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SETEMBRO 2020 n.º 142 www.issuu.com/postaldoalgarve
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MISSÃO CULTURA
Hans Gadow e as primeiras escavações arqueológicas em grutas do Algarve FREDERICO TÁTÁ REGALA Arquéologo ao serviço da Direção Regional de Cultura do Algarve
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thaíde Oliveira, na página 154 da sua bem conhecida Monografia do Concelho de Loulé, publicada em 1905, afirmava em relação a uma caverna no sítio da Salustreira: “Já ali, em tempo, se estabeleceram uns ingleses, que fizeram grandes investigações, cujos resultados foram desconhecidos, não só porque a ninguém deram conta, mas porque levaram consigo tudo quanto ali apuraram”. Quem seriam esses ingleses e o que levaram da caverna? Esta questão permaneceu envolta em algum mistério até que trabalhos de pesquisa documental recentes, no âmbito do Projecto Património Espeleológico do Algarve (DRCAlgarve / ICArEHB – UALG) permitiram melhor conhecimento. Desde há muito que as grutas do Algarve acicatam a curiosidade de investigadores portugueses e estrangeiros. Já em meados do século XIX o geólogo francês Charles Bonnet pesquisou algumas grutas na região de Loulé, embora sem resultados arqueologicamente relevantes.1 O arqueólogo Estácio da Veiga revelou particular interesse pelas grutas da região, as quais procurou inventariar e descrever, trabalho que integrou na sua distinta obra “Antiguidades Monumentais do Algarve”, no 1.º volume, publicado em 1886. Entre outras grutas deu atenção à Caverna da Solestreira (ou Salustreira), em Querença, Loulé, sobre a qual recolheu informação. Referiu que dela eram então extraídas grandes quantidades de guano de morcego para fertilizar as terras agrícolas e que durante a extracção surgiam pedaços de cerâmicas antigas, indiciadoras do interesse arqueológico da gruta. Esta informação transmitiu-a Estácio a um investigador da Universidade de Cambridge, Hans Gadow, quando este esteve em Faro no ano de 1884. Não obstante a formação de Gadow ser na área da biologia, este interessou-se claramente pelos depósitos arqueológicos em gruta, possivelmente influenciado pelas importantes
descobertas que revolucionaram o conhecimento da pré-história na segunda metade do século XIX, em contextos de grutas do ocidente europeu, inclusivamente na Estremadura portuguesa na sequência de escavações realizadas sob a égide da então Comissão Geológica de Portugal. Gadow ficou de tal modo interessado nas grutas da região que regressou com o objectivo de proceder a intensivas pesquisas. Visitou grutas em Alte, Salir e Querença, tendo a sua preferência recaído sobre as chamadas Solestreiras, duas grutas próximas, que viria a escavar em Julho de 1885. Para o efeito conseguiu uma carta de recomendação do então Ministro dos Negócios Estrangeiros, À esquerda: O mais antigo levantamento topográfico que se conhece de grutas Barbosa do Bocage, dirigida ao no Algarve (Gadow, 1886); cima à direita: Local onde terão acampado, em Junho Governador Civil do Algarve, o de 1885, Hans Gadow e a equipa de arqueologia; em baixo à direita: Câmara prinque lhe proporcionou o apoio cipal da Solestreira poente FOTOS D.R. logístico dos poderes locais. Com a autorização escrita de Manoel da Silva, a Solestreira do lado poente estivera arqueológicos recolhidos por Hans o proprietário, Gadow contratou seis fechada com uma lage de pedra e no Gadow, em parte perderam-se logo mineiros e contou com o apoio de Tho- seu interior terão sido descobertas três após a recolha, incluindo as contas de mas Warden, engenheiro civil então “sepulturas”, assim como recipientes mineral, num acidente ocorrido duem serviço na Mina de São Domingos cerâmicos “com formas peculiares”. rante o carregamento de uma mula (Mértola). O pesquisador e a sua equi- Presume-se que os contextos arqueo- utilizada para o transporte, conforme pa estiveram acampados durante sete lógicos devem ter sido extensivamente o próprio dá conta; outra parte foi dias na gruta que apresenta entrada perturbados e removidos aquando da levada para Cambridge, no Reino Unimais ampla, sendo diariamente abas- exploração de guano e dos sedimentos do. Confirmou-se que, de facto, existe tecidos de víveres por um habitante subjacentes para uso agrícola, antes presentemente um conjunto de peças de Querença. Foram então escavadas da intervenção arqueológica, perden- arqueológicas fornecidas por este invesvárias sondagens em ambas as grutas, do-se a informação que deles poderia tigador e provenientes de Portugal no acervo do Museum of Archaeology and o que permitiu a exumação de ossos ter sido obtida. e dentes humanos acompanhados de A campanha deu origem a uma Anthropology (MAA) da Universidade alguns artefactos, destacando-se gran- crónica que, para além da relevância de Cambridge. A informação constante de número de contas de colar feitas de arqueológica, constitui uma descrição da respectiva etiquetagem revela-se por mineral verde “calaíte” (provavelmen- pitoresca, em estilo vitoriano, focan- vezes equívoca, mas é possível correlate um mineral do grupo das variscites) do aspectos de diversa natureza, cuja cionar com as Solestreiras pelo menos e um artefacto em osso de veado que edição veio à estampa em 1886, em ar- duas peças, incluindo o dito punhal em foi então interpretado como sendo um tigo publicado pela Universidade de metápode de veado. punhal (tipologicamente um formão). Cambridge2, mas que acabaria por não Deve ser notado que para além do Pela descrição os restos são compa- alcançar a merecida divulgação, man- interesse arqueológico das Solesteitíveis com contexto de necrópole da tendo-se, ao que tudo indica, ignorado ras estas grutas constituem também Pré-História recente, apesar de não ter em Portugal até muito recentemente. importante abrigo para espécies de sido registada a presença de cerâmi- O documento reveste-se de particular morcegos protegidas, sendo altamente cas ou outros artefactos que ajudem a interesse por constituir o mais antigo desaconselhada a realização de visitas uma melhor resolução cronológica. De registo de escavações assumidamente ao seu interior. Apesar deste facto e dos acordo com a informação prestada a arqueológicas, com resultados relevan- esforços de salvaguarda promovidos pela Autarquia de Loulé, assim como Gadow pelo antigo proprietário do ter- tes, realizadas em gruta do Algarve. reno em que se encontram as grutas, Quanto ao paradeiro dos materiais pelo ICNF, estas grutas têm vindo a so-
Ficha técnica Direcção: GORDA Associação Sócio-Cultural Editor: Henrique Dias Freire Paginação e gestão de conteúdos: Postal do Algarve Responsáveis pelas secções: • Artes Visuais: Saúl Neves de Jesus • Espaço AGECAL: Jorge Queiroz • Fios de História: Ramiro Santos • Filosofia Dia-a-dia: Maria João Neves • Letras e Literatura: Paulo Serra • Marca D'Àgua: Maria Luísa Francisco • Nascida no Monte Teresa Lança Colaboradores desta edição: Frederico Tátá Regala Parceiros: Direcção Regional de Cultura do Algarve e-mail redacção: geralcultura.sul@gmail.com e-mail publicidade: anabelag.postal@gmail.com online em: www.postal.pt e-paper em: www.issuu.com/ postaldoalgarve FB: www.facebook.com/ postaldoalgarve/ Tiragem: 10.291 exemplares
frer lamentáveis actos de vandalismo, sendo evidente a desfiguração provocada por inscrições nas paredes, quebra de formações, lixo diverso, fogueiras e outras acções que vão paulatinamente provocando a delapidação deste importante património natural e cultural de Querença e do Algarve. 1 Mémoire sur le Royaume de l’Algarve (1850) - Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa (2ª série, tomo II, parte II) 2 Gadow, H. (1886) – On some caves in
Portugal. Proceedings of the Cambridge Philosophical Society, Vol. 5, pp. 381-391.
