ricardo claro
Missão Cultura: d.r.
Caminhos de Cultura no Algarve 2015
p. 2
Arco da Vila mostra-se ao público
p. 5
Espaço AGECAL: d.r.
Faro 2005 Memória de uma Capital Nacional da Cultura
p. 3
Letras e Leituras: d.r.
d.r.
A Balada de Adam Henry - Amor e Morte
Cultura e fronteiras instáveis: arte e entretenimento
p. 4
p. 8
Artes visuais: d.r.
DEZEMBRO 2015 n.º 87
Qual o sentido das Artes Visuais?
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Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o PÚBLICO 7.586 EXEMPLARES
www.issuu.com/postaldoalgarve
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11.12.2015
Cultura.Sul
Editorial
Missão Cultura
A Cultura e o 'economês'
Caminhos de Cultura no Algarve 2015 drcalg
Direção Regional de Cultura do Algarve
Ricardo Claro
Editor ricardoc.postal@gmail.com
AGENDAR
A aposta e o investimento na Cultura, genericamente falando, depende em grande medida para os decisores políticos - mais do que o dever aparentemente óbvio de salvaguarda da identidade cultural do 'seu' povo (que os elegeu e/ou para quem trabalham) - da possibilidade de com os mesmos ganharem votos e/ou obterem mais-valias para a economia. Também na Cultura como em outras áreas, aparentemente mais afastadas da realidade dominada pela economia, a força do economês se impõe. E para falar economês a recente atribuição ao Promontório de Sagres da Marca Património Europeu, a par da classificação da Dieta Mediterrânica como Património Imaterial da Humanidade, são bons exemplos de como a Cultura pode ser um meio de alavancagem da economia, em particular do Turismo e da entrada de divisas. Reconhecimento é o que se deve, respectivamente a Alexandra Gonçalves (directora regional de Cultura) e a Jorge Botelho (presidente da Câmara de Tavira) naqueles dois casos, e a tantos outros actores da Culrura na região, pelo esforço que têm feito na criação de uma estrutura cultural coerente e coesa o suficiente para criar mais-valias potenciais para a região. Conseguem assim que a preservação da identidade cultural do Algarve seja vista pelos 'ditadores da economia' como um projecto aceitável e o qual importa reforçar o investimento. Há várias formas de levar a água ao moinho e se para tanto se tem de falar economês, seja: a Cultura está a alavancar a economia algarvia.
Passado que está mais um ano é tempo de balanço da actividade desenvolvida. Relembramos que a actuação deste organismo desconcentrado da administração central possui como duas áreas principais de intervenção: a salvaguarda e gestão do património cultural; e a promoção da criação artística, neste caso com dois domínios de actuação - a fiscalização das estruturas financiadas pelos organismos da administração central da área da cultura e o apoio ao tecido cultural não profissional da sua área territorial (conforme o Decreto-Lei n.º 114/2012, de 25 de Maio). Na ação cultural e no apoio à actividade de criação artística estabeleceram-se critérios prioritários de avaliação comuns que incluem: o combate à exclusão social e à desertificação do interior do Algarve; a educação para a cultura e para as artes; a valorização do património imaterial do Algarve e a preservação das tradições, memórias e identidade; a revitalização de núcleos e centros históricos; a inovação cultural, projetos multidisciplinares, multiculturais, trabalho em rede e parcerias (onde as novas indústrias criativas têm assumido papel preponderante). Foi neste âmbito que a Comissão de Edição apoiou vários trabalhos e contribuiu para a criação de uma nova imagem e linha editorial da Direção Regional de Cultura do Algarve. Em parceria com a Universidade do Algarve e a Direção das suas Bibliotecas criou-se na FNAC, do Forum Algarve, a rubrica “Café com Letras”, onde se apresentaram edições, se discutiram temas de cultura e se debateram ideias e projectos nestes domínios. Pelo segundo ano consecutivo, programou-se em rede para o conjunto dos monumentos sob gestão da DRCAlg, criando uma dinâmica de interação en-
Imagem do Promontório de Sagres tre os agentes culturais regionais, e as várias áreas artísticas, tendo por base o Programa de Dinamização e Valorização dos Monumentos do Algarve (DiVaM) e sob o tema das “Raízes Mediterrânicas”. Melhorou-se a comunicação e a promoção da actividade da DRCAlg, marcando presença em feiras do sector a nível nacional. Estreitou-se a colaboração com outras entidades, nomeadamente com o Turismo do Algarve e algumas associações empresariais, através de projectos e protocolos específicos. Desenvolveram-se as rotas turísticas e culturais e procurou-se criar novas dinâmicas em torno destes projectos. Na salvaguarda e valorização dos monumentos, Sagres absorveu a maior atenção, por motivos óbvios. Mas foi continuado o apoio técnico em várias intervenções municipais e de iniciativa particular, assim como se participou nas redes regionais temáticas associadas. Nos indicadores dos visitantes, os números revelavam no fim do mês de outubro um resultado que não se alcançava há mais de 12 anos, superando os 300 mil ingressos na Fortaleza
“CONCERTO DA ORQUESTRA CLÁSSICA DO SUL” 11 DEZ | 21.30 | Grande Auditório do Campus de Gambelas - Faro Universidade do Algarve assinala o seu 36º aniversário com um concerto aberto a toda a comunidade
de Sagres. Comemoraram-se os dez anos da Convenção Quadro de Faro e nos desafios de âmbito europeu e internacional anunciaram-se a candidatura de Faro a Capital Europeia da Cultura, e as várias tentativas de inscrição na lista indicativa da UNESCO das candidaturas de Vila Real de Santo António (Cacela e Núcleo Pombalino de Vila Real de Santo António) e a dos “Lugares da Primeira Globalização”, que envolve oito municípios do Algarve, a Direção Regional de Cultura do Algarve, a Região de Turismo do Algarve e a Universidade do Algarve, e ainda, a Região Autónoma da Madeira, dos Açores, o Governo Autonómico de Ceuta e a Cidade Velha de Cabo Verde. No âmbito do planeamento estratégico para a região, identificaram-se em conjunto com os municípios do Algarve e a CCDRAlg, o conjunto de intervenções urgentes, e por isso prioritárias, a fim de serem incluídas no mapeamento dos investimentos a poder ser apoiados pelo CRESC Algarve 2020, no eixo dedicado ao património cultural. Lançou-se o desafio à AMAL
de encontrar connosco o financiamento e os meios para criar uma Agenda Regional para a Cultura com base numa plataforma digital em que estamos a trabalhar com a proposta de designação de “Cultura+”, que englobasse todos os municípios do Algarve, a DRCAlg e a RTA. Também neste ano, se conseguiu concretizar uma antiga ambição e se mudou de casa, tendo encontrado um espaço de maior conforto e melhores condições de trabalho e acessibilidade para os serviços da cultura, até então sediados num edifício de habitação. Nos novos desafios surgem propostas que são partilhadas e que nalguns casos, têm carecido de disponibilidade financeira para a execução e de meios humanos e técnicos. A DRC Algarve continua a defender a necessidade de ter um projeto regional de sistematização e análise de dados e indicadores e onde se faça monitorização nestes domínios, sob pena de não conseguirmos em conjunto ter uma estratégia para a cultura, património e artes na região, que é responsabilidade de vários organismos e diferentes níveis de administração.
Este foi um ano de grande intensidade de trabalho, em que o reconhecimento fora de portas também se fez sentir e em que as vozes da cultura e do património se têm começado a fazer ouvir. O reconhecimento do Promontório de Sagres como Marca Património Europeu pela Comissão Europeia resultou de uma candidatura da equipa da Direção Regional que demonstrou a sua importância para a construção do novo mundo moderno, tal como hoje o conhecemos. Finalmente, reconheçamos que há necessidade de mais recursos para o desenvolvimento sustentado e equilibrado da cultura, no sentido amplo da palavra, e para que cada um dos parceiros deste importante eixo de desenvolvimento estratégico cumpra a sua missão na região. Como diria Ricardo Reis, “Cumpre-te hoje, não esperando.” Tem sido assim, nestes caminhos de cultura que percorremos e vamos construindo. O ano que vem será certamente repleto de novos caminhos. Alexandra Rodrigues Gonçalves Direção Regional de Cultura do Algarve
“BÃO PRETO” 15 DEZ | 10.30 e 14.00 | Auditório Municipal Olhão Jovens olhanenses têm oportunidade de assistir a uma peça de teatro levada à cena pelo Comuna - Teatro de Pesquisa, interpretada por Miguel Sermão e Hugo Franco e encenada por João Mota
Cultura.Sul
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Grande ecrã Cineclube de Faro
Programação: cineclubefaro.blogspot.pt CICLO 'A OLHAR PARA NÓS' | IPDJ | 21.30 HORAS 15 DEZ | MONTANHA, João Salaviza, Portugal/França, 2015, 92’, M/14
“O WESTERN DE BUDD BOETTICHER” | SEDE | 21.30 HORAS | ENTRADA LIVRE 17 DEZ | EMBOSCADA FATAL, EUA, 1960, 75’ O DIA MAIS CURTO – GRANDE FESTA DA CURTA METRAGEM SOCIEDADE RECREATIVA ARTÍSTICA FARENSE | 22 HORAS 18 DEZ | Europa em Curtas ATRIUM FARO | 14 HORAS 21 DEZ | Contos à Sombra das Árvores Entre 11 e 24 de Dezembro o Cinema volta à Baixa de Faro, com programação ainda a anunciar.
