CULTURA.SUL 103 - 12 MAI 2017

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/ MNA JOSÉ PAULO RUAS

Espaço ALFA D.R.

Sete mil anos de História de Loulé mostram-se em Lisboa p. 7

A ALFA de novo em Marrocos

p. 5

Espaço ao património:

D.R.

O que o movimento associativo tem para oferecer ao património cultural?! p. 9 Letras eleituras: D.R.

D.R.

A inadaptabilidade da vida de Factotum, de Charles Bukowski

p. 8

Quotidianos poéticos:

Na senda da Cultura: D.R.

MAIO 2017 n.º 103

365 Algarve: o desafio continuado

Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o PÚBLICO 5.379 EXEMPLARES

p. 10

www.issuu.com/postaldoalgarve

Adão Contreiras p. 12


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Cultura.Sul

Editorial

Missão Cultura

Até ao próximo Outono

4 M’s: Maio, Museus, Museologia e Misericórdias no Algarve (parte I)

Ricardo Claro

Editor ricardoc.postal@gmail.com

AGENDAR

O título deste editorial poderia levar os mais incautos, leitores apenas das parangonas e títulos, a crer que o Cultura.Sul se despedia dos seus leitores até ao próximo Outono, mas não estamos e estaremos cá tanto nessa altura como até lá. A quem dizemos até ao próximo Outono é ao programa 365 Algarve, que termina este mês e que regressará no próximo mês de Outubro. Este até já é uma forma de reconhecimento daquele que nos parece ser um programa de referência a nível cultural na região, mas também a nível turístico, económico e de desenvolvimento. Dizemos-lhe até já certos de que regressará, merecedor que é, depois de ter dado ao Algarve, aos algarvios e a quem nos visita mais de um milhar de apresentações culturais. Não há memória de um programa tão intenso de actividade cultural na região, nem de uma oferta tão bem construída para a época baixa do turismo. É certo que 1,5 milhões de euros disponíveis para a primeira edição são mote adequado para se fazer algo no mínimo marcante mas, mais do que isso, o 365 Algarve fez história ao conseguir trazer este valor e o valor acrescentado que lhe está subjacente para a região. Por detrás do feito está a programação a cargo de Dália Paulo e a proposta do programa ao Turismo de Portugal, que coube à Região de Turismo do Algarve, dirigida por Desidério Silva. Mas estão acima de tudo os artistas, produtores, criadores e demais players da cultura e das artes no Algarve que provaram haver ideias, qualidade e capacidade instaladas capazes de fazer surgir de ápice um programa cultural memorável. 

Direção Regional de Cultura do Algarve

Em boa hora a União das Misericórdias Portuguesas resolveu realizar as suas 4as Jornadas Nacionais no Algarve, em Albufeira, com o tema: Museologia nas misericórdias. Todos sabemos que à história secular das misericórdias portuguesas associamos a existência de um património diversificado e de grande riqueza cultural. Esse património é diverso em natureza, em antiguidade e em necessidades, todavia, é fundamental o seu estudo e salvaguarda, pois representam objectos que re-

fletem o conhecimento sobre a instituição e sobre a comunidade em que se baseou e desenvolveu. Nesta nota histórica relembrar também que na origem das misericórdias, sabe-se hoje que esteve uma intenção inicial de caratér político, da realeza, que no século XV quis organizar a assistência pelo país, incentivando a comunidade através das personalidades mais influentes a criar confrarias ou irmandades, e assim fundaram as misericórdias. Algumas derivaram mesmo de confrarias já pré-existentes. É sobretudo pós-século XVII que se verifica um aumento da riqueza patrimonial nas misericórdias, que está não só asso-

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Alexandra Gonçalves, directora regional de Cultura, enquanto intervinha nas jornadas ciada aos legados testamentários, mas também às obras que foram concebendo, na medida em que se pratica e promove a

benfeitoria pela obra. Mas, os edifícios religiosos no Algarve registam-se desde a Pré-História assinaláveis edi-

fícios de culto, conjuntos e recintos de cariz religioso. Com especial relevância podemos apontar entre os mais antigos testemunhos os templos funerários megalíticos com recintos cerimoniais conexos, como Alcalar e da época Proto-Histórica (com especial relevância para o santuário localizado na região do Cabo de São Vicente). Da época Romana e da Antiguidade tardia há diversos testemunhos de templos (com relevância para o edifício de culto de Milreu). Para a época Islâmica dois testemunhos principais: o ribat da Arrifana e a almenara da antiga mesquita al-Uliã/Loulé, convertida pelos cristãos em torre da Igreja de São Clemente. 

Juventude, artes e ideias

GORDA - Associação Sociocultural

Jady Batista Coordenadora Editorial do J A Gorda é uma entidade sem fins lucrativos que tem como principais objetivos promover a cultura em Olhão e valorizar e divulgar a nossa terra na região e no país, em particular através do teatro. Assume-se como uma plataforma para a promoção de projetos artísticos, por considerar que a arte e a cultura são preponderantes na formação dos indivíduos, das relações pessoais e estruturantes da comunidade. Por princípio, nenhum dos seus membros ou colaboradores recebe qualquer tipo de honorários pelo trabalho que desenvolve, sendo toda a receita

da associação canalizada para a melhoria das condições técnicas e espaciais dos locais onde dinamiza as suas atividades, assim como para o apoio a projetos e iniciativas de outras pessoas e entidades do concelho (maioritariamente). Constituída em 2009, a Gorda surge na sequência de um trabalho que já vinha sendo desenvolvido em anos anteriores. Exemplo disso é a peça Mê Menine e o Tê Pai, que estreou em 2008 na Sociedade Recreativa Olhanense. A Gorda desenvolve um trabalho contínuo e regular, apresentando desde a sua constituição mais que um trabalho novo por ano, seja por produção própria ou em parceria com outras entidades, como por exemplo a Casa da Juventude de Olhão. Em 2016 estabeleceu uma parceria com a Sociedade Recreativa Progresso Olhanense, passando a ser o principal promotor cultural desse espaço centenário de Olhão.

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Cena da peça Mê Menine e o Tê Pai Em 2017, repôs a peça Hoje Não Há Teatro, no âmbito da Comemoração do Dia Mundial do Teatro, no Auditório Municipal, com sala esgotada, como já vem sendo hábito.

“MERCADOS, LETRAS E ARTES” Até 18 JUN | Casa do Sal - Castro Marim Na exposição, o visitante poderá ficar entre os livros de segunda mão, para consulta no local e venda, entreter-se com jogos tradicionais, como a malha e o jogo do burro, ou jogar à carta, xadrez ou damas

Depois de uma apresentação em Tavira, a Gorda volta ao Auditório para a apresentação do Móce Mó, no dia 9 de junho, com um convidado muito especial Aldo Lima. Recordamos que o

projeto Móce Mó começou aqui, no J, como BD, evoluiu mais tarde para breves vídeos no Youtube e subiu ao palco, pela primeira vez, no Solrir, num cartaz partilhado com Herman José.

“PINTURA DE HANS VAN HOOGDALEM” Até 20 MAI | Galeria Municipal de Albufeira Este pintor, em 2000 deixou a Holanda e veio para Portugal, dedicando-se a pintar retratos e outros temas


Cultura.Sul

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Espaço AGECAL

Os direitos culturais Políticas Culturais (1982) um conceito abrangente de cultura, “um conjunto de valores distintivos, espirituais e materiais, intelectuais e afectivos que caracterizam uma sociedade ou grupo social. Engloba, para além das artes e das letras, os modos de vida, os direitos fundamentais do ser humano, os sistemas de valores, as tradições e crenças”. O direito à cultura integra um conjunto de direitos fundamentais considerados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, desenvolvidos e explicitados na “Declaração dos Princípios da Cooperação Cultural Internacional”, acordada em 1966 na 14ª reunião da Conferência Geral da UNESCO. No artigo primeiro desse documento reconhece-se que a cultura “tem uma dignidade e um valor que têm de ser respeitados e protegidos”, e que “qualquer povo tem o direito e o dever de desenvolver a sua cultura” e, finalmente, que “todas as culturas fazem parte do património comum da humanidade”. A UNESCO aprovou convenções e dezenas de outros instrumentos jurídicos que regulam e protegem os direitos culturais, comportando um conjunto de direitos subsidiários e correlativos. As convenções internacionais realizadas no pós-guerra distinguem vários direitos

Jorge Queiroz Sociólogo ‒ membro da Direção da AGECAL

O direito à cultura possui uma dupla dimensão, individual e colectiva, e hoje uma importância fulcral. No mundo crescem tendências autoritárias, comportamentos não democráticos em lideranças e grupos, alcançado o poder suspendendo ou banindo direitos fundamentais. A liberdade de expressão do pensamento e de criação intelectual, a liberdade dos povos à expressão da sua própria cultura, estiveram historicamente sujeitos a condicionamentos. O direito à cultura, tal como hoje é entendido, resulta da evolução das sociedades e da implantação de sistemas políticos democráticos em várias outras regiões do mundo, obtendo expressão institucional e jurídica sobretudo após o surgimento da ONU e da criação de uma estrutura especializada para a educação, ciência e cultura, a UNESCO. Esta organização definiu na sua Conferência Mundial sobre

complementares e integradores, designadamente: - Direito à educação; - Direito à informação; - Direito à participação na vida cultural; - Direito à criatividade; - Direito a beneficiar do progresso científico; - Direito à protecção da autoria; - Direito à cooperação cultural internacional. Genericamente, os direitos culturais reportam-se aos Direitos Humanos, porque a cultura assegura o desenvolvimento humano, a identificação de cada cidadão e a coesão das comunidades. A protecção dos bens culturais, nomeadamente pela Convenção de Haia (1954), refere a interdição, em caso de conflito armado, da destruição de monumentos, obras de arte, manuscritos e proibição do roubo, pilhagem e vandalismo. Têm vindo a crescer os ataques contra o património universal, considerado por alguns autores como “memoricídio”. O respeito e dignificação da “identidade cultural” dos povos fazem parte das relações entre os Estados e integram a formulação das políticas públicas nacionais. A Conferência de Bandung de 1955 e posteriormente as várias pro-

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clamações em fóruns internacionais vieram enquadrar a questão das identidades culturais, inserindo e reconhecendo os movimentos de autonomia e independência dos povos colonizados. A territorialidade e a “ques-

tão regional” têm significativa importância no diagnóstico e construção de políticas culturais democráticas, descentralizadoras e mediadoras dos diferentes actores sociais. A emergência da designada “globalização” com processos

de concentração de poder financeiro, tecnológico, militar, de meios de comunicação e publicidade em grupos muito restritos coloca novos e graves problemas aos direitos culturais. Um assunto a analisar noutra oportunidade. 

