A N A I S_I SENAPOP_2009

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I SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM EXTENSÃO POPULAR III SEMINÁRIO NORDESTINO DE PESQUISA EM EXTENSÃO POPULAR

Pesquisa em Extensão Popular é Possível ! ANAIS

I SBN978- 85- 7745- 558- 4

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I Seminário Nacional de Pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR/ANEPOP - 2009

Promoção de: Grupo de Pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR Articulação Nacional de Extensão Popular – ANEPOP Apoio: Universidade Federal da Paraíba – UFPB Departamento de Fundamentação da Educação – DFE Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPB - PPGE Centro de Educação – UFPB Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba – IFPB Programa de Educação Popular em Saúde da UFPB Grupo de Pesquisa Educação Popular em Saúde da UFPB Coordenadores: José Francisco de Melo Neto - EXTELAR Pedro José Santos Carneiro Cruz - ANEPOP Comissão organizadora AGOSTINHO ROSAS - Instituto Paulo Freire/UFPE CLÉCIA RUFINO – PPGE/UFPB FRANCISCO XAVIER PEREIRA DA COSTA – SEAMPO/UFPB JOSI BATISTA – INCUBADORA IFPB LUCICLÉA TEIXEIRA LINS – INCUBES/PPGE/UFPB MARIA DA GRAÇA A. BAPTISTA – CE/UFPB NELSÂNIA BATISTA DA SILVA – PPGE/UFPB RITA DE CÁSSIA CURVELO DA SILVA – UESC/BA ROSILENE SILVA SANTOS DA COSTA – INCUBES/PRAC/UFPB ROSSANA SOUTO MAIOR – CCS/UFPB ROSEANA CAVALCANTI DA CUNHA – UEPB SEVERINO PEDRO FELIPE – EXTELAR/UFPB TÂNIA RODRIGUES PALHANO – CE/UFPB Visite os sítios eletrônicos: EXTELAR http://www.prac.ufpb.br/copac/extelar/ ANEPOP http://www.extensaopopular.blogspot.com/

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SUMÁRIO SUMÁRIO ________________________________________________________________________ 3 APRESENTAÇÃO ___________________________________________________________________ 5 O I SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM EXTENSÃO POPULAR (SENAPOP) _________________ 8

VOLUME1 - PESQUISA EM EXTENSÃO POPULAR: METODOLOGIAS _____________________ 10 Tecendo Redes Sociais: uma análise dos diferentes tipos de participação popular no âmbito das redes, sob a perspectiva do desenvolvimento local ______________________________________ 11 A HERMENÊUTICA-DIALÉTICA NA PESQUISA-AÇÃO EM EXTENSÃO POPULAR _________________ 25 A Pesquisa-Ação como Recurso Teórico-Metodológico na Prática Extensionista realizada na comunidade de Barra de Mamanguape _______________________________________________ 35 CONECTANDO SABERES POR UMA AGRICULTURA SUSTENTÁVEL ___________________________ 46 Apontamentos histórico-conceituais sobre a práxis da autogestão _________________________ 57 A pesquisa-ação como recurso metodológico___________________________________________ 68

VOLUME 2 - PRÁTICAS EM EXTENSÃO POPULAR: METODOLOGIAS _____________________ 78 A Representação Social da imagem da escola por educadores e educandos de uma escola pública/ municipal da cidade de Campina Grande-PB ___________________________________________ 79 Reflexões acerca da interação entre educação em saúde e promoção da saúde _______________ 93 Comunicação Popular e Comunitária no fomento a Economia Solidária: Projeto Boi do Caminho da Alegria – Londrina-PR _____________________________________________________________ 105 Programa de Formação Continuada em Educação, Saúde e Cultura Populares: uma extensão integrada e integradora de saberes e práticas _________________________________________ 118 A Formação Política pela Sétima Arte: o cinema como prática pedagógica e de cidadania nos movimentos sociais de Uberlândia/MG” _____________________________________________ 133 Considerações sobre extensão universitária e avaliação _________________________________ 146 DA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA A SUPERVISÃO: RELATOS VIVENCIAIS ______________________ 153 O PERGUNTAR DAS CRIANÇAS NO CAMINHO DA EXTENSÃO POPULAR _____________________ 161 ONDE A CULTURA É MATÉRIA-PRIMA DA EDUCAÇÃO POPULAR E DO DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO: os bastidores e o protagonismo de uma organização do terceiro setor ________ 175 Problematização da metodologia na prática da Assessoria Jurídica Universitária Popular ______ 189 VIVENCIANDO A FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA NA PRÁXIS DA EDUCAÇÃO POPULAR – NOTA PRÉVIA ______________________________________________________________________________ 198 UM OLHAR LOGOTERÁPICO À EXTENSÃO REALIZADA NO CAPS II, NA CIDADE DE CAMPINA GRANDEPB ____________________________________________________________________________ 212

VOLUME 3 - PRÁTICAS EM EXTENSÃO POPULAR: SISTEMATIZAÇÃO ___________________ 223 SAÚDE, EDUCAÇÃO E POLÍTICA: PRÁXIS NO SUS _______________________________________ 224 EDUCAÇÃO POPULAR E O TRABALHO SOCIAL DO BANCO DE ALIMENTOS – SESC: ALGUMAS REFLEXÕES A PARTIR DE EXPERIÊNCIAS EDUCATIVAS EM INSTITUIÇÕES FILANTRÓPICAS _______ 237

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A PRÁTICA DA EXTENSÃO POPULAR E A POSSIBILIDADE DE EXPANDIR A EMANCIPAÇÃO E DE ROMPER BARREIRAS EDUCACIONAIS ________________________________________________ 250 A experiência do NAJUP-GO com a incubação de Empreendimentos Econômicos Solidários: diálogos com a Associação de catadores de materiais recicláveis Beija Flor _________________________ 267 Nos cerrados, o sertão revivido - pequenas histórias quase encantadas ____________________ 282 Moradia Solidária: Desenvolvimento Local Solidário para as Regiões Periféricas de São Paulo __ 299 Sistematização de uma extensão popular em Direito: O trabalho do NEP Flor de mandacaru com a comunidade Quilombola de Paratibe ________________________________________________ 311 Uma análise marxista dos movimentos populares e do processo político boliviano pós-2005 ___ 322 Moradia Solidária: Desenvolvimento Local Solidário para as Regiões Periféricas de São Paulo __ 334

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APRESENTAÇÃO

O Grupo de Pesquisa em Extensão Popular (EXTELAR), vinculado ao Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba, vem organizando encontros regionais com professores, estudantes, profissionais e gestores da área de educação, imersos em prática de extensão. Os Seminários Nordestinos de Pesquisa em Extensão Popular são de âmbito regional e de periodicidade anual. São promovidos pela UFPB em parceria com a Articulação Nacional de Extensão Popular (ANEPOP). O evento é organizado por pesquisadores deste Grupo de Pesquisa e membros da ANEPOP. O EXTELAR, criado em janeiro de 1989, nasceu da confluência de vários aspectos teóricos e práticos presentes nos trabalhos de extensão, voltados aos setores populares da sociedade, desenvolvidos pela Universidade Federal da Paraíba e outras entidades no Estado. É decorrente de um movimento de idéias e experiências, permeado de questões geradas nesses trabalhos e que nos cobram seu aprofundamento. Através da aglutinação de pessoas que vivenciam essas questões e que expressam seu ‘espanto’ diante das mesmas, esse grupo de pesquisa vem sendo útil na busca de seus desvelamentos. Este grupo visa: - O estímulo ao desenvolvimento de projetos que fomentem a interação entre iniciativas de extensão popular; - A análise crítica de experiências e formulações teóricas no campo da extensão, possibilitando a interdisciplinaridade e o enriquecimento da formação acadêmica dos participantes do grupo; - A produção teórico-acadêmica voltada à extensão popular resultantes de pesquisas e estudos desenvolvidos pelo grupo; - A perspectiva de que o produto da realização de projetos de extensão é fundamento ontológico do ensino e da pesquisa na universidade; - A discussão e o fomento da extensão na UFPB, no sentido de seu inter-relacionamento com o ensino e a pesquisa; - A manutenção do debate sobre o papel social da universidade; - O incentivo à autonomia de projetos voltados à ações educativas promotoras da cidadania crítica e ativa. Neste grupo, a pesquisa é compreendida como a investigação a respeito daquilo que está se apresentando de forma interrogativa, convidando qualquer um para desenvolver a reflexão crítica sobre a questão surgente. É um trabalho do pensamento e, necessariamente, da linguagem, no sentido de descortinar aquilo que estava encoberto. É, ainda, uma visão de

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totalidade dessas realidades enquanto que se encaminha para sínteses. Estas, contudo, continuam abertas a novas interrogações, na perspectiva de mudanças, desenvolvendo um sistemático enfrentamento à barbarização social e política de um povo. Com estas compreensões, definimos os nossos temas de pesquisa e de ensino que são realizados no interior do grupo, podendo destacar: Na Pesquisa: - Fundamentos da extensão universitária e extensão popular; - Relações em extensão e sociedade; - Práticas educativas (educação popular) em empreendimentos da economia solidária; - Metodologias participativas; - Avaliação qualitativa das atividades em extensão universitária e extensão popular. No Ensino/Estudo: - Cursos à comunidade nos campos da educação e economia solidária; - Cursos na Pós-Graduação com ênfase nas disciplinas tópicas no campo fundamentos e dos movimentos sociais populares;

dos

- Estudos teóricos internos ao grupo (metodologias de pesquisa, extensão, extensão popular, educação popular, teoria do conhecimento e economia solidária); - Categorias teórico-políticas norteadoras das atividades do grupo: categorias da dialética, trabalho, hegemonia, identidade e resistência; - Estudos da Dialética e da Hermenêutica. Na extensão popular: - Inserção dos membros do grupo em projeto de extensão popular ou em algum movimento social popular; - Encontro anual de Pesquisa em Extensão, promovido juntamente com o Centro de Educação, Prac/UFPB e Programa de Pós-Graduação em Educação. Como produções acadêmicas, este grupo trabalha com: - Dissertações e teses voltadas às temáticas do Grupo; - Sistematização de práticas dos membros do Grupo de Pesquisa; - Apresentações com textos produzidos para apresentações no Projeto Cesta de Idéias;

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- Textos gerados para apresentações nos Encontros, Seminários, Extensão, no país, e nos encontros anuais de Pesquisa em Extensão Popular;

Congressos de

- Livros individuais ou coletâneas com os produtos das pesquisas do Grupo. A Articulação Nacional de Extensão Popular (ANEPOP) é uma rede que aglutina atores de diversas práticas de extensão universitária pelo Brasil, além de movimentos sociais, organizações comunitárias e militantes de outras redes, como a Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde (a ANEPS) e da Rede de Educação Popular e Saúde. Em 2005, consolidou-se e vem procurando criar canais de troca de experiência e reflexões entre os atores envolvidos em experiências de extensão, na linha da educação popular. Como base para sua sustentação e construção, seus atores vêm procurando valorizar a construção coletiva do movimento e os encontros presenciais, viabilizados e socializados através de uma Rede Virtual de comunicações, a extensaopopular, atualmente com cerca de 450 associados. Trata-se de um movimento instituinte de novas formas de integração entre a vida universitária e os movimentos sociais, pautado pelo diálogo entre as esferas que pensam e refletem a extensão numa ótica progressista. Está sustentado também na insatisfação com a forma como o Congresso Brasileiro de Extensão (CBEU) e as demais instâncias de debate vêm sendo organizadas, assim como diante da desvalorização da participação de estudantes, professores, profissionais e movimentos sociais na construção das políticas de extensão. Seus articuladores percebem que é preciso criar uma nova forma de organizar nacionalmente a extensão, contemplando a participação não só de Pró-Reitores, mas de estudantes, professores, profissionais e movimentos sociais/organizações comunitárias. A ANEPOP organizou, em parceria com a Comissão Organizadora do 3º Congresso Brasileiro de Extensão Universitária, a Tenda Paulo Freire, na qual se instituiu na abertura a novas práticas e perspectivas de interação no âmbito da extensão, através da criação de espaços de ““rodas de conversas” s”, reuniões, místicas e dinâmicas que fizeram ressoar no Congresso muitos dos anseios, dificuldades e possibilidades provindas das diversas experiências de extensão pelo Brasil, em especial aquelas referenciadas pela educação popular. Ao contar com a participação de pessoas de todo o Brasil e diversas realidades, a Tenda personificou o espírito da Articulação, aglutinando muitos atores extensionistas que comungavam dos mesmos ideais e sonhos dentro da Universidade: um meio acadêmico que dialogue com os “outros lados da rua”, que faça a Universidade quebrar com sua lógica de si mesma e se transformar com o saber e a iniciativa popular. A ANEPOP vem pautando um diálogo com o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (FORPROEX), no sentido de democratizar a organização nacional da extensão, trazendo a os estudantes, professores, comunidade e os movimentos sociais. Recentemente, a ANEPOP conquistou uma vaga de consultoria na Comissão de Saúde do FORPROEX. Além disso, vem discutindo, junto ao Departamento de Gestão da Educação na Saúde (DGES), do Ministério da Saúde, o fomento às práticas de extensão em saúde na linha da educação popular.

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Estudantes, professores e militantes de movimentos sociais ligados a ANEPS e a Rede de Educação Popular e Saúde assumiram a frente da organização nacional da ANEPOP e foram importantes para a consolidação deste importante espaço político.

O I SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM EXTENSÃO POPULAR (SENAPOP) O I SENAPOP tem por objetivo promover, em dimensão nacional, o debate de metodologias de pesquisa qualitativa, enfatizando a pesquisa-ação, em projetos de extensão popular. Também pretende: - Ampliar a discussão que vem sendo realizada no Nordeste, agora, para todo o País; - Promover encontro científico entre pesquisadores, estudantes, gestores e profissionais envolvidos em estudos e práticas de extensão popular; - Manter o debate sobre a metodologia da pesquisa-ação; - Oportunizar um espaço de compartilhamento de saberes e sistematização teóricometodológica de conhecimentos, experiências, saberes e práticas advindas dos movimentos sociais e populares, especialmente aqueles que estão inseridos em práticas de extensão. Após a promoção de dois seminários regionais em torno da temática Pesquisa Qualitativa – Pesquisa.Ação – em 2006 e 2007, os que constituem o Grupo de Pesquisa em Extensão Popular, alunos e professores da pós-graduação em educação, compreendem que é necessário implementar tal discussão em nível do País. Sobretudo, considerando que o debate na teoria do conhecimento é dos mais vastos, havendo com tantas possibilidades para a sua produção. Mesmo que, pesquisadores e filósofos tenham animado este debate em outros momentos, contudo, os que fazem O EXTELAR, o Grupo de Pesquisa em Extensão Popular, entendem ser necessário a retomada do mesmo em torno das metodologias qualitativas de pesquisa, em especial a Pesquisa-Ação, agora, em nível nacional. Portanto, a reflexão sobre a Pesquisa-Ação é algo no interior da disciplina da pesquisa qualitativa mas, também, exige, diferentemente de outras formulações epsitemológicas, a necessária prática de suas técnicas e a submissão das mesmas ao crivo e ao rigor das exigências acadêmicas e, além do mais, o necessário debate sobre o papel social do conhecimento, da pesquisa qualitativa e da PesquisaAção. Por outro lado, na nossa compreensão, há um reforço do ponto de vista acadêmico quanto à realização de práticas em extensão universitária, junto à comunidades, à medida que esse debate contribui à qualificação também dessas práticas universitárias. No seio dessas práticas, tem-se construído novas e importantes tecnologias sociais, além de propiciar reflexões teóricas ao próprio modelo universitário. Nessa direção é que professores e alunos envolvidos nessas práticas vêm não apenas desenvolvendo ações, mas produzindo conhecimentos e

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revelando importantes contribuições para a relação educativa da Universidade com a sociedade. O que se vê, hoje, é que essas iniciativas de extensão, orientadas pela educação popular, têm crescido quantitativa e qualitativamente, em especial nas universidades públicas, onde vários projetos viabilizam uma relação efetivamente transformadora entre grupos populares e setores acadêmicos. Com isso, se transpõe a extensão tradicional, direcionando-se as ações também para os campos do ensino e da pesquisa, extrapolando a indissociabilidade rumo ao exercício ético da função social da Universidade. Assim, se vivencia uma Universidade empenhada em dedicar a produção de seu conhecimento a resolução dos mais emergentes problemas sentidos pela população. Isto posto, entende-se que se faz necessário ampliar o envolvimento de pesquisadores e estudantes que atuam nesse campo, afim de promoverem e questionarem novas metodologias e formas de atuação, capazes de aprimorar inclusive a sua produção acadêmica nesse campo, contribuindo para o avanço qualitativo dessas práticas acadêmicas.

PÚBLICO-PARTICIPANTE Pesquisadores do EXTELAR; Pessoas envolvidas em pesquisas na extensão da UFPB e de outras universidades; Pesquisadores da UFPB e de outras instituições de ensino; Pessoas integrantes de diversos movimentos sociais, organizações populares e ONG’s; Estudantes da UFPB e de outras instituições de ensino e servidores técnicoadministrativos interessados em pesquisa; Usuários e interessados dos/nos projetos de pesquisa da UFPB.

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Pesquisa em Extensão Popular é Possível !

TRABALHOS APRESENTADOS

VOLUME1 - PESQUISA EM EXTENSÃO POPULAR: METODOLOGIAS

JOÃO PESSOA – PB NOVEMBRO 2009

I SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM EXTENSÃO POPULAR – SENAPOP

I SBN978- 85- 7745- 558- 4

João Pessoa – UFPB – 24 a 27 de novembro de 2009 9 7 88577

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Tecendo Redes Sociais: uma análise dos diferentes tipos de participação popular no âmbito das redes, sob a perspectiva do desenvolvimento local Sabrina Kelly Nogueira Falcão Soares1 Eliana Maria de Queiroz Ramos Maria do Carmo Soares D‟Oliveira Decilene Santos Mendes Maria Salett Tauk Santos 2 Resumo Esta pesquisa visa analisar os diferentes tipos de participação popular no âmbito das redes envolvidas no processo de desenvolvimento local em Barra do Riachão, localizado no município de São Joaquim do Monte, na Mesorregião do agreste pernambucano. O que se quer compreender é como se dá a inserção dos atores populares nos diferentes tipos de participação popular no contexto das redes envolvidas no processo de desenvolvimento local, como estas se articulam, utilizando a comunicação na perspectiva dos estudos culturais, além de identificar até que ponto inserção contribui para uma dinâmica local de resistência aos processos de globalização e de enfrentamento da exclusão social. Este trabalho faz parte de uma investigação maior desenvolvida no âmbito do Programa de Mestrado em Extensão Rural e Desenvolvimento Local da Universidade Federal Rural de Pernambuco/ UFRPE que visa à identificação e à análise das redes sociais no contexto do desenvolvimento local do Distrito de Barra do Riachão. Para realização deste estudo, utilizamos como técnica de coleta de dados a pesquisa exploratória, com base na observação da realidade do cotidiano daquela comunidade, a partir da aplicação de entrevistas semi-estruturadas e revisão de literatura. A análise considera também vetores que levam à promoção do desenvolvimento local: relações de poder, aspirações para o futuro, amor ao trabalho, comunidade e participação em associação, de forma a explicitar os interesses mútuos, identidades semelhantes, diferenças e diversidades dos vínculos sociais envolvidos na(s) rede(s) e observa que nem sempre os interesses locais (ou em relação ao local) caminham conjuntamente.

Introdução

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Mestrandas do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural e Desenvolvimento Local (POSMEX), da Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE. E-mail: sabrina_ufpb@yahoo.com.br 2 Jornalista, Doutora em Comunicação, Professora e Coordenadora do Programa de Pós Graduação em Extensão Rural e Desenvolvimento Local da Universidade Federal Rural de Pernambuco / UFRPE

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Entendemos que a comunicação é uma questão de cultura e essa cultura se manifesta nas práticas sociais, estando ambas no mesmo patamar. Considerando que a comunicação popular não é um fenômeno recente e fundamenta diversos estudos, especialmente no campo da cultura, pontuamos nossa pesquisa no cotidiano do tecido popular, espaço onde as mensagens adquirem seus sentidos. A metodologia adotada nessa experiência de desenvolvimento local, no espaço em Barra de Riachão, fundamentada no Método Bambu3 (SÁ et al, 2006 p. 53).A idéia de dar uma centralidade à autonomia da população, no sentido de reforçar sua capacidade de iniciativa, pode ser bastante positiva do ponto de vista das pessoas reconhecerem suas potencialidades. Contudo, em um cenário marcado por condições sociais, econômicas, educacionais e de acesso a bens públicos muito desiguais, e desfavoráveis à maioria da população, o risco é de naturalizar uma determinada situação de subalternidade. O percurso teórico-metodológico da pesquisa tem como pano de fundo, os estudos de recepção, considerando o contrato de comunicação que se estabelece entre culturas. Em Barra do Riachão, distrito de São Joaquim do Monte, localizado no agreste pernambucano, lócus da pesquisa, a população compartilha condições semelhantes de produção, consumo, sociedade, estrutura, trabalho e integração. Portanto, nossa indagação é sobre a experiência de organização da cultura popular, no local. Isso nos reporta a Canclini (1983, p.43), quando afirma serem as culturas populares construídas em dois espaços: 1) as práticas profissionais, familiares, comunicacionais através das quais o sistema capitalista organiza a vida de todos os membros do local; 2) as práticas e formas de pensamento que estes setores criam para si próprios, onde concebem e expressam suas realidades. Sendo assim, em ambos os espaços acima citados, existe uma construção própria, independente da comunicação dos movimentos sociais populares impressos àqueles atores sociais. Estes movimentos sociais populares representam estruturas novas, criadas pela sociedade civil e exercem um papel de representação, instituindo uma democracia e abrindo espaços para várias formas de participação. (PERUZZO, 2004, p.69). Para contextualizar teoricamente sobre comunicação nos movimentos sociais, participação popular e redes sociais nos fundamentamos em Cicília Maria K Peruzzo e Pedro Demo.

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O Método Bambu, desenvolvido pelo Projeto Municípios Saudáveis no Nordeste do Brasil, é um instrumento utilizado para impulsionar as potencialidades de uma comunidade, visando seu fortalecimento e transformação a partir da intervenção no nível micro e com a perspectiva de amplificação dos seus efeitos.

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Acreditamos que este trabalho se justifica dentro das pesquisas de desenvolvimento local e dos estudos culturais como uma forma de entender os processos de participação popular nas redes sociais nas cidades de características rurais, uma vez que é no local que se encontram instituições importantes do cotidiano: escolas, postos de saúde, bairros. Portanto, certamente que rede é uma categoria essencial na análise das relações sociais de um dado território ou comunidade. O objetivo central é analisar os diversos tipos de participação popular, para isto orquestramos os objetivos específicos que é compreender como se dá a inserção dos atores populares nos diferentes tipos de participação popular no âmbito das redes envolvidas no processo de desenvolvimento local; como estas se articulam, utilizando a comunicação na perspectiva dos estudos culturais e identificar até que ponto tal inserção contribui para uma dinâmica local de resistência aos processos de globalização e de enfrentamento da exclusão social. Desta forma, buscamos identificar quais os laços que estabelecem as redes de relacionamento entre os atores sociais, tendo em vista o capital social. Identificamos várias categorias: amor ao trabalho; relações de poder; aspirações para o futuro; prosperidade; solidariedade e cooperação; colaboração; cidadania; comunidade e participação em associação, autogestão e sustentabilidade, porém as categorias identitárias escolhidas por nós para trabalhar no projeto de Barra do Riachão foram: relações de poder; amor ao trabalho; aspirações para o futuro; comunidade e participação em associação. Lócus da pesquisa: Barra do Riachão e o cotidiano dos atores pesquisados A Comunidade de Barra do Riachão localiza-se na mesorregião do Agreste e microrregião do Brejo de Pernambuco. Trata-se de um distrito pertencente ao município de São Joaquim do Monte-PE numa região de desenvolvimento do Agreste Central. Segundo dados do IBGE de 2000, Barra do Riachão possui uma população total de 772 habitantes, a maioria é feminina (52,5%), a masculina é de 47,5% . Dessa população do distrito, o percentual de 38,5% é classificada como rural, índice inferior à taxa de urbanização atribuída ao município que é da ordem de 65%. Entretanto, a agropecuária é a atividade econômica responsável pela ocupação de cerca de 70% da mão de obra do município, notadamente, o maior contingente de trabalhadores ocupados. Diante desse cenário, a partir de 2004, naquele município, teve início a intervenção de desenvolvimento local, através do Projeto Municípios Saudáveis no Nordeste do Brasil. Desenvolvimento local, participação e relações de poder

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A experiência de desenvolvimento local em Barra do Riachão se deu sob a responsabilidade do Núcleo de Saúde Pública e Desenvolvimento Social (NUSP) - UFPE, juntamente com o Governo do Estado de Pernambuco (Agência Estadual de Planejamento e Pesquisa de Pernambuco - CONDEPE-FIDEM), com o apoio da Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA). A intervenção mobilizou a associação de agricultores, grupos de mulheres artesãs e coletivos culturais e esportivos, além do poder público municipal. Jara (1998, p.73), afirma que o desenvolvimento local remete à intervenção institucional para a análise das relações de poder e das forças que articulam alianças ou se confrontam, ressaltando que isto leva à necessidade de se considerar questões relacionadas à participação, à democratização, ao empoderamento, entre outros aspectos. Diante da complexidade do que vem a ser desenvolvimento local, elegemos o aporte teórico de Carlos Julio Jara para entender como essas relações e redes sociais são tecidas e se articulam em busca do desenvolvimento local em Barra do Riachão. Comunidades e Redes Sociais na sociedade contemporânea: como se articulam Tönnies (1973) apud Peruzzo (2002 p. 278) compreende comunidade a partir dos laços de sangue, de vizinhança, por afinidade espiritual, um agregado de pessoas vivendo numa determinada localidade, numa cultura comum, inserida numa estrutura social. Já Maclever e Page (1973) apud Peruzzo (2002 p.278) afirmam que a localidade não é suficiente para se criar uma comunidade. Há a co-participação. Franco (2001) lembra que rede é um modo pelo qual as relações acontecem, realizam-se. As redes têm o objetivo de interligar, compartilhar visões, forças, capacidades, acertos, dificuldades, caminhos, dúvidas, sonhos e esperanças. Perseguem o enriquecimento, a ampliação dos conhecimentos e competência dos seus membros. Em tais circunstâncias, a participação não está limitada a ações concebidas por pessoas que se consideram proprietárias do conhecimento. È também uma relação moral de confiança.

Participação e Capital Social Participação é tema instigante para estudar os atores sociais de Barra do Riachão, ou melhor, a população brasileira em geral, tida como subalterna à sociedade, ao Estado. Participar representa estar inserido, atuar ativamente num processo. Pedro Demo (1996, p. 84) afirma: [...] “não pode haver participação dada, doada, preexistente. Somente existe na medida que a conquistarmos”[...].

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Em se tratando de uma comunidade, a população do nosso lócus de pesquisa está agregada de alguma forma que configure um perfil comunitário. [...] falar de comunidade significa falar de fortes laços, de reciprocidades, de sentido coletivo de relacionamentos” [...] (PERUZZO, 2002, p.277). A participação nas redes é uma forma importante de democracia das novas comunidades onde o capital social pauta as relações com a informação e a sociedade do conhecimento. Achamos viável ainda inferir que segundo Jara (2001, p. 106/107), “capital social é a energia que possibilita o trabalho conjunto entre cidadãos. [...] a energia do capital social alimenta a confiança no outro, fazendo com que os atores se abram às alianças, escolhas e tomadas de decisões conjuntas para a construção de um futuro”. Para Demo (1996, p.7), a questão participativa alarga sobremaneira o entendimento da política social, em suas fases socioeconômica, assistencial e política. Segundo este autor participação é conquista para significar um processo, no sentido legítimo do termo: infindável, em constante vir a ser, sempre se fazendo (DEMO, 1996, p.18). Diante do exposto, entendemos ser necessário ressaltar que o campo do desenvolvimento local, da busca de constituição de um capital social é, em grande medida, um lugar de disputa pelo poder de decidir, de escolher os melhores projetos e de se implicar com os seus desdobramentos. Podemos afirmar que, na compreensão gramsciana este espaço configura-se como um lugar por excelência da sociedade civil. Porém, importa destacar que o conceito de sociedade civil em Gramsci nem sempre é bem compreendido no Brasil (COUTINHO, 2007 s/p). Assim, entendemos ser fundamental explicitar que Gramsci elabora uma concepção de sociedade civil como um espaço onde as classes subalternas disputam a hegemonia através de sua organização em associações, no estabelecimento de alianças para o confronto de “projetos éticos-políticos”, como denota Semeraro (1997): Para Gramsci, a sociedade civil é [...] lugar, portanto, de grande importância política onde as classes subalternas são chamadas a desenvolver as suas convicções e a lutar para um novo projeto hegemônico que poderá levar à gestão democrática e popular do poder. (SEMERARO, 1997, s/p). Portanto, podemos inferir que as práticas de desenvolvimento local nos remetem a espaços de definição e negociação de projetos para o local, evidentemente implica em locus de negociações, e notadamente, de disputas de poder. São diversos atores sociais e políticos , que são enredados na trama dos projetos e instigados a desvelar os objetivos do desenvolvimento e as

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prioridades do local. Dessa forma, a constituição dessas relações de disputas e de decisões, de escolhas, ressalta o risco de, mediante as dificuldades de decisões coletivas, deixarem que cada um tome sua decisão ou remeter o poder decisório a uma só pessoa (um ditador), frente à negação do conflito e diante da descrença nas decisões coletivas emerge como afirma Enriques “é o medo do outro, medo da comunicação, o temor de que suas próprias preferências sejam questionadas, é a negação do julgamento do chefe (do pai).” (ENRIQUEZ, 2007 p. 38). Dessa forma, os processos de comunicação são elementos chave nestes contextos. A comunicação na perspectiva dos Estudos Culturais Nos Estudos Culturais,4 a cultura é redefinida como processo global através do qual as significações se constroem social e historicamente e são, ao mesmo tempo, elementos importantes de sua constituição, admitindo a diversidade e complexidade, levando em conta a continuidade dentro da mudança. Portanto, “as culturas populares aparecem como uma apropriação desigual do capital cultural, a elaboração específica das suas condições de vida e interação conflituosa entre os setores hegemônicos”. (CANCLINI, 1983 p.12) Pensar a cultura hoje, envolve compreender o vínculo entre produção simbólica e base econômica. O interesse central dos estudos culturais é perceber as interseções entre as estruturas sociais e as formas e práticas culturais. Ou seja, a proposta tem como eixo a apropriação cultural das pessoas, a socialização da experiência criativa e o reconhecimento das diferenças, isto é a afirmação da identidade que se fortalece na comunicação – feita de encontro e conflito – com o outro. A cultura popular é o terreno sobre o qual as transformações em algo novo são operadas no duplo movimento de conter e resistir, que inevitavelmente se situa em seu interior.

Os Estudos Culturais latino-americanos em consonância com a recepção

As culturas populares na perspectiva dos estudos culturais latino-americanos estão formuladas nas obras de Stuart Hall, Nestor Garcia Canclini e Jesús Martín-Barbero. Nos anos 80, com a divulgação dos trabalhos de Antônio Gramsci sobre a importância da cultura na sociedade de classes, apoiando-se no binômio cultura hegemônica5-culturas subalternas, teóricos latino-americanos atualizaram esses estudos para a comunicação (VASSALLO, 1994), 4

Os precursores destes estudos foram Richard Hoggart, Raymond Williams e Edward P. Thompson, na década de 60, do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea de Birminghan, na Inglaterra. 5

Segundo Gramsci, hegemonia é a capacidade de um grupo exercer, através da direção política, o controle da sociedade. Tal controle é possibilitado mediante luta, negociação, compromissos e mediações entre uma classe social e outra, entre um grupo e outro.

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interessando-se pelas interseções entre as estruturas sociais e as formas e práticas culturais, propondo, por sua vez, categorias analíticas como sincretismo, hibridação e mestiçagem, estudos de recepção e consumo cultural. Mais tarde, acrescentam-se as questões de raça e etnia (ESCOSTEGUY, 2001). O percurso teórico-metodológico da pesquisa tem como pano de fundo, os estudos de recepção, considerando o contrato de comunicação que se estabelece entre culturas. Entendemos, portanto, a recepção de acordo com o que Tauk Santos e Nascimento (2006, p.110) assinalam: um processo em que existe um contrato de comunicação proposto por organizações governamentais, organizações não-governamentais ou a mídia e uma determinada população 6. É o caso da pesquisa em questão, cujo ponto de partida é um contrato de comunicação entre a Associação de Agricultores de Barra de Riachão, o Grupo de Mulheres Rendeiras, o NUSP e a população do município, em torno de uma proposta de desenvolvimento local, ou seja, uma organização governamental e /ou não governamental e uma população de contexto popular envolvidos num processo de desenvolvimento. Orozco Gómez (1991) apud Tauk Santos e Nascimento (2006, p.108 e 109) trás a teoria de Barbero sobre as mediações culturais para o nível empírico. Neste sentido, desenvolve o modelo das mediações múltiplas que passa por um enfoque integral da recepção, levando a concepção do processo de recepção como um procedimento complexo, multidimensional e multidirecional, que envolve quatro grupos: individual ou cognoscitiva; institucional; situacional; videotecnológica ou massmediática7. É o aspecto institucional destas mediações múltiplas que particularmente vai nos interessar, porque que se manifesta a partir da participação do indivíduo em determinadas instituições como a família, a igreja, a escola, o trabalho, que tendo o poder e as regras podem competir entre si. Assim, pela sua ação transformadora, pode-se dizer que os atores sociais são, ao mesmo tempo, produtos da sua sociedade de pertença e fonte ativa de produção de formas culturais sempre novas.

Discussão Como citamos na introdução, das várias categorias identificadas neste grande tecido chamado representações sociais, recortamos para trabalhar no projeto de Barra do Riachão as relações de poder; amor ao trabalho; aspirações para o futuro; comunidade e participação em 6

Tauk Santos (apud TAUK SANTOS, ARAÚJO, PATRIOTA, 2009, p.4), incorporou a concepção de contrato de comunicação de Eliseo Véron para a esfera dos estudos de recepção, assinalando que a existência de um contrato de comunicação estabelecido entre emissor e receptor é suficiente para estabelecer um estudo de recepção. 7 Para maiores informações ver OROZCO GOMES apud JACKS, Nilda A. Pesquisa de recepção: investigadores, paradigmas, contribuições latino-americanas. Intercom: - revista Brasileira de Comunicação, São Paulo, v. XVI, n.1, jan./jun.1993, p.23.

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associação. Elencamos estas categorias como reflexões dos pensamentos e das ações dos atores sociais de Barra do Riachão, para entender e expressar suas realidades, às quais trabalhamos em dois aspectos: a narrativa dos participantes da associação, através de entrevistas semiestruturadas, e as observações pessoais dos mesmos em seus contextos locais. Para entender o contexto, existem dois grupos atualmente funcionando na sede, a Associação de Pequenos Agricultores do Sítio Batente, criado em 2002, e o Grupo de Mulheres Rendeiras de Barra do Riachão, criado em 2007. Atualmente, a associação tem representação, no Conselho de Desenvolvimento Rural Sustentável do Município de São Joaquim do Monte, possui 133 associados, dos quais aproximadamente 50 participam efetivamente. O Grupo de mulheres surgiu quando o pessoal do JICA, a partir da proposta de Municípios Saudáveis, viu algumas mulheres tecendo rede de pesca na rua e se interessou, procurando desenvolver com elas outros pontos de artesanato, a partir da cultura da confecção de rede. “D. Socorro Salles (Técnica do NUSP), indicou a Associação de Marinalva8 e resolveu incluir o grupo na associação. Depois, a professora Ana Emília (designer da UFPE), foi convidada a trabalhar o artesanato” (MARIZETE, 20099). O grupo de mulheres possui 16 associadas, das quais em torno de 10 estão envolvidas com as suas atividades. A faixa etária varia entre os 18 e 60 anos, na associação, e entre os 16 e os 60 no Grupo. A maioria dos associados possui ensino médio, outros estão concluindo e há três analfabetos. A profissão predominante é de agricultor, mas tem auxiliar de enfermagem e uma aposentada. Tanto a associação como o grupo estão estabelecidos há dois anos em Barra do Riachão, antes a associação era sediada no Sítio Batente. A participação popular se dá de forma real (em rede) e articulada, pois o grupo se reúne uma vez por semana. Outra forma apontada por ela de participação é o boca-a-boca. As principais redes de participação popular existentes no local são: PSF (grupos de jovens e idosos), colégio (professor desenvolve arte), igreja (grupo de jovens), futebol, banda marcial, secretaria de saúde, secretaria de serviço social, secretaria de agricultura, secretaria de finanças e a viceprefeitura. Segundo Marinalva Silva (2009)10, a associação é chamada entre o grupo, de Associação de Marinalva, uma referência designada pelos agricultores e agricultoras à presidente. A associação não possui sede própria, o espaço é alugado ao valor de sessenta reais. Na associação funciona também o Grupo de Mulheres Rendeiras, de uso da ação do Projeto Artesanato e 8

Marinalva Silva é agricultora, artesã e atual presidente da Associação dos Pequenos Agricultores do Sítio Batente e Barra do Riachão. 9 Marizete Maria da Silva, 42 anos., auxiliar de enfermagem e presidente do Grupo de Mulheres Rendeiras de Barra do Riachão, em entrevista obtida, por via oral, na sede do grupo, durante pesquisa de campo em 22.06.2009, às 13h 10 Informação obtida em entrevista oral, na sede do grupo, em Barra do Riachão no dia .22.06.2009, às 14h, durante pesquisa de campo.

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Designer, que atua na produção artesanal de redes de pesca com o grupo de vinte artesãs entre jovens e adultas, chamado Arte Calango.

Análise das categorias: Relações de poder

Nas falas de alguns entrevistados percebe-se esta categoria, ora de forma castradora, despertando desinteresse ou comodismo, ora de forma solidária:“Eles decidem. Não possuo contato com outros grupos. Minha família apóia minha participação porque é uma atividade a mais, mas tenho insônia e sou distraída demais”; “ A cabeça é „fulana‟. Para mim, tá legal porque não se pode fazer mais, mas ela se esforça para conseguir junto com o grupo trabalho para a comunidade”; “ Acho estas lideranças razoáveis”. Na opinião de outra entrevistada, quem lidera é o grupo: “... todos têm espaço de falar sobre qualquer assunto. A liderança é democrática, todos participam, embora tenha aquele mais retraído, no momento de exigir uma participação mais ativa nos debates da associação”. E em contraponto, ouvimos de responsáveis pela associação: “Não existe discussão. No grupo não tem problema. Toda decisão é perguntada ao grupo. Os preguiçosos são descartados”. E com relação à associação propriamente: “fulana interfere na decisão ou apóia, dependendo da necessidade” Nas nossas observações, percebemos essa dualidade, por isso, na pesquisa, buscamos novos olhares sob a recepção e significação da associação e isso só foi possível conhecendo a comunidade e sua linguagem, como cita Souza (2006, p.23): o reconhecimento de que as práticas sociais e culturais são o espaço mesmo da vida cotidiana, por onde se ressignifica a vida, onde afinal se situam as matizes dos sentidos atribuídos á vida individual ou coletiva, possibilita realocar a significação igualmente política desse espaço na construção da vida social.

Amor ao trabalho

Esta categoria é facilmente percebida no contato com os entrevistados, que encontram na associação uma forma de bem-estar, como afirmam duas artesãs que dizem gostar muito da atividade que exercem na associação, especificamente no Grupo de Mulheres Rendeiras, isto as leva a não sentir nenhuma obrigação de participar destas atividades: “...a associação é um espaço em que se dá o valor à cultura, é um lugar de desenvolvimento cultural., (Entrevistada

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I Seminário Nacional de Pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR/ANEPOP - 2009 A); “...venho sempre que volto de Caruaru (onde vai trabalhar temporariamente ). “Contribuo. Só falto quando vou jogar nos finais de semana, na sexta. Eu me sinto na obrigação de participar porque eu gosto. Aqui é muito parado, ou é o jogo (de futebol) ou é a Associação”. (Entrevistada D) Outro associado diz que se sente cativo no grupo e que sente amor pelo que faz, com força e coragem. Diz também que: “No roçado é a mesma coisa. Tem que ter interesse, força e coragem e ir até o final”. (Entrevistado B) Por outro lado, outros associados participam por obrigação e/ou interesse: “Só assisto algumas reuniões. Sou associada. Ganho alimentos. Sacos de batata, inhame e mudas para plantar. Eu me sinto na obrigação de participar porque quem é associado tem que comparecer e paga dois reais como sócio” (Entrevistada C); “Eu me sinto na obrigação de participar porque eu gosto de cumprir com meus compromissos, para não dar margem para que ninguém deixe de vir. Um puxa o outro. Cada qual tem seu compromisso e obrigação”. (Entrevistado B)

Aspirações para o futuro

Nesta categoria percebe-se que o interesse é realmente ter uma representação na área agrícola, serem valorizados, buscar desenvolvimento e melhorias para o local com o apoio dos órgãos governamentais: “A necessidade de se organizar em grupo foi a motivação encontrada para o surgimento da associação, há sete anos. Os agricultores precisavam estar unidos para resolver os problemas de ações governamentais que não chegavam nas comunidades rurais de Barra de Riachão. A gente precisava fundar uma associação para ter acesso aos projetos e programas do governo que só vinham por meio de uma associação” (Marinalva, 2009). Este mesmo anseio se reflete nas falas dos associados, que aspiram ao desejo de uma mudança de vida, pois é isto que buscam através da atividade que exercem na associação. Esperam que seu trabalho seja recompensado e que venham a ajudar a família futuramente, de crescer cada vez mais, financeiramente: “O nosso trabalho não é muito reconhecido em Riachão. Aqui as pessoas não valorizam o que é nosso. Tudo que produzimos é vendido lá fora. O desejo do grupo, é criar desenvolvimento para a comunidade de Riachão, que através das nossas peças de artesanato por meio do trabalho da associação, venha a dar visibilidade à comunidade trazendo pessoas e o turismo”; “... com o apoio do grupo da universidade, acho que estejamos indo no caminho certo. È preciso ser mais reforçado em termos de apoio para o desenvolvimento da atividade”. (Marinalva Silva, 2009)

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I Seminário Nacional de Pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR/ANEPOP - 2009 Para outro entrevistado: “a associação é um caminho para a aposentadoria, pois a associação é mais que um sindicato para realizar as coisas”. (Entrevistado E) Percebemos aqui que a comunicação na cultura dissolve a barreira social e simbólica, descentrando e desterritorializando as próprias possibilidades de produção cultural.

Comunidade e participação em associação

A associação a partir das reuniões dos agricultores e agricultoras e encontros semanais do grupo de artesãs (Grupo de Mulheres Rendeiras) faz com que as famílias agricultoras aproximem-se, mesmo no espaço externo da associação: nas residências, igreja, festas populares, por meio de conversas de vizinhança falando o que se discutiu e se resolveu na reunião, entre outras conversas e assuntos do cotidiano. Isso justifica que a Associação dos Pequenos Agricultores do Sítio Batente e Barra de Riachão atue como espaço de socialização entre os agricultores, as agricultoras e artesãs do distrito de Barra de Riachão, além de promover a aproximação entre estes em outros espaços. Os associados comprovam nas falas abaixo: “Bom, é uma forma de mobilizar as pessoas para fazer o que fazem, deixa as pessoas mais animadas; financeiramente as pessoas estão desanimadas, estão juntas não é pelo dinheiro, mas para mostrar que fazem.” (Entrevistada A); “Antes da existência da Associação as pessoas ficavam em casa e não faziam nada. Hoje, com a associação, as pessoas fazem e vendem o que ajuda”. (Entrevistado B) E ao indagarmos sobre a atuação das lideranças da associação perante a comunidade, tivemos as seguintes colocações: “... faz um trabalho muito bom. Sabe atender ao povo”. (Entrevistada A); “Tem ata. As atividades funcionam aqui na casa do meu sobrinho, na rua de baixo. As atividades funcionam bem.”. (Entrevistado B) Neste ponto, é viável também reportarmo-nos a Barbero (1997), quando enfatiza que os mediadores que lutam pela identidade cultural estão inseridos no tecido da cultura popular do bairro e desenvolvem uma nova institucionalidade. As lideranças por sua vez também interferem no processo de organização e decisão da comunidade: “nem tudo é levado a decisão final do grupo, embora a discussão seja partilhada, pois o que predomina é o desejo da maioria, que muitas vezes não representa a opinião de uma liderança do grupo”. (Entrevistada C) A participação extrapola os limites da comunidade, pois a associação possui contatos com outros grupos como o Grupo de Limoeiro e Camocim de São Félix, são Grupos de Idosos e

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Grupos de Artesanato. Os contatos são estabelecidos apenas por meio de conversas, quando existem dificuldades.

Conclusão

As redes identificadas são formais, informais, virtuais, porém o que se sabe é que todos os seres humanos participam de várias redes sociais. Por sua vez, percebe-se que há um contrato de comunicação entre a associação, grupo de mulheres rendeiras e NUSP em prol do desenvolvimento local, aproveitando-se do próprio potencial existente nos vínculos estabelecidos pelas mulheres que se encontram diariamente na calçada do mercado público para tecer redes de pesca e trocar idéias. Esta rede já acontecia de forma espontânea como resultado das interações das participantes e não foi criada por qualquer autoridade centralizada. Inferimos que a participação popular se apresenta de forma articulada, coesa e ativa e sua principal rede, identificada no local é do tipo boca-a-boca, fazendo uso de outros espaços como: em conversas com vizinhos (agricultores, agricultoras e artesãs), nas reuniões da associação, escola da comunidade (nos espaços de intervalo) e na igreja (antes e após o evento da missa). Estas foram algumas estratégias identificadas que a comunidade faz uso para chamar os associados e associadas dentro do processo participativo da associação. Diante da diversidade de informações identificadas sobre as dinâmicas locais que estão em curso na Vila Barra do Riachão, podemos constatar que existe uma mobilização significativa de pessoas da comunidade, dirigentes e organizações sociais de diferentes tipos na perspectiva de canalizar esforços e recursos para fazer face às necessidades de alternativa de produção e de reprodução da vida, demandada pela população local, que acredita estar criando alternativas para a exclusão social e construindo o desenvolvimento local.

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I SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM EXTENSÃO POPULAR – SENAPOP João Pessoa – UFPB – 24 a 27 de novembro de 2009

A HERMENÊUTICA-DIALÉTICA NA PESQUISA-AÇÃO EM EXTENSÃO POPULAR

Maria das Graças de Almeida Baptista Resumo O presente trabalho tem como objetivo propiciar a reflexão sobre a hermenêutica-dialética como metodologia de análise mais indicada na pesquisa em extensão popular e, mais especificamente, na pesquisa-ação. Nesse sentido, o artigo tem início com a aproximação entre educação e extensão popular, segue apresentando o lugar da hermenêutica-dialética na pesquisa-ação e sua relação com a dialética materialista. Por fim, a relação hermenêutica-dialética, pesquisa-ação e extensão popular é apresentada como opção política de intervenção na realidade, visando o seu conhecimento e a sua transformação, e a transformação dos próprios sujeitos.

Introdução

O Grupo de Pesquisa em Extensão Popular - EXTELAR - compreende a extensão popular, enquanto perspectiva de extensão baseada nos princípios da educação popular, e desenvolve-se a partir de uma perspectiva marxiana, buscando, através da pesquisa, não somente o conhecimento sobre uma dada realidade, mas a sua transformação. Nos últimos anos o EXTELAR tem desenvolvido reflexões sobre o uso da pesquisa-ação como metodologia mais indicada para a pesquisa em extensão popular. Paralelamente a esses estudos, a autora, enquanto membro desse grupo de pesquisa, tem estudado a hermenêutica-dialética e a possibilidade de sua utilização em pesquisas que têm como fundamentação teórica e metodológica o materialismo histórico e dialético. Nesse sentido, o presente artigo tem por objetivo, e sem a pretensão de esgotar, propiciar a reflexão sobre a hermenêutica-dialética como metodologia de análise mais indicada na pesquisa em extensão popular e, mais especificamente, na pesquisa-ação.

1. A educação popular

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Pensar a pesquisa em extensão popular, significa apresentar, inicialmente, o que se compreende como “popular”, Entretanto, a compreensão sobre esse conceito não deve ocorrer de forma isolada, mas na relação que estabelece com outros conceitos, nesse caso, com o conceito de educação. Nos últimos anos, o grupo de EXTELAR passou a definir e a entender o conceito educação popular como:

Fenômeno de apropriação da cultura, mediatizada pelo trabalho, desenvolvido através da compreensão e interpretação da realidade em que se encontra inserido, caracterizado por um sistema de ensino-aprendizagem democrático, orientado por metodologias que incentivem o diálogo, a crítica, a solidariedade e a coletividade, com conteúdo e técnicas de avaliação processual, permeado de uma base política estimuladora de transformação das condições de exploração e dominação da classe trabalhadora, e orientado pelos anseios de liberdade, justiça, igualdade, felicidade e emancipação humana.

Este conceito sugere que a educação popular deve ultrapassar o processo educativo de armazenamento de informações, uma vez que, primeiro, esse fenômeno pressupõe uma ação, trabalho, que envolve dois processos dialeticamente relacionados, o de apropriação que implica acesso ao conhecimento elaborado historicamente e a sua transformação; e a compreensão e interpretação da realidade. A realidade, portanto, é compreendida não como algo já dado, mas em permanente transformação. Nesse sentido, a educação popular recupera a compreensão da aprendizagem como trabalho humano, ação sobre a realidade, transformando-a e transformando o próprio aprendiz, ou seja, o próprio homem. A educação reveste-se de compromisso com a não exterioridade do conhecimento produzido pela humanidade, mas como conhecimento em construção e, portanto, pressupõe o debate, a crítica, a dialética. Um segundo aspecto que o conceito sugere refere-se ao diálogo, a crítica, a solidariedade e a coletividade, ou seja, a educação não ocorre individualmente, mas coletivamente. O trabalho educativo assume, assim, um caráter social, é um trabalho social, coletivo. Por fim, essa educação é uma ação política e, portanto, está voltada para o sujeito político, no sentido de que professor e aluno, inseridos socialmente, buscam a transformação das condições de exploração e dominação da classe trabalhadora.

2. A extensão popular

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Portanto, baseada nessa definição de educação popular, a extensão popular implica em uma ação que não ocorre independe dos sujeitos e da realidade em que estão inseridos. Entretanto, se parássemos aqui, a extensão popular não se diferenciaria da prática comumente aceita de extensão como a ação, por exemplo, da Universidade na comunidade a qual o projeto se destina. Permanecendo nesse exemplo, a extensão popular diferencia-se justamente na perspectiva dessa relação Universidade-Comunidade. A extensão popular caracteriza-se pela inversão justamente dessa relação, no sentido de que é a partir do contato do “extensionista” com uma dada comunidade e os sujeitos que a compõem, ou seja, de uma ação coletiva, dialógica, em que a realidade é pensada como algo em permanente transformação. A partir desse contato, são pensadas e definidas, coletivamente e dialogicamente, as ações necessárias ao desenvolvimento do processo de extensão. O conhecimento não está, portanto, só na comunidade ou na universidade, mas em ambas. O extensionista e os sujeitos de uma dada comunidade apropriam-se do conhecimento sobre a realidade e seus limites, e buscam a sua transformação. Nesse sentido, a própria realidade deixa de ser exterior aos sujeitos, mas os sujeitos se objetivam na produção da realidade, ainda que dentro de certos limites. Entretanto, esse processo não ocorre aleatoriamente, mas através de uma metodologia de pesquisa que possibilite a compreensão sobre o contexto histórico em que estão inseridos e dos quais são sujeitos partícipes, ainda que de forma não consciente. O extensionista e os sujeitos de uma dada comunidade tornam-se, assim, pesquisadores!

3. A pesquisa-ação

O EXTELAR, enquanto grupo de pesquisa em extensão popular e tendo em vista o acima exposto, passou a desenvolver estudos sobre a metodologia que mais se coadunaria às perspectivas de conhecimento e transformação da realidade. Nesse sentido, a pesquisa-ação apresenta-se como a metodologia mais indicada nas pesquisas desenvolvidas por esse grupo, uma vez que o conhecimento sobre uma certa realidade e a sua transformação implica, necessariamente, no envolvimento da comunidade, ou seja, na participação ativa dos sujeitos envolvidas nos problemas pesquisados, em um exercício permanente de desvelamento das determinações e das contradições que perpassam essa realidade.

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A pesquisa-ação, diferentemente das outras metodologias e de outras perspectivas de pesquisa, inicia-se com um diagnóstico da realidade. Entretanto, diferentemente de uma proposta unilateral em que o pesquisador “diagnostica” e apresenta o “mal” que afeta uma dada comunidade, esse “diagnóstico” efetiva-se a partir das análises dos próprios sujeitos que compõem a comunidade. Não se pretende com essa colocação afirmar que a realidade se apresenta de forma transparente ou que essas análises surgem de forma coerente e organizada, o que nos levaria a afirmar que a essência corresponde à aparência. Ou seja, que o senso comum é uma concepção do mundo coerente e unitária. Pelo contrário, o senso comum, na perspectiva gramsciana, é uma concepção do mundo amalgamada, fragmentada, incoerente e sobre a qual o sujeito não tem qualquer controle. Leia-se como sujeito, tanto o extensionista como os demais sujeitos. O mundo humano, no senso comum, é compreendido como algo já dado que dispensa a ação humana. Essa ação é compreendida, no máximo, como algo que dá sustentação ao que já está posto, mas dificilmente à sua transformação. Enfim, é a exteriorização do homem que não se reconhece no que produz. A pesquisa-ação implica, assim, em uma ação política, no sentido de possibilitar aos grupos excluídos a compreensão acerca dos condicionantes econômicos, políticos e sociais de seu estar no mundo, e uma ação no sentido da transformação do status quo. O conhecimento da realidade é, por sua vez, um ato dinâmico que envolve a compreensão e interpretação da realidade, através da apropriação de ferramentas teórico-metodológicas necessárias a essa compreensão e da produção do próprio conhecimento, enquanto sujeito coletivo. A perspectiva teórico-metodológica que orienta essa metodologia não poderia ser outra que não a filosofia da práxis. Portanto, na pesquisa-ação, pesquisa e ação encontram-se dialeticamente relacionadas. Uma não existe sem a outra e uma se explica na outra. A participação das pessoas no levantamento dos problemas de sua comunidade e na compreensão de seus condicionantes tende a possibilitar o movimento de transformação na concepção do mundo dos sujeitos envolvidos, incluindo a do próprio pesquisador, e de superação dessa realidade. Nesse sentido, se a pesquisa-ação é a perspectiva metodológica que mais se coaduna às perspectivas de conhecimento e transformação da realidade, a hermenêutica-dialética apresenta-se como a perspectiva de análise mais indicada na pesquisa-ação.

4. A hermenêutica-dialética

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A pesquisa-ação envolve alguns momentos, segundo Melo Neto (2003), a preparação do investigador, o investigador e a comunidade, a sistematização das informações, a análise e interpretação dos dados, e a avaliação. Nesse sentido, o presente trabalho apresenta a hermenêutica-dialética como a metodologia necessária ao momento de análise e interpretação dos dados. O pesquisador, durante o desenvolvimento de um trabalho de pesquisa, depara-se com a seguinte dúvida: que metodologia qualitativa empregar para a análise do material coletado na pesquisa empírica? Essa dúvida torna-se ainda mais persistente quando o trabalho tem como caminho teórico-metodológico o materialismo histórico e dialético. Minayo (1996, p. 218), em seu livro O desafio do conhecimento, nos traz três possibilidades que dispomos para a análise do material qualitativo, ou seja, para o tratamento dos dados de uma pesquisa qualitativa: a análise de conteúdo, a análise de discurso e a hermenêuticadialética; e acrescenta que a hermenêutica-dialética, “diferentemente da „Análise de Conteúdo‟ e da „Análise do Discurso‟ que se colocam como uma tecnologia de interpretação de textos [...] se apresenta como um „caminho do pensamento‟, como uma via de encontro entre as ciências sociais e a filosofia”. Além do exposto, a escolha dessa possibilidade metodológica justifica-se, de forma bem sucinta, na medida em que a abordagem materialista trabalha com a perspectiva de que o mundo objetivo determina a consciência, ao contrário da perspectiva que orienta as demais possibilidades. O conceito hermenêutica-dialética surge a partir dos anos de 1960, quando se desenvolve um debate entre Habermas e Gadamer (MINAYO, 1996, p. 218). A hermenêutica-dialética, segundo Minayo (op. cit., p. 227) se caracteriza como uma proposta de complementariedade entre a hermenêutica e a dialética, “complementariedade possível a partir da própria realidade”.

Enquanto a hermenêutica penetra no seu tempo e através da compreensão procura atingir o sentido do texto, a crítica dialética se dirige contra o seu tempo. Ela enfatiza a diferença, o contraste, o dissenso e a ruptura de sentido. A hermenêutica destaca a mediação, o acordo e a unidade de sentido. [...] A união da hermenêutica com a dialética leva a que o intérprete busque entender o texto, a fala, o depoimento 11 como resultado de um processo social (trabalho e dominação) e processo de conhecimento (expresso em linguagem) ambos frutos de múltiplas determinações mas com significado específico.

11

Segundo Gramsci (1995, p.13): “se é verdade que toda linguagem contém os elementos de uma concepção do mundo e de uma cultura, será igualmente verdade que, a partir da linguagem de cada um, é possível julgar da maior ou menor complexidade da sua concepção do mundo.”

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A hermenêutica-dialética possibilita, portanto, que a fala, a concepção do mundo dos sujeitos, seja compreendida crítica e dialeticamente a partir do processo de exteriorização do mundo e dos sujeitos, efeito do processo de exploração e dominação da classe trabalhadora. Portanto, a concepção do mundo dos sujeitos está atravessada pelas contradições da sociedade da qual fazem parte e que lhe dá sentido. No caso, a sociedade capitalista! Nesse sentido, o exercício permanente de desvelamento das determinações e das contradições que perpassam essa realidade implica, tanto na ação hermenêutica quanto na dialética. A hermenêutica torna-se, portanto, um dos movimentos necessários da dialética materialista.

5. A hermenêutica dialética e a dialética materialista

Para o desenvolvimento da análise sobre a hermenêutica dialética e a dialética materialista, faremos uso das análises de Stein (1996), teórico habermasiano. Para Stein (1986, p.22), as ideologias na perspectiva marxiana “não têm história, mas elas são históricas e historicamente ativas na superestrutura e com isto também na base”. A seguir, o autor faz a seguinte observação sobre a crítica da ideologia de Marx:

É o instrumento principal que o filósofo utiliza como potencial de racionalidade para desmascarar os „falsos‟ discursos e as explicações aparentes com que os encobrem as contradições das sociedades de sua época. Fica evidente que Marx, ao articular seu conceito de crítica da ideologia, pretende convertê-lo em instrumento de diagnóstico das patologias sociais. É por isso que ele insiste tanto no caráter científico de sua crítica da ideologia, querendo, através desta expressão, delimitar o potencial de racionalidade de sua teoria [...]. O fato de Marx vincular a questão do conhecimento ao problema do trabalho, da produção, tem como efeito uma acentuação da racionalidade instrumental [...]. É por causa deste a priori tecnológico que se apresenta em Marx um sério déficit da racionalidade que se produz, via consenso, através da ilustração e da formação de vontades, que nós poderíamos chamar de racionalidade prática ou, como hoje diz Habermas, racionalidade do agir comunicativo (op.

cit., p. 23).

Destacando o conceito de crítica em Marx, Stein (op. cit., p. 23) afirma que ele “está estreitamente vinculado ou mesmo aparece identificado com seu conceito de dialética. É no método dialético que o filósofo concentra a sua busca de racionalidade, a tentativa de estabelecer os pressupostos de um método que esteja na base da justificação de sua crítica da economia política e ao mesmo tempo de sua concepção de história”. A respeito da crítica da economia política em Marx, o autor (op. cit., p. 25) esclarece:

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É ao mesmo tempo crítica da economia política como texto e crítica da economia burguesa como realidade. A combinação entre crítica textual e crítica da realidade que Marx realiza é, certamente, o que tem por resultado sua dialética. A crítica enquanto dialética realiza, enquanto „movimento do pensamento‟, um diagnóstico da realidade. Esse diagnóstico deve necessariamente ser crítico e seria „ideológico‟ apresentá-lo como positivo e afirmativo.

Dessa forma, para Stein (1986, p. 27), a “dialética enquanto crítica supõe o dado, o espaço histórico, as relações estabelecidas, o sentido constituído como elemento portador e supõe a interpretação deste „mundo vivido‟. A dialética não pode ser global, finalizada, fundada em si mesma, universal, porque radica neste mundo vivido. Assim, a crítica pressupõe sempre interpretação. A dialética recorre à hermenêutica”. Em suas considerações acerca do método dialético e do método hermenêutico, enfatiza: Ambas procuram apreender nosso tempo pela reflexão [...]. Maneiras de „apreender nosso tempo em pensamentos‟, mas não de maneira hegeliana. [...] O primeiro [dialético] partindo da oposição e o segundo [hermenêutico] da mediação, constituem momentos necessários na produção de racionalidade e desta maneira operam indissoluvelmente como elementos de uma unidade. É neste sentido que a crítica das ideologias, como é proposta por Marx e basicamente todo seu projeto de crítica da economia política, opera como instrumental hermenêutico (STEIN,

1986, p. 30; 33).

Essa reflexão, segundo Stein (op. cit., p. 31) tem como propriedade “produzir identidade justamente pela oposição”. E acrescenta:“enquanto reflexão, unidade e oposição subsistem inseparadas. [...] O método crítico se apresenta basicamente como um instrumento para detectar a ruptura do sentido, enquanto o método hermenêutico busca, nos muitos sentidos a unidade perdida”. A reflexão, segundo o autor (op. cit., p. 32), tem, portanto, dois pólos, um deles a crítica, o outro a hermenêutica. Portanto, “enquanto a crítica se dirige basicamente contra seu tempo, a hermenêutica procura penetrar cautelosamente em seu tempo” (STEIN, 1986, p. 32). Para Stein (1986, p. 32), a crítica e a hermenêutica são “as duas possibilidades de que dispõe a reflexão para se encontrar com a realidade histórica: em vez de refletir sobre conteúdos abstratos que se lhe opõem, procura tornar-se consciente dos condicionamentos que determinam sua posição dentro da constelação histórica”. Nesse sentido, ao analisar a obra Introdução à Crítica da Economia Política, Stein afirma que Marx, “quando estabelece como lugar privilegiado para a interpretação (situação hermenêutica), a crítica da economia burguesa, para a partir dela, compreender os modos anteriores de produção, refaz o mesmo caminho hermenêutico” (op. cit., p. 33).

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I Seminário Nacional de Pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR/ANEPOP - 2009 Enfim, ao analisar o marxismo, Stein (op. cit., p. 20) pergunta: “Constitui o marxismo uma teoria crítica da sociedade?” E ele responde: “Há dois dados que convertem o marxismo em crítica”. Primeiro, “as contradições que residem na sociedade não são causais, mas necessárias”; segundo, “que tudo o que é criado pela mão humana também pode por ela ser transformado. Este segundo elemento: que a dialética não se limite a reconhecer a situação estabelecida, mas impele para sua mudança é o momento crítico da dialética” (grifo nosso). Stein parece corroborar o pensamento de Marx (1978, p. 53) quando, em sua XI Tese sobre Feuerbach, escreve: “Os filósofos apenas interpretaram de diversos modos o mundo; o que importa é transformá-lo”. Stein continua,

o apelo à transformação não recusa, de maneira alguma, a necessidade da interpretação [...]. A tese implica também o apelo a um novo tipo de trabalho filosófico: trabalho no qual a interpretação seja uma transformação e em que a transformação seja introduzida pela interpretação (1986, p. 34).

O método dialético e o método hermenêutico apresentam-se, segundo Stein, “com uma pretensão de universalidade”, buscando estabelecer a relação entre teoria e práxis. Entretanto, ressalva:

Um tal gesto filosófico implica a recusa da totalidade da tradição metafísica, de um lado. E de outro, introduz uma idéia de totalidade que se faz no próprio processo, que é operada no trabalho teórico. Mas que não se finaliza e não se completa. Essa totalidade é sempre teórico-prática, se repõe a cada momento do esforço teórico e permanece uma espécie de horizonte regulador nas questões da prática. Não é mais uma totalidade hipostasiada, nem uma totalidade que seguramente resulta de determinações que vão sendo progressivamente postas até se atingir um estágio final (op. cit., p. 35).

A partir dos elementos até aqui expostos e da análise desenvolvida por Stein (1986, p. 27), de que a dialética, enquanto crítica, “pressupõe sempre interpretação.A dialética recorre à hermenêutica”, vale salientar a aproximação dessa análise com o movimento dialético em Marx. Marx (1978, p.116-117) destaca que a dialética é o processo da reprodução do concreto por meio do pensamento a partir do concreto, o que implica, segundo Gamboa (1989, p. 33), tomar como ponto de partida o concreto real que tem “origem empírico-objetiva histórica, passar pelo abstrato, de características subjetivas, e formar uma nova síntese”, que é uma síntese consciente das múltiplas determinações. Nesse sentido, um estudo dialético materialista tem que, necessariamente, passar pelo segundo movimento da dialética, ou seja, “passar pelo abstrato, de características subjetivas”, ou pela “interpretação”, enfim, pela hermenêutica e, por conseguinte, pela crítica.

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6. A hermenêutica-dialética na pesquisa-ação em extensão popular

A pesquisa-ação como vimos parte da realidade. Essa realidade, entretanto, apresenta-se inicialmente como uma abstração, uma vez que não estão claros os elementos que a determinam e a compõem. No processo de desvelamento dessa realidade, a fase de análise e interpretação torna-se mister para a sua compreensão. Nessa fase, segundo Melo Neto (2003, p. 101-102), busca-se

desenvolver a análise crítica das necessidades e outros aspectos coletados, extraindo-se as dimensões positivas e negativas das questões levantadas, encarando a realidade numa perspectiva de mudança, impulsionando os grupos à reflexão e à ação, desenvolvendo seu poder de organização e intervenção na realidade. O estímulo à reflexão e ao diálogo é o princípio fundamental em todo esse processo.

Nesse momento, a hermenêutica-dialética apresenta-se como a metodologia de análise mais indicada, uma vez que, como apresentado anteriormente, ela não somente penetra na realidade como aponta as suas contradições, extraindo as dimensões positivas e negativas. Portanto, a leitura hermenêutica e dialética da realidade e, nesta, da concepção do mundo dos sujeitos, permite o desvelamento das determinações e das contradições que a perpassam. Gramsci, ao tratar do desvelamento das determinações a que os sujeitos estão submetidos, trabalha com o conceito de ideologia. Segundo o ator, a ideologia compreende “uma concepção do mundo, que se manifesta implicitamente na arte, no direito, na atividade econômica em todas as manifestações de vida individuais e coletivas” (GRAMSCI, 1995, p. 16). A ideologia faz com que os sujeitos pertençam a um determinado grupo, cujo modo de pensar e de agir pode ser compartilhado. Portanto, o estímulo à reflexão e ao diálogo aproxima a pesquisa-ação, e nela a hermenêutica-dialética, da extensão popular, uma vez que a própria realidade deixa de ser exterior aos sujeitos, ou seja, os sujeitos, a partir dessa leitura da realidade, passam a se apropriar e a se objetivar na produção de sua realidade, ainda que dentro de certos limites.

Referências

GAMBOA, A dialética na pesquisa em educação: elementos de contexto.In: FAZENDA, Ivani (Org.). Metodologia da pesquisa educacional. São Paulo: Ed. Cortez, 1989.

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GRAMSCI, Antônio. Concepção dialética da história. 10. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.

MARX, Karl. Os pensadores. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

MELO NETO, José Francisco. Pesquisa-ação (Aspectos práticos nos movimentos sociais populares e em extensão popular). In: RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa-Ação: princípios e métodos. João Pessoa: Ed. Universitária/UFPB, 2003.

MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 4. ed. São Paulo: Hucitec, 1996.

STEIN, Ernildo. Crítica da ideologia e racionalidade. Porto Alegre: Movimento, 1986.

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I SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM EXTENSÃO POPULAR – SENAPOP João Pessoa – UFPB – 24 a 27 de novembro de 2009

A Pesquisa-Ação como Recurso Teórico-Metodológico na Prática Extensionista realizada na comunidade de Barra de Mamanguape

Ana Elizabeth Araújo Luna Alessandra Aniceto Ferreira de Figueirêdo Graciele Barros Jaqueline Ramos Loureiro Marinho Morgana Bezerra Bispo Thelma Maria Grisi Velôso (professora-orientadora)

RESUMO O presente trabalho objetiva refletir sobre a pesquisa-ação enquanto recurso metodológico que vem auxiliando a nossa prática extensionista na comunidade de Barra de Mamanguape, em Rio Tinto/PB. Utilizando, também, os princípios teóricos da Psicologia Social Comunitária e da Educação Popular, está sendo realizada uma prática de extensão que repensa e discuti sobre os problemas enfrentados cotidianamente pela comunidade. Para tanto, lança-se mão da metodologia qualitativa de pesquisa e como recurso teórico-metodológico, toma-se por base a pesquisa-Ação, que, segundo Nasciutti (1996, p. 111) “se caracteriza pelo elo entre o saber e o fazer e “visa o conhecimento através da pesquisa e a transformação através da ação”. Desse modo, fazendo uso, em especial, dos pressupostos teórico-metodológicos da pesquisa-ação, está sendo construído, com os pescadores e as marisqueiras de Barra de Mamanguape, uma prática compromissada com a realidade social, tendo, também, compromisso ético e político com os sujeitos que a constituem e dela são constituídos. Palavras-chave: Pesquisa-ação; Psicologia Social Comunitária; Educação Popular

1. INTRODUÇÃO O presente trabalho, intitulado “A pesquisa-ação como recurso teórico-metodológico na prática extensionista realizada na comunidade de Barra de Mamanguape”, objetiva refletir sobre a pesquisa-ação enquanto recurso metodológico que vem auxiliando a nossa prática extensionista na referida comunidade, em Rio Tinto/PB. À convite da coordenação do Projeto Peixe-boi em 2007, iniciou- se o trabalho de extensão na comunidade. O grupo discutiu a possibilidade de desenvolver um projeto com a

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intenção de estimular a autonomia da população de Barra de Mamanguape, para refletir formas de articulação e interação frente aos problemas cotidianos, fomentando a construção de estratégias de enfrentamento prático desses problemas, através da necessidade de organização da comunidade. A comunidade é formada por, aproximadamente, 50 famílias de pescadores e de marisqueiras, que compreendem um total de cerca de 250 habitantes, cujo modo de subsistência principal é a pesca e a coleta de mariscos. Outra fonte de renda é o turismo ecológico e a Ecooficina Peixe-boi, que confecciona bonecos de peixe-boi marinho e amazônico e pertence à Fundação Mamíferos Aquáticos (Organização Não-governamentais - ONG). Essas atividades são realizadas em parceria com o Projeto Peixe-boi.

Base do Projeto Peixe-Boi em Barra de Mamanguape

A área em que a comunidade se encontra faz parte de uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável, denominada Área de Proteção Ambiental (APA) que compreende 14.000 hectares de ecossistemas de mangue, dunas, restingas, rios e zona costeira e abriga espécies da fauna ameaçadas de extinção, como o peixe-boi marinho (Trichechus manatus manatus) e o cavalo-marinho (Hippocampus sp.).

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Peixe-boi marinho (Trichechus manatus manatus)

Há, no local, uma base do Projeto Peixe-boi responsável por cuidar do peixe-boi. Atualmente, esse projeto está vinculado ao Centro Nacional de Pesquisa, Conservação e Manejo de Mamíferos Aquáticos – CMA/ICMBio (Ministério do Meio Ambiente). É importante ressaltar que nesse Projeto também há espaço para a realização de pesquisas, sendo assim possível esta parceria entre a universidade (que nos fornece o transporte) e o Projeto Peixe-boi (que nos fornece o alojamento) para a realização do trabalho. Segundo a coordenação do Projeto Peixe-Boi, o convênio com as Universidades almeja congregar profissionais das áreas de biologia, medicina veterinária, turismo, sociologia e psicologia, uma vez que se pretendem retomar os trabalhos de pesquisa e extensão no âmbito da Base, tanto com a comunidade e o turismo ecológico quanto com os animais e o meio ambiente da APA. Para a realização dos referidos trabalhos com a população local, utilizamos como princípios teóricos a Psicologia Social Comunitária e a Educação Popular, já que essa prática extensionista trata-se de uma proposta voltada, sobretudo, para a comunidade, na perspectiva de reafirmar o compromisso ético e político da Psicologia e da Universidade com a população. Desde os anos 60, trabalhos de Psicologia em comunidade são utilizados no Brasil (LANE, 1996; FREITAS, 1996). E durante esse processo, várias experiências vêm sendo desenvolvidas, o que acabou culminando em uma proposta a qual se deu o nome de Psicologia Social e Comunitária, conforme discorre Freitas (1996, p.73, grifo da autora): A psicologia (social) comunitária utiliza-se do enquadre da psicologia social, privilegiando o trabalho com os grupos, colaborando para a formação da consciência crítica e para a construção de uma identidade social e individual orientadas por preceitos eticamente humanos.

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Os trabalhos em comunidade têm como prioridade a formação de grupos, ao mesmo tempo em que vão auxiliando o conhecimento da realidade comum, fundamentam a autoreflexão e a organização de ações conjuntas (LANE, 1996). O processo de inserção em comunidade deve privilegiar a apreensão da experiência subjetiva dos moradores em relação à sua vida cotidiana. E para isso, interessa, então, conhecer a realidade objetiva e subjetiva, participando desse cotidiano, investigando-se o modo como os moradores apreendem a realidade, para se obter um conhecimento profundo dela (ARAÚJO, 1999).

Reunião com a comunidade

Enquanto instrumento teórico, os pressupostos da Educação Popular – EP, também, nortearam nossa intervenção na comunidade de Barra de Mamanguape, considerando que aEP trabalha com o homem e com os grupos envolvidos no processo de participação popular, fomentando uma organização coletiva de aprendizado e investigação, com o objetivo de promover, aos grupos populares, o crescimento da capacidade de análise crítica sobre a realidade e o aperfeiçoamento das estratégias de luta e enfrentamento (VASCONCELOS, 2001). A EP afirma-se, ainda, como uma prática militante, pautada na construção de pedagogias reflexivas, que pretendem forjar uma “nova educação libertadora”; consolidando-se não somente como uma atividade de escolarização, mas também como um movimento político de libertação popular. Repensando a educação como libertadora das classes subalternas em relação ao poder hegemônico, a EP rompe com o modelo de educação bancária e alienante (BRANDÃO, 2004). Enquanto ferramenta de transformação da sociedade assume, como papel principal, a prática da reflexão das classes populares e sua autonomia (NASCIMENTO, 1998).

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Sendo assim, o espaço construído na relação entre aqueles que fazem a educação popular e a população, caracteriza-se pela troca de experiências e de saberes, considerando a relação saber/poder, valorizando uma preocupação com a vida de cada um, enquanto agente social, e suas implicações na vida do outro (BEZERRA, 1984). Para aliar os fundamentos da Psicologia Social e Comunitária com a Educação Popular à prática, lançamos mão da metodologia qualitativa de pesquisa, a qual procura enfocar “o social como um mundo de significados passível de investigação” (MINAYO; SANCHES, 1993, p. 240) e como recurso teórico-metodológico, tomamos por base a Pesquisa-Ação. Desse modo, a partir da experiência que vivenciamos na comunidade de Barra de Mamanguape, pretendemos, nesse artigo, refletir sobre a importância da pesquisa-ação no trabalho de extensão com grupos populares, uma vez que essa metodologia possibilita a autonomia, a solução dos problemas cotidianos e a mudança da realidade social. Segundo Nasciutti (1996, p. 111), a Pesquisa-ação “se caracteriza pelo elo entre o saber e o fazer e “visa o conhecimento através da pesquisa e a transformação através da ação”.

2. DESENVOLVIMENTO

Movidos pelo desejo de conhecer a realidade cotidiana da comunidade, seus costumes, crenças e relações intersubjetivas para, a partir desse contato, poder fazer pesquisa, é que o grupo de extensão optou pelo método de pesquisa qualitativo, o qual realiza uma aproximação fundamental e de intimidade entre sujeito e objeto. A abordagem qualitativa, de acordo com Minayo e Sanches (1993), se refere ao mundo dos símbolos, dos significados, da subjetividade e da intencionalidade, aprofundando a complexidade de fenômenos, fatos e processos particulares e específicos de grupos mais ou menos delimitados em extensão e capazes de serem abrangidos intensamente. Fundamentadas na abordagem qualitativa, utilizamos da pesquisa-ação, tendo a preocupação de aliar teoria e prática, como recurso metodológico para construção de um fazer social, implicado numa consciência política e no sentido de mudança. A pesquisa-ação faz parte do conjunto de metodologias denominadas alternativas, justamente por defender posturas que vão contra modelos tradicionais de pesquisa. Seu compromisso é com a realidade pesquisada e é com ela que se pretende firmar um compromisso político, para tanto, são desenvolvidas estratégias que viabilizem um contato onde pesquisador e grupos, que constituem a realidade pesquisada, possam, através de uma troca de saberes, construírem uma prática preocupada com a transformação social (DEMO, 2007).

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Constitui um movimento que tem como um dos pontos de partida a decepção diante das pesquisas tradicionais, sendo importante ressaltar que, partindo do pressuposto do autor supracitado, julga-se por tradicionais aquelas pesquisas que cultivam a neutralidade cientifica e que buscam em suas práticas encaixar a realidade ao método. Para Demo (2007) é uma violência contra a realidade social tratá-la como um mero objeto, imaginando que a relações estabelecidas entre o sujeito e a realidade pesquisada não passem de uma relação formal; para o referido autor, essa é uma relação viva, onde um influencia o outro e vice-versa. Pautando-se no compromisso político com a realidade pesquisada e estando imbricados na troca de saberes, está sendo realizada a prática de extensão na comunidade de pescadores e marisqueiras de Barra de Mamanguape, Rio tinto - PB, tendo por finalidade criar condições para a resolução de problemas, condições essas que gerem mudanças sociais, conforme aponta Thiollent (2000). A primeira visita à comunidade de Barra de Mamanguape aconteceu em 11 de dezembro de 2008. O momento da chegada do grupo no local coincidiu com o movimento de organização da comunidade de Barra em prol da reforma da estrada que dá acesso à comunidade, uma vez que esta estava em péssimas condições. Como forma de protesto à liberação do barro para aplanar a estrada, alguns moradores da comunidade interditaram a mesma, cavando buracos, e invadiram a sede da APA. Então, frente a esse fato, o grupo decidiu fazer observaçãoparticipante e interagir com as pessoas a fim de trocar experiências e conhecer mais da realidade.

Estrada interditada

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Buracos cavados na estrada

Demo (2007) destaca que há três momentos essenciais na construção da pesquisa que são: o autodiagnóstico, as estratégias de enfrentamento prático e a necessidade de organização. O autodiagnóstico fundamenta-se como sendo a confluência entre conhecimento cientifico e saber popular, nesse sentido, a voz do povo pesquisado, junto com o conhecimento científico, produzem um movimento dialético que resulta numa relação equilibrada entre sujeito e “objeto da pesquisa”. Assim, nesse processo de construção da pesquisa, o grupo de extensão, fazendo uso do autodiagnóstico de Demo (Op.cit), se subdividiu em duplas e foi à comunidade com o propósito de realizar visitas e conversas informais na praia, nas caiçaras, nas ruas e nas casas da comunidade, objetivando interagir e se comunicar com as pessoas que residiam na comunidade. Esse contato com os moradores foi uma experiência muito enriquecedora, pois foi um momento de trocas de experiências, em que eles falaram abertamente sobre alguns aspectos da vida cotidiana da comunidade e, em contrapartida, o grupo também pôde esclarecer as intenções do trabalho junto à comunidade. Conversamos com grande parte das pessoas da comunidade e, como elas se mostraram receptivas em contribuir com a pesquisa, o grupo decidiu iniciar as entrevistas. Trabalhando com a “voz do povo”, conforme refere Demo, para articular um movimento dialético entre os saberes, foram, ainda, realizadas entrevistas com 36 pessoas, residentes em Barra de Mamanguape, sendo 20 homens e 16 mulheres, numa faixa etária de 17 a 70 anos. Pedimos aos moradores que contassem a história da comunidade, partindo da proposta que, a partir de seus relatos, os pescadores e as marisqueiras participavam da investigação não como

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objetos de estudo, mas fazendo parte do processo de construção do conhecimento de modo cooperativo ou participativo, conforme ressalta Thiollent (2000). Durante as entrevistas, foi notório nos discursos a predominância de inquietações perante as regras e leis de proteção ambiental do Projeto Peixe-boi, e principalmente, da APA. Eles afirmaram que a APA proíbe às pessoas de colher feixes de lenha secos, fazer plantios e fechou um viveiro de camarão existente no local, ocasionando em desemprego à comunidade. Houve também queixas relacionadas à pouca participação da prefeitura na resolução dos problemas da comunidade, principalmente no que diz respeito à saúde, educação e saneamento básico. Tomando por base os relatos dos moradores da comunidade a respeito dessas referidas problemáticas , foi construída a devolução das entrevistas feitas, com o objetivo principal de suscitar reflexões acerca dos problemas vivenciados por eles, a fim de que fosse possível fomentar discussões e reflexões no grupo, para que fosse elaborada a autonomia e a organização desse grupo (necessidade de organização). A devolução das “vozes ouvidas” se deu por meio da construção de um roteiro de uma peça, composta por personagens (pescadores e marisqueiras) que falavam da demanda comunitária. Assim sendo, foi realizada, na comunidade, uma oficina de teatro, fundamentada na proposta do Teatro do Oprimido (TO), tento como proposição fazer uso da encenação teatral, como forma de provocar reflexões acerca de alternativas para as problemáticas, vividas no cotidiano da comunidade.

Oficina de Teatro do Oprimido

A partir desse tipo de conhecimento, conforme destaca Demo (2007), o qual unifica conhecimento formal e atitude política, surge o momento de construir estratégias de enfrentamento prático dos problemas detectados, sendo elencadas as necessidades mais

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imediatas - deixando claro que mais imediato não significa mais importante, uma vez que consideramos todas as necessidades comunitárias importantes -, para, a partir desse levantamento, se construir a ação. Através das encenações, realizadas pelo grupo de extensão, pelos pescadores e pelas marisqueiras e dos questionamentos oriundos dessas encenações, os moradores da comunidade refletiram sobre algumas problemáticas do seu cotidiano e se propuseram a pensar juntos sobre o que poderia ser feito diante de tais situações, sendo elaboradas as estratégias de enfrentamento prático. Tal fato ocasionou uma decisão coletiva de organizar uma reunião dos moradores da comunidade com os representantes da APA e do Projeto Peixe-boi, a fim de buscar os primeiros encaminhamentos com relação às demandas da população, em especial no que diz respeito ao uso de recursos naturais na Unidade de Conservação. Desse modo, como destaca Demo (2007), a necessidade de organização da comunidade foi construída como meio e fim; como meio, se destacou enquanto estratégia para garantir competência no enfrentamento dos problemas da comunidade; como fim, foi orientada uma organização que almejou um sociedade democrática, participativa, capaz de construir um quadro tolerável de desigualdades sociais. Partindo dessa perspectiva, o trabalho de intervenção que está sendo construído com os pescadores e as marisqueiras de Barra de Mamanguape, fez uso dos pressupostos teóricometodológicos da pesquisa-ação, objetivando atingir os fundamentos, acima referidos, de uma prática compromissada com a realidade social, tendo, também, compromisso ético e político com os sujeitos que a constituem e dela são constituídos.

3. CONCLUSÃO

Através da pesquisa-ação, tivemos acesso a um conhecimento que serviu de base para a intervenção social, pois, como afirma Thiollent (2000), a pesquisa-ação tem uma finalidade prática, que é a de criar condições para a resolução de problemas que gerem mudanças sociais. Os grupos sociais que participam da investigação não são vistos como objetos de estudo, eles fazem parte do processo de construção do conhecimento de modo cooperativo ou participativo. E, nesse sentido, buscamos construir, junto com os pescadores e marisqueiras de Barra de Mamanguape, vias de troca de saberes e experiências, que visam a imbricação dos saberes popular e acadêmico, instigando a população a refletir e discutir sobre os problemas enfrentados cotidianamente, para a construção estratégias de enfrentamento prático desses problemas, através da necessidade de organização da comunidade.

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REFERÊNCIAS

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BEZERRA, A. As atividades em educação popular. In: BEZERRA, A.; BRANDÃO, C. R. (Orgs.) A questão política da educação popular. São Paulo: Brasiliense, 1984. p.16-39.

BRANDÃO, C R. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 2004. DEMO, P. Metodologias alternativas – algumas pistas introdutórias. Metodologia científica em ciências sociais. 3. ed. rev. e ampli. – 11. reimp. – São Paulo: Atlas, 2007. p. 229-258.

FREITAS, M.F.Q. Psicologia na comunidade, psicologia da comunidade e psicologia (social) comunitária – práticas da psicologia em comunidade nas décadas de 60 a 90, no Brasil. In: CAMPOS, R. H. F. (Org.) Psicologia Social Comunitária: da solidariedade à autonomia. Petropólis: Vozes, 1996.

LANE, S. T. M. Histórico e fundamentos da psicologia comunitária no Brasil. In: CAMPOS, R. H. F. (Org.) Psicologia Social Comunitária: da solidariedade à autonomia. Petropólis: Vozes, 1996. p. 17-34.

MINAYO, M. C. S.; SANCHES, O. Quantitativo-qualitativo: oposição ou complementariedade? Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, v.9, n.3, p. 239-262, jul/set, 1993.

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NASCIUTTI, J. C. R. A instituição como via de acesso à comunidade. In: CAMPOS, R. H. F. (Org.) Psicologia Social Comunitária: da solidariedade à autonomia. Petrópolis: Vozes, 1996. p. 100-126.

THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2000.

VASCONCELOS, E. M. Redefinindo as práticas de saúde a partir da educação popular nos serviços de saúde. In: ______. (Org.). A saúde nas palavras e nos gestos.São Paulo: Hucitec, 2001.

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CONECTANDO SABERES POR UMA AGRICULTURA SUSTENTÁVEL

SILVA, Edilson Carneiro da (Universidade Federal de Pernambuco – Brasil); CAVALCANTI, Felipe José de Lima (Universidade Federal de Pernambuco – Brasil); FREIRE, Janaina Gonçalves (Universidade Federal de Pernambuco – Brasil); GONÇALVES, Ramon Aguiar (Universidade Federal de Pernambuco – Brasil); SILVA, Tereza Cristina Oliveira da (Universidade Federal de Pernambuco – Brasil);

Resumo: A ação é desenvolvida na comunidade de Porto Jatobá no município de Abreu e Lima-PE, e propõe desenvolver atividades de extensão e pesquisas ligadas a questões ambientais levando em consideração o caráter multidisciplinar da agroecologia. As atividades são realizadas por bolsistas do Programa Conexões de Saberes – UFPE, cuja finalidade é promover o diálogo entre a universidade e as comunidades populares por meio de uma interação do conhecimento acadêmico e o saber popular. Caracterizando-se como uma comunidade de costume rural, embora estando localizada a dois quilômetros do Centro, tem suas atividades econômicas centralizadas na pesca e na agricultura de subsistência. Durante o diagnóstico identificou-se o uso de agrotóxicos devido o pouco conhecimento de técnicas alternativas de melhoramento do solo, além das dificuldades financeiras que precarizam a manutenção das lavouras. Partindo desses pressupostos, as ações têm como objetivo, incentivar boas práticas de manejo cultural para o desenvolvimento local. A abordagem metodológica beseia-se na pesquisa-ação, numa relação participativa entre os moradores da comunidade e os bolsistas e essa interação, vem permitindo uma

relação

permeada por

confiança e respeito, possibilitando a

interdisciplinaridade das várias áreas do conhecimento dialogando com o conhecimento popular dos agricultores e pescadores.

Introdução O presente artigo tem como proposta fazer uma análise das atividades desenvolvidas na Comunidade de pescadores de Porto Jatobá . A referida comunidade está localizada à margem do Rio Timbó e tem como particularidade a existência da Colônia de Pescadores de Jatobá Z-33,

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I Seminário Nacional de Pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR/ANEPOP - 2009 composta com 300 pescadores das comunidades do entorno do Rio – Imã, Fosfato, Córrego do Ouro, sítio São Bento. Representada pela cultura tradicional da pesca “rudimentar” e a agricultura convencional de característica familiar. O Programa Conexões de Saberes busca promover o diálogo entre a universidade e as comunidades populares, por meio de alunos de origem popular que residem em comunidades populares e ao ingressar na universidade podem despertar a academia para atuarem como atores sociais preocupados em desenvolver ações conjuntas às comunidades. Como princípios norteadores das ações extensionistas a valorização o conhecimento popular e o diálogo desse conhecimento ou a conexão com o conhecimento cientifico produzido e em constante produção da academia. O programa é constituídos por sete comissões com temas relacionados à necessidades sociais e uma Coordenação Geral. As ações dos bolsistas se dão a partir projetos que compõem a sua estrutura, que se agrupam em comissões temáticas de acordo com sua área de conhecimento e afinidade dos bolsistas. Os projetos são elaborados num processo que abarca as comissões, a Coordenação Geral e a comunidade assistida, num processo em que a coletividade e as demandas requisitadas pela comunidade são de exclusiva importância, bem como os meios efetivos para que os resultados sejam alcançados. Outro fator que merece destaque, não só no momento de elaboração do projeto como também no momento de execução, é a articulação com possíveis parceiros, sejam eles pertencentes ao terceiro setor (organizações não-governamentais, associações de bairro, grupos específicos, etc) como também instituições estatais nas suas três esferas de atuação. Neste sentido, a comunidade de Porto Jatobá foi apresentada ao Programa Conexões de Saberes UFPE por um dos alunos, bolsista do referido programa, que por residir no entorno da comunidade, vinha desenvolvendo a cerca de dois anos, atividades de educação e preservação ambiental com jovens e adultos. A partir desta relação construída pelo tempo, estabeleceram-se laços de confiança e compromisso, e o encantamento desse bolsista pela comunidade chamou a atenção de alguns bolsistas que compunham a comissão de Desenvolvimento Social. Desde então os próximos passos foram desenvolver métodos didáticos afim de mobilizar a comunidade para desenvolver propostas de ações sócio-culturais de forma interativa e participativa. Materiais e métodos No primeiro momento o presente trabalho foi baseado em pesquisas bibliográficas, visitas de campo, observações, caminhadas e diálogos com os moradores da localidade através de perguntas abertas para um maior conhecimento sobre as atividades econômicas e culturais desenvolvida na região, o modo de viver, as relações interpessoais, a estrutura social da familiar, os atores sociais, as instituições representativas do Estado e até que ponto as políticas publicas

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alcançavam a vida dos cidadãos. As informações eram registradas através de fotografias e relatórios individuais. Num determinado momento, em conjunto com alunos do curso de Design coordenado por Ana Emília Castro, professora do curso de Design e coordenadora do programa, foi realizado uma catalogação das sementes existente na localidade, com o intuito de viabilizar o a produção de artesanato e estimular o desenvolvimento local sustentável, que segundo Becker (1995), sustentabilidade é definida como reconhecimento de diversidades, tanto de caráter ambiental, quanto cultural. Sustentabilidade, ainda, compreendida como múltiplas alternativas que cada localidade, região, nação tem, pelas suas diferenças culturais e ambientais, de inserir – se no processo geral potencializando seus recursos. Assim, a sustentabilidade caracteriza – se, primeiro, pela defesa dos recursos ambientais e culturais; e, segundo, pela busca de alternativas para sobreviver ao processo de globalização hoje em curso. Assim podemos destacar alguns pontos que geram o desenvolvimento sustentável, no diagrama a seguir: Autonomia da Comunidade

Responsabilidade

Inclusão

Ambiental

Social Desenvolvimento sustentável

Processo de geração de renda

Identificação das potencialidades Locais.