Cineclube de Faro aposta nas curtas em Dezembro O Cineclube de Faro apresenta neste Dezembro no quadro da sua programação principal, dois ciclos. Na sede dedicamo-nos a Budd Boetticher, um dos icónes do Western, de quem apresentamos três filmes, Têmpera de Herói, O Homem que Luta Só e Emboscada Fatal, nas primeiras 5ªs-feiras de Dezembro, em sessões gratuitas. A programação regular das 3ªs-feiras, está de volta ao IPDJ e em cartaz constam trêsfilmes: Roy Andersson e os seus dois filmes da Triologia dos Vivos - Um Pombo Pousou num Ramo a Reflectir na Existência (2014) e Canções do Segundo Andar (2000) remetem para uma espécie de reflexão sobre a moral, a condição e acção humanas, recorrendo bastas vezes ao surreal, em quadros cómicos com forte pendor artístico e um humor que tem tanto de vivo e sagaz como de cortante e seco. O mês encerra com a estreia
Cineclube de Tavira
Programação: www.cineclubetavira.com 281 971 546 | cinetavira@gmail.com
fotos: d.r.
SESSÕES REGULARES | CINE-TEATRO ANTÓNIO PINHEIRO | 21.30 HORAS 17 DEZ | GÜEROS (GUEROS), Alonso Ruiz Palacios – México 2014 (106’) M/14
O realizador João Salaviza de João Salavisa nas longas-metragens, com Montanha, depois de uma carreira com óbvio destaque para as curtas Arena e Rafa. Salavisa retoma o tema da tentativa de aproximação à “raiz mitológica da adolescência”. Seguimos David, sempre do ponto de vista do seu olhar, deambulamos pela sua odisseia emocional e pessoal, pelo limbo em que o final da infância, as agruras da adolescência e a assombração das imperfeições
do mundo adulto se encontram inapeláveis num território em que saltam à vista os escombros urbanos e familiares. “Em derradeira análise”, diz Daniel Sampaio, “Montanha é um filme sobre a verdadeira adversidade dos nossos dias, a crise das relações interpessoais e da construção de um futuro melhor”. O cartaz não fica no entanto por aqui, consultem-nos. Cineclube de Faro
23 DEZ | SAMSARA, Ron Fricke - Vários países, 2011 (102’) M/12 (sem diálogos) 30 DEZ | MANDARIINID (TANGERINAS), Zaza Urushadze – Georgia/Estonia 2013 (87’) M/12 (legendado em português + inglês)
Espaço AGECAL
Faro 2005 - Memória de uma Capital Nacional da Cultura Jorge Queiroz Programador de Faro 2005 - Capital Nacional da Cultura; Sócio da AGECAL
Há semanas a Universidade do Algarve e a Direcção Regional de Cultura do Algarve promoveram em Faro, passados dez anos, um debate sobre “Faro 2005 - Capital Nacional da Cultura”. Dos programadores de 2005, Luísa Taveira (dança), Luís Madureira (musica), Anabela Moutinho (cinema) Miguel Abreu (teatro) Jorge Queiroz (artes visuais e exposições) e Pedro Ferré (literatura), apenas os três últimos estiveram presentes na sessão da FNAC. A ausência do Professor António Rosa Mendes, falecido inesperadamente há dois anos e Presidente da Estrutura de Missão, deixou a sessão menos enriquecida, ele que teve a coragem de ser rosto
de um projecto complexo e difícil. Faro 2005 - CNC tinha criadas à partida todas as condições para correr mal. Em Outubro de 2004 o Professor António Lamas fora substituído como Presidente da Estrutura de Missão pelo historiador António Rosa Mendes, não tinha orçamento definido nem autonomia administrativa e financeira, com uma equipa de programação que não se conhecia e sem instalações. Estavam ainda agendadas para 2005 eleições legislativas e autárquicas, que desviariam a atenção do País para outras prioridades. Contudo, Faro 2005 - CNC não falhou e por três opções estratégicas que se provaram correctas. Em primeiro lugar, o projecto estruturou-se em todo o território algarvio, cidades litorais e no interior, valorizando lugares, criadores e populações, mobilizando inúmeros recursos. A segunda orientação estratégica foi assumir que o Algarve era e é uma região com uma cultura sedimentada pelos séculos, possuidora de uma valiosa herança histórico-cultural, que participou na construção de Portugal
enquanto entidade política soberana e no processo da expansão, que possui importantes expressões da modernidade e da contemporaneidade. Por último, e não menos decisivo, foi a credibilidade institucional e o empenho pessoal, o rigor da prestação de contas e no uso dos dinheiros públicos. A 30 de Março de 2006 os relatórios de gestão e de programação estavam entregues no Ministério da Cultura, encerradas as contas não havia qualquer dívida a fornecedores. A dimensão e exigência do trabalho foi grande. Na área à minha responsabilidade, artes visuais e exposições, com escassos meses de preparação realizámos 43 exposições (18 em Faro) em 11 Municípios, sendo 32 estreias, em todas as disciplinas, para públicos e interesses diferenciados: para crianças (“As criaturas”, de Nuno Maya e Carol Purnell), invisuais (“Luz Táctil”, de Paulo Abrantes”), novas gerações (“Prémios EDP - Novos Valores comissariada, por João Pinharanda, ou “Tractor” na Fábrica da Cerveja), colecções nacionais ( “Do Olhar Inquieto”, Colecção Nacional de Fotografia dirigida por Teresa Siza), de património (“Os Caminhos do Algarve
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Rosa Mendes, um dos nomes por detrás da Faro 2005 Romano”, com direcção de José de Encarnação ou a “Invenção do Mundo” - arte sacra no Sul de Portugal”, com curadoria de José António Falcão), históricas sobre o Algarve (“Lagos Anos 60 - Bravo, Cutileiro, Lapa e Palolo”, comissariada por João Pinharanda, ou “O século XX passou por
aqui”, com direcção de Mirian Tavares), arquitectura (maquetas de Siza Vieira), artistas residentes no Algarve (“O sol e a lua” de René Bertholo, ou as exposições de obras de Xana, Bartolomeu dos Santos, Costa Pinheiro, Vítor Pomar, …). A colaboração com instituições nacionais (Fundação Arpad Szenes /Vieira da Silva, Culturgest, Centro Português de Fotografia, EDP, …) potenciou a programação da área e triplicou o orçamento disponível sem acréscimo de custos para o Estado. Da experiência positiva podemos afirmar que as Capitais Nacionais de Cultura, suspensas em 2006, poderiam regressar e ser, desde que se permita candidaturas das cidades portuguesas suportadas por objectivos e orçamentos claros e partilhados, instrumentos úteis para o desenvolvimento e a descentralização cultural, para a renovação de equipamentos e programas. Dez anos passados a herança de Faro 2005 - CNC lembra-nos que as políticas culturais do País necessitam de estímulos, instrumentos regulares de afirmação dos valores nacionais e regionais.
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Cultura.Sul
Letras e Leituras
A Balada de Adam Henry - Amor e Morte
Paulo Serra
Investigador da UAlg associado ao CLEPUL
Ian McEwan é um dos grandes autores ingleses da actualidade. De entre a sua obra podemos destacar livros como A Criança no Tempo (Whitbread Award 1987) ou Amesterdão (Booker Prize 1998). É ainda autor de um libreto de ópera e de vários argumentos para cinema (como o do recente filme O Jogo da Imitação). As obras O Inocente, Estranha Sedução, O Fardo do Amor e Expiação foram adaptadas ao cinema. A Balada de Adam Henry, o seu último livro, revela uma linguagem cinematográfica, numa espécie de zoom contínuo sobre o espaço e a personagem em cena que o observa: «Londres. O último período do ano judicial começou há uma semana. Junho com um tempo implacável. Fiona Maye, juíza do Supremo Tribunal, em casa num fim de tarde de domingo, deitada de costas numa chaise longue, a olhar o extremo da sala para além dos seus pés revestidos
de collants, a contemplar uma perspectiva parcial da estante embutida junto da lareira e, de um lado, junto de uma janela alta, uma minúscula litografia de Renoir representando uma banhista, que ela comprara por cinquenta libras há três anos. Provavelmente uma falsificação. Por baixo dessa imagem, no centro de uma mesa redonda, de nogueira, uma jarra azul. Não se recorda de como lhe foi parar às mãos. Nem de quando lhe pôs flores pela última vez. A lareira não é acesa há um ano.» (pág. 9). A descrição continua num ritmo fluído que entretece o banal e o íntimo, onde se desenha um quadro realista mas a partir do qual serão lançadas pinceladas que permitem entrar na mente da personagem. Fiona Maye é essa personagem central, a partir da qual entramos nessa sala, uma juíza do Supremo Tribunal que julga casos do Tribunal de Família. Se nos primeiros momentos em que a personagem se começa a desvelar esta pode parecer-nos fria, Fiona é acima de tudo um ser humano que mesmo lidando com os mais variados casos consegue manter a sua natureza humana. Pode-se perceber que ainda existe bondade e generosidade em si quando nos é dado a ler que Fiona tem entre a sua lista de afazeres escrever uma
fotos: d.r.
