ricardo claro
Missão Cultura:
Museu Municipal de Faro:
d.r.
O ‘ribat’ da Arrifana: um ‘lugar’ de destaque
Realidade e desafios
p. 5
p. 2
Espaço AGECAL: d.r.
Gestão cultural local: A Casa do Povo de Santo Estevão
p. 3
Letras e Leituras: d.r.
d.r.
Os Cristos Mortos do Algarve como nunca antes vistos
Brooklyn, de Colm Tóibín: um registo poético da simplicidade
p. 4
Espaço ALFA:
p. 10
d.r.
FEVEREIRO 2016 n.º 89
Encontros à sexta na ALFA
Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o PÚBLICO
p. 7
7.582 EXEMPLARES
www.issuu.com/postaldoalgarve
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05.02.2016
Cultura.Sul
Editorial
Missão Cultura
Mais um museu a caminho da Rede Portuguesa de Museus
O ‘ribat’ da Arrifana – um ‘lugar’ de destaque Direção Regional de Cultura do Algarve
Ricardo Claro
Editor ricardoc.postal@gmail.com
AGENDAR
Desta vez é o Museu de Loulé que se candidata à Rede Portuguesa de Museus, uma classificação que em muito orgulhará não só os louletanos como todos os algarvios e que - elogios à parte - podemos ter quase como certa, sendo resultado de um trabalho coordenado por Dália Paulo, cujos créditos na área, sobejamente conhecidos, asseguram uma candidatura certeira no objectivo. Além do enriquecimento do valor do museu e do seu espólio do ponto de vista do reconhecimento da respectiva qualidade, esta classificação é mais um passo, significativo diga-se, a caminho de maiores facilidades no acesso a fundos destinados ao investimento no seu desenvolvimento e da consolidação do projecto de reestruturação que se encetou com a chegada de Dália Paulo aos comandos da área cultural na autarquia. Ganhamos todos e ganha Loulé num trabalho que é mais uma prova do muito que se vem fazendo nos mais variados níveis da acção em prol da cultura na região. Este caminho que investe saber e esforço na valorização do potencial endógeno da coisa cultural da região é um trilho que se faz caminhando também na área da economia, onde o sector cultural pesa cada vez mais e promete não deixar de crescer. O Algarve está assim uma vez mais de parabéns por mais uma iniciativa e valor que decerto não deixará de se tornar realidade depois de passar pelo crivo das instâncias competentes. A bem da cultura, obrigado a todos os que trabalharam em prol de mais esta aposta .
A visita oficial do Ministro da Cultura, João Soares, ao ‘ribat’ da Arrifana (Aljezur), no passado dia 1 de fevereiro, veio sublinhar o reconhecimento oficial deste sítio, já anteriormente consagrado pela classificação como Monumento Nacional, atribuída pelo Decreto n.º 25/2013, de 25-07-2013. Situado nas arribas da Costa Vicentina, num local conhecido como Ponta da Atalaia, numa paisagem de deslumbrante beleza, o sítio encerra uma fabulosa história, que as escavações arqueológicas, ali conduzidas pelo casal de arqueólogos Rosa e Mário Varela Gomes, da Universidade Nova de Lisboa, desde os anos noventa do passado século XX, têm vindo a descobrir. Trata-se de um antigo e arruinado mosteiro-fortaleza muçulmano, habitado por uma comunidade de monges guerreiros, fundado pelo mestre sufi Ibn Qasi, por volta do ano 1130 da era cristã. As escavações arqueológicas identificaram até agora diversos momentos de construção e a presença das ruínas de um
numeroso conjunto de celas-mesquita (com o respetivo nicho do ‘mihrab’ voltado para Meca), de uma escola corânica (‘madrasa’) e do cemitério da comunidade muçulmana (‘al-maqbara’, com algumas das sepulturas assinaladas com inscrições fúnebres). As referências históricas e as estruturas e materiais exumados (com diversos estudos e abundante documentação já produzida) apontam para uma ocupação do local até ao começo da segunda metade do século XII, pouco após a morte do seu fundador. Esta ocorreu, de acordo com a documentação histórica, em 1151, às mãos de alguns dos seus próprios apaniguados, motivada pela oposição de Ibn Qasi aos poderosos impérios muçulmanos e à sua aliança estratégica com o rei português, Afonso Henriques. O que é uma assinalável memória e referência. O local apresenta uma extraordinária relevância para a história do período islâmico em Portugal, sendo o único local com vestígios materiais conhecidos de um ‘ribat’ muçulmano em território nacional, e um dos raros cujos vestígios materiais se conservam em toda a Península Ibérica – embora a ocorrência de topónimos como Arrábida
foto: drcalg/r. parreira
O ministro da Cultura, João Soares, no ‘ribat’ da Arrifana, com o presidente da Câmara de Aljezur, José Amarelinho, o proprietário, Peter Vogel, e o representante da Aga Khan Development Network em Portugal, Nazim Ahmad (um derivado de ‘ribat’) ou Zavial (um derivado de ‘zawia’) permita vislumbrar outras pre-
existências de lugares santos deste mesmo género. Em 2013, a Aga Khan Trust for
Culture apresentou ao Governo Português uma proposta para desenvolvimento de um Projeto Cultural e Patrimonial para o ‘ribat’ da Arrifana, projeto esse a integrar no ‘Aga Khan Historic Cities Programme’ e que permitirá trazer para o Algarve um significativo investimento na área da Cultura por parte de uma entidade internacionalmente reconhecida pelo seu contributo efetivo para o desenvolvimento integrado das comunidades e para uma cultura de paz. Para que tal projeto se concretize, será ainda necessário resolver questões de titularidade dos terrenos e aspetos relativos ao uso dos mesmos, restringido pela classificação como Monumento Nacional, pela inclusão parcial em domínio público marítimo, e pela situação em pleno Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina. Também neste âmbito, a visita do Ministro da Cultura se revestiu de uma enorme importância, permitindo ativar o diálogo entre o atual proprietário, a Aga Khan Trust for Culture, a Câmara Municipal de Aljezur e a entidade de tutela dos Bens Culturais, representada pela Direção Regional de Cultura do Algarve. Direção Regional de Cultura do Algarve
Juventude, artes e ideias
Um bollycao não é uma sardinha V3 João Pedro Baptista Músico
Não sei bem porquê mas acho que já estava à espera desta conversa acerca da exploração de petróleo. Sabemos o que isto nos pode trazer de dissabores, sobretudo pelo turismo e ambiente. Mas,
é bom que comecemos por alguns pontos chave acerca do petróleo e desta discussão toda, visto que toda a gente se esquece de ser gente e se torna Engenheiro, ou tem um primo que uma vez viu uma plataforma numa revista. Nós não percebemos nada de petróleo! - Este ponto é fundamental, visto estarmos à espera de uma resolução política para o problema, de alguém que não percebe nada do assunto. Não é por seres vegan, vestires a roupa da tua avó, teres ido
“MÚSICA NAS IGREJAS” 6 FEV | 18.00 | Ermida de São Sebastião - Tavira O pianista e compositor Luís Conceição vai interpretar obras da sua autoria, bem como de Bach, Beethoven e Chopin.
à Arrifana uma vez e teres apreciado a natureza, que agora ficas um profissional do drilling subaquático. Houve uma sessão de esclarecimento na Universidade. Entre gente importante que se senta na fila da frente de perna cruzada e olhar de quem se importa, aparecem sempre esses mamíferos com cartazes, megafones, uma pão de forma que o papá comprou e restaurou (altamente poluente mas dá estilo!), um cão e cheiro a terra molhada; acabados de vir da Quinta do Lago, atrasados porque tiveram
na reunião de direção do clube de golfe. Depois, há os do café que dizem que isto é bom porque estamos na miséria, sem saber quanto é que lucramos. Como disse um no outro dia: “vamos ter o gasóleo mais barato”. Estamos portanto a falar de gente que, certamente, venderia um órgão do corpo, para pagar o resto do carro, e que pensou que, com a montagem de aerogeradores e a percentagem de produção de energia por fontes renováveis, fosse baixar a fatura da luz. Há o intelectual que leu o Ex-
presso, no sábado, e ainda está a decidir que lado tomar, mas está à espera do jantar de sexta para ir para o restaurante levantar a questão e impressionar as damas com palavreado técnico que nunca mais acaba. O que é certo é que ainda ninguém ouviu quem vai furar e fazer a prospeção. Estamos a tratar do assunto, tipo encontro às cegas, ou pior! Estamos a encomendar uma noiva Tailandesa, só baseados na foto de perfil do site de casamentos. Por mim, nem preciso saber mais. Brocas fora!