Partindo dos pontos anteriormente citados no diagrama, que levam ao desenvolvimento sustentável, foram realizados diálogos e registros, pensando-se na construção de uma ferramenta que pudesse nos auxiliar com a sistematização das necessidades existentes, tendo como objetivo principal a identificação das potencialidades locais a fim de iniciar um processo de geração de renda, conscientização ambiental, buscando a autonomia da comunidade e conseqüentemente a

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inclusão social. Propomos então uma reunião com a comunidade onde a mobilização foi facilitada devido às nossas nossas ações anteriores de diálogo com a comunidade, então também compareceu o Ipa (Instituto Pernambucano de Agropecuária), a Secretaria de Meio-Ambiente como seus respetivos representantes, como também alguns integrantes da colonia de pescadores e pessoas que representavam Ongs (Organizações não-governamentais) circunscritas na região. A partir do diagnóstico como resultado dessa reunião, foi gerada uma matriz, com potencias e dificuldades, onde podemos identificar elementos, sugestões e propostas de ações destacando possíveis parceiros, visualizados no quadro a seguir: Matriz das Potencialidades Sócio- cultural-ambiental- econômico Elementos

Sugestões e propostas de ações

Possíveis Parceiros

Riqueza histórica local,

Produção de cordéis a partir do resgate Conexões de Saberes,

belezas naturais;

histórico; eco turismo.

Pessoas com habilidades Organização de grupos de trabalho e manuais;

possíveis cooperativas.

Riqueza cultural;

Valorização das tradições com a

Conexões de Saberes,

Conexões de Saberes,

realização de eventos; Abundância de espaço para plantio.

Agricultura, e Agroecologia.

Conexões de Saberes, IPA.Instituto Pernambucano de Agropecuária

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Matriz das dificuldades Sócio- cultural-ambiental- econômico Elementos

Sugestões e propostas de ações

Possíveis Parceiros

Socorro médico ambulância.

Abaixo assinado.

Casa de taipa

Discutir posteriormente

Estrada

A Prefeitura tem proposta Secretaria de Turismo, construção da estrada

Secretaria de Saúde

Prefeitura, CEF.Caixa Econômica Federal

Ausência de telefones

Procurar o órgão responsável.

públicos. Poluição no rio e no mangue

Contactar órgão responsável.

Exploração da manjuba gorda

Ração para viveiro de

Universidade Federal

camarão.

Rural de Pernambuco

Desperdício de frutas

Desenvolver produtos, como

IPA Instituto

Manga, caju, abacate, jaca.

doces, geléias.

Pernambucano de Agropecuária

Conservação do pescado

Possibilidade de Instalação de IPA, Instituto fabrica de gelo

Pernambucano de Agropecuária,Prefeitura.

Coleta de lixo doméstico

Coleta seletiva para

Conexões de Saberes,

reciclagem, educação

Prefeitura.

ambiental, artesanato. Não aproveitamento dos

Artesanato, utilização de

resíduos naturais

mariscos, de coco,

Conexões de Saberes

Tendo como base a matriz, direcionamos nossas ações para realização de um projeto que

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I Seminário Nacional de Pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR/ANEPOP - 2009 busca o desenvolvimento local amparado nas diretrizes da Agroecologia12, desenvolvendo oficinas referentes à produção artesanal, utilizando unicamente produtos da terra, e também oficinas de boas práticas de manejo agrícola buscando um melhoramento da produção, tudo isso conectando o saber popular ao saber acadêmico, construindo novos saberes, educar e educandose que segundo Paulo Freire (1969:25) “É tarefa daqueles que pouco sabem – por isto sabem que sabem algo e podem assim chegar, a saber, mais _em diálogo com aqueles que, quase sempre pensam que nada sabem, para que estes, transformando seu pensar que nada sabem em saber que pouco sabem, possam igualmente saber mais.” Foram aplicados questionários na comunidade com objetivo de obter dados para perceber melhor a forma que poderíamos atuar e desenvolver um trabalho com os pescadores e agricultores tendo como finalidade não só uma boa prática da agricultura, mas de uma forma ampla, baseado na Agroecologia que segundo (Gliessman, 2000), a mesma tem como base a compreensão holística dos agroecossistemas que seja capaz de minimizar a dependência de insumos comerciais; uso de recursos renováveis localmente acessíveis;aceitação das limitações locais, a antes que a dependência da intensa alteração ou tentativa de controle sobre o meio ambiente; manutenção a longo prazo da capacidadeprodutiva; preservação da diversidade biológica e cultural; utilização do conhecimento e da cultura da população local. A Primeira temática abordada busca problematizar as questões ambientais relaciona das à agricultura e configuração local e tem como objetivo principal sensibilizar para a responsabilidade ambiental. Para isso são utilizados recursos áudio-visual que buscam tornar as aulas teóricas mais dinâmicas, e associadas a elas são oferecidas atividades em campo para construção de forma coletiva de uma composteira, em uma área determinada pela comunidade, a fim de que sejam colocados em prática todos os debates ocorridos nas oficinas. Simultaneamente foram vivenciados momentos que puderam criar uma maior interação do grupo de trabalho com a comunidade, que passou também a vivenciar momentos específicos do cotidiano local, participando na elaboração do calendário das festas populares, passeios eco turístico e também piqueniques junto com os moradores, essa relação entre o grupo de trabalho e a comunidade com certeza facilita e contribui com o desenvolvimento das atividades, criando assim laços solidários e conseqüentemente relações de confiança. Logo então foram sistematizadas oficinas com a temática sobre Técnicas para o melhoramento do uso do solo e a construção de composteira. A metodologia aplicada bem como o conteúdo foram demandadas pelo público alvo a ser beneficiado, e de acordo com as condições 12

Segundo Francisco Roberto Caporal e José Antônio Costabeber, o desenvolvimento sustentável só é possível levando em consideração as dimensões: ecológica, social, econômico, cultural, política e ética. Ou seja, o seu caráter multidisciplinar como enfoque científico.

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estruturais que possuímos para tal realização. As aulas ocorrem todos os sábados, onde é valorizado tanto atividades práticas como atividades teóricas. Algumas mães que participam das oficinas trazem seus filhos por não terem com quem deixá-los, daí montamos oficinas infantis que ocorre ao mesmo tempo que as oficinas para o público adulto, também tem como temática a preservação ambiental que são facilitadas por duas bolsistas do projeto.

Contexto e objetivos A policultura é o tipo de agricultura predominante nos municípios do Litoral Norte, onde se destaca o município de Abreu e Lima por possuir uma área de (28,2%) do total de terras destinadas a esse uso. Ocupa posição secundária na economia rural dos municípios do Litoral Norte, pois esta atividade é praticada em pequenas propriedades originárias, sobretudo, de assentamentos rurais que abrangem quase setenta e cinco por cento das áreas policulturas do setor litorâneo. O restante dessas áreas está constituído por sítios, em geral, resultantes do parcelamento (por herança) de sítios maiores e de fazendas de coco ou do loteamento de partes de engenhos. Situada há dois quilômetros do centro de Abreu e Lima a comunidade de Porto Jatobá possuiu características de área rural no qual suas habitações são sítios que variam entre dois a cinco hectares13, na maioria dos sítios é praticada a agricultura de subsistência, porém em alguns casos os agricultores conseguem comercializar parte de suas lavoura na feira local. Segundo um estudo realizado pela Companhia Pernambucana de Recursos Hídricos – CPRH – 1998 a baixa produtividade das culturas em Abreu e Lima ocorre em conseqüência do baixo Potencial natural dos solos, associado à ausência de boas práticas de manejo do solo, que envolve prática de adubação, rotação de culturas, e combate à erosão, isso corrobora com o que foi diagnosticado através de observações em campo e questionários aplicados, em que identificamos nas respostas dos moradores dificuldades na plantação por motivos de “terra fraca”, pragas, até mesmo abandoaram a prática do plantio devido à baixa fertilidade do solo. “Não deu certo, nascia e morria” (Flor do Campo14). “ A terra não é boa, o guaiamum as saúva come as plantas” (Mariposa Rosa).

Vale ressaltar que os produtores ao utilizarem algumas dessas práticas, as culturas beneficiadas apresentam produtividade superior à média do Estado e da região, a exemplo da 13

A referida informação foi coletada a partir de um questionário sócio-econômico, elaborado e aplicado pela Comissão de Desenvolvimento Social no período de fevereiro a junho de 2009. 14 Nomes fictícios a fim de preservar os respectivos entrevistados.

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macaxeira que alcançou, em 1999, 15 a 20 toneladas/há (média atual da Zona da Mata, 10 a 12 toneladas/ha) e do inhame que varia de 7 t/ha (cultivado sem irrigação) a15-20 t/ha (quando irrigado), não se dispondo, para essa cultura, de dados relativos à produtividade no Estado nem na região. O objetivo do projeto é levar tecnicas que auxiliem no melhor aproveitamento da produção agrícola, no entanto, um melhor aproveiatamento que não cause impactos que degradem o meio ambiente.Isso não significa apenas ganhos apenas na quantidade a ser produzida, mas também na sua qualidade, com isso pensamos no cultivo de frutas e hortaliças livres de agrotóxicos.Ainda assim produtos desse gênero, tem conquistado nos últimos anos nichos de mercados preocupados coma saúde em busca de uma alimentação saudável, então as ações busca trazer uma reflexão aos beneficiários do projeto a fim de que não simplesmente alvo desses gurpos de mercado. “ ...Nenhum produto será verdadeiramente ecológico se a sua produção estiver sendo realizada às custas da exploração da mão-de-obra.”. Francisco Roberto Caporal e José Antônio Costabeber (2004,18)

Resultados Apesar das ações ainda estarem em andamento os moradores já começam, a se apropriar da compreensão do ambiente, colocando em questão o porquê de algumas problemáticas que afetam seu cotidiano, saindo do entendimento que as condições já são postas e que pobreza é não um fenômeno natural. Nesse processo de conexão de conhecimento, surgem algumas demandas que nos impulsionou a articularmos para buscar um melhor resultado.Dentre essas demandas, surgiu a necessidade de uma ou mais oficinas sobre o que é política pública e o mapeamento dos programas e projetos nas esferas federal, estadual e municipal (principalmente os que são norteados pela Política Nacional de Meio Ambiente) que possa não somente

beneficiar a

comunidade, mais para que a mesma se aproprie dos direitos no campo social. Outra demanda colocada em questão pelos participantes da oficina foi a possibilidade de estruturar uma feira itinerante de produtos orgânicos, com a finalidade levar esses produtos para lugares de difícil acesso às feiras, como também pode significar uma saída empreendedora para geração de renda. È claro que algumas demandas como essa, requer dos bolsistas envolvidos a busca de articulação com outros parceiros, no sentido de conseguir uma estrutura que viabilize o processo. Como também significa, possibilidades de trabalhar para uma melhor qualidade na

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vida das pessoas, e além disso, o empoderamento político frente as condições vulneráveis a que estão inseridos. “Quanto mais conscientização mais se desvela à realidade mais se penetra na essência fenomênica do objeto frente ao qual nos encontramos para analisa – lo... A nova realidade deve tomar-se como objeto de uma nova reflexão crítica.” Paulo Freire (2008, 30:31).

As oficinas que são aplicadas nos sábados, acontecem, tanto na parte prática como a parte teórica, num espaço cedido pela Colônia de pescadores. Até então foi possível preparar o terreno para a plantação de hortaliças e separar material organico para a construção de uma composteria. Geralmente, as atividades práticas ocorem depois de uma explanação do assunto a ser abordado no dia. Vale ressaltar que embora as atividades estejam focadas na temática de educação ambiental, alguns bolsistas se debruçam em registrar e valorizar os saberes local identificados através dos relatos de experiências, registramos práticas culturais relatadas por alguns atores da comunidade, dentre eles destacamos a nossa vivência com um ilustre agricultor e mestre de maracatu, que nos deu uma lição de saber popular, nos deparamos também com uma marisqueira que aos seus 85 anos esbanja não somente simpatia, mas um conjunto de técnicas artesanais que são um verdadeiro primor. Por fim, como não poderia deixar de existir, em uma comunidade ribeirinha, pescadores com suas magníficas histórias, e tantos relatos de luta e resistência frente à preservação do rio Timbó, que nos deixa perplexo com tamanha sabedoria. Todo esse conjunto de capital humano, distribuídos em várias instâncias do saber popular nos faz vislumbrar a potencialidade da comunidade para um desenvolvimento sustentável.

Conclusões Desde o começo das nossas visitas, nos diagnóstico nos deparamos com muitas dificuldades e inúmeros desafios, principalmente em mobilizar uma população isolada onde a ação estatal, principalmente no que diz respeito às políticas sociais, ainda é algo muito distante. Embora muitas famílias alegaram receber algum tipo de benefício social, áreas como saúde e educação ainda deixam muito a desejar. Além do mais encontramos um total descrédito quando nos colocávamos a contribuir para a melhor qualidade de vida dos moradores. Trata-se de um uma comunidade cansada de ser alvo de jogos políticos, de instituições que carregam dúbias

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intenções a fim se promover. Ainda como agravante, nosso público alvo carece de educação básica, o que nos instiga a buscar métodos didáticos alternativos que não prejudique os objetivos do projeto e nem a participação da comunidade em todo o processo de construção e troca de saberes. Cabe também a nós conexistas ter sensibilidade para entender suas carências, mas ao mesmo tempo abrir caminhos para que a comunidade se aproprie dos seus direitos. A exemplo disso, durante o diagnóstico das potencialidades e dificuldades, a comunidade há anos almejava a instalação de um telefone público, que até então para eles era um serviço inalcançável, isto porque desconheciam os meios de obter esse serviço. Diante de todas essas dificuldades citadas conquistamos a confiança e o respeito da comunidade, baseado nos princípios da Agroecologia, construímos espaços que nos possibilita levar uma agricultura de base ecológica, que não está apenas voltada para a produção de alimentos orgânicos, condicionando, ou até mesmo moldando os agricultores para um nicho de mercado que apenas deseja ter uma vida saudável, mas que se firma nos três pilares interdependentes do Desenvolvimento Sustentável que contempla não somente o fator econômico, mas também o social e a proteção ambiental. Um desenvolvimento que não esgota os recursos naturais que atende as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade de atender as necessidades das futuras gerações. Muitas situações foram vivenciadas como também ouvimos muitas estórias, algumas tristes, que falava de miséria e violência e até mesmo de perdas, devido a situação de vulnerabilidade que a comunidade se encontra. Porém, também ouvimos relatos de superação, de espirito de coletividade em meio a situação de precariedade, de resistência e companheirismo na luta pela preservação do Rio Timbó, de esperança, mesmo quando as condições não são favoráveis Nossa vivência na comunidade de Porto Jatobá vai além de uma registro de participação em um programa de extensão universitária, são aprendizados que ficarão registrados na universidade da vida, que nos faz acreditar que é possível abranger as condições de oportunidades, de nos debruçar em desafios ainda maiores a fim de contribuir para que as pessoas vivam com melhor qualidade, provocando uma reflexão crítica a assim então buscar meios de viver com dignidade.

Referências bibliográficas

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FRANCISCO Roberto Caporal e JOSÉ Antônio Costabeber. Agroecologia: alguns conceitos e princípios; Brasília: MDA/SAF/DATER-IICA, 2004

CARLOS Rodrigues Brandão. Repensando a Pesquisa Participante; 2ª Ed. Editora Brasiliense – SP, 1985

FREIRE Paulo.Conscientização:teoria e prática da libertação:Uma introdução ao pensamento de Paulo Freire; 3ª Ed.Editora Centauro – SP, 2008

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I SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM EXTENSÃO POPULAR – SENAPOP João Pessoa – UFPB – 24 a 27 de novembro de 2009

Apontamentos histórico-conceituais sobre a práxis da autogestão

Lucicléa Teixeira Lins15

Resumo

O presente artigo se apresenta como reflexão teórica acerca da dialeticidade das categorias prática e práxis, esta entendida a partir dos estudos de Vasquez (2007), como uma atividade humana transformadora da realidade natural e humana, e sob a abordagem Gramsciana acerca da elevação da consciência ingênua àconsciência filosófica.Já a categoria prática pode ser entendida, em sentido amplo, como toda ação humana. Sendo o conjunto de realizações empreendidas por grupos coletivizados ou de modo individual e que dá sentido a existência e experiências vivenciadas pelos humanos, diferenciando-os de outros seres, por sua capacidade de intervir no mundo. A práxis, compreendida em seu sentido filosófico e político, articulada ao exercício da autogestão em processos produtivos, empreendidos pelos trabalhadores e trabalhadoras, em assentamentos do MST, os conferi empoderamento de suas potencialidades, via ação educativa (re)criadora de novas práticas na perspectiva de uma sociabilidade, colaboradora, justa e solidária, com a perspectiva de gestão participativa e democrática. Palavras-chave: prática, práxis,educação, autogestão

Introdução

A valorização por si só da prática, ou, da teoria, nos remete ao desafio de retomaralguns apontamentos históricose elementos constitutivos destas categorias, de modo a se pensar numa outra, a práxis. Neste sentido, opresente artigo, constitui-se num esforço de reflexão teórica acerca da dialeticidade das categorias prática e práxis, de modo a articular, em um segundo momento, a discussão da autogestão enquanto exercício de uma prática (re)criadora de novas práticas na perspectiva de uma sociabilidade, colaboradora, justa e solidária. Tentaremosresponder a partir de apontamentos históricos e conceituais: oque é autogestão? E, qual sua prática? Porquanto, conscientes de que este esforço não esgota a reflexão 15

Doutoranda em educação no programa de pós-graduação em educação - PPGE/UFPB. Mestra em educação pela mesma universidade. Participa como membro da incubadora de empreendimentos solidários – Incubes/UFPB e do grupo de pesquisa em extensão popular Extelar. luciclealins@yahoo.com.br

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sobre a temática acerca da prática da autogestão, a pretensão, no entanto, é de enfatizá-la e tornála foco de outras problematizações. O terceiro momento do artigo, incorre sobre o entendimento da prática augestionária proposta pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, como perspectiva de gestão participativa e democrática de seus processos de organização produtiva.

1. Da prática a práxis: alguns apontamentos histórico-conceituais

A categoria prática pode ser entendida, em sentido amplo, como toda ação humana. Sendo o conjunto de realizações empreendidas por grupos coletivizados ou de modo individual, é o que dá sentido a existência e experiências vivenciadas pelos humanos, diferenciando-os de outros seres por sua capacidade de intervir no mundo. Pimenta (1995), relacionando o conceito de prática á formação docente, explicita vários entendimentos pelo qual a categoria passou, das experiências a serem adquiridas ou reproduzidas através da observação; ao conjunto de ações empreendidas, porém desarticulada da teoria; até o entendimento de unidade entre prática e teoria. Vasquez (2007), em análise sobre a filosofia da práxis, introdutoriamente faz uma reflexão sobre a prática criadora e a repetitiva. Entendendo por prática criadora, aquela em que sua realização preconiza a transformação, pensada aprioristicamente sobre uma dada realidade, parte, então, de uma ação consciente. Já a prática repetitiva se expressa de modo espontâneo, mecânico, utilitário, sob o prisma do senso comum. Nesta discussão, Vázquez (re)significa o termo, remetendo-o a uma dimensão ampliada enquanto categoria metodológica do materialismo histórico, usando o termo práxis, mesmo estando etimologicamente esses dois vocábulos (prática e práxis) associados, porém o autor enfatiza a práxis como categoria que é utilizada no campo filosófico, conceituando-a como a categoria central da filosofia que se concebe ela mesma não só como interpretação do mundo, mas também como guia de sua transformação. Assim, Vasquez na obra citada, realizada um estudo com apontamentos históricos e conceituais que fundamenta a validação de tal categoria. Assim sendo, em relação à teoria e a prática, o filósofo grego Platão, não só os separa, como valoriza a teoria em detrimento da prática. Essa tradição foi muito forte entre os filósofos gregos de sua época. Para ele, a vida teórica se eleva ao ato de contemplação, prerrogativa dos homens livres, pois os atos de produção material e o mundo empírico, seriam atividades próprias de escravos. Portanto, “Platão isola a teoria das atividades práticas” (VASQUEZ, 2007, p.38).

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Aristóteles endossou o ponto de vista de Platão, e a relação que ambos fazem de uma possível unidade entre teoria e prática é na práxis política. No entanto, mesmo nessa, a primazia continua sendo da teoria. “Portanto, a unidade platônica da teoria e prática não passa da diluição da prática na teoria” (Idem. p. 39). Ainda percorrendo essa linha histórico-conceitual, Vasquez vai enfatizar, já no Renascimento, que na consciência renascentista da práxis, “o homem deixa de ser um mero animal teórico para ser também sujeito ativo, construtor e criador do mundo”. (Idem. p.43). Essa mudança pode ser atribuída ao novo contexto social, de consolidação do capitalismo e do uso do método científico e da técnica aos interesses da burguesia e do progresso econômico. O conhecimento deixa de ser especulativo para ser aplicado na vida prática e material, objetivando transformar a sociedade. Porém, não vai ser ainda nesse período que a práxis se afirma enquanto categoria filosófica de análise e transformação da realidade. Pois, a consciência filosófica renascentista da práxis mesmo não rejeitando a atividade prática material produtiva, no entanto a coloca em plano inferior, a saber, o trabalho desenvolvido por artesãos, mecânicos, agricultores, etc, é relegado a um segundo plano. Sendo considerado trabalho corrente do homem comum que não exige muito esforço intelectual para ser executado. A divisão social do trabalho empreendido pelas novas relações no mundo do capital, reforçou a separação entre trabalho físico e intelectual. Vai ser com Marx em e Engels que a práxis passa a ser evocada enquanto possível de unidade e não mais entendida na polaridade teoria-prática. Em seus estudos, Vasquez aponta que Marx e Engels criticam a concepção economicista da práxis produtiva em sua limitação, nos seus estudos a partir das elaborações realizadas pelos economistas clássicos do século XVIII, essa limitação operosa, ofuscava o que eles desvelam, a saber, que na relação de transformação da natureza o homem transforma também sua humanidade.

Vê-se que nas relações de trabalho

estabelecidas na esfera social, implica a atividade prática produtiva do homem, como também sua flexão sobre tal prática, refletindo sobre a mesma, a ponto de modificá-la. É nesse movimento praxiológico que os Marx e Engels também vão revelar a existência da mais-valia, constituindo uma teorização sobre a exploração do trabalho nas relações produtivas efetivadas no sistema capitalista. A práxis é no marxismo, categoria central de concepção de mundo e da história, uma práxis que se propõe a ser revolucionária, transformadora. É justamente nesse ponto que o marxismo se diferencia das demais filosofias anteriores, por unir em sua interpretação de mundo, o modo como o homem pode transformá-lo. Marx (1987).

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O conceito de práxis explicita o significado de uma relação dialética entre a teoria e a prática, uma relação de reciprocidade. “Isto quer dizer que uma não pode ser compreendida sem a outra porque ambas são presentes, numa constante relação de troca mútua, constituindo as ações humanas, ou seja, a práxis” (ARANHA. 1989, p.09). Entende-se a práxis não só como categoria filosófica da ação humana, por se tratar de ação humana, a compreende no contexto social das relações empreendidas pelos humanos. Essas relações conjugam a prática e a teoria, onde esta é expressão dos esforços explicativos daquela. Aranha (1989), analisa a práxis numa perspectiva da divisão social do trabalho no contexto da sociedade capitalista, auferindo sobre suas intencionalidades, onde , nesse tipo de sociedade, existe uma separação deliberada entre os que exercem atividades mais práticas, fazendo com que haja separação entre o trabalho intelectual e o manual. Existido na emissão dessa idéia uma distorção e uma intencionalidade. Deliberadamente há uma intenção de impedir que as pessoas se instrumentalizem de aparatos teóricos de modo que possam compreender com clareza a realidade e suas contradições. Quanto mais desagregadas forem, melhor para o sistema hegemônico. Nesse sentido, é distorcida e desqualificada a práxis, pregando a não necessidade desta para o exercício de atividades, em que predomina a atividade manual. Acerca desta questãoGramsci demonstra que todo trabalho, seja físico ou mental, compreende um certo grau de intelectualidade, de consciência racional sobre sua ação:

Não existe trabalho puramente físico e de que mesmo a expressão de Taylor, “gorila amestrado”, é uma metáfora para indicar um limite numa certa direção: em qualquer trabalho físico, mesmo no mais mecânico e degradado, existe um mínimo de qualificação técnica, isto é, um mínimo de atividade intelectual criadora (1989, p.07).

Assim, Gramsci admite a capacidade de todo(a)s em pensar e efetivar transformações, elevando sua consciência ao nível da racionalidade crítica. Nisto consiste a superação do senso comum,16 na elevação do pensar ao nível da consciência crítica, capacidade de elaboração filosófica e de concepções de mundo. Tendo o senso comum uma concepção de mundo desagregada de suas reais circunstâncias e determinismo, necessário seria sua superação por uma concepção de mundo coerente e crítica, que indica superação da ideologia dominante, pois “a base de sustentação da ideologia dominante é o senso comum” (MOCHCOWITH, 2001, p.14).

16

A esse respeito, Gramsci (1989; 1991), exemplifica citando a religião e o folclore.

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Assim sendo, a práxis se realiza no exercício da consciência filosófica, na elevação da consciência a tal ponto. Em Gramsci, a práxis ganha ainda maior notoriedade, por se instituir no campo teórico, como designação do próprio marxismo, expressando-se como filosofia da práxis. A princípio, como estratégia para obnubilar a censura fascista italiana, contudo, torna-se o termo, a própria síntese do marxismo. As interfaces desta síntese, expressa através de projetos educacionais e econômicos, configuram propostas que resgatam e sustentam o debate sobre a possibilidade de gestão partilhada através dos produtores associados, constituindo, assim, indícios para a prática de uma autogestão. Este debate vem sendo travado, hodiernamente, pelo Movimento de Economia Solidária, ao preconizar a autogestão como um dos pilares constituintes de sua práxis.

2 A práxis da autogestão

Como reconhecer práxis educativas que se constituam enquanto potencializadoras do exercício da autogestão? Como podemos perceber esse exercíciono processo de organização produtiva de trabalhadores(as)? Podemos entender por práxis educativas, nesse contexto, o conjunto de ações pedagógicas, organizadas sob a perspectiva de encontros formais ou não formais: reuniões, assembléias, atos públicos, marchas, ocupações, etc, que se constituem em espaços de reivindicação política, como também da socialização e apreensão de saberes. Essas práxis,vivenciadas nos processos de organização produtivas, sob o princípio da autogestão, onde o conjunto de trabalhadores(as), tendo a prerrogativa de decidir de modo colegiado sobre sua produção, defini-se em espaços potencializadores da emancipação política e cidadã desses(as) trabalhadores(as). Aposta-sena autogestão enquanto elemento de emancipação de mulheres e homens. Uma das formas de concretude dessa emancipação parte da rejeição de uma situação em que se negam condições dignas à sua existência, o que provoca conflitos, denúncias e proposições alternativas a essa situação (LINS: 2006), pois, uma das atribuições da emancipação é “romper” com as amarras, seja de ordem econômica, política ou cultural, sobre as quais se encontra o ser humano. Para a Anteag17 a “autogestão é um modelo de organização em que o relacionamento e as atividades econômicas combinam propriedade e/ou controle efetivo dos meios de produção com participação democrática da gestão”. Nesse sentido, compreende-se a autogestão como uma 17

ANTEAG – Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão e Participação Acionária.

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práxis onde o controle dos meios de produção, assim como as decisões em torno do processo produtivo pertencem aos próprios trabalhadores. Podemos entender que existe um certo consenso em se tratando desse termo, quando o mesmo expressa uma práxis que busca se efetivar nas ações dos que buscam consolidar a Economia Solidária, como premissa no alicerçar de outros fundamentos colocados para uma outra sociabilidade. Assim a autogestão, como também afirma a SENAES18, preconiza orientações para um conjunto de práticas democráticas participativas nas decisões estratégicas e cotidianas dos empreendimentos, sobretudo no que se refere à escolha de dirigentes e de coordenação das ações nos seus diversos graus e interesses, nas definições dos processos de trabalho, nas decisões sobre a aplicação e distribuição dos resultados e excedentes, além da propriedade coletiva da totalidade ou de parte dos bens e meios de produção do empreendimento. Autogestão pressupõe autonomia do conjunto dos trabalhadores envolvidos em uma determinada organização produtiva. Numa organização regida por esse princípio, todos os trabalhadores têm os mesmos direitos nos processos de participação e decisão do coletivo. Nos grupos de produção autogestionário não existe a figura do patrão, tem-se como dono dos meios de produção o próprio trabalhador, o que representa uma diferença da maioria dos empreendimentos convencionais. Sua construção, no entanto, se dá em uma práxis educativa constante e quotidiana, em um movimento onde as relações de trabalho têm no coletivo e na valorização do humano seu elemento central. Portanto, uma práxis educativa que contemple o exercício da autogestão buscar no (re) surgimento das relações sócio-econômico, suas práticas de cooperação e autogestão, em que evidenciam em sua construção, iniciativas voltadas não só para a sustentabilidade, mas, sobretudo, que possam balizar a autonomia dos sujeitos envolvidos nesse processo. Nos últimos dados publicados pelo Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária – SIES, resultantes do mapeamento em Economia Solidária do ano de dois mil e sete, na Paraíba, 65,3% das atividades econômicas desenvolvidas pelos empreendimentos solidários, são resultantes do setor rural, em sua maioria associada à agricultura familiar de subsistência. No que diz respeito à gestão dos empreendimentos, aqui vista de modo geral entre urbanos e rurais, as instâncias de direção e coordenação dos empreendimentos têm nas assembléias de sócios(as), 76,5%, expressão máxima da participação de seus membros neste coletivo. Contudo, esses percentuais, não podem provar uma vivência de fato autogestionária nesses empreendimentos. 18

Secretaria Nacional de Economia Solidária – SENAES. Ver documento na referência.

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3 Práxis augestionária no MST

Voltemos aos questionamentos de abertura da sessão anterior, qual seja: como reconhecer práticas educativas que se constituam enquanto potencializadoras do exercício da autogestão? Como

podemos

perceber

esse

exercíciono

processo

de

organização

produtiva

de

trabalhadores(as)? Não temos a preocupação aqui de dar respostas definitivas a esses questionamentos, pois o reconhecemos como campo aberto de análise e formulações teóricas e práticasem movimento. O que tentaremos apresentar a partir da experiência do MST, é compreender a que se propõe sua práxis para a autogestão. Em leituras realizadas em algumas publicações do MST, podemos identificar sua práxis, uma práxis educativa. Sua realização pauta-se em modificar a realidade imediata, oportunizando a seus partícipes a tomadas de decisões e resoluções dos problemas simples aos mais complexos, em que sua aprendizagem, à medida que é executada, volta-se sobre sua própria ação, refletindo, avaliando e projetando sobre seus resultados novas proposições. Nesse sentido, compreendemos que os espaços provocativos de reflexão são gerados a partir dos processos organizativos e do conjunto de ações educativas tomadas pelo Movimento, em que a prática, remete-se à teorianum ato de(re)construçãode atitudes acerca da realidadesob o crivo da razão. Essa confluência relaciona-se profundamente com o movimento ação-reflexão-ação, ou seja, estar debruçado sobre a realidade, praticá-la e se voltar sobre a mesma, refletindo-a em um exercício constante e dinâmico que propicia avanços significativos na ação e emancipação dos sujeitos. A idéia que se tem é de pensar/repensar a prática como processo permanente e continuado de aprendizado, pois para o MST:

Educar para a ação transformadora, isto quer dizer que precisamos de pessoas capazes de articular, com cada vez mais competência, teoria e prática, prática e teoria. Quem não sabe ligar uma coisa com a outra, um problema com outro, quem não sabe juntar o que estuda na escola ou num curso, com a sua vida do dia-a-dia, com as questões que aparecem no trabalho, na militância, nas relações com as outras pessoas, não pode ser chamado de “bem educado” e não consegue dar conta dos grandes desafios que temos no contexto social de hoje, como cidadãos e como integrantes do MST (MST, 2004, p.11).

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Efetivamente se deseja como resultado do processo educativo o agente social com desenvoltura para lidar com as dificuldades surgentes, sendo capazes de resolucioná-las, projetando na realidade objetiva a articulação entre teoria e prática. O termo prática, como foi dito anteriormente, tradicionalmente está ligado às atividades imediatas do gênero humano, assumindo, nessa perspectiva, um tom pejorativo, vulgarizado de sua correspondência com a consciência. No entanto, o termo escapa a essa compreensão quando articula a ação humana (prática) às elucubrações teóricas, resultando numa consciência filosófica renovadora. Tornando-se, portanto, atividade praxiológica. A respeito da prática, ainda encontramos nas publicações do Movimento: É necessário e possível desencadear um movimento formativo que possibilite, nos vários tempos e espaços de educação em que os sujeitos vivem e convivem, um repensar constante sobre a prática e a teoria fazendo um entrelaçamento entre ambas para que as pessoas possam avançar na construção do conhecimento, de forma consciente, solidária e rigorosa (CADERNOS DO ITERRA nº 10 p.22).

A citação enfatiza a relevância valorativa da prática e sua combinação com a teoria, elementos contributivos para a (re)construção de seus conhecimentos e ações. Em Gramsci (1991), a combinação entre teoria e prática se dá através de um processo contínuo e construtivo de seus resultados. A compreensão crítica do pensador é no sentido de que os resultados dessa combinação superem a consciência ingênua resultando em uma outra, crítica. O pressuposto da práxis tem ajudado na reflexão de sujeitos coletivos em suas práticas educativas, na execução e aprimoramento de ações concretas19. A pedagogia do Movimento reclama para si sua dialeticidade. “Hoje, a pedagogia do MST é mais do que uma proposta. É uma prática viva, um movimento” (MST, 2001, p.19). Da prática se extrai sua reflexão e intencionalidade decorrente de um projeto de sociedade que busca firmar a emancipação da classe trabalhadora. Silva (2008), defende a idéia de que o pressuposto da práxis cotidiana, as atividades de formação política e as lutas coletivas engendradas por trabalhadores(as) rurais, integrantes de setores de organizações populares, constitui-se em espaços multidimensionais de aprendizado. Que a inserção desses sujeitos no cotidiano de luta por suas reivindicações, “constroem e aprofundam saberes, em diferentes dimensões: intelectual, afetiva, volitiva e prática”, (Idem. p.158). 19

A realização praxiológica nos processos educativos do MST é bem perceptível na pedagogia da alternância. Esta combina tempo-escola e tempo-comunidade, e inaugura um processo inovador de formação onde a escolarização recebida (teoria), tem aplicação (prática) em seu exercício com a comunidade escolar.

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Esse cotidiano de luta denota uma práxis que se caracteriza como práxis cotidiana, por esta tecer dimensões educativas como a tomada de consciência de uma realidade excludente, o que oportuniza a esses agentes sociais desvelar as contradições desta realidade, ao mesmo tempo em que se tornam protagonistas de transformação da mesma. Mas em que dimensão estaria uma educação para a prática da autogestão? Partimos então da defesa da tomada de consciência desses(as) trabalhadores(as) da necessária partilha nas decisões a serem realizadas no conjunto de suas relações. A organização produtiva de um empreendimento20 passa por decisões que vão desde o que produzir as estratégias de comercialização. Para Gadotti (2009, p.32), a formação para uma gestão colaborativa, ou seja, a autogestão, “não se restringe a aspectos informativos e formativos, mas envolve também aspectos organizativos eprodutivos”. Isto implica uma nova prática educativa, uma vez que na sociedade em que vivemos os princípios evocados são em síntese, a competição e o individualismo. Já numa perspectiva autogestionária, o princípio é da partilha, colaboração e da solidariedade. A práxis da autogestão, acompanhada de sua dimensão educativa, contempla o que discorremos acima a partir da idéia de Silva (2008), dos saberes aprofundados em deferentes dimensões, e da formulação de Vásquez e Gramsci acerca da elevação de consciência dos sujeitos sociais. O que constitui em uma práxis pedagógica que (re)educa, desconstruindo o que a ideologia hegemônica estrategicamente engendra nas mentes das pessoas. Pois,os humanos não nascem individualistas ou cooperadores, vão aprendendo através da cultura queé transmitidaem seu contexto social, a praticar estes ou aqueles princípios. O que representa intencionalidadesde diferentes setores, a esse respeito infere com clareza o MST:

Ter uma intencionalidade pedagógica no que vamos ensinar, sobre nossas relações, nossa postura frente às demandas de formação da classe trabalhadora camponesa, nossa pertença à organização e o exercício da crítica propositiva e da autocrítica (MST, 2001, p.22-23).

A conotação ideológica da citação demonstra a que se propõe suas ações educativas, o que responde em parte, a necessidade de um projeto educativo revolucionário.

20

Entendemos aqui empreendimentos na perspectiva da Economia Solidária, em que esses empreendimentos são organizações coletivas, tais como: associações, cooperativas, empresas aurogestionárias, grupos de produção, clubes de troca, redes, etc. Cujos participantes exercem coletivamente a gestão das atividades, assim como a alocação dos resultados.

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Uma práxis pedagógica, efetivamente, tende a apostar nos pressupostos políticos para potencializar as ações e interferências de seus atores, o que configura uma educação emancipadora, ou seja, uma práxis pedagógica que vislumbra a construção de novas relações.

Conclusão A autogestão é em síntese, uma práxis de gestão produtiva de agentes sociais. Caminhar em direção ao exercício da autogestão nas relações produtivas dos assentamentos, exige um esforço conjunto dos(as) assentados(as) e lideranças locais, no sentido de transformar sua práxis cotidiana em vivência democrática, o que significa pensar o “eu” e o “nós”, reciprocamente. Entendendo, assim, a práxis como uma atividade transformadora da realidade, o exercício da autogestão terá como pressuposto, a anterioridade e simultaneidade do movimento praxiológico, como auxiliadorde suas reflexões, explicações, intenções, de sua prática. Isto significa compreender, explicitar e justificar a realidade sob a unidade teoria e prática. É o que expressa a práxis para a autogestão. A isto como nos adverte Gadotti (2009), acerca da realidade que é a Economia Solidária, tendo como um de seus princípios a autogestão, esta necessita de uma práxis pedagógica, a qual as pedagogias clássicas não dão conta. Essa práxis pedagógica desafia cotidianamente a construção de uma nova cultura, pautada pela vivência de outros valores. Assim sendo, busca-senuma práxis educativa voltada para a coletividade, uma educação que prepara mulheres e homens para lidar com uma multiplicidade de desafios; uma formação coletiva para lidar com o coletivo; uma educação não centrada no sujeito, ou seja, que não contribua para reforçar o individualismo, porém, uma práxis educativa que busca valorizar o coletivo e seus projetos comuns. Não apenas o eu, mas o nós em sua pluralidade de conhecimentos e possibilidades, recolocando a tomada de superação de uma consciência naturalizada. Alterar as relações produtivas da forma como estão postas hegemonicamente, e seu modo de gestão, constitui um desafio, mas também um projeto social que impõe outras condições de organização cultural e respeito à pessoa humana. Desnaturalizar estas relações e construir outras permeadas por outros princípios, eis o caminho a percorrer.

Referências ANTEAG – Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão e Participação Acionária. Disponível em: www.anteag.org.br. Acesso em 04 de set. 2009.

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I SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM EXTENSÃO POPULAR – SENAPOP João Pessoa – UFPB – 24 a 27 de novembro de 2009

A pesquisa-ação como recurso metodológico

Ana Elizabeth Araújo Luna Alessandra Aniceto Ferreira de Figueirêdo Graciele Barros Jaqueline Ramos Loureiro Marinho Morgana Bezerra Bispo Thelma Maria Grisi Velôso (Professora, coordenadora do projeto) Departamento de Psicologia, Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).

RESUMO A pesquisa-ação foi um dos recursos metodológicos utilizados numa prática extensionista que estamos desenvolvendo na comunidade de Barra de Mamanguape, Rio Tinto/PB. Propomos, neste texto, fazer um relato dessa experiência e, assim, trazer algumas questões que possam contribuir para as discussões sobre as possibilidades e as alternativas metodológicas que podem ser utilizadas num trabalho de extensão. Fundamentando-nos na Psicologia Social Comunitária e na Educação Popular, estamos realizando uma prática de extensão que objetiva repensar e discutir os problemas enfrentados cotidianamente pela comunidade de pescadores e marisqueiras de Barra de Mamanguape. Cumpre ressaltar que, além da pesquisa-ação, recorremos às visitas, às conversas informais, à observação participante e à técnica do Teatro do Oprimido (TO). Palavras-chave: Pesquisa-ação. Psicologia Social Comunitária. Educação Popular. Comunidade de Pescadores e Marisqueiras.

Introdução

O trabalho de extensão, na comunidade de pescadores e marisqueiras de Barra de Mamanguape (Rio Tinto/PB), teve início, em 2008, através de um convênio estabelecido com a Base Executora do Projeto Peixe-boi na Paraíba (Centro de Mamíferos Aquáticos/ ICMBio/Ministério do Meio Ambiente) . A ideia é desenvolver um trabalho que estimule a reflexão da população de Barra de Mamanguape sobre as formas de articulação e de interação

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frente aos problemas cotidianos, fomentando a construção de estratégias de enfrentamento desses problemas. A comunidade é formada por, aproximadamente, 50 famílias de pescadores e de marisqueiras, que compreendem um total de cerca de 250 habitantes, cujo modo de subsistência principal são a pesca e a coleta de mariscos. Outra fonte de renda é o turismo ecológico e a ecooficina peixe-boi, que confecciona bonecos de peixe-boi marinho e amazônico e pertence à Fundação Mamíferos Aquáticos (Organização Não-governamental - ONG). Essas atividades são realizadas em parceria com o Projeto Peixe-boi.

Base do Projeto Peixe-boi em Barra de Mamanguape

A área em que a comunidade se encontra faz parte de uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável, denominada Área de Proteção Ambiental (APA), que compreende 14.000 hectares de ecossistemas de mangue, dunas, restingas, rios, zona costeira e abriga espécies da fauna ameaçadas de extinção, como o peixe-boi marinho (Trichechus manatus manatus) e o cavalo-marinho (Hippocampus sp.).

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Peixe-boi marinho (Trichechus manatus manatus)

Segundo a coordenação do Projeto Peixe-boi, o convênio com as Universidades almeja congregar profissionais das áreas de biologia, medicina veterinária, turismo, sociologia e psicologia, uma vez que se pretendem retomar os trabalhos de pesquisa e extensão no âmbito da Base, tanto com a comunidade e o turismo ecológico quanto com os animais e o meio ambiente da APA. A nossa proposta de extensão está fundamentada nos princípios teóricos e metodológicos da Psicologia Social Comunitária. Desde os anos 60, trabalhos de Psicologia em comunidade são utilizados no Brasil (LANE, 1996; FREITAS, 1996). Durante esse processo, várias experiências vêm sendo desenvolvidas, o que culminou com a construção de uma proposta denominada de Psicologia Social e Comunitária, conforme discorre Freitas (1996, p.73): A psicologia (social) comunitária utiliza-se do enquadre da psicologia social, privilegiando o trabalho com os grupos, colaborando para a formação da consciência crítica e para a construção de uma identidade social e individual orientadas por preceitos eticamente humanos. (grifo da autora) Os trabalhos em comunidade têm como prioridade a formação de grupos e vão, ao mesmo tempo, auxiliando no processo de conhecimento da realidade comum, incrementando a autorreflexão e a organização de ações conjuntas (LANE, 1996). O processo de inserção em comunidade deve privilegiar a apreensão da experiência subjetiva dos moradores em relação à sua vida cotidiana. Para isso, interessa, então, conhecer a realidade objetiva e subjetiva, participando desse cotidiano, investigando-se o modo como os moradores apreendem a realidade, para se obter um conhecimento profundo dela (ARAÚJO, 1999).

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I Seminário Nacional de Pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR/ANEPOP - 2009 Reunião com a comunidade

Os pressupostos teóricos e metodológicos da Educação Popular (EP) também nortearam nossa intervenção na comunidade de Barra de Mamanguape. Entendemos, como Vasconcelos (2001), que aEP trabalha com o homem e com os grupos envolvidos no processo de participação popular, fomentando uma organização coletiva, com o objetivo de promover para os grupos populares o crescimento da capacidade de análise crítica sobre a realidade e o aperfeiçoamento das estratégias de luta e de enfrentamento. A EP afirma-se, ainda, como uma prática militante, pautada na construção de pedagogias reflexivas, que pretendem forjar uma “nova educação libertadora”; consolidando-se não somente como uma atividade de escolarização, mas também como um movimento político de libertação popular. Repensando a educação como libertadora das classes subalternas em relação ao poder hegemônico, a EP rompe com o modelo de educação bancária e alienante (BRANDÃO, 2004). Como uma ferramenta de transformação da sociedade, seu papel principal é o de estimular as classes populares a refletirem e a terem autonomia (NASCIMENTO, 1998). Sendo assim, o espaço construído na relação entre aqueles que fazem a educação popular e a população caracteriza-se pela troca de experiências e de saberes, considerando a relação saber/poder, valorizando uma preocupação com a vida de cada um, como agente social e suas implicações na vida do outro (BEZERRA, 1984). Partindo desses princípios, além de recorrermos às visitas, às conversas informais, à observação participante e à técnica do Teatro do Oprimido (TO), empregamos a pesquisa-ação, por ser uma metodologia que “se caracteriza pelo elo entre o saber e o fazer e “visa ao conhecimento através da pesquisa e à transformação através da ação” (NASCIUTTI, 1996, p. 111).

Relatando a experiência com a pesquisa-ação

Movido pelo desejo de conhecer a realidade cotidiana da comunidade, seus costumes, crenças e relações intersubjetivas para, a partir desse contato, poder dar início ao trabalho de extensão, o nosso grupo optou pelo uso dos princípios da pesquisa-ação, com a preocupação de aliar teoria e prática, como recurso metodológico para a construção de um fazer social, o que implica uma consciência política no sentido de mudança. A pesquisa-ação faz parte do conjunto de metodologias denominadas alternativas, justamente por defender posturas que são contrárias aos modelos tradicionais de pesquisa. O seu

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vínculo é com a realidade pesquisada e é com ela que se pretende firmar um compromisso político. Para tanto, são desenvolvidas estratégias que viabilizem um contato por meio do qual pesquisador e grupos que constituem a realidade pesquisada possam, através da troca de saberes, desenvolver uma prática que vise à transformação social (DEMO, 2007). Assim, a pesquisa-ação se constitui como um movimento que tem como um dos pontos de partida um questionamento das pesquisas tradicionais. É importante ressaltar que, partindo do pressuposto do autor supracitado, julga-se por tradicionais aquelas pesquisas que cultivam a neutralidade científica e que buscam em suas práticas encaixar a realidade ao método. Demo (2007) considera que é uma violência contra a realidade social tratá-la como um mero objeto, porque entende que as relações estabelecidas entre o sujeito e a realidade pesquisada não passam de uma relação formal. Para o referido autor, essa é uma “relação viva”, na qual um influencia o outro e vice-versa. Pautando-se no compromisso político com a realidade pesquisada e tendo por finalidade criar condições para a resolução de problemas, a pesquisa-ação auxilia na criação de condições que gerem mudanças sociais, conforme aponta Thiollent (2000). E como acrescenta o referido autor, os grupos sociais que participam da investigação não são vistos como objetos de estudo, eles fazem parte do processo de construção do conhecimento de modo cooperativo ou participativo. Com a intenção de realizar uma pesquisa norteada pelos princípios da pesquisa-ação, fomos para Barra no dia 11 de dezembro de 2008. O momento da chegada do grupo no local coincidiu com o movimento de organização da comunidade em prol de um melhoramento da estrada que dá acesso à comunidade, uma vez que esta estava em péssimas condições. Como forma de protesto, alguns moradores da comunidade interditaram a estrada e invadiram a sede da APA.

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Estrada interditada

Buracos cavados na estrada

Demo (2007) destaca que há três momentos essenciais na construção da pesquisa-ação, a saber: o autodiagnóstico, as estratégias de enfrentamento prático e a necessidade de organização. O autodiagnóstico deve se fundamentar na confluência entre o conhecimento científico e o saber popular. Nesse sentido, a voz do povo pesquisado, junto com o conhecimento científico, produz um movimento dialético que resulta numa relação equilibrada entre sujeito e “objeto da pesquisa”. Portanto, o grupo se subdividiu em duplas e realizou visitas e conversas informais na praia, nas caiçaras, nas ruas e nas casas da comunidade, objetivando interagir e se comunicar com as pessoas que residiam na comunidade. Esse contato com os moradores foi uma

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experiência muito enriquecedora, pois foi um momento de trocas de experiências, em que eles falaram abertamente sobre alguns aspectos da sua vida cotidiana. Em contrapartida, o grupo também esclareceu as intenções do trabalho com a comunidade. Lá, conversamos com grande parte das pessoas e, como elas se mostraram receptivas em contribuir com a pesquisa, o grupo decidiu iniciar as entrevistas. Trabalhando com a “voz do povo”, conforme refere Demo (2007), para articular um movimento dialético entre os saberes, foram realizadas entrevistas com 36 pessoas, residentes em Barra de Mamanguape, sendo 20 homens e 16 mulheres, numa faixa etária entre 17 e 70 anos. Pedimos aos moradores que contassem a história da comunidade, porquanto entendemos que, a partir de seus relatos, os pescadores e as marisqueiras participavam da investigação, não como objetos de estudo, mas fazendo parte do processo de construção do conhecimento de modo cooperativo ou participativo, conforme sugere Thiollent (2000). A análise das entrevistas, através da proposta de Análise de Conteúdo (DEMARTINI, 1988), apontou a existência de muitas inquietações em relação às regras e às leis de proteção ambiental, principalmente, da APA. Eles afirmaram que essa unidade de conservação proíbe que as pessoas colham feixes de lenha secos, plantem e fechou um viveiro de camarão existente no local, o que causou desemprego na comunidade. Houve também queixas relacionadas à pouca participação da prefeitura na resolução dos problemas da comunidade, principalmente no que diz respeito à saúde, à educação e ao saneamento básico. Tomando por base os relatos dos moradores da comunidade, decidimos devolver as entrevistas feitas através da técnica de Teatro do Oprimido (TO). O objetivo principal era suscitar reflexões acerca dos problemas vivenciados por eles, a fim de que fosse possível fomentar discussões no grupo que estimulassem a autonomia e a organização (necessidade de organização). A devolução das “vozes ouvidas” foi feita por meio da elaboração do roteiro de uma peça, composta por personagens (pescadores e marisqueiras), encenada por nós, que falavam da demanda comunitária. Portanto, foi realizada, na comunidade, uma oficina de teatro, fundamentada na proposta do TO, cuja proposta foi a de proceder a uma encenação teatral, como forma de provocar reflexões acerca das problemáticas vividas no cotidiano da comunidade.

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Oficina de Teatro do Oprimido

A partir desse tipo de conhecimento, conforme destaca Demo (2007), que unifica conhecimento formal e atitude política, surge o momento de construir estratégias de enfrentamento prático dos problemas detectados, sendo elencadas as necessidades mais imediatas – enfatizamos que mais imediato não significa mais importante, posto que consideramos todas as necessidades comunitárias importantes - para, a partir desse levantamento, construir-se a ação. Através das encenações realizadas pelo grupo de extensão, os pescadores e as marisqueiras foram convidados a refletir sobre as questões apresentadas “entrando em cena”, como sugere a proposta do TO (BOAL, 2005). Os questionamentos oriundos dessas encenações estimularam os moradores da comunidade a refletirem sobre algumas problemáticas do seu cotidiano. Desse modo, eles se propuseram a pensar junto conosco sobre o que poderia ser feito diante de tais situações. Para isso, foram elaboradas as estratégias de enfrentamento prático. Tal fato ocasionou uma decisão coletiva de organizar uma reunião dos moradores da comunidade com os representantes da APA e do Projeto Peixe-boi, a fim de buscar os primeiros encaminhamentos em relação às demandas da população, em especial, no que diz respeito ao uso dos recursos naturais na Unidade de Conservação. Como destaca Demo (2007), a necessidade de organização da comunidade foi construída como meio e fim; em relação ao meio, como uma estratégia para garantir competência no enfrentamento dos problemas da comunidade; como fim, configurou-se a possibilidade de uma organização que possibilite a construção de uma sociedade democrática, participativa. Partindo dessa perspectiva, no trabalho de intervenção que está sendo construído com os pescadores e as marisqueiras de Barra de Mamanguape, empregamos os pressupostos teóricometodológicos da pesquisa-ação. Através desse recurso, tivemos acesso a um conhecimento que

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serviu de base para a intervenção social, pois, como afirma Thiollent (2000), a pesquisa-ação tem uma finalidade prática, que é a de criar condições para a resolução de problemas que gerem mudanças sociais.

Considerações finais

O objetivo principal do nosso trabalho de extensão em Barra de Mamanguape é o de construir, junto com os pescadores e as marisqueiras, vias de troca de saberes e experiências, que visem à imbricação dos saberes popular e acadêmico, com o intuito de instigar a população a refletir e discutir sobre os problemas enfrentados cotidianamente e sobre a construção de estratégias de enfrentamento prático desses problemas, através da organização da comunidade. Iniciar este trabalho recorrendo aos princípios da pesquisa-ação foi uma estratégia que contribuiu para que procedêssemos ao primeiro levantamento de informações sobre a comunidade, dentro da compreensão do “conhecer para atuar”, um espaço de reflexão da comunidade sobre o seu cotidiano e sobre as alternativas de organização coletiva. Trata-se de um “começo” em que muitos desafios já se colocam e, dependendo da dinâmica do trabalho, a pesquisa-ação poderá ser utilizada novamente.

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VASCONCELOS, E. M. Redefinindo as práticas de saúde a partir da educação popular nos serviços de saúde. In: ______. (Org.). A saúde nas palavras e nos gestos.São Paulo: Hucitec, 2001. 11-19.

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I SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM EXTENSÃO POPULAR III SEMINÁRIO NORDESTINO DE PESQUISA EM EXTENSÃO POPULAR

Pesquisa em Extensão Popular é Possível !

TRABALHOS APRESENTADOS

VOLUME 2 - PRÁTICAS EM EXTENSÃO POPULAR: METODOLOGIAS

JOÃO PESSOA – PB NOVEMBRO 2009

I SBN978- 85- 7745- 558- 4

9 7 88577 45558 4

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I SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM EXTENSÃO POPULAR – SENAPOP João Pessoa – UFPB – 24 a 27 de novembro de 2009

A Representação Social da imagem da escola por educadores e educandos de uma escola pública/ municipal da cidade de Campina Grande-PB

Thayse Silva Barbosa Renata Pimentel da Silva Priscila Magalhães Barros Jose Ulisses do Nascimento Danyelle Almeida de Andrade

RESUMO

O presente artigo propõe mostrar como se deu a pesquisa para futura intervenção realizada em uma Escola Municipal de Campina Grande-PB. Baseando-se na teoria da Representação Social de Moscovici, objetivou-se apreender e analisar como é a imagem da escola pelos atores (educandos e educadores: professores, funcionários e gestores) da mesma. Identificar o significado da escola atribuído pelos educadores, distinguir as relações entre existentes entre os adultos/adultos, crianças/crianças, crianças/adultos, averiguar as relações lúdicas existentes na escola e compreender como os educadores representam o seu trabalho.

1. INTRODUÇÃO O sistema de ensino, bem como a própria educação, e as políticas educacionais são estruturas que vêm sofrendo algumas transformações no mundo e em particular no Brasil nestas últimas décadas. Estas mudanças ocorreram principalmente na educação de ensino fundamental para se adequar às novas exigências internacionais. Por tanto, no nosso estudo, utilizou-se da Teoria das Representações Sociais, visto que, segundoGilly (2001, p. 321), “O interesse essencial da noção de representação social para a compreensão dos fatos de Educação consiste no fato de que orienta a atenção para o papel de conjuntos organizados de significações no processo educativo [...]”.Desta forma, pode-se

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entender que tendo mudado as configurações comuns à escola tradicional, mudanças se farão na concepção de escola da sociedade envolvida com os processos educativos em geral. A compreensão da imagem da escola é construída não apenas entre os indivíduos diretamente envolvidos, mas sim inseridos em um contexto social que varia com as idiossincrasias dos indivíduos, bem como sua situação sócio-econômica e as expectativas de vida focada na educação escolar em particular. Diante de tal realidade e da proposta do componente curricular Extensão, objetivou-se apreender e analisar a representação social da “imagem da escola” por educandos e educadores, de uma escola pública municipal da cidade de Campina Grande – PB. Para um melhor aprofundamento buscou também identificar o sentido da escola atribuído pelos educadores, conhecer as relações entre existentes entre os atores da mesma, verificar as relações lúdicas existentes na escola e entender como os educadores representam o seu trabalho.

TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS Conjuntamente com o surgimento das civilizações, o homem estruturou reflexões sobre sua existência, e a existência dos demais seres através de observações sensoriais das transformações da natureza terrestre e cosmológica. Desta forma, estas transformações exigiam alterações nos nossos hábitos com a finalidade de sobrevivência. A explicação mais plausível para tais fenômenos, pautou-se em hipóteses de criação divina. A partir de então as crenças e valores teriam sua base sólida para se firmarem e um campo fértil para se multiplicarem e arraigarem nas mais diversas culturas. Após estas elucidações, Moscovici (2003) acredita, então, na necessidade de “[...] recuperar a perspectiva teórica que pode iluminar esses fenômenos surpreendentes como uma parte normal de nossa cultura e de nossa vida em sociedade [...]” (ibidem, p. 171-172). Para isto, ele desenvolveu a Teoria das Representações Sociais. As representações sociais foram formadas com o desenvolvimento histórico, cultural, social e, inclusive, psicológico das sociedades ao longo do tempo e dos indivíduos em seu interior. Para tanto, “[...] é o conteúdo de uma representação e a natureza do grupo correspondente que estabelece o princípio da racionalidade e não o inverso [...]” (MOSCOVICI, 2003, p. 188). Este princípio de racionalidade é inerente às peculiaridades de um determinado grupo social e às suas representações específicas; como marcas identitárias próprias. Incumbindo assim, o estudo destas representações para a compreensão histórica da evolução psicossocial da humanidade.

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Para este autor, as idéias, ou representações diferem de acordo com a sociedade em que nascem e são moldadas. Nesse meio, o indivíduo sofre pressão das representações dominantes. Moscovici expõe a definição de representação social com base estatística, dinâmica e psicológica. De acordo com a primeira base, as representações se mostram semelhantes a teoria que ordenam ao redor de um tema, uma série de proposições que possibilitam que coisas ou pessoas sejam classificadas, que seus caracteres sejam descritos, seus sentimentos e ações sejam explicados. Já, de acordo com a segunda, ela se apresenta como uma ligação de idéias, metáforas e imagens, mais móveis e fluidas que teorias. Na terceira base, possui um aspecto impessoal, no sentido de pertencer a todos, ela é percebida afetivamente como pertencente ao ego (ibidem). No que se refere às representações infantis, de acordo com o referido autor, o psicólogo suíço Jean Piaget (1972) buscou encontrar nas escolas o que Lévy-Bruhl havia descoberto nas suas análises de documentos escritos. Para Piaget, “[...] a criança pequena não é mais „boba‟, nem se encontra alguns degraus abaixo da criança mais velha. Contudo, ela pensa as coisas de modo essencialmente diferente [...]” (PIAGET, 1972 apud MOSCOVICI, 2001, p.53). Basicamente, a criança atribui uma realidade corporal ao que inventa e imagina, ou seja, confunde o signo com o significado. Para Moscovici, as representações sociais são teorias do senso comum, através das quais, as realidades sociais são interpretadas e construídas. São estruturas oriundas da relação de reciprocidade entre o indivíduo e a sociedade, que facilitam e orientam o processo da informação social. A razão para se criar as representações é a necessidade de que haja a familiarização com o não-familiar. A comunicação vai ser a ponte entre o estranho e o familiar.

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E EDUCAÇÃO Existem poucos trabalhos em educação em que as representações sociais ocupem o lugar central. Para Gilly, “O interesse essencial da noção de representação social para a compreensão dos fatos de Educação consiste no fato de que orienta a atenção para o papel de conjuntos organizados de significações sociais no processo educativo [...]” (GILLY, 2001, p. 321). Dessa forma, esses estudos oferecem uma explicação sobre as interferências de fatores propriamente sociais sobre o processo educativo, como também favorece inter-relações entre a Psicossociologia e a Sociologia da Educação (DESCHAMPS et. al, 1982 apud GILLY, 2001). Esta articulação não diz respeito à compreensão de fenômenos macroscópicos: as relações entre a pertença a um determinado grupo social e as atitudes e comportamentos diante da escola, o modo como o professor concebe seu papel etc. Refere-se também a níveis de análise mais finos, relativos à comunicação pedagógica na turma e à construção de saberes (GILLY, 2001, p. 322).

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De acordo com o referido autor, pode-se observar, dentro do campo educacional, desde a construção das representações sociais, passando por sua evolução e transformação, a fim de elucidar a função dessas relações dos grupos sociais para com seus objetos de representação. Quando se fala em grupos sociais, têm-se em mente também suas diferenças entre o discurso ideológico igualitário da instituição educacional. As desigualdades sociais presentes na escola jamais irão sumir; à sombra de modificações de estrutura irão assumir diversas formas (BUADELOT; ESTABLET, 1971; MOLLO, 1986 apud GILLY, 2001). Tais desigualdades pedem por mudanças. Mas essas mudanças esperadas, de acordo com Gilly (op cit), estão longe de ser realizadas, já que os indivíduos dessa instituição (escola) “[...] apóiam-se, para orientar e justificar seus comportamentos, em sistemas representacionais que privilegiam mais freqüentemente elementos e esquemas caracterizados por forte inércia” (GILLY, 2001, p. 337).

A ESCOLA E AS RELAÇÕES ENTRE EDUCADOR E EDUCANDO As atitudes dos docentes segundo Marchesi (2006) estão em modificações, ocorrendo o mesmo, com os alunos em geral. A partir das modificações ocorridas na educação espera-se então dos professores não apenas a transmissão de conhecimentos, mas também diálogo com os alunos, capacidade de estimular o interesse por aprender, incorporação das tecnologias da informação, orientação pessoal, cuidado com o desenvolvimento afetivo e moral, atenção à diversidade dos alunos, gestão da aula e trabalho em equipe para produzir um ensino com mais qualidade. Para tratar a diversidade existente entre os alunos, usar da autoridade e do respeito é uma ótima tática. Diversidade essa existente sempre, porém que se ampliou gradativamente, e além do diálogo outras formas também de lidar com essa situação é a calma, firmeza e decisão, pois proporcionar uma atenção individualizada, assim como ter habilidade para administrar uma aula com ritmos diferentes e com situações imprevistas tem que ter bastantes experiências nessas áreas. Há também a cultura escolar, a qual os estudiosos definem como“[...] o conjunto de crenças, normas, valores e expectativas que mantêm os professores e os alunos em uma escola [...]” (MARCHESI, 2006, p. 123). A cultura da escola explica, na maioria das vezes, o que acontece nela. Marchesi (ibidem) seleciona quatro dimensões da cultura escolar: os objetivos educacionais, o dinamismo, as relações interpessoais, e a identificação com a instituição. A primeira dimensão [...] Reflete o que os professores compartilham em sua ação docente, sobre o que se ensina e como se ensina, como os alunos aprendem, como se conciliam

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às exigências da instituição escolar e as necessidades dos alunos, que valor tem as diferenças dos alunos e qual é a melhor maneira de educar todos eles [...] (IDEM, 2006, p. 124).

A segunda dimensão inclui projetos da escola, a capacidade para se adaptar as novas formas de ensino, estabelecer condições com outras instituições, além de buscar novas estratégias organizativas e metodológicas. A terceira dimensão refere-se ao âmbito das relações pessoais, nesse caso entra a colaboração e o individualismo. A quarta dimensão “[...] consiste em atribuir valor à escola como referencial das praticas e dos projetos que se desenvolvem individual e coletivamente [...]” (IDEM, 2006, P.127). Junto ao corpo docente tem quem haver o trabalho da Administração educativa.“[...] Ambas se apóiam e fortalecem mutuamente, mesmo que suas dinâmicas sejam muito diferentes [...]” (IDEM, 2006, p.134). Enfim, deve-se haver um trabalho mútuo entre o setor administrativo e o corpo docente.

METODOLOGIA Para a apreensão desejada, utilizou-se observação do cotidiano, entrevista semiestruturada, Teste de Associação Livre de Palavras (TALP) e um Teste projetivo com desenho. A observação se deu no recreio das crianças com o objetivo de conhecer o campo e identificar as possíveis necessidades existentes. As entrevistas foram realizadas com os professores e os demais profissionais desta escola, com o objetivo de conhecer e analisar o trabalho do professor na educação básica e suas implicações no bem estar pessoal/profissional e as possíveis interferências nas relações com os colegas e educandos. O teste de associação-livre de palavras foi aplicado inicialmente com os educandos a partir da frase estímulo “Minha escola é...”, sendo solicitado apenas uma evocação para o referido estímulo. Com os educadores foi utilizada também a frase estimulo “Minha escola é...”, seguida do questionamento “Quando se fala em „relações interpessoais na escola‟ o que lhe vem à mente?”, solicitando, nesta última, que estes expressassem 04 palavras em resposta ao estímulo. Em seguida, enumerassem em ordem de importância e justificassem o porquê da primeira evocação ter recebido tal ordem. Quanto ao teste projetivo, este foi aplicado com os educandos a partir das frases de estímulo “O que mais gosto na escola”, “O que menos gosto na escola”, solicitando que os mesmos desenhassem e em seguida verbalizassem o que desenhou. Para a análise dos dados, no que se refere à entrevista e o teste projetivo, estes foram analisados através da análise de conteúdo. (BAUER, 2002). As evocações das associações-livres de palavras foram agrupadas em ordem semântica e categorizadas.

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6. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 6.1. PERFIL DA INSTITUIÇÃO A instituição pesquisada trata-se de uma escola pública municipal de educação básica da cidade de Campina Grande – PB. Esta opera nos três turnos: pela manhã tem a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, com a exceção do primeiro ciclo final (antiga terceira serie); à tarde por sua vez não possui a Educação Infantil, mas o Ensino Fundamental é completo; enquanto isto a noite trabalha-se com a educação para jovens e adultos, disponibilizando, de acordo com a nomenclatura utilizada pela escola, dois fundamentais, o primeiro que se refere à primeira e segunda série; e o segundo fundamental que engloba a terceira e a quarta série. A divisão atual das turmas segue a determinação do órgão superior responsável pela mesma. Assim a divisão se dá por ciclos e não por séries. O primeiro ciclo é composto: pela alfabetização, que corresponde ao primeiro inicial; pela primeira série que seria o primeiro intermediário; e pela a segunda série, o primeiro final. Já a terceira série corresponde ao segundo ciclo inicial, e a quarta série seria o segundo ciclo final. Estão matriculados 372 alunos, do quais 355 freqüentam a escola, pela manhã, turno no qual nossa pesquisa vem sendo realizada, devido ao horário disponibilizado por nós. De acordo com Projeto Político Pedagógico da escola, a escola dispõe de “cinco salas adequadas, uma secretaria, um auditório, uma cantina, uma sala de direção, sete banheiros e um pátio descoberto” (PPP, 2007) 21.

6.2 PERFIL SÓCIO-DEMOGRÁFICO O número de profissionais da escola, segundo o Projeto Político Pedagógico – PPP, é de trinta e uma pessoas, distribuídas em corpo docente, equipe técnica e equipe de apoio. Contudo pode-se perceber que existe uma flexibilidade no que se refere às funções exercidas: [...] aqui o vigilante faz papel até de professor, sabe? Ajuda, ajudam muito sabe? Não tem essa de que porque é vigilante que não vai ajudar. O vigilante no intervalo ajuda, entendeu? Ajuda a merendeira; a merendeira também. Ai eles se ajudam entre si.

(Entrevista nº 6; sexo feminino; professora). Ainda com relação ao quadro de funcionários do turno da manhã, temos um quadro de funcionários quase todo feminino, 90,1% e apenas 9% masculino, sendo os cargos de magistério e administrativos todos ocupados por mulheres, o que faz com que a função de vigilante seja

21

PPP – Projeto Político Pedagógico, cedido pela coordenação da escola.

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exercida por um homem. Este por sua vez é o responsável pelos meninos na hora do recreio, e foi perceptível que isto ocasiona uma aproximação maior deles com os meninos. A faixa etária dos profissionais varia de 32 à 50 anos, observando-se uma média de idade de 41 anos. Ao que alude a escolaridade dos membros da escola, do turno em estudo, percebeu- se uma realidade favorável, uma vez todas as professoras entrevistadas possuem o Ensino Superior completo; sendo 83,33% formadas em pedagogia e 16,66% em letras. Destas, de acordo com a fala das próprias entrevistadas, duas são pós-graduadas (lato sensu), uma em Supervisão Escolar e outra em Pedagogia. O tempo de serviço médio na educação se encontra por volta de 13 anos e 6 meses, variando de 9 meses a 28 anos. Isto demonstra que há pessoas com muita experiência dentro da educação, 63,63% possuem mais de 10 anos na educação; ao mesmo tempo em que há pessoas iniciando seu trabalho neste campo.

6.3 DADOS DA OBSERVAÇÃO Para a realização da nossa pesquisa se fez necessárias observações que foram relevantes para a escolha do nosso objeto visto que pudemos conhecer a instituição e detectar as necessidades da mesma. Na primeira visita, chegamos na hora do recreio, com isso observamos a forma como as crianças aproveitavam esse momento. Elas estavam separadas em meninos pequenos e meninas de todas as idades num pátio localizado a frente da escola, meninos grandes em outro, localizado atrás, ambos separados por grades de ferro.Porém em nenhum desses pátios existiam brinquedos para os mesmos, e a forma como eles encontravam para se divertir era correndo, gritando e brigando. Nessa mesma visita tivemos a oportunidade de conversar com a gestora, a qual nos mostrou os principais problemas que necessitavam de soluções, assim como as dificuldades enfrentadas no dia-a-dia como, a ausência dos pais na relação família-escola, assim como alunos com problemas de aprendizagem e controle na sala de aula. Na visita seguinte tivemos a oportunidade de conversar com a psicóloga e com a orientadora educacional. Nosso intuito era de ter mais uma conversa com a gestora, porém ela nos apresentou as essas duas profissionais. Elas sempre interrompiam ou completavam a fala da gestora, fazendo com que essa não ficasse tão à vontade. Nas visitas subseqüentes, pudemos aplicar os testes de associação-livre de palavras – TALP e projetivo com as crianças. E foi justamente nesse período que entramos nas salas de aula. Com isso observamos a carência afetiva dos alunos. Tentamos ser o mais receptivos

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possíveis, isso foi muito importante, pois começou a surgir uma relação de proximidade com as crianças. Na sala de aula pudemos verificar a autoridade imposta e a atenção oferecida pelos professores, assim como a atuação das estagiárias. Durante as entrevistas realizadas com os educadores pudemos identificar algumas contradições entre a “teoria” e a “prática”. Uma das entrevistadas falou coisas positivas sobre a escola, no seu discurso parecia uma escola quase sem problemas, mais ao término pediu que desligasse o gravador e afirmou que na prática era diferente, e que a entrevistadora desejava sair do âmbito da educação enquanto havia tempo. Outra entrevistada, no momento da entrevista estava sendo interrompida por algumas crianças, mas ela sempre mantendo a calma, pedia silêncio as crianças e solicitava que se comportassem. Ao final da entrevista, a entrevistada gritou reclamando com as crianças, dizendo que só não havia gritado antes para que não saísse um grito na gravação. Esta observação consolidou a nossa escolha e nos instigou a encontrar subsídios para a prática interventiva. Acreditando que a Universidade pode e deve levar a sua contribuição para a comunidade, principalmente quando esta deseja e solicita ajuda.

6.4 DADOS DA ENTREVISTA Iniciamos a entrevista solicitando que os profissionais falassem do seu trabalho na escola. A maioria preferiu relatar suas impressões superficialmente, apenas o que mais é enfatizado no trabalho, como: as relações afetivas desenvolvidas com a equipe ou ainda a sua identificação pessoal com a função que exerce. Como podemos ver na fala a seguir: “Se eu for falar é o dia todinho, é uma benção eu gosto demais daqui, gosto muito do pessoal daqui [...] Tudo bem graças a Deus.”

(Entrevista nº 10; sexo feminino; serviços gerais). Analisando a fala, verificamos que o/a entrevistado/a se refere aos indivíduos diretamente envolvidos na profissão, ou seja, o que poderíamos inferir às relações-interpessoais. Não se aprofunda na importância, nas responsabilidades, nas competências nem em outro fator que revele a interdependência dos serviços. Em seguida, foi solicitado que relatassem sobre como veem as relações entre seus pares dentro da instituição. A relação entre as professoras foi relatada de forma positiva em todas as entrevistas, assim como a interação das mesmas com a equipe de apoio. “Muito boa, num foi isso que eu comentei a principio, das escolas que eu já trabalhei que eu não sou efetiva aqui na escola, sou efetiva em outra escola, é um dos melhores, muito boa mesmo. A turma é muito amiga.”

(referente à relação entre professoras) (Entrevista nº 11; sexo feminino; professora).

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Houve queixas severas quando se referia às relações dos alunos com as demais equipes e entre eles. “Tem aluno aqui que é muito folgado, se a gente não põe um pouco de autoridade a gente fica desmoralizado diante deles e ainda sai rindo da gente, porque eu já passei por situações assim parecidas”

(Entrevista nº 3; sexo masculino; vigilante). Embora a amizade entre eles seja relatada por alguns como um aspecto positivo, não deixam de se referir aos aspectos negativos. Esses aspectos acabam justificando a queixa de alguns entrevistados quanto à postura das estagiárias. “Essa relação precisa melhorar, até pela experiência [...]”.

(Entrevista nº 8; sexo feminino; professora). A falta de autoridade, ou “experiência” é bastante inferida pelos profissionais entrevistados. Percebe-se ainda muito forte a idéia de que a ordem na sala de aula só pode ser conquistada com imposição de autoridade, por vezes gerando o sentimento de medo nos alunos, para que os mesmos temam as professoras para que possam manter o comportamento da turma. Outra queixa é relatada quanto á relação família–escola. Um entrevistado diz: “Aí é onde está a dificuldade. [...] Aqueles pais que estão presentes, o aluno não é um aluno quem tem dificuldade tanto na aprendizagem quanto no comportamento. Quando a gente chama eles, acham que a gente tá marcando, que é chato. É como se colocassem o filho aqui, jogou lá e educou, não tem responsabilidade. A sua responsabilidade pra justiça e pra a sociedade é que o aluno está na escola. Os pais não procuram saber se o aluno tá aprendendo, como é que tá o comportamento dele”.

(Entrevista nº 2; sexo feminino; gestora) O descaso por parte da família é exposto em muitos relatos. Denunciam que uma parcela mínima das famílias participa das reuniões promovidas pela escola. Por vezes os profissionais se sentem responsáveis pelo dever que acreditam ser da família. “A família deixa muito a desejar, eles às vezes não participam, às vezes não olham a tarefa... Tenho que fazer o que era atribuição da família”.

(Entrevista nº 11; sexo feminino; professora) Quando questionados acerca da contribuição pessoal do seu trabalho para o bem-estar da escola, os entrevistados tenderam a enfatizar o prazer em trabalhar, dedicação no que fazem e o retorno do aprendizado e valores morais. Valorizam e qualificam como importante o trabalho desenvolvido na escola. “Eu acho que meu trabalho pra escola é de grande importância, no meu ponto de vista. [...] Sempre procuro fazer o meu trabalho e além do meu trabalho mais um pouco, entendeu?” (Entrevista nº 3; sexo masculino; vigilante)

6.5 DADOS DA ASSOCIAÇÃO LIVRE

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I Seminário Nacional de Pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR/ANEPOP - 2009 Para aplicarmos o TALP com os educandos, a partir da expressão: “Minha escola é...”, organizamos por turma, constituídas da seguinte forma: 1º ciclo inicial – crianças com 4anos de idade, 1º ciclo intermediário – crianças com6a 12 anos de idade; 2º ciclo inicial – crianças com 8 a 14 anos de idade e 2º ciclo final – crianças com 10 a 16anos de idade e categorizamos em aspectos positivos e aspectos negativos, de acordo com as subcategorias das evocações: Categorias

Subcategorias

Bonita Boa

Alfabet ização

1º ciclo interm ediario

1º ciclo final

2º ciclo final

19

13

23

13

68

-

06

-

04

10

Grande

01

-

-

08

09

Linda

01

01

01

04

Colorida

04

01 -

-

-

04

Carinhosa

02

-

-

-

02

Tem cinco salas

-

02

-

-

02

Pintada

-

02

-

-

02

Onde se aprende

-

01

-

-

01

Aspectos positivos

Organizada

Aspectos negativos

-

-

-

01

01

27

25

24

26

103

Uma violência Uma quadrilha de macaco Chata

-

01

-

-

01

-

01

-

-

01

-

01

-

-

01

Pichada

-

01

-

-

01

-

04

-

-

04

Figura 01

Como podemos verificar na figura 1, os educandos apontam um maior número (103) de aspectos positivos para a Escola em que estudam. Salientamos que esta atividade não foi realizada com o Pré-I e com o Pré-II, uma vez que os mesmos ainda não possuíam o domínio da escrita e por não centrarem suas respostas em coisas que realmente estavam na escola. Um outro fator importante foi o modo como se deu a aplicação deste instrumento no 1º ciclo intermediário. Ao terminarem as atividades propostas por nós, eles começaram a brincar de atirar giz de cera uns nos outros. Pode-se inferir uma relação direta com o fato da professora não estar presente, e sim uma estagiária; Este pode ter sido o motivo dessa turma ter apresentado a maior diversidade de respostas, e também de apresentar aspectos negativos da escola (04), o que não ocorreu em nenhuma outra sala. Para ampliação da representação social da Escola construída por eles, questionamos os mesmos sobre “O que você mais gosta na escola” e “O que você menos gosta na escola”. As respostas foram categorizadas, obtendo-se o seguinte quadro:

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I Seminário Nacional de Pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR/ANEPOP - 2009 QUADRO DEMONSTRATIVO: “O QUE MAIS GOSTO NA ESCOLA...” Brincar

Pré-1 e pré-2 03

Alfabetiza ção 02

1º ciclo inicial 04

1º ciclo final 10

2º ciclo final 03

22

Futebol

-

-

02

03

02

07

Arvore do pátio

-

01

02

02

01

06

01

-

01

-

-

02

-

01

-

-

-

01

Lutar

01

-

-

-

-

01

Jogar bola Brincar no lado das meninas Baleada

01

-

01

01

-

01

Categorias

Subcategorias

Recreio Educação física Espaço lúdico

Educadoras (es)

-

-

-

01

01

04

09

16

07

42

Professora

-

12

02

03

05

22

Colega

-

02

-

-

01

03

Estagiaria

-

01

-

-

-

01

Vigia

-

01

-

-

-

01

Dos pesquisadores

-

-

-

01

-

01

-

16

02

04

06

28

-

-

01

03

-

04

03

-

-

01

-

04

-

-

-

02

02

04

Fazer tarefas

01

-

-

01

-

02

Fazer letras

01

-

-

-

-

01

-

-

-

-

01

01

-

-

-

-

01

01

05

-

01

07

04

17

Pátio

-

-

01

-

03

04

Da sala

-

-

-

-

03

03

Da escola

-

01

-

-

01

02

-

01

01

-

07

09

Cuscuz com salsicha

-

01

-

-

-

01

Lanche

-

01

-

-

-

01

Fila da merenda

-

-

-

-

01

01

Estudar

Ficar em pé Responder tarefa no quadro

Espaço Físico

Tudo Outros TOTAL

-

-

Desenhar

Merenda

-

06

Ler

Atividades pedagógicas

-

-

De nada

-

02

-

-

01

03

03

-

-

-

-

03

-

-

01

-

-

01

03

-

01

-

-

04

14

24

14

28

26

112

Figura 02

Na leitura da figura 2, as crianças se reportaram as espaço lúdico (42), como sendo o que mais gosta na escola. Nesta categoria está inclusa a sub-categoria educação física, que neste aspecto assume o caráter de uma recreação. Em seguida, aos/as educadores/as (28), independente do vínculo educativo que estes tenham, como é o caso, do vigilante da escola e de nós pesquisadores.

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As atividades pedagógicas (17) se posicionam em terceiro lugar na preferência das crianças. É importante informar que foram excluídas as palavras tautológicas e que tinham sido evocadas apenas uma vez. QUADRO DEMONSTRATIVO: “O QUE MENOS GOSTO NA ESCOLA...” Categorias

Atividades lúdicas

Atividades pedagógicas

Subcategorias Briga Futebol Bagunça Violência Fofoca Bater nos outros Recreio Ficar sentado Fazer tarefa Estudar Escrever ler Da sala Tarefa de divisão Da carteira fila

Rede de relacionament os

De alguns colegas Diretoria Meninos bagunceiros Brincar com Elias

merenda

Sopa Cenoura

Locomoção para a escola

Da rua da frente De atravessar a rua Linha do trem

outros

Sem resposta nada

TOTAL

Pré-1 e pré-2 04 04 01 01 01 01 02 02 02 09

Alfabetiza ção 03 01 04 01 01 04 01 05 01 01 05 05 17

1º ciclo 04 04 01 02 02 01 06 03 03 01 01 16

1º ciclo final 11 03 02 16 03 01 01 05 21

2º ciclo final 07 03 01 01 12 01 01 01 01 01 05 01 01 01 03 01 01 02 03 03 27

∑ 29 03 03 02 01 01 01 40 05 04 03 01 01 01 01 01 01 18 01 01 01 01 08 05 01 06 01 01 01 03 08 02 10 90

Figura 03

Ao que refere ao que os alunos menos gostam na escola, tivemos com o maior número de evocações, as atividades lúdicas (40); Em nossas observações, pudemos inferir que as brigas, freqüentes entre as crianças, são resultado da falta de brinquedos e brincadeiras, com quais eles possam se divertir; isto explicaria também algumas outras evocações como violência, bater nos outros. Com isso justifica-se o posicionamento dessas sub-categorias, em “atividade lúdica”. A categoria atividades pedagógicas (18) ficou em segundo lugar, seguido de rede de relacionamentos (09). Assim como com os educandos, utilizamos a frase estimulo “Minha escola é” para a aplicação do TALP com os educadores. QUADRO DEMONSTRATIVO: “MINHA ESCOLA É...”

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Categorias

Subcategorias Ótima Especial Tudo

Adjetivação simples (semelhante à das crianças)

Organizada Maravilhosa A melhor Comprometida com a educação

Caráter educacional

Primordial para o crescimento das crianças do bairro Minha casa Minha segunda casa

Características mais pessoais

A continuação da minha vida

Figura 04

Para a categorização utilizou-se de três categorias: a adjetivação simples, que seriam as repostas mais diretas, e as quais pudemos aproximar das evocações das crianças; as de caráter educacional, que relacionam à escola e ao seu papel frente à educação; e as relacionadas com a vida pessoal do entrevistado, que foi a categoria com características mais pessoais. Todas as respostas foram citadas apenas uma vez, e a categoria com maior número de evocações foi a “adjetivação simples” (06), o que representa 54,54% das respostas. Para uma maior compreensão de como os professores encaram a escola em suas vidas realizamos outro TALP; desta vez utilizando o questionamento “Quando se fala em relações interpessoais na escola o que lhe vem à mente?”. As respostas foram categorizadas, obtendo-se o seguinte quadro: QUADRO DEMONSTRATIVO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE “RELAÇÕES INTERPESSOAIS NA ESCOLA” Palavra

1º evocação

2ºevocação

3º evocação

4º evocação

Companheirismo

-

-

2

2

4

Amizade

1

1

2

-

4

Respeito

-

2

-

2

4

Compreensão

2

-

1

-

3

Responsabilidade

-

3

-

-

3

União

2

-

-

1

3

Amor

1

1

1

-

3

Harmonia

2

-

-

-

2

Dedicação

-

-

1

1

2

Relacionamento

-

1

-

-

1

Compromisso

1

-

-

-

1

Cooperação

-

1

-

-

1

Trabalho em equipe

-

1

-

-

1

Educação

1

-

-

-

1

Bom relacionamento

-

-

1

-

1

Planejamento

-

-

1

-

1

Indivíduo

1

-

-

-

1

Atenção

-

-

-

1

1

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Solidariedade

-

1

-

-

1

Escuta

-

-

Esperança

-

-

1

-

1

-

1

1

Gostar do que faz

-

-

-

1

1

Figura 04 Pode-se observar que companheirismo, amizade e respeito foram as palavras com maior numero de evocações, tendo quatro evocações cada. Logo após encontra-se união, responsabilidade, amor e compreensão com três evocações, seguidas de harmonia e dedicação citadas duas vezes cada.

7. CONSIDERAÇÕES Após a construção da imagem do ambiente escolar pelos educandos e educadores, foi possível conhecermos as relações entre eles. Com o decorrer da pesquisa, percebemos também inúmeras necessidades existentes, entre elas podemos citar a falta de um espaço e de atividades lúdicas que desenvolvam a criatividade e que facilite o convívio entre os membros da escola; além de constatar que os educadores, em sua maioria, já não mais possuem entusiasmos em seu trabalho. Por tanto nossa proposta de intervenção se baseia nas relações entre os membros da escola e no desenvolvimento da ludicidade dentro da instituição. Tal proposta será construída em 2008, em consonância com o início do ano letivo e do componente curricular Extensão II.

8.REFERÊNCIAS BAUER, Martin. W. Análise de conteúdo clássica: uma revisão. IN: ___ BAUER, Martin W.; GILLY, Michel. As Representações Sociais no campo da Educação. In: JODELET, Denise. As Representações Sociais. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001. p. 321-341. MOSCOVICI, Serge. Representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. 404 p. MOSCOVICI, Serge. Das representações coletivas às representações sociais: elementos para uma historia. In: JODELET, Denise (Org). As representações sociais. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001. p. 45 – 66. MARCHESI, Álvaro. O que será de nós, os maus alunos? – Porto Alegre: Artmed, 2006. 191 p.

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I SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM EXTENSÃO POPULAR – SENAPOP João Pessoa – UFPB – 24 a 27 de novembro de 2009

Reflexões acerca da interação entre educação em saúde e promoção da saúde

Etel Matielo22 Marco Aurélio Da Ros23 RESUMO Este artigo se propõe em contribuir na reflexão sobre a atualidade da educação em saúde no Brasil, sua articulação com a Reforma Sanitária Brasileira, com a consolidação do SUS e com a construção de uma nova sociedade. Apresenta a educação sanitária como uma tendência da educação em saúde no Brasil, ao longo do século XX, marcada por uma prática sanitária, normatizadora, focada na doença e na culpa dos indivíduos por sua condição de saúde. A atualidade da educação sanitária são as campanhas educativas governamentais de promoção da saúde, como o combate ao tabagismo. Traz como contraponto a construção da educação em saúde, em uma perspectiva libertária que iniciou na década de 70 em uma interação com a educação popular e o Movimento Sanitário. Instiga o debate ao propor a re-significação da promoção de saúde, articulando-a com a educação popular e a garantia do direito a saúde.

Palavras-chave: Educação em saúde; Promoção da saúde; Educação Popular e Saúde

INTRODUÇÃO “Não há nem jamais houve prática educativa em espaçotempo nenhum de tal maneira neutra, comprometida com ideias preponderantemente abstratas e intocáveis.” 1:78 Se, conforme Paulo Freire1, não há neutralidade na educação é fundamental refletir sobre o desenvolvimento das práticas educativas no âmbito da saúde coletiva, pois o desenvolvimento de tais práticas confronta modelos distintos de compreensão e enfrentamento do processo saúde doença. 22

Mestranda do Programa de Pós-graduação em Saúde Pública; Universidade Federal de Santa Catarina; Especialista em Saúde da Família; Universidade Federal de Santa Catatina; Integrante do Coletivo de Saúde do MST; Rua: Antonio Borges dos Santos, 737, Bairro: Armação do Pântano do Sul, Florianópolis/Santa Catarina, CEP: 88066-400. Brasil. etelmatielo@yahoo.com.br 23

Doutor em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina; Professor Titular do Departamento de SaúdePública da Universidade Federal de Santa Catarina; Rodovia Jornalista Manoel de Menezes nº 1750, Bairro:Praia Mole – Florianópolis/Santa Catarina, Cep: 88062-970. Brasil. ros@ccs.ufsc.br

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A educação em saúde no Brasil caracterizou-se, ao longo do século XX, pelo estabelecimento de práticas sanitárias autoritárias e normatizadoras, pautadas na modificação compulsória de padrões de comportamentos da população por meio da reprodução de informações acerca da história natural da doença e da culpabilização do indivíduo 2. Contrapondo-se a estas ações tradicionalmente instituídas, surgiram no Brasil, durante a década de 70, novas tendências de pensamento em saúde que propuseram a (re)significação do papel da educação em saúde. Estas tendências, ancoradas nas ideias de Paulo Freire, consideravam a educação uma prática libertadora e política, pautada na horizontalidade das relações, no desenvolvimento da consciência crítica e na determinação social da saúde2. O crescimento desta tendência educativa contribuiu para a constituição da Educação Popular em Saúde, um movimento social composto basicamente por profissionais de saúde, acadêmicos (pesquisadores, professores e estudantes) e movimentos sociais populares, que é pautado no diálogo, na problematização e na ação comum entre profissionais de saúde e população, numa perspectiva de construção de uma sociedade mais saudável e participativa, assim como de um sistema de saúde mais democrático e adequado às condições de vida da população3. Desta forma, este artigo propõe-se a contribuir na reflexão sobre a atualidade da educação em saúde no Brasil, sua articulação com a Reforma Sanitária Brasileira, com a consolidação do SUS e com a construção de uma nova sociedade.

EDUCAÇÃO SANITÁRIA E PROMOÇÃO DA SAÚDE

Segundo Da Ros2, existiam até o final do século XX duas grandes tendências da educação em saúde no Brasil, relacionadas à saúde coletiva, polarizadas nos dois maiores centros de pesquisa da área, a Universidade de São Paulo (USP) e a Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Osvaldo Cruz (FIOCRUZ): A Educação Sanitária e a Educação em Saúde. As primeiras práticas educativas ligadas à saúde pública no Brasil são do começo do século XX, sendo marcadas por uma postura autoritária e normatizadora. Pautadas na modificação compulsória de padrões de comportamentos da população por meio da reprodução de informações acerca da história natural da doença e da culpabilização do indivíduo, constituíram o que ainda hoje chamamos Educação Sanitária2. Estas práticas implementadas pelo Estado eram definidas pela elite política e técnico-científica da época e representavam desta

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I Seminário Nacional de Pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR/ANEPOP - 2009 forma, os interesses do poder dominante4. Baseavam-se na ideia de que a educação pode transformar a realidade social, especialmente a partir da ação isolada dos sujeitos através de mudanças em seu comportamento e tinham como seus teóricos e disseminadores os pesquisadores da USP. Possuíam algumas características comuns: “higiene (ou cuidados) individual para evitar doenças- que são responsabilidade dos indivíduos (ou de seus pais que não lhe garantem educação) -; estes cuidados, embora sejam pensados de várias maneiras, por exemplo, saneamento do meio ambiente, combate a fatores de risco, existência de habitação arejada, etc., características da multicausalidade, são defendidas para evitar a entrada do agente causal- portanto, de concepção claramente biologicista. Há uma negação explícita da determinação social no processo saúde- doença sendo o educador conhecedor da “verdade científica” e que deve inculcar tal conhecimento em uma população, objeto do planejamento em saúde dos técnicos 2:134 Embora, segundo Da Ros 2, o termo não apareça nas pesquisas atuais, esta ideia ainda é presente principalmente na tônica das campanhas educativas do Ministério da Saúde (um exemplo são as atuais campanhas antitabagismo). A educação sanitária revitalizou-se a partir do debate oficial em torno da Promoção de Saúde. O sentido de promoção de saúde no contexto da educação sanitária é o que responsabiliza as pessoas por sua condição de saúde, sendo o foco da ação educativa a mudança de comportamento. Usando a proposta de Stotz e Araújo5, percebe-se que o Brasil mescla os conceitos sistematizados em duas conferências de Promoção da Saúde, Ottawa e Bogotá, sendo o discurso oficial o de Ottawa que conceitua promoção de saúde como o “processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo”6, e a prática orientada pela conceituação consolidada em Bogotá (a qual o Brasil foi signatário): A Carta de Bogotá reafirma a saúde como uma consequência do desenvolvimento econômico e social da região, mas enfatiza as dificuldades para se chegar a isso, como “a extrema iniquidade que se agrava pela prolongada crise econômica e pelas políticas de ajuste macroeconômico”.(...) Depois: “Dentro desse panorama a promoção da saúde destaca a importância da participação ativa das pessoas na mudança das condições sanitárias e na maneira de viver, condizentes com a criação de uma nova cultura da saúde”. Observe- se que a responsabilização das pessoas pelas suas condições sanitárias é condizente, isto sim, com as mesmas políticas de ajuste macroeconômico apontadas como empecilhos. Também soa estranho a prescrição de “mudanças na maneira de viver”, mas talvez o ponto de maior interesse seja “a criação de uma nova cultura da saúde5:12.

