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Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o

JANEIRO 2019 n.º 123 7.154 EXEMPLARES

www.issuu.com/postaldoalgarve

ARTES VISUAIS •••

Pode a arte visual ser “expressa” para os cinco sentidos? d.r.

Saul Neves de Jesus

Professor Catedrático da Universidade do Algarve; Pós-doutorado em Artes Visuais pela Universidade de Évora https://saul2017.wixsite.com/artes

No passado as obras de arte eram organizadas em exposições para serem vistas pelo espetador. Este era um mero observador destas obras, sendo a visão o único dos cinco sentidos usado para avaliar o grau em que a obra de arte “retratava” a realidade. Depois, a partir da segunda metade do século XIX, quando a produção artística começou a divergir da realidade, visto esta ser melhor retratada através da fotografia, e sobretudo com o movimento impressionista, começou-se a valorizar a dimensão emocional na observação das obras de arte. Vários movimentos artísticos desenvolvidos a partir do século XX, tendo a sua principal manifestação

Já é possível visitar o Museu Municipal de Faro usando os cinco sentidos •

na arte conceptual, levaram a que simultaneamente a dimensão cognitiva fosse valorizada na apreciação de obras artísticas. Em todo o caso, o sentido visão continuaria a ser o principal meio nesse processo de apreciação das obras. Daí a própria designação de artes visuais. Nos últimos anos tem-se procurado

que o público não tenha um papel tão passivo neste processo, desenvolvendo-se formas de arte interativa, em que o espetador pode ter um papel ativo na relação com os produtos artísticos, chegando mesmo a contribuir para a versão final destes. O desenvolvimento das novas tecnologias tem vindo a abrir as possibilidades de produção artística e de interação com as artes visuais. Os termos arte digital, arte de computador, arte multimédia, arte interativa e media arte começam então a ser utilizados para descrever trabalhos que são feitos utilizando a tecnologia digital, como sejam as instalações multimédia interativas, os ambientes de realidade virtual e a arte baseada na net. Muitos consideram até que a inovação tecnológica está a começar a ser a chave para a arte do século XXI (eg, Stephen Wilson no seu livro “Art+Science”, 2010). Nesta perspetiva começam a ser exploradas formas de tornar a arte tão expressiva que possa “tocar” o público não apenas através da visão, mas também usando os outros quatro sentidos. Foi nesta linha que investigadores da Universidade do Algarve, em colaboração com a empresa SPIC, criaram uma aplicação digital que permite “sentir” uma obra de arte através da imagem, do som, do toque, do cheiro

e do sabor. Esta tecnologia foi aplicada a 84 obras de arte expostas no Museu Municipal de Faro, considerando-se que já é possível visitar o museu usando os cinco sentidos. Além de permitir ouvir a narrativa da obra (audição) e de ver pormenores da mesma aumentados (visão), o sistema, através dum dispositivo portátil que pode ser acoplado ao telemóvel (aplicação M5SAR – “Mobile Five Senses Augmented Reality System for Museums” / Sistema Portátil de Realidade Aumentada com os Cinco Sentidos para Museus), reproduz sensações de vibração, como nos comandos das consolas de jogos, e de brisa, através de uma ventoinha (tato). Não foi esquecido o cheiro a flores e amêndoas (olfato) e ainda o sabor vaporizado a frutos vermelhos ou a café (paladar). Pretende-se aumentar o prazer e o envolvimento do visitante, mas nunca estragar a sua experiência de estar num museu. Segundo João Rodrigues, coordenador do projeto, "cada vez mais, a experiência do visitante num museu tende a ser mais interativa, mais digital, para que não seja apenas uma visita estática, tradicional, de leitura de obra". Desta forma, o futuro é já presente. Talvez fosse interessante avaliar de que forma a introdução destas componentes dirigidas aos vários sentidos

Ficha técnica Direcção: GORDA Associação Sócio-Cultural Editor: Henrique Dias Freire Paginação e gestão de conteúdos: Postal do Algarve Responsáveis pelas secções: • Artes visuais: Saúl de Jesus • Espaço ALFA: Raúl Grade |Coelho • Espaço AGECAL: Jorge Queiroz • Espaço ao Património: Isabel Soares • Filosofia dia-a-dia: Maria João Neves • Letras e literatura: Paulo Serra • Missão Cultura: Direcção Regional de Cultura do Algarve • Reflexões sobre urbanismo: Teresa Correia Colaboradores desta edição: Emanuel Sancho Parceiros: Direcção Regional de Cultura do Algarve e-mail redacção: geralcultura.sul@gmail.com e-mail publicidade: anabelag.postal@gmail.com online em: www.postal.pt e-paper em: www.issuu.com/ postaldoalgarve FB: www.facebook.com/ postaldoalgarve/ Tiragem: 7.154 exemplares

altera a apreciação, nos planos cognitivo e emocional, que o espetador faz da obra. Resta saber se os autores de algumas das obras de arte VISUAL concordariam com esta abordagem dirigida aos restantes sentidos... Mas o que é certo é que as pinturas de Carlos Porfírio, sobre o tema Algarve Encantado, foram produzidas a partir das lendas do Algarve Tradicional, da autoria de Ataíde de Oliveira, expressando a transferência da arte escrita para a arte visual. Assim sendo, porque não desenvolver formas de expressão visando a audição, o tato, o olfato e o paladar, a partir de obras de arte inicialmente apenas concebidas para serem apreciadas através da visão? l


