CULTURA.SUL 98 - 9 DEZ 2016

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RICARDO CLARO

Espaço ALFA D.R.

Prémio Maria Veleda:

José Louro

vê reconhecida uma carreira de mérito

‘Aam Aadmi, o homem comum’ em mostra na ALFA p. 2

p. 7

Espaço ao património: FILIPE DA PALMA

O Turismo de Cruzeiros e a valorização do património

p. 8

Sala de leitura: INÊS D’OREY

Andermatt e o mantra da memória reinventada

CRISTÓVÃO FONSECA

/ CHAM

p. 10

Da minha biblioteca: D.R.

DEZEMBRO 2016 n.º 98 Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o PÚBLICO

A Ira das Fúrias, de Steven Saylor p. 11

7.709 EXEMPLARES

www.issuu.com/postaldoalgarve

Vestígios arqueológicos do Rio Arade:

um património a potenciar p. 9


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09.12.2016

Cultura.Sul

Editorial

Missão Cultura

Cai o pano sobre o 2016 cultural no Algarve

Da necessidade de um Plano Regional de Investigação na área das Ciências e Técnicas do Património Direção Regional de Cultura do Algarve

Ricardo Claro

Editor ricardoc.postal@gmail.com

AGENDAR

Encerra-se este mês o ano de 2016 e com ele cai o pano sobre o ano cultural regional. Recheado de muitas e boas opções culturais ao longo de todo o ano, 2016 deixa marcas pelas mais variadas razões na área da cultura. Antes de mais, porque a oferta cultural foi a maior em diversidade e extensão dos últimos anos. Depois do aperto imposto pelos sucessivos anos de crise às autarquias, estas que são as maiores investidoras na programação e oferta cultural no Algarve regressam paulatinamente à programação que faz com que a região tenha sempre muito para ver, fazer, ouvir e conhecer. Depois, porque a criação do 365 Algarve, o programa do Turismo de Portugal em parceria com a Secretaria de Estado da Cultura, promete uma época baixa deste final de ano e início do próximo com uma programação consistente e capaz de fazer face à sazonalidade da cultura na região e ajudar a combater o mesmo destino madraço na área do turismo. E, finalmente, de entre outras tantas coisas que haveria para destacar, porque José Louro encerra o ano distinguido com o Prémio Maria Veleda de 2016. O professor Louro vê assim reconhecido, pela Direcção Regional de Cultura e por unanimidade de um júri de notáveis, um percurso recheado de virtudes e de dedicação à arte do teatro. Merecido e devido o reconhecimento de José Louro é um fecho com chave de ouro de um 2016 cultural que se espera seja percursor de anos vindouros tão bons ou melhores. 

Nas duas últimas décadas fomentou-se na região a eficácia dos procedimentos de salvaguarda dos bens culturais, seja no âmbito dos Instrumentos de Gestão Territorial, seja mediante a aplicação de medidas de minimização e compensação decorrentes da Avaliação de Impacte Ambiental, seja em contexto de reabilitação urbana. A DRC Algarve contribui ativamente para a definição da estratégia regional de intervenção no património e para o estabelecimento de prioridades da sua salvaguarda e socialização, tendo entre as suas atribuições a elaboração do Plano Regional de Intervenções Prioritárias (PRIP) nos bens culturais. Em estreita cooperação com a DGPC, atualiza-se o atlas do património classificado e monitoriza-se o seu estado de conservação, identificando situações de risco, estabelecendo prioridades de intervenção e definindo investimentos. Esta metodologia tem privilegiado o diálogo com os Municípios, facilitando uma ação regional

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concertada, e nela se baseou o mapeamento de investimentos do PO CRESC Algarve 2020 no domínio do património cultural. Dos procedimentos de salvaguarda resulta a produção de conhecimento científico sobre os lugares, os territórios e as sociedades. Ele é indispensável para que estes sejam espaços de reconhecimento coletivo, onde a socialização da informação sobre o passado constitua um obstáculo à perda de identidade. Parece pois necessário alinhar o PRIP com a Estratégia Regional de Investigação e Inovação para a Especialização Inteligente (RIS3), reforçando a investigação, o desenvolvimento tecnológico e a inovação no domínio das ciências e técnicas do património. E, nessa medida, ir além da vertente de salvaguarda, dotando-o de uma vertente de investigação e qualificação profissional aplicada ao património e contribuindo para, com o imprescindível contributo das Universidades, fazer convergir no desenvolvimento regional domínios como a História da Arte, o Urbanismo, a Arqueologia, a Museologia, a Gestão Cultural ou a Conservação e Restauro. Já em 2007, as orientações estratégicas de base territorial

A salvaguarda dos bens culturais é a grande prioridade da DRC Algarve

do Plano Regional de Ordenamento do Território (PROT) do Algarve definiam como objetivos a qualificação das condições de conhecimento do património e da sua valorização, o aprofundamento da articulação património/ educação e investigação e a consolidação da articulação entre património, ambiente e desenvolvimento sustentável. De acordo com as orientações estratégicas da RIS3 e do PROT, julga-se que o PRIP se deve arrogar um contributo para a definição de linhas de investigação na área das ciências e técnicas do património, abordando problemáticas de relevância regional numa perspetiva sociohistórica (diacrónica), tais como as transformações urbanísticas, as estratégias de aproveitamento da terra e os assentos de lavoura, a relação das comunidades com o mar e os seus recursos, ou a inovação nas técnicas e materiais de construção, promovendo abordagens pluridisciplinares em projetos de I+D+i. Um esforço regional de construção e partilha de conhecimento, que depende de vários organismos e instituições mas fundamental para a agenda de investigação e desenvolvimento na nossa região. 

Juventude, artes e ideias

Banda Filarmónica 1º De Dezembro

Jady Batista Coordenadora Editorial do J

A Banda Filarmónica 1° de Dezembro de Moncarapacho, que

comemora o seu 154º aniversário, tendo sido fundada a 1 de dezembro de 1862 pelo pároco da freguesia, Prior Simas. Em 1953, a Banda foi forçada a parar a sua actividade durante cinco anos, mas, graças à vontade e ao esforço dos músicos, voltou a sair à rua em Dezembro de 1958. A 28 de julho de 2006 constituiu-se como Associação Cultural Sem Fins Lucrativos

e actualmente, presidida por Amarilo Alves, é composta por 30 elementos não profissionais, de todas as idades, dirigidos pelo Maestro Luís Rodrigues. Ao longo da sua carreira muitos foram os momentos de destaque, como a participação na Grande Exposição do Mundo Português, em 1940, ou no 1° Concurso Nacional de Bandas Civis, em 1960. No dia 16 de ju-

“(RE)IN(S)SURREIÇÃO” ATÉ 15 ABR 2017 | Casa do Povo de Santo Estevão - Tavira As obras de Margarida dos Santos (pintura e desenho) ‘falam-nos’ sobre os processos metamórficos que nos acontecem continuamente

nho de 2012 foi agraciada com a medalha de mérito - Grau Ouro pelo Município de Olhão. Com participação regular em eventos nacionais e internacionais, possui um reportório actual, integrando bastantes medley's, música de cantores da actualidade e com popularidade, tais como: Adele In Concerto, Xutos, António Variações, Tony Carreira, Frozen, We Are The World, Game

of Thrones… A Banda conta ainda com uma Escola de Música com aulas de formação musical, solfejo e aprendizagem de instrumentos de sopro ou percussão. As parcerias com a Câmara de Olhão e as Juntas de Freguesias do concelho são essenciais à manutenção desta que é talvez a mais antiga entidade do concelho em actividade. 

“PRESÉPIO TRADICIONAL EM CORTIÇA” ATÉ 11 JAN | Junta de Freguesia de S. Marcos da Serra - Silves Alzira Cabrita expõe mais de uma dezena as peças, desde a adoração do menino à chegada dos Reis Magos, passando pela representação de monumentos e cenas do quotidiano


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Grande ecrã Cineclube de Faro

Cineclube de Tavira

Programação: cineclubefaro.blogspot.pt

Programação: www.cineclubetavira.com 281 971 546 ¦ cinetavira@gmail.com

IPDJ - FARO 10 DEZ ¦ 17 HORAS ¦ PELA RAINHA, John Boorman, GB/IE/FR/RO, 2014, 115’, M/12

SESSÕES REGULARES ¦ CINE-TEATRO ANTÓNIO PINHEIRO ¦ 21 HORAS

15 ¦ DEZ ¦ AS MIL E UMA NOITES: VOLUME 3, O ENCANTADO , Miguel Gomes, PT, FR, DE, CH 2015 - M/14 - 125 min.

