Cultura.Sul 128 14JUN2019

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Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o

JUNHO 2019  n.º 128 8.553 EXEMPLARES

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MISSÃO CULTURA •••

Serviços Educativos nos monumentos: Signo e significados Os monumentos nacionais da tutela da DRCAlgarve são espaços patrimoniais de dimensões histórico-arquitetónicas, geográficas, ambientais e espaciais diversas e plurais. Cada monumento, um signo e muitos significados que têm vindo a ser trabalhados com diversificados públicos, através de dinâmicas de serviço de educação não formal, de forma a proporcionar o descobrir, o sentir e viver estes espaços, estimulando o diálogo, criando laços a partir da participação ativa, promovendo e divulgando o conhecimento, pedra basilar para a valorização e a defesa do património. A título de exemplo, na Fortaleza de Sagres, foram criados programas direcionados para a faixa infanto-juvenil e grupos escolares, introduzindo atividades de tipologias e temáticas diversas, orientadas para a descoberta, a interação e o diálogo, desenvolvendo laços de longa duração com as comunidades escolares. Os monumentos são também espaços de interpretação e reinterpretação cultural que colocam desafios à criação nas diferentes áreas de expressão artística, de comunicação, e são espaços de envolvência. Neste contexto, ao longo dos anos, implementaram-se projetos educativos variados, como os concursos Da janela da minha escola—vejo um monumento, que envolveu a comunidade escolar da região através do cruzamento das artes e do património, e o concurso de leitura expressiva LER COM…, no qual a Fortaleza de Sagres associou o signo das descobertas à diáspora da língua portuguesa, trabalhou a literacia e levou os alunos do barlavento algarvio a conhecer autores de expressão portuguesa. As dinâmicas de educação nos monumentos relacionam pessoas com conhecimentos e capacidades diferentes, de todas as faixas etárias, de diversa condição sócio-económica, de diversas culturas e estimulam a partilha multigeracional, a multiculturalidade e o desenvolvimento da criatividade artística. Este é um dos objetivos subjacentes à criação do programa DiVaM, o programa anual de dinamização e valorização dos monumentos da DRCAlgarve, que integra diversificados eventos e novas criações e produções de associações culturais do Algarve.

Ficha técnica fotos d.r.

Na Fortaleza de Sagres foram criados programas para a faixa infanto-juveni •

O trabalho em serviços de educação nos monumentos é um trabalho em permanente construção e renovação. Nem sempre visível ou entendido no seu todo, exige dedicação, persistência e resiliência, nunca perdendo de vista que trabalhamos para e com pessoas de todas as idades e em diversos contextos, de forma interativa e em diálogo permanente para persecução dos objetivos, sem nos tornamos «de-

bitadores» de informação e eventos. Os monumentos não são espaços isolados, são património da região e fazem parte da sua identidade cultural. É fundamental que continue o envolvimento entre entidades e instituições públicas, privadas e agentes culturais e criativos regionais. l Direção Regional de Cultura do Algarve

Direcção: GORDA Associação Sócio-Cultural Editor: Henrique Dias Freire Paginação e gestão de conteúdos: Postal do Algarve Responsáveis pelas secções: • Artes visuais: Saul de Jesus • Espaço ALFA: Raúl Grade |Coelho • Espaço AGECAL: Jorge Queiroz • Espaço ao Património: Isabel Soares • Filosofia dia-a-dia: Maria João Neves • Letras e literatura: Paulo Serra • Missão Cultura: Direção Regional de Cultura do Algarve • Reflexões sobre urbanismo: Teresa Correia • Colaboradores desta edição: Ana Isabel Santos Parceiros: Direcção Regional de Cultura do Algarve e-mail redacção: geralcultura.sul@gmail.com e-mail publicidade: anabelag.postal@gmail.com online em: www.postal.pt e-paper em: www.issuu.com/ postaldoalgarve FB: www.facebook.com/ postaldoalgarve/ Tiragem: 8.553 exemplares


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LETRAS E LEITURAS •••

O Café de Lenine, de Nuno Júdice Paulo Serra

Doutorado em Literatura na Universidade do Algarve; Investigador do CLEPUL

Nuno Júdice, nascido na Mexilhoeira Grande, Algarve, em 1949, volta à prosa com esta novela, três anos depois da publicação de A Conspiração Cellamare, aqui apresentado. São 135 páginas em que o autor nos brinda com a sua deliciosa e irónica prosa narrativa, onde tergiversa sobre os mais diversos assuntos, não em jeito de crónica, mas como quem entretece uma vasta teia em que todos os assuntos se podem discutir e muitas vezes interligar, quase como uma conversa de café. Como vem a ser hábito na sua ficção, o autor entrecruza a memória com a crónica, enquanto parece desmontar a natureza da própria arte de narrar, num aliciante jogo com o leitor de desvelamento de técnicas ou estratégias autorais: «Nunca soube qual a melhor maneira de começar um romance, ou antes, talvez sempre tenha sabido a pior maneira de o começar. Diz-se

que é preciso ambição, que temos de olhar para o fim e não para o princípio» (p. 9). É um pouco a medo que nos aventuramos nesta incursão sobre a novela de Nuno Júdice, pois entre as várias farpas lançadas pelo autor, não escapa a crítica aos críticos de literatura, que aliás figura logo em epígrafe no início do livro com uma passagem de Aquilino Ribeiro: «Imagino que a política literária, verdadeira, muito útil à literatura e particularmente aos seus cultores, está em os chamados críticos dos jornais diários falarem dos livros aparecidos dentro do período do ferro quente, em que a sezão não se completou ainda e a curiosidade do público está alvoroçada ou se imagina estar». O certo é que a prosa de Nuno Júdice é irreverente, como quando compara a inspiração ao zumbido de um mosquito importuno, e o diálogo irónico que estabelece com o leitor diverte e envolve não pela substância da história mas pela forma como se predispõe a contar: «Estou a ver, neste momento, as dúvidas que começam a surgir: ao fim de várias páginas, e para além de um significativo conjunto de insectos ainda não há um único personagem?» (p. 23). Mas quem leu as anteriores obras de ficção sabe que raramente a personagem é outra que não a figura do

