortes componentes profanas71. Encontramo-las misturadas nas preces de cada peregrino. A Igreja Católica sabia-o e aproveitava a componente mítica, canalizando-a para os rituais religiosos. “Bons tempos, ruidosos tempos, os das procissões, festas, descantes e romarias. [...] As procissões, as festas de igreja, as novenas72, os círios, os arraiais calaram fundo na alma da nossa gente. Devotos e tementes a Deus, os setubalenses de antanho [séculos XVIII, XIX e princípios do XX] amaram o culto dos santos, a liturgia da Igreja, as festas, as novenas, as procissões”73. Na realidade a imprensa local anunciava permanentemente as várias actividades religiosas que se realizavam no aglomerado urbano de Setúbal e seus arredores, assim como os círios que aqui se organizavam para outras localidades como, por exemplo, Nossa Senhora de Atalaia74. No aglomerado urbano de Setúbal, além das já referidas grandes festas religiosas: Senhor do Bonfim e Nossa Senhora da Arrábida, salientamos ainda as festas da Senhora do Cais75, Nossa Senhora de Tróia e a também célebre romaria a S. Luís da Serra. Ignorando-se a data exacta do início destas festas, sabe-se que se realizam há centenas de anos, no Domingo de Pascoela, em honra do santo, orago da pequena capelinha, construída no cimo do monte de S. Luís, pertencente à grande serra da Arrábida. Sempre ali “acorreram milhares de pessoas de Setúbal e todos os povos das quintas e campos vizinhos, Barris, Rasca, Alcuber”76. A capela fica situada num planalto onde abundam os pinheiros, sob os quais os imensos romeiros se abrigam, descansam e assistem à arrematação das fogaças, com características únicas no A Mocidade, dirigida por elementos da juventude monárquica em Setúbal, que sempre manteve acesa a chama do Círio, através dos consequentes artigos que dedicava à serra, às visitas e às festas, iniciou a campanha para as novas festas a Nossa Senhora da Arrábida, em Maio de 1918: “Ressurgimento das grandes festas da Arrábida”, A Mocidade, Setúbal, 22 de Maio de 1918, p. 1. Esta campanha manteve-se até 7 de Maio de 1919 , em cujo número se fazia a biografia e apologia de José Maria da Rosa Albino, de novo presidente da comissão das festas que se realizaram com grande pompa nos dias 20 a 30 deste mesmo mês: “Grandes festas da Arrábida”, idem, 1 de Junho de 1919, p. 1. 69 José Maria da Rosa Albino, ob. cit., p. 79. 70 Idem, p. 27. 71 Jacques Heers, Festas de loucos e carnavais, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1987, p. 48. 72 Também anunciadas na imprensa. P. ex.: “Festa a S. Sebastião” (novena), O Districto, Setúbal, 18 de Janeiro de 1891, p. 2. 73 Luiz Gonzaga do Nascimento, “Velharias de Setúbal, procissões, festas e romarias de outros tempos”, separata de A Indústria, Setúbal, 1946, p. 3. 74 “Atalaya”, O Districto, Setúbal, 30 de Agosto de 1891, p. 2; “Cyrio da Atalaya”, O Elmano Setúbal, 29 de Agosto de 1896, p. 2; idem, 1 de Setembro de 1897, p. 2, entre outros. 75 “As festas no cais em honra de Nossa Senhora da Conceição”, O Setubalense, Setúbal, 27 de Setembro de 1923, p. 1. 76 Lúcio, “S. Luís da Serra”, Alvorada, Setúbal, 31 de Maio de 1924, p. 1. 68

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• Programa das Festas a Nossa Senhora da Arrábida, 1904, colecção particular de Madureira Lopes.


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país, assim como o arraial que se processa depois das cerimónias religiosas. “É a única curiosa festa típica e regional que ora se realiza em Setúbal, [...] e a ela acorrem até indivíduos de longe, tendo já dado por mais de uma vez tão interessantes passeios os jornalistas de Lisboa [...] Fernandes Alves e César Nogueira”77. A tipicidade desta romaria, as celebrações religiosas, o arraial, o tipo de arrematação das fogaças e as corridas, entre outras actividades, eram anualmente anunciadas na imprensa local, assim como o facto de ser a única que conservou todas as características regionais e a pureza das manifestações populares das gentes setubalenses78. Mircea Eliade refere esta situação quando nos diz que as hierofanias variavam ao longo dos tempos, representando uma modalidade universal do sagrado, por isso eram acessíveis a todas as culturas, convertendo-se, através do cristianismo, num valor religioso mundial. Certas hierofanias, como ritos, cultos, formas divinas e símbolos, entre outras, tornaram-se multivalentes e mesmo universalistas. No entanto, algumas permaneceram locais e “históricas”, caindo em desuso ou mantendo-se apenas na sociedade originária79, como aconteceu com as actividades, sagradas e profanas, desenvolvidas na romaria a S. Luís da Serra dinamizada e vivida directamente pelo povo de Setúbal, especialmente agricultores, pescadores e operários80. As festividades realizavam-se durante a Primavera e o Verão, pois grande parte das actividades eram ao ar livre mas também porque “a Primavera é uma ressurreição da vida universal e, por conseguinte, da vida humana. Por este acto cósmico, todas as forças de criação reencontram o seu vigor inicial. A vida é integralmente reconstituída; tudo começa de novo; em resumo, repete-se o acto primordial da criação cósmica, porque toda a regeneração é um novo nascimento, um regresso a esse tempo mítico em que apareceu, pela primeira vez, a forma que se regenera. A ideia de regeneração do colectivo humano por uma participação activa deste na ressurreição da vegetação, e portanto na regeneração do cosmos, está implícita em numerosos rituais da vegetação”81, como se verificava nas actividades desenvolvidas durante a “Festa da árvore” e a sua relação com o “Maio” ou “Maias” e mesmo com o “dia do trabalhador”82. A natureza e os valores sociais atraíram sempre o ser humano mas há algo que ele sente mas onde não consegue penetrar, nem sequer consegue atingir ou mesmo perceber: a criação do Universo. Assim, “[...] a religião assegura-lhe a integridade”83, dá-lhe segurança durante a vida e uma perspectiva para além da morte. Conforme a ciência avançava o conteúdo religioso sofria alterações; por isso, “a maior parte das situações assumidas pelo homem religioso das sociedades primitivas e das civilizações arcaicas há muito tempo que foram ultrapassadas pela história. Mas não desapareceram sem deixar traços: contribuíram para que nos fizéssemos o que somos hoje, fazem parte, pois, da nossa própria história”84. Os rituais, as manifestações religiosas e as profanas que as antecedem, integram ou seguem, são claramente os resquícios das manifestações pagãs e das superstições que se mantiveram ao longo dos séculos e que a religião católica adaptou ou mesmo tolerou. A Semana Santa, os jubileus, as procissões quaresmais [e não só] as festas de igreja, animaram grandemente a vida sadina dos finais do século XIX, início do século XX. “Isto numa época em que os setubalenses se benziam e desbarretavam devotamente ao tanger das Ave-Marias. Acompanhavam o Sagrado-Viático, assistiam ao exercício da Via-Sacra, rezavam o terço, entoavam benditos, alumiavam os nichos, floriam os altares, penitenciavam-se e choravam os seus pecados e desmandos”85 e levavam os santos ao rio para que o abençoassem, protegessem os que nele o no mar se aventuravam para ganhar “o pão de cada dia”. Os ofícios de Quinta e Sexta-Feira santas eram notáveis composições musicais religiosas de que se salientaram as do “Padre Serrão [e seus discípulos] que atraíam à igreja de S. Sebastião a fina flor da sociedade setubalense”86 dos anos setenta, oitenta e noventa do século XIX, sem esquecer as solenes matinas de Nossa Senhora da Conceição, que tornaram célebre o grande músico setubalense António

Idem, ibidem. P. ex.: “Festa de S. Luís”, O Elmano, Setúbal, 29 de Março de 1913; “Festa de S. Luís da Serra”, O Trabalho, Setúbal, 23 de Abril de 1911;”S. Luís da Serra”, O Setubalense, Setúbal, 2 de Abril de 1918; idem, 10 de Abril de 1920; 79 Mircea Eliade, Tratado de história das religiões, Lisboa, edições Cosmos, 1977, p. 27. 80 ”Festas de S. Luís da Serra”, O Trabalho, Setúbal, 23 de Abril de 1911; idem, 26 de Abril de 1914. 81 Mircea Eliade, Tratado de história das religiões, ed. cit., p. 371. 82 Idem, p. 372-373. 83 Mircea Eliade, O sagrado e o profano. A essência das religiões, ed. cit., p. 219. 84 Idem, p. 209. 85 Luiz Gonzaga do Nascimento, ob. cit., p. 4. 86 Idem, ibidem. 77 78

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• Procissão Fluvial inserida nos festejos a Nossa Senhora do Cais, Fotografia de Américo Ribeiro, 1941, colecção particular de Madureira Lopes.


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Nascimento, aluno do Padre Silvestre Serrão87, assim como os concertos e serenatas no cais. As procissões setubalenses foram famosas pela sua originalidade. “A de S. Pedro, com seu barco afestoado de flores, redes, remos e peixes, [...] saía da igreja da Anunciada, percorria as principais ruas de Troino, entre o entusiasmo e as aclamações da gente do mar. O santo pescador de almas abençoava os barcos, as redes, o mar”88, era o discípulo pescador, logo protector daqueles que se dedicavam às lides marítimas. S. João, mais querido pelos camponeses, tinha uma procissão com características bem diferentes, dentro da cultura dos seus organizadores: “[...] místico precursor de Cristo, não lhe [de S. Pedro] ficava atrás, tanto mais que a gente do campo caprichava em enramar e florir com malmequeres, murtas e rescendentes cravos o andor do santo anacoreta, a que não faltava o nédio e anafado cordeirinho branco de neve. Depois da procissão, o [...] cordeirinho, enfeitado de laços e fitinhas de seda, era leiloado. O produto da venda revertia a favor dos pobres e necessitados”89. A população setubalense acompanhava estas expressões religiosas aos santos populares com ornamentação das ruas, nas quais, através de descantes, orquestras, bailes, fogueiras, poesias e cantares, o povo expressava a sua alegria. As portas estavam permanentemente abertas e com comida de que se salientavam os tradicionais caracóis e sardinhas assadas, regados com bom vinho da região (Palmela, Azeitão e quintas de Setúbal). As festas que também se realizavam nas quintas e, posteriormente, no recinto de jogos do Vitória, duravam até de manhã e dali, os foliões dirigiam-se ao alto de Brancanes para ver nascer o sol e deliciar-se com o espectáculo da chegada dos barcos ao porto, carregados de bom peixe. A imprensa anunciava amplamente estas festas, bem características da cultura setubalense, especialmente do seu povo trabalhador. Aqui, o sagrado e o profano, a fé e a solidariedade, o amor e a doação pregados por Cristo, a justiça social e a igualdade, ideais das revoluções liberais, interpenetravam-se, exprimiam-se através da festa colectiva dum povo que se sentia unido pelo trabalho, pela colaboração e pela alegria de viver em plena igualdade, mesmo por apenas alguns dias, os dias em que se festejavam os santos populares90 e muitos outros santos, como S. Martinho, com a tradicional carne de porco, a sardinha assada e o bom vinho91. Salientam-se também as festas a S. José, patrono dos operários92, S. Luiz Gonzaga93, Coração de Jesus94, Santíssima Trindade95, Invenção da Santa Cruz e festa da Boa Morte96, rainha Santa Isabel, procissão do Rosário, procissão de Corpus Cristi, S. Tiago97 sem esquecer as actividades religiosas aos Domingos e Dias Santos, as missas por alma dos falecidos98, entre muitas outras expressões da religiosidade e da originalidade cultural do povo setubalense que, com maior ou menor intensidade se mantiveram ao longo dos anos até aos nossos dias. As manifestações religiosas no rio diminuíram de intensidade, até porque o movimento do porto as dificultava. Mas, ainda se mantêm alguns resquícios destes sinais que ligam o mar à terra, que são o símbolo da razão da existência do aglomerado urbano de Setúbal. O apostolado sempre teve também grande importância, nomeadamente no referente às pessoas que frequentavam o Porto de Setúbal. Neste contexto instalou-se na cidade uma delegação da STELLA MARIS, mais conhecida como obra de Apostolado do Mar.

Idem, ibidem. Idem, p. 4. 89 Idem, ibidem. 90 Por exemplo: “A santo António”, O Districto, Setúbal, 10 de Junho de 1888, p. 2; “S. João”, idem, 24 de Junho de 1888, p. 2; “Santo António”, O Elmano, Setúbal, 23 de Julho de 1895, p. 1; “O santo António”, idem, 16 de Junho de 1897, p. 2; “Festas de S. Pedro”, idem, 23 de Junho de 1897, p. 2; “Santo António, S. João, S. Pedro e festas da Mãe Santíssima”, idem, 10 de Junho de 1903; “S. João”, A Folha de Setúbal, 27 de Junho de 1915, p. 1; “Santo António”, O Setubalense, Setúbal, 13 de Junho, de 1918, p. 1. 91 ”O S. Martinho”, O Setubalense, Setúbal, 11 de Novembro de 1925, p. 1. 92 ”Festas religiosas”, O Districto, Setúbal, 19 de Abril de 1888, p. 2; “Festividade - dia de S. José”, O Elmano, Setúbal, 16 de Março de 1904, p. 2; “Culto católico”, O Setubalense, Setúbal, 17 de Março de 1930. 93 ”Palmela - Missa Nova”, O Districto, Setúbal, 2 de Outubro de 1890, p. 2. 94 ”Festa do Coração de Jesus”, idem, 10 de Junho de 1888, p. 2. 95 ”Festas religiosas”, idem, 27 de Maio de 1888, p. 2. 96 ”Festas religiosas”, idem, 29 de Abril de 1888, p. 2. 97 Luiz Gonzaga do Nascimento, ob. cit., p. 5. 98 ”Missa”, O Districto, Setúbal, 4 de Março de 1888, p. 2. 87

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Obras do Apostolado do Mar: STELLA MARIS A obra do Apostolado do Mar é uma organização Cristã que depende directamente do Vaticano e tem como objectivo fundamental o apoio aos homens do mar. Em Setúbal esta obra instalou-se no ano de 1971 tendo como seu primeiro Capelão e responsável o Padre Manuel Vieira que ainda continua a exercer este cargo. Nos primeiros anos da sua existência, o STELLA MARIS tinha como principal objectivo o apoio aos tripulantes da marinha mercante. Então, os navios permaneciam nos portos onde atracavam vários dias. As carências dos seus tripulantes em alguns casos eram muitas, como a comunicação com as famílias, os despedimentos fora do país de origem e o apoio material e espiritual, entre outras, o que fazia com que esta obra tivesse uma especial atenção a estas tripulações. A vinda dos estaleiros navais para Setúbal e o aumento de tráfico marítimo nesta cidade fizeram com que esta instituição estivesse muito activa nos primeiros anos da sua existência na cidade sadina. A partir de 1976, a direcção da obra em Setúbal decidiu alargar as suas actividades aos homens do mar da pesca artesanal. O impacte foi muito importante em áreas bastante diversas como o apoio às famílias e os cursos de formação especialmente nas escolas infantis, actividades que colocaram este departamento na primeira linha dos STELLA MARIS nacionais. Actualmente a nível de Portugal e da Europa esta obra passa por um momento de grande actividade e adaptação ao binómio Marinha Mercante/Pesca Artesanal99. Tudo isto se deve, afinal, a este rio e a este mar, tão perto dos setubalenses, que desenvolveram outras actividades para além das expressões religiosas de que foram grandes dinamizadores. Os desportos náuticos, já desde há muito tempo praticados por autóctones e por desportistas vindos de todo o país e mesmo do estrangeiro, levaram à criação do Clube Naval Setubalense no ano de 1920.

Clube Naval Setubalense “O gosto pelos desportos é velho em Setúbal, pois já em 14 de Outubro de 1880 se fundou nesta cidade a Associação Fluvial Setubalense. O seu distintivo era uma corneta branca sobre fundo azul e as suas primeiras reuniões realizaram-se nas salas da Academia Filarmónica Setubalense”. A sua fundação veio anunciada nos nº 594 da Gazeta Setubalense, 148 e 149 da Gazeta do Sado100. O Clube Naval Setubalense foi fundado no dia 6 de Maio de 1920101 e visava a prática dos desportos náuticos, na cidade de Setúbal. A primeira direcção era constituída por nomes conhecidos na sociedade setubalense, como o Dr. Carlos Botelho Moniz, o Tenente Silva Escudeiro, o Capitão Cassar, João Manuel Teixeira e Virgílio Santana102. Então a Associação dos Bombeiros Voluntários emprestou uma sala para o funcionamento da sede provisória do clube, enquanto que o Vitória Futebol Clube organizava uma festa em honra do novo clube desportivo. De imediato, as actividades sucediam-se: abriram-se cursos de ginástica infantil e de jogo do pau, enquanto que a Capitania do Porto demarcou o ancoradouro a que, por Lei, este clube tinha direito. Ainda em 1920, fez representar-se no Congresso Náutico. Contava, na altura, com 372 sócios103. Em 1921 o clube iniciou cursos de natação, sob a orientação do professor Pereira da Costa e construiu a sua primeira jangada. Adolfo Burnay treinava remo e a direcção propôs-se construir um “hangar”, junto ao barracão arrendado à Câmara Municipal, onde estava a funcionar a sede. No dia 30 de Abril de 1921, comunicava aos sócios, através da imprensa local, que deveriam comparecer no “Barracão do Clube” no Domingo, dia 1 de Maio, pelas 10 horas, para “serem sujeitos a exame médico”, sem o qual não poderiam embarcar104. A 13 de Agosto foram finalmente aprovados os estatutos, quando o número de associados atingia já 657105. Em 1922 estreou em provas inter-

Informação fornecida por Acácio Lopes, Stela Maris. “Precursores dos desportos náuticos em Setúbal”, “23 anos de existência, 1920-1943, uma breve resenha”, Naval, número único comemorativo do XXIII aniversário do Clube Naval Setubalense, Setúbal, 1920, p. 28. 101 Luiz Silveira, Anotações ao Livro Memórias sobre a História e administração do Município de Setúbal (subsídios para a história de Setúbal), Setúbal, 1942, p. 208. 102 “23 anos de existência, 1920-1943, uma breve resenha”, Naval, ed. cit., p. 17. 103 Idem, p. 18. 104 “Clube Naval Setubalense”, O Setubalense, Setúbal, 30 de Abril de 1921. 105 “23 anos de existência, 1920-1943, uma breve resenha”, Naval, do XXIII aniversário do Clube Naval Setubalense, ob. cit. p. 18. 99

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• Anteprojecto do edifício para instalação do Clube Naval Setubalense, desenhado por João Ferreira dos Santos Freire, APSS.


