CULTURA.SUL 79 - 10 ABR 2015

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Grande ecrã: d.r.

59 anos de cinema em Faro

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Letras e Leituras: d.r.

Americanah, uma obra de Chimamanda Ngozi Adichie

p. 4

Espaço Alfa: d.r.

Panorâmica:

FNAC: cada vez mais um pólo cultural

A paixão pelos retratos a preto e branco

p. 5 d.r.

p. 7

Da minha biblioteca: d.r.

ABRIL 2015 n.º 79

Herberto Helder, in memoriam

p. 11

Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o PÚBLICO 8.072 EXEMPLARES

www.issuu.com/postaldoalgarve

Recursos patrimoniais versus sustentabilidade: o caso de Vila do Bispo p. 10


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10.04.2015

Cultura.Sul

Editorial

Missão Cultura

A Memória é dos grandes

Património Cultural Imaterial no Algarve: Passado, Presente e Futuro

Ricardo Claro

Editor ricardoc.postal@gmail.com

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A Memória é dos grandes. Não a memória de cada um de nós, mas a Memória, a coisa colectiva que recorda o que verdadeiramente importa e é repositório da identidade cultural de um povo. Essa universalidade imaterial feita de vapores da imagem que nos deixam aqueles que são verdadeiramente marcantes e, muitas vezes, feita de um ideário colectivo transmitido de geração em geração em cumprimento do passar ao futuro a lembrança do que verdadeiramente não se pode jamais esquecer. A Memória, esta, é dos grandes, dos grandes factos e acontecimentos, dos grandes medos e temores, dos maiores perigos e lutas, das melhores e das piores personagens que povoaram esta nossa terra. Aos verdadeiramente grandes reservamos por acto quase compulsivo de criar um património identitário, que se vai construindo de mil peças, um lugar nela. Está reservado a estes enormes de todos os tempos, pessoas e factos, um espaço de relevo na tábua rasa da História e nela, sulcadas a ferro quente, ficam as marcas de quem e do que verdadeiramente importa. Muitos tudo fazem para caberem neste rol de eleitos, e tantas vezes falham miseráveis, outros simplesmente existem e pela simples existência, de um valor que muitas vezes têm por somenos, são verdadeiros proprietários de um lugar nos anais da suprema forma de existência. Exemplos por direito deste direito à Memória, Herberto Hélder e Manoel de Oliveira são, hoje já não entre nós, aquilo que já eram antes, dignos nomes da nossa Memória colectiva.

Direção Regional de Cultura do Algarve

A cultura é hoje perspetivada como um processo de constante produção de significados, como forma de construção de identidade social. Qualquer política cultural deve promover a reconstrução de uma identidade pelos grupos sociais, ou mesmo pelos indivíduos, atendendo às especificidades locais, aos seus públicos e formas de expressão culturais (incluindo as tradições). A par das tendências globalizantes e de uma uniformização de comportamentos e modelos de desenvolvimento associados a uma sociedade designada de pós-moderna, emergem as preocupações com o reconhecimento e salvaguarda das identidades culturais locais. Recorrendo às palavras de Luís Aires-Barros (1995:2) a propósito do património construído “Quando o povo perde o seu património cultural, perde-se na memória do futuro, já que o seu passado não tem futuro e no presente não guardamos a sua memória”1. No entanto, o Património

Cultural Imaterial (PCI) e as suas manifestações diferem do património móvel e imóvel em definição, mas também em formas de proteção. Podem ser incluídos no PCI: tradições e expressões orais; expressões artís-

que o PCI tem previsto no âmbito do seu regime de proteção legal, o registo no Inventário Nacional do PCI, como a sua forma principal de salvaguarda (Dec. Lei n.º 139/2009 de 15 de Junho e Portaria n.º196/2010,

médio prazo, o regime jurídico de proteção legal denomina-se “salvaguarda urgente”. Uma vez que estamos em período de grandes festividades religiosas associadas à quadra Pascal, há que assumir que algumas d.r.

Saberes, técnicas, objetos e lugares são transmitidos de geração em geração ticas e manifestações de caráter performativo; práticas sociais, rituais e festivais; conhecimentos e práticas relacionadas com a natureza e o universo; e saberes e técnicas tradicionais. Por sua vez, os bens móveis e imóveis possuem três níveis de proteção: interesse nacional, público ou municipal, enquanto

de 9 de Abril). Quando o PCI em processo de inventariação não está em risco eminente de desaparecimento ou ameaça a sua forma de proteção e salvaguarda traduz-se no registo em Inventário Nacional, mas quando há uma manifestação em risco de desaparecimento no curto ou

destas manifestações são hoje importantes marcos das dinâmicas da identidade regional e local que importa salvaguardar. O Algarve inclui várias manifestações de Património Cultural Imaterial que é necessário registar, inventariar e salvaguardar. A consagração de Dieta Mediterrânica como Património

da Humanidade pela UNESCO trouxe um grande impulso e outro olhar sobre este ‘novo património’, mas outros interessará reconhecer e proteger. Com o envolvimento direto da Direção Regional da Cultura do Algarve, para além do apoio à salvaguarda da Dieta Mediterrânica, decorre durante este ano, o apoio técnico à inventariação e registo de quatro manifestações: a Festa da Chouriça de Querença (Loulé), a Festa das Tochas Floridas de São Brás de Alportel, a Festa da Pinha em Estoi (Faro) e na doçaria regional, o Dom Rodrigo em Lagos. No âmbito do PCI incluem-se saberes, técnicas, objetos e lugares que as comunidades reconhecem como sua pertença e que são transmitidos de geração em geração, sendo objeto de constante recriação e proporcionando um sentido de continuidade e de identidade. Este é um processo de toda a comunidade, pelo que, esperamos que seja o início de muitos outros registos que nos ajudem a preservar a memória e a identidade futura do Algarve. Aires-Barros, L. (1995) As grandes questões do património cultural construído, SPPC (2), Évora 1

Juventude, artes e ideias

Os jovens e as conquistas de Abril

Carlos Campaniço Escritor

A pergunta que o J faz a alguns jovens desta terra vem muito a propósito, não só pelo facto de estarmos no mês de Abril, mas também como barómetro para

se perceber a importância da Revolução e suas consequências na óptica desta geração. É bem verdade que o valor da liberdade, da livre opinião ou da plural manifestação político-partidária, por exemplo, são um legado que não é questionado pelos nossos jovens, com alguma naturalidade, porque coabitam com eles desde que tomaram consciência. A questão que se colocava era: será que as gerações mais novas têm conhecimento de que as liberdades

“CONCERTO PELA JAZZ’ARTE BIG BAND” 25 ABR | 21h30 | Centro Cultural de Lagos O repertório do concerto consistirá em standards e originais do jazz moderno assim como um arranjo de “Era um Redondo Vocábulo” do emblemático cantautor Zeca Afonso

de Abril foram uma conquista e que estavam vedadas aos jovens, como eles, antes de 1974? Pelo conteúdo das respostas, sim. Não é despiciendo, pois, que se continue a comemorar o 25 de Abril e as suas conquistas, no mínimo para que a sua mensagem possa ir chegando sempre às gerações subsequentes. Acontece, porém, que as respostas destes jovens reflectem uma profunda consciência política e social de então, mostran-

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do-se agradecidos por serem beneficiários da Revolução. Mais. Alguns deles fazem o transporte dos valores de Abril para a situação social actual do País, num raciocínio de exigência e inconformismo, o que mostra uma geração crítica e atenta. Não sabemos, pois, se esta amostra de seis respostas é uma demonstração de como pensam a globalidade dos jovens de Olhão, conquanto possamos ficar satisfeitos por aqueles que vamos auscultando.