Desta forma o advento da Promoção de saúde, na perspectiva das Conferências de Promoção de Saúde, especialmente a de Bogotá reafirmou uma estratégia de culpabilização das

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I Seminário Nacional de Pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR/ANEPOP - 2009 próprias vitimas além da “creditação oficial das teorias de condicionamento comportamental” 5:12, incontestavelmente antagônicas a qualquer educação problematizadora. A própria Política Brasileira de Promoção da Saúde traz como objetivo geral: “Promover a qualidade de vida e reduzir vulnerabilidade e riscos à saúde relacionados aos seus determinantes e condicionantes – modos de viver, condições de trabalho, habitação, ambiente, educação, lazer, cultura, acesso a bens e serviços essenciais” 7:17. Afirmando como ações de promoção da saúde “o cuidado com o corpo, a alimentação saudável e prevenção; e controle ao tabagismo” 7:20, em uma perspectiva preventivista e comportamental da promoção de saúde. A educação sanitária traduzida em ações de baixo custo apresenta-se como o carro-chefe dos programas de promoção da saúde5. As atuais campanhas educativas de controle ao tabagismo são exemplos desta tendência de estimular uma mudança comportamental nos indivíduos que fumam, assustando os fumantes com uma gama de doenças “causadas” pelo cigarro. Na prática, porém tornam-se motivo de anedota, como a do sujeito que vai comprar cigarro e pede para que seja trocada sua carteira pois prefere ter câncer de pulmão à impotência, em uma referência ao aviso e imagem colocados atrás das carteiras de cigarro.

O CONTRAPONTO: A ARTICULAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO EM SAÚDE E EDUCAÇÃO POPULAR

A contraposição a esta tendência educativa ficou mais evidente com a constituição da linha de pesquisa em Saúde Coletiva na ENSP, a partir de 1976, onde se instaurou a área de Educação em Saúde. Algumas peculiaridades da educação em saúde relatadas por Da Ros 2 são: “a relação entre educador/ pesquisador – educando/ pesquisado é biunívoca; o conceito de saúde utilizado é o da determinação social do processo saúde – doença; a concepção de mundo está calcada basicamente no materialismo histórico”

2:138

. A educação em saúde, assume então,

segundo o autor sua potencialidade enquanto prática libertadora e política, inexistindo, desta forma, a neutralidade do pesquisador. Alguns dos trabalhos examinados por Da Ros2 criticavam a postura ideológica da educação sanitária, desde a formação de profissionais que são formatados para passarem suas verdades ao “povo”, que será o objeto de suas informações e ações, até seu resultado, pois estas práticas não atingiam os objetivos propostos. Concomitante a inauguração da citada linha de pesquisa na ENSP, configuram-se novas tendências de pensamento em saúde que propuseram a (re)significação do papel da educação em

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saúde, em diferentes propostas de desenvolvimento das ações de saúde vinculadas à participação popular, em especial dos operários metalúrgicos. Na medida em que a ascensão das lutas populares garantia algumas conquistas questionava-se a própria existência do regime militar, demonstrando uma relação direta entre a saúde e sua determinação social8. O afloramento da discussão acerca dos direitos civis naquela época pode ser compreendido a partir da contextualização histórica do país antes do regime militar. No começo da década de 1960 estavam fortes os movimentos de valorização da cultura popular, como o Movimento de Cultura Popular (MCP) de Recife e o Movimento de Educação Popular (MEP), sendo um de seus principais idealizadores Paulo Freire. Assim como no Brasil, outros países da América Latina também estavam articulados em lutas populares, como Chile e Cuba. A grande efervescência das lutas camponesas e operárias aliada a fragilidade da economia fez com que o governo de João Goulart elaborasse reformas de base, dentre elas a reforma agrária. Suas reformas estavam dentro de um plano de desenvolvimento capitalista para o Brasil, plano este que incluía benefícios para a população pobre do país, que se mobilizou a favor do governo. Entretanto, antes que pudesse colocá-lo em prática, os militares, aliados a elite nacional, a classe média, aos empresários estrangeiros, aos latifundiários e a igreja católica, organizaram um Golpe Militar que diminuiu a voz dos movimentos sociais por 20 anos9. Na década de 70 o Regime Militar sofre sua primeira grande crise com um aprofundamento das desigualdades sociais que se expressava cada vez mais na precariedade das condições de vida da maioria da população, causando um imenso descontentamento nos cidadãos. Com a repressão patrocinada pelo regime militar e o enfraquecimento dos espaços populares articulados, como sindicatos, partidos políticos e associações, a população passou a buscar novas formas de resistência e encontrou na ala progressista e nos movimentos de base da mesma Igreja Católica que apoiava o regime militar, apoio e proteção4. Longe dos olhos dos militares, esta ala progressista da Igreja deu apoio ao movimento de contestação ao regime militar, o que possibilitou a inclusão de diversos intelectuais que encontraram ali um meio de propagação de suas ideias e do seu descontentamento com a política estatal que privilegiava a prática mercantilista na saúde. Surgiram então algumas experiências autônomas de serviço de saúde comunitário. Grupos de profissionais insatisfeitos com a mercantilização da saúde e com as más condições de vida da população começaram a se aproximar das classes populares dando início a uma nova forma de comunicação entre os mesmos e à implantação de ações realmente integradas à dinâmica local 4,10. Aconteceu em 1979, na cidade de Lins (SP), com patrocínio da Arquidiocese da cidade o I Encontro de Experiências em Medicina Comunitária (I ENEMEC), cuja participação de

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profissionais de saúde foi majoritária. O II ENEMEC foi realizado na cidade de Recife, em 1980 com uma forte articulação entre os grupos populares atuantes na saúde. Em 1981 aconteceu o III ENEMEC, na cidade de Goiânia, escolhida por ser o estado de Goiás um dos grandes polos da participação popular na saúde. Naquele estado a saúde era debatida nas organizações comunitárias em torno da saúde, nos sindicatos de trabalhadores e nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) inspirados nas ideias sistematizadas por Paulo Freire8. O processo iniciado em 1979 como uma troca de experiências evoluiu para necessidade de reflexão sobre a luta por mudanças no modelo assistencial de saúde, resultando na proposta de transformar o ENEMEC em Movimento Popular de Saúde (Mops), sendo esta uma resolução do III ENEMEC. Dentre as bandeiras levantadas pelo Mops na ocasião destacavam-se: o controle dos serviços de saúde pelos trabalhadores, a unificação do serviço previdenciário urbano, a saúde preventiva e a criação do Dia Nacional de Luta pela Saúde, coincidindo com o dia Mundial da Saúde, 7 de abril8. O debate a cerca da institucionalização do trabalho de medicina comunitária fez com que o Mops já nascesse marcado por divergências em relação às estratégias a serem seguidas, prevalecendo institucionalização e a ocupação dos espaços públicos. O caminho institucional prevaleceu inclusive do ponto de vista da luta democrática com a aceitação da “transição pactuada” entre militares e civis pelos partidos de esquerda8. A aproximação entre os profissionais de saúde e as classes populares associada à conjuntura precipitaram a organização de diferentes segmentos da sociedade civil em movimentos cuja finalidade era a de lutar por melhores condições de saúde da população e desenvolver novas estratégias de enfrentamento. Esta mobilização foi fundamental ao processo de Reforma Sanitária, iniciado na VIII Conferência Nacional de Saúde e pactuado na Assembleia Nacional Constituinte. Entretanto, a construção do SUS demandou (e até hoje demanda) um trabalho incessante dos profissionais de saúde num sentido de ocupação dos espaços públicos para viabilização do Sistema, enfrentando a reafirmação da medicina científica como prioritária na oferta dos serviços. Ao mesmo tempo, os movimentos sociais tiveram sua participação institucionalizada no Controle Social (Conferências e Conselhos de Saúde), sendo que muitos voltaram suas forças para a garantia do acesso a saúde até então inexistente ou para luta por mudanças em outras políticas sociais3,4,8. Tanto a ocupação dos espaços públicos como a institucionalização da participação popular tiveram como consequência a separação do movimento popular de origem e um deslocamento do processo político que passa dos movimentos sociais populares para o âmbito das instituições de estado, enfraquecendo a mobilização popular8.

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Somado a isto, nos anos 90, não só no Brasil, mas em todo o mundo observou-se o avanço das políticas neoliberais, que trouxeram consigo a desmobilização social, o desemprego e o empobrecimento da classe trabalhadora, levando ao aumento do individualismo e competição. Com o aumento da pobreza e a diminuição de vagas no mercado de trabalho o Estado criou um novo tipo de assistencialismo para os incapazes8. O que culminou em um descenso generalizado dos movimentos sociais, inclusive os da saúde, que continuaram sua ação localmente. A fragilidade das relações sociais e a tênue mobilização social repercutiram na dificuldade de continuar reunindo o Mops, que ficou de 1981 a 1994 sem realizar Encontros. O I Encontro Nacional do Mops realizado em Goiânia em 1994 procurou aglutinar a militância da saúde até então separada, porém não conseguiu acordar a luta por outro sistema de governo3. Embora a mobilização social estivesse em descenso, o entendimento de que a conquista de um sistema de saúde não garantiria necessariamente saúde para as pessoas, especialmente as oprimidas continuava mobilizando uma gama de profissionais de saúde, professores universitários e algumas lideranças dos movimentos sociais comprometidos com a educação popular. Eles buscavam construir, na informalidade das relações diretas, um espaço para troca de ideias e apoio mútuo. Em 1991 surgiu em São Paulo a Articulação Nacional de Educação Popular em Saúde, que em 1998 formaria a Rede de Educação Popular e Saúde. Seus participantes acreditavam no potencial da educação popular como estratégia de construção de uma sociedade mais saudável e participativa, repercutindo em uma nova configuração do sistema de saúde, democrático e adequado às condições de vida da população3. Esta singularidade fez com que a Educação Popular e (em) Saúde fosse conceituada como um movimento social, composto em sua maioria por profissionais de saúde, técnicos, professores, estudantes, pesquisadores, participantes de movimentos sociais e organizações não governamentais, conscientes da necessidade de enfrentamento dos determinantes sociais para ampliação do potencial de saúde da população. De acordo com Fantin11, este movimento foi formado por diferentes interesses que se articulavam nos processos construção de cidadania e saúde e na defesa do Sistema Único de Saúde. Em sua composição podiam ser percebidos três grandes grupos: os pesquisadores (professores universitários de diferentes áreas), os profissionais de saúde (atuantes em diferentes espaços em nível local, municipal, estadual e nacional, incluindo profissionais de outras áreas como educação e comunicação) e os Movimentos Sociais (Pastorais, lideranças de bairros, conselhos de saúde e movimentos de luta por saúde em seu sentido mais amplo: Movimento Negro, Ecológico, de Mulheres, de Juventude, Movimento Sem Terra). O Movimento de Educação Popular e Saúde delineava e fortalecia sua atuação através de Encontros: como o I e II Encontro de Educação Popular e Saúde na cidade do Rio de Janeiro

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(1992,1993), Encontro Mineiro de Educação Popular e Saúde (1994), Encontro Catarinense de Educação Popular e Saúde (1997). Sua estratégia incluía também a construção de Boletins Informativos, articulações, fóruns e seminários, estabelecendo um diálogo permanente entre práticas, conhecimentos e experiências11. O novo século surge com uma possibilidade de ampliação e massificação dos Movimentos Sociais, especialmente o de Educação Popular e Saúde. A visualização da necessidade de capilarização do movimento, reagregando os setores populares, aliado a ampliação da participação dos movimentos sociais no Governo Lula, especialmente no Ministério da Saúde materializou-se na constituição da Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde (ANEPS), em dezembro de 20033. Seu objetivo inicial era “construir uma relação com o Estado capaz de fortalecer a sociedade civil do ponto de vista popular e, ao longo de um processo histórico e social mais amplo, subordinar o Estado à sociedade” 12:180, sendo formada pelas seguintes entidades: Rede de Educação Popular e Saúde, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, Movimento Popular de Saúde, Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina, Movimento das Mulheres Camponesas, Projeto Saúde e Alegria, Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, Movimento de Reintegração dos Atingidos pela Hanseníase e Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde12. Atualmente a ANEPS “constitui fóruns permanentes de educação popular nos estados, como espaço de escuta das necessidades, de formação de agentes sociais para a gestão das políticas públicas, de organização, de comunicação entre os movimentos e de mobilização popular” 13. A participação de profissionais de saúde nas experiências de educação popular a partir dos anos 70 trouxe para o setor saúde uma cultura de relação com as classes populares que representou uma ruptura com a tradição autoritária e normatizadora da educação em saúde 4,10. Difundiram-se então nesse meio as ideias e as teorias de Paulo Freire, as quais se tornaram orientadoras das relações entre as classes populares e os intelectuais. Referindo-se às práticas de educação popular iniciadas naquela época, Merhy10 afirma que o objetivo principal era deflagrar um processo de politização da classe trabalhadora através do aumento de sua consciência crítica sobre a realidade, de modo a despertar a capacidade de luta dos mesmos por transformações sociais. Desta forma, a educação popular e/em saúde relaciona-se, necessariamente, à educação

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em saúde numa perspectiva de potencializar ações que conduzam à autonomia, ao empoderamento (no sentido de aumentar a participação e o poder decisório e diretivo das classes populares), ao despertar da consciência crítica dos indivíduos. Busca, portanto, estimular a capacidade dos sujeitos perceberem-se de fato sujeitos na construção de seu processo histórico; a provocá-los à (des)velar o real, a questionar as aparências dos fatos e buscar a essência por detrás do que está dado pelo poder hegemônico. Relaciona-se então diretamente com a libertação das condições de opressão do povo. Neste sentido, a educação em saúde percebe e compartilha a necessidade de reafirmação da promoção de saúde como enfrentamento aos determinantes do processo saúde-doença e à conquista de políticas universais tanto na área da saúde como nas áreas como trabalho, educação, saneamento básico, preservação ambiental, que por sua vez relacionam-se aos interesses da política econômica, nacional e internacional8. A educação popular e/em saúde ao privilegiar a articulação entre diferentes atores que lutam por saúde corrobora com este entendimento de promoção de saúde e acrescenta elementos como as redes de apoio social e as práticas de saúde voltadas para o exercício da autonomia e democracia como fundamentais à Promoção da saúde14. Pedrosa

14

considera que a educação popular, ao problematizar a realidade tomada como

referência constitui-se em um “dispositivo de critica social e das situações vivenciadas por indivíduos, grupos e movimentos, permitindo a visão de fragmentos que estavam invisíveis e ideologias naturalizadas como realidades favorecendo a liberação de pensamentos e de atos ativos de mudança social”15:15. O referencial teórico da educação popular, especialmente através de Paulo Freire tem sido utilizado desenvolvimento de um corpo teórico da Educação Popular em Saúde sendo desta forma uma de suas principais fontes de constituição e análise. Segundo Freire16: “Os marginalizados, que são os oprimidos, jamais estiveram fora de. Sempre estiveram dentro de. Dentro da estrutura que os transforma em "seres para outro". Sua solução, pois, não está em "integrar-se", em "incorporar-se" a esta estrutura que os oprime, mas em transformá-la para que possam fazer-se "seres para si"16:70. Esta transformação, ancorada na sistematização proposta por Freire16 surge através da problematização dos temas relacionados à opressão, pois quando os oprimidos descobrem-se sujeitos, deflagram em si um processo de libertação no qual vão (dês)velando o mundo da opressão e comprometendo-se, na práxis, com a sua transformação; “vão percebendo, criticamente, como estão sendo no mundo „com que‟ e „em que‟ se acham” 16:82. O despertar desta percepção do estar no mundo faz parte da essência da educação popular

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I Seminário Nacional de Pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR/ANEPOP - 2009 em saúde e revela que, “antes de um método, ela constitui um modo de se relacionar „com‟ o outro, uma forma de „perceber, estar e atuar‟ no mundo num dado momento histórico” 17. Desta forma, assim como a educação popular, a educação em saúde retoma seu caráter eminentemente político e ético, revigorando a luta pelo direito a saúde, numa perspectiva de enfrentamento às situações opressoras.

PARA CONCLUIR O TEXTO E CONTINUAR O DEBATE

A interrelação entre educação e saúde, refutando a educação sanitária, apresenta-se como potencial na formação de profissionais atuarem no SUS, pois estimula a compreensão da determinação social do processo saúde doença e as possibilidades de atuar frente a estes desafios. Ressalta ainda, a importância da interação entre profissionais de saúde e população na construção da saúde em uma perspectiva crítica e participativa. Nesta perspectiva, a promoção da saúde assume o sentido de enfrentamento aos determinantes do processo saúde doença, que se atualizam na crise do capital, nos problemas ambientais causados pelo desenvolvimento sem limites, na intolerância quanto aos diferentes e na privatização do estado e das políticas públicas. A educação popular e/em saúde articula-se com a promoção de saúde potencializando este enfrentamento na medida em que amplia o processo de reconhecimento das injustiças tomadas como verdades e estimula a população organizada em combatê-las. A educação em saúde ao propor uma re-significação da promoção de saúde, articulando-a com a educação popular, atualiza o pensamento de Paulo Freire e recoloca em debate a “velha” proposta do Movimento Sanitário: o direito a saúde em seu sentido ampliado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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2000. 3. STOTZ, E. N., DAVID, H., WONG UN, J.A. Educação popular e saúde – trajetórias, expressões e desafios de um movimento social. Revista de Atenção Primária a Saúde, v.8, n.1, jan/jun 2005. p. 49-60.

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I SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM EXTENSÃO POPULAR – SENAPOP João Pessoa – UFPB – 24 a 27 de novembro de 2009

Comunicação Popular e Comunitária no fomento a Economia Solidária: Projeto Boi do Caminho da Alegria – Londrina-PR

Mônica Laura Caroli Ervolino24 Resumo: O presente trabalho discute a metodologia da prática utilizada no Eixo de Geração de Renda do Projeto Boi do Caminho da Alegria, no processo de mobilização e formação de grupos de geração de renda, no formato de Cooperativa Popular, no bairro Jardim Primavera e proximidades, localizado na periferia da Zona Norte da cidade de Londrina. O Projeto Boi do Caminho da Alegria – Teatro e Educação, faz parte do Programa de Extensão Universidade Sem Fronteiras, da Secretaria de Estado do Paraná de Ciência Tecnologia e Ensino Superior (SETI), está ligado ao Núcleo de Estudos Afro-Asiáticos (NEAA), na Universidade Estadual de Londrina (UEL), em parceria com a OSCIP Casa Caminho da Alegria. Introdução A questão social representa uma perspectiva de análise da sociedade, ao utilizarmos, estamos realizando uma análise na perspectiva da situação em que se encontra a maioria da população – aquela que só tem na venda de sua força de trabalho os meios para garantir sua sobrevivência. É ressaltar as diferenças entre trabalhadores e capitalistas, no acesso a direitos, nas condições de vida; é analisar as desigualdades e buscar forma de superá-las; é entender as causas das desigualdades, e o que essas desigualdades produzem, na sociedade e na subjetividade dos homens. De acordo do Machado (1998), é neste terreno contraditório entre a lógica do capital e a lógica do trabalho, que a questão social representa não só as desigualdades, mas, também, o processo de resistência e luta dos trabalhadores, sendo assim uma categoria que reflete a luta dos trabalhadores, da população excluída e subalternizada, na luta pelos seus direitos econômicos, sociais, políticos, culturais.

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Assistente Social graduada pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Atua no Programa Universidade Sem Fronteiras – Projeto Boi do Caminho da Alegria – Teatro e Educação. Pós-Graduanda em Comunicação Popular e Comunitária/UEL.

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Como toda categoria arrancada do real, nós não vemos a questão social, vemos suas expressões: o desemprego, o analfabetismo, a fome, a favela, a falta de leitos em hospitais, a violência, a inadimplência, etc. IAMAMOTO, (1997, p. 14), define o objeto do Serviço Social nos seguintes termos: “Os assistentes sociais trabalham com a questão social nas suas mais variadas expressões quotidianas, tais como os indivíduos as experimentam no trabalho, na família, na área habitacional, na saúde, na assistência social pública, etc. Questão social que sendo desigualdade é também rebeldia, por envolver sujeitos que vivenciam as desigualdades e a ela resistem, se opõem. É nesta tensão entre produção da desigualdade e produção da rebeldia e da resistência, que trabalham os assistentes sociais, situados nesse terreno movido por interesses sociais distintos, aos quais não é possível abstrair ou deles fugir porque tecem a vida em sociedade. [...] ... a questão social, cujas múltiplas expressões são o objeto do trabalho cotidiano do assistente social”.

O desemprego e precariedade do trabalho são expressões da questão social, são pessoas que, por idade, cor, gênero, condição social ou baixa escolaridade não encontram lugar no mercado formal de trabalho. De acordo com Pochmann (2004), a partir da Revolução de 1930, o Brasil apresentou dois comportamentos distintos em relação ao funcionamento do mercado de trabalho: de 1930 a 1980 ocorreu uma estruturação do mercado de trabalho com o processo de industrialização, houve a expansão tanto do emprego assalariado, principalmente com registro, como das ocupações nos segmentos formais da economia; e após 1980 houve a tendência de desestruturação do mercado de trabalho associada à expansão do desassalariamento, desemprego e ocupações nos segmentos informais, uma realidade que ao passar do tempo vemos se agravar. Em meio a este quadro, buscam-se maneiras que possam garantir a sobrevivência das camadas mais atingidas da população, oferecendo oportunidade real de se “re-inserir” na economia por sua própria iniciativa, entre as estratégias cabe destacar a ampliação e o desenvolvimento, a partir da década de 80, de organizações populares, fundadas nos princípios da solidariedade, constituindo, alternativas de trabalho e geração de renda para trabalhadores excluídos do mercado de trabalho, além de expressar a luta contra a opressão do trabalhador, que busca outra forma de organização do trabalho, com relações mais horizontalizadas, onde não existam empregados nem patrões. O Projeto Boi do Caminho da Alegria – Teatro e Educação, inicia suas atividades no começo do ano de 2009, e um de seus eixos de ação busca formar um grupo cooperativo, com o objetivo de gerar trabalho e renda na comunidade do bairro Jardim Primavera, Zona norte da cidade de Londrina; entretanto, ao chegar ao campo, deparou-se com o relato dos órgãos

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públicos e lideranças da região, de que nas tentativas de formação de grupos na comunidade, encontrou-se o desafio da não-participação da população. A partir dessa realidade, identificou-se preciso criar canais de participação nesta comunidade para atingir o objetivo de formar um grupo cooperativo, a Comunicação Popular e Comunitária se mostra aliada a esse propósito, sendo uma ação comunicativa desenvolvida para a participação da comunidade, e também um instrumento educativo, pois contempla aspectos emancipatórios, formativo/dialógicos, crítico e participativo do sujeito, não entendendo a educação como transmitida, mas construída, possibilitando envolver cada um dos indivíduos na dinâmica própria de um grupo, resgatando e valorizando sua subjetividade, no contexto da coletividade. Desta forma, escolheu-se utilizar o método da pesquisa-ação aliada à práxis da Comunicação Popular e Comunitária, como instrumento de Educação Popular para o diagnóstico e fomento da participação das mulheres da comunidade em grupos de geração de renda.

O Projeto Boi do Caminho da Alegria – Teatro e Educação

O Programa Universidade Sem Fronteiras, elaborado e desenvolvido pela Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Paraná (SETI), é o maior programa de apoio à extensão universitária em curso no Brasil. Desde outubro de 2007, equipes multidisciplinares compostas por educadores, profissionais recém-formados e estudantes das universidades e faculdades públicas do Estado do Paraná, trabalham em centenas de projetos, presentes hoje, em mais de 200 municípios. O Projeto Boi do Caminho da Alegria é um projeto de extensão de caráter multidisciplinar (Artes Cênicas, Ciências Sociais e Serviço Social), que faz parte do Programa Universidade Sem Fronteiras (SETI/UEL). O intuito do projeto é trabalhar com a recuperação da memória da comunidade periférica do bairro Jardim Primavera e proximidades, valorizando sua história e desenvolvendo uma auto-estima positiva nas pessoas, e promover atividades sustentáveis de geração de renda. A comunidade do bairro Jardim Primavera apresenta índices extremamente baixos de qualidade de vida, vivendo até meados de 2008 em moradias improvisadas no fundo de vale, o qual por ser área de preservação ambiental levou a transferências das famílias para conjuntos habitacionais próximos (Jardim Primavera, construído pelo Programa Habitar

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I Seminário Nacional de Pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR/ANEPOP - 2009 Brasil – COHAB-LD25). Porém, a mudança produziu alguns problemas, dentre os quais, o mais pungente é a perda da rede de vizinhança que tinha sido construída durante a ocupação, além dos problemas estruturais de violência, baixo aproveitamento escolar e empregos precários, que continuam a existir e demandam uma resposta cada vez mais urgente. No entanto, o que caracteriza esta comunidade não são apenas os problemas que a afligem – como a tantas outras, por este país afora – mas as soluções que vem sendo construídas. Há cerca de dez anos, o Ilê Axé Opo Omin26 vem buscando ajudar as crianças do local: primeiro, de forma simples e pontual, entregando roupas, sapatos, presentes e doces nas festas de Natal e Páscoa e acolhendo-as (conforme o seu preceito religioso) no Dia das Crianças para um almoço festivo; logo começou a acolher as mães e os jovens e foi organizado o Grupo de Mulheres, as quais se reúnem todas as quintas-feiras para discutir os problemas da comunidade e sugerir ações. Deste Grupo de Mulheres e com a parceria de outras instituições – A Pastoral do Negro, Igrejas locais, Escola Municipal Salim Aboriham, a UEL, através do Núcleo de Estudos Afro-Asiáticos – nasceu o propósito de fundar uma OSCIP: a Casa Caminho da Alegria. Esta OSCIP, apesar das poucas condições financeiras de que dispõe, tem buscado realizar ações culturais e educativas (Grupo de Dança e Percussão Badadoym (realizado com apoio do Programa Municipal de Incentivo a Cultura (PROMIC); Capoeira; Oficinas do Projeto “Material Didático Alternativo” (USF-SETI/UEL), atividades para fomentar geração de renda (cursos de culinária e de costura) e de amparo às famílias em risco (campanhas de saúde e distribuição de frutas, verduras e legumes vindos do CEASA), além de perseguir o sonho de construir um Centro Sócio-Educativo na região. O Projeto Boi do Caminho da Alegria parte de atividades que já foram realizadas em 2008 na comunidade, no Projeto “Material Didático Alternativo”, mas busca desenvolvê-las em novas direções. Trata-se de construir, junto com um grupo de crianças e jovens do local um auto do Boi-Bumbá, resgatando e valorizando a memória de raiz africana de grande parte da população local. A partir deste trabalho de teatro, serão desenrolados três eixos de ações:

1. Eixo de Teatro: a partir dos jogos teatrais de construção dos personagens e cenas, busca-se desenvolver um personagem básico: o si - mesmo. Para que as crianças e

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Programa Habitacional financiado pelo BID, com o objetivo de remanejar ocupações irregulares dos Fundo de Vales para casas em conjuntos habitacionais, é operacionalizado pela COHAB-LD e desenvolve concomitantemente ações sociais para essa transição. 26 Terreiro de Candomblé da Mãe Omin.

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jovens percebam que para construir um personagem, precisam começar por valorizar a si mesmos enquanto pessoas; 2. Eixo de Geração de Renda: a partir do auto, serão construídos fantoches e marionetes, ensinando esta arte às mulheres da comunidade, procurando incentivar a formação de uma cooperativa de produção desses bonecos; foi pensado produzir coleções que poderão ser depois oferecidas como recurso didático às escolas para ajudar no ensino da História e Cultura Afro-Brasileira. 3. Eixo de Formação de Lideranças: a partir do trabalho desenvolvido busca-se capacitar pessoas da comunidade para que assumam a continuação do Grupo de Teatro, mantendo, desta forma, atuante mais um núcleo de produção cultural que possa, através de novos projetos e fomentos, crescer e se constituir num elemento a mais de promoção de qualidade de vida, dignidade pessoal e agregação social. O presente trabalho centra sua discussão no Eixo de Geração de Renda e sua metodologia de ação prática.

Economia Solidária, Cooperativismo Popular e Participação

Acredita-se ser de extrema relevância explicitar anteriormente que o conceito de Cooperativa Popular parte de um movimento maior, denominado Economia Solidária; já o cooperativismo tradicional, rochdaliano27, regido pela Lei 5764/71 se encontra na Economia Social. O contexto de emergência do tema da Economia Solidária no Brasil, está associado diretamente com as mudanças no mundo do trabalho (desemprego, flexibilização da legislação trabalhista, economia informal), a partir da década de 80, e toma impulso na segunda metade da década seguinte (90), ligado a luta contra o desemprego em massa, agravado com a abertura das importações (SINGER, 2003). A condicionante básica e central para Economia Solidária e suas formas de expressão é a autogestão, sendo definida por Proudhon, segundo Mota (1981, P. 166), “[...] a negação da burocracia e de sua heterogestão, que separa artificialmente uma categoria de dirigentes de uma categoria de dirigidos”; em um trabalho específico sobre o tema nas cooperativas populares, 27

Faz referência à Cooperativa dos Probos Pioneiros Equitativos de Rochdale, considerada como primeira cooperativa; sendo o cooperativismo na época um movimento específico, com origens no séc XIX, na Revolução Industrial. Para saber mais veja Schneider (1999).

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Cançado (2004) define autogestão como modo de organização do trabalho onde não há separação entre concepção e execução, os meios de produção são coletivos, com um processo de educação em constante construção na organização. Existem diversas abordagens acerca do conceito de Economia Solidária, mas para o presente trabalho adota-se a perspectiva dos autores Coraggio (2000) e Gaiger (2000), que caracterizam a economia solidária como uma alternativa aos setores populares, com a organização associativa/cooperativa dos trabalhadores, buscando uma saída para “sobreviver ao neoliberalismo”, na perspectiva de luta de classes. O cooperativismo surge no Brasil com os imigrantes europeus no início do século XX; iniciou-se na forma de cooperativas de consumo na cidade e de cooperativas agropecuárias no campo (SINGER, 2002). Essas cooperativas, em seu início, possuíam a característica marcante da autogestão, mais tarde, com o aumento do seu tamanho e da respectiva movimentação financeira, passaram a recusar a autogestão plena, e a contratar funcionários para atividades menos qualificadas, reproduzindo assim, a lógica da exploração do trabalho que as primeiras cooperativas combatiam, hoje esse fenômeno é visível nas grandes cooperativas agrícolas, como uma prática comum. Porém o cooperativismo desde Rochdale possui um modelo teórico a ser seguido, fundamentado nos princípios cooperativistas, esses princípios posteriormente passaram a ser discutidos28. São princípios cooperativistas: 1. adesão voluntária e livre, 2. gestão democrática, 3. participação econômica dos sócios, 4. autonomia e independência, 5. educação, formação e informação, 6. intercooperação, 7. preocupação com a comunidade. É interessante, porém, notar que nas questões centrais de debate na ACI29, o trabalho assalariado e a distribuição dos excedentes, não são tratados de maneira direta pelos princípios, são nem contra, nem a favor de tais questões, o que faz com que as cooperativas possam contratar mão-de-obra especializada sem contrariar estes princípios, reforçando dessa forma, os preceitos capitalistas. 28 29

A evolução desses princípios é discutida em Schneider (1999) e Cançado; Gontijo (2004). Aliança Cooperativa Internacional, órgão internacional representativo das cooperativas.

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Assim apresenta-se um grande paradoxo pretender mudar a sociedade, reforçando os sistemas de dominação existentes, ou seja, reforçando a diferença de distribuição de renda característica da organização capitalista do trabalho. A definição do Dicionário do Pensamento Marxista para cooperativismo é:

[...] a cooperação, para Marx, é a negação do trabalho assalariado. O movimento cooperativo representa uma vitória preliminar da economia política da classe trabalhadora sobre a dos proprietários. A cooperação jamais poderia derrotar o monopolismo, a menos que se desenvolvesse em dimensões nacionais. (BOTTOMORE, 1983, P. 20)

A princípio as cooperativas se diferenciam das demais empresas por serem sociedades de pessoas e não de capitais, onde o que é valorizado é o trabalho e não os recursos financeiros; outro aspecto são seus objetivos e gestão, enquanto nas organizações comerciais o objetivo é o lucro e a gestão é definida por quem controla financeiramente a organização, nas cooperativas o seu objetivo básico consiste em prestar serviço aos cooperados, viabilizando e desenvolvendo a produção e o consumo, possibilitando que seus cooperados se apropriem de seu trabalho sem intermediação de terceiros, da mesma forma, sua gestão é democrática, à medida que cada cooperado, independente do seu investimento na organização tem direito a voto e pode, ainda, ser votado para cargos de direção da cooperativa. O cooperativismo popular pode ser caracterizado em termos econômicos (prática dos princípios da cooperação), administrativos (autogestão) e políticos (práticas coletivas democráticas para lutas de emancipação e transformação social e cultural). Porém Cooperativismo Popular é uma forma de organização da Economia Solidária, porém aos olhos do Estado e da legislação, o cooperativismo popular não existe, o que existe somente é o cooperativismo como um sistema econômico (cooperativismo tradicional). Portanto existem apenas cooperativas, não existem cooperativas populares; e esta situação faz com que uma cooperativa popular seja tratada legalmente (constituição, tributos, documentação, etc) no mesmo patamar de direitos e deveres que uma cooperativa agropecuária de grande porte; em outras palavras a cooperativa popular existe de fato, não de direito. Desta forma, faz-se necessário demarcar o conceito de Cooperativismo Popular, encontrando fundamento em Bakhtin (1997), onde a palavra é um signo ideológico por excelência, e sempre será o indicador mais sensível de todas as transformações sociais.

A palavra constitui o meio no qual se produzem lentas acumulações quantitativas de mudanças que ainda não tiveram tempo de adquirir uma nova qualidade ideológica, que ainda não tiveram tempo de engendrar uma forma ideológica

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nova e acabada. A palavra é capaz de registrar as fases transitórias mais íntimas, mais efêmeras das mudanças sociais. (BAKHTIN, 1997, P. 41)

O termo “popular” faz menção a classes populares ou subalternas, o que de antemão o diferencia das grandes cooperativas, a dimensão política desses empreendimentos é dessas pessoas terem possibilidade concreta de emancipação, de assunção de responsabilidades e participação direta nos resultados, onde os próprios cooperados podem se perceber como protagonistas de sua própria história. No caso do Brasil, em nossas tradições e costumes predominam o autoritarismo e a delegação de poder. A práxis autoritária vai concretizando um projeto de dominação política em todas as instâncias da vida social e tornando o “autoritarismo „apolítico‟ expressão máxima de um processo de ideologização que visa configurar a dominação como algo „natural‟, não imposto pela força, à medida em que a integra à personalidade individual e a prática cotidiana”. (DIAS apud PERUZZO, 1998, P.74)

Segundo Peruzzo (1998) a dominação não é simplesmente imposta, pode estar disfarçada, e às vezes também há cumplicidade, omissão de nossa parte, isso vai fazendo parte de nossa cultura, sendo o autoritarismo resultado histórico de formação econômica, social, política e cultural brasileira, nossos costumes estão impregnados de alienação e de acomodação. A partir do início da década de 80, o tema da Participação ganhou grande espaço, estando a favor dela tanto setores progressistas (aspirantes à democracia), como os setores não tradicionalmente muito favoráveis aos avanços das forças populares, isso demonstra que pode ser usada tanto com objetivos de libertação e igualdade, como para manutenção de uma situação de controle, neste caso manipula-se a participação. Bordenave (1988), fala em graus e níveis de participação, e parte especificamente da questão do acesso ao controle das decisões pelos membros e dirigentes (gestão); o menor grau de participação é o da informação, seguido da consulta facultativa e da elaboração/recomendação, num grau superior está a co-gestão, seguido da delegação, e sendo o grau mais alto de participação a autogestão. A democracia participativa promove a subida da população a níveis cada vez mais elevados de participação decisória, acabando com a divisão de funções entre os que planejam e decidem lá em cima e os que executam e sofrem as conseqüências das decisões cá baixo. (BORDENAVE, 1988, P. 34)

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Peruzzo (1998) engloba a participação em três modalidades: participação passiva, quando concede, delega poder a outra pessoa; participação controlada, de cima para baixo, limitada e até manipulada; e a participação-poder, democrática, ativa e autônoma. A Participação-Poder atinge seu ápice na autogestão, sendo este um movimento social que, aspirando autonomia do indivíduo tendo como fim e meio que as empresas e a economia sejam dirigidas por quem está diretamente vinculado à produção, distribuição e uso dos bens e serviços (IWAMOTO, 2007, P. 234), Através da participação o homem exprime sua tendência inata de realizar, fazer coisas, afirmar-se a si mesmo, além de satisfazer necessidades como a interação com os demais homens, a auto-expressão, o desenvolvimento do pensamento reflexivo, o prazer de criar e recriar coisas, e ainda, a valorização de si mesmo pelos outros.

Comunicação Popular e Comunitária: Metodologia de Mobilização para Economia Solidária

Anteriormente ao início das atividades do Projeto Boi do Caminho da Alegria, previu-se como necessário o estudo da comunidade em seus aspectos sócio-culturais, através de questionários; os resultados mostraram que esta comunidade sofreu um grande avanço das Igrejas Evangélicas (Neo-Pentecostais), que cumprem seu papel, ao lado da grande mídia, de descaracterização cultural, o que reduz nessas pessoas a capacidade de organização, produzindo também o agravamento dos preconceitos contra a cultura e manifestações religiosas de matriz afro-brasileira. A partir disso, identificou-se um desafio a ser enfrentado para a participação das pessoas da comunidade, sendo que o espaço da OSCIP Casa Caminho da Alegria, que seria o local utilizado para as atividades do projeto, é o mesmo espaço religioso da Comunidade Terreiro Ilê Axé Opo Omin, portanto iniciou-se a busca de um espaço alternativo (neutro) para as atividades do projeto, em função disso visitaram-se as políticas públicas da região, com o intuito de estabelecer possíveis parcerias e apoios, assim como, conhecer o trabalho já realizado na comunidade. Entre as visitas realizadas fomos ao Programa Habitar Brasil, responsável pelo remanejamento das famílias assentadas no fundo de vale para casas de conjunto habitacional, sabendo que entre as ações realizadas no ano de 2008, houve o fomento à grupos de geração de trabalho e renda; para saber mais dessa experiência buscaram-se informações junto à Assistente

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Social responsável por esta ação, ela informou que das tentativas realizadas, resultou em apenas um grupo, mas que não deu continuidade, e concluiu sua fala dizendo: “chegamos à conclusão de que a comunidade não tem perfil de grupo”, esse tipo de mentalidade também está presente na Economia Solidária Municipal, onde a Técnica responsável pela Região Norte (território do projeto) disse encontrar a mesma dificuldade, além do relato das lideranças locais que mostram a versão das pessoas da comunidade, na qual há um visível descrédito dessas experiências, sendo a maior queixa o fato de serem trazidas e impostas propostas prontas pelas agências de fomento, com pouca ou nenhuma participação das pessoas envolvidas. Desta forma mostra-se necessário compreender o motivo real dessa resistência a esse tipo de iniciativa na região, e a partir disso criar canais de participação para atingir o objetivo de formar um grupo cooperativo. Dentro da extensão universitária que busca superar a dicotomia entre teoria e prática, a metodologia da pesquisa-ação aliada a práxis da Comunicação Popular e Comunitária se mostra ideal, a partir do problema encontrado, buscando bases teóricas para realizar uma intervenção efetiva na realidade. Ciro Marcondes Filho (1987), parte do contexto do capitalismo, que cria relações vazias e abstratas na vida das pessoas, para dizer que a comunidade surge como forma de organização que reconstitui os laços nas relações entre as pessoas, resgatando a sociabilidade, rompendo com a lógica da massificação. Desta forma, comunidade está na sociedade, porém busca formas de identificação que fogem à lógica comum, um sentimento de pertença (identidade) que une as pessoas por uma opção, sendo assim, o grupo é determinado de dentro para fora, conscientemente, sendo formas concretas de organização social no interior da dinâmica capitalista. Os grupos de geração de trabalho e renda se caracterizam como grupos comunitários, à medida que estão fora da lógica comum (mercado de trabalho capitalista), são indivíduos que se unem por uma identidade, expressando uma opção (são desempregados e buscam uma alternativa), sendo organizados de dentro para fora, concretizando-se na forma de cooperativa popular, em confronto com a dinâmica capitalista. A Comunicação Popular e Comunitária, em sua dimensão educativa tem como principal função, a provisão de estratégias, meios e métodos que promovam o desenvolvimento dos sujeitos educandos, tornando as pessoas sujeitos de seu processo de conhecimento. O processo metodológico do Eixo de Geração de Renda do Projeto Boi do Caminho da Alegria é dividido em três momentos:

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1. Reflexão sobre experiências já realizadas na região de fomento a grupos de geração de renda (Economia Solidária Municipal e Programa Habitar Brasil) através da aplicação de entrevistas semi-estruturadas junto a moradores da região que participaram dessas iniciativas; e análise do método utilizado por meio de observação participante em uma oficina de fomento a grupos de geração de renda da Economia Solidária Municipal. 2. Realização Oficinas Comunicativas, iniciando com o Grupo de Mulheres já constituído no Ilê Axé Opo Omin, trabalhando de forma alternativa às experiências já realizadas, temas para fomento à Economia Solidária e ao trabalho artesanal, considerando a cultura, o conhecimento e o potencial criativo das pessoas participantes, utilizando diversas técnicas como reuniões, dinâmicas de grupo, tempestade de idéias, oficinas. 3. Elaborar, através do trabalho coletivo, uma peça de Teatro de Bonecos (desde seu texto a confecção de bonecos e cenários) a luz dos pressupostos teórico-metodológicos da Comunicação Popular e Comunitária, discutindo a temática da Economia Solidária, fazendo que os receptores das mensagens, se tornem também produtores das mesmas, tornando-se emissores do processo de comunicação; sendo um instrumento educativo, à medida que abre espaço para discussões amplas contemplando aspectos emancipatórios, formativo/dialógicos, crítico e participativo do sujeito, e possibilitando também, com suas apresentações na comunidade, romper com a visão estigmatizada da população com relação ao assunto. De acordo do Peruzzo (2001), a participação na comunicação é um mecanismo facilitador da ampliação da cidadania, mas vou além, digo que a comunicação popular e comunitária é um instrumento de exercício da cidadania, através do qual a pessoa se torna sujeito de ações comunitárias. Isso porque os meios de comunicação comunitários/populares têm o potencial de serem parte de um processo de organização popular, são canais carregados de conteúdos informacionais e culturais, além de possibilitarem a prática da participação direta nos mecanismos de planejamento, produção e gestão; os sujeitos participam, são protagonistas da comunicação e não somente receptores.

Conclusão

De acordo com Melo Neto; Costa (2006) a Economia Solidária Popular é uma modalidade econômica que preconiza um desenvolvimento para todas as pessoas, e é nas esferas do mundo da vida (biológica, normativa e simbólica) que se objetivam as mudanças, assim se

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apresenta uma inovação no campo da produção e do mercado, na expectativa de operar transformações na forma de ser e no modo de agir dos atores sociais; essa organização social, a partir dos interesses e necessidades dos trabalhadores possibilita alternativas de sobrevivência e convivência com o sistema dominante. Na realidade particular encontrada pelo Projeto Boi do Caminho da Alegria, de receio da população para com essa proposta, é preciso criar canais de participação na comunidade para atingir o objetivo de formar um grupo cooperativo, a Comunicação Popular e Comunitária é uma ação comunicativa desenvolvida para a participação da comunidade, sendo um instrumento educativo. De acordo com Peruzzo (2001), no processo de comunicação ocorre um aprendizado que vai auxiliando na construção da cidadania em suas dimensões individual (fortalecimento das liberdades individuais e direitos individuais), política (maior consciência e prática de participação) e social (conquistas relativas a melhores condições de existência). Processo que envolve o reconhecimento de que o coletivo não pode aniquilar o indivíduo, e o indivíduo não pode se sobrepor ao coletivo, uma forma de fortalecer a identidade cooperativa dos grupos e sua adesão à economia solidária é favorecer a sua integração e articulação.

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I SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM EXTENSÃO POPULAR – SENAPOP João Pessoa – UFPB – 24 a 27 de novembro de 2009

Programa de Formação Continuada em Educação, Saúde e Cultura Populares: uma extensão integrada e integradora de saberes e práticas

Edna Mariana Machado30 Valéria Maria Rodrigues31

Resumo:

Este artigo disserta sobre a extensão popular enfocando o Programa de Formação Continuada em Educação, Saúde e Cultura Populares da Universidade Federal de Uberlândia-UFU, desenvolvido por meio da Pró-Reitoria de Extensão, Cultura e Assuntos Estudantis-PROEX. O Programa tem como objetivo contribuir para o aperfeiçoamento de interessados nas áreas da educação, saúde e cultura populares, propiciando espaços para a problematização, a construção de novos saberes, a ampliação das análises das experiências/práticas e das investigações culturais, político-pedagógicas e sociais dos envolvidos. É fundamentado, principalmente, na metodologia de projetos de cunho popular, que são elaborados e executados com ativa participação das comunidades interna e externa à essa Instituição. O Programa existe desde o ano de 2001 realizando ações diversificadas que atendem as demandas da sociedade e tem conexão com o ensino e a pesquisa, propiciando a participação da população no seu próprio processo de desenvolvimento, o que contribue para diminuir seu nível de dependência, para a melhoria da qualidade de vida e para o fortalecimento da cidadania. Portanto o Programa, assim como as outras ações extensionistas que desenvolvemos tem contribuído grandemente para a participação democrática e para a inclusão social, representando assim, uma possibilidade de contrução do homem cidadão.

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Profª. Dra. da Faculdade de Educação e Coordenadora do Programa de Formação Continuada em Educação, Saúde e Cultura Populares da Divisão de Relações Comunitárias da Pró-Reitoria de Extensão, Cultura e Assuntos Estudantis da Universidade Federal de Uberlândia. 31 Técnico-administrativa, Especialista em Saúde Coletiva e gerente da Divisão de Relações Comunitárias-DIVCO da Pró-Reitoria de Extensão, Cultura e Assuntos Estudantis da Universidade Federal de Uberlândia.

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Palavras-chave: Educação Popular, Extensão Popular, Saúde e Cultura Populares.

Educação: Processo de Vida As pessoas convivem umas com as outras e o saber, flui, pelos atos de quem sabe e faz para quem não sabe e aprende (BRANDÃO, 1981, p.18).

Sabemos que o ser humano é por essência um ser social, que se constrói como tal nas relações com os outros. Ele nasce heterônomo e no seu estágio de desenvolvimento, busca a autonomia, e mesmo conseguindo-a, será sempre um ser dependente no sentido de que o seu agir, nas várias áreas e papéis desempenhados e como ator social está relacionado com o contexto, com os objetivos a que se propõe, com as pessoas as quais convive. Enfim, o seu projeto de vida pessoal e profissional norteia sua caminhada, seus pensamentos e ações. Nesse processo ele se educa e educa o outro, ainda que não seja um educador formal, que tenha feito um curso que o habilite para ser um profissional do ensino, pois educação é vida, é pensamento, é palavra e ação carregados de sentido, de significado, de sonhos, de desejos, de planos, de querer e poder, que fazem o homem ir e vir, ser e estar em constante procura e realizações e entender-se como um ser “inacabado”, um ser “inconcluso”, um ser de “esperança” e de “indignação” como nos diz o mestre Paulo Freire nos seus vários escritos. Assim, desde que nascemos enveredamos pelos caminhos do saber, pois somos eternos aprendizes, atentos, com todos os sentidos, captando, recebendo, processando e emitindo informações que nos permitem formar conceitos, pré-conceitos, idéias, crenças, valores e construímos conhecimentos e quanto mais sabemos, mais percebemos que precisamos e ainda temos muito o que saber, o que aprender com o outro. Aprender o que? Tudo. Aprender a ler, a escrever, e interpretar, a (des)construir, construir, a ser paciente, tolerante, quem sabe bondoso, flexível, organizado, responsável, crítico, enfim, aprender a ser sujeito de direitos e de deveres, a ser cidadão, humano de verdade, sabendo que existe e está no mundo, com o mundo, como parte importante de um todo, constituído por uma diversidade de seres viventes, humanos e não, que igualmente tem o seu valor, ainda que não seja essa visão de uma minoria e a realidade de uma maioria. Como podemos aprender tudo isso e muito mais? Pela vida afora, com a vida, na vida, pois, como dissemos anteriormente, educação é vida. Em todo esse processo, temos várias formas de aprender, de nos educar e educar o outro: na escola, na família, no trabalho, na igreja, entre tantos outros espaços. Em cada um desses lugares que participamos, a educação acontece, o

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saber flui, porque há troca, há intencionalidade nesses atos, há organização das ações de acordo com os objetivos almejados: educar para quê? Que tipo de homem queremos formar? “homem por inteiro ou pela metade”? Como diz SANTANA (1995, p.05). Aqui lembramos mais uma vez de Paulo Freire quando ele diz, em várias obras, que não há neutralidade na ação educativa, que “todo ato educativo é político”. Se pretendermos formar cidadãos, temos que trabalhar no sentido de desenvolver uma educação que favoreça a libertação do homem, ou seja, viver um processo educativo que propicie a ampliação de sua consciência como um ser no mundo, construtor de sua história como sujeito humano. Nesse sentido, pensamos na educação problematizadora. “A problematização é a reflexão que alguém exerce sobre um conteúdo, fruto de um ato, sobre o próprio ato, para agir e melhorar, com os demais, na realidade” (FREIRE, 1977, p.82/83). Essa forma de educar é que permite ao homem olhar e ver criticamente sua “presença” no mundo e este, como um lugar de desafios e possibilidades, em que ele, num permanente processo educativo, é impulsionado a transformar a sua realidade, nela intervindo, percebendo a relação homem mundo como algo sócio-histórico-cultural em constante mudança, um “vir a ser”. Assim, “a educação, enquanto uma situação gnosiológica que solidariza educador e educando como sujeitos cognoscentes, abre a estes múltiplos e indispensáveis caminhos à sua afirmação como seres da práxis” (FREIRE, 1977, p.85). É essa a educação de defendemos: problematizadora e por isso mesmo dialógica, crítica, permanente e propulsora da mudança, da libertação, porque conscientizadora. Nela está inserida uma metodologia ativa, em que a co-intencionalidade, a cumplicidade, a interação e intervenção dos sujeitos aprendentes permitem desvelar o mundo como está sendo e como pode vir a ser. Isso supõe um trabalho educativo fundamentado, entre outras coisas, na pesquisa. Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino contínuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade. (FREIRE, 1996, p.32)

O educador, de acordo com MORAIS (1995, p.10) “está chamado e autorizado para intervir em vidas”. Assim sendo, ele deve ter uma clara e profunda consciência da função da educação e de seu papel como “interventor de vidas”. Como desempenha-lo? Como trabalhar de forma a contribuir para que as vidas nas quais interfere, sejam construídas com a devida qualidade? A questão está em sua opção, no seu objetivo e, entre outras coisas, no seu posicionamento político.

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Saúde: qualidade de vida Educar em saúde, democraticamente, é aproveitar cada oportunidade para se avaliar, experimentar, tocar, questionar e vivenciar de forma lúdica as situações, elaborando com um outro olhar conflitos, medos e resistências, de modo a promover experiências mais socializantes (MARTINEZ, FARIA E CARVALHO, 2008, p.151)

A intervenção, acima referida, pode ser dar pela participação na elaboração e implementação de políticas públicas que propiciem a construção de cidadão dignos e de direitos. A promoção da Saúde, ao nosso entender, é uma das principais áreas de atuação desse educador. Cabe aqui, um breve parêntese, para expor a história das políticas de saúde no Brasil nos fazendo entender como “avanços”, através de mobilizações sociais, foram importantes para a transição democrática em nosso país e o quanto essas políticas tiveram um papel histórico para a constituição e estabilização da

ordem sócio-política ajudando a modelar estruturas com

tendências à concentração do poder e à exclusão das classes populares do circuito da decisão econômica, política e cultural do país. Até o início da década de 30 (1930) não existia ainda um conceito de saúde estabelecido no Brasil; já a partir do período populista (Era de Getúlio Vargas), de 1930 a 1945, começou a ser formulado um conceito de Direito à Saúde, mas ainda com características de práticas clientelistas, populistas e paternalista. Dos anos 50 (1950) a meados de 1984, incluindo o período do desenvolvimentismo, grandes movimentos sociais reivindicaram reformas de base. Intensos movimentos populares se instauraram pedindo uma inevitável reforma das políticas sociais e de saúde. A Constituição de 1988 veio redefinir a noção de saúde e garantir a igualdade de acesso universal, igualitário e integral aos serviços e ações nessa área, com a criação do Sistema Único de Saúde – SUS, sendo estabelecida a descentralização Institucional em Saúde. Hoje, saúde pode ser conceituada como o bem-estar físico, mental e social, sendo entendida como um processo que compreende aspectos biológicos, orgânicos, sociais, políticos, econômicos e culturais. E tão importante quanto a saúde do indivíduo, é a condição de saúde de uma comunidade. Observamos que mesmo com todo esse “avanço” nas políticas de saúde no Brasil, observa-se que ainda estamos caminhando a passos lentos para a transformação social com a afirmação dos direitos de cidadania. A atual condição de saúde do povo brasileiro é também, conseqüência de desigualdades economico-sócio-culturais e de uma política econômica que opta pela contenção salarial e, ao mesmo tempo, permite a deteriorização das condições de trabalho, fazendo recair sobre a maioria o peso do crescimento econômico do país; educação sanitária

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deficiente e até inexistente; fome/má qualidade de alimentação; moradias insalubres e superlotadas. Por isso, acreditamos no quão importante é o envolvimento das instituições de ensino referenciando aqui as Universidades, que é o nosso propósito- na preocupação em desenvolver práticas de medidas de educação em saúde juntamente com a participação popular, contribuindo assim para a mudança desse cenário de exclusão dessa parcela da sociedade que passa pela experiência da doença originada da fome, desnutrição, falta de condições de habitação, de trabalho , de afeto e de preconceitos. Procurar o serviço de saúde constitui mais que uma estratégia de sobrevivência, representa buscar a melhoria da qualidade de vida e a promoção de um cuidado mais humanizado e personalizado.

Cultura: Significado da Vida Nascemos dentro de uma longa peça e no meio de um ato que os que nos antecederam encenaram antes de nós. Mas, uma vez dentro „dele‟, tudo que se faz „ali‟ deve ter um pouco de nós também (BRANDÃO, 2008, p.23)

Consideramos impossível falar de educação e de saúde sem integrá-las à questão da cultura, porque a educação sendo o resultado das práticas culturais dos grupos sociais, propicia um processo de ensinar e aprender revelando essas práticas. A cultura pode ser entendida como o modo de ser e de viver do individuo, de um grupo ou de uma comunidade considerando seus hábitos, valores, costumes, crenças e vivências. Na verdade todo o complexo de tecidos e teias, de redes e de sistemas de símbolos, de significados e de saberes em/com que estamos envolvidos e „enredados‟ desde o momento do nosso nascimento, constitui o mundo da cultura. A cultura é „isso‟ e fora dela não existe a possibilidade de uma existência humana. Somos seres da natureza vivida como alguma experiência de cultura (BRANDÃO, 2008, p.21).

Se pararmos pra pensar na historia do nosso país, por exemplo, veremos que o Brasil foi formado por diversos povos, dentre eles: indígenas, que aqui viviam desde seu descobrimento, africanos que pra cá vieram dando origem ao que chamamos de cultura afro-brasileira, portugueses e demais europeus que também vieram e se misturaram. Cada um com suas tradições, línguas e expressões, ajudaram a formar um país plural, de muitas culturas. A cultura popular é tudo isso misturado e refletido nos muitos jeitos de ser do nosso povo brasileiro. “A cultura só é enquanto está sendo. Só permanece porque muda. Ou, talvez dizendo melhor: a cultura só “dura” no jogo contraditório da permanência e da mudança” (FREIRE, 1977, p. 54). Assim, importa ao educador trabalhar essa dimensão do conhecimento, uma vez que a vida é um processo dinâmico e aí está incluído o modo de ser e estar de todas as pessoas que se

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inter-relacionam nessa construção, que se dá em espaços específicos e diferentes. Como dissemos anteriormente, conforme a opção e o posicionamento político do educador será sua ação. “Experienciar, aprender, criar e ensinar é um caminho para trabalhar com a cultura popular, que se mostra fértil na formação do educador.” (MEIRA, 2005, P.104).

Relação universidade-comunidade: muitos jeitos, diversos caminhos Primeiro que tudo, a educação não é uma propriedade individual, mas pertence por essência à comunidade. O caráter da comunidade imprime-se em cada um dos seus membros e é no homem... muito mais que nos animais, fonte de toda a ação e de todo o comportamento. Em nenhuma parte o influxo da comunidade nos seus membros tem maior força que no esforço constante de educar, em conformidade com o seu próprio sentir, cada nova geração (Werner Jaeger).

A universidade, por meio do ensino, da pesquisa e da extensão cumpre a função de produção e socialização do conhecimento, sendo que a na Universidade Federal de Uberlândia, hoje, essas três áreas tem mesmo grau de importância, porém, cada uma, desenvolve seu trabalho segundo as características que lhe são peculiares e considerando seus objetivos e diretrizes. Nosso foco neste artigo é a extensão. A extensão universitária é o processo educativo, cultural e científico que articula o ensino e a pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre a Universidade e a Sociedade (FÓRUM DE PRÓ-REITORES DE EXTENSÃO DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS BRASILEIRAS, 2007, v.6).

Dentre as atividades extensionistas realizadas pela Divisão de Relações ComunitáriasDIVCO da Diretoria de Extensão da Pró-Reitoria de Extensão, Cultura e Assuntos Estudantis – PROEX da Universidade Federal de Uberlândia está o Programa de Formação Continuada em Educação, Saúde e Cultura Populares o qual nos mostra a extensão como um efetivo elo entre Universidade e Sociedade, como veremos a seguir.

O Programa: Uma extensão integrada e integradora de saberes e práticas populares Ensinar é criar pessoas em que a inteligência venha a ser medida, mais pelas dúvidas mal formuladas, do que pelas certezas bem repetidas. De que aprender é construir um saber pessoal e solidário, através do diálogo entre iguais sociais culturalmente diferenciados” (BRANDÃO, 2001 p.35).

Identificação A Universidade Federal de Uberlândia - UFU, por meio da Pró-Reitoria de Extensão, Cultura e Assuntos Estudantis –PROEX , em parceria com Instituições Públicas e Privadas, Movimentos Sociais e Organizações Não Governamentais criou, no ano de 2001, o Programa de Formação Continuada em Educação Popular. Esse Programa

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é constituído por um conjunto de ações educacionais e também de manifestações culturais, tendo como fundamento os princípios da transdisciplinaridade, da participação democrática, do respeito à pluralidade cultural e étnica, da igualdade de oportunidades, com a participação popular ( Artigo 1º do Regimento do Programa).

Este programa contribui para a criação de espaços educativos plurais, com vistas a colaborar com a elaboração e/ou divulgação de teorias e práticas favoráveis à conquista de direitos de cidadania das classes populares. Trata-se de uma proposição fundamentada na interlocução entre saber acadêmico e popular. Esta conexão ocorre por meio de atividades diversas desenvolvidas junto às comunidades interna e externa à UFU, como: Formação Continuada de Educadores Populares; Formação de lideranças que atuam nos movimentos de educação, saúde e cultura populares; Realização do Encontro Regional e Nacional de Educação, Saúde e Cultura Populares; Publicação e divulgação da Revista de Educação Popular, dentre outras. Essas ações são realizadas por meio de cursos, palestras, encontros, seminários, oficinas, etc. Importa destacar que o Programa é constituído por um Fórum e por uma Coordenação Colegiada, tendo ainda uma Coordenação Geral. O Fórum do Programa é constituído por representantes de movimentos sociais, de entidades civis sem fins lucrativos, de instituições das esferas privada, municipal, estadual e federal, nesta incluindo discentes, docentes e técnicos administrativos da UFU e ainda por pessoas interessadas na temática do Programa.

No ano de 2004, passou a denominar-se Programa de Formação Continuada em Educação, Saúde e Cultura Populares, tendo em vista a notável participação de profissionais e militantes também das áreas da saúde e da cultura que buscaram participar do Programa, principalmente por meio do Fórum que vem propiciando á comunidade interna e externa á UFU a crescente ampliação de reflexões críticas, de análises de práticas e investigações culturais, políticopedagógicas e sociais (NOVAIS E SANTOS, 2007, p177).

Objetivo O objetivo maior do nosso Programa, conforme artigo 2º de seu Regimento é Contribuir para o aperfeiçoamento de interessados nas áreas da educação, saúde e cultura populares, propiciando espaços para a problematização, a construção de novos saberes, a ampliação das análises das experiências/práticas e das investigações culturais, políticopedagógicas e sociais dos envolvidos (Artigo 2º do Regimento do Programa).

Diretrizes Para alcançar nossos objetivos, definimos como diretrizes: A ampliação e a democratização do conhecimento, de forma a possibilitar aos segmentos sociais economicamente desfavorecidos o acesso a bens sociais e culturais da humanidade; o exercício da participação, do diálogo, da reflexão crítica e irrestrita e da diversidade de

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expressão entre educadores(as) populares, enquanto procedimentos essenciais para a construção de projetos e políticas públicas emancipatórias e inclusivas; a construção coletiva de conhecimentos orientados para o desenvolvimento de teorias e metodologias condizentes com a práxis da educação, da saúde e da cultura populares, com ênfase na ampliação da expressão do sujeito e das diferentes leituras de mundo; o diálogo, a valorização e a interação dos conhecimentos acadêmicos e populares (Art. 3º do Regimento do Programa).

Metodologia O Programa, desde a sua criação, vem adotando e aprimorando uma metodologia fundamentada no diálogo entre saberes acadêmicos e populares, na democratização e valorização de diferentes saberes, na produção de conhecimentos necessários para uma vida sem opressão de classe, gênero, raça/etnia e geração, no reconhecimento das contradições como propulsora e propiciadora de transformações (NOVAIS E SANTOS, 2007, P182).

O Programa é desenvolvido por meio das seguintes ações: Agenda Comum e agenda Específica. A Agenda Comum consta de atividades de interesse e necessidade de todos os envolvidos no Programa. É constituída por uma Formação Interna e uma Formação Externa e está organizada considerando as diretrizes do Programa. A Formação Interna é destinada aos membros do Fórum, levando em consideração os temas indicados pelos mesmos e ligados à temática geral do Programa. Tem como objetivo o fortalecimento e ampliação da construção do conhecimento e formação de lideranças para atuarem como multiplicadores nos diversos espaços de educação popular . A Formação Externa é caracterizada pela criação de espaços de discussão, debates, estudos, relatos e trocas de experiências realizadas nas áreas do Programa, por meio de atividades diversas , abertas à comunidade local, regional e nacional. Entre essas atividades, destaca-se o Encontro Nacional de Educação, Saúde e Cultura Populares – ENESCPOP, já em sua 4ª edição, para 2010, em Uberlândia-MG. A primeira edição realizada em 2004, contou com 2300 participantes, sendo deste total, 300 adolescentes. O Tema Geral foi Educação, Saúde e Cultura Populares na perspectiva da Inclusão Social. As atividades do ENESCPOP foram desenvolvidas sob a forma de conferência, debate, painéis, mesa-redonda e espaço do adolescente, entre outras, sendo realizadas considerando-se quatro eixos temáticos: 1-Globalização, Educação e Cultura Popular: atualidade e desafios; 2- Educação Popular e Movimentos Sociais; 3- Educação Popular em saúde e Meio Ambiente; 4- Educação Popular: tradições e manifestações culturais. Em 2006 foi realizado o II ENESCPOP contando com 2500 participantes e 300 adolescentes no espaço para eles instituído. O tema geral foi o mesmo do anterior. Houve ampliação das atividades (introdução do Cortejo e das tendas, entre outras) e alterações nos eixos (quantidade e temas): 1- Educação popular, políticas públicas, movimentos sociais e direitos

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humanos; 2- Educação, ética e cidadania; 3- Educação popular, valorização das culturas e tradições do Brasil; 4-Saúde, seguridade social e meio ambiente; 5- Educação popular e inclusão digital; 6- Ensino, pesquisa e extensão na universidade popular; 7- Relações de gênero, raça e etnia. Em maio de 2008 foi realizado o III ENESCPOP sob o tema: Educação, Saúde e cultura Populares na perspectiva da transformação social. Nessa edição houve a participação de 2400 pessoas adultas e de 187 adolescentes. As atividades foram de mesmo caráter do anterior, não esquecendo das barracas de alimentação e artesanatos e do espaço do adolescente, algo tão valorizado por essa parcela de nossa população pela inclusão que lhes é possibilitada num espaço maior de discussão, produção e socialização de saberes e culturas. Desta feita houve nova alteração nos eixos temáticos, ampliado para oito, com os seguintes conteúdos: 1-Educação Popular e inclusão escolar; 2-Povos indígenas e populações tradicionais; 3-Saúde, seguridade social e segurança alimentar; 4-Meio ambiente, sustentabilidade e cidadania; 5-Pedagogia da sustentabilidade, ética e solidariedade; 6-Formação política e movimentos populares para a transformação social; 7-Educação popular, valorização das culturas e tradições do Brasil; 8Relações de gênero, raça e etnia. Esses Encontros têm sido realizados em parceria com o Instituto Paulo Freire/SP Universidade Federal de Goiás/Campus de Catalão/Coordenação de Extensão e Cultura, Universidade Federal de Lavras, Secretaria Municipal de Saúde de Uberlândia, Secretaria Municipal de Educação de Uberlândia/CEMEPE, Secretaria Municipal de Educação de Ituiutaba/MG, Movimentos Sociais e Organizações não Governamentais. E ainda conta com o apoio de vários colaboradores. A Agenda Específica é formada por projetos desenvolvidos junto à comunidade sendo apresentados ao Programa por meio do Fórum. A Coordenação fica a cargo de um Docente ou Técnico-administrativo da UFU. O Fórum é responsável por analisar, aprovar e acompanhar a execução dos mesmos à luz dos critérios estabelecidos para sua a seleção, conforme

seu

Regimento. No ano de 2.009 estão em desenvolvimento os projetos abaixo relacionados, alguns caracterizados como continuidade (versões atualizadas de projetos iniciados e desenvolvidos em anos anteriores). 1. A Cultura e o Lúdico no processo de formação em contexto de educadores/as infantis: criando redes de conhecimento: o objetivo é criar um espaço que possibilite a troca de idéias entre a comunidade Escola de Educação Básica da UFU- ESEBA e a comunidade em geral interessada nas temáticas propostas pelo Projeto e realizar a criação de uma rede de

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conhecimentos e reflexões quanto à formação continuada de professores, possibilitando aos participantes repensarem suas práticas de ação no âmbito da cultura e do lúdico.

2. Conhecer para (trans)formar: educando pelos pares: promove situações de aprendizagem em que as travestis sejam compreendidas como sujeitos da construção e da reconstrução do cuidado em saúde, para que possam ampliar o controle sobre suas vidas através da participação em grupos e da capacidade para decidir e agir, visando transformações da realidade social e política.

3. Cultura Popular e cidadania: o transporte público de Uberlândia em cordel: A Associação dos Nordestinos de Uberlândia-ANUDI, cujo objetivo principal é preservar a cultura nordestina e divulga-la em Uberlândia, tem como uma de suas ações a socialização da Literatura de Cordel utilizada como um meio de divulgação dos problemas da Comunidade e a capacitação de alunos de escolas públicas quanto à essa arte-cultura popular nordestina. Tendo como uma das preocupações atuais o direito de ir e vir este projeto no ano de 2009 está voltado para discutir a problemática do transporte coletivo, utilizando o Cordel como um instrumento. 4. Ambiemt‟art

O projeto tem como objetivos estudar e propor ações educativas que

contemplem a aquisição de instrumentos teóricos para conceituação e avaliação do meio ambiente, além de gerar relações sociais de solidariedade promovendo justiça sócio-ambiental e inclusão social, promovendo a integração de grupos sociais e indivíduos à prática da cidadania.

5. Educação Ambiental: uma experiência com a Cooperativa de Recicladores de Uberlândia – CORU: O objetivo é capacitar os parceiros da CORU envolvidos na separação dos resíduos sólidos recicláveis. Também busca capacitar seus cooperados para atuarem como agentes multiplicadores no processo de segregação, coleta e destinação final dos materiais recicláveis.

6. Educadô e Griô: As ações desse projeto têm por objetivo a criação, a troca de experiências e a formação interna um grupo de estudiosos de educação popular, por meio da dança, denominado Grupo de Educadores Populares, conhecedores de danças e músicas populares tradicionais e urbanas, a saber, capitães de congado, mestres de bateria e outros integrantes de escolas de samba, dançarinos de dança de rua e outros dançadores populares.

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7. Fábula Legal: O propósito é rediscutir a linguagem jurídica, os mecanismos de interdisciplinaridade, e novas formas de divulgação do conhecimento acadêmico aproximando a comunidade e a universidade, na medida em que o corpo discente da Instituição, por meio da encenação de peças infantis adaptadas para temas jurídicos, informa e conscientiza crianças da 1º à 4º série do ensino fundamental sobre direitos e deveres, contribuindo assim para a efetiva construção de uma cidadania ativa.

8. Fala Garot@! Uma nova forma de se pensar a Juventude na perspectiva da educação Popular: Visa proporcionar um dialogo reflexivo sobre diversas temáticas ligadas a educação, saúde e cultura populares na perspectiva da retomada dos valores perdidos pela juventude, resgatando o entusiasmo e o sentimento de pertencimento a sociedade, levando os mesmos a se sentirem sujeitos construtores de uma realidade justa e solidária. 9. Indígenas não Aldeados do Triangulo Mineiro e Alto Paranaíba – Valores culturais e geração de trabalho e renda. O papel e a ação institucional da UFU por meio de seus núcleos de pesquisa e estrutura pedagógica: O projeto busca promover ações educativas multiculturais e multidisciplinares visando a troca de conhecimentos entre os indígenas da região do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba e outros segmentos, movimentos sociais e escolas do ensino fundamental. Refletir sobre suas condições de vida no tocante à moradia, saúde e educação, possibilidades de preservação e integridade étnico-cultural e lingüística, bem como sobre as possibilidades de acesso aos seus direitos constitucionais e sociais na afirmação das suas culturas tradicionais e do seu modo de vida como forma de integração social e respeito à pluralidade e diversidade étnico-cultural.

10. InterAGIR: Uma perspectiva além das cores, idades e identidades: A finalidade é orientar a comunidade LGBT – Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais de Uberlândia, de forma interdisciplinar nos aspectos sociais, econômicos, identitários, culturais, jurídicos e na área da saúde e traçar um perfil da mesma, a partir dos participantes da parada do Orgulho LGBT.

11. Linguagem, cultura, corpo: Uma proposta de intervenção sócio-educativa no bairro Zaire Rezende: O propósito é estimular a criatividade artístico-cultural, consciência corporal, formação histórico-social promovendo a sensibilização a respeito da história e importância do bairro Zaire Rezende para seus moradores, permitindo a criação e produção de trabalhos que façam com que os participantes da comunidade despertem uma consciência crítica que lhes

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possibilite intervenções sócio-políticas com vistas à contribuir para a transformação da realidade local.

12. Lugares de Esperança: a relação entre aspectos sociais e planejamento econômico: O objetivo é a elaboração e execução de um projeto arquitetônico - centro de cultura, de organização e socialização da comunidade local, fomentando a articulação cultural existente. Tem por base a realidade de vida da comunidade local, o bairro Esperança, em Uberlândia, onde está sendo desenvolvido o projeto, colocando os moradores dessa comunidade como autores, protagonistas e produtores do trabalho a ser realizado.

13.

(Re) Construindo identidades II: na hora do jogo: Este projeto busca envolver a

comunidade interna e externa da UFU em ações articuladas com o Programa., para socialização das experiências da educação popular. Um dos seus objetivos é trabalhar por meio de oficinas, a formação dos atuais e futuros docentes numa perspectiva de construção e envolvimentos da consciência étnico/racial, tendo em vista a ruptura com as práticas racistas no universo escolar, particularmente, a discriminação racial praticada em relação a questão da identidade e suas intercorrências aos alunos negros e afro-descendentes no contexto do Brasil, como exemplo da Doença Falciforme que tem sua maior incidências sobre a população negra. 14. Tenda da Saúde – cidadania e qualidade de vida nas comunidades de Uberlândia: É realizado na periferia do município de Uberlândia, visando, por meio da perspectiva da metodologia da Cidade Educadora, construir espaços de diálogo com os moradores sobre como promover a saúde, tendo em vista o alto índice de doenças infecto-parasitárias e nutricionais nas crianças, a baixa escolaridade dos chefes de família, o alto índice de desemprego, as taxas de consumo de drogas e violência, a saúde ambiental prejudicada pelo acúmulo do lixo nos terrenos baldios e quintais das casas.

O Programa de Formação Continuada em Educação, Saúde e Cultura Populares, ao longo dos seus 8 anos de existência, tem apresentado significativos resultados oriundos do esforço , empenho e dedicação dos seus envolvidos. Podemos destacar, entre os principais produtos: artigos, revistas, livros, premiações, criação de núcleos e centros, produções iconográficas (vídeos, documentários, CDs, DVDs) e formação de grupos de estudos e/ou pesquisa.

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Extensão Popular: uma possibilidade de construção do homem cidadão Cada pessoa é uma soma das respostas que deu ao longo da vida às perguntas que lhe foram formuladas. O sucesso depende dos acertos nas respostas. Mas os homens que mudam o próprio destino são aqueles que não se limitam a acertar respostas, mas também criam as próprias perguntas certas para o momento. (Cristovam Buarque)

Hoje, no século XXI, vivendo na sociedade da informação, do conhecimento, da tecnologia e também da consciência em relação à qualidade de vida, a preservação do meio ambiente, à inter-relação e interdependência de vários aspectos e elementos da existência, não é possível, em qualquer processo educativo, deixar de considerar a integração pensar-sentir-fazer. A Comunidade Humana, tão plural, tão rica, tão bela e inigualável, é constituída por seres inteligentes, criativos, sensíveis, solidários e essencialmente sociais, com a necessidade de partilhar e compartilhar suas criações, experiências e saberes, sempre crescentes, renovados, enriquecidos e transformados. Percebemos que a cada ano ampliamos e diversificamos ainda mais nosso trabalho, o que comprova sua importância e necessidade como fator primordial para o desenvolvimento de uma educação realmente inclusiva, de qualidade e comprometida com a formação integral do homem, ser social, multidimensional, sujeito ativo da história da humanidade. O caminhar neste Programa demonstra que é possível desenvolver um trabalho de extensão popular, em que o ensino e a pesquisa são indissociáveis possibilitando a participação ativa, autônoma, representativa e co-responsável da população. Este processo significa uma força social imprescindível para impulsionar conquistas e mudanças que se fizerem necessárias na vida do homem para que ele realmente exerça sua cidadania. Ao ensinar os “educandos” a dizerem o que pensam, a refletir criticamente, a construir solidariamente, podemos dizer com BRANDÃO que O educador popular aprende a lidar com o mistério do outro dentro de uma experiência de educação onde não se pode falar em pedagogia sem se falar – da maneira mais genuína possível- do amor. E é sempre ele quem aponta os caminhos e sugere os passos (2002, p.43).

Essa grande Comunidade Humana, da qual somos parte e na qual trabalhamos, estudamos, divertimos, rimos, choramos, lutamos, perdemos, ganhamos, sonhamos e realizamos, enfim, vivemos, só tem sentido se for fundamentada no amor e na partilha. Esse é um dos princípios básicos de nosso trabalho na PROEX-UFU.

Referências Bibliográficas

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BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A Educação Popular na Escola Cidadã.

Petrópolis, RJ:

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I SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM EXTENSÃO POPULAR – SENAPOP João Pessoa – UFPB – 24 a 27 de novembro de 2009

A Formação Política pela Sétima Arte: o cinema como prática pedagógica e de cidadania nos movimentos sociais de Uberlândia/MG”

Fabiane Santana Previtalli32 Juliana de Araújo Silva33 Pablo Guilherme Marcelino Pereira34

Resumo

O trabalho aqui apresentado diz respeito a um projeto de pesquisa e extensão de natureza interdisciplinar que vem sendo desenvolvido no âmbito do Grupo de Pesquisa "Trabalho, Educação e Sociedade”, da Universidade Federal de Uberlândia junto a movimentos sociais,sindicatos e associações de Uberlândia/MG a partir de 2009. O objetivo é discutir o cinema enquanto constituinte da prática pedagógica. Partimos do pressuposto que o cinema é capaz de propiciar uma reflexão crítica através de sugestões analíticas postas na estrutura narrativa fílmica, o que contribui de forma significativa para o desenvolvimento e o aprimorando do senso crítico que o sujeito social tem de si mesmo e do meio sócio-cultural e educacional em que vive, o que contribui para o exercício da cidadania.

Agradecemos o apoio da Fapemig ao projeto e da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Estudantis da Universidade Federal de Uberlândia – PROEX/UFU. 32 Docente do Departamento de Ciências Sociais, Faculdade de Artes, Filosofia e Ciências Sociais/UFU. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação e Sociedade. Pesquisadora Fapemig. 33 Estudante de graduação em Ciências Sociais/UFU. Bolsista PROEX/UFU. 34 Estudante de graduação em Ciências Sociais/UFU. Bolsista PROEX/UFU.

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1 - Introdução O artigo visa discutir o projeto de extensão e pesquisa de natureza interdisciplinar, envolvendo os Grupos de Pesquisa "Trabalho, Educação e Sociedade” (GPTES/NUPECS) e “Estado e Capitalismo na América Latina (NUPECS)” do Departamento de Ciências Sociais (DECIS), Faculdade de Artes, Filosofia e Ciências Sociais (FAFCS), juntamente com a Linha de Pesquisa: “Políticas Públicas e Educação”, do Programa de Pós-graduação em Educação (FACED/UFU). O projeto se desenvolveu a partir de pesquisas realizadas junto a movimentos sociais, sindicatos e associações de Uberlândia/MG, quais sejam: SINTRAF (Sindicado dos Trabalhadores do Fumo, SINTET - UFU (Sindicato dos Trabalhadores Técnicos-Administrativos em Instituições Federais de Ensino Superior), STIAU (Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Alimentação e Afins de Uberlândia), STRU (Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Uberlândia), MLT (Movimento de Luta pela Terra), APPMG (Associação dos Professores Públicos de Minas Gerais). A partir das demandas de dirigentes e trabalhadores da base, passamos a desenvolver propostas e projetos que visassem à formação política dos envolvidos, à conquista de direitos e ao exercício da cidadania. Partimos do pressuposto que a democracia se faz e se firma com uma sociedade civil organizada, daí a importância dos movimentos sociais organizados como Organizações Não-Governamentais (ONGs), associações de classe e sindicatos. Essa organização é fundamental, permitindo não só importantes conquistas trabalhistas, mas, principalmente, o exercício da cidadania para a conquista de direitos. Assim, o projeto visa, através do cinema enquanto prática pedagógica, contribuir para com a tomada de consciência, a organização social e a conquista de direitos humanos na perspectiva da construção de uma sociedade justa e igualitária. Entendemos que o cinema é constituinte da prática pedagógica e buscamos promover uma reflexão crítica através de sugestões analíticas postas na estrutura narrativa fílmica, visando contribuir para o aprimorando do senso crítico que o sujeito social tem de si mesmo e do meio sócio-cultural e educacional em que vive. Pautado pelo principio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, o projeto almeja contribuir para o aprimoramento da relação Universidade-Sociedade, aumentando a participação dos docentes e discentes em atividades de extensão e pesquisa por meio de seu envolvimento em ações interdisciplinares que, além de contribuir com a sua formação ampliada, primem pelo rigor científico e pela atuação crítica. Dessa forma, o projeto consiste também em

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um espaço de diálogo e experiências de ensino que contribuem para a formação dos discentes em relação às práticas educativas e pedagógicas.

2 - Desenvolvimento 2.1- Cidadania e Movimentos Sociais no Brasil: breves considerações As transformações sociais e econômicas por que vem passando o Brasil nos últimos quinze anos têm aberto à ciências sociais um amplo campo para explorações de natureza conceitual e empírica. O final da década de 1980 – cujos impasses há muito foram vulgarizados com a denominação “década perdida” – parecia indicar a muitos atores políticos o ponto de partida para uma fase áurea da sociedade brasileira. Tudo (ou quase tudo) levava a crer que a almejada democratização política abriria o caminho para um esforço geral em direção a um novo ciclo de modernização capaz de realizar o que até então havia sido apenas e tão-somente uma quimera: compatibilizar, de forma duradoura, crescimento econômico e inclusão social, algo jamais visto na história brasileira. Finda a ditadura, varridos do tecido social os resquícios de autoritarismo político, tratava-se de redefinir os rumos do desenvolvimento econômico brasileiro de tal forma a “repartir o bolo” na medida em que (para alguns, até mesmo antes que) ele crescesse. Isso implicaria, dentre outras coisas, em gerar empregos (na esteira da retomada do crescimento, que desde o início dos anos 1980 apresentava taxas medíocres) e disseminar o gozo da cidadania plena, por muito tempo sufocada nos seus aspectos civis e políticos, além de restrita a uma pequena (para não dizer ínfima) parcela da população. Como bem sabemos o otimismo generalizado que rondava os prognósticos de alguns dos principais atores políticos ao final da década de 1980 ficaram muito longe de se confirmar na década seguinte. A tão almejada retomada do crescimento econômico revelou-se quase que invariavelmente tímida35. Por outro lado, ainda que tenhamos experimentado certa melhora nos índices sociais, talvez não seja uma exagero afirmar que a sociedade brasileira permaneceu consideravelmente distante de amenizar os níveis de desigualdade social que lhes são historicamente peculiares36. Nem desenvolvimento econômico, nem inclusão social: por um lado, as baixas taxas de crescimento reverberaram na geração de um número de empregos no setor formal muito aquém da quantidade em potencial de pessoas que a cada ano ingressava no mercado de trabalho formal; por outro, a manutenção (ou pouca alteração) dos índices de

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Mesmo um olhar superficial sobre a performance da economia brasileira ao longo dos anos 1990 é facilmente capaz de demonstrar sua incapacidade para firmar uma trajetória robusta de crescimento. Prevaleceu o que muitos denominam de padrão “stop and go” (ou, um tanto quanto pejorativamente, de “vôo de galinha”): 1990 (-4,35%), 1991 (+1,03%), 1992 (-0,54%), 1993 (+4,92%), 1994 (+5,85%), 1995 (+4,22%), 1996 (+2,66%), 1997 (+3,27%), 1998 (+0,13%), 1999 (+0,79%). Nesse período, a renda per capita passou de US$ 3,750 em 1990 para US$ 4,169 em 2000 (referência US$ de 2005). Fonte: www.ipeadata.gov.br (acessado em 03/05/2007). 36 Sintomático desse padrão é a pouca variação do coeficiente GINI entre 1990 (0,614) e 1999 (0,596). Fonte: www.ipeadata.gov.br (acessado em 03/05/2007).

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desigualdade sócio-econômica apresentou-se como um obstáculo ao gozo pleno da cidadania por uma parcela significativa da população brasileira, a despeito da consolidação e aprimoramento de uma série de instituições e práticas de democracia política observadas ao longo da década de 1990. É interessante notar que as baixas taxas de crescimento econômico, aliadas à tímida geração de empregos formais, viram-se acompanhadas de uma ampliação sem paralelo do chamado “setor informal da economia37. O medo de perder o emprego, de estar desvinculado de uma rede de sociabilidade, a desestabilização e a insegurança quanto ao futuro mais imediato, a queda e a instabilidade dos salários e suas conseqüências sobre o acesso aos bens materiais são os elementos que têm levado à criação e/ou agravamento de situações sociais de exclusão, desigualdade e pobreza designando o que vem sendo chamado na literatura como a “nova era das desigualdades”. Abre-se, dessa maneira, um amplo campo de investigação a respeito dos impactos dessas transformações na estrutura da cidadania no Brasil contemporâneo. Um aspecto acentuado pela literatura científica a respeito da cidadania no Brasil foi sintetizado pela expressão “cidadania concedida” desenvolvida por Sales (1994)38. Conforme a autora, o declínio da sociedade agrária e do coronelismo não teve por implicação um novo tipo de equacionamento da relação público-privado já que a burocracia estatal, por meio de programas de governo assistencialistas, tendeu a reproduzir a porosidade entre os dois âmbitos em benefício da “privatização das relações sociais”. Em tais circunstâncias, a institucionalização de direitos no Brasil configurou aquilo que a autora denomina de “cidadania concedida”: os direitos básicos (de ir e vir, de justiça, à propriedade, ao trabalho) são tidos e vividos como uma dádiva, ou seja, como algo que é concedido em troca de subserviência pessoal. Ao invés de cidadãos detentores de direitos universais, têm-se beneficiários de favores concedidos por intermediários que instrumentalizam o Estado em causa própria. Assim sendo, o caminho da construção da cidadania no Brasil não poderia ser mais tortuoso: “freqüentemente começa pela cidadania social via programas sociais de governo” e mantém o Estado como agente fundamental “enquanto provedor de um welfare que, mesmo quando de bem-estar tenha muito pouco e 37

Vale dizer que a noção de setor informal é difundia a partir de um estudo realizado pela OIT no Quênia em 1972. Sob essa perspectiva o terno visava, grosso modo, indicar as condições e os limites dos estratos mais desfavorecidos da sociedade e desenvolver em torno deles mecanismos de superação. Sendo assim, ela foi proposta para analisar as dificuldades e distorções da incorporação dos trabalhadores ao processo produtivo em contextos nos quais ele era pouco generalizado (Alves & Tavares, 2006). Neste caso, ela já foi compreendida como um determinado tipo de desenvolvimento, originando a dicotomia moderno-tradicional. Ainda, segundo o relatório da OIT em 1972, o setor informal era tido como economicamente eficiente e produtor de lucros, ainda que fosse: (a) pequeno em escala, (b) limitado por tecnologia simples, (c) limitado por capital reduzido e (d) ausente de ligações com o setor formal (Alves & Tavares, 2006). Se nas décadas de 1960 e 1970 essas definições já se mostravam insuficientes para apreender as diferenças existentes nas atividades econômicas, hoje, frente às modificações ocorridas nas relações de trabalho e no direito do trabalho, seria quase impossível fazer essa distinção tendo como base o que é ou não legal e formal. Quase tudo que antes caracterizava ilegalidade (trabalho sem carteira assinada, jornada de trabalho com duração variável, contrato temporário) não só passou a ser legal, como adquiriu legitimidade, dentro do discurso da flexibilização e tendo em vista a suposição de que tais medidas possibilitarão “empregar” mais pessoas (Alves & Tavares, 2006). 38 Em suas reflexões sobre as raízes da desigualdade social na cultura política brasileira, Sales (1994) salienta que o liberalismo dos senhores de terra no Brasil jamais passou de um “privatismo conservador”, em que a dependência pessoal permaneceu elemento crucial para a durabilidade das relações de mando/subserviência.

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quando assimilado qual dádiva pelas populações beneficiárias, propicia a existência de um contendor para os movimentos populares na luta pelos seus direitos” (Sales, 1994, p. 49-50). É esse traço que leva Holston e Caldeira (1998) a argumentarem que prevaleceu uma “disjunção” fundamental no processo de implementação da cidadania no Brasil: “Usando a tipologia de T.H. Marshall, tal „disjunção‟ significa que em comparação com os direitos sociais e políticos, a dimensão civil não foi efetivamente entrelaçada ao tecido da cidadania brasileira. Ao contrário, as proteções e imunidades dos direitos civis (...) são geralmente percebidas e experienciadas como privilégios elitistas de status social (...)” (p. 276). Em tais circunstâncias, prevalece a noção segundo a qual o Estado consolidou sua presença na dinâmica social de maneira muito mais intensa que nas “democracias maduras”. A presença do Estado na dinâmica social brasileira começou a mudar de maneira significativa a partir do início dos anos 1980, dentre outras coisas em decorrência das pressões dos próprios movimentos sociais. Tais mudanças, como era de se esperar, tiveram um impacto significativo na reconfiguração do universo da cidadania. As reflexões de Dagnino (2003) parecem-nos emblemáticas desse sentimento: conforme a autora, “sob a inspiração neoliberal, a cidadania começou a ser entendida e promovida como mera integração individual ao mercado. Ao mesmo tempo, (...) direitos estabelecidos têm sido crescentemente retirados dos trabalhadores (...). Paralelamente, projetos filantrópicos do chamado terceiro setor têm se expandido em número e escopo (...)” (Dagnino, 2003, p. 4). Segundo Soares (2000), presencia-se no Brasil um processo de “descentralização destrutiva”, isto é, de um lado, o desmonte de políticas sociais existentes - sobretudo aquelas de âmbito nacional - sem deixar nada em substituição e, de outro lado, delega-se aos municípios as competências sem os recursos correspondentes e/ou necessários. Em todos os âmbitos da Política Social – Saúde, Educação, Saneamento Básico – onde essa estratégia de descentralização foi acompanhada por um desmonte, o resultado foi um agravamento da iniqüidade na distribuição e oferta de serviços. Para a autora, os municípios que lograram manter uma boa qualidade de serviços básicos sociais, estão tendo, como “prêmio”, a invasão de populações vizinhas onde isso não acontece. É o caso da cidade de Uberlândia, localizada na região Sudeste, na região do Triângulo Mineiro, em Minas Gerais e que vem se tornando extremamente atrativa a partir da década de 1990. Com 500.488 habitantes, em 2000, Uberlândia tornou-se o terceiro municípiode Minas Gerais, atrás de Belo Horizonte (2.229.697 habitantes) e Contagem(536.408), apenas, pois superou Juiz de Fora em mais de 50.000 pessoas. Seu ritmode crescimento foi de 6,69% a.a., na década de 70, de 3,90% na década seguinte e de3,54% entre 1991 e 2000, muito mais elevado

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que a média estadual (1,4% a.a., entre1991/2000) e a brasileira (1,6% a.a., no mesmo período).Comparado aos municípios mais importantes de seu entorno, é também o quetem crescido mais rapidamente, distanciando-se progressivamente dos vizinhos.Uberaba fornece um exemplo claro desse distanciamento: em 1970, aí foramrecenseados 126,6 mil habitantes, quase 400 a mais que Uberlândia; 30 anos depois, no entanto, abriga não muito mais que a metade da população uberlandense.O municípioapresenta uma forte atividade econômica nas áreas de agropecuária, comércio e serviços39. A cidade se destaca como pólo regional de significativa importância, compreendendo ramos econômicos dinâmicos como de comunicações, indústria de transformação e a agroindústria, geradores de serviços e empregos. No entanto, o crescimento acelerado acentuou a concentração de renda, a exclusão social e a degradação ambiental. Segundo estudos realizados no ano de 2001 pelo Instituto de Economia da UFU 40, a pobreza atinge aproximadamente a 43,30% da população de Uberlândia, sendo que 10,70% são considerados indigentes, isto é, vivem com uma renda média de R$ 40,48 por mês. Outro aspecto significativo de grande parte da população refere-se ao fato de que 40,15% possui apenas o Ensino Fundamental incompleto e 10,22%, o Ensino Médio incompleto. Além desses dados, no campo sócio-econômico, estudo realizado por Gandolfi (2001), constatou que o município apresenta um perfil de emprego similar ao do Brasil, onde imperam baixos salários, ampla difusão do trabalho informal, baixa presença dos jovens no mercado de trabalho, assim como predominância do gênero masculino, principalmente na Indústria de Transformação e Comércio. Uberlândia também apresentou piores condições de geração de trabalho quando comparado com os indicadores macroeconômicos de outras regiões semelhantes a esse município, principalmente onde há um predomínio de tempo de serviço e escolaridade baixa entre os trabalhadores empregados formalmente. Nesse sentido, parcelas significativas da população vivem abaixo da linha de pobreza e, portanto, excluídas dos bens econômicos, culturais, científicos e tecnológicos. Essa situação, associada ao desemprego na cidade e na região, contribui não somente para aumentar o percentual de empregos informais e de baixa remuneração, mas para elevar significativamente a exclusão e as desigualdades sociais, bem como os índices de desagregação e de violência familiar e social.

