Cultura.Sul 118 24AGO2018

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Quinzenalmente com o POSTAL em conjunto com o

AGOSTO 2018 | n.º 118 www.issuu.com/postaldoalgarve

13.953 EXEMPLARES

Editorial

Missão Cultura

Castro Marim regressa à Idade Média

Projetos de Investigação Plurianuais de Arqueologia no Algarve - criar conhecimento, requalificar os bens culturais, formar novos profissionais Foto: R. Parreira

Direção Regional de Cultura do Algarve

Maria Simiris Jornalista

mariasimiris.postal@gmail.com

Os Dias Medievais voltaram pela 21ª vez a Castro Marim. Desde a passada quarta-feira e até domingo, 26 de Agosto, a vila algarvia é palco de um dos maiores eventos nacionais do género. O rigor da recriação histórica e a originalidade são os ingredientes principais para o sucesso do evento. Para 2018, o palco principal continua a ser o Castelo, onde se irão recriar 45 profissões da Idade Média e inúmeros torneios a cavalo. O mesmo palco acolhe ainda a exposição de Instrumentos de Tortura e Punição, mostrando ao público a razão da Idade Média ter ficado conhecida como Idade das Trevas. Outra das tradições é o Banquete Medieval, onde será possível, mediante reserva, degustar as melhores iguarias da época, num local exclusivo, denominado Castelo Velho. Criaturas mitológicas, malabaristas, cuspidores de fogo, contorcionistas, guerreiros, gaiteiros e cavaleiros não irão faltar.

Está o Algarve salpicado de sítios arqueológicos, assentamentos que encerram em si e na sua relação com o território um notável potencial de conhecimento acerca da trajetória temporal da região, na sua diversidade e pluralidade. Em alguns desses sítios têm vindo a realizar-se trabalhos arqueológicos, em campanhas de terreno de curta duração (um a dois meses, sobretudo no verão) mas desenvolvidas em anos sucessivos. E em que aos trabalhos de terreno correspondem ulteriores afazeres de gabinete e laboratório, de aí resultando conhecimento, depois disseminado em publicações e congressos e divulgado em exposições, em museus ou na imprensa mais generalista. Diferentemente das intervenções preventivas – que resultam da imposição legal (Lei 107/2001, artigo 75.º) de reservas arqueológicas de proteção com caráter temporário, tendo em vista determinar o interesse dos vestígios e promover o seu resgate ou conservação pelo registo científico – estes são projetos que se distinguem pela extensão temporal, pela abordagem de temas específicos, pela inovação metodológica, pela capacitação de futuros profissionais e pelo contributo para a requalificação patrimonial. Convergindo nas atribuições prosseguidas pela Direção Regional de Cultura (DL 114/2012,

Monte Molião (Lagos), campanha de 2018 n.º 2 do artigo 2.º), ao corporizarem eixos temáticos de investigação que o Plano Regional de Intervenções Prioritárias em matéria de estudo e salvaguarda do património busca contemplar no domínio da arqueologia, alinhando-o com a Estratégia Regional de Investigação e Inovação para a Especialização Inteligente (RIS3), reforçando a investigação, o desenvolvimento tecnológico e a inovação no âmbito das ciências e técnicas do património. Estão atualmente vigentes na região alguns desses projetos, que cobrem realidades cronológicas e culturais distintas: em Vale Boi (Vila do Bispo), investigadores da Universidade do Algarve (UAlg) estudam a sequência das ocupações do lugar em época paleolítica; no complexo endocársico do barrocal e da orla costeira, investigadores da UAlg e da Direção Regional de Cultura efetuam um sistemático levantamento das cavernas algarvias, na pista dos últimos homens de Neanderthal em solo europeu; em Monte Molião (Lagos), uma equipa da Universidade de Lisboa estuda as transformações e mudanças nas ocupações da antiga Lacobriga entre os tempos pré-romanos, a República Romana e os inícios da idade imperial; na Boca do Rio, investigadores