“SUSSURROS” Até 27 ABR | Galeria de Arte Pintor Samora Barros - Albufeira Samantha Couto mostra um conjunto de pinturas no formato retrato de mulheres que usam véu para esconder a sua identidade


Cultura.Sul

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Grande ecrã Cineclube de Faro

Programação: cineclubefaro.blogspot.pt

CICLO “A RIR HÁ 59 ANOS” IPJ | 21.30 HORAS | ENTRADA PAGA 14 ABR | “AMAR, BEBER E CANTAR”, Alain Resnais 21 ABR | “O GRANDE KILAPY”, Zézé Gamboa 28 ABR | “O CIRCO”, Charles Chaplin A TELA AOS SÓCIOS: “FILMES MUSICAIS” | 21.30 HORAS | SEDE CCF 16 ABR “BIRD - FIM DO SONHO”, Clint Eastwood 23 ABR | “A DIVA E OS GANGSTERS”, Jean--Jacques Beineix 30 ABR | “ENSAIO DE ORQUESTRA”, Federico Fellini FÓRUM CINEMA SOBRE TRANSIÇÃO | GINÁSIO CLUBE FARENSE | 2130 HORAS 10 ABR | INTRODUÇÃO À TEMÁTICA “ECONOMIA DA FELICIDADE” 24 ABR | SAÚDE, ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA “SEMENTES DA LIBERDADE” SESSÃO ESPECIAL | CINEMA GLÓRIA | VILA REAL DE STO. ANTÓNIO | 21.30 HORAS 10 ABR | “DEBAIXO DA PELE”, Jonathan Glazer

59 anos de cinema em Faro O Cineclube de Faro celebrou no dia 6 de Abril o seu 59º aniversário. Os filmes deste mês serão, assim, uma comemoração em jeito de comédia, com o ciclo “A Rir Há 59 anos”, que teve início no dia 7 com “Viva a Liberdade”, de Roberto Andó. Destaque para a última sessão, dia 28, no Teatro das Figuras, com “O Circo”, de Charles Chaplin, a subir ao palco na companhia de Catherine Morisseau, pianista que colabora com a Cinemateca Portuguesa, que lhe encomendou um trabalho original para acompanhar esta obra única. Este mês há também uma novidade nas sessões para sócios que decorrem todas as 5ªs feiras, na sede do CCF, gratuitamente. Desta vez serão os próprios sócios responsáveis pela programação mensal. A estrear este novo formato teremos a associada Clarisse Rebelo que propõe uma jornada pelo mundo dos Filmes Musicais, começou a 9 de Abril, com “Vamo-nos Amar”, de George Cukor. O Fórum Cinema Sobre Transição é outro dos destaques, a

fotos: d.r.

Cineclube de Tavira

Programação: www.cineclubetavira.com 281 971 546 | cinetavira@gmail.com SESSÕES REGULARES | CINE-TEATRO ANTÓNIO PINHEIRO | 21.30 HORAS 16 ABR | LEVIAFAN - LEVIATHAN (LEVIATÃ), Andrey Zvyagintsev – Rússia 2014 (140’) M/12

partir de 10 de Abril, no Ginásio Clube de Faro. A abrir teremos “Economia da Felicidade”, um olhar sobre a falência do actual modelo económico e os encontros de comunidades que visam reconstruir economias a uma escala mais humana, ecológica e localizada. Nota de especial destaque

merece a festa de aniversário do CCF, promovida em colaboração com o Palácio do Tenente, dia 11, com um cine-concerto da dupla britânica ‘Nagra’, num espectáculo único de comunhão entre cinema e música, para celebrar o 59º aniversário deste que é um dos mais importantes e antigos cineclubes do país.

23 ABR | OUTRO PAÍS: MEMÓRIAS, SONHOS, ILUSÕES..., Sérgio Tréfaut – Portugal 2000 (70’) M/12 30 ABR | SELMA (... A MARCHA DA LIBERDADE), Ava DuVernay – Reino Unido/ E.U.A. 2014 (128’) M/12

Espaço AGECAL

Outra vez o património cultural imaterial, outra vez os mercados

Luísa Ricardo

Antropóloga, sócia da AGECAL

Salvaguardar o património cultural imaterial é torná-lo viável e para tal há que atender à vida das pessoas propriamente dita, aos contextos onde as manifestações se desenrolam e a aspectos estruturantes das comunidades, nomeadamente a sustentabilidade económica, social e ambiental. Não sou eu que digo isto, é a “Convenção para a Salvaguarda do Património Imaterial”, adoptada pela UNESCO, em 2003, e transposta para o regime jurídico português, em 2009. No ano passado, em pleno Ano Internacional da Agricultura Familiar, mais ou menos por esta altura escrevi, neste mesmo jornal, sobre a necessidade de um enquadramento legislativo adequado para salvaguar-

dar práticas e saberes tradicionais no campo da produção alimentar que constituem, atualmente, património cultural imaterial (lembremo-nos da dieta mediterrânica, por exemplo). Vimos que esta questão se relaciona com a oportunidade dos produtos chegarem ao circuito comercial e posteriormente à nossa mesa. Numa pequena unidade familiar de exploração agrícola, guardada a quantidade suficiente para consumo próprio, o restante serviria para venda, de forma a garantir mais uns rendimentos, para juntar a, frequentemente, magras reformas e/ou subsídios. Com isto estaríamos não só a garantir a transmissão de saberes e usos tradicionais mas também a reprodutibilidade de variedades autóctones, vegetais e animais, que nos servem de alimento, e também de comidas, cheiros e sabores de outros tempos. Saberes e sabores já por si muito frágeis face a uma hegemonização do gosto. Vamos dar uma volta pelo campo, aqui, nos algarves - o que vemos? Entre paisagens muito belas, vê-se, por exemplo, a fruta da época a apodrecer nas árvores ou no chão (enquanto que

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espécimes similares são pagos a preços altos nas grandes superfícies, sendo frequentemente trazidos de longe e aumentando a pegada ambiental). E porquê? Entre outros factores, as pessoas que têm pequenos excedentes não os podem vender sem terem o devido enquadramento fiscal que, feitas as contas, não lhes é vantajoso. E mesmo que cumpram todas as regras, se não podem vender os seus produtos a um preço justo, o mais provável é que deixem de os cuidar/cultivar de todo ou os

substituam por outros mais rentáveis, mais favoráveis às exigências do mercado. Para não falar do enquadramento legal que preside à indústria artesanal de transformação alimentar - bem verdade que o mesmo serve para garantir que o consumo seja seguro, no entanto também faz com que produtos feitos na porta ao lado, com todo o preceito, não cheguem à minha mesa - seja em casa, numa cantina ou num restaurante. Talvez me esteja a escapar algo. Se calhar não estou a ver corretamente todas

estas questões. No final de março, o Conselho de Ministros aprovou um regime jurídico aplicável aos mercados locais de produtores, e passo a citar o comunicado, “que prevê a criação de mercados de proximidade, promovendo o desenvolvimento dos produtos locais e do consumo local. Os sistemas agroalimentares locais estimulam a economia local e promovem a interação social entre as comunidades rural e urbana, desempenhando funções que beneficiam os produtores, os consumidores, o ambiente e a economia local”. Espero que esta legislação, cujo conteúdo efetivo se desconhece por ora, ajude a chegar ao meu prato as nêsperas do sr. José, os chícharos da dona Maria, as alcagoitas da dona Elvira, os maragotões do sr. Chico… (hipotéticos nomes de camponeses e, em simultâneo, agentes de património cultural imaterial) e consiga dar resposta a outros problemas que se colocam hoje no panorama da produção alimentar familiar. E que, actualmente, e de um ponto de vista mais alargado, também dizem respeito à gestão cultural. A ver vamos.