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Fotos: Filipe Monginho

LETRAS E LEITURAS •••

Hélia Correia: a escrita como abrigo

Paulo Serra

Doutorado em Literatura na Universidade do Algarve; Investigador do CLEPUL

Este é um livro difícil de classificar. Conforme lemos parece que o género se vai transformando mas sente-se como um mito ou uma história com ecos bíblicos. Será este um texto do princípio ou do fim dos tempos? Eu não sei responder a essas perguntas. Quando escrevo textos literários, não tenho nem um pensamento, nem uma intenção, nem uma proposta. Não tenho absolutamente nada. E conheço bem a diferença entre um texto que eu faço com a minha inteligência, como um texto de apresentação de um livro, um texto sobre um tema ou um autor, como já fiz vários. Eu conheço esse modo de escrever, isto é, a proposta, a intenção, a pesquisa, que faço muito profundamente, a organização do texto e depois a elaboração da sequência escrita propriamente dita. Sei exactamente como se faz um texto com o conhecimento e com a pesquisa dos elementos necessários. Mas quando escrevo um texto literário não existe nada deste processo. Não há nada antes e não há nada durante, no meu ser inteligente, no meu ser de vontade. Há só o texto. Há só o seu começo. Este texto foi escrito absolutamente como um poema. Embora a minha prosa também tenha ritmo poético porque é a musicalidade que determina tudo o que eu escrevo, neste havia a respiração de um poema. Não o escolhi assim. A única atitude que eu tenho é de espera. E nessa espera as coisas comparecem. Este texto não é totalmente um poema no sentido mais habitual do termo porque criou personagens, criou uma espécie de narrativa dentro dele e tornou-se uma narrativa poética, um poema narrativo, não sei como lhe chamar… Agora se eu quisesse responder à sua pergunta, fá-lo-ia sem grande honestidade ou teria de lhe responder como leitora, como pessoa que aborda o texto de fora e o interpreta. Como criadora, não lhe posso responder. Não há uma inserção cronológica nítida. Há uma sombra de tudo o que me preocupa como cidadã, mas é uma

O mais recente livro de Hélia Correia, Um Bailarino na Batalha, publicado pela Relógio d’Água, em Setembro de 2018, é um poema em forma de narrativa, conforme à prosa poética a que a autora nos tem habituado, e com a respiração de um poema épico. O leitor sente-se perdido, tacteando um horizonte de referência, quer no espaço quer no tempo, enquanto tenta situar a narrativa no género da ficção

científica, ou da fábula, ou de um mito do princípio dos tempos, mas a história deste povo que atravessa o deserto em busca de uma Europa foge a qualquer classificação. Este grupo pode ser confundido com os migrantes que chegam em vagas provindos de África ou do Médio Oriente, tanto no tempo presente como outrora. Nessa travessia em busca de uma esperança as mulheres e os homens vão-se transfor-

mando. E num livro que nos fala de guerra mas também de amor e de sabedoria, o leitor é embalado pela coreografia desenhada nos movimentos das personagens e seduzido pelo ritmo da escrita de um poema que se vai desenrolando como uma serpente a rastrear as areias do tempo. Hélia Correia é uma autora que aparece muito pouco mas foi possível conversar com ela em Sintra, no início deste ano.


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A literatura ou a arte não foram feitas para servir causas

sombra muito vaga, porque a literatura ou a arte não foram feitas para servir causas. Talvez por ali paire aquilo que eu sinto ao testemunhar as ondas migratórias que espetam uma faca na nossa consciência e nos deixam perplexos. No texto tudo é indefinido: o espaço, o tempo… A Europa que surge como horizonte pode ser lida de muitas formas, como muitas outras utopias. Sente-se uma preocupação sobre para onde caminhamos enquanto ser humano. Não faço textos para traduzir nenhuma preocupação social. Entendo que o meu empenhamento social é para ser desenvolvido e tornado acção na minha faceta de cidadã. Se eu tiver uma preocupação que queira traduzir em texto, e já o fiz, escrevo um texto ensaístico e publico-o enquanto tal. É muito clara essa distinção. A escrita criativa não tem de servir, como disse antes, coisa nenhuma, nem problemas contemporâneos, nem ideias pessoais. Se passou alguma coisa de pessoal não foi por deliberação minha. É verdade que é um texto sobre uma demanda, mais que uma migração. É verdade que a Europa é nomeada como ponto de destino. Mas, como disse, não tomo decisões sobre o que escrevo. A Europa apareceu, como me apareceram aqueles diálogos. Não é uma intenção. Nem eu quereria que os meus textos concitassem esse tipo de reacções em alguém que os leia. Se bem que eu não escreva a pensar em leitores. Os meus leitores, as pessoas cuja opinião me inquieta, não chegam a contar-se pelos dedos das mãos. Quando essas pessoas me comunicam o modo como receberam um livro meu - um deles já não está presente (era o José Saramago) - fica encerrada a relação, não com os leitores, pois nunca a tive, mas com o próprio livro. Fica-me sempre na memória o meu encontro inicial com o texto, mas esqueço as