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NASCIDA NO MONTE
Migigingues (palavras novas) TERESA LANÇA Educadora de Infância nascidanomonte@gmail.com
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ede-me migigingues (amendoins) e que me sente no sofá; deita-se pousando a cabecita no meu colo, e enrolando no dedito os largos caracóis, vai desfolhando a longa família. Tem apenas por essa altura, dois anos e meio de idade; sente que o amam. As disputas travadas entre os seus entes queridos, pelo maior espaço no seu coraçãozinho; a constante pergunta feita pelos muitos membros da família "de quem gostas mais"; o desejo de corresponder ao amor de cada um; a busca de uma resposta que possa
alimentar o lugar que tem em suas vidas; os motivos das suas ausências apesar do amor que não duvida, confundem-lhe os tenros pensamentos. - Teresa, a mamã foi trabalhar? - Sim Bruno, a mamã foi trabalhar. - E o Caco (padrasto) foi trabalhar? - Sim, também foi trabalhar, meu querido. E a avó e o avô, e a outra avó e o outro avô e ainda os outros avós ( alguns deles divorciados e esses, com outros casamentos)... e o Papá...... - Tu não vais trabalhar, Teresa? Ficas a cuidar de mim, dos meninos? Nunca vás trabalhar, por favor, nunca vás! Prometo-lhe que nunca o abandonarei; que sempre estarei ali nas ausências daqueles a quem tanto ama, que tanto o amam, e sossega.
Pede-me mais migigingues e assim seguro, salta feliz do meu colo e vai brincar, enquanto o Gonçalo indiferente ao que se passa à sua volta e aos afetos ausentes, em vez de migigingues devora livros: histórias que de tanto ouvidas, as vai contando só para ele, num tom sumido. Mas nos largos momentos em que o Bruno se assegurava no meu colo, enquanto os pensamentos lhe empurravam as palavras e lhe abrandava o circular do dedito à volta dos cachos de caracóis, a minha memória acelerava e corria veloz pela vida, por cada curva, por cada pergunta que me ficou encarcerada, por cada medo de abandono, por cada dúvida que me perdurou até àquela partilha de momentos. E foi do meu colo que parti; do meu lar partilhado com meninos. Foi de
lá que segui a direção dos seus olhos e fui parar aos colos onde demoradamente me acolhi nas esperas, segura sem saber, sonhando colos onde nunca descansei, que nunca alcancei. Colos que se tornariam a minha mais vasta realidade, tantas vezes a mais feliz; tantas quantas as realizações de sonhos que o futuro me acabaria por quebrar. E dessa palavra nascida da inocência, é de onde agora parto, com a certeza que sempre encontrarei outros meninos, outros, outros lugares onde descansar nas esperas, onde me abastecer de paz, de serenidade para usar nos caminhos, sem os grandes medos das grandes duvidas; com a certeza de que tudo tem um fim, que chegará, e um princípio também. E sempre que a vida não me pede pressa, é para lá que me dirijo, pa-
ra esse lugar a que o Bruno deu o nome Migigingues. Lá colocou um marco visível de onde quer que eu esteja, de onde avisto todos os marcos do passado, com palavras novas indicando os marcos do futuro. Lá, onde aprendi a soletrar a vida sem medo de errar, e mesmo quando tropeço em amontoados de palavras velhas, gastas de tantas vezes usadas e me parece ter caído na vida, sempre encontro quem me injete força para me erguer, e reparo, que não estava por terra, mas no chão. E que é no chão que tudo se constrói... e reconstrói. E apesar das muitas vezes que as palavras me parecem erradas na existência da altura, sempre volto a acreditar que as palavras ouvidas me podem mudar a visão que tenho dos caminhos, e que os caminhos me podem mudar as palavras.