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Cultura.Sul

Letras e Leituras

Paulo Serra

Investigador da UAlg associado ao CLEPUL

Na internet pode-se encontrar um vídeo de uma TedTalk em que Chimamanda Ngozi Adichie narra como cresceu a ler histórias infantis e juvenis de crianças de cabelos louros e olhos azuis, que adoravam brincar na neve, comer maçãs e falavam frequentemente do tempo e da sorte que tinham quando fazia um dia de sol. A ficção não podia ser mais gritantemente distinta da realidade desta autora, traduzida agora em mais de 30 línguas, nascida na Nigéria em 1977, que foi estudar para os Estados Unidos aos dezanove anos. Mais tarde, os seus contos apareceram em diversas publicações e receberam inúmeros prémios. Os seus primeiros romances foram amplamente premiados: A Cor do Hibisco foi distinguido com o Commonwealth Writers Prize 2005, finalista do Orange Broadband Prize 2004 e nomeado para o Man Booker Prize 2004; Meio Sol Amarelo venceu, em 2007, o Orange Broadband Prize, o Anisfield-Wolf Book Award e o PEN “Beyond Margins Award”. Aqui interessa falar de Americanah, o mais recente e igualmente aclamado romance. A história segue a vida adulta de uma nigeriana, Ifemelu, que vive na América e alcançou um certo estatuto na sua vida. Conseguiu uma bolsa em Princeton, tem uma relação com Blaine, professor em Yale, um homem que lhe é completamente dedicado, é conhecida pelo seu blog sobre questões de raça onde a sua voz é reconhecida como mordaz, inteligente, divertida. Mas esta mulher não está completamente satisfeita. Ao sentar-se num salão de cabeleireiro especialmente dedicado a cabelo africano, com as jovens empregadas do salão a circular em seu redor, constatando (que é como quem diz invejando) a sua pronúncia, o seu sucesso, Ifemelu parece apenas refletir

no seu passado, mergulho esse que é motivado pela cisão que se afigura na sua vida, pois esta jovem nigeriana entretanto americanizada, mas só até certo ponto, decide deixar o estatuto que alcançou para voltar ao seu país natal. E dizemos americanizada (daí o título do romance: Americanah, com a ironia característica da voz da heroína e da autora patente na corruptela da palavra americana), até certo ponto, porque esta jovem continua presa às memórias da Nigéria, memórias essas que irão desfilar ao longo do resto do romance, que nos apresenta a sua vida passada: a infância e adolescência na Nigéria, o seu namoro com Obinze, a vida dos seus pais, da sua tia, numa espécie de mosaico da realidade nigeriana das últimas décadas. As dúvidas que rondam Ifemelu transparecem no próprio facto de para

fotos: d.r.

Uma questão de cabelo (e de cor): Americanah, de Chimamanda Ngozi Adichie

A escritora Chimamanda Ngozi Adichie

encontrar esse salão africano, a protagonista tem de atravessar a zona de conforto onde reside para chegar a Trenton, uma espécie de subúrbio, o que reflete a intenção crítica social, cultural e racial do romance. Tal como Ifemelu faz no seu blog, ao escrever e lançar debates sobre questões de raça e de género, Chimamanda dança na corda bamba conseguindo manter um delicado

equilíbrio entre a lamechice de um romance que fala de uma paixão perdida na adolescência para mais tarde poder vir a ser reencontrada e as questões de identidade que atravessam esta mulher africana a viver num país estrangeiro. Durante o decurso do que parecia uma adolescência absolutamente pacífica, no seio de uma família carinhosa e com uma

boa situação económica, a ditadura deflagra na Nigéria, com consequências mais ou menos diretas e imediatas junto da sua família. O pai é despedido porque se recusa a dirigir-se à sua chefe como “Mamã” conforme ela o obriga. A tia Uju, amante de um general e que vivia num apartamento subsidiado por essa figura da nação, de forma luxuosa sem ter de trabalhar, acaba por se ver sem chão. E assim, a posição económica dos pais decresce, enquanto o próprio país vive tempos conturbados, que se traduzem em constantes greves no ensino e que motivam a partida de Ifemelu para os Estados Unidos da América apesar das dificuldades económicas que os pais atravessam e, por conseguinte, ela também, chegando a passar fome e, a certa altura, a ter de se prostituir para conseguir alimentar-se.

Naturalmente que este não é um romance sobre os flagelos da escravatura, ou do apartheid, mas reflete como na contemporaneidade o ser humano ainda continua a balizar-se por preconceitos e estereótipos. O próprio livro parece ter capítulos e capítulos em que se fala de cabelo, onde se descrevem exaustivamente os tratamentos que o cabelo típico de uma mulher africana deve levar, aliás penosos. A questão do cabelo, mais do que a cor, e a forma como a mulher o usa, acaba por refletir a adaptação desta jovem nigeriana ao meio americano: Ifemelu vive e move-se na América, mas recusa-se a esticar o cabelo de forma a parecer mais ocidental, mais civilizada, para ser mais facilmente aceite nos meios em que se move. Tal como a certa altura do romance se pode ler como a irrita particularmente o facto de

as empregadas do salão, do Mali e do Senegal, parecerem esperar dela, apenas por partilharem a mesma cor, uma espécie de sentimento de irmandade, da mesma forma que a irrita, por outro lado, que outros se refiram a ela como africana, como se o continente da África fosse todo um país. Mas corre-lhe nas veias o sangue africano ou nigeriano, e por isso mesmo Ifemelu boicota a sua relação perfeita com um homem negro perfeito, Blaine, como manifestação de um sentimento maior de inadaptação ao país. Sentimento esse de não pertença que está também personificado na relação de amor entre Ifemelu e Obinze que depois de tantos anos, e como se esse fosse também um dos preparativos para a sua partida de regresso à Nigéria, despindo a pele de mulher americanizada, que anseia apenas pela sua terra e pelo rapaz agora homem que nunca deixou de amar, ainda que a sua memória possa estar tão-somente envolta numa neblina romântica de idealismo e platonismo, que funciona como armadura contra a negritude que os envolve. O próprio Obinze acaba por tentar a vida em Londres mas vê-se reduzido a trabalho pesado, clandestino e mal pago, enquanto outro nigeriano que terá alcançado grande sucesso quando emigrou (uma mentira que ele tenta alimentar a todo o custo até confessar a verdade ao seu amigo de juventude) lhe tenta arranjar um casamento por conveniência que lhe permita obter um visto de residência, o que acaba de forma desastrosa. Paradoxalmente, quando se vê obrigado a regressar à Nigéria, a posterior ascensão de Obinze reveste-se ainda de uma sombra duvidosa quanto à legalidade do seu trabalho, ainda que seja essa mesma obscuridade que permitem a aparência de uma vida perfeita, com uma casa palaciana, e uma mulher apostada em manter o luxo que acha adequado à sua existência. Chimamanda é uma jovem escritora em ascensão com a sua própria voz, onde prima pelo seu espírito crítico e inteligentemente divertido, e que nos dá a conhecer mais uma faceta desse mundo imenso que muitas vezes nos reconhecemos a ver, perdidos que estamos na nossa imensa pequenez.


Cultura.Sul

Ficha Técnica: Direcção: GORDA Associação Sócio-Cultural

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Panorâmica

FNAC cada vez mais próxima dos algarvios fotos: ricardo claro

Editor: Ricardo Claro Paginação e gestão de conteúdos: Postal do Algarve Responsáveis pelas secções: • Artes visuais: Saul de Jesus • Espaço AGECAL: Jorge Queiroz • Espaço ALFA: Raúl Grade Coelho • Espaço Cultura: Direcção Regional de Cultura do Algarve • Da minha biblioteca: Adriana Nogueira • Grande ecrã: Cineclube de Faro Cineclube de Tavira • Juventude, artes e ideias: Jady Batista • Letras e literatura: Paulo Serra • Momento: Ana Omelete • O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N: Pedro Jubilot • Panorâmica: Ricardo Claro • Património: Isabel Soares • Sala de leitura: Paulo Pires • Um olhar sobre o património: Alexandre Ferreira Colaboradores desta edição: Carlos Campaniço Luísa Ricardo Ricardo Soares Tânia Guerreiro Parceiros: Direcção Regional de Cultura do Algarve, FNAC Forum Algarve e-mail redacção: geralcultura.sul@gmail.com e-mail publicidade: anabelag.postal@gmail.com on-line em: www.postal.pt e-paper em: www.issuu.com/postaldoalgarve

facebook: Cultura.Sul Tiragem: 8.072 exemplares

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Ricardo Claro

Jornalista / Editor ricardoc.postal@gmail.com

Três meses e meio depois da abertura do espaço FNAC em Faro a estratégia da multinacional para o Algarve está delineada e passa por reforçar de forma notória a proximidade com os algarvios, seja na nova FNAC farense, seja no espaço do AlgarveShopping. Desejada durante anos na capital algarvia, a FNAC não deixa por mãos alheias os seus créditos e a filosofia de estabelecer em cada espaço FNAC uma relação de grande proximidade e cumplicidade com os clientes assume um papel preponderante no posicionamento estratégico da empresa. O primeiro passo foi dado recentemente, referiu ao CULTURA.SUL José d’Orey, responsável pela FNAC farense, com a celebração de um protocolo com a Universidade do Algarve. Uma parceria explicada ao CULTURA.SUL numa conversa em que a Universidade do Algarve esteve representada por Joana Lessa, sub-directora do curso de Design de Comunicação da instituição, e onde a nota de realce vai para as vantagens que ambas as entidades vêem num estreitar de relações em prol do mútuo desenvolvimento e, muito em particular, em prol da cidade e da população universitária da Universidade do Algarve. Muito mais do que os descontos e vantagens decorrentes, o protocolo agora celebrado para a população universitária, alunos e corpos docente e não docente da universidade, esta união estratégica avança com a disponibilização de estágios profissionais para os alunos da instituição de ensino superior regional na estrutura da FNAC a nível regional e nacional e na criação de espaço para divulgação da produção de conhecimento da instituição.