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-clubes, ao disputar a taça “Azambuja”. A equipa era composta por António Castela, Francisco Calaça, Eurico Costa e José Santana, com Adolfo Burnay timonando o barco. Ainda naquele ano o clube propôs-se realizar provas no Sado. Apenas se inscreveram dois clubes - o Algés e o Dafundo, facto que forçou o adiamento da competição. Iniciaram então aulas de ginástica para adultos e aulas de vela ministradas por Carlos Dias, Capitão do Porto de Setúbal. O Capitão Henrique Escudeiro criou, também no âmbito desta associação, a Sociedade de Tiro nº 12106. A crise que sofreu em 1923 provocou a saída de sócios, cujo número não ultrapassava os 495 no final do referido ano. Concorreu pela primeira vez ao Campeonato Regional de Remo em “shell” de 4, assim como às taças Dr. Manuel de Arriaga e Correia da Silva, obtendo nesta última um segundo lugar. Novas competições foram organizadas das quais salientaremos, ainda em 1923, o Campeonato de Portugal, em que a equipa local obteve um honroso segundo lugar. Em 1924 o Presidente da República deslocou-se a Setúbal para assistir ao Campeonato de Remo de Portugal que, devido ao mau tempo, não se efectivou. Este acabou por se realizar em Lisboa, onde a equipa setubalense obteve de novo o segundo lugar. Mas os associados continuaram a afastar-se e no final do ano eram apenas 408107. Em 1925 os setubalenses concorrem à taça Azambuja e ao Campeonato Regional do Sul, dos quais saíram vencedores, e foram ao Campeonato Nacional. A Câmara Municipal ofereceu um novo “shell” ao clube, ampliou-se o “hangar” e as equipas colaboraram, como em anos anteriores, nas festas da Senhora do Cais. Mas o número de sócios voltou a diminuir, passando para 331108. Em 1926 o clube obteve o 1º prémio na regata realizada no Barreiro, abriu um curso de esgrima orientado pelo Tenente J. Perry e conseguiu um 2º lugar no torneio de tiro que se realizou em Évora. Em 1927 ganhou o primeiro prémio no Campeonato Regional em “out-rigger” de 4 e consagrou-se campeão de Portugal nesta modalidade. Então tinha apenas 257 sócios. Na última reunião, realizada em Janeiro de 1927, ficou exarado em acta um voto de louvor ao Setubalense, “pelo auxílio que o jornal tem prestado”109. Em Fevereiro de 1927 é publicado na imprensa local um anúncio de abertura das inscrições durante este mês, na sede do clube, para o curso de remadores, tendo em vista a época das festas náuticas que se avizinhava110. Em Outubro deste mesmo ano, no Domingo, dia 9, realizou-se a festa dedicada aos “equipiers” das tripulações do Clube Naval111. Em Abril de 1928 (dia 24) realizou-se uma festa de homenagem a este clube, com espectáculo no Salão recreio do Povo112. Neste mesmo ano foi organizado o grupo de “water-polo” que, entre desastres e vitórias, termina o ano com um saldo bastante positivo, mas o número de sócios continua a diminuir: 217. Em 1929 o clube ganha o Campeonato Regional disputado em Setúbal, entre outras actividades que dinamiza e em que colabora113. Com o ano de 1930, marcado pela I Exposição Regional de Setúbal, o clube rejuvenesce e organiza várias competições, de que salientaremos “o Dia Náutico”, provas de remo e de vela, provas de natação, tendo alcançado o 1º prémio na prova de “out-rigger de seniors”114. Nesta actividade esteve presente o então Ministro da Marinha. Houve provas de remo e de vela. Para as actividades ligadas à vela vieram “monotipos, “dinghies” internacionais de 12 pés do Clube Náutico de Portugal, Clube Naval Barreirense e Associação Naval de Lisboa”115. Os barcos de guerra “Tâmega”, “Ave”, “Sado”, “5 de Outubro”, “Mondego” e “Faro” alinharam as tripulações em baleeiras, tendo as provas sido disputadas com entusiasmo. Houve também provas de natação interclubes e para oficiais e praças da Armada. Em 1931 não houve iniciativas por causa do temporal e do início das obras do porto, cujos aterros deixaram as águas a 100 metros de distância do “hangar” e o material para as obras, acumulado no cais, dificultava a saída dos barcos para a realização dos treinos. Nos anos de 1934 a 1936 o clube entrou em regime de Comissão Administrativa. Tinha 135 sócios mas, em 1936, apenas existiam 60. Idem, ibidem. Idem, ibidem. 108 Idem, p. 19. 109 ”Clube Naval Setubalense”, O Setubalense, Setúbal, 27 de Janeiro de 1927. 110 Idem, Distrito de Setúbal, Setúbal, 16 de Fevereiro de 1927. 111 Idem, O Setubalense, Setúbal, 6 de Outubro de 1927. 112 Idem, 18 de Abril de 1928. 113 ”23 anos de existência, 1920-1943, uma breve resenha”, Naval, ob, cit. p. 19. 114 Idem, p. 20. 115 Idem, p. 19 e 20. 106 107

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โ ข Serra da Arrรกbida, fotografia actual, APSS.


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O Clube Naval colaborou nas festas da inauguração do Porto de Setúbal, depois de realizadas as obras, organizando desportos náuticos com várias provas a remo e à vela. Ainda em 1934 abriu uma aula para timoneiros, construiu outra jangada, organizou um passeio à serra da Arrábida e dinamizou provas de natação na doca de recreio. Em 1937 começou o ressurgimento do clube, os sócios aumentaram para 197, reparou-se o “hangar” e a sede do clube, construi-se um “yole de mer”, reabriram as aulas de educação física e de remo, houve conferências sobre desporto, os seus sócios participaram e dinamizaram provas ligadas aos desportos náuticos, realizaram passeios fluviais e dialogaram com a Junta Autónoma das Obras do Porto e Barra de Setúbal e do Rio Sado para a reconstrução do novo “hangar” junto à doca de recreio que deixou de pertencer ao Clube Naval. Nos anos de 1939 e 1940 o clube continuou em franca ascensão. O sócio João Adriano de Morais realizou um documentário sobre o clube, este filiou-se na Federação Portuguesa de Vela e Natação e participou em várias provas de diferentes modalidades, conseguindo sempre boas qualificações. Em 1941 e 1942 a Junta Autónoma autorizou a vedação do espaço destinado ao clube e, assim, foi possível dar início à construção das infra-estruturas necessárias ao desenvolvimento das actividades de vela, natação, patinagem, basquetebol, “wolley-ball”, bilhar e remo. Nas festas a Nossa Senhora do Cais dinamizou a parte náutica, que trouxe, mais uma vez, a Setúbal equipas de vários clubes de Lisboa e do Barreiro. Instituiu também a taça “Custódio Crispim Duarte”, em homenagem ao sócio falecido, para ser disputada no Campeonato Regional de Fundo. Em 1943 comemorou o 23º aniversário do clube, entrou no Campeonato Distrital de Basquetebol, conquistando o 2º lugar e, pela primeira vez, foi subsidiado pelo Estado por intermédio da Secção de Desportos Náuticos da Brigada Naval da Legião Portuguesa. O clube tinha, então, já 600 sócios e esperava mais inscrições pela credibilidade e entusiasmo que transmitia à população116. A longo dos anos o Clube Naval Setubalense manteve-se em actividade, continuando ainda bem vivo e activo na sociedade setubalense. Vejamos, por exemplo, as actividades realizadas em 2003, os Jogos no Sado que, segundo José Fernando, um dos responsáveis pela coordenação destas actividades, têm como objectivo “pôr a cidade a mexer em termos de desporto” e terão uma duração de seis meses. Põem ao dispor de todos os munícipes um “vasto leque de actividades de lazer e competição” que se destinam a preencher, segundo Maria das Dores Meira, vereadora da cultura, uma “lacuna existente, a nível de desporto e lazer, na população com mais de 10 anos de idade”. Esta iniciativa é da responsabilidade da Câmara Municipal de Setúbal em parceria com escolas, o Instituto Politécnico e movimentos associativos. Os jogos dirigem-se a “um maior número de munícipes possível”, sejam eles integrados em “colectividades, grupos escolares, grupos informais ou participantes individuais”. Ao longo destes meses foram organizadas actividades que englobaram cerca de 22 modalidades diferentes, entre elas, andebol, esgrima, natação, canoagem, voleibol e xadrez. A cerimónia de abertura dos jogos foi no dia 12 de Abril de 2003, sábado de manhã, na Praça do Bocage e contou com actividades como artes marciais, festival gímnico e actividades radicais. Os jogos terminaram a 14 de Setembro com a Travessia do Sado, um importante evento de natação, destacado pela vereadora, ao dizer que este evento fez parte “do roteiro de federação de natação [do ano de 2003]”. A vereadora mostrou-se confiante na adesão dos munícipes a esta iniciativa, acreditando no sucesso dos primeiros Jogos do Sado. Carlos Sousa, Presidente da Câmara Municipal de Setúbal, destacou esta acção como “mais uma iniciativa que pretende interligar o Sado à cidade”117.

Defesa do ambiente O combate à poluição tem sido, desde o último quartel do século XX, alvo de projectos e de legislação a nível local, nacional e internacional. Desastres ecológicos têm acontecido em terra, nos rios e nos mares e têm colocado em perigo ecossistemas de grande importância para o equilíbrio ambiental de regiões de todo o mundo. Recordemos, entre muitos outros acidentes ecológicos, o da central nuclear de

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Idem, p. 20 e 21. “Jogos do Sado trazem desporto à cidade durante seis meses”, Setúbal na Rede, 9 de Abril de 2003.

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• Planta do Porto de Setúbal, Cid Perestrelo, Notícias das obras da barra de Setúbal, anos de 1930, APSS • Jardim à beira-mar, s. d., colecção particular de Madureira Lopes • Uma praia de Tróia, Fotografia de Américo Ribeiro, colecção particular de Madureira Lopes


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“Chernobyl” e o afundamento do “Prestige” que foram alvos de grande indignação pública a nível mundial. As manifestações contra as centrais nucleares e contra o transporte de petróleo em navios obsoletos, de casco simples, sucederam-se, embora com resultados muito pouco visíveis, principalmente no referente à utilização da energia nuclear e dos seus resíduos lançados nos mares sem o mínimo de respeito pela fauna e pela flora das regiões quer terrestres quer marítimas, assim como pelos seres humanos a eles expostos, quer directa quer indirectamente através da alimentação. O afundamento do M/V “Prestige” conduziu a vários estudos sobre a necessidade de obviar estes acidentes, tendo-se salientado a necessidade de existirem navios de combate à poluição, considerando interessante o projecto holandês já implementado neste país e colocado à disposição de todos aqueles que desejarem usufruir dele. No caso do “Prestige” os métodos usados foram originais e bem sucedidos, nomeadamente a utilização de uma draga de sucção holandesa, o “Ryin Delta”118. Cada país define os seus requisitos no que se refere a meios de combate à poluição, e cada região utiliza as medidas mais adequadas para salvaguarda do seu património ambiental. Setúbal tem estruturas de defesa do ambiente de nível nacional, regional e local, assim como projectos particulares com planos concebidos e dinamizados pelo Parque Natural da Arrábida e Estuário do Sado, pelo Porto de Setúbal e pelas empresas que laboram junto às águas do Sado e à serra da Arrábida. É o caso dos cimentos SECIL, da empresa de construção e reparação navais, Setenave/Lisnave, da fábrica de adubos Sapec, da empresa de fabricação de pasta de papel e de celuloses, do grupo Portucel e da Autoeuropa.

Parque Natural da Arrábida O Parque Natural da Arrábida, criado pelo Decreto-Lei nº 622/76, de 23 de Julho, com o intuito de preservar os valores naturais, históricos, culturais e sócio-económicos, estende-se por uma área de 10 800 hectares, situada entre a vila de Sesimbra e a cidade de Setúbal, o monte de Palmela e o mar, abrangendo áreas dos concelhos de Setúbal, de Palmela e de Sesimbra. A originalidade da sua paisagem deve-se não apenas a particularidades das suas características naturais mas também à remota humanização destes espaços, preservando-os, assim, da delapidação provocada pelos seres humanos. O conjunto de acidentes de relevo que constituem a cadeia Arrábica inclui elevações periféricas do Parque Natural, “como sejam as serras de S. Luís, dos Gaiteiros, de S. Francisco e do Louro e atinge o seu mais elevado expoente com a serra da Arrábida, de constituição calcária, local onde se verifica o contacto da cadeia com o mar”119. A preservação desta zona privilegiada da rede de recreio e de cultura teve em conta o ordenamento físico da região, sem esquecer a sua importância científica, cultural, histórica e paisagística que “fazem da serra uma zona a proteger da degradação a que tem estado submetida, com vista ao aproveitamento integral de todos os seus recursos e potencialidades”120. O Decreto-Lei que criou o Parque Natural da Arrábida salienta o valor das espécies botânicas, zoológicas e geológicas existentes neste espaço. “Sob o aspecto botânico, esta serra apresenta-se como uma relíquia única do maquis mediterrânico, nela subsistindo vegetação natural de importância, não só nacional, como internacional”121. No referente à ordem zoológica o legislador considera que estas espécies “são de muito valor no que se refere à fauna terrestre, e muito especialmente à fauna marinha, não só na Pedra da Anicha, como ao longo de todo o recorte da costa”122. O documento salienta também a importância da zona costeira da Arrábida, parte do “recorte de uma baía que constitui um dos principais mananciais do Atlântico Norte, absolutamente indispensável à criação e manutenção de espécies marítimas animais e vegetais”, cujo valor justifica a criação do Parque Marítimo de Sesimbra123. Os aspectos geológicos traduzem-se nos “acidentes de relevo, nos afloramentos rochosos, em especial dos calcários brancos do Sul e os cinzentos do Norte, e na existência da conhecida brecha da Arrábida”124. Francisco Cunha Salvado, “Combate à poluição: um exemplo”, Revista de Marinha, Lisboa, nº 912, Fevereiro e Março de 2003, p. 20 e 21. Parque Natural da Arrábida, Setúbal, RTCA e PNA, 1993, p.3. 120 “Decreto-Lei nº 622/76, de 23 de Julho”, Diário da República, 28 de Julho de 1976, I série, nº 175, p. 1719. 121 Idem, ibidem. 122 Idem, ibidem. 123 Idem, ibidem. 124 Idem, ibidem. 118 119

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O Regulamento Geral do Parque foi publicado pela Portaria nº 26-F/80, de 9 de Janeiro, de acordo com o plano de ordenamento preliminar e, juntos, dotaram o Parque Natural com os seus órgão definitivos. Perante a diversidade de aspectos naturais, económicos, sociais e culturais desta área, o regulamento define como objectivos fundamentais a protecção da natureza, o desenvolvimento rural, a disciplina e a promoção do recreio ao ar livre e das funções pedagógicas do ambiente natural, a animação sócio-cultural e a conservação, renovação e valorização do património arqueológico e arquitectónico125. Em matéria de utilização, existem restrições em várias zonas do Parque Natural para preservação das espécies. As reservas naturais integrais são zonas destinadas à observação científica e ao estudo; as reservas naturais parciais são zonas de protecção especial sobre determinados elementos naturais, sujeitas a convenções internacionais sobre protecção da natureza; as zonas de protecção são os terrenos onde as espécies estão em crescimento ou em recuperação. Há ainda reservas paisagísticas, paisagem protegida e lugares, sítios e conjuntos de objectos classificados sob a protecção das autoridades do Parque Natural da Arrábida126. Este regulamento limita e impõe regras às construções que alguém pretenda realizar na área abrangida por esta reserva natural, assim como à reconstrução e conservação das já existentes, exigindo a demolição das ilegalmente construídas e que forem consideradas prejudiciais e impeditivas da viabilização dos objectivos definidos nos documentos legais127. O Decreto-Lei nº 19/93, de 23 de Janeiro criou um novo quadro de classificação das áreas protegidas nacionais e impôs a reclassificação do Parque Natural da Arrábida, segundo os parâmetros nele estabelecidos. O Decreto Regulamentar nº 23/98 alargou o espaço protegido e criou o Parque Marinho do Professor Luís Saldanha que abrange a área da Arrábida-Espichel128. A Pedra da Anicha é uma das áreas protegidas e considerada como reserva zoológica que necessita de um estatuto de protecção mais forte e mais eficaz, atendendo à sua vulnerabilidade, permanente perturbação de que é alvo e carácter único, inserido num ecossistema marinho mais vasto. As actividades venatórias no Parque Natural são também alvo de atenção legislativa, ficando sujeitas às regras estabelecidas na Portaria nº 833/93, de 8 de Setembro. As áreas englobadas no Parque Natural da Arrábida são as seguintes: Reserva integral: Abrange as zonas vulgarmente designadas por Mata do Solitário, Mata Coberta e Mata dos Vidais. Reserva parcial: Engloba os seguintes tipos de reservas: 1- Reserva botânica: Toda a zona envolvente às reservas integrais descritas anteriormente e que, em linhas gerais, abrange o Alto do Poios do Cortiço, Rocha do Cardoso, Valongo, Murteira, Cabeça Gorda, Fonte do Veado, Formosinho e Estaganhais. 2- Reserva Geológica: A zona situada entre as estradas nacionais nos 379.1 e 10.4, da parte superior às praias da Figueirinha e de Galapos; a zona situada entre as mesmas estradas citadas anteriormente, mas na parte superior da baía do Portinho da Arrábida; toda a zona da falésia entre o Calhau dos Alhos e a ponta da Meia Velha. 3- Reserva zoológica: Pedra da Anicha. 4- Reserva paisagística: Abrange grande parte da Herdade e Mata da Comenda, a serra de São Luís e a serra dos Gaiteiros. Sítio do Convento: Constitui todo o conjunto arquitectónico do Convento Novo do Bom Jesus da Arrábida e o Convento Velho. Sítio arqueológico: Abrange as seguintes zonas e locais vulgarmente conhecidos por: 1- Lugar do Pedrão: povoado situado na encosta Este da serra de São Luís à cota de 165 m; 2- Grutas artificiais da Quinta do Anjo: situadas no limite da referida povoação; 3- Rotura: povoado situado na encosta sudeste da serra de São Luís;

“Regulamento Geral, Portaria nº 26-F/80”, Idem, 9 de Janeiro de 1980, I série, nº 7, p. 26 - (11). Idem, p. 26 (13) e 26 (14). 127 Idem, ibidem, p. 26 (15) e 26 (16). 128 “Decreto Regulamentar nº 23/98”, Idem, 14 de Outubro de 1998, I série - B, p. 5339. 125 126

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4- Roça do Casal do Meio: monumento funerário do final da Idade do Bronze situado a 400 m para Nor-Nordeste do Casal do Meio, Quinta do Calhariz129. O Parque Natural da Arrábida está inserido em redes internacionais de conservação, nomeadamente na Reserva Biogenética (Conselho da Europa), no Sítio da Lista Nacional de Sítios ao abrigo da Directiva Habitats (92/43/CEE) aprovada em Conselho de Ministros (Resolução de Conselho de Ministros nº 142/97) e na Zona de Protecção Especial para Aves (Directiva 79/409/CEE) - Cabo Espichel130. A vegetação da Arrábida é bastante complexa não só pela diversidade de condições naturais, relevo, litologia, solos e clima, como ainda pela acção antropógena de abate, arroteia, queima e pascigo. Este local paradisíaco tem despertado o interesse de inúmeros naturalistas para o estudo da sua flora e das formações vegetais, entendendo-se como formação o conjunto das formas biológicas que constituem um povoamento vegetal. “As formações naturais e semi-naturais que ocorrem na Arrábida podem agrupar-se segundo Pedro (1991) em oito tipos fisionómicos principais bem diferenciados”131: formações rupestres, ervedos, tomilhais, matos, matagais, brenhas, machiais e matas, nomeadamente alfarrobeirais sobreirais, carvalhais, bosques de zelha, galerias ribeirinhas ou formações neropotâmicas e pinhais que se distinguem entre si pela sua fisionomia em pinhais mansos, pinhais bravos e pinhais mistos132. Sobre a fauna inserida no Parque conhecem-se 213 espécies registadas de vertebrados, das quais 8 são anfíbios, 16 são répteis, 154 são aves e 35 são mamíferos. Trata-se de um número considerável de espécies, atendendo a que as zonas húmidas constituem, apenas, uma pequena percentagem do território, motivo da delimitação actual da Área Protegida e das suas características climáticas (clima termo-mediterrânico) e geológicas (predominância de calcários). Todavia, a única Reserva Zoológica existente no PNA localiza-se numa zona húmida (Pedra da Anicha), local onde se observam algumas aves marinhas, sobretudo durante o Outono e o Inverno. Os biótopos mais representativos e determinantes dos valores faunísticos são as arribas calcárias e os afloramentos rochosos, as grutas, os matos, os matagais, os machiais, as matas, os montados de sobro, os pinhais, os prados e os pequenos cursos de água133.