narrador. Até porque a «personagem é um ser incómodo para o escritor. Precisa de um nome, de um corpo, de uma psicologia – a não ser que o livro seja daqueles que contraria essa exigência – e de um contexto» (p. 23). Não se quer com isto defender as virtudes do diarista sobre as do cronista ou do narrador, pois num diário o escritor «pode confessar as suas tristezas, os seus males, pode dizer como está feliz ou infeliz» mas «tudo parece construído a partir de situações e de cenários que temos dificuldade em reconhecer na realidade porque ninguém, alguma vez, usaria aforismos tão profundos no seu quotidiano» (p. 39). E nem sempre os autores precisam do diário para falar de si, como é o caso de Gustave Flaubert que ao escrever a história de Emma Bovary escreve a sua prórpia história... O autor-narrador de O Café de Lenine reflecte assim sobre a arte do romance e de escrever, enquanto evoca o próprio conjunto da literatura, ou da biblioteca pessoal que aqui lhe diz respeito, invocando nomes maiores e personagens que ganham vida na contemporaneidade destas páginas, como Julian Barnes, Camões, Daniel Defoe, Sartre, Khalil Gibran, Teixeira Gomes, Antero, Stendhal, e coloca Guerra Junqueiro a discutir com Lenine num café sobre Rousseau.

Na literatura, afinal, não há convenções nem limites para as possibilidades da ficção, e no pensamento do leitor de hoje tudo pode conviver em harmonia, até quando Emma Bovary entra no quarto de hotel do narrador, ou quando Camille Claudel o convida para o seu atelier.

foto rI NGo tA NGo

As Regras da Cortesia, de Amor Towles

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Sensivelmente um ano depois de Um Gentleman em Moscovo, a Dom Quixote publica As Regras da Cortesia e, novamente, numa belíssima edição de capa dura, com excelente tradução de Tânia Ganho, que aliás enriquece a leitura com contexto sócio-cultural relativo ao cenário e indica cirurgicamente as alusões e jogos literários que pontuam a narrativa. Apesar de publicada em segundo lugar, esta foi a obra de estreia de Amor Towles. O autor nasceu em Boston, formou-se em Yale e este seu primeiro romance, originalmente publicado em 2011, foi considerado um dos melhores livros do ano pelo Wall Street Journal, traduzido para mais de 15 línguas e teve os direitos de adaptação ao cinema comprados – pode-se aliás imaginar uma adaptação ao estilo do The Great Gatsby de Baz Luhrmann. O escritor trabalhou durante 20 anos como investidor e dedica-se agora exclusivamente à escrita. A acção inicia na última noite do ano de 1937, quando Katey, filha de emigrantes russos, e Eve, a sua colega de quarto e melhor amiga, conhecem Tinker, um jovem banqueiro e um verdadeiro cavalheiro, envolto no seu sobretudo de caxemira, num clube de jazz com o esperançoso nome de The

Hotspot. Contado a partir da sua perspectiva numa sábia e bem-sucedida meia-idade, cerca de 30 anos depois, Katey vai relembrar como se apaixonou, como viveu e sofreu, como iniciou a sua escalada social. E, apesar de ser sempre um tema delicado e uma declaração passível de polémica, a voz narrativa na primeira pessoa, filtrada pela perspectiva da protagonista, é de tal modo bem conseguida que sentimos que o autor do romance é, na verdade, uma mulher. Neste livro ressoa ainda a paixão do autor pela Rússia (cenário do seu segundo romance) e pelos autores russos, além de haver um constante jogo intertextual com diversas obras, poemas e autores. O próprio título da obra é adaptado a partir de um guia de boas maneiras de George Washington e quase todos os títulos de capítulos contêm referências literárias, ou não fosse a jovem heroína uma leitora inveterada. Note-se aliás esta passagem: «Coberta de neve em pó, Washington Square não podia estar mais bonita. (...) No número 25, uma mão abriu uma cortina no primeiro andar e o fantasma de Edith Wharton contemplou a praça com tímida inveja. Doce, perspicaz, assexuada, observou-nos a passar, perguntando-se quando é que

o amor que ela imaginara com tanta mestria ganharia coragem para lhe bater à porta» (p. 36). É curiosa a tímida dicotomia que se tece entre a vida na alta sociedade e a maravilha de nos retirarmos do mundo e viver em simplicidade como no Walden de Henry David Thoreau, mas é inegável que a verdadeira protagonista deste romance é a sedutora cidade de Nova Iorque, quando emerge vitoriosa do fim da Depressão, apesar da guerra que se avizinha na Europa. Através de Tinker, Katey conhece toda uma nova sociedade e descobre o conforto do luxo, mas sem nunca se deslumbrar: «quando uma pessoa perde a capacidade de tirar prazer do mundano – do cigarro fumado na soleira de casa ou da bolacha de gengibre comida no banho de imersão –, provavelmente colocou-se numa situação de perigo desnecessário». Podemos até não concordar com estes pequenos prazeres, e optar por outros, mas o certo é que «temos de estar prontos para lutar pelos prazeres simples da vida e para os defender da elegância, da erudição e de toda a espécie de tentações cheias de glamour» (p. 159). Para nós leitores, este será certamente um desses prazeres da vida. l


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ESPAÇO ALFA •••

Pedro Santos

Membro da ALFA

A equipa da ALFA nos próximos três anos decidiu dinamizar um projeto para valorizar as aldeias do interior do Algarve. Optámos por uma aldeia por concelho para ter alguma representatividade do território geográfico. Núcleos que verdadeiramente povoam o território com gente simpática, trabalhadora e

Turismo, “slow life” e saber tradicional: Momentos fotográficos sempre em boa companhia resiliente que resistem à vontade de procurar o litoral para melhorar a sua condição económica. Este projeto do Algarve interior está na programação desta Associação nos próximos anos, à razão de quatro localidades por ano, num ciclo para cada lugar que vai desde a pesquisa para um conhecimento inicial ao estabelecer contactos e

laços com parceiros locais (Câmara Municipal, Juntas de Freguesia, Paróquias, Cooperativas, Lares, etc) para um conhecimento mais aprofundado da realidade local, às necessidades fulcrais de entrevistar, filmar e fotografar nas circunstâncias e ocasiões mais apropriadas até ao retorno que pretendemos dar a estas comunidades.

