d.r.
Milreu - StoryTrail:
Juventude, artes e ideias: d.r.
Ainda fará sentido?
a tecnologia ao serviço do património
p. 12
p. 2
Grande ecrã: d.r.
Cineclube de Faro em rentrée
p. 3
Um olhar sobre o património: d.r.
d.r.
Carlos do Carmo:
Património e Educação
a voz do fado em Faro
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Momento:
p. 5
d.r.
SETEMBRO 2014 n.º 73
Noite de fim de Verão em Olhão
Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o PÚBLICO
p. 7
9.351 EXEMPLARES
www.issuu.com/postaldoalgarve
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12.09.2014
Cultura.Sul
Editorial
Espaço CRIA
A Cultura como elemento diferenciador
O Lago dos Tubarões
Editor ricardoc.postal@gmail.com
A atractividade de uma cidade depende de inúmeras variáveis, mas passa decerto também e essencialmente pela oferta diferenciadora de cada urbe face às restantes. Conseguir ter uma oferta diferenciadora é um desafio para as lideranças políticas, em particular as autarquias, mas é obrigatória se se quer ver uma cidade progredir, em particular na área do turismo. A capital do Algarve necessitava e necessita de se afirmar de forma diferenciada se quer ter algum relevo como destino turístico numa região que oferece aos turistas muito para ver e fazer, em particular durante o Verão. A cultura desempenha nesta matéria um papel fulcral e Faro tem neste campo capacidade instalada para se poder afirmar com um programa arrojado de eventos culturais capazes de determinarem a diferenciação positiva face à restante região. Para tanto, haja arte e engenho para ultrapassar as dificuldades, nomeadamente, as de cariz económico e para se encontrarem os apoios e sinergias capazes de colocar a cidade na rota da cultura. A ideia de que os farenses recusam aderir a qulquer coisa que lhes seja proposta na cidade é um falso subterfúgio para a inacção, a prova disso mesmo foi a primeira edição do Festival F que ocupou no fim-de-semana passado a cidade velha farense. Os farenses aderem aos eventos que sejam capazes de responder àquelas que são as suas necessidades culturais e que correspondam às suas expectativas. Perceber isto é fundamental, pois a oferta cultural para ser atractiva para o turismo necessita de eventos a que adiram as populações locais. Não se faz um festival atractivo para os turistas e visitantes se ao mesmo festival não acorrerem as pessoas da terra, garantindo a moldura humana adequada a cada evento. Faro parece começar a perceber isto mesmo e a arriscar para colher. O tiro foi certeiro e a cidade respondeu à altura do desafio.
O Lago dos Tubarões ou Shark Tank, um programa americano que junta cinco grandes magnatas (tubarões) do mundo dos negócios dispostos a financiar, com as devidas contrapartidas, os negócios de alguns empreendedores, é um dos programas sensação do momento. Há quem ame, há quem odeie. No entanto, seja qual for o sentimento em relação a este programa, a verdade é que qualquer empreendedor, e apesar da realidade americana ser completamente diferente da portuguesa, poderá aprender alguma coisa com o mesmo. Grandes são as discussões acerca da qualidade do programa, mas também muitas são as risadas. No outro dia, li algures que poderia vir a existir uma versão em português. Confesso que tenho alguma curiosidade em saber quem será o Mr. Wonderful de Portugal. O meu interesse neste programa deve-se a muitos
Direcção: GORDA Associação Sócio-Cultural
independentemente da sua nacionalidade, são pertinentes para os empreendedores que buscam investimento. Nomeadamente: a) Números ou como o Mr. Wonderful diz: “Know your numbers”. Os empreendedores, que buscam fid.r.
os empreendedores mesmo que não consigam o investimento, pode ser decisivo e positivo para o desenvolvimento dos seus negócios. Apesar de muitos telespectadores não gostarem deste programa, a verdade é que são abordados determinados aspetos, que
nanciamento, têm de conhecer os “números do seu negócio”. Por outras palavras, saber quanto precisam, para que precisam e, caso já tenham implementado a sua ideia de negócio, quanto já ganharam, qual desse montante é lucro e qual a previsão para os pró-
ximos meses ou ano; b) Mercado. Conhecer muito bem o mercado e fundamentar as afirmações que fazem aos investidores. Por exemplo, nada de afirmar que o mercado de Design de Autor está em ascensão e depois não saber explicar de onde retiraram essa ideia ou não apresentar, com os resultados do seu negócio, provas disso; c) Outra boa pratica, e sempre que possível, é mostrar o produto ou dar uma amostra do (s) produto (s) ao investidor. Para além de representar um agrado, pode ajudar o investidor a entender melhor o mesmo. Existem muitos outros aspetos, no entanto, estes dependem da abordagem e do à vontade de cada um. Estes são pequenos detalhes que podem ser observados ao longo do programa e o que para uns não passa de puro entretenimento, para outros (participantes) poderá representar uma oportunidade de aprender a captar investimento e/ou de divulgar os seus produtos ou serviços. Isto porque se tiverem um projeto muito interessante, podem não vir a obter financiamento, mas tem cobertura televisiva para todo o país e isso é uma grande oportunidade para quem já tem o seu negócio em andamento, com produtos e/ou serviços já disponíveis no mercado, prontos para receber encomendas.
Juventude, artes e ideias
Ainda fará sentido?
Bruno Alexandre
Presidente da JSD de Olhão
Como jovem político, pergunto-me: ainda fará sentido falar de política aos jovens? É como se existisse uma barreira invisível a dizer: “Entrada só para adultos”. Os números confirmam-no. A abstenção cresce, sobretudo na nossa idade. Somos um país de preocupados “treinadores de bancada”. Mas esse é o primeiro passo para a participação política
(sim, quem acha que só se faz política num partido está enganado). E nós, jovens, somos preocupados. E sempre que nos preocupamos com a coisa pública, seja a que nível for, estamos a fazer política. É o primeiro passo: ver. Aqui surge um dilema: preocupar-me, só, ou pôr-me ao serviço dos outros? (Sim, quem é político e pensa só em si está muito enganado). Se assumirmos a meta de servir a sociedade, vamos ter de ponderar as nossas preocupações. É o segundo passo: julgar. Depois da análise, o último passo, que se pode dar por sermos cidadãos: agir. Sabias que uma vez por mês as sessões da Câmara Municipal, bem como as sessões das Assembleias Mu-
d.r.
Editor: Ricardo Claro Paginação: Postal do Algarve Responsáveis pelas secções: • O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N: Pedro Jubilot • Espaço ALFA: Raúl Grade Coelho • Espaço AGECAL: Jorge Queiroz • Espaço CRIA: Hugo Barros • Espaço Educação: Direcção Regional de Educação do Algarve • Espaço Cultura: Direcção Regional de Cultura do Algarve • Grande ecrã: Cineclube de Faro Cineclube de Tavira • Juventude, artes e ideias: Jady Batista • Da minha biblioteca: Adriana Nogueira • Momento: Ana Omolete • Panorâmica: Ricardo Claro • Património: Isabel Soares • Sala de leitura: Paulo Pires • Um olhar sobre o património: Alexandre Ferreira Colaboradores desta edição: Ana González Ana Lúcia Cruz Bruno Alexandre Maria Raquel Roxo Patrícia de Jesus Palma Paulo Serra Parceiros: Direcção Regional de Cultura do Algarve, Direcção Regional de Educação do Algarve, Postal do Algarve e-mail redacção: geralcultura.sul@gmail.com e-mail publicidade: anabelagoncalves3@gmail.com
on-line em: www.issuu.com/postaldoalgarve d.r.
Ricardo Claro
Ana Lúcia Cruz Gestora de Ciência e Tecnologia no CRIA - Divisão de Empreendedorismo e Transferência de Tecnologia da UAlg
fatores, mas em especial ao feedback que os empresários podem dar aos empreendedores. Este certamente, tal como na versão americana, resultará de anos de experiência e contacto com a dura realidade empresarial do nosso país e isso, para
Ficha Técnica:
Tiragem: 9.351 exemplares nicipais e das Freguesias são públicas? Que podes apresentar os teus problemas e propor soluções? E que podes fazer-te ouvir nos Conselhos Municipais de Juventude ou no Parlamento dos Jovens? Ver. Julgar. Agir. Não queiras apenas ver. Ouve a tua consci-
ência, e se ela te impele a ajudar os outros, a fazer mais e melhor, porque esperas? Não sejas apenas “treinador de bancada”. Afirma-te como jogador da equipa principal. Há muitos que precisam de ti! Ainda queres ficar de braços cruzados?