páginas escritas, esqueço os seus pormenores porque já estou à escuta de outras coisas. Foi um processo longo de escrita? Foi um processo muito curto de escrita. Normalmente são coisas de rompante, bastante rápidas e que acabam ali, porque eu não releio o que escrevo. O momento fica encerrado rapidamente. A Hélia diz que as palavras conduzem a história. Para ir a um livro que me é querido, no caso da Lillias Fraser o que surgiu primeiro? O que surgiu primeiro e de certo modo unicamente foi a imagem da menina a fugir de Culloden. E a partir daí as personagens foram aparecendo. Lembro-me de uma vez em que fiquei muito contrariada porque se intrometeu uma personagem de forma inteiramente inesperada. Já nem me lembro do nome dele. A única coisa que ficava muito nítida nessa imagem inicial foi que tudo se situava no século XVIII, época sobre o qual eu não sabia absolutamente nada. Porque o desastre do Culloden teve lugar a meio desse século. E ali fiquei presa a um tempo que eu detesto e sobre o qual nunca me debrucei. Mas fui obrigada a ir atrás da menina.

Até porque é uma biografia. Ou será uma autobiografia? Chamaram-lhe uma biografia afectiva. É tudo misturado. Foi um processo muito diferente e único. Surpreendeu-a a recepção que o Adoecer teve por parte dos leitores? Não faço expectativas sobre a recepção. Tirando pessoas que fazem parte da minha vida afectiva, e que por acaso são críticos, não estou atenta ao que se escreve sobre os meus livros. Para quem leu toda a sua obra, este livro deixa-nos um pouco sem chão. Não temos a voz usual da narradora, até porque como a Hélia já disse Um Bailarino na Batalha é um poema. E encerra justamente com um poema…

É difícil… Eu não falo sobre o que escrevo, até porque não sei falar. É um domínio que me escapa completamente e não tenho também vontade de fazer um esforço para criar interpretações sobre o que escrevo. É um domínio da minha capacidade de escrita que não é transformável em raciocínio. O que deixa realmente num vazio, talvez mesmo frustradas, o que lamento, as pessoas que querem indagar sobre o texto, sobre as suas intenções, sobre as derivações que este pode sugerir. Eu escrevo o que me aparece para ser escrito. Não tenho o mínimo compromisso sobre tempos e géneros de escrita. A única decisão que eu tomei nesse livro foi a capa. Tinha um grande desejo desta capa e os editores foram muito bondosos, satisfazendo-o. Trataram-me disso com muito carinho. Conseguiram negociar a reprodução do cartaz da dança Xenos. É o último solo do Akram Khan, que estreou em Atenas, e já me disseram que virá para o ano ao CCB. A origem, as motivações da dança são completamente diferentes. Mas a corporização traduz absolutamente em imagem aquilo que eu vi no meu texto. Quando se olha para a capa e para o título parecem perfeitamente sincronizados. E além da musicalidade da prosa, a imagem da guerra e da dança estão muito presentes no texto. É um texto muito coreográfico. Senti isso quando escrevi. O que não me admira porque a dança é a forma de arte mais importante na minha vida. A minha relação com a dança é muito forte. Costumo dizer que não quereria viver sem a dança. Se calhar sem a

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literatura conseguiria viver (risos)… Não, não conseguia, porque preciso das palavras. Mas tirando a literatura que, digamos, é a minha casa, a coreografia é uma forma de organização que eu entendo e aí pareceu-me que a disposição dos corpos era extremamente coreográfica. Um Bailarino na Batalha é uma citação de Nietzsche, que não servia como epígrafe porque o que enquadra essa expressão não é do meu gosto, mas acho a expressão maravilhosa. E então para epígrafe escolhi um outro excerto do mesmo livro de Nietzsche com tradução original… Nisso sim, tenho vaidade, porque é um favor que recebo. O professor João Barrento traduziu especificamente para a epígrafe. E o professor João Barrento é uma das pessoas da minha vida (risos), desse núcleo pequenino mas muito importante onde tudo se alicerça. Para mim, enquanto pessoa muito dependente da dança e da cultura clássica, que são os meus dois grandes faróis de orientação, a imagem do bailarino na batalha é o cavalo. O grande perturbador das imagens da batalha é o cavalo. O Nuno Júdice tem um poema lindíssimo, sobre os cavalos de um quadro do Ucello em Florença. São justamente os cavalos que transcendem a realidade de uma batalha. E esta figura do cavalo na batalha, do animal imerso num cenário humano que lhe é completamente estranho, mas que depende profundamente dos seus próprios movimentos, é uma figura muito forte. Gosto muito desse livro de Nietzsche, os Ditirambos de Diónisos, e esta expressão do bailarino na batalha, que já vive na minha vida há muito tempo, é muito associada à perplexidade do cavalo.

