d.r.
Espaço CRIA:
Festival Verão Azul:
d.r.
A festejar é que está o ganho
Contemporaneidade mostra-se no barlavento
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p. 2
Grande ecrã: d.r.
A programação dos cineclubes
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Letras e Leituras: d.r.
Mitos revisitados, Marion Zimmer Bradley
p. 6
Sala de Leitura: d.r.
OUTUBRO 2014 n.º 74
O branco obstinado do verbo
Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o PÚBLICO
p. 8 e 9
8.614 EXEMPLARES
www.issuu.com/postaldoalgarve
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03.10.2014
Cultura.Sul
Editorial
Espaço CRIA
A música, sempre a música
A festejar é que está o ganho
Editor ricardoc.postal@gmail.com
O mês de Outubro começou, no passado dia 1, com a celebração do Dia Mundial da Música, um momento para alguns espectáculos evocativos na região, mas que acima de tudo deve ser um momento para reflectir sobre a música, enquanto fenómeno cultural. No Algarve, embora muitas vezes seja ignorada, há quem, todos os dias faça música e trabalhe em prol de uma das mais belas e versáteis demonstrações artísticas de que a humanidade é capaz. Um pouco por todos os géneros musiscais a cena criativa da música ‘made in Algarve’ tem gente de grande valor, indivudual e colectivo, que persegue o sonho de fazer sempre mais e melhor e de obter o reconhecimento público pelo respectivo trabalho. Há muito por fazer nesta matéria por terras algarvias onde a música se faz desapoiada, quase sempre com edições de autor, numa luta desigual com que popula na entourage das editoras por terras de Lisboa, principalmente, e do Porto. Deixando de fora o trabalho mais do que meritório da Orquestra Clássica do Sul, apoiada directamente pelo Governo, e de um ou outro caso absolutamente excepcional, todos os restantes músicos da região enfrentam na mais absoluta solidão enorme desafio que é darem-se a conhecer ao grande público. A música é o parente pobre dos apoios na área da Cultura. Os sons e as notas, as vibrações e o encanto que fazem da música uma linguagem universal parecem estar por sua conta e risco sem qualquer apoio, mas há quem consiga pôr uma lança em África e se uns conseguem porque não os restantes? Há pois um esforço de parte a parte a ser realizado, por parte dos músicos na apresentação de propostas credíveis a quem domina os recursos financeiros e logísticos e por parte das autoridades públicas na majoração da atenção dada a este sector.
Todos os anos o Algarve é o palco escolhido por Portugueses e por turistas de todo o mundo. As praias, as quentes temperaturas e a gastronomia regional são as cabeças de cartaz durante três meses, pelo menos. Inevitavelmente, verão é sinónimo de festivais, festas e feiras que animam o país de norte a sul. O Algarve não é exceção; em todos os concelhos da região se organizam vários tipos de eventos, sejam eles musicais, gastronómicos, históricos, religiosos, etc. Existem celebrações para todos os gostos, idades e carteiras. A referência a estas iniciativas procura salientar os seus benefícios. Destaca-se, em primeiro lugar, o envolvimento, o papel participativo e social das gentes locais. Organizar uma festividade também é uma forma de receber, de partilhar e mostrar
local. Por conseguinte, exige-se que se trabalhe mais e melhor para a atratividade e competitividade de cada local ou destino. O impacto territorial dos eventos passa também pela necessidade de melhorar as d.r.
setor hoteleiro. Qualquer evento é sempre potenciador para o desenvolvimento económico
infraestruturas, de se pensar urbanística e historicamente, tendo em consideração a manutenção da autenticida-
Direcção: GORDA Associação Sócio-Cultural
de dos sítios e da acessibilidade para os demais. Em estilo de exemplo, destaca-se o Festival MED como modelo regional de turismo cultural e criativo, que tem fomentado o crescimento económico da cidade de Loulé e o renascimento e reabilitação do centro histórico. O Festival MED tem sido perspetivado em prol dos residentes e do público, incluindo ambos os targets neste evento de world music que constitui um marco para a notabilidade da cidade a nível nacional e internacional. Neste festival, tem-se apostado na inovação, na criatividade e no desenvolvimento dos recursos existentes para chamar à cidade vários visitantes. Apesar da atual situação económica, ano após ano, tem-se assistido ao aumento de vários eventos devido à adesão do público, mas, também, pela motivação de se apresentar o que existe em cada lugar, despertando igualmente para a sua divulgação e crescimento económico local. É percetível que os festivais, festas e feiras só trazem vantagens (e muito trabalho; disso ninguém se livra), por isso, resta-nos manter o espírito de festejo que faz muito bem à alma e à economia da região e do país.
Juventude, artes e ideias
Desistir não é opção
Cláudia Sofia Sousa Jornalista
Um dia, há mais de 15 anos, deixei o Algarve rumo à capital, com uma mala cheia de sonhos. Queria estudar para ser alguém na vida. Todos me diziam que sim, que o meu sonho era possível, que iria realizar-se. À distância, os meus pais eram colchão, terra firme e alento. Lá longe, onde a família não estava e os amigos iam nascendo de novo, eu fazia a minha parte: estudava
muito. Ia aprendendo saberes intercalados com dissabores. O caminho nem sempre é tão recto quanto se deseja. Ao fundo do túnel de tantas noites de estudo, não havia um emprego, nem sequer uma luz. Seguiu-se uma longa epopeia de experiências pouco ou nada remuneradas. Nenhuma foi em vão. Em cada uma delas, errei muito e aprendi tanto. Aprendi a errar cada vez menos, cada vez melhor. E só assim, acredito, é que se pode aprender. Desenganem-se os que julgam que as oportunidades são feitas de sorte. A sorte é fugidia e não se deixa para aí apanhar. Nos momentos baixos, quando o sonho teimava em não realizar-se, distraí-me aprenden-
d.r.
Editor Ricardo Claro Paginação: Postal do Algarve Responsáveis pelas secções: • O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N: Pedro Jubilot • Espaço ALFA: Raúl Grade Coelho • Espaço AGECAL: Jorge Queiroz • Espaço CRIA: Hugo Barros • Espaço Educação: Direcção Regional de Educação do Algarve • Espaço Cultura: Direcção Regional de Cultura do Algarve • Grande ecrã: Cineclube de Faro Cineclube de Tavira • Juventude, artes e ideias: Jady Batista • Da minha biblioteca: Adriana Nogueira • Momento: Ana Omolete • Panorâmica: Ricardo Claro • Património: Isabel Soares • Sala de leitura: Paulo Pires • Um olhar sobre o património: Alexandre Ferreira Colaboradores desta edição: Alexandra Pires Cláudia Sofia Sousa Marisa Madeira Miguel Peres Santos Paulo Serra Parceiros: Direcção Regional de Cultura do Algarve, Direcção Regional de Educação do Algarve, Postal do Algarve e-mail redacção: geralcultura.sul@gmail.com e-mail publicidade: anabelagoncalves3@gmail.com
on-line em: www.issuu.com/postaldoalgarve d.r.
Ricardo Claro
Marisa Madeira Gestora de Ciência e Tecnologia no CRIA - Divisão de Empreendedorismo e Transferência de Tecnologia da UAlg
o conhecimento, evidenciar a diversidade cultural existente, proporcionando experiências aos visitantes. Por outro lado, existe a possibilidade de se obter lucro financeiro, tanto para os comerciantes, como para o
Ficha Técnica:
Tiragem: 8.614 exemplares
do. Cultivei o gosto pela leitura e pela escrita. Descobri que a vocação nos encontra quando começamos a julgar diversão o que afinal é trabalho. E como água em pedra dura, fui trilhando caminho, construindo uma identidade. Hoje sei o que
sou e o que quero ser. “O tempo e a cultura são árvores de fruto”, disse-me alguém sábio um dia. Por isso, vale a pena ir deixando sementes. Mais tarde, ao olharmos para trás, onde tudo parecia deserto, havemos de ver um pomar.