A Balada de Adam Henry é o mais recente romance de Ian McEwan carta de recomendação para o filho autista da sua empregada de limpeza ser admitido numa escola. Mas esse cenário de calma aparente é manchado pelas recordações de Fiona enquanto passa mentalmente em revista a discussão recente com o marido. Tal como Fiona parece viver e envolver-se de forma apaixonada no seu trabalho, o que lhe pode ter retirado a capacidade de se ligar emocionalmente da mesma forma a alguém, o marido é, de modo diametralmente simétrico, bastante frio e prático na forma como lhe apresenta os seus motivos para querer o divórcio de modo a poder tentar uma segunda vida com a sua amante bastante mais nova: «- Preciso disto. Tenho cinquenta e nove anos. Esta é a minha última oportunidade. Ainda tem de haver quem me convença de que há vida depois da morte. Uma observação pretensiosa para a qual não encontrara resposta. Limitou-se a fitá-lo, talvez com a boca aberta. Só agora, deitada na chaise longue, lhe ocorria uma resposta. «Cinquenta e nove, Jack? Mas tu tens sessenta! É patético, é banal». Mas o que de facto disse, sem convicção, foi: - Isto é demasiado ridículo. - Fiona, quando fizemos amor pela última vez? Quando teria sido? Ele já lhe tinha feito aquela pergunta antes, com estados de espírito que iam do lamuriento ao rezingão. Mas o passado recente sobrecarregado pode ser difícil de recordar.» (pág. 10-11). «A Divisão da Família pululava de estranhos
diferendos, alegações especiais, meias-verdades íntimas e acusações exóticas.» (pág. 11). Sem nunca sabermos se é o narrador que tece considerações se é a própria Fiona, numa corrente de consciência em que o leitor se vê mergulhado, não se afigura simples lidar com casos verdadeiramente complexos que surgem entre outros mais rotineiros: «discórdias de rotina relativas a residência de filhos, casas, pensões, rendimentos, heranças» (pág. 11). Numa das passagens podemos mesmo ler como Fiona parece até apreciar essas situações límite que, afinal, são o quotidiano de certas profissões de grande responsabilidade social: «Toda essa mágoa, com temas comuns e uma uniformidade humana, continuava a fasciná-la. Ela estava convencida de que introduzia razoabilidade em situações desespera-
das.» (pág. 11). É particularmente interessante a forma como no romance parecem surgir certas máximas ou pensamentos assertivos que procuram definir o contexto social e cultural de uma sociedade em ebulição, pois da mesma forma que Fiona dita sentenças no seu tribunal, encontramos ainda noções ou constatações críticas como: «Na maior parte dos casos, a riqueza não conseguia proporcionar felicidade. Os pais depressa aprendiam o novo vocabulário e os pacientes procedimentos em matéria de legislação, e ficavam aturdidos ao verem-se envolvidos num combate perverso com aquele a quem outrora amavam.» (pág. 11). Em alguns momentos adensa-se ainda mais esta aparente intenção crítica ou busca de minudenciar a realidade de outras formas de viver que,
O escritor Ian McEwan
todavia, têm de ser julgadas pela mesma lei, mesmo que se tratem de outros povos ou etnias a viver em solo inglês. Note-se quando Fiona tem de julgar um caso cujas partes envolvidas são ambas provenientes da comunidade haredi, ultra-ortodoxa, do norte de Londres: «Os homens também não tinham grande instrução. A partir do meio da adolescência, deviam dedicar a maior parte do seu tempo ao estudo da Tora. De um modo geral, não iam para a universidade. Em parte devido a essa razão, muitos haredi eram gente modesta. (...)/ Os rapazes e as raparigas haredi eram educados em separado a fim de preservar a sua pureza. Roupas na moda, televisão e Internet eram proibidas, tal como o convívio com crianças a quem fossem permitidas tais distracções. As famílias que não observavam as estritas normas kosher eram marginalizadas.» (pág. 16-17). É nestas digressões que o livro fica mais enriquecido, preparando o leitor de forma gradual para um caso ainda mais complicado e urgente, em suma, fatal. O caso de Adam Henry, aquele que dá nome ao romance, implica um jovem que tal como os pais é Testemunha de Jeová e que apoiados na sua fé recusam o tratamento que o hospital quer aplicar ao rapaz: uma transfusão de sangue. Mas Adam Henry mais do que um jovem é um belo rapaz de 17 anos, a pairar entre a vida e a morte e no limiar da vida adulta, quase a atingir a maioridade que o torna legalmente responsável por si próprio, sem interferência de pais, e parece ainda representar para Fiona o filho que nunca teve, bem como um estranho flirt amoroso que pode vir compensar a ruptura recente que o marido procurou impor ao seu casamento de trinta anos. A Balada de Adam Henry é o mais recente romance de Ian McEwan, publicado entre nós, bem como as restantes obras pela Gradiva, cuja coleção abrange até ao momento 17 títulos. É um livro pequeno, tal como outros deste autor, mas que não desilude de prosa fluída, em que se delineam personagens intensas, abordando temas complexos e adensando mistérios da natureza humana.
Cultura.Sul
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Panorâmica
Arco da Vila dá-se a conhecer em Faro ricardo claro
Ricardo Claro
Jornalista / Editor ricardoc.postal@gmail.com
O ex-líbris da cidade de Faro, por excelência, sempre foi o Arco da Vila, um monumento que constitui uma das obras arquitectónicas mais marcantes da herança histórica da cidade e com o qual os farenses sempre tiveram uma relação de pertença. Mas este sentimento de ‘propriedade’ dos farenses relativamente ao Arco da Vila sempre teve algo de estranho, de incongruente, tornando o monumento numa espécie de objecto de admiração desconhecido. A verdade é que poucos são os farense que alguma vez tinham tido a oportunidade de admirar o Arco da Vila mais do que quem o mira desde baixo para cima e apenas consegue vislumbrar a forma exterior. Havia nesta relação de deslumbre pelo belo a falta inultrapassável de se conhecer o âmago do objecto de admiração, o seu interior, o seu esqueleto, a sua alma e os seus segredos. Tudo isto é hoje, graças à intervenção da câmara liderada por Rogério Bacalhau, ultrapassável com uma simples visita ao Centro Interpretativo do Arco da Vila, acabado
Marco Lopes, director do Museu de Faro, junto a imagens do Arco da Vila de inaugurar numa intervenção que recuperou o monumento e que requalificou o Posto de Turismo de Faro, porta de entrada para o novo centro interpretativo. O que pode ver no novo Centro interpretativo Em dois pisos de área expositiva os painéis asseguram ao visitante um discurso que permite o percorrer da história deste monumento nacional classificado desde 1910, ao mesmo tempo que pequenos apontamentos expositivos mostram algumas peças de cariz religioso e arqueológico que vêem a luz do dia depois de recuperadas das reservas
do Museu Municipal de Faro. Marco Lopes, director do museu que agora tutela também o centro interpretativo, realça em declarações ao Cultura.Sul, que “a exposição destas peças que se encontravam nas reservas do museu e que se adequam ao discurso interpretativo que criámos para este espaço, permite que as pessoas possam ver peças até agora afastadas do olhar do público, ao mesmo tempo que conseguiu que se fizesse o seu restauro pelos técnicos do museu”. Além da área expositiva os visitantes têm agora franqueado o acesso à zona do alçado nascente e do interior do monumento inaugurado em 1812. Ali podem visitar
a sala que acolheu a antiga Ermida de Nossa Senhora do Ó, bem como, a fachada do antigo templo e percorrer os corredores e açoteias que enquadram a fachada do Arco da Vila virada para a Vila Adentro. Aos visitantes é ainda dado acesso ao espaço ocupado pelo mecanismo que garante o funcionamento do relógio do alçado frontal do arco e à vista do Jardim Manuel Bívar e da doca a partir de uma das janelas do monumento. Muito embora ainda não seja dado acesso à zona da torre sineira do Arco da Vila, por questões de segurança do acesso à mesma, a visita ao monumento farense vale mesmo a pena para descobrir um espaço há muito escondido de
quem vive ou visita Faro. Mas a oferta do centro interpretativo não se fica por aqui. Aos que querem saber mais sobre a história do monumento e da cidade, o museu de Faro apresenta naquele espaço dois filmes e para os mais pequenos, afirma orgulhoso o director do Museu Municipal, há serviços educativos que tornam a descoberta do Arco da Vila uma experiência à medida dos mais novos. "Já estiveram cá duas turmas de escolas do concelho e abrimos há apenas dias", refere Marco Lopes, que destaca ser esta "uma aposta do centro interpretativo e do museu para ambos os espaços: que os mais novos tenham uma experiência de visita pensada à sua medida". Porta aberta à satisfação da curiosidade sobre a obra arquitectónica de Francisco Xavier de Fabri patrocinada por D. Francisco Gomes do Avelar, antigo bispo do Algarve. A partir de agora aquele que é o mais conhecido postal fotográfico da cidade deixará de ser simplesmente o Arco da Vila, um monumento de traça neoclássica de grande importância no quadro patrimonial farense. O Arco da Vila passa agora a poder ser entendido, visitado e explicado por todos de forma muito mais profunda e conhecedora, devolvido que está à visita profunda daqueles que sempre o tiveram como objecto de admiração limitado pela ausência de conhecimento do mesmo.
