Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o
MAIO 2019 n.º 127 7.329 EXEMPLARES
www.issuu.com/postaldoalgarve
MISSÃO CULTURA •••
Um Guia para os Museus do Algarve – um caminho pelo conhecimento De Odeceixe a Alcoutim, entre as falésias da Costa Vicentina e o Alto Algarve Oriental, o Algarve integra uma quase centena de unidades museológicas, tuteladas por autarquias ou entidades privadas. Desde fevereiro passado, o público interessado e o visitante curioso têm agora à sua disposição um útil guia que propõe um percurso pelo conhecimento através de um conjunto de museus da região – aqueles que integram uma rede informal constituída em 2007, no âmbito da qual foi agora produzida esta obra. Disponível, para já, apenas em suporte digital PDF no endereço https://museudeportimao.pt/livro/ Guia_Pt_08-02-2019_high.pdf O Guia de Museus do Algarve fornece indicações úteis sobre 20 museus que contêm no acervo das suas coleções e na sua relação com o território um notável potencial de transmissão de conhecimento acerca da trajetória temporal da região, na sua diversidade e pluralidade. Num percurso organizado por municípios, de Barlavento a Sotavento, o guia, de agradável leitura e amplamente ilustrado, dá ainda outras indicações úteis, nomeadamente sobre monumentos e outros pontos de interesse a visitar em cada concelho. Ainda que seja desejável promover uma futura edição em suporte de papel, o formato PDF permite, desde já, uma atualização regular dos conteúdos e, aos utilizadores, a descarga da versão mais atual. Está ainda no horizonte da Rede de Museus do Algarve adaptar o guia a um formato mais interativo, o que obriga a investir no webdesign para que este instrumento de conhecimento da história e de reforço da identidade regional seja ainda mais útil. Porém, mesmo em PDF, já se pode seguir o link dos endereços eletrónicos e escrever diretamemte um email, clicar no símbolo identificado com www e aceder diretamente ao sítio eletrónico do respetivo museu, ou ir para o Facebook, sempre que o símbolo desta rede social estiver disponível. Também a qualquer momento da sua consulta pode regressar ao menu principal, clicando no pequeno ícon que se encontra no
Ficha técnica
d.r.
GUIA DE MUSEUS DO
Direcção: GORDA Associação Sócio-Cultural Editor: Henrique Dias Freire Paginação e gestão de conteúdos: Postal do Algarve Responsáveis pelas secções: • Artes visuais: Saul de Jesus • Espaço ALFA: Raúl Grade |Coelho • Espaço AGECAL: Jorge Queiroz • Espaço ao Património: Isabel Soares • Filosofia dia-a-dia: Maria João Neves • Letras e literatura: Paulo Serra • Missão Cultura: Direção Regional de Cultura do Algarve • Reflexões sobre urbanismo: Teresa Correia Parceiros: Direcção Regional de Cultura do Algarve e-mail redacção: geralcultura.sul@gmail.com e-mail publicidade: anabelag.postal@gmail.com online em: www.postal.pt e-paper em: www.issuu.com/ postaldoalgarve FB: www.facebook.com/ postaldoalgarve/ Tiragem: 7.329 exemplares
ALGARVE
Um Caminho pelo Conhecimento
canto superior esquerdo das páginas ímpares. Nesse menu (que está na página 6), pode consultar os museus pelo nome ou pelo concelho em que se encontram, podendo ir diretamente para a página onde eles se encontram. Este é um dos desafios que a Rede tem para o futuro, dando continuidade a um programa museológico participativo que, ao longo dos últimos doze anos, tem chamado a atenção para a capacidade de inovação instalada na região e para o talento de um conjunto de técnicos cuja missão é servir o Algarve como região. l
Rede de Museus do Algarve Capa do Guia de Museus do Algarve. •
Direção Regional de Cultura do Algarve
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LETRAS E LEITURAS •••
Entrevista a Isabel Rio Novo:
"A vida de Agustina era a escrita" Paulo Serra
fotos d.r.
Doutorado em Literatura na Universidade do Algarve; Investigador do CLEPUL
O Poço e a Estrada – Biografia de Agustina Bessa-Luís, de Isabel Rio Novo, publicado pela Contraponto, lê-se como um romance. Contudo, apesar de nos últimos anos serem várias as biografias romanceadas ou os romances que se assumem como biografias, é um erro assumir O Poço e a Estrada como tal. A biógrafa rodeou-se de documentos e depoimentos, de fotografias, visitou os lugares por onde a própria Agustina transitou, leu e releu a obra de Agustina – destrinçando o quanto ela contém de episódios factuais da vida da escritora –, citando-a sempre que possível, como quem recupera a voz da autora para contar a sua própria história, a real e a recriada. Quando a autora não é detentora de uma resposta inequívoca, aventura várias hipóteses, para que o próprio leitor se decida pela que lhe convir. Se há laivos de romance nestas 416 páginas (não contando com notas e índice remissivo) é pelo lirismo da prosa de Isabel Rio Novo. O título é retirado da obra O Manto, de Agustina, e proliferam no livro as citações da autora e da sua obra em epígrafe, no corpo do próprio texto, bem como a relação entre a sua escrita e a sua própria vida, da forma como a vida dá corpo à ficção agustiniana. Isabel Rio Novo, nascida no Porto, é mestre em História da Cultura Portuguesa e doutorada em Literatura Comparada. Professora universitária e investigadora, lecciona disciplinas como História da Arte, Estudos Literários, Escrita Criativa. Em diversos momentos desta biografia, a biógrafa não se esquiva aliás a traçar um panorama geral cultural do Portugal em que Agustina viveu e avança com a sua própria análise crítica do contributo prestado à literatura pelas obras de Agustina, da novidade que constituíram, das influências que evocam. A obra de Agustina não é fácil de ler, e assim tem sido referido desde o início pela crítica, apesar de A Sibila chegar a fazer parte dos programas do secundário e ter encantado a sua quota parte de leitores. O título é retirado da obra O Manto, de Agustina, e proliferam no livro as citações da
Agustina Bessa-Luís deixa-nos uma obra com mais de cinquenta títulos, entre romances, contos, biografias, ensaios, livros de memórias, num constante diálogo com a memória, com a literatura, com a história, numa escrita pouco popular, nada convencional, labiríntica, a pedir tempo e dedicação, frequentemente pontuada de aforismos e máximas que se tornaram uma célebre imagem de marca. O Poço e a Estrada inaugura uma coleção de biografias de grandes figuras do século XX por autores romancistas, com a chancela da Contraponto.