Cultura.Sul
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Grande ecrã Cineclube de Faro
Programação: cineclubefaro.blogspot.pt CICLO TRANSEUROPA IPDJ | 21.30 HORAS 7 OUT | NIGHT MOVES, Kelly Reichardt, EUA, 2013, 112’, M/14 21 OUT | SÓ OS AMANTES SOBREVIVEM, Jim Jarmusch, Reino Unido/Alemanha/ Grécia, 2013, 123’, M/14 (a confirmar) CICLO NÓS? EUROPA? IPDJ | 21.30 HORAS 14 OUT | CIÚME, Philippe Garrel, França, 2013, 77’, M/12 28 OUT | IDA, Pawel Pawlikowski, Polónia/ Dinamarca, 2013, 82’, M/14 ARTISTAS | 22 HORAS 3 OUT | Shortcurtz Xpress Faro CICLO DE CINEMA MEXICANO AUDITÓRIO TERESA GAMITO | CAMPUS DE GAMBELAS | 18.30 HORAS 22 OUT | EL ESTUDIANTE, Roberto Girault, México, 2009, 95’ Integrado nas comemorações do 150º aniversário das relações México – Portugal
Cineclube de Tavira prepara Encontro de Cineclubes do Sul Cinema, literatura, o documentário de um realizador que não faz filmes há dez anos (e que entretanto já fez outro, intitulado O Novo Testamento de Jesus Cristo Segundo João). Cinema polaco, português, italiano, iraquiano e franco-belga. É a nossa oferta para este mês de Outubro, o 186º mês de actividades do Cineclube de Tavira. Não só o Cineclube de Tavira continua, como o Cineclube de Évora apresentará este mês (entre os dias 21 e 25) a 12ª edição do FIKE - Festival Internacional de Curtas Metragens de Évora. Estaremos presentes, não só para ver parte de uma selecção de curtas bem interessantes, mas também para coordenar o Encontro de Cineclubes do Sul, um evento promovido pela FPCC - Federação Portuguesa de Cineclubes. O tema principal do encontro será sem dúvida a digitalização da exibição de ci-
Cineclube de Tavira
Programação: www.cineclubetavira.com 281 971 546 | cinetavira@gmail.com
d.r.
SESSÕES REGULARES CINE-TEATRO ANTÓNIO PINHEIRO | 21.30 HORAS 09 OUT | E AGORA? LEMBRA-ME, Joaquim Pinto – Portugal 2013, 164’, M/12
O actor Luís Miguel Cintra em ‘O Novo Testamento de Jesus Cristo Segundo João’ nema em sala, as suas vantagens para os multicinemas e as desvantagens para os cineclubes ou para as pequenas salas independentes que restam. Em Portugal
“salas independentes” significa salas que não são programadas pelas distribuidoras de cinema. Mais pormenores no próximo editorial...
16 OUT | MIELE (MEL), Valeria Golino – Itália/França 2013, 96’, M/16 23 OUT | FASLE KARGADAN (A TEMPORADA DO RINOCERONTE), Bahman Ghobadi – Irão/Iraque/Turquía 2012, 88’, M/14 30 OUT | VIOLETTE, Martin Provost – França/Bélgica 2013, 139’, M/14
Espaço AGECAL
Centros de documentação: espaços de ‘memória colectiva’ d.r.
Miguel Peres Santos Licenciado em Património Cultural pela Universidade do Algarve Convidado AGECAL, jovens investigadores da cultura do Algarve
Os centros de documentação são estruturas organizativas especializadas que geralmente se confundem com arquivos e bibliotecas, sendo muitas vezes a sua importância menos compreendida por parte de entidades públicas e privadas. Se os arquivos são constituídos por documentos únicos, históricos ou correntes, relativos às funções desempenhadas por uma ou mais entidades, as bibliotecas constituídas por documentos de todo o género, da ficção à ciência e à literatura, os centros de documentação são uma entidade “híbrida”, situada entre as duas anteriores. Reúnem acervos, especializados em determinadas temáticas, normalmente relacionadas com a
Alçado frontal da Biblioteca da Universidade do Algarve em Gambelas atividade da entidade gestora, por compra, doação ou permuta de documentos de origens variadas, materiais diversos e audiovisuais, originais ou cópias. Estes permitem uma preciosa ajuda à investigação e a preservação de documentos de valor permanente e referên-
cias documentais úteis ao estudo e ao aprofundamento de conhecimentos científicos. Permitem espaços onde investigadores e população têm acesso a uma variedade de ferramentas que facilitam também trabalhos de âmbito profissional ou particular.
As atribuições e as informações que são fornecidas pelos centros de documentação deverão ter um papel cada vez mais importante na investigação histórica e dos movimentos sociais e culturais. Sendo essencial que as entidades os instalem, de forma a permitir
um melhor conhecimento social das regiões onde estes se inserem. O material que o compõe deve ser devidamente registado, classificado e ordenado, ou seja, todos os exemplares devem ser catalogados segundo um sistema estabelecido previamente, que os técnicos estejam preparados e formados para tais funções. Na região algarvia, alguns dos museus municipais, a CCDRAlg ou a Região de Turismo do Algarve já têm nas suas instalações alguns exemplos de boa estruturação e funcionalidade de serviços de documentação, mas dever-se-á prosseguir o caminho da qualificação destes espaços, criando e assegurando as condições ideais à conservação dos documentos, informatização e tratamento de dados, formação de técnicos, um maior trabalho conjunto através de acordos de permutas e um esforço continuado de recolha de todo o tipo de materiais. Podemos concluir que os centros de documentação funcionam como instrumentos de “memória coletiva” e institucional, um “armazém” de informações acumuladas ao longo do tempo que permitem perceber e descobrir as organizações e a sua evolução.
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Cultura.Sul
Um olhar sobre o património
Aqui há espectáculo
Vamos restaurar?
Teatro Municipal de Faro
Agendar
Poucos dias depois da realização das Jornadas Europeias do Património (entre 26 e 28 de Setembro) subordinadas ao tema “Património, sempre uma descoberta”, foi noticiada mais uma intervenção de “restauro” que suscitou polémica. O restauro dos caixotões existentes no tecto da capela-mor da Igreja de Vilar de Besteiros, concelho de Tondela, ainda que efectuado por especialistas, segundo informações veiculadas pelas entidades responsáveis pela intervenção, não deixam de levantar diversas questões. Questões essas que se podem colocar em dois níveis: o da intervenção em si mesma e o do estado da disciplina em Portugal nos dias que correm. Foi em finais do século XIX que começou a surgir a preocupação e interesse na preservação de obras de arte em Portugal, contudo, só a partir dos anos 30 do século passado surge o cuidado e a necessidade de se empregar metodologias científicas que fundamentem e sirvam de base a intervenções de Conservação e Restauro. Muito graças ao rigor dos técnicos que então laboravam com os parcos recursos disponíveis, foram dados os primeiros passos no que hoje vulgarmente se chama interdisciplinaridade. Desde então um longo caminho já foi percorrido e a disciplina conheceu avanços intensos, não só fruto da evolução tecnológica, mas também da capacitação dos técnicos, existindo hoje uma oferta formativa diversificada em quase todo o país (com excepção do Algarve, apesar da tentativa gorada de há uns anos atrás) e que abrange o ensino secun-
Destaque
04 OUT | NOME, música, 21.30 horas, 80 min., preço: 10 euros
30 OUT | Noites de Sofá com POP DELL’ARTE, música, 21.30 horas, 90 min, preço: 12,50 euros Os Pop Dell’ Arte são um projeto musical criado por João Peste no início de 1985, que nesse mesmo ano concorreu à segunda edição do Concurso de Música Moderna do Rock Rendez-vous, tendo ganho não só o prémio de originalidade, mas a atenção da crítica e uma legião de seguidores. “É
preciso amar as contradições”, assim se dizia numa das suas canções mais emblemáticas, Illogik Plastik, e era exactamente esse o espírito deste projeto transgressivo. Em quase 30 anos de carreira, gravaram cerca de uma dezena de discos e deram concertos históricos.