da UAlg e da alemã Universidade de Marburgo analisam um assentamento pesqueiro onde, em época imperial romana, se produziram preparados de peixe; em Cacela Velha (Vila Real de Santo António), investigadores da UAlg e da Direção Regional de Cultura pesquisam as ruínas da antiga Qastalla no rasto das mulheres e homens que ali viveram entre os tempos de domínio do Islão e a nova emergência do poder cristão. Para além da produção de conhecimento novo sobre os lugares, os territórios e as sociedades, estes projetos incorporam investigação aplicada à requalificação dos bens culturais em que diretamente incidem e integram uma importantíssima vertente de capacitação de futuros profissionais, fornecendo formação prática no terreno a inúmeros estudantes de arqueologia e de outras ciências e técnicas do património. São projetos financiados pelo erário público que congregam o esforço de muitos especialistas a quem o Algarve fica reconhecido e que se juntam àquela galeria de mulheres e homens que, desde Estácio da Veiga, têm contribuído, a partir dos mais pequenos indícios, para construir uma conjetura a que chamamos História do Algarve. l

Ficha técnica: Direcção: GORDA Associação Sócio-Cultural Editor: Henrique Dias Freire Paginação e gestão de conteúdos: Postal do Algarve Responsáveis pelas secções: • Artes visuais: Saul de Jesus • Espaço ALFA: Raúl Grade Coelho • Espaço AGECAL: Jorge Queiroz • Espaço ao Património: Isabel Soares • Filosofia dia-a-dia: Maria João Neves • Juventude, artes e ideias: Jady Batista • Letras e literatura: Paulo Serra • Missão Cultura: Direcção Regional de Cultura do Algarve • Reflexões sobre urbanismo: Teresa Correia Colaboradores desta edição: Paulo Côrte-Real Parceiros: Direcção Regional de Cultura do Algarve e-mail redacção: geralcultura.sul@gmail.com e-mail publicidade: anabelag.postal@gmail.com online em: www.postal.pt e-paper em: www.issuu.com/ postaldoalgarve FB: www.facebook.com/ postaldoalgarve/ Tiragem: 13.953 exemplares

Piratas invadem a Ria de Alvor A zona ribeirinha de Alvor vai ser palco da realização da 6.ª edição da Pirate Week, sob o mote “O assalto a Alvor”. Diariamente, entre 24 e 28 de Agosto, a partir das 18 horas, os visitantes são convidados a entrar e a encarnar uma outra era, num festival de cinco dias que recriará e despoletará o imaginário de diversão e aventura piratas em toda a família.

Artes circenses, espectáculos com fogo e ilusionismo, dança, música, mercados, artesãos, comes e bebes, entre muitas outras actividades, são alguns dos argumentos para, ao longo destes dias, se vestir de pirata e embarcar nesta aventura, onde o imaginário de diversão e boémia dos piratas será diariamente recriado para toda a família, com início às 18 horas e um desfile com concentração

e partida no Largo do Larguinho. Em cada dia será desta forma possível, descobrir uma narrativa empolgante num novo cenário que contará sempre com a Ria de Alvor como pano de fundo e deliciar-se com os verdadeiros e deliciosos sabores deste tempo e, ainda, os tesouros reais dos mestres artesãos e joalheiros. O Pirate Week é uma co-produ-

d.r.

Cenário de diversão e boémia dos piratas será diariamente recriado ção da Polis Apoteose Associação e da ANDARTE - Associação Nacional para o Desenvolvimento do Artesa-

nato e conta com o apoio da Câmara Municipal de Portimão e da Junta de freguesia de Alvor. l


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Cultura.Sul

Filosofia dia-a-dia

Loucura Divina d.r.

Maria João Neves Ph.D

Consultora Filosófica

A loucura inspirada pelos deuses é, por sua beleza, superior à sabedoria de que os homens são autores!

Platão, Fedro

Que queremos dizer quando afirmamos que estamos loucos? A palavra loucura espraia as suas conotações para lá do significado de alienação mental, acto irreflectido ou insensatez. Utiliza-se para revelar uma situação extravagante e possui até conotações positivas... Quem não quisera enlouquecer de amor, por exemplo? Esta multifacetada face da loucura