ESPAÇO AGECAL
As culturas da água e o Algarve JORGE QUEIROZ Sociólogo, Sócio da AGECAL
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o universo das culturas mediterrânicas, ao qual pertencemos, a gestão racional da água está interligada à formação de paisagens histórico-culturais da era pré-cristã ao final do período pré-industrial. Existe continuidade dos assentamentos humanos e das culturas da água, hortas (hortus), pomares, criação de animais domésticos, mas também celebrações ritualizadas. Na história da humanidade a água determinou, ao longo de milénios, filosofias da existência, modos de vida, quotidianos económicos e culturais, rituais religiosos e simbolismos artísticos. Nas civilizações mediterrânicas a água e o seu aproveitamento racional, transporte e uso para fins diversos, estimulou o desenvolvimento da engenharia e da arquitectura ainda hoje muito presente nas cidades mais antigas de Portugal. Roma possuía uma agricultura de baixo consumo de água baseada em espécies domesticadas provenientes
do ecossistema mediterrânico, desenvolveu comércio intenso em amplas geografias e por centenas de cidades, a sua base de produção eram as “villae”. Os produtos, sobretudo cereais, vinho, azeite, peixe salgado,… eram transportados pelas frotas romanas a partir de portos litorais, já anteriormente gregos e fenícios comerciavam estes produtos. Raramente os romanos regaram os campos, foi a expansão urbana que determinou o desenvolvimento da engenharia hidráulica, sobretudo o aparecimento dos grandes aquedutos… Columela (séc.I) na “Res Rustica” escrevia “deve haver uma fonte permanente com água, que nasça dento do povoado ou que seja para ele conduzido de fora… e se esta faltar deve-se construir cisternas e charcas para o gado…” Os espaços de água (lagos, fontes, fontanários, tanques,…) junto às habitações, nas praças dos centros urbanos, permitiam ambientes frescos, perfumados, coloridos por fruteiras e plantas ornamentais. O uso da água para fins de lazer e recuperação de energias de homens e mulheres ocorria nas termas com águas medicinais (em Portugal estão ainda activas cer-
ca de 40 termas), nos “hammam” ou banhos turcos, prática corrente na antiguidade greco-latina. A utilização e difusão da oliveira pelos romanos está ligada às múltiplas utilizações do azeite, sobretudo por ser uma árvore resistente ao calor, adaptada ao clima e também com baixo consumo de água. A integração equilibrada de pecuária e agricultura comunitária aumentava a matéria orgânica depositada para adubação nos solos, também a utilização dos rebanhos nos olivais e na limpeza do arvoredo é mencionado nos tratados da agricultura romana. No período muçulmano, populações habituadas a climas secos do norte de África e Médio Oriente introduziram na Península Ibérica sistemas racionais de captação e reserva de água, que vamos encontrar em vários locais do mundo rural ibérico, nas cidades do Al Andalus. O Alhambra em Granada é um expoente artístico da engenharia e arquitecturas da água. As espécies do bosque mediterrânico estão adaptadas à escassa pluviosidade e de humidade nos estios, o “stress hídrico”, as plantas possuem casca grossa e dura, produzem subs-
tâncias que evitam a evaporação, são resistentes ao fogo e dele recuperam rapidamente. Os botânicos apelidaram-na de vegetação esclerofila, conservam água e mantêm-se verdes todo o ano. O actual desbaste de espécies adaptadas ao clima e aos solos reduz as defesas para enfrentarmos os problemas resultantes das alterações climáticas e prejudica a biodiversidade. O modelo de produção intensiva, transitoriamente exportador, que se impôs nos campos do sul, vai reduzindo recursos hídricos, ao mesmo tempo que retira dos solos património genético. Sendo o actual modelo económico baseado em conjunturas de mercado, no aumento incessante de produção para obtenção rápida de mais-valias, está a deixar uma pesada herança às presentes e novas gerações, aproximando-se o dia em que será inevitável tentar reverter a situação. Paradoxal é o uso da água para esta nova realidade de uma economia desregulada e discursos políticos contraditórios, que privilegiam e financiam agricultura intensiva, urbanização e turismo massificados, promovendo construção de barragens, transvases de rios, uso de captações e
furos subterrâneos a cada vez maior profundidade. São todos aceleradores de desertificação. A gestão da água é hoje um problema central em Portugal e de toda a Península Ibérica. Por razões ambientais, económicas, de saúde pública e de identidade cultural as prioridades do País deveriam focalizar-se num rigoroso ordenamento do território nacional e na segurança alimentar dos portugueses, porque todos sabemos que tempos difíceis se avizinham. Em 2013 a salvaguarda da Dieta Mediterrânica foi assumida pelo Governo Português e por outros seis Estados junto da UNESCO, na sequência da inscrição aprovada por 120 Estados da integração do elemento na lista representativa do PCI da Humanidade. Foi declarado o compromisso de boas práticas de agricultura sustentável com menor consumo de água, redução da emissão de CO2 e alimentação saudável com frescos sazonais e de proximidade mais saudáveis, da protecção e salvaguarda das culturas e do estilo de vida mediterrânico, a “daiata”. Os valores da dieta mediterrânica são uma bússola imprescindível.
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FILOSOFIA DIA-A-DIA
Corpo Radial Maria João Neves Ph.D Consultora Filosófica
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ste Verão foi-me lançado um desafio profissional inaudito! Escrever um texto para o catálogo de uma exposição de artes plásticas, com a particularidade de o redigir a partir da minha própria experiência ao pernoitar uma noite na galeria de arte, na instalação “Sala da Memória”, criada pelos artistas Mariana Caló e Francisco Queimadela. Actualmente a viver no Porto, Marina Caló e Francisco Queimadela trabalham como dupla artística desde 2010. Corpo Radial - assim se intitula a exposição que tem a curadoria de Susana Ventura - inaugurou dia 30 de Julho e estará presente na Galeria da Boa Vista em Lisboa até dia 1 de Novembro. Abracei este projecto com entusiasmo! Abomino a experiência tão frequente nos museus de arte contemporânea de o acesso à obra ser mediado por uma espécie de manual de instruções. Como se o homem actual fosse incapaz de aceder à arte do seu tempo! Considero que o objecto artístico se expressa a si próprio dispensando que se lhe façam discursos de apresentação. Aqui, o que me foi pedido, foi de natureza muito diferente: que falasse a jusante do experiência da obra de arte, do contacto íntimo com ela e o partilhasse. Porém, não é possível veicular a partilha dessa experiência tão particular no número de caracteres de que aqui disponho. Assim, neste artigo de hoje, procurarei dar voz aos próprios artistas e à curadora da exposição. Os artistas já tinham criado em 2015 uma primeira imagem da “Sala da Memória” inspirados na técnica retórica da Grécia Antiga -mnemotécnica- que explora a associação mental entre palavras, lugares e imagens, para auxiliar um orador a recordar-se com exactidão do seu discurso. Quem viu a série de televisão O Mentalista teve oportunidade de ver várias vezes esta técnica em execução e até, em alguns episódios, o próprio personagem explicou como a utilizava. O nome provem de Mnemósine - a deusa grega da memória - mãe de todas as Musas. De facto, como se poderia criar sem recordar?