Na senda da Cultura

FOrA regressa ao barlavento com a alma da oralidade A tradição oral é um dos mais importantes veículos de transmissão cultural e um dos redutos últimos da identidade de uma comunidade. É este património inalienável que o FOrA – Festival da Oralidade do Algarve, organizado pela Associação Teia d’Impulsos, vai levar para a rua num evento que promete marcar a agenda até ao próximo domingo, 14 de Maio. O festival traz para o palco do dia-a-dia o património oral do Algarve em Portimão, Alvor e Odeceixe, com uma agenda preenchida que inclui debates, conferências, oficinas, performances, cinema e música. Com o objectivo de promover a oralidade e o património cultural imaterial do território,

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divulgar tradições e encorajar o diálogo inter-geracional, sensibilizando a população para a importância de uma herança que marca a identidade da nossa região, o FOrA inicia-se este ano no Museu de Portimão. Primeiro momento alto é dedicado ao saber Dedicado ao conhecimento, o primeiro momento alto do FOrA 2017, quarta-feira, dia 10, decorreu no Museu de Portimão com o colóquio "Se a memória não me falha… História Oral: metodologias e boas práticas", o primeiro momento de uma sessão de temáticas abordadas ao longo do dia que incluíram um debate sobre os limites e potencialidades

Os OrBlua actuaram na abertura do festival da memória oral e historiografia; uma análise da organização de

arquivos sobre a História Oral; uma visita guiada ao museu e

um último debate sob o título "Arqueologia e memória: a His-

tória oral enquanto ferramenta ao serviço da arqueologia". O primeiro dia do FOrA finalizou com a cerimónia de abertura oficial do festival que aconteceu no auditório do Museu de Portimão, com um concerto dos OrBlua, um trio de músicos multi-instrumentalistas que concilia a música tradicional com o contemporânea e o experimentalismo. Carlos Norton, Inês Graça e Nuno Murta dão corpo a este projecto, criado em 2011, e cujo último álbum – “Retratos Cinéticos” – trilha o caminho de “uma sonoridade lusa que cheira a Algarve, a mar, a serra, a mediterrâneo, a Europa, a mundo que recolhe cheiros, cores, histórias, memórias, paisagens e sonhos”. 


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Artes visuais

Pode a ilustração expressar visualmente a realidade?

Saul Neves de Jesus

Professor catedrático da UAlg; Pós-doutorado em Artes Visuais pela Universidade de Évora

Em vários artigos anteriores explicitámos o nosso entendimento da arte visual como uma forma de comunicação, pois podemos conseguir sintetizar ideias e salientar pormenores da realidade, através de imagens criadas com os diversos meios ou técnicas das artes visuais. A ilustração enquadra-se neste conceito, pois consiste na imagem que é utilizada para acompanhar, explicitar ou sintetizar um texto. A imagem adquire, por vezes, uma tal relevância que a própria ilustração constitui a informação principal. Em termos históricos, a partir do século XV, os livros passaram a ser ilustrados em xilogravura. Nos dois séculos seguintes, os principais métodos utilizados para a reprodução de ilustrações foram a gravura e a água-forte. No final do século XVII, a litografia permitiu que as ilustrações fossem ainda melhor reproduzidas. Embora na atualidade a fotografia possa ser também usada no processo de ilustração, no passado o desenho era a técnica mais usada para criar imagens ilustrativas da realidade. Dentro da ilustração visual, destacaríamos o contributo que tem tido a ilustração científica. Esta incide em aspetos da ciência, tendo sido mais utilizada sobretudo a partir do Renascimento (séculos XVI e XVII). Mas, já muito antes, a ilustração era usada no domínio científico. Por exemplo, Bartholomaeus Anglicus, em 1240, apresentou a sua enciclopédia sobre todas as ciências da época (Teologia, Filosofia, Medicina, Astronomia, Cronologia, Botânica, Geografia, Mineralogia), usando diversas ilustrações ao longo desta publicação. Não havendo outras formas de “retratar” a realidade, muito do avanço científico ocorrido ao longo dos séculos contou com o suporte essencial da ilustração. Isto aconteceu em diversas

ciências, em particular nas ciências ditas “da natureza”. Por exemplo, no trabalho de Darwin sobre a teoria da evolução das espécies foi utilizada a ilustração com grande frequência, considerando-se que Darwin deixou mais de mil ilustrações nos seus estudos. Inclusivamente, ocorreu, em 2009, o Colóquio Internacional “Darwin e a Ilustração Científica”. A medicina foi outro domínio em que ocorreu um uso frequente da ilustração, em particular no estudo da anatomia humana. Temos como exemplo a pintura de Michiel van Miereveld, intitulada “lição de anatomia”, no séc. XVI. O próprio Leonardo Da Vinci utilizou muitas vezes ilustrações, em particular sobre temas de medicina, como seja nos “Estudos de embriões” (1510-13). Neste caso, como em muitos outros, a ilustração pretendeu “retratar” o não observável. Desta forma, a ilustração permite a criação de imagens

FOTOS: D.R.

Obra 'Lição de Anatomia', de Michiel van Miereveld (século XVI) que possibilitam “visualizar” aquilo que ainda não é visível ao olho humano, mesmo utili-

'Estudos de Embriões', de Leonardo Da Vinci

Ilustração conceitual de Curitiba, Abrão Assad

zando técnicas que permitem aumentar de forma muito significativa o tamanho da reali-

dade observável, como seja o microscópio ou o telescópio. As questões ligadas ao

Ilustração do aspecto de todo o Universo observável numa única imagem, por Pablo Budassi

Os pequenos ovirraptorossauros da Mongólia, os dinossauros mais próximos dos pássaros actuais

universo, e ao tempo x espaço do mesmo, são daquelas sobre as quais atualmente mais ilustrações incidem. Por exemplo, para ilustrar a percentagem daquilo que existe no universo, Pablo Budassi criou uma imagem em que apenas cerca de 5% da densidade do universo é composta por matéria comum (planetas e estrelas), sendo o restante energia escura. O futuro, com maior ou menor fição, é também objeto de muitas das ilustrações criadas na atualidade. Por exemplo, os protótipos de novos automóveis são muitas vezes inicialmente apresentados na forma de esboço ilustrativo, antes de serem produzidos e de saírem para o mercado. Um dos temas mais abordados em termos de ilustração sobre o futuro são as cidades, sobretudo no que diz respeito ao aproveitamento do espaço aéreo das mesmas e às acessibilidades e aos veículos para transporte a usar. Na atualidade, a ilustração é também muitas vezes usada para “retratar” a realidade passada, quer no âmbito arqueológico, quer noutros domínios. Por exemplo, numa notícia recente, que indicava que os cientistas vão perfurar o local onde terá caído, há 66 milhões de anos, um asteróide que extinguiu os dinossauros, foi apresentada uma ilustração que procura mostrar como era o ambiente da vida dos dinossauros nesse período. Muitos daqueles que trabalham em ilustração científica na atualidade tendem a especializar-se num domínio científico específico, pois as técnicas utilizadas exigem rigor e um bom conhecimento científico relativamente ao que precisa de ser ilustrado. Também importa salientar que, não é apenas no domínio das ciências exatas e das ciências naturais que a ilustração é usada, começando as ciências sociais e humanas a beneficiar também do uso da ilustração. As imagens criadas sobre o conceito de stresse, que apresentámos no último artigo, são disso um exemplo. Nota: Algumas das reflexões apresentadas neste artigo encontram-se no livro “Foto-Pintura e Poesia. Escrever com a luz e com as palavras”, de Saul Neves de Jesus (snjesus@ualg.pt) 


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Espaço ALFA

A ALFA de novo em Marrocos

Rui Oliveira

Membro da ALFA

Decorreu no passado mês de abril mais uma viagem organizada pela ALFA, desta vez ao sul de Marrocos. Visitar Marrocos é como que mergulhar num mundo de cores, cheiros e sabores. Um mundo de paisagens deslumbrantes, de cascatas de cortar a respiração, do silêncio absoluto do deserto. Marrocos é uma sensação que não se explica. Desde a cidade de Marraquexe, ao serpente-

ar pelo Atlas, descobrindo o Ouarzazate, o vale do Draa, passando por aldeias berberes, sonhando no deserto do Sahara, tudo isto é o fascinante e misterioso Marrocos. Para muitos, esta viagem foi um sonho que se concretizou. A visão dos fotógrafos participantes estará patente numa exposição que a ALFA irá inaugurar no dia 19 de agosto, Dia Mundial da Fotografia. 