Cultura.Sul
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Grande ecrã Cineclube de Faro
Programação: cineclubefaro.blogspot.pt SESSÕES REGULARES IPJ | 21.30 HORAS | ENTRADA PAGA CICLO TRANSERUROPA 16 SET | O SONHO DE WADJDA, Haifaa Al-Mansour, SAU, 2012 NÓS? EUROPA? 23 SET | E AGORA? LEMBRA-ME, Joaquim Pinto, Nuno Leonel, PT, 2014 CICLO 24 ROTAÇÕES/ CINEMABRASIL 30 SET | TROPICALIA, Marcelo Machado, Bra/EUA/UK, 2012
FILME FRANCÊS DO MÊS 26 SET | L’ENFER, Claude Chabrol, Fra, 1994
Cineclube de Faro em rentrée As (quase) férias do Cineclube de Faro (CCF) de Agosto trouxeram-nos um conjunto de ideias inovadoras com óbvio reflexo na programação do CCF. Cremos que as propostas do CCF para os próximos meses, constituem um conjunto de excelentes propostas, numa programação mais diversa e versátil, nas cinematografias, géneros, origens, cores, sons, intérpretes, aromas, enfim... Assim sendo, e aproveitando as noites quentes do início de Setembro, retomamos o cinema ao ar livre para um mini-ciclo na esplanada d’Os Artistas. A partir de 16 de Setembro, regressamos às sessões regulares no auditório do IPDJ, com um formato de programação que será a tónica para os próximos meses. Dois ciclos intercalam-se, sendo um dedicado a algumas das mais recentes propostas do cinema Português e Europeu e o outro (TransEuropa) concentrando alguns dos títulos do resto do Mundo. Espaço então apenas para dois excelentes títulos,
Cineclube de Tavira d.r.
Programação: www.cineclubetavira.com 281 971 546 | cinetavira@gmail.com SESSÕES REGULARES CINE-TEATRO ANTÓNIO PINHEIRO | 21.30 HORAS 18 SET | 9 MOIS FERME (GRAVIDEZ DE... ALTO RISCO), Albert Dupontel, França 2013 (82’) M/12
Momento do filme L’Enfer, de Claude Chabrol por um lado, a 16 de Setembro, O Sonho de Wadjda traz-nos o filme da primeira mulher realizadora da Arábia Saudita e um retrato dos sonhos e da condição das mulheres naquele país. A 23 de Setembro, o fabuloso E Agora? Lembra-me, de Joaquim Pinto e Nuno Leonel, um objecto a todos os títulos fascinante que pulsa entre a história de amor
e o retrato autobiográfico, num dos melhores, senão o melhor filme português do ano. A juntar a estes, iniciamos a 30 de Setembro um ciclo dedicado ao Cinema Brasileiro Contemporâneo, com sessões mais esporádicas (1/mês), em que, aproveitando a proximidade do Dia Mundial da Música, exibiremos o exuberante Tropicália.
25 SET | A VIDA INVISÍVEL, Vítor Gonçalves, Portugal/Reino Unido 2013 (99’) M/14
Espaço AGECAL
Património tipográfico no Algarve: memória da escrita d.r.
Patrícia de Jesus Palma Doutoranda em Estudos Portugueses, Convidada da AGECAL, jovens investigadores da cultura do Algarve
A categoria património tipográfico será certamente pouco conhecida e, no entanto, desde há cinco séculos, que este património está no centro do longo processo de democratização e massificação da escrita. Em Portugal, a expansão tipográfica, com alcance verdadeiramente nacional, só aconteceu ao longo do século XIX através da instalação de casas de impressão por todas as províncias, sobretudo a partir da criação dos Governos Civis (1835), que as montaram nas suas secretarias para fazer face às necessidades burocrático-administrativas crescentes. O Algarve, depois de ter entrado para a história da tipografia nacional por aqui ter sido impresso o Pentateuco (Faro, Samuel Gacon, 30.6.1487), integrou novamente a rede de centros de produção ti-
Oficina Tipográfica: gravura de Jan van der Straet editada por Philip Galle, ca. 1590. © BNP P.I. 27116 P. pográfica em 1808, por altura das invasões francesas, dando um contributo deveras importante para a restauração da independência portuguesa e espanhola. Na verdade, o primeiro periódico da actual província de Huelva, a Gazeta de Ayamonte (18.7.1810-13.3.1811?), criado como instrumento de combate ao órgão de propaganda francês, a Gazeta de Sevilha, foi impresso em Faro, na ofi-
cina de D. José Maria Guerrero, que então se encontrava ao serviço da Junta de Governo do Algarve. Mas, a tipografia, tendo um papel crucial neste decurso, deve ser incluída num conjunto mais vasto de espaços por onde a cultura escrita impressa se dissemina e é apropriada por uma cada vez maior diversidade de leitores, de ouvintes e de espectadores. É assim que, ao longo de Oito-
centos, a par das tipografias, vemos surgir no Algarve os gabinetes de leitura, as sociedades patrióticas, as filomáticas, as escolas, a emergência da imprensa periódica, as sociedades teatrais, as de recreio e de instrução, os museus, as lojas de venda de livros e de periódicos, as bibliotecas populares… Ou seja, todo um conjunto de espaços de sociabilidade, de projectos e de iniciativas que têm na pro-
moção da palavra escrita, enquanto meio de emancipação individual, um dos seus principais objectivos e demonstram, em especial, a existência de uma rede por onde a cultura das letras se dissemina e fortalece. Se muitos destes lugares não são recuperáveis, outros há que o são, assim como os testemunhos dos seus protagonistas. É o caso das tipografias tradicionais que ainda subsistem na região, embora, na maioria dos casos em acumulação com os novos equipamentos gráficos. Mas há ainda resistentes: é o caso, por exemplo, da Tipografia Minerva do Comércio, no n.º 45 da rua 5 de Outubro, em Portimão, que continua a compor e a imprimir manualmente com as máquinas que, em 1926, fundaram a casa. Em todas as situações, estão à guarda de profissionais que têm nas suas mãos um saber com mais de quinhentos anos de existência. Prelos, cavaletes, tipos, máquinas de coser, de picotar e vincar, prensas para gravuras, guilhotinas, toda a maquinaria e documentação que compõem uma oficina tipográfica têm valor histórico. Um valor que deve ser preservado e promovido. Um espaço que é lugar de memórias e de memória da cultura escrita e do impresso.
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Cultura.Sul
Um olhar sobre o património
Aqui há espectáculo
Património e Educação
Agendar
Ao longo do seu historial tem o Cultura.Sul dado a conhecer aos seus leitores diversos olhares sobre a temática do Património Cultural, uns numa perspectiva mais técnica, outros tendo por base trabalhos realizados directamente no terreno. Com esta rubrica pretende-se tão somente acrescentar mais um olhar sobre esta abrangente área, na perspectiva de sobre ela fomentar e alargar o debate. Efectivamente, e a exemplo da própria definição de Cultura, traçar uma definição exacta e liminar de Património Cultural não é tarefa de somenos. A evolução da disciplina, das suas práticas e metodologias, da própria assimilação das comunidades do que é o Património Cultural, contribui para o dinamismo nas suas definições e conceitos. Mas não será este dinamismo, um dos fascínios desta área? Idos são os tempos em que os olhares sobre o Património se focavam em monumentos históricos, bens móveis e imóveis e obras de arte. Novas formas de pensar e de sentir levaram a que tradições, ofícios, saberes e também sabores se constituíssem como elementos a preservar e a conhecer melhor, não só pelo seu valor intrínseco, mas também pelo significado que encerram para quem os desenvolve e os percepciona, seja indivídualmente ou em comunidade. E é nestas relações entre o fazer e o sentir que o Património pode assumir a sua plenitude. A partir do momento em que a comunidade assimila como seus determinados saberes ou técnicas, potencia o sentimento de partilha comum a cada um dos seus indivíduos. A mera classificação de determinada manifestação, seja ela física ou não,
realizada tendo como público-alvo as faixas etárias seguintes. Será no encontro com estas gerações e na sua formação/educação para o Património Cultural que poderemos ajudar a construir uma sociedade composta por indivíduos sensíveis às diversas manifestações, materiais ou imateriais, que a elas consigam atribuir significados e que com elas se relacionem por forma a que eles próprios se tornem defensores do Património que é comum. Porque, convém não esquecer: o que consideramos como Património Cultural não deixa de ser uma herança, cultural, de algo que já teve um significado para alguém e que o deixou ou transmitiu às gerações vindouras. Do
17 a 27 SET | Festival Dance, Dance, Dance, dança contemporânea, espectáculos e workshops, vários preços
Destaque
Licenciado em Património Cultural, UAlg
Programação: www.teatromunicipaldefaro.pt
13 SET | Carlos do Carmo, música, 21.30 horas, 75 min, preço: 20 e 25 euros Mais do que um espectáculo, o concerto de Carlos do Carmo é uma viagem pela história da música portuguesa dos últimos 50 anos. Em 2014, Carlos do Carmo viu a sua carreira reconhecida com o mais alto galardão da indústria musical mundial, o Grammy Lifetime Achieve-
ment Award. Este espectáculo combina a imagem teatral, o teatro físico, a animação e manipulação de objectos e a música original que transportam o espectador para um universo intimista e próximo da realidade.