Cine-Teatro Louletano
Programação: http://cineteatro.cm-loule.pt 16 OUT | Improvisos à quinta, com Ana Figueiras, 21 horas, 75 min., entrada livre
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Destaque
Licenciado em Património Cultural, UAlg
alguém que até tendo “jeito” para a pintura não é técnico, o qual se encontra sob orientação do”Conservador”. Nestes casos a culpa não morre solteira. Evidencia não só uma enorme falta de rigor de quem coordena, mas também uma total inobservância da ética e deontologia associada a esta actividade. Finalmente, um outro interveniente do qual ainda não falámos: o promotor da intervenção, o qual na maior parte dos casos, não tendo quaisquer conhecimentos desta área, encomenda o serviço tendo em conta quase somente parâmetros financeiros, relegando para segundo plano outros parâmetros. Tanto mais grave se torna esta si-
Imagem de São Lucas em Vilar de Besteiros, Tondela, esteve no centro de uma polémica sobre a qualidade de alguns restauros No corrente ano outro caso, além do acima apresentado, surgiu nos meios de comunicação social, desta feita em Oliveira do Hospital com o suposto restauro de estátuas do século XIX, o qual ignorou por completo todos os preceitos, metodologias e técnicas que devem ser aplicadas em intervenções deste cariz. Neste caso, a concretização do “restauro” ficou a cargo de alunos de uma Universidade Sénior sob orientação de um “Conservador” de uma fundação. E estas situações não são tão raras quanto se possa pensar: a execução do “restauro” ser efectuada por
tuação, quando alguns destes promotores integram estruturas que de há uns anos a esta parte têm desenvolvido trabalho meritório de Conservação e Restauro. A proliferação destas situações, conhecidas do público em geral ou não, continuará na medida em que continuar a faltar massa crítica, externa à disciplina, capaz de efectuar escolhas informadas, seleccionando os técnicos mais capacitados para a intervenção a realizar, reduzindo o espaço para que “curiosos” possam continuar a prestar um péssimo serviço ao nosso património e à nossa história.
“CONCERTO COM QUARTETO CONCORDIS” 11 OUT | 21.30 | Centro Cultural de Lagos O quarteto (Eudoro Grade, João Venda, Rui Martins e Rui Mourinho) oferece um conjunto de peças musicais, como French Pot-Pourri num extraordinário arranjo de Roland Dyens, Carmen Fantasy de Stephen Goss, Chet Atkins, Manuel de Falla, Bellinati e Carlos Paredes
24 OUT | Open Hamlet, teatro, 21.30 horas, preço: 7 euros A ideia de fazer um espetáculo é semelhante a abrir uma porta, que é um gesto simples se tudo for conforme as condições a que estamos habituados a atravessar. O estranho é que, no entanto, as portas ou a porta do teatro nunca se cinge ao lugar anterior. Talvez seja melhor refe-
rir que essa porta é uma porta viva, um corpo que saiu um dia por aí fora, pelo mundo a cantar e a dançar a correr em direção ao horizonte como um cão faminto de si mesmo, que experimenta a velocidade e o vento no focinho, enfim, é uma porta de vento, uma porta cão, uma porta horizonte...
TEMPO - Teatro Municipal de Portimão
Programação: www.teatromunicipaldeportimao.pt
Destaque
Alexandre Ferreira
dário, via profissionalizante, e ensino superior. Mas se a disciplina à partida garante um bom corpus aos técnicos, este é reforçado com o quadro legislativo que regulamenta o acesso ao exercício da actividade de conservador-restaurador, o qual necessita que se cumpram determinados requisitos para aceder à categoria. Desta forma conseguir-se-ia garantir a preservação do valor histórico das obras intervencionadas, a reversibilidade da intervenção, e aonde possível a intervenção mínima: apostar na conservação preventiva da obra, com o mínimo de restauro que o seu estado exija. Puro engano!
Programação: www.teatromunicipaldefaro.pt
09 a 11 OUT | 15ª Festa do Cinema Francês, cinema - vários filmes, preço: 3,50 euros
Organizada pela Embaixada de França, pelo Institut Français du Portugal e pela rede das Alliances Françaises em Portugal, a Festa do Cinema Francês festeja este ano o seu 15° aniversário. Tendo estado no ano passado em sete cidades do país, este ano serão perto de 20 as anfitriãs desta festa, entre as quais Portimão, que recebe seis filmes, tem como objectivo promover o desejo daqueles que sentem apetência para fazer teatro, permitindo o desenvolvimento da autonomia, da sociabilidade, do espírito de cooperação e do trabalho em equipa. Esta actividade visa contrariar as adver-
sidades da vida, combater a solidão e envolver os mais idosos em actividades de criação artística. 09 Outubro, 21.30 horas, LIBRE ET ASSOUPI (antestreia) 10 Outubro, 10 horas (escolas) LA COUR DE BABEL (antestreia); 21.30 horas COMME UN LION (antestreia), 11 Outubro, 16horas (famílias) LE PÈRE FRIMAS e L’OEIL DU LOUP; LE SCHPOUNTZ, 19 horas
“RETRATOS DA ÍNDIA” Até 10 OUT | Sala de atendimento da Empresa de Águas e Resíduos de Portimão (EMARP) Francisco Gil estudou artes plásticas na Escola Superior de Belas Artes do Porto e é doutorado em Educação Artística. Desde 1997 é docentes na Universidade do Algarve, nas áreas da Comunicação, Artes e Design
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Panorâmica
Verão Azul, um rasgo de contemporaneidade sob a forma de festival
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Lagos é por inerência histórica terra cosmopolita, outrora porque ponto de partida para o desconhecido era, também, ponto de chegada dos arrojos culturais de outras paragens, hoje porque a veia turística lhe dá a provar notas soltas de aromas culturais de outros sítios e situacionismos culturais. Há ali ventos de que se cruzam e que trazem na ponta da rajada traços soltos de diversidade cultural e actualidade a que importa estarmos atentos preservar, mas que, acima de tudo, importa promover. É neste esteiro que teima em sulcar terras de lacobrigenses e ali acolher diversas manifestações culturais que se espraia o Festival Verão Azul, que pela quinta edição traz a Lagos um rasgo de contemporaneidade. Cinco edições não são sinal de maioridade - para o que quer que esta sirva em termos culturais - mas são evidência de resiliência e afirmação no panorama dos festivais de artes por terras algarvias. São, de entre outras razões, estas que fazem com que o Festival Verão Azul ganhe nesta edição do Cultura.Sul lugar de destaque, agora que cumpre a sua quinta apresentação, entre os dias 23 e 26 de Outubro em Lagos. Há no programa da iniciativa, que nasce das mãos da casaBranca e nas propostas que encerra, uma lufada de ar fresco. Há arrojo, diversidade, policromia e amplitude, abarcando numa paleta pensada por Ana Borralho e João Galante um conjunto de manifestações culturais que não deixam à margem nenhum público e que são, isso sim, um regaço ilimitado para os mais diversos gostos. Apresentado como um festival “de cariz transdisciplinar”, a obra faz-se presente una na diversidade conceptual, com exposições, cinema, leitura, espectáculos vários, música, conversas, performances, concertos e clubbing, estendendo
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as apresentações entre Lagos e Portimão. Cinema, da animação ao documentário No cinema o Verão Azul propõe várias abordagens, desde as sombras feitas primores da animação pela arte de Lotte Reiniger, aos documentários em “Fala Tu” ou “Estamira”, dos brasileiros Guilherme Coelho e Marcos Prado, respectivamente, ou ainda, “Tarja Branca”, que relança um olhar certeiro sobre o espírito lúdico na actualidade, sob a direcção do curitibano Cacau Rhoden. Clubbing Verão Azul O Festival Verão Azul é também sinal de música e, no caso do clubbing, os djs de serviço são a dupla Guerreiro Galante. A proposta é ouvir o que os decks nos mostram da união acidental entre João Galante e Nelson Guerreiro em terrenos de música de dança.
Conversas e conferências
Exposições Na área das exposições Lagos e Portimão preparam-se para acolher “Esquecer Mata”, uma interpretação de Andrej Derkovic que cruza o esquecimento que recai sobre as mortandades bélicas ao longo dos tempos com as mensagens constantes dos maços de cigarros sobre os malefícios do tabaco. Fumar mata dá assim lugar a esquecer mata, porque também a fraca memória é assassina quando a curta memória se faz ignorância vinculante na escolha de percursos belicistas. Já em “Souvenirs From Europe”, um projecto da Ghost Editions, 15 cartazes de artistas que vivem e/ou trabalham na Europa dão expressão a um protesto. Numa proposta actual sob pano revivalista das contestações de 60 e 70 do século passado, A Galeria Lar é espaço
Gijoe, contando com convidados como Reflect, Edgar Valente e Cenoura, e “Sereia Louca”, de Ana Matos: Capicua de Alma e Coração, a rapper do Porto que mostra assim o seu segundo trabalho. Miguel Fragata e Inês Barahona contam a história de um homem e de uma manada de elefantes em “A Caminhada dos Elefantes”, uma peregrinação em honra de um homem que mais do que isso era, também ele, um membro da manada. Pablo Fidalgo Lareo faz-se aos territórios da performance por terras lacobrigenses com “O Estado Sevaxe. Espanha 1939”, que revisita a Espanha da II Guerra Mundial e da Guerra Civil, numa viagem que se faz no âmbito familiar do próprio autor.