Filosofia dia-a-dia

Razão ou Coração? Parte 3: Uma aliança

Maria João Neves Ph.D Consultora Filosófica

O coração arde como chama que não produz dor mas felicidade. María Zambrano

Completamos agora a trilogia de textos sobre a dicotomia razão/coração com um salto para a actualidade. O mundo de hoje é o resultado de um caminho percorrido na esteira platónica que privilegiou o cérebro, a racionalidade, e que deu origem ao método científico que enaltece a objectividade a a frieza. O avanço da ciência e da técnica, que permite que desfrutemos dos confortos quotidianos do micro-ondas ao telemóvel, da Tomografia Axial Computadorizada, à exploração do espaço sideral, tudo lhe deve. O papel do cérebro e da razão não oferece dúvidas, mas que pensam os filósofos actuais sobre o coração? Para a filósofa espanhola María Zambrano (1904-1991) o coração “é como um espaço que dentro das pessoa se abre para acolher certas realidades. Lugar

onde se albergam os sentimentos indecifráveis, que saltam por cima dos juízos e daquilo que pode ser explicado. É amplo e é também profundo, tem um fundo de onde saem as grandes resoluções, as grandes verdades que são certezas. E às vezes arde nele uma chama que serve de guia através de situações complicadas e difíceis, uma luz própria que permite abrir passagem onde parecia não haver passagem nenhuma; descobrir os poros da realidade quando esta se mostra fechada”. (A Metáfora do Coração). O coração é também a sede da intimidade, consistindo esta “numa interioridade que se oferece para continuar a ser interioridade” pois “somente aquilo que construtivamente é fechado pode ser a sua sede; aquilo que com suprema nobreza pode abrir-se sem deixar de ser cavidade, interioridade que oferece o que era a sua força, o seu tesouro, sem se converter em superfície. Que, ao oferecer-se, não é para sair de si mesmo mas para fazer adentrar-se nele o que vagueia fora”. (ibid). Identificando o coração como sede do sentir, esclarece ainda que temos todas as outras funções psíquicas, mas que somos o que sentimos. O coração é o órgão rítmico por excelência, pulsa, vibra e estabelece a música interior a cujo compasso obedecem todos os outros órgãos a ele ligados.

O coração tem razões que a razão desconhece. Pascal

Se as razões do coração existem, por que será que as desconhecemos? O filósofo francês Blaise Pascal (1623-1662) considera que tal facto se deve à prevalência do Espírito Geométrico concernente às faculdades do entendimento, objectivas e racionais, em detrimento do Espírito Fino, que se caracteriza por ser uma intuição viva que penetra, de um só olhar, na essência das coisas. Os princípios do Espírito Geométrico estão afastados da utilização comum, no entanto, possuem regras tão bem definidas que só raciocinando mal é que esta classe de saber não se alcança. Com o Espírito Fino acontece o oposto: os seus princípios estão ao alcance do olhar de qualquer um, mas por serem tão subtis e numerosos escapam-se-nos facilmente. Uma outra razão é apontada pelo cientista Paul Pearsall (1943-2007): “por vezes o nosso cérebro faz tanto barulho que não conseguimos ouvir o coração; ficamos incapazes de sintonizar com as memórias celulares do ritmo saudável e natural da vida”. (The Heart’s Code). A sua investigação sobre transplantes de coração trouxe à luz vários casos em que a pessoa que recebe o coração modifica a sua personalidade adquirin-

do traços, gostos, hábitos e até memórias do seu dador. Tal só é possível porque o coração não é apenas uma máquina de bombear o sangue; o ritmo desse bombear contem energia e informação. O ritmo de um coração particular pode harmonizar-se com o ritmo de outros corações e comunicar. No sec. XXI promove-se a aliança de ambos órgãos: “O

cérebro ressoa com energia bioeléctrica, o sistema circulatório murmura com a pressão crescente do sangue, e o coração situa-se no centro do corpo bombeando não somente o sangue necessário para o nutrir mas também as mensagens bioquímicas do cérebro que nos tornam seres conscientes. Devido à imensa informação-energia posta a circular pelo

coração, a alma também é nutrida pelo conhecimento contido no código do coração”. (Ibid) Recuperar a sabedoria do coração permitiria um modo totalmente novo de viver a vida. Yoga e meditação acalmam o corpo e tranquilizam o cérebro. Com a motivação adequada e um treino perseverante podemos aprender a ouvir a voz do coração! PUB


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Cultura.Sul

Letras e leituras

Água de João Paulo Borges Coelho: Contradições de um país em mudança

Paulo Serra

Doutorado em Literatura na Universidade do Algarve; Investigador do CLEPUL

Água foi o último romance publicado pela Caminho de João Paulo Borges Coelho, nascido no Porto em 1955, mas radicado em Moçambique desde a infância. Escritor e historiador, é professor de História Contemporânea de Moçambique e África Austral na Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, onde vive. Tem dedicado o seu estudo sobretudo à investigação das guerras colonial e civil em Moçambique, bem como à política da memória e às questões de segurança regional na região da África Austral. Normalmente quando se fala em literatura moçambicana ressalta o nome de Mia Couto mas existem outros grandes autores menos conhecidos entre nós, como Ungulani Ba Ka Khosa (já aqui apresentado a propósito de Choriro, publicado pela Sextante) ou o autor que hoje vos trazemos. João Paulo Borges Coelho tem, aliás, toda a sua obra publicada pela Caminho e foi o vencedor do Prémio Leya em 2009 com O olho de Hertzog, sendo o único autor já com obra publicada a ter ganho o prémio (os restantes vencedores têm sido autores inéditos e estreantes). Já em 2004 o autor foi vencedor do Prémio José Craveirinha da Literatura, a maior distinção literária em Moçambique. Este autor pode não ser muito popular entre nós mas merece muito ser lido com atenção e tem tratado na sua obra literária diversas épocas históricas do país. Esta obra, cujo tema principal está desde logo designado no título, e subtitulada de «Uma novela rural», apontando para o género a que pertence, sendo a novela algo entre a brevidade do conto e a complexidade do romance, assente em princípios de economia narrativa. A concisão define de facto esta obra, cuja escrita é constituída por frases muito curtas, com capítulos muito breves (no total de 144 capítulos), o que gera uma velocidade rápida de leitura. À medida que nos aproximamos do final a prosa ganha o ímpeto da força da correnteza da água aqui protagonizada, transfigurada em parágrafos que se estendem por páginas e capítulos que ganham mais terreno, como forma de dar conta do fantástico crescendo e desse enigmático final. Essa

FOTOS: D.R.

concisão própria de uma novela parece contudo posta em causa se atentarmos no considerável número de personagens. Os nomes das personagens são simbólicos, e alusivos a elementos naturais (Praado, Laago, Heera), como quem lembra que todos nós apesar de estarmos cada vez mais mergulhados em tecnologia não deixamos de fazer parte da natureza, tal como a água de que precisamos para viver e que faz parte do corpo humano. Além disso, são sempre grafados com dupla vogal, como que a ecoar na narrativa a pronúncia das vogais mais abertas (próprias de um Português mais cantado). A alternar com a intriga principal pontuam os diálogos de Laama e Ryo que «passam metade do tempo a sondar as entranhas da natureza, a outra metade a discutir a interpretação dos resultados» (p. 17). Estes dois anciãos discutem «hoje, a água. Ou melhor, a falta dela, que aquilo que outrora era um pesado e líquido cordão não passa hoje de um tortuoso arabesco (...). No fundo, repetem sempre a mesma discussão» (p. 17), discussão essa muitas vezes feita da réplica de frases que se afiguram provérbios, sendo Ryo o mais «moderno» e «volúvel» e Laama o mais «consistente na obsessão de desnudar os fumos primordiais» (p. 17), enquanto procuram sondar a natureza e ler os seus desígnios, recorrendo mesmo a certas práticas ancestrais – presumirá o leitor – capazes de trazer a água de regresso, como quando caminham ao luar com uma concha de água. Contudo, como a própria narrativa declara, por muito que a ciência (e incluímos nós a religião) se procure instituir como «esforçada leitura paralela, as coisas seguem o seu curso cego imunes às interpelações. A natureza é um misterioso veículo em movimento, deixando sacerdotes e cientistas em terra, ocupados ainda assim na tentativa de determinar o rumo da viagem!» (p. 17). Este é portanto um romance de carência que narra a história de uma comunidade rural que atravessa um período de seca, pois o rio há muito secou. As personagens que por aqui se movem estão todas elas ligadas à água, seja o pastor que precisa de campos férteis para apascentar o seu

