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MARÇO 2022 n.º 160 6.500 EXEMPLARES
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ARTES VISUAIS
Qual o valor da arte em NFT? FOTOS D.R.
Pintura “The Kiss” (Gustav Klimt, 1908)
FOTOS D.R.
SAÚL NEVES DE JESUS Professor Catedrático da Universidade do Algarve; Pós-doutorado em Artes Visuais; http://saul2017.wixsite.com/artes
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o início deste ano a Galeria Belvedere anunciou que iria leiloar, até 14 de fevereiro, a obra mais famosa da sua coleção, “The Kiss” (“O Beijo”) de Gustav Klimt, em formato NFT. Assim, foram colocadas à venda 10.000 NFT por um preço de 1.850 euros por unidade, permitindo ao museu de arte vienense angariar cerca de 18,5 milhões de euros e permanecer com o quadro físico “O Beijo” em exposição. Por seu turno, cada um dos 10.000 compradores ficou com uma versão digital e um certificado de autenticidade, sendo cada NFT vinculado a um segmento específico da obra, atribuído aleatoriamente. Esta forma de vender a reprodução digital certificada de uma pintura tem vindo a ser cada vez mais utilizada por artistas, galerias e museus, convertendo obras físicas em NFT. Ainda no final do ano passado, foi muito divulgado a venda, em NFT, da fotografia, tirada pelo fotógrafo John Shearer, do beijo na boca dado entre Madonna e Britney Spears, num espetáculo realizado em 2003.
Foto de beijo na boca dado entre Madonna e Britney Spears (John Shearer, 2003)
Colagem “Everydays: The First 5000 Days” (Beeple 2021)
Também em dezembro passado, foi anunciada a atomização digital da pintura de Banksy “O amor está no ar” (“Love Is in the Air”) em 10.000 NFT, a serem colocados à venda por 1.500€ cada. Assim, os NFT permitem a muito mais pessoas colecionar obras de arte e permitem que um público mais jovem, ligado ao mundo digital, entre neste mercado. Mas convém esclarecer o que são NFT. Estas são as siglas de “non-fungible token” (“token não fungível”), sendo uma tecnologia que permite a criação de uma assinatura única, um certificado digital que assegura a autenticidade de qualquer tipo de arquivo digital (fotos, vídeos, mensagens, arquivos de áudio etc). Trata-se de tokens ou códigos numéricos com registro de transferência digital que garantem autenticidade aos seus donos. Na prática, eles funcionam como itens únicos colecionáveis, que não podem ser substituídos ou reproduzidos, mas sim transferidos. Pretende-se dar autenticidade a itens digitais, criando uma peça "original" a partir de um arquivo digital. É um tipo especial de token criptográfico mas, ao contrário das criptomoedas, não são mutuamente intercambiáveis. Um NFT serve para garantir que determinado item é original, pelo que ao comprar-se algo com NFT há a garantia de que a chave digital é única, garantindo
“'Everydays: The First 5000 Days” (“Todos os dias: Os primeiros 5.000 dias”), da autoria do artista digital Mike Winkelmann, mais conhecido como Beeple, foi vendido por 69 milhões de dólares, tornando-se a terceira obra de arte mais cara vendida por um artista vivo. A obra mais cara de um artista ainda vivo havia sido a escultura “Rabbit” (Coelho), do artista norte-americano Jeff Koons, vendida em 2019 por 91 milhões de dólares (cerca de 81 milhões de euros) num leilão da Christie’s, em Nova Iorque. Também vendida pela Christie’s, em 2017, foi a obra que atingiu o valor mais elevado até hoje, a pintura “Salvator Mundi”, de Leonardo da Vinci, leiloada por 450,3 milhões de dólares (cerca de 364,7 milhões de euros). Embora possa não parecer fazer sentido que a venda de obras de arte em NFT possa atingir os valores de obras físicas, o que é certo é que a adesão ao mundo digital é cada vez maior e o valor financeiro da arte é muito subjetivo, dependendo daquilo que quem compra está disposto a despender. As obras de arte expressam a época em que são produzidas e a sua valorização no mercado também. Qualquer um pode colecionar tudo o que quiser, pela quantia que estiver disposto a gastar, desde que a tenha. No que diz respeito a obras de arte,
a autenticidade do produto. É o equivalente a uma escritura que a pessoa recebe quando compra um imóvel. A escritura contém todas as informações sobre o imóvel, permitindo garantir a posse, mas não tem o imóvel em si. O principal valor dos NFT é baseado na confiança da autenticidade. As pessoas que compram NFT fazem isso porque atribuem grande valor a itens originais e exclusivos. Tal como determinadas obras de arte e objetos ganham valor e estatuto por serem exclusivos e únicos, também os NFT dizem respeito a algo único que existe no mundo digital e cujo acesso é apenas permitido por uma chave digital da posse do comprador. Tendo surgido há poucos anos, a adesão aos NFT tem aumentado de forma exponencial. O primeiro NFT foi criado em 2014, pelo artista Kevin McCoy e pelo empreendedor Anil Dash, durante um evento no Museu de Arte Contemporânea em Nova York que era palco de novas ideias que conectavam tecnologias inovadoras com a arte. Como demonstração, criaram o primeiro NFT chamado “Namecoin”, para registar um vídeo caseiro. Em 2021 ocorreu um aumento de 55% das vendas em relação a 2020, atingindo mais de 400 milhões de dólares. A 11 de março de 2021, um único arquivo jpeg, intitulado
cada vez parece mais difícil estipular os limites dos valores possíveis de serem atingidos, quer pelos obras físicas, quer pelos NFT relativos a obras de arte.
Ficha técnica Direção GORDA, Associação Sócio-Cultural Editor Henrique Dias Freire Responsáveis pelas secções: • Artes Visuais Saúl Neves de Jesus • Espaço AGECAL Jorge Queiroz • Filosofia Dia-a-dia Maria João Neves • Fios De História Ramiro Santos • Letras e Literatura Paulo Serra • Mas afinal o que é isso da cultura? Paulo Larcher e-mail redação: geralcultura.sul@gmail.com publicidade: anabelag.postal@gmail.com online em www.postal.pt e-paper em: www.issuu.com/postaldoalgarve FB https://www.facebook.com/ Cultura.Sulpostaldoalgarve
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MAS AFINAL O QUE É ISSO DA CULTURA?
O Algarve de Costa-a-Costa: Cacela, a Velha FOTOS ANTÓNIO HOMEM CARDOSO / D.R.