“REGENERAÇÃO” Até 9 ABR | Centro Cultural de Lagos Exposição de pintura de Clotilde. Entre 1964 e 1975, como artista plástica, executou várias obras em cerâmica para várias instituições. Expõe regularmente desde 1984
Cultura.Sul
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Grande ecrã Cineclube de Faro
Programação: cineclubefaro.blogspot.pt TEATRO MUN. DE FARO I 21.30 HORAS 16 FEV | AS MIL E UMA NOITES - VOL II, O DESOLADO, Miguel Gomes 23 FEV | AS MIL E UMA NOITES - VOL III, O ENCANTADO, Miguel Gomes IPDJ I 21.30 HORAS 9 FEV | LISBON REVISITED, Edgar Pêra (ANTE-ESTREIA NACIONAL)
A TELA AO SÓCIOS: “A 7ª ARTE DO CAMALEÃO - DAVID BOWIE (1947-2016)” | SEDE DO CCF I 21H30 I ENTRADA LIVRE 11 FEV | FOME DE VIVER, Tony Scott 18 FEV | LOST HIGHWAY - ESTRADA PERDIDA, David Lynch 25 FEV | FELIZ NATAL, MR.LAWRENCE, Nagisa Ôshima
Cineclube de Faro faz 60 anos Eis-nos chegados a 2016, ano em que o Cineclube de Faro (CCF) perfaz 60 primaveras. Não é coisa pouca. São seis décadas a exibir filmes que, de outra forma, não chegariam aos espectadores. A primeira sessão aconteceu dia 6 de Abril de 1956 e, desde então, sem qualquer interrupção de actividade. Clássicos, europeus e portugueses, escolhidos a dedo e premiados nos mais conceituados festivais mundiais. É este o nosso forte. Tudo aquilo que se destina a contrariar as dificuldades que existem na oferta de cinema actual, tão ancorada em blockbusters estéreis, e desfasados da verdadeira essência da 7ª arte. Nos próximos meses, o CCF está a preparar um programa de cinema variado, bem como uma série de eventos com personalidades e instituições ligadas ao mundo da cultura e do cinema e, como não podia deixar de ser, à história do CCF. Somos hoje uma das instituições cinéfilas mais antigas do
Cineclube de Tavira fotos: d.r.
Programação: www.cineclubetavira.com 281 971 546 | cineclubetavira@gmail.com SESSÕES REGULARES | CINE-TEATRO ANTÓNIO PINHEIRO | 21.30 HORAS 11 FEV | MIA MADRE (MINHA MÃE), Nanni Moretti – Itália 2015 (105’) M/12
Cineclube de Faro comemora seis décadas país, onde um bilhete não custa mais do que quatro euros. As nossas sessões de terça-feira à noite, no IPDJ de Faro, fazem já parte da programação cultural farense, e a nossa bilheteira continua a ter uma procura fiel e eclética. Nos Cineclubes, por mais díspares que sejam as suas realidades e história, o ânimo e âmbito são os mesmos: ajudar a criar a ci-
nefilia. Ver Cinema de qualidade, pensar sobre Cinema e aprender com o Cinema. Nos Cineclubes gosta-se de Cinema e gosta-se de dar a gostar de Cinema. É esta a nossa proposta cultural. E quando indagados sobre se preferimos película ou digital, respondemos: sala de cinema! Pois é aí que reside a magia. Cineclube de Faro
SÁB 13 FEV | FOXFIRE (RAPOSAS DE FOGO), Laurent Cantet – França/Canadá 2012 (143’) M/14 18 FEV | O LOBO ATRÁS DA PORTA, Fernando Coimbra – Brasil 2013 (101’) M/16
25 FEV | THE MUSIC NEVER STOPPED (A MÚSICA NUNCA ACABOU), Jim Kohlberg – E.U.A. 2011 (105’) M/12
Espaço AGECAL
Gestão cultural local: A Casa do Povo de Santo Estevão (CPSE) - Tavira José Barradas Gestor cultural; Presidente da Direcção do CPSE e membro da Direcção da AGECAL www.cpse.pt
Santo Estevão é uma aldeia rural situada no barrocal do concelho de Tavira. Este artigo pretende refletir a importância da gestão cultural de âmbito local e dar a conhecer a experiência do CPSE. A CPSE é uma associação sem fins lucrativos, equiparada a IPSS desde 2001, de âmbito local, que tem como missão sensibilizar a população para as diversas manifestações culturais (expressões artísticas, desporto, património material ou imaterial, etc.) e para o ambiente. As instalações da instituição e a posição central que ocupa na aldeia como no território circundante, riquíssimo do ponto de vista ambiental, contribuem para o desenvolvimento cultural da comunidade. A gestão cultural com-
bina actividades sociais, artísticas e organizacionais. A gestão cultural permite a facilitação e a organização das atividades culturais. O gestor cultural é “aquele que permite que a arte aconteça”. Considero que os gestores culturais são aqueles que juntam o público e os artistas. No que respeita à programação, grande parte é resultante de propostas que nos chegam. As propostas são apresentadas e seguidamente, verificamos se têm viabilidade. Funciona assim na música quase a 100%, nas artes visuais a situação é diferente mas surgem também convites para projetos autossustentáveis. A música é a área artística com maior relevo e a que mais público capta. A música ao vivo atrai muito público à CPSE de todo o Sotavento e em função disso também as propostas artísticas são muito diferenciadas na forma e no género. A programação é diferenciada, tanto programamos projectos locais como nacionais e ate internacionais. Por aqui já passaram desde Beatriz Portugal e Carlos Barretto no Jazz, Custódio Castelo na guitarra portuguesa, Pedro Joia, Viviane, Olivetreedance, Rockabillyo, Bunny Ranch, Canhões de Guerra, Kalu dos Xutos & Pontapes no
d.r.
A música ao vivo atrai muito público à instituição rock, B Fachada, Frankie Chavez, Virgem Suta, Manuel João Vieira, JP Simões, UXU KALHUS, Marenostrum, UM, Toques do Caramulo, Sebastião Antunes, Omiri e Charanga na música tradicional portuguesa, Carlos Mendes na música ligeira portuguesa ou Danae e os novos crioulos, Tcheka e Couple Coffee, Tulipa Ruiz, Edu Miranda e Dani Black no âmbito da lusofonia. Também já foram apresen-
tados projectos na área do teatro com Vítor Correia, a Companhia A Gorda, Ao Luar Teatro ou os Improváveis. Além dos projectos de nível nacional mais conhecidos, mantemos as tradições associadas à comunidade e aos seus ciclos festivos, o Festival/Encontro de Charolas no ano novo, os bailes tradicionais de carnaval ou os Santos Populares. Esta programação, porventura, será
aquela que mais público local consegue alcançar. Na programação é fundamental a parceria. A CPSE realiza parcerias com promotores e outras entidades de âmbito cultural. As parcerias têm dois tipos de retorno: o financeiro, porque se conseguem projectos a custos sustentáveis, e a garantia de continuidade, avanço e alargamento dos programas desenvolvidos. O financiamento da programação faz-se através dos apoios do Município e da Junta de Freguesia, contudo, não são suficientes, pelo que potenciamos as coproduções, gestão de bilheteiras e o pequeno bar que cobre despesas de produção… Num mundo cada vez mais global, o local é o mais próximo do cidadão, o lugar onde as pessoas se encontram, se sentem em Casa, e se dá a satisfação das suas necessidades culturais. É no local que se dão os processos culturais mais importantes, a convivência e a cidadania cultural. O local não significa perder a capacidade de conhecimento global, de refletir, e com gestores profissionais concretizar programas que são do interesse do público e que permitem o desenvolvimento cultural das comunidades.
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Cultura.Sul
Letras e Leituras
Brooklyn, de Colm Tóibín – Um registo poético da simplicidade fotos: d.r.