O escritor

gado, seja a lavadeira que lava a roupa no rio, ou ainda os técnicos e investigadores que estudam a água ou, melhor dizendo, a falta desta. Mas esta novela rural está eivada de modernidade. Note-se a profusão de onomatopeias que dão conta dos sons e ruídos próprios de um mundo urbano que começa a transbordar para esta localidade rural, como os camiões («Vrrrrrr! Vrrrrrr!») ou os sons dos telemóveis de Ervio e Maara («Críí! Críí!»), enamorados que se contactam quase exclusivamente por esta via – como se por pertencerem a mundos diferentes vissem também o contacto

entre si limitado a este meio de comunicação. Os “celulares” são aliás uma presença cada vez mais forte na sociedade moçambicana, à semelhaça do resto do mundo, pois toda a gente, por muito apartada que viva do centro urbano, possui o seu. Contudo existe a particularidade de, tal como acontece muitas vezes nos telefonemas trocados entre o casal amoroso cheios de interferências, os telemóveis serem mais um motivo de desentendimento do que de comunicação eficaz entre Ervio e Maara. Configurado principalmente na relação amorosa entre Ervio e Maara, há todo um jogo de contrários a começar pelo título da obra pois, conforme se referiu, rapidamente percebemos que Água não é algo que existe e daí dar título à obra mas sim algo que é preciso redescobrir ou reaver. A questão do colonialismo também se encontra presente neste jogo de opostos, como se pode ler quando se refere a loja do português que apesar de fechada continua a ser um marco. Por outro lado, retrata-se a presença de apoios externos em Moçambique, bem como no continente africano em geral, mediante a figura do engenheiro alemão Waasser

(e adivinhe-se o que significa Wasser em alemão? Pois é: Água!). Não deixa de haver uma reflexão em torno destas contradições moçambicanas, ao mesmo tempo que se parece denunciar também como certos apoios externos parecem completamente despropositados ou, por outro lado, infrutíferos mesmo, como é a intenção de se construir uma ponte sobre um rio seco. Mesmo o diálogo entre Laama e Ryo é aliás a representação de uma discussão assente em pontos de vista distintos apesar de serem ambos membros de uma certa antiguidade na comunidade. É interessante atentar como o narrador se assume sempre como um nós, uma voz colectiva, pertencente a essa comunidade rural, ou assumindo-se como a própria comunidade. Este aspecto é algo que também se pode encontrar em Ungulani Ba Ka Khosa e atesta de um cuidado da literatura pós-independência em encontrar a sua voz e escrever de forma interventiva como uma consciência social ou política, pois afinal esta obra que oscila entre a seca e a cheia é também um retrato da realidade moçambicana em diferentes zonas do país, como aconteceu no rio Limpopo com as cheias de 2000, em que as pessoas subiram aos telhados das casas, mas também mais recentemente, em 2014 ou em 2015. O autor declarou, em entrevistas, tentar dar conta de como Moçambique é um país feito de desequilíbrios, como acontece justamente com a água, acontecendo por vezes haver zonas ameaçadas pelas secas enquanto que outras são simultaneamente afectadas pelas cheias. O autor debruça-se ainda, como se pode perceber no emblemático e alegórico final, sobre a questão do mundo rural como um espaço que parece condenado a desaparecer em África, cada vez mais circunscrito a terrenos que se reclamam, por vezes, para reservas naturais. Assiste ainda à narrativa um certo sentido de ironia e de humor, como por exemplo quando o engenheiro alemão Waasser reflecte como «o mundo será perfeito quando os caminhos dos rios forem todos rectos como as fronteiras de África. Não há perfídia nem ironia nesta sua aspiração, apenas racionalidade. As coisas perfeitas são as que seguem a direito, evitando desnecessários gastos de energia.» (p. 49). Ainda em relação ao final, não deixa de ser sintomática a intrusão de uma certa magia, como que um resquício do realismo mágico característico de uma certa literatura pós-colonial, nomeadamente nas borboletas, símbolo caro justamente ao realismo mágico (relembre-se Cem Anos de Solidão) e na personagem cujo ventre seco de repente parece transmutar-se em nascente. 


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Panorâmica

Museu Nacional de Arqueologia mostra sete mil anos da História de Loulé da história que ficará por contar noutros momentos. Um momento único para revisitar a história louletana a ser preparado desde 2015

Ricardo Claro

Editor ricardoc.postal@gmail.com

É no início do próximo mês de Junho que o Museu Nacional de Arqueologia (MNA) vai inaugurar a exposição ‘LOULÉ. Territórios, Memórias, Identidades’ (LTMI), a mais completa exposição alguma vez realizada sobre o território e a identidade louletanas, abrangendo o

Com um orçamento de cerca de 100 mil euros e uma organização que junta o MNA e a Câmara de Loulé, a LTMI começou a ser preparada em 2015, quando Dália Paulo, então responsável pelo Departamento de Cultura de Loulé, assumiu o desafio de certificar o museu da cidade de forma a que este pudesse integrar a Rede Portuguesa de Museus. FOTOS: JOSÉ PAULO RUAS/MNA

ra.Sul Dália Paulo, sublinhando, “que a este facto se somou a noção de que alguns destes bens culturais eram de grande valor e relevo do ponto de vista arqueológico e que nunca tinham sido mostrados ao público”. Este foi o mote para, por um lado, “se fazer todo o trabalho associado à identificação e classificação destes bens no seu estado e localizações actuais” e, por outro, “encetar um trabalho de recuperação deste património e dotação do museu municipal de capacidade para acolher em exposição e em reserva estas peças com a qualidade de que as mesmas eram merecedoras”, refere a actual comissária do 365 Algarve e também uma das responsáveis pela organização da LTMI, que acrescenta que, “finalmente a isto juntámos trabalhos importantes de restauro de alguns destes bens culturais, de forma a garantir a sua preservação e as condições para integrar esta grande exposição".

'Aqui, tudo fala de um tempo antes da História, em que a África estava unida à Europa, e ao mesmo tempo tudo esconde. Depois, muito mais tarde, quando as ervas deram flores, e já existiam homens para colhê-las, levas sucessivas de povos do mundo pré-histórico aqui vieram fixar-se, porque ali havia terra boa, sol brilhante e mar tranquilo, e era após era, foram deixando o rasto das suas mãos fabricadoras no solo generoso que habitaram'. Lídia Jorge in Catálogo da Exposição refere Dália Paulo. “Há uma imensa história por contar relativamente a este território que agora se poderá mostrar tendo como palco o Museu Nacional de Arqueologia”, destaca a responsável sobre a exposição que será, desde 1980, a quinta exposição temporária dedicada naquele museu ao Algarve, ou a territórios do Algarve, em exclusivo.

percurso itinerante por outras paragens, a verdade é que um dado é tido como adquirido, o trabalho de salvaguarda do património que se fez ficará para sempre como uma marca deste esforço hercúleo. A título de exemplo, várias peças oriundas da Corte João Marques, um dos mais importantes sítios arqueológicos do Algarve, que há 40 anos estavam fora do Algarve, foram

para quem deseje entender a história do concelho de Loulé a uma nova luz. São sete milénios de percurso histórico, numa mostra que junta um conjunto de afamados comissários, nomeadamente Victor S. Gonçalves, Catarina Viegas e Amílcar Guerra, da Universidade de Lisboa; Helena Catarino, da Universidade de Coimbra; e Luís Filipe Oliveira, da Univer-

Exposição abre com apresentação inédia do metoposaurus algarvensis

Menir, Serro das Pedras, Salir período de sete milénios anteriores a 1384. Ao todo, 500 bens culturais vão integrar o acervo da mostra que estará patente em Lisboa e que percorrerá a Pré-História e a História até à data da mais antiga acta de vereação municipal conhecida em Portugal, uma acta municipal da autarquia louletana data de 1384. Será esta a peça agora integralmente restaurada que encerrará a exposição, marcando a entrada no mundo moderno e numa fase

“Percebemos durante o processo de certificação que havia por um lado muitos bens culturais respeitantes ao território de Loulé que estavam espalhados pelo país em diferentes instituições e muitos que integravam as reservas do museu municipal sobre os quais havia um extenso trabalho a fazer, quer do ponto de vista da sua catalogação e classificação, quer do ponto de vista da sua salvaguarda e preservação”, refere ao Cultu-

Chamemos-lhe o anfitrião da exposição. À entrada da LTMI será esta ‘salamandra gigante do Triásico’ que dará as boas vindas aos visitantes, convidando-os a visitar a exposição. Descoberto pelo professor Octávio Mateus, o fóssil deste género de anfíbio do Triásico superior, com cerca de 220 milhões de anos, é a estrela da abertura e poderá ser vista pela primeira vez, depois de um profundo trabalho de conservação que a tornou digna de exibição. Feita a recepção aos visitantes por esta digna representante do período pré-dinossauros, a exposição desenvolve-se com uma profusão de bens culturais que talham um discurso expositivo pensado para mostrar o grande valor da mostra, “a existência de um acervo notável de bens arqueológicos que percorre de forma impressionante um vastíssimo período histórico de um território que ocupa ao longo de milénios de forma consistente e hoje preservada e documentada”,

Queijeira, Corte de João Marques, Ameixial Um trabalho que se mostra a partir de Junho, mas que perdurará para sempre Um dos pontos de destaque da LTMI é que o trabalho que levou à sua criação - as montagens decorrem actualmente e foram recentemente visitadas pelo autarca louletano Vítor Aleixo - e os resultados obtidos deste esforço sobre o património abarcado perdurarão muito para além da exposição. Sendo ainda incerto se a LTMI, depois de estar patente até 2018 no MNA, terá uma segunda vida rumando ao Algarve, como esperam os algarvios, ou mesmo fazendo um

restauradas e estarão depois da exposição de regresso a Loulé onde, pela sua importância, integrarão a exposição permanente do museu municipal. Um momento imperdível na forma de contar a História de Loulé A LTMI será pois - por estas e por muitas outras razões que o Cultura.Sul e o POSTAL vão retratar durante o próximo mês, numa parceria de divulgação estabelecida entre o MNA, a Câmara de Loulé, o nosso jornal e o respectivo caderno cultural - um momento absolutamente imperdível

sidade do Algarve. Assim se dá forma expositiva a uma relação incontornável entre as colecções fundacionais do Museu Nacional de Arqueologia, o Algarve e Loulé, desde logo porque em 1894 foi integrada no acervo do MNA a colecção reunida pelo algarvio Estácio da Veiga, que se propôs então criar o Museu Arqueológico do Algarve e ainda porque o etnógrafo Manuel Viegas Guerreiro, natural de Querença, foi director do MNA entre 1974 e 1975 e um dos colaboradores mais próximos de José Leite de Vasconcelos, pai do Museu Nacional de Arqueologia. 