Esse retorno é uma peça fundamental deste projeto e pensamos que o diferencia de alguns outros já desenvolvidos sobre esta temática, nomeadamente por reputados profissionais como Telma Veríssimo, Hélio Ramos, Vasco Célio, Eduardo Pinto ou Nuno Jesus, pois pretende-se mostrar a cada comunidade como ela é vista pelos olhos dos ou-

tros de fora e revelar novos “spots”. Estas comunidades do interior são menos povoadas, mais dispersas e, em geral, com gente mais idosa, num ritmo de vida mais lento e próximo dos ciclos da natureza. É esse tipo de vida, essa slow life, com os vários atores que queremos captar e é esse olhar que lhes queremos devolver. l foto pEdro sANtos

A aldeia de Santa Catarina da Fonte do Bispo, no concelho de Tavira•

ESPAÇO AGECAL •••

As casas do sul Ana Isabel Santos Arquitecta

Local de passagem entre continentes, o Algarve foi, desde a origem, um território diversificado e em constante alteração. Romanos adaptaram feitorias fenícias, islâmicos invadiram territórios romanos, os cristãos vindos do Norte, após a Reconquista, converteram os núcleos urbanos consolidados e

conquistados, absorvendo conhecimento construtivo nos seus espaços, entre casas e ruas que encerram valores e aspirações das mais importantes civilizações do mediterrâneo. A maioria destas casas – arquiteturas sem arquiteto – em taipa ou adobe, em xisto, calcário ou brecha, caniço, telhas e tijoleiras de barro Santa Catarina ou palha e construíam-se irrepreensivelmente abrigadas dos ventos de Norte, entre as linhas de festo e as linhas de água, nos territórios do barro e da cal com espaços interiores de grande conforto térmico e eficácia técnico/ funcional. A começar pela orientação, sempre com a frente virada a sul, onde se criavam vãos e espaços exteriores de trabalho e convivência, geralmente com forno, eira e tanque associa-

do, muitas das vezes para recolha das águas pluviais. A tardoz, virada a Norte, as paredes exteriores não tinham vãos, exceto um ou outro postigo, utilizados ocasionalmente para ventilação transversal e todas estas soluções intuitivas eram usadas em casas urbanas e rurais, o que formou uma grande coerência formal e construtiva apoiada nas pequenas economias e materiais locais. Mas, após a Revolução Industrial tudo se começa a desagregar. A industrialização contribuiu de forma acelerada para a difusão dos novos sistemas construtivos e, nos anos 40, as estruturas de betão armado começam a ser implementadas. Em menos de vinte anos a construção de pilar e viga torna-se no método predominante de construção acompanhando o ritmo frenético

da turistificação do litoral. O uso de materiais locais e sustentáveis desaparece dos hábitos de construção das populações e, apesar da qualidade plástica, térmica e estética, as antigas construções passam a representar, para a generalidade da sociedade, um atraso secular em oposição às novas construções. Um pouco por todo o Algarve disseminam-se materiais importados, mas de fraca qualidade, sobretudo provenientes do plástico, volumes e avançados nos alçados, platibandas, panos de vidro, cores e texturas que em nada recordam o passado construtivo de grande coerência e qualidade, sobretudo técnica e climática. E a irreversibilidade do erro torna-se real quando refletimos sobre o passado: de facto se olharmos para

os antigos solares de pedra e cal, vemos que a arquitetura soube criar nobreza sem riqueza, daí a pureza e a dignidade de tantas casas antigas que foram destruídas ou ainda sobrevivem, embora condenadas ao desaparecimento. Nas palavras de Bernard Rudofsky “a arquitetura vernácula não atravessa ciclos de moda. Ela é quase tão imutável, de facto e sem necessidades de melhoramento porque já desempenha as suas funções, na perfeita relação com o território onde se insere”. Quanto mais nos afastamos da arquitetura tradicional e promovemos novas e desajustadas construções maiores dificuldades teremos em adaptar-nos aos desafios do tempo, do clima e aos cada vez mais escassos recursos naturais. l

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ARTES VISUAIS •••

Quanto pode valer uma obra de arte? fotos d.r.

Saul Neves de Jesus

Professor Catedrático da Universidade do Algarve; Pós-doutorado em Artes Visuais; https://saul2017.wixsite.com/artes

No passado dia 15 de maio, a escultura “Rabbit” (Coelho), do artista norte-americano Jeff Koons, foi vendida por 91 milhões de dólares (cerca de 81 milhões de euros) num leilão da Christie’s, em Nova Iorque, estabelecendo um novo máximo histórico no valor pago por uma obra de um artista vivo. Há apenas sete meses, também na Christie’s, em Nova Iorque, tinha sido leiloada a pintura “Retrato de um artista (Piscina com duas figuras)” (1972), de David Hockney, por 90 milhões de dólares (mais de 79 milhões de euros), tendo sido a obra de um artista vivo a atingir um valor mais elevado. Em todo o caso, o valor atingido por estas obras de artistas vivos ainda está aquém dos valores mais elevados atingidos em leilões por algumas obras de arte, nomeadamente a pintura “Salvator Mundi”, de Leonardo da Vinci, também vendida pela Christie’s, em Nova York, por 450,3 milhões de dólares (cerca de 364,7 milhões de euros), em 2017, ou a pintura “Les femmes d’Alger”, de Pablo Picasso, que havia sido vendida