FNAC Faro e UAlg celebram protocolo que pretende gerar sinergias ve outro aluno da instituição irá integrar a equipa da loja de Faro. A professora Joana Lessa sublinha, por seu turno, a importância de mais esta parceria na área de estágios para a instituição de ensino, dando como exemplo o curso de Design de Comunicação. “Trata-se por um lado de acrescer ao portefólio de entidades e empresas com as quais temos parcerias na área dos estágios curriculares de uma grande multinacional, proporcionando aos alunos uma experiência profissional numa grande cadeia nacional durante o estágio

curricular e, por outro, permitir criar mais uma forma de integrar o conhecimento criado na universidade no âmbito empresarial, levando os estudantes para as empresas, neste caso a FNAC, um olhar refrescado sobre as diversas questões com que se confrontam em meio laboral prático”. Para a FNAC, refere José d’Orey, “é positiva a integração de estudantes nos seus quadros que têm uma postura menos cristalizada face à realidade e aos desafios que lhes são colocados na esfera profissional”. “São

profissionais qualificados que transportam consigo conhecimento, reflexão e inovação que o mundo universitário permite e desenvolve e que constituem uma mais-valia para as empresas que, como a FNAC, tentam sempre manter-se na vanguarda da oferta que disponibilizam”. Divulgação do trabalho da universidade junto da população em geral Já na área da divulgação da produção da Universidade do Algarve a aposta da FNAC e da

Estágios profissionais integram parceria entre a UAlg e a FNAC José d’Orey destaca que neste momento já existe um estudante da universidade a estagiar na sede nacional da FNAC, na área de Comunicação, e que em bre-

José d’Orey e Joana Lessa explicaram ao Cultura.Sul a nova parceria

instituição académica passa por trazer a universidade e o know-how ali produzido para fora dos limites da instituição. Além da criação de um área devidamente identificada no espaço FNAC de Faro para publicações da Universidade do Algarve ou realizadas em parceria com a instituição académica, a FNAC disponibiliza o Fórum FNAC para apresentações de livros e de publicações variadas por parte da universidade. Uma ferramenta importante quando se pensa que a FNAC de Faro espera 1,2 milhões de visitantes em 2015, o que pode representar uma visibilidade e uma divulgação de relevo do trabalho da universidade junto da população em geral. Mesmo do ponto de vista da divulgação das iniciativas universitárias este protocolo permite criar sinergias entre a universidade e as cerca de 10.700 pessoas que integram a população universitária e a população em geral que podem em muito potenciar o trabalho da instituição junto da comunidade, realça José d’Orey. Queremos que nesta parceria como noutras que vamos estabelecendo em permanência a FNAC seja um verdadeiro palco para o que se faz na região. Por isso mesmo, realça o responsável, das 400 iniciativas que prevemos realizar no Fórum FNAC em Faro, queremos que cerca de metade sejam desenvolvidas por agentes locais. “Estamos em permanente diálogo com a comunidade, quer através dos nossos clientes, quer através do meio associativo que no Algarve tem grande actividade e importância e desejamos que a FNAC possa desempenhar um papel de relevo enquanto agente cultural de referência para Faro e para a região”, refere. O certo é que a FNAC do Fórum Algarve é hoje um espaço incontornável em Faro e para o Sotavento algarvio, com uma actividade cultural programada e consistente que permite falar de uma nova centralidade cultural na região. Exactamente aquilo por que ansiavam aqueles que tanto esperaram pela abertura deste espaço na capital algarvia. A promessa de manter uma relação de proximidade e cooperação com a envolvente está assim a ser levada à prática num espaço que é hoje um destino obrigatório para quem quer conhecer muito do que se faz de melhor a nível cultural no Algarve e no país.


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Cultura.Sul

Artes visuais

A arte e a ciência são mundos diferentes?

Saul Neves de Jesus

Professor catedrático da UAlg; Pós-doutorado em Artes Visuais pela Universidade de Évora

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Desde há muito tempo que a arte e a ciência andam interligadas, sendo os primeiros grandes cientistas identificados na história também como artistas, como é o caso de Leonardo Da Vinci, considerado por White (2002) como o primeiro grande cientista da história da humanidade. Leonardo afirmava o seguinte: “Para uma mente completa, estude a arte da ciência, estude a ciência da arte; aprenda a observar, perceba que tudo se conecta a tudo” (Araújo-Jorge, 2004). Nesta perspectiva da estreita ligação entre arte e ciência, já os gregos haviam designado Apolo como o Deus da Música e da Ciência e no juramento de Hipócrates a medicina é considerada uma arte. E, por exemplo, as cerca de 600 pinturas e 1.500 gravuras descobertas nas cavernas de Lascaux, no sul de França, realizadas antes de 10.000 aC, no período paleolítico, tanto são referidas na história da ciência como na história da arte. Este vínculo estreito entre ciência e arte parece ter existido até ao século XVI (Araújo-Jorge, 2004). No entanto, a cada vez maior especialização das várias áreas do conhecimento levou à perda de uma visão mais holística do saber e a um progressivo afastamento entre a arte e a ciência. Em particular, com a criação das primeiras academias de ciência, a partir do século XVI, começou a haver uma divisão entre os dois domínios no mundo académico. Ao contrário da Academia de Platão, na Antiguidade Clássica, em que a ciência, a arte e o desporto andavam interligados, as Academias de Ciências vieram promover uma clivagem entre a ciência e a arte. Entre 1568 e 1807 foram criadas cerca de 80

academias, tendo sido a primeira em Nápoles, em 1568. Nesta época, a que mais se destacou foi a de Roma, fundada em 1600, pois teve Galileu como um dos seus membros. Desde então, as diferenças entre a arte e a ciência têm vindo a ser defendidas por diversos autores. A obra mais referenciada sobre a análise da separação entre arte e ciência é da autoria de Snow, que escreveu o livro “The two cultures” (1960). Este autor, na linha do dualismo cartesiano, que distinguiu entre o corpo e a mente, vem analisar a separação entre as artes e as humanidades, de um lado, e as ciências, do outro, apresentando-as como “duas culturas” diferentes, opostas nos pressupostos, sendo a ciência considerada como racional e a arte como emocional. Também tem sido salientado que a ciência procura aproximar-se progressivamente duma “verdade” cada vez mais estável e constante na forma de explicar a realidade, enquanto a arte não tem nenhum compromisso com a verdade. Ou, conforme referia George Braque: “A arte está destinada a desconcertar, enquanto a ciência cria certezas” (Gantefuhrer-Trier, 2005). No entanto, a maior diferença, para Thomas Kuhn (1962), seria que, enquanto os produtos da atividade artística do passado continuam a fazer parte da cena artística do presente, sendo inclusivamente valorizadas, as obras científicas vão sendo ultrapassadas e desvalorizadas com o tempo. Também Paul Valéry acentuava a diferença entre ciência e arte pelos produtos resultantes: “Ciência e arte são praticamente indissociáveis durante as fases de observação e de meditação (...) e separam-se definitivamente nos seus resultados” (Malysse, 2005), pois enquanto nas primeiras é esperado serem obtidos resultados certos ou muito prováveis, nas segundas os resultados são muitas vezes incertos. Não obstante todas as diferenças referidas, concordamos com Wilson, quando afirma que a arte e a ciência são os dois motores da criatividade, mas erra-