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Cultura.Sul

Letras e leituras

A inadaptabilidade da vida em Factotum de Charles Bukowski FOTOS: D.R.

Paulo Serra

Doutorado em Literatura na Universidade do Algarve; Investigador do CLEPUL

Factotum é a mais recente obra de Charles Bukowski publicada pela Alfaguara em Março, que já traduziu e publicou outras sete das dezenas de obras do autor. Este é o seu segundo romance, publicado originalmente em 1975. Charles Bukowski nasceu na Alemanha em 1920 mas cresceu e viveu em Los Angeles durante cinco décadas, tendo publicado o seu primeiro conto em 1944 e começado a escrever poesia uma década depois. O livro, considerado como um dos seus melhores, é descrito, na contracapa, como uma «espécie de retrato do artista enquanto jovem» sendo Henry (Harry) Chinaski um alter ego de Bukowski. À semelhança de outras obras, Factotum foi adaptado ao cinema em 2005, com um resultado feliz, por Bent Hamer, com Matt Dillon, Lili Taylor e Marisa Tomei nos principais papéis. Seguimos o percurso de Henry Chinaski durante o período da Segunda Guerra Mundial mediante o seu relato na primeira pessoa: «Cheguei a Nova Orleães debaixo de chuva às 5 da manhã» (p. 9). E à medida que o narrador vai desfiando o seu périplo pelos Estados Unidos da América vamos sabendo mais sobre esta personagem-narrador, conforme ele se digna, numa narrativa que se sucede sempre de forma linear, a ir dando pistas do que constituiu o seu percurso. Perceberemos, por exemplo, que tem tendências suicídas (o que aliás está presente no seu comportamento autodestrutivo ao longo do livro): «Fui bebendo devagar e pus-me a pensar outra vez em arranjar uma pistola e despachar o assunto: sem os pensamentos e sem a conversa.» (p. 13). Quando o pai o vai buscar numa certa noite à prisão, tendo de pagar a fiança, também se pode ler, quando este acusa o filho de não ter querido servir o seu país, que o psiquiatra declarou que ele não estaria apto. Depressão? Não se sabe ao certo mas é bem possível, pois como se refere páginas depois: «A noite ia no início e eu estava a ter um dos meus acessos de depressão.» (p. 46). Henry Chinaski procura a solidão como um casulo protector: «Eu era um

Factotum é o segundo romance do escritor

tipo que se dava bem com a solidão; sem ela, era apenas mais um homem sem comida ou sem água. Enfraquecia a cada dia passado sem solidão. Não me orgulhava da minha solidão; mas dependia dela.» (p. 35). E inclusivamente bebe como forma de escapar ao outro e ao real: «Sempre que alguém se sentava ao meu lado e se punha a conversar, eu sacava de uma das garrafas e dava um gole valente.» (p. 34). A visão do outro é aliás muitas vezes grotesca: «Olhei novamente para os rostos. Parecia uma visão do inferno em repetição ininterrupta. Cada nova remessa de rostos era mais feia, demente e cruel do que a anterior. Dei um golo de vinho.» (p. 35). Se bem que o narrador também não se retrate de forma muito positiva, mas sem qualquer autodepreciação ou autocomiseração: «Apercebi-me subitamente dos pregos das solas dos meus sapatos ranhosos a cravarem-se-me nas solas dos pés. A minha camisa encardida tinha três botões a menos. O fecho das calças estava encravado a meia haste. A fivela do cinto estava partida.» (p. 84). Começamos assim a perceber como Henry vagabundeia de trabalho em trabalho, chegando a regressar à casa dos pais apenas para logo constatar que nunca lhes conseguirá pagar a estadia, pois o pai exige-lhe o pagamento do alojamento, da comida e da roupa lavada. Dias depois a sua saída é intempestiva e aparentemente permanente, com agressão física pelo

meio. A violência é também uma constante, nas relações familiares, amorosas ou no sexo esporádico que vai tendo com as mulheres que encontra, chegando mesmo a haver um momento em que se descreve toda a cena como sendo ele a vítima. Existem ainda relações que se revelam inclusivamente parasitárias – sendo o termo parasita utilizado aqui de forma intencional – como acontece com Jan, a mulher com quem Henry parece passar mais tempo dentro da sua errância. De Nova Orleães a Los Angeles, passando por Louisiana, Filadélfia ou St. Louis, o nosso protagonista, que nada tem de herói – embora entre nalgumas rixas, pois encara a luta física como desporto ou diversão – vai somando os mais diversos empregos, e vai estendendo o seu registo criminal. O próprio Henry vive por vezes como parasita social, consoante se agrava a sua incapacidade em

Charles Bukowski

adoptar um papel social adequado e cumpridor. Henry nunca é descrito como inepto pois, pelo contrário, adapta-se com grande facilidade às suas sucessivas ocupações, revelando inteligência, até porque não possui qualquer qualificação para os mesmos. O objectivo dele parece ser somente o de chegar ao fim da semana para ganhar o cheque e comprar bebida, numa época em que devido à Guerra haveria escassez de mão-de-obra. Henry parece assim viver à margem e acima dos comuns trabalhadores. Como diz a sua companheira Jan: «Sabes, quando te conheci, gostei da forma como atravessavas uma sala. Não te limitavas a atravessar uma sala, parecia pelo teu andar que ias atravessar uma parede, como se fosse tudo teu, como se nada interessasse.» (p. 98). Henry estudou jornalismo durante dois anos e possui uma aspiração, se bem que esta se vá perdendo ao longo da narrativa, quando se designa como «um escritor temporariamente falho de inspiração» (p. 49), essencialmente um contista que escreve três a quatro contos por semana que envia por correio para diversas revistas, até que vê finalmente um dos seus contos ser aceite para publicação, com o sugestivo título de «A Minha Alma Ébria de Cerveja é mais Triste do que Todas as Árvores de Natal Mortas do Mundo» (p. 57). Apesar de ser cada vez mais evidente que Henry é um alcoólico inveterado percebemos também, inicialmente talvez com espanto, que ele próprio boicota os postos de trabalho que vai conseguindo e percebe sempre o momento em que se prepara para ser despedido, naturalmente também em prol das suas acções que são muitas vezes vexatórias. No final do livro, composto por 87 capítulos

ou trechos, as desventuras do nosso herói sucedem-se a ritmo vertiginoso, correspondendo ao longo de diversos capítulos a narração breve de como ele entra e sai de mais um trabalho a cada trecho. Essa recusa de Henry em encontrar um trabalho certo pode aliás ser percebida como uma recusa geral em viver segundo as prescrições sociais. Note-se como se descreve pejorativamente as massas da sociedade: «O dia chegava ao fim. Havia gente a trepar das estações de metro cá para fora. Semelhantes a insectos, anónimas, desvairadas, as pessoas precipitavam-se na minha direcção (...). Rodopiavam e empurravam-se umas às outras; emitiam sons horríveis.» (p. 34). Henry define-se assim como uma pessoa sem ambição, na medida em que a ambição de muita gente é um triunfo vazio: «Como raio haveria um tipo de gostar de ser acordado às seis e meia da manhã por um despertador, saltar para fora da cama, vestir-se, comer à pressa, (...) escovar os dentes e o cabelo, e penar no trânsito para chegar a um sítio onde, fundamentalmente, vai fazer com que outra pessoa ganhe montes de dinheiro e se exige que se mostre grato pela oportunidade?» (p. 116). É em torno desta crítica a uma sociedade capitalista, ainda mais quando a Segunda Guerra colocou tantos valores em causa, que se concentra a ironia e o humor cáustico do autor: «As notas de embalagem nunca estavam erradas, possivelmente porque o tipo do outro lado estava demasiado assustado com perder o emprego para ser desleixado. Normalmente, vai na sétima de trinta e seis prestações do carro novo, a mulher está a tirar um curso de cerâmica à segunda-feira à noite, os juros da hipoteca estão a sugá-lo até ao tutano e cada um dos seus cinco filhos bebe um litro de leite por dia.» (p. 122). A linguagem é simples, com frases curtas e incisivas, sem pretensiosismos, o que pode levar a julgar a escrita banal, mas a poesia e o cuidado estético estão sempre lá, mesmo quando o autor recorre a linguagem mais gráfica, conforme às personagens retratadas pertencentes a uma classe social de estrato baixo. Este livro é uma espécie de descida aos Infernos do mito do escritor como ser marginal e liberto das convenções usuais da sociedade. Se bem que o próprio narrador alerte para a falsidade dessas construções míticas, pois o que parece prevalecer sempre é a lei da selva: «O mito do artista que passa fome era um embuste. Assim que nos apercebemos de que tudo não passava de um embuste, ganhámos juízo e começámos a extorquir e a queimar os nossos iguais.» (p. 56). 