Cine-Teatro Louletano
Programação: http://cineteatro.cm-loule.pt 14 SET | O Tempo dos Dinossauros, cinema, 15.30 horas, 90 min., preço: 3 euros
d.r.
Destaque
Alexandre Ferreira
como Património não é, per se, garante da sua aceitação por parte da comunidade. É necessário haver uma relação afectiva para com essa manifestação, a qual desencadeará, naturalmente, a necessidade de protecção. Contudo, nem sempre o processo decorre desta forma tão linear (e romântica, atrevo-me a escrever), seja por desconhecimento, por desinteresse ou até por conflitos com interesses privados. É neste patamar que a Educação direccionada para o Património Cultural é ferramenta essencial para a sensibilização, reconhecimento, protecção e valorização dos bens culturais das comunidades, devendo constituir-se como um dos pilares da política nacional de ges-
Teatro Municipal de Faro
Património Cultural é transmitido às novas gerações tão, salvaguarda, valorização e conservação do Património Cultural. Mas esta componente educativa não deverá ser somente direccionada para as crianças e jovens, devendo antes ser sistematizada de forma a ser transversal às diferentes gerações. Existem hoje diversas abordagens à Educação Patrimonial, seja através da existência de Serviços Educativos em Museus ou Monumentos, seja através de iniciativas desenvolvidas em escolas, das quais já tivemos oportunidade de conhecer alguns casos concretos em edicções anteriores do Cultura.Sul, direccionados primordialmente para a população escolar. Contudo, são escassos os exemplos de uma abordagem
mesmo modo procedemos hoje ao classificarmos determinado bem ou manifestação como Património Cultural: estamos a atribuir valor e significado a algo que é passível de ser transmitido às futuras gerações. P.S.: Nos próximos dias 26, 27 e 28 de Setembro irão realizar-se as Jornadas Europeias do Património, coordenadas a nível nacional pela DGPC e subordinadas ao tema “Património, sempre uma descoberta”, com actividades a realizar por todo o país. Lanço o desafio para que o estimado leitor consulte a programação e, juntamente com a sua família, se lance à (re) descoberta dos tesouros que o rodeiam.
“VIBRAÇÕES” Até 30 SET | Galeria de Arte Pintor Samora Barros - Albufeira A pintura sempre esteve presente na vida de Paulo Botelho e os temas naturalistas das suas obras não escondem uma vincada influência gráfica nas composições e nas cores intensas e vibrantes que utiliza
17 SET | La Reunión, teatro, 21.30 horas, 75 min., preço: 8 euros Os Reis Católicos decretam a prisão de Cristóvão Colombo, por considerarem que abusou do poder nas Índias. Este, em resposta, pede uma audiência com a Rainha Isabel, a Católica, para explicar os seus actos e tentar uma absolvição. La Reunión aproveita este facto histórico para desenvolver uma ficção que
reflecte o comportamento do ser humano quando numa posição de poder. Esta produção aborda temas como a reivindicação dos povos indígenas, o poder da Igreja e da oligarquia e a luta de classes. Fala com o público sobre a condição humana em termos universais.
TEMPO - Teatro Municipal de Portimão
Programação: www.teatromunicipaldeportimao.pt
Destaque
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26 e 27 SET | Amor Meu, teatro, dia 26, 16 horas; dia 27, 16 e 21.30 horas, 60 min.
Se vasculharmos na nossa memória todos temos um primeiro amor. Pode ser um amor à primeira vista no autocarro. Pode ser um amor da nossa infância. Poder ser um amor à janela. Pode ser um amor num baile. Pode ser por bilhete ou por carta. Ou então, pode ser um amor por um contrabandista de Elvas que dança melhor do que ninguém. Pode ser por aquele actor que em cena era tão bom namorado. Pode ser pelo rapaz da oficina com aqueles olhos grandes. Pode ser pelo vizinho tímido. Ou pelo rapaz a quem abri a porta na festa. Ou mesmo pela rapariga com quem choquei na rua.
Pode acabar mal, quase sempre acaba. Pode, até, nem nunca ter começado. Pode não ser o mais marcante. Pode até já ter sido esquecido… Será? O Grupo de Teatro Sénior é uma iniciativa da Junta de Freguesia de Portimão e tem como objectivo promover o desejo daqueles que sentem apetência para fazer teatro, permitindo o desenvolvimento da autonomia, da sociabilidade, do espírito de cooperação e do trabalho em equipa. Esta actividade visa contrariar as adversidades da vida, combater a solidão e envolver os mais idosos em actividades de criação artística.
“O MUNDO DAS BONECAS” Até 3 OUT | Antigos Paços do Concelho de Lagos Em exposição uma colecção de família, onde podem ser apreciadas bonecas fabricadas em diferentes anos, como 1930, 1960 e, mais recentemente, 2014, feitas em papelão, porcelana, madeira, vinil, celulóide, borracha e algumas pintadas à mão
Cultura.Sul
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Panorâmica
Fado maior no Teatro das Figuras com a voz de Carlos do Carmo Os palcos do Algarve recebem todos os anos dezenas de grandes nomes da música, que permitem que a região os possa ouvir e deliciar-se, mas não é todos os dias que um palco da região se pode orgulhar de apresentar um nome maior da música nacional, do fado em particular, e um dos nomes portugueses de maior prestígio mundial. O Teatro das Figuras acolhe amanhã, sábado, o grande senhor do fado Carlos do Carmo, num espectáculo que está à data de fecho desta edição do Cultura.Sul [quarta-feira, dia 10] “quase esgotado, como refere Joaquim Guerreiro, responsável pela maior sala de espectáculos da capital algarvia. “Será um espectáculo intimista e onde decerto terão realce as enormes qualidades de comunicador de Carlos do Carmo e que muito nos orgulha ter no Teatro Municipal”, refere Joaquim Guerreiro. A sala cheia não espanta e é mais do que merecida para aquele que no rescaldo de comemorar 50 anos de carreira é, simplesmente, a voz do fado. Impressivo e impressionante, dotado de um timbre único e inesquecível, Carlos do Carmo não precisa prometer nada ao público que o aclama há décadas, espectáculo atrás de espectáculo. Basta-lhe ser igual a si mesmo, calmo, ponderado, intenso e reconfortante como é, nas conversas fáceis e soltas com que brinda a assistência por entre os momentos do seu dom maior que é o de cantor.
fotos: d.r.
Os duetos
Carlos do Carmo é o único português distinguido com o Grammy latino ‘Lifetime Achievement Award’ a Ary dos Santos, Joaquim Pessoa e Fernando Tordo; o memorável Estrela da Tarde, de Ary dos Santos com música de Fernando Tordo e o sempre marcante Os Putos,
onde desenhou as notas que receberam, uma vez mais, um poema de Ary, Carlos do Carmo é muito mais do que os prémios e integra em vida o património na-
cional da música. O reconhecimento internacional último Mais do que a manifesta
Um símbolo nacional
Agendar
Símbolo incontornável de fados que integram o imaginário colectivo da canção nacional, património imaterial da humanidade, em melodias e poemas como Canoas do Tejo, com música e letra de Frederico de Brito; Lisboa Menina e Moça, que juntou Paulo do Carvalho
As guitarras acompanharão, ainda, o fadista em O Que Sobrou de um Queixume; Calçada à Portuguesa e Fado do 112, bem como, nos temas Vou Contigo Coração; Nasceu Assim, Cresceu Assim e Loucura.