Cartaz incluído na exposição Souvenirs From Europe escolhido para receber a exposição que já percorreu cidades como Atenas, Bruxelas, Guimarães, Kiev, Lille, Lisboa, Paris e que se prepara para se mostrar em Berlim, Istambul, Lausanne, Rennes, Porto e Coimbra, entre outras cidades europeias. Leitura O Verão Azul propõe duas alternativas na área da leitura, que podem bem ser cumulativas, com Pablo Fidalgo Lareo a apresentar “Mis Padres: Romeo y Julieta” e Mónica Simões
“A ESCOLA DA NOSSA MEMÓRIA” Até 28 NOV | Arquivo Municipal de Loulé Exposição pretende recriar as escolas primárias do Estado Novo, dando a conhecer os materiais utilizados no sistema de ensino daquela época
e José Pelicano a mostrarem “Onde é o lá?”, uma leitura encenada com seniores, que mais do que uma apresentação constitui um verdadeiro workshop. Concertos e espectáculos Bruno Pernadas é um dos músicos que se apresenta nesta edição do Festival Verão Azul, com “L’Appartement” percorrem-se sonoridades, folk, jazz e o universo exploratório dos ambientes da Música Tonal e Atonal. Já em “By Heart”, importa
perceber-se a importância de saber textos de cor e de como estes uma vez decorados nos integram como verdadeiras extensões do eu cultural. Quando os livros são confiscados ou as bibliotecas encerradas a memória surge-nos como a salvaguarda última da liberdade. Um espectáculo de Tiago Rodrigues com produção da Mundo Perfeito. O Teatro Municipal de Portimão (TEMPO) acolhe dois concertos do Festival Verão Azul, “3 (Três) Brutos”, pelos Tribruto, que une as vozes de Kristo e RealPunch ao dj e samples de
Finalmente espaço, ainda, para o “Ciclo de Conferências - A Grande Dívida”. Em dois momentos este ciclo traz-nos, pela mão de Rui Catalão, “A exaustão da confiança”, numa reflexão sobre a actualidade da desagregação da solidariedade social e “A Sagração da Primavera escondida” numa reflexão sobre A Sagração da Primavera, de Stravinsky, num contexto de formação juvenil. À conversa se vai descobrir o projecto editorial Ghost Editions, com os editores David-Alexandre Guéniot e Patrícia Almeida. Razões de sobra para que Lagos e Portimão incluam a agenda dos algarvios entre 23 e 26 de Outubro, com o Festival Verão Azul como pano de fundo numa viagem pela contemporaneidade e pelo real e insólito que a arte pode retratar e mesmo criar. Um agitar de consciências servido em modo festival a não perder por terras do sotavento durante quatro dias em que a Cultura se apresenta igual a si mesma, sempre imprevisível, sempre desafiante. Ricardo Claro
“TESTEMUNHOS DE MILAGRE” Até 25 OUT | Galeria Municipal de Albufeira Exposição de pintura de Luís Athouguia, repleta de visões oníricas, de muitos cerimoniais, um lugar iconográfico das abstracções das formas e dos conteúdos
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Cultura.Sul
Letras e Leituras
Mitos revisitados - Marion Zimmer Bradley
Paulo Serra
Investigador da UAlg associado ao CLEPUL
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Marion Zimmer Bradley nasceu em Albany, no estado de Nova Iorque, a 3 de junho de 1930. Começou a escrever ainda em adolescente como forma de subsistir economicamente. Fundou uma revista para amadores de ficção científica aos dezassete anos de idade. Em 1949 casou com Robert Alden Bradley e apresentou uma história a um concurso da revista de ficção científica Fantastic/Amazing Stories, o que constituiu a sua primeira venda. Em 1952, passou a escrever profissionalmente para várias revistas e, depois de 1958, obteve algum reconhecimento ao publicar o primeiro romance da série Darkover. A série, que viria a totalizar vinte volumes, conta a história de um planeta descoberto nos finais do século XXI e colonizado pelos habitantes da Terra. Nesse cenário cruza-se um ambiente medievalizante, com torres, castelos, nobres e falcoeiros, em simultâneo com poderes telepáticos e naves espaciais. As suas histórias de ficção científica, do chamado ciclo Darkover, bem como a sua restante obra, foram publicadas em Portugal pela Difel (em português só se encontram publicados uns seis volumes). A autora reorientou-se depois da ficção científica para o género da fantasia. A Casa da Floresta e Senhora de Avalon são obras, bem como muitas outras que se seguiriam, que seguem um cunho feminista (aliás a autora participou em movimentos na época). O universo ficcional é o de Avalon, essa ilha apartada da Bretanha por um véu de magia. Enquanto o resto do país é ocupado pelos romanos esse reduto tenta manter viva a magia da tradição druídica. As protagonistas femininas irão aliás ressurgir noutros romances, como se as várias personagens da galeria de Marion Zimmer Bradley não fossem mais do que a reencarnação da mesma figura feminina: uma jovem que se tornará uma mulher sábia e uma sacerdotisa ao serviço da Deusa. Em 1983 publicou a sua obra mais
conhecida que se tornou um êxito mundial de vendas: As Brumas de Avalon. Esta fantástica recriação das lendas arturianas é feita sob a perspetiva de mulheres: Viviane, Gwenhwyfar, Morgana e Igraine. Em Portugal a obra foi dividida em quatro livros num mau hábito editorial que tem vindo a ser usual. Assim, um só romance foi dividido em quatro volumes distintos: A Senhora da Magia, A Rainha Suprema, O Rei Veado e O Prisioneiro da Árvore. A história começa com a ascensão de Uther Pendragon. Através da sua sacerdotisa Viviane, Avalon conspira para unir Uther a Igraine. Será dessa aliança que nascerá Arthur, a criança que salvará o reino da Bretanha. Morgana, dotada com o poder da Visão, é levada por Viviane para Avalon onde receberá treino como sacerdotisa da Deusa, enquanto assiste ao despertar das tensões entre o velho mundo pagão e a nova religião cristã. As reviravoltas e peripécias ao longo da obra são diversas, mas aqui a guerra e as gestas de cavalaria ocupam muito menos espaço do que os triângulos amorosos que se tecem entre vários vértices e independentemente da sexualidade das personagens, pois o amor e a camaradagem suplantam as questões de género. Um dos triângulos é formado por Artur, Lancelote e Gwenhwyfar - chegando mesmo a haver envolvimento físico entre o próprio Artur e Lancelote, num inesperado e assombroso trio. Outra das ligações é a de Morgana e Artur. O amor de Morgana pelo seu meio-irmão acalenta algum desejo, havendo, aliás, um envolvimento físico entre os dois, sem que na altura estejam conscientes de quem é o outro, pois tinham sido separados na infância. É particularmente curiosa a forma como a dualidade da mulher ao longo da própria cultura medieval é aqui retrabalhada: a mulher que tanto pode ser vista como anjo ou como demónio, em função do desejo e da sua correspondência ou retribuição ao amor que os homens lhe têm, encontra a sua mais absoluta expressão em Morgana. Para uns é considerada uma fada, uma
fotos: d.r.