Sistema de Informação sobre o Património Natural Para uma correcta informação sobre o PNA foi criada uma base de dados sobre o Património Natural da Área do Parque Marinho da Arrábida, foi feita a inventariação e Ecologia da Ictiofauna do substrato rochoso da costa Arrábida/Espichel, foi construído o Plano de Ordenamento da área do Parque Marinho da Arrábida, foram feitos a monitorização dos efeitos da criação do Parque Marinho nas populações de peixes, a reavaliação das condições de ocupação do Domínio Público Marítimo, o estudo das plantas medicinais e aromáticas, o reconhecimento e estudo da flora, comunidades vegetais e outras biocenoses e respectivos habitats, a recuperação de áreas degradadas com espécies autóctones da Arrábida e o estudo da estabilidade geotécnica da gruta do Zambujal. Foram também realizados o levantamento da cartografia geológica - geotécnica na área das pedreiras, a gestão da Etar do Outão, a avaliação das águas residuais produzidas no Parque Natural da Arrábida e da adequação do respectivo destino e providenciada a participação nos trabalhos do POOC Sintra/Sado134.

Arquitectura existente neste espaço No espaço ocupado pelo Parque Natural da Arrábida existem monumentos na área da arquitectura militar, da arquitectura religiosa e da arquitectura civil. São eles: cerca de uma dezena de exemplares de arquitectura militar, nomeadamente castelos e fortalezas representativos de um período histórico entre a ocupação muçulmana e os finais do século XVII; cerca de duas dezenas de exemplares de arquitectura religiosa, nomeadamente igrejas, capelas e conventos representativos de um período histórico entre a Idade Média e o século XIX; cerca de

Idem, Anexo II. Página na Internet: www.icn.pt. 131 Idem. 132 Idem. 133 Idem. 134 Idem. 129

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• Planta da Torre do Outão, António José da Cunha Salgado, 1814, Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar. • Esplanada do Forte de S. Filipe, Pedro Maria Bessone Basto, Capitão de Engenharia, 1905, Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar.


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três dezenas de exemplares de arquitectura civil, nomeadamente palácios, quintas e edifícios com valor patrimonial representativo de um período histórico entre a Idade Média e os princípios do século XX. A estes últimos há ainda a acrescentar outras tantas quintas que se estendem para fora da área do PNA, em torno de Azeitão e de Setúbal, bem como uma dezena de núcleos tradicionais construídos, que constituem essencialmente os aglomerados de Azeitão, cerca de quatro dezenas de moinhos de vento, inúmeras construções rurais e um conjunto significativo de cruzeiros, pelourinhos, fontes, chafarizes e outras obras de água, que completam o valioso referencial histórico e cultural da região da Arrábida135.

Acções desenvolvidas O PNA realiza, em colaboração com estabelecimentos de todos os graus de ensino, visitas guiadas à Área Protegida, com identificação da flora, aspectos geológicos, percursos pedestres e visita ao Museu Oceanográfico. Há atendimento de público escolar na sede dos Serviços, acompanhamento nas consultas da biblioteca, visitas guiadas ao Centro Apiário do Alambre e sessões de formação teórica sobre apicultura, intercâmbio com as escolas na realização dos seus programas “área escola”, vertente ecológica, sessões de formação em escolas com passagem de diapositivos e palestras, participação e cooperação com outras entidades nos programas comemorativos. O PNA dinamiza também acções de celebração do Dia Mundial da Floresta e do Dia Mundial do Ambiente, assim como estudos, organização e edição de material didáctico sobre vários temas da conservação. O Parque Natural da Arrábida faz-se representar nos principais certames da Região, através de “stand”, com a apresentação de exposições temáticas, de conteúdos simples e objectivos definidos de formação e informação ambiental.

Turismo de Natureza no Parque Natural da Arrábida O Parque Natural da Arrábida apresenta pelas suas características naturais e riqueza de património construído, um produto turístico diversificado que sem dúvida o torna num dos maiores pólos de atracção de visitantes a Sul de Lisboa. Das principais potencialidades desta área protegida, temos a destacar: a localização geográfica, perto da capital e com boas acessibilidades a Norte e a Sul; o meio natural no qual poderemos incluir a paisagem; o património histórico-cultural; as feiras, festas e romarias; o sol e a praia; a observação da natureza; os percursos pedestres; os desportos da natureza; as rotas temáticas; os núcleos museológicos; a proximidade de outras áreas protegidas tais como a RNE Sado, RNE Tejo, Arriba Fóssil da Costa da Caparica, RN Lagoa de Stº André e Sancha, e PN Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina; o artesanato; os produtos regionais e a gastronomia na área do PNA. Estas ofertas são a razão das inúmeras visitas ao parque por parte dos habitantes de Setúbal e das cidades vizinhas136. A proximidade do aglomerado urbano de Lisboa, onde se encontram as sedes da maioria das companhias privadas a laborar no país, bem como a tendência crescente dessas empresas em organizarem fins-de-semana de convívio ou de construção de espírito de equipa entre os seus funcionários, levando a cabo essas actividades através de companhias especializadas em desporto da natureza, a operar na área do parque. Em anos recentes tem-se verificado um acréscimo na procura dos espaços disponíveis na área do PNA, para a efectivação de congressos e reuniões da mais diversa índole. As excelentes condições naturais, a paz e o sossego e ainda o contacto com a natureza e com o património histórico são alguns dos atractivos para os participantes nestes eventos. No Parque Natural e perto dos seus limites, oito locais com cerca de 3500 lugares no total, têm condições para receber acontecimentos desta natureza137. O alojamento turístico nas suas vertentes de turismo em espaço rural e em casas de natureza, tem pouca expressão na área do PNA, considerando-se, no entanto, que estas são áreas a desenvolver num futuro próximo e em que o sistema de incentivos a produtos turísticos de vocação estratégica (SIVETUR), terá um papel muito importante.

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Modalidades de Turismo da Natureza no PNA São objectivos do PNA criar uma rede de oferta de alojamento nas modalidades de “Casas da Natureza” e “Turismo em espaço rural”: * Promovendo a instalação e o funcionamento dos diferentes serviços de hospedagem em casas e empreendimentos turísticos de turismo em espaço rural; * Fomentando a instalação e o funcionamento de casas da natureza como infra-estruturas de alojamento que, não sendo únicas no Parque, são deles exclusivas; criando ao mesmo tempo uma oferta diversificada na qual se incluem Centros de Acolhimento que permitam o alojamento de grupos com vista à educação ambiental, visitas de estudo e visitas em grupo de carácter científico. * Contribuindo para a preservação, recuperação e valorização dos elementos do património construído existentes, designadamente através do aproveitamento de casas ou outras construções tradicionais, passíveis de integração nas modalidades de alojamento consignadas no PNTN, sempre numa óptica de integração com o meio envolvente; * Colaborando na qualificação e na diversificação da oferta turística; * Ajudando o desenvolvimento sustentável da região. De acordo com o estipulado no nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº47/99, o Turismo de Natureza compreende os serviços de hospedagem prestados em: casas de natureza, casas-abrigo, centros de acolhimento e casas-retiro. Existem também outras modalidades de alojamento, devidamente licenciadas e mais económicas que são os parques de campismo. Nesta área encontramos o Parque de Campismo da Toca do Pai Lopes em Setúbal, o Parque de Campismo do Outão, o Parque de Campismo dos Picheleiros e o Parque de Campismo rural em Fornos no Castelo de Sesimbra138. No referente à animação ambiental os objectivos do PNA são os de se dotar de infra-estruturas e meios que permitam promover as actividades de animação que se destinem à ocupação dos tempos livres dos visitantes e dos autóctones e que contribuam para a divulgação do património natural e cultural, bem como para a qualificação e diversificação da oferta turística. Fazem parte, também, dos objectivos apoiar projectos de requalificação de património arquitectónico, etnográfico, arqueológico e/ou paisagístico passíveis de serem integrados em núcleos eco-museológicos ou em pólos de animação, nomeadamente: engenhos tradicionais (moinhos, lagares, fornos, etc.), fontanários, sítios arqueológicos, parques de merendas, zonas de jogos tradicionais e miradouros, assim como a instalação de estruturas de apoio às actividades de animação ambiental: observatórios, leitores de paisagem, painéis informativos e pequenos abrigos ou refúgios de montanha quando integrados em circuitos pedestres, sem esquecer a elaboração e a exploração de circuitos temáticos e de passeios, entre outros. Actualmente o PNA dispõe de um conjunto considerável de actividades, serviços e instalações (passeios a pé e de barco; festivais temáticos; feiras, festas e romarias; artesanato; oferta de produtos regionais; parques de merendas; ...) que se enquadram na tipologia da modalidade de animação, carecendo, porém, de uma eficiente organização e rentabilidade. Não existe, com efeito, uma rede de oferta de serviços e actividades de animação que vá de encontro à lógica da componente integrante do Turismo da Natureza, antes aparecendo de uma forma desajustada em relação às demais modalidades que, conjuntamente e numa óptica de inter-relação, devem formar este produto turístico. À excepção das feiras, das festas e das romarias, que obedecem a lógicas de organização distintas (com calendário e local específicos e conhecidos), as restantes actividades e serviços de animação assumem, quase sempre, um carácter esporádico, ora dispersos, ora concentrados geograficamente, e muito influenciados pela forte sazonalidade própria da actividade turística.

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• Rio Sado, APSS.


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Aspectos a potencializar no PNA Os aspectos a potencializar no PNA são o desenvolvimento de mais rotas temáticas ligadas a produtos regionais, à geologia, à história, à arqueologia, a dinamização e a promoção de festas e feiras locais, a realização de eventos ligados à temática ambiental, promotores do desenvolvimento local, passeios de bicicleta, a pé, de barco, a cavalo, permitindo a observação da fauna e da flora e a potenciação de actividades focalizadas nas infra-estruturas de apoio, nomeadamente através do Parque Ambiental do Alambre. Pretende-se com uma estratégia de interpretação dotar a região de um conjunto de estruturas que, de alguma forma, contribuam para a ordenação do turismo, para o desenvolvimento regional e para a sensibilização dos visitantes e da população residente, para a conservação do património natural e cultural, salientando a importância desse património, quer no contexto actual (económico, social, cultural e biológico), quer numa perspectiva futura, designadamente no que se prende com a memória, com a individualidade das comunidades e com a qualidade de vida dos seres humanos. O PNA dispõe actualmente de algumas infra-estruturas que se enquadram na tipologia de modalidades de interpretação, nomeadamente no Parque Ambiental do Alambre e é extremamente procurado para a realização de actividades ao ar livre. Muitas destas actividades, devido ao desconhecimento ou descuido, acarretam elevados danos para os ecossistemas existentes. O facto de o Parque Natural se impor como uma grande zona verde, livre da Área Metropolitana de Lisboa, leva a uma grande pressão de utilização, quer sazonalmente, quer aos fins-de-semana. Consideram-se passíveis de serem praticados no parque, nos termos dos normativos estabelecidos, as seguintes actividades e serviços de desporto da natureza, desde que orientados e em locais indicados pelo Parque Natural: pedestrianismo, orientação, ciclismo, BTT e cicloturismo, espeleologia, actividades equestres, desportos aquáticos e náuticos não motorizados e desportos aéreos, entre outros desportos e actividades de lazer cuja prática não se mostre nociva para a conservação da natureza. Para a prossecução do objectivo de ordenação e de regulamentação das actividades desportivas e recreativas no seu território, o PNA traçou um conjunto de linhas estratégicas de âmbito genérico, cuja operacionalização passa pela implementação de instrumentos normativos, culminando na elaboração da Carta de Desporto da Natureza. Para além da definição de todo o Enquadramento Estratégico, com vista à valorização do produto “Turismo da Natureza” no PNA, existe uma componente operacional, executiva e institucional, que se revela de maior interesse. Tal como é referido no nº 8 da Resolução do Conselho de Ministros nº 112/98, “para a prossecução dos objectivos do PNTN, poderá ser necessário o envolvimento de outros órgãos da administração central, regional e local, empresas, instituições privadas sem fins lucrativos, organizações não governamentais e pessoas singulares, através da celebração de contratos, acordos e protocolos de colaboração”. A estratégia de operacionalização no PNA deve ser posta em prática mediante a celebração e apresentação de planos de acção, elaborados por concelho, nos quais deve constar a descrição detalhada da estratégia a implementar (que deverá obedecer ao que neste Enquadramento Estratégico se estipula), bem como a identificação (devidamente delimitada e de acordo com os imperativos do Plano de Ordenamento do PNA) da área a afectar. Posteriormente, os referidos planos serão levados a discussão onde deverão participar todos os que, directa ou indirectamente, se relacionam com o tema “Turismo da Natureza” e tenham capacidade de contribuir para a optimização dos impactes decorrentes da concretização das diversas acções. Os responsáveis pelo PNA consideram que o grau de sucesso das iniciativas desenvolvidas e/ou a desenvolver no que respeita nomeadamente, ao turismo no PNA, dependerá em larga medida, da criação de uma “rede de operacionalização” adequada, capaz de garantir a eficiente concretização dos objectivos do Programa Nacional do Turismo da Natureza (PNTN). Urge portanto a definição de uma rede coerente de operacionalização, que deverá integrar quer os interesses das autarquias, quer os do PNA, quer das demais associações ou dos

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vários actores locais, que se tocam num mesmo propósito: contribuir para o desenvolvimento e para a qualificação do produto “Turismo da Natureza” no PNA. A afirmação de qualquer destino turístico reside, em larga medida, na estratégia promocional e de “marketing” que vier a ser desenvolvida pelas entidades competentes (órgãos institucionais e empresas privadas). A cada destino turístico correspondem um certo número de singularidades em que, por definição, deve assentar a sua estratégia promocional. Um destino turístico como o PNA, que tenta impor-se pela qualidade e pela especificidade dos seus recursos (combinando uma lógica de conservação da natureza e do património histórico e cultural com o seu usufruto ordenado por todos os que o desejem) deve socorrer-se de uma estratégia de promoção e “marketing” específica. Em termos geográfico-promocionais, o PNA enquadra-se na região de Turismo da Costa Azul que tem como atribuições gerais “[...] a valorização turística das respectivas áreas, visando o aproveitamento equilibrado das potencialidades turísticas do património histórico, cultural e natural, no quadro das orientações e directivas da política de turismo definida pelo Governo e nos planos anuais e plurianuais do Estado e dos municípios” (Decreto-Lei 287/91 de 9 de Agosto). A região de Turismo da Costa Azul tem promovido bastante o PNA como destino turístico, bem como todas as outras áreas protegidas do Distrito de Setúbal. O PNA é considerado como um dos principais produtos turísticos da região, tendo uma exposição bastante significativa nos folhetos e brochuras editados por esta Região de Turismo139. O esforço promocional e a estratégia de “marketing” turístico a implementar assenta numa série de equipamento e de material escrito e oral, nomeadamente no sistema coordenado de sinalização turística e viária, edição de um Guia de Turismo da Natureza e respectivo Código de Conduta, publicações e folhetos em português e línguas estrangeiras, serviço coordenado de informação directa, prestado pelo Parque, divulgação dos eventos na imprensa local e regional, animação de espaços públicos, organização de colóquios e palestras, participação em exposições, mostras e feiras de turismo, de Artesanato e Festivais Gastronómicos, execução de circuitos gastronómicos, artesanato e animação etnográfica e promoção de concursos de fotografia e pintura sobre o mundo rural e a conservação da natureza140. O PNA dinamiza cursos específicos na área do turismo da natureza, que se revestem de extrema importância para a região, uma vez que a insuficiente qualificação dos recursos humanos nesta área é uma das principais preocupações assumidas pelos responsáveis da administração e pelos operadores.

Reserva Natural do Estuário do Sado Os estuários dos rios constituem um recurso natural de grande importância pelas condições que proporcionam às várias espécies quer da fauna, quer da flora marítimas de cada região, pois constituem locais de reprodução e de “viveiro” com excepcionais condições. A sua importância expande-se, assim, para as águas costeiras, em cujo povoamento tem papel primordial. “O estuário do Sado, não obstante estar afectado pela agressividade de poluentes de vária ordem, apresenta um elevado valor ecológico, científico e económico que urge defender”141. Para iniciar uma gestão racional deste estuário tornava-se urgente evitar alterações em determinadas áreas que pudessem comprometer irreversivelmente as suas incontestáveis potencialidades biológicas, tendo em vista o futuro da região assim como a defesa e a valorização de aspectos económicos, sociais e culturais ligados à ecologia do estuário do Sado, sem esquecer, no entanto, a necessidade de desenvolvimento do seu porto. Para contemplar ambas as vocações deste estuário, ao abrigo do Decreto-Lei nº 613/76, de 27 de Julho, foi criada a Reserva Natural do Estuário do Sado em 1980, pelo Decreto-Lei nº 430/80 de 1 de Outubro. Abrange uma área de 23 160 hectares, incluindo grande parte do estuário e das suas margens envolventes e tem como objectivo promover a conservação da natureza e a vitalização dos valores que se enquadram neste belo estuário. A área estuarina engloba áreas marginais de terrenos salgados de aluvião com os seus sapais, as dunas de Tróia, lagoas de água doce,

Idem. Idem. 141 “Decreto-Lei nº 430/80, de 1 de Outubro”, Diário da República, 1 de Outubro de 1980, I série, nº 227, p. 3066. 139 140

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montados de sobro, áreas agrícolas e de pastagem, arrozais e povoamentos mistos de pinheiro-bravo e de pinheiro-manso. É uma zona húmida importante do ponto de vista ictiológico, malacológico e ornitológico (peixes, moluscos e aves), a terceira do país, e um local importante de nidificação para as aves limícolas e anatídeos (patos). Possui também a população de roazes-corvineiros (golfinhos) mais significativa do país. A Sul da Península de Setúbal, o Estuário do Sado prolonga os seus braços por uma paisagem muito diversificada onde se encontram grandes herdades a que estão associadas importantes áreas de exploração agrícola e florestal, áreas de pesca e de apanha de moluscos e crustáceos, áreas de salicultura e de aquacultura extensiva, áreas de ocupação urbana, de lazer e de grande importância arquitectónica, histórica e principalmente áreas naturais de diferentes características: dunas litorais, sapais, lagoas e caniçais, entre outras. Do ponto de vista natural, esta área protegida apresenta uma riqueza enorme, que se estende da vegetação de água salgada que margina o estuário e o sapal, aos lodos que cobrem e descobrem com a dinâmica das marés e que são o suporte das inúmeras espécies que aqui se encontram. Para além dos simpáticos “golfinhos”, as garças, as cegonhas-brancas, os perna-longas, os colhereiros, os flamingos-rosa, os patos, os alfaiates, as aves de rapina e ainda a lontra europeia, os saca-rabos e os gamos, entre muitas outras espécies, mostram a intensidade com que a vida se exprime num estuário. Na Reserva Botânica das dunas da Península de Tróia, a flora característica e diversificada que ocupa todo o espaço do mar ao estuário, é objecto de uma protecção especial. A localização privilegiada do Estuário do Sado, na costa ocidental da Península Ibérica, corresponde a uma zona de intensos fluxos migratórios, utilizada regularmente por muitos milhares de aves que se deslocam todos os anos entre a Europa e o Continente Africano. Há uma enorme diversidade de biótopos no Estuário do Sado que possibilita a ocorrência de numerosas espécies em passagem, conjuntamente com as que ali vivem permanentemente. A elevada produtividade biológica, característica dos ecossistemas estuarinos, constitui ainda um suporte trófico para a avifauna do Sado, pelo que algumas espécies para ali se deslocam frequentemente. Assim, urge que seja feito um correcto ordenamento do espaço físico e das actividades humanas no estuário para garantir a manutenção das suas elevadas potencialidades biológicas. Aliás algo de muito importante tem vindo a realizar-se. A prová-lo temos a vinda de várias espécies emblemáticas, nomeadamente dos Flamingos, para a área da Reserva do Estuário do Sado.