E no Adoecer? Foi muito diferente. O Adoecer tem a ver com uma personagem, uma pessoa, que vive comigo a vida inteira, a Lizzie Siddal. O processo é completamente diferente. Ela é uma personagem minha, da minha vida. É uma relação de uma vida inteira e de investigação de vida inteira. Aí sim, há investigação porque estive numa busca contínua. Ficou um pouco mais organizada quando percebi que iria escrever um livro. Não tem nada a ver com os outros textos. O mais recente livro de Hélia Correia, "Um Bailarino na Batalha", é um poema em forma de narrativa •


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São dois elementos da natureza que estão ali perfeitamente desencontrados: o homem e o cavalo. E esta dança de um ser vivo que se vê preso numa violência organizada que não é a sua, que não entende, é daquelas imagens que me chama sempre, como desejo de entender, de entrar dentro do cavalo, de outro ser que não é humano para abarcar um pouco mais do nosso universo. Isso é muito claro, não exactamente para o livro, embora eu tenha essa noção da coreografia no livro, mas naquilo que me prende nas coisas vivas. Provavelmente muito mais do que a imagem dos refugiados. Ao ler o epílogo em poema podemos até ficar com a imagem de que as personagens podiam ser cavalos. Pode este bailarino ser o próprio humano, numa metáfora da fragilidade da condição humana? Na capa é o ser humano. É o Akram Khan que é claramente o bailarino na batalha. A capa traduz quase literalmente o título. Foi um encontro posterior, porque esta frase me acompanha há muito, e a imagem da dança só a encontrei depois de ter estreado, no princípio do ano de 2018, mas este encontro foi quase uma coincidência. Como apareceram os nomes das personagens? Uns são pessoas que eu conheço. A personagem principal, Awa, é uma amiga minha. Quanto a outros, eu sou sempre uma estudante, estou sempre a investigar e a procurar palavras. Aliás, é para isso que me serve a net, e serve-me maravilhosamente, não para ser interactiva e comunicar com pessoas, mas para dar oportunidades imensas à investigação. Investigo muito sobre línguas que não conheço, sobre línguas minoritárias, sobre significados, sobre nomes. Ainda agora descobri uma língua chamada mingrélico e estou fascinadíssima com ela. Ando sempre de roda daquilo que não conheço por formação minha. O latim e o grego e as línguas românicas aprendi-os nos bancos da escola. Estou sempre à procura de outras coisas, não só em termos de línguas mas também de ciências, de história, etc.. O significado dos nomes é uma zona de investigação de que gosto muito das línguas diversas, do nome que traduz uma ideia ou um elemento do real. E nas línguas árabes, por exemplo, encontro nomes belíssimos. E reuni uma espécie de colecção de nomes significantes, de nomes cheios, que nós também temos, quer no Ocidente, quer em Portugal. A começar pelo meu próprio. Imagine, eu fico espantada ao constatar como é que uma palavra que forma tantos compostos, como Helios, tem um significado desconhecido para tanta gente. Eu refiro com frequência esta origem, até porque odeio o Sol, provavelmente porque já o tenho no nome... Fico es-

A dança é a forma de arte mais importante na minha vida pantada com a negligência com que as pessoas foram perdendo a percepção de que os nomes são entidades significantes. E, portanto, fui buscar nomes com significação. De Awa eu não conheço a significação. Awa é um nome africano para Eva. Eva não sei o que significa, para além do convencional «primeira mulher». Não tenho curiosidade pelo hebraico. Awa é um nome que eu acho muito bonito e que, quando caiu no texto, me deixou muito feli . Praticamente todos os outros nomes têm significado. Nas suas outras obras são as mulheres que irradiam um brilho dourado e imbuídas de magia. Mas neste texto, em que durante a migração as personagens se vão transformando, temos homens que sofrem uma metamorfose e ganham capacidades. (Risos) Não faço a mínima ideia, nem sequer me tinha apercebido disso… Há uma quase simbiose com o animal, o velho que se transforma em águia, o Tariq que se transforma em serpente e o Erend é o que cria luz. É muito engraçado porque o ponto de vista feminista e de literatura de género receberam os meus livros como algo muito significante do ponto de vista que lhes interessa. As figuras das mulheres muito fortes e os homens fracos. Os ambientes femininos. Certas correntes interpretativas tentam juntar isso ao biografismo e à história de vida da mulher. É muito engraçado porque eu não tive experiência nenhuma de vida feminina. As grandes

figuras da minha vida são masculinas. Eu nunca fiz parte de alguma forma de gineceu, dos grupos de mulheres a contar as suas histórias, aquele lugar comum que se atribui à experiência de vida de uma pessoa do sexo feminino que escreve. Não tive educação sexista, não fui nada educada como rapariga para ser mulher. Tive uma educação progressista, laicíssima, pró-científica. E, no entanto, pelos vistos, os livros transmitem esse universo feminino que nada tem a ver comigo. Acontece, mas não sei como é, os textos para lá vão, mas a minha experiência biográfica é absolutamente estranha a tais ambientes. Agora, se são os homens os mais fortes neste livro, trata-se de algo que também aconteceu no texto. Não houve nenhuma intenção da minha parte, nada pensei sobre isso, no furor da escrita, naquela ânsia de chegar a um sítio e libertar-me daquele escrever que é uma compulsão, uma obsessão que eu só me quero que termine porque estou presa durante o tempo da escrita. Provavelmente foram os nomes deles que lhes deram essa força… Sei que fiquei muito feliz quando vi que havia nas personagens um elemento animal forte porque isso para mim, na minha vida pessoal, é muito importante. O entrosamento com o animal e com o vegetal. A não-separação dos ditos reinos da natureza. E quando vi isso acontecer fiquei muito feliz e lembro-me desses momentos como se uma dádiva especial. Quanto ao menino com a