39

Cumpre dizer que Uberlândia ocupa uma posição geográfica estratégica, entre as principais capitais do país, o que a torna atrativa para os diversos setores econômicos. Entre esses setores, convém destacar a Souza Cruz, empresa do ramo de cigarros presente em Uberlândia desde 1978, sendo a maior fábrica do ramo em toda a América Latina e a Sadia, empresa do setor de alimentos que instalou uma unidade no município em 1999. Destaca-se também a ACS, do setor de telemarketing que emprega majoritariamente força de trabalho feminina. 40 Relatório cujo título é: “Condições Sócio-Econômica das Famílias de Uberlândia”, sob a responsabilidade conjunta do NEDRU – Núcleo de Estudos e Pesquisas em Desenvolvimento Regional e Urbano, do NEST – Núcleo de Estudos de Economia Social e do Trabalho e do CEPES – Centro de Estudos, Pesquisas e Projetos Econômicos Sociais, do Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia. O trabalho de coleta de informações desenvolveu-se no período de 9 de abril a13 de julho de 2001 e teve apoio (transporte e alimentação) da Prefeitura do Município.

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Assim, ações que viabilizem a inclusão social efetiva têm caráter de urgência. E, entre tantos desafios, cresce a necessidade de contribuir com a organização e consolidação de movimentos sociais em âmbito local e regional por meio da elaboração multi e interdisciplinar de projetos e ações orientados para a formação política crítica e construção coletiva da cidadania. Assim, as ações extensionistas fundadas no cinema enquanto instrumento pedagógico de formação política e de cidadania tem apresentado resultados significativos. 2.2 – O Cinema como prática pedagógica e formação política O cinema é uma arte que, por meio de imagens seriais, de um determinado uso do tempo e do espaço, oferece ao espectador, pela visão do cineasta, uma leitura da realidade. Rodrigues (2003), afirma que o cinema apresenta sempre um discurso que almeja necessariamente expressar um sentido a ser encontrado em signos materiais que se manifestam no filme. Tais signos incluem os significantes orais do filme, a linguagem utilizada, assim como os significantes gráficos e artísticos do mesmo. Os significantes se encontram justapostos e articulados de tal maneira que levam o interlocutor a estabelecer diversas relações significativas entre os elos que ligam todos os aspectos do filme. Dessa maneira, o filme exige que o interlocutor se posicione ativamente diante da mensagem que lhe foi transmitida. Para haver a compreensão plena do filme é fundamental que o espectador esteja livre do que Rodrigues (2003) chama de “barreiras do entendimento”, criadas quando o filme se torna apenas um modo de diversão e não de desenvolvimento crítico. É necessário que o espectador esteja aberto ao entendimento para que possa ser atingido pelas várias possibilidades comunicativas transmitidas pela imagem filmada. Ao contrário do discurso lingüístico, o discurso cinematográfico não se utiliza apenas da linguagem, mas também da exposição sucessiva de objetos que se transformam em signos a serem interpretados. É assim que um filme pode sugerir várias interpretações e sensações diferentes a cada vez que é assistido. A linguagem cinematográfica, particularmente a abordagem que faz de questões relativas às heranças educativas, à cultura e à sociedade, constitui tema de debate entre aqueles que procuram

situá-lo entre as ciências humanas, particularmente da educação. Associado ao

aspecto realista (cinema documentário), à ficção (surrealista, expressionista), ou ainda a mais recente manifestação do cinema-espetáculo, a chamada sétima arte, assim como a indústria cinematográfica vêm obtendo cada vez mais destaque entre as manifestações culturais. É nesse sentido que o cinema é constituinte da prática pedagógica, pois possibilita inserir o interlocutor em uma realidade da qual não faz parte, influenciando sua concepção de valores morais e éticos.

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Benjamin (1996), afirma que a expressão artística do cinema se caracteriza pela perfectibilidade, pois na produção cinematográfica um indivíduo é capaz de orientar uma montagem perfeitamente adaptável ao que se deseja expressar e perfeitamente adaptável aos objetivos de sua produção. O Cinema

Novo, por exemplo,

inaugurou

no

Brasil

o

comprometimento do cinema com a transformação social e política, buscando mostrar uma realidade que precisava ser modificada com a utilização destacada dos elementos do pensamento marxista como pedagogia (algumas vezes esquemática), muito em voga entre os intelectuais do período. A sua linguagem buscava chamar a atenção do espectador e demonstrar a necessidade de mudança. Esta utilização do cinema vai ao encontro da análise de Benjamin que percebe a mudança do papel da arte, que deixando de ser meramente uma obra, passa a ter uma representatividade política. Duarte (2002) argumenta que o cinema desenvolve nas pessoas uma “competência de ver”, isto é, uma disposição, valorizada socialmente, para apreciar e interpretar qualquer história contata em linguagem cinematográfica. As relações estabelecidas entre interlocutores e cinema e entre os interlocutores são extremamente educativas, uma vez que o cinema é um espaço que produz relações de sociabilidade.. O cinema exerce uma influencia significativa sobre as concepções e visões de mundo dos indivíduos, considerando que muitas de suas percepções históricas foram e são marcadas por imagens cinematográficas. Dessa forma, as experiências culturais se associam com a maneira como os sujeitos sociais assistem a filmes, produzindo saberes, crenças e visões de mundo. Para Moran (2000) o filme é um discurso em que o ver está associado ao falar e ao narrar. A fala aproxima o vídeo do cotidiano dos indivíduos, o narrador organiza logicamente as cenas, e a narração falada une todo o processo. TambémAlves e Batista (2006), argumentam nesse sentido e afirmam que o cinema ou o vídeo é um recurso midiático da mais alta relevância na prática política de construção da consciência de classe e da formação humana. Nesse sentido, tornam-se cada vez mais necessárias ações inovadoras na área de educação popular, política e sindical dado que, através da arte, os sujeitos sociais podem se libertar da barbárie social, cultivando outras formas de sensibilidade. Assim, a crucial importância do cinema para o campo educacional é o fato de ele ser de natureza pedagógica capaz de produzir saberes. Quando um indivíduo aprende a ver e a apreciar um filme, torna-se capaz de rejeitar o que é grosseiro e vulgar, contribuindo para o aprimorando de seu senso crítico de si mesmo e do meio sóciocultural e educacional em que vive.


I Seminário Nacional de Pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR/ANEPOP - 2009 2.3 – O Projeto “A Formação Política pela Sétima Arte: o cinema como prática pedagógica e de cidadania nos movimentos sociais de Uberlândia/MG” O projeto de extensão em interface com a pesquisa “A Formação Política pela Sétima Arte: o cinema como prática pedagógica e de cidadania nos movimentos sociais de Uberlândia/MG” tem por objetivo apresentar o cinema como “arte total” capaz de propiciar uma forma de experiência crítica diante de problemas fundamentais da modernidade tendo como foco a formação política junto aos movimentos sociais de Uberlândia/MG para a conquista e ampliação de direitos e de cidadania. Partindomos do pressuposto de que o cinema é constituinte da prática pedagógica, buscamos promover uma reflexão crítica através de sugestões analíticas postas na estrutura narrativa fílmica, visando contribuir para o aprimorando do senso crítico que o sujeito social tem de si mesmo e do meio sócio-cultural e educacional em que vive. Objetivamos, portanto, pautados pelo princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, desenvolver ações voltadas para a ampliação e qualificação da participação dos sujeitos sociais quanto aos seus direitos em âmbito local e regional contribuindo assim para consolidar a função social da Universidade Pública, fortalecendo a ação transformadora da pesquisa sobre os problemas sociais e estabelecendo uma relação dialógica entre pesquisadores, estudantes e sociedade. Os objetivos específicos do projeto são: - Incentivar e aprimorar a organização dos movimentos sociais, capacitando seus integrantes na prática política de construção da consciência de classe e conquista de direitos e cidadania nas esferas econômica, política e social em âmbito local e regional; - Formar lideranças nos movimentos sociais capazes de difundir os conhecimentos adquiridos; - Capacitar os estudantes no uso didático-pedagógico da linguagem cinematográfica para o exercício de suas atividades enquanto educadores; - Preparar os estudantes para outras formas de apreensão, construção e entendimento da realidade social através da imagem; - Associar o uso da imagem à discussão da realidade sócio-cultural- educacional; - Propiciar instrumentos para a compreensão de diferentes visões de mundo, de grupos e instituições, envolvendo a realidades local, regional, nacional e internacional; - Produzir, dispor e socializar materiais técnicos e/ou didáticos que agreguem conhecimento técnico-científico e prático à comunidade envolvida. Cumpre dizer que o projeto está orientado pelo entendimento de que a extensão universitária se constitui uma prática acadêmica inserida no contexto das lutas sociais para a

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conquista de dignidade, justiça e igualdade social mediante a adoção de processos críticos de construção de conhecimentos e saberes socialmente referenciados. É nesse sentido que consideramos de fundamental importância o desenvolvimento de ações integradas envolvendo a universidade, professores e alunos com a comunidade local, de forma a contribuir para a transferência de conhecimento, bem como para o desenvolvimento humano, social e políticocultural dos envolvidos. É imprescindível, para o aprimoramento da relação Universidade - Sociedade, o incremento da participação de professores e estudantes em atividades de extensão e pesquisa por meio de ações interdisciplinares que, além de contribuir com a sua formação ampliada, primem pelo rigor científico e pela atuação crítica. Além disso, a implementação o desenvolvimento dessas atividades está relacionada com a busca contínua de um incremento das atividades extensão e pesquisa de caráter multidisciplinar e interdisciplinar, envolvendo estudantes e professores dos cursos de Ciências Sociais e Educação. 2.4 – Metodologia A metodologia e os respectivos procedimentos adotados para a realização do presente projeto estão fundamentados na prática da pesquisa-ação (Thiollent, 1986), bem como na perspectiva da formação humana. Nesse sentido, no que diz respeito aos aspectos organizativos, reuniões periódicas serão realizadas com membros dos movimentos sociais envolvidos visando à interação, esclarecimentos e exposição do plano de trabalho. A equipe conta ainda com um cronograma de reuniões periódicas com a participação de todos os membros envolvidos de forma a: - Elaborar os roteiros de discussão sobre a temática abordada pelo filme/documentário; - Definir a dinâmica a ser desenvolvida junto ao público alvo visando à transferência de conhecimento e formação crítica; - Avaliar o debate e a dinâmica após a exibição do filme; - Elaborar e planejar os mini-cursos e as oficinas; - Ministrar os mini-cursos e as oficinas; - Elaborar ações a serem desenvolvidas no sentido de avaliar continuamente o projeto e implementar correções. O projeto está organizado em Módulos Temáticos, sendo cada módulo composto por sessões de cinema e debates sobre os filmes, mini-cursos e oficinas. A primeira temática: “Reestruturação Produtiva e Mundo do Trabalho” foi desenvolvida no primeiro semestre de 2009 a partir do filme “Ou tudo ou Nada” (Inglaterra, 1998). Nesse momento discutimos

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fundamentalmente a reestruturação produtiva do capitalismo e implicações para o trabalho, tais como: terceirização, flexibilização, emprego do trabalho feminino e temporário, bem como os elementos da crise do sindicalismo. Os movimentos mais envolvidos nessa discussão foram os sindicatos do fumo e dos professores da rede pública. Em função da presença significativa de movimentos especificamente rurais ligados à defesa da reforma agrária, a temática que está sendo desenvolvida no segundo semestre de 2009 visa discutir a questão agrária no Brasil e a organização dos movimentos sociais de luta pela terra. Foram escolhidos dois documentários de curta duração, quais sejam: Guariba (1984) e Bagaço (2006). Cada Sessão de Cinema conta com uma breve exposição da sinopse do filme/documentário, apresentando o tema e a linguagem fílmica. Dessa forma, a linguagem cinematográfica, além de promover o entretenimento, torna-se um instrumento didático aprimoramento das capacidades cognitivas do público envolvido. Em seguida haverá a exibição do filme. Após a Sessão de Cinema é composta uma mesa de debates formada por membros da equipe do projeto. Seguindo-se à exposição dos especialistas da mesa, é promovido um debate com o público. Os mini-cursos e as oficinas partem da análise fílmica para a discussão das temáticas sendo utilizadas as seguintes dinâmicas: - Análise em conjunto (re-exibição das cenas mais importantes do ponto de vista do público e posterior análise); - Análise globalizante (debate a respeito de aspectos positivos e negativos do filme, idéias principais transmitidas pelo mesmo e o que os alunos mudariam nele); - Leitura concentrada (re-exibição de uma ou duas cenas marcantes do filme e discussão do que a respeito do que mais atrai a atenção em tais cenas, o que elas têm a dizer, quais as suas implicações e conseqüências); - Análise funcional (antes da exibição do filme, devem-se passar tarefas para o público, de forma que as realizem enquanto ocorre a exibição; após a exibição, cada um expõe seus resultados e inicia-se um debate a respeito das informações adquiridas); - Análise de linguagem (questiona-se o público a respeito de que história foi contada, como ela foi contada, quais as idéias que ela transmite e suas ideologias). As atividades ocorrem nas sedes das organizações envolvidas e também na própria universidade.

3- Considerações Finais

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Até o momento a equipe, composta de estudantes e professores, está avaliando positivamente o trabalho desenvolvido. As maiores dificuldades estão sendo encontradas junto aos movimentos/organizações rurais em função da heterogeneidade de trabalhadores (assentados, acampados e trabalhadores rurais temporários), de idade e de escolaridade diferenciadas (muitos são analfabetos). Há dificuldades em atingir nesse processo educacional as mulheres que, normalmente ficam com as crianças durante as discussões. É interessante ressaltar que há a presença de um discurso radical de esquerda, permeado por palavras de ordem contra o Estado e a sociedade burguesa entre as mulheres do movimento. No entanto não encontramos questionamentos acerca da divisão social do trabalho no campo. Estamos assim, viabilizando estratégias que viabilizem a discussão com a presença das mulheres e temáticas ligadas à problematização das relações de gênero. Devemos ainda enfatizar que os estudantes têm participado ativamente das atividades, contribuindo para com a sua formação ampliada, primada pelo rigor científico e pela atuação crítica e cidadã junto à comunidade.

4 - Bibliografia ALVES, G. e BATISTA, R. L (Orgs) Trabalho e Educação: contradições do capitalismo global. Ed. Práxis. 2006. ALVES, G. O Novo e Precário Mundo do Trabalho. São Paulo: Boitempo. 2000. ALVES, M. P. & TAVARES, M. A. “ A Dupla Face da Informalidade do Trabalho: autonomia ou precarização”, IN: ANTURES, R. (Org). Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo. pp. 425-446. BENJAMIN, W. “A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica”, IN: Obras Escolhidas; Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Brasiliense. 1996. DAGNINO, E. “Citizenship in Latin America: an introduction”. Latin American Perspectives. March. 30 (2). 2003 DUARTE, R. A. Cinema e Educação. Belo Horizonte: Autêntica. 2002. GALVÃO A. “O Movimento Sindical frente ao Governo Lula: dilemas, desafios e paradoxos”, IN: Outubro. N. 14. 2006. GANDOLFI, M.R.C. Uma análise sobre o emprego formal no município de Uberlândia, Minas Gerais. Programa de Mestrado em Desenvolvimento Econômico: Instituto de Economia, Universidade Federal de Uberlândia. Dissertação de Mestrado. 2001. HOLSTON, James and CALDEIRA, Teresa.. “Democracy, law, and violence: disjunctions of Brazilian citizenship”. In AGÜERO, Felipe and STARK, Jeffrey. (Org.). Fault Lines of

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Democracy in Post-transition Latin America.Florida: North-South Center Press. 1998. pp. 263-96. MORAN, J.M. “Ensino e Aprendizagem Inovadores com Tecnologias Audiovisuais e Telemáticas”, IN: MORAN, J. M. et all. Novas Tecnologias e Mediação Pedagógica. Campinas: Papirus. 2000. RODRIGUES, N. “Adeus Meninos: um discurso contra o esquecimento”, IN: TEIXEIRA, I. A. C e LOPES, J. S. (Orgs). A Escola vai ao Cinema. Belo Horizonte: Autêntica. 2003. SALES, T. “Raízes da desigualdade social na cultura política brasileira”. IN: Revista Brasileira de Ciências Sociais. 25. 1994. pp. 26-37. SOARES, L. T. “Desigualdade Social e Pobreza no Brasil no Contexto Latino-Americano: transição ou retrocesso”. Trabalho apresentado no Seminário A Questão Social em 500 anos promovido pela Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Nov/dez. 2000. mimeo. THIOLLENT, M. Metodologia da Pesquisa-ação. São Paulo: Ed. Autores Associados/Cortez. 1986.

www.ipeadata.gov.br(acessado em 03/05/2007).

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I SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM EXTENSÃO POPULAR – SENAPOP João Pessoa – UFPB – 24 a 27 de novembro de 2009

Considerações sobre extensão universitária e avaliação

Carolina Patrocinia Quiquinato Cristiana Gonzales Jony Marcos Rodrigues do Santos Márcio Rogério Olivato Pozzer Djalma Gouveia da Silva Melina Rombach Shirley Pinheiro

Resumo De iniciativa da equipe estadual do Programa de Extensão Universitária e Cultura, o PROEXT Cultura, programa do Ministério da Cultura cuja finalidade é financiar projetos de extensão universitária das universidades públicas brasileiras, o presente trabalho tem como objetivo discutir a problemática da avaliação dos projetos de extensão universitária.

1. Introdução De iniciativa da equipe estadual do Programa de Extensão Universitária e Cultura, o PROEXT Cultura, programa do Ministério da Cultura cuja finalidade é financiar projetos de extensão universitária das universidades públicas brasileiras, e neste caso em sua primeira edição estadual, cujo objetivo é financiar projetos de extensão universitária das universidades paulistas, o presente trabalho tem como objetivo discutir a problemática da avaliação dos projetos de extensão universitária. O Proext Cultura – SP, tem como objetivo através do financiamento de projetos de extensão universitária na área de cultura, fomentar iniciativas extensionistas culturais das universidades públicas apoiando e potencializando as iniciativas propostas, para que estas possam contribuir na implementação de políticas públicas na área de cultura, mas principalmente potencializando estas iniciativas para que estas ampliem a discussão do papel da extensão universitária na formação acadêmica, reafirmando seu lugar no tripé fundamental das

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I Seminário Nacional de Pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR/ANEPOP - 2009 universidades públicas brasileiras – ensino, pesquisa, extensão -, bem como seu papel na transformação de processos sociais mais amplos. Tendo como plano de fundo os objetivos do Proext, e principalmente o atual quadro da extensão universitária, que hoje está relegada a um segundo plano quando comparada às demais funções do tripé fundamental regente das Instituições Públicas de Ensino Superior brasileiras, o presente artigo busca fomentar a discussão acerca da criação de uma metodologia de avaliação dos projetos desenvolvidos pelas atividades extensionistas que dê conta de considerar todos os seus aspectos, sua contribuição à formação acadêmica de nossos estudantes e professores, passando por uma avaliação quantitativa que nos proporcione uma base que nos permita saber quantos projetos são desenvolvidos, chegando a uma avaliação mais qualitativa revele qual a contribuição dos projetos para a transformação social. Sendo assim, o objetivo que buscamos ao levantarmos toda essa problemática acerca das atividades desenvolvidas no âmbito da extensão universitária focando na proposição de um método de avaliação dos projetos de extensão universitária, é buscar elementos que possam proporcionar a efetiva institucionalização das atividades extensionistas, levando-a ao mesmo grau de prioridade auferido às atividades de ensino e pesquisa, tornando-a um dos critérios de avaliação da qualidade das universidades públicas brasileiras. Estruturado em três partes, o artigo inicia a discussão com um breve panorama geral do contexto das atividades extensionistas desenvolvidas nas universidades brasileiras, no que tange a financiamento, avaliação e grau de prioridade em relação às atividades de ensino e pesquisa. Num segundo momento debruçamos- nos à questão da avaliação das atividades promovidas através da extensão universitária, o que já foi discutido e desenvolvido acerca do tema, bem como toda a problemática envolvida na criação de uma metodologia que dê conta de considerar toda a subjetividade envolvida nas especificidades dos projetos desenvolvidos. Por fim, na conclusão, sistematizamos a problemática levantada e a discussão desenvolvidas, sinalizando para um possível modelo metodológico a ser desenvolvido, que considere as dimensões quantitativas, mas principalmente as qualitativas que nos permitam avaliar o impacto das atividades de extensão universitária em processos sociais mais amplos.

1. Desenvolvimento

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Embora o princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão seja considerado como um dos parâmetros que refletem a qualidade universitária, estudos mostram que esta última função – a extensão – recebe pouca importância dentro do sistema de educação superior brasileiro, seja no que tange ao financiamento quanto ao que se trata de avaliação das ações –extensionistas. Este fato pode ser observado, tanto pela ótica dos extensionistas (aqueles que praticam a extensão), quanto pela ótica das universidades, ou mesmo por parte do governo. (RODRIGUES [2002]: 65)41 Nos últimos anos, a avaliação das atividades universitárias tem despertado interesse dentro do meio acadêmico e dentro da sociedade de maneira geral. Isso por conta das funções e papéis que as universidades assumem no desenvolvimento econômico, social e cultural do país. A pesquisa, enquanto função universitária, recebe grandes aportes financeiros dentro das universidades, o que fomenta sua expansão gradual e de seus mecanismos avaliativos que mensuram o volume e o impacto da produção científica decorrente dos investimentos realizados. Por outro lado, o ensino (universitário), que se reserva à formação de profissionais de nível superior e, como tal, se pauta na transmissão do conhecimento, possui inúmeras ferramentas de avaliação, como

aplicação de exames nacionais, como por exemplo, o ENADE (Exame

Nacional de Desempenho de Estudantes). Por sua vez, atividades de extensão universitária, no Brasil, não tem sido alvo de iniciativas semelhantes, não contam com mecanismos institucionais consolidados que estabeleçam critérios que avaliem a quantidade, qualidade ou impacto de suas ações na interação com a realidade social. (Marcovith & Pereira [1998]: 80)42 A análise da literatura concernente ao tema demonstra uma preocupação em incentivar e criar condições para que as ações na área da extensão universitária passem por procedimentos avaliativos. Tal conclusão advêm das reflexões contidas no documento “AvaliaçãoNacional da Extensão Universitária”43e pode ser depreendida pelo seguinte excerto: “...é de fundamental importância a avaliação da sociedade sobre o papel da universidade, bem como a análise dos impactos da ação extensionista na transformação da própria universidade, que pode ser percebido pelo estabelecimento de novas linhas de pesquisa,

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RODRIGUES, Marilúcias de Mendes. A extensão Universitária como um dos parâmetros de avaliação da universidade. Revista Educação e filosofia - V.16 - n° 31, jan./jun. 2002. pp. 65-74 42 MARCOVITCH, Jacques & PEREIRA, Júlio Cesar Rodrigues. Avaliação de atividades de extensão Universitária. Revista de Administração, São Paulo v.33, n.2, p.79-85, abrilljunho 1998 43 AVALIAÇÃO NACIONAL DA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA. SERRANO, R. M. S. M. et al. (Brasília): MEC/SeSu; (Paraná): UFPR; Ilhéus (Ba): UESC, 2001. (Coleção Extensão Universitária; v.3)

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criação de estágios e novos cursos. (Avaliação Nacional da Extensão Universitária, 2001, p.24)”

Portanto, é nesse contexto, em que se aponta para novas perspectivas em relação à Extensão Universitária, onde se espera pela construção de processos avaliativos, fundamentados em indicadores e parâmetros, que dêem conta de apresentar sistematicamente a atuação extensionista, apontando para fatores que obstam o alcance de seus objetivos e mensurando as mudanças proporcionadas pelas atividades extensionistas em processos sociais mais amplos.

Com essa estratégia, espera-se que a extensão alcance maior respaldo e valorização no meio universitário, o que sem dúvida pode levar a sua institucionalização efetiva enquanto pratica acadêmica universitária e retirem a da marginalidade nos processos gerais de avaliação da qualidade acadêmica que, por hora, centram-se sobretudo nas duas outras funções universitárias mais prestigiadas e praticadas – pesquisa e ensino (Avaliação Nacional da Extensão Universitária, 2001, p.24)

Destarte, considerando a importância da extensão universitária enquanto ação de alto potencial transformador e formulador de novos conhecimentos e práticas culturais, o Ministério da Cultura cria em 2007 o Programa de Extensão Universitária em Interface com a Cultura – Proext Cultura. Este programa tem como objetivo central incentivar a extensão universitária por meio de premiação a projetos e programas com ênfase na inclusão social em universidades públicas, federais, estaduais e municipais. E cria em 2009 um Programa Piloto no Estado São Paulo – Proext Cultura SP. Esse novo programa inova, entre outros pontos, no que tange a avaliação das ações premiadas. Assim, o programa prevê em seu Plano de Trabalho a elaboração de uma metodologia que de conta de apontar os resultados das ações de extensão que busca financiar. 2. Avaliação da atividades extensionista Os procedimentos de avaliação, historicamente, foram melhores desenvolvidos e mais corriqueiramente aplicados nas chamadas ciências econômicas, que tem como particularidade seu viés quantitativista, porém a transladação (com base em um instrumental sociológico) desses procedimentos para a elaboração de uma metodologia que avalie e extensão universitária exige algumas considerações:

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Extensão, por cumprir um papel de integração entre a universidade e sociedade, lida com temas amplos nem sempre passiveis de quantificação, como por exemplo, conquista de direitos, formação de uma nova cultura política, promoção da cidadania ect. O que torna difícil o aferimento de valor e/ou o estabelecimento padrões. Por exemplo, em um projeto de extensão cujo objetivo é valorizar e fortalecer o saber popular, através de ações especificas como rodas de leitura de livros que versem sobre a cultura popular, se colocarmos o desafio de avaliar objetivamente quais foram os resultados, podemos, com isso, incorrer no risco de avaliar apenas as dimensões operativas do projeto: número de pessoas que participaram do projeto, número oficinas, número de livros lidos etc. Assim, deixando de avaliar o impacto dessas ações em processos sociais mais amplos, como por exemplo, o registro da memória popular através da cultura. (COHEN & FRANCO[2004])44 Outro fator decorrente deste fato é a questão do controle de variáveis. A extensão universitária por pressupor uma interface direta com a sociedade, em que plasma e é plasmada por distintos fenômenos societais (aliás, é condição necessária para sua existência), implica diretamente em processos avaliativos que pretendam mensurar o impacto de determinadas ações de extensão, adotando para tanto modelo experimentais rígidos que tenham como objetivo considerar exclusivamente as modificações na realidade social ou institucional atribuídas a prática extensionista, tentado isolar outras possíveis variáveis sociais que possam interferir nos resultados da avaliação – o que na economia recebe o nome de condição ceteris paribus, "mantidas inalteradas todas as outras coisas", é usada para realizar uma análise da influência de um fator econômico sobre outro, sem que as demais variáveis sofram alterações. (Barrow [2000])45 A confusão entre avaliação e controle/fiscalização é mais um desafio que pode ser colocado. Segundo SILVA (SILVA [2003])46. Devemos ter cautela para não deixar cair sobre o termo avaliação uma conotação contraproducente, de conotação, meramente de controle, de fiscalização, ou ainda o empregar somente para contabilizar resultados. É preciso perceber a avaliação como a busca por subsídios que possibilitem qualificar uma ação e implementar recursos para corrigir as dificuldades que forem identificadas, objetivando a melhoria de ações ulteriores. Dessa forma, ao aliarmos os fatores listados como componentes a serem considerados e observados quando se fala de avaliação de ações extensionistas com o quadro geral da situação 44

COHEN, Ernesto, FRANCO, Rolando. Avaliação de projetos sociais. Petrópolis RJ : Vozes, 2004, Capítulos IV e VI, p. 78-74 e 108-117 45 Barrow, C. J. Social Impact Assessment: An Introduction. London: Arnold. 2000. 46 SILVA, Maria Ozanira da Silva e (org.). Avaliação de políticas e programas sociais: teoria e prática. São Paulo : Veras Editora, 2001, p. 54-91.

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I Seminário Nacional de Pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR/ANEPOP - 2009 da extensão universitária no tripé – ensino, pesquisa, extensão- em que observa-se a extensão num segundo plano em comparação aos outros dois eixos, observamos a necessidade de analisarmos uma nova forma de avaliação de ações extensionistas, uma metodologia que dê conta de atribuir ao processo de avaliação de ações universitária que a caracterize enquanto parte do parâmetro de mensuração da qualidade das universidades, contribuindo para a equiparação da extensão aos outros dois componentes do tripé – ensino e pesquisa – balizadores da qualidade das universidades, sem no entanto atribuir às ações extensionistas caráter mercantilista de mera atribuição de valores às atividades, levando em consideração suas particularidades e contribuições em processos sociais mais amplos. 3. Conclusão Avaliar a universidade é um procedimento complexo, essencial como ferramenta de autoconhecimento e de indicativo de norte que orientem a instituição na realização de seu papel social, e deve estar conglobada à vida universitária, fazendo parte do cotidiano acadêmico como um processo perene, que procure nortear as ações institucionais. É nesse sentido que buscamos com esse trabalho fazer uma revisão bibliográfica que nos desse subsidio para refletir sobre a relação entre ações de extensão universitária e a o procedimento de se avaliar. O que nos leva a consideração que valorização e institucionalização da extensão universitária

passa, indubitavelmente, pelo desafio de avaliar a qualidade (e também a

quantidade) das suas ações e seus efeitos no tecido social, bem como no interiro da própria universidade, uma vez que esta favorecer o ensino e gera conhecimentos.

Todavia, também levamos em que nossas análises estão estabelecidas em uma área complexa, de abordagens qualitativas e quantitativa, em que os dados obtidos via de regra escapam das capacidade “exata” mensuração, oferecendo fenômenos que não se colocam a variáveis operacionais. Por isso, não é nossa prevenção, de forma alguma, alcançarmos verdades absolutas, mas sim, vislumbrar uma possível metodologia que de conta de facilitar a interpretações que dessem e suporte à ações de extensão universitária e a iniciativas a fim.

Referencias Bibliográficas: ARRETCHE, Marta T. S. "Tendências no estudo sobre avaliação" in RICO, Elizabeth Melo (org.). Avaliação de Política Sociais: Uma Questão em Debate. São Paulo: Cortez: IEE, 1998.

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AVALIAÇÃO NACIONAL DA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA. SERRANO, R. M. S. M. et al. (Brasília): MEC/SeSu; (Paraná): UFPR; Ilhéus (Ba): UESC, 2001. (Coleção Extensão Universitária; v.3) CANO, Wilson. Introdução à Economia: uma abordagem crítica. São Paulo SP: Fundação editora da UNESP, 1998. COHEN, Ernesto, FRANCO, Rolando. Avaliação de projetos sociais. Petrópolis RJ : Vozes, 2008. ELPO,Mirian E. H. Collares. A Avaliação da Extensão Universitária na UERJ: Resultados e Desafios. Anais do 2º Congresso Brasileiro de Extensão Universitária,Belo Horizonte, set. 2004. Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras; SESu / MEC. Plano Nacional de Extensão Universitária – Edição Atualizada. Brasil, ed: 2000/2001 MARCOVITCH, Jacques & PEREIRA, Júlio Cesar Rodrigues. Avaliação de atividades de extensão Universitária. Revista de Administração, São Paulo v.33, n.2, p.79-85, abrilljunho 1998 RODRIGUES, Marilúcias de Mendes. A extensão Universitária como um dos parâmetros de avaliação da universidade. Revista Educação e filosofia - V.16 - n° 31, jan./jun. 2002. pp. 6574 SANTOS, Sonia Regina Mendes; CASTRO, Luciana M. Cerqueira.Avaliação da Extensão Universitária na Proposta do SINAES.Anais do 2º Congresso Brasileiro de Extensão Universitária, Belo Horizonte, set. 2004. SILVA, Maria Ozanira da Silva e (org.). Avaliação de políticas e programas sociais: teoria e prática. São Paulo : Veras Editora, 2001, p. 54-91.

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DA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA A SUPERVISÃO: RELATOS VIVENCIAIS

Hediany de Andrade Melo – UEPB Rafaella Azuzzy – UEPB Renally Xavier de Melo – UEPB Renata Oliveira dos Santos – UEPB

Resumo: Inúmeros trabalhos científicos debatem o que é Extensão universitária, seu papel na sociedade ou no tripé ensino-pesquisa-extensão e suas metodologias. No entanto, no presente artigo, daremos ênfase à importância da supervisão do trabalho extensionista através do relato e debate de nossas experiências, nesse momento indispensável da Extensão em si. Destacamos a (auto)criticidade e a abertura para a opinião do outro na atitude do grupo de supervisão e o entendemos como grupo uma vez que não só o professor, mas os colegas também se corrigem e se ajudam mutuamente. Para tanto dialogamos com teóricos como REY (2002), NETO (2004), FREIRE (1997), SILVA (1997).

INTRODUÇÃO

Esse trabalho surgiu no decorrer da nossa experiência no curso de graduação em Psicologia oferecido pela Universidade Estadual da Paraíba – UEPB, nas disciplinas de Extensão I e II, cursadas entre os períodos 2008.1 e 2009.2. Nosso grupo tem por orientador o professor Dr. Ivontônio Gomes Viana47 e nossa intervenção tem como cenário o Centro de Assistência Psicossocial (CAPS) III – Reviver, localizado na Rua Paulo Afonso, número 188, no bairro do Centenário, na cidade de Campina Grande – Paraíba. 47

Doutor pela universidade Federal da Paraíba e professor do curso de Psicologia da Universidade Estadual da Paraíba e da especialização em Psicopedagogia da Faculdades Integradas de Patos – PB.

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Após fazer este percurso territorial onde situamos os lugares físicos que ocupamos, faz-se necessário falar da extensão universitária enquanto um lugar também subjetivo. Falar de nossas impressões e experiências, pensar nessa possibilidade de um saber-fazer científico e profissional, é acima de tudo, falar de um espaço de novas e muitas vezes inusitadas percepções, mesmo que estas, no mais das vezes, não sejam das melhores... Passamos dias e noites para tentar entendêlas e para complicar a vida de um extensionista, na supervisão, percebemos que, de fato, a linguagem se torna insuficiente, o relato experiencial não é capaz sequer de tanger a vivência real, o momento na comunidade, a coisa vivida. A imagem que pensamos ao se falar, ou melhor, ao se fazer extensão universitária é a de um terreno pantanoso, onde teoria pouco sustenta a prática, e lá estamos nos afundando. Nesse lugar se faz indispensável o uso da sensibilidade e da intuição para perceber as pessoas e os momentos, de um certo equilíbrio, jogo de cintura para lidar com o imprevisto, com a surpresa (embora o leitor mais conservador não entenda estes termos como científicos), de força de vontade e segurança, além, é claro, da criticidade para compreender que existem coisas que devem ser lançadas junto a areia movediça, como muitos dos impasses que encontramos diante da própria desorganização do currículo no que diz respeito à extensão, tendo em vista inclusive que ela parece ocupar o lugar da “prima pobre” no tripé universitário pesquisa-ensino-extensão. Mas afinal o que é extensão? Seria possível defini-la? Ou melhor seria, ao invés de tentar responder a esses questionamentos, estabelecer o que ela não é o que ela não deve fazer? Pensando assim, acreditamos que a ela não cabe levar um saber pronto e acabado que não dê margem para as pessoas falarem e trazerem minimamente algo de si mesmas, se posicionarem política, social e emocionalmente, fazerem-se efetivamente existir. Como dito anteriormente a nossa delimitação de intervenção foi feita junto ao grupo de família do CAPS – III. Escolhemos este público por acreditarmos que nele somos capazes de uma contribuição singular e recíproca, o que, para a nossa formação se torna extremamente positivo, uma vez que, enquanto futuros profissionais da Psicologia, vivenciamos (não só em grupo, mas individualmente também) a elaboração de uma práxis própria, além da experiência dentro do próprio processo de desinstitucionalização no campo da Saúde Mental, que passa por um procedimento de construção e consolidação de um modelo descentralizado e de autogestão. Todavia, percebemos que o campo da saúde (que para nós, de saudável, quase nada se vê), aparece-nos como o lugar da patologia é como se a substituição do nome (por exemplo, de manicômio para Centro de Atenção Psicossocial) não mudasse em nada as práticas nesta área, o que percebemos é uma máscara a mais, na qual as relações de poder estabelecidas entre usuários e técnicos não diferem das práticas estabelecidas em um modelo centralista. E é importante

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ressaltar que a única questão que não parecer ser centralizada em ambos é a pessoa que demanda desses serviços, sua humanidade, seu contexto e a sociedade que a acolhe ou exclui. Finalmente, nesse sentido, vemos na extensão universitária, uma faísca de esperança de trazer à tona discussões que façam parte da vida dessas pessoas e que contribuam de alguma forma com a sua qualidade de vida, cidadania e até afetividade. Partindo disso, daremos ênfase ao papel do processo de supervisão na prática extensionista.

A EXTENSÃO E A SUPERVISÃO

A prescrição

Pensar em extensão nos leva a uma possibilidade de articular a teoria apreendida em sala de aula, com a prática propriamente dita, realizando um trabalho social útil em uma determinada instituição ou comunidade, que na grande maioria abrange em sua estrutura povos excluídos da sociedade que apresentam um baixo nível escolar, social e econômico. Nesta concepção, a extensão universitária funcionaria, no dizer Singer (2004), como uma construção de uma nova hegemonia, que levaria para o local de sua aplicação um saber e um conhecimento, que por sua vez, proporcionaria desenvolvimento tanto para a comunidade como para os indivíduos que a praticam. De acordo com Neto (2004), a universidade enquanto um local de ensino e pesquisa estaria por meios de seus trabalhos extensionistas, retribuindo à sociedade tudo aquilo que a mesma investe nesta instituição: Embute-se uma compreensão de troca entre a universidade e a sociedade, em que aquela precisa devolver a esta tudo que está sendo investido. Essa visão vislumbra a universidade como devedora da sociedade, fragilizando-a nessa relação ou expressando, talvez, um desejo de instalação, na universidade, da política do toma-lá-dá-cá (NETO, 2004, p. 42).

Mas será que isto seria, de fato, extensão universitária? Uma simples troca de favores? Se a resposta à primeira pergunta for negativa, pões-se uma nova questão: O que seria a extensão? Para que e para quem ela serve? Qual a sua utilidade? Estes são questionamentos que pairam na mentalidade de muitos estudantes como nós, que se inquietam quando suas práticas são muitas vezes confundidas com obras assistencialistas demandadas pelo governo, ou quando são consideradas como uma prestação de serviços que qualquer pessoa estaria habilitada a realizar, sem necessariamente possuir ou estar em um curso superior, como afirma Neto (2004):

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Em grande medida, a extensão vai sendo veiculada como prestação de serviços. Ora se torna estágio, quando atrelada a programas de governo; ora se torna uma forma de captar recursos; ora por meio dela busca-se estudar problemas da realidade. O mais curioso é que a extensão, muitas vezes, é considerada como uma espécie de sobra da universidade, podendo ser tudo aquilo que não se identifica como atividade de ensino ou pesquisa. (NETO, 2004, p. 44).

Sabemos que a extensão vai muito além destes conceitos e práticas supracitados e que para ela ser realizada há grande necessidade de um estudo, de que se passe por uma revisão bibliográfica e que haja um profissional capacitado guiar da melhor forma os estudantes que empreendem este tipo de trabalho. Além do mais, a extensão não se restringe à aplicação de teorias, pois é notório que por mais que a teoria forneça um suporte necessário ela não explica tudo, principalmente quando a fonte de estudo é a subjetividade humana, uma vez que todo sujeito é feito também de emoção, individualização, contradição... Enfim, não podemos ver as pessoas como uma “tabula rasa” nem mesmo a nós extensionistas como os “detentores do saber”, mas devemos encontrarmos-nos em um mesmo patamar, funcionando assim a extensão como uma espécie de avenida de mão dupla, na qual o conhecimento transite e onde haja o crescimento tanto do estudante extensionista como da comunidade. Nesse sentido, segue Silva (1997):

A extensão universitária é, na realidade, uma forma de interação que deve existir entre a universidade e a comunidade na qual está inserida. É uma espécie de ponte permanente entre a universidade e os diversos setores da sociedade. Funciona como uma via de duas mãos, em que a Universidade leva conhecimentos e/ou assistência à comunidade, e recebe dela influxos positivos como retroalimentação tais como suas reais necessidades, seus anseios, aspirações e também aprendendo com o saber dessas comunidades. Ocorre, na realidade, uma troca de conhecimentos, em que a universidade também aprende com a própria comunidade sobre os valores e a cultura dessa comunidade. Assim, a universidade pode planejar e executar as atividades de extensão respeitando e não violando esses valores e cultura. A universidade, através da Extensão, influencia e também é influenciada pela comunidade, ou seja, possibilita uma troca de valores entre a universidade e o meio.

Isto posto, nossa reflexão sobre a extensão universitária nos leva a considerar, além dos fatores que se destacam e se repetem incessantemente nos artigos sobre o tema, que a extensão universitária é acima de tudo uma construção conjunta, na qual todos os participantes – tanto extensionistas, como universidade e comunidade – têm de por a mão na massa e se sujar, se implicar, se posicionar e trabalhar com muita clareza de qual é a utilidade social de seu trabalho,

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sem incorrer nos erros da utopia de mudar o país com a extensão nem do pessimismo de achar que nada vai mudar. O que torna a extensão ainda mais complexa no campo das ciências antropossociais é exatamente o fato de sermos nós objetos/sujeitos de nossa própria intervenção. Ter a consciência disso já é um progresso fenomenológico e um exercíco de humildade na construção conjunta de todo e qualquer tipo de conhecimento e de trabalho. Partindo de uma visão epistemológica e fenomenológica como esta, nossas posturas, nossas práticas e nossas expectativas, embora impregnadas de fantasias, serão um pouco mais sóbrias e condizentes com a realidade, fazendo assim com que não percamos o encanto por tudo aquilo que somos capazes de construir. Isso implica dizer que o reconhecimento de nossa impotência (não somo capazes de mudar realidades usando porções nem dizendo “palavras mágicas” de algum teórico) diante da riqueza, imprevisibilidade e incontrolabilidade do fenômeno humano é um dos pressupostos básicos e essenciais para um devido estabelecimento da ação extensionista. Nesse caso, diferentemente da pesquisa, não teremos objetos de estudo, mas relacionar-nos-emos com pessoas, subjetividades, vontades, corpos, imaginações vidas... e nada disso é acabado. Experienciando a extensão, percebemos que somos todos obras abertas, em construção e isso é um perigo e é isso que nos faz continuar.

A experiência Após esse comentário sobre o que entendemos por extensão nos deteremos na supervisão e partiremos para o nosso relato de experiência dentro destes dois conceitos, dando maior enfoque aos momentos que passamos na sala de supervisão. Como já foi mencionado no início do nosso trabalho, a nossa extensão começou no período letivo de 2008.1, tendo a durabilidade de dois anos, ou seja, a conclusão desta disciplina será no fim do período letivo de 2009.2, ou seja, falamos do meio do caminho. O primeiro ano da disciplina discorreu-se para a escolha do local aonde iríamos realizar a extensão e conseqüente elaboração do projeto, este por sua vez, foi deferido por todo o grupo, sendo a opção desejada Centro de Associação Psicossocial (CAPS) III – Reviver localizado na cidade de Campina Grande – PB. Durante este período realizamos algumas visitas à instituição, como também, realizamos muitas leituras acerca do tema da Saúde Mental, Reforma Psiquiátrica, Atenção Psicossocial, família, entre outros, fazendo sempre as discussões e interlocuções entre os mesmos. As intervenções só foram iniciadas no período de 2009.2, no mês de setembro, vindo

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juntamente com elas as temidas supervisões, orientadas pelo nosso professor Dr. Ivontonio Viana. No limiar deste período e até o momento, pois vale salientar que ainda estamos no andamento deste trabalho, as supervisões (que acontecem à terça feira à tarde) tem se tornado para nós um espaço de crescimento e de mudanças. Crescimento porque aumentamos a nossa capacidade (auto) crítica e criativa a partir da observação dos nossos erros e os dos nossos colegas e mudanças porque tais aspectos refletem nas nossas práticas e nos nossos fazeres a cada ida a instituição, que por sua vez não são os mesmos de anteriormente, havendo uma melhora significativa em nossas atuações, fatores estes que não se fariam presentes sem a presença das supervisões. Desta forma, a experiência em extensão nos remete a um momento de “desconstrução” de todo o aporte teórico que nos foi colocado anteriormente pela literatura e em discussões na sala de aula. Um momento de descortinamento do próprio discurso acadêmico sobre a prática extensionista, que quando é posta à prova diante de uma realidade, dissolve-se e deixa um vazio, como se nunca houvesse existido. Pensar extensão é pensar num terreno pantanoso onde podemos perceber as várias efervescências de um fazer psicológico minimamente ético e respeitoso com aqueles que participam e reconstroem as nossas intervenções. No entanto para que este fazer venha a se desenrolar de maneira satisfatória, se faz necessária a presença de um professor que exerça o papel de orientador, para que juntamente com seus alunos possa vir a planejar o desdobramento deste tipo de trabalho interventivo. Mais em que local o trabalho conjunto entre professor e alunos deve ser realizado? A resposta se constitui a partir de sensações e questionamentos vivenciados durante as reuniões de supervisões, como já foi mencionado, este espaço se constitui enquanto fundamental. Sendo este um lugar onde todas as dificuldades em lidar com a alteridade, com o limite imposto pelas circunstâncias, com o pequeno alcance teórico e com medo da prática emergem, desnudando de forma vivencial o real fazer extencionista. Na sala de supervisão, temos experienciado o quanto precisamos aprender, ratificando o nosso pensamento que nós ainda não estamos prontos e que a universidade, por mais que possibilite a extensão como foi citado no início do texto, não prepara o aluno para este tipo de trabalho, isto por sua vez, nos causa sentimentos como medo, angústia e revolta. Também puderam ser observadas durante as supervisões, as dificuldades aparentes que encontramos no trabalhar com o outro, de lhe dar com opiniões divergentes ou com discursos e práticas que não trazem nenhum desenvolvimento tanto a nível individual como grupal. E é justamente, a partir destas dificuldades levantadas que colocamos mais uma vez a necessidade de um bom orientador

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que possa vir a dar os limites necessários e supervisionar o nosso fazer enquanto extensionistas e futuros profissionais, para que a nossa atividade não venha a ser confundida como um simples entretenimento que qualquer pessoa estivesse possibilitada a realizar, mais um trabalho sério, que venha a desencadear mudanças e alterações na funcionalidade psíquica dos sujeitos que farão parte destas atividades. Diante de todas estas circunstâncias compreendemos que a supervisão se constitui como uma parte imprescindível dentro da extensão, e que a sua não realização privaria o trabalho de efetivamente produzir, pois é durante este momento que nos damos conta do quanto somo imaturos e do quanto ainda somos tomados pelo pensar acadêmico e catedrático, ao ponto de pensarmos que tal experiência é dissociada da realidade vivencial. Podemos perceber tamanha imaturidade a partir de pensamentos e ações colocadas durante as nossas tardes de supervisão, como nas seguintes falas ditas por alguns alunos: “foi bonzinho, as produções48 até que coincidiram com o discurso” ou “eles têm consciência política”. Será que apenas nós, estudantes universitários, somos passíveis de possuir uma consciência política? Ou Será que se o discurso do grupo não tivesse se enquadrado nas produções interventivas e, especialmente na teoria, não haveria tido uma produção, não só científica, mas de outras ordens como a emocional? Questionamos-nos, sobre práticas interventivas como essa, pois será que nós que fazemos parte da academia somos o sujeito suposto saber, como traz a Psicanálise, capazes de dar conta de toda e qualquer demanda trazida pelos outro? Não acreditamos na subestimação nem a supervalorização do grupo, mas simplesmente no ouvir e oferecer o espaço para que o outro se coloque, trazendo nas suas falas seus anseios, sofrimentos, vivências, angústias, seu saber, que pode não ser científico, mas que mesmo assim o acompanha no dia-dia, na vida cotidiana, na vida real que a ciência não consegue conter. São justamente todos esses questionamentos que refletimos somente a partir de um trabalho de supervisão, reconhecendo desta forma a importância deste para que não nos enquadremos em uma camisa de força.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Partindo do conceito de Extensão Universitária que aqui construímos, ou seja, uma extensão que não tem por objetivo meramente ser uma prestação de serviço nem estender o saber acadêmico à comunidades que por fatores diversos, tais como dificuldades econômicas, políticas 48

Produções plásticas de massa de modelar construídas pelo grupo assistido em uma das intervenções.

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e sociais, não têm acesso à educação superior ou que se encontram em risco, mas que pretende chegar a estas comunidades e ser uma ferramenta de ação social a ser utilizada pela própria comunidade para que esta, por sua vez, se torne agente de sua própria mudança. Para tanto, nos interessa, enquanto extensionistas, o saber da comunidade, a vontade de cada indivíduo, os sentimentos vivenciados em nossos encontros e desencontros... Estes fatores nos fazem vivenciar novas sensações, refletir e, a todo tempo, reconstruir nossas concepções, visões e práticas. Acreditamos que é na supervisão que percebemos e elaboramos tudo isso; lá nos organizamos (ou não), delineamos nossas balizas de atuação, percebemos a discrepância entre teoria e prática e o “jogo de cintura” que as circunstâncias nos obrigam a ter e o descortinamento de uma realidade bem diferente da que havíamos concebido, cheia de preconceito e estereótipos. São estes momento de descoberta de limites (nossos e dos outros), esse encontro com a alteridade, este “se colocar na berlinda” que nos apontam erros e acertos e nos conduzem à construção de uma práxis mais adaptada à cada realidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FREIRE, Paulo. Comunicação ou extensão? 12ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997 GONZÁLEZ, Fernando Luís Rey. Pesquisa qualitativa em psicologia: caminhos e desafios. São Paulo: Pioneira Thomson, 2002. NETO, José Francisco de Melo. ExtensãoUniversitária Autogestão e Educação Popular. João Pessoa, 2004. SILVA,

Oberdan

Dias.

O

que

é

Extensão

Universitária.

1997.

Disponível

http://www.ecientificocultural.com/ECC2/artigos/oberdan9.html. Acesso: 30 09 2009 SINGER, Paul Apresentação. In: O que e Extensão Universitária. João Pessoa, 2004.

I SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM EXTENSÃO POPULAR – SENAPOP João Pessoa – UFPB – 24 a 27 de novembro de 2009

em:

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O PERGUNTAR DAS CRIANÇAS NO CAMINHO DA EXTENSÃO POPULAR

Tânia Rodrigues Palhano

RESUMO Este trabalho intenta mostrar a experiência de atividades de extensão com crianças da primeira fase do ensino fundamental através do saber filosófico como um saber investigativo e compartilhado, a partir de questionamentos sobre a possibilidade do desenvolvimento da abordagem reflexiva fundamentada por Lipman em seu programa Filosofia para crianças. Tratase do exame de uma prática pedagógica inserida na Educação para o pensar, que incorpora o desenvolvimento de habilidades cognitivas e que aciona a discussão filosófica na superação da mera discussão. Esta vivência de extensão popular resulta de atividades do ensino em que se busca habilidades de reflexão com crianças de 1ª a 4ª séries (2º ao 5º ano) do ensino fundamental realizadas na Escola Municipal de Ensino Infantil e Fundamental Santa Emília de Rodat no período de setembro de 1999 a maio de 2004, na tentativa de se compreender a discussão filosófica dada pela problematização de textos iniciadores do diálogo. A fundamentação teórica parte da compreensão dos pressupostos epistemológicos e metodológicos do programa Filosofia para crianças por se apresentar como um norteamento para as alternativas de recursos que buscamos no desenvolvimento de nossas atividades de caráter reflexivo.

INTRODUÇÃO

Este artigo apresenta a vivência de atividades de extensão durante o período de setembro de 1999 a maio de 2004 envolvendo a ação do pensar de crianças das quatro séries iniciais do ensino fundamental, desenvolvidas na Escola Municipal de Ensino Infantil e Fundamental Santa Emilia de Rodat. O pano de fundo das atividades de extensão reside no esforço de alcançar a discussão reflexiva com base em alguns elementos fundamentais da proposta do pensar na educação pelo saber filosófico. Começamos nossas atividades de extensão junto à Escola Municipal de Ensino Infantil e Fundamental Santa Emília de Rodat, em setembro de 1999, tendo em vista a preservação do senso natural de admiração e questionamento da criança, a partir da prática de uma filosofia interrogativa para a formação de um pensar melhor. A nossa proposta é dada pelo exame do ensino de Filosofia para crianças diante dos pressupostos educacionais da investigação e do pensar compartilhado, acreditando na necessidade de reflexão, do exercício do pensar desde os primeiros anos de vida escolar que

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funcione como pressuposto básico para a formação de um novo tipo de homem e de uma nova sociedade. Tomamos como ponto de partida o ensino de filosofia, considerando a pertinência e a necessidade da iniciação filosófica para crianças. Utilizamos materiais didáticos como textos curtos, quadrinhos, música, e a metodologia criada pelo professor americano Matthew Lipman, que consiste em aplicar reflexões para as crianças desenvolvendo suas habilidades cognitivas e a capacidade de fazer julgamentos. A fundamentação teórica parte do programa Filosofia para Crianças iniciado por Mathew Lipman nos Estados Unidos na década de 60 do século passado. Surge como um resgate do pensar na educação, com o intuito de servir à criança uma atividade reflexiva, no sentido de um pensar corretamente, de um pensar menos fragmentário.

Segundo Lipman, Oscanyan e Sharp

(1997: 55), “para muitos adultos a experiência de se admirar e refletir nunca exerceu nenhuma influência sobre suas vidas”. Daí a necessidade de investigação filosófica para as crianças, com o objetivo de “preservar o seu senso natural de deslumbramento, sua prontidão em buscar o significado e sua vontade de compreender o porquê de as coisas serem como são” (Idem, 1997: 55). O primeiro pressuposto, trata da investigação, que segundo Lipman (In Kohan & Leal, 1999: 19), “desenvolve a inclinação natural da criança para perguntar, ser curiosa e discutir”. Parece-nos que esta assertiva põe a filosofia a serviço da educação das crianças com o sentido de que a filosofia seja praticada, feita, exercida e vivenciada pelas crianças. O ensino de um saber reflexivo, como atividade pioneira em escola pública na cidade de João Pessoa, oportunizou a coordenadora, extensionistas, e à comunidade escolar, uma prática investigativa e participativa. O projeto intitulado “Filosofia para crianças na escola” realizado pela Universidade Federal da Paraíba teve a parceria da Escola Municipal de Ensino Infantil e Fundamental Santa Emília de Rodat, também estimulou às crianças o desenvolvimento de habilidades do raciocínio lógico para um pensar melhor. Este projeto é importante como base de uma formação problematizadora nas habilidades de pensamento de crianças do município de João Pessoa, ao tempo em que no dia 15 de janeiro do ano em curso foi publicado no Diário Oficial do Estado da Paraíba a Lei nº 7.302, antes aprovada pela Assembléia Legislativa, Lei de obrigatoriedade do ensino de Filosofia no Ensino Médio. É importante a efetivação do projeto considerando a credibilidade da coordenação junto à Escola Municipal de Ensino Infantil e Fundamental Santa Emília de Rodat, através das diretoras,

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supervisoras, professoras, alunos e alunas, como também o papel social exercido pela UFPB/CE/DFE, com vistas à ampliação das ações de Pesquisa e Extensão junto a sociedade. A opção por uma escola pública para o projeto de extensão envolvendo o pensar teve como objetivo desenvolver uma educação de qualidade às crianças, uma vez que estas não tinham acesso a um conhecimento específico estimulador do pensar, como também, faz parte da proposta da Educação Popular, o ensino de livre acesso a todos e a melhoria de ensino para o povo. Na expressão de Gadotti (1994: 151), “o ensino regular, para ser democrático e popular, deveria ser inteiramente gratuito e universal, de livre acesso a todos, em todos os níveis, público e leigo, criado e mantido pelo Estado”. Com relação à busca do saber filosófico no processo de aprendizagem, indagamos: como as crianças podem fazer suas próprias reflexões partindo de uma metodologia de caráter investigativo e dialógico? Como transformar a sala de aula numa comunidade de investigação, levando-se em consideração, o espaço físico, o número de alunos, a higiene da sala, o formato das carteiras? Como desenvolver um pensamento reflexivo com crianças de 1ª série, fora da faixa etária e não alfabetizadas? Diante de temas de natureza filosófica, apresentados em textos curtos, história em quadrinhos, música, fantoche, como as crianças absorvem a temática discutida? De que forma, a discussão de um mesmo texto trabalhado com crianças de idades diferentes (7 a 13 anos) levará a diversas problematizações? Será que os textos discutidos partindo de um tema a ser problematizado, desenvolve o exercício do raciocínio, no momento em que a criança infere algo não aparente no texto? Será que cada texto discutido ressalta novas problematizações levando a novos questionamentos, ou se reduz a uma discussão óbvia do texto apresentado? Qual a compreensão inicial que as crianças têm de filosofia? Suas opiniões podem partir de reflexão ou são meras opiniões? Será que nas perguntas elaboradas pelos alunos, confirma-se a presença de atos extra-mentais, proposto por Lipman? De que forma trabalhar uma metodologia que requer a problematização de um tema de modo compartilhado, com turmas que apresentam problemas de comportamento e disciplina?

Aulas de filosofia ou elaborando um pensar melhor

Realizadas em turmas de 1ª a 4ª séries (2º ao 5º ano) com duração de cinqüenta minutos, as aulas propostas par reflexão de temas com enfoque filosófico apresentavam alguns passos metodológicos no processo de ensino. Em primeiro lugar uma dinâmica inicial pré-textual seguida da problematização do tema com base no texto apresentado, depois a discussão filosófica com algumas regras lógicas a serem seguidas e por fim a avaliação.

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O material didático utilizado para a leitura do texto foram histórias curtas, desenhos em quadrinhos com e sem legenda, fantoches, fita cassete, vídeos e outros recursos para atividades lúdicas nas dinâmicas pré-textuais. Em 1999, nosso intuito inicial era o desenvolvimento de reuniões que viabilizassem a capacitação de professoras, para atuarem em sala de aula junto às crianças. Porém, 12h de atividades sobre o ensino de Filosofia para Crianças, não foram suficiente para as professoras atuarem sozinhas em sala de aula. Começamos as sessões filosóficas com a atuação direta da coordenadora. Os encontros ocorriam com duas horas de duração. Em 2000 desenvolvemos trinta e quatro aulas de Filosofia que realizamos na fase inicial do ensino fundamental, nove textos foram utilizados como iniciadores do diálogo, enfocando nove diferentes temas. No que diz respeito à escolha de um tema, este é dado posteriormente à escolha de um texto. A intenção é identificar algo a ser problematizado filosoficamente. O que buscávamos no texto, antes de tratar-se do conhecimento de conteúdos ou doutrinas filosóficas, era a busca de novos sentidos e significados, era fazer dele uma inesgotável fonte de discursos filosóficos. Ler o texto e evitar preconceitos incorporados à nossas concepções interpretativas, este era o nosso cuidado. Assim, os temas foram definidos não com o propósito de reduzi-los a uma definição ou notícia, mas de questioná-los, problematizá-los, ultrapassá-los. No ano de 2001 inicialmente, realizamos dois encontros informativos sobre o andamento das aulas de filosofia com as professoras das séries a ser trabalhadas no total de quatro horas. As aulas de filosofia foram desenvolvidas em cinco turmas de 1ª a 4ª séries no total de setenta e duas aulas. Foi realizada uma passeata em ruas próximas da Escola, com a participação efetiva das crianças. No período de julho a dezembro do ano de 2002 em duas séries da fase inicial do ensino fundamental, realizadas na Escola Municipal de Ensino Infantil e Fundamental Santa Emília de Rodat dando continuidade a nossa atuação na extensão a partir de setembro de 1999. Foram realizados dois encontros informativos sobre o procedimento das aulas de Filosofia com coordenadora e as professoras ministrantes das séries trabalhadas, no total de quatro horas. Estes encontros ocorreram antes e durante as atividades de ensino, isto é, nos dias 18 de julho e 05 de setembro, e no encerramento das atividades. As aulas de Filosofia foram desenvolvidas em duas turmas. Uma de 1a série e uma de 4a série, no total de dezesseis aulas, utilizando-se cinco textos com a definição de cinco diferentes temas. Em 2002 foi dado o andamento ao nosso trabalho em quatro turmas de 1ª a 4ª séries. Realizamos três encontros informativos com as professora das séries trabalhadas no total de seis

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horas.Foram realizadas oito aulas de filosofia, com a utilização de dois textos e definição de dois temas No período de julho a dezembro do ano de 2003 em quatro séries da fase inicial do ensino fundamental, foram realizadas na Escola Municipal de Ensino Infantil e Fundamental Santa Emília de Rodat dando continuidade a nossa atuação na extensão a partir de setembro de 1999. Foram realizados cinco encontros informativos sobre o procedimento das aulas de Filosofia entre a coordenadora e as professoras ministrantes das séries trabalhadas no total de dez horas. As professoras da 2ª e da 4ª séries já haviam trabalhado com a filosofia anteriormente. Para as professoras da 1ª e da 3ª séries o primeiro contato com a filosofia acontecia neste momento. Quanto aos alunos apenas os da 1ª série nunca tinham tido contato com o aprendizado da filosofia, embora que na 2ª série, apenas nove de trinta e quatro alunos desenvolveu este tipo de atividade. Nas 3ª e 4ª séries em sua maioria os alunos já tinham tido contato com a filosofia. As aulas de filosofia foram desenvolvidas em quatro turmas de 1ª a 4ª série, no total de quarenta e oito aulas, sendo aplicados nove textos indicados para problematização de quatro diferentes temas. Durante o período de atividades de extensão as professoras participaram ativamente desenvolvendo as aulas de cunho reflexivo com as crianças de 1ª a 4ª séries (atual 2º ao 5º ano).

A pesquisa na extensão O período de setembro de 1999 a novembro do ano 2000, foi o período de realização de coleta de dados para a dissertação de mestrado realizada pela coordenadora do projeto de extensão em Educação Popular com defesa em setembro de 2002, ainda como projeto em andamento. Com procedimentos de observação, diante de nossa participação efetiva como pesquisadora nos encontros com as professoras e, fundamentalmente, nas salas de aula com os alunos. Nossos procedimentos desenvolvidos para a coleta de dados realizaram-se em dois momentos. Em primeiro lugar, de setembro a novembro de 1999 e fevereiro do ano 2000, encontros de caráter informativo sobre o programa e aplicação da metodologia de Lipman com professoras, supervisoras e diretoras, perfazendo um total de 16h de atividades. No segundo momento, no mês de março e de julho a novembro do ano 2000, realizamos trinta e quatro aulas de filosofia distribuídas entre às quatro séries anteriormente citadas. Nossos encontros, com duas horas de duração, aconteciam nas reuniões pedagógicas, aos sábados, quando as professoras, supervisoras e diretoras se reuniam para organizar as atividades

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mensais de ensino, e em dias de aula, quando os alunos eram liberados duas horas antes do horário normal, nos turnos da manhã e tarde. Em nossa primeira reunião, com a participação de todas as professoras dos turnos manhã e tarde, de duas supervisoras e duas diretoras, falamos da importância do Programa Filosofia para crianças no paradigma da educação para o pensar. Expusemos a proposta de Lipman, sua origem, um pouco da história do programa no Brasil, os materiais didáticos e metodologia utilizada. Apresentamos duas novelas filosóficas, de autoria do Lipman, porém, ressaltamos que nosso trabalho baseia-se na sua metodologia, mas trabalhamos também com outros materiais didáticos diferentes das novelas filosóficas, como por exemplo: textos curtos, histórias em quadrinhos sem legendas, vídeos, músicas, fantoches, etc. E, ressaltamos ainda, que nossa proposta seria trabalhar nas quatros séries iniciais do ensino fundamental. Em outros encontros, apresentamos alguns conceitos específicos para compreensão do ensino de Filosofia para Crianças, tais como: sessão filosófica, comunidade de investigação, habilidades de raciocínio. Mostramos que para a realização de uma sessão filosófica, é necessário seguir alguns passos que perfazem um tempo de cinqüenta minutos. Realizamos uma aula de filosofia com o texto da introdução da novela filosófica criada por Lipman, denominada Issao e Guga, e três aulas de filosofia, com textos de literatura infantil. Em nosso último encontro, antes que iniciássemos as aulas de filosofia com as crianças, foi apresentado o jornal FolhaPhi do Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças e discutido o texto A Educação para o pensar e a comunidade de investigação de Marcos Lorieri. Em nossa pesquisa a capacitação das professoras não se constitui uma preocupação fundamental, pelo fato das atividades em sala de aula se realizarem com a intervenção direta da pesquisadora como professora das crianças, embora houvesse contribuição das professoras nas atividades com os alunos. Vale salientar que as professoras participaram de 16h de atividades sobre o ensino de Filosofia para Crianças, o que não podemos dizer se representava o conhecimento razoável para atuarem em sala de aula, já que não lhes foram concedidas esta autonomia. A realização das aulas ocorreu conforme orientação da proposta metodológica de Matthew Lipman (1997a), onde, no planejamento, são considerados cinco momentos constituintes de uma aula de filosofia: de início, com uma dinâmica inicial como atividade prévia ao trabalho textual; depois, a apresentação do texto. Em seguida, o momento da problematização deste texto, por meio das perguntas das crianças (normalmente formuladas em pequenos grupos); segue-se o diálogo filosófico, com algumas regras lógicas a serem seguidas para discussão,

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considerado o momento crucial da investigação e da partilha do saber filosófico; e, finalmente, a avaliação da aula pelas crianças, como um resgate do que foi compreendido e elucidado. A seleção de materiais e recursos didáticos foi organizada pela pesquisadora, no tocante aos textos, histórias curtas, quadrinhos, música que fazem parte da literatura infantil, e gravuras, fantoches apresentados na leitura de um texto. Para as dinâmicas e avaliações nas aulas de filosofia, como recursos pedagógicos, trabalhou-se com cordões, fichas, cartolinas, revistas, e utilizou-se também a mímica, o desenho, os gestos. Os textos por nós selecionados tratam de temas específicos relacionados a dois temas amplos, natureza e linguagem, enfoque colocado por Lipman (1997a), nas duas novelas filosóficas direcionadas às turmas de 1ª a 4ª séries. A escolha de um texto era dada pela identificação de um tema de caráter filosófico, por exemplo, uma letra de uma música infantil que trate da natureza do animal ou de um determinado animal. Desta forma, buscava-se na letra de uma música, nas histórias em quadrinhos, em livros, em textos curtos da literatura infantil, o que se considerasse de caráter problematizador. Ao se escolher um texto, como considerá-lo como filosófico? Que texto poderá melhor suscitar questionamentos? De acordo com Leal (2000: 99), “a leitura filosófica que se fará do texto é que caracterizará o trabalho filosófico dela decorrente. Desde que nos faça pensar, desde que nos incite a questioná-lo, a tentar interpretá-lo e compreendê-lo, o texto terá um caráter filosófico”. Desta forma, durante nossa pesquisa, foram selecionados nove textos indicados para a problematização de nove diferentes temas, que tratassem da realidade das crianças, como: a troca, desenvolvimento, susto, o nome das coisas, dever, medo, transformação, contentamento e liberdade, trabalhados em sala de aula com os alunos. O conceito de texto no nosso projeto investigativo ultrapassa os limites do texto escrito. Ao trabalharmos com poema, fantoche, música, história em quadrinhos visamos oferecer aos alunos o recurso a partir do qual serão elaboradas as questões para discussão. Que estes extraiam de uma forma textual, questionamentos que provoquem de modo compartilhado, a curiosidade, o espanto, o desejo de investigar, de inquirir. Trabalhamos um mesmo texto nas quatro séries investigadas, levando-se em consideração que a compreensão de crianças de faixas etárias diferentes ocorre de formas variadas, no sentido de que o nível de complexidade varia conforme o desenvolvimento de cada um na realidade de seu contexto, e sabendo-se que um mesmo texto pode levar a diversas problematizações, nem sempre previstas em nosso planejamento.

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O número de alunos em cada sala de aula variou em torno de 20 a 25 alunos. Na 1ª série os alunos com idade de 7 a 9 anos não eram alfabetizados. De todas as turmas, a 2ª série apresentava mais problemas de comportamento e disciplina, revelando desobediência e intranqüilidade por parte dos alunos em idade de 8 a 11 anos, na sua maioria não alfabetizados. As turmas da 3ª e 4ª séries, com alunos de idade de 9 a 12 anos e 10 a 13 anos respectivamente, não tinham domínio da escrita no que se refere ao conteúdo programático destas séries. Durante as aulas de filosofia, no momento da problematização em pequenos grupos, os alunos da 3ª e 4ª séries elaboravam as perguntas escritas a próprio punho, embora tivessem dificuldades em formar as palavras. Nas turmas de 1ª e 2ª séries se fez necessário a ajuda da pesquisadora e da professora para a escrita das perguntas elaboradas pelas crianças. As perguntas com os registros realizados durante as aulas de filosofia foram arquivadas para nossas análises. Vale salientar que, além das professoras, em alguns momentos no ano 2000, tivemos a participação em alternância de duas extensionistas voluntárias, as quais colaboraram, com seus registros, em nossas atividades de pesquisa.

O perguntar das crianças Nas análises de nosso relato de experiência, apresentamos quatro textos por nós selecionados, identificados por temas específicos diante de temas amplos como a natureza e a linguagem, e problematizados pelas crianças, acreditando ter existido a discussão filosófica. A referência magna de nossa crença é dada em função das perguntas elaboradas pelas crianças, como também pelas reflexões e pelas razões por elas apresentadas. Apresentamos as perguntas problematizadas pelas crianças, identificadas pelas séries e não pelos pequenos grupos. Porque para nós, o necessário é ter-se uma visão geral das idéias dos grupos, e não particularmente as idéias de cada grupo. Isto é o importante para obtermos as informações desejadas, como: o desenvolvimento de habilidades cognitivas, dadas pelas habilidades de raciocínio e habilidades de investigação; a demonstração da importância da Filosofia como uma prática pedagógica dialógica na superação da mera discussão; a busca do cultivo de um pensar melhor, um pensar correto nos alunos partindo de seus próprios questionamentos, O perguntar é uma atividade filosófica desde a sua origem, os primeiros filósofos perguntavam em torno do princípio das coisas e obtinham respostas especulando a realidade. As crianças perguntam, questionam, e nós adultos reprimimos sua curiosidade, sempre que não respondemos ou fornecemos respostas rápidas às suas perguntas.

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Fazer perguntas não é uma tarefa fácil, uma criança pode fazer uma pergunta natural, como que dia é hoje, como também fazer uma pergunta metafísica como o que é o tempo. Acreditando que as crianças da Escola Municipal de Ensino Infantil e Fundamental Santa Emília Rodat por nós pesquisadas, problematizaram na formulação das perguntas, faremos adiante nossas análises. Ao fazer a análise dos dados no tocante ao ensino de Filosofia para crianças, percebe-se que diante de uma prática discursiva do exercício do filosofar, é dada as crianças a oportunidade do sujeito que se expõe e não do que se oculta, de refletir o pensado e não de dizer o já dito, de inferir transcendendo a obviedade, de associar idéias ao já dito e ao que não foi visto. É necessário esclarecer que na proposta de Lipman as crianças não fazem Filosofia identificada como teoria. Elas precisam aprender a pensar corretamente, o que as habilitará a captarem significados, e esta habilitação poderá ser construída, diante da prática como, uma pedra filosofal que acelera o processo de edificação, homogeneizando-se nos dois sentidos. Para a realização de uma aula de Filosofia, conforme orientação da proposta metodológica de Matthew Lipman (1997a), no planejamento são considerados cinco momentos constituintes: de início, uma dinâmica inicial como atividade prévia ao trabalho textual; depois, a apresentação do texto; em seguida, o momento da problematização deste texto, por meio das perguntas das crianças (normalmente formuladas em pequenos grupos); segue-se o diálogo filosófico, com algumas regras lógicas a serem seguidas para discussão (esperar a vez; discutir com a idéia do colega e não com o colega; tempo; pedir a vez; buscar coerência entre as idéias; e outras), considerado o momento crucial da investigação e da partilha do saber filosófico; e, finalmente, a avaliação da aula pelas crianças, como um resgate do que foi compreendido e elucidado. Seguindo esta orientação metodológica de Lipman, apresentamos o percurso da primeira aula de Filosofia desenvolvida na turma da 4ª série. O texto utilizado nesta turma foi uma das referências básicas de nossas análises, como também, as perguntas elaboradas pelas crianças e as razões por elas apresentadas, tanto no debate, como na avaliação. Segue-se o relato da aula inicial desta turma. Na primeira aula da 4ª série, inicialmente, os alunos recebem uma explicação prévia da professora sobre a aula de Filosofia. Antes da apresentação do texto, as crianças expressam suas opiniões sobre Filosofia como estudo, vida, amor, aprender, conhecer, natureza, matéria, amizade, poesia. Segue-se uma dinâmica de troca de objetos pessoais a cada dois colegas, com a participação de todos os alunos.

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Na seqüência da aula de filosofia, é apresentado o texto dos autores Hermínio Sargentim e Maria D. Fernandes, que trata da troca de objetos entre duas crianças. O tema de enfoque filosófico foi Relação de Troca. O texto é uma tira de três quadros sem legenda onde no primeiro se encontram um menino chupando picolé e uma menina brincando de skate. No próximo quadro ambos pedem para trocarem seus objetos, que são trocados no terceiro e último. Apresentado o texto com imagens dos quadrinhos, em seguida reunidas em pequenos grupos, as crianças elaboram perguntas, das quais apresentamos duas que consideramos não perguntas filosóficas no sentido de SHARP e SPLITTER (1999: 50-58), definidas pelo seu conteúdo, mas no sentido de caracterizar-se como um perguntar filosófico, pelo movimento que impulsiona e pelo que se espera de suas respostas. Na turma da 4ª série, em pequenos grupos as crianças elaboraram perguntas tais como: “Por que será que o menino ficou interessado no skate da menina?” “O que o menino falou pra menina?” Percebe-se que nestas perguntas, as crianças ressaltam a relação de troca, o valor dos objetos. E na discussão realizada posteriormente, ao exemplificarem o amor pela mãe, o amor pela vida como algo que não deve ser submetido à troca, as crianças percebem a diferença de valor entre o concreto e o abstrato. Com relação a este texto, temos a seguinte pergunta registrada por alunos da 1ª série: “Por que a menina quis o picolé?” Este questionamento ressalta o valor de consumo das coisas nos objetos concretos, desta forma, no momento da discussão filosófica, um aluno diz que algumas coisas têm valor que não é de dinheiro, por exemplo, a sua mãe, que não troca por nada. Através desta aula, deduzimos que a investigação é possível, a partir do momento em que, às crianças é possibilitado a execução de um método de conhecimento, onde o saber é uma conquista do exercício da capacidade de pensar, ao experimentar hipóteses de ação, e não um saber imposto ou proposto. Outro texto por nós trabalhado foi o de Rylant, um trecho do livro “A velhinha que dava nome às coisas”, cujo tema denominou-se O Nome das Coisas. Era uma vez uma velhinha que adorava dar nome às coisas. Ela apelidou seu velho carro de Beto. A velha poltrona onde descansava apelidou de Frida. Chamava a velha cama onde dormia de Belinha. E à sua velha casa deu o nome de Glória.

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Nesta aula de filosofia sentimos maravilhados o ápice de uma discussão filosófica diante dos questionamentos elaborados pelas crianças da 1ª série: “ Por que a velhinha deu nome às coisas diferentes?” “Como o nome de casa não é casa, é nome de pessoa?” E de crianças da 2ª série: “Por que a casa não tem o nome verdadeiro?” “Por que ela deu nome aos objetos?” Habilidades de raciocínio (LIPMAN, 1995: 66), estão explícitas nestas perguntas de crianças de 1ª e 2ª séries. Pela experiência, a verdade para as crianças é a de que cada coisa tem um nome específico. A discussão filosófica culminada nestas perguntas é dada por julgamentos a partir de provas. Com curiosidade e admiração, crianças de sete aos onze anos, estudantes de uma escola pública municipal, buscam numa investigação compartilhada o porquê da casa não ser o que é. Isto demonstra a discussão filosófica de vinte e cinco séculos sobre o ser de Parmênides e Heráclito, ou seja da imutabilidade e da mudança do ser. Para o relato da aula que se segue, faz-se necessário lembrar como já foi dito anteriormente, que a cada aula de filosofia apresentávamos regras lógicas para uma discussão filosófica, por exemplo, esperar a vez; discutir com a idéia do colega e não com o colega; tempo; pedir a vez; buscar coerência entre as idéias; etc. Com a seqüência das aulas, as crianças iam conhecendo as regras, aplicando e cobrando dos colegas. No texto que segue “Os porquinhos e o burro” adaptado de Érico Veríssimo, com o tema de caráter filosófico Dever, presenciamos inferência com base nas regras lógicas. O porquinho nº 1 perguntou ao burro: _ Seu burro, nós devemos ou não fugir deste quintal? O burro falou _ Porquinhos não sejam loucos. Não é direito fugir, cada um deve ficar contente com a vida que tem. Vejamos algumas perguntas elaboradas por crianças da 2ª série: “Por que os três porquinhos queriam fugir?” “Por que os porquinhos números dois e três não falaram?” “Por que o burro não queria fugir?” No tocante à pergunta, por que os porquinhos números dois e três não falaram, a inferência dada por algumas crianças é que não era a vez dele falar, ele tinha que esperar a vez. Ainda com relação a esta pergunta, notam-se habilidades de investigação (LIPMAN: 1995: 66)

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em crianças de 2ª série, ao formular uma pergunta explicativa diante de um ato mental que reconhece a exclusão. Sobre o texto acima citado, as crianças da 1ª série formularam perguntas tais como: “Será que os porquinhos estavam gostando da vida que levavam?” “Por que o porquinho perguntou ao burro se devia fugir?” “Por que os porquinhos queriam fugir desse mundo?” “Por que o porquinho número dois não falou também?” No que se refere a esta última pergunta problematizada por alunos de 1ª série, ressalta-se também, a preocupação em torno da fala do outro, fato já questionado na 2ª série com relação ao texto “Os porquinhos e o burro”. A conclusão sobre esta última pergunta “por que o porquinho número dois não falou também”, é dada com base nas regras lógicas para discussão. Desta forma, as crianças inferiram que ainda não era a vez do porquinho número dois falar. Quanto à pergunta por que o porquinho perguntou ao burro se devia fugir, alguns alunos chegaram à conclusão de que esse burro é amigo dos porquinhos e também é inteligente. Pois bem, quando se afirma que esse burro é inteligente, pela lógica silogística, entende-se que nem todos os burros são burros. Apesar das crianças não terem o entendimento sobre conceitos da lógica, elas sabem inferir, argumentar, e ao ter oportunidade de desenvolver este tipo de raciocínio na idade de sete aos onze anos, com certeza os conceitos serão melhores absorvidos em futuro próximo. A promoção de um ensino que incorpora o desenvolvimento de habilidades cognitivas, que aciona uma prática pedagógica dialógica na superação da mera discussão, que busca o cultivo de um pensar melhor, um pensar correto nas crianças, partindo de seus próprios questionamentos, tem a formação do homem, como base fundamental da educação para o pensar. Esta perspectiva, mesmo que manifesta em pequenas proporções, confere ao ensino de Filosofia para crianças o significado de um espaço de construção do saber investigativo e compartilhado, ao abordar o desenvolvimento e o fortalecimento de habilidades cognitivas nas crianças. O saber investigativo e compartilhado pelas crianças é dado previamente às aulas de filosofia. Pela curiosidade elas investigam, perguntam, e a socialização com outras crianças gera discussões que, na escola, com o ensino de Filosofia, podem se transformar numa discussão filosófica. As crianças que têm a oportunidade do exercício do filosofar, podem não conhecer Sócrates, Platão, Aristóteles, porém a curto e médio prazo podem desenvolver o diálogo socrático, a dialética platônica, a lógica aristotélica, na superação destes e de nossos contemporâneos.

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Outro aspecto fundamental, diz respeito ao encontro da filosofia com as crianças. Esta não foi apresentada em seu método tradicional, revelador de um aspecto doutrinal mas, dada pela prática de uma filosofia interrogativa ocasionando a busca do saber e não a sua posse. Na preocupação de que este saber seja resgatado na visão de totalidade, que não seja limitado, fragmentário. No sentido de que se a filosofia parte da curiosidade, da admiração, se busca a especulação, se determina como reflexão, se é criativa, então, as crianças com metodologia específica, com um professor mediador, com materiais didáticos que incitam ao diálogo e ao debate filosófico, fazem filosofia, revelando o pensar melhor.

CONSIDERAÇÕES

O contexto em que se efetiva o ensino que promoveu o saber filosófico para crianças na realidade pesquisada apresenta-se vinculado à tradição de uma Educação com o pensar pouco elaborado, na busca de um pensar melhor. As contradições que emergem desse contexto suscitam alguns questionamentos: como ampliar os conteúdos de uma educação reflexiva, tendo como prática pedagógica o ensino de Filosofia no ensino fundamental? Como aproximar a discussão filosófica, com seus conteúdos transdisciplinares, das demais áreas de conhecimento no ensino fundamental? A produção de obras acerca da Filosofia para crianças provocaria mudanças no processo de educação reflexiva? Estas são algumas questões que demandam reflexões para investigações posteriores. Diante do exposto, conclui-se que as crianças carecem do exercício da capacidade de pensar, da necessidade de indagar-se e de indagar, de explorar situações, de aprender sozinhos para não receber os resultados já prontos. Por esta razão, é de fundamental importância a investigação e o saber compartilhado da epistemologia de Lipman, como também referências de sua metodologia partindo de discussões temáticas. Que os pressupostos epistemológicos e metodológicos de Lipman, sirvam como uma ponte de comunicação para o exercício do filosofar, mas, que ela não se esgote nestes ensinamentos. Ao desenvolvermos a pesquisa na extensão e a própria extensão no ensino de Filosofia para crianças, utilizando materiais didáticos alternativos, com temas de enfoque filosóficos definidos, constatamos que as crianças estão voltadas às dimensões da imaginação e da afetividade. Isto foi verificado nos questionamentos formulados e nas discussões desenvolvidas

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pelas crianças. Em suas falas, expuseram assuntos que abordam estas dimensões, de modo mais freqüente, nas deduções, nas inferências e nas argumentações. Concluímos que seria interessante nesta atividade de extensão o uso de recursos tais como filmes e textos da mitologia grega, nas dimensões da imaginação e da afetividade como apresentação inicial ao pensamento filosófico, desenvolvendo nas crianças os conceitos de herói, de ordem, de vida, de amor, despertando o potencial de suas habilidades cognitivas numa educação reflexiva. Assim, a investigação teria um fundamento teórico ao ser permitido às crianças o conhecimento que antecede a filosofia, na contribuição da razão ativa e interrogativa.

REFERÊNCIAS

GADOTTI, M. e TORRES, C. A. (Orgs) (1994). Educação Popular – utopia latinamericana. São Paulo: Cortez/Edusp. LIPMAN, Matthew (1990). A Filosofia vai à Escola. São Paulo: Summus. ____, (1995). O Pensar na Educação.Petrópolis: Vozes. ____, (1999). Alguns pressupostos educacionais de filosofia para crianças. In KOHAN, W. O. & LEAL, B. (orgs.). Filosofia para crianças: em debate. v. 4. Petrópolis: Vozes. ____, OSCANYAM, Frederick, SHARP, Ann Margaret (1997). Filosofia na Sala de Aula. São Paulo: Nova Alexandria. ____, (1997a). Maravilhando-se com o mundo: Issao e Guga. Manual do Professor. São Paulo, CBFC. LEAL, Bernadina (2000). Filosofia com crianças: uma incursão. In KOHAN O. W. & LEAL, B. & RIBEIRO, A. (Orgs.) Filosofia na escola Pública. v. 5. Petrópolis: Vozes. SHARP, A. M. & SPLITTER, J. Laurance (1999).Uma Nova Educação: a comunidade de investigação na sala de aula. São Paulo: Nova Alexandria. VERÍSSIMO, Érico. (1992). Os três porquinhos. In SOUZA, Joanita. Assim eu aprendo português. São Paulo: editora do Brasil S/A.

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I SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM EXTENSÃO POPULAR – SENAPOP João Pessoa – UFPB – 24 a 27 de novembro de 2009

ONDE A CULTURA É MATÉRIA-PRIMA DA EDUCAÇÃO POPULAR E DO DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO: os bastidores e o protagonismo de uma organização do terceiro setor

Luciene Aparecida da Silva*

Resumo Num cenário mundial intensamente marcado pelo processo hegemônico de globalização, as contradições e demandas sociais se acentuam: num dos vértices, um acelerado avanço científico e tecnológico nunca antes experimentado pela humanidade, noutro, uma massa de pessoas desacreditadas, para as quais a educação formal tem se mostrado pouco eficaz na promoção da emancipação humana. Este artigo aborda a educação popular e o desenvolvimento comunitário como uma das instâncias constitutivas do processo de enfrentamento da exclusão social tendo a cultura como sua matéria-prima. Na discussão são apresentadas diversas formas de ação, relação e atuação de uma organização do Terceiro Setor – Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD) - como agente fomentador do ativismo popular, capital social e formação de redes. As práticas empreendidas por esta Organização não Governamental (ONG) constituem alternativas eficazes ao enfrentamento da ausência ou insuficiência de políticas públicas direcionadas ao atendimento das demandas populares.

Palavras-chave: terceiro setor, educação popular, desenvolvimento comunitário.

APRESENTAÇÃO Sob o enfoque da educação popular e do desenvolvimento comunitário enquanto instâncias constitutivas do processo de enfrentamento da exclusão social, o artigo em voga discute os aspectos fundamentais e princípios norteadores ou sustentadores da atuação da

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Mestranda em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local (UNA), graduada em Pedagogia (UEMG), Analista Educacional da Superintendência Regional de Ensino (SRE / Metropolitana C / SEE- MG).

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I Seminário Nacional de Pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR/ANEPOP - 2009 Organização não Governamental (ONG) – Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD)49. Estes aspectos reportam-se às características fundamentais da instituição: missão e valores, principais projetos, produção técnica e / ou teórica, premiações, parcerias, motivação e finalidades das pesquisas desenvolvidas, formas de captação de recursos e ações mais relevantes. As análises aqui tecidas são produto de um estudo de caso, cujos procedimentos de investigação empregados orientam-se pelos princípios da Webquest, metodologia apropriada ao contexto de busca, coleta e seleção de dados em fontes disponíveis na Internet. Portanto, as informações correlatas a instituição em tela foram captadas no próprio site institucional e outras fontes veiculadas na mídia impressa e virtual, local e nacional. O trabalho está organizado em quatro eixos específicos: primeiro – visita à literatura para uma melhor definição teórico-conceitual de alguns termos-chave; segundo – breve caracterização do CPCD e reflexões acerca do tema sustentado pela organização; terceiro síntese ilustrativa dos principais aspectos que sustentam e norteiam as ações da organização e, finalmente, quarto – considerações finais acerca do estudo empreendido e as condições gerais apresentadas pela organização.

1 TERCEIRO SETOR, EDUCAÇÃO POPULAR E DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO SUSTENTÁVEL - contexto histórico – social

Com a intensificação do processo de globalização, os problemas sociais e econômicos do mundo contemporâneo tendem a ficar ainda mais evidentes. E como um dos desdobramentos desse quadro, no Brasil, o cenário dos anos noventa é marcado pela reforma do Estado, inaugurando uma nova fase na história das políticas públicas brasileiras. Segundo (GOHN, 1997), novos direcionamentos começam a influenciar fortemente o campo social a partir desta década, fazendo emergir, de forma vigorosa, duas novas tendências: a proliferação das ONGs e as políticas de parceria implantadas pelo poder público. Neste contexto, a reordenação política do país concorre para reconfiguração da relação Estado – Sociedade. E é na lacuna colocada em evidência durante este processo, que ocorre a 49

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construção de um novo espaço constituído entre o Estado e o mercado, abrigado por uma série de entidades designadas como de esfera pública não – estatal, que abrigam um conjunto de organizações da sociedade civil, dentre as quais se destacam as ONGs. Senhoras (2007, p.5) afirma que “esse processo vem colocando em xeque muitas estruturas políticas tradicionais quanto à sua adequação e ao seu desempenho na gestão das políticas econômicas e sociais, criando uma dicotomia oriunda dos desafios políticos para a construção de uma rede local de atendimento” às demandas sociais emergentes e crescentes. Esta nova esfera que vem se revigorando no seio da transferência de parcelas de responsabilidades estatais para as Organizações de Terceiro Setor, em virtude da própria incapacidade do Estado de gerir e suprir o crescente volume de demandas sociais tem atuado mais intensamente na prestação de serviços sociais, implantação e desenvolvimento de projetos diversos, assessoramento e parcerias como via de resposta às demandas ambientais, de responsabilidade social empresarial, de prevenção e combate ao uso de drogas, de defesa dos direitos humanos etc. O histórico de atuação das ONGs na educação remete às décadas de sessenta e setenta, período em que as associações civis sem fins lucrativos, constituídas por pessoas dos segmentos políticos, religiosos, estudantis etc, já realizavam um trabalho social junto às populações empobrecidas. Contudo, é a partir da década de noventa que a atuação das ONGs na área educacional se intensifica e ganha maior profundidade mediante a legitimidade e maior visibilidade conferida pela promulgação da Lei 9394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Esta Lei define em seu artigo primeiro que a educação abrange processos formativos ocorridos em diferentes lugares, inclusive nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil (SAVIANI, 1997). De acordo com Gonh (1997), neste período emergem as ONGs desenvolvimentistas, com apresentação de propostas de desenvolvimento auto-sustentável, e as ONGs cidadãs, inclinadas a uma forte atuação nas políticas públicas e reivindicação dos direitos a e da cidadania. Atualmente, de maneira geral, as Organizações de Terceiro Setor – entidades sem fins lucrativos: associações, ONGs, fundações – que convivem e participam das atividades do setor público (aparelho estatal) e o setor privado (empresas) têm sido reconhecidas pela eficácia

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empreendida em torno do tratamento de questões ou demandas específicas da sociedade civil, prestando expressivas contribuições de fomento ao avanço social (RESENDE, 2008). No período ditatorial, a atuação dessas organizações ocorreu à margem da educação oficial, intensificando-se, após o golpe militar de 1964, sobremaneira, a sua atuação em prol da defesa dos direitos humanos e à educação popular (OLIVEIRA e HADDAD, 2001). Freire (2001, p. 101) define a educação popular como ação crítica radical libertadora, cuja tarefa fundamental consiste em: [...] trabalhar a legitimidade do sonho ético-político da superação da realidade injusta [...] reinventando-se sempre com uma nova compreensão do poder passando por uma nova compreensão da produção, uma sociedade em que a gente tenha gosto de viver, de sonhar, de namorar, de amar, de querer bem. Esta tem que ser uma educação corajosa, curiosa, despertadora da curiosidade, mantenedora da curiosidade.