Ao leitor interessa sempre mais a qualidade do que vai ler do que a sua catalogação O acto de biografar alguém é também um acto de antropofagia? Até que ponto é que o biógrafo, neste caso a biógrafa, corre o risco de se perder na vida da biografada e como se ressurge de uma vida assim? Logo à partida compreendi que o risco e o desafio eram enormes, pela dimensão da pesquisa que se impunha, pelas múltiplas vertentes em que se investiu a minha biografada, pela minha própria admiração pela obra de Agustina. Tudo isso tornou este percurso apaixonante e realizado com muito gosto, mas também muito exigente, cansativo e desafiante. Ressurge-se do mergulho numa vida assim assumindo que o trabalho está feito, que é preciso despedirmo-nos dele e partirmos para o seguinte, compreendendo que nenhuma narrativa de uma vida humana é definitiva e que, como disse Agustina, no final de algo, “o que resta é sempre o princípio feliz de alguma coisa”.
Isabel Rio Novo publicou a primeira grande bibliografia sobre Agustina Bessa-Luís •
autora e da sua obra em epígrafe, no corpo do próprio texto, bem como a relação entre a sua escrita e a sua própria vida, da forma como a vida dá corpo à ficção agustiniana. Conforme será referido na entrevista, esta biografia, apesar de aguardada com expectativa, tem sido igualmente recebida com alguma polémica. O editor da Contraponto, Rui
Couceiro, tenta justamente destrinçar essa confusão no Jornal de Letras (10 a 23 de Abril), em resposta às acusações tecidas por Mónica Baldaque, a filha de Agustina, numa entrevista ao semanário Sol, em que acusa e censura o trabalho da biógrafa aqui entrevistada, cuja candidatura a membro do Círculo Agustina Bessa-Luís foi inclusive negada em Outubro de 2018.
Agustina nasceu em Vila Meã no dia 15 de Outubro de 1922. No início de 2007, terá sofrido o primeiro de um conjunto de micro-acidentes vasculares cerebrais. O seu último romance, A Ronda da Noite, surgiu no final de 2006 e pode ter dado origem ao filme homónimo de Peter Greenaway (Nightwatching, no original), realizado no ano seguinte.
Alguém escreveu que a biógrafa evidencia contenção emocional mas permitimo-nos discordar. Numa contemporaneidade em que a ficção literária cruza ensaio e autobiografia, é justo também sentirmos esta biografia como uma autobiografia? Penso que a intenção do editor Rui Couceiro, ao convidar para esta coleção de biografias de grandes figuras do século XX autores romancistas, era fazer com que estas narrativas biográficas, mais do que meras resenhas cronológicas ou repositórios
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de factos, pudessem ser lidas como literatura de não ficção. Identifico-me completamente com o posicionamento daqueles que defendem que o biógrafo deve deixar transparecer a sua sensibilidade, o seu olhar, a sua presença, e não ter receio de estabelecer uma relação afetiva com o biografado e com os factos narrados. François Dosse, um biógrafo francês que aprecio, fala mesmo da importância da encenação da relação entre o biógrafo e o biografado. Por isso, não receei colocar-me no livro; pelo contrário, assumi essa postura, que para mim era a única que fazia sentido. O que, no entanto, me parece perfeitamente compatível com a contenção emocional, já que procurei evitar grandes derrames de subjetividade e não cair na lamechice. Quanto aos rótulos e à discussão sobre géneros, deixo-a para os críticos e os teóricos…
go por sua iniciativa. E muitas não me ofereceram apenas entrevistas ou depoimentos. Franquearam-me os seus arquivos privados, disponibilizaram correspondência e outros documentos raros, chamaram-me a atenção para publicações obscuras, escritos dispersos e ocasionais, sugeriram-me outros entrevistados. A consulta da correspondência de Agustina, espalhada por diversos arquivos e espólios, foi determinante para a compreensão da faceta mais privada da autora, por assim dizer. Procurei também conhecer ou revisitar os cenários mais importantes da vida da minha biografada. A visita aos lugares é muito importante para mim, mesmo quando escrevo um romance.
