Quinzenalmente com o POSTAL em conjunto com o EXPRESSO
ABRIL 2018 | n.º 114 7.356 EXEMPLARES
www.issuu.com/postaldoalgarve D.R.
Filosofia dia-a-dia:
D.R.
Necrópole Megalítica de Alcalar: 20 anos de socialização do património arqueológico. p. 9
Transgredir é preciso!
p. 3
Reflexões sobre o urbanismo: D.R.
O Litoral do Algarve: incoerências e desafios p. 4 Letras e leituras:
D.R.
D.R.
A Febre das Almas Sensíveis de Isabel Rio
p. 5
Marca d água: D.R.
Manuel Alegre em Olhão p. 2
Árvore Europeia do Ano 2018 – uma árvore portuguesa com história p. 8
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06.04.2018
Cultura.Sul
Editorial
Missão Cultura
Duas povoações unidas pelo tempo...
Saúde e Cultura evocam em parceria a história do Algarve D.R.
Direção Regional de Cultura do Algarve
Milene Alves Maria / Henrique Dias Freire Jornalista
milenealvesmaria.postal@gmail.com
O Festival do Contrabando veio para ficar, o êxito da primeira edição, em 2017, motivou quem o organiza a fazer mais e melhor, caso houvesse dúvidas foram aniquiladas. As duas margens foram unidas por uma ponte flutuante, e a curiosidade de centenas de estrangeiros e nacionais fez com que se deslocassem até Alcoutim ou Sanlúcar de Guadiana para conhecerem a famosa ponte. É caso para dizer que com pouco se faz muito. Não foi preciso um grande investimento económico para consolidar este festival, mas, foi sim, o trabalho em conjunto, a força de vontade para fazer mais e melhor e, claro, a união entre dois países vizinhos que juntos transformaram o Festival do Contrabando numa atracção a nível internacional. D.R.
O ano de 1918 foi um ano repleto de acontecimentos marcantes para a Humanidade. Foi marcado pela gripe espanhola (pneumónica). No mês de novembro, desse mesmo ano, dá-se o fim da Primeira Guerra Mundial, e no Algarve, em setembro tinha sido inaugurado o Sanatório Carlos Vasconcelos Porto, em São Brás de Alportel, estabelecido na região para cuidar dos funcionários dos Caminhos de Ferro Portugueses que padeciam de tuberculose. A cultura é o conjunto de formas e expressões que caracterizarão no tempo uma sociedade determinada Neste que é o Ano Europeu do Património Cultural, em regra é o património monumental que é imediatamente aludido em momentos celebrativos, todavia, a história e a cultura de um povo é constituída por várias dimensões: 1) que decorrem frequentemente de acontecimentos mais ou menos globais, por vezes, catastróficos e responsáveis por mudanças profundas nos locais e na sua forma de organização; 2) que resultam de uma evolução científica ou tecnológica, que vem possibilitar o desenvolvimento de no-
Celebração de protocolo para a realização de ciclo de conferências vas respostas à sociedade e aos seus problemas; 3) ou que até podem decorrer de personalidades ou novos equipamentos, e infraestruturas que originam propostas de inovação com vista à construção de um novo futuro. Este discurso aparentemente inusitado está na base da cooperação que se estabeleceu e desenvolveu entre a saúde e a cultura e que está na origem de um protocolo que se firmou, no dia 29 de março de 2018, e que tem associado um ciclo de conferências e uma exposição em que se procura:
- Evocar o Centenário do fim da I Guerra Mundial; - Celebrar o Centenário da inauguração do Sanatório de São Brás de Alportel; - Dar a conhecer os efeitos da Pneumónica que há 100 anos também nos afectou de forma profunda. Uma parceria que pretende evocar, não celebrar, estes acontecimentos transpondo-os para a atualidade, como forma de aprendizagem, acreditando que aprender com o passado para pensar o presente e construir o futuro é o que a história nos lega.
A investigação desenvolvida a partir da documentação de arquivo, os espólios de objetos associados à prática da medicina, mas também o estudo da arquitetura associado aos novos equipamentos hospitalares reúnem uma vasta informação que importa dar a conhecer de forma mais alargada. Decorridos 100 anos parece-nos, assim, que sob a égide do centenário vale a pena repensar o que se aprendeu com estes acontecimentos que marcaram a História, quer a nível mundial, quer a nível regional, quais as marcas que a História nos deixou e se refletem na forma como vivemos o presente. Sem a história e o maior conhecimento dos factos passados ser-nos-á difícil perceber onde nos encontramos hoje e como chegámos até aqui. Uma abordagem colectiva e sistémica da cultura exige-nos um trabalho contínuo de abertura e integração de novas preocupações e temáticas na nossa ação. A actividade da Direção Regional de Cultura do Algarve ganha assim uma dinâmica reforçada na sua extensão cultural e um olhar alargado sobre outros domínios de actividade que interessam a toda a sociedade civil. Do alargado leque de convidados, destacam-se a participação em abril de Francisco George, em maio de Paulo Providência, em setembro de Fernando Rosas e em novembro de Vilhena Mesquita, entre outros. Esperamos assim que este ciclo seja um primeiro passo para outras iniciativas futuras! l
Juventude, artes e ideias
Manuel Alegre em Olhão
Jady Batista Coordenadora Editorial do J
Em abril, Olhão evoca a Revolução dos Cravos, assinalando os seus 44 anos com uma das vozes que mais se ouviu na luta pela liberdade - Manuel Alegre. Manuel Alegre possui uma vasta obra literária que tem sido amplamente difundida e aclamada. Foram-lhe atribuídos os mais distintos prémios literários, como o Prémio de Consagração de Carreira da Sociedade Portuguesa de Auto-
res, e em 2017, o Prémio Camões, sendo um dos nomes referenciados como um potencial Prémio Nobel. Nascido em Águeda, em 1961, foi mobilizado para Angola. Passou seis meses na Fortaleza de S. Paulo, em Luanda, preso pela PIDE, onde escreveu grande parte dos poemas do seu primeiro livro, Praça da Canção. Destacado como Autor do Mês na Biblioteca Municipal José Mariano Gago de Olhão, Manuel Alegre estará, no dia 14 de abril, pelas 15 horas, no auditório da biblioteca olhanense para um encontro com os seus leitores e admiradores. No mesmo dia, pelas 17 horas, terá lugar nos Mercados de Olhão, uma tertúlia poética, em jeito de homenagem, onde serão lidos textos do autor, na presença do mesmo. l
LUIZ CARVALHO
Manuel Alegre é o autor do mês de Abril na Biblioteca de Olhão
Cultura.Sul
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Filosofia dia-a-dia
Transgredir é preciso! FOTOS: D.R.
