CULTURA.SUL 102 - 7 ABR 2017

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Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o PÚBLICO

ABRIL 2017 | n.º 102 5.256 EXEMPLARES

www.issuu.com/postaldoalgarve MARCO SANTOS

Missão Cultura:

Lojas com História

D.R.

p. 2

Espaço ALFA:

Pointé, jeté, grand battement:

O Dançarte está de volta a Faro p. 7

D.R.

Arte urbana promove turismo

p. 5

Letras e leituras:

D.R.

ILUSTRAÇÃO: JOÃO ESPADA

O Sul de José Afonso ps. 8 e 9

‘Uma estranheza em mim’ Orhan Pamuk p. 6 Da minha biblioteca: D.R.

‘Palavras com que brinco e aprendo’ de José R. Brazão

p. 11


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Cultura.Sul

Editorial

Missão Cultura

O contrabando

Lojas com História: um programa a iniciar no Algarve

Ricardo Claro

Editor ricardoc.postal@gmail.com

AGENDAR

Alcoutim encheu-se de parede a parede nas ruas e vielas para dar a conhecer a sua cultura e, muito em particular, a história da História que é o contrabando enquanto actividade característica das terras e das gentes raianas, num casamento no mínimo feliz entre a cultura e a economia, a sociedade e a vontade de fazer vingar um conceito de relação ganhadora entre áreas tantas vezes de costas voltadas. O Festival do Contrabando levou muitos milhares de pessoas a Alcoutim, gentes das mais diversas geografias, e teve o condão de as deixar de sorriso estampado no rosto, sem necessidade de recorrer a grandes "artifícios" de programação cultural. Território é cultura, tradição é cultura e vivência é-o também. Eis uma das várias lições que se puderam extrair deste evento organizado sabiamente pela autarquia local com o apoio do programa 365 Algarve. Mas mais do que isto, o Festival do Contrabando uniu pessoas, gerações, culturas e povos de um e de outro lado do Guadiana com a ponte que, de forma momentânea, uniu as duas margens da fronteira. Numa época em que muitos dos povos se afastam de forma explicável mas tantas e muitas vezes incompreensível, onde os ensinamentos de séculos de História parecem esfumar-se na espuma volátil do populismo e dos nacionalismos exarcerbados e sempre dispensáveis, Alcoutim e Sánlucar, Portugal e Espanha, a Andaluzia e o Algarve deram provas de grande maturidade, mesmo quando o tema de mote para estes dias de especial união foi um tema ainda quente em termos históricos, o contrabando e tudo o que ele significa quando se trata de saber quem somos e quem fomos. 

Direção Regional de Cultura do Algarve

Quem não se recorda das lojas emblemáticas das cidades onde moramos, algumas das quais ainda em atividade? Ou daquelas outras, localizadas em aldeias mais no interior, onde íamos por razões familiares ou de lazer? A partir dessas recordações, a Câmara Municipal de Lisboa criou um programa de promoção do comércio tradicional, fomentando a tomada de consciência sobre o papel que o comércio e o consumo locais desempenham na economia, cultura, vida e história da cidade . O programa procura distinguir lojas com caraterísticas únicas e reconhecido valor para a identidade local, isto é, espaços comerciais com particularidades arquitetónicas e/ou decorativas relevantes, para as quais se exige a preservação da autenticidade arquitetónica e decorativa nas operações urbanísticas, nomeadamente as que visam a modernização ou alteração de uso. Procura igualmente distinguir as lojas que sejam únicas no quadro das atividades económicas (muitas delas pioneiras) associadas ao seu uso original e especializadas

D.R.

na venda a retalho, na restauração e bebidas ou na prestação de um serviço pessoal. E outras, ainda, por serem as últimas do seu ramo de negócio. Ou mesmo aquelas que introduziram novos conceitos na sua atividade para responder às necessidades do público e/ou que mantêm ateliês de manufactura dos seus produtos. A partir desse exemplo de Lisboa, a Direção Geral do Património Cultural desafiou as Direções Regionais de Cultura para alargarem a nível nacional e dinamizarem um programa conjunto. Este inicia-se com a identificação e mapeamento dos espaços comerciais a distinguir. Neste propósito, a Direção Regional de Cultura terá como parceiros os Municípios e a Comunidade Intermunicipal (AMAL), a CCDR e associações comerciais da região (ACRAL, AIHSA). Focar-se desta forma no passado torna muito presente a necessidade de salvaguardar estes espaços, desencadeadores de memórias, mas também o reconhecimento da sua dinâmica económica enquanto atividades geradoras de emprego, de relações sociais e do seu valor histórico e cultural para as comunidades onde se inserem. Para além de o pensarmos enquanto programa a dinamizar, vale a pena um momento de reflexão sobre

Amílcar Caeiros – Drogaria – Loulé

a importância de salvaguardar esses lugares, relembrando que no Algarve somente dois espaços de comércio tradicional se encontram classificados: o “Café Aliança”, em Faro, e o “Café Calcinha”, em Loulé. Olhar para outros espaços comerciais que, por razões diversas, não vão conseguindo acompanhar o desenvolvimento das novas exigências de consumo, deve ser gerador de ação e promoção da sua dinamização económica antes que desapareçam. Simultaneamente, devemos pensar no papel de cada um de nós enquanto atores neste propósito, pois como consumidores devemos ter consciência de que só com a participação de todos é possível salvaguardar espaços, empregos e economias locais. Na passada quarta-feira, dia 5 de Abril, teve lugar na sede da Direção Regional de Cultura do Algarve o primeiro encontro regional no âmbito deste programa, no qual estiveram presentes os parceiros regionais e os nacionais, assim como os responsáveis por este projeto na Câmara Municipal de Lisboa. http://www.belasartes.ulisboa. pt/lojas-com-historia/ De acordo com o Boletim Municipal de Lisboa, de 25/02/2016. 

Juventude, artes e ideias

ADAPTA

Jady Batista Coordenadora Editorial do J

A ADAPTA - Associação Desporto e Aventura Para Todos,

Algarve foi fundada, a 31 de maio de 2014 por um grupo de amigos com o intuito de corresponder às necessidades e anseios da população do concelho de Olhão e concelhos limítrofes, no que diz respeito à prática de atividade física. A sede localiza-se no Loteamento Maria Tereza Jesus Lopes Viegas, Rua A, nº 13, loja A, em Olhão.

Criada no âmbito dos Clubes Desportivos, a ADAPTA é uma instituição sem fins lucrativos e tem como missão a promoção das atividades físicas, desportivas e recreativas, de forma lúdica e sem qualquer vertente competitiva. Por este motivo, consideram que as suas maiores conquistas são o trabalho realizado com as crianças, o seu desenvolvimento e o reco-

“CONCERTO DE JORGE PALMA” 7 ABR | 21.30 | Auditório Municipal de Albufeira Músico vai subir ao palco, juntamente com Vicente Palma e Gabriel Gomes (ex-Madredeus e Sétima Legião), que o acompanham no seu formato acústico

nhecimento do mesmo. Paralelamente, e associada à missão, a associação possui também o objetivo de promoção de estilos de vida saudáveis. Atualmente, com a abrangência local, pois as atividades realizadas até ao momento têm contado com participantes residentes no concelho de Olhão e regiões limítrofes, não escondem no entanto o interesse em

atingir uma abrangência mais regional em consonância com o nome da associação. Para o futuro, a ADAPTA perspetiva a realização de um grande evento, com caráter anual, que envolva não só as crianças e jovens, mas também as famílias e as instituições concelhias, pelo que estão em vias de apresentar uma candidatura a um programa do IPDJ.

“VOZ DA RAZÃO” 15 ABR | 21.30 | Centro Cultural de Lagos A análise de Luís Franco-Bastos sobre a política, futebol, música ou as relações entre homens e mulheres é agora mais crítica complexa


Cultura.Sul

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Espaço AGECAL

Quando bem se busca, descobre-se sempre um rasto D.R.

Rui Parreira Arqueólogo, sócio da AGECAL

A afirmação de Leite de Vasconcelos1 vem aqui a propósito de que, há uns 2070 anos atrás, os Romanos fundaram nas margens da ria, junto à actual Luz de Tavira, uma cidade que povoaram com os deslocados de outra terra, a cerca de 10 quilómetros. A nova localização trazia vantagens: a cidade foi planeada com ruas direitas e espaçosas, com casas arejadas, e infra-estruturada com abastecimento de água e esgotos, dotada de centro cívico e religioso, termas, circo, cemitérios e instalações portuárias. Durante mais de 500 anos, a cidade foi habitada por gente de variadas origens e os arredores ocupados com assentos de lavoura. Detinha um estatuto político invejável, cabeça de um território que ia desde Bias do Sul ao Guadiana, abarcando a faixa do litoral e parte do barrocal e da serrania do Caldeirão. Ali se consumiram e negociaram

produtos de muitas procedências. Numa posição privilegiada nas rotas marítimas, a cidade beneficiou do comércio entre o Mediterrâneo e o Atlântico, mormente após a Britannia ser integrada no Império. Há 1.600 anos atrás, a cidade foi sendo despovoada e as suas construções desmanteladas, os objetos destruídos ou dispersos, os materiais reutilizados. No plaino abandonado, a cidade, agora invisível, ficou sujeita ao dinamismo da atividade humana. Instalaram-se assentos de lavoura.

Há pouco mais de 400 anos atrás, os humanistas reencontraram o nome da cidade: Balsa. Há 150 anos atrás, a sua localização foi confirmada pelos arqueólogos. Mas há 40 anos atrás, a campina da Luz começou a ser profundamente alterada, com o cultivo mecanizado de vinha e pomares de fruta. O espaço agrícola foi usurpado por moradias e vivendas de férias. As ruínas dos romanos foram delapidadas e pilhadas. Só a partir de então a cidade foi delimitada com rigor e beneficiou de escavações arqueológicas.

