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CADERNO ALGARVE

Postal, 15 de janeiro de 2021

ENTREVISTA [ pa rt e 1/2]

Carlos Moedas é um ca concentra a sua atenção. Participei em debates de alto nível sobre inteligência artificial, economia, alterações climáticas, desenvolvimento sustentável, desigualdades sociais, etc, com a participação de líderes empresariais à escala mundial, cientistas laureados, governantes. Há muitos pontos de interesse comum entre a União Europeia e a Santa Sé, não necessariamente de acordo em tudo. Mas a defesa do multilateralismo, a integração de refugiados e emigrantes, o combate ao tráfico de seres humanos, a segurança, a defesa das comunidades cristãs perseguidas em muitas partes do mundo, o diálogo inter-religioso, a desinformação. São apenas alguns exemplos de temas muito debatidos entre o Vaticano e a União Europeia.

Não encaro os populismos e os nacionalismos como fenómeno passageiro nem com preocupação obsessiva. Mas importa que os partidos centrais deem voz ao pensamento e às preocupações das pessoas

“Terá futuro se o partido tiver futuro”

P Calculo que se encontrou com o Papa Francisco. Que imagem guarda dele e quais eram as preocupações dominantes do Papa em relação à Europa e ao mundo?

Encontrei-me com o Papa Francisco quatro vezes no desempenho das minhas funções. É uma personalidade que inspira simplicidade e genuinidade. A minha admiração por ele cresceu durante a estadia em Roma. É um reformista corajoso, de uma Igreja que estava em crise profunda de identidade e de valores, incapaz de compreender a sociedade dos nossos dias. Desenvolveu um combate impiedoso contra a pedofilia na Igreja. Tem feito uma limpeza implacável dos focos de corrupção que minavam escandalosamente as finanças do Vaticano. Valorizou o papel das mulheres na hierarquia e na prática religiosa. Lançou as bases de um diálogo com outras religiões, designadamente com o Islão moderado, com um documento de referência, a Declaração de Abu Dhabi sobre a Fraternidade Humana. Revejo-me totalmente na sua Encíclica “Laudato Sì”, sobre as quesR

Texto RAMIRO SANTOS Fotos ANA PINTO Nunca esconde a sua paixão pelo Algarve. É uma regionalista convicto e diz que pagou caro por isso. Considera-se um ‘lobo solitário’ no seu percurso político e nunca frequentou os salões ou grupos de conspiração em Lisboa. Afirma que o governo sem a geringonça perdeu qualidade e mostra-se crítico da liderança de Rui Rio no PSD. Entende que as democracias têm em si os antídotos para enfrentar os perigos dos populismos e aceita o Chega como partido legal e constitucional. Quanto à Europa

diz que o Brexit revelou a coesão entre os 27 países da União e que o turismo algarvio, pós-pandemia, não vai sofrer com a saída do Reino Unido. P Como elemento do serviço diplomático da União Europeia, pode dizer que a Europa fala a uma só voz? Ou de outra forma: há uma política externa comum na União Europeia? R A política externa e de segurança comum é um dos pilares da UE, promovendo a paz e o diálogo à escala global, com base na diplomacia e no respeito pelas regras internacionais. O Serviço Europeu para a Acção Externa, atualmente liderado pelo Alto Representante Josep Borell, assegu-

ra a coerência do discurso e da acção da UE em todos os foros das relações multilaterais e bilaterais de todo o mundo. A tal “uma só voz” de que me falou. Esta voz intervém também nos domínios do comércio, da ajuda humanitária e da cooperação para o desenvolvimento. O SEAE é, pois, o serviço diplomático da UE com uma rede de 140 delegações em todo o mundo, protegendo os valores e interesses da UE. Foi neste quadro que trabalhei nos últimos anos. Primeiro em Estrasburgo, depois em Roma. Quais eram os temas em agenda na diplomacia da Europa com a Santa Sé? Como era possível conciliar os interesses vários de 27 países com orientações religiosas diferenP

tes da Igreja de Roma, desde logo, o Reino Unido? R Depois de três anos como diplomata junto do Conselho da Europa, que já conhecia muito bem por via da minha participação na respectiva Assembleia Parlamentar durante muitos anos, confesso que me surpreendeu a dimensão política que fui encontrar na actividade da Santa Sé. O Vaticano é um Estado minúsculo em área e população, sem forças militares, mas é o maior “soft power” do mundo. A Igreja Católica está presente por toda a parte, até na China, com presença física e espiritual no terreno ao nível de aldeias onde as administrações nacionais não chegam. E não é apenas nas liturgias, na estratégia pastoral, na difusão da Fé pura e dura que se


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