Paulo Serra
Investigador da UAlg associado ao CLEPUL
Colm Tóibín nasceu em 1955 numa cidade no sudeste da Irlanda, em Enniscorthy. Este autor é um dos mais conceituados ficcionistas de língua inglesa, além de ensaísta, jornalista da área da cultura e crítico literário, em publicações de prestígio como The London Review of Books e The New York Review of Books. Publicou cerca de vinte títulos, entre ficção e ensaio, sendo que o primeiro romance a ser traduzido em Portugal foi A História da Noite (Bizâncio), seguido de O Navio farol de Blackwater (Dom Quixote), que esteve entre os finalistas do Prémio Booker em 1999. Estes dois títulos terão contribuído para que Colm Tóibín passasse a ser apelidado ou catalogado como autor de literatura gay. Foi, todavia, O Mestre que lhe trouxe reconhecimento internacional. Considera-se, normalmente, este livro como uma biografia ficcionada de Henry James (autor de Retrato de uma Senhora, entre outros clássicos), se bem que, na verdade, O Mestre cubra apenas um dado período da vida do autor, dando-nos a conhecer o homem por trás do nome, com as suas inseguranças e anseios. Esta obra esteve entre os finalistas do Booker em 2004 mas mais uma vez não venceu. Contudo, ganhou o Dublin IMPAC, um prémio que apesar de pouco conhecido, é dos mais conceituados, reservado a obras editadas em língua inglesa, e que consiste numa quantia que ronda os 110 mil euros. Brooklyn é um dos livros mais lidos do autor e, a propósito do lançamento do filme com o mesmo nome, e nomeado para os Óscares - um filme belíssimo e comovente sem raiar o melodramático e o xaroposo -, a Bertrand reeditou o livro originalmente publicado em 2009, agora com nova capa, alusiva ao filme. O livro estreou a 14 de Janeiro, com realização de John Crowley e argumento
'Brooklyn' valeu a Colm Tóibín o prémio literário Costa Book do escritor inglês Nick Hornby. Brooklyn foi finalista do Man Booker Prize e ganhou finalmente o prémio Costa, outro prémio aparentemente desconhecido, mas por uma razão válida, pois originalmente o prémio Costa Book tinha a designação de Whitbread Book Awards, criado em 1971, destinado exclusivamente a autores radicados nas ilhas do Reino Unido e da Irlanda, e patrocinados desde 2006 pela cadeia de lojas de café muito popular aí, Costa Coffee, uma subsidiária da Whitbread, o que motivou a mudança de nome do prémio. Uma das grandes surpresas foi Brooklyn ter sido eleito na categoria de melhor romance em detrimento de outro grande livro, Wolf Hall, de Hillary Mantel. A protagonista da história é a jovem Eilis Lacey que, à semelhança do autor, vive em Enniscorthy durante a década de 50. Esta jovem não parece ter grandes aspirações, sentindo-se confortável com a vida simples que leva. O próprio meio em que Eilis vive não dá espaço a grandes sonhos ou desejos, pois é um local com poucas ofertas de trabalho ou mesmo de casamento. Eilis trabalha assim numa mercearia, com uma patroa que é bastante insuportável, e partilha a casa com a mãe e a irmã mais velha Rose, com quem tem uma relação de grande afinidade, pois o pai já faleceu e os irmãos emigraram para Inglaterra em busca de melhores oportunidades. Rose trabalha num escritório e é ela quem basicamente susten-
ta a família. E, preocupada com o futuro da irmã, no sentido de providenciar-lhe uma vida com horizontes, encontra uma solução para o seu dilema quando acidentalmente trava amizade no clube de golf com um padre que vive na América e está temporariamente de visita à cidade. É particularmente relevante atentar como o amor de Rose para com a irmã mais nova, e a sua decisão em “empurrá-la” para fora do ninho, significa, por outro lado, a anulação de qualquer possibilidade de mudança em relação à sua própria vida, pois ela opta por ficar e continuar a apoiar a mãe. O padre, um velho amigo de família, disponibiliza-se a ajudar Rose e encontra um trabalho para Eilis. Rapidamente, Eilis dá por si a atravessar o Atlântico, para ser depois acolhida na casa de uma
senhora irlandesa que aluga quartos a diversas outras raparigas que partilham o mesmo destino de Eilis. A jovem começa a trabalhar num relativamente prestigiado armazém de lojas, e apesar de no início parecer vogar através dos dias com alguma resignação, pois a personagem é quase sempre bastante passiva, a sua contenção sofre um abalo quando começa a receber cartas da irmã e é assolada pelas saudades de casa. E porque o ócio é inimigo da alma, Eilis começa, depois, a estudar à noite, para poder trabalhar como contabilista ou guarda-livros, à semelhan ça d e Rose. A jovem que antes não mostrava ter grandes perspectivas de futuro e que parecia ver-se arrastada como uma folha ao vento, seguindo passivamente aquilo que os outros delineavam para ela (o que não invalida que
Escritor foi finalista do Man Booker Prize
fosse por simplesmente confiar nas decisões dos outros, feitas por amor, sentindo-se grata), vê-se agora cada vez mais adaptada à América e a procurar criar raízes. É também, mais ou menos por essa altura, que apesar de parecer relativamente indiferente aos esforços das suas companheiras de casa em encontrar um namorado, Eilis conhece um jovem italiano – outra das grandes diásporas no Novo Mundo – por quem, gradualmente, se deixa envolver numa relação amorosa que nasce, sobretudo, como uma amizade. A palavra amor aliás surge muito poucas vezes ao longo do livro, o que contribuiu para a sobriedade narrativa a que nos referíamos antes. Contudo, notícias trágicas vêm interromper este idílio em que Eilis começa a deixar-se mergulhar, à medida que sentia como sendo cada vez mais definitivo o não-retorno à Irlanda, e a jovem é obrigada a voltar a casa onde se verá, subitamente, confrontada com uma escolha, pois, por ironia do destino, encontra na sua terra natal as mesmas oportunidades que antes lhe faltavam e que terão contribuído para a sua emigração - uma possibilidade de casamento e um futuro profissional. A trama parece fechar-se assim de forma circular.
Este romance é de leitura fácil, mas nem por isso superficial, e a história é tão simples e linear que pode até causar alguma estranheza o sucesso do livro, pois que a escrita deste autor, considerado um dos expoentes da literatura irlandesa, é extremamente contida, despojada de qualquer vaidade ou de ornamentação. Alguém escreveu que a escrita de Colm Tóibín constitui uma elegia às vidas banais, mas a vida de Eilis não é tão banal assim, pois este é também um relato de como, mesmo quando mudamos de continente, e perdemos todas as nossas referências, acabamos sempre por nos conseguir adaptar a uma nova vida. Brooklyn é ainda um cuidado retrato histórico no feminino de toda uma diáspora, fruto da geração de 50 ou, aliás, de sucessivas gerações que partiram em busca de novas oportunidades, não só a partir da Irlanda como inclusivamente de Portugal. A Bertrand publicou ainda, em anos anteriores, uma colectânea de contos intitulada Mães e Filhos e o pequeno romance O testamento de Maria, adaptado a partir do guião que o autor escreveu para a Broadway, um monólogo protagonizado por Fiona Shaw.
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Panorâmica
Museu Municipal de Faro: realidade e desafios fotos: ricardo claro
Ricardo Claro
Jornalista / Editor ricardoc.postal@gmail.com
Aberto nas actuais instalações desde 1973, depois de estar instalado na Igreja do Convento de Santo António dos Capuchos até 1971, o Museu Municipal de Faro é herdeiro do Museu Archeológico e Lapidar Infante D. Henrique e é a mostra por excelência do património, da história e da cultura do concelho de Faro. É no antigo Convento da Nossa Senhora da Assunção, em plena cidade velha, que se dá a conhecer muito do que é a herança histórica e patrimonial deixada às actuais gerações pelos povos que durante centenas e centenas de anos foram sucessivamente habitando as terras hoje compreendidas pelos limites geográficos do concelho. À frente de um espólio de milhares de peças está, desde há cerca de quatro anos Marco Lopes, que aposta em fazer evoluir um museu que muito tem mostrado da identidade colectiva farense aos próprios farenses, aos portugueses em geral e aos turistas. Muito do que hoje se pode ver no museu municipal é ainda fruto do trabalho realizado sob a direcção de Dália Paulo, mas apesar de muitas das exposições estarem patentes há vários anos o museu já tem novidades que valem bem uma visita. Uma das apostas de Marco Lopes foi a de dar dignidade expositiva acrescida à peça conhecida por ser o ex-libris do museu, o mosaico do Deus Oceano. O mosaico do Deus Oceano, uma peça de destaque numa sala renovada Descoberto em 1926 entre as Ruas Infante D. Henrique e Ventura Coelho, no centro da cidade perto da Estação da CP, o mosaico do Deus Oceano foi reenterrado e só em 1976 redescoberto para ser transferido para o museu.. Datada de finais do século II ou inícios do III d. C., o painel de grandes dimensões esteve exposto numa sala que “não correspondia em termos de condições à dignidade da peça”, refere Marco Lopes. Agora, depois de uma intervenção totalmente suportada por mecenas, criou-se um enquadramento e um discurso expositivo que constituem uma mais-valia para o visitante e para a compreensão do conjunto de peças ali exposto. “Conseguimos um apoio integral de mecenas numa aposta pessoal minha que teve como resultado um projecto da equipa do museu cujo empenho mereceu uma apreciação positiva dos mecenas privados”.
tativo do Arco da Vila passámos agora a ter mais uma área de serviço educativo a somar ao museu municipal que tem cerca de cinco mil visitas anuais oriundas das escolas e do museu regional que recebe deste segmento cerca de 1.500 visitantes ano”, refere o director do museu, que programa integrar no serviço educativo a Galeria Trem, actualmente dinamizada através de um novo protocolo entre a autarquia e o curso de Artes Visuais da Universidade do Algarve, de onde resultou a actual exposição “Arte: um assunto de mulheres”. As exposições permanentes
A sala do Mosaico do Deus Oceano, resultado do trabalho do museu apoiado pelo mecenato O percurso criado em torno do mosaico permite actualmente ao visitante contornar a peça com um perspectiva de visão descendente, ao mesmo tempo que pode ler informação de enquadramento em painéis ao longo do percurso.
bom percurso desta empreitada, o primeiro exemplo de tesouro nacional do Algarve, o que potenciará sem dúvida a importância do museu municipal e do património do concelho em termos regionais e nacionais.