Susana Ventura descreve a peça-chave desta exibição do seguinte modo: “A Sala da Memória adquire uma tridimensionalidade cujas proporções encontram ressonância no corpo que é seduzido a habitá-la. As sedas translúcidas coloridas formam um véu em torno da estrutura que vai revelando diferentes graus de transparência de acordo com a luz da passagem do dia (o tempo como matéria de composição que altera a percepção da obra) convertendo os corpos - o que habita o seu interior e os que se movem no exterior e vice-versa - em sombras ou em imagens-movimento nativas, mais ou menos fugazes, mais ou menos nítidas. A sua arquitectura remete, ainda, para a casa tradicional japonesa, na qual a utilização dos painéis shoji permite criar um espaço de intimidade no interior da casa, desvelando a realidade e o mundo exterior segundo o desejado grau de translucidez. (...) É um espaço no qual o corpo poderá ser uno consigo mesmo e realizar um voo sobre si mesmo, pelo seu interior, como é praticado por várias técnicas de meditação da cultura oriental. Na Sala da Memória, esse movimento permite, ainda, ao corpo projectar, mentalmente, nos planos que o envolvem delicadamente, as memórias que carrega consigo.” Além desta obra, estão expostos no piso térreo da galeria 7 quadros ao longo da parede lateral esquerda, alguns em guache sobre papel, outros são serigrafias. Para lá da Sala da Memória, ainda no piso térreo, exibe-se o vídeo Livro da Sede cujas imagens que se sucedem a branco e negro são acompanhadas pelo som produzido a partir de drones, da autoria de Pedro André. Susana Ventura diz-nos o seguinte sobre este vídeo: “as imagens evidenciam as oscilações infinitas das experiências do ser, uma variedade que cria um espaço de empatia e partilha. A colecção de imagens e a sua associação (montagem) permite refazer o passado e criar uma continuidade que se abre ao espectador (e, com este ao futuro). São imagens que percorrem diversos estados de alma - de deleite, embriaguez, espanto e terror a um sono (ou sonho) profundo - mostrando experiências banais e gestos triviais por entre manifestações extravagantes (...)”. Questionados sobre a escolha sonora, os
artistas responderam-me com grande e amabilidade dizendo que pretendiam que o som “induzisse um estado imersivo, que a própria estrutura da sala da memória procura convocar, trazendo o corpo enquanto centro de experiência. Procurámos que o som acompanhasse ou conduzisse a uma sensação de transludência e ascendência, também sugerido pela estrutura em orientação contraluz.” Poderemos, ou não, experimentar, sentir, aquilo que os artistas-criadores tiveram intenção de instigar no contemplador da obra. Porém, como sabemos, a obra de arte possui uma vida própria, não obedece aos criadores e não se esgota nos modos de acesso de nenhum público. Existe por si mesma, é expressão de si própria. Uma escadaria iluminada com uma luz difusa conduz-nos ao piso superior onde numa sala totalmente escura é exibido um outro vídeo, também a preto e branco, intitulado Leite Transbordante. Assistimos, em formato e som aumentados, às formas que o leite vai adquirindo e sons que vai produzindo à medida que aquece, ferve e, por fim, se derrama. Percebe-se o reflexo de um vulto feminino e a certa altura sobrepõe-se ao som do leite o som de alguns passos. Os artistas consideram que aqui “o som existe enquanto textura e elemento de continuidade. É um elemento que ajuda a criar uma espécie de abóbada temporal, num plano em que se dividem duas métricas temporais que coabitam no fervedor (a do leite a ferver e a do reflexo da senhora). O som dos passos parecem quebrar a suspensão das duas acções, uma chamada ao tempo concreto.” Consideram também, justamente, que o reflexo da senhora no fervedor se constitui em elemento central deste vídeo, “em fragmentos / tempos suspensos, expressões que se desfiguram, como num espaço de espelhos convexos que distorcem o corpo e talvez a reminiscência da memória.” Também sobre esta obra, a curadora diz o seguinte: “apresenta um tempo suspenso ou de um presente contínuo no qual passado e futuro se justapõem e baralham na alternância da imagens, entre a temporalidade própria do leite que ferve e o grito mudo da mulher, que se
estende infinita e lentamente, ao longo do filme, até ao momento último em que fica, definitivamente, preso.” Foi-me concedido o enorme privilégio de poder permanecer muito tempo em solidão com estas obras. O tempo, como de forma incontornável nos diz Marguerite Yourcenar, é um grande escultor. Fomo-nos descobrindo mutuamente, progredindo cada vez mais para um espaço interior. O que escrevo noutro lugar provém desse contacto íntimo, singular, ao permanecer uma tarde e parte da noite na galeria. No entanto, creio que uma visita mesmo mais convencional também poderia propiciar uma experiência significativa. Para quem sentir afinidade com as questões relativas à percepção de diferentes modalidades de tempo, e à memória em particular, aqui fica a sugestão! Inscrições para o Café Filosófico: filosofiamjn@gmail.com
Exposição de quadros
A exposição Corpo Radial tem a curadoria de Susana Ventura
FOTOS ANDRÉ CEPEDA / D.R.
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ARTES VISUAIS
Como tornar a arte mais imersiva? SAÚL NEVES DE JESUS Professor Catedrático da Universidade do Algarve; Pós-doutorado em Artes Visuais; http://saul2017.wixsite.com/ artes
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desenvolvimento das novas tecnologias tem vindo a abrir as possibilidades de produção artística e de interação com as artes visuais, levando a que muitos considerem que a inovação tecnológica é a chave para a arte do século XXI. Os termos arte digital, arte de computador, arte multimédia, arte interativa e media arte começaram a ser utilizados para descrever trabalhos que são feitos utilizando a tecnologia digital, como sejam as instalações multimédia interativas, os ambientes de realidade virtual e a arte baseada na net. Nesta perspetiva, começam a ser exploradas formas de tornar a arte tão expressiva que possa “tocar” o público não apenas através da visão, mas também usando os outros quatro sentidos, conforme tivemos oportunidade de salientar no artigo “Pode a arte visual ser expressa para os cinco sentidos?”.