PAULO LARCHER Jurista e escritor
“As praças fortes foram conquistadas Por seu poder e foram sitiadas As cidades do mar pela riqueza Porém Cacela Foi desejada só pela beleza.”1
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eleza intemporal. Eis a primeira impressão quando ao chegar a Cacela olho das suas antigas muralhas as águas que a cercam: a enfeitiçante atração de algo muito belo a transformar-se em desejo, em volúpia de pertencer, de ficar para sempre a contemplar, a desejar. Não é porém universal essa poética sensação de completude. Há quem, mais terra-a-terra, apenas tenha avistado uma velha povoação que lentamente se desmoronava. “A mais ou menos doze quilómetros de distância de Vila Real de Santo António, carcomida e escalavrada pelo mar, definha de dia em dia a antiga vila de Cacela - residência que foi de D. Paio Peres Correia, que dali investiu a vingar a traição dos mouros de Tavira, tomando-lhes a cidade.”2 Indiferentes à deriva histórica e aos feitos militares de Cacela - mais numa onda poética que histórica -, eu
e o António3, sentados com vagar num banco adossado à velha igreja, contemplamos o que de facto ali mais impressiona: o mar, a ria, os labirintos que a água lenta desenha nas areias… A máquina fotográfica está em riscos de lhe escorregar das mãos, dada a sua evidente impotência perante a tão nobre, clara e doce presença das águas que em silêncio se deixam admirar. “Não andas tu à procura da cultura?”, perguntou de repente o António na sua voz pausada, sobressaltando-me, “pois aqui a tens; a cultura é isto, são as coisas, ou melhor, uma certa forma de as olhar”. Uma forma de olhar as coisas, diz ele. Mas será isso cultura ou apenas
sensibilidade ao estético nas coisas? “Dizer que a obra de arte faz parte da cultura é uma coisa um pouco escolar e artificial. A obra de arte faz parte do real e é destino, realização, salvação e vida”4. A arte é vida! Pois bem, muito obrigado aos muitos poetas que legaram a sua escrita aos muros límpidos de Cacela, e a tantos outros que num qualquer momento a tenham visto e amado. “O Eugénio de Andrade dizia que a Sophia gostava muito de gatos”, declara então o António, que tinha andado pelos recantos sempre muito atarefado com a sua máquina, “Ora vê lá isto”, e mostra-me no pequeno visor um gato malhado em observação atenta, empoleirado nas toscas muralhas de Cacela, sobre um cenário de águas e terras misturadas em pacíficos abraços, “é uma homenagem minha a ela, à poesia e à beleza de existir”. “Cacela Velha é um poema de poucos versos”, escreveu noutro tempo Teresa Rita Lopes, “quatro ruas desaguando num largo ao abrigo das muralhas, a igreja, o cemitério logo ali. Os mortos dão de vaia aos vivos. Aluado, o mar procura a terra. Seus frutos esguicham sumo sobre os das árvores, caídos no chão.”5 Sim, a realidade física de Cacela é pouco mais que isso, talvez por ter sido espoliada das suas prerrogativas civis e religiosas no final do século XVIII, após a fundação da Vila Real de Santo António. Talvez por essa razão (e outras…), parou no tempo, o que não a impediu, por exemplo, de ser a praia algarvia onde primeiro os exércitos liberais pousaram a biqueira das suas botas: “No dia 24 de junho de 1833 foi o lugar de desembarque do duque da Terceira com uma força de 2500 homens a cujo valor se deve a conquista do Algarve dentro de seis dias.”6 Do que ninguém, todavia, a poderá jamais despojar é da sua posição geográfica, da nobre face que oferece a um oceano pacificado por um estreito cordão dunar que arranca do Levante e se perde para poente,
numa sucessão onírica de matos e areias, construindo um cenário de uma sublime completude. É triste, porém, e um pouco nostálgico, presenciar o digno silêncio de uma povoação arredada da história não por carência de amantes mas por falta de defensores que a tivessem imposto ao mundo que a expulsara. Ainda sentado no mesmo banco de memórias, sou invadido por um prazer melancólico e delicado que tem a ver com a infância, mas também com a velhice, ou melhor, com o acerto de contas que habitualmente precede o fim. O acervo de todas as coisas que deveria ter feito mas por falta de tempo de imaginação ou de ocasião não fiz. Uma dessas seria o de viver junto ao mar para inspirar de cada gota salgada o perfume dos grandes momentos, das grandes celebrações cósmicas que rasgam os oceanos em lendas e em danças. Contemplando a imensidão que cobre de azul o grande Sul, penso que encontrei a pedra angular que completa o conjunto perfeito e efémero que constitui uma vida. Esta emoção deliciosa é uma paga que excede em muito o esforço de num único relance aprisionar o mar, a terra, o passado e o presente (e talvez um poucochinho de futuro), a dificuldade de tentar ao mesmo tempo amar e dominar a vida e as suas variadas formas. Em Cacela, melhor do que em qualquer outro local, apercebemo-nos
do véu que esconde uma parte invisível das nossas vidas e que só por intercessão dos deuses poderá ser levantado. Por exemplo, o véu sobre esse ignoto e vastíssimo território da infância onde se enraízam as dores e o júbilo das coisas entrevistas e logo esquecidas. Por isso mesmo, muitos séculos atrás, Ibn Darraj, poeta natural de Cacela, pedia o seguinte a quem tem mais poder que um simples homem: “Diz à Primavera: estende as nuvens do teu manto e abre os teus véus sobre os lugares onde brinquei na minha infância.” Cacela não é só um local que desde tempos imemoriais e até hoje atrai poetas e pensadores. Cacela é uma das formas de que a poesia se pode revestir. Ela é por pleno direito poesia, e os poetas que a cantam são apenas seus émulos, Ulisses, tentando fruir o belo canto inebriante das sereias mas, ao mesmo tempo, sobreviver a essa prova. (1) Sophia de Mello Breyner Andresen, Livro Sexto, 4ª ed., Moraes Editores, Lisboa, 1972, p. 15 (2) Joaquim Ferreira Moutinho, O Algarve, Tipografia Elzeviriana, Porto, 1890, p. 65 (3) Mestre António Homem Cardoso, fotógrafo. (4) Sophia, op. cit., posfácio, p. 75. (5) Teresa Rita Lopes, O Sul dos meus sonhos, in Viajantes, Escritores e Poetas, Retratos do Algarve, ed. Colibri, CELL/UALG, 2009, pp. 32-33. (6) Joaquim Ferreira Moutinho, O Algarve, Tipografia Elzeviriana, Porto, 1890, p. 656. * O autor não escreve segundo o acordo ortográfico
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ESPAÇO AGECAL
Algarve e a história cultural: Renascimento, luzes e sombras JORGE QUEIROZ Sociólogo, sócio da AGECAL
“Ele não vai à lavrada, ele todo o dia come, ele toda a noite dorme, ele não faz nunca nada, e sempre me diz que há fome!” Gil Vicente in “Auto da Feira”
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s séculos XV e XVI foram excepcionais em todas as áreas da cultura portuguesa. O País orgulha-se da sua produção artística humanista e dos monumentos do Renascimento, hoje os mais visitados. Em oito séculos não houve época de igual importância cultural e científica, mas surgiram também problemas demográficos, étnico-religiosos… luzes e sombras. Foram séculos em que Portugal contou com uma direcção política informada e culta, avançada nos conhecimentos, aberta ao mundo e às ideias, que investiu nas ciências, náutica, cartografia, astronomia, matemáticas, medicina, botânica, arquitectura, pintura, música, teatro, … O Reino dispôs dos meios resultantes do comercio com a África, as Índias e as Américas. Nas décadas de Quinhentos surgiram o “Cancioneiro Geral” de Garcia de Resende, primeira colectânea de poesia, os autos de Gil Vicente e o
O bispo Jerónimo Osório (1506-1580) foi uma figura de referência do século XVI no Algarve FOTO D.R.