A escritora Marion Zimmer Bradley
criatura encantada, uma mulher sábia, enquanto é temida por outros como bruxa e demoníaca. Este livro foi igualmente adaptado ao pequeno ecrã, pois pelo menos em Portugal não passou nas salas de cinema, em que Morgana é protagonizada por Julianne Margulies (hoje bastante conhecida pela série The Good Wife). Em 1987, repetiu a proeza de recontar uma história sobejamente conhecida a partir da perspetiva menos convencional e novamente através da irmã do protagonista. Refiro-me à obra Presságio de Fogo, em que o universo da Ilíada é revisitado, e se reconta a história da Guerra de Tróia sob a perspetiva de Cassandra, a irmã de Páris, o mesmo que raptou a bela Helena cujo rosto fez milhares de navios lançarem-se ao mar. Cassandra é outra personagem fortíssima que nos conduz pelo universo da Antiguidade Grega, mas ofertando-nos uma visão completamente diferente pelos olhos de uma
“CONCERTO DE JORGE PALMA” 11 OUT | 21.30 | Auditório Municipal de Olhão Compositor, poeta, intérprete e exímio pianista, apresenta-se em Trio Acústico ao lado de Vicente Palma e Gabriel Gomes (ex-Madredeus e Sétima Legião)
personagem de quem se conhecia até então muito pouco. Neste romance, Cassandra é uma sacerdotisa que vive no templo de Apolo e desde criança que prevê a destruição da cidade. É finalmente rotulada como doida e é excluída da corte. Até ao dia em que o irmão traz efetivamente a desgraça para dentro das muralhas de Tróia. Fala-se aliás em complexo de Cassandra quando alguém não é levado a sério apesar de dizer a verdade. Outro universo mítico revisitado pela autora foi o de Atlantis: A Queda da Atlântida conta a história de duas irmãs e de como se viveram os últimos dias dessa mítica ilha. As Mulheres da Casa do Tigre é outro livro de fantasia surpreendente em que três mulheres da realeza vivem as mais diversas aventuras, assumindo máscaras que as fazem passar despercebidas por entre a população comum do seu reino. Outro ciclo da autora, situado em tempos mais recentes, é constituí-
do pelos romances: O Círculo de Blackburn, As Forças do Oculto, A Fonte da Possessão e O Coração de Avalon. Temos quase sempre uma jovem que parece viver sob o fenómeno da possessão: à sua passagem aparelhos elétricos avariam-se, objetos estilhaçam-se e aparecem cadáveres de animais à porta. Mais direcionados para uma nova leva de fãs da fantasia e da ficção contemporâneas, existe no entanto ainda um retorno ao universo de Avalon, em O Coração de Avalon, onde o leitor pode mesmo encontrar uma passagem que ilustra como estas personagens modernas trazem ainda a memória das suas vidas nesse tempo. Sucederam-se diversas obras no campo da fantasia, tanto ligadas a Avalon, como os mais recentes Os Corvos de Avalon e A Espada de Avalon, livros publicados já postumamente e que remontam ao universo pré arturiano. No entanto, estes livros parecem já não ter sido escritos pela autora, embora possam ter sido projetados por ela em conjunto com a autora que igualmente os assina, Diana L. Paxson. Salto Mortal é uma obra mais singular mas notável, enquanto romance de grande fôlego que conta a história de amor entre dois trapezistas de circo. Marion Zimmer Bradley faleceu quatro dias após ter sido vítima de um ataque cardíaco, em Berkeley, a 25 de Setembro de 1999. Foi casada duas vezes e teve dois filhos. Morava em Berkeley, na Califórnia.
“E PORQUE NÃO EMIGRAS?” 10 OUT | 21.30 | Centro Cultural de Lagos Peça onde Carlos Areia (autor), faz do espectáculo de Revista a sua bandeira. Mas o pior, é ele pensar que tem graça, o que é uma desgraça para o espectáculo...
Cultura.Sul
Momento
Postura pré-dança Foto de Ana Omelete
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Cultura.Sul
Espaço ao Património
Serviços Educativos, Museus e Património d.r.
Alexandra Pires
Arqueóloga Serviços Educativos do Museu Municipal de Loulé
A protecção do Património Cultural é uma função que cabe naturalmente a todos nós. No entanto, para proteger é preciso conhecer, pois só conhecendo podemos respeitar e amar o legado que nos foi deixado pelas gerações passadas. Tal como muitos outros técnicos que trabalham na área do Património Cultural deparamo-nos, por vezes, com algumas dificuldades: o legado histórico é considerado por muitas pessoas como distanciado da realidade actual, sem grande significado no quotidiano das pessoas, uma franja marginal do turismo, que interessa apenas uma parte muito restrita da população. Por este motivo, a educação para o património é, desde sempre, uma preocupação do Museu Municipal de Loulé. Acreditamos que a formação dos públicos deve começar precocemente, pelo que, anualmente, lançamos um programa educativo dirigido à população escolar – o Visita Brincando – que envolve várias actividades lúdico-pedagógi-
Actividade de descoberta do património na aldeia de Alte cas, as quais procuram promover um contacto mais estreito entre os alunos (e os seus professores) e o património louletano. Pretendemos que esse contacto seja assíduo, pelo que desenvolvemos acções educativas em todos os nossos Pólos Museológicos (localizados em
Loulé, Salir, Alte e Querença) e para várias faixas etárias, de modo a que cada aluno volte várias vezes a contactar connosco e com o património do concelho. Esperamos que este contacto repetido traga frutos a longo prazo, criando laços duradouros entre os alunos e
os espaços onde decorrem as actividades. Sendo Loulé um concelho muito vasto, que abrange vários territórios, desde o litoral até à serra, procuramos que cada um dos nossos pólos museológicos esteja vocacionado para uma realidade di-
ferente, proporcionando aos estudantes oriundos de diferentes partes do concelho o contacto com temáticas que, embora geograficamente próximas, lhes são distantes. Para além das visitas aos espaços museológicos, o nosso programa escolar anual promo-
ve percursos orientados nos Centros Históricos de Loulé e de Alte, dedicados ao património edificado. Durante este ano lectivo vamos iniciar um percurso que une o património edificado e o património natural, cujo ponto de partida será o Pólo Museológico da Água em Querença. No âmbito do Visita Brincando dinamizamos estes percursos ao longo de todo o ano lectivo. Todavia, nos dias comemorativos, a par de uma programação específica, incluímos trajectos associados ao tema que se comemora, para serem percorridos nestes dias especiais, com a escola ou em família. Uma das actividades mais recentes realizou-se durante a Semana Europeia da Mobilidade. Em colaboração com a Divisão de Ambiente, Espaço Público e Transportes, efectuou-se, à semelhança de anos anteriores, um trajecto pedonal pelo Centro Histórico de Loulé, não só para sensibilizar e promover a interacção com o património construído mas também para apelar à circulação pedestre na cidade. Deste modo, pelas ruas de Loulé, alunos e professores circularam a pé, redescobrindo o património construído. Detalhes como uma janela manuelina, toponímia, uma torre em taipa e marcas de canteiro (entre tantos outros) foram atentamente explorados pela turma de 3º e 4º ano da escola de Gilvrazino. Como tantas crianças que frequentam as escolas localizadas fora do
Sala de leitura
O branco obstinado do verbo Paulo Pires
Programador cultural no Município de Silves esteoficiodepoeta@gmail.com
Andarilhando por Beja, a desperta cidade dos contos, ainda é possível redescobrir os prodígios da cal – essa plástica e consistente argamassa dos dias, impermeável a modas efémeras e chuvas torrenciais, dissuasora de pestes e outros abismos, congregadora de vontades, orgulhos e dignida-
des, rosto sem máscaras nem subterfúgios, fiel à sua claridade inexpugnável. Os antigos dizem que quem vê uma casa por fora está, no fundo, a espreitar o que existe lá dentro; e contam ainda que todo aquele que passa na rua e olha para as paredes caiadas sabe que aquela família tem o interior da casa igualmente asseado e cuidado. As Vozes da Cal convidam-nos à revisitação dessa “grande, imensa fidelidade” (para usar a feliz expressão de Eugénio de Andrade sobre o Alentejo), dessa rara verdade natural, alheia a espectaculari-
dades, excessos e desmesuras, que nos faz acreditar que aquilo que observamos exteriormente é um reflexo inquietantemente sincero e transparente de almas cúmplices que vivenciam e sentem as palavras e os sons rente à pele e rente à terra. Mais do que uma paixão, é um concentrado amor, essencial e despido, límpido e elegante, que se revela nestas vozes obstinadamente brancas, quer na escolha dos textos, quer das paisagens sonoras e melodias/ arranjos (instrumentais e vocais) que os enquadram e acrescentam de saber e sabor. A di-
nâmica, complementaridade e fluidez do conjunto composto por Jorge Serafim, Paulo Ribeiro, Paulo Colaço, Fernando Pardal e Ana Albuquerque vivem muito desse pêndulo harmonioso entre a envolvência performativa da palavra dita/contada, a musicalidade do verbo cantado (a “poesia ajudada” de que fala Fernando Pessoa), os acordes e dedilhados subtis e sensíveis das guitarras, o timbre único da (incontornável e tão bem vinda) viola campaniça e os vibrados/trinados ondulantes, serpenteantes e plangentes do alaúde árabe.