Cultura.Sul

Ficha Técnica:

Direcção: GORDA Associação Sciocultural Editor: Ricardo Claro

12.05.2017

Espaço ao Património

O que o movimento associativo tem para oferecer ao património cultural? FOTOS: D.R

Paginação e gestão de conteúdos: Postal do Algarve Responsáveis pelas secções: • Artes visuais: Saul de Jesus • Da minha biblioteca: Adriana Nogueira • Espaço AGECAL: Jorge Queiroz • Espaço ALFA: Raúl Grade Coelho • Espaço ao Património: Isabel Soares • Filosofia dia-a-dia: Maria João Neves • Grande ecrã: Cineclube de Faro Cineclube de Tavira • Juventude, artes e ideias: Jady Batista • Letras e literatura: Paulo Serra • Missão Cultura: Direcção Regional de Cultura do Algarve • O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N: Pedro Jubilot • Panorâmica: Ricardo Claro • Um olhar sobre o património: Alexandre Ferreira Colaboradores desta edição: Carla Vieira Rui Oliveira Parceiros: Direcção Regional de Cultura do Algarve, FNAC Forum Algarve e-mail redacção: geralcultura.sul@gmail.com e-mail publicidade: anabelag.postal@gmail.com on-line em: www.postal.pt e-paper em: www.issuu.com/postaldoalgarve

facebook: Cultura.Sul Tiragem: 5.379 exemplares

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Carla Vieira

Associação Teia D Impulsos

A preservação das tradições e a valorização do que constitui a memória colectiva das comunidades, bem como dos espaços que a construíram e que continuam sendo cenário para a evocação do passado, são hoje, talvez mais do que nunca, fortes linhas programáticas no panorama associativo nacional. Porém, a ideia não é nova. Desde o século XIX que, em Portugal, a defesa do património cultural surge vinculada ao movimento associativo. Depois de um período de estagnação durante o Estado Novo, o associativismo patrimonial ganhou novo fôlego no pós 25 de Abril e, em particular, durante os anos 80. Nasceram então as modernas Associações de Defesa do Património, cujo poder consultivo junto dos órgãos de poder foi oficialmente reconhecido em 1985, na primeira lei do património cultural português. Embora a década de 90 e o início do século tenham constituído um novo momento de recessão nesta dinâmica, os últimos anos foram marcados pela revitalização do movimento associativo: por um lado, consequência indirecta da crise económica e política nacional, com o esvaziamento dos recursos do Estado a obrigar ao fomento do espírito de entreajuda e à actuação dos próprios cidadãos; por outro, exprimindo uma tendência, sentida em toda a Europa, de crescente valorização do trabalho voluntário e do associativismo, traduzida, por exemplo, na consagração do ano de 2011 enquanto Ano Europeu das Actividades de Voluntariado que Promovem uma Cidadania Aberta, ou no lançamento de programas de apoio à participação cívica, como o Europe for Citizens. Este novo elã impeliu o associativismo social, mas também o de vertente cultural e ambiental, cariz em que se enquadra a maior parte das associações que consagram parte do seu trabalho a acções envolvendo

O associativismo patrimonial ganhou novo fôlego no pós 25 de Abril o património. Veja-se o caso da Almargem – Associação de Defesa do Património Cultural e Ambiental do Algarve, fundada em 1988. Um dos seus projectos mais emblemáticos, a Via Algarviana, concilia a prática do

pedestrianismo com a valorização do património cultural e ambiental do interior algarvio. A perspectiva do património como um valor não só cultural, mas também económico (caso do Turismo Patrimonial)

O DiVaM leva variados espectáculos aos monumentos

e social, capaz de promover o envolvimento das populações em prol da valorização da identidade local, tem inspirado a actividade de associações particularmente direccionadas para as chamadas (talvez erroneamente) “áreas deprimidas”. Em São Brás de Alportel, a associação IN LOCO desenvolve um reconhecido trabalho na promoção social, económica e cultural do interior algarvio, dando um especial enfoque à criação de valor nos saberes e modos de fazer tradicionais locais. Com o principal alvo de acção nas localidades de Paderne e Boliqueime, a APEOralidade – Associação de Pesquisa e Estudos da Oralidade dedica-se à recolha, investigação de publicação bibliográfica e fonográfica de literatura oral popular, provendo a sensibilização para a necessidade de salvaguarda deste património em constante risco de ocaso. Como se vê, além do associativismo vinculado à defesa de

monumentos e sítios, é cada vez maior o interesse na preservação e promoção do Património Cultural Imaterial (PCI). Iniciativas como o FOrA – Festival da Oralidade do Algarve, organizado pela Associação Teia D’Impulsos, encontram fundamento nessa premência em aproximar as populações de um património que está profundamente vinculado com a sua própria identidade. A crescente atenção orientada para o PCI reflectiu-se igualmente nas candidaturas portuguesas de bens culturais e tradições a património cultural da UNESCO, as quais têm conciliado a iniciativa de organismos públicos com o envolvimento do movimento associativo. Foi o caso da candidatura da Dieta Mediterrânica a Património Cultural Imaterial da Humanidade, cuja representação portuguesa, liderada pelo município de Tavira, contou com o apoio de várias associações locais. Os próprios organismos governamentais têm contribuído para estimular o empenho das associações na questão patrimonial. Sensível ao seu papel mediador, bem como à sua eficácia em congregar sinergias e “fazer acontecer”, a Direcção Regional de Cultura do Algarve tem criado programas de apoio que capacitam ao movimento associativo para o desenvolvimento de acções de promoção do património. É o caso do DiVaM – Dinamização e Valorização dos Monumentos que, desde 2014, tem levado as mais variadas expressões artísticas a sete monumentos algarvios através de iniciativas promovidas por associações locais. Em suma, a preservação e promoção do património enquanto não só uma responsabilidade dos órgãos políticos, mas também um dever (e um direito) dos cidadãos, não é uma ideia de hoje. Contudo, num momento em que o movimento associativo tem ganho um crescente ímpeto, alavancado por novas formas de sociabilidade, fruto do desenvolvimento tecnológico, é pertinente a reflexão ao mais alto nível decisório sobre como canalizar essa energia na valorização dessas marcas do passado capazes de nos fornecer pistas sólidas sobre quem somos e para onde vamos. 


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Cultura.Sul

Na senda da Cultura

365 Algarve: o desafio continuado dum programa que deu ao Algarve mais de mil eventos D.R.

Ricardo Claro

Editor ricardoc.postal@gmail.com

O 365 Algarve, o programa que foi pensado pela Região de Turismo do Algarve (RTA) e proposto ao Turismo de Portugal para dotar o Algarve de uma oferta cultural consistente ao longo da época baixa do turismo e uniu as Secretarias de Estado da Economia e da Cultura em torno de um projecto pensado à medida das necessidades regionais das áreas da Cultura e da Economia, particularmente do Turismo, chega ao fim este mês. Apesar de para Maio estarem ainda “previstos cerca de 100 eventos associados ao programa”, como esclareceu ao Cultura.Sul Dália Paulo, comissária do 365 Algarve, já se pode a esta altura fazer um balanço intercalar daquele que é, sem dúvida, o maior programa cultural alguma vez criado para a região, entre outras razões porque já estão publicados dados estatísticos intercalares resultantes de um estudo realizado pela Universidade do Algarve sobre o programa e encomendado pela RTA. Um programa que trouxe valor acrescentado à região O principal resultado do 365 Algarve é o aporte ao Algarve de um substancial valor acrescentado em várias áreas e muito embora este possa ser de difícil quantificação, como o são todos os dados estatísticos em sede de indústrias culturais, certo é que os 1,4 milhões de euros investidos na programação cultural pelo 365 Algarve se multiplicaram facilmente. O programa liderado por Dália Paulo investiu este valor em larga medida em projectos criados no Algarve, pelo que injectou o valor financeiro nos fazedores de cultura regionais, seja de forma directa, seja através do apoio que deu às actividades culturais desenvolvidas pelas autarquias e outras entidades. Trata-se de uma valor elevado

presença nos espectáculos e iniciativas programadas”. Dália Paulo diz que “a análise das informações recolhidas permite perceber que o público destaca o carácter inovador do programa e a sua consistência a par da diversidade, mas em simultâneo os parceiros destacam outras questões como pontos fortes, o que permite perceber que existem duas formas de olhar para o programa e de o percepcionar que importa trabalhar para que a conciliação das mesmas seja ainda mais produtiva”. Próxima edição já está a ser desenvolvida

Dália Paula, comissária do 365 Algarve para uma região que tem vivido anos na penúria do investimento público em cultura, cuja cadeia de valor fique na região, o 365 Algarve teve esse condão inegável. Além deste verdadeiro balão de ar para os fazedores culturais, o 365 trouxe à ribalta projectos há muito engavetados e que, dificilmente veriam a luz dos dias se não existisse o financiamento que os desempoeirou. O efeito multiplicador do investimento fez, por outro lado ,a obra de dotar o Algarve de um a oferta cultural sustentada durante os meses de Outubro a Maio, época baixa do turismo, e deu por via disso ao Algarve uma base de trabalho para aqueles que desejam ver a região com propostas para os turistas que fogem aos calores do estio. A oferta turística vê assim reforçado o seu portefólio de experiências a proporcionar aos visitantes, ao mesmo tempo que o faz assente na produção nacional e muito em particular regional, reafirmando a cultura local, a coesão territorial e criando um verdadeiro mapa cultural descentralizado num Algarve que se mantém dual entre interior e litoral. Mais do que os pontos fortes Dália Paulo realça os desafios De entre os dados revelados pelo estudo intercalar ao 365