Maria João Neves Ph.D Consultora Filosófica
O maior tesouro do homem é a sua divina insatisfação Ortega y Gasset Há lá coisa que saiba melhor do que infringir um bocadinho as regras! É assim como que uma marotice de miúdo pequeno... Pode ser entrar em sentido contrário numa rua do parque de estacionamento para alcançar um lugar, passar um semáforo em verde tinto, ou abrir um presente de aniversário que chegou antes do tempo, para o tornar a fechar como se não soubéssemos o que contém. Longe vão os tempos de lançar mão à fruta num campo alheio, ou de deixar roubar um beijo num arrepio do coração! Por que será que as transgressões sabem tão bem? Lá diz o ditado: “o fruto proibido é o mais apetecido.” Há qualquer coisa de desafio que acorda o espírito aventureiro que há em nós. O empinar de cadeiras para chegar ao pote da marmelada, não é apenas gulodice, pois não? Às vezes não sabemos exactamente o que queremos e no entanto já sentimos cá dentro um impulso para sair do lugar onde estamos. É um impulso na direcção do desconhecido, mas não totalmente. A alma inquieta sente intensamente a chamada desse lugar ignoto com o qual estabelece um contacto, ainda que precário, uma notícia que pode não ser mais que um vislumbre. No entanto, esse indício pode ser suficiente para iniciar a mudança, sobretudo se nos sentimos incómodos, sem espaço vital, na realidade que nesse momento habitamos. Porém, é importante distinguir a inquietude que surge do anseio de ir mais além, da actividade estéril. Essa vontade de estar em todas as partes, de actuar onde quer que seja, não estando verdadeiramente focado em coisa nenhuma. A actividade pela actividade acaba por afundar a vida humana. Falta-lhe um mínimo de realidade na qual se possa apoiar, falta-lhe um alvo para o seu anseio. Este afã de mudança, de abertura, é contrabalançado por uma força de resistência da qual nos apercebemos melhor em situações de insatisfação elevada. Nesses momentos podemos entrever um núcleo de calma, de quietude, que María Zambrano denomina como uma “espécie de raíz da nossa alma” que subjaz à inquietação. É este fundo que nos permite suportar a adversidade e graças ao qual podemos
A vida, mesmo a mais regrada, tem momentos de dispersão esquecer. O esquecimento é fundamental para a continuação da vida. A manutenção em presença de tudo o que acontece ou que já aconteceu, não deixaria nenhum espaço à surpresa dos instantes vindouros. O homem é o ser que padece a sua própria transcendência. María Zambrano A vida, mesmo a mais regrada, tem momentos de dispersão. Por muito que se deseje a harmonia e a unidade, o processo para lá chegar implica desvios, erros, contradições. Estas contradições inerentes à vida devem-se à outra nota que a configura: o seu inacabamento. Tal como uma melodia, a vida nunca está dada de uma vez e por inteiro. É um desenrolar-se, é um processo, um movimento. Por seu lado, o ser humano é um ser em aberto, constitutivamente inacabado. O homem precisa de uma visão
de si mesmo e dos horizontes que se abrem a cada nova direcção da esperança. A esperança é o nosso modo de estar abertos ao tempo futuro. Quando nos sentimos desesperançados o horizonte fecha-se, mal podemos respirar! Por isso mesmo a vida sem esperança torna-se impossível. Ter esperança implica a capacidade de esperar. Espera-se a concretização de um desejo num futuro mais ou menos próximo. Às vezes quem espera desespera! É então que acontecem os retrocessos ou as desistências. Consta-se que mudar é demasiado doloroso e escolhemos regressar à nossa zona de conforto, à modorra dos dias, à monotonia das horas, à pseudo-segurança do por demais conhecido. Existem muitas maneiras possíveis de se des-viver, esta é uma delas! Coexistem em nós duas forças contrárias: a conservação e a mudança. Uma parte de nós vigia e vela para que nada se modifique, num instinto
de sobreviver, mantendo aquilo que já se é. Porém, outra parte de nós sabe que o seu lugar não é ainda aquele onde agora se está, e há que continuar a andar o caminho, sofrendo as metamorfoses que este exige. Constitui um trabalho árduo dispor-se a viver plenamente, porque a vida plena implica o esforço de se tentar conhecer a si próprio. Contudo, muitas vezes, vivemos distraídos desta tarefa fundamental! Só quando persiste no esforço do auto-conhecimento é possível que o homem se liberte de raiz de uma existência alienada, uma vida como personagem, passando a nutrir-se de verdade, vivendo como pessoa. A personagem é a máscara com a qual se enfrenta a vida em todos os seus aspectos, o trato com as coisas e a relação com os outros. São os diferentes papéis do indivíduo, as funções que representa ao lidar com os demais. Esta personagem proporciona-nos segurança e tranquilidade devido à suposta certeza de sabermos quem somos quando desempenhamos um papel ou uma função, quando somos o filho de alguém ou se está em posse de um determinado título. Existe uma tendência natural para que cada um se identifique com a função que desempenha na sociedade. Dessa forma, possuímos um nome e uma figura que são reconhecíveis por todos. No entanto, se retiramos todos esses “conteúdos” que compõem a nossa máscara que sobra? Saberemos reconhecer-nos a nós próprios? Talvez não seja tarefa fácil... A pessoa é o indivíduo autêntico quando consciente da sua singularidade, e é tarefa de todo homem procurar conhecer a sua individualidade, pois o seu ser não lhe é completamente revelado, pelo con-
trário, vive normalmente oculto. Se pretendemos tornar-nos transparentes para nós mesmos, revelar-mo-nos, isso não se consegue enunciando aquilo que fizémos ao longo da vida, os lugares que ocupámos, os prémios que eventualmente recebemos, etc. A pessoa não se identifica com todas estas personagens e seus diversos papéis ou funções, porque está mais além de tudo isso! Por este motivo é imprescindível empreender a busca da sua pessoa para que se possa acolher a verdade que reside no interior profundo de cada um de nós, e configurar a vida de acordo com ela. Se assim não se fizer, teremos desperdiçado o nosso tempo e, consequentemente, ter-nos-emos perdido a nós próprios! O problema reside em que este ser que somos encontra-se para lá da notícia que dele temos, está permanentemente a construir-se e a destruir-se, modificando-se. Por este motivo, a imagem que temos de nós próprios nunca é a adequada. Estamos sempre para além do sítio em que julgamos estar, na realidade, vivemos em transgressão! É neste sentido que María Zambrano define o homem como o ser que padece a sua própria transcendência. Não se lhe consegue aceder de uma vez por todas. Alcançá-lo implica uma tensão, um estar para lá de si mesmo, em rigor, significa ter consciência daquilo que ainda não se é e criar o vazio, fonte de possibilidades para que algo passe a ser. Quem não sente dentro de si uma fome de nascer completamente? Um desejo inexorável de levar à plenitude o ser que somos? Então, é preciso transgredir para transcender! Inscrições para o Café Filosófico: filosofiamjn@gmail.com l
Existe uma tendência natural para que cada um se identifique com a função que desempenha na sociedade
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06.04.2018
Cultura.Sul
Reflexões sobre urbanismo
O Litoral do Algarve: incoerências e desafios FOTOS: D.R.
Teresa Correia
Arquitecta / urbanista arq.teresa.correia@gmail.com
O litoral algarvio: desequilíbrios Territoriais Será certamente uma evidência que a nossa maior riqueza em termos regionais é o litoral algarvio, tanto pela sua beleza natural, como pela sua riqueza biofísica, provocando uma atratividade turística. Verifica-se, porém, que apesar desta bênção, no Algarve, nada se tem feito de verdadeiramente relevante para que possamos assegurar a sua sustentabilidade para as gerações futuras. Os investimentos públicos de reabastecimento de areias em praias cuja dinâmica é complicada são poucos e cirúrgicos, as infraestruturas de suporte das praias são escassas face à procura, com fracas acessibilidades pedonais e rodoviárias, desordenadas tantas vezes. A questão sísmica e a erosão costeira revelam ainda mais as debilidades da nossa costa, devendo ter uma atenção especial. A questão do ordenamento do litoral continua a ser uma tarefa difícil
das ilhas barreiras no Município de Faro, constatam-se pelo menos quatro situações distintas: a Praia de Faro, área desafetada do Domínio Público Marítimo, fustigada frequentemente por eventos de risco; a Culatra, com estatuto de reestruturação do aglomerado; os Hangares com proposta de renaturalização; e o Farol, dividido em dois, um que foi permitido construir com licenças anuais e outro a renaturalizar. Para além destas situações, ainda temos a Ilha da Armona, a qual foi objecto de uma Concessão de Espaço Público à Autarquia. Perante tão díspares opções de gestão e de planeamento, é legítimo que as populações questionem porque é que é a minha casa que tem de ir a baixo? É uma questão da mais elementar justiça, que é saber quais os critérios que estão subjacentes à lógica de planeamento que obriga à renaturalização e outros que não. O Estado Atual do Nosso Planeamento no Litoral Os valores a defender no ordenamento do nosso litoral são da maior importância porque a segurança das populações e a continuidade do nosso sistema lagunar, por exemplo, revelam questões fundamentais que não poderemos ignorar, sob pena de um dia o mar provocar danos difíceis de suportar. A coordenação e a compatibiliza-
incomportável para uma autarquia, para além de politicamente desastroso. Assim, por mais estudos que se façam, ou Planos de Pormenor para esta parte do território, estes dificilmente serão levados a sério, a não ser que produzissem espaços conquistados ao mar, o que teria de ser assumido pelo Estado, como a única alternativa viável. A Revitalização de Actividades Económicas Próprias do Algarve
Questão sísmica e erosão costeira revelam debilidades da costa forte discussão sobre as mesmas. Por outro lado, não poderão deixar de ser regulamentados até julho de 2020, dado que dá direito a suspensão das normas do PDM que possam estar em contradição, para além da perda de acesso aos fundos comunitários por parte dos municípios. Porém, a revisão dos Planos Especiais não está implícita nesta transposição das normas, podendo ser necessário uma segunda adaptação do PDM de 2ª geração logo após a sua publicação, já com uma nova proposta. A alternativa a esta realidade é nunca existir uma verdadeira revisão dos Instrumentos de Gestão Territorial da Orla Costeira e ficar só pela sua mera transposição. Estamos num tempo de oportunidade para o planeamento, pelo que, como algarvia, sinto a necessidade de apelar aos governantes que os nossos instrumentos de gestão territorial a nível regional, reflitam ambição e valores para o nosso território, com uma estrutura lógica coerente e integradora de vontades, resultado também de uma participação efetiva das populações.