Há 30 anos atrás, a criação do Parque Natural da Ria Formosa visou a proteção e conservação do sistema lagunar, nomeadamente da sua flora e fauna e respetivos habitats. Sem esquecer a presença das gentes, o Parque propôs proteger, classificando, o que restava da cidade romana. Em 1990, foi finalmente oficializada a proteção do imóvel como bem cultural. Contudo, só uma mínima parte da área arqueológica acabou classificada, em 1992, como bem de Interesse Público. Que há 6 anos atrás passou a dispor de uma Zona

Especial de Proteção. Mas a prevalência da proteção da natureza e da paisagem e a intervenção do Parque termina onde começa o perímetro do Aproveitamento Hidroagrícola do Sotavento, um avultado investimento público para a rega e abastecimento urbano. Aí, os beneficiários da obra de rega podem e devem praticar a atividade agrícola e esta intensificou-se com cultivos em túneis, para exportação e altamente rentáveis. Contudo, a paisagem daquele plano tem uma componente eminentemente cultural, pontuada por ruínas de paredes, pavimentos e escombros. Conotados com a sustentabilidade da Dieta Mediterrânica, encarada como um recurso de desenvolvimento regional, o conhecimento e valorização de Balsa enquanto bem cultural, incluindo os seus valores paisagísticos, arqueológicos e imateriais, exigem ampla participação dos intervenientes no processo de ordenamento e de gestão cultural do território, para definir e avaliar criticamente objetivos operacionais e mecanismos legais de recuperação deste património único e insubstituível da região e do país. De Campolide a Melrose. Lisboa, Imprensa Nacional, 1915, p. 37  1

Na senda da Cultura

Onze anos de Tertúlias da Biblioteca de Lagoa Mais de uma década de trabalho e dedicação levaram a Lagoa mais de uma centena de pensadores e oradores que, a cada última quinta ou sexta-feira dos meses, se debruçam sobre as mais diversas temáticas. Entre os nomes que nestes 11 anos de sucessivas tertúlias passaram pela Biblioteca Municipal de Lagoa encontram-se alguns nomes sonantes da vida portuguesa das mais variadas áreas, mas, mais do que o nome de cada convidado, o que releva é o seu pensamento, a sua opinião e a sua forma de ver o Algarve, Portugal e o mundo. Conversas pensadas para ouvir, debater e reflectir, as Tertúlias da Biblioteca Municipal de Lagoa são resultado do trabalho aturado e dedicado de um dos nomes regionais de relevo nas áreas da cultura e do fomento da participação cívica, Maria Luísa Francisco, que sem ceder a qualquer protagonismo tem realizado um pouco por toda a região um aturado trabalho de intervenção em vários segmentos da cidadania e da cultura. Mais de uma década de conversas, umas mais acesas do que outras, é um fenómeno a nível regional que é, no

mínimo, de louvar, quando o mundo tal como hoje o conhecemos deixa tantas vezes cair por entre a rotina e o desinteresse generalizados o tempo para a reflexão e para a análise partilhadas com o outro. As tertúlias, e as promovidas por Maria Luísa Francisco não são excepção, são espaços de liberdade e de fomento do pensamento, abrem horizontes, consolidam ideias e moldam convicções na relação entre o eu e o colectivo de forma única. Geradoras de consciencialização são espaço para vingar o desenvolvimento do sentido crítico face à realidade, sem seguidismos nem pré-concepções e são, por isso mesmo, oportunidades cada vez mais raras e imperdíveis de formação e sensibilização. Das temáticas mais banais - à primeira vista - àquelas que possam parecer mais eruditas, a verdade é que o bordão “da discussão nasce a luz” é o resultado que a cada momento se espera de cada uma das tertúlias lagoenses pensadas e moderadas por Maria Luísa Francisco, realizadas no quadro da intervenção cívica preconizada pelo Lions Clube de Lagoa.

D.R.

Maria Luísa Francisco e Joaquim Jorge um dos oradores que já passaram pelas Tertúlias da Biblioteca de Lagoa Uma iniciativa de 11 anos que conta desde a primeira hora com o apoio do

município local e que promete continuar a atrair para o palco das reflexões

pessoas de todos os quadrantes e formações, de todas as áreas da vida e de todos os segmentos do pensamento livre, afinal é da amálgama de ideias conversadas que se faz o elixir do conhecimento e da sabedoria, que se faz coisa pública e colectiva nestes espaços de debate. Mais do que necessariamente opinar, o que em cada tertúlia é sempre fomentado como consequência da intervenção dos oradores convidados, dar a conhecer a realidade e algumas das visões que sobre ela existem, são um passo fundamental para uma maior consciência das temáticas. O saber não ocupa lugar, mas tem nas Tertúlias da Biblioteca de Lagoa espaço de destaque porque conhecimento é poder e, acima de tudo, porque participar na discussão da vida é fundamental. A Tertúlia que assinalou os 11 anos deste verdadeiro serviço público que tem aos comandos Maria Luísa Francisco realizou-se no final de Março e teve como convidado Francisco Moita Flores, debruçando-se sobre o tema “As redes sociais e as novas formas de violência”. 


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Cultura.Sul

Artes visuais

O que é o stresse? Resposta através da imagem visual FOTOS: D.R.

Saul Neves de Jesus

Professor catedrático da UAlg; Pós-doutorado em Artes Visuais pela Universidade de Évora

Os níveis de stresse das pessoas têm vindo a aumentar nos últimos anos, devido a múltiplas alterações na vida profissional, familiar, social, etc, que representam um aumento dos níveis de exigência e de incerteza. Em geral, quando é utilizado o termo stresse é-o no sentido negativo, pelas consequências que a vários níveis podem ocorrer no organismo, sobretudo quando as situações representam níveis de exigência muito elevados para o sujeito ou quando persistem durante muito tempo na sua vida, ultrapassando os seus limites de tolerância. No entanto, o stresse pode ser positivo, distinguindo-se entre as situações de distress, em que o nível de exigência é claramente superior à capacidade do sujeito para responder, e as situações de eustress, em que o sujeito consegue responder de forma adequada à exigência que sobre ele é colocada, podendo desta forma as situações aparentemente difíceis até contribuir para o seu desenvolvimento e realização. No sentido de tentar expressar ambas as valências do stresse, a negativa e também a positiva, procurando sintetizar a essência deste conceito, realizámos o trabalho “Distress e Eustress (síntese)”. Neste, procurámos expressar a diferença entre as duas valências do stresse, utilizando duas telas de dimensões diferentes, representando níveis de exigência diferentes para o sujeito, que aqui é representado pelo pincel, enquanto os seus recursos para responder às exigências são representados pelas tintas utilizadas. A situação em que a tela é maior, representando uma exigência superior, provoca distress, pelo que a tinta não é suficiente para uma resposta adequada à tarefa de realizar um traço na tela. O traço revela-se inconstante e os pelos do pincel estão abertos como que

alarmados com a situação. A tinta vermelha representa simultaneamente a agressividade e o receio no traço realizado, isto é, as respostas de luta e de fuga de que já Canon falava, em 1935. Por seu turno, na situação em que a tela é de menor dimensão, a tarefa de realizar um traço corresponde a um nível de exigência ao qual consegue ser dada uma resposta adequada, representando uma situação de eustress. A situação não foi um problema, mas sim um desafio, sendo o traço realizado de forma confiante e serena, o que é representado pela cor azul, e a resposta adequada, como se revela pelo traço direito e constante, bem como pelo pincel com os pelos na dimensão do traço que realizou. A partir deste trabalho “Distress e Eustress”, produzimos ainda um outro trabalho sobre o conceito de stresse que utilizou meios digitais. Assim, foi criado um ambiente digital, procurando responder à questão “what is stress?”. Nesse sentido, foram utilizadas as imagens produzidas no trabalho “Distress e Eustress” e conjuntos de palavras que se organizam para permitir clarificar o conceito de stresse. Em termos de software informático para a realização deste trabalho foram utilizados os programas on-line Prezi e Wordle. Aproveitando as potencialidades destes programas informáticos, procurámos criar um ambiente digital que integra as imagens das telas “Eustress e Distress”, colocando no meio a questão “What is stress?” Desta forma, procuramos expressar que o stresse é algo que se situa entre estes dois conceitos mais específicos, representando também que se trata de duas possibilidades alternativas de desenvolvimento quando o sujeito é confrontado com exigências que constituem fatores de stress. Integrámos na imagem diversos termos-chave que permitem responder à questão colocada e compreender como é que as situações de distress e de eustress podem ocorrer e desenvolver-se. Esses termos-chave são os seguintes e apresentados nesta sequência: stress, factors, distress, symptoms, coping, resilience e eustress.

Obra 'Distress e Eustress (síntese)' (0,30x1,00x0,20 e 0,30x0,70x0,20m; 2011), de Saul de Jesus

Imagem inicial do trabalho em arte digital 'What is stress?' (1’20) A imagem que destaca a questão colocada constitui o primeiro de vinte passos apresentados neste trabalho. A sequência de passos foi organizada de forma a que primeiro surjam imagens de cada uma das telas com a respetiva designação de distress ou eustress, consoante o caso, para fomentar a curiosidade no espetador e para que este se possa aperceber das duas possibilidades deste termo. Depois a sequência segue com a apresentação de cada um dos termos-chave, encontrando-se num ponto de cada um deles um conjunto de palavras que ajuda a compreender o seu sentido. As palavras relativas a cada termo-chave foram selecionadas a partir de uma re-

visão da literatura da especialidade sobre cada um dos termos, permitindo um conjunto de palavras para cada termo. As palavras escolhidas para cada um dos termos-chave foram as seguintes: 1) Stress: Selye, elasticity, demands, tension, activation, fight-or-flight, pressure, hypothalamus, adrenaline, cortisol; 2) Factors: conflicts, problems, too busy, work overload, uncertainty, pessimism, perfectionism, illness; 3) Distress: deadlines, emergency, urgent, danger, persistent stress, negative events, bad stress, vulnerability; 4) Symptoms: indecisions, apathy, heartbeat, colds, headaches, infections, fatigue, hypertension, irritability, unhappiness, diseases,