Algarve estão a percentagem de participação nos eventos do programa, considerada “elevada, com 54% dos residentes a assistirem, em média, a dois eventos e 76% dos visitantes a, pelo menos, uma apresentação”; o grau de satisfação com “84% dos residentes e 79% dos visitantes, que assistiram a eventos do programa” a ficarem “satisfeitos com a sua experiência” e a “pretenderem recomendar a iniciativa nos seus círculos mais próximos”. Quanto à penetração do programa no tecido de residente e turistas, o estudo revela que, “ é conhecido tanto por residentes (70%) como por visitantes (57%)”. Dados sem dúvida positivos e que Dália Paulo reforça com um balanço que considera “positivo, mas com áreas onde se pode melhorar”, sublinhando que “o que é motivador e constitui um desafio é que ficou claro que há uma grande margem de evolução no programa sob vários aspectos, desde logo nas formas como podemos aprofundar a relação entre a Cultura e o Turismo, o que cria espaço para trabalhar de forma a melhorar continuamente aquele que é o resultado desta primeira edição”. Para a responsável “o que foi mais impactante foi a reacção dos públicos e a proximidade atingida com quem marcou

Sem poder adiantar como será em pormenor a programação do segundo 365 Algarve que chegará em Outubro próximo, Dália Paulo realça que “a aposta mantém-se nas mesmas áreas temáticas que importa consolidar para que o público se habitue a elas e delas se aproprie” e para tanto a programação vai contar em 2017/18 “com 1,2 milhões de euros de um orçamento total semelhante que vai reforçar a aposta na comunicação junto dos públicos”. “Há que trabalhar em várias áreas que podem ser melhoradas e já o fizemos no momento das candidaturas com um regulamento pensado para suprir ineficiências da primeira edição e para dotar os proponentes de mais certezas relativamente a todo o processo de candidatura”, refere Dália Paulo. Vai também haver uma maior participação da Associação de Turismo do Algarve na promoção do programa junto dos mercados emissores de turismo da região, dando a conhecer o destino com este valor acrescentado e uma maior articulação entre a programação desenvolvida e aquela que é a programação cultural de outras entidades na região. Razões de sobra para acreditar que o segundo 365 Algarve será ainda melhor e mais capaz de responder aos desafios que a sua natureza encerra e para ter certeza de que a aposta é e será vencedora num Algarve que tanto precisava de um programa alavanca para a Cultura e para a oferta turística com base local. 

Programação de Maio: Dia | Espectáculo | Local î MÚSICA 12 | Carion Quintet, Música de Câmara – Mephisto “Dance with the devil” | Albufeira 13 | Orquestra Clássica do Sul – Música de Câmara “Serenata Boémia” | Tavira 13 | Paulo Galvão (Guitarra Clássica) | Francisco e Heitor | São Brás 19 | Pedro Jóia Trio e convidado especial | Loulé 19 | Verónika Kristófcsák (Guitarra Clássica) | Tavira 19 e 20 | Big Bands Battle - Orquestra de Jazz do Algarve versus Orquestra Jorge Costa Pinto | Lagoa e Faro 20 | Paulo Galvão (Guitarra Clássica) | Francisco e Heitor | Silves 20 | José Alegre (Guitarra Portuguesa) | Albufeira 20 | Verónika Kristófcsák (Guitarra Clássica) | Vila Real 20 | Coro de Câmara da Universidade de Lisboa | Fuseta 20 Maio | Orquestra Clássica do Sul – As Quatro Estações | Cine-Teatro de São Brás 21 Maio | Uma história de Trompa de Laurent Rossi, espectáculo musical multimédia | Loulé 21 | Coro Vozart | Pechão 26 | Interferências | Loulé 26 Maio | Orquestra Metropolitana de Lisboa - Danças Concertantes| Lagoa 26 e 27 | MORPHOSIS – Hugo Alves (trompete) & João Frade (acordeão) | Olhão e Porches 27 | Coro de Câmara de Barcelos | Quelfes 28 | Concerto Coro de Câmara de Barcelos Canticorum, Coral Feminino Outras Vozes, Orquestra do Conservatório de Música de Olhão | Olhão 28 Maio | Orquestra Clássica do Sul – Concerto de Encerramento | Albufeira î DANÇA 12 | MARIA DO MAR de José Leitão de Barros, Portugal, 1930 (com música ao vivo pelo quarteto de cordas Átegina, reportório Barroco e Clássico português) | Tavira î TEATRO 20 a 22 | Carripana | (sete espectáculos/ dia) | Albufeira 27 a 29 | Carripana | (sete es-

pectáculos/ dia) | Olhão î LITERATURA 13 e 14 | Festival Internacional Literário de Querença | Querença î ARTES VISUAIS 3 a 31 | Viagem ao Interior | Monchique 13 a 31 | Viagem ao Interior | Querença Até 30 Junho | Outdoor, Jovens Criadores do Algarve | Faro Até 29 | De um lado ao outro | Faro î ARTES PERFORMATIVAS 19 a 28 | Festival Lavrar o Mar | Aljezur e Monchique 26 a 28 | Fusos - Festival de Fusões Artísticas | Alte 26 a 29 | BARRO CAL - 1 ª Festa Feira do Barrocal Algarvio | Santo Estevão Até 28 | Festival encontros do DeVir – 39 olhares 39 reflexões cidades utópicas, cidades possíveis | Faro, Loulé, Quarteira, S. Brás de Alportel î ANIMAÇÃO DE PATRIMÓNIO 18 e 20 | Percursos performativos de narração oral no património | Ferragudo e Estômbar 21 | Inspiritum – à descoberta do Museu (percursos performativos de narração oral no património) | Lagos 25 | Momentos Fantásticos com Património (sítios com história, performance teatral) | Aljezur 26 | Faro Desvendado | Faro 27 | Da Pré-História à Lua Cheia | Portimão 27 e 28 | São Braz d’Alportel, 1914 – uma viagem no tempo (recriação histórica) | São Brás î ARTES VISUAIS / CINEMA Até 30 | Filmando A Luz | Lagos î MÚSICA / GASTRONOMIA 12 a 14 | Moments | Albufeira 17, 24 e 31 Maio | Fado & Wine | Faro

Mais informações em: http://www.turismodoalgarve.pt/ Programa 365 Algarve 


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Cultura.Sul

Da minha biblioteca

A Gorda, de Isabela Figueiredo FOTOS: D.R.

Adriana Nogueira

Classicista Professora da Univ. do Algarve adriana.nogueira.cultura.sul@gmail.com

Comprei recentemente este livro de Isabela Figueiredo, A Gorda (Caminho, 2016), que foi muito aclamado pela crítica, quer mais especializada, quer de leitores (quase) anónimos, como blogueiros ou youtubers (a própria Isabel Figueiredo tem um blogue e um canal no You Tube). Fiquei curiosa por saber de onde vinha este consenso sobre uma autora pouco conhecida do público em geral e com um título tão bruto, tão sem rodeios. Sim, porque chamar a alguém «gorda» não é, geralmente, apenas descritivo. Se gostamos da pessoa, dizemos que é «forte», «gordinha» ou «cheiinha». Os nossos valores estéticos (ao qual nos submetemos, frequentemente, sem critério) levam a que exclamemos «como estás magra!», supondo uma admiração positiva, enquanto «como estás gorda!» tenha implícito uma reprovação. Este livro também é sobre isso. Mas é muito, muito mais. Gorda, acima de 50 anos, retornada, culta

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A autora, Isabela Figueiredo, tal como a sua personagem Maria Luísa, nasceu em Moçambique, também veio sem os pais, também viveu no Oeste, também foi gorda. Quando lhe perguntaram se este livro era autobiográfico (podem procurar no You Tube), diz que não, porque é literatura, é ficção, mas diz que sim, porque um autor escreve sempre sobre si. A narrativa começa e acaba em 2014, mas está cheia de recuos e avanços, através dos quais vamos construindo

A Gorda é o primeiro romance de Isabela Figueiredo a história desta criança, desta adolescente, desta jovem mulher e desta adulta. Três anos tinham passados da gastrectomia que a personagem principal (e narradora) fizera, após a qual tinha perdido 40 quilos. Mas, como a própria diz, «Ainda penso como gorda. Serei sempre uma gorda». Esta omnipresença de quilos que já não tem, mas que transportou durante tantos anos, terá moldado a sua postura na vida, associada a várias outras circunstâncias, como o facto de os pais terem permanecido em Moçambique e de a terem enviado para Portugal, em 1975, no início da adolescência, de ter vivido, durante os dez anos em que esteve sem pai ou mãe, com familiares e num colégio interno, de ser inteligente e boa aluna, de ser determinada e independente. Que não se pense que o livro enfatiza estes aspetos. Aliás, tal como se pode ver pela forma como o romance está escrito, tudo é dito com alguma frieza e simplicidade, sem outros julgamentos a não ser os que a narradora faz sobre si própria. E aí, sim, é implacável, obrigando-se – e aos outros – a assumirem a

crueza (ou a crueldade) que exercem. Há uma cena muito intensa (demasiado grande para reproduzir aqui – pp. 163-166) entre ela e David (o namorado que a marcaria para sempre) em que, depois de ele lhe ter pedido que não o voltasse a visitar, ela faz uma série de perguntas, perguntas legítimas perante um pedido daqueles, como «São os teus pais?», ou «Então são os teus amigos?», ou «Porque sou mais velha?», mas falsamente ingénuas, pois, atrás das respostas evasivas dele, ela sabe a resposta: «Insisto. Vai resistindo. Já intuo a resposta. Temo que a pronuncie, mas insisto em feri-lo com a evidência da sua desumanidade». As perguntas que ela lhe faz, numa dança com os rodeios dele, continuam a supor razões comuns («Tenho algum defeito que prejudique a tua fama e imagem? É porque não sou punk? Não uso calças de ganga ruça? Não fumo charros? Não vou convosco à Festa do Avante? Não alinho em noitadas de álcool? […] porque já sou professora?»), mas o que espera é a verdade, mesmo que brutalmente impiedosa: «”Diz, David. Diz a verdade.