acentuadas também pelo aumento da frequência das tempestades resultado das alterações climáticas, caraterizadas por uma violência tal, que somos confrontados com o transporte radical das areias para outras paragens. As proteções físicas na costa com molhes ou barreiras pesadas serão uma alternativa, mas muito cara e provocadora de impactes ambientais muito significativos ainda não totalmente estudados, tanto no sistema dunar das restantes ilhas, como também sobre a abertura de barras, e no próprio sistema lagunar, etc. A zona desafetada da Praia de Faro é um espaço privilegiado de beleza
Não se poderá conceber uma aposta no Turismo de Qualidade sem que haja uma conformidade deste com a natureza e com a procura turística. Os valores de sustentabilidade ambiental serão fundamentais na procura das atividades a regenerar. As estruturas de exploração salineira em Castro Marim são um exemplo desta recuperação da nossa identidade cultural e um estímulo à procura de novos produtos turísticos. Será de salutar importância a identificação das atividades que são elementos da nossa cultura e que devemos valorizar. Os portos de abrigo para a pesca tradicional dentro das normas de proteção ambiental são uma necessidade para a nossa comunidade local, que nem sempre tem tido o espaço adequado. Os próprios portos comerciais,
Praia de Faro: Um Caso Complicado
É urgente refletir, planear e investir na orla costeira do Governo, praticada por vezes, sem grande equilíbrio, e justa medida e no caso das autarquias os casos existentes de gestão camarária são de pouca qualidade. Apesar da Universidade do Algarve possuir um profundo e meritório conhecimento científico, parece que os governantes tardam a tomar decisões, sendo um motivo de luta permanente, entre população local e governantes e sem uma forma sensata de produzir um pensamento comum e estratégico para o Algarve. Quanto aos aglomerados urbanos
ção do ordenamento e da gestão do espaço marítimo nacional com as políticas de desenvolvimento económico, social, de ambiente e de ordenamento do território, será a tarefa mais exigente e árdua em termos políticos. É urgente refletir, planear e investir seriamente na orla costeira e no espaço marítimo. Com a revisão dos PDM's no Algarve, os Planos Especiais, como o POOC e o POPNRF serão vertidos nas suas normas para o regulamento municipal do PDM, sendo esta transposição uma imposição, sem que haja uma
Como ex-vereadora dos últimos mandatos em Faro, posso referir que participei ativamente no planeamento dentro do âmbito do PDM, com a constituição de aglomerados urbanos nas Ilhas Barreira, e com a preparação de um Plano de Pormenor para a Praia de Faro, que apesar de profundamente justificado por documentos técnicos como do LNEC e da Universidade do Algarve, nunca chegou sequer a ser discutido. A Praia de Faro possui uma exposição ao mar que lhe é desfavorável, tendo por outro lado, sido cortada a migração de sedimentos do lado nascente devido ao pontão de Vilamoura e dos molhes de Quarteira. As dificuldades de manutenção da praia e das estruturas nesta área são
Salinas de Castro Marim são exemplo da recuperação cultural natural e de vivência da nossa população local, e na verdade, é um espaço urbano, por natureza, com comércio, equipamentos como o centro náutico, dinâmicas escolares, espaços de lazer, arruamentos, habitações, etc, pelo que, importa defender. A solução técnica da reconstrução dunar, no local onde ela já existiu seria a melhor forma de proteger as próprias casas, ou as que fossem possíveis de manter. Porém, essa solução técnica exigiria parcialmente demolições, a relocalização de habitações, e estruturas e tal é financeiramente
que parecem ter perdido importância, devem ser tratados com reflexão estratégica, para que não percamos a possibilidade de ancorar navios de maior porte, para além da relevante questão, se podemos ou não receber cruzeiros no Algarve. A fundamentação técnica das opções a tomar no planeamento do nosso Litoral é um requisito prévio para evitar soluções de aparente melhoria, mas que facilmente serão destruídas. A defesa do Algarve é uma necessidade de todos, os que residem cá e os que nos visitam. l
Cultura.Sul
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Letras e leituras
A Febre das Almas Sensíveis, de Isabel Rio Novo D.R.
Paulo Serra
Doutorado em Literatura na Universidade do Algarve; Investigador do CLEPUL
Não posso, antes de escrever sobre o livro, deixar de recordar uma amiga que me dizia que nunca, em várias tentativas, conseguiu persistir na leitura de A Montanha Mágica, pois a partir da página 100, e consoante a descrição do ambiente no sanatório se torna mais vívida, esta minha amiga é acometida por insistentes ataques de tosse numa qualquer reacção psicossomática que acabou por criar aversão ao livro. Mas não quero com esta história, um pouco solta, desdourar o prazer desta leitura. Isabel Rio Novo, doutorada em Literatura Comparada, nascida no Porto, lecciona Escrita Criativa e outras disciplinas no âmbito da arte, literatura, cinema, com alguns contos e outros romances publicados, sendo finalista do Prémio Leya por dois anos consecutivos, em 2016 com o Rio do Esquecimento, e em 2017 com este livro, publicado pela Dom Quixote. Na senda de outros autores re-
centemente apresentados, a autora cruza ficção com não-ficção, ensaio com documento, ciência com literatura, e inicia esta narrativa numa voz que enganosamente se assume na primeira pessoa, como um tuberculoso de vinte e três anos. Contudo, logo em seguida a narrativa é quase toda feita a partir de um narrador externo, desfiando a história de uma família portuguesa na primeira metade do século XX, composta por três irmãos. Mas este eu que surge logo no início do romance, percebemos que é afinal Armando, que mais tarde dará entrada no Grande Sanatório do Caramulo, o que não pode deixar de evocar a memória de Hans Castorp de Thomas Mann naquela que é uma das obras-primas da literatura mundial. Entretanto, este narrador na primeira pessoa refere, recorrentemente, uma «rapariga» que visitou «ruínas» e «coleciona histórias de tuberculosos» (p. 16), rodeada de páginas de documentos e ensaios, como o da «ideia romântica da tuberculose e os escritores portugueses que foram suas vítimas» (p. 16). A autora entretece a narrativa com um levantamento da tuberculose, um dos principais flagelos da época, ao mesmo tempo que faz uma apreciação sucinta da forma como a doença afectou escritores portugueses e brasileiros da altura, que padeceriam dessa doença ou seriam tocados pelas suas asas. Revivificam-se nestas páginas nomes como António Nobre ou Júlio Dinis.
Escritora foi finalista do Prémio Leya por dois anos consecutivos Para complicar um pouco mais, a narrativa está ainda pontuada por considerações históricas de como a doença foi sendo considerada ao longo do século, conforme o conhecimento sobre o seu diagnóstico e cura ia evoluíndo, com particular destaque para as citações extensas de um texto intitulado «Considerações sobre a morte, alinhavadas por R. N.» - note-se as iniciais, idênticas às do apelido da autora. A autora disserta em torno desta «peste branca», a «doença que todos receavam» (p. 92), considerando como inclusivamente a tuberculose era
muitas vezes vista, de início, como uma melancolia ou um torpor que acometia sobretudo os mais sensíveis, como poetas e escritores. «A tuberculose não era, afinal, a febre das almas sensíveis. Era a doença das multidões operárias das cidades, trabalhando mais do que o permitido por lei, amontoadas em mansardas sem esgotos, exaustas e mal alimentadas. Era a doença dos sobreviventes das guerras, estropiados, desnutridos, desprovidos de tratamento, deambulando pelas ruas com quadros graves de primoinfecção. Era a doença das sociedades
miseráveis. E Portugal era uma sociedade miserável.» (p. 92) A doença da tuberculose, ainda sem tratamento médico e farmacológico adequado, representa um mal maior, permitindo à narrativa efectuar um diagnóstico político e social de Portugal. Este romance, onde a febre se reveste de significados distintos, e causas diversas, como a da paixão ou a do fibrilar de uma mente mais sensível, mas sobretudo como sintoma de doença, é um retrato de uma época e de um país doente, mesquinho por vezes, apesar de se ter fechado em si para evitar flagelos exteriores como a Segunda Guerra, sob o jugo do punho forte ou tirânico de Salazar, que era aliás uma visita regular do Sanatório do Caramulo. A Guerra Civil de Espanha e a Segunda Grande Guerra, aliás, traziam para a serra portuguesa «tuberculosos abastados dos grandes sanatórios europeus» (p. 102), sendo a Madeira outro espaço eleito para a cura desta doença. Mas não se pense que se sai destas páginas com sintomas de tosse convulsa ou de algum sentimento de finitude secular mais adequado à morbidez ultra-romântica. Sai-se sim com a confirmação de que esta jovem autora é uma das novas vozes a reter na literatura portuguesa contemporânea. l
Um Gentleman em Moscovo, de Amor Towles D.R.