É esse diálogo criativo – que “cheira a barro e a cal, cheira a coentros e a queijo seco, cheira ao que é da terra e regressa à terra” (Eugénio novamente) – que, despretensiosamente, nos convida a entrar no segredo, na intimidade, na profundidade, nos labirintos e fascínios do imaginário mediterrânico (luso-árabe) e, no fundo, de nós mesmos. O fio de Ariadne destas viagens do espírito, com paragens em lugares singulares como o Cairo, Damasco ou a Pérsia (e com regressos constantes/pontes com a matriz afectiva alentejana, onde estes
andarilhos encontram um sítio [raso mas encantatório] para pendurar o chapéu), é a riqueza inesgotável da oralidade e o (nosso) espanto, desassossego e/ ou comoção perante estórias e poemas que resistem ao tempo e deixam impressão digital – ora porque confirmam o nosso ser, ora porque conferem uma renovada ordem ao nosso mundo, ora porque nos questionam e desarrumam/solavancam saudavelmente. Mas estas vozes cálidas, ora efusivas ora dolentes, também vivem da ousadia, do arrojo e do experimentalismo – a
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Na senda da Cultura
perímetro urbano, muitos destes meninos, embora venham frequentemente a Loulé, nunca tinham percorrido as ruas do Centro Histórico. Mudar esta maneira de ver a cidade é um dos nossos objectivos e a curiosidade infantil é o nosso melhor aliado. Durante as visitas as perguntas e os comentários sucedem-se. Iniciativa semelhante realizou-se no Dia dos Centros Históricos. Neste dia lançámos às famílias um desafio para que viessem descobrir a muralha medieval de Loulé. A elaboração de um trajecto relativamente curto (cerca de 45 minutos) com uma ficha guia acompanhada de um mapa (cujo download podia ser feito em casa, a partir do site da autarquia) levou as pessoas a percorrer o principal traçado da zona amuralhada. Deste modo, a ficha funcionou como um guia para os pais, com a disponibilização de informação sucinta, havendo em cada paragem um pequeno jogo dirigido aos mais novos. Pretendeu-se com esta iniciativa proporcionar uma actividade lúdica e agradável para toda a família, numa perspectiva de visita-jogo, quase uma caça ao tesouro, oferecendo um olhar renovado sobre o património edificado. No final, as crianças que concluíram a ficha puderam levar para casa uma lembrança. Pais e filhos ficaram assim a conhecer melhor alguns locais históricos ao mesmo tempo que passavam um agradável dia em família. Com estas iniciativas pretendemos proporcionar uma impressão duradoura nos nossos visitantes, de modo a que voltem, de preferência acompanhados, começando eles próprios a ter gosto em divulgar o nosso património.
grande poetisa brasileira Cecília Meireles não escreveu que a vida só é possível reinventada? –, vestindo melódica e vocalmente poemas de outrora (de Al-Mu’tamid a Pessoa, passando por ecos do Alentejo como Martinho Marques ou João Pestana) com interpretações que reflectem também os diferentes percursos e territórios musicais/estéticos destes cinco incansáveis caiadores da Palavra. Até a própria viola campaniça é inesperadamente convocada para o universo do fado (aqui cantado no feminino), cruzando modos diversos de sentir, acompanhar e interpretar as palavras, as quais ganham assim novas
‘Nem Gregos, nem Troianos’, a fotografia de José Bandeira na Biblioteca da Universidade A maioria de nós conhece José Bandeira pelas tiras dos jornais Diário de Notícias e Jornal de Notícias, onde a arte e a acutilância do artista ganham expressão, respectivamente, em Cravo & Ferradura e Bandeira de Canto. Mas há outras facetas do homem e artista que ganhou expressão e reconhecimento públicos como cartoonista, nomeadamente a de fotógrafo. É exactamente com o seu olhar que se congela em cada frame que José Bandeira nos brinda até 13 de Outubro na exposição “Nem Gregos nem Troianos”, aberta ao público desde ontem, dia 2, na Biblioteca da Universidade do Algarve, no Campi de Gambelas. A mostra integra as iniciativas inseridas no âmbito do Congresso Internacional “Sailing in Troubled Waters: o Mediterrâneo Antigo e o seu legado nas Artes Visuais e Performativas”, que reúne grandes nomes internacionais da área da recepção dos estudos clássicos até ao próximo sábado, 4 de Outubro. A recepção de estudos clássicos é a área de estudo dedicada à compreensão da forma como ao longo dos séculos e mesmo actualmente as pessoas se vão apropriando das manifestações e fenómenos da cultura da antiguidade clássica. Com “Nem Gregos, nem Troianos”, o nome da mostra fotográfica de José Bandeira, o que se propõe é a visualização de um grupo de fotografias que constitui um projecto inspirado nas personagens da Guerra de Tróia. A Biblioteca da Universidade do Al-
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José Bandeira iniciou-se no cartoon político em 1983 garve está aberta ao público entre as 8.30 e as 20 horas, de segunda a sexta-feira, e das 10 às 16 horas, ao sábado; período durante o qual se pode deixar maravilhar pela trabalho resultante da objectiva de José Bandeira. Recorde-se que a Biblioteca da Universidade do Algarve tem em permanência actividades abertas ao público, numa agenda que pode ser consultada no sítio on line https://www.ualg. pt/home/pt/content/noticias-3 e que pode acompanhar através da rede
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Vozes da Cal: um projecto emergente... ao sul
social Facebook em https://www.facebook.com/bibliotecaUAlg. José Bandeira um percurso na criatividade Cartoonista, humorista e fotógrafo, nascido em Lisboa em 1962, José Bandeira iniciou-se no cartoon político em 1983, no Diário de Notícias, onde passou a publicar, a partir de 1990, a série diária Cravo & Ferradura. O cartoonista trabalhou em simultâ-
potencialidades expressivas e renovados horizontes. Aliás, para além dessa vertente de aproximação e fusão entre as raízes e a contemporaneidade, percebe-se que um dos desafios maiores do projecto “Vozes da Cal”, no qual a sua identidade se procura alicerçar e consolidar, passa precisamente pelo estimulante trabalho (que é sensível, delicado, exigente e precioso) de enquadramento-moldura instrumental/vocal, pelos quatro músicos do grupo, dos poemas e histórias tecidos por Jorge Serafim, assumindo-se esse processo como um criativo jogo de opções entre adornos e despojamentos, acordes e
neo para outros jornais e revistas, entre os quais o Diário de Lisboa e o Diário Popular. Premiado autor de banda desenhada também se dedicou à ilustração para livros e durante uma década publicou fotografia em revistas do Diário de Notícias. Em 2002, publicou o álbum Namoros, Casamentos e Outros Desencontros, com chancela da Gradiva, distinguido com o prémio Melhor Álbum de Tiras Humorísticas 2003, do Salão de Banda Desenhada da Amadora. José Bandeira tem participado em inúmeras exposições colectivas em Portugal e no estrangeiro tendo estado presente em países como o Brasil, Croácia, Costa Rica, Dinamarca, Espanha, China e Turquia, entre outros. Está representado no Sammlung Karikaturen & Cartoon Basel, na Suíça e na antologia internacional Os Melhores Cartoons Políticos da Actualidade (vol. 1992). Trabalhou também como director criativo em geração gráfica para televisão e multimédia, desporto, eleições e outros eventos, fazendo uso de recolha estatística, na empresa Infordesporto. Fundou, com Nuno Artur Silva, Carlos Fogaça e Fernando Marques, a Bandeira Digital, empresa dedicada à produção de multimédia. Nos anos mais recentes optou por se dedicar por inteiro ao desenho, à escrita e à fotografia. É desde 2005 autor do blog Bandeira ao Vento. Ricardo Claro
silêncios/pausas, intensidades e abrandamentos, torrentes e minimalismos – no fundo, entre aquilo que os recriadores/ intérpretes fazem e as palavras lhes “deixam” fazer. Miguel Torga dizia que a paisagem incutiu no alentejano a verticalidade e manteve-a “para que [ele] pudesse ver com nitidez o tamanho da sua sombra no chão”. Pessoa, pelo heterónimo Alberto Caeiro, escreveria: “eu sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura”. Que estas Vozes da Cal preservem essa verticalidade humana e estética e essa lucidez deslumbrada, e aprofundem ainda mais a largueza sonhadora do
seu olhar. Imbuídas da força da beleza e da amplidão do espírito, que continuem a afundar os pés e a encher a alma na singular terra alentejana (Torga de novo). E que não lhes falte o fôlego e a extensão do alento, traços tão caros ao Alentejo e suas gentes, pois o que realmente importa – como Eugénio de Andrade gostava de enfatizar – é “pôr a poesia a falar”, lê-la em voz alta, pondo assim a ênfase na matéria sonora para sentir verdadeiramente o prazer que o poema transmite. Os cinco artesãos desta fecunda cal não ficaram indiferentes a esse chamamento voluptuoso da Palavra…
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Cultura.Sul
O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N
Outubro boa, 1978). Escreveu um dos poemas mais belos e representativos do ser algarvio. “A minha rua tem o mar ao fundo”, um dos poemas preferidos de António Rosa Mendes, pode ouvir-se no youtube, dito magnificamente por Paulo Moreira, e começa assim: Sou algarvio E a minha rua tem o mar ao fundo Sempre que passa aqui algum navio Passam, aqui, navios de todo o mundo Oiço a voz que me namora Da outra banda do mar… (…)
Pedro Jubilot
pedromalves2014@hotmail.com canalsonora.blogs.sapo.pt
Poesia & Companhia fotos: d.r.