já vem de longe. Sócrates, no diálogo platónico Fedro, começa por referir-se à loucura profética. Trata-se do estado de delírio em que entram as profetisas de Delfos e as sacerdotisas de Dódona quando, inspiradas pelos deuses, interpretavam o oráculo. Afirma o filósofo que estas mesmas mulheres, quando se encontram no seu perfeito juízo, ficam com as suas capacidades reduzidas “a pouco ou nada”. No entanto, quando a Pítia ou Pitonisa, sacerdotisa de Apolo, recebia a inspiração divina sob a forma de vapores que saíam de uma fenda no solo, aconselhava não apenas cidadãos particulares mas também homens de estado. A sua influencia era enorme! Todos procuravam a sua ajuda. O delírio era, pois, considerado uma virtude bela por ser proveniente de uma graça divina. Recordemos o famoso aforismo “Conhece-te a ti mesmo!” inscrito no pátio do templo de Apolo em Delfos. Sócrates dedicou a sua vida inteira a segui-lo! Loucura teléstica é aquela que encontramos nos rituais dionisíacos. É uma religião exuberante! Celebra-se o vinho e a fecundidade fálica. A

embriaguês funde o indivíduo com o uno primordial. Nestes rituais a iniciação era reservada às mulheres. Em As Bacantes de Eurípides pode ler-se: “as mulheres abandonaram as casas a pretexto das Bacanais, e andam a correr pelos escuros montes, dançando em coros que prestam culto a um certo Dioniso. No meio dos tíasos encontram-se vasos cheios de vinho; aqui e acolá, as mulheres ocultam-se em sítios solitários onde se entregam aos braços de homens, como se fossem Ménades a oferecerem-se em sacrifícios.” A terceira espécie de loucura, a que Sócrates faz referência no Fedro, é inspirada pelas Musas: “quando ela fecunda uma alma delicada e imaculada, esta estabelece a inspiração e é lançada em transportes, que se exprimem em odes e outras formas de poesia, celebrando as glórias dos Antigos, e assim contribuindo para a educação da posteridade. Seja quem for que, sem a loucura das Musas, se apresente nos umbrais da poesia, na convicção de que basta a habilidade para fazer o poeta, esse não passará de

Finalmente Sócrates refere-se à loucura de amor, inspirada por Afrodite e/ou Eros. Afrodite era a deusa da beleza, da sexualidade e do prazer. Eros, como o próprio nome indica, era o deus do amor e do erotismo. Este diálogo platónico surpreende pois o filósofo escolhe a paixão em detrimento da sensatez ou da temperança: “A vitória deve ser dada ao apaixonado, pois o amor foi enviado pelos deuses no interesse do amante e do amado (…) os deuses desejam a suprema ventura daqueles a quem foi concedida a graça da loucura.” Recapitulemos, que tipos de loucura existiam na Antiguidade? 1 - A profética, de Apolo 2 - A teléstica de Dionísio 3 - A poética das Musas 4 - A erótica de Afrodite e Eros Pítia - Sacerdotiza de Delfos um poeta frustrado, e será ofuscado pela arte poética que jorra daquele a quem a loucura possui.”

Quer saber mais? Venha ao Café Filosófico!

Inscrições para o Café Filosófico:

filosofiamjn@gmail.com l

Letras e Leituras

A Mulher de Cabelo Ruivo, de Orhan Pamuk Fotos d.r.

Paulo Serra

Doutorado em Literatura na Universidade do Algarve; Investigador do CLEPUL

Orhan Pamuk nasceu na Turquia em 1952 e em 2006 foi laureado com o Prémio Nobel da Literatura. Estudou Arquitectura e formou-se em Jornalismo, mas nunca exerceu. De todas as obras deste autor, publicadas pela Editorial Presença, esta é possivelmente uma das suas obras de ficção mais bem conseguidas. Deixemos Istambul – Memórias de uma cidade no seu campo próprio da não-ficção ou guia de viagens, como livro de histórias e memórias dessa capital que faz a ponte entre o Ocidente e o Oriente. A Mulher de Cabelo Ruivo é um

romance dividido em três partes. Se na primeira parte o leitor pensa estar perante um romance de descoberta e crescimento, bem como de enamoramento por uma estranha mulher de beleza madura e exótica, na segunda parte deparamo-nos com a idade adulta de um homem que se afasta entretanto dos seus sonhos de juventude e paixões de adolescente, para finalmente na terceira parte termos o relato na voz própria dessa mulher por quem o nosso protagonista em tempos se apaixonou, logo à primeira vista, como em qualquer história de amor que se preze. Mas é também na segunda parte que os indícios, bastante subtis, da verdadeira intriga se começam a tornar mais insistentes, conforme o leitor começa a tentar perceber afinal por onde nos leva a trama, quando esta tão subitamente se desvia do que parecia ser o seu tema central, conforme a vida do próprio jovem herói sofre uma reviravolta e o seu percurso tergiversa por outras vias. O narrador assim o anuncia logo na abertura do romance: «O meu desejo era ser escritor. Mas, depois dos acontecimentos que vou narrar, estudei engenharia geológica