Livro foi considerado o melhor de 2016 por vários jornais Recomenda-se vivamente este livro da Dom Quixote que, curiosamente, foi publicado com uma requintada edição de capa dura, o que não é apanágio usual da editora (a não ser em edições especiais de algumas das mais recentes obras de António Lobo Antunes), além do uso da cor dourada sobre um fundo negro. Amor Towles nasceu em Boston, formou-se em Yale e o seu primeiro romance, publicado em 2011, foi
considerado como um dos melhores livros do ano pelo Wall Street Journal, traduzido para mais de 15 línguas e foram comprados os direitos de adaptação ao cinema. Este segundo romance, publicado em 2016, permaneceu 40 semanas no top de vendas do New York Times. Considerado o melhor livro do ano por diversas publicações e com os direitos de adaptação à televisão comprados em 2017, percebe-se o furor que o
livro tem provocado. O escritor trabalhou durante 20 anos como investidor e dedica-se agora exclusivamente à escrita. No dia 21 de Junho de 1922, o Conde Aleksandr Ilitch Rostov comparece no Kremlin perante a Comissão de Emergência do Comissariado do Povo para os Assuntos Internos, como que acusado de viver luxuosamente em tempos de mudança, onde a «classe ociosa» já não tem lugar nem um papel útil à sociedade. Perante o sonante nome desta personagem, somos transportados para as páginas dos livros de Tolstoi ou Dostoiévski, contudo, o que predomina desde as primeiras páginas não é uma alma torturada pela época, mas sim uma alma livre, espirituosa, irreverente (ou não se sentisse dono do mundo onde vive) e que vive de forma mais ou menos diletante no luxuoso Hotel Metropol, com hora marcada todas as semanas no barbeiro, tendo prioridade perante quem já lá está, e tomando as suas refeições no restaurante Boiarski, onde o cozinheiro se permite indignar
perante a capacidade do Conde conseguir detectar quais os ingredientes pobres que têm de ser utilizados como substitutos numa boa receita em tempos de carestia e de frugalidade. Há uma passagem que retrata bem o espírito desta leitura, como um libelo contra os tempos que se vivem: «É bem verdade que um homem pode sentir-se completamente desfasado do seu tempo. Um homem pode ter nascido numa cidade famosa pela sua cultura idiossincrática e, no entanto, não compreender minimamente os hábitos, modas e ideias que exaltam essa cidade aos olhos do mundo. Avança pela vida fora, olhando à sua volta num estado de desconcerto, sem compreender as tendências, nem as aspirações dos seus pares.» (p. 107) O humor e a ironia são claramente actuais: «embora os duelos tenham surgido como resposta aos crimes graves – deslealdade, traição e adultério -, em 1900 já tinham descido as escadas da razão em bicos dos pés e eram travados por causa da inclinação de um chapéu, da duração de um olhar ou da posi-
ção de uma vírgula.» (p. 60) O que não belisca o prazer da leitura nem diminui a perícia do autor no reviver e reconstruir de uma época. Aliás, as próprias notas do autor que surgem em rodapé são feitas na primeira pessoa do plural, como um “nós, os russos” que interage directamente com o leitor a partir do período retratado no livro. Esta é uma época dourada que está irrevogavelmente no seu ocaso e fazem do Conde Aleksandr um último sobrevivente. Ou talvez ainda haja surpresas? O que é certo é que este nosso herói, mesmo quando se vê forçado a viver o resto da sua vida no hotel, não esmorece na compostura de um digno cavalheiro nem perde o sentido de humor ou o gosto pela vida nos gestos e acções mais simples. A intriga tem alguns saltos narrativos que nos fazem acompanhar a sua vida no Hotel Metropol primeiro como um solteiro bon vivant e depois como pai adoptivo da filha de uma jovem com quem travou amizade quando ela própria ainda era criança. l
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06.04.2018
Cultura.Sul
Artes visuais
Podem as guerras 'inspirar' obras de arte? FOTOS: D.R.
Saul Neves de Jesus
Professor catedrático da UAlg; Pós-doutorado em Artes Visuais pela Universidade de Évora
Foi recentemente divulgado o programa de evocação do centenário da Pneumónica, da inauguração do Sanatório Carlos Vasconcelos Porto em São Brás de Alportel e do fim da 1ª Guerra Mundial. É uma iniciativa conjunta da Direção Regional de Cultura do Algarve, da Administração Regional de Saúde do Algarve, da Câmara Municipal de São Brás de Alportel e da Universidade do Algarve. Do conjunto de iniciativas previstas, destacaria a que se irá realizar no dia 9 de novembro na UAlg que diz respeito às “comemorações do centenário do fim da 1ª Guerra Mundial”. Mais do que comemoração, neste caso trata-se de evocar as memórias, para que as novas gerações possam aprender com os erros do passado A história é feita de acontecimentos marcantes, uns bons e outros maus, podendo a arte visual ajudar a manter vivas no presente as memórias do passado, ajudando a construir os caminhos do futuro. As guerras destacam-se de entre os acontecimentos marcantes na história de qualquer povo, havendo obras de arte que ajudam a compreender o que aconteceu em determinados períodos da história. Uma das obras de arte mais conhecidas que procura expressar o horror da guerra é a pintura “Guernica”, de Picasso, com a dimensão de 3,49m x 7,77m, exposta no Museu Reina Sofia, em Madrid. Esta é uma das principais obras de Picasso, constituindo uma “declaração de guerra contra a guerra e um manifesto contra a violência”, segundo alguns autores. Esta obra foi feita em 1937, sobre a Guerra Civil de Espanha, em particular sobre o bombardeamento da cidade espanhola de Guernica, a 26 de Abril de 1937, por aviões alemães, seguindo as ordens de Hítler em apoio ao ditador Francisco Franco. O repúdio de Picasso em relação a este bombardeamento, que destruiu edifícios e matou pessoas e animais indefesos, é expresso por apenas ter usado preto e branco, como que estando de luto. A focalização de Picasso na abordagem do sofrimento humano, durante este período da guerra civil espanhola, pode também ser encontrada noutros trabalhos seus, em particular nas pinturas “Mulher chorando” e “Mulher chorando com
Pintura 'Guernica', de Pablo Picasso (1937) lenço”, ambas de 1937. Neste ano de 1937 foram vários os artistas que expressaram o seu repudio pela guerra. Por exemplo, Horacio Ferrer na sua pintura “Madrid 1937 Aviões negros” representa o terror e a raiva das mulheres com os seus filhos nos braços, num ambiente de grande tensão e revolta em relação à guerra, em particular aos ataques dos aviões. De destacar o fato de, embora a guerra fosse fundamentalmente realizada entre homens, apenas aparecerem mulheres e crianças neste trabalho, procurando evidenciar o sofrimento que atinge também aqueles geralmente considerados mais frágeis e indefesos. Ainda de salientar que embora o título da obra e o olhar da personagem principal ser voltado para cima a reclamar, induzindo claramente para uma situação de bombardeamento feito por aviões, estes não aparecem neste trabalho, tal como acontece em “Guernica”. Também em 1937, o pintor catalão Miró fez o cartaz “Aidez l’Espagne” (“Ajudem a Espanha”), para apoiar a luta dos republicanos espanhóis, em que o perfil desenhado ilustra um grito semelhante aos perfis do quadro de Picasso. No entanto, no quadro de Miró temos o “grito” associado à “luta” (oposta à “fuga”) e com um sentido de vitória, simbolizada pelo punho gigante, traduzindo a atitude e a força dos republicanos na guerra civil espanhola. Esta expressão motivadora em situações de guerra pode ser encontrada em muitas outras obras, sendo a abordagem alternativa à expressão dramática dos horrores da guerra. Por exemplo, a pintura “A liberdade guiando o povo” representa a Revolução de Julho de 1830, com a queda de
Carlos X, em que a mulher que constitui a personagem principal desta pintura guia o povo por cima dos corpos dos derrotados, levando numa mão a bandeira tricolor da Revolução Francesa. Esta pintura inspirou a Estátua da Liberdade, em Nova Iorque, oferecida pelos franceses cinquenta
das quatro grandes esculturas que se encontram no Arco do Triunfo, em Paris, inaugurado por Napoleão para proclamar a glória da França. A importância desta imagem é reforçada pelo facto de ter vindo a ser depois utilizada nas moedas de dez francos. Infelizmente, algumas das guerras
Poster 'Aidez l’Espagne', de Miró (1937) anos depois. Uma versão gravada desta pintura foi destaque na nota de 100 francos do início dos anos 90. No âmbito da escultura destaca-se o trabalho de François Rude, “A Marselhesa” (1833-36), constituindo uma
representadas em obras do passado encontram versões na realidade contemporânea. Por exemplo, em 1824, Eugene Delacroix produziu a obra “O massacre de Constantinople”, representando o massacre de Quios, um
episódio da guerra da independência dos gregos contra os turcos, em que foram mortos cerca de 20 mil habitantes na ilha grega de Quios, sendo submetidos à escravatura os sobreviventes. Na atualidade, a ilha de Quios, na Grécia, volta a ser notícia pela situação em que se encontram os refugiados. Atualmente, a guerra é mais imprevisível nas suas manifestações, devido aos ataques terroristas, que ocorrem cada vez com maior frequência e gravidade, aumentando a insegurança das pessoas e a incerteza quanto ao futuro, parecendo que, não obstante a longevidade ser cada vez maior, a perspetiva temporal de futuro é cada vez menor. Como forma de sintetizar este aumento da incerteza e da insegurança na sociedade atual, realizámos a pintura em acrílico “Grito de sangue em atentado terrorista” (2010), com as dimensões de 4,00m x 2,10m. Esta pintura representa o comportamento limite do sujeito, gritando de forma desesperada, sentindo que não pode fazer nada, uma total impotência ou um total descontrolo, face à situação em que se encontra. Neste contexto, as pessoas focalizam-se cada vez mais no presente e nas questões imediatas que têm para resolver. O imediatismo e o consumismo encontram cada vez mais “espaço/ tempo” para prosperar nesta sociedade, em que as pessoas procuram distratores que permitam a aparente satisfação imediata das suas necessidades. Talvez a arte visual possa ajudar a parar no tempo e a refletir, aprendendo com o passado no presente... l
Cultura.Sul
06.04.2018
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Espaço AGECAL
‘Conferência Internacional sobre Gestão Cultural’ no 10º Aniversário da AGECAL
D.R.