A Isabel revela-nos sobre si, e mesmo quando tenta a imparcialidade, em momentos menos bons da vida de Agustina, sente-se a sua admiração pela escritora ao mesmo tempo que desvela um pouco de si própria. Considera que esta biografia foge aos moldes, porque se quebraram as regras da biografia assim como as do romance, ou não foi pensado dessa forma? Pois, voltamos à questão dos géneros e das classificações. Como romancista, é verdade que, à semelhança de muitos autores que escrevem na atualidade, me interessa cada vez mais apagar as fronteiras entre romance, biografia, ensaio, explorar os limites da ficção e da não ficção. Ao fim e ao cabo, penso que ao leitor interessa sempre mais a qualidade do que vai ler do que a sua catalogação. No caso da escrita biográfica, quanto a mim, o escritor deve assumir uma responsabilidade para com a verdade que não anule a imaginação.
A biografia concretiza-se sem o aval da família, constando-se aliás que a Relógio d’Água que comprou os direitos da autora à Babel, numa situação bastante polemizada, já encomendou uma biografia oficial ao historiador Rui Ramos. Este constrangimento parece, aliás, ter-lhe conferido liberdade, apesar de não poder beneficiar do acesso ao arquivo familiar da autora. O que nos pode dizer sobre esta não-autorização? Em relação à cronologia dos factos relativos a edições e ao posicionamento da família de Agustina, não tenho nada a acrescentar ao que o editor Rui Couceiro explicou recentemente no Jornal de Letras, aliás, de forma cabal e inequívoca. No que respeita à não autorização propriamente dita, apenas posso dizer que a encarei não como uma interdição, mas como um estímulo. Sobre a obra e a vida de Agustina Bessa-Luís podem e devem escrever-se várias biografias, porque a sua vida e obra extraordinárias assim o justificam. Como tenho dito várias vezes, cá estarei para ler todas as que forem surgindo.
A consulta da correspondência de Agustina foi determinante para a compreensão da faceta mais privada da autora Calculo que tenha sido um trabalho árduo, não só por ouvir tantas partes, como pesquisar as mais variadas fontes documentais, e reler toda a obra da autora. Como se mantém o norte num projecto destes? Como em qualquer projeto de
Sobre a obra e a vida de Agustina Bessa-Luís podem e devem escrever-se várias biografias
Obra inaugura uma coleção de biografias de grandes romancistas do século XX •
investigação que se pretende extensivo e rigoroso. Definindo um cronograma e uma metodologia, ainda que depois esse cronograma e essa metodologia sejam progressivamente reequacionados à medida que o trabalho progride.
desde o início do milénio. Em seguida, recolhi todas as parcelas de informação que fui encontrando: resenhas biográficas, entrevistas que Agustina concedeu e outras peças jornalísticas sobre a escritora, documentários, registos oficiais, sendo que uns iam
O biógrafo deve deixar transparecer a sua sensibilidade Qual foi a sua rotina de trabalho? A sua metodologia? Comecei por reunir os documentos e ficheiros que possuía sobre a obra de Agustina, já que venho trabalhando sobre ela em contexto universitário
fornecendo pistas para procurar outros. Ao mesmo tempo, elaborei um plano de entrevistas. Não consegui entrevistar todas as personalidades que constavam dessa lista inicial. Em contrapartida, muitas vieram ter comi-
Pode esta biografia levar a outros textos? Surgiram-lhe outros projectos? Nunca se pode dizer que um livro não possa dar origem a outros textos. Neste momento, por exemplo, dei por concluído um romance que estabelecerá pontes com um conto que publiquei há algum tempo e que creio que dará origem a outra narrativa. No
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que toca a Agustina, de concreto, para já, há apenas o projeto de gizar o plano de uma comunicação para um congresso acerca das relações entre Agustina, Sophia e Jorge de Sena. Apesar de termos quase 100 páginas de notas, e um índice remissivo, sente-se a falta de uma fotobiografia e de uma bibliografia da autora. Estas hipóteses foram levantadas pela editora? Não incluir no livro uma iconografia foi opção do editor, opção que, aliás, se estenderá aos restantes volumes da coleção. A questão do índice de obras da autora foi equacionada, mas optou-se por não a incluir, ainda que não esteja posta de parte a hipótese de fazermos esse e outros ajustes em futuras reedições. A dada altura, o fôlego da biografia parece perder-se, mas não a narrativa nem a riqueza da informação. Será que Agustina, deixando-nos tão magnífico legado, com mais de 50 obras, vivia tão devotada à escrita que pode ter passado ao lado da vida? Parece? Não senti isso, confesso. A vida de Agustina era a escrita, como a própria admitiu e esclareceu, muitíssimas vezes. A rotina de trabalho que consolidou ao fixar-se definitivamente no Porto, nos anos 70, implicava uma dedicação total à escrita, uma entrega de natureza quase mística, com a relegação para segundo plano de tudo o resto. Por isso, ao lado da vida, pelo menos tal como ela a entendia, Agustina não passou, certamente. Percebe-se no texto, mas gostava de saber qual é a sua obra favorita de Agustina? No capítulo final, refiro alguns dos meus livros favoritos de Agustina: Um Cão que Sonha, Embaixada a Calígula, Fanny Owen, Homens e Mulheres, A Ronda da Noite. Tenho de escolher só um? Vou fazer batota, e escolher dois. Fanny Owen foi, até 2006, o meu favorito. Tem tudo para me agradar: a sombra de Camilo, a revisitação do imaginário romântico, grandes temas agustinianos, como o das pulsões misteriosas que comandam as personagens, e implicitamente, até Manoel de Oliveira, que o adaptou para cinema. Mas em 2006 surgiu o extraordinário A Ronda da Noite, repleto de enigmas e de ressonâncias autobiográficas, o que, para uma biógrafa… l pub