A capa do livro de Orhan Pamuk e tornei-me empreiteiro da construção civil. Mesmo assim, o facto de eu estar a contar a história agora não deveria levar os leitores a pensar que ela acabou, que pus tudo para trás das costas. Quanto mais recordo, mais fundo caio dentro dela. Talvez vós me sigais também, atraídos pelo enigma de pais e filhos.» (p. 13) Cem é filho de um farmacêutico,

que acaba por desaparecer quando este tem 17 anos. O pai já tinha desaparecido antes, aparentemente já chegou a estar preso por algum tempo, mas este desaparecimento parece ser decisivo, ou seja, permanente… A Farmácia Vida acaba por ser encerrada e a mãe vê-se sem rendimentos para criar o filho e pagar-lhe os estudos. Este é também um dos romances mais marcadamente políticos do autor, com as referências declaradas ao esquerdismo do pai de Cem, que chegou a ser preso, levado para o Departamento de Assuntos Políticos, e torturado. Assim, no Verão de 1985, o jovem Cem passa a trabalhar numa livraria, o que desperta também o seu gosto pela leitura, bem como a sua aspiração de se tornar escritor. Cem torna-se depois aprendiz de um escavador de poços, o Mestre Mahmut, com quem irá trabalhar em Öngören, uma pequena cidade nos arredores de Istambul, quando se depara com a visão magnífica e obsessiva de uma mulher de cabelo ruivo, imagem essa que se torna a sua obsessão e o objecto do seu amor. À semelhança de outros romances como Uma Estranheza em Mim, Orhan Pamuk faz a ponte entre a

O escritor Orhan Pamuk tradição e a modernidade, como por exemplo nas personagens que invoca com profissões emblemáticas de um passado extinto, como o vendedor de iogurte ou, nesta obra mais recente, um escavador de poços. Mas nesta obra, o Nobel turco vai ainda mais longe e dá uma nova vida ao mito clássico de Édipo num mundo em mudança: «No momento em que saí da estação, fiquei com a certeza de que a velha Öngören já não existia: o prédio para o qual ficava a olhar à procura da janela da Mulher de Cabelo Ruivo fora demolido e, no seu lugar, um centro comercial movimentado enchia toda a praça, atraindo uma multidão jovem ansiosa por comer hambúrgueres e beber cerveja e refrigerantes.» (p. 192) l


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Cultura.Sul

Artes visuais

Pode a arte ajudar a promover o turismo urbano? Fotos d.r.

Saul Neves de Jesus

Professor Catedrático da Universidade do Algarve; Pós-doutorado em Artes Visuais pela Universidade de Évora

O turismo tem sido, nos últimos anos, uma das principais alavancas do crescimento económico e da diminuição do desemprego no nosso país. Em particular, temos conseguido alcançar diversos prémios de excelência pela qualidade das nossas praias, dos campos de golfe, da gastronomia, dos vinhos, etc. No entanto, outros fatores, embora podendo não estar diretamente ligados à escolha de Portugal como destino turístico, podem contribuir para a satisfação dos turistas quando avaliam o nosso país como destino de cultura e lazer. Um deles é a produção artística, nomeadamente a arte urbana ou “street art”, que diz respeito a manifestações artísticas realizadas no espaço público, coletivo ou urbano. Num artigo anterior em que procurámos responder à questão “A rua pode ser uma galeria de arte?” salientámos que, no passado, o acesso à produção artística em artes visuais obrigava a que as pessoas fossem a museus ou galerias de arte. No entanto, cada vez mais, nas últimas décadas

a arte tem-se vindo a procurar aproximar das pessoas, nos mais diversos domínios e formas de expressão artística, nomeadamente nas performances e na arte urbana. Desta forma, a expressão artística tem contribuído para a democratização da cultura, permitindo o acesso de todos às manifestações artísticas.