visão não sei… Realmente eu não sou uma dialogante fácil quanto ao que escrevo. Quando saímos desse assunto e passamos a conceitos sociais e culturais, creio que me torno boa conversadora… Sei que a Hélia não é de fazer projectos mas tem agora algo em curso? Nunca falo do que estou a escrever. Não falo do que escrevi porque não sei e não falo do que estou a escrever por tabu ou superstição. Aliás a forma como este livro apareceu, o vazio onde ele entrou, foi justamente um vazio porque o título do que eu estava a escrever foi divulgado e o livro bloqueou completamente. Foi uma coisa terrível na minha vida. Tenho sempre muito medo. Quando estou a escrever sofro uma grande violência no meu quotidiano porque é uma compulsão e eu gosto mais de andar a passear pela serra do que de estar quieta à secretária. E é um período de muita ansiedade e insegurança. Tenho sempre muito medo de acordar e não ter lá nada. Ter-me desaparecido o texto, aquele mundo onde eu estou. Que é o medo que eu também projecto sobre os livros de que gosto muito, aos quais tenho de ir ver, de folhear. Faço isso muitas vezes. Com o Pedro Páramo, por exemplo. Penso que vou abrir o livro e encontrar as páginas em branco… Penso que um texto assim não pode existir, que fui eu que sonhei... Portanto houve uma fuga, o título foi divulgado, o livro parou, eu bloqueei. Foi uma coisa muito má. E depois nesse vazio absoluto apareceu este texto que

foi escrito. E eu não sabia se o outro voltava, se não voltava. Não fazia ideia nenhuma. Estava aflita. E agora voltou. Fez as pazes... Porque já houve um que me desapareceu completamente. Dei uma página do que estava a escrever para sair numa revista e era um livro que eu estava a amar muito, mas as personagens desapareceram e nunca mais as vi… E agora apanhei uma grande susto mas parece que já passou. As palavras foram lá não sei para onde mas já voltaram, já me deixaram entrar. Mas nunca posso garantir nada porque isto não é um projecto que eu controle. Para dar um exemplo de escrita em que eu sinto que tenho mão, posso falar de uma pequena comunicação sobre Bioética que aceitei fazer. É um universo que me preocupa mas sobre o qual nada sei. Sobre esse texto, tomei decisões claras. Tomarei Mary Shelley como figura central e desenvolverei alguns conceitos da história literária e científica, consciente da minha ignorância sobre o grande tema mas também da contribuição que posso dar. Mas quanto ao texto criativo não sei se vai acontecer, se amanhã está cá, se se aborrecem e desaparecem… Sou sempre uma mendiga. A Maria Gabriela Llansol tem uma frase belíssima: «Os livros são pobres que caem do céu». São daquelas frases que me acompanham a vida toda, como um bailarino na batalha. Não sei se amanhã alguém me dá comida e abrigo porque em relação à escrita sou uma mendiga. Não sei o que me vão dar, se morro à míngua… l


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MARCA D'ÁGUA •••

Sophia de Mello Breyner: Uma Oração no Temp(l)o

Maria Luísa Francisco

Investigadora na área da Sociologia; Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa

luisa.algarve@gmail.com

É difícil escrever algo de novo, quando nestes primeiros dias de 2019, ano do centenário do nascimento de Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004), tantos artigos têm sido publicados sobre a sua vida e obra. Não conheci pessoalmente a poeta e escritora, mas através da leitura da sua obra, da leitura de artigos e do testemunho de amigos que conviveram de perto, há uma ideia que permanece: Sophia era inteira na sua poesia, a tudo se entregava por inteiro! Teve uma intensa actividade cívica, na luta pela liberdade em Portugal. Foi sócia fundadora da Comissão Nacional de Apoio aos Presos Políticos e integrou o PS. Foi deputada à Assembleia da República, em 1975. Apoiou o movimento monárquico e foi católica

progressista. Deu importantes contributos ao Centro Nacional de Cultura, do qual foi directora vários anos. A Comissão das Comemorações do Centenário de Sophia de Mello Breyner Andresen, está sediada precisamente no Centro Nacional de Cultura e propõe um programa que contempla várias facetas da vida de Sophia. No âmbito das Comemorações, a cidade de Lagos não poderia ficar de fora, por ser um dos locais onde a família passava férias, e pela presença do mar na vida e obra de Sophia. A programação inclui um Colóquio designado: “O Mediterrâneo e o Atlântico em Sophia” que decorrerá em Lagos a 3.10.2019, e que terá como temas o mar, o diálogo com os poetas do Sul, a importância dos contos para crianças e a presença do sagrado na poesia (www.centenariodesophia.com).