novo teatro, a poesia de Bernardim Ribeiro e Sá de Miranda, a história de Damião de Góis, a primeira
gramática da língua portuguesa de João de Barros, “Os Lusíadas” de Luís de Camões, estudos da arqueo-
logia romana de André de Resende, as obras de botânica e farmacêutica de Garcia da Orta, a cartografia de Pedro e Jorge Reinel, Vaz Dourado, o primeiro historiador da arte António de Holanda, arquitectos como Diogo Boitaca (Setúbal), João de Castilho (Jerónimos), Francisco Arruda (Torre de Belém), Diogo Torralva (Tomar), pintores Jorge Afonso, Grão Vasco, Gregório Lopes,… e muitos outros. Foi ainda também um período sombrio para o pensamento humanista, consequência do Concílio de Trento e da instauração do Santo Ofício. Surgiram as perseguições político-religiosas, expulsão e conversão forçada das minorias mouriscas e judaicas, a confiscação de bens, autos de fé, um obscurantismo que marcou o retrocesso económico e cultural do País por séculos. Damião de Góis foi preso pela Inquisição, morreu em Alenquer abandonado e em circunstâncias estranhas, Garcia da Orta foi postumamente condenado por judaísmo e os seus restos mortais queimados num auto de fé, João de Barros e Luís de Camões morreram na miséria… E o Algarve? As “visitações” deram notícia do espólio artístico existente nos templos de várias cidades, historiadores de arte identificaram na arquitectura as presenças de Afonso Pires em Faro (Convento de N. Sra da Assunção), de André Pilarte em Tavira (Misericórdia), de António Rodrigues em Lagos (São Sebastião), entre outros. A extraordinária biblioteca existente em Faro e pertença do bispo D. Fernando de Mascarenhas, conhecida por Bodleyana, foi rouba-
Maria Luísa Francisco apresenta “Dicionário As Mulheres e a Unidade Europeia” em Lagoa
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obra “Dicionário As Mulheres e a Unidade Europeia” vai ser apresentada no dia 8 de Março - Dia Internacional da Mulher, na Biblioteca Municipal de Lagoa, pelas 18:30, publicada pela
“Coleção Parlamento” da Assembleia da República. A edição foi coordenada pelas professoras Isabel Baltazar, Alice Cunha e Isabel Lousada e destaca as mulheres portuguesas e europeias que se dedicaram a pensar a Europa e
a construção de uma unidade europeia durante os séculos XIX e XX. A apresentação da obra e moderação do debate estará a cargo da professora Maria Luísa Francisco, cronista regular do Cultura.Sul.
O livro tem a colaboração de 83 autores, conta com o apoio da Assembleia da República, da Secretaria de Estado dos Assuntos Europeus, da Secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade e tem o Alto Patrocínio do Presidente da República.
da no assalto dos ingleses em 1596 e encontra-se parte dela em Oxford. A figura de referência do século XVI no Algarve terá sido o bispo Jerónimo Osório (1506-1580). Osório, bispo de Silves entre 1564 e 1577, viveu a turbulência da transferência da sede da diocese para Faro, continuou bispo até 1580, ano da sua morte em Tavira. Escrevia, segundo os especialistas, num excelente latim facilmente lido e editado nos meios intelectuais europeus. O pai foi Ouvidor-Geral do Reino na Índia e Jerónimo enviado aos 13 anos para Salamanca, seguiu para Paris onde fez estudos aristotélicos, esteve em Bolonha, conheceu Loyola fundador da Companhia de Jesus, regressou a Portugal assumindo cátedra na Universidade de Coimbra. Borges Coelho considera que o Algarve “teve a sorte de ter um prelado reformador”, contudo pairam interrogações sobre as suas práticas e omissões, na colaboração com o Santo Ofício. Investigadores que estudaram o processo da Inquisição contra Frei Valentim da Luz, pároco do Convento da Graça em Tavira, referem que o Bispo Osório deu o seu parecer neste processo… Valentim da Luz acabou morto na fogueira em Lisboa a 10 de Maio de 1562. Seria justo que o Algarve lhe prestasse homenagem, como um símbolo das vítimas da intolerância. A história da cultura no Algarve encontra-se por realizar. Política e gestão cultural fundamentadas implicam investigação interdisciplinar continuada do fenómeno cultural. * O autor não escreve segundo o acordo ortográfico
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FILOSOFIA DIA-A-DIA FOTOS D.R.
A falha do sistema MARIA JOÃO NEVES PH.D Consultora Filosófica
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ecentemente Portugal foi alvo ciberataques a empresas de telecomunicações e laboratórios clínicos. A disfunção nestas empresas teve repercussões a larga escala nos seus clientes quer empresariais, quer particulares. Estes incidentes fazem-nos reflectir sobre a nossa relação com o mundo digital. Parece óbvio que criámos uma sociedade dependente de computadores, porém, qual é o grau dessa dependência? Será que sempre e em todos os casos nada podemos fazer? Há alguns anos atrás, acompanhei a minha sobrinha à escola para onde tinha vindo transferida. O funcionário da secretaria estava em plena batalha com o seu computador, de vez em quando olhava para mim e exclamava: “falha do sistema!” O problema arrastou-se durante bastante tempo e eu acabei por dizer que me tinha de ir embora, e puxei da carteira para pagar o almoço da nova estudante. “Isso não é possível! Tem de carregar o cartão e comprar a senha de almoço”. Então, faça o favor de lhe entregar o cartão para que se carregue e ela proceda como indicou, retorqui. “Isso não é possível! Não lhe posso emitir um cartão sem ter número de aluno. Não lhe consigo atribuir número de aluno porque há falha do sistema!” A partir daqui a conversa escalou. Finalmente, exigi que me levassem à funcionária chefe de cozinha, apresentei-lhe a minha sobrinha, e não arredei pé daquela escola até ouvir um “vá-se embora descansada que eu lhe garanto que a menina não fica sem comer”. Outro dia, em pré-pandemia, dirigi-me ao centro de saúde para fazer um curativo. Tirei a minha senha de tratamento e fui aguardar para a sala de espera. Havia uma grande tensão no ambiente. Reparei que o ecrã onde transmitem vídeos e aparecem os números das senhas estava desligado. A funcionária esclareceu-
-me: “falha do sistema!” Muito bem, respondi eu, então em que número vamos? A senhora olhou para mim com um ar incrédulo e repetiu num misto de irritação e condescendência: “falha do sistema!”. A conversa que se seguiu e que aqui reproduzo talvez pudesse fazer parte de um livro de contos kafkiano: - As pessoas que aqui estão à espera tiraram senha de tratamento? - Sim. - As enfermeiras que fazem os tratamentos já chegaram? - Sim. - Então porque não chamam as pessoas? - Há falha no sistema. - Está a dizer-me que as enfermeiras estão ali dentro à espera dos pacientes e ninguém entra porque o ecrã não está a chamar os números? - Há falha no sistema!