Imagens da exposição “Impressive Monet & Brilliant Klimt” (2020) Isto passa por uma perspetiva integrada e complementar das artes visuais, em que o todo é mais do que a mera soma das suas partes. A arte contemporânea veio abrir as possibilidades relativamente às formas de produção artística e às combinações possíveis na utilização de diversas técnicas, tendo também cada vez menos sentido tentar categorizar um artista num determinado movimento ou estilo. É assim cada vez mais difícil delimitar as categorias das artes
visuais utilizadas pelos artistas no seu trabalho, pois assumem uma perspetiva multidisciplinar, em que utilizam algumas das várias categorias possíveis, integrando a sua utilização. Neste sentido, tal como defendemos no artigo “Quais os limites para a integração de técnicas nas artes visuais?”, não há limites para a integração nas artes visuais, o que aumenta o jogo de possíveis na produção artística, sendo o conhecimento das técnicas artísticas e a criatividade do artista os principais motores para a
FOTOS D.R.
realização da obra. No nosso percurso nas artes visuais temos procurado utilizar diversos meios artísticos, nomeadamente fotografia, pintura, escultura e também filmes de curta duração, encontrando-se vários destes meios presentes simultaneamente em cada um dos trabalhos realizados. Por exemplo, o trabalho “Funchal, 01/01/2007, 00h01” constitui um exemplo da integração de diversas técnicas de artes visuais, incluindo a fotografia, a pintura e a escultura,
mas acrescentando a projeção de filme sobre a tela. (link para visualização: https://youtu.be/ EJnFC01I55M?list=UUJZfSwIXwx9FljFoy41wm9g). Assim, a tecnologia pode ajudar a aumentar a imersão do espetador numa exposição de artes visuais, potenciando a sua dimensão sensorial e emocional. Um exemplo recente é a exposição imersiva digital ‘Impressive Monet & Brilliant Klimt’, alusiva à obra dos pintores Claude Monet e Gustav Klimt, autores contemporâneos nascidos no século XIX e fundamentais na história da pintura moderna, a qual permanecerá no espaço subterrâneo do edifício Alfândega do Porto até 15 de novembro. A “Immersivus Gallery” é a primeira galeria de experiências artísticas imersivas em Portugal. São cerca de 2000 metros quadrados de área de projeção em 360º, onde todo o espaço é preenchido por cores e animações, numa conjugação harmoniosa entre a tecnologia e a arte. Da autoria do ateliê OCUBO, conhecido pela criação de projetos de “vídeo mapping” de grande escala, a “Immersivus Gallery” é o primeiro espaço de experiências artísticas imersivas em Portugal, resultando numa parceria entre o Centro de Congressos da Alfândega do Porto e a marca Fujifilm. No caso desta exposição, que permite um mergulho imersivo no universo de dois génios da pintura, é composta por hologramas e projeções a 360º, conduzindo o público numa viagem no tempo, refletida nas obras dos dois pintores que se
notabilizaram em diferentes correntes artísticas, o francês Monet no impressionismo e o austríaco Klimt no simbolismo. As pinturas, em vez de estarem circunscritas à dimensão das molduras, de forma estática, espalham-se por todo o espaço permitindo a imersão do espetador nas obras. Na parte relativa à galeria digital ‘Impressive Monet’, a obra do artista parisiense é reinterpretada de modo a revelar a sua busca interminável pela captura da luz e "o que está para além dos quadros, das paisagens, dos acontecimentos e tudo o que está oculto, na essência, aquilo que não se vê dentro da moldura", explicitam os organizadores. Por seu turno, em ‘Brilliant Klimt’, o público fica imerso na intimidade do pintor e tem oportunidade de sentir a arte romântica do artista. A exposição, revelam os responsáveis, "traça o percurso pelos aspetos biográficos e pelo legado artístico do pintor austríaco através da sua pintura icónica O Beijo”. Os elementos gráficos desta obra vão-se juntando até que no final pode ser vista a sua projeção integral. Este será o fio condutor da viagem pelo trajeto artístico ao mesmo tempo que são exploradas as influências do mundo de Klimt". De salientar ainda que a exposição está estruturada de forma a constituir um convite para uma visita familiar, numa oportunidade direta de dar a conhecer aos mais novos as obras-primas de Monet e Klimt, experienciando uma nova fórmula lúdico-pedagógica em conjunto com os pais.
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MARCA D'ÁGUA
A Cidadania Política e a Educação MARIA LUÍSA FRANCISCO Investigadora na área da Sociologia; Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa luisa.algarve@gmail.com
Setembro é o mês da rentrée política e o mês do início do ano lectivo. Rentrée é uma palavra francesa que, de acordo com o dicionário Priberam, significa “reabertura dos teatros no começo do ano dramático”. Aos poucos passou a ser utilizada no contexto político e é uma palavra que já está assimilada no nosso vocabulário. Este ano a rentrée lectiva tem particularidades inéditas com todas as novas regras. Será um ano de incertezas, visto que não se sabe como será a evolução da pandemia de Covid-19. Entre máscaras, higienização constante dos espaços, distanciamento obrigatório de 1,5 metros nas salas de aula e alteração dos tempos de intervalo, há ainda a acrescentar a falta crónica de funcionários nas escolas.