Mosaico proposto para Tesouro Nacional
As reservas: um património ‘escondido’
Outra das apostas do museu está na classificação do Mosaico de Deus Oceano como tesouro nacional, um processo já iniciado e que conta com o parecer favorável - já emitido - da Direcção-Geral do Património Cultural. “Será o primeiro caso de uma classificação como tesouro nacional atribuída na região do Algarve”, destaca o responsável do museu farense, que esclarece que de momento se “aguarda o parecer do conselho consultivo para que o ministro da Cultura possa finalmente despachar” no sentido da classificação do mosaico com a mais alta categoria da classificação nacional de património. Faro ganhará assim, mantenha-se o
São milhares as peças que o museu de Faro tem em reserva, longe do olhar do público, e que muitos se perguntam porque não vêem a luz do dia em exposições. No percurso que leva as peças das reservas até uma sala de exposição há pequenos grandes pormenores que fazem com que muitas peças demorem muito tempo até poderem ser expostas ou mesmo nunca o venham a ser. “Não se trata de não querer mostrar as peças”, clarifica Marco Lopes, “trata-se antes de perceber que a museologia tem nos dias de hoje de ter em atenção que a exposição de peças pelo simples acto de expor não faz grande sentido”.
“As peças para poderem ser expostas têm antes de ser estudadas a fundo e restauradas em condições que permitam a sua mostra ao público. Estamos a fazer esse estudo - que muitas vezes é muito demorado - e trabalhamos no serviço de conservação e restauro afincadamente para que as peças possam ser expostas em exposições estruturadas, com um discurso museológico adequado e que respeite os critérios de qualidade e credibilidade que queremos todos que o museu tenha”, diz o director do museu. “Muitas das peças em reserva integram exposições temporárias que vamos realizando, temos actualmente no museu regional (também sob a alçada da Câmara de Faro) uma exposição dedicada ao acordeão e à tradição musical de Bordeira, uma verdadeira mostra de património imaterial do concelho que abrimos ao público em Janeiro”, recorda Marco Lopes, que dá outro exemplo de sucesso com a exposição dedicada aos 125 anos da chegada do Comboio a Faro, “bastava ler o livro de visitas da exposição para ter noção dos testemunhos emocionados de visitantes que recordaram com aquela mostra momentos da História do concelho e da sua história pessoal”. A aposta passa, afirma o responsável museológico, “por cumprir aquele que é o papel primordial deste museu, preservar e dar a conhecer o património, a história e a cultura do concelho de Faro”, mais do que trazer a Faro exposições importadas, “e por explorar todo o potencial cultural e educativo de cada exposição”. O serviço educativo, uma aposta continuada
O director do Museu Municipal de Faro, Marco Lopes
O serviço educativo do museu municipal é considerado um sucesso, mas para Marco Lopes “há que continuar a melhorar e estender o serviço a todos os espaços museológicos da responsabilidade do município”. “Com a abertura do Centro Interpre-
Numa visita ao museu municipal podem ainda ver-se as exposições permanentes “Caminhos do Algarve Romano”, “Sala Islâmica”, “Pintura Antiga dos séculos XVI a XIX” e “O Algarve Encantado na obra de Carlos Porfírio”. Nesta área o director do museu gostava particularmente de poder renovar a “Sala Islâmica”, “criando, com o que temos em reservas, um ambiente de uma casa da época” e dando maior dignidade e significado a este período da História do concelho. Na exposição de pintura antiga, a aposta passaria pela melhor iluminação da área de exposição, um tema em estudo com a área de conservação e restauro para que se possa tornar uma realidade. Mas estas são intervenções de menor monta, as de grande dimensão que poderiam ou deveriam ser feitas dependem de tempo de preparação e de financiamento adequado de mecenas e da autarquia. Os desafios de futuro A par da melhoria das exposições já existentes, o museu de Faro quer encarar como desafio de futuro a melhoria das condições de acolhimento dos visitantes, por exemplo criando condições de acesso ao primeiro andar do museu para pessoas com mobilidade reduzida, o que actualmente é impossível. Na área de restauro, o museu mantém o esforço de conservação e restauro das peças em reserva ao mesmo tempo que desenvolve um trabalho muitas vezes tão pouco visível de manutenção do património do concelho, nomeadamente ao nível das igrejas e respectivos retábulos e estruturas e vai mesmo este ano sair do concelho de Faro para apoiar a Câmara de São Brás de Alportel na recuperação do jazigo do poeta Bernardo de Passos. Na calha estão também uma exposição dedicada ao Barroco, feita em parceria entre o museu municipal e o Museu de Belas-Artes de Sevilha, e uma exposição dedicada ao azulejo baseada na colecção de azulejos do Almirante Ramalho Ortigão de que o museu é proprietário e que já integrou a mostra “O Brilho das Cidades” na Gulbenkian.
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Cultura.Sul
Artes visuais
A fotografia pode ser considerada uma forma de arte visual, tal como é a pintura?
Saul Neves de Jesus
Professor catedrático da UAlg; Pós-doutorado em Artes Visuais pela Universidade de Évora
AGENDAR
A fotografia surgida no sé� culo XIX não era considerada uma forma de arte visual. Foi no âmbito do movimento fu� turista, a partir do início do século XX, que a fotografia se desenvolveu como expres� são artística. António Tavares (2009), ao abordar “A foto� grafia artística e o seu lugar na arte contemporânea”, considera que foi em Itália, no âmbito da corrente Futurista, que os fotógrafos começaram a integrar o movimento nas suas criações. Os futuristas foram um grupo de artistas italianos que trabalharam entre 1909 e 1916, rejeitando o moralis� mo e o passado e abraçando tudo o que tinha a ver com as inovações tecnológicas e a re� presentação do movimento, da energia e da velocidade. Em termos de fotografia, é de salientar que esta procura da captação do movimento já havia sido trabalhada pelo fotógrafo inglês Eadweard Muybridge, o qual se tornou conhecido pela invenção do zoopraxiscópio, dispositivo para projetar os retratos de movimento, e por ter conse� guido tirar, em 1877, a pri� meira fotografia que permitiu provar que quando um cavalo galopa consegue ter simulta� neamente todos os cascos no ar, após ter sido contratado por Stanford. Para tal desen� volveu uma forma que permi� tia a captação instantânea de imagens, utilizando fora da câmara um disparador elétri� co criado por John Isaacs. No
ano seguinte, utilizou várias câmaras estereoscópicas para conseguir fotografar o galo� pe de um cavalo numa curta distância, ocorrendo o dispa� ro das câmaras em cada mi� lésimo de segundo. Com esta série de fotos, intituladas “O cavalo em movimento” (“The horse in motion”), conseguiu mostrar que as pernas dos cavalos não ficam completa� mente estendidas, ao contrá� rio daquilo que os desenhos da época procuravam sugerir. A publicação das fotos ti� radas por Muybridge na re� vista “La Nature”, despertou a curiosidade do fisiologista Marey, o qual passou a consi� derar a possibilidade de uti� lizar o mesmo método para registar os movimentos de voo de pássaros. Mas tendo também em conta os métodos da fotografia astronómica uti� lizados pelo astrónomo Jans� sen, que havia desenvolvido o “revólver fotográfico astro� nómico” (1874), Marey desen� volveu o seu próprio método cronofotográfico a começar pela criação do seu “fuzil cro� nofotográfico”, em 1882, con� seguindo utilizar uma única câmara para obter múltiplas imagens. A continuação da investigação levou-o a rapi� damente conseguir produzir uma única placa com muitas partes do movimento nela re� presentadas, em vez de foto� grafias isoladas de cada parte do movimento produzidas na placa móvel, conseguindo uti� lizar este método na captação do voo de pássaros em 1883. Em 1886, a utilização deste método com três câmaras em simultâneo veio a permitir� -lhe elaborar uma representa� ção tridimencional do voo na forma de uma escultura, ini� cialmente produzida em cera e posteriormente em bronze, contando com a colabora� ção de um artista. De acordo com Marta Braun (1983), o que Marey procurava era “ver o invisível”, sendo o interesse
fotos: d.r.