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Câmara Municipal de Tavira
Câmara Municipal de Tavira
Aviso
Aviso
3º ADITAMENTO DO ALVARÁ DE LOTEAMENTO N.º 6/2003
4º ADITAMENTO DO ALVARÁ DE LOTEAMENTO N.º 4/2003
Nos termos do n.º 2 do artigo 78º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, republicado pelo Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9 de Setembro, torna-se público que a Câmara Municipal de Tavira, emitiu a 03 de Setembro de 2015, o 3º Aditamento do alvará de loteamento n.º 6/2003, cuja alteração foi requerida por Vítor Rodrigues Teixeira, contribuinte fiscal número 200 432 206, com domicílio na Rua Sérgio Mestre, n.º 9, em Tavira.
Nos termos do n.º 2 do artigo 78º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, republicado pelo Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9 de Setembro, torna-se público que a Câmara Municipal de Tavira, emitiu a 30 de Junho de 2015, o 4.º aditamento do alvará de loteamento n.º 4/2003, cuja alteração foi requerida por Construções Carlos Reis, Lda., pessoa colectiva número 501 871 560, com sede em Azenha, freguesia de Abiul, no concelho de Pombal, distrito de Leiria.
É licenciada através deste aditamento a especificação ao alvará de loteamento que incide sobre o lote 23 da Urbanização “Casas da Ria”, na União das freguesias de Santa Maria e Santiago, neste Município, no seguinte ponto:
É licenciada através deste aditamento a especificação ao alvará de loteamento que incide sobre o lote 5 da urbanização no sítio da Foz, união das freguesias de Santa Maria e Santiago, neste Município, no seguinte ponto:
a) Permissão de construção de piscina no lote 23.
a) Alteração do número de fogos no lote 5, diminuindo de 12 para 10 fogos.
A alteração do Alvará foi aprovada por despacho do Sr. Vereador do Urbanismo, Inovação e Empreendedorismo de 20/08/2015 e enquadra-se no estabelecido no nº 8 do artigo 27º do Decreto-Lei n.º 555/99 de 16 de Dezembro, republicado pelo Decreto-Lei n.º 136/2014 de 09 de Setembro.
A alteração do Alvará foi aprovada por despacho do Sr. Vereador do Urbanismo, Inovação e Empreendedorismo de 12/06/2015 e enquadra-se no estabelecido no nº 8 do artigo 27º do Decreto-Lei n.º 555/99 de 16 de Dezembro, republicado pelo Decreto-Lei n.º 136/2014 de 09 de Setembro.
Paços do Concelho, 27 de Outubro de 2015
Paços do Concelho, 27 de Outubro de 2015
O Vereador do Urbanismo, Inovação e Empreendedorismo, João Pedro Rodrigues (POSTAL do ALGARVE, nº 1153, de 11 de Dezembro de 2015)
O Vereador do Urbanismo, Inovação e Empreendedorismo, João Pedro Rodrigues (POSTAL do ALGARVE, nº 1153, de 11 de Dezembro de 2015)
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11.12.2015
Cultura.Sul
Artes visuais
Qual o sentido das Artes Visuais?
Saul Neves de Jesus
Professor catedrático da UAlg; Pós-doutorado em Artes Visuais pela Universidade de Évora
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Considera-se que desde a antiguidade o homem sentiu necessidade de comunicar com as futuras gerações, deixando registos através de gravuras e pinturas feitas em superfícies rochosas, que são consideradas expressões de arte rupestre. No entanto, só a partir do século XIV, com o Renascimento, a arte se “desprendeu” da sua dependência religiosa e se deu a codificação dos sistemas artísticos visuais, distinguindo-se entre o desenho, a pintura, a gravura, a escultura e a arquitetura. Têm sido inúmeros os “movimentos” surgidos na arte ao longo dos tempos, desde a Arte Renascentista, com os paradigmas da Antiguidade Clássica, até à Arte Contemporânea, após a 2ª Guerra Mundial, passando pela Arte Moderna, nos finais do século XIX e início do século XX, numa sequência de tendências ou de “ismos”, alguns deles de curta durabilidade temporal, mas com importantes contributos para uma desestruturação estruturante no desenvolvimento das artes visuais. A revolução industrial traduziu-se na passagem do “mundo antigo” para o “mundo moderno”, do romantismo para o cubismo e para o futurismo, no início do século XX, passando pelos movimentos de transição, sobretudo o impressionismo, no final do século XIX. E foi a partir da segunda metade do século XIX, sobretudo em consequência do surgimento da fotografia, que a diversidade e o ritmo das mudanças se fez notar de forma mais intensa, com o desenvolvimento das vanguardas que, para além de terem transformado as práticas de realização artística, vieram também colocar em
causa o próprio estatuto da arte, sendo logo no início do século XX antecipadas várias das características da arte contemporânea, nomeadamente a ênfase na originalidade. As grandes guerras mundiais tiveram uma enorme influência no desenvolvimento da arte do século XX. Após, no final do século XIX, o impressionismo ter evidenciado a cor, face à forma, e a revolução cubista, no início do século XX, ter substituído a “arte de imitação” pela “arte de imaginação”, ocorreu a Primeira Grande Guerra, entre 1914 e 1918, levando ao surgimento do Dadaísmo, movimento iniciado em Zurique, no Cabaret Voltaire, em 1915, por um grupo de escritores, poetas e artistas plásticos. O nome foi escolhido ao acaso, para simbolizar o caráter anti-racional do movimento, contra a guerra, bem como contra a cultura e os padrões de arte estabelecidos na época, opondo-se a qualquer tipo de equilíbrio e de beleza, “porque a beleza está morta” (Tzara, 1918). Foram vários os manifestos propostos por Dadaistas, em particular o que foi proposto por Tristan Tzara, em 1918, e o que Francis Picabia apresentou, em 1920, mas todos eles revelavam um elevado ceticismo e um pessimismo irónico, procurando enfatizar o ilógico, a desordem e o absurdo. Este movimento precedeu o surrealismo, bem como a arte concetual, conforme afirma Godfrey (1998): “Dada can be seen as a first wave of Conceptual Art”. Entre as suas principais formas de expressão encontra-se o poema aleatório e o readymade. De salientar que, embora na atualidade estes “movimentos” sejam muito valorizados, permitindo compreender os encadeamentos ocorridos na história de arte, surgiram de forma “quase espontânea” em cafés ou casas particulares, por desconhecidos da sociedade na altura, embora procurassem intrometer-se nos centros de decisão ou de poder, apresentando por vezes “manifestos” aos quais muitos aderiam como “militantes”, embora por tempo reduzido, traduzindo a amplitude de possibilidades
d.r.