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Desenho de Leonardo da Vinci, conhecido como o “Homem Vitruviano” (1490) damente são considerados tão diferentes como o dia da noite (2010). Na mesma linha, Massarani, Moreira e Almeida (2006), ao procurarem responder à questão “Para quê um diálogo entre ciência e arte?”, consideravam que ambas se nutrem da curiosidade humana, da criatividade, do desejo de experimentar. Neste sentido, o fazer artístico e o científico constituem duas faces complementares da ação e do pensamento humanos. No seu livro “Centelhas de génios. Como pensam as pessoas mais criativas do mundo”, M. Root-Bernstein e R. Root-Bernstein (1999) sistematizam os estudos sobre o pensamento criativo, concluindo com a necessidade de articulação entre a ciência e a arte para o fomento da criati-

“CONCERTO PELOS DIABO NA CRUZ” 18 ABR | 21.30 | Teatro das Figuras - Faro Os ‘reis’ do rock popular português vêm à capital algarvia para um concerto que irá difundir o pensamento de uma geração que se descobre a si mesma, no acto de se preparar para ‘o amanhã’

vidade, pois aprender a pensar criativamente numa área “abre a porta” para pensar criativamente nas outras. Aliás, na história moderna, há vários casos de cientistas, inclusivamente vencedores de Prémios Nobel de medicina ou fisiologia, como são os casos de Roger Guillemin, Salvadore Luria ou Robert Holley, todos eles nascidos no século XX, que também desenvolveram trabalhos no domínio da arte visual, sendo a criatividade necessária à produção científica e à produção artística que permite fazer a ponte entre os dois domínios. Tendo em conta esta realidade, Araújo-Jorge (2004) considera que as trajectórias do artista e do cientista podem ser semelhantes e, inclusivamente, complementares. De acordo com Buss (2004),

“tanto a arte como a ciência são necessárias para o completo entendimento da natureza”, pelo que, conforme concluem De Meis e Rumjanek (2004), “não existem duas culturas; estamos inseridos numa única cultura e o que é preciso saber é como integrarmo-nos nela”. Depois da voz e da escrita, a imagem tem uma importância cada vez maior nos processos de expressão e comunicação, pelo que a utilização da imagem visual é outro domínio em que pode ocorrer uma colaboração próxima entre o cientista e o artista. De acordo com a pintora Ostrower (1998), no seu livro “Sensibilidade e intelecto”, a imagem pode ser um bom instrumento para permitir estabelecer pontes entre a ciência e a arte, pois a imagem é universal.

Assim, a imagem pode ser utilizada como instrumento para o desenvolvimento do pensamento científico. No seu livro, “Guia de Arte”, Rowling (2006) apresenta dezenas de pinturas que podem ser utilizadas para descrever e abordar diversos temas de índole social e também científica. Por exemplo, o quadro “O triunfo da morte”, de Bruegel, ilustra o impacto da peste, permitindo a discussão sobre as teorias do contágio, nos planos histórico e científico. Várias vezes a arte se revelou essencial na ciência, através da utilização da imagem visual. Uma situação de “encontro” entre o cientista e o artista, é aquela em que o cientista precisa da imagem para comunicar sobre o seu trabalho, pois, conforme referia Leonardo da Vinci, no seu “Tratado de pintura”, “a mais útil das ciências será aquela cujo fruto seja mais comunicável” (Araújo-Jorge, 2004). Por exemplo, a história mostra-nos que, sem a percepção artística da perspectiva, Galileu certamente não teria feito a descrição da superfície da Lua em 1610, quando a observava com o recém-inventado telescópio, desenhando-a com crateras e sombras, em ângulos diferentes, de acordo com a posição do Sol, descrição que produziu um importante impacto na visão cosmológica. Já no século XVI, quando o estudo da anatomia era dificultado pela proibição de dissecar cadáveres, haviam sido chamados artistas para colaborar com os cientistas, permitindo tornar compreensível e mais rigorosa a descrição da realidade. Assim, através do poder da imagem, a arte tem sido essencial, em vários momentos históricos, para a introdução de novos pontos de vista na ciência. Nota: Este artigo integra o livro “Construção de um percurso multidisciplinar, integrativo e de síntese nas Artes Visuais”, de Saul Neves de Jesus (snjesus@ualg.pt)

“BUSTOS DE PRESIDENTES DA REPÚBLICA” Até 17 ABR | Paços do Concelho de Loulé Exposição da totalidade dos Presidentes da República, da autoria do barrista barcelense Joaquim Esteves, mestre que se notabilizou em termos artísticos, na olaria, figurado e na caricatura


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Momento

Guitar Hero Foto de Ana Omelete

Espaço ALFA

A paixão pelos retratos a preto e branco

Tânia Guerreiro Membro da ALFA

Penso que o meu fascínio e a minha paixão pela fotografia a preto e branco iniciou-se quando comecei a ver as fotografias antigas que tinha em casa, daquelas que se revela o rolo.

Cheguei inclusive a comparar imagens semelhantes do mesmo local ou de pessoas, uma a cores e outra a preto e branco e sempre achei que as fotos a preto e branco tinham “algo mais” do que as outras, que eram diferentes. Dentro das fotografias a preto e branco as que me dão mais prazer a nível pessoal são sem dúvida os retratos. Adoro executar estes trabalhos. Para mim, ao observar este tipo de fotografias em oposição às de cores, parece que estas têm mais alma, que ganham vida. Quando faço este tipo de trabalhos, o meu objetivo é que o

resultado final mostre o máximo possível daquilo que a pessoa é e que de certa forma ela também deixe a sua “impressão digital” naquela imagem. Um dos pontos mais importantes e no qual eu foco mais a minha atenção são os olhos, porque é através do olhar que a pessoa vai contar a sua história, transmitir mais emoção e dar charme à fotografia. E a minha função enquanto fotógrafa é captar essa mensagem e transmiti-la da melhor forma possível.


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Um olhar sobre o património

Sala de leitura

Comunicar o Património II Ideias perigosas: um político

Alexandre Ferreira

Licenciado em Património Cultural, UAlg

Nos dias vertiginosos que vivemos, onde tudo o que nos passa em frente dos olhos não pode durar mais do que meia dúzia de segundos sob pena de perdermos o interesse, somos bombardeados com uma quantidade enorme de informação, a qual não temos capacidade de processar. Hoje em dia, a concorrência desmedida pela nossa atenção é uma realidade, o que nos obriga, enquanto consumidores, a tomar uma de duas opções: desligar de tudo o que nos rodeia (tarefa só por si hercúlea e face aos estímulos, de difícil execução) ou sermos extremamente selectivos e criteriosos com o que merece a nossa atenção. Para conseguir captar a atenção do consumidor, a comunicação terá que o conquistar, provocando uma reacção emocional, potenciando o sentimento de partilha de um bem comum. E é neste ponto que a elaboração da estratégia de marketing facilita a criação de uma comunicação mais efectiva e assertiva porque leva à reflexão sobre diversas dimensões do elemento patrimonial: a) o seu posicionamento na sociedade, ou o que o torna diferente face a ofertas similares, o seu grau de atractividade ou a sua autenticidade; o produto a comunicar, o qual não se restringe ao elemento patrimonial em si mesmo, mas também os serviços e todas as actividades complementares, que podem ir desde o edifício, as colecções, as publicações, sejam catálogos ou brochuras, até ao serviço de cafetaria ou mesmo os sanitários, caso existam, devem ser pensados como um todo que é oferecido/disponibilizado aos utentes, reforçando desta forma a sua presença e a sua marca; b) os pontos de acesso ao elemento deverão ser igualmente equacionados, isto é, como é que se facilita o acesso do público ao elemento patrimonial, seja para visitá-lo (definição

de horários, identificação de percursos, sinalização, facilidade de circulação para pessoas com necessidades especiais), seja para simplesmente obter informações (através do site, mediante contacto telefónico); c) a definição de uma política de Preços e Descontos deverá ser clara e transparente, tendo em conta não só o meio onde o elemento está inserido, mas também a sua utilização como forma de captação de novos públicos e/ou fidelização de utilizadores esporádicos, não esquecendo que se a definição dos custos de acesso/ingresso e dos diversos serviços complementares oferecidos, for desfasada do contexto onde o elemento patrimonial se integra, a eficácia da estratégia de mar-

cimentos acerca dos valores patrimoniais e históricos do bem, mas também dos objectivos da função que vão exercer e da entidade que tutela o elemento patrimonial, tornando-se assim na sua “primeira linha” de comunicação e valorização. Nos últimos anos tem-se verificado uma crescente aposta na utilização de algumas ferramentas do Marketing aplicadas ao Património Cultural. Contudo estas constituem-se ainda como acções isoladas, as quais carecem de integrar um plano devidamente estruturado, diminuindo a possibilidade de se atingirem os objectivos propostos. É nosso desejo com estes artigos despertar o interesse d.r.