Acto seguido, abri a porta que dá para os gabinetes e chamei pelas enfermeiras. Sugeri-lhes que viessem chamar as pessoas pelos seus números para que fossemos atendidos por ordem, como compete. Ainda tentaram parar este acto de rebelião contra “o sistema” mas perceberam que não teriam de enfrentar apenas a mim mas toda uma sala de espera exaltada. Sou só eu que fico aturdida perante estas reacções à “falha do sistema”, ou o estimado leitor também? No artigo do mês passado intitulado “Mascarada?” apresentámos
teses que negam o livre arbítrio e defendem que o ser humano é predeterminado. Exactamente como os computadores da escola da minha sobrinha e do meu centro de saúde que estão predeterminados - programados - obedecendo sem hesitar, excepto quando falham, ou se lhes acaba a bateria. Por certo que os computadores, tal como nós, também apanham vírus. Se calhar, é por isso mesmo que acontecem as tais “falhas do sistema”. A verdade é que tanto na escola como no centro de saúde, embora nos prejudicasse muitíssimo a todos, não me ocorreu chamar a polícia e mandar prender o computador por não cumprir as suas obrigações. Um dia destes, quem sabe, deparamo-nos com uma “pandemia informática”. Que faremos então? Podemos dar largas à nossa raiva e atirar o computador pela janela, podemos desligá-lo, podemos parti-lo à pedrada mas... Por alguma razão, ainda ninguém se lembrou de criar um reformatório para computadores e não existe nenhuma lei que os puna. Se acreditarmos que somos predeterminados como os computadores, que consequências daí decorrem? Para começar, a responsabilidade ética desapareceria, e deixaríamos de ter qualquer incentivo para nos tentarmos melhorar. Passaríamos pela vida com um encolher de ombros, um “não posso fazer nada por mim próprio” ao género da música daquela primeira telenovela brasileira que um dia chegou ao nosso país: “eu nasci assim, eu cresci assim, e sou mesmo assim, vou ser sempre assim: Gabrié-é-la”. Pergunto-me se os investigadores que negam o livre arbítrio se atrevem a educar os seus filhos. Para quê repreender-castigar ou elogiar-premiar se a criança, sendo predeterminada, não poderia ter actuado de outra maneira? Em todas as civilizações conhecidas, os pais tentam educar os filhos, e as sociedades têm sistemas de recompensa e punição. Portanto, existe um acordo tácito em como o livre arbítrio e a responsabilidade ética existem. As excepções acontecem nos casos em que existe uma anomalia cerebral, demência, ou uma
doença do foro psiquiátrico. De nada serve punir um demente ou um esquizofrénico até à exaustão, jamais ficará são. No seu livro Ética a Nicómaco o filósofo grego Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.) utiliza o seguinte critério para determinar se o ónus ético é ou não imputável: uma pessoa é responsável pelo que fez, apenas se pudesse ter agido de outro modo. Nessa circunstância, “tanto a virtude como o vício estão em nosso poder. Está em nosso poder o fazer, e está também o não fazer; sempre que está em nosso poder o não, está também o sim.” (Ética a Nicómaco 113b) Suponhamos que uma pessoa descuidada conduz em excesso de velocidade porque não se apercebeu da placa que indicava o limite. Deverá ou não ser punida por essa transgressão? Aristóteles diz que a lei pune correctamente tais casos de delito ignorante, porque a pessoa é responsável pela sua ignorância negligente, da mesma forma que um bêbado deve ser responsabilizados pelos estragos que causa, mesmo que inadvertidamente, quando debaixo do domínio do álcool. A questão da liberdade torna-se mais complexa quando entramos no foro psicológico. Também no artigo do mês passado apresentámos a akrasia ou “fraqueza de vontade” de Santo Agostinho que rezava assim: “dai-me a castidade e a continência; mas não ma deis já.” (Confissões, 8:7) Este é um caso típico em aquilo que uma pessoas considera que é bom e os seus desejos entram em conflito. A pessoa que sofre de akrasia acaba por sucumbir aos desejos e fazer o que acredita ser mau. Pelo contrário, quando as crenças e desejos de uma pessoa estão em harmonia – como no caso de uma pessoa completamente virtuosa – as suas acções seguirão as suas crenças e desejos pelo que parece ser bom. Esta harmonia não está dada, cultiva-se. A virtude é um estado de carácter desenvolvido através da prática: torno-me corajoso agindo corajosamente, assim como me torno um bom leitor lendo muito. Que acontece com o vício? De maneira análoga, o vício desenvolve-se através da repetição: é adquirindo o hábito de enganar que uma pessoa se torna mentirosa, é bebendo demasiado que alguém se torna alcoólico, enfim, “são as condutas particulares que tornam os homens de tal ou qual índole” (Ética a Nicómaco 114a).
Temos aqui um bom exemplo de filosofia ocidental e oriental em perfeita sintonia: o conceito budista de Karma pode ser entendido como uma energia de hábito. Praticando a virtude com regularidade e disciplina tornamo-nos virtuosos, praticando o vício com frequência e insistência tornamo-nos viciosos. Os hábitos são muito difíceis de mudar, portanto, é de bom senso adquirir bons hábitos desde cedo. Justamente, Aristóteles admite que algumas pessoas são incorrigivelmente más, porque fixaram firmemente maus caracteres por persistirem em maus hábitos durante demasiado tempo. O filósofo dá-nos o exemplo de uma pessoa incuravelmente doente, que enfermou devido à vida dissoluta e ao desprezo pelas indicações do seu médico. Aristóteles não aceita desculpas vitimizadoras. Tornamo-nos na pessoa que somos agora, devido às nossas acções passadas, onde tivemos liberdade para decidir actuar desde ou daquele modo. No exemplo citado, a pessoa doente é responsável pela sua doença, embora não haja nada que possa fazer a esse respeito agora, por ser demasiado tarde para mudar. (Ética a Nícómaco, 1114ab). O que distingue os humanos adultos das crianças pequenas, dos animais e, por certo, das máquinas, é a nossa posse de razão prática. Esta capacidade permite-nos deliberar sobre o que fazer para melhor alcançar o que acreditamos ser bom. As nossas escolhas baseiam-se nessa deliberação. Somente criaturas que podem fazer esse tipo de escolha deliberativa são capazes de virtude ou vício, e apenas essas criaturas são responsáveis pelo que fazem. Por tudo o que aqui foi dito, creio que ser legitimo deduzir que nós somos radicalmente diferentes dos computadores. Pese embora o facto de o ambiente e a educação influenciarem o carácter, a pessoa não é um ser predeterminado. Então, se o nosso livre arbítrio existe, se podemos escolher, se podemos raciocinar, deliberar e agir, por que motivo baixamos os braços numa inacção submissa à máquina quando “há uma falha no sistema”?! Inscrições para o Café Filosófico: filosofiamjn@gmail.com * A autora não escreve segundo o acordo ortográfico
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FIOS DE HISTÓRIA
O Grande Conquistador FOTO D.R.