Fotografia “Big-bang” e foto-pintura “Universos paralelos”, de Saul de Jesus (1988 e 2007) do seu trabalho sobretudo “a gravação do que o olho não conseguia captar, e não a re� produção do que ele normal� mente percebe”. O método gráfico de Marey e seu proces� so cronofotográfico abriram ao século XX as possibilidades teóricas dos usos de aparelhos hoje bastante comuns como o eletrocardiograma ou o ele� troencefalograma, bem como a teorização necessária para a concretização da invenção de Louis Lumière, o Cinema� tógrafo, em 1895. A exploração da dimensão movimento pelo futurismo contribuiu para o reconhe� cimento da fotografia como arte. Assim, alguns fotógrafos começaram a enfatizar a com� ponente artística das fotos, fazendo fotos ligeiramente desfocadas, ou aproveitando o efeito do movimento dos objetos fotografadas. Um dos fotógrafos que mais se desta� cou neste âmbito foi Jacques Lartigue, o qual começou a fo� tografar a partir dos 8 anos, em 1902, tendo constituído um diário com fotografias e
“A TRADIÇÃO DO ACORDEÃO EM BORDEIRA” Até 6 JAN 2017 | Museu Regional do Algarve - Faro Exposição apresenta������������������������������ vários bordeirenses ���������������������� que dedi� caram a sua vida à arte de tocar o acordeão, reco� nhecidos a nível nacional e internacional
textos breves durante toda a vida, até 1986. A exposição “Um mundo flutuante”, de� dicada à apresentação do seu trabalho, foi realizada em 2011, na Caixa Forum Madrid. De acordo com Barthes (1984), a verdadeira alma da fotografia está em interpretar a realidade e não em copiá-la. Fazer fotografia não é apenas clicar no disparador. Tem de haver sensibilidade estéti� ca, registando um momento único, singular, em que o fo� tógrafo recria o mundo exter� no. Conforme refere Tavares (2009), “a máquina fotográ� fica permitiu, ao longo dos tempos e desde a sua inven� ção, que o fotógrafo se fos� se libertando do carácter de mero captador de uma dada realidade, de um dado objec� to. Por todo o século XX a fo� tografia envereda por campos onde a sensibilidade artística se revela”. Neste seu artigo, Tavares destaca o contributo de Henri Cartier-Bresson para o desenvolvimento da compo� nente artística na fotografia, afirmando o seguinte: “foi o
criador da expressão e con� ceito de “fotografia de autor” (…) Cartier-Bresson, com os seus trabalhos, prova que o resultado da arte fotográfica não estava na máquina, mas sim no olho do fotógrafo que, de forma subjetiva, percepcio� na um determinado momen� to e o captura”. Desta forma, a fotogra� fia pode permitir criar uma imagem cuja realidade ob� jetiva que retrata é difícil de identificar, permitindo à ima� gem que surge na fotografia passar a ter uma identidade e um sentido próprio. Exem� plificamos com uma foto que tirámos em 1988, intitulada “Big-bang”, em relação à qual, até ao momento nunca nin� guém que tenha observado esta fotografia tenha conse� guido identificar a partir de que realidade foi produzida. A foto havia sido tirada a uma Árvore de Natal com luzes, utilizando tripé e disparador de cabo, com uma exposição de dois segundos, durante os quais ocorreu uma apro� ximação utilizando uma ob�
jectiva 60-300mm. Com esta foto procurámos representar a explosão inicial do universo e remeter o público para uma reflexão acerca das origens do universo, pois no mesmo ano havíamos realizado um traba� lho teórico sobre “A criação do universo: onde acaba Deus e começa o Big-Bang?”. Pro� curámos retomar essa ideia, em 2007, produzindo o tra� balho “Universos paralelos”, mas introduzindo a ideia de buraco negro que permitiria a passagem de um universo para outro. Esta perspetiva da criação de imagens que adquirem uma identidade própria tam� bém está claramente presen� te na fotografia “Phantom” (fantasma, em inglês), da autoria do fotógrafo austra� liano Peter Lik, o qual criou uma imagem cuja realidade objetiva que retrata é difícil de identificar, permitindo à imagem que surge na foto� grafia passar a ter uma iden� tidade e um sentido próprio. “Phantom” foi fotografada a preto e branco no interior Antelope Canyon, no estado do Arizona (EUA). O nome da fotografia deve-se à forma humana “fantasmagórica” criada pelo efeito da luz ao incidir na poeira do interior do Canyon. Esta é a fotografia mais cara da história, ao ser vendida por 6,5 milhões de dólares (mais de 5,2 milhões de euros). Conforme referido pelo próprio, “o propósito de todas as minhas fotografias é capturar o poder da natureza e transmiti-lo de uma forma que inspire alguém e faça a pessoa conectar-se com a imagem”. Nota: Algumas das re� flexões apresentadas neste artigo encontram-se no livro “Construção de um percurso multidisciplinar, integrativo e de síntese nas Artes Visu� ais”, de Saul Neves de Jesus (snjesus@ualg.pt)
“UM OLHAR SOBRE A OBRA DE PICASSO” Até 20 FEV | Galeria de Arte da Praça do Mar - Quarteira Exposição partilha o olhar de João Pedro Tavares sobre Picasso, uma reinterpretação muito pessoal e que nos confronta com o maior pintor do século XX
Cultura.Sul
05.02.2016
Momento
«Palavras Cruzadas de Café» Foto de Ana Omelete
Espaço ALFA
Encontros à sexta na ALFA
Dário Agostinho Membro da ALFA
A ALFA – Associação Livre Fotógrafos do Algarve possui um percurso significativo na promoção, dinamização e divulgação das mais variadas vertentes da fotografia. Desde a sua criação, em 2008, tem-se afirmado como uma referência na região cuja ambição, para o triénio 2016-2018, consequente de uma renovação dos seus corpos sociais, se amplia ao âmbito nacional e internacional. Para além de exposições, workshops, passeios e de inúmeras outras atividades, a oferta regular de cursos de fotografia de diversos níveis, a par de outros mais especializados, revela o compromisso assumido, e sempre renovado, da ALFA. O
compromisso de tratar a imagem fotográfica como uma área de oportunidades quer a nível profissional, quer em termos de expressão artística ou de realização pessoal. Sem descurar os momentos para conhecer pessoas e lugares, partilhar experiências, e crescer para e com a fotografia, em 2016 a ALFA renova as suas abordagens. Deste modo, deu-se início em janeiro a encontros que propõem tratar a fotografia num plano menos técnico e um pouco mais teórico. Podemos chamar-lhes tertúlias, serões ou convívios. Pelo menos uma vez por mês, e durante todo o ano, em ambiente caloroso e informal, falamos do que representa a imagem fotográfica nos dias e nas nossas vidas de hoje. A sede da ALFA abre-se à comunidade e ao intercâmbio com outras entidades. Basta estar atento ao nosso sitio na Internet em www.alfa.pt e às permanentes atualizações do programa de atividades. Fica o convite!
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05.02.2016
Cultura.Sul
Sala de leitura
Em busca do público 'perdido' foto: vasco célio
Paulo Pires
Programador cultural no Município de Loulé http://escrytos.blogspot.pt
Inspirado no incontornável romance de Proust, este título remete para um desafio que é muito caro aos programadores culturais nos dias de hoje: a dificuldade de captação de públicos, nomeadamente dos segmentos jovem e jovem adulto (compreendendo, grosso modo, um arco etário dos 16/18 aos 30/35 anos) para actividades desenvolvidas no âmbito das artes performativas e visuais – isto especialmente fora das grandes metrópoles onde já existe, em geral, uma intensa e diversificada oferta, rotinas culturais mais enraizadas e um universo mais alargado de potenciais destinatários. Sabemos que quer os diálogos interdisciplinares, as linguagens digitais e outras abordagens com incidência tecnológica e a própria natureza inclassificável, experimental e inusitada de muitas das manifestações artísticas contemporâneas de um lado, quer as tendências de inspiração revivalista e de questionamento/reinvenção da tradição/ cânone do outro, quer ainda os projectos culturais colaborativos/participativos assentes em desafios criativos lançados à comunidade constituem, sem dúvida, três tipos de ingredientes que exercem uma forte atractividade junto das camadas mais jovens. Também existe a consciência de que esse público-alvo é complexo e heterogéneo do ponto de vista dos perfis, gostos e motivações que o compõem, estando muita vezes compartimentado em segmentos/minorias (flutuantes, mutáveis) associados a dada(s) área(s), estilo(s), moda(s) ou personalidade(s) artísticos (por exemplo, os adeptos do cinema, os seguidores do heavy metal, os entusiastas dos formatos mais herméticos e conceptuais, os fãs da coreógrafa x ou y, etc.) e/ou em atitudes de cariz mais individual e idiossincrático, não necessa-
Os (outros) públicos da Cultura: novos caminhos para maior diversidade e inclusão riamente alinhadas com um colectivo(s) mais ou menos expressivo(s). No caso do Algarve existe uma realidade, à partida minoritária, que tem vindo, paulatinamente, a ganhar um espaço crescente no seu panorama cultural, a qual engloba galerias de arte, colectivos artísticos, grupos informais tertuliantes e outras estruturas privadas como, sobretudo, bares, quintas de turismo rural e tapas & wine houses, que desenvolvem, com maior ou menor regularidade e consistência, actividades em torno das artes plásticas/ visuais, música, performance, literatura, etc., e que apostam, muitas vezes, em conteúdos, formatos e estratégias que muitas entidades públicas não privilegiam – isto ainda que já se note igualmente, em vários casos, uma colaboração/ parceria, que se desejaria mais habitual e ambiciosa, entre estas e esses agentes. Parece-nos fundamental o papel desses “pequenos” actores da cena cultural enquanto focos de criatividade, experimentação, intervenção-reflexão, aglutinação e difusão/promoção, os quais investem mais em nichos de público/minorias (captando também, aqui e ali, por arrasto, franjas de destinatários mais generalistas) e funcionam como precioso e urgente contrapeso (questionando, ousando, arriscando)