Espero que, a par de todas as alterações, sejam introduzidos novos temas nos programas lectivos relacionados com a saúde com enfoque na questão da Saúde Pública e da Ética do Cuidado do Outro. Para além da Cidadania como disciplina, seria também importante a existência de conteúdos programáticos ligados à Cidadania Política e à Educação Cívica. Educação e Política estão intimamente ligadas, já Sócrates e Platão, grandes mentores gregos da Filosofia da Educação e da Filosofia Política, o demonstraram. A reflexão política estimula a capacidade de leitura da realidade e dá aos cidadãos capacidade de iniciativa. É importante a existência de formação política porque aumenta a capacidade de agir e de argumentar, mas também porque a cidadania não se constrói quando há défice de exercício dos direitos políticos básicos. Muitas vezes ouvimos expressões como “Não vale a pena votar!” ou “Os políticos são todos iguais!” São frases de quem não se quer comprometer
com o futuro e muitas vezes ditas pelos mais jovens. Esta alienação e incapacidade de distinguir política de partidarismo é preocupante. Tudo é político, mas nem tudo é partidário. Até mesmo a abstenção é uma atitude política, através da qual aqueles que pensam ficar alheios à política delegam nos outros as decisões sobre o seu futuro. As condições sociais, políticas, económicas e culturais determinam a formação humana e, por sua vez, a sociedade política e as instituições públicas são as instâncias por excelência a partir das quais a formação humana se desenvolve. A cultura política de uma sociedade determina tudo o que essa sociedade é na prática. A cidadania política não é adquirida automaticamente, nem está garantida como acontece com os direitos cívicos e sociais. É adquirida quando é exercida de forma activa. Como diz o cientista político e social norueguês, Jon Elster, “as liberdades têm de ser exercidas e não só garantidas”.
A cidadania política é adquirida quando é exercida de forma activa Em Portugal a cidadania política passa, em parte, pela mobilização promovida pelos partidos. Essa mobilização tem muitas vezes mais de identificação entre pares e grupos de interesses do que de contexto político ou ideológico. É importante que a formação política faça parte dos programas lectivos passando desde cedo a ideia de que o objectivo principal das práticas políticas deve ser a promoção do bem-estar
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dos cidadãos e por isso a política tem uma função nobre na sociedade. Existem as chamadas Escolas/Universidades de Verão direccionadas para as Juventudes Partidárias, mas poderia ser criada uma Escola da Cidadania Política ligada por exemplo a uma Universidade, com um carácter mais imparcial, que abrisse horizontes e mudasse a actual mentalidade em relação à política e à participação activa na sociedade.
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PAULO SERRA Doutorado em Literatura na Universidade do Algarve; Investigador do CLEPUL
os livros sigam uma fórmula, até porque muitas vezes distancio-me. Tem razão quanto aos bolos de mel. Uma história pode ser contada e recontada de muitas formas diferentes, e alterar-se-á para se adaptar ao tempo e cultura em que se insere. Dou valor ao papel da contação de histórias como meio de ensino e de cura, o que aliás influencia a minha escrita. Recorri a um conto tradicional como ponto de partida para 5 dos meus 23 livros, mas há temas e motivos de contos tradicionais, folclore e mitologia em todos. A minha estratégia tem-se desenvolvido nestes 20 anos como autora. Nas 2 obras mais recentes o tom foi mais negro. Tenho descido mais fundo na complexidade psicológica das personagens, e criar uma perspectiva partilhada entre os protagonistas feminino e masculino.
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uliet Marillier, publicada em Portugal pela Planeta Editora, é uma autora best-seller, estatuto que mantém desde o seu primeiro romance, A Filha da Floresta. A Harpa dos Reis é o primeiro livro da nova série Bardos Guerreiros. Mundialmente conhecida na área da fantasia histórica celta, a autora nasceu em Dunedin, Nova Zelândia, a cidade mais escocesa fora da Escócia. Os seus livros combinam romance e história, drama e fantasia, folclore e mitologia, no contexto do universo celta. Já venceu 15 prémios literários, como o prestigiado Aurealis Award. Entre diversas trilogias, destacam-se três séries de imenso sucesso: Sevenwaters, Shadowfell e Blackthorn e Grim. Foi professora de música, responsável por um grupo coral e cantora de ópera. Começou a publicar depois dos 40 anos e nunca mais parou. A autora é membro da ordem druídica OBOD (Ordem dos Bardos, Ovates e Druidas) e os seus valores espirituais reflectem-se muito na sua ficção – onde a relação das personagens humanas com o mundo natural desempenha um papel importante, assim como o poder da contação de histórias para ensinar e para curar. Juliet Marillier já visitou Portugal e é fã dos livros de Saramago.
Concilia aqui vários aspectos dos seus livros, como se tudo convergisse neste universo ficcional. Existem definitivamente afinidades entre A Harpa dos Reis e várias das minhas séries, como Sevenwaters e Blackthorn & Grim. O exército de guerreiros tatuados que primeiro apareceu em O Filho das Sombras ganha um papel mais relevante nesta série. Essas 3 trilogias situam-se no norte da Irlanda no mesmo período temporal (ainda que esta história com elementos sobrenaturais seja inspirada na mitologia e folclore local).
Pela primeira vez fornece informações sobre o mundo dos druidas. Contudo, o tema não lhe é novo.
Adorei escrever a história de Blackthorn e Grim, personagens complexas e feridas, e quando pensei na trilogia dos Bardos Guerreiros apercebi-me que podia incluir “o que acontece depois” ao escrever sobre a geração seguinte: os seus filhos. Blackthorn e Grim foram absolutamente reais para mim, por isso foi um prazer continuar a sua história.
Os seus livros seguem uma fórmula, em que cada nova história é absolutamente original e apaixonante. «As histórias são como bolos de mel. Mal provamos um, queremos outro e outro e sempre mais.» (p. 208) Há elementos consistentes, em particular nos primeiros livros. Gosto de incluir uma história de amor; geralmente uma jovem protagonista feminina que descobre a sua força interior ao enfrentar um desafio; e muitas das histórias situam-se em culturas célticas dentro do mesmo período histórico. Mas não acredito que
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Esta nova série iniciada com A Harpa dos Reis retoma duas personagens da saga anterior. Blackthorn e Grim (as suas personagens mais complexas) foram assim tão poderosas para a fazer continuar a sua história?
Entrevista a Juliet Marillier:
“Estamos à beira de um precipício, perto de destruir este mundo precioso e belo”
Tenho personagens druidas noutros livros - Broichan em As Crónicas de Bridei, e Conor em Sevenwaters. Mas entrar nos nemetons, onde vivem os druidas, e experienciar um pouco da sua vida diária é uma novidade. Não sabemos como realmente era naquele tempo, uma vez que os druidas não deixaram muitos registos por escrito, mas acredito que as cenas da vida na comunidade druídica sejam bastante fidedignas, construídas com base em pistas históricas que temos sobre o treino dos druidas, crenças e rituais da época, e no Druídismo contemporâneo.