A clareza da palavra e a procura da Luz Creio que poucas pessoas, mesmo aquelas que habitualmente não lêem poesia, ficarão indiferentes à clareza da sua palavra e à beleza da sua expressão. Há palavras que, desde criança, me parece que foram sempre de Sophia e poemas que me têm acompanhado

nas diferentes etapas da vida. Vejo as suas palavras cheias de Luz dando claridade e movimento aos livros, transportando quem lê para outros lugares. Aliás, Luz é a palavra que mais encontro na poesia de Sophia e mesmo quando a palavra “luz” não está lá, está a luminosidade e a perspicácia do seu olhar. Gostaria de referir esse aspecto que considero importante: a procura da Luz, e que ganha muitas formas na poesia de Sophia. Vejo referência a Deus em alguns dos seus poemas, sinto que Deus se faz perto através da poesia! No poema intitulado Chamo-Te, sente-se que Sophia anseia a presença de Deus e vai ao tempo primordial nessa procura: “Chamo-Te porque tudo está ainda no princípio E suportar é o tempo mais comprido. Peço-Te que venhas e me dês a liberdade, Que um só de Teus olhares me purifique e acabe. Há muitas coisas que não quero ver. Peço-Te que sejas o presente. Peço-Te que inundes tudo. E que o Teu reino antes do tempo venha

d.r.

E se derrame sobre a Terra Em Primavera feroz precipitado.” Nestas poucas linhas não quero deixar de citar duas personalidades que referem a comunhão cristã em Sophia: - No prefácio de Contos Exemplares de Sophia de Mello Breyner (1969), D. António Ferreira Gomes, na altura Bispo do Porto, considera que “Sophia chega à verdade não pela via platónica grega, mas pela paixão invoca o mistério e a transcendência do ser humano, ao modo católico.” Refere que “para Sophia a comunhão humana só é possível com Deus e que essa comunicabilidade com o transcendente é essencial à visão poética.” - Por sua vez, Richard Zenith escritor e tradutor, natural dos Estados Unidos e vencedor do Prémio Pessoa em 2012, escreveu que “a poesia de Sophia é ‘assertivamente cristã’ a par dessa convivência dos deuses pagãos com o Deus do Cristianismo.” Refere que a poeta era “assumidamente católica”, mas “reconhecia Deus, a religiosidade e o mundo espiritual em termos mais universais”. Gostaria de partilhar ainda esta bela Oração da autoria de Sophia de Mello Breyner: “Senhor, como estás longe e oculto

e presente! Oiço apenas o ressoar do teu silêncio que avança para mim e a minha vida apenas toca a franja límpida da tua ausência. Fito em meu redor a solenidade das coisas como quem tenta decifrar uma escrita difícil. Mas és Tu quem me lês e me conheces. Faz que nada do meu ser se esconda. Chama à tua claridade a totalidade do meu ser para que o meu pensamento se torne transparente e possa escutar a palavra que desde sempre me dizes.” Que a vida e obra de Sophia de Mello Breyner, com a lucidez moral da sua poesia inspire um Portugal mais fraterno e que, sem perder a sua vocação poética, seja um país culturalmente mais coeso, incluindo a multiplicidade de linguagens que são parte da cultura. l

REFLEXÕES SOBRE URBANISMO •••

Urbanismo e acessibilidades

Teresa Correia

Arquitecta / urbanista arq.teresa.correia@gmail.com

Os núcleos históricos e as acessibilidades Os núcleos históricos possuem, por natureza, espaços de circulação reduzidos e com fortes desníveis, donde resultam em áreas difíceis de trabalhar no que diz respeito à eliminação de barreiras arquitetónicas. Porém, por uma questão de integração social, de coesão, e de evolução civilizacional, será premente a adaptação das nossas cidades a todos os cidadãos, sobretudo com mobilidade reduzida

e outras deficiências. Esta adaptação está largamente regulamentada e é exigida pela própria legislação, mas tarde, e persiste a sua inadequação. Poder-se-á referir também por falta de meios financeiros adequados, mas não só, também e muitas vezes, por inércia e por incapacidade de recorrer aos fundos comunitários que proporcionam um apoio significativo nesta área. As áreas turísticas por natureza, como o Algarve, são espaços prioritários nesta necessidade, pelo que, será incompreensível não reabilitar, incluindo sobretudo esta valência da acessibilidade. Em Faro, foi previsto um circuito pedonal dentro da zona histórica, com potencial para criar um percurso acessível, ligando vários monumentos e espaços públicos. Este projeto exigirá repavimentações, assim como relocalizações de iluminação pública, rebaixamento de passadeiras, redefinição de perfis de arruamen-