O fadista vai interpretar temas do seu novo disco ‘Fado é Amor’ “TESTEMUNHOS DE MILAGRE” Entre 19 SET e 20 SET | Galeria Municipal de Albufeira Exposição de pintura de Luís Athouguia, repleta de visões oníricas, de muitos cerimoniais, um lugar iconográfico das abstracções das formas e dos conteúdos
importância nacional, ‘a voz’ - porque se não lhe pode chamar coisa diversa - viu recentemente ser-lhe entregue o reconhecimento mais alto a que um cantor latino pode aspirar, ao receber da Latin Recording Academy, o Prémio à Excelência Musical “Lifetime Achievement”. Carlos do Carmo é o único português agraciado com um Grammy na categoria “Lifetime Achievment”, e apenas a cantora de ópera Elisabete de Matos, que recebeu um Grammy para Melhor Álbum Clássico, foi até hoje reconhecida pela academia latina. É esta voz, cuja discografia é imensa, quer pela proficuidade, quer pela qualidade, que subirá ao palco do Teatro das Figuras, para cantar e encantar com temas que vagueiam entre Por Morrer Uma Andorinha e Júlia Florista, passando por Lisboa Oxalá; Novo Fado Alegre e Pontas Soltas.
Decerto não faltarão os momentos para recordar outros temas insubstituíveis no percurso do fadista de Lisboa, mas Carlos do Carmo vem ao Algarve, também, cantar o seu novo disco Fado é Amor” Desde sempre enamorado pelo fado, o cantor enamora-se em Fado é Amor de muitas das vozes na nova vaga de fadistas nacional. As faixas do mais recente trabalho de Carlos do Carmo unem o grande senhor do fado ao ‘filho de lides’ Camané e ao arrepio da voz de Mariza. A alma masculina do fado canta lado-a-lado com a leve rouquidão de Carminho e a sinceridade vocal de Ana Moura, mas também se cruza com Ricardo Ribeiro, Raquel Tavares, Cristina Branco, Marco Rodrigues, Aldina Duarte e Mafalda Arnauth. O obreiro maior do fado património da humanidade volta assim a uma das suas facetas, a de mestre e mão amiga de quem se faz à epopeia que é cantar o fado e, uma vez mais, se faz lado-a-lado com as novas vozes ao mar alteroso das emoções feitas música que expurga as dores da alma. De sorte e destino, de amor e dor, de saudade e paixão se fará o espectáculo de Carlos do Carmo, com a força bruta de quem canta a canção nacional com dotes de mestria sendo, também, nessa medida, a voz de Portugal.
“ÁRVORE 3 OLHARES” Até 27 SET | Centro de Experimentação e Criação Artística de Loulé (CECAL) Exposição de Henrique Silva, António Travassos e Ana Oliveira. Sob a temática das árvores os três artistas mostram três visões diferentes e três artes distintas: a escultura, a fotografia e a pintura
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Cultura.Sul
Letras e Leituras
Uma outra voz - O rio do tempo
Paulo Serra
Investigador da UAlg associado ao CLEPUL
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Gabriela Ruivo Trindade é o mais recente nome da ficção literária portuguesa. Nascida em Lisboa, em 1970, psicóloga de formação, residente em Londres há dez anos com o marido e os dois filhos, é a mais recente vencedora do prémio anual Leya. Este prémio atribuído ao seu romance Uma Outra Voz consiste no valor de cem mil euros, sendo considerado a maior distinção literária nacional que distingue autores inéditos. A autora inspirou-se na vida de um seu antepassado, baseando-se em alguns factos ou pormenores que lhe foram chegando através de relatos contados e escritos pelos seus próprios familiares, nomeadamente no blog de família. Essa biografia imprecisa estava construída de forma imperfeita, e felizmente que assim era, como mencionou a própria autora em entrevista, pois foram justamente as lacunas que permitiram a procura de um sentido, criado a partir do fio desta narrativa. João Francisco Carreço Simões, nonagenário falecido em 1954, foi um empresário natural de Estremoz, terra dos avós da autora, e transformou-se assim nessa persona de papel que é João José Mariano Serrão. Na contracapa do romance podemos ler que este homem «foi um republicano convicto que contribuiu decisivamente para a elevação de Estremoz a cidade e o seu posterior desenvolvimento. Solteiro, generoso e empreendedor como poucos, abriu lojas, cafés e uma oficina, trouxe a electricidade às ruas sombrias e criou um rancho de sobrinhos a quem deu um lar e um futuro». Este discurso bastante encomiástico que encoraja, efetivamente, à leitura do livro, acaba por se tornar impreciso, na medida em que o livro dá, na verdade, muito pouca conta destes eventos mais importantes na vida da personagem, incidindo mais num discurso íntimo e emocional, tanto na voz do próprio, quando chegamos à segunda parte do
romance (as últimas trinta páginas), como na voz das outras cinco figuras que servem de espelhos da personagem. A narrativa acaba por ser muito mais sobre essas mesmas personagens do que naquela figura que se desejaria central. O livro Uma Outra Voz estrutura-se assim como um retrato de família polifónico. Existem cinco vozes não designadas mas claramente identificáveis. E esta estrutura, que procura assumir-se como esclarecedora, refratando a verdade em vários prismas, acaba por se revelar fragmentária, pois a figura ominosa de João José Mariano Serrão acaba por estar sempre lá embora, na verdade, seja muito pouco iluminada pelas vozes dos seus familiares. O mistério que se procura resolver com a escrita acaba por se adensar, da mesma forma que sucedeu na vida real. Deste modo podemos pensar neste romance como um puzzle criado a partir de uma tentativa de colar diversas partes de um retrato de uma família ou do retrato que essa família criou de um homem, imerso nas brumas do tempo: «O tempo é um rio. Um rio com muitas vozes». Existe um diário que desapareceu na vida real, mas de que se recuperam alguns trechos no final do romance, e que relatam os dias passados em África, facto várias vezes aludido mas nunca explicado antes porque se desconhecia, lá está, toda a verdade. Mas, como alerta o próprio João José Mariano Serrão: «Afinal, onde está a verdade. Eu digo-vos: a verdade não está em parte nenhuma. A verdade criamo-la nós, com as estórias que inventamos.» (pág. 309). Tessitura
fotos: d.r.