Pintura “Retrato de um artista (Piscina com duas figuras)”, de David Hockney (1972) • em 2015 por 179,3 milhões de dólares, ou ainda a pintura “Nu couché” (1917), de Amadeo Modigliani, que atingiu 170,4 milhões de dólares, também em 2015, levando a que se considerasse esse ano como um ponto de viragem na história de arte, pelo valor atingido nas transações de obras de arte. Voltando a Jeff Koons, já em 2013 a sua escultura “Ballon Dog (Orange)” tinha sido leiloada por 58 milhões de dólares. A extravagância do preço das obras encontra correspondência na extravagância do próprio Jeff

Escultura “Rabbit”, de Jeff Koons (1986) •

Koons. Tendo sido casado com a actriz porno Cicciolina e apelidando-se de superstar, é um dos artistas mais controversos e também mais conhecidos da arte contemporânea, essencialmente pelas esculturas grandiosas, inspiradas em objetos da cultura de massas, feitas em materiais incomuns. No caso da escultura “Rabbit”, trata-se de um coelho feito de plástico espelhado, imitando aço inoxidável, refletindo o espetador que consome a obra através da observação da mesma. Desde o início dos anos 80 que desenvolve séries temáticas centradas no consumismo, na banalidade, na sexualidade e no prazer. Há quem considere que é um dos exemplos mais conseguidos de alguém que consegue que a arte aconteça dentro do espectador, não pela interação com a obra de arte, mas pelos significados e atribuições associadas às suas obras. Outra característica dos trabalhos de Koons é que não é ele que executa as obras, tendo uma equipa para o efeito. Recentemente, a 13 de maio, inaugurou uma exposição na Fundação Beyelen, na Suíça, em que podem ser encontrados alguns dos principais trabalhos que realizou nos últimos 30 anos, incluindo o tributo a Michael Jackson e ao seu chimpanzé (“Michael Jackson and Bubbles”, de 1988). Esta exposição estará patente até 2 de setembro. O que levou alguém a dar tanto dinheiro por uma obra de Jeff Koons é difícil de explicar e talvez só mesmo quem o fez o possa explicar.

No entanto, em geral, trata-se de compradores que são colecionadores e que vão adquirindo peça a peça

Assim, comprar arte é diferente de colecionar arte. Comprar arte é uma atividade mais aleatória, baseada no gosto e em preferências pessoais, tendo muitas vezes um propósito decorativo. Colecionar arte representa um compromisso mais a longo prazo, com um propósito mais estratégico em mente, envolvendo uma componente afetiva, mas também uma componente cognitiva na tomada de decisão sobre a aquisição de cada obra até um determinado valor. Em todo o caso, não há arte certa ou errada e não há uma maneira certa ou errada de comprar ou colecionar arte. Qualquer um pode colecionar tudo o que quiser, pela quantia que estiver disposto a gastar, desde que a tenha. Paradoxalmente, a posse de obras de arte não se alinha na tendência duma sociedade cada vez mais desprendida da posse de bens e mais focada no consumo imediatista e funcional dos objetos. No entanto, alguém tem de os possuir. E, no que

Jeff Koons junto à sua escultura “Michael Jackson and Bubbles” (1988) • em função do seu gosto pessoal, mas inserindo cada aquisição num fio condutor de coerência interna e numa visão de conjunto de coleção, em que o todo é mais do que a soma das partes.

diz respeito a obras de arte, cada vez parece mais difícil estipular os limites dos valores possíveis de atingir... l

Inauguração da exposição de Jeff Koons, no passado dia 13 de maio •


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FILOSOFIA DIA-A-DIA •••

A Delicadeza foto d.r.

Maria João Neves Ph.D

Consultora Filosófica

“A delicadeza cabe em toda a parte!” costumava dizer a minha avó, se ouvia algum tom de vós mais ríspido entre nós, os netos, que ali passávamos as tardes infantis. A frase ficou-me no espírito. Aprendi, com muito treino, a conseguir comunicar sobre assuntos controversos, não apenas com educação, mas também com esse modo de ser que se expressa desde a postura do corpo ao tom de voz, com a arte da delicadeza. Qual não foi o meu espanto quando em 1996, embreada nos estudos de doutoramento, encontro entre os inéditos de María Zambrano este texto precioso que aqui traduzo. A filigrana da escrita de María Zambrano impõe-me que deixe o seu texto intocado. Modifica-se apenas, em sonoridade e caligrafia, o que a transferência de uma língua para outra exige, tentando preservar a respiração da sua escrita, a musicalidade de cada frase. A Intercomunicação dos Sentidos: a Delicadeza María Zambrano “Tão sistemática é a vida que já no plano sensorial se mostra este seu carácter. Os sentidos não são canais isolados que conduzem a realidade até nós, é coisa bem sabida. É coisa bem sabida, especialmente desde Kant, que os dados dos sentidos se ordenam, desde o nascimento, segundo as formas do espaço e do tempo, próprias da mais íntima estrutura da sensibilidade do homem, e a par da estrutura da realidade. Pela sua parte, a Psicologia estudou há muito tempo o processo de integração dos dados dos sentidos, segundo o qual, isso que vemos e ouvimos aceitando-o como uma transcrição passiva da realidade, é o resultado de uma unificação operada pelo cérebro humano, pelo pensamento, e pela própria razão. Num ser constituído desta maneira, é indispensável que os sentidos entre si comuniquem e formem um sistema, como se diz das montanhas, dos rios e afluentes. Parece que até na natureza rege o sistema. À luz destas considerações podemos discernir facilmente que muitas