verão de 2016, cerca de 100 artistas portugueses e estrangeiros participaram na primeira edição do “Loures Arte Pública” e, em junho deste ano, realizou-se a segunda edição deste evento (festival de arte urbana “O Bairro i o Mundo”), tendo contado com a participação de um número ainda superior de artistas, que par-

Arte urbana no Porto

ticiparam de forma voluntária, uma vez que não recebem qualquer vencimento, sendo a “residência artística” da responsabilidade da autarquia. Desta forma, a arte urbana feita de forma organizada pode constituir fator de desenvolvimento e inclusão social, bem como contribuir para o orgulho e bem-estar dos residentes. Além disso, revela que a arte urbana pode ser usada para a promoção artística das cidades, sendo promovida a visita e a descoberta das imagens

através de um circuito pedonal. Recentemente, alguns municípios, em articulação com agentes culturais, têm criado rotas de percursos para que os turistas possam apreciar as obras de arte urbana realizadas nessas cidades. Um dos exemplos diz respeito às cinco rotas de percursos culturais alternativos nas cidades de Porto e Vila do Conde, “desenhados” no âmbito do projeto “StreetArtCEI”, spin-off do projeto “The Route”, do Centro de Estudos Interculturais, do Instituto Politécnico do Porto. De 22 de julho a 27 de agosto, a PortoLazer volta a oferecer oficinas e visitas guiadas pedestres ou de tuk-tuk por algumas das obras presentes nas ruas da cidade.

ecológica, climática e até económica. No entanto, até agora temos assistido, de forma “passiva”, à sua destruição por parte do maior predador do planeta: o ser humano. Assumindo-se no topo da cadeia alimentar, como o mais hábil, o mais capaz e o mais inteligente, o ser humano tem poluído, saqueado, mutilado, causado alterações morfológicas e genéticas, extinto espécies e esventrando as suas profundezas para a extração de crude. O ser humano tem-se esquecido que a par dos direitos, existem deveres – deveres de um usufruto responsável e sustentável. Os mares e os oceanos são parte importante do património natural, razão pela qual temos de zelar pela sua preservação, sob pena de risco de perda da biodiversidade do nosso planeta.

Não se demitindo das suas responsabilidades artísticas, culturais e sociais, a ALFA leva a efeito na Galeria Arco, até dia 7 de setembro, a exposição de fotografia Mare Nostrum como forma de homenagear o mar português. Sob o olhar de dez fotógrafos pretende-se mostrar a sua beleza, diversidade paisagística, em suma, despertar consciências. Como linguagem universal, a fotografia comunica, informa, mostra, sensibiliza, toca, educa, documenta, contribui para a construção da memória coletiva. Participam na exposição: António Bernardes, Carlos Cruz, Dário Agostinho, Eduardo Pinto, Marco Pedro, Mauro Rodrigues, Paulo Côrte-Real, Saúl Lopes, Teresa Palaré e Vitor Azevedo. l

Arte urbana em Lisboa Inclusivamente, a arte urbana tem permitido recuperar zonas urbanas degradadas e socialmente problemáticas, tornando-as até “cartão de visita” turístico. Foi o caso da Quinta do Mocho, em Loures, anteriormente considerado um dos bairros mais problemáticos do país, com situações de violência e tráfico de droga, escondendo os moradores o local de residência quando procuravam emprego e recusando-se os taxistas a entrar neste bairro. No entanto, no

O “Up Street Stop & Go” acontece aos sábados e domingos, duas vezes por dia (às 11h e 17h), com cada percurso a ter a duração média de uma hora, guiado por alunos finalistas da Escola Superior de Educação do Porto do Instituto Politécnico do Porto. Esta articulação dos municípios com as instituições de ensino superior é um aspeto interessante a desenvolver também noutras regiões do país, em particular no Algarve, podendo as Artes Visuais da Universidade do Algarve ajudar a desenvolver percursos em articulação com a Direção Regional da Cultura e com os municípios da região, com benef ícios para os turistas e para os residentes, nos planos social e económico. l

Espaço ALFA

Mare Nostrum - A Fotografia por uma causa

Paulo Côrte-Real Presidente da ALFA

Decorridos cerca de 3.500 milhões de anos sobre o surgimento dos oceanos, inúmeros ecossistemas aquáticos e terrestres foram surgindo, no entanto, os oceanos continuam a ser fundamentais para o equilíbrio e a sustentabilidade de toda a biodiversidade da Terra. Cobrindo mais de 70% da superfície do planeta, os oceanos possuem uma grande importância

d.r.