tos, posicionamento de mobiliário urbano, entre outros. A exigência do pormenor é neste tipo de projetos, elevadíssima, e de alguma complexidade. Num Centro Histórico, a somar a esta questão, exige-se sensibilidade na escolha dos materiais, na preservação de elementos históricos, na conservação da paisagem urbana. Fará sentido concretizar algo tão exigente sem promover uma adequada consulta a entidades entendidas na matéria como as associações que apoiam a deficiência, ou quem sabe a uma comissão constituída para este efeito? Trabalhando no Centro Histórico, será da maior relevância. A demografia invertida e os reflexos no urbanismo A evolução demográfica do nosso país aponta para um envelhecimento acentuado e uma pirâmide etária invertida, o qual nos poderá rapidamente conduzir a uma sociedade toda

ela a necessitar de um espaço público mais adaptado. A autonomia dos idosos será uma preocupação dos líderes da sociedade europeia. A demografia poderá levar a uma execução rápida de adaptações, daqui a poucos anos, mas nessa altura já estaremos atrasados face a outras cidades europeias mais competitivas. Se entendermos que as acessibilidades são um direito inerente a uma sociedade evoluída, e olharmos para as nossas cidades e edifícios públicos, facilmente percecionamos que temos um longo caminho a percorrer.

d.r.

Planos de acessibilidade O plano de acessibilidade é exigido por lei em todas as operações urbanísticas que são submetidos nas autarquias. É uma peça que vincula sobretudo o autor do projeto, que tem de assinar um termo de responsabilidade e apresentar detalhes métricos. Porém, não existe, ainda assim, uma atitude pró-ativa de confirmação das entidades públicas do cumprimento dos mesmos em obra. Por outro lado, da parte da iniciativa

É premente a adaptação das nossas cidades a todos os cidadãos •

pública, são poucos e raros aqueles que estão preocupados e vão dando passos na execução de planos de acessibilidade para os seus edifícios. As boas acessibilidades das nossas cidades e edifícios serão um fator de diferenciação no Turismo, na qualidade de vida, e na coesão social, elevando também a nossa condição humana. l


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FILOSOFIA DIA-A-DIA •••

Ano Novo, Vida Nova - Quem deixar? Quem levar?

Maria João Neves Ph.D Consultora Filosófica

Nesta época de balanço e novos planos proponho que pensemos nas pessoas que nos rodeiam. Como seres sociais que somos, passamos grande tempo da nossa vida a interagir com outros, seja na esfera profissional, na vida familiar ou no tempo livre. Existem relações das quais dificilmente podemos fugir: os colegas de trabalho ou a família que nos caiu em sorte. Contudo, cada um de nós tem a liberdade de escolher com quem se dá no seu tempo livre. Deste lidar com os outros, por vezes saímos nutridos, outras sugados. Vale portanto bem a pena investigar este assunto. O caro leitor costuma conviver com alguém que continuamente se queixe das dores físicas ou emocionais? Alguém que proteste por causa do custo de vida, do governo, do calor ou do frio? Tem algum colega que confunda o tempo das reuniões de trabalho com sessões de psicoterapia lamuriando sem cessar e nunca apresentando alternativas ou soluções para os problemas que tão emotivamente enuncia? Há também aquela pessoa que lhe telefona assiduamente

para desabafar? E aquela outra com a qual cada oportunidade de conversa se transforma rapidamente numa canção de maledicência salpicada de vitimização e queixume? Independentemente da possível legitimidade dos seus pontos de vista, estes comportamentos revelam egoísmo e uma enorme falta de delicadeza no ocupar do tempo de ouvido do outro. Muitos filósofos que, da antiguidade aos nossos dias, se dedicaram a investigar este assunto coincidem num ponto: os queixosos e lamurientos são de evitar a todo custo! Séneca no ensaio intitulado Da Tranquilidade do Espírito afirma: “Principalmente deves evitar os tristes e aqueles para quem tudo é motivo de queixa. Embora a lealdade e a amabilidade de um homem não se possam pôr em dúvida, uma companhia intranquila e lamentosa de tudo é um inimigo da paz de espírito”. Já Platão, na República, pretendia excluir as melodias lamentosas - a mixolídia e a sintonolidia - que se consideravam inúteis para a formação de um bom carácter. Do ponto de vista filosófico estas pessoas não são apenas massadoras, elas são perigosas! Afastar-mo-nos delas será a atitude mais sensata se pretendemos preservar a serenidade. No Livro VIII da Ética a Nicómaco Aristóteles distingue três tipos de amizade: amizades de prazer, de utilidade e de virtude. Já falámos delas num Café Filosófico anterior, mas talvez valha a pena recordar. Pos-

so relacionar-me com alguém pela agradabilidade da sua companhia, pela utilidade, ou pela virtuosidade do seu carácter. Apenas esta última será verdadeira amizade. Porém, não devemos desprezar imediatamente as duas primeiras. Uma relação cordial e prazenteira com conhecidos com os quais tenhamos de lidar é de estimar. Uma relação de utilidade - desde que simbiótica - nada tem de anti-ético. Imagine-se, por exemplo, a sociabilidade que se gera entre um grupo de pais que divide entre si o ir buscar e levar os filhos ao colégio. Une-os uma relação de utilidade que facilmente se dissipará quando as circunstâncias se modificarem. Alain de Botton no livro intitulado Como Proust pode mudar a sua vida mostra-nos como o excelente escritor desafia as ideias consagradas sobre a amizade. Esclarece-nos que apenas pessoas com poucos amigos estão convencidas de que aquilo sobre qual gostam de falar agrada imediatamente aos outros. Proust, bastante menos optimista, reconheceu imediatamente a plausível discrepância entre os seus próprios interesses e os dos seus eventuais interlocutores. Por esta razão, preferia fazer perguntas - não invasivas! - por forma a ir ao encontro da pessoa com a qual dialogava. Mesmo que tal assunto não lhe interessasse minimamente, preferia-o a correr o risco de aborrecer outrem com um tema da sua preferência. Revelaria más maneiras! Existe uma enorme falta de tacto

d.r.