Moinho de Marés (Mourisca) Os primeiros moinhos de maré em Portugal surgiram no século XIII, apesar de já existirem na Europa Atlântica, onde se julga terem sido inventados no século XI. Este moinho está localizado no Estuário do rio Sado, numa zona de sapal e salinas, rodeados de terrenos que outrora se utilizavam para a cultura do arroz. Existe uma lápide no seu interior, que assinala a data de 1601. Foi reconstruído por várias vezes. Este moinho é, sem dúvida, uma peça de arqueologia industrial e apresenta-se como o testemunho dos conhecimentos de engenharia medieval.

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Actividades dinamizadas pelo Porto de Setúbal O Porto de Setúbal está parcialmente inserido numa área de elevada sensibilidade ecológica e de grande valor para a conservação da natureza, classificada como Reserva Natural do Estuário do Sado, integrada na rede europeia de conservação da natureza, Rede Natura 2000. Deste modo, parte da área sob administração portuária, é constituída por sapais e por outros habitats de elevado valor, estando exclusivamente dedicados à Conservação da Natureza. Contribuindo deste modo não apenas para a manutenção do elevado valor paisagístico destes espaços, mas também para a reposição dos stocks de espécies de interesse comercial e para a manutenção da biodiversidade. Paralelamente as intervenções relacionadas com preocupações de natureza ambiental, têm início na década de 90 com a passagem dos projectos portuários por processos de Avaliação de Impactes Ambientais e com o cumprimento de requisitos da Convenção Marpol142 relacionados com a recolha de óleos e águas oleosas provenientes de navios e de embarcações que utilizam as suas estruturas. De realçar também que a APSS tem vindo a promover a realização de estudos que permitem um melhor conhecimento do meio em que desenvolve a sua actividade, estabelecendo protocolos com universidades e com outras instituições de investigação: Universidade de Aveiro, Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Instituto Superior Técnico, IPIMAR, Instituto Português de Arqueologia e Instituto Hidrográfico. Estes estudos constituem ainda um importante instrumento de apoio à tomada de decisão, permitindo caracterizar impactes ambientais relacionados com esta actividade e identificar as medidas minimizadoras mais adequadas. Neste âmbito, é de salientar a implementação de um programa de monitorização ambiental do mais recente terminal, o Multiusos, na fase de obra e de exploração, que se pretende integrar num programa de monitorização de maior amplitude, abrangendo a área onde se desenvolvem actividades marítimo portuárias. Estas atitudes têm-se desenrolado a par de outros investimentos igualmente importantes, de que salientamos as intervenções para requalificação ambiental e paisagística de áreas degradadas, nomeadamente Santa Catarina. Enquanto autoridade portuária deverá garantir a segurança e o controle ambiental como fins primários a atingir e, dentro do seu nível de actuação, os meios de combate a derrames de hidrocarbonetos e outras substâncias perigosas143. A constituição de uma área funcional para tratamento específico da temática ambiental, vem proporcionar uma abordagem integrada destas questões constituindo objectivos a atingir a curto e a médio prazo: a definição da política de Ambiente e a implementação de um programa de gestão ambiental que permita a sua concretização. Neste âmbito, é de salientar a implementação de um programa de recepção e gestão de resíduos produzidos pelos navios e embarcações que utilizam este porto. Este programa vem dar resposta aos requisitos de uma directiva comunitária144 e constitui uma oportunidade para o Porto de Setúbal se qualificar de acordo com os requisitos europeus nesta matéria. Há ainda a referir que, sendo o estuário do Sado um espaço de uso múltiplo, uma área portuária e um espaço de interacção, tanto na sua vertente marítima como terrestre, a manutenção da qualidade ambiental e a convergência, relativamente aos objectivos de conservação da natureza, estende-se às diversas entidades, empresas e outros intervenientes que partilham a utilização e as diversas valências destes espaços.

Actividades dinamizadas pelas empresas O desenvolvimento de indústrias nas margens do rio Sado, e em toda a região que o serve, teve consequências dramáticas para a defesa do ambiente na “Península de Setúbal”, nomeadamente o excesso de poluição que se veio a verificar no rio, na serra e no ar com as consequências desastrosas para as espécies animais que aqui se desenvolviam. Conscientes desta situação, as administrações das empresas, em consonância com as entidades governativas, a nível nacional e local, desenvolveram projectos de protecção ambiental, de modo a minimizar os prejuízos, para a fauna e para a flora da região, provocados pelas suas actividades.

Convenção Marpol 73/78 Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios. Objectivos do Plano Mar Limpo. Resolução do Conselho de Ministros nº25/93. 144 Directiva 2000/ 59/CE de 27 de Novembro, relativa aos meios portuários de recepção de resíduos gerados em navios e de resíduos de carga. 142 143

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Na área da indústria dos cimentos, a SECIL desenvolveu soluções no domínio da preservação do ambiente e na utilização de resíduos para a obtenção de energia (Ecoresíduos e Scoreco). Percebendo a sua responsabilidade social no domínio ecológico, a SECIL tem modernizado as suas fábricas e adquirido instalações com equipamentos mais eficazes para a preservação ambiental. A formação dos trabalhadores, a instalação dos equipamentos necessários, a implementação de acções específicas de recuperação paisagística e a participação na empresa Ecoresíduos tem proporcionado um saldo positivo entre os efeitos da sua actividade e as vantagens económicas e sociais que dela advêm para a comunidade145. Através do projecto Ecoresíduos, a SECIL dá continuidade a uma política de recuperação de resíduos e de outros produtos susceptíveis de serem utilizados como combustíveis, ou mesmo como matérias-primas, possibilitando importantes economias energéticas e a eliminação de desperdícios de outras indústrias. Tenta, também, contrariar o desgaste provocado pela extracção da pedra, através da correcção dos desequilíbrios ecológicos, levando a efeito uma obra integrada de salvaguarda do meio ambiente, com estudos de reflorestação e um processo inovador de exploração das pedreiras e de repovoamento florestal e zoológico, com manutenção de estufas próprias para a reprodução das espécies autóctones. O trabalho de recuperação paisagística, desenvolvido pela SECIL, foi premiado pela Comissão Nacional do Ano Europeu do Ambiente 88 e, mais tarde, pela Comissão para o Ambiente da Associação Industrial Portuguesa. O seu trabalho voltou a ser reconhecido pela concessão da Certificação Ambiental pela Norma ISO 14001 da sua fábrica localizada no Outão146. Relacionado com a construção naval na Mitrena, a Setenave/Lisnave, dinamizou vários planos de tratamento dos resíduos provenientes das suas actividades de construção e de reparação de navios, de que salientamos os projectos mais recentes, como a própria administração refere: “todas as ideias, que na génese incorporaram no conceito do Hydrolift, tomaram em consideração as mais modernas tendências, nas áreas de protecção ambiental, segurança de operações [...], confiança e eficiência de funcionamento [...], os quais, encerram no seu cerne os mais recentes objectivos e preocupações da humanidade no início do século XXI”147. De salientar também, a atribuição de verbas destinadas à construção de uma ponte de acesso ao estaleiro para, ecologicamente, preservar a fauna marítima nas áreas adjacentes148. No referente à produção de adubos, a Sapec tem desenvolvido algumas actividades para preservação ambiental e diminuição da poluição no estuário do Sado. No dia 22 de Fevereiro de 2002 foi inaugurado o primeiro aterro de resíduos industriais banais, localizado no Parque Industrial da Sapec, em Setúbal, designado como Centro de Tratamento de Resíduos Industriais (CITRI). O CITRI foi concebido à semelhança de outras unidades já existentes em alguns países da Europa e é constituído por um aterro controlado, com células para onde são canalizados os resíduos que não podem ser reutilizados ou reciclados e teve autorização da Direcção de Ambiente e Licenciamento Industrial. Em 13 de Maio de 2002, a Junta de Freguesia do Sado pronunciou-se contra o aterro no Parque da Sapec, na sequência de um incêndio ali ocorrido, exigiu a sua suspensão imediata e a constituição de uma Comissão Independente para avaliar a segurança do aterro e o eventual perigo para as populações. Realmente houve ali dois incêndios: um no aterro da Mitrena e outro num silo de enxofre da Sapec, que provocaram pânico junto das populações das Praias do Sado. Embora este fosse o terceiro incêndio no lapso de tempo de apenas ano e meio, neste momento a situação já não é tão grave como antigamente, porque a Sapec já dispõe de baías de retenção, que impedem as escorrências de irem para o rio Sado, reduzindo, assim, o risco de impactes ambientais graves. A Sapec tem tido também o cuidado de tratar as águas residuais e os efluentes líquidos que têm como função estabelecer um equilíbrio óptimo em sistemas biológicos aeróbios. Este tratamento é feito com um nutriente biológico essencialmente constituído por Azoto e Fósforo “bio-assimiláveis”. É um método que tem como vantagens de aplicação a adição óptima de nutrientes, evitando quer a contaminação do efluente final em Azoto e Fósforo (por excesso), quer o domínio das bactérias filamentosas na biomassa (por defeito), com as consequentes

SECIL, qualidade, tradição, Inovação, Lisboa, 2001, p. 27. Idem, p. 27 e 28. 147 Lisnave Hydrolift, um novo conceito na docagem de navios, Lisnave, Portugal, 2000, p. 13. 148 Lisnave, o estaleiro para o 3º milénio, CD publicitário, 2ª série, 2002. 145

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dificuldades de decantação. Os nutrientes encontram-se totalmente disponíveis, impedindo o domínio da biomassa pelas bactérias filamentosas. Como vantagens de utilização podemos considerar os baixos custos de mão-de-obra, pois um produto líquido não necessita de qualquer manuseamento facilitando a descarga e o armazenamento, uma vez que um simples tanque é tudo quanto é necessário. Facilita também o manoseamento continuo, preciso e eficaz, através de bombas doseadoras149. No âmbito da indústria da pasta do papel e da celulose, a Portucel Industrial desenvolveu uma política ambiental desde 1988 ano em que iniciou a dinamização de um projecto de tratamento secundário de efluentes líquidos, com preocupações ambientais de não degradação do meio aquático na zona de descarga, que representou um investimento não produtivo de 2,2 milhões de contos150. O Centro Fabril de Setúbal iniciou, em 1997, o projecto de melhoria de lavagem da pasta crua, correspondente à primeira fase de instalação da “Pré-Deslenhificação por Oxigénio, o que permitiu reduzir substancialmente as emissões líquidas, por diminuição dos agentes oxidantes no branqueamento e por redução dos consumos de água no processo. Procedeu também à instalação de um sistema informático para monitorização em contínuo dos efluentes gasosos, que disponibilizou permanentemente os valores dos principais parâmetros ambientais, confrontando-os com os da legislação em vigor”151. No sector automóvel, a única empresa de montagem que ainda sobrevive na região, a Autoeuropa, em Palmela, foi projectada para assegurar um elevado nível de protecção ambiental. Isto fez-se de forma integrada, perspectivando já no horizonte a evolução esperada de um Quadro Normativo Comunitário mais exigente. Esta política influenciou o projecto a níveis muito profundos, desde a escolha dos materiais e tecnologias, até à definição de normas e procedimentos de trabalho. O Estudo de Impacte Ambiental, executado por uma empresa especializada, diagnosticou as eventuais incidências sobre o meio hídrico, sobre os parâmetros da qualidade do ar e do solo e sobre o património sócio-económico e cultural, tanto a nível local como a nível regional, e indicou as medidas minimizadoras de impactos, que foram implementadas. Houve também o cuidado de proteger as águas da poluição, pelo que existem na fábrica duas redes de armazenagem e de distribuição independentes: uma para a rede de incêndios e usos industriais, e outra para a água destinada ao consumo humano. A água distribuída à Nave de Pintura é previamente desmineralizada e sistematicamente reutilizada. Após o uso industrial, a água é recolhida em estação própria da VW Autoeuropa, onde se faz um tratamento primário físico-químico, utilizando tecnologia de ponta, como é o caso da ultra-filtração. A qualidade do efluente é regularmente verificada por um laboratório independente. O efluente industrial tratado sai da VW Autoeuropa, juntamente com o efluente doméstico, por um colector e entra na ETARI Municipal, onde sofre o tratamento secundário biológico. Na fábrica, as redes internas de águas pluviais, efluentes sanitários e efluentes industriais são independentes. No que se refere aos solos o projecto da VW Autoeuropa contemplou precauções especiais para a sua protecção assim como das águas subterrâneas. Todas as tubagens que transportam fluidos susceptíveis de causarem poluição foram montadas acima do solo, e os tanques de armazenagem subterrânea são de paredes duplas, com detectores de fugas entre elas. Ao nível dos resíduos, foi desde sempre dada prioridade à reciclagem e à sua minimização, quer ao nível dos processos, quer ao nível das embalagens. A VW Autoeuropa adoptou embalagens reutilizáveis para a maioria dos componentes do veículo. Os resíduos de embalagem que ainda assim são produzidos, bem como outros materiais, são separados e vendidos para reciclagem (papel, cartão, plástico, madeira, espuma sintética e metais, entre outros). Os óleos usados são entregues a uma empresa licenciada para fazer o seu tratamento. As áreas de armazenagem temporária de resíduos são impermeáveis, cobertas, e com ligação ao sistema de tratamento de efluentes. Também a protecção atmosférica mereceu a atenção dos responsáveis pela gestão empresarial da Autoeuropa.

www.areanet.com.pt Jorge Fernandes Alves, Indústria da pasta e do papel em Portugal - O grupo Portucel, Lisboa, PORTUCEL SGPS, S.A., 2001, p. 107. 151 Idem, ibidem, p. 108. 149 150

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• Roazes corvineiros do Sado, também chamados golfinhos. Fotografados por Pedro Narra/Vertigem Azul

Na indústria automóvel, a grande fonte de poluição atmosférica tem origem nos vapores dos solventes usados nas tintas. A VW Autoeuropa usa tintas à base de água, com fórmulas que integram quantidades baixas de solventes, permitindo reduzir as emissões atmosféricas para valores em plena conformidade com a última directiva europeia. No entanto, mesmo as tintas de base aquosa, tal como o verniz final, libertam algumas emissões a partir das carroçarias acabadas de pintar, enquanto são objecto de secagem nas estufas. Para as eliminar, o ar forçado através das estufas de secagem é todo alimentado a quatro fornos queimadores, que trabalham a temperaturas muito elevadas, destruindo os vestígios dos solventes e aproveitando ainda a energia produzida. A temperatura destes fornos é registada em contínuo. No seu conjunto, estas medidas permitem à VW Autoeuropa ter uma das mais baixas taxas de emissões de solventes na indústria automóvel a nível mundial.

O sistema de gestão ambiental ISO14001 Em 1998, a VW Autoeuropa estabeleceu um Sistema de Gestão Ambiental de acordo com os requisitos do ISO14001. O sistema foi analisado pela VCA - Vehicle Certification Agency, e o certificado foi emitido em Dezembro de 1998, tendo sido renovado em Novembro de 2001. Esta empresa encontra-se entre o reduzido grupo de fábricas sedeadas em Portugal que já atingiram com sucesso a Certificação ISO14001. Na VW Autoeuropa a protecção ambiental é tarefa de todos, pois adoptou desde cedo um programa de sensibilização ambiental dos seus colaboradores, que funciona através de vários meios. Deste modo, espera ter uma maior participação global e colaboração neste domínio, com a recolha de comentários e sugestões que são mais um contributo para o sistema ambiental da empresa. Ao nível das matérias-primas, uma equipa multidisciplinar analisa e aprova internamente todos os produtos químicos usados na fábrica. O plano de emergência interno envolve também os meios e as acções de minimização de impactos ambientais causados por um eventual acidente grave na fábrica152.

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Informação fornecida pela VW Autoeuropa.

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Nas páginas anteriores: • Cabo de Espichel à Lagoa de Santo André (aproximações a Setúbal), 1987, Instituto Hidrográfico • Levantamento do Vale do Sado, 1939, APSS.

CONCLUSÃO

Desde os tempos mais remotos a água, nomeadamente os rios, os lagos e o mar, foram a atracção das gentes que procuravam as melhores condições de vida quer no aspecto alimentar, quer na comunicação com outros povos, quer mesmo para deles se defenderem. Foi, pois, por esta razão que os portos surgiram e foram o ponto de união entre a terra e o mar, o local onde as vias marítimas e as vias terrestres se enlaçavam, se interpenetravam, se fundiam para dar vida aos seres que junto deles se instalavam para usufruírem os benefícios que estes abrigos lhes proporcionavam. Foi o caso de Setúbal. O mar, o rio e as condições do porto que se desenvolveu no “golfo” formado no estuário

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do Sado geraram a vida, alimentaram-na fizeram-na crescer e assim surgiu o aglomerado urbano de Setúbal. O rio Sado, que originou esta situação, nasce na serra do Caldeirão ou Mu, numa altitude que pouco excede os 200 metros, desce rapidamente e serpenteia pela planura alentejana percorrendo cerca de 100 quilómetros antes de se lançar no mar. Passa por Porto Rei, a 60 quilómetros da foz, localidade até onde é possível por ele navegar. Toca também Alcácer do Sal para se espraiar, antes de se fundir com o oceano junto ao forte do Outão, pelo extenso e largo estuário que tão bem conhecemos. É um rio caracterizadamente velho, com muito poucos desníveis e numerosos meandros. Porque corre por regiões de fraca pluviosidade, mantém um caudal mais ou menos uniforme e o seu estuário é arenoso. A barra geográfica do Sado situa-se entre o forte do Outão, a Poente, e a ponta do Adoxe, a Nascente. A barra hidrográfica, no chamado banco da barra, localiza-se entre 4 a 5 quilómetros para Sudoeste da barra geográfica, já em pleno oceano e a 2,5 quilómetros da costa alcantilada da vertente Sul da serra da Arrábida. O estuário do Sado com cerca de 15 quilómetros de comprimento e 3 a 4 de largura, sempre ofereceu as condições ideais a quem junto dele se abrigou. Foram muitos os povos que por aqui passaram, alguns estabeleceram-se e exploraram as riquezas que existiam. Salientámos os fenícios, os romanos e os árabes, porque deles encontrámos vestígios, mas quantos mais nos visitaram? É uma interrogação que fica e à qual, talvez, jamais obtenhamos resposta. Das riquezas desta região não temos quaisquer dúvidas. Os documentos são peremptórios quando as relatam. Vejamos, por exemplo e por ser o primeiro até há pouco conhecido, o foral concedido a Setúbal em 1249 no qual são estabelecidos os tributos devidos por este aglomerado urbano: “[...] Et nos debemus habere omnes furnos et alfandegas et tendas et aljazarias et balnea in Setuual: et omnes vendas extraneorum debent vendi in nostris domibus et non in aliis. Et nos debemus habere de foro decimas de omnibus iliis que venirent per mare vel que acquisiuerint per illud, [...]”1. Como já foi referido na introdução, muitos outros documento atestam a importância de Setúbal e do seu porto, ao longo dos séculos. Salientamos, no entanto, os que falam das minas de ouro e de prata junto ao rio Sado e nos informam de que em 1623 foi concedida a exploração da mina da serra da Caveira a António Varão. Mais tarde, no reinado de D. João V, procedeu-se a uma inspecção oficial, que concluiu existir prata e ouro nesta mina. Em 1854 foi enviado por D. Ernesto Deligny, director das minas de Tharsis, o pedido de registo da mina da Serra da Caveira, a Nicolau Biava. Em 1855 começaram os trabalhos de reconhecimento. Em 1863 a mina entrou na lavra definitiva. Em 1881 foi constituída a Sociedade da Mina da serra da Caveira, que parou os trabalhos em 1884, devido ao “crack” do cobre o ao incêndio que lavrava desde 1880 na parte rica da massa piritosa. Em 14 de Março de 1890 foi declarada, na 1ª Câmara do Tribunal Civil do Sena, em Paris, dissolvida a Sociedade da Mina da Caveira. Em 24 de Março de 1897 foram postas em praça neste mesmo tribunal, a concessão desta mina e os direitos para a sua exploração. Foram adquiridos todos os direitos por 10 050 francos pela firma Demchy & F. Sellière. Em 8 de Julho de 1898 foi concedido o alvará de propriedade da mina a Werner Ferdinand e Marquez de Livery, que a adquiriram por 50 000 francos. Em 8 de Outubro de 1900 foi passado o alvará de propriedade da concessão a A. White Crookston & Tom Harold Hawkins, que a compraram por 12 000 libras esterlinas. Em 1904 Tom Hawkins vendeu a sua parte a Andrew White Crookston, que manteve a sua posse. Este proprietário mandou limpar os trabalhos antigos, abrir a parte incendiada da mina e reconhecer a massa. Neste reconhecimento foram encontrados no chapéu de ferro da massa piritosa, que desce até 40 metros, importantes trabalhos antigos, certamente romanos, que muito surpreendeu os pesquisadores por não aparecerem indícios de cobre. Feitas minuciosas análises, chegaram à conclusão de que o chapéu de ferro continha uma boa percentagem de prata e de ouro. O especialista de tratamento de minérios de prata e de ouro, Mac Arthur, procedeu a experiências decisivas em 1905, estudou o tratamento a adoptar e dirigiu as instalações metalúrgicas para o ouro e para a prata,

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In: Portugaliae Monumenta Historica, Leges, v. I, Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa, 1856, p. 634.