Animais pintados na Gruta de Lascaux (15.000 a.C) que começavam a existir e talvez também a dimensão experiencial e temperamental usualmente atribuída aos artistas, que circulavam por entre os diversos estilos, procurando experienciá-los na sua produção artística. Assim, podemos encontrar no percurso de vários artistas “fases” em que, por exemplo, estavam no cubismo, depois no dadaísmo e mais tarde no surrealismo. Por seu turno, a Segunda Grande Guerra, entre 1939 e 1945, marca a transição da Arte Moderna para a Arte Contemporânea ou Pós-Moderna, e traduz-se nos conteúdos de descrença, angústia e dor expressos em muitas das obras produzidas no pós-guerra, como podemos observar em particular nos trabalhos de Francis Bacon ou de Lucian Freud. No entanto, um dos principais aspetos a destacar foi a mudança do “centro” da arte internacional, que se deslocou de Paris para Nova Iorque, passando a vanguarda a incorporar a necessidade de ligação entre a arte e o consumo, sendo o movimento Pop Art, aquele que mais se veio a destacar neste contexto, procurando expressar com suas obras a massificação da cultura popular capitalista. Este movimento havia sido precedido pelo expressionismo abstrato, dos anos 40, que parecia conciliar o expressionismo e o surrealismo. Nos anos 50, influenciado pelo expressionismo abstrato,
“THE BEST OF…” Até 2 JAN | CECAL – Centro de Experimentação e Criação Artística de Loulé Exposição conjunta, de fotografia de Marques Valentim e pintura de São Passos, em que os trabalhos apresentados fazem parte da obra que cada artista realizou ao longo da vida
surgiu o action painting como pintura considerada automática, intuitiva ou sem esquemas prévios, cujo tema é o próprio ato de pintar, através dum conjunto de gestos que o artista exprime sobre a tela em função das suas pulsões emotivas. Embora pareçam caóticas, essas telas parecem conseguir comunicar uma excitação e uma pulsação interior. Desta forma, “o informalismo gestual substitui a representação pela expressão, confiando ao gesto de pintar a missão de comunicar as mais diversas emoções” (Ferrari, 2001), expressando-se estas através da rapidez de execução, sendo a pintura tanto menos controlada e mais incerta quanto maior a velocidade dos movimentos realizados. A esta ênfase na dimensão emotiva e materialista na produção artística veio opor-se uma perspetiva concetual, a partir dos anos 60, segundo a qual a arte seriam sobretudo ideias, sendo hipervalorizada a dimensão intelectual e secundarizada a dimensão de execução ou a valência material na arte. Parece que o pós-guerra abriu caminho para uma irrupção de tendências artísticas que começaram a variar livremente, sem permitir qualquer tipo de agrupamento. O espectro das produções artísticas foi-se ampliando numa variedade de estilos, formas e práticas para culminar numa grande diversi-
dade e hibridismo. Assim, a arte pós-moderna caracteriza-se pelo pluralismo, sendo aceite a diversidade, a incerteza, a fluidez e a imprevisão (Kellerman, 2006). Esta diversidade de expressões artísticas desenvolvidas no pós-guerra levou a que os conceitos de belas-artes ou de artes plásticas não fossem suficientes para as enquadrar, começando então a ser utilizado conceito de artes visuais. As belas-artes haviam sido instituídas no século XVII, no âmbito das Academias, em particular na Academia Real de Paris que, em 1648, instituiu o termo “Beaux-Arts” (Belas-Artes), dizendo respeito a um conjunto de suportes e manifestações artísticas que se pressupunham “superiores”, englobando a pintura, a escultura e o desenho, subordinadas à arquitetura. Por seu turno, as artes plásticas seriam mais abrangentes, pois diriam respeito às expressões artísticas que utilizavam técnicas de produção que manipulam materiais para construir formas e imagens, considerando-se que surgiram na pré-história, através da pintura rupestre nas cavernas. O conceito de artes visuais, dizendo respeito a todas as artes que lidam com a visão como o seu principal meio de apreciação, veio permitir de uma vez por todas colocar a fotografia e o cinema ao mesmo nível que as restantes formas artísticas, para além de permitir considerar no domínio das artes
toda a multiplicidade de expressões que surgiram no âmbito da arte contemporânea, em particular as instalações. Na atualidade, são múltiplas as artes visuais utilizadas, havendo cada vez mais locais e iniciativas culturais e artísticas abertas ao público em geral, permitindo o acesso de todos, desde os melhor informados e conhecedores, até aqueles que apenas vão “olhar” talvez porque está na moda. No entanto, são cada vez mais diversificados os produtos artísticos que podem ser encontrados em exposições, levando a que muitas das pessoas que fazem parte do público da arte fiquem com dúvidas sobre aquilo que pode ser considerado arte. Conforme refere Santaella (2009), não têm faltado críticas ao “everything goes” (vale tudo) do pós-moderno, sendo cada vez mais difícil ter certezas quanto ao que pode ser definido como arte. Assim, as questões que muitas vezes são colocadas perante estes trabalhos são as seguintes: “Mas isto é arte?”; “Como é que isto pode valer tanto?”; “Mas o que é afinal a arte?”; ou “Quais os limites da arte?”. No entanto, estas questões não são novas, tendo havido ao longo da história da arte vários momentos em que as mesmas surgiram, demonstrando alguma resistência a novas abordagens, a chamada resistência à mudança, que acontece também no mundo da arte. Já agora, em relação à questão colocada, “qual o sentido das artes visuais?”, sobretudo quando se pensa na arte contemporânea, é óbvio que não há apenas uma possível resposta, sendo múltiplos os caminhos possíveis para entender e sentir a produção artística visual. No entanto, parece-nos que as raízes de qualquer resposta, devem ser procuradas na história deste mundo complexo, mas também fascinante, que são as artes visuais. Nota: Este artigo integra o livro “Construção de um percurso multidisciplinar, integrativo e de síntese nas Artes Visuais”, de Saul Neves de Jesus (snjesus@ualg.pt)
“A MAGIA DO NATAL” 18 DEZ | 21.30 | Centro Cultural de Lagos O maestro Rui Pinheiro dirige a orquestra numa selecção de músicas que evocam o imaginário desta época festiva com obras de Leopold Mozart e Elgar, passando por melodias clássicas como “White Christmas” ou “Noite Feliz”
Cultura.Sul
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Momento
"Janis Golden Eye" Foto de Ana Omelete
Espaço ALFA
Natal Fotográfico
Tânia Guerreiro Membro da ALFA
Chegámos àquela altura do ano em que a fotografia ganha especial relevância. Assim como em outras épocas do ano, o Natal é o momento de fotografar o amor, se bem que nesta época esse tipo de imagem tem uma conotação especial. É o momento em que a mãe tira fotos ao filho bebé para mandar à avó que está longe e que não pode estar presente na consoada da família, em que se faz aquela brincadeira de vestir os animais de estimação de acordo com a época, em que se reúne o grupo de amigos num jantar e se faz um troca de presentes. Nesta altura do ano, a fotografia está muito associada a recordações destes momentos especiais, a recordações de família. No meu caso, e penso que acontecerá o mesmo com mais pessoas mas por outros motivos, é aquela
altura do ano em que fico mais nostálgica. Dou por mim a revisitar os álbuns fotográficos que tenho em casa, a ver fotos de quando era
criança e a recordar os natais. Passava os natais com a minha mãe, que infelizmente já cá não está comigo. São estas fotografias e outras
que me permitem recordá-la nesta altura especial Para mim, o Natal é amor, e fotografia de Natal reflete e está asso-
ciada a este sentimento e oportunidade de registar esse sentimento único e o seu significado para cada um de nós.
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Cultura.Sul
Sala de leitura
Cultura e fronteiras instáveis: arte e entretenimento d.r.
d.r.