RAMIRO SANTOS Jornalista ramirojsantos@gmail.com
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asceu numa pequena aldeia de Barcelos e morreu com fama de santidade em Espanha. Mas não se sabe ao certo onde foi sepultado, nem onde se encontram os seus restos mortais. D. Paio Peres Correia foi Grão-Mestre da Ordem Militar de Santiago da Espada e esteve na conquista da grande maioria das praças algarvias na posse dos muçulmanos. Antes de se fixar em Castela, participou, já como comendador de Alcácer, na campanha do Alentejo, designadamente, na tomada de Aljustrel e Beja, tendo descido posteriormente com D. Sancho II para conquistar Mértola, Alcoutim, Vaqueiros, Castro Marim e Ayamonte. Cacela, que havia sido tomada na mesma altura, viria a ser recuperada pelos mouros que a perderam, definitivamente, pouco depois, para a coroa portuguesa. Instalando-se como fronteiro mor na Andaluzia, seria a partir dali que o freire guerreiro viria a organizar, posteriormente, as incursões de combate aos mouros no restante território do Algarve. Porque, alegava ele, “como nele metesse pé, tudo o mais lhe seria menos dificultoso” nos objetivos de afastar os muçulmanos do sul da península. Para tanto serviu-se de um informador cristão, um tal Gracia Roíz - ou Garcia Rodrigues - que negociava ou ”tratava neste Algarve com os mouros e os cristãos suas mercadorias” e que conhecia o terreno como as palmas das suas mãos. O negociante “lhe deu logo bom conselho e ardil” com instruções onde melhor se devia fazer o assalto. Assim partiram de Aljustrel em direção a Torre de Estômbar e não encontrando grande resistência foi logo tomada. Dias depois, seguiu-se a vila de Alvor. Segundo o investigador algarvio Ofir Chagas, na sua obra “Algarve e Andaluzia no Itinerário de D. Paio Peres Correia”, as primeiras conquistas puseram os mouros em sobressalto e levaram-nos a negociar com o Mestre a troca daquelas duas praças por Cacela, junto ao Guadiana. D. Paio Peres Correia aceitou o acordo por considerar Cacela “lugar forte sobre o mar e naquele tempo bem cercada, pelo que logo se mudou para ela e lhe deixou livres os outros lugares”. Tratava-se de uma antiga praça mourisca e oferecia
uma posição estratégica favorável ao grande objetivo militar e religioso da cavalaria de Santiago que visava a expulsão e domínio territorial dos muçulmanos. E foi ali que estabeleceu o seu quartel general. Depois de algumas escaramuças sem grandes resultados práticos, entrou-se numa fase de impasse acordado tacitamente por ambos os contendores. Até que um dia, ao que parece contra a opinião de D. Paio, um grupo de guerreiros cristãos decidiu empreender uma caçada para os lados do lugar das Antas, passando Tavira, zona de influência árabe. Para tanto - conta Ofir, citando o cronista Rui de Pina -, com alguma arrogância atravessaram a ponte entrando no coração da vila. Uma provocação que não ficou sem resposta: “Os mouros vendo-os passar por suas portas, a cavalo, tão seguros e parecendo-lhe como gente apoucada que o faziam em seu desprezo, receberam grande dor”, e partiram depois em perseguição dos seis cavaleiros cristãos. A eles haveria de juntar-se o mercador amigo Garcia Rodrigues, “o qual ia de Faro para Tavira com suas mercancias e vendo o ajuntamento e reboliço dos mouros” se reuniu aos seus e combateu a seu lado. Foi uma chacina. Morreram todos.
Avisado do massacre e depois de ter verificado com os seus olhos onde tombaram os seus homens, D. Paio Peres Correia, decidiu avançar sobre Tavira: “E com grande ímpeto de ira deu logo sobre muitos mouros e a outros que fugiram foi seguindo ao alcance (...) até chegar à vila, cujas portas acharam fechadas pelos que dentro ficaram e somente lhes abriram um postigo sobre que se deu o Mestre com eles (...) e se apoderou da vila”. Por esse tempo “era senhor dela um mouro por nome Abenfalila, do qual não se soube se morrera ou se fugiu”. Afirma Rui de Pina que a conquista desta importante praça algarvia se deu a 11 de junho de 1241. Contudo, Ofir Chagas, confrontando documentos diversos e seguindo o percurso do freire espatário, defende a tese de que a tomada de Tavira terá ocorrido em 1239. Foi por essa altura, de acordo com António Castro Henriques, no seu livro “Conquista do Algarve”, que terão sido tomadas também as praças de Albufeira e Paderne (1240), esta após algumas tentativas fracassadas. Nos anos subsequentes, e depois de ter pacificado a zona mais próxima da fronteira com a Andaluzia, D. Paio colocou-se ao serviço do rei de Castela onde terá permanecido de 1241 até 1248. Em dezembro de
1242 foi investido na qualidade de 17º Grão-Mestre da Cavalaria de Santiago. A sua coragem e bravura no campo de batalha e a capacidade de liderança demonstrada em diversos teatros de guerra foram decisivas e tornaram-no um dos principais obreiros da vitória dos cristãos nas campanhas de Múrcia e de Jaen, sendo esta uma praça de grande importância estratégica pela sua ligação e confluência entre Castela e Granada. Estava aberto o caminho para a tomada de Sevilha. Mas a conquista deste importante centro urbano e militar cercado por fortes muralhas, haveria de revelar-se uma tarefa muito mais difícil, exigindo uma maior mobilização de tropas e combates encarniçados que se prolongaram por dezasseis meses. E só em novembro de 1248 se deu a rendição sem condições da cidade andaluza. Cerca de 100 mil muçulmanos foram deixados partir e a 22 de dezembro, o rei D. Fernando III fez a sua entrada triunfal em Sevilha, com D. Paio Peres Correia a seu lado. Terminadas as campanhas na Andaluzia, o Mestre regressa ao Algarve para ajudar o rei português a eliminar as cidades e algumas bolsas de resistência que ainda existiam na posse dos árabes. A conquista definitiva de Aljezur, Loulé e Faro em 1249, foram as últimas batalhas onde ele ou as suas tropas terão participado, sendo que nesta última se tratou de uma rendição negociada entre o alcaide muçulmano e D. Afonso III. As datas referentes à conquista de algumas praças algarvias variam conforme as fontes e estão longe de reunirem o consenso entre os historiadores, sendo difícil dizer, por exemplo, em que ano se verificou a capitulação final de Silves. Contudo, para Ofir Chagas, a tomada de Paderne e Silves, como Estômbar, Alvor e Salir “devem ter sido submetidas entre 1241 e 1249”, provavelmente com a participação de cavaleiros santiaguistas mas sem a presença do seu líder que, entretanto, nesse período de tempo se encontrava ao serviço do rei Fernan-
do III, nas campanhas da Andaluzia. Apesar da conquista do Algarve, a sua integração no reino de Portugal não foi, porém, um caso pacífico e demorou tempo a ser resolvido, tendo em conta que também era disputado por Castela que o não reconhecia como território português. Alguns historiadores avançam que, a este conflito diplomático entre os dois reinos peninsulares, não deverá ter estado alheio D.Paio Peres Correia, desiludido e considerando-se indevidamente recompensado por D. Afonso III. O problema só foi definitivamente ultrapassado no Tratado de Badajoz, de 16 de fevereiro de 1267. Por este tratado, o Algarve passou a ser reconhecido por Castela como território português, tendo ficado assente que seria o Guadiana, desde a confluência do Caia até à foz, a fronteira entre ambos os países. D. Paio Peres Correia retirou-se então definitivamente para Espanha. Morre em 1275, aos 70 anos, em Ucles ou na comenda santiaguista de Montalban, em Aragão, conforme os autores, tendo os funerais sido celebrados no mosteiro de Ucles. Fontes em Espanha garantem que o Grão Mestre foi sepultado na igreja do hospital em Telavera de la Reina e que, por ordem dos reis católicos, os seus restos mortais foram levados para o mosteiro de Tendudia, em Calera de Leon, que foi a maior comenda da Ordem Militar do grande conquistador. Subsiste, todavia, a tese de que na igreja de Santa Maria de Tavira, onde estão sepultados os sete cavaleiros mártires, se encontram também os restos mortais de D. Paio Peres Correia. Na vida como na morte, foi admirado e disputado como grande combatente e conquistador em nome da liberdade cristã, pelo poder dos dois países vizinhos. E Camões lembra-o assim: “Olha um Mestre que desce de Castela,/Português de nação, como conquista/A terra dos Algarves, e já nela/ Não acha quem por armas lhe resista./Com manha, esforço e com benigna estrela,/Vilas, castelos, toma, e escala vista,/Vês Tavila tomada aos moradores,/Em vingança dos sete caçadores?” (in Os Lusíadas, canto VIII)
Fontes: “Algarve e Andaluzia no Itinerário de D. Paio Peres Correia”, Ofir Chagas; “Crónica de D. Afonso III”, Rui de Pina; “Conquistas do Algarve”, Antº Castro Henriques; outras.