ALFA presta homenagem ao mar


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Cultura.Sul

Reflexões sobre urbanismo

Alterações climáticas, planos e fogos d.r.

Teresa Correia

Arquitecta / urbanista arq.teresa.correia@gmail.com

Alterações climáticas: Verdade ou Ficção Ao longo dos anos já ninguém parece questionar que têm sido cada vez mais frequentes as ondas de calor que secam tudo no Verão e que, associadas ao vento, tendem a provocar uma forte probabilidade de descontrolo dos incêndios florestais. Este aumento da temperatura global atinge-nos fortemente, sobretudo num país, impreparado, pobre de meios, e que não tem um Estado coordenado e de rápida reação. O fogo de Monchique, o maior da Europa este ano, provocou um enorme prejuízo nas populações e no património natural único que aquele local representa. O fogo que alastrou

sem tréguas, atingindo povoações, e espaços urbanos, pareceu ser uma força incontrolável, para a qual o Estado não teve uma resposta à altura das expectativas da população. As alterações climáticas são uma razão, sem dúvida alguma, que justifica a agressividade destes fogos florestais. Porém, quais os planos de adaptação às alterações climáticas que estão elaborados ou implementados? Qual o valor que tais medidas previstas possuem nos orçamentos camarários ou do Estado? Em Faro, na qualidade de vereadora do executivo passado, procurei dar o exemplo e aderir a um plano de alterações climáticas para o concelho, de forma até precoce, que iria produzir dentro das suas medidas, algumas sessões de formação às pessoas, assim como discussões e debates para que todos em conjunto, como coletivo, pensemos de que forma nos devemos adaptar. O litoral, com a subida das águas do mar e o aumento das tempestades, irá corresponder a uma zona vulnerável que urge também intervir, e para a qual não tem existido meios. Será fundamental perceber as adequadas formas de adaptação e explicar à população.

Planos que ficam na gaveta Todos sabiam que Monchique corria um risco muito elevado de incêndio, tendo sido produzidos diversos planos: o municipal de defesa da floresta contra incêndios, realizado pela autarquia, e o plano de intervenção para a constituição de uma ZIF justamente para o local onde ardeu, realizado por uma Associação de Produtores Florestais. Porém, nenhum teve uma execução no terreno, porque, por um lado, o último não foi aprovado em tempo útil, e por outro, a Câmara Municipal provavelmente não tem meios e orçamentos suficientes para, em tempo útil, implementar as medidas. É o nosso destino, realizar planos do ponto de vista teórico perfeitos, mas de difícil execução e tantas vezes parados nas entidades, ou deslocados da realidade da propriedade atual.

Algumas medidas de minimização de impactes Em Portugal, as nossas cidades são quentes e secas, com pouca vegetação, pouca relação entre a área verde e a população vigente. Será fácil entender

A água, como elemento de combate ao calor, poderá ser melhor utilizada que uma das medidas de minimização das alterações climáticas será o aumento das coberturas verdes, dos espaços verdes, das árvores, da relação entre o construído e o vazio/ permeável. A água, como elemento fundamental de combate ao calor, poderá ser melhor utilizada, existindo hoje técnicas de aproveitamento adequadas para as nossas cidades. As fontes quando mantidas, assim como jogos de água, sejam estes no próprio pavimento ou de outros suportes, devem ser reinventadas. Já, desde tempos ancestrais, da época muçulmana, que a água faz parte da nossa arquitetura e das nossas cidades, pelo que, a

adaptação das nossas cidades deverá ir buscar as nossas origens. As zonas de ensombramento, como velas, pérgulas em madeira, nas zonas do litoral, estruturas em rede metálica em praças abertas, serão cada vez mais necessárias, embora, por vezes, mal compreendidas. Os equilíbrios são necessários, ao aumento dos efeitos das alterações climáticas é necessária capacidade de adaptação e minimização destes impactes. A reação eficaz, tanto ao nível do território como no desenho urbano das nossas cidades, só é possível se compreendermos o que nos rodeia, e sejamos rápidos a executar os nossos planos. l

