ricardo claro
Missão Cultura: d.r.
Descobrir o portal das Experiências Culturais
p. 2
Fábrica dos Sentidos: a arte num discurso insuspeito p. 5
Letras e Leituras: d.r.
O Gigante Enterrado Ou a virtude do esquecimento p. 4
Esapço ao Património : d.r.
d.r.
Isso é tudo muito bonito, mas… (reflexões sobre Cultura)
Museu – Um trabalho com (e para) as comunidades p. 10
p. 8
Da minha biblioteca: d.r.
OUTUBRO 2015 n.º 85
Estética, técnica e ética por António Branco p. 11
Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o PÚBLICO 7.798 EXEMPLARES
www.issuu.com/postaldoalgarve
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09.10.2015
Cultura.Sul
Editorial
Missão Cultura
Chega-se burro, parte-se estúpido
Portal das Experiências Culturais foto: drcalg
Direção Regional de Cultura do Algarve
Ricardo Claro
Editor ricardoc.postal@gmail.com
AGENDAR
Apetece dizer-se que se chega burro e parte-se estúpido. A capital de distrito tem um dos núcleos históricos intra-muralhas, sem me referir ao restante, dos mais interessantes do Algarve. Faro tem hoje, cada vez mais, e ainda bem, uma procura turística interessante e que dá sinais de crescer. A Vila Adentro oferece-se ao visitante como um microcosmos patrimonial e um espaço de fruição e lazer de rara beleza e que do qual poucas outras terras na regiãos se podem gabar em termos de concentração, numa única zona geográfica especificamente localizada face à malha urbana. Mas quem visita a Cidade Velha está votado ao quase abandono em termos informativos. Excepção feita à parca informação panfletária entregue a propósito de uma visita à Sé, num papel de terceira categoria a troco de três euros por cabeça e a umas raras placas informativas que nada dizem ou quase, ao visitante diz-se nada! Passa o comboio turístico com os altifalantes a debitarem informação que espero esteja sincronizada com a viagem e apetece nele embarcar para ouvir e sair de um espaço onde nada se explica e nada se diz. Não há uma única placa com o famoso "i" de informação para - caso existam - se saiba onde ir buscar folhetos informativos. Não há áudio-guias disponibilizados no local ou para descarga on-line. Nada. Valha a repintura dos arcos da Vila e do Repouso - de capela fechada a esconder o interior, e nada mais. Insuficiente, deficiente e indigno.
De entre as estratégias adotadas pela Direção Regional de Cultura do Algarve para a prossecução das suas competências e o cumprimento dos objetivos definidos no seu plano anual de atividades, assinalam-se a promoção da sensibilização para as artes e para a proteção e valorização do património cultural através de ações educativas, e o reforço do valor percebido da cultura, promovendo programas multissectoriais com o setor da Educação. Numa região como o Algarve, ainda com assimetrias no acesso à cultura e à fruição dos bens culturais, a definição de uma estratégia conjunta, a nível nacional, entre a educação, as artes e a cultura constitui uma clara oportunidade para estabelecer como objetivo a constituição de uma biografia cultural dos alunos ao longo da sua vida escolar. Em termos nacionais, a Estratégia Nacional para a Educação e Cultura (ENEC) procura precisamente corresponder a essa oportunidade: é
Atividade artístico-cultural efetuada nos Monumentos Megalíticos de Alcalar pelo Teatro Experimental de Lagos (TEL) com a Escola Básica de Alvor, no âmbito das Jornadas Europeias do Património 2015 um programa governamental, concebido e desenvolvido em articulação entre o Ministério da Educação e Ciência e o Secretário de Estado da Cultura, que procura promover um plano de ação a longo prazo, nas áreas da educação, das artes e da cultura. A ENEC visa contribuir para uma maior presença das atividades artísticas e culturais em todos os níveis de escolaridade do sistema educativo, desde a educação pré-escolar
até ao final do ensino secundário. Simultaneamente, a ENEC permite visualizar as ações já em curso, valorizando o seu impacto nas áreas da educação e da cultura, designadamente projetos desenvolvidos em ambiente escolar, programas dos serviços educativos das instituições culturais, iniciativas de artistas e formadores de artes. É neste contexto que foi desenvolvido o «Portal das Experiências Culturais», que
visa estabelecer uma maior proximidade entre os agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas e os organismos culturais. Trata-se de um recurso tecnológico que articula as ofertas de propostas artístico-culturais com os projetos desenvolvidos em contexto escolar, permitindo aos alunos, docentes e agentes culturais, promotores das diversas iniciativas e registados no portal, partilharem dados e conhecimentos.
Além deste sistema de partilha de dados, o «Portal das Experiências Culturais» desenvolve-se em dois outros eixos fundamentais: a possibilidade de registo das atividades artísticas e culturais realizadas pelos alunos ao longo do seu percurso escolar, de modo a criar e a estabelecer um histórico de experiências que permita a emissão de uma biografia cultural do aluno; e a possibilidade de recolha e sistematização de novos indicadores estatísticos e informação útil para o desenvolvimento de novas políticas públicas nesta área, tendo em conta o perfil cultural dos educandos. Esta iniciativa, que conta com a colaboração da Direção Regional de Cultura do Algarve, é operacionalizada através da Direção-Geral da Educação, da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, do Gabinete de Estratégia, Planeamento e Avaliação Cultural, da Direção-Geral do Património Cultural, da Direção-Geral das Artes, do Instituto do Cinema e do Audiovisual, I. P. e da Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas. Consulte o «Portal das Experiências Culturais» em www.educacaocultura.gov.pt. Registe-se! Participe!
Juventude, artes e ideias
Poesia a Sul Jady Batista Coordenação do Jornal J
Depois de um verão com eventos de grande qualidade, como o Sai à Rua, Festival de Cores, Noites de Levante, o município entra no último trimestre do ano com mais uma grande iniciativa cultural.
Trata-se da primeira edição do encontro Poesia a Sul, uma organização da Câmara Municipal de Olhão. A iniciativa, comissariada pelo poeta olhanense Fernando Cabrita, traz ao concelho nomes nacionais e internacionais, como Manuel Alegre, Amadeu Batista, Teresa Rita Lopes, Fernando Esteves Pinto, ou Manuel Moya, entre muitos outros, fazendo deste o maior encontro de poesia a sul de Lisboa. De 1 a 17 de outubro, não pode perder, momentos de
“A JIGSAW E PEDRO E OS LOBOS” 10 OUT | 21.30 | Grande Auditório do TEMPO ‘Encontramento’ dá nome ao álbum e ao espectáculo e apresenta-se como o encontro de duas bandas que seguiram diferentes caminhos sem nunca perderem de vista um possível encontro
d.r.
poesia, música, teatro, debates, apresentações, leituras, recitais, exposições, um pouco
por toda a cidade. Olhão não para, efetivamente! Ao longo dos últimos
anos temos assistido a uma crescente dinâmica do nosso concelho a vários níveis, nomeadamente a nível da juventude, do desporto e da cultura. Estão de parabéns o município e os seus espaços culturais, cada vez com uma oferta mais abrangente e atrativa, as associações e restantes entidades que se têm juntado a este “movimento” e contribuído para que Olhão seja hoje uma referência nacional, com repercussões no turismo e na economia.
“ATÉ AO FIM” 17 OUT | 21.30 | Teatro das Figuras - Faro Katia Guerreiro, voz consagrada do fado, sobe ao palco para apresentar um espectáculo cheio de emoções passadas, presentes e futuras. É o disco pelo qual Katia Guerreiro sempre esperou
Cultura.Sul
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Grande ecrã Cineclube de Faro
Programação: cineclubefaro.blogspot.pt CICLO “A CORAGEM ANTE O ABSURDO” | 21.30 HORAs 13 OUT | IPJ | TIMBUKTU, Abderrahmane Sissako França/Mauritânia, 2014, 97’, M/14
20 OUT | TMF | TÁXI, Jafar Panahi, Irão, 2015, 82’, M/12 27 OUT | IPJ | BANDO DE RAPARIGAS, Céline Sciamma, França, 2014, 113’, M/14 SEDE | 21.30 HORAS | ENTRADA LIVRE A TELA AOS SÓCIOS | “EU E O OUTRO OU HUMANIDADE PERDIDA” 22 OUT | PROMESSAS PERIGOSAS, David Cronenberg, EUA/GB/Canadá, 2007, 100’
Confronto com o absurdo Regressa o CCF à programação de algum do melhor cinema não comercial que entre nós tem estreado, num mês de Outubro cujo mote é o do confronto com o absurdo. É Difícil ser um Deus abre o ciclo, adaptação de uma novela épica de ficção científica dos irmãos Stugarsky, este é o filme testamento do cineasta russo Alexei German, projecto que aliás não chegou a ver finalizado em vida. Filme limite indecifrável rodado em longuíssimos planos-sequência cheios de movimento interno e de uma intensidade esmagadora, que pretendia ser uma metáfora histórica sobre Estaline, mas que mais parece um retrato dos corredores do poder da Rússia actual. Segue-se Timbuktu, um filme com uma forte dimensão política, que encena os efeitos aterradores do fundamentalismo islâmico numa comunidade do Mali, mas também tem a capacidade de exaltar um Islão aberto e tolerante. Táxi, de Jafar Panahi, é um dos pratos fortes da programação deste mês, filme interdito
Cineclube de Tavira fotos: d.r.
Programação: www.cineclubetavira.com 281 971 546 | cinetavira@gmail.com SESSÕES REGULARES | CINE-TEATRO ANTÓNIO PINHEIRO | 21.30 HORAS 15 OUT | A PIGEON SAT ON A BRANCH REFLECTING ON EXISTENCE (UM POMBO POUSOU NUM RAMO A REFLECTIR NA EXISTÊNCIA), Roy Andersson – Suécia/Alemanha/Noruega/França 2014 (101’) M/14
Imagem do filme Táxi, de Jafar Panahi no Irão, de um realizador que foi proibido de filmar durante 20 anos e que continua munido de uma criatividade e de uma resiliência ímpar a filmar recorrendo a artifícios como o que este Táxi apresenta. Vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim de 2014, Táxi é um filme maior, que respira cinema e vive liberdade.
O mês encerra com a estreia de Céline Sciamma nas salas portuguesas, arrancando um dos mais luminosos e certeiros filmes que estrearam nos últimos meses, falamos de Bando de Raparigas. Este é o cartaz principal, mas é de muitas outras propostas que o “nosso” mês se faz. Cineclube de Faro
22 OUT | JOÃO BÉNARD DA COSTA: OUTROS AMARÃO AS COISAS QUE EU AMEI, Manuel Mozos – Portugal 2014 (75’) M/12
29 OUT | INHERENT VICE (VÍCIO INTRÍNSECO), Paul Thomas Anderson – E.U.A. 2014 (148’) M/16
Espaço AGECAL
Do património genealógico e arquivístico ao turismo cultural Óscar Caeiro Pinto Arquivista / Membro da Associação Portuguesa de Genealogia Investigador convidado da AGECAL
Este título pode parecer uma autêntica salada russa, mas abarca assuntos com alguma similitude como vamos ver. Desdobrando e começando pelo chamado “património genealógico”. Uma pessoa além dos genes (ADN) que recebe dos pais herda também todo um passado, um património genealógico resultante de inúmeras ligações entre famílias diferentes ao longo do tempo. Deste longo somatório de gentes fruto naturalmente das escolhas amorosas e sociais feitas pelos nossos antepassados, herdamos todo um património material e imaterial que nos molda física e culturalmente. Hoje em dia as famílias e as comunidades procuram
redescobrir e estabelecer esta identificação histórica, daí a corrida aos arquivos em busca do conhecimento das origens, em busca da chamada ancestralidade. Donde vem a nossa família? Quais são as nossas raízes? Como se ligou no passado a nossa família com a terra e com as figuras e alguns factos da história? Quem somos nós? Sim, importa procurar responder a estas questões para um melhor conhecimento da nossa identidade cultural. Aqui entra a investigação genealógica e o património arquivístico. A vida é sempre efémera, mas é sempre possível reconstituir a história de uma pessoa ou de uma família pela pegada documental que deixou. Desde o nosso registo de nascimento até ao nosso registo de óbito, de uma forma direta ou indireta produzimos documentos ou somos mencionados em vários documentos, pois por natureza somos seres burocráticos. Por norma a documentação necessária para se fazer genealogia foi recolhida em arquivos e já faz parte do património arquivístico nacional. Os diferentes tipos de arquivos (municipais, distritais, o arquivo Nacional
d.r.
Imagem do edifício do Arquivo Distrital de Faro da Torre do Tombo) guardam, tratam e disponibilizam assim a nossa memória coletiva. Graças a esta preciosa documentação podemos ma-
pear a nossa ascendência. Sem ovos não se fazem omeletes e sem estas fontes documentais o investigador não faria certamente genealogia /
história da família. Resta-nos tecer algumas considerações sobre o “turismo cultural! Onde se encaixa nisto tudo? Sabemos que o moderno e esclarecido turista, no seu tempo de lazer, já não se contenta só com sol, mar e uma boa gastronomia. Neste nível de exigência procura-se a combinação perfeita, tudo o que já foi referido anteriormente (sol, praia…), enriquecido com um complemento de conhecimento cultural. Por exemplo, visitar e apreciar o património histórico construído, museus, entre outras atividades. Mas, existe uma pequena tendência neste turismo cultural, o genealogista-turista (um nicho de mercado?). Depois de investigar e documentar a sua ascendência nos arquivos, este procura agora associar as suas férias ao local onde viveram os seus antepassados, aproveitando para conhecer a região. Ainda recentemente tive oportunidade de conhecer um casal de genealogistas-turistas que vieram a Tavira para visitar as igrejas onde foram batizados os seus ancestrais, assim como os sítios onde moraram. Torna-se muito gratificante estabelecer esta ponte entre o passado e o presente, entre os mortos e os vivos!
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Cultura.Sul
Letras e Leituras
O Gigante Enterrado - Ou a virtude do esquecimento
Paulo Serra
Investigador da UAlg associado ao CLEPUL
Kazuo Ishiguro nasceu em Nagasáqui, Japão, em 1945, e reside no Reino Unido desde os seus cinco anos. A Gradiva publicou recentemente O Gigante Enterrado, o seu último romance. O autor tem vários livros, todos eles traduzidos e publicados por esta editora, de que se destacam Os Despojos do Dia, o seu primeiro romance de fôlego, e Nunca Me Deixes, considerado também uma das suas melhores obras. Em Os Despojos do Dia (1989), vencedor do Booker Prize e adaptado ao cinema, com interpretações de Anthony Hopkins e Emma Thompson, a ação decorre no período pós-guerra em Inglaterra, em 1956, quando Stevens, um mordomo, empreende uma viagem de carro que é também o mote para uma digressão ao seu passado. Ao fim de três décadas de serviço incondicional, este mordomo dá por si a rever o seu passado, a sua lealdade para com o senhor da casa, Lord Darlington, figura moralmente duvidosa, mesmo que Stevens o tenha servido sempre incondicionalmente, procurando ignorar as falhas do patrão. Este mordomo que procurou ser sempre um modelo de dignidade e das regras de etiqueta (considere-se, a título ilustrativo, essa série de costumes que é Downton Abbey que tão bem procura retratar o modo de vida e os dilemas da criadagem de uma grande casa senhorial) pode parecer ao leitor uma figura pouco simpática, pela sua reserva e conservadorismo, mas cuja verdadeira natureza humana, cheia de dúvidas e remorsos, se vai revelando mais e mais, até ao reencontro entre Stevens e Miss Kenton, em que ela lhe confessa como tentou que ele respondesse aos seus sentimentos e afecto. Nunca Me Deixes (2005),
igualmente nomeado para o Booker Prize, conta-nos uma extraordinária história que varia em muito em termos de género das suas obras anteriores, como é aliás habitual neste autor, incorrendo nos meandros da ficção científica. Alguns críticos encararam a história como chocante, o que não invalidou a sua adaptação ao cinema, contando com interpretações de uma geração mais jovem de autores como Keira Knightley, Carey Mulligan e Andrew Garfield. O tema do livro é uma visão da humanidade confrontada com a sua própria fragilidade, a sua mundanidade e o seu desejo de imortalidade pois o leitor aperceber-se-á que as personagens de Kathy e Tommy, estudantes em Hailsham, a melhor e a mais privilegiada das escolas, sujeitos a uma vigilância constante e a testes médicos semanais, são afinal clones, que vivem vidas breves e vazias, criados pelo Estado com a função única de gerarem e providenciarem órgãos saudáveis aos cidadãos britânicos. Não contando com os contos de Nocturnos (2009), O Gigante Enterrado é o regresso do autor ao romance, após quase dez anos. Da mesma forma que a fição científica não tem apenas a ver com naves e robots, mas sim com as grandes questões existenciais da Humanidade e da ausência ou da possibilidade de um futuro melhor, quer seja ou não suportado por uma evolução tecnológica, a fantasia e a alegoria permitem atentar no real e no ordinário tão ou mais eficazmente do que um retrato cruamente realista dessa mesma realidade. O Gigante Enterrado tem sido considerado como uma obra de fantasia (ressalve-se na capa do romance a citação de um dos mais aclamados contemporâneos autores de fantasia, Neil Gaiman, que escreveu sobre este romance no The New York Times), onde o mito e a memória, a alegoria e a imaginação, jogam um importante papel. «Teria sido necessário procurar muito tempo para encontrar o género de vereda sinuosa ou de prado tranquilo que mais tarde viriam a celebrizar a Inglaterra. (...) Nevoeiros gé-
fotos: d.r.
Kazuo Ishiguro esteve cerca de dez anos sem publicar um romance lidos pairavam sobre rios e pântanos, sendo vantajosos para os ogres que nesse tempo ainda habitavam a região.» (p. 9). O início do romance remete claramente a ação a um passado distante e situa-a na Inglaterra do mito e das brumas, esboçando ainda com a referência aos ogres o género de fição aqui explorada, uma fantasia pós-moderna cujos limites são naturalmente esbatidos, que catapulta o leitor para um tempo remoto, em oposição ao futuro explorado no romance anterior. A bruma referida logo na abertura do romance e que inicialmente parece representar essa eterna condição climatérica nebulosa da Grã-
-Bretanha, é afinal um nevoeiro que traz consigo não tanto a falta de visibilidade mas sobretudo o esquecimento. Por isso mesmo, os protagonistas Axl e Beatrice são um casal de idosos por quem é inevitável sentir profunda simpatia e carinho, dada a sua profunda devoção um pelo outro, mesmo que eles próprios já não se recordem porque permanecem juntos ao fim de tantos anos. E a reforçar esse sentido alegórico da narrativa pode ler-se que «Talvez esses não fossem os seus nomes exactos ou completos, mas, por uma questão de facilidade, é assim que nos iremos referir a eles.» (p. 10). Kazuo Ishiguro escreve sobre um mundo no passado
Escritor tem várias obras publicadas em Portugal
que não consegue recuperar o seu passado, sem história e sem rumo, condizente com o período medievalizante que retrata, de Idade das Trevas, possivelmente entre os séculos V ou VI, num reino outrora governado por Artur, em que Bretões e Saxões convivem pacificamente. Apesar do nevoeiro desmemoriante que assola esse mundo, Beatrice agarra-se à convição de que ela e Axl tiveram em tempos um filho, que partiu para uma aldeia distante e de quem há muito não recebem notícias, mas que ela sente intensamente chamar por eles. Encetam assim uma viagem por territórios desconhecidos, mas vagamente familiares, num reino de bruxas, ogres, monges e dragões, encontrando pelo caminho cavaleiros que parecem personificar figuras lendárias como Beowulf, no caso do guerreiro Wistan, cuja missão é matar o dragão Querig, ou cavaleiros da Távola Redonda como Gawain, sobrinho do Rei Artur (e figura assaz quixotesca), cuja missão é defender essa mesma criatura. Mas não confundamos este romance com o género épico patente em A Guerra dos Tronos: aqui o ritmo é lento, os diálogos são ritmicamente repetitivos, a ternura entre o
casal de velhotes é símbolo de um amor que vive além do tempo e dos erros do passado, o sentido de honra é premente mesmo quando cavaleiros se digladiam entre si ao mesmo tempo que tecem louvas ao nobre adversário, e o passado espreita sempre sob um primeiro olhar de breve reconhecimento. Numa narrativa simples, poética, por vezes com ritmo lento, perceberemos, num final em aberto, e com algumas surpresas, que nem tudo é assim tão linear, nomeadamente quando se fala nesse barqueiro que no fim da travessia interroga os casais, para apurar se estão realmente unidos pelo amor verdadeiro, ou de como um jovem mordido por um dragão se torna num apaixonado do dragão-fêmea, cujo bafo é o responsável pela neblina que embota a memória, e de como o esquecimento tem a grande virtude de permitir perdoar e viver numa paz aparente com o outro. Fica também a dúvida, no final, se o Gigante Enterrado é o dragão, o peso do esquecimento e do passado, ou talvez a esperança que dá pelo nome dessa Espada que desenterrada traria os tempos áureos do Rei Artur de volta.
Cultura.Sul
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Panorâmica
Um espaço de arte do outro lado da linha fotos: ricardo claro
Ricardo Claro
O público e a realidade actual
Jornalista / Editor ricardoc.postal@gmail.com
A linha do comboio, sempre a linha do comboio. Em Faro a relação da população com a Ria Formosa e com tudo o que fica para além da linha do comboio é problemática, mas é apenas isso... problemática. É psicológico, muito mais do que real o problema e do lado de lá da linha há já muito a acontecer. O parque ribeirinho da Faro, com espaços de lazer e de fruição, nomeadamente para o desporto, veio em larga medida desformatar a ideia enraizada de que do outro lado da linha é do lado de lá do mundo. O mesmo faz, dia após dia e desde há dois anos, o espaço “Fábrica dos Sentidos”, um espaço dedicado às artes e ao fenómeno criativo que aposta numa linguagem diferente dos formatos habituais para realizar um discurso artístico junto dos visitantes. De quinta-feira a domingo, a proposta é a de se deixar levar por um ‘open space’, onde pode ver artes várias, tomar um café, comprar peças, beber uma bebida, ler, estudar, e tudo o mais até mesmo apenas contemplar. Situado nas traseiras da estação da CP de Faro, com acesso rodoviário pela passagem de nível do Teatro Municipal ou a pé pela passagem para peões nas traseiras da doca, ou mesmo atravessando a linha na estação de comboios, trata-se, de acordo com Mató [Marco António], um dos seus fundadores, de um projecto cuja ideia fundamental é que “o panorama cultural da cidade cresça evolua e mude, mude muito. Desejamos que as pessoas tenham uma maior consciência da nossa história, do nosso património e da nossa cultura, bem como, das novas tendências e ideias que fazem com que a realidade cultural seja sempre evolutiva e criadora”. “A cultura é fundamental para que nós, portugueses, nos encaremos cada vez mais sem nenhum tipo de fatalismo, sem nenhuma ideia de ‘coitadinhos’ e consigamos perceber o valor real que temos e as nossas potencialidades sem constrangimentos de qualquer ordem”, defende, sublinhando que “este género de projectos serve para criar consciência, abrir novos caminhos, apresentar novas propostas e alternativas credíveis e que um dia podem crescer e maturar”.
A 'Fábrica dos Sentidos' é um espaço dedicado às artes sem formatos pré-concebidos imposição tão forte como respirar. Pode ser esta a leitura das palavras de Mató, um performer que percorreu o mundo, influenciou e se deixou influenciar sem esquecer a sua terra, as suas origens e uma aposta clara no sítio que o viu nascer. “Este projecto é muito mais antigo do que o espaço. Antes de mais estivemos aqui durante cerca de nove meses de porta fechada a torná-lo adequado e habitável para o fim que pretendíamos dar-lhe, foi um esforço de cerca de 60 pessoas para tornar realidade o espaço físico e é, hoje ainda, um processo em contínuo que decorre e se vai prolongar”. Segundo Mató, a Fábrica dos Sentidos “é um projecto colectivo que envolve desde o início muita gente além de mim, uns que estão cá desde a primeira hora, outros que estiveram e foram saindo, mas que felizmente em grande parte continuam na cidade a desenvolver os seus projectos, e ainda outros que estão sempre a integrar o projecto”. “Pela minha parte sempre achei que
fazia falta um projecto deste tipo aqui na cidade, nasci no hospital velho, sou de Estoi e vivo em Olhão - sou olhanense de coração - e considerava que tinha a obrigação, já que estive envolvido em outros projectos do género na Europa, de criar na minha terra algo de similar”, reforça. “Depois, criaram-se as condições para que se tornasse realidade, por um lado uma necessidade de diversas associações, cerca de 20 na fase inicial, de terem um espaço para desenvolverem os seus projectos e a crise que fez com que fosse possível ter este espaço a um preço enquadrável nas nossas capacidades financeiras”, recorda, numa retrospectiva sobre a aposta que fez o colectivo num espaço pensado para ‘pensar fora da caixa’.
fuso, mas capaz de gerar impressões marcantes e que convida a uma apropriação descomplexada das mensagens artísticas veiculadas. A Fábrica dos Sentidos não é um sítio formatado onde as pessoas vão ver divisórias entre as diferentes áreas. Há uma leitura que pode ser feita de forma individualizada num espaço que tenta ser uma continuidade de carácter quase orgânico e em plena evolução e mutação. Segundo Mató, “como disse Darwin “the mind is the chaos of delight”. A inexistência de barreiras físicas propõe a ideia de inexistência de barreiras psicológicas na leitura que cada um possa fazer do espaço e do que ele contém, mostra e convida a interpretar”.
Um espaço sem formatos pré-concebidos
O convite de um espaço aberto a todos, do público aos artistas
Uma nave industrial ganhou assim um ambiente único e singular, discursivamente aparentemente con-
“O processo criativo é tão individual como colectivo, aqui há espaço para tudo, do mais ao menos formal e apresentam-se ideias que vão de criações maturadas a projectos em pleno desenvolvimento e mesmo em fase de experimentalismo”, refere Marco António, que é em grande medida o rosto do espaço. “Pode ser arte ou comunicação pura e dura, tratam-se de ideias e jogos com a realidade que pretendem abrir leituras e percursos de pensamento e sensações a quem visita o espaço”, diz, tudo numa paleta onde ao mesmo tempo se encontram trabalhos artísticos já concebidos em termos finais. O público alvo são todas as pessoas que tenham interesse por arte em geral e pelo processo criativo, seja do ponto de vista da visita simples do espaço, seja para poder ficar por ali a ler, a tomar um café ou uma bebida ou simplesmente estar. Por outro lado, diz Mató, “qualquer pessoa de qualquer área que deseje ter um espaço para desenvolver um qual-
Um projecto pensado durante anos, por um colectivo apostado em fazer Fazer é a palavra de ordem, criar uma
quer projecto tem aqui também um espaço aberto a criar condições para esse processo criativo poder ter uma ‘casa’. Somos um projecto cooperativo aberto à sociedade e que acolhe as ideias sem preconceber resultados, num atitude de absoluta liberdade criativa”.
Mató realizou o projecto sonhado aos 15 anos
“O nosso público actual ainda passa muito pela comunidade estrangeira residente e desde há cerca de ano e meio pela comunidade de turistas que visita Faro e em particular a que está nos mais de 20 hostels que foram abrindo na cidade e que lhe deram uma vida completamente nova da qual as pessoas ainda não se apercebem de forma completa, mas que se tornará notória dentro de três a cinco anos”, refere Mató. “Pela primeira vez Faro tem turismo como nunca teve e um mercado e um público como nunca conheceu que visita e ‘consome’ a produção cultural local”, reforça, reconhecendo que, “por outro lado, temos uma acentuada presença de alunos de Erasmus que frequentam felizmente a nossa universidade, que tem realmente apostado nesta ferramenta de atracção de massa crítica para a cidade, que traz consigo um diversidade cultural de grande relevo”. Para o artista, “a cidade está a mudar num processo que é já irreversível, venham as forças de bloqueio que vierem. Pela nossa parte, enquanto projecto que se desenvolve numa zona da cidade que sendo a mais nobre está desaproveitada, estamos a participar nesse esforço de criar uma nova realidade na cidade”. E esclarece a ideia: “Em qualquer parte da Europa estes projectos servem para espicaçar zonas degradadas e menos aproveitadas pelas populações e que com o tempo e a atracção de públicos que fazemos vão sendo novamente vividas pelas pessoas. Depois, vem a especulação imobiliária e prossegue à sua maneira o trabalho de re-inclusão destas zonas na estrutura vivencial da cidade que iniciámos”. Para Mató, que realiza o projecto sonhado aos 15 anos de idade, agora que tem 41, “este é um processo que deveria ser replicado em várias zonas da cidade, reinventado a utilização dos espaços e a forma como as pessoas encaram a malha urbana”. “Os artistas fazem este trabalho de ‘partir pedra e de recuperar’ e depois avançam para novas áreas para reiniciar o processo com a zona entretanto intervencionada a ganhar a sua vida própria”, refere. Entretanto, as portas da Fábrica dos Sentidos estão abertas para miúdos e graúdos, num convite a viajar pelo pensamento e pelos sentidos de forma descomplexada porque afinal a arte é isso mesmo uma viagem pela vida.
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09.10.2015
Cultura.Sul
Artes visuais
Qual a importância da cor nas artes visuais? (2)
Saul Neves de Jesus
Professor catedrático da UAlg; Pós-doutorado em Artes Visuais pela Universidade de Évora
AGENDAR
No último número analisámos alguns dos principais contributos ocorridos até ao século XVIII para compreender a importância da cor em artes visuais. Neste número vamos analisar alguns dos principais contributos ocorridos desde então. No século XIX decorreram avanços importantes em diversos planos do estudo da cor, com influências para o desenvolvimento das artes visuais. Em termos da química da cor, destaca-se o trabalho do químico Chevreul que, em 1839, publicou “A Lei do Contraste Simultâneo de Cor” e, em 1855, apresentou o seu diagrama cromático, baseado no modelo das cores primárias RYB (“red, yellow, blue”), mostrando a complementaridade entre elas. Por seu turno, o conhecimento do funcionamento da visão tricromática deve-se aos trabalhos realizados pelo físico James Maxuell e pelos fisiólogos Thomas Young e Herman Helmholtz. Em particular, Maxuell, ao definir o fluxo luminoso como radiação eletromagnética, juntou a hipótese fotoquímica com a hipótese fotoeletríca. Aplicando os princípios que formulou, reproduziu pela primeira vez em 1861 aquela que é considerada a primeira fotografia colorida, utilizando filtros vermelho, verde e azul e sobrepondo as três imagens assim obtidas por síntese aditiva. Desta forma inaugurou o método da seleção de cores, isto é a decomposição das cores naturais nas três cores primárias. Destaca-se ainda no século XIX o trabalho de Goethe, um conceituado escritor e poeta que se interessou pela questão da cor e que contrariou a teoria de Newton. O seu interesse
pelas cores começou após uma viagem a Itália, em 1786, em que teve um contato direto com a pintura renascentista. O livro de cerca de 1.400 páginas sobre a teoria das cores (“Zur Farbenlehre”), de Goethe, foi publicado em 1810. A sua principal objeção em relação a Newton era que a luz branca não poderia ser constituída por cores, pois cada uma destas é mais escura que o branco, defendendo que as cores seriam o resultado da interação da luz com a “não luz” ou escuridão. Assim, a experiência da luz decompor-se ao passar através dum prisma de vidro foi por ele explicada por o vidro enfraquecer a luz branca. Outra das suas conclusões foi que os objetos brancos parecem maiores que os pretos. Assim, enquanto Newton estudava as cores como um fenómeno puramente físico, Goethe evidenciava que as sensações de cores são moldadas pela nossa percepção e pela forma como o cérebro processa as informações. Goethe colocava a questão, “de que vale olhar sem ver?” (cit. em Pedrosa, 2009). Desta forma, retoma a ideia de Kepler, do final do séc. XVI, o qual separava o problema físico da formação das imagens retinianas (o mundo visto) dos aspetos psicológicos da percepção (o mundo percebido). Defendia que o olhar é sempre crítico e que ao olharmos já estamos a teorizar. A cor não seria apenas a luz, mas também a paixão do olhar na forma como construímos o mundo visível, a partir do claro, do escuro e da cor. O discurso de Goethe era simultaneamente científico e poético, pois considerava que seria esta paixão que tornaria possível que a pintura fosse capaz de produzir, no plano, um mundo visível mais perfeito do que o mundo real (Pedrosa, 2009). As ideias de Goethe sobre as cores tiveram um importante impacto sobre o trabalho de vários artistas. Em particular, um pintor muito influenciado pelas ideias de Goethe foi Turner, o qual produziu inclusivamente uma pintura intitulada “Luz e Cor (Teoria de Goethe)” (1843). Para além de Goethe, as descobertas ocorridas no estudo da
fotos: d.r.
Pintura “Luz e Cor (Teoria de Goethe)”, de Turner (1843), parcial
cor no século XIX tiveram uma influência particular sobre os impressionistas, com o revolucionário posicionamento dos artistas perante a natureza, procurando mais luz e cor, e com o processo técnico de pequenas pinceladas de cor na tela. Desta forma, os impressionistas opunham-se à arte de ateliê que buscava os seus temas fundamentalmente à história e à mitologia, sendo dominada por cores sombrias, numa
“RAPSÓDIA DE PINTURA” Até 29 OUT | Casa dos Condes - Alcoutim Ana Bela Silva Vieira reside em Sanlúcar do Guadiana, onde tem uma galeria de arte. Foi na vizinha povoação espanhola que começou a pintar com mais frequência
iluminação artificial. Como afirmava Riviere, em 1877: “Tratar um tema pelas cores e não pelo assunto em si é o que distingue os impressionistas dos outros pintores” (cit. em Walther, 2006). Os quadros impressionistas eram pintados diretamente no local do seu tema, em geral a natureza. Nas palavras de Émile Bernard: “pintar ao natural não é copiar o objeto, é realizar sensações” (cit. em Pedrosa, 2009).
Além disso, procurava-se representar a realidade circundante tal como é vista pelo próprio artista, traduzindo este na tela, não o retrato, mas sim a impressão do que está a ver, expressando na tela essas impressões de luz, cor e movimento. O quadro “Impressão ao nascer do sol”, de Monet (1873), é em geral apontado como marcando o início do impressionismo e como tendo dado origem à designação deste movimento artístico. A arte deveria ser um prazer para o artista, sendo esta autonomia da criação pessoal cada vez mais importante na concepção da “arte pela arte”. De acordo com Santaella (2009), os impressionistas criaram uma nova ordem de visualidade baseada nas impressões coloristas constantemente mutáveis. A decomposição das cores impressionistas foi depois transformada num sistema teórico pelos neoimpressionistas, em particular a partir do pontilhismo ou divisionismo de Georges Seurat, sobretudo influenciado por Chevreul. Neste caso, a imagem numa pintura era conseguida através de pontos ou manchas de cor que interagiam no plano ótico, em vez de serem misturadas como pigmentos, o que se pressupunha permitir conseguir o máximo de luminosidade. O início do século XX é pleno de manifestações artísticas em que o uso da cor é também um aspeto essencial. Em 1903,
Pintura “Impressão ao nascer do sol”, de Monet (1873), parcial
agrupados em torno de Henri Matisse, os fauves (“selvagens”) intensificaram a independência das cores que irradiam como potência autónoma das formas, enquanto, em 1905, os expressionistas alemães proclamaram o “olhar interno” para dar expressão aos efeitos dramáticos que a aparência do mundo desperta no artista. A cor começa a despontar cada vez mais como linguagem autónoma, independentemente do motivo, do tema ou da forma. Aprofundando as pesquisas da cor como linguagem autónoma, abria-se o caminho para a abstração pictórica com as obras de Frank Kupka, de Paul Klee ou de Vassili Kandinsky, entre outros. Nas palavras deste último, “em pintura cada cor é bela interiormente, porque cada vibração enriquece a alma” (Kandinsky, 1954). Ele acreditava que a cor podia ser usada numa pintura como algo autónomo e distanciado de uma descrição visual de um objecto ou de uma qualquer forma. Em 1910 pintou a sua primeira “improvisação” completamente despojada de qualquer referencial externo e, entre 1911 e 1914, período em que fez parte do grupo designado “O cavaleiro Azul”, as suas pinturas foram compostas por massas coloridas largas e bastante expressivas, a partir de formas e linhas que já não serviam para delimitá-las. Kandinsky estabeleceu paralelismos entre a pintura e a música, acreditando que as cores, tal como as melodias e os sons, poderiam provocar diferentes emoções. Durante o século XX, até à atualidade, ocorreram ainda vários contributos relevantes no âmbito do estudo da cor para as artes visuais, os quais analisaremos no próximo número. Este artigo integra o livro “Construção de um percurso multidisciplinar, integrativo e de síntese nas Artes Visuais”, de Saul Neves de Jesus (snjesus@ualg.pt). Todas as receitas obtidas com a venda deste livro revertem a favor da compra de uma mesa de gravura para o curso de Artes Visuais da Universidade do Algarve. Pode ser adquirido na Fnac de Faro
“OLHÃO DA RESTAURAÇÃO” Até 28 OUT | Biblioteca José Mariano Gago - Olhão Apenas com o auxílio de uma caneta Conceição Pires percorre a cidade de Olhão, traçando com precisão e delicadeza no papel os vários edifícios e locais históricos
Cultura.Sul
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Momento
António Zambujo no Festival F Foto de Ana Omelete
Espaço ALFA
Precisão no tempo e espaço na Natureza
Mauro Rodrigues Membro da ALFA
Quando olhamos para a Natureza, parece-nos tudo um bocado desorganizado, mas na verdade ela tem por debaixo da sua pele, uma arquitetura tão precisa que por vezes até assusta quando começamos a pensar verdadeiramente sobre ela. Mesmo que o Homem plante as suas estruturas na paisagem, ela modifica-se e adapta-se criando equilíbrio, para sustentar um sistema. Este equilíbrio é formado por padrões que se repetem ao longo do tempo, 365 dias por ano, uma vez que o planeta Terra roda em função da proximidade da Lua e do Sol. Com tanta precisão no
espaço e no tempo, basta aos fotógrafos aproveitar estes padrões que se repetem de ano para ano para capturar
os seus melhores momentos que podem ser antecipados com uma precisão quase diária e nos mesmos sítios do
costume. Não quer dizer que possa carregar a mochila com as suas lentes favoritas e partir para a aventura do
desconhecido encontrando aleatoriamente beleza em sítios improváveis, o que será certamente recompensador,
mas também pode ser uma perda de tempo a longo prazo e nos tempos que correm, tempo é dinheiro. Já na parte da composição da fotografia de Natureza, tentem sempre preenchê-la com elementos interessantes, obriguem o olhar a descobrir tudo o que vos apaixonou naquele local que visitaram, percam tempo com os seus padrões, texturas, cores e linhas. Em termos de equipamento prefiram objectivas grandes angulares, macro e teleobjectivas de grande alcance. Consultem a Meteorologia dias antes, utilizem igualmente um referenciador GPS para catalogarem locais, adquiram galochas e protecções para a câmara e não se esqueçam dos filtros, tripé e flash para compensar as sombras quando necessário. Agora, façam favor de ser curiosos, investiguem os padrões da Natureza e planeiem as vossas fotografias com antecipação.
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Cultura.Sul
Sala de leitura
Isso é tudo muito bonito, mas… (reflexões sobre Cultura) foto: projecto "troika"]
Paulo Pires
Programador cultural no Município de Loulé http://escrytos.blogspot.pt
Ainda vão pairando amiúde sobre (cert)a opinião pública e (cert)o meio político dois fantasmas/estereótipos (entre outros) em torno do tema “Cultura”: o sector cultural visto sobretudo como fonte de despesa, de empréstimo, de subsidiodependência; e o eixo Cultura-Criatividade como universo que não gera riqueza efectiva e que, portanto, não tem expressão/repercussão económicas relevantes. A própria palavra “cultura” tem perdido eficácia e parece constituir, ainda hoje, uma espécie de amálgama indiferenciada ou melting pot, difuso e etéreo, cujo impacto se afigura muito subjectivo, não sendo fácil aferir o seu valor intrínseco (o ensaísta e gestor cultural António Pinto Ribeiro insiste há muito nestas ideias). Paralelamente, tem-se vindo a assistir ao longo dos últimos anos a uma notória desvalorização da cultura do ponto de vista quer simbólico (extinção do Ministério da Cultura), quer político-ideológico, o que se espelha, entre outros aspectos, no peso (leveza?) orçamental da área cultural, no consequente (e patente) subfinanciamento do sector e, acima de tudo, na ausência de uma verdadeira política cultural. Falta uma estratégia e uma prática que realmente coloquem o enfoque: na importância da mediação do sistema de relações entre os cidadãos enquanto principais fruidores e receptores da cultura (refiro-me às economias emocional e simbólica da mesma, e não apenas à sua dimensão friamente numérica/ contabilística, pragmática, material); numa maior autonomia (de programas, gestão, equipamentos, etc.); num plano equilibrado e sensato, socialmente justo, de distribuição de recursos financeiros e de investimentos na cultura; e numa urgente reformulação da linguagem (e do modo explicativo) oficial re-
O futuro da Cultura e a incerteza dos dias... lativamente ao mundo artístico (criadores, obras, intérpretes, etc.) e aos moldes e condições específicos de apoio e comparticipação do mesmo. Essa banalização do “cultural” (saco onde tudo parece caber com uma coerência por vezes “espantosa”) originou uma visão claramente redutora do campo criativo e artístico, visto politicamente, a nível do Governo, como algo que aparentemente pode ser equiparado/comparado, de forma indistinta, segundo os mesmos critérios, a áreas de natureza muito diferente e diversa como a Saúde, Defesa, Ordenamento, Agricultura, etc. A visão neoliberal subjacente à governação mais recente é ilustrativa deste estado de coisas, em que o “chip” da Direita assenta claramente – como o já aludido Pinto Ribeiro explanou recentemente ao analisar os programas eleitorais dos principais partidos – na rentabilização patrimonial, no lucro, numa crescente alienação da gestão pública (“chutando a bola” para o mecenato e outros terceiros), no entretenimento; em suma, no “economês”. Acontece, porém, que a actual Secretaria do Primeiro Ministro para a Cultura (oficialmente: “Secretaria de Estado da Cultura”) apresentou recentemente a primeira Conta Satélite da Cultura 2010-2012 elaborada em Portugal, cujos números e conclusões foram divulgados publicamente a 27 de Agosto deste ano. É de
recordar, curiosamente, que esta medida constituía uma das recomendações finais, a nível da vertente de promoção da qualidade da informação estatística sobre a Cultura, do estudo apresentado em 2010 sobre O Sector Cultural e Criativo em Portugal, então elaborado pela Augusto Mateus & Associados a pedido da ministra da Cultura Isabel Pires de Lima. Na altura, o objectivo foi (de)mo(n) strar, e bem, o importante peso da cultura e da criatividade na economia portuguesa. Alguns números então avançados: no ano de 2006 o sector cultural e criativo originou um valor acrescentado bruto (VAB) de 3,691 milhões de euros e empregou cerca de 127 mil pessoas, sendo responsável por 2,6% do emprego e por 2,8% da riqueza então criada em Portugal. Entre 2000 e 2006 a Cultura gerou assim cerca de 6500 postos de trabalho. Os números da recente Conta Satélite – Portugal é o quinto país a ter este instrumento, depois da Polónia, Finlândia, República Checa e Espanha – evidenciam que, para o período entre 2010 e 2012, as actividades económicas culturais representaram 2% do emprego nacional, ou seja, cerca de 88 mil pessoas (mais do que as indústrias alimentares, agricultura e seguros), valendo 1,7% do VAB da economia portuguesa, o que significou um retorno de 2,7 mil milhões em três anos de crise económica. Os valores são, contudo, muito
díspares conforme o subsector cultural/criativo: no universo audiovisual e na multimédia as remunerações são maiores (50,9% acima da média nacional), sendo que no extremo oposto figuram as artes visuais, com um salário 12,5% inferior à média. O sector dos livros é o que emprega mais pessoas (36,6% do total) e gera mais riqueza (33,2%), seguindo-se o audiovisual e multimédia com, respectivamente, 11,7% e 22,6%. Um terço do total das 66 mil entidades culturais analisadas integra-se na área das artes e do espectáculo. Artes visuais, arquitectura, bibliotecas e arquivos são os segmentos que geram menos riqueza com, respectivamente, 5%, 4,5%, 2,1% e 1%. Comparando com o estudo referente ao período 2000-2006, regista-se uma queda de 0,6% em termos de emprego e um decréscimo de 1,1% no tocante à riqueza produzida (VAB). Perante estes dados, o actual Secretário de Estado da Cultura conclui, por um lado, que o saldo é positivo, visto que os resultados são a prova inequívoca de que “a cultura existe num raciocínio de receita, de criação de riqueza” (mudando-se, segundo ele, o paradigma habitual relativo ao sector, tradicionalmente encarado numa óptica de despesa, e dissipando assim a visão da cultura como bem de mercado), afirmando também que é importante que, no futuro, “a cultura tenha a possibilidade de
melhorar o seu orçamento para ser compatível com o desenvolvimento cultural de Portugal”, sem deixar ainda de, pelo meio, ir ressalvando que a quantificação da cultura, expressa em indicadores (como esta conta), acaba necessariamente por ter aspectos positivos e negativos. Ora, isso é tudo muito bonito, mas… a verdade é que, nas suas principais linhas (naquelas que realmente são decisivas; não nas laterais ou secundárias, que por vezes servem sobretudo/também para alimentar malabarismos e foguetórios retóricos), a “política” governamental seguida nos últimos anos relativamente à Cultura tem primado, em grande medida, pela ausência de pensamento e acção, isto salvo raras e honrosas excepções. Desinvestimento, desresponsabilização (aliada a uma centralização excessiva e a uma clara redução de competências e recursos importantes ao nível de vários organismos de gestão intermédia e periférica), paralisia e até retrocesso têm constituído, muitas vezes, a tónica da intervenção cultural estatal mais recente. Se a ideia da Conta Satélite da Cultura é interessante, útil e meritória, já o facto de a actual tutela vir repisar, em véspera eleitoral, uma série de questões-chavões que há muito se sabe serem pertinentes, reais e inadiáveis (e dos quais os próprios governantes têm, no fundo, plena consciência) não deixa de soar a artificial,
contraditório e até humorístico – daí o título deste texto. Estes estudos não podem servir sobretudo para “mais do mesmo”, ou para calar momentaneamente as vozes da oposição, ou para depois serem colocados na gaveta sem consequência prática em termos de reflexão e acção governativas. De que serve dizer/ assumir, na teoria, que a cultura não pode ser mercantilizada nem vista como mais um (entre muitos) sorvedouro de despesa, se a prática nos mostra que tem sido esse, em larga medida, o paradigma e modus operandi, implícita ou explicitamente assumidos, dos actuais governantes? Como diria um provérbio chinês, somente os tolos exigem a perfeição; os sábios contentam-se com a coerência. Ao invés, o que observamos é que, de uma forma aparentemente muito consciente/lúcida mas no fundo artificial e ilusória, a tutela sempre vai “dando uma no cravo e outra[s] na ferradura”, acabando por adiar o problema e empurrar o tempo para diante como empurra um atrasado (Almada Negreiros). Face a este cenário são várias (e até conciliáveis) as leituras possíveis: uma evidente impreparação e insensibilidade de certas “cabeças pensantes” para a área cultural?; ou uma perigosa banalização e alienação públicas relativamente àquilo que se entende por “cultura” e “cultural”?; ou uma assustadora amnésia colectiva, uma falta de memória relativamente ao passado recente, a qual parece ser transversal a sectores da classe política e da própria comunidade por razões diferentes (aquela já quase por [perverso e útil] automatismo, esta por desinteresse/indiferença), mas ambas “inquietadoras” (no sentido menos positivo de um adjectivo que tem tudo a ver com o que a cultura acrescenta à vida humana)?. O mais preocupante é como tudo isto vai propiciando uma gradual suspensão da criação (diariamente e em permanência) de um futuro para o colectivo, que somos todos nós. Uma coisa é certa: a cultura, a arte, a criatividade constituem o mais precioso sal que (re)inventa os dias, e a mais silenciosa, invisível e misteriosa criação humana. Isso, sim, é muito bonito (sem “mas”).
Cultura.Sul
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O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N
Outubro sobram. Aproveitando essa réstia de ar ameno, de céus despejados, unicolores, que dão segurança, estabilidade, ao olhar por entre o deslizar no fio da vida.
Transição
Pedro Jubilot
pedromalves2014@hotmail.com canalsonora.blogs.sapo.pt
areal, os livros espalhados pelos espaços do dia, e o sorriso pachorrento que não conseguimos disfarçar. Neste recuar do litoral, o rosto sente-se já mais organizado no olhar que procura os relógios. As mãos arrumam os livros em pilhas, e os espaços fechados tomarão conta do pensamento.
Sons já digeridos, descatalogados, perdidos no século de antes. Caio assim bem no passado. Não é saudade ou nostalgia. Mas só de lá se vem mais preparado para o futuro.
Dia novo
Sol de pedra, rio transparente
«Poesia a Sul» fotos: d.r.
A poesia ocorre no encontro «Poesia a Sul» - Olhão’15, até 17 de outubro e conta com a presença de Manuel Alegre, Nuno Júdice, Teresa Rita Lopes, Manuel Moya, Amadeu Baptista, Fernando Cabrita, Fernando Esteves Pinto, entre muitos outros. Recitais de poesia, debates, apresentações de poetas e livros, feira do livro, música ao vivo, poesia na rua e nos bares, exposições de pintura. Atrevam-se, apareçam, e vão descobrir todo um mundo fascinante de palavras e amizade que perderam todos estes anos só porque a palavra poesia vos tem assustado desde a infância como o bicho papão. É com ela, pelo contrário, o mais próximo que se pode estar da liberdade, em tempos de crises.
Na abertura do dia novo, no enlevo da manhã mais fresca e cinzenta, temos a visão de tudo continuar a acontecer na nossa presença, embora esta pareça uma razão tão forte como qualquer outra na abertura de um dia novo.
125 anos de Álvaro de Campos Custa-me esta transição a que a natureza me traz (como) sujeito que é o privar-me desta liberdade ainda que aparente que o estio me dá. De me perder nos dias, errar nas horas, esquecer nos minutos. Estar aliviado de relógio e pesado de nada fazer. Transportar o corpo em roupas leves e levá-lo para junto do mar.
Afastar
Mesmo debaixo de um sol assim de pedra viu nascer a esplendente flor. Ao atravessar o rio transparente perdeu a sandália ao deparar-se com uma palavra eterna.
Aquela máquina
Segundo verão
AGENDAR
A sul é ainda tempo de viver no segundo verão que se deixa ficar nos dias que já se encurtam de sol, mas aquecendo nas horas que
No arrefecer das noites e das manhãs pressentimos a vida imaginária dos meses prévios a afastar-se do quadro dolente, suave e impermanente com que preenchíamos os dias nas horas de sul – onde deixamos os corpos ao acaso no “A DANÇA DO EXISTIR” Até 31 OUT | Biblioteca Municipal de Loulé Exposição faz uma retrospectiva, em imagens, do trabalho coreográfico de Vera Mantero
A manhã refresca-se ao som metálico e seco da máquina de escrever premidas as suas teclas.
Decorrem este mês de outubro na sua terra natal, as comemorações do nascimento do poeta Álvaro de Campos (Tavira, 15 outubro de 1890), com diversas actividades culturais espalhadas por vários espaços da cidade, mas com grande parte dos acontecimentos centrada na sede da associação Casa Álvaro de Campos – Tavira, situada na rua da galeria, 9-C (antigo posto de turismo). Exposições de pintura, recitais de poesia e música, e ainda a presença de Teresa Rita Lopes e Manuel Moya, grandes especialistas na obra de A. Campos.
“CONCERTO PELOS AL MOURARIA” 31 OUT | 21.30 | Teatro Municipal de Portimão Grupo vai apresentar ‘Fado World Music’, um concerto no qual tocarão temas que fizeram parte dos álbuns anteriormente editados, assim como alguns clássicos
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Cultura.Sul
Espaço ao Património
Ficha Técnica:
Museu – Um trabalho com (e para) as comunidades Helga Serôdio
Técnica Superior (inventário) do Museu Municipal de Loulé
Os museus são espaços por excelência de transmissão de conhecimento do património cultural. As questões da educação e da mediação cultural são fundamentais para a valorização do trabalho de investigação dos museus. Estas duas áreas têm permitido ao longo das últimas quatro décadas que as coleções transcendam as vitrinas e interajam com o público. Através das coleções lêem-se as práticas, as representações, expressões, conhecimentos e saber-fazer de um período histórico e de uma comunidade – o que recentemente vimos apelidando de Património Cultural Imaterial, com a Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial (2003) da UNESCO e que Portugal ratifica em 2008. Os museus são os parceiros privilegiados neste trabalho sobre o Património Cultural Imaterial. Nesse sentido, o Museu Municipal de Loulé tem vindo a trabalhar na sua investigação e valorização. Queremos partilhar convosco quatro desses projectos. 1. A inscrição no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial da manifestação religiosa Mãe Soberana é um trabalho que foi submetido com sucesso à Direção-Geral do Património Cultural. Um processo verdadeiramente participativo e colaborativo, tendo feito parte desta inscrição a paróquia de São Sebastião, Homens do Andor, Banda Filarmónica, Museu Municipal de Loulé e a comunidade louletana no seu todo. No âmbito desta inscrição foram desenvolvidas atividades junto dos alunos da Escola Mãe Soberana em que uma dessas atividades consistiu na introdução do KIT PCI, promovido pela DGPC/PCI, cujo objetivo passa pela sensibilização das gerações mais jovens para a valorização do património imaterial, nomeadamente na identificação e caracterização das tradições da sua comunidade e da sua divulgação on-line
3. “No meu tempo…” é uma rubrica divulgada na Agenda Municipal, de edição mensal
Editor: Ricardo Claro fotos: d.r.
através da Base de Dados Kit de Recolha de Património Imaterial, assim como uma exposição em torno do culto da Mãe Soberana. 2. “Desculpe, como me Chamo” é outra iniciativa que tem contribuído para a aproximação de novos públicos. Trata-se de um encontro mensal, que decorre na primeira quarta-feira de cada mês, em torno da identificação de rostos que se foram retratando ao longo de quarenta anos num dos mais frequentados estúdios de fotografia louletanos – Estúdio Guerreiro Padre – tem fidelizado um público “sénior”. Estes encontros decorrem ao sabor de chá e biscoitos, onde o público participa, discutindo as identidades daqueles rostos e noutro momento, os presentes identificados nas sessões anteriores relatam as suas estórias em torno da sua fotografia. Esta atividade tem tido sucesso, na medida em que os participantes evocam as suas memórias com certa emoção e acabam por, elas próprias, trazer novos participantes. Desta forma conquistámos três objetivos: através da dinamização de uma coleção em reserva na Fototeca do Museu, que conta com cerca de 70 mil fotografias em diversos formatos, conseguimos a identificação de alguns rostos e a relevância que estes tiveram na comunidade; a recolha de testemunhos na primeira pessoa de como eram as vivências e os costumes entre a população nesse período (registados em vídeo e por escrito). E com este, fica também atingido um dos objetivos comuns aos museus, que é a sua constante renovação a partir de novas dinâmicas e de novos públicos.
Direcção: GORDA Associação Sócio-Cultural
Workshop "À Roda do Oleiro" gratuita e com uma tiragem de 10 mil exemplares. Sendo esta publicação um veículo de comunicação por excelência, dado que a sua versão impres-
tiva tem tido uma boa adesão do público, cujas contribuições à Fototeca têm vindo a crescer e desta forma temos conseguido, não só enriquecer o acervo do
Desculpe Como me Chamo sa chega a todos os recantos do concelho e a todo o tipo de público, apostámos nesta iniciativa, que publica bimestralmente uma fotografia doada ao nosso arquivo fotográfico. Esta inicia-
nosso arquivo fotográfico, como também cativar a comunidade a colaborar com o museu. Desta forma, conquistámos a nossa posição junto da comunidade ao mesmo tempo que estamos
Festa da Mãe Soberana
a despertar o seu interesse para este património que é de todos. 4. A revista RAIZES (foram editados três números) pretende promover e divulgar as tradições, estórias, lugares e pessoas louletanas que contribuíram para a construção coletiva da identidade da nossa comunidade. Temos, com esta iniciativa, conseguido uma aproximação da comunidade local, que ao ver-se retratada na revista, tem vindo a despertar o seu interesse para as iniciativas desenvolvidas pelo museu e com elas colaborado. 5. Por fim, resta referir que todo este trabalho contribui para o projeto Loulé Criativo e, especificamente, o Turismo Criativo, sendo Loulé a primeira cidade portuguesa a integrar a Rede Internacional de Turismo Criativo. Aqui o Património Cultural Imaterial é trabalhado como motor de desenvolvimento económico e social da comunidade. Terminamos inspirados nas palavras de Pais de Brito (2009): “Que vozes guardam os museus? Que vozes ele deixa ouvir? Com que vozes fala, comunica? E, ao fazê-lo, como constrói o lugar que ocupa, os lugares do mundo que habitamos?”. São estes os desafios diários que se nos colocam e é para lhes dar resposta e fazer novos questionamentos que continuamos a trabalhar na preservação, construção e valorização do património cultural imaterial do concelho de Loulé.
Paginação e gestão de conteúdos: Postal do Algarve Responsáveis pelas secções: • Artes visuais: Saul de Jesus • Espaço AGECAL: Jorge Queiroz • Espaço ALFA: Raúl Grade Coelho • Espaço ao Património: Isabel Soares • Da minha biblioteca: Adriana Nogueira • Grande ecrã: Cineclube de Faro Cineclube de Tavira • Juventude, artes e ideias: Jady Batista • Letras e literatura: Paulo Serra • Missão Cultura: Direcção Regional de Cultura do Algarve • Momento: Ana Omelete • O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N: Pedro Jubilot • Panorâmica: Ricardo Claro • Sala de leitura: Paulo Pires • Um olhar sobre o património: Alexandre Ferreira Colaboradores desta edição: Helga Serôdio Mauro Rodrigues Óscar Caeiro Pinto Parceiros: Direcção Regional de Cultura do Algarve, FNAC Forum Algarve e-mail redacção: geralcultura.sul@gmail.com e-mail publicidade: anabelag.postal@gmail.com on-line em: www.postal.pt e-paper em: www.issuu.com/postaldoalgarve
facebook: Cultura.Sul Tiragem: 7.798 exemplares
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Cultura.Sul
Da minha biblioteca
Estética, técnica e ética: guiados por António Branco foto: josé bandeira
Adriana Nogueira
Classicista Professora da Univ. do Algarve adriana.nogueira.cultura.sul@gmail.com
Esta página tem tido poucos artigos sobre obras de não-ficção, mas hoje reequilibro um pouco, ao escrever sobre o livro que António Branco (professor da Universidade do Algarve e seu atual reitor) publicou recentemente, intitulado Visita Guiada ao Ofício do Ator: um Método (Grácio Editor). Esta obra tem duas partes distintas: uma primeira, em que contextualiza a sua experiência teatral, a criação de um mestrado nessa área e consequente criação de um grupo de teatro, a assunção de pertença a uma determinada linhagem, da qual é um dos seus elos, estruturada sob a figura tutelar de Fernando Amado, através da atriz Manuela de Freitas. Aí se apresentam e discutem conceitos fundamentais, como os de genealogia, linhagem, autenticidade, ética, estética, técnica, mas também descrições de exercícios e outros aspetos práticos do ofício de ator, próprios de uma visita guiada (algo diferente de um manual). A segunda parte é composta por todos os documentos possíveis de obter sobre a atriz Manuela de Freitas, desde entrevistas que deu na televisão ou em encontros vários e que aqui são transcritas pela primeira vez, a textos por ela escritos e dispersos. Ficamos a saber muito sobre a sua vida como atriz e quais os valores sobre os quais fundou a sua postura no teatro. A Peste
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Apesar de ter estado cerca de 23 anos sem fazer teatro, António Branco nunca perdeu a von-
tade de voltar. Só não o fez mais cedo, porque não tinha conseguido reunir as condições que ele próprio exigia: ter um grupo de teatro e não um grupo onde ir fazer teatro. Um grupo que fosse constituído não por «uma massa informe, mas por indivíduos o mais distintos possível, assim se tornando num coletivo onde ‘cada um tem de ser sempre melhor e exprimir-se cada vez melhor, para melhor servir a comunidade’, o que necessariamente ‘implica permanente vigilância e disponibilidade, estar sempre a começar do princípio, a percorrer sempre caminhos desconhecidos de relacionamento, de autoconhecimento e de expressão’». Com a criação, em 2006, do grupo A Peste (acrónimo de Associação de PESquisa TEatral), resultante da vontade de vários alunos que tinham terminado o Mestrado em Educação Artística e de outros que se lhes juntaram, as condições estavam criadas para que pudesse voltar a ser ator, vindo a exercer ainda outras funções, como as
António Branco publicou recentemente um livro sobre teatro
de encenador, diretor de atores e dramaturgista (responsável, entre outras coisas, pelo estudo e preparação do texto a ser levado à cena). A linhagem teatral – uma «visita guiada»
As palavras atrás citadas pertencem à atriz Manuela de Freitas, uma personalidade rara no panorama nacional a quem este livro presta uma homenagem, chamada pelo autor de «mestra». Manuela de Freitas é também conhecida como poetisa, autora de numerosos poemas cantados pelo fadista Camané, mas a sua vida foi dedicada ao teatro e ao cinema, tendo entrado em filmes de Manoel de Oliveira, Jorge Silva Melo e, principalmente, de João César Monteiro. Mas o que é isto de linhagem e de mestres (e, necessariamente, de discípulos)? António Branco explica como a sua genealogia teatral remonta a Stanislavski, autor (encenador
“ESPECTÁCULO DE RICARDO MARTINS” 9 OUT | 21.30 | Cine-Teatro Louletano Ricardo Martins apresenta o seu primeiro trabalho de guitarra portuguesa, numa noite especial dedicada ao Fado
e ator russo, falecido em 1938), que desenvolveu um «sistema» de interpretação para atores, a partir do qual muitos outros foram criando escolas. A mais conhecida é a americana Actors Studio, fundada por Lee Strasberg (autor do «método»), pela qual passaram alunos como Marilyn Monroe, Alec Baldwin ou Uma Thurman. A partir de Stanislavski gerou-se uma «constelação», da qual faz parte a linhagem onde António Branco se insere, que remonta a Hedy Crilla (1898-1984, atriz austríaca exilada na Argentina, que aprendeu o «sistema» através dos livros do autor russo), com quem Adolfo Gutkin (nascido em 1936 em Buenos Aires e naturalizado português) trabalhou e que foi uma das grandes referências de Manuela de Freitas que, por sua vez, foi (é) a mestra de António Branco. Para este método de Manuela de Freitas, é decisivo o encontro inicial com Fernando Amado (uma história
contada no livro, com muita graça). António Branco esclarece as três linhas de força que formaram a atriz: «um princípio ético começa por ser ensinado por Fernando Amado; depois, Adolfo Gutkin ensina a operacionalizá-lo através de uma técnica; finalmente, João Mota dá-lhe uma configuração estética» (p.88). Sobre a «visita guiada» que proporciona aos seus alunos e que partilha connosco, o autor esclarece que foi dirigida por uma conceção «ética, estética e técnica do Teatro, baseada na conjugação dos ensinamentos de vários criadores e mestres do séc. XX: Gordon Craig, Constantin Stanislavski, Antonin Artaud, Bertolt Brecht, Fernando Amado, Jerzy Grotowski, Peter Brook, Adolfo Gutkin e Manuela de Freitas» (p. 167). Autenticidade O que se procura com esta linhagem teatral? Situar-se
numa «constelação», aceitar que essa é a sua origem, sem que por isso deixe de encontrar um caminho próprio. Uma das questões fundamentais (à qual este livro dá um importante relevo) é a da autenticidade (ou jogo autêntico), ideia que se opõe a fingimento. Um exemplo curioso que nos é relatado por António Branco passou-se com Stella Adler (1901-1992 – professora que, originalmente, trabalhou com Strasberg, mas depois de conhecer pessoalmente Stanislavsi, em 1934, afasta-se do «método» e cria o seu próprio conservatório, onde estudaram atores como Marlon Brando, Dustin Hoffman ou Robert De Niro) e exemplifica esta diferença: «Corre a seguinte lenda sobre Marlon Brando, a propósito de uma improvisação realizada durante uma aula: um dia, Stella Adler pediu aos seus alunos que se comportassem como galinhas, acrescentando, em seguida, que uma bomba estava prestes a cair sobre eles. A maior parte dos alunos começou a correr desesperadamente de um lado para o outro, mas Marlon Brando sentou-se, calmamente, a pôr um ovo. Quando, no final do exercício, Stella Adler pediu a Marlon Brando que explicasse o seu comportamento, ele terá respondido: «Sou uma galinha: que sei eu de bombas?». Este livro é único no panorama português e não poderá ser desconhecido daqueles que estudam teatro, pois através dele poderão aprender «um conjunto de princípios e práticas extintos no teatro profissional português, mas que, em determinado período, estiveram fulgurantemente vivos». Mas não só: para além dos profissionais da área, também se dirige «a todo o tipo de pessoas que queiram levar consigo uma conceção da arte que persegue as grandes questões da vida» (p.206). Levarei.
“DO DIA-A-DIA” Até 31 OUT | Galeria do Convento do Espírito Santo - Loulé Exposição de pintura e instalação de Alfredo Revuelta, que integra a colecção de Marie e Volker Huber
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