A delicadeza é a extrema finura que possuem certas flores e criaturas naturais

virtudes ou qualidades de entre as mais preciosas do ser humano provêm ou pelo menos necessitam da comunicação entre si de vários sentidos, e que sejam como a flor e a cifra desta conjunção sensorial operada, certamente, por alguma coisa que não é sensorial, por esse guia que habita o homem, por esse hóspede que conduz os seus passos sempre mais além, por esse que o arrancou um dia do seu estado primário fazendo-o ultrapassar fronteira atrás de fronteira. Essas qualidades ou virtudes, - no sentido também da virtus latina, quer dizer, de força e poder eficazes - às que aludimos, são o expoente do mais alto grau de civilização, as que medem o verdadeiro nível a que chegou a condição humana. Assim é a delicadeza. É uma virtude eminentemente social, a delicadeza, ainda que tenha uma extensão muito ampla e, nela própria, diversos planos. Mas o que de comum se descobre em toda a gama da delicadeza como virtude é a sua referência ao saber lidar, seja com pessoas, seres vivos, ou coisas. Entendida como qualidade, a delicadeza é a extrema finura que possuem certas flores e criaturas naturais, certos tecidos, porcelanas ou cristais, certos objectos fabricados pela mão do homem, o que nos devolve a delicadeza como acção ou como virtude. Costuma considerar-se a delicadeza como produto da educação. Sem dúvida alguma que certo tipo de educação tendia, sobretudo, a consegui-la: a educação das jovens mulheres nos séculos XVIII e XIX, por exemplo; a educação cavalheiresca desse momento de grande refinamento a que Huizinga chamou ‘o outono da Idade Média’. Mas sem negar o deliberado cultivar da delicadeza nas cortes, nos conventos, nas classes altas de diversas épocas, a vida mostra como a delicadeza salta ali onde em virtude destes historizantes preconceitos

não se está à espera, e, às vezes, em lugares que pareceria que não poderiam jamais albergá-la, vem ao nosso encontro como um perfume ligeiro e penetrante no meio de uma ruela suja. Pois a delicadeza apresenta-se assim, quase sem ser notada, como esses perfumes que se sentem pouco mas que logo acabam por impregnar por muito tempo e cuja recordação é mais viva que a sua presença. A delicadeza seja como qualidade, seja como virtude, pertence a essa família de seres e coisas cuja ausência é mais intensa, mais viva que a sua presença, seja porque se sente a sua falta, seja porque nos recordamos delas. Porquê - perguntamo-nos às vezes - em que consiste este fenómeno suscitado por certo tipo de beleza e valor moral que fazem com que quando já não estão nos deixem, ainda como sensação, uma impressão mais viva e mais forte do que quando a sua presença era imediata? Certos perfumes, certos matizes de cor numa rosa, certos tons de um pôr do sol, certos sorrisos, certos perfis, certas mãos vistas de relance, certas silhuetas apenas entrevistas, certas palavras ditas levemente, uma música que mal difere do rumor da brisa. No campo da ética, certas insinuações que ficaram por recolher pela nossa consciência, por causa da sua leveza ou da sua brandura, longe de terem ido parar ao esquecimento. Não indica isto, acaso, que a delicadeza é um produto último do espírito humano e, por isso mesmo, indelével? A delicadeza, na verdade, ali, onde quer que apareça, é imperecedoura... Manifesta-se já desde o alvor da cultura: vasilhas, diademas, braceletes, broches de ouro ou de outros metais da Idade dos Metais saem um dia à luz, resplandecendo não tanto pelo brilho do ouro, mas pela plenitude da delicadeza com que foram lavrados. Também alguns monumentos do Neolítico assustam, intimidam, porque unem à majesta-

de da arquitectura primária, o ritmo subtil, delicado. Não pode conseguir-se a delicadeza seja em acções, palavras ou obras, senão pela conjunção do ouvido, da vista e do tacto. Vêm à mente, por si mesmas, metáforas tais como a de ‘uma pessoa com tacto’, o ‘ouvido fino’, ‘a vista perspicaz’, e tantas outras. O ouvido é, sem dúvida, o sentido primário, protagonista da delicadeza, pois o ouvido traz-nos não só rumores e sons, mas também, o sentido da orientação e do equilíbrio. A delicadeza é um último, subtilíssimo, equilíbrio; às vezes a delicadeza consiste em deter-se a tempo; a vista proporciona a medida e, portanto, a mesura; o tacto, esse conhecimento imediato, directo, das coisas, proporciona o fundamento

material da delicadeza, assim como a vista e o ouvido, a sua forma. Mesmo com tudo o que pudéssemos continuar a dizer acerca da delicadeza, o seu mistério ficaria sempre a flutuar. Em último termo, sempre se disse que a delicadeza é um segredo; um segredo como alguns jardins fechados dos quais transcende apenas o perfume”. O artigo de Maio, sobre a confusão, terminou apontando o caminho para se tratar a si próprio com gentileza, essa irmã gémea da delicadeza. Possamos pois, neste Café Filosófico de Junho, embrenharmo-nos na tessitura destas qualidades. l Inscrições para o Café Filosófico: filosofiamjn@gmail.com

ANÚNCIO DE DIREITO DE PREFERÊNCIA CESÁRIO AUGUSTO FERNANDES MARIA, NIF 124583180, casado sob o regime da comunhão de adquiridos com Dinora Maria Martins Eugénio, residentes na Rua Capitão Leonardo Palermo de Farias S/Nº, r/Chão Esq., 8700-089 Moncarapacho, faz saber a quem interessar que na qualidade de proprietário e legitimo possuidor dos terrenos rústicos sito em Monte Agudo, Santo Estevão, Tavira, com as áreas totais de 0,868000; 0,603600; 2,129100; 0,152000, compostos por Terra de cultura e pastagem, inscritos nas matrizes prediais rusticas na União de freguesias de Luz de Tavira e Santo Estevão, sob os artigos 2607, 2704, 3897, 2609, irá proceder à venda dos mesmos, sendo a escritura notarial de compra e venda a celebrar- se no cartório notarial do Dr. António Jorge Miquelino Silva em Olhão, na Rua Patrão Joaquim Casaca Lote 1, 8700-507 OLHÃO e foi acordado para a venda dos suprarreferidos rústicos, um na quantia de 22.500,00 € (vinte e dois mil e quinhentos euros), e os restantes três iram ser vendidos pelo preço de 65.000,00€ (sessenta e cinco mil euros). Desta forma faz-se saber aos confinantes dos referidos terrenos rústicos que podem exercer o Direito de Preferência na compra. O direito de preferência tem que ser exercido no prazo de 8 dias para a morada do anunciante sob pena de caducidade do mesmo. (POSTAL do ALGARVE, nº 1225, 14 de Junho de 2019)