da oferta dominante proporcionada pelos equipamentos culturais públicos. Quando se olha para as propostas culturais emanadas das câmaras municipais da região a oferta cultural que aposta em segmentos específicos de público e que privilegia formatos não massificados tem, no cômputo geral, um carácter ainda residual (há excepções, obviamente). Essa discrepância é igualmente visível na questão da menor aposta (mais visível nuns concelhos do que noutros) em determinadas áreas artísticas como a dança contemporânea, a performance ou o cinema, isto quando comparadas com o campo da música ou mesmo do teatro, que continuam a ser claramente hegemónicos. Não obstante este quadro geral, deixamos dois exemplos (outros haveria) de realidades urbanas/cidades que, não obstante também apresentarem, como é natural e legítimo, outro tipo de ofertas, têm vindo igualmente a afirmar-se de forma gradual – o tempo e a resiliência são, nestes casos, fundamentais – no que concerne ao florescimento de projectos e dinâmicas culturais minoritários/alternativos, emanados de estruturas associativas e outros privados, que procuram ir ao encontro de velhos e novos públicos (esquecidos, perdidos, dispersos): Lagos e Faro. Em Lagos destacamos a es-
trutura de criação e difusão artística transdisciplinar casaBranca, fundada pela dupla Ana Borralho & João Galante e Mónica Samões em 2006, e que aposta em projectos de pesquisa, formação e criação que potenciam o desenvolvimento e circulação do pensamento artístico. Esta estrutura organiza o Festival Verão Azul (desde 2011), porventura exemplo único na região de um evento anual, em formato de festival, que aposta clara e inequivocamente, como foco principal (e não como componente residual ou secundária, de que existem vários exemplos), na criação contemporânea, no experimentalismo e na multidisciplinaridade, e cuja edição de 2015 se alargou, pela primeira vez, a Faro e Loulé. Ainda em Lagos, uma alusão inevitável ao LAC – Laboratório de Actividades Criativas, formado em 1995 e sediado na antiga cadeia da cidade, o qual tem-se dedicado continuamente à promoção da criatividade em vários quadrantes artísticos e em especial à área da formação, implementando ainda em 2008 um programa de residências artísticas (PRALAC) e, mais recentemente, em 2011, a 1.ª edição do ARTUR – Artistas Unidos em Residência (projecto de arte urbana). Faro: observa-se, aos poucos, que a cidade tem vindo a (re) potenciar-se e reinventar-se culturalmente devido quer à
dinâmica e criativa massa crítica que efectivamente nela existe em várias áreas, quer também muito como resposta positiva e alternativa à crise e, assim, à visível maior dificuldade da autarquia em apoiar financeiramente e não só os agentes e projectos locais, nomeadamente de cariz associativo, o que acabou por fazer com que a própria cidade espreitasse mais para o seu potencial interno, para o que realmente tem dentro de casa. O DeVIR/CAPa, por exemplo, tem desenvolvido um longo e consistente trabalho de formação, programação e difusão das artes performativas desde 1994, destacando-se também o seu programa de residências de criação iniciado em 2001. Uma alusão também a vários projectos culturais ancorados em organizações associativas e edifícios “históricos” da cidade, que fundem passado e futuro e valorizam/divulgam os criativos da região e outras propostas diferenciadoras, juntando em seu redor novos públicos muito por acção dos seus renovados mentores e dos seus respectivos círculos de amizade e redes de envolvimento e influência sociais: Sociedade Recreativa Artística Farense, Club Farense, Palácio do Tenente (revitalizado desde 2013) ou Ginásio Club de Faro (relançado em 2015). Na área da música e da difusão de uma oferta fora do mains-
tream, também é inevitável a referência a entidades como, entre outras, a Associação Recreativa e Cultural de Músicos (ARCM, fundada em 1990), a Associação Grémio das Músicas (desde 2001) e a Associação Filarmónica de Faro (surgida em 1982), que têm tido um papel muito importante na área da formação e educação artísticas, mormente junto dos mais jovens. Uma palavra, por fim, para três projectos farenses que também insistem numa intervenção cultural fora dos grandes circuitos e tendências massificados, procurando captar e formar novos públicos: a ArQuente, que tem apresentado, desde 2003, um relevante e questionador trabalho na linha de um teatro mais performativo (e não clássico) que dialoga com a dança, a fotografia e o vídeo, mas também apostando em boas surpresas da nova música portuguesa (de que são exemplo os seus “Concertos ao entardecer”) e ainda noutros formatos ligados à literatura; a Policromia, fundada em 2001 e que em 2015 se fixou no Mercado Municipal de Faro (onde tem a sua sede/atelier e uma galeria de arte, a Farpa Lab), cujo colectivo de artistas se foca sobretudo na difusão das artes visuais apresentando propostas verdadeiramente desassossegadoras e inquietantes; e a Tertúlia Algarvia (surgida em 2013) enquanto projecto ousado, neste caso empresarial, que tem promovido a cultura do Algarve cruzando tradição e contemporaneidade, e que, nesse âmbito, tem desenvolvido inúmeras parcerias com outros agentes da região. O escritor Henry David Thoreau dizia que se um homem marcha com um passo diferente do dos seus companheiros é porque ouve outro tambor. Serão quase sempre esses “tambores” inquietantes, incómodos e inesperados, diferentes da marcha generalizada, automatizada e consensual, que poderão atrair esses outros públicos “perdidos” para os palcos da Cultura. Porque o que importa mesmo, para quem cria e/ou programa, é esse comprometimento com a defesa da singularidade e a persistência “violenta”, “mesmo que” por vezes utópica, nessa direcção.
Cultura.Sul
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O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N
Fevereiro 15 de março, no horário 9-13 / 14-17.
Fernando Cabrita
a esboroar o vento enraivecido carne virgem de um poema por acabar na morte súbita da poesia, inventariaram-se as palavras afectadas pelas emoções vazantes aquelas palavras que ainda respiram, exauridas rasgadas na sua glória as palavras que recusam a passagem pelo crivo decisivo do esquecimento, do anonimato as chagas dos discursos não poéticos depósitos de vaidades nos corais quebradiços as palavras que demoram nos arabescos dos dedos o silêncio não se incluiu na lista
Viviane Pedro Jubilot
pedromalves2014@hotmail.com canalsonora.blogs.sapo.pt
Prunus Dulcis fotos: d.r.
«Entre Amigos», será o primeiro concerto de Viviane, enquanto ‘Artista Figuras’ (teatro municipal) 2016. Neste concerto, Viviane irá fazer uma retrospetiva do início da sua carreira, apresentando uma viagem musical através dos grupos e projetos em que participou: Entre Aspas, Camaleão Azul e ainda Linha da Frente. A acompanhá-la nesta viagem estarão vários amigos convidados: a primeira e a segunda formação dos Entre Aspas, a formação do projeto Camaleão Azul, e nomes destacados do atual panorama musical algarvio como Gaijas, Nome, Ludo, Mundopardo, Funkarmónica, Diogo Piçarra, Tércio Nanook e ainda os DJ's Lord Vegan, Gijoe e Helena Isabel. A seguir ao concerto de 26 de março terá lugar uma “After Party” no foyer do Teatro das Figuras.
De Marim Escreveu Mário Claúdio: «soletremos sempre a palavra azul. apegados à terra. até que floresçam as amendoeiras(...)» Pouco tem chovido, mas finalmente começa a despontar a flor branca, levemente rosada na ‘prunus dulcis’- árvore de pequeno porte, que se expandiu pela bacia do mediterrâneo, cultivada devido à importância do seu fruto - a amêndoa. Encontra-se sobretudo no barrocal, mas também no litoral algarvio, fazendo assim jus à bonita lenda do rei árabe, que mandou plantar amendoeiras em redor do palácio, para que a princesa, ao ver os campos brancos (em flor) não suspirasse mais pelo rigor dos invernos (de neve) do norte europeu.
Adília César
Para Além do Branco
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Não há uma razão melhor que as outras para nos conduzir até à sede do Ciipc em Santa Rita. Mas ver os deslumbrantes trabalhos de Filipe da Palma ao vivo – fora da rede social facebook – é sem a menor dúvida uma grande razão para tomar a EN 125 a caminho de V. R. Stº António. A exposição de fotografia «Para Além do Branco», inaugurou a 4 de fevereiro e pode ser visitada até
Depois do êxito que foi a sua conferência «Portugal, Espanha e os Sefarditas» no Consulado Geral de Portugal em Sevilha, em que desenvolveu os temas da intolerância, da perseguição e do exílio, que já havia apresentado no brilhante livro bilingue de poesia «Lejos de Sefarad/Longe de Sefarad», - o escritor algarvio Fernando Cabrita foi o poeta português convidado oficialmente pela direção do evento a participar no Festival internacional de Poesia de Marraquexe em abril de 2016, sob o signo «Criatividade… Liberdade e Paz». E é assim… a cena literária algarvia a expandir-se.