“O TEMPO EM QUE A HORA MUDOU” Até 17 JUN | Galeria de Arte do Convento do Espírito Santo - Loulé Pedro Palma inova a técnica do vidro com suportes, ferramentas e técnicas não convencionais, estabelecendo reflexões, análises simbólicas sobre questões, relacionadas com a ideia do tempo

Gozam contigo porque arranjaste uma gorda, não é?! É por isso. Por ser gorda. Por não ser como as raparigas de quem todos gostam e falam, a quem assobiam e mandam piropos. As normais. Gozam contigo porque sou gorda!” Temo ouvi-lo, mas quero a confirmação. E quero atirá-lo contra os seus sentimentos, medos e inseguranças». Maria Luísa, a antivítima Que nada do que até aqui escrevi vos faça pensar que Maria Luísa nos inspira pena. Nada disso. A narradora mostra as suas fraquezas, o seu lado menos bom ou bonito. Maria Luísa é alguém que se conhece, direta e sem condescendências. Não vou emitir juízos de valor sobre a sua conduta ou reações, porque isso cada um avaliará quando ler o livro (e vou tentar não fazer muitas revelações), mas é alguém que, no meio da sua altivez, da sua brusquidão, do seu egoísmo, tem como fio condutor o amor. É o que pretende. Amor pelos pais, pelo amante, pelos amigos, pelos animais, pelas pessoas. Por si própria. Amor que pode ser desamor,

como tantas vezes nos acontece. Quando acabou a relação com David, diz: «Sonhei matá-lo, mas, em nome da sua paz, e do que para mim estava perdido, abdiquei do projeto. Não matamos, Aceitamos a derrota. Parece um filme reles, mas o amor é um filme de péssima qualidade» (p.54); aquando da morte do pai e, uns anos mais tarde, da mãe, as contradições são constantes: «A mamã é um peso e um alívio. Quero que viva para sempre. Quero que morra e me deixe viver. Pelo menos que desapareça, que desocupe o espaço que ocupa na minha vida, que não me chantageie, exigindo de mim o que não retribui. O que penso que não retribui» (p.177); ou «Gosto dela. Não a suporto. Quando morrer não me resta mais ninguém. Nunca mais morre. Não morras» (p.208). Pode não ser fácil gostar da personagem, porque não nos deixa ter pena dela. Recusa-se a ser uma vítima, pois põe em si o ónus da escolha desse

lugar, com clareza de sobrevivente: «Eu também tenho escolhido, e mesmo que já ninguém me exclua, excluo-me eu, à partida. Conheço muito bem os meus limites. Aquilo a que posso aceder e os que me está vedado para sempre» (p.20). Os sobreviventes, por vezes, parecem duros, mas é a forma que têm de se manterem à tona: «Fui para Grândola em 96, um ano após o AVC do papá. Foi de propósito. Não suportava passar a semana inteira no meio de tanta dor» (p. 119). Gostei muito deste livro e ainda não saberei as razões todas. É daquelas obras que nos levam a conversar e discutir com os amigos as opiniões que temos formadas sobre os assuntos que ali são tratados (ou apenas aflorados, que o livro não é grande) ou a pensar naqueles assuntos nos quais nunca tínhamos refletido. E este confronto connosco é uma das boas qualidades que esta obra tem. 

“COR E LUZ” Até 29 MAI | 21.00 | Galeria de Arte Pintor Samora Barros - Albufeira Nesta exposição de pintura a óleo sobre tela, José Armando de Lima Dâmaso apresenta várias obras da sua terra, Albufeira


Última Quotidianos poéticos

Adão Contreiras FOTOS: D.R.

Pedro Jubilot

pedromalves2014@hotmail.com canalsonora.blogs.sapo.pt

Ao entrarmos em Gorjões, sitio típico que fica escondido, ou bem guardado, entre o triângulo Loulé - Sª B. Nexe - S. Brás, onde o Algarve é um bom lugar para despir a pele e deixar queimar o coração, deparamo-nos com um homem simples e afável, acompanhado da sua fiel cadela Bailarina. Adão Contreiras é um artista, que sempre foi também poeta, mas que apenas publicou o seu primeiro livro há poucos anos. Coordena por ali, um importante centro cultural – Gorjões Total Arte, onde afluem diversos artistas quer seja para disfrutar da sua companhia, quer para ensaiar e mostrar as suas artes. Esta disponibilidade já vem do tempo da Galeria Margem, espaço cultural de referência no início dos anos 90, na zona histórica de Faro. Foi para Lisboa com 12 anos e aí viria a frequentar a António Arroio, escola que considera ter sido uma nuvem de desassossego na sua formação, despertando-o definitivamente para as artes. Foi professor durante muitos anos aqui no Algarve. E como se processa fisicamente a escrita poética de alguém ligado às artes plásticas… Escrevo com os objectos que tenho ao meu dispor no momento, esferográfica, teclado, grafite, caneta de tinta, aparo se for caso disso. A linguagem pouco ou nada tem a ver com este processo, contudo, o prazer de escrever passa também pelo aspecto formal com que se age, neste caso, se escreve. Escrever no teclado do computador, é como escrever sobre o algodão; escrever sobre o papel é como riscar na nossa pele. A linguagem é activada pela sonoridade das palavras ou pelas imagens, elementos que constituem o significante da fala interior. Uma vez memorizadas as palavras e as imagens, estes entes podem ser activados pelas emoções. Da rotina quotidiana vs. o eu poético… O viver quotidiano exige, sobre a rotina acinzentada dos afazeres,

Adão Contreiras é um artista que sempre foi também poeta uma libertação dos sentidos, para fora ou para dentro, expandindo-nos emocionalmente. Eu diria que quando isso acontece, estamos a viver momentos de poesia. Contudo, ser poeta no sentido de produzir algo, - a palavra poesia inicialmente significa produzir - exige uma outra dimensão mais, - transmutar esses momentos em linguagem, e escrevê-la. A poesia parece inscrever-se no sentido da libertação do sujeito, de resistência ao sufoco. Todavia, se esta ideia nos leva ao pronunciamento da catarse como fim, penso que a arte, a poesia, é mais do que isso. De momentos e lugares nos dias em que acontece poesia… É a procura de desvelar alguma realidade que me emociona, não é viver o mundo pelo lado do esteticismo. Este é o panorama de fundo onde a poesia me acontece e está presente desde que acordo até ao deitar. Tudo o que existe, e o que existe é tudo, é plausível de meditação, de sentimento, e essa é a grande mensagem. Limpar/distrair a mente dos fluxos de preocupações que nos obstam a que fiquemos disponíveis mentalmente para pensar e sentir; a poesia exige disponibilidade, embora estados de tensão, não esquecer, também levem à produção. Liberdade e

tensão emocional não são contraditórios, digamos mesmo que, juntas, formam um quadro propício à produção; a que chamam inspiração. Os livros anteriores O primeiro livro ‘Página Móvel com Texto Fixo’ (4Águas, 2013) foi produzido, em grande parte, durante a noite, já deitado; sobre a mesa-de-cabeceira estava sempre o caderno, e aí ia escrevendo os textos que me iam surgindo. ‘Ouro e Vinho’ (4Águas, 2014), escrevi-o à mesa, enquanto comia, e o ‘Mostruário de Títulos para Poemas’ (4Águas, 2016), cresceu frente ao computador. As mesas dos cafés também dão azo a momentos de produção. E até já fiz poemas quando estava a cozinhar, a passar a roupa a ferro; as situações divergem, mas o que é comum é, - o pensar sobre… observar a realidade ou o que julgamos que seja, e confrontá-lo com os nossos pressentimentos. ‘Púrpura Voz’ (Lua de Marfim, 2017) Estava a acabar de ler, ‘O Livro do Desassossego’, na versão-edição recente de Teresa Rita Lopes quando saiu este último livro que formalmente está na sequência do ‘Ouro e Vinho’, quase nada tem a ver com os outros dois, mas é mais depurado do que aquele. Ao rever os poemas eliminei tudo o

que me pareceu estar a mais, ao ponto de alguém me dizer: - são tão pequenos os poemas…, mas já não há palavras? Está arrumado em quatro contextos temáticos e abarca um tempo de produção à volta de vinte anos, entre o mais antigo e o mais recente dos poemas. Um inédito: Começar a escrever pelo lado do avesso – o lado mais puro do abandono -- um solilóquio de palavras soltas, inéditas - e na sua voracidade de nada dizerem - o outro lado onde a natureza mãe nos golpeia com os ácidos do obscuro Palavras hibernadas e em contra luz Manhã

a manhã quente que devora os homens na superfície dos nomes

Voz

a voz que escreve nas ardósias o pulsar dos corações

Elástico

o elástico matinal onde o luar se esconde

Claustros

as abóbadas de ferro onde o som se torna denso

Realidade

a descrita realidade como uma pulga saltando do berço

Objecto

o objecto que não existe no lume de alguns diamantes

Sombra

a sombra das palavras negras inconstantes sem farmácias por perto

Sonora

a sonora manhã encostada às espigas dos homens com forquilhas penteando os azedumes da palha

- Gostava de começar a escrever pelo lado do avesso onde a intriga do silêncio é desinquietação da claridade 


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