NOTIFICAÇÃO PARA EFEITOS DO DIREITO DE PREFERÊNCIA Vem por este meio, Inês Jesus Valente, comunicar aos confinantes que é sua intenção alienar os seguintes prédios rústicos descritos adiante: 1º – Prédio rústico sito em Brejo, freguesia de Luz de Tavira e Santo Estêvão, Concelho de Tavira, descrito na Conservatória de Tavira sob o nº 3194/20170321 e inscrito na matriz predial rústica com o nº162 da referida freguesia, a Apolinário Luis Gago Guerreiro, residente em 29, Bis Rue Maisons Neuves 91700 Saint Genevieve de Bois em França pelo valor global de 50000€ (Cinquenta mil euros), 2º – Prédio rústico sito em Brejo, freguesia de Luz de Tavira e Santo Estêvão, Concelho de Tavira, descrito na Conservatória de Tavira sob o nº 3194/20170321 e inscrito na matriz predial rústica com o nº161 da referida freguesia, a Apolinário Luis Gago Guerreiro, residente em 29, Bis Rue Maisons Neuves 91700 Saint Genevieve de Bois em França pelo valor global de 50000€ (Cinquenta mil euros), Vem por este meio, Manuel Francisco Duarte Rebocho, comunicar aos confinantes que é sua intenção alienar os seguintes prédios rústicos descritos adiante: 1º – Prédio rústico sito em Brejo, freguesia de Luz de Tavira e Santo Estêvão, Concelho de Tavira, omisso na conservatória e inscrito na matriz predial rústica com o nº159 da referida freguesia, a Apolinário Luis Gago Guerreiro, residente em 29, Bis Rue Maisons Neuves 91700 Saint Genevieve de Bois em França pelo valor global de 50000€ (Cinquenta mil euros), cujo valor deverá ser pago parcialmente na celebração do contrato promessa e o remanescente na integra com a assinatura da escritura de compra e venda que será outorgada até dia 30 de Julho de 2019 em cartório notarial no Algarve a indicar pelos vendedores. Nestes termos, devem os proprietários dos prédios rústicos confinantes, pronunciarem-se se pretendem ou não exercer o direito de preferência que lhes assiste no prazo máximo de 8 (oito) dias contados da publicação do presente anúncio, nos termos indicados, sob pena de caducidade do referido direito de preferência, nos termos do disposto do Código Civil. Caso pretendam exercer o direito de preferência, devem enviar comunicação escrita para: Casas do Sotavento – Around the Sun, Lda – Rua Marcelino Franco nº23 – 8800951 Tavira ou contactar através dos números de telefone: 00351 919212432 ou 00351 281327544. (POSTAL do ALGARVE, nº 1225, 14 de Junho de 2019)


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ESPAÇO AO PATRIMÓNIO •••

Para a história dos estúdios fotográficos no Algarve: O Dias Fotógrafo de Portimão fotos d.r.

Carlos Alberto Osório

Docente do Ensino Secundário Mestre em Produção, Edição e Comunicação de Conteúdos

Victorino da Fonseca Dias nasceu em 1874, em Sta. Marinha de Trevões (Viseu), e estabeleceu-se como fotógrafo em Vila Nova de Portimão nos primeiros anos do século XX, ficando conhecido como “Dias Fotógrafo”. Este pioneiro da fotografia de estúdio no Algarve a par de Samorrinha em Faro, Andrade de Tavira, Segurado em Lagos, Joaquim Brígida em Silves, Molarinho em Vila Real de Sto. António, para destacar os mais importantes, fixaram o negócio da fotografia que, até então, e sobretudo nas regiões periféricas, era trabalho efetuado por fotógrafos excursionistas vindos de Espanha, de Lisboa ou do Porto, que se instalavam em pequenos “hotéis”, montavam cenários ou estúdios improvisados nas feiras. Embora haja a indicação num cartão fotográfico “Photographia Dias Setúbal”, que pode levar-nos a admitir uma passagem pela cidade sadina nos primeiros anos da profissão, é garantido que se estabeleceu como fotógrafo, nos inícios do século XX, em Portimão, no Largo do Rossio. De acordo com um anúncio d’ O Portimonense, Dias informa os seus clientes que vai mudar do Lar-

go do Colégio para o primeiro andar de um edifício, na rua Júdice Biker (espaço da atual estação dos CTT), onde passa a habitar e a trabalhar. Não obstante, é publicado em vários números da Alma Algarvia (1911) um outro anúncio no qual se refere a um atelier na rua José Libânio Gomes, o que abre a possibilidade de ter dois espaços abertos. No seu estúdio, para além dos retratos, também vende artigos fotográficos para amadores.

A sua clientela era sobretudo constituída por famílias mais abastadas do Barlavento. Encarregava-se de fazer retratos e de fotografar diversas festividades sociais e familiares, tais como os casamentos, os nascimentos dos membros das ilustres famílias portimonenses, as batalhas de flores, jantares ou inaugurações. Uma fotografia de estúdio de 1916 com os 11 elementos da equipa de futebol do Portimonense permite-nos hoje fazer um cálculo aproximado das amplas dimensões do seu novo estúdio. As várias referências que se fazem na publicidade dos jornais locais ao tipo e preços de papel platinado ou albuminado constitui, do ponto de vista das técnicas fotográficas, uma matéria interessante que nos ajuda a compreender as relações entre fotografia e sociedade. O fotógrafo acompanhava as tendências e as inovações e selecionava a sua clientela. O aparecimento desses novos papéis, com aspecto tão diferente operou uma pequena revolução nos gostos do público. Era sinal de prosperidade e de gosto requintado ter o seu retrato impresso em platina. Por essa razão, os profissionais ofereciam aos seus clientes a escolha da impressão em platina como um artigo de luxo. Em 1913, decorre em Lisboa a Exposição Nacional das Artes Gráficas. Dias apresenta-se com oito fotografias, pelas quais recebe um prémio não especificado. A referência a este prémio irá ser utilizada nos cartões fotográficos, como uma forma in-