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ARTES VISUAIS •••
Porquê colocar questões sobre artes visuais? Saul Neves de Jesus
Professor Catedrático da Universidade do Algarve; Pós-doutorado em Artes Visuais; https://saul2017.wixsite.com/artes
Em 2011 respondemos positivamente ao convite para colaborar no Cultura.Sul. Estávamos a realizar um Pós-Doutoramento em Artes Visuais e sentimos que poderíamos ajudar a esclarecer algumas dúvidas que por vezes são colocadas por quem aprecia arte. Daí termos decidido escrever os artigos a partir de uma questão que colocávamos como título. A colocação de uma pergunta poderia suscitar a curiosidade do leitor, mas sobretudo é a primeira etapa para a construção de qualquer tipo de conhecimento, inclusivamente o científico. A colocação de uma boa pergunta de partida permite delimitar desde logo o caminho a seguir no processo de investigação que procurará encontrar resposta para a questão colocada. E o nosso objetivo era precisamente contribuir para clarificar dúvidas que as pessoas muitas vezes colocam em relação às artes visuais e, dessa forma, contribuir para uma maior valorização deste domínio e ajudar a construir algum conhecimento sobre este o mesmo. Assim, no primeiro artigo que escrevemos em 2011 procurámos responder à questão “Mas, afinal, o que é a arte?”. Esta é precisamente uma questão que muitas pessoas colocam face à cada vez maior diversidade dos produtos artísticos que se podem encontrar em exposições. Concluímos este primeiro artigo afirmando que “sendo a arte uma forma de comunicação, afinal aquilo que não parece ter sentido até tem; temos é que o tentar descobrir, sendo esse também um dos desafios da arte”. A partir daí fomos escrevendo artigos, tendo os primeiros 11 sido integrados no livro “Construção de um percurso multidisciplinar, integrativo e de síntese nas Artes Visuais”, que publicámos em 2015. Na Introdução deste livro, explicitámos que, com os artigos publicados, “não procuramos a resposta correta ou adequada para cada questão, até porque não
existe, mas sim tentamos esclarecer cada uma dessas questões pela nossa curiosidade e gosto pela arte, procurando aprofundar, simultaneamente, alguns aspetos que ajudam a compreender o trabalho artístico que temos realizado e as opções que temos tido neste percurso.” Pensámos em ficar por aí, até porque o tempo que temos para o efeito é muito reduzido, mas com as palavras de incentivo de vários leitores e pela nossa própria curiosidade e prazer pela pesquisa neste âmbito, fomos continuando a escrever, sempre colocando uma questão no título de cada artigo. Não é um processo fácil e nunca pensámos escrever tantos artigos, mas o que é certo é que, com a atitude que procuramos ter em relação a tudo na vida em que “o caminho faz-se caminhando...”, no último número do Cultura.Sul escrevemos o nosso quinquagésimo artigo, intitulado “Pode a arte contribuir para a paz?”. Decidimos neste artigo nº 51 apresentar as 50 questões colocadas nos artigos escritos ao longo destes vários anos, podendo o leitor, na versão digital do Cultura.Sul, ter acesso a cada um dos artigos, ao clicar no respetivo título. Assim, os títulos dos artigos publicados foram os seguintes:
d.r.
À questão “quantas mais questões iremos colocar?” ou “quantos mais artigos iremos escrever?”, não sabemos responder. Mais uma vez, “o caminho faz-se caminhando”...
Capa do livro “Construção de um percurso multidisciplinar, integrativo e de síntese nas Artes Visuais”, de Saul de Jesus (2015) •
▪ Mas, afinal, o que é a arte?
▪ Quais as fases no desenvolvimento histórico das relações entre a pintura e a fotografia?
▪ Mas isto é arte?
▪ Pode uma imagem visual sintetizar ideias complexas?
▪ Qual a importância do título numa obra artística?
▪ Pode uma imagem visual sintetizar questões psicossociais complexas e atuais?
▪ Qual a importância do pensamento na produção artística?
▪ O Algarve apenas serve para fruir das Artes Visuais?
▪ As obras com texto escrito podem ser arte visual?
▪ O que é o stresse? Resposta através da imagem visual.
▪ Um artista pode ser enquadrado em diferentes estilos artísticos?
▪ Pode a ilustração expressar visualmente a realidade?
▪ A arte e a ciência são mundos diferentes?
▪ Quais os limites para o uso do corpo humano na arte?
▪ As descobertas da ciência podem ser fonte de inspiração artística?
▪ Qual o “peso” de se saber quem é o autor da obra?
▪ Qual o “lugar” da Psicologia da Arte?
▪ Pode a arte emergir a partir do “lixo”?
▪ Qual a importância do reconhecimento da criatividade dos artistas?
▪ A arte urbana tem uma duração limitada?
▪ Qual a margem de liberdade do artista na realização da sua obra?
▪ Pode a arte emergir da natureza?
▪ Qual a importância da cor nas artes visuais?
▪ A “rua” pode ser uma galeria de arte?
▪ Qual a importância da cor nas artes visuais? (século XIX e início do século XX)
▪ Pode a arte motivar?
▪ Qual a importância da cor nas artes visuais? (do século XX à atualidade)
▪ Qual o impacto sociopolítico da arte?
▪ Qual o sentido das artes visuais?