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O Jardim sem Limites, de Lídia Jorge
O Jardim sem Limites consolidou a carreira de Lídia Jorge FOTO FRANK FERVILLE
O Jardim sem Limites, de Lídia Jorge, conhece agora a 5.ª Edição, pelas Publicações Dom Quixote. Romance de matriz urbana, cuja acção parte de um caso real e decorre em espaços reconhecíveis de Lisboa, publicado pela primeira vez em 1995, consolidou a carreira da autora algarvia, representa um dos seus mais ambiciosos trabalhos e concedeu-lhe o Prémio Bordallo Pinheiro de Literatura da Casa da Imprensa. PAULO SERRA Doutorado em Literatura na Universidade do Algarve; Investigador do CLEPUL
O romance como corpo e casa
A
narrativa é feita na primeira pessoa, como se percebe pela entrada de rompante no romance que inicia com “Ou por outras palavras” (p. 7), em que a narradora dá conta de como em Fevereiro de 1988 chega à casa da Arara onde passará a ocupar um quarto, pois sente, de forma premonitória (não sabe nem pretende explicar), que ali terá a reclusão e a privacidade necessárias para poder escrever. A narradora, de quem nunca se conhecerá o nome, tem uma intenção clara: “eu tinha um projecto mais amplo do que o meu próprio alcance, e caminhava na escrita com o passo bruto do cavalo.” (p. 8) Para tal, bastar-lhe-á uma tábua sobre duas mesas de cabeceira, onde instala a sua máquina de escrever, e “as teclas da Remington, repercutindo-se em
duplo, transformavam as palavras que escrevia num ruído poderoso e triunfal.” (p. 7) Não se sabe qual era o projecto inicial da narradora mas ao longo do romance parece claro que este se dissipa face à narrativa que se impõe dos projectos dos restantes hóspedes da Casa. É curiosa a relação que se estabelece entre a narradora e a sua máquina de escrever, pois dela nunca nada é dito, sendo que a sua existência na casa parece reduzida à Remington. Objecto esse que por vezes parece humanizado, como se se fundisse com o corpo da narradora que escreve incessantemente enquanto vai sendo visitada pelos vários ocupantes da Casa da Arara, rodeada do seu esquema de escrita, um desenho arborescente que cresce pelas paredes: “As teclas da Remington tinham-se tornado na Casa da Arara a sede da acção e do saber, como uma outra cabeça. Uma nova cabeça. Por vezes ela doía-me.” (p. 13) A própria palavra corpo será aplicada múltiplas vezes no romance, o que se pode associar à reflexão metanarrativa de como se arquitecta
a corporização do romance, como construção artística: “as teclas que soltavam imaginariamente o clap, clap escreviam as letras que compunham o corpo da ideia, de forma semelhante ao som” (p. 13). E é também no corpo de Leonardo – homem-estátua numa das principais praças lisboetas durante períodos cada vez mais longos, na tentativa de bater o recorde de imobilidade – que se pode ler a escrita de um sonho e de um projecto artístico, ao procurar a imobilidade. Outro aspecto que se destaca na narrativa é esta recorrência. O performer recorre à música minimalista de Philip Glass para se deixar evadir, superando os limites do corpo e da consciência, da mesma forma que as suas performances são um acto repetitivo descrito com muito poucas modificações: “o performer pegava no espírito disperso em volta do seu corpo, preso ao mundo pelo limite dos sentidos, recolhendo-o a si como um lençol que se dobra, para em seguida o comprimir, de modo a formar um pequeno novelo colocado entre a língua e a testa.” (p. 37) A própria narradora insiste no som recorrente do clap clap clap das teclas da máquina de escrever, cujo som chega a ser descrito e confundido com a música de Einstein on the beach: “comecei a ouvir um ruído semelhante ao que sempre havia dado suporte ao vapor das minhas mãos. O som aparecia no corredor como uma ondulação na mecânica significante da Remington – clap, clap, clap, clap…” (p. 19). A esta ópera minimalista de Glass, com 4 horas de duração, subjaz, resumidamente, uma intenção de quebrar as convenções tradicionais, o que parece ser também uma intenção subliminar deste romance. A narradora, na sua quase inexistência, assemelha-se a uma entidade que se limita a filtrar, como um “olho de vidro” (p. 172). Sobre ela saber-se-á muito pouco e a sua fala nunca é transcrita no corpo do romance. O leitor pode apenas presumir que ela se identifica em diversos aspectos com os outros membros da “geração rasca” retratada na narrativa. Advoga-se um princípio de isenção, “eu apenas me limitava a registar” (p. 173), como se o seu papel fosse apenas o de narrar, sem emitir opinião: “O meu papel era branco como o duma fina mortalha, não pesava, não ocupava espaço nas suas vidas, e eles sabiam-no.” (p. 170); “eu apenas queria ver. Não tinha de intervir.” (p. 342) Mas nesse seu olho de vidro e nesse seu papel branco a própria narradora acusa uma sombra.