teressante de publicidade invulgar na época. Julião Quintinha na Alma Algarvia dava conta do prémio da seguinte forma: “Com a mais viva satisfação registamos hoje o brilhante sucesso que obteve na exposição de artes gráficas ultimamente realizada em Lisboa, o nosso prezado amigo e distinto fotógrafo Victorino da Fonseca Dias, um dos mais inteligentes fotógrafos desta província cujo mérito o jury da exposição acaba de consagrar com um honroso diploma e respectiva medalha. (...) Victorino da Fonseca Dias acaba de adquirir uma máquina do que há de melhor bem como alguns aparelhos indispensáveis no seu atelier, um dos melhores do Algarve, o que certamente concorrerá para o alargamento da sua já numerosa clientela”. O I Congresso Regional Algarvio (Casino da Praia da Rocha, 1915) pôde ficar bem documentado nas originais comunicações e igualmente pela cobertura fotográfica que esteve a cargo do Dias. A Ilustração Portuguesa, com a qual colaborava habitualmente, publica alguns clichés. Supomos que outras imagens se encontrem na posse de colecionadores particulares ou dos descendentes da família Magalhães Barros. Mas já anos antes, aquela famosa revista semanal havia publicado nove clichés do autor sobre os encantos da Rocha. Num outro n.º de 1913, também podemos encontrar outras imagens das belezas naturais da famosa praia e uma batalha de flores no rio Arade. Várias destas fotos fazem parte de um carnet (em francês e uma nota final também em inglês) de 12 postais editado cerca de 1912 pela Papelaria “Artística do Algarve” de Silves, cuja finalidade era claramente a promoção turística internacional da Praia da Rocha. Dias surge igualmente como colaborador eventual da revista ABC. Encontramos três clichés por ocasião das festas em honra do bispo do Algarve, em 1920. Muitas outras imagens sem referência de autor e

não publicadas na imprensa, dadas as suas características, levam-nos a admitir tratar-se de trabalhos seus, como por exemplo os clichés que ilustram as obras da contrução da ligação ferroviária Parchal-Lagos, as estivas do Provisório em Alvor ou a partida de Galeões da indústria conserveira. No finais dos anos 20, Dias com 60 anos, vai perdendo a exclusividade de certo tipo de clientes e o prestígio técnico de outrora. Os constantes desenvolvimentos tecnológicos que a indústria da imagem anunciava, a necessidade de atualizações cada vez mais frequentes, a popularidade crescente da fotografia e a baixa

significativa no preço das máquinas, acessórios e matéria-primas permitiu a ascensão das novas gerações de casas fotográficas. Em 1928, Fonseca Dias, que inaugurara uma nova loja de móveis, anuncia nos jornais a ampliação e melhoramentos, assim como a compra de um novo bilhar para o seu Café Peninsular. Pouco depois, passa a administrar a Pensão Central, sendo também da sua responsabilidade o serviço de bufet do Pavilhão Avenida, espaço de festas de D. Cayetano Feu, a partir de 1930. Ignoramos quando terá deixado definitivamente os negócios da fotografia e da restauração e mobiliário e dito adeus à cidade que o acolheu. Não tendo deixado descendência, foi viver para Lisboa com a sua mulher, onde faleceu a 13-111959. l


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MARCA D'ÁGUA •••

I Congresso Internacional em Portugal sobre a escritora Etty Hillesum Etty Hillesum, com imagens do fotógrafo Filipe Condado, que resultou de uma peregrinação à Holanda, coordenada pelo arcebispo D. Tolentino Mendonça, então capelão da Capela do Rato. O livro evoca visualMaria Luísa Francisco mente alguns dos lugares Investigadora na área da Sociologia; da vida de Etty Hillesum e Faculdade de Ciências Sociais conta com textos de D. Joe Humanas da Universidade sé Tolentino Mendonça, em Nova de Lisboa que reflecte sobre o perluisa.algarve@gmail.com curso espiritual desta judia holandesa, que cada vez é mais conhecida e estudada. Depois de ter escrito sobre Escreve o actual arquivista esta escritora e sendo sua e bibliotecário da Santa Sé no leitora, não poderia deixar de referido livro: “aquilo que a participar no primeiro Conbloqueava teria de ser identigresso Internacional sobre ficado e abraçado, teria de ser Etty Hillesum, que se realizou objecto de uma reconciliação, em Lisboa. teria de ser assumido como a Foram dois dias (18 e 20 geografia mais oportuna para de Maio) em dois locais difeo seu reflorescimento. Deus rentes com registos distintos poderia entrar na sua vida pela e muito intensos. A organiúnica porta que ela consentia zação coube ao Centro de nessa época: o erotismo. EsEstudos Comparatistas da sa talvez a primeira lição de Faculdade de Letras da Etty, como mestra espiritual. Universidade de Lisboa. O O divino frequentemente primeiro dia, na Capela do chega à nossa vida através do Rato, contou com a prehumano demasiado humano sença de D. José Tolentino que experimentámos, isto é, Mendonça, o português que através do eixo mais vulnerável mais deu a conhecer a obra de nós próprios. (…) O nosso da escritora e mística no grande e único obstáculo é não nosso país, tendo escrito o percebermos a necessidade de prefácio do Diário publicado trabalharmos espiritualmente pela editora Assírio e Alvim. a vida para que nos tornemos A holandesa Esther Hilleadultos também a nível espisum, mais conhecida por ritual”. “Etty”, redigiu várias cartas O segundo dia do Congrese oito cadernos que viriam so decorreu na Faculdade a ser o seu Diário. Nesses de Letras da Universidade textos descreve as suas de Lisboa e entre os diverinquietações e reflexões sos oradores portugueses e espirituais, bem como as estrangeiros esteve o Properseguições do nazismo aos fessor Doutor Klaas Smelik judeus em Amesterdão, de da Universidade de Ghent. que foi vítima, ao ser deporUm grande conhecedor da tada e morta no campo de obra etiana e director do Etconcentração de Auschwitz, ty Hillesum Research Centre em 1943, com 29 anos. (EHOC) em Middelburg, cidade holandesa onde Etty Arte e Cultura nasceu. na abertura do Congresso O pai do Professor Klass Smelik, cujo nome do filho Luís Miguel Cintra e Maé igual, foi amigo de Etty e ria Rueff participaram com contribuiu para que os diários a leitura de textos extraídos chegassem ao conhecimendo Diário e das Cartas de Etty to público. Antes de ir para o Hillesum. Estes momentos campo de concentração Etty foram intercalados com pediu à amiga Maria Tuinzing momentos musicais e pela que os guardasse e os entreestreia de uma peça do comgasse a Klaas Smelik, que era positor João Madureira, com amigo e escritor. Etty sentiainterpretação de Maria José -se segura de que ele tomaria Barriga (cravo) e Ana Sofia conta dos diários e lhes daria Sequeira (guitarra). o melhor destino. Um momento alto desse Klass Smelik fez uma interprimeiro dia foi a apresenvenção, também no primeiro tação do livro Nos passos de dia, onde falou sobre o pro-