Marca d’água

Das cinzas à esperança: o renascer de uma Serra ferida

Maria Luísa Francisco Investigadora na área da Sociologia; Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa

luisa.algarve@gmail.com

“Do alto da Fóia disfruta-se de um dos panoramas mais magníficos do mundo!” Heinrich Friedrich Link (1767-1851)

Nestes dias em que os nossos corações estão com Monchique e de luto pela Serra mais alta e bela do Algarve, agora em grande parte reduzida a cinzas, aqui ficam umas breves palavras sobre um dos concelhos mais desertificados do Algarve, mas com um enorme potencial turístico e ecológico. A frase inicial é da autoria do médico e botânico alemão, que entre 1797

e 1799 visitou Portugal e fez uma interessante descrição do Algarve, em particular da Serra de Monchique, que muito o impressionou pela beleza e características naturais. A convite do botânico e ornitólogo alemão, conde Johann Centurius von Hoffmannsegg, um conhecedor e activo patrono das ciências naturais, Heinrich Friedrich Link conheceu Portugal e escreveu a obra Notas de uma viagem a Portugal e através de França e Espanha, da qual fica mais uma citação: “Por entre bosques de castanheiros, jardins totalmente cobertos de laranjas e limões rodeada de fundos vales românticos banhados por riachos sussurrantes, encontra-se a encantadora povoação de Monchique. A nossa surpresa nunca tinha sido tão grande em toda a viagem”.

Montanha Sagrada - Santuário Ecológico Parque Nacional A Serra de Monchique é considerada pelos especialistas como um

verdadeiro “santuário ecológico” devido à sua fauna, flora e vegetação. Essa montanha sagrada, berço de tanta gente com garra, com Fé e que é testemunho dessa Fé desde tempos ancestrais, tem sido procurada por muitas e diferentes comunidades religiosas para retiros e encontros espirituais. É considerada local de especial energia e onde já estiveram vários líderes religiosos. De referir que o Centro Karuna, espaço budista, ardeu quase na totalidade neste incêndio de 2018.

d.r.

Vista a partir da Fóia - Monchique Monchique faz parte do percurso de muitos e parte do sonho de outros tantos. Partilho o sonho do Professor Manuel Gomes Guerreiro (19192000) para Monchique. Os estudos ambientais, a floresta e a ecologia foram as temáticas a que

este ilustre algarvio se dedicou. Teve importante papel na região e no país e na criação da Universidade do Algarve, da qual foi o primeiro Reitor. Em 1951 Gomes Guerreiro escreveu: “(...) Monchique transformado em Parque Nacional, com reservas de fauna e de flora (...) imaginemos esta parte serrenha transformada num povoamento florestal contínuo, com bosquetes de pinheiros, acácias, choupos, eucaliptos, salgueiros, estradas a cortarem-se em todas as direcções, pousadas disseminadas pela serra, lagos artificiais de albufeiras à volta dos quais se formariam centros de turismo e de desporto”. O sonho tem de continuar a comandar a vida, apesar do retrocesso que o recente incêndio representa, neste sonho e no sonho de jovens que procuram criar projectos eco-sustentáveis de valorização do património natural, cultural e ecoturístico da Serra. O concelho tem muitas e conhecidas potencialidades e depois da regeneração deste território, ainda que morosa, Monchique tornar-se-á mais forte porque:

- Esse solo que tem sido pisado de sol a sol por tantas gerações, é solo fértil com o suor e as lágrimas de tantas famílias que labutaram pelo pão de cada dia. - Esse solo que tem dado as mais frondosas e monumentais árvores, as mais saborosas frutas e canteiros de verduras bem regadas, voltará a ser o Jardim do Algarve. - Esse solo onde se produz mel, aguardente, enchidos e artesanato voltará a reforçar a identidade através do saber-fazer de gentes que se orgulham da sua herança. - Esse solo que é ouro brilhará nos campos de milho e aveia, tornando cada manhã na Serra numa telúrica e renovada epopeia… Desse comovente silêncio da terra nascerá a esperança de um amanhã melhor, com mais árvores… que nos abracem com tudo o que representam e que as abracemos com todo o nosso sentir. Essas árvores que morreram de pé e que foram parte de nós… despontarão com os ramos ao alto num renovado e emocionado abraço à Serra-Mãe! l


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Cultura.Sul

Espaço AGECAL

Diplomacia cultural spanhola: um modelo a seguir? Resumo - Conferência Internacional sobre Gestão Cultural organizada pela AGECAL em Tavira - 4 de Maio de 2018.