Paulo Pires
Programador cultural no Município de Loulé http://escrytos.blogspot.pt
Esta reflexão pressupõe três convicções: um entendimento pessoal (e profissional, enquanto programador) do conceito de “cultura” enquanto conjunto alargado, transversal, heterogéneo e mutável de códigos, valores, representações e práticas que engloba os universos da arte e do entretenimento; a importância de clarificar a distinção entre estes dois campos, que têm características específicas, sendo que o próprio público também a faz, mais ou menos conscientemente, por modos diversos, a nível da recepção e fruição culturais; e a ideia de que o “entretenimento” também constitui uma das expressões/dimensões incontornáveis daquilo a que chamamos hoje “cultura”, por muito pouco que se goste da ideia e por mais polémica que possa soar esta afirmação. Escusado será dizer que não se trata aqui de fazer a apologia do entretenimento ou a desvalorização do papel das artes, até porque ser humano e sociedade sempre beberam, ontem e hoje, em doses e moldes variados, no prazer provindo da esfera do lúdico/comum/imediato e na inquietação experimentada no campo criativo/original/ transformador. Contudo, não nos parece razoável colocar a cultura de um lado e o entretenimento do outro como territórios longínquos, diametralmente opostos e díspares. É notório que, para o bem e para o mal (as questões da proporção, pertinência/adequação e “qualidade” dos conteúdos ligados ao lazer cultural são uma outra discussão que também pode e deve fazer-se), as práticas de entretenimento ocupam um lugar relevante no nosso panorama cultural e na contemporaneidade em geral. Se há imensas propostas actuais em que é facilmente perceptível a filiação das mesmas nos domínios da arte ou do entretenimento, noutros casos (que não são propriamente poucos) é mais difícil perceber
Angelo Musco (ou "as coisas não são o que aparentam ser") onde é que acaba a componente hedonista, de distracção e divertimento (o “matar o tempo” dominantemente associado ao lazer), e começa a vertente artística, a vocação estética – ou então vice-versa –, isto devido à existência, nessas obras/criações em particular, de denominadores comuns e de zonas de intersecção, mais ou menos evidentes, entre os dois hemisférios culturais. Ambas as dimensões estão por vezes muito imbricadas, a que não será alheio, do nosso ponto de vista, o facto de até o melhor entretenimento só ser possível graças às artes. Esta problemática complexifica-se ainda mais quando se verifica (e há variados exemplos) que aquilo que é produzido com fins de entretenimento pode, com o passar do tempo, obter um dado valor artístico, devido à sua qualidade e/ou importância histórica. Por outro lado, uma criação artística pode volver-se em puro entretenimento (mais ou menos banalizado, conforme os casos), pelo seu grau de crescente exposição, mediatização e massificação. Porém, a visão binária, mais rígida e estanque – ligada também inevitavelmente à questão do gosto pessoal e revestida, não poucas vezes, de preconceitos e estereótipos em relação quer ao entretenimento quer às próprias artes (e não descurando ainda que o paradigma “preto/branco” está muito enraizado, inclusive, noutros quadrantes da nossa vida) –, manifesta-se frequentemente na tentadora necessidade
de rotular algo como “produção artística” ou, alternativamente, como “puro entretenimento”. E talvez este aspecto seja uma das pedras-de-toque essenciais, conduzindo-nos a um outro terreno com tanto de fértil como de pantanoso, que tem a ver com a própria definição de “arte”. Não entrando em aturadas análises filosóficas e estéticas, parece relativamente consensual a ideia de que a arte consiste na expressão de valores estéticos por meio de criações que visam a construção de um dado ideal (num registo “canónico” ou de desconstrução) de beleza e harmonia. Definir “beleza” ou “harmonia” é outro grande desafio, mas equacionar a possibilidade (que é real e de que há exemplos ilustrativos) de algo entreter e ser belo ao mesmo tempo ainda o é mais, sendo que não podemos fugir dela. Entramos então na questão dos limites instáveis de certos conceitos associados ao vasto melting pot cultural. Ao observar em malha fina o panorama cultural mais recente, em vários casos parece-nos mais pertinente e operativo falar em obras que têm uma maior componente/ atributo artísticos e estéticos, relativamente a outras em que essa presença é mais ou menos residual (ou não dominante de uma forma clara) e em que o elemento de entretenimento é visivelmente preponderante. Isto porque a visão tradicional (arte vs. não arte), se bem que possa ser o primeiro crivo em termos de enquadramento/tipificação cul-
turais, pode, numa análise mais aprofundada, revelar-se redutora para um número crescente de propostas contemporâneas, como já sublinhámos anteriormente. Por trás de uma roupagem – a nível de linguagem, formato, estilo e/ou até de promoção – aparentemente “leve”, mais comum e despretensiosa de certas actividades encaixáveis no domínio do entretenimento, podem esconder-se, nas suas entrelinhas, intencionalidades estético-ideológicas e mensagens criativas e pertinentes que visam, por outra(s) via(s), exercer um efeito transformador no seu target. Numa outra óptica, determinadas obras artísticas recorrem, por vezes, a conceitos e técnicas intimamente ligados ao mundo do entretenimento para alcançar um impacto mais efectivo e alargado junto de certas franjas de público. Ainda assim, esta leitura (não bipolar) da cultura é sempre condicionada/filtrada por factores ideológicos, estéticos e subjectivos que variam em termos individuais, fruto também da crescente diversificação e pluralização de gostos e comportamentos (até num mesmo grupo social) a que hoje assistimos. Isto porque a cultura, como defende Gilles Lipovetsky, já não é um privilégio das elites, sendo agora um mundo de todos – aquilo a que o reputado filósofo francês chama a “cultura-mundo”, em que, mais importante do que o objecto ou a sua utilidade, é valorizado sobretudo
um estilo/modo de vida/marca (também estes uma “cultura”) que se pretende vender/veicular, isto numa realidade em que impera a mercantilização extrema da cultura e, simultaneamente, uma culturalização do consumo e da mercadoria. Apesar desta “instabilidade” territorial da cultura – e voltando ao início deste texto –, é inegável que a lógica consumista e massificada de uma parte significativa do entretenimento que nos é apresentado (baseada sobretudo na ideia de um gosto o mais comum possível – o qual é, obviamente, legítimo) diverge, e muito, daquilo que é proporcionado pelas experiências de arte ou de cultura científica ou artística: algo que permanece no imaginário do público, que amplia os seus horizontes simbólicos, que alarga e reinventa a sua visão do mundo e de si mesmo. Vários ensaístas têm insistido também na ideia de que a principal diferença entre arte e entretenimento reside, em última análise, no fim, no objectivo que dada obra/proposta pretende atingir (no caso dos formatos de lazer: uma adesão numericamente expressiva de adeptos, a lógica do lucro imediato e avultado, a maior agressividade a nível de marketing comercial, a integração nas modas vigentes/ mainstream, a não preocupação da mensagem veiculada em resistir ao tempo, etc.). Atente-se nas palavras da actriz e encenadora Beatriz Batarda, que insiste na responsabili-
dade cívica, social e moral do seu ofício, que “não pode ter como pilar o entretenimento”: “Eu quando vou ao teatro e ao cinema quero ir para casa diferente, quero que aconteça ali qualquer coisa, nem que seja por um segundo, que me mude a mim, uma magia, um som, uma imagem… para eu ir para casa mais rica. Não quero ir ao teatro e ao cinema para estar distraída e bem-disposta e ir para casa sem ter pensado em nada.” O escritor e filósofo Alain de Botton, numa obra publicada em 2013 (Art as Therapy), vai ainda mais longe, afirmando que a arte tem a finalidade de atenuar as fragilidades de sete funções psicológicas humanas: é um mecanismo que nos impede de esquecer as coisas mais preciosas, que nos foram apresentadas da melhor forma possível, mantendo-as acessíveis ao público; serve a manutenção da esperança porque parece saber que desesperamos com relativa facilidade; relembra-nos do lugar legítimo da tristeza numa boa vida, de maneira a que não entremos em pânico com as dificuldades com que nos defrontamos; é um agente que nos confere balanço nos processos de tomada de decisão; funciona como guia para conhecermos aquilo que é central sobre a nossa própria existência; em simultâneo, é uma acumulação imensa das experiências dos outros, mostrando-se como ferramenta utilíssima para nos colocarmos em perspectiva perante o mundo; e, finalmente, tende a sensibilizar-nos na nossa humanidade, eliminando as nossas tendências para descartar tudo o que nos é estranho no dia-a-dia. Cabe especialmente a gestores e programadores culturais, e outros agentes do circuito cultural que têm responsabilidades na formação de públicos, estarem atentos a esta múltipla (e desigual) realidade actual e contribuírem para uma sensata, corajosa e sempre urgente diversificação da oferta apresentada, doseando, em função das suas estratégias, recursos, realidades e destinatários específicos, formatos de cultura artística, eventuais propostas mais ligadas ao entretenimento e abordagens “híbridas” que conjuguem, com consistência e coerência, essas duas dimensões.
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O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N
Dezembro jecta ao longo da via automobilística do litoral algarvio. Será que em breve se vai poder dividir esta luminosidade pela via mais a norte a que chamaram do infante e que anda vazia de descobridores?
Dias sem tempo
no. Decide cruzar a rua do comércio talvez em busca de ideias para as prendas. Em vão. Chega a casa, prepara um whisky, acende as luzes da árvore de natal e senta-se no sofá. Está cansado. Pudera! O tempo é sorvido nesta voragem desenfreada que nos consome a vida, em que já ninguém tem necessidade de questionar o absurdo das coisas. Ainda bem que entre não ter tido tempo e se ter esquecido e outros afazeres inadiáveis não desmontou a árvore de Natal. A do Natal passado. Calha bem até que o inverno já entra de novo amanhã.
Dias chuvosos
Pedro Jubilot
pedromalves2014@hotmail.com canalsonora.blogs.sapo.pt
Dias de Paz fotos: d.r.
Dias ao Sul
Vive-se um tempo em que se acumulam as datas dos dias marcados por tantos tipos de violência perpetrada em nome de coisas tão antigas e que ainda assim continuam incompreensíveis. E acendem-se as velas cuja luz não chega para alumiar na escuridão devastadora que perpassa. Sem querermos cair num discurso apocalíptico já demasiado explorado, é certo que cada vez mais a paz precisa de uma oportunidade.