▪ Podem as guerras “inspirar” obras de arte?
▪ A fotografia no desenvolvimento das artes visuais?
▪ Podem as artes visuais expressar felicidade?
▪ A fotografia pode ser considerada uma forma de arte, tal como a pintura?
▪ Porquê colecionar obras de arte?
▪ A fotografia é arte visual?
▪ Pode a arte ajudar a promover o turismo urbano?
▪ Como se podem integrar a fotografia e a pintura na produção artística?
▪ A dimensão das obras de arte altera a sua perceção?
▪ Qual o “espaço” para a arte digital na atualidade?
▪ Pode ser criada arte a partir da poluição?
▪ O espetador pode ser criador/artista na arte interativa?
▪ Pode a arte ajudar a proteger os oceanos?
▪ Onde está a “pureza” na produção artística?
▪ Pode a arte visual ser “expressa” para os cinco sentidos?
▪ Quais os limites para a integração de técnicas nas artes visuais?
▪ Pode a arte fazer a ponte entre a realidade e a ficção?
▪ Pode a arte estar ligada ao turismo?
▪ Pode a arte influenciar a política?
▪ Qual a importância da formação para se ser artista?
▪ Pode a arte contribuir para a paz? l
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FILOSOFIA DIA-A-DIA •••
Maldita ou bendita confusão? Maria João Neves Ph.D Consultora Filosófica
O que acontece quando duvidamos sem cessar? Quando em certos dias pensamos A, noutros B, noutros ainda C. Pior um pouco, que acontece quando em certo momento pensamos A e no momento seguinte pensamos exactamente o oposto, não A; a seguir B, e logo após não B? A confusão toma conta de nós. É exasperante! O problema reside em que a confusão não se dissipa por decreto. A vontade, mesmo que poderosa, resulta impotente quando de confusão se trata. Se compelidos a isso, podemos obrigar-nos a decidir, atirar uma moeda ou utilizar qualquer outro método de sorteio aleatório. Contudo, isso não significa que a confusão se tenha dissipado. Actos voluntariosos ou decisões precipitadas tomadas em estado de confusão podem ter consequências nefastas, sobretudo em assuntos em que não haja retorno. Os filósofos Antoine Arnauld e Pierre Nicole alcançaram a notoriedade no meio intelectual setecentista ao serem
co-autores do livro A Arte de Pensar, que foi considerado obra de referência no campo da lógica por mais de dois séculos. Nele se afirma, precisamente, que as propriedades básicas das ideias são a clareza e a confusão. A clareza de ideias é sinónimo de vivacidade; o seu oposto é a obscuridade. A confusão de ideias surge quando várias delas são conectadas por julgamentos falsos. Por sua vez, a confusão produz obscuridade. No extremo oposto à confusão de ideias está a distinção. As ideias oscilam nesta escala sendo, portanto, a clareza e a confusão uma questão de grau. Vejamos, “a ideia simples de dor, por exemplo, é uma ideia clara e distinta de um estado sensorial na mente, e a ideia da dor na mão é uma ideia composta e confusa de algo na mão que se parece exatamente com a dor. Sendo confusa, a ideia também é obscura, porque o que está na mão que se parece exatamente com a dor ‘não está claro para nós’”. Descartes foi quem primeiro estabeleceu como critérios de evidência a clareza e a distinção O filósofo René Descartes, no século XVI, foi quem primeiro estabeleceu como critérios de evidência a clareza
e a distinção. Estes seriam, pois, os identificadores da verdade. Porém, sendo a dúvida e a confusão experiências incontornáveis da natureza humana Descartes conseguiu descobrir o seu lado positivo: se duvido é porque penso, penso logo existo. E é assim que a confusão da dúvida dá lugar à verdade apodíctica da existência! Já Platão, no século IV a.c., na famosa “Alegoria da Caverna” descrita na República, nos mostrava como o caminho rumo à verdade implica estados de grande confusão. Recordemo-la de forma sintética: prisioneiros observam sombras de objectos projectadas no fundo de uma caverna, acreditando piamente que o que vêem é a realidade. Se alguém soltasse um deles e o forçasse a “voltar o pescoço, a andar e a olhar para a luz, ao fazer tudo isso, sentiria dor, e o deslumbramento impedi-lo-ia de fixar os objectos cujas sombras via outrora”. Qualquer um de nós ficaria ofuscado ao passar, de repente, de um ambiente mais sombrio para um ambiente mais luminoso. É precisamente isto que sucede quando um estado acutilante de confusão se instala. A ofuscação é dolorosa, difícil de suster, de forma que tendemos a voltar para trás, a regressar à zona mais sombria onde nos sentíamos confortáveis. A confusão não é
apenas cognitiva, existe também uma componente emocional. Quando Platão nos fala do caminho ascendente que conduz da vida errónea das sombras, à saída da caverna onde se contempla a verdade solar, podemos perceber que este é um caminho que supõe muitos estados de ofuscação. O aumento de luminosidade requere sempre um tempo de habituação, por vezes demorado. Mas este tempo é doloroso. O incremento de luz magoa. Que fazer então? d.r.