insomnia, nightmares; 5) Coping: strategies, skills, social support, time management, assertiveness, share feelings, humor, healthy lifestyle; 6) Resilience: resistance, optimism, hardiness, protective factors, realistic goals, self-confidence, flexibility; 7) Eustress: positive response, good stress, concentration, energy, fulfill goals, adaptation, challenge, solve problems. Estes conjuntos de palavras foram organizados no Wordle e transpostos para o Prezi, possibilitando este a sua observação através do efeito zoom que permite efetuar. A sequência dos termos foi a referida atrás porque o desenvolvimento do distress numa

situação de stresse (termo 1) depende dos fatores (termo 2) presentes nessa situação. Do distress (termo 3) resultam vários sintomas (termo 4). A resolução de situações de distress depende das estratégias de coping (termo 5) e das competências de resiliência (termo 6) do sujeito, possibilitando o desenvolvimento do eustress (termo 7). A apresentação termina com um afastamento da imagem, possibilitando uma visão panorâmica das telas e dos termos-chave distribuídos nestas. Sendo programado para uma sequência de 4 segundos por passo, a apresentação do trabalho demora 1 minuto e 20 segundos. No entanto, o Prezi também permite que o ritmo de passagem entre cada passo da sequência seja decidido pelo espetador, no momento em que está a apreciar o trabalho. Assim, neste trabalho também procuramos aproveitar a vertente de interatividade permitida pela arte digital (Lieser, 2009), pois o espetador pode gerir o tempo que demora em cada passo da sequência de imagens. Assim, a participação ativa do espetador e a interação permitida pela arte que recorre ao potencial das novas tecnologias tem também esta vantagem de permitir ambientes de apreciação artística ou de aprendizagem através da arte mais atrativos e cujo ritmo é gerido pelo próprio sujeito que aprecia ou aprende. Desta forma, este último trabalho procurou explorar as relações de convergência entre a arte, a ciência e a tecnologia, encontrando-se a relevância da sua componente pedagógica patente na necessidade da participação ativa do espetador, pois este terá de fazer um percurso de vinte passos que pode gerir segundo o seu próprio ritmo de aprendizagem. Este trabalho encontra-se disponível no youtube, no link http://www.youtube.com/ watch?v=uwK8ih4FPFs. Nota: Algumas das reflexões apresentadas neste artigo encontram-se no livro “Construção de um percurso multidisciplinar, integrativo e de síntese nas Artes Visuais”, de Saul Neves de Jesus (snjesus@ualg.pt). 


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Espaço ALFA

Arte urbana promove turismo D.R.

Vico Ughetto Sócio da ALFA

O conceito de arte urbana tem vindo a tornar-se popular e a ser um dos elementos de destaque, quer artístico, quer de animação e embelezamento, de várias cidades europeias, com destaque para as grandes capitais, sobretudo as que têm uma forte componente turística associada. Por cá, Lisboa é a grande referência, desde o conceituado Vhils, que tem roteiros para observar as suas pinturas/esculturas, até à Joana Vasconcelos que, também pela capital, espalha algumas das suas obras escultóricas de grande dimensão. No Algarve, Olhão é um dos principais exemplos do uso do grafíti na

arte urbana, tendo Alte algumas obras do artista Menau nas suas paredes. De modo a contribuir para este conceito recentemente valorizado e apreciado, a ALFA - Associação Livre Fotógrafos do Algarve tem um projeto de exposição fotográfica de rua, o qual pretende trazer para o espaço público urbano do Algarve algumas das suas imagens mais icónicas. Este conceito, inovador e pioneiro, serve-se de tecnologia patenteada que permite a colocação de fotografias de grande dimensão, "coladas” em edifícios nobres sem qualquer risco estrutural. Este recurso à fotografia panorâmica, disposta de forma não convencional no espaço urbano, permite uma aproximação ao público difícil de obter numa galeria, sugerindo a visita e descoberta das imagens através de um circuito pedonal. Um dos locais definidos para esta mostra fotográfica de rua passa pela

Exemplo de Arte Urbana Fotográfica na Cidade Velha em Faro (montagem sob imagem Google Maps) zona histórica de Faro (vulgo Cidade Velha), na qual será

possível circular pelo património enquanto se promove

o Algarve através da fotografia. Este projeto tem como

missão ligar arte e promoção turística da região.•

Filosofia dia-a-dia

Razão ou Coração? Parte 2: O Coração em Aristóteles

Maria João Neves Ph.D Consultora Filosófica

O coração é o contrapeso do cérebro. Aristóteles Aristóteles, o eminente filósofo que foi discípulo de Platão (427-347 a.C), preceptor de Alexandre O Grande e fundador do Liceu de Atenas, nasceu em Estagira em 384 a.C e faleceu em Atenas em 322 a.C. Durante a sua longa vida investigou amplamente sobre os mais diversos temas, desde as ciências naturais à ética, política, retórica, poesia, metafísica e artes. Hoje ocupar-nos-emos de um assunto que lhe era muito caro: a importância e função do coração no ser humano. O Estagirita distingue três faculdades da alma: a vegetativa,

a sensitiva e a intelectual. As plantas possuiriam alma vegetativa, apta apenas para as funções de nutrição, crescimento e reprodução. Os animais irracionais possuiriam tanto alma vegetativa como alma sensitiva, a faculdade responsável pelas sensações e movimentos do corpo. Somente o homem seria dotado de intelecto, “aquela parte da alma que permite conhecer e pensar”. Por este motivo Aristóteles afirma na Metafísica que “todos os homens têm, por natureza, o desejo de saber”. Seria, portanto, de esperar, que o filósofo atribuísse ao intelecto o lugar mais elevado na hierarquia das faculdades e o alojasse no cérebro. Porém, não será assim... O investigador C. Gross no seu livro Brain, Vision, Memory: Tales in the History of Neuroscience constrói uma tabela onde mostra os argumentos de Aristóteles (adaptado): Aristoteles afirma em Parva Naturalia que “o cérebro é a parte mais húmida e fria de todo o corpo”. Por esse moti-

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vo não poderia alojar a alma. O coração “sendo a mais quente de todas as partes corporais, é o contrapeso do cérebro.” O coração é a sede da alma! Olhando para esta tabela é curioso verificar, como a ideia que Aristóteles tinha de que o coração é um órgão afectado pelas emoções e o cérebro não, se mantém até aos dias de hoje. Expressões como “Não te deixes levar pelo coração!” são um bom exemplo disso. Por outro lado, o coração é considerado a fonte de calor do corpo e como estando ligado a “todos os órgãos sensoriais e músculos através dos vasos sanguíneos”. Esta sua dupla condição de ca-

lor e conexão torna-o o centro do organismo vivo. Estar em vida é estar ligado, estar ligado é sentir, ter emoções, ter pathos. Em Acerca da Alma, Aristóteles descreve as emoções como movimentos do coração: “entristecer-se, alegrar-se ou discorrer são movimentos, e o mover-se dá-se por acção da alma, por exemplo, encolerizar-se ou ter medo são o coração a mover-se de certa maneira”. A defesa da objectividade científica, assenta na frieza do cérebro, na sua capacidade de se desligar e de não ser afectado pelas emoções. O entendimento é impassível, é a-pathos. Esta característica foi

muito enaltecida nos tempos modernos com o desenvolvimento da ciência e da técnica. A definição do homem como um “animal racional”, colocou o intelecto como nota distintiva da nossa espécie. Foi, portanto, a visão platónica, cerebralista, apoiada nas observações médicas de Hipócrates e seus sucessores que prevaleceu. No entanto, as neurociências vêm resgatar Aristóteles. O neurocientista português António Damásio no seu famoso livro O Erro de Descartes mostrou como pacientes que sofreram danos cerebrais que não afectaram a sua ca-

pacidade de raciocínio mas os tornaram incapazes de sentir ou processar emoções passaram a tomar muito más decisões. Se apenas dispomos da razão para realizar uma escolha, temos de enunciar todos os prós e contras de uma possibilidade. Com a emoção, pelo contrário, há hipóteses que são imediatamente descartadas. A possibilidade de assassinar progenitores ricos para obter a sua herança, por exemplo, provoca tal horror a qualquer pessoa de bem, que nem sequer chega a colocar-se! A visão cardiocentrista de Aristóteles vai tomando cada vez mais relevo nos dias de hoje, à medida que a inteligência emocional, a intuição, e a ternura do coração vêm sendo acolhidas como boas condições para uma vida plena e feliz. Afinal, parece ser que um bom raciocínio requer o conselho das emoções! Estas reflexões continuam nos Cafés Filosóficos que se realizam em Tavira e Faro. filosofiamjn@gmail.com


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Cultura.Sul

Letras e leituras

Deambulações por Istambul: Uma estranheza em mim de Orhan Pamuk

Paulo Serra

Doutorado em Literatura na Universidade do Algarve; Investigador do CLEPUL

Uma estranheza em mim é o mais recente romance de Orhan Pamuk, autor turco vencedor do Prémio Nobel de Literatura em 2006. A sua obra começou a ser publicada na íntegra pela Editorial Presença ainda antes da atribuição desse galardão, o que não é de surpreender se considerarmos como o autor tem sido comparado a grandes autores como Eco ou García Márquez. Pamuk nasceu em 1952, estudou Arquitectura e depois Jornalismo, sem nunca exercer. Dedicou-se à escrita desde os 23 anos e as suas obras têm constituído sempre êxitos de vendas no seu país. É o autor turco mais galardoado, apesar do seu criticismo face à política turca, a nível nacional e internacional, já distinguido com o IMPAC, e foi finalista do Man International Book Prize 2016 com este romance. Neste Uma estranheza em mim o autor centra-se numa personagem-símbolo de modo a traçar um profundo retrato pessoal – note-se a primeira pessoa do título – de Istambul e das suas profundas mudanças entre 1969 e 2012. Um título alternativo a este livro será: «Ou as aventuras e sonhos de Mevlut Karatas, vendedor de boza, e dos seus amigos, e também um retrato da vida em Istambul entre 1969 e 2012 de muitos pontos de vista diferentes.», o que indicia a ambição deste romance, que levou seis anos a ser escrito (2008-2014), com uma estrutura cuidada – dividido em VII partes, sendo as partes III, IV e V arrumadas em diversos capítulos – , onde todas as partes têm epígrafes, os capítulos possuem um título ilustrativo do seu conteúdo e uma citação contida nas páginas que se seguem, havendo ainda o cuidado de incluir uma árvore genealógica, um índice de personagens e uma cronologia histórica. A narrativa inicia-se com Mevlut, nascido em 1957, quando

