Cultura.Sul 141 7AGO2020

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Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o

AGOSTO 2020  n.º 141 www.issuu.com/postaldoalgarve

12.119 EXEMPLARES

ARTES VISUAIS

Quem é o artista numa obra de artes visuais: quem pensa ou quem executa? Ficha técnica

Foto Saúl de Jesus, 2009

Foto Isa Fernandes e Alexandre Groza, 2020

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ecentemente, nas comemorações do Dia da Cidade de Olhão, em 16 de junho, foi inaugurada uma escultura imponente de um cavalo-marinho, com 5m de altura por 1,8m de largura, a qual integra cerca de 5000 pedaços de cerâmica. O Presidente da Câmara, António Pina, referiu que “queremos adotar o cavalo-marinho como um dos símbolos do concelho”. Esta iniciativa permite destacar a importância da proteção dos cavalos-marinhos na Ria Formosa, espécie que corre o risco de extinção se não houver um esforço para a sua preservação. A obra foi apresentada como sendo da autoria de Isa Fernandes, designer e autora deste projeto que ofereceu ao município, tendo o trabalho sido executado por Alexandre Groza. Esta situação leva-nos a perguntar, quem é o artista e/ou o autor desta obra? Embora a execução de um trabalho artístico seja, em geral, realizada com grande emoção e rigor técnico, o pensamento e o planeamento da obra são fundamentais no processo de produção artística, pois sem a ideia, a conceção ou o projeto da obra, esta não pode ser realizada. Por exemplo, uma das obras que realizei, “Cores de sons integrados: Homenagem a Kandinski” (2,8m x 0,9m), foi executada por um pedreiro que concretizou o levantamento da parede de tijolos de vidro, na sequência que lhe indiquei, e que colocou no cimo a estrutura em metal, cujas partes haviam sido cortadas nas medidas pretendidas e soldadas, criando a imagem de uma harpa. Em geral, as obras artísticas são concretizadas por quem as concebe, mas verifica-se que, na arte contemporânea, muitas vezes quem pensa sobre o produto artístico não é quem o exe-

cuta. Nestes casos, o senso comum costuma considerar que o artista é quem executa a obra. No entanto, conforme salientámos no artigo “Qual a importância do pensamento na produção artística?”, esta perspetiva de “manualidade” do artista tem vindo a ser alterada, sobretudo a partir dos anos 60 do século passado, com a emergência da arte concetual. Inclusivamente, por vezes, é acentuada de tal forma a importância da ideia criativa na produção artística que parece que apenas o pensamento é importante, ocorrendo quase uma desmaterialização da arte. Esta ênfase na desmaterialização encontra um dos seus exemplos mais fortes na exposição de Yves Klein, em 1958, tendo realizado uma exposição em Paris com o título “Vazio”, em que o espaço estava literalmente vazio, pretendendo expressar um “estado pictórico invisível” que estaria presente através da radiação. Todavia, este exagero na dimensão concetual sendo rejeitado o objeto artístico concreto, tornaria a arte fria e apenas teórica, sem produção, sem beleza. O próprio concetualista Mel Bochner (1970) considerava que a obsessão pela desmaterialização não tinha sentido, pois nenhum pensamento pode existir sem um suporte que o sustente. Atualmente, em geral, os artistas procuram conciliar a componente ideia e intenção com a respetiva materialização. Neste sentido, acentuam a relevância da ideia ou do conceito que lhes levou ao objeto produzido. Por exemplo, Joana Vasconcelos afirmou, em 2011: “eu não parto do objeto; eu parto duma ideia e depois tento encontrar o objeto certo para expressá-la, dar-lhe uma dimensão física ou material”. Muitas das obras assinadas por Joana Vasconcelos não são executadas por ela. São obras de grande dimensão, muitas delas expostas permanentemente em espaços públicos, sendo executadas por uma equipa de técnicos que dominam os materiais com os quais a obra é feita. Foi o caso da obra “Solitário”, que ilustra um anel com 7m de altura, realizado com 112 jantes douradas e

Foto Joana Vasconcelos, 2009

SAÚL NEVES DE JESUS Professor Catedrático da Universidade do Algarve; Pós-doutorado em Artes Visuais; http://saul2017.wixsite.com/artes

Cima à esquerda: Imagens da escultura cavalo-marinho; cima à direita: Imagem da escultura “Cores de sons integrados: Homenagem a Kandinski”; em baixo: Imagem da escultura “Solitário” coroado por um enorme "diamante" constituído por 1.324 copos de whisky de cristal. Mas é Joana Vasconcelos que assina os trabalhos produzidos e é a sua assinatura que confere o valor financeiro da

obra. Cada vez mais, o preço das obras começou a estar cada vez mais condicionado pela assinatura, havendo colecionadores que investem sobretudo nos nomes, procurando adquirir obras assinadas.

Direcção: GORDA Associação Sócio-Cultural Editor: Henrique Dias Freire Paginação e gestão de conteúdos: Postal do Algarve Responsáveis pelas secções: • Artes Visuais: Saúl Neves de Jesus • Espaço AGECAL: Jorge Queiroz • Fios de História: Ramiro Santos • Filosofia Dia-a-dia: Maria João Neves • Letras e Literatura: Paulo Serra • Nascida no Monte Teresa Lança Parceiros: Direcção Regional de Cultura do Algarve e-mail redacção: geralcultura.sul@gmail.com e-mail publicidade: anabelag.postal@gmail.com online em: www.postal.pt e-paper em: www.issuu.com/ postaldoalgarve FB: www.facebook.com/ postaldoalgarve/ Tiragem: 12.119 exemplares

É a história ou o percurso de cada artista, a persistência e a consistência do seu trabalho, a sua identidade, que pode permitir inferir a dimensão artística do mesmo. Isto não diminui a importância da competência técnica de domínio dos materiais por parte de quem executa a obra, podendo até haver situações em que ambos os intervenientes, quem pensa e quem executa a obra, possam ser considerados os autores, pois muitas vezes a obra executada diverge do projeto inicial, por sugestão de quem a realiza, visto dominar os materiais e aperceber-se da vantagem de certas alterações ao projeto inicial.


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NASCIDA NO MONTE

A inconstância dos dias TERESA LANÇA Educadora de Infância nascidanomonte@gmail.com

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oje fomos à ribeira. Havia uma laje no meio da corrente que a água contornava; saltei de pedra em pedra e sentei-me lá. Só se ouvia o som de uma pequena catarata que descia das rochas um pouco mais acima. Olhei para trás e lá avistei a Laura, cuidadosa, deslizando sentada.

Embevecida com o despenhar das águas caindo das alturas, na transformação que se lhe seguia, no deslizar sereno do estreito regato, vagueei no antes e no depois; no percurso que antecedia e sucedia aquela pequena catarata, como se ela representasse o meio da minha vida. Um tempo em que precisava do doer das quedas para aprender a deslizar de uma forma mais suave, à velocidade de uma outra corrente. A contornar os obstáculos, a abrandar a corrida. Com os tombos fui descobrin-

do que há percursos mais fáceis. Aprendendo que por vezes tenho de estreitar os caudais, de alargar as margens, de reaprender a ser regato já tendo sido rio. Não construir barragens que cortem as correntes e abrir as comportas construídas em mim. Libertar o que já não é "nós" e deixá-lo seguir um outro caminho, rumo a outras metas. Aceitar que há outras metas e que todas elas são um final, mas não o fim de tudo o que tem de continuar. Fui aprendendo a recomeçar rumo a outro destino, a moldar-me a

outra forma, a construir-me num outro estado. A evaporar-me rumo aos céus nas asas de outros sonhos. A chorar as chuvas de inverno… dos meus invernos. A esperar as cores e as primaveras que farão colorir. A engrossar outros regatos, a fazê-los ser rios. A orvalhar com emoção as minhas sequidões; a inventar oásis nos meus desertos. A fazer da serenidade a burca que cobre as minhas tempestades, e as estrelas que me habitam... onde habito. E voltar a nascer em alguém, em algum lugar. A cair, levantar, correr,

abrandar as marchas. Aceitar que continuo nascendo, tantas vezes quantas já morri, numa mistura de constância e essência que ilude, porque sendo da natureza, a inconstância, de tanto se repetir deixou de o ser. Aprendi a aceitar as correntes que me arrastam para lugares opostos a alguns anseios, sem esbracejar, condição inata em mim de sobrevivência, de voltar a viver, a ser feliz. Aprendi a aceitar que posso ser tudo o que não sou, nas lembranças de cada um que me conheceu.

ESPAÇO AGECAL

Cultura: Os últimos 20 anos - conclusão (4) JORGE QUEIROZ Sociólogo. Sócio da AGECAL

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os últimos 20 anos, sobretudo a partir de 2008, acentuaram-se e agravaram-se as tendências verificadas desde a década de 80 do século XX, com predomínio da visão de mercado para a produção cultural e artística com redução do sector público na cultura para níveis de manutenção ou mesmo de sobrevivência. Esquece-se que o desenvolvimento educativo, científico e cultural são a base da economia da cultura e de todas as áreas de conhecimento. Neste milénio o orçamento do OGE para a cultura foi-se reduzindo gradualmente para níveis próximos dos 0,1 % do PIB... Permaneceu a secular dificuldade em compreender o valor e a importância da cultura portuguesa, entendida no seu significado mais amplo e como vector estratégico relevante para todas

as outras áreas. Portugal no contexto europeu possui uma importância e dimensão cultural superior à maioria dos Estados do continente, não só pela grande expressão e difusão da língua como pela presença de comunidades portuguesas e de património material e imaterial português em todo o mundo. Nestas duas décadas foram desenvolvidas medidas conjunturais, pontuais ou avulsas, que nunca definiram ou constituíram uma política cultural, isto é, um conjunto coerente de objectivos estratégica e previamente definidos em diagnóstico, acompanhados de programas quantificados, de instrumentos organizativos, financeiros e de monitorização. Muito evidente do aproveitamento de situações conjunturais foram os casos das Capitais Nacionais da Cultura e das Capitais Europeias da Cultura, Porto em 2001 e Guimarães em 2012… Em 2003 por decisão do Governo e com tutela do Ministério da Cultura, Coimbra organizou uma Capital Nacional da Cultura e em 2005 se-

guiu-se Faro a desenvolver idêntica iniciativa. Estas foram suspensas a partir desse ano por se verificar serem acontecimentos realizados sem tempo necessário de preparação, sem candidaturas prévias das diversas cidades ou municípios, pouco inseridas em projectos de desenvolvimento e no planeamento cultural regional… No plano internacional registaram-se óbvios progressos nas inscrições e reconhecimentos de património português pela UNESCO, como são os casos do Centro Histórico de Guimarães (2001), Paisagem do Vinho na Ilha do Pico, nos Açores (2004), fortificações militares de Elvas (2012), Universidade de Coimbra (2013), Basílica, Palácio e Convento de Mafra com o Jardim do Cerco (2019) e o Santuário do Bom Jesus em Braga (2019). Também a lista do Património Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO acolheu o Fado (2011), a Dieta Mediterrânica (2013), Cante Alentejano (2014), Falcoaria (2016), Barro de Estremoz (2017) e Caretos de Podence (2019), também na lista do património

em risco, casos dos chocalhos e cerâmica de Bizalhães. A região Algarve, por determinação governamental, teve neste período dois programas de promoção turística apoiados em entidades e recursos culturais, o “Allgarve “ e o “365 Algarve”, de natureza instrumental, sem qualquer ligação a uma política cultural regional, aliás inexistente. A região algarvia, com atraso significativo em infraestruturas culturais qualificadas, recuperou e construiu edifícios, de iniciativa dos Municípios e com apoio do Poder Central, vários museus (Portimão, Tavira, Albufeira…), uma rede de bibliotecas e arquivos, diversos teatros (Figuras em Faro e Tempo em Portimão,…). A “austeridade”, que na segunda década do milénio atingiu a vida pública e em particular o sector cultural, teve como consequência durante a intervenção da “troika” a extinção do Ministério da Cultura e tutela do sector por um Secretário de Estado dependente do Primeiro-Ministro. Neste momento o futuro é imprevisível

para a cultura e todos os outros sectores de actividade. Com o surgimento de uma pandemia viral que atinge todo o planeta, os indicadores científicos internacionais apontam para uma deterioração ambiental generalizada e um aumento da população mundial com pressão junto das zonas mais férteis e recursos hídricos. O modelo económico actual em permanente “crise”, assente na produção intensiva e no consumo massificado sem limites, não é consentâneo com as urgentes necessidades sociais e ambientais. Que fazer? O que há anos organismos internacionais, especialistas e cientistas vêm aconselhando e explicando: proteger a biodiversidade e a sustentabilidade dos territórios, reforçar as produções locais e os circuitos curtos de distribuição, reactivar os mercados locais e de bairro com produtos saudáveis e mínimo de pegada ecológica, promover uma cultura de solidariedade global e ao mesmo tempo de afirmação e reforço da diversidade cultural. Em suma, alterar o nosso estilo de vida.


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FIOS DE HISTÓRIA

A namorada algarvia de Camões RAMIRO SANTOS ramirojsantos@gmail.com

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tiravam-se poemas ao vento. Os paços da Ribeira eram, por esses anos, palco de amores e galanteios. Por ali desfilavam as mais belas donzelas da corte e fidalgos que as cantavam em rimas e versos. Daquelas janelas, avistava-se o rio, as naus e as caravelas cheias de contos e aventuras. Traziam notícias da Índia, do Brasil, do Japão, da Malásia e do Mar da China. Ali chegava o cheiro da pimenta, do cravo e da canela. Mais o oiro, escravos e marfim, as porcelanas e mais as sedas. Aquele palácio era o centro do império. Capital do mundo! Era ali, que Camões e outros galãs desocupados, conjugavam o verbo amar em canções, sonetos, vilancetes e redondilhas. Na inspiração do momento ou nas voltas de um mote atirado pelas damas. De entre todos, ele era o mais desejado. Porque não havia quem lhe disputasse a arte de cantar o amor em verso. As ninfas do Tejo, damas da corte de Dª Catarina, mulher do rei D. João III, andavam perdidas de amor por ele e eram a sua inspiração poética: Violante de Andrade e sua filha Joana, Catarina de Ataíde e a infanta Dª Maria, Paula Vicente, filha de Gil Vicente, e as irmãs Sigeia. E foi neste ambiente de galanteio e amor cortês que um dia se cruzaram os olhares do poeta e de Dª Francisca de Aragão, a mais nova de todas as cortesãs que acabara de chegar do Algarve, sua terra natal. Francisca, ao contrário da beleza serena de Catarina e do porte altivo de Violante de Andrade, era de uma irrequieta elegância que deixava um rasto de luz por onde passava. Favorita da rainha, a nova donzela era a cópia da beleza de Petrarca: olhos azuis de mar, cabelos de ouro e seda, alvura de pele e cintura de palmo cingida. Essa sua graciosidade, leve e descontraída, que passeava e exibia nos salões da corte, deixavam estupefactos os olhares dos poetas e dos cortesãos, incendiando os corações dos nobres mais ricos, cultos e engenhosos. Não admira, pois, que tivesse desde logo despertado o ciúme e a inveja das outras, em especial de Dª Violante, de quem se falava à boca pequena que andava em caso de alcova com Luís Vaz de Camões, a quem entregara a educação de seu primogénito, D. António de Noronha.

No meio de besbilhotices e intrigas, certa vez, tinha o poeta regressado de Ceuta onde perdera o olho direito, Francisca, provocadora, para mostrar um desinteresse que não tinha, atirou-lhe com o defeito à cara, chamando-lhe “o cara sem olho”. Não perdeu pela demora e teve do poeta resposta pronta:

“De olhos não faço menção, Pois quereis que olhos não sejam: Vendo-vos, olhos sobejam; Não vos vendo, olhos não são.” E houve trocas de cartas e repetiram-se os motes e as glosas, os sonetos e as canções. Mil cumplicidades partilhadas pelos dois, mas pouco mais do que um devaneio poético. Prolongou-se este jogo de sedução em verso por algum tempo, sabendo-se que Francisca tinha o sentido prático da vida e sabia domar os sentimentos, colocando-os num lugar que não lhe atrapalhassem o futuro. Piscava o olho a Camões, andava de caso com D. Manuel de Portugal, filho do conde de Vimioso e não deixava de enviar sinais a Pero Caminha, camareiro do infante D. Duarte, sem esquecer o músico e poeta, Jorge Montemor. Um tanto cabeça no ar e da fama não se livrava. Entretanto, chegava a notícia que, sendo esperada, a deixou profundamente abalada: o poeta ia partir para um longo desterro, no oriente. E Francisca não quis faltar à despedida do seu “cara sem olho”, nem dar o exclusivo desse momento às suas rivais. Quando regressou, 17 anos depois, o poeta trazia na mala o manuscrito de Os Lusíadas, mas já quase tudo tinha mudado nos amores do Paço: Dª Catarina morrera e, Joana, filha de Violante, também. Por sua vez, Francisca, ia nos 34 anos de idade, e sem esconder uma emoção ainda forte pelo poeta, andava de caso com Juan Borja, embaixador em Lisboa do rei de castela, com quem veio a casar. Por esse facto, frequentou os salões das cortes mais luxuosas da Europa e recebeu o título de primeira condessa de Ficalho. Ainda moça, tinha vindo do Algarve onde morava num palacete no Morgadio de Quarteira, propriedade da família de seu pai, Nuno Rodrigues Barreto, alcaide-mor de Faro e vedor da Fazenda do Algarve. Gente de posse com poder e influência, como o seu tio, Francisco Barreto, que chegou a vice-rei da Índia e Governador do reino dos Monomotapa, em Moçambique. O príncipe dos poetas, que tantas paixões havia suscitado entre as damas do seu tempo, acabou sozinho. Morreu com a dor de saber que Violante,

Dª Francisca de Aragão, a mais bela de todas as donzelas da corte e Luís Vaz de Camões, o príncipe dos poetas, por quem ela se deixou perder de amores FOTOS D.R.

Paço da Ribeira, antes do terramoto de 1755, onde atualmente se situa a Praça do Comércio

O Rei, para estar mais perto das Naus que regressavam da Carreira da Índia, decidiu construir o seu paço - luxuoso Palácio Real erguido a partir de 1498, por determinação de Dom Manuel I - junto ao rio Tejo, para onde veio habitar com a corte no início do século XVI. A Expansão Portuguesa transformou a cidade de Lisboa em capital do Império e num porto comercial de produtos de luxo. a sua paixão maior e Senhora da casa dos Noronha, tinha sido a razão do seu degredo e da sua desgraça. Por essa altura, já pairavam no ar sinais de fim dos tempos. Os sinos dobravam pela pátria em Alcácer

Quibir. E Camões escrevia o seu último poema de amor:

“...fui tão afeiçoado à minha pátria que não só me contentei de morrer nela, mas com ela.”

Fontes: “Os amores de Camões”, Teófio Braga, edição Fronteira do Caos, 2006; “Vida ignorada de Camões”, publicações Europa-América, José Hermano Saraiva; “Até que o amor me mate – As mulheres de Camões”, Oficina do Livro, Mª J.Lopo de Carvalho.


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Epítome de pecados e tentações, de Mário de Carvalho Breve nota biográfica

Mário de Carvalho nasceu em Lisboa em 1944. Licenciou-se em Direito e cumpria serviço militar quando foi preso. Ligado aos meios da resistência contra o salazarismo, foi condenado a dois anos de cadeia, tendo de se exilar após cumprir a maior parte da pena. Depois do 25 de Abril, em que se envolveu intensamente, exerceu advocacia em Lisboa. O seu primeiro livro, Contos da Sétima Esfera, causou surpresa pela sua atmosfera fantástica. Nas diversas modalidades que pratica, foram-lhe atribuídos vários dos principais prémios literários portugueses: Grande Prémio de Romance e Novela (Um Deus Passeando pela Brisa da Tarde), Conto e Teatro da Associação Portuguesa de Escritores (APE), prémios do Pen Clube Português, Grande Prémio do Conto Camilo Castelo Branco, Prémio Fernando Namora, Prémio Vergílio Ferreira em 2008 (pelo conjunto da sua obra), e o prémio internacional Pégaso de Literatura. Em junho deste ano foi distinguido com o Grande Prémio de Crónica e Dispersos Literários da APE pela obra O que ouvi na barrica das maçãs.

PAULO SERRA Doutorado em Literatura na Universidade do Algarve; Investigador do CLEPUL

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o dia 6 de agosto chegou às livrarias Epítome de pecados e tentações, o novo livro de Mário de Carvalho, publicado pela Porto Editora, o que, convenhamos, não é de todo inesperado ou surpreendente, uma vez que o autor tem vindo a publicar a um ritmo regular, principalmente desde A Sala Magenta, em 2008, alternando entre a novela, o conto e o romance, mas também passando pelo ensaio com Quem Disser o Contrário É Porque Tem razão em 2014.

Mário de Carvalho, um dos autores mais importantes da nossa literatura na contemporaneidade, regressa ao conto. Originalmente previsto para ser lançado em Março de 2020, conforme consta na ficha técnica, também este livro se viu forçado a alguns meses de confinamento social pelo que só agora lhe é possível ver a luz e dar o ar da sua graça. Pois, se bem que Mário de Carvalho se revele como um escritor prolífico, praticando os mais diversos géneros, e capaz de uma técnica exímia nos mais diversos estilos – do romance histórico à sátira –, é sobretudo pela fina ironia e pela doce crítica que os seus contos se destacam. Dividido em 3 partes, este livro é constituído por 11 breves narrativas:

na primeira parte, poderemos considerar que as duas narrativas são novelas, dada a sua extensão; na segunda parte, temos 8 narrativas mais curtas, contos cuja dimensão varia entre as 8 e a 4 páginas; e na terceira parte, um único conto. Pode ler-se na contracapa que este é um livro «de pecados que pedem total absolvição», todavia a venialidade do venéreo é, também, substituída por uma certa banalidade do mal, pois estes «Fascínios, inquietações e sobressaltos nas relações entre homens e mulheres» que entretecem as várias narrativas, formando um mosaico de adultério e leviandade, parecem ser mais a norma do que a excepção nos casamentos e nos relacionamentos modernos.

Mário de Carvalho é considerado um dos mais importantes escritores portugueses da actualidade. FOTO D.R.


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LETRAS & LEITURAS A primeira história Na primeira história, «Fascínio», reconta-se a sobejamente conhecida história do homem casado, pai de família, que se deixa fascinar por uma mulher, não propriamente mais nova, mas que pouco parece retribuir. Sem hesitações, dir-se-á ainda que esta é também a melhor das histórias desta colectânea. O «doutor Augusto Costa Reimão, jurista reformado e com trabalhos publicados, de alta, discutida e louvada complexidade, lei e doutrina em matéria notarial» (p. 12) recorda como se enamorou por Vanda Sofia, uma «mulher interessante, sem dúvida» (p. 11), e como a partir daí a sua vida se torna um atropelo conforme no «desdobrar dos dias, ao balcão da leitaria» passa da contemplação ao cumprimento, aos monossílabos, até que o encontro pelas 4 horas da tarde se torna tanto uma rotina como o momento alto do dia. A prosa depurada do autor, em frases ritmadas, onde as palavras brincam com a sua própria musicalidade, em que o coloquial anda de mãos dadas com o erudito, prende-nos logo nas primeiras frases: «Eu detestava-a em desespero por amá-la demais, o que pouco é dizer. Acrescia o desprezo por mim próprio pela indecisão de renunciar. Sabedor dos azares que na vida acometem os homens, e sempre capaz de esquivança, não cheguei a prever que poderia precipitar-me neste. Vi-me capturado, manietado, enrodilhado, sem antever que o dia seguinte viesse a ser diverso. A renovada e sempre desmentida esperança em pequenas vitórias revelava-se uma ilusão, a amargar mais duro quando a sós, alheado já o encanto e distante o feitiço.» (p. 11) Resta saber se esta crua lucidez com que o narrador nos conta a sua cegueira advém da sua avançada idade, enquanto «alheado ancião» (p. 12), que permite colocar as amarguras e desilusões na devida perspectiva distanciada, ou se, quando se sabia prestes a entrar nesse Jardim das Delícias, tinha já a noção que seria uma efémera estada... Note-se, neste sentido, a forma como é descrita a casa de Vanda Sofia, quando ele entra nela pela primeira vez: «Pareceu-me o Éden, um refúgio côncavo e fagueiro de tranquilidade e bem-estar, desafiando o tumulto e a lufa-lufa que são o quotidiano de todos nós.» (p. 18) Porque o amor, e a paixão, e a subsequente ilusão, sobrevive, sobretudo, pela sua condição de romper com o real e o banal dos dias. E é nesse Éden que um homem se deita a perder e a pecar.

Fina ironia numa prosa depurada Apesar do enlevo em que a prosa depurada do autor nos prende, a fina ironia está sempre presente, a começar pelo apelido do protagonista, Reimão (e os aumentativos nos nomes de homens serão uma constante neste livro, a condizer com machão, engatatão, ...), e

pelo nome de Vanda Sofia (nome duplo e sonoramente desconcertante). Ou até pela forma como o nosso herói descreve a sua vida: «Tinha a minha Aida em casa, uma nova amante ocasional no subúrbio e, sem me considerar esgotado, não estava a ver-me em renque de coleccionador.» (p. 12) Mas o caçador torna-se a presa, armado de uma incompetente lucidez que lhe permite perceber como é manietado num jogo de sedução, conforme a sua amada (a começar pela noite em que o convida para sua casa mas não lhe explica que era na verdade para um serão social composto por mais pessoas) se regala no poder que a obsessão dele por ela lhe confere: «Vanda Sofia nunca telefonava. Preferia atender-me, lidar com a minha ansiedade e conceder-me uma noite ou outra, entre as muitas que tinha «ocupadas».» (p. 30) E é nessa corda-bamba que o doutor Reimão se deixa manter, conforme a sua vida desmorona, ao ponto de fazer a velha figura de contar tudo em lágrimas à sua mulher (Aida é «discreta» e «com um sofisticado sentido do ridículo» (p. 17) assim que ela revela já ter percebido: «- Vamos, vamos, meu caro. Isto já foi longe demais.» (p. 28) O doutor Reimão, outrora este fogoso Don Juan, está agora recluso numa instituição a que “foi parar”, onde tenta negar as evidências: «Continuo a chamar velhotes aos circunstantes. Nunca olho para mim. Indiferença para com os espelhos, entranhado hábito viril. Aquela mulher que também come sozinha, na outra extrema da sala, reposiciona a dentadura com as mãos sob o maxilar, a cada duas colheradas.» (p. 26) Talvez por isso mesmo, pela sordidez e pela fatalidade da idade, de «Peles tremidas, lassas, rugas, ossos deformados», «mumificado em vida» (p. 24), o doutor Reimão queira recontar-nos a sua sempiterna memória de Vanda Sofia – «Rememorar estes passos é sofrimento que mistura fascínio, prazer e raiva.» (p. 31) – ainda que, paradoxalmente, tenha a nítida consciência de que, se ela ainda fosse viva, «não seria a bela arrebatadora dos meus melhores tempos, mas um exemplar degradado, tanto ou mais curvado e diminuído do que a senhora na minha frente.» (p. 24).

Leitura global «Hotel Azul», a segunda história do livro pode ser considerada como outra novela, dada a sua extensão, que se reparte ainda entre várias personagens e intenta narrar um único dia nas suas vidas. O ponto de vista é agora, principalmente, o da mulher. Maria das Mercês, viúva, «Ainda não ia nos sessenta, selecta magreza, cabelos grisalhos, cuidados, pelos ombros, olhos pardos deambulando por nenhures» (p. 47), em tempos professora de História no secundário. «Dois filhos, duas noras, moradia em Lisboa, dois montes no Sul, con-

tas avantajadas, dívidas, dúvidas, despiques, picardias, equívocos, um tremedal de contrariedades, maçadorias de rico, que não matam mas moem.» (p. 37) Maria das Mercês atinge o cansaço extremo quando decide que está na altura de regressar ao “seu” Hotel Azul, onde precisa de um quarto que seja seu por um tempo: «Paz molenga, caverna de sumptuosidade, silêncio, soberania máxima, o mundo que fosse à vida.» (p. 47)

O livro é constituído por 11 breves narrativas Estabelece-se aqui, nesta fuga para um quarto estrangeiro e impessoal, que sirva de refúgio, um paralelo com Bártolo, que foge à filha única. E nesse escape ao real na vida de Maria das Mercês participa também um súbito, imprevisto e calmo fascínio por Raul, o rapaz que faz as vezes de recepcionista de hotel e que lê a História da Guerra do Peloponeso, de Tucídides. A narrativa, no final, assume um rápido desenlace: «Arrumava agora as últimas roupas. Ah, se as suas filhas soubessem, crucificavam a mãe. Tinha levado para a cama um rapazito que, afinal, desejara desde o primeiro momento. Inesquecíveis instantes de intensa suavidade. Não queria correr o risco de repetir. Há coisas que só se fazem uma vez na vida. (...) Passada a festa, esquece-se o santo, como diz o povo.» (p. 67) Nos restantes contos, o ponto de vista que se adopta será, principalmente, o da mulher. E em várias das protagonistas femininas destas histórias pecaminosas aquilo que num homem atrai uma mulher é inversamente proporcional à atracção física que as mulheres exercem nos homens; a atracção é espoletada sobretudo pelo intelectual ou pela ingenuidade: «os homens gostam pouco de conversar. Podem ter o resto virado para fora, mas o cérebro virado para dentro.» (p. 114) Cada conto é uma pequena conta num rosário de histórias perladas de subtileza, de labor da linguagem, de crítica mordaz à nossa sociedade, por um olhar arguto, benevolente, sábio, sem sobranceria; distanciado, quem sabe?, porque experiente.


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FILOSOFIA DIA-A-DIA

Verão sem Dança?... Na senda de Isadora Maria João Neves Ph.D Consultora Filosófica

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a manchete da anterior edição do Postal, pode ler-se: “Empresários da noite de Faro com futuro incerto”. Com eles, como com todos os outros trabalhadores das mais diversas áreas que se viram afectados devido à pandemia, está a nossa solidariedade. Existe por parte destes empresários um esforço criativo de adaptação às restrições de distanciamento exigidas por motivos de saúde pública, mas uma coisa é garantida como certa: “este ano não há pistas de dança”. Se algum dia alguém me dissesse que o Algarve ia estar sem pistas de dança em pleno verão, eu jamais acreditaria. De facto, neste momento, a realidade ultrapassa a ficção! O imaginário de umas férias no Algarve contemplava até aqui, não apenas os maravilhosos banhos de mar e de sol, a gastronomia farta de bom peixe fresco e marisco, mas também a movimentada noite algarvia com os seus bares e discotecas. Os concertos de verão promovidos pelas autarquias, gratuitos e ao ar livre, tornavam-se também locais de dança. Os corpos morenos do sol, provavelmente mais desinibidos devido à ingestão de alguma outra bebida espirituosa, movimentavam-se ao ritmo da música, num ambiente propício ao desenvolvimento do erotismo. É bem conhecido o termo amores de verão. Este ano, o distanciamento social não promove o conhecimento de novas pessoas, a noite está morta, não há onde ir dançar depois de jantar... Porém, as praias sem as tendas de discotecas que costumavam construir-se para este efeito, as cidades sem o barulho e as luzes artificiais características dos concertos, deixam que a natureza se mostre como há muito tempo estava impedida de fazer. O céu estrelado exibe todo o seu esplendor, a lua ilumina a calmaria das águas quentes, tão convidativas a banhos nocturnos. Os elementos da natureza chamam por nós, e talvez uma nova dança surja, não provocada pelos excessos do álcool ou pelas urgências da carne, não pela batida massacrante tão típica das discotecas, mas sim pelo próprio ritmo do cosmos que agora conseguimos sentir. Vive-se um verão digno de Isadora Duncan, diria eu... Nascida em São Francisco a 26 de Maio de 1877 esta mulher apaixonada pela vida e pela natureza, revolucionou o mundo da dança criando aquilo a que se veio a chamar Nova Dança contemporânea. O brilho das suas ideias e a genialidade das suas danças provocou a admiração de grandes nomes dos mais variados quadrantes artísticos, nomeadamente: Rodin, Craig, Stanislavski, Fokine ou Esenin.

O pai de Isadora separou-se da sua mãe logo após o seu nascimento. Mary Duncan dava aulas de piano ao domicílio e tricotava camisolas para vender. Mary não dispunha nem de tempo para se dedicar aos filhos nem de meios para pagar a alguém que a ajudasse. Maurice Lever, biógrafo de Isadora, num volume publicado pela Editorial Inquérito, considera que esta foi uma “divina imprevidência” pois deixou os seus filhos livres para poderem seguir as suas vocações, tendo a miséria proporcionado “um luxo que as crianças ricas desconhecem: a independência, a vida selvagem.”

Isadora Duncan considerava andar em pontas anti-natural Ainda muito pequena Isadora Duncan sabia o que queria ser quando fosse grande: bailarina! Respondia sem hesitações a quem quer que fosse que lho perguntasse. Contudo, quando a mãe, aconselhada por uma vizinha, a inscreveu numas aulas de ballet Isadora detestou! Considerava andar em pontas anti-natural, e muito estúpidos aqueles movimentos característicos do vocabulário balético: entre-chats, jetés, fouttés, passe-pieds, balancés, tortillés... Em oposição ao espartilhamento do ballet clássico, Isadora encontra o seu lema artístico em Terpsícore, musa da música e da dança na mitologia Grega: “a arte é, antes de mais nada, um corpo liberto.” Se todos os dias, às 3 horas da tarde o filósofo alemão Emanuel Kant saía de casa para o seu passeio higiénico diário, com uma pontualidade tal que se poderiam acertar os relógios por ele, também às 3 horas da tarde tocava a campainha anunciando o fim das aulas para Isadora, o que para ela significava o fim da prisão. Sem supervisão adulta, a pequena bailarina corria imediatamente para a praia e por lá ficava até ao cair da noite. Eis o que fazia Isadora, nas palavras do seu biógrafo: “Sozinha, face ao oceano, deixa-se lentamente submergir pela irresistível pulsão que percorre os seus membros. A cabeça atirada para trás, o peito repleto de vento, eleva-se sobre os pés descalços, como se uma força exterior a conduzisse na perseguição de um sonho. Pulando pela praia fora, acompanha instintivamente a sinfonia agitada do mar. No balançar das pernas e dos braços, no arqueado das ancas, na branda ondulação dos seus rins, reconhece uma invisível harmonia com o movimento das vagas. O grande ritmo do universo determina simultaneamente a turbulenta vida do oceano e a sua delicada dança. Isadora entrega-se a ela com uma espécie de júbilo selvagem. As mãos estendidas em forma de concha, recolhem os últimos raios de sol e, com

Isadora Duncan revolucionou o mundo da dança criando aquilo a que se veio a chamar nova dança contemporânea FOTO D.R.

Isadora Duncan reinventa a dança no início do século XX

Isadora encontra o seu lema artístico em Terpsícore, musa da música e da dança na mitologia Grega FOTO D.R.

FOTO D.R.

um gesto amplo, derrama-os sobre si, pudica e casta como uma jovem bacante praticando um sacrifício no altar de Dionísio. O olhar imerso no horizonte embriaga-se com todo esse vasto espaço em seu redor, com as nuvens que correm rápidas no céu, com o cheiro dos sargaços, com a tépida transpiração das suas coxas, com a agitação do sangue que sente bater nas têmporas, com o ágil arrebatamento do seu corpo, com o peso da sua cabeleira encharcada de suor. É o delírio de uma criança livre, estonteada com a sua própria embriaguez, recusando todo o cansaço, fazendo vibrar a corda do desejo até à sua nota mais alta, imediatamente antes de a alma se despedaçar... Ritual de prazer... Transbordar de felicidade...” (Ibid.).

Neste verão podemos dançar como Isadora Neste verão podemos dançar como Isadora, descobrir os ritmos cósmicos que criam o ritmo das ondas, a sucessão dos dias e das noites, o girar do mundo sob os nossos pés. Esta é a origem da dança, perceber que o corpo está sempre a cair, graças à gravidade, e que manter-se de pé é um desafio que temos de superar em tenra idade. Como diz o filósofo José Gil no seu livro Movimento Total, publicado pela Relógio D’Água: “No começo era o movimento porque o começo era o homem de pé na Terra. Erguera-se sobre os dois pés oscilando, visando o equilíbrio. O corpo não era mais do que um campo de forças atravessado por mil correntes, tensões, movimentos.

Buscava um ponto de apoio. Uma espécie de parapeito contra esse tumulto que abalava os seus ossos e a sua carne”. Quer isto de dizer que, constitutivamente, somos já bailarinos. A dança faz parte da nossa essência. Não qualquer dança, mas esta dança que Isadora Duncan reinventa no início do séc. XX, inspirada nas esculturas gregas, nas ondas do oceano e demais ritmos da natureza. Este verão, temos óptimas condições para nos submergirmos também nós nessa dança dos elementos, longe da artificialidade, perto da natureza, podemos redescobrir o fluir natural que as nossas entranhas encerram. Dancemos pois! Inscrições para o Café Filosófico: filosofiamjn@gmail.com


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