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instalação que ficou montada e pronta a funcionar em dez meses. Das análises efectuadas concluiu-se que a média em prata do minério, esponjoso e silicioso com óxidos de ferro com aspecto de pedra pomes cor de oca ou negro, do chapéu de ferro era de 250 gramas por tonelada e de 2 gramas de ouro, enquanto que a pirite apenas continha 40 gramas de prata e 0, 50 gramas de ouro2. A exploração iniciou-se e em 1910 ainda estava em funcionamento. Todo este interesse se deveu, como é óbvio, ao Porto de Setúbal que proporcionava a atracagem dos barcos e facilitava a subida do Sado até ao local desejado. Em 1880, Pinho Leal dizia-nos que este porto era um dos mais concorridos do país frequentado todos os anos por muitas centenas de navios estrangeiros e nacionais a que se juntavam as embarcações que se dedicavam à cabotagem e aos transportes fluviais, sem esquecer, claro, os que se empregavam na pesca. Em contrapartida, o seu abandono era lamentável. Não existia um “barco salva-vidas, um cabo, ou uma âncora” que prestasse auxílio em ocasião de naufrágios quando os consecutivos pedidos de socorro não eram ouvidos por quem quer que fosse, salvo apenas os esforços que alguns agentes consulares ou os consignatários realizaram para colmatar estes hiatos3. E, em 1968, Vincenzo Floridi afirmava: “[...] né in condizioni migliori si trovavano certo le attrezzature portuali, nonostante i lavori effettuati nel 1848”. E conclui que “questa decadenza era destinata a protrarsi fino al 1934, quando vennero finalmente inaugurate le nuove opere, che hanno restituito a Setúbal l’antica importanza dopo un troppo lungo periodo di declino”4. As obras do Porto de Setúbal, terminadas em 1934, vieram mudar completamente a vida das povoações dependentes deste abrigo e transformar radicalmente a fisionomia do estuário do Sado mediante uma importante obra de rectificação dos fundos da barra e do porto, de terraplanagens para criação de estruturas básicas que permitissem a acostagem de navios de maior calado e de criação de infra-estruturas de apoio à pesca, à indústria, ao comércio e às actividades recreativas que aqui se iniciaram e cresceram. O brusco desenvolvimento da região natural, a que vulgarmente se chama península de Setúbal, era inevitável, tendo em conta as características favoráveis - morfológicas, hidrográficas e climáticas - que a envolvem. Mas, em todo este contexto geográfico, destacou-se uma baía na margem Norte do estuário do rio Sado, cujas extraordinárias condições proporcionaram o aparecimento e o rápido crescimento de uma povoação que originou o aglomerado urbano de Setúbal. O porto que estudámos encontra-se excepcionalmente bem localizado, no “enlace das comunicações, dos transportes marítimos com os terrestres”5, a que, no caso de Setúbal, poderemos juntar também os fluviais, pelo que permitiu a explosão económica da região e, consequentemente, as manifestações sociais e culturais subjacentes. Assim, tendo em conta as condições naturais que envolvem o Porto de Setúbal, verificamos que, face à situação geográfica, às condições climáticas e marítimas, as bases do seu desenvolvimento assentaram na agricultura, principalmente nos laranjais e nas vinhas cujo produto se celebrizou além fronteiras, na extracção do sal que, pelas suas características, cristais grandes e brilhantes, se tornou indispensável no Norte da Europa e na pesca, que fornecia o peixe para alimentação das populações das redondezas e ainda era exportado através do porto. Estas actividades mostraram-se de extrema importância para a economia nacional, quer no plano interno quer no plano externo, até se iniciar a industrialização no país que, no caso setubalense, pela sua situação geográfica e excelentes condições do porto que o servia, se baseou, fundamentalmente, na conservação de peixe. Tal facto deveu-se à abundância de matéria-prima que atraiu mão-de-obra oriunda de várias regiões de Portugal e o próprio capital estrangeiro, especialmente o francês. Este, a partir de 1880, veio revolucionar a economia setubalense, abrindo novos mercados internacionais que modificaram totalmente o processo económico, o tecido social e a cultura do aglomerado urbano de Setúbal. Consciente da importância da indústria para o desenvolvimento da povoação, já elevada a cidade desde 1860, a administração local esteve sempre presente no processo que aqui se desenrolou, apoiando as reivindicações dos industriais, junto do Governo Central e mesmo a nível interna-

Manuel Roldan Y Pego, Riquezas de Portugal, O ouro e a prata do Sado, Lisboa, Imprensa Nacional, 1910, p. 10, 11 e 12. Pinho Leal, Portugal Antigo e Moderno. Diccionario de todas as cidades, villas e freguezias de Portugal, Lisboa, 1880, p. 290 a 291. 4 Vincenzo Floridi, Setúbal: il porto, la pesca e le industrie, Roma, 1968, p. 183. 5 R. Iribarren Cavanilles, Obras marítimas, oleaje y diques, Madrid, 1954. 2 3

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cional. Não podemos esquecer a polémica gerada pelo facto de outros países enlatarem peixes que não pertenciam à mesma família das sardinhas, dando-lhe, incorrectamente o título de “sardines”. A designada “Revolução dos Transportes” verificada na segunda metade do século XIX, trouxe novas dimensões à navegação, tanto em quantidade de barcos em circulação como na grandeza das unidades que passaram a frequentar as instalações portuárias. As condições de que os portos dispunham tornaram-se insuficientes e desactualizadas. Urgia resolver os problemas que os vários acontecimentos provocavam. Em 12 de Janeiro de 1871, o COPSE, brigue inglês, arribou a Setúbal devido ao temporal. Ao abrir as escotilhas verificou-se haver fogo no carregamento de esparto. Quando tentavam puxá-lo para terra, já inundado, o cabo partiu-se e o brigue afundou-se ficando apenas com parte dos mastros fora de água. Perante a incapacidade de resposta do Porto de Setúbal às solicitações da navegação, na segunda metade do século XIX iniciam-se os estudos para a realização das obras na barra, no estuário do Sado e no porto, assim como outras actividades, incluindo as desportivas. No princípio de Dezembro de 1886 o vapor Lidador esteve no Porto de Setúbal, com a equipa incumbida de realizar as sondagens da costa entre o cabo de Espichel e o cabo de Sines, no dia 6 de Outubro de 1887 houve uma regata no rio Sado e, no dia 8 de Setembro de 1892, entrou no Porto de Setúbal a canhoneira de guerra Zaire, vinda do Porto, para vigiar a nossa costa e impedir o desembarque de pessoas atacadas de cólera. Apesar de todo este movimento, as águas dos ribeiros corriam, praticamente sem leito definido, a céu aberto, para o estuário do Sado, formando um vasto pântano misto. A seco havia apenas a parte Oeste da cidade; todo o resto desta, até à Brasileira de S. Francisco, foi conquistado pelos setubalenses sobre o charco. Não podemos esquecer que a principal praça de Setúbal se chamava de o Sapal, junto à igreja de S. Julião, e que, a seu lado, estava o Sapalinho. Neste contexto, Setúbal lançou-se na conquista de terras, rumo ao rio. O “golfão” do Sado, um dos traços desta união entre o mar e a terra, tornou-se, assim, um inevitável ponto de localização e de população. A cidade e o porto foram construídos, cresceram e desenvolveram-se, pois encontravam-se num local privilegiado, num cruzamento de caminhos. Os afluentes eram encaminhados e cobertos, dando um óptimo apoio no referente ao saneamento básico. Nem sequer havia problemas com os níveis das águas uma vez que, em Setúbal, os aterros e os desaterros encontravam terrenos planos, sem dificuldades para a sua consecução. As primeiras obras executadas no Porto de Setúbal, com fins exclusivamente militares, foram anteriores ao terramoto de 1755 e nelas estavam integrados os baluartes da Conceição e do Livramento. Destas obras apenas existem notas sem quaisquer pormenores explicativos da sua realização. O Engenheiro Adolfo Loureiro, que se dedicou à pesquisa sobre os portos marítimos do país, dizia que o primeiro projecto de obras para Setúbal por ele encontrado datava de 1793 e referia-se a uma doca ou caldeira, projectada pelo coronel Chermont, entre os baluartes do Livramento e da Conceição, destinada a dar abrigo a pequenas embarcações. Mas somente em 1836 foi autorizada, por concessão da Câmara Municipal de Setúbal, a construção de uma doca junto à foz do ribeiro do Livramento, feita por um particular. O cais, se tal era possível chamar ao espaço entre o quartel de Caçadores até onde chegava a praia em frente de Setúbal, estava totalmente desempedrado, tendo apenas uma pequena extensão de cantaria no areal, onde as pessoas tomavam banho. Esta doca, apesar das péssimas condições por falta de aterro de zonas difíceis, foi, durante muitos anos, o único abrigo de que o porto dispunha para as pequenas embarcações. A Alameda da Praia, hoje Avenida Luísa Todi, entre a ponte do Livramento e o quartel do Cais, foi mandada calcetar e terraplanar nos anos de 1848 e 1849. Em 1855 o Engenheiro inglês John Rennie referia a necessidade de construção de uma ou de duas estacarias de madeira ou de ferro (jetëes) à entrada do porto, para que fosse possível canalizar as correntes de enchente e de vazante, para assim manter a profundidade da barra. Aconselhava ainda o estabelecimento de dois cais, no prolongamento da doca particular já existente, para maior facilidade de embarque e de desembarque de mercadorias. Estas obras, que propiciariam importantes melhoramentos no Porto de Setúbal, não se realizaram. Só dezanove anos mais tarde, em 1876,

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• Imagem actual do Porto de Setúbal em actividade, com a entrada de um porta-contentores


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a Câmara Municipal de Setúbal deu início às obras de aterros e prolongamento do cais entre os dois baluartes, utilizando, para tal, o produto do imposto de deslastre, que lhe havia sido atribuído desde o ano transacto, com esta finalidade. Em 1892, o Engenheiro Vasco da Gama Braga fizera um projecto para a realização de um muro-cais entre a fábrica de M. J. Mendonça e Albarquel, que garantiria a regularização da margem, facilitaria o tráfego comercial e conquistaria novas terras para terraplanagem. Mais tarde, foi construído um talude empedrado, que abateu pouco depois por deficiência de construção. Aproximava-se o século XX e as obras necessárias para o desenvolvimento do porto continuavam entregues à Câmara Municipal, que não tinha capacidade para resolver esta questão. Em 1901 a Câmara foi autorizada a cobrar uma contribuição sobre todas as mercadorias exportadas pelo porto, excepto vinhos, substituindo-se o tributo de deslastre por uma taxa sobre os navios que saíssem pela barra de Setúbal. Em 1903, o projecto para as obras foi entregue ao Engenheiro Vasconcelos e Sá e consistia na continuação do aterro avançado para o rio, do cais da Conceição ao baluarte do Livramento. Com a chegada de 1911, as obras do porto voltaram a ser alvo de estudos, embora a sua realização dependesse da construção do caminho-de-ferro do Vale do Sado e, principalmente, da sua passagem ou não pela cidade de Setúbal. Estes e outros problemas, relacionados com o traçado definitivo da linha-férrea do Vale do Sado, obrigaram a nova paragem das obras do porto. Resolvida a questão, no ano de 1912 a edilidade negociou novo empréstimo com a Caixa Geral de Depósitos, viabilizado em 4 de Fevereiro de 1916, e contratou o Engenheiro Lisboa de Lima para desenvolver um novo projecto, apresentado em 1914. Em 1919 a firma Ferdinand Garrec & Cª, então na posse dos terrenos anexos à doca, requereu licença para ali construir cinco armazéns, licença que lhe foi concedida. O tema das obras do porto, já de âmbito nacional, exigia mais cuidados, facto que sensibilizou os parlamentares portugueses. O deputado Joaquim Brandão conseguiu que, em 1923, pela Lei nº 1517 de 18 de Dezembro, fosse criada a Junta Autónoma das Obras do Porto e Barra de Setúbal e do Rio Sado, que começou por fazer algumas reparações mais urgentes e encarregou o Engenheiro A. de M. Cid Perestrello de rever e actualizar as propostas existentes. Este técnico iniciou o trabalho, ao assumir a direcção das obras do porto em 1925. Em 1924, após ter sido elaborado o levantamento hidrográfico do espaço onde estavam previstos os trabalhos para início do novo Porto de Setúbal, desde o sítio da Graça, a montante, até ao forte de Albarquel, a jusante, o Engenheiro José Pais de Almeida Graça apresentou um anteprojecto para o desenvolvimento dos mesmos. O projecto definitivo foi concluído em 1925 e enviado às entidades superiores para estudo e aprovação. Entretanto, a Junta Autónoma procedia às obras necessárias para a manutenção do funcionamento deste porto. Com o lançamento da primeira pedra para as obras, inserido na grande Exposição Regional de 1930, iniciou-se para Setúbal e para a região do Sado, que o porto serve, uma nova fase de desenvolvimento. De acordo com o regulamento interno da Junta Autónoma das Obras do Porto e Barra de Setúbal e do Rio Sado, as obras foram efectuadas em dois grupos: obras de engenharia hidráulica, pontes, cais, planos inclinados, dragagens, aterros e terraplenos, por um lado, e construção de armazéns, de edifícios, linhas-férreas e material fixo e circulante de carga e de descarga, por outro. As obras consistiram, fundamentalmente, na regularização da margem direita do estuário do Sado, junto à cidade de Setúbal e numa extensão de cerca de quatro quilómetros de modo a proporcionarem a conquista de terrenos marginais e assegurarem o bom regime das correntes do rio e a estabilidade da barra. Foram separados os serviços destinados à pesca, que se localizaram a Poente, dos serviços comerciais que ficaram situados a Nascente. Ambos eram servidos por docas, entre as quais foi colocada uma zona de recreio. O alargamento do porto implicava, para uma maior rentabilização do mesmo, o desenvolvimento de obras na barra, de modo a criar um canal regular, convenientemente aprofundado, natural ou artificialmente por meio de dragagens, e a fixação da ponta Sul do cabedelo por meio de um simples molhe de pedra solta, em direcção convenientemente estudada. Em Abril de 1935 foi aprovado o projecto definitivo para o

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• Cabo de Espichel à Lagoa de Santo André (aproximações a Setúbal), 1987, Instituto Hidrográfico.

edifício da lota, em Março começou a construção do novo edifício para a Fiscalização do Porto de Comércio, que ficou concluído no final do ano. Mas, em 29 de Março de 1937, o TERNEUZEN, vapor inglês, encalhou na costa da Galé, devido ao temporal, arrombando-se. Algumas seguradoras, perante o elevado custo das operações de desencalhe propostas por especialistas estrangeiros desinteressaram-se do salvamento. Só uma aceitou a proposta de José Vieira, marinheiro de Setúbal que havia desencalhado o “Espadarte 1º”, da praia da Bafureira, em 1930. O navio tinha os porões de ré intactos, bem como a casa das máquinas. Só os porões da proa estavam alagados. O José Vieira comprou “bidons” vazios, meteu-os, bem vedados dentro dos porões, introduziu vimes e quartéis de escotilha nos seus lugares e colocou vários encerados muito bem cunhados. Depois reforçou tudo isto com cabos de arame, “trincados” com esticadores. Pronta esta operação, José Vieira esperou pela preia-mar mais favorável. O navio voltou a flutuar e foi puxado pelo rebocador sem mais problemas. Mas, em 15 de Fevereiro de 1941, o FURÃO, rebocador português, afundou-se no rio Sado durante o ciclone, ventos de SE e de SW que provocaram imensos estragos no porto, assim como o afundamento de vários barcos de pesca. Estes acidentes prejudicaram o Porto de Setúbal mas, os responsáveis tiveram capacidade para os ultrapassar e a recuperação, embora lenta, foi conseguida. As obras de manutenção e de aumento do espaço disponível para as actividades desenvolvidas por este porto e para a operacionalidade da barra continuaram a realizar-se, ano após ano. Os cais e as estacadas foram mantidos e construídas novas instalações. No dia 7 de Julho de 1971 foram inauguradas as carreiras fluviais do rio Sado com embarcações do tipo “hovercraft”, destinadas a servir o complexo turístico em construção na península de Tróia. Em Novembro de 1985 foi feita a adjudicação da obra para a 1ª fase da construção de um terminal Roll-On Roll-Off e, em 1989 teve início a 2ª fase deste empreendimento. No prosseguimento de uma política de investimentos direccionada para a modernização e para a expansão das facilidades portuárias, em 1992 foram concluídas as obras da 1ª fase do Terminal de Contentores, de modo a permitir a sua utilização até que o processo de concessão ficasse ultimado. Em 1994 desenvolveu-se o projecto de execução das infra-estruturas do Terminal de Contentores/Plataforma Multimodal, a execução das dragagens no Canal da Barra a -12m (ZH) e do Canal Norte a - 11m (ZH), a conclusão do Terminal Ford/VW e a construção do Centro de Despacho Rápido de Navios. Em 2003 o Terminal Multiusos/Plataforma Multimodal foi inaugurado.

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Cronologia

1508 - D. Manuel confirmou a concessão feita do uso das praias de Setúbal aos marítimos para os seus trabalhos, visto pagarem à Câmara os direitos do marco.

1249 - D. Paio Peres Correia, Mestre da Ordem de Santiago, concedeu, em Março, foral a Setúbal.