Dias de Estrada
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Nestas tardes que se escurecem por volta das 17h30, quando conduzimos na estrada nacional nº125, podemos ver um longo e contínuo rastro de luzes vermelhas e brancas que se pro-
Hoje seria o dia ideal para acender a lareira (que não tenho) amalhar o felino ao colo (que me deixaria cheio de alergia) abrir um florilégio luxuoso da poesia neerlandesa do século dezanove (que nunca tiro da estante mas tenho - em edição de bolso) e volver a vida passada com colheres de chá (Earl(y) Grey)
Quer queiramos quer não na dicotomia dia/noite pesa o lado solar devido à maioria do movimento diurno de pessoas e coisas, e à lógica da necessidade de trabalho e descanso sob a qual a sociedade se organizou. Mas havia um tempo em que não me recolhia sem o dia nascer totalmente, para me saber de volta à realidade que fica misteriosamente escondida na noite, para saber que existiria mais um dia e no seu decorrer levaria de novo ao mistério. Não havia o tempo nesse tempo.
Em breve o ano quererá fechar o seu derradeiro mês no calendário deste ano. E antes que a folha se vire as pessoas procurarão as pequenas localidades costeiras ao sul porque dizem que aí os dias são maiores, mais claros, mais brilhantes… mas sobretudo mais quentes. E isso permite-lhes pensar melhor sobre o tempo dos dias que se foram e do que farão no tempo dos que virão. Escolhem o destino de saudade do estio. A costa sul.
Dias de Festa
Dias de Natal
Hoje seria o dia ideal para fazer o que nunca faço - seria mesmo (mas não faço) ~ poema de Marco Mackaaij incluído na colectânea «Tõmbolo», que assinala a passagem dos dois primeiros anos da «CanalSonora, a editora independente a sul que marcou já espaço indelével no cenário literário português. (…) Os livros onde ela se expressa, são por igual peças de arte, de formato e concepção de extremo bom gosto.», como escreveu Fernando Cabrita no seu mais recente livro «O Que Dizem Os Poetas Algarvios e Andaluzes de Agora» (Viprensa,out.2015). “COCHES DOS SÉCULOS XVI A XVIII” Até 26 FEV | Museu Municipal de Olhão A exposição nasce das mãos do mestre José Cardoso Brito, artista autodidacta que reproduz fielmente alguns dos originais expostos no Museu Nacional dos Coches
Regressou a casa a pé, só porque o carro ficou avariado ao fim da tarde. Comprou castanhas assadas, que gosta de comer quando o frio ataca a estação, o que não é o caso neste fim de outo-
E do fazer uma festa, um novo ano surgirá por entre foguetes deitados ao céu, onde as suas cores tão depressa iluminam as promessas como a seguir as vemos cair por terra, leves como canas queimadas. Mais vale apanhá-las, fazer apitos e levar os dias a soprar no ar deste tempo composto de mudança.
“PRESÉPIO DE NATAL ANIMADO” Até 7 JAN | Rua 5 de Outubro, n.º 18 - Lagos José Cortes esculpe esferovite, madeira e pedra, transformando-os em figuras natalícias. São horas de trabalho, paciência e criatividade que trazem à luz do dia um presépio animado em que nada ficou esquecido
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Espaço ao Património
Ficha Técnica:
Da Luz às Estrelas ou a história invulgar de um edifício patrimonial
Cristina Veiga-Pires
Diretora Executiva do Centro Ciência Viva do Algarve; Professora Auxiliar da UAlg; Investigadora do Centro de Investigação Marinha e Ambiental
Situado entre a Ria Formosa e a Cidade Velha de Faro, poucos são os algarvios que sabem que o Centro Ciência Viva do Algarve está sediado num edifício construído em 1910 para receber a primeira central elétrica de Faro e permitir assim a iluminação da cidade de Faro. Localizada próximo do antigo apeadeiro das Portas do Mar, uma das entradas para o atual centro histórico da Vila-a-Dentro, a fábrica foi edificada com um espaço de planta retangular com pé-direito elevado para poder alojar duas máquinas de vapor com cerca de 75 cavalos que alimentavam quatro geradores elétricos. Junto da fábrica, foi construída uma casa de habitação, designada de Casa do Espanhol. Inaugurado em Abril de 1911 pelos notáveis da cidade, este conjunto arquitetónico ficou ligado à história da luz na cidade de Faro, permitindo a abertura da iluminação pública geral, e da iluminação dos arcos voltaicos da Avenida da República. A título de curiosidade veja-se a introdução feita ao contrato provisório cuja escritura foi publicada no jornal “O Algarve” de 28 de Janeiro de 1912: «Escriptura de contracto provisório para o fornecimento de luz eléctrica da cidade de Faro, a que se refere o decreto de 31 de Março de 1910 Saibam quantos esta escriptura de contracto provisório virem, que no anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1910, aos 14 dias do mez de março do dito anno, n’esta cidade de Faro, Paços do Concelho e Sala das Sessões da Camara
Municipal, compareceram de uma parte como primeiro outorgante o Ex.mo e Rev.mo Sr. Padre João Ignacio Tavares, na qualidade de vereador mais velho, representando a Camara Municipal d’esta cidade, e por ella devidamente auctorisado, em sessão de 14 d’este mez, a outorgar n’este contracto, e de outra parte o Ex.mo Sr. Francisco de Sousa Magalhães, com domicilio na rua de Pedrouços, n.º 16, da cidade de Lisboa. E logo pelo primeiro outorgante foi dito que a Camara Municipal que representa, em sessão extraordinária d’esta data, deliberou adjudicar, em hasta publica, cujo concurso aberto por espaço de trinta dias, devidamente annunciado no Diario do Governo e n’outros jornaes do paiz, terminou no dia 12 d’este mez, a arrematação do fornecimento da luz electrica para a iluminação publica e particular d’esta cidade de Faro ao segundo outorgante Ex.mo Sr. Francisco de Sousa Magalhães, sob as seguintes condições: (...) » Ao longo dos anos que se seguiram, a central elétrica foi resistindo à municipalização do serviço de iluminação elétrica de Faro, a repetidas avarias e alguns acidentes, como a explosão de uma das caldeiras em setembro de 1916, para finalmente deixar de produzir eletricidade nos finais dos
Direcção: GORDA Associação Sócio-Cultural Editor: Ricardo Claro fotos:
CCVAlg
Paginação e gestão de conteúdos: Postal do Algarve Responsáveis pelas secções:
Inauguração do Centro Ciência Viva do Algarve pelo ministro da Ciência Mariano Gago e pelo Presidente da República Jorge Sampaio a 3 de agosto de 1997 anos 40 com a chegada de uma linha de alta tensão e fechar as suas portas em 1957. Cinco anos mais tarde, em 1962, o edifício foi convertido no quartel dos bombeiros municipais, que ocuparam o espaço durante mais de trinta anos, até transferirem a sua sede, em 1993, para um edifício situado a cerca de 100 metros de distância da antiga fábrica. O edifício manteve-se abandonado até ser recuperado em 1997 para concretizar uma ideia peregrina do então Ministro da Ciência Mariano
Gago, ao qual se juntaram vários professores da Universidade do Algarve, que pretendia dar luz à divulgação e comunicação da ciência e tecnologia em Portugal. Foi pois no dia 3 de Agosto de 1997 que o Presidente da República Jorge Sampoio e o Professor Mariano Gago, na origem deste projeto, inauguraram este primeiro Centro Ciência Viva do país, transformando uma antiga central elétrica num museu interativo com uma sala de exposição principal dedicada ao Sol e à sua energia. Ao longo do tempo, juntou-
Fachada do CCVAlg depois da sua remodelação para conter a sua segunda exposição permanente sobre o tema do Mar em 2005
-se a este projeto um grupo de curiosos e apaixonados pela astronomia, dedicando grande parte do seu tempo na partilha desta paixão pelas estrelas e astros, aproveitando a açoteia do edifício para realizar observações astronómicas. Mais recentemente, em 2005, o Edifício sofreu umas novas alterações, principalmente interiores e no espaço envolvente, de modo a acomodar uma nova exposição permanente dedicada desta vez ao Mar, e a criar o jardim da Cigarra com módulos ilustrativos das energias renováveis. É desta forma, que se pode considerar que ao fim de tantos anos, este conjunto arquitetónico conseguiu construir uma história patrimonial invulgar sendo ora centro de criação da luz elétrica, ora centro de divulgação da luz solar, ora centro de transmissão da ciência, luz do conhecimento. Esta história está agora de uma certa forma igualmente representada no percurso expositivo do próprio centro, intitulado “Das Estrelas às Estrelas”, onde o visitante começa a sua viagem com a observação de algumas Estrelas que formam uma constelação para terminar com a experiência táctil de acariciar umas Estrelas da Ria Formosa.