aos 12 anos de idade é levado pelo pai, um vendedor ambulante de iogurte, para Istambul, a «capital do mundo», onde ficará a viver, longe da aldeia onde ficam a mãe e as irmãs. O «nosso herói» é «alto, de compleição robusta, apesar de delicada, e bem-apessoado. Tinha um rosto de rapaz, cabelo castanho-claro e olhos vivos e inteligentes, uma combinação que despertava não poucos sentimentos de ternura entre as mulheres» (p. 19). Não é por acaso que citamos esta descrição de Mevlut, então com 12 anos, pois é também esta beleza que lhe irá abrir

tivessem conhecido realmente Mevlut, como eu conheci, (...) saberiam que não estou a exagerar só para fazer efeito. Na verdade, gostaria de aproveitar esta oportunidade para sublinhar que não há quaisquer exageros em todo este livro, que se baseia por inteiro numa história verdadeira; vou narrar alguns acontecimentos estranhos que sucederam e o meu papel será tão-só ordená-los de modo a permitir aos meus leitores acompanhá-los e entendê-los com mais facilidade.» (p. 19). Justifica-se a citação desta extensa passagem pois ilustra

seus depoimentos na primeira pessoa para apresentar os eventos narrados sob a sua própria perspectiva, como se estivéssemos a assistir a um documentário. Nesta primeira parte do livro, o autor começa pelo meio, quando em 1982 Mevlut foge com uma rapariga da aldeia, então com 13 anos, por quem se apaixonou no casamento do seu outro primo Korkut, e a quem irá escrever cartas de amor nos próximos três anos até que finalmente decide ir

quando Mevlut se apaixonou por Samiha foi pelos seus lindos olhos, ao jeito da tradição literária otomana, pois naquela altura as mulheres «cobriam-se ainda mais e, como os homens a única coisa que podiam ver eram os olhos delas, tanto a literatura de corte como a popular fixaram-se neles.» (p. 605). A vida de Mevlut é um retrato de uma geração de classe baixa, em que poucos concluíram a escolaridade básica, constroem as

FOTOS: D.R.

Orhan Pamuk recebeu o Prémio Nobel da Literatura em 2006 algumas portas na vida ou pelo menos a porta para os corações de algumas pessoas com quem se irá cruzar no seu percurso. O autor assume-se como a voz narratorial e, adoptando um tom coloquial e íntimo para com o leitor, anuncia algumas pistas de leitura logo na primeira página: «Este ar arrapazado, que Mevlut manteve até estar bem entrado nos quarenta, e o efeito dele sobre as mulheres eram dois dos seus traços essenciais e valerá a pena eu recordá-los de vez em quando aos leitores para ajudar a explicar alguns aspetos da história. Quanto ao otimismo e boa vontade de Mevlut – a que alguns chamariam ingenuidade –, estes traços não será necessário lembrá-los, já que vão ser manifestos do princípio ao fim. Se os meus leitores

profundamente a intenção do autor ou o que o autor deixa passar como a sua intenção – e toda a história gira em torno da questão das intenções nas palavras e no coração – na obra que nos apresenta, tomando este herói ingénuo, sempre apresentado na terceira pessoa, como o centro da narrativa, os «acontecimentos estranhos» que lhe sucederam – como veremos adiante quando ele é vítima de um engano amoroso –, mas mais principalmente aqueles que vão sucedendo à cidade de Istambul no seu crescimento, e acusando uma ideia de fazer deste livro um testemunho, como depois se poderá verificar quando as várias personagens que participam da vida de Mevlut contribuem constantemente com os

buscá-la e organiza a sua fuga. Encontram-se um ao outro na escuridão e apesar de tudo parecer correr bem é quando já estão no carro e prontos a arrancar que «houve um relâmpago» e por esse momento tudo se ilumina «como uma memória distante»: «Pela primeira vez, Mevlut conseguiu ver bem o rosto da mulher com quem iria passar toda uma vida./ Havia de recordar a absoluta estranheza daquele momento até ao fim da vida.» (p. 23). Percebemos depois, e só muito mais tarde no livro saberemos exactamente como, que afinal Mevlut “raptou” a irmã errada com quem acaba por viver um casamento feliz, apesar de por vezes se interrogar se não estará afinal a viver a vida de outra pessoa. Convém esclarecer que

suas casas e delimitam terrenos de que se apropriam indevidamente, com um certo consentimento indeferente e alguma corrupção por parte das autoridades municipais, em bairros que crescem desordenadamente, em que as mulheres cobrem as cabeças com lenços e não são admitidas em funerais e onde a Europa é um país distante. Mevlut é os olhos com que vemos Istambul e representa um símbolo da resistência de uma cultura arcaica por entre a modernidade que vai transfigurando a paisagem da cidade, começando por seguir os passos do pai como vendedor ambulante de iogurte e depois de boza, apesar de ainda tentar sem grande sucesso ou entusiasmo outros ofícios – muitas vezes

empurrado pelos primos que não compreendem como pode ele insistir em calcorrear a cidade com uma canga às costas em vez de fazer dinheiro fácil. A boza é uma bebida que ganha contornos de coisa sagrada, como percebemos num diálogo onde Mevlut fala com ares de filósofo – talvez resultantes dessa sua estranheza que o leva a caminhar pela cidade nocturna como quem divaga, pois é o caminhar que o ajuda também a pensar: «Só porque alguma coisa não é estritamente islâmica, não significa que não possa ser sagrada. Coisas antigas que herdámos dos nossos antepassados também podem ser sagradas. (...) Não quer dizer que ela só possa ser sagrada se toda a gente a andar a beber. Há muito poucas pessoas que leem mesmo o Corão. Mas em toda Istambul, há sempre pelo menos uma pessoa a lê-lo num determinado momento, e milhões de pessoas podem sentir-se melhor só de pensarem naquela pessoa. Basta que as pessoas saibam que a boza era a bebida favorita dos nossos antepassados. É isso que o pregão do vendedor de boza lhes recorda e fá-las sentir bem ouvi-lo.» (p. 296). Além da sua beleza, é a sua voz melancólica que leva a que as pessoas abram as suas janelas ao ouvir o seu pregão, e o convidem a subir, ou lancem os seus cestos, para provar essa bebida nacional que muitas vezes nem conhecem e que ele insiste em vender pelas ruas de uma cidade que nos últimos 40 anos passou de 3 para 13 milhões de habitantes, e onde o desenvolvimento urbanístico com a sua profusão de novos e altos edifícios já nem permite a um vendedor caminhar pelas ruas. Em Março, a Presença lançou também Cevdet Bei e os seus filhos, o primeiro romance do autor, cuja história remonta à Istambul de 1905, e traça um retrato da Turquia moderna, entre a queda do império otomano e a fundação da República, ao narrar a história de três gerações de uma família. Pamuk concilia na sua já vasta obra uma perspectiva histórica da cultura islâmica e do Médio Oriente com a modernidade de uma capital que faz a ponte entre o Oriente e o Ocidente. 


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Panorâmica

Pointé, jeté, grand battement: Dançarte semeia em Faro a beleza do movimento FOTOS: MARCO SANTOS

ros para Melhor Solista, Melhor Dueto/Trio e Melhor Grupo e de 500 euros para o Prémio de Interpretação Contemporânea. Galas imperdíveis Ricardo Claro

Como facilmente se pode perceber através das fotos que iluminam - que outra forma de as descrever pecaria por escassa - esta página, as galas são os momentos altos do Dançarte, que promete, uma vez mais, dar casas cheias ao Teatro das Figuras. A realizar nos dias 13 e 14 de Abril, sempre às 18.30 horas, estes serão momentos de excelência absolutamente imperdíveis, onde a arte se faz voos e sensibilidade, técnica e destreza, elegância e arrebatamento de uma só vez num périplo pela emoção de ver a expressão da arte feita moldagem de corpos pelo saber de treino e mestria incansáveis.

Editor ricardoc.postal@gmail.com

Quando se fala no Dançarte fala-se, antes de mais, em 14 anos de esforçado trabalho para colocar a cidade de Faro e o Algarve na rota da dança nacional e internacional. "Roma e Pavia não se fizeram num dia" e criar um concurso de dança e dar-lhe gabarito e expressão dentro e fora das fronteiras lusas é trabalho aturado que a Associação Beliaev Centro Cultural tem desenvolvido de forma exemplar. É a este nome grande do ballet - Evgueni Beliaev que se deve, não só o sucesso do Dançarte, mas também, o da Companhia de Dança do Algarve, formando gerações sucessivas de bailarinos numa região onde a dança em geral e o ballet em particular nunca tiveram uma expressão de notoriedade pública assinalável. Ao Dançarte chegam bailarinos de várias escolas regionais, nacionais e internacionais - desde há mais de uma década - para aquele que é um concurso com créditos firmados na arte da dança nas vertentes clássica, contemporânea, dança de carácter, hip-hop, jazz e

O homem por detrás do sucesso

A competição será transmitida em directo pelo canal do YouTube sapateado, bem como coreógrafos que têm, também eles, lugar no concurso. Os intérpretes, entre os oito e os 25 anos, e os coreógrafos podem assim dar provas da sua arte e enriquecer o seu currículo frente a um júri de excelência e, simultaneamente, dar a conhecer ao público algarvio e não só os seus dotes artísticos.