1511 - Em 24 de Outubro, foi promulgado um despacho ordenando que os navios que viessem carregar sardinha e outros pescados a Setúbal não pudessem trazer sal de

1249 - No Foral de Setúbal, o termo alfândega aparece, segundo se pensa, pela 1 vez a

em documentos oficiais, significando estalagem para pessoas e mercados. 1255 - A Doação Perpétua de D. Afonso III, referia os direitos sobre as pescarias de

fora para a salga, pois a el-rei prazia que se gastasse o da vila e o de Alcácer. 1514 - D. Manuel I conferiu Foral Novo a Setúbal no dia 27 de Junho, no qual refere a importância do sal e da sardinha salgada e de fumo, na economia setubalense. 1524 - Por alvará de 10 de Junho, D. Manuel I ordenou a André Gago, seu almoxarife

Sesimbra, Almada, Setúbal e Alcácer, que seriam salgadas. 1325 - Já se havia iniciado a construção da primeira ordem de muralhas, a expensas dos moradores de Setúbal.

em Setúbal, que não obrigasse os rendeiros do ramo da imposição do sal da vila de Alcácer e do Ribatejo ao pagamento dos 12 500 reais que deviam, atendendo às

1339 - A carta de confirmação de D. Afonso IV, datada de 7 de Setembro, mostra-nos que a produção de sal em Alcácer e Setúbal excedia já o consumo local. 1340 - Foi confirmado o primeiro compromisso da Casa do Corpo Santo de Setúbal. 1343 - D. Afonso IV concedeu “termo” a Setúbal, a pedido dos “homens-bons” e dos vizinhos deste concelho.

perdas de rendas deste ramo, ao longo do triénio de 1521 a 1523. 1525 - D. João III atribuiu a Setúbal o título de “Notável Vila”. 1525 - Estêvão Neto pediu de sesmaria uma praia desaproveitada na Mourisca, para a aproveitar em marinhas e outras benfeitorias; o Dr. Francisco Tavares, ouvidor da Casa do Mestre D. Jorge, obteve confirmação das Sesmarias de uns juncais e sapais na

1414 - Na carta de coutada da mata de Motrena, datada de 18 de Setembro, encontramos referências a salinas situadas neste local, perto de Setúbal. São referidas como “as marinhas que forom uelhas” e com as quais confinava a dita mata. 1425 - D. João I ordenou, na sequência do pedido feito nas Cortes pelos representantes

ribeira de Palma. 1530 - Foi intensificada a construção de salinas em Gambia e em Musgos, Bombarralha e Enxarroqueira. 1531 - Construção de salinas em Batalha, Monte Vil, termo de Alcácer, Telhada, Zambujeiro e Alberge.

de Setúbal, que não houvesse nesta vila Alcaide de Mar. 1444 - São referidas marinhas no sapal de Troino (21 de Maio). 1444 - Embora desde D. João I se refira a construção naval em Setúbal e em Alcácer

1531 - Houve, em Setúbal, um violento tremor de terra que destruiu imensas casas e embarcações, ancoradas no porto.

do Sal, há regalias confirmadas por outros monarcas, designadamente D. Pedro

1532 - Construção de salinas em Palma, Espim e Fonte Santa.

(regente) por carta de 24 de Dezembro, concedidas aos pescadores e aos calafates

1534 - D. João de Lima construiu marinhas na ribeira de Palma.

de Setúbal.

1535 - Construção de salinas em Faralhões e Motrena.

1457 - Em 30 de Setembro D. Afonso V largou do Porto de Setúbal em direcção ao

1538 - A Alfândega de Setúbal, embora já existisse no século XV, parece ter começa-

Algarve, donde saiu no início de 1458 em demanda das terras de Alcácer Ceguer,

do a funcionar regularmente a partir da publicação do alvará de 28 de Setembro, data

quando o Porto de Lisboa se encontrava fechado por motivo de peste. Ia acompanhado

em que se mudou a Alfândega de Sesimbra para Setúbal. 1540 - Construção de salinas em Abul.

de seu irmão D. Fernando e do sobrinho D. Pedro. 1486 - D. João II confirmou a concessão feita por D. Afonso V aos pescadores de

1560 - Foi impressa em Roma a 1ª Carta de Portugal, desenhada pelo cartógrafo

Setúbal para se não edificarem casas na muralha junto ao mar, para evitar prejuízos

Fernando Álvaro Seco. A reprodução realizada no século XVII era acompanhada de

nas fainas da pesca.

um texto, no qual Setúbal é considerado o primeiro porto nacional.

1492 - Martin Behaim’ Erdaptol, mais conhecido por Martin da Boémia elaborou um Globo Terrestre no qual, em Portugal, já consta Setúbal e Algarve. 1505 - A armada comandada por Tristão da Cunha saiu de Setúbal em direcção à Índia.

1579 - Um alvará régio regulamentou a venda do sal em Setúbal, protegendo os pequenos proprietários de marinhas. 1569 - A Câmara fez uma postura proibindo que pescadores de fora viessem pescar

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1628 - Filipe III proíbe aos corretores de sal de Setúbal a posse de marinhas.

nas águas setubalenses ou vender peixe ao porto. 1575 - A Câmara de Setúbal dava incentivos aos marítimos que prestassem serviço como pilotos na barra.

1628 - No dia 7 de Outubro o Capitão castelhano da fortaleza do Outão, na barra de Setúbal, mandou disparar contra as embarcações de pesca que se recolhiam, por

1583 - O projecto da Fortaleza de S. Filipe foi entregue a Filipe Terzi.

estas não irem junto da fortaleza solicitar despacho, situação que não era habitual. Por

1585 - Quando Filipe I, em guerra com os holandeses, decidiu em 29 de Maio, proibi-

isto os juízes da Casa do Corpo Santo e de Santo Estêvão apresentaram queixa junto

-los de comprarem o sal em Setúbal, os habitantes da vila sofreram e insurgiram-se contra tal medida, mas o rei só levantou a proibição em 1588, restabelecendo-a novamente, e por mais três anos, em 1589.

do rei. 1629 - Por ordem régia foram aplicados, para socorro dos estados da Índia, as sobras do rendimento do concelho e da alfândega de Setúbal.

1591 - Foi concedido aos mareantes da Casa do Corpo Santo de Setúbal privilégio para não levarem castelos em procissões.

1630 (anos de) - Foi instituída a Mesa do Sal, na Casa da Alfândega de Lisboa e, cerca de dois anos depois, foi tomada a mesma medida em Aveiro e em Setúbal.

1591 - Foi proibido aos mestres de navios que entravam a barra de Setúbal, ancorar no

1630 - Os pescadores de Setúbal fundaram a capela de Nossa Senhora do Livramento.

porto do Penedo, frente ao arrabalde de Troino, por causa do contrabando que por ali

1630 - Foi expedido um aviso régio à Alfândega de Setúbal para não permitir a saída

se fazia. Deviam ancorar defronte da torre de D. João Telles, junto à Alfândega. 1595 - Filipe I restabeleceu a repartição para a venda do sal de Setúbal, que havia der-

dos judeus por este porto, em consequência da expulsão que lhes foi ordenada. 1631 - O povo de Setúbal reclamou do imposto sobre o sal lançado por Filipe III. 1633 - Filipe III pediu à Câmara de Setúbal uma contribuição para as despesas com a

rogado. 1596 - Foi concedida, aos homens do mar de Setúbal, autorização para não “acudirem aos alardes”, excepto quando estivessem em terra, desocupados dos trabalhos refe-

armada que iria defender a Índia dos ataques dos holandeses e prometeu a confirmação dos privilégios solicitados por esta edilidade. 1640 - No dia 14 de Dezembro a guarnição castelhana da fortaleza de S. Filipe rendeu-

rentes à sua profissão. 1598 - No dia 14 de Outubro a Câmara de Setúbal ordenou ao governador do Outão que não permitisse a entrada da armada que fora à Índia, comandada pelo conde da Vidigueira, por se suspeitar haver peste na mesma.

-se à tropa e ao povo de Setúbal. 1640 - No dia 15 de Dezembro Setúbal requereu a D. João IV a abolição do grande tributo que os reis de Castela tinham lançado sobre o sal.

1600 - A Fortaleza de S. Filipe foi concluída por Leonardo Torreano por falecimento de Filipe Terzi.

1641 - D. João IV mandou inquirir sobre o estado em que se encontravam as fortificações destinadas à defesa da barra de Setúbal.

1601 - Filipe II, para evitar abusos em prejuízo do comércio do sal em Setúbal, proibiu a intervenção dos “línguas” e dos corretores na venda daquele género. 1605 - Fez-se um regulamento para fiscalização e despejo de lastros, impondo graves penas aos navios que despejassem o lastro nas águas do estuário ou

1643 - Começou a ser construída a fortaleza de Albarquel, concluída no reinado de D. Pedro II. 1647 - Setúbal, à semelhança do que se passava nas vilas e cidades mais importantes, foi alvo de alistamento de soldados para serviço de defesa. 1654 - O governador da Torre do Outão, Manuel da Silva Mascarenhas, participou, no

no mar. 1609 - Foram ordenadas, por deliberação régia, providências contra o dolo que os cor-

dia 12 de Setembro, ao Secretário de Estado Pedro Vieira da Silva que o navio, que

retores empregavam na venda do sal para os navios que vi-nham ao porto de Setúbal.

deveria ficar retido no Porto de Setúbal, fugira mesmo depois de contra ele terem sido

1618 - A Câmara Municipal ordenou que os navios suspeitos não podiam ser

disparados 20 tiros de peça que provocaram a morte de um marinheiro. A bordo le-

despachados sem autorização da edilidade.

vava o Meirinho que ali fora para o tomar por intimação do Ouvidor da comarca.

1623 - Foi concedida a exploração da mina da serra da Caveira a António Varão. Mais

1655 - O rei confirmou a concessão feita pelo corregedor da comarca de Setúbal, para

tarde, no reinado de D. João V, procedeu-se a uma inspecção oficial, que concluiu

que os proprietários de marinhas pudessem eleger repartidores para a venda do sal.

existir prata e ouro nesta mina.

1659 - Foi regulamentada a venda dos 3 000 moios de sal com que Portugal foi obri-

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gado a contribuir, pelo tratado de paz com a Holanda.

Dicionário Geográfico. O Padre de S. Julião Guilherme Ignacio de Affonseca Lemos,

1668 - Por Alvará Real o sal de Setúbal não podia ser tributado em mais de 500 réis por moio, para o pagamento da dívida para com a Holanda.

referindo-se a Setúbal dizia: “He porto de mar, e na sua bahia em que se mete o rio Sadão cabem dozentos navios, os que frequentão são Suecos, Dinamarquezes,

1670 - Foi proibida a compra, no Porto de Setúbal, das “presas” feitas na guerra entre a

Irlandezes, e todas as naçoins do norte, que vem tomar carga de Sal”. 1765 - O Marquês de Pombal nomeou Luís Ferrari de Mordeau Intendente Geral da

Inglaterra, a Holanda e a França. 1674 - O banqueiro Florentino Bonaccorsi, morador em Lisboa, escreveu uma missiva

Agricultura, que implementou um projecto de investigação sobre o desenvolvimento

ao Grã-Duque de Toscana, Cosimo III, que conhecia Portugal, relatando o comércio

agrícola em Portugal e publicou o resultado dos seus estudos no ano de 1782. Neste

florescente dos portos de Lisboa, Setúbal e Porto.

relatório sugeria a abertura de um canal navegável que ligasse o rio Tejo ao rio Sado.

1675 - Na presença do Marquês da Fronteira, governador da praça de Setúbal, foi lavra-

1765 - Nasceu em Setúbal Manuel Maria Barbosa du Bocage, no dia 15 de Setembro.

do termo para que as embarcações que viessem carregar sal a Setúbal trouxessem

1779 - Foi alterado, por Decreto, o regulamento para a venda e exportação do sal de

como lastro apenas pedra e pipas cheias de água.

Setúbal.

1676 - O Forte de Santa Maria da Arrábida foi mandado construir por D. Pedro II, por

1787 - Jacome Ratton requereu a limpeza do rio das Enguias para que se escoassem

ordem do Marquês da Fronteira, membro do Conselho de Guerra, e destinava-se à

as águas dos seus terrenos, dando assim início a um canal de navegação entre o Tejo

defesa do Porto da Arrábida, dos seus mares, dos frades “arrábidos” e dos

e o Sado, por Águas de Moura. 1788 - Os Corregedores da Comarca de Setúbal e os dirigentes do Corpo Santo deslo-

pescadores, dos ataques dos piratas. 1682 - Foi criada a feira, realizada a 25 de Julho, pedida pelos procuradores do povo nas Cortes realizadas em Tomar no ano de 1581.

caram-se a Barroca de Alva para estudarem o prolongamento do canal entre o rio das Enguias e a ribeira de Marateca, proporcionando a ligação entre o Tejo e o Sado.

1696 - Foi criado o ofício de superintendente do sal em Setúbal e dado a Gualter de Andrade Rua.

1793 - Primeiro projecto de obras para o Porto de Setúbal, referente a uma doca ou caldeira, da autoria do Coronel Chermont, entre os baluartes do Livramento

1703 - Em 30 de Julho surgiu o Regimento de Infantaria nº 7, com a criação de três companhias para guarnecer a praça de Setúbal, ao qual veio a pertencer como cadete Manuel Maria Barbosa du Bocage.

e da Conceição, destinada a dar abrigo a pequenas embarcações. 1797 - Silvestre Pinheiro Ferreira embarcou no Porto de Setúbal num navio holandês, fugindo à perseguição de que estava a ser alvo: acusação de pertencer a sociedades

1703 - Foi aprovado o regulamento para a venda e exportação do sal em Setúbal.

secretas.

1709 - Foi mandada cumprir a Carta Régia que confirmou os privilégios aos arrais,

1807 - Aquando das invasões francesas, Setúbal viu-se ocupada pelas tropas espa-

pescadores e mareantes de Setúbal, de não pagarem para a bolsa do concelho, nem

nholas comandadas pelo General D. Francisco M. Solano Ortiz de Rosas, Marquês do

servirem cargos deste, nem darem aposentadoria, excepto para pessoa real.

Socorro que aqui estabeleceu a capital do reino atribuído a D. Manuel Godoy, pelo

1712 - Os marroteiros das marinhas de Setúbal, constituídos em confraria com bandeira na qual ostentavam a imagem de Nossa Senhora da Guia, conseguiram autorização para fazerem eleições para juiz e para escrivão.

tratado de Fontainebleau. 1808 - Em Março, Setúbal foi ocupada pelos franceses que tentaram pôr em prática o projecto geognóstico dos arredores de Setúbal e a abertura de um canal ligando o

1731 - Caiu sobre Setúbal um fortíssimo temporal que fez muitos estragos, principal-

Tejo ao Sado. 1810 - Foi nomeado Capitão do Porto de Setúbal um dos três heróis que, em 1808,

mente nas salinas. 1753 - Nasceu, em Setúbal, a célebre cantora lírica, Luísa de Aguiar Todi.

foram ao Brasil numa pequena embarcação, avisar o rei de que haviam ganho a revol-

1754 - Concessão à Câmara Municipal para realização de obras no porto, do imposto

ta contra os franceses e da constituição de uma Regência que governava o Algarve,

de deslastre cobrado pelo Estado no Porto de Setúbal.

em nome de D. João VI. Mas, o cargo de Capitão de Porto só foi criado oficialmente

1758 - Os párocos de Setúbal responderam a um inquérito para organização de um

na carta de lei de 1882.

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1811 - O Major Engenheiro Jose Theresio Michelotty, lente de Hidráulica Prática na Real Academia de Fortificações, Artilharia e Desenho e Sargento-Mor do Real Corpo de Engenheiros, procedeu ao nivelamento de terrenos e ao levantamento de plantas para construção do canal Tejo-Sado, que apresentou em 22 de Fevereiro de 1812. O projecto voltou a ser retomado em anos posteriores mas sempre sem sucesso. 1812 - A Casa do Corpo Santo de Setúbal ofereceu 799$090 réis para a reconstrução do cais.

e o quartel do Cais, foi mandada calcetar e terraplanar. 1852 - Em Agosto foi abolida a Roda do Sal, situação que provocou o descalabro total na exploração salícola, já tão abalada. 1854 - A indústria conserveira começou a laborar em Setúbal. 1855 - Palmela e Azeitão deixaram de ser concelhos e integraram-se no município de Setúbal.

1823 - Deu entrada no Porto de Setúbal um navio com 102 pessoas aprisionadas pelos corsários nos barcos por eles destruídos, e por eles próprios metidas à força neste

1855 - Feliciano António da Rocha obteve uma menção honrosa pelas suas conservas de peixe, como foi anunciado pelo Setubalense de 2 de Dezembro. 1858 - Grande sismo que destruiu parcialmente a vila de Setúbal que foi rapidamente

navio nos mares das Berlengas. 1828 - Foi despachada favoravelmente a petição dos oficiais da Casa do Corpo Santo de Setúbal para que fosse colocado um Farol no Outão que acendesse nos cinco meses de Inverno.

reconstruída e entrou em franco progresso. 1858 - O presidente da Câmara, Dr. Aníbal Álvares da Silva dirigiu ao Rei, em nome dos setubalenses, uma petição a solicitar a elevação de Setúbal a cidade.

1831 - Em 26 de Setembro foi aprovado o Regulamento para o serviço de pilotagem

1859 - Foi assinada a escritura para a iluminação pública por meio de gás. 1860 - No dia 23 de Julho D. Pedro V emitiu a Carta Patente que concedeu a catego-

da barra de Setúbal. 1833 - O almirante Napier, ao serviço do Partido Constitucional, tomou a marinhagem e os soldados da guarnição dos navios de guerra no porto de Setúbal. l833-l834 - Durante as lutas liberais, Setúbal esteve envolvida na guerra civil, havendo

ria de cidade à vila de Setúbal. 1861 - Construção da via-férrea entre o Barreiro e Setúbal, inaugurada a 21 de Fevereiro. 1862 - Feliciano A. Rocha voltou a receber prémios, como por exemplo uma medalha

combates nos seus subúrbios. 1835 - A Câmara procedeu contra os pescadores que, para mudarem a seu favor a direcção dos cardumes, lançavam pedras no mar, obstruindo a barra. 1836 - Foi autorizada, por concessão da Câmara Municipal de Setúbal, a construção de uma doca junto à foz do ribeiro do Livramento, feita por um particular. 1839 - Em 28 de Junho, por Carta de Lei, foi regulamentada a navegação no Sado por barcos a vapor que realizavam carreiras entre Setúbal e Alcácer do Sal. 1840 - Através do artigo 2º do Diário do Governo de 11 de Dezembro, em nome de D. Maria e emanado pelo Ministério do Reino, o Governo prestava à Empresa da Navegação do Tejo e Sado todo o auxílio necessário para assegurar a navegação do Sado por barcos movidos a vapor.

na classe 3, secção B, na Exposição Universal de Londres. 1862 - Foram aprovados, por Decreto Régio, os estatutos da Corporação Marítima da Casa do Corpo Santo. 1864 - Em 7 de Dezembro Setúbal perdeu o estatuto de alfândega independente para passar a ser uma delegação de primeira ordem da Alfândega de Lisboa que pertencia à 1ª Divisão das alfândegas portuguesas. 1864 - No dia 23 de Dezembro um ciclone destruiu árvores, casas e embarcações provocando várias mortes e muitos prejuízos. 1866 - Hans Christian Andersen visitou Portugal, esteve instalado numa Quinta de Setúbal e fala do porto.

1841 - A sociedade Torlades & Cª cedeu o aforamento da doca junto ao ribeiro do Livramento, ao proprietário e negociante João Montague Galloway. 1846 - O Regimento de Infantaria 11, que tendo nascido em Penamacor no ano de

1867 - Tiveram início as carreiras diárias de barco a vapor, entre Setúbal e Alcácer do Sal. 1869 - Em 14 de Agosto, o Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, por ordem de D. Luís, determinava a aprovação do contrato celebrado entre o governo e

1806, passou a estar aquartelado em Setúbal. 1847 - Combate do Alto do Viso, ponto final das lutas civis começadas com a Maria da Fonte.