cesso de tradução dos diários de Etty Hilessum para 18 línguas, incluindo português. O Congresso contou com a presença das tradutoras das cartas e diários para português e houve uma mesa redonda intitulada “tradutores reflectem sobre tradução”. O Congresso foi muito rico

e permitiu conhecer melhor a dimensão da obra de Etty Hilessum e os processos de transformação que viveu. “Para Etty, a espiritualidade foi uma experiência unificante e inteira, em que a descoberta de Deus ou das práticas orantes eram indissociáveis do ardente encontro consigo

mesma”. O seu sonho era ser escritora. Chegou a escrever “Ó Deus, faz de mim uma escritora (…) segura-me na mão”. Não era cristã e certamente nunca imaginaria que fosse considerada uma mística. No entanto, com a sua escrita podemos compreender as raízes

da espiritualidade e a abertura necessária à transcendência do coração humano. Etty sabia que tinha de sofrer múltiplas transformações, dizia que as suas lágrimas brotavam de uma imensa gratidão interior e que essas lágrimas eram orações mudas que se fazem com os olhos! l

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REFLEXÕES SOBRE URBANISMO •••

O ordenamento do território e a democracia A democracia. Onde estamos?

Teresa Correia

Arquitecta / urbanista arq.teresa.correia@gmail.com

A questão da democracia assenta em princípios de confiança, de transparência, de honestidade, de lealdade, e todos os restantes valores que inspiram o respeito mútuo, a participação popular e a forma

cívica de governar. Será relativamente evidente, o porquê do desligar das pessoas de quem nos governa: verifica-se o descrédito, os exemplos de corrupção e a tal frase “Eles são todos iguais” volta ao de cima. Urge, assim, realizar uma reforma do sistema eleitoral que permita iden-

tificar os valores individuais que poderemos selecionar e assim criar alguma disrupção do sistema atual. E poderá questionar-se o que influencia o ordenamento do território, a maior ou menor qualidade da democracia? Certamente, poderemos ter mais ou menos planeamento

foto d.r.

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Opções de ordenamento devem ser amplamente discutidas • por decisão do autarca, ou da decisão do setor, do governo, ou poderemos mesmo não ter planeamento ou ter mais decisões avulsas, porque não se qualifica os técnicos de planeamento. As opções de ordenamento do território resultam de um trabalho técnico, mas assentam também e, muito, em opções políticas e na definição de uma estratégia, seja ela municipal, regional ou nacional. Estas opções devem ser amplamente discutidas e participadas por todos, o que resulta num trabalho apurado de compromisso sério e de clarificação de critérios basilares das opções tomadas. As opções de ordenamento e a participação da população A participação populacional é um direito e até um dever, o qual é tratado com pouco cuidado. A questão de apuramento da realidade, muitas vezes de pormenor, é também relevante para o planeamento, chamando a atenção para situações que, por vezes, são desconhecidas pelos técnicos e até pelos executivos. Assim, a participação popular é uma forma importante de procurar corrigir erros, ou até de defender direitos legítimos. Por exemplo, uma revisão do Plano Diretor Municipal é tão abrangente e complexa, que é absolutamente fundamental levar a sério a participação como forma democrática de realizar o ordenamento do território. Essas fases intermédias de elaboração do Plano não poderão ser apenas para cumprir calendário, mas sim para

promover opções conscientes de quem decide. A realidade é por vezes bem diferente, sendo apenas mais uma fase intermédia, na qual vemos ser transferida a responsabilidade das respostas para outros. As questões de ordenamento, por serem de relevante interesse público, resultam de apurado estudo técnico e de uma importante participação popular, sendo primordial entender os eixos estratégicos principais definidos para o município pelos seus decisores políticos. Este trabalho de compromisso e de revisão poderá ser aliciante, desde que não sejam mudadas as regras do jogo constantemente, como por exemplo, por alterações legislativas. A qualidade da participação é a oportunidade de melhoria A qualidade da participação poderá assim determinar uma oportunidade de melhoria de um plano e promover desenvolvimento económico e social, num ambiente sustentável. No entanto, se os munícipes chegarem à conclusão que a participação não tem qualquer efeito, o desinteresse é manifestado pelas ausências. As questões da boa participação é uma evolução civilizacional, que deverá ser acarinhada e atendida. É um direito e uma obrigação, participarmos nas opções sobre o nosso território e será uma responsabilidade importante dos decisores, refletir sobre elas e ponderar da sua razoabilidade. l


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