Álvaro de Campos faliu. O narrador, em andropausa mental, discorre sobre a família, o tribuno constitucional, a sua relação com o candeeiro de mesa-de-cabeceira, a Praia de Cabanas, premiada como a melhor da europa… e projecta o fim do mundo no ano de 2040. Na mais recente edição da editora CanalSonora, esta folha volante, de 10 páginas, é reforçada pelas fotografias de Jorge Jubilot.
Retorna ‘À Conversa’ no último trimestre de 2014, com a sessão inicial em Outubro, a ter como convidado António Baeta, com o tema ‘A Poesia no Garb al-Andalus’. Novembro(13) encontrará Fernando Meireles sobre a ‘Arte de Caminhar’, e a 18 de dezembro Paulo Moreira com ‘A Construção do Romance’. As tertúlias têm início às 19 horas no bar de vinhos ‘ About Wine’ em Faro (r. horta machado, 20). A entrada é livre e aberta à participação.
Postais da Costa Sul ~ continuo correndo para ti mesmo que no meio do nada. sem dinheiro, sem cigarros, sem música. desci por esse íngreme cerro que se avista de qualquer praia do sul. pisei xarais, tojais e carrascais. piquei-me, molhei-me, mas deixei para trás o escuro do campo. passei por estranhas sombras nas vielas mais esconsas, esquivei-me a vasos caindo de janelas insuspeitas, quebrando-se a meus pés, mas deixei para trás as luzes da cidade. …e talvez o caminho nunca acabe e o meu amor por ti um dia desvaneça, mas o importante agora é manter a poesia em movimento, no coração que levo até ti para o cais às portas do mar ~
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É pelo contrário ao seu título um poema cheio, emergente, que traz uma análise ao céu enevoado do verão de 2014, em que um banco
‘Alquimia del Fuego’ Marco Mangas (tavira, 1983), é um dos autores portugueses que participam na colectânea, 2014 - org. Santiago Aguaded Landero, com o poema ‘Ao olhar de todos nós…’ Fogo que não arde, Fogo que não se vê, Fogo, sem tréguas, Paraísos verdes, coloridos Devastados, devorados No seu processo, Ao olhar de todos nós..
‘Ouro e Vinho’ O livro que inaugura a colecção Blokos|Poesia da editora 4Águas. Nele a poesia de Adão Contreiras «envolve-se na terra, na poeira da memória, voluptuosa, transbordando aromas vindos do princípio dos tempos, embriaguez, sagrado e profano, eteriedade e solidez». Traça «reverberações da serra algarvia como centro de um mundo incompleto, aspergindo os olhares até onde a alma alcança.» (lê-se no prefácio do editor Vitor Gil Cardeira)
Fogo que é cego, Fogo insano, profundo… Fogo sem ar, nem dó, nem lá - O sol presenceia o seu percurso, Imagens recalcadas de aflição No seu progresso, Ao olhar de todos nós…
António Pereira
Poema Falido Nasceu numa rua de uma aldeia algarvia com o mar ao fundo (Armação de Pêra, 1914 - Lis-
“CONCERTO PELA ORQUESTRA CLÁSSICA DO SUL” 3 OUT | 21.00 | Igreja do Carmo - Tavira O programa apresenta obras de Marcos de Portugal, Sibelius, Schubert e Mozart e será dirigido por José Eduardo Gomes, maestro convidado que já dirigiu várias formações nacionais e internacionais
Nada./Nada, aliás, tenho a valer conquistado». E ei-lo ali na sua cidade observando a paisagem vista da mesa do café que convoca um «Chá com torradas na província de outrora (…) Na ampla sala de jantar das tias velhas», no largo da Alagoa defronte à antiga igreja da Nª Srª da Ajuda. De novo só, o homem alto e magro de cabelo liso aparado, tem febre e escreve: «cada rua é um canal de uma Veneza de tédios», a frase solitária que surge na folha logo que premidas as teclas da máquina Royal. A noite levou-lhe o sono mas despeja-lhes os sonhos. «Esta vila da minha infância é afinal uma cidade estrangeira. Sou forasteiro, tourist, transeunte».
Chega e começa a sentir à medida que vai tomando notas. Rabisca: «Cheguei finalmente à vila da minha infância./Desci do comboio, recordei-me, olhei, vi, comparei./(tudo isto levou o espaço de tempo de um olhar cansado).Tudo é velho onde fui novo». Pára diante da paisagem e continua a recordar transportando-se para uma vivência da sua infância algarvia: “Meu horizonte de quintal e praia!”; “Na nora do quintal da minha casa o burro anda à nora, anda à nora / E o mistério do mundo é do tamanho disto”. Quem o vê passar reconhece o Álvaro de Campos que nasceu ali, em Tavira, no dia 15 de Outubro de 1890. É agora engenheiro naval por Glasgow. Foi criado à imagem e semelhança de Pessoa. Desde o seu retrato físico (1,75 de altura, mais dois centímetros do que ele) à sua vida: «…O que conquistei?
Fogo que estilhaça corações, Fogo louco, magia negra, carnal… Fogo apressado, mítico, Demónio atiçado pelo vento… Sua iluminação não chega para ser vista (A lua) Embora absoluta, piedosa, Ao olhar de todos nós… Fogo que renasce, Fogo que se alimenta dele mesmo, Fogo que pinta de cinza, Um novo dia, ao som do canto da fénix, Prantos verdes, No seu retrocesso, Ao olhar de todos nós… Fogo que apaixona, Fogo da tentação, do surreal… Fogo que ama e penetra As árvores, as aves, os seres humanos, Os animais em decomposição, Negros mantos, abismos, amor cego, Ao olhar de todos nós…
“REENCONTROS” Até 31 OUT | Centro de Experimentação e Criação Artística de Loulé Dino d’Santiago encontrou na Ilha de Santiago em Cabo Verde a identidade que o levou a trilhar uma nova linguagem plástica. Desde pequena que Rebecca gosta de pintar e hoje segue o lema “let creativity spark for it self”
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Cultura.Sul
Da minha biblioteca
Lisboa revisitada por Teolinda Gersão n’A Cidade de Ulisses
Classicista Professora da Univ. do Algarve adriana.nogueira.cultura.sul@gmail.com
Ultimamente, neste espaço do Cultura.Sul, tenho escrito sobre livros publicados há pouco tempo, mas isso tem acontecido por pura obra do acaso. Hoje, ao percorrer as prateleiras da minha biblioteca, parei na lombada azul de A Cidade de Ulisses, de Teolinda Gersão, datado de 2011 (o que, para quem gosta de livros com mais de 2000 anos, convenhamos que até pode ser considerado muito recente). Dividido em três capítulos, é o último (da p.159 à 206) que dá o nome ao livro, como se a cidade fosse o ponto de partida (o título) e de chegada (o capítulo final), como um ciclo que se completa, depois de muitas voltas e reviravoltas no percurso das personagens. Este é um livro muito interior, em forma de carta, onde o narrador expõe a sua vida, os seus amores, os seus mais íntimos pensamentos e ações. Inclusivamente, confessa vilezas, algo pouco comum, como já Fernando Pessoa ironizava no seu «Poema em Linha Recta»: Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? Fernando Pessoa que também apadrinha a exposição que o narrador, um artista plástico, elabora com/para aquela que pensa ter sido a mulher da sua vida, «Lisbon Revisited, numa nova versão, assinada por nós» (p.16). Histórias de (des)amores
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Ter-se sido amado facilita muito para se saber amar, como ter sido compreendido
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Adriana Nogueira
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ajuda a compreender ou ter sido livre ajudar a apreciar a liberdade (sua e dos outros). Esta é uma ideia que se depreende pelo modo como as personagens se relacionam e é expressa por Paulo Vaz, o narrador, que se surpreende com a liberdade e o respeito com que a mulher que amava, Cecília Branco, tinha sido criada, que contrastava com a sua própria história de vida: «Os teus pais amavam-se e eram felizes, disseste. Muitas
Teolinda Gersão, autora de A Cidade de Ulisses
vezes pensei que foi por teres conhecido o amor de perto, através deles, que eras tu própria tão segura e forte. E que foi por serem tão felizes que sempre te deixaram ser livre e confiavam no teu instinto (…). O meu pai era um homem ríspido, irascível, que trazia para casa a disciplina do exército. Ordens breves, secas, para serem de imediato cumpridas. (…) Muitas vezes senti no en-