A Casa da Arara A Casa da Arara assemelha-se a um palco em que diversas personagens entram e saem de cena, ou interagem em simultaneidade. Estas personagens são de uma forma geral jovens com cerca de 20 anos, oriundos de famílias com posses, que decidiram romper com o passado, isto é, com os seus progenitores, com a sua herança genética, e cultural (mas não com o legado financeiro), na busca do seu próprio sentido de vida. É curioso quando se alude na narrativa – num assomo intencional da voz narratorial – à palavra mãe, por intermédio de uma cena em que Falcão filma as vítimas do serial killer, com essa palavra escrita nas costas das mulheres mortas: “Afinal, muito mais gente, além deles, detestava essa palavra. Eles tinham rasgado esse mundo, abandonado essa prisão armadilhada pelo tempo, e por isso nem se lhe referiam.” (p. 185) Esta associação parece transmitir como é essencial a esta geração matar aquela que os precede, libertando-se dessa imagem e partir do zero... No caso de Leonardo, a arte estática é inclusivamente uma contestação ao modelo parental: “escolhi há muito tempo não querer nem deus e nem pai. Aliás, se quiseres saber, comecei a fazer performance estática exactamente contra meu pai, e depois, acabou por ser contra tudo para me fundir com o nada que é o tudo” (p. 220).
As artes em diálogo No corpo de Leonardo pode-se ler uma linguagem artística. Ele é um “auto-escultor de si mesmo” (p. 78) e “a estátua do seu corpo não era um embuste, era uma apurada construção” (p. 41). Paradoxalmente, o seu trabalho como homem-estático, que exige a preparação de um atleta, tem mais de metafísico do que de físico. Leonardo procura o limite da imobilidade, algo que executa “só para se conhecer” (p. 334), que serve como meio de “se encontrar com o seu Eu espelhável pelo Universo” (p. 346), de modo a “se fundir com o nada que é tudo” (p. 232)”, “concentrado sobre si mesmo, como confluência do mundo” (p. 275). A imobilidade praticada por Leonardo pode ainda ser lida como o ilimite da vida, e da arte, como se pode confirmar na conversa que o poeta tem com o jovem, quando lhe afirma que “em arte, nunca se fez nada enquanto não se tentou o ilimite” (p. 330). Sendo esse ilimite o desfecho trágico da acção, perto do final do livro… O próprio acto de escrita da narradora na sua Remington é elevado ao acto de criação divina: “Enfeitar des-
Romance valeu-lhe o Prémio Bordallo Pinheiro de Literatura da Casa da Imprensa
se modo as paredes em volta é como criar uma abóbada celeste. Como reproduzir, a modo do bicho-de-conta, a criação de um firmamento. Deleita a alma e entretém a vista, mais nada, absolutamente mais nada. De manhã uma pessoa acorda e entretém-se a olhar para a sua obra.” (p. 39) Parece seguro afirmar que O Jardim sem Limites é uma das obras mais complexas da autora e assinalou então a sua maturidade literária, tendo demorado três anos a escrever, até ser publicada em 1995. Neste jardim labiríntico pode-se aceder por diversas entradas, como é próprio da natureza de um bom romance. Compete ao leitor desmontar a narrativa, num processo de sentido inverso ao do autor que foi compondo a narrativa camada sobre camada. O Jardim sem Limites é um ensaio sobre o fazer da arte, dispersando-se numa multiplicidade de escritas do real, como o cinema, a fotografia, a pintura, a música. A arte é tomada na sua capacidade de representação do real mas numa linguagem cifrada, que nem sempre tem de coincidir com o verdadeiro, procurando antes o ilimite, superando o verosímil e transfigurando a realidade envolvente. A temática do trabalho implícito à construção de uma obra literária, como um bolo que se reveste de camada após camada, recuperada ao som do martelar monótono e palpitante das teclas, lembra o minimalismo da composição de Philip Glass, Einstein on the beach, e serve de banda sonora à personagem-narradora. Uma leitura que deve ser feita em diversas vagas, como ondas a rebentar numa praia, revolteando o areal, enquanto escavam e simultaneamente depositam mais areia, como uma história desvelada a cada nova leitura e reciprocamente coberta de novo significado.
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LETRAS & LEITURAS
Um Vasto Céu Azul, de Kate Atkinson
Kate Atkinson foi agraciada pela rainha Isabel II com o título de Membro da Ordem do Império Britânico por serviços prestados à literatura FOTO D.R.
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m Vasto Céu Azul é o novo thriller de Kate Atkinson, publicado pela Bertrand Editora, com tradução de Miguel Batista. Esta editora publicara já Transcrição (2020), um romance de espionagem passado durante a Segunda Guerra – mas muito diferente dos romances Vida após Vida e Um Deus em Ruínas (Relógio d’Água), cuja ação também se desenrola nesse período, e ambos vencedores do Prémio Costa. Um Vasto Céu Azul assinala a estreia em
Portugal de uma das personagens mais célebres da autora, o detetive privado Jackson Brodie. A saga iniciou-se com o livro Case Histories (ainda por traduzir) e foi adaptada a série de televisão pela BBC, com o mesmo título. Existem ainda outros livros na saga – One Good Turn, When Will There Be Good News?, Started Early, Took My Dog –, que podem ser lidos separadamente, mas serão mais desfrutáveis, naturalmente, se forem lidos pela sua ordem de publicação. Todos eles são êxitos de vendas. Um Vasto Céu Azul é o tão aguardado regresso de Brodie no mais recente livro da série, originalmente publicado em 2018, com o título Big Sky. Jackson Brodie mudou-se para uma tranquila vila na costa oriental do Yorkshire, onde leva uma vida igualmente pacífica, dividida entre a ex-companheira, o filho adolescente Nathan e a cadela labrador já velhinha batizada de Dido (por causa da rainha de Cartago, não por causa da cantora). Ex-militar, ex-polícia, com um passado familiar trágico, Brodie é agora detetive privado, embora ele ten-
tasse não usar essa designação: «tinha demasiadas conotações glamorosas (ou manhosas, dependia do ponto de vista.) Remetia demasiado para Raymond Chandler. Criava expetativas às pessoas.» (p. 31) A atual missão de Brodie é a de recolher provas da infidelidade de um marido a mando da sua mulher. Contudo, um encontro fortuito com um homem desesperado, prestes a atirar-se de uma falésia, é apenas o princípio do desenrolar de uma longa e intrincada série de peripécias, que o leva a descobrir uma sinistra rede de tráfico humano. Como proclama a sua antiga companheira: «Jackson nunca precisara de ir à procura de sarilhos, (…) os sarilhos encontravam-no sempre.» (p. 342) Kate Atkinson consegue a proeza de criar uma narrativa tão emocionante quanto atípica, atendendo ao facto de Um Vasto Céu Azul ser um livro tão diferente dentro do género policial. Entrelaçam-se aqui várias histórias, mediante o cruzar de diversas personagens, num calmo crescendo, até que as várias pontas soltas começam a formar
nós e pespontos. Brodie tem mais de anti-herói do que de herói, pois apesar da sua calma compostura e do seu humor sarcástico não deixa de ser ultrapassado, várias vezes, pelos acontecimentos. Até Crystal, a dona de casa com ar de boneca, o ultrapassa na capacidade de reação, perfeitamente ciente, por exemplo, de que ele a seguiu durante todo o dia… Bastante único, dir-se-ia até avesso ao género policial, é o humor – negro ou talvez tipicamente britânico – que perpassa a narrativa. Ainda que especialmente centrado na personagem de Brodie, a narração na terceira pessoa, que acompanha à vez a focalização das várias personagens, através de vários pequenos capítulos, dá-nos momentos de humor genuíno, em particular quando o leitor capta o que se vai passando dentro da cabeça do protagonista. Veja-se, por exemplo, este pequeno episódio quando Jackson bate à porta da casa de uma mulher: «- O que é? – perguntou a mulher do casaco de malha. «Muito bem, não há cá preâmbulos.», pensou Jackson. De perto,
O mundo que conhecíamos, de Alice Hoffman
Alice Hoffman é uma premiada escritora americana de grande sucesso FOTO D.R.