1848-1849 - A Alameda da Praia, hoje Avenida Luísa Todi, entre a ponte do Livramento

Hugo Parry & Genro, para a continuação de uma carreira regular de navegação a vapor no Rio Sado, entre Setúbal e Alcácer do Sal.

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1871 - Foram aprovados por Decreto Régio, os estatutos do Montepio de pescadores que se denominou Sociedade Setubalense de Pescaria Franciscana. 1871 - O COPSE, brigue inglês, arribou a Setúbal devido ao temporal. Ao abrir as escotilhas verificou-se haver fogo no carregamento de esparto. Ao tentar puxá-lo para terra, já inundado, o cabo partiu-se e o brigue afundou-se ficando apenas com parte dos mastros fora de água.

1889 - Por Decreto de 31 de Outubro a Delegação da Alfândega de Setúbal foi elevada de 3ª a 1ª classe. 1891 - No dia 29 de Julho José António Januário da Silva, Vice-presidente da Câmara Municipal de Setúbal, publicou o Roteiro de Setúbal, que oferecera à edilidade. 1892 - O Engenheiro Vasco da Gama Braga projectou a realização de um muro-cais entre a fábrica de M. J. Mendonça e Albarquel, que propiciaria a regularização da

1873 - Inauguração das carreiras em “vapor”, entre Setúbal e Londres, pela companhia inglesa Breslauer.

margem, facilitaria o tráfego comercial e conquistaria novo espaço para terraplanagens.

1875 - O deputado Arrobas entregou à apreciação da Câmara dos Deputados a re-

1892 - Em 8 de Setembro entrou no Porto de Setúbal a canhoneira de guerra Zaire,

presentação da Câmara Municipal, solicitando a concessão dos lastros e produto do

vinda do Porto, para vigiar a costa e evitar desembarque de pessoas atacadas de

respectivo imposto para fazer o aterro da praia entre o cais da Nossa Senhora da

cólera. 1893 - António José Baptista adquiriu uma prensa litográfica, que instalou num

Conceição e o baluarte do Livramento. 1876 - A Câmara Municipal, sob a presidência de Rodrigues Manitto, deu início ao aterro para prolongamento do Cais de Nossa Senhora da Conceição até ao baluarte do

armazém situado na Rua Alexandre Herculano. Foi a entrada da litografia em Setúbal. 1895 - Setúbal perdeu a autonomia do seu círculo eleitoral e passou a estar

Livramento. 1876 - O mercado do Livramento foi aberto ao público.

integrada no círculo eleitoral de Lisboa. Neste ano a abstenção rondou os 90%.

1879 - Xavier Machado foca a necessidade de ser elaborada uma nova carta militar das penínsulas de Torres Vedras e de Setúbal.

1895 - Quando se verificou a reorganização militar do país, mais concretamente a composição dos distritos de recrutamento e reserva, Setúbal continuou a pertencer ao

1880 - F. Delory, fabricante francês, instituiu, em Setúbal e em Olhão, fábricas de conserva de peixe. A Société Anonyme Établissements F. Delory instalou-se na Rua dos Trabalhadores do Mar, junto ao rio Sado, num edifício construído para o efeito, segundo as normas exigidas para este tipo de estabelecimentos.

Distrito Administrativo de Lisboa - Distrito de Recrutamento e Reserva nº 4 - e o Regimento aqui aquartelado era, ainda, o de Caçadores nº 1. 1897 - Foi criada a Associação da Classe Marítima que pode considerar-se como a primeira associação sindical portuária de Setúbal pois albergava, no seu seio, os con-

1880 - Em 14 de Outubro fundou-se, nesta cidade, a Associação Fluvial Setubalense que,

dutores de sal e os estivadores do rio Sado. 1900 - Greve dos pescadores de Setúbal e de Sesimbra.

posteriormente, deu origem ao Clube Naval Setubalense. 1884 - Por ordem da Direcção Geral dos Faróis foi levantada a Planta da Barra e Porto de Setúbal, da autoria do Engenheiro Hidrógrafo José Joaquim Xavier de Brito. 1886 - O vapor Lidador esteve no Porto de Setúbal, com a equipa incumbida de realizar as sondagens da costa entre o cabo de Espichel e o cabo de Sines.

1901 - Greve dos marítimos de Setúbal. 1901 - A Câmara foi autorizada a cobrar uma contribuição sobre todas as mercadorias exportadas pelo porto, excepto vinhos, substituindo-se o tributo de deslastre por uma taxa sobre os navios que saíssem pela barra de Setúbal.

1887 - A Direcção Geral da Marinha encarregou António Artur Baldaque da Silva,

1901 - O Distrito de Reserva e Recrutamento de Setúbal passou a denominar-se

Primeiro-Tenente da Armada e Engenheiro Hidrógrafo de elaborar a planta hidrográ-

Distrito de Reserva e Recrutamento nº 21 e a pertencer à 4ª Divisão Militar. A sede

fica da enseada de Setúbal.

do DRR ficou em Setúbal tal como o quartel do Regimento Activo: Infantaria nº 11.

1887 - D. Carlos, D. Amélia e D. Afonso, fundearam o iate real no Sado para visitar a cidade de Setúbal.

Portugal.

1889 - A fortaleza do Outão, depois de ter sido uma prisão, foi adaptada a residência de férias do Rei D. Carlos, até 1908.

1901 a 1915 - Setúbal produziu cerca de 50% das conservas de peixe exportadas por

1903 - O projecto para as obras do porto foi entregue ao Engenheiro Vasconcelos e Sá e consistia na continuação do aterro avançado para o rio, do Cais da Conceição ao

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baluarte do Livramento, terminando por um talude empedrado de 1,5:1. 1904 - O responsável pelo projecto das obras do porto elaborou novo plano para montante do baluarte da Conceição até à Pedra Furada.

1920 - Ferdinand Garrec & Cª pediu nova licença para construir uma muralha para a doca numa extensão de 15 metros, para criar, junto ao ribeiro do Livramento, três pólos de descarga de peixe; e ainda autorização para edificar muros de vedação, dra-

1904 - Greve dos carregadores do sal de Setúbal.

gar a doca e fazer vários aterros com o produto da dragagem, que foi indeferida.

1906 - As obras do porto foram confiadas ao Engenheiro Gonçalves Moreira, então

1920 - Setúbal atingiu o número máximo de fábricas de conservas de peixe - 130. 1920 - Foi criado o Clube Naval Setubalense.

Director da 4ª Direcção dos Serviços Fluviais e Marítimos. 1908 - Por fusão das associações “Corporação Marítima dos Pescadores de Anzol de Setúbal”, fundada em 1862, “Sociedade de Pescarias Franciscanas”, fundada em 1871 por dissidência da anterior, e da “Associação Marítima de Setúbal”, fundada em 1902, nasceu a Associação dos Trabalhadores do Mar.

1923 - Pela Lei nº 1517 de 18 de Dezembro, foi criada a Junta Autónoma das Obras do Porto e Barra de Setúbal e do Rio Sado. 1924 - Sessão inaugural da Junta Autónoma das Obras do Porto e Barra de Setúbal e do Rio Sado, que teve lugar no dia 27 de Fevereiro.

1909 - A fortaleza do Outão foi transformada e adaptada a hospital para tratamento de doenças ortopédicas, função que ainda mantém.

1924 - O Regulamento Interno da Junta Autónoma das Obras do Porto e Barra de Setúbal e do Rio Sado foi aprovado pelo Decreto-Lei nº 10 187, de 16 de Outubro,

1910 - Foi feito um contrato entre a Câmara Municipal de Setúbal e os Caminhos-de-Ferro do Sul para a viabilização da construção da estação de Setúbal-Mar. 1910 - Em 5 de Março o Capitão Adolpho César Lima elaborou uma memória descritiva e justificativa para a defesa exterior do Porto de Setúbal, contra a aproximação de navios de superior tonelagem.

depois de ouvida a Administração-Geral dos Serviços Hidráulicos. 1925 - O Engenheiro A. de M. Cid Perestrello assumiu, em 3 de Junho, a direcção das obras do porto. 1925 - Foi aprovado, em 22 de Junho, o quadro técnico da Junta Autónoma das Obras do Porto e Barra de Setúbal e do Rio Sado, por despacho do Ministro do Comércio

1910 - Em 5 de Dezembro havia já sido fundado o Grémio Associativo dos Descarregadores de Peixe que laboravam no Porto de Setúbal. 1913 - Leon Delpeut, conserveiro em Setúbal, apresentou ao Congresso dos Fabricantes de Conservas de Peixe de Portugal, realizado em Setúbal, um projecto de formação de uma Companhia encarregada de gerir a venda das conservas.

e Comunicações. Era composto por um chefe de repartição de obras, um desenhador, um fiscal de obras e um apontador. 1925 a 1928 - Funcionou em Tróia uma instalação norueguesa para a extracção de óleo de baleia e para o fabrico de adubos de peixe. 1926 - Foi constituída uma empresa em 21 de Janeiro, com a vocação inicial já deter-

1915 - Foi apresentada na Comissão Executiva da Câmara Municipal uma proposta do

minada de fabricar super-fosfatos em Portugal. Os seus estatutos foram aprovados

Engenheiro António Carlos Aguado Leotte Tavares para a construção e exploração

com o nome de Produits et Engrais Chimiques du Portugal (SAPEC), no cartório de

do Porto de Setúbal desde a Pedra Furada até Albarquel.

Me. André Taymans, notário em Bruxelas.

1915 - Foi aprovado o projecto de estatutos da Liga de Propaganda e Defesa de Setúbal.

1926 - O porto foi visitado, em Março, pelo Ministro do Comércio e, em Agosto, pelo Ministro da Marinha.

1916 - Inauguração da linha do Vale do Sado.

1926 - A nova Lei dos portos foi promulgada por Decreto nº 12 757 de 2 de Dezembro

1918 - Foi retomado o projecto de construção do canal entre o Tejo e o Sado.

e determinou que a legislação das juntas autónomas que tinham a seu cargo a cons-

1918 - As instalações e os terrenos anexos para a construção de uma fábrica de cimen-

trução e a exploração de alguns dos portos nacionais fossem investidas de maior

to em Setúbal foram adquiridas pela Companhia Geral de Cal e Cimento que, em

autonomia, acompanhada de uma fiscalização mais intensiva.

1925, veio a arrendá-los à Sociedade de Empreendimentos Comerciais e Industriais

1926 - Em 22 de Dezembro foi criado o distrito de Setúbal.

Lda, que deu origem à SECIL.

1927 - Foi aprovado o projecto definitivo para a realização das obras do porto. O

1919 - A firma Ferdinand Garrec & Cª, então na posse dos terrenos anexos à doca, requereu licença para ali construir cinco armazéns, licença que lhe foi concedida.

Presidente da República e os Ministros da Justiça, Instrução e Agricultura visitaram o porto.

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1927 - Pelo Decreto-Lei nº 14 718 de 8 de Dezembro, Lei Orgânica das Juntas

Dezembro fora, por Portaria do Ministério do Comércio e Comunicações, outorgado

Autónomas dos Portos, estas passaram a gozar de uma maior autonomia adminis-

por intermédio do Engenheiro Administrador-Geral dos Serviços Hidráulicos e

trativa.

Eléctricos nomeado para o efeito.

1927 - Por Decreto nº 14 782, de 23 de Dezembro, os serviços internos dos portos dis-

1931 - As instalações portuárias passaram a incluir as docas do Comércio, das

tribuíam-se por três repartições: a Repartição Técnica, a Secretaria da Administração

Pescarias e de Recreio, e ainda três estacadas exteriores com 350 metros de com-

e a Secretaria da Contabilidade, todas sob a superintendência do Engenheiro

primento total para navios até 6,50 metros de calado.

Director que era nomeado por Decreto, sob proposta fundamentada das Juntas e escolhido entre os Engenheiros Civis especializados em trabalhos marítimos e de

1932 - Foi criado, pelo Ministério de Comércio e Indústria, o Consórcio Português de Conservas de Peixe. 1932 - Oliveira Salazar visitou Setúbal, visando a instauração do Corporativismo na

portos. 1927 - Em Dezembro realizou-se, na cidade de Setúbal, o I Congresso Nacional de

indústria de conservas de peixe e o consequente desenvolvimento da mesma. Em

Pescas e Conservas, na qual foi proposta a formação da Associação Portuguesa dos

simultâneo, assistimos ao incremento do projecto turístico para o distrito de Setúbal.

Fabricantes de Conservas, com sede nesta cidade, na qual se integrariam todos os

1934 - I Congresso da União Nacional.

Fabricantes de Conservas de Portugal.

1934 - Foi adquirido o rebocador “Setúbal”.

1927 - A SAPEC foi inaugurada em finais deste ano, com a presença do Presidente da República António Óscar de Fragoso Carmona.

1934 - Em Dezembro teve início o assentamento das linhas-férreas de ligação da estação de Setúbal-Mar com os cais do porto, executado pela Companhia dos

1928 - O relatório da Comissão de Portos foi entregue em Dezembro, sendo o proces-

Caminhos-de-Ferro Portugueses, mas por conta da Junta. 1934 - Por alvará de 15 de Junho foi legalmente constituído o Sindicato Nacional dos

so de Setúbal classificado como prioritário. 1930 - A população de Setúbal subiu para 46 342 indivíduos.

Estivadores do Porto e Distrito de Setúbal que, por alvará de 15 de Novembro de

1930 - No dia 26 de Maio foi aberto concurso para as obras do porto de Setúbal.

1938, passou a denominar-se Sindicato Nacional dos Estivadores e Barqueiros do

1930 - No dia 23 de Junho foram iniciadas as filmagens de um documentário sobre

Distrito de Setúbal.

Setúbal, que abrangia todas as áreas ligadas à vida comercial e industrial da cidade e ao projecto turístico previsto para os arredores da cidade.

1935 - Em 23 de Outubro a Junta fez um acordo com a Câmara Municipal de Setúbal para actualização das delimitações dos terrenos pertencentes a esta Junta

1930 - No dia 27 de Junho foi feita a adjudicação das obras à firma dinamarquesa

Autónoma, que foi aprovado por despacho ministerial em 21 de Janeiro de 1936.

Hojgaard & Schultz A/S, de Copenhaga, com a colaboração, para os trabalhos de

1936 - I Congresso Nacional de Turismo.

drenagem, da firma holandesa Van den Bosch & De Vries, de Utrecht. No dia 8 de

1937 - Em 29 de Março o TERNEUZEN, vapor inglês, encalhou na costa da Galé, devi-

Setembro começaram a preparação da pedreira da Figueirinha e em Outubro chegou

do a temporal, arrombando-se. Algumas seguradoras, perante o elevado custo das

a Setúbal o primeiro material flutuante destinado ao projecto.

operações de desencalhe propostas por especialistas estrangeiros, desinteressaram-

1930 - No dia 28 de Julho teve lugar o lançamento da 1ª pedra para as obras do porto e a inauguração da luz eléctrica em Setúbal. Foi também inaugurada a I Exposição Regional de Setúbal que decorreu durante os dias 27 de Julho a 15 de Setembro.

-se do salvamento. Só uma aceitou a proposta de José Vieira, marinheiro de Setúbal que havia desencalhado o “Espadarte 1º”, da praia da Bafureira, em 1930. 1938 - A construção do edifício da lota terminou em Dezembro.

1931 - No dia 7 de Janeiro foi lançado no fundo o primeiro batelão de enrocamentos,

1941 - Em 15 de Fevereiro o FURÃO, rebocador português, afundou-se no rio Sado

começando a construir-se os blocos de betão que assentavam sobre ele em 22 de

durante o ciclone, ventos de SE e de SW que provocaram imensos estragos no Porto

Junho. Em 15 de Julho foi iniciada a construção dos taludes empedrados na parte

de Setúbal, assim como o afundamento de vários barcos de pesca. 1942 - O projecto do edifício, destinado à instalação dos serviços da Junta Autónoma,

de jusante do porto. 1931 - Foi assinado, em 20 de Janeiro, o contrato da empreitada, que em 18 de

ficou concluído.

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1943 - Efectuaram-se levantamentos topográficos e hidrográficos necessários à elabo-

pedido dos pescadores, da imagem de Nossa Senhora da Conceição, que per-

ração do Plano de Arranjo e Expansão previsto pelo Decreto-Lei nº 32 842, de 11

manecera no nicho do quartel de Infantaria 11 desde o reinado de D. João V, para o

de Junho.

monumento, construído para esse fim, no centro dos jardins dos terraplenos do Porto

1946 - Iniciou-se a construção do Centro de Instrução Náutica da Mocidade Portuguesa, ao lado das instalações utilizadas pelo Clube Naval Setubalense. 1946 - Em Dezembro foi criado, pelo Decreto-Lei nº 36 061, o Ministério das Comunicações, no qual ficaram integradas as Juntas Autónomas dos Portos. 1947 - Em Janeiro foi aprovado pelo Subsecretário de Estado das Obras Públicas o projecto do edifício destinado à instalação dos serviços da Junta Autónoma. 1948 - O projecto definitivo do posto de fiscalização no Porto de Pesca ficou concluído. 1949 - Por Portaria de 14 de Novembro, o Ministro das Comunicações nomeou uma

de Setúbal. A imagem é conhecida como Nossa Senhora do Cais. 1955 - Foi feito o levantamento topográfico da estrada da Mitrena - Moinho Novo, visando o aproveitamento da margem direita do rio Sado, a montante das instalações da SAPEC, para estabelecimento de novas indústrias. 1956 - O Decreto-Lei nº 40 763, de 7 de Setembro, agregou o Porto de Pesca de Sesimbra à Junta Autónoma do Porto de Setúbal. 1957 - Embora a título particular, a Rainha Isabel II de Inglaterra e seu marido, o Príncipe de Edimburgo, visitaram Setúbal em 16 e 17 de Fevereiro.

comissão presidida pelo Administrador Geral do Porto de Lisboa, para estudar a pos-

1957 - Foi apresentado um requerimento à Direcção-Geral dos Serviços Industriais,

sibilidade de criação de uma ou de mais zonas francas neste porto, situação que foi

assinado por Eduardo Rabaça da Mota Veiga, D. José de Melo Breyner, José Manuel

alargada ao Porto de Setúbal em 21 de Abril de 1950. Em Junho de 1952, a comis-

Capelo de Morais e Abílio da Silva Pires, solicitando autorização para a montagem de

são concluiu pela conveniência do estabelecimento de zonas francas nos portos de

uma fábrica de celulose, aproveitando como matéria-prima o eucalipto.

Lisboa e de Setúbal, situação que foi viabilizada através da Portaria de 17 de Março de 1954. Previa-se, novamente, a abertura do canal ligando o rio Tejo com o rio Sado.