Dispostos na concisa açoteia do chalé de Marim soletramos a gramática desdobrável da inconstância juvenil, de fazer vibrar as pequeninas ilhas, emergindo, brancas, silenciosas, com o farol de santa maria aos olhos e o louco sonhar de João Lúcio nas mãos. Ensaiamos desde logo o que é simples, perene, remoto ou devir. Inferimos em coisas como o viver de agora, o abarbar da perfeição em silêncio de água, o complanar do amor puro e eterno, aspergido mesmo se platónico. Arriscamos depreender que as dicotomias do sul são de toda a parte e nunca se antagonizam, mas antes completam os ciclos de luz, calor, sol, serra, nascente, vida -- sombra, brisa, noite, mar, poente, morte… “VIAGENS, EPIFANIA DA COR” Até 27 FEV | Galeria do Convento do Espírito Santo - Loulé Guilherme Parente remete-nos para um universo do maravilhoso e da utopia onde a cor é a própria viagem, numa dualidade entre a realidade e a imaginação
A editora Lua de Marfim sediada na Amadora tem apostado recentemente em edições de autores do Algarve. E já no final de Janeiro anunciou a estreia desta autora de Lagos, residente em Faro, com o livro «o que se ergue do fogo», que abre com o poema: inventário a poesia morreu subitamente no pensamento do poeta condenado a amassar-lhe o corpo e nos olhos que a comem a chorar vejam os poemas de pedra, indigestos no preciso momento em que as palavras mastigadas se tornam herméticas e inúteis, aos gritos despejadas e reverberadas nas bocas que se crêem deuses nas alturas, sem paz nesta terra de poetas as palavras transformam-se dispostas nas linhas enroladas de um processo mental desorganizado, apenas ecos transumâncias espaciais na interioridade dos sujeitos intervenientes sombras do desgosto ingénuo e salitroso longe do mar sem fim e sem destino sons inconcebíveis e desconexos da agonia a dobrar o cabo do medo
sentiu a vergonha de ser réstia, sozinho e inconsolável a perder-se nos confins do mundo e nas mãos do poeta o peso da cobardia a amachucar a fina folha de papel a enormidade da perda, a imensidão do mar conspurcado pelo não-ser, o não-saber, o não-querer a dádiva das palavras sobreviventes, dimensionadas talvez num possível poema sobre a morte súbita ou outra morte qualquer a morte é sempre morta e perfeita ainda que a poesia não seja coisa viva no inventário o silêncio redigiu a seguinte declaração que dedicou à poesia, em modo de epitáfio: “da próxima vez que morreres, suicido-me contigo talvez assim tu percebas que gritei de todas as vezes que morreste”
Guadiana É agora um rio que já não serve de muro, que é uma água de ninguém, para ligar as pessoas. Por isso existem obras como «Poesia Jovem do Baixo Guadiana» uma antologia poética bilingue, que reúne 13 jovens poetas, portugueses e espanhóis, da nova geração, que reforma a esperança na continuação da cooperação transfronteiriça e a certeza num amanhã construído de relações interculturais que juntam povos através de textos poéticos.
Todos Todos deveríamos ter tido uma vida maravilhosa e poder cantá-la, sem precisar de nos escondermos ou andarmos a correr nela. Mas a pintar e escrever a poesia desses dias. Ou pelo menos ter tido quinze minutos de fama. Só para depois continuarmos a tentar sobreviver às canções e imagens que pareciam ter sido feitas para nós. Mesmo se nunca o são como tínhamos imaginado.
“ANDANÇAS & CANTORIAS” 11 FEV | 18.30 | Teatro das Figuras - Faro Afonso Dias e Teresa da Silva apresentam um espectáculo de música tradicional portuguesa, que pretende contribuir para a divulgação da genuína música de raiz tradicional
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Cultura.Sul
Espaço ao Património
Ficha Técnica:
Os Cristos Mortos do Algarve como nunca antes vistos Marco Lopes
Diretor do Museu Municipal de Faro
Impõe-se uma nota preliminar antes de prosseguir com a redação do texto. O autor deste artigo é tão cúmplice neste projeto quanto outras pessoas que devem ser aqui mencionadas: Daniel Santana, historiador de arte na Câmara Municipal de Tavira, Jorge Pereira, médico-radiologista, e Francisco Lameira, professor na Universidade do Algarve. A todos estes nomes, cada um no ofício que melhor sabe, cabe uma tarefa que pode virar uma página importante no conhecimento do património artístico e religioso algarvio. A constituição do grupo de trabalho, multidisciplinar na sua formação, demonstra que o olhar sobre o património deixou de ter apenas um ponto de vista. Hoje já não conta apenas ter a história de arte como recurso na observação de uma peça e na elaboração da sua respetiva ficha de inventário. Pode ser insuficiente. Existem outras técnicas e ferramentas, à partida estranhas em assuntos ligados ao património, extremamente úteis e valiosas. A radiologia é uma delas e que tem um peso fundamental no sucesso deste empreendimento. Um exame radiológico a um bem cultural pode ser uma verdadeira caixa de surpresas. Através dele acedemos a um conjunto de dados sem que a peça tenha de ser sacrificada na sua integridade física. Ficamos a conhecer detalhes do seu estado de conservação, pormenores da sua técnica construtiva, aspetos de antigas intervenções de restauro e até características dos materiais usados. Todo este manancial de informação pode ser obtido para os Cristos Mortos ou qualquer outra peça artística. Mas centremo-nos por agora nos Cristos Mortos e
nas quase quatro dezenas de imagens espalhadas pelo Algarve. Exceto nos concelhos de São Brás de Alportel e de Vila Real de Santo António segundo o estudo de Francisco Lameira dedicado à imaginária e à talha algarvia. A escolha desta representação da figura de Cristo deve-se desde logo à facilidade de transporte, mas também à sua adaptação sem dificuldades aos aparelhos radiológicos e aos procedimentos dos exames de uma TAC. Por outro lado, estamos perante uma imagem que na maior parte do calendário religioso se encontra discreta e que apenas na Páscoa ganha protagonismo nas procissões do Enterro do Senhor. Está pois ligada à história, às tradições religiosas e à cultura cristã desta região. São figuras de grande carga simbólica e de enorme dramatismo, como de resto se pretendia dar esse efeito junto dos fiéis, sobretudo numa jornada em que se exigia compaixão e dor. Existem de diferentes tamanhos, umas datadas e de autores conhecidos, outras sem data e de artistas anónimos. Umas mais aprimoradas do ponto de vista estético, outras com um recorte mais modesto. A
Direcção: GORDA Associação Sócio-Cultural Editor: Ricardo Claro fotos: d.r.
Imagem está ligada à cultura cristã da região maioria em madeira e um caso único em papier machê na Misericórdia de Tavira. Algumas articuladas nos ombros e outras sem qualquer rotação nos seus membros. Prevalece no entanto em todas elas a figura jacente em corpo inteiro de Cristo na sua dimensão humana, sem
vida, ferido e ensanguentado desde a cabeça até aos pés. Vão estar em cima da mesa diferentes componentes de estudo e entendimento destas imagens. O plano de investigação, que vai guiar a ação deste grupo de trabalho e que no futuro se espera resul-
A radiologia permite aceder a um conjunto de dados sem sacrificar a peça
tar numa publicação, inclui pontos como a análise da fortuna histórica e estética destas obras, as oficinas de escultura, os mestres e as clientelas, os rituais da quaresma e as procissões do Senhor Morto (numa clara alusão ao património cultural imaterial), o exame radiológico, a intervenção de restauro e o catálogo. Um retrato que se estima bastante completo e que introduz uma leitura totalmente inédita na apreciação do património religioso algarvio. Até hoje aquilo que se conhecia dos Cristos Mortos resumia-se ao que a vista nos facultava e também a alguma documentação identificada nos arquivos. Com a Radiologia não nos ficamos apenas pela aparência do corpo e pelo estado físico do Cristo. Conseguimos perceber como foi construído, se está deteriorado no seu interior, se tem mazelas antigas e que materiais lhe dão sustento. Podemos levantar questões e até colocar em causa tudo o que se tinha dado como garantido sobre a data ou o estilo da peça. Mas tudo baseado em factos e provas fidedignas e concretas, sem espaço para grandes especulações ou suspeitas. Embora as existam e vão continuar a perseguir, mas o campo de interrogações reduz-se significativamente com o apoio desta ciência. Temos pois aqui uma oportunidade de nos distinguirmos e de nos posicionarmos enquanto região num lugar cimeiro no estudo do património cultural. Não é por acaso que toda a região está aqui convocada a dar o seu contributo entre autarquias, museus, paróquias e diocese. Todos são fundamentais e o Algarve só fica a ganhar com planos inovadores, inéditos e inspiradores, revelando a sua arte e a sua história num quadro nunca antes visto. Abre-se um novo caminho na investigação do património cultural, no diagnóstico do estado de conservação dos bens artísticos e na organização de projetos museológicos. Um exemplo a seguir e que pode criar outras frentes de trabalho.