Cada um de nós tem a liberdade de escolher com quem se dá no seu tempo livre •

por parte daquelas pessoas cuja conversa não procura interessar o outro mas, muito pelo contrario, consiste em tentar elucidar de forma egoísta os pontos de vista que lhe interessam. Uma conversa cortez implica a abdicação de si próprio em prol dos companheiros. A linguagem serve aqui, primeiramente, para criar um vínculo com o outro, para gerar empatia, afecção. Não se trata de hipocrisia, trata-se das tão em desuso, boas maneiras! As boas maneiras criam boas condições para o aprofundamento do conhecimento de cada um. Então, num processo mais ou menos paulatino, as afinidades vão surgindo. Os amigos íntimos, esses sim, conferem-nos a oportunidade de expressarmos o nosso ser mais profundo. As conversas que com eles temos constituem

um forum privilegiado no qual podemos dizer o que realmente pensamos, ser quem realmente somos. Um outro ponto consensual entre diversos filósofos é o de que os amigos se preocupam uns com os outros. Há um cuidado mútuo. Importar-se com alguém envolve tanto simpatia como ação. Os verdadeiros amigos alegram-se com o sucesso dos seus amigos, e entristecem com os seus fracassos - mas não se decepcionam com a pessoa amiga! Estão lá, para o que der e vier! Neste seu cuidado mútuo, os amigos promovem o bem do outro gratuita e incondicionalmente, sem qualquer motivo oculto. Dito isto, quem deixar, e quem levar consigo na aventura de 2019? l Inscrições para o café Filosófico: filosofiamjn@gmail.com

ESPAÇO AGECAL •••

Rede de Museus do Algarve celebrou dez anos

Emanuel Sancho

Museólogo e sócio da AGECAL

A Rede de Museus do Algarve comemorou recentemente os seus dez anos de existência. Tudo começou em 2007 quando alguns museus da Região se encontraram para refletir e pensar o Algarve na sua dimensão real, coletiva, composta por 16 concelhos - realidades distintas – mas partes

indissociáveis de uma unidade geográfica e culturalmente bem definida. Apontado como uma fragilidade, quase um mal endémico, o individualismo que quase assumimos como natural, passou a ter uma alternativa que na prática foi dada pelo exemplo dos museus: uma visão de Região madura, articulada nas suas partes, preocupada com o bem comum, mais do que com os protagonismos individuais. Hoje, dez anos depois, a Rede de Museus do Algarve integra todos os concelhos da Região – quer como membros efetivos, quer como observadores – ultrapassando as duas dezenas de estruturas museológicas de distintas áreas, diferentes tutelas, variadas visões e modelos

organizativos. São 15 museus, dois centros de ciência, um parque natural e um centro explicativo que, na sua globalidade, representam bem a diversidade regional mas também o espírito flexível e integrador que sempre caracterizou a Rede de Museus do Algarve. A Rede integra também a APOM, Associação Portuguesa de Museologia, que mantém um representante como observador junto dos Museus do Algarve. Um Grupo Coordenador formado por cinco membros, representantes de outras tantas estruturas museológicas, eleito a cada dois anos, organiza, estimula, representa e coordena as ações da Rede. A outro nível, quatro grupos de trabalho de campos especializados – património imaterial,

conservação e restauro, arqueologia e educação – desenvolvem trabalho de forma autónoma dentro das suas áreas próprias. A cooperação em rede, traduzida na rentabilização de recursos, a partilha de conhecimentos, os diagnósticos de abrangência regional e a relação direta e colaborativa são já uma prática corrente entre os Museus do Algarve. Anualmente, a Rede organiza as Jornadas RMA, onde os seus membros mostram a realidade da museologia do Algarve. Experiências exemplares provenientes de outras paragens têm sempre lugar nestes momentos. São vários os projetos conjuntos que deverão surgir nos próximos tempos. A publicação do Guia dos Museus do Algarve, sob a forma de

e-book, está sendo ultimada. A versão impressa poderá igualmente vir a ser uma realidade em breve. Uma iniciativa que tomará como eixo estruturante as múltiplas visões do Mar deverá surgir em 2019/20 sob a forma de um conjunto de exposições/ visões ou, visto de outra perspetiva, uma grande exposição/tema repartida pelos vários espaços museológicos do Algarve. Pouco a pouco, com o esforço dos profissionais dos Museus do Algarve, ultrapassada uma década de existência, a RMA é hoje uma referência nacional pela persistência, pelo modelo informal que adotou e pelos projetos que foram capazes de unir os seus membros ao longo de uma década. l


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