A aceitação da confusão é o primeiro passo em direcção à clareza A aceitação da confusão é o primeiro passo em direcção à clareza. É preciso parar. Não se pode caminhar sem ver. É preciso contrariar a vontade de regressar à zona de conforto, de andar para trás, e admitir ficar parado na zona inóspita sem saber quando é que os olhos se habituarão e se conseguirá
progredir. É absolutamente necessário parar. Porém, há que parar com delicadeza. Este é o momento em que nos temos de encher de compaixão por nós próprios, em que temos de ter paciência para connosco, em que devemos tratar-nos com carinho. Embora o impulso primordial seja tentar escorraçar com raiva a confusão para nos livrarmos dela o mais rapidamente possível, devemos fazer precisamente o contrário. Convidar a confusão a sentar-se e oferecer-lhe um chá quente com bolachinhas. Agir com delicadeza ajuda a recuperar o bom senso, a mente flexibiliza-de e conseguirá abrir-se a novas possibilidades. E se experimentássemos olhar para a nossa confusão, sem raiva mas com curiosidade? John Welwood, psicoterapeuta americano, afirma no su livro Alquimia do Amor o seguinte: “quando estamos no limite, muitas vezes sentimos ao mesmo tempo o desejo de expandir-nos para novos territórios, e o medo de fazê-lo. Ser gentil significa admitir ambos os lados daquilo que estamos a sentir, em vez de forçar-se a ir para a frente ou assustar-se até recuar. Isso ajuda-lo-á a relaxar, a permanecer presente e a ver o que acontece a seguir.” Experimentamos? O Café Filosófico celebra este mês quatro anos! Venha daí pensar e celebrar connosco! l Inscrições para o café Filosófico: filosofiamjn@gmail.com
MARCA D'ÁGUA •••
Jacques Delors, a Europa e os Pilares do Conhecimento
Maria Luísa Francisco Investigadora na área da Sociologia; Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
luisa.algarve@gmail.com
Estamos no mês em que temos um acto eleitoral a nível europeu e o dever cívico de votar. É importante votar nas próximas eleições, entre várias razões, porque “é preferível assumir a responsabilidade pelo futuro do que culpar os outros pelo presente”. Vivemos num mundo cada vez mais globalizado e competitivo, e embora a
democracia seja considerada como um dado adquirido, esta também parece estar sob ameaça crescente, tanto nos princípios como na prática. A história da Europa é a história dos seus extremos, tanto foi berço dos direitos humanos como foi o albergue de devastadoras intolerâncias. Possamos todos contribuir para uma Europa mais unida, apesar das suas diversidades e, como referiu Jacques Delors, uma Europa “mais forte porque solidária, mais influente porque poderosa e generosa”. Escolho, muito brevemente, falar-vos deste cidadão francês que teve um papel relevante na Europa a nível político, económico e educacional. Estudou Economia na Sorbonne e em 1981 foi nomeado ministro da Economia e das Finanças do seu país. Entre 1985 e 1995 presidiu à Comissão Europeia e contribuiu para a implementação de uma série de me-
didas fundamentais para a criação da União Europeia (UE). Em 1993 foi convidado a presidir à Comissão Internacional de Educação para o Séc. XXI. Dessa Comissão saiu um relatório para a UNESCO, tendo sido Jacques Delors organizador e autor. O título que deu a esse importante documento foi: Educação, um Tesouro a descobrir publicado em 1999 e no qual se exploram os Quatro Pilares da Educação ou Pilares do Conhecimento. Quatro Pilares e um tesouro a descobrir O quarto capítulo do relatório, transformado em livro, é dedicado aos referidos quatro pilares onde se propõe uma educação direccionada para quatro aspectos fundamentais: - aprender a conhecer - aprender a fazer - aprender a viver com os outros
- aprender a ser No desenvolvimento de cada pilar está a aprendizagem como uma riqueza fundamental. O conhecimento como chave que levará à compreensão de aspectos cruciais, tais como percebermos quem somos, compreendendo-nos a nós próprios e aos outros. Aprender a viver e a conviver com os outros talvez seja o maior desafio dentro dos pilares apresentados. A maior parte da história da humanidade é marcada por guerras e conflitos resultantes da dificuldade de convivência entre grupos, tal como da dificuldade de resolução de conflitos de modo não violento. O desafio é certamente construir uma educação que estimule a convivência entre diferentes grupos e ensiná-los a lidar com a diferença de forma pacífica. A construção de uma cultura de paz que faça parte do dia-a-dia depende da capacidade de viver e conviver com os outros.
d.r.
Em 2012 foi atribuído o prémio Nobel da Paz à União Europeia pelo seu contributo para a paz e a reconciliação, a democracia e os direitos humanos. Jacques Delors disse na altura que o prémio tem uma mensagem política e moral na medida em que reconhece países que, renunciando a atitudes do passado, fizeram a paz entre eles. Referiu também que “este prémio mostra que os valores da solidariedade e da confiança podem levar a um mundo melhor”. Que a União Europeia seja um espaço de cultura de paz, que continue a preservar os valores imateriais da sua construção, que são a solidariedade, a segurança e a diversidade e possa assim ser parte e contributo para uma Europa mais fraterna. l
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ESPAÇO AGECAL •••
Sobre a ideia de uma “cultura europeia” d.r.