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mundo que conhecíamos, de Alice Hoffman, publicado pela Suma (Grupo Editorial da Penguin Random House), com tradução de Inês Guerreiro, revisita o Holocausto. A ação, situada entre Alemanha e França, atravessa 4 anos da Segunda Guerra, de 1941 a 1944, até ao seu ocaso. Contudo, não se tome Alice Hoffman como mais um desses autores que tem explorado o filão do Holocausto a título comercial, como outros títulos que têm liderado os escaparates das livrarias. Alice Hoffman, pouco conhecida em Portugal, é autora de uma obra em que perpassa, muitas vezes, o fantástico ou o maravilhoso. O mundo que conhecíamos é justamente uma obra eivada daquilo que se designa como realismo mágico. O mágico está, de facto, fortemente presente nesta obra, mas está, naturalmente, muito
distante do real maravilhoso sul-americano. Quando o controlo do regime nazi começa a apertar sobre Berlim, Hanni Kohn sabe que deve mandar embora a filha de 12 anos. Renunciar à filha é a única forma de a poder salvar. O desespero de uma mãe disposta a tudo, até do impossível, condu-la até um rabino, na esperança de que ele crie uma proteção para a filha. Ele não a recebe, mas Ettie, a filha do rabino, habituada a escutar o pai e com uma memória prodigiosa, proclama-se perfeitamente apta a executar o ritual e proferir as palavras sagradas capazes de criar uma criatura judia mística, um golem raro e incomum, que jure proteger Lea, a filha de Hanni. Ava, criada a partir do barro, torna-se um golem único, a primeira do seu género do sexo feminino e, conforme o tempo passa, e a sua ligação a Lea se estreita, tornar-se-á também cada vez mais humana. A partir daí os destinos destas jovens raparigas ficam ligados e os seus caminhos predestinados a cruzar-se. Alice Hoffman cruza assim religião, mitologia, história e magia para criar uma narrativa absolutamente enfeitiçante, numa belíssima prosa lírica, profundamente feminista: «O coração já começara a ceder, mas ela era costureira, e suturou-se bem de modo a conseguir avançar» (p. 39). A autora parece aliás fazer justiça a algumas das crenças enraizadas e depois usadas pelo regime nazi como arma: «desde a Idade
Média se pensava que os judeus eram mágicos, suspeitos de praticar feitiçaria» (p. 193). Acreditava-se que o golem, cujo objetivo é proteger os judeus, seria um ser parecido aos humanos, ativado por encantamento mágico, uma criatura forte e destemida, imbuída de capacidades sobrenaturais, capaz de falar com os pássaros e os anjos, ver sonhos e prever o futuro (p. 103). O mundo, cercado pela noite (de um azul cada vez mais carregado) e pelo horror, começa a mudar drasticamente: «um mundo onde tudo podia acontecer e nada era impossível» (p. 270). Os confins do possível são cada vez mais relativizados, quer pela banalidade do mal, quer pela magia e coragem que reside nas ações de algumas mulheres, e dois jovens irmãos, dispostos a tudo para tentar salvar o mundo que conheciam antes da guerra, e que tentam preservar a humanidade que resta, recusando-se a aceitar que o Anjo do Morte, permanentemente a pairar por perto, e o mal vençam. «Por essa altura, milhões de judeus tinham sido assassinados. Foram enviados para campos de morte, enterrados bem fundo em florestas da Polónia, corpo sobre corpo, frágeis e nus, retorcidos e dilacerados, detidos em Roma e na Grécia e em Paris. Eram almas que tinham enegrecido de horror e que agora se empoleiravam nas árvores, a tremer e em estupefação face àquilo de que os homens eram capazes, sem conseguirem sair do sítio onde ha-
Obra cruza religião, mitologia, história e magia viam sido assassinadas, incapazes de entrar no Mundo Vindouro. Tinham sido torturadas, separadas daqueles que amavam, obrigadas a escavar as suas próprias sepulturas, castradas, humilhadas, vendo o ouro ser-lhes arrancado dos dentes, gaseadas aos seis mil por dia, em Auschwitz.» (p. 202) Alice Hoffman, nascida em Nova Iorque, é uma premiada escritora americana de grande sucesso. Os seus livros sobre mulheres em busca das suas identidades misturam realismo e realismo mágico. Educada na Adelphi University e na Stanford University, começou a sua prolífica carreira escrevendo contos para revistas. Tem mais de 30 livros publicados, entre romances e livros para jovens e crianças, e uma legião de fãs em todo o mundo.
Romance de espionagem passa-se durante a Segunda Guerra conseguia ver o ar de desespero cavado nas feições esqueléticas dela. Podia ter qualquer idade entre trinta e setenta anos. Trocara os chinelos de avó por um par de botas pretas de couro envernizado, até ao joelho, e por baixo do casaco de malha, tamanho extra, vestia uma saia curta e um reduzido top de lantejoulas. Por muito que não gostasse de tirar conclusões precipitadas, Jackson não pode deixar de pensar «mulher da vida», e em saldos, ainda por cima.» (p. 263) A confirmar Kate Atkinson como uma das mais proeminentes romancistas da atualidade, independentemente do género em que se move, é também a forma como, num thriller policial, se mantém a qualidade literária a par de uma leitura que se quer rápida – devido à pulsão do leitor de querer saber rapidamente o que vai acontecer em seguida. Apesar da profusão de personagens e dos velhos segredos que muitas delas escondem, a narrativa mantém sempre a devida tensão. Há inclusive momentos em que, sem escorregar nas velhas fórmulas televisivas, a narrativa dá saltos ou, por outro lado, revela analepses – o que torna, com eficácia, a intriga ainda mais surpreendente. Da mesma forma, tecem-se, aqui e ali, pistas de leitura para outros livros de Brodie, da mesma forma que aqui ressurgem personagens já conhecidas. Há, por fim, uma pungente melancolia em algumas passagens, especialmente na relação entre Brodie e o filho Nathan, ou na relação com a filha, prestes a casar-se (e que se zangou com o pai, chamando-o de ludita). Esperemos que esta melancolia não signifique que esta seja a despedida de Brodie, da mesma forma que, ainda que este livro possa perfeitamente ser lido de modo isolado, ficamos ansiosamente à espera que se traduzam e publiquem os restantes livros da série. Kate Atkinson, publicada em dezenas de países e idiomas, conquistou o reconhecimento dos leitores e da crítica. Tem, assim, o raro dom de conquistar importantes prémios literários (como o Costa Book Award, três vezes) e estar simultaneamente sempre nas listas de êxitos de vendas. Foi agraciada pela rainha Isabel II com o título de Membro da Ordem do Império Britânico por serviços prestados à literatura.