10 DEZ ¦ DECRECIMIENTO, DEL MITO DE LA ABUNDANCIA A LA SIMPLICIDAD VOLUNTARIA, Luis y Manuel Picazo Casariego, Documentário – ES 2015, 1ª sessão - 53 min. - V.O. em GB – Leg. em GB, 2ª sessão - 89 min. - V.O. em ES – Leg. em PT

13 DEZ ¦ 21.30 HORAS ¦ CEMITÉRIO DO ESPLENDOR, Apichatpong Weerasethakul, TH/RU/ DE/FR/MY/KR/MX/EUA/NO, 2015,122’,M/14

17 DEZ ¦ CURTAS-METRAGENS FRANCESAS E PORTUGUESAS

Espaço AGECAL

Ria Formosa: patrimonio natural e cultural que merece ser mundial

Jorge Queiroz Sociólogo; Presidente da Direcção da AGECAL

A Ria Formosa é uma preciosidade do Algarve, a mais importante zona húmida de Portugal. Possui ilhas-barreira, canais, esteiros, dunas e sapais, uma variedade enorme de fauna e flora. A Ria Formosa integra 16.300 hectares com 55 quilómetros de extensão ao longo do litoral, abrangendo cinco municípios, do Ancão a Cacela. Cerca de 90 % desta área está classificada como Parque Natural e em 1987 foi instituído o Parque Natural da Ria Formosa pelo DL nº 373/87 de 9 de dezembro com objectivos de conservar ecossistemas e habitats, a flora e fauna. A Convenção de Ramsar assinada no Irão a 2 de Fevereiro de 1971 representou um compromisso internacional para a cooperação, gestão racional e

sustentável das zonas húmidas. De acordo com esta Convenção, “entende-se por zonas húmidas as áreas de sapal, paul, turfeira, ou água, sejam naturais ou artificiais, permanentes ou temporários, com água que está estagnada ou corrente, doce, salobra ou salgada, incluindo águas marinhas cuja profundidade na maré baixa não exceda seis metros”. As “zonas húmidas” são as mais produtivas da biosfera, garantem biodiversidade, água potável, alimentos, previnem cheias e armazenam dióxido de carbono, bem-estar das comunidades. Estima-se que 700 milhões de pessoas em todo o mundo dependam economicamente destas áreas especiais. A vegetação do sapal “vivo” tem ação depuradora pela absorção e fixação de metais pesados e pode reduzir alguma poluição. Acolhe milhares de aves que nele habitam e nidificam, migradoras de longas distâncias vindas do Norte da Europa - como a tarambola cinzenta, o pato-trombeteiro, o maçarico-real, o pilrito, o marrequinho…, que necessitam destes locais para descanso e alimentação. A Ria é maternidade e habitat de cerca de 120 espécies identificadas, charrocos, cabozes, cavalos-marinhos, sargos, espécies migradoras como a safia,

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o robalo, a dourada e outras ocasionais como a anchova. Na oferta de moluscos a Ria Formosa representa 80% das exportações do País. A pesca artesanal e o marisqueio, a agricultura e outras actividades produtivas, como a extracção do sal, estiveram ao longo da História sempre presentes, mantendo uma relação equilibrada entre o homem, a natureza e os seus ciclos. A RF possui um património cultural muito rico e variado, constituído por ocorrências monumentais, fortalezas, moinhos de maré, arraiais e almadra-

vas, vivências ancestrais das populações marítimas, mitologias e divindades, tradições simbólicas e artísticas, festividades de pescadores e banhos santos, técnicas de captura, ancoras e artefactos de produção agro-marítima, saborosas culinárias, … O turismo procura de forma crescente zonas húmidas, em especial as áreas litorais paisagisticamente fortes e ambientalmente preservadas. Para 2017 a UNESCO decretou o “Ano Internacional do Turismo Sustentável”, será pois excelente opor-

tunidade para o País e o Algarve reflectirem modelos de turismo qualitativamente mais adequados para a sustentabilidade deste território cada vez mais procurado. Com recursos patrimoniais disponíveis tão valiosos e sensíveis importa definir e melhorar políticas, suportadas na investigação e conhecimento, nos interesses das populações. Causa preocupação a recente instalação de actividades de produção intensiva, onde plásticos e outros materiais com forte incorporação química poderão estar já em contacto directo ou indirecto com ecossistemas e os recursos hídricos. Urge adaptar legislação, renovar Planos Diretores Municipais, definir intervenções com orientação das autoridades e especialistas, a imprescindível participação das comunidades locais. A Ria Formosa é um extraordinário património do País e também do planeta. Preparar a candidatura da Ria Formosa a Património Mundial da UNESCO seria um excelente contributo para a preservação, valorização e garantia da sua transmissão às próximas gerações. 


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Cultura.Sul

Artes visuais

Quais as fases no desenvolvimento histórico das relações entre a pintura e a fotografia?

Saul Neves de Jesus

Professor catedrático da UAlg; Pós-doutorado em Artes Visuais pela Universidade de Évora

Neste último artigo de 2016 vamos retomar a questão das relações entre a pintura e a fotografia, numa perspetiva de desenvolvimento histórico. A pintura existe desde a antiguidade, quando o homem sentiu necessidade de comunicar com as futuras gerações, deixando registos através de pinturas feitas em grutas. No entanto, só a partir do século XIV, com o Renascimento, a pintura começou a ser considerada arte, ao procurar reproduzir a realidade de uma forma tão objectiva quanto possível. Surgiram os movimentos do realismo e do naturalismo, com uma valorização do retrato, o que é expresso, por exemplo, na Mona Lisa, de Leonardo Da Vinci. Este movimento realista e retratista predominou até à primeira metade do século XIX, tendo esta forma de pintura deixado de ser tão pertinente com o surgimento da fotografia. Melhor do que a pintura, a fotografia conseguia reproduzir a realidade. No entanto, em vez de diminuir a importância da pintura, isto abriu caminho para que a pintura pudesse encontrar novas formas de expressão que fizessem mais apelo à criatividade, do que à mera reprodução do real observável. Assim, o surgimento da fotografia tem uma importância fundamental para a transição da pintura clássica para a pintura contemporânea. Neste processo de desenvolvimento da arte no final do século XIX e início do século XX, destacam-se movimentos artísticos que se situam entre dois grandes parâmetros. Um em que o artista parte do real observável, mas em que altera a forma e a cor na pintura produzida, e o outro em que o artista parte da sua imaginação, mas procura reproduzir com rigor a realidade subjetiva que projeta

na pintura. Os impressionistas destacam-se como movimento predominante da primeira tendência, procurando suscitar impressões sensoriais de luz, cor e movimento, e os surrealistas destacam-se na segunda tendência, ao pretenderem criar arte oriunda do inconsciente, sem ser moldada pela razão ou por julgamentos morais. A figura 1 permite distinguir entre estas tendências, através de dois eixos. Um, na vertical, exterior versus interior, traduz o locus ou localização do objeto/conteúdo a expressar e tem a ver com a base de inspiração do artista. Esta pode estar mais “presa” à realidade exterior ou, ao contrário, partir mais da própria imaginação do artista. O outro, na horizontal, reprodu-

também compreender alguns movimentos que surgiram na arte contemporânea ainda no século XX e que continuam a marcar a tendência predominante no início do século XXI, isto é, a produção artística parte do espaço imagético do artista que se distancia claramente da realidade, numa divergência da forma e da cor, em que a criatividade do seu pensamento é o limite. O Conceptualismo, que tem na “Fonte” de Duchamp um dos seus principais marcos históricos, ilustra esta tendência, ao considerar que a obra de arte é mais uma ideia ou um conceito do que um objeto material. Esta perspectiva enquadra-se claramente na reflexão que Dickie (2007) desenvolve quando procura responder à questão que é o título do próprio livro “O

FOTO E INFOGRAFIAS: D.R.

Figura 1: Tendências da produção artística em dois eixos e principais movimentos representativos Só nos finais do século XX é que a fotografia começa a ser valorizada como uma forma de arte, em virtude do próprio afastamento que a fotografia

tura existiu sem haver fotografia. Não obstante algumas experimentações anteriores, esta foi inventada em 1839, curiosamente no mesmo ano por dois proces-

Quadro 1: Fases das relações entre a pintura e a fotografia ção versus divergência, significa o grau de convergência para com a realidade conhecida na pintura produzida, consoante o produto artístico procure retratar algo sem alteração da forma ou, ao contrário, procure divergir na forma e na cor, traduzindo um pensamento mais divergente do artista. Esta distinção permite-nos

que é a arte?”, ao considerar que as “características do mundo da arte fornecem a elasticidade que permite albergar toda a criatividade, incluindo a mais radical”. No que diz respeito à fotografia, surgiu como uma forma de retratar a realidade, sendo muitas vezes desvalorizada como arte plástica, comparativamente à pintura ou à escultura.

tem conseguido fazer da realidade tal como a podemos ver, em particular através de efeitos especiais ou de outras técnicas fotográficas. Nas relações entre a fotografia e a pintura podemos distinguir algumas fases, as quais procuram ser sistematizadas no quadro 1. Durante muito tempo a pin-

sos distintos, um por Daguerre, em França, e outro por Talbot, em Inglaterra. Com o surgimento da fotografia, a pintura evoluiu no sentido anteriormente analisado, havendo inicialmente um distanciamento claro entre ambas. Em todo o caso, por vezes a fotografia foi usada como suporte para a pintura, pois poderia

Obra 'Universos paralelos', de Saul de Jesus (1988 e 2007)

substituir a observação da realidade, em muitos casos. Só mais recentemente a fotografia é valorizada como arte e verdadeiramente integrada na pintura, procurando formar um todo coerente, sendo ambas consideradas formas de arte que se podem complementar e não sendo uma considerada como secundária em relação à outra. Esta perspectiva é defendida, por exemplo, por Moholy-Nagy, no seu livro “Pintura, fotografia, cinema” (2005), ao considerar pintar com a luz como um novo meio de expressão. Para esta nova realidade contribuiu o alargamento do conceito de arte, uma visão integrativa das várias artes plásticas, o predomínio da criatividade sobre a forma na arte contemporânea e as novas potencialidades da fotografia digital. Não obstante esta “aproximação” entre a fotografia e a pintura, convém salientar que estes domínios de expressão artística mantêm a sua especificidade e autonomia. Em todo o caso, está ultrapassada a atitude predominante nos artistas que se consideravam ou pintores ou fotógrafos, não concebendo a integração das duas formas de arte. A visão integrativa das artes plásticas potencializa as oportunidades e os caminhos da expressão artística, constituindo um movimento importante no desenvolvimento da arte contemporânea. Despeço-me com uma imagem de integração da fotografia e da pintura na obra, intitulada “Universos paralelos”, criada a partir de uma fotografia tirada em 1988 a uma árvore de Natal iluminada, utilizando tripé e disparador de cabo, com uma exposição de dois segundos, durante os quais ocorreu uma aproximação utilizando uma objectiva 60-300 mm. E com esta imagem criada a partir de uma árvore de Natal, desejo a todos um feliz Natal e uma excelente entrada no ano de 2017.  Nota: Algumas das reflexões apresentadas neste artigo encontram-se no livro “Foto-Pintura e Poesia. Escrever com a luz e com as palavras”, de Saul Neves de Jesus (snjesus@ualg.pt).