Gabriela Ruivo Trindade venceu em 2013 o Prémio LeYa essa reforçada nas palavras do alter ego da própria autora, no epílogo do romance, quando se refere ao processo de bordadura designado como pé-de-flor: «tem o mérito de andar para a frente andando para trás, tal e qual me senti muitas vezes nestas páginas»
‘Uma Outra Voz’ foi o primeiro livro publicado pela escritora “A VOLÚPIA E O SUPLÍCIO DA ESTEVA” Até 30 SET | 21.30 | Casa do Sal – Castro Marim Carlos Luz apresenta, na sua exposição, uma outra perspectiva sobre a esteva, geralmente associada à desertificação e a terrenos pouco férteis, mostrando também a sensualidade, o mistério e o sofrimento, inerentes à condição humana
(pág. 313). E é nesses dois epílogos a encerrar a obra que existe verdadeiramente um momento rico, original, porque despido de qualquer ilusão, onde a autora acaba por se assumir como a própria personagem que fala a partir do tempo presente, e parece dissertar sobre o próprio processo de escrita que lhe terá tomado três a quatro anos da sua vida nesta reconstrução histórica que, diga-se em abono da verdade, tem muito pouco de histórica. As mulheres desta obra são, aliás, personagens muito marginais, se quisermos entrar um pouco no campo da pós-modernidade da ficção literária contemporânea. Maria Filomena Alecrim, a quarta voz, e mãe das duas primeiras vozes a entrar em cena no corpo do romance, é uma mãe solteira de dois filhos, o que pode ser considerado bastante arrojado para a sua época, tendo esta mulher nascido em 1912. Na verdade só um dos filhos é que é de pai incógnito, José Eduardo, pois a outra filha, saberemos depois, foi adoptada. A quinta voz é Dona Ana, uma jovem prostituta, que vamos seguindo des-
de o seu início de “carreira”, em que é ainda uma jovem imberbe e virgem até se tornar ela própria na dona do bordel em Estremoz, contribuindo decisivamente para a sua modernização e adaptação aos novos tempos. São as duas personagens mais atípicas e peculiarmente curiosas do romance, pela forma como conduzem a sua vida, de forma independente e destemida. Uma das vozes mais arrojadas e singulares da narrativa, Donana é, afinal, o verdadeiro, grande e único amor da vida de João José Mariano Serrão, que repetidamente recusa os seus pedidos de casamento, pois prefere negar o que lhe vai no coração, preferindo persistir em agarrar-se à independência que conquistou. A terceira voz do livro constitui uma voz mais isolada. Álvaro, um jovem em revolta existencial, preso a uma cama de hospital, tendo acabado de receber a notícia de que não voltará a andar, é uma personagem inspirada num primo da autora, vítima de um acidente numa manifestação antifascista ocorrida no dia 10 de junho de 1978, em que um polícia disparou sobre ele, o que o deixou incapacitado. A própria autora assume como este episódio da narrativa se deve à necessidade que sentiu de abordar o 25 de Abril, da mesma forma que de início não pensou incluir essa história mas porque «mexeu muito comigo e achei que também fazia parte da história da minha família». Facto inegável, e que pode também justificar a pertinência da inclusão desta mesma história no conjunto da narrativa, é a forma como apesar de tudo a História se repete a si própria, mesmo com os seus erros, como aconteceu há não muito tempo numa certa manifestação. Considerado por alguma imprensa como uma obra-prima, à semelhança da obra vencedora do anterior prémio Leya (O teu rosto será o último, de João Ricardo Pedro), não perfilhamos dessa opinião embora esta obra siga um estilo fácil de ler, numa escrita escorreita e fluída como esse rio do tempo que procura retratar, num registo próximo da oralidade, onde predominam inclusivamente vocábulos de um “falar” alentejano, o que origina a inserção de um pequeno glossário no final do livro. A escrita segue um ritmo circular, pois a narração depende muito mais da carga valorativa dos acontecimentos e da associação livre, em que uma ideia leva a outra.
“13º FESTIVAL DE FLAMENCO” 12 e 13 SET | 21.30 | Centro Cultural de Lagos O Festival Flamenco de Lagos celebra a sua 13º edição com espectáculos de enorme beleza visual e sonora. As três formas de ver e sentir o flamenco: o cante, o toque e o baile, fundem-se e tornam-se num espectáculo de vanguarda, fantasia e ilusão flamenca
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Momento
Ana Omolete é o novo olhar da rubrica Momento Depois de anos a exibir o olhar do fotógrafo Vítor Correia, a rubrica Momento passa agora a mostrar a arte da captura do momento de Ana Omolete. A Vítor Correia, que por razões pessoais nos deixa, o agradecimento devido por anos de colaboração com o Cultura.Sul. A Ana Omolete, que assume agora este espaço, desejamos o sucesso que estamos certos atingirá, mostrando o seu olhar único sobre a realidade.
Noite de fim de Verão em Olhão Foto de Ana Omolete
Espaço ALFA
A fotografia como terapia
Ana González
Membro da ALFA
A fotografia tem sido uma grande aliada para o desenvolvimento de diversos estudos, em vários âmbitos profissionais, tais como: medicina, ciências, jornalismo, psicologia etc. A possibilidade de poder produzir imagens ampliadas para proporcionar estudos mais detalhados e precisos tem demonstrado uma ajuda preciosa em inúmeras áreas temáticas. Entretanto, a utilização da fotografia tem sido muito promissora, na medida em que esta se torna um instrumento facilitador, ajudando na comunicação de pessoas com dificuldade na expressão verbal sobre determinados temas. De uma forma pontual aplico o uso da fotografia para reabilitação de pessoas com doença mental. Esta iniciativa tem-se mostrado
uma agradável surpresa. Neste meio, existem sempre algumas dificuldades para estas pessoas exprimirem o que sentem, e deste modo, a fotografia permite criar estímulos para que as mesmas consigam manifestar interesse num determinado assunto, tornando a comunicação mais espontânea e desinibida. Através da fotografia é possível sensibilizá-las para pormenores que normalmente passam despercebidos, tais como, as texturas, as cores, a morfologia das plantas, o modo de observar os predadores naturais existentes nos jardins, o fascínio do mundo das sementes, etc. Aplicar a fotografia neste meio, gera uma forma de interação fascinante, pois salienta determinados aspetos que, muitas vezes, são difíceis de ser explicados. A fotografia representa um elemento promissor no acesso à informação quanto a um mundo único, onde pessoas com doença mental vivem marginalizadas na maioria das vezes, de forma solitária e incompreendida, resgatando de certa maneira uma auto-estima fragilizada pela própria doença ou pelas adversidades das suas circunstâncias.
d.r.
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Cultura.Sul
Espaço ao Património
Guadalupe - entre memórias e objetos
Maria Raquel Roxo
Técnica da Direcção Regional de Cultura do Algarve
“o essencial é saber ver, saber ver sem estar a pensar, (…) Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!), Isso exige um estudo profundo, Uma aprendizagem de desaprender.”
Alberto Caeiro fotos: d.r.
A Ermida de Nossa Senhora de Guadalupe é uma singela capela localizada perto da aldeia da Raposeira, concelho de Vila do Bispo, e tem na sua origem associado o culto a uma virgem negra. Templo onde desde sempre se celebram cultos comunitários de fertilidade, considerado pelos locais como propício para a realização de casamentos e batizados, era até há bem pouco tempo apelidado de Capela de Nossa Senhora de Água de Lupe, sendo muito frequentes as idas em romaria a este local para pedir a bênção da chuva. Para vos falar de como tudo começou, terei que recuar no tempo e recordar a preparação de uma pequena exposição sobre as memórias associadas a este templo: no decorrer de algumas conversas informais com os idosos residentes nas aldeias circundantes, fui conhecendo e descobrindo um universo que na altura me era inteiramente desconhecido; que existia um brilho nos olhos de cada vez que se fala da “ermida”, da “Guadalupe”
ciadas a este lugar, que mais tarde organizei duas oficinas educativas dirigidas ao Jardim de infância de Vila do Bispo. E foi com estas crianças de três, quatro e cinco anos que aprendi porque é que a forma como “sentem” (usando todos os sentidos mais o “sentir”, o sentimento) o que está em seu redor é tão despreocupada e tão “despida” de tudo. Aprendi que é preciso “purificar” os nossos sentidos, desembrulhá-los de aprendizagens, expetativas, preconceitos e códigos impostos para verdadeiramente poder aceder ao que é verdadeiro. Guadalupe, entre memórias e objetos
dir água à Nossa Senhora de “Água de Lupe”. Foi com esta ideia em mente, das memórias asso-
Guadalupe - entre memórias e objetos é um projeto educativo que se foca na importância das memórias afetivas que os objetos e os espaços encerram, na ligação da comunidade ao território e ao seu património, na noção de partilha e de pertença. Esta atividade foi ganhando forma a partir do desejo que há muito tinha de poder dar a conhecer