Jorge Queiroz Sociólogo - AGECAL
jorge.queiroz1@gmail.com
A AGECAL vai organizar em Tavira, a 4 e 5 de Maio de 2018, uma Conferência Internacional sobre a Gestão Cultural, coincidindo com o seu 10º aniversário. Foi a 17 de Abril de 2008 que, em Tavira, 18 profissionais da cultura do Algarve, provenientes de Faro, São Brás de Alportel, Lagos, Tavira e Vila Real de Santo António decidiram dar início a um trabalho conjunto que completa agora uma década… A decisão de criar a associação resultou da identificação da necessidade de qualificar o desenvolvimento regional, integrando nele a dimensão cultural quase ausente do discurso sobre a região e ajudar à reflexão e formação socioprofissional. O diagnóstico de “Faro 2005 - Capital Nacional da Cultura” pusera em evidência fragilidades da região, carenciada de pensamento estratégico, de planeamento, de infraestruturas funcionando em complementaridade, também se constatou a escassez de estruturas profissionais e sobretudo de oferta de formação universitária e socioprofissional. A Gestão Cultural é a gestão de recursos culturais realizada de for-
ma científica, planeada, estruturada, originando programas territoriais em benefício das comunidades. Na óptica de serviço público deverá promover a formação de quadros imprescindível ao bom resultado dos projectos e à democratização da cultura As experiências e uso de novas infraestruturas detectara que os cursos em ciências sociais e humanas não originavam por si competências para a gestão cultural. Se por um lado, possibilitavam importantes conhecimentos teóricos e disciplinares, contudo, não forneciam a imprescindível visão interdisciplinar das ciências da cultura nem a dimensão prática da gestão de infraestruturas e projectos. Esta realidade abriu terreno ao autodidatismo, improviso e fenómenos de instrumentalização, reduzindo dimensões espirituais, simbólicas e de conhecimento. Aos profissionais desta área, como de qualquer outro domínio do conhecimento, exige-se sólida formação técnico-científica e experiência prática enquadrada por anos de aprendizagem. A proposta de 2009 à Universidade do Algarve para a realização de Cursos de Pós-Graduação e Mestrado em Gestão Cultural foi aceite e obteve bons resultados, com 38 alunos inscritos, parte deles concluíram o grau de mestre nos anos seguintes. O 1º Seminário realizado pela AGECAL em 2008 foi realizado na UAlg sob o tema “Que desenvolvimento cultural para o Algarve?”. Seguiram-se seminários sobre “concepção e gestão de infraestruturas
Conferência conta com a participação de especialistas de renome culturais”, “serviços educativos em espaços culturais”, cursos de jornalismo cultural em Loulé e Tavira, o “Barro Cal“ em 2017, uma festa-feira de gestão cultural aplicada em meio rural que foi acompanhada
do seminário “O campo como recurso cultural”. A AGECAL correspondeu a inúmeros convites de associações congéneres de outros países e entidades públicas regionais e man-
teve presença regular na imprensa regional com mais de 80 artigos publicados por profissionais de cultura. Entre 2008 e 2018 ocorreram transformações no País e no plano internacional, nomeadamente o acentuar da virtualização dos meios, a redução dos apoios públicos às actividades culturais, desemprego no sector, precarização do trabalho e emigrações. O campo cultural foi fortemente atingido, com o Ministério da Cultura substituído por uma secretaria de Estado e o orçamento do setor tal como hoje continua bem longe da meta de 1%, num País com mais de oito séculos de existência, com a quinta língua mais falada do planeta e uma cultura riquíssima. Nesta Conferência Internacional, a AGECAL irá promover análises sobre a evolução e perspectivas para o sector cultural, com a presença de especialistas nacionais e personalidades de outros países com larga experiência na gestão de recursos culturais, também com a possibilidade de assistirmos a painéis onde se abordará a actualidade de Portugal, Espanha, Brasil e Marrocos, debates sobre a investigação universitária do fenómeno cultural e a formação de profissionais para a cultura. A cultura é central para o desenvolvimento humano, a forma como é entendida e apoiada é barómetro do nível educativo e saúde dos sistemas políticos democráticos. A DIRECÇÂO DA AGECAL - Associação de Gestores Culturais do Algarve l
Espaço ALFA
Uma proposta diferente: descobrir a Ria Formosa de comboio D.R.
Carlos Cruz
Membro da Direção da ALFA
Em 2018, a ALFA - Associação Livre Fotógrafos do Algarve faz dez anos: a fotografar, a desenvolver projetos, a viajar e a alimentar a paixão pela fotografia. Recordo-me que foi há dez anos atrás num primeiro passeio fotográfico que
A ALFA convida a captar novas imagens da Ria Formosa a partir de passeios de comboio partimos para conviver e descobrir os encantos do património de Tavira. Dez anos depois, um renovado
grupo de amantes da fotografia experimenta um formato diferente. Passeios de comboio em busca
de novas imagens, novos olhares em locais únicos na Ria Formosa, tendo sempre como ponto de parti-
da a Estação de Caminhos de Ferro de Faro. Neste ano de 2018, a União Europeia escolheu o Património Cultural como tema e a ALFA dinamiza para os seus associados nesta Primavera uma proposta diferente de passeios de comboio ao fim de semana. Para fotografar belas paisagens, para descobrir locais bem perto de nós, desconhecidos para alguns, Moinhos de Marés, Mercados vintage de Velharias, arquivos de fotografia, bancos de imagem da memória como é o caso da Casa Fotografia Andrade em Tavira. Fuseta 8 de Abril. Tavira 21 de Abril. Marque na sua agenda. www.alfa.pt •
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06.04.2018
Cultura.Sul
Marca d'água
Árvore Europeia do Ano 2018 – uma árvore portuguesa com história FOTOS: D.R.
Maria Luísa Francisco Investigadora na área da Sociologia; Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
luisa.algarve@gmail.com
O concurso de Árvore Europeia do Ano valoriza a ligação emocional que as pessoas e as comunidades mantêm com as árvores, tal como a sua importância para o património natural e cultural da Europa. Escrever sobre árvores sem me expor é difícil e se o fizesse perderia autenticidade, porque as árvores estão presentes na escrita e na vida. A minha primeira composição na escola primária foi sobre árvores, estavam ali, tão perto… no caminho e saudava-as a cada manhã… O Dia Mundial da Árvore era sempre dia de plantar árvores e escrever poemas. Agrada-me imenso que o Dia Mundial da Árvore seja também o Dia Mundial da Poesia, por isso o dia 21 de Março é sempre especial, onde quer que esteja. Foi precisamente a 21 de Março que decorreu a Cerimónia de entrega do Prémio da Árvore Europeia do Ano 2018. Tive a alegria de assistir pessoalmente ao momento em que foi anunciada como vencedora a árvore portuguesa. Encontrava-me pela primeira vez na reunião da Comissão dos Direitos do Homem no Parlamento Europeu, enquanto assessora do Observatório Internacional de Direitos do Homem. Terminada a reunião, dirigi-me para a Cerimónia, para a qual já tinha convite oficial, e que se realizava também no Parlamento Europeu. Foi um dia especial não só por estes dois acontecimentos, mas porque começou a Primavera e se celebrou a poesia com novas funções. Quando falo de árvores, falo de poesia… esses ramos que são braços dirigidos ao alto e essas folhas que são palavras que brotam da terra, trazendo a essência da Mãe Natureza.