Jorge Queiroz
Direcção da AGECAL - Associação de Gestores Culturais do Algarve
Os eleitores dos países integrantes da UE vão eleger este mês os seus representantes no Parlamento Europeu. Constata-se que estas eleições, sendo muito importantes face aos problemas globais e continentais, surgem menos mobilizadoras da atenção e do interesse dos cidadãos comparativamente com eleições nacionais, regionais ou municipais. A construção do projecto europeu e suas prioridades políticas, baseadas numa visão da Europa como espaço predominantemente económico e financeiro, dependente da NATO no plano estratégico-militar, tutelada por “grandes países” que decidem, causaram desconfianças, diminuição da coesão interna, incumprimentos de regras e mesmo um processo de abandono. Sobre a cultura existem percepções contraditórias ou mesmo erróneas. Existe uma “cultura europeia” ou será esta uma tentativa de criação da integração europeia? Considero que não existe “cultura europeia” por diversas razões. A primeira é porque a génese civilizacional da Europa actual teve origem no espaço geocultural do Médio Oriente, greco-romano, bizantino, judaico-cristão e muçulmano, que geograficamente abrangeu também o norte de África, o designado mundo cultural mediterrânico que influenciou todo planeta. A esta
Jorge Queiroz considera que não existe “cultura europeia” por diversas razões • cultura mediterrânica somaram-se as culturas germânicas, celta e eslava que absorveram conhecimentos técnico-científicos e artes e criaram derivações do cristianismo medieval, o protestantismo e as culturas religiosas ortodoxas e outras. As culturas do norte europeu começaram a assumir uma importância real a partir do seculo XVI com a conquista do Mediterrâneo e o surgimento do capitalismo monopolista que, como Fernand Braudel observou, possui estruturação diferente de uma economia de trocas mais igualitárias como foi da economia mercantil mediterrânica. A Revolução Industrial nos séculos XVIII e XIX trouxe um novo modelo económico e produtivo que
induziu alteração de valores. Existem, pois, culturas europeias que se influenciaram mas que hoje não constituem uma cultura. A UE é um projecto político de grande diversidade, nela coexistem 28 Estados, monarquias e repúblicas, com 23 línguas oficiais e integra três grandes espaços geoculturais, anglo-saxónico, eslavo e greco-latino-mediterrânico, com tradições e formas de viver diferenciadas. A cultura é o elemento central da vida dos povos, incorpora valores que expressam aspirações e definem comportamentos sociais. No Tratado de Roma (1957) a cultura era ainda uma mera referência no preâmbulo do documento. Foram necessárias várias
décadas para que, a partir do Tratado de Maastricht de 1992, por necessidade de maior integração, se começasse a falar de “cultura europeia”. Surgiram os primeiros programas europeus para a cultura, Caleidoscópio (1996), Ariane (1997), Rafael (1997-2000), Europa 2000 e Europa Criativa (2014-2020). As capitais europeias da cultura tinham sido criadas em 1985 por iniciativa grega. Para o período de 2021-2027 está prevista a continuidade do “Europa Criativa” dotado de 1081 mil milhões para os “media”, 609 milhões de euros para a cultura e 160 milhões para o intersectorial. Continua comparativamente diminuta a expressão desta dotação, o PIB da UE foi em 2018 de
15.869 mil milhões e o orçamento de fundos para os próximos sete anos ultrapassará os 50 mil milhões. A política da UE continuará a dar importancia ao audiovisual, ao digital e às indústrias “criativas”, numa lógica de prioridade ao mercado, perseguindo uma hipotética perspectiva de criação da “nova cultura europeia”, com produtos para o consumo global massificado, secundarizando áreas relacionadas com a preservação e valorização da herança cultural, o património cultural material e imaterial, ou promoção dos valores definidores da cultura e da história dos povos. As culturas não se criam nos gabinetes ou em laboratórios de engenharia social, não têm apenas uma vertente tecnológica e económica, possuem sobretudo dominantes espiritual-simbólica e patrimonial. O pensamento neoliberal, que se define pela primazia do mercado e submissão às suas leis, está votado ao fracasso por razões de sobrevivência ambiental global e também pelo evidente desejo de preservação da herança cultural e também razões de economia nacional. As Convenções da UNESCO são bastante mais consentâneas com as necessidades de preservação da diversidade cultural do mundo e da cooperação internacional, que os programas da UE que continuam imbuídos de uma visão eurocêntrica e globalizadora. Portugal passou, nos últimos dois séculos, por diversas fases e discursos sobre a identidade nacional. Nesta fase “europeia” seriam preferíveis políticas culturais influenciadoras de abertura, com maior atenção e meios para o aprofundamento da relação e presença portuguesa no mundo, com elevado potencial e expressões humanística, histórica, linguística e patrimonial, claramente superior à geografia ou demografia do próprio País. l
CULTURA • SUL
10 de Maio de 2019
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REFLEXÕES SOBRE URBANISMO •••
O ordenamento do território e os espaços verdes Teresa Correia
Arquitecta / urbanista arq.teresa.correia@gmail.com
O estado dos nossos espaços verdes Uma cidade que se pretenda equilibrada ambientalmente requer um rácio adequado de Espaços Verdes por Habitante, o que gera uma questão interessante, qual é o mecanismo de controlo que possuímos para avaliar se estamos no bom caminho neste âmbito? O único mecanismo em termos de PDM que existe é apenas as cedências para Espaços Verdes aquando de um loteamento ou uma operação urbanística de impacte relevante. Na elaboração de um PP ou de um PU, serão permitidas afetações superiores do definido na portaria que atribui os parâmetros urbanísticos para este tipo de espaços. Porém, a maioria pela falta de qualidade, tantas vezes, não se tornam operacionais, o que resulta num maior descrédito do planeamento. Na gestão corrente de uma autarquia, os espaços verdes são sempre um custo elevado, ao qual nem sempre se dá a atenção devida, ou nem sempre são supervisionadas por técnicos devidamente qualificados,
gerando, por vezes, fracos resultados operacionais. Porém, será facilmente compreendido que a qualidade de uma cidade, para além do seu Património Arquitetónico também se avalia pela sua qualidade paisagística e, logo também pelos seus Espaços Verdes. Qual é o Estado dos nossos Espaços Verdes Urbanos? É uma avaliação que ainda está por fazer numa cidade como Faro, não existindo uma plataforma informática ou um investimento sério nessa temática que possa monitorizar a sua evolução ao longo do tempo. A perceção do cidadão comum é que estamos mais reduzidos, porque visualiza-se um maior corte, ou porque não temos uma nova área verde significativa, possuindo apenas intervenções pontuais. Porém, não existe um método científico que possa dar uma resposta segura sobre qual a evolução da nossa cidade no que diz respeito ao aumento ou diminuição dos seus espaços verdes ou até das suas espécies arbóreas. Valorização dos nossos espaços verdes A valorização dos nossos espaços verdes é uma necessidade premente, face a todos os riscos de alterações climáticas e face aos efeitos de aumento de temperatura já evidentes de ano para ano.