na comunicação e constitui, no fundo, uma construção mental elaborada pelo indivíduo e pela sociedade, podendo ser assim também uma poderosa ferramenta de controlo e de domínio. Mas o silêncio também apresenta um assinalável potencial mobilizador (“a força do saber fazer silêncio”, que, em última análise, se assume como uma espécie de silêncio sonoro), quando se pretende congregar o colectivo em torno de uma causa solidária (o exemplo do “silêncio por Timor”, durante três minutos, em Setembro de 1999). Mas há ainda os silêncios positivos, as pausas, os silêncios serenos, os de contentamento ou de enfado, e os “silêncios-sábios” (de que fala
Fernando Pessoa; ou quando se pensa nos grandes segredos dos alquimistas: “Quem fala não sabe, quem sabe não fala”). Adoptando igualmente uma abordagem sociológica, pode ler-se a certo passo: “Não deixa de ser irónico que este poder de produzir silêncio seja hoje incomparavelmente mais acutilante e eficaz do que o de produzir ruído” [p.59]. E o livro relembra ainda que, actualmente, a capacidade mais temível é a de gerar não o som sagrado (pois as possibilidades de difundir ruído foram muito alargadas e estão ao alcance de todos) mas o silêncio sagrado, o qual permita transmitir, sem perturbações, a mensagem essencial ao funcio-
Festa da escola na Ermida de Nossa Senhora de Guadalupe e a riqueza das histórias de vida desta gente. Fiquei curiosa e quis saber mais. Fui então descobrindo
as “estórias de dentro”, que demonstram o verdadeiro afeto e carinho que estas pessoas têm por aquele lo-
cal, especial para todas elas. E as saudades que têm das idas à ermida em “romaria”, muitas vezes à noite para pe-
Sala de leitura
Escutar Portugal Paulo Pires
Programador cultural no Município de Silves esteoficiodepoeta@gmail.com
A Fundação Francisco Manuel dos Santos [FFMS] editou, em Maio deste ano, no âmbito da sua colecção “Ensaios da Fundação”, a obra Sons e Silêncios da Paisagem Sonora Portuguesa, de Carlos Alberto Augusto, a qual constitui uma pertinente (e pouco habitual) abordagem ao universo do som em Portugal,
centrando-se em três vertentes principais: o ruído, o silêncio e a música. Um dos aspectos mais interessantes do livro tem a ver com as reflexões sobre o silêncio. Martin Luther King costumava dizer que no final não nos lembraremos das palavras dos nossos inimigos, mas do silêncio dos nossos amigos. Num texto inspirado pela obra de Albert Camus, inserido na obra Biblioteca (2004), o escritor Gonçalo M. Tavares disserta literária e filosoficamente sobre alguns efeitos do silêncio: Calado entrou na sala ruidosa assustando com a sua imobilida-
de e mudez aqueles que gritavam e davam murros na mesa. Todo o homem que entra traz um segredo. Mas o homem que entra calado traz um segredo e uma força. Calado saiu da sala de novo ruidosa. Mas os homens que gritavam e davam murros na mesa tinham agora algo mais: o medo. Todo o homem que sai rouba um segredo aos que ficaram. E todo o homem que sai calado leva o segredo e a força daqueles que ficaram. Se Tavares põe a tónica no silêncio enquanto epicentro de inquietação, expectativa, força e mistério (pela imprevisibilidade e medo que traz consigo) – pers-
pectiva que o autor Carlos Alberto Augusto também sublinha na sua obra como faceta dominante do silêncio em Portugal: o silêncio-medo (“Habituámo-nos, há muito, a guardar para nós, nos nossos botões, o nosso silêncio, a engolir as palavras, perdemo-nos no silêncio dos corredores, tememos o silêncio dos defuntos e guardamos silêncio sobre as nossas convicções” [p.48]) –, outras dimensões podem ser igualmente associadas ao mesmo. Explanando uma espécie de teoria do silêncio, a obra editada pela FFMS relembra-nos que este tem um valor operacional
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Os alunos foram convidados a visitar a ermida como “guardadores de memórias”: levaram consigo todos os registos desta visita; fosse através de algumas palavras registadas em papel ou sensações inscritas nas suas mentes; fosse através dos possíveis segredos sussurrados que em
tempos se ouviam através de uma cadeira (cadeira de confessionário) e pelas histórias mágicas contadas pelos mais velhos da comunidade sobre este lugar, em torno de um “objeto-memória”. A partir de um “objeto-memória”, neste caso uma lanterna a petróleo, as anciãs convidadas especialmente para este dia, a D. Joaquina e a D. Guadalupe, contam as suas histórias do passado: as viagens que faziam à noite em tempos idos, de como percorriam a pé estas terras com destino a este lugar, a esta ermida, para pedir a bênção da água, iluminadas pela luz desta lanterna. De como este lugar é desde sempre muito especial para
os mais velhos, pois é um espaço de fé, de esperança, de refúgio. Um lugar que lhes está no coração. A entrega pelas mãos da anciã do seu “objeto-memória” à turma foi o início de um processo que se pretende dinâmico, enriquecedor e promotor do retorno a este lugar. As crianças levam para a escola essa memória (a lanterna), juntamente com outras memórias que entretanto foram “guardando” e são convidadas a reescrever a mesma, enriquecendo-a com novas camadas, através da criação de um trabalho criativo realizado em conjunto. Fica a promessa de devolução do objecto às anciãs e de criação das suas próprias memórias. Este compromisso é assumido por todos e é “selado” com o toque do sino da igreja. A Ermida de Nossa Senhora de Guadalupe foi o lugar escolhido para a realização da festa de fim de ano lectivo desta escola, que aconteceu no passado dia 17 de junho, com a plena adesão de toda a comunidade escolar. O templo estava repleto de crianças, professores, pais, familiares, irmãos e vizinhos. A D. Joaquina e a D. Guadalupe foram também convidadas. No final da festa as crianças devolveram às anciãs o objeto-memória e apresentaram a toda a comunidade os trabalhos (desenhos) que criaram em torno dessa “memória” e sobre este lugar de memória.
na paisagem sonora é hoje o mesmo em todo o lado”, “sem quaisquer pausas ou respirações”), o autor sublinha o poder perverso da mesma ao nível do silenciamento, moldagem de ritmos e comportamentos, e condicionamento da escuta por parte do indivíduo e do colectivo. Ainda no domínio musical – e além de focar, de forma acessível aos menos especializados, aspectos técnicos relativos ao estudo dos sons (electroacústica, ecologia acústica, etc.) –, são explorados exemplos do quotidiano ligados aos ofícios dos moleiros, pescadores e pastores, em que se observa uma relação dinâmica e equilibrada entre os sons da natureza
e dos seres vivos e o ambiente sonoro mecânico (os utensílios, ferramentas e apetrechos usados nestas profissões), a qual configura, sustenta e equilibra harmoniosamente esses ecossistemas sonoros que aliam a vertente profissional/pragmática às dimensões lúdica, afectiva e relacional. Aliás, em Portugal têm sido muitos os estudiosos da Etnomusicologia que têm realçado a diversidade e riqueza da paisagem sonora nacional. Lembramos, por exemplo, os trabalhos de Michel Giacometti, que recolheu espécimes preciosos como o “Ai leva, leva” (melopeia polifónica entoada pelos pescadores para cadenciar o lançamento e recolha das redes)
ou o “Aboio” (cantilena usada pelos pastores para conduzir o gado e “matar o tempo”). A partir do exemplo dos “sinos electrónicos” (que, desde os anos 80, começaram gradualmente a substituir o toque humano dos sinos) e da consequente banalização do seu uso ritual, o autor alerta ainda para as repercussões mais perniciosas da mecanização da paisagem sonora portuguesa: “o ‘sino electrónico’ retirou a carga simbólica e dramática ao sinal, remexeu territórios à procura de identidades perdidas ou falsas, pôs em causa velhas relações de autoridade e espalhou a confusão” [p.43]. Há ainda lugar para uma
Atividade “Guadalupe - entre memórias e objetos” aos mais jovens a sabedoria associada a este local, materializada nas memórias e histórias pessoais dos mais velhos. As turmas do 3.º e 4.º ano da Escola Livre do Algarve (E.L.A.), situada na aldeia da Figueira e que segue a pedagogia Waldorf, foram especialmente convidadas para a participação neste projeto educativo. Era uma manhã fria e cinzenta de fevereiro, mas mesmo assim o grupo de cerca de 20 alunos da E.L.A. estava muito entusiasmado com a visita a este lugar, já conhecido por algumas das crianças. Sabiam que se ia falar de memórias. Mas o que são as memórias? E foi assim que se deu início a esta viagem…
namento das coisas. E o autor vai ainda mais longe na sua reflexão, numa afirmação (realista e irónica) que não dispensa uma leitura igualmente política: “Não adianta ter a capacidade de produzir som. Só quem tem a capacidade de silenciar os outros pode aspirar ao reconhecimento” [p.60]. Mas nem só de silêncios se faz este ensaio. Sempre imbuída do lema de Voltaire (o ouvido é o caminho do coração), a obra também fala da música como elemento da paisagem sonora portuguesa e da sua ligação aos meios electroacústicos de transmissão e difusão. Fazendo uma leitura muito crítica da presença musical nos órgãos de comunicação (“o figurino da sua marca
“O que é a memória? Podemos tocá-la? Podemos cheirá-la? Como guardamos memórias? As memórias têm cheiro? Existem objetos com memória? E este lugar? Que memórias terá?”