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Espaço ALFA

ALFA acolhe 'Aam Aadmi, o homem comum' de Fernando Cardoso

Paulo Côrte-Real Presidente da ALFA

Aam Aadmi, o homem comum, de Fernando Cardoso, inaugurada dia 1 de Dezembro, é a exposição de fotografia que a ALFA tem patente na Galeria Arco até ao dia 23 de Dezembro. Esta exposição, como o autor refere, é um registo de impressões e sensações pelos caminhos da Índia: rostos, paisagens, espiritualidades, gestos breves, pedaços de memória que agora se organizam em molduras para serem lidos. As fotografias de Fernando Cardoso, reveladoras do quotidiano deste país de uma ímpar riqueza e diversidade cultural, são habi-

tadas por pessoas comuns, que interpelam o olhar e o estar. Fernando Cardoso, designer de comunicação multimédia, é diplomado em História de Arte Indiana pela BHU (Universidade Hindu de Banaras), Índia, onde viveu vários anos. É ainda Presidente da AEP61-74, Associação de Exilados Políticos Portugueses. Viaja e investiga frequentemente na Índia. É membro da ONG Khushiparisara, área da preservação do ambiente, com sede em Kumta, Karnataka, Índia. O autor será o líder da viagem fotográfica que a ALFA realizará em Dezembro de 2017, a segunda do género depois da realizada este ano ao Noprte de Marrocos. A exposição está aberta na sede da ALFA de quarta a sábado das 14.30 às 17.30 horas e tem entrada livre. A iniciativa está integrada no Festival CRIACT 2016. 

Filosofia dia-a-dia

Por que sonhamos?

Maria João Neves Ph.D Consultora Filosófica

O sonho comanda a vida. António Gedeão, Pedra Filosofal

O significado dos sonhos sempre deu muito que falar... A sabedoria popular sugere algumas explicações para os mais comuns, mas serão válidas? Afinal, por que sonhamos? Muitos pensam que o tempo gasto a dormir é desperdiçado. Quando pensamos ou falamos sobre a nossa vida, referimo-nos à vigília, às coisas que fazemos acordados. As oito horas que a maioria de nós passa dormir não contam. Só nos lembramos delas depois de um pesadelo ou de um sonho surpreendente. Há também a ideia generalizada de que os génios da humanidade não dormiam muito... Porém,

Einstein, quando descobriu a teoria da relatividade, dormia 10h por dia. Contrariando essas ideias dominantes a filósofa María Zambrano (1904-1991) afirma que o sono é primordial, a vigília só acontece depois. Esta é, certamente, uma viragem radical do ponto de vista! Neste aspecto a neurociência segue a filosofia. O professor Alan Hobson da Harvard Medical School afirma: “Em vez de ser o seguidor de vigília, o sonho é, de facto, o progenitor do acordar. (...) Temo-nos interessado quase exclusivamente na forma como a noite segue o dia, e temos ignorado que a noite pode antecipar o dia.” Tratando-se do fenómeno dos sonhos que pertence à vida humana, o primeiro aspecto que teríamos de estudar seria a forma. María Zambrano, O Sonho Criador

De um modo muito distinto ao de conhecidos psicanalistas como Freud, Jung ou Adler que estudam os sonhos a partir do

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conteúdo, realizo, na esteira de Zambrano, uma análise fenomenológica a partir da forma do sonho. Este método provêm de um projecto de investigação que decorreu durante 4 anos envolvendo alunos da faculdade onde leccionava, o Laboratório de Estudo do Sono, Cronobiologia e Telemedicina da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e o Serviço de Neurologia do Hospital Distrital de Faro. Zambrano mostra-nos que o homem possui diferentes tipos de consciência que correspondem a diversas modalidades de tempo que não ocorrem somente durante a vigília, mas também quando sonhamos.

Por outro lado, quando estamos acordados podemos penetrar no universo do sono, abstraindo-nos, por exemplo. Daí a expressão “sonhar acordado”. Interessam-me, portanto, os diferentes modos de padecimento do tempo a que o homem se encontra sujeito e que o vinculam a distintas formas de acesso à realidade. Aquilo que é real no sonho não são as histórias e as imagens ou fulgurações que nele aparecem mas o movimento íntimo do sujeito sob a atemporalidade. No Consultório do Sonho presto atenção ao seguinte: à tensão que precede a liberdade e a profetiza; à tensão rumo a uma finalidade que se apresenta simbolicamente;

ao descobrir-se ou mascarar-se do sujeito; ao retroceder ante a finalidade ou ao ir até ela. Como sabemos, muitas vezes pensamos de uma forma, sentimos de outra e agimos de um modo totalmente distinto. Isto gera confusão, desarmonia e muito sofrimento. Uma pessoa eloquente e inteligente consegue produzir imagens persuasivas, que podem enganá-la ainda mais e bloquear qualquer solução saudável para seus problemas. Como distinguir a que atender? Porque os sonhos estão para além do controle da mente, eles são uma maravilhosa fonte de informação, vão directamente ao ponto! O sonho é ao mesmo tempo a nossa vida mais espontânea e a mais alheia, o estado em que nos encontramos mais alienados e mais isentos de intervenção. María Zambrano, O Sonho Criador

Os sonhos - por estarem fora do controlo da consciência - podem funcionar como

um atalho para elucidar onde é que o problema realmente se encontra. É possível poupar assim bastante tempo, tanto para o consultor como para o consultante. Além disso, os sonhos também podem indicar aos sonhadores o estado mental em que se encontram a respeito de seu problema, por exemplo: se e onde se está bloqueado (sonho obstáculo); se o problema está em perigo de tornar patológico (sonho obsessivo); se se está a aproximar de uma solução (sonho de orexis); ou identificar o interruptor que irá induzir mudanças positivas na vida do sonhador (sonhos monoeideticos). A Análise Fenomenológica de Sonhos é uma ferramenta tão fascinante quanto assertiva!  As reflexões sobre os textos da rubrica Filosofia dia-a-dia continuam nos Cafés Filosóficos que se realizam em Tavira e Faro em Português e Inglês. Para mais informações contacte filosofiamjn@gmail.com


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Letras e Leituras

V. S. Naipaul – Um homem nobre Num Estado Livre

Paulo Serra

Investigador da UAlg; Associado ao CLEPUL

V. S. Naipaul, de ascendência indiana, nasceu em 1932 na ilha de Trindade (Caraíbas). Em 1950 partiu para Inglaterra onde estudou com uma bolsa na Universidade de Oxford. Viajou por África e pela Índia, por longos períodos, durante a época da descolonização e isso reflecte-se nos grandes temas por si trabalhados, como a identidade e as raízes culturais. Naipaul é uma das apostas da Quetzal que editou novas obras, como O Enigma da Chegada, e publicou novas traduções, como o imperdível Uma Casa para Mr. Biswas. Num Estado Livre foi originalmente publicado em 1971 e venceu o Prémio Booker. O livro é constituído por três histórias distintas, acrescidas de um prólogo e um epílogo, autónomos, aparentemente retirados de um diário de viagem. A primeira história, intitulada «Um entre muitos», narra as desventuras, quase em jeito pícaro, de Santosh, um criado indiano, mais especificamente um cozinheiro residente em Bombaim, que convence o patrão a levá-lo consigo para Washington, que surge aos olhos de Santosh ainda como a terra dos sonhos: «Sou agora um cidadão americano e vivo em Washington, capital do mundo. Muitas pessoas, tanto aqui como na Índia, pensarão que venci na vida – mas.» (pág. 25). A adversativa indicia justamente que o preço de se chegar ao centro do mundo pode significar uma vitória mas não compensar o anonimato ou a vida anódina que se leva, pois como Santosh indica ele era «tão feliz em Bombaim. Era respeitado, tinha uma certa posição. Trabalhava para um homem importante.» (pág. 25). Santosh passa por uma série de peripécias até se adaptar à vida de Washington, o que retrata a maneira de ser simples da personagem, que deixou a mulher e filhos na sua aldeia nas montanhas para ir trabalhar em Bombaim, mas também revela, em última análise, toda a inépcia que um ser humano pode sentir ao passar por experiências novas – como a sua primeira viagem de avião – e ao ver-se perdido noutro continente, numa cidade que é um nervo fulcral da civilização moderna, onde até o encontrar negros (designados como hubshis) o choca, apesar de ele próprio ser um estrangeiro que se esquece que não pode andar descalço na rua. É emblemática a passagem em que Santosh