SOU MEMBRO DA ORDEM DOS BARDOS, OVATES E DRUIDAS O que significa ser um druida hoje? Há várias ordens druídicas activas hoje, espalhadas por todo o mundo. Sou membro da Ordem dos Bardos, Ovates e Druidas. Enquanto caminho espiritual, o druídismo moderno é bastante flexível nas suas práticas e crenças. Os elementos que considero
CULTURA.SUL
Postal, 11 de setembro de 2020
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LETRAS & LEITURAS
«O mundo muda. As pessoas não praticam os costumes antigos nas suas vidas diárias como outrora faziam». Parece falar dos seus livros. É possível que uma história – numa época antiga, num mundo imaginário, ou no futuro – tenha um significado profundo e ressoe no íntimo do leitor. Ser uma história com elementos mágicos não a torna menos relevante para as nossas vidas. As velhas histórias de monstros e magia contadas há muito tempo em torno da fogueira não serviam apenas para entreter - eram igualmente concebidas para demonstrar às pessoas como podiam viver com bravura e sagacidade. Estou a contar esse mesmo género de histórias, e mesmo que chegue a um único leitor – se ele se sentir mais forte e sábio depois de ler um livro meu –, já me permite sentir que fiz o meu trabalho, como druida e como ser humano.
Os seus livros estão tão imbutidos de influências do folclore escocês e contos tradicionais que é quase errado considerá-los fantasia. Cresci numa parte da Nova Zelândia fundada por imigrantes escoceses, e os meus antepassados são escoceses e irlandeses. Os elementos sobrenaturais dos meus livros baseiam-se sempre naquilo em que as pessoas acreditavam na época. Faço imensa pesquisa. Ainda que o mundo onde as personagens habitam seja cheio de magia, trata-se do nosso mundo real no referente à geografia, cultura, contexto histórico. Os desafios e provações que as personagens enfrentam, por exemplo a injustiça ou a tirania, são essencialmente os mesmos que enfrentamos hoje. Existe frequentemente ajuda sobrenatural, sim, mas as histórias são sobre personagens humanas que encontram a sua própria força e sabedoria.
“Devemos respeitar-nos mutuamente e respeitar o mundo” Quando foi a primeira vez que ouviu essas histórias? Os meus pais eram músicos e leitores ávidos. Lembro-me de me contarem histórias do folclore e da mitologia. Ao aprender a ler essas eram as histórias que preferia. A minha família provém de países de tradição céltica pelo que tenho uma
forte ligação a essas histórias e à música. Havia uma biblioteca fabulosa para crianças onde vivíamos, e eu requisitava imensos livros, particularmente as colecções de contos tradicionais de todo o mundo de Andrew Lang. Esses aspectos tiveram um forte impacto na minha escrita.
Ainda que este livro seja anterior à pandemia, transmite a mensagem de nos reconectarmos com a natureza, a fé, a arte. «Esta canção deve constituir uma ponte entre o Povo Encantado e o povo humano. (...) Deve recordar a todos que em épocas de dificuldades sobreviveremos apenas se confiarmos e nos respeitarmos um ao outro.» (p. 212) Vivemos tempos muito difíceis – não só pela pandemia, mas pela ameaça iminente das mudanças climáticas. Estamos à beira de um precipício, perto de destruir este mundo precioso e belo devido à ganância e à intolerância. A confiança e o respeito são essenciais para um trabalho colaborativo da humanidade face à crise, em vez de continuarmos com jogos de poder e nos recusarmos a aceitar o quão séria é a situação. Devemos respeitar-nos mutuamente e respeitar o mundo. Pode ser essa a mensagem. Gostaria que os políticos a ouvissem.
Perguntavam muitas vezes a Marion Zimmer Bradley: «De onde vêm as ideias para as suas histórias?». De onde vêm os seus sonhos – aqueles que nos faz sonhar com a sua ficção?
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essenciais são a valorização do poder da contação de histórias como forma de ensinar e de curar; a compreensão do papel da humanidade na vastidão da natureza, o que leva a trabalho ambiental e de conservação; e a crença de que Deus ou a Deusa ou o Espírito existem em cada entidade viva, incluindo nos seres humanos, unindo-nos e sustendo-nos. Alguns druidas mantêm a sua prática de forma solitária, outros em grupos; uns praticam rituais, outros não. Quase todos adoram música, poesia e contar histórias.
fui uma escritora bastante assídua em criança. Na universidade decidi estudar músicas e línguas, depois estive ocupada a criar 4 filhos enquanto mantinha diversos trabalhos, e só voltei à escrita criativa aos 40. Sempre gostei de ler, e como professora de música e como funcionária pública, continuei a escrever. Depois do meu casamento terminar, decidi escrever uma versão de um conto de que gostava muito, e nos 3 anos seguintes, enquanto mantinha a tempo inteiro um trabalho administrativo, escrevi o meu primeiro livro, A Filha da Floresta, escolhido pela editora Pan Macmillan. Foi o início da minha carreira de autora. Em média, escrevo um livro por ano desde então. Tive sorte em poder abdicar do meu trabalho, 4 anos depois do meu primeiro livro, e tornei-me escritora a tempo inteiro.
É muito activa – com trabalho comunitário, a socorrer cães, aulas de escrita. Como é que consegue tempo para escrever. Escrever é a minha principal ocupação e encaixo as outras actividades conforme posso. Como trabalho em casa, as outras actividades permitem-me deixar regularmente a secretária e interagir com pessoas. Devido à pandemia não tenho feito oficinas de escrita ou eventos públicos, mas interajo bastante com os meus leitores através do Facebook. O jardim e os cães que resgato ajudam-me a centrar. Infelizmente, a minha pequena matilha está agora reduzida a um cão... os dois mais velhos morreram este ano.