Em referência à definição freiriana de educação popular, (GADOTTI, 2006) caracteriza o movimento de educação popular como precursor, confirmador e reafirmador de uma prática educativa emancipatória da humanidade, para e pela cidadania, rejeitadora da neutralidade política e científica. Nestes moldes, propõe-se a contribuir para a criação de condições facilitadoras e promotoras da reafirmação da cidadania como espaço de organização da sociedade para a defesa de todos os seus direitos. Num contexto em que a Pedagogia Social é o grande aporte da educação popular (SANTOS, 2003, p.277) esclarece que: A emancipação não é mais do que um conjunto de lutas processuais, sem fim definido. O que a distingue de outros conjuntos de lutas é o sentido político das processualidades das lutas. Esse sentido é, para o campo social da emancipação, a ampliação e o aprofundamento das lutas democráticas em todos os espaços estruturais da prática social.

Para Melo Neto (2003), o conceito de popular refere-se a uma ação que tem sua origem ou direcionamento voltado às maiorias - povo, classe trabalhadora. Assim, criança, adolescente, adulto, enquanto pessoas integrantes da comunidade, engajadas numa ação ou prática social mais ampla, não são meros beneficiários. São sujeitos e parceiros em todos os processos e etapas dos projetos e, como protagonistas possibilitam o enraizamento das propostas, a geração e apropriação de novos saberes, a construção de novas

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tecnologias sociais, a formulação de indicadores de qualidade e fomento do desenvolvimento cultural e comunitário50. Neste cenário, o elemento político assume o papel de agente promotor de hegemonia dos setores majoritários da sociedade e o aspecto metodológico denota uma prática direcionada ao exercício da cidadania crítica. Portanto, de acordo com (GODDARD, 2005) um trabalho de desenvolvimento comunitário sustentável é aquele que possui no escopo de seu plano, a parceria e a participação comunitária como fundamentos de sua sustentabilidade, que só é alcançada quando o processo de desenvolvimento pertence à própria comunidade local e por ela é gerido sem dependência de ajuda externa.

2 CENTRO POPULAR DE CULTURA E DESENVOLVIMENTO – onde a cultura é matéria-prima da educação popular e do desenvolvimento comunitário

O CPCD é uma organização não governamental (de natureza privada e função social pública), sem fins lucrativos, de utilidade pública federal, estadual e municipal, originária do idealismo, esperança e indignação de seu criador para com a miséria, dor e abandono do ser humano51. A instituição foi fundada em 1984, em Belo Horizonte, Minas Gerais, por Sebastião Rocha52, o “popular Tião Rocha”. Está sediada na Rua Paraisópolis, n 80 A, Bairro: Santa Tereza e possui escritórios nas cidades mineiras de Curvelo e Araçuaí. Adota como pedra fundamental de sua atuação as áreas de educação popular e desenvolvimento comunitário.

50

Disponível em www.cpcd.org.br). Acesso em (18/08/08). Disponível em www.cpcd.org.br). Acesso em (18/08/08). 52 Antropólogo, educador popular, folclorista, autor de obras de desenvolvimento cultural e comunitário, dentre as quais se destacam: Escola debaixo do pé de manga, Questão Central, Sabores & Cores das Minas Gerais, Cultura: matéria – prima da Educação, A função do educador, O fazer popular no sertão mineiro, Cultura popular e folclore no Vale do Jequitinhonha etc. É membro de várias organizações de fomento às iniciativas na área – presidente do CPCD, membro da Ashoka Empreendedores Sociais, presidente do Banco de Êxitos S.A., líder Avina, líder Social do Brasil, membro da Aideca, fundador da Care Brasil etc; ex – professor universitário da PUC – MG e UFOP – MG, ex – consultor do Comitê de Programas Complementares Escola do Instituto Ayrton Senna, e x – Secretário Municipal de Educação de Araçuaí – Vale do Jequitinhonha em Minas Gerais, etc.. Disponível em www.cpcd.org.br). Acesso em (18/08/08). 51

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Tião Rocha caracteriza o CPCD como um espaço horizontal onde adultos e crianças misturam suas “visões de mundo” no mesmo aprender e ensinar, constituindo assim uma usina de educação em permanente ebulição, onde mexer no tacho a receita de sabão não só recupera remotas heranças, mas a dignidade que a sabedoria e o poder de criar restauram no homem. O educador descreve também o CPCD como um “espaço da utopia”, onde são celebrados os rituais e as festas da memória e onde se canta e se dança a identidade, com base na convicção de que “educação é algo que só ocorre no plural” e que “desenvolvimento é geração de oportunidades” (Idem). O fundador atribui o êxito da organização ao trinômio: metodologia inovadora, formação de educadores e participação comunitária. E na sua concepção, a comunidade é muito mais que o lócus de convivência social, compreende fonte inesgotável e geradora das mais variadas oportunidades. Nestas condições, é apresentada e enfatizada como prioridade a necessidade de concretização da mudança de paradigmas, assumindo a conotação de convite ao “pensar fora da caixa preta”. Na concepção filosófica do CPCD, este “pensar fora da caixa preta” tem como pressuposto básico a promoção da mudança paradigmática da “idéia de mensuração da carência humana” através do Índice de desenvolvimento Humano (IDH) para a “idéia de mensuração da potencialidade humana” através do Índice de Potencialidade de Desenvolvimento Humano (IPDH) em que é mensurado o lado luminoso: acolhimento, convivência, aprendizagem, oportunidade, ação etc. Em consonância com esta concepção filosófica, na prática empreendida durante o fazer quotidiano da equipe comunitária de trabalho, os educadores sociais concentram esforços em prol da garantia da não – presença e negação total dos “não – objetivos”53. Os “não-objetivos” combatidos pelo CPCD referem-se à criação de uma relação desigual entre crianças e adultos, fazer da criança um objeto de interesse dos coordenadores e pais, repassar modelos e qualidades de vida próprios como soluções para as crianças, pensar na criança como “página em branco”, ver a criança como “adulto em miniatura”, orientar suas ações com base na crença de que os conhecimentos próprios são os únicos e verdadeiros, formar pessoas omissas, podar o espírito crítico, perpetuar a idéia de escola como um lugar onde se entra, mas não se permanece (Idem).

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Disponível em www.cpcd.org.br). Acesso em (18/08/08).

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Portanto, segundo a concepção filosófica do CPCD, os não - objetivos constituem a negação ou a contramão dos verdadeiros pilares das ações metodológicas e organizacionais da entidade, a saber – a pedagogia da roda, a pedagogia do brinquedo e a pedagogia do sabão que compreendem a: - busca sistemática de formas criativas e inovadoras de educação e de desenvolvimento sustentado; -utilização dos saberes e fazeres culturais dos participantes como matéria-prima das ações pedagógicas; Diálogo como princípio de pluralidade e gerador de novas práticas educativas e de desenvolvimento (Idem).

No que se refere à formação de professores, cabe ressaltar que o CPCD considera como a grande responsável pelo investimento institucional na capacitação destes profissionais, enquanto agentes construtores de oportunidades, de cidadania e promotores de mudança e generosidade, a convicção gestionária institucional de que somente dispondo de educadores portadores de elevado grau de comprometimento e formação adequada é que se torna possível empreender com sucesso os projetos organizacionais. Quanto à participação comunitária, a concepção que se tem dos sujeitos envolvidos no processo, é de que são protagonistas sociais impulsionadores do desenvolvimento comunitário e não apenas meros beneficiários ou objetos de interesses diversos e adversos (Idem). Contudo, cabe destacar que algumas das organizações engajadas em ações de natureza semelhantes às desenvolvidas pelo CPCD, tomando como exemplificação o Centro de Ação Comunitária – CEDAC – não priorizam a definição ou distinção precisa entre os termos – local ou comunitário como sendo o mais importante: [...] e sim a capacidade de fortalecer o protagonismo local, a participação social qualificada, tendo por referência a melhoria da qualidade de vida das pessoas, em especial das camadas socioeconomicamente menos favorecidas, num dado território, não delimitado em seu sentido geográfico, mas a partir das articulações e das organizações horizontais e democráticas que ali atuam (CEDAC, 2005).

As ações, projetos sociais e metodologias empreendidas pelo CPCD, elegem com destaque no Art. 4, § único do seu Estatuto, os conceitos de “Educação”, „Cultura” e “Desenvolvimento” como pilares de sua atuação. Tais conceitos permitem identificar uma concepção de desenvolvimento comunitário sustentável na qual o processo de desenvolvimento emerge da sinergia das peculiaridades locais e comunitárias.

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Ao tomar o fenômeno do desenvolvimento comunitário como um ativo inerente, recorrente, pertencente e gerido pela própria comunidade local, diversas estratégias de mobilização em prol do fomento ao protagonismo comunitário são colocadas em evidências. Dentre estas estratégias destacam-se: o fortalecimento do sentimento de pertença, dos laços de solidariedade, participação nos processos decisórios, valorização e incremento às práticas e manifestações culturais locais. Estas e outras estratégias constituem os ingredientes básicos do fortalecimento da parceria e da participação popular que, por conseguinte, são constituídas a partir da relação de confiança e cooperação mútuas estabelecida entre os membros da comunidade, nas mais variadas circunstâncias relacionadas aos interesses coletivos, em defesa do bem comum e, em especial, em situações de enfrentamento dos problemas sociais comunitários. O movimento cíclico deste processo passa então a impulsionar o desenvolvimento e expansão dos níveis de cooperação e circulação do capital social entre os diversos organismos e atores sociais presentes em toda a comunidade local. Em sentido amplo, pode-se afirmar que, dentre outros fatores, o capital social e a participação se revelam como mola mestra de um desenvolvimento comunitário sustentável.

3 OS PILARES DE SUSTENTAÇÃO E ATUAÇÃO DO CPCD

O CPCD tem como missão organizacional “promover a educação popular e o desenvolvimento comunitário a partir da cultura, tomada como matéria – prima de ação institucional e pedagógica”. Constituem seus valores fundamentais, o respeito, a cidadania, a generosidade e a cooperação. Assim, há vinte e três anos, desde a sua fundação, o CPCD vem elaborando e gerindo projetos de ação educativa – comunitária e de pesquisa – ação educativa – comunitária, prestando assessoramento e cooperação técnica a entidades de terceiro setor, públicas e privadas, em âmbito estadual, sobretudo em Minas Gerais, nacional e internacional. Atualmente, compõe o quadro de ações da organização um total de quinze projetos, distribuídos por atuações junto à:

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I Seminário Nacional de Pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR/ANEPOP - 2009 Educação Infantil – Sementinha (ou “A escola debaixo do pé de manga”) e Cidade Criança; ProtagonismoInfanto – juvenil - SerCriança (ou “A educação pelo brinquedo”); Bornal de Jogos (ou “Brincando também se ensina”), Ponto de Cultura, Agentes Comunitários de Educação (ou “Soldados da Cidadania”); Direitos das crianças e adolescentes e capacitação de professores – Bornal de Jogos da Paz, Constelação; de sustentabilidade ambiental, inclusão digital e geração de trabalho e renda a partir de “saberes e fazeres” comunitários – Fabriquetas (ou “Núcleos de produção de tecnologias populares”), Cooperativa “Dedo de Gente” (ou “Produtos artesanais e industriais caseiros do Centro e Norte de Minas”), Caminho das Águas (“Uma proposta para o semi – árido), Fabriqueta de Software (“ Um novo Brasil no Jequitinhonha”), Telecentro Caminhos do Rosa (“Espaço de inclusão digital, pesquisa, registro, valorização e preservação da memória do Grande Sertão.”); Desenvolvimento Comunitário – Araçuaí: De UTI Educacional a Cidade educativa, Vargem da Lapa – de UTI Educacional a Cidade Educativa e Arassussa: Araçuaí Sustentável. Dentre os projetos supra relacionados destacam-se, em primeiro lugar, Arasussa – AraçuaíSustentável, e em segundo lugar, Cidade Criança. O Arasussa – AraçuaíSustentável congrega, desde 2005, os esforços de quatorze organizações brasileira do segundo e terceiro setor, ligadas à Fundação AVINA. Estas vêm atuando em diversas regiões brasileiras, tendo como objetivo comum “contribuir para a transformação social do Vale Jequitinhonha. Araçuaí – cidade pólo da região – considerada modelo de “cidade sustentável”, sob a bandeira consensual desenhada a partir dos encontros e teleconferências até então realizadas, expressa o resultado da soma dos esforços despendidos em favor do “empoderamento comunitário”, do compromisso ambiental, da satisfação econômica, dos valores éticos, humanos e culturais, do território como ponto de partida, das alianças interinstitucionais e tecnologias sistemicamente conectadas. O projeto Cidade Criança está fundamentado no pensamento de educadores de Nampula e Moçambique – de que “é preciso toda a aldeia para educar uma criança” (Idem).

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A síntese de sua intencionalidade corresponde ao postulado de fazer de todo e qualquer espaço social e comunitário da cidade um espaço-tempo permanentes de acolhimento, convivência, aprendizagens e oportunidades.Seu atendimento prioritário destina-se às crianças de zero a seis anos de idade, das regiões periféricas e rurais de Araçuaí. No que tange à vasta produção técnica e ou teórica da organização e de seus membros, cabe ressaltar que algumas delas encontram-se disponíveis para download gratuito no site da instituição. Dentre estas produções destacam-se livros, textos artigos e catálogos onde estão sistematizadas informações e metodologias empregadas nos projetos e ações desenvolvidas no CPCD, alguns já apresentados no escopo deste trabalho. Nesta categoria está relacionados o catálogo de produtos artesanais Dedo de Gente e de artesanatos Minas Gerais: SEBRAE – MG, 2005; guias e manuais para a elaboração de IQP‟s – Indicadores de Qualidade em projetos Sociais, para elaboração de PTA – Plano de Trabalho e Avaliação, ambos certificados em 2005 pelo Banco do Brasil como Tecnologias sociais, Guia do Presente Solidário, jornais - Jornais Dedo de Gente e Projeto Ser Criança Curvelo, Plantas Medicinais, Gibizinho, e muitos outros. Quanto às consultorias realizadas pela organização situam-se a dos projetos sociais do Jarí (Fundação Orsa) nos estados do Pará e Amapá, Criança – família e Desenvolvimento, em Moçambique, projetos educacionais do Instituto Ayrton Senna, prefeituras municipais, na área da saúde para o Governo do Estado do Maranhão, Empresa Veracel Celulose S. A. de Eunápolis, Bahia, etc. No quesito premiações e destaques, constam um universo de concursos, títulos, medalhas, reconhecimento e prêmios conferidos na esfera local, nacional e internacional: Medalha da Inconfidência – 200 anos da Inconfidência Mineira (1989), Personagem do Programa “Gente que Faz” da Rede Globo de Televisão, exibido em (26/02/94) e reapresentado em (12/08/95), matéria especial na revista “Changemakers Magazin” em Calcutá na Índia em (junho de 1995), Prêmio Criança (1995) da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança, Medalha de Ordem do Mérito Legislativo Municipal de Curvelo em (agosto de 1996). No que tange ao reconhecimento na mídia, o CPCD coleciona inúmeras matérias publicadas em veículos de informação e / ou formação: “Revista Dois Pontos – Teoria & Prática em Educação”, (junho de 1997), destaque no Caderno “Crer Para Ver”-Fundabrinq (fevereiro de 1998), Revista “Nova Escola”, n120 (março de 1999), nos jornais “Estado de Minas”, “Estado de São Paulo”, “Jornal da Ciência”, periódico “Educação Notícias” do MEC, etc.

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Há inúmeros ex-parceiros e atuais parceiras da rede tecida face ao protagonismo social da organização, a saber – Banco de Êxitos S.A – Solidariedade e Autonomia, Banco do Brasil, Unibanco, Fundações AVINA e Bernard van Leer, Grupo Ponto de Partida, Escola de Teatro Bolshoi Brasil, Cia Fabril Lepper, Instituto Oi Futuro, Ministério da Cultura, UNESCO, Petrobras e diversas prefeituras municipais. No que se refere às iniciativas socialmente mais relevantes, destacam-se algumas já certificadas e reconhecidas nacionalmente como Tecnologia Social Efetiva, a saber: o Banco do Livro – “espaço cultural para estimular e desenvolver o hábito da leitura. Um celeiro de obras aberto a toda a comunidade.” Trata-se de um banco, que não tem alteração cambial e cuja única moeda é o livro. De posse de um livro, qualquer pessoa pode ler todo o acervo disponível, através do sistema de troca (1x1). Qualquer livro, desde que em bom estado, pode ser trocado. Os interessados levam os livros e trocam pelos que necessitam. Assim, com um único livro pode-se fazer várias trocas, ampliando as possibilidades de leitura. O serviço é gratuito e pode ser implantado em qualquer comunidade. A proposta de montar o Banco do Livro veio como mais uma possibilidade de contribuir com a melhoria do rendimento escolar, colocando mais informações à disposição dos estudantes e de toda a comunidade54.

Somente na cidade de Araçuaí, no período compreendido entre (2004 – 2006) foram empreendidas as seguintes ações: Algibeiras de Leitura, Banco da Solidariedade, Banco do Livro Biblioteca Itinerante, Bornal de Jogos, Bornal de Livros, Cinema Itinerante, construção de Escola Estratégica, Empório Solidário, Folia do Livro, Formação de Agentes Comunitários de Educação, Formação de Educadores Sócias, Formação de Jovens Agentes Comunitários da Educação, Formação de Mães – Cuidadoras e Tecnologias Comunitárias de Aprendizagem (Idem).

Dentre a diversidade de projetos e ações aqui relacionados, cabe destacar que há atividades comuns a todos os núcleos, dentre as quais se referenciam: procedimentos de avaliação da equipe segundo os princípios do PTA, visitas diárias às casas das crianças e gestantes, reuniões de avaliação com a comunidade, com periodicidade mensal e, que contribuem para a correção de rotas e na valorização de projetos implantados, oficinas de saúde da mulher e cuidados com as crianças desde o parto até os seis anos e outras mais. Finalmente, no que se refere às principais formas de captação de recurso adotadas pela entidade, verificam-se financiamentos através de projetos e políticas públicas e sociais e recursos provenientes de doações e incentivos fiscais (dedução do Imposto de Renda devido).

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Disponível em www.cpcd.org.br). Acesso em (18/08/08).

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisando-se os aspectos fundamentais e justificadores do desempenho do CPCD, descritos no escopo deste trabalho, verifica-se que os projetos e ações sociais empreendidos pela entidade têm contribuído significativamente para a promoção da emancipação humana. É a emancipação humana o legado maior da Pedagogia Social freiriana, que no seu âmago concebe a educação popular como ação eficaz no processo de enfrentamento da exclusão social, tendo como matéria-prima a cultura a serviço da promoção do desenvolvimento comunitário. Neste sentido, os aspectos aqui elencados, via pesquisa Webquest, permitem qualificar o CPCD como agente fomentador de ativismo popular, do capital social e formação de redes, do empreendedorismo de práticas sociais eficazes no enfrentamento dos problemas comunitários locais face à ausência ou deficiência das políticas públicas implantadas. Durante seus vinte e três anos de atuação, a organização vem se consolidando como modelo de gestão profissionalizada de terceiro setor, no sentido de apresentar um processo histórico de acúmulo de práticas e experiências de efetivo e comprovado sucesso. Neste contexto, as metodologias criadas e adotadas evidenciam inovação, além de aglutinar e revelar os aspectos socialmente relevantes no que se refere à temática defendida pela instituição – educação popular e desenvolvimento comunitário – num contexto em que todo o enfoque adotado visa à consolidação da condição emancipatória de cidadania humana. Portanto, a organização tem-se confirmado como “referência em qualidade, exemplo de desenvolvimento sustentável e alternativa eficaz na implantação de políticas públicas e sociais” em virtude da adoção de práticas educativas inovadoras, resultados comprovados e sistematizados, sinalizadores de novas possibilidades de promoção de desenvolvimento harmônico, equilibrado, e coerente com o meio sócio – cultural55.

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Disponível em www.cpcd.org.br). Acesso em (18/08/08).

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Contudo, no atual cenário social, ainda são grandes os desafios relacionados ao reconhecimento valorativo das contribuições recorrentes das práticas e processos de educação não formal empreendidas por organizações e atores sociais diversos. Ainda há um longo caminho a ser percorrido em termos de ações concretas e melhoria das condições de fomento, apropriação e uso qualificado e eficaz dos espaços sociais não formais de aprendizagem.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na pósmodernidade. 9ªed. São Paulo: Cortez, 2003. SAVIANI, Demerval. A nova LDB: limites e perspectivas. Campinas: Autores Associados, 1997. SENHORAS, Elói Martins. Caminhos bifurcados do desenvolvimento local – As boas práticas de gestão pública das cidades entre a competição e a solidariedade. Revista Brasileira de Gestão e desenvolvimento Regional. G&DR. V. 3, n. 2, p. 3-26, mai-ago/2007.

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I SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM EXTENSÃO POPULAR – SENAPOP João Pessoa – UFPB – 24 a 27 de novembro de 2009

Problematização da metodologia na prática da Assessoria Jurídica Universitária Popular

Carla Miranda RESUMO

Retomamos a reconstrução da recente história da Assessoria Jurídica Universitária Popular (AJUP), mostrando os caminhos que essa prática social foi tomando, o espaço que foi assumindo na extensão universitária e sua caracterização hoje como uma experiência no campo das práticas jurídicas emancipatórias. Com seu forte poder instituinte, questiona o Direito, a universidade e a própria organização desigual e injusta da sociedade. Propõe a partir daí, uma prática jurídicaeducativa capaz de transformar esta estrutura social, orientada pela concepção dialética da educação popular. Mas é no momento de implementação dessa práxis que nos confrontamos mesmo com nossas limitações, com nosso Direito positivista, com nossa formação bacharelesca, com nossa “inexperiência democrática”. Assim, não é raro que grupos de AJUP‟s, iniciantes ou com décadas de trabalho, dizem ter bem claro “o que fazer”, mas sentem a necessidade de precisar o “como fazer” próprio de uma AJUP. Um fazer que coloque o lugar do Direito nos processos educativos de transformação social. Refletindo então, a AJUP como um trabalho jurídico com o povo, retomamos o significado e os desafios de uma concepção dialética no processo de conhecimento e transformação social. Ressaltando que esse processo se dá na prática social, temos o desafio na AJUP de superar a limitação no nosso olhar formatado pela cultura bacharelesca. Fazendo parte da vida cotidiana e das organizações com as quais estejamos trabalhando, perceber as juridicidades próprias dessas práticas e potencializá-las. O desafio exige a disposição de sair do nosso lugar de conforto, e sobretudo, a autocrítica como critério orientador.

Apresentação

Assessoria Jurídica Universitária Popular é uma atividade de extensão popular desenvolvida especialmente por estudantes de Direito nas universidades brasileiras. É uma prática emergente no cenário da educação jurídica e, ainda que seja uma prática nova e pouco difundida, tem crescido de importância chegando a influenciar as políticas públicas nacionais de justiça, especialmente no que se refere à democratização do seu acesso.

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É ainda reduzida a pesquisa nesta área, especialmente porque a dogmática jurídica tradicional, reduzindo o fenômeno jurídico à lei, tem se dedicado às questões processualísticas visando a assistência judicial gratuita. Porém, é da prática de advogados, magistrados, pesquisadores e estudantes comprometidos com a transformação social, especialmente no contexto da redemocratização brasileira, que emerge uma prática denominada por Campilongo (1991), de “serviços legais alternativos”56. Apresentam, estes, características diferentes das práticas judiciárias oferecidas pelo Estado, à população hipossuficiente, na tentativa de superar a barreira econômica no acesso ao judiciário. Fala-se, então, dos “serviços legais alternativos” em contraposição aos “serviços legais tradicionais”, como todos aqueles serviços não estatais de apoio jurídico, que apesar da diversidade interna, atendem a grupos sociais oprimidos (populações pobres, mulheres, grupos indígenas, trabalhadores rurais), que pretendem a modificação nas condições de vida da população através da defesa legal e de cursos de capacitação. No entanto, a própria experiência brasileira tratou de aprofundar ainda mais as diferenças de um modelo tradicional a ponto de tornar-se incompatível com ela a denominação de “serviços legais”. Transformando a relação mercadológica entre advogado/estudante e cliente em uma relação horizontal de construção coletiva de outra sociedade. Cabe melhor então, o termo assessoria em lugar de serviço. As Assessorias Jurídicas Populares tiveram seus conceitos e marcos teóricos construídos ao longo do tempo através da prática dos seus atores e das reflexões que eles vêm fazendo no sentido da orientação da sua ação. É nesse sentido, que este artigo, partindo da denominação das próprias experiências, usa o termo Assessoria Jurídica Universitária Popular, daqui em diante AJUP, para denominar essas práticas inovadoras protagonizadas por estudantes e organizadas nas faculdades de Direito.

Introdução

A Assessoria Jurídica Popular é uma prática jurídica inovadora que tem como instrumento não só a técnica jurídica, mas também outros saberes e práticas. Assim, numa

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A expressão se populariza no Brasil a partir da pesquisa intitulada Justiça em São Bernardo do Campo, realizada na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, que originou o artigo Assistência Jurídica e realidade social: apontamentos para uma tipologia dos serviços legais, publicado em 1991 por Campilongo. Porém, o autor tem como base o estudo comparativo intitulado “Comparación entre lás tendencias de los servicios legales em Norteamerica, Europa em America Latina” realizado por ROJAS (1988).

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I Seminário Nacional de Pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR/ANEPOP - 2009 tentativa de ser inter/trans/multidisciplinar57, intervém não só na remediação dos conflitos, mas também na transformação da realidade que os provoca. Nas palavras de Junqueira (1998, p.2) trata-se de uma prática que está voltada para os “segmentos subalternizados e enfatiza a transformação social a partir de uma atuação profissional que humaniza o indivíduo, politiza a demanda jurídica e cria estratégias de luta e resistência, encorajando a organização coletiva58”. A Assessoria Jurídica Universitária traz em si as marcas de experiências precursoras que de forma ou de outra influenciaram a sua constituição. São experiências estudantis e profissionais, da magistratura e advocacia, e de construções teóricas críticas do Direito 59, todas emergentes entre as décadas de 1970 e 1980 no Brasil. Dentre as precursoras estudantis, as primeiras experiências60 surgiram a partir da metade do século XX, de iniciativa dos centros acadêmicos, e como forma de prestar uma assistência jurídica que possibilitasse o treinamento da prática forense na universidade. Porém, aqueles projetos de cunho assistencialista começaram a tomar nova configuração no fim da década de 1980, durante as lutas contra a violação reiterada de Direitos Humanos na ditadura militar e pela redemocratização brasileira. Do contato com os movimentos sociais emergentes, com a advocacia militante e com as experiências educativas populares de inspiração freireana, aqueles serviços de assistência começam a se configurar como assessorias estudantis. Diferencia-se, a partir daqui, dois pilares da extensão no curso de Direito. De um lado a assistência judicial, um serviço advocatício prestado pelo estudante de forma individualizada à população hipossuficiente. De outro lado, as assessorias jurídicas, uma atuação jurídicopedagógica, prezando pela interdisciplinaridade, e preferencialmente pelas demandas coletivas ou individuais de repercussão coletiva. Mas a ampliação das assessorias se dá na década de 199061, quando ao questionamento da ordem instituída e do judiciário alia-se a crítica ao modelo de universidade e à própria educação

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Como não há um termo que represente a superação da fragmentação do conhecimento que seja comum à maioria dos grupos da Assessoria Jurídica Popular, três concepções distintas foram usados no texto mesmo sabendo que cada um pretende a superação da fragmentação de uma forma diferenciada. 58 cf.: JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Os advogados populares: em busca de uma identidade. In: Cadernos PIBIC, n.2. Rio de janeiro: Departamento de Direito PUC-Rio, 1998, p.2. 59 NAIR. LYRA FILHO 60 O Serviço de Assessoria Jurídica Universitária da UFRGS (SAJU-RS) surge em 1950 e o SAJU-BA em 1963. Interessante notar que estes grupos surgem como Serviços de Assistência Jurídica Gratuita, e somente com nos documentos mais recentes, aparece a denominação “serviço de assessoria”. 61 Em 1995 é criada a RENAJU (Rede Nacional de Assessoria Jurídica Universitária), que hoje é composta por aproximadamente vinte e três grupos em todo o país. Dentre eles: NAJUP ISA CUNHA – PA; NAJUP ALDEIA DOS KAIAPÓS – PA; PAJE – CE; NAJUP – GO; SAJU – SP; NAJUP – RS; SAJU – RS; NIJUC – MS; CAJU SEPÉ; TIARAJU; NAJUP RODA VIVA; SAJU – BA; CAJU – CE; SAJU – CE; NAJUC – CE; CAJUÍNA – PI; CAJUC MANDACARU – PI; PROJETO JÁ – PI; NAJUP DIREITOS NAS RUAS – PE; NAJUP NEGRO COSME – MA; SAJUP – PR.

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I Seminário Nacional de Pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR/ANEPOP - 2009 jurídica em um momento de efervescência de uma crítica62 ao tecnicismo e à formação bacharelesca. Tenta-se resgatar, então, a legitimidade social da universidade através da extensão, ainda que esta seja indissociável da pesquisa e do ensino. A crítica das AJUP‟s à universidade se encontra com a emergência do discurso da extensão como função acadêmica nas universidades brasileiras, marcado pela criação do FORPROEX (Fórum de Pró-reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras) em 1987. Ao mesmo tempo em que se apropria deste discurso, as AJUP‟s, criam o espaço dentro das faculdades de Direito para uma atividade que não cabia nas estruturas conservadoras dos cursos jurídicos como ensino, nem pesquisa e diferenciava-se da extensão assistencialista dos estágios curriculares (escritório-modelo). Experiências diversas e múltiplas, mas que tem como comum e diferencial dos seus trabalhos, assim definida pelos grupos, a metodologia da educação popular. Educação popular é a práxis desses grupos, entendendo-a como “ação consciente dos sujeitos que une a teoria, compreensão da realidade, à prática (trabalho criativo), transformação do mundo” (BAPTISTA, 2008, p.197). É, portanto, objetivo desta pesquisa entender e refletir sobre a metodologia das AJUP‟s para a partir de subsídios teóricos (fundamentos da educação popular), repensar sua prática orientada pela proposição de novos rumos para as metodologias de extensão popular universitária.

Desenvolvimento A AJUP se contrapõe àquele assistencialismo predominante na prática forense dos escritórios-modelo, porque buscava a causa dos problemas e a prevenção deles. Numa perspectiva de totalidade, mesmo as demandas individuais tinham raízes em algum problema estrutural da sociedade e por isso, necessitavam de uma organização comunitária para ser resolvido ou evitado. Era necessário então um trabalho de conscientização e educação em Direitos que provocasse as mudanças comportamentais necessárias à organização e autonomia das comunidades na solução de seus problemas e da transformação social. Nesse sentido, a assessoria constitui-se como uma ação política - educativa do profissional do direito, e não apenas cumprimento de uma atividade acadêmica para formação profissional. Compondo-se da luta e do processo educativo de luta por direitos humanos, é a 62

Sobre o tema, ver Antonio Carlos Wolkmer, “Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico”.

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educação popular como método que explicita a sua intencionalidade emancipatória. É a partir, também, dessa referência metodológica que os grupos vão assumindo o “popular” em suas denominações63. Apesar de assim se definirem, ainda são poucas as AJUP‟s que mantém uma sistematicidade na reflexão de suas atividades cotidianas, e uma reflexão sobre uma metodologia mesma de sua prática, definindo-a apenas genericamente como “educação popular”. Dentro dessa generalização, se compreende atividades com grupos de mulheres, LGBT‟s, negros, camponeses, cooperativas, associações de moradores, dentre diversos sujeitos considerados povo pobre e oprimido. As atividades vão desde a realização de debates, cineclubles e cursos de formação interna, à articulação política com outros atores e movimentos sociais, além, de oficinas educativas em Direitos Humanos. Por serem grupos de estudantes, a dificuldade pela ausência de advogados nos núcleos teve como conseqüência a ênfase nas ações educativas. Ocorreu, com isso, o privilegiamento dessas ações visando a organização comunitária. O ideal seria que cada projeto possuísse um advogado para a defesa de causas coletivas ou individuais de repercussão coletiva envolvendo a comunidade em que se trabalha. Porém a realidade é outra. Vocês formarão um projeto de estudantes e talvez não contem com a ajuda de um advogado. Mas isso não é motivo para desânimo. Vários projetos de assessoria do país funcionam sem advogado. O importante é fazer um trabalho bem feito de difusão de direitos e se preferirem orientar a comunidade quanto aos problemas jurídicos que ela enfrenta. O objetivo final da assessoria é a organização popular, a emancipação da comunidade que sozinha passaria a lutar pela efetivação de seus direitos básicos, por uma vida melhor. É nesse âmbito que se insere a difusão de direitos a desmistificação do direito em si. (Cartilha RENAJU grifo nosso)

Assim, a educação popular, definida pelos grupos como sua “metodologia”, aparece mais como um princípio no processo de organização popular. A expressão da postura dialógica, de aprendizados recíprocos, não hierarquizados, não mistificados, não paternalistas entre operadores jurídicos e movimentos populares. É nesse sentido, que a generalização da metodologia da AJUP como “educação popular” identifica muito mais que uma metodologia, e sim uma concepção metodológica, ou seja, uma “concepção global da lógica interna que deve atravessar todo o processo de conhecimento e transformação da realidade” (JARA, 1985, p.10). Paulo Freire, neste sentido, sempre foi avesso às interpretações que atribuíam a ele a criação de um método educativo. Educação popular é assim, uma filosofia mesma, uma postura

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Interessante notar que em 2004, a RENAJU era composta por apenas um NAJUP (NAJUP Negro Cosme-MA), sendo todos os outros, SAJU‟s (serviços de assessoria). Porém, os grupos mais contemporâneos optaram pela denominação de “núcleo” e “popular”,como uma clara rejeição ao termo “serviço”.

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de estar sendo no mundo, com o mundo, e com os outros, com intencionalidade transformadora e orientada por um projeto humano libertador. Isso pressupõe que os seres humanos, o mundo e a sociedade, são inacabados e estão em constante movimento, e podem ser transformados. As condições de opressão, as injustiças, não são naturais e podem ser superadas. É também esse, o pressuposto da possibilidade de um Direito emancipatório, que é referência das AJUP‟s através da Dialética Social do Direito, sistematizada por Lyra Filho64. Pressupõe também, que é na prática social que os conhecimentos são produzidos, num processo dialético de compreensão/transformação da realidade. “Se trata de uma dialéctica por la cual el hombre compreende la realidad para transformarla y transformándola la logra comprender aun más” (REBELLATO, 2009, p. 56). Mas é a experiência diária dos momentos de implementação dessa práxis, fortemente marcada

por

expressões

como

“ação-reflexão-ação”,

“crítica/auto-crítica”,

e

“avaliação/planejamento”, que traduz o esforço de perceber a AJUP numa unidade do processo teórico-prático, numa concepção dialética dessa prática social identificada com a educação popular. Jara (1985, p.10) nos esclarece que numa concepção dialética, “toda ação educativa é um processo de descobrimento, criação e recriação de conhecimentos”, e por isso, a aplicação de métodos e técnicas específicas, nas diversas condições concretas que nos defrontamos exige sempre criticidade e criatividade, nos diferentes aspectos, na prática social. Isso porque, concordando com Rebellato (2009, p. 56-58), enquanto práxis criadora a atividade do homem tem uma imprevisibilidade do processo e de seu resultado, a unicidade e irrepetibilidade do produto. É um processo de risco, de algo não dado, profundamente questionador do nosso ser, normalmente estruturado de forma rígida e dogmatizada. Por isso, pra nós é tão difícil ser-mos dialéticos. O ponto de entrada na comunidade é, nesse ponto, uma das dificuldades mais marcantes percebida nas AJUP‟s. Não raro, os grupos novos ou até os mais experientes, se deparam com essa questão, porque quando falo de uma “assessoria jurídica popular” realizada através de uma “educação jurídica popular”, ou de uma “educação popular em direitos humanos”, já estou juridicizando os conflitos e contradições percebidas na leitura de mundo inicial daquela realidade.

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Roberto Lyra Filho foi um dos fundadores da NAIR (Nova Escola Jurídica Brasileira) que na década de 70, através da publicação da revista Direito e Avesso, foi precursora de movimentos de crítica jurídica, todos baseados em sua teoria crítica de perspectiva dialética denominada Dialética Social do Direito. Sua obra mais conhecida é “O que é Direito?”, publicada na coleção primeiros passos.


I Seminário Nacional de Pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR/ANEPOP - 2009 A questão aqui, é que carrego o limite do meu olhar do direito, ou pior, o olhar do “meu Direito”. O olhar formatado na formação bacharelesca coloca o Direito no lugar de guarda de legitimação da filosofia individualista eurocêntrica. Reproduz uma lógica da negação dos conflitos e de conflitos interindividuais, isolados da estrutura social. Limita ainda mais, a percepção da “totalidade em permanente criação” (Rebellato, 2009, 57). Com a mesma violência epistêmica que operou o modelo científico eurocêntrico, o direito, se percebido somente em sua forma oficial, mesmo que buscado em Declarações de Direitos Humanos como normalmente se fundamenta uma educação em Direitos Humanos, pode não enxergar os conhecimentos jurídicos populares, as sociabilidades próprias que percebem e resolvem os conflitos de forma muito particular. Nós, das AJUP‟s, por nossa formação claramente de esquerda, tendemos a identificar conflitos na ausência de direitos especificamente sociais. Porque, verdadeiramente, são eles negados às coletividades pobres em nosso país. Porém, devemos nos atentar, que, nem sempre são essas as contradições que nos permitem uma intervenção verdadeiramente orientada pela construção da autonomia. Voltamos, com mais atenção, agora apurada contra nossa formatação jurídica, aos pressupostos de uma concepção dialética da educação popular. E neste ponto, precisamos repensar o que significa ter a prática social como elemento de partida (e também de chegada). Partir da prática social de um grupo significa, pois, partir de uma realidade contraditória tanto em termos objetivos como subjetivos (...). Assim, o objeto do nosso conhecimento e, portanto, nosso objeto de transformação, não será uma “realidade” exterior e independente a nós, mas nossa própria prática – objetiva e subjetiva – localizada no contexto social e histórico concreto em que se desenvolve (JARA, 1985, p. 12)

Significa então, uma ação-reflexão constante das práticas jurídicas todas, das juridicidades: as da comunidade e as nossas também. Escolher um ponto de entrada particular, isto é, um aspecto desta prática social, como o núcleo inicial mais adequado para começar um trabalho de assessoria jurídica popular, exige, saber ouvir as juridicidades populares particulares, e com um olhar complementar perceber as potencialidades de construção e afirmação de Direitos esboçadas por aquelas práticas próprias. As experiências em mediação popular e as práticas de extensão interdisciplinares podem nos ajudar nessa tarefa de diminuir nossa pretensão de verdade, nos predispor ao diálogo e perceber outros olhares. É também, nas práticas interdisciplinares que somos desafiados a entender mesmo o nosso lugar na transformação social. Para superar essas dificuldades, muitas vezes utilizamos técnicas participativas (teatros, jogos, dinâmicas, brincadeiras de roda, audiovisuais, vivencias, desenhos coletivos...) mas não

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podemos esquecer que elas mesmas devem expressar e estar inseridas em uma concepção dialética, responder a uma problematização anterior e chegar a uma síntese clara. Trata-se de incentivar uma participação ordenada do grupo, que nos permita ir, de um processo, coletivo de reflexão a conclusões claras sobre o tema que está sendo tratado. Um filme projetado sem uma prévia motivação e sem uma discussão ordenada, depois uma dinâmica cujo debate não leve a conclusões claras, todos levam a um fracasso. Tratase, definitivamente, de gerar um processo de apropriação de conhecimentos, através de um esforço ativo de interpretação, análise e síntese (JARA, 1985, p. 25).

Por fim, como o processo de formação se dá mesmo é na referência permanente ao cotidiano, na dinâmica das atividades concretas de organização, é só sendo parte dessa dinâmica que vamos poder contribuir com sua transformação, compreendê-la e transformá-la. É como parte da vida cotidiana dos grupos que estamos trabalhando, e não apenas dos momentos privilegiados da formação, que os conhecimentos são apropriados. É o desafio também, da apropriação desses instrumentos metodológicos por parte das organizações, seus dirigentes e lideranças. É preciso sair do nosso lugar de conforto, se dispor a correr riscos, a errar. É preciso sobretudo, seguir caminhantes, orientados sempre pela auto-crítica e pelo sentido libertador!

Conclusão A reconstrução da recente história da AJUP nos mostra os caminhos que essa prática social foi tomando, o espaço que foi assumindo na extensão universitária, até caracterizar-se hoje como uma experiência inovadora no campo das práticas jurídicas. Inovação ainda maior quando falamos das estruturas conservadoras das faculdades de Direito e da educação jurídica. Com seu forte poder instituinte, questiona o Direito, a universidade e a própria organização desigual e injusta da sociedade. Propõe a partir daí, uma prática jurídica-educativa capaz de transformar esta estrutura social, orientada pela concepção dialética da educação popular. Porém, o momento de implementação dessa práxis é o momento do confronto mesmo com nossas limitações, com nosso Direito positivista, com nossa formação bacharelesca, com nossa “inexperiência democrática”(Freire). Assim, não é raro que grupos de AJUP‟s, iniciantes ou com décadas de trabalho, dizem ter bem claro “o que fazer”, mas sentem a necessidade de precisar o “como fazer” próprio de uma AJUP. Um fazer que coloque o lugar do Direito nos processos educativos de transformação social.

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Refletindo então, a AJUP como um trabalho jurídico com o povo, retomamos o significado e os desafios de uma concepção dialética no processo de conhecimento e transformação social. Ressaltando que esse processo se dá a partir, e na, prática social, temos o desafio na AJUP de superar a limitação no nosso olhar formatado pela cultura bacharelesca. Fazendo parte da vida cotidiana e das organizações com as quais estejamos trabalhando, perceber as juridicidades próprias dessas práticas e potencializá-las. O desafio exige, sobretudo, nos perceber nessa realidade que está sendo transformada e sair do nosso lugar de conforto. O desafio exige a disposição ao risco, o compromisso, e a autocrítica como orientação.

Referências Bibliográficas JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Os advogados populares: em busca de uma identidade. In: Cadernos PIBIC, n.2. Rio de janeiro: Departamento de Direito PUC-Rio, 1998. MELO NETO, José Francisco de. Extensão Universitária, Autogestão e Educação Popular. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2004. ________. Extensão Popular. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2006. JARA, Oscar. Concepção Dialética da Educação Popular.São Paulo, CEPIS, maio,1985. REBELLATO, José Luis. Ética y practica social. Uruguai, EPPAL, 2009.

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I SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM EXTENSÃO POPULAR – SENAPOP João Pessoa – UFPB – 24 a 27 de novembro de 2009

VIVENCIANDO A FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA NA PRÁXIS DA EDUCAÇÃO POPULAR – NOTA PRÉVIA

Juliana Acosta Santorum65; Maria Elisabeth Cestari66 RESUMO Por meio de um estudo de caso, está sendo investigado o desenvolvimento do curso de extensão universitária Saúde, Educação e Política: práxis no SUS, em uma Universidade Federal no Extremo Sul do Brasil. A pesquisa é realizada no ambiente em que se desenvolve o referido curso, quer seja em salas de aula no espaço físico da universidade, ou no espaço comunitário e serviços de saúde onde ocorrerem as atividades práticas do curso. Participam da pesquisa as estudantes de graduação dos cursos de enfermagem, educação física, psicologia, fisioterapia, biblioteconomia e letras inscritas, ale das organizadoras do curso, que no total somam vinte e nove sujeitos participantes. Os dados estão sendo produzidos por meio da observação participante durante as atividades teórico-práticas propostas pelo curso, após cada período de observação, são realizados os registros sistemáticos no diário de campo das questões/reflexões que os dados observados suscitam bem como anotações sobre aspectos que devem ser melhor observados. Também constituem em objeto de análise Os materiais produzidos pelos sujeitos, como narrativas, avaliações periódicas e avaliação final entre outros, também constituirão dados para serem analisados. O material textual está sendoorganizado e pré-analisado na medida em que é produzido. Ao final da etapa de produção dos dados, período que compreende os meses de desenvolvimento do curso, serão realizadas novas leituras dos dados para então, sistematizá-los e interpretá-los, a análise final será orientada pelahermenêutica-dialética.

1. INTRODUÇÃO Ao longo do curso de enfermagem enfrentei muitas inquietações, me inquietou a divergência entre as preconizações para com a saúde pública e o seu não atendimento na prática, me inquietou a orientação dada a formação, com foco em um modelo biomédico e hospitalocêntrico, me inquietou a iniqüidade entre ensino, pesquisa e extensão e me inquietaram também os meus próprios conflitos, relacionados a uma formação que, acompanhando as

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Enfermeira, mestranda em enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande - FURG 66 Doutora, Enfermeira, Docente permanente no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande - FURG

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tendências globalizadas de produção e reprodução do conhecimento, torna-se necessariamente generalista, afinal é inútil tentar aprofundar-se em todas as áreas de saber-fazer devido a multiplicidade e evolução infinita do conhecimento. Entre as diversas áreas de atuação e de especialização na Enfermagem, o que eu queria e o que eu poderia fazer? Mas, como para se manter a ordem é preciso o caos, compreendo que as inquietações são uma constante, e são necessárias, pois o desassossego faz com que eu exercite minha capacidade de reflexão, de indignação, de crítica. Provoca acima de tudo meu agir, de forma coerente com todos os conflitos, não um agir descompromissado, vazio de auto-crítica, mas criticamente comprometido e buscando constantemente a coerência, quando, no processo de repensar me percebendo incoerente, procuro superação na práxis. A minha formaçãoem Enfermagem teve outro sentido a partir do envolvimento com o projeto de extensão universitária VEPOP Extremo Sul. Integrei este grupo que discutia as questões socioambientais relacionadas ao processo saúde-doença, numa compreensão da saúde não como um conceito fechado, mas como uma complexa relação vivida no sentido homem/ambiente/direitos sociais. Mais que isso, discutíamos o que era saúde, para quem e como falar de modelos saudáveis de vida e de comprometimento com seu estado de saúde ou doença, e não apenas nos bancos universitários para os universitários, mas com as populações dos 17 bairros onde o VEPOP atuou por um ano. Nesta caminhada nos tornamos grandes defensores do Sistema Único de Saúde (SUS) e de uma metodologia dialógica, conscientizadora e emancipadora tanto para a educação universitária como para a educação em saúde como forma de intervenção profissional/social. O compromisso assumido após as experiências vividas foi com o fortalecimento do SUS no que se refere à integralidade na atenção, controle social e formação de trabalhadores de forma coerente com as políticas públicas de saúde, compromisso esse corroborado através da atuação de alguns dos sujeitos, verdadeiramente transformados pela experiência vivida, que buscam aproximar seu fazer às demandas sociais, seja no âmbito profissional ou na sua formação permanente. Ao concluir o curso de graduação em Enfermagem fui, cada vez mais, conscientemente pensando no compromisso assumido em interferir para melhorar uma realidade, que é a proposta da extensão universitária. Minhas reflexões voltaram-se mais à formação de profissionais da área da saúde, dentre eles, em especial da Enfermagem. Se eu vivi tantas contradições e inquietações, se faço a denúncia de um modelo de formação que falha em alguns pontos, tenho que, coerentemente, anunciar um modelo quepossa melhorar a formação em saúde de forma a contribuir com a sociedade na manutenção e luta permanente pelo SUS.

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Este foi o motivo que me levou a cursar o mestrado em Enfermagem, buscar contribuir para a formação profissional, a partir de um modelo de assistência integral à saúde, que parte da realidade social dos sujeitos, em uma relação de compartilhamento de saberes, visando a promoção da saúde por meio da conscientização e libertação de situações que ameacem o viver saudável, os direitos à condições de vida digna e à saúde, garantidos pela constituição brasileira. O Sistema Único de Saúde brasileiro completou 20 anos de história em 2008, configurando uma conquista social. Nesta trajetória vem enfrentando e superando - ou se mobilizando para a superação de - incoerências tanto no que se refere à atenção à saúde da população brasileira como na formação de trabalhadores da saúde. Neste sentido os gestores federais propõem projetos e programas para reorientar a formação e a pós-formação em saúde, visando transformações significativas nos serviços. No entanto, os próprios gestores reconhecemas dificuldades na implementação das mudanças, assim, as propostas têm de enfrentar, em suas próprias concepções e desenvolvimentos, o desafio de constituírem-se em eixo transformador, em estratégias mobilizadoras de recursos e poderes, em recursos estruturantes do fortalecimento do SUS, deixando de estar limitados a introduzir mudanças pontuais nos modelos hegemônicos de formação e cuidado à saúde (BRASIL, 2003 p.3).

A proposta de formação profissional para se trabalhar a promoção da saúde por meio da educação em saúde está presente nas políticas públicas, mas sua implementação ainda é incipiente. Para que a educação em saúde aconteça de forma eficaz é preciso investir em trabalhadores preparados para esta necessidade. Além disso, a observação da atuação profissional que não prioriza ações de educação em saúde, o que pode revelar um despreparo profissional, motiva para a busca de uma formação que melhor prepare enfermeiros e enfermeiras para trabalharem com a educação dialógica/problematizadora em saúde, ou apenas, educação popular em saúde, como aquela prática que tem como ponto de partida a realidade do outro sendo estaprática mediatizada pelo diálogo horizontal e libertador, uma vez que, na educação popular a palavra dá significado à vida dos homens. O diálogo, como palavra verdadeira, pode modificar, construir, transformar. Através da fala, capaz de criar e recriar, a educação popular resgata o ser humano objetomercadoria e transforma-o em sujeito histórico e social (RODRIGUES, 2008, p. 58).

A partir destas premissas, o Núcleo de Estudos e Práticas em Educação Popular e Saúde (NEPEPS), projeto de extensão vinculado à Escola de Enfermagem, do qual faço parte, propõe desenvolver, através de um curso de extensão, atividades que instrumentalizem estudantes de graduação para que sua formação esteja em consonância com as políticas públicas de saúde no que se refere à educação em saúde enquanto metodologia para intervenção profissional, por meio da sensibilização com a Educação Popular como alternativa para um agir em saúde coerente com

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a realidade local, contribuindo assim, com o fortalecimento da formação universitária reflexiva, humanitária, solidária, socialmente crítica, em suma, a formação cidadã que é esperada da universidade. Trata-se do curso Saúde, Educação e Política: práxis no SUS, descrito no plano de ações do NEPEPS para 2009, que foi apresentado e aprovado em reunião do conselho da Escola de Enfermagem. O referido curso é uma ação conjunta entre professores, estudantes de graduação e pós-graduação que integram o NEPEPS, contando ainda com a colaboração de egressos da FURG comprometidos com a proposta, de trabalhadores no SUS e conselheiros de saúde. A realização deste curso além de reafirmar os propósitos do NEPEPS, integra sujeitos com interesse de refletir sobre as relações entre universidade e sociedade tendo a Educação Popular como caminho para ação. Assim, esta pesquisa pode contribuir com a proposta do NEPEPS, através de uma avaliação com rigorosidade científica. O principal objetivo desta pesquisa, que ainda está em desenvolvimento é investigar o desenvolvimento do curso de extensão universitária Saúde, Educação e Política: práxis no SUS, tentando responder à questão “Como a Educação Popular foi abordada no curso?” E desta forma descrever as etapas do processo educativo, analisar a abordagem da Educação Popular através de elementos que a caracterizam como a dialogicidade, a problematização, a conscientização, a autonomia e a esperança, avaliar o desenvolvimento do curso do ponto de vista dos sujeitos participantes também e identificar, ao longo do processo, as dificuldades e potencialidades da práxis educativa.

2. PAULO FREIRE E A ANUNCIAÇÃO DA EDUCAÇÃO POPULAR Os seres humanos ensinam-aprendem desde a primeira etapa de seu desenvolvimento, no nascimento, na vida adulta, ao longo de nossas vidas, estamos sempre em processo de ensinoaprendizagem. A educação é, então, um processo de interação entre seres humanos e destes com o mundo resultando em produção e reprodução de algum tipo de conhecimento. Sendo assim, educadores são os seres de relação, ou seja, os homens e as mulheres que se relacionam entre si e com o mundo, buscando serem mais, e é na busca por ser mais que a educação acontece. De acordo comFreire (2005a, p.78) “ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho, mas os homens educam-se entre si, mediatizados pelo mundo”. O sistema escolar constitui-se em local próprio da educação formal, onde professores e estudantes interagem produzindo e reproduzindo conhecimentos. No entanto, com isso não quero dizer que esta forma de educação somente possa ocorrer no espaço compreendido entre as paredes de uma sala de aula e que a relação entre professores e estudantes se dê, rigidamente, no

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sentido verticalizado. Se afirmo que a educação acontece nas relações entre os seres que buscam ser mais, entendo que as posições no processo de ensino-aprendizagem variam, ora o educador torna-se educando e aprende ao ensinar, ora o educando torna-se educador, ensinando ao aprender. A educação não formal, por sua vez acontece em casa, no bairro, no local de trabalho, em espaços virtuais, e mesmo na escola, ou seja, em espaços onde homens e mulheres interagem em relações familiares, de amizade, profissional, na divergência ou convergência de idéias, se trata, portanto daquela própria do processo de socialização dos indivíduos, acontecendo de forma espontânea, em qualquer tempo ou espaço. Portanto, a escola é apenas um dentre os possíveis cenários para a prática educativa, assim como a educação formal constitui-se em um modelo de educação, e não o único, no mesmo sentido, professores-estudantes constituem apenas uma forma de interação entre educadores e educandos. Educador pode ser o estudante que ao aprender ensina, pode ser o pai, a mãe, a avó, o avô, o irmão, a irmã, o vizinho; em toda forma de interação, existe a produção e reprodução de algum tipo de conhecimento relacionado aos saberes, comportamentos e valores que se ensina e aprende no convívio e que são fundamentais à vida em sociedade. A educação não acontece de forma única, assim como não é uma realidade pronta e acabada. Ela é praticada por distintos indivíduos dotados, cada um ou cada uma, de história, cultura e subjetividade, indivíduos estes que interagem entre si e com o mundo, no fazer da educação, tendo suas diferentes histórias e culturas. A educação, portanto, não é algo já posto, com bordas bem definidas, é sim um processo que se dá no próprio fazer, pois além dos sujeitosviventes no processo educativo, variam ainda os cenários, os métodos, os objetivos do fenômeno educativo. Tendo estabelecido uma concepção de educação, apresento minhas compreensões acerca das idéias e valores transmitidos por Paulo Freire ao longo de sua obra, por acreditar na alternativa presente em sua proposta para uma educação libertadora. Paulo Freire nasceu no Recife, em 1921, viveu com sua família as mazelas da crise de 1929 experimentando a fome e compreendendo a fome que sentia o povo. Com pai espírita e mãe católica, optou pela religião da mãe, mas as contradições que percebia nos sermões fez com que abandonasse a Igreja, no entanto, sem abandonar sua fé em Deus. Sempre teve interesse pela língua portuguesa, formou-se em direito, mas atuou pouco nessa área, reconhecendo sua vocação para a educação volta-se para esta, atuando como diretor de educação e cultura do serviço social do comércio (SESI) onde teve as primeiras experiências que conduziriam ao desenvolvimento do

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método de alfabetização de adultos que o fez ser reconhecido em diversas partes do mundo no âmbito da educação (FREIRE, 1979). Paulo Freire não é apenas um teórico da educação, seu método de ensino é fundamentado em sua experiência vivida. Seus esforços educativos para a alfabetização de adultos iam além da “vocação” de professor para ensinar a ler, tinham um sentido maior, um comprometimento com a conscientização e a libertação dos indivíduos da condição de opressão em que se encontravam, visando romper com as relações autoritárias entre os sujeitos. Trata-se, portanto, de uma educação para libertação dos seres humanos sujeitos de sua história em lugar de uma prática educativa para a domesticação e alienação dos seres objetos. Não bastava para sua época (como ainda hoje não basta) apenas a superação do analfabetismo através de métodos que mantivessem os educandos na situação de alienação, distante da realidade, por meio da palavra oca, que não comunica, mas que faz comunicado. Uma alfabetização puramente mecânica, tecnicista. Era preciso (e ainda é) uma metodologia participativa, que problematizasse a realidade histórico-social levando à inserção crítica dos homens em seu contexto. A educação pode ser um instrumento de mudança, porém não pode ser ingenuamente vista como ato de concretização simples, milagroso que, sozinho tem o poder de transformação (FREIRE, 2005b). Justamente essa prática educativa que respeitava a condição do homem como sujeito vivente e não sujeito sujeitado de sua própria história é que levou Paulo Freire ao exílio em 1964,por contrariar àqueles que tinham interesse em manter os homens alienados. Existem distintas abordagens educacionais. Mas é tarefa difícil categorizar, enquadrar uma prática educativa em uma ou em outra classificação, porque uma prática educativa se define de fato, no campo da prática, apenas teorizar sobre ela, dizer que será deste modo e não daquele, não a determina. A teoria serve sim para embasar a prática, mas esta base de sustentação não deve ser estática, e sim estar sempre sendo repensada e reestruturada. Quando se fala em teoria corre-se o risco de ser equivocadamente identificada como processo que utiliza o verbalismo, a palavra oca, simples teorização descomprometida, palavra que não é articulada com a prática. No entanto, é mesmo na reflexão sobre o fazer que se desvendam as contradições entre o que se diz e o que se faz. A educação precisa realmente de uma teoria que implique em análise e inserção na realidade, mas essa teoria precisa ser problematizada no fazer dos educadores e das educadoras, para então ser desconstruída e reconstruída (FREIRE, 2005b). Definindo-se como práxis, ou seja, a prática que é conscientemente fundamentada em uma teoria, que se desenvolve através da aproximação entre teoria e prática. É preciso, portanto um meio termo, um equilíbrio entre o rigor teórico e filosófico e o pragmatismo, pois a educação se define na práxis.

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A educação é um fenômeno humano, histórico, multidimensional. Que pode se tratar de uma prática tecnicista, para a doutrinação de massas, por meio de uma prática de transmissão de conteúdos que são pré-estabelecidos por elementos externos ao processo educativo, no qual o professor, quem tudo sabe, está no centro da educação, e o aluno, que nada sabe, memoriza os conteúdos transmitidos pelo mestre. Uma educação que mantém a alienação a respeito das desigualdades sociais, que pode ser instrumento de dominação, de poder. Paulo Freire definiu este modelo de educação como uma prática bancária, devido à relação vertical entre professor e aluno através do “depósito” de conteúdos, prática essa fundamentada na antidialogicidade, ou seja, a palavra oca, porque é ingenuamente acrítica e não gera criticidade, portanto é alienada e gera alienação. A esta denúncia segue o anúncio de uma prática dialógica, nutrida de amor, de esperança, de respeito ao outro, por provocar a consciência crítica integra-se com a realidade e compromete-se com ela, uma vez que “conhecer é interferir na realidade conhecida” (FREIRE, 2005b, p.121). A concepção bancária da educação reflete uma relação enferma entre educador e educando, pois nesta abordagem os conteúdos, petrificados e desconectados da realidade, são narrados, enquanto o estudante, passiva e docilmente ouve e arquiva na memória. O professor, que é sábio por deter todo o conhecimento, deposita, doa seus valores e conhecimentos, aos alunos, vazios de saberes até então, com o objetivo de enchê-los de sabedoria. Em sua Pedagogia do oprimido, Paulo Freire denuncia esta concepção da educação como equivocada, pois nela não há criticidade, não há transformação, não há saber, pois “Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros. Busca esperançosa também.” (FREIRE, 2005a, p. 67). A educação bancária gera alienação e ajustamento, em detrimento da consciência crítica da inserção no mundo para transformação dele, por isso serve aos interesses dos opressores, porque torna os oprimidos adaptados à condição que os oprime, não buscando formas de superála, desta forma, nega a vocação ontológica de ser mais. Mas os indivíduos na busca por ser mais podem perceber a contradição desta prática, que conforma, e então, mobilizarem-se na luta para superação da condição que os oprime, afinal não dependem da luz do educador para tornarem-se conscientes e livres. Da mesma forma que os seres se educam entre si, também se conscientizam entre si, mediatizados por sua situação e relação no mundo, com o mundo e com os outros, assim, educadores e educandos assumem posições horizontais no processo educativo, tornando-se educador-educando e educandoeducador. O educador que tem como origem de sua ação a realidade do oprimido, que

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problematiza as situações sociais, potencializa o pensar autenticamente criador e transformador, torna-se companheiro dos educandos em sua luta. O educador pode acomodar-se no papel de produtor e reprodutor do conhecimento, então sua ação pedagógica será ingenuamente acrítica, refletindo em alienação dos sujeitos de sua condição política. Ou o educador pode, consciente de sua responsabilidade social, problematizar a realidade e o papel que os indivíduos ocupam na sociedade, refletindo em uma mudança de práticas reducionistas, fragmentadoras em direção a uma práxis mais complexa. Assim, o educador na prática bancária atua a serviço da desumanização e da opressão, enquanto o educador que atua na prática problematizadora fortalece o potencial humano, a consciência crítica e, portanto, atua a serviço da libertação das condições de opressão (FREIRE, 2005a). A educação que tem como origem as causas populares é conhecida como educação popular. Tendo como metodologia a dialogicidade, a problematização e a permuta entre os saberes e, como intencionalidade, a conscientização e a libertação das causas de opressão. Práxis esta que respeita a natureza histórico-cultural do outro e a sua vocação ontológica para ser mais, que compreende os indivíduos como seres inconclusos e humanamente esperançosos. A educação popular (EP) tem as idéias de Paulo Freire como referencial teóricometodológico e vem sendo praticada desde os anos sessenta como alternativa às práticas opressivas e desumanizantes. No princípio a EP era identificada, até mesmo por Paulo Freire, como educação problematizadora, dialógica, liberadora ou libertadora (BRANDÃO, 2001). Portanto, a EP consiste em uma práxis progressista, esperançosa, histórico-crítica e libertária que orienta para a emancipação e para a transformação social, nutrida pelo diálogo, pela cidadania e contextualizada às práticas sociais. Esta concepção que tenho hoje, surgiu a partir das leituras, reflexões e vivências que experimentei até este momento, portanto, não está acabada, e está longe de ser a absolutização da verdade. Talvez, dentro desta definição de educação popular, não fosse preciso adjetivar o substantivo educação, pois trata-se daquilo que a caracteriza, aquilo que é inerente à educação. No entanto, como já mencionei neste texto, encontram-se diversos modos de fazer e de pensar a educação, tornando necessário qualificar o substantivo, ou seja, atribuir um adjetivo que esclareça a metodologia, a origem e a intencionalidade da prática educativa (LAYRARGUES, 2003). Deixando claro assim, a concepção de educação baseada nas idéias freireanas, com origem nas classes populares, intecionalidade libertária e metodologia dialógica, uma educação para a conscientização, e não para a doutrinação.

3. DESENVOLVIMENTO

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Esta investigação se dará por meio de um Estudo de Caso, com abordagem exploratória e qualitativa dos dados. Compreendendo que uma pesquisa exploratória se caracteriza pelo aprofundamento no conhecimento do objeto de estudo nos limites de uma determinada situação (TRIVIÑOS, 1992), e que a pesquisa qualitativa está relacionada aos significados que as pessoas atribuem às suas experiências do mundo social e como as pessoas compreendem esse mundo. Tenta, portanto, interpretar os fenômenos sociais (interações, comportamentos, etc.) em termos dos sentidos que as pessoas lhes dão [...] Em vez de simplesmente aceitar os conceitos e as explicações utilizadas na vida diária, a pesquisa qualitativa faz perguntas fundamentais e investiga a natureza dos fenômenos sociais (POPE e MAYS, 2006, p.13)

O Estudo de Caso foi escolhido por melhor descrever o caminho desta pesquisa sendo características deste método possuir limites bem definidos, pautados nos objetivos, que vão se definir no desenvolver do caso. Mesmo que parecido com outros casos, cada estudo é único e sua singularidade se expressa por possuir interesses próprios. “Os estudos de caso buscam retratar a realidade de forma completa e profunda, [dentro daquilo que se propõe, e para isso] usam uma variedade de fontes de informação” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986 p.19). A pesquisa está sendo desenvolvida no ambiente em que acontecem as atividades do curso de extensão Saúde, Educação e Política: práxis no SUS, quer seja em salas de aula no espaço físico da Universidade Federal do Rio Grande, ou no espaço comunitário e serviços de saúde onde ocorrerão as atividades práticas do curso. O curso em questão é uma iniciativa do Núcleo de Estudos e Práticas em Educação Popular e Saúde – NEPEPS, terá duração de três meses. Iniciou na primeira semana de outubro e tem término previsto para a segunda semana de dezembro do corrente ano. Tem como objetivos: contribuir com a formação de estudantes universitários visando uma atuação profissional melhor preparada para trabalhar com a realidade social; Proporcionar espaço para reflexão e ação sobre as Políticas Públicas de Saúde; Aproximar a formação em saúde com os princípios do Controle Social no SUS; Sensibilizar estudantes para a abordagem profissional por meio da Educação Popular em Saúde; Estimular uma formação profissional comprometida com a indissociabilidade do tripé universitário: ensino, pesquisa e extensão; Fortalecer a formação reflexiva, propondo uma intervenção profissional coerente com a realidade da saúde local. Este curso se tornou objeto de estudo por a pesquisadora fazer parte do processo que deu origem a esta proposta e pelas razões pessoais em fazer mestrado, fazer pesquisa e fazer extensão, conforme consta na apresentação deste projeto. Com isso assumo um compromisso em colaborar e potencializar este grupo, por meio da produção do conhecimento, possível através desta pesquisa e também do curso de extensão universitária que ela objetiva avaliar.

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Compreendendo sujeito não como objeto passivo, mas como indivíduo pensante e atuante, histórico e cultural, participam desta pesquisa as estudantes de graduação inscritas no projeto de extensão universitária Saúde Educação e Política: Práxis no SUS, bem como os indivíduos envolvidos na organização e execução do curso, que são as estudantes de graduação e pós-graduação e os professores participantes ou convidados do NEPEPS. Estão inscritas 15 estudantes do curso de enfermagem, 3 da psicologia, 1 da educação física, 1 do curso de letras/português, 1 da biblioteconomia e 1 do curso de fisioterapia. São sete as organizadoras do curso, perfazendo um total de 29 sujeitos participantes. Os critérios para participação no curso, conforme seus organizadores eram: ser estudante de graduação dos cursos da área da saúde (Enfermagem, Medicina, Educação Física, Psicologia e Biologia) e áreas afins (Pedagogia, História, Geografia, Comunicação, Informação eLetras)regularmente matriculados junto à pró-reitoria de graduação de sua Universidade, cabendo aos organizadores do curso selecionar os participantes. O critério de inclusão dos sujeitos para esta pesquisa foi ser participante ou organizador do curso e consentir em participar da pesquisa assinando o termo de consentimento livre e esclarecido, o único critério de exclusão constituía a não aceitação do indivíduo em participar do estudo, o que não aconteceu. A todos os participantes foi explicitado o desenvolvimento da pesquisa e solicitado o consentimento livre e esclarecido, sendo requerido que os indivíduos que aceitassem participar assinasse o termo de consentimento livre e esclarecido, que também será assinado pela pesquisadora ficando uma cópia deste documento com o participante e outra com a pesquisadora. Os dados estão sendo produzidos no desenvolver da pesquisa por meio da Observação Participantedurante as atividades teórico-práticas propostas pelo curso de extensão universitária Saúde, Educação e Política: práxis no SUS e também pelos materiais produzidos pelos sujeitos (narrativas, avaliações processuais e texto final de avaliação). Uma das características da pesquisa qualitativa é o fato de estudar as interações e os comportamentos dos seres em seus ambientes naturais e não em ambientes artificiais ou experimentais, com isso, o pesquisador pode observar os indivíduos em seu próprio ambiente e interagir com eles através da observação participante (POPE e MAYS, 2006). A observação participante permite uma maior compreensão da rede de significados de determinados comportamentos por meio da escuta atenta de discursos e observação de condutas, pois “conduz à apreensão de uma totalidade integrada de significados, nos níveis consciente e inconsciente, por parte da mente do observador” (TURATO, 2003 p.285).

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A observação participante tem como registro os diários de campo que, são analisados enquanto são escritos no decorrer do processo, o que inclusive pode indicar ao pesquisador aquilo que deve ser melhor observado, assim como as questões a serem retomadas e problematizadas. Ao final do processo educativo os diários todos serão utilizados como texto para serem analisados. O diário de campo se caracteriza como instrumento para registro das observações, para Neto (1998, p.63) “é um amigo silencioso que não pode ser subestimado quanto a sua importância. Nele diariamente podemos colocar nossas percepções, angústias, questionamentos e informações que não são obtidas através da utilização de outras técnicas”. Sistematicamente, do primeiro ao último dia do curso, logo após cada período de observação, serão registrados os conteúdos da observação no diário de campo da pesquisadora queconsta de uma parte descritiva dos acontecimentos e falas e uma reflexiva.Assim como, as reuniões do período de preparação e os encontros para avaliação processual do grupo organizador do curso serão observados com o devido registro em diário de campo. Esta metodologia possibilita também avaliação e reorientação coerentes com a intencionalidade pedagógica, pois na ação-reflexão-ação percebemos mais profundamente os fatos vivenciados, identificando e superando as fraquezas, incoerências e potencialidades da práxis educativa. “Avaliar essa prática não como quem fica de fora dela para descobrir o que há de ruim nela, mas como quem está dentro dela à procura da melhorar-se para melhorar ela” (FREIRE, 1984). Conforme os critérios de avaliação do curso, será solicitado que os participantes, elaborem narrativas descritivo-reflexivas, avaliações periódicas e um texto de avaliação final, material que também se constituirá em objeto de análise desta pesquisa, bem como demais documentos referentes à organização e desenvolvimento do curso. Será tomado como basetodo o material produzido durante o período da pesquisa, que se constitui dos diários descritivo-reflexivos elaborados pela observadora e do material textual produzido pelos sujeitos participantes durante o projeto. O material textual está sendoorganizado e pré-analisado na medida em que é produzido ou coletado. Após cada período de observação, realizo o registro descritivo dos mesmos no diário de campo, além do registro das questões/reflexões que os dados observados suscitaram e anotações sobre aspectos que devem ser melhor observados. Os dados produzidos pelos sujeitos participantes serão lidos a medida que forem produzidos permitindo que aspectos não claros possam ser discutidos com os sujeitos. Configurando, esta discussão dos registros em etapa de validação dos dados.

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A análise de dados foi iniciada no transcorrer da pesquisa, pela necessidade de avaliar seu desenvolvimento e identificar as situações vivenciadas pelos sujeitos envolvidos. Ao final da etapa de produção dos dados, período que compreende os meses de desenvolvimento do curso, serão realizadas novas leituras dos dados para então, sistematizá-los e interpretá-los. A análise final dos dados será orientada pelahermenêutica-dialética, Podemos destacar dois pressupostos deste método de análise. O primeiro diz respeito à idéia de que não há consenso nem ponto de chegada no processo de produção do conhecimento. Já o segundo se refere ao fato de que a ciência se constrói numa relação dinâmica entre a razão daqueles que a praticam e a experiência que surge na realidade concreta (NETO, 1998, p.77).

A hermenêutica dialética, busca relacionar as situações vivenciadas em um dado momento com um contexto mais amplo, assim buscareidescrever e avaliar o processo educativo, compreendendo as dificuldades e potencialidades da práxis, situando os dados produzidos em seu contexto, aproximando e contextualizando com a realidade. Segundo Minayo (2004), a análise dos dados orientada pelo método hermenêuticodialético é o mais capaz de dar conta de uma interpretação aproximada da realidade. Essa metodologia coloca a fala em seu contexto para entendê-la a partir do seu interior e no campo da especificidade histórica e totalizante, em que é produzida (MINAYO, 2004, p. 231).

Todo material produzido (diários da pesquisadora e registros dos participantes) será considerado como objeto de análise. Assim, ao analisar os dados depois de leitura repetida, estes serão ordenados e classificados para então passarem pela análise final, momento que se estabelece relação entre os dados produzidos e o referencial teórico, buscando responder as questões de pesquisa com base em seus objetivos (MINAYO, 2004). A escolha do método de análise final dos dados produzidos está relacionada com o fato da hermenêutica-dialética permitir um aprofundamento na análise destes dados, com base em um referencial teórico, tendo que Paulo Freire foi escolhido como suporte deste trabalho. Inicialmente foi solicitada a permissão para realização da pesquisa à direção da Escola de Enfermagem (EEnf) e para a coordenação do Curso de Enfermagem, assim como para a coordenadora do Núcleo de Estudos e Práticas em Educação Popular e Saúde, uma vez que o curso Saúde, Educação e Política: práxis no SUS, objeto desta pesquisa, está vinculado à EEnf e é uma das ações do NEPEPS para 2009. O projeto foi aprovado em reunião do Conselho da Escola de Enfermagem registrado na ata de nº 10. Aos sujeitos participantes foi entregue um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido tornando explícitas as intenções e os processos da pesquisa deixando claro também que se manterá o anonimato dos indivíduos e que estes poderão deixar de fazer parte do estudo no

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momento em que desejarem sem qualquer prejuízo para na realização do curso. Após as devidas explicações, as participantes do curso assinaram o TCLE ficando com uma cópia assinada. O presente trabalho segue as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos segundo a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa na Área da Saúde (CEPAS) da Universidade Federal do Rio Grande – FURG, aprovado sob parecer nº 82/2009.

4. CONCLUSÕES Se faz necessário repensar a formação e a extensão universitária nos moldes como hoje se apresentam, assim como é preciso trazer à cena a importância do envolvimento com projetos de extensão popular para provocar mudanças no sentido de uma formação política e cidadã, socialmente comprometida. O curso Saúde, Educação e Política: práxis no SUS pode ser um espaço propício para tal mudança, depende, no entanto, do comprometimento de todos envolvidos e da capacidade de reflexão sobre a prática. Para tanto esta pesquisa irá avaliar, processualmente o desenvolvimento deste processo de ensino e aprendizagem, problematizando questões observadas. O desenvolvimento do curso oxigena e concretiza as ideologias e aspirações do NEPEPS e se configura em uma etapa para rever e talvez reorientar a trajetória que o núcleo vem percorrendo no âmbito da Educação Popular. Trata também de um momento de rever a minha própria trajetória e tentar responder algumas inquietações que ainda se manifestam no que diz respeito a minha educação e atuação como enfermeira/educadora/pesquisador. Visualizo a realização desta pesquisa tanto como uma oportunidade de dar retorno à universidade e à sociedade através da avaliação do curso, com rigorosidade científica, quanto uma oportunidade de contribuição ao NEPEPS na ação de fomentar sonhos possíveis.

REFERÊNCIAS BRASIL, Ministério da Saúde. Caminhos para a mudança da formação e desenvolvimento dos profissionais de saúde: diretrizes da ação política para assegurar Educação Permanente no SUS. Brasília, 2003. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 45ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 213 p., 2005a.

FREIRE,_____. Educação como Prática da Liberdade. 28ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 150 p., 2005b.

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FREIRE, _____. Educação. O sonho possível. Em: BRANDÃO, Carlos Rodrigues. (Coord.) O educador: vida e morte. 5ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 1984.

LAYRARGUES, Philipphe Pomier. Para que a educação ambiental encontre a educação, 2003. Em: LOUREIRO, Carlo Frederico B. Trajetória e Fundamentos da Educação Ambiental. 2ª Ed. São Paulo: Cortez, 143p., 2004.

LÜDKE, Menga ; ANDRÉ, Marli. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo : EPU, 1986.

MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento. Pesquisa qualitativa em saúde. 8ª Ed. Hucitec, São Pulo: 2004.

NETO, Otávio Cruz. O trabalho de campo como descoberta e criação. Em: MINAYO, Maria Cecília de Souza. (Org.) Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 9ª Ed. Petrópolis: Vozes, 1998.

POPE, Catherine; MAYS, Nicholas. Pesquisa qualitativa na atenção à saúde. 2ª Ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.

RODRIGUES, Antônio Carlos. Educação Popular: Histórico e Concepções Teóricas. Em: MELLO, Marco. Paulo Freire e a Educação Popular. Reafirmando o compromisso com as classes sociais. Porto Alegre: IPPOA; ATEMPA, 2008.

TRIVIÑOS, Augusto N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1992.

TURATO, Egberto Ribeiro.Tratado da metodologia da pesquisa clínico-qualitativa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.

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I SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM EXTENSÃO POPULAR – SENAPOP João Pessoa – UFPB – 24 a 27 de novembro de 2009

UM OLHAR LOGOTERÁPICO À EXTENSÃO REALIZADA NO CAPS II, NA CIDADE DE CAMPINA GRANDE-PB

Karen Costa Guedes RESUMO Este artigo objetiva, mediante algumas incursões teóricas e uma análise psicológica, por meio da Logoterapia, discutir a Extensão Universitária realizada no CAPS II, na cidade de Campina Grande-PB. O projeto deu-se nos anos de 2007 e 2008, por um grupo de dez estudantes de Psicologia da Universidade Estadual da Paraíba. A pesquisa foi desenvolvida com 35 colaboradores da equipe interdisciplinar da instituição, entre 24 e 59 anos, porém a intervenção foi realizada com 17, devido à dinâmica organizacional do estabelecimento. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, as quais foram analisadas, segundo Bardin (2007). Objetivou-se verificar a relação entre os colaboradores da instituição com o processo de trabalho; bem como averiguar a percepção dos cuidadores em relação às condições organizacionais. Para propor medidas interventivas que possibilitassem melhorias quanto às relações de trabalho. As condições e as exigências do mercado de trabalho na atualidade atenuam o sentido da vida, deixando no corpo as marcas do sofrimento, que podem atentar contra a saúde mental. A Logoteoria preocupa-se em conscientizar o homem para a sua liberdade interior e responsabilidade, a fim de obter sentido, apesar das vicissitudes da vida. Este trabalho possibilitou constatar a percepção dos colaboradores quanto ao processo e organização do trabalho, como a inadequação da estrutura física, dificuldades de comunicação, falta de motivação ou reconhecimento, pressão hierárquica, falta de intersetoriedade e questão salarial. Por outro lado, as condições psicossociais do trabalho sugeriram que as relações interpessoais funcionaram como fonte de equilíbrio atenuante das queixas supracitadas.

Palavras-Chave: Extensão Universitária; Logoterapia; Trabalho; Saúde Mental.

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INTRODUÇÃO Este artigo visa analisar a extensão universitária, realizada por dez estudantes do curso de Psicologia da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), desenvolvida nos anos de 2007 e 2008, no Centro de Apoio Psicossocial (CAPS II), na cidade de Campina Grande-PB. Durante esses dois anos, foram realizadas pesquisas bibliográficas, observações in loco, aplicação de instrumentos de coleta de dados e, por último, a intervenção. A pesquisa de campo foi do tipo descritiva e exploratória, de cunho quanti-qualitativo, realizada no CAPS II surgido em meados de 2003, em Campina Grande – PB, no bairro do Catolé.O qual consiste em um serviço gratuito, oferecido pela Secretaria Municipal de Saúde, que atende usuários adultos, de ambos os sexos, portadores de transtornos mentais severos tendo como objetivo promover um atendimento ao usuário capaz de integrá-lo com a família e com a sociedade sem que seja necessária a internação. A amostra foi composta com o total de 35 profissionais da equipe interdisciplinar, com idade entre 24 e 59 anos, dentre eles, psicólogo, assistente social, fisioterapeuta, educador físico, terapeuta ocupacional, pedagoga, enfermeira e arte-terapeuta, participaram também das entrevistas auxiliares de serviços gerais, vigilante, recepcionista e assessor administrativo. Porém, em virtude da impossibilidade dos profissionais destes quatro últimos setores comparecerem à intervenção, segundo a dinâmica da instituição, esta se deu com apenas 17 colaboradores. Na intervenção realizada em 2008 foram desempenhadas dinâmicas de grupo, técnicas de relaxamento, que foram dedicadas às sextas-feiras, no final da tarde, compreendendo um tempo de cerca de quarenta minutos. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas. Os dados foram trabalhados pelo método da análise de conteúdo, tomando por base Bardin (2007), o qual afirma que este método se constitui por “um conjunto de técnicas e análises das comunicações, visando, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição dos conteúdos, a obter indicadores que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção das mensagens”. Objetivou-se verificar a relação entre os colaboradores da instituição com o processo de trabalho; bem como averiguar a percepção dos cuidadores em relação às condições organizacionais. Para propor medidas interventivas que possibilitassem melhorias quanto às

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relações de trabalho. A Teoria Logoterápica é um meio para a análise desta Extensão Universitária. Neste sentido, apresentar-se-á um embasamento teórico que abarque as relações do homem com o processo de trabalho e suas condições laborais. Visto que os profissionais da área de saúde, principalmente os que atuam no ambiente ocupacional que lidam com a Saúde Mental, estão engajados nas mudanças que promovam o bem-estar dos usuários, preocupando-se com os determinantes saúde-doença e novas formas de produção, de organização e métodos inovadores para gerenciar e gerir trabalho. A fim de alcançar o objetivo proposto, faz-se oportuno inserir a Logoteoria como um meio de propor um diálogo entre as teorias subseqüentes referente ao trabalho e a prática da extensão realizada. Dentro do sistema de trabalho, segundo Dejours (2000) os indivíduos ficam suscetíveis ao risco de ser excluído, de ser dessocializado progressivamente deste sistema. Isto acaba gerando um processo de sofrimento e, de adoecimento do indivíduo. Vale ressaltar que o sofrimento não está apenas no trabalho, mas é também constituinte do trabalho, ou seja, ele está presente tanto para aqueles inseridos nesse contexto como também nos que estão fora dele. Sendo, portanto, um fator angustiante a todos que possuem ou não emprego. É bastante notável encontrarmos pessoas insatisfeitas quanto à dinâmica organizacional do trabalho, tanto em relação às condições físicas, como as psíquicas. A questão do reconhecimento, da valorização do profissional pelo seu superior, a ordem salarial, jornadas de trabalho prolongadas, escassez de tempo livre e outros agravantes que fazem do homem um indivíduo em constante queixa em relação ao aspecto laboral, já que em muitos casos, é no espaço do trabalho que passamos a maior parte do tempo e, por isso, onde melhor se percebe o caráter das relações interpessoais. A Logoterapia ou Análise da Existência mostra ao homem o caminho que leva à sua liberdade interior, mesmo perante as condições sociais, conduzindo-o à consciência da responsabilidade, a partir da qual ele possa dar um sentido à vida, a despeito das suas dificuldades.

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Para Bockmann (1990), considerar o homem como um ser que se move com liberdade frente aos condicionamentos do seu ser-aí é o critério decisivo da logoterapia e da psicologia humanista. Podemos falar também do princípio decisivo de orientação social da Logoterapia. Ao invés de se perguntar à utilidade, “a quem serve?”, deveria ser posta a pergunta teóricologoterápica de sentido: “qual o sentido que o fundamenta?”. Partindo deste embasamento, este artigo analisará, portanto, como a equipe interdisciplinar do CAPS II dá sentido ao trabalho, partindo dos objetivos propostos.

DESENVOLVIMENTO Dejours comenta sobre a estrutura triádica, ação, trabalho e sofrimento: Eles estão ligados e um é irredutível aos outros dois. A ação precisa necessariamente do trabalho, este não é apenas dedicar-se a uma atividade, mas também estabelecer relacionamento com os outros. Agir é, pois, trabalhar, mas também é sofrer. (DEJOURS, 2000, p. 144).

O autor ainda distingue dois tipos de sofrimento: o sofrimento criador e o sofrimento patogênico. Este último surge quando todas as possibilidades de transformação, aperfeiçoamento e gestão da forma de organizar trabalho já foram tentadas, ou melhor, quando somente pressões fixas, rígidas, repetitivas e frustrantes, configuram uma sensação generalizada de incapacidade. Todavia, quando as ações no trabalho são criativas, possibilitam a modificação do sofrimento, contribuindo para uma estruturação positiva da identidade, aumentando a resistência da pessoa às várias formas de desequilíbrios psíquicos e corporais. Dessa forma, o trabalho pode ser o mediador entre a saúde e a doença e o sofrimento, criador ou patogênico. As condições e as exigências do mercado de trabalho na atualidade amortecem o sentido da vida, deixando no corpo as marcas do sofrimento, que se manifestam nas mais variadas doenças ditas ocupacionais, além de atentar contra a saúde mental, em especial quando o psiquismo em sua mobilidade faz com que a mente seja absorvida em formas de fuga do sofrimento. Como se observa, as questões que envolvem a psicodinâmica do trabalho tornam-se pontos fundamentais de preocupação para os que lidam com Saúde Pública, sobretudo quando se sabe que a separação entre mente e corpo é apenas uma questão semântica, didática, e que o conceito de saúde vai muito além do que a mera ausência sintomática de doenças.

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I Seminário Nacional de Pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR/ANEPOP - 2009 “O trabalho constitui a principal fonte de mediação na relação que os seres humanos estabelecem com o contexto físico e psicossocial que o circundam.” (ZANELLI, 2008). No entanto, as organizações de trabalho são reconhecidas como ambiente de sofrimento e adversidades. A atividade laboral tem cada vez mais se apropriada da vida humana assalariada. A Logoterapia, terceira escola vienense de Psicoterapia, criada pelo psiquiatra Viktor Frankl (1905-1997), é uma tentativa de ajudar a encontrar um sentido para a vida de cada pessoa, na sua realidade, em seu sofrimento, em sua existência, muitas vezes desprovida de propósitos. Acredita que o homem se humaniza quando consegue assumir a liberdade e que o papel das psicologias é ajudar cada pessoa, no desespero da opressão cotidiana, a descobrir que a liberdade é seu destino, que a liberdade está presente em sua consciência, privilégio único da espécie humana, que sabe de sua mortalidade e convive com o fantasma da finitude, do sofrimento, da morte. (GOMES, 1992, p.28)

Frankl teorizou que o indivíduo pode encontrar um sentido para sua vida por três vias: Criando um trabalho ou realizando um feito notável, ou ao sentir-se responsável por terminar um trabalho que depende fundamentalmente de seus conhecimentos ou de sua ação; Experimentando um valor, algo novo, ou estabelecendo um novo relacionamento pessoal, este é também o caso de uma pessoa que está consciente da responsabilidade que tem em relação a alguém que a ama e espera por ela; e Pelo sofrimento, adotando uma atitude em relação a um sofrimento inevitável, se tem consciência de que a vida ainda espera muito de sua contribuição para com os demais. O sentido é algo individual, situacional. O paradigma e a avaliação do sentido, conforme o respectivo sujeito revestir-se-á de formas diferentes. “O sentido não é a coisa em si mesma, mas o seu significado: porque se ganha dinheiro, porque se aspira a reconhecimento, se realiza uma obra ou se necessita de contatos sociais. Em outras palavras, que valores com isso importa efetivar.” (BOCKMANN, 1990, p.83)

Seu pensamento era que a motivação básica do comportamento do indivíduo é uma busca pelo sentido para sua vida e que a finalidade da terapia psicológica deve ser ajudá-lo a encontrar esse significado particular. Seu interesse é encontrar uma maneira simples de analisar e dar atenção a uma neurose negligenciada, que é a necessidade de se encontrar sentido para a vida. Um dos principais princípios da logoterapia está em que a principal preocupação da pessoa humana não consiste em obter prazer ou evitar a dor, mas antes em ver sentido em sua vida. Esta é a razão por que o ser humano está pronto até a sofrer, sob a condição, é claro, de que o seu sofrimento tenha um sentido. (FRANKL, 1991, p.101)

Para Frankl, a principal preocupação do homem é estabelecer e perseguir um objetivo, e é esta busca que é capaz de dar sentido à sua vida, fazendo para ele valer a pena viver, e não a satisfação de seus instintos e o alívio de tensões como sustenta a psicanálise ortodoxa. Não se

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trata, portanto, de um sentido para a vida em termos gerais, mas um sentido pessoal para a vida de cada indivíduo, que este escolhe, mas também pode criar. Como declara Lazarte (1979), o trabalho é, portanto, uma necessidade ineludível, e deve ser consciente, variado, proporcionado, harmônico, formativo, participante e realizado com um sentido econômico, social e espiritual. Análise da Extensão Universitária à luz da Logoterapia Por meio das entrevistas e a conseqüente análise de conteúdo, foi possível observar que mais da metade dos colaboradores, 55% considera como gratificante/ muito gratificante, bom/muito bom e satisfatório o seu trabalho no CAPS II, o que pode indicar que “o reconhecimento de um bom trabalho é, sem dúvida, fonte de inovação e motivação e, de transformação do sofrimento em prazer. Como sabemos trabalhadores felizes produzem mais e melhor.” (DEJOURS, 2000) Obteve-se ainda, uma grande distribuição percentual de respostas que apontaram para o trabalho no CAPS como: importante, uma auto-ajuda, realização profissional, lição de vida, desafio, como desbravar novos horizontes, prazeroso, um pouco prazeroso, pouco significante. A grande maioria dos entrevistados, 88% considera que está realizado profissionalmente como atuante no CAPS II, estando poucos colaboradores, 12% entre os que não estão realizados plenamente. A prevalência dos dados e esta última porcentagem revelam as diversas maneiras como as pessoas encaram no dia-a-dia o seu trabalho.

Como abordado anteriormente, a

logoterapia não se dedica à abdicação da dor e do sofrimento, mas, pelo contrário, orienta o homem a ver sentido em sua vida, apesar das vicissitudes que a ela pertencem. Quanto à questão organizacional e ambiental da instituição, 21% consideraram a questão do espaço físico como necessidade de melhoria, o que pode indicar certo mal estar por parte dos colaboradores em relação ao ambiente de trabalho. Os colaboradores alegaram a insatisfação quanto ao espaço livre para a realização das atividades, de recreação e oficinas ao ar livre. Uma parcela significativa dos entrevistados, 20%, considera a estrutura física da instituição como inadequada, dotada de espaço crítico, com insuficiente número de salas. O que, possivelmente, contribua para uma desmotivação quanto ao ambiente laboral. Ainda sobre questões do trabalho no CAPS II, 29% fizeram referência a variáveis como: questão salarial, contratação do psiquiatra (que no momento, não havia a especialidade na instituição), material de trabalho, investimento intelectual, realização de terapia para funcionários, organização, transporte, dificuldades de comunicação, falta de motivação ou

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I Seminário Nacional de Pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR/ANEPOP - 2009 reconhecimento, pressão hierárquica – identificada na queixa de falta de efetiva intersetoriedade, entre outras. É perceptível que, na dimensão social, o trabalho é o principal regulador da organização da vida humana. É elemento chave na formação das coletividades e, portanto, dos valores que tais coletividades difundem. Os agrupamentos humanos são organizados em função do trabalho. As pessoas articulam-se em redor das atividades laborais. Horários, atividades e relacionamentos interpessoais são determinados conforme as exigências da vida no trabalho. Durante as entrevistas, foram detectados o estresse e alguns de seus possíveis fatores, portanto buscou-se conhecer as formas pelas quais os colaboradores encontram para aliviar esse estresse, que conscientes da necessidade de descarregar essa tensão, alguns colaboradores, 17% afirmou que pratica caminhada, sendo de 33% os que escolhem outros métodos como possíveis atenuantes do estresse, como conversar com alguém, ouvir música, passear, fumar, ler, namorar, entre outros, o que pode revelar a iniciativa por parte dos cuidadores, de reação, em busca possivelmente, de um maior equilíbrio orgânico e mental, o que certamente é uma boa estratégia na luta diária contra o estresse. Como escreveu Frankl (1958) apud Fabry (1930), "durante estas últimas décadas, os trabalhadores estão cada vez mais se reduzindo à simples meios. Não é o trabalho que é o meio para o fim, mas o trabalhador, o ser humano".Logo, as pessoas sendo usadas como instrumentos, possivelmente, desenvolvem doenças psicossomáticas, como uma maneira de reagir às pressões e cobranças do trabalho. Porém, na instituição analisada houve um pequeno número de queixas em relação a alguns sintomas mais específicos e quase nenhum dos entrevistados apresentou um alarmante índice de queixas sintomáticas. O que pode revelar que no CAPS II, há um estresse que se manifesta de uma maneira ainda não muito perceptível, já que não há manifestação sintomatológica do mesmo. Mas do que somente as possibilidades de recorrer à teoria, o contato prático que a Extensão Universitária proporcionou, também agregou saber às concepções sobre os aspectos organizacionais e seus agravantes e atenuantes, o que leva a tirar conclusões próprias e especificas para àquele contexto. Quanto às relações entre os profissionais que compõe o CAPS II, pode-se observar, que elas ao mesmo tempo em que são ponto de conflitos, são também dotadas de união e companheirismo, certamente influenciando os colaboradores a reagirem de forma a minimizar os efeitos do pequeno índice de estresse presente, como também uma maior e melhor adaptação da equipe ao serviço público de Saúde mental..

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A valorização do ser humano, a preocupação com sentimentos e emoções, e com a qualidade de vida são fatores que fazem a diferença. O trabalho é a forma como o homem, por um lado, interage e transforma o meio ambiente, assegurando a sobrevivência, e, por outro, estabelece relações interpessoais, que teoricamente serviriam para reforçar a sua identidade e o senso de contribuição. (BOM SUCESSO, 1997, p.36).

Vale salientar que, principalmente, pelo CAPS II se tratar de uma instituição que trabalha com Saúde Mental, a qual requer muita concentração e dedicação aos pacientes, no período diurno, é preciso voltar uma atenção especial a este cuidador. A partir da demanda apresentada, este Projeto propôs em 2008 medidas de intervenção que poderiam vir a promover um maior bem-estar para os colaboradores. Lembrando que conhecer os fatores psicológicos, os problemas orgânicos, e como agem concomitantemente, como fruto da interação, revelou ser um fator imprescindível para a elaboração do Plano de Intervenção. Este incluiu algumas ações para serem realizadas pelo grupo de extensão: realização de técnicas de dinâmicas de grupo, através de jogos de empresa, que não se restringissem somente ao trabalho, mas também ao nível pessoal do indivíduo; realização de técnicas de relaxamento e interação com a equipe, visando diminuir o nível de estresse, contribuindo para maior harmonia entre os integrantes; realização de encontros com a equipe interdisciplinar sobre os fatores estressores presentes no dia-a-dia do contexto laboral. Foram realizados sete encontros, que se deram quinzenalmente no final de suas atividades com duração de aproximadamente quarenta minutos. Nestes encontros foram aplicadas técnicas de dinâmicas, que atenderam às seguintes temáticas: “Do Lúdico à Realidade”; “A Programação da Felicidade”; “Expressando Sentimentos”; “Pega na Mão, Pega no Pé”; “Repensando o Caminhar”; “Alongamento e Toque”; “Pão e Vinho”. Com a finalidade de trabalhar questões relacionadas ao estresse laboral, tais como: competitividade, liderança, trabalho em equipe, auto-estima, relações interpessoais, afinidades, solidariedade, amizade, relaxamento, comunhão, interdisciplinaridade, afeto, união, empatia, entre outros. Momentos como estes marcaram esta extensão, porquanto proporcionaram períodos de reflexão com a equipe interdisciplinar. Consistiu em um período, em que os colaboradores se desprenderam dos papéis profissionais que desempenhavam durante toda a semana, passando a pensar e falar sobre sua saúde psíquica, afetiva, que não poderia ser referida apenas quanto ao contexto laboral, abrangendo, portanto o ser humano como um indivíduo bio-psico-socioespiritual, isto é, a forma pela qual a logoterapia vê o homem, um ser holístico.

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CONCLUSÃO A extensão universitária deve ser encarada como uma ponte permanente entre a universidade e os diversos setores da sociedade e funcionar como uma via de mão dupla, em que a academia busca oferecer conhecimentos e possibilidades à comunidade, a qual também participa ativamente deste processo, devendo ocorrer, na realidade, uma troca de conhecimentos e valores entre estes. Os dois anos de extensão, 2007 e 2008, consistiram em uma rica experiência para a minha formação profissional, bem como a dos outros estudantes de Psicologia envolvidos. Contudo, senti a necessidade de um maior acompanhamento com a equipe interdisciplinar do CAPS II, visto que os sete encontros como se deram foi bastante valioso, o que aponta para a continuidade dessa extensão universitária. Ciente de como o componente curricular de Extensão é proposto, uma turma seguida à outra, sem necessariamente acompanhar o mesmo público-alvo da pesquisa, devido também aos diferentes professores, é angustiante iniciar um projeto, desenvolvê-lo, perceber a equipe interdisciplinar da instituição participante e interessada pelas intervenções e ter que finalizar o trabalho, visto que a disciplina da universidade chegou ao fim. Talvez o componente curricular de Extensão tivesse um maior sentido, tanto para os estudantes, como para a comunidade e instituições, se possibilitasse um maior acompanhamento e realmente investisse de forma a intervir de maneira mais coerente, em busca da possibilidade de suprir as específicas necessidades organizacionais do contexto estudado. Ademais, o Projeto de Extensão trouxe contribuições significativas, sem as quais seria difícil perceber que nem sempre o caráter pragmático previsto nas concepções teóricas pode ter aplicações uniformes a todos os contextos. Um exemplo bastante interessante gira em torno das relações interpessoais, cujas investigações de cunho teórico levavam a crer que elas, quando consideradas inscritas no ambiente organizacional, são fatores estressantes. Entretanto, a intervenção in loco mostrou a outra face desta questão, possibilitando entender que se por um lado, as relações interpessoais podem ser fonte de estresse, por outro, do próprio conflito pode surgir o equilíbrio da convivência, e as relações de afeto e companheirismo podem inclusive, amenizar fatores outros, causadores de estresse. Tais relações, dessa forma, podem amenizar a percepção sobre os problemas e facilitar suas soluções. Foi gratificante perceber o estado de saúde dos colaboradores do CAPS II e poder leválos a momentos de descontração e relaxamento, já que os mesmos lidam com a saúde mental da comunidade inserida no serviço público de atendimento.

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O bem-estar mental é visto como aquele atributo positivo pelo qual o indivíduo pode alcançar os níveis correspondentes à saúde mental, que resultam na capacidade de viver em plenitude e com criatividade. A Teoria Logoterápica possibilitou analisar a maneira como os colaboradores enfrentam o seu dia-a-dia laboral, a forma como eles dão sentido à realização do trabalho, além do mais, a flexibilidade que permite confrontar dificuldades, empecilhos que se encontram no processo e na organização do trabalho. O olhar logoterápico, por um lado possibilitou a análise do trabalho realizado durante estes dois anos, a partir de um viés, o qual contemplasse os colaboradores da instituição, não apenas no aspecto dirigido ao campo de trabalho, mas, sobretudo no âmbito social, psíquico e biológico. Por outro lado, fez-se oportuno analisar também toda a prática da Extensão Universitária, encontrando sentido ao realizá-la e podendo apreender o sentido do trabalho, como um valor criativo, tal como Viktor Frankl trouxe em sua Logoteoria. Percebeu-se que os colaboradores do CAPS II são capazes de apontar os aspectos que necessitam de melhoria no seu ambiente organizacional e, ao passo das intervenções realizadas, as relações interpessoais foram bastante evidenciadas, em alguns momentos, conflituosas, mas que se dirigiram para o equilíbrio e bem estar da equipe. A insatisfação, a preocupação e as pressões do cotidiano acabam por interferir no desenvolvimento saudável tanto psíquico quanto físico. Dessa forma, a atividade desenvolvida com a equipe interdisciplinar do CAPS II, revelou-se dotada de significado e sentido, implicando, portanto, questões relativas às dificuldades quanto ao processo e dinâmica de trabalho averiguado no ambiente organizacional, fato este natural, ou seja, comum e inevitável a qualquer ambiente organizacional. Levando-se em consideração inclusive a natureza do trabalho, visto a complexidade de se trabalhar com saúde mental, e as conseqüentes relações entre os colaboradores poderiam levar a maiores queixas relativas ao lado afetivo do aspecto laboral. No entanto, constatou-se um ambiente de união e companheirismo entre os mesmos, o que possibilita uma maior satisfação profissional, dotada de sentido.

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REFERÊNCIAS BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. BOCKMANN, W. Sentido na economia e na sociedade. In: FRANKL, V. E. (et al.) Dar Sentido à Vida: A logoterapia de Viktor Frankl. Petrópolis, RJ: Vozes; São Leopoldo, RS: Sinodal, 1990, p.75-88. BOM SUCESSO, E. P. Trabalho e qualidade de vida. 1.ed. Rio de Janeiro: Dunya, 1997, 183p. DEJOURS, C. A Banalização da Injustiça Social. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000. FABRY. J. B. A busca do significado. Viktor Frankl - logoterapia e vida. Ed.ECE, São Paulo, 1984 FRANKL, V. E. Em busca de sentido: Um psicólogo no campo de concentração. Coleção Logoterapia. 2ª ed. São Leopoldo, Editora Sinodal; Petrópolis, editora Vozes,1991. GOMES, J. C. V. Logoterapia: A psicoterapia existencial humanista de Viktor Emil Frankl. São Paulo, Edições Loyola, 1992. LAZARTE, O. Uma nova dimensão de vida. São Paulo: ECE, 1979. ZANELLI, J. C.; SILVA, N. Interação humana e gestão: a construção psicossocial das organizações de trabalho. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008.

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I SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM EXTENSÃO POPULAR III SEMINÁRIO NORDESTINO DE PESQUISA EM EXTENSÃO POPULAR

Pesquisa em Extensão Popular é Possível !

TRABALHOS APRESENTADOS

VOLUME 3 - PRÁTICAS EM EXTENSÃO POPULAR: SISTEMATIZAÇÃO

JOÃO PESSOA – PB NOVEMBRO 2009

I SBN978- 85- 7745- 558- 4

9 7 88577 45558 4

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I SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM EXTENSÃO POPULAR – SENAPOP João Pessoa – UFPB – 24 a 27 de novembro de 2009

SAÚDE, EDUCAÇÃO E POLÍTICA: PRÁXIS NO SUS

Adriane Goularte Pinto67, Diego Pinto Santos68; Juliana Acosta Santorum69; Maria José Martins Chaplin70; Mariana Soares Valença71 Marina da Silva Sanes3; Michele Neves Meneses72. Rafaela Bülow Souza73 RESUMO Este trabalho apresenta o curso de extensão universitária Saúde, Educação e Política: práxis no SUS, uma atividade organizada pelo Núcleo de Estudos e Práticas em Educação Popular e Saúde – NEPEPS, na Universidade Federal do Rio Grande. Proposta que partiu do NEPEPS a fim de instituir um espaço formal de extensão universitária no currículo de cursos de graduação, a exemplo do que já ocorre no âmbito da pesquisa. A princípio seria uma disciplina optativa, mas no momento constitui-se em um curso de extensão, nos moldes de uma disciplina experimental tendo como objetivos: contribuir com a formação de estudantes universitários visando uma atuação profissional melhor preparada para trabalhar com a realidade social; proporcionar espaço para reflexão e ação sobre as Políticas Públicas de Saúde; sensibilizar para o Controle Social no SUS; estimular estudantes para a abordagem profissional por meio da Educação Popular em Saúde; fomentar a formação profissional comprometida com a indissociabilidade de ensino/ pesquisa/extensão. Poderão se inscrever para as vinte vagas oferecidas estudantes de graduação das Ciências da Saúde, Ciências Sociais e Humanas regularmente matriculados na universidade. A idéia da disciplina optativa, bem como a de sua continuidade não foi afastada, pelo contrário, é um motivador do grupo que se dedica para que esta proposta se concretize atingindo os objetivos previstos. Assim, o NEPEPS se propõe a abordar a formação universitária de modo mais integral, considerando que a extensão pode ser compreendida como um espaço próprio para se fortalecer o compromisso social da universidade e para os estudantes exercerem sua cidadania. 67

Enfermeira, Residente em Saúde da Família e Comunidade no Grupo Hospitalar Conceição, membro do Núcleo de Estudos e Práticas em Educação Popular e Saúde. 68 Estudante do curso de Educação Física na Universidade Federal do Rio Grande – FURG, membro do Núcleo de Estudos e Práticas em Educação Popular e Saúde. 69 Enfermeira, estudante do curso de Mestrado em Enfermagem na Universidade Federal do Rio Grande – FURG, membro do Núcleo de Estudos e Práticas em Educação Popular e Saúde. 70 Mestre em Enfermagem, docente na Escola de Enfermagem FURG, coordenadora do Núcleo de Estudos e Práticas em Educação Popular e Saúde. 71 Enfermeira, estudante do curso de Mestrado em Ciências da Saúde na Universidade Federal do Rio Grande – FURG, membro do Núcleo de Estudos e Práticas em Educação Popular e Saúde. 72 Enfermeira, membro do Núcleo de Estudos e Práticas em Educação Popular e Saúde. 73 Estudante do curso de Enfermagem na Universidade Federal do Rio Grande – FURG, membro do Núcleo de Estudos e Práticas em Educação Popular e Saúde.

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INTRODUÇÃO O presente trabalho apresenta o curso de extensão universitária Saúde, Educação e Política: práxis no SUS, uma das ações previstas no projeto do Núcleo de Estudo e Práticas em Educação Popular e Saúde (NEPEPS) para o ano de 2009. Iniciaremos com uma breve apresentação do NEPEPS, em seguida a justificativa, os objetivos, os embasamentos para a práxis o desenvolvimento do curso e, por fim, uma breve reflexão para concluir este trabalho. O Núcleo de Estudos e Práticas em Educação Popular e Saúde – NEPEPS surgiu a partir da iniciativa do movimento estudantil da área da saúde. Tem como pressuposto que a universidade deve atuar junto à comunidade integrando o conhecimento científico que produz e reproduz ao conhecimento popular a fim de promover a saúde, a educação e a transformação social. O NEPEPS iniciou suas atividades em 2004, quando estudantes da Universidade Federal do Rio Grande – FURG participaram do projeto VER-SUS/Brasil Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde (SUS) um projeto do Ministério da Saúde que visa aproximar estudantes universitários aos desafios inerentes à implantação do SUS, contribuindo para a formação de profissionais críticos e sensíveis às necessidades da população brasileira, além de aproximar instituições de ensino aos gestores e servidores do sistema público de saúde e aos movimentos sociais. Em um primeiro momento os estudantes dividiram-se em dois grupos o Núcleo de Estudos e Práticas em Educação Popular (NEPEP) e o Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva (NESC), que, por estarem entrelaçados no que se refere a sujeitos-viventes, intencionalidades, objetivos e metodologias fundiram-se em um só, originando o NEPEPS. Desta forma, os estudantes sensibilizaram-se para as necessidades de mudança na formação em saúde e perceberam a importância da manutenção de atividades que propiciem o exercício da cidadania. No ano de 2005, o grupo dedicou-se a construção de uma nova edição do projeto VER-SUS/Brasil e em 2006 do projeto VEPOP Extremo Sul, Vivências em Educação Popular no Extremo Sul do Brasil. O projeto VEPOP foi realizado de maio de 2006 a julho de 2007, configura como estratégia do Ministério da Saúde para qualificar a formação profissional, é uma extensão do projeto VER-SUS, que oportuniza não somente constatar a realidade do SUS na região, como também de intervir para melhorar esta realidade, e nesta intervenção, se fortalece a formação crítica e social de cidadãos e cidadãs que ingressam na universidade e estudam para futuramente

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trabalharem com as necessidades sociais, não como mão de obra executora, mas na condição de seres pensantes e politicamente ativos. Algumas atividades foram permanentes nestes quatro anos do NEPEPS bem como o incentivo à adesão ao Movimento Estudantil e a projetos de Extensão Universitária através da participação de membros do núcleo na disciplina “Políticas Públicas de Saúde e a Enfermagem”, do primeiro semestre do curso de enfermagem, e o Controle Social do SUS, por meio da representação no Conselho Municipal de Saúde e fomento a criação de Conselhos Gestores de Saúde. São dois os fatores motivadores para a ação do NEPEPS, que justificam a criação e manutenção deste núcleo. O primeiro é a necessidade de melhorias na formação universitária, principalmente no setor saúde, entendemos que é preciso uma formação coerente com as políticas públicas de saúde, que aproxime os estudantes da realidade local, que problematize essa realidade e que contribua, por meio da educação popular, para a intervenção efetiva na sociedade. O outro fator é a situação de opressão e injustiça social em que se encontram os moradores dos bairros periféricos do Rio Grande, uma vez que se reconhece que a universidade tem o compromisso de produzir conhecimentos e participar ativamente a fim de melhorar a qualidade de vida da população onde está inserida. Desta forma, o NEPEPS, contempla o que está previsto no estatuto da FURG, no que diz respeito à extensão universitária, tendo que “a extensão é atividade acadêmica que articula o ensino e a pesquisa, com a finalidade de promover uma relação transformadora entre universidade e sociedade, por meio de metodologias participativas”. (FURG, 2008) Assim, este projeto vem atuando no intuito de problematizar o papel da universidade e a formação de indivíduos, por meio da extensão universitária com caráter popular, a fim de integrar a universidade aos interesses do povo. Neste quinto ano de atividades o NEPEPS se encontra em processo de rearticulação e consolidação, e para tanto, o foco das ações está nos estudantes de graduação e pós-graduação, para que se forme uma base de trabalho com verdadeiro potencial de transformação. , partindo da realidade humana, abrindo possibilidades de humanizar mais o mundo e as relações dos indivíduos nele e com ele

JUSTIFICATIVA Considerando a necessidade de aproximar a formação universitária às reais necessidades locais em conectividade com as emergências globais, o Núcleo de Estudos e Práticas em Educação Popular e Saúde propõe-se a ser um espaço de construção de saberes a partir da

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elaboração de projetos com e para as comunidades da periferia do município de Rio Grande, buscando novas formas de ensinar e aprender no setor saúde. Temos em vista que no contexto profissional da saúde, faz-se necessário propiciar a formação reflexiva, coerente com a realidade local, em consonância com as políticas públicas de saúde no Brasil e articulada com os serviços existentes. Foi a partir desta premissa, que, comprometidos com a formação universitária o núcleo elaborou a proposta de uma disciplina optativa para ser introduzida no currículo dos cursos da área da saúde da FURG, a fim de proporcionar um aprendizado extra-muros, contemplando o ensino, a pesquisa e a extensão de forma equânime. No entanto, a proposta de disciplina não foi aceita para o atual momento. Seguimos a sugestão de, em um primeiro momento, oferecê-la como um curso de extensão e assim, reorganizamos nossa proposta que se propõe a refletir sobre um espaço formal de extensão no currículo, a exemplo do que já ocorre no âmbito da pesquisa. Portanto o curso de extensão universitária Saúde Educação e Política: práxis no SUS tem o molde de uma disciplina experimental, para que se possa repensar sua inclusão como uma disciplina curricular para os estudantes da área da saúde, uma vez que está previsto no estatuto da FURG (FURG, 2008) que o ensino se dará, entre outras formas, por meio da extensão universitária. O curso será desenvolvido de forma a articular os conteúdos teóricos dialogados em sala de aula com as experiências propostas e vividas pelos estudantes nos serviços de saúde. Tais vivências ocorrerão em diversos espaços do sistema da saúde pública do município do Rio Grande, desde o primeiro nível de atenção à saúde (atenção básica) até os níveis de média e alta complexidade (clínicas e hospitais), incluindo os serviços de gestão e controle social. Com esta proposta estarão sendo abertas possibilidades de integração entre estudantes de graduação (qualificação técnica de estudantes por meio de monitoria, pesquisa) e pós-graduação (estágio de docência, pesquisa) egressos da FURG e trabalhadores da rede pública de saúde (colaboradores), e também com os atores do controle social no SUS e Câmara de Extensão da Escola de Enfermagem. Os materiais produzidos com esta proposta constituirão uma base de dados com potencial para futuros estudos, ou seja, colaborando para a produção do conhecimento a partir da formação em saúde na extensão universitária e da vivência na realidade da saúde pública local. OBJETIVOS

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- Contribuir com a formação de estudantes universitários visando uma atuação profissional melhor preparada para trabalhar com a realidade social; - Proporcionar espaço para reflexão e ação sobre as Políticas Públicas de Saúde; - Sensibilizar para o Controle Social no SUS; - Estimular estudantes para a abordagem profissional por meio da Educação Popular em Saúde; - Fomentar a formação profissional comprometida com a indissociabilidade de ensino/ pesquisa/extensão.

EMBASAMENTOS PARA A PRÁXIS As ações do NEPEPS são pautadas na educação popular, tendo como elementos fundamentais o respeito mútuo, o diálogo, a solidariedade, o sonho possível e a intencionalidade de transformação das situações de opressão, de uma maioria da população riograndina, seja no que diz respeito a informação e garantia de seus direitos, acesso aos serviços públicos ou qualquer outra situação que desrespeite a natureza histórica e cultural de um indivíduo, uma família ou um coletivo. A Educação Popular na qual estamos referenciados tem como característica a problematização da realidade, prática educativa que se propõe a romper com o tradicional esquema vertical nas relações educador/educando e que tem caráter reflexivo, implicando em constante ato de desvelamento da realidade e, com isso, mobilização para transformação. Assim, educador e educando tornam-se educador-educando e educando-educador, ambos sujeitos viventes no processo em que crescem juntos, na busca de sua vocação ontológica por ser mais. (FREIRE, 1983) Afinal, “Ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo” É

necessário,

no

entanto,

o

educador-educando

problematizador,

refazer-se

constantemente, sendo investigador crítico e instigador social, proporcionando com os educandos-educadores condições em que se dê a superação do conhecimento e da inércia. Nesta relação de educação como prática da liberdade é preciso que os envolvidos tenham uma visão do conhecimento e da realidade como algo inacabado, que não é, mas que está sendo, portanto, passível de mudanças. Onde os sujeitos viventes no processo de educação, devem se comprometer, por meio da problematização da realidade, produzida através da tomada da

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consciência dos indivíduos submetidos a uma situação de dominação e da reflexão e análise crítica dos fatos, empoderando os indivíduos para que lutem e façam valer seus direitos. A esperança é elemento fundamental à educação popular, enquanto práxis problematizadora, conscientizadora e libertadora, pois alimenta os sonhos dos indivíduos que buscam ser mais. A esperança é do anúncio pela nova sociedade, pois, a partir do momento em que o ser humano deixa a postura de objeto, alienado, e assume a de sujeito, compromete-se com a transformação da realidade. Por isso se faz preciso (re)pensar diariamente no trabalho político-pedagógico, descobrir os limites desta prática e os espaços livres a serem preenchidos com a educação libertadora enquanto prática utópica. É utópica porque está presente na dialética social, enquanto denúncia de uma classe opressora e outra oprimida e anúncio de um sonho possível de uma sociedade, no mínimo menos opressora. A Educação Popular em Saúde (EPS), por sua vez, não está relacionada com a origem social/identificação com a pobreza dos usuários do serviço de saúde, se trata de uma concepção de vida, uma prática político-social que busca romper com a dureza e o autoritarismo nas relações dos trabalhadores da saúde com a população, usuária do sistema. A EPS está atrelada com a autonomia no cuidado promotor e preventivo da saúde, na politização dos indivíduos, compreendendo que esta politização oportunizará a conscientização e a luta pela igualdade social, pela transformação das relações de subordinação e opressão, e o comprometimento com o coletivo nesta movimentação em busca dos direitos sociais (ARAÚJO et. al, 2006). Por tanto, nosso embasamento teórico de EPS está atrelado à uma compreensão da saúde como um somatório de fatores e condições que levam a população a ter melhor qualidade de vida, interagindo de forma racional e sustentável com o ambiente. Pois, a interação do ser humano com o ambiente reflete diretamente na sua saúde e da comunidade em que vive. Este processo de saúde se desenvolve, portanto, através do respeito à natureza, ao mundo e, portanto também diz respeito aos homens e mulheres no mundo e com o mundo. Respeito aos direitos do próximo de se expressar, de lutar pelo direito à educação, alimentação, acesso e posse da terra, condições de emprego, saneamento básico, acesso aos serviços de saúde enfim, dignidade na sua condição de cidadão. Entendido o meio ambiente como uma produção social histórica e afetada por relações políticas, econômicas, culturais e socioambientais, cabe aqui então relacionar esse conceito à saúde e à qualidade de vida, na tentativa de trazer elementos cognitivos que permitam relacionar racionalmente algo que a realidade apresenta como incontestável: as relações entre meio ambiente e saúde. (FIGUEIREDO, 2005 p.17).

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A prática da EP, em qualquer âmbito, deve ser libertadora, para isso, é preciso propiciar a participação do povo na busca por sua autonomia e melhoria da qualidade de vida e para que lutem por seus direitos e por condições igualitárias. Para isso o profissional tem de se comprometer tanto quanto o usuário, pois não basta inflamar um discurso revolucionário e manter o processo vertical. Para que ocorra uma discussão horizontal, faz-se necessário manter o diálogo aberto, respeitando as diferenças (FREIRE, 1966). Desta forma um povo luta por sua saúde, de forma coletiva e sustentável. A EP vem sendo um instrumento valioso no setor saúde para diminuir a distância entre as crenças, os saberes e a cultura que uma pessoa, ou um coletivo carregam. Neste sentido compreendemos que um elemento fundamental da EP é o fato de tomar como ponto de partida o saber anterior do indivíduo, pois, ao longo de nossas vivências vamos construindo sabedoria, experiências que são incomparáveis e únicas (VASCONCELOS, 1997). A educação como prática no serviço de saúde pode ser estratégica neste sentido, uma vez que o contato com a população é diário, porém, segundo Albuquerque e Stotz (2004, p. 260) Tradicionalmente, a educação em saúde tem sido um instrumento de dominação, de afirmação de um saber dominante, de responsabilização dos indivíduos pela redução dos riscos à saúde. A educação em saúde hegemônica não tem construído sua integralidade e pouco tem atuado na promoção da saúde de forma mais ampla. As críticas a essa política dominante têm levado muitos profissionais a trabalharem com formas alternativas de educação em saúde, das quais se destaca, aquelas referenciadas na educação popular.

Este comportamento para com a educação nos serviços de saúde transparece a formação profissional na saúde e conseqüentemente, a educação permanente dos trabalhadores. Talvez esteja

até

mesmo

relacionada

ao

sistema

educacional

que

precede

a

formação

universitária/ensino superior, ou seja, a educação formal do sistema escolar no ensino fundamental e médio, carregando antigos hábitos da educação como via de mão única, como pedagogia da transmissão, prática bancária. Por este motivo, acreditamos que, se por um lado os órgãos gestores priorizam as atividades educativas no âmbito da saúde pública, por outro lado os mesmos não desenvolvem propostas concretas para que seja efetiva uma educação em saúde que proporcione transformação da realidade de desigualdade ao direito de cidadania. Visto que não há propostas para seu financiamento, políticas específicas para seu desenvolvimento nem mesmo 'capacitação' profissional (ALBUQUERQUE; STOTZ, 2004). As universidades, enquanto instâncias de produção e reprodução de conhecimento, como instituição formadora de seres profissionais, possui um compromisso com a sociedade onde está inserida. A Extensão Universitária (EU) é um dos espaços para se cumprir este papel social da universidade, talvez o mais propício para isto na medida em que apresenta e problematiza as

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realidades sociais, produzindo conhecimentos através de um trabalho útil, formando profissionais conscientes e comprometidos com a realidade. O Plano Nacional de Extensão Universitária traz a seguinte definição “A extensão universitária é a atividade acadêmica capaz de imprimir um novo rumo à universidade brasileira e de contribuir significativamente para a mudança da sociedade”. (BRASIL, 2000/2001, p.2) Neste mesmo documento, aponta-se uma concepção de universidade em que a relação com a população é encarada como a „oxigenação necessária à vida acadêmica‟, indo além da compreensão tradicional da extensão assistencialista, transversal, que dissemina conhecimentos e culturas. (BRASIL, 2000/2001). Desta forma, a produção do conhecimento, se faz no compartilhar dos saberes “científico” e “popular”, tendo como produto a democratização do conhecimento, que pode revelar um novo saber para os sujeitos viventes envolvidos. Sendo, então, a EU um processo educativo, cultural, científico e político que viabiliza a relação transformadora entre universidade e sociedade. Partindo desse conceito entende-se que a universidade tem o compromisso de produzir conhecimentos e propor ações para a melhoria da qualidade de vida da população onde está inserida. No caso da universidade pública, este compromisso torna-se incontestável por se tratar de uma instituição mantida pela população que paga impostos, onde uma minoria destes cidadãos ocupa os bancos acadêmicos. A extensão de caráter popular só vai se fortalecer dentro do espaço institucional na medida em que o cenário acadêmico mudar ao passar do tempo, não permanecendo tecnicamente centrado e distante do real envolvimento com a população. Assumindo a dimensão do popular, a extensão transpõe os muros institucionais e adquire características de trabalho social, desenvolvendo ações educativas com a sociedade civil organizada. (MELO NETO, 2006). A extensão universitária popular integra o ensino com o comprometimento social, proporciona para o estudante experiências que vão além do ensino tecnicista, investe no crescimento do ser. É evidente que a universidade não deve ser a instituição responsável por formar “mão de obra para o trabalho”, mas sim a que dá continuidade ao processo de socialização de indivíduos vindos do ensino fundamental e médio. Para tanto, é indispensável a integração das dimensões da universidade: ensino, pesquisa e extensão, sem competirem por espaços, mas coexistindo no processo de formação profissional. Concordamos com o ponto de vista de Melo Neto (MELO NETO, 2002, p.10), compreendendo a extensão universitária como: “Um trabalho com o qual se buscam objetos de pesquisa para a realização da construção do conhecimento novo ou novas reformulações das verdades existentes. Esses objetos pesquisados são também os constituintes da outra dimensão da universidade, o ensino. Portanto, a extensão é um trabalho que se realiza na realidade objetiva e é exercido por membros da comunidade,

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universidade - servidores e alunos. Um trabalho de busca do objeto para a pesquisa e para o ensino, se constituindo como possibilidade concreta de superação da pesquisa e do ensino realizados, mais das vezes, fora da realidade concreta.”

A extensão que surge com o intuito de tornar o outro e seu contexto mais parecidos com o do extensionista, estando associada com entrega, doação, invasão cultural, manipulação, entre outras características antidialógicas, nega o outro como um ser de transformação do mundo, por negar o conhecimento autêntico, a ação e a reflexão verdadeiras. A extensão na qual buscamos referencial pra nossa práxis não é aquela que se presta a doutrinação ou a prestação de serviços, mas sim aquela que visa integrar a universidade aos interesses do povo numa concepção de trabalho social. Nosso embasamento teórico-metodológico de EU, portanto não é o de estender algum serviço ou produto, mas sim o de estender conhecimentos, solidariedade, amorosidade, em uma relação recíproca, para poderem, oshomens e as mulheres, melhor transformar o mundo, e isto nada tem a ver com caridade, piedade, mas compartilhar sonhos e comungar lutas. A tarefa do extensionista, portanto, é educar e desta forma, educar-se. (FREIRE, 1977)

DESENVOLVIMENTO O curso Saúde, Educação e Política: práxis no SUS será constituído de dois módulos, o primeiro será desenvolvido através de aulas expositivo-dialogadas, discussão de textos e apresentação de vídeos, em turma única, com vagas para vinte estudantes. No segundo módulo a turma será dividida em quatro grupos de cinco estudantes, e desenvolverão atividades teóricopráticas, ou seja, vivências nas instâncias do Sistema Único de Saúde (SUS). Cada grupo fará opção de abordagem das políticas de saúde para serem trabalhadas no próprio grupo e observadas nas vivências no Controle Social (Conselho Municipal de Saúde conselhos gestores) e na participação de atividade específica na rede básica e na atenção à média e alta complexidade à saúde. As propostas de cada grupo terão a orientação dos coordenadores do curso e serão apoiadas por facilitadores (conselheiros, profissionais na rede de saúde e estudantes integrantes do NEPEPS) contatados pelo. Após cada vivência os grupos serão reunidos para apresentação e discussão do trabalho desenvolvido com conseqüente aprofundamento das questões teóricopráticas. A carga horária semanal será de cinco horas, sendo que destas, três serão destinadas para as atividades teórico-práticas em grupo e duas para a realização de leituras individuais e registro

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nos diários de campo, perfazendo um total de 70 horas. O curso será coordenado por docentes da Escola de Enfermagem e profissionais da área de saúde e educação. Serão convidados para contribuírem com as discussões integrantes do Conselho Municipal de Saúde e Conselhos Gestores, dos movimentos sociais, de ONG‟s e OSCIP‟s. A proposta conta ainda com facilitadores que serão os estudantes integrantes do NEPEPS e trabalhadores da rede, onde serão desenvolvidas as atividades teórico-práticas. Entendendo que a avaliação deve ser construída ao longo do curso e realizada por todos os envolvidos, serão levados em consideração: planejamento e construção das vivências; participação nas discussões em grande grupo, pautadas nas percepções das experiências vividas; participação nas atividades práticas propostas; elaboração e entrega de diário de campo e trabalhos finais. A freqüência mínima exigida segue as normas da Universidade, ou seja, 75% da carga horária total do curso. No final do curso os estudantes deverão apresentar de forma criativa as experiências vivenciadas ao grande grupo. Deverão entregar um texto individual com caracterização das atividades, reflexão sobre a realidade na qual foi desenvolvida, desafios das políticas de saúde trabalhadas, potencialidades da abordagem da educação popular em saúde em nossa realidade e atividade de extensão como caminho para a construção do conhecimento e intervenção na realidade. As inscrições acontecerão de 17 /08/ 2009 a 04 /09/ 2009 e devem ser efetuadas na Secretaria da Escola de Enfermagem – campus saúde FURG. Serão oferecidas 20 vagas. Poderão se inscrever os estudantes de graduação dos cursos das Ciências da Saúde (Enfermagem, Medicina e Educação Física) e Ciências Humanas (Educação, Psicologia, História, Geografia, Arqueologia) regularmente matriculados junto à próreitoria de graduação da FURG. Para a concretização deste proposta, foram estabelecidas parcerias com o Conselho Municipal de Saúde, com a Secretaria Municipal da Saúde, com o Hospital Universitário da FURG e com a Central dos Movimentos Populares e com a Organização da Sociedade Civil de Interesse PúblicoSOMOS Vida, Identidade e Cidadania.

Pretendemos assim, desenvolver os seguintes temas: 1º módulo: Processos de conhecimento sobre a Saúde e a Sociedade por meio da extensão universitária;

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As interfaces entre a saúde e a educação; Educação dialógica X Educação bancária; Movimento Sanitarista e a VIII Conferência Nacional de Saúde; Reorientando o SUS: Pactos pela Saúde; Cidadania e Participação: controle social;

2º módulo: Seminários Políticas Públicas de Saúde 1; Práxis no SUS 1- Atenção Básica; Discussão das vivências 1; Seminários Políticas Públicas de Saúde 2; Práxis no SUS 2- Média e Alta Complexidade; Discussão das vivências 2 e Orientação para elaboração do texto final; Seminários Políticas Públicas de Saúde 3; Práxis no SUS 3- Conselhos de Saúde (locais e municipal); Discussão das vivências 3; Apresentação final dos grupos e entrega do texto final. Novas Perspectivas Práxis no SUS.

CONCLUSÃO Pretendemos, para este quinto ano de atividades do NEPEPS, ampliar horizontes e estabelecer novas parcerias por meio de ações que incluem o curso de extensão universitária Saúde, Educação e Política: práxis no SUS. Com isto, visamos a sensibilização de estudantes de graduação e pós-graduação para participarem mais ativamente de sua formação, se engajarem em projetos de extensão e contribuírem com a construção do conhecimento novo, atendendo as expectativas reais da sociedade. Nos dedicaremos, com muito entusiasmo, amor e esperança para que esta proposta se concretize atingindo aos objetivos previstos. Sem perder de vista também a intenção primária, de oferecer este curso, num futuro próximo, como uma disciplina optativa no currículo dos cursos de graduação, envolvendo os estudantes da pós-graduação na sua execução. Ainda, com um pouco mais de ambição, pretendemos organizar sua continuidade, a disciplina, ou curso de extensão Saúde, Educação e Política: práxis no SUS II, permitindo continuidade das ações e maior aproximação aos movimentos sociais e suas lutas.

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O NEPEPS propõe-se a abordar a formação universitária de modo mais integral, sendo que a extensão universitária pode ser compreendida como um espaço próprio para fortalecer o compromisso social e a formação cidadã. Desta forma os fatores que motivam e justificam as ações do NEPEPS são contemplados no desenvolver deste curso de extensão universitária reforçando o compromisso esperado da universidade pública de intervir para melhorar a realidade social e para a melhoria das condições de vida da população onde está inserida.

REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, P. C.; STOTZ, E. N. A educação popular na atenção básica à saúde no município: em busca da integralidade. Interface – Comunic., Saúde, Educ., v. 8, n15, p. 259274, mar-ago 2004

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I SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM EXTENSÃO POPULAR – SENAPOP João Pessoa – UFPB – 24 a 27 de novembro de 2009

EDUCAÇÃO POPULAR E O TRABALHO SOCIAL DO BANCO DE ALIMENTOS – SESC: ALGUMAS REFLEXÕES A PARTIR DE EXPERIÊNCIAS EDUCATIVAS EM INSTITUIÇÕES FILANTRÓPICAS

Ingryd de Lira Meireles Kelly Lacerda Oliveira Magalhães Nayara Moreira Massa Pedro José Santos Carneiro Cruz Resumo O presente artigo trata da sistematização de práticas extensionistas realizadas por estudantes universitárias e nutricionistas com comunidades e instituições filantrópicas parceiras do Programa “Banco de Alimentos”, do Serviço Social do Comércio (SESC) Paraíba, em sua unidade na cidade de João Pessoa-PB. Desenvolvendo atividades naqueles espaços, as extensionistas procuraram vivenciar a Educação Popular como referencial teórico metodológico. As práticas educativas foram desenvolvidas no cenário de cada comunidade, seja escola do bairro, associação de moradores ou instituições filantrópicas. As mesmas foram realizadas com indivíduos de diferentes faixas etárias: crianças, adolescentes, adultos e idosos – tendo como tema norteador da prática educativa, algo que seja demanda dos indivíduos. Ao privilegiarmos a escuta dialógica e o trabalho conduzido a partir da realidade mesma destas pessoas, percebemos impactos positivos, uma vez que pudemos sentir o aflorar da criticidade e melhor compreensão dessas pessoas com relação a seus direitos. Avaliamos que promover extensão popular em uma entidade privada é algo desafiador. Os funcionários e indivíduos assistidos pelas instituições sociais, em sua maioria, estão habituados com a educação bancária, hierarquizada e assistencialista. Inserir uma metodologia libertadora neste âmbito requer vontade e forças dos que optam por esta pedagogia. Outro obstáculo está no privilégio da quantificação das ações educativas em detrimento da valorização das discussões e trocas de experiências feitas. Privilegia-se principalmente não os processos desenvolvidos e os vínculos libertários mantidos, mas a quantidade de pessoas “atendidas”. Todavia, mesmo diante destas impossibilidades, a empresa também nos oferece espaços, inclusive com apoio logístico, para cumprir com as obrigações para as quais fomos contratadas ou selecionadas fazendo algumas ações de Educação Popular. Assim, introduzimos uma metodologia problematizadora e humanística nas abordagens nutricionais, transpondo as barreiras do saber científico à medida que também valorizamos o popular e construímos um saber comum aplicável a realidade de todos. Deste modo, aproximamos teoria e prática, nutrição, educação e saúde; na tentativa de contribuirmos para a promoção da SAN e do DHAA, priorizando o respeito às diferenças, ao popular, a autonomia e a

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criticidade dos indivíduos. Julgamos de extrema importância a colaboração de graduandos em nutrição que pratiquem a Educação Popular no âmbito do Banco de Alimentos SESC – João Pessoa nos próximos anos e, que assim, possamos divulgar os resultados alcançados ao longo dos anos para que possamos estender as ações a níveis regionais e quiçá nacionais, disseminando as idéias de educação libertadora neste serviço de extensão. Palavras chaves: Serviço Social; Extensão Popular; Segurança Alimentar e Nutricional.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo trata da sistematização de práticas extensionistas realizadas por estudantes universitárias e nutricionistas com comunidades e instituições filantrópicas parceiras do Programa “Banco de Alimentos”, do Serviço Social do Comércio (SESC) Paraíba, em sua unidade na cidade de João Pessoa-PB. Desenvolvendo atividades naqueles espaços, as extensionistas procuraram vivenciar a Educação Popular como referencial teórico metodológico. Para melhor entendimento do leitor, discorreremos primeiramente sobre o Programa e seu papel enquanto promotor da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) e do Direito Humano a Alimentação Adequada (DHAA) nos diversos cenários de prática. O Banco de Alimentos SESC João Pessoa é uma iniciativa de enfrentamento do desperdício de alimentos e promoção da SAN em comunidades e instituições filantrópicas. Surgiu a partir da sociedade civil, coordenada pelo SESC São Paulo no ano de 1994, com a missão de articular doações de alimentos em unidades de comercialização, armazenagem e processamento de gêneros alimentícios, visando encaminhar para comunidades populares e instituições filantrópicas, aqueles que estivessem ainda em perfeitas condições de consumo humano, mas fora dos padrões definidos para comercialização por produtores, supermercados, atacadistas, indústrias de alimentos e outros agentes. Após recepção, seleção e embalamento, a distribuição dos gêneros é realizada gratuitamente para entidades sociais sem fins lucrativos, de acordo com suas reais necessidades, definidas a partir de um trabalho de avaliação desenvolvido pela equipe técnica do Banco, a qual passa a acompanhar e prestas assessorias técnicas às entidades. Desde o inicio, portanto, o trabalho do Banco de Alimentos propunha-se não apenas doar alimentos, mas permitir uma maior aproximação de assistentes sociais, nutricionistas e outros profissionais no acompanhamento do funcionamento e construção de ações sociais em comunidade e entidades, na perspectiva da melhoria de suas condições de alimentação e nutrição.

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São as entidades sociais que seencarregam de distribuir os alimentos arrecadados à população, seja através do fornecimento de refeições prontas ou do simplesrepasse direto às famílias beneficiárias das instituições filantrópicas previamente cadastradas no Programa. As entidades são cadastradas no Banco de Alimentos após preencherem alguns prérequisitos, como: prestar atendimento gratuito, sem distinção de credo, etnia ou religião; serem inscritas no Conselho Municipal de Assistência Social; possuírem comprovante de endereço e fornecerem inscrição do CNPJ; não terem vínculo político-partidário, entre outros. Apesar da maior parte da população atendida por estas instituições serem crianças e idosos em João Pessoa, atendem também neste município portadores de HIV, pessoas acometidas de doenças crônicas (como câncer), adolescentes e ex-usuários de drogas em fase de reabilitação. O conceito de Segurança Alimentar e Nutricional, enquanto política pública, assegura o direito dos cidadãos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade em quantidades suficientes sem comprometer o acesso a outras necessidades, com base em práticas alimentares promotoras da saúde (artigo 3° da Lei n° 11.346, de 15 de setembro de 2006). Seguindo esta perspectiva, fica evidente que a doação de alimentos por si só não será capaz de promover a SAN, pois os cidadãos precisam, eles mesmos, reivindicar este direito, empreendendo ações e interações capazes de assegurar um estado de SAN. Sendo assim, diversos autores (Vasconcelos; Pereira e Cruz, 2008; Boog, 2004) concordam que uma das mais importantes ações na busca do acesso a esse direito e do desenvolvimento de práticas alimentares saudáveis seja a realização de ações educativas. No entanto, para que a educação contribua com a promoção da SAN é necessário que esta se realize numa perspectiva crítica e não-alienante, capaz de promover autonomia e incentivar a participação (Melo Neto, 1999). Para tanto, o processo educativo deve partir da realidade concreta das entidades atendidas pelo Banco de Alimentos e não de forma alheia a esta realidade, como ocorre em processos pedagógicos tradicionais. A metodologia da Educação Popular, sistematizada de modo marcante por Paulo Freire, apresenta referenciais éticos-políticos coerentes com estes objetivos. Para Vasconcelos (2004), ela enfatiza não o processo de transmissão de conhecimento, mas a ampliação dos espaços de interação cultural e negociação entre os diversos atores envolvidos em determinado problema social, para a construção compartilhada do conhecimento e da organização política necessários à sua superação.

Pensar na educação como caminho para a SAN e para a promoção do Direito Humano a Alimentação Adequada (DHAA) significa, para o campo da nutrição, investir na dimensão educativa que lhe é inerente e que está evidenciada de modo peculiar nas metodologias de

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Educação Nutricional com perspectiva crítica sistematizada por Cristina Boog (BOOG, 2004; MAGALHÃES et al, 2009) Para Boog (2004) educar em alimentação, numa perspectiva emancipatória, implica resgatar a dignidade, esperança, autoconfiança e força para luta daqueles que se encontram empobrecidos e excluídos. Os cidadãos devem familiarizar-se com os problemas nutricionais existentes e com os aspectos da economia que influenciam o acesso à alimentação. A abordagem educativa deve ser pensada na perspectiva do empowerment, isto é, da capacitação e do fortalecimento dos indivíduos e da comunidade para alcançar suas metas. Compreendendo a educação nesta perspectiva é que fundamentamos a importância de ações educativas para a construção de estratégias que visam a superação dos problemas enfrentados pelos beneficiários das instituições filantrópicas, principalmente no que dizem respeito ao direito humano a alimentação. Este trabalho educativo é realizado por estagiárias do Banco de Alimentos, as quais também participam de projetos de extensão popular da UFPB, onde puderam conhecer e aprimorar as possibilidades de uma ação extensionista orientada pela educação popular. No campo do estágio no SESC, desenvolver o trabalho de extensão é possível ao entendermos esse como um trabalho social, o qual, para Melo Neto (1996), é criador de um produto: a transformação. Para este autor, a partir da realidade humana, a pesquisa e o ensino vão ocorrendo numa relação biunívoca (comunidade-universidade; universidade-comunidade), criando possibilidades para a construção de novos saberes ou saberes rediscutidos entre estes sujeitos, elaborando-se, ainda teoria e prática.

2 DESENVOLVIMENTO O trabalho desenvolvido pelas extensionistas no Banco de Alimentos, juntamente com os sujeitos das instituições filantrópicas, teve como norte teórico metodológico a educação popular , uma vez que a mesma

valoriza a diversidade e a heterogeneidade dos grupos sociais, a

intercomunicação entre os diferentes atores sociais, o compromisso com as classes subalternas, as iniciativas dos educandos e o diálogo entre o saber popular e o saber científico (VASCONCELOS, 1998). Segundo Ligabue (2006) o Brasil e a América Latina tornaram-se pioneiros em educação popular no mundo, em parte pelas décadas de exclusão a que a população foi submetida. É no contexto da exclusão social moderna em que vive parte significativa da população de nosso estado, estando uma pequena porção desta vinculada ao trabalho de instituições filantrópicas que desenvolvem trabalhos sociais, no âmbito da educação, segurança alimentar e saúde.

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Nestas instituições, desenvolvemos ações de educação nutricional pautadas pelo referencial teórico-metodológico de Paulo Freire, opção feita a partir de vivencia anterior das extensionistas em projetos da UFPB. Acreditamos que a opção pela Educação Popular torna o trabalho permanente e contínuo, sendo singular pelo modo dialógico de discutir educação, saúde, e Segurança Alimentar e Nutricional, além de outros temas sugeridos e percebidos no decorrer das conversas, das oficinas, das visitas, do contato - onde podemos ouvir e ser ouvidos construindo um processo de formação/educação baseado nas reais necessidades dos atores. Muitas vezes, estas necessidades estavam vinculadas a possibilidade do ter atenção e do ter voz – esta é uma das diretrizes que reflete a importância da educação popular para os usuários destas instituições.

2.1 AÇÕES EDUCATIVAS As estudantes desenvolvem extensão popular juntamente com as instituições filantrópicas a partir da construção de práticas educativas coerentes com a concepção do ser humano como ser ativo, criativo e capaz de estabelecer relações no/com os contextos nos quais estão inseridos, assim, desenvolvendo-se e construindo conhecimentos. As práticas educativas foram desenvolvidas no cenário de cada comunidade, seja escola do bairro, associação de moradores ou instituições filantrópicas. As mesmas foram realizadas com indivíduos de diferentes faixas etárias: crianças, adolescentes, adultos e idosos – tendo como tema norteador da prática educativa, algo que seja demanda dos indivíduos. Estas ações estiveram marcadas pela integração entre o saber técnico, o saber popular e pela mútua colaboração, uma vez que, conforme assinala Victor Valla (1993, p.93) as práticas de educação baseadas no repasse de conhecimentos deixam de lado questões importantes – pois, o conhecimento científico se torna insuficiência para entender a complexidade da vida e propor soluções, uma vez que se faz necessário valorizar o conhecimento e os saberes presentes na cultura popular, construídos ao longo do processo histórico da humanidade.

Com isso, priorizando atender a demanda sentida pela comunidade do bairro do Jardim Treze de Maio (em João Pessoa), foi desenvolvida uma ação educativa com os beneficiários do Programa Bolsa Família, visando problematizar as questões relativas ao ao mesmo. O Programa integra a estratégia FOME ZERO, que tem o objetivo de assegurar o direito humano à alimentação adequada, promover a segurança alimentar e nutricional e contribuir para a

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erradicação da extrema pobreza e para a conquista da cidadania pela parcela da população mais vulnerável à fome. A fome é um tema recorrente nas camadas mais vulneráveis da população, e estimula o aflorar de sentimentos e a relação vivenciada com a alimentação; a partir do diálogo com membros da Associação Comunitária dos Moradores, passamos a entender a realidade vivenciada com a alimentação e quais os benefícios o Programa trouxe para vida deles. Iniciamos escutando dúvidas, anseios e reinvidicações daqueles indivíduos. O olhar atento e a escuta foi essencial para um bom direcionamento da ação, uma vez que a população, a partir de seus gestos, nos transmitia suas inquietações e questionamentos. Naquele momento percebemos que apesar de serem beneficiários do Programa, o entendimento acerca de seus direitos e deveres eram mínimos, despertando em nós o desejo de construir o saber acerca daquela temática e contribuir com formação de indivíduos mais críticos e sabedores de seus direitos. Um dos temas discutidos foi a alimentação e o que cada um tinha em casa para comer – assim pudemos entender até onde esta sendo garantido o Direito Humano a Alimentação Adequada e o quão é desafiador trabalhar este tema, uma vez que, mesmo afirmando ser um direito, s nem todos indivíduos os tem garantido. Assim, inspirados pela perspectiva da educação popular, guiamos a discussão para além das meras questões “burocráticas” do funcionamento de um Programa, extrapolando as barreiras de normas e metodologias e trabalhando a demanda e realidade de cada participante daquele momento, construindo conhecimento a partir do falar e gesticular de cada pessoa ali presentes. Procuramos conhecer melhor aquela realidade social, a partir da fala de seus sujeitos, e estimulando neles também o refletir sobre sua vida, e suas reais condições de garantia da SAN. Uma das instituições filantrópicas atendidas pelo Banco de Alimentos SESC – João Pessoa é a Missão Nova Esperança, onde são realizadas atividades com portadores e os cuidadores de indivíduos HIV positivos, visando promover a inclusão e promoção da saúde. A ciência da nutrição se faz de suma importância para a promoção da saúde destes pacientes, sendo a intervenção nutricional no paciente HIV positivo recomendada devido a implicações nutricionais na evolução da infecção pelo vírus HIV (American Dietetic Association, 1994). Assim as estudantes desenvolveram ações educativas com foco na alimentação, onde todos os participantes encontravam-se dispostos em uma grande roda.

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De pronto, pudemos perceber a estigmatização e a dificuldade de trabalhar com a temática da AIDS, onde as participantes não referiam o nome da patologia ou mesmo os remédios que eram ingeridos. No entanto, como "só se aprende a caminhar, caminhando" (Peregrino, 1996), alteramos o rumo do diálogo e passamos a questioná-los acerca de sua relação com a vida e suas perspectivas, observando-as com um olhar humanístico e acolhedor. Foi então que pudemos não falar apenas de assunto científico ou da biologia da AIDS, mas entender as dificuldades, questionamentos, alegrias e motivações que circundavam a vida daquelas pessoas. Desenvolvemos também ações de educação nutricional na Legião da Boa Vontade (LBV), visando: dialogar com as crianças assistidas pela instituição acerca da importância e da composição de uma alimentação saudável; reduzir o desperdício e elevar a aceitação de algumas preparações. Esta temática se justifica devido à mudança ocorrida na forma de distribuição das refeições na entidade, que atualmente ocorrem na modalidade self-service em substituição ao modelo anterior (cafeteria), o qual se caracteriza pelo porcionamento da refeição pelo copeiro. Era preciso, portanto, trabalhar esta mudança para a garantia de uma alimentação segura para a comunidade local. Para este

conjunto de ações educativas na LBV, planejamos atividades lúdicas(com brincadeiras de roda e criação do prato saudável), expondo os assuntos de forma inclusiva e participativa, para melhor interação com o público-alvo, crianças na faixa etária de 9 à 11 anos. Os manipuladores de alimentos constituem sujeitos essenciais para o trabalho do SESC junto às entidades sociais parceiras. No intuito de contribuirmos para a promoção da Segurança Alimentar e Nutricional no seu tocante a qualidade biológica e sanitária dos alimentos, bem como no seu melhor aproveitamento, passamos a desenvolver mensalmente uma oficina onde reunimos os manipuladores de diferentes instituições para conversamos e trocarmos conhecimentos e experiências sobre o trabalho na cozinha, envolvendo não apenas boas práticas na manipulação de alimentos, mas desmistificando a dietoterapia e o aproveitamento integral dos alimentos, a partir da escuta de suas experiências e da construção de novos modelos de organização e produção de alimentos, a partir destes diálogos. Acreditamos que a forma de desenvolvimento das oficinas possibilitou a interação entre todos os participantes, sendo, muitas vezes, um momento de encontro entre os manipuladores que outrora já haviam se conhecido, visto que este é o segundo ano de realização destes encontros. Essa proximidade entre a maioria dos participantes em nenhum momento contribuiu negativamente para o desenvolvimento das oficinas, mas permitiu um clima de descontração e um caráter participativo.

2.3 POSITIVIDADES E NOVIDADES DA EXPERIÊNCIA

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O nosso trabalho educacional esteve centrado nos sujeitos que estão a margem da sociedade, sem garantia de seu poder decisivo e autonomia. Todavia, ao privilegiarmos a escuta dialógica e o trabalho conduzido a partir da realidade mesma destas pessoas, percebemos impactos positivos, uma vez que pudemos sentir o aflorar da criticidade e melhor compreensão dessas pessoas com relação a seus direitos. Vejamos o exemplo da população do Jardim Treze de Maio, que passou a conhecer melhor o Programa Bolsa Família, e a questionar e problematizar não apenas temas relativos ao programa, mas a situação global do Programa e suas realidades, assim dialogando acerca de problemas como a moradia, saúde e segurança pública; o que pode ser evidenciado a partir da seguinte pergunta: “Eu moro aqui na comunidade, e o que tenho para falar não é bem do assunto, mas sei que tenho alguns direitos, como a ter policia, posto de saúde. Mas por que eles não estão aqui na comunidade?” Nas oficinas desenvolvidas com crianças, apresentamos brincadeiras e dinâmicas envolvendo o desperdício de alimentos, apontando para o seu aproveitamento integral. Pedimos que as mesmas observassem o que tinham em casa para comer e qual era a relação com a comida, estimulando-os a considerar sua relação com a alimentação. Estimulamos as crianças a refletirem acerca de um tema tão complexo a partir de sua realidade, trabalhando a educação a partir de algo concreto, não sendo algo distante, que se encontra apenas na imaginação – a partir da roda de conversa, com uso de uma dinâmica todos tinha alguns minutos para lembrarem do quê tinham comido no dia anterior: o que ficou no prato, o que foi para o lixo. A utilização dos desenhos foi fundamental para isso. Este momento proporcionou troca de experiências e a escuta de belas frases e reflexões, como as que seguem: “Eu antes não comia a salada que a tia colocava ou deixava tudo no prato e ia para o lixo, e agora sei que elas tem vitaminas e são boas para saúde e tem muita gente que tá com fome, vou comer o prato todo!”, “Eu em casa não tenho carne no almoço e na LBV (Legião da Boa Vontade) eu tenho comidas gostosas e vou colocar no prato só o que vou comer”. As crianças que anteriormente desperdiçavam comidas, agora passaram a pensar sobre a temática. Muitas passaram a evitar o desperdício, pois ganham aquela refeição na instituição e muitas vezes não as tem em casa, agregando com isso a valoração do alimento e da garantia do Direito Humano a Alimentação Adequada (DHAA) No entanto, o prazer de escuta estas frases foi algo construído, a partir de brincadeiras (“passa a bola”, brincadeira das cadeiras, “passa chapéu”), uso das músicas desenvolvidas pelos

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próprios alunos da LBV e pinturas. Pudemos então criar um vínculo que permitiu adentramos na realidade de cada um. Percebe-se que a positividade envolve todos os participantes do processo educativo, pois aprendemos com eles - a partir de sua realidade e da forma como eles se relacionam com ela. O público destas instituições são pessoas expostas às desigualdades sociais, tendo realidades de vida diferentes das nossas. Mas esta diferença veio a somar e enriquecer o trabalho desenvolvido, uma vez que a troca de experiência provou-se rica e nos aproxima da realidade, favorecendo a formação de estudantes mais criticas e humanizadas. Conseqüentemente, eles também aprenderam conosco – levando um pouco do olhar crítico que tentamos provocar proporcionando uma modificação na forma de se relacionarem com os problemas.

2.4 DIFICULDADES Promover extensão popular em uma entidade privada é algo desafiador. Os funcionários e indivíduos assistidos pelas instituições sociais, em sua maioria, estão habituados com a educação bancária, hierarquizada e assistencialista. Inserir uma metodologia libertadora neste âmbito requer vontade e forças dos que optam por esta pedagogia. A opção pela Educação Popular dentro deste contexto foi devido a acreditarmos que, com o uso da mesma, contribuiríamos na formação de sujeitos autônomos e críticos. Porém, inserir tais questões como primordiais dentro de uma logística onde os números e a estatística das doações de alimentos possuem grande valor é tarefa difícil, que requer tempo para grandes progressos. A primeira dificuldade sentida está no privilégio da quantificação das ações educativas em detrimento da valorização das discussões e trocas de experiências feitas. Privilegia-se principalmente não os processos desenvolvidos e os vínculos libertários mantidos, mas a quantidade de pessoas “atendidas”. A ação educativa não pode ser vista somente enquanto número, uma vez que estamos lidando com seres humanos, detentores de sentimentos e saberes – devendo o ser humano em sua individualidade e a construção do saber serem valorizados, em detrimento de meros números estatísticos. Dentro de nossa experiência, vimos que as atividades desenvolvidas com um maior número de pessoas nos traziam respostas mais diminutas quando comparadas com ações mais focadas em termos de temática, e com um número menor de pessoas, mas suficiente para possibilitar uma conversa com o direito a expressão e participação de todos os presentes, onde podemos adentrar na realidade daquelas pessoas.

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Outro limite encontra-se na necessidade de atender as instituições vinculando nossa ação a eventos arquitetados pela direção das próprias instituições, sendo delimitado nosso tempo ou até mesmo o nosso espaço, o que dificulta bastante a nossa forma de construir saber. Muitas vezes estamos disputando espaço e atenção com a distribuição de lanches, brindes e até mesmo serviços e músicas. Pois alguns dos organizadores dos eventos enxergam nossa participação mais como uma empresa oferecendo algum tipo de serviço aquela comunidade ou usuários. Deste modo, notamos que as dificuldades não se restringem apenas ao Banco de Alimentos ou ao SESC, mas também adentram no universo consciente das instituições, em particular aos seus gestores. Algumas instituições preocupam-se mais com números e visibilidade de suas filantropias do que com as próprias famílias ou crianças assistidas, algumas vezes acabam sentindo-se incomodadas por não tratarmos exclusivamente de assuntos que envolvem os aspectos nutricionais. Acreditam que somos treinados para falar “do quê comer” e “quando comer”, sem levarmos em consideração a disponibilidade dos recursos e dos alimentos, a estrutura física das casas, o saneamento básico, o aspecto emocional e psicológico das pessoas; enfim, não conseguem compreender o profissional da nutrição de forma abrangente, enxergando os indivíduos em sua inteireza. As dificuldades da prática da Educação Popular dentro do nosso contexto existem, no entanto percebemos que a semente já havia sido plantada anteriormente por graduandos em nutrição que contribuíram outrora com o Banco de Alimentos, também provenientes da extensão popular da UFPB. O que não significa que os desafios são menores ou menos árduos, na verdade, continuamos o processo de inserção e estabilização da abordagem libertadora e popular como base das ações educativas do Banco de Alimentos. Cabe mencionarmos que as ações educativas oferecidas pelo Banco direcionam-se também à área da assistência social e, normalmente, as práticas educativas são exercidas separadamente por áreas, o que dificulta uma abordagem interdisciplinar e igualitária nas ações, como também a nossa reflexão acerca das ações de assistência social, das quais não participamos efetivamente, uma vez que nos unimos apenas para desenvolver ações de caráter exclusivamente recreativo ou assitencialista (como a distribuição de alimentos ou outro material), que não agrega valor estruturante.

2.5 IMPOSSIBILIDADES Atuando em uma instituição privada de atendimento popular, a quantidade e a visibilidade das atividades desenvolvidas são essenciais para o sucesso da empresa perante uma sociedade capitalista.

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Deste modo, muitas vezes, o quantitativo e a forma de requerimento das ações de educação nutricional são tidas, por parte instituições atendidas pelo Banco de Alimentos, a partir de uma visão tradicional do processo educativo onde predomina a transmissão do conhecimento técnico. Sendo, muitas vezes, disponibilizados pouco tempo para as ações, um público em grande número e materiais pedagógicos que dificultam uma maior participação e proximidade entre educadores e educandos. Neste aspecto, nos sentimos impossibilitadas de reconstruir com antecipação a ação a partir de uma abordagem popular, o que não nos impede de improvisarmos no momento da prática - no intuito de conseguirmos deixar as ações mais participativas e inclusivas, objetivos prezados por nós. A quantidade de ações e de público participante são as principais diretrizes preconizadas pela empresa, entendendo de forma positiva um maior número destas. Cabe a nós, entendendo este estágio como extensão popular, buscar qualidade a partir da provocação da problematização e do pensar criticamente transpondo as impossibilidades mencionadas. Realmente, na maioria das vezes, é impossível negar-se a realização de uma atividade de cunho mais assistencial, devido a logística do SESC e do Banco de Alimentos, mesmo que esta desvirtue completamente da metodologia e das metas almejadas por nós enquanto extensionistas populares. Em muito, isto se deve pela hierarquização inerente a empresa, onde as extensionistas são as últimas em ordem de prioridade e decisão. Todavia, mesmo diante destas impossibilidades, a empresa também nos oferece espaços, inclusive com apoio logístico, para cumprir com as obrigações para as quais fomos contratadas ou selecionadas fazendo algumas ações de Educação Popular. Portanto, o que existe não é uma imposição pelo cumprimento de metas pré-estabelecidas, mas um privilégio a quantificação das ações realizadas, e um tímido investimento na qualificação dessas ações, e nos processos de transformação e conscientização gerados a partir delas. Acreditamos serem estes obstáculos impossibilidades pelo caráter dominante na empresa, marcado pelo assistencialismo, perpetuador da lógica capitalista que predomina no setor comerciário em geral. Destacamos ainda que, como estudantes com experiência em extensão popular universitária, os limites e as impossibilidades estão presentes em todos os locais de atuação, seja em serviço público (mediante a hierarquização de poderes e ao caráter tradicionalista da gestão) ou privado (com seus valores estatísticos e seu lucro capitalista), em meio à sociedade elitizada ou a um público marginalizado. Percebemos assim este campo não como incomum a extensão ou a educação popular, mas como uma nova possibilidade de expansão para a abordagem libertadora.

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CONCLUSÃO Perante o contexto atual, de grandes transformações sociais, políticas e econômicas, as funções exercidas pela educação passam a ter uma nova conotação, sofrendo diversas modificações que se constituem em tentativas de adaptá-la às necessidades dos "novos tempos" Diante das dificuldades e impossibilidades de nossa realidade, introduzimos uma metodologia problematizadora e humanística nas abordagens nutricionais, as quais somos incumbidas a praticar, transpondo as barreiras do saber científico à medida que também valorizamos o popular e construímos um saber comum aplicável a realidade de todos. Deste modo, aproximamos teoria e prática, nutrição, educação e saúde; na tentativa de contribuirmos para a promoção da SAN e do DHAA, priorizando o respeito às diferenças, ao popular, a autonomia e a criticidade dos indivíduos. Na convicção de resultados positivos de nossa abordagem educativa, julgamos de extrema importância a colaboração de graduandos em nutrição que concordem e pratiquem a Educação Popular no âmbito do Banco de Alimentos SESC – João Pessoa nos próximos anos e, que assim, possamos divulgar os resultados alcançados ao longo dos anos para que possamos estender as ações a níveis regionais e quiçá nacionais, disseminando as idéias de educação libertadora neste serviço de extensão.

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I SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM EXTENSÃO POPULAR – SENAPOP João Pessoa – UFPB – 24 a 27 de novembro de 2009

A PRÁTICA DA EXTENSÃO POPULAR E A POSSIBILIDADE DE EXPANDIR A EMANCIPAÇÃO E DE ROMPER BARREIRAS EDUCACIONAIS

Autor: HEITOR MOREIRA DE OLIVEIRA74 Orientadora: MARIA CRISTINA VIDOTTE BLANCO TÁRREGA75

RESUMO

Este artigo é fruto de um árduo trabalho de formação universitária a que fui submetido desde o momento em que ingressei em um projeto de extensão desenvolvido na Universidade Federal de Goiás (UFG). Uso aqui o adjetivo árduo porque sem dúvida, durante meses estive envolvido em um verdadeiro confronto pessoal contra as minhas já arraigadas concepções de vida. Realmente me libertar de alguns paradigmas foi, e ainda é, muito sacrificante e nessa luta o Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular (Najup-GO) se mostrou essencial. Acredito que realizar discussões críticas e avaliativas sobre a história da prática da extensão como mecanismo de aproximação entre os estudantes e a comunidade geral pode indicar caminhos a serem seguidos para se alcançar uma emancipação em dupla face (acadêmicos e comunidade) e romper barreiras até então intransponíveis. A partir de um apanhado de diversos casos práticos de sistematização das experiências de extensão popular pretendo elucidar uma provável alternativa para a (re)construção de uma universidade realmente superior, autônoma e democrática.

PALAVRAS-CHAVE: Educação Popular; Extensão Popular; Universidade; Emancipação. 74

Aluno de Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás (UFG), membro do Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular (NAJUP-GO) e membro do Grupo de Estudos “Fundamentos Teóricos para uma nova concepção de sujeito de Direito: Uma Introdução ao pensamento de Jürgen Habermas” (UFG). Email: heitor.moreiadeoliveira@gmail.com. 75 Doutora em Direito, é professora titular da Universidade Federal de Goiás e no Programa de Mestrado da Universidade de Ribeirão Preto. Leciona Hermenêutica Constitucional e Direito Empresarial. Autora de várias obras de Direito. Tem experiência em orientação de pesquisas, de trabalhos de conclusão de cursos. Organizou e participou de eventos nacionais e internacionais.É responsável pela Revista da Faculdade de Direito da UFG. Email: mcvidotte@uol.com.br.

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1. Introdução “Até agora os filósofos se limitaram a interpretar o mundo. Cabe-lhes agora transformálo”. Essa citação, feita por Karl Marx nas Teses sobre Feurbach, evidencia a relação existente entre a teoria e a prática. Esse relacionamento mostra-se como uma grande dicotomia que gera bastante polêmica nos mais variados campos do saber. A tendência atual, entretanto, é considerar teoria e prática como duas faces da mesma moeda. Afinal o que vale a teoria, conhecimento especulativo e racionalmente contemplativo, senão em conjunto com a prática, isto é, a efetivação concreta desta? Ao considerar que “o conhecimento é um tesouro, mas a prática é a chave para obtê-lo” Thomas Fuller evidenciou que a teoria só gera os efeitos pretendidos quando posta em prática, o que deixa claro a necessidade da concreção de um saber teorético. Acontece que, na maioria das vezes, colocar um conhecimento teórico em prática é uma missão muito complicada e que acaba por afastar-nos da possibilidade de “por a mão na massa”. Já dizia o dito popular: “na prática a teoria é outra!”. Parar na divagação, contudo, mostra-se como um grande erro de qualquer pesquisador. Voltando ao dizer de Marx, “de nada valem as idéias sem homens que possam pô-las em prática”. A necessidade e a dificuldade de se colocar um conhecimento didático em prática também se mostram presentes no tocante à realização da chamada extensão popular. Concebida como uma alternativa pedagógica que contempla a aproximação entre os estudantes universitários e a comunidade em geral, a extensão popular deve ser vista como uma possibilidade de emancipar o acadêmico do enclausurante ambiente isolado da sala de aula e proporcionar-lhe uma integração com a realidade que o cerca – muitas vezes deixada de lado pelo estudante. Considerando a atual conjuntura das universidades públicas brasileiras – que se encontram emergidas na penúria de uma crise educacional que caminha paulatinamente em ritmo de barbárie – “colonizadas” por uma ótica mercadológica e lucrativista de ensino, faz-se urgentemente necessário a adoção de alternativas que visem a “libertação” desses centros do saber. Uma das soluções que estão se despontando atualmente é a realização da prática da extensão popular. Quando posta em prática de uma forma racional e deliberada, a extensão mostra-se como uma alternativa viável para complementar a formação acadêmica do jovem, expandindo o seu conhecimento para além de fórmulas, leis e enunciados que, se compreendidos de maneira mecânica e não-reflexiva, pouco contribuem para o desenvolvimento de um profissional “completo” e voltado para as necessidades concretas do meio em que irá atuar. Muito mais do que um sujeito capacitado para a área profissional, a extensão popular molda o indivíduo

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enquanto homem, ser humano capaz de se dar conta do chão em que pisa e do semelhante que está a sua volta. Uma das principais, senão a principal, discussões no tocante à extensão popular, na atualidade, diz respeito à necessária institucionalização dessa alternativa pedagógica no corpo estrutural da Universidade. “Ao se afirmar que a extensão é parte indispensável do pensar e fazer universitários, assume-se uma luta pela institucionalização dessas atividades, tanto do ponto de vista administrativo como acadêmico, o que implica a adoção de medidas e procedimentos que redirecionam a própria política das universidades” (PLANO NACIONAL DE EXTENSÃO, 1999). O presente trabalho visa, considerando o panorama supracitado, abordar a evolução histórica da prática da extensão popular nas universidades brasileiras. No desenrolar do artigo será apresentada uma reflexão sobre as variadas possibilidades apresentadas pela sistematização das práticas em extensão popular, abordando, sobretudo, a forma pela qual se dá a concreção dessas práticas, especialmente no que tange à linguagem utilizada e à comunicação destas.

2. A Extensão Popular no âmbito da Educação Popular

Levando em consideração o desenvolvimento da raça humana desde os seus primórdios, a história que nos é apresentada nos manuais de Ensino Médio reverencia o surgimento da escrita como o marco fundamental para o estabelecimento histórico do homem. Uma análise mais criteriosa do fenômeno social, entretanto, poderia indicar outro elemento como “difusor de águas” da história humana: a linguagem. A partir de então se fomenta um processo de interação mais complexa entre os homens, indispensável para o total domínio da natureza e o desenvolvimento da técnica. Nesse processo interacional, inicialmente, houve um saber geral de toda a comunidade, um saber de todos. Com a acentuação da complexidade das relações sociais e simultaneamente à separação entre trabalho intelectual e manual, com valorização do primeiro, ocorreu a apropriação de parte do conhecimento da sociedade por um grupo restrito de indivíduos. Aqui se dá a distinção entre saber erudito e saber dito popular. Acontece que aquele exerce sobre este uma dominação que resulta na desvalorização de qualquer forma de conhecimento que não seja centralizada e associada a especialistas, que se transforma em um saber renegado e desvalorizado. Esse grande abismo que se abre entre as duas formas de saber é evidenciada, também, na atual conjuntura universitária. A Educação Popular surge neste contexto como um contra-senso à oposição criada entre saber erudito e saber vulgar, uma vez que trabalha com ambos e de uma forma complementar,

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sem subjugação de um por outro e inserindo-os num mesmo contexto de maneira a articulá-los. Mostra-se como uma modalidade de desenvolvimento pedagógico que visa à transmissão do conhecimento por meio de métodos participativos que permitem a interação do estudante com o mundo que lhe cerca, isto é, promove o contato deste com o povo. Tendo como principal característica a utilização do saber vulgar emanado das entranhas da comunidade como a matéria-prima para o ensino, na Educação Popular a aprendizagem se constrói de forma dinâmica usando fatos da vida cotidiana do sujeito cognoscente, o que propiciará o seu reconhecimento com a temática trabalhada. Nesse sentido a Educação Popular se destoa de uma dita Educação Bancária, instrumental, imposta e tecnicista. Considerando a atual aplicação da Educação Popular no contexto universitário, muitas vezes são realizados, seja por erro, equívoco ou má-fé, projetos que não cumprem com o seu propósito inicial de promover um intercâmbio horizontal entre os estudantes e o povo e acabam desvirtuados na etapa de aplicação. É o que se sucede quando ocorre a verticalização da transmissão do saber acadêmico para a comunidade: estudantes desenvolvem projetos em que interagem de forma hierárquica com a população em geral, isto é, não efetivam uma troca de saber e sim “vomitam” um conhecimento pré-adquirido. É a morte da dialética! Deve-se primar, no tocante à Educação Popular, o incentivo ao diálogo aberto e a comunicação em dupla face, isto é, o fluxo de conhecimento tem de ser feito de forma cíclica: os acadêmicos transmitem o seu saber ao mesmo passo em que recebem o saber compartilhado pelo povo, e vice-versa. Uma das alternativas para a prática da Educação Popular faz-se a partir do uso da chamada Extensão Popular. Geralmente a grade institucional de uma Universidade é formada pela tríade Ensino, Pesquisa e Extensão, representando o primeiro o saber didático das salas de aulas e a segunda um conjunto de atividades orientadas e planejadas pela busca de um conhecimento. Já a Extensão ocuparia nessa conjuntura a possibilidade de articulação entre o conhecimento gerado nas universidades e a sua recepção no âmbito da sociedade. Muito se discute recentemente sobre a sistematização das práticas em Extensão Popular quando se consideram as problemáticas geridas na Universidade. Ao concebermos a extensão como “um processo educativo, cultural e científico que articula o ensino e a pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre universidade e sociedade” (FÓRUM, I ENCONTRO NACIONAL) transparece-se a importância que esta pode assumir na proposta de construção de uma Universidade Popular propulsora do desenvolvimento do discente enquanto fonte de conhecimento autônomo voltado para a realidade social. Para tanto se abre a discussão da necessidade de se valorizar e fomentar os projetos práticos extensionistas. Nesse sentido o Plano Nacional de Extensão 1999/2001 discute a criação de condições para a efetiva participação

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da universidade na elaboração de políticas públicas voltadas para a comunidade em geral e a institucionalização da extensão como forma de aprimoramento do saber construído, incluindo avaliações sobre as atividades desenvolvidas. A universidade, enquanto instituição social, surge em Bolonha, na Itália, por volta do ano de 1200, em plena Idade Média, estando intimamente ligada à educação teológica. Desde os primeiros tempos, a universidade apresenta-se como uma associação de mestres e alunos voltados à realização de estudos num nível superior e de modo autônomo em relação ao rei e à igreja (MACHADO, 2005: 72). É importante, entretanto, tecer algumas críticas em relação à configuração inicial das universidades, sobretudo ao fato das corporações medievais serem voltadas exclusivamente para o ensino, tendo, pois, um precário envolvimento social. Posteriormente irão se delinear duas vertentes acadêmicas principais: o modelo inglês, que respondia às demandas sociais e diversificava suas atividades (entre elas uma incipiente extensão rural e urbana), e o modelo francês, com reduzida preocupação político-social e acentuado conteúdo pragmático-instrumental. As universidades brasileiras seguiram, desde seus primórdios, o modelo francês e se restringiram, por muito tempo, apenas ao ensino como fonte de aprendizagem, ignorando a pesquisa e a extensão. A Educação Popular brasileira tem suas raízes no ensino realizado pelos padres da Companhia de Jesus, que vinham em expedição missionária às terras do além-mar com o objetivo de catequizar os nativos na doutrina da fé católica. O ensino superior no Brasil, entretanto, inicia-se com a criação da Faculdade de Medicina da Bahia (Fameb), que surgiu em 1808 a partir da vinda da família real portuguesa para a colônia. Nesse período a presença de experiências extensionistas é bastante tímida, quase que inexistente. Estavam, em seu cerne, vinculadas ao Movimento Estudantil nascente, representado pelo envolvimento de jovens universitários com a realidade sociopolítica da época, como a Inconfidência Mineira, o Processo Abolicionista e a Campanha Nacionalista. Depois desse período de quase total ausência, as questões da Extensão Universitária passam a ser reiteradamente debatidas e analisadas, o que ensejará uma preocupação maior por parte do Ministério da Educação. É nesse contexto que irá se inserir a primeira legislação educacional que, em alguns pontos, contempla a Extensão Universitária: o primeiro Estatuto das Universidades Brasileiras, de 1931. Esse período é marcado por um incentivo à educação profissionalizante que visava suprimir a demanda de mãode-obra especializada para a indústria em crescimento (sobretudo no governo de Getúlio Vargas), em um primeiro momento, e, posteriormente, pela organização dos estudantes em nível nacional, com a criação da União Nacional dos Estudantes (UNE). Em seguida acompanhamos a inserção da extensão universitária em outro contexto histórico brasileiro: o pós-Golpe de 64, com

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a implantação da ditadura militar. Nesse momento a educação sofre uma mudança radical, sobretudo a partir da parceria Mec-Usaid76, responsável por um recrudescimento intelectivo do estudante brasileiro e pela sua alienação em meio ao ambiente social, com uma rígida disciplina pautada pela exaltação nacionalista e pelo afastamento em relação à realidade. Aqui a extensão é valorizada institucionalmente, mas funciona seguindo os interesses governamentais. Tal panorama será mudado apenas a partir do início da década de 80 com o movimento de redemocratização do Brasil e, em 1985, com o fim dos anos de chumbo. Desde então, até os nossos dias, as Instituições de Ensino Superior (IES) se mostram envolvidas com atividades de extensão, não mais como prática de governo, mas em uma concepção popular e emancipatória. Nesse sentido destaca-se a definição dada por Carlos Silvan sobre o papel que deve ser desempenhado por uma IES: “Universidade é um espaço de produção de novos sentidos para vida em comunidade, para uma vida amorosa, para uma vida libertária, para uma vida afetuosa e pra uma vida de produção de conhecimento que dê sentido à vida das pessoas” (sic)77.

3. A prática da Extensão Popular, hoje, no Brasil

Qualquer discussão que envolva a sistematização da prática de experiências extensionistas mostra-se complexa e de difícil abordagem, uma vez que a quantidade de projetos de Extensão Popular engendradas pelas universidades brasileiras é de difícil catalogação. Por isso, na tentativa de organizar a exposição de idéias, optei por trabalhar especificamente quatro exemplos de práticas extensionistas que, acredito, acabam por se mostrar como exemplos emblemáticos que explicitam caracteres essenciais de boa parte dos demais projetos desenvolvidos.

3.1 A experiência da Assessoria Jurídica Universitária Popular em Goiás

A universidade pública deve ser vista a partir de uma ótica que contemple a preocupação relevante às demandas sociais da população, isto é, que aponte funções sociais. O conhecimento produzido deve, então, transcender um simples acúmulo de saber alienado da realidade. Afinal, para que serve o saber produzido na universidade? A resposta aparentemente pode parecer simples: para ser usado como instrumento de transformação social. Pensar a intervenção da 76

Concebido como um programa, realizado em parceria entre Brasil e Estados Unidos, que objetivava aperfeiçoar o modelo educacional brasileiro a partir de uma reforma no ensino. A implantação deste regime de ensino retirou matérias consideradas obsoletas do currículo, tais como: filosofia, latim, educação política, cortou-se a carga horária de várias matérias como em história e outras. 77 Carlos Silvan: Universos Masculinos/PE, ANEPS. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=uy5NGFp41z0. Acessado em 16 de outubro de 2009 às 21:43min.

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universidade na sociedade, entretanto, não é nada simples, principalmente se considerado a atual situação do ambiente universitário (marcado por um distanciamento entre os produtores e os destinatários do saber elaborado). Nesse contexto, a extensão mostra-se fundamental, uma vez que procura estabelecer um diálogo entre o conhecimento popular e o conhecimento acadêmico, ou seja, ultrapassar o limite da Academia e integrá-lo às demandas sociais. A preocupação das instituições universitárias no tocante à comunicação com o meio externo, isto é, a sociedade como um todo, também está presente no ensino jurídico. Um exemplo ilustrativo desse comprometimento pode ser visto na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás, que apresenta como projeto extensionista o Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular (Najup-GO). Tal grupo apresenta como objetivo principal oferecer soluções jurídicas para uma parcela oprimida e, em muitos aspectos, excluída da sociedade, com o intuito de que esta, ao adquirir um conhecimento sobre o Direito, possa se conscientizar sobre seus direitos e deveres, descobrindo meios para defendê-los e projetando um devido acesso à Justiça. Ao prestar assessoria jurídica a grupos socialmente marginalizados, o Najup promove a formação humana, o conhecimento embasado em princípios sócio-solidários e, em última instância, a emancipação, por meio de ações educativas. A partir do momento em que o cidadão até então alienado do conhecimento sobre os seus direitos passa a conhecê-los, a construção do saber jurídico em uma parcela antes oprimida possibilita que este grupo lute por aquilo que legalmente lhe é cabível e passe a um estágio de autogestão, que representaria a sua emancipação, a sua maioridade. O Najup atua no âmbito dos estratos, sócio-historicamente, desprivilegiados de maneira a representar os interesses do povo. Isso se efetiva a partir da tutela promovida pelo núcleo a certos grupos sociais. Atualmente, o Najup atua em parceria com a Associação de Catadores de Material Reciclável Beija-Flor. Realmente o termo mais apropriado para a relação estabelecida entre Najup e Beija-Flor é parceria, já que os estudantes atuam de forma comunicativa em relação aos catadores, com o objetivo de conhecê-los e a partir disso perceberem alguns fatos problemáticos nos quais podem dar a sua contribuição. Na prática najupiana encontra-se boa parte dos elementos da Educação Popular, tão amplamente difundidos por Paulo Freire: a iniciação da práxis educativa por meio da necessidade de se conhecer o “objeto trabalhado”, isto é, a necessidade de integração dos estudantes aos catadores, vista a partir do contato e relacionamento entre os dois, que possibilitará àqueles entenderem o contexto em que vivem estes e abstrair os temas geradores que possibilitarão a superação das situações limites que impelem o desenvolvimento destes.

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A relação entre o Najup e a Beija-Flor se dá por meio de uma lógica de diálogo e comunicação mútua, onde a partir da interação com os catadores, os estudantes projetam a metodologia a ser empregada e os temas que serão trabalhados78. Viabiliza-se, assim, a formação de um material didático-pedagógico e institucional necessário para a educação jurídica popular desse grupo: dinâmicas, encontros participativos, palestras – que contemplam temáticas como direitos humanos, economia solidária, direito ambiental e direito crítico – e pesquisas – que incluem o uso de bibliografia referente à legislação e jurisprudência específicos e pertinentes. Por fim é importante ressaltar a dupla face da transformação decorrente dos serviços prestados pelos estudantes à comunidade79: num processo dialético de troca de experiências de perfil horizontal, a transformação acontece tanto no universo dos acadêmicos quanto dos catadores. Quanto aos últimos, ao adquirirem um embasamento crítico de conhecimentos necessários para a sua autogestão, esta parcela até então oprimida socialmente acaba por adquirir um aparato teórico que lhe permitirá uma libertação emancipatória das amarras de um sistema excludente que lhes limitavam. Já quanto à transformação do universo estudantil é importante salientar as mudanças de concepções e convicções que se darão na formação profissional de um indivíduo que se envolve em atividades extensionistas. A extensão, ao promover o contato do estudante com a realidade social que o cerca, possibilita a este uma formação prática e humanística que rompa com o mundo formalizado e hierarquizado das quatro paredes do ensino jurídico tradicional, que apresenta uma incompletude das aulas quando postas de maneira isolada. Ao tomar contato com o mundo externo, o estudante passa a se situar no mundo, sendo provocado, nas experiências práticas, a realizar reflexões críticas e percepções contextualizadas. Dessa forma, o operário do Direito deixa de ser apenas um “pingüim” que aplica uma lei seca e se efetiva como agente transformador da sociedade por meio de um árduo trabalho interpretativo e contextual de leis abstratas. A partir da participação em projetos como o Najup, o estudante, enquanto profissional, torna-se apto a perceber as contingências e contradições presentes no contexto em que se insere.

3.2 A atuação neuropsicológica pediátrica como expressão da extensão na Área da Saúde

78

Um exemplo concreto da definição de rumos por meio da percepção prática pode ser visto numa alusão histórica ao desenvolvimento do Najup: inicialmente o projeto com a Beija-Flor era desenvolvido em conjunto com a Incubadora Social da UFG, que objetivava a transformação da Associação em uma cooperativa. Posteriormente, após o afastamento em relação à Incubadora, o Najup constatou que a proposta não era benéfica para os catadores, haja vista que a legislação cooperativista impõe parâmetros inacessíveis. 79 É importante destacar a diferenciação entre Assistência e Assessoria. Aquela se confunde com um mero acompanhamento judicial gratuito, de forma hierárquica com transmissão unilateral de conhecimento. Já a assessoria tem por objetivo a conscientização do sujeito na luta pelos seus direitos, por meio de uma troca multilateral de saberes.

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No processo de desenvolvimento social, diversas parcelas da sociedade acabam excluídas do acesso à grande parte do progresso científico possibilitado pelo incremento de novas tecnologias. Essa parte da população vive em estado de intensa marginalização e apresenta deficiências no que diz respeito a importantes áreas sociais, como moradia, segurança e alimentação. A atuação dos jovens universitários que desenvolvem projetos extensionistas visa, então, atuar nessas áreas de contingências e, a partir de um processo de reconhecimento dialógico das necessidades desses grupos oprimidos, promover a supressão das barreiras sóciohistoricamente postas que acabam por limitar o desenvolvimento dessas parcelas. Uma das esferas sociais que se apresentam de forma precária aos grupos oprimidos e que, conseqüentemente, necessita de uma atuação transformadora promovida pelos acadêmicos é a área da saúde. Nesse panorama, algumas universidades brasileiras apresentam projetos de extensão popular que visam disponibilizar um atendimento de qualidade às camadas necessitadas, que não tem condições financeiras para cobrirem gastos do sistema privado de saúde. São atitudes notáveis no sentido de por em prática o mandamento constitucional do artigo 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado (...)”. Os acadêmicos do Laboratório de Neuropsicologia do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) desenvolvem um interessante projeto extensionista que visa atender às demandas tocantes à saúde da comunidade carente. O projeto intitulado “Atuação Neuropsicológica em Centro de Neurologia Pediátrica” visa implantar serviços de neuropsicologia dentro do Centro de Neuropediatria do Hospital de Clínicas da UFPR (CENEPHC). O objetivo fundamental do projeto é disponibilizar um atendimento neuropsicológico às crianças desprivilegiadas financeiramente e que apresentam déficits de suas funções cognitivas80, objetivando seus efeitos na melhoria da qualidade de vida dos pacientes abarcados. A neuropsicologia é uma ciência relativamente recente e que possibilita um conhecimento maior sobre danos neurológicos específicos e abrange a profilaxia, a avaliação neuropsicológica e a reabilitação cognitiva de pacientes comprometidos. No dizer de Lefréve, os dois principais objetivos da neuropsicologia são localizar as lesões cerebrais e apresentar uma compreensão das funções psicológicas complexas. O atendimento clínico neuropsicológico promove, então, melhoria na qualidade de vida, sobretudo no tocante à recuperação hospitalar, de quem sofreu distúrbios neurológicos. Daí a importância de serviços que envolvem a neuropsicologia serem disponíveis, com fácil acesso, às populações marginalizadas. A atividade promovida pelos acadêmicos da UFPR inicia-se com um processo de reconhecimento do ambiente e dos sujeitos que serão abarcados pelo projeto. É a partir da 80

Os casos neurológicos abarcados por tal atendimento pediátrico possuem uma infinidade de origens, das quais podemos destacar: intoxicação por chumbo, infecção pelo HIV, epilepsias, hiperatividade e paralisia cerebral.

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adaptação ao contexto em que vive os pacientes atendidos que se sistematizou o modo de agir do grupo universitário frente à população, apontando o tratamento, os materiais e as técnicas adequados à situação. Foi por meio da análise das especificidades (idade, gênero, procedência, tipo de patologias, etc.) do grupo social atendido no CENEP-HC que se delinearam a melhor forma de atuar para a concreção de um serviço de qualidade, isto é, as características sócioculturais da própria população que elucidaram a forma pela qual agem os estudantes. A adaptação ao ambiente encontrado se deu, também, no tocante ao cenário hospitalar, com destaque para as dificuldades encontradas pela prática extensionista para atuar no contexto específico dos hospitais gerais81. Importante salientar, através desse caso, a constância de desafios que se mostram no processo de desenvolvimento das práticas de extensão popular e que devem ser vencidos para a efetivação destas. Após o reconhecimento dos fatores situacionais encontrados e dos sujeitos neles presentes, ocorre a avaliação neuropsicológica dos pacientes, com o objetivo de analisar o funcionamento emocional, etológico e neural destes. Essa avaliação se dará por meio do uso de baterias de testes e protocolos específicos de cada paciente, que nortearão possíveis métodos terapêuticos. A prática, a priori, se mostra simples: conhecer e manter uma relação integrativa com o “objeto” para se visualizar a melhor forma de atuar, contribuindo com o desenvolvimento humanístico dos pacientes atendidos. Em seguida, apresenta-se uma etapa fundamental do tratamento: a reabilitação neuropsicológica, que consiste no acompanhamento semanal do paciente de forma a melhorar a cognição e promover a reinserção bio-psico-social da criança, que permitirá a esta manter a sua “vida normal”, em seus espaços de convivência. Nesse processo de readaptação ao mundo externo, a atuação de núcleos sociais, como a família, a escola e o espaço profissional, se mostram essenciais. Os pais e os professores, por exemplo, ajudarão na reabilitação do paciente, atuando no processo como co-terapeutas. É importante, também, destacar as transformações que a prática da extensão popular irá proporcionar no ambiente discente. A aprendizagem teórico-prática da neuropsicologia proporciona aos estudantes das áreas relacionadas à saúde a oportunidade de efervescência de idéias, por meio da promoção de espaços de discussão interdisciplinar com as variadas fontes do saber. A partir do incremento de novos conhecimentos se produzirão melhores tecnologias, o que, por conseguinte, corroborará para um atendimento à população mais eficiente. A neuropsicologia disponta-se como oportunidade de emancipação para os futuros profissionais da 81

Os hospitais gerais apresentam uma especificidade que dificulta a inserção das práticas extensionistas, haja vista funcionarem sob uma ótica de atendimento de uma grande demanda em curtos espaços de tempo, o que corrobora, muitas vezes, para uma insuficiência da atuação psicológica.

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área, por demonstrar na prática a visão da aplicação social do saber que é produzido na universidade e que terá função primordial na transformação da vida de inúmeras crianças. Além disso, enseja-se o fortalecimento das idéias de desenvolvimento de trabalhos interdisciplinares que envolvam as diversas equipes da saúde e possam produzir um saber usado para o atendimento da população marginalizada.

3.3 A prática extensionista na Educação de Jovens e Adultos

A universidade atual se apresenta mergulhada numa grande crise paradigmática que, em seu cerne, se relaciona com a função primordial desenvolvida por esse núcleo do saber. A dicotomia existente entre a concepção da universidade como “centro de excelência”, isto é, produtora de um conhecimento superior alheio do meio social que o cerca e empregado instrumentalmente em uma ótica de mercado, e a idéia da construção de uma universidade popular, que usaria o saber produzido em prol da sociedade como um todo, se vincula às questões a respeito dos princípios da extensão universitária. Discutir a importância da pedagogia, ou práticas educacionais em geral, nesse contexto mostra-se essencial para um melhor entendimento do que seria uma efetiva universidade popular. Projetos como o PEJA (Programa de Educação de Jovens e Adultos), desenvolvido pela Pró-Reitoria de Extensão da Unesp, desempenhariam, então, uma função norteadora no sentido de apontar análises críticas sobre a concreção de um centro que pode emanar um saber voltado para o uso da comunidade. A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é apresentada na Unesp através de um projeto extensionista que visa à alfabetização de grupos sócio-historicamente oprimidos da sociedade e à capacitação de professores do ensino municipal, que estariam aptos, em seguida, para o compartilhamento do que foi aprendido. Utilizando uma prática pedagógica pautada no diálogo do reconhecimento do outro enquanto sujeito, a aprendizagem se dá através da percepção do universo que envolve o discente e os problemas que fazem parte do “seu mundo”. Um encontro promove a visualização de um tema gerador, que encadeará propostas a serem trabalhadas na próxima discussão. A alfabetização é construída conjuntamente por meio de uma troca de experiências entre professor e aluno. Qual a importância da alfabetização? Alfabetizar pode ser visto como sinônimo de desalienar, uma forma de possibilitar ao sujeito a tomada de consciência a respeito do meio do qual faz parte, podendo compreender, então, o porquê das coisas. Alfabetizar é desmistificar certas concepções arraigadas e até então impensadas ou, até mesmo, inquestionáveis; é se dar conta do que está posto; é conseguir embasamento teórico suficiente para promover

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questionamentos e propor mudanças. Em síntese, alfabetizar é engendrar autocrítica transformadora. Nesse sentido, uma alfabetização construída através da potencialização de experiências pessoais pode ser vista como emancipação. Ao ser alfabetizado, o indivíduo promove a passagem de sujeito passivo, “cego”, que não enxerga as verdadeiras razões da dinâmica em que está inserido, para um sujeito ativo, transformador, instigante, sedento por saber cada vez mais e usar o que adquire para afetar o que lhe é apresentado. Almejando a concreção de uma dupla tarefa, alfabetizar sujeitos em uma metodologia popular e formar professores para que estes também alfabetizem outras pessoas nessa mesma perspectiva, e partindo de uma relação de parceria do aprender, através da recuperação da vida e da história de cada aluno, a prática educacional voltada a jovens e adultos que não tiveram regularmente a possibilidade de aprendizagem indica a viabilidade da transmutação do saber teorético em saber emancipatório que atenda as necessidade sócioculturais das pessoas abarcadas. O projeto extensionista promovido pela Unesp visa à socialização do atendimento educacional aos setores geralmente excluídos do sistema institucional escolar. A partir desse viés, inúmeros grupos foram abarcados pela EJA: o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), promovendo um debate reflexivo sobre questões pertinentes ao direito e uso da terra; a Associação de Cegos, atuando de acordo com as especificidades deste grupo, implicadas pelo comprometimento da visão; a Cooperativa dos Trabalhadores do Resíduo Reciclável, com a qual dialoga seguindo as demandas existentes entre os catadores de lixo. Enxergar a EJA como um direito humano básico e que pode contribuir para profundas transformações estruturais, possibilitando a discussão de valores como justiça, coesão social e solidariedade, sobretudo no contexto brasileiro – haja vista o fato do Brasil apresentar um alto índice de analfabetismo e de defasagem escolar – é o primeiro passo para incentivar a fomentação de novas práticas extensionistas. A partir do momento em que um número cada vez maior de universidades perceberem a importância fundamental da extensão popular como modalidade de ensino, se maximizará a formação de profissionais ativos, capazes de compreender a realidade sócio-política em que se inserem e conhecer o sistema para o qual está trabalhando. Afinal, há como formar um “bom” profissional sem que este perceba na prática a importância do papel que irá exercer (isto é, sem participar de projetos extensionistas)? A extensão popular permite uma transformação em três eixos: alunos extensionistas, população marginalizada e universidade. Os sujeitos envolvidos, isto é, alfabetizadores e alfabetizados tem o seu perfil alterado: de indivíduos alienados, oprimidos e limitados, para conscientes, críticos e conhecedores de sua dignidade.

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Simultaneamente, a universidade transforma-se de centro hegemônico de poder e conhecimento para lugar de construção e socialização democrática do conhecimento.

3.4 A transmissão de saberes populares e acadêmicos por meio da extensão rural universitária

Uma importante dicotomia que se apresenta no ambiente social e reflete intensamente na dinâmica universitária é campo / cidade. De formação histórica eminentemente rural, o Brasil apresentou uma evolução educacional voltada, sobretudo, para os centros urbanos, que se desenvolveram principalmente a partir da metade do século XIX. Quando se discute a localização geográfica das IES é notável a prevalência das universidades nas cidades, o que acaba, muitas vezes, provocando certo distanciamento entre a Academia e a população rural. Esse afastamento acaba gerando grandes dificuldades para que os jovens que moram na zona rural possam adentrar em uma universidade e, também, um certo alienamento do discente frente às problemáticas latentes que envolvem o universo rural. Analisar o papel da extensão rural universitária nesse cenário faz-se, pois, necessário para nortear alternativas que visem suprimir a dicotomia campo / cidade no âmbito educacional. A Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) desenvolve há 7 anos um projeto de extensão popular rural que consiste na produção do programa de rádio “Agronomia no Campo: Agroecologia e Cultura Cabocla em Questão”, desenvolvido na região de Tangará da Serra. O programa, encabeçado por alunos da universidade em parceria com a rádio AM Pioneira, não possui patrocinadores, o que indica a autonomia do projeto extensionista frente às demandas de mercado, possibilitando uma interlocução direta com a sociedade. O projeto extensionista em questão surgiu com o objetivo de disponibilizar importantes informações que possam beneficiar a ação das comunidades rurais abarcadas, isto é as famílias do assentamento Antônio Conselheiro. Estabelecidas em pequenas propriedades, estas apresentam um grande potencial produtivo que é pouco aproveitado devido às dificuldades encontradas pela comunidade, geradas principalmente pela quase inexistência de assistência técnica, incentivos financeiros e disponibilidade de informações por parte dos órgãos oficiais (a situação limite em que se encontravam). O projeto de extensão tem, então, a “missão” de cobrir tais lacunas que impossibilitam o desenvolvimento dessas parcelas da sociedade. Na tentativa de manter um diálogo com a comunidade inserida, os acadêmicos da UNEMAT escolheram o rádio como veículo de comunicação e ferramenta a serviço da extensão. Tal escolha pode ser justificada pela alta capacidade do rádio de chegar a um grande número de indivíduos num pequeno espaço do tempo, o que facilita a rápida propagação das idéias que são

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transmitidas. Partindo do uso do rádio como canal de comunicação, os acadêmicos conseguem atingir a população oprimida e concretizar práticas que atendam os anseios da mesma. Para tanto, inicialmente, foi necessário conhecer a comunidade com a qual iriam trocar experiências82. Conhecendo os agricultores e suas famílias foi possível identificar em conjunto quais as demandas destes e construir mutuamente a grade da programação, que acabou por contemplar temas de total importância prática para estes. As principais temáticas trabalhadas no programa foram: produção orgânica, manejo do solo, crédito rural, manejo de pragas, manejo de doenças e metereologia. Além disso, uma parte da programação contempla a valorização da cultura popular, isto é, dos conhecimentos que são emanados da própria coletividade, ratificando o pensamento freiriano de consideração de todos os saberes, sem hierarquizá-los e menosprezá-los. Atuando de tal forma que possibilite ao povo participar e construir conjuntamente o programa, os acadêmicos acabam por fomentar a auto-estima daqueles historicamente excluídos, demonstrando que estes também são importantes, sujeitos de direitos e que merecem respeito. A prática da extensão popular rural desenvolvida em conjunto com os pequenos agricultores de Tangará da Serra apresenta-se como um exemplo a ser seguido por outras universidades no tocante à concreção das atividades extensionistas. Atuando a partir do conhecimento e adequação à realidade social encontrada e transmitindo os conhecimentos de uma forma popular, os acadêmicos da UNEMAT conseguiram aproximar a comunidade acadêmica do meio externo e promover um processo de sensibilização, tanto para os agricultores quanto para os estudantes. No que diz respeito aos primeiros ocorreu uma conscientização sobre importantes assuntos como educação ambiental, técnicas alternativas de produção sustentável e agricultura orgânica. Quanto à comunidade universitária a sensibilização se deu especialmente na percepção dos valores do campo e dos conhecimentos que nele são cultivados. Acredito que seja a partir da comunicação de tais projetos positivos e da tentativa de se espelhar nestes que se fomentarão as práticas extensionistas no âmbito das universidades brasileiras.

4. Conclusões

A Extensão Popular se configura, cada vez mais, como uma temática que deve ser trabalhada e discutida a nível universitário. Por suas próprias peculiaridades, muitas vezes críticas do status quo vigente, acaba sendo desconsiderada por muitas IES e sua implementação se vê, freqüentemente, interrompida por dificuldades apresentadas. “Existe uma enorme 82

Na época da criação do programa de rádio, a equipe encontrou muitas dificuldades para manter um contato inicial com a comunidade, sobretudo devido a dois fatores: deslocamento até às zonas rurais e integração com o povo visando adquirir a confiança da população do assentamento.

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dificuldade de realização de atividades de extensão, pois, em primeiro lugar as atividades de extensão são consideradas marginais por uma grande parte da comunidade universitária; em segundo lugar os recursos para estas atividades são sempre reduzidos e em terceiro os trabalhos de extensão são considerados atividades e não trabalhos científicos”. Ficando, quase sempre, relegada ao terceiro lugar em uma hierarquia das instâncias que formam o tripé universitário, a Extensão Popular ainda demanda uma valorização maior por parte das universidades e do próprio corpo docente e discente. A comunicação dos projetos já desenvolvidos por algumas IES deve se dar de forma mais eficiente, possibilitando uma integração e troca de experiências entre as próprias instituições. Os projetos extensionistas podem ser vistos como um meio de integrar o conhecimento advindo do Ensino para uma finalidade de transformação social e como possibilidade crítica de construção de novos saberes, haja vista aqui a Pesquisa que emana das indagações advindas das práticas de Extensão. Incentivar projetos de Extensão Popular é romper com muitas barreiras que o estudante acaba por encontrar na universidade (como a extrema formalização dos cursos e a incorporação de uma ótica voltada apenas às demandas mercadológicas, que acabam afastando o discente do meio para qual atuará depois de formado) de forma a possibilitar a sua emancipação, enquanto acadêmico, enquanto futuro profissional e enquanto ser humano. Emancipar é liberar o potencial comunicativo, afastar bloqueios de toda sorte, romper qualquer tipo de barreira que se encontre.

Referências Bibliográficas

Livros:

FÓRUM

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Artigos:

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neuropsicológica em centro de neurologia pediátrica. In: 2º Congresso Brasileiro de Extensão Universitária, 2004, Belo Horizonte. Anais do 2º Congresso Brasileiro de Extensão Universitária, 2004.

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I SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM EXTENSÃO POPULAR – SENAPOP João Pessoa – UFPB – 24 a 27 de novembro de 2009

A experiência do NAJUP-GO com a incubação de Empreendimentos Econômicos Solidários: diálogos com a Associação de catadores de materiais recicláveis Beija Flor

Bruna Junqueira Ribeiro83

Resumo

O Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular da Universidade Federal de Goiás ao longo de 2008 e 2009 desenvolveu um projeto de extensão junto à Associação de catadores de material reciclável Beija Flor em Goiânia, inicialmente através da Incubadora Social da UFG. Entretanto em função da maneira como o projeto foi conduzidopela coordenação da Incubadora, a proposta não consolidou-se tal qual estava prevista. O presente artigo é, portanto, um relato crítico dessa experiência vivida pelo NAJUP que traz os desafios enfrentados pelos estudantes de direito nessa relação da Universidade com a comunidade, o poder público e a própria legislação – verdadeiro obstáculo à mudança social – bem como as contribuições do Núcleo para os seguimentos envolvidos na proposta: os catadores, os estudantes e a Universidade.

Introdução A sociedade do início do século XXI é indubitavelmente aquela em que se consolidou um padrão consumista de existência. O crescimento do contingente populacional aliado a uma ampliação do potencial industrial e comercial, bem como a uma forte pressão dos meios de comunicação em massa, transformou os seres humanos deste tempo em seres consumistas por excelência. Este padrão de relação na economia acabou por ser transportado para o plano das 83

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás, hoje servidora da instituição e membro do Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular – NAJUP/GO

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relações entre os sujeitos, inclusive no que tange à sua atuação enquanto titular de direitos nessa sociedade. O cidadão é antes de tudo um consumidor. O padrão de vida estabelecido pelo sistema capitalista gera uma descartabilidade das mercadorias transformadas rapidamente em lixo. Não obstante, a mercadoria que perde seu valor de uso para os padrões capitalistas de consumo, podem continuar contendo utilidades outras, ínsitas ao material e possíveis dada a forma como se apresentam. Diante dessa possibilidade as próprias contradições da sociedade de consumo criam uma nova categoria de indivíduos que transformam o lixo em objeto de valor. Do lixo geram dinheiro a partir do reaproveitamento ou reciclagem do que foi descartado pela cultura do consumo. São os chamados catadores de material reciclável. Os catadores de material reciclável costumam se organizar em associações ou cooperativas para realizarem o trabalho de triagem, prensagem e reciclagem, quando há estrutura adequada. A reciclagem de resíduos sólidos recuperáveis ou reutilizáveis – como o papel, o cartão, o vidro, o plástico e o alumínio – é um passo fundamental no ciclo produtivo de numerosas indústrias, especialmente em setores como o da produção de papel, de embalagens e cartão. De fato, boa parte das matérias-primas utilizadas por estas indústrias vem da reciclagem. Essa nova categoria de sujeitos, no entanto, por excepcionarem-se à lógica do sistema, vive à margem do mesmo e não se adéquam ao padrão de homens e mulheres titulares do status de cidadão. Não têm direitos, não têm proteção, não têm acesso aos serviços estatais. Não lhes resta alternativa senão viverem à margem do sistema, subvertendo-o e ao mesmo tempo tentando se adequar a ele, contribuindo, paralelamente para evitar a degradação ambiental. A já precária situação social dessas pessoas é agravada por formas de trabalho insalubres, sem proteção ou prevenção, uma profunda vulnerabilidade nas situações de rua e uma novíssima perseguição por parte dos poderes instituídos. Esses têm buscado, sob o pretexto da regulação da atividade, restringir a atuação dos catadores e forçá-los a vincularem seu trabalho e o que produzem aos órgãos do Estado, a custos menores que os conseguidos no mercado, sem garantias trabalhistas e previdenciárias e sem acesso aos serviços estatais básicos. Nesse contexto insere-se a proposta de trabalho da Incubadora Social da UFG, que em 2008 iniciou efetivamente o seu trabalho junto às associações de catadores de materiais recicláveis ou pequenos grupos de catadores de materiais recicláveis ainda não organizados. A Incubadora propôs-se, inicialmente, a trabalhar com três Empreendimentos Econômicos

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Solidários (EES) compostos por catadores de materiais recicláveis em diferentes fases de organização: 1) Associação dos Catadores de Material Reciclável Beija-flor; 2) Associação Ordem e Progresso (ACOP); 3) Catadores do entorno da UFG. Em 2005 a Prefeitura Municipal de Goiânia por meio da Companhia de Urbanização de Goiânia (COMURG) começou a implantação do Programa “Goiânia Coleta Seletiva” (PGCS) que foi oficializado por meio do Decreto no 754, de 28 de março de 2008. A elaboração do Programa foi proposta por meio de uma Comissão composta por um representante de cada órgão da administração municipal, em virtude do término da vida útil do Aterro Sanitário Municipal (prevista aproximadamente para este ano de 2009), visando reduzir a produção de resíduos a serem encaminhados ao aterro, juntamente com a necessidade urgente de inclusão social do segmento dos catadores. A proposta da Incubadora Social agradou a Prefeitura de Goiânia e parcerias foram estabelecidas. A inserção do NAJUP na Incubadora Social apresentou aos estudantes membros um universo até então desconhecido para muitos: o cotidiano vivido pelos coletadores ou catadoresde material reciclável de Goiânia-GO. A própria proposta de criação de uma Incubadora Social na Universidade, foi também algo novo vivido por todos os estudantes, professores e servidores da UFG nela envolvidos. O projeto da Incubadora Social tem como objetivo maior auxiliar os catadores de material reciclável de Goiânia a melhorarem sua qualidade de vida, auxiliando-os na otimização de sua atividade laboral, a reciclagem. Portanto, é a vida dos catadores e de suas famílias que são o cerne dessa proposta, mais do que os resultados que a Universidade possa ter com esse projeto.Afinal, é também objetivo principal da Universidade comprometer- se com a comunidade na qual ela se insere, logo, comprometer- se também com os problemas vividos pelas pessoas dessa comunidade. Verificou-se, entretanto, que os objetivos tais quais expressos no projeto, não foram atingidos pelo NAJUP no ano de 2008. O presente trabalho é, desta maneira, uma reflexão acerca de mais uma experiência vivenciada pelo Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular de Goiás – NAJUP-GO84 que em 2008 o enfrentou esse complexo desafio proposto pela

84

O NAJUP-GO é um projeto de extensão que existe há 5 anos, realizado pelos estudantes da Faculdade de Direito da UFG. O NAJUP-GO integra a RENAJU (Rede Nacional de Assessoria Jurídica Universitária), uma rede de entidades de assessoria jurídica universitária popular, que viabiliza a articulação e comunicação entre os estudantes e demais pessoas adeptos aos princípios e práticas da Assessoria Jurídica Universitária Popular e da Educação Popular.

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I Seminário Nacional de Pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR/ANEPOP - 2009 Incubadora Social da Universidade Federal de Goiás85, qual seja, a constituição de cooperativas populares de catadores de material recislável e em 2009 continuou a desenvolver a proposta numa outra perspectiva dados rumos que tomaram as ações da Incubadora. Será através dos limites percebidos que analisaremos as contribuições do Núcleo para os catadores, para a incubadora e para os estudantes e as conseqüências do projeto ao longo de 2009. Por ser consenso entre os Assessores Jurídicos Populares a necessidade de sistematizar nossas práticas, refletir sobre elas, e perceber seus limites para que o conhecimento ali produzido possa ser disseminado que a proposta parte do relato e da reflexão de uma experiência concreta vivida pelo NAJUP.

1.

A inserção do NAJUP/GO na Incubadora Social da UFG

Em dezembro de 2007, após a elaboração e aprovação do Projeto da Incubadora Social da UFG pelo SENAES/MTE, o NAJUP/GO (Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular da FD/UFG) foi convidado pelo professor Cleuton Cezar Ripol de Freitas (professor da Faculdade de Direito da UFG e integrante do Projeto) a fazer parte dos grupos componentes da Incubadora: Grupo de Legislação e Grupo de Direitos Humanos. Conforme o projeto inicial da Incubadora, o NAJUP/GO foi chamado a compor o Grupo de Direitos Humanos, e teria como atividades, juntamente com psicólogos e estudantes de psicologia que fazem parte do Grupo da Saúde, a realização de ciclo de discussão sobre cidadania e direitos humanos e relações inter-pessoais com os membros dos EES. O NAJUP comporia também o Grupo de Legislação, cujas tarefas são: auxiliar a formação e a qualificação dos trabalhadores vinculados aos EES incubados, e em vias de incubação, para a gestão de cooperativas em seus aspectos jurídicos; auxiliar no diagnóstico de empresas e instituições com potencial e interesse à formalização de parcerias com os EES incubadas; auxiliar na constituição ou regularização jurídica do EES (cooperativa ou associação); auxiliar a elaboração de proposta de Estatuto e Regimento Interno. Após deliberação dos membros, o NAJUP/GO decidiu se vincular ao projeto e assumir as atividades dos dois grupos mencionados. Inicialmente a proposta era de que um estudante se vinculasse ao projeto como bolsista e ficasse responsável pela organização das 85

Universidade Federal de Goiás

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atividades, entretanto, os membros do NAJUP/GO resolveram assumir o projeto coletivamente e utilizar o valor da bolsa para os gastos com o projeto (principalmente transporte até o local em que se encontram e reúnem os grupos de catadores). 2. Os contatos iniciais com os grupos incubados Os primeiros contatos com os catadores se deram em fevereiro de 2008. Na oportunidade já haviam sido feitos contatos anteriores por meio dos professores que elaboraram o projeto e especialmente do coordenador do Projeto. Acompanhados do Coordenador participamos de reuniões com os grupos de catadores: Beija-flor, Coopersol e ACOOP. O NAJUP aproximou-se mais da Associação de Catadores de Material Reciclável Beija-Flor. Esta associação foi fundada em 05 de janeiro 2007, por Vanusa Gonçalves da Silva (presidente), Adelias José do Nasciemento (secretário), Raniere da Silva Moreira (tesoureiro) e Ariadne Simone Gonçalves da Silva (conselho fiscal) e desde a sua fundação funciona em um galpão localizado no Setor Criméia Oeste, em Goiânia-GO. A Associação Beija-Flor trabalha com materiais doados e coletados nas ruas, que são posteriormente selecionados e prensados para ser vendidos às empresas de pequeno porte que, por sua vez, os revende às grandes empresas recicladoras localizadas em maior parte na região Sudeste do país. A verba resultante da venda desses materiais é utilizada nas despesas advindas da atividade realizada no galpão da Associação e distribuída igualmente entre os trabalhadores a cada quinze dias. O dinheiro arrecadado por cada trabalhador mensalmente não chega a ser equivalente a um salário mínimo. Com o Plano de Coleta Seletiva da Prefeitura de Goiânia, logo após o seu lançamento, os catadores puderam usufruir de um caminhão, em determinados períodos do dia, para recolher o material reciclável da região onde situa a sede da Associação bem como das regiões onde já tinham o hábito de coletar. Isso os poupou, de certa maneira, do desgaste subhumano de coletar o material puxando carrinhos sob o sol forte de Goiânia. Porém, a dinâmica foi alterada, como veremos adiante, e alguns problemas surgiram. Os membros do NAJUP participaram semanalmente das reuniões que aconteciam aos sábados pela manhã e tiveram a oportunidade de vivenciar a experiência concreta da extensão universitária. Todos os sábados, os princípios e métodos da Educação Popular – quais sejam, aprendizados recíprocos, não hierarquizados, não mistificados, não paternalistas entre

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I Seminário Nacional de Pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR/ANEPOP - 2009 operadores jurídicos e movimentos populares86 – eram reclamados para que pudessem estabelecer sua relação com os catadores de material reciclável daquela Associação. O grupo se demonstrava mais unido e organizado que os demais com os quais o NAJUP pode ter contato. Havia uma amizade entre os trabalhadores e um espírito de grupo mais consolidado, de forma que o trabalho parecia ser mais fácil de ser desenvolvido com aquelas pessoas, tendo em vista que a proposta era trabalhar com os princípios da Economia Solidária. O NAJUP acompanhou em 2008 e 2009 com maior proximidade somente a Associação Beija-Flor, pois o acompanhamento dos demais grupos foi prejudicado pela ausência de organicidade e regularidade nas reuniões, o que dificultou a presença dos estudantes nas mesmas. Inicialmente, era 12 (doze) o número de membros da Associação Beija-Flor, o que, juridicamente, impedia a criação da cooperativa nos termos do art.6o da Lei n. 5.764/71. Ao mencionarem tal empecilho, os estudantes foram questionados sobre as vantagens e desvantagens da criação de uma cooperativa. Em seguida, também se depararam com o desafio de explicitar os limites legais de uma legislação complexa para um grupo de trabalhadores analfabetos. Apesar da surpreendente liderança e criticidade dos trabalhadores, o analfabetismo tornou-se forte empecilho dentro do processo de incubação que se propunha ser emancipatório. Também neste momento os estudantes de direito se questionavam sobre a real aplicabilidade da legislação vigente referente às cooperativas em situações como esta na qual se deparavam: a criação de uma cooperativa popular de catadores de material reciclável. A proposta, em certos momentos, parecia inviável. Enquanto o NAJUP se ocupava do auxílio na construção de um projeto futuro que viesse a suprir com maior eficiência as necessidades dos trabalhadores da Beija-Flor, os estudantes deparavam-se com problemas que exigiam soluções imediatas, como a falta de alimento ou fralda para os bebês. Foi o que aconteceu em meados de maio de 2008 quando a Beija-Flor surpreendeu a todos ao passar por uma séria crise pela falta de recursos, o que levou muitos de seus membros a desistirem da proposta reduzindo o número pela metade. Foi necessária uma mobilização por

86

c.f.:MIRANDA, Carla. A contribuição da educação popular na efetivação de Direitos Humanos: A experiência com as vítimas do despejo forçado do Parque Oeste Industrial. Monografia apresentada ao curso de direito da Universidade Federal de Goiás para fins de obtenção do grau de bacharel em direito. Goiânia, 2007

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parte dos estudantes para ajudarem os trabalhadores através da arrecadação de alimentos, roupas de frio e fraldas. Em momentos de crise, percebia-se o comprometimento da atuação da Incubadora Social, uma vez que não havia ânimo por parte dos trabalhadores para participarem de reuniões e conversar sobre o futuro. Até o presente momento (final do primeiro semestre) as reuniões consistiam em conversas sobre o futuro da Associação, sobre a viabilidade da constituição de uma cooperativa, com alguns esclarecimentos acerca da proposta. No mais, os trabalhadores eram ouvidos a respeito dos problemas que viviam, e os membros da Incubadora comprometiamse a auxiliar dentro do possível. Ainda no primeiro semestre, um dos grupos incubados, a Coopermas, que se tornou a Cooper-ramas, registrou o seu estatuto social, consolidando-se, formalmente enquanto cooperativa. Isso não foi possível na Beija-Flor. Entretanto, apesar de não ter redigido o seu estatuto social, nem mesmo atingido o número mínimo de membros legalmente estabelecido para se tornar uma cooperativa, a BeijaFlor em momento algum deixou de ser referência para os demais grupos acompanhados pela Incubadora da UFG e também não se ausentou dos espaços de negociação com os órgãos públicos e demais instituições envolvidas no PGCS. Cabe registrar que foi ela a responsável pela primeira reunião realizada com todos os grupos de catadores envolvidos no PGCS, sem a presença de representantes do governo municipal, justamente para que fossem identificadas as dificuldades semelhantes e também as críticas ao PGCS. Esse fato causou grande incômodo ao Poder Público Municipal, pois revelou a capacidade de auto-gestão dos grupos. E assim a Beija-Flor manteve-se até o final do ano de 2008, questionadora, enfrentando o poder público e cobrando posições e ações daqueles que se diziam parceiros dos catadores, principalmente após o lançamento do PGCS. 3. A norma como obstáculo à mudança social A inadequação da situação da Beija-Flor à Lei das Cooperativas não é um fato peculiar. De um modo geral, as cooperativas, associações e outros empreendimentos solidários “demonstram não só a inadequação dos instrumentos legais, para regular a vida desses grupos como também a dificuldade que as pessoas ou os movimentos sociais têm em reconhecer quais

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I Seminário Nacional de Pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR/ANEPOP - 2009 são as funções do direito na sociedade.”87 A incubação de EES permite aos assessores jurídicos observar claramente essa inadequação da norma aos EES, ou o contrário. Para GEDIEL essa verificação se dá pelo exame das demandas que chegam aos assessores jurídicos88 demandas estas que, segundo o autor, podem ser classificadas em pontuais e conceituais. As demandas pontuais são as que aparecem quando há uma crise nas cooperativas, ou

nas

associações,

de

forma

que

os

trabalhadores

apresentam

questionamentos

descontextualizados, ou mal formulados, que exigem respostas imediatas, o que revela um absoluto desconhecimento a respeito dos aspectos formais próprios dos EES. O direito vigente e o formalismo são exigências que não fazem parte do cotidiano dos grupos participantes de iniciativas e atividades voltadas à superação de problemas econômicos emergenciais. Isso ficou patente quando os estudantes do NAJUP foram questionados sobre o significado de “formalizar”, “estar de acordo com a lei”. Os catadores não compreendiam a real necessidade desse procedimento, uma vez que realizavam transações que fugiam do âmbito de uma associação constantemente, e não vislumbravam negociações em escalas maiores, só permitidas caso se organizassem como cooperativa. Além de não compreenderem a necessidade da formalização, o formalismo exigido pela legislação acaba acarretando custos adicionais para as atividades desses grupos, que já se encontram pauperizados e para os quais dispor de qualquer quantia em dinheiro significa um esforço adicional, ainda que seja para obter a publicação ou o reconhecimento de firma ou a autenticação de documentos.89

Os questionamentos acerca dos aspectos formais decorrem também do fato da norma não se adequar a modelos autogestionários de EES, pois “o nosso direito não foi pensado para o trabalho coletivo, para as realidades coletivas”. 90 87

c.f.: GEDIEL, José Antônio. Marco Legal e as políticas públicas para a economia solidária. Economia Solidária: Desafios para um novo tempo. Cadernos da Fundação Luís Eduardo Magalhães, Salvador, n. V, p. 115-118, jan. 2003. Disponível em: <http://www.flem.org.br/cadernosflem/Artigos/Cadernos5/Cadernos5MarcoLegal.pdf> Acesso em: 10.jun.2008. 88

c.f.: GEDIEL, José Antônio. Marco Legal e as políticas públicas para a economia solidária. Economia Solidária: Desafios para um novo tempo. Cadernos da Fundação Luís Eduardo Magalhães, Salvador, n. V, p. 115-118, jan. 2003. Disponível em: <http://www.flem.org.br/cadernosflem/Artigos/Cadernos5/Cadernos5-MarcoLegal.pdf> Acesso em: 10.jun.2008 89

Idem

90

Idem

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Quando um grupo se organiza sob formas associativas, esse grupo se expressa, juridicamente – pessoa jurídica – e por trás dessa unidade se esconde uma pluralidade e uma diversidade que não consegue ser, de maneira alguma, captada pela forma jurídica. Quer dizer, há uma ditadura da forma jurídica que não responde às necessidades do grupo, das atividades e da complexidade de inserção desse grupo no mercado.91 Ocorre que novas relações de produção e apropriação podem surgir dentro do próprio sistema onde vige a propriedade privada e onde as forças produtivas mantêm essa divisão dessa sociedade em classes. Logo, haverá um conflito entre as novas concepções de propriedade e as normas jurídicas que tutelam a forma jurídica vigente da propriedade, de forma que esta torna-se um obstáculo ao desenvolvimento das novas relações de produção.92 Os estudiosos do Direito deparam-se, portanto, com essa realidade indiscutível que é o avanço dos Empreendimentos Econômicos Solidários, do movimento da Economia Solidária (ECOSL), advindos da necessidade premente de novas relações de trabalho, de alternativas ao modelo vigente para geração de trabalho e renda, fazendo-se necessária a reflexão acerca do “fenômeno associativo e das formas ou tipos socialmente desenhados perante o comando legal vigente que, possivelmente regra essas formas associativas.”93 Não há, desse modo, uma legislação eficaz e coerente no âmbito da Economia Solidária. Os princípios da ECOSOL e, sobretudo, os interesses desses grupos populares não se limita aos ditames da Lei nº 5.764/71, instituidora do Estatuto das Sociedades Cooperativas, ainda que alguns de seus dispositivos se assemelhem na prática aos delineadores dos empreendimentos de economia solidária, como, por exemplo, a autogestão. SILVA utiliza o termo “filtro da ligalidade” para expressar os obstáculos que os EES enfrentam quando propõemse a formalizar essas fontes alternativas de relações de trabalho.94

91

c.f.:GEDIEL, José Antônio. Marco Legal e as políticas públicas para a economia solidária. Economia Solidária: Desafios para um novo tempo. Cadernos da Fundação Luís Eduardo Magalhães, Salvador, n. V, p. 115-118, jan. 2003. Disponível em: <http://www.flem.org.br/cadernosflem/Artigos/Cadernos5/Cadernos5-MarcoLegal.pdf> Acesso em: 10.jun.2008 92

Idem c.f.: SILVA, Eloíza Mara da; SANTOS, Fernanda de Oliveira. A legitimidade da Economia Solidária: os eixos principiológicos dos grupos populares para a legalidade no Estado Democrático de Direito Brasileiro – princípios da Economia Solidária. In GEDIEL, José Antônio Peres. Estudos de Direito Cooperativo e Cidadania. Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR. n.1. Curitiba, 2007. p. 77 93

94

SILVA, Eloíza Mara da; SANTOS, Fernanda de Oliveira. op. cit. p. 79

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A Lei nº 5.764/71 contempla alguns determinadas cooperativas: as grandes cooperativas. Para as cooperativas populares esta lei demonstra ser verdadeiro entrave, pois a formalidade exigida para o funcionamento das mesmas não é compatível com o contexto das pessoas que as constituem. No caso da Beija-Flor, grande parte dos membros são analfabetos, não tem todos os documentos, nem residência fixa. Ou seja, não poderiam constituir uma cooperativa, nos termos do art. 15 da Lei nº 5.764/71 Por estes motivos não poderão estabelecer uma outra forma de relação de trabalho, como alternativa ao desemprego? Continuarão marginalizados? Há, portanto, uma igualdade formal mas não material, no tratamento dado às cooperativas no Brasil.95 Diante disso, faz-se necessário o reconhecimento da normatividade das relações sociais dos EES tal qual se organizam. Toda essa tensão resulta da mudança. O movimento da ECOSOL revela que se faz necessária uma mudança normativa caso seja necessária a formalização dos EES. Para SANTOS, estamos vivendo um momento de transição paradigmática. E a ECOSOL é um exemplo dessa transição.96 A ECOSOL pode ser um desses sinais de orientação, frutos dessa mudança de paradigmas. Logo, há a necessidade de regular o que SANTOS denomina “energias emancipatórias”, para que o Estado não perca o controle sobre esses movimentos de mudança. Há, nesse sentido, a transformação das energias emancipatórias em energias regulatórias. A criação da Lei 5.764/71, não deixa de ser, exemplo disso, da regulação de uma prática emancipatória. O

problema

verificado

anteriormente,

da

inadequação

da

legislação

ao

funcionamento dos EES, consagra o direito como indicador das contradições dessa mudança de paradigmas que vive a sociedade atual, pois “o direito é constituído por uma tensão entre regulação (autoridade) e emancipação (razão), mas, com o desenrolar da experiência humana, a emancipação triunfa sobre a regulação.”97

95

Idem c.f.:SANTOS, Boaventura de Sousa. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. 6. ed. – São Paulo: Cortez, 2007. p. 15 97 Ibid. p. 129 96

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Há portanto, uma tensão entre a regulação da atividade realizada pelos EES e o seu propósito emancipatório. Tendo em vista esse vazio normativo no âmbito da economia solidária e a tensão do poder regulador do estado diante da autonomia e força emancipatória dos empreendimentos econômicos solidários, conclui-se que não importa a forma jurídica que os EES venham a adotar. As Incubadoras de EES devem ter como objetivo auxiliar os empreendimentos que vislumbrem a emancipação do trabalhador como objetivo final da atividade econômica, através da autogestão, da propriedade coletiva e do respeito ao meio ambiente. Se este é o objetivo a ser alcançado quando incubadoras e outras assessorias apóiam a constituição de empreendimentos econômicos coletivos, percebemos que são as relações de produção existentes que definem o empreendimento e não a sua forma jurídica.98 Agindo desta maneira, de modo a priorizar os princípios da Economia Solidária à formalização dos empreendimentos econômicos solidários, as Incubadoras estão contribuindo para a criação de uma nova cultura, uma nova forma de se pensar a organização econômica e social. A forma jurídica que esses empreendimentos terão, serão resultado de um processo de consolidação dessas práticas. Antes se ter práticas verdadeiramente emancipatórias e autogestionárias, do que empreendimentos econômicos solidários devidamente normatizados, com práticas corrompidas, divergentes do propósito da ECOSOL. 4. As contribuições do Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular nas dimensões abrangidas pelo projeto: comunidade, estudantes e Universidade. O NAJUP acredita que o trabalho desenvolvido com os catadores da Associação Beija-Flor não deixou de ser uma experiência de extensão concreta, que contribuiu para uma reflexão acerca das práticas do Núcleo e da Universidade apesar das imensas dificuldades. O estudantes do NAJUP acreditam que a grande contribuição do Núcleo para a Incubadora é a análise crítica que feita acerca do projeto, apontando os possíveis rumos que Incubadora deve tomar para que o compromisso assumido com os catadores de material reciclável se concretize para que eles possam melhorar a estrutura e funcionamento de seus empreendimentos econômicos solidários, consolidando as práticas e princípios da economia solidária.

98

c.f.: FRANÇA, Barbara Heliodora; BARBOSA, Érica; CASTRO, Rafaelle; SANTOS, Rodrigo. Guia de Economia Solidária – ou porque não organizar cooperativas para populações carentes. 1. ed. – Niterói: Editora UFF EdUFF, 2008. p. 25

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A Associação também sempre esteve ciente das limitações dos estudantes frente às decisões do Poder Público que os prejudicavam. Porém, os estudantes apoiaram os manifestos organizados pela Beija-Flor, garantindo a autonomia e iniciativa dos trabalhadores,

sem

interferir nas decisões do grupo. Assim, no plano cognitivo foram verificados processos de tomada de consciência do projeto coletivo de mudança social. A Beija-Flor manteve-se sempre questionadora quanto às pretensões da UFG e depois de terem compreendido que a Universidade deve sim realizar parcerias com a comunidade, cobravam as ações que a Incubadora comprometeu-se a realizar junto com a Associação. Isso revelou-se expressamente quando a Associação solicitou ao Núcleo uma carta de compromisso na qual estariam estabelecidos claramente os objetivos do NAJUP e o trabalho que seria desenvolvido na Beija-Flor, como forma de garantia de que não seriam mais uma vez abandonados depois de algumas promessas. O NAJUP debatia a metodologia de trabalho da Incubadora durante as reuniões com a Beija-Flor e juntos, estudantes e catadores, compreendiam de que maneira o projeto poderia ser desenvolvido, a partir dos limites e problemas identificados, respeitando a vontade e compreensão dos catadores acerca da proposta de incubação. Os estudantes, através desta experiência, foram impulsionados a refletir sobre as dificuldades vividas pelos catadores de material reciclável, sobre a relação do Estado com este segmento, sobre o compromisso da Universidade, formalmente assumido através da Incubadora Social, e não cumprido precisamente dentro do que foi estabelecido. O contato direto dos membros do com os catadores de material reciclável, e conseqüentemente com as diversas demandas por eles apresentadas, que revelam a total ausência do Estado, acaba por fomentar uma reflexão crítica sobre o direito, e a atuação do Judiciário brasileiro. Verificou-se na prática a necessidade de se pensar o direito para além dos processos e da legislação que, no âmbito da Economia Solidária, ainda revela-se inadequada. O contato com os catadores colocou em xeque os valores e as concepções dos estudantes que os acompanharam ao longo do ano. A extensão contribui para a humanização e criticidade dos cursos de Direito e revela ao estudante que é preciso ir além dos códigos para compreender a sociedade da qual fazem parte. O NAJUP criou um grupo de estudos em Economia Solidária e Direito Cooperativista e muitos dos estudantes que participaram do projeto cursaram a disciplina

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Economia Solidária ministrada por um dos professores membros da Incubadora (Professor Ângelo Cavalcante). O Núcleo acabou assumindo uma outra tarefa importante dentro da Incubadora Social: o registro de todo o processo de aproximação bem como das primeiras conversas tidas com os catadores dos grupos incubados, e do trabalho desenvolvido com a Associação BeijaFlor. Os estudantes acreditam que, apesar dos associados da Beija-Flor demonstrarem carinho e agradecimento pela sua presença em 2008, as contribuições da atuação do NAJUP refletiram-se mais na própria prática do Núcleo e da Incubadora do na vida dos associados, como por exemplo, a própria consolidação e visibilidade da extensão dentro da Universidade e principalmente dentro da Faculdade de Direito . Para os estudantes, os erros resultaram da falta de metodologia, principalmente no que se refere à utilização da metodologia da Educação Popular para o desenvolvimento do trabalho com os catadores. Assim, o NAJUP acredita ter contribuído para a construção da metodologia de trabalho da Incubadora Social, a partir das falhas percebidas e também para a autonomia da Associação Beija-Flor enquanto movimento de resistência à exclusão, que acredita na solidariedade como caminho para o desenvolvimento coletivo, igualitário, rumo a uma sociedade mais justa. Para tanto, verificamos que a Incubadora, para cumprir com esse papel na condição de facilitadora e parceira na consolidação das práticas econômicas solidárias, deve apresentar uma metodologia de trabalho, que deve ser avaliada constantemente, adaptando a proposta às transformações que forem ocorrendo com os grupos incubados. Sabe-se que não existe uma fórmula perfeita para realizá-la, uma vez que métodos e caminhos são caminhos e possibilidades, mas deve haver ao menos um esforço por parte da equipe em estudar as possibilidades, e estabelecer esses caminhos principalmente através de constantes avaliações. Um aspecto importante da metodologia a ser observado, a exemplo da experiência vivida pela Incubadora Social da Universidade Federal Fluminense é a conciliação da formação

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em economia solidária com o desenvolvimento da atividade econômica: teoria e prática fazendo parte de um mesmo processo.99 Os conteúdos teóricos afastam dos grupos incubados as pessoas mais resistentes às mudanças, mais pragmáticas, mais céticas com o futuro dos encontros, ou aquelas com dificuldade de sobrevivência que não podem despender seu tempo com conversas que não se sabe aonde vão chegar. Isso foi algo corrente na Associação Beija-Flor. Importante ressaltar que as práticas solidárias surgem da experiência e não do desejo ou da consciência 100. Daí a importâncias das conversas sobre ECOSOL, Direitos Cooperativista ou ainda Direitos Humanos, serem casadas com conversas referentes a aspectos técnicos, práticos do dia-dia da do EES. Verificou-se também que a inversão no processo de incubação, optando-se primeiramente pela regularização jurídica do EES na forma de cooperativas, compromete o processo, pois exige o número mínimo de vinte membros, que podem surgir para atenderem meramente a um quesito burocrático e não se comprometerem com o EES. As Incubadoras devem apresentar ainda equipes bem estruturadas, que assumam efetivamente o projeto, comprometidas com os planejamentos e reuniões, preocupadas com os rumos das vidas das pessoas que trabalham nos empreendimentos incubados e não apenas com o enriquecimento de seus currículos. A Incubadora Social da UFG não cumpriu com as suas obrigações nessa parceria e revelou-se nada preocupada com a situação dos catadores de material reciclável. As probabilidades de êxito do trabalho desenvolvido pela Incubadora, assim como diversas outras experiências em outros países, são incertas. Entretanto, há caminhos e decisões a serem tomadas que podem contribuir para que os empreendimentos econômicos solidários tenham êxito, e alternativas modo de produção vigente possam ser cada vez mais viáveis. O NAJUP acredita que o trabalho da Incubadora Social é de extrema relevância para a comunidade universitária e principalmente para os catadores de material reciclável, pois pode oferecer auxílio a esses trabalhadores, consolidando a experiência da ECOSOL em Goiânia, e

99

c.f.:FRANÇA, Bárbara Heliodora; BARBOSA, Érica; CASTRO, Rafaelle; SANTOS, Rodrigo. Guia de Economia Solidária – ou porque não organizar cooperativas para populações carentes. 1ª ed. Niterói: EdUFF, 2008. p. 36 100

c.f.:FRANÇA, Bárbara Heliodora; BARBOSA, Érica; CASTRO, Rafaelle; SANTOS, Rodrigo. Guia de Economia Solidária – ou porque não organizar cooperativas para populações carentes. 1ª ed. Niterói: EdUFF, 2008. p. 40

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ainda contribuído no caso específico, para uma cultura do reaproveitamento e da proteção ao meio ambiente. Porém, para obter algum êxito, é necessário que seja levado com maior seriedade pelos profissionais que se comprometeram com o projeto, tendo em vista que as conseqüências de um projeto de extensão mal sucedido atingem mais seriamente a comunidade. O NAJUP enquanto um núcleo de extensão dentro da Faculdade de Direito assume o papel de repensar no campo jurídico o modo como são vistos os ESS de modo a viabilizar a existência dos mesmos, uma vez que está clara a necessidade de uma nova teoria do direito que contemple as expressões do direito surgido das práticas sociais.

BIBLIOGRAFIA FRANÇA, Barbara Heliodora; BARBOSA, Érica; CASTRO, Rafaelle; SANTOS, Rodrigo. Guia de Economia Solidária – ou porque não organizar cooperativas para populações carentes. 1. ed. – Niterói: Editora UFF EdUFF, 2008 GEDIEL, José Antônio. Marco Legal e as políticas públicas para a economia solidária. Economia Solidária: Desafios para um novo tempo. Cadernos da Fundação Luís Eduardo Magalhães, Salvador, n. V, p. 115-118, jan. 2003. Disponível em: <http://www.flem.org.br/cadernosflem/Artigos/Cadernos5/Cadernos5-MarcoLegal.pdf> Acesso em: 10.jun.2008 GEMER, Claus. A „Economia Solidária‟: uma crítica marxista. In GEDIEL, José Antônio Peres (org.) Estudos de Direito Cooperativo e Cidadania. n. 1. Curitiba: Programa de Pós-Graduação em Direto da UFPR, 2007. p. 71 MIRANDA, Carla. A contribuição da educação popular na efetivação de Direitos Humanos: A experiência com as vítimas do despejo forçado do Parque Oeste Industrial. Monografia apresentada ao curso de direito da Universidade Federal de Goiás para fins de obtenção do grau de bacharel em direito. Goiânia, 2007 MONREAL, Eduardo Nóvoa. O direito como obstáculo à transformação social.Trad. Gérson Pereira dos Santos. Porto Alegre: Fabris, 1998.

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I SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM EXTENSÃO POPULAR – SENAPOP João Pessoa – UFPB – 24 a 27 de novembro de 2009

Nos cerrados, o sertão revivido - pequenas histórias quase encantadas

Nilton José dos Reis Rocha Universidade Federal de Goiás CES-Universidade de Coimbra

Resumo: Depois de três décadas de um compartilhar com os movimentos sociais populares – incluindo as crianças e os adolescentes, na escola ou fora dela – e os povos brasileiros dos cerrados ( a que se denominam indígenas ), uma coisa parece certa para quem pensa ou vivência tais práticas: as ciências sociais não conseguem compreender e explicar o mundo e a diversidade de seus sujeitos. Tornaram-se insuficientes por se contentar, nas suas diferentes vertentes, tratar com os sujeitos meramente epistêmicos, em lugar de tê-los como portadores de sentidos, de conhecimentos. Mais que isto,em tê-los como portadores da rebeldia. E da palavra.

1. Um mundo de enunciações .Ou os narradores, como parceiros

“ Meu leitor peço licença pra mostrar minha ciência Cantador de consciência Rima onça e colibri” ( Zé DiLuca, 1991:3)

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2. Cantigas de arribação ou de chegada: primeira - Em 1500, nós e o mar101.

3. Um alerta pequeno As coisas pequenas, escondidas ou degoladas na história ou nas histórias da humanidade e, portanto, também dos sertões e seus cerrados, é que interessam a esta tentativa de reflexão sobre os encontros e desencontros dos povos e de suas culturas. Dentro da história. Homens, mulheres e crianças como seres invisíveis, com a dor das travessias e a escravidão que se segue, a exemplo da perturbadora decisão do povo Avá Canoeiro, no norte do Estado de Goiás, Brasil, 40 anos atrás, de desaparecer simplesmente102. Ir à busca da história oculta, de gente guardada nas cozinhas, nos porões como as crianças portuguesas brancas, os grumetes ou virgens, que, mesmo escondidas, não escapavam às violações da tripulação ou dos pedófilos na longa travessia até os sertões. Ou as mulheres que, nas lidas, carregaram parte importante da história em duplas ou triplas jornadas e tiveram as vozes mutiladas, mas que, como Abigail Au‟we, também se rebelam. Contra a tradição ou limites que sufocam. “A tradição me proíbe, mas eu vou falar”- diz ela. Na trajetória de construção, o esforço, nem sempre consciente, é de se afastar das chamadas grandes narrações literárias, muito conhecidas e estudadas a fundo, e ficar com as falas sem importância, de gente sem importância, e, nos vestígios e pegadas, mais que nos interstícios, encontrar, de algum modo, estas gentes e povos, nas suas falas encantadas. O testemunho será o fio condutor desta narrativa para, baseando-se também no que foi acumulado, encontrar a literatura popular e suas insubordinações. Talvez o resultado seja um texto delirante, com algumas precisões e, sobretudo, com imprecisões. Ajudam os limites da quase-pesquisa e a incapacidade emprestada, também dos conceitos herdados, ou inerente mesmo, no caso, de quem ousa caminhar estes caminhos sem as ferramentas necessárias, pelo menos no campo teórico Interessa os traços de suas escritas, ou de sua viola e voz, e por aí, encontrar fios que amarram uma outra história, quem sabe mais abrangente e fornecedora dos elementos indispensáveis a uma outra construção literária. Outras escritas, não-letradas dos poetas e trovadores dos sertões, dos povos brasileiros, não apenas como armas para combates e embates simbólicos Mas, sobretudo, como elemento da visualização de como a língua e suas linguagens destravam limites estabelecidos e, em surdina ou não, costuram outra lógica de estar no mundo, de proximidade e encontros com os semelhantes na mesma humanidade. A literatura, ainda que de forma um tanto obtusa, foi o caminho escolhido. Pelo seu poder de deslizar nuns tempos trans-históricos e a liberdade de cometer equívocos. Em resumo, seria importante dizer que, como inquietação inicial desta crônica encantada, a teoria do isolamento e dos vazios serviu de fumaça oportuna e estratégica para os avanços, ontem e hoje, sobre os sertões. Sem qualquer dúvida ética e moral. O que leva a outra esfera central, como probabilidade: só a superação coletiva dos equívocos de um passado comum, levará, portanto, à antecipação, como forma discursiva e literária, de um futuro também comum para a humanidade. A questão central não é mais o que se poderia ter sido (CANDEIAS e SILVA, 2005), mas o que se pode vir a ser. O congelamento das possibilidades futuras, em toda dimensão, incomoda.

101

.Narrativa Au‟wê, fragmentos. Vídeo-documentário Awén/xavante – Projeto Xavante- da Universidade Federal de Goiás.,1987. 102

. Em Cuba, como se sabe, diante da escravidão inevitável, os habitantes originários da Ilha, decidiram-se , tragicamente, por um outra tipo de liberdade: o suicídio coletivo,

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A palavra, ainda que encantada, enquanto espaço de ação, representação e cidadania. Tudo, de forma articulada e articuladora, para superar as contradições e fragilidades de cada grupo em si, das comunidades com quem dialogam, com a humanidade onde são viventes. Um lirismo, como diria Bandeira, não “sifilítico” - das estreitezas e mazelas do sertão dos coronéis e do capital-, “que não seja de libertação.” Ainda que, no afã do novo, se cometam desvios mais que subversão. Vícios que a literatura comporta, por sorte. O sertão revivido e libertário? Às pequenas narrações e seus autores. Às heresias literárias, portanto.

4. Até onde ir Com este trabalho se pretende, partindo das pequenas narrativas – vindas de gente sem importância - reencontrar outro sertão, nos cerrados de “carne e osso”, como um lugar de traduções que se entrecruzam. Toma-se a literatura popular – nas suas variadas vertentes- como referencia e campo de construção. E que fazem dele um ponto de encontro e não das imprecisas terras vazias, dor e de isolamentos. Os cerrados, como se sabe, ocupam boa parte do território brasileiro e é um dos biomas mais ricos do planeta. Com ouro, esmeralda, natureza um tanto surpreendente, e agora o agronegócio, estimularam disputas e alucinações variadas, como desprezos incompreensíveis. Leitura economicista e uma antropologia longínqua deixaram à margem dezenas de povos, na formação da cultura e do pensamento brasileiros. Ao investir nesta trilha, resituá-los ora como sertão, ora como eles mesmos, são mais uma tentativa de superar a dualidade das leituras existentes sobre eles e, assim, garimpar outras pistas que podem oferecer elementos decisivos na sua reinvenção. Se por um lado, ajudam a superar as dicotomias da conquista; por outro, revelam que ela, contraditória e capitalisticamente (CARDOSO, 2005:26), ainda é uma obra inconclusa. Decifrar, nas pequenas narrativas, os elementos do “mundo multifacetado” que sempre foi o sertão dos tapuias, e abandonar a narração, que tipifica sujeitos ou universaliza realidades, e impediu, até agora, visualizar o imenso campo de troca de “sentidos e imagens” em que se configurou. Mais que uma idéia (PIMENTEL, 2005), um lugar de traduções, movidas a uma lógica mestiça (FERNANDES, 2004), entrecruzada. Traduzir é desmistificar. Identificar superação da dicotomia litoral x sertão, um reffugium pecatorum , que o poder colonial português incorpora dos aliados Tupinambás, em vez da totalizante europeu (cristão) x nativo ( pagão ).Lugar de conflitos e cumplicidades humanas Na história. Apesar das feridas metafísicas, contribuir, desta maneira, na regeneração de uma história engessada entre vitimas e conquistadores. Nelas, os componentes contraditórios do que sechama povo e memória histórica, feitos de bravuras e bravatas, de festa e gracejos, de fé e loucura, muito além dos arquivos paróquias ou museus. Chegam ao dizer, na rima aviolada, dessa gente, teimosos, das imensas áreas secas e

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amplas como referencias existenciais, porque também imensidões e silêncios. Ouvi-los talvez seja uma maneira de torná-los visíveis. 5. Os pressupostos de encantamento Na teia dos estudos pós-coloniais, os pressupostos deste texto. De Darcy Ribeiro, os impulsos à procura de outras possibilidades que gestaram “o povo brasileiro”, algo ainda incompleto porque, enquanto bolsão de gente que veio da escravidão, “o Brasil não existirá como gente civilizada”. E mais: índios, portugueses, franceses, negros – numa população enorme falando o tupi-guarani - o negro civilizou o Brasil. “Como não tinham uma língua comum, foram obrigados a aprender o português e difundi-lo” (1995: 8) O que não explica como a Ibéria explodiu e fez um mundo só, “o ato de energia mais feroz da Historia”. Nem responde, de todo, como surge esse” gênero novo de gente que nunca existiu” vindo de “6 milhões de índios desfeitos, 12 milhões de negros desafricanizados e a partir de uns poucos milhares de portugueses”. ( idem). Tão pouco justifica um Caminha renovado, quando “aqui a tenho agora, desdobrada neste campo palma, levemente ondulado, no planalto de Goiás. Por onde quer que me vire e só mataria meã e enfezada, todo ano corrida de fogo do campo”( 2000). Esta mescla de realismo e ficção talvez seja capaz de dar conta de reescrever a sua própria História, não reinventada apenas nos filhos de Colombo (LOURENÇO, 2005: 17), mas ajeitada também nos filhos de Cora, Abigail, Domitila, Manuela, Nora, Iraci e Geralda, lado feminino da mesma história. E, de sobra, superar o adultocentrismo exarcebado, como se crianças estivessem fora dela e da produção capitalista. Outros pontos de referência destes encontros e desencontros que, por escárnio ou pulsion de vie, encontraram formas de diálogo e intercâmbios: Um dos nativos aconselhou o padre frei Henrique a modificar a liturgia para atrair o pessoal e na segunda missa nosso bom padre cantou e dançou e pediu para todos cantarem com ele, e o gentio veio e cercou o altar improvisado e mostrou grande devoção, mas roubaram a cruz (VERISSIMO, 2000:2)

Pompa, neste sentido, em Religião como Tradução (2003), põe à luz com outros elementos que derrubam algumas crenças, pois “não vê nesse processo de evangelização uma imposição - positiva ou negativa - do colonizador sobre uma massa amorfa e indefesa de indivíduos inconscientes da catástrofe que se lhes abatia” (FERNANDES, op.cit. 1). Ou seja, índios e portugueses (e negros) se encontravam em uma seara de imensas possibilidades de troca, aprendizados mútuos e de uso de universos simbólicos disponíveis. A evangelização para a autora seria muito mais que uma simples ou rude imposição, mas “complexo processo de traduções mútuas” em que houve trocas de sentidos e imagens, mas,

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I Seminário Nacional de Pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR/ANEPOP - 2009 sobretudo, “criaram novos paradigmas de interpretação da realidade espiritual da colônia, paradigmas que representam o surgimento de uma verdadeira lógica mestiça “(idem). Nos avanços territoriais pelo interior, onde os sertões ganham corpo na consistência humana, fizeram, salvo algumas exceções como no Aldeamento Carretão103, uma adaptação desta mesma dinâmica. Nota-se, desta maneira, que as histórias de certas regiões do globo ou de determinados grupos, a historia oculta (GRUZINSKI, 2001:35), virá dessas releituras inovadas na superação determinista, mas pode brotar também dos relatos, dos manifestos, das cantorias e dos silêncios ou da invisibilidade vindos dos grupos e povos dos sertões. Os dos cerrados que vivem dentro deles. Uma gente longínqua, dos Cús do Judas (RIBEIRO, 1999:43), ou dos cus do mundo como se diz por lá. Se Casa Grande e Senzala, é “o mais importante livro do Brasil”, no ponto de vista “da classe dominante” (RIBEIRO, op.cit), haveria, então, outras formas maneiras de (re) encontrar esta trajetória na visão dos que, gente da terra ou os que chegaram, negros, ou brancos, pagaram preço mais alto nesta aventura? Algo que nascerá das narrativas dessa gente enquanto a mesma humanidade ( OLIVEIRA, 1987;5). Numa visão histórica a partir dessas imensas periferias ( GRUZINSKI, 2003 ), noutra centralidade. O português é a língua das tramas, não a língua nacional (PADILHA, 2005:18). São quase 200, faladas por 227 povos ancestrais ou simplesmente indígenas. Há, sem dúvida, no império autoritário da língua, o que vem, como se observa neste estudo, violentado, transformado e devolvido em rima e prosa. Os sertões têm as suas linguagens atravessadas por todos os elementos que as constituem e as elaboram. Enquanto presente ou numa distante memória do cancioneiro ibérico na voz dos trovadores populares. Qual, então, o caminho? “Vou inventar novas estórias”, e fazer, subversão mais escandalizante de apropriação, de confisco ou reconquista no campo imaginário e da esferaliterária (BANDEIRA,2008), para que, “assim na minha oratura, para além das estórias antigas na memória do tempo, vou passar a incluir-te” (MONTEIRO, 1987:308). Em forma de histórias mesmo, porque este estilo e seu método são apenas ferramentas para organizar, para outros fins, o tempo. Não o doma, o tem como cúmplice. E, noutro confisco, vai-se uma das armas que “detinhas”, e, de certa forma, (em que) me detinha (s), tentar formatar “o meu texto ouvido e visto”. Mais que isto: “vou passar o meu texto oral para a escrita” sem que ele morra, mas se deforme ganhando os contornos de uma possibilidade coletiva e, como retorno, venha transformado para comportar o outro. Assim, como os corpos no 103

. Tentativa dos jesuítas, em meados do século XIX, em fazer um grande aldeamento de povos indígenas, misturando-os contra a vontade, na região onde hoje é o municipio de Môssamedes, no Estado de Goiás.

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amor: se deformam para receber o outro, misturando-se. Ou todas as tentativas de romper os provincianismos da teoria e da terra. De “nós mesmos”, sem dúvida.Como se pode observar: “Vou minar a arma do outro com todos os elementos possíveis do meu texto. Invento outro texto. Interfiro, desescrevo para que conquiste a partir do instrumento escrita um texto meu, da minha identidade. Os personagens do meu texto têm de se movimentar como no outro texto original. Têm de cantar. Dançar. Em suma temos de ser nós mesmos. „Nós mesmos‟(...). O mundo não é só meu. O mundo somos nós e os outros. (idem)

Em cada espanto, assim revelado, as contradições, dores e levezas “de onde eu venho/ sou visitada pelas águas ao meio dia/quando o silencio se transforma /para as doces palavras do sal em flor/e das raparigas...” (TAVARES, 2007: 19), são os limites, como já foi dito, de “nós mesmos”. O texto literário é desafiador porque antecede e, às vezes, cede a estes caprichos. Ainda assim, se reordena porque, em vez, de cativo tem áreas de escape e emancipação na busca de outra não-totalidade: “Se perco cosmicidade do rito perco a luta. Ah! Não tinha reparado. Afinal isso é uma luta. E eu não posso retirar do meu texto a arma principal. A identidade. Se o fizer deixo de ser outro, aliás, como o outro quer. Então, vou preservar meu texto, engrossá-lo mais ainda de cantos guerreiros” (MONTEIRO, op.cit)

E os textos lusitanos, oh, Camões!, ajudariam mais nesta empreitada, de mouros e cavaleiros de el rei e gente simples do povo, nas suas batais pelo sertão, transfigurados em El Quixote, Palmares e Cangaço, Canudos de outras rebeldias às promessas incumpridas da República ( ALVES,1978 ). Mas “ ... só nos Lusíadas encontramos ilhas dos Amores” e , de fato, o que nos separa é a leitura” dos percursos . ( LOURENÇO, 165 e 169 ). O livro como “meta do olhar” ( PADILHA, 2005,p. 15)., só se Os Sertões não fosse um esforço branqueador do seria estas partes do mundo. “Nenhuma palavra sobre escravos ou escravidão”( MOURA Apud FERNANDES, op.cit) “[...] não descobri a aldeia do meu primeiro avô... Perdi-me na linearidade das fronteiras. ...Eu que em cada porto confundi o som da fonte submersa que nenhum idioma nos proclame ilhéus de nós próprios vocábulo que não és ( LIMA, 2006,pp-14-15 )

“De onde venho há lá e cá”, onde os textos parecem longos, mas são as histórias, os causos e até mesmos suas mentiras. “.... almas abertas/ uma ciência antiga de treinar/ os olhos para as fibras/ depois as águas/ logo a seguir as tintas/ e nadar sobre a terra/ com passos de silencio/ para que nada perturbe aos olhos/ a luz ( TAVARES, op.cit, 22). É imensidão e não vazios, por

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I Seminário Nacional de Pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR/ANEPOP - 2009 onde campeiam gente encantada a beijar a lua na busca das arribadas. Tudo é imenso, a “ perder de vista “. Mas para que “nenhum idioma nos proclame ilhéus de nós próprios” ( LIMA, 2006, p.11), a poesia indaga: Na kall lingu ke n na skirbi Pa n konta fasañas di mindjeris Ku omisdi fia tchon? (...) Ma kil ken n ten pa konta N na girtal na kriol Pa redaku pasa di boka pa boka Tok i tchiga di distinu.

(SEMEDO, 1996) Os escravos, como escravos, se eles é que aprenderam a rara fala lusa e a espalharam, toda melosa e esticada num sussurar manso, pelos brasis a fora. Assim como os que diziam (deles) “índios. Vespúcio, no chão, mas sem rumo, decretou Cuba como Índia. É mesmo o mundo pelo avesso. Ou pelos fundos, tal Judas, sabe-se que longe ou muito perto de algum lugar que não o oriente.O documento de 14 de junho de 1494 afirmava “que quem dissesse o contrário receberia cem açoitadas, e teria que pagar uma multa de dez mil maravedies, e teria a língua cortada”. (GALEANO,1990) O corpo, coitado, entra na fala já fora de cena, obscena. A história precisa ser reescrita. “Como andavam nus, eram mansos e davam tudo em troca de nada, achou que não eram pessoas dotadas de razão” (idem). Mas de “onde eu venho empresta-se a casa//... depois se estendem os cogumelos/ e olham-se as flores onde o desejo passeia/devagar (TAVARES, op.cit. p. 21). E tudo continua na mais absoluta nudez e liberdade em todos os sertões do mundo, onde houver. Há, seguramente, “portos e cais por todo o lado/ e, na falta, braços fortes que nos carregam ao vento/pode-se ficar/lento como redes/nas dunas”. (idem). Algo que essas boas maneiras da língua lusa – ou mais terrivelmente nos métodos que impõem o ato da degola? – acostumadas a conquistas, são, agora, conquistadas e devolvidas... Em prova e versos filosofais. Ou apenas engessados e violentados com suas gentes, amarradas aos conceitos de que, no uso da língua, as enterra nos limites dos preconceitos. A língua é de ninguém, escapa e sobrevive nas necessidades de cada vivente. No sertão é assim: Sinhô cantadô chegante me adisculpa o tratamento nessa hora nesse instante mêmo aqui nesse momento tá um cantado sinificante

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sem fama sem atrivimento nem de muint cunhicimento só trais ua viola na mão falta o ilustre cumpanhêro marcá o lugá da prufia se lá fora no terrêro ô aqui mêmo no salão (ELOMAR – Auto da Catingueira )

6. Uma introdução tardia- como fazer “[...] Pelo sertão nos pareceu (visto ) do mar muito grande, porque, a estender olhos, não podíamos ver senão terra e arvoredos, que nos apareceria mui longa terra” ( CAMINHA, p.34)

Este trabalho, tentativa de diálogo nas vertentes da literatura popular – a escrita, a oral e a musical – mergulha numa leitura encantada das conquistas (com a sensação de que elas ainda não terminaram), na visão quem compõe o sertão de fato, partindo de uma provocação de Caminha. Gente que fez deste lugar, lugar nenhum e muitos lugares ao mesmo tempo. Ou, quem sabe, reencontrá-lo noutras centralidades, na concretude de seres vivos e não imaginários. O esforço será de não (re) cair na tipificação das realidades para, assim, mascarar suas contradições e elementos constitutivos futuros, nos sentidos positivo e negativo por assim dizer, ou superar as sinucas que a própria teoria, num esforço de emancipação, acabou enterrando o defunto vivo, na ilusão de que – mantendo-o ausente das narrativas ou tropeço às frentes civilizatórias - o eliminaria da construção do mundo. Ou dos mundos, numa visão mais generosa na trajetória da humanidade. Porque, torna-se oportuno, uma correção precisa: na carta, embora com ricos e importantes detalhes, um espetacular feito dos navegadores lusos, o documento estaria longe de se converter no “auto de nascimento do Brasil” ou que tenha revelado tudo “que então aconteceu”. O que não reduz seu significado como parte da história, dos povos e da conquista É, sem dúvida, o primeiro autor de texto antropológico, da literatura portuguesa, sobre um povo ou povos de Porto Seguro: “(...) uma povoação de casas, em que havia nove ou 10 casas, as quais diziam que eram tão compridas cada um como esta nau capitania, e eram de madeira, e das ilhargas, de távoas, e cobertas de palha, de razoada altura e todas em uma só casa, sem nenhum repartimento. Tinham de dentro muitos esteios, e, de esteio a esteio, uma rede atada pelos cabos em cada esteio, altas, em que dormiam. E, debaixo, para que

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aquentarem, faziam seus fogos. E diziam que, em cada casa, se (a)colhiam 30 a 40 pessoas, e que assim os achavam e que lhes davam de comer daquela vianda. ( idem )

Mas essa gente, -ou povos, ou culturas- povoando e construindo há milênios estes sertões, é que interessa neste trabalho. Nenhuma criação extraordinária. Apenas a história também como território do desejo, sendo tecida por uma gente desclassificada que, atenta, descobriu, nos sonhos, o conquistador que chegara. Palavra e encantamento, portanto, como eixos centrais nesta tentativa de se costurar uma narrativa, se não nova, pelo menos ao avesso, invertida, como se sugere: Poetas y mendigos, músicos y profetas, guerreros y malandrines, todas las criaturas de aquella realidad desaforada hemos tenido que pedirle muy poco a la imaginación, porque el desafío mayor para nosotros ha sido la insuficiencia de los recursos convencionales para hacer creíble nuestra vida.(MARQUEZ, 1992)

De quem o ponto de vista para contar ou reinventar estas histórias? Sem buscar a reprodução, involuntária e perigosa,dereduzi-las à visão de um narrador envolvido nesta tarefa, contar-se-ão muitas delas para que não escapem ä compreensão de os mundos contaram, na sua edificação, com os esforços – de uns, mais; de outros, menos – de toda a humanidade. Ainda que de forma contraditória e violenta. Ou generosa, simplesmente. Reduzem-se, assim, os riscos de reducionismos históricos perigosos. A literatura – onde este texto não ousa se colocar – não é espaço de neutralidade, mas ajuda na tarefa pontual de recompor parte da memória viva destes processos. Priorizar as narrativas submersas, escondidas, desses povos e dos seus encontros e/ou desencontros seria uma das muitas maneiras de não morrer nos braços de uma historicidade desconectada de homens e mulheres da claridade (BARBOSA, 2004). Os sertões, ou cerrados ou gerais, exigem uma outra contação do mundo. Encontrar, neste ato, as possibilidades das culturas e povos que, os sertões, tentam, nas histórias e nas bataias cotidianas, construir um mundo que comporte todos os mundos (CECEÑA, 2006). Cuja unidade, semelhança e diferenças estejam contidas na historia em comum, um tanto compartilhada no tempo e no espaço. No reencontro do ará verá, dos Guarani-Kaiowá, no seu tempo-espaço iluminado. E seja “uma manifestação extremo de fraqueza do centro” e “um campo privilegiado para o desenvolvimento de uma imaginação centrífuga, subversiva e blasfema” (SANTOS, 2006, p.206)

7. Cantigas outras. No universo feminino, libertárias

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I Seminário Nacional de Pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR/ANEPOP - 2009 7.1. “Resolvi falar”

Estranha lógica que, aqui e acolá, desencadeia formas sutis ou manifestas de rebeldia. Os homens, pintados, estão no centro, onde as mulheres não devem ficar. Num segundo circulo, os jovens observam indiferentes. Na extremidade, crianças e brincam entre mães e avós silenciosas. De repente, uma mulher magra e de olhos penetrantes, rompe o certo, arranca o microfone de um aluno de jornalismo, olha para a câmera, e deixa seu manifesto104: “Como mulher eu vou falar hoje, porque eu sempre assisti a vinda aqui de jornalistas que eram homens. Como hoje têm muitas mulheres que são jornalistas, eu, como mulher, resolvi falar. Sei que isto não é permitido, tradicionalmente é proibido. Mas os homens não estão cuidando adequadamente das coisas. Sou filha do grande chefe Apówen sinto no direito de falar O exemplo da sociedade de vocês, as mulheres estão conquistando o lugar dos homens. Ma acho no direito de falar. Nosso filho (Odenir105) percebe agora, está tudo bem. Ele que sempre trabalhou junto com a gente, agora percebo que está tudo bem com ele. Por isso, percebo que está ficando um pouco velho, mas mesmo assim está junto conosco. A turma do Apoena (Meirelles), esses não trabalham para os índios. Esse pessoal não são do nosso lado, eles continuam dizendo sempre a mesma coisa. Por isso agora quero falar algumas coisas para vocês saberem, para ver que hoje as pessoas que trabalham antigamente conosco sabíamos que são os bons e quem são os maus. O que vão vir no futuro não pode dizer nada agora. Os Au‟wè (Xavante), um povo autêntico, foram os primeiros habitantes a chegar ao Mato Grosso. Por essas coisas que aconteceram os brancos têm muita raiva da gente hoje. Os nossos antepassados vieram do outro lado do mar. Depois que acabou tudo isso a gente teve uma experiência dos nossos antepassados quando amarraram os braços deles106. Depois que amarravam os braços deles, numas mais tivemos paz vivendo junto dos brancos. Nessa época, ensinaram a gente a usar o fogo sem acender com lenha. Depois atravessamos para este lado do (Rio Araguaia). Nós nos reunimos, todos nós Au‟wê. Morreram muitas pessoas, depois de nossa travessia.

104

1. ABGAIL AU‟WÊ. “Não posso, mas vou falar... In; U Kururu.Ano II, n.9, dezembro 1987. Universidade Federal de Goiás 2. Odenir de Oliveira Pinto, indigenista e tradutor deste texto da língua au‟wê/-xavante par a o português 106 2. A referência ao período vivido no aldeamento Carretão , conduzido pelos jesuítas, em meados do século 19, Mossâmedes/Goiás. 105

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I Seminário Nacional de Pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR/ANEPOP - 2009 A gente passou para cá ( Rio das Mortes ) como os primeiros brasileiros, nós Au‟wê. Ninguém morava aqui antes. Depois desse período de Pedro Álvares Cabral ocupou o Brasil, nós índios achamos que devemos receber imposto, pagamento pela ocupação de nossas terras. É incrível que agora essas pessoas ainda odeiam a gente. O Brasil é nosso, de nossos avós. Mesmo, assim, meus pais, meus avós, os irmãos de nossos avós foram matados pelos brancos. O que quero questionar agora é se essa terra, esse Brasil, se os brasileiros nos deram em troca alguma coisa, algum dia? Que esses brasileiros, que não são filhos de índios, que vieram de outro lado do mar, que vieram com Pedro Álvares Cabral, não pagaram nada aos índios? E ainda querem que nos misturemos a eles. Eu estou dizendo que não pode misturar. Mas eu sei agora, porque meus pais disseram que, ao brigar para não misturar, cada vez mais essa que chegaram vão ter mais ódio da gente. Eles querem como meus pais falaram que misturando nós vamos desaparecer e vamos ser como todos as outras tribos que os brancos chegaram e conquistaram levando presentes. Por isso querem nos reunir todos nós índios num lugar só. “Apesar de sermos os verdadeiros donos de todos os lugares”.

7.2. As coisas do povo107

Aos 15 anos, Dica, depois de alguns transes, visões e curas, arrebanha centenas e centenas de gente simples do campo e está formada a república dos anjos que, sem intermediários, ditavam as coisas sagradas. Não precisava da bíblia e sem ler ou escrever em sua maioria, a comunidade tinha seu jornal. A terra deve pertencer a quem trabalha nela, descanso aos sábados, domingos e feriados. Para a festa. Faz casamentos e a medicina. Atiça, assim, a fúria da igreja, da medicina, dos latifundiários oligarcas. Afinal, a menina confiscava-lhes muitos poderes e as mulas de suas fazendas. O Santuáro, dos redentoristas, já cumpria o papel da mídia: denunciar e pedir intervenção armada contra os pobres da terra. Ao morrer, o pai da revolução russa recebe do O Democrata, da família caiada, um tipo de elogio. ”Dica é Lênin de saia; quer tirar dos ricos e dar aos pobres”. O campo parece rebelde. 107

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Graças a um pedido seu Prestes não teria ocupado com sua coluna a cidade de Catalão. Mas antes, os Caiados convocaram a Santa e seus guerreiros para combatê-lo. No desprezo com que foi tratada na Cidade de Goiás, a descoberta de que eram diferentes e desiguais para as oligarquias rurais. “Ah, se esse rio falasse”, suspira um morador de Jordelândia. Os livros falam da paixão por um tenente em S. Paulo, na revolução de 32. Coisas esparsas. Mas no cerco à república, a menina, agora Santa Dica, escapa das balas levitando para o céu. O capitão, comandante no cerco, morreu completamente louco É o que fala a memória do povo, viva de tanto encantamento. 7.3. Essas Bororo108

Por que o corpo nu parece transcender os limites de toda compreensão da vida e, quem sabe, da liberdade nas relações com o outro? A visão puritana, do cristianismo, teve que conviver com esta determinada tendência à autonomia, também do corpo, em muitos grupos e povos. Inclusive na esfera do feminino, embora em alguns casos, com limites incompreensíveis, como o infanticídio contra meninas e portadores de alguma fragilidade física, como ocorre até hoje, entre alguns povos dos cerrados.

A culpa, segundo Freud, é o problema mais importante no desenvolvimento da civilização; o preço que pagamos em nossos avanços é uma perda da felicidade pela intensificação desse sentido de culpa... Entre o Bororo, apesar da estreita convivência com o branco, parece ser diferente. O sistema matrilinear dá liberdade à mulher para escolher os homens com quem deseja ficar e se livrar daqueles que lhe fizeram algum mal, sem maiores preocupações, sem sentimento de culpa. Os complexos de Édipo e de Electra que tanto atormentam principalmente a civilização ocidental cristã, parecem não atormentar os Bororo (CARVALHO, 2006, P.19)

Mas, de um modo em geral, a autonomia não se fixa apenas na nudez do corpo, mas desliza também pela sexualidade que carrega que o envolve. Sem culpa e sem vergonha alguma.

7.4. Todos e todas

108

2. “Entre estes que hoje vieram, não veio mais que uma mulher, moça, à qual esteve sempre à missa, à qual deram um pano com que se cobrisse e puseram-lho darredor de si, pero ao assentar, não fazia memória de o muito estender pêra se cobrir” ( CAMINHA, p.34 ) . Conferir ainda, Carvalho ( op.cit. 52), quando , se referindo a nudez Bororo, nos anos 30 do século passado, diz que “para que os índios não assistissem à missa sem roupa, foi necessário que os missionários tivessem na igreja uma espécie de camisa que davam para os índios usarem durante a missa e que depois eram devolvidas ”

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Doceira, dizem. Poetisa sabe-se. Em 1983, quase aos 90 anos, recebeu o prêmio Juca Pato, da Associação Brasileira de Escritores, como intelectual do ano. Assim é Cora Coralina que, autodidata, aprendeu latim e revela, nos seus versos, como o sertão, no campo ou na cidade, se distanciava fortemente do projeto das elites, estreito e sem qualidade, e reivindicava como sendo um mundo que comportaria muitos mundos, pois, em cada vida, estariam tantas vidas. E, assim, a filha de um desembargador, nomeado pelo imperador D. Pedro II, manifesta, nos poemas, este amor profundo pelas vidas que os sertões comportavam e as contradições que ela mesma, enquanto sujeito político, era obrigada a enfrentar, dentro de ambiente colonial, aristocrata e feudal como era a Cidade de Goiás, antiga capital, e fundada no ciclo do outro, em 1722. Hoje, patrimônio da humanidade, recebe de Cora o enfrentamento do texto poético, de muita radicalidade em Todas as Vidas (1987) Vive dentro de mim uma cabocla velha de mau-olhado, acocorada ao pé do borralho, olhando para o fogo. Benze quebranto. Bota feitiço... Ogum. Orixá. Macumba, terreiro. Ogã, pai-de-santo... Vive dentro de mim a lavadeira do Rio Vermelho. Seu cheiro gostoso d'água e sabão. Rodilha de pano. Trouxa de roupa, pedra de anil. Sua coroa verde de São-caetano. Vive dentro de mim a mulher cozinheira. Pimenta e cebola. Quitute bem feito. Panela de barro. Taipa de lenha. Cozinha antiga toda pretinha. Bem cacheada de picumã. Pedra pontuda. Cumbuco de coco. Pisando alho-sal. Vive dentro de mim a mulher do povo. Bem proletária. Bem linguaruda, desabusada, sem preconceitos, de casca-grossa, de chinelinha,

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e filharada. Vive dentro de mim a mulher roceira. -Enxerto de terra, Trabalhadeira. Madrugadeira. Analfabeta. De pé no chão. Bem parideira. Bem criadeira. Seus doze filhos, Seus vinte netos. Vive dentro de mim a mulher da vida. Minha irmãzinha... tão desprezada, tão murmurada... Fingindo ser alegre

8. Os mitos, a humanidade e suas literaturas – uma (in) conclusão apressada Ianni chega a este ensaio por duas razões óbvias: primeiro, a contribuição que dá, emTipos e mitos do pensamento brasileiro (2001), onde foca, na análise, os vícios dos estudos e narrativas sobre a história deste pensamento que, debruçado sobre sociedade e sua cultura, em que “os tipos se criam e recriam, taquigrafando a difícil e complexa realidade”, onde a história termina como uma “coleção de figuras e figurações, ou tipos e mitos, relativos a indivíduos e coletividades... a momentos da geo-história”; e, segundo, garantir muletas para, de forma oportuna, sustentar as debilidades deste trabalho. Esta idéia, ou o percurso da reflexão, na tentativa de compreensão e explicação, pode trazer no bojo, para o autor, “algo, ou muito, de ficção”, pois “a realidade transfigura-se em conceito e categoria ou em metáfora e alegorias”, embora, reconhece, por outro lado, “são freqüentes os casos de metáforas que adquirem o significado de conceitos”. E vice-versa. Em síntese, Iam chama atenção para os riscos da tendência de se buscar uma visão dos pais, de sua historia, “como uma constelação de tipos. Uma perspectiva tipológica que focaliza a realidade social ou a história do país em termos principalmente culturais, com nítidos ingredientes psicossociais”. Uma tendência que abarca dos regionalistas aos modernistas como Mario de Andrade, passando pela historia, geografia, antropologia, sociologia, ciência política, psicologia, teatro, romance e outras linguagens. Os sujeitos entraram aqui sujeitos históricos, que, na individualidade, são construtores dos sentidos coletivos. A opção por um veio de pequenas narrações , como hai-kai deformado, tem o objetivo claro de, nos traços e vestígios das falas,

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travadores e poetas populares do sertão, encontrar o ponto da blasfêmia bem articulada e subversiva, como salienta Santo ( 2006 ). Na diversidade criativa e nas mazelas, um mundo em que cabem todos os mundos (CECEÑA, 2006). Um encontro com o sertão, enquanto diversidade, espaços de cruzamentos, tensões e acolhimento. O sertão deixando de ser absoluto para ser palpitante concreto e imaginário ao mesmo tempo. As vozes esquecidas ou degoladas pela história são, sem duvida, um caminho estimulante - não o único - e seguro (HOBSBAWN, 1990) para que o passado não fique estancado e atropelando toda investida na construção do novo, de novas formas de fraternidade em um mundo plural, sem tipos, raças ou não-sujeitos. Não despolitizar a história ou seus sujeitos, que a constroem e onde se auto-constroem em tarefas, sonhos e narrações (...) convergem tanto os elementos de literatura popularesca portuguesa quanto os da tradição dos contadores/cantadores ( griots, akpalô ) negros. É a inauguração de uma relação de autoria em face de um publico semi-analfabetizado. (...) o cordel mantém a coesão entre antigos e novos, entre mito e real-histórico, assinalando características essenciais das formas de narração das culturas negras. (...), com efeito, a letra (a educação formal, a escrita) sempre representou um índice distintivo entre dirigentes e subalternos... deste modo, o criador de cordel – branco, negro, caboclo – reencontra-se com o ancestral akpalô, mas também com o negro boçal, cuja fala ninguém entendia. (SODRÉ, op.cit.149 e 151)

A literatura, na contação de historias e na busca de sua utilidade social, Galeano (op.cit), se oferece como possibilidade de narração, mas, sobretudo, de renovação e reencontro dos diferentes, do plural e dos que, por razoes torpes ou corriqueiras, tiveram a palavra suspensa. Ela, na sua versão popular, como base de estudos das ações e compartilhamentos e contradições dessa gente que, nos cerrados, reedificam o sertão como lugar , antes de mais nada, de vários encontros, de uma generosa e contratroverdida determinação de abrangência e diversidade. Como ponto de partida, também de chegada. Com um lugar na humanidade, simplesmente. Mas a modernidade ficou “sin un método valido para interpretanos” (MARQUEZ, op.cit), então é preciso: “Conta história, relatar fatos, unir os fios que parecem dispersos para, assim, compor o elo que, se não unifica, tece a relação de uma coisa com outra. Revelar, reproduzir, reinventar o que se ouviu aqui e acolá” (ROCHA e SILVA, 2007: 114). Afinal, essas narrativas todas. de criaturas de “múltiplas facetas “ ( GRUZINSKI, op.cit.27) são, em síntese, uma história de todos.Uma literatura,um tanto obtusa, mas da humanidade como um todo109. (

RETAMAR 1989 ). Sem

tipificações, totalidades ou exclusões. Só com alguns devaneios.

109

. Esta abrangência, inteiramente nova, está no cubano Retamar: “A influência de nossa América sobre a Europa Ocidental é de tal modo decisiva que se trata, em verdade, de uma condição sine qua non. Por acaso existiriam as belas obras geradas pela cultura ocidental sem a chegada dos europeus às nossas terras? Temos de responder negativamente. E uma das conclusões desse fato palmar é que nós, latino-americanos e caribenhos, temos o pleno direito de reclamar como nossas essas obras pelas quais nossos antepassados pagaram um preço tão alto. Dizer que, por sua vez, elas nos “influenciam” não é dizer grande coisa. Aquela também é nossa cultura.”/1989)

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9. Da despedida – cantiga derradeira

-Esta terra já foi toda minha. Hoje, é nossa. Ta bom, Mas eu exijo respeito Pori – sábio Krahö110

9. Biblografia ALVES, Luiz Roberto. “A prosopopéia no meio da rua”. In: FESTA, Regina e LINS DA SILVA, Carlos Eduardo (orgs.). Comunicação Popular e. Alternativa no Brasil. São Paulo: Edições Paulinas, 1986 BANDEIRA, Manuel“Evocação ao Recife”. Jornal de Poesia. In: http://www.revista.agulha.nom.br/manuelbandeira03.html#evocacao. Acesso 10.-2.2008 CARDOSO, Fernando H.”Um livro perene”In: FREIRE, Gilberto. Casa-grande & senzala –Formacáo da família brasileira sob o regime de economia patriarcal. S.Paulo:Global Editora. 2005 CARVALHO, Aivone. O museu na aldeia. Campo Grande: UCDB.2006 CECEÑA, Ana Esther. “Los desafios del mundo em que caben todos los mundos y la subversión del saber histórico de la lucha” In: www.ezln.org/revistachiapas ,México: ERA-IIEc., n.16. 2004. acesso. 10.02.2008 DILUCA, Zé – As peabas do Araguia contra o tubarão besta fera”. Rio de Janeiro: CEDI.1991. DEL PIORE, Mary ( org) - História das Crianças no Brasil. São Paulo: Editora Contexto2002 CHAMBOULEYRON, Rafael.. Jesuítas e as crianças no Brasil quinhentista”. In:História CORALINA, Cora – Poemas dos Becos de Goiás e estórias mais. S. Paulo: Global Ed.1983 FERNANDES, João Azevedo. Resenha. Mana vol.10,n.1,Rio de Janeiro. Apr.2004. In: http://www.scielo.br/scielo.php?script_sci_arttext&pid_S0104 FILHO, Otaviano de Oliveira. “Resistência identitária : a configuração etnocultural da comunidade sertaneja norte-mineira no processo histórico de Minas Gerais. Dossiê Sertões. In: Revista UFG,Ano VIII, n 2, dezembro 2006, p. 38-45 GALEANO, Eduardo. A descoberta da América (que ainda não houve) . 2ed. Trad. Eric Nepomuceno. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1990. p.7 - 45. Série Síntese Universitária. _________________ Caras e Caretas. . In: http://www.imediata.com/lancededados/EDUARDO%20GALEANO/galeano_descobreamerica.html. acesso 03.02.2008 GOÉS, José Roberto de e FLORENTINO, Manolo. In: DEL PIORE, Mary ( org) - História das Crianças no Brasil. São Paulo: Editora Contexto2002. p.177-191 110

. A frase é extraída da fala de Pori em um seminário sobre o a sustentabilidade dos cerrados, organizado pelo Governos Federal e do Tocantins, cdade de Palmas, em 21.06.2003.

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Moradia Solidária: Desenvolvimento Local Solidário para as Regiões Periféricas de São Paulo

Jony Marcos Rodrigues dos Santos Mara Paulini Machado

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Ricardo Ponzio Scardoelli

RESUMO

O objetivo desse trabalho é relatar a experiência prática do projeto de extensão popular“Moradia Solidária”, executado na cidade de São Paulo. Tal projeto teve como objetivo disseminar e promover ações que fomentem e fortaleça o desenvolvimento local solidário como subsídio à geração de trabalho e renda. Isto através da implementação de Bancos Comunitários, em quatro regiões periféricas da cidade de São Paulo, e estimulando, em especial, a organização de empreendimentos coletivos solidários.

INTRODUÇÃO O presente trabalho apresentará o projeto de extensão popular universitária “Moradia Solidária”, executado na cidade de São Paulo. Este projeto teve como objetivo disseminar e promover ações que fortalecessem e fomentassem e o desenvolvimento local solidário como subsídio à geração de trabalho e renda. Isto através da implementação de Bancos Comunitários111, em quatro regiões periféricas da cidade de São Paulo, e estimulando, em especial, a organização de empreendimentos coletivos solidários e criando mecanismos para o seu desenvolvimento. Para tanto, dividimos a parte desenvolvimento em três seções. Na primeira (“Quadro teórico de Referência”), apresentamos os principais conceitos que respaldam o projeto: extensão popular, desenvolvimento local e economia solidária; posteriormente, na seção “Contexto e Diagnóstico”, apresentaremos mais detalhadamente o projeto, caracterizando o local onde este foi implementado e detalhando os parceiros responsáveis por sua implementação. Na ultima seção que compõe a parte desenvolvimento, nos fixaremos na metodologia participativa escolhida para colocar em prática o projeto, nos focando em uma das regiões de atuação do projeto localizada na zona norte de São Paulo; contextualizando, caracterizando e descrevendo-a.

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“Bancos comunitários são serviços financeiros solidários, em rede, de natureza associativa e comunitária, voltados para a geração de trabalho e renda na perspectiva de reorganização das economias locais, tendo por base os princípios da Economia Solidária” (MELO: 2006)

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Por fim, em conclusão, tentaremos expor a potencialidade de um projeto construído conjuntamente entre a universidade e a sociedade civil organizada, mostrando que é possível promover a geração de trabalho e renda de uma forma sustentável, possibilitando um desenvolvimento local desejável, no sentido de agregar todas as dimensões que afetam a qualidade de vida, tais como: econômica, ambiental, social e cultural.

DESENVOLVIMENTO Quadro teórico de referência Extensão popular O sistema universitário, por força constitucional, deve ser norteado por um tripé indesviável constituído por funções de pesquisa, ensino e extensão. Esta ultima função é um conceito em disputa, cuja definição vaga abrange desde cursos pagos até projetos assistencialistas. Porém, justamente por ter esta abertura, a extensão permite a ação inovadora, que redirecione a universidade para seus objetivos primordiais, promovendo maior reflexão e intervenção críticas na realidade. Ela deve ser central na busca das universidades por uma participação mais ativa, pelo aprofundamento da democracia, pela construção da coesão social, pela proteção de minorias e no enfrentamento dos grandes problemas de nossa época. Acreditamos que a extensão deve se basear na troca horizontal, entre iguais, buscando aproximar o conhecimento científico do conhecimento popular, sem qualquer forma de hierarquização entre eles. O contato com segmentos da sociedade muitas vezes ignorados pela Universidade permite a produção de um novo conhecimento, capaz de agir e interferir na lógica vigente.

Desenvolvimento local

O atual período em que vivemos é marcado pelo pensamento basicamente econômico, portanto o conceito de desenvolvimento vigente é permeado e quase que confundido com a idéia de crescimento econômico. Porém, com a evolução do sistema capitalista e com as diferentes correntes de pensamento em relação ao tema, notamos que “uma concepção adequada de desenvolvimento deve ir muito além da acumulação de riqueza e do crescimento do Produto Nacional Bruto e de outras variáveis relacionadas à renda. Sem desconsiderar a importância do crescimento econômico, precisamos enxergar muito além dele” (SEM, A. 141: 2000). Assim sendo, “o crescimento econômico não pode sensatamente ser considerado um fim em si

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mesmo. O desenvolvimento tem de estar relacionado com a melhora da vida que levamos e das liberdades que desfrutamos” (SEM, A. 141: 2000). Com isso podemos pensar o desenvolvimento para além do crescimento econômico, aliando outros fatores como o desenvolvimento humano, social e ambiental. Deste modo o conceito da forma como apresentado, está diretamente ligado aos conceitos de capital social e humano: “O capital social pode ser definido como um conjunto de valores ou normas informais, comuns a membros de um grupo, que permitem a cooperação entre eles” (FUKUYAMA, F. 142: 2000) e o capital humano sendo o conjunto “das habilidades, conhecimentos e competências das populações” que pode ser estimulado investindo-se, principalmente, em educação. Considerando o contexto e os conceitos apresentados, aliando-os a uma lógica de ação local (local entendido como um espaço de interação humana, social e econômica, pode ser um recorte administrativo ou não), surgem as primeiras idéias de desenvolvimento local. Este é tema controverso entre especialistas, notando-se duas diferentes e divergentes visões preponderantes nesse debate, uma que o Desenvolvimento Local seria apena “expressão espacial de um novo arranjo industrial, “pós-fordista” (VAZ, J. et al 5: 2004), reproduzindo a lógica de desenvolvimento internacional em esferas menores; outra visão atesta que ele possui uma dinâmica própria, contra-hegemônica que vai além da dimensão econômica, estando completamente relacionada às questões culturais, sociais e ambientais. Entre essas duas visões existem outras que variam de um ponto a outro. A discussão do conceito de “local” também encontra dificuldades quando relacionado ao conceito de desenvolvimento local, pois não se deve entender o local sendo apenas um recorte administrativo, ou um conjunto de entes administrativos. Por vezes pode-se entende-lo como uma região mais ampla, por outras entender como bairros dentro de municípios, ou mesmo um recorte em um único bairro, dependendo da dinâmica local e das relações estabelecidas neste. No livro “Aspectos econômicos de experiências de desenvolvimento local: um olhar sobre a articulação de atores”, os autores fazem uma breve retomada dos antecedentes do debate em relação ao desenvolvimento local, relembrando algumas experiências pontuais da década de 70, onde o contexto era bem diferente do que vivemos hoje, sendo que os municípios não eram considerados entes da federação, logo, não tinham autonomia para planejar e executar políticas públicas, além da realidade centralizadora e autoritária do período. Porém, mesmo com o contexto desfavorável, algumas experiências confirmam o caráter contra-hegemônico de políticas

desenvolvidas

no

local

que

não

buscavam

apenas

reproduzir

a

lógica

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desenvolvimentista utilizada pelo governo central, mas sim se concentravam em buscar formas de democratizar a relação entre a sociedade e o Estado, como, por exemplo, a descentralização da gestão. Nesse sentido, Vaz (2004) elenca algumas experiências, que, embora não tivessem foco no desenvolvimentismo noto-se o sucesso nas questões relacionadas à acumulação, geração e distribuição da riqueza. Essas experiências vão desde “agricultura urbana” em Lages/SC, que visava aumentar a renda das famílias, mas teve uma conseqüência em outras áreas, até ações da prefeitura que utilizava lajotas produzidas no local, ao invés do petróleo que era importado, gerando renda no local. (VAZ, J. ET AL, 11: 2004) O aumento da demanda por experiências locais se dá devido às conseqüentes crises passadas pelo sistema capitalista, como o choque do petróleo no fim dos anos 70, pela recessão e crise da dívida do início dos anos 80, além do desemprego e inflação que vigoravam naquela época. Nesse cenário surge a isenção fiscal adotada por muitos municípios, o que intensifica a “guerra fiscal”, porém essa alternativa se mostra ineficiente, sendo que não se conseguia gerar emprego suficiente e faltava verba para executar as políticas públicas necessárias. Alguns municípios tentaram saídas diferentes como a instituição de Bancos do Povo, que visavam emprestar crédito a juros mais baixo que o mercado para financiamento de pequenos empreendimentos; qualificação profissional através de cursos de formação; estímulo à criação de cooperativas e utilização do comércio justo e solidário, entre outras ações. Lembrando que essas experiências por vezes foram induzidas por governos e outras pela sociedade civil. Para tanto, podemos resumir que o desenvolvimento local enquanto desafio, apóia-se basicamente “na idéia de que as localidades e territórios dispõem de recursos econômicos, humanos, institucionais, ambientais e culturais, além de economias de escala não exploradas, que constituem seu potencial de desenvolvimento. A existência de um sistema produtivo capaz de gerar crescentes mediante a utilização dos recursos disponíveis e a introdução de inovações, garante a criação de riqueza e a melhoria do bem-estar da população local.” (BARQUERO, 116: 1999) Por fim, a partir das experiências estudadas e do debate colocado, notamos alguns desafios para se pensar em desenvolvimento local, no sentido de compreender os conceitos de empoderamento e fortalecimento da comunidade. Devemos considerar o local um campo de diversas possibilidades, analisando os resultados de curto prazo; e relacionar o local “com outras

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I Seminário Nacional de Pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR/ANEPOP - 2009 instâncias – A regional, a nacional e a internacional. Sem isso cair-se-á na armadilha dos localismos ingênuos e pouco efetivos”( VAZ, J. ET AL 13: 2004).

Economia solidária O conceito de Economia Solidária (ES) remete à reflexões em torno dos moldes do conceito de desenvolvimento econômico que perpassa toda história econômica do modelo capitalista. Segundo Singer (2002), a ES nasce a partir das mudanças estruturais e crises que o atual modelo econômico sofre e isso contribui para que surjam novas formas de organização do trabalho e novos modos de produção. Como novas formas de produção, podemos destacar grupos pautados pelo cooperativismo, clubes de troca, empresas autogestionárias, entre outras. Como definição de Economia solidária, o Fórum Brasileiro de Economia Solidária utiliza que esta é “fruto da organização de trabalhadores e trabalhadoras na construção de novas práticas econômicas e sociais fundadas em relações de colaboração solidária”. “A expressão foi usada pela primeira vez em 1996 por Paul Singer(MATOS, E. 2: 1997), porém, como ressalta o próprio Singer (2002) “a Economia Solidária remonta suas raízes históricas no seio da Revolução Industrial, início do século XIX no pensamento cooperativista”. Portanto, a forma de organização pautada nos princípios elencados da ES, provém de uma atuação prática de organização sistemática de trabalhadores em busca de uma alternativa ao modo de produção no sistema capitalista. A ES não provêm de uma construção científica, no entanto encontra sua base em autores do denominado socialismo utópico, e tem Robert Owen como uma das principais referencia do pensamento cooperativista operário. “A economia solidária não é a criação intelectual de alguém, embora os grandes autores socialistas denominados „utópicos‟ da primeira metade do século XIX (Owen, Fourier, Buchez e Proudhon etc.) tenham dado contribuições decisivas ao seu desenvolvimento. A economia solidária é uma criação em processo contínuo de trabalhadores em luta contra o capitalismo. Como tal, ela não poderia preceder o capitalismo industrial, mas o acompanha como uma sombra, em toda sua evolução.” (SINGER: 2002) Nesse contexto, na medida em que o conceito foi se aperfeiçoando, a prática ligada a ele foi se disseminando, tendo hoje, no Brasil, registros espalhados por todo país de experiências pautadas nos princípios da Economia solidária. Pelo Atlas da Economia Solidária no Brasil (2006),

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elaborado pela Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), identificaram-se cerca de 14.954 Empreendimentos Econômicos Solidários em 2.274 municípios do Brasil, número que ressalta a dimensão e a consolidação dessa prática de ação. A rede de fomento às ações pautadas nos princípios da ES é muito ampla, perpassando desde entidades de apoio e fomento como Incubadores, Movimentos Sociais e outras organizações da sociedade civil, até as instâncias governamentais dos municípios estados e união. Como maior exemplo da abrangência e institucionalização de um novo modelo de política, destaca-se a criação da SENAES em 2003, pelo governo federal. Esta entende a ES como “o conjunto de atividades econômicas – de produção, distribuição, consumo, poupança e credito – organizadas e realizadas solidariamente por trabalhadores e trabalhadoras sob a forma coletiva e autogestionária”. (Atlas, 2006:11) e possui o objetivo de fomentar políticas na área e identificar as já existentes para efetuar o devido respaldo. Após um breve histórico e a compreensão dos princípios que permeiam a Economia Solidária, podemos notar que estes estão ligados ao conceito de desenvolvimento local, na medida em que este é entendido como espaço de “construção democrática de propostas e práticas, capazes de estimular novos padrões de relações produtivas, sob uma perspectiva de sustentabilidade social e ambiental” (SIQUEIRA, C : 2006). Porém, a relação entre esses dois conceitos não é completamente explicita e não necessariamente acontece. “Esse nexo tem como natureza não a subordinação recíproca (como uma relação partetodo), mas a imbricação sistêmica” (SIQUEIRA, C : 2006), ou seja, essa relação não se dá automaticamente, pois depende, necessariamente, das dinâmicas de cada localidade e da intencionalidade dos atores sociais envolvidos no processo e sua capacidade de estimular a democratização das relações econômicas. Nesta imbricação podem ser observados dois modos de visão; um deles é que mesmo a dinâmica do desenvolvimento local tendo ampla participação da comunidade, pode ser ineficiente em sua função se não estabelecer uma dinâmica de produção cooperativa compartilhada, ou seja, é necessário que se tenha uma estrutura “capaz de suscitar empreendimentos solidários em rede, a partir de seus ambientes comunitários de constituição” (SIQUEIRA, C : 2006). De outra forma, modos de produção pautados nos princípios da Economia Solidária que destoem da dinâmica local, podem até gerar uma cadeia produtiva, porém se enfraquecem em sua base de sustentabilidade, pois não possuem o respaldo da territorialidade. Portanto, “a territorialização

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dos circuitos da economia solidária e o seu impulso, a partir de estratégias de desenvolvimento local, devem ser vistos como faces de um mesmo processo de mobilização social” (SIQUEIRA, C : 2006). Em vista disso, destaca-se que: Em todos os sentidos, é possível considerar a organização de empreendimentos solidários o início de revoluções locais, que mudam o relacionamento entre os cooperadores e destes com a família, vizinhos, autoridades públicas, religiosas, intelectuais, etc. Trata-se de revoluções tanto no nível individual como social. A cooperativa passa a ser modelo de organização democrática e igualitária que contrasta com modelos hierárquicos e autoritários, como os da polícia e dos contraventores, por exemplo. (SINGER : 2000) Desse modo, entende-se que, aliando os princípios da Economia Solidária e o conceito de desenvolvimento local, é de suma importância a criação e o fortalecimento de mecanismos que institucionalizem as políticas públicas que promovam a organização dos trabalhadores em torno desse modo de produção e o cenário atual, como já destacado, nos mostra que as ações nesse sentido cresceram, seja nas organizações da sociedade civil, por meio de organizações públicas, ou conjuntamente entre esses dois atores e a tendência é que continuem crescendo cada vez mais.

Contexto e Diagnóstico Foi com base nos conceitos delineados acima que se propôs a elaboração do projeto “Moradia Solidária: Desenvolvimento Local Solidário para as Regiões Periféricas de São Paulo” que caracteriza-se como extensão universitária e foi aprovado através de uma emenda parlamentar ao final do ano de 2007. Seu principal objetivo reside na formação Bancos Comunitários e o incentivo à formação de grupo de trabalho balizados nos princípios da economia solidária, que teriam no banco comunitário, gerido pela própria comunidade, o principal apoiador e financiador, possibilitando a geração de trabalho e renda e a sustentabilidade dessas organizações. O projeto foi realizado em parceria com a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Produtivas (ITCP) , o Laboratório de Extensão (LABEX-EACH) -- ambas entidades da Universidade de São Paulo (USP) -- e com o movimento de moradia da cidade de São Paulo. Ccompreendido, nesse projeto, por quatro associações que fazem parte do movimento, são elas: Associação dos Sem Terra da Zona Norte; Associação Paulo Freire; União Nacional dos Movimentos de

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Moradia da Zona Sul; localizada e Associação Vista Linda. (Tais Associações localizam-se em regiões periféricas, marcadas pelo processo de exclusão social e territorial, caracterizando-se pelo baixo nível de renda e famílias que na maioria são chefiadas por mulheres tendo que cuidar dos filhos, serviços domésticos e provimento de renda para a família.)

Região norte: o Jardim Apuanã No extremonorte de São Paulo, o projeto foi desenvolvido dentro do conjunto habitacional Jardim Apuanã que se localiza a uma distância de5 km do Parque da Cantareira. Este parque é considerado como a maior floresta urbana nativa do mundo, com 7.900 hectares de Mata Atlântica, assegura a proteção de várias espécies da fauna e flora ameaçadas de extinção. O Conjunto Habitacional Jardim Apuanã (CHJA) começou a ser construído no inicio da década de 1990 e integrava programa de Mutirões Autogeridos, que viabilizou a produção de novas unidades habitacionais naquela década na cidade. O sistema “mutirão autogerido” tem como particularidade o fato de que os próprios moradores administram os recursos e constroem suas casas, o que contribuiu para fomentar o senso de coletividade e cooperativismo que hoje plasma a relação entre as pessoas que moram no Jardim Apuanã. Atualmente, grande parte dos moradores do Apuanã, em um universo de aproximadamente 802 famílias, trabalha na região central da cidade, para onde se deslocam durante várias horas todos os dias, por meio do transporte público que basicamente resumem-se a vans, ônibus e o Metrô. Entre as poucas atividades econômicas exercidas dentro do CHJA destacam-se a produção de artesanatos, sabão, costura e a coleta de material para reciclagem.

Metodologia

A metodologia adotada foi baseada na proposta de educação popular, marcada pelo diálogo e construção conjunta do conhecimento e na prática de resolução própria de problemas encontrados pelos empreendimentos. Todo o processo de formação de Empreendimentos Econômicos Solidários (EESs) e de organização/articulação em rede, parte do reconhecimento das características singulares dos participantes e dos grupos, de seus objetivos e atividades, e pauta-se na proposta de organização e tomada de decisões coletivas, sem hierarquia e de forma autogestionária.

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Os agentes locais de economia solidária foram formados para acompanharem os grupos semanalmente, tendo o apoio dos coordenadores regionais, dos coordenadores de articulação e dos formadores para a realização desta atividade. A formação destes agentes locais pautada na educação popular abordará os temas da economia solidária, cultura solidária, desenvolvimento local e análise de viabilidade econômica. Como base física para a realização das atividades de incubação, cursos e reuniões locais previu a instalação de um Centro de Referência dentro da comunidade no CHJA, que se caracteriza como espaço de apropriação e utilização democrática pelos moradores da região. O Banco Comunitário foi formado a partir da integração com a metodologia desenvolvida pelo Instituto Palmas, que de forma geral, propõe as fases seguintes.

Fase de Identificação São realizados estudos, diagnósticos e visitas aos municípios/bairro para certificação se o mesmo reúne as condições necessárias para implantação de um banco comunitário. Dentre outros, são observados os seguintes aspectos: - Presença de um ator local, da sociedade civil, interessado em desenvolver e gerir as ações do banco; - Compromisso do poder público local, universidade e iniciativa privada, em apoiar a implantação do banco; - Existência de grupos produtivos locais; - Existência de rede telefônica instalada no município/bairro. Serviço necessário para o funcionamento de caixa eletrônico.

Fase de Preparação Consiste no processo de sensibilização dos moradores, produtores e comerciantes do município/bairro, bem como na capacitação dos agentes e gerentes de crédito.

Fase de Implantação Após o processo de sensibilização e capacitação iniciam-se os preparativos práticos para o funcionamento do banco, observando-se os aspectos jurídicos da organização gestora, implantação dos equipamentos e do correspondente bancário, além de confecção das moedas sociais.

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Fase de Consolidação O Banco Comunitário precisa consolidar suas atividades e superar dificuldades apresentadas ao longo do processo inicial. Nesta fase são realizadas ações de consultoria, reuniões com o poder público local, articulação com novos parceiros e cursos de aperfeiçoamento para os agentes e gerentes de crédito, produtores locais e consumidores aperfeiçoarem os conhecimentos e as práticas desenvolvidas no Banco. São, também, executadas campanhas para divulgar as ações do Banco e seu impacto na comunidade.

Fase de “Potencialização” Quando o Banco Comunitário está consolidado precisa apenas de apoio institucional para melhorar seu atendimento e ampliar a oferta de serviços para a comunidade. Esta fase caracteriza-se pela ampliação das atividades do Banco e no aperfeiçoamento técnico.

CONCLUSÕES A proposta de se gerar trabalho e renda baseado na sustentabilidade visa promover o desenvolvimento local sustentável, onde entende-se por desenvolvimento todas as dimensões envolvidas que afetam a qualidade de vida: econômica (geração de renda); social (melhoria das condições de vida); ambiental (diminuição do impacto ambiental na comunidade) e cultural (mudança de valores em relação ao meio ambiente). Unindo a necessidade de se organizar coletivamente para a geração de trabalho e renda, os princípios da economia solidária e a necessidade de se preservar e promover o desenvolvimento de forma sustentável. O projeto “Moradia Solidária: Desenvolvimento Local Solidário para as Regiões Periféricas de São Paulo” atualmente encontra se na fase de “Potencialização”, em que para sua efetiva consolidação conta com apoio institucional da Universidade de São Paulo para aprimorar seu atendimento o atendimento à comunidade do CHJA.

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Sistematização de uma extensão popular em Direito: O trabalho do NEP Flor de mandacaru com a comunidade Quilombola de Paratibe

Carla Miranda

Apresentamos neste artigo a sistematização das práticas do Núcleo de Extensão Popular Flor de Mandacaru (NEP) no seu trabalho de extensão popular com a comunidade quilombola de Paratibe. Refletimos sobre o processo de aproximação do NEP com esta comunidade, que se deu

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no final de 2008 e como estão hoje, as conquistas e os desafios colocados no processo de açãoreflexão. São descritos os passos do processo metodológico, as visitas e o estudo de realidade sistematizado a partir dessa primeira leitura de mundo, que analisamos através de eixos temáticos que facilitaram a percepção da conflituosidade. A partir daí, a identificação do tema gerador e a propostas de eixos temáticos de atuação. Foram também avaliadas as atividades desenvolvidas nesses eixos e por fim uma reflexão dos passos para essa nova fase do trabalho. Essas questões foram analisadas visando uma avaliação do processo todo de intervenção de um trabalho de assessoria jurídica universitária popular, uma autocrítica necessária para a orientação de um trabalho que pretende contribuir com a transformação social. Introdução O Núcleo de Extensão Popular Flor de Mandacaru (NEP) é um grupo, formado, principalmente, por estudantes e por profissionais da área do Direito, que realiza a Extensão Popular através da Assessoria Jurídica Popular. Ambas remetem ao tema da educação popular que, em geral, é tão pouco debatido nos meios acadêmicos, no entanto é de extrema importância para que o ser humano não se sinta apenas “no” mundo, mas que faça “parte” dele. Apenas dessa forma, o indivíduo juntamente com outros serão capazes de promover uma verdadeira transformação social, principal objetivo tanto da Extensão Popular quanto da Assessoria Jurídica Popular. a primeira implicação profunda e rigorosa que surge quando eu encaro que não estou só, é exatamente o direito e o dever que eu tenho de respeitar em ti o direito de você também ' dizer a sua palavra‟. Isso significa dizer, então, que eu preciso, também, saber ouvir. Na medida, porém, em que eu parto do reconhecimento do teu direito de 'dizer a sua palavra',quando eu te falo porque te ouvi,eu faço mais do que falar 'a ti‟, eu falo 'contigo' (FREIRE, 1982, p.35).

O NEP é um grupo que utiliza a Educação Popular tanto na comunidade quilombola, Paratibe, em que atua quanto na própria dinâmica do grupo, visto que preza pelo diálogo; pela horizontalidade entre os integrantes e entre os integrantes e os membros da comunidade; pela sensibilização, que é mais conhecido por nós como o princípio do apaixonamento capaz de “conquistar mentes e corações na defesa do que acreditamos”; em suma, o NEP, como já dizia Paulo Freire, vive “Paciente Impaciente”. Paciente porque esperamos o tempo do outro, seja da comunidade em si ou mesmo de membros do nosso próprio grupo, e impaciente porque, nós assim como a comunidade, somos seres “inacabados”, portanto o NEP tem a consciência de que nossa luta será infinda. Em nossas reuniões semanais, não nos limitamos a abordar a teoria e a prática, mas vamos além, pois muitas vezes sem nenhum planejamento realizamos a práxis, ou seja, a prática refletida. Portanto, não agimos por agir, mas sim questionamos e criticamos nossas ações, o que é fundamental para o nosso engrandecimento, como seres humanos, e o da própria comunidade que sentirá nosso trabalho mais “com” ela e não “para” ela.

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Muitos estudantes, principalmente do curso de Direito, acreditam que o aprendizado se limita à sala de aula por meio da teoria. Porém, não percebem que depois e, até mesmo, fora de sua vida acadêmica irá se deparar com casos, em que terá que enxergar o outro muito além de um prontuário ou processo, simples papéis que não revelam a verdadeira identidade daquele ser humano. não se pode ficar só na teoria, isso seria fazer teoricismo. O que ensina a gente a fazer as coisas é a prática da gente. Por isso "não faz mal nenhum", que se leia um livro ou outro. Devemos ler e é importante lermos, mas o fundamental é o fazer [...] (FREIRE, 1982, p.34).

Por isso que a Extensão Popular é tão importante para todos os estudantes universitários, essencialmente, para os de Direito. Isso porque os homens de toga não podem se contrapor aos homens do povo, mas sim têm que ser povo, para estar “com” o povo e assim “aprendendoreaprendendo”, “criando-recriando” com o propósito de uma sociedade mais justa. A Extensão surge no século passado nas universidades americanas e universidades populares européias com intuito de promover um compromisso da universidade para com a sociedade, no entanto essa se reduzia a uma simples “prestação de serviços”, logo é extensão, porém não é popular. Isso porque a Extensão Popular não possui propósitos assistencialistas, paternalistas, apesar de que muitos de nós vamos às massas populares arrogantemente,elitistamente, para 'salvar' a massa inculta,incompetente,incapaz...Isso é absurdo!Porque, inclusive, não é científico. Há uma sabedoria que se constitui na massa popular pela prática (FREIRE, 1982, p.40).

O que não representa uma visão do NEP, visto que temos a consciência de que quando vamos a Paratibe sempre há um compartilhamento de conhecimentos com a comunidade e viceversa. Isso porque “ninguém sabe tudo, nem ninguém ignora tudo, o que equivale a dizer que não há, em termos humanos, sabedoria absoluta, nem ignorância absoluta” (FREIRE,1982,p.39). Em resumo, o que existem são saberes diferentes. A Extensão Popular realizada pelo NEP identifica-se com as chamadas Assessorias Jurídicas Universitárias Populares (AJUPs), movimento organizado nacionalmente, cuja fundamentação teórica baseia-se na teoria jurídica crítica, sobretudo em Roberto Lyra Filho, que defende a possibilidade emancipatória do Direito. A partir destas bases, as AJUPs atuam na perspectiva da transformação social, no trabalho com comunidades e movimentos sociais, discutindo também o papel da Universidade, dos estudantes e profissionais do Direito. É nesta perspectiva de atuar com a mobilização e organização das comunidades, priorizando as demandas coletivas ou individuais de repercussão coletiva, que vem se dando a atuação do NEP com a comunidade de Paratibe.

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Atualmente, o grupo tenta contribuir com o fortalecimento da identidade quilombola, através da luta pela terra e cultura, por meio de atividades realizadas com a comunidade e sua Associação. Além disso, desenvolve o acompanhamento jurídico e contatos com instituições oficiais envolvidas nestes processos, como INCRA, Prefeitura, SEMAN e Ministério Público Federal. Desenvolvimento

Paratibe e as atividades do NEP na comunidade. O trabalho escravo negro era empregado na Paraíba, nas lavouras de cana de açúcar (havia cerca de 20 engenhos de cana de açúcar já antes da invasão holandesa) e como forma de se rebelar contra essa situação, os negros se organizaram em quilombos. Existem, hoje, 35 quilombos na Paraíba, entre eles Paratibe. Paratibe, cuja nomenclatura significa rio das águas claras e peixes prateados, é um quilombo rurbano (rural e urbano) localizado hoje, na periferia de João Pessoa, onde vivem cerca de 600 famílias. O quilombo foi invadido pela cidade, com a construção do bairro do Valentina Figueiredo há 30 anos, o que interferiu profundamente no seu modo de vida. Hoje, loteamentos e granjas se encontram no meio do seu território. Outros loteamentos vêm sendo construídos à custa do desmatamento ilegal da “Zona Permanente de Preservação Ambiental”. Essa expansão imobiliária decorre do fato de a comunidade ser cortada pela PB-008, que dá acesso ao Litoral Sul, procurado pelos turistas devido à sua beleza natural, o que promove a valorização do local. No entanto, aprofunda ainda mais a restrição da utilização da comunidade ao seu território. Além disso, os donos das granjas cercaram suas propriedades, o que dificulta o acesso dos moradores ao caminho que leva ao rio e ao mangue, região em que costumam realizar seu lazer, sua recolha de frutos e sua pesca. Por causa dessas limitações às terras, cria-se entre os moradores da comunidade a idéia de que eles não têm direitos sobre o território. Ainda que Paratibe tenha uma história de 200 anos de posse da terra, seu autoreconhecimento e o reconhecimento pela Fundação Cultural Palmares aconteceu somente em 11 de julho de 2006, dando o primeiro passo para a demarcação do território. Nesse processo, esta história está sendo reconstruída e comprovada, através de vários documentos escritos obtidos e atualmente utilizados, pelo INCRA no laudo antropológico do território, que cumpre um papel de grande importância para a afirmação da identidade e dos modos de vida da comunidade. O laudo antropológico, apresentado em recente reunião da “Associação da Comunidade Negra de Paratibe”, relata também aspectos culturais, tal como as brincadeiras de

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coco de roda. Embora esses estejam adormecidos em sua memória, ainda há aspectos de identificação dos moradores com o território, afirmando “sou nascida e criada aqui”, “passei minha infância, brincando nessas árvores”. A Associação, onde há 130 famílias incorporadas, tem sido um espaço importante, visto que mensalmente é o lugar de discussões dos problemas do quilombo e proposições de soluções,

exercitando

a

coletividade

da

comunidade.

Entretanto,

normalmente,

as

responsabilidades se concentram na figura de uma liderança, pois só alguns moradores (entre 15 e 60) vão assistir à reunião, na posição de espectadores e não como construtores, gerando um desânimo por parte da líder comunitária. O sentir-se coletivo e responsável pela comunidade é processual, além disso, depende de diversos condicionantes materiais. Apesar dessas dificuldades citadas, o espaço da Associação é o lugar de outras articulações, que têm tido êxito, entre os moradores como, por exemplo, o grupo de artesanato das mulheres. Hoje em dia, algumas pessoas ainda vivem da pesca nos rios Padre e Cuiá, embora estes estejam bastante poluídos devido à ausência de saneamento básico e o lançamento de esgotos da cidade. Além da condição do rio, a expansão urbana vem transformando as relações de produção econômica. Isso porque vários moradores se deslocam até a cidade para trabalharem como prestadores de serviços (cozinheiros, pedreiros, domésticas, etc.). Inúmeros são os projetos financiados pela Prefeitura para a população, um deles era referente à criação de aves, que foi iniciada por alguns moradores. Contudo, como não ocorreu um acompanhamento, o que comprometeu o sucesso da atividade. Afirmar-se negro, ter uma religião afro descendente (candomblé, umbanda), brincar o coco de roda foram motivos para perseguições e marginalização pela sociedade branca. Inclusive, a própria professora das crianças de Paratibe já negou a existência de quilombos. Apesar disso, os moradores ainda resistem, formando a Associação, realizando aulas de capoeira, redimensionando o “ser quilombola”. A aproximação do NEP com a comunidade de Paratibe teve início com a proposta de um projeto, financiado pelo Projeto Pacificar do Ministério da Justiça, intitulado “Justiça comunitária: construindo uma prática dialógico-restaurativa de resolução de conflitos em comunidades do Estado da Paraíba”, cuja proposta era identificar, problematizar e incentivar práticas alternativas de solução de conflito em três diferentes comunidades na Paraíba – um assentamento do MST, uma comunidade quilombola (Paratibe) e uma aldeia indígena. Apesar de ter sido aprovado, por questões burocráticas, o Projeto não pôde ser desenvolvido.

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Em contrapartida, isto fez com que a articulação com Paratibe continuasse, tendo o NEP assumido o compromisso de, independente da questão orçamentária, continuar o trabalho nesta comunidade, o que vem acontecendo desde o fim do ano de 2008. Percebendo a necessidade de uma atuação prática na comunidade, o NEP iniciou suas atividades em Paratibe. Foram feitas uma série de visitas estabelecidas através do diálogo, com o intuito de perceber as suas principais características, conflitos, potencialidades, de quebrar as barreiras simbólicas (comunidade x universidade), tentando criar, portanto, uma parceria constituída a partir do respeito e da confiança. O trabalho não partiu de um projeto pronto, pois, se assim fosse, seriam desconsideradas as necessidades concretas e o tempo da comunidade. Após essas visitas, o NEP realizou uma sistematização conjunta de Paratibe partindo das percepções refletidas de cada um dos integrantes, a fim otimizar o trabalho junto com a comunidade. Nesta sistematização, foram levados em consideração as características da área (aspectos geográficos, econômicos, religiosos); espaços de referência (Associação, rio, Igreja); os grupos e entidades envolvidas (INCRA, Prefeitura Municipal de João Pessoa, ACAD); pessoas de referência na comunidade (a presidente da Associação, a delegada de Paratibe no Orçamento Participativo, o professor de capoeira e de reforço das crianças); elementos de identidade; os conflitos significativos; por fim, propomos as atividades que considerávamos necessárias. Posteriormente, o NEP fez um planejamento se suas atividades, refletindo sobre essa sistematização, as demandas colocadas pelo espaço que ocupamos na Universidade e organizamos nossas atividades em três eixos voltados para Paratibe- território, identidade e lazer – e um eixo voltado para o NPJ ( Núcleo de Práticas Jurídicas) que está em reconstrução na UFPB. Esses eixos foram redefinidos, devido à renovação do grupo, que precisava concentrar mais as pessoas para a concretização das atividades; os eixos passaram a ser território, identidade e NPJ, mas o teor das nossas atividades permaneceu o mesmo, já que as questões da identidade e do lazer se entrelaçavam profundamente. No eixo da cultura pensamos em produzir um vídeo com a comunidade, dia-a-dia, dificuldades e perspectivas de melhora, tudo sob a ótica das mulheres. A iniciativa surgiu a partir da percepção de que as mulheres participavam mais ativamente da dinâmica comunitária, seus problemas e conflitos. Não apenas porque os homens saíam para trabalhar na cidade, mas porque são elas, principalmente, que cuidam da vida da família e se dispõem na participação das decisões coletivas. Vimos isso claramente na imensa maioria de mulheres (e seus filhos) participantes das reuniões da associação, e também no fato

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de a principal liderança comunitária ser uma mulher. Interessante notar que a associação é composta formalmente por 13 cargos, e dentre todos, só dois deles são ocupados por homens. Referente ao eixo do lazer, a idéia surgiu, quando insistentemente perguntávamos diretamente às pessoas da comunidade qual era a maior dificuldade que elas enfrentavam e a resposta apontava sempre na direção do problema do lixo e para a falta de lazer. Então, durante a sistematização, pensamos em realizar junto com a comunidade uma oficina de percussão utilizando sucata para a confecção dos instrumentos musicais. Esta seria uma atividade possível porque já existia na comunidade uma mobilização cultural 112, a partir das aulas de capoeira com as crianças. Inseria-se nesse processo a potencialização da musicalidade das crianças, ao mesmo tempo em que possibilitava entretenimento e diversão, e levava propostas sobre a importância de se reciclar. Hoje o professor de percussão é contratado da prefeitura através do PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), um programa do Governo Federal executado pelos municípios. Esse foi um importante ponto de entrada simbólico na comunidade, fortalecido ainda mais com a dinâmica das visitas e a apresentação do teatro “Seu Lixo e Dona Tralha” no dia das mães. Aproveitando a mobilização da comunidade em torno da realização das festas, atividades que reúnem e desperta interesse de mais pessoas, contribuímos com a Associação na realização da “festa da mãe quilombola”, do “São João quilombola”, e agora, estamos em processo de construção da Semana da Consciência Negra. Entendendo a referência permanente no cotidiano como elemento fundamental, a apropriação dos conhecimentos será sempre em função de sua utilidade e aplicação imediata à ações que tenham perspectiva transformadora. Por isso, a construção da semana da Consciência Negra tem o desafio de ampliar o processo de aprendizado das duas festas anteriores, que construíram a mobilização da comunidade em torno do objetivo comum, para agora um fortalecimento mais orgânico das pessoas como sujeitos do processo, inclusive na sua Associação. Estes eventos foram, para nós, uma forma de marcar nossa presença e estabelecer um quebra simbólica da postura de estudantes, intelectuais observadores distantes da realidade cotidiana da vida das pessoas. Contribuímos também nas tarefas organizativas, na construção da palhoça para a festa, na confecção da decoração, e em cada intervenção particular uma forma de trocar conhecimentos, reforçando a necessidade do trabalho coletivo. 112

Paratibe em Ação, movimento voltado para o desenvolvimento cultural da comunidade, a partir de trabalhos com as crianças, que têm aula de capoeira, makulelê , reforço escolar

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Também aproveitando a potencialidade da participação ativa das mulheres na vida comunitária, mas a identificação de suas ações como não-trabalho, o artesanato apareceu como outra possibilidade de reconstrução das relações de trabalho coletivas, e valorização das mulheres. Nesse sentido, o NEP incentivou as primeiras conversas para produção do artesanato, mostrando a potencialidade das peças que já eram produzidas de maneira pontual, por cada uma das mulheres em seu dia-a-dia de dona de casa. O grupo, hoje com cerca de 15 mulheres, se reúne duas vezes por semana. Nestas reuniões elas ensinam e aprendem crochê, trabalho com miçangas e bonecas de pano, vão aprendendo a cada dia que cada uma pode ser uma artesã, vão criando soluções para as dificuldades enfrentadas no dia-a-dia da produção, como o financiamento do material. Porém, ainda muitos desafios se colocam para a consolidação do grupo, como o aperfeiçoamento da qualidade e tipo de produtos. Diante do conflito estabelecido entre os interesses dos proprietários de loteamentos e os da comunidade, no processo de demarcação do território, um eixo para tratar do assunto se fez necessário. Após a sistematização fomos aos INCRA, falar com as antropólogas responsáveis pela feitura do relatório de identificação e pelo processo de geo-referenciamento da área. A partir daí ficou estabelecido o contato através de e-mails com os profissionais do INCRA. Depois, realizamos oficinas internas de formação sobre a temática quilombola, com leitura de textos e discussão conjunta. Em Paratibe, bem como em outras comunidades quilombolas, políticas públicas voltadas à resolução da questão fundiária e ao estímulo à diversidade das expressões culturais afrodescentes colocam-se como aspectos fundamentais para a promoção desses grupos étnicos. Tal aspiração foi bem compreendida pela Constituição Federal, que abraçou a defesa do binômio território-cultura da população quilombola. Amparado no direito positivado na carta magna, o NEP age com escopo de materializar essa perspectiva. Nesse contexto, a concepção de assessoria jurídico-popular, que o núcleo se propõe a prestar, ganha complexidade. Ainda que o NEP vise proporcionar um apoio à comunidade, aplicando o conhecimento técnico - científico na busca da resolução dos seus problemas no âmbito jurídico, sua atuação vai além. Mais do que tudo, uma assessoria jurídico-popular trabalha necessariamente com os princípios de educação emancipatoria que estimulem o empoderamento e a autonomia da comunidade. O que se deseja é contribuir para a demarcação do território de uma forma em que a comunidade se insira nesse processo, não sendo conduzida, mas participando como uma força propulsora consciente do papel que lhe cabe.

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Insta enfatizar não ser o papel de uma assessoria jurídica negar o conhecimento técnico aprendido nas universidades, e tão útil à efetivação dos objetivos almejados pela própria comunidade. Entretanto, o modo de aplicação do mesmo merece reflexão. É preciso educar, mas a educação deve atentar as particularidades comunitárias, respeitando o conhecimento popular e visando a concretização das transformações da realidade social. O aspecto territorial agiganta-se em importância diante de sua indispensabilidades para a manutenção do modos vivendi da comunidade. Preservar a terra e preservar a identidade daquele povo. O desempenho de suas atividades sócio-culturais e econômicas condiciona-se ao espaço. Como se poderia desenvolver a pesca ou a agricultura sem acesso a terra? O que complica ainda mais a delimitação do território, em comunidades quilombolas é a grande especulação imobiliária que aumentou com o avanço da cidade, em detrimento do direito a propriedade das terras, constitucionalmente assegurado. Em, particular, como decorrência do crescimento da cidade, hoje, Paratibe se apresenta como um quilombo urbano, o que vem acarretando uma serie de impactos culturais e conflitos de interesses territoriais entre proprietários de loteamentos e condomínios e os moradores da região. E nessa perspectiva de aculturação que se observa a paulatina descaracterização do senso comunitário, terminando por repercutir nas dificuldades de identificação com as tradições e costumes do povo afro descendente – auto reconhecimento esse indispensável para pleitearem-se os direitos próprios da comunidade. A propósito da indispensabilidade da autodefinição, aduz o texto da Convenção 169, da OIT, internalizado no Direito brasileiro através dos Dec. legislativo 143/2002 e Decreto n. 5051/2004. Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.

Uma vez superada a primeira fase do processo administrativo de demarcação do território (autodeclaração), a comunidade de Paratibe hoje enfrenta um difícil caminho para a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação da área tradicionalmente ocupada pelos quilombolas. No momento, encontram-se em fase de elaboração pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) os laudos antropológico e agronômico, além do memorial descritivo, que compõem o Relatório Técnico de Delimitação (RTDI) de Paratibe, cujo objetivo é a regularização e definição do território quilombola. Juridicamente, o NEP atua acompanhando o desenvolvimento dos processos de demarcação e de embargos de obras construídas indevidamente em Paratibe. O núcleo presta

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esclarecimentos, orienta as lideranças locais e cobra das instituições oficiais a devida celeridade e eficiência. Acompanhando a delimitação do território, o NEP buscou averiguar as ações realizadas pelo INCRA, cujas medidas resultaram em audiência com o Ministério Publico Federal. A mesma deu-se no sentido de requerer a paralisação de obras no território pleiteado pela população quilombola, bem como de impedir desmatamentos e outras violações que contrariassem os direitos culturais, ambientais e econômicos daquela comunidade. A referida audiência foi bem sucedida, obtendo-se o envolvimento do MPF que recomendou oficialmente a Prefeitura de João Pessoa, representada pela SEPLAN, que não autorizasse a implantação, operação, comercialização de qualquer loteamento, ou construção dentro da área onde pretende como sua a comunidade quilombola de Paratibe, sem a aprovação da comunidade por seus legítimos representantes, e promovesse a demarcação da área através de georeferenciamento. É satisfatório acompanhar e sentir-se parte dessa construção. Entretanto, ainda há muito o que se questionar, sobretudo, no que tange a própria maneira como atuam os grupos extensionistas. Autocríticas são indispensáveis para o amadurecimento e uma ação mais produtiva por parte do NEP. Faltam métodos maduros para uma eficácia nos resultados. É notório que a inexperiência com o trabalho em equipe e o descomprometimento eventual de alguns integrantes afetam a produtividade do grupo. Tal conjuntura, provavelmente , resulta de uma cultura jurídica que não prima pela valorização do Direitos Humanos e se foca ainda no patrimonialismo. Assim, relegase a extensão comunitária um status secundário, inexistente na proposta original da lógica ensino-pesquisa-extensão, sustentáculos da universidade pública, que inclusive encontram-se constitucionalmente previstos. É mister que se assuma definitivamente o papel social que ao jurista incumbe desde os bancos acadêmicos e busquem-se formas de aplicação democrática do conhecimento. Conclusão Hoje, ao realizarmos um novo estudo de realidade, percebemos que houve uma maior mobilização da comunidade de Paratibe e que contribuímos nesse processo. Estabelecemos lentamente uma relação de confiança com a comunidade, num processo ao mesmo tempo de desmistificação de nós mesmo como estudantes universitários e de construção de uma relação de parceria no mesmo processo de luta. Percebemos essa nova relação a partir das falas das pessoas, da nossa recepção na comunidade, e principalmente na

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compreensão pela presidente da associação do trabalho de assessoria jurídica popular que realizamos. Uma postura ativa do ministério público federal na defesa do território de Paratibe é uma conquista concreta, resultado de uma articulação do NEP em parceria com a associação, INCRA, Ministério Público, prefeitura e articulação quilombola da Paraíba. Significa um passo na defesa do território, principalmente pelo posicionamento do Ministério Público, mas principalmente, uma afirmação para as pessoas da comunidade, e em especial das lideranças, da possibilidade da conquista do Direito a que sempre foram negadas. O desafio que nos coloca, nesse momento, é a ampliação da participação da comunidade nos processos de organização das atividades gerais, e também uma participação mais orgânica através da Associação. O processo de demarcação continua sendo um ponto de entrada para as discussões do Direito, e uma forma de despertar o interesse de algumas pessoas (especialmente aquelas que já desempenham papel de delegada) para questões mais jurídicas específicas. Sabemos que o conflituoso e longo processo de demarcação exige um acompanhamento e mobilização da comunidade, sob pena de não mais existir território quilombola com o passar dos anos. As atividades culturais, especialmente a Semana da Consciência Negra, além de todas as possibilidades educativas presentes já na temática, está sendo uma tentativa de ampliação da apropriação coletiva dos conhecimentos a partir do planejamento coletivo das atividades. É nesta atividade também, que um encontro com o quilombo de Gurugi, há mais tempo no processo de demarcação, pretende fortalecer a identidade quilombola através do rememoramento das brincadeiras de coco de roda e de outras possíveis ações conjuntas.

Referências Bibliográficas FREIRE, Paulo. Como trabalhar com o povo?2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982 MELO NETO, José Francisco de. Extensão Universitária, Autogestão e Educação Popular. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2004. ________. Extensão Popular. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2006. JARA, Oscar. Concepção Dialética da Educação Popular.São Paulo, CEPIS, maio,1985. .

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I SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM EXTENSÃO POPULAR – SENAPOP João Pessoa – UFPB – 24 a 27 de novembro de 2009

Uma análise marxista dos movimentos populares e do processo político boliviano pós-2005 Aldo Duran Gil

Resumo Qual seria a natureza das mudanças estruturais conduzidas pelo governo Morales e pelo MAS até o momento? Será que estamos diante de uma nova revolução nacional, completamente diferente da Revolução Nacional de 1952? Consideramos que essa problemática deve ser analisada com base no primado das transformações sócio-históricas de longo prazo. Para tanto, partimos da hipótese segundo a qual as duas revoluções têm um caráter nacionalista burguês que revelam a realização duma variante de desenvolvimento capitalista dependente com forte intervenção do Estado (um tipo de capitalismo de Estado). O caráter diferencial da última revolução estaria no seu aspecto democratizante e indigenista. Para demonstrar nossa hipótese, analisaremos as principais características das transformações ocorridas no governo Morales, bem como os principais elementos de mudança e as principais políticas de estatais.

Introdução

Qual seria a natureza das mudanças estruturais conduzidas pelo governo Morales e pelo MAS até o momento? Será que estamos diante de uma nova revolução nacional, completamente diferente da Revolução Nacional de 1952? Consideramos que essa problemática deve ser analisada com base no primado das transformações sócio-históricas de longo prazo. Para tanto, Boliviano, professor Adjunto do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Estado e capitalismo na América Latina e coordenador do Projeto de Extensão “Linguagem, cultura, corpo e cidadania: uma intervenção sócio-educativa no Bairro Zaire Rezende”, com financiamento do Programa de Formação Continuada em Educação, Saúde e Cultura Populares/UFU/2009 e do Programa de Extensão Integração UFU/Comunidade (PEIC/UFU/2009), da Pró-reitoria de Extensão, Cultura e Assuntos Estudantis da Universidade Federal de Uberlândia. Email: adurang@yahoo.com; aduran@fafcs.ufu.br.

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partimos da hipótese segundo a qual as duas revoluções têm um caráter nacionalista burguês que revelam a realização duma variante de desenvolvimento capitalista dependente com forte intervenção do Estado (um tipo de capitalismo de Estado). O caráter diferencial da última revolução estaria no seu aspecto democratizante e indigenista. Para demonstrar nossa hipótese, analisaremos as principais características das transformações ocorridas no governo Morales, bem como os principais elementos de mudança e as principais políticas de estatais.

1. Caráter das transformações socioeconômicas e políticas

Em 2006 o país está praticamente ao borde do colapso econômico, com profunda desigualdade social, alto índice de desemprego e informalidade, crescente pauperização, amplo descontento das massas populares urbanas e camponesa-indígena diante do abuso das empresas privadas prestadoras de serviços públicos e da pilhagem dos recursos energéticos pelo capital estrangeiro, alto índice de instabilidade política e convulsão social causadas por 20 anos de políticas estatais neoliberais (1985-2005). Em síntese, trata-se da crise do Estado neoliberal e do capitalismo privado instaurado nesse período e que começaram a entrar em colapso com a “guerra da água” (2000) e “a guerra do gás” (2003), dinamizadas pela luta antineoliberal das massas populares e indígenas. No plano político e institucional, os partidos políticos neoliberais se revezavam periodicamente no poder favorecendo os interesses de setores minoritários (burocracia estatal, empresários e capital estrangeiro espoliador), excluindo a maioria social. A democracia neoliberal entra em colapso: funciona com baixo índice de participação e os partidos não conseguem representar os interesses das maiorias empobrecidas, um índice significativo da crise de representação e de organização partidária neoliberal. As reivindicações das grandes massas populares por melhores condições de vida e pela reprodução da força de trabalho se exercem fora do sistema político-partidário: as massas populares pressionam diretamente o Estado para que atenda suas reivindicações e este contesta com repressão e violência, aprofundando a crise de representação partidária, da democracia neoliberal e da crise do Estado. A crise do Estado e da democracia neoliberal configuraria uma crise de hegemonia no seio do bloco no poder113, que repercute notavelmente no aparelho de Estado e no sistema político-partidário vigente, bem como em toda a formação social boliviana (crise nacional). E a crise de hegemonia presente denotaria uma tendência de desarranjo interno no sistema hegemônico de interesses monopolistas que vigorou no período neoliberal. Isso expressar-se-ia 113

Cf.Nicos Poulantzas,Pouvoir politic et classes sociales, Paris: Maspero, 1968, e Décio Saes,República do Capital, São Paulo, Boitempo, 2001.

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pela perda da preponderância política dos interesses monopolistas dominante, que era dirigido pelo capital financeiro internacional. As frações burguesas nativas aliadas compartilhavam com esse capital - a título de condomínio, porém não dirigente - a hegemonia política através da articulação de três segmentos monopolistas: o capital mineiro, o capital agroindustrial e o capital bancário privado nacional. Com a ascensão do MAS ao poder governamental, o bloco no poder tende a apresentar um caráter altamente movediço, denotando uma situação de instabilidade hegemônica, uma desorganização da correlação de força das classes presentes em luta que tende a favorecer a constituição da burocracia estatal como força social. Neste quadro, a burocracia do Estado, liderada pela pequena burguesia e camadas médias (oriundos de setores indígenas ou não) articuladas ao MAS e amplamente apoiada pelos movimentos populares (indígena, camponês e urbanos), tenta conduzir um processo de transformação do país pela via democrática com base na nacionalização do gás e petróleo, reforma agrária, inserção das massas indígenas e a nova carta constitucional (Assembléia Constituinte), aspectos reivindicatórios crucias do movimento popular antineoliberal que foram integrados na plataforma programática do MAS. É nesse quadro político que devemos entender o governo Morales e os conflitos e contradições entre este e a oposição autonomista no momento atual. As mudanças em curso na Bolívia sob esse governo seriam, direta ou indiretamente, o resultado de um processo de luta draconiana radicalizada pelos movimentos populares urbano e camponês-indígena contra os últimos governos neoliberais. A inédita vitória eleitoral de 2005 mostraria que o MAS conseguiu canalizar as expectativas das massas populares descontentes com o regime neoliberal, em franca crise, e dirigir o movimento de massas antineoliberal que tinha como bandeira de luta a democracia participativa, a recuperação dos recursos energéticos do país com a consignas da nacionalização, da reforma agrária e da redistribuição mais justa e igual da renda petrolífera para a maioria social. Um balanço crítico do governo Morales deverá mostrar se de fato isso ocorreu. Primeiramente, pode-se dizer que o importante processo de mudança que vive atualmente o país tem um duplo caráter. No âmbito sociopolítico, estaria ocorrendo uma nova “irrupção” das grandes maiorias sociais, uma “revolução” de tipo multiétnica, multicultural, plurinacional e democrática, mais igualitária, com justiça e com inclusão social, um tipo de revolução burguesa atrasada. No âmbito econômico, existe uma luta intensa entre a maioria social expressiva e a minoria social regional pela redistribuição da renda nacional e a alocação de recursos públicos oriundos das principais matérias primas (gás, petróleo e minérios). Uma significativa parte da maioria social, os camponeses e indígenas, foi cronicamente excluída do sistema político e dos benefícios da renda nacional. Já a minoria social monopolizou os benefícios da principal riqueza nacional e tradicionalmente controlou os aparelhos de Estado nos níveis central, estadual

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I Seminário Nacional de Pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR/ANEPOP - 2009 municipal e regional. A “explosão social” com múltiplos mecanismos de pressão sociopolítica levada a cabo por setores alinhados tanto ao governo do MAS quanto à oposição nos planos local, estadual e nacional (greves, marchas, paralisações, bloqueios etc.), podem ser explicadas a partir das reivindicações redistributivas. Na interpretação do governo do MAS, estaria ocorrendo na Bolívia uma profunda “revolução democrática” e o início do desenvolvimento do “capitalismo andino” com a intervenção decisiva do Estado, tendo este recuperado sua soberania depois de um longo período de governos neoliberais. Trata-se de uma revolução democrática nacionalista semelhante à ocorrida em 52, cujo diferencial estaria no seu caráter democratizante ao inserir a massa indígena no sistema político e ao ter ampliado formalmente a cidadania e a igualdade política, social e jurídica. Em segundo lugar, as mudanças socioeconômicas e políticas revelam traços neopopulistas do governo Morales. Lembremos que o regime do MNR se caracterizou, por um lado, pela integração das massas trabalhadoras e setores do campesinato no sistema político, com a outorga de uma legislação trabalhista favorável, ao mesmo tempo em que controlou o sindicalismo; por outro, implementou uma política nacional-desenvolvimentista com forte controle do Estado, viabilizando assim uma modalidade de capitalismo de Estado de tipo periférico. O que implicava a reconquista da soberania nacional e, por conseguinte, a recuperação dos recursos naturais articulada a uma política de nacionalização. No seu empenho de integrar/controlar as massas trabalhadoras e camponesas, os governos do MNR utilizaram mecanismos clientelistas para assegurar voto e lealdade política ao regime (distribuição de terras e redistribuição direcionada e desigual da renda estatal para os principais setores demandantes de recursos), mecanismos esses que eram legitimados pela ideologia movimentista/nacionalista: o nacionalismo revolucionário. Uma análise das políticas estatais do governo Morales detecta traços da prática de uma política neopopulista semelhante à praticada pelo MNR em dois aspectos: 1) na inculcação de uma ideologia movimentista, uma variante de ideologia movimentista/nacionalista tradicional: o socialismo, então, deve ser entendido na sua acepção social-democrata de cunho nacionalista; e 2) na retomada do tripé da política nacionalista do MNR que funcionou com uma lógica redistributivista com fins clientelista e eleitoreiro: nacionalização, Reforma Agrária e sufrágio universal Coloquemos algumas observações pontuais sobre o caráter do partido que dirige a chamada “revolução democrática”: o Movimiento al Socilismo - Instrumento Político por la Soberanía de los Pueblos (MAS). Nascido no seio da principal organização camponesa da

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Bolívia (Csutcb), principalmente dos sindicatos de trabalhadores camponeses plantadores de coca da região do Chapare, o MAS conseguiu se constituir num partido moderno de massas de caráter indigenista que tenta representar os diversos setores do movimentos populares bolivianos. Nos seus aspectos gerais, existiria uma semelhança com o partido pequeno burguês do MNR dos anos 40 e 50. No que toca a seu caráter de classe, o MAS se diferencia do MNR em relação a sua origem camponesa; porém se assemelha com este em relação a sua composição pequena burguesa e seu caráter supra-classista: apelo a todas as classes sociais com forte ideologia nacionalista e de recuperação da soberania do país – o traço distintivo do MAS seria seu apelo ideológico indigenista, ou seja, uma redefinição do conceito nacional com base no caráter indígena e camponês: a recuperação da soberania indígena. Se a Revolução Nacional de 1952, dirigida pelo MNR inseriu o proletariado mineiro e a massa trabalhadora urbana no sistema político, a “revolução democrática” em curso direcionada pelo MAS insere a massa indígena e camponesa no sistema político vigente. A direção do MAS estaria composta por dois grupos sociais: um grupo majoritário de origem predominantemente camponês aymara, oriundo das regiões do altiplano recrutado dos sindicatos cocaleros da região do Chapare (Evo Morales): as Federações do Trópico de Cochabamba; outro de origem predominantemente pequeno burguês, oriundo de camadas índia, mestiça ou branca, cujos integrantes monopolizam os principais cargos do executivo e do aparelho de Estado (intelectuais nacionalistas, indigenistas etc.): Garcia, Choquehuanca, Lazarte, Quintana etc. O partido centra-se na figura de Morales que aglutina os dois segmentos e as principais facções ou tendências no interior do partido (indigenistas aymara e quéchua, camponeses cocaleros, comerciantes a varejo etc.). A influência de Morales na organização do partido é grande, dando a impressão de um partido personalista, burocratizado e hierarquizado, que reforça e reproduz relações de dependência das massas camponesas diante do líder.114Neste aspecto, a diferença do papel exercido pelo velho líder do MNR (Estenssoro) e Morales do MAS é mínima. Por outro lado, o processo de burocratização do partido se acentua quando o partido conquista o aparelho governamental: as diretrizes políticas tendem a ser determinadas não pelas bases, mas, sobretudo, pelo grupo de técnicos e intelectuais que comanda a hierarquia do aparelho do Estado. Trata-se de um novo grupo social dirigente de origem indígena-camponesa e pequeno burguesa que comanda o processo de mudança socioeconômica e política no país. Conforme sustentou o próprio Álvaro Garcia, sociólogo e atual vice-presidente da Bolívia, que essa nova elite estaria compartilhando o poder político com a elite tradicional de origem branca que sempre 114

Cf. Pablo Regalsky, “Bolívia na encruzilhada: o governo de Morales e a políticaindígena”, Revista Outubro, São Paulo, nº 15, 2007.

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monopolizou o aparelho de Estado em seus diversos níveis. Para Garcia, seria de vital importância que as elites tradicionais reconheçam esta nova liderança e a participação política dos setores majoritários (camponês-indígena) na vida política nacional. Ao mesmo tempo, a nova elite reconhece o poder político das chamadas “oligarquias” regionais, principalmente a de Santa Cruz, devido a seu papel importante no desenvolvimento capitalista na região e seu impacto no resto do país. Outro elemento importante é a proposição do MAS de uma ideologia de Estado para todas as classes sociais. O que se patenteia no empenho do partido e do governo em criar “elites” indígenas ou frações de classe burguesa de tipo nacional autônoma com base numa acumulação endógena e que consiga peitar o capital estrangeiro, ao estilo das burguesias européias do século XX. Seria nesse sentido que deve entender-se o resgate e defesa da soberania do país. Neste ponto, a semelhança do MAS com o partido pequeno burguês dos anos 50 (MNR) e com os militares reformistas do período 1969-71 (Ovando e Torres) salta à vista: a proposição das categorias sociais de Estado (militares, intelectuais nacionalistas) da criação de uma burguesia nacional “pelo alto” no caso do MNR (o Estado de 52 criou a nova burguesia mineira e burguesia agroindustrial do leste); diante do fracasso do papel dessas burguesias na transformação do país, caberia aos militares nacionalistas desencadear essa transformação (nos governos militares nacionalistas). Em síntese, a plataforma programática do MAS não rompe com o capitalismo nem com o Estado burguês. Ao contrário, defende a sua reprodução ajustando-os às condições do país: a expansão da reprodução das relações sociais capitalistas, naquilo que os dirigentes do MAS denominam “capitalismo andino/amazônico”. Portanto, a socialização dos meios de produção e a destruição do Estado burguês estão afastados da “revolução democrática” nacionalista efetuada pelo governo do MAS. O aspecto mais marcante das transformações estaria na tentativa de viabilização de um Estado neodesenvolvimentista burguês com traços de um capitalismo de Estado de tipo dependente, semelhante ao da Venezuela. Embora tenha se consolidado como um partido antineoliberal na eleição presidencial de 2002, foi nas jornadas de 2003-05 que o MAS se constituiu como a principal força políticopartidária com amplo apoio das massas populares e de setores médios capaz de conquistar o poder governamental. Conseguiu fazer suas as consignas das ruas e, sobretudo, capitalizar as principais reivindicações e expectativas das massas nos grandes levantes populares do período. Dissemos capitalizar, por ter integrado tais reivindicações na sua plataforma política e por ter conseguido impor a estratégia eleitoral como sendo a principal forma de obter essas

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reivindicações e como sendo o único caminho que possibilitaria um processo de mudanças de cunho reformador. Sabe-se que o MAS era um dos atores presentes na luta de 2003 dentre a múltipla variedade de atores, setores e organizações populares. Ele conseguiu se impor como força eleitoral depois da “guerra do gás”: a força motora desse processo foi a massa popular radicalizada, dirigida basicamente pelo CGC (Comando Geral Comunitário), integrada pela COR (Central Obrera Regional) e as organização de moradores da cidade de El Alto de La Paz (Fejuve – Federación de Juntas Vecinales) e a Fsutcb. Estes setores, junto com os trabalhadores mineiros (Fstmb) e a COB defendiam a radicalização do processo de luta e tomar o poder; ou então colocar as condições necessárias para a instauração de um governo popular (pelo menos semelhante ao da Assembléia Popular de 1971 ou ao da Venezuela sob o governo Chaves). O MAS rejeitou essa estratégia e a combateu defendendo uma solução da crise política pela via da não ruptura institucional – isto é, uma solução negociada por cima com as principais forças político-partidárias tradicionais que passaram a defender a renúncia de Lozada e a ascensão de Mesa à presidência. No período pós-2005 e com a ascensão do MAS ao poder governamental, o país estaria atravessando uma situação semelhante. Esse partido indigenista e pequeno burguês continua empenhado em levar a cabo sua “revolução democrática” fazendo concessões políticas aos setores dominantes conservadores que dominam o país (as “oligarquias” regionais autonomistas, as frações de capital nacional dominante, o capital estrangeiro etc.). Trata-se daquilo que no jargão boliviano chama-se “concertación” (acordo ou pacto político) e ganha um sentido significativo nas reiteradas afirmações de Morales depois de se tornar presidente: “mandar obedecendo”. Mais especificamente, a estratégia do pacto político praticado pelo governo do MAS parece estar sendo ideologicamente justificada por Garcia. 115 Nos seus aspectos essenciais, ele sustenta a tese segundo a qual qualquer tipo de transformação atual no país seria praticamente impossível sem a concorrência da “oligarquia” de Santa Cruz, uma classe burguesa modernizada e associada com o capital estrangeiro que estaria empenhada no desenvolvimento da região e que teria grande influência no país, principalmente na região leste. Portanto, a revolução democrática e popular emanada, sobretudo, dos indígenas e camponeses deve – segundo Garcia compartilhar o poder com aquela “elite regional” para levar adiante e concretizar tal revolução. Não se trata de uma revolução socialista, pois não estariam dadas as condições do país para esse tipo de revolução, porém, e isto sim, do desenvolvimento do “capitalismo andino”.

115

Cf. Álvaro Garcia, El “capitalismo andino-amazónico”, Le Monde Dipomatique, Edición Chilena, Enero de 2006.

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Estaria aí justificada política e ideologicamente a estratégia de transformação do governo do MAS e o papel que deveriam jogar às duas partes “detentoras” do poder no país: a elite indígena/pequeno burguesa e a elite regional. Uma vez reconhecido o poder dos dois grupos, entendido como “empate histórico”, compartilhar o poder seria, portanto, pactuar. Todavia, no terreno da prática política concreta dos atores em luta, uma análise crítica do processo político boliviano e da política estatal implementada pelo governo Morales revela que as transformações gerais de cunho reformista através da Assembléia Constituinte, nacionalização, Reforma Agrária, seguem a lógica da estratégia do pacto democrático imposto pelos dirigentes do MAS. O exemplo mais conspícuo e acabado do pacto se deu na definição das regras de funcionamento da Assembléia Constituinte para aprovar a matéria constitucional (dos terços em vez de maioria simples): a outorga de um poder de veto à minoria na participação do processo de definição da nova carta constitucional, ficando o governo refém e à mercê da oposição na medida em que lhe possibilitou o bloqueio e rejeição dos assuntos cruciais, como as políticas de nacionalização, reforma agrária, a autonomia indígena e camponesa sustentadas pelos movimentos populares. O que acabou fortalecendo o movimento autonomista departamental e o aumento da desconfiança nos setores dos partidos aliados mais próximos dos movimentos populares, bem como dos setores que conformam a base social de apoio do governo (setores dos movimentos populares, sindicais, indígenas e camponeses radicalizados, alguns dos quais abandonaram o MAS e passaram à oposição). No seu combate ao governo, com o fim de obrigá-lo a retroceder, a oposição arremeteu contra a Assembléia Constituinte tanto dentro como fora desta para tentar aniquilá-la, desqualificando seu funcionamento e seus dirigentes, bloqueando e boicotando a política governamental do MAS. Trata-se de um consenso articulado “por cima”, uma engenharia política que está sendo levada a cabo pelo governo do MAS para garantir o processo de elaboração de reforma constitucional e, no momento, está sendo implementada para executar as reformas aprovadas pela nova carta constitucional. O que significou, no primeiro momento, a instauração de um poder paralelo ao da Assembléia Constituinte com o fim de controlar e, sobretudo, alijar do processo de elaboração de reformas os setores independentes e os movimentos populares (articulados ou não ao partido governista) mais radicalizados. Nesse sentido, o acordo político teria, no mínimo, duas implicações importantes para a oposição. Por um lado, o governo Morales e o MAS são obrigados a retroceder em relação a seu programa, adotando posturas conservadoras e diminuindo sua forte influência política nos setores aliados, além de entrar em conflito e confronto com setores mais radicalizados, o que provoca um desgaste político para o governo e o partido devido à perda de credibilidade em relação à sua plataforma programática

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inicial. Por outro, os partidos da oposição (que alimentaram também o pacto político apoiando a autonomia departamental) passam a reconquistar certo terreno político perdido durante os governos neoliberais e recuperar certa legitimidade diante das massas populares e dos setores médios que derrubaram governos neoliberais. A política do pacto democrático nas negociações do governo do MAS com a oposição não só repercutiu negativamente nas bases sociais de apoio do partido, principalmente em setores camponeses, indígenas e organizações urbanas; mas também tende a sepultar o exercício de uma democracia participativa sui generis que estava se gestando e aprofundando sem a intermediação das organizações e político-partidárias tradicionais. O MAS estaria, então, tentando controlar e neutralizar os movimentos populares e sindicais colocando-se como um muro de contensão diante das massas radicalizadas, preferindo as organizações político-partidárias no seio da Assembléia e excluindo as organizações dos movimentos populares. Todavia, o governo começou a privilegiar os órgãos colegiados e técnicos de decisão para solucionar as crises políticas conjunturais em detrimento da principal instância democrática (a Assembléia Constituinte), sepultando a democracia participativa: o deslocamento das decisões para o Parlamento e instâncias interinstitucionais e partidárias articuladas à oposição e, sobretudo, para o Executivo, ajustando-se ao padrão da democracia representativa que vigorou nos governos neoliberais.

2. Principais elementos de mudanças

À luz desse contexto, vejamos agora os principais elementos de mudança, o tripé da política estatal: Assembléia Constituinte, nacionalização e Reforma Agrária. Quanto à Assembléia Constituinte, que está trabalhando na elaboração de uma nova carta constitucional com base nas reivindicações das massas populares e indígenas, no momento está paralisada por obra da oposição autonomista (conflito da capitalidade plena de Sucre). Nos 18 meses do governo Morales, e praticamente em todo o período de funcionamento da Assembléia Constituinte (até o momento), o maior conflito desencadeado pela reforma constitucional se trava em torno da autonomia dinamizada pelos camponeses e indígenas e a autonomia departamental defendida pelos chamados Comitês Cívicos, comandados pela “oligarquia” do departamento de Santa Cruz. Em síntese, um embate entre as autonomias indígenas e as autonomias departamentais.

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Trata-se de duas concepções de pais que aparecem antagônicas. Uma que tenta incorporar a maioria social no sistema econômico, político e cultural com outorga de direitos civis, políticos e sociais cronicamente negados, que redefine e amplia a cidadania em geral. Outra, emanada de uma minoria social autodenominada “democrática” e “moderna”, defende que somente com a autonomia de tipo departamental o país poderia conquistar um desenvolvimento econômico e social de cunho modernizador e auto-sustentado. Na concepção dessas minorias, o principal pressuposto de tal desenvolvimento seria a proteção da propriedade privada e o investimento do capital estrangeiro. Seu objetivo principal seria o de tentar conter o avanço político da maioria camponês-indígena e da população pobre das cidades, que estariam sendo impulsionadas (segundo a oposição) aberta e declaradamente pelo governo do MAS para invadir e destruir a propriedade privada e criar um ambiente de desobediência civil, colocando em perigo o “Estado de direito”: a ameaça de destruição do grande latifúndio. Através de um discurso autonomista incendiado e racista contra as massas indígenas e contra o governo, tais classes proprietárias conseguiram manipular as camadas médias e as massas populares urbanas pauperizadas, atraindo-as a sua esfera de influência política. O que lhes permitiu instrumentalizar um poder contestatório diante do governo central e um poder de barganha contra o projeto de país impulsionado pelo governo do MAS. Já a nacionalização do gás e do petróleo implementada pelo governo Morales tem o caráter de uma “nacionalização branca”: mesmo ressuscitando a empresa petrolífera estatal (YPFB) e anunciando a associação (criação de empresas mistas ou de tipo joint ventures) com o capital estrangeiro com controle majoritário relativo e formal das ações pelo Estado, este apenas recupera o solo e o subsolo (propriedade jurídica) e aumenta o imposto relativo, mantendo intacto o essencial do negócio nas mãos das transnacionais petrolíferas que operam no país com mínimo investimento: o monopólio da extração, prospecção e, sobretudo, da comercialização. Nenhuma das firmas transnacionais que opera no setor foi embora do país depois do decreto de nacionalização. Inclusive, no seu discurso ideológico, tais firmas sinalizaram o aumento dos investimentos para 2008 quando na verdade nunca investiram além do mínimo necessário para manter em funcionamento a indústria extrativa no país. Daí as deficiências e limites da política de nacionalização. Em vez de dar um salto qualitativo para colocar as condições necessárias da industrialização do país com base nos recursos energéticos, o governo Morales abdica desse projeto e prefere se contentar com a renda petrolífera para implementar seu projeto neodesenvolvimentista dependente e seus programas redistributivistas. Temos aqui o caso da defesa de um Estado rentista e não um Estado produtor ou industrializador, confirmando a

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tendência histórica de reprodução do padrão mineiro-extrativo exportador da economia boliviana ao longo do século XX e da pilhagem acelerada dos recursos energéticos pelas transnacionais. Finalmente, a Reforma Agrária implementada pelo governo do MAS tem um caráter distributivista de cunho reformista e não radical. A política agrária parece ser a maior fonte de grandes conflitos e contradições do governo Morales, devido à oposição cerrada dos detentores da grande e média propriedade fundiária da região de Santa Cruz contra a política governamental. Detectamos que a política de negociação do governo com o grande latifúndio segue a lógica da concertación no âmbito político geral: o Pacto de Unidade praticado nas negociações com a oposição política e partidária em relação à Assembléia Constituinte. Por outro lado, existem dois aspectos importantes em que o governo mostra fraqueza e prédisposição ao pacto de unidade no processo de negociação com os setores latifundiários: 1) a participação de “todas” as organizações agrárias no processo de implementação da política agrária (organizações camponesas, pequenos proprietários, incluindo as organizações do grande e médio latifúndio) oculta o fato da desigualdade de pressão diante da burocracia estatal para concretizar suas reivindicações - isto é a crônica superioridade de pressão exercida por parte das organizações agrárias proprietárias diante do Estado, que representam o poderoso setor agroindustrial exportador, dirigidas pelas “oligarquias” regionais autonomistas; 2) a legislação que determina as terras ou latifúndios produtivos e improdutivos segue critérios diversos, ambíguos e contraditórios, e cuja pedra de toque está justamente no ponto que diz respeito à definição da Função Econômico Social (FES), o que possibilita o processo de maqueamento da grande e média propriedade fundiária. O que configura uma reforma agrária de tipo branda e reformista: a distribuição quantitativa de pequenas parcelas na periferia da fronteira agrícola (=terras improdutivas e de difícil acesso aos mercados agrícolas) com outorga de empréstimos governamentais de cunho leve aos pequenos produtores. Trata-se de uma nova modalidade de reforma agrária com expansão de minifúndios e a proteção velada do grande latifúndio no leste do país, e que serve como instrumento de concessão econômico-social para o camponês e indígena com o fim de obter lealdade política ao regime vigente e ampliar sua base social de apóio, como se dera na primeira reforma agrária em 1953, consolidando-se tal prática ao longo dos anos 50, 60 e 70 durante os governos do MNR e os governos militares. O que, a nosso ver, reforçaria a outra face do padrão econômico boliviano, predominante ao longo do século XX: o agrário-camponês. A outra face desse padrão é o mineiro-extrativo.

Conclusão

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Em conclusão, a certa debandada de alguns setores dos movimentos populares que inicialmente se constituíam como base social de apoio do governo Morales e do MAS, bem como as soluções das crises emanadas do processo político boliviano pós-2005 parecem tomar o rumo de uma saída pactuada entre governo e oposição.

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I SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM EXTENSÃO POPULAR – SENAPOP João Pessoa – UFPB – 24 a 27 de novembro de 2009

Moradia Solidária: Desenvolvimento Local Solidário para as Regiões Periféricas de São Paulo

Jony Marcos Rodrigues dos Santos Mara Paulini Machado Ricardo Ponzio Scardoelli

RESUMO

O objetivo desse trabalho é relatar a experiência prática do projeto de extensão popular“Moradia Solidária”, executado na cidade de São Paulo. Tal projeto teve como objetivo disseminar e promover ações que fomentem e fortaleça o desenvolvimento local solidário como subsídio à geração de trabalho e renda. Isto através da implementação de Bancos Comunitários, em quatro regiões periféricas da cidade de São Paulo, e estimulando, em especial, a organização de empreendimentos coletivos solidários.

INTRODUÇÃO O presente trabalho apresentará o projeto de extensão popular universitária “Moradia Solidária”, executado na cidade de São Paulo. Este projeto teve como objetivo disseminar e promover ações que fortalecessem e fomentassem e o desenvolvimento local solidário como subsídio à geração de trabalho e renda. Isto através da implementação de Bancos Comunitários116, em quatro regiões periféricas da cidade de São Paulo, e estimulando, em especial, a organização de empreendimentos coletivos solidários e criando mecanismos para o seu desenvolvimento.

116

“Bancos comunitários são serviços financeiros solidários, em rede, de natureza associativa e comunitária, voltados para a geração de trabalho e renda na perspectiva de reorganização das economias locais, tendo por base os princípios da Economia Solidária” (MELO: 2006)

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I Seminário Nacional de Pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR/ANEPOP - 2009 Para tanto, dividimos a parte desenvolvimento em três seções. Na primeira (“Quadro teórico de Referência”), apresentamos os principais conceitos que respaldam o projeto: extensão popular, desenvolvimento local e economia solidária; posteriormente, na seção “Contexto e Diagnóstico”, apresentaremos mais detalhadamente o projeto, caracterizando o local onde este foi implementado e detalhando os parceiros responsáveis por sua implementação. Na ultima seção que compõe a parte desenvolvimento, nos fixaremos na metodologia participativa escolhida para colocar em prática o projeto, nos focando em uma das regiões de atuação do projeto localizada na zona norte de São Paulo; contextualizando, caracterizando e descrevendo-a. Por fim, em conclusão, tentaremos expor a potencialidade de um projeto construído conjuntamente entre a universidade e a sociedade civil organizada, mostrando que é possível promover a geração de trabalho e renda de uma forma sustentável, possibilitando um desenvolvimento local desejável, no sentido de agregar todas as dimensões que afetam a qualidade de vida, tais como: econômica, ambiental, social e cultural.

DESENVOLVIMENTO Quadro teórico de referência Extensão popular O sistema universitário, por força constitucional, deve ser norteado por um tripé indesviável constituído por funções de pesquisa, ensino e extensão. Esta ultima função é um conceito em disputa, cuja definição vaga abrange desde cursos pagos até projetos assistencialistas. Porém, justamente por ter esta abertura, a extensão permite a ação inovadora, que redirecione a universidade para seus objetivos primordiais, promovendo maior reflexão e intervenção críticas na realidade. Ela deve ser central na busca das universidades por uma participação mais ativa, pelo aprofundamento da democracia, pela construção da coesão social, pela proteção de minorias e no enfrentamento dos grandes problemas de nossa época. Acreditamos que a extensão deve se basear na troca horizontal, entre iguais, buscando aproximar o conhecimento científico do conhecimento popular, sem qualquer forma de hierarquização entre eles. O contato com segmentos da sociedade muitas vezes ignorados pela Universidade permite a produção de um novo conhecimento, capaz de agir e interferir na lógica vigente.

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Desenvolvimento local

O atual período em que vivemos é marcado pelo pensamento basicamente econômico, portanto o conceito de desenvolvimento vigente é permeado e quase que confundido com a idéia de crescimento econômico. Porém, com a evolução do sistema capitalista e com as diferentes correntes de pensamento em relação ao tema, notamos que “uma concepção adequada de desenvolvimento deve ir muito além da acumulação de riqueza e do crescimento do Produto Nacional Bruto e de outras variáveis relacionadas à renda. Sem desconsiderar a importância do crescimento econômico, precisamos enxergar muito além dele” (SEM, A. 141: 2000). Assim sendo, “o crescimento econômico não pode sensatamente ser considerado um fim em si mesmo. O desenvolvimento tem de estar relacionado com a melhora da vida que levamos e das liberdades que desfrutamos” (SEM, A. 141: 2000). Com isso podemos pensar o desenvolvimento para além do crescimento econômico, aliando outros fatores como o desenvolvimento humano, social e ambiental. Deste modo o conceito da forma como apresentado, está diretamente ligado aos conceitos de capital social e humano: “O capital social pode ser definido como um conjunto de valores ou normas informais, comuns a membros de um grupo, que permitem a cooperação entre eles” (FUKUYAMA, F. 142: 2000) e o capital humano sendo o conjunto “das habilidades, conhecimentos e competências das populações” que pode ser estimulado investindo-se, principalmente, em educação. Considerando o contexto e os conceitos apresentados, aliando-os a uma lógica de ação local (local entendido como um espaço de interação humana, social e econômica, pode ser um recorte administrativo ou não), surgem as primeiras idéias de desenvolvimento local. Este é tema controverso entre especialistas, notando-se duas diferentes e divergentes visões preponderantes nesse debate, uma que o Desenvolvimento Local seria apena “expressão espacial de um novo arranjo industrial, “pós-fordista” (VAZ, J. et al 5: 2004), reproduzindo a lógica de desenvolvimento internacional em esferas menores; outra visão atesta que ele possui uma dinâmica própria, contra-hegemônica que vai além da dimensão econômica, estando completamente relacionada às questões culturais, sociais e ambientais. Entre essas duas visões existem outras que variam de um ponto a outro. A discussão do conceito de “local” também encontra dificuldades quando relacionado ao conceito de desenvolvimento local, pois não se deve entender o local sendo apenas um recorte administrativo, ou um conjunto de entes administrativos. Por vezes pode-se entende-lo como

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uma região mais ampla, por outras entender como bairros dentro de municípios, ou mesmo um recorte em um único bairro, dependendo da dinâmica local e das relações estabelecidas neste. No livro “Aspectos econômicos de experiências de desenvolvimento local: um olhar sobre a articulação de atores”, os autores fazem uma breve retomada dos antecedentes do debate em relação ao desenvolvimento local, relembrando algumas experiências pontuais da década de 70, onde o contexto era bem diferente do que vivemos hoje, sendo que os municípios não eram considerados entes da federação, logo, não tinham autonomia para planejar e executar políticas públicas, além da realidade centralizadora e autoritária do período. Porém, mesmo com o contexto desfavorável, algumas experiências confirmam o caráter contra-hegemônico de políticas

desenvolvidas

no

local

que

não

buscavam

apenas

reproduzir

a

lógica

desenvolvimentista utilizada pelo governo central, mas sim se concentravam em buscar formas de democratizar a relação entre a sociedade e o Estado, como, por exemplo, a descentralização da gestão. Nesse sentido, Vaz (2004) elenca algumas experiências, que, embora não tivessem foco no desenvolvimentismo noto-se o sucesso nas questões relacionadas à acumulação, geração e distribuição da riqueza. Essas experiências vão desde “agricultura urbana” em Lages/SC, que visava aumentar a renda das famílias, mas teve uma conseqüência em outras áreas, até ações da prefeitura que utilizava lajotas produzidas no local, ao invés do petróleo que era importado, gerando renda no local. (VAZ, J. ET AL, 11: 2004) O aumento da demanda por experiências locais se dá devido às conseqüentes crises passadas pelo sistema capitalista, como o choque do petróleo no fim dos anos 70, pela recessão e crise da dívida do início dos anos 80, além do desemprego e inflação que vigoravam naquela época. Nesse cenário surge a isenção fiscal adotada por muitos municípios, o que intensifica a “guerra fiscal”, porém essa alternativa se mostra ineficiente, sendo que não se conseguia gerar emprego suficiente e faltava verba para executar as políticas públicas necessárias. Alguns municípios tentaram saídas diferentes como a instituição de Bancos do Povo, que visavam emprestar crédito a juros mais baixo que o mercado para financiamento de pequenos empreendimentos; qualificação profissional através de cursos de formação; estímulo à criação de cooperativas e utilização do comércio justo e solidário, entre outras ações. Lembrando que essas experiências por vezes foram induzidas por governos e outras pela sociedade civil. Para tanto, podemos resumir que o desenvolvimento local enquanto desafio, apóia-se basicamente “na idéia de que as localidades e territórios dispõem de recursos econômicos,

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humanos, institucionais, ambientais e culturais, além de economias de escala não exploradas, que constituem seu potencial de desenvolvimento. A existência de um sistema produtivo capaz de gerar crescentes mediante a utilização dos recursos disponíveis e a introdução de inovações, garante a criação de riqueza e a melhoria do bem-estar da população local.” (BARQUERO, 116: 1999) Por fim, a partir das experiências estudadas e do debate colocado, notamos alguns desafios para se pensar em desenvolvimento local, no sentido de compreender os conceitos de empoderamento e fortalecimento da comunidade. Devemos considerar o local um campo de diversas possibilidades, analisando os resultados de curto prazo; e relacionar o local “com outras instâncias – A regional, a nacional e a internacional. Sem isso cair-se-á na armadilha dos localismos ingênuos e pouco efetivos”( VAZ, J. ET AL 13: 2004).

Economia solidária O conceito de Economia Solidária (ES) remete à reflexões em torno dos moldes do conceito de desenvolvimento econômico que perpassa toda história econômica do modelo capitalista. Segundo Singer (2002), a ES nasce a partir das mudanças estruturais e crises que o atual modelo econômico sofre e isso contribui para que surjam novas formas de organização do trabalho e novos modos de produção. Como novas formas de produção, podemos destacar grupos pautados pelo cooperativismo, clubes de troca, empresas autogestionárias, entre outras. Como definição de Economia solidária, o Fórum Brasileiro de Economia Solidária utiliza que esta é “fruto da organização de trabalhadores e trabalhadoras na construção de novas práticas econômicas e sociais fundadas em relações de colaboração solidária”. “A expressão foi usada pela primeira vez em 1996 por Paul Singer(MATOS, E. 2: 1997), porém, como ressalta o próprio Singer (2002) “a Economia Solidária remonta suas raízes históricas no seio da Revolução Industrial, início do século XIX no pensamento cooperativista”. Portanto, a forma de organização pautada nos princípios elencados da ES, provém de uma atuação prática de organização sistemática de trabalhadores em busca de uma alternativa ao modo de produção no sistema capitalista. A ES não provêm de uma construção científica, no entanto encontra sua base em autores do denominado socialismo utópico, e tem Robert Owen como uma das principais referencia do pensamento cooperativista operário.

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I Seminário Nacional de Pesquisa em Extensão Popular – EXTELAR/ANEPOP - 2009 “A economia solidária não é a criação intelectual de alguém, embora os grandes autores socialistas denominados „utópicos‟ da primeira metade do século XIX (Owen, Fourier, Buchez e Proudhon etc.) tenham dado contribuições decisivas ao seu desenvolvimento. A economia solidária é uma criação em processo contínuo de trabalhadores em luta contra o capitalismo. Como tal, ela não poderia preceder o capitalismo industrial, mas o acompanha como uma sombra, em toda sua evolução.” (SINGER: 2002) Nesse contexto, na medida em que o conceito foi se aperfeiçoando, a prática ligada a ele foi se disseminando, tendo hoje, no Brasil, registros espalhados por todo país de experiências pautadas nos princípios da Economia solidária. Pelo Atlas da Economia Solidária no Brasil (2006), elaborado pela Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), identificaram-se cerca de 14.954 Empreendimentos Econômicos Solidários em 2.274 municípios do Brasil, número que ressalta a dimensão e a consolidação dessa prática de ação. A rede de fomento às ações pautadas nos princípios da ES é muito ampla, perpassando desde entidades de apoio e fomento como Incubadores, Movimentos Sociais e outras organizações da sociedade civil, até as instâncias governamentais dos municípios estados e união. Como maior exemplo da abrangência e institucionalização de um novo modelo de política, destaca-se a criação da SENAES em 2003, pelo governo federal. Esta entende a ES como “o conjunto de atividades econômicas – de produção, distribuição, consumo, poupança e credito – organizadas e realizadas solidariamente por trabalhadores e trabalhadoras sob a forma coletiva e autogestionária”. (Atlas, 2006:11) e possui o objetivo de fomentar políticas na área e identificar as já existentes para efetuar o devido respaldo. Após um breve histórico e a compreensão dos princípios que permeiam a Economia Solidária, podemos notar que estes estão ligados ao conceito de desenvolvimento local, na medida em que este é entendido como espaço de “construção democrática de propostas e práticas, capazes de estimular novos padrões de relações produtivas, sob uma perspectiva de sustentabilidade social e ambiental” (SIQUEIRA, C : 2006). Porém, a relação entre esses dois conceitos não é completamente explicita e não necessariamente acontece. “Esse nexo tem como natureza não a subordinação recíproca (como uma relação partetodo), mas a imbricação sistêmica” (SIQUEIRA, C : 2006), ou seja, essa relação não se dá automaticamente, pois depende, necessariamente, das dinâmicas de cada localidade e da intencionalidade dos atores sociais envolvidos no processo e sua capacidade de estimular a

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democratização das relações econômicas. Nesta imbricação podem ser observados dois modos de visão; um deles é que mesmo a dinâmica do desenvolvimento local tendo ampla participação da comunidade, pode ser ineficiente em sua função se não estabelecer uma dinâmica de produção cooperativa compartilhada, ou seja, é necessário que se tenha uma estrutura “capaz de suscitar empreendimentos solidários em rede, a partir de seus ambientes comunitários de constituição” (SIQUEIRA, C : 2006). De outra forma, modos de produção pautados nos princípios da Economia Solidária que destoem da dinâmica local, podem até gerar uma cadeia produtiva, porém se enfraquecem em sua base de sustentabilidade, pois não possuem o respaldo da territorialidade. Portanto, “a territorialização dos circuitos da economia solidária e o seu impulso, a partir de estratégias de desenvolvimento local, devem ser vistos como faces de um mesmo processo de mobilização social” (SIQUEIRA, C : 2006). Em vista disso, destaca-se que: Em todos os sentidos, é possível considerar a organização de empreendimentos solidários o início de revoluções locais, que mudam o relacionamento entre os cooperadores e destes com a família, vizinhos, autoridades públicas, religiosas, intelectuais, etc. Trata-se de revoluções tanto no nível individual como social. A cooperativa passa a ser modelo de organização democrática e igualitária que contrasta com modelos hierárquicos e autoritários, como os da polícia e dos contraventores, por exemplo. (SINGER : 2000) Desse modo, entende-se que, aliando os princípios da Economia Solidária e o conceito de desenvolvimento local, é de suma importância a criação e o fortalecimento de mecanismos que institucionalizem as políticas públicas que promovam a organização dos trabalhadores em torno desse modo de produção e o cenário atual, como já destacado, nos mostra que as ações nesse sentido cresceram, seja nas organizações da sociedade civil, por meio de organizações públicas, ou conjuntamente entre esses dois atores e a tendência é que continuem crescendo cada vez mais.

Contexto e Diagnóstico Foi com base nos conceitos delineados acima que se propôs a elaboração do projeto “Moradia Solidária: Desenvolvimento Local Solidário para as Regiões Periféricas de São Paulo” que caracteriza-se como extensão universitária e foi aprovado através de uma emenda parlamentar ao

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final do ano de 2007. Seu principal objetivo reside na formação Bancos Comunitários e o incentivo à formação de grupo de trabalho balizados nos princípios da economia solidária, que teriam no banco comunitário, gerido pela própria comunidade, o principal apoiador e financiador, possibilitando a geração de trabalho e renda e a sustentabilidade dessas organizações. O projeto foi realizado em parceria com a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Produtivas (ITCP) , o Laboratório de Extensão (LABEX-EACH) -- ambas entidades da Universidade de São Paulo (USP) -- e com o movimento de moradia da cidade de São Paulo. Ccompreendido, nesse projeto, por quatro associações que fazem parte do movimento, são elas: Associação dos Sem Terra da Zona Norte; Associação Paulo Freire; União Nacional dos Movimentos de Moradia da Zona Sul; localizada e Associação Vista Linda. (Tais Associações localizam-se em regiões periféricas, marcadas pelo processo de exclusão social e territorial, caracterizando-se pelo baixo nível de renda e famílias que na maioria são chefiadas por mulheres tendo que cuidar dos filhos, serviços domésticos e provimento de renda para a família.)

Região norte: o Jardim Apuanã No extremonorte de São Paulo, o projeto foi desenvolvido dentro do conjunto habitacional Jardim Apuanã que se localiza a uma distância de5 km do Parque da Cantareira. Este parque é considerado como a maior floresta urbana nativa do mundo, com 7.900 hectares de Mata Atlântica, assegura a proteção de várias espécies da fauna e flora ameaçadas de extinção. O Conjunto Habitacional Jardim Apuanã (CHJA) começou a ser construído no inicio da década de 1990 e integrava programa de Mutirões Autogeridos, que viabilizou a produção de novas unidades habitacionais naquela década na cidade. O sistema “mutirão autogerido” tem como particularidade o fato de que os próprios moradores administram os recursos e constroem suas casas, o que contribuiu para fomentar o senso de coletividade e cooperativismo que hoje plasma a relação entre as pessoas que moram no Jardim Apuanã. Atualmente, grande parte dos moradores do Apuanã, em um universo de aproximadamente 802 famílias, trabalha na região central da cidade, para onde se deslocam durante várias horas todos os dias, por meio do transporte público que basicamente resumem-se a vans, ônibus e o Metrô. Entre as poucas atividades econômicas exercidas dentro do CHJA destacam-se a produção de artesanatos, sabão, costura e a coleta de material para reciclagem.

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Metodologia

A metodologia adotada foi baseada na proposta de educação popular, marcada pelo diálogo e construção conjunta do conhecimento e na prática de resolução própria de problemas encontrados pelos empreendimentos. Todo o processo de formação de Empreendimentos Econômicos Solidários (EESs) e de organização/articulação em rede, parte do reconhecimento das características singulares dos participantes e dos grupos, de seus objetivos e atividades, e pauta-se na proposta de organização e tomada de decisões coletivas, sem hierarquia e de forma autogestionária. Os agentes locais de economia solidária foram formados para acompanharem os grupos semanalmente, tendo o apoio dos coordenadores regionais, dos coordenadores de articulação e dos formadores para a realização desta atividade. A formação destes agentes locais pautada na educação popular abordará os temas da economia solidária, cultura solidária, desenvolvimento local e análise de viabilidade econômica. Como base física para a realização das atividades de incubação, cursos e reuniões locais previu a instalação de um Centro de Referência dentro da comunidade no CHJA, que se caracteriza como espaço de apropriação e utilização democrática pelos moradores da região. O Banco Comunitário foi formado a partir da integração com a metodologia desenvolvida pelo Instituto Palmas, que de forma geral, propõe as fases seguintes.

Fase de Identificação São realizados estudos, diagnósticos e visitas aos municípios/bairro para certificação se o mesmo reúne as condições necessárias para implantação de um banco comunitário. Dentre outros, são observados os seguintes aspectos: - Presença de um ator local, da sociedade civil, interessado em desenvolver e gerir as ações do banco; - Compromisso do poder público local, universidade e iniciativa privada, em apoiar a implantação do banco; - Existência de grupos produtivos locais; - Existência de rede telefônica instalada no município/bairro. Serviço necessário para o funcionamento de caixa eletrônico.

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Fase de Preparação Consiste no processo de sensibilização dos moradores, produtores e comerciantes do município/bairro, bem como na capacitação dos agentes e gerentes de crédito.

Fase de Implantação Após o processo de sensibilização e capacitação iniciam-se os preparativos práticos para o funcionamento do banco, observando-se os aspectos jurídicos da organização gestora, implantação dos equipamentos e do correspondente bancário, além de confecção das moedas sociais.

Fase de Consolidação O Banco Comunitário precisa consolidar suas atividades e superar dificuldades apresentadas ao longo do processo inicial. Nesta fase são realizadas ações de consultoria, reuniões com o poder público local, articulação com novos parceiros e cursos de aperfeiçoamento para os agentes e gerentes de crédito, produtores locais e consumidores aperfeiçoarem os conhecimentos e as práticas desenvolvidas no Banco. São, também, executadas campanhas para divulgar as ações do Banco e seu impacto na comunidade.

Fase de “Potencialização” Quando o Banco Comunitário está consolidado precisa apenas de apoio institucional para melhorar seu atendimento e ampliar a oferta de serviços para a comunidade. Esta fase caracteriza-se pela ampliação das atividades do Banco e no aperfeiçoamento técnico.

CONCLUSÕES A proposta de se gerar trabalho e renda baseado na sustentabilidade visa promover o desenvolvimento local sustentável, onde entende-se por desenvolvimento todas as dimensões envolvidas que afetam a qualidade de vida: econômica (geração de renda); social (melhoria das condições de vida); ambiental (diminuição do impacto ambiental na comunidade) e cultural (mudança de valores em relação ao meio ambiente). Unindo a necessidade de se organizar coletivamente para a geração de trabalho e renda, os princípios da economia solidária e a necessidade de se preservar e promover o desenvolvimento de forma sustentável. O projeto “Moradia Solidária: Desenvolvimento Local Solidário para as Regiões Periféricas de São Paulo” atualmente encontra se na fase de “Potencialização”, em que para sua efetiva

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consolidação conta com apoio institucional da Universidade de São Paulo para aprimorar seu atendimento o atendimento à comunidade do CHJA.

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