Cerimónia de entrega do Prémio de Árvore Europeia do Ano 2018 Foundation. A Cerimónia de Entrega de Prémios foi organizada pelo deputado Pavel Poc, vice-presidente da Comissão de Meio Ambiente, Saúde Pública e Segurança Alimentar no Parlamento Europeu e apoiante de longa data da iniciativa “European Tree of the Year”. A cerimónia foi moderada por Natalie Pauwels e Ladislav Miko, membros da Comissão Europeia, e contou com a presença especial de Daniel Calleja Crespo, director-geral do Meio Ambiente e Janez Potocnik, ex-comissário Europeu para o Meio Ambiente. Esta foi a 8.ª edição do concurso “European Tree of the Year” e contou pela primeira vez com uma árvore portuguesa como candidata, o Sobreiro Assobiador, o maior sobreiro de Portugal. É uma “Árvore de Interesse Público” desde 1988 e está inscrita no Livro de Recordes do Guinness como “o maior sobreiro do mundo”. A árvore escolhida tem 234 anos. Em várias notícias é referida como sobreiro alentejano, mas de facto esta árvore encontra-se no distrito de Setúbal, em Águas de Moura. Localidade situada no concelho de Palmela, na União das Freguesias de Poceirão
e Marateca. Este ano foram 13 os países que participaram neste concurso europeu. Durante o mês de Fevereiro, todos puderam escolher a sua árvore preferida através de um sistema de votação on-line em https://www.treeoftheyear. org. Enquanto a votação foi pública deu
Maria Luísa Francisco e Nuno Calado na Cerimónia de Entrega do Prémio de Árvore Europeia do Ano 2018 para verificar que Portugal ia à frente no número de votos, depois na última semana a votação foi secreta. Na Cerimónia estavam aproximadamente 150 pessoas. Eramos cerca
Entrega do Prémio da Árvore Europeia do Ano 2018 a Portugal O concurso da Árvore Europeia do Ano surgiu no ano de 2011 e foi inspirado no popular concurso checo Árvore do Ano, organizado pela Czech Environmental Partnership
de 12 portugueses, incluindo alguns deputados europeus. Creio que todos imaginávamos e desejávamos que a árvore portuguesa fosse a vencedora. Teve mais 4.286 votos do que a árvore espanhola que ficou em 2º lugar. Nós, naturalmente, batemos palmas, mas ficamos recatados e emocionados em modo poema!
'Sobreiro Assobiador' com 234 anos, árvore vencedora do concurso europeu
O vídeo da Cerimónia de entrega do prémio pode ser visto em https:// www.treeoftheyear.org/ETY-2018/results.aspx Os resultados da votação foram: 26.606 votos para o sobreiro português, seguido de 22.323 votos para os Ulmeiros ancestrais de Cabeza Buey, Espanha, e em terceiro lugar com 21.884 votos o Carvalho chamado “O Ancião das Florestas de Belgorod”, da Federação Russa. O Sobreiro plantado em 1783, deve o nome "Assobiador" ao som originado pelas inúmeras aves que pousam nos seus ramos. O Sobreiro monumental de Águas de Moura, também conhecido como “casamenteiro”, tem mais de 16 metros de altura, um perímetro superior a 5 metros na base e uma copa impressionante, que alberga muitas espécies de aves. Esta árvore, desde 1820, foi descortiçada mais de vinte
vezes e o descortiçamento de 1991 resultou em 1.200 quilos de cortiça (produção de 100 mil rolhas), o que lhe valeu o reconhecimento como o “sobreiro mais produtivo do mundo”. Quem recebeu o original troféu de madeira, que passa de vencedor em vencedor a cada ano, foi Nuno Calado secretário-geral da União da Floresta Mediterrânica, tendo referido que: “Estamos extremamente felizes em trazer reconhecimento a Portugal, através do concurso ‘European Tree of the Year’. Este sobreiro representa um enorme contributo para a biodiversidade e os serviços dos ecossistemas, a luta contra as alterações climáticas, além da contribuição para a economia portuguesa”. E acrescentou ainda que “o futuro dos sobreiros e dos Montados depende dos produtores agroflorestais, da escolha do consumidor por vinhos com rolhas de cortiça e de políticas públicas que possam promover elevados níveis de biodiversidade e actividades económicas sustentáveis”. De facto, Portugal é o maior produtor mundial de cortiça. Este produto tem um papel importante aos vários níveis acima referidos, mas também na promoção turística, inclusivamente existem rotas da cortiça que atraem muitos visitantes, nomeadamente no Algarve, Alentejo, Douro e Vouga. A cortiça é uma imagem de marca de Portugal, com produtos de excelência feitos nesta matéria-prima. Para além de serem exportados para diversos países, são amplamente vendidos em quase todas as cidades e vilas portuguesas. A cortiça está hoje em praticamente todo o lado: no design, na joalharia, no calçado, na arquitetura, no vestuário e até na indústria aeroespacial. O sobreiro é uma árvore que se regenera, que se renova a cada nove anos. Não é necessário cortar, pois naturalmente vai gerando mais cortiça. Acredito que Portugal voltará a candidatar-se no próximo ano, pois existem árvores muito especiais no nosso país. Este tipo de concurso permite destacar a importância das árvores antigas na herança cultural e natural, com enfoque para a sua história e para a sua ligação com as populações. As árvores são parte da paisagem e da vida das comunidades. Devem ser respeitadas e não tornadas em lenha, como está a acontecer com centenas de oliveiras, sobreiras e alfarrobeiras, muitas seculares, sem respeito pela história e pela vida que representam. Parabéns a Portugal e a todas as árvores silenciosas… algumas são a minha inspiração e o meu poema de cada dia… l
Cultura.Sul
06.04.2018
Espaço ao Património
Núcleo Oriental da Necrópole Megalítica de Alcalar: 20 anos de socialização do património arqueológico ELENA MORÁN
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Ficha técnica: Direcção: GORDA Associação Sócio-Cultural Editor: Henrique Dias Freire Paginação e gestão de conteúdos: Postal do Algarve Responsáveis pelas secções: • Artes visuais: Saul de Jesus • Espaço ALFA: Raúl Grade Coelho
Elena Morán
• Espaço AGECAL: Jorge Queiroz
Arqueóloga, Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa (UNIARQ) / Câmara Municipal de Lagos
O assentamento pré-histórico de Alcalar está situado no Município de Portimão, num território que inclui a zona lagunar do Alvor e que é delimitado a norte pela Serra de Monchique e a sul pela Baía de Lagos. Neste local desenvolveu-se, ao longo do 3.º milénio antes da nossa era, um aglomerado populacional de grandes dimensões (superior a 25 hectares) constituído por uma área habitacional e uma necrópole com vários agrupamentos de túmulos megalíticos e respetivas áreas cerimoniais. A partir da década de 1980 teve início o Projeto Alcalar, de pesquisa arqueológica programada, visando a produção de conhecimento sobre este assentamento pré-histórico. Na década de 1990, mercê de um acordo de cooperação entre a Secretaria de Estado do Turismo e o então Instituto Português do Património Arquitetónico, foi lançado o Programa «Itinerários Arqueológicos do Alentejo e do Algarve», que constituiu um incentivo para a investigação e valorização dos monumentos megalíticos de Alcalar. A partir de 1997, a operação incidiu mais concretamente no agrupamento oriental da necrópole e incluiu o estudo e a reabilitação do Monumento 7, a construção de um centro de receção de visitantes e a musealização, com arranjo paisagístico, da área visitável, contribuindo para a compreensão deste legado e para a interpretação da paisagem cultural no 3.º milénio antes da nossa era, com uma melhor gestão dos recursos culturais, em prol de um desenvolvimento turístico sustentável.