Yolanda Macías

Consultora internacional, Licenciada em Comunicação Audiovisual, Mestre em Gestão Cultural e em Desenv. Local e Coop. Multilateral

Se ficou a duvidar sobre o que entendemos por “diplomacia cultural” não se preocupe, especialistas na matéria, como a Dra. Jessica Gienow-Hecht, da Universidade Freie de Berlin, já o definiram como “um dos termos mais confusos da história diplomática moderna”. Existem múltiplas interpretações no que respeita à diplomacia cultural ou também denominada diplomacia pública. De acordo com a definição do Departamento de Estado dos EUA em 1959, “a diplomacia cultural está destinada a alcançar objetivos que resultam inacessíveis desde a diplomacia tradicional. O seu propósito principal é melhorar a imagem exterior dos países, para com isso criar um melhor clima de compreensão e confiança internacional onde as relações oficiais possam operar”. Outro termo bastante associado a diplomacia cultural é o chamado “poder brando”, do professor de Harvard Joseph Nye, para referir as ações paralelas dos governos capazes de conseguir que “os outros queiram o mesmo que você” mediante estratégias de sedução e não coerção. Em contraposição à diplomacia tradicional que funciona entre governos, esta nova diplomacia cultural é dirigida diretamente aos cidadãos estrangeiros. A imagem pública de um país está nas mãos da cidadania, que tem voz e poder de incidir internacionalmente através dos blogs e as redes sociais. Como aponta o especialista Javier Noya, com a revolução imposta pela internet e o acesso às novas tecnologias, a diplomacia “já não é só coisa de diplomatas”. A diplomacia cultural não se trata unicamente de campa-

nhas de marketing destinadas a projetar uma imagem positiva, a verdadeira diplomacia cultural deve favorecer intercâmbios culturais e relações duradouras entre cidadãos, onde ambas as partes fiquem beneficiadas (o famoso Win-Win). Segundo um estudo do Real Instituto Elcano, no contexto europeu, as ações de diplomacia cultural têm sido responsabilidade histórica dos institutos culturais: Instituto Cervantes, Camões, British Council, Institut Français... Todos eles têm, no mínimo, três objetivos comuns: a difusão da marca-país; o intercâmbio e cooperação cultural; e a promoção linguística e educativa.

O modelo espanhol No caso espanhol, desde o início da democracia, tanto a cultura como as relações exteriores foram redefinidas num processo de delimitação de competências entre o estado central e as comunidades autónomas que teve como resultado um complexo mapa de instituições destinadas a tal fim. Não só o governo central realiza ações de promoção internacional da cultura, mas também as comunidades autónomas, como é o caso do Institut Ramon Llul de Catalunha. Na atualidade, algumas das instituições que promovem a cultura espanhola no exterior são: o Instituto Cervantes, a Agencia Espanhola de Cooperação (AECID) ou o ICEX. Possivelmente, o caso espanhol não é o modelo a seguir no que respeita à gestão do orçamento público (neste sentido Portugal tem dado um passo em frente com o Instituto Camões, que aglutina num só organismo a promoção da língua e a cooperação portuguesa), mas definitivamente é importante reconhecer o esforço e a inovação que Espanha tem realizado, especialmente na cooperação cultural através de programas de capacitação como: o ACERCA, que fortalece as indústrias culturais em

países em desenvolvimento; ou a Rede de Casas (Casa África, Casa Asia), descentralizadas no território nacional e

que têm introduzido a inovação de realizar diplomacia cultural “de dentro para fora”, entre outros.

Para mais informações, recomenda-se aos interessados a visita dos sites das instituições mencionadas, para

perceber as múltiplas linhas de ação e inclusive as possibilidades de trabalho conjunto com Portugal. l pub


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