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Letras & Leituras O Acontecimento

de Annie Ernaux

Cultural do Algarve - grupo amador com créditos já bem firmados na cidade - grupo que mudou então a sua designação para Grupo de Teatro Lethes.

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De 1972 a 1977, entre muitas outras obras, levou à cena “Albergue Nocturno” de Gorki, “O Principezinho”, de Saint-Exupéry; “O Percevejo”, de Maiakowski; “Enterrai os Mortos”, de Irwin SHaw.

Em 1977 estabeleceu-se em Faro a Delegação Regional da Cultura, representada até 1985 pelo professor Tomás Ribas.

Também por essa época, ou talvez um pouco antes, veio ocupar as instalações no Lethes o Conservatório Regional do Algarve, à época dirigido pela extraordinária pianista Senhora D. Maria Campina e pelas Senhoras D. Isabel Cassiano e D. Célia Magalhães (três louletanas contemporâneas e amigas), com as suas classes de Música (vários instrumentos como piano, violino, guitarra, etc) e de Ballet, que apresentavam os trabalhos finais de cada ano no palco.

E passou a haver também sessões semanais do Cineclube de Faro, espectáculos do Coral Ossónoba e do Grupo Folclórico de Faro, até sessões de emagrecimento lá aconteciam (“Weight Control”).

Tal ocupação do espaço, veio a prejudicar a actividade do Grupo de Teatro, porque era cada vez mais difícil ter o palco livre para poder ensaiar.

Apesar das dificuldades, o Grupo de Teatro Lethes apresentou, entre vários outros, “Deseja-se Mulher”, “O Público em Cena” e “Antes de Começar”, de Almada Negreiros; “A Promessa”, de Bernardo Santareno”; “Um Jeep em 2ª Mão”, de Fernando Dacosta; e “Os Velhos”, de D. João da Câmara (último espectáculo dirigido por Emílio Campos Coroa).

Em 1986 a Delegada do Ministério da Cultura deu ordem de despejo ao Grupo de Teatro Lethes – e digo ordem de despejo, porque não foi cedido ou indicado qualquer outro local para continuar a sua actividade; a partir daí, o Grupo de Teatro cortou relações com a Delegada.

Convenientemente, só cerca de quatro meses depois foi publicado em Diário da república o Estatuto de Colectividade de Utilidade Pública, assinado pelo professor Cavaco Silva, que determina a Sede do Grupo de Teatro Lethes na R. de Portugal nº 50 (endereço do Teatro Lethes).

De 1992 a 1997 passou a ser Delegado do Ministério da Cultura o Dr. Manuel Bento Serra, o que levou ao reatar das relações institucionais. Nesse período, o Grupo de Teatro Lethes apresentou, só a título de exemplo, “Retrato de Uma Família Portuguesa”, de Miguel Rovisco; “Povoação, Vende-se”, de Andres Lizarraga; “Felizmente há Luar”, de Sttau Monteiro; “A Visinha do Lado” e “A Maluquinha de Arroios”, de André Brun; “Os Infiéis Defuntos”, de José Vilhena.

E até foi sugerido, pelo Dr. Bento Serra, que o Grupo assumisse estatuto de companhia profissional – o que quer dizer que já algo andava no ar!

De 1998 a 2003 foi Delegado do Ministério da Cultura o Dr. João Ventura, passando a haver uma extrema ocupação da sala, não sendo permitido manter o mesmo espectáculo em cena por duas semanas consecutivas. Mesmo assim, o Grupo de Teatro Lethes apresentou, “O Render dos Heróis”, de José Cardoso Pires; e integrou todas as “Semanas de Artes de Palco”, organizadas durante seis anos, pela Junta de Freguesia da Sé. Por notória desventura do Dr. João Ventura, o Teatro Lethes teve que encerrar as portas para obras, já que a cúpula que cobre o palco ameaçava ruir.

E, durante as obras, já por lá andava a “ACTA” Mas, como se pode constatar, de 1951 até 1998, segundo o autor do texto “o Teatro Lethes esteve ao abandono”.

É de facto uma lástima o estado do Teatro Lethes e uma lástima a despudorada, indecente, ignóbil tentativa de lavagem ao cérebro e de apagar das memórias, que pretendem fazer aos cidadãos de Faro, felizmente ainda há muitos que se lembrarão do que escrevo.

E é por demais evidente que o texto nada tem a ver com o corte de subsídio à ACTA decidida pelo Ministério da Cultura.

Foi após as últimas obras no edifício, que incluíram restauro de cadeiras, renovação do palco e da “teia”, que o Ministério da Cultura transferiu o aluguer de longa duração que mantinha com a Cruz Vermelha Portuguesa, para a Câmara Municipal de Faro.

Perguntarão os leitores: mas e então essa mer…itória associação que dava pelo nome de Grupo de Teatro Lethes, posto na rua do Lethes em 1986, sem local para trabalhar e apresentar os seus trabalhos, naturalmente já morreu?

Não, não morreu. Pela razão essencial que não tem onde cair morto.

Continua a aguardar, pacientemente, que algum dos sucessivos autarcas que têm passado por Faro, e que nas acções de “corta-fitas” (tão pródigas em votos) ou numa daquelas “estopadas” de homenagens públicas em que têm que estar presentes, nos dão palmadinhas nas costas e com um sorriso nos dizem: ah, temos que resolver isso…!

E já lá vão 37 anos, senhores. Por isso, nem vamos esmolar “um subsidiozinho” para “a gente poder fazer qualquer coisa”.

Ironicamente, a Assembleia Municipal de Faro convidou o Grupo para apresentar um espectáculo nas comemorações do 25 de Abril de 2022. E o trabalho para 2023 está em preparação! Sem sala e sem espaço próprios!

E pior que tudo: Há provas no lixo que tenho a mania de coleccionar.

*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

OAcontecimento, de Annie Ernaux, publicado pela Edições Livros do Brasil, na colecção Dois Mundos, com tradução de Maria Etelvina Santos, é provavelmente o livro mais acutilante e incisivo da autora laureada com o Nobel da Literatura em 2021.

“Milhares de raparigas subiram uma escada, bateram a uma porta atrás da qual estava uma mulher acerca de quem nada sabiam, a quem iriam entregar o seu sexo e o seu ventre. E aquela mulher, a única pessoa, então, capaz de acabar com a infelicidade, abria a porta, de avental e pantufas às riscas, com um trapo na mão: ‘Diga lá, menina!’” (pp. 53-54).

Em 1963, em Rouen, uma jovem de 23 anos, estudante universitária brilhante, descobre que está grávida.

Sem pudor, numa escrita concisa, de frases geralmente breves e cortantes como um bisturi, este é um forte testemunho de uma autora que atingiu a maestria na escrita memorialística e nos reconta acontecimentos ocorridos quarenta anos antes, como quem tenta despojar-se, pela escrita, das memórias daquele trauma que é, afinal, o de tantas mulheres, num tempo em que a palavra aborto “não tinha lugar na linguagem” (p. 42).

Sozinha, sem ter a quem recorrer, na França numa época em que o aborto era ilegal, esta jovem sente-se derrotada pela vergonha e, sobretudo, pela aguda consciência de que a gravidez representa um falhanço social. Ter aquela criança implica não poder cumprir o seu sonho de alcançar determinadas metas de aspirar a um “lugar ao sol” que transcenda aquele que a sua família alcançou. “De um modo confuso, estabelecia uma relação entre a classe social de onde provinha e o que me estava a acontecer. Sendo a primeira a realizar estudos superiores numa família de operários e pequenos comerciantes, tinha escapado à fábrica e ao balcão.” (p. 24)

O Acontecimento é um poderoso testemunho contado no feminino de uma experiência humana dolorosa e profundamente transformadora, cruzando temas universais, como vida e morte, moral e pecado, direitos humanos e interdição.

Atente-se numa das epígrafes do romance, em que a autora cita Michel Leiris: “O meu duplo desejo: que o acontecimento se transforme em escrita. E que a escrita seja acontecimento.” Esta vontade manifesta-se, mais à frente, no corpo do próprio texto, quando a narradora afirma, como que em sua defesa: “Pode acontecer que uma tal narrativa provoque irritação, ou mesmo repulsa, seja qualificada de mau gosto. Ter vivido determinada coisa, seja ela o que for, dá-nos o direito imprescritível de a passar a escrito. (…) E se não levar até ao fim a relação com essa experiência, estou a contribuir para ocultar a realidade das mulheres e a colocar-me do lado da dominação masculina do mundo.” (p. 41)

Em conclusão, e parece-nos que a confirmar a actualidade deste romance-testemunho (escrito em 1999, e publicado um ano depois em França), O Acontecimento foi adaptado ao grande ecrã pela realizadora Audrey Diwan, tendo estreado justamente em 2021, e foi vencedor do Leão de Ouro em Veneza.

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