• Espaço ao Património: Isabel Soares • Filosofia dia-a-dia: Maria João Neves
Agrupamento oriental da necrópole megalítica de Alcalar. Em primeiro plano o Monumento 9 com a praceta cerimonial, em segundo plano o Monumento 7 Com a abertura ao público do Monumento 7 já reabilitado, no ano 2000, a partilha dos resultados obtidos pelo Projeto Alcalar, com palestras e visitas comentadas, edição de artigos divulgativos e científicos, de roteiros e de estudos monográficos e, mais recentemente e em colaboração com o Museu de Portimão, sintetizando o conhecimento produzido na
atividade “Um Dia na Pré-História”, consolidou-se o processo de socialização do conhecimento científico. A continuação do Projeto Alcalar, com cofinanciamento de fundos comunitários, permitiu investigar também o Monumento 9, e desvendar a sofisticação da arquitetura pré-histórica dos dois edifícios funerários desse agrupamento. Ficou demonstrado o plaR. SOARES
Arqueologia experimental em Alcalar: elaboração de cerveja
neamento arquitetónico do espaço, num projeto que integrou os túmulos e o espaço cerimonial conexo, com uma evidente intervenção na paisagem, destinando o espaço exterior à congregação social e perpetuando a memória destes locais, frequentados ao longo de pelo menos 1500 anos. Ainda que os constrangimentos económicos na área da cultura tenham penalizado o Projeto Alcalar, foi agora possível, passados 20 anos, completar (em 2017) o processo de pesquisa e concluir a valorização do agrupamento oriental da necrópole e da intervenção para a sua requalificação e abertura ao público. Estando em preparação a edição monográfica da investigação do Monumento 9. Este túmulo, de dimensão reduzida comparativamente ao vizinho Monumento 7 e de cronologia mais recente, é demonstrativo do protagonismo do espaço cerimonial exterior: na construção de um “adro”, uma praceta onde se conservaram restos dos momentos de reunião e de partilha comunitária. A importância do espaço cerimonial aumenta quando comparada com a reduzida dimensão do túmulo de pedra calcária, delimitado por um muro de contenção periférica construído em alvenaria de calcário e arenito amarelo. Nestes 20 anos, a investigação científica também
produziu conhecimento sobre as arquiteturas da área habitacional, a produção dos solos e a evolução na ocupação do território (faseada em cinco grandes períodos, entre o 5.º e o 2.º milénio antes da nossa era), aproximando-nos das práticas sociais. Conhecimento que, numa política de patrimonialização e proteção dos bens culturais, proporcionou os fundamentos para a salvaguarda do assentamento de Alcalar através da ampliação da sua classificação como Monumento Nacional à totalidade dos vestígios e o estabelecimento de uma zona de proteção. No próximo dia 14 de abril, dia em que os republicanos espanhóis saúdam a República, daremos por concluída a intervenção de terreno no agrupamento oriental da necrópole megalítica de Alcalar iniciada há 20 anos, abrindo ao público o Monumento 9 reabilitado. Abre-se agora uma nova etapa na investigação deste território, procurando dar protagonismo aos recursos abióticos e às novas formas de socializar o conhecimento. Nesta data brindaremos todos com a cerveja “ALCALAR”, na sua versão comercial, resultado de um processo de transferência de conhecimento e inovação: da cooperação entre os investigadores do Projeto Alcalar, com os seus estudos de paleoetnobotânica e de produção de solos, e os artesãos da Quinta dos Avós. l
• Juventude, artes e ideias: Jady Batista • Letras e literatura: Paulo Serra • Missão Cultura: Direcção Regional de Cultura do Algarve • Na Ágora: Adriana Nogueira • What ever happened to... Pedro Jubilot • Reflexões sobre urbanismo: Teresa Correia Colaboradores desta edição: Carlos Cruz, Elena Morán Parceiros: Direcção Regional de Cultura do Algarve e-mail redacção: geralcultura.sul@gmail.com e-mail publicidade: anabelag.postal@gmail.com on-line em: www.postal.pt e-paper em: www.issuu.com/postaldoalgarve
facebook: https://pt-pt.facebook.com/postaldoalgarve/ Tiragem: 7.356 exemplares
10 06.04.2018
Cultura.Sul
What ever happened to... ? dia jogou borda fora tudo o que tinha escrito. Agora voltou à literatura com o livro ‘AEVUM’. O próprio autor faz a analogia da edição deste conto com os discos, dizendo tratar-se como que de um EP, o qual se juntando a outros, poderá formar um LP mais uniforme, revelador, completo, no que já traz de aliciantes pistas narrativas e temáticas. A leitura pode comprová-lo. «Sentiu que vira o ocaso do universo. Um registo prévio a qualquer memória, que impediu a existência de ser mais que uma remota sensação».
Pedro Jubilot
pedromalves2014@hotmail.com canalsonora.blogs.sapo.pt
... Desidério Lázaro Teve um filho, escreveu música para vários discos, plantou uma editora (Sintoma Records). Embora Lisboa seja a eterna capital de sonhos e aprendizagens, o centro nevrálgico de experiências e experimentações, o palco mais visível para pautas e sons, o músico/ compositor tem o desiderato de voltar à sua terra natal. A fuga para o sul, esse espaço aberto mas íntimo, que continua a ser o sempre abrangente horizonte de inspiração azul sem fim. Na capa (um passadiço de acesso ao areal de uma praia) do recente disco ‘Moving’, o saxofonista tavirense desloca-se para um novo nível, levando o filho pela mão, como quem leva a sua obra a crescer para o futuro. Toca a 2 de junho (22h) no Ciclo Serões da Primavera, na Casa do Povo de Santo Estevão, Tavira.
sente um número já residual de exemplares necessitando para sua sobrevivência de ser compreendido, vivido e acarinhado; estudado e divulgado.».
... Joana Rosa Bragança Qualquer artista é um produtor de personagens e ambientes, um criador de sonhos e exposições. E ele há artistas que se sobrepõem em carácter e imagem pública à sua própria obra, mesmo se em detrimento dessa ou não. No caso de JRB, na sua timidez natural, ela dá mais espaço e visibilidade ao que pensa ser mais importante na sua arte - a sua expressão artística, que importa mais que a popularidade, tal como se define nestes dias. Não gosta de grandes discursos e apresentações ou de falar muito de si e explicar a sua obra, que temos de concordar, fala por si, e bem. A acompanhar em joanarosab.com .
FOTOS: D.R.
... Filipe da Palma
... Artur Aleixo
AGENDAR
Depois de terminada essa experiência inigualável, impagável que é ser editor de música pop, que viveu entre 2010-2016 com a LebensStrasse Records, Artur Aleixo continua agora pelas bandas do Algarve, de sotavento a barlavento, numa outra missão também ela nobre, desgastante e pouco reconhecida – é professor do ensino básico. Mas esse vício de arriscar, não o deixa. Um
Costuma dizer que basta o céu se abrir de azul para o impelir a sair à rua de máquina em riste e captar o que é o ‘Algarve’, com o que tem de positivo e negativo. A verdade está lá fora. A vida como ela é. Daí desenvolve as séries de composições que vai apresentar na exposição que inaugura a 13 de Abril, pelas 18 horas, na Galeria da Casa Álvaro de Campos – Tavira (rua da galeria, 9-C, junto à igreja da misericórdia). São: «Composições de imagens que remetem para uma recolha fotográfica de elementos ainda pulsantes, ainda tangíveis, de uma certa Arquitectura produzida na região Algarvia. Composições temáticas que se caracterizam pela unicidade de cada elemento, erigidos ao longo de todo o território, durante décadas, marcando-o de forma indelével com suas formas, cores e ostentação. Composições de conjuntos temáticos de um património que não sendo reconhecido enquanto tal, tem nestes resilientes vestígios o testemunho não somente de o ser mas de existir ainda, contrariando as tendências com que se vai revestindo o conceito Património. Composições cujo conteúdo - por se constituir em matéria e orgânico legado - se relacionado com um passado recente nos oferece no pre-
... João de Deus Nasceu a 8 de Março de 1830, na terra algarvia de São Bartolomeu de Messines, como filho de modestos comerciantes aquele que viria a ser considerado o poeta do amor: «Vi esse corpo de ave,/ Que parece que vai/ Levado como o Sol ou como a Lua/ Sem encontrar beleza igual à sua; /Majestoso e suave, Que surpreende e atrai!» (Adoração). Mas a sua obra mais conhecida viria a ser a Cartilha Maternal (1886), destinada a ajudar a aprendizagem da Arte de Leitura, onde demonstra a sua sensibilidade para com os problemas da educação: «(…)offerecemos neste systema profundamente prático o meio de evitar a seus filhos o flagello da cartilha tradicional.» (Cartilha Maternal). Para isso muito terá contribuído o sonho tornado real na vida do poeta nascido no Algarve, de um país onde o analfabetismo era uma tragédia.
“PINTURA DE VITALIY MANICH” Até 20 ABR | EMARP - Empresa Municipal de Águas e Resíduos de Portimão Vitaliy Manich desde 2001 que reside e trabalha em Portugal como artista plástico, decorador de interiores e oleiro
... João Miguel Pereira / Pedro Oliveira Tavares A dupla regressa aos livros em comum, agora com ‘Ruas’ (Arandis Editora), e desta vez em prosa muito poética apresentam um roteiro de impressões, vivências ficcionadas ou não, nas suas variantes mais sentimentais ou apenas de constatação material ou física. Dos textos introdutórios destapam-se aqui dois pequenos apontamentos para criar a expectativa da leitura, até ao lançamento do livro a realizar no dia 21 de Abril (16h), na Biblioteca Municipal Vicente Campinas em Vila Real De Santo António. Escreve Manuel Neto dos Santos: «Se, no plano geral da escrita, João Miguel Pereira faz “incursão” rumo ao universal... partindo da sua postura cívica, ética, cultural, Pedro Oliveira Tavares remete-nos para a sua “convivência” com materialidade da linguagem física estabelecendo a relação interior com os afectos, com o amor, ou antes com a desilusão pelas azinhagas de um sonho.»; Refere ainda Fernando Cabrita: «Um livro que é, pois, e simultaneamente, um exercício de memória, de ficção e de literatura. E que cada um, lendo-o, encontre, a cada texto, a rua que traz para sempre no seu coração.» l
“CONCERTO IBERIA” 6 ABR | 21.00 | Auditório Municipal de Lagoa Um dos momentos altos do evento será a interpretação do ‘Concierto de Aranjuez’, de Joaquín Rodrigo, pela guitarrista francesa Gaëlle Solal
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Cultura.Sul
Na Ágora
Que personagem da literatura seríamos? FOTOS: D.R.
Adriana Nogueira
Classicista; Professora da Univ. do Algarve adriana.nogueira.cultura.sul@gmail.com
Há uns anos (em 2006), vi um filme que achei muito interessante. Chamava-se Stranger Than Fiction, no original, e foi traduzido como Contado Ninguém Acredita. Classificado como comédia dramática, vemos Will Ferrell no papel de um agente do IRS (serviço fundamental nos EUA. Não nos esqueçamos que o gangster Al Capone não foi preso pelos assassinatos que cometeu, mas por fraude fiscal), que ouve uma voz (Emma Thompson) que narra, literalmente, cada momento da sua vida. Preocupado (porque a voz lhe diz que ele vai morrer, mas não sabe ainda co-
um teste, com várias perguntas, de modo a tentar perceber que tipo de personagem ele é e em que história ele está. A primeira pergunta é: «Alguém lhe deixou um presente à porta de sua casa, por exemplo, dinheiro, um enorme cavalo em madeira?». Depois, continua com outras do género: «É rei de alguma coisa?», «Sente que o seu corpo é feito de outros materiais?». Por fim, explica que, com aquelas perguntas, já o excluiu de metade da literatura grega, de vários contos de fadas, e assim por diante, e já sabe que ele não é Hamlet, nem Miss Marple, nem o monstro de Frankestein. Durante o filme, vão tentando perceber se a vida dele é uma comédia ou uma tragédia. Deixo a descoberta do final para quem quiser ver o filme. O que me fez recordar este episódio foram os testes que correm na internet (principalmente no Facebook), em que as pessoas obtêm respostas a perguntas deste género: «Adivinhe que personagem da Literatura você é» ou «Adivinhe que deus(a) da mitologia você é», e as-
Póster do filme grego Antigone, com Irene Papas mo), procura saber o que lhe está a acontecer, e, a um dado momento, vai ter com um professor de literatura (Dustin Hoffman) que lhe faz
sim por diante. E as perguntas a que se tem de responder são do mesmo tipo das que aparecem no filme, mas muito menos sofisticadas. Por
exemplo: «a) Gosta de ficar em casa à espera do seu marido? b) Gosta de sair com as amigas para caçar? c) Gosta de seduzir e engana o seu marido?». Como resultado destas e de outras (costumam vir em grupos de 10), seremos a) Penélope, a esposa que esperou vinte anos pelo marido, Odisseu, no regresso da Guerra de Troia; b) Ártemis (Diana), a deusa da caça; c) Afrodite (Vénus), a deusa do amor, que enganava o marido, o deus do fogo, Hefesto (Vulcano). A tragédia de Antígona A verdade é que muitas das personagens da literatura nos fazem pensar no que faríamos na mesma situação em que elas se encontram. Interessam-me, especialmente, as da literatura grega, nomeadamente as que aparecem nas tragédias. Quem me conhece sabe que a minha preferida é a Antígona. São várias as razões desta preferência, mas nomeio apenas algumas: o facto de ser mulher, de ser jovem, de opor-se a um poder instituído e tirânico. Pode parecer de pouca monta, mas considerando que estamos a falar de mitologia grega (a minha fonte é a versão de Sófocles, do séc. V a.C., na tradução de M.H. Rocha Pereira), é bastante. Antígona é confrontada com um decreto do rei, seu tio materno, que condena à morte quem sepultar o corpo do seu sobrinho Polinices, que morrera a lutar contra a cidade. Entre a decisão de deixar o corpo do irmão a apodrecer ou sepultá-lo, com risco da sua própria vida, Antígona opta por esta última atitude. A irmã, a quem ela revelara os seus intentos, é mais realista. Consciente de quem vem de uma família trágica (são filhas do rei Édipo e de Jocasta, que, para além de marido e mulher, eram, sem o saber, filho e mãe), Ismena declara: «E agora, que só restamos nós as duas, vê lá de que maneira ainda pior acabaremos, se, contra a lei, vamos transgredir o édito dos soberanos ou o seu poder. Pelo contrário, é preciso lembrarmo-nos de que nascemos para ser mulheres, e não para combater com os homens, e, em seguida, que somos governadas pelos mais poderosos, de modo que nos submetemos a isso, e a coisas mais dolorosas. Por isso rogo aos que estão debaixo da terra que tenham mercê, visto que sou constrangida, e obedeço aos que caminham na senda do poder. Actuar em vão é coisa que não faz sentido» (vv. 58-68). Quem seríamos? Antígona não insiste com a irmã (aliás, mais tarde, quando é denunciada e levada perante o rei, recusa a ajuda de Ismena, que se acusa de, igualmente, culpada – vv. 536-7) e
Capa do DVD do filme Contado Ninguém Acredita leva a sua avante, porque acredita que faz o que está certo, de acordo com a sua crença de uma vida depois da morte: «Para mim, é belo morrer por executar esse acto (…) já que é mais longo o tempo em que devo agradar aos que estão no além do que aos que estão aqui. É lá que ficarei para sempre» (vv. 72; 74-6). As razões de Ismena não ecoam na sua lógica e na sua emoção: ser mulher não é razão para não se opor aos homens, nem tem de se submeter aos poderosos. É verdade que não vai feliz para a morte e lamenta a sua sorte – quem não lamentaria? – mas não recua. O namorado (seu primo, porque filho do rei) tenta argumentar com o pai, mas este não o ouve. É outro dos passos mais interessantes desta peça. Quando o filho diz que a cidade («o povo unido de Tebas») não acha justo o que está a fazer, dá-se este diálogo (vv.733-739): CREONTE - E a cidade é que vai prescrever-me o que devo ordenar? HÉMON - Vês? Falas como se fosses uma criança. CREONTE - É portanto a outro, e não a mim, que compete governar este país? HÉMON - Não há Estado algum que seja pertença de um só homem. CREONTE - Acaso não se deve entender que o Estado é de quem manda? HÉMON - Mandarias muito bem
sozinho numa terra que fosse deserta. Há ainda outra personagem que contribui para o desfecho fatal: o Guarda que vê Antígona a cobrir o corpo do irmão com terra e a denuncia. Não porque não a compreenda ou não tenha pena, mas porque, contrariamente a Antígona, tem medo do poder e considera o bem-estar individual um bem superior a estes valores. Quando a leva ao rei (que o ameaçara que seria ele o castigado se não encontrasse quem andava a tapar o corpo), diz: «Acusámo-la das acções passadas e presentes; não negou coisa alguma, com prazer e pena minha, ao mesmo tempo. Porque isto de uma pessoa escapar de uma calamidade é o melhor que há; mas é penoso levar à ruína aqueles que se estimam. Porém, tudo vale menos para mim do que a minha própria salvação.» (vv. 434-440). Que personagem seríamos nós? Antígona, que morre pelo que acredita? Hémon, solidário, que morre com ela? Ismena, que tem medo, mas que no final ganha coragem e solidariza-se? Ou o Guarda, que faz tudo para se salvar? Ou Creonte, que provoca esta tragédia por não ouvir os outros? E, afinal, seria tão simples, como diz o Coro: «Para ser feliz, bom-senso é mais que tudo». l
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