Criatividade tem que atingir o público-alvo keting fica comprometida; d) por último a Promoção, que consiste na adequação dos meios a utilizar na comunicação com os públicos alvo, públicos estes que se podem estratificar em perfis, devendo a comunicação adaptar-se, ao nível da imagem, linguagem e suportes, às particularidades de cada um dos perfis (visitante, fornecedor, mecenas). Qualquer suporte de comunicação deve servir como um meio de promoção e reforço da marca para com o exterior, pelo que os recursos humanos são igualmente determinantes na criação de uma imagem coesa e coerente de marca/produto/serviço, pelo que no seu processo formativo deverão adquirir conhe-

por esta área que coloca à nossa disposição um manancial de ferramentas bastante úteis que permitam alavancar o crescimento das nossas instituições culturais, dotando-as de metodologias e processos de comprovada eficácia noutras áreas. Não se pense contudo que há uma fórmula certa, com resultados garantidos! Existe sim, um conjunto de variáveis que, conforme sejam combinadas, podem resultar numa excelente acção de marketing. O que manda é a criatividade para atingir o público-alvo, de forma a atender os objetivos de comunicação do elemento patrimonial ou entidade que o tutele, com os recursos disponíveis.

que saiba dançar

Paulo Pires

Programador cultural no Município de Silves esteoficiodepoeta@gmail.com

Num sarau realizado em 2011, à conversa com João Caraça (então director do Serviço de Ciência da Fundação Calouste Gulbenkian), debatíamos um tema aparentemente inusitado: os benefícios da dança na política nacional. Isto porque, a propósito da inquietante obra por si coordenada, intitulada Ideias Perigosas para Portugal – propostas que se arriscam a salvar o país (Tinta-da-China), uma das 60 personalidades convidadas para dar o seu testemunho preconizava que todos os detentores de cargos políticos deviam ser obrigados a aprender a dançar e a prestar exames regulares de aptidão nessa área. Em finais de Oitocentos, Friedrich Nietzsche, influente filósofo alemão, já tinha colocado polemicamente a questão mas num plano divino, associando crença/verdade, dança e religião ao afirmar que só poderia acreditar num Deus que soubesse dançar. Transpondo para a política, e sabendo-se das velhas e novas “danças das cadeiras” (e de bastidores), e da (in)visível flexibilidade vertebral de não poucos indivíduos ligados ao universo partidário/governativo (sobretudo na arte das cambalhotas, como diria o humorista José de Pina), seria, de facto, prudente e aconselhável que a classe dirigente soubesse dançar. Isso dissiparia decerto eventuais dúvidas a seu respeito. Se há casos conhecidos de deputados e governantes que dançam e cantam em comícios, festas, jantares e afins (segundo alguns, para fins eleitorais), por que não alargar essa prática ao efectivo exercício das suas funções? A dança seria então, nesta linha, sinónimo de instrução ecléctica, de amor à vida, de liberdade de espírito, de não renegação ou não

afastamento do mundo real e dos problemas das pessoas, de não submissão acrítica a interesses obscuros em que se enredam tantas decisões políticas que afectam a vida dos cidadãos. Na educação grega (a “paidéia”) a dança era matéria obrigatória na formação e autoc ontrole dos jovens: “os que honram melhor os deuses pela dança são também os melhores no combate”, e um homem verdadeiramente educado era aquele que sabia de política, de filosofia, de música… e de dança. Aliás, ao longo de séculos esta arte do corpo e do espírito acompanhou a evolução do homem facultando-lhe a opção pela autonomia, pela expressão espontânea de si mesmo e pelo instigante desafio de comunicar autenticamente com os outros – funcionando quer como estímulo à imaginação e criatividade, quer como precioso veículo de socialização. Hoje é residual a presença das artes performativas no sistema oficial de ensino, não obstante o esforço e perseverança de algumas escolas e docentes sensíveis e abertos a novas abordagens que extravasem a tradicional e tentadora “caixa disciplinar”, a sobrecarga obsessiva de matérias e obras, e as metodologias retrógradas e ineficazes. Música, linguagem dramática/ corporal e artes plásticas têm sofrido uma redução drástica nos programas e metas escolares emanados das várias reformas de ensino, havendo actualmente um acesso muito limitado a essas áreas, salvando-se a educação física e pouco mais. Se as artes proporcionam ferramentas transversais que preparam melhor o indivíduo para a vida em sociedade e para o mercado de trabalho (como as antigas civilizações acreditavam), a iniciação/formação, trajecto e exercício da prática política em particular não deveriam ficar alheios a essa evidência e, assim, à aquisição e aperfeiçoamento de competências a nível da dança. Caso contrário, há o sério risco de, daqui a algum tempo (?), a classe dirigente se resumir – isso sim perigosamente – às três tipologias básicas de

Para o meu amigo José Louro

personalidade política (salvo honrosas excepções) certeiramente identificadas pelo já aludido José de Pina no seu livro Nascido para mandar – guia prático para chegar ao poder em Portugal (Gradiva/Produções Fictícias): o verbo-de-encher, o espalha-brasas e o idiota útil (sendo que este capítulo inclui mesmo testes para cada leitor descobrir em que perfil encaixa). A julgar por estudos recentes (como o realizado pela Universidade de Hertfordshire, no Reino Unido, em 2013), existe uma modalidade de exercício corporal ainda mais completa do que a natação: a dança, em particular o ballet clássico. A equipa de investigadores daquela instituição universitária comparou o desempenho de membros da famosa academia Royal Ballet com o de nadadores da selecção olímpica britânica e concluiu: os bailarinos apresentaram melhores resultados em sete das dez medidas de condicionamento físico em análise, mormente nos itens “equilíbrio psicológico”, “flexibilidade” e “equilíbrio corporal”. Tal como o estudo enfatiza no tocante à dança, também na política é preciso saber respirar bem fundo aproveitando o máximo possível da capacidade do diafragma; manter, a vários níveis, uma postura adequada, cultivando a verticalidade, a delicadeza e a elegância (o que implica também encolher a barriga); ter flexibilidade e garantir o equilíbrio das posições; reforçar a agilidade e coordenação nos gestos; e não descurar a leveza, o bem-estar e a auto-estima. A aclamada coreógrafa e dançarina alemã Pina Bausch (1940-2009) acreditava que se a Humanidade parasse de dançar estaria irremediavelmente perdida. Dança e salvação/perdição, dança e fé/ desilusão, dança e verdade/ aparência – no fundo, diferentes faces dessa valsa insondável e cativante que é a vida. E se a dança fosse a chance última, o grito derradeiro de um político para alguém acreditar nele ou nessa “grande porca” (como a apelidava Rafael Bordalo Pinheiro em 1900) chamada política?


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O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N

Abril ceberam «Palavra Final» do Escritor SubZero e «Uma Oração Americana» com poesia dos Estados Unidos da América

Janela da ria Pedro Jubilot

pedromalves2014@hotmail.com canalsonora.blogs.sapo.pt

Alerg(r)ia fotos: d.r.

a apresentação de «Pessoa(s) em Cena» - As cartas ridículas do Senhor Fernando e os suspiros líricos da Menina Ofélia e Conversas entre Álvaro de Campos e Alberto Caeiro, de Paulo Moreira. Luísa Monteiro, escritora, docente e investigadora pessoana regressa à Casa do poeta de Tavira, agora como editora na Redil Publicações para falar sobre o livro com duas peças de teatro a partir de textos de F. Pessoa, seus heterónimos (e Ofélia Queirós), produzido pelo actor e encenador Paulo Moreira.

Abril

invoca e se projecta». No dia da revolução, Francisco Tavares andava de megafone na mão. Quantas palavras importantes centradas na liberdade terá dito! Mas a liberdade é sempre efémera, e palavras ditas mesmo alto e bom som e para muita gente, leva-as também o vento - já ouvimos cantar esta verdade. No mesmo dia Sophia, (provavelmente ainda em Lagos) munida de lápis na mão escreveu por linhas eternas: «Esta é a madrugada que eu esperava/O dia inicial inteiro e limpo/Onde emergimos da noite e do silêncio/E livres habitamos a substância do tempo».

Andorinha

Nas manhãs, o horizonte mais limpo de nebulosidades abrange agora muito mais sul. Apetece abrir as janelas à brisa de leste enquanto se põe a mesa para o almoço. A hora já passa para a tarde quando o xarém no caldo dos vários peixes guisados se acomoda no estômago. Depois na esplanada de beber café, limpam-se à beira-ria os olhares que estavam demasiado focados naquele cinzento todo que anda por aí nos dias.

Pessoa(s) em Cena Os dias mais quentes do que o ano já leva convidam a passeios mais prolongados. O perfume que exala das flores campestres aromatiza os caminhos que levam até ti. Apesar do estado de encanto que a brisa provoca, sei que à noite os meus olhos se emudecerão, e quererás saber porque lacrimejo. Tão simplesmente devido à elevada concentração de pólen no ar. Vicissitudes desta estação.

Poesia Em-Alta-Voz

AGENDAR

As noites de leitura de Poesia Em-Alta-Voz com música, da Casa Álvaro de Campos em Tavira, prometem continuar, depois do sucesso das primeiras sessões que em Abril re-

A 17 de abril (sexta) pelas 21h45, a Casa Álvaro de Campos-Tavira recebe no seu foyer “CHEIO” 23 ABR | 21.30 | Teatro das Figuras - Faro Peça apresenta-se de modo a convocar o público a descobrir e explorar o processo de trabalho artístico do intérprete

A 20 de abril de 1974, dias antes da revolução, Sophia Mello Breyner Andresen estava em Lagos e escreveu o poema Lagos I para o livro ‘O Nome das Coisas’:«(…)Os ditadores — é sabido — não olham para os mapas /Suas excursões desmesuradas fundam-se em confusões /O seu ditado vai deixando jovens corpos mortos pelos caminhos /Jovens corpos mortos ao longo das extensões//(…) Na luz de Lagos matinal e aberta /Na praça quadrada tão concisa e grega /Na brancura da cal tão veemente e directa /O meu país se

Despertei para a manhã clara ao som de agitadas ‘delichon urbicum’ de asa negra atarefadas nas suas construções, e elas sim, voltam sempre nesta estação. Já tu verdadeiro ‘pássaro urbano’ (a alcunha que lhes deste) há muito que não migras até estas paragens de sul, envolta que estás nas tuas desconstruções. Ao sair encontrei uma andorinha morta sobre o passeio. Mas por nenhuma destas razões se acaba o fado da Primavera.

“A ÚLTIMA SEMANA DO FASCISMO” 24 ABR a 30 JUN | Biblioteca Municipal de Lagos Exposição de pintura de Manuela Caneco constituída por 14 obras originais, estruturadas em cinco séries: “Corrosão do Sistema”; “Repressão em Lisboa”, “Tortura”, “Luta” e “Emigração forçada e clandestina”


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Espaço ao Património

Recursos patrimoniais versus sustentabilidade: o caso de Vila do Bispo Ricardo Soares

Arqueólogo na Câmara de Vila do Bispo http://vila-do-bispo-arqueologica.blogspot.pt/

No âmbito da minha atividade enquanto arqueólogo da Câmara Municipal de Vila do Bispo, partilho aqui algumas genéricas reflexões sobre o vastíssimo e particularmente atual tema da “gestão patrimonial”. Em boa verdade, trata-se de um depoimento estritamente pessoal, num modo de pensamentos “em voz alta”, com o qual apenas pretendo partilhar um certo “estado de alma” e algumas positivas experiências profissionais e sociais a barlavento, no território da ‘sagrada finisterra vicentina’. Tempos de euforia turística e de feiras do património! Se por um lado atravessamos tempos particularmente difíceis – a crónica desculpa para uma ‘cultural’ carência de investimento na Cultura –, por outro, definem-se no horizonte alguns sinais de positivas reações, nem sempre genuínas, mas ainda assim assinaláveis. Apregoa-se a racionalização dos recursos disponíveis e o investimento low budget, a valorização dos recursos endógenos, o envolvimento social e a integração comunitária, a implementação de modelos de gestão partilhada e de cooperação intermunicipal, a abertura à iniciativa privada... enfim! Todavia, reincide-se na perigosa tendência de se olhar o Património numa perspetiva meramente económica, enquanto recurso financeiro. Com isto, o Património lá vai dando “um ar da sua graça”, surgindo amiúde ‘empacotado’, como oferta turística, sendo parcamente alimentado a migalhas, na expectativa da criação de uma salvadora, mas raramente profícua, “galinha dos ovos de ouro”... “só para inglês ver”! Material ou imaterial, o Pa-

trimónio, enquanto legado de autenticidade natural e de identidade cultural, apresenta-se, na prática, como um conceito demasiadamente abstrato, tendencialmente confundido com o património de ordem económica, quantificável em valor, traduzível em retorno financeiro. Os tradicionais paradigmas civilizacionais e as clássicas polaridades dos fluxos de viagens intercontinentais alteram-se globalmente. O velho continente europeu apresenta-se hoje como um atraente novo mundo de (re)descobertas, massivamente procurado pelo seu longo passado, por um certo ‘exotismo’ cultural e pela aventura intercivilizacional. Ao sabor da mesma corrente, Portugal vive uma verdadeira euforia turística, fruto do reconhecimento e procura internacional de atraentes valores culturais de históricas cidades como Lisboa, Porto, Coimbra, Évora… A imaterialidade cultural do fado, do cante e da dieta mediterrânica encontra-se reconhecida no ‘panteão’ do Património Universal. Surgem desconcertantes expressões como “feiras do património”. Santuários naturais, como os Açores, expõem-se aos enxames dos low cost. O turismo cultural e o turismo de natureza estão na moda! Aos agentes culturais exige-se um certo “toque de Midas”, ou seja, a alquímica capacidade

fotos: ricardo soares

O Passado no Presente – estratégias de comunicação arqueológica de transformar o Património em receita financeira. Se por um lado o turismo implica, inevitavelmente, um destrutivo impacto no Património (sobretudo natural), por outro, o turismo poderá ser trabalhado como garante do próprio Património. Não se tratando de uma natural relação simbiótica, o Património e o turismo podem conviver em harmónica valorização mútua. A fórmula do equilíbrio deverá residir na sustentabilidade! Entretanto, a montante, há que promover o conhecimento profundo e a investigação

sistemática, a única via para a estabilidade da partilha – dignificar no presente um passado com futuro. Boas práticas de gestão patrimonial em Vila do Bispo No Algarve, a região de Vila do Bispo ainda preserva determinadas áreas intocadas pela ação humana, que, por tão genuínas e raras, são por isso bastante procuradas por visitantes de todo mundo, nelas reconhecendo a pureza da original autenticidade da Nature-

O trilho certo dos Homens do Futuro – educação e sensibilização patrimonial

za. Porém, quando se trata de turismo de natureza, enquanto recurso dificilmente renovável, impõe-se uma decisiva formulação estratégica, mais uma vez assente na sustentabilidade! Do ponto de vista cultural, as paisagens de Vila do Bispo também revelam interessantes e diversificados discursos antropogénicos, designadamente arqueológicos, históricos e etnográficos, muitos dos quais revestidos de apreciável monumentalidade. As paisagens constituem-se como palcos de realidades tão distintas como complementares. A sua integrada leitura permitir-nos-á partilhá-las, de modo sustentável e sem prejuízo para os diversos apontamentos nelas implantados: a biodiversidade, a geologia, as marcas paleontológicas, os vestígios arqueológicos, os monumentos históricos, os recursos do mar, as terras cultivadas... a Cultura! O potencial do património vilabispense encontra-se amplamente reconhecido e a sua procura já é uma indomada realidade. No sentido de uma prudente partilha de todo este complexo paisagístico, urge a sua aquilatada leitura e o seu efetivo conhecimento. Importa ordenar e educar a sua fruição, sob o risco da sua irreversível perda e vulgarização enquanto extensão de uma região há muito descaracterizada. Num território substancialmente dependente do

turismo, o estratégico desenvolvimento de diferenciados produtos de natureza e de cultura, pela sua diversidade, qualidade e latente potencialidade, permitirá uma alternativa oferta aos habituais fluxos da sazonalidade. A mais desafiante missão do projeto autárquico que tenho vindo a integrar, consiste na promoção de estratégias com impacto socioeconómico, orientadas pelo reconhecimento de diferenciadores fatores de identidade local, potenciáveis como vantagens competitivas. Na região algarvia, o turismo constitui o principal gerador económico, o “fim último” da esmagadora maioria das atividades público-privadas desenvolvidas entre São Vicente e o Guadiana. Numa região estigmatizada pela massificação turística, e no âmbito de um mercado extremamente competitivo, a fórmula do ‘sucesso’ reside, necessariamente, na qualidade e na diferenciação da oferta. Posto isto, e em suma, torna-se essencial o profundo conhecimento dos territórios e das diversas realidades neles existentes. A montante, a investigação permitirá delinear os trilhos mais equilibrados, minimizando o inevitável impacto da fruição turística e da partilha de um inestimável bem comum, promovendo-o tal como é, sem perda da sua natural essência diferenciadora. O Concelho de Vila do Bispo, território extremo, periférico e de baixa densidade, tem vindo a cultivar a aproximação, o diálogo e a colaboração entre as tutelas do ambiente, da cultura e do turismo, as universidades, a comunidade científica, as empresas de turismo de natureza, hoteleiras e de restauração, os técnicos municipais, a comunidade local, as atividades tradicionais, os novos e os mais velhos, o público em geral, a sociedade… Só assim faz sentido, só assim será possível a sustentável ‘exploração’ socioeconómica dos recursos patrimoniais presentes neste precioso recanto do mundo, tido como naturalmente excecional, e por isso mesmo cada vez mais procurado!


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Da minha biblioteca

«Só colaboro na minha morte» Herberto Helder (1930-2015) vazio poema de sentido e de endereço e de razão deveras, só porque sim, isto é: só porque não agora Adriana Nogueira

Classicista Professora da Univ. do Algarve adriana.nogueira.cultura.sul@gmail.com

Na minha biblioteca tenho alguns livros de Herberto Helder (vários de Poesia Toda, que nunca é toda), um poeta que comecei a amar já tarde (já passava eu dos 30 anos), poeta preferido de algumas pessoas que me são muito queridas, que me ensinaram a descobri-lo e a lê-lo. Como pouco poderia acrescentar ao que tanto já foi dito e escrito aquando da sua recente morte, fica aqui uma seleção, pessoalíssima, da sua poesia.

AGENDAR

disseram: mande um poema para a revista onde colaboram todos e eu respondi: mando se não colaborar ninguém, porque nada se reparte: ou se devora tudo ou não se toca em nada, morre-se mil vezes de uma só morte ou uma só vez das mortes todas juntas: só colaboro na minha morte: e eles entenderam tudo, e pensaram: que este não colabore nunca, que o demónio o leve, e foram-se, e eu fiquei contente de nada e de ninguém, e vim logo escrever este, o mais curto possível, e depressa, e

d.r.

Ouço: são elas que partem. E levam o sangue cheio de letras, as patas floridas sobre a cabeça, correndo, pensando. Atiram-se para a noite com o sonho terrível de um lenço vivo. E vão batendo com as estrelas nas portas. E sobre a cabeça branca, as patas lembrando pela noite dentro. O rosto sufocado, o som abrindo, muito lembrado. E a cabeça correndo, e eu ouço: são elas que partem, pensando.

(in Servidões, 2013) […] A minha morte agora é uma alegria manual escrevendo escrevendo as suas musas intoleráveis. Mas o próprio poema é que escreve o seu poeta arrancado à música, à cega e sobressaltada beleza dos acentos. […] (in Retrato em Movimento, 1967) Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra e seu arbusto de sangue. Com ela encantarei a noite. […] (in O amor em visita, 1958) Dedicatória – a uma devagarosa mulher de onde surgem os dedos, dez e queimados por uma forte delicadeza. Atrás, o monumento do seu vestido ocidental – erguido e curvo. E o vestido trabalhava desde o fundo e de dentro – como uma raiz branca – para o aparecimento da cabeça. A paisagem posterior é de livros, todos eles de costas voltadas, dominados pelas ardentes pancadas das suas letras. […] (in Retrato em Movimento, 1967)

[…] Celebro a tecelagem, as mãos sombriamente embebidas no trabalho. E por cima de tudo as pedras rosas das cabeça, os cestos,

Era o som delas, como se fosse abril a um canto da noite, lembrando.

A última obra de Herberto Helder intitula-se ‘A Morte Sem Mestre’ as liras, o pão. E em baixo o sangue bate acendendo e apagando. E eu agora sei tudo, e esqueço muito devagar. […] (in Lugar, 1962)

Mulheres correndo, correndo pela noite. O som de mulheres correndo, lembradas, correndo como éguas abertas, como sonoras corredoras magnólias. Mulheres pela noite dentro levando nas patas grandiosos lenços brancos.

“PINTURA DE ANNA CUMMING” Até 30 ABR | Casa dos Condes - Alcoutim A artista gosta de pintar a natureza que a rodeia, recentemente começou a incluir a figura humana nas suas paisagens

Correndo com lenços muito vivos nas patas pela noite dentro. Lenços vivos com suas patas abertas como magnólias correndo, lembradas, patas pela noite viva. Levando, lembrando, correndo. É o som delas batendo como estrelas nas portas. O céu por cima, as crinas negras batendo: é o som delas. Lembradas, correndo. Estrelas. Eu ouço: passam, lembrando. As grandiosas patas brancas abertas no som, à porta, com o céu lembrando.

Crinas correndo pela noite, lenços vivos batendo como magnólias levadas pela noite, abertas, correndo, lembrando. De repente, as letras. O rosto sufocado como se fosse abril num canto da noite. O rosto no meio das letras, sufocado a um canto, de repente. Mulheres correndo, de porta em porta, com lenços sufocados, lembrando letras, levando lenços, letras – nas patas negras, grandiosamente abertas. Como se fosse abril, sufocadas no meio.

Então acordo de dentro e, lembrando, fico de lado. E ouço correr, levando grandiosos lenços contra a noite com estrelas batendo nas patas como magnólias pensando, abertas, correndo. Ouço de lado: é o som. São elas, lembrando de lado, com as patas no meio das letras, o rosto sufocado correndo pelas portas grandiosas, as crinas brancas batendo. E eu ouço: é o som delas com as patas negras, com as magnólias negras contra a noite. Correndo, lembrando, batendo. (in A Máquina Lírica, 1964) (a carta do silêncio) Há às vezes uma tal veemência no silêncio que urge inquirir se a poesia não é uma prática para o silêncio. […] (in Photomaton e Vox)

“CORPO RESTRITO” Até s3 MAI | Museu Municipal de Faro Exposição fotográfica de Vasco Célio, com imagens inéditas dos objectos sobre modelos, Jóias da Fotografia, com o objectivo principal de colocar em diálogo os novos conceitos da Joalharia Contemporânea de Autor


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