1958 - A empresa de celulose em Setúbal passou a chamar-se: SOCEL -- Sociedade Industrial de Celuloses, SARL. 1959 - O grupo organizador da indústria de celulose em Setúbal realizou um contrato

Nada foi realizado. 1949 - Foi publicado o Guia de Setúbal (Turismo, indústria e comércio), no qual já se vis-

de colaboração técnica com a Companhia Portuguesa de Celulose. 1960 - A primeira empresa de montagem de automóveis que se instalou em

lumbra um pré-projecto turístico para a região. 1950 - O Estatuto das Juntas Autónomas dos Portos foi publicado no Decreto-Lei nº

Setúbal foi a Barreiros, com as marcas Barreiros, Volkswagen, Dodge e Fargo. 1962 - Em 26 de Setembro entraram no rio Sado, em visita operacional, os submarinos

37 754, de 18 de Fevereiro. 1950 - a Junta Autónoma das Obras do Porto e Barra de Setúbal e do Rio Sado passou a denominar-se de Junta Autónoma do Porto de Setúbal. 1951 - O Regulamento de Tarifas, datado de 1926, foi alterado pela Portaria nº 13 688,

da Armada: Britânica “Finwhale”, de 2 030 toneladas de deslocação, comandado pelo Capitão-Tenente K.H.Mills e “Artmis”, de 1 385 toneladas, sob o comando do Capitão-Tenente A. D. C. Lund. 1967 - Em 28 de Julho o Presidente da Junta Central de Portos, Dr. Manuel Henriques

de 2 de Outubro e entrou em vigor no dia 1 de Novembro. 1952 - Em 10 de Maio foi oficialmente inaugurada a nova Casa dos Pilotos, à qual presidiu o Ministro da Marinha. Prosseguiram os trabalhos de construção do edifício da

Gonçalves, visitou oficialmente a Junta Autónoma e os seus serviços centrais e portuários e realizou uma reunião de trabalho na sede da Junta. 1968 - Vincenzo Floridi diz que o Porto de Setúbal é o terceiro de Portugal.

FNAT, tendo terminado a execução dos “toscos”. 1952 - Em 28 de Maio o Ministro das Comunicações visitou o Porto de Setúbal para tomar

1968 - Com a intenção de fundar um Centro de Alegria no Trabalho sob a égide da

conhecimento dos problemas mais prementes que preocupavam os responsáveis por

FNAT, o pessoal da Junta formou uma Comissão Organizadora que se propunha fun-

este estabelecimento portuário e voltou a Setúbal em 9 de Julho em visita de estudo

dar o CAT. 1969 - A INAPA, Indústria Nacional de Papéis, iniciou a laboração em Setúbal nos

de carácter particular. 1953 - No dia 1 de Maio, com a presença das autoridades civis e militares, acompanhadas de grande parte da população setubalense, procedeu-se à transferência, a

princípios deste ano, com instalações contíguas às da SOCEL. 1970 - A Junta Autónoma iniciou a publicação de um Boletim Informativo, com expe-

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dição trimestral, no qual era registado o movimento portuário, os dados estatísticos

-se ao Porto de Setúbal para inaugurar o “Conjunto da Costa da Galé”, na península

dos navios e das mercadorias, do pescado e de outros assuntos relativos aos portos

de Tróia, empreendimento inserido no complexo turístico da TORRALTA - Clube

de Setúbal e de Sesimbra.

Internacional de Férias, SARL.

1970 - Com a publicação do Decreto-Lei nº 405/70, de 24 de Agosto, foi abolida a taxa de 1% ad valorem que onerava as mercadorias exportadas pelo Porto de Setúbal assim como o adicional de 0,5% a favor do Hospital da Misericórdia de Setúbal, situação que acabou com os entraves que se verificavam no movimento do porto. 1970 - O Porto de Setúbal foi visitado pelo Engenheiro D. Gerardo Alvarez de Miranda, da Direcção-Geral dos Portos de Espanha, acompanhado pelo Presidente da Junta

1974 - Consumada a Revolução de 25 de Abril, assistiu-se a alterações na constituição da Junta Autónoma do Porto de Setúbal, de acordo com a nova legislação. 1975 - A partir de 31 de Agosto, o Distrito de Recrutamento e Mobilização nº 11 (DRM 11) passou a ser designado por Distrito de Recrutamento e Mobilização de Setúbal (DRMSE), então instalado em dois edifícios, um na Praça de Bocage e outro na Rua Dr. Paula Borba.

Central dos Portos Dr. Manuel Henriques Gonçalves. Neste mesmo ano foram rece-

1975 - As docas secas entraram em funcionamento e a Setenave foi nacionalizada.

bidos os Deputados pelo Ultramar que, acompanhados pelas entidades oficiais de

1976 - Em 23 de Março, o Chefe do DRM de Setúbal solicitou que a área abrangida

Setúbal, realizaram uma visita às instalações do porto e observaram, num passeio flu-

por esta instituição militar correspondesse à área ocupada pelo distrito de Setúbal,

vial, todos os estabelecimentos e zonas de expansão industrial e de turismo.

para maior facilidade de gestão do tempo e do espaço nos aspectos burocráticos e

1971 - No dia 31 de Março deslocou-se em visita de trabalho ao Porto de Setúbal o

práticos.

Ministro das Obras Públicas e das Comunicações Engenheiro Rui Sanches, acom-

1976 - O Parque Natural da Arrábida foi criado pelo Decreto-Lei nº 622/76, de 23 de

panhado do Secretário de Estado das Comunicações e Transportes Engenheiro

Julho, com o intuito de preservar os valores naturais, históricos, culturais e sócio-

Oliveira Martins e de diversas individualidades ligadas aos Ministérios das Obras

-económicos da região. 1978 - O Forte de Santa Maria da Arrábida foi entregue ao Parque Natural da Arrábida.

Públicas e das Comunicações. 1971 - A Setenave foi fundada em 27 de Maio, no estuário do rio Sado, para a construção de grandes navios.

1978 - Surgiu a primeira reforma do trabalho portuário, com a publicação do Decreto-Lei nº 145-A/78 que estabelecia as suas bases gerais. Simultaneamente, pelo

1971 - No dia 7 de Julho deslocou-se ao Porto de Setúbal o Presidente da República

Decreto-Lei nº 145-B/78, foi criado o Instituto do Trabalho Portuário com o objecti-

Almirante Américo Tomás, acompanhado por diversos membros do Governo que, a

vo de ordenar, disciplinar e fiscalizar as condições de prestação do trabalho portuário

convite da Sociedade Turística Ponta do Adoxe, SARL, exploradora dos transportes

a nível nacional.

e da Torralta - Clube Internacional de Férias SARL, inaugurou as carreiras fluviais do

1979 - No dia 6 foi baptizado o navio tanque «Nogueira» da Soponata. Era a con-

rio Sado com embarcações do tipo “hovercraft”, destinadas a servir o complexo turís-

cretização do grande “sonho”: um navio, totalmente construído nos estaleiros da

tico em construção na península de Tróia.

Setenave.

1972 - No dia 8 de Abril deslocou-se em visita de trabalho ao Porto de Setúbal o

1979 - I Encontro de Turismo Distrital de Setúbal.

Secretário de Estado da Indústria Engenheiro Rogério Martins que viu os locais e o

1980 - Em Fevereiro foi criada a ANESUL, então designada por Associação dos

andamento das obras respeitantes à unidade industrial da firma PROPAM -

Agentes de Navegação e Empresas de Tráfego e Estiva do Sul, hoje denominada por

- Consórcio Português de Panificação SARL, na Cachofarra e a zona de construção

Associação dos Agentes de Navegação e Empresas Operadoras Portuárias - ANE-

dos estaleiros navais da SETENAVE, na Mitrena.

SUL.

1973 - Pelo Decreto-Lei nº 126/73, de 24 de Março foi eliminada a taxa de 0,5% ad valorem sobre todas as mercadorias importadas pela barra de Setúbal. 1973 - No dia 8 de Maio o Presidente da República, Almirante Américo Tomás visitou também as futuras instalações da SETENAVE e, em 26 de Maio, voltou a deslocar-

1980 - Em 5 de Novembro foi criado o Batalhão do Serviço de Saúde pelo Despacho 100/REO, do Chefe do Estado-Maior do Exército, General Pedro Alexandre Gomes Cardoso, ficando a sua sede no convento de Brancanes em Setúbal. 1980 - A Renault Portuguesa, SIC, SARL manteve em Setúbal uma linha de montagem

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de automóveis até 1998.

Comunicações, visitou também este cais cujas obras se encontravam ainda na

1980 - Ao abrigo do Decreto-Lei nº 613/76, de 27 de Julho, foi criada a Reserva Natural do Estuário do Sado, pelo Decreto-Lei nº 430/80 de 1 de Outubro. 1981 - Iniciaram-se estudos preliminares para a realização do “projecto da sede da Junta Autónoma”, a implantar na zona central do Porto de Setúbal. O projecto final foi

primeira fase. 1988 - O Estatuto do Pessoal das Administrações dos Portos (EPAP) foi aprovado pelo Decreto-Lei nº 101/88, de 26 de Março que previa a passagem das Juntas Autónomas a Administrações dos Portos. 1988 - Foi lançado o concurso para a 2ª fase da construção do Terminal Roll-On

concluído em 1983. 1983 - Iniciaram-se na Direcção-Geral dos Portos, com a colaboração da Junta Autónoma do Porto de Setúbal, os estudos essenciais à consecução do Plano Geral do Porto de Setúbal tão necessário para a efectivação das obras de que este porto

Roll-Off. 1988 - Foi constituída a PORTGEST - Gestão Portuária (Setúbal), organismo de índole privada que substituiu o CCTPS. 1989 - O Decreto-Lei nº 376/89, de 25 de Outubro, extinguiu a Junta Autónoma do

carecia. 1983 - Pela Portaria 246/83 de 17 de Março foi criada a Região de Turismo da Costa Azul.

Porto de Setúbal e criou, em sua substituição, a Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra, com a designação de APSS e aprovou o Estatuto Orgânico desta

1984 - Foi comemorado em Setúbal sob a temática “A cidade e o rio”, no dia 7 de Julho,

Administração, com entrada em vigor a partir de 1 de Novembro.

o “Dia da Marinha” a que a Junta Autónoma se associou com a instalação, na Feira

1989 - O edifício da Sede da JAP foi concluído, quando esta já fora extinta.

de Santiago, de um pavilhão demonstrativo do “Plano Geral” e projectos das obras

1991 - Embora a conjuntura económica fosse menos favorável, ficou concluída a 1ª

que pretendia realizar no futuro, nomeadamente a construção de diversos cais

fase dos trabalhos de estudo do Ordenamento e Expansão e iniciada a apreciação,

acostáveis.

por parte do Conselho de Administração, do início da 2ª fase dos trabalhos.

1984 - Por determinação do então Ministério do Mar, aconteceu uma nova reforma no sector portuário através dos Decretos-Lei n 282-A/84 e 282-C/84 e ainda pelo os

1991 - Em 23 de Abril, com a sua congénere espanhola ANESCO, foi criada a FIMOP (Federação Ibérica de Empresas Estivadoras e Agentes Marítimas).

Decreto Regulamentar nº 63-B/84, nos quais se estabeleciam o âmbito e a organi-

1991 - O Forte de Santa Maria da Arrábida passou a albergar o Museu Oceanográfico.

zação administrativa do trabalho portuário, a forma de recrutamento dos traba-

1992 - Prosseguiram os estudos do “Modelo Físico e Matemático do Estuário do Sado”

lhadores portuários, os respectivos contingentes e o seu regime jurídico. 1985 - Na sua visita oficial a Portugal a Rainha de Inglaterra embarcou no Iate Real “Britannia”, acostado no Cais nº 3 do Porto de Setúbal, no dia 25 de Março. 1985 - Em Novembro realizou-se o último concurso público para a 1ª fase da construção de um terminal Roll-On Roll-Off e foi feita a adjudicação da obra.

e iniciou-se o processo de lançamento da empreitada “Modernização da Doca de Pesca”, tendo ficado concluído o projecto de execução. 1992 - Foram concluídas as obras da 1ª fase do Terminal de Contentores, de modo a permitir a sua utilização. 1993 - Pelo Decreto-Lei nº 324/93 de 25 de Setembro, a Alfândega de Setúbal voltou a

1986 - Pelo Decreto-Lei nº 348/86, de 16 de Outubro, foi extinta a Direcção-Geral de

ser independente e, no âmbito do artigo 40º, Hierarquização, passou a ter sob sua juris-

Portos e criado o Instituto Nacional de Portos e Costas Marítimas (INPCM) que tinha

dição os postos de Beja, Carrascas e Petrogal e ainda, de acordo com o artigo 41º, a

como finalidades essenciais a assessoria do Ministro da Tutela. 1987 - Em 22 de Maio os Secretários de Estado das Vias de Comunicação e das Pescas visitaram os portos de Sesimbra e de Setúbal. De Sesimbra, onde analisaram as obras em curso, seguiram para Setúbal, por via fluvial, onde tomaram contacto com os empreendimentos e as obras que aqui estavam a realizar-se, nomeadamente as

abarcar os distritos de Beja, Évora e Setúbal. 1993 - Foram concluídos os trabalhos do estudo de ordenamento e de expansão do Porto de Setúbal. 1994 - Desenvolveu-se o projecto de execução das infra-estruturas do Terminal de Contentores/Plataforma Multimodal.

do cais Roll-On Roll-Off. Em 19 de Dezembro, o Primeiro-Ministro Professor Doutor

1995 - A Auto Europa iniciou a sua actividade de montagem de automóveis em Setúbal.

Aníbal Cavaco Silva, acompanhado do Ministro das Obras Públicas, Transportes e

1998 - O estatuto orgânico de Instituto Público foi transformado em Sociedade

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Anónima, através do Decreto-Lei nº 338/98, de 3 de Novembro. 1998 - A VW Autoeuropa estabeleceu um Sistema de Gestão Ambiental de acordo com os requisitos do ISO14001. Esta empresa encontra-se entre o reduzido grupo de fábricas sedeadas em Portugal que já atingiram com sucesso a Certificação ISO14001.

2001 - Foram realizadas uma simplificação e uma facilitação do uso do tarifário da APSS SA no sentido da redução do número de taxas, mantendo a receita total da autoridade portuária actualizada a 3,8%. 2001 - Foi criada a Agência Portuguesa do Transporte Marítimo de Curta Distância, com sede em Setúbal. A APSS aderiu ao Programa Pró-Sado, li-

2000 - O Plano de Ordenamento e de Expansão dos Portos de Setúbal e de Sesimbra foi concluído.

derado pela Associação Empresarial da Região de Setúbal (AERSET) e criou o Departamento de Ambiente. Foram aprovadas as propostas para a

2000 - Foi concluído o projecto SIPSet, iniciado em 1997 e financiado em 85% através do Fundo de Coesão.

atribuição do estatuto de duas linhas regulares no Porto de Setúbal, no segmento Roll-On Roll-Off, foi lançado o concurso de concessões da travessia

2000 - Uma outra associação dos agentes de navegação de Portugal, a AGEPOR, estabeleceu a sua delegação em Setúbal.

fluvial do Sado e prosseguiu a negociação com o IEP para a construção do troço rodoviário de ligação de Praias do Sado-EN 10-4.

2000 - A Portucel Industrial adquiriu, através do Centro Fabril de Setúbal, a maioria do

2003 - No dia 17 de Março foram inaugurados um novo Terminal Multiusos e uma

capital da Papéis INAPA SA, que já consumia cerca de 33% da produção de pasta

Plataforma Multimodal no Porto de Setúbal, inseridos nos objectivos de melhoria da

ali produzida.

oferta portuária definidos no Plano de Ordenamento e Expansão do Porto de Setúbal.

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Siglas

EPAP - Estatuto do Pessoal das Administrações dos Portos EPCR - Esquema Portuário Complementar de Reformas

ACAP - Associação de Comércio Automóvel Portuguesa

ETP - Empresas de Trabalho Portuário

ACMS - Arquivo da Câmara Municipal de Setúbal

FAC - Fundo Almeida Carvalho

ADS - Arquivo Distrital de Setúbal

FACIM - Feira Internacional de Maputo

AGEPOR - Associação dos Agentes de Navegação de Portugal

FIMOP - Federação Ibérica de Empresas Estivadoras e Agentes Marítimas

AIMA - Associação Industrial de Montagem de Automóveis

FN - Fundo Notarial

AMN - Autoridade Marítima Nacional

FNAT - Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho

ANESCO - Asociacion Nacional de Empresas Estribadoras Y Consignatárias

FNSTP - Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores Portuários ICN - Instituto de Conservação da Natureza

de Buques ANESUL - Associação dos Agentes de Navegação e Empresas Operadoras

IEP - Instituto de Estradas de Portugal IMA - Indústria de Montagem de Automóveis

Portuárias. ANTT - Arquivo Nacional da Torre do Tombo

INAPA - Indústria Nacional de Papéis

AOPS - Associação Marítima e Portuária do Sul

INE - Instituto Nacional de Estatística

APSS - Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra

INPCM - Instituto Nacional de Portos e Costas Marítimas

APSS, SA - Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra, Sociedade

INPP - Instituto Nacional de Pilotagem dos Portos IPE - Investimentos e Participações do Estado, S.A

Anónima ASD - Arquivo Saupiquet/Delory

ITP - Instituto de Trabalho Portuário, agora: Instituto Portuário e dos

CAT - Centro de Alegria no Trabalho

Transportes Marítimos

CCT - Contrato Colectivo de Trabalho

JAOPS - Junta Autónoma das Obras do Porto de Setúbal

CCTP - Centro Coordenador do Trabalho Portuário

JCP - Junta Central dos Portos

CCTPS - Centro Coordenador do Trabalho Portuário de Setúbal (já extinto)

LNEC - Laboratório Nacional de Engenharia Civil

CELNORTE - Celulose do Norte, SARL

MAEDS - Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal

CELTEJO - Celulose do Tejo, SARL

MES - Ministério do Equipamento Social

CITRI - Centro de Tratamento de resíduos industriais

MTS - Museu do Trabalho de Setúbal

CMS - Câmara Municipal de Setúbal

OGE - Orçamento Geral do Estado

CRICEL - Comissão de Reestruturação da Indústria de Celulose

OID - Operação Integrada de Desenvolvimento

CUF - Companhia União Fabril

ORTs - Organizações Representativas dos Trabalhadores

DGAM - Direcção - Geral da Autoridade Marítima

PIDDAC - Programa de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da

DGP - Direcção Geral dos Portos

Administração Central

DRALVT - Direcção Regional do Ambiente de Lisboa e Vale do Tejo

PNA - Parque Natural da Arrábida

DRM - Distrito de Recrutamento e Mobilização

PNTN - Programa Nacional do Turismo da Natureza

DRMSE - Distrito de Recrutamento e Mobilização de Setúbal

PORTGEST - Organização bipartida entre trabalhadores e entidades patronais

DR - Diário da República

QPMM - Quadro do Pessoal Militarizado da Marinha

DRR - Distrito de Recrutamento e Reserva

RTCA - Região de Turismo Costa Azul

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SAM - Sistema de Autoridade Marítima

SWOT - Strenghts Weaknesses Opportunities Threats

SAPEC - Société Anonyme de Produits et Engrais Chimiques du Portugal

TAB - Tonelagem de Arqueação Bruta

SARL - Sociedade Anónima de Responsabilidade Limitada

TAB/AB - Tonelagem de Arqueação Bruta/ Arqueação Bruta

SECIL - Sociedade de Empreendimentos Comerciais e Industriais, Lda

T.B. - Tonelagem Bruta

SEUR - Sociedade de Electrificação Urbana e Rural

TUP - Taxa de Uso do Porto

SIG - Sistema de Informação Geográfica

VCA - Vehicle Certification Agency

SIPSet - Sistema Integrado de Informação do Porto de Setúbal

VTS - Vassal Traffic Systam

SOCEL - Sociedade Industrial de Celuloses, SARL

VW - Wolkswagen

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CORRÊA, J. Cândido - Memória sobre a indústria da pesca em Portugal, Lisboa, Tip. Freitas Brito Lda, 1927. (I Congresso de Pesca e Conservas, a realizar na

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cidade de Setúbal, em Dezembro de 1927) - Pasta do Congresso. COSTA, Augusto Ramos da - A necessidade de conhecimentos oceanográficos para o fomento da indústria da pesca, Setúbal, Tip. Mascarenhas & Guerreiro

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