As áreas verdes das cidades são espaços de tranquilidade e de bem estar para a população, que muitas vezes estão também associadas ao desporto informal. As questões de ambiente passam ainda pela manutenção deste tipo de espaços, sendo imperioso da parte das autarquias, o cuidar e recuperar o que já se encontra perdido, sob pena de destruir todo um investimento. Tive o privilégio de trabalhar para o desenvolvimento do Parque Ribeirinho de Faro, que apesar de todas as contrariedades foi conseguido. Seria bastante interessante conseguir prolongá-lo para a outra margem e levá-lo mais longe. A valorização dos nossos espaços verdes é também conseguida pela replantação e alteração para espécies autóctones mais adaptadas ao nosso clima, assim como pela alteração de paradigma da redução dos pequenos canteiros para uma conceção de espaços com dimensão significativa que permita a sua fruição. A utilização de uma eficiente rede de rega associado à monitorização e controlo por sensores são uma valia da tecnologia atual que permite grandes poupanças de água e de energia. Esta é uma vertente das cidades inteligentes que não foi ainda explorada devidamente, sendo, no entanto, os privados que promovem nos seus espaços mais contidos, os primeiros projetos pilotos.
d.r.
As áreas verdes das cidades são espaços de tranquilidade e de bem estar •
Reflexão sobre o nosso jardim de criança Quem não se lembra de visitar um parque em criança e a satisfação de percorrer livremente em harmonia com o ambiente? Como é possível esquecer o momento de contacto com a Natureza? Todos necessitamos do nosso Jardim de criança, que fique no imaginário, para sempre, como um espaço pleno de felicidade e de sã convivência entre gerações. Estes jardins podem existir por bairros ou por unidades funcionais, de forma mais natural em áreas mais amplas, mas regulares, sem que seja só num ou dois locais numa cidade.
O planeamento deveria ajudar a que este tipo de ambientes fosse criado, porém, é complicado quando tudo depende unicamente do loteamento. Os investimentos em áreas de maior dimensão exigem iniciativa pública, e um trabalhar a longo prazo, que tantas vezes não é compatível, com os mandatos autárquicos ou mesmo com as regras do sistema de hoje. As propostas são fortes nos Planos de Pormenor, mas o equilíbrio financeiro das suas realizações é débil, pelo que à mínima crise fica-se paralisado. É urgente planear para um futuro mais verde, mas coerente, com um sistema urbano inteiro e funcional. Disso, irá depender a qualidade de vida das populações das nossas cidades. l
ESPAÇO ALFA •••
O olhar fotográfico da ALFA para além das muralhas da cidade velha Rosária Pacheco Secretária da ALFA
A ALFA – Associação Livre Fotógrafos do Algarve tem o privilégio de se encontrar sitiada dentro das muralhas históricas da cidade velha. Quem visita a Torre da Sé Catedral pode avistar, entre os múltiplos telhados rendilhados,
traça arquitetónica tão emblemática do Algarve, o seu telhado, e perceber como a Galeria Arco possui uma das vistas mais emblemáticas da região: a Ria Formosa. Mas, sendo a Alfa uma associação cuja ação se estende a todo o Algarve, o seu olhar fotográfico não consegue esquecer toda a beleza natural e patrimonial existente no interior algarvio, território este, que se estende desde o barrocal até à serra. Esta inquietude própria dos fotógrafos apaixonados pela arte de captar o belo e interessante que a
vida nos oferece a cada instante, leva-nos a querer empreender um projeto que visa estender a nossa arte fotográfica até estas regiões tão ricas em património humano e cultural, divulgando o que ainda se faz de bom nas nossas aldeias algarvias, pérolas patrimoniais da nossa região que conservam ainda intactas muitas das tradições do passado e, algumas delas, continuam ativas com os olhos postos num futuro que quer combater a desertificação crescente destas regiões mais remotas. Levar a nossa arte fotográfica
até às aldeias e suas gentes, através de passeios fotográficos com um objetivo de interesse público que levará posteriormente à divulgação de todo o património existente, quer humano, quer cultural, quer arquitetónico, quer natural, será um caminho a empreender na ação dinamizadora que a ALFA quer levar a cabo nos próximos anos. Um projeto que se encontra em fase inicial e que pretende contribuir para a valorização humana e cultural do nosso património mais escondido. l
d.r.