À esquerda: Juliet Marillier é mundialmente conhecida na área da fantasia histórica celta ; cima à direita: A Harpa dos Reis é o primeiro livro da nova série Bardos Guerreiros
Penso que os sonhos nascem do meu amor pelo folclore e pela mitologia, da minha crença de que existe magia e mistério no mundo real – basta abrirmos as nossas mentes. Houve grandes períodos da vida em que enfrentei imensos desafios, mas consegui preservar (ou redescobrir) a sensação de maravilhamento que tinha em criança ao ler, e isso transparece nas minhas histórias. Talvez eu tenha algum ADN de contadora de histórias, transmitido pelos meus antepassados celtas.
Começou a escrever relativamente tarde. Agora escreve um livro a cada 2 anos. Escrevo desde que tenho idade para assentar uma caneta num papel, e
Autores e livros favoritos?
Tenho lido imensas histórias de crimes. Sou uma grande fã de Anne Cleeves, autora das séries Shetland e Vera, adaptadas a séries populares. Também gosto de Elly Griffiths. Gosto de romances que combinem excelente prosa com uma história cativante. Dois dos mais recentes que li de fantasia são Circe, de Madeline Miller, e The Binding, de Bridget Collins – complexos, memoráveis, maravilhosamente escritos.
Esteve em Portugal em 2013. Foi a única vez? Que memórias levou? Visitei Portugal 2 vezes a convite da minha editora. Viajei até Sintra com leitores do grupo Mundo Marillier.
Adorei os antigos palácios e a beleza natural envolvente. Os edifícios em Lisboa com os seus mosaicos decorativos são lindíssimos. É uma cidade magnífica debruçada sobre o rio. Adorei poder conversar com os meus entusiásticos leitores, não só nas sessões promovidas, mas também em contextos mais informais. O café português é fantástico! Especialmente com um pastel de nata. Tenho pena de que as actuais condições excluam a possibilidade de viajar.
Imagina alguém capaz de adaptar as suas histórias ao ci-
nema ou a uma série? É possível, mas é difícil ter realizadores interessados – financiar um filme é bastante dispendioso. Adorava que fosse a Jane Campion ou o Peter Jackson.
O segundo livro da saga está publicado (mas ainda não em Portugal), pelo que o terceiro deve vir a caminho... Definitivamente! Estou a trabalhar arduamente no livro, provisoriamente intitulado A Song of Flight. Está quase terminado. A edição original em inglês deve ser publicada em Agosto de 2021.
Joaquim Lucas Silva Cartório notarial de Tavira Certifico: Que no dia 18/08/2020, a folhas 54, do livro de notas para escrituras diversas número 207-A, deste Cartório, foi lavrada uma escritura de JUSTIFICAÇÃO, na qual MARIA FERNANDA VICENTE DOS SANTOS SOARES, NIF 104.965.932, natural da freguesia e concelho de Vila Real de Santo António e marido VITOR PAULO DE JESUS SOARES QUEIMADO, NIF 104.965.789, natural da freguesia de Santa Maria, concelho de Tavira, casados sob o regime da comunhão de adquiridos, residentes na Rua António Pinheiro, número 3, 1.ºEsq., Tavira, declararam, que, com exclusão de outrem, são donos e legítimos possuidores do prédio urbano, composto por edifício térreo, com logradouro, no sitio das Laranjeiras, freguesia de Vila Nova de Cacela, concelho de Vila Real de Santo António, a confrontar do norte e poente com António do Carmo Nascimento, do sul com José António Rita e do nascente com José António Campos, com a área total de cento e dezoito metros quadrados, sendo a superfície coberta de sessenta e cinco virgula cinquenta metros quadrados e a superfície descoberta de cinquenta e dois virgula cinquenta metros quadrados, inscrito na matriz sob o artigo número 8.357. Que adquiriram o referido prédio por doação verbal e não titulada por escritura pública, feita pelos pais da justificante mulher, Diamantino Pereira dos Santos e Francisca Vicente, residentes que foram na mencionada Rua António Pinheiro, número 3, 1.ºEsq, em data imprecisa do ano de mil novecentos e sessenta e cinco, pelo que adquiriram os prédios por usucapião. Tavira, em 18 de Agosto de 2020 A funcionária por delegação de poderes, Irene Maria Pereira Lourenço Rodrigues – Inscrita na O.N. sob o n.º 87/04 Conta registada sob o nº. PAO 845/2020 Factura nº. 848 (POSTAL do ALGARVE, nº 1250, 11 de Setembro de 2020)
NOTIFICAÇÃO PARA EFEITOS DE EXERCÍCIO DO DIREITO LEGAL DE PREFERÊNCIA Olhão, 9 de setembro de 2020 MARIA CÉLIA DIAS GRAÇA MENDES BICA e marido JOÃO VITORINO MENDES BICA, casados sob o regime de comunhão de adquiridos, residentes em Avenida Carolina Michaelis, nº 19, 1Dt, 2795-052, Linda-a-Velha, vêm comunicar nos termos da lei -- notadamente nos termos do art.º 1380º do Código Civil e com vista a possibilitar aos confinantes o exercício do direito de preferência, o seguinte: - pretendemos, por escritura pública a celebrar no máximo até ao final do mês de Outubro de 2020, vender ao Sr. Ricardo Miguel Barrios Marques, residente em Belmonte de Baixo, Rua Eusébio da Silva Ferreira, Edifício Vista Mar lote-1 R/C – A, 8700-309, Pechão-Olhão e portador do número fiscal 221367047, o prédio rústico sito em Peares, na Freguesia de Quelfes e concelho de Olhão, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 9 da Secção P dessa freguesia, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o nº 1925/19901019, e composto por terreno rústico com área total de 3300 m2, toda ela área descoberta com amendoeiras e oliveiras, e prédio de que somos proprietários. O valor da venda é de 8.000,00€ (oito mil euros), valor a ser pago na sua totalidade e duma só vez no ato da escritura de que acima falamos. Após a publicação do presente Anúncio aguardaremos os 8 dias previstos no artigo 416º nº 2 do Código Civil, contados a partir da data da referida publicação, para a resposta e manifestação de eventual vontade de preferirem na compra, prazo a partir do qual, nada sendo recebido, efetuaremos a venda nos termos supra indicados e àquele referido Sr. Ricardo Miguel Barrios Marques.
(POSTAL do ALGARVE, nº 1250 ,11 de Setembro de 2020)