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foto: vanda oliveira
Ermida de Nª Sra. de Guadalupe - Jardim de Infância de Vila do Bispo
Desenho entregue por uma das crianças
fundamentada reflexão sobre o potencial poluente do ruído na sociedade actual (a chamada “esquizofonia”), em que esta obra questiona a relação entre o progresso material, a expansão do ruído e a surdez total da população, dissertando-se ainda, no tocante ao controlo do ruído, sobre a regulamentação existente em Portugal: “uma das causas principais para a ineficiência do Estado é a dependência absurda de critérios tecnicistas e legalistas para avaliar situações que são muitas vezes do senso comum. O fantasma dos equipamentos de medida e do decibel pairam sobre as reclamações de ruído como se estes fossem o princípio e o fim de qualquer ambiente sonoro
desejavelmente equilibrado e sadio” [p.35]. Os estudos científicos dizem-nos que os bebés conseguem ouvir sons logo nos primeiros meses de gestação, reagindo dentro da barriga da mãe a esses estímulos, e que à vigésima semana o seu ouvido está completamente formado, sendo que, aos três anos, a capacidade auditiva (e neuro-sensorial em geral) humana encontra-se no seu ponto máximo de evolução. Perante responsabilidades como esta, no remate da obra surgem duas questões, porventura, primordiais: não será urgente soarmos melhor (não fôssemos todos designers sonoros)? E pararmos um pouco para escutar melhor?
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Cultura.Sul
O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N
Setembro
Pedro Jubilot
pedromalves2014@hotmail.com canalsonora.blogs.sapo.pt
Estes dias de canícula fotos: d.r.
tembro, com mais uma edição da «Poesia na Rua», que tem como ponto de partida a herança poética de Ibn Darraj al-Qastalli, natural de Cacela, onde nasceu em 958, bem como de outros poetas que escreveram sobre Cacela Velha ou aí viveram, como são os casos de Abû al-‘Abdarî, Sophia de Mello Breyner Andresen, Eugénio de Andrade, Teresa Rita Lopes ou Adolfo C. Gago. Como vem sendo hábito, durante este dia Cacela Velha irá oferecer a todos os visitantes, sessões de poesia, conversas, exposições, apresentações de antologias, homenagens e um mercado de rua com livros e produtos locais. Mas porque esta será uma festa em redor das palavras, haverá ainda múltiplas obras para ler e consultar diante do magnífico cenário natural de Cacela Velha, bem como um «estendal de poesia» onde cada visitante será convidado a deixar o seu poema ou a levar consigo aquele que mais gostar. O programa começa às 10h00, e pode consultar-se no facebook do CIIPC – Centro de Investigação e Informação do Património de Cacela.
nosso país, não como agora que as crianças deixam o campo, a praia e a montanha para se meterem, contra a natureza, nas salas de aula durante os maravilhosos dias de setembro. O meu ano lectivo não seguia as datas dos países onde em Setembro já há frio e chuva. Está claro que agora o tempo deu uma cambalhota e já ninguém sabe em que estação do ano está!» ~ fala assim a sensibilidade de Sophia de Mello Breyner Andresen.
Estofo de Maré turado de mim por dentro./Sonho a esperança ténue de envelhecer devagar.»
Septetos
Postais da Costa Sul Em agosto perguntava sempre ao meu avô quando era o dia da maior maré do ano, embora ele quase sempre me dissesse que era bem provável que a de setembro ainda fosse um pouco maior. gostava de vê-la vazar muito e tentava atravessar com pé os canais da ria formosa. à tarde ia sempre ver até onde a água da preia-mar tinha chegado. ficava ali a observar aqueles 10 a 12 minutos em que se diz que as águas param. antes e depois da maré começar a vazar ou encher novamente. era então só nesses momentos que me apercebia que o mar era maior que a vida em terra.
~ depois que tu partiste, o vento começou a soprar muito forte de sudoeste, ou seja, do lado do farol do cabo carvoeiro. quando assim é, a areia da praia fica varrida e apesar de não estar frio, o desconforto provocado pelos finos grãos a picar no corpo faz com que os veraneantes levantem ferros mais cedo. até os pequenos guerreiros do areal são obrigados a bater em retirada, com promessa de novos reinos encantados algures perto dali. a falta desse burburinho, neste fim das férias de verão preconiza a tua ausência ~
Sophia e as férias
Poesia na Rua
o mar assomando à janela de sul é mais uma via de escape na simples brutalidade deste tempo quem sofrer que parta quem assim desejar, que fique quem ficar por aí que morra mas o que for o último a sair que escreva o poema e feche o postigo
António Bentes Francês
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As ruas de Cacela Velha voltam a encher-se de poesia, no próximo domingo, dia 14 de Se-
«Naquele tempo as férias eram mais compridas(…) estavam de acordo com o clima do
“LOS NUEVOS CAMINOS” Até 31 OUT | Casa dos Condes - Alcoutim Natural de Buenos Aires, Pedro Solá herdou da sua mãe e dos seus avós o gosto pelas artes. Concentra no seu espólio a pintura, o desenho, a escultura e a cerâmica
Abro a página de um blogue e reencontro António Bentes Francês (Lagoa, Algarve), poeta, olisipógrafo e contador de histórias e de sonhos. Relembro os versos de ‘O Chão dos Dedos’ (apa, 2001) que um dia li e transcrevi para me acompanharem num pequeno caderno, até hoje: «Gosto das coisas que não entendo completamente./Esse alheamento ajuda-me a vencer a inquietação./A inquietação de me sentir sa-
É um espaço da Rádio Universitária do Algarve em 102.7 fm, em Faro, dedicado à poesia. Diariamente, um poema. Uma rubrica onde sete escritores declamam curtas poéticas para dar a conhecer o que se faz pelo Algarve e para estimular o gosto pela poesia. Uma apresentação simples e fácil para chegar ao público em geral. Para que descubram a Poesia que ouvem, mas também a Poesia que todos têm dentro de si.
“A FÁBRICA (STAND UP COMEDY)” 19 SET | 21.30 | Centro Cultural de Lagos O trio de actores Pedro Borges, Telmo Ramalho e Marta Borges sobem ao palco com uma temática de fundo cativante, cenário e figurinos renovados, novos jogos de improviso e toda uma dinâmica de espectáculo que o torna ainda mais atraente
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Da minha biblioteca
Vera e Fábio – novas pinceladas nos Frescos de Pompeia
Adriana Nogueira
Classicista Professora da Univ. do Algarve adriana.nogueira.cultura.sul@gmail.com
Lívia Borges apresenta um segundo romance da saga Frescos de Pompeia. Digo «um» segundo e não «o» segundo, pois, como a autora tem revelado nas apresentações, quer de Julia Felix, o seu primeiro romance (v. Cultura.Sul, de agosto de 2011), quer deste, os seus livros foram desenhados como fazendo parte de um todo (alguns já estão mesmo completamente escritos), constituindo, no final, um vasto fresco da vida em Pompeios*, na época imperial. Este segundo romance de Lívia Borges tem como personagem principal uma escrava, que aparecia muito secundariamente no primeiro romance. Por seu lado, Julia Felix entra aqui, não como protagonista, mas como antagonista e propiciadora de muitas situações difíceis que Vera tem de viver e suportar. Uma forma inteligente de nos prender a uma coleção e de nos fazer ansiar pelo volume seguinte. E, apesar de haver uma relação lógica entre eles, a nossa ordem de leitura pode ser variável. Um desafio. Viajante no tempo
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Vera e Fábio (Chiado Editora, 2014) tem uma particularidade que estimula o meu gosto pela temática das viagens no tempo. É verdade, confesso. Sempre achei curioso como os autores resolviam as incongruências que necessariamente nos
vêm à ideia quando pensamos na possibilidade de alguém poder ir ao passado (ou ao futuro) e não alterar nada. E Lívia Borges passa com distinção, pois não é fácil fazer encaixar as peças do passado com as do presente. Nesta ficção, Vera, uma portuguesa a passar por um período de depressão profunda e desgaste do casamento, vai, um pouco contrariada, de viagem a Itália. Durante um passeio em Roma, na Via Ápia, é transportada para o passado, com o quebrar de um ovo (com toda a metáfora que um ovo carrega: princípio de novo ciclo, início, embrião de nova vida…), e é com o quebrar de outro ovo que retorna ao presente. Como resolveu a autora as situações mais práticas? Como comunicava Vera, não sabendo latim? Alguns autores põem todos a falar a mesma língua. Vemos isso quase sempre nos filmes americanos, onde todos falam inglês, desde os alienígenas aos índios, aos chineses, aos animais… Aqui, como Vera não sabia a língua do império romano, não comunicava quase com ninguém. Havia até quem a considerasse muda. E sempre que as outras personagens falam (em latim naturalmente), o texto aparece em itálico, e o seu teor realça a dificuldade de compreensão. E como fazer com as roupas? Há autores que colocam as personagens a surgirem nuas no local/tempo de destino (situação deveras embaraçosa, convenhamos). Lívia Borges optou por decidir que Vera manteria as suas roupas modernas ao chegar a Pompeios («– Que vestimentas são essas que usa? // – Algum costume bárbaro, certamente.» p.43) e o mesmo aconteceria quando regressasse ao séc. XXI («Pensava que tinha sido uma boa ideia descartar-se
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‘Vera e Fábio’ é o segundo romance de Lívia Borges da túnica romana rasgada e suja de sangue. Usava um vestido que surripiara num estendal, três números acima e que ajeitara o melhor possível ao corpo. Mantivera, contudo as sandálias romanas pois não desencantara nenhuns sapatos» p.282). Loquerisne linguam latinam? Este livro também é sobre a (ou a falta de) comunicação entre as pessoas. Querendo, há várias formas de nos fazermos entender, mas nem sempre muito eficazes. Este pequeno excerto, com um certo humor, demostra uma tentativa de entendimento (pp.137; 139): «– Queria agradecer-te, por aquilo que fizeste por mim… Foste tu que pediste a Julia Felix para me comprar.