• Artes visuais: Saul de Jesus • Espaço AGECAL: Jorge Queiroz • Espaço ALFA: Raúl Grade Coelho • Espaço ao Património: Isabel Soares • Da minha biblioteca: Adriana Nogueira • Grande ecrã: Cineclube de Faro Cineclube de Tavira • Juventude, artes e ideias: Jady Batista • Letras e literatura: Paulo Serra • Missão Cultura: Direcção Regional de Cultura do Algarve • Momento: Ana Omelete • O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N: Pedro Jubilot • Panorâmica: Ricardo Claro • Sala de leitura: Paulo Pires • Um olhar sobre o património: Alexandre Ferreira Colaboradores desta edição: Cristina Veiga-Pires Tânia Guerreiro Parceiros: Direcção Regional de Cultura do Algarve, FNAC Forum Algarve e-mail redacção: geralcultura.sul@gmail.com e-mail publicidade: anabelag.postal@gmail.com on-line em: www.postal.pt e-paper em: www.issuu.com/postaldoalgarve
facebook: Cultura.Sul Tiragem: 7.586 exemplares
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Cultura.Sul
Da minha biblioteca
Curt’os Contos de Paulo Moreira fotos: d.r.
Literatura, Teatro, Música e Ciência
Adriana Nogueira
Classicista Professora da Univ. do Algarve adriana.nogueira.cultura.sul@gmail.com
Não, não é uma gracinha minha nem é engano. É apenas o título bem-disposto do último livro de Paulo Moreira. Publicado pela Lua de Marfim no passado mês de outubro, foi escrito há quase 30 anos, tendo sido distinguido, em 1987, na 1ª Mostra Portuguesa de Artes e Ideias. O júri de então, constituído por relevantes nomes da literatura portuguesa (Agustina Bessa-Luís, Dinis Machado, Maria Ondina Braga, Fernando Dacosta e José do Carmo Francisco), recomendou a sua publicação. A vida deu muitas voltas e só agora essa publicação – em boa hora – aconteceu.
Estas são as áreas pelas quais Paulo Moreira «reparte os seus interesses intelectuais», como nos diz na badana, na nota de apresentação. E este livro é uma boa mostra destes interesses, pois, de alguma maneira, revela como cada um deles faz parte da sua vida (e desde cedo, dado que esta é uma obra de juventude). A Literatura está explicada por si mesma, pela própria existência da obra. Aqui se fazem experiências a vários níveis (principalmente surrealistas, mas não só), aqui se testa a capacidade de recriar estilos, de misturar géneros. No primeiro conto (por uma questão de prática, vou chamar-lhe assim), há uma espécie de explicitação de intenção: «Escrever é um mito – como me rio de tentar recusar o que a mente me obriga! – decidi-me escrever. Decidi-me inventar as palavras que foram inventadas, resoluto nesta guerra de fazer novas frases, neologismos pegajosos
Paulo Moreira reparte os seus interesses intelectuais pela Literatura, Teatro Música e Ciência (nem sei porquê), amontoados de sílabas ligadas desligadas de outros trens de letrinhas, como barco que busca o seu porto. Transformar as palavras em mar e afogar-me em deleites de sons e seus ritmos embarcando em aventuras imateriais, já voando em círculos infernais, rindo louco de inventar novas regras, sofregar nas entranhas da tinta, sucumbir (quem o sabe) sob as cinzas de folhas, já não ser no momento seguinte, mas voltar quando o tempo acabar». A Música: o poeta, o compositor e o cantor
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Paulo Moreira não se apresenta, normalmente, como poeta. Muito menos como compositor ou cantor. Alguns conhecem a sua faceta de declamador (como homem do teatro, a sua voz bem colocada tem merecido os maiores elogios de quem o ouve), mas poucos saberão que escreve, compõe e também canta. E que tem um sucesso que é tocado por vários coros: «Se eu fosse um barco de Aveiro» (ou apenas «Barco de Aveiro» como é conhecido pelas tunas universitárias). Procure na Internet e vai poder apreciar diversas versões (algumas já dos anos 90 do século passado). Poderá até encontrar alguma daquelas em que o próprio Paulo está a cantar. “CONCERTO DE NATAL” 11 DEZ | 21.00 | Igreja Matriz de Olhão O Coral Luísa Todi traz à cidade cubista alguns dos temas tradicionais desta quadra, como Natal de Évora, Natal de Elvas (Mário Sampaio Ribeiro), O Tannenbaum (Ernst Anscthutz) e Belle nuit de Judée (Johannes Brahms), entre outros
Este livro tem música na poesia. É com um poema que começa: Os sonolentos caminhos de pedra rasgados por mãos desejosas Suavíssimas visões de infernos repletos de luz Cavalares rimanços de dados debruçados em cantos de mim Tudo isto retalhos de prosa Casarios de gente parada São adagas que voltam no tempo São imagens que foram criança Estão cravadas em mentes assim E com um outro termina: Surdo motor posto em passos de aranha Imagem tão nítida de triste percalço Disforme balido da nossa inocência Inútil recado sentido na pele Amor balançado em imagens de luz O sono desperta e voltamos aqui Pelo meio, a poesia acontece. No conto «Loucura», que está dividido em três partes, duas delas são de poesia. A epígrafe de Erasmo de Roterdão dá-lhe o tom: À medida que se afasta da loucura, o Homem vai deixando de viver.
A poesia pontifica igualmente na abertura da segunda parte do livro (a primeira é a que se chama, precisamente «Curt’os Contos»), intitulada «Extratexto»: Espuma que cai sobre esferas de aço Imagem de nesga envolta em abraço Disforme pedaço Escrita profunda de louco enxame Tecido de conchas suspenso em arame Quem há que me ame? Teatro A sua faceta ais conhecida é a de ator, encenador e autor de teatro. A sua capacidade para criar ambientes, desenhar espaços, apresentar personagens e criar diálogos está aqui bem demonstrada. São fragmentos que, quem sabe?, um dia poderão fazer parte de um todo. Fica o exemplo do conto «Três Modos de Falar»: O seu tom de voz era imperioso. O subalterno já não se atrevia a contestar o superior, de modo que começou a arrumar os seus papéis e a guardá-los na pasta, aguardando unicamente as ordens que iria cumprir. – Está compreendido? – Sim, chefe. – Fá-lo. Apoiou os cotovelos na secretária e juntou as mãos como se
estivesse a rezar. Observou bem os olhos do outro e leu neles tantos sentimentos de ódio, dor e desespero que quase não conseguiu evitar sentir pena daquele desgraçado. Então, quase em surdina disse: – Falas? – Falo. A professora caminhou ao longo da sala de ponteiro na mão, e observou atentamente os rostos embaraçados dos seus alunos. Subiu os degraus do estrado e depois de esperar que todos os olhares estivessem sobre si, perguntou: – Então, já ninguém se lembra de qual é a outra designação que se pode usar? – Eu sei... – Diz lá. – Falo. A Ciência A formação académica inicial de Paulo Moreira é em Ciências Físico-Químicas. Estando ainda a estudar na faculdade na época em que escreveu esta obra, compreende-se a fonte de inspiração do conto «Física da Matéria Condensada». Muito onírico, a roçar o pesadelo (o desespero de se querer chegar a um lugar e não se conseguir, os sítios do costume estarem desertos e parecerem irreais…), a história brinca com o nome desta área específica da Física, de modo a conseguir um final inesperado: «Entrei então para o outro e dispus-me a não deixar escapar a única pessoa que até agora encontrara. Chegado ao quinto andar, o outro elevador estava vazio. Pus-me então a gritar: “Está aí alguém?” Silêncio. “Está aí alguém?” Foi aí que se assomou à porta duma sala, que até então estivera fechada, o porteiro. “O que é que quer?”, perguntou com um ar consternado. Dirigi-me para ele e foi então que percebi tudo. No chão da sala jaziam amontoados os meus colegas e o professor. Mortos com uma overdose de Matéria. Condensada». São contos curtos que se leem com prazer e divertimento. Curta estes contos.
“GENTE “OLHARES DELACOBRIGENSES” FÉ” Até 26 30 NOV DEZ | Biblioteca 21.30 | Fototeca José Mariano Municipal Gago de–Lagos Olhão Exposição O paradigma revela fotográfico todo o envolvimento vai mudando que por o força povo do da arquipélago evolução tecnológica tem pelasesuas das abordagens tradições religiosas diferentes na perspectiva que ela permite, do igualmente a par das novas açorense intuições Marcelo sobre Borges comunicação por imagem
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