Paginação e gestão de conteúdos: Postal do Algarve Responsáveis pelas secções: • Artes visuais: Saul de Jesus • Espaço AGECAL: Jorge Queiroz • Espaço ALFA: Raúl Grade Coelho • Espaço ao Património: Isabel Soares • Da minha biblioteca: Adriana Nogueira • Grande ecrã: Cineclube de Faro Cineclube de Tavira • Juventude, artes e ideias: Jady Batista • Letras e literatura: Paulo Serra • Missão Cultura: Direcção Regional de Cultura do Algarve • Momento: Ana Omelete • O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N: Pedro Jubilot • Panorâmica: Ricardo Claro • Sala de leitura: Paulo Pires • Um olhar sobre o património: Alexandre Ferreira Colaboradores desta edição: Dário Agostinho Marco Lopes João Pedro Baptista José Barradas Parceiros: Direcção Regional de Cultura do Algarve, FNAC Forum Algarve e-mail redacção: geralcultura.sul@gmail.com e-mail publicidade: anabelag.postal@gmail.com on-line em: www.postal.pt e-paper em: www.issuu.com/postaldoalgarve
facebook: Cultura.Sul Tiragem: 7.582 exemplares
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Cultura.Sul
Da minha biblioteca
A Agência de Viagens Lemming, de José Carlos Fernandes foto: d. r.
Adriana Nogueira
Classicista Professora da Univ. do Algarve adriana.nogueira.cultura.sul@gmail.com
Autor usa humor e ironia nas histórias
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Em janeiro de 2011, escrevi nesta secção do Cultura.Sul, a propósito de um outro autor (Rogério Silva) e a questão do regional na literatura: «Tudo aconteceu há uns anos, quando procurava o último livro de José Carlos Fernandes (insigne autor de banda desenhada que, por acaso, é de Loulé, e de quem hei-de falar neste espaço). A situação foi a seguinte: tinha-me dirigido a uma livraria em Faro, daquelas que pertencem a uma cadeia de livrarias, e perguntei se tinham o referido livro (devia ser um dos volume de A Pior Banda do Mundo). Como a funcionária não estivesse a localizar o autor, eu acrescentei ‘ele até é daqui, de Loulé’. Foi então que ouvi a resposta mais espantosa: ‘Ah, então não temos. Nós não temos escritores regionais’». Cumpro, então, o prometido, e hoje escrevo sobre o grande José Carlos Fernandes (um autor internacional), que viu pu-
blicado, finalmente, o seu livro A Agência de Viagens Lemming. Digo «finalmente», porque a edição já existia em espanhol, mas não em português. Os que tiveram a sorte de acompanhar as tiras que foram saindo, em 2005, no Diário de Notícias podem agora lê-las reunidas num único volume, dividido em duas partes: «Dez mil horas de ‘jet lag’» e «A síndrome da classe turística». José Carlos Fernandes (JCF) – biografias A biografia de JCF encontra-se em vários sítios na Internet, que nos dizem que é Engenheiro do Ambiente, que foi assistente na Universidade Nova de Lisboa e que recebeu uma Bolsa de Criação Literária do Ministério da Cultura (quando as havia), a par de nomes como Mário de Carvalho, Luísa Costa Gomes, Maria Velho da Costa, José Luís Peixoto ou Adília Lopes). Todos des-
tacam a sua obra mais conhecida, a série de seis livros intitulada A Pior Banda do Mundo (edição da Devir), que recebeu vários prémios (logo desde o início, tendo os dois primeiros volumes, O Quiosque da Utopia e O Museu Nacional do Acessório e do Irrelevante sido considerados o «Melhor Álbum Português» pelo Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora – FIBDA – em 2002 e em 2003). Mas o autor diverte-se a criar biografias delirantes, misturando a sua com a das personagens. Neste A Agência de Viagens Lemming, diz-nos que «nasceu em Loulé em 1964 […]. Tinha apenas 13 anos quando, aproveitando uma episódica ida com a família a Ayamonte, para comprar caramelos, se meteu a caminho por sua conta, arranjando trabalho numa traineira espanhola que se dedicava ao contrabando com o Norte de África. O apresamento da embarcação pelas autoridades marroquinas valer-lhe-ia alguns dias de prisão, mas não tardou a evadir-se, oculto num
“PINTURA DE CASSIANO LIMA” Até 29 FEV | Galeria Pintor Samora Barros - Albufeira O autor é apaixonado por pintura há mais de 20 anos, contando no seu curriculum com várias exposições individuais e colectivas em Portugal e no estrangeiro
carregamento de estrume de dromedário», fazendo lembrar, pela precocidade da fuga, As Aventuras do Barão Wrangel (Devir 2003): «terá nascido em 1934 num remoto povoado algarvio, no seio de uma família modesta. Embarcado aos 13 anos, primeiro num barco de pesca de atum, depois num bacalhoeiro, logo aproveita uma escala na Terra Nova para desertar». O feitiço de José Carlos Fernandes Acompanho a obra de JCF há vários anos. Vi um dia, em casa de um amigo de um amigo (aquelas casas aonde, normalmente, não mais voltamos), um desenho seu emoldurado. O dono da casa esclareceu-me sobre o autor e o fascínio que por ele sentia e eu fiquei cheia de vontade de ler e ver mais trabalhos seus. Por sorte, não muito depois, pude visitar uma exposição de pranchas da sua autoria, em Loulé, e fiquei encantada. Mas só depois de conhecer o seu
trabalho mais profundamente é que percebi uma crítica lida, algures, num jornal espanhol, que dizia algo como que a escrita de JCF era ainda melhor do que os seus desenhos. Não se espantem, pois, os leitores pela abundância de adjetivos neste texto. Não sou só eu que pensa assim. O desafio que JCF faz à nossa cultura é quase viciante. No Centro Belga de Banda Desenhada, onde a sua obra esteve em exposição em 2009, dizia o site: «the Belgian Comic Strip Centre is delighted to welcome the superb José Carlos Fernandes into its gallery». O que vou dizer parece uma contradição, mas há, na simplicidade dos desenhos, quase monocórdicos, uma expressividade enorme moldada pelo texto escrito. A leitura de JCF é um desafio constante à nossa atenção. A Agência de Viagens Lemming Apetecia-me escrever sobre tantos livros de JCF que tenho na minha biblioteca (como o lindíssimo Coração de Arame, Devir, 1997), mas talvez o faça numa próxima vez. Agora vou tentar restringir-me a este último, que foi um prazer para os sentidos e para a inteligência. As pranchas são compostas por duas tiras, de duas (às vezes três) vinhetas. As histórias que o agente de viagem conta ao senhor Zoloft são todas em tons de laranja. As conversas que os dois têm na agência, têm o fundo deste mesmo tom, mas ambos estão desenhados e pintados em tons de azul metálico. As histórias reúnem duas ou mais pranchas sob nomes que remetem para o assunto que nelas é tratado, com humor e ironia, que aliviam a crítica que é feita ao que nos rodeia e ao
Desenho do autor que nem sempre damos conta (como «Hrabal e a reciclagem, de papel», onde se indica uma lista quase infindável de situações em que o papel é usado, p. 85; ou «As novas Pompeias», sobre cidades que se descaracterizam, «soterradas pela erupção do progresso», p. 109). Neste livro, as referências culturais nem são das mais complicadas (foram pranchas desenhadas para sair no verão, onde se esperariam assuntos mais leves. Noutros volumes, o autor agradece a autores tão díspares como F. Nietzsche, T. Adorno, H. Melville, Heraclito ou F. Pessoa). O mais delirante aqui são as conexões que podemos fazer ao lermos os desenhos (que é para onde os nossos olhos primeiro se viram e têm sempre muito a que prestar atenção), o texto das legendas e o das vinhetas. Todos se completam, todos dão um sentido, mesmo quando, por vezes, são antitéticos. Sentimo-nos desafiados pelos nexos que conseguimos fazer entre aquele mundo com nomes estranhos (como Gibil, Citronovy, Sliz, Gallupi) e o nosso conhecido. Uma grande vantagem destes livros de José Carlos Fernandes é que podemos voltar a lê-los e encontrar sempre uma coisa que antes nos tinha passado ao lado. A eterna descoberta.
“JE SUIS CORDES” 6 FEV | 18.00 | Teatro das Figuras - Faro Rui Sinel de Cordes traz ao Algarve o seu espectáculo ao estilo de stand-up comedy. Mais uma noite épica de rock’n’roll em forma de comédia
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