“VOLKER HUBER, O HOMEM E A SUA VIDA” Até 4 OUT | Galeria de Arte do Convento Espírito Santo - Loulé Através de documentos fotográficos e vídeo, esta exposição tenta retratar a personalidade do fundador do Centro Cultural São Lourenço, em Almancil, revelando também a sua veia artística
Sem o teu gesto, estaria perdida (…). – Não percebi uma única palavra do que me disseste. Que língua falas, hispânica? (…) – De onde vens, Fabius? Vocês tratam-me por hispânica, presumem que venho da Hispânia. (…) O gladiador semicerrou os olhos. – Hum… Falas-me da Hispânia? Queres saber de onde venho. E ela tornou, decompondo o nome da província: – His-pâ-nia. E ele revelou, imitando-a: – Dá-cia… Dá-cia. Vera sorriu com a descoberta. – Dácia? – Dácia… essa é a minha pátria. A Dácia. Pertenço à tribo dos suci, mas vivi muito tempo na Mésia, junto à fron-
teira e ao castro da legião. – Dácia… Ora, a Dácia. – Ela colocou um dedo no queixo, revendo os seus conhecimentos sobre a geografia antiga. – Se vens da Dácia… A Dácia, se bem me lembro, agora chama-se Roménia. O que faz de ti, segundo a minha classificação… romeno. És romeno. Ele franziu a testa. – Romano? Por que falas nos romanos? Sou dácio, desprezo os romanos. Foram ele que me fizeram escravo. – Romanos? A que propósito vêm os romanos?» Viajem ao fundo da alma A ida ao passado de Vera (sintagma que encerra duas verdades, podendo ser corretamente lido no seu duplo sentido: «ida que Vera faz ao passado» e «ida que Vera
faz ao seu próprio passado») não é inócua. De facto, as nossas ações são sempre consequentes, sejam elas em que épocas forem, mesmo que não conheçamos o seu alcance. A bruxa responsável por esta viagem assume a responsabilidade da sua decisão, admitindo que alterou a história, mas não nos diz como: «Mudaste a tua vida e a vida de todos com os quais estiveste. A culpa foi minha, confesso. Interferi nos desígnios dos deuses. Mudei o teu rumo e mudei o rumo de Pompeia» (p.280). A viagem de Vera, que poderá parecer um sonho, é sentida sempre como muito real. E longe de ser uma mulher linda, esplendorosa, uma princesa (como quase todas as pessoas imaginam que foram em vidas passadas), Vera é uma pessoa normal, com um ar pouco fino, que vai viver como escrava, que encontra forças, crenças, resistência, resiliência, que nem sabia que tinha e que lhe vão servir nesta vida/tempo, de onde tinha fugido. Para quem gosta de romances históricos e de Roma antiga em particular (que é o meu caso), este livro, escrito de uma forma vívida (não ocultando a violência e as arbitrariedades da época), visual, olfativa, irá preencher as suas expectativas. E se ainda não leu Julia Felix (Ed. Presença, 2011), é altura de o fazer. * Em 2011, a propósito de Júlia Felix, escrevi neste jornal: «Pompeios – a minha formação de classicista obriga-me a esta nota. A cidade vesuviana, em Latim, é Pompeii, um nome masculino plural. O nome «Pompeia» foi um erro de tradução do popularíssimo romance de Edward Bulwer-Lytton, de 1834, The Last Days of Pompeii, por Os últimos dias de Pompeia. O nome da cidade, em português, é Pompeios.»
“O ALGARVE!” Até 30 NOV | 21.30 | Museu Municipal de Arqueologia de Albufeira Exposição com reproduções das pinturas de George Landmann, que apresenta imagens do Barlavento e Algarve Central no século XIX, captadas por um estrangeiro viajado e curioso
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Milreu - StoryTrail: as tecnologias ao serviço do património
PUB
d.r.
Aspecto da aplicação para plataformas móveis Dando cumprimento à sua missão de criar melhores condições de acesso aos bens culturais, a Direção Regional de Cultura do Algarve tem procurado requalificar os espaços visitáveis e os equipamentos de apoio à visita dos oito monumentos que tem diretamente a seu cargo. Neste âmbito, tem dado uma ênfase particular às questões de acessibilidade física e de comunicação desses bens culturais imóveis. Desde logo promovendo a necessária reflexão sobre os conceitos e práticas da acessibilidade (exemplificada nos encontros transfronteiriços de profissionais de museus algarvios e andaluzes). Mas também através da melhoria do acesso aos conteúdos explicativos, com a criação de nova sinalética para os monumentos e a instalação de meios auxiliares de leitura dos mesmos, exemplificada pela maqueta tátil dirigida a visitantes invisuais e amblíopes. Prosseguindo esta sua missão, a Direção Regional de Cultura do Algarve procurou a colaboração da Exciting Space. Esta empresa jovem, sediada numa incubadora de empresas de Lisboa e especializada na criação de conteúdos, desenvolveu o produto StoryTrail, um conceito que se começou a pensar há cerca de dois anos atrás e que a empresa apresentou já em dois concursos, tendo, em cada um deles, recebido a “Menção Honrosa”: Prémio Nacional das Indústrias Criativas Serral-
ves / Unicer (2013) e Vodafone Big Apps Lisboa (2014). O conceito – agora desenvolvido especificamente para as ruínas romanas de Milreu – é relativamente simples mas extremamente inovador. Em Milreu, um dos mais significa-
A Direção Regional de Cultura do Algarve, com a colaboração da empresa Exciting Space, introduziu nos monumentos que lhe estão afetos no Algarve um inovador conceito de visita guiada. Uma aplicação para equipamentos eletrónicos móveis desenvolvida para as ruínas romanas de Milreu, permite realizar uma visita ao monumento, explorando os principais pontos de interesse na companhia de uma guia virtual
tivos sítios arqueológicos do Algarve, situado junto à localidade de Estoi, podem visitar-se os vestígios de uma imponente villa da época romana, um palácio rural construído entre os séculos II e IV da era cristã mas habitado até ao século X. A partir de um guião preparado com a orientação científica de historiadores e arqueólogos, foi desenvolvida uma aplicação que pode ser utilizada durante a visita ao monumento, ou então a partir do conforto do lar. Carolina, a guia virtual, acompanha o visitante aos principais pontos de interesse do monumento, num percurso virtual por entre os edifícios romanos arruinados, e os seus passos podem ser seguidos no local pelos visitantes, enquanto ouvem os seus comentários acerca das instalações habitadas na Antiguidade por senhores e servos, num ambiente de luxo onde não faltavam as termas, os estuques pintados, as esculturas, os mosaicos e um templo monumental. A aplicação Milreu – Story Trail encontra-se disponível, de forma gratuita, na Apple Store, para iPhone e iPad, estando em estudo versões para Android e WindowPhone. Através da página internet www.cultalg.pt – Monumento de Milreu, também se consegue aceder ao link para descarregar a aplicação. Direção Regional de Cultura do Algarve
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