ao vaguear pelas ruas, nos momentos livres que tem enquanto o patrão está a trabalhar, encontra um grupo de bailarinos vestidos com túnicas e bailarinas de sari a entoar cânticos em louvor do deus Krishna. Aquilo que de repente o alegra acaba depois por o perturbar, passado o fascínio ou reconhecimento inicial: «Pode ter sido pelo aspeto mestiço dos bailarinos; pode ter sido pela pronúncia incorreta do sânscrito e o seu sotaque. Pensei que aquelas pessoas eram agora estrangeiras, mas que, talvez, em tempos, tinham sido iguais a mim. Talvez, como nas histórias, tivessem sido trazidas para aqui há muito tempo com os hubshis, como cativas, e se tivessem transformado num povo perdido, como os nossos próprios ciganos, sempre de um lado para o outro, e já se tivessem esquecido de quem eram. Quando me ocorreu este pensamento, deixei de sentir prazer em vê-los dançar; e senti pelos bailarinos aquela espécie de desagrado que sentimos quando deparamos com alguma coisa que, em princípio, nos devia ser familiar, mas que, afinal, não o é, e se revela degradada» (pág. 37). Fica a ideia de que o estrangeiro só pode vencer quando é abraçado pelo seu exotismo. No fim, vencidas as suas próprias barreiras culturais e preconceitos, alcançando sucesso fazendo aquilo que faz melhor, fica a sensação de que Santosh não é mais livre por ver reconhecida a sua cidadania em Washington, como se a conquista de uma posição legal e cívica implicasse, tão somente, a perda da autonomia ou da felicidade na espontaneidade: «sou irmão de quem ou quê? Em tempos, fui apenas um elemento no meio da torrente, nunca pensando em mim como uma presença. Depois, vi-me ao espelho e decidi ser livre. Tudo o que a minha liberdade me trouxe é o conhecimento de que tenho um rosto e de que tenho um corpo, de que tenho de alimentar e vestir este corpo durante alguns anos. Depois, tudo acabará.» (pág. 71). A segunda história, «Digam-me quem matar», é uma narrativa ambígua, em que o leitor tenta fazer sentido dos pensamentos soltos e aparentemente desconexos da personagem sobre quem sabemos muito pouco, apenas que é irmão de Dayo, por quem fará tudo – chega a acumu-

FOTOS: D.R.

V. S. Naipaul ganhou o Nobel da Literatura em 2001 lar dois trabalhos – para que ele possa estudar em Londres, como forma de encontrar um prémio adequado à sua beleza e inteligência. Apesar de a chave do enigma estar sucintamente explicada na sinopse do livro, o leitor não é imediatamente confrontado com a explicação ou com o desfecho da história, se bem que o título também fornece uma forte pista, além da referência ao filme A corda de Hitchcock (abundam aliás as referências ao cinema) que indiciam, em suma, que a personagem tem esqueletos no armário ou um segredo bem enterra-

do no baú. Por fim, a terceira história, «Num Estado Livre», é justamente a que dá nome ao livro, sendo também a mais extensa, com cerca de 170 páginas. A narrativa, situa-se num país não nomeado que é uma ex-colónia britânica e que apesar de ter reclamado a sua independência assenta numa estabilidade política periclitante, como muitos países africanos: «Neste país africano havia um presidente e havia também um rei. Pertenciam a tribos diferentes. A inimizade entre as tribos era antiga, e, com a independência, as inquietações de parte a parte agudizaram-se.» (pág. 129). O presidente é apoiado pelos homens brancos e decide enviar o seu exército contra o povo rei, justamente num fim de semana em que Bobby, funcionário administrativo num dos departamentos do governo central, parte numa viagem de carro dando boleia a Linda, ela uma devoradora de homens, ele um homossexual que não teme pagar aos negros para dormir com eles. Esta narrativa, extremamente bem escrita e magistralmente construída, permite-nos sentir a tensão que impera nos diálogos que Linda e Bobby

esgrimem entre si, enquanto tentam entreter a longa duração dessa viagem de carro pelo país, oscilando entre assuntos sérios e outros mais delicados, que permitem perspectivar a vida nesse país africano pós-colonial de formas distintas e muitas vezes antagónicas, ao mesmo tempo que nos faz sentir as incertezas de uma viagem imensa por um país (e quem conhece as vastas estradas do continente africano compreende bem) em polvorosa onde também os estrangeiros se vêem apanhados no turbilhão político de países recém-fundados, por vezes delineados a regra e esquadro pelo colonizador – e que têm de lidar com a sua emergência enquanto nação mas também com as suas próprias guerras interinas entre tribos –, só podem optar por duas posturas: a da arrogância neocolonialista eivada de alguma descrença ou a do pacifismo conformista que raia a submissão, como é o caso de Bobby, que apesar de passar por controlos de segurança onde nem sequer o mandam parar, acaba ainda assim por, a certa altura, e apesar da insistência de Linda em prosseguir viagem, sair do carro numa das barreiras o que só lhe trará problemas. Os expatriados parecem dividir-se em duas categorias, aqueles que só podem estar a viver em África para enriquecer, e aqueles que já não têm coragem de partir apesar da sua infelicidade estrangeirada. É bastante sintomática a personagem do coronel que persiste num comportamento dominado e que, mesmo albergando a certeza de que um dia aqueles que trabalham para si se podem virar contra ele e matá-lo, não se decide a partir. A narrativa de «Num Estado Livre» desmistifica ainda uma certa ideia fantasiosa que se tem de África: «A África aqui era um cenário. Glamour para o visitante ou expatriado branco; glamour também para o africano expulso do mato, para o qual, na cidade, a civilização parecia ter sido concedida, na sua totalidade, com a independência. Continuava a ser uma cidade colonial, com um glamour colonial. Todos os que lá viviam estavam longe de casa.» (pág. 130). Num Estado Livre é a junção de três histórias distintas, quase como um livro de contos, matizadas por um certo tom pessimista, em que todos os protagonistas são estrangeirados, e cujas questões que as cruzam são as da identidade individual num novo mundo e até que ponto ser cidadão do mundo significa ganhar ou perder liberdade. Conforme declarou a Academia Sueca, quando o autor ganhou o Nobel em 2001, «Naipaul é verdadeiramente um Homem Nobre num Estado Livre». 


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Panorâmica

José Louro ganha prémio Maria Veleda 2016: a impressão de um homem impressionante FOTOS: RICARDO CLARO

Ricardo Claro

Editor ricardoc.postal@gmail.com

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Radicado no Algarve desde os 33 anos, José Luís Leite da Silva Louro, [ou professor Louro como sempre o conheci e tratei] é um nome absolutamente incontornável do teatro em Faro e na região, há-os outros, mas este é um deles. Professor, encenador, programador cultural, esteve na génese de várias companhias de teatro na região e estabeleceu ligações com muitas mais e com várias gerações de actores, de amantes e de enamorados do teatro. Semeou - que outro termo não existe - teatro e cultura um pouco por todo o lado e um pouco nas almas de tanta gente e o plantio não foi em vão. Sin-Cera e ACTA - A Companhia de Teatro do Algarve são apenas dois dos exemplos de companhias teatrais com créditos firmados no Algarve fundadas por si e casos acabados dos frutos de um percurso que teve tanto de pródigo como de tenaz. Passou pela programação do Lethes e do Teatro Municipal de Faro e, mais uma vez, ali deixou a sua marca, estando sempre que fez sentido e deixando de estar quando assim lhe pareceu. Enquanto encenador são vários os actores que experimentaram o saber e o estar de um homem que ajudou a construir discursos dramatúrgicos, a vingar ideias e visões conceptuais e a nascer personagens, explorando o melhor de cada homem e mulher de palco com a mestria e a calma de quem domina o que faz na procura de fazer sempre melhor. Aos alunos encarou-os e desmistificou-lhes o teatro nos primeiros passos, cingiu-lhes o passo do caminho certo para entender a arte das tábuas, para perder os medos, para enfrentar o eu e eu feito outro da personagem. A mim - perdoar-me-ão a intimidade - deu-me um pouco do muito de tudo isto e o prazer de poder ter consigo privado como aluno, como

Incontornável no teatro regional é o mínimo que se pode dizer sobre José Louro jornalista e conviva ocasional. Sempre sereno e ponderado, de discurso amadurecido, a ideia que encontro para melhor o definir e a que marca o título deste texto, um homem impressionante que em todos quantos consigo se cruzaram não dei-

xou de deixar profunda impressão. É este o homem que o júri do Premio Regional Maria Veleda escolheu para receber o galardão da Direcção Regional de Cultura neste ano de 2016. A distinção que pretende “destacar e reconhecer a actividade cul-

“CICLOS DE VIDA DO CAMALEÃO” Até 31 DEZ | Reserva Natural do Sapal de Castro Marim A exposição de Manuela Leal Santos simboliza os processos transitórios da vida como etapas criativas e não efémeras

tural de personalidades algarvias, protagonistas de intervenções particularmente relevantes e inovadoras na Região” e que na primeira edição

foi atribuída a Margarida Tengarrinha, será este ano com tanto ou mais mérito atribuída a José Louro. E que lugar melhor para receber o prémio do que o ‘eterno’ Lethes de Faro e - também - de José Louro. Exactamente por isso já depois de amanhã, no dia 11 de Dezembro, pelas 16 horas, será ali que o ‘professor Louro’ o receberá. Nas palavras da Direcção Regional de Cultura do Algarve “o júri deliberou, por unanimidade, distinguir com o Prémio Regional 'Maria Veleda' 2016 o professor José Luís Leite da Silva Louro, por reconhecer que no seu percurso de vida os princípios de igualdade de género e de oportunidades, bem como do exercício de uma cidadania activa estão presentes na sua actividade de pedagogo e de cidadão, com uma participação cívica e cultural activa no Algarve, dando uma clara resposta aos critérios subjacentes à criação desta distinção”. A cerimónia de entrega do galardão, com uma dotação de cinco mil euros, e uma medalha comemorativa contará com a presença do secretário de Estado da Cultura, Miguel Honrado, do presidente da Câmara de Faro, Rogério Bacalhau, e da directora regional de Cultura, Alexandra Gonçalves. Ao ‘homem por detrás do pano’, mas na frente de tantas gerações a semear teatro em profissionais, amadores e amantes da arte do palco, o prémio e o lugar mais do que merecidos na cena cultural do Algarve, o primeiro entregue já depois de amanhã e o segundo, esse, já conquistado há tanto e simplesmente factual como resultado de um percurso que a tantos e tantos não deixou indiferentes. 