tanto que a minha vida consistia nessa tarefa impossível: enfrentar aquele homem, defender-me e defender a minha mãe contra ele» (p.72-75). A história da mãe de Paulo é, infelizmente, mais comum do que hoje se possa pensar: é o reflexo de uma geração, de um sistema social espartilhado e definido no qual as mulheres não podiam trabalhar sem a autorização do marido, de um
“O ALGARVE!” Até 30 NOV | 21.30 | Museu Municipal de Arqueologia de Albufeira Exposição com reproduções das pinturas de George Landmann, que apresenta imagens do Barlavento e Algarve Central no século XIX, captadas por um estrangeiro viajado e curioso
meio social e económico que considerava o casamento de uma dactilógrafa com um major como uma promoção, de sentimentos de inferioridade reforçados por valores que interessavam à manutenção do estado da sociedade na época. Por exemplo, ela não acreditava como fora possível aquele homem importante interessar-se «pela criatura insignificante que ela julgava ser, (…) respeitável, além de humilde, eficiente e modesta» - p.76. E Paulo revela-se o resultado desta situação vivida na infância e juventude, de um pai autoritário e uma mãe submissa, que descobre um mundo só seu através da pintura. Paulo ama várias mulheres, mas quando encontra Cecília deixa de procurar, pois com ela tem tudo. Ele tem tudo. Ela não. E quando ela sai de casa, ele escreve: «Lisboa ruiu. Não
posso contar a mais ninguém, porque me diriam louco, mas posso afiançar-te: Lisboa desapareceu contigo» (p.154). Lisboa, a cidade de Ulisses As divagações do narrador levam-no para várias paragens, para diversos países onde viveu e amou, mas a história centra-se em Lisboa, havendo, ao longo do livro, vários momentos em que a sua vida se entrecruza e identifica com a de Ulisses, o mítico fundador da cidade. Há também memórias de momentos mais difíceis, que, por isso mesmo, aproximaram as pessoas: «Vivíamos em equilíbrio num país em desequilíbrio, mas acreditávamos que era um mau momento, transitório. Pediam-nos sacrifícios brutais, mas depois de uma revolução e de um período pós-revolucionário conturba-
do estávamos dispostos a pagar um alto preço por um país democrático normal» (p.110). Aqui, refere-se a 1987, parecendo as condições políticas, infelizmente, muito atuais; porém, não havia, ainda, o desencanto de hoje. Ulisses vai atravessando o imaginário das personagens, pois «eram (ou podiam ser) histórias nossas. Histórias do país e de Lisboa, Mais tarde pensei ainda outras coisas, que não te contei na altura: a história de Ulisses falava do amor dos homens e das mulheres, da casa que constroem, da aventura arriscada de viverem juntos. Dos alibis que os homens inventam para recuperarem a sua liberdade por inteiro» (p.41). Esperava-se que, ao dizer aventuras arriscadas se referisse às vividas por Ulisses, quando luta contra monstros e outros perigos para poder regressar a casa. Mas não. Arriscada é a aventura de uma vida a dois. Arriscada, quando se partilha essa vida com a feiticeira Circe ou com as sereias. Não com Penélope, que conhece o segredo do quarto partilhado. Uma Cecília-Circe surge a seus olhos como uma descrente na relação entre ambos: «Ulisses ama Penélope acima de tudo no mundo, se entre eles estiver o mar e ele puder amar todas as mulheres» (p.177). Mas Paulo-Ulisses supera o estereótipo que a feiticeira lhe quer colar: «Do outro lado do Atlântico uma mulher esperava por mim. E eu atravessava o mar por amor dela, porque era grande como o mar o meu amor por ela, o amor que ela sempre esperara encontrar algum dia (…) A mais bela das histórias, a de Ulisses, podia contar-se assim: Um homem vencia os obstáculos do caminho e voltava finalmente para uma mulher amada, que tinha esperado por ele a vida inteira» (p.206). Longe de Lisboa.
“LOS NUEVOS CAMINOS” Até 31 OUT | Casa dos Condes - Alcoutim Natural de Buenos Aires, Pedro Solá herdou da sua mãe e dos seus avós o gosto pelas artes. Concentra no seu espólio a pintura, o desenho, a escultura e a cerâmica
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Cultura.Sul
Reabilitar o Património Histórico Militar
PUB
d.r.
As muralhas da Fortaleza de Sagres encontram-se em fase de reabilitação Hoje, é difícil explicar e recriar a função dos castelos e das cercas medievais, ou das fortalezas abaluartadas, uma vez que só encontram valorização no uso que lhe soubermos dar. Em comum, castelos e cercas urbanas (estas de quando era impensável haver um espaço urbanizado sem uma muralha protetora) e as fortalezas modernas ordenaram, criaram o espaço e estruturaram o território. Função vigente, posto que a sua presença e influência permanecem, porém, uma outra questão é a de que sejamos conscientes desse facto ou que aceitemos admiti-lo. A valorização de toda a muralha como obstáculo foi, em muitas ocasiões, a sua perdição: o poder molesta o poder e, com uma marcada presença arquitetónica, as muralhas condicionam demasiado as necessidades de expansão ou estimulam novos projetos de intervenção. Hoje em dia, quando já nada podem contra hipotéticos inimigos, as muralhas são, exclusivamente, o símbolo da cultura dos seus cidadãos, espelhando a valorização e o entendimento que lhes atribuem enquanto valor histórico e monumental que são. O passado foi o tempo em que as muralhas se levanta-
vam, se coroavam, se conquistavam, se destruíam, se reerguiam, se restauravam e ganhavam novas tipologias ao adaptarem-se aos progressos militares. O nosso tempo é o da Reabilitação da Muralha, entendendo “Reabilitação”, em sentido amplo, como fonte de conhecimento, onde o fundamental é a recuperação da memória, feita com base no conhecimento da história local. Reabilitar uma muralha implica não só reparar a ruína, como proceder à investigação e à transmissão da informação que ela encerra e reconhecer o seu valor como símbolo identificativo de uma coletividade. Em conclusão, ao assumirmos a muralha como património histórico, o nosso objetivo será perpetuar a sua integridade e autenticidade, promovendo a sua valorização, continuação e conhecimento. Em grande parte, no século XX, as muralhas passaram a estar protegidas por via administrativa, sujeitas a servidão administrativa cultural e ao acompanhamento, por parte da tutela do património cultural, de todo e qualquer tipo de intervenção. No século XXI, as muralhas são entendidas como pólos de dinamização da interação cultural, educati-
va e social, com uma forte componente de dinamização turística, donde a sua conservação, recuperação e reabilitação constituíram-se, para os estados modernos, tarefas prioritárias da ação cultural, na área do património histórico imóvel. Um obstáculo se coloca, o facto da propriedade desse património ser repartida. Verificam-se situações em que é propriedade do Estado; ou cedido a autarquias e gerido por estas e por entidades de utilidade pública; ou é de domínio municipal; ou tem propriedade difusa, partilhada entre entidades estatais e privados. Acresce que a recuperação deste património também não é tarefa fácil, requer, na elaboração dos projetos de intervenção e requalificação, de conhecimentos aprofundados sobre tecnologias e materiais que, por vezes não se integram nas práticas atuais, e requer avultados níveis de financiamento. O Algarve, desde 2010, dispõe de um Plano de Conservação e Restauro do Património Militar, integrado no Plano Regional de Intervenções Prioritárias do Algarve (disponível para consulta pública em http://www.cultalg.pt/PRIPAlg/). Direção Regional de Cultura do Algarve
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