Concurso proporciona espectáculos de rara beleza entre 11 e 14 de Abril Entre 11 e 14 de Abril, o Teatro Municipal de Faro acolhe este ano - depois de desde há alguns anos o Teatro Lethes ter deixado de ter capacidade para ser a sede do Dançarte - a 14ª edição do concurso, para dias pontuados com espectáculos de rara beleza fruto da perfor-

As galas são os momentos altos do Dançarte

mance de bailarinos e coreógrafos que serão recebidos no dia 10 pela autarquia farense, numa cerimónia de boas-vindas a realizar no museu municipal da cidade. Em cada edição do concurso são premiados os melhores através da atribuição de acções de formação e workshops, em Portugal e no estrangeiro, e de prémios monetários de mil euros para o Prémio de Coreografia; de 750 eu-

Por detrás de todo o trabalho que fez do Dançarte o que hoje representa está um grupo incansável de dedicação, onde figura desde logo Evgueni Alexandrovich Beliaev, mas também Laura Andrade, Ivânia Faustino, Ana Isabel Sousa e Natacha Alentejano, entre tantos outros nomes que deram e dão corpo a um sonho. Todos responsáveis por, este ano, chegarem a Faro para o Dançarte 28 escolas de dança num total de mais de 1.200 participantes naquele que será um concurso trans-

PROGRAMA: î DIA 11, terça-feira 9 / 13 h. - Check-in 14.30 h. - Abertura do Concurso 14.45 h. - Concurso Grupos, escalões 1 e 2 17.30 h. - Concurso Duetos/ Trios, escalões 1 e 2

î DIA 12, quarta-feira 10 h. - Concurso Solistas, escalão 1 11.30 - Concurso Grupos, escalões 3 e 4 15.00 - Concurso Solistas, escalão 2 17.00 - Concurso Grupos, escalões 3 e 4

î DIA 13, quinta-feira 10 h. - Concurso Solistas, escalão 3 11.15 h. - Concurso- Solistas, escalão 4 15 /17 h. - Audição Opus Ballet e Masterclasses 18.30 h. - GALA DOS PREMIADOS - Infantil

î DIA 14, sexta-feira 09.30 h. - Concurso Duetos/ Trios escalões 3 e 4 11.15 h. - Concurso de Coreografia 15 / 17 h. - Masterclasses 18.30 h. - GALA DOS PREMIADOS - Juvenil

mitido em directo pelo canal do YouTube https://www.youtube.com/Dan%C3%A7arte. Pela internet ou no Teatro das Figuras, certo é que o dançarte é imperdível.

Os melhores são premiados com acções de formação e workshops


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Letras e leituras

O Sul de José Afonso

Ao meu amigo José Louro Não me arrependo de nada do que fiz. Mais: eu sou aquilo que fiz. Embora com reservas acreditava o suficiente no que estava a fazer, e isso é o que fica. José Afonso

Paulo Pires

Programador cultural na C. M. de Loulé http://escrytos.blogspot.pt

Recordo tardes bem passadas com o José Louro em amena cavaqueira a falar sobre o Zeca, que ele tanto estima(va). (In) confidências, episódios, curiosidades que a minha memória foi retendo como pôde, aqui e ali, cuja afectividade, cumplicidade e respeito inerentes ao tom do discurso, às estórias em si, me tocaram sempre. Há pouco tempo, a 23 de fevereiro, na passagem dos 30 anos sobre o falecimento de José Afonso, acabei revisitando esses momentos preciosos que me deixaram um sorriso no rosto, precisamente ao ler um depoimento do Zé Louro sobre o seu amigo, colega de docência e cantautor maior: Fosse em Santo António do Alto, um miradouro isolado no topo de Faro, fosse no teu barco com o António Barahona e o Pité, fosse em nossa casa, quantas cantigas tuas se eclipsaram no mesmo éter, no mesmo vazio. Tu pegavas na tua viola (eras o único, entre nós, que dedilhava as cordas e, mesmo assim, lastimando e protestando que os teus dedos não iam além das duas posições básicas de, como dizias, acompanhar o teu “tem grelinhos, tem grelinhos no quintal” ou o “caga cão, caga gato, caga o feijão carrapato”) e, versejando um provisório lá-lá-rá-lá-lá, pedias insistentemente que decorássemos tal improviso para, no dia seguinte, arranjarmos qualquer modo de o gravar. Só que o nosso ouvido e a nossa memória novamente dissipavam o que poderia ter sido uma coisa bonita saída do teu talento. Merda! – dizias tu, nunca mais consigo arranjar um desses gravadores portáteis! É que o dinheiro era pouco e, quando no dia 30 ias à livraria pagar os livros fiados durante o mês, lá ficava uma boa parte do teu ordenado de professor, e o que restava lá se convertia em muitos pequenos-almoços, almoços, jantares e ceias reduzidos a uns tantos copos de leite! E lá vinha agora uma nova revoada de protesto contra o leite,

através da frase: “Ó pá, estou cheio de gases!” A vida era dura. Lembro-me de o José Louro falar do grande zelo e amor do Zeca pelos estrados e palcos das sociedades recreativas algarvias, onde tantas vezes actuou, com maior frequência a partir de 1959, à socapa ou à revelia da polícia política, espraiando a limpidez da sua voz, “deixando lastro”, para usar as suas palavras. E, curiosamente, é sabido que José Afonso tendia a menorizar-se como músico, dizendo frequentemente que todos tocavam viola melhor do que ele e que o superavam na forma de comunicar com o público, que se esquecia das letras, que não sabia ler pautas musicais... Mesmo que tecnicamente isso pudesse ter um fundo de verdade, quem privou de perto com ele, como o José Louro, fala de uma verdade que o seu canto e modo de interpretar encerravam, os quais tinham o condão de criar, logo nas primeiras notas entoadas, um clima de partilha e cumplicidade com a audiência, fosse em que contexto fosse. No fundo, ele queria sentir-se igual aos outros, sem qualquer sentimento de altivez ou superioridade. Vasco Lourenço, capitão de Abril, guarda dele a imagem da anti-vedeta por excelência, ao conhecê-lo no Algarve, num período de férias, e ao sentir o incómodo do introvertido e reservado Zeca quando, numa mesa de convívio, conversas e copos, lhe pediam amiúde que cantasse. Assim como não apreciava, mesmo que fosse consensual entre todos, ser o último a actuar num encontro de músicos, temendo que esse facto o entronizasse e fizesse dele um “bonzo”. Zeca chegou a ter uma “polémica” com Júlio Pereira, também seu amigo e companheiro de andanças musicais, quando um dia, à porta de um hotel em Vigo, lhe pediu um gravador e de um fôlego apenas lhe saiu completa a música “Achéga-te a mim, Maruxa”, ao que Pereira reagiu dizendo “Não percebes, Zeca? És um génio!”. Resposta afonsina: “Ó Júlio, isso não existe. As coisas vêm do trabalho…” Alexandre O’Neill, num dos seus mais brilhantes textos cronísticos, escreveu que um poeta é um distraído terrivelmente atento. E, não obstante José

Afonso nunca se ter assumido como poeta mas sim como autor de canções, para muitos que o conheceram mais profundamente ele era, porventura, o distraído mais atento e lúcido com quem conviveram. Se, por um lado, tudo parecia escapar-lhe, passar-lhe ao lado sem deixar rasto, havia nele, paralelamente, uma dimensão interrogativa, de auto-questionamento, de recusa de qualquer tutela ou filiação (era um espírito livre, inquieto e insubmisso, e irrenunciavelmente libertário), de atenção obsessi-

ou até na ausência delas por já não haver mais na gaveta; penso na tua gravata com um nó perene que, à entrada na escola, enfiavas ao pescoço, quer houvesse um colarinho, quer um cós de t-shirt; penso na tua voz, com dias de limpidez total e com dias em que afirmavas que “qualquer galinha choca me faz concorrência”. Luiza Neto Jorge, que com ele privou em Faro nessa fase de fruição panteísta de Zeca, descreve o amigo como “um tipo completamente despistado, um tipo distraído ao máximo a quem es-

Zeca entrou, esfomeado, pela cozinha de um dos apartamentos e sentou-se a comer um pudim que foi buscar ao frigorífico, altura em que estranhou e se lembrou que Zélia não costumava fazer pudim. Percebeu então que se tinha enganado na porta e entrara na casa do vizinho. No dia seguinte houve muitos pedidos de desculpa aos vizinhos, que só então caíram em si de espanto. Um céu deste mundo Numa entrevista a José AntóFOTOS: D.R.

José Afonso: lucidez e inquietação va a tudo o que o cercava, ao que se relacionasse com a política e economia. Volto ao José Louro, que, a propósito do inspirador amigo, recorda: Saio dessas sessões [atuais de homenagem ao Zeca] e penso no cheiro a lodo com que tu chegavas à praia de Faro, para dormir numa tenda em pleno areal, após teres atravessado o Parchal, em competição com aqueles de nós que seguiam enxutos pela estrada; penso nas tuas peúgas, uma de cada cor,

tavam sempre a acontecer coisas inimagináveis”. Exemplo disso é o episódio ocorrido na Beira, em Moçambique, para onde José Afonso partiu em 1964 com Maria Zélia, com quem casou, ao encontro dos pais e dos dois filhos do primeiro casamento, aí leccionando durante três anos. O casal habitava num prédio com seis apartamentos, geminados, três de cada lado, aos quais se acedia pela traseira através de uma escada de serviço comum. Ao final de uma tarde, ao regressar das aulas

nio Salvador, a propósito da sua estadia no Algarve, José Afonso fala de uma fase de euforia extremamente gratificante e das coisas mais felizes da sua vida, em que discutia com amigos pontos de vista vários, e em que havia, como que ritualmente, o hábito da caminhada, de andar a pé até Olhão, Quarteira e até ainda mais longe. Numa carta enviada de Faro ao seu irmão em Janeiro de 1961, Zeca assegurava ter “exterminado certos resíduos de patetismo bucólico que

outrora o traziam em perpétuo estado de deliquescência”. Acreditava na revolução interior pelo contacto com os outros, mais do que na exterior, pois para ele as mudanças deveriam assentar “numa reivindicação integral da vida a partir de cada personalidade”. No Algarve sentiu aquela sensação de apaziguamento e abertura de horizontes que Torga também fala num dos seus escritos sobre a região, quando alude à brancura dos corpos e das almas, à limpeza das casas e das ruas, à harmonia dos seres e da paisagem que o lavavam da fuligem que se lhe agarrara aos ossos e lhe clarificavam as courelas encardidas que trazia no coração. Zeca apaixonou-se por essa bem-aventurança terrena, “onde um poeta tem a sensação de que se pode viver do ar”, um Algarve “como a miragem dum céu deste mundo, sem nenhum dos atavios que aviltam a condição dum céu” (para usar impressões de Torga novamente). Tornou-se um “artista litoral”, pois sem mar, sem sol, sem esse diálogo físico com o espaço sem limites, não se reconheceria, e foi isso que lhe permitiu atingir o pouco equilíbrio que o mantinha, como confessa numa outra missiva também endereçada ao irmão João. Fez uma vida muita pagã, de ligação à natureza, andando pelos bailaricos das colectividades e conhecendo uma população muito interessante, sem pensar demasiado em cantigas, embora fosse fazendo uma ou outra aqui e ali. Já Manuel Alegre recorda que, ainda em Coimbra, José Afonso resolveu um dia partir para Marrocos. Como se a tentação do sul já estivesse dentro dele. “Ou talvez daquele azul de que fala Mallarmé e que era, de certo modo, a cor da sua voz. Ele era como a cigarra e precisava do espaço do Verão, Alentejo, Algarve, a planície, as areias e o mar” (Alegre). É neste período que José Afonso convive com figuras marcantes, que ajudam a apurar a sua consciência poética, como Luiza Neto Jorge, António Barahona da Fonseca ou António Ramos Rosa. Isto não para falar da influência que nele tiveram os surrealistas, tanto os franceses como os portugueses (vejam-se letras como “Rio Largo de Profundis”,


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“A acupunctura em Odemira” e outras), e também alguns poetas espanhóis, a começar pelos místicos e barrocos. O barco referido na letra “Tenho barcos, tenho remos” pertencia a uma pequena sociedade constituída por Eduardo dos Santos Pité, António Barahona, António Bronze e José Afonso, que o salvaram da decomposição e do esquecimento. A embarcação era alcunhada pelos pescadores de “Barco do Diabo”, referência às viagens e noitadas passadas na Ria, e era, segundo a poetisa Luiza Neto Jorge, o “catalisador dessa subversão do quotidiano” que unia aquele grupo de amigos. Situações vividas pelos quatro, em comunidade perfeita com o mar algarvio, agrupam-se numa espécie de ciclo fraterno representativo de uma das fases mais felizes da vida de Zeca. Foi nesse ambiente dos sapais da ria de Faro e dos areais do sotavento que nasceram canções como o "Menino do Bairro Negro” ou o “Senhor Poeta”, tantas vezes entoadas por José Afonso no quase mítico barco. Vitorino, curiosamente, também recorda o facto de Zeca já então ser muito conhecido em Tavira por, entre outras aventuras, ter descido o rio Gilão à proa duma barca a cantar por altura dos festejos de Carnaval. Amor maior, tons maiores Foi também no Algarve, mais particularmente na Fuzeta, que José Afonso conheceu aquela que viria a ser a sua segunda mulher, Maria Zélia, com a qual viveu “uma vida muito viva, vivida com paixão e algum desequilíbrio”. Confessa o cantautor: “O conhecimento da Zélia, num lugar do Algarve, reconciliou-me com a água fresca e com os tons maiores. Passei a fazer canções maiores.” O cantautor grava em 1964 um EP que integrava as canções “Coro dos Caídos”, “Ó Vila de Olhão”, “Canção do Mar” e “Maria”, esta última dedicada a Zélia, que lhe dá estabilidade emocional, afectiva e familiar, e se converte no grande pilar de sustentação de uma vida andarilha, rebelde e marcada por privações e marginalizações impostas pela ditadura em relação ao ensino: “Maria / Nascida no monte / À beira da estrada / Maria / Bebida na fonte / Nas ervas criada // Talvez / Que Maria se espante / De ser tão louvada / Mas não / Quem por ela se prende / De a ver tão prendada”. Em carta enviada ao irmão João em

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José Afonso com amigos no Café Santa Maria, na praia de Faro (Verão de 1963) 1963, sobre a sua relação com Zélia, Zeca revelava de forma optimista estar convencido que desta vez acertara. O amparo afectivo e emocional (a mulher, os amigos, os alunos) e o convívio com a natureza algarvia e sua luz e água mediterrânicas foram esses portos seguros, essa nutrição de que o hipocondríaco (frequentemente com queixas do foro respiratório, más digestões, azia e “pedra no diafragma”) e imprevisível José Afonso precisava para prosseguir em frente. Ele era, segundo José Louro conta, um homem tenso e impaciente, e de uma pureza rebelde quase infantil. Tinha sempre pressa sem a ter. E trazia em si uma ansiedade permanente, como se o dia seguinte fosse um insustentável novelo de incertezas. Como se não conseguisse libertar-se do labirinto de fantasmas e medos que, desde a infância, lhe moveu cerco. Segundo José Jorge Letria, que tanto privou com ele, “a sua instabilidade nervosa tinha expressão psicossomática”: Era essa a forma de somatizar as tensões que a sua vida o forçava a acumular. O seu aparente desprendimento e a sua proverbial distracção ocultavam uma enorme ansiedade que uma vida inteira em ditadura acabara por transformar numa verdadeira doença existencial [não por acaso a sua tese final de licenciatura foi sobre Sartre]. O menino de Aveiro, que só esporadicamente pôde desfrutar do carinho e do amparo dos pais, vivendo numa errância quase permanente, nunca deixou de olhar o mundo, mesmo na idade madura, através das lentes de uma velha miopia e de uma insegurança que lhe foram desgastando o espírito e o corpo. A própria relação com Zélia não deixou de ter contornos

caricatos, como Zeca relembrava: A Zélia não teve oportunidade de estudar por razões económicas, suponho. Então vivi uma verdadeira situação siciliana, um bocado ridícula, mas que efectivamente existiu. Toda a Fuzeta me sacudiu e de uma maneira geral se prestou ao papel de policiar as minhas relações com a Zélia. Durante dois anos consegui viver uma situação praticamente impossível, em que me senti obrigada a meter-me em quase todos os buracos do mundo. Conseguiram privar-me do contacto com a Zélia. Luiza Neto Jorge relata que, para esta situação, contou o facto de José Afonso ser divorciado e manifestar ódio “pelas mãezinhas das meninas que fiscalizavam os seus comportamentos, ao mesmo tempo que se dispunham a deixá-lo sozinho com as filhas, pretextando uma ida às compras para que as filhas preparassem a armadilha ao doutor”. Na Fuzeta Zeca era encarado como um tipo que vinha do exterior, fora do sistema deles

e que lhes escapava. Hostilizado e olhado como uma figura um bocado aberrante (tal como os seus amigos Luiza, Barahona ou António Bronze o eram), José Afonso apenas conseguia encontrar-se com Zélia nos meses de Junho e Julho na ilha de Faro. Olhão inspiradora Mas considerava Olhão a sua terra adoptiva, onde todas as semanas se deslocava e através de um roteiro pessoal deambulava pelo cais e pelas cabanas. Mais tarde reconheceria ter tido sempre uma grande paixão por aquela terra, que imaginava como a do “trabalho ou a dos indivíduos temperados pela experiência”, enquanto Faro “era a cidade dos administrativos, dos engravatados, dos pequenos comerciantes”. Ao falar do contexto que deu origem à canção “Ó Vila de Olhão” (publicada em 1964 e dedicada aos pescadores olhanenses, cujo humor popular ele tanto apreciava), Zeca recorda as suas muitas viagens

José Afonso por Vhils

de comboio àquela localidade: “A meio do caminho da Fuzeta, entre Olhão e Marim, a vila vai-se adelgaçando, a viagem torna-se mais rápida e ruidosa, devido ao vento que entra pelas janelas. Pode-se berrar sem que ninguém nos ouça.” Servida pela cadência mecânica do “pouca-terra”, aquela crónica rimada sobre as vicissitudes por que passa o mexilhão quando o mar bate na rocha alude metaforicamente a Henrique Ferreiro, dirigente da Junta Central das Casas de Pescadores onde era delegado do Governo junto dos organismos das pescas e apoiante do Estado Novo: “Ó Vila de Olhão / da Restauração / Madrinha do povo / Madrasta é que não / Quem te pôs assim / Mar feito num cão / Foi o tubarão” A fase algarvia correspondeu ainda a um período de vital mudança e renovação no repertório do cantautor e na música que até então se fazia em Portugal, nomeadamente com o EP “Balada de Outono” (em 1960) e a não inclusão, pela primeira vez, do som da guitarra em 1962 no álbum Coimbra Orfeon de Portugal. No mesmo ano edita o EP que inclui canções como “Menino d’Oiro”, “No lago do breu”, “Tenho barcos, tenho remos” e “Senhor Poeta”, sendo acompanhado apenas à viola por Rui Pato, figura-chave como instrumentista neste processo de renovação estética e de criação de uma nova linguagem musical e poética, nascendo a “balada” como género musical contemporâneo e autónomo, que já não era fado de Coimbra nem canção tradicional portuguesa. Em 1963, a edição dos temas “Os vampiros” e “Menino do Bairro Negro” marca definitivamente, pela sua temática e abordagem musical, a assunção da balada como instrumento de intervenção política e cívica. Rui Pato, seu fiel companheiro e amigo, recorda esses anos de oiro, precários mas extremamente inventivos, vivenciados a sul: Os ensaios eram poucos, feitos quase sempre nas férias. Foi a minha primeira oportunidade de conhecer o Algarve: em 1963, fiquei uma semana em sua casa no n.º68 da Rua Duarte Pacheco em Faro. Partíamos de manhã com destino à ilha do Farol ou da Armona, de barco, com a viola e uma ração de duas sanduíches e duas meloas. Quando eu não podia ir ter com ele, vinha ele a Coimbra à boleia ou então apanhava o comboio até à estação para o qual o pouco dinheiro de que dispunha dava (dizia: “Venda-me um bilhete de 60 escudos

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em 2ª. classe em direcção ao Norte.”), fazendo o resto à boleia ou a pé, e cá chegava cheio de fome, sem um tostão no bolso, e com um bornal com uma muda de roupa, alguns medicamentos e muitos livros. Como professor (uma das suas paixões) teve uma carreira curta, que começaria no Colégio de S. José em Mangualde e passaria depois por Aljustrel, Lagos, Faro, Alcobaça e Setúbal. Sobre esse ofício insistia amiúde na crença de que a sua acção era sobretudo de carácter existencial, na medida em que queria pôr os alunos a funcionar como pessoas, incutindo-lhes um espírito crítico, fazendo com que exercitassem a sua imaginação à margem dos programas oficiais. Ao irmão João, que o visitou em Faro em 1962, encontrando-o à mesa de um café a perguntar aos alunos as notas que mereciam, José Afonso afirmou acreditar na libertação das pessoas através de uma formação pedagógica que não se cingisse apenas a programas e livros. A experiência de professor, altamente estimulante para o seu trabalho musical, que tivera em Mangualde, onde colheu junto dos alunos “uma certa visão poética e ao mesmo tempo pedagógica”, foi depois complementada através de “um tipo de relações de uma pureza impossível” com gente mais madura, trabalhadores e operários que conheceu nas aulas nocturnas de Olhão e Faro. Nos alunos deixou a imagem de alguém que não seguia o programa e falava de outras coisas. Usava os sapatos desatados e faltava para ir fazer gravações a França e concertos por outros lugares. Mas este sul de José Afonso não se circunscrevia ao Algarve. Numa carta enviada aos pais em 23 de Maio de 1964 confessava sentidamente: Eu e a Zélia estivemos em Grândola numa sociedade operária. Aí actuámos, eu e o Paredes (o filho é ainda maior que o pai) no meio de uma assistência atenta e compenetrada, toda ela de operários e mulheres de xaile e lenço. Ofereci-lhes uma canção feita na véspera (16/5/1964) [Cantar alentejano], uma espécie de evocação da terra alentejana e do seu símbolo ainda vivo na lembrança do homem do povo: a Catarina Eufémia, uma ceifeira de Baleizão morta pela Guarda Republicana em circunstâncias que forneceriam matéria para uma canção de gesta. Se alguma vez tiver de deixar esta terra é a lembrança dos homens que conheci em Grândola e noutros lugares semelhantes que me fará voltar. 


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Dança

Ficha Técnica:

Som riscado: casar artes para formar públicos

Direcção: GORDA - Associação Sócio-Cultural

FOTOS: D.R.

Diz-se dos casamentos que “o ‘para sempre’ se faz de sucessivos pequenos agoras” e este bem poderia ser o chavão utilizado para descrever o Festival Som Riscado, que chega entre 5 e 9 de Abril pelo segundo ano consecutivo a Loulé. A criação de novos públicos é desde sempre uma das pedras de toque da produção cultural, que para este objectivo trabalha consciente de que dele depende a própria sobrevivência. Trabalho feito a longo prazo e recheado de incertezas, a criação de públicos é simultaneamente “um tiro no escuro”, um processo de “adivinhação”, uma ousadia e um desafio aos outros e à produção e programação culturais. Gerar novos públicos é, por tudo isto e mais, o esforço de criar laços de afinidade entre as pessoas e as artes de forma duradoura - preferencialmente para sempre - que se faz, na grande maioria das vezes, por “pequenos”, sucessivos e esforçados agoras culturais em que as artes são levadas aos públicos - ou vice-versa -, repetidamente, até que o “bichinho” do gosto pela cultu-

ra se instale irremediavelmente. Se a arte é arte, a criação de públicos é-o ela também não menos. A arte de implicar É à arte de implicar que se propõe desde a primeira hora o Som Riscado, casando a música e as artes performativas de forma inovadora, ousada e implicativa. Com uma programação que é apresentada num registo pouco habitual por terras algarvias, desafiante e “bold”, a proposta é a de implicar os públicos de forma a integrá-los no próprio espectáculo, dar-lhes espaço para crescerem junto e em conjunto com a performance. Pouco importa se se trata de público mais ou menos conhecedor das sendas da cultura. Do que se trata é de colocar o espectador fora da zona de conforto da mera assistência e trazê-lo para o palco das emoções. Obrigar o público a pisar as tábuas é também uma forma de deixar sobre a tábua rasa uma marca tão indelével quanto se possa.

Um desafio aos conceitos Por outro lado, o Som Riscado é também um desafio aos criadores e aos intérpretes, convidando-os a casamentos que, inusitados, ganham espaço para crescerem e se afirmarem em discursos culturais nem sempre convencionais. Unem-se assim artistas de várias geografias das artes, várias geografias de backgrounds culturais e, também, várias geografias cardeais, cruzando a produção cultural algarvia com muito do que se faz a nível

nacional na área dos novos discursos das artes performativas. Tudo num festival que se faz pensado de forma estruturada e durante cinco dias de incessantes propostas em vários locais da cidade de Loulé, tendo como epicentro o Cine-Teatro Louletano e recusando a ideia de que a inovação na área cultural se faz de epifenómenos isolados, quer no tempo, quer no espaço. Para toda a família Por outro lado, o Som Risca-

do não é um festival pensado para eruditos ou para um público de vanguarda feito de um punhado de habitués da cena cultural mais alternativa e progressista. É um festival para toda a família dos mais pequenos aos mais graúdos, onde várias são as propostas para a vivência da cultura em família e de forma envolvente e participativa. Quebrar o discurso típico de “ir ver um espectáculo” faz-se também convidando o público a que se integre nele, numa experiência sensível e sensitiva que vai muito para além da simples ideia de um espectáculo com interacção com a assistência nos moldes costumeiros. Um convite dirigido pela Câmara de Loulé a todos, “dos 8 aos 80” como sói dizer-se, e que abre ao público da região uma porta para a arte pensada e apresentada fora da caixa. Motivos mais do que suficientes para não deixar de passar por estes dias por um dos palcos do Som Riscado e deixar que a agulha sulque o vinil do sensível, num girar para mais tarde recordar. 

Programação: 5 ABRIL Dj Ride | Showcase | Escola Secundária de Loulé

“Todas as noutes passadas” | Concerto | Convento do Espírito Santo “Das Gavetas Nascem Sons” | Instalação sonora | Convento do Espírito Santo “Phonopticon” | Instalação sonora | Convento do Espírito Santo

8 ABRIL “Mãos” | Concerto | Convento do Espírito Santo The Happy Mess | Concerto | Cine-Teatro Louletano “Das Gavetas Nascem Sons” | Instalação sonora

7 ABRIL

“Pixel Thrasher” | Espectáculo audiovisual | Escola Secundária de Loulé “SYN.Tropia” | Espectáculo | Cine-Teatro Louletano “Das Gavetas Nascem Sons” | Instalação sonora | Convento do Espírito Santo “Phonopticon” | Instalação sonora | Convento do Espírito Santo

Editor: Ricardo Claro Paginação e gestão de conteúdos: Postal do Algarve Responsáveis pelas secções: • Artes visuais: Saul de Jesus • Da minha biblioteca: Adriana Nogueira • Espaço AGECAL: Jorge Queiroz • Espaço ALFA: Raúl Grade Coelho • Espaço ao património: Isabel Soares • Filosofia dia-a-dia: Maria João Neves • Grande ecrã: Cineclube de Faro Cineclube de Tavira • Juventude, artes e ideias: Jady Batista • Letras e literatura: Paulo Serra • Missão cultura: Direcção Regional de Cultura do Algarve • O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N Pedro Jubilot • Panorâmica: Ricardo Claro • Sala de leitura: Paulo Pires • Um olhar sobre o património: Alexandre Ferreira Colaboradores desta edição: Vico Ughetto Rui Parreira Parceiros: Direcção Regional de Cultura do Algarve

“Manipula#Som” | Concerto visual circense | Casa da Cultura de Loulé “Qual é o som da tua cara?” | Concerto para piano e desenho | Cine-Teatro Louletano

e-mail redacção: geralcultura.sul@gmail.com e-mail publicidade: anabelag.postal@gmail.com | Convento do Espírito Santo “Phonopticon” | Instalação sonora | Convento do Espírito Santo

6 ABRIL

on-line em: www.postal.pt e-paper em: www.issuu.com/postaldoalgarve

“SYN.Tropia” | Espectáculo | Cine-Teatro Louletano

“Das Gavetas Nascem Sons” | Instalação sonora | Convento do Espírito Santo “Phonopticon” | Instalação sonora | Convento do Espírito Santo

9 ABRIL Microscopia sonora | Workshop intensivo | Casa da Cultura de Loulé “Manipula#Som” | Concerto visual circense | Casa da Cultura de Loulé Noiserv & Luís da Cruz | Música e fotografia | Convento do Espírito “Das Gavetas Nascem Sons” | Instalação sonora | Convento do Espírito Santo “Phonopticon” | Instalação sonora | Convento do Espírito Santo 

facebook: Cultura.Sul Tiragem: 5.256 exemplares


07.04.2017 11

Cultura.Sul

Da minha biblioteca

Palavras com que brinco e aprendo de José Ruivinho Brazão FOTOS: D.R.

texto. Foi esse um dos propósitos explícitos da autora (cf. p.7) e foi muito bem conseguido.

Adriana Nogueira

Classicista; Professora da Univ. do Algarve adriana.nogueira.cultura.sul@gmail.com

AGENDAR

Quando era pequena, aprendi com o meu pai e a minha avó materna grande parte do saber da tradição oral que ainda hoje possuo. Tal como eu, muitas pessoas (muitos dos leitores, certamente) tiveram essa sorte, mas o nosso atual modo de vida não ajuda a aproximar os elementos das famílias, não lhes deixa muito tempo para conversas ao serão ou longas tardes a brincar. Os livros que vos trago hoje são muito bons para relembrar e sugerir algumas ideias divertidas a quem conseguir arranjar um tempinho para estar com as suas crianças: Palavras com que brinco e aprendo. Publicados pela Associação de Pesquisa e Estudo da Oralidade, foram fruto da recolha dirigida por José Ruivinho Brasão, presidente da referida associação, reconhecido investigador e autor de várias coletâneas de saber popular, numa luta meritória para que estes saberes não se percam. Tenho na minha biblioteca dois volumes desta coleção, cada um com uma seleção feita a pensar em determinadas idades: dos 2 aos 6 e dos 6 aos 10 anos. Ambos tiveram a colaboração pedagógica de diversos educadores e professores. As ilustrações são de Inês Gonçalves. As do 1º volume foram realizadas no âmbito da disciplina Estágio Curricular, da licenciatura em Design de Comunicação da Escola Superior de Educação e Comunicação da Universidade do Algarve, realizada na Direção Regional de Cultura do Algarve. Mas a designer não deixou a colaboração e o 2º volume mantém a identidade gráfica. Os livros são um objeto muito bonito, revelando as imagens a diversão do

Una, duna, tena, catena, chaga, binaga, dica, dopé, catanobe e um dé O meu pai contava até 10 desta maneira, quando queria brincar comigo. Durante anos e anos perguntei aos meus amigos e a outras pessoas se sabiam o que era, mas ninguém conhecia. Até que, num outro livro de Ruivinho Brasão (Estão Vivas as Linquintinas Tradicionais em Portugal) encontrei. Fiquei tão contente! E nestes volumes também existem – diferentes, como seria de esperar no saber proveniente da oralidade – versões desta lengalenga, como a que se segue: «una, duna, tena, catena, corrimpim, corrimpão, toleirão, abanão, conta bem, que dez são». A par da lengalenga, adivinha, canção, etc., o autor fornece o maior número de indicações sobre quem lhe deu aquela informação (tais como o nome, local onde vive, ano da recolha, modo como a aprendeu) e sugestões de leitura ou jogo. Também inseriu um encarte, que aqui reproduzo parcialmente, onde apela aos leitores para ajudarem, com o seu saber e com as suas memórias, a «salvaguardar o nosso Património Imaterial na diversidade estética e linguística da oralidade. (…) lengalengas, trava-língua, adivinhas, provérbios, quadras (…). Junte, sempre, o seu nome e o do informante e o local de origem do saber. (Tel. 289 542 9927 apeoralidade@gmail.com)». Vamos brincar Em ambos os volumes há sugestões pedagógicas. No 1º, aparecem no fim de cada uma das partes, no 2º, surgem na mesma página. Aí se explica como se joga, quais os gestos que se podem fazer, o que se pode aprender. Dando o exemplo de «Talim talão», no fim dessa secção, e identificando claramente a que lengalenga se refere, José

Ruivinho Brazão é um investigador do saber popular Ruivinho Brazão explica como se pode brincar, enquanto se cantarola: Talim Talão Cabeça de cão, Orelhas de gato Não têm coração. «Adulto e criança, sentados ou de pé, frente a frente, balouçam-se de mãos dadas para a frente e para trás, ao mesmo tempo que recitam a lengalenga. Dois adultos seguram nos pés e nas mãos da criança e balouçam-na, ao mesmo tempo que recitam a lengalenga. O mesmo jogo pode ser feito entre crianças.» E contar adivinhas? Não é divertido? Quando alguém começa, logo a nossa memória se aviva e lembramo-nos de outra e mais outra e mais outra. E assim se pode passar um bom bocado. O autor diz que, no «jogo adivinhístico, pode o adulto centrar a atenção em motivos temáticos diversificados ou optar por uma sugestão temática, como o corpo, a alimentação e a mesa, os animais ou os vegetais» (p.66).

Ora experimentem: «Qual é coisa qual é ela/ Que entra pela casa/ E põe-se à janela?»; «Somos duas irmãs gémeas./ Despidas ou enfeitadas, / Nunca nos podemos ver/ E nunca andamos zangadas». Vamos jogar Quando jogávamos às escondidas, era preciso selecionar a pessoa que se escondia: «Anani Ananão,/ Ficas tu e eu não./ Quantas patas tem o gato, / Uma, duas, três, quatro». E para jogar à «cabra cega»? Uma de olhos vendados e o grupo a recitar, enquanto a fazia girar, para a desorientar, antes de começarem a correr, cada uma para seu lado: «– Cabra Cega, donde vens?/ – Venho de Vizela./ – Que trazes na cesta?/ – Pão e canela./ Dás-me dela?/ – Não, que é para mim/ E prà minha velha./ Busca-a, Cabra Cega.» Quando os jogos exigiam equipas, havia que decidir

“UMA VIAGEM À CHINA” Até 15 ABR | Galeria de Arte da Praça do Mar - Quarteira Doris Ogrin partilha, através de imagens, a sua viagem aos montes de Carso que circundam a cidade de Guilin, e que se estendem ao longo do rio Li

quem ficava de um lado ou de outro. Nestes livros, pude recordar (variando as versões, mas perfeitamente reconhecíveis) algumas das «técnicas» que usávamos, como a do Bom Barqueiro (do livro, tirei a canção e da minha memória tirei o modo): fazíamos uma fila, todos agarrados uns aos outros, e passávamos por baixo dos braços estendidos, em arco, de duas crianças (as mais altas, normalmente), que respondiam, com a segunda parte desta lengalenga, à primeira que o grupo cantava: «– Bom barqueiro, /Deixai-me passar./ Meus filhinhos/ Pequeninos/ Não os posso / Sustentar./ –

Passarás, / Passarás, / Mas algum/ Deixarás:/ Se não for/ A mãe da frente, / Será o filho/ Lá detrás». E a última criança ficava presa entre os braços das outras, que os baixavam e lhe perguntavam qualquer coisa como: «queres morango ou chocolate?». Consoante a resposta, colocava-se atrás do respetivo barqueiro e as equipas iam-se formando. Ah, mas estes livros têm tantas, tantas coisas mais! Têm quadras do Cancioneiro, têm contos, têm canções de embalar, provérbios, trava-línguas… Os mais crescidos vão recordar a infância e vão ter vontade de se divertir com os mais novos. 

“PINTURA DE HANS VAN HOOGDALEM” Até 20 MAI | Galeria Municipal de Albufeira Este pintor, em 2000 deixou a Holanda e veio para Portugal, dedicando-se a pintar retratos e outros temas


Última O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N

Abril

Pedro Jubilot

pedromalves2014@hotmail.com canalsonora.blogs.sapo.pt

Abril FOTOS: D.R.

O quarto título de poesia de Adão Contreiras é apresentado no dia 8 de Abril, no Gorjões Total Arte – Salão da antiga Sociedade Recreativa de Gorjões (freguesia de Santa Bárbara de Nexe –Faro), pelas 16h30 e será apresentado por Tiago Nené com leituras de Adília César. Adão Contreiras (1944) estudou na Escola de Artes Decorativas António Arroio e na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Realizou algumas exposições individuais e participou em exposições colectivas de pintura e escultura. Foi professor no Ensino Básico e Secundário. Antes deste «Púrpura Voz» (2017), pela editora Lua de Marfim, publicou pela editora 4águas: «Página Móvel Com Texto Fixo» (2013); «Ouro e Vinho» (2014) e «Mostruário de Títulos para Poemas» (2016).

Ramos

há muitos anos, uma programação invejável, com uma audiência em crescendo, trabalhando para o gosto de um público que não consegue reduzir a sua visão, às salas claustrofóbicas dos centros comerciais e à pouca diferença de/das propostas aí apresentadas. Façam por merecê-los. Vejam este mês nas páginas de facebook o que passa e no que se passa no escurinho dos Cine-Clube.

Abril Instala a claridade no horizonte, o mar está mais da cor azul que imaginamos que tem, a terra mais amena, e o velho e inóspito mundo parece um lugar novo e acolhedor. Mas tens de perceber que deves sustentá-lo com a tua vontade de criar.

Tertúlia do Canto

Quotidianos Poéticos ~ o barco avança mas a barra mostra-se inóspita cuspindo a embarcação para terra através das vagas por onde o peixe se espaventa. mais uma noite sem pesca em tempo de crise traz o pescador de regresso sob o aguaceiro que lhe cai sobre os ombros onde já carrega o mundo. o copo de aguardente na tasca ribeirinha abre o caminho à sossega. mas o sueste traz insónias nervosas à mulher. já tem a roupa estendida, a loiça lavada, tudo num brinco. amanhã é dia do senhor de ramos. o deus nos proteja ficará na doca ~

Cine-Clubes Em que o perfume dos dias crescendo, trespassa a vidraça, e depois vamos abrir as janelas de par em par à ideia quase extinta de liberdade, que está a passar por aqui, e deves agarrá-la, na vida lá fora. Aquece a alma e vai reinventar o mundo.

Púrpura Voz alcançar o álcool da palavra e a púrpura voz letras são já da vinha nuvem de etílicos vapores a frase uma bebedeira arriscada o texto umas vezes um desperdício de abundância outras um delírio exíguo alcançar o álcool da palavra e a púrpura voz incerto rumo

Na mesa do canto, à direita de quem entra pela porta giratória do renovado Café Aliança, poderá encontrar e participar da conversa, que decorrerá todas as sextas-feiras, pelas 18h00, naquele local centenário e mítico, onde se pretende recuperar o espírito de tertúlia de café, aberta, sem tema nem liderança, sem organizadores, sem convidados, sem programa, apenas um lugar de troca de ideias e opiniões.

O cinema continua vivo no sotavento algarvio. Não é extraordinário ter 3 grupos de Cine-Clube a funcionar num espaço de apenas 30 quilómetros (Tavira – Olhão – Faro) ? Mantendo

Prevê-se que a partir da próxima edição do Cultura.Sul, para o mês de Maio, neste espaço da última página surja uma nova crónica, intitulada «Quotidianos Poéticos», algures num espaço e tempo do Algarve, em que a vida, a arte, a ficção e a poesia se enlaçam nos dias. Excerto de um texto da primeira série de «Quotidianos Poéticos» publicada em 2011: Nenhuma poetisa poderia querer viver em 1918 numa pacata terrinha como Quelfes (freguesia de Olhão), ainda que aconselhável pelos bons ares, muito menos Florbela Espanca que já pouco vivia por esses dias. “Estou cansada, cada vez mais incompreendida e insatisfeita comigo, com a vida e com os outros. E é isto que me traz sempre desvairada, incompatível com a vida que toda a gente vive...” 


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