“A SOLIDÃO DA PAISAGEM” Até 31 DEZ | Galeria de Arte do Convento Espírito Santo - Loulé A obra de Gonzalez Bravo é rodeada por uma auréola de misticismo, que é uma narração pertencente ao Eu do artista, com uma espécie de linguagem secreta que o tempo acompanha


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Espaço ao património

O Turismo de Cruzeiros e a valorização do património do Algarve FOTOS: FILIPE DA PALMA

Luís Monteiro

Mestre em Gestão e Desenvolvimento de Destinos Turísticos pela Universidade do Algarve

O Turismo de Cruzeiros tem tido uma dinâmica notável de desenvolvimento a nível mundial. O número global de cruzeiristas está a crescer anualmente, tendo passado dos 14,36 milhões em 2005 para os 23,10 milhões em 2015, e o mercado europeu a seguir este crescimento, de 3,19 milhões para os 6,59 milhões, respectivamente (CLIA – Associação Internacional de Companhias de Cruzeiros/Europa, 2016). O aumento da procura tem sido acompanhado pelo incremento da oferta, com as companhias de cruzeiros, de uma forma geral, a ampliarem as suas frotas com mais e maiores navios, contribuindo para a diversificação das áreas geográficas e a escala em mais portos e destinos, com o consequente impacto nas economias locais. De tal forma que entre 2016 e 2019 estão previstos 50 novos navios com uma capacidade de 133.265 camas. O Porto de Portimão, que a nível da região apresenta as melhores condições para receber os grandes navios de cruzeiros, é hoje um dos portos nacionais com maior potencial de crescimento, localizado privilegiadamente à entrada da bacia do Mediterrâneo, a uma distância e tempo de navegação mais curtos nos itinerários de e para o Mediterrâneo, e situado no centro de um triângulo formado por Málaga, Lisboa e Madeira, portos com mais de 400 mil passageiros anuais. Apesar de um crescimento sustentado verificado no Porto de Portimão entre 2007 e 2011, de 5.798 para 44.841 passageiros, nos últimos dois anos o número estagnou nos 14 mil passageiros, pelo que centremo-nos nas mais-valias e no potencial do Turismo de Cruzeiros no Algarve. Por um lado, ao nível da promoção turística, de acor-

Os navios de cruzeiro Silver Cloud e Artania do com o estudo realizado pela CLIA (2011) para o mercado norte-americano, 82% dos cruzeiristas consideram os cruzeiros como uma boa forma para escolha de destinos de férias aos quais poderão regressar novamente, sendo que 35% dos cruzeiristas já regressaram a destinos previamente visitados durante os cruzeiros. Neste sentido, os passageiros que o Porto de Portimão recebe durante algumas horas têm a oportunidade de visitar a cidade e a região, conhecer a oferta turística, usufruir das diversas atividades e atrações e poderão regressar a Portimão ou a outra zona do Algarve num futuro próximo, inclusive para períodos de férias de estada mais prolongada que a típica visita de cruzeiros. Por outro lado, para além da diversificação da oferta turística do município e da região, o Porto de Portimão engloba também um padrão sazonal por agora distinto da

típica procura de sol e praia do Algarve ou mesmo da região como um todo, prestando um importante contributo à atenuação da sazonalidade turística no destino pelo registo de um maior número de escalas nos períodos de Abril/Maio e Setembro/Outubro/Novembro, na chamada época média/baixa. Mas é ao nível económico que os impactos no destino se fazem mais sentir, através do efeito multiplicador gerado na economia local e regional, principalmente ao nível do comércio, alimentação, transportes e oferta cultural. O estudo da CLIA Europa (2016) aponta para um gasto médio por dia de escala no destino de cerca de 62 euros por passageiro e 23 euros por membro de tripulação. Nos impactos económicos destacamos igualmente a realização de excursões que contribuem para a promoção e valorização do património da região. Em 2015, de acordo

com os dados disponíveis, de 4.351 passageiros que participaram em excursões, 96,3% optaram por excursões de meio-dia, entre 21 programas que passaram por oito municípios do Algarve, grande parte do Barlavento. Dos programas de excursões destacam-se o golfe, a gastronomia e vinhos, através da visita a quintas, provas de vinhos e provas gastronómicas ou refeições em restaurantes de cozinha tradicional, e a visita a monumentos e locais de interesse, aliando o património histórico ao património natural. A visita a monumentos e a locais de interesse corresponde ao principal motivo das excursões realizadas. São seis os programas que contaram com mais de 200 participantes/cada e que correspondem a 74,3% dos passageiros que participaram em excursões, nomeadamente, Lagos/Sagres, a excursão mais vendida e associada aos Descobrimentos

Interior do Museu de Portimão

Portugueses que tem passagem pelo Cabo de São Vicente e Fortaleza de Sagres e pela Ponta da Piedade e Mercado dos Escravos em Lagos; Lagos/ Carvoeiro, que proporciona uma visita à Vila de Carvoeiro e ao Algar Seco, para além dos locais de visita em Lagos referidos anteriormente; Silves/Lagos, onde o passageiro descobre, quer as raízes árabes do Algarve com a visita à Cidade e ao Castelo de Silves, quer dos Descobrimentos em Lagos; Silves, visita dedicada ao património histórico desta cidade que foi um importante pólo do Al-Gharb Al-Andaluz; Monchique, visita ao património natural da região, passando pelas Caldas de Monchique, pela Vila e subida à Fóia, o ponto mais alto do Algarve; e, Lagos/Alvor, na qual uma vez mais o mote são os Descobrimentos, bem como a tradição das Vilas Piscatórias algarvias como é o caso de Alvor. No que diz respeito a Portimão, os locais que mais têm beneficiado da visita dos passageiros são o Jardim 1.º Dezembro, com os seus bancos com painéis em azulejos pintados com os momentos mais marcantes da História de Portugal, a Igreja do Antigo Colégio dos Jesuítas, edifício com uma fachada imponente e construído no Séc. XVII, e a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, edificada em finais do séc. XV. Na Praia da Rocha, a Fortaleza de Santa Catarina, construída entre 1629 e 1633, tem sido ponto de visita regular. O Museu de Portimão, construído na antiga Fábrica de Conservas Feu e distinguido com o Prémio Museu do Conselho da Europa 2010, beneficia da visita dos passageiros que se deslocam à cidade pelos seus próprios meios mas também tem vindo a ser incluído nos programas organizados. A concretização dos investimentos essenciais ao Porto de Portimão melhorará a acessibilidade marítima e aumentará, quer a dimensão, quer o número dos navios recebidos, permitindo ao Turismo de Cruzeiros reforçar o seu papel de valorização do património do Algarve através de um maior número de visitas, proporcionado pelo crescimento sustentado dos passageiros. 

Ficha Técnica: Direcção: GORDA Associação Sócio-Cultural Editor: Ricardo Claro Paginação e gestão de conteúdos: Postal do Algarve Responsáveis pelas secções: • Artes visuais: Saul de Jesus • Da minha biblioteca: Adriana Nogueira • Espaço AGECAL: Jorge Queiroz • Espaço ALFA: Raúl Grade Coelho • Espaço ao Património: Isabel Soares • Filosofia dia-a-dia: Maria João Neves • Grande ecrã: Cineclube de Faro Cineclube de Tavira • Juventude, artes e ideias: Jady Batista • Letras e literatura: Paulo Serra • Missão Cultura: Direcção Regional de Cultura do Algarve • O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N: Pedro Jubilot • Panorâmica: Ricardo Claro • Sala de leitura: Paulo Pires • Um olhar sobre o património: Alexandre Ferreira Colaboradores desta edição: Cristóvão Fonseca Luís Monteiro Paulo Côrte Real Parceiros: Direcção Regional de Cultura do Algarve e-mail redacção: geralcultura.sul@gmail.com e-mail publicidade: anabelag.postal@gmail.com on-line em: www.postal.pt e-paper em: www.issuu.com/postaldoalgarve

facebook: Cultura.Sul Tiragem: 7.709 exemplares


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Espaço ao Património

Vestígios arqueológicos do Rio Arade: um património a potenciar FOTO: ARQUIVO DO MUSEU DE PORTIMÃO

FOTO: CRISTÓVÃO FONSECA

/ CHAM

Cristóvão Fonseca

Arqueólogo, bolseiro de investigação do CHAM da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Univ. Nova de Lisboa

O estuário e embocadura do rio Arade constitui um espaço privilegiado de ligação entre o Mediterrâneo e o Atlântico. Apresentou, desde sempre, características propícias para a navegação: a foz do rio Arade é um porto natural de abrigo, que serve os vários núcleos urbanos, nomeadamente Portimão, assim como, corresponde a uma importante via de navegação, comunicação e penetração no interior do Barlavento Algarvio. Esta realidade encontra-se amplamente documentada pelas fontes escritas e por diversos achados arqueológicos identificados nas últimas décadas. É neste enquadramento que o CHAM, uma unidade de investigação inter-universitária vinculada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e à Universidade dos Açores, tem desenvolvido o projecto de investigação denominado “Entre o Mediterrâneo e o Atlântico: uma aproximação ao património cultural subaquático do estuário do rio Arade”. O projecto incide sobre sítios arqueológicos que correspondem a contextos de naufrágio e fundeadouro com uma diacronia que abrange desde o período romano até à época contemporânea. Tem como principal objectivo desenvolver um estudo integrado do espólio arqueológico recuperado durante as dragagens realizadas desde 1970 (grande parte depositado no Museu de Portimão) e os vestígios que ainda se encontram no fundo do rio. Esta investigação permite contextualizar o vasto conjunto de artefactos recolhidos até à actualidade, assim como compreender cada sítio arqueológico na sua integridade. O projecto considera também a inclusão destes contextos arqueológicos na paisagem marítima do Arade, considerando as transformações de origem

Um dos canhões de Ponta do Altar A (2016) FOTO: JOSÉ BETTENCOURT

/ CHAM

O estuário do Rio Arade natural ou antrópica que o rio sofreu ao longo dos tempos, os estabelecimentos humanos e a exploração dos recursos naturais. Por outro lado, procura-se promover acções de divulgação e valorização do património cultural subaquático, quer ao nível científico, mas também direcionado ao grande público, através da realização de apresentações públicas, teses académicas, publicação de artigos, entre outras iniciativas. A última campanha de campo ocorreu entre 29 de Agosto e 9 de Setembro do presente ano. Os trabalhos realizados, que apenas consideraram a realização de prospecção e recuperação de espólio em risco, permitiram avaliar todos os sítios arqueológicos abrangidos pelo projecto: em Arade B, para além da proliferação de materiais arqueológicos que comprovam a existência de um fundeadouro diacrónico, a identificação de mais uma ânfora do tipo Dressel 7-11, com um nível de integridade superior a 50%, fortalece a teoria da existência de um naufrágio de

época romana; foi realizado o registo arqueográfico do sítio Ponta do Altar A, um possível contexto de naufrágio de época moderna composto por três canhões de ferro e depositados a baixa profundidade em frente à Praia dos Caneiros, num local acessível e com potencial de ser explorado numa vertente mais directa de sensibilização para o património cultural subaquático. GEO 5, um navio de madeira cavilhado a liga de cobre, possivelmente do século XIX, apresenta a sua estrutura naval actualmente muito exposta e por isso em progressivo estado de degradação, mas oferecendo uma oportunidade única de estudo. Refira-se ainda a identificação de uma âncora inédita, possivelmente do século XIX, ao largo do Leixão da Gaivota. Esta campanha contou com o apoio das várias instituições que asseguraram a realização da campanha, nomeadamente o Museu de Portimão, a Câmara Municipal de Portimão, a Junta de Freguesia de Portimão, o Clube Naval de Portimão, a Associação Arqueológica do

Algarve, o Grupo de Amigos do Museu de Portimão, a empresa de arqueologia Archeosfera, Lda., o Clube Subaquático de Mergulho Portisub, a Capitania do Porto de Portimão, a Administração dos Portos de Sines e do Algarve, S.A., a Direcção-Geral do Património Cultural e o Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática. A campanha cumpriu os objectivos inicialmente definidos de reavaliação do património arqueológico do estuário e embocadura do rio Arade, assim como de reconhecer a potencialidade de implementar um projecto que promova a investigação e a sensibilização pública para a temática do património cultural subaquático. Todavia, a materialização deste projecto, que se pretende implementar na continuidade da campanha recentemente realizada, terá que passar por uma congregação de esforços no sentido de angariar maior sustentabilidade e procurando assegurar uma abordagem mais profunda, alargada e contínua.  FOTO: JOSÉ CORTEZ

Modelos fotogramétricos da ânfora Dressel 7-11 in situ de Arade B (2016) FOTO: CRISTÓVÃO FONSECA

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Desenho arqueológico da ânfora Dressel 7-11 de Arade B (2016) FOTO: CRISTÓVÃO FONSECA

/ CHAM

/ CHAM

Trabalhos preparativos à superfície (campanha de 2016)

A âncora inédita do Leixão da Gaivota (2016)


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Sala de leitura

Andermatt e o mantra da memória reinventada Paulo Pires

Programador cultural na Câmara Municipal de Loulé http://escrytos.blogspot.pt

Se durante muito tempo as danças populares viveram num espaço compartimentado, “complexado” e estereotipado (cujos resquícios ainda hoje perduram em alguns grupos folclóricos e imaginário colectivo), fruto de uma vincada manipulação ideológica operada pelo Estado Novo em que as representações da tradição se subordinavam à proclamada “política do espírito” preconizada por António Ferro, Secretário da Propaganda Nacional, nos últimos anos tem-se vindo a assistir a uma transição/ abertura e a um crescente diálogo das práticas coreográficas populares com as artes performativas contemporâneas, mormente com a dança e música. A perspectiva difundida pelo regime de Salazar, assente na ideia de uma “maneira bem portuguesa de dançar” (no fundo, trata-se de uma construção identitária a posteriori), implicava uma transformação das vivências culturais rurais consideradas oficialmente mais “atractivas”/”exóticas” visando um contexto urbano e um público citadino, numa óptica de musealização. Encarava-se assim o folclore numa perspectiva “arqueológica” e fossilizada, na medida em que teria havido um período temporal etnograficamente impoluto, puro e modelar (uma espécie de arquétipo ou “idade de ouro” compreendida entre finais do século XIX e inícios do século XX), um espaço exemplar (os contextos rurais do interior) e um património performativo (danças, músicas) com traços específicos e identificativos de cada região, rigorosamente codificados pelo Estado, que deviam ser representados pelos ranchos folclóricos. Esta visão descurava a ideia de que os próprios contextos locais estiveram/estão em permanente mutação e contaminação e de que, ao longo do tempo, houve diálogos, influências e trocas de saberes imateriais (literatura oral) entre diferentes zonas do país resultantes do deslocamento de pessoas – sendo a tradição, na sua génese, um fenómeno di-

nâmico e não estático, de transformação e reinvenção (quem conta um conto…). Fruto deste paradigma, observou-se durante muito tempo – inclusive pós-25 de Abril – uma notória ruptura e fechamento relativamente a qualquer possibilidade de diálogo das tradições populares com a contemporaneidade, incluindo-se a dança nessa tendência. Neste último campo dois fac-

ou Vera Mantero (Os Serrenhos do Caldeirão, exercícios em antropologia ficcional, de 2012), sem esquecer a experiência de Olga Roriz, ainda em 1983, com Terra do Norte. Destaca-se ainda o projecto “Dança para músicos”, dinamizado pela Materiais Diversos e iniciado em 2015, envolvendo em colaboração coreógrafos e bandas filarmónicas visando a criação de espectáculos em que os músicos são os intérpretes

jacente a essa vertigem de expressões, trata-se da busca de um corpo imaginário comum, viajante no tempo e no espaço, que é contador de histórias e confessor de memórias, de um movimento orgânico que antecipa o pensamento – porque “não é possível mentir com o corpo, nem há maquinaria que o salve do momento em que o intérprete dança”, como sublinha Clara Andermatt.

folclórica, passando pela sedução marialva que paira no ar em trocas de olhares e insinuações corporais por parte dos bailarinos, até à atitude das mulheres que desconstroem os mandos tradicionais ou à prodigiosa subversão de um fandango dançado em joelhos (sendo este um dos pontos altos do espectáculo ao nível estético e técnico), respira-se uma atmosfera de catarse colectiva, que ora comove, ora FOTO: INÊS D'OREY

Dança contemporânea e persistência da memória tores vieram alterar paulatinamente esse estado de coisas. Por um lado, tem vindo a verificar-se nos últimos anos um renovado interesse, sobretudo por jovens adultos e não só, pelas “danças do mundo”, surgindo uma nova vaga de praticantes influenciada, em grande medida, por eventos de referência como o festival Andanças, promovido pela Associação Pédexumbo no interior do país (e por outros de menor escala, igualmente espalhados pelo território nacional). Estes novos bailadores têm vindo inclusive a organizar-se localmente em grupos informais que promovem encontros periódicos, ensaios, bailes e workshops em torno das danças tradicionais e do seu potencial (re)criativo e convivial (veja-se o caso algarvio do núcleo Danças do Mundo ao Sul). Por outro lado, procurando superar essa atitude de costas voltadas entre tradição e contemporaneidade a nível da dança (e da música), têm vindo a surgir desde os anos 90 do século passado diversos projectos e experiências protagonizados por coreógrafos como Paulo Ribeiro (Memórias de Pedra – Tempo Caído, de 1998), Madalena Victorino (Vale, de 2010), Filipa Francisco (A Viagem, de 2011)

exclusivos de um trabalho coreográfico e musical, no qual já participaram Vera Mantero com António-Pedro, Clara Andermatt com João Lucas, seguindo-se ainda Victor Hugo Pontes. Andermatt tem sido uma das reconhecidas coreógrafas que mais tem explorado, de forma inovadora, as potencialidades expressivas dos gestos, hábitos e danças tradicionais, frequentemente associados à ruralidade, procurando revelar pontes e fusões com os ritmos do quotidiano urbano. Essa possibilidade de diálogo está patente em trabalhos como a “trilogia” cabo-verdiana Dançar Cabo Verde (1994, com Paulo Ribeiro), Uma História da Dúvida (1998) e Dan Dau (1999), em Reviravolta (2009 – um workshop com o GEFAC [Grupo de Etnografia e Folclore da Universidade de Coimbra]) ou em Vira como a vida (2012, com o Grupo Folclórico da Casa do Povo de Serzedelo). A tónica comum a estes trabalhos passa pela procura de um movimento que se constrói no desapego a uma linguagem e que propõe um novo modo de composição, singular, o qual não descura as regras das danças populares mas reinterpreta-as com a liberdade e criatividade associadas a uma dada estética contemporânea. No fundo, sub-

Fica no Singelo, estreado pela criadora em 2013 e agora apresentado pela primeira vez no Algarve, em Loulé, é um espectáculo ilustrativo a este respeito. Composto por vários quadros coreográfico-musicais que se vão sucedendo, ressalta do conjunto uma alternância cuidadosa e sensivelmente temperada entre contrastes diversos: euforia e cansaço/apaziguamento, alegria e nostalgia, ritmo e vagar, intensidade/explicitação e murmúrio/ subtileza, claridade e penumbra. Se o modo criativo e apelativo como as danças e músicas tradicionais (chamarrita, fandango, gota, muinheira, corridinho, valsa mandada…) são aqui refeitas/reconfiguradas/desconstruídas pela coreógrafa sem as levar para um lugar abstracto onde o público não reconheça as suas origens se revela uma clara mais-valia desta proposta – para o que também contribui, e muito, o baile final em que o público participa activamente –, a explosão de energia, intensidade, júbilo, desejo de encontro e partilha que os intérpretes derramam em palco transmite-nos uma dança que se alimenta do prazer intenso da relação lúdica com o outro, da experiência outrora vislumbrada nos terreiros. Desde a indumentária, que discretamente evoca a tradição

intimida, ora atrai nesta viagem familiar mas surpreendente pelos diversos ritos sociais (religião, trabalho, ludismo/convivialidade, afectos). Para esse ambiente hipnótico, sedutor, como que feiticeiro, muito concorre o cuidado desenho de luz do espectáculo e suas matizes, bem como uma abordagem musical que cruza a música electrónica composta por Jonas Runa (com a sua dimensão “espiritualizante”, transportadora e muito actual) e as sonoridades percutivas, a concertina/acordeão, as cordas e a voz interpretadas ao vivo (bebidas em grande medida nas recolhas de Michel Giacometti), que estabelecem um estreito e cúmplice diálogo performativo com os dançarinos. Do ambiente de frenesim a momentos de maior adensamento psicológico (a evocação das carpideiras, por exemplo), é a tríade som/música, ritmo e gesto/movimento que constitui a argamassa comum de Fica no Singelo, pois, no fundo, esses três elementos estão sempre associados aos vários ciclos do quotidiano colectivo. E aí emerge um mecanismo de repetição, de eterno retorno, que é como que inato e necessário ao indivíduo: o corpo sofre com a dureza do trabalho, do tempo, da terra e do clima, e depois vem a música contrariar e superar essa fadiga,

numa ritualização libertadora em que o indivíduo se entrega ao colectivo para falar da vida e da(s) morte(s) e aí se energiza na festa dos sentidos para depois poder novamente enfrentar os exigentes trabalhos dos dias. Uma nota também para a revisitação da valsa mandada, usada nos bailes das aldeias dos concelhos de Grândola e Santiago do Cacém desde o século XIX, na qual Andermatt se inspirou para o título da criação e para vários esquemas coreográfico-teatrais: “Fica no singelo” é o passo/mando básico, mais simples, que o mandador entoa durante essa dança, havendo outros como “uma voltinha à esquerda”, “passa o par à frente”, “meia cadeia à direita”, “troca o par” ou “passa o mando adiante”. Esta valsa era presença habitual nos bailes rurais ou nas “funções” organizadas em casas particulares, apresentando características singulares: é dançada em roda mas o homem posiciona-se à direita da mulher (ao contrário do que é habitual); o mandador faz parte de um dos pares do círculo de dança; e pode haver vários mandadores, alternadamente, ao longo da mesma dança. Com uma música apenas instrumental a acompanhar (com concertina ou acordeão), é a voz do mandador que comanda a coreografia, à imagem do que um dos bailarinos de Fica no Singelo executa, em modo “improvisado”, seguindo os restantes as suas indicações, num dos momentos mais enérgicos do espectáculo, em que a toada repetitiva e os passos ganham uma amplitude quase frenética, levando dançarinos e mandador a um estado de quase esgotamento físico, a ponto de este se sentar na boca de cena e, exaurido, confessar ao público que “cada passo requer um esforço”. Clara Andermatt persiste na evocação da memória colectiva, usando voz, música e movimento para criar um mantra que inocula no grupo (e na assistência) um transe cuja amplitude vai da aceleração febril à exaustão feliz, num cativante voo sobre o nosso património performativo. Uma dança, no limiar do reconhecível, que é um encontro sem fronteiras rumo à surpresa do desconhecido, e que, pelo seu conceito e abordagem, tem o condão de convocar velhos e novos públicos para o universo, ainda assim restrito, da arte coreográfica contemporânea. Vamos dançar a folia? 


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Cultura.Sul

Da minha biblioteca

A Ira das Fúrias, de Steven Saylor FOTOS: D.R.

Adriana Nogueira

Classicista; Professora da Univ. do Algarve adriana.nogueira.cultura.sul@gmail.com

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Um dos prazeres que tenho é ler romances policiais, como o disse aqui várias vezes. Mas há alguns que me dão uma satisfação acrescida, que são os romances policiais históricos. Este livro que hoje vos trago é identificado pela editora como «Romance histórico», mas a frase chamativa na capa situa-nos na coleção Roma sub rosa, indicando que estamos perante mais «Um mistério protagonizado por Gordiano, o Descobridor». Em 1991, surge o 1º volume da série, intitulado Sangue Romano. Este 15º volume (que saiu em 2015 nos Estados Unidos e em 2016, no passado mês de novembro, em Portugal), cronologicamente, seria o 3º, pois passa-se em 88 a.C., enquanto o 1º, publicado há já 25 anos, passava-se em 80 a.C., quando Gordiano andava a fazer investigações para um famoso advogado daquele tempo: Cícero. A coleção parecia ter terminado em 2008, mas em 2012, 2014 e agora, com este A Ira das Fúrias (Bertrand Editora, 2016), regressou, voltando atrás, para ficamos a saber os factos que antecederam os que já conhecíamos (aquilo para que o neologismo «prequela» remete, querendo significar o contrário de «sequela»). Estas histórias seguem a fórmula do policial, contextualizando-o através de acontecimentos históricos concretos (e não apenas enquadrando numa época específica, como acontece com aqueles a que chamaria de romance policial de época), cruzando-

-se o investigador com personagens sobejamente conhecidas, como Catilina, o já mencionado Cícero ou Júlio César. Assumindo um caráter de exatidão, no final de cada volume, Steven Saylor partilha com os seus leitores as fontes que usou para construir o enredo, de modo a não haver incongruências. Steven Saylor é formado em História e, mesmo que não o afirmasse claramente, a sua paixão por Roma antiga é evidente pelo modo como os seus livros descrevem a vida das pessoas mais simples. Sim, porque o que se passa com os famosos, a literatura deixou-nos muitos testemunhos: tomando como exemplo as personagens da História atrás referias, de Cícero temos

Steven Saylor sente um grande fascínio por Roma antiga

desde tratados filosóficos, a cartas à família, passando por discursos a favor ou contra diversas pessoas; de Catilina, temos precisamente o testemunho de Cícero, nas famosas Catilinárias, onde denuncia, no Senado, a conspiração que aquele organizara: «Até quando, ó Catilina, abusa-

rás da nossa paciência?» (Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?) Mas, em abono da verdade – e indo ao encontro da visão que Saylor mostra no 3º volume, O enigma de Catilina – o historiador romano Salústio reconhece a valentia dos conjurados: «Foi, porém, depois de terminado o combate que se pode ver quanta coragem, quanta força de ânimo havia no exército de Catalina. (…) Catilina foi

“RETROSPECTIVA” Até 31 DEZ | Museu Municipal Dr. José Formosinho - Lagos Portugal (nomeadamente o Algarve onde vive o artista), Japão, China, Islândia, são alguns destinos que Alexandre visitou no quadro de projectos fotográficos

encontrado longe dos seus, entre os cadáveres dos inimigos, ainda respirando e conservando no vulto a fereza de ânimo que vivo tivera»; sobre Júlio César, para além dos seus próprios comentários às guerras Civil e das Gálias, temos muitíssimos livros e ensaios publicados sobre ele. E sobre o povo? Como seria a vida das classes mais humildes, sem cair na caricatura que a comédia nos apresenta? Ou de um simples cidadão romano, que não exercesse cargos públicos (como é o caso de Gordiano)? É com muita imaginação, muto conhecimento de pormenor e grande capacidade de recriação de espaços

e de sentimentos, que Steven Saylor consegue transmitir uma sensação de reconhecimento, de quotidiano, que nos faz aderir ao tempo e à história. Algumas cenas poderiam ter sido inspiradas no nosso dia-a-dia (provavelmente, foram mesmo), mostrando-nos quão perto estamos do mundo antigo. Vejamos. Uma cena nos «Correios» Esta cena passa-se em Alexandria, no Egito, no séc. I a.C., mas podia ser numa qualquer estação de correios. Agora estão mais modernas, mais espaçosas, também são banco… mas não sei se mais eficientes:

«entrei na minúscula sala de atendimento. Estava cheia de gente, alguns a querer depositar moedas com o banqueiro, outros a querer fazer levantamentos. Foi preciso uma enorme persistência só para me dirigir ao balcão, onde recebi um disco de madeira com uma letra grega talhada – – e me foi dito que aguardasse e prestasse atenção. Por fim, uma voz aguda chamou «Lambda», acotovelei o meu caminho até ao balcão, de disco na mão, e fui atendido por um eunuco de aspeto exaurido, com a cabeça mal semeada e queixo triplo. – Então, o que vai ser? – resmungou ele. – Depósito, levantamento, consulta? – O meu nome é Gordiano, de Roma. Queria saber se chegou alguma carta para mim. Ele virou-se e chamou um funcionário atrás de si, que por sua vez chamou um funcionário que se encontrava noutra sala. Atrás de mim, os recém-chegados clamavam por atenção, mas o funcionário ignorava-os copiosamente, fixando o seu olhar inexpressivo na minha testa, enquanto aguardava uma resposta.» Visto que este livro é também do género policial, não posso desvendar a trama da investigação que Gordiano empreende, em busca de Antípatro, o seu tutor (personagem que já tinha aparecido noutros livros), mas posso revelar um facto histórico que assombra a narrativa: esta aventura desenrola-se na época do massacre, num só dia, de todos os romanos na província da Ásia Menor, julgando-se que o número de mortes provocadas por ordem do rei Mitridates terá sido entre 80 a 100 mil pessoas. Apesar da violência que o mundo antigo comporta, Steven Saylor consegue contar-nos aventuras que realçam a generosidade e a inteligência que preside aos bons seres humanos, dando-nos a certeza que é desses que nós queremos descender. 

“DAR SABOR À VIDA” Até 6 JAN 2017 | EMARP - Empresa Municipal de Águas e Resíduos de Portimão Exposição de fotografia da ADRA, que está presente em cerca de 140 países e tem como missão apoiar as pessoas que vivem em condições de pobreza e vulnerabilidade


Última Contos de Natal na Ria Formosa

O Último Banho D.R.

Pedro Jubilot

pedromalves2014@hotmail.com canalsonora.blogs.sapo.pt

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Apesar de já estarem de férias as crianças estão estranhamente calmas e quietas. Não se afastam muito, querem estar por perto, expectantes pela boa nova - um menino está para nascer lá em casa. E dali não querem sair. Vá lá meninos, já tomaram o pequeno-almoço, estão de férias, vão apanhar ar puro, vão andar de bicicleta. Ou vão ali até ao pinhal lá ao fundo dar uma volta, visitar a ecoteca, brincar, e tragam-nos um presente giro, dedicado a este dia. Como sendo na verdade aquilo que realmente queriam, não se ouvem comentários nem contestação. Encorajados pelas sugestões de ambos os progenitores, os irmãos calçam as botas e saem para uma aventura na floresta, como lhe chamam. E lá seguem o seu caminho, descontraídos, passeando sem saber porquê ou para quê. Percebem que irão descobrir a resposta à medida que avançarem e que o desafio é levar de volta algo que justifique a sua caminhada deste dia. Atiram pedras às árvores. De perto e depois mais de longe. Gritam alto tentando recolher os sons num eco sempre difícil de obter. Arrastam os pés no musgo, na terra, levantam pó. Correm de braços abertos. Cansam-

-se. Sentam-se encostados à mesma árvore mas sem se verem. Tentam adivinhar os pensamentos um do outro, nesse jogo em que sempre não conseguem chegar a uma conclusão sobre a veracidade das características que as pessoas apontam à sua específica natalidade. De novo se levantam para andar à roda sobre si mesmos de olhos fechados até caírem tontos. Recuperados e com fome decidem abrir as mochilas retirando as sandes -as melhores do mundo, que o pai Zé lhes prepara para os seus piqueniques. Com cavalinha sem pele e sem espinha, cebola, pickles e um cheirinho de maionese. Ou as de requeijão com finas rodelas de tomate, um pouco de rúcula e um fio de azeite. Um manjar para pequenos deuses que os faz ficarem depois repousados

olhando para o céu através dos ramos dos pinheiros que filtram os raios de sol ou observando as nuvens a passar, imaginando que figuras lhes pretendem mostrar. Ganha o que conseguir ver um anjo. Tudo acaba em gargalhadas com cócegas à mistura. Levantam-se finalmente concordando que há uma tarefa a fazer e já não têm muito tempo que por estes dias anoitece cedo. Andam muito às voltas por ali na sua demanda até que se julgam meio perdidos vendo o sol já a pôr-se. Não estão habituados a andar assim tão livres na natureza. As escolas têm poucas árvores, as cidades não têm parques, os centros comerciais não têm jardins. Sentem que arrefeceu muito ao lusco-fusco. Não sabem porque não se encontra a bússola no bolso da mochila. Mas lembram-se que podem procurar a estre-

“O SONHO NÃO TEM IDADE” Até 14 JAN 2017 | CECAL - Centro de Experimentação de Loulé Alunos da disciplina de pintura a óleo e pastel da Universidade Sénior de Loulé expõem pela primeira vez as suas obras, onde partilham o sonho de pintar

la que lhes indique o caminho de regresso. Têm frio e vão olhando para o céu. Depois começam a confiar que o trajecto indicado por Vénus, a dita estrela da tarde é mesmo o certo. Finalmente, quando deixam para trás a última árvore surgem lá mais à frente, os néones da cidade e dos prédios com luzes enfeitando as varandas. Factos que indicam a proximidade do mundo a que se chamou civilizado, talvez porque aí vivem os chamados civis, deve ser por isso. Eles que por esta hora de início de noite já andam muito atarefados levando as mãos cheias de sacos. Hoje, a maior parte deles parece especialmente feliz como se algo de diferente estivesse para acontecer. Cansados, mas com uma etérea felicidade estampada nos rostos chegam a casa cuja porta se abre sem te-

rem de tocar. Depositam ali mesmo no hall de entrada, o pequeno pinheiro, as pinhas resinosas e o azevinho que carregavam nos braços, mas com o cuidado necessário para não sujarem os sacos azul claro e castanho ali já prontos para quando muito em breve o momento chegar. O pai diz-lhes que têm uma banheira cheia de água quente à sua espera. Percebem que a missão não mencionada foi cumprida. Passam antes pela cozinha para deixar um ramalhete de lírios que a mãe agradece sorridente apesar de não se poder afastar do fogão, de onde lhes dirige o olhar mais terno e confiante sorriso que uma criatura pode almejar. Por força das circunstâncias será a última vez que os gémeos, de nove anos feitos há bem pouco, tomarão banho juntos. A espuma do creme vai diluir-se na água que

arrefece na banheira. Deste lugar no tempo não vivido historicamente a que chamamos infância, estes anjos em breve serão despojados das suas armaduras e passarão a estar expostos nas suas alegrias e amarguras. Jantam a ementa que levou todo o dia a confeccionar. Peixe seco guisado com batatas; peru assado no forno com castanhas; leite-creme com puré de maçã; banana frita panada; pastéis fritos com recheio de batata-doce. Ao serão o pai coloca uma rodela de vinil no prato do gira-discos. Poisa-lhe a agulha nas estrias exteriores. Recosta-se feliz a escutar Chet Baker enquanto os miúdos decoram o pinheiro, orgulhosos do seu achado. Penduram-lhe enfeites coloridos. De seguida fazem uma coroa de azevinho que atam com um laço encarnado, colocando-o sobre a porta da sala. A brincadeira resulta em cheio. Quando a mãe se assoma à porta, para dizer que vai para o quarto descansar, pára sob o arranjo, e logo o pai se levanta, dirige-se para ela e dá-lhe um beijo na boca. Como numa tradição estrangeira que aprenderam num filme. Mas eles também querem a sua parte de mimo antes de irem para a cama. No dia seguinte Sílvia, David e José preparam fatias douradas para a mesa do pequeno-almoço quando ouvem os passos arrastados de Maria. Bom dia mãe! Estávamos à tua espera. Vem ver as prendas. Bom dia! responde estremunhada. Pergunta: que dia é hoje ? Hoje é dia de… Esperem lá meninos… acho que me rebentaram as águas. 

“PRESÉPIO GIGANTE DE VILA REAL” Até 8 JAN 2017 | Centro Cultural António Aleixo – Vila Real de Santo António Da autoria de Augusto Rosa e Teresa Marques, o presépio é composto por 4.500 figuras distribuídas